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Universidade Federal do Rio de Janeiro
DO SERTÃO CARIOCA AO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA:
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
À LUZ DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS FLUMINENSES E DA EVOLUÇÃO URBANA
DO RIO DE JANEIRO
Annelise Caetano Fraga Fernandez
2009
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DO SERTÃO CARIOCA AO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA:
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
À LUZ DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS FLUMINENSES E DA EVOLUÇÃO URBANA
DO RIO DE JANEIRO
Annelise Caetano Fraga Fernandez
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Sociologia.
Orientadora: Neide Esterci
Rio de Janeiro
Abril 2009
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DO SERTÃO CARIOCA AO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA:
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
À LUZ DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS FLUMINENSES E DA EVOLUÇÃO URBANA
DO RIO DE JANEIRO
Annelise Caetano Fraga Fernandez
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutora em Sociologia.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Professora Neide Esterci
_________________________________
Professora. Elina Pessanha
________________________________
Professora Maria José Teixeira Carneiro
_________________________________
Professor Mário Fuks
_________________________________
Professora Rosane Manhães Prado
Rio de Janeiro
Abril 2009
4
RESUMO
DO SERTÃO CARIOCA AO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA:
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
À LUZ DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS FLUMINENSES E DA EVOLUÇÃO URBANA
DO RIO DE JANEIRO
Annelise Caetano Fraga Fernandez
Orientadora: Neide Esterci
Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia
e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutora em Sociologia.
Em 1974, uma parcela significativa da região, outrora denominada Sertão Carioca, na cidade do
Rio de Janeiro, tornou-se Parque Estadual da Pedra Branca - PEPB. Sua demarcação foi
estabelecida a partir da cota altimétrica de 100m, em volta de todo o maciço de mesmo nome,
na zona Oeste do município e ocupa cerca de 16% de sua área. Considerando a existência de
disputas políticas pelo poder de nomear e classificar este espaço, o presente trabalho pretende
estudar a construção social do PEPB, a partir das representações, projetos e ações elaborados
por seus idealizadores e gestores, como também, por uma parcela específica de seus moradores:
os pequenos produtores que se apropriam e interpretam este território, a partir de um processo
histórico de ocupação da região que antecede a criação do Parque. A fim de compreender
como o Parque da Pedra Branca veio a ser o que é, pretende-se reconstituir tanto os valores e
iniciativas que estão na origem do movimento internacional e nacional de criação de parques e
que exerceram seus efeitos na constituição da política ambiental fluminense, quanto as
representações, memória e modo de vida dos pequenos produtores, articulados ao processo de
evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: conservacionismo, socioambientalismo, políticas públicas ambientais, parques
estaduais, campesinato, participação, Rio de Janeiro
5
ABSTRACT
FROM SERTÃO CARIOCA TO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA:
THE SOCIAL CONSTRUCTION OF A CONSERVATION UNIT IN THE LIGHT OF
FLUMINENSE ENVIRONMENTAL POLICIES AND OF RIO DE JANEIRO URBAN
EVOLUTION
Annelise Caetano Fraga Fernandez
Orientadora: Neide Esterci
Abstract da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutora em Sociologia.
In 1974, a significant area of the region, once called Sertão Carioca, in the city of Rio de
Janeiro, was transformed into a park called Parque Estadual da Pedra Branca PEPB (White
Stone State Park). The boundary was established considering the altimetric measurement of
100m, around the entire massif with the same name, on the West region of the municipality,
occupying approximately 16% of its area. Due to the political disputes involving power, in
order to name and classify this area, the present work intends to study the PEPB social
construction, considering representations, projects and actions elaborated by the people who
planned the project and worked on the management, as well as a specific group of the people
who live in that area: the small producers that take possession and interpret this territory. This
all started through a historical process when these people occupied that region at a time long
before the Park was created. In order to understand how Parque da Pedra Branca turned out to
be what it is today, we intend to reconstruct values and initiatives that are at the base of the
international and national movement that created the parks and which were responsible for the
outcome of Rio de Janeiro State, commonly known as Fluminense, environmental policies, as
for representations, memory and way of life of the small producers, involved in the urban
evolution process of Rio de Janeiro city, providing a great deal of social significance in this
territory.
Key words: conservationism, socio-environmentalism, environmental public policies, state
parks, peasantry, participation, Rio de Janeiro
6
Agradecimentos
Muitos são os agradecimentos a todos que me ajudaram na construção deste trabalho que,
embora solitário, foi também resultado de intensas trocas e relações sociais.
Agradeço em primeiro lugar, à bióloga Sandra Magalhães, quem me apresentou o Parque
Estadual da Pedra Branca, até então, escondido na familiar paisagem florestada do bairro de
Jacarepaguá. Ao realizar sua pesquisa no Rio Grande, ao lado da sede do Parque, “descobriu” e
indagou-se a respeito das condições de vida da população que, às margens do rio, habitava uma
unidade de conservação.
À minha orientadora, Neide Esterci, agradeço pelo aprendizado e orientação participante.
Muito mais do que discutir os rumos da tese, com ela partilhei questões e reflexões sobre o
mundo social que de alguma forma se fazem presentes neste trabalho. Assim, obrigada pela
amizade, confiança e generosidade.
Agradeço aos professores Elina Pessanha, Maria José Teixeira Carneiro, Mário Fuks e
Rosane Manhães Prado pela gentileza em fazer parte da minha banca.
Aos amigos da PAF/Farmanguinhos: Sandra Magalhães (novamente), Roberto Alexandre
da Costa, Antônio Eduardo Moreira, Paulo Henrique Leda, Silvia Nunes Batista, Valério
Morelli, a quem devo a vivência de incontáveis trabalhos de campo, reuniões, debates e
questões sobre o PEPB. Juntos formamos uma equipe e tanto. Agradeço, sobretudo ao
Coordenador Glauco Kruse Villas-Bôas, por permitir a minha participação no grupo.
A todos aqueles com quem convivi e aprendi sobre este território que é chamado de
Parque Estadual da Pedra Branca: Dona Lila, Dona Nédia, Seu Tilinho (in memoriam), Pedro,
Nilza, Paulinho, Jorge Cardia, Cineu, Seu Carmélio, Seu João, Marinho, Claudino, Seu
Arnaldo, Madalena, Luiz, Sebastião, Graça, Sampaia Aos agricultores da ALCRI, do Rio da
Prata e da AGROVARGEM, pela convivência sempre amistosa e pela confiança em partilhar
experiências. À Maria Célia da Ong Caatyba, por me apresentar junto com o Roberto, a
simpática família de Agostinho e Maria, em Guaratiba, e os impasses da agricultura na cidade
do Rio de Janeiro. Ao professor Luiz Carlos Gomes Couto pela oferta de materiais e relatos de
sua vivência na ONG GRUDE.
Aos funcionários do IEF, pela solicitude em me atender, trocar informações, materiais e
assim me ajudar de forma inestimável a reconstituir a trajetória institucional do Parque e do
próprio IEF. Inicialmente, agradeço à Cristiana Mendes, do setor de pesquisa, minha
7
interlocutora permanente durante toda a investigação, aos funcionários que me receberam:
Andrea Franco, Carlos Bontempo, Alceo Magnanini, aos membros da diretoria Alba Simon e
André Ilha e aos gestores do PEPB, Neila Cortes, Carlos Pontes e especialmente à Zuleika
Maria Moreira pela gentileza em disponibilizar documentos sobre o PEPB. Muito do que aqui
foi pensado, não seria possível sem este material. A Marcelo Soares, também gestor do Parque
que além da entrevista e conversas, me apresentou o Parque e com muito boa vontade me
mostrou o caminho do Rio da Prata.
Aos professores Rogério Ribeiro de Oliveira e Nadja Costa, pelas primeiras e importantes
referências sobre o Parque Estadual da Pedra Branca.
À Kátia Helena Schweikardt, Ana Paula Perrota, Thais Danton, Mariana Porto e Arinaldo
Martins Sousa, agradeço a troca de experiências, textos e informações nos encontros, aulas e e-
mails que fizeram parte de nosso núcleo de pesquisas ambientais.
À Denise Pereira, minha amiga e parceira no Curso de Doutorado, com quem vivenciei a
trajetória acadêmica e também a cumplicidade da temática ambiental no seminário por ela
organizado na PUC-BH, sobre a gestão da Reserva Particular de Patrimônio Natural do
Santuário do Caraça.
À minha amiga Edir Mello, com quem pensei, planejei e busquei ingressar no Doutorado.
Por vias tortas, fizemos o curso juntas.
Aos meus amigos de e academia, Ana Paula Pontes, Artur Gomes, Edson Nóbrega,
Clara Brum e Nelson Lima, conselheiros de toda hora.
À minha família, Leo, Gabi e Leila, meus pais, Fraga e Hélia, Nena e Leonardo, a quem
agradeço a compreensão, o amor paciente e a necessária estabilidade afetiva para terminar uma
tese. Obrigada, obrigada.
Ao PPGSA e seus professores devo parte significativa da minha formação.
À Secretaria Municipal de Educação agradeço a licença para estudos, fundamental para a
concretização deste trabalho.
8
SUMÁRIO (versão digitalizada)
LISTA DE QUADROS ---------------------------------------------------------------------------------- 11
LISTA DE GRÁFICOS ---------------------------------------------------------------------------------- 12
LISTA DE FIGURAS ----------------------------------------------------------------------------------- 13
LISTA DE FOTOGRAFIAS ---------------------------------------------------------------------------- 14
LISTA DE ANEXOS ------------------------------------------------------------------------------------- 16
LISTA DE ABREVIATURAS -------------------------------------------------------------------------- 17
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------------- 19
CAPÍTULO 1: A categoria parque como instrumento de políticas ambientais no mundo, no
Brasil e no Rio de Janeiro ---------------------------------------------------------------------------------34
1.1 - O imaginário social da conservação e o poder simbólico dos parques -------------- 34
1.2 - Os primeiros parques ------------------------------------------------------------------------ 40
1.2.1- As conferências mundiais---------------------------------------------------------------------44
1.3 - As políticas ambientais e os parques no Brasil ------------------------------------------ 51
1.3.1 - Primeiras iniciativas ------------------------------------------------------------------------- 52
1.3.2 - Uma Política Nacional de Conservação da Natureza ---------------------------------- 54
1.3.3 - O SNUC e a permanência humana em unidades de conservação ---------------------- 59
1.3.4 - A reação do Socioambientalismo ---------------------------------------------------------- 59
1.3.5 - O ponto-de-vista conservacionista: da vanguarda ao conservadorismo
ambiental -------------------------------------------------------------------------------------- 65
1.4 - O conservacionismo fluminense e o socioambientalismo na Amazônia ------------- 72
1.4.1- As unidades de conservação no Rio de Janeiro e na Amazônia:
uma perspectiva comparativa --------------------------------------------------------------- 74
CAPÍTULO 2: Do conservacionismo nacional ao conservacionismo estadual ------------------- 86
2.1 - Rio de Janeiro: o berço do conservacionismo ---------------------------------------------- 90
2.2 - A fusão do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro e a criação da
FEEMA ------------------------------------------------------------------------------------------ 93
2.3 - O Instituto Estadual de Florestas / RJ: desenvolvimento florestal e
conservação da natureza ----------- ------------------------------------------------------------ 96
2.3.1 - Políticas, políticos, politicagem, recursos humanos e financeiros ------------------- 101
2.3.2 - A última gestão do IEF (2007- 2009) ---------------------------------------------------- 110
2.3.3 - Do deixa como ao termo de compromisso -------------------------------------------- 112
2.3.4 - O caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca: um caso exemplar dos novos
9
enquadramentos entre socioambientalismo e conservacionismo --------------------- 117
2.3.5 - A cultura organizacional do IEF ------------------------------------------------------ 126
2.3.6 - A regularização Fundiária ------------------------------------------------------------- 129
2.3.7 - O setor de pesquisas do IEF: ciência para gestão ---------------------------------- 132
2.3.8 A extinção do IEF e a criação do INEA: a recomposição conservacionista ----- 135
CAPÍTULO 3: A construção social do Parque Estadual da Pedra Branca: de Castelo das Águas
ao Parque de Carbono ----------------------------------------------------------------------------------- 138
3.1 - Os agentes Florestais ---------------------------------------------------------------------- 148
3.2 – A cota 100 metros ------------------------------------------------------------------------ 152
3.3 - O Castelo das águas e a CEDAE -------------------------------------------------------- 155
3.4 - A LIGHT e as torres de transmissão de energia no PEPB --------------------------- 157
3.5 - Um Rio de Florestas: O Projeto Floresta da Pedra Branca (1991/1992) ----------- 161
3.6 - A revitalização do Parque Estadual da Pedra Branca (2001/2006) ----------------- 171
3.6-1 - Vigilância Comunitária e Prevenção e Controle aos Incêndios Florestais ---------
----------------------------------------------------------------------------------------------173
3.6.2 - Comunidade sustentável --------------------------------------------------------------- 177
3.6.3 - A divulgação Institucional ------------------------------------------------------------ 181
3.6.4 - A construção do Núcleo Piraquara --------------------------------------------------- 183
3.7 - Formação do conselho consultivo ----------------------------------------------------- 186
3.7.1 - A formação do Novo Conselho Consultivo do PEPB ---------------------------- 188
3.8 - PEPB: agora um parque de carbono --------------------------------------------------- 190
CAPÍTULO 4: Do Sertão Carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca: da região ao território
protegido -------------------------------------------------------------------------------------------------- 193
4.1 - A Zona Rural como Sertão Carioca --------------------------------------------------- 198
4.2 - Pedra Branca X Tijuca: a disputa entre os parques ----------------------------------- 206
4.3 - Dinâmicas de ocupação, ciclos econômicos e conflitos de terras ------------------ 213
4.3. 1 - A vitória do urbano --------------------------------------------------------------------- 220
4.4 - Maciço da Pedra Branca: o campesinato frente à cidade -------------------------- 222
4.4.1 - Memórias e lembranças de um campesinato pluriativo -------------------------- 226
4.4.2 - Todos os caminhos levam ao Parque? ----------------------------------------------- 238
4.4.3 - Formas de lazer, sociabilidade e interação com a natureza --------------------- 243
10
CAPÍTULO 5: - O agricultor conservador: impasses e conquistas dos pequenos
produtores do PEPB --------------------------------------------------------------- 249
5.1 - A agricultura na cidade do Rio de Janeiro ------------------------------------------ 252
5.2 - A agricultura no maciço da Pedra Branca ------------------------------------------- 255
5.2.1 - O bananal como elemento de territorialização ----------------------------------- 259
5.2.2 - O ciclo da banana, do caqui e outros produtos ------------------------------------- 262
5.2.3 - Trabalho familiar e a força de trabalho externa ----------------------------------- 264
5.2.4 - A pluriatividade e a organização do trabalho familiar ---------------------------- 265
5.3 - O Projeto de Plantas Medicinais no Entorno do Parque Estadual da Pedra
Branca ------------------------------------------------------------------------------------- 271
5.3.1 - É no entorno ou é no Parque? A apresentação do Projeto à administração
do PEPB -------------------------------------------------------------------------------- 273
5.3.2 - A busca de parcerias e a criação de um logo --------------------------------------- 275
5.3.3 - A organização do diagnóstico --------------------------------------------------------- 280
5.3.4 - A Gestão Participativa ------------------------------------------------------------------ 281
5.3.5 O Banco do Brasil e o projeto de Desenvolvimento Regional Sustentável ------- 288
5.3.6 - A negociação com o IEF --------------------------------------------------------------- 292
5.3.7 - Perspectivas atuais do Projeto --------------------------------------------------------- 294
5.4 - Associações, mediadores e instituições ------------------------------------------------- 295
5.4.1 - A EMATER e os agricultores do Pau da Fome na Taquara ---------------------- 298
5.4.2 - O Projeto Desenvolvimento Sustentável no Rio da Prata e a formação
da Associação de produtores orgânicos do Rio da Prata -------------------------- 301
5.4.3- O Projeto de Plantas Medicinais de Farmanguinhos e a Associação de
Agricultores de Vargem Grande – AGROVARGEM ------------------------------- 308
5.4.3.1 – A fundação da AGROVARGEM --------------------------------------------------- 309
5.4.4 - O associativismo entre os pequenos produtores do PEPB: expectativas,
impasses e conquistas ------------------------------------------------------------------ 313
CONCLUSÃO ------------------------------------------------------------------------------------ 321
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------------------------------------------------- 324
ANEXOS ------------------------------------------------------------------------------------------- 344
11
LISTA DE QUADROS:
QUADRO 1: Criação de UCs na Amazônia por período presidencial ------------------------ 76
QUADRO 2: Criação de UCs federais e estaduais no estado do Rio de Janeiro ------------- 78
QUADRO 3: Criação de UCs no Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro ----------------- 92
QUADRO 4: Criação de UCs estaduais fluminenses a partir de 1975 ----------------------- 95
12
LISTA DE GRÁFICOS:
GRÁFICO 1: Criação de UCs de proteção integral e de desenvolvimento sustentável na
Amazônia ----------------------------------------------------------------------------- 77
GRÁFICO 2: Criação de UCs de proteção integral e de desenvolvimento sustentável no Rio
de Janeiro ----------------------------------------------------------------- ------------ 81
13
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 Desenvolvimento sustentável no Rio de Janeiro -------------------------------- 104-105
Fig. 2 Ilustração do aqueduto do Pau da Fome --------------------------------------------- 139
FIG. 3 Mapa do Parque Estadual da Pedra Branca ------------------------------------------- 140
FIG 4 Folder Um Rio de Florestas -------------------------------------------------------- 162-163
FIG. 5 Casa da Fazenda Independência -------------------------------------------------------- 148
FIG. 4 Programação visual do PEPB 1991 /1992 -------------------------------------- 169-170
FIG. 5 IEF/RJ preservando a maior floresta urbana do mundo ------------------------ 172-173
FIG. 6 Mapa do Sertão Carioca ----------------------------------------------------------------- 193
FIG. 7 Mapa do PEPB com suas sedes administrativas -------------------------------------- 193
FIG. 8 A disputa entre os parques ---------------------------------------------------------- 206-207
FIG. 9 Fabricação de carvão no Sertão Carioca ---------------------------------------------- 227
FIG. 10 A tropa de banana ----------------------------------------------------------------------- 230
FIG. 11 Ilustração feita por Dona Marli ---------------------------------------------------- 237-238
FIG. 12 IDEM --------------------------------------------------------------------------------- 237-238
FIG. 11 Jornal mural da PAF/FARMANGUINHOS ------------------------------------- 285-286
FIG. 12 Folder de apresentação do projeto da ONG Roda Vida ------------------------ 307-308
14
LISTA DE FOTOGRAFIAS
FOTO 1 A Antigo posto de fiscalização do IBDF no Rio da Prata ------------------------- 146
FOTO 1 B Zoom do letreiro na fachada do antigo posto de fiscalização do IBDF ------ 147
FOTO 2 Posto de fiscalização do IEF no Rio da Prata ------------------------------------- 147
FOTO 3 Posto de fiscalização do IEF em Vargem Grande ------------------------------ 152
FOTO 4 A Marco de concreto da cota 100 metros do PEPB --------------------------------- 154
FOTO 4 B Zoom dos dizeres do marco de concreto da cota 100 metros do PEPB ------- 154
FOTO 5 Relógio de energia elétrica na Comunidade Monte da Paz / PEPB ------------ 160
FOTO 6 Sede da Fazenda Independência ----------------------------------------------------- 165
FOTO 7 Centro de exposições na sede do PEPB no Pau da Fome ------------------------ 167
FOTO 8 Mula para o transporte de visitantes e fiscalização no PEPB -------------------- 170
FOTO 9 Projeto Guardiões do Parque --------------------------------------------------------- 175
FOTO 10 Placa de demarcação do território do PEPB --------------------------------------- 183
FOTO 11 Inauguração do Projeto Parque de Carbono no PEPB ---------------------------- 192
FOTO 12 Escola Rural Demétrio Ribeiro ------------------------------------------------------ 201
FOTO 13 Preserve a natureza -------------------------------------------------------------------- 209
FOTO 14 Invasões de pobres e ricos ------------------------------------------------------------ 213
FOTO 15 Antigos moradores do maciço da Pedra Branca ----------------------------------- 229
FOTO 16 Preparo do barro para fabricação de casa de pau-a-pique ------------------------ 233
FOTO 17 Estrutura da casa de pau-a-pique ---------------------------------------------------- 234
FOTO 18 Seu Tilinho fabricando uma cangalha ---------------------------------------------- 234
FOTO 19 Cavaleiros e caminhantes nos caminhos do PEPB -------------------------------- 238
FOTO 20 Alunos e a professora da Escola 12-12 em Vargem Grande -------------------- 224
FOTO 21 Dia de lazer dos moradores do PEPB ----------------------------------------------- 244
15
FOTO 22 Coleta de caquis por caminhantes em Vargem Grande -------------------------- 244
FOTO 23 Coleta de caquis por moradores do PEPB ------------------------------------------ 244
FOTO 24 O bananal nas encostas do Parque como elemento de territorialização --------- 261
FOTO 25 A coleta de caquis pelos pequenos produtores no Rio da Prata ------------------ 263
FOTO 26 A venda de caquis e bananas na feira ------------------------------------------------ 269
FOTO 27 O logo do Projeto ----------------------------------------------------------------------- 275
FOTO 28 Feira de produtos orgânicos na sede da EMATER -------------------------------- 287
FOTO 29 Sede da Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra Branca --------------- 301
FOTO 30 Reunião dos agricultores de Vargem Grande na AMAVAG --------------------- 311
16
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 Quadro de entrevistas
ANEXO 2 Lei n. 2.393/95 sobre a permanência de populações nativas em
UCs
ANEXO 3 Indeferimento do IEF ao pedido de colocação de energia elétrica
ANEXO 4 Lei de criação do Parque Estadual da Pedra Branca
ANEXO 5 Brigada de incêndio na Pedra Branca
ANEXO 6 Lista dos membros eleitos do conselho consultivo do PEPB
ANEXO 7 Convites dos seminários sobre meio ambiente
ANEXO 8 Documento do IEF aos agricultores de ciência sobre a existência
do PEPB
ANEXO 9 Agricultores recuperam matas do Rio, [s.d.]
ANEXO 10 Apresentação do Projeto de Plantas Medicinais em 22 nov. 2006
ANEXO 11 Formulário com as respostas padronizadas
ANEXO 12 Painel Gestão Participativa na implementação do Projeto
ANEXO 13 Ata da reunião do dia 29 de setembro de 2008 com o IEF
ANEXO 14 Pauta da reunião do dia 29 de setembro de 2008 com o IEF
17
LISTA DE ABREVIATURAS
AAOPB – Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra Branca
AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
AGROVARGEM – Associação de Agricultores de Vargem Grande
ALCRI – Associação de Lavradores e Criadores de Jacarepaguá
ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
APA – Área de Proteção Ambiental
APP – Área de Preservação Permanente
APROLAPIAS – Associação de Produtores e Artesãos de Piabas e Adjacências
ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BPFMA - Batalhão de Polícia Florestal e Meio Ambiente
CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos
CICCA - Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
DCN – Diretoria de Conservação da Natureza
DECAM – Departamento de Conservação Ambiental
DPMA - Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente
DRNR – Departamento de Recursos Naturais Renováveis
DGRNR – Departamento Geral de Recursos Naturais Renováveis
ECM – Estratégia Mundial para a Conservação da Natureza
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
FECAM - Fundo Estadual de Controle Ambiental
FLONA – Floresta Nacional
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
FBCN – Fundação Brasileira de conservação da Natureza
FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICN – Instituto de Conservação da Natureza
IEF – Instituto Estadual de Florestas
ITR – imposto territorial rural
IUCN – International Union of Conservation of Nature
IUPN – International Union of Preservation of Nature
MDS – Ministério de Desenvolvimento Social
MAPA – Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento
MP – Ministério Público
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PDBG – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara
PESET – Parque Estadual da Serra da Tiririca
REBIO – Reserva Biológica
RESEX – Reserva Extrativista
RIMA – Relatório de Impacto sobre Meio Ambiente
RIO -92 - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro, entre os dias 3 e 14 de junho de 1992.
18
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural
PDBG - Programa de Despoluição da Baia de Guanabara
PN – Parque Nacional
PEPB – Parque Estadual da Pedra Branca
PESET – Parque Estadual da Serra da Tiririca
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SAA – Secretaria de Agricultura e Abastecimento
SEEPE – Secretaria Extraordinária de Programas Especiais
SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente
SEMAM - Secretaria Especial do Meio Ambiente e Projetos Especiais
SEMADS – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SEMADUR – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano
SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UC – unidade de conservação
UICN - União Internacional para a Conservação da Natureza
UIPN – União Internacional para a Proteção da Natureza
WWF – World Wildlife Fund
19
Introdução
Meu interesse em estudar o Parque Estadual da Pedra Branca PEPB surgiu e foi
orientado pela temática da permanência humana em unidades de conservação. De acordo com a
bibliografia sobre este tema, os parques, classificados como espaços de natureza intocada,
correspondem à primeira categoria criada de área protegida. Trata-se de um modelo gestado fora
e apropriado pelo governo brasileiro que o aplicou amplamente entre os anos 30 e meados dos
anos 70/80. Desse modo, acreditava que os parques seriam uma espécie de categoria em desuso
ou menos utilizada; uma espécie de resquício do passado. Por serem um modelo mais antigo e
restritivo abrigariam inúmeras limitações, resultantes de um período de decisões não
democráticas e de concepções pessimistas acerca da relação homem-natureza, uma vez que o
referido modelo determinava a impossibilidade da permanência de populações nesses espaços
de proteção. O Parque Estadual da Pedra Branca, criado em 1974 e foco deste estudo é,
portanto, entendido como um artefato cultural
1
; uma construção social, fruto de representações e
ações intencionais humanas, concebido neste contexto e resultante, dentre outros fatores, de tais
processos.
Em certo momento, contudo, me dei conta do fortíssimo apelo que os parques
continuam a exercer sobre a sociedade mais ampla. Também entre muitos ambientalistas e
técnicos atuantes nas políticas estaduais de meio ambiente do Rio de Janeiro e
consequentemente na mídia que reflete este ambiente cultural e sugere como pensar certos
temas. Assim, percebi que quando se fala em conservação, são os parques que são lembrados
pela população e pelos meios de comunicação como áreas onde as espécies naturais podem se
manter de forma harmoniosa e equilibrada e os homens podem momentaneamente usufruir
desses espaços de grande beleza cênica, sem prejuízo ao meio natural.
Ao resgatar minha própria experiência de contato com esses espaços protegidos, desde a
infância em piqueniques com a família e, a partir da adolescência como montanhista, pude
reconhecer o lugar afetivo destinado a eles na minha memória. Segundo Pollak (1992), as
lembranças individuais ainda que relativamente íntimas e próprias das pessoas, de alguma forma
estão ancoradas sob marcos e percepções da realidade que são coletivas. Desta forma, como
1
Conceito inicialmente trabalhado por Geertz (1978) e aqui utilizado no sentido que faz Barreto Filho (2001) ao
estudar o processo de criação de unidades de conservação integral na Amazônia.
20
parte da atividade reflexiva da pesquisa sociológica, na qual a vivência do pesquisador interage
e constrói de forma distanciada, mas não neutra, o objeto de investigação, busquei investigar, a
partir do estranhamento de experiências familiares
2
, quais elementos seriam responsáveis pela
grande eficácia simbólica que os parques possuem no imaginário social. Em outras palavras,
que conjunto de imagens, percepções e ideologias atuam sobre a memória social, produzindo
significados, ideais de pertencimento e identidade, quando pensamos em parques ou em parques
nacionais
3
? Ou de acordo com Bourdieu (2006, p.9) que aspectos de comunicação,
conhecimento e integração social estão envolvidos no conceito de parque, produzindo uma
ordem gnosiológica ou um sentido imediato do mundo?
Uma primeira hipótese elaborada foi de que a alusão aos parques integra de forma
idealizada aquilo que na realidade separa, ou seja, para que estes possam existir é preciso
remover as populações anteriormente estabelecidas no território em questão, para que uma nova
forma de sociabilidade e integração com a natureza possa ser inventada ou criada. Nestes
termos, a possibilidade de idealização dos parques como modelo de área protegida, de alguma
forma estaria associada a valores estéticos e lúdicos de interação com a natureza,
correspondendo, portanto, a um conjunto de representações típicas de populações urbanas,
acionado pela reação a uma real ou potencial ameaça de degradação da natureza ou de
privatização de um espaço em alguns casos, de grande beleza cênica que deve permanecer
disponível ao usufruto de toda a população. De Paula (2005, p.245), referindo-se à relação do
homem urbano com as áreas verdes, assim define a importância do caráter lúdico de interação
com a natureza:
“A fuga da cidade é sobretudo a busca da tranqüilidade e da
afabilidade encontrada nas pequenas cidades do interior, seja nas
montanhas, seja à beira de rios, represa, mar. Andar pelas matas,
percorrer trilhas, banhar-se em cachoeiras, praticar cavalgadas,
pescar, subir montanhas ou penhascos, todas essas são experiências
que configuram o homo luddens; a maioria delas arroladas como
esportes (...) e esportes, como sabemos são atividades que obedecem a
regras, que são geridas por códigos que preconizam a civilidade.”
2
No sentido trabalhado por Velho (1994) ao referir-se a necessidade de impor um certo afastamento ao estudo de
objetos próximos ou inseridos no universo social do pesquisador.
3
Conforme veremos no capítulo 1, baseado no estudo de Barreto Filho (2001), os primeiros parques criados
inicialmente nos Estados Unidos foram denominados parques públicos. O adjetivo nacional só foi atribuído
posteriormente, atrelando a estes espaços naturais uma série de atributos vinculados à nação americana.
21
A segunda hipótese, mais ampla e derivada da primeira é a de que os parques
simbolicamente representam espaços racionalmente planejados de resistência a um modelo
predatório de desenvolvimento econômico, quando na verdade, diversos estudos demonstram
que o processo de criação de parques pôde ser combinado ou tornou-se parte constitutiva de
projetos políticos desenvolvimentistas no Brasil e no mundo.
Buscando a origem da construção desse sistema simbólico (Bourdieu, 2006, p.9), fiz uso
de historiadores dedicados a estudar as relações entre sociedade e natureza tais como
McCormick (1992) e Thomas (1988) e que me forneceram as primeiras pistas para entender a
construção de valores essenciais ligados ao mundo natural que se desenvolveram a partir do
período moderno, sobretudo na Inglaterra com as transformações do sistema produtivo e, que
podem estar na origem da defesa de áreas protegidas, como os parques. John McCormick
(1992), em Rumo ao paraíso história do movimento ambientalista, destaca inicialmente que
esse interesse se deu, por meio de um movimento pela proteção da vida selvagem e, depois,
pelas reivindicações para que fossem proporcionadas oportunidades rurais de lazer, devido às
conturbações industriais. Thomas (1988), em sua obra O homem e o mundo natural, demonstra
como o surgimento de novas sensibilidades em relação aos animais, às plantas e à paisagem,
ocorreu de forma lenta e gradual a partir do início da Idade Moderna, abrangendo o período que
vai de 1500 até 1800. Durante este longo período, que corresponde ao processo de
desenvolvimento da industrialização e crescimento das cidades, fortaleceu-se primeiramente
entre as elites e pensadores uma afeição real ou imaginária pela vida no campo, pelo resgate de
um contato mais intenso com a natureza que é difundido pelas idéias românticas e pelo interesse
genuíno em conhecer as espécies naturais, através do desenvolvimento dos estudos de história
natural. Assim, destaca o autor, o processo de redefinição do relacionamento do homem com
outras espécies, assim como a contestação crescente do seu direito de explorá-las em benefício
próprio, contrastam com a perspectiva dominante de séculos atrás, no qual se concebia que a
natureza havia sido criada única e exclusivamente para servir aos homens em suas múltiplas
necessidades, fazendo com que a simples idéia de resistir à agricultura ao invés de estimulá-la
parecesse ininteligível. (1988, p. 16)
O desenvolvimento de estudos de história natural (THOMAS, 1988) e o surgimento da
ecologia, como um ramo da biologia, colaboraram na crescente penetração de valores científicos
22
para a justificação de criação de áreas protegidas, combinando-se e contribuindo para reforçar
valores precursores de fruição da natureza. Construiu-se, assim, ao longo do tempo um
consenso ou um conjunto de noções autoevidentes de fundo científico, sobre a
inquestionabilidade das iniciativas de criação de parques, reforçado pelos meios de
comunicação de massa que veiculam imagens, metáforas e representações sobre os mesmos,
reproduzindo o discurso sobre a necessidade de proteção com o aval científico. Talvez seja
possível falar, portanto, na existência de uma fé baseada na verdade científica, por parte de seus
idealizadores, de que a conservação da natureza se faz deste jeito com áreas protegidas
restritivas - e não de outro.
No caso brasileiro, o historiador Sergio Buarque de Holanda (1985) descreve como as
expectativas dos primeiros colonizadores, vinculadas à possibilidade de existência de um
paraíso terrestre, marcaram as representações edênicas sobre o novo mundo. José Augusto
Pádua (2002), a este respeito, pondera que a crença em uma natureza idílica exuberante e
infinita fortalecia, na mesma medida, o caráter destrutivo de nossa colonização e o desprezo
pela conservação, defendida por alguns poucos pensadores que, justamente, se apropriaram
desta temática, formulando uma crítica política ao nosso modelo colonizador. José Murilo de
Carvalho (1998), por sua vez, ao analisar os resultados de pesquisas de opinião pública
identifica a surpreendente vitalidade do motivo edênico no imaginário social brasileiro.
Segundo o autor, ao interpretar os dados levantados, nos é revelado que um dos principais
motivos de orgulho em ser brasileiro, apontados na pesquisa, está associado a nossas belezas
naturais.
No Rio de Janeiro, berço do pensamento ambiental nacional, foram concebidos os
primeiros parques, a partir dos anos 30 e estendidos às demais regiões do País. A partir dos
anos 90, o ritmo de criação de parques diminuiu no Brasil e em algumas regiões do país, tal
como a Amazônia, este modelo passou a ser preterido em relação a outras unidades de
conservação, doravante UCs
4
, que admitem a presença humana, na tentativa de compatibilizar a
conservação da natureza e a reprodução do modo de vida de suas populações. No estado do Rio
de Janeiro, contudo, eles continuaram a ser criados pelas agências ambientais e defendidos
como modelo ideal de conservação. O Instituto Estadual de Florestas IEF-RJ, criado em 1986,
4
Unidade de conservação é o termo que passou a ser utilizado no Brasil a partir do final dos anos 70 para referir-se
às áreas protegidas que fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC. O termo será melhor
apresentado no capítulo 1.
23
vem reproduzindo políticas ambientais conservacionistas
5
, seja através da criação de parques
ou de medidas fiscalizatórias ainda que dispondo de pouquíssimos recursos para fazer valer o
novo estatuto das áreas em questão.
A força da ideologia da conservação (DIEGUES, 1999) mascara o fato de que a
implantação da maioria dos parques não se realiza em um espaço vazio nem em termos
demográficos, nem em termos de relações sociais. Apesar de serem concebidos como territórios
de natureza intocada, são espaços habitados por pessoas. Segundo Diegues (apud Simon, 2003,
p.134) das 67 UCs integrais criadas no Brasil, 39% delas têm populações residentes e, no caso
do Rio de Janeiro, das 19 UCs investigadas, 14 delas ou 73,6% possuem habitantes no seu
território.
Quando esta realidade é percebida a partir dos valores consensuais da salvação da
natureza, passam despercebidos fatores tais como: a falta de critérios ou de planejamento de
gestão para as UCs criadas, o fato desses territórios serem ocupados ou o fato de que estas
áreas vinham sendo conservadas apesar da permanência de populações humanas. Estas são, em
geral, tratadas como invasoras e depredadoras do meio ambiente. Subitamente são postas em
uma situação de ilegalidade. Surgem então tensões e conflitos em UCs de proteção integral e,
até o presente momento, muito pouco tem sido feito pelos órgãos ambientais, no sentido de
solucioná-los.
Até mesmo a legislação ambiental brasileira, dos anos 80, apesar de garantir princípios
socioambientais
6
no processo de criação e gestão de unidades de conservação, deixou sem
solução o caso das populações que habitam parques e outras UCs de proteção integral.
No Rio de Janeiro, os parques continuam a ser criados. Em 2002, o Parque Estadual dos
Três Picos, em junho de 2008, o Parque Estadual de Cunhambebe, na região da Costa Verde do
estado, e está em estudo a criação de um parque da Restinga de Grussaí no município de São
João da Barra
7
. Esta constatação me levou a refletir sobre os seguintes aspectos: os processos
de criação e implantação dos parques criados na atualidade diferem ou não significativamente
5
Conservacionismo é aqui utilizado como uma concepção antagônica da relação homem-natureza, e que defende
sistematicamente a criação de espaços integralmente protegidos das interferências humanas.
6
Socioambientalismo é aqui utilizado como uma concepção que tem como idéia central o envolvimento das
populações locais nas políticas ambientais, levando em consideração seu modo de vida e conhecimentos sobre o
manejo dos recursos naturais
7
Informação dada pelo Presidente do IEF – André Ilha em entrevista ao site de jornalismo ligado ao meio ambiente
O Eco. (6 jun. 2008).
24
em relação ao passado? As conquistas socioambientais e a obrigatoriedade de adoção de
mecanismos participativos na criação e gestão das unidades de conservação têm trazido novas
perspectivas para o equacionamento de conflitos entre gestores, administradores e moradores
nos parques? De que forma os agentes ambientalistas, gestores e diretores de órgãos ambientais
do estado
dialogam com as duas correntes que se enfrentam no campo ambientalista: o
conservacionismo e o socioambientalismo? Que caminhos ou formas de luta e resistência as
populações residentes têm à sua disposição ou escolhem para a defesa de seus direitos? Todas
essas questões estão presentes, neste trabalho, à medida que procuro refletir sobre o processo de
construção social do PEPB.
Embora o parque seja uma área florestada ou um espaço natural, sobre ele recaem
valores ou classificações que vêm da vida social; dos modelos fornecidos pela sociedade
(DURKHEIM, 1978) ou segundo Bourdieu (2006, p.115), as classificações mais “naturais”
apóiam-se em características que nada têm de natural, são produtos de imposições arbitrárias.
Neste sentido, a noção de território que utilizo neste trabalho compreende um espaço que se
constrói com a atividade humana, por meio da apropriação material e simbólica do meio natural,
estabelecendo formas de controle, de pertencimento e sistemas classificatórios. Para Bourdieu
(2006, p. 107-132), tanto o conceito de região quanto o de território são marcados pela idéia de
fronteiras (fines) ou pelo ato de traçar fronteiras (regere fines), que estabelecem uma ruptura
decisória sobre a continuidade natural, estabelecendo sobre ela as visões e divisões do mundo
social: através de representações sociais, imagens mentais, sistemas classificatórios separa-se o
interior do exterior, define-se usos e grupos sociais que podem ou não se apropriar deste espaço.
É diante deste quadro que busco entender como o Parque da Pedra Branca veio a ser o
que é, considerando que, por um lado, esse espaço destinado à conservação ambiental é fruto de
políticas públicas específicas, de ações institucionais regidas por determinadas concepções,
idealizadas ao longo de sua existência acerca da relação homem-natureza. As marcas da
Instituição oficial materializam-se através de interferências concretas no tempo e no espaço
são sinais (placas, guaritas, portões, sedes, subsedes, ações pedagógicas e de fiscalização e
projetos políticos que dividem, nomeiam e demarcam (BOURDIEU, 2006), representando o
controle do Instituto Estadual de Florestas IEF sobre a área definida como parque. De outro
lado, este espaço é também formado pela dinâmica de ocupação do maciço, dos usos e dos
modos de vida das populações ali estabelecidas, assim como pelas fronteiras que constroem,
25
pelas divisões e nomeações e as representações atribuídas ao mesmo ao longo do tempo. Trata-
se, portanto, de uma disputa política pelo poder de nomear, classificar este território,
oficialmente definido como Parque Estadual da Pedra Branca.
Sugiro que dois temas são centrais para a compreensão do processo de construção
social do PEPB: o primeiro é a evolução da temática ambiental e a crescente institucionalização
das ações ambientais que consagraram os parques como modelo de conservação no mundo e no
Brasil a partir dos anos 30. O segundo é o processo de evolução urbana da cidade do Rio de
Janeiro que permite compreender a dinâmica de ocupação das populações que se estabeleceram
no Maciço da Pedra Branca e desenvolveram suas práticas materiais e simbólicas entre si, com o
meio natural e com os órgãos gestores do PEPB. Tais processos históricos conferem à região
onde este se localiza, a Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma série de significações sociais no
mapa geográfico e social da cidade e que, certamente, têm uma importante parcela de
contribuição para a forma como o Parque é percebido e apropriado por diferentes atores, assim
como é determinante para entender a forma a partir da qual os conflitos no Parque têm sido
encaminhados.
Refazer o percurso que vai do sertão carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca
significa, portanto, reconstituir a história social do maciço localizado na região que outrora tinha
esta denominação (em função de suas feições rurais) e identificar marcas que foram sendo feitas
sobre o território que hoje é chamado de PEPB. Faço isso a partir de um trabalho de resgate da
história e memória daqueles reconhecidos como mais antigos moradores do maciço, cujo modo
de vida ou de seus familiares está relacionado à pequena produção agrícola. Assim, considero
que o grupo estudado pode ser melhor compreendido à luz da produção sobre campesinato
levando em conta sua situação bastante específica: a de morador de uma área de proteção
integral, sujeita a políticas ambientais e integrados ao meio urbano, tanto fisicamente quanto em
suas relações com o mercado.
No passado, na região onde está localizado o PEPB, desenvolveram-se diferentes
ciclos econômicos: da cana de açúcar, do café e da laranja e extração de carvão, todas essas
atividades aliadas a uma agricultura de subsistência
8
e práticas extrativas. Destinada a tornar-se
8
Aquilo que é socialmente necessário para a reprodução física e social do trabalhador e de sua família (GARCIA
JR., 1983, p. 16).
26
o cinturão agrícola da cidade do Rio de Janeiro, esta região sofreu a partir dos anos 30
intervenções de saneamento, buscando drenar os pântanos e áreas alagadas a fim de melhorar as
condições de salubridade local. Tais ações, contudo, inauguram um processo intenso de
grilagem de terras e urbanização, assim como violentos conflitos com os pequenos produtores
da região que resistiram e lutaram através de associações e da constituição de ligas camponesas
(SANTOS, 2006). A história mais distante dos ciclos agrícolas e da ocupação da região, das
representações sociais ancoradas a tais processos, permite compreender com mais clareza os
conflitos sociais existentes na atualidade e revelam que a região onde hoje se localiza o PEPB é
ainda uma fronteira urbana, disputada por grandes grupos imobiliários e setores de classe
média/alta, por classes populares organizadas ou não em torno da luta pela moradia e os
pequenos produtores que tentam preservar a possibilidade de reprodução de seus meios de
subsistência.
Os impasses vividos por esses agricultores frente ao processo de urbanização e
desenvolvimento de novas relações de produção que ameaçavam as possibilidades de
reprodução de suas condições sociais de vida são descritos de forma sensível na obra intitulada
O Sertão Carioca, escrita por Armando Magalhães Corrêa - e publicada em 1936. Trata-se de
um precioso registro etnográfico dos usos e modos de vida estabelecidos no maciço
9
da Pedra
Branca e abriga um conjunto de questões e representações sobre este espaço que ainda estão
presentes nos limites do Parque e seu entorno. O autor descreve o contraste entre os usos rurais
e urbanos, se refere à chegada de novos hábitos citadinos que teriam alterado o caráter bucólico
do local e ameaçariam a autenticidade cultural dos habitantes e, menciona também o
desenvolvimento de atividades econômicas de caráter industrial que inviabilizariam o modo de
vida dos sertanejos.
Desta forma, o termo sertão, adotado por Corrêa, mais do que simples sinônimo de
zona rural, abriga inúmeros significados sobre este rural. Ao descrever os problemas e belezas
naturais do Sertão Carioca, Corrêa, a partir de nítida influência da matriz interpretativa
euclidiana
10
, estava na verdade, refletindo sobre muitos outros sertões ou interiores existentes no
Brasil. Com surpreendente atualidade, O Sertão Carioca abriga um questionamento pertinente
9
Conjunto de montanhas agrupado em volta de um ponto culminante, neste caso o Pico da Pedra Branca.
10
O jornalista Euclides da Cunha ao publicar Os Sertões em 1902, inaugura um novo modelo de interpretação da
diversidade social brasileira, ao denunciar os contrastes entre um Brasil Atlântico, urbano e cosmopolita e um
Brasil Sertanejo, pobre e atrasado. A partir desta obra uma legião de intelectuais se debruçou sobre a temática do
sertão e seus inúmeros significados.
27
à temática socioambiental, à medida que propõe um modelo de desenvolvimento para o país,
que busca integrar a preservação e a melhoria das condições de vida dos autênticos brasileiros
representados pelos sertanejos. Se por um lado, Corrêa não os poupa da responsabilidade pelos
danos ambientais causados pelas atividades agrícolas e extrativistas, identificando ali o caráter
destrutivo da formação social brasileira
11
, de outro, entende que estes tipos humanos rústicos
12
retrato do povo poderiam viver em equilíbrio com a natureza e tornarem-se ativos
protetores da natureza desde que o Estado se preocupasse em construir políticas econômicas
voltadas para o meio rural e medidas educativas e sanitárias destinadas à população do sertão.
O livro, portanto, para fins deste trabalho, é tratado como fonte etnográfica que permite
resgatar os modos de vida e formas de organização do trabalho e interação com o meio natural
dos pequenos produtores do maciço da Pedra Branca, articulados às informações coletadas a
partir da memória e experiência vivida de seus descendentes que ainda hoje ocupam esta região.
Mais do que isso, as reflexões de Corrêa antecipam questionamentos que são aqui retomados
como objeto de reflexão desta pesquisa: a possibilidade de permanência e reprodução social de
uma população de agricultores em uma área destinada à conservação ambiental e frente ao
processo de expansão urbana e desenvolvimento de relações capitalistas que trazem novas
dinâmicas a suas formas tradicionais de produção.
A criação do PEPB, através da lei estadual n.2377, de 28 de junho de 1974, impôs
progressivamente novas formas de uso e delimitação do espaço que entraram em choque com as
práticas tradicionalmente estabelecidas por moradores. Sua demarcação estabelecida a partir da
cota altimétrica de 100m, em volta de todo o maciço da Pedra Branca, na zona Oeste da cidade
do Rio de Janeiro ocupa cerca de 16% da área do município. Na face Leste, tem seus limites no
bairro da Taquara, Colônia, Camorim, Vargem Grande e Vargem Pequena. Ao Sul, limita-se
com as localidades do Grumari e Guaratiba. Na face Oeste, com o bairro de Campo Grande.
Na face Norte, limita-se com os bairros de Senador Camará, Bangu, Realengo e Sulacap.
Uma parcela desta população ali havia se fixado antes da criação do Parque. Outros
foram chegando aos poucos, durante o longo período em que o parque existiu apenas
11
PÁDUA (2002), DEAN (1996) Em referência ao caráter destrutivo da economia escravista e monocultora que se
desenvolveu no Brasil colonial.
12
Antôniondido (1971, p. 21) e Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973, p.78) fizeram uso do termo para referir-
se à civilização que se formou no interior do país, a partir da colonização portuguesa, baseada em uma economia
de subsistência e marcada pela simplicidade dos meios de produção e cultura material. O termo cultura rústica,
segundo Cândido, tem o mesmo sentido de cultura camponesa, cultura cabocla ou culturas tradicionais do homem
do campo.
28
formalmente, sendo percebido mais em algumas regiões do que em outras, sem medidas
concretas para fazer valer seu estatuto de unidade de conservação e suas determinações
ambientais. Segundo estimativas de Costa (2002, p.162), existiam em 1996, cerca de 930
habitações no território do PEPB e, somando a população do Parque com seu entorno mais
próximo daria um total de 13.300 casas.
No amplo território do Parque e também em seus arredores há contrastes graduais ou
abruptos entre áreas densamente povoadas e áreas agricultáveis, entre espaços de lazer e de
moradia como sítios e chácaras. famílias que retiram da agricultura parcela significativa de
sua subsistência e alguns agricultores buscam formas efetivas de inserção no mercado e visam à
aquisição de conhecimentos técnicos e atividades de associativismo. As atividades agrícolas,
contudo, não são exclusivas e a pluriatividade é praticada, ou seja, realizam a complementação
das atividades agrícolas com os serviços não-agrícolas.
Apesar do permanente processo de pressão urbana sobre os limites do Parque, pode-se
dizer que, de forma predominante, as áreas de encosta
13
permaneceram disponíveis para a
agricultura, sobretudo, por serem áreas menos valorizadas, do ponto de vista imobiliário, mas
também por estarem sujeitas a uma legislação ambiental mesmo com pouquíssimos recursos
de se fazer valer que a partir de 1974, com a criação do PEPB, passou a regulamentar e inibir
a ocupação do solo nas áreas do maciço. Alguns dos agricultores que ali haviam se
estabelecido com suas culturas, permaneceram e progressivamente tiveram que adaptar suas
atividades produtivas às restrições crescentes impostas pelos órgãos ambientais responsáveis
pela administração do PEPB. Podem ser citadas: a proibição de roçar os terrenos, de fazer
queimada, de expandir as áreas cultivadas, de fazer melhoria nos caminhos ou utilizar meios de
transporte mais modernos. O maciço da pedra Branca produz, por exemplo, banana e caqui em
escala comercial e toda a produção é transportada ainda hoje pelos burros que sobem e descem
os seus caminhos íngremes. Tais restrições tornam a atividade agrícola no maciço ainda mais
penosa e limitam as possibilidades de expansão da produção ou de introdução de novos
cultivos.
É neste sentido que, diferentemente do que se poderia pensar, a mesma lei que
determina a criação do Parque e impõe limitações às atividades agrícolas, facilita os usos rurais
tradicionalmente estabelecidos neste espaço, protegendo-o de um processo crescente de
13
Áreas íngremes ou de aclive.
29
especulação imobiliária que se faz muito presente em toda a Zona Oeste da cidade, onde se
localiza o PEPB.
Assim aos poucos, ao tentar reconstituir o processo de implantação do PEPB, me dei
conta que a história da ocupação do maciço da Pedra Branca e da constituição do Parque se
misturam e que ao mesmo tempo, este território instituído como unidade de conservação exerce
também sua parcela de contribuição na dinâmica da atividade agrícola do município do Rio de
Janeiro. Em outras palavras, uma parcela do que no passado era chamado de Sertão Carioca foi
protegida pela criação de um parque, ou seja, de uma UC de proteção integral, que de acordo
com a legislação não admite a permanência humana ou qualquer tipo de uso direto dos recursos
naturais, como pressupõe a prática agrícola. Assim, este trabalho pretende reconstruir os
processos através dos quais essas demarcações espaciais contraditórias do ponto de vista legal,
se articularam na história oral e na memória dos pequenos produtores e como foram
incorporadas à sua identidade de agricultores.
Não se trata, contudo, de idealizar o passado e de buscar identificar as permanências
culturais no maciço, mas de entender como este passado é interpretado e reelaborado no
contexto atual da agricultura do Rio de Janeiro e na relação desses pequenos produtores com a
administração do Parque. De acordo com Scott (1987), nas situações de mudança ou crise, os
grupos sociais em disputa tendem a idealizar o passado ou reelaborar antigas categorias, em
uma tentativa de reter o melhor dos dois mundos. Assim, se por um lado os agricultores
resistem às novas imposições legais, através de seus recursos disponíveis, de outro, eles têm
compreensão de que precisam se apropriar dos argumentos legais para reelaborar a definição
dominante de si mesmos, através da supressão do conjunto de valores que os estigmatizam e
reapropriá-la de acordo com seus interesses (BOURDIEU, 2006, p.124). Este é o caso da
crescente incorporação, por parte deste grupo, de valores e visões de mundo ligadas ao
ambientalismo, salientando, entre outras coisas, o caráter ecologicamente correto de seus
plantios, a não expansão de suas lavouras, a sua contribuição para o impedimento da entrada de
pessoas estranhas na área, e a ajuda no combate aos incêndios.
Para a decepção de seus administradores o território do PEPB manifesta as inúmeras
contradições referentes à ocupação que se observam no seu entorno, fazendo com que eles
tenham que lidar com conflitos que em tese não fariam parte do elenco de problemas ligados
a uma UC de proteção integral. A orientação da administração destes espaços protegidos, no
30
que se refere à população que neles está inserida, acaba sendo marcada pela intensa
vigilância, a imposição de normas de conduta e medidas punitivas frequentes que buscam
ordenar o território segundo o que a lei estabelece como área protegida. Alguns autores
(BARRETO FILHO, 2001, COSTA, 2008, LOBÃO, 2006) têm definido esta relação de
dominação estabelecida nas unidades de conservação como um poder tutelar semelhante ao
que tem sido estabelecido em terras indígenas pelo Estado. Este poder caracteriza-se pelo
monopólio do Estado em definir qual população e em que situações se pode permanecer nos
espaços ambientalmente protegidos e, ainda, sob condição de seguir determinadas regras
para manter esse direito. Nesta perspectiva, inicialmente tem-se a atividade de conquista e
demarcação do território, com estruturas administrativas que cumprem papel decisivo,
permeados por um trabalho de produção imaginária onde se busca readequar o outro
(SOUZA LIMA, 2005).
O uso da definição
populações tradicionais (art. SNUC 2000) e populações nativas
(vigente no Rio de Janeiro a partir de lei estadual n. 2.393 de 1995) é um instrumento
jurídico que garante a essas populações o direito às terras que ocupam, através da atribuição
de um status diferenciado com relação a outros grupos da sociedade nacional. Em termos
legais, contudo, esta categoria ainda é fragilmente reconhecida em unidades de proteção
integral. Nestes casos, como a lei determina a impossibilidade de permanência humana, o
poder tutelar se expressa como um dom do Estado, representado pelos funcionários da
administração, sobre os tutelados que em tese não deveriam estar ali.
Muito embora os parques estaduais, como é o PEPB, estejam sujeitos as mesmas regras
e estatutos que regem os parques nacionais, é preciso levar em consideração a história e a
formação da política estadual fluminense de meio ambiente e a sua inserção na política nacional
mais ampla que resultaram na criação e na implantação deste Parque.
Assim, este trabalho obedece à seguinte estrutura. O capítulo 1 busca delinear os
processos sociais mais amplos de criação, implantação e amadurecimento de políticas de
conservação através de áreas protegidas no Brasil e no mundo, a partir da criação do Parque
Nacional de Itatiaia em 1937 e, no Rio de Janeiro, onde este modelo de proteção tem sido
mantido de forma privilegiada. Nesta seção pretende-se também apresentar como se deu o
surgimento e o avanço da temática da permanência humana em UCs à luz da perspectiva
socioambiental e da crítica conservacionista.
31
Fazendo uso de documentos oficiais, material de divulgação institucional, imprensa e
depoimentos de funcionários, o capítulo 2 tem como objetivo descrever o desenho institucional
do IEF-RJ, responsável pela administração do PEPB, a fim de reconstituir a história da
Instituição no contexto mais amplo de formação das políticas públicas nacionais e fluminenses
na área de meio ambiente. Neste sentido, esta pesquisa pode contribuir para o resgate da história
das políticas ambientais realizadas pelo Estado do Rio de Janeiro, dada a precariedade de
registros e sistematização de documentos. Não se trata, contudo, de um estudo sistemático
sobre este tema, mas de um resgate da história do IEF-RJ, baseada na memória de seus
funcionários que ajudam na leitura de documentos, projetos, leis e valores aqui analisados.
O capítulo 3 dedica-se à reconstituição das medidas institucionais, dos valores,
projetos e concepções produzidos por atores do campo ambiental que resultaram na criação do
Parque Estadual da Pedra Branca, de 1974 até os dias atuais.
O capítulo 4 tem como finalidade descrever as dinâmicas de ocupação do maciço da
Pedra Branca e os significados atribuídos a este território a partir do estudo de uma parcela
específica da população que o habita as famílias de pequenos produtores nas vertentes
de Vargem Grande, Rio da Prata (Campo Grande), Pau da Fome (Taquara). Através de seus
relatos pretende-se compreender as inúmeras fronteiras estabelecidas e permanentemente
reconstruídas a respeito do caráter rural ou urbano da região e sobretudo a descrição de um
grupo social cuja identidade se constrói a partir de uma história e de uma memória
camponesa.
A trajetória desses agricultores permite também refletir sobre as condições de
reprodução social do grupo frente à cidade e ao mercado, frente aos novos valores do
ambientalismo e à própria legislação ambiental que rege o Parque. Todos esses processos
transformam progressivamente suas práticas e conferem novos significados às suas
identidades sociais. O recente fortalecimento do associativismo dos agricultores e as
iniciativas de organização de cultivos agroecológicos e a possibilidade de participar do
conselho consultivo do Parque, são ingredientes novos para pensar as condições de
manutenção do campesinato através de conjunturas diversas, assim como avaliar as suas
estratégias de mobilização, possibilidades de participação política e o papel de mediadores
institucionais e o terceiro setor. É o que será discutido no capítulo 5.
32
Neste processo de reelaboração de identidade por parte dos agricultores não poderia
deixar de mencionar minha inserção no campo, a partir da condição de pesquisadora. Desde
2003, vinha realizando algumas atividades de campo (visando o ingresso no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia do PPGSA/IFCS), em diferentes localidades do parque, observando
justamente a diversidade populacional existente, os diferentes nculos estabelecidos com a
administração e suas representações sobre aquele espaço. Contudo, em 2006, a partir de
conversas com a bióloga Sandra Magalhães, coordenadora do núcleo de pesquisa da PAF/
Farmanguinhos
14
, cujo campus está instalado no entorno do PEPB, passei a realizar algumas
atividades de campo junto com a sua equipe de pesquisa, interessada em realizar um
diagnóstico sobre as atividades agrícolas no maciço. A equipe do PAF/Farmanguinhos havia
idealizado o projeto Plantas Medicinais no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca”
15
organizado em três fases distintas: diagnóstico, capacitação e implantação.
Sem recursos próprios e formulando seu projeto com base no diálogo, buscava a partir da
realização de diagnóstico e da mobilização dos agricultores interessados, conseguir recursos
para a segunda e a terceira fase. Assim, ao longo de reuniões da equipe e de encontros
organizados pela equipe da PAF com os agricultores e outros atores, passei a ser vista e de fato
tornei-me membro atuante do projeto. Em conjunto, construímos e testamos os instrumentos de
pesquisa para o projeto e desde então esta equipe multidisciplinar tem partilhado dados,
discutido questões e resultados (informações, mobilização dos agricultores, maior dinamismo
nas associações, fortalecimento do diálogo entre as associações, fortalecimento de redes,...)
Mesmo com interesses ainda abrangentes sobre as populações do PEPB, passei a conhecer e me
interessar cada vez mais pelos atores envolvidos na atividade agrícola do maciço.
O fato de o projeto ser estruturado dentro de uma lógica de interativa, vem
transformando aos poucos a percepção dos agricultores sobre sua atividade, sobre o
associativismo, sua relação com a administração do Parque e sobre o próprio projeto. Isso
significa dizer que as atividades geradas por nós enquanto equipe, com o projeto de intervenção,
acabaram tornando-se também situações de pesquisa, que descrevo no capítulo 5: através de
alguns eventos organizados pela equipe da PAF, agricultores das diferentes localidades e
associações do Parque passaram a se encontrar e tiveram oportunidade de estabelecer laços de
14
Instituto de Tecnologia em Fármacos. Pertence à Fundação Oswaldo Cruz.
15
Tem como objetivo estimular a produção de plantas medicinais e a formação de uma cadeia produtiva, no âmbito
de ações da Política Nacional de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos.
33
sociabilidade. Estabeleceu-se também uma rede de circulação de informações com instituições
e organizações relacionadas à agricultura no município do Rio de Janeiro: ONGs, o Sindicato
Rural e o Conselho Municipal Rural entre outros. Das três associações agrícolas existentes no
maciço, uma delas foi criada neste contexto de discussão do projeto da PAF/Farmanguinhos e
recentemente, o Banco do Brasil, através do programa DRS – Desenvolvimento Regional
Sustentável - se mostrou interessado em participar da construção do projeto
16
. Também, a
criação recente do conselho consultivo do PEPB, por determinação legal do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação SNUC, com a participação das associações dos agricultores do
maciço se constitui em outra arena de debates e reivindicação de direitos deste grupo social. Ao
reconstituir esses processos procuro refletir sobre o papel dos mediadores e das instituições na
criação de canais de participação e mobilização política, bem como o alcance desta participação.
Uma vez constatado que a imensa maioria dos agricultores encontra-se no território do PEPB
e não fora de seus limites
17
, a assinatura de um termo de compromisso
18
com a diretoria do IEF
é condição sine qua non para que as instituições interessadas e futuros parceiros possam aderir à
esta iniciativa. O posicionamento dos gestores do Parque e dos diretores do IEF sobre este
projeto ao longo destes dois anos permite refletir sobre os dilemas e desafios de construção de
uma perspectiva socioambiental em unidades de conservação integral.
16
O programa DRS do Banco do Brasil é uma estratégia negocial, na qual o Banco apóia atividades produtivas nas
áreas urbanas e rurais, identificando vocações, potencialidades, pontos fracos ou fortes dos projetos. Neste
programa, o Banco não disponibiliza recursos não-retornáveis, mas com sua força institucional ajuda a encontrar
em sua carteira de clientes, possíveis parceiros o ou patrocinadores para a viabilização do projeto e por fim
disponibiliza empréstimos em condições diferenciadas caso seja necessário.
17
A equipe da PAF desde muito cedo percebeu este fato, contudo a palavra entorno foi mantida, até que fosse
obtido o aceite do IEF para o desenvolvimento de um projeto institucional em um parque: uma unidade de proteção
de uso indireto.
18
O termo de compromisso é um mecanismo jurídico previsto no SNUC, art.39, que prevê a permanência de
populações tradicionais e a manutenção de seus meios de vida em UCs de proteção integral de forma provisória, a
que outra solução seja encontrada para as mesmas.
34
CAPÍTULO I
A categoria parque como instrumento de políticas ambientais no mundo, no Brasil e no
Rio de Janeiro
1.1 - O imaginário social da conservação e o poder simbólico dos parques
Em 2008, o recém-empossado ministro do meio ambiente Carlos Minc
19
, diante de um
quadro de grande pressão política, para reverter de um lado o desmatamento na Amazônia e de
outro, conciliar as iniciativas de desenvolvimento na região empatadas pela burocracia
ambiental, colocou como contraponto à necessidade de agilização dos licenciamentos
ambientais, a criação de parques, como indica a manchete: Ministro do Meio Ambiente promete
rapidez nas licenças e terá apoio para criar parques (O GLOBO, 24 maio 2008). Ainda que as
unidades de conservação anunciadas na reportagem pudessem ser, na verdade, outras categorias
de áreas protegidas, a palavra parque cumpriu seu papel comunicativo de levar uma resposta à
sociedade. Em outras palavras, para mitigar os efeitos do desenvolvimentismo ou dar uma
satisfação aos ambientalistas, o ministro ofereceu como moeda de troca os parques, símbolos
por excelência da conservação.
Este fato político é revelador do poder simbólico dos parques, naquilo que Bourdieu
(2006) define como a capacidade comunicativa, integrativa e produtora de um consenso sobre
determinado aspecto da realidade social. No caso em questão, sobre o que é conservação ou
como deve ser a relação homem-natureza, legitimando o poder político no âmbito das ações
ambientais. Os valores que são acionados ou comunicados e dialeticamente apresentados nesta
referência aos parques são, de um lado, uma iniciativa que se opõe e freia as ações predatórias à
natureza, de outro uma medida ambiental que pode ser combinada ou coexistir com os
interesses econômicos dominantes.
19
Originário do ambientalismo fluminense e secretário do meio ambiente do Estado do Rio de Janeiro desde
janeiro de 2007, Carlos Minc assume o Ministério do Meio Ambiente em maio de 2008, em substituição à Ministra
Marina Silva. Este fato gerou grande repercussão política em razão do grande prestígio que esta possuía no campo
ambiental nacional e internacional, como defensora e representante de modelos econômicos alternativos para a
Amazônia.
35
Justapostas ou combinadas a estes valores existe uma gama de representações e
imagens associadas aos parques ou parques nacionais
20
que foram elaboradas e identificadas
como práticas conservacionistas, desde as primeiras experiências dos parques americanos
criados em meados do século XIX. Existe, portanto, um imaginário social elaborado sobre a
conservação da natureza no qual os parques são evocados como sua maior expressão.
Reconhecendo a polissemia e a ambiguidade do conceito de imaginário social
(BACZKO, 1984, LEGROS et al, 2007), três significados são aqui utilizados: o seu caráter de
sistema simbólico da vida social; como instrumento estruturado e estruturante, ou seja, que
comunica, faz conhecer e impõe ou legitima determinadas práticas; o caráter utópico do desejo
de uma outra sociedade em que a relação homem-natureza se apresenta de forma harmônica e
integrada; o caráter de representação coletiva, ou seja, de depositário da memória afetivo-social
de uma cultura ou povo; recolhendo suas práticas cotidianas: paisagens, distrações, objetos e
atribuindo a elas um sentido de pertencimento e identificação.
A concepção dominante de que a conservação da natureza se faz, sobretudo, através de
parques consolidou-se e tornou-se uma doxa (BOURDIEU, 2006), ou um conjunto tacitamente
aceito de pressupostos no interior do campo ambiental. Trata-se de uma crença fortalecida por
argumentos científicos e elementos afetivos e que encontra também forte reconhecimento na
sociedade mais ampla. Conforme veremos a seguir, esta se tornou a principal prática da política
ambiental brasileira, sendo aplicada pelo Estado a partir de seu poder de ordenamento e
jurisdição sobre o espaço e através de tais instrumentos, impondo e reforçando determinada
visão sobre o mesmo. Baczko (1984, p.299) neste sentido, ao descrever a importância do
imaginário no controle da vida coletiva e do exercício da autoridade e do poder destaca:
“exercer um poder simbólico não significa agregar o ilusório a um poder real, mas sim
multiplicar e reforçar uma dominação efetiva pela apropriação de símbolos, pela conjugação das
relações de sentido e de poderio.” Nas palavras de Barreto Filho (2001), os parques aos poucos
ganharam uma dimensão, de fato, científico, universal, padronizado e global associado à idéia
de conservação in sittu
21
que se impõe sobre as formas locais e tradicionais de interação entre o
homem e a natureza.
20
Conforme veremos a seguir, o conceito de parque nacional atribui aos parques e aos seus elementos naturais um
sentido específico de pertencimento e caráter constitutivo da nação (BARRETO FILHO, 2001).
21
Significa no local, no próprio ambiente.
36
Embora os critérios que legitimam a criação de um parque frente à opinião pública, na
atualidade, sejam cada vez mais embasados no discurso científico de conservação da
biodiversidade, em muitos casos, quando se estuda o processo de criação dos parques, observa-
se que uma série de outros critérios são acionados. Entre eles, a preservação de áreas verdes
para o lazer de populações urbanas, destacando-se além do caráter lúdico, o papel formativo e
pedagógico do contato das famílias com nichos ecológicos representativos e de belezas cênicas
de suas respectivas nações, conforme o sentido atribuído ao conceito de parque nacional,
originalmente criado nos Estados Unidos (BARRETO FILHO, 2001).
De fato, as populações que se viram impedidas de reproduzir seu modo de vida e
relações tradicionais com a natureza, porque seu lugar virou um parque (DIEGUES; NOGARA,
1994), observam com perplexidade que neste mesmo espaço no qual doravante não podem
permanecer em vista do impacto causado por sua presença se a construção de centros de
visitação, hotéis, áreas de lazer para a sociedade mais ampla ou envolvente, uma coletividade
diferente daquela que caracterizava a sua comunidade. Virou santuário da vida silvestre. Assim,
a natureza, transformada em bem público (FUKS, 2001, BARRETO FILHO 2001, SIMON,
2003), passa a ser usufruída por toda a sociedade e, posteriormente, seu caráter público ganha
também um sentido nacional, à medida que os parques passam a ser concebidos como guardiões
de qualidades intrínsecas de uma nação; a beleza, a autenticidade de paisagens, a riqueza de sua
flora e de sua fauna. São espaços reservados à conservação, mas que também evocam
sentimentos de pertencimento, orgulho e identidade nacional e, por ambas as razões, devem
permanecer intocados. Desta forma, a preservação dessas áreas protegidas como parte intrínseca
de um país, tornou-se parte importante dos processos de nation-building, podendo ser
combinada a projetos de desenvolvimento da nação. Tais ideais, produzidos nos Estados
Unidos, foram transpostos para vários países, inclusive para o Brasil, a partir dos anos 30, onde
a criação de parques nacionais também se inseriu em um contexto político de intensa reflexão
sobre a identidade nacional e os caminhos possíveis de desenvolvimento (FRANCO;
DRUMMOND, 2005, BARRETO FILHO 2001). Além disso, deve-se destacar a persistência,
desde longa data, prolongando-se até os dias atuais, de uma forte concepção edênica vinculada
às representações sobre o Brasil (CARVALHO, 1998), capaz de produzir no imaginário social
uma perspectiva extremamente simpática às iniciativas de conservação através dos parques.
37
Assim, é importante destacar que no processo histórico de constituição dos parques
nacionais uma oscilação, ou tensão histórica, entre os usos científicos e recreativos dessas
áreas. Segawa apud Barreto (2004, p. 53) atribui esta oscilação à própria base ideológica do
iluminismo, assentada sobre a fisiocracia e o movimento de valorização das ciências naturais,
assim como sobre os ideais de uso público dos espaços ajardinados. Junto a estes, deve-se
acrescentar a influência de valores românticos de exaltação da natureza e de pertencimento a
partir da identificação de determinadas paisagens a uma maneira de ser e viver de um povo,
como no caso da afeição pelo campo entre os ingleses (THOMAS, 1988, p.16).
No entanto, a idéia da existência de uma natureza intocada nos parques também é
questionada por Diegues (2002), seja porque ela vinha sendo manejada pelas populações
humanas milhares de anos, mas também porque, de acordo com Barreto Filho (2001), os
parques sofrem intervenções paisagísticas, arquitetônicas e outras, destinadas ao lazer nestes
territórios, incluindo até a seleção de espécies mais simpáticas ao homem, estimulando, assim, o
uso turístico.
O que quero enfatizar ao destacar essas contradições, tensões e, diria até,
impropriedades (sob a ótica da ciência da conservação) existentes na concepção dos parques é
que, no imaginário conservacionista, tais interesses não se apresentam como conflitivos ou
antagônicos. O poder simbólico destes consiste justamente na sua capacidade de combinar e
integrar tais valores, produzindo uma visão na qual a conservação das espécies naturais e a
possibilidade de convivência humana é possível. Ao recriar de forma idealizada, sob regras
específicas e racionalmente planejadas, a interação lúdica do homem com a natureza, através da
visitação, os parques m a capacidade de produzir a perspectiva utópica de um mundo mais
harmônico e integrado à natureza. Fora desses espaços, o modelo econômico dominante pode
ser perpetuado, compensado pela existência dessas áreas de natureza “intocada” que, no entanto,
podem ser igualmente espaços de lazer e contemplação humana.Tais valores correspondem a
uma dimensão afetiva resultante de experiências de infância, de família ou outras formas de
socialização em contato com a natureza, vividas ou apreendidas de representações coletivas.
Estes, de formas variadas, se combinam com o discurso técnico-científico da conservação, que
valoriza esses espaços como áreas isoladas e reservadas para a vida silvestre e que, se
desprovidos desta validação científica, não seriam fortes o suficiente para justificar a indicação
38
legal nem as práticas de intimidação, criminalização e restrições exercidas sobre as suas
populações residentes.
Esse tipo de lógica pressupõe que o visitante excursionista é qualitativamente diferente
dos demais cidadãos ou moradores que tradicionalmente ocupavam estes espaços, portador de
uma consciência ambiental que os outros não possuem. Por isso, os excursionistas:
montanhistas, amantes das trilhas ou caminhantes, seriam os verdadeiros parceiros da
conservação que através de sua permanência constante seriam capazes de manter a preservação
desses espaços verdes. A citação abaixo, de Pedro da Cunha e Menezes, membro da UICN
Brasil, Especialista em Unidades de Conservação urbanas, ex-Diretor Executivo do Parque
Nacional da Tijuca, é reveladora do processo de socialização que forma os guardiões dos
parques, além do conjunto de valores que aparecem associados a certa vertente do discurso
conservacionista em defesa dos parques:
Desde pequeno percorro as trilhas do Rio de Janeiro. Comecei com cerca de sete
anos de idade, participando de excursões com o grupo escoteiro João Ribeiro dos
Santos. À medida que fui crescendo, comecei a me enveredar sozinho pelas
matas da Serra da Carioca, próximas à casa da minha mãe em Laranjeiras.
Quando este torrão se esgotou, passei a explorar a Floresta da Tijuca e, depois, a
Pedra Branca, o Mendanha, a Bocaina e a Serra dos Órgãos. (...) O intuito de não
incentivar a visitação monitorada é deixar a mata em paz. Doce ilusão! Em uma
área metropolitana do tamanho do Rio de Janeiro, a especulação urbana e o uso
econômico são a regra. Não vazio de ocupação; não há vazio de uso. Os
espaços não ocupados pelas pessoas de bem, são preenchidos por gente mal-
intencionada. Está aí o exemplo das favelas, onde a ausência do Estado de
Direito criou um vácuo logo ocupado pelo poder paralelo do tráfico de drogas.
Enquanto nossas florestas urbanas não forem percebidas por uma substancial
parcela dos cariocas como um bem fundamental a ser preservado, elas não terão
fiscais nem orçamento suficiente para sua sustentabilidade. As favelas e
condomínios de classe média crescerão às suas expensas. Os caçadores, os
palmiteiros e os coletores de bromélias seguirão frequentando as áreas aonde os
excursionistas não vão.
(MENEZES, Pedro da Cunha e. De volta a trilha transcarioca. O ECO, 3 fev.
2007. Disponível em: < http://www.oeco.com.br/
>. Acesso em: 15 out. 2008)
Percebe-se nesta fala o caráter inquestionável e mesmo moral de defesa dos parques e
do uso que os excursionistas fazem dele, revelando a ausência de contradição entre as atividades
praticadas pelos mesmos e os ideais da conservação. É justamente esta conciliação de valores
que garante a força e o valor afetivo dos parques no imaginário social, o que não encontra
39
equivalência quando comparado ao reconhecimento de outras unidades de conservação.Também
se pode identificar a reação à urbanização ou a suas mazelas como um dos elementos
constitutivos de sua defesa.
Parto dessas reflexões para a realização de um percurso histórico neste capítulo. O
conjunto de apropriações e atribuições de significados que hoje se aplica aos parques foi a eles
fixados ao longo do tempo. Neste sentido, reconstituo a seguir os debates internacionais e
nacionais que consagraram este modelo como principal iniciativa de conservação da natureza,
transformando-se em uma ortodoxia no campo ambiental nacional e, sobretudo, fluminense.
Entretanto, de forma concorrente, dissonante a esta perspectiva, a difusão de valores ligados ao
conceito de desenvolvimento sustentável, da ecologia política
22
e a própria resistência de
populações que sofreram de forma mais intensa o ônus da conservação a partir de meados dos
anos 80, contribuiu para a elaboração de novas categorias de unidades de conservação e práticas
alternativas a serem adotadas em diversos setores da vida social. Essa reorientação se deu no
Brasil de forma mais intensa na região amazônica e aos poucos tem conquistado mudanças nas
esferas política, jurídica e nas concepções sobre a relação homem-natureza. Descrevo então as
disputas no campo ambiental entre dois pacotes interpretativos distintos; o conservacionismo e o
socioambientalismo, especialmente com o surgimento da questão da permanência humana em
unidades de conservação como tema merecedor de destaque. Pretendo mostrar que a despeito
da grande força da ideologia da conservação (DIEGUES, 2002) no discurso e no conjunto de
ações políticas do campo ambiental, um amplo processo de lutas e mobilizações no sentido de
reconhecer o direito de populações residentes em unidades de conservação integrais tem aos
poucos exercido efeitos sobre o conservacionismo dominante nas políticas ambientais nacionais
e, sobretudo, fluminenses.
Todo este itinerário tem como objetivo chegar ao Parque Estadual da Pedra Branca, que
muito mais do que uma área florestada é um espaço dotado de inúmeras significações sociais
resultantes de determinações complexas entre aquilo que é específico e particular ao local e as
22
Uso este termo em referência às diversas vertentes de pensamento que a partir dos anos 70/80, egressas de
movimentos de contracultura e de esquerda passaram a criticar os modelos vigentes de desenvolvimento econômico
sob a perspectiva da relação sociedade - natureza em seus aspectos materiais e imateriais: a apropriação desigual
dos recursos naturais entre os diferentes grupos e países, o consumismo desenfreado, a poluição causada pela
industrialização, os malefícios causados à saúde pelo estilo de vida moderno, a irracionalidade da corrida
armamentista, etc. Neste contexto, o mundo natural passou a fazer parte da agenda política, vinculado a questões
sociais e econômicas.
40
categorias abstratas ligadas à conservação da natureza, produzidas muito distantes dali no tempo
e no espaço.
1.2 - Os primeiros parques
Ao descrever o processo de criação dos parques americanos, Barreto Filho (2001)
demonstra que vários atributos, valores e justificativas morais são vinculados aos primeiros
parques americanos posteriormente e de forma gradual ao ato de sua criação. O próprio adjetivo
nacional, tão naturalmente indissociado do conceito de parque, foi elaborado posteriormente
à criação do “parque público” de Yellowstone. Este termo foi mais utilizado à época da sua
criação, mais modesto e bem menos pretensioso do que o conceito de nacional que é depois
atribuído a este espaço protegido, à medida que a concepção de wilderness
23
passou a ser
identificada com os ideais da nação americana (uma civilização modelada em confronto direto
com as forças da natureza
24
). De acordo com Barreto (2001, p.68), na abertura da primeira
conferência de parques mundiais em Seattle em 1962, ou seja, noventa anos depois da criação
de Yellowstone, os parques nacionais americanos foram apresentados pelo diretor do National
Park Service como espaços delimitados, nos quais a sensação provocada pelo contato com a
natureza selvagem dos primeiros desbravadores da nação poderia ser experimentada por
qualquer cidadão. Além disso, segundo o autor, os parques nacionais a partir da criação pioneira
de Yellowstone passaram a ser apresentados como uma grande contribuição americana à cultura
universal. Outro fato pouco conhecido descreve Barreto Filho, é que o parque de Yosemite foi
criado em 1864 pelo estado da Califórnia e, portanto, oito anos antes de Yellowstone. Uma das
razões apontadas por este autor para a fama e primazia que este último adquiriu frente ao
primeiro foi a sua magnitude e o atributo de nacional que acabou se dando porque Wyoming no
ato de criação de Yellowstone era um território federal.
Assim, na verdade, outras motivações menos eloquentes e de ordem utilitária tiveram
peso decisivo no ato de criação do parque público, e ainda não nacional, de Yellowstone. Entre
23
Embora wilderness possa ser traduzido de forma imediata como natureza selvagem. Alguns autores
(THOMAS, 1988, BARRETO FILHO, 2001, DIEGUES, 2002) fazem uma discussão aprofundada sobre a
mudança de conotação do termo a partir de final do século XVIII.
24
BARRETO FILHO, 2001.
41
eles, o autor destaca a atuação das companhias Jay Cooke and Co., promotora e financiadora do
projeto de extensão da Northern Pacific Railroad por Montana. Eles esperavam obter dividendos
daquela região como estação de turismo, quando fosse concluído o ramal. Seus sócios sabiam
que Yellowstone tornando-se parque, a sua ferrovia seria a única beneficiária do tráfego
turístico (BARRETO FILHO, 2001). Também a respeito da delimitação do Parque, o autor
informa que a área original abrangia alguns poucos hectares ao longo da beira do canyon e em
torno de cada um dos gêiseres
25
, de modo a garantir o direito de o público contemplar esses
“prodígios da natureza(aspas do autor) ou belezas naturais, revelando, portanto, neste primeiro
momento, um interesse turístico e uma apreensão do mundo natural em sua dimensão estética.
A criação dos primeiros parques no século XIX realiza-se, portanto, em um contexto no
qual toma impulso uma espécie de reação, sobretudo das elites aristocráticas, esmagadas pela
industrialização (CASTELLS, 1999, THOMAS, 1988), ao rápido desenvolvimento das cidades
e das atividades fabris. Até este período predominava uma visão negativa da vida selvagem em
oposição à idéia de civilização e ao domínio crescente da natureza através dos campos
cultivados e da domesticação dos animais (THOMAS, 1988). O fortalecimento do mito da
natureza intocada (DIEGUES, 2002) ou da idéia de wilderness deve-se em grande parte aos
escritores românticos e à difusão dos saberes relacionados à história natural. Thomas (1988)
destaca, neste sentido, que os habitantes das cidades começaram a se interessar e a considerar
belas muitas plantas desprezadas ou detestadas, através do estímulo de artistas, naturalistas e
poetas. Progressivamente, critérios de caráter científico foram acrescidos para justificar a
manutenção de áreas naturais “intocadas”. Essa perspectiva ganhou força com a difusão de uma
nova disciplina, a ecologia, criada pelo biólogo Ernest Haeckel em 1870 que teria por função
estudar a relação entre os seres vivos e o seu ambiente orgânico e inorgânico (LAGO; PÁDUA,
1984). O avanço de um discurso científico sobre a natureza, segundo Thomas (1988, p. 63),
implicou também em certa ruptura com o naturalismo dos séculos XVII e XVIII que concebia o
mundo natural ainda com base em seus usos humanos. O conhecimento ecológico que significa
estudo da casa – do ambiente no qual vivemos consolidou de forma crescente a idéia de que é
necessário entender e cuidar da natureza como um todo e não a partir de seus elementos
isolados. Desenvolveram-se então diferentes correntes que defendem uma espécie de
biodemocracia ou respeito a todas as formas de vida, considerando que o homo sapiens é uma
25
Fontes quentes com erupções periódicas.
42
espécie entre milhões de espécies vivas. A biodemocracia ou biocentrismo seria uma forma de
oposição à arrogância do antropocentrismo ou à idéia de superioridade humana sobre as outras
espécies. Para Castells (1999), a despeito das diferentes linhas de pensamento ambiental
26
, todas
elas representam uma revisão da postura arrogante e utilitarista do homem sobre a natureza,
rejeitando o antropocentrismo ou redimensionando seus valores. Para este autor, no cerne do
movimento ambientalista como um todo está uma crítica da ciência contra a própria ciência. Ou
seja, este saber se apóia sobre um conhecimento cada vez mais aprofundado e integrado entre a
biologia e outras ciências, fazendo uso das tecnologias de informação para se opor ao uso
equivocado deste mesmo conhecimento científico e de suas tecnologias.
Apesar desta concepção que entende que a reflexão ambiental representa uma
readequação da perspectiva antropocêntrica, alguns autores entre eles, Ehrenfeld (1992, p.37)
acreditam que até mesmo o ideário da conservação é influenciado pelos pressupostos
humanistas, à medida que a preservação da natureza é identificada como a preservação de
recursos naturais, ou seja, tem que existir uma razão lógica, prática para salvar cada uma das
partes da natureza. Rodman (1973 apud DIEGUES 2002) também defende a idéia de que por
trás da defesa dos parques existe uma gica antropocêntrica, à medida que não considera a
natureza como um valor em si, mas tem como objetivo a preservação de belezas cênicas e de
áreas de lazer e turismo para as populações urbanas, aliadas à proteção dos recursos naturais às
gerações atuais e futuras.
Aquino (2003, p.71) em balanço sobre a história do movimento ambiental, chama
atenção para uma mudança de enfoque a respeito da natureza entre os americanos na passagem
do século XVIII para o XIX. Neste sentido, a autora destaca como inicialmente prevalecia o
valor simbólico do machado para os colonizadores e a concepção das matas virgens como
obstáculos à provisão de suas necessidades. Já no período seguinte, surgem novas atitudes de
preocupação com a natureza e as primeiras organizações civis preocupadas com o tratamento da
natureza.
Segundo Diegues (2002, p.29), pode-se identificar duas correntes distintas relativas à
conservação nos Estados Unidos: a primeira, defendida pelo engenheiro florestal Gifford
Pinchot acreditava na conservação a partir do uso equilibrado dos recursos naturais, antecipando
26
Terminologia adotada pelo autor e aqui incorporada em referência ao conjunto de correntes voltadas para a
reflexão sobre a relação homem-natureza, desenvolvidas desde o século XIX, sem deixar de reconhecer que estas
tiveram diferentes definições e visões diferenciadas, complementares ou antagônicas.
43
o que mais tarde seria chamado de desenvolvimento sustentável; e a segunda, inspirada nas
idéias de Thoreau, Marsh e, posteriormente, John Muir, defendia a igualdade de direitos entre
homens e animais. Os princípios defendidos por Muir e outros preservacionistas
27
foram
determinantes para a consagração de um modelo de conservação baseado em parques nacionais,
que ao defenderem a igualdade entre os seres vivos, concebiam a necessidade de espaços
protegidos, onde os homens poderiam apenas usufruir indiretamente da natureza, reservando-os
primordialmente para a manutenção da vida de outras espécies. Além da preocupação com os
recursos naturais, é ressaltada também a importância de preservar em estado primitivo,
paisagens naturais de grande valor estético (DIEGUES, 2002). Assim, aos poucos, a idéia de
conservação da natureza passa a ser vista de forma atrelada aos parques nacionais ou PNs; a
primeira forma conhecida de área protegida, apoiada sobre a idéia de construir ilhas de
conservação, e ordenar o caos estabelecido pelo homem (SIMON, 2003, p. 49).
Antes de continuar neste esforço de entender como a concepção conservacionista se
fortaleceu, é importante observar que ao longo do tempo as nomenclaturas que definem as
diferentes correntes ambientais modificaram-se, adaptaram-se, foram elaboradas e apropriadas
de acordo com interesses, atores e disputas em questão. Assim, alguns esclarecimentos devem
ser feitos sobre as terminologias ligadas às correntes de pensamento ambiental. No século
XIX, havia uma polarização entre conservacionismo e preservacionismo (DIEGUES, 2002,
p.30). O primeiro ligado a concepções de conservação dos recursos naturais para seu uso
adequado e criterioso. o segundo termo aparece ligado à idéia de reverência da natureza e
apreciação das paisagens naturais e teve papel fundamental no movimento de criação dos
parques nos EUA. Com o passar do tempo, o conceito de preservação passou a estar associado
a uma visão mais compartimentada da natureza, com enfoque na salvação ou proteção isolada
de determinadas espécies ou aspectos naturais, enquanto que conservação possuía um sentido
mais abrangente de preocupação com o habitat e as relações de trocas entre seus elementos.
Com o surgimento de diversas correntes ecológicas formadas a partir da confluência entre
movimentos sociais de contracultura, marxistas, anarquistas, etc, estabeleceu-se uma distinção
entre ecologistas e conservacionistas. Segundo Pádua (1984, p. 35), os conservacionistas seriam
aqueles que têm como foco essencial de suas atividades a conservação de áreas naturais, não se
27
Ler no parágrafo seguinte.
44
envolvendo diretamente em outros aspectos que não dizem respeito a esta questão. Com o
aprofundamento de uma reflexão ambiental nos mais diversos setores da vida social, o tema da
exclusão social e dos ônus desiguais trazidos pela criação de áreas de conservação, estabeleceu-
se uma oposição entre conservacionistas e sociambientalistas.
1.2.1 - As conferências mundiais
Os parques nacionais, a partir da criação de Yellowstone, se multiplicam em diversos
países do mundo. Até meados dos anos 60, a categoria parque, ainda que apresentasse variações
de um país para outro, era a única categoria considerada consensualmente como modelo de
conservação por excelência, embora não existisse um padrão a orientar os critérios de seleção
dos territórios que seriam parques e da gestão desses territórios (MILANO apud SIMON, 2003,
p. 47). A atenção sobre uma série de conferências mundiais voltadas ao tema da conservação e à
discussão sobre áreas naturais protegidas permite reconstruir o longo caminho que resultou na
formação de uma certa lógica de conservação. Diegues (2002) e Brito (apud Simon, 2003, p. 52)
destacam:
- A Convenção para a Preservação da Fauna e Flora, realizada em Londres em 1933;
- A Convenção para a Proteção da Fauna, da Flora e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da
América, realizada em Washington em 1940,
Como os primeiros encontros onde se buscou definir o conceito de parque nacional:
“Áreas estabelecidas para a proteção e conservação das belezas cênicas naturais
de importância nacional e redutos da fauna e flora, das quais o público poderia
aproveitar melhor ao serem postas sobre a supervisão do Estado.” (SIMON,
2003, p.52)
Para a realização dos objetivos dos PNs, consagrou-se a idéia de um uso público do
espaço, controlado pelo Estado, em detrimento do uso comunitário anteriormente estabelecido
no local. Inaugura-se, com esta idéia, uma nova prática jurídica sobre estes ecossistemas, que
regulamenta e altera formas de uso e classificação do espaço. O Estado, através da lei, expressa
e consolida os princípios de conservação da natureza que ascenderam à esfera pública e, ao
fazê-lo, contribui para a produção de um consenso(FUKS, 2001), que associa a conservação da
natureza à prática de criação de unidades de proteção integral e, sobretudo, na modalidade
parque.
45
A formação da International Union For Preservation of Nature - IUPN em 1948,
composta de delegados de dezoito países, é considerada um marco histórico no
desenvolvimento do conceito mundial de áreas protegidas, através da definição e atualização
conceitual do termo e a proposta de auxílio e assessoria aos diversos países no planejamento e
manejo dessas áreas (SIMON, 2003, p.59). Posteriormente, a mudança do nome da entidade de
IUPN para International Union for Conservation of Nature - UICN, com a substituição do
termo proteção pelo da conservação indicou o crescente fortalecimento deste último na
definição do conceito de áreas protegidas. No âmbito da UICN foi criada, em 1960, a Comissão
Mundial de Parques Nacionais que organizou diversas assembléias e congressos para discutir a
temática dos parques nacionais em todo o mundo.
A elaboração de uma lista de parques nacionais e áreas protegidas preparada pela
UICN em 1959, a pedido da ONU, foi também uma etapa importante para a constatação da
grande diversidade de áreas protegidas no mundo, com diferentes objetivos, levando, portanto, à
necessidade de formular um sistema de classificação. Em 1990, após décadas de debate, este
sistema foi finalmente aceito pela Assembléia Geral da IUCN e afirmado em 1992, no IV
Congresso Mundial de Parques Nacionais, realizado em Caracas.
Barreto Filho (2001, p. 15) chama atenção para o fato que a concepção sistêmica e
fundamentada em princípios técnicos das áreas protegidas, definindo diferentes objetivos para
cada categoria de manejo, deu-se a partir de embates e esforços deliberados de diferenciação por
parte de seus idealizadores. No Brasil, no final dos anos 70, tem início a tentativa de formular
um sistema que classificasse e ordenasse as diferentes modalidades de áreas protegidas, o que,
contudo, só será elaborado em 2000. Surge então a expressão unidade de conservação, que vem
a ser os tipos de áreas protegidas reguladas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SNUC. Esta terminologia buscava, portanto, diferenciar ou qualificar o termo área protegida,
visto que este último, de acordo com os idealizadores do sistema
28
, era muito abrangente, sendo
citado em várias leis orgânicas e no código florestal de 1965.
A partir dos anos 60, nos fóruns de discussão internacionais, percebe-se o caminhar de
uma perspectiva fragmentada de proteção da fauna e flora para outra perspectiva que estabelece
de forma clara a associação entre parque e conservação, a julgar pela definição temática dos
encontros destinados à conservação. Os mesmos passaram a ser chamados de conferências
28
Serão apresentados a seguir.
46
mundiais de parques nacionais. A primeira delas, inaugurada em Seattle, 1962, apresentou além
dos parques, novas modalidades de conservação tais como a reserva biológica, floresta nacional,
parque de caça, além do incentivo à criação de parques em áreas marinhas. Juntamente com
essas iniciativas, foi enfatizada a importância de desenvolvimento de programas educativos
nesses territórios protegidos. Segundo Simon (2003), no Brasil essas orientações se refletiram
na criação do Código Florestal Brasileiro de 1965 e do Código de Caça de 1967.
Os anos 70 marcaram uma mudança de paradigmas na questão da conservação. O
movimento ambientalista com suas diversas correntes tornou-se um movimento de repercussão
mundial, deixando de ser uma causa exclusiva de teóricos, pesquisadores ou apaixonados pela
natureza para tornar-se uma questão associada a uma nova maneira de conceber a relação entre
economia, sociedade e natureza (CASTELLS, 1999, P. 144).
Como um caleidoscópio, o ambientalismo constitui-se aos poucos da convergência de
movimentos que, embora distintos, partilhavam de uma leitura crítica e de contestação em
relação à sociedade moderna, ao capitalismo e até mesmo aos rumos seguidos pelo socialismo
real. Os alternativos (HERCULANO, 1992), por exemplo, oriundos de movimentos de
contracultura e pacifistas antinucleares, questionavam as políticas intervencionistas e belicistas,
pregavam a rebeldia ao Estado autoritário, criticavam o consumismo e enalteciam estilos de
vida mais próximos da natureza.
A chamada crise do marxismo (VIOLA, 1987), na cada de 70, também foi
responsável pelo deslocamento de uma reflexão centrada nas relações capital-trabalho por outra
mais ampla que passou a perceber as contradições e injustiças sociais a partir da apropriação
desigual da natureza. Uma das principais contribuições da reflexão do campo marxista
relaciona-se ao alargamento da crítica inicialmente focada no consumismo desenfreado e no uso
de tecnologias duras trazidas pelo industrialismo, para outra crítica que entendia tais práticas
como relacionadas aos mecanismos de reprodução do capitalismo
29
.
De acordo com Herculano (1992), os neo-malthusianos, cujos expoentes são Garrett
Hardin e o casal Ehrlich, defendiam o crescimento zero e a restrição demográfica como única
29
HERCULANO, 1992
.“
Na França realizou-se um debate sobre Ecologia e Revolução que, dentre outros, contou
com Goldsmith, Herbert Marcuse e Michel Bosquet. Neste debate Marcuse declarou: ...a luta ecológica esbarra
nas leis que governam o sistema capitalista: Lei da acumulação crescente do capital, criação duma mais-valia
adequada, do lucro, necessidade de perpetuar o trabalho alienado, a exploração... a gica ecológica é a negação
pura e simples da gica capitalista; não se pode salvar a Terra dentro do quadro do capitalismo; não se pode
desenvolver o Terceiro Mundo segundo o modelo do capitalismo...”
47
forma de garantir a continuidade da vida na terra. Segundo a autora, Hardin faz uso da parábola
do bote salva-vidas, através da qual procura demonstrar que, se num bote cabem dez pessoas,
dez pessoas nele se salvam, mas a décima primeira fará com que todos afundem. Na concepção
de Hardin, o décimo primeiro passageiro do bote Terra seriam os habitantes do Terceiro Mundo.
Portanto, como medida de bem comum deveria cessar qualquer política de ajuda do Primeiro
Mundo ao Terceiro.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, 1972,
chamou a atenção do mundo para a impossibilidade de uma economia de crescimento ilimitado.
O esgotamento dos recursos naturais, a poluição e o aumento populacional seriam alguns dos
fatores que inviabilizariam o modelo de produção industrial e até mesmo a vida na terra.
neste momento uma associação mais clara entre degradação ambiental e justiça social e o
próprio conceito de ambiente passa a ser percebido de modo mais amplo, incluindo a esfera
social e o sistema produtivo (SIMON, 2003, p. 58).
O conceito de desenvolvimento sustentável ganha força e contribui para evidenciar nos
fóruns específicos de discussão sobre áreas protegidas os conflitos sociais gerados pela criação
de inúmeras áreas protegidas sem levar em conta os direitos das populações locais. Mesmo
assim, no Brasil, a criação de áreas protegidas de proteção integral (em sua maioria, parques)
pelo governo militar foi uma forma adotada de resposta às exigências internacionais de medidas
de conservação da natureza.
Os anos 80 consagram o conceito de desenvolvimento sustentável e marcam
definitivamente a percepção da ecologia como uma questão política, não mais dissociada da
vida social e econômica. Castells (1999) define este processo como o verdejar do ser. Marcos
desta nova perspectiva foram em 1980 o documento Estratégia Mundial para a Conservação
ECM e o Relatório Bruntdland, ou também chamado de Nosso Futuro Comum produzido em
1986 (SIMON, 2003). Ambos frisavam o uso direto e equilibrado dos recursos naturais pelas
sociedades humanas. O relatório ECM, segundo Simon (2003), destacou-se pela sua
representatividade: foi elaborado a partir da consulta de 450 órgãos governamentais e
organizações conservacionistas, além de mais de cem países membros da UICN. Para esta
autora, a importância do ECM foi destacar que a conservação é resultado de práticas
polivalentes e multidisciplinares aplicadas em rios setores tais como a pesca, a agricultura, a
silvicultura e outros, garantindo seu uso permanente e, portanto, também o desenvolvimento
48
humano. O reflexo desta nova postura foi o deslocamento de uma determinada concepção que
entendia que a criação de áreas protegidas era o mais importante, senão único, caminho para a
conservação da natureza. A partir deste momento, ela passa a ser buscada em diferentes
atividades e esferas da vida social.
É interessante destacar também que a década de 80 marca o surgimento do Partido
Verde na Alemanha. Para Castells (1999), embora este, a rigor, não fosse um movimento
ambientalista, foi mais eficaz do que qualquer outro movimento europeu na propagação desta
causa na Alemanha. Inspirado em idéias anarquistas, o Partido Verde reuniu sob sua bandeira
um conjunto de movimentos populares que não encontrava expressão nos três principais
partidos que se alternavam no poder. Seu eleitorado era formado por jovens, estudantes,
professores, desempregados e funcionários públicos e seu programa tratava de temas tais como:
ecologia, paz, defesa das liberdades, proteção às minorias e aos imigrantes, feminismo e
democracia participativa (CASTELLS, 1999).
Ao ampliar-se a reflexão sobre conservação, desenvolvimento sustentável e sobre a
necessidade de proteger diferentes tipos de ecossistemas, além de considerar a dificuldade de
implantarem-se reservas ecológicas intocadas, abriu-se espaço para que novas modalidades de
áreas protegidas fossem criadas, muitas delas admitindo a presença humana. Desta forma, os
parques deixaram de ser o modelo exclusivo, para tornarem-se uma dentre outras categorias de
manejo (SIMON, 2003 p.47). Avançou então o debate sobre temas como zoneamento, a
conciliação entre os direitos das populações locais e os interesses de conservação e a tentativa
de elaboração de planos de manejo através do diálogo com seus habitantes originais.
Mas, ainda que tenha amadurecido um novo entendimento na relação entre
desenvolvimento e sociedade, os ideólogos da conservação (expressão usada por Diegues, 2002)
defendiam que este tipo de iniciativa conciliadora deveria ser posta em prática fora das áreas
de proteção integral. Simon constata que a estratégia dos parques saiu fortalecida do
Congresso Mundial de Parques Nacionais em Bali, 1982. Apesar de este encontro reafirmar o
direito à autodeterminação social, econômica, cultural e espiritual das populações tradicionais,
em nenhum momento foi explicitamente reconhecida a existência de populações tradicionais em
parques nacionais do terceiro mundo e nem dos conflitos causados pela sua expulsão no ato de
criação desses territórios (DIEGUES, 2002, p.102). Alguns documentos publicados nos anos 80
indicam que a temática da permanência humana em unidades de conservação começou a ganhar
49
maior visibilidade dentro e fora dos círculos de debate sobre a conservação. Assim, a Revista
Cultural Survival
30
publicada em fevereiro de 1985 teve como título Parks and People e
assumiu uma postura crítica em relação à expulsão de populações tradicionais, indígenas e
outras de áreas protegidas. O Manual para manejo de áreas protegidas nos trópicos, publicado
pela IUCN em 1986, apresentou de forma explícita a preocupação com as populações nativas
existentes dentro dos parques e fez recomendações de como incorporá-las nestes territórios
(DIEGUES, 2002, p. 107). Este manual cita exemplos de algumas experiências bem sucedidas
e destaca a necessidade de realização de estudos socioeconômicos sobre as populações afetadas.
No documento From Strategy to Action de 1988, também da IUCN, com vistas à
implantação do relatório Brundtland (Nosso futuro Comum), recomenda-se o devido
reconhecimento dos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais e a elaboração de
planos de conservação, levando-se em conta o conhecimento acumulado dos povos tradicionais.
Em 1991, o documento Cuidar la Tierra, elaborado pela UICN/PNUMA/WWF, também aborda
a temática das populações tradicionais e seus direitos sobre os territórios que ocupam.
31
Os efeitos dos debates dos anos 80 se tornam evidentes no IV Congresso Mundial de
Parques em Caracas, realizado na Venezuela, em 1992, intitulado sugestivamente como Parques
e Povos. Neste encontro, constata-se que nada menos que 86% dos parques na América Latina
abrigavam populações permanentes.
Conforme veremos a seguir, no Brasil estes debates irão se fortalecer, sobretudo na
Amazônia, onde desde meados dos anos de 1980, encontravam-se na região, ambientalistas e
populações locais pressionadas pelas frentes de exploração econômica.
Neste contexto produziu-se uma convergência entre os valores dos ambientalistas e os pequenos
produtores, resultando na Aliança dos Povos da Floresta e na conformação da vertente
ambientalista definida como socioambientalismo (ESTERCI, 2008, SANTILLI, 2005,
CARNEIRO DA CUNHA; ALMEIDA, 2000). Esta nova perspectiva tem como idéia central o
envolvimento das populações locais nas políticas ambientais, levando em consideração seu
modo de vida e conhecimentos sobre o manejo dos recursos naturais.
Aqui se faz necessária uma outra consideração sobre as terminologias adotadas neste
trabalho. Conforme descrevemos, a perspectiva socioambiental, no que diz respeito à construção
30
DIEGUES, 2002, p. 103. Cultural survival. V.9, n.1, fev. 1985.
31
Ambos documentos citados por Diegues, 2002, p. 107-109.
50
de alternativas socialmente justas em áreas protegidas, desenvolveu-se a partir de movimentos
mais amplos orientados pela crítica aos modelos de desenvolvimento predatório, cunhando a
expressão desenvolvimento sustentável e através da combinação de diferentes agendas de
esquerda - que passaram a perceber a desigualdade social na apropriação dos recursos naturais.
Alguns autores (ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007) ao se referirem a estes movimentos
fortalecidos, sobretudo, no Brasil nos anos 80, em um contexto de redemocratização, usam o
termo socioambientalismo. Embora o termo aqui também seja adotado neste sentido amplo,
quando for necessário diferenciá-lo dos movimentos e debates específicos sobre a permanência
humana em áreas protegidas, usaremos o termo ecologia política para os primeiros e
socioambientais para os últimos.
Apesar das conquistas sociambientalistas e do surgimento de novas modalidades de
áreas protegidas que buscavam a conciliação entre a conservação e a permanência das
populações originalmente residentes nesses territórios, os parques, na concepção de muitos
ambientalistas, continuam ocupando o seu lugar de modelo ideal de conservação dos
ecossistemas representativos. Não se cogita em abrir estes espaços para o uso humano direto,
nem tampouco solucionar as inúmeras contradições e conflitos sociais que se estabeleceram
nesses espaços de incerteza, definição usada por Sathler (2007), referindo-se à produção de uma
“desterritorialização subjetiva” dos moradores causada pela incerteza de seus vínculos com o
território. À medida que o impasse da permanência humana no parque não é resolvido (seja por
falta de recursos do Estado para a desapropriação, pelas disputas judiciais, pelo reduzido
quantitativo de recursos humanos e materiais nas instituições ambientais), se estabelece uma
relação em que os órgãos gestores e as populações residentes são obrigados a estabelecer formas
de convivência e negociação de conflitos. Entretanto, devido ao baixo poder de barganha dos
moradores frente ao poder público, responsável pela administração dos parques (reforçado pela
condição de baixa renda e escolaridade, além do desconhecimento de aspectos jurídicos e
técnicos que envolvem a solução desta situação), as regras do que é possível ou não fazer nestes
territórios se tornam pouco claras ou indefinidas. A incerteza de seus moradores quanto ao seu
status legal e consequente medo de uma possível remoção fazem com que a negociação seja o
principal instrumento dos moradores e dos gestores da área, ainda que os recursos de ambos os
lados sejam desigualmente distribuídos.
51
Desta forma, o Estado, através dos agentes ambientais, transforma as relações de
poder e passa a exercer um poder de tutela (SOUZA LIMA, 1995, LOBÃO, 2006, COSTA,
2008) sobre os moradores de áreas protegidas, e aceita a permanência destes mediante a
atribuição de um status diferenciado (como por exemplo, a categoria de populações
tradicionais) dos demais membros da sociedade e, sob a vigilância dos tutores que julgam se
seus comportamentos são adequados ou não à legislação ambiental. No caso, das áreas
protegidas de conservação integral, o poder dos tutores se impõe de forma ainda mais
flagrante, visto que, pela lei, não deveriam existir populações nestes espaços. Assim, a
relação entre funcionários e habitantes se estabelece, em grande medida, a partir de
obrigações e favores, de vínculos pessoais e de redes locais de poder e conhecimento que se
sobrepõem às imposições legais da burocracia estatal (COSTA, 2008).
1.3 - As políticas ambientais e os parques no Brasil
Desde o final do século XIX, havia a preocupação com a preservação de estoques
madeireiros ou destinados à proteção de mananciais para assegurar o futuro do país (PÁDUA,
2002, BARRETO FILHO, 2004) e, a partir dos anos 30, a manutenção de áreas protegidas era
entendida como condição necessária para o desenvolvimento da sociedade brasileira.
Foi, contudo, no contexto de governos desenvolvimentistas, a partir do final dos anos
50 até meados dos anos 80 que a criação de parques no Brasil teve notável crescimento. Nesta
fase, a criação de algumas UCs, motivadas por ideais conservacionistas eram formuladas por
alguns idealizadores que encontravam um ambiente favorável na tecnocracia do governo
federal. Nesta época, embora a burocracia estatal não estivesse sensibilizada aos valores
conservacionistas, apoiava as iniciativas cientificamente orientadas (BARRETO FILHO, 2004),
discurso dominante através do qual as iniciativas ambientais conseguiram se legitimar e
coexistir com os interesses desenvolvimentistas do Estado brasileiro. Diegues (2002), a este
respeito, também salienta que, nos anos 70, a solicitação de financiamentos externos por parte
do governo brasileiro tinha como exigência o respeito a cláusulas de conservação, sobretudo na
Amazônia, impostas pelo banco Mundial e o BID. A ação reguladora do Estado sobre o uso
dos recursos e projetos de desenvolvimento deu-se então a partir da construção de um
52
imaginário onde as frentes de expansão do desenvolvimento acelerado poderiam ser
equilibradas com a conservação da exuberância e a riqueza inesgotável de nossa fauna e flora,
assim como a manutenção do modo de vida dos povos indígenas. Em outras palavras, a criação
de áreas intocadas seria uma espécie de salvo-conduto para um desenvolvimento acelerado,
justificando medidas compensatórias aos impactos das grandes obras de infra-estrutura
econômica frente às agências internacionais. Alguns conservacionistas fazendo uso dessas
oportunidades políticas procuraram criar o máximo de áreas protegidas de uso indireto ou de
proteção integral.
Embora não seja o foco da temática abordada neste trabalho, é interessante ressaltar o
diálogo ou afinidade entre as políticas ambientais e aquelas voltadas para as populações
indígenas, visto que estas em muitos momentos são concebidas como parte integrante da
natureza. Um exemplo desta associação é citado por Barreto Filho (2004) ao afirmar que os
territórios indígenas, hoje excluídos do SNUC, eram concebidos como áreas de proteção
integral. Também Saber (2002, p. 132) ao analisar o discurso produzido sobre as populações
indígenas em revistas de grande circulação observa que estas eram vistas, nos anos 50 (Revista
Cruzeiro), como exóticas e parte do meio natural, ao mesmo tempo em que se tornavam também
um entrave ao progresso. O índio, assim como a natureza, precisava ser domesticado. Já nos
anos 70 (Revista Realidade), a abordagem destaca o perigo que o progresso representa para a
manutenção da cultura indígena. Nos anos 80/90 (Revista Veja), é destacada a ambivalência
entre a necessidade de preservar as culturas indígenas e o sentido desta prática, uma vez que
muitos deles estão aculturados e devido à quantidade de terras que possuem - citando como
exemplo os Kaiapó - são mais ricos do que 90% dos brasileiros. Apesar de diferentes
imaginários produzidos sobre os índios, ao longo do tempo, a forma encontrada para
intermediar a relação destes com a sociedade nacional, foi através do poder tutelar (SOUZA
LIMA, 1995), exercido pelo Estado em áreas protegidas, assim como estas se tornaram os
principais instrumentos das políticas ambientais.
1.3.1 - As primeiras iniciativas
Apesar da influência de correntes de pensamento e medidas ambientalistas
internacionais, segundo Pádua (1987), desenvolveu-se no Brasil uma reflexão ecológico-política
53
genuína desde os tempos coloniais. Como manifestações dessa reflexão, pode-se destacar, no
Rio de Janeiro, a criação de jardins botânicos, parques públicos e reservas de florestas durante o
império medidas ambientalmente
32
precursoras. O reflorestamento do maciço da Tijuca, na
capital do Império a partir de 1845 e posterior criação da floresta da Tijuca em 1861, por
exemplo, foi marco da política ambiental brasileira.
33
Na origem de sua criação estava a
preocupação em garantir os mananciais que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro e o desejo da
elite de usufruir uma área florestada e paisagisticamente planejada (BARRETO FILHO, 2004,
PÁDUA, 2002, DRUMMOND, 1988).
os anos 30 e 40 foram marcados por um intenso sentimento nacionalista e desejo de
modernização da sociedade e das instituições do Estado. Setores significativos da sociedade se
mobilizaram para discutir temas diversos e, entre eles, a proteção à natureza. Cientistas,
intelectuais e funcionários públicos, atuantes em instituições científicas do Rio de Janeiro
ligadas ao estudo e à conservação da natureza, tais como o Museu Nacional e o Jardim
Botânico, além de associações e grupos cívicos, aspiravam que o Estado implementasse
políticas voltadas à proteção do patrimônio natural brasileiro. Franco e Drummond (2005)
destacam a importante atuação de um grupo de cientistas e intelectuais, entre eles, Cândido
Mello Leitão, Paulo Roquette-Pinto, Bertha Lutz, Heloisa Alberto Torres, Armando Magalhães
Corrêa e Alberto José Sampaio entre outros. É justamente neste período, em 1934, que surgem
as primeiras legislações de caráter ambiental: O Código Florestal de Águas e Minas e de Caça e
Pesca e o Conselho Florestal Federal (BARRETO FILHO, 2004 p. 56). O código de 34 definiu
três categorias de área reservada: parques nacionais, florestas nacionais, estaduais ou municipais
e florestas protetoras. Os três primeiros parques nacionais são criados nesta mesma década:
Itatiaia (1937), Iguaçu e Serra dos Órgãos, em 1939. A criação desses parques e de uma
legislação ambiental ia ao encontro dos anseios de grupos de cientistas e associações diversas.
Por exemplo, a região de Itatiaia, entre 1908 e 1928, era uma antiga estação de pesquisas
sobre a responsabilidade do jardim Botânico (SIMON, 2003, p. 86).
Assim, a partir dos anos 30, o Estado, ao definir a natureza como patrimônio nacional a
ser preservado, mudou também o sentido e o status dessa preservação que passou a ser tutelada
32
Os termos ambiental, ecológico-político ou ecologia política são utilizados no sentido - trabalhado pelo próprio
autor - de identificar a reflexão social voltada a pensar as relações entre a sociedade e seu espaço natural.
33
A Floresta da Tijuca, em 1961, foi transformada em Parque Nacional da Tijuca.
54
pelo poder público incluindo, dessa forma, a natureza na agenda governamental (MEDEIROS
2005, p.10). Mais do que isso, através do processo crescente de constituição de leis e de um
corpo burocrático especializado, o Estado impôs um modo dominante de conceber e agir sobre a
temática ambiental, marcado pelo predomínio de justificativas técnicas e científicas.
1.3.2 - Uma Política Nacional de Conservação da Natureza
A partir dos anos 40, o país avançou para uma política de conservação da natureza
propriamente dita, com a criação de uma estrutura burocrática, com atribuições definidas e
princípios legais mais objetivos. Segundo Simon (2003), a partir desta década deve ser
destacada também a atuação de alguns conservacionistas
34
que circularam por diferentes
instituições públicas e organizações não-governamentais, exercendo grande influência sobre o
campo de idéias e processos decisórios. Um desses ideólogos, Wanderbuilt Duarte de Barros,
publica em 1946 uma obra de grande receptividade entre os conservacionistas, a obra Parques
Nacionais do Brasil na qual é estabelecida de forma clara a necessidade de proteção de terras em
estado natural tuteladas pelo Estado em benefício da sociedade.Também nos anos 40, tem-se a
criação das florestas protetoras da União, destinadas a proteger as florestas em torno de
mananciais que pudessem garantir o abastecimento de água potável. O estado do Rio de Janeiro
destaca-se com a criação de nada menos que vinte florestas protetoras
35
.
Barreto Filho (2004, p. 56) chama atenção para o fato de que o Serviço Florestal criado
em 1921, como seção especial do Ministério da Agricultura, Induústria e Comércio, a partir do
Decreto-Lei n. 982 de 23/12/1938, reordenou administrativamente instituições pré-existentes,
passando a ser subordinado diretamente ao Ministro do Estado da Agricultura. Em 1939, a sua
Seção de Parques Nacionais foi criada.
Para Medeiros (2005), o fato de os primeiros PNs estarem vinculados ao Ministério da
Agricultura revela uma tradição de proteção vinculada à administração florestal, na qual a
floresta é vista fundamentalmente como um recurso econômico que deveria ser explorado.
Barreto Filho (2004, p. 56) em relação a este aspecto, destaca que a árvore, desde os tempos do
34
Wanderbuilt de Barros, Alceo Magnanini, Victor Abdennur Farah. Harold Edgar Strang, Fernando Ávila Pires,
Aldemar Coimbra Filho, Paulo Nogueira Neto. (SIMON, 2003, p. 87, 91)
35
A abreviação FPMU significa Florestas Protetoras de Mananciais da União e foi utilizada por Mendonça Filho;
Queiroz; Pedreira (2001). Contudo, esta nomenclatura e abreviatura foi encontrada nesta obra. Todos os demais
autores referem-se à mesma categoria como Florestas Protetoras da União.
55
Império brasileiro é o elemento que permitiu operar distintas propostas de espaços protegidos,
abordada em seus aspectos econômicos, ecológicos e sociais. De um ponto de vista econômico
esteve ligada à preocupação com os estoques madeireiros, fundamentais para a expansão da
malha ferroviária, da rede de telégrafos e do padrão energético. A preocupação pedagógica
direcionou-se para a silvicultura, assim como o termo educação florestal antecedeu o termo
educação ambiental. É também a floresta condição necessária para a manutenção dos
mananciais que abastecem a cidade e áreas verdes para o lazer das populações urbanas.
Em 1960, o Departamento de Recursos Naturais Renováveis DRNR substitui o
Serviço Florestal. Nesta fase, com a forte influência de conservacionistas no Conselho Florestal,
registra-se a criação de oito PNs (SIMON, 2003, p. 90). Alguns de seus membros também
participaram da elaboração do Código Florestal de 1965. Alceo Magnanini, um dos
conservacionistas do Conselho revela, como indicativo do prestígio deste grupo, que o
presidente do Conselho Florestal, Vitor Farah, era recebido diretamente pelo então presidente da
República, Jânio Quadros.
Simon (2003), ao descrever a atuação deste grupo de defensores do conservacionismo,
destaca a importância da Fundação Brasileira de Conservação da Natureza - FBCN, criada em
1958, a partir de laços entre estes idealizadores e a IUCN. Esta organização não-
governamental exerceu forte influência na defesa dos interesses conservacionistas dentro e fora
do governo.
Confirmando o êxito desta equipe, Barreto Filho (2004) afirma que entre 1959 e 1961
houve um verdadeiro boom de criação de parques nacionais, dentre eles cinco na região Centro-
Oeste: Araguaia, Emas, Tocantins, Brasília e Xingu. Em 1961 Ubajara (CE), Aparados da Serra
(RS/SC) e Araguaia (GO). Ainda sob o Governo JK, O PN das Emas e do Tocantins, ambos em
Goiás. Também o PN de Sete Quedas (PR), Xingu (MT), Caparão (MG/ES), Sete Cidades (PI),
São Joaquim (SC) e Tijuca (RJ).
Alceo Magnanini, contudo, destaca que apesar de o governo JK ter criado um grande
número de parques, o Presidente Juscelino não demonstrava interesse e nem mesmo consciência
sobre este assunto. Esta constatação se deve a um fato curioso narrado pelo próprio Magnanini:
“Recebi uma carta de um conservacionista americano, contando que tinha
ouvido o Juscelino, depois que saiu do Brasil, na época do regime militar, numa
conferência na Califórnia, onde o movimento conservacionista é muito forte. E
Juscelino falava sobre os planos de desenvolvimento e alguém perguntou o que
ele tinha feito pela conservação da natureza. E a resposta textual foi esta: ‘no
56
Brasil, nós nos preocupamos é com o feijão e não com esse negócio de fauna e
flora’” (URBAN, 1998, p.227 e entrevista em 26 mar. 2007).
No governo Jânio Quadros foram criados os PNs de Brasília (DF) e Monte Páscoal (BA),
acrescidos de nove reservas florestais, criadas em um único dia; 25/07/1961. Ao acompanhar a
dinâmica de criação dos PNs, no território nacional, Barreto Filho (2004) conclui que a sua
lógica de criação vai do urbanizado Sudeste para áreas onde progressivamente se instalam
frentes de expansão do desenvolvimento nacional, estabelecendo, assim, uma notável
convergência entre os valores conservacionistas estritos e os interesses econômicos e
geopolíticos.
Seguindo então a marcha do desenvolvimento, outra explosão de criação de UCs
integrais ocorrerá entre as décadas 70 e 80 no país como um todo, mas sobretudo na Amazônia.
De acordo com Barreto Filho (2004, p.58), entre 1979 e 1985, foram criados dez parques
nacionais, quatro deles na região amazônica. Das treze reservas biológicas criadas na mesma
época, cinco eram na mesma região e entre 1981 e 1985, de quinze estações ecológicas, onze
foram criadas na Amazônia Legal.
Em 1967 é criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBDF que,
segundo Medeiros (2005, p.13), surge como uma instituição fortalecida e prestigiosa com o
objetivo de fazer cumprir o Código Florestal, a lei de proteção à fauna e toda legislação
pertinente aos recursos naturais renováveis, além de gerir todas as áreas protegidas do Brasil.
Esta instituição é formada a partir da extinção e união do DRNR, do Conselho Florestal, do
Instituto Nacional Pinho e do Instituto Nacional do Mate. A fusão de órgãos de fomento, com
órgãos de conservação é representativa da tensão e convergência dos interesses de proteção e
desenvolvimento no Brasil.
Em 1970, o então diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza do
IBDF Alceo Magnanini publica Políticas e Diretrizes dos Parques Nacionais no Brasil,
antecipando nesta obra a necessidade de planos diretores e zoneamento das unidades de
conservação, fortemente apoiado sobre a experiência do modelo americano de parques. Nesta
obra (1970, p.3), o autor define como objetivo aproximar-se tanto quanto possível do
Compilation of the Administrative policies of the National Park and National Monuments of
Scientifc Significance Natural Area Category, publicado em 1967 e que seria uma compilação
da experiência americana de administração de parques desde 1872 e, assim, pretendia
57
disponibilizar uma comparação crítica à nossa experiência, além de fornecer um roteiro básico
de ação para o pessoal empregado nos parques (...) e uma melhor compreensão do público
usuário sobre o que são, porque existem e para que são mantidas algumas políticas e usos em
nossos Parques Nacionais.
No plano internacional, a Conferência de Estocolmo em 1972 representou um marco do
reconhecimento do ambientalismo como um tema global. O Brasil, que nesta época vivia uma
fase de grande desenvolvimento econômico, se posicionou de forma contrária às propostas
dominantes de crescimento zero impostas pelos países desenvolvidos. Nossos enviados à
Conferência declararam que o compromisso prioritário brasileiro era com o desenvolvimento
acelerado e que a recuperação de desequilíbrios ambientais deveria ser responsabilidade do
Primeiro Mundo (HERCULANO, 1992). Apesar disso, o Brasil seguiu as recomendações
internacionais de criar e reforçar instituições destinadas à questão ambiental (Medeiros, 2005,
p.13). Assim, sob o impacto das pressões internacionais para a defesa do meio ambiente a partir
da Conferência de Estocolmo e do Clube de Roma, é criada em 1973 a Secretaria Especial do
Meio Ambiente SEMA, no âmbito do Ministério do Interior
36
, passando a dividir com o
IBDF a gestão das políticas brasileiras de conservação da natureza.
Dirigida pelo conservacionista Paulo Nogueira Neto entre 1974 e 1986, a SEMA criou
neste período três novas modalidades de UCs: a estação ecológica - ESEC, a área de proteção
ambiental APA, e área de relevante interesse ecológico - ARIE. Segundo Nogueira Neto
(SIMON, 2003, p.95), a criação dessas novas categorias deveu-se à oportunidade de garantir
novas áreas de proteção sem entrar em choque com o IBDF que detinha a atribuição de criar e
administrar as UCs no Brasil. Entretanto, naquele momento, o IBDF enfrentava dificuldades
para manter as áreas protegidas já existentes e, sobretudo, de criar áreas novas. Através do apoio
de Alceo Magnanini, então no IBDF, Nogueira Neto criou as novas unidades ainda em caráter
consultivo e sem leis que a regulamentassem
37
, substituindo inclusive o termo floresta por biota
para não se indisponibilizar com o IBDF. Essa passagem é reveladora da importância dos atores
descritos, articulados em determinadas posições no campo político ambiental na conquista de
36
Novamente, uma secretaria voltada para a temática ambiental criada no âmbito de um órgão responsável pela
estratégia de crescimento e desenvolvimento acelerado.
37
Foram regulamentadas apenas em 1981 com a lei da Política Nacional do Meio Ambiente (SIMON, 2003, p.
96).
58
seus objetivos. A postura de Alceo Magnanini também é reveladora do jogo de cintura dos
conservacionistas para fazer valer seus interesses em um órgão que lidava com duas lógicas
distintas, muitas vezes pendendo para os valores desenvolvimentistas.
Para Simon (2003, p.96), a atuação da SEMA, independente das razões que motivaram
a criação de novas categorias de UCs, marcou uma tímida, mas eficiente mudança na forma
como se encarava a conservação no Brasil, ao contemplar a possibilidade de permanência
humana nas APAS e ARIES. Apesar disso, na opinião de alguns conservacionistas históricos,
como Alceo Magnanini e Maria Teresa Jorge Pádua, as APAS funcionam muito mais como
áreas de planejamento de uso, na visão do primeiro e zonas tampão ou áreas para corredores
ecológicos, do ponto de vista da segunda. Magnanini chega a dizer que todo o país deveria ser
uma APA (SIMON, 2003, p.97).
Segundo Medeiros (2005), a atuação paralela da SEMA e do IBDF, além da
similaridade de objetivos de conservação existentes entre diversas categorias legais criadas,
tais como a REBIO e a ESEC, apontavam para a necessidade de unificação e integração em um
único sistema. As propostas de elaboração do mesmo, em 1979 e depois em 1982, foram
embriões de um intenso debate que resultou na formação do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação SNUC. O próprio termo unidade de conservação ganha força e um sentido
sistêmico, a partir desta época, em um esforço pessoal de Maria Tereza Pádua (ex-chefe do
Departamento de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes da Divisão de Pesquisa e Proteção
da Natureza do IBDF e, uma das mais ferrenhas defensoras do pensamento conservacionista)
em diferenciá-lo do termo mais amplo e genérico de área protegida. Este último termo, embora
possa ser usado como sinônimo, pode também se referir a qualquer área pública, privada contida
nas leis orgânicas; no Código Florestal e outros. Já, quando se fala em unidades de
conservação, faz-se referência a um conjunto especifico de modalidades de áreas protegidas
regidas pela lei do SNUC (BARRETO FILHO, 2001).
Não se deve desconsiderar, contudo, que todo sistema de classificação hierarquiza,
divide, controla e impõe uma certa ordem (BOURDIEU, 2006, DURKHEIM, 1978). Durante
este período desenvolveram-se intensos debates e disputas entre os defensores do
conservacionismo defendendo um modelo restritivo de áreas protegidas, e os
socioambientalistas defendendo o direito à permanência de populações nativas nos territórios
protegidos em uma tentativa de conciliar seus modos de vida e atividades econômicas e os
59
objetivos da conservação. Embora tenha havido conquistas socioambientais na elaboração final
do SNUC, para muitos autores, como Diegues (2002), é inegável que o projeto conservacionista
saiu vitorioso: pela timidez com que reconhece o direito das populações tradicionais e pela
hierarquização implícita das UCs, privilegiando as que são de proteção integral.
1.3.3 - O SNUC e a permanência humana em unidades de conservação
No Brasil, o tema da permanência das populações humanas na agenda de discussão dos
órgãos gestores só aparece de forma clara em 1992, no projeto de lei para elaboração do SNUC.
O histórico da tramitação desta Lei começa em 1988
38
, quando o extinto IBDF encomendou à
Fundação Pró-Natureza, dirigida por Maria Tereza Jorge Pádua
39
uma proposta de lei que
instituísse um sistema nacional de unidades de conservação. Aprovada pelo Conselho Nacional
de Meio Ambiente - CONAMA, a proposta foi então encaminhada ao Congresso Nacional em
1992. Com um perfil claramente conservacionista, ou seja, voltado para a defesa exclusiva do
valor das espécies e ecossistemas, o documento não fazia nenhuma referência ou demonstrava
preocupação com os prováveis prejuízos trazidos à vida das populações locais.
40
1.3.4 - A reação do Sociambientalismo
Reagindo a este modelo, os defensores de uma visão socioambiental afirmavam que as
UCs de proteção integral existiam em número suficiente e que muitas delas haviam sido criadas
de forma autoritária (SANT’ANNA, 2003), sem levar em consideração as formas de vida das
populações locais. Outro argumento importante questionava a adequação de modelos de
preservação transpostos dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, como o
nosso, conforme pode ser lido na primeira proposta de substitutivo em 1994 pelo então relator
na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, Fábio Feldman que fez
38
Na verdade, desde 1974 o IBDF vinha realizando estudos e em 1979, inicia-se a 1ª.etapa do Plano do Sistema de
UCs e em 1989, a 2ª. etapa do Plano. Ambos coordenados pela então diretora de parques do IBDF, Maria Tereza
Jorge Pádua (SIMON, 2003, p. 98).
39
Maria Tereza Jorge Pádua é considerada uma entre outros conservacionistas históricos responsáveis pela criação
de várias unidades de conservação integrais no Brasil entre os anos 1968 a meados dos anos 90. Sua trajetória e de
outros conservacionistas encontra-se retratada em Urban, 1998.
40
Para uma leitura mais detalhada dos debates e disputas que resultaram na elaboração do SNUC, ver: Santilli
(2005), Mercadante (2000,2001), Sant’Anna (2003), Sathler(2008).
60
diversas alterações no texto original. Reproduzo a seguir um trecho deste relatório que sintetiza
as controvérsias entre os conservacionistas e sociambientalistas:
“... o Projeto, na forma proposta padece os efeitos de uma concepção envelhecida
sobre o significado e o papel das unidades de conservação, concepção esta que
tende a desconsiderar as condições específicas dos países pobres como o nosso, e
que vem sendo paulatinamente revista e atualizada no mundo todo. (...) incorre-
se via de regra, em um equívoco fundamental: as unidades de conservação são
concebidas e criadas de cima para baixo, como se fossem entidades isoladas,
alheias e acima da dinâmica socioeconômica local e regional. A visão
conservacionista, a rigor, é incapaz de enxergar uma unidade de conservação
como um fator de desenvolvimento local e regional; de situar a criação e gestão
dessas áreas dentro de um processo mais amplo de promoção social e econômica
das comunidades envolvidas. Consequentemente, as populações locais são
encaradas com desconfiança, como se fossem uma ameaça permanente à
integração e aos objetivos da unidade, o que, nestas circunstâncias, isto é, nesta
situação de isolamento e confronto, acaba se tornando uma verdade...(
SANTILLI, 2005, p. 115)
Em outro trecho do mesmo relatório, Feldman ainda enfatiza que os problemas advindos da
criação de unidades de conservação de forma autoritária não são resultantes apenas da falta de
recursos, da ausência de vontade política ou na falta de sensibilidade ecológica e espírito
público dos governantes, mas de uma concepção que não incorpora a participação da população
local nos projetos de conservação e assim conclui:
“O resultado dessa situação é que a maior parte das unidades legalmente criadas
no país existe mesmo no papel. (...) ainda que o país viesse a dispor dos
recursos necessários para regularizar, fundiariamente, cercar, equipar, fiscalizar e
gerir as unidades de conservação, ainda sim seria muito pouco provável que se
pudesse garantir, a longo prazo, a conservação dessas áreas, se elas continuassem
a ser concebidas e criadas e manejadas com base na filosofia tradicional (...)
porque elas não são (grifo meu) concebidas e manejadas com o propósito claro,
evidente e inequívoco, de contribuir para a promoção social, cultural e
econômica da população, especialmente das comunidades do entorno dessas
áreas.” (SANTILLI, 2005, p. 116)
Com o afastamento de Feldman em 1995, para assumir a Secretaria de Meio Ambiente
de São Paulo, a função de relatoria do projeto de Lei passa a ser exercida por Fernando
61
Gabeira
41
que inclui novas modificações na proposta. Dentre elas: a inclusão de novas
modalidades de unidades de conservação de uso sustentável, a orientação do SNUC para
políticas que assegurem a participação das comunidades locais na criação, implantação e gestão
das UCs, assim como a subsistência das comunidades locais que dependam da utilização dos
recursos naturais existentes nas unidades, além da proteção e a valorização do conhecimento das
populações tradicionais sobre o manejo e uso sustentável dos recursos naturais.
Ao longo do processo histórico de debates sobre o tema, legitimou-se o direito das
populações residentes nas áreas que habitavam. A legislação aprovada, ao dividir as UCs entre
as de uso indireto ou integral
42
e as de uso sustentável
43
(nas quais há restrição apenas quanto ao
desenvolvimento de determinadas atividades econômicas), acabou por explicitar a ausência de
direitos das populações na primeira categoria.
Na verdade, criou-se um novo patamar a partir do qual as disputas seriam
estabelecidas, pois logo em seguida, passou-se a discutir que populações poderiam ser ou não
consideradas tradicionais. Diversos autores, entre eles Diegues (2002), Santilli (2005), Carneiro
da Cunha e Almeida (2000) e Sant’Anna (2003) buscaram reconstituir o campo de disputas que
se estabeleceu para a elaboração do SNUC e as definições apresentadas na tentativa de
assegurar os direitos à permanência humana em territórios protegidos:
“População culturalmente diferenciada que, vivendo em determinado
ecossistema, mantinha uma relação de “dependência do meio natural para sua
alimentação, abrigo e outras condições materiais de subsistência e explorando os
recursos naturais de maneira sustentável.(Debates 1996, apud SANT’ANNA,
2003, p.121)
“As populações tradicionais diferenciam-se da sociedade nacional, pelo grau de
atuação no meio, de inserção na economia e no exercício que fazem da
cidadania. Em primeiro lugar, devemos ressaltar que, em alguns casos, suas
41
Então deputado federal com uma trajetória de lutas ligadas à ecologia política e um dos fundadores do Partido
Verde no Rio de Janeiro em 1986.
42
Unidades de Proteção Integral: estação ecológica, reserva Biológica, parque nacional, monumento natural,
refúgio de vida silvestre
43
Unidades de Uso Sustentável: florestas nacionais, reservas extrativistas, áreas de relevante interesse ecológico e
áreas de proteção ambiental, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável, reserva particular do
patrimônio natural.
62
práticas extrativistas e / ou de agricultura de subsistência, adaptadas aos
respectivos ecossistemas, influenciaram no grau de conservação da
biodiversidade de algumas áreas que posteriormente foram transformadas em
UCs.” (Ministério do Meio Ambiente, 1997:4 apud SANT’ANNA, 2003)
Finalmente, a definição de populações tradicionais foi vetada como solução para
permitir que cada grupo interessado em participar do SNUC fosse avaliado de acordo com suas
condições específicas. Os antropólogos Mauro de Almeida e Manuela Carneiro da Cunha
(SANTILLI, 2005, p.129) salientam que a proposital abrangência do termo não deve ser
entendida como uma confusão conceitual, visto que se trata de uma categoria que precisa ser
habitada, ou seja, conquistada através de meios práticos e simbólicos uma identidade pública.
Para os autores, as populações tradicionais são aquelas que possuem algumas e não
necessariamente todas as características abaixo:
“O uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de
organização social, a presença de instituições com legitimidade para fazer
cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são
seletivamente reafirmados e reelaborados.” (CARNEIRO DA CUNHA;
ALMEIDA apud SANTILLI, 2005, p. 129)
E mais, considerando a dinamicidade necessária desta categoria, passa a designar exatamente
aquelas populações que fizeram (ou que vierem a fazer) uma opção política, entrando no pacto
sociambientalista de proteção aos ecossistemas que habitam (CARNEIRO DA CUNHA e
ALMEIDA, 2000 apud ESTERCI, 2008).
Como pano de fundo desse debate, deve-se destacar a partir dos anos 80, a criação da
lei n. 6938, de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e a
própria Constituição de 1988 que reconhece a dimensão social e cultural do meio ambiente e
acaba por fornecer respaldo a uma abordagem conciliadora entre homem e natureza (FUKS,
2001). De acordo com Fuks (2001, p. 72), a lei n. 6938 é considerada um marco divisor no
tratamento jurídico da relação homem-natureza, marcando a mudança de uma perspectiva que
enfatizava os elementos isolados da natureza, pela idéia de totalidade. a Constituição define
que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o artigo n. 216, incisos
I e II, afirma que “constituem patrimônio brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à
63
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem tanto as
formas de expressão como os modos de criar, fazer e viver”...
A ênfase às noções de identidade, memória e cultura dada pela Constituição coloca a
questão da adequação dos princípios que regem as áreas de proteção, além da possibilidade de
fomentar práticas democráticas de gestão das UCs através de gestão compartilhada e
participação local. Também a lei do SNUC, em 2000, após oito anos de consultas e debates, foi
um avanço na legislação ambiental que passou a garantir a participação da sociedade nos
processos decisórios de criação e gestão das unidades de conservação.
Santilli (2005), a partir de sua trajetória de militância na área ambiental na região
amazônica e, como membro do Ministério Público do Distrito Federal, ressalta as conquistas do
socioambientalismo no ordenamento jurídico brasileiro. Para a autora, estas foram consolidadas
tanto na Constituição, ao valorizar as dimensões materiais e imateriais dos bens e direitos
socioambientais, quanto na legislação infraconstitucional que vem a ser o SNUC, através do
privilegiamento da interface entre a biodiversidade e a sociodiversidade.
“Entre os objetivos e diretrizes do Snuc estão elencados não apenas a
manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos e a proteção às
espécies ameaçadas de extinção, as paisagens naturais e recursos hídricos e
edáficos (solo), como também ‘a proteção aos recursos naturais necessários à
subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu
conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente’. Entre os
objetivos do Snuc estão não apenas a conservação da biodiversidade, como
também a conservação da sociodiversidade dentro de um contexto que privilegia
a interação do homem com a natureza, e as interfaces entre diversidade biológica
e cultural. (SANTILLI, 2005, p. 124)
Simon (2003), por sua vez, chama a atenção para o estabelecimento da consulta prévia
como um mecanismo importante de democratização do processo de criação das UCs, prevista
no art. 5º. do SNUC(2002, p. 37) que determina a realização de reuniões públicas ou outras
formas de escuta da população local e outras partes interessadas, a fim de subsidiar a
localização, dimensão e limites mais adequados.
Apesar dessas ponderações otimistas quanto aos dispositivos legais que podem ser
revertidos a favor dos grupos que sofrem de forma mais intensa as restrições impostas pelas
políticas ambientais, alguns autores fazem críticas ao caráter conservador do SNUC. Para
Diegues (2002, p.123) esta Lei, de um lado, incorporou a questão das populações tradicionais
64
em áreas de uso sustentável, mas de outro, reforçou a ameaça de expulsão das unidades de
proteção integral, como pode ser constatado no seu texto transcrito abaixo. Além disso, afirma
Diegues, a lei estabeleceu uma hierarquia entre as unidades de conservação, colocando as UCs
integrais como modelos exemplares e superiores de conservação.
Enquanto não forem reassentadas (grifo meu), as condições de permanência
das populações tradicionais em unidades de conservação de proteção integral
serão reguladas por termo de compromisso, negociado entre o executor e as
populações, ouvido o conselho da unidade de conservação. (SNUC, cap. 9, art.
39)
“O prazo e as condições para o reassentamento das populações tradicionais
estarão definidos no termo de compromisso.” (SNUC, cap.9, art. 39, §4)
“O SNUC estabelece uma hierarquia entre as várias categorias, subentendendo-se
nas entrelinhas que há julgamento de valor entre as “mais completas e
importantes (as unidades de proteção integral) e as menos importantes: as
unidades de manejo sustentável onde se prevê, de modo mido, a presença de
populações locais.” (DIEGUES, 2002, p. 123)
Lima (2002) destaca que o SNUC reflete o posicionamento de duas visões contrárias
de conservação. Apesar do grande avanço no que diz respeito às reservas com gente, existe uma
grande lacuna quando se discute o reconhecimento dos direitos de propriedade, posse e outros,
das populações estabelecidas em áreas de proteção integral e da construção de mecanismos
democráticos de solução de conflitos nas UCs integrais. Segundo esta autora (2002, p.41), é
preciso reconhecer o ônus que recai sobre a sociedade regional a partir do impedimento do
usufruto dos recursos naturais, assim como para as populações do entorno que sofrem uma
redução do território que costumam explorar. Para ela, o estabelecimento de mecanismos de
compensação ambiental, instituídos na Legislação ambiental brasileira seria um caminho
possível para os grupos que sofrem os efeitos das medidas de conservação em nome de um
benefício para toda a sociedade. Lima (2002) lembra que tal mecanismo é amplamente
aplicado sobre projetos de grande impacto social, que são obrigados a financiar atividades de
conservação ambiental.
65
Sathler (2007), ao analisar os textos legais, destaca que a lei do SNUC embora confira
tratamento diferenciado às populações tradicionais, garante a elas a permanência apenas
provisória nas UCs integrais. Outro aspecto importante, segundo o autor, é que quando se
discute a questão fundiária em unidades de conservação, não uma equiparação de direitos
entre proprietários e posseiros, sendo estes últimos desconsiderados por não possuírem o
domínio formal sobre a terra que ocupam. A partir de uma gica que procura associar a
conservação à idéia de justiça social, Sathler (2007) aponta a necessidade de uma postura mais
conciliatória a respeito da temática da permanência humana em UCs integrais, através da
criação de instrumentos jurídicos que permitam a transformação de parte de seus territórios em
RPPNs e RLPN
44
ou a construção de pactos de conservação entre a população das UCs e o
poder público. A despeito dessas críticas e tentativas de reformulação ou adaptação da
Legislação ambiental, o que se constata na atualidade ainda é o uso do SNUC para explicitar a
ausência de direitos das populações residentes nos parques. É o que aparece na fala de um ex-
administrador do Parque Estadual da Pedra Branca no Rio de Janeiro:
“Que um dia, a gente tenha um Parque, que ele possa trazer benefício para a
população, mas sempre dentro do respeito à legislação vigente. Achar que a lei
vai mudar para atender comunidade que mora dentro do Parque, me desculpe,
mas isso não vai acontecer nunca. Nunca. Não acredito que haja concessão, sabe,
para retroceder. A nossa lei ambiental é restritiva sim, é uma das melhores do
mundo.”
1.3.5 - O ponto-de-vista conservacionista: da vanguarda ao conservadorismo
ambiental
Em 1998, ou seja, durante o período de tramitação do projeto de lei do SNUC, uma
reunião de conservacionistas
45
, que teve papel relevante na construção de políticas e agências
ambientais no Brasil e que resultou no livro Saudade do Matão (URBAN, 1998), permitiu a este
grupo refletir sobre os valores do conservacionismo em diferentes conjunturas. Trata-se de um
registro precioso das memórias individuais, mas também de uma memória coletiva, através do
qual é possível resgatar os elementos que constituem sentimentos de identidade, continuidade e
44
Reservas Particulares de Proteção da Natureza e Reservas Legais de Proteção da Natureza.
45
Wanderbuilt de Barros, Alceo Magnanini, Aldemar Coimbra Filho, Almirante Ibsen de Gusmão Câmara Paulo
Nogueira Neto e Maria Teresa Jorge Pádua.
66
coerência do grupo conservacionista em sua reconstrução de si, para si e para os outros
(POLLAK, 1992). A construção dessa identidade implica na disputa de valores que opõem
grupos políticos diversos. Nestes termos, é possível perceber na reconstituição da memória
conservacionista o sentimento de oposição e resistência aos ideais desenvolvimentistas,
presentes como valores dominantes na sociedade e nas agências estatais onde atuavam e sobre
os quais buscaram intervir ou contornar, para a criação de UCs e outras medidas voltadas à
proteção do meio ambiente. Eram, portanto, portadores de uma boa nova em um contexto onde
as idéias ligadas ao progresso e crescimento econômicos é que importavam. Embora esses
conservacionistas tenham atuado de forma majoritária sobre a criação de áreas protegidas e
sejam lembrados por isso, a leitura de textos de Magnanini, dos anos 70, permite constatar que o
termo conservacionismo, em contraste ao preservacionismo, estava ligado a um programa
amplo de mudanças de comportamento social e de atuação do Estado, baseado na conservação e
uso racional de recursos naturais que incluíam aspectos científicos, econômicos, legislativos e
educativos, como ele define:
A Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais nada mais é que o
procedimento inteligente adotado pelo Homem de repúdio ao esbanjamento de
um recurso natural, em quaisquer atividades, procurando obter maiores
benefícios para um número cada vez maior de pessoas, perenemente.
(MAGNANINI, 1971)
Entretanto, foram as realizações deste grupo ligadas à defesa de áreas protegidas sem a
presença humana que contribuíram para a construção de um conjunto de valores que hoje
associamos ao conservacionismo em oposição ao sociambientalismo. A defesa incondicional de
UCs integrais seria para este grupo uma maneira de minimizar e não solucionar o processo
crescente de degradação humana sobre o planeta, como indicam suas falas:
Alceo Magnanini “É um caminho inexorável não tem mão dupla nem retorno.
Pode haver parada... de vez em quando uma paradinha e a Maria Tereza cria
uma reserva; outra paradinha e o Paulo Nogueira Neto inventa a estação
ecológica... mas são paradinhas. O rumo é um só.” (URBAN, 1998, P.347)
67
Ibsen de Gusmão mara - “Há reações muito válidas, necessárias, para salvar
alguma coisa, mas é um navio afundando e o pessoal correndo para os botes
salva-vidas.” (IDEM, p. 349)
Posteriormente, este sentimento de alteridade permanece frente aos rumos que a
questão ambiental assume e passa a ser discutida no país. Expressões, tais como
desenvolvimento sustentável ou a idéia de criação de unidades de conservação de uso
sustentável, são encaradas pelos conservacionistas como maneiras pouco eficientes para
enfrentar a questão ambiental ou até mesmo engodos que disfarçam a continuidade dos
impactos do homem sobre a natureza:
“Enfim, o desenvolvimento sustentável é uma forma light de abordar toda esta
questão: rodízio, a separação de lixo, melhorar a qualidade dos rios... mas a
questão de fundo, isto é, como garantir a preservação da biodiversidade, este é o
grande problema”. (URBAN, 1998, p. 346)
A defesa de unidades de conservação de proteção integral ou de uso indireto, desse
modo, baseia-se sobre a descrença no ideal de desenvolvimento sustentável ou a incerteza sobre
o que isso significa. Também, a percepção da defasagem entre o que se conhece e se precisa
conhecer sobre a biodiversidade frente à velocidade da destruição humana, justificaria, do
ponto de vista dos conservacionistas, a criação de UCs de proteção integral. Assim, a percepção
do risco iminente de destruição está na base dos processos autoritários que têm justificado a
criação de UCs no Brasil, apoiados sobre estudos científicos e sem preocupação com os
impactos desta medida sobre as populações estabelecidas nos territórios, transformados em
parques. Postura autoritária que, por sua vez, é reforçada pelo uso do poder da lei em nomear e
fazer existir aquilo por ela prescrito (BOURDIEU, 1998, p.114) mesmo que leve vinte...
cinquenta anos
46
, escamoteando os conflitos ou traduzindo-os a partir da lógica dominante
daqueles que fazem uso desta lei:
Ibsen de Gusmão Câmara Atualmente, é muito difícil fazer uma unidade de
conservação de uso indireto. Existe mais aceitação para as unidades de conservação
ditas de “uso sustentável”, uma reserva extrativista ou coisa deste tipo, que não são
verdadeiramente, unidades de conservação, não vão conservar nada. muito mais
46
Citação de Maria Tereza Jorge Pádua (URBAN, 1998).
68
interesse no indivíduo que está explorando aquela área, do que na própria área. Esse
é um exemplo do uso inadequado do termo desenvolvimento sustentável, que está
sendo aplicado também em outros setores. Quer dizer uma idéia válida, correta -
embora utópica, começa a ser usada como pretexto para uma porção de coisas
erradas. (URBAN, 1998, p.334)
Maria Tereza Jorge Pádua Também acho que o termo foi muito infeliz e se
prestou a muitos desvios (...) O problema é que sob esse guarda-chuva do
desenvolvimento sustentável coube tudo. Então quando se fala de meio ambiente,
tem que incluir as minorias, as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais etc.
Tudo isso sob a área ambiental, uma panacéia. Nem nós temos, obviamente,
competência para isso, nem os recursos são suficientes. (URBAN, 1998, p. 335)
Maria Tereza Jorge Pádua – Quando começaram a usar o termo “parque de papel”,
provocaram uma redução ainda maior na ação conservacionista de governo no
Terceiro Mundo. Ridicularizou os parques porque, na prática, é diferente: um decreto
cria condições para implementar uma área protegida, mesmo que seja em vinte,
trinta, quarenta, cinqüenta anos. A consequência desta historia dos parques de papel
é que hoje, não no governo quem queira criar uma unidade de conservação de uso
indireto ou implementar um parque.
(...) Enfim, o aumento do número de áreas protegidas até a década de oitenta,
transformou-se num decréscimo nos últimos anos, no mundo como consequência
direta do desenvolvimento sustentável e dos “parques de papel”. (...) Estamos num
retrocesso filosófico, pois conservação da natureza é uma filosofia de vida.
(URBAN, 1998, p. 336)
É interessante que, embora os conservacionistas históricos estejam cientes de seu papel
inovador e precursor, fica para eles, a sensação de terem sido incompreendidos, primeiro, pelos
agentes de uma máquina estatal voltada para o desenvolvimentismo, no qual o
conservacionismo se instalou em algumas brechas, graças a oportunidades políticas e à pressão
de mecanismos internacionais. Depois, pela crescente imposição de valores socioambientais ou
ligados aos princípios do desenvolvimento sustentável, para eles, um argumento distorcido ou
um tratamento ineficaz para o processo de destruição humana da biodiversidade.
José Lutzmberger, ecologista gaúcho, fundador da Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural AGAPAN
47
e um dos principais atores do movimento ambiental nacional
que se constitui no Brasil nos anos 70 e 80, assim apresenta o contraste de valores, de
estratégias de ação e relacionamento mantido com o poder público, pelo grupo de
47
Segundo Alonso; Costa; Maciel (2007, p.126) a Agapan também possuía feições conservacionistas e inicialmente
era muito parecida com a FBCN, contudo progressivamente diferenciou-se desta, nas estratégias de mobilização e
formas simbólicas de manifestação, aproximando-se aos poucos do processo de redemocratização.
69
conservacionistas (focado na criação de UCs integrais) e as várias correntes da ecologia política,
(movimento do qual ele fez parte e que se estabeleceu naquele momento):
“As áreas protegidas são importantes, mas não suficientes. Quando eu estava no
governo, um dia, numa reunião de gabinete, os militares botaram um imenso
mapa da Amazônia na parede, com um monte de pontinhos verdes: reservas
biológicas, parques, estações ecológicas, reservas indígenas, extrativistas. E
perguntaram: ‘O que vocês querem mais? Nós estamos dando tudo isso aqui para
vocês!’ E eu disse: Vocês acham que essa é a solução? Eu aposto que não. Se
isso é a solução, então eu estou assinando que tudo o que está branco neste mapa
será destruído.” (...)
“Imagine que um ladrão entrou num grande palácio e está arrebentando uma peça
depois da outra, fazendo um estrago danado. O que ele não gosta, deixa cair.
vem o dono e diz: ladrão, ladrão o que é isso aí? E ele diz: não te preocupa, eu
vou guardar este quartinho aqui para ti!” (...)
“Ou s chegamos a uma forma de civilização que viva em harmonia com a
natureza e nós não precisaremos de parques, ou então tudo vai ser parque e tudo
vai ser sustentável” (LUTZEMBERGER citado por URBAN, 2001, p.87-88)
Paulo Nogueira Neto, membro mais moderado do grupo conservacionista, faz algumas
ponderações sobre esta polarização e também revela como aos poucos os valores do
sociambientalismo reorientaram algumas de suas idéias sobre a relação homem-natureza.
“Sou profundamente cristão (...) então sempre tive preocupação social, mas
achava que os problemas sociais deveriam ser resolvidos independentemente dos
problemas ambientais. A partir de minha participação na Comissão Brundtland
passei a ver as coisas de uma forma diferente. (...) passei a ver a importância de
erradicar a miséria.” (URBAN, 1998, p.212)
Mas, Paulo Nogueira, logo em seguida conclui, revelando o foco de atuação desses
conservacionistas históricos:
“Agora, o que sei fazer melhor é a defesa da natureza. Então me dedico com
muito empenho à defesa da natureza e estou sempre repetindo que não teremos
um desenvolvimento auto-sustentável, se não cuidarmos da proteção de grandes
áreas naturais” (IDEM)
Outro aspecto relevante que pode ser evidenciado neste debate é a constatação de que
as principais iniciativas conservacionistas foram realizadas em um contexto autoritário e
centralizador, seja pela configuração política da época, seja porque a temática ambiental não
havia ainda se constituído como um problema social, ou seja, como um tema público merecedor
70
de destaque pela sociedade. Sob outro aspecto, a visão pessimista sobre os rumos do
desenvolvimento e as expectativas sombrias a respeito do futuro, informadas por um
conhecimento científico de base biológica, justificariam a tomada de decisões rápidas e sem
muita negociação.
48
Daí decorre também a ênfase dada por Maria Tereza Jorge Pádua na força
da lei em enunciar e alterar os usos, fronteiras e a dinâmica de ocupação do espaço.
Neste sentido, constata-se que o conservacionismo e o sociambientalismo
correspondem a concepções ideológicas que estiveram historicamente associadas a contextos
políticos e práticas de gestão distintas. O primeiro consolidou-se e encontrou uma estrutura de
oportunidade política (ALONSO, 2007) ao seu desenvolvimento no aparato estatal da ditadura
militar, estando, portanto, associado em sua constituição original a processos decisórios
autoritários. Já a concepção socioambiental constituiu-se no bojo do processo de
redemocratização da sociedade brasileira, decorrendo e dependendo da mobilização social para
se realizar. Isso nos leva a duas colocações: se, por um lado, o aumento dos mecanismos de
controle social e exigência inclusive legal de participação social fizeram com que, cada vez
menos, fosse possível ao Estado impor medidas conservacionistas autoritárias como antes, por
outro, a recente e ainda pouco desenvolvida democracia brasileira mostra que a adoção de
políticas socioambientais enfrenta muitas dificuldades. A sua efetiva implantação depende da
capacidade dos grupos sociais em construir interpretações sobre o contexto em que vivem e
transformar seu descontentamento em mobilização. No caso específico das unidades de proteção
integrais, a conquista de direitos por parte das populações que sofrem o ônus da conservação é
dificultada pelo reduzido capital social e político dessas populações, pela ausência de canais
institucionais consolidados de resolução de conflitos e reivindicação de direitos
49
. Também,
contribui para este quadro, a predominância de uma postura formalista e leitura fragmentada da
lei por parte dos juristas que arbitram os conflitos ambientais, além da estrutura vertical,
tecnocrática e pouco participativa das agências ambientais.
48
Segundo Pádua (1984, p.42) O aumento das contradições ambientais e da escassez dos recursos naturais pode
levar a um crescimento do controle autoritário sobre a sociedade, e conclui: o risco real da aplicação desse tipo de
política é extremamente sério.
49
Os conselhos consultivos são um desses canais, mas muitos ainda não foram implantados ou não funcionam de
fato ou são ainda muito recentes.
71
O socioambientalismo e o conservacionismo são, portanto dois pacotes interpretativos
em disputa. Apesar dos avanços recentes do primeiro e do sentimento de incompreensão
50
vivido pelos representantes deste último, permanece um fortíssimo imaginário construído na
sociedade brasileira, mas sobretudo nas regiões mais urbanizadas como a região Sudeste, ligado
aos valores da conservação e estes por sua vez estão associados aos parques, tradicionalmente
criados e administrados de forma tecnocrática. A produção desta verdadeira ordem
gnosiológica, reforçada pelo poder de ordenamento e jurisdição do Estado sobre o espaço,
contribui para a invisibilidade ou não reconhecimento dos direitos das populações que vivem
em parques ou outras UCs integrais.
O defensor dos parques e ex-diretor do Parque Nacional da Tijuca Pedro Cunha e
Menezes em artigo sugestivamente denominado Parques e democracia: uma equação
possível? Reflete sobre a dificuldade de criação e implantação de parques com o fim da
ditadura:
Foram-se os tempos do regime autoritário das ditaduras brasileiras em que as
Unidades de Conservação eram criadas por decreto emanado do Poder
Executivo, que contavam com a concordância servil do Legislativo e a falta de
independência do Judiciário. Naquela época, avaliava-se a necessidade da
criação de uma UC pelos prismas da conveniência e relevância ambientais.
Pesquisado o nicho ecológico a ser protegido, montava-se um processo
administrativo respaldado em pressupostos técnicos, instruía-se a burocracia,
tramitava-se a papelada e, ao fim e ao cabo, publicava-se o decreto criando o
Parque ou Reserva. Alguns vinham sem previsão de recursos financeiros para sua
regularização fundiária, outros traziam em seu bojo centenas de moradores, a
maioria carece até hoje de demarcação e pessoal administrativo em quantidade
suficiente para um manejo minimamente responsável. Não que esses fossem
problemas dos mais graves. O espaço que os afetados pela criação da nova
Unidade de Conservação tinham para contestar era exíguo. Também pequena era
a necessidade de fazê-lo, já que poucos Parques saíram verdadeiramente do
papel. Itatiaia, que é o nosso pioneiro, criado na longínqua década de 1930, ainda
tem hoje parte de suas terras sob domínio privado.
(...) Tudo foi muito rápido. Enquanto comemorávamos o advento da democracia,
descuidamos de pensar na melhor forma de fazê-la funcionar. Até hoje temos
dificuldades em inverter a tradicional cultura brasileira de dar precedência ao
direito individual sobre o coletivo. Triste para as Unidades de Conservação que
50
Maria Tereza Jorge Pádua expressa este sentimento afirmando que os conservacionistas não alcançaram o
coração das pessoas para este tipo de causa (URBAN, 1998).
72
são um bem supostamente de todos. (O ECO, 28 out. 2004. Disponível em:
http://www.oeco.com.br/colunistas
. Acesso em: 2 jan. 2008.)
Fica evidente a constatação, semelhante àquela feita por Maria Tereza Jorge Pádua
(conforme citado anteriormente), sobre a dificuldade em conciliar a democracia com a criação
de unidades de conservação (leia-se UCs de proteção integrais). uma concordância por parte
destes conservacionistas de que apesar das mazelas dos governos autoritários e de sua ênfase em
políticas econômicas de desenvolvimento, havia espaço para a conquista de novas áreas
protegidas, desde que justificadas pelo discurso técnico-científico. Outro ponto a destacar é que
a pretensa universalidade do meio ambiente, salientada como um bem supostamente de todos,
na verdade mascara o fato de que os custos e benefícios de sua proteção são desigualmente
distribuídos e expressam apenas valores e interesses de grupos específicos.
Acredito que a predominância deste ethos conservacionista é mais marcante na região
Sudeste, particularmente no Rio de Janeiro, berço do conservacionismo e região na qual o
movimento ambientalista não dirigiu ainda sua atenção e nem construiu alianças com as
populações - em geral de baixa renda - que habitam áreas transformadas em unidades de
conservação, diferentemente dos processos de constituição do campo ambiental na Amazônia.
1.4 - O conservacionismo fluminense e o socioambientalismo na Amazônia
Ao refletir sobre os processos sociais, dinâmicas políticas e econômicas que
constituíram o ambientalismo no Brasil, pode-se constatar que o fato de a Mata Atlântica
bioma correspondente à região Sudeste ter sido o cenário de uma ampla devastação desde a
época da nossa colonização contribuiu para o reforço da defesa de espaços de natureza intocada
como forma de frear a expansão da urbanização e degradação causada pelos diferentes modos
de produção. Assim, à medida que as frentes de desenvolvimento se expandiam pela região
Centro-Oeste e Norte, a criação de parques acompanhava a tendência das frentes
desenvolvimentistas. As contradições e inadequações deste modelo de conservação sem gente,
na região Norte, resultaram na reação e mobilização das populações locais. Assim, na
Amazônia, as conquistas socioambientais foram resultado de alianças entre as populações de
trabalhadores - contra a expropriação impostas pelos modelos desenvolvimentistas que se
73
estabeleceram na região - e os movimentos ambientalistas nacionais e internacionais. Tais
processos resultaram na construção de uma opinião blica favorável aos direitos das
populações tradicionais e ao reconhecimento da legitimidade dos chamados povos da floresta
em permanecer em seus territórios e desenvolver modelos alternativos de produção, que por sua
vez se refletiram na conquista de princípios sociambientais da legislação.
No Rio de Janeiro, contudo, as populações que residem em unidades de conservação
não conquistaram ainda, frente à opinião pública, visibilidade para os seus problemas, nem
tampouco conseguiram de uma maneira geral construir alianças com o movimento ambiental,
tal qual ocorreu na Amazônia. Desde os anos 30, a predominância de um forte imaginário ligado
aos ideários da conservação, concebido por cientistas, funcionários públicos e profissionais
liberais e outros setores da sociedade civil, contribuiu para reforçar a idéia dos parques como
redutos de preservação das espécies vivas, locais de tranquilidade, lazer e apreciação de
paisagens naturais. É o que retrata um ex-funcionário e atual consultor do IEF/RJ ao refletir
sobre o contraste na relação homem-natureza que se estabeleceu nessas duas regiões distintas:
“Em uma visão bem simplista, o homem deixou de ser natureza, e é verdade, nós
criamos a nossa própria natureza: a selva de pedra. (...) Quando eu fui para a
Amazônia eu tive essa visão, vo se desarma. Aquilo ali é tão poderoso que
você não é ninguém. Então você começa a ver como o homem é integrado à
natureza. que o nosso problema na Mata Atlântica é que nós não nos
integramos, nós destruímos a natureza, então resta tão pouco que nós entramos
em processo de desespero e então, não pode nada, em detrimento até da
sobrevivência do ser humano”.
Alba Simon (entrevista em 14 abr. 2008), hoje parte do quadro dirigente do IEF-RJ e
militante da causa ambiental desde final dos anos 80, ao reconstituir o quadro de valores da luta
ambiental neste período no Rio de Janeiro, destaca que estava em jogo naquele momento a luta
pela garantia do acesso público a espaços que estavam sendo rapidamente privatizados pela
expansão imobiliária. Desta forma, ainda que o acesso de todos se colocasse em detrimento ao
acesso de pequenas coletividades, no caso das unidades de conservação, não havia uma reflexão
clara sobre este aspecto, uma vez que a luta contra os grandes monopolizava o foco das ações. O
combate à poluição causada pelas grandes indústrias e agências estatais e a privatização do
espaço público e danos ambientais gerados pela ação desenfreada das empresas imobiliárias são
temas que monopolizavam o movimento ambientalista, da vertente chamada ecologia política.
74
Os valores do desenvolvimento sustentável se faziam presentes na idealização de
cidades mais democráticas, mais humanas, mais respiráveis e da concepção de que a questão
ambiental se fazia presente nos diversos setores da vida social (VIOLA, 1987). A temática das
áreas de proteção, quando abordada, aparecia pelo enfoque costumeiro da falta de fiscalização
do Estado, pelo avanço da expansão imobiliária e da ocupação clandestina. Este é ainda o
principal enquadramento a partir do qual a temática ambiental na região Sudeste é apresentada e
difundida nos meios de comunicação e arenas públicas. De acordo com Fuks (2001, p. 92), ao
analisar a constituição do ambientalismo na cidade do Rio de Janeiro na atualidade, constata que
este tem ainda um perfil essencialmente ligado às classes médias e altas que têm encaminhado
as questões ambientais a partir de três esquemas argumentativos: 1- a ameaça das habitações
populares ao meio ambiente, 2- o perigo do expansionismo e da especulação imobiliária; e
aliado a esses dois temas, 3- a defesa da ecologia como um valor através do uso de preceitos
mais científicos. A agenda ambiental, neste sentido, tem traduzido antigos conflitos sociais
ligados à ocupação do espaço urbano, que no passado foram tratados como uma questão
sanitária, depois pelo viés da segurança pública e, agora, pela ótica da proteção ambiental. Da
mesma forma, os empreendimentos imobiliários analisados e controlados pelo Poder Público,
anteriormente pela lógica do planejamento urbano do solo, são tratados a partir do estudo de
impacto ambiental.
Polli (2008), ao analisar a temática da moradia irregular em locais definidos como áreas
de risco, demonstra como o discurso ambiental que define quem permanece ou é regularizado
no território é estabelecido a partir de construções sociais, orientadas por princípios jurídicos,
econômicos, científicos e outros, que estão em disputa. Mota (2008) também ao analisar o
conflito entre a população residente no Morro das Andorinhas em Niterói, gerações, em uma
área que posteriormente foi decretada de proteção permanente APP, demonstra como esta foi
ameaçada de despejo pela classificação homogeneizadora de invasores e favelados.
1.4.1 - As unidades de conservação no Rio de Janeiro e na Amazônia:
uma perspectiva comparativa
Com o objetivo de contrastar as diferentes concepções sobre a relação homem-natureza,
identificando a predominância de princípios socioambientais na Amazônia e do
conservacionismo no Rio de Janeiro, reproduzo a seguir dados relacionados à criação de
75
unidades de conservação nessas duas regiões.
51
Esta análise comparativa não distingue as UCs
estaduais das federais, embora no caso da região amazônica, esta diferenciação esteja disponível
no site do ISA
52
. No caso da região Sudeste, as UCs federais e estaduais são lançadas de forma
indiferenciada no gráfico, mas podem ser identificadas na tabela de forma cronológica, além de
serem comentadas no texto. Assim é possível verificar o ritmo de criação de ambas. Conforme
será mostrado, o sentido atribuído às unidades de conservação de uso sustentável no Rio de
Janeiro é bastante distinto daquele atribuído às mesmas na região amazônica.
De acordo com a publicação do ISA, pode-se constatar a criação decrescente ou
minoritária de unidades de conservação integrais ao longo do tempo, em comparação às
modalidades de unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia
53
.Quando se compara
a área total de UCs integrais e sustentáveis na Amazônia com o Rio de Janeiro, observa-se que
no caso da primeira região, 6,96% da Amazônia brasileira corresponde a UCs integrais
enquanto 13% deste território é composto por UCs sustentáveis
54
. No caso do Rio de Janeiro, a
área de UCs de uso sustentável corresponde quase ao triplo da área de proteção integral. Apesar
de a área total das unidades ser um critério importante de comparação, pode-se argumentar que,
a princípio, espera-se ter uma área maior de UCs sustentáveis do que integrais pela maior
facilidade econômica e jurídica em sua criação. Observando a quantidade de UCs criadas ao
longo do tempo na Amazônia é possível perceber uma clara ruptura de políticas destinadas à
criação de unidades de conservação a partir de 1985, data que corresponde ao processo de
redemocratização da sociedade brasileira e mobilização dos pequenos produtores da Amazônia
na luta por formas alternativas de desenvolvimento em seus territórios. A partir desta década, o
número de UCs integrais regride drasticamente e as UCs sustentáveis se tornam muito mais
numerosas.
51
Os dados relativos à Amazônia foram reproduzidos do ISA e os referentes ao Rio de Janeiro foram retirados das
seguintes fontes: IEF, MENDONÇA FILHO; QUEIROZ; PEDREIRA (1996), CORRÊA (2004), VALLEJO
(2005).
52
ISA. Disponível em: < http://www.socioambiental.org/>. Acesso em: 05out. 2008.
53
ISA. Disponível em : http://www.socioambiental.org/uc/quadro_geral. Acesso em: 23 de maio de 2008.
54
Idem.
76
QUADRO 1
CRIAÇÃO DE UCS NA AMAZÔNIA POR PERÍODO PRESIDENCIAL
(situação em 09/05/2008)
O quadro abaixo apresenta a criação de UCs por períodos presidenciais, de 1959 a 2008, na Amazônia Legal.
Entretanto, ressalta-se que, antes de 1959, outras áreas de proteção foram criadas na região, como as quatro
Reservas Florestais no Acre em 1911, pelo presidente Hermes da Fonseca e as 9 Reservas Florestais criadas
em 1961, pelo presidente Jânio Quadros, nos estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Maranhão, Mato
Grosso. Boa parte dessas Reservas tornaram-se TIs (terras indígenas) e UCs e partes da extensão dessas
antigas Reservas não estão protegidas.
PROTEÇÃO
INTEGRAL
USO SUSTENTÁVEL
TOTAL
Presidentes
Duração dos
governos
Período
total
n.
de
Uc
s
área (ha)
n.
de
U
Cs
área (ha)
n.
de
U
Cs
área (ha)
Até março de
1985
de
31/12/1959
a
15/03/1985
23
10.855.679
3
1.015.000
26
11.870.679
Jose Sarney
(1)
de
15/03/1985
a
15/03/1990
5 anos
6
1.726.883
28
13.735.992
34
15.462.875
Fernado
Collor de
Mello
de
15/03/1990
a
02/10/1992
2 1/2
anos
1
560.000
5
71.650
6
631.650
ItamarFranco
(2)
de
02/10/1992
a
01/01/1995
2 anos
0
0
Fernando
Henrique
Cardoso (1o
mandato) (3)
de
01/01/1995
a
01/01/1999
4 anos
2
577.971
10
3.793.629
12
4.371.600
Fernando
Henrique
Cardoso (2o
mandato) (4)
de
01/01/1999
a
01/01/2003
4 anos
7
6.397.778
19
3.982.056
26
10.379.835
Luis Inácio
Lula da Silva
(1o mandato)
(5)
de
01/01/2003
a
01/01/2007
4 anos
10
8.776.454
26
11.180.411
36
19.956.865
Luis Inácio
Lula da Silva
(2o mandato)
(6)
01/01/2007 2 884.769 3 2.356.118 5
3.240.887
77
Fonte: Disponível em : http://www.socioambiental.org/uc/quadro_geral.
A organização dos dados da tabela, no gráfico abaixo, respeitando os períodos apresentados
pelo ISA, no que se refere aos mandatos presidenciais, permite a melhor visualização das
políticas ambientais na Amazônia. A criação de UCs integrais tem início em fins da década de
50, período que corresponde à expansão de frentes de desenvolvimento na Amazônia e, até o
período de abertura política, um tido predomínio de ações conservacionistas, que podem
ser verificadas pelo número de UCs integrais. A partir do processo de redemocratização, esta
tendência se inverte, com o predomínio de UCs sustentáveis sobre UCs integrais. Esta tendência
se mantém constante até os dias atuais, ainda que possa ser percebida uma variação significativa
na quantidade de ambas ao longo de diferentes governos.
GRÁFICO 1
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAIS E ESTADUAIS NA AMAZÔNIA
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1959-1985 1985-1990 1990 -
1992
1992-1995 1995-1999 1999-2003 2003-2007 2007-
UC de prot. integral
UC desenv. sustentável
no caso fluminense, é possível perceber ao longo do tempo uma tendência constante
de criação de UCs integrais. As unidades de uso direto, no Estado do Rio, diferentemente das
reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável na região Norte, são em sua grande
78
maioria áreas de proteção ambiental APAS que começaram a ser criadas na década de 80,
por iniciativa do governo federal no âmbito da SEMA, sob o comando do conservacionista
Paulo Nogueira Neto. Em vel estadual, as APAS eram criadas pela FEEMA, também reduto
de conservacionistas no Departamento de Conservação da Natureza. Assim, em muitos casos,
embora pareça contraditório, a criação de APAS no Estado do Rio de Janeiro não foi motivada
pela defesa de uma visão conciliadora entre sociedade e natureza, mas sim pela impossibilidade
jurídica, econômica ou política de se criarem unidades de conservação integral.
De acordo com Paulo Nogueira Neto, as APAS foram inspiradas em modelos europeus
de proteção às paisagens culturais. Elas foram criadas, na verdade, em áreas de interesse para a
conservação, mas onde a indenização e a recolocação dos moradores se fizesse difícil ou
inviável, ou em áreas de entorno de unidades de conservação integral. (ROPER, 2000). Dessa
forma, apesar de ser regida por uma lógica distinta, as APAs, na sua origem, não foram criadas
como modelos que se opunham aos parques, mas como uma opção possível de conservação em
dadas circunstâncias e como áreas de complementação às Ucs integrais, propiciando a
construção de corredores ecológicos ou mosaicos. Isto explica o desprezo dos conservacionistas
por esta modalidade e a grande quantidade de conflitos que esta UC acumula, quer seja pela
imprecisão legal, quer seja pela ausência de planejamento com que foram criadas. Apesar disso,
as APAS, conforme já foi destacado anteriormente por Simon (2003), abrigam novos caminhos
de conservação de forma compartilhada com a presença humana.
Para melhor retratar o processo de criação de UCs no Rio de Janeiro, optou-se por
registrar de forma cronológica as UCs federais e estaduais, classificando-as em integrais e
sustentáveis. É possível perceber que, inicialmente, as primeiras áreas de proteção são
iniciativas federais, mas ao longo do tempo crescente participação do governo estadual na
criação das mesmas.
QUADRO 2
CRIAÇÃO DE UCS FEDERAIS E ESTADUAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROTEÇÃO INTEGRAL
área
USO
SUSTENTÁVEL
área
Fed.
Parque Nacional de
Itatiaia
1937 30.000 ha
Fed.
APA de
Petrópolis
1982 59.049ha
79
Fed.
Parque Nacional Serra
dos Órgãos
1939
11.800 ha
Est. APA de Tamoios 1982 90.000ha
Fed.
Parque Nacional da Tijuca
1961 3.200 ha
Fed.
APA de
Cairuçu
1983 33.800ha
Est.
Parque Estadual da
Chacrinha
1969
13 ha
Fed.
APA de
Guapimirim
1984 14.340ha
Est.
Parque Estadual do
Desengano
1970 22.400 ha
Est. APA de Maricá 1984 500ha
Fed.
Parque Nacional da Serra
da Bocaina
1971 100.000ha
Fed.
APA Serra da
Mantiqueira
1985 402.517ha
Est.
Parque Estadual da Ilha
Grande
1971
5.594 ha
Est.
APA da Floresta do
Jacarandá
1985 2.700ha
Est.
Parque Estadual da Pedra
Branca
1974 12.500 ha
Fed.
ARIE Floresta da
Cicuta
1985 131,28 ha
Fed.
Reserva Biológica de
Poço das Antas
1974 5.000ha
Est.
APA de
Massambaba
1986 7.630ha
Est.
Reserva Biológica e
Arqueológica de
Guaratiba
1974 3.600ha
Fed.
Floresta Nacional
Mário
Xavier
1986 493 ha
Est.
Reserva Biológica de
Araras
1977 2.068 ha
Est.
APA de
Mangaratiba
1987 23.000ha
Est.
Parque Estadual do
Grajaú
1978 55 ha
Fed.
ARIE Arquipélago
das Cagarras
1989 200 ha
Est.
Reserva Biológica
Estadual Praia do Sul
1981 3.600ha
Est.
APA da Bacia dos
Frades
1990 7.500ha
Est.
Reserva Ecológica
Estadual de Jacarepiá
1986 730 ha
Est.
APA da Serra de
Sapiatiba
1990 6.000ha
Est.
Reserva Ecológica
Estadual de Massambaba
1986 1680 ha
Est.
APA de Macaé de
Cima
1991 35.037ha
Fed.
Reserva Biológica do
Tinguá
1989 26.000 ha
Est.
APA do Gericinó-
Mendanha
1993 10.500 ha
Est.
Estação Ecológica
Estadual do Paraíso
1989
4.920 ha
Fed.
Reserva
Extrativista
Marinha do Arraial
do Cabo
1997 56.759 ha
Fed.
Reserva Ecológica de
Alcobaça
1989 200 ha
Est. APA do Pau-Brasil 2002 9.940ha
Fed.
Estação Ecológica
Tamoios
1990
4.070ha
Est.
APA da Bacia do
Rio Macacu
2002
Est.
Reserva Ecológica da
Juatinga
1990 8.000 ha
Fed.
APA Bacia Rio São
João Mico Leão
dourado
2002 150.700ha
80
Est.
Parque Estadual Marinho
do Aventureiro
1990 1.300 ha
Est.
Parque Estadual da Serra
da Tiririca
1991 2.260 ha
Fed. Reserva Biológica União 1998 3.126ha
Fed.
Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba
1998 14.860 ha
Est.
Parque Estadual dos Três
Picos
2002
46.350 ha
Est.
Estação Ecológica
Estadual de Guaxindiba
2002 3.260 ha
Est.
Parque Estadual Serra da
Concórdia
2002 804 ha
Est.
Parque Estadual
Cunhambebe
2008
38.000 ha
ÀREA TOTAL 355.390 ha
AREA TOTAL 910.796,28 ha
Fontes: IEF, MENDONÇA FILHO; QUEIROZ; PEDREIRA (1996), CORRÊA (2004), VALLEJO (2005)
55
Para organização de um gráfico que permita visualizar o processo de criação de áreas
integrais e sustentáveis, optou-se pela apresentação dos dados em décadas, ressalvando o
primeiro período, que vai de 1937 a 1960, que abrange a criação do primeiro parque, até a
transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília. Também agrupamos o período
que abrange o Estado da Guanabara e os primeiros anos do Estado do Rio de Janeiro, com a
fusão em 1975. Essa escolha leva em consideração que a periodização a partir dos mandatos
presidenciais não é significativa para o caso fluminense e que não foi possível coletar dados que
permitissem uma interpretação relevante do sentido das ações de cada governo estadual em
relação às políticas ambientais. Uma vez que a reconstituição das políticas ambientais do Estado
do Rio de Janeiro apoiou-se basicamente sobre depoimentos de funcionários do IEF-RJ, este
tipo de análise sóde ser feito de forma mais detalhada em relação aos últimos governos, visto
que esta Instituição foi fundada em 1986.
55
Os dados apresentados na tabela incorporaram o aumento das áreas do Parque da Ilha Grande e Da Serra da
Tiririca ocorridos respectivamente em 2007 e 2008.
81
GRÁFICO 2
CRIAÇÃO DE UCS FEDERAIS E ESTADUAIS NO RIO DE JANEIRO
0
2
4
6
8
10
12
1937-1960 1961- 1974 1975 -1979 1980-1989 1990-1999 2000 -
UC de prot. integral
UC desenv. sustentável
A análise do gráfico acima revela a predominância do número de UCs integrais no
Estado do Rio de Janeiro, com exceção dos anos 80, quando por atuação da SEMA de Paulo
Nogueira Neto começam a ser criadas as APAS e ARIES. Neste período, das doze UCs
sustentáveis, sete são criadas em âmbito federal e cinco são criadas pela FEEMA, em nível
estadual. Norma Crud Maciel, bióloga desta instituição e responsável pela administração das
APAS estaduais até 2006, quando estas passaram a ser administradas pelo IEF, faz a seguinte
observação, demonstrando o desprestígio das APAS para os conservacionistas:
“Ninguém acha a APA uma maravilha, mas pelo menos você obriga o povo e as
autoridades a verem o artigo do Código Florestal que impede avançar sobre áreas
de preservação permanente, e mesmo assim já é difícil.” (Conservação: a
lanterninha da FEEMA – com Norma Crud Maciel)
Outra questão que contribui para o desinteresse dos gestores sobre as APAS, de acordo com
Maciel
56
é o fato de que as APAS não podem dispor de recursos oriundos de medidas
compensatórias, visto que a lei do SNUC não garante nada para as APAS.
56
Em entrevista ao jornal O ECO, em 22 jan. 2007. Disponível em: < http://www.oeco.com.br/reportagens/37-
reportagens/10961-oeco_20494> . Acesso em: jun. 2007.
82
No Estado do Rio de Janeiro encontram-se os primeiros parques na década de 30.
Embora não tenha sido criada nenhuma UC nos anos 40, deve-se destacar, nesta época, a
criação de florestas protetoras da União, destinadas a proteger os mananciais que abasteciam os
centros urbanos. Nos anos 50/60, conforme foi mostrado, houve um grande empenho do
governo federal em criar UCs integrais na região Centro-Oeste onde, naquele momento, se
expandiam as frentes desenvolvimentistas.
Observa-se no gráfico um impulso de criação de UCs integrais durante a coexistência
do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro, entre 1961 e 1974. Conferindo a tabela, pode-se
constatar que o maior mero delas é de administração estadual. Segundo Vallejo (2005, p. 82)
a Constituição do Estado da Guanabara, de 1961, dispõe, apenas no artigo 75, uma breve
referência ao tema do meio ambiente: “O Estado protegerá de modo especial, os bens naturais,
assim como as obras e os monumentos de valor histórico, artístico e cultural, situados no seu
território e as iniciativas que desenvolvam e estimulem o turismo.” Ou seja, apesar de um
número restrito de decretos e leis referentes à conservação da Natureza e o tratamento não
específico entre bens naturais, históricos e culturais, nesta fase, três UCs integrais foram criadas
pelo Estado da Guanabara e duas pelo Estado do Rio de Janeiro. Outro aspecto que pode ser
destacado deste artigo da Constituição do Estado da Guanabara é a associação entre
conservação da natureza e a atividade turística, sugerindo, portanto, o valor original presente
nos primeiros parques de proteger a natureza para fruição e contemplação das populações
urbanas. Uma hipótese para a criação de UCs estaduais, neste primeiro momento, talvez seja a
influência do modelo federal, sobre as políticas estaduais, considerando que a cidade até bem
pouco tempo havia sido a sede da burocracia federal. Uma parcela das instituições de governo
da União manteve agências na cidade e parte do funcionalismo federal transferiu-se para o
governo estadual ou simplesmente manteve laços de confiança e troca de informações entre
técnicos de ambas as esferas. Com a formação do Estado do Rio de Janeiro, em 1975, a nova
constituição estadual dedica então o capítulo II, art. 119 e 120 à temática do meio ambiente:
Art. 119 - O desenvolvimento econômico deve conciliar-se com a proteção do meio ambiente,
para preservá-lo de alterações físicas, químicas e biológicas, que direta ou indiretamente sejam
nocivas à saúde, segurança e ao bem-estar das populações e ocasionem danos à fauna e à flora.
83
Art. 120 O Estado, através de órgão próprio, estabelecerá o plano geral de proteção ao meio
ambiente, adotando as medidas necessárias à utilização racional da natureza e à redução, ao
mínimo possível da poluição resultante das atividades humanas.
Entre outras medidas, o Estado: (...)
c) promoverá, por todos os meios, a proteção de suas florestas, visando a defesa da flora e da
fauna, num contexto amplo de preservação do equilíbrio ecológico;
d) criará incentivos fiscais, para beneficiar os proprietários de terras cobertas por matas, nativas
ou não, e na proporção de sua extensão;
e) delimitará zonas de reservas biológicas e florestais, para proteção de espécies ameaçadas de
extinção; ...”
Deve-se destacar a concepção ainda fragmentada deste meio ambiente apreendido a partir de
seus elementos isolados fauna e flora assim como a ênfase nos recursos a serem utilizados
pelo homem. Chama atenção o uso do termo poluição, um dos temas mais recorrentes no
noticiário local deste período. É neste mesmo ano que surge a FEEMA, com o objetivo de
montar um sistema integrado de “controle ambiental”, mas que na prática passou a atuar com
uma política preventiva de controle da poluição industrial (CARVALHO, 1987, p. 200). Temos
então nesta primeira fase do governo estadual fluminense a criação de duas UCs estaduais: a
Reserva Biológica de Araras e a Reserva Florestal do Grajaú (transformada em Parque Estadual
do Grajaú em 2002).
Estes dados chamam atenção para a importância de se resgatar a memória de
instituições como a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, responsável pela
administração dessas UCs, entre os anos 60/80, dos atores envolvidos, dos ideais e questões
presentes que não podem ser identificadas apenas pela constatação objetiva da existência de leis
e decretos. Neste sentido, o estudo de documentos que justificam a criação de cada UC são
fontes importantíssimas para a reconstituição da política estadual do meio ambiente. No capítulo
seguinte, buscarei detalhar o contexto de criação do PEPB.
Nos anos 90, o Rio de Janeiro torna-se sede da RIO-92, encontro que define marcos
importantes do ambientalismo internacional. Conforme semostrado no capitulo 2, a ascensão
84
da temática ambiental como um tema merecedor de interesse público fortalece as medidas de
caráter conservacionista no Rio de Janeiro.
Os primeiros anos de criação do Instituto Estadual de Florestas IEF também não
impulsionam a criação de áreas protegidas estaduais. Criado em 1986, seus funcionários
consideram que sua criação efetiva foi em 1988, quando este se tornou uma fundação. Neste
período, em fins dos anos 80 e início dos anos 90, observa-se a atuação da FEEMA e não do
IEF na criação de UCs integrais e de desenvolvimento sustentável. No final dos anos 90 e início
dos anos 2000, o IEF consegue dobrar a área de proteção integral sob controle estadual. Embora
o número de UCs não seja tão grande, a área do Parque dos Três Picos, Concórdia e
Cunhambebe são significativamente maiores do que os outros anteriores (vide tabela).
Comemoradas essas iniciativas, o presidente atual do IEF se autodefine como um
conservacionista e acredita que os parques são uma das melhores categorias de conservação,
porque estas não excluem a visitação. E, a despeito das experiências negativas de implantação
dos parques no Brasil, considera ser possível criar áreas protegidas sem gente, com uma política
de regularização fundiária e negociação com as populações envolvidas.
Por um lado, sua fala revela a força dos valores conservacionistas fluminenses e, por
outro, sugere a penetração de valores socioambientais, incorporados na idéia de negociação.
Será esta uma retórica mais simpática para criar parques como no passado? Ou seja, o
importante é garantir a sua criação e depois se pensa como equacionar os conflitos das
populações residentes nos mesmos? Ou ao contrário, houve realmente algum avanço nos
procedimentos democráticos de criação dos parques?
O fato é que a abertura à negociação e a adoção de novos mecanismos interpretativos da
lei têm possibilitado a construção de novos patamares para o encaminhamento de questões
ligadas à permanência humana em unidades de conservação integral no Estado do Rio de janeiro
e algumas conquistas já podem ser identificadas nesta última década.
Apesar de este trabalho não poder dar conta de processos amplos de mudanças que, enfatizo,
são muito recentes, listo aqui algumas hipóteses relativas ao processo de criação de parques no
Estado do Rio de Janeiro e que orientam as reflexões que serão feitas nos próximos capítulos.
85
1- É possível que os órgãos ambientais adotem o discurso da negociação e participação,
mas continuem criando parques em áreas povoadas, cientes dos problemas advindos
desta forma de gestão, mas com isso assumem uma posição de vantagem legal frente às
populações locais.
2- É possível que ao longo do tempo a categoria parque seja desmistificada como modelo
ideal ou exclusivo de conservação frente à opinião pública, pressionando a redefinição
das UCs criadas ou criando mecanismos de controle social que dificultem a criação de
novos parques.
3- Ainda que se defenda o modelo parque como ideal, é possível que as agências
ambientais reconheçam (ou sejam pressionadas a reconhecerem) a arbitrariedade e o
autoritarismo com que foram criadas e busquem novos esquemas interpretativos da lei.
86
CAPÍTULO 2
Do conservacionismo nacional ao conservacionismo estadual
A idealização e a implantação de um parque poderiam ser descritas como um ato de
magia social ao impor, através da autoridade daquele que enuncia (o Estado), uma nova visão
ou divisão social, estabelecendo outros limites ou fronteiras (BOURDIEU, 2006, p. 117).
Conforme descrito no capítulo anterior, determinadas concepções sobre a relação homem-
natureza, ao longo do tempo, elegeram-se como universais, científicas e consensuais e passaram
a exercer seus efeitos sobre circunstâncias locais, com a criação de áreas protegidas no mundo
inteiro. Alguns autores percebem esta imposição dos valores ambientais como um processo de
desenraizameto dos povos ao seu território e de desrespeito aos saberes locais (LOBÃO, 2006,
PRADO; CATÃO, 2008, SATHLER, 2007, GERHARDT, 2007). Entre eles, Lobão, em tom
mais crítico, (2006, p.6) defende que estas se constituem como categorias abstratas e externas
que representam uma cosmologia política neocolonialista que se impõem sobre o local. O poder
deste sistema é tão forte que dispensa esforços de contestação como um pensamento único.
Assim, os direitos são transformados em políticas de preservação, tutela, salvação.
A despeito da universalidade e do caráter consensual que os valores da conservação
ambiental adquiriram, impondo-se sobre as representações e práticas locais, a crião de cada
unidade de conservação abriga uma história única, que deve ser reconstitda. Ela é resultante de
determinações complexas entre o local e configurações amplas: as concepções ambientais
internacionais e nacionais citadas, mas também políticas públicas, conjunturas políticas e
econômicas, o conjunto de representações sociais exógenas atribuídas a este território e as
classificações da geografia (HEREDIA, 2001, GIULIANI, 1998). Na descrição de tais
processos que conformam este artefato cultural e institucionalmente estabelecido como área de
proteção integral, surgem também atores sociais; ideólogos, funcionários, técnicos, militantes,
responsáveis pela sua criação e implantação ao longo do tempo, conformando um campo de
disputas entre concepções, interesses distintos relacionados a trajetórias, formação e posições
sociais diferenciadas.
Neste sentido, o esforço de investigação dos aspectos constitutivos de uma unidade de
conservação se constrói em um campo de pesquisa multilocal que busca compreender os
processos que fazem o parque ser o que é, a partir de concepções, projetos, processos decisórios
87
realizados fora do local, mas que são apreendidos na paisagem através de muitas formas: os
usos do lugar, do fluxo de pessoas, das trilhas, do centro de visitações, das placas de sinalização,
das ações de fiscalização, dos materiais informativos, das práticas de gestão, entre outras.
Ao se materializarem no local, interagem, conflitam com relações de poder, práticas
econômicas, sistemas classificatórios e representações previamente existentes e produzem novas
significações sobre o território, que é também espaço social de populações que reivindicam
direitos de acesso, posse e/ou uso e controle de certos recursos naturais (DIEGUES, 1999, p.37).
Neste capítulo, busco reconstituir a história das políticas públicas fluminenses voltadas
para a criação de áreas protegidas, com a intenção de buscar o sentido (WEBER, 1991)
atribuído a projetos, leis, modelos de gestão e outras ações, no contexto em que foram criados e
que foram aos poucos se sedimentando e deixaram suas marcas na construção social do PEPB.
Ao adotar o conceito de políticas públicas, incorporo a idéia adotada por alguns autores
(BREDARIOL, 2001, VALLEJO, 2005) de que mais do que apenas ações de organismos de
governo implantados com a finalidade de equacionar problemas da coletividade, estas se
constituem por interrelações e mediações político-institucionais entre vários atores em uma
arena argumentativa (FUKS, 2005, p.46), na qual partidos políticos, a dia, os grupos
organizados e o poder executivo participam em um permanente debate.
Assim, embora esta seção esteja voltada para as políticas institucionais fluminenses
direcionadas às áreas protegidas, não desconsidera que as mesmas se constituem em uma arena
de debates na qual importam os pacotes interpretativos, a trajetória dos atores e as conjunturas
políticas com seu quadro de oportunidades, as mudanças nas próprias instituições que
viabilizam as políticas públicas, a imagem ou o tom positivo ou negativo de como uma
determinada política ou assunto é compreendido pela sociedade. (FUKS, 2005)
Nestes termos, o conceito de campo criado por Bourdieu (2006) é produtivo para
identificar os atores ou concepções dominantes e concorrentes, mostrando como estas vão
alterando seus significados e posições ao longo do tempo. São disputas corporativas ou
burocráticas, nas quais estão em jogo a defesa de cargos, modelos de gestão, a área de atuação
de certas profissões, da força e prestígio das instituições. São disputas ideológicas, nas quais
concorrem diferentes concepções sobre a relação homem-natureza. Ambas são acionadas e
incorporadas por atores específicos, que a partir de suas trajetórias pessoais dão vida e
88
complexidade a esses processos. Neste sentido, o conceito de campo é aqui utilizado como
possibilidade de articular esses elementos em um sistema coerente de relações, construído a
partir de interesses específicos do pesquisador, sem ter, de modo algum, a pretensão de estar
aqui apresentando a totalidade do campo das políticas ambientais fluminenses voltadas para as
áreas protegidas. Assim, busco compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo
que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se
joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram (BOURDIEU, 2006, p. 69).
Embora o esforço de reconstrução histórica tenha buscado compreender de forma
ampla a dinâmica das políticas ambientais fluminenses, é preciso reconhecer que o trabalho de
investigação sociológica é necessariamente seletivo, à medida que recorta e ilumina seu campo
de investigação a partir de certos interesses e questionamentos. No caso deste trabalho, uma
reflexão sobre a história do PEPB orientada ou instigada pela constatação primeira da ausência
de direitos das populações que habitam os parques. Além disso, construído em grande parte a
partir da memória de funcionários do IEF-RJ, de gestores do PEPB, e outros atores, é também
parcial à medida que deu voz à versão de atores específicos, sem a oportunidade de escutar
outros. Graças à colaboração de funcionários do IEF, tive acesso a documentos importantes para
a minha investigação, mas não pude conseguir outros tantos que seriam relevantes.
O trabalho de investigação institucional concentrou-se essencialmente, mas não de
forma exclusiva, sobre a história do IEF-RJ, órgão responsável pela administração do PEPB.
Outras agências estaduais tais como a FEEMA e a Secretaria de Agricultura e Abastecimento
SAA/RJ foram ganhando importância a partir das entrevistas e documentos e, juntamente com
os relatos sobre essas instituições, emergiram as conjunturas políticas, valores e interesses em
disputa e atores significativos. O encerramento das atividades de pesquisa no final de 2008
coincidiu com a extinção do IEF-RJ e sua fusão junto com as demais agências ambientais em
um único órgão, denominado Instituto Estadual do Ambiente INEA. A percepção de que esta
última gestão caracterizava-se por surpreendentes mudanças, explicitando os conflitos entre os
valores conservacionistas e socioambientais, modelos de gestão, cultura organizacional e
práticas políticas, me levou a dedicar especial atenção a esta conjuntura política e institucional.
Este quadro, por sua vez, refletiu-se também nas iniciativas institucionais voltadas ao PEPB, na
qualidade das relações entre o gestor do parque (e dos demais atores do IEF) e os seus
moradores.
89
A dificuldade de avaliar processos políticos do “tempo presente” (FERREIRA, 2002)
esteve relacionada ao julgamento sobre a importância e a dimensão de longo prazo das
mudanças observadas e seus efeitos sobre um campo marcadamente conservacionista. Ainda
que os acontecimentos e o sentido das modificações sejam muito recentes, a extinção do IEF e a
formação do INEA, em janeiro de 2009, permitem apontar para o desfecho e as prováveis
tendências das disputas e acordos possíveis entre as duas vertentes descritas. Sem desconsiderar
a atuação de numerosos atores institucionais – dois deles em particular – através de suas
trajetórias, visões de mundo e práticas político-administrativas, permitem melhor descrever os
processos descritos e os debates em questão. o eles: o presidente do IEF, And Ilha e a
diretora da DCN, Alba Simon. Ambos, embora com passagem em conjunturas passadas pela
Instituição, são atores significativos no quadro de mudanças trazido pela equipe do secretário de
ambiente Carlos Minc, que assumiu a partir de 2007.
Finalmente, vale salientar que este trabalho de investigação das políticas ambientais
fluminenses chamou minha atenção para o vasto campo de investigação e para a necessidade de
estudos mais detalhados sobre as particularidades das iniciativas estaduais voltadas ao meio
ambiente, assim como sua articulação com as políticas nacionais ligadas ao mesmo tema.
Segundo Mittermeier et al, (2005, p. 16), os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio
Grande do Sul foram os pioneiros, instituindo alguns parques estaduais nas décadas de 1940 e
1950. A maioria dos quase 180 parques estaduais existentes hoje foi criada a partir do início da
década de 1980. O Estado de Minas Gerais ocupa uma posição pioneira com a criação do
Parque Estadual do Rio Doce em 1944 e o Instituto Estadual de Florestas IEF/MG em
1962, contrastando com a criação do IEF-RJ apenas em 1986. O conservacionista histórico
Paulo Nogueira Neto é quem nos oferece indicações importantes para pensar a constituição das
políticas ambientais estaduais, ao lembrar sua atuação como Secretário da SEMA:
“O grosso das verbas que a SEMA conseguia ia para as unidades de conservação
e não sobrava muito para outras questões. Então comecei a agir como se o Brasil
fosse a ONU e cada estado fosse um país e passamos a descentralizar as ações da
SEMA. Visitava os estados às vezes os governadores até nos recebiam no
aeroporto, com certa solenidade e conseguíamos estabelecer parcerias.
Ajudávamos os estados a instalar suas entidades de meio ambiente, dando todo
apoio para que pudessem aplicar a descentralização. Isso era estranho, num
período centralizador, mas contava com pleno apoio do ministro e de todos os
órgãos do Ministério do Interior, que acreditavam nessa política. Foi uma
exceção a filosofia geral do governo na época, mas encontrei todo apoio para
executar uma política descentralizada.” (URBAN, 1998, p. 287)
90
Há, portanto, muito a ser investigado. Segue aqui a minha contribuição direcionada ao caso
fluminense.
2.1 - Rio de Janeiro: o berço do conservacionismo
Tomando como ponto de partida a herança de concepções e de pensadores
conservacionistas estabelecidos na cidade que foi o berço do conservacionismo nacional, a
história das políticas estaduais fluminenses inicia-se com a transferência da capital, do Rio de
Janeiro para Brasília, em 1960, e a criação do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro, em
1960, e posterior fusão em 1975. Contudo, sua trajetória segue uma linha de ações federais
voltadas para a gestão de recursos naturais postas em prática na cidade muito mais tempo.
Conforme veremos a seguir, o processo de idealização e criação do PEPB permite reconstituir
um pouco da história da formação da política ambiental fluminense e de sua relação de
parentesco com os órgãos ambientais federais, através do diálogo e da transferência de
conservacionistas e de instituições da esfera federal para a burocracia estadual. Pode-se dizer,
portanto, que foi no Instituto de Conservação da Natureza ICN, onde começou o primeiro
embrião da política ambiental fluminense.
Segundo Alceo Magnanini, um desses conservacionistas históricos, atuantes na esfera
federal e posteriormente transferidos para a burocracia estadual, a idéia de criação do Parque
Estadual da Pedra Branca nasceu na “Vista Chinesa”
57
, onde estava localizado o Instituto de
Conservação da Natureza ICN, órgão pertencente ao antigo IBDF. Com a transferência do
Distrito Federal para Brasília, este órgão passou a pertencer ao Estado da Guanabara, vinculado
à Secretaria de Abastecimento SAA e, após a fusão, ao Estado do Rio de Janeiro na recém-
criada FEEMA
58
.
57
A Vista Chinesa é um mirante localizado na Estrada das Canoas, no bairro Alto da Boa Vista. Tem belíssima
paisagem da cidade e da Floresta da Tijuca (Parque Nacional da Tijuca). O nome desta localidade também era
usado para referir-se ao Instituto de Conservação da Natureza, ali localizado.
58
“No começo era um departamento, mas entrou em decadência e foi aglutinado ao departamento de estudos
técnicos, mas manteve o nome de Departamento de Conservação Ambiental. Depois passou a ser chamado de
Coordenação de Fauna e Flora, em seguida Divisão de Ecossistemas e agora Serviço de Ecologia Aplicada. Com a
transferência da capital para Brasília, transferiu-se para o estado da Guanabara e depois de 1975, com a fusão,
passou a pertencer ao estado do Rio de Janeiro, que junto com o Instituto de Engenharia Sanitária formaram a
91
Um dos maiores idealizadores do Parque foi Harold Edgard Strang, engenheiro
agrônomo, conservacionista e então membro deste Instituto
59
e também coordenador da
Comissão Técnica de Parques Nacionais e Reservas Afins da FBCN
60
(URBAN, 1998, p. 252).
Com a criação do PEPB, pretendia-se englobar, em um único conjunto, as florestas protetoras
da União existentes no maciço e que tinham como função proteger as águas para seu entorno, já
que, Segundo Alceo Magnanini (entrevista em 26, mar. 2007), existiam nessas florestas apenas
uma fiscalização nas represas e uma proteção razoável nas florestas. Magalhães Corrêa em seu
livro O Sertão Carioca assim descreve a atividade dos guardas das matas e represas:
“A localidade onde estão as represas é conhecida pelo nome de Pau da Fome (...)
felizmente, hoje essa área de 176 alqueires de terra pertence ao governo federal,
sob a guarda da Inspetoria de Águas e Esgotos, mas preferindo o governo
transferi-la para o Ministério da Agricultura, sob a guarda do Serviço Florestal.
Até o presente momento tem um administrador, um guarda de matas e um de
represa, os quais, com o auxílio de dois trabalhadores, fiscalizam as matas e
mananciais.” (CORRÊA, 1936)
Após a fusão do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, a Secretaria
Estadual de Planejamento – SECPLAN – destinada a estruturar o recém criado estado do Rio de
Janeiro, ficou incumbida de dar andamento ao processo de implantação do PEPB. O próprio
Magnanini
61
participou desta fase, através de colaboração com Lísia Bernardes, da SECPLAN,
com quem havia trabalhado no IBGE, no Conselho Nacional de Geografia.
Segundo ele, sua ajuda devia-se ao fato de ser egresso da esfera federal e conhecer o
funcionamento dos órgãos, em especial ligados a assuntos de conservação. Ao ser consultado
por Lísia Bernardes, como deveria ser a estrutura do novo Estado, Magnanini sugeriu que se
criasse um departamento específico para administrar os parques e reservas, evitando assim o
erro cometido pela administração federal que havia subordinado as agências ligadas à
conservação ao Ministério da Agricultura. Uma semana depois, Bernardes respondeu que a
solicitação havia sido recusada pelas instâncias superiores, que alegaram: Se no federal, os
Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente FEEMA”. Norma Crud Maciel em entrevista para O ECO,
em 22 jan. 2007.
59
De acordo com Alceo Magnanini em entrevista em 26 mar. 2007.
60
Organização brasileira voltada para a conservação da natureza e inspirada nos moldes da IUCN. Muitos de seus
membros eram também funcionários da burocracia estatal e atuavam na defesa de interesses conservacionistas.
61
Idem.
92
parques estão subordinados ao Ministério da Agricultura, então não é possível fazer diferente
no estado.
62
Desta forma, com a fusão, o PEPB, junto com outros parques estaduais criados na
década de 70, tais como o Parque Estadual da Ilha Grande e Desengano ficaram subordinados
à Secretaria Estadual da Agricultura, até 1986, data de fundação do Instituto Estadual de
Florestas IEF/RJ. Vale ressaltar que tanto o Estado da Guanabara quanto o Estado do Rio de
Janeiro no período que antecede a fusão de 1960 até 1975 criaram unidades de conservação,
conforme apresentado abaixo:
QUADRO 3
CRIAÇÃO DE UCS NO ESTADO DA GUANABARA E DO RIO DE JANEIRO
1969 Parque Estadual da Chacrinha
Estado da Guanabara
1970 Parque Estadual do Desengano
Estado do Rio de Janeiro
1971 Parque Estadual da Ilha Grande
Estado do Rio de janeiro
1974
Parque Estadual da Pedra
Branca Estado da Guanabara
Estado da Guanabara
1974
Reserva Biológica e
Arqueológica de Guaratiba
Estado da Guanabara
Em ambos os casos, as Secretarias de Agricultura e Abastecimento SAA tinham
responsabilidade pelas primeiras UCs criadas (VALLEJO, 2005, p. 89), sendo que no caso do
Estado da Guanabara, a SAA tinha um núcleo voltado aos interesses conservacionistas, o ICN.
Neste sentido, é interessante ressaltar que enquanto a constituição do Estado da Guanabara fazia
referência à temática ambiental, mesmo que de forma fragmentada e vinculada ainda a
justificativas estéticas e de lazer (conforme citado no cap.1), não há nenhuma referência ao tema
na Constituição de 1967 do Estado do Rio de Janeiro (antes da fusão). Outra curiosidade é que
embora a criação de UCs estivesse vinculada a SAA, o Parque Estadual da Ilha Grande foi
idealizado e administrado inicialmente pela Companhia de Turismo do Estado do Rio S.A.
FLUMITUR, demonstrando, portanto, um conjunto de justificativas claramente voltadas para o
potencial de exploração turística da região.
62
MAGNANINI, à época, respondeu: “Então vamos ter que imitar uma burrice federal?” (em entrevista 26 mar.
2007).
93
2.2 - A fusão do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro e a criação da FEEMA
A Fundação de Engenharia do Meio Ambiente, a FEEMA, foi criada em 24 de março
de 1975, no contexto de reestruturação administrativa do recém-criado Estado do Rio de
Janeiro, na sua fusão com o antigo Estado da Guanabara. Segundo Carvalho (1987, p.198), as
pré-condições para a fundação da FEEMA estavam dadas pelo espaço que a questão ambiental
conquistava na imprensa e na sociedade. Segundo o autor, era época da “moda ecológica”: na
esfera federal foi criada a SEMA pelo Governo Federal e no âmbito do Estado da Guanabara
havia o Instituto de Engenharia Sanitária IES. É interessante ressaltar nesta observação que, de
fato, o grande foco da temática ambiental na imprensa do Rio de Janeiro, nos primeiros anos da
década de 70, são questões ligadas à crise de energia do petróleo e o impacto negativo do
desenvolvimento econômico, refletindo-se na questão sanitária, com amplo enfoque sobre a
poluição causada pelas indústrias e pelos automotivos, pela contaminação dos recursos dricos
e pelas condições de balneabilidade das praias
63
. Assim, muito embora a FEEMA tenha
incorporado o ICN, órgão voltado para a conservação da natureza, com suas respectivas
atribuições, o perfil dominante desta instituição era de uma agência voltada para o controle
ambiental (controle da poluição do ar, da água e de resíduos sólidos). Ela era, portanto, liderada
por engenheiros civis e sanitaristas que atuavam através de medidas de imposição de normas e
padrões ambientais, concessão de licenças a atividades poluidoras e medidas fiscalizatórias.
Em 1975, o Instituto da “Vista Chinesa” ICN, ficou subordinado à FEEMA e passou a
ser chamado de Departamento de Conservação Ambiental - DECAM. É curioso que os parques
criados pelos antigos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro (antes da fusão, no período 1969-
1974), por disputas corporativas, não foram transferidos para a DECAM-FEEMA por ocasião
de sua criação, permaneceram na Secretaria de Agricultura SAA. Segundo Alceo Magnanini
64
,
o grupo da “Vista-Chinesa”, por sua vez, entendia que a Secretaria de Agricultura não era o
órgão adequado para a política de conservação. Assim, passou a criar sob sua jurisdição,
reservas biológicas, estações ecológicas, APAs e parques estaduais. Da mesma forma, tais
63
Esgotos continuam a ser lançados em bruto nas praias de Botafogo e Urca (JB, 7 jan. 1970). Praias poluídas
afetarão turismo no verão do Rio (JB, 12 jan. 1970)
64
Em entrevista (26 mar. 2007).
94
unidades de conservação não foram transferidas para o IEF-RJ, quando este foi criado em 1986,
continuaram sob a jurisdição da FEEMA.
Deste modo, embora o IEF-RJ tivesse como parte de suas atribuições criar e
administrar UCs, foi a FEEMA que teve destaque neste setor, com a criação de cinco UCs de
proteção integral e dez UCs de uso sustentável no período 80/90. Já o IEF teve atuação
inexpressiva neste setor, com apenas duas UCs de proteção integral. Apenas recentemente, em
março de 2007, as áreas protegidas sob a tutela da FEEMA passaram a ser administradas pelo
IEF, na iminência de fusão de todas as agências estaduais ligadas ao meio ambiente em um
único órgão - Instituto Estadual do Ambiente INEA.
Os órgãos responsáveis pela conservação no estado do Rio de Janeiro, a exemplo do
que ocorria na esfera federal, estavam inseridos em órgãos ligados ao fomento, planejamento
e/ou controle de desenvolvimento econômico como pode ser considerada a Secretaria de
Agricultura
65
e a própria FEEMA. Causa até surpresa saber que a FEEMA administrava
unidades de conservação e que possuía um departamento de conservação da natureza, com um
dos maiores acervos de publicações ligados à fauna e à flora do Brasil. Este departamento,
atualmente chamado de Instituto de Ecologia Aplicada, chegou a ser formado por quarenta e
cinco funcionários. Em 2008 restavam apenas quatro pessoas na área de pesquisa
66
, indicando,
portanto, que a FEEMA, apesar de seu perfil sanitarista, tinha prestígio e boa infra-estrutura
também para ações no plano da conservação. Posteriormente, foi aos poucos sucateada como as
demais agências ambientais fluminenses. O quadro abaixo permite visualizar com mais clareza
como a FEEMA, através do DECAM, foi mais atuante que o próprio IEF na política de criação
de unidades de conservação, embora esta sua face conservacionista não tenha sido de grande
conhecimento da sociedade.
65
A fala de Magnanini (entrevista em 01/2006) é reveladora da oposição estabelecida pelo conservacionismo entre
agricultura e conservação. Assim, diz ele: “são duas coisas antagônicas. Agricultura é quem trabalha o terreno, bota
planta, extrai produtos, a conservação da natureza é o contrário.” Na perspectiva socioambiental a tendência a
se buscar formas conciliadoras - como o sistema de agrofloresta entre a produção agrícola e a conservação da
natureza.
66
Entrevista com Norma Crud Maciel, 22 jan. 2007. O ECO, Disponível em:
http://www.oeco.com.br/index.php/reportagens/37-reportagens/10961-oeco_20494. Acesso em: 17 jun. 2007.
95
QUADRO 4
CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS FLUMINENSES A PARTIR DE
1975
INSTITUIÇÃO PROTEÇÃO INTEGRAL
DATA
ÁREA
INSTITUIÇÃO
USO
SUSTENTÁVEL
DATA
ÁREA
SAA/DGRNR
Reserva Biológica de
Araras
1977 2.131 ha
FEEMA
APA de
Tamoios
1982 90.000ha
SAA/ DGNR
Reserva Florestal do
Grajaú
67
1978 55 ha
FEEMA APA de Maricá 1984
500ha
FEEMA
Reserva Biológica
Estadual Praia do Sul
1981 3.600ha
FEEMA
APA da
Floresta do
Jacarandá
1985 2.700ha
FEEMA
Reserva Ecológica
Estadual de Jacarepiá
1986 730 ha
FEEMA
APA de
Massambaba
1986 7.630ha
FEEMA
Reserva Ecológica
Estadual de
Massambaba
1986 1680 ha FEEMA
APA de
Mangaratiba
1987 23.000ha
FEEMA
Estação Ecológica
Estadual do Paraíso
1989
4.920 ha
FEEMA
APA da Bacia
dos Frades
1990 7.500ha
IEF
Reserva Ecológica da
Juatinga
1990 8.000 ha
FEEMA
APA da Serra
de Sapiatiba
1990 6.000ha
FEEMA
Parque Estadual
Marinho do Aventureiro
1990 1.312 ha
FEEMA
APA de Macaé
de Cima
1991 35.037ha
IEF
Parque Estadual da
Serra da Tiririca
1991 2.400 ha
FEEMA
APA do
Gericinó-
Mendanha
1993
10.500
ha
IEF
Parque Estadual dos
Três Picos
2002
46.600
ha
FEEMA
APA do Pau-
Brasil
2002 9.940ha
IEF
Estação Ecológica
Estadual de Guaxindiba
2002 3.260 ha
FEEMA
APA da Bacia
do Rio Macacu
2002
IEF
Parque Estadual Serra
da Concórdia
2002 32.577ha
IEF
Parque Estadual
Cunhambebe
2008
38.000
ha
Fontes: IEF, MENDONÇA FILHO; QUEIROZ; PEDREIRA (1996), CORRÊA (2004), VALLEJO (2005)
67
A Reserva Florestal do Grajaú criada em 1978, teve sua denominação alterada para Parque Estadual do Graj
através do Decreto Estadual 32.017, de 15 de outubro de 2002, em atendimento ao artigo 55 da Lei Federal
9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (IEF).
96
2.3 - O Instituto Estadual de Florestas / RJ: desenvolvimento florestal e conservação da
natureza
O IEF foi criado em 1986
68
, a partir do Departamento Geral de Recursos Naturais da
Secretaria Estadual de Agricultura DGRNR e herdou todos os parques estaduais, reservas,
jardins botânicos e hortos florestais, além de bens móveis, verbas e pessoal que estavam sob a
administração desta Secretaria (VALLEJO, 2005, p.136). Sua criação, de acordo com Vallejo
(2005), foi influenciada pelas disputas corporativistas entre engenheiros florestais e agrônomos
que reivindicavam um espaço de atuação próprio, uma vez que a FEEMA, embora fosse
responsável pela administração de unidades de conservação e com um departamento específico
para o tema, tinha um perfil predominantemente voltado para o controle de poluição e para
políticas sanitaristas, além de ser dominada por engenheiros civis e sanitaristas. Também é
provável que com a projeção do campo ambiental a partir dos anos 80, a Secretaria de
Agricultura setor que tradicionalmente abrigava as UCs tenha sido vista como inadequada
para a solução das questões ambientais, justificando, assim, um órgão específico para estes
assuntos. Segundo Vallejo (2005), além das disputas corporativistas, a existência de institutos
florestais nos Estados de Minas Gerais (1962) e São Paulo (1970) serviram de inspiração para a
criação do IEF fluminense. De acordo com este autor, no final dos anos 80, o Estado do Rio de
Janeiro tinha uma demanda madeira/ano quatro vezes maior que a sua produção e a diferença
era suprida através da exploração clandestina ou da importação de outros estados.
Essa constatação permite sugerir que é a vertente ligada ao desenvolvimento florestal
69
que fornece o principal impulso à criação dos institutos estaduais de florestas que, em certa
medida, reproduz a própria constituição do campo ambiental na esfera federal: inicialmente os
departamentos voltados à conservação e desenvolvimento florestais surgem vinculados ao
Ministério da Agricultura ou, no caso da SEMA, ao Ministério do Interior e, posteriormente,
constituíram-se em institutos específicos de meio ambiente, nos quais novamente se percebe
68
Segundo informações disponíveis no site oficial do IEF-RJ: foi criado pela Lei n.º 1.071, de 18/11/86. Sua
implantação, no entanto, ocorreu com a edição do Decreto n.º 10.893, de 22/12/87. Em 07/06/88 a Lei n.º 1.315
instituiu a Política Florestal do Estado e autorizou o poder executivo a transformar o IEF/RJ em Fundação, o que
foi feito pelo Decreto n.º 11.782, de 28/08/88, que também aprovou o seu Estatuto. Atualmente, é vinculado à
Secretaria de Estado do Ambiente (SEA).
69
O setor de desenvolvimento florestal visa promover o manejo adequado das florestas para garantir a utilização
deste recurso renovável, a manutenção da indústria florestal e todos os setores que dependem do uso da madeira.
97
uma clivagem entre departamentos conservacionistas e departamentos ligados ao
desenvolvimento florestal.
No âmbito da FEEMA também houve muita reação à criação do IEF
70
, visto que o
núcleo do Departamento de Conservação Ambiental – DECAM se sentia mais gabaritado para
cuidar da conservação. Após a criação do IEF, houve algumas propostas de unificação
administrativa desses dois órgãos responsáveis pela gestão de unidades de conservação, mas os
funcionários da DECAM /FEEMA nunca receberam bem esta proposta. Estes alegavam entre
outras razões: o fato da maioria de seus funcionários serem celetistas, o que impediria sua
transferência para outro órgão. Também, temiam que houvesse descontinuidade nos trabalhos
realizados, além da provável falta de recursos e de pessoal no IEF para gerir as unidades de
conservação que a FEEMA possuía. Por fim, seria imprescindível a revisão da estrutura e
organograma para a elaboração de um novo órgão ambiental, caso houvesse a fusão, para dar
conta de todos os seguintes aspectos: pesquisa, monitoramento, controle ambiental, conservação
da natureza e licenciamento ambiental. A discussão sobre este último item envolvia todas as
unidades de uso direto as APAs sob a responsabilidade da FEEMA, justamente porque este
órgão avaliava as atividades potencialmente impactantes nestas áreas. Caso estivesse sob o
controle do IEF o processo administrativo para concessão de licenciamento ambiental seria bem
mais complexo.
71
A recíproca em relação ao corpo de funcionários no IEF pode ser considerada
verdadeira. Existia também um corporativismo dentro do IEF o que dificultava a possibilidade
de transferir para este último, a gestão de todas as UCs de uso integral sob controle da
FEEMA (ex-diretor da DIUC/IEF apud VALLEJO, 2005, p.143).
Pode-se dizer, portanto, que a constituição de um campo de políticas ambientais
fluminenses se a partir de embates onde estão em jogo interesses burocráticos, relacionados à
manutenção de poder, de cargos, empregos, autonomia de instituições e também divergências
ideológicas, abrangendo concepções distintas sobre a relação sociedade-natureza. Tais disputas
são conformadas a partir da formação profissional, da trajetória política e institucional, as redes
de conhecimento, confiança e cooperação, capazes de atribuir aos seus participantes
determinado capital social e lhes possibilitam acesso ao poder simbólico do campo
70
Axel Grael, ex-presidente do IEF em entrevista a VALLEJO (2005, p.142).
71
Informações obtidas por Vallejo (2005, p. 142-144) a partir de entrevistas com funcionários do IEF e da
FEEMA.
98
(BOURDIEU, 2006), ou seja, a possibilidade de impor aos demais, determinada visão de
mundo, projetos, planos de governo, etc. Esquematicamente podemos identificar, nos anos
70/80 três posições distintas na constituição do campo ambiental fluminense:
- o campo de atuação e perspectiva da engenharia sanitária, na FEEMA: embora não tenha me
dedicado a este tema, a atuação dos sanitaristas nesta época deve ser compreendida a partir de
uma trajetória de grande prestígio e reconhecimento “mítico” do Departamento Nacional de
Obras e Saneamento DNOS desde os anos 30. Essa história é reconstituída por Sofiatti (2005)
que descreve também as disputas entre os conservacionistas e os sanitaristas no estado do Rio
de Janeiro nos anos 70.
- a perspectiva dos conservacionistas alocados na DECAM/FEEMA: apesar de ali não terem
grande visibilidade, encontraram condições de trabalho e possibilidade de atuarem na política de
conservação da natureza através de atividades de pesquisa, criação e administração de áreas
protegidas.
- a perspectiva de profissionais voltados para o desenvolvimento florestal no IEF: criado em
um momento de conjuntura política favorável a ações de reflorestamento e à perspectiva de
fomentar no estado do Rio de janeiro, medidas institucionais ligadas à indústria florestal. A falta
de aporte financeiro para os projetos, a falta de uma tradição neste setor fez com que as ações de
desenvolvimento florestal acabassem se tornando mais efetivas nos setores convergentes aos
interesses conservacionistas como, por exemplo, a restauração de áreas degradadas. O IEF aos
poucos foi adquirindo perfil cada vez mais conservacionista.
Assim, o IEF, transformado em fundação em 1988, passou a ter como atribuições
planejamento, fomento florestal para fins econômicos e de recuperação de áreas, fiscalização,
monitoramento, estudos científicos, implantação e gestão de UCs, extensão florestal e educação
ambiental. Este órgão, junto com a FEEMA, a SERLA Superintendência de Rios e Lagoas
formavam a SEMAM
72
, mais tarde denominada como SEMADS
73
, posteriormente chamada de
SEMADUR - Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e na atualidade,
Secretaria de Estado do Ambiente – SEA. O IEF apresentava três diretorias:
- Diretoria de Conservação da Natureza – DCN;
- Diretoria de Desenvolvimento e Controle florestal – DDF;
- Diretoria de Administração e Finanças.
72
Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Em 1991, a SEMAM passa a denominar-se Secretaria de Estado e Meio
Ambiente e Projetos Especiais. Em 1995, volta a ser somente Secretaria do Meio Ambiente e passa a ser chamada
de SEMA. Em 1999, a SEMA passa denominar-se SEMADS.
73
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
99
A primeira era responsável pela administração das unidades de conservação e possuía a
divisão de educação ambiental, de fiscalização e divisão das UCs, composta pelos
administradores e funcionários das UCs. a DDF cuidava das atividades de produção de
mudas e banco de germoplasmas
74
, ligados a atividades de reflorestamento e agrosilvicultura.
De acordo com a visão de alguns funcionários, a ênfase maior dada a um departamento ou outro
oscilou ao longo da história da Instituição de acordo com interesses políticos ou a força da
opinião pública a respeito da temática da conservação ou do desenvolvimento florestal. Neste
sentido, Andréa Franco Oliveira, bióloga da Instituição, lembra que logo no início da criação do
IEF, entre 1988 e 1990, houve um grande fortalecimento da DDF, com ampla disponibilidade
de recursos
75
para a recuperação de áreas degradas nas encostas de Petrópolis e Rio de Janeiro,
em função de desastres ecológicos ocorridos na região serrana em 1987, confirmando, portanto,
a direção inicial do IEF para as ações marcadas pela ótica da engenharia florestal. A partir dos
anos 90 e sobretudo após a RIO-92, Franco acredita ter havido um crescente fortalecimento do
departamento de conservação em detrimento da DDF, em razão da maior visibilidade da
temática da conservação na sociedade, gerando mudanças nas disposições governamentais.
Na visão do então presidente do IEF, André Ilha, a Instituição sempre esteve mais
voltada para ações ligadas à conservação, em primeiro lugar porque as atividades da DDF
também são em grande medida destinadas à conservação, através das iniciativas de
reflorestamento e depois, porque não tradição no estado do Rio de Janeiro de atividades de
indústria florestal. Somente agora, revela um funcionário, a Instituição começa a discutir de
forma mais consistente uma política florestal e a implantação de uma taxa florestal necessária
para a manutenção das atividades da DDF. Também aumentaram consideravelmente as
atividades de licenciamento, antes realizadas pelo IBAMA, que passaram a ser realizadas pelo
IEF.
74
Bancos de germoplasmas são unidades conservadoras de material genético de uso imediato ou com potencial de
uso futuro.
75
De acordo com Vallejo (2005, p. 118), os recursos vieram da Caixa Econômica Federal e do Banco
Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, aplicados no Programa Reconstrução e Defesa Contra
Inundações de Áreas do Estado do Rio de Janeiro – Programa Reconstrução Rio.
100
Carlos Bontempo, biólogo, ex-funcionário da Instituição e, na última gestão, consultor
da mesma no Programa de Proteção da Mata Atlântica PPMA
76
, reforça esta idéia ao afirmar
que apenas a Divisão de Reflorestamento funcionava na DDF. Seus outros dois setores, a
Divisão de Economia e Controle Florestal e a Divisão de Pesquisa e Tecnologia existiam de
direito, mas nunca funcionaram de fato. Como exemplo, relata que nunca foi feito um cadastro
de produtores ou que projetos interessantes entre a iniciativa pública e privada não tenham ido
adiante, referindo-se particularmente a um projeto chamado Pró-Floresta, implantado em
meados da década de 90, que não durou muito tempo e hoje é implantado com sucesso no
Estado de Minas Gerais.
O projeto era voltado para empresas que necessitavam do uso de carvão vegetal em
seu processo produtivo e tinha como finalidade evitar o corte de mata nativa, incentivado pela
demanda da empresa e dos pequenos produtores em suas atividades de expansão agropastoril. O
Estado inicialmente identificava áreas com pastos inativos, estabelecia um contato com seus
proprietários e com a empresa interessada e realizava um contrato tripartite. A idéia era que o
Estado doasse as mudas de eucalipto e a empresa pagaria ao produtor o plantio. Metade da
produção seria então da empresa e a outra metade seria do produtor, embora com o
compromisso legal de vender a esta mesma empresa sua parte ao preço de mercado. O objetivo
desta parceria seria a troca do pasto nativo pela cobertura vegetal. Do ponto de vista dos
técnicos do IEF, o eucalipto seria menos prejudicial do que o pasto e diminuiria a pressão sobre
a floresta nativa, suprindo as necessidades cotidianas de madeira dos pequenos produtores e das
grandes empresas, além de proporcionar aos primeiros uma renda garantida com a atividade de
reflorestamento.
Outra iniciativa realizada na área de silvicultura foi a tentativa de substituição
progressiva da cultura de banana realizada em várias UCs no estado do Rio, pelo palmito
pupunha em sistema de agrofloresta. Esta proposta tinha como objetivo proporcionar uma
alternativa de renda para os agricultores, de forma sustentável, visto que a banana é considerada,
pelos biólogos, prejudicial ao solo e à conservação. De acordo com Bontempo, este projeto não
76
Este projeto será explicado a seguir.
101
foi à frente novamente por falta de vontade política, expressando, assim, uma variedade de
aspectos que envolvem, conforme os exemplos citados anteriormente, desde o aporte de
recursos, até um afinamento entre diferentes órgãos que emitam licenças e autorizem o corte na
hora certa, entre outros. Teremos oportunidade de avaliar este projeto nos capítulos seguintes a
partir do ponto de vista dos agricultores.
Carlos Bontempo salienta que em todos os órgãos ambientais existe o predomínio das
ações de conservação em detrimento das ações de desenvolvimento florestal. No caso do IEF,
ele lembra que estes dois departamentos, DCN e DDF, coexistiam com concepções distintas
sobre o meio ambiente. O primeiro voltado para o não uso ou uso indireto da natureza, nas áreas
protegidas. Já o segundo, embora tenha atividades voltadas para a conservação através dos
hortos, produção de sementes, mudas e reflorestamento de áreas degradadas, atua em uma
infinidade de atividades de uso direto dos recursos naturais, concedendo licenças, produzindo
mudas, fomentando atividades agrícolas e de indústria florestal.
Na maioria das situações, segundo ele, os órgãos ambientais têm uma dificuldade
muito grande em trabalhar com o homem. Dessa forma, as iniciativas de agrosilvicultura ou de
plantio de madeira para corte acabam esbarrando em divergências ideológicas nas próprias
agências ambientais ou em entraves burocráticos que podem colocar a perder qualquer ação
voltada para a produção. Como exemplo, Bontempo lembra que o IBAMA era o único órgão
que autorizava o corte de madeira e houve casos em que a autorização não foi concedida, nem
mesmo para explorar plantios de eucalipto com cinco anos de existência. Esses entraves
acabaram por gerar grande incerteza na execução de projetos florestais sob o risco de incentivar
os produtores a plantar e depois não conseguir colher.
2.3.1 - Políticas, políticos, politicagem, recursos humanos e financeiros
As dificuldades burocráticas, as disputas ideológicas aliadas à falta de recursos do
Estado, o número reduzido de funcionários (a maioria deles, cedidos de outros órgãos estaduais)
além do pouco reconhecimento de sucessivos governos pela temática ambiental e a ausência de
um planejamento de longa duração, fizeram com que o IEF, na visão de alguns de seus
102
funcionários, tenha avançado muito pouco ao longo de seus vinte anos de existência.
77
André
Ilha em sua primeira gestão, em 1999, destaca que parecia ter assumido um “cemitério”, tal era
o abandono da Instituição e seu esvaziamento em termos de recursos humanos e financeiros.
Não havia sequer um projeto em andamento na casa.
A possibilidade de atuação do IEF, de acordo com a visão de Andréa Franco Oliveira,
variou de acordo com as relações políticas favoráveis ou não entre o presidente do órgão e o
secretário de meio ambiente e deste com o governador do Estado. Muitas vezes dependia
também se tais atores pertenciam ou não ao mesmo partido político.
Carlos Bontempo confirma essa visão ao lembrar que a primeira gestão do IEF,
assumida por Vitória Brailler, foi um período de força política do órgão, seguida por Eduardo
Novaes, que tinha linha direta com o secretário de meio ambiente, Carlos Henrique de Abreu
Mendes, que havia sido também superintendente do IBAMA. Ao longo de sua história, o baixo
capital político do órgão, acrescido de disputas corporativas entre as demais agências estaduais
de meio ambiente SERLA, FEEMA são os principais fatores apontados pelos funcionários
para a inviabilização de um trabalho contínuo e eficiente na área ambiental.
André Ilha, na mesma perspectiva, destaca que a sua entrada no IEF deveu-se à sua
militância ecológica desde o final da década de 80 e seu bom relacionamento com membros do
Partido dos Trabalhadores e ao então deputado estadual Carlos Minc e Secretário do Ambiente –
RJ até 2008. Sua primeira gestão no IEF se iniciou em janeiro de 1999 e foi até o rompimento
do PT com o então governador Garotinho. Segundo Ilha, apesar da aliança política formal entre
ambos, este primeiro período foi marcado por absoluto, embora nunca explícito boicote
administrativo e financeiro à área ambiental, por ser esta, na época, controlada pelo PT. Nesta
fase então, foi possível a aquisição de experiência administrativa e o início de estudos e
levantamentos que resultaram em ações concretas na sua segunda gestão, por ocasião do
governo Benedita da Silva, do PT. Embora por um período curto – de abril a dezembro de 2002
– o IEF conseguiu dobrar a área de UCs de proteção integral no Estado com a criação do Parque
da Serra da Concórdia em Valença, a Estação Ecológica de Guaxindiba em São Francisco de
Itabapoana, a ampliação da Reserva Arqueológica de Guaratiba e, principalmente, com a
77
Embora tenha sido criado em 1986, os funcionários do IEF contam a sua existência a partir do ano de 1988, data
em que este se tornou uma fundação.
103
criação do Parque Estadual dos Três Picos
78
, sua menina dos olhos; fazendo uso de sua
condição de montanhista, André Ilha afirma que esta foi a sua maior conquista
79
na vida.
Segundo Ilha, embora a temática ambiental não fosse objeto de interesse da
Governadora Benedita, houve decidido apoio aos projetos da Instituição, que também contou
com a intermediação do então deputado Carlos Minc. Foram deixados, em 2002, seis milhões de
reais exclusivamente para a implantação do Parque dos Três Picos
80
.
Durante o governo Rosinha Matheus, a esposa de Anthony Garotinho, o IEF foi
assumido por Maurício Lobo, que tinha bom relacionamento político com o secretário da então
SEMADUR Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Luiz Paulo Conde e
este por sua vez, com a Governadora Rosinha. Apesar do bom trânsito entre esses atores
políticos, Ilha classifica este período como de descaso e insensibilidade à questão ambiental e ao
cálculo político da governadora de que o investimento em meio ambiente traria menos voto do
que pavimentação de estradas ou programas assistenciais. A mudança da nomenclatura da
Secretaria de Meio Ambiente de SEMADS para SEMADUR, alterando o termo
desenvolvimento sustentável para desenvolvimento urbano, segundo Ilha, além de expressar
bem a mentalidade do casal Garotinho a respeito do tema, permitiu o desvio de verbas do
FECAM - Fundo Estadual de Controle Ambiental - para a pavimentação de estradas e outras
obras de infra-estrutura urbana. Além do IEF, as outras fundações executoras da política
estadual de meio ambiente – a SERLA e a FEEMA – teriam sofrido um desmantelamento total,
na visão do então presidente que afirmou: Nós estamos trabalhando em cima de escombros.
Apesar da crítica feita por Ilha em 2007 ao estado de sucateamento das agências
ambientais fluminenses e do gerenciamento de recursos aplicados a este setor durante o
Governo de Garotinho e Rosinha Matheus, é visível, a partir de 2003, a melhoria dos
mecanismos de captação de verbas através de termos de ajuste de conduta regulamentados
pelo SNUC. A gestão que se segue então no IEF, sob a presidência de Maurício Lobo dedicou-
78
Dados fornecidos pelo próprio André Ilha (entrevista em 23 jan. 2008).
79
Os montanhistas se referem às novas vias de escalada nas montanhas como “conquistas”.
80
“Os recursos são parte de investimentos da ordem de R$ 6 milhões que a empresa TermoRio destinará à
revitalização do Parque Estadual,em função da aplicação de uma medida compensatória, pela instalação de uma
usina termelétrica em Duque de Caxias. O montante inclui, ainda, a elaboração de um Plano de Manejo e Diretor
(PMD) que está em fase de conclusão, além da contratação de guardiões e a aquisição de materiais entre outras
alternativas.” RIO FLORESTAL. (IEF SET.2006, n.2 p.15).
104
se então a iniciativas de infra-estrutura dos parques
81
(reforma e ou construção de sedes,
subsedes, material de sinalização e demarcação das áreas protegidas tais como placas), produção
de material informativo educativo e reforma das instalações do IEF. De acordo com balanço
feito por membros de sua própria administração em revista do IEF
82
, no ano de 2006, os
seguintes resultados são apresentados:
- ampliação em 103% no número de Autos de Constatação
83
;
- diminuição em 84,6% de áreas incendiadas nas UCs do Estado;
- restabelecimento da produção dos hortos florestais, ampliando a produção em 31% e a -
recuperação de 93 hectares de áreas degradadas com projetos da própria fundação e já ?
- compromissados por imposição a infratores foram recuperados 409 ha.
84
;
- conclusão dos planos de manejo e diretor do Parque Estadual do Desengano;
- finalização do plano de manejo em mais sete UCs;
- com relação a bens permanentes foram incluídos 1.272 novos itens;
- o êxito do programa de incêndio Zero-Zero;
- o programa Floresta em Movimento que consistia em uma unidade móvel (van) que percorria
praças e escolas públicas e transmitia vídeos educativos e fazia uso de banners informativos
sobre a fauna e a flora.
Portanto, durante o período em que foi presidente do IEF-RJ, Maurício Lobo teve a
preocupação em divulgar as ações de sua gestão através da revista do próprio órgão e da
produção de cartilhas educativas, folders relativos às UCs e educação ambiental.
85
Na
publicação de 2005, a revista Rio Florestal (IEF) divulga os panfletos produzidos pelo órgão
apresentados da seguinte maneira: Nossas publicações consolidando o desenvolvimento
sustentável no estado do Rio de Janeiro. Chama a atenção que todas as imagens (veja na
página seguinte)
86
mostram excursionistas em atitude de contemplação das paisagens, dos
81
Na revista Rio Florestal referência à revitalização do Parque da Chacrinha e do Grajaú, da Ilha Grande, do
Parque Estadual da Serra da Tiririca, do Desengano através de termos de Cooperação com empresas de energia
elétrica e do Programa de Despoluição da Baia de Guanabara. As obras de revitalização da sede do Parque Estadual
da Pedra Branca, feitas também através de medidas compensatórias da EletroBolt foram inauguradas em 5 de junho
de 2003.
82
RIO FLORESTAL, 2006, editorial.
83
Documento lavrado pelo agente de fiscalização ao deparar-se com um ato de infração. Para muitos funcionários
de agências ambientais, a apresentação de um número cada vez maior de autos de infração, consiste em um sinal
de distinção no campo ambiental que expressa rigor em fazer cumprir os ideais e leis conservacionistas.
84
Dados comparativos do ano de 2002 com o mês de junho de 2008
85
Anexo 2: revista RIO FLORESTAL, 2005. IEF contracapa e p.8.
86
Revista RIO FLORESTAL, 2005. IEF, contracapa.
105
animais e destacam os cuidados necessários com o lixo e demais objetos dos visitantes. De
acordo com Saber (2002, p.101), a reunião de imagens e da linguagem escrita forma um texto
sincrético no qual ambas se relacionam na criação de um sentido. Neste caso, a associação de
imagens ligadas a valores e comportamentos conservacionistas definidos como ações de
desenvolvimento sustentável, integra duas concepções distintas e polarizadas sobre a relação
homem-natureza no campo de disputas ambientais. O caráter ideológico deste discurso consiste,
portanto, em apresentar os valores conservacionistas como valores universais e benéficos a toda
sociedade. O conceito de desenvolvimento sustentável aqui aparece relacionado à possibilidade
de realização de atividades econômicas voltadas ao turismo sem causar danos ao meio ambiente.
Contudo, alguns estudos (DIEGUES, 1994, COSTA, 2008, PRADO; CATÃO, 2008)
direcionados ao processo de criação de unidades de conservação em áreas que adquiriram forte
atrativo turístico e passaram a ser disputadas pelo capital imobiliário, demonstram que o
controle do Estado sob essas áreas, se por um lado, representou um freio ao processo de
privatização de espaços de lazer e belezas naturais, por outro, estabeleceu, no momento
seguinte, um reordenamento das atividades econômicas locais, assumindo uma postura de
criminalização do usos diretos de recursos naturais feitos pelas populações nativas, assim como
as atividades independentes voltadas ao turismo que estas buscaram também desenvolver.
Abreu (2006, p. 16), neste sentido, ao refletir sobre a tendência de ação do Estado sobre o
espaço, afirma que este apesar de se constituir em agente distinto do capital, seu papel no campo
econômico tem sido de garantir ao máximo a reprodução do capital, fazendo concessões apenas
quando estas se evidenciam necessárias para assegurar as condições mínimas de estabilidade e
reprodução social.
Voltando a discutir a influência das conjunturas políticas estaduais sobre o IEF, o fato
de a diretoria do IEF ser formada por quadros de coligação partidária, é uma das razões
apontadas por Bontempo para o enfraquecimento político do mesmo: quando o governo era do
PDT o IEF era do PT quando o governo era do PMDB o IEF era do PSDB então o IEF nunca
teve força para impor sua vontade. Confirmando uma visão consensual entre os funcionários do
órgão, Bontempo percebe o momento atual como um período de revitalização e otimismo,
relacionado à última gestão. Embora, em sua opinião, a questão fundamental seja que o meio
ambiente não é, e dificilmente será, uma prioridade política em governo algum. Além disso, as
contradições entre as ações políticas do próprio Estado ou entre as diferentes esferas de poder,
106
estadual, municipal e ou federal, orientadas por diferentes interesses, são grandes barreiras ao
êxito das medidas ambientais. Um exemplo típico da falta de diálogo e contradições entre
diferentes esferas do poder público, é que na mesma época em que o IEF promovia o
reflorestamento das encostas do Rio de Janeiro, o então governador Leonel Brizola tinha um
projeto de distribuir cabras para a população carente da cidade, fato que, certamente, em pouco
tempo, devastaria as encostas cariocas.
Outra questão, que deve ser apontada, mas que certamente também está relacionada às
disputas políticas, diz respeito aos mecanismos legais de captação de recursos na área ambiental
que têm sofrido visível avanço com a Lei do SNUC de 2000. Esta determina que os passivos
ambientais de empresas devam ser destinados às unidades de conservação através de termos de
ajustes de conduta. Este recurso não vai diretamente para a instituição ambiental, mas através de
convênios fica determinado como a empresa aplicará os recursos. Neste sentido, devem-se
considerar os mecanismos através dos quais o órgão ambiental controla e gerencia a aplicação
dos recursos disponíveis através de dotação orçamentária, detalhamento, escolha de prioridades
pelas equipes de trabalho, transparência, entre outros.
Como exemplo de mau funcionamento destes mecanismos, Simon (2003, p.203), ao
reconstituir o processo de captação de recursos para o Parque Estadual da Serra da Tiririca
PESET, abrangendo Niterói e Maricá, destaca que, embora o Parque tenha sido incluído no
escopo de Projetos Complementares do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara PDBG,
passada uma década, os recursos permanecem presos no emaranhado burocrático do governo
federal, estadual e sua fonte, o BID Banco Interamericano de Desenvolvimento. Da mesma
forma, parte dos recursos conseguidos através de um termo de compromisso entre a SEMADS e
a Petrobrás firmados a partir de 2000 e disponibilizados em 2001, se perdeu na burocracia, com
a mudança de gestão do IEF, em meados de 2002. Outra importante fonte de recursos foi
conseguida através do Programa de Cooperação Financeira estabelecido entre o governo alemão
e o governo do Estado denominado Projeto de Proteção à Mata Atlântica PPMA/RJ
87
. Contudo,
87
O Projeto de Proteção à Mata Atlântica - PPMA-RJ tem como objetivo diminuir a taxa de redução deste bioma
no Estado do Rio de Janeiro. É resultado do acordo de Cooperação Financeira Brasil-Alemanha por meio do Banco
Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW), agente financiador do Ministério de Cooperação Internacional da Alemanha
(BMZ). Em um período de quatro anos (abril de 2005 a março de 2009), o governo alemão disponibilizará, para
que este objetivo seja alcançado, cerca de 7,7 milhões de euros a fundo perdido e, em contrapartida, o Governo do
Rio de Janeiro deverá investir, neste mesmo período, um valor mínimo de 9,8 milhões de reais. Sendo assim, esta
parceria envolve investimentos aproximados da ordem de 30 milhões de reais revertidos em recursos para o PPMA-
RJ. As ações são focadas em cinco componentes interdependentes e complementares: implantação de unidades de
107
alguns funcionários frisaram que as inúmeras irregularidades legais nas condições fundiárias nas
UCs estaduais, as frágeis condições de fiscalização e manutenção dessas áreas protegidas, assim
como a precariedade de recursos humanos do IEF inviabilizaram o aporte de cerca de R$8,3
milhões (VALLEJO, 2005, p. 146) para a Instituição no ano de 2003. Este fato pode ser
indicativo de que o objetivo das interferências realizadas nas UCs durante a gestão Lobo e, na
gestão seguinte, a realização de um concurso público para admissão de funcionários buscava em
grande medida adequar-se às determinações da Instituição alemã para obtenção dos recursos. O
concurso, realizado apenas em março de 2008, constava em Diário Oficial em 19 de abril de
2004, assinado pelo secretário da SEMADUR, Luis Paulo Conde.
Na visão de um funcionário do IEF, durante o primeiro ano do governo Garotinho e o
período Benedita, que coincidem com a participação do PT no governo e a gestão de André Ilha,
houve um detalhamento e acompanhamento maior dos convênios estabelecidos pelo órgão com
as empresas. Com a retirada do PT do governo, e em seguida, a eleição de Rosinha Matheus
como governadora e Maurício Lobo como presidente do IEF, os funcionários da Instituição
não acompanharam mais o destino dos recursos.
As críticas também se estendem às oscilações políticas e à incerteza de recursos, que
acabam por inviabilizar a realização de projetos que podem levar anos para serem iniciados. Por
exemplo, o projeto do banco de sementes florestais que vai ser implantado agora, foi elaborado
em 1996. A troca de gestores muitas vezes implicou na interrupção das atividades anteriormente
estabelecidas por outras voltadas a destacar a marca pessoal do novo gestor, secretário ou
governante. Neste sentido, sugeriu um funcionário, seria preciso que a Instituição criasse
mecanismos de captação de recursos permanentes para se proteger das incertezas políticas.
Além da morosidade para o andamento de projetos, a falta de continuidade entre uma
gestão e outra e a inconstância de recursos, há que se considerar que o IEF-RJ se fez aos poucos
através do esforço de funcionários de diferentes formações e egressos de diversas secretarias do
governo estadual, que a foram moldando. A demora na realização de concurso público
especificamente para a área ambiental demonstra a inexistência de uma política de valorização
conservação e seus entornos; prevenção de incêndios florestais e controle de queimadas; monitoramento, controle e
fiscalização florestal; estudos adicionais, planejamento e capacitação; gestão de projeto (coordenação,
monitoramento e avaliação). IEF. Disponível em: <http://www.ief.rj.gov.br/ppma/index.htm>. Acesso em: 23 mai.
2008.
108
de recursos humanos. O corpo de funcionários com formação superior, oficialmente ligado ao
IEF, era formado por quatro biólogos apenas. Os demais eram oriundos de outras secretarias,
tais como Secretaria de Educação, Saúde, Instituto de Engenharia e Arquitetura do Estado,
Corpo de Bombeiros, que são cedidos para o órgão. No início da década de 90, o recém-
criado IEF adquiriu parte de seu quadro técnico através do repasse de funcionários de algumas
prefeituras, mediante convênio em caráter emergencial.
Finalmente, em março de 2008, realizou-se o concurso para o novo órgão a ser criado,
o INEA. Esta medida busca suprir a enorme deficiência estrutural de recursos humanos
existentes nas agências ambientais do estado, como também admitir funcionários que se
percebam membros do INEA, ajudando a dissolver entraves corporativos trazidos pelos mais
antigos, ligados aos seus órgãos de origem: IEF, FEEMA e SERLA. A criação deste novo
órgão, de acordo com fontes oficiais (INEA), teria como principal objetivo agilizar os
procedimentos burocráticos na área ambiental, especialmente os licenciamentos e as medidas de
fiscalização.
O concurso previa 153 vagas para os níveis superior e médio, mas curiosamente não
foram abertas vagas para profissionais das ciências humanas, como psicologia, pedagogia e
ciências sociais, fundamentais para o processo de implantação de UCs, conselhos consultivos e
avaliação de impactos sociais, intermediação de conflitos e adoção de princípios de justiça
ambiental. Ainda que seja uma grande conquista a contratação de especialistas voltados para a
temática ambiental, percebe-se claramente o predomínio de uma concepção estritamente técnica
sobre o meio ambiente, apesar da recente, mas crescente pressão social e jurídica para a
incorporação de mecanismos democráticos e participativos de criação e gestão de áreas
protegidas e incorporação de valores ambientais pela população.
Carneiro (2008), neste sentido, ao realizar pesquisa sobre como se desenvolvem os
processos decisórios na criação/implantação de UCs nas agências ambientais e no próprio IEF-
RJ, constata o descaso que os tomadores de decisão possuem em relação aos cientistas sociais e
sua possibilidade de propor soluções para situações de conflitos ambientais. O recurso às
ciências sociais se faz mais presente somente na fase de implantação das unidades de
conservação, pois, em geral, os dados socioeconômicos solicitados na fase inicial são muito
superficiais e muitas vezes são apoiados sobre o conhecimento empírico que os técnicos
possuem sobre a área a ser protegida. Esta afirmação pode ser constatada pelo descaso das
109
agências ambientais em realizar uma escuta prévia das populações que mais diretamente
sofrerão impactos no processo de criação de uma UC. Mesmo o procedimento legal
determinado pelo SNUC, de realização de audiências públicas nesta fase, é ainda encarado
como uma mera exigência legal. Esta postura confirma a força do ideário da conservação que
deslegitima as demandas dos habitantes e dos conflitos que se estabelecem no ato de criação de
uma UC. Estes em geral são classificados como interesses particulares que se contrapõem aos
interesses universais da conservação. O discurso ambiental, justificado sobre critérios técnico-
científicos consagrados
88
que se tornaram bastante difundidos pela mídia, é reforçado por
esquemas argumentativos (ou seja, pela maneira como a questão ambiental é proposta como
assunto público), nos quais a conservação da natureza se apresenta como uma resposta ao
processo de expansão e especulação imobiliária e como reação à ameaça das habitações
populares (FUKS, 20001, p. 142).
A partir do predomínio de um ethos orientado pela lógica biológica
89
da conservação
da natureza nas instituições ambientais, que se consolidou nos anos 90, parece não existir ainda
entre os funcionários do IEF a compreensão de que a administração de uma UC não envolve
apenas questões ligadas à biodiversidade, mas também e principalmente –, questões ligadas à
administração de conflitos socioambientais ligados à permanência humana. Esta concepção que
vincula a gestão de UCs apenas às ciências biológicas é reforçada por uma das ex-
administradoras do PEPB:
“Quem quer trabalhar o social não pode trabalhar com o meio
ambiente. Não cabe ao administrador, nem ao IEF resolver estas
questões. Trata-se de um dispêndio de energia e recursos que
poderiam ser usados de outra forma caso a questão da permanência
humana fosse resolvida.”
Contudo, as novas exigências trazidas pela Lei do SNUC, de gestão participativa nas
UCs, implicam em uma reorientação da postura do administrador em relação às populações da
UC e do entorno e, no esforço do próprio IEF em assumir princípios participativos de gestão
88
Segundo Carneiro (2008, p. 7) determinados conceitos tais como mosaicos de unidades de conservação, corredor
ecológico e bacia hidrográfica são empregados pelos cnicos das agências ambientais de forma recorrente,
demonstrando que passaram por um processo de reconhecimento político e científico produzindo um consenso.
89
Os biólogos e, entre eles, aqueles especializados em ecologia e botânica (CARNEIRO, 2008, p.7).
110
interna, de controle, acompanhamento e prestação de contas à sociedade. Assim, na
administração passada (Maurício Lobo) foram constituídos os conselhos consultivos das
unidades de conservação controladas pelo IEF-RJ e deu-se andamento aos planos de manejo.
Mas, em uma instituição orientada por valores conservacionistas e postura tecnocrática, além de
uma estrutura organizacional frágil e suscetível às influencias políticas, os conselhos não saíram
do papel e, posteriormente, foram julgados pela administração seguinte, como aleatórios e não-
representativos. Também os planos de manejo, cuja especificação do SNUC
90
determina que
sejam elaborados, implementados e revistos, se for o caso, pelos conselhos, não seguiram essas
etapas. Além de não serem participativos, outro aspecto grave, envolve a forma como se tem
historicamente elaborado os planos de manejo no Brasil. De acordo com o biólogo Carlos
Bontempo, os planos de manejo não têm sido feitos para o equacionamento de problemas, mas
sim para camuflá-los:
“Para você elaborar um plano de manejo você tem critérios, você tem
procedimentos e se você a maioria dos planos de manejo feitos no nível
estadual, não no IEF-RJ, nos outros estados também, eles são atropelados.
Para você ter uma idéia eu era supervisor de planos de manejo do IBAMA. Acho
que, ao todo, supervisionei uns 16 planos de manejo de UC. Então quando
chegava uma empresa especialista em EIA-RIMA pra fazer plano de manejo eu
colocava a seguinte instrução para eles: esquece o EIA-RIMA, o que vocês vão
fazer não é isso. No EIA-RIMA vosimplesmente identifica o problema, que é
o teu empreendimento, você vai criar um visual em que este problema que é o
empreendimento se torne a maior solução para aquela região: olha isso aqui é a
salvação da vida de vocês, isso aqui vai gerar isso, vai fazer isso e todos os
problemas que aquilo ali vai gerar, você vai esconder embaixo de um tapete.
EIA-RIMA é isto, nada mais é. Plano de manejo é o contrário: você vai pegar
uma unidade, vai dissecar, vai identificar todos os problemas, vai evidenciar e
vai dizer: ‘para resolver estes problemas você tem que fazer isso, isso, isso ...
agora o maior problema de você fazer um plano de manejo em um governo que
não mostra a cara, é você mostrar os problemas, ninguém quer fazer, ... não me
mete nisso não!’ Aí vem o deixa como está!”
2.3.2 - A última gestão do IEF (2007- 2009)
Em 2007, Sergio Cabral ganhou as eleições para o governo do Estado e Carlos Minc é
escolhido como secretário do Ambiente. Iara Valverde é nomeada para a presidência do IEF,
mas logo é substituída por André Ilha em setembro do mesmo ano, em sua terceira gestão na
90
SNUC cap. 5 art.20, §II.
111
Instituição. Segundo ele (entrevista 23 jan. 2008), havia a expectativa de permanecer na
presidência do IEF até a fusão das agências ambientais na nova autarquia, o INEA Instituto
Estadual do Ambiente
91
.
A última gestão de André Ilha no IEF–RJ encaixa-se no quadro idealizado
anteriormente de bom trânsito político entre governador, secretário do ambiente e presidente do
IEF. Tendo uma boa avaliação dos funcionários, em função das gestões anteriores, o presidente
André Ilha, junto com Alba Simon que assumiu a Diretoria de Conservação da Natureza DCN
no IEF, faz parte da equipe trazida por Carlos Minc para a Secretaria do Ambiente. De acordo
com relatos de membros desta equipe, apesar das diferenças ideológicas entre seus membros,
um afinamento do grupo para a realização de metas e ações discutidas em reuniões semanais
junto ao secretário.
Esta boa configuração política refletiu-se internamente em aporte de recursos e um
quadro de iniciativas no IEF, dentre as quais se destacam a realização do concurso público para
preenchimento do corpo de funcionários, conforme foi citado, a criação de um serviço de
guarda-parques, de uma nova UC de proteção integral (o Parque Estadual de Cunhambebe), a
revisão dos conselhos consultivos criados na administração passada e o rmino dos planos de
manejo das unidades de conservação, além de investimento intenso de divulgação na mídia: de
suas realizações através do site da SEA, e de inaugurações, autos de constatação e outros, como
tem sido o perfil de Carlos Minc, ao longo de suas atividades como parlamentar, talvez herança
da fase do protesto-espetáculo que marcou o movimento ambientalista nos anos 80.
Em 21 de dezembro de 2007, através do Decreto Estadual 41.089, foi criado o serviço
de guarda-parques, delegando ao Corpo de Bombeiros as tarefas de fiscalização, prevenção e
combate a incêndios florestais e busca e salvamento em parques, reservas e estações ecológicas
administradas pelo Estado.
92
A primeira turma encontra-se em treinamento e previsão de
novo concurso em outubro de 2008. A autorização para a criação de um corpo de fiscalização
próprio do IEF (uma velha reivindicação da Instituição) e abertura de concurso foram
conseguidas após uma reportagem de efeito bastante negativo sobre invasões no Parque
Estadual da Pedra Branca.
93
Segundo um membro da equipe dirigente do IEF, a primeira turma
de guarda-parques ainda não foi formada de acordo com os moldes desejados pela Instituição,
91
Com a criação do INEA, André Ilha assumiu a Diretoria de biodiversidade e Áreas Protegidas.
92
IEF. Disponível em: < www.ief.rj.gov.br> . Acesso em: 19 jun.2008.
93
O GLOBO, 25 nov. 2007.
112
ou seja, concursados especificamente para esta função. O grupo atualmente em treinamento é
formado por bombeiros recém-concursados que foram selecionados para atuar como guardas.
2.3.3 - Do deixa como tá ao termo de compromisso
Ao avaliar o quadro de mudanças, sugiro que a recente participação no quadro da
Secretaria Estadual do Ambiente, SEA, de ambientalistas com intensa participação política
desde os anos 80, contribuiu para redesenhar as políticas ambientais a partir de alguns princípios
socioambientalistas. Tais mudanças são ainda muito restritas e têm se dado basicamente pela
tentativa de implantação de modelos de gestão participativa nas unidades de conservação,
através da consolidação dos conselhos consultivos e do término dos planos de manejo das
mesmas.
Apesar de alguns membros desta equipe serem marcados por uma ótica
conservacionista, de alguma forma são orientados por princípios de participação ou de novos
parâmetros interpretativos da legislação ambiental que têm permitido uma possibilidade de
acordo entre diversos atores no campo ambiental. Algumas dessas pessoas que ocupam cargos
públicos importantes na Secretaria do Ambiente atribuem à militância ou a ter estado do outro
lado do balcão o elemento-chave para a reorientação de valores ou o desenvolvimento de uma
sensibilidade social, ainda que se autoclassifiquem como conservacionistas ou
socioambientalistas.
Muito embora a temática dos direitos das populações residentes em unidades de
conservação não tenha alcançado e ainda não alcança a visibilidade e a atenção necessárias
no ambientalismo fluminense como, por exemplo, se observa na região amazônica, é possível
identificar uma tradição socioambiental que tem origem na trajetória de militância dos anos 80
dos membros desta equipe que agora ocupam cargos de influência na Secretaria de Ambiente
do Rio de Janeiro.
Em texto originário do movimento ecopolítico na Constituinte, o então deputado
Carlos Minc (1987) relaciona os valores da ecologia com a cidadania, enfatizando a necessidade
de estabelecimento do controle social nas políticas ambientais:
“O desenvolvimento econômico deve atender a expectativa de justiça social e de
preservação do equilíbrio ecológico. Em nome do crescimento não se pode permitir
que vidas humanas sejam ceifadas ou mutiladas, e que os ecossistemas sejam
113
irremediavelmente afetados. Além disso, destaca no item 3 a) dos itens que
deveriam ser explicitados na Constituição: a preservação e manejo dos recursos
naturais devem ser de utilidade pública e de interesse social contando para tal com a
participação e o controle da sociedade, e feito sem que seja lesado o interesse geral
da comunidade. (MINC, 1987, p. 136)
O viés humanista e a ênfase nos mecanismos democráticos de participação são
destacados como ingredientes desta geração de ambientalistas que contrasta com a visão de
funcionários das agências ambientais que, orientados por uma lógica conservacionista, sempre
estiveram na burocracia estatal e que, portanto, possuem uma visão estritamente técnica da
questão ambiental, fazendo-se valer pela aplicação rígida e formal da lei.
“É preciso que se diga que quando se cria a lei, cessam os direitos adquiridos.
Vai se discutir a indenização, mas deve cessar qualquer atividade que era
exercida”. Alceo Magnanini (entrevista, 26 mar. 2007)
A experiência de arbitragem de conflitos ambientais na ALERJ, particularmente nos
últimos anos na Comissão do Meio Ambiente, de Minc e alguns de seus assessores, pode ter
contribuído para a sensibilização acerca da temática da permanência humana em unidades de
conservação, a partir de meados dos anos 90. Um exemplo é a lei estadual n. 2.393/95
94
, que
reconhece o direito à permanência de populações nativas em UCs de proteção integral, muito
embora não tenha sido
ainda regulamentada e tenha pouquíssima projeção nas políticas
ambientais fluminenses até o momento dirigidas às UCs. Essa lei é de autoria do próprio Carlos
Minc e foi criada no contexto de implantação da Reserva Ecológica da Juatinga
95
96
em Parati.
Esta UC de categoria bastante restritiva foi criada, segundo justificativa institucional, para
impedir o processo de grilagem empreendido por uma única família do local, mas impôs, por
sua vez, sérias restrições à população caiçara estabelecida na região. Assim, buscando garantir o
direito de permanência da população nativa, esta lei pode ser considerada como um marco de
uma aliança ainda embrionária entre algumas vertentes do movimento de ecologia política
fluminense, de conservacionistas e as populações residentes em UCs de proteção integral na luta
94
Anexo 2: Lei n. 2.393/95.
95
Juntamente com o Parque Estadual da Serra da Tiririca, foram criados por projeto de lei e não decreto, como as
demais UCs estaduais.
96
A Reserva Ecológica da Juatinga foi criada em 1990.
114
pela defesa de seus direitos. Apesar de seu pouco uso, esta lei começa a ser invocada cada vez
com mais frequência em situações explícitas de conflito e ameaça de remoção como foi o caso
recente das populações residentes nos Parques Estaduais da Serra da Tiririca (MOTA, 2008) e
da Praia do Aventureiro na Ilha Grande (COSTA, 2008). De acordo com Sathler (2007), esta lei
distingue-se, entre outros aspectos, da Lei do SNUC, que versa sobre populações tradicionais
em unidades de conservação, porque enquanto esta última garante direitos de forma apenas
provisória, a lei estadual confere o direito real
97
da população classificada como nativa de
forma permanente. Também é de Carlos Minc a Lei 3.192/99, que confere direito real de uso da
propriedade aos pescadores tradicionais que estejam ocupando suas terras, inclusive em
unidades de conservação.
Pode-se considerar, portanto, que a partir de meados dos anos 90, a temática da
permanência humana começa de forma ainda embrionária, na região Sudeste a despertar o
interesse de ecologistas envolvidos anteriormente com outras questões. Podemos citar o então
secretário Carlos Minc como um exemplo deste alinhamento. Por outro lado, Alguns ativistas
fluminenses, identificados com os valores conservacionistas, perceberam que o tema da
conservação implicava na mediação de conflitos e da colaboração das populações que sofriam
de forma mais intensa o ônus da criação de UCs e, por isso, foram acusados de terem mudado
de lado. Esses que foram chamados ou acusados de socioambientalistas, por sua vez,
argumentavam que o conservacionismo alcançou resultados muito limitados na conservação das
espécies, às custas do empobrecimento da população e da resistência de muitos grupos atingidos
pela criação de parques e outras áreas de proteção integral. A diretora da DCN, Alba Simon,
explicitando esta vertente, reflete sobre sua trajetória:
“Nesses vinte anos envolvida com UCs, seja no Acre , seja no Rio, em Niterói,
Tefé, Balbina... Eu comecei a perceber, trabalhando como técnica, que a gente
efetivamente não avançava na conservação. A academia, com o curso de Ciência
Ambiental, a experiência e a militância foram fundamentais para perceber que a
questão era muito mais política econômica social do que propriamente ambiental.
Para a surpresa da maioria dos meus colegas de militância e até amigos pessoais,
eu mudei o foco da conservação para o conflito.” (Alba Simon, entrevista em 14
abr. 2008)
97
Concede a alguém ou grupo o direito de uso de uma área pública. Transfere o domínio útil, geralmente vinculado
a obrigações que devem ser cumpridas para legitimar tal concessão (Sathler, 2007, p. 4).
115
UM PERFIL SOCIOAMBIENTAL
Uma terceira vertente alinhada ao conservacionismo, mas cuja trajetória esteve ligada a
mobilizações e organizações de grupos de protesto, adquiriu através da prática política,
habilidades de negociação e interlocução assim como certo apreço por mecanismos
democráticos de gestão pública. Diria que André Ilha é um representante desta vertente.
Alba
Simon, moradora de Niterói, com formação em biologia pela Universidade Fluminense
(localizada na mesma cidade) e especialista em primatologia pela UNB, participou da luta
pela criação do PESET, no final dos anos 80/90, junto com outros pe
squisadores, ONGs e
associações de moradores. A principal motivação do movimento era a constatação da rápida
degradação ambiental causada pela especulação imobiliária da região. Esta atuação lhe
rendeu junto com outros participantes, o ingresso na Secretar
ia de Meio Ambiente de Niterói,
com cargo de gerente de controle ambiental. Segundo seu relato, a participação em uma
palestra do líder seringueiro Chico Mendes realizada no Rio de Janeiro foi uma experiência
tão marcante que, a partir dela, foi para o Acre,
onde atuou como técnica e pesquisadora em
UCs no Instituto do Meio Ambiente do IMAC/ACRE. Ali, o trabalho em reservas de
desenvolvimento sustentável modificou sua perspectiva sobre a conservação da natureza,
substituindo a visão oriunda do geo-referenciamento que segundo ela,
identifica e delimita
áreas de conservação a partir da seleção de manchas verdes
, por outra que busca olhar com
lupa os processos sociais que se estabelecem nessas áreas aparentemente desabitadas
. Ao
voltar para o Rio, foi Chefe de
Gabinete do IEF na gestão de Axel Grael (também
participante do movimento ambientalista em Niterói). Essa reorientação, baseada na
percepção da temática ambiental a partir dos conflitos sociais foi consolidada no curso de
Ciência Ambiental e na elaboração
de sua dissertação de mestrado, na qual analisa o
processo de criação do PESET (SIMON, 2003). Desde 2004,
atuou na Comissão de Defesa
do Meio Ambiente da ALERJ, como assessora do então deputado estadual Carlos Minc,
elaborando projetos de lei voltados pa
ra a regulação, disciplinamento ou desenvolvimento
nas áreas de conservação da natureza, desenvolvimento sustentável, licenciamento ambiental,
resíduos sólidos e outros. Sua trajetória, portanto, pode ser entendida como uma configuração
possível entre outr
as que no final dos anos 80/90 se articulam na formação de uma
perspectiva socioambiental. Significativamente, sua “conversão” sofreu influência de sua
experiência na Amazônia, região na qual o socioambientalismo,
entendido como a
articulação entre os movi
mentos preocupados com os direitos sociais e as diversas correntes
ambientalistas, se consolidou. Foi também sobre a Amazônia que Carlos Minc realizou sua
tese de doutoramento e Carlos Bontempo (em entrevista, 17 abr. 2007) modificou sua
perspectiva até en
tão biológica, por outra que passou a incorporar a dimensão da interação do
homem com a natureza.
116
UM PERFIL CONSERVACIONISTA
Esses novos enquadramentos do grupo conservacionista, e das diversas perspectivas
socioambientalistas, surgem, em parte, como reflexos da conjuntura política nacional, com a
eleição do presidente Collor, restringindo os canais de participação dos movimentos ecológicos
- em geral de esquerda - no governo. Também, pela crescente difusão da temática ambiental, a
partir da realização da Conferência Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Brasil
- a ECO-92 - realizada na cidade do Rio de Janeiro, impondo a necessidade de reorganização do
movimento ambientalista brasileiro.
“A agenda da Conferência, mais do que a simples agregação de temas
socioambientalistas e conservacionistas propugnava uma nova maneira de definir
André Ilha é formado em Administração de Empresas e auditor da Receita Federal desde
1987. Identificando-se como um conservacionista, é um claro defensor da categoria parque
.
Sua inserção no movimento ambiental está
profundamente relacionada com a prática do
montanhismo e inicia-
se a partir de sua filiação a FBCN, em meados dos anos 80. No final
do ano de 1988, engajou-se no movimento ambiental junto com ou
tros montanhistas na luta
pela preservação do Morro da Pedreira, próximo ao Parque Nacional da Serra do Cipó, em
Minas Gerais, uma localidade
com inúmeras vias de escalada, caminhadas e atividades de
espeleologia ameaçada de ser transformada em uma pedreira. Formou-
se então o Movimento
Pró-
Morro da Pedreira, que após um ano e meio de luta, abraço simbólico e participação
inclusive do deputado mineiro e ambientalista Fernando Gabeira, foi transformado no final
do Governo Sarney em APA do Morro da Pedreira e APA de Lagoa Santa.
A partir desta
experiência este grupo fundou o Grupo de Ação Ecológica, GAE, no Rio de Janeiro.
De
acordo com seu relato esta inserção no movimento ambiental
possibilitou a articulação de
redes de comunicação com outros grupos e atores inseridos na ação partidária,
sobretudo no
PT. Tais nculos, conforme já foi apresentado, resultou na sua
primeira gestão como
presidente do IEF em 1999. Ainda que ao longo deste percurso Ilha tenha incorporado
conhecimentos ligados à proteção da biodiversidade, é relevante
destacar a existência de uma
vertente do conservacionismo mais voltada para a importância dos parques como áreas de
lazer, contemplação e de educação das populações urbanas. Temas ligados à manutenção de
trilhas, usos adequados de
visitação, formas de geração de renda dos parques, melhoria de
infra-
estrutura para os caminhantes, troca de informações sobre trilhas pouco conhecidas ou
debates sobre normas de uso das vias de escalada são relevantes no processo de implantação
dos parque
s. O Parque dos Três Picos, por exemplo, criado a partir do envolvimento pessoal
de Ilha na sua criação, ainda que tenha justificações de fundo ecológico, traz no seu processo
constitutivo a defesa deste espaço historicamente consagrado ao montanhismo fluminense.
117
a questão ambiental. A noção de desenvolvimento sustentável, propondo novas
tecnologias para manejo racional dos recursos naturais, vinha apresentada como
forma de conciliar desenvolvimento e preservação ambiental. a idéia de
biodiversidade enfocava a manutenção do patrimônio genético de todas as
formas de vida, inclusive das populações humanas habitando áreas de
preservação”. (ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007, p.18)
2.3.4 - O caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca: um caso exemplar dos novos
enquadramentos entre socioambientalismo e conservacionismo
O processo de criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, em 1991, retrata o
conjunto de valores e o caminho percorrido por certa fração do ambientalismo fluminense no
final dos anos 80/90 e que hoje é atuante na burocracia do Estado. Diferentemente dos outros
parques estaduais, sua criação tratou-se, não de uma imposição exclusiva do poder público
(decreto), mas resultado de um movimento de mobilização de setores médios da sociedade na
reivindicação de um parque (projeto de lei). Como na sua origem, o ideário de defesa dos
parques está ligado a uma concepção urbana de contato idílico com a natureza e de preservação
de áreas intocadas, o movimento em prol do PESET mostra como os valores conservacionistas
na região Sudeste puderam se combinar e se associar aos movimentos de ecologia política dos
anos 80/90, focados na qualidade de vida urbana.
A luta pelo PESET foi liderada por biólogos que percebiam a rápida degradação das
áreas verdes e do sistema lagunar das regiões de Niterói e Maricá e se inseriu na defesa de áreas
naturais contra a expansão do capital imobiliário e a privatização destes espaços, em detrimento
de serem mantidos como um bem de toda a sociedade. Portanto, este movimento, embora
orientado pela ótica conservacionista, se identificou também com outras correntes da época, de
tradições mais humanistas e voltadas para a ecologia urbana
98
, na construção de uma cidade
mais humana e mais respirável (MINC, 1987). A defesa da categoria parque naquele contexto
se justificava pela luta em prol da garantia do acesso público a espaços que estavam sendo
rapidamente privatizados pela expansão imobiliária. Desta forma, ainda que o acesso de todos
98
“A luta pela defesa da Serra ganhou força com a criação do Movimento Cidadania Ecológica MCE, criado em 7
de nov. de 1989, formado por militantes ambientalistas com grande atuação na cidade além de biólogos,
engenheiros florestais, segmentos do movimento comunitário, pesquisadores, vereadores e estudantes.” (SIMON,
2003, p.145).
118
se fizesse em detrimento ao acesso de pequenas coletividades, como era o caso das populações
estabelecidas naquele território, não havia, naquele momento, uma reflexão clara sobre este
aspecto, uma vez que a luta contra os grandes monopolizava o foco das ações. Ninguém,
naquele contexto, falou em tirar pessoas do parque. Mas, certamente, reconhece a militante da
época, e posteriormente membro do IEF, Alba Simon, os sitiantes não receberam o carinho
necessário. Esta fala, portanto, reconhece a falta de visibilidade ou o não reconhecimento da
temática da permanência humana em parques, por parte dos militantes ambientais no final dos
anos 80/90.
Contudo, o seu processo de implantação, como em muitas áreas protegidas, se
estabeleceu de forma conflituosa com seus moradores e desencadeou um conflito judicial para a
remoção da população caiçara estabelecida no Morro das Andorinhas, contíguo ao território
inicialmente previsto como parque. Trata-se de um caso exemplar que permite reconstituir o
processo de adaptação de valores conservacionistas, que motivaram a criação desta UC, a
outros, que legitimam a permanência da comunidade do Morro das Andorinhas em seu lugar e
inclui e delimita esta área como parte do PESET. Tais fatos são descritos por Simon (2003) e
Mota (2007), e reproduzo aqui o resumo dos acontecimentos, incluindo as categorias acionadas
pelos diversos atores e grifadas por Mota.
Em 1992, o topo do Morro, contíguo ao território inicialmente determinado no plano
de estudo de delimitação do PESET, ocupado por cerca de 37 famílias ligadas direta ou
indiretamente à pesca artesanal, é decretada área de proteção permanente, pela Prefeitura de
Niterói. Neste mesmo ano o Ministério Público, MP, através de carta-denúncia, investiga esta
situação apresentada como um suposto crime ecológico. A seu pedido, a Secretaria de
Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói elabora um relatório em 1993 e destaca o processo de
favelização sobre as áreas florestais remanescentes. Também a FEEMA, um ano depois, em
parecer técnico, destaca que embora a área estivesse parcialmente preservada havia a presença
de invasores. Com base nestes relatórios, o MP determina à Prefeitura a desocupação da área e
demolição das casas. Em 1995, a Prefeitura intima os moradores, mas a Procuradoria Geral de
Defensoria Pública interfere e alega tratar-se de posse longeva e de boa-fé. Em 2000, o MP
instaura uma Ação Civil Pública e em 2001 solicita a antecipação da tutela judicial para
desocupar as casas. O processo de demolição chegou a ser iniciado. Houve a mobilização da
119
população local e o Juiz, ao entender que se tratava de ocupação antiga, paralisou a ação de
despejo.
Em 2006, o deputado Carlos Minc, na comissão de Meio Ambiente da ALERJ, é o
relator de parecer positivo ao projeto de Lei n.3238/2006 que dispõe sobre o perímetro
definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Esta lei deve-se à ausência de um limite
definitivo nos quinze anos de existência do Parque, dando margem a licenciamentos e
ocupações irregulares. Neste parecer, é destacada a inclusão do morro das Andorinhas, onde
reside comunidade tradicional de pescadores de Itaipu. A defesa para a sua inserção na área do
Parque desta vez aparece apoiada sobre a Lei estadual 2.393/95 e Lei 3.192/99, ambas de Minc,
que respectivamente versam sobre as populações nativas e que confere direito real de uso da
propriedade aos pescadores tradicionais que estejam ocupando suas terras.
99
Mais ainda, refere-
se ao art. 28 da Lei do SNUC que trata das populações tradicionais e ao art. 39 da mesma Lei
que assegura as condições de permanência dessas populações em unidades de conservação
integral, através de um termo de compromisso. Assim, embora esta área não estivesse
inicialmente prevista como área do PESET, passa a ser alvo de fiscalização e judicialização, a
partir de outra categoria de proteção ambiental, a APP. Os conflitos gerados nesta situação se
estendem à discussão sobre a delimitação do PESET e contraditoriamente aos processos de
ameaça de desterritorialização impostas às populações pela criação de áreas protegidas, uma das
formas encontradas para a defesa da permanência dessas populações ao seu lugar foi justamente
a contraposição de uma área protegida sobre a outra. Ou seja, a área de proteção permanente
APP foi ressignificada como parque.
Nestes termos, o caso do Morro das Andorinhas é revelador do processo de luta
política no bojo do qual se desenvolvem justificativas e classificações que legitimam os
processos decisórios, assim como de redefinições do movimento ambientalista e reclassificações
atribuídas às populações nestes territórios. Esterci (2002, p.51) ressalta que
,
para tal, intervêm
decisivamente ações e lutas políticas nas quais estão envolvidas agências e instituições
nacionais e estrangeiras, do estado e da sociedade civil e também dos pesquisadores”. Ao
longo de mais de dez anos de disputas, pode-se evidenciar a crescente visibilidade da questão da
permanência humana em UCs, a criação, aplicação de categorias jurídicas tais como a lei de
99
Lei estadual 2.393/95 e Lei 3.192/99.
120
populações nativas e tradicionais, além do termo de compromisso, estes dois últimos previstos
no SNUC.
O processo de judicialização deste caso revela que
,
embora a Lei e todos os rituais tais
como audiências e princípios de fundamentação, na visão de muitos
,
sirvam apenas para afirmar
de forma encenada o poder do Estado e o domínio dos poderosos sobre o resto da sociedade, o
campo jurídico também se constitui como uma nova arena de disputas pela manutenção ou
redefinição de direitos estabelecidos através de uma linguagem e de procedimentos próprios do
mesmo (BEINON, 1999; THOMPSON).
“Assim, a lei pode ser vista instrumentalmente como mediação e reforço das
relações de classe existentes e, ideologicamente como sua legitimadora. Mas
devemos avançar um pouco mais em nossas definições. Pois se dizemos que as
relações de classe existentes são mediadas pela lei, não é o mesmo que dizer que
a lei não passava de tradução dessas mesmas relações, em termos que
mascaravam ou mitificavam a realidade.” (THOMPSON, 1998, p. 353)
A despeito da visão positivista da lei por parte de alguns gestores ambientais, que acreditam na
inflexibilidade ou na fixidez da lei, tais processos sociais contribuem para mostrar que ela é
dinâmica e sua aplicação modifica-se incorporando novas versões que legitimam ou
deslegitimam atores sociais, a partir de processos de luta e mobilização social. As disputas no
campo jurídico se revestem de certos procedimentos formais e do domínio de uma linguagem
técnica-científica que a princípio desfavorece os grupos menos letrados da sociedade.
Entretanto, a necessidade dos leigos reelaborarem suas reivindicações a partir de certos
parâmetros científicos e a crescente multiplicidade de versões científicas distintas sobre as
mesmas questões (fazendo com que a ciência perca o seu caráter de verdade inquestionável) têm
produzido aquilo que Callon apud Silva (2008) define como uma democracia técnica. Esta
pressupõe a tradução do jargão científico para o saber leigo, através de espaços públicos onde se
produzem controvérsias sociotécnicas e as visões de experts e leigos podem ser confrontadas,
juntamente com seus métodos e instrumentos de trabalho. Neste contexto, produz-se
,
portanto
,
uma expertise, resultado de um fórum híbrido (SILVA, 2008), onde se encontram e se
legitimam procedimentos de análise, conhecimentos plausíveis, verdadeiros protocolos na
produção de acordos.
Um exemplo claro de que este movimento se reflete aos poucos nas instituições é o
processo recente de exclusão e recategorização da Praia do Aventureiro, através de projeto de
121
lei a ser elaborado por um grupo de trabalho formado por órgãos ambientais do Estado
100
. A
população ali residente
,
de origem caiçara e que vive de forma crescente do turismo, enfrenta
também uma situação jurídica absurda desde 1981, quando este território foi transformado em
reserva biológica, a categoria mais excludente de todas e que proíbe inclusive a visitação, o que
dirá moradores (COSTA, 2008). Da mesma forma, O IEF estava avaliando a possibilidade de
reclassificação da Reserva Ecológica da Juatinga para reserva extrativista RESEX do estado do
Rio de Janeiro, em visível reconhecimento dos direitos da população caiçara que ali reside.
Mais ainda, antes mesmo desta reclassificação o IEF autorizou a instalação de energia elétrica
nesta localidade, em um posicionamento que marca claro contraste com a administração
passada.
101
A análise de Sigaud (1988, p. 106) embora realizada em contexto distinto, mas
pertinente para refletir sobre os impactos de projetos estatais sobre populações de pequenos
produtores, destaca que seus desdobramentos não dependem dos detalhes técnicos do
planejamento, nem da correção desta ou daquela ação específica, mas do embate das forças
presentes que não estão dadas a priori, mas que se constituem a partir da lógica de atuação do
Estado
,
que varia historicamente, das alianças construídas e da estrutura social preexistente. Nos
três casos PESET, Reserva Biológica Praia do Aventureiro e Reserva Ecológica da Juatinga -
as populações, acusadas de invasoras, faveladas ou oportunistas após a criação das respectivas
áreas protegidas, conquistaram o status de tradicionais e/ou nativas, revelando que
,
progressivamente
,
a aplicação de princípios jurídicos já disponíveis na legislação ambiental,
mas não muito conhecidos, legitimados ou aplicados pelas agências ambientais e pelo judiciário,
começam aos poucos a serem apropriados e revertidos em prol das populações residentes em
áreas protegidas. Também nas duas situações a comissão do meio ambiente da ALERJ, formada
por ambientalistas que hoje estão na Secretaria de Estado do Ambiente
,
teve participação
importante.
A atual diretora da DCN do IEF, ao ser interrogada sobre a necessidade de
recategorização ou criação de novas categorias de UCs, diz acreditar que essa iniciativa deve ser
resultante de processos de mobilização e organização da sociedade e não das agências
ambientais, sob o risco de reproduzir os mesmos mecanismos de imposição de categorias
concebidas por técnicos e não vivenciadas ou consensualmente estabelecidas pela população
100
Site do IEF, notícias, 07 maio 2008.
101
Vide anexo 3: indeferimento pelo IEF de pedido de reivindicação de energia elétrica no maciço da Pedra
Branca.
122
que sofre as restrições ambientais. O principal caminho adotado pela Instituição nesta última
gestão foi investir nos mecanismos de gestão participativa e na tentativa de construção de pactos
de conservação. Este termo foi cunhado pela diretora da DCN, Alba Simon (SATHLER, 2007),
e consiste na celebração, formal ou não, de um acordo de interesses, onde as partes convergem
nos esforços para maximizar as alternativas econômicas duradouras aos atores envolvidos no
conflito intra e extra unidade de conservação. Em troca, tais atores se comprometem a
minimizar os impactos diretos e indiretos ao ambiente, quer nos limites da UC, quer no seu
entorno. De acordo com Simon (apud SATHLER, 2007), o pacto da conservação dependeria,
ainda, de duas instituições mediadoras: o Conselho da Unidade de Conservação, no qual devem
ter assento os atores em conflito; e o Ministério Público MP. A proposta de entrada do
Ministério Público como agente de mediação para a construção de um pacto entre o Estado e as
populações residentes em unidades de proteção integrais (onde a lei não admite a permanência
humana) deve-se ao fato de que um dos maiores entraves para a busca de solução de conflitos
nas UCs integrais está relacionada à conversão desta Instituição, que tem se posicionado de
forma conservadora e legalista, resistindo em adotar os princípios socioambientais previstos na
Constituição de 1988 (SANTILLI, 2005). O posicionamento conservador do MP, conforme foi
discutido no capítulo 1, expressa a visão dominante, consensual da sociedade sobre a temática
das populações em parques e outras UCs de proteção integral. O termo de compromisso seria o
principal mecanismo, previsto no SNUC
102
, para a realização formal deste pacto, mediado,
segundo este mesmo documento, pelo conselho consultivo da unidade de conservação.
“Ah, mas dizem: ‘eles vão viver sob eterna idéia de que um dia vão sair!’ Eu
acho que os termos de compromisso são ad eternum. Eles não são os nossos
problemas, hoje a administração atual sente que é muito mais importante manter
o Seu Zezinho, o Seu Altamiro... do que colocar ele para correr, porque hoje ele é
uma barreira ...” Eu digo para os membros da DCN e os demais diretores: eu
estou preocupada em fazer conservação. Porque cansei de viver vinte anos de
conflito e não vi conservação. Vai medir a conservação, vai medir a efetividade
do que se fez até hoje? Não vai ter.” (Alba Simon em entrevista, 14 abr. 2008)
É possível afirmar que uma das características mais marcantes desta última gestão do
IEF-RJ é a busca de novos esquemas interpretativos da lei na tentativa de solucionar as
contradições existentes nas UCs. O termo de compromisso tem sido um instrumento importante
através do qual conservacionistas e socioambientalistas no IEF têm estabelecido acordos sobre
102
SNUC, cap. 9, art. 39.
123
medidas imediatas a serem construídas junto às populações residentes nas UCs. Contudo, em
linhas gerais, conservacionistas baseados no SNUC acreditam na provisoriedade destes acordos
e socioambientalistas acreditam que estes podem ser duradouros. Um representante claro deste
primeiro posicionamento é o presidente atual do IEF (2008) que, reconhecendo-se como um
conservacionista, afirma que a defesa de parques o significa fechar os olhos para os conflitos
e os dramas humanos envolvidos nisso.
103
Na sua concepção, portanto, seria possível chegar a
um bom termo de negociação com as populações que sofrem o ônus da conservação, ainda que
se defenda a remoção das populações dos territórios protegidos. O seu discurso deixa claro que
a negociação e a substituição de cultivos e outras formas de uso tradicionais por formas
ambientalmente mais corretas de usos em unidades de conservação integrais, são soluções
provisórias, ainda que ajustadas por termos legais (que proporcionem conforto jurídico para
ambos os lados), para a implantação de parques plenos, ou seja, de uso indireto, como determina
a legislação para esta categoria.
Na atualidade, os dilemas vividos pelos gestores entre o mundo idealizado das leis, do
ideário da conservação e as contradições reais encontradas nestes espaços de conservação
colocam verdadeiros impasses sobre o processo de tomada de decisão, uma vez que são
cobrados pelo MP, pelos seus superiores, pela sociedade e meios de comunicação. A fala do
presidente do IEF demonstra a importância de seu cargo no posicionamento político da
Instituição e no direcionamento de ações de sua equipe.
“Há pessoas que olham as coisas de um viés puramente técnico, mas um pouco
dissociadas do mundo real, quando você ocupa a presidência de um órgão você
tem que lidar com situações, você sabe que tem que haver uma certa margem de
flexibilização porque senão você faz um papel até ridículo, porque se vonão
tem os meios para a aplicação plena da lei então que ao menos procure minimizar
os impactos que estão sobre o bem sob a sua responsabilidade e uma das formas
é identificar uma ocupação que seja menos nociva do que outra.” (André Ilha,
atual presidente do IEF-RJ em entrevista, 23 jan. 2008)
Como exemplo desta perspectiva, AndIlha, na gestão do IEF em 2002, fez uso deste
tipo de solução, concedendo autorização para que a ONG Roda Viva realizasse um projeto com
os agricultores do PEPB, para conversão da agricultura local em agricultura orgânica.
104
Seu
103
Entrevista em 23 jan. 2008.
104
As informações sobre o projeto estão no capítulo 5.
124
posicionamento contrasta com a postura assumida pela administradora do Parque em 2006, ao
afirmar a impossibilidade de realização de qualquer atividade no Parque que não fosse pesquisa.
A justificativa para sua decisão estava baseada na imposição legal do SNUC e na sua
responsabilidade como gestora permanentemente cobrada pelo Ministério Público em zelar pela
conservação. Muito embora ela tenha reconhecido as dificuldades enfrentadas cotidianamente
pelos agricultores, a única saída que se colocava, segundo ela, para os gestores de UCs é a
acomodação e a tolerância.
“Como fazer com o agricultor que está dentro e que precisa dessa agricultura
para sua sobrevivência. Agora a gente não tem alternativa para isso. O que tem
sido feito até o momento é deixar como está, agora vamos tentar impedir que
haja aumento da área, que haja supressão da mata nativa, que haja supressão da
Mata Atlântica para que haja introdução de outras espécies.”
É interessante ressaltar nesta fala a ênfase na ausência de alternativas. É bem verdade
que para além do alinhamento ideológico dos gestores, deve-se levar em conta que o sentimento
de impotência está ligado à posição que estes atores ocupam na hierarquia das agências
ambientais e qual a conjuntura política que favorece ou não a viabilização de determinadas
propostas.
105
Como gestora de um parque, seu poder de decisão é condicionado por instâncias
superiores, a que está subordinada. Assim, apesar da administração de uma UC ser, em geral,
marcada pela extrema pessoalização e pelas redes de obrigações e negociação que o chefe da
unidade acaba desenvolvendo com as populações locais, este mesmo administrador está sujeito
às inconstâncias políticas e reorientações de políticas internas ao IEF a cada novo governo.
Além da tendência à busca de novos esquemas interpretativos da lei, a fim de
solucionar as contradições acumuladas nos parques mais antigos, falando-se em alguns casos,
inclusive em redefinição de áreas, também por parte desta nova administração do IEF, o
reconhecimento público da ausência de critérios ou de erros cometidos na criação de algumas
unidades de conservação no passado. Entretanto, como um posicionamento pessoal e em
consonância com os valores do conservacionismo fluminense, o então presidente do IEF, André
Ilha defende a criação de parques e de fato, desde a sua gestão em 1999, o IEF vem construindo
condições para a criação de novos parques. Recentemente foi criado o parque Cunhambebe e
105
A gestão de Maurício Lobo foi marcada de acordo com depoimentos de funcionários, pela centralização de
decisões e aplicação técnica dos princípios do SNUC.
125
previsão de criação de outro parque estadual – da Restinga de Grussaí no município de São João
da Barra.
O posicionamento do atual presidente é significativo para pensar as mudanças pelas
quais vem passando o campo ambiental fluminense, ou de que forma duas concepções
concorrentes sobre a relação homem-natureza o conservacionismo e o sociambientalismo
têm se alinhado e exercido influência sobre a política de criação e gestão de UCs.
O conservacionismo fluminense mantém toda a sua força expressa, sobretudo, através
da defesa e da luta pela criação de áreas de proteção integral. Mas tem sofrido reelaborações e
restrições a partir do embate com o ideário socioambiental de formas variadas e em diferentes
combinações. Este processo vem se configurando com a entrada de conservacionistas que
atuam hoje no campo da política ambiental, que não defenderam valores ambientais apenas na
administração pública, mas incorporaram tais ideais a partir de uma vivência de mobilização
política e reivindicação ao Estado. A articulação de redes sociais, alianças e debates entre
diferentes correntes de defesa do meio ambiente nos anos 80/90 promoveu o imbricamento entre
ideais conservacionistas, os da ecoplolítica e as conquistas socioambientais.
A maioria dos atores de orientação conservacionista preservou seus valores, mas
incorporou práticas de negociação, novos princípios de interpretação jurídica e adoção de
exigências legais (SNUC) de participação da sociedade na criação e gestão de UCs que, por sua
vez, são resultantes da luta ecopolítica e socioambientalista. Ainda que nem todos os dirigentes
do IEF concordem com este ponto de vista (a provisoriedade dos acordos e termos de
compromisso) o quadro atual de oportunidades políticas e organização institucional permite a
construção de acordos e podem oferecer novos mecanismos de participação e canais
institucionais de reivindicação de direitos por parte das populações que habitam os parques
através de políticas constituidoras (FREY, 2003), ou seja, a construção de canais de
comunicação e reivindicação formais (como exemplo, os conselhos consultivos) que
proporcionem aos diferentes grupos sociais condições favoráveis para engajar-se em questões
públicas. Neste sentido, o processo de mudanças institucionais comandadas pelo IEF, ainda que
seja extremamente conjuntural, pode apontar para uma reorientação nas formas de
relacionamento entre o órgão responsável pelas unidades de conservação do estado e as
populações residentes em seu território e entorno.
126
Certamente isto não implica em desconsiderar que são as efetivas mobilização e
organização das populações residentes nos parques e outros atores que podem intervir de forma
decisiva para a conquista de direitos e a reelaboração de categorias, mas o que quero chamar
atenção é que os processos descritos na última gestão representam uma mudança de uma
situação de absoluta ausência de alternativas legais e deslegitimação das populações em áreas
protegidas, por outra situação que sinaliza com alternativas jurídicas e busca de canais formais
de comunicação e encaminhamento de conflitos.
2.3.5 – A cultura organizacional do IEF
O ambiente de mudanças a que faço referência é recente e pequeno diante dos entraves
de toda a ordem para a sua implantação. A começar pela própria cultura organizacional do IEF,
que tal qual outras instituições públicas, é marcada pela verticalização e pela postura
tecnocrática de seus funcionários. Segundo o responsável pela implantação dos conselhos
consultivos, um dos principais desafios é fazer com que o próprio IEF entenda o que é gestão
participativa. Um membro do quadro dirigente afirma que é preciso fortalecer os canais de
comunicação interna e há ainda falta de confiança dos funcionários em explicitar seu ponto de
vista, como resultado de uma cultura do simples cumprimento de ordens que se estabeleceu pela
inconstância política e pela mudança de posicionamento ideológico de uma gestão para a outra.
No campo dos valores, a maioria dos funcionários se identifica com o ideário da
conservação, havendo, contudo, distinções, que variam, de acordo com a trajetória e ou
formação de cada um deles e quanto aos meios para alcançá-la. Um membro do quadro
dirigente do IEF lembra que a Instituição, de acordo com os modelos de gestão tradicionalmente
aplicados na conservação da natureza, foi moldada sob a cultura da fiscalização e não da
atividade extensiva ou formadora. Nesta perspectiva, descreve o mesmo informante, o bom
técnico é aquele que pune mais, fazendo valer a legislação ambiental, sobre as manchas verdes
identificadas no mapa, apesar de todas as restrições e dificuldades impostas às populações
locais.
127
Neste sentido, cabe perguntar que tipo de formação e preparo será dado ao corpo de
guarda-parques que começa a ser formado em 2008? Que tipo de preparo terá para a mediação
de conflitos? Ou irão simplesmente reproduzir o caráter policialesco que historicamente marcou
a Instituição?
Prado e Catão (2008) descrevem o caso recente e polêmico de retirada de bambus e
jaqueiras de uma área do Parque da Ilha Grande. Embora muito utilizadas e de grande valor para
a população local, são consideradas árvores exóticas e nocivas ao ecossistema da ilha pelos
técnicos do IEF. Uma das principais questões abordadas pelas autoras é que, a despeito das
ações mais democratizantes, pelas quais a população teria voz e voto nos conselhos consultivos,
a ão dos agentes ambientais foi marcada por uma postura etnocêntrica e pela assimetria na
relação com o outro. Os moradores da ilha além de não saberem a razão que motivava tal
postura, sequer foram informados de que a mesma seria realizada, causando grande
perplexidade e revolta.
Um membro do corpo técnico do IEF assim descreve os impasses jurídicos dos
administradores de áreas protegidas frente às contradições e conflitos sociais com os quais se
deparam nas unidades de conservação e na organização interna da Instituição.
“Eu me acho mais conservacionista, mas se você não tiver negociação, não tiver
diálogo muito forte na sua gestão, não anda. Vo tem que ceder em vários
momentos. Ouvir e ser ouvido, porém eu tenho dois medos nesta questão do
socioambientalismo: primeiro que a gente responde diretamente à justiça dia e
noite e noite e dia. Nós temos um problema muito grande com o Ministério
Público. Os promotores, eles são criados na Barra da Tijuca, saem da faculdade,
montam seu escritório. Então eles olham a lei: ‘Não está dizendo aqui que
você tem que desapropriar todo mundo? Por que você não fez isso até agora? A
lei diz que plantar em APP (área de proteção permanente) é proibido? Por que a
casa do cara está lá? ’ Eles não querem nem saber dos processos históricos.
E o segundo ponto eu tenho um receio muito grande que é a expectativa que a
gente gera na população, eu vi isso acontecer em alguns conselhos, você abre
tudo, põe tudo aberto em cima da mesa. ‘Vamos discutir tudo desde aonde vai ser
investido este dinheiro até o que fazer com aquela trilha ali. E a população
começa a opinar e você começa a trabalhar com aquilo, começa a funcionar e de
repente muda o contexto político do IEF. Vem um outro grupo que não quer
saber de escutar a população. ‘Vamos fazer assim e assado.’ Então se você abre o
seu jogo, muda a gestão e tira completamente a força de quem está lá. Você
desestimula quem está participando, os gestores. Na gestão passada, por
exemplo, a gente tinha conselho porque era obrigação por lei, então o conselho
podia falar, mas normalmente não era acatado. Assim, na primeira reunião você
128
tinha quinze pessoas, na segunda você tinha dez, na outra cinco, depois não tinha
mais ninguém participando. O “gestor é que fica lá na ponta, você negocia,
negocia e depois o IEF não te dá respaldo.”
Reconhecer-se como um socioambientalista parece, para muitos de seus funcionários,
englobar princípios nebulosos e de imprecisão legal, além de não trazer o mesmo prestígio no
campo ambiental daqueles que se autoclassificam como conservacionistas e assim partilham de
uma concepção ortodoxa no campo ambiental (BOURDIEU, 2006). Além das diferenças
ideológicas entre essas duas visões, o conservacionismo parece estar associado a um modelo de
gestão que até o presente momento pôde ser realizado sem dar voz ou levar em consideração as
demandas sociais, com a adoção de uma postura rígida de fiscalização apoiada sobre os
princípios formais da legislação ambiental. Como, na prática, isso não é possível face às
contradições trazidas pela permanência humana nos parques, o administrador é obrigado a
negociar. Esta negociação, que aparece vinculada aos princípios do socioambientalismo,
encontra reduzido respaldo no Ministério Público e pouco reconhecimento no interior da própria
Instituição responsável pela administração do Parque.
De forma semelhante, esta fala é reveladora dos entraves organizacionais que precisam
ser superados pelo próprio órgão, para que ele possa exercer o papel de mediador de relações e
redes sociais. Para Frey (2003), o êxito da mobilização e da participação política da população
em organizações associativas não depende exclusivamente das particularidades sociais ou da
cultura cívica dos grupos sociais, mas depende também do desenho institucional ou da
qualidade das instituições governamentais e de sua capacidade de criar canais de comunicação,
de acesso à informação e de alternativas jurídicas de encaminhamento dos conflitos.
Procurando reverter o quadro centralizador e pouco aberto à participação da estrutura
administrativa das UCs, a nova equipe de dirigentes do IEF, sobretudo através do empenho
particular da diretora da DCN, Alba Simon, criou em 2007 oficinas de diagnóstico onde se
buscou avaliar os principais problemas de cada unidade de conservação, as forças impulsoras ou
positivas e as perspectivas de soluções para os problemas. No final do mesmo ano, os
diagnósticos foram apresentados aos membros dos conselhos e a Instituição inverteu o processo.
Ao invés dos atores serem convidados, os interessados deveriam enviar uma carta ao IEF,
manifestando seu interesse em participar do conselho. Em seguida, a Instituição fez um
panorama dos atores que se candidataram aos respectivos conselhos e ao longo do ano de 2008
129
anunciou os membros efetivos dos mesmos.
106
A escolha dos conselheiros deverá ser endossada
através de portaria assinada pela presidência do IEF e a seguir será iniciada a fase de
capacitação dos conselheiros, em evidente avanço na concepção e estruturação das políticas
participativas, quando comparada à gestão passada.
Em maio de 2008, O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, foi convidado a
assumir o cargo de ministro do Meio Ambiente, no lugar da então ministra Marina Silva,
indicando para seu lugar Marilene Ramos, então presidente da SERLA. Considerando que na
SEA continuaria atuando a mesma equipe que trabalhava com ele, a sua transferência para a
escala federal pode garantir o aporte de recursos desta esfera para o âmbito das políticas
estaduais de meio ambiente, além de intensificar a troca de experiências e a comunicação entre
estado e União neste setor.
Apesar do peso diferenciado da orientação conservacionista no Rio de Janeiro e
socioambientalista na Amazônia, os dados até aqui elencados, sugerem que a escolha de Carlos
Minc, egresso do ambientalismo fluminense consolidado a partir do processo de
redemocratização da sociedade brasileira dos anos 80, abre espaço para questões relativas ao
possível diálogo e trocas de experiências entre essas duas realidades distintas e de
fortalecimento de perspectivas mais conciliadoras nas políticas ambientais fluminenses.
2.3.6 - A regularização Fundiária
Nos dias 28 e 29 de agosto de 2008, o IEF-RJ organizou um seminário para discussão
do tema regularização fundiária em unidades de conservação de proteção integral. Este encontro
foi restrito aos técnicos, convidados e à imprensa e teve por finalidade trocar experiências entre
diferentes agências ambientais, tais como: IBAMA, Instituto Chico Mendes, INCRA, Instituto
Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG), Fundação para a Conservação e Produção
Florestal do Estado de São Paulo, Instituto Ambiental do Paraná, Instituto Estadual do Meio
Ambiente do Espírito Santo, Instituto de Terras e Cartografia (ITERJ), Procuradoria Geral do
Estado e Ministério Público Estadual do Estado do Rio.
106
Há unidades de conservação que ainda estão em fase de seleção dos membros do conselho, como o caso da APA
de Maricá, cujo prazo estabelecido de inscrição dos interessados vai de 15 de agosto a 8 de setembro de 2008.
130
Neste encontro, o representante do IEF de Minas Gerais relatou que seu Estado tem
indenizado posseiros
107
. Trata-se de uma postura inovadora que, historicamente, os posseiros
não têm sido tratados pelo poder público como equivalentes aos proprietários. Segundo Sathler
(2007), o Estado apenas lhe cobra o dever de preservar, mas não reconhece seus direitos de
dominialidade. O IEF-RJ através do cleo de Regularização Fundiária criado em maio de
2008 NUREF tem se dedicado ao levantamento das condições fundiárias de treze unidades
de conservação integral, através de levantamentos sobre a situação dos imóveis, desde o geo-
referenciamento até o levantamento cartorial dos títulos das propriedades. A Instituição
fluminense elegeu como ponto de partida deste processo de regularização, a Reserva Ecológica
de Gauxindiba, localizada em São Francisco de Itabapoana, que foi avaliada como um dos casos
mais simples de solução do problema, já que a Reserva é composta integralmente por seis
propriedades privadas e nenhum morador permanente em seu território.
108
A regularização das condições fundiárias das UCs é defendida por muitos agentes
ambientais como a principal iniciativa para a efetiva implantação de uma unidade de
conservação de proteção integral de acordo com o modelo idealizado e legalmente estabelecido.
A presidência atual do IEF demonstra interesse pela realização de levantamentos e pesquisa
sobre o tema, confirmando o viés conservacionista ao encarar a temática dos conflitos sociais
em áreas protegidas a partir do enfoque da remoção das populações. Entretanto, alguns atores
desta Instituição, identificando-se com os valores socioambientais, entre eles o consultor
jurídico Evandro Sathler (em entrevista, set. 2008), duvidam da viabilidade econômica deste
caminho e da possibilidade de esclarecimento da complexidade fundiária que existem nestes
espaços protegidos. Dentre as inúmeras questões que podem ser levantadas para se questionar o
caminho da remoção de moradores das UCs, defende Sathler, é a necessidade de discutir com a
sociedade se ela quer pagar este preço elevado pela conservação ou se ela pode ser conseguida
através de caminhos de conciliação, economicamente mais viáveis e de acordo com princípios
de justiça social.
107
Categoria utilizada de acordo com os códigos legais.
108
SEMINÁRIO debate regularização fundiária em parques e reservas estaduais. Revista Fator Brasil, 29
ago. 2008. Disponível em: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=51075 Acesso em:
set. 2008.
131
Segundo um membro dirigente da Instituição, os estudos de regularização fundiária
têm privilegiado o levantamento de terras públicas que podem ser mais facilmente
regularizadas, evitando conflitos diretos com os moradores. Esta explicação talvez sugira que,
na verdade, neste momento um quadro de embates internos no IEF, entre valores
socioambientais e conservacionistas que inviabilizariam ações de caráter socialmente
excludente.
Juntamente com o enfrentamento deste tema polêmico, a possibilidade de redefinição
dos limites de algumas UCs começa a ser enfatizada com mais frequência pelos dirigentes do
IEF, considerando o processo arbitrário ou com reduzido detalhamento dos limites das áreas
protegidas na época em que foram criadas (como é o caso específico da Pedra Banca), além do
processo intenso de ocupação e adensamento populacional em alguns trechos, não fazendo
sentido, para os técnicos ambientais, estarem em uma área protegida.
Contudo, se por um lado a remoção causa temor às populações estabelecidas nas áreas
protegidas, de outro, a solução oposta, a desafetação ou exclusão de certas áreas do território
original do Parque, tem gerado um efeito contraditório sobre a população que historicamente
enfrentou o poder de tutela do Estado, sobre suas formas cotidianas de vida. Contraditoriamente,
apesar de um processo de reação e antagonismo à imposição da tutela ambiental, tais grupos não
vêem com alívio, nem simpatia a possibilidade de ficarem excluídos das UCs. O que se percebe
em um grande número de casos estudados é o desejo dessas populações, através de processos de
mobilização política, em aderir ao pacto da conservação e serem reconhecidos como parceiros
das agências ambientais na manutenção dos espaços protegidos.
Fazendo uso de Almeida (2006), é possível pensar que, no caso da formação social
brasileira, a construção de territorialidades específicas tais como as terras tradicionalmente
ocupadas correspondem a formas de mobilização social que pretendem reverter o processo
histórico de invisibilidade e de expropriação da terra e outros recursos naturais, que,
considerando-se as grandes variações regionais, são em geral, impostas aos pequenos
produtores, neste país. Este é o caso dos moradores do Morro das Andorinhas que desejaram ser
incluídos no território do PESET, ou dos pequenos produtores do PEPB que não querem estar
fora do Parque, mas serem reconhecidos como sujeitos de direitos que garantem sua
permanência ali. A reelaboração / afirmação de identidades sociais podem girar em torno de
critérios tais como: antiguidade, pertencimento a grupos étnicos, uso comum e ou formas
132
transitórias de controle da terra, fatores culturais intrínsecos. Tais processos podem significar a
conquista de um status diferenciado de cidadania, buscando, assim, novas formas de
interlocução com o Estado (aumentando seu poder de barganha e deslocando os mediadores
locais tradicionais).
2.3.7 - O setor de pesquisas do IEF: ciência para gestão
A realização de pesquisa nas UCs estaduais implica na solicitação formal de
autorização ao IEF, que leva em torno de dois meses para ser aprovada. Até 2004, embora fosse
necessária a autorização, não havia determinação da entrega de cópias do resultado da pesquisa,
de forma que até esta data, a Instituição não tem contabilizadas as pesquisas realizadas,
tampouco teve acesso à grande parte deste material. Além deste fato, deve ser destacado que a
sede do IEF sofreu dois incêndios e, por isso, parte de sua biblioteca está na FEEMA.
Quando, em 2006, procurei a gestora do PEPB para a realização de uma entrevista, ela solicitou
que primeiro pedisse autorização de pesquisa ao IEF, demonstrando tanto interesse e
preocupação pessoal com a questão do retorno do saber científico às UCs, quanto uma certa
postura de controle tradicionalmente adotada nas pesquisas biológicas de entrada e saída,
coleta de amostras, etc... que a meu ver não cabe às pesquisas de caráter social. Segundo esta
diretora, é muito desagradável ir a um evento ou uma apresentação e, somente ali, tomar
conhecimento de uma pesquisa relativa à UC sob a sua responsabilidade.
A equipe que assumiu em 2007 a administração do IEF, particularmente a DCN,
demonstrava além de articulação com o meio acadêmico (buscando parcerias e consultorias) um
visível interesse pelas atividades de pesquisa, valorizando as atividades da Divisão de
Conservação de Recursos Ambientais DICRAM, responsável entre outras atividades pela área
de pesquisa, através de maior dinamismo nas atividades de registro e disponibilização de
informações pelo site do IEF, citando os projetos que estavam em andamento, com seus
respectivos autores, e os trabalhos que haviam sido concluídos. Também chama atenção, o
fato de que alguns membros da atual diretoria da DCN estão em atividades de doutoramento.
Outra evidente demonstração desta articulação foi a realização do Encontro
Científico do Parque Estadual da Serra da Tiririca, realizado nos dias 20 e 21 de setembro de
2008, no Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF), com o tema
133
central do evento denominado: Ciência para Gestão ou Gestão para Ciência? Além deste
encontro, que enfocou o Parque Estadual da Serra da Tiririca, o IEF (posteriormente INEA)
pretende organizar novos encontros para apresentação de pesquisas relativas a outras unidades
de conservação que despertam o interesse dos pesquisadores. Foram destacados os seguintes
objetivos do evento
109
:
promover a discussão acerca dos resultados das pesquisas científicas para contribuir com
a gestão da unidade de conservação;
discutir de que forma transportar os resultados científicos para a esfera das políticas
públicas;
proporcionar a interação entre as pesquisas e pesquisadores das várias áreas de
concentração;
identificar ações prioritárias para possibilitar o fomento e o desenvolvimento de
pesquisas científicas, o monitoramento ambiental e o apoio ao manejo e conservação da
UC;
avaliar de que maneira a ligação entre ciência e governo pode ser fortalecida.
Cristiana Mendes, da Divisão de Pesquisa Científica do IEF, ao realizar um balanço
sobre esta atividade nas UCs estaduais avalia que estas ainda são em número reduzido para as
demandas da Instituição, sobretudo no que se refere às pesquisas de perfil sociambiental,
fundamentais, segundo ela para a elaboração dos planos de manejo das UCs. No caso da
pesquisa social em UCs, Barreto Filho (2001) com muita propriedade destaca que os cientistas
sociais através dos dispositivos legais das agências ambientais se colocam imediatamente em
uma situação embaraçosa, uma vez que os termos de conduta que normatizam a autorização ao
pesquisador partem do pressuposto de que não populações humanas nas UCs. Assim, por
exemplo, o IBAMA especifica que o pesquisador fica obrigado a indicar nos relatórios
quaisquer agressões ou violações ao meio ambiente. Ora, o cumprimento desta exigência
colocaria o cientista social em sérios dilemas éticos em relação aos eventuais usuários. Muito
embora o IEF não faça nenhuma exigência deste tipo há, para os pesquisadores, a clareza dos
riscos e as questões éticas que envolvem o estudo de relações inegavelmente conflituosas entre
os agentes do Estado e as populações residentes em UCs. o caso de uma antropóloga que
temendo que a identidade dos atores estudados em sua pesquisa pudesse ser revelada com
prejuízo para os mesmos ali estabelecidos na dinâmica dos conflitos, optou pela criação de um
109
site do IEF.
134
nome fictício não apenas para seus informantes, como também para a UC estudada e o nome do
município onde esta estava localizada, fato este que, em termos práticos, impediria o uso de
forma direta ou aplicado à UC, dos resultados da pesquisa, sobre os problemas ali levantados.
Existe um grande debate sobre o peso dos estudos científicos no processo de tomada de
decisão que envolve a criação de unidades de conservação, medidas de gestão destes espaços e
na temática ambiental de forma mais ampla (SILVA, 2008, ESTERCI, BARRETO FILHO,
2001, PRADO; CATÃO, 2008, CARNEIRO, 2008). Ainda que estes tenham mostrado que
outros parâmetros que não apenas os da ciência da conservação têm orientado o processo de
criação das UCs, as ciências naturais são apresentadas em algum momento do processo
decisório das questões ambientais, como princípio de validação das ações políticas.
As ciências sociais, em grande medida ainda desprezadas pelas agências ambientais,
têm contribuído não apenas com novos critérios de fundamentação das políticas ambientais,
como também de defesa daqueles que sofrem os efeitos dessas mesmas políticas. Mas,
sobretudo, têm tido papel fundamental na desconstrução de versões dominantes apoiadas sobre
princípios de isenção técnico-científicos que justificam a criação de UCs. Esterci (2008), neste
sentido, tem chamado atenção para a necessidade de compreensão do campo ambiental no qual
estão inseridos os projetos de criação das UCs, levando em consideração as relações de disputas
e cooperação entre gestores, idealizadores, populações envolvidas e demais atores. Com relação
a importantes aspectos, a formação acadêmica, a orientação política e religiosa dos seus
idealizadores e dos componentes mais importantes das equipes gestoras são relevantes na
caracterização dos projetos ambientais, passando ainda pelas instituições e acontecimentos de
âmbito local, mas também por aquelas dinâmicas políticas, sociais e econômicas que extrapolam
as determinações estritamente locais.
Sob outro prisma, Silva (2008) salienta que a ciência vem perdendo seu caráter de
detentora da verdade, ao mesmo tempo em que se tornou a linguagem comum para a solução de
questões ambientais, sendo apropriada por diversos setores da sociedade e esta por sua vez
incorpora novas racionalidades nos chamados fóruns híbridos.
“Há, portanto, muitas divergências entre cientistas e seus pares entre leigos
entre si; e entre cientistas e leigos para serem conciliadas. Para tanto, surgem
diversas alternativas de reuniões democráticas, feitas justamente com o objetivo
de concertação como são as audiências públicas. (SILVA, 2008, p. 6)
135
2.3.8 - A extinção do IEF e a criação do INEA: a recomposição conservacionista
O tom de minha descrição sobre os processos políticos aqui apresentados foi
inegavelmente marcado pela constatação de que, ainda que não soubesse muito bem avaliar o
desdobramento das mudanças, estava diante de um quadro político com discursos e práticas
administrativas muito distintos da gestão passada. Por isso, a avaliação otimista em certos casos
é derivada da vivência (com os pequenos produtores do PEPB em suas relações com os agentes
institucionais) de um ambiente de não reconhecimento de prerrogativas e de ausência de canais
institucionais para comunicação e arbitragem de conflitos, para outro em que a possibilidade de
ser ouvido e de reivindicar direitos foi possível.
Apesar de uma perspectiva favorável à conquista de medidas de caráter socioambiental,
tratava-se de um campo de disputas na qual a doxa dominante ainda era marcadamente
conservacionista. Ao descrever o perfil institucional da última gestão do IEF, apoiada sobre a
trajetória e atuação de dois atores relevantes, buscou-se, a partir do caráter público de suas
funções, evidenciar a complexidade dos valores em disputa, das trajetórias, articuladas ao
quadro político e das possibilidades institucionais. A criação do INEA, muito embora fosse
anunciada como possibilidade de formação de um órgão ambiental fortalecido, com dotação
orçamentária, sede própria, quadro de pessoal, autonomia de arrecadação e maior agilidade de
licenciamento, também representava para os observadores e próprios funcionários das agências
ambientais uma grande interrogação quanto à atribuição de cargos e funções e mesmo
possibilidade de manutenção das conquistas obtidas por cada instituição. No conjunto de
rearranjos institucionais do antigo IEF, André Ilha permaneceu como diretor de Biodiversidade
e Áreas Protegidas, dividida em Gerências de Proteção Integral, de Uso Sustentável e Gerência
de Fomento Florestal das UCs. O então vice-presidente, na sua última gestão, Paulo Schiavo,
tornou-se vice-presidente do INEA e Alba Simon assumiu a Superintendência da
Biodiversidade, que embora esteja administrativamente acima do INEA, representou, segundo
sua própria avaliação, um afastamento desta nova Instituição pela diretoria recém-formada, que
desejava a formação de um grupo mais “monolítico”, ou seja, de perfil mais conservacionista.
Em sua saída, a ex-diretora da DCN, negociou levar para a Superintendência a
responsabilidade de alguns projetos de caráter socioambiental formulados a partir de demandas
136
e questões dos habitantes das UCs, apresentados, negociados e ou construídos durante a última
gestão do IEF. Em balanço final sobre as realizações da DCN em sua gestão, Alba Simon
apresenta os seguintes pontos:
Para cumprir os objetivos de conservação inerentes às diferentes categorias de
UCs administradas pelo IEF e o consequente agravamento dos conflitos
socioambientais das UCs, sobretudo nos Parques Estaduais, foi necessário
reaproximar o IEF da sociedade civil através de um intenso trabalho com os
diferentes grupos sociais das regiões onde estas se inserem. Desse modo,
trabalhamos com o envolvimento direto desses atores no planejamento estratégico
participativo, criando um programa de reestruturação e consolidação dos conselhos
das UCs, aproximando o setor acadêmico da administração - numa tentativa de
colocar o conhecimento científico a favor da gestão pública -, e, sobretudo,
investindo na mudança de mentalidade e postura dos técnicos, funcionários e
gestores das UCs frente aos "problemas" que passaram a ser lidos como conflitos.
A supervalorização do fiscal com maior número de autos de infração (fiscal
herói) foi paulatinamente substituída por uma valorização do fiscal orientador,
uma postura construída através do diálogo permanente entre as equipes de
fiscalização, diretoria, técnicos e chefes das UCs.
Todo esse investimento rendeu resultados surpreendentes; em apenas
dois anos (2007 e 2008) o número de pesquisas nas UCs quase que triplicou,
passando de 48 (cadastradas de 2004 a 2006) para 103 (2007 e 2008), incluindo
pesquisas na área biológica, econômica e social.
Ampliou-se a representatividade nos conselhos, envolvendo diversas
representações historicamente excluídas, como pescadores,
agricultores, populações tradicionais, grupos religiosos, empresários etc. Foram
reestruturados onze conselhos de forma transparente e participativa, envolvendo
mais de 400 entidades da sociedade civil e de órgãos governamentais atuantes no
Estado do Rio de Janeiro, resultando em uma maior integração social (mais de
200 novas entidades da sociedade civil participando dos conselhos) e diminuição
da pressão (desmatamentos e queimadas) nas áreas das UCs, internamente,
investiu-se na otimização da tramitação dos processos administrativos no âmbito
da DCN, com reflexo em todo o IEF, e o desenvolvimento de um software,
denominado SISDCN, com o objetivo de informatizar a tramitação dos
processos.
Diversas iniciativas tiveram apoio da DCN para diminuir a pressão sobre
as UCs, como o pacto pela erradicação do fogo na APA Macaé de Cima (em 30
anos foi o menor índice de queimadas na região); o apoio ao projeto de
fitoterápicos da Mata Atlântica, com os agricultores do Parque Estadual da Pedra
Branca (históricos plantadores de banana); o processo de recategorização da área
ocupada pela comunidade do Aventureiro na Rebio da Praia do Sul; a criação de
um roteiro metodológico para uniformização dos planos de manejo, a criação de
uma equipe destinada à análise e complementação dos planos de manejo -
conferindo maior agilidade na finalização destes -; as parcerias com AMPLA,
UFF, UFRJ, FIOCRUZ, escolas privadas como o Colégio Paulo Freire, ONGs,
137
etc.; a anuência ao programa Luz para Todos na Juatinga (UC que possui
comunidade tradicional inserida em seu limite) foi dada mediante exigências
ambientais rigorosas; a participação em cursos de capacitação de grande
envergadura, tais como o do Programa Nacional de Capacitação de Municípios e
o de Capacitação dos Policiais Florestais do Batalhão Florestal, em vista do
convênio envolvendo esta instituição para a lavratura de autos administrativos;
iniciativas como o projeto de implantação do caminho Darwin que colocou o IEF
e o PESET no foco das atenções e comemorações mundiais ao revelar que o
PESET influenciou a teoria da evolução, e tantas e tantas outras iniciativas e
conquistas que foram possíveis com o entusiasmo e competência de toda a
equipe. ” (Alba Simon em Nota de Despedida, jan. 2009)
Fecha-se, portanto, um ciclo de atuação das políticas públicas ambientais direcionadas
às unidades de conservação, que foram possibilitadas pelo desenho institucional do IEF, a
articulação de seus atores com o Secretário do Ambiente e as disputas entre duas concepções
concorrentes sobre a relação homem-natureza, que permitiram a conquista de certos direitos e
voz para as populações que habitam áreas protegidas no estado do Rio de Janeiro. Com a
criação do INEA, mudaram as peças do jogo, bem como as atribuições administrativas das
instituições previamente existentes. O sentido das mudanças aponta para a recomposição das
forças conservacionistas, a partir do afastamento das visões dissonantes do socioambientalismo.
Resta saber em que medida o processo de mobilização e de participação dos conselhos, em sua
maioria, ainda não empossados poderão consolidar as conquistas e caminhar no processo de
diálogo e de avanço na legitimação de seus direitos.
138
CAPÍTULO 3
A construção social do Parque Estadual da Pedra Branca: de Castelo das Águas ao
Parque de Carbono
A criação do PEPB é realizada pelo Estado da Guanabara em 1974, mas conforme já
foi citado, segue uma linha de ações federais voltadas para a gestão de recursos naturais, postas
em prática na cidade, muito mais tempo. As diversas iniciativas de proteção do maciço da
Pedra Branca estão ligadas à preservação dos recursos hídricos da região que abasteciam a
cidade desde o culo XIX. O cronista e naturalista autodidata, Armando Magalhães Corrêa, em
sua obra O Sertão Carioca, faz numerosas descrições poéticas sobre a beleza dos mananciais
existentes no maciço da Pedra Branca. Como se pode observar na citação:
“Os rios da Pedra Branca, à esquerda, e o da Barroca, à direita, no ponto de
convergência das vertentes dessa serra, formam duas belas quedas separadas por
um monólito, que parece reger a orquestra sussurrante de suas águas: a da Pedra
Branca jorrada por uma garganta, formada de blocos pétreos, à grande bacia
comum as duas. (...) Esse ambiente feérico, dá idéia de qualquer coisa misteriosa,
num ambiente bem selvagem: em plena mata, formando uma grande bacia que
transborda por dois lados em verdadeiras quedas...” (CORRÊA, 1936, p.35)
Tantas são as referências poéticas nesta obra que Oliveira (2005), ao analisá-la, afirma que
Magalhães Corrêa refere-se ao maciço da Pedra Branca como o chateau d’eau da cidade, em
função da quantidade de mananciais ali existentes
110
.
Desde o início do século existiam represas responsáveis pela captação e abastecimento
de algumas áreas da atual zona Oeste do Rio de Janeiro. A represa do Pau da Fome
111
data de
1904, o açude do Camorim, construído em 1932 (IEF, 2005, p. 18) e o aqueduto existente na
região da Colônia Juliano Moreira, construído na segunda metade do século XVIII, são marcos
históricos da engenharia hidráulica fluminense (COSTA, 2002, p.143). A Companhia Estadual
de Água e Esgoto CEDAE –, pertencente ao governo do estado, é o órgão responsável, na
atualidade, pelas represas existentes no Parque.
110
São diversas nascentes, onze mananciais e a Lagoa do Camorim (IEF, 1995).
111
Sobre a origem do nome desta localidade, Corrêa (1936, p.39) fornece o argumento histórico: “dizem os
moradores desse recanto encantador que os antigos frequentadores das matas, como antigos caçadores que eram e
mesmo tropeiros, reuniam-se debaixo de uma grande figueira para descanso, e como preparavam ali suas refeições,
diziam: estamos no Pau da Fome.”
139
FIGURA 2
Ilustração a bico de pena do aqueduto do Pau da Fome feita pelo naturalista autodidata
Armando Magalhães Corrêa no livro O Sertão Carioca (1936 p. 37).
A primeira medida legal voltada para a conservação da região foi a transformação de
várias áreas do maciço em Florestas Protetoras da União, a partir de 1941
112
113
. Segundo
Costa (2002, p. 54), em abril de 1963 foi instituído o Decreto n. 1.634 que promoveu a
utilização integrada do maciço da Pedra Branca, declarando de utilidade pública, para fins de
desapropriação, as terras que integravam a região. Em 18 de junho de 1972, foi criado através
da Portaria “P” SPG n. 20 um grupo de trabalho para propor as medidas necessárias à criação do
Parque. Em 1973, uma nova portaria substituiu o grupo de trabalho por outro e concluiu um
112
Existem ao todo dez Florestas Protetoras da União no Maciço da Pedra Branca. São elas: Camorim, Rio
Grande, Caboclos, Batalha, Guaratiba, Quininha, Engenho Novo de Guaratiba, Colônia, Piraquara e Curicica.
(COSTA, 2002, p.143).
113
Conforme veremos a seguir no capítulo 4, a criação das Florestas Protetoras da União gerou restrições sobre a
atividade carvoeira no maciço da Pedra Branca e práticas agrícolas, além de processos de remoção de agricultores
na década de 60 (de acordo com relatos de moradores mais antigos).
140
relatório indicando as medidas necessárias para a criação do Parque.
114
No ano seguinte, foi
criado então o Parque Estadual da Pedra Branca (PEPB), através da Lei Estadual nº 2.377, de 28
de junho de 1974.
115
“Art.1º. Fica criado, no Estado da Guanabara o Parque estadual da
Pedra Branca, compreendendo todas as áreas situadas acima da cota
de 100m do Maciço da Pedra Branca e seus contrafortes.”
FIGURA 3
Mapa do PEPB
Data de 1971, um documento intitulado Parque Estadual da Pedra Branca, de autoria
do então pesquisador do ICN, Harold Edgard Strang, tido como o estudo que origem ao
PEPB, que conforme já foi dito, foi criado no âmbito do estado da Guanabara. De acordo com
relato de Magnanini (entrevista em 26 mar. 2007), logo após a fusão, em 75/76
116
, a Secretaria
Estadual de Planejamento SECPLAN encarregou-se da implantação do Parque. A responsável
por este setor, Lísia Bernardes convocou uma reunião, com o representante da Secretaria de
Agricultura SAA/RJ, responsável pelas UCs, do IBDF e da FEEMA, representada por Alceo
Magnanini que, a esta altura, estava nesta Instituição. Após cada um deles falar brevemente
sobre o tema, Lísia Bernardes determinou que o Departamento de Conservação da Natureza da
114
Considerado um relatório bastante completo para a época, vários aspectos foram considerados, sugerindo
delimitação, denominação, aspectos administrativos e financeiros, atribuições do Estado e da União, possibilidade
de convênios e indicação de medidas para a elaboração do Plano Diretor (COSTA 2002, p. 54).
115
Anexo 4: Lei de criação do PEPB
116
Relato de Alceo Magnanini que não soube precisar ao certo o ano da reunião.
141
FEEMA iria planejar a implantação do Parque, por deter o conhecimento técnico sobre parques
e o DGRNR da Secretaria de Agricultura iria executar o projeto. Incumbência que a princípio
foi negada pelo representante desta Secretaria, afirmando que não iria executar um projeto que
foi realizado por outrem. Neste momento, contudo, a representante do IBDF disse que não
abriria mão dessas áreas, uma vez que não havia nenhum pedido formal de cessão das áreas
federais contidas no Parque recém-criado. E assim, relembra Magnanini, nada foi resolvido.
Lísia Bernardes então encerrou a reunião dizendo não ter nada mais a tratar. E Magnanini
conclui que até hoje estamos na mesma situação, pois o Governo do Estado jamais solicitou
oficialmente as terras das Florestas Protetoras da União ao governo federal. Dizem que fizeram
um comodato, mas acaba o acordo como é que fica? O Governo estadual construiu a sede lá no
Pau da Fome em área federal. Por que é que não se faz a coisa conforme o figurino?
Desta forma, não houve acordo. O IBDF continuou realizando suas medidas de
fiscalização, sobre as florestas protetoras da União inseridas no recém-criado Parque Estadual
da Pedra Branca e o Governo do estado, segundo Magnanini, fazendo suas firulas. Diante deste
quadro, como veremos a seguir, é compreensível que os moradores do Parque tenham feito e
ainda façam muita confusão a respeito da Instituição responsável pela administração desta área
protegida.
Apesar da dificuldade de viabilização de parcerias entre os órgãos federais e estaduais,
consta em documento de 1979
117
, da Secretaria de Agricultura, a elaboração de um plano
trienal para o PEPB, feito em 1976, para o período de 1977-79 em colaboração com o IBDF que
propunha reflorestar 1200 hectares localizados acima da cota de vel 400 metros de altitude no
maciço. Mas, segundo este mesmo documento, esta meta tornou-se inexequível pela falta de
iniciativa do IBDF e pela redução cada vez mais drástica dos recursos orçamentários estaduais.
Ou seja, se houve acordo entre a União e o governo estadual, este não saiu do papel. Também
há, neste mesmo documento, referência ao reflorestamento realizado no sopé do Pico da Pedra
Branca nos exercícios de 1977 e 1978.
Em 1979, um projeto de implantação do Parque Estadual da Pedra Branca, assinado por
José de Paula Lanna Sobrinho, então diretor do PEPB, que na época pertencia ao Departamento
Geral de Recursos Naturais Renováveis da Secretaria de Agricultura do estado, estabelece os
117
Projeto /Atividade – 1407.04171041.012 Implantação do Parque Estadual da Pedra Branca 1979.
142
seguintes objetivos: fiscalização florestal em toda a área e restauração ecológica (conservação
de aceiros, coroamento de covas, replantio de falhas e adubação corretiva). E assim define:
“Por implantação do parque deve-se entender um conjunto de medidas
realizáveis a curto, médio e longo prazo, relativas à legislação,
administração, desapropriação, imissão de posse, fiscalização e
restauração ecológica”. (Programa de Trabalho para o plano de manejo
do PEPB, 1979)
O projeto estava centrado basicamente em medidas de fiscalização e reflorestamento e
estabelecia como requisitos gerais:
“Estar perfeitamente identificado com os objetivos dos Parques
Nacionais, quais sejam: proteção do clima, do solo, da água, da flora e
da fauna, a fim de proporcionar possibilidade de estudo, educação e
lazer à população da grande metrópole que é o Rio de Janeiro”.
(Programa de Trabalho para o plano de manejo do PEPB, 1979).
Destaca-se neste trecho a afinidade entre as primeiras diretrizes das políticas nacionais
ambientais e aquelas que se desenvolveram no Rio de Janeiro, com ênfase no lazer das
populações urbanas e de uma visão ainda compartimentada dos elementos da natureza. Também
em julho de 1979, foi elaborado um programa de trabalho para o plano de manejo do PEPB
118
.
Trata-se de documento significativo em muitos sentidos. Em primeiro lugar, revela a lentidão e
a dificuldade das ações no campo ambiental, se for levado em consideração que até hoje o plano
de manejo do Parque o foi finalizado. Em segundo, porque cita e assim permite conhecer
algumas questões presentes no plano de estudos que deu origem ao PEPB, ao qual não tive
acesso:
119
“Já na época da elaboração do estudo que levaria à sua criação, a
ocupação parcial de suas áreas, em especial na vertente norte, já
preocupava os técnicos responsáveis pelo trabalho em face da
existência de vários fatores que acentuavam o risco de uma ocupação
progressiva, tais como as crescentes facilidades de acesso, a expansão
118
Plano de Manejo do Parque Estadual da Pedra Branca: programa de trabalho, jul. 1979. 574.5264 c399
P.P.BRANCA.
119
GUANABARA (Estado). Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral. Parque Estadual da Pedra Branca,
1971. Este documento não foi encontrado. Não está disponível no IEF, nem na biblioteca da DECAM-FEEMA.
Encontrei surpreendentemente o registro do mesmo na Biblioteca do Senado em Whashington, de autoria de Harold
Edgard Strang.
143
urbana ao longo da Av. Brasil, a implantação, na Baixada de
Jacarepaguá, do Plano Piloto de Lúcio Costa, a industrialização no
Oeste do município e, principalmente, a indefinição do status jurídico
da área.” (referência aos dados do documento de 1971 apud Programa
de Trabalho para o plano de manejo do PEPB, 1979)
Em terceiro, porque contribui para mapear um pouco do campo ambiental estadual da década
de 70. Embora não apresente a equipe técnica responsável pelo mesmo, este foi elaborado no
âmbito da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Neste sentido, o questionamento central
do texto recai sobre a pressão urbana que ameaça as encostas do maciço. Não há no documento
um tom negativo à presença dos agricultores, mas a constatação que esta atividade não consegue
fazer frente à urbanização.
“As áreas de Campo Grande e a parte mais ocidental de Jacarepaguá,
que abrangem igualmente as encostas do maciço, caracterizam-se como
zonas de transição rural-urbana, apresentando trechos de ocupação
rarefeita entremeados em segmentos onde se pratica uma pequena
agricultura com fins comerciais, em franco processo de decadência e
sem condições de resistir à expansão urbana.” (Programa de Trabalho
para o plano de manejo do PEPB, 1979)
Diante do problema de ocupação urbana crescente, o tom do documento é de conciliação entre
as duas tendências conflitantes, lazer e conservação, mas historicamente harmonizadas nos
parques, ao citar o equilíbrio do ecossistema e demanda por áreas verdes, de recreação e lazer
da zona Oeste da cidade (...) ao determinar a tomada de medidas efetivamente concretas e
operativas, não mais de fiscalização convencional, mas principalmente visando sua conveniente
utilização em benefício da comunidade.
Ao apresentar os critérios para a zona de manejo, o programa de trabalho apresenta
sensibilidade social à temática da permanência humana no Parque:
“Especial atenção deverá merecer a zona ocupada por pequenos
agricultores que exploram em sua maioria, a bananicultura, devendo as
alternativas propostas para o seu remanejamento ou simples
desocupação serem motivo de amplos debates em face de seus
144
condicionantes sociais, econômicos e políticos”. (Programa de Trabalho
para o plano de manejo do PEPB, 1979).
Finalmente ao apresentar a equipe cnica necessária para o preparo e execução do
plano de manejo enumera os seguintes profissionais: engenheiro agrônomo, engenheiro
florestal, geógrafo, geólogo, zoólogo, biólogo, economista, sociólogo rural, cartógrafo,
topógrafo, advogado, arquiteto, técnico em comunicação visual, desenhista, datilógrafo.
Contudo, na fase de implantação do plano diretor e manejo, ao especificar as atribuições de cada
profissional, não referência aos biólogos ou zoólogos. Este perfil dos profissionais atuantes
nas políticas de conservação da natureza indica o prestígio e forte presença dos engenheiros
agrônomos nos anos 60 e 70, em contraste com o reconhecimento dos biólogos, na atualidade,
como detentores de um saber especializado na conservação. Também chama atenção a
indicação da necessidade de um sociólogo na equipe do plano de manejo, visto que esta área de
conhecimento até hoje não é valorizada pela Secretaria de Estado do Ambiente
120
, a julgar pelas
vagas solicitadas no último concurso público.
Outro aspecto interessante deste plano de trabalho é que, a despeito da realização de
algumas iniciativas institucionais até o ano de 1979, o documento em questão informa que até
aquela data, não havia sido tomada nenhuma medida que possibilitasse a implantação do PEPB
e a preservação do seu patrimônio natural. Para a população, de fato, até esta data existiam
apenas correntes que delimitavam a entrada das Florestas Protetoras da União, criadas em 1941.
Uma marca da administração do IBDF, ainda lembrado pelos moradores.
Até os dias atuais, a percepção de moradores e visitantes sobre o território do PEPB é
bastante variável conforme a localidade em questão. Em alguns trechos do Parque não há
qualquer marco institucional que indique sua existência. Além disso, mesmo que estes existam,
eles precisam ser confirmados pela presença de outros sinais, tais como a presença de
funcionários, de fiscalização e outros que confirmem a efetividade desses marcos.
Os agricultores mais antigos da região do Pau da Fome, onde se localiza a represa de
mesmo nome, contam que ainda é possível encontrar marcos de chumbo que delimitam o
território destinado às Florestas Protetoras da União. Segundo seus relatos, nos anos 60, durante
120
Carneiro (2008) também identifica a reduzida importância das ciências sociais no processo de criação de
unidades de conservação pelas agências ambientais estaduais.
145
o período da ditadura, houve a desapropriação de agricultores destas áreas e a derrubada dos
bananais. Não há certeza, contudo, se os agricultores receberam ou não a indenização.
“Houve indenização muito antes de 64, dos produtores que viviam dentro desta
unidade - da Floresta Protetora da União - que era de órgão federal. que eles
foram indenizados, segundo o Índio do Brasil (naquela ocasião, que era um
deputado famoso) que veio fazer reunião com os agricultores e afirmou que
realmente houve a indenização e que eles não deram caso
121
. veio a
desapropriação deles, foi quando tiraram. O pessoal saiu mesmo porque não
tinha mais como sobreviver, derrubaram o bananal. Isso foi de 64 para 65. Seu
Gino, Seu Nego, Alexandre, ... dentro da mata da União havia divisão e até
hoje uma medalha de chumbo cravada na pedra, dividindo as matas protetoras e
as propriedades particulares.” (relato de antigos produtores do PEPB, na
localidade do Pau da Fome)
Soares (2004, p. 74) destaca que alguns moradores vizinhos à sede do PEPB
acreditavam que o mesmo tinha sido criado apenas dez anos, época que coincide com a
instalação do escritório da administração do Parque na região do Pau da Fome. Até então, esta
funcionava no centro da Taquara em Jacarepaguá.
Segundo alguns moradores da região do Rio da Prata, existia no passado a figura do
guarda mata e jardim que fiscalizava as matas da região:
“Antigamente tinha o IBDF ali embaixo e outro que andava ali por cima e
fiscalizava. Conhecia todo mundo, tomava café, almoçava, comia farinha,
multava” (pequeno produtor da localidade do Rio da Prata).
Após procurar sem sucesso qualquer referência a este cargo, imaginei que a alusão ao termo
fosse fruto de alguma confusão com a Secretaria atual de Parques e Jardins, administrada pela
Prefeitura. Para a minha surpresa, encontro no Sertão Carioca (CORRÊA, 1936, p. 154) a
confirmação desta informação, quando o autor procura descrever medidas de combate aos danos
causados pelos caçadores:
“A Diretoria Geral de Matas, Jardins e Agricultura e o Serviço Florestal
deveriam distribuir prospectos em todo o Distrito, como é comum nos países
cultos em que há de fato interesse pela defesa da natureza.”
121
A expressão não deram caso faz referência à alegação do poder público à época, segundo a versão registrada
acima, de que houve a indenização mas os agricultores não foram informados ou, suspeitam os informantes, podem
ter recebido e passado o tempo, dito que não receberam .
146
Ainda hoje, existe a casa em que residia o guarda do IBDF e que é ocupada por sua família.
Chama atenção o fato de que sua atual residente preserva o letreiro pintado na parede frontal no
qual se lê: Posto de Fiscalização, talvez como uma forma de garantir prerrogativas para a
permanência na habitação e de evidenciar outros sinais distintivos frente à vizinhança do local.
No entanto, me ocorreu que também seria coerente a iniciativa oposta. Apagar a inscrição seria
uma forma de esquecimento sobre a presença do antigo posto de fiscalização, uma vez que esta
casa se mistura com as outras e um número significativo de residências acima do posto, não
havendo, portanto nenhum tipo de delimitação do espaço que informe que ali começa o Parque.
Além disso, o posto atual de fiscalização do IEF foi construído acerca de 100m acima deste
antigo posto de fiscalização.
FOTO 1 A
Antigo Posto de Fiscalização do IBDF no Rio da Prata em Campo Grande
147
FOTO 1 B
Zoom da foto acima, referente à fachada do antigo posto de fiscalização do IBDF
FOTO 2
Largo de Dona Nonola, na localidade do Rio da Prata, com
a guarita ou posto de fiscalização do IEF ao fundo. (2007)
148
3.1 - Os agentes Florestais
No final da década de 80, logo após a criação do IEF, foi formado um corpo de agentes
florestais ou guardas florestais como são mais conhecidos, a partir de outros órgãos estaduais.
Um dos guardas mais antigos do PEPB relata que ingressou no serviço público estadual em
atividades de reflorestamento na Fazenda Modelo (instituição estadual) e, em 1989, fez a opção
pelo IEF. Morador da localidade do Rio da Prata, filho de um lavrador e acostumado na roça,
ingressou no serviço público com atividades de plantio. Com a inauguração do posto de
fiscalização do IEF nesta região, manifestou interesse em trabalhar no Parque, pela proximidade
deste com sua casa. Ao lembrar das atividades realizadas como agente florestal, conta que a
fiscalização era feita a partir de um planejamento feito pela administração em que os guardas
em grupos de quatro percorriam as trilhas do Parque. De acordo com seu relato, o Parque
chegou a ter cerca de treze guardas, mas em 2006, contava apenas com cinco deles. Na sua
opinião, as condições do Parque melhoraram em muitos aspectos - para a visitação -
principalmente na região da sede, mas não para os funcionários antigos: o salário é baixo e sua
profissão é estressante e arriscada, pelo enfrentamento que envolve o momento do auto de
constatação em situações de construções irregulares e a presença de caçadores armados nas
matas. Além disso, o número reduzido de guardas, a pequena disponibilidade de transporte
reduziu as atividades de fiscalização rotineira, passando a funcionar de forma mais frequente em
situações de denúncia. Hoje, relata o agente florestal, a atividade de fiscalização reduziu-se em
grande parte à atividade de controle das entradas da UC.
A reconstituição do passado aparece relacionada, mesmo com referência aos recursos
precários do Estado para implantar o parque, a maior valorização da atividade de fiscalização do
guarda florestal e de um período em que podia exercê-la de forma plena, seja pela frequência
das escalas de fiscalização, organizadas rotineiramente para o patrulhamento das trilhas, seja
pelas condições de saúde que antes possuía, e que era fundamental para a realização deste
trabalho. Hoje com problemas de pressão alta, lembra que passou mal ao correr atrás de seis
pessoas que entraram sem autorização no Parque. Neste episódio, lembra que foi socorrido pela
moradora da sede do PEPB e afirma: “eu devo obrigações àquela mulher” Este relato chama
atenção para o fato de que apesar do guarda representar a autoridade do Estado, normatizando
condutas no território do Parque, através de uma dominação legal-racional (WEBER, 1991), que
149
impõe a legislação ambiental, a sua relação cotidiana com moradores envolve a construção de
uma rede de obrigações e reciprocidade que acaba impondo um código de condutas que se
interpõe ao direito formal estabelecido pelo órgão ambiental. Muitas vezes, devido a
precariedade de recursos (materiais e simbólicos) e a desorganização da burocracia estatal, o
funcionário não tem meios disponíveis para fazer valer de forma plena seu poder de mando. Em
muitos casos, aceita favores da vizinhança caronas, alimentos, água, ferramentas,
informações, uso do telefone, sanitário, ajuda para apagar incêndio na mata, prestação de
socorro – e também concede outros da mesma natureza.
Dada a condição de ilegalidade em que se encontram os moradores de parques e outras
UCs de proteção integral e a impossibilidade de o poder público removê-los imediatamente, a
negociação e o acordo são pressupostos desta relação na qual o agente florestal e, logo em
seguida, o administrador cumprem o papel imediato de mediação para fazer valer parcialmente
seus objetivos. Assim, além da imposição formal da lei sobre a qual os funcionários exercem a
dominação legal-racional, uma outra lógica de condutas que está assentada sobre um direito
costumeiro ou uma economia moral (THOMPSON, 1998 b, SCOTT, 1987) se impõe e avalia o
que é justo ou não nas relações destas populações com o Parque. Neste sentido, para os
moradores locais, é justo que a administração do Parque busque preservar a natureza, mas,
igualmente justo que a população preserve seu direito de moradia. Certamente se estabelece
neste momento uma polêmica sobre o que é preservar a natureza
122
e o que significa morar
dignamente sob a perspectiva dos órgãos ambientais e das populações, sobre as quais age o
poder de tutela. Os agentes fazem a mediação entre as relações da Instituição ambiental e os
moradores, dos moradores entre si e da relação entre moradores e os outsiders: turistas,
caminhantes, motoqueiros...
Costa (2008, p. 45), de forma semelhante, ao descrever a relação entre os moradores da
Praia do Aventureiro e o guarda da FEEMA, demonstra como se estabeleceu uma espécie de
direito local, muitas vezes, sobrepondo-se ao direito formal imposto pela legislação ambiental,
entre os moradores e o funcionário residente da FEEMA, a partir do qual, os moradores, em
122
Um exemplo de conflito causado pelo antagonismo entre a concepção dos agentes ambientais sobre a natureza e
dos habitantes de um parque, foi descrito por Prado e Catão (2008). Os moradores assistiram perplexos a retirada
de bambus e o anilhamento de jaqueiras em algumas áreas da Ilha Grande, pelos agentes ambientais, sob alegação
de que estas eram exóticas e assim, danosas à vegetação da ilha. Para os moradores, as árvores dotadas de valor
prático, estético e simbólico, foram retiradas justamente por aqueles que lhes diziam que nenhuma planta poderia
ser extraída da mata.
150
especial os donos dos barcos, impõem seu poder sobre o funcionário que não possui uma
embarcação própria para ir e vir do Aventureiro e depende dos moradores para trabalhar.
Em uma de minhas atividades de campo, no PEPB, enquanto conversava com o agente
florestal, um carro desceu com um casal e enquanto esperava um caminhão descarregar as
caixas dos agricultores no Largo de Dona Nonola, abordou o funcionário do posto: minha filha
de 22 anos, está no 7º. Período de engenharia florestal. se arruma um emprego para ela
no IEF e doou a ele umas tangerinas. A descrição desta situação social (GLUCKMAN,
1987) sugere a existência de múltiplas possibilidades de percepção dos moradores sobre o que é
o Parque e as formas de interação com a Instituição responsável pela sua tutela, mediada entre
outros fatores pela relação pessoal estabelecida com os seus funcionários: guardas, gestores da
UC e outros agentes ambientais.
Em alguns casos, a origem comum entre o agente florestal e a população sobre a qual
ele exerce a fiscalização impõe a necessidade delicada de exercer a função de fiscalização, sem
comprometer as relações de vizinhança, evitando desgastes com conhecidos. Costa (2008) neste
sentido ao analisar as relações dos moradores da Praia do aventureiro com o fiscal da FEEMA
associa a figura do funcionário como a de um doador que tem o dom (MAUSS, 2003) de
autorizar a construção e ou reforma das casas, em troca de obrigações que este estabelece com
os moradores como, por exemplo, a dependência deste com os proprietários de barco que fazem
o seu transporte.
Assim, os guardas também são acionados para arbitrar sobre comportamentos
considerados abusivos pelos próprios moradores, agindo como um controle que faz valer, ao
mesmo tempo, a legislação ambiental, os interesses dos moradores e condutas morais. Podemos
dizer, neste sentido, que a administração do Parque constitui-se em um controle que protege
(SOARES, 2004), à medida que seus moradores transferem ao Estado a arbitragem de conflitos
de vizinhança e as respectivas aplicações de penalidades. Certa data, um outro agente florestal
do posto do Rio da Prata e também morador da região, recebeu uma denúncia de que um homem
desconhecido, escuro, de aproximadamente 45 anos, subia a trilha e ia tomar banho na
cachoeira pelado. Quando o fato se repetiu, alguns moradores avisaram o guarda que chamou
sua atenção avisando que aquele comportamento era desrespeitoso e que não podia tomar banho
na cachoeira porque logo abaixo uma represa da CEDAE de captação de água, podendo
contaminar a água dos moradores. Como precaução, o guarda anotou o CPF e a identidade do
151
banhista, para autuá-lo caso o fato voltasse a ocorrer, o acusado então prometeu tomar banho
apenas de caneca, fora do rio, sem esquecer claro de ficar de calção.
O agente florestal embora esteja imbuído do poder de autoridade concedido pelo
Estado, necessita de estruturas físicas e equipamentos para o fortalecimento de seu poder: a
sede, os postos de fiscalização, as correntes, o uniforme, o veículo, os documentos, as placas de
delimitação do território. A partir de 2003, com a reforma da sede e subsede e progressivamente
até 2006, houve uma concentração de investimentos na materialização de estruturas que
delimitassem no espaço o território do PEPB. Assim, por ocasião da inauguração do posto de
fiscalização do Rio da Prata, um outro guarda, também bastante antigo, pôde fazer valer com
mais eficiência seu poder de fiscalização, com a colocação de uma corrente em uma das
entradas do Parque que permitia maior controle sobre a entrada e saída dos veículos.
Um dos agentes do Rio da Prata lembra que estava almoçando e por isso a corrente
estava abaixada. Um carro de vidros escuros subiu sem se identificar. O agente relata o caso:
deixa comigo e então, subiu a corrente. Na volta, o carro parou e o motorista ficou esperando:
vai me deixar preso aqui, meu tio? O guarda então exerceu seu papel de representante do Estado
e anunciou que aquele território (repleto de casas) era uma unidade de conservação. Isso aqui é
área de parque, o senhor tem que se identificar. Após os pedidos de desculpas, o agente anotou
os dados e liberou o veículo.
Em alguns casos, as estruturas físicas que têm como papel demarcar a conquista do
território pelo poder público (SOUZA LIMA, 1995), acabam dando uma demonstração de sua
fraqueza, como no caso do posto de fiscalização inaugurado em Vargem Grande e que nunca
funcionou de fato, devido à ausência de funcionários. Posicionado exatamente em frente a uma
mansão, o poder de tutela e fiscalização do Estado se mostra frágil e impotente ao processo de
ocupação do PEPB.
152
FOTO 3
Posto de fiscalização de Vargem Grande inaugurado em agosto de 2006, mas jamais foi utilizado.
3.2 – A cota 100 metros
De acordo com a lei de criação do PEPB, a cota altimétrica de 100 metros é o critério
objetivo que demarca os limites do Parque na região do maciço da Pedra Branca e seus
contrafortes. Boa parte, mas não a totalidade dos moradores, nas localidades onde realizei a
pesquisa, afirma que a sua casa está localizada dentro do PEPB. Pode-se com isso inferir que o
discurso oficial a respeito da delimitação do espaço encontra-se bastante consolidado entre esta
população. Contudo, isto não significa que outras versões a respeito dessas fronteiras espaciais
não venham à tona ou sejam acionadas em conversas, como forma de contestar o processo
arbitrário, segundo os moradores, de implantação do Parque, por não considerar as ocupações já
existentes acima da cota 100m.
“É o que nós falamos, o Parque foi tombado em 74 e isso aqui era
particular. Foi do Barão da Taquara, da Baronesa da Taquara[...]
quer dizer a maioria da Comunidade não considera isso aqui um
Parque, entendeu? A gente mora em torno do Parque. (citação de
uma moradora do PEPB, na localidade do Pau da Fome apud
Soares, 2004, p.115)
“Não foi a gente que entrou no parque, foi o parque que entrou na
gente.” (morador da região de Vargem Grande)
153
Percebe-se neste caso, um confronto entre o domínio da Lei e os direitos consagrados
pelo uso. Enquanto tais direitos são reforçados pelas práticas cotidianas, pela ocupação do solo,
pela moradia e relações de vizinhança, etc, a imposição legal que determina a proteção
ambiental acima da cota 100m está apoiada em um princípio técnico e abstrato que não pode ser
percebido claramente pelo senso comum. A sua validação necessita de equipamentos específicos
(sistemas peritos, instrumentos de medida) utilizados pelos técnicos e podem ser
reconhecidos através de marcos específicos in locu. Ao que parece, contudo, tais marcos à
época da criação e delimitação do Parque, em 1974, foram calculados de modo estimado; sem
muita exatidão, de forma que a utilização de equipamentos mais sofisticados como o GPS, na
atualidade, demonstram imprecisões no que se estabeleceu como cota 100m, nas diferentes áreas
do maciço. Alguns cnicos, contudo, não descartam a possibilidade de que os próprios
moradores tenham em alguns casos, removido os marcos para cotas mais elevadas, buscando
com isso ficar fora do parque. O fato é que esta incerteza quanto aos verdadeiros limites da cota
100m tem gerado algumas polêmicas curiosas entre os agentes ambientais e os moradores do
Parque. Em recente reunião entre os pequenos produtores do PEPB e dirigentes do IEF
123
, um
grupo representante da localidade do Rio da Prata afirmou que a cota 100m ficava cerca de
200m abaixo do que hoje se aceita como marco delimitador do Parque: pode olhar. Eu era
criança e me lembro quando colocaram este marco e está escrito 100m.
na localidade de Vargem Grande, um agricultor lembra que alguns anos uma
equipe do IEF esteve em sua casa com um aparelhinho que parecia um relógio e informaram ao
mesmo que sua casa estava nos limites do Parque. Este pequeno produtor então, explicou que o
parque ficava mais acima, onde existia um marco que ele mesmo fez questão de mostrar.
Segundo ele, a equipe do IEF então disse: olha, o Sr. esquece o que a gente falou, tá?!
123
Ocorrida no dia 29 de setembro de 2008, em Vargem Grande.
154
FOTO 4 A FOTO 4 B
Marco moldado em concreto delimitando a cota altimétrica 100m. No detalhe, lê-se ALT 100 PEPB
Este incidente revela que, se por um lado a cota 100m é um critério legal
inquestionável e vigente até que outro venha a substituí-lo, por outro, os marcos, como
elementos de materialização desta lei no tempo e no espaço, tornam-se critérios legítimos de
demarcação, mesmo que sua medição esteja errada.
A provável constatação de que a cota 100m fica abaixo dos locais onde os marcos
foram fixados e o grande adensamento populacional em algumas áreas do parque pode
motivar a proposta de redefinição dos limites do PEPB, já anunciada como urgente e
inevitável por pelo menos três membros dirigentes do IEF, reconhecendo que a cota 100m
não foi um critério razoável de demarcação do PEPB.
“O Parque da Pedra Branca é um parque que foi criado errado na sua origem, ele
foi fruto de um decreto de 1974 que disse que é parque todas as terras do maciço
acima da cota altimétrica de 100 metros. Bom, isto é muito simples de fazer,
que na sua criação, áreas importantes do ponto de vista ambiental ficaram
fora do parque e, outras áreas, à época invadidas, inclusive com comunidades
de baixa renda, ficaram dentro. De pra cá, tendo em vista que o órgão sempre
teve deficiências muito graves de estrutura principalmente de recursos humanos,
o problema só vem se agravando. (...) Apenas a partir de um amplo entendimento
é que vamos conseguir fazer com que este parque deixe de ser a abstração, até
certo ponto que é, com centenas e centenas de casas dentro dele, repito, de
muitos e muitos anos, e o problema vem se agravando e o que pode,
eventualmente, até indicar uma necessidade de redelimitação do Parque. Mas
isso é um assunto que deve ser tratado com muita cautela e de forma muito
estudada. (Presidente do IEF em entrevista à radio CBN em 27 nov. 2007)
3.3 - O Castelo das águas e a CEDAE
Antecedendo as agências ambientais e órgãos preocupados com as florestas, temos nos
sistemas de captação de águas, a primeira forma de institucionalidade presente nos maciços da
cidade desde a época da colonização. Na atualidade, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos
CEDAE
124
é responsável pela administração das represas existentes no maciço da Pedra
Branca. Trata-se de um sistema complementar ao sistema do Rio Guandu. A qualidade da água
nas regiões abastecidas pelas represas é motivo de protestos e reivindicações dos moradores de
Vargem Grande que afirmam ser grande o número de doenças de pele, problemas
gastrointestinais e de saúde bucal, pela ausência de fluoretação da água. Os indicadores da
qualidade apresentados pela CEDAE são contestados pelos movimentos sociais ligados à saúde
e a moradia na região da Baixada de Jacarepaguá: em primeiro lugar, afirmam que por serem da
própria Instituição não são confiáveis e, em segundo lugar, por coletarem a água nas estações de
124
Eram duas as empresas de saneamento básico do estado da Guanabara: Esag, Empresa de Saneamento da
Guanabara, responsável pelos esgotos, e Cedag, Companhia Estadual de Águas da Guanabara, cuidando do
abastecimento de água. Em 1975, nova mudança no mapa político tornaria Guanabara e Rio de Janeiro num
Estado, como até hoje. A fusão determinou a integração das empresas de saneamento dos dois lados, juntando
Cedag, Esag e Sanerj, esta última a responsável pelos serviços de água e esgotos do território fluminense. E assim
nasceu a CEDAE, naquele mesmo ano. Disponível em: <http://www.cedae.rj.gov.br/raiz/002002.asp>. Acesso em:
03 ago. 2008.
156
tratamento, os testes não avaliam as condições da água que chega na casa dos moradores.
Devido ao grande número de ligações clandestinas, há a contaminação da água nas tubulações.
Na localidade do Rio da Prata, em Campo Grande, o Padre Lúcio Zorzi conta que
inclusive a mobilização da paróquia em prol do meio ambiente nasceu de preocupações
relacionadas à água que levou à criação, em 2001, da Pastoral do Meio Ambiente. A partir de
projetos relacionados com a água, teriam passado a perceber que a água depende das matas.
Dessa forma, o combate ao desmatamento e outras questões ambientais envolveram aos poucos
os paroquianos e ambientalistas nas atividades da Pastoral. Inicialmente, além do trabalho de
conscientização sobre a importância de preservação deste bem, iniciou-se um trabalho de
investigação sobre os métodos de tratamento adotados pela CEDAE, no qual concluiu-se que a
água consumida na região é caríssima por não ser tratada conforme deveria. no salão da
paróquia é gasto todo mês R$ 180,00. Se usássemos Coca-Cola sairia mais barato, afirmou o
padre.
Além de o custo ser elevado para os consumidores, os procedimentos de controle da
qualidade da água e cloração são feitos como na idade da pedra descreve o líder religioso: a
cloração é feita através de gás que é adicionado à água, mas o controle da dosagem, que varia
proporcionalmente à variação da pressão da água, é feito por um único funcionário de forma
manual. Ao visitar o funcionário da CEDAE, responsável por esta atividade, o padre pediu que
ele explicasse como era realizado o tratamento da água e reconstituiu assim o diálogo com o
funcionário:
Padre - Mas como é que você regula o cloro?
Funcionário - ah eu deveria testar.
Padre - mas como é que você testa?
Então o funcionário mostrando uma química, um líquido, explicou:
Funcionário - tem que botar aqui neste vidrinho.
Eu pego água da bica que é água já clorada (tem uma bica de experiência deles, explica o
Padre) boto um pouco desta química. Se a água fica amarelinha clara é bom, se fica amarela
escura, já é demais, se fica marrom, pior ainda. Aí tem que fechar.
Padre - Mas faz uma experiência para mim?
Aí fez.(O padre ri.) Botou um pouquinho, ficou amarelinha, depois escureceu ...
Funcionário - Ihhhhh .... tá ficando marrom, tem que fechar!
Assim o Padre concluiu:
“Este sistema não tem automação, nem controle nenhum e, além do cloro não tem nenhum outro
parâmetro a que a lei obriga como o flúor, a verificação da turbidez da água, que depois de um
temporal fica marronzinha.
157
Questionando este aspecto o clérigo perguntou:
Padre: Mas por que vem água suja depois de um temporal?
Funcionário: A ordem seria que quando chovesse, a gente fechasse o registro, porque a água
vem muito suja. Deveria fechar. Mas às vezes eu não estou aí. Estou fazendo compras no
supermercado; no Prezunic ...
Ele é sozinho, explica o padre, às vezes vem a chuva à noite. Ele vai levantar para fechar as
torneiras?! Quem é que fiscaliza a CEDAE?! Até a própria CEDAE colocou o esgoto do
caseiro a 5m da água do rio que nós bebemos! ...
3.4 - A LIGHT e as torres de transmissão de energia no PEPB
A Companhia de energia elétrica Light é outra Instituição presente nos maciços da
Pedra Branca. Ela opera a transmissão de uma região a outra da cidade que é repleta de
montanhas. A instalação das torres e a manutenção de energia implicam na abertura de trilhas
que, na avaliação dos gestores das unidades de conservação, causam impactos significativos à
natureza. O relacionamento desta com as agências ambientais ou a administração das unidades
de conservação é marcado por conflitos, dada a avaliação diferenciada de ambas as instituições
sobre a relevância dos benefícios proporcionados pelo bem que cada uma delas defende.
A tradicional ausência de comunicação ou planejamento interligado entre os órgãos
públicos resultava em ações contraditórias em termos de políticas públicas. Este quadro e o
predomínio de uma gica de governo desenvolvimentista, fez com que durante muito tempo o
impacto causado pelas torres se apresentasse como uma interferência inevitável.
Um exemplo pioneiro de desnaturalização (LOPES, 2005) do impacto causado pelo
processo de instalação das torres elétricas em unidades de conservação ocorreu em 1965, no
Parque Nacional da Tijuca, então sob a administração de Alceo Magnanini (MAGNANINI, E..,
1998). Ao se deparar com trabalhadores da Companhia Furnas de Energia Elétrica abrindo
picadas na floresta, cobrou explicações da direção desta Agência que, por sua vez, afirmou ter
ordens do Presidente da República para instalar uma linha de transmissão de alta voltagem
desde a hidrelétrica de Itaipu no Paraná até o Rio de Janeiro. Para tal feito, tinha autorização de
abrir uma servidão de noventa metros de largura. O diretor do parque, em contrapartida,
também informou que estava cumprindo a legislação brasileira e os convênios internacionais
que o Brasil assinara. Por isso, solicitou que a direção de Furnas entrasse em um acordo com o
Ministério da Agricultura, responsável na época pela administração dos parques. A decisão
158
tomada informava que ambas as instituições buscassem a melhor forma de solucionar o
problema. Após estudos e dada como inviável a busca de outro trajeto para as torres, a
administração do Parque concordou com a instalação das torres, mas proibiu a abertura de
trilhas para sua instalação. Posteriormente negou autorização para abrir uma picada para
passagem de peças das torres e, mais tarde, para estiramento dos cabos, sugerindo o uso de
helicóptero para levar o material e depois para puxar um cabo fino entre duas torres
consecutivas, o qual serviria de guia para puxar os cabos definitivos. Tais exigências foram
aceitas e o trabalho realizado.
Recentemente, com a maior amplitude do debate ambiental, as agências ambientais
vêm cobrando das companhias elétricas uma adequação de suas ações ao objetivo de minimizar
o impacto de suas atividades em UCs ou o estabelecimento de termos de ajustes de conduta,
através dos quais estas empresas destinam recursos para as unidades de conservação como
mecanismo de compensação ambiental.
O IEF (Instituto Estadual de Florestas), órgão ligado à Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, assina na tarde de hoje um termo de
compromisso ambiental com a Light. O termo irá beneficiar o Parque Estadual
da Pedra Branca com sobrevoos, que irão facilitar fiscalizações, localizar focos
de incêndios, ocupações irregulares, entre outras ações. Será implementado ainda
um sistema de alerta de incêndios florestais em duas torres da Light já existentes
no parque. (...) O termo foi acordado para a que Light possa fazer manutenção
nas bases de suas torres de transmissão no interior do parque e a retirada de
vegetação que possa trazer risco ao funcionamento da mesma. A Light se
comprometerá ainda a plantar duas árvores a cada uma cortada e até o transplante
de espécies notáveis, produzir material educativo e instalar 20 placas indicativas
no parque. (IEF e Light assinam termo de compromisso ambiental 11 out. 2006)
Outra questão polêmica que envolve a Light e a administração do PEPB é a instalação
de rede elétrica dentro do Parque para atender a demanda dos moradores. no território do
PEPB alguma distribuição de energia elétrica. Alguns moradores usufruem deste recurso de
forma regular e legal. Outros o possuem de forma irregular, através do artifício popularmente
chamado de gato. Outros, contudo, simplesmente não possuem energia, vivendo ainda na base
do lampião de querosene. Tais contradições refletem as diferentes interpretações de sucessivas
159
administrações do Parque e da dinâmica do relacionamento entre as instituições envolvidas ao
longo do tempo. A aquisição de energia elétrica, regularizada por parte de alguns moradores,
foi conseguida através de procedimentos comuns de solicitação à companhia elétrica que
instalava o posteamento e a fiação normalmente no território do parque, sem levar em
consideração tratar-se de área sob a tutela do Estado, requerendo, portanto, autorização especial.
No caso da comunidade denominada Monte da Paz, estabelecida na localidade da sede do
PEPB, foi o próprio administrador do Parque quem indicou os caminhos para a regularização da
energia, às famílias de cerca de cento e vinte casas que já fazia uso de energia clandestina.
Segundo o depoimento do ex-gestor do PEPB, Marcelo Soares, essa tarefa não foi fácil.
Houve um difícil trabalho de convencimento de instâncias superiores e também muitas críticas
por parte de outros atores da área ambiental que acreditavam que com a instalação da energia
elétrica, a Comunidade iria crescer. Seu ponto de vista era que tal população estava
consolidada e tinha uma relação de cooperação com a administração do Parque. Na entrada da
localidade havia um emaranhado de fios que poderia ocasionar incêndios, além de já ter, no ano
de 2000, causado a morte de uma pessoa. As subsequentes administrações adotaram um
posicionamento bastante distinto, considerando que a Light não poderia instalar energia elétrica
para as residências que estão (mas não deveriam estar) em uma unidade de conservação
integral
125
. Na última gestão do IEF, esta continuou sendo uma demanda de moradores que foi
inclusive levantada nas primeiras reuniões de formação do conselho consultivo do PEPB. A
diretora da DCN neste período, embora sensível a esta demanda, ainda o tinha muita clareza
de como solucionar a questão e admitiu que havia varias UCs em que este problema ocorria.
A partir do segundo semestre de 2008, contudo, este quadro de indefinição quanto à
eletrificação das moradias em UCs de proteção integral, avançou a partir de acordo entre a
LIGHT e o IEF, que contemplava a possibilidade de instalação de energia para seus residentes,
desde que fossem respeitadas determinadas normas técnicas (sistema monofásico e utilização de
fios protegidos, a fim de evitar a morte de animais). Ainda que o reconhecimento institucional
deste direito dos moradores possa ser considerado uma vitória, os caminhos burocráticos para a
sua conquista não são claros e dependem de avaliação caso a caso.
125
Vide anexo 3: documento do IEF negando autorização para instalação de energia elétrica na residência de um
morador do PEPB.
160
Para os moradores que conseguiram regularizar o fornecimento de energia elétrica,
como aqueles da Comunidade Monte da Paz, a conta de luz representou uma espécie de
passagem para a cidadania, embora tutelada pela agência ambiental. Esta cidadania traduz-se
primeiramente pelo próprio benefício que na atualidade é um item básico de desenvolvimento
social, depois, pela “aquisição de um endereço” (as ruas foram nomeadas e as casas numeradas
para a instalação da energia), além do mais, trata-se de um documento que comprova agora e no
tempo futuro a permanência no local, legitima o número de construções de cada família, pelo
número de relógios instalados. Trata-se neste sentido de importante elemento de territorialidade,
no sentido usado por Almeida (2006, p 24) como fator de identificação sobre uma base física,
assim como de sua apropriação.
Alguns moradores, tais como o Seu Arnaldo, pequeno produtor do Rio da Prata,
insistem em reivindicar a energia elétrica para o seu sítio, alegando que o Presidente da
República garantiu luz para todos (em referência ao programa do governo federal que busca
estender o acesso da população rural à energia elétrica). Observa-se neste caso, a compreensão
por parte deste morador do direito à energia elétrica como um direito mais amplo; de toda a
nação, que deve se sobrepor à lei ambiental estadual restrita ao território do Parque.
FOTO 5
Relógio de energia elétrica na Comunidade Monte da Paz, localizada ao lado da
sede do PEPB, na localidade do Pau da Fome
. Uma das marcas da presença
dos seus moradores no território do Parque.
161
3.5 - Um Rio de Florestas: O Projeto Floresta da Pedra Branca (1991/1992)
As primeiras medidas institucionais realmente significativas para a implantação do
Parque Estadual da Pedra Branca datam de 1991, quando o Projeto Floresta da Pedra Branca foi
elaborado pela Secretaria Extraordinária de Programas Especiais SEEPE e Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Projetos Especiais SEMAM, e executado pelo IEF. Em relatório de
1991/1992, assim é justificada a sua relevância política:
“O Projeto FLORESTA DA PEDRA BRANCA
126
surge em
atendimento à determinação do Professor DARCY RIBEIRO, de
selecionar uma área em nosso Estado que apresentasse um conjunto
de características ambientais e culturais que a fizesse merecedora de
atenção especial por parte desta Secretaria Extraordinária.”
Darcy Ribeiro, quando ocupava o cargo de secretário extraordinário de projetos
especiais do Rio de Janeiro durante Governo Leonel Brizola, em 1991, implantou o Projeto
Floresta da Pedra Branca, que deveria ter grande parte de suas iniciativas concluídas para a
realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ECO
– 92, sediada na própria cidade do Rio de Janeiro.
Aqui temos então um político de projeção nacional, como foi Darcy Ribeiro,
intelectual, antropólogo, com características e tradição de militância, um dos fundadores (junto
com Leonel Brizola) do Partido Democrático Trabalhista o PDT, desenvolvendo um projeto na
área ambiental. Ao que parece este projeto concebido por Darcy Ribeiro deve-se ao quadro de
oportunidade política trazida pela ECO-92, propício à realização de atividades nesta área e que
pudessem capitalizar prestígio, frente a outras esferas do poder blico e organismos
internacionais ao Governo estadual de Leonel Brizola. Contudo, outras reflexões podem ser
feitas sobre os efeitos destes dois personagens no âmbito das políticas ambientais. É preciso
lembrar que a primeira gestão do governador Leonel Brizola (1983-1987) foi marcada por
decisivo apoio a políticas de assentamentos rurais, o que pode ter gerado uma conjuntura
desfavorável para qualquer tipo de iniciativa de remoção dos habitantes do Parque, neste
período. Assim, se por um lado, se faz referência à ausência de medidas institucionais para a
126
Destaque das palavras existente no texto original.
162
efetiva implantação do PEPB, nos anos 80, de outro, também é preciso pensar porque a despeito
das incertezas e restrições legais impostas pela legislação ambiental aos residentes do PEPB,
eles têm permanecido ao longo do tempo, em seu território original. Além disso, chama atenção
para a necessidade de se avaliar como os projetos ambientais são apresentados e legitimados
frente à sociedade e aos seus respectivos governos. No caso do Projeto Floresta da Pedra
Branca, elaborado na segunda gestão do Governo Brizola, por exemplo, é possível observar que
ainda que este tenha sido concebido a partir de princípios gerais de implantação de parques;
construção de centros de visitação, trilhas, programação visual, etc... Darcy Ribeiro buscou
construir uma imagem para o PEPB, incorporando em inúmeros detalhes a história social da
cidade do Rio de Janeiro e do modo de vida dos tradicionais habitantes do maciço da Pedra
Branca. De alguma forma, os processos de lutas sociais que resultaram na conquista de direitos
sociais da Constituição de 88 se fazem presentes neste olhar de Darcy sobre o PEPB. No folder,
ao divulgar outras iniciativas do projeto, há referência às iniciativas de conservação da natureza
no litoral do Estado, aliadas ao respeito ao modo de vida das populações locais:
“De Parati ao norte do Estado, foram preservados com o tombamento, trechos de
floresta Atlântica, praias recônditas que ficam ao sopé, as ilhas próximas, as
pontas e os costões rochosos. Em toda essa região foram preservadas também as
tradicionais aldeias de pescadores que convivem simbioticamente com os
ecossistemas, na naturalidade de sua vida simples(Folder Um Rio de Florestas
1991/1992)
É curioso que o projeto usa em seu título o termo floresta ao invés de parque, talvez
pelo fato do projeto ter como iniciativa central a construção de um horto e estabelecer uma
relação de afinidade com as políticas históricas de reflorestamento da Floresta da Tijuca
127
,
também localizada na cidade do Rio de Janeiro (veja o folder na página seguinte)
128
. O Major
Archer, que fora no Império, responsável pela coordenação do reflorestamento da Tijuca, retirou
as mudas necessárias da sua fazenda, no maciço da Pedra Branca, reforçando ainda mais ainda
os apelos simbólicos evocados no projeto de Darcy Ribeiro:
127
Embora tenha sido transformada em parque em 1961, a historicidade do título Floresta da Tijuca impediu que a
denominação parque emplacasse.
128
Folder UM RIO DE FLORESTAS, IEF, 1991-1992.
163
“Recriar a Floresta de essências raras que outrora existia no maciço da Pedra
Branca. Nas sementeiras do Viveiro da Floresta localizado na Colônia Juliano
Moreira, inicia-se a produção anual de 1,5 milhão de mudas das árvores que
serão plantadas no reflorestamento do maciço: Pau-Brasil, Aroeira, Jacarandá,
Gonçalo-Alves e outras. (...) Pretendia resgatar essa nobre linha histórica que, no
passado, permitiu experiências como o trabalho pioneiro do Major Archer, na
Floresta da Tijuca”. (disponível em
http://www.fundar.org.br/darcy_meioambiente_ pedrabranca.htm)
Sobre o uso do termo parque ou floresta, algumas observações devem ser feitas.
Muito embora o Parque Nacional da Tijuca tenha sido criado em 1961, este título nunca foi
reconhecido pela população carioca que se refere a este, até hoje, como Floresta da Tijuca,
denominação atribuída desde as primeiras ações de reflorestamento em 1861. Menezes (2007)
129
destaca que o termo Floresta da Tijuca inicialmente correspondia a uma unidade administrativa,
que se diferenciava da Floresta das Paineiras ou do Andaraí localizadas próximas a ela e sequer
possuía vegetação, era denominada floresta enquanto esta ainda era um projeto em fase de
implantação:
“Também é interessante a passagem do romance ‘Sonhos d'Ouro’, de José de
Alencar, publicado em 1872, na qual podemos ver claramente que o termo
Floresta da Tijuca sequer designava uma porção de selva existente, mas sim uma
mata a plantar: "lembrou-se o moço de subir até a Floresta, um dos mais lindos
sítios da Tijuca. O nome pomposo do lugar não é por hora mais do que uma
promessa; quando, porém, crescerem as mudas de árvores de lei, que a paciência
e inteligente esforço do engenheiro Archer têm alinhado aos milhares pelas
encostas, uma selva frondosa cobrirá o largo dorso da montanha onde nascem os
ricos mananciais." (MENEZES 2007)
Posteriormente, com o crescimento da vegetação, formou-se uma unidade verde, explica
Menezes, junto com todo o conjunto de diferentes florestas: Gávea, Andaraí, dos Ciganos e
Sumaré passou a ser denominado pela população carioca como Floresta da Tijuca. Barreto
Filho (2004, p.56), neste sentido, ao refletir sobre a formação das políticas ambientais no Brasil,
desde o período imperial, conclui que a árvore é o elemento a unificar as distintas propostas de
criação de espaços territoriais especialmente protegidos e a serem dirigidos pelo Poder Público
129
MENEZES, Pedro da Cunha e. Floresta da Tijuca: um resgate do nome imposto pela história. O ECO, 09 abr.
2007. Disponível em:< http://www.oeco.com.br/pedro-da-cunha-e-menezes/46-pedro-da-cunha-e-menezes/17043-
oeco_21518 >. Acesso em: 09 jan. 2008.
164
em prol do bem comum, sejam as florestas protetoras, sejam as reservas florestais, sejam os
parques nacionais. No inicio do século XX, afirma o autor, existia uma pluralidade de categorias
de espaços florestados protegidos com diferentes finalidades: florestas nativas, florestas
protetoras, reservas florestais, hortos florestais,... Somente em 1921, com a criação do Serviço
Florestal, é que o termo parque nacional surge pela primeira vez em um dispositivo legal. Assim
conclui o autor, a árvore foi o primeiro e mais poderoso elemento da natureza capaz de acionar
os ideais da conservação, seja para fins econômicos do uso da madeira, utilitários e ecológicos
como parte da proteção dos mananciais e de fruição da natureza e integração social,
possibilitando áreas de clima ameno e agradável... Também o termo educação florestal antecede
o termo educação ambiental. Dessa forma, o termo floresta antecede o termo parque e apesar de
abrigar ou comunicar uma gama de significados mais ampla do que a categoria parque, pode-se
dizer que a floresta é a representação imagética mais evidente dos parques.
Voltando ao PEPB, Darcy, segundo Marcelo Soares, ex-administrador do PEPB
(entrevista realizada em 13 jan. 2006), pretendia construir uma sede na zona Oeste e também
um horto, na Fazenda Independência, antiga residência do Major Archer. A idéia era que a
reativação do horto e a restauração da residência desta figura histórica poderiam trazer não
apenas estímulo e visibilidade à iniciativa de reflorestamento como também promover o turismo
local e a preservação da área a partir do resgate da história.
FIGURA 5
Casa da Fazenda Independência, de propriedade do Major Manuel Gomes Archer (1821-
1905). Ilustrada por Armando Magalhães Corrêa em O Sertão Carioca (1936, p. 203).
165
FOTO 6
Sede da Fazenda Independência, em 1986. (cedida por Zuleika Moreira)
Entretanto, ao visitar o local, Darcy se decepcionou com a precariedade das instalações
existentes e seu estado de degradação. Segundo o relatório do projeto com data 1991/1992, a
aquisição da Fazenda Independência constava como uma prioridade do projeto, mas a cessão
130
de terras nas encostas de Jacarepaguá pelo IBAMA( na localidade do Pau da Fome) e o
interesse da Diretoria da Colônia Juliano Moreira
131
em participar do projeto, mudou os rumos
do planejamento. A partir daí, optou-se pela construção do horto na região da Colônia Juliano
Moreira e, a sede no Pau da Fome. As regiões Norte e Oeste do PEPB continuaram, segundo
este ex-administrador, abandonadas.
130
Não obtive maiores detalhes sobre as condições legais desta cessão.
131
A Colônia Juliano Moreira foi uma instituição criada na cidade do Rio de Janeiro, na primeira metade do século
XX, destinada a abrigar pacientes psiquiátricos e outros. desativada, seu território originalmente pertencente à
União foi desmembrado em cinco setores: O setor 1 foi destinado a Fiocruz, o setor 2, à Secretaria Municipal de
Saúde, o setor 3, à Secretaria Municipal de Habitação e corresponde a uma área densamente ocupada, o setor 4 é
uma área do Exército e o setor 5 pertence à FUNASA. As áreas do setor 1 pertencentes à Fiocruz acima da cota
100m, fazem parte do PEPB e estão sob a tutela do IEF.
166
Apesar de não ser implementada naquele momento, buscou-se um novo local que
pudesse abrigar uma sede na outra face do Parque, resgatando a antiga idéia de Darcy Ribeiro,
de revitalização do Parque em sua totalidade e, consequente integração das suas diferentes
regiões. A escolha recaiu sobre a bacia do Piraquara, no bairro de Realengo, devido à relevância
ecológica do local e seu potencial turístico. Apesar de estar em construção em 2006
132
, o
mesmo informante citado, à época, acreditava que seria muito difícil sua viabilidade sem uma
parceria conjunta com outras entidades tais como o Batalhão Florestal, a Guarda Florestal,
ONGs e associações de moradores, devido ao tipo de ocupação que vem ocorrendo nos limites
do Parque e seu entorno, inclusive com a presença de tráfico e elevado índice de violência.
O Projeto Floresta da Pedra Branca, a partir da redefinição dos locais de construção de
benfeitorias, estabeleceu as seguintes prioridades:
- a portada
133
do Pau da Fome;
- um viveiro ou centro de produção de mudas na Colônia Juliano Moreira;
- a aquisição de muares como meio de transporte no interior das áreas do maciço;
- ações de reflorestamento, enriquecimento florestal, agrosilvicultura;
- programação visual;
- programa comunidade;
- planejamento e execução de exposição Um Rio de Florestas, apresentada durante a Rio-92.
A portada do Pau da Fome previa a construção da sede administrativa que marcasse a
presença do Estado na região e que servisse de apoio à fiscalização. Deveria funcionar também
como polo de difusão de educação ambiental e referência turística, além de serviços de melhoria
dos caminhos e recantos situados nessa entrada. O projeto da obra era de autoria do arquiteto
autodidata Zanine Caldas, conhecido pelo seu domínio em técnicas de construção em madeira.
Segundo Bontempo, esta obra foi motivo de grande contrariedade para a equipe do IEF, uma
vez que, toda a madeira utilizada na sede era proveniente de desmatamento.
132
MACHADO, 2006. Parque Estadual da Pedra Branca completa 32 anos. Disponível em:
http://www.denisemachado.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=972. Acesso em: 12 jan. 2007.
133
Portal, pórtico, fachada principal.
167
FOTO 7
Sede do PEPB na localidade do Pau da Fome. Foto da casa construída
por Zanine Caldas e que em 2004 tornou-se centro de exposições
“A gente teve que acatar aquilo ali feito daquela forma, para a Rio
92. Você iria levar estrangeiros para lá. Como é que vo iria
justificar um parque, uma unidade de conservação com uma casa
feita de madeira tirada da Amazônia. Não fazia o menor sentido.”
Zanine era um nome internacionalmente reconhecido pelo uso e a reinterpretação de
tradições artesanais regionais e empenhava-se em integrar seus projetos à topografia natural dos
terrenos. A citação acima sugere que, se por uma lado a temática ambiental e sua crescente
projeção social justificavam a utilização de uma arquitetura alternativa, avaliada como
ecologicamente adequada para um parque, de outro, os tomadores de decisão do governo
estadual, diferentemente do quadro técnico do IEF, ainda não haviam incorporado uma
consciência ambientalmente crítica sobre a origem da madeira utilizada.
Este incidente demonstra que o julgamento sobre os comportamentos danosos ou, ao contrário,
ambientalmente corretos, não são estabelecidos a partir de critérios fixos e invariáveis, mas a
168
partir do que Lopes (2005, p. 27) define como processos de desnaturalização e naturalização de
condutas individuais e coletivas. Em outras palavras, primeiro se o estranhamento, a crítica e
a reformulação de concepções e práticas descobertas como danosas ao meio ambiente (como foi
a reelaboração das técnicas de arquitetura empregadas na sede e da procedência da madeira por
parte dos funcionários do IEF). Em seguida, dá-se a naturalização ou a interiorização dos novos
valores e comportamentos, definidos por Lopes como ambientalização da vida social.
A sede do Parque passou a materializar de forma clara a presença institucional do IEF
e a demarcar no espaço a existência do PEPB, até então percebido apenas pela existência de
uma corrente, herança ou marca do controle de outras institucionalidades sobre este território
(fiscalização da represa, das matas da União). A população vizinha à sede, autodenominada
Comunidade Monte da Paz passou a sofrer desde então um tipo de controle e imposição de
condutas que a administração do Parque gostaria de impor a todas as demais. Como isso não é
possível, dada a precariedade de recursos humanos e materiais, a presença institucional do IEF é
sentida de forma muito mais intensa nesta localidade. Quanto mais longe da sede administrativa
do PEPB, mais desconhecida é a existência do Parque. Na estrada da Toca Grande em Vargem
Grande transeuntes desconhecem que ali é território do Parque e são inúmeras as placas de
vende-se. Também na Estrada das Tachas, moradores oferecem terrenos livremente a quem
passeia por lá, como pude vivenciar certa vez. A existência do Parque não impede a
transferência de titularidade dos imóveis, mas os compradores desavisados nem sempre sabem
que, pela Legislação Ambiental, é vedada a construção de novas benfeitorias, além daquelas
previamente existentes no ato de criação de uma UC de proteção integral.
A implantação do viveiro ou horto foi iniciada em junho de 1992, com o preparo e
cercamento do terreno, a construção de canteiros e a construção da sede administrativa e técnica
do horto, em dezembro do mesmo ano, com área total de 50.000 m2 e com capacidade
produtiva de 1.500.000 mudas por ano. No próprio relatório, há menção à dificuldade de
recursos humanos no IEF para viabilizar as atividades do horto. O documento apresenta duas
alternativas para a continuidade do projeto: um convênio ou cooperação técnica com instituições
afins ou ONGs interessadas ou a contratação de firmas especializadas.
De acordo com Bontempo, apesar do projeto do horto ser muito bem construído, pelo
engenheiro florestal Paulo Schiavo, uma série de entraves políticos impediu o horto de funcionar
169
plenamente. Além do mais, posteriormente, foram verificadas falhas na construção da sede
administrativa, que começou a se deteriorar rapidamente. O eucalipto utilizado no piso ainda
estava verde e trabalhou, fazendo com que houvesse falhas de até três dedos entre uma tora e
outra, comprometendo a segurança dos equipamentos existentes ali.
Outra idéia de Darcy Ribeiro, na qual fica evidente a criatividade e a sensibilidade
antropológica deste político, foi a construção de uma imagem institucional do Parque inspirada
no resgate da história social do maciço a partir dos tipos humanos tradicionais da zona Oeste do
Rio de Janeiro, tais como o bananeiro, o cesteiro, o tamanqueiro e cabeiro, dentre outros, tão
bem retratados pelo cronista Magalhães Corrêa, na obra O Sertão Carioca. Para este fim, Darcy
Ribeiro solicitou a aquisição de mulas para estimular atividades de ecoturismo em consonância
com resgate das tradições do modo de vida das populações da região. Também no projeto de
elaboração da programação visual do Parque desenhos de fachadas ou placas de madeira,
com referência aos aquedutos existentes no maciço da Pedra Branca, suas águas e novamente os
animais de transporte (veja na página seguinte)
134
.
Segundo Carlos Bontempo, que participou da equipe técnica de elaboração do projeto,
vinte mulas chegaram a ser compradas em Vitória da Conquista (BA), foram para o batalhão de
polícia montada da PM, onde foram amansadas, mas nunca chegaram a ser usadas. Um
caminhão foi comprado para o transporte das mulas do batalhão ao Parque, mas o veículo nunca
foi visto e as mulas não chegaram a ser usadas. Darcy Ribeiro ainda pretendia colocar o então
presidente americano George Bush para subir o Pico da Pedra Branca, montado em uma
mula. Bontempo, neste sentido, lembra que esta parceria com o professor criava situações de
difícil solução, uma vez que ele tinha idéias fantásticas e alucinadas que iam da perfeição à
loucura. Ao justificar o uso das mulas, o relatório explica:
“Num primeiro momento essa escolha pode parecer inusitada, mas na
verdade trata-se apenas de revalorizar uma força de trabalho que é
tradicional e inerente à cultura rural de nosso país”. (SEEPE;
SEMAM; IEF. Floresta da Pedra Branca: Relatório 1991/92)
134
Programação visual elaborada à época do Projeto Floresta da Pedra Branca 1991/1992.
170
FOTO 8
Mulas compradas para o transporte de visitantes e fiscalização no PEPB. PROJETO
FLORESTA DA PEDRA BRANCA, 1991/92.
De acordo com este documento, as mulas foram adquiridas em maio de 1992. Estavam
sob a guarda do Regimento de Polícia Montada Enir Coni dos Santos, no Bairro de Campo
Grande, com previsão de serem transferidas para os antigos estábulos localizados na Colônia
Juliano Moreira, a fim de estabelecer um posto de vigilância avançada comum à área federal e
estadual.
As atividades de reflorestamento, enriquecimento florestal e agrosilvicultura eram
apresentadas no relatório como três frentes integradas de trabalho com a finalidade de
recomposição da Mata Atlântica
135
, através de restauração de áreas degradadas, reinserção de
espécies florestais nativas e a combinação de culturas comerciais com o plantio de espécies
florestais, a fim de reduzir a utilização de áreas de cultivo extensivo.
O sistema agroflorestal funcionaria da seguinte maneira: o produtor de banana pegaria
parte de sua plantação e limparia o terreno. Em seguida, seria feito um reflorestamento com
espécies nativas de árvores de médio porte acima de dois metros de altura. Um ano depois seria
135
Sobre uma reflexão antropológica a respeito da construção social deste termo, ver Castro (2008).
171
inserido o cultivo do palmito e, assim que iniciasse a produção, a banana seria progressivamente
retirada a médio e longo prazo. Os técnicos ambientais argumentavam, a partir de
levantamentos econômicos, que a área necessária para o palmito Jussara seria bem menor do
que aquela utilizada pelos produtores para o cultivo da banana. Outros cultivos tais como a
pupunha poderiam ser utilizados.
Essas práticas estão relacionadas àquilo que os técnicos definem como manejo das
áreas protegidas. A retirada de plantas classificadas como exóticas tem sido um dos principais
objetivos das ações de manejo dos agentes ambientais, que geram, contudo, um profundo
embate entre as concepções das populações a respeito das plantas e do mato e seus respectivos
usos e olhar científico dos agentes (PRADO; CATÃO, 2008).
Bontempo salienta que apesar da relevância das ações ligadas a agrosilvicultura, estas
não foram adiante novamente por falta de continuidade política. Sem dúvida esta é também
uma das razões apontadas pelos próprios agricultores, conforme será tratado no capitulo 5, para
não confiar neste tipo de proposta feita pelo Estado.
3.6 - A revitalização do Parque Estadual da Pedra Branca (2001/2006)
“O presidente do IEF - Instituto Estadual de Florestas, Maurício Lobo, reuniu-se,
na terça-feira (11/2), com técnicos da Gerência de Patrimônio e Meio Ambiente
da Fundação Roberto Marinho para acertar a continuação do Projeto de
Revitalização do Parque Estadual da Pedra Branca, iniciado em agosto de 2001.
(...) Localizado na Zona Oeste do Rio, o parque vai ganhar nos próximos meses
nova sede, sinalização, espaço multiuso e banheiros públicos, além de um centro
de visitação interativo com exposição permanente, que vai funcionar no prédio
da antiga sede, cujo projeto arquitetônico é de autoria do mestre José Zanine
Caldas.” (ECOVIAGEM, 19 fev. 2003).
136
Em agosto de 2001, durante o Governo de Anthony Garotinho, inicia-se um projeto de
revitalização do PEPB, em uma iniciativa conjunta do IEF, a Fundação Roberto Marinho e a
136
Estado retoma revitalização do Parque Estadual da Pedra Branca. Ecoviagem, 19 fev. 2003. Disponível em:
http://www.ecoviagem.com.br/fique-por-dentro/noticias/ambiente/areas-preservadas/estado-retoma-revitalizacao-
do-parque-estadual-da-pedra-branca-rj-2115.asp
172
WWF
137
. Segundo a revista Rio Florestal, uma publicação desta Instituição durante a gestão de
Maurício Lobo (o primeiro número foi publicado em dez. de 2005), o conjunto de ações do IEF
e de diferentes parceiros tinham como objetivo fazer da Pedra Branca um parque à altura de
ostentar o tulo de maior floresta urbana do mundo (IEF, 2005, p. 16). Fica evidente, então, a
mudança de perspectiva em relação ao tamanho do Parque, que por ocasião do Projeto Um Rio
de Florestas, em 1991, buscava inspiração nas realizações históricas feitas na Floresta da Tijuca
que era então considerada a maior floresta, inclusive pelo próprio IEF, como pode ser observado
no folder do projeto idealizado por Darcy Ribeiro. Assim, é na gestão de Maurício Lobo que
este título é consolidado e a partir dele, esta gestão busca capitalizar prestígio e promover as
ações do IEF (veja na página seguinte)
138
139
. O PEPB também é o foco da dissertação de
mestrado em Engenharia Ambiental (UERJ, 2005) de Lobo sobre o tema da chuva ácida,
sugerindo, portanto, um especial interesse em relação a esta UC. Sobre a administração deste
período deve-se destacar também que foi marcada pelo aporte de recursos, inicialmente
previstos na gestão de André Ilha, mas efetivamente disponibilizados durante a permanência de
Maurício Lobo na presidência do IEF.
As seguintes ações foram implementadas no Projeto de Revitalização da Pedra Branca:
melhorias na sede, localizada na região do Pau da Fome em Jacarepaguá
construção da subsede na região do Camorim,
Prevenção e controle aos incêndios florestais,
vigilância comunitária,
comunidade sustentável,
divulgação institucional.
Tanto a sede localizada em Pau da Fome, quanto a subsede do Camorim sofreram as
intervenções previstas e foram inauguradas no fim do ano de 2003. De acordo com alguns
membros da Ong GRUDE (Grupo de Defesa Ecológica), diversas sugestões de localização do
137
A reforma da sede e da subsede do Parque Estadual da Pedra Branca foi patrocinada pela Eletrobolt – Sociedade
Fluminense de Energia Ltda, através de medida compensatória e, gerenciada pela Fundação Roberto Marinho.
138
REVISTA RIO FLORESTAL, 2005: IEF/RJ preservando a maior floresta urbana do mundo.
139
FOLDER DO PEPB elaborado durante a gestão de Maurício Lobo.
173
posto de fiscalização da subsede e reestruturação do local não foram consideradas, fazendo com
que a entrada clandestina nesta localidade continuasse ocorrendo com intensidade.
A colocação de placas indicativas do acesso ao Parque e referentes aos seus limites foi
intensificada no ano de 2005 e neste mesmo ano, inaugurado o portal (posto de fiscalização) do
Rio da Prata, no bairro de Campo Grande. Segundo a administradora do PEPB, em debate no I
Encontro Interdisciplinar de Ecoturismo em Unidades de Conservação
140
, sua gestão tinha como
metas futuras, instalar novos portais na área de Piraquara, Vargem Grande e Vargem Pequena.
Quanto ao plano de manejo documento que determina o zoneamento de uma unidade de
conservação e seus usos específicos foi, segundo ela, elaborado e entregue para aprovação do
IEF em 2002/2003, contudo, algumas falhas no diagnóstico ambiental da área não permitiram
sua aprovação. A diretora da unidade, em referência a essa demora, salientou os riscos que
envolvem a aprovação apressada de um documento que mais tarde possa não atender as
necessidades do Parque por falta de adequação ao seu perfil. Em 2008, sob nova
administração, a justificativa para a demora na apresentação do documento, deixou de ser
apoiada exclusivamente sobre princípios científicos da conservação, para se apoiar na possível
falha do documento, elaborado na gestão anterior, a respeito dos usos sociais efetivos
estabelecidos no maciço. Assim, a diretora da DCN, salientou que o IEF ainda estava avaliando
o documento e que após esta fase, ele deveria ser apresentado ao conselho consultivo do Parque.
3.6-1 - Vigilância Comunitária e Prevenção e Controle aos Incêndios Florestais
Quanto ao item vigilância comunitária, foram previstas as seguintes ações: capacitação
de mão-de-obra selecionada entre moradores das comunidades do entorno no sentido de formar
um grupo de pessoas para vigiar possíveis impactos ao Parque, como, por exemplo, a caça e
coleta predatória de espécimes da flora nativa, o banho de cachoeira, a prevenção de incêndios
através da realização de aceiros (autorizados pelo IEF) ou controle de incêndios com abafadores
e manutenção de trilhas.
140
I EcoUC, UERJ, 3-7 out. 2005.
174
55 jovens moradores de Jacarepaguá, zona Oeste do Rio de Janeiro, recebem
diploma de guardiões do Parque Estadual Pedra Branca, pelo projeto de
revitalização do parque, uma parceria com Fundação Roberto Marinho,
Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF), Grupo de Defesa Ecológica
(Grude), SOS Pedra Branca e WWF-Brasil. (WWF, 2002)
141
De imediato, a denominação do subprojeto chama atenção para o caráter fiscalizatório das
atividades, sugerindo que a possibilidade de integração, de participação ou aquisição de
oportunidades de renda pelos habitantes do Parque ou do seu entorno, se pela reprodução de
ações de vigilância dos agentes ambientais a serem exercidas pelos próprios moradores aos seus
iguais ou aos outsiders. Esta postura confirma a crítica socioambientalista feita ao longo do
período de debates sobre a elaboração do SNUC (SANTILLI, 2005, p.115) que afirma que as
unidades de conservação integral além de serem concebidas de forma autoritária, não estão
situadas em um processo mais amplo de promoção social e econômica das comunidades
envolvidas. Estas passam a ser encaradas com desconfiança e ameaça permanente aos
objetivos da unidade, o que diante das circunstâncias acaba se transformando em uma verdade
e impedindo a longo prazo a efetiva conservação dessas áreas. O registro das atividades de
campo dos guardiões revela a presença constante de passarinheiros
142
com gaiolas e alçapões e
o eventual encontro com caçadores. A presença constante de cobras, nos relatórios do grupo,
sempre era ressaltada para reivindicar a necessidade de botinas para os guardiões, além de
uniformes. Estes documentos revelam também o conflito com os funcionários do campus
Fiocruz/Farmanguinhos instalado na região da Colônia, que dificultavam seu acesso ao
Parque.
143
Os guardiões recebiam uma bolsa para a realização das tarefas do projeto, repassadas
pela ONG GRUDE (de acordo com dados do diário de campo) que, em parceria com a
Associação SOS Pedra Branca, sob a liderança de Adilson Lacerda realizava as atividades
141
Disponível em:
http://www.wwf.org.br/wwf_brasil/wwf_brasil/dez_anos_wwf_brasil/linha_tempo_dez_anos/2002.cfm
142
Caçadores de pássaros.
143
Na localidade chamada Colônia uma sobreposição institucional. Este território é controlado pela Instituição
Federal Fiocruz/Farmanguinhos, embora ali esteja localizado o horto do PEPB, construído por iniciativa de Darcy
Ribeiro. Além disso, as terras acima da cota altimétrica de 100m são consideradas áreas do PEPB e portanto
controladas pelo IEF.
175
diárias. O presidente da SOS Pedra Branca, no entanto, se queixava da ausência de colaboração
para a reposição e manutenção das ferramentas utilizadas pelo grupo e mantidas por esta
organização.
FOTO 9
Membro da Ong GRUDE Luiz Carlos Gomes Couto orientando os participantes do
Projeto Guardiões do Parque para a realização de um aceiro.
Outras atividades de educação ambiental foram realizadas ao longo de 2002 e inicio de
2003, através de parceria entre a ONG GRUDE, Núcleo Maturi Ecologia Social e a WWF.
Segundo um dos seus coordenadores e membro do GRUDE, as oficinas buscavam despertar o
interesse dos jovens pelo Parque e desenvolver uma consciência crítica sobre os balões e outras
formas de impacto do homem sobre a natureza. Além das atividades práticas, havia a realização
de aulas teóricas ligadas ao meio ambiente e algumas matérias do ensino formal, de maneira que
aquele ambiente de interação, debate e aquisição de conhecimentos estimulasse o primeiro
emprego. A avaliação positiva do projeto por este membro do GRUDE era medida pela
mudança de concepção dos alunos sobre os balões, por exemplo, e inúmeras iniciativas
176
espontâneas dos jovens solicitando material e ajuda para a realização de palestras para outros
grupos ou relatando suas ações de monitoramento e combate aos incêndios.
Antes do projeto Guardiões do Parque, o combate aos incêndios vinha sendo realizado
pela Associação SOS Floresta da Pedra Branca fundada em 1997 por Adilson Lacerda, morador
em área do Parque, na localidade da Colônia Juliano Moreira no bairro da Taquara, em parceria
com Marcelo Soares também morador da região e ex-administrador do PEPB. Ambos criaram a
Brigada de Incêndios que, segundo Soares, seria um órgão interno criado e regido pelo Estatuto
da Associação. Com cerca de quinze voluntários buscava realizar ações de educação ambiental e
coibir as queimadas no PEPB. Esta brigada trabalhava em parceria com quatro grupamentos de
bombeiros – de Jacarepaguá, de Campo Grande, da Barra e de Socorro Florestal e Meio
Ambiente, mapeando e fiscalizando as áreas de risco de incêndio. O grupo chegou a criar um
abafador de fogo: uma espécie de vassoura com tiras de borracha na ponta. (Brigada de incêndio
na Pedra Branca. O Globo, Barra 3 dez. 1998, p.8)
144
UM ADMINISTRADOR DIFERENTE
A mobilização de Seu Adilson Lacerda e Marcelo Soares se inserem na tipologia
criada por Castells (1999, p. 2) de engajamento a partir da mobilização em
questões ligadas à vizinhança ou à comunidade local. Uma de suas características
é o posicionamento crítico em relação aos interesses burocráticos ou corporativos.
Foi fazendo frente a duas instituições o IEF e a Fiocruz -
localizadas na
Colônia, onde ambos residiam (Marcelo Soares se mudou), na cobrança de suas
atribuições legais que estes dois atores iniciaram seu engajamento no movimento
ambiental e um novo olhar sobre seu lugar de moradia, a partir da percepção da
existência do PEPB. Marcelo Soares é um profundo conhecedor do território do
Parque e seus diferentes grupos sociais, assim como não também quem não o
conheça. Sua militância ambientalista, como assessor do então deputado Carlos
Minc, o levou a se tornar gestor do Parque no período de 1999 a abril de 2001 e
posteriormente no período de janeiro de 2007 até abril de 2008, quando Minc
144
Vide anexo 5.
177
assumiu a Secretaria de Meio Ambiente. A mesma origem social de muitos dos
moradores do PEPB fez com que Soares adotasse um discurso conciliador e de
negociação com os moradores. Sua primeira gestão foi responsável pela
legalização de energia elétrica à Comunidade Monte da Paz. No entanto, dizem
seus críticos, seu maior defeito é confundir a perspectiva do morador com a da
Instituição. Se por um lado seu modelo de gestão baseado no estabelecimento de
relações personalizadas de confiança e acordo com muitos moradores causou
desentendimentos e críticas frente à Instituição e desta com seus moradores, houve
também inúmeros casos bem sucedidos de apaziguamento e pactos estabelecidos
entre este gestor e as populações do PEPB.
3.6.2 – O projeto Comunidade sustentável
O projeto Comunidade sustentável objetivava proporcionar geração de renda
alternativa para comunidades do entorno. Estavam previstos: oficinas de educação ambiental,
criação de um modelo de gestão e conservação que garantisse a sustentabilidade do Parque e
um cadastro de moradores através de suas respectivas associações. (IEF, 2003). A Ong
GRUDE, em parceria com a WWF e Núcleo Maturi-Ecologia Social realizaram no período de
18 a 21 de agosto de 2002, oficinas de educação ambiental voltadas para associações de
moradores, para crianças e para professores. A partir de 2003, tais atividades não tiveram
continuidade. Diversos fatores podem ser apontados para a fragilidade de tais programas. Além
de serem atividades que exigem parcerias, investimento e trazerem resultado em longo prazo, as
práticas de intervenção social dos mediadores em geral tomam como ponto de partida um
conjunto de valores e condutas pré-estabelecidos que se busca incutir nos indivíduos e pecam
por estabelecer a priori quais são as atividades e os conhecimentos ambientais que
supostamente são necessários para as populações residentes em áreas protegidas, criando um
descompasso entre esquemas interpretativos distintos da realidade. De um lado estão os ideais e
valores apresentados pelos representantes do IEF, de ONGs e demais instituições, considerados
portadores de um discurso autorizado; público; oficial e de outro, os moradores que também
178
produzem perspectivas particulares, nomeações, tanto mais ineficazes em se fazerem reconhecer
ou exercer um efeito propriamente simbólico, quanto menos autorizados estão os seus autores.
(BOURDIEU, 2006). Os moradores em geral querem discutir a temática ambiental inserida em
questões que dizem respeito a sua vida cotidiana: a moradia, os procedimentos para a reforma
da casa, o calçamento, o acesso à energia elétrica, o saneamento, o direito à manutenção de seus
cultivos, etc. Muitas vezes esses assuntos são desautorizados porque, de acordo com os agentes
ambientais, não fazem parte da pauta de discussão da agenda ambiental. Segundo Lopes (2005),
os assuntos ambientais aparecem como transversais e conexos a outras esferas sociais, tais como
saúde, educação, emprego, política agrícola e outros. A desconsideração desses sentidos locais
dos conflitos ambientais consiste em uma tentativa de deslegitimar as reivindicações daqueles
que sofrem o ônus da proteção ambiental. O emprego de técnicas participativas, baseadas em
vivências e atividades de sensibilização tem se transformado em uma espécie de receita de bolo
ou fórmula mágica anunciada como metodologia para alcançar o desenvolvimento social.
Hailey (2007) a este respeito, ao analisar o desempenho de ONGs no Sul da Ásia, afirma que o
bom desempenho de algumas delas deve-se ao investimento de consideráveis recursos em
construir credibilidade e confiança nas comunidades nas quais eles trabalharam two-year
process of walking and talking partindo das representações e questões de seus membros, sem
se importar com técnicas formais ou participativas. Além dessas questões estruturais
relacionadas ao modelo de concepção das UCs e às práticas padronizadas de educação
ambiental, deve-se considerar que tais atividades não constituíam-se na prioridade da gestão de
Maurício Lobo, que pelo contrário, apostou na invisibilidade das populações existentes nas
UCs. Não há referência em nenhum material de divulgação institucional à existência de
populações em áreas de proteção integral, evitando assim a exposição desta contradição legal.
Desta forma, a expressão comunidades do entorno, na verdade diz respeito tanto às
populações que se avizinham ao Parque e exercem pressão sobre esta área protegida, quanto
àquelas que habitam seu território, sobre as quais se deseja realizar o cadastramento e a
construção de modelos de gestão sustentável, conforme explicitado nas metas da revitalização.
179
Contudo, como um parque em tese não pode ser habitado, o termo entorno
145
é um termo
tecnicamente correto que garante a legalidade das ações do projeto e também como resultado a
manutenção da invisibilidade das populações residentes no Parque.
Algumas iniciativas entendidas como atividades de educação ambiental para as
comunidades do PEPB e entorno foram realizadas no ano de 2004 pela administradora do
Parque, em conjunto com uma equipe de pesquisadores geógrafos da UERJ, que desde a década
de 90, vinha realizando pesquisas sobre o PEPB e atividades de extensão com escolas do
entorno. Em reunião, organizada na sede do mesmo, os pesquisadores apresentaram seus
objetivos: avaliar o crescimento populacional do PEPB, desde 1996, quando foi realizado o
primeiro estudo, desenvolver um trabalho de educação ambiental e investigar a questão
fundiária: quem efetivamente tinha a posse da terra, (dito assim de forma indiferente para uma
população que em sua maioria não tem títulos legais de propriedade de suas habitações e sítios e
vive sob ameaça permanente de remoção). Além desses dois objetivos, os pesquisadores
pretendiam também colaborar com o sistema de sinalização do IEF que pretendia colocar cerca
de 100 placas indicativas do PEPB. Os pesquisadores colaborariam, sugerindo os locais de
fixação das mesmas de acordo com os seguintes critérios: acessibilidade, função educacional e
demarcação dos limites do Parque.
Estavam presentes nesta reunião, além dos pesquisadores e da administradora do
PEPB, um representante da associação de moradores do Rio da Prata em Campo Grande, um
morador aposentado próximo à sede que criou uma ONG destinada a cuidar do Parque, um
morador da região da subsede, o Camorim, envolvido em atividades de mobilização pela
melhoria da sua localidade e membros da comunidade contígua à sede A comunidade Monte
da Paz – junto com os representantes da associação de moradores da mesma.
O foco da reunião era claramente destinado às populações residentes no Parque, com a
abordagem de assuntos que diziam respeito a eles, mas com um enfoque que os tratava como
“problemas ambientais ou objetos de políticas ambientais e não como atores envolvidos em
questões socioambientais. Além disso, neste evento ficou claro que este grupo de moradores
145
O projeto criado pela equipe da Plataforma Agroecológica de Farmanguinhos Plantas Medicinais no Entorno do
Parque Estadual da Pedra Branca (sobre o qual falarei no capítulo 5) usou este termo, mas posteriormente
constatou que a grande maioria dos agricultores se encontra no território do Parque. Posteriormente, o termo foi
mantido para não alterar a identidade do projeto encaminhado para diversas instituições e também enquanto
aguardava uma autorização formal do IEF para a realização do projeto.
180
pela sua proximidade à estrutura administrativa do Parque acabava cumprindo um papel
simbólico de representar a participação das demais comunidades residentes no território do
PEPB nas atividades previstas de mobilização comunitária. Soares (2004, p.114) que realizou
estudo sobre os conflitos entre esta população e a administração do Parque destaca que a própria
comunidade residente ao lado da sede do PEPB, embora esteja localizada acima da cota 100m e,
portanto dentro da área do Parque, instalou uma cerca para separar os limites entre o que seria
Parque e o que seria a Comunidade, no sentido de afirmar que Parque é Parque e Comunidade é
Comunidade. A cerca, neste sentido, buscava preservar o caráter privado e relativamente
autônomo do local de moradia, frente ao controle tutelar do Estado e ao uso público, com a
circulação de desconhecidos próxima às casas dos moradores.
Em março de 2004, este mesmo grupo de pesquisadores organizou outra reunião na
sede do Parque para divulgar resultados obtidos na pesquisa sobre o PEPB. Estavam lá: o
educador ambiental do Parque, o ex-administrador Marcelo Soares, um ambientalista que
realiza atividades voluntárias em parques, a representante da associação de moradores do Rio da
Prata e outros atores engajados em atividades ambientais. Neste dia, ninguém da Comunidade
Monte da Paz apareceu na reunião. Curiosamente, não houve então apresentação de dados, nem
atividade formal que aproveitasse as pessoas ali reunidas, sugerindo, portanto, que o público a
quem a reunião se destinava eram as populações do Parque, representadas pela Comunidade
Monte da Paz. Como esta não compareceu, o encontro resumiu-se à entrega de folders
elaborados pelos pesquisadores e a troca de experiências em pequenos grupos informais.
No fim da reunião, fui à casa da presidente da associação de moradores que alegou não
ter sido avisada, mas concluiu: o que eles estão fazendo não diz muita coisa para a gente. Neste
mesmo dia a associação de moradores estava organizando uma vaca atolada
146
para arrecadar
fundos para consertar o calçamento da entrada da comunidade e a presidente então explica:
“não pode fazer, mas vamos comprar o material”. De um lado, esta situação revela o embate de
representações entre o que concebido como educação ambiental boa e necessária para as
populações dos parques e o que elas entendem como questão ambiental. Diante da
impossibilidade de negociação sobre a necessidade de pavimentação do trecho inicial da
146
Prato culinário feito com carne e aipim cozido.
181
comunidade, o grupo de moradores optou pela ação clandestina coletiva. De acordo com as
palavras de um morador:
Já percebi que se falar com a administradora com educação, ela não deixa fazer,
tem que ser na marra. (morador da Comunidade Monte da Paz. mar. 2004)
Para Scott (1987, p.318), a maioria das ações de luta dos dominados não busca
necessariamente transformar o sistema de dominação, mas sim sobreviver nele. Para tal
objetivo, valem tanto estratégias coletivas de resistência, como o boicote ou a solidariedade de
classe, quanto ações individuais e descentralizadas. No caso aqui estudado, as estratégias
coletivas de luta são acionadas primordialmente para vencer a proibição relativa aos
melhoramentos de infra-estrutura urbana, como o calçamento de vielas do local, a construção da
ponte, e a instalação da energia elétrica. Nestes momentos, a população local se posiciona
frente à administração do Parque como uma coletividade, dificultando a aplicação de multas
pelo órgão fiscalizador. Este tipo de ação coloca em xeque o poder dos dominantes abrindo
possibilidades de negociação. É a constatação da inevitabilidade de certas imposições e o limite
do que pode ser considerado justo (SCOTT, 1987), sob à ótica dos grupos subordinados que
determina três aspectos da relação entre os gestores e as populações do PEPB, a possibilidade
de negociação, a resistência e a manifestação aberta de conflito.
3.6.3 - A divulgação Institucional
O projeto de revitalização do PEPB, sobretudo, durante a gestão do presidente
Mauricio Lobo, concentrou suas ações na divulgação institucional com a produção de material
informativo, tais como: cartilhas, revistas, materiais destinados à educação ambiental, além de
placas de sinalização e demarcação do território do Parque. A construção de postos de
fiscalização e reforma da sede e subsede também podem ser consideradas ações que reforçam a
imagem do Parque e da Instituição que controla a UC.
182
Sobre as placas
147
, a gestora durante o período 2003-2006 ressalta a importância deste
instrumento para tornar visível a existência do PEPB para a população e destaca seu empenho
pessoal, na colocação das mesmas por ela classificado como um projeto de gestão marcado pela
responsabilidade.
“eu penso o seguinte: a gente tem que ter um projeto de gestão. Por isso que eu
falo que não é só administrar. Quando eu cheguei aqui, eu falei e agora?
Processo para fazer, vistoria, fiscalização, público para atender, Ministério
Público para atender... eu tenho que dizer alguma coisa, o que eu quero para esse
Parque. Aí, de repente eu pensei: vamos fazer placas. O IEF não tinha um
padrão. Tinha, mas não estava aprovado. eu tinha um funcionário aqui que
estava trabalhando comigo, que agora foi para uma Ong e gostava de trabalhar
com criação, e fomos criando os modelos. Não era função da administração. Eu
poderia simplesmente ... sugiro que sejam feitas placas ..., mas eu fui criando
situações e, modéstia à parte, acho que a idéia foi boa e tive apoio da minha
diretora e do Presidente.” (gestora do PEPB, em entrevista, 12, jan. 2006)
A implantação de um território protegido se faz pela imposição de novas fronteiras,
pelo estabelecimento de marcos no espaço, fazendo ver a todos, tornando público que aquele
território é regido por regras específicas, distintas daquelas que até então prevaleciam no local.
Inúmeros objetos e marcas explicitamente ou implicitamente cumprem este papel de comunicar,
nomear os novos princípios de di-visão (BOURDIEU, 2006, p. 108). As placas ou painéis são
por excelência, elementos de comunicação visual que têm como objetivo claro transmitir
informações. Elas, portanto, identificam, nomeiam, indicam caminhos, orientam espacialmente,
definem padrões de comportamentos... e sobretudo, ao fazê-lo, expressam os valores
subjacentes à mensagem veiculada. Neste sentido, o conteúdo das placas elaboradas pela
administradora e apoiadas pelo presidente do IEF, explicitam a preocupação dos agentes
ambientais nesta gestão, em tornar pública a existência do Parque, in locu, ou seja, no próprio
local onde ele existe, demarcando suas fronteiras e explicitando sua face coercitiva, pela lei que
faz valer sua existência.
147
A construtora Carvalho Hosken através de termo de compromisso contribuiu com 14 placas de sinalização viária
para o acesso às sedes do Pau da Fome e do Camorim. A empresa Santa Helena e EMCCAMP, através do mesmo
procedimento, confeccionaram e instalaram placas indicativas e educativas no entorno do Parque.
RIOFLORESTAL, 2005, p. 17.
183
FOTO 10
Modelo de placa instalado em diferentes áreas do PEPB no período 2004/2006
3.6.4 - A construção do Núcleo Piraquara
As obras de construção do Núcleo Piraquara foram iniciadas em 2004 no bojo do
programa de revitalização do PEPB.
148
Previstas para terminar no final de 2006, as mesmas, no
entanto, até setembro de 2008 não haviam sido concluídas. De acordo com informações do
Presidente do IEF, André Ilha, a empresa responsável pela obra faliu e a construção foi quase
toda depedrada enquanto não se resolvia o imbróglio jurídico relativo aos custos da obra. A
comunidade criada no site de relacionamentos - ORKUT por caminhantes e aficionados pelo
PEPB discutiu, em 2007, as condições do Núcleo Piraquara. Marcelo Soares, na época
administrador do Parque e membro desta comunidade, convocou a população para pressionar as
autoridades pelo fim das obras, invertendo de seu papel de ator institucional:
148
Segundo reportagem na revista do IEF (RIOFLORESTAL, 2005, p. 18), a obra realizada pela SEMADUR e o
IEF-RJ, conta com recursos da ordem de R$ 926 mil provenientes do Programa de Despoluição da Baía de
Guanabara (PDGB).
184
Núcleo Piraquara, vertente Norte do Parque - 29/04/2007
Pessoal, peço a todos desta comunidade que mobilizem a sociedade local e chamem atenção das
autoridades, do secretario Carlos Minc, do Governador Sérgio Cabral, para a implantação do Núcleo
Piraquara, a administração do IEF, especialmente do Parque vem se esforçando ao máximo junto a
comunidade local, e a ONG Brigada Ecológica da Serra do Barata, mas falta recursos pessoal e financeiros
para acabar as obras que estão paradas desde o ano passado, e continua em estado de total abandono.
Nosso objetivo é que no dia 28/06/2007 aniversário do Parque, seja inaugurado esse Núcleo.
Marcelo
Administrador do Parque
Obrigado Marcelo - 29/04/2007
Sou morador do local e há tempos venho fazendo pedidos e divulgando isso através desta e da comunidade
que criei da Serra do Barata, o grande problema é que trataram logo de restaurar a piscina e a área para
churrasco e etc. O que vem atraindo muita gente para o local principalmente nos fins de semana, já que a
comunidade próxima é carente de áreas de lazer. Mas não foi colocado nenhum tipo de fiscalização, está
prejudicando muito o local devido ao mau uso e a falta de um trabalho de educação ambiental para os
freqüentadores.
Em seguida, um dos membros mais participativos desta comunidade, na condição de
caminhante e usuário do Parque, dirige-se ao administrador e questiona os custos da obra e a
possibilidade de controle social sobre os gastos públicos relativos à mesma.
Marcelo 29/04/2007
Vocês têm o projeto básico com a especificação técnica e a planilha de custos da obra do Núcleo Piraquara?
Contabilizando os quantitativos realizados da obra, é possível verificar quanto custa terminá-la.
Se observarmos que se precisa de muito dinheiro para concluir o que foi projetado, poderemos dar
prioridade ao mínimo necessário a ser gasto para que o Núcleo comece a operar. Depois se conclui a obra à
medida em que o resto da verba for sendo liberada.
Precisamos saber sobre essa quantidade de dinheiro para pleitearmos junto ao gestor de licitações e o
ordenador de despesas da unidade gestora responsável pela liberação da verba ao PEPB.
Já em dezembro de 2007, a situação continuava a mesma:
UM ABSURDO! DESCASO TOTAL!! 22/12/2007
Eu e uns amigos estivemos hoje no local.
Ficamos bastante decepcionados com o descaso das autoridades responsáveis e assombrados com o
péssimo aspecto de conservação do Núcleo Piraquara.
Quem não conhece e aparece por lá fica com medo.
O portão estava aberto e não havia qualquer vigia. Depois, passando pela estrada de paralelepípedo com
alguns buracos e desabamentos, nos deparamos com porcos e urubus comendo carniça. Havia também um
cachorro com aspecto doentio.
O lugar estava cercado de mato e o prédio do núcleo estava pixado e sem janelas.
Mesas, lugares para churrasqueira, escadas tomadas pelo mato, sem qualquer vestígio de conservação ou
limpeza. Até o mirante, que deveria ser um local de contemplação, estava com um aspecto péssimo.
A vontade que deu foi fotografar e mandar para a seção "Eu Repórter" do jornal O Globo, descrevendo todo
185
o descaso por parte do Governo Estadual. Será que o governador e o secretário de meio-ambiente sabem o
que está acontecendo lá?
Núcleo Piraquara 26/12/2007
Roberto, tenho boas notícias sobre o Piraquara, o André Illha, presidente do IEF por solicitação minha,
esteve no início de dezembro, olhando a situação do local, e se comprometeu com a comunidade e
ambientalistas que estavam presentes que a partir de janeiro, alocará recursos urgentes para acabar as
obras e a revitalização dessa área do Parque. O Minc, também determinou com urgência a liberação de
recursos de compensação na ordem de 100 mil reais para as obras. Agora é só esperar o início que está
previsto ainda em Janeiro, mas estou preocupado, pois depois de pronta a obra, o Parque, não tem efetivo
ou quadro de pessoal suficiente para dar início aos processos de gestão e proteção da área, o que está
dependendo do convênio de co-gestão com o município, que está em andamento, mas sem data prevista
para assinatura e efetividade de ação. O Minc tem acompanhado os problemas da área e em conjunto com
a prefeitura realizará diversas ações de controle de ocupações irregulares.
Abraços.
Marcelo
Em 15 de fevereiro de 2008, de forma amplamente noticiada pela mídia, o secretário do
ambiente Carlos Minc comandou uma operação junto com membros da diretoria do IEF e do
administrador do PEPB além da Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais
(CiCCA), de agentes da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, (DPMA), Batalhão de
Polícia Florestal e Meio Ambiente (BPFMA), Cehab e Ibama. Definida como Choque de
Ordem, a operação notificou vinte famílias por construções irregulares, fincou duas placas de
demarcação de área de preservação. Segundo o Secretário, as famílias notificadas precisarão
deixar suas casas, mas devem aguardar reassentamento em imóveis a serem construídos pela
Cehab. Esta operação foi destacada como mais uma de um conjunto de quatro intervenções
realizadas em favelas da capital
149
: na Chácara do Céu, no Alto Leblon (Zona Sul), quando um
puxadinho foi derrubado, além de embargada uma quadra de tênis, em condomínio de luxo
vizinho à favela; em Rio das Pedras, em Jacarepaguá (Zona Oeste), quando foram fechados
chiqueiros com 60 suínos, que poluíam a Lagoa da Tijuca; e no prédio do antigo Restaurante
Silvestre, na Floresta da Tijuca (Zona Sul), quando famílias invasoras foram cadastradas para
futuro projeto de reassentamento.
Embora este estudo não tenha contemplado a diversidade de populações que reside no
Parque, em especial aquelas de feições urbanizadas sobre as quais recaem a acusação de
faveladas, o caso do Piraquara chama atenção para o fato de que essas populações, percebidas a
partir deste estigma, estão mais distantes do que os pequenos produtores residentes no PEPB,
149
http://www.ief.rj.gov.br/ notícias 15/02/2008
186
de serem convidados a participar do pacto de conservação, ou seja, de estabelecer acordos com
validade jurídica que garantam a possibilidade de permanência no Parque e o reconhecimento
de direitos tais como a moradia, posse da terra, acesso a energia elétrica, a manutenção de
cultivos, etc. Costa (2008) ao descrever a luta dos caiçaras da Praia do Aventureiro, na Ilha
Grande, demonstra que a possibilidade juridicamente adequada de permanência nesta área
protegida tem se dado através da imposição de uma identidade estanque ou nos termos do autor,
uma ficção científica que é o termo populações tradicionais, que torna-se uma camisa de força
frente às necessidades de mudança cultural do grupo cada vez mais ligado ao turismo e menos à
pesca.
3.7 - A formação do conselho consultivo
Em 5 de julho de 2005, foi publicada a portaria de criação do conselho consultivo do
Parque Estadual da Pedra Branca, composto pelas seguintes entidades:
- Fundação Instituto Estadual de Florestas - IEF
- Conselho Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE
- Fundação Oswaldo Cruz
- Secretaria de Defesa Civil/Comando Geral do Corpo de Bombeiros
- Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA
- Secretária de Estado de Agricultura
- Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
- Empresa de Turismo do Rio de Janeiro – TURISRIO
- Associação de Moradores de Vargem Grande
- GRUDE – Grupo de Defesa Ecológica
- Amigos da Zona Oeste
- SOS Pedra Branca
- Associação de Moradores do Monte da Paz
- SEBRAE – Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Indústrias
- Associação de Amigos e Moradores do Rio da Prata
- Federação de Esportes e Montanha do Rio de Janeiro – FEMERJ
Observa-se que dentre as entidades escolhidas, três ONGs foram selecionadas. O
critério de seleção das mesmas deveu-se ao histórico de participação e desenvolvimento de
projetos ambientais no Parque além da proximidade dessas organizações com a administradora
da UC neste período. Quanto às associações de moradores, a Comunidade Monte da Paz foi
187
destacada pela sua proximidade física da estrutura administrativa do Parque e de seu papel
(atribuído pelos gestores) de representante simbólica dos demais moradores do PEPB. As
demais associações da mesma forma foram escolhidas conforme a avaliação da gestora sobre
seu envolvimento com as questões do PEPB.
Os conselhos consultivos, em tese, são avaliados pelos gestores como fóruns destinados
à solução de conflitos e comunicação que ao longo das atividades cotidianas de administração
de uma UC são extremamente difíceis.
“O administrador não pode ir a tudo que é reunião. Isso é inviável, eu trabalho o
dia inteiro[...] vão surgir atritos no primeiro momento, mas eu penso em elucidá-
los. Você vai ter câmaras técnicas de educação ambiental .... de agricultura.”
(entrevista com a administradora do Parque em 12/01/06)
Contudo, a sua efetividade, implica também que este gestor tradicionalmente formado em uma
instituição tecnocrática e verticalizada e que até então esperava dele um perfil fiscalizatório,
esteja aberto a escutar, negociar e acatar posições divergentes em suas práticas de gestão. E que
a própria instituição desenvolva uma cultura organizacional aberta a este novo tipo de prática.
Segundo Mosse (2007, p. 18) o que se verifica na prática é que muitas organizações desejam
assegurar os benefícios financeiros, políticos e simbólicos, mas evitam os custos da
participação. Em outras palavras, criam os conselhos, se adequam à exigência legal de adoção
de formas participativas de gestão, obtêm recursos econômicos do governo e de agências
promotoras de desenvolvimento social, acumulam capital social, mas não necessariamente
promovem processos de empoderamento das populações com as quais atuam.
Até o final da gestão de Maurício Lobo em dezembro de 2006, na presidência do IEF
RJ o conselho não havia sido convocado. De acordo com Cohen (2007), a diretora da DCN
deste período, Silvana Montes Lima atribuiu a demora na instalação dos conselhos à
inexistência de diretrizes e procedimentos para a criação dos conselhos (normatização, escolha
dos conselheiros e capacitação), que foram sanadas a partir da criação de uma portaria. O
número de participantes foi estipulado em dezesseis entidades, compostas de oito representantes
da sociedade civil e oito representantes do poder público, para evitar que os conselhos ficassem
188
muito grandes e tornassem inviável o processo de tomada de decisões. Esta visão era
compartilhada pelo presidente do IEF nesta época, Maurício Lobo, ao afirmar que conselhos
com 20, 30 membros são verdadeiros elefantes brancos (COHEN, 2007 p. 227).
Cohen (2007, p. 228), a partir de entrevistas com a gestora do PEPB, informa que o
Conselho chegou a se reunir duas vezes antes da mudança da presidência do IEF, sendo
composto por dezoito membros, mas não houve tempo de realizar a capacitação dos gestores. A
mobilização desses atores limitou-se à troca de e-mails e a estes dois encontros que tiveram
caráter informal. Ao realizar um balanço sobre a importância dos conselhos para a gestão
passada do IEF e compará-la com a gestão seguinte, o autor acima sugere que enquanto a
primeira possuía uma visão mais técnica e de certa forma receosa de abertura da gestão das UCs
(entendendo esta abertura como demagógica), a nova diretoria é marcada por uma trajetória de
práticas ambientais democráticas e forte inserção partidária.
3.7.1 - A formação do Novo Conselho Consultivo do PEPB
O novo grupo que assume o IEF, em 2007, questiona o processo de construção dos
conselhos elaborados pela gestão passada e inicia um processo de diagnóstico e reestruturação
dos mesmos. Na primeira fase, a avaliação dos problemas e desafios da unidade, assim como a
identificação dos atores sociais do PEPB, foram realizadas em uma oficina na sede do Parque,
no dia 25 de maio de 2008, na qual o facilitador Roberto Rezende
150
aplicou a técnica de
diagnóstico rápido participativo DRP. A oficina foi realizada com um total de 32 participantes e
o evento começa com a fala do administrador e da diretora da DCN, que destaca que as razões
para a realização deste encontro deviam-se a vontade da gestão atual do IEF de combater os
parques-fortaleza, entendidos como aqueles onde nada pode ser feito, inspirados no modelo
americano que não condizia com a realidade brasileira. Baseados na constatação de que os
conselhos criados pela gestão anterior não eram participativos, a oficina em questão buscava
150
Roberto Rezende é arquiteto por formação e é apresentado pelo IEF como especialista em planejamento de áreas
protegidas. Segundo seu próprio relato, descobriu ao longo de sua formação que na verdade gostava de construir
outras coisas, tais como relações sociais. Assim, se especializou em atividades de diagnóstico e desenvolvimento de
metodologias participativas na área ambiental.
189
construir um retrato mais fiel dos atores, conflitos, disputas e questões mais importantes para a
implantação do PEPB. Após a oficina, foram realizadas mais sete etapas para a realização desta
primeira fase identificada como formação e reorganização dos conselhos:
1- Reunião para apresentação do programa (17/12/2007)
2- Abertura das cartas de intenção ao IEF (12/02/2008)
3- Encaminhamento das cartas de intenção ao IEF (12/02/2008)
4- Análise das cartas de intenção ao IEF (12/02/2008)
5- Reunião de composição preliminar do Conselho (05/03/2008)
6- Realização de contatos institucionais (17/03 a 09/05/2008)
7- Oficina de composição do Conselho (14/05/2008)
As próximas fases, ainda não realizadas, consistem na capacitação dos membros do Conselho
no apoio operacional (apoiado sobre o plano de ação do Conselho) e o monitoramento da
atuação dos conselhos, a fim de aperfeiçoar e dar continuidade ao processo de gestão
participativa da UC.
151
Ao analisar o resultado da composição final do Conselho constata-se que enquanto o
Conselho organizado pela gestão passada havia estipulado previamente que a composição do
mesmo deveria ser 50% de instituições blicas e 50% de organizações da sociedade civil, o
atual Conselho constituído de forma participativa ficou com a composição final de 28% de
organizações governamentais e 72% de organizações civis. O número final de conselheiros é de
36 membros, que embora considerado excessivamente grande, reflete segundo a diretora atual
da DCN, os múltiplos atores envolvidos com o Parque em uma realidade urbana. Assim, o
Parque da Tiririca e o da Pedra Branca, ambos urbanos, são as UCs que possuem os conselhos
mais amplos.
A formalização do Conselho através de portaria a ser assinada em breve buscou
garantir a legitimidade institucional deste grupo frente a eventuais mudanças na estrutura
administrativa do IEF e do PEPB. A posse oficial dos membros do conselho, prevista para
janeiro, não ocorreu e com a fusão das agências ambientais por parte de alguns de seus
participantes, grande incerteza quanto ao efetivo funcionamento do mesmo. Infelizmente este
151
Dados do relatório.
190
trabalho não pôde dar conta das mudanças que vêm no bojo da participação política, tais como o
caráter educativo destes processos e consequente dinâmica de diferenciação social que estes
agentes provocam nos suas respectivos grupos (PALMEIRA, 1974). Souza; Perissinoto e Fuks
(2004), por sua vez, chamam atenção para os efeitos causados pela provável desigualdade de
recursos entre os participantes dos conselhos, mas salientam que a efetividade de atuação dos
mesmos deve ser buscada na história de sua configuração e das lutas relativas às áreas
específicas de políticas públicas. Os autores acima (2004, p. 28), destacam que os membros do
conselho, pertencentes ao setor público, têm em geral maiores recursos organizacionais, tais
como: acesso a pareceres técnicos, redes de comunicação e outros, para exercer suas atividades
de representação, além do fato de que as reuniões ocorrem em sua própria jornada de trabalho,
diferentemente dos conselheiros pertencentes à sociedade civil, em especial, os grupos
socialmente mais desfavorecidos como os pequenos produtores por exemplo, que possuem
enorme dificuldade para se ausentar de suas atividades cotidianas, moram em locais de difícil
acesso, com grande deficiência de comunicação.
A maioria das organizações civis, são formadas por ONGs e associações do entorno do
PEPB
152
, o que pode fazer diferença quando o assunto em questão é a permanência humana na
UC ou os usos diretos ali estabelecidos. uma tendência por parte dos membros do Conselho
a tratarem os moradores do PEPB, mesmo presentes no conselho, não como atores envolvidos
em conflitos ambientais, mas como problemas ambientais sobre os quais falam os outros
participantes.
3.8 - PEPB: agora também um Parque de Carbono
No dia 23 de setembro de 2008, a secretária do Ambiente, Marilene Ramos lançou o
projeto Parque do Carbono, através do qual o governo estadual pretende plantar seis milhões de
árvores nos parques estaduais até 2010, estabelecendo parcerias com empresas que realizam o
reflorestamento como medida compensatória para a emissão de gases de efeito estufa na
atmosfera. A primeira iniciativa foi realizada na face Norte do PEPB, nocleo Piraquara, onde
a empresa Vídeo filmes produtora do filme Linha de Passe se comprometeu a plantar 7,5 mil
mudas e preservar durante os próximos três anos, cinco hectares do PEPB. (IEF, 2008).
152
Anexo 6: lista dos membros conselheiros do PEPB. Dados do relatório DCN /IEF, 2008.
191
E aqui, com esta notícia se encerra a pesquisa sobre as ações institucionais concebidas
e aplicadas ao PEPB, iniciadas com as primeiras percepções deste território como um castelo de
águas e seu potencial de abastecimento da cidade, estendendo-se às florestas protetoras da
União. Posteriormente, na década de 70, foi concebido como um parque estadual, seguindo os
mesmos objetivos e características dos parques nacionais. O decreto de criação do PEPB teve
como finalidade frear a urbanização sobre suas encostas e garantir o lazer das populações da
cidade e as atividades de pesquisa.
Nos anos 90, no contexto de realização da ECO-92, o governo estadual através da visão
criativa de Darcy Ribeiro, inspira-se na história de seu primo mais famoso, o Parque da Tijuca,
conhecido historicamente como Floresta da Tijuca e descobre a Floresta da Pedra Branca e seu
potencial de divulgação e projeção da cidade e das ações governamentais. No conjunto de
representações e imagens idealizadas por Darcy Ribeiro, estão: a floresta de essências raras, o
Sertão Carioca com seus usos e tipos humanos tradicionais, a presença ilustre do Major Archer a
estabelecer um vínculo histórico com o reflorestamento do maciço da Tijuca durante o período
imperial.
A partir dos anos 2000, em tempos de SNUC que passou a assegurar legalmente novos
mecanismos de arrecadação de recursos, o PEPB ganhou nova face institucional, cujo principal
objetivo era a divulgação de seu título de maior floresta/parque urbano do mundo e, vinculado a
este título, a Instituição responsável pela sua administração. Em seu território, a face visível
desta orientação é a demarcação do espaço e a explicitação da existência do Parque através de
placas normativas, de portais de entrada e construção de um centro de visitação.
A partir da gestão de 2007, os projetos institucionais realizados no PEPB não foram
interferências visíveis no espaço (exceto a obra de construção da sede do Piraquara que
prolongou-se durante todo o período desta última gestão), foram ações voltadas para a melhoria
do relacionamento entre o IEF e os habitantes do Parque, através da construção de um canal
aberto de comunicação e encaminhamento de questões e de constituição de um fórum oficial de
participação e solução de conflitos que vem a ser o conselho consultivo (em processo de
consolidação). São mudanças que, embora não sejam materiais, espera-se que, a longo prazo,
elas resultem em conquistas constatáveis no tempo e espaço, tais como o aumento das áreas
192
protegidas e da conservação da biodiversidade. Mesmo o simples ato de reflorestar árvores pelo
projeto Parque de Carbono carrega em si uma abstração, um conjunto de significados que ainda
não pode ser lido imediatamente na observação empírica da floresta, agora definida como
cenário de medidas compensatórias do chamado mercado de carbono, voltado para a redução do
aquecimento global. O PEPB é agora também um parque, não de papel (em referência às
dificuldades de fazer valer de fato a legislação ambiental), mas de carbono.
FOTO 11
A secretária do Ambiente, Marilene Ramos, faz o plantio simbólico do projeto-piloto do Parque do
Carbono, acompanhada do diretor da Vídeo Filmes, Maurício Ramos, do líder comunitário Ângelo Inácio
e do presidente do IEF/RJ, André Ilha direita). IEF, 23 set. 2008. Disponível em:
<http://www.ief.rj.gov.br/imprensa/noticias/2008/Setembro/set23092008a.htm>
. Acesso em: 12 dez.
2008.
193
CAPÍTULO 4
Do Sertão Carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca: da região ao território protegido
FIGURA 6
Ilustração a bico de pena retratando a região denominada Sertão Carioca feita pelo naturalista
autodidata Armando Magalhães Corrêa (1936, p. 273).
FIGURA 7
Mapa do PEPB com a localização da sede e subsedes. Revista Rio Florestal, 2005, p.19.
194
Nos dois primeiros capítulos procurei descrever a formação do PEPB, a partir de sua
materialidade institucional, construída ao longo do tempo, pelas políticas públicas, legislações,
projetos, modelos de gestão e diferentes correntes ambientais em disputa que fizeram o Parque
ser o que é.
Contudo, este território protegido, controlado pelo Estado e regido sob regras
específicas, apresenta múltiplas territorialidades (ALMEIDA, 2006) ou formas de apreensão e
apropriação do espaço, que se inscrevem na dinâmica de ocupação, dos usos e modos de vida
das populações ali estabelecidas, que antecedem a criação do Parque.
De acordo com Diegues (1999), o território não é um todo indiferenciado, mas
composto por vários lugares, com diferentes usos e significados. Alencar (2004, p.68), a este
respeito, também destaca que a relação continuada do homem com o ambiente, ao longo do
tempo, cria o território. Este se constrói com a ão humana e suas fronteiras são estabelecidas
pelos antepassados através de ações cotidianas e pela atribuição de significados ligados a
aspectos religiosos e cosmológicos, transformando o espaço em lugar (ALENCAR, 2004, p.68).
Para Sathler (2007), territorializar é afirmar, é dar sentido, é ligar por laços
econômicos, políticos e simbólicos um determinado grupo social a um espaço determinado.
Desterritorializar é então negar, inverter o sentido de ligação entre o grupo social e o espaço
delimitado. Assim, se por um lado, a criação do Parque impôs novas fronteiras visões e di-
visões sociais (BOURDIEU, 2006, p.108), gerando processos de desterritorialização, por outro,
novas formas de territorialização foram aos poucos sendo construídas pelos seus habitantes,
ressignificando este território. É importante enfatizar, entretanto, que ambos: o território como
espaço vivido das populações e o território protegido que se impõe e ressignifica o primeiro, são
resultantes de múltiplas inter-relações com estruturas mais amplas políticas, econômicas e
ideológicas que exercem seus efeitos sobre o lugar e, este por sua vez, apresenta dinâmicas
específicas que atuam sobre um todo maior, a região e a cidade.
Em outras palavras, quero enfatizar que o PEPB abriga as marcas dos processos
históricos que conferem à região onde ele se localiza a Zona Oeste do Rio de Janeiro uma
série de significações sociais no mapa geográfico e social da cidade e, que certamente, tem uma
importante parcela de contribuição para compreender as formas de territorialização no Maciço
195
da Pedra Branca. A própria criação do Parque está inscrita em um conjunto de justificativas que
buscam interferir sobre a dinâmica da região. Assim, refazer o percurso que vai do Sertão
Carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca, significa reconstituir as relações estabelecidas
entre o território protegido denominado PEPB e a região que o abriga.
A região delimita um espaço físico que se caracteriza por possuir características
particulares, que a diferencia das demais regiões: os elementos físicos, as atividades
econômicas, a composição demográfica da população, organizações políticas, dimensões
culturais que inter-relacionadas produzem uma estrutura, articulada a um todo maior, seja a
sociedade nacional, seja a cidade, como tratamos aqui. O conceito de região, nesta perspectiva,
possui uma objetividade ou certa externalidade, à medida que extrai das relações sociais e da
análise do espaço, dados geofísicos, estatísticas econômicas e inúmeros indicadores sociais.
Bourdieu (2006, p.118), no entanto, chama atenção para o caráter performativo dessas
propriedades “objetivas”, que definem a região (atividade econômica, língua, religião,...), de
fazer valer pelo próprio ato de enunciar, uma determinada realidade social. Na mesma linha,
Heredia (2001, p.180) destaca que muitas vezes as classificações atribuídas às regiões são
exaltadas justamente por levar em consideração critérios objetivos em sua construção
conceitual, quando na verdade, expressam relações políticas e econômicas dominantes:
“de certa maneira, as regionalizações acabam “naturalizando” a associação entre
região e um produto dominante. Na prática, os demais produtos são excluídos e,
por derivação, as relações sociais que eles expressam, isto é, elimina-se a
presença de seus produtores.”
Neste sentido, a definição ou nomeação da antiga Zona Rural da cidade (também
chamada de Sertão Carioca) como Zona Oeste, empreendida pelo Governo do Estado da
Guanabara, nos anos 60, contribuiu para anunciar e consolidar novos usos industriais e urbanos
que já estavam se desenvolvendo, e assim tornar esquecida a atividade agrícola que ainda hoje é
praticada na região.
Assim, descreveremos as disputas que mostram que até hoje a região onde se insere o
PEPB é uma região de fronteira aberta na qual diferentes grupos sociais lutam pelo poder de
nomear, classificar e apropriar-se dela. O território do parque, em múltiplas perspectivas,
196
reflete essas disputas e é também apropriado e convocado a atuar sobre elas. Desta forma, a
criação do parque e a difusão crescente dos valores ambientais alteraram e exerceram uma nova
dinâmica sobre os conflitos existentes, naquilo que Lopes define como ambientalização dos
conflitos sociais ou Fuks (2001) chama de incorporação e redefinição de sentido de disputas e
esquemas argumentativos já existentes, a partir de uma lógica ambiental.
No documento de 1979, que propõe a elaboração de um plano de manejo para o
PEPB
153
, é apontado o fato de que a agricultura que ali se desenvolvia não era mais capaz de
fazer frente ao processo de urbanização. Para os pequenos produtores, habitantes do maciço da
Pedra Branca, as dificuldades impostas à agricultura são mais claramente percebidas a partir dos
anos 70, e posteriormente agravadas com a implantação do Parque. a partir desta década,
uma redução significativa da atividade agrícola e novas formas de ocupação, usos e mobilidade
se estabelecem. Sobre a relação entre as formações sociais e o espaço, Abreu (2006, p. 16)
assim define:
“a cada novo momento da organização social, determinado pelo processo de
evolução diferenciada das estruturas que o compõem, a sociedade conhece então
um movimento importante. E o mesmo acontece com o espaço. Novas funções
aparecem, novos atores entram no cenário, novas formas são criadas e formas
antigas são transformadas. (2006 p. 16).
Apesar da expansão de feições e usos cada vez mais urbanos, a agricultura praticada no
maciço não desapareceu, mas teve alterada a sua forma de inserção na economia da cidade.
Quando se busca identificar a produção agrícola na cidade do Rio de Janeiro, observa-se que
uma parcela importante desta se encontra no PEPB. Isso significa que, se por um lado o Parque
impôs restrições severas à pratica agrícola, de outro, foi capaz de preservá-la do processo mais
amplo de urbanização e especulação imobiliária.
Neste capítulo, busco, portanto, entender este território protegido, a partir da relação
que este estabelece com o seu entorno ou com a região que o abriga. Primeiramente,
parto da caracterização da antiga Zona Rural da cidade e das representações que aparecem
153
SAA/RJ, 1979. .
197
ancoradas a este rural. Para esta tarefa, uma obra é de fundamental importância. Trata-se de O
Sertão Carioca, publicado em 1936. Nela encontramos não somente o registro dos usos e
costumes e atividades econômicas locais, como também uma crítica contundente sobre o sentido
dessas mudanças. Em seguida procuramos mostrar que o PEPB, na atualidade, é convocado
simbolicamente por diferentes grupos sociais na disputa pelo poder de nomear e definir os usos
da região. Também esses conflitos e representações se manifestam no território do Parque e na
forma como os conflitos com seus moradores são arbitrados pelos agentes ambientais. De
acordo com as representações dominantes sobre este espaço e suas populações, legitima-se em
maior ou menor grau a sua permanência neste território protegido. Habitado por pequenos
produtores, camadas médias e altas, camadas populares urbanas, são estas últimas que, além de
possuírem menores recursos organizacionais, através da categoria favela ou da acusação de
faveladas, são vistas como grandes ameaças à ordem e ao meio ambiente. os pequenos
produtores, apesar de terem a seu favor a origem rural e modos de vida reconhecidos como mais
integrados à natureza, têm contra si, a invisibilidade social a que foi relegada a atividade
agrícola na Zona Oeste da cidade. Sua condição humilde de vida faz com que sejam muitas
vezes também acusados de favelados. Isso se explica tanto pela combinação de atividades
agrícolas com a realização de serviços urbanos (que historicamente caracterizou este
campesinato), razão pela qual muitos pequenos produtores são desqualificados como tal, e
também, pelo fato de que o descampesinamento se apresenta como uma ameaça constante para
este grupo, face à impossibilidade de permanecer na terra e dela sobreviver.
Assim, sem deixar de reconhecer as múltiplas territorialidades que formam o PEPB, é a
partir da perspectiva dos pequenos produtores que busco descrever este território protegido.
Como ele é percebido, vivido e resssignificado pelos seus moradores, sua luta para a reprodução
de sua condição social frente à cidade, ao mercado e ao “Parque” (como eles se referem à sua
dimensão normativa). Faço isso, descrevendo as transformações sociais, econômicas e
políticas que levaram à passagem de Zona Rural à Zona Oeste, articulando esses dados, ao
resgate da história e memória de seus moradores: que refletem sobre as mudanças, significados
atuais atribuídos à prática agrícola e sua importância na identidade social deste grupo. Na
descrição desses processos de mudança social, foi de especial relevância a produção sobre o
campesinato (CHAYANOV, 1981, QUEIROZ, 1973, 1978; CÂNDIDO, 1971, GARCIA JR.,
198
1983, CARNEIRO, 1999 e al.) que busca compreender a inserção deste grupo frente ao
desenvolvimento de novas relações de produção, da urbanização e alternância e da combinação
entre a atividade agrícola e demais atividades.
4.1 - A Zona Rural como Sertão Carioca
A descrição dos dilemas vividos pelos pequenos produtores da Baixada de
Jacarepaguá, Campo Grande e Guaratiba, na cidade do Rio de Janeiro, frente ao processo de
urbanização crescente, é o tema central do livro O Sertão Carioca, escrito por Armando
Magalhães Corrêa; escultor, desenhista e naturalista autodidata, especialista em taxologia e que
exercia o cargo de conservador na seção de História Natural no Museu da Quinta da Boa Vista
(SARMENTO, 1998, p. 5). O próprio tulo que nome ao livro, segundo Franco e
Drummond (2005, p. 1038) evidencia a contradição que angustia o autor e se faz presente em
toda a obra:
“a palavra ‘sertão’ – designação genérica dada até hoje pelos brasileiros citadinos
aos lugares ermos do vasto território brasileiro era justaposta a ‘carioca’
gentílico reservado aos urbaníssimos habitantes da cidade do Rio de Janeiro,
metrópole cosmopolita que fora capital colonial e imperial e ainda era a capital
republicana e a maior cidade do país.”
Muito embora o termo sertão
154
fosse utilizado de forma corriqueira para referir-se às
áreas rurais ou interioranas de diversas regiões brasileiras, a ele estava colado um universo
154
O termo sertão é utilizado desde os primórdios coloniais e consta nos textos de doação das capitanias: “D. João
III doou dez léguas de terras ao longo da costa. (...) a cada capitão donatário, facultando-lhes avançar pelo sertão.”
(SILVA 1925, apud NEVES, 2003). Neves (2003) descreve que para os filólogos contemporâneos, sertão
significa lugar recôndito, despovoado, distante do litoral, mas não necessariamente agreste. Assim, existem muitos
sertões: o mais conhecido, o nordestino, mas também o de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, do extremo Oeste
de Santa Catarina, da região de Sorocaba, por onde passavam os tropeiros, o sertão de dentro, no Amazonas
(AMADO, 1995) entre outros. A palavra sertão aparece geralmente relacionada à região
Nordeste do Brasil. O
sertão nordestino caracteriza-se pelo predomínio do clima semi-árido, com ocasionais períodos de estiagem, razão
pela qual essa região é também conhecida como "polígono das secas". A pecuária é, ainda hoje, a sua principal
atividade econômica. Neste sentido, Neves(2003) afirma que o sertão tornou-se uma categoria geográfica
relacionada ao semi-árido, espacial (interior), econômica (pecuária) e social (região pouco povoada). Para Neves
199
semântico, inaugurado com a obra Os Sertões de Euclides da Cunha que produziu e vem
produzindo diferentes versões sobre a diversidade social brasileira, sobre a dicotomia
campo/cidade, litoral/sertão. Buscava-se assim compreender as especificidades dos contingentes
populacionais mais afastados dos núcleos civilizados do país, incorporando-os a um projeto de
nação. É muito provável que a Zona Rural carioca também fosse referida desde longa data como
sertão, mas, a partir da obra de Corrêa, este título é celebrizado, fazendo com que sobre ela
recaísse um conjunto de significados que passaram a adjetivar este rural em contraste com as
áreas mais urbanizadas da cidade.
Junto à descrição dos tipos humanos locais, Corrêa descreve de forma detalhada e, por
vezes poética, as particularidades geográficas, geológicas, zoológicas e botânicas da região.
Em cada sítio novo aparece uma observação interessante, quer da
fauna, flora ou costumes de seus habitantes; é um renovar constante de
emoções próprias para aqueles que procuram coisas novas e inéditas.
Essa região, quer pela quantidade de árvores frutíferas, quer pelo
afastamento do centro populoso e dificuldade de condução, torna-se
isolada e, portanto, ambientada para um verdadeiro viveiro da nossa
fauna. (Corrêa, 1936, p. 159)
Além de ser um precioso registro ambiental e etnográfico, a obra se insere em um
amplo debate sobre a identidade nacional estabelecido a partir de um discurso sobre a
sertanidade (SARMENTO, 1998, p.4).
O problema fundamental no Brasil é o de uma sadia brasilidade, a
começar pelo reflorestamento, a conservação dos mananciais, para
garantia de nossa fauna, e assim possa haver meios de subsistência
aos seus habitantes. Particularizando o sertão carioca, o fiz como
exemplo dessa calamidade que abrange todo o território brasileiro.
(Corrêa, 1936, p. 237)
(2003),o imaginário de sertão construído por viajantes, cronistas e missionarios, mais do que oposição ao litoral,
apresenta a idéia de distanciamento em relação ao poder público e a projetos modernizadores. Assim, os centros
urbanos e os sertões configurariam espaços simbólicos explicativos da dicotomia da sociedade brasileira. O
discurso da sertanidade (SARMENTO, 1998) e da associação de uma auto-imagem e do pertencimento nacional-
brasileiro (ALVES) ganha expressão a partir da obra fundadora de Euclides da Cunha, Os Sertões, publicada em
1902.
200
Neste sentido, ao descrever o modo de vida dos sertanejos, definição do autor à
população rural tipicamente brasileira, estabelecida a poucos quilômetros do centro da capital
do país, Corrêa constrói na verdade um sertão formal (SARMENTO, 1998, p.22), na medida
em que serve para pensar muitos outros sertões existentes pelo Brasil afora.
Assim, retrata o isolamento dessa região, a simplicidade e a interação profunda dos
habitantes com a natureza, através do extrativismo e formas rústicas de artesanato e agricultura,
ao mesmo tempo em que demonstra a relativa proximidade física e econômica da cidade, pois
são os núcleos de comércio e povoamento que permitem a esses sertanejos ganhar seu sustento;
vender suas mercadorias.
Ao retratar as dificuldades enfrentadas por essa população, carente de saneamento,
educação e assistência médica, que muitas vezes degradava a natureza devido à precariedade de
suas condições de vida, o livro trazia como proposta, transformar os sertanejos em verdadeiros
protetores do seu ambiente, desde que recebessem a devida assistência do Estado. Apesar de
defender a necessidade de uma intervenção civilizatória sobre o sertão, Corrêa alertava sobre o
risco dos efeitos nefastos do contato com o mundo urbano e a destruição da autenticidade desta
população, detentora de uma brasilidade autêntica.
A solução para o conflito natureza/progresso, rural/urbano na obra de Corrêa, de acordo
com Sarmento (1998) é conservadora e paternalista, à medida que tem a proposta de proteger
os sertanejos de influências culturais exógenas.
“No continente, na Barra da Tijuca, um restaurante, com aspecto dos da cidade,
isto é, burguês em tudo: na construção, no serviço e nos donos. Não será possível
construir-se hotel, bar ou albergue, com caráter essencialmente rural? Construções
de pedra, com aspecto campestre, fisionomia rural, bem rústico, com conforto e
bem nosso?” (1936, p.58)
Para Sarmento (1998, p.21), O Sertão Carioca apresenta tensões insolúveis, porque, ao
mesmo tempo em que afirma a necessidade de estender o processo civilizatório aos sertanejos,
defende a necessidade de desenvolvimento de um currículo específico de educação para esta
população que os levaria a uma definitiva não-inserção na marcha progressiva da história.
201
FOTO 12
De acordo com Mota (2007), a criação de escolas rurais e
a Fazenda Modelo na região do Sertão Carioca a partir da
década de 20, indica a intenção do Estado em confirmar a
vocação rural desta região. Até 1948, existiam 26 escolas
rurais na região. Inspirado nas idéias de Alberto Torres
(também defendidas por Magalhães Corrêa), o ruralismo
pedagógico ganhou força durante o Estado Novo e
baseava-se no princípio de que o Estado deveria
proporcionar o ensino pré-vocacional e profissional
destinado às classes menos favorecidas.(Constituição de
1937). Acreditava-se que uma educação apropriada para
o trabalhador rural poderia fixá-lo no campo.
Escola Rural Demétrio Ribeiro (foto cedida pela família
Nunes Batista)
para Franco e Drummond (2005), Magalhães Corrêa apresenta tanta sensibilidade
para as questões sociais, quanto é possível para um cientista natural de sua época, uma vez que
acreditava na possibilidade de convivência equilibrada entre os sertanejos e a natureza. Embora
não os poupasse de sua parcela de responsabilidade pelos danos ambientais, vislumbrava a
possibilidade de que eles pudessem ser os principais protetores de seu ambiente, desde que
assistidos pelas autoridades. Para Mota (2007), em sua obra está o reconhecimento da
agricultura como uma das atividades humanas que mais afetam o meio ambiente e, por isso, o
seu esforço em construir um modelo de sociedade agrícola que, segundo a autora, poderia ser
considerado precursor do discurso a favor da agricultura ecológica, que se desenvolveu no
Brasil, a partir dos anos 80.
Entretanto, deve-se ressaltar que, se por um lado, a abordagem de Corrêa pode ser
inspiradora ou afinada a uma perspectiva que, na atualidade, definiríamos como socioambiental,
classificar o autor como tal seria uma impropriedade. Apesar de sua visão integrada a respeito
202
da convivência homem-natureza, defendida no Sertão Carioca, Armando Corrêa era também
um defensor dos parques nacionais. O que significa dizer que, da mesma maneira que suas
idéias podem ser inseridas em um debate socioambiental, sob certos aspectos, também
poderiam, em igual medida, reforçar o discurso conservacionista, como pode ser observado ao
citar medidas necessárias para o nosso país:
“g) deverão ser criadas reservas naturais integrais, constituídas em domínios
nacionais intangíveis, de acordo com o Office International pour la protection de
la nature em suas legislações, pois o Brasil é um dos seus signatários.
Corrêa fazia parte de uma geração de pensadores que, influenciada por um ambiente
político-intelectual nos anos 30-40, de intenso nacionalismo e desejo de modernização da
sociedade e das instituições do Estado, dedicou-se à temática da conservação da natureza,
articulando-a com a questão da identidade nacional (FRANCO; DRUMOND, 2005). Esses
intelectuais, articulados aos debates internacionais sobre parques, tiveram intensa participação
não apenas em grupos cívicos e associações, como também produziram textos onde discutiam
teoricamente temas ligados à botânica, história natural, biologia e propunham programas de
atuação efetiva em favor da proteção da natureza. Atuantes em instituições de pesquisa como o
Museu Nacional, voltadas para a conservação da natureza, influenciaram a criação dos
primeiros parques nacionais no Brasil na década de 1930 e toda uma geração de
conservacionistas nas décadas seguintes. Assim, Magalhães Corrêa deixa clara a necessidade de
que os parques sejam bastante restritivos:
“Toda caça ou pesca, todas as explorações florestais, agrícolas ou mineiras, as
escavações ou pesquisas, sondagens, desmontes ou construções, ou trabalhos
tendentes a modificar o aspecto do terreno ou da vegetação, todo ato de natureza
a trazer perturbações à fauna, toda introdução de espécies zoológicas ou
botânicas, quer sejam indígenas ou importadas, selvagens ou não, serão
estritamente interditas sobre toda a extensão dos parques nacionais assim
constituídos. E será proibido, sem autorização do administrador, penetrar,
circular ou acampar nessas reservas, como introduzir armas de fogo, armadilhas
e cães. (1936, p. 174)
203
O viés “conservacionista” de Corrêa, não invalida a apropriação que dele fazemos neste
trabalho, apenas reforça a idéia defendida anteriormente, de que o sentido da criação de
parques que se inicia na década de 30, é construído a partir de um imaginário de setores urbanos
e intelectualizados de forte reação ao próprio processo de urbanização e desenvolvimento do
capitalismo, entendido à época de Magalhães Corrêa como expressão de um processo
civilizatório exógeno, destruidor das nossas riquezas naturais e humanas. O que interessa
destacar é que, para o autor, a criação dos parques estaria integrada a um modelo maior de
sociedade que teria na integração do homem com a terra o seu principal modelo de sustentação.
“A riqueza de um povo, principalmente o nosso, em formação, está na vida
originária das pequenas lavouras e indústrias, que formam a parte
econômica e básica dele.” (CORRÊA, 1936)
Contudo, o que diria Corrêa se soubesse que o seu Sertão Carioca sobreviveu
justamente em um parque? Esta contradição revela que o modelo de conservação baseado em
áreas restritivas que se desenvolveu no Brasil, não foi articulado a um modelo de sociedade
capaz de promover o desenvolvimento social e econômico de sua gente, os sertanejos, como
previa este autor, nem fazer frente ao processo de empobrecimento trazido pela penetração do
capitalismo. Pelo contrário, alguns autores destacam que a política de unidades de conservação
de proteção integral combinou-se com projetos de desenvolvimento econômico, garantindo,
portanto, a reprodução dos interesses dominantes. Na atualidade, a luta pelo direito à
permanência em terras transformadas em áreas protegidas se tornou um mecanismo de
resistência das populações que sofrem processos de expropriação e são impedidas de garantir
sua subsistência em seus territórios originais. Ao refletir sobre as condições de reprodução
social dos pequenos produtores do maciço da Pedra Branca, hoje PEPB, voltamos ao conjunto
de questionamentos feitos por Armando Magalhães Corrêa em 1936, de um modo que este autor
não poderia imaginar: a possibilidade de conciliação entre projetos de conservação da natureza
e as necessidades dos grupos sociais estabelecidos nessas áreas. Fazendo uso da expressão
utilizada por Sarmento (1998), estamos, portanto, recriando um sertão formal ao problematizar
o fato que: até o presente momento, as iniciativas de conservação comandadas pelo Estado
através da criação de áreas protegidas integrais têm contribuído para aumentar as dificuldades
enfrentadas por populações que tiveram seu lugar transformado em parque (DIEGUES, 1994).
204
A socioambientalista Alba Simon, à época diretora da DCN no IEF, sintetiza o conjunto de
reflexões e críticas ao modelo de conservação que se desenvolveu no Brasil:
O primeiro caso de fome ocorreu no Aventureiro um ano. É uma reserva
biológica: não pode, não pode, não pode! O Ministério Público então resolveu
fazer valer a lei: se nada pode, não pode pescar, não pode turista ... Não pode ter
gente! As leis foram tão rigidamente colocadas em prática que levou ao
primeiro caso de fome no Aventureiro. Uma comunidade que ganha dinheiro
três vezes por ano, que guarda dinheiro no colchão, nos três grandes feriados, na
Ilha Grande. Quando eu soube disso, eu não estava aqui, eu estava lá na
assessoria do Carlos Minc e tive um debate muito difícil com um
conservacionista em uma mesa na Rede Mata Atlântica. E ele lá dizendo:
‘aquilo lá é caiçara nada, é tudo filho de presídio’ ... Aí eu fiquei muito nervosa e
pedi para ele não botar na conta do ambientalismo aquele primeiro caso de fome
no Aventureiro: ‘Não coloque na conta do ambientalismo, a fome porque se
estiver na nossa conta, nós falhamos. É isso o nosso modelo de conservação?
Fome? O que nós levamos para essas comunidades que protegeram o meio
ambiente? Até porque senão aquele lugar não virava parque’.” (entrevista em 14
abr. 2008)
Se por um lado a proposta de Corrêa para o dilema rural/urbano, progresso/natureza
era o expurgo de influências estrangeiras ou de uma civilização espúria que se abatia sobres o
modo de vida dos sertanejos, os impasses que dizem respeito à permanência de populações em
áreas protegidas também chamam atenção para o tema da mudança social.
As poucas conquistas ao direito de permanecer em áreas protegidas têm se dado pelo
reconhecimento da tradicionalidade das populações. Esta categoria embora não tenha sido
definida de forma explícita justamente para que os diferentes grupos sociais pudessem vesti-la
de acordo com suas especificidades (de acordo com a discussão do cap.1), tem sido validada,
elencando critérios tais como: antiguidade, a estreita dependência dos recursos naturais para a
sua subsistência, uso de técnicas de baixo impacto. Ainda que essas populações passem a
reelaborar sua identidade apropriando-se das vantagens simbólicas associadas ao conceito de
populações tradicionais, a consagração de alguns princípios gerais que definem esta categoria
acabam por impor a estes grupos (que sofrem restrições impostas pela Legislação ambiental) a
incorporação de uma imagem que deles fazem os outros.
Nestes termos, a limitação de construção de habitações, impedimento de utilização de
certos bens de consumo ou facilidades da vida urbana, são aspectos inerentes à vida de
habitantes de uma UC e que causam conflitos e negociação para a aquisição de direitos. No caso
205
do PEPB, este enfrentamento é mais flagrante. Para essas populações, devido a sua integração
econômica e social ao meio urbano torna-se mais difícil a reivindicação de direitos a partir da
categoria de populações tradicionais. Quando esta de alguma forma consegue ser incorporada,
a dificuldade de trabalhá-la de acordo com a dinâmica da vida social e as mudanças que aos
poucos são incorporadas em seus padrões de consumo, como descreve Cândido (1971, p. 142),
ao referir-se aos pequenos produtores do interior de São Paulo, em um processo cada vez maior
de dependência aos produtos da cidade, gerando uma situação de desequilíbrio entre suas
necessidades e recursos disponíveis. O homem rural depende, portanto, cada vez mais da vila e
das cidades, não para a adquirir bens manufaturados, mas para adquirir e manipular os
próprios alimentos.
Os agentes ambientais ao se relacionarem com os moradores das UCs são obrigados a
refletir e a tomar decisões sobre o que podem ou não permitir a essas populações, arbitrando os
conflitos a partir de uma valoração sobre o perfil dos grupos sociais, seja em relação à classe
social e sua origem rural ou urbana, tentando impedir ao máximo a mudança social, como
define uma ex-administradora do PEPB:
“Eles querem o bônus sem pagar o ônus e eu estou aqui impedindo que o
interesse dele seja atendido. Um quer asfaltar a subida para o Monte da Paz, o
outro quer fazer uma escada rolante, a outra quer construir uma casa porque o
outro filho nasceu, cresceu, o outro casou ... eu tenho que conviver com isso.”
Seus moradores, por sua vez, incorporam, refletem e expressam as leituras que fazem os
outros sobre seu território: uns dizem que aqui é um fim de mundo, outros dizem que aqui é o
paraíso. Contrastam a simplicidade do modo de vida que em parte é determinado pela sua
condição social e em grande medida pelas restrições da legislação com aqueles que moram fora
do Parque:
“Eu não tenho vontade de sair daqui. Ainda ontem eu tava falando com as
meninas ali, se arranjar uma mansão ali embaixo e me chamarem e der, eu acho
que ainda não quero, não. Já acostumei. Ainda desço embaixo, faço as minhas
compras...” (Dona Nédia, mar. 2007)
206
4.2 - Pedra Branca X Tijuca: a disputa entre os parques
Uma curiosa polêmica surgiu nos jornais cariocas em setembro de 2006. Qual seria a
maior unidade de conservação em área urbana, do mundo? De acordo com a área delimitada, o
título caberia ao PEPB que ocupa cerca de 16% de todo o território do município do Rio de
Janeiro e possui cerca de 12.500 hectares, contra 3.200 hectares do Parque da Tijuca. A
polêmica levantada pelo Jornal O Globo
155
(veja na página seguinte) veio da confrontação
entre os sites oficiais da prefeitura (Riotur) e do Governo do Estado (IEF-RJ). O primeiro
referia-se ao Parque da Tijuca como maior parque urbano e já o segundo indicava o Parque da
Pedra Branca. Após o questionamento feito pelo jornal, o site da Prefeitura corrigiu a
informação e passou a referir-se ao Parque Nacional da Tijuca como a “maior floresta urbana do
mundo replantada pelo homem.”
156
Apesar de aparentemente envolver apenas um título, a
reportagem salientava a importância desta denominação honrosa na disputa por investimentos e
questões orçamentárias. Por exemplo, o texto revela que a Rio-92 foi atraída para a cidade pelo
argumento de que a Floresta da Tijuca era a maior floresta urbana do mundo.
Significativamente, o próprio governo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela
administração do Parque da Pedra Branca, distribuiu em um folder - Um Rio de Florestas
157
-
feito na época da RIO-92 (com o propósito de divulgar as iniciativas ambientais do governo
estadual), referindo-se à Tijuca como a maior floresta urbana do mundo e mundialmente
reconhecida pela Unesco como patrimônio da humanidade. O objetivo do texto era claramente
legitimar as iniciativas de reflorestamento e implantação de serviços de conservação
empreendidos pelo governo estadual no então pouco conhecido Parque da Pedra Branca e na
Floresta do Mendanha
158
, construindo uma linha de continuidade com as iniciativas históricas
de reflorestamento comandadas pelo Major Archer, a partir de 1861, na Floresta da Tijuca
(conforme já apresentado no capítulo 3).
Todavia, a busca de legitimação a partir da história das políticas ambientais do Império
e a fama mundial da referida floresta não parece ser suficiente para justificar a informação
155
O GLOBO, Caderno Barra, 28 set. 2006, p.16.
156
O grifo não está no original.
157
Inserido no capítulo 3.
158
Área de 8.000 hectares localizada entre a Zona Oeste do Rio de Janeiro e o Município de Nova Iguaçu.
207
equivocada sobre o tamanho dos Parques. O que mais poderia estar por trás disso? Uma das
hipóteses comentadas na reportagem é que durante muito tempo o entorno do Parque de Pedra
Branca, localizado em áreas menos centrais da cidade, não era considerado urbanizado como o
entorno do Parque da Tijuca.
A construção recente desta polêmica pela imprensa é indicadora das representações a
respeito do espaço social da cidade e seu processo de evolução, das categorias de distinção entre
o rural e o urbano e das possibilidades de convivência homem-natureza traduzidas no confronto
entre a metrópole e a unidade de conservação. Das inúmeras reportagens recentes sobre o
Parque Estadual da Pedra Branca, a maioria delas destaca a pressão urbana sobre esta área
protegida, através das ocupações dentro dos limites do Parque, o crescimento de populações
estabelecidas, a venda irregular de loteamentos, os incêndios causados por balões e áreas de
pastagens limítrofes a esta unidade de conservação. Segundo Oliveira (2005),”a cidade cresce
desordenadamente em direção a Zona Oeste, e parece querer repetir no maciço da Pedra
Branca, as tragédias de ocupação que aconteceram nas encostas da Tijuca”. Nesta
perspectiva, significa dizer que se a disputa acima fosse para valer, o honroso título, de maior
parque urbano do mundo, seria conquistado graças a uma triste realidade: uma urbanização
sem ordem:
“Eu sou você amanhã” disse o vestuto maciço da Tijuca ao maciço
da Pedra Branca, recém-chegado de um encontro tectônico. A
anedota que corre os meios acadêmicos, ilustra uma possibilidade
de futuro para esse imponente conjunto montanhoso do Rio de
Janeiro. (OLIVEIRA, 2005, contracapa)
Ou simplesmente urbanização, percebida, como na perspectiva de Magalhães Corrêa, como um
processo nefasto de destruição de um modo de vida autenticamente brasileiro:
“Nesse ambiente bem brasileiro, e um tanto isolado, impera ainda a alma pura
dos nossos caboclos. Tudo lembra o que é nosso, os tipos e os costumes.”
(CORRÊA, 1936)
A disputa sobre os parques revela que estes são convocados simbolicamente para se
pensar e discutir o tipo de ocupação para as áreas do seu entorno ou a cidade de forma mais
ampla. Mais ainda, o conjunto de representações sobre a ocupação do espaço urbano se refletem
208
nos modos com que a administração do PEPB avalia e arbitra os conflitos com as populações
residentes em seu território. Como revela a fala de um de seus administradores:
[Rio Pequeno]é uma comunidade complexa, perfil de favela. Diferente do
Monte da Paz, que tem perfil de classe média baixa, mas vonão tem violência
aqui, você não tem crime, não tem droga.”
“O condomínio Camorim foi criado depois da criação do Parque. Mas está
consolidado. Está quieto. É bem classe média mesmo. Você chega lá, pega o
melhor pedaço, agora o quer que ninguém construa acima de você. Se fizer,
denuncia.”
A preocupação com a natureza estava presente na obra de Corrêa e ela se insere na
discussão que o autor faz sobre o tipo de desenvolvimento desejável para a região, como um
microcosmo de toda a sociedade brasileira. Assim o rural aparece como lócus da agricultura, da
possibilidade de preservação da natureza e de desenvolvimento social, em oposição ao urbano,
que degrada e que impõe um modelo socialmente injusto e exógeno. Contudo, na atualidade, a
preservação da natureza passa a ser um ingrediente importante para certo tipo de ocupação que
se estabelece com a expansão das novas racionalidades urbanas. Segundo Carneiro (2005, p.7),
a valorização da natureza como paisagem e objeto de contemplação por segmentos urbanos,
além do consumo de produtos materiais, simbólicos “naturais”, “rurais” ou “tradicionais” tem
contribuído para a revisão da dualidade rural-urbano e sobre as classificações a respeito de cada
um desses espaços. Com a crescente difusão dos valores ambientais, a natureza passou a ser um
ingrediente importante para determinado tipo de urbanização das camadas médias e altas da
população. A manutenção de áreas florestadas, acrescidas de um certo ar rural e a preservação
de uma informalidade típica das áreas menos povoadas, torna-se um ingrediente importante para
reprodução do capital que se desenvolve com a disseminação de certos valores e de uma
racionalidade urbana nos setores imobiliários e outros voltados a atividades de lazer que
transformam a natureza em mercadoria (como um produto, resultado de um trabalho imaterial
que pode ser consumido)
159
. As antigas formas de interação com a natureza são alteradas e esta
ganha uma nova função ou intencionalidade, vinda de fora, condicionada pelos valores do
ambientalismo. Oliveira (2008) ao descrever as transformações recentes no bairro de Vargem
Grande, pondera que o grande atrativo para a sua ocupação é o ar bucólico, rural que tende a
159
OLIVEIRA, 2008.
209
ser inviabilizado pelo próprio desenvolvimento desses empreendimentos que atraem, cada vez
mais, novos moradores urbanos que querem consumir este estilo de vida rural. Assim, o
adensamento populacional crescente, trazido pela melhoria de equipamentos urbanos e oferta de
imóveis, além da ameaça de ocupação de caráter mais popular podem inviabilizar a reprodução
dessas formas de capital. Então, o sossego, o direito a uma bela paisagem são temas acionados
pelos grupos que veem no seu novo vizinho a chegada do inimigo.
FOTO 13
“Quem degrada é o outro”. Propriedade na Estrada do Morgado em Vargem Grande, 2008.
O predomínio crescente de um discurso ambiental na atualidade tem sido apropriado
para reinterpretar antigos conflitos sociais na ocupação do espaço urbano. No caso da mídia e de
diversos grupos da sociedade civil, um interesse crescente sobre o meio ambiente, que
produz representações sobre as unidades de conservação e delas também se apropriam para
pensar o seu entorno ou o espaço da cidade. Somente em 2007, foram realizados cinco
seminários promovidos por diferentes entidades
160
- ligados ao saneamento da baixada de
160
Vide anexo 7: encontros organizados por ONGs e grandes grupos econômicos da Baixada de Jacarepaguá em
2007 e 2009 e o seminário organizado pelos movimentos populares da mesma região em 2007.
210
Jacarepaguá, nos quais, de forma implícita ou explícita, estava o tema da estratificação social do
espaço urbano, que envolve a luta de movimentos sociais pela moradia popular e justiça
ambiental, a ação de grandes grupos imobiliários e a especulação imobiliária. Quatro deles
foram organizados por ONGs de moradores da Barra da Tijuca com apoio e parceria de grandes
grupos ligados ao capital imobiliário e instituições. A ONG Lagoa Viva é a principal
responsável pela organização dos eventos, contando com a colaboração de outras ONGs e
associações locais e, juntas, têm sido capaz de acionar poderosas alianças com políticos,
instituições públicas, seus técnicos e pesquisadores e grandes empresários. Nesses encontros, a
temática ambiental tem sido apresentada a partir de seu viés universal (contra o qual ninguém
pode se posicionar) dos “problemas ambientais” e não dos conflitos sociais.
- Em 22 de março de 2007 – Seminário sobre gestão de recursos hídricos.
- Em 25 de maio de 2007 - Semana da Ecologia e Dia Mundial do Ambiente.
- Em 27 de junho de 2007 - IV Fórum do Meio Ambiente.
- Em 26 e 27 de novembro de 2007 – IX Encontro Pacto de Resgate Ambiental.
- Em 19 de maio de 2007, os movimentos populares de luta pela moradia e saúde na região
também organizaram seu próprio seminário: o I Seminário de Saneamento da Baixada de
Jacarepaguá, com o lema Águas da Pedra Branca a caminho do mar, no qual foram
“convidados” através de ação protocolada, representantes oficiais do Governo estadual
CEDAE e SERLA, do Governo municipal RIO ÁGUAS para apresentarem uma posição
formal das respectivas instituições sobre o saneamento na baixada de Jacarepaguá. Como
resultado deliberativo deste evento, as associações presentes decidiram, sem sucesso, embargar
o processo de eleição do comitê de bacias que envolve a região da baixada de Jacarepaguá e
que, segundo os movimentos sociais, foi constituído às pressas, com pouca divulgação e sem a
representatividade necessária.
Em todos esses eventos, o Parque da Pedra Branca, como fonte de importantes
mananciais que deságuam e abastecem a região foi invocado (simbolicamente) para reforçar os
160
A baixada de Jacarepaguá compreende os bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Recreio, Vargem Pequena e
Vargem Grande e corresponde ao entorno leste do PEPB.
211
ideais de preservação que se buscava construir e debater nesses eventos. Quando o Parque não
é apropriado diretamente, é convocada a sua instituição responsável o IEF através de seus
representantes, para falar nesses eventos.
O convite do Seminário do Dia Mundial da Água, desta vez em 2009, organizado
novamente pela ONG Lagoa Viva, permite identificar a coalizão de interesses em torno da
temática ambiental e o processo de empoderamento
161
destes segmentos sociais, que dotados de
recursos organizacionais, socioeconômicos e subjetivos (SOUZA; PERISSINOTO; FUKS,
2004) têm buscado a representação política nos fóruns de gestão participativa dos recursos
ambientais. A referida ONG, no próprio convite anuncia sua representatividade:
“O Instituto Lagoa Viva, membro do Conselho Estadual de Recursos dricos,
do Conselho Gestor do Parque Estadual da Pedra Branca e representante eleito
do Comitê Baía de Guanabara e Sistema Lagunar Maricá e Jacarepaguá.”
A zona Oeste onde está localizado o PEPB é a região de maior expansão demográfica
da cidade, com alto índice de favelização, numerosos investimentos imobiliários e crescente
urbanização em bairros como Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio, em certas áreas onde o
valor dos imóveis pode alcançar valor elevadíssimo. Grandes grupos imobiliários fazem
lançamentos vendendo o ambiente de tranquilidade e paz advindos do caráter bucólico do
espaço de moradia e também financiam ações de ONGs formadas por moradores de classe
média e alta da região que se engajam na luta pela causa ambiental e organizam seminários
voltados para o tema. São essas mesmas empresas imobiliárias que são vistas pelos
movimentos de luta pela moradia popular em toda a baixada de Jacarepaguá como verdadeiros
arquétipos da degradação ambiental e da expropriação das populações carentes ali estabelecidas
antes da chegada dos empreendimentos imobiliários. A expressão área de rico é utilizada para
contrapor a definição de área de risco adotada pelo Estado e pelos grandes grupos econômicos
como justificativa para remover as populações de baixa renda de espaços extremamente
valorizados na Baixada de Jacarepaguá. O discurso dos movimentos populares que chama a
atenção para a poluição da opulência (FUKS, 2001, p. 160), em referência à degradação das
classes mais abastadas, tem contudo reduzida legitimidade nos debates públicos.
161
Vide anexo 7: neste convite a referida ONG faz referência à sua representatividade nos fóruns de gestão
participativa relacionados ao meio ambiente.
212
Segundo Valladares (2005, p.26), a categoria favela, no imaginário social, designa um
hábitat pobre, de ocupação ilegal e irregular, sem respeito às normas e geralmente sobre
encostas. Chamo atenção para este fato, pois a produção dedicada a estudar as representações
sobre este espaço social, demonstra que o tema da favelização foi amplamente abordado a
partir da questão sanitária, da violência e da ordem urbana e na atualidade, existe uma tendência
a tratá-lo sob o prisma do ambientalismo.
Neste sentido, é notório o número de reportagens recentemente publicadas em jornais de
grande circulação que chamam a atenção para o problema da favelização em áreas verdes. Esta
tem sido a principal chave de leitura dos conflitos relacionados à ocupação do espaço que
ocorrem na região onde se localiza o Parque da Pedra Branca, conforme sugere a manchete em
primeira página do jornal O Globo, em novembro de 2007: Invasões de Ricos e Pobres”. Com
fotos contrastivas de uma casa sofisticada e um barraco com criação de porcos, ambos
estabelecidos no território do Parque. A grande repercussão negativa da reportagem
162
suscitou
a entrevista concedida pelo presidente do IEF em uma emissora de rádio, para prestar
esclarecimentos
163
e levou à aprovação pelo Governador rgio Cabral do concurso para
guarda-parques realizado em 2008.
162
DAFLON, Rogério. Invasões ameaçam o Parque da Pedra Branca: já são pelo menos duas mil casas na área:
IEF admite falta de estrutura para fiscalização. O Globo, Rio de Janeiro, 25 nov.2007, p.1 e 27..
163
Entrevista ao Presidente do IEF – André Ilha – feita pelo jornalista Sidney Rezende na Rádio CBN em 25
nov.2007.
213
O GLOBO 1ª Página
25/11/2007
FOTO 14
4.3 - Dinâmicas de ocupação, ciclos econômicos e conflitos de terras
O processo de ocupação das áreas de entorno do maciço da Pedra Branca,
particularmente da baixada de Jacarepaguá, remonta ao período colonial, com a presença de
grandes engenhos de açúcar que compunham a paisagem local, junto com outros elementos
essenciais para a formação do complexo açucareiro
164
, conforme indicados por Oliveira (2005
p.124):
164
A baixada de Jacarepaguá chegou a ter onze engenhos (ARAUJO, 1995).
214
- a criação de animais para transporte e tração e o cultivo do capim
165
para alimentação dos
mesmos;
- uma numerosa população escrava e seus mandiocais;
- a extração de madeira das matas para a instalação de cercas;
- reforma dos madeiramentos das construções;
- fabricação e manutenção dos carros de bois;
- construção de caixas para exportação do açúcar produzido e fornecimento de lenha
para as caldeiras.
A partir do século XIX, a produção de açúcar vive um período de decadência e as
grandes propriedades lentamente dão lugar aos sítios e chácaras com uma produção doméstica
de subsistência ou orientada para o mercado local que coexistem com algumas grandes
propriedades. As regiões de encosta ensolarada ou soalheira são destinadas ao cultivo de café,
dando origem a partir de 1810, às chamadas “situações” (VIANNA, 1992, p.65), terras
destinadas ao plantio do café, onde não residiam, obrigatoriamente, os proprietários. Vianna
(1992), neste sentido, acredita que o sertão aos poucos sai de seu longo isolamento e intensifica
suas relações com a Corte ou as regiões centrais do Rio de Janeiro, surgindo então, a idéia de
periferia.
Geremário Dantas, jornalista e político renomado de Jacarepaguá, no início do século
XX, cujo nome está em uma das principais avenidas deste bairro, assim descreve o período de
apogeu do café na região:
“O café era cultivado em todas as chácaras, em todos os sítios, todos
plantavam para o gasto, mas em escala maior com colheitas de centenas
de milhares de arrobas, era cultivado nas velhas propriedades rurais do
Município Neutro.”
166
(O Jornal, 15/10/1927 apud Vianna, 1992, p.66)
O fim da escravidão, o declínio da cultura do café e outras transformações
socioeconômicas, aliadas à disseminação de certas doenças, tais como a febre amarela e a
malária, incentiva a produção de representações de decadência e estagnação da região
(SANTOS; RIBEIRO,2006, p.16). Contudo, Santos e Ribeiro (2006) relativizam as idéias de
165
Vianna, 1992, p. 27. “É Debret quem nos sintetiza o avanço do cultivo do capim no século XIX: “A partir de
1817, a cultura do capim Angola tornou-se nas proximidades do Rio de Janeiro, um excelente negócio”...
166
O Rio de Janeiro era então capital do país.
215
ruptura entre um passado dourado e a fase de abandono percebida em finais do século XIX e
afirmam que o desenvolvimento de uma pequena produção agrícola na região foi menos uma
derrocada do que uma estratégia empreendida pelos próprios senhores de terra, para a obtenção
de ganhos econômicos. Através do aforamento ou arrendamento de sítios a lavradores, os
grandes proprietários atraíam uma nova mão-de-obra, obtinham recursos e ainda preservavam a
propriedade da terra. Entretanto, alguns proprietários preferiam obter recursos através do
fracionamento e venda de suas propriedades, inaugurando a partir de 1840, um mercado de
terras. A comprovação desta prática se através da observação do número de anúncios de
venda, aluguel de terrenos e benfeitorias anunciadas nos classificados dos jornais da época
(SANTOS; RIBEIRO, 2006). Na maioria desses anúncios, porém, a terra não aparece ainda
como capital imobiliário, tal qual se apresenta nas relações atuais, mas pelos investimentos
feitos tais como plantações e benfeitorias produzidas pelo trabalho ao longo do tempo. O
anúncio a seguir, publicado em 1927 ainda evidencia esta tendência iniciada no final do século
XIX.
“Belíssimo sítio, tendo morro e vargem, boa água de cachoeira, tem
bananas de diversas qualidades, pomar de laranjas, boas árvores,
abacate, 300 fruteiras de conde, algum mamão, tem café, muito aipim,
batatas, uma grande horta de couves, feijão de vagens, um grande
aboboral, terreno em mato, 800 cabeças de criação, tendo algumas
ferramentas da roça, lugar muito sadio(...)”. (Jornal do Brasil,
“classificados”, 13/05/1927, p. 4 apud SANTOS; RIBEIRO, 2006. )
O processo mais intenso de expansão da malha de transporte urbano, com a extensão da
linha férrea nas regiões de subúrbio, aos poucos, gerou a transformação de fazendas em lotes
urbanos e o aumento de solicitações para o nivelamento e calçamento de ruas assim como
solicitações de licenças para construir à Diretoria de Obras e Viação (SANTOS; RIBEIRO,
2006). Trata-se, contudo de um processo lento, no qual os usos urbanos coexistiram com os usos
rurais. Assim, o isolamento do sertão é substituído por certa integração, na qual a função
principal da região passou a ser de abastecimento da cidade, articulando centro e periferia.
Segundo Vianna (1992, p.64), as propriedades, com o tempo, foram se tornando menos auto-
suficientes e especializadas, dedicando-se então a uma agricultura variada e a criação de
216
animais. Muitas propriedades se tornaram também residências de campo, voltadas para o lazer e
cultivos para o consumo próprio.
Segundo Santos e Ribeiro (2006, p.7) os bairros de Campo Grande, Guaratiba,
Jacarepaguá, Irajá, Inhaúma, Tijuca, Engenho Novo, Santa Cruz e Santo Antonio eram as
freguesias que em conjunto formavam a zona rural da cidade do Rio de Janeiro, instituída pelo
Ato Adicional de 12 de agosto de 1834
167
e eram chamadas de freguesias “de fora” em
contraste com as freguesias de “dentro”
168
, localizadas no centro da cidade.
169
Com o término do breve ciclo de café carioca, passam a predominar atividades
extrativas de lenha e carvão e algumas lavouras de subsistência para o mercado local. Segundo
o censo de 1920, os distritos de Santa Cruz, Guaratiba e Campo Grande concentravam o maior
número de cabeças de gado, produção de arroz, feijão, batata-inglesa, cana, café, milho e
mandioca (SANTOS; RIBEIRO, 2006, p.8). Havia também extensos pomares com produção de
banana, citricultura e outras frutas. Além da produção agrícola, inicia-se uma tendência à venda
de terrenos para moradias de veraneio.
Nos anos 20, tem início um novo ciclo agroexportador: a citricultura, que vai se manter
estável até meados dos anos 30, sobretudo nas regiões de Campo Grande, Realengo, Guaratiba,
Santa Cruz e em menor escala, Jacarepaguá. Com a eclosão da 2ª. Guerra Mundial, as
exportações entram em declínio e passam a atender basicamente o mercado interno. A
concorrência da laranja de outras regiões e a disseminação de pragas e doenças nos laranjais
contribuíram para a substituição desta produção, por pequenas culturas, dentre elas, do caqui e
da banana que até hoje são os principais produtos da região do maciço da Pedra Branca.
O dinamismo econômico dos sucessivos ciclos agrícolas consagrou a imagem da atual
zona Oeste da cidade como o celeiro do Distrito Federal. Essa representação é fortalecida pelo
próprio Poder Público que a partir dos anos 20, através do decreto 2441, de 26/01/1921 e 1536
de 07/04/1921 estabeleceu a criação da Colônia Agrícola e Granja de Criação da Prefeitura,
localizada em Guaratiba, que torna-se, então, Fazenda Modelo para desenvolver atividades
167
FRIDMAN apud SANTOS; RIBEIRO, 2006, p.1.
168
MATTOS apud SANTOS;RIBEIRO, 2006..
169
WIKIPÉDIA. Freguesia é o nome que têm, em Portugal e no antigo Império Português, as menores divisões
administrativas. No Brasil, entende-se o bairro
ou o distrito municipal como equivalentes à freguesia. As primeiras
freguesias criadas no Rio de Janeiro eram sinônimos de paróquias ou seja, territórios e populaçoes subordinadas
eclesiasticamente a seus párocos.
217
para melhoria da qualidade da produção agrícola do Distrito Federal, além de criar várias
escolas rurais na região (MOTA, 2007). Até o ano de 1948, vinte e seis escolas rurais haviam
sido criadas, nos bairros de Santíssimo, Realengo, Senador Camará, Campo Grande, Magarça,
Vila Eugênio, Covanca, Padre Miguel, Emboabas e Guaratiba (MOTA 2007). De acordo com
Mota (2007), a criação da Fazenda Modelo, de um Matadouro Modelo e da educação rural,
demonstra as intenções do Estado em institucionalizar a região como área rural da cidade do Rio
de Janeiro, ao mesmo tempo em que estabelece um projeto de organização e controle sobre ele,
ao determinar as diretrizes para a educação rural.
Outra iniciativa relevante, no conjunto de iniciativas públicas destinadas a esta região
da cidade, foram as obras de dragagem feitas pela Diretoria de Saneamento da Baixada
Fluminense/DSBF, em Sepetiba (1935) e em Jacarepaguá
170
(1937), de inúmeros canais e valas,
permitiu que muitos pântanos e brejos fossem saneados, tornando as terras próprias para a
agricultura. Tanto a região da Baixada Fluminense (GRYNSPAN, 1998, p.8), quanto as
Baixadas de Sepetiba e de Jacarepaguá (SANTOS, 2006) receberam maciços investimentos
públicos de drenagem, com o objetivo inicial de fazer dessas áreas, um cinturão verde ao redor
do antigo Distrito Federal. No entanto, tais investimentos acabaram por gerar um efeito
contraditório, à medida que estimularam também um processo intenso de urbanização. A
valorização das terras, gerada pelas obras públicas de saneamento, estimularam a especulação
imobiliária e uma forte disputa de terras entre lavradores, grileiros e proprietários.
Deve-se ressaltar também que, a expansão de vias de comunicação tais como a estrada
Menezes Cortes (atual Grajaú-Jacarepaguá), a estrada do Joá, ligando a Barra da Tijuca a São
Conrado, a construção da Avenida Brasil, etc, e extensão das linhas de bonde e ônibus, também
contribuíram para o aquecimento do mercado imobiliário da zona Oeste (SANTOS, 2006).
Vianna (1992, p.94) assim descreve os contrastes entre os usos rurais e urbanos que se tornam
evidentes no Sertão Carioca:
“O subúrbio e o sertão, que coexistem em Jacarepaguá nesta primeira
metade do século, tornam evidente seu contraste ao observarmos as
diferentes construções da época: o subúrbio está presente nas chácaras,
sobrados e vilas, feitos com tijolos, cobertos de telha francesa,
170
Jacarepaguá é um nome de origem indígena que significa lagoa rasa de jacarés. O termo já revela a tendência
pantanosa da região.
218
guarnecidos de estuque e sacadas de ferro; o sertão é o domínio das
casas de sopapo
171
, chão de terra batida e cobertura de sapê.”
À medida que se desenvolve um processo mais intenso de urbanização da região e,
junto com ele, novos tipos de ocupação e uma nova lógica sobre o uso da terra, inicia-se um
processo de luta e resistência por parte dos lavradores, pelo direito de permanecer na terra, por
condições dignas de trabalho e pela manutenção das lavouras, em oposição à grilagem e
expropriação das companhias imobiliárias, sobretudo entre as cadas de 1940 a 1964
(SANTOS, 2006). Fazendo uso de Thompson (1998 b, p.152), pode-se dizer que a luta dos
agricultores do sertão carioca estava inserida em um consenso popular sobre o que eram práticas
legítimas e ilegítimas nas atividades de mercado. Defendia-se assim, o direito à terra, não como
valor de troca, mas como condição essencial de trabalho e reprodução social da família, além
da importância da produção agrícola local para abastecer a cidade.
Mais do que isso, tratava-se não apenas de uma luta por terras, grãos e trabalho, mas
também uma luta sobre como o passado e o presente deveriam ser interpretados (SCOTT, 1987,
p.90). Assim, destaca-se como ingrediente fundamental deste conflito fundiário, a construção
de um imaginário sobre este lugar que buscava afirmar suas feições rurais, que incluíam a
anterioridade dos agricultores na terra, resgatando seu papel desbravador desde o século
passado, em uma área ainda insalubre, repleta de charcos. Neste sentido, é justamente o
contraste com a crescente urbanização que acentua a percepção deste rural, amplamente
divulgado na imprensa como Sertão Carioca e, a construção de uma identidade social dos
lavradores de diversas localidades da região e de outras mais distantes, em prol de uma luta
comum, contra a expropriação de terras e falta de condições de trabalho para os agricultores.
A reconstituição deste embate é feita por Santos (2006) através da análise dos artigos
publicados, sobretudo, na pequena imprensa
172
, a partir dos quais o autor ressalta a importância
de mediadores tais como jornalistas, advogados, políticos ligados ao Partido Comunista que
abraçam a causa dos lavradores do Sertão Carioca e possibilitam a articulação desta luta a temas
culturais mais amplos, tais como, a valorização do trabalho no Governo Vargas, ou a diferentes
171
Casa de sopapo é a casa de pau-a-pique, que para ser feita, precisa levar sopapos do lado interno e externo de
suas paredes.
172
Imprensa Popular, Luta Democrática, Novos Rumos, Terra Livre, Tribuna Popular, Voz Banguense, Voz
Operária (SANTOS, 2006).
219
esferas, como a causa das donas de casa e a luta contra a carestia e a falta de abastecimento de
alimentos na cidade, além da formação de laços de solidariedade a movimentos sindicais e de
luta por moradia. Neste processo de luta, o termo camponês foi outra categoria política
apropriada pelos lavradores cariocas e lhes permitia identificarem-se como aqueles que
lutavam pelo direito à terra e que faziam parte das ligas camponesas.
173
O aparecimento das ligas está relacionado à ampla atuação do PCB em diversas regiões
do Nordeste, nos anos 1940, e que procurava engajar o trabalhador rural, aos trabalhadores
urbanos e, juntos combaterem os restos feudais que impediam o desenvolvimento do capitalismo
no Brasil, condição necessária para a posterior revolução socialista. Com a proibição do PCB,
em 1947, as ligas são desativadas e surgem novamente nos anos 50 e 60, em um contexto de luta
contra o latifúndio e a sujeição imposta pelos grandes proprietários de terra, vistos como um dos
principais entraves à modernização e à industrialização do país. O termo camponês, portanto,
surge no contexto da mobilização política, dando unicidade para a luta até então local e
específica de moradores, colonos, posseiros, caboclos, lavradores contra a opressão do patrão em
diferentes regiões do país, inclusive no Rio de Janeiro. Assim, a apropriação desta categoria
pelos lavradores cariocas dizia respeito também ao engajamento na luta política, como nas
demais regiões do país. Novaes (2001, p.235), neste sentido, destaca que as ligas camponesas
buscavam se apoiar em todo o aparato legal existente no país, enfatizando a “lei da nação
contra a “lei do patrão”.
O que deve ser ressaltado é que apesar de os agricultores cariocas se inserirem no
processo de luta das ligas camponesas, atuantes em diversos estados do Brasil, sobretudo o
Nordeste, o caso fluminense é especialmente relevante, pois na base dos conflitos está não o
latifúndio e o atraso, mas o processo de urbanização (GRYNSPAN,1998, p.4).
De acordo com Santos, em meados de 1946, é formada a Liga Camponesa do Distrito
Federal LCDF que contava com a participação dos lavradores da Baixada Fluminense e do
Sertão Carioca que uniram esforços para combater o mesmo processo de expropriação. Segundo
Santos (2006, p.7) a LCDF buscou criar ligas subsidiárias em cada localidade, tais como: a Liga
173
O termo camponês, tal qual é utilizado neste trecho, surge no Brasil como uma categoria de autodefinição por
parte de posseiros, arrendatários e pequenos proprietários de terra em um contexto de luta entre os anos 40 e 60,
contra processos de expropriação de terras em diversas regiões do país, mas sobretudo no Nordeste.
220
de São João de Meriti, de Nova Iguaçu e Paracambi, interligadas pelo mesmo ideal, com a mais
distante Liga Camponesa de Jacarepaguá.
A partir dos anos 50, com a clandestinidade do PCB, o termo liga camponesa não
constava mais nos nomes das associações, como é o caso da Associação de Lavradores da
Fazenda Coqueiros (Santíssimo), identificada por Santos (2006), em 1951. no ano de 1954,
referências na Imprensa Popular
174
da ida de lavradores do Sertão Carioca à Câmara
Municipal, acompanhados das delegações das Associações de Lavradores de São Bento (Duque
de Caxias) e Pedra Lisa (Nova Iguaçu). A partir de 1956, Santos (2006b, p.7) identifica a
Associação Agrícola de Jacarepaguá, a Associação de Lavradores e Posseiros de Piaí (Sepetiba),
a Associação de Lavradores de Campo Grande e a Associação de lavradores do Mato Alto. Em
abril de 1958 é organizada a I Conferência de Lavradores do Distrito Federal, que elaborou um
documento final a Carta do Lavrador que denuncia: os lavradores tomam posse de terrenos
abandonados, ‘levantam sua residência, gastam suas energias em preparar a terra, tornando-a
útil e produtiva, além de levantar as benfeitorias, com esforço de toda a família ou de inúmeras
famílias que se agrupam (SANTOS, 2006, p.7). Destaca-se neste trecho, portanto, a
anterioridade da chegada dos pequenos produtores e a penosidade do trabalho familiar e seu
caráter produtivo, como categorias que permitem acionar o direito a permanecer na terra e fazer
frente ao processo de grilagem que ocorria nas terras do Sertão Carioca.
4.3. 1 - A vitória do urbano
Os anos 60 trazem um conjunto de mudanças no plano da política nacional e da cidade
que se desdobram na disposição geográfica da cidade e nos diversos movimentos populares,
entre eles, a luta dos lavradores. O golpe militar de 64 produz um silenciamento do debate
político na sociedade brasileira. No plano estadual, a eleição de Carlos Lacerda como governador
do Estado da Guanabara inaugura uma nova proposta para a cidade, marcada pela idéia de
desenvolvimento e integração, privilegiando a construção de vias de comunicação entre os
bairros. Além de mudar a geografia da cidade, data de seu governo, os projetos mais tarde
concretizados das vias expressas como a Linha Vermelha e Linha Amarela. No Governo
174
Imprensa Popular, 10/08/1954, p.6 apud SANTOS, 2006 b, p. 8.
221
Lacerda, portanto, a agricultura foi suplantada pelos ideários de urbanização e remodelação da
cidade. Para Santos (2006 a, p.10), uma decisão emblemática desta postura, foi a extinção da
Secretaria de Agricultura e o novo zoneamento da cidade, que atribui ao Sertão Carioca um novo
nome – Zona Oeste - e, novas funções: residenciais e industriais.
A vitória de um projeto de ocupação da região de caráter urbano é confirmada por Mota
(2007) que destaca que o projeto de educação rural implantado pelo Estado nas décadas de 20 e
30 não foi capaz de fixar os trabalhadores na terra, pois estes não encontraram meios para sua
reprodução econômica. Apesar disso, a autora identifica o que ela chama de uma memória rural
através de certa continuidade de algumas políticas públicas que insistem na preservação de
características rurais da região, que serão discutidas mais à frente.
Vianna, ao referir-se ao crescimento populacional e à expansão urbana da Baixada de
Jacarepaguá, como título a um dos capítulos do seu livro O sertão que virou zona Sul, em
uma alusão ao processo de valorização de suas terras e à crescente ocupação de suas áreas por
uma burguesia em expansão, que buscava reproduzir nas faixas litorâneas da Barra da Tijuca e
do Recreio e nas regiões mais interioranas, um estilo de vida próximo daquele associado à zona
Sul, com preços menos inflacionados e em áreas ainda pouco ocupadas. A busca de maior
proximidade com a natureza, a possibilidade de sair do apartamento” e morar em casa”, onde
os filhos tivessem espaço para brincar, faz parte do discurso dos novos moradores que ali se
estabeleceram.
O grande número de empreendimentos imobiliários e a grande oferta de empregos na
construção civil acabaram por atrair outro tipo de morador, que ia de encontro ao projeto elitista
de ocupação da região pelos moradores de maior poder aquisitivo que buscaram ali estabelecer
seu novo status. São os bairros populares, formados originalmente por removidos de favelas da
zona Sul e operários vindos de outras regiões do país, que findadas as obras, permaneciam na
localidade e traziam parentes em busca de melhores oportunidades de trabalho.
Quanto aos antigos habitantes do Sertão Carioca, Vianna (1992, p.111), assim descreve:
“(...) encontramos tanto os que se aproveitaram das novas
circunstâncias para lucrar com a venda de terrenos, quanto os que,
como se não entendessem que mudara seu local, tentavam ferozmente
conservar seus hábitos e suas posses, lutando contra as ofertas de
compra de seus terrenos, sempre mais tentadoras. O preço de seus
produtos não permitiria que triunfassem sobre a concorrência dos
222
supermercados, e a agitação da vida urbana foi conquistando o espaço
de suas hortas. Mas a eles devemos alguns dos traços dos bairros
atuais que mais encantam moradores e visitantes, como se fossem
sobrevivências de outras épocas.”
A idéia de reminiscência de outros tempos, resistência à pressão imobiliária e à
concorrência do grande mercado são elementos acionados pelos agricultores da Zona Oeste, na
atualidade, para exemplificar sua situação atual - “nós não desistimos porque somos teimosos”,
diz um agricultor residente na região do Rio da Prata, no bairro de Campo Grande, em alusão às
suas dificuldades para a manutenção de sua atividade agrícola. A percepção da crise está ligada
à dificuldade de correlacionar as necessidades e sua satisfação (CÂNDIDO, 1971, p. 23).
Contudo, a percepção da decadência e abandono da agricultura no maciço, acionada pelos
próprios agricultores e outros atores sociais, tem adquirido novos contornos quando sobre elas
recaem os valores do ambientalismo conforme será mostrado no capítulo cinco.
4.4 - Maciço da Pedra Branca: o campesinato frente à cidade
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1978, p.47) ao analisar as relações campo-cidade
ressalta que estas não foram sempre definidas pela heterogeneidade ou pela polaridade. Elas
dependem, segundo a autora, dos tipos de cidades brasileiras, de suas funções regionais e de sua
dependência ou não com o meio rural circundante. As pequenas e médias cidades que pontilham
o interior do país, ressalta Queiroz (1978, p. 47), estabelecem um vínculo intenso com seu meio
rural circundante. Elas existem como centros político-administrativos, mas são essencialmente
consumidoras dos produtos do campo. Já em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São
Paulo, afirma a autora, o desenvolvimento cada vez maior da tecnologia leva a cidade a se liberar
do campo e a impor a este seu estilo de vida e sua estratificação social de base econômica.
Para Queiroz (1978), foi a riqueza do café que possibilitou a prosperidade de cidades
como Rio de janeiro e São Paulo, tornando-se centros de um consumo diversificado e um modo
de vida citadino, marcadamente contrastivo com o modo de vida rural. Ou seja, é antes a
implantação de um estilo de vida burguês, a partir de 1820, que estimula o desenvolvimento
urbano, antecedendo a industrialização. Queiroz, a este respeito, destaca como esse contraste
223
mais cultural do que econômico entre o modo de vida da cidade e do campo aparece em obras
literárias da época, como as de Martins Pena e Joaquim Manoel de Macedo. Vem daí, segundo a
autora, imaginário do sertão como isolamento, ausência de civilização em contraste com a
civilização européia e a vida aburguesada. Posteriormente, a industrialização que ocorre após o
aburguesamento das cidades traz uma verdadeira ruptura ao seu meio rural mais próximo, que
não podem mais depender de uma produção agrícola rudimentar e passam a buscar em regiões
mais distantes uma produção de massa, através de meios de comunicação modernos e rápidos.
Fukui apud Queiroz (1978) descreve processo semelhante ao caso do Rio de Janeiro, ao
estudar a ligação do Sertão de Itapecerica com a cidade de São Paulo. Em fins do século
passado, partiam dali cargueiros para o mercado do centro da cidade, levando a produção dos
sitiantes tradicionais; pouco a pouco, o desenvolvimento da cidade os impeliu sucessivamente
para os mercados de Pinheiros, Santo Amaro, Itapecerica da Serra; finalmente a impossibilidade
de encontrarem escoamento para a produção levou-os a tornarem-se carvoeiros e, mais tarde, a
venderem pouco a pouco suas terras para “sítios de finais de semana”, de citadinos atraídos pela
abertura da BR_2 e pelo baixo preço dos terrenos.
Para Queiroz, portanto, as grandes cidades parecem repetir um processo de decadência
de sitiantes tradicionais
175
no seu entorno, à medida que passam a exigir outras formas de
abastecimento em massa e de forma mais tecnificada.
“Vemos que o desenvolvimento industrial rápido de um
centro urbano nem sempre melhora ou transforma a existência dos
sitiantes tradicionais que anteriormente o abasteciam, podendo até
jogá-los no isolamento, na decadência.” (QUEIROZ, 1978,p. 55)
A idéia de isolamento ou ruptura, utilizada por Queiroz (1978), não diz respeito a um
isolamento físico, mas sim ao fato de que, na verdade, mudou o lugar e a relevância desta
agricultura no conjunto de atividades econômicas que se desenvolveram no plano das grandes
cidades como o Rio de Janeiro, exercendo seus efeitos sobre os usos e significados sociais
atribuídos ao espaço. A sofisticação da análise da autora consiste em perceber que, ao contrário
da idéia presente no próprio Sertão Carioca, de que quanto maior o isolamento, maior a
175
Termo utilizado pela autora.
224
preservação dos padrões de vida e sociabilidade das populções rústicas, foi justamente a
integração econômica e social dos pequenos produtores aos centros urbanos que garantiu,
durante certo tempo, sua vitalidade. A decadência das atividades agrícolas, na região estudada,
fez com que novas formas de ocupação e uso do solo se desenvolvessem ao longo do tempo. A
agricultura praticada na zona Oeste, na atualidade, apesar de não ter desaparecido, realiza-se, de
fato, em condições extremamente desfavoráveis, além de ser quase totalmente desconhecida
para a maior parte da população da cidade. A percepção da decadência, ou de que esta atividade
não tem mais a importância que possuía no passado, é uma avaliação que também fazem os
pequenos produtores, revelando uma certa aceitação resignada da definição dominante da sua
identidade (BOURDIEU, 2006, p.124)
Os contrastes entre usos rurais e urbanos no maciço da Pedra Branca são reflexos do
processo de desenvolvimento econômico da cidade do Rio de Janeiro, alterando o lugar e a
importância outrora ocupados por essa agricultura local. Apesar do processo crescente de
ocupação urbana em direção à zona Oeste, algumas áreas ou propriedades ainda persistem como
áreas agricultáveis nas quais os agricultores mantêm seus cultivos e tentam afirmar uma
tradição/identidade agrícola, apesar de inúmeras adversidades.
Os anos 70 foram identificados como uma espécie de marco, que apontou o início de
um período de decadência da agricultura no maciço. A criação do PEPB, em 1974, traduz-se
como um marco institucional deste processo e representa a consolidação de uma ação do
Estado, orientada por concepções conservacionistas para fazer frente ao processo de
urbanização que ameaçava as encostas desta região. Seus efeitos sobre a agricultura praticada no
local foram contraditórios. O Padre Lúcio Zorzi da paróquia São João Evangelista responsável
dentre outras comunidades
176
pela região do Rio da Prata, afirma que houve uma significativa
recomposição da floresta, com a redução da prática agrícola, desde então. Mas chama atenção
que foram os agricultores que ali permaneceram, os responsáveis pela manutenção desta área
protegida: se hoje ainda existem áreas preservadas, isto se deve a presença dos agricultores
que permaneceram no maciço. Mas, completa o Padre, de forma contundente: a forma como o
Estado implantou o Parque foi criminosa (em entrevista, 09 nov. 2007), em referência ao fato
de que a recomposição florestal se deu às custas do sufocamento da atividade agrícola no
176
Termo utilizado pela própria paróquia.
225
maciço e da criminalização das atividades exercidas pelos agricultores por parte dos agentes
ambientais. Um exemplo da situação de constrangimento legal em que se viram os pequenos
produtores do maciço, diz respeito à notificação
177
que eles (tendo que garantir o seu sustento
através do uso da terra) eram obrigados a assinar, cientes do impedimento de qualquer uso
direto dos recursos naturais nos limites do Parque.
As restrições legais e econômicas impostas à agricultura, acrescidas da melhoria do
sistema de transportes e integração viária entre os bairros da cidade, fizeram com que as partes
mais altas do maciço outrora ocupadas por sítios e cortadas por caminhos que atravessavam a
cidade, ficassem cada vez menos utilizadas. Houve um processo de descensão espacial das
famílias de agricultores que buscaram se estabelecer em áreas mais baixas. Alguns preservaram
seus sítios originais nas cotas mais altas, outros venderam e mudaram de atividade. casos de
famílias que venderam suas propriedades, porém mais tarde, seus descendentes voltam para a
região, através da compra de uma outra propriedade ou da ajuda de um parente próximo que cede
um pedaço de terra para a construção de uma casa. Embora seja resultado da solidariedade entre
vizinhos e parentes, eventualmente alguém destaca que este ou aquele vizinho mora de favor.
“Tem pessoas aqui que tem casa porque as pessoas fazem uma
vaquinha e faz as casas, sabe. ‘Vamos fazer?!’ Mesmo de estuque, a
gente faz, faz aquele quarto de repente. Bota uns compensado e entra
pra dentro. Já não está na rua. Aí, a gente arruma um fogão, arruma um
móvel velho que tiver e dá para aquela pessoa.” (Dona Lila, jan.2007)
A expressão utilizada pelos moradores - sou nascido e criado aqui - revela-se aos poucos mais
complexa, à medida que os moradores, através de suas histórias de vida, revelam certa
mobilidade espacial sobre o território, que gradativamente se apresenta com detalhes.
“Quando meu avô morreu, meu pai ganhou de herança um terreno,
no Sítio Paulista, um sítio para cada filho, aqui pertinho na Estrada do
Cabungui
178
, embaixo. Meu pai voltou pra cá, porque diz ele que
não gostava lá de baixo. Aí trocou com meu tio. Mas o tio já faleceu e
vendeu o terreno. Os parentes deles ainda moram lá, mas não no Sítio
Paulista que foi vendido. Depois que meu tio vendeu o Sítio Paulista,
passou na mão de três donos. A casa de meu pai era ali adiante. Quem
177
Anexo 8: o documento apesar de não ter data, deve ter sido emitido no período entre a criação da Fundação
IEF em 1988 e 1992, período em que a sede administrativa do PEPB ainda não havia sido transferida para a
localidade do Pau da Fome, conforme pode ser observado no endereço que consta no mesmo.
178
Localizada no bairro de Vargem Grande.
226
estava morando lá, era meu irmão mais novo. Mas aí, a esposa dele
ficou doente e ele foi morar embaixo que tem mais condições. Mas
ainda tem a casa que eu fui criada. Meu marido foi criado no lado de
lá, no Morro Redondo. Aqui é Serra do Cafundá. vira para o outro
lado, é que é Morro Redondo. Eu morava no morro de lá, quando
casei vim para cá.” (Dona Francisca, mar.2007)
A partir dos anos 90, com o crescimento demográfico na Zona Oeste, uma outra
tendência de ocupação no maciço; desta vez, ascendente e impulsionada por moradores de
classe média e alta que compram terrenos baratos dos antigos proprietários e, por moradores de
classe popular ou descendentes dos antigos moradores que buscam alternativas de moradia.
4.4.1 - Memórias e lembranças de um campesinato pluriativo
Na memória dos agricultores da região do Pau da Fome, na Taquara, e em Vargem
Grande não houve nenhuma referência ao movimento das ligas camponesas ou a algumas das
associações agrícolas atuantes entre a década de 40 e 60, citadas por Santos (2006). Entretanto,
através da coleta de histórias de vida dos moradores mais velhos, pôde-se resgatar a vivência de
alguns ciclos econômicos do maciço, das lembranças sobre a fabricação de carvão, as
plantações de laranja, as de chuchu, quiabo e outros legumes. No relato de uma antiga
moradora, no bairro de Vargem Grande, encontramos com detalhes a descrição do processo de
fabricação de carvão:
“Faz o balão, forra ele todinho de folhas verdes, depois que está forrado,
bota terra, depois bota fogo. vem botando torinhas de lenha em cima pra
ele incendiar. Tem que fazer escada.Vai botando torinha de lenha até ele
arrasar. Aí o carvão está pronto.(...)
227
FIG. 9
Carvoeiros: o balão em pleno funcionamento. Ilustração de A. M, Corrêa. O Sertão Carioca,
1936.
Magalhães Corrêa, no Sertão Carioca, retrata os sertanejos no ato de construção do
balão de carvão e não pôde deixar de manifestar sua preocupação, tanto com a devastação das
matas, quanto com a atividade econômica controlada por comerciantes que exploravam os
pequenos produtores. Nas memórias de Dona Nédia também vem à tona o caráter subordinado
desta atividade, ao enfatizar o controle da produção pela família Vieira que detinha grande
quantidade de terras na região:
“Meu pai fazia o carvão e fazia compra no armazém de João Vieira. Tinha
mês que ele fazia, levava carvão, ia levando, ia fazendo compra. Aí, quando
chegava no fim, quando acabava de fazer o balão, ele ia lá e dizia: ‘Seu
João, quanto eu estou devendo aí?’ Ele apanhava o lápis, fazia a conta...
‘Oh Manel, você ainda está me devendo tanto.’Aí meu pai voltava e ia
fazer carvão de novo. Tornava a continuar fazer compra. Ele nunca tinha
um dinheiro, para dizer esse dinheiro é meu, de chegar na mão. Finado João
Vieira vendia do jeito que ele queria. Dali, mandava o carvão para baixo,
no Tanque
179
tinha uma carvoaria grande, era onde recebia o carvão daqui
que meu pai fazia. (...) Meu pai trabalhava na agricultura. Meu pai quando
criou a gente, criou a gente fazendo carvão. Naquela época podia fazer.
179
Um dos sub-bairros de Jacarepaguá.
228
Trabalhava naquele morro lá. Tinha semana, que a gente ficava a semana
inteira fora de casa lá, vigiando o balão.
A ênfase no trabalho árduo da produção do carvão, em combinação com a lavoura de
subsistência (GARCIA JR, 1983, p.16), aparece como condição necessária para a satisfação das
necessidades de consumo da família. De acordo com Wolf (1970, p.31), as famílias camponesas
têm que lidar com o eterno problema de contrabalançar as exigências do mundo exterior, em
relação às necessidades de seus familiares, optando ou pelo incremento da produção ou pela
redução do consumo. Essas escolhas, contudo, são feitas a partir da avaliação subjetiva das
famílias a respeito do equilíbrio entre a penosidade do trabalho e a satisfação da demanda
familiar.
No intervalo, que ele estava esperando o balão queimar, ele plantava outras
coisas: tomate, feijão, milho, tudo isso. A minha mãe fazia comida, botava
na cabeça, subia e levava para ele. Chegava lá, levava almoço e janta.
ele almoçava e guardava. Tarde pra noite ele jantava. Ele vinha para
casa quando dava para puxar o balão. Aí, descia no burro. O finado João
Vieira, irmão de Nico Vieira, tinha 18 burros. Tinha dia que desciam os 18
burros carregados, tudo de carvão que a gente fazia. É assim que nós fomos
criados, com sacrifício. (Dona Nédia, mar. 2007).
A lembrança dos ciclos agrícolas, em particular, o do carvão e da laranja, pode ser o
que Pollak (1992, p.2) define como marcos ou pontos invariantes do discurso que servem para
organizar fatos e acontecimentos pessoais. Mesmo os mais jovens que o viveram de fato este
período incorporam estes acontecimentos como referências para a organização da história do
grupo ao qual pertencem. Trata-se, portanto de uma memória herdada ou vivida por tabela
(POLLAK, 1992) que possibilita a construção de um sentimento de identidade e pertencimento.
Junto à descrição da atividade referências aos marcos geográficos onde a produção era
realizada como a Pedra da Mãe A onde os carvoeiros faziam seus ranchos e permaneciam por
muito tempo, ou a Toca da Farinha onde se produzia farinha de mandioca.
A referência à produção de carvão apresentou-se mais marcante nas lembranças dos
entrevistados pertencentes às famílias dos trabalhadores de fato envolvidos na extração do
229
carvão. Esta aparece então como uma atividade marcante para a manutenção das famílias,
realizadas em combinação com outras culturas de subsistência. A venda de carvão, junto com
outros produtos orientados ao mercado permitia a compra de bens que não eram produzidos pela
unidade familiar.
O relato acima é revelador da memória do trabalho na agricultura como parte da
identidade social da moradora. Além disso, descreve a combinação entre a produção familiar e o
trabalho assalariado na atividade extrativa do carvão. Na lembrança de Dona Nédia, a queima
do carvão não é percebida como danosa ao meio ambiente, visto que, segundo ela, ao término
do corte das madeiras, se observava o brotamento da vegetação. O que parece orientar a
leitura deste passado é a atual normatização sobre o uso da terra e os recursos naturais,
introduzida pela legislação ambiental, progressivamente dificultando as práticas agrícolas e
extrativistas dos moradores do maciço da Pedra Branca. Naquela época podia fazer carvão,
não era proibido, agora não pode mais, relata Dona Nédia. O contraste entre o passado e o
presente também é acentuado a partir da possibilidade de variedade de culturas que propiciavam
o abastecimento da casa e revelam também a relevância da agricultura para o sustento
doméstico, que diferente do que ocorre na época atual, há o predomínio da cultura da banana e
do caqui que são basicamente para o mercado.
FOTO 15
Família de pequenos produtores no maciço da Pedra Branca, em Vargem
Grande. A foto é da década de 40 e pertence à família Nunes Batista.
230
Corrêa, no seu Sertão Carioca, no qual descreve e ilustra o processo de fabricação
do carvão, há grande ênfase sobre os danos ambientais desta prática feita sem nenhum critério
de seleção de madeiras pelo carvoeiro, prática que, a longo prazo, colocaria em risco a
preservação da natureza e a própria reprodução social dos sertanejos. Contudo, o autor atribui
parcela de culpa importante aos estrangeiros verdadeiros capitalistas
180
que desvirtuavam os
sertanejos de suas funções essenciais, explorando-os de forma arbitrária.
181
“Mas o mais terrível inimigo da nossa gente é o intermediário, geralmente
estrangeiro, que ali aparece com o respectivo auto-caminhão, para arrematar
tudo, não deixando nenhum lote, para vender depois pelo preço que bem
entende.” (CORRÊA, 1936, p. 90)
Na fala de Dona Nédia, embora haja ênfase na exploração do trabalho no processo de
extração do carvão, esta atividade aparece também relacionada a um período de dinamismo
econômico do maciço, frequentemente reforçado pela lembrança do número de sacos de carvão
ou dos dezoito burros da família Vieira. Um número impressionante para agricultores que
possuem um ou dois burros, na atualidade.
FIGURA 10
A tropa de banana. Ilustração de A.M.Corrêa. O Sertão Carioca, 1936.
180
Expressão utilizada por Corrêa apud Sarmento, 1998, p.17.
181
Nas memórias dos agricultores, há referências vagas sobre italianos e portugueses no maciço.
231
De fato, a família Vieira concentrava a maior produção de banana na região de Vargem
Grande. Segundo relato das descendentes de Nico Vieira
182
, esta atividade agrícola, combinada
com a compra e venda de terrenos, possibilitou a sua família uma boa condição social. O
patrimônio da família começou a ser construído desde o século XIX, com Elisiario Ferreira
Vieira, pai de Pedro, Nico (Antonio)
183
, João, Elisia e Ruth. Os três irmãos homens foram aos
poucos adquirindo terrenos em Vargem Grande. Em maior escala Nico e João Vieira, que
Pedro, além dos terrenos em Vargem Grande, também adquiriu vários imóveis na região da
Praça Seca/Campinho e diversificou suas atividades. Assim, a família Vieira chegou a ser dona
de grande parte de Vargem Grande e, conforme os interesses, negociavam os terrenos. Segundo
Dona Lili (Amir Vieira Siqueira), filha de Nico, seu pai vendia três caminhões de banana por
semana. Seu tio, João Vieira, além da banana e do carvão, era proprietário do único armazém
da região, apelidado pela população local de Tira-Couro, devido aos preços elevados das
mercadorias, como confirma sua sobrinha e revela a prática do barracão
184
descrita na citação
de Dona Nédia. O armazém não existe mais, contudo o trecho onde ele estava localizado ainda
tem o mesmo nome, como prova de que o nome atribuído ao estabelecimento, em referência à
denúncia das relações de exploração, ficou gravado na memória social de Vargem Grande.
Na lembrança de Dona Lili, filha do patrão, a fabricação de carvão era uma atividade
muito menos expressiva se comparada à produção da banana. Segundo ela, o carvão dava muito
trabalho e não tinha quem fizesse em grande quantidade. A sua função principal era limpar o
terreno para a preparação do bananal: cortavam-se os paus grandes e mandava fazer e depois
vendia no antigo mercado de Madureira. A produção de laranja também foi destacada como
relevante, mas sem dúvida, a banana destacava-se como principal produto, segundo Dona Lili.
A pouca ênfase dada por essa informante, em relação à produção comercial do carvão, contrasta
com o fato de que esta era uma atividade economicamente relevante para as famílias mais
pobres que conseguiam uma renda através desta atividade mais concentrada, e bem menos
marcante para as famílias mais abastadas. Além disso, existe um vínculo afetivo de Dona Lili
ao falar do bananal, porque diz respeito ao seu pai. Foi fruto do esforço de seu pai.
182
Nico Vieira era o apelido de Antônio Ferreira Vieira.
183
Nico Vieira viveu 95 anos. Ele nasceu em 1894 e faleceu em 1989.
184
. Barracão – “armazém no interior dos engenhos onde os trabalhadores se abasteciam, gerando uma dívida que
dificilmente seria paga.” (MEDEIROS, 2003, p. 17).
232
Mesmo sem explorar a banana, na terra adquirida por herança, Dona Lili faz questão de
cuidar da propriedade herdada do pai; com 81 anos, ela sabe da época em que a plantação deve
ser roçada e permite que um pequeno agricultor comercialize as bananas de seu terreno, em
troca da manutenção do mesmo.
Dona Lili revela também que Seu Nico, além da lavoura, possuía muitas casas
alugadas. Assim, fica claro que a família Vieira desenvolveu uma lógica capitalista sobre a
agricultura que mais tarde permitiu a diversificação de suas atividades.
A descrição da trajetória da família de Nico Vieira também é significativa para mostrar
a alteração da dinâmica econômica, dos usos e controle da terra na região. Nico Vieira teve
cinco filhos, três deles trabalharam ativamente com a produção de banana. Quando morreu,
cada filho herdou 48 mil m2 de bananal. Na atualidade, nenhum membro da família Vieira
explora a produção de banana. Aos poucos, foram diversificando as atividades e vendendo os
terrenos. Ainda hoje são possuidores de propriedades em Vargem Grande, algumas delas acima
da cota 100m, ou seja, no Parque Estadual da Pedra Branca, mas não desenvolvem nenhuma
atividade. Segundo relato de sua neta (filha de Dona Lili):
“Meus tios, uns venderam, outros deixaram para lá, perderam.
Perderam que eu digo, tem o documento, mas não vão lá, não ligam.
Tem banana, mas não quiseram cuidar não gostam, morreram, foram
passando para outras gerações então foi passando... Assim, foram
deixando pra lá.(...) Tem pessoas da família que deixaram jogado, já
até invadiram, tem gente morando em bananal deles, mas tem uns que
gostam, outros não, né.”
Com o fim do ciclo do carvão, a partir da criação das florestas protetoras da União em
1941, permaneceram as pequenas culturas já existentes e junto com elas, uma série de serviços,
muitas vezes ligados à agricultura, que permitiam aos lavradores complementar sua renda, tais
como: as empreitadas de roça
185
, colheita, transporte e venda dos produtos agrícolas.
No Sertão Carioca (1936) são descritas várias atividades artesanais ligadas ao
extrativismo ou dependentes dos recursos naturais disponíveis na região, como o trabalho das
esteireiras que faziam uso da taboa, do junco e a tiririca recolhidos nos campos e lagoas; os
cesteiros que se utilizavam cipó ou bambu em seus balaios, peneiras e jacás; os tamanqueiros
que buscavam madeira leve para fazer fôrmas de sapateiro, tamancos, colheres de pau, gamelas,
185
Limpar o terreno, prepará-lo para a lavoura.
233
etc; os cabeiros que retiravam das matas, troncos adequados para fabricar cabos para os
instrumentos agrícolas e domésticos; os oleiros que produziam telhas, tijolos e vasos de
cerâmica e muitos outros tipos.
A especialização na construção de casas de pau-a-pique também era outra atividade
bastante valorizada no Sertão Carioca. Seu Tilinho, morador da região do Cafundá de Guaratiba
no bairro de Vargem Grande, em sua conta, lembra ter construído cerca de setenta casas de
pau-a-pique.
FOTO 16
Preparação do barro para a fabricação da casa de pau-a-pique, estuque ou também chamada de casa
de sopapo. Foto de 1986, cedida por Seu Tilinho (o quinto da esquerda para a direita).
234
FOTO 17
Estrutura da casa de pau-a-pique, feita com bambu, que receberá o barro. Trata-se de uma das
atividades artesanais mais valorizadas entre os pequenos produtores do maciço da Pedra Branca.
FOTO 18
Seu Tilinho fabricando uma cangalha. Objeto
colocado sobre o lombo dos burros que servem
para a fixação dos jacás, cestos de cipó onde a
carga é transportada (maio de 2007).
Observa-se na imagem, o orgulho e a satisfação
do artesão em apresentar sua arte e explicar os
detalhes de sua produção. O artesanato
doméstico é outra ocupação familiar importante
para a fabricação de bens necessários ao trabalho
agrícola.
235
Falecido aos 84 anos, em 2007, Seu Tilinho fazia, mediante encomenda, cangalhas de
couro de falo ou boi, com armação de bambu, para os burros carregarem os cestos com
bananas. As cangalhas eram vendidas por cem reais, representando um complemento para sua
aposentadoria. Seu Tilinho também construía chocadeiras elevadas feitas de cipó para evitar que
outros animais roubassem os ovos das galinhas.
Assim, além dos serviços ligados à agricultura, a criação de pequenos animais e de
atividades extrativistas, o trabalho em casa de família, a costura ou o comércio eram alternativas
de complementação de renda para as mulheres, assim como a construção civil, a jardinagem e as
atividades de revenda de produtos agrícolas, extrativistas ou artesanais em feiras e mercados do
subúrbio, entre outras atividades, para os homens.
Vianna (1992) também ressalta que os moradores mais pobres podiam ainda dedicar-se
a explorar elementos da paisagem pouco controlados pelos proprietários de terras, tais como o
capim para forragem, a venda da areia de rio para construção, terra estrumada para plantações e
jardins, e ervas para fins medicinais, religiosos ou decorativos. A descrição dessas atividades,
permite constatar a alternância do caráter autônomo de realização do trabalho, baseado no uso
da mão-de-obra familiar, e em certas circunstâncias, subordinado, através da venda de sua
força-de-trabalho (GARCIA JR, 1983, p. 58).
Os moradores mais antigos ou seus descendentes, que se identificam como agricultores,
ao serem questionados sobre suas atividades destacam: nasci na agricultura, desde pequeno
ajudava meu pai, ao longo da conversa outras atividades profissionais eram descritas, mostrando
que a agricultura, no maciço da Pedra Branca, sempre esteve articulada a outras atividades. No
caso das mulheres entrevistadas, era frequente a identificação como agricultora e em seguida,
eram feitas algumas ponderações indicando que determinados conhecimentos sobre a terra e o
manejo cabiam ao marido, enquanto elas cuidavam mais da feira e do apoio às atividades
cotidianas, identificando, portanto, a divisão do trabalho familiar organizado em esferas
masculinas e femininas (HEREDIA, 1979, p. 154). Houve casos também em que primeiro eram
destacadas outras atividades tais como a costura ou o emprego em casa de família, para depois
surgir a expressão: Trabalhava na feira, eu e meu marido. Vendia tudo. Tudo que ele plantava, a
gente vendia. Feira da Praça Seca, feira da Taquara, Vicente de Carvalho e Cascadura. Esses
relatos comprovam a combinação entre a agricultura e outras atividades desde longa data no
236
maciço da Pedra Branca e que estas assumem diferentes formas de acordo com as trajetórias
individuais, o ciclo de vida e organização do trabalho familiar.
Diversos estudos dedicados ao campesinato procuram mostrar como a atividade
agrícola, historicamente esteve associada a práticas econômicas diversas, e que justamente estas
garantiam a manutenção e reprodução social das famílias agricultoras, devido à natureza sazonal
das culturas, o tamanho das terras disponíveis, a quantidade e a idade da mão-de-obra familiar.
Assim, a atividade agrícola, combinada com atividades não-agrícolas, ou exercida de forma
alternada, pode ser uma alternativa, de acordo com os diferentes ciclos de vida dos membros da
família e sua inserção nas atividades econômicas existentes. Contudo, essa possibilidade parece
estar ancorada a uma origem ou passado familiar na agricultura. As citações abaixo evidenciam
critérios tais como: gosto pelo plantar, a necessidade de complementação da renda familiar,
assim como a possibilidade da terra garantir a reprodução social da unidade familiar em níveis
satisfatórios, como condicionantes para a atividade agrícola:
“Quando meu marido morreu deixou esse terreno e falou: olha
deixando esse terreno pra quem gosta de plantar, mas meu garoto gosta
de negócio de sacolão. Ele não planta nada. Só quem mexe com
lavoura é meu genro”. (Dona Francisca, jan.2007)
“Meu genro trabalha numa empresa de transportes, faz biscate como
pedreiro e planta aipim, milho, coco, outras frutas”. (Dona Francisca,
jan. 2007)
“Trabalhei quatorze anos na feira, com meu cunhado. depois eu
tive que mudar de profissão porque dois na feira não ia dar. Como ele
tinha dois terrenos e eu tinha um que era menor. Ele ficou
vendendo minha parte da produção e eu trabalho agora como
eletricista”. (Gilson, 46 anos, morador de Vargem Grande)
A possibilidade de plantar também está relacionada ao controle da terra que envolve
questões relacionadas à partilha, à venda, a novos arranjos feitos a partir de casamentos ou
contingências familiares que impõem formas de mobilidade espacial sobre este território.
Ao caminhar nas serras de Vargem Grande constata-se a existência de ruínas de casas e
até mesmo de um armazém bem acima da cota de 400m, indicando no passado, um dinamismo
237
espacial mais intenso nas áreas mais altas do maciço. Seu Enedino, agricultor da região do Rio
da Prata em Campo Grande, confirma esta tendência: antes tinha muito mais gente aqui em cima,
depois, foi concentrando embaixo. Assim, outrora, muito mais povoado do que hoje, o maciço
da Pedra Branca tinha suas partes altas ocupadas e os caminhos entre as encostas eram muito
frequentados para alcançar os diversos bairros da cidade. A travessia de Campo Grande para
Vargem Grande, Camorim ou Taquara, por exemplo, era muito utilizada para transportar as
mercadorias para os mercados de Cascadura, Madureira e outros. Assim, essas trilhas no
passado podiam ser percorridas a pé, de burro ou a cavalo, mais rápido do que através dos
transportes urbanos disponíveis da época. Ainda hoje, um agricultor residente na vertente do Rio
da Prata mantém redes de sociabilidade e arranjos de trabalho mais intensos na vertente de
Vargem Grande, deslocando-se pelos caminhos do maciço.
A variedade de culturas do maciço faz então Seu Enedino lembrar que antigamente
era preciso comprar o sal, se fazia farinha e outros produtos... Sua esposa, Dona Marli, contudo,
em outro momento, ao apresentar com orgulho suas plantações, afirma: se falta café tem
chocolate, se falta carne tem ovo, se falta gás, tem lenha. Segundo Garcia Jr.(1983, p. 16) a
agricultura de subsistência é aquela que permite estabelecer padrões e normas de reprodução
socialmente aceitáveis. A ambiguidade das falas sugere a ênfase de Seu Enedino ao passado de
dinamismo da produção local, à possibilidade da agricultura no passado permitir melhores
condições de reprodução social dos moradores do maciço, enquanto Dona Marli chama atenção
para o fato de que a produção familiar tem importante papel na manutenção da casa.
Além das atividades cotidianas no sítio, Dona Marli gosta de desenhar (veja na página
seguinte)
186
, escrever e fazer músicas como a que está citada abaixo. publicou um livro de
poemas e no momento junta recursos para publicar outro.
Gosto do meu pedaço de serra
Gosto do meu pedaço de chão
Planto a semente na terra
Para colher o meu pão
Quando cai a chuva
Fica tudo enlameadinho
Não tem asfalto
Fica cheio de lama o caminho
Mas nosso Deus, o nosso criador
186
Desenhos e versos feitos por Dona Marli, moradora da localidade do Rio da Prata.
238
Nos abençoa com o seu grande amor
A análise do desenho e dos versos de Dona Marli revela alguns dos elementos acionados
pela autora, na elaboração de uma territorialidade construída a partir de uma dimensão simbólica
e cultural do espaço vivido. Certas formas visíveis do espaço: as serras, seus caminhos íngremes,
a natureza, as plantações de banana e os animais de transporte, compõem um sistema no qual
Dona Marli se sente em casa. Também a referência ao controle da terra e a auto-suficiência,
traduzidos no meu pedaço de chão e meu pão, colaboram na construção do seu sentimento de
pertencimento. No desenho seguinte de Dona Marli, também combinado com versos, é o
caminho que ganha destaque interligando a casa, o trabalho penoso na agricultura e a
possibilidade de subsistência no PEPB, definido como campos de pastagem.
4.4.2 - Todos os caminhos levam ao Parque?
FOTO 19
Moradores passam a cavalo e cumprimentam os caminhantes. Março, 2007.
239
Os caminhos, termo genericamente aplicado às estradas, ruas e trilhas que atravessam o
maciço da Pedra Branca, talvez sejam um dos elementos espaciais mais significativos para
refletir sobre os processos de territorialização de seus habitantes, que neles passam grande parte
de sua vida. Os caminhos não só demarcam os diferentes usos do espaço, suas formas de
apropriação material e simbólica, como também integram diferentes dimensões da vida social de
seus moradores. Através dos caminhos, seus moradores estabelecem nculos de sociabilidade,
marcam sua presença anterior à criação do Parque no maciço e na luta pela manutenção das ruas,
reivindicam direitos ao Estado. Segundo os moradores, todos os caminhos, hoje transformados
em estradas, foram abertos e melhorados no muque, ou seja, pelo esforço dos próprios habitantes.
Tais iniciativas antecedem a criação do Parque e é questão de conflito entre os moradores e os
órgãos fiscalizadores do PEPB, uma vez que de tempos em tempos os primeiros procuram
melhorar as suas condições de acessibilidade, justificando esta ação como uma necessidade. A
mãe de um produtor de banana, assim descreve: a gente que é pobre a gente precisa. A gente não
está fazendo isso aqui por vaidade. A gente fez isso aqui porque precisa realmente. A
precariedade dos caminhos é um dos elementos mais representativos das atribuições negativas
feitas ao lugar. A dificuldade de transporte das bananas e caquis nos animais de trabalho, das
pessoas doentes ou idosas que andam com dificuldade, do atoleiro quando chove e da escuridão
dos caminhos, reforçam cotidianamente esta visão. Segundo Thompson (1998), as ações
populares não podem ser compreendidas sem levar em consideração os critérios de justiça e
moralidade que estão em jogo em cada momento. A percepção da carência e da necessidade é,
neste caso, a base pra a construção de um direito a ser buscado.
“Mas aqui papai dizia assim: o dia que eles botarem um conserto nesta rua eu vou
acabar um bilontra
187
, vou descer e subir até o tamanco acabar de furar no chão.
Papai morreu com cem anos nunca viu conserto de rua. Se tem essas ruas de
chão, eles trabalhadores, que ele tinha, que faziam ... Foi meu casamento e da
minha irmã, foi ele que fez a rua para poder o carro vir buscar a gente aqui para
casar.” (Dona Francisca, jan. 2007)
A citação descreve com ironia o descaso do Estado em proporcionar alguns direitos
básicos ligados à moradia e revela descrença na mudança das condições em que vivem. Destaca-
187
Tamanco de madeira fechado com calcanheira. Segundo o dicionário Aurélio, bilontra é a madeira do tamanco
antes de lhe prender o couro ou pano.
240
se a importância simbólica da pavimentação da rua feita pelo Estado, no caso a Prefeitura, e não
mais pelos moradores, como um critério de reconhecimento social. Na atualidade, a
reivindicação de alguns serviços de infra-estrutura urbana, como é o caso do melhoramento de
ruas pode ser conseguido através da anuência da administração do PEPB e da sua respectiva
Instituição, o IEF. Seus agentes, contudo, alegam que o reduzido número de fiscais e a pressão
urbana permanente sobre o Parque inviabilizam o melhoramento das vias que atravessam o
Parque.
As referências ao trabalho e as lembranças da escola aparecem indissociadas de
questões relativas aos caminhos. Através de relatos pitorescos, se destacam a dificuldade de
acesso, a lama e o cuidado com o calçado.
“A gente ia pra escola de tamanco. Tamanco feito por meu pai. Aí, depois que a
gente chegava da escola, a gente chorava à beça, porque via todo mundo
calçadinho direito e a gente era aquele tamanco, chegava a cantar no chão.
Tamanco feito de madeira bruta. Meu pai que fazia os tamancos”. (Dona Áurea,
mar. 2007)
O tempo de escola também organiza no tempo, acontecimentos ou a idade de vizinhos e
primos de acordo com a série frequentada de cada um na época, assim como alguns sinais
distintivos entre as classes. A descrição do uso do tamanco, feito por Dona Nédia e Dona Lila,
por exemplo, revelam sua importância como calçado das classes populares nos anos 30 e 40.
Enquanto a primeira destaca um certo constrangimento em usar o tamanco, feito pelo próprio
pai, em contraste com o uso de outros calçados pelas crianças de maior poder aquisitivo, Dona
Lila, tem na memória a distinção de seu pai entre os seus iguais, por usar um tamanco mais caro;
de granfino. Os tamancos eram feitos da madeira tabebuia, também utilizada para fabricar cabos
de ferramentas e outros utensílios conforme descreve Corrêa na obra O sertão Carioca. Neste
sentido, o relato abaixo é também um registro da interação entre as atividades econômicas
realizadas no maciço e os usos desta época. A descrição de Dona Lila é particularmente
interessante porque articula a memória cultural e familiar com as transformações do lugar de
moradia, ao descrever as mudanças no caminho:
“Quando a gente ia pra escola todo mundo dizia assim: olha, o tamanco de vocês
têm que dar pro mês, hein! Se acabar antes do mês, vocês vão de no chão para
241
escola. Toda vez que fazia compra, comprava dois pares de tamanco para a gente.
Aquele tamanco tinha que dar para um mês. O Que a gente fazia? A gente
calçava na chegada da escola. quando chegava na escola, na estrada do
Pacuí, quando passa o armazém ali, saindo daquele condomínio... Estão fazendo
um condomínio ali, não estão? Ali saía uma nascente, uma nascente grossa, descia
até no largo de Vargem Grande, a gente bebia aquela água, a gente fazia tudo, a
gente descia de pé no chão, lavava os pés ali. Aí, quando chegava na entrada da
escola calçava o tamanco, dava para o mês. O tamanco era da tabebuia. As
gente que podia mais comprava um tamanco com calcanhazinha. ‘Ah, diziam:
vocês estão ricos, estão usando tamanco de calcanhar’, ou senão bilontra, papai
usava tamanco bilontra. Bilontra era assim de enfiar o pé. Era um tamanco
fechadinho, aí quem calçava aquele tamanco era para passear era para tudo.
Tamanco de granfino.” (Dona Francisca, jan. 2007)
A escola citada acima era a Escola 12/12, localizada em Vargem Grande, e oferecia apenas o
curso primário. A partir daí, as crianças tinham que se deslocar para escolas mais distantes e
muitas delas, pagas. Nos relatos das pessoas mais antigas, referências também à escola rural.
Embora sem maiores informações, o tom dos relatos indica que esta escola era uma opção
destinada às classes trabalhadoras e procurada apenas, quando não havia vagas na primeira.
FOTO 20
Alunos da Escola 12-12 em Vargem Grande. (foto cedida pela família Nunes Batista)
O Caminhar pela mata, condição necessária para se chegar em casa, proporciona um
contato intenso e cotidiano dos moradores do PEPB, com os elementos da natureza, que são
242
apreendidos e evocados a fornecer um sentido para os acontecimentos e aspectos relevantes da
vida social. É muito comum, portanto, que as narrativas que descrevem casos fantásticos,
tenham os caminhos como cenário de inúmeras histórias de assombração: socas de árvores com
gemedor (das seis da tarde às seis da manhã), o de jaqueira, ou o pau que chora que
estremece todo e joga areia (sem ter areia) em quem passa pelo caminho de madrugada ou a
procissão de luzes que ocorreu quando oito membros de uma família morreram assassinados.
Todas essas histórias apresentam uma lógica integradora entre os elementos naturais,
espirituais e sociais e são muitas vezes fatos ligadas à vida e à morte, entre o que é deste mundo
e o que não é. A possibilidade de conviver com eles é dada pelo respeito a certas regras e
interdições. A eficácia simbólica dessas histórias fortalece a tradição e as crenças que fornecem
a interpretação desses fenômenos. Assim um jovem confirma a história de assombração contada
por sua tia de criação:
“Ah isso tem mesmo que eu vi, mas eu não tenho medo, não. Me
pego com meu santo, São Jorge Guerreiro, e passo. Mas também não
mexo, respeito, deixo quieto.” (Antônio, jan. 2007)
Já as trilhas são os caminhos do Parque. É o lugar onde por excelência ficam os
visitantes: caminhantes, montanhistas, ciclistas, motoqueiros, cavaleiros que percorrem o parque
e dotados de uma outra racionalidade e forma de percepção do espaço se apropriam do Parque e
interagem com seus moradores. Além das instalações físicas da UC, tais como portões, postos de
fiscalização e sedes, são os caminhos, ou melhor, as trilhas, uma das marcas mais visíveis da
existência do território protegido.
O encontro entre excursionistas e moradores ao longo das trilhas chama atenção para o
contraste de usos deste território e alguns conflitos que se estabelecem pelo caráter público que o
Parque anuncia e a existência de territórios privados, das moradias e plantações e outros. Um
maior empenho do IEF em divulgar a existência da “maior floresta urbana” e promover sua
visitação aumenta o número de frequentadores por suas trilhas, que aos poucos contribuem para
a consolidação deste território como Parque.
Bete Rua, bióloga que se estabeleceu em Vargem Grande em 1995 e, desde então,
dedicou-se a conhecer as trilhas do Parque, afirma que em suas andanças, sempre via placas com
243
o seguinte dizer: rua sem saída e pensava: nunca vi ruas com tantas saídas, em referência a
possibilidade de atravessar diferentes bairros da cidade pelas trilhas do PEPB. Depois de tantos
anos, a leitura que ela faz do Parque não aparece desvinculada desta cor local, dos moradores do
maciço e suas formas de lazer também por ela incorporadas: o banho de cachoeira, a coleta de
caqui.
4.4.3 - Formas de lazer, sociabilidade e interação com a natureza
A interação com a natureza dessas populações mais antigas, estabelecidas no maciço da
Pedra Branca, não se limitava e ainda hoje não se restringe às atividades extrativistas ou
agrícolas, mas também envolve a produção de elementos da cultura material que vai desde a
fabricação de utensílios domésticos e de trabalho, até a construção de casas de pau-a-pique.
Além disso, compreendem rituais e práticas de saúde, lazer e sistemas de crenças, nas quais a
mata ou a floresta com sua multiplicidade de elementos plantas, cachoeiras, pedras, animais,
seres desse mundo e de outro mundo são apropriados e mapeados de acordo com regras
morais, com as noções de sagrado e profano, puro e impuro, relações de sociabilidade e
reciprocidade.
As práticas de lazer envolvem várias atividades distintas e anteriores ao modelo de
contemplação da natureza estabelecido com a criação do PEPB que são incorporadas também
por muitos excursionistas que adquirem maior familiaridade com os hábitos estabelecidos no
maciço da Pedra Branca. Para esta população, o meio natural é espaço vivido das festas de São
João ao ar livre, dos mutirões para construção de casas de pau-a-pique, dos passeios a ou a
cavalo pelas trilhas do maciço, da coleta de caquis no período de março a junho no caquizal
abandonado, das visitas ao sítio de amigos, que duram o dia inteiro: inclui a caminhada, o banho
de cachoeira, a coleta dos alimentos na horta e o preparo do almoço em fogão de lenha.
244
FOTO 21
Moradores de Vargem Grande em dia de lazer: banho de ducha e almoço na Água Fria, 2007.
FOTO 22 FOTO 23
Coleta de caquis em Vargem Grande feita por caminhantes (foto Bete Rua) e na foto ao lado por
moradores.
245
A caça, embora menos frequente que no passado, pelo aumento da repressão dos órgãos
fiscalizadores do Parque e pela própria difusão dos valores ambientais, ainda pode ser
encontrada. Deve-se acrescentar também que, à medida que as fontes de alimento se modificam
e ampliam, opera-se uma modificação na estrutura e função da caça
188
. Entretanto, para Cândido
(1971, p.30), qualquer que seja esta modificação, a caça preserva sua importância como fonte de
sociabilidade. A partir dos relatos coletados em Vargem Grande, a sociabilidade está ligada ao
partilhamento das atividades de caça, nas quais muitas vezes nada se caça, mas se reúnem os
amigos em torno desta atividade que reforça os laços de pertencimento ao lugar e a identidade
do grupo. A caçada envolve o pernoite na mata, o preparo e o compartilhamento da comida,
além da socialização em torno das narrativas sobre caçadores.
Antônio - carnaval é o contexto. Não tô nem aí...
Dona Rita - vão caçar... No carnaval todo mundo sobe pra caçar.
Entrevistadora – porque no carnaval?
Antônio - porque ninguém gosta de descer pra brincar, por causa da
violência danada lá embaixo, fazer o que, em vez de ir para baixo fica
aqui em cima.
Entrevistadora - o que vocês pegam hoje em dia?
Dona Rita – não pega nada!
Jorge – não tem caçado não... É farra!
Dona Rita – e leva aquela porção de comida pra fazer no mato.
Antônio é, panelada... Conta aquelas mentiras e verdades... vai
homem, mas tinha umas meninas que iam. (Antônio e Dona Rita, jan.
2007)
Não obstante o caráter lúdico e integrador ligado à caçada, esta atividade envolve o
domínio técnico e conhecimento sobre a mata e os bichos, além da atenção para certas condutas
que compõem uma espécie de etiqueta necessária para não insultar os animais e o dono da mata
(DIAS; ALMEIDA, 2004, p. 15). Neste sentido, a floresta não é um espaço sem regras, mas,
pelo contrário, é um universo mapeado e interpretado de acordo com os mesmos princípios que
regulam a vida social. Embora alguns iniciados o dominem por completo, sabe-se que é
preciso agir na mata como em casa alheia, com respeito e reciprocidade ao alimento conseguido
188
CANDIDO, 1971, p.30.
246
e a acolhida recebida. Da mesma forma, obedecer aos preceitos da vida social e por extensão,
espiritual, são critérios importantes para entrar e sair da mata sem perigo.
189
“Meu marido era caçador. Uma vez, ele acostumado a andar na mata,
ele se perdeu. Atravessou em cima de um cipó, se perdeu na mata e
aí, diz que via tudo. Via capitão do mato assobiar, via gemedor, via
sem ter vento, sem nada, aquilo vir quebrando tudo e ele procurando
saída. Olha, ele foi achar a saída e ele diz que estava pertinho do
caminho. Ele foi achar saída depois que o galo cantou. diz que
aquilo disse assim: foi a tua salvação!
Mas também para entrar na mata para caçar tinha que levar uma
torcida de fumo de rolo ou maço de cigarros e deixar na ponta da
mata, senão não caçava. Ele tinha um conchavo com o capitão da
mata que ele ia na mata e matava paca, e ninguém entrava e não
matava nada. Capitão da mata é um espírito que toma conta da mata.
Ele não via nada. Nesse dia que ele foi com um nego herege, sabe,
não acreditava em nada... Olha, você sabe o que acontece? O fumo de
rolo que ele botou, esse colega que foi com ele pegou e jogou fora:
‘deixa de ser bobo, você ainda acredita nisso? Além de não matar
nada, ele ainda se perdeu na mata.” (Dona Rita, jan. 2007)
Também a oferta da caça, pela sua raridade, paladar exótico e especialização de preparo -
que envolve a retirada das catingas do animal - é uma prática reconhecida como sinal de
consideração entre vizinhos e amigos de maior distinção.
“Ele saía daqui e dizia: ‘vou trazer uma gambazinha para eu jantar’.
Ele gostava muito de gambá. Menina, ele trazia cada gambá gordo.
Aí, ainda dizia: ‘prepara esse gambá , deixa um quarto para fulano’,
moqueava, deixava no tempero. Tirava as catingas, tirava tudo. Ele
levava para um colega que era médico, o Dr Januário. Até noutro dia,
o Doutor Januário veio aqui: ‘cadê os gambás, Rita?” (Dona Rita,
jan. 2007)
Por se tratar de um hábito alimentar tradicional e muito apreciado, a carne da caça
ofertada em festas de grande relevância social, como casamentos, constituía-se em um reforço
para a identidade do grupo, além de contribuir para a valorização e distinção do evento e
aquisição de prestígio por parte de quem o oferecia. Segundo Dantas (2004) alguns alimentos
189
DOUGLAS, 1980.
247
têm uma força simbólica maior, capazes de produzir momentos festivos e de se constituírem em
elementos de troca ou comidas-dádiva.
“Tinha muita encomenda de - quando ia ter um casamento - de paca
inteira para botar na mesa enfeitada, igual leitão, sabe. A gente tinha
muita encomenda. Vai ter um casamento tal dia. Mata uma paca pra
mim, pra enfeitar a mesa.’ Aí ele caçava.” (Dona Rita, jan. 2007)
As representações sobre a natureza também incorporam a possibilidade dos homens
retirarem dela o seu sustento, possibilidade esta que é fortalecida através de uma rede de
reciprocidade estabelecida entre os vizinhos.
“Vou lhe dizer, aqui, morando na roça, ninguém passa fome, nem
passa necessidade. Só se for muito preguiçoso, porque tem como
plantar. Não mora em cima da pedra...vai pedir, eu digo: ‘você não
mora em cima da pedra, vai plantar rapaz’... quando vai saindo no
portão, eu fico com pena: ‘vem que eu vou te dar uma ajuda.’... Aí,
acaba dando ajuda.” (Dona Francisca, jan. 2007)
A fartura é então identificada como condição que permite ajudar a quem precisa. Ela é
traduzida pela possibilidade de fazer compra de saco
190
, de ter sempre um feijão com carne seca
no fogão ou um doce de laranja da terra, mamão ralado ou outra fruta qualquer da época para
ofertar. Da mesma forma, a abundância de alimento também é vista como resultado da amizade
dos vizinhos, que oferecem algum alimento, fechando assim, um ciclo de reciprocidade.
Segundo Dias; Almeida (2004, p.17), a vizinhança não é um fato geográfico apenas, mas a
expressão de atos que podem existir ou não.
A saúde
191
dos moradores muitas vezes é enaltecida pela possibilidade de manutenção
de uma relação equilibrada com a natureza, dada pela qualidade da comida, do conhecimento
das ervas, rezas e simpatias. Esta representação é reforçada com a lembrança da idade avançada
com a qual os antigos morriam ou pelo fato de eles não precisarem ir ao médico. Um morador
de sessenta anos se orgulha de ter ido ao médico aos dezoito anos por ocasião do serviço
militar. Ainda hoje é muito comum o uso simultâneo de medicamentos industrializados, com o
190
Compra de gêneros de primeira necessidade tais como arroz e feijão em sacos de cinco quilos.
191
Faço aqui apenas alguns comentários breves sobre representações ligadas à saúde, recorrentes nas entrevistas e
conversas.
248
uso de chás caseiros, simpatias para bronquite e outras, combinados, quando preciso, com a reza
de Dona Nata, muito conhecida em Vargem Grande.
Os fenômenos da natureza também servem para colocar em evidência a relação entre as
pessoas, o estado de pureza ou impureza
192
das mesmas, ou seja, a maneira como elas se
colocam na vida social. Assim, na região do Rio da Prata, diz-se que as pessoas picadas por
cobras não podem receber visita. Segundo os informantes, se a visita tiver sangue ruim, o
mordido de cobra morre na hora. O mesmo vale para burros ou animais em convalescença do
mesmo problema. Neste sentido, as pessoas impuras ou contaminadas socialmente, devem ficar
afastadas daquelas pessoas e animais já fragilizados pelo veneno da cobra. Embora na
atualidade, muitos questionem esta regra - fato que pude observar pela polêmica que o assunto
causou - parece que ninguém quer tirar isto a limpo, reforçando mais ainda a eficácia simbólica
da interdição descrita. Assim, algumas doenças ou mesmo a morte podem acontecer por atos
de desrespeito às regras, rituais, aos preceitos morais. Schweickardt (2004, p.47) ao analisar a
relação natureza-cultura na explicação da doença, descreve que a doença tem uma dimensão
externa cuja aparência tende a mostrar algumas coisas, porém outras devem ser reveladas por
uma interpretação em busca de significados e sentidos. Interpretação esta que depende do
mundo social no qual os sujeitos envolvidos se inserem. No caso descrito, uma associação
entre o veneno da cobra e a negatividade das pessoas que têm sentimentos ruins ou que desejam
mal a outrem.
Assim, concluindo este capítulo, pode-se dizer que, a despeito das representações do
maciço da Pedra Branca, como fim de mundo, o paraíso se faz presente na manutenção de redes
de sociabilidade e práticas de lazer, trabalho e sistemas de crenças que envolvem um contato
intenso com a natureza. Desta forma, a criação do PEPB e o impedimento, ainda que pouco
eficiente, do processo de especulação imobiliária, que atinge fortemente as áreas de entorno do
Parque, preservou parcialmente este território, como moradia e meio de trabalho dessas
populações tradicionalmente estabelecidas ali. A crescente valorização das áreas verdes pela
opinião pública, cada vez mais influenciada pelos ideais de preservação, talvez contribua para
que estes moradores reforcem a atribuição de um sinal positivo ao seu lugar.
192
DOUGLAS,1980.
249
CAPÍTULO 5
O agricultor conservador: impasses e conquistas dos pequenos produtores do PEPB
O estudo da dinâmica de ocupação e da trajetória das famílias mais antigas
estabelecidas no maciço da Pedra Branca, progressivamente, fez com que este trabalho se
tornasse também um estudo sobre o campesinato numa situação especifica: a de morador de
uma área de proteção integral, sujeito a políticas ambientais e bastante integrado ao meio
urbano, tanto fisicamente quanto em suas relações com o mercado. Suas atividades cotidianas
de manutenção da propriedade, de organização da produção, inserção no mercado e formas de
mobilização política, são também formas de resistência e luta pelo direito a permanecer no
PEPB.
Apesar do predomínio crescente de usos urbanos, permanece no maciço uma ocupação
de caráter rural-agrícola que, apesar de inúmeras dificuldades para a reprodução social de seus
meios de vida, constrói uma identidade vinculada à pequena produção, apoiada sobre a história
de seu grupo, na memória e na manutenção de suas atividades cotidianas.
Isso não significa, contudo, que apesar desta base histórica, não esteja em processo a
construção de novas identidades sociais, a partir do crescente aumento de atividades não-
agrícolas, que possibilitam novas trajetórias individuais em contradição ou não aos projetos
familiares. A inserção da agricultura no contexto das relações econômicas da cidade do Rio
de Janeiro, assim como a difusão de valores ambientais ligados às práticas agrícolas, tem
contribuído para a ressignificação desta atividade no maciço.
Assim, se por um lado, a possibilidade de construção de uma identidade afirmativa
dos pequenos produtores do PEPB, ressaltando sua importância para a conservação da natureza
e manutenção das fronteiras do Parque, de outro, há um quadro de desinteresse do poder público
em fomentar atividades agrícolas e o predomínio de um imaginário social de afirmação do
urbano e de inexistência da agricultura na cidade do Rio de Janeiro.
Estes dois aspectos que enquadram ou dão sentido à atividade agrícola no PEPB,
chamam atenção para a dimensão política que envolve a inserção dos pequenos produtores na
250
sociedade mais ampla. Segundo Foster (1967), os camponeses têm muito pouco controle sobre
as condições que governam sua vida. Não são apenas pobres, mas também despossuídos de
poder. Neste sentido, é necessário considerar o papel do Estado em suas diferentes esferas
(municipal, estadual e federal) como um agente que direciona, interfere ou consolida processos
socioeconômicos que já estão em desenvolvimento e que exercem seus efeitos sobre esta
pequena produção. Por exemplo, na esfera municipal, o poder público tem favorecido o capital
imobiliário e acentuado o processo de estratificação do espaço urbano (ABREU, 2006, p. 147),
seja através de planos de renovação e infra-estrutura urbana, seja de forma indireta, através de
legislações e taxações crescentes, tornando algumas áreas da cidade inacessíveis à população de
baixa renda, como os pequenos produtores em questão.
A própria criação do PEPB, fruto do poder de estabelecer fronteiras do Estado, gerou
efeitos contraditórios sobre a dinâmica de ocupação da região e da produção agrícola ali
existente, assim como contribuiu para a difusão de valores ambientais que passaram a
ressignificar os usos rurais ali estabelecidos. Oliveira (2008), desta forma, ao estudar o
processo de urbanização do bairro de Vargem Grande, destaca que inicialmente, o principal
atrativo para este tipo de ocupação era justamente o seu ar rural, estimulando o
desenvolvimento de uma série de serviços e atividades econômicas, tais como: haras,
restaurantes, hortos e passeios ecoturísticos que se apropriam da natureza como mercadoria.
Sob outra perspectiva, O IEF, órgão estadual responsável pela administração do PEPB,
aos poucos se tornou a face mais visível do Estado para os pequenos produtores do Parque,
através da intermediação com outros órgãos públicos, tanto para a concessão ou não de
reivindicações de seus moradores, quanto para a realização de projetos. Contudo, outros
vínculos dos pequenos produtores com agências, tais como: a Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural - EMATER, a Secretaria de Desenvolvimento Rural, e outras entidades como o
Sindicato Rural e ONGs, por exemplo, exercem influência nas relações estabelecidas entre os
pequenos produtores e o poder público.
Na atualidade, recentes iniciativas de fortalecimento do associativismo dos
agricultores e de organização de cultivos agroecológicos, estimuladas por mediadores
institucionais e do terceiro setor, além da possibilidade de participar do conselho consultivo do
251
Parque, são ingredientes novos para pensar as condições de reprodução social dos pequenos
produtores do PEPB e sua participação política na sociedade.
Nestes termos, o presente capítulo pretende descrever como se realiza a pequena
produção no PEPB, considerando as suas formas de organização e integração ao mercado, além
dos aspectos políticos que condicionam essas atividades, avaliando de que forma os pequenos
produtores se mobilizam, se organizam e fazem frente ao processo de expropriação que têm
enfrentado historicamente.
Antes de avançar nesta proposta, é necessário explicar a minha inserção como
pesquisadora neste universo de questões que serão tratadas a seguir. Muito do que me foi
permitido pensar e conhecer sobre os pequenos produtores do PEPB, foi realizado no contexto
da realização do Projeto de pesquisa Plantas Medicinais no Entorno do Parque Estadual da
Pedra Branca, elaborado pela Instituição Farmanguinhos
193
. A minha inserção neste projeto
fez com que, aos poucos, fosse vista e de fato me tornei agente atuante do projeto. Algumas das
situações que serão descritas: as iniciativas de associativismo, mobilizações, processos de
reelaboração identitária e, sobretudo, a alteração nos padrões de relacionamento entre os
pequenos produtores e o IEF, foram produzidas no contexto de desenvolvimento do projeto. Se
a priori, toda atividade de pesquisa social implica em algum tipo de interferência sobre o grupo
estudado, no meu caso, em conjunto com a equipe PAF/Farmanguinhos, o esforço de
conhecimento da realidade agrícola do maciço não estava desvinculado do incentivo à
mobilização política dos agricultores na solução de seus problemas, tal qual eram apresentados
por eles, como um caminho para a realização do projeto.
O processo de observação participante me permitiu refletir sobre o próprio conceito de
participação elaborado pela equipe do projeto: seu alcance e efeitos sobre a relação entre as
organizações envolvidas: o que se decidiu, quem decidiu e sobre quais assuntos (FUKS;
PERISSINOTO, 2004); o papel pedagógico (RIBEIRO, 1992) e de diferenciação interna da
participação política ( PALMEIRA, 1974 ); dos procedimentos integradores que envolvem a
participação, tais como as reuniões (COMMERFORD, 1999); da possibilidade de
ressignificação da definição dominante sobre suas identidades, a partir da luta frente ao Estado
como antagonista (ALMEIDA, 2006) e o caráter dinâmico das formas jurídicas e novas
193
Instituto de Tecnologia em Fármacos integrado à Fundação Osvaldo Cruz desde 1976.
252
possibilidades de interpretação das leis ambientais (que impedem formalmente qualquer uso
direto nos limites do PEPB) através do empenho dos pequenos produtores em legitimar seus
direitos.
Nos itens que se seguem, apresentamos o quadro atual da agricultura no município do
Rio de Janeiro, para em seguida, descrever e interpretar os dados obtidos sobre a organização da
produção no PEPB. Finalmente, apresento o projeto de Plantas Medicinais e sua potencialidade
de incentivo às práticas agrícolas, sem o qual não é possível descrever outros acontecimentos e
mudanças recentes nas formas de associativismo dos pequenos produtores do PEPB.
5.1 - A agricultura na cidade do Rio de Janeiro
No imaginário social da cidade do Rio de Janeiro, pouco se sabe sobre a agricultura no
Município e nas estatísticas do Ministério da Agricultura, a cidade não é reconhecida como
área agrícola. Desde a década de 90, a prefeitura do Rio de Janeiro tem alterado os padrões de
uso do solo urbano, passando a cobrar o IPTU em diversas áreas da Zona Oeste, alegando o
grande processo de urbanização e inexpressividade da agricultura na região. A Legislação
municipal, confirmando este posicionamento político, determina que apenas aqueles que
exercem alguma atividade agrícola devem solicitar à Secretaria Municipal de Fazenda, o
cancelamento do IPTU, configurando-se do ponto de vista institucional mais como uma
exceção, do que a regra.
Isso não exclui, entretanto, a realização de ações pontuais ligadas à agricultura ou
aquilo que Mota (2007) se refere como uma memória rural em referência à persistência de
projetos agrícolas realizados na zona Oeste. A autora cita, como exemplo, a criação em 2004 do
Pólo Turístico e Gastronômico de Guaratiba, no terreno da Fazenda Modelo. Esta ação busca
capacitar os trabalhadores locais para a mão de obra nos vários restaurantes da região da
Baixada de Guaratiba-Sepetiba, especializados em frutos do mar. Também pretende construir
um mercado de produtores locais nas imediações da antiga Fazenda Modelo. A iniciativa faz
parte do Programa de Arranjos Produtivos e Revitalização de Áreas Comerciais do Município,
da Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia SEDECT, cujo
objetivo é agregar valor aos produtos e incentivar o desenvolvimento local.
253
Recentemente, a Secretaria Municipal de Assistência Social, pelo Decreto 25.788, de
20 de setembro de 2005, criou uma Assessoria Especial de Agricultura Familiar, localizada na
Fazenda Modelo, em Guaratiba. A gestão da nova Fazenda Modelo estará voltada para executar
ações de apoio aos pequenos produtores rurais do Município. Nos quadros desta Assessoria,
funciona a Associação Carioca de Produtores Rurais.
Segundo a presidente da Ong Caatyba, voltada para a defesa dos interesses dos
agricultores, em especial, da Zona Oeste, nenhum desses projetos é viável, por estarem baseados
essencialmente na capacitação dos agricultores, sem viabilizar melhores condições de mercado;
programas de compra direta de produtos ou sem levar em consideração que os pequenos
produtores dificilmente conseguem absorver a mão de obra capacitada, devido à ausência de
recursos para pagar trabalhadores assalariados.
Em tom de denúncia, ela conta que a Prefeitura fez uso indevido das verbas do
Ministério de Desenvolvimento Social MDS- direcionadas para o desenvolvimento de
agricultura em comunidades de baixa renda. Ao invés disso, escolheu doze sítios da zona Oeste,
onde o proprietário disponibilizaria a terra, a água e energia (caso necessária) e o governo
pagaria uma bolsa aos trabalhadores. O resultado da colheita seria metade do proprietário e
metade do Município. Segundo esta informante, além de se tratar de um desvio de objetivos do
projeto inicial, o modelo aplicado não contabilizava os gastos do proprietário e o compromisso
moral de dar ao menos um lanche aos trabalhadores durante os três meses do projeto. Também,
não garantia mercado para a metade da colheita destinada ao produtor, além do trabalhador
capacitado não conseguir se empregar após o projeto, em referência às dificuldades da pequena
produção fazer uso do trabalho assalariado e não o familiar. Finalmente, sua crítica concentra-se
sobre o seguinte aspecto: a atividade realizada inspirou-se em um projeto idealizado pela Ong
Caatyba e pelo engenheiro agrônomo do Conselho de Desenvolvimento Rural que previa
atividades de mutirão em sítios e não trabalho assalariado.
Os projetos citados, tanto pela Prefeitura quanto pelo Governo Federal, mostram que
estes não tinham como objetivo o estímulo à produtividade agrícola ou à solução das
dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores para a sua reprodução social, mas sim a
solução de questões e problemas ligados às populações em risco social.
254
É interessante pensar que a mesma Prefeitura, através da cobrança de IPTUS elevados,
dificulta a atividade agrícola, incentiva pelo viés da assistência social a prática da agricultura
através da capacitação remunerada de populações carentes e de risco social, a fim de buscar uma
forma alternativa de renda e subsistência. De Paula (2005, p. 244) ao investigar iniciativas de
práticas agrícolas em meio urbano, destaca que muitas vezes, não se trata de um processo de
ruralização do urbano, mas ao contrário, a natureza e a agricultura são convocadas não apenas
para a consecução de atividades urbanas, mas, sobretudo, para o equacionamento de soluções
para questões e dilemas advindos da própria vida urbana.
Para Maria Célia, da Ong Caatyba, outro indicador do desinteresse da Prefeitura pela
temática agrícola é a ausência de uma Secretaria Municipal de Agricultura. Extinta em 1989
pelo então prefeito Marcelo Alencar, o Município hoje possui apenas um conselho rural
subordinado à Secretaria de Ciência e Tecnologia. Alguns assuntos ligados à agricultura, diz
Maria Célia, também são tratados pela Secretaria de Ação Social e Secretaria do Meio
Ambiente, ou seja, a temática agrícola é abordada por três secretarias diferentes. Fato que,
segundo ela, dificulta o direcionamento das reivindicações dos agricultores.
Apesar de um quadro extremamente desfavorável em termos econômicos e
institucionais, a agricultura na cidade do Rio de Janeiro persiste na zona Oeste, no maciço da
Pedra Branca, no maciço do Mendanha em Santa Cruz. Apesar dos prognósticos pessimistas de
desaparecimento das atividades agrícolas no município carioca, os agricultores lidam com a
influência crescente de novas racionalidades, de valores e formas de consumo urbanos, assim
como a penetração crescente de valores ambientais, alterando a sua percepção sobre sua
atividade e sua própria identidade.
A crescente difusão de conceitos como agricultura urbana, agricultura orgânica,
agricultura em sistema de agrofloresta ou a idéia de agricultor conservador, que busca
desconstruir a imagem negativa de devastador de uma área de proteção integral, por outra que,
ao contrário, mostra que o grande parceiro do Parque é o agricultor. Todas essas tendências vão
ao encontro de um movimento crescente na Europa e nos Estados Unidos - e que chega agora
ao Brasil - pela comida local, ou seja, a opção pela comida mais próxima para diminuir a
255
quilometragem que um alimento percorre e assim combater o aquecimento global.
194
Da mesma
forma, a batalha pela isenção de IPTU, apoiada na representação de um rural-agrícola como
forma de resistência, pode ser reelaborada a partir da incorporação dos valores ligados à defesa
deste agrícola em área cada vez mais urbanizada, através da crescente aceitação da idéia de
uma agricultura urbana ou de um rural ambientalizado.
5.2 - A agricultura no maciço da Pedra Branca
Descrevo a seguir algumas características essenciais da pequena produção do maciço
da Pedra Branca, buscando identificar aspectos relacionados ao controle da terra, produção e
organização do trabalho. Buscou-se aqui refletir sobre os dados levantados em conjunto com a
equipe do Projeto Plantas Medicinais no Entorno do Parque Estadual da Pedra Branca,
fazendo uso de outras técnicas de pesquisa qualitativas e à luz da produção bibliográfica sobre o
campesinato. Os dados quantitativos por si não apreendem a dinâmica das diferentes
trajetórias de vida e a gica que orientam a atividade agrícola no conjunto de possibilidades de
realização dos projetos familiares. Assemelha-se, então, mais a uma fotografia que captura um
momento, uma conjuntura cujos significados podem ser compreendidos a partir de uma
perspectiva mais ampla.
Quando uso a categoria campesinato, não estou me referindo a um termo de auto-
identificação ou ao uso político que a palavra camponês teve no passado, nas ligas
camponesas
195
, conforme descrevemos anteriormente, mas sim como um conceito que permite
identificar este grupo na sociedade mais ampla a partir de referenciais teóricos estabelecidos
nas Ciências Sociais que serão discutidos a seguir.
Chayanov (1981) é fonte de grande parte desses referenciais. As idéias de que a
produção agrícola familiar ou a economia camponesa tem como finalidade primeira a satisfação
das necessidades de consumo da família e não a realização do lucro; que deve ser pesada ao
194
ZABARENKO, Déborah. Opção pela comida mais próxima. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 21 out. 2007,
p.a31.
195
Não há referência às ligas camponesas no resgate da memória dos agricultores estudados. Contudo a
descrição dos embates travados pelas ligas camponesas do Sertão Carioca são importantes para entender a disputa
na construção/alteração das representações sobre o espaço estudado de rural a urbano.
256
mesmo tempo, como uma unidade de produção e de consumo. Ainda que de alguma forma
esteja inserida ao mercado; a compreensão de que o cálculo do resultado de seu trabalho é difícil
de ser precisado porque varia conforme o tamanho e a composição da família, o mero dos
membros capazes de trabalhar, a qualidade da terra, a disponibilidade dos meios de produção,
entre outros, têm orientado os estudos sobre o campesinato. Sobretudo, a descrição da
particularidade da economia camponesa faz com que a análise de Chayanov contribua para o
desenvolvimento de uma produção teórica sobre o campesinato que buscou compreender sua
sobrevivência através dos anos, inseridos em novas relações sociais de produção capitalistas.
Autores na área da antropologia também realizaram estudos relevantes para o
conhecimento deste grupo social, em seus aspectos culturais, em sua relação com o Estado, com
o mercado e a cidade. Assim, Kroeber (apud FOSTER, 1967) definiu o campesinato como um
grupo que constitui uma sociedade parcial com uma cultura parcial. Definitivamente rurais,
porém vivem em relação com os mercados urbanos. Também, não possuem nem a auto-
suficiência nem a autonomia política das tribos.
Foster (1967), por sua vez, afirma que os camponeses são pessoas estabelecidas no
meio rural, sujeitas a um controle jurisdicional externo e trocam uma parte do que produzem por
itens que eles não podem fazer, em um mercado que transcende transações locais. Embora estes
sejam basicamente agricultores, o critério de definição deve ser mais estrutural e relacional do
que ocupacional.
Firth (1974) também acredita que a definição do termo camponês não inclui apenas
agricultores, mas deve abarcar outros tipos de pequenos produtores, como os pescadores e
artesãos rurais, que participam de um mesmo tipo de organização econômica, com uma
tecnologia e um equipamento simples, voltado principalmente para a sua subsistência.
No Brasil, da mesma forma, a complexificação e alteração das relações entre campo e
cidade geraram um intenso debate nas ciências sociais sobre a identidade, organização política e
destino do campesinato. Houve previsões de desaparecimento deste grupo frente ao
desenvolvimento do capitalismo no campo que, inviabilizando a pequena produção, imporia o
predomínio do assalariamento e dificuldades sempre maiores ao acesso à terra dos pequenos
sitiantes e transformando-os em mão de obra assalariada.
257
“O campesinato brasileiro encontra-se hoje em vias de desaparecimento. Persiste
ainda em certas regiões devido às condições locais. Noutras, porém, entram em
decadência, pois a produção hoje tende mais e mais a se organizar sob a forma
capitalista, voltada para o lucro e para o mercado. O primeiro sintoma de
transformação surge na faixa de consumo. O camponês brasileiro era um
consumidor dos seus próprios produtos e secundariamente adquiria
mercadorias (...) Na medida em que o meio urbano vai produzindo mercadorias
cada vez mais cobiçadas, o consumo do sitiante tradicional se
desequilibra.”(QUEIROZ, 1973, p.29)”.
Se por um lado, autores como Queiroz (1973, 1978) e Cândido (1971), contestam o
mito do isolamento dos pequenos produtores, e apontam para diferentes formas de integração
com a sociedade mais ampla, destacam também que algumas delas podem levar a situações de
decadência e miséria. Apesar dos inegáveis impactos sobre a pequena produção agrícola com a
penetração de novas relações de trabalho e uma nova racionalidade organizando as relações de
trabalho, de produção e apropriação da terra, uma outra corrente de pesquisadores, formada
pelas primeiras gerações de antropólogos do Museu Nacional, na década de 70 (influenciados
pelos estudos sobre a especificidade da economia camponesa, e referencias clássicos da
antropologia) desenvolveram preciosas etnografias sobre o campesinato brasileiro nas regiões
Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país. Esses estudos contribuíram não apenas para a melhor
caracterização do campesinato brasileiro, como também para a descrição de diversidades
significativas de situações aos quais o mesmo aparece subordinado. Assim, Esterci (1987,
P.151) e Velho (1976) descreveram as estratégias de luta e resistência dos posseiros à
penetração das novas relações capitalistas em regiões de fronteira, demonstrando sua
persistência ao longo do tempo. Garcia Jr. (1983) e Heredia (1979), entre outros, através do
estudo da gica de produção e importância da família no processo produtivo, constataram que
historicamente a combinação de práticas agrícolas com atividades de outros setores não
necessariamente anunciavam a decadência ou o desaparecimento do campesinato, ao contrário,
em muitos casos, poderiam funcionar como estratégias para a sua reprodução social.
Há de fato, uma percepção generalizada de pesquisadores, agentes e dos próprios
agricultores, a respeito da decadência e enfraquecimento da agricultura na Zona Oeste. Isso não
significa, contudo, afirmar o fim da agricultura, mas sim que esta pode ser mantida a partir de
inúmeras estratégias criadas pelo cleo familiar, a fim de dar conta das diferentes fases do
processo produtivo. Segundo Carneiro (1999, p.341), a incapacidade de a agricultura prover a
258
manutenção em condições dignas dessas famílias, tem levado a diversificação das atividades
econômicas que inauguram um movimento contraditório, entre a crescente individualização da
força de trabalho e o caráter unitário da economia doméstica. Essas famílias, assim, combinam a
atividade agrícola com atividades não agrícolas, também chamadas de pluriatividade.
Se por um lado, o desenvolvimento de uma racionalidade urbana e novas lógicas de
produção se impõem, restringindo a manutenção da pequena produção, de outro, é preciso
combater a idéia de que a modernização capitalista corresponde a um processo homogêneo de
urbanização (CARNEIRO, 1998), mas de verificar como em cada região tais processos sociais
se expressam de diferentes formas culturais, sociais e econômicas.
No maciço da Pedra Branca, pode-se encontrar o maior número de agricultores nas
vertentes do Rio da Prata em Campo Grande; em Vargem Grande; na Estrada do Pau da Fome
na Taquara e Guaratiba. Este trabalho está centrado fundamentalmente a partir da análise das
três primeiras regiões, embora farei também alguns comentários sobre a região de Guaratiba e
Piabas. Foram analisados quarenta e dois formulários do Rio da Prata, vinte e cinco de Vargem
Grande e dezoito do Pau da Fome. Foram também aplicados quatro formulários em Guaratiba,
mas desprezados por não representarem um número significativo para a análise da localidade,
além de não existir vínculos da PAF com os agricultores desta área.
A região do Rio da Prata é a área onde se concentra o maior número de agricultores
com aproximadamente oitenta famílias de agricultores. Uma das características particulares da
agricultura nesta localidade é a separação entre o lugar de moradia e o sítio ou sítios onde se
realiza a produção. Em geral, eles se localizam nas partes mais altas como o sítio da família
do Seu Arnaldo que fica na cota de 600m da serra do Rio da Prata e as residências localizam-
se próximas ao largo da falecida Dona Nonola, a partir do qual os caminhões escoam as
mercadorias trazidas no lombo dos burros. Mantenho aqui esta impressão para, logo em seguida,
afirmar que a análise de dados revelou que esta é uma tendência que ocorre de forma
homogênea nas três localidades estudadas. 37% dos produtores têm seus sítios separados de
suas moradias. Esta separação entre os sítios e o local de moradia deve-se a uma tendência
histórica citada anteriormente de migração dos sitiantes para as áreas mais baixas do
maciço, a fim de superar as dificuldades cotidianas de ausência de energia elétrica nos sítios, a
dificuldade de transporte, o acesso distante à escola, à saúde, buscando maior proximidade com
259
os centros urbanos. Se por um lado, aumentou o conforto da família através de maior acesso aos
serviços urbanos, por outro, dificultou a participação de um número maior de membros da
família na produção que, muitas vezes, preferem se dedicar a tarefas menos exaustivas e mais
bem remuneradas, visto que o acesso ao sítio é difícil e demorado, sobretudo quando chove.
87% dos agricultores entrevistados afirmam ter a propriedade da terra, entendida aqui
não apenas como uma forma de relação com a terra, comprovada por papéis ou documentos de
compra, mas sim, como uma forma de apropriação plena deste bem, ao longo do tempo, sem a
necessidade de algum tipo de pagamento de renda ou aluguel a outrem por seu uso. Quanto à
forma de aquisição da terra, 40% afirmam tê-la adquirido por herança e 47% pela compra, em
sua maioria, dos próprios familiares ou parentes de pequenos produtores do maciço, indicando
uma certa mobilidade espacial das famílias no maciço a fim de viabilizar a reprodução de novos
núcleos familiares e relaciona-se também à possibilidade de continuidade do trabalho agrícola
na sucessão de gerações.
“Meu pai nasceu onde hoje vive a Tia Marli. Minha mãe nasceu onde
hoje é o nosso sítio na serra de Virgem Maria. Quando eles casaram
foram morar, para lá, no sítio do pai dela, Manoel Porfírio, em Morro
Redondo, que faz rumo com Vargem Grande. Ele alugou de minha
avó, depois comprou. Este terreno de Morro redondo ficou para o
irmão de meu pai, Altino José Avelino. Quando ele morreu foi
vendido para outro agricultor,Vaninho, cunhado da Madalena.”
(Claudino, agricultor do Rio da Prata em Campo Grande).
5.2.1 - O bananal como elemento de territorialização
A cultura da banana, principal produto cultivado nas encostas da cidade do Rio de
Janeiro, causa controvérsia entre os biólogos, ambientalistas, geógrafos, agrônomos e outros.
Considerada uma planta exótica, os técnicos alegam que a bananeira não deixa crescer nada
entre os seus pés, abre clareiras na mata e altera a vegetação original. Outros, contudo,
consideram que a bananeira apesar de ser uma planta exótica está estabelecida no maciço
muito tempo, sua cultura não tem se expandido e do ponto de vista erosivo, Freitas (2000)
260
destaca que seu cultivo não traz riscos de deslizamento. Já o engenheiro agrônomo
196
responsável pelo projeto da ONG Roda Viva, realizado com os agricultores do Rio da Prata,
considera que a banana é um espetáculo para o solo, pela produção de grande quantidade de
massa vegetal.
Outro comentário que merece ser feito, é que o combate aos bananais se fortaleceu à
medida que se desenvolveu um predomínio de uma concepção biológica stricto sensu da
conservação. A finalidade da conservação no maciço foi mudando seu sentido ao longo do
tempo. Inicialmente, a preservação das matas era destinada à manutenção dos recursos hídricos
com a criação das Florestas Protetoras da União. Depois, com a criação do Parque, os primeiros
documentos informavam a ineficácia das culturas, então existentes, em impedir a urbanização.
Posteriormente a lógica que justifica a existência desta área protegida vai se modificando e passa
a encarar os bananais como um dos grandes vilões do PEPB.
Por todo o maciço, a banana e o caqui são as culturas predominantes. Além de garantir o
sustento dos agricultores, elas também acabam exercendo a importante função de demarcar no
espaço, atualmente destinado à conservação, o controle da terra e posse dos moradores que
reclamam ter chegado ali antes da criação do Parque. Além das áreas ocupadas pelos caquizais e
pelos bananais, o sítio também é formado pelo campo ou capineira, destinado à alimentação dos
burros, a macega
197
, que é uma área de vegetação rasteira que foi cultivada e abandonada,
além da capoeira que é uma área anteriormente cultivada, mas que por falta de mão-de-obra, ou
devido à ação de projetos governamentais, recuperou-se em mata (LEAL, 2005, p.69).
Justamente por isso, os agricultores olham com desconfiança ao incentivo do Governo para que
desenvolvam outras culturas, tais como a plantação de pupunha ou coco, que são vistas como
estratégias dos órgãos ambientais para que os agricultores plantem mato e acabem com seus
bananais.
198
Além disso, conforme foi citado no capítulo 2, estas iniciativas da Prefeitura,
quando incidiram sobre áreas protegidas estaduais tiveram o manejo e o corte proibidos pelo
IEF, inviabilizando a comercialização da produção. A produtora e presidente da Associação de
Produtores e Artesãos de Piabas e Adjacências APROLAPIAS relata que os agricultores do
196
Informações obtidas em entrevista (fev. 2007)
197
Os termos capineira, macega e capoeira foram identificados na região de Rio da Prata por Leal (2005 p.67).
198
- Crítica feita por uma agricultora da região de Piabas, com sitio também em Vargem Grande, a respeito da
Prefeitura do Rio de Janeiro, na região do Parque Municipal do Grumari.
261
Parque Municipal do Grumari
199
recebem uma ajuda de custo de R$500,00 por mês para
substituírem seus plantios de banana por coco verde e palmito pupunha. A mesma proposta foi
oferecida aos agricultores de Piabas. Conta esta informante que, ao perguntar se esta ajuda era
vitalícia, o representante da Prefeitura na época respondeu: a senhora sabe muito bem que eu não
posso garantir isso. Então respondeu ela: vou continuar com o meu bananal. A partir desses
relatos percebe-se a importância do cultivo da banana como elemento essencial para o sustento
das famílias produtoras. Por ser uma cultura permanente é também constituinte fundamental da
identidade e das formas de resistência dos agricultores do maciço da Pedra Branca.
FOTO 24
O bananal demarcando o território. Piabas, 2007.
A reportagem Agricultores recuperam matas no Rio
200
faz referência ao projeto de
agrosilvicultura desenvolvido no Grumari, que teve início em 1994, coordenado pelo engenheiro
florestal Paulo Schiavo, atual vice-presidente do INEA e, na época, vinculado à Fundação
Parques e Jardins. Diferente do que foi explicado pela presidente da Associação de Piabas, estava
previsto o reflorestamento em suas roças, com espécies nativas e de forma intercalada, os
199
Anteriormente era uma área de Proteção Ambiental controlada pela Prefeitura do Rio de Janeiro e que tem áreas
(acima da cota 100m) sob jurisdição do IEF. Em 02 julho de 2001 foi transformado em Parque Municipal do
Grumari.
200
Vide anexo 9: reportagem, infelizmente sem data.
262
agricultores poderiam cultivar abóbora, abobrinha, quiabo, mandioca, feijão, berinjela e milho.
Se por um lado, chama atenção, o intuito do projeto em manter este agricultor no local, tais
iniciativas esbarram na ausência de relações de confiança e de segurança jurídica quanto à sua
permanência na UC, além de questões de mercado, que estimulem a troca da banana por outras
culturas.
5.2.2 - O ciclo da banana, do caqui e outros produtos
A banana e o caqui são os produtos mais importantes para o sustento das famílias de
agricultores no Rio da Prata. Consideradas lavouras de mercado, esses produtos são essenciais
para a aquisição de uma série de bens que não são produzidos no sítio, e que dada a integração
ao meio urbano, tornaram-se socialmente necessários. Para Garcia Jr. (1983, p. 134), o que
caracteriza a produção voltada para a comercialização é que:
“Seu resultado é equivalente ao valor de produtos necessariamente consumidos
pela unidade familiar, mas que não são produzidos dentro da unidade familiar.
Seu valor de uso está no seu valor de troca, isto é, no acesso que permite a
valores de uso considerados essenciais e que são obtidos por compra a dinheiro.
Se sempre destas lavouras, é que sempre produtos que compõem a
subsistência doméstica que não são produzidos internamente.”
A banana é plantada nas encostas sombreadas, enquanto o caqui é cultivado nas
soalheiras, ou encostas ensolaradas, que anteriormente foram destinadas ao cultivo da laranja
(MUSUMECI apud LEAL, 2005, p. 61). Também exótico, o caquizeiro perde grande parte de
sua folhagem durante o inverno, diminuindo a cobertura vegetal. Sua safra vai de março a
junho e envolve grande volume de trabalho e dedicação de um número maior de membros da
família e trabalhadores pagos. É considerada a cultura mais rentável, justamente por concentrar-
se em um período de três, quatro meses, permitindo ao agricultor a formação de um pequeno
excedente. Um agricultor com uma propriedade de 7ha, estima que colha 200 caixas de caqui
durante a estação e de 25 a 30 caixas por semana de banana durante o verão.
263
FOTO 25
Coleta de caquis no Rio da Prata. Abril 2008 (foto de Roberto Costa).
Logo em seguida, vem a banana que, diferente do caqui, é produzida o ano inteiro,
embora sua maior produção seja nos meses de maior regime de chuvas, o verão. Além desses
dois produtos, a cana, o coco (no Pau da Fome) algumas frutas como a manga e a goiaba (ambas
no Rio da Prata), a babosa (Pau da Fome e Vargem Grande), o abacate (Vargem Grande), o
quiabo(Vargem Grande) e o aipim (Vargem Grande e Rio da Prata), são também cultivados e
destinados ao mercado embora uma parcela significativa desses produtos seja voltada também
para o consumo da família, junto com hortaliças como couve, alface e alguns legumes.
Segundo Garcia Jr.(1983, p.16) a distinção entre lavouras de mercado e de subsistência, não
significa que estas últimas não são comercializadas, mas que a lógica que orienta o plantio e as
formas como eles circulam, têm conseqüências sociais diferenciadas e cobrem diferentes esferas
do consumo familiar.
Leal (2005), ao realizar pesquisa com os agricultores orgânicos do Rio da Prata,
apontou alguns outros produtos que não aparecem no levantamento da PAF, tais como: cenoura,
abobrinha, maracujá, inhame. Talvez este fato esteja relacionado à alternância de cultivo de
264
acordo com o mercado ou à alguma condição específica da produção ou ao cultivo reduzido que
pode estar ligado ao abastecimento da casa e, por isso, não foi citado.
5.2.3 - Trabalho familiar e a força de trabalho externa
A produção em geral é organizada pelo chefe da família, contando com a ajuda dos
demais membros do grupo, muito embora, tenha sido constatado que, em geral, apenas um dos
filhos participa da produção. Em épocas de maior volume de atividades, é possível contar com
a ajuda dos demais membros ou a utilização de um ou dois trabalhadores pagos ao custo de
vinte a trinta reais. De acordo com Carneiro (1999, p. 334), não são raras as unidades de
produção sustentadas exclusivamente pelo trabalho do casal ou por apenas um dos membros do
casal. Esta tendência, contudo, não descaracterizaria a produção familiar, que segundo a autora,
deve ser entendida como aquela organização na qual a família tem papel preponderante na
formulação de estratégias para a manutenção do grupo.
Segundo os agricultores, a dificuldade de conseguir mão-de-obra é um dos principais
entraves para a prática agrícola, pois a diária de muitas atividades urbanas gira em torno de
cinquenta a sessenta reais, fazendo com que muitos não queiram realizar atividades pesadas de
roça em troca de vinte ou trinta reais; valor que, por sua vez, é elevado para o agricultor que não
pode dispor sempre deste recurso. 51% dos pequenos produtores afirmaram não fazer uso de
mão-de-obra externa, enquanto que 38% utilizam trabalho assalariado e 8% estabelecem acordo
de ajuda mútua entre amigos.
Entretanto, a utilização de mão-de-obra externa ocorre em condições específicas. As
respostas dos agricultores revelam tanto as dificuldades apontadas acima quando tem dinheiro
ou quando encontra quem queira trabalhar ou fazem referência ao passado mais próspero da
atividade agrícola antigamente sim. Outras respostas destacam também o momento específico
do ciclo agrícola em que este trabalho é utilizado 26% na colheita, 15% no inverno para a
limpeza outras respostas enfatizaram o tipo de contrato firmado com o trabalhador 48%
apontaram a empreitada revelando o seu caráter temporário. Como o contrato de prestação de
serviço é um aspecto distinto do período do ciclo agrícola em que ele é utilizado, é possível
265
inferir que, dentre aqueles que fazem uso de mão-de-obra externa, a grande maioria o faz em
regime de empreitada durante a fase da colheita e em menor escala, para serviços de limpeza no
inverno.
5.2.4 - A organização do trabalho familiar e a pluriatividade
66% dos chefes de família não exercem outra atividade além da agricultura. Dentre
aqueles que apontaram outras atividades, 12% estão ligados a atividades comerciais e 8%
destacaram que são aposentados, além de outras atividades variadas. O objetivo desta pergunta
era avaliar a importância da agricultura como atividade econômica essencial para a família,
considerando que, em geral, o chefe da família é responsável pelo provimento do consumo
coletivo dos membros da família (HEREDIA, 1979, p. 78). Entretanto, no caso desta pergunta, é
possível que nem todos tenham associado o item à outra atividade, com o item outra fonte de
renda, levando a crer que uma parcela daqueles que declararam não exercer outras atividades
seja também aposentada, sobretudo quando se constata a idade dos entrevistados: 62% dos
entrevistados possuem mais de trinta anos de atividade agrícola
201
. Há, contudo, casos na
Associação de Lavradores e Criadores de Jacarepaguá ALCRI, na localidade do Pau da Fome,
em que alguns de seus membros buscaram a associação para trocar informações e discutir temas
ligados à agricultura somente após a aposentadoria. Esta prática poderia indicar uma provável
origem urbana e ausência de uma tradição assentada na atividade agrícola, em busca de novos
estilos de vida ou uma fonte alternativa de abastecimento familiar ou de renda. A maioria dos
relatos, contudo, fazem referência a uma origem rural-agrícola e o impedimento durante certo
período da vida em viver da agricultura, podendo entretanto, esta atividade ser resgatada em
algum momento da vida.
Desta forma, o tempo ligado à agricultura não revela o lugar ocupado, ao longo da sua
trajetória, na organização do trabalho familiar na agricultura, nem o fato deste chefe de família
viver exclusivamente de agricultura em dado período exclui a combinação desta atividade com
outras, em diferentes momentos da sua vida. Por exemplo, um casal de pequenos produtores,
ambos aposentados, afirmou realizar atividades agrícolas por toda a vida, visto que desde
201
Há também agricultores que pela dificuldade de contribuição ao longo da vida e ou pendências burocráticas não
têm aposentadoria, mesmo com a idade avançada.
266
pequenos ajudavam os pais, assim como sua propriedade foi herança da família do marido.
Ao longo da conversa, foi esclarecido que além da agricultura, no passado, a esposa havia
trabalhado como copeira e o marido como vigia. Ao realizarmos perguntas mais específicas
sobre as formas de cultivo e produção, a esposa ponderou que aquelas perguntas deveriam ser
respondidas pelo marido que cuidava desses assuntos, enquanto ela cuidava de outros aspectos,
como comprar insumos, receber o pagamento dos produtos, vender a produção. Era ela que, em
geral, também frequentava as reuniões da associação.
A expressão dita certa vez por um agricultor de Vargem Grande a gente sai da roça,
mas a roça não sai da gente – sugere de um lado, a transitoriedade das escolhas em um contexto
de adversidade à reprodução da atividade agrícola, e de outro, revela também o valor afetivo e a
possibilidade de construção de uma identidade de pequeno produtor ou de agricultor que parece
estar relacionada, em um grande número de casos, à origem familiar desta atividade.
O levantamento das atividades dos demais membros do grupo familiar mostram que
40% das esposas não trabalham fora. Quanto à organização do trabalho, 41% dos agricultores
entrevistados afirmaram não contar com a ajuda de outros membros da família. 21% afirmaram
contar com a ajuda dos filhos, 12% da esposa e 7% dos filhos e esposa. Indicando, portanto, que
28% dos agricultores entrevistados contam com a ajuda dos filhos ou 49% dos pequenos
produtores do maciço da Pedra Branca contam com pelo menos o trabalho de um membro da
família na produção.
Quanto a outras atividades dos filhos, foi informado que 24% destes não exercem
nenhuma atividade, coincidindo com a porcentagem informada sobre os filhos que participam
do plantio. Outros 16% são estudantes. De forma vaga, os entrevistados afirmaram que 16% dos
filhos trabalham, mas não souberam precisar qual a atividade. Outros citaram que 7% realizam
biscates e 15% deles exercem atividades comerciais. De forma pouco representativa também
foram citadas as atividades ligadas ao magistério, construção civil, serviços domésticos/faxina e
até mesmo medicina.
As mulheres, em geral, não trabalham na colheita da banana, nem do caqui,
considerados os produtos de maior importância para o sustento da família. Outros produtos,
contudo, podem ficar sob a responsabilidade delas ou dos filhos. O trato dos animais de
transporte também cabe aos homens, podendo as esposas cumprir esta função caso haja
267
necessidade. Há, entretanto, exceções como o caso de Madalena, produtora da Associação de
Agricultores Orgânicos da Pedra Branca AAOPB
202
, que tem dois sítios, separados do sítio do
marido e, se envolve diretamente na produção do caqui e da banana, além de fazer feira
também. Suas filhas não trabalham na atividade agrícola, mas são responsáveis pelo preparo da
banana-passa. Madalena também é um dos membros mais atuantes da AAOPB, confirmando
outros casos em que são as mulheres e não os maridos que frequentam a associação.
Em relação ao número de filhos, a maior frequência varia de três a cinco filhos. O
acesso generalizado à escola na atualidade contrasta com a baixíssima escolaridade dos chefes
de família: 68% deles fizeram referência ao primário
203
ou não souberam especificar a série que
pararam os estudos e 13% afirmaram não ter escolaridade. A dificuldade de mão-de-obra na
agricultura não significa que haja boas alternativas ou ofertas em outros setores de trabalho para
os filhos, em sua maioria temporárias. Este quadro contraditório aponta de um lado para as
limitações de reprodução desta pequena agricultura e de outro, para sua potencialidade de
geração de renda alternativa à venda da força de trabalho para seus filhos.
O acesso à informação e à inserção urbana dessas famílias possibilita a maior
autonomia e individualização das escolhas e trajetórias dos filhos, acrescidos do fato que o
tamanho reduzido das propriedades é um impedimento a mais para que todos permaneçam na
agricultura. Contudo, o caráter familiar da produção não se limita à utilização de mão-de-obra
familiar, mas sim no empenho dos indivíduos através de diferentes estratégias em manter a
unidade de produção familiar (CARNEIRO, 1999, 334). Assim, o processo de individualização
da força de trabalho pode levar tanto ao rompimento de laços que permitem mantê-la ou ao
contrário, podem ser mecanismos através dos quais a pequena produção pode ser mantida.
De acordo com Leal (2005) que realizou um estudo antropológico com os pequenos
produtores orgânicos do Rio da Prata, as crianças em idade escolar estão excluídas do trabalho
agrícola, por ser o estudo um valor importante para seus pais. O fato de a agricultura não se
apresentar como um caminho imediato aos filhos, não significa que ela não possa ser
202
O uso desta sigla AAOPB no trabalho tem o objetivo de facilitar a referência a esta associação, contudo esta
sigla não é utilizada pelos agricultores, que se autonomeiam como produtores ou agricultores orgânicos do Rio da
Prata.
203
Sistema de classificação antigo que abrangia a série de alfabetização até a quarta série. Hoje em dia é
denominado ensino fundamental que abrange esta série inicial que passou a se chamar primeiro ano e vai até a
antiga oitava série que passou a se chamar nono ano.
268
incorporada ao longo de sua trajetória. Um grande número deles, completa o ensino médio e o
desejo de alguns jovens, filhos dos produtores, em cursar profissões afins à atividade dos pais
(por mais difícil que seja, dada a baixa escolaridade dos pais e dificuldade de acesso a um
ensino de qualidade pelos filhos) tais como agronomia ou medicina veterinária, engenharia
florestal pode representar novas possibilidades de reprodução social da agricultura no maciço.
Este é o caso de uma família de pequenos produtores visitada em Guaratiba. Toda a família está
envolvida nas diferentes etapas da produção e o filho mais velho está estudando agronomia na
UFRRJ.
69% dos entrevistados afirmaram vender sua produção, índice bastante próximo dos
66% dos chefes de família (já citados) que se dedicam à agricultura como atividade única,
confirmando a importância desta pequena agricultura no sustento das famílias e nos mercados
locais sobretudo as feiras, com 35% assinalado como local onde vende seus produtos e 21%
destacaram que vendem direto no próprio sítio. Cerca de 10% têm seu próprio comércio e 7%
vendem sua produção para atravessadores.
Dentre aqueles que vendem sua produção, 70% o fazem por conta própria, ou seja, sem
qualquer tipo de parceria ou ato cooperativo com outros produtores. Em número muito reduzido
(2%), alguns entrevistados destacaram que eventualmente vendem produtos de outros
produtores e, na mesma proporção, alguns destacaram que outros produtores vendem seus
produtos. Esta combinação pode acontecer com mais frequência na safra do caqui, quando
aquele que tem ponto fixo de venda de banana, vende também o caqui de outro agricultor, como
vemos na foto abaixo.
269
FOTO 26
Cininho (à diretita) vendendo caquis em parceria com Pedro que possui o ponto na feira da
Gardênia Azul. Março de 2007.
A descrição dos dados obtidos a partir da aplicação de formulários elaborados em
conjunto com a equipe da PAF /Farmanguinhos e interpretados à luz da bibliografia sobre
campesinato, demonstra a existência de uma pequena produção de caráter familiar orientada
para o mercado, a fim de suprir as necessidades de consumo dessas famílias, bastante integradas
ao meio urbano e, portanto, com necessidade de adquirir bens de consumo que não são
produzidos nas suas propriedades. Contudo, apesar da expressividade da produção de banana e
caqui para o mercado, observa-se a existência de outros produtos orientados para o mercado e
outros destinados ao consumo familiar, mas que também podem ser comercializados, marcando
uma alternatividade entre mercado e consumo, de acordo com o comportamento dos
consumidores e a competição com outros produtores. Deve-se ressaltar, entretanto, que as
restrições ambientais, dificuldades de comercialização e o tamanho reduzido das propriedades
dificultam o plantio diversificado e a sobrevivência exclusiva da agricultura.
270
Apesar de ser este o perfil dominante no maciço, existem produtores que não vendem
seus produtos ou vendem de forma esporádica e não têm a agricultura como principal fonte de
renda. Uma pequena parcela deles não tem origem rural e se interessou pela agricultura após a
aposentadoria. Sob outra perspectiva, deve-se considerar que estes dados não conseguem captar
a diversidade de trajetórias individuais entre atividades agrícolas e não agrícolas, em diferentes
fases da vida, desta mesma porcentagem de chefes de família que hoje afirmam não ter outra
atividade.
A participação reduzida dos filhos nas atividades agrícolas, observada no maciço da
Pedra Branca, está de acordo com a tendência mundial de maior autonomização dos membros
da família em relação ao mercado de trabalho (CARNEIRO, 1999, p. 332). O aumento da
escolaridade dos jovens quando comparada com a de seus pais, a necessidade crescente de bens
de consumo, combinadas com as dificuldades para a reprodução das atividades agrícolas têm
estimulado a busca de alternativas de trabalho fora da agricultura. Contudo, quando se observa a
baixa qualificação e o caráter temporário das atividades profissionais dos filhos, apontados nos
dados da pesquisa, é possível pensar nos impasses ou campo de possibilidades desta agricultura
ameaçada, de um lado, de ser inviabilizada pela idade avançada dos pais e ausência de
continuidade dos filhos, de outro, pela chance (desde que fossem viabilizadas melhores
condições de produção) de oferecer alternativas de reprodução social aos jovens que encontram,
em geral, grandes restrições no mercado de trabalho.
Para 88% dos entrevistados, a localidade onde eles vivem preserva as feições rurais e
apenas 10% deles afirmaram se tratar de uma área urbana. Assim, apesar da existência de um
contexto onde as fronteiras entre o rural e o urbano tornam-se muito tênues e são ressignificadas
pelos valores ambientais (CARNEIRO, 2005), para os pequenos produtores do PEPB, a ênfase
na permanência do rural que abriga atividades agrícolas se combina com o seu papel em
defender o Parque e fazer frente à urbanização.
Ao serem questionados se tinham alguma preocupação com a natureza quando
cultivavam, 43% deles respondeu afirmativamente, mas não expressou o motivo. 17% das
respostas apontaram para questões ligadas às lavouras: 13% demonstraram preocupações com o
clima e solo para o plantio e 4% destacaram que viviam da natureza. Quando a pergunta foi
modificada e apresentada desta forma: voacha que existe relação entre agricultura e meio-
271
ambiente, 37% respondeu apenas sim e 38% destacou a idéia de equilíbrio, mas sob diferentes
perspectivas: 12% destacou: tem que ser igual, em referência à idéia que a conservação do meio
ambiente deveria ser conciliada com a necessidade de plantio dos agricultores e os demais
ressaltaram que a agricultura pode prejudicar o meio-ambiente, se praticada em condições
erradas. Esses comentários indicam que quase 80% dos agricultores demonstram algum tipo de
reflexão ou conhecimento sobre a questão ambiental, indicando a tendência a ambientalização
de valores (LOPES, 2005). Deste total, no entanto, a metade demonstra uma compreensão
articulada e que expressa o conflito de interesses entre a atividade agrícola e o meio ambiente e
a possibilidade de conciliação entre ambos. Quando a palavra utilizada é natureza e não
ambiente, destaca-se o predomínio de uma concepção mais utilitarista sobre o meio natural.
A maioria dos agricultores percebe sua vizinhança como rural e expressa uma crescente
ambientalização de valores, ainda que de forma abstrata, indicando uma tendência à
incorporação de novos códigos de conduta relativos à atividade agrícola. É provável que o
grupo de pequenos produtores que apresenta uma visão mais articulada e problematizada da
relação entre a agricultura e meio ambiente corresponda ao percentual engajado nas práticas
associativas, considerando o papel da mobilização política na reelaboração da identidade de
grupo, neste caso, se apropriando criativamente das categorias ambientais, para, segundo Lopes
(2005, p. 30) engrandecerem-se em conflitos com seus eventuais opositores.
Faço a seguir a apresentação do projeto, a partir do qual esses dados foram produzidos
e que tem sido responsável por novas dinâmicas de associativismo e mobilização entre os
agricultores.
5.3 - O Projeto de Plantas Medicinais no Entorno do Parque Estadual da
Pedra Branca
A equipe da Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos PAF Farmanguinhos,
localizada em área do entorno do PEPB, havia idealizado em agosto de 2006, o projeto Plantas
Medicinais no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca”, buscando se inserir no conjunto
de ações necessárias para a implantação de uma Política Nacional de Plantas Medicinais e
Medicamentos Fitoterápicos, criada no país, desde 2001. A real implantação desta política, de
272
acordo com o chefe da equipe da PAF, Glauco Kruse Villas-Bôas, envolve um ambiente de
inovação porque implica não apenas a utilização de novos produtos, mas uma mudança
completa nas práticas de saúde que vai desde o cultivo das plantas; até a produção industrial dos
fitoterápicos; a dinâmica do mercado farmacêutico; reorientação da relação médico-paciente;
difusão de novos conhecimentos à população; acompanhadas de pesquisas científicas e medidas
institucionais que orientam todos esses processos. O enorme potencial do Brasil no que diz
respeito à sua ampla disponibilidade de recursos biogenéticos e o acervo de conhecimentos
tradicionais, acumulados pelas populações reforçam a idéia de que a produção de
fitofármacos
204
e os fitoterápicos podem se tornar um importante nicho de mercado. Este por
sua vez, deve estar articulado a uma política de desenvolvimento econômico, social a partir de
arranjos produtivos locais e baseados em princípios de respeito e cuidado ao meio ambiente.
Dentro desta perspectiva, a Farmanguinhos criou um projeto que busca estender o conhecimento
desenvolvido no Campus da PAF – na área de cultivo de fitoterápicos – aos agricultores
localizados no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca. O foco de atuação da equipe da
PAF seria a capacitação deste grupo a respeito das formas de plantio, da disponibilização de
informação técnica e certificação institucional de seus produtos às possíveis demandas
existentes no mercado e, colaborar na criação de redes de comunicação e informação entre
atores e instituições.
Idealizado a partir da identificação das potencialidades locais, o projeto não tem uma
forma pronta e acabada. Seu êxito envolve o equacionamento de questões políticas, o
enfrentamento de interesses econômicos estabelecidos e práticas culturais arraigadas que
envolvem, tanto as condições de realização da agricultura na cidade do Rio de Janeiro, quanto a
estrutura das redes de saúde, um dos destinos possíveis da produção de plantas medicinais.
O projeto foi elaborado em três fases: diagnóstico, capacitação e implantação. Como
não conta com recursos próprios, a primeira fase busca justamente envolver parceiros que
possibilitem a implantação das fases seguintes e, de forma progressiva, mobilizar os agricultores
no processo de investigação sobre sua realidade e envolvimento necessário para a concretização
do projeto. Assim, a partir de conversas com a bióloga Sandra Magalhães, coordenadora do
204
Fitofármaco é a molécula isolada de um extrato vegetal. Fitoterápico é o produto elaborado a partir do
extrato ou da droga vegetal íntegra, ou seja, não é isolado nenhum constituinte.
273
núcleo de Farmanguinhos, passei a realizar algumas atividades de campo junto com a equipe do
campus, que nossos interesses de diagnóstico eram afins nesta fase inicial. Apresentei a eles
alguns de meus contatos e, em troca, ganhei bons companheiros de pesquisa: o engenheiro
agrônomo Roberto Costa, o técnico agrícola Antônio Eduardo Moreira. Mais tarde, o
farmacêutico Paulo Henrique Leda e a pedagoga Silvia Nunes Batista ingressaram na equipe.
Portanto, embora meu vínculo com a instituição fosse livre, efetivamente fiz parte do projeto e
fui vista pelos agricultores como um membro do grupo. Mais do que isso, as atividades e
questões geradas pelo projeto se tornaram objeto de reflexão em meu trabalho.
5.3.1
- É no entorno ou é no Parque? A apresentação do Projeto à administração
do PEPB
Ao iniciar a pesquisa não havia muita clareza sobre a localização destes agricultores,
por isso, foi utilizada a palavra entorno. Com o andamento da pesquisa, foi constatado que a
imensa maioria dos agricultores da região encontrava-se dentro dos limites do Parque Estadual.
Esta questão, desde o início, foi o grande do projeto visto que, sem o aceite do IEF, o projeto
não poderia se desenvolver, por ser o PEPB uma UC de proteção integral e, portanto,
legalmente não admite nenhum uso direto. Contudo, como a primeira fase envolvia o
diagnóstico, fomos avançando sobre a tarefa de conhecer a realidade agrícola do maciço, de
estabelecer relações com os agricultores, enquanto se buscava estabelecer negociações com o
IEF.
O posicionamento da equipe do projeto era que, a despeito dos agricultores estarem
dentro do Parque, o estímulo ao cultivo de plantas medicinais em sistema de agrofloresta seria
uma alternativa ambientalmente mais correta que o cultivo da banana e outras práticas agrícolas,
de perfil extensivo, que poderiam eventualmente estar sendo colocadas em uso. Outro aspecto
que sinalizava como possibilidade de viabilização do projeto, era a constatação de que pouco
tempo havia sido realizado o projeto com os agricultores do Rio da Prata, pela ONG Roda
Viva, e que teve a concordância do IEF. Diferente de outros projetos que foram sugeridos
aos agricultores, o projeto não impõe a substituição da cultura de banana ou outra pelas plantas
274
medicinais. Mas entende que a adesão dos agricultores só se concretizará se estas forem
viáveis economicamente e puderem ser inseridas em seu modo de vida cotidiano.
O que a princípio é um problema, porque esbarra na legislação do SNUC que
determina a impossibilidade de qualquer uso direto em UCs de proteção integral, como são os
parques, sob a perspectiva da negociação, pode ao contrário ser visto como uma solução
possível e humanizada, para fazer frente às contradições geradas pelo próprio Estado, no
processo de implantação das UCs. Assim, o projeto de plantas medicinais oferece como uma de
suas justificativas, a redução do impacto da atividade agrícola nas UCs, não através do
impedimento de reprodução de suas condições de sobrevivência, mas oferecendo uma
alternativa de produção ambientalmente mais correta e mudando sua relação com os órgãos
ambientais.
Em geral os agricultores são vistos com mais simpatia quando comparados com outros
tipos de população de origem urbana estabelecidos em áreas protegidas e genericamente
percebidas no espaço como favelas ou mansões. Mas, o que para alguns é apontado como um
fato positivo - o cinturão agrícola que impede outros tipos de ocupação - para outros, o vínculo
dos agricultores familiares com o lugar e sua territorialidade historicamente construída, seria um
empecilho à implantação de um parque sem gente. Este foi o ponto de vista da administradora
do PEPB, por ocasião da apresentação do Projeto em 10 de julho de 2006, feita pela
coordenadora técnica Sandra Magalhães na sede do Parque. Embora tenha achado a idéia ótima
para o entorno, foi categórica em relação à impossibilidade de uso direto do território do parque
e assim percebia os agricultores:
“O problema maior é o cara que está amarrado com a terra, mas um dado
positivo é que os agricultores antigos estão morrendo. Penso mesmo que a
tendência é o abandono da agricultura. Agora tem aqueles que têm prazer na
atividade. A grande sorte nossa, é que o jovem não tem mais interesse em
agricultura.”
Esta constatação malthusiana sobre os moradores do Parque expressa o desejo dos
gestores de unidades de conservação, que pressionados pela legislação, pela burocracia e pela
opinião pública, esperam que um de seus maiores problemas a ocupação humana nas UCs
simplesmente desapareça. Trata-se de uma solução que não reconhece que a existência do
275
Parque foi parcialmente responsável pelas dificuldades que estes agricultores enfrentam ou, sob
outra perspectiva, que o estado de conservação dessas áreas deve-se, em parte, à existência
dessas populações e a manutenção de seu modo de vida (DIEGUES, 2002, P. 155).
5.3.2 - A busca de parcerias e a criação de um logo
No dia 22 de novembro de 2006, a equipe do Projeto realizou um encontro com os
agricultores e possíveis parceiros para apresentar a proposta de trabalho. Para este evento, foi
criado um logo que sintetizasse as propostas da equipe. Então, no centro das preocupações
aparece o Parque e as imagens à sua volta procuram enfatizar sua face agrícola e ou ligada às
plantas medicinais. As fotos escolhidas e montadas pelo engenheiro agrônomo Roberto Costa
mostram:
- o campus de plantas medicinais de Farmanguinhos;
- a produção de banana de Seu Tião em Piabas;
- as bebidas do bar de Seu Pingo, com ervas medicinais (o veneno e a cura juntos, como diz
ele);
- a reunião da Associação de Lavradores e Criadores de Jacarepaguá ALCRI, com Seu João
Corrêa, Vanderlei de Oliveira da EMATER e Seu Edezio Nascimento, o tesoureiro.
FOTO 27
276
Este evento
205
contou com a participação de agricultores da Associação de Produtores
Orgânicos do Rio da Prata AAOPB e da ALCRI e representantes de várias ONGs e instituições
206
, entre elas, o IEF representado pela administradora do PEPB. Segundo Gluckman (1987),
momentos na vida social que se constituem em situações sociais, a partir das quais os padrões
vigentes de conflito e dominação podem ser percebidos em ação, ou seja, revelando de forma
significativa como os indivíduos reproduzem e atualizam tais padrões. A partir da fala de cada
um dos atores presentes, foi possível fazer uma painel da situação atual da agricultura no Rio
Janeiro e também perceber as relações de conflito e de cooperação expressas nas falas,
posicionamentos, motivos e distintos interesses para os atores estarem ali.
Como era o primeiro encontro, havia grande interesse das organizações presentes em
conhecer o projeto e avaliar a possibilidade de captação de recursos ou de inserção em alguma
etapa do projeto, uma vez que Farmanguinhos é uma Instituição com forte projeção nacional.
Portanto, havia um ambiente de certa disputa, no qual os atores buscaram marcar posições,
apresentar o trabalho de cada organização e também subverter ou mediar a relação de poder e
tutela previamente conhecida entre a administração do Parque e os agricultores.
Após a apresentação do projeto e intervalo para o lanche, as cadeiras foram dispostas
em um grande círculo. A coordenadora do Projeto pede que cada um se apresente e que o líder
de cada associação fale um pouco sobre ela. A fala é logo apropriada pela administradora do
Parque, que fazendo valer de sua autoridade como representante do IEF, fala cerca de oito
minutos e destaca a importância da realização de pesquisas científicas, mas deixa clara a
impossibilidade de cultivo no PEPB, fala da política de tolerância do IEF com os agricultores,
mas não de concordância em relação às culturas no Parque. Neste momento, alguns agricultores
interpelam a fala da administradora e destacam seu papel de colaboração na manutenção do
Parque ao apagarem incêndios nos morros e que, como moradores antigos da região, precisam
de energia elétrica. A diretora deixa claro que a Light agora só coloca energia de acordo com a
autorização do IEF e isso não é possível em uma UC de proteção integral, apesar de muitos
possuírem luz. A sua colocação incisiva gerou receio por parte da equipe organizadora de que os
205
Vide anexo 10: a programação do evento 22 nov. 2006.
206
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, IEF, ONG AS-PTA, ONG Naup/Enda Brasil, Instituto Kinder,
Sindicato Rural.
277
agricultores ficassem constrangidos para falar ou que fosse criada uma situação aberta de
conflito. Neste momento então, a coordenadora da PAF sugere que se retomassem as
apresentações para que todos se conheçam e falem sobre o projeto, caso contrário não haveria
tempo para que todos falassem. Tento rebater algumas das afirmações da diretora, dando ênfase
que, em outras situações, a luta das populações pelos seus direitos resultou sim, em mudanças
de categorias de UCs ou revisão nas políticas de remoção por outras de integração. Após a
minha fala, Claudino, da AAOPB fala em nome de sua associação: nosso objetivo é produzir
sem desmatar, sem usar queimada e sem derrubar... Nós fizemos um curso ambiental com a
Roda Viva... Outro agricultor comenta: quer ver o Parque virar terra de ninguém são os
agricultores saírem de . Neste momento, a coordenadora Sandra faz uma nova mediação,
tentando harmonizar o posicionamento da administradora do PEPB, a minha fala e a dos
agricultores. Assim, ressalta a necessidade de respeitar a lei e trabalhar junto com o IEF,
tentando implantar o projeto de acordo com o plano de manejo e avaliar corretamente o que
fazer com as áreas deterioradas e abandonadas. Mas, ressaltou novamente, de forma
equilibrada e negociada com o IEF, buscando o reconhecimento da existência dos agricultores
no maciço há mais de trinta, sessenta anos e seu papel na conservação do Parque.
Seu Edson, agricultor da localidade do Fincão, sugere que o agricultor que ajuda na
conservação deveria receber uma ajuda de custo do Estado para que este pudesse continuar
mantendo-se na terra e desempenhando este papel. Em relação à energia elétrica, dirige-se a Seu
Arnaldo, que inicialmente reclamou do mesmo problema, e afirma que era preciso buscar
alguma saída, seja com energia solar ou, até mesmo, a divisão de energia elétrica entre vizinhos
próximos: se eu fosse seu vizinho, Seu Arnaldo, dividiria minha luz com o senhor.
Demonstrando certa contemporização, a gestora do PEPB então exemplifica que há um morador
do Parque que vive sozinho e faz uso de energia solar. A idéia do agricultor conservador é
reforçada por Leonel Rocha Lima
207
, representante da ONG Instituto Kinder e que, muito
tempo, como engenheiro agrônomo da EMATER, na região da Taquara, vinha defendendo esta
idéia. Segundo ele, a agricultura nesta localidade tem um papel importantíssimo e o tamanho
das propriedades e qualidade da terra não permitem mais o sustento das famílias apenas através
da agricultura. O representante do Sindicato Rural do Rio de Janeiro alertou que haveria
207
Engenheiro agrônomo da EMATER responsável em 1998 pela reativação da Associação de Lavradores e
Criadores de Jacarepaguá cuja história será apresentada a seguir.
278
adesão dos agricultores e empresas se a proposta de cultivo de plantas medicinais desse lucro,
como é o caso das empresas de plantas ornamentais em Guaratiba. Sua perspectiva reflete o
perfil desta entidade, que embora agregue diferentes tipos de filiados, está voltada para os
interesses de pequenos negócios agrícolas. O representante da ONG Naup/Enda Brasil
208
defendeu uma visão multifuncional da agricultura urbana e a necessidade de aproximação do
produtor com órgãos públicos, para a criação de programas de venda direta de alimentos e
acesso ao crédito. o membro da ONG AS-PTA
209
fez um relato de suas atividades na Zona
Oeste estimulando a agricultura em áreas bem urbanizadas e diz ter observado nestas áreas a
existência do cultivo de plantas medicinais, sem fins lucrativos, que cumpre um papel
importante de sociabilidade e solidariedade entre vizinhos. Por fim, Julio Cézar Lacerda,
coordenador do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, fala da luta desta entidade para
dar visibilidade à agricultura no município do Rio de Janeiro, mas salienta que a tentativa de
estabelecer linhas de crédito e outras ferramentas não são possíveis devido à baixa
representatividade das associações agrícolas de Jacarepaguá e que a discussão política é
fundamental para a geração de demandas ao Poder Público.
Segundo Gluckman (1987, p.295), é possível perceber a relação entre os grupos sociais
como um todo relacional, no qual o conflito, nem sempre aparente, adquire uma dimensão
central e pode ser compreendido como uma unidade funcional a partir da qual se estabelecem
padrões de equilíbrio social, ou seja, modelos possíveis de comportamentos e relações em um
contexto de dominação e conflito. Este equilíbrio, contudo, não é estático, pois, se por um lado,
ele estrutura eventos, costumes e relações, de outro, essas múltiplas interações se interpenetram
de forma contraditória trazendo então novas formas de equilíbrio social.
Podemos pensar, portanto, que a realização deste evento a partir de um conflito central
a permanência humana no PEPB orientou o debate de apresentação do projeto, podendo
inviabilizá-lo na sua essência. Primeiramente o conflito é explicitado através do discurso firme
da administradora do Parque que revestido de autoridade legal-racional, determina a
impossibilidade de usos no território do PEPB, baseada na lei 9.985 do SNUC. Num segundo
momento, a reação: os agricultores confrontados, acionam elementos de anterioridade e
antiguidade neste território assim como sua contribuição para a conservação da natureza para
208
Núcleo de Agricultura Urbana e Periurbana / Environmental Development Action.
209
Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa.
279
reivindicar direitos. Esta polarização é reforçada pela minha fala que destaca a importância da
luta das populações em áreas protegidas para a conquista de prerrogativas. Em um terceiro
momento, a contemporização: a coordenadora do projeto destaca a relevância do argumento
dos dois grupos e ressalta a importância de se buscar soluções equilibradas e negociadas entre
os dois lados. Em seguida, com a fala de diversas ONGs e instituições voltadas para a temática
agrícola, constrói-se um novo equilíbrio, a partir do momento que o foco da discussão se torna
mais amplo, incluindo: questões relativas ao mercado; à necessidade de ajuda e reconhecimento
do Estado; à inserção da agricultura em meio urbanizado e o associativismo, como meio de
garantir conquistas para as atividades agrícolas no Município. A reunião termina de forma
cordial, com um claro fortalecimento simbólico dos agricultores subvertendo ainda que
momentaneamente as relações de poder estabelecidas no início do encontro
210
. Dias depois, a
administradora do Parque, para reafirmar sua autoridade, reitera a posição formal do IEF
através de e-mail e demonstra preocupação com os desdobramentos do Projeto.
No dia 12 de dezembro de 2006, é organizada uma nova reunião. Desta vez apenas
entre a equipe da PAF, os agricultores e um grupo de pessoas ligadas a movimentos de saúde da
região de Vargem Grande que manifestaram interesse em conhecer o projeto. Entre elas, estava
a pedagoga Silvia Regina que depois veio fazer parte do grupo da PAF. Neste encontro, os
agricultores puderam falar de forma mais franca a respeito de suas impressões sobre a reunião.
Um grande consenso foi construído: a conjuntura política desfavorável para discussão do
projeto naquela gestão do IEF/ administração do PEPB. Entretanto, a coordenadora ressaltou
que o projeto foi idealizado em etapas, justamente porque envolvia a construção de redes entre
organizações e mercado que poderiam viabilizar a produção, além da identificação e solução
dos problemas relativos às associações de agricultores e a sua relação com o IEF. Neste sentido,
o tempo era um ingrediente necessário para a concretização do projeto. Assim, passou-se a
discutir a primeira etapa do mesmo que seria a elaboração de um instrumento de diagnóstico
feito em colaboração com os agricultores.
210
Da mesma forma que Gluckman (1987) se refere aos zulus que “roubaram a cena” no evento de inauguração da
ponte organizado pelos ingleses.
280
5.3.3 - A organização do diagnóstico
A equipe, na qual me incluo, inicialmente investiu em metodologias de diagnóstico
rápido participativo, aproveitando alguns encontros com os agricultores ou organizando eventos
com esta finalidade. Contudo, as fórmulas foram aos poucos abandonadas e o principal
instrumento de coleta de dados baseou-se no registro e acompanhamento das reuniões,
encontros informais e na aplicação de um formulário
211
, elaborado com a ajuda dos agricultores
em janeiro de 2007. A questão que orientou esta escolha foi a avaliação do grupo da PAF que
frente às incertezas institucionais e falta de recursos do projeto para as próximas etapas, não
seria justo ocupar os agricultores com as tarefas de diagnóstico. Além disso, havia a dificuldade
de escrita deste grupo e a necessidade de padronização de respostas e permanente diálogo entre
os coletores de dados.
Através dos resultados do formulário e da observação participante, a Instituição pretende
traçar um perfil da agricultura no maciço da Pedra Branca, avaliando de forma quantitativa e
qualitativa a produção, as formas de controle da terra, o tamanho das propriedades, a
organização do trabalho familiar, a inserção destes agricultores no mercado, o associativismo
assim como a lógica e as expectativas desses produtores em relação à sua atividade. Dada a
inserção da maioria deste grupo em uma área protegida, procurou-se avaliar também a
percepção ambiental e a relação deste tema com a atividade agrícola. Outro tema investigado no
formulário e essencial para o projeto foi o levantamento das plantas medicinais conhecidas e
utilizadas no maciço, a ser seguido posteriormente de uma investigação das condições
geofísicas das propriedades.
O objetivo inicial era a realização de um censo dos agricultores do maciço, mas o número
reduzido de entrevistadores que, ao longo deste período variava entre duas e três pessoas, fez
com que optássemos por uma análise por amostragem. Levando em consideração que a equipe
tinha inúmeras outras funções a desempenhar: reuniões internas, acompanhamento das reuniões
das associações, e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, visitas e apresentações a
possíveis parceiros e informantes, organização de encontros de discussão do projeto e que a
aproximação aos sítios e identificação dos agricultores não é uma tarefa fácil, a coleta de dados
211
Vide anexo 11: o formulário com as respostas padronizadas.
281
foi bastante demorada. Foram aplicados 89 formulários e 85 foram tabulados. Quanto à
interpretação dos dados, fui responsável pela padronização de respostas discursivas
212
em um
conjunto de opções que foram discutidas com toda a equipe e, feitas algumas adequações,
iniciou-se o trabalho de classificação das respostas e lançamento dos dados. A interpretação
apresentada neste trabalho foi feita exclusivamente por mim. A PAF ainda não fez a sua análise
oficial e aos dados socioeconômicos pretende acrescentar indicadores de análise do solo e
outros dados geofísicos.
5.3.4 - A Gestão Participativa
Embora a participação seja condição inegável de construção da democracia e de
descentralização dos processos decisórios, o discurso da participação transformou-se em uma
espécie de fórmula mágica ou receita de bolo, incorporada por numerosas agências de
desenvolvimento social e organizações que buscam aplicá-la como forma de reversão das
desigualdades sociais. Alguns autores (COOKE; KOTHARI, 2007) chegam a usar a expressão
tirania da participação em referência ao caráter manipulador de tais práticas e duvidam de sua
real possibilidade de empoderamento dos grupos sobre os quais buscam atuar. Os dispositivos
constitucionais de 1988, e outras legislações infraconstitucionais como o SNUC estimulam a
participação através da determinação legal de formação de conselhos consultivos. Frey (2003),
neste sentido, chama atenção para a importância das instituições em criar espaços formais de
encaminhamento do conflito e canais de comunicação que possibilitem o aprendizado político e
a aquisição de recursos organizacionais. Contudo, muitas vezes, os conselhos existem apenas
formalmente, incapazes de dar voz aos seus membros, nem de deliberar ou de debater questões
relevantes para aqueles que participam. Lopes (2005, p. 29), a este respeito, afirma que os
conselhos podem mostrar os efeitos de dominação exercidos pela presença técnica da expertise,
bem como o abafamento e a falta de espaço de diálogo com o saber leigo.
212
vide anexo o modelo do formulário com as respostas discursivas padronizadas.
282
Outras críticas sobre as abordagens participativas (CLEAVER, 2006) apontam para a
despolitização do conceito de empoderamento concebido inicialmente em uma concepção
freireana e questionam sobre quem de fato se empodera nestes processos. Para este autor, muitas
vezes as instituições locais trabalham com noções problemáticas de comunidade, constituindo
na verdade um consenso resultante de interesses das hierarquias de poder locais com os atores
institucionais. Lopes (2005, p. 28), sob outra perspectiva, acredita que a incitação pública ao
envolvimento dos cidadãos com questões públicas ambientais permite uma dissipação dos
medos quanto às propriedades subversivas da participação e assim, legitima a participação
popular.
A pertinência de tais questionamentos e a enorme gama de variáveis que envolve a
efetividade da participação indicam a necessidade de avaliá-la de forma contextualizada. Souza;
Perissinoto e Fuks (2004) por exemplo, ao se referirem aos conselhos gestores, destacam que
critérios tais como formas de eleição, a existência de uma comunidade cívica que transcende aos
conselhos, orientação político-ideológica do Executivo local, além dos recursos sociais,
subjetivos e organizacionais dos seus membros são importantes para avaliar se estes cumprem a
função determinada pela Legislação. Lopes (2005) também salienta que a eficácia dos conselhos
depende da experiência de participação política da população e de sua história de
mobilização(em associações de bairro, Igrejas, sindicatos, ...).
Ao refletir sobre a natureza da participação concebida pelo projeto da PAF/
Farmanguinhos e sua eficácia, é necessário considerar o processo de implantação do projeto e
da interação da equipe da PAF com os agricultores e suas respectivas associações, as
concepções dos membros desta equipe a respeito da participação e suas limitações face ao
desenho institucional da Instituição.
Pretende-se mostrar que o modo como este grupo estabeleceu suas relações com as
respectivas associações de agricultores e estabeleceu intermediações com outras organizações
exerceu e tem exercido efeitos importantes sobre a organização interna das associações e
possibilidade de participação política dos agricultores no conselho consultivo do Parque.
A idéia inicial de participação contida no projeto entendia que sem a adesão e o
envolvimento dos agricultores, os maiores interessados, em se fortalecer politicamente, buscar
oportunidades, articular redes de informação e comércio o projeto não poderia se realizar.
283
Contudo, a pergunta muitas vezes feita pelos agricultores: quando que a gente começa a
plantar, revelava o caráter abstrato da nossa proposta.
Neste momento inicial, a percepção mais concreta sobre as vantagens do projeto para os
pequenos produtores estava relacionada à negociação que a PAF iniciou com o IEF e que,
consolidada, poderia legitimar a condição deste grupo como pequenos produtores estabelecidos
no Parque. Outra vantagem percebida, foi a possibilidade de fortalecimento das associações,
pela nossa presença nas reuniões e interlocução constante, que, no entanto, fazia sentido para
aqueles que efetivamente eram engajados na associação.
Sem recursos próprios para a implantação das atividades de capacitação dos agricultores
e a busca de prováveis parceiros e formas de escoamento da produção, a primeira fase foi
dedicada à aplicação de formulários, visto que, o levantamento de dados socioeconômicos da
agricultura no maciço era entendido como condição importante para a conquista de
colaboradores. Além disso, eram feitas visitas às associações em dias de reunião e a criação de
eventos que permitissem o encontro de agricultores de diferentes localidades, a troca de
informações, com o objetivo de criar laços de confiança e nculos mais sólidos entre o grupo
da PAF e os pequenos produtores.
Em agosto de 2007, o técnico agrícola Antônio Eduardo Moreira sai do projeto e sua
vaga é preenchida pela pedagoga Silvia Nunes Batista. Nesta fase havia uma avaliação do grupo
sobre a necessidade de uma pessoa que fizesse um trabalho de escuta e comunicação entre os
agricultores e o grupo da PAF e das associações entre si, além de dar continuidade à coleta de
dados; ação que passa a ser realizada por ela, com a colaboração alternada dos demais membros
da equipe.
Egressa de movimentos sociais de moradia, saúde e participação em conselhos
consultivos ligados a este setor, além de moradora de Vargem Grande e, descendente de uma
família que habitava o território que hoje é o PEPB, pode-se dizer que esta nova integrante do
grupo era dotada de recursos subjetivos (SOUZA; PERISSINOTO; FUKS, 2004), ou seja, de
motivação ou de uma pré-disposição para o engajamento político. Ao ingressar como bolsista no
projeto, adquiriu uma identidade institucional (recurso organizacional) que aos poucos
modificou sua inserção na rede de relações locais do bairro de Vargem Grande, ressignificando
284
vínculos de vizinhança e parentesco e relações com atores institucionais da região, marcadas por
situações de conflito, pela negociação e reivindicação de direitos.
A atuação de Silvia foi responsável pela identificação de um número significativamente
maior de agricultores em Vargem Grande e progressiva integração deles às atividades realizadas
pela equipe da PAF. Seu trabalho resultou também na modificação do entendimento sobre o
nosso conceito de participação. Embora acreditássemos na importância de envolver os
agricultores para a concretização futura das ações do projeto, criando eventos com esta
finalidade, havia a avaliação de que não tínhamos muito a oferecer aos pequenos produtores.
Para Silvia, no entanto, a participação por si só, era um fim a ser buscado. Capaz de
gerar efeitos transformadores nas instituições envolvidas, nas associações dos agricultores, na
qualidade da inserção deste grupo no conselho consultivo do PEPB, então em fase de formação,
nas relações deste grupo com o IEF e outras entidades. Do seu ponto-de-vista, a proposta
faria sentido se esses princípios fossem aplicados na própria Instituição.
Houve nesta fase, então, um aprendizado do grupo sobre gestão participativa e seus
instrumentos que passou a ser direcionada à própria equipe da PAF: auto-avaliação, discussão
de prioridades e consenso sobre ações e metas, responsabilidade nas tarefas assumidas,
comunicação e transferência de informações às bases, prestação de contas, além da consulta às
associações sobre como aplicar eventuais recursos solicitados através de editais ou
disponibilizados por outros meios. Também, buscou-se realizar reuniões internas e outras com
os agricultores, de acordo com alguns rituais que buscavam alcançar a participação e a
eficiência no processo de tomada de decisão coletiva. De acordo com Commerford (1999 p. 49):
“As reuniões são muitas vezes pensadas explicitamente, sobretudo por assessores
e dirigentes (que as promovem), como um momento fundamental de
participação, de democracia e de organização, uma oportunidade para que todos
falem abertamente o que pensam, um espaço para tomar decisões, coletivamente,
pelo consenso ou pelo voto.”
Essas metas deveriam ser buscadas tanto nas relações entre organizações, quanto
verticalmente na própria Instituição Farmanguinhos, ajudando a superar entraves de ordem
burocrática, financeira e de recursos humanos. Tarefa que, no entanto, não conseguiu ser
285
realizada. Trata-se de uma Instituição marcada por disputas políticas, com dificuldade de
comunicação entre as diferentes áreas de atuação. Além disso, o campus da PAF tem pouco
tempo de existência, possui restrito capital social (BOURDIEU, 1998) e atua em uma área de
limitado reconhecimento institucional, os fitoterápicos.
A elaboração de jornais murais
213
a serem fixados nas diferentes localidades, com
notícias das associações e de Farmanguinhos (vide página seguinte)
214
, a idéia de refazer o
logo
215
do projeto, incorporando sugestões dos agricultores, a visita de agricultores de uma
associação nas reuniões da outra e a crescente incorporação de diversas demandas dessas
organizações: renovação da carteira de produtor, organização de assembléias ordinárias nas
associações, arbitragem de eventuais conflitos com o gestor do Parque, organização de feiras
comemorativas ou a busca de pontos melhores de comércio são exemplos de atividades
concebidas e realizadas no intuito de formar uma rede sólida de mobilização.
Algumas situações vivenciadas entre a PAF e os agricultores permitiram também
momentos de auto-avaliação em que os agricultores refletiram sobre suas associações e as
formas de participação. Em uma visita à associação de produtores orgânicos do Rio da Prata,
seus membros pediram ajuda para organizar uma assembléia de votação do novo presidente e
de mudança do estatuto no que diz respeito ao direito de voto. Desde que foi criada a
associação, em dezembro de 2002, com a colaboração da ONG Roda Viva, eles ainda não
tinham feito nova eleição e o diretor escolhido, na época, nem participava mais da organização.
Foi então combinada uma reunião para tratar exclusivamente deste assunto, na qual o estatuto
foi analisado e os agricultores manifestaram seu desejo de alteração, foi discutida a identidade
de agricultores orgânicos prevista no documento e reafirmada por eles, além de sugerirem, entre
eles, quem formaria a nova diretoria. Também nesta mesma data foi discutido o desejo dos
agricultores da AAOPB encontrarem um ponto melhor do que o atual na sede da EMATER
em Campo Grande – para a realização da feira de orgânicos que acontece todos os sábados. De
acordo com eles, o local não é muito movimentado e as condições de infra-estrutura do local
devido à fragilidade da EMATER estão cada vez mais precárias. Foram elencados então os
213
Apenas um jornal foi produzido, com recursos levantados pelo Banco do Brasil.
214
Jornal mural elaborado pela PAF? Farmanguinhos.
215
O novo logo incorporou algumas sugestões dos agricultores, foi aperfeiçoado por uma programadora visual de
Farmanguinhos e votado pelos pequenos produtores. Em breve serão produzidas camisetas com esta imagem para
divulgação do projeto.
286
lugares possíveis para a realização da feira e Silvia sugeriu que uma comissão da AAOPB se
responsabilizasse para investigar e negociar com os responsáveis pelos espaços sugeridos, a
possibilidade do estabelecimento da feira.
Também neste mesmo encontro foi feita uma avaliação dos resultados da feira de
produtos orgânicos realizada no largo do Rio da Prata em 10 de novembro de 2007, em
comemoração à Semana Nacional de Agricultura Orgânica. A feira foi organizada por iniciativa
da ONG Caatyba e do Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento MAPA. Embora a
feira tenha sido bem sucedida, não obteve o retorno que os agricultores esperavam, além disso,
os horários e atividades divulgadas não se realizaram conforme o previsto e houve problemas de
segurança dos pedestres e infra-estrutura da feira, visto que a presença da guarda municipal e o
necessário controle do trânsito, assegurados pelos organizadores, não aconteceu. Ao avaliarem
os desdobramentos da feira, os agricultores perceberam que em momento algum tiveram
qualquer ingerência sobre o processo de organização da feira que, em tese, era feita por eles e
para eles.
Uma nova feira foi realizada por iniciativa do MAPA e da ONG Caatyba em
comemoração a IV semana de alimentos orgânicos, em maio de 2008
216
. Desta vez, houve
participação ativa dos produtores e eles decidiram que a feira deveria ser feita na sede da
EMATER em Campo Grande e não no Clube Marapendi, na Barra como foi inicialmente
sugerido pela equipe do MAPA. Junto com eles, a equipe de Farmanguinhos, do DRS do Banco
do Brasil
217
se envolveu na organização do evento. O nome escolhido para a feira - Ser Tão
Carioca causou polêmica. Criado por sugestão da presidente da Caatyba, que a partir de sua
formação antropológica, buscava resgatar as origens agrícolas da ocupação do maciço. Os
agricultores, no entanto, após a realização da feira, manifestaram seu desagrado, afirmando que
eles não eram sertanejos.
216
Vide cartaz da feira em anexo.
217
A participação do Banco do Brasil será explicada a seguir.
287
FOTO 28
A sede da EMATER em Campo Grande, onde alguns agricultores da Associação do Rio da
Prata fazem a feira de produtos orgânicos todo o sábado. (foto Roberto Costa).
Esta avaliação a respeito dos eventos realizados pode ser um indicador da crescente autonomia
dos agricultores para se posicionarem criticamente em relação aos projetos e iniciativas que, em
tese, são voltados para eles. Por exemplo, muito recentemente, os agricultores do Rio da Prata
cuja associação foi nomeada de Associação de Agricultores da Pedra Branca no âmbito do
Projeto da ONG Roda Viva, manifestaram o desejo de serem chamados de AGROPRATA
(Associação de Agricultores Orgânicos do Rio da Prata). Isso significa que, apesar dos
pequenos produtores serem capazes de desmistificar ou criticar as contradições a que são
submetidos (SCOTT, 1987), o caráter de subordinação política a que estão historicamente
submetidos e os baixos recursos sociais deste grupo social, muitas vezes, colaboram para a
aceitação do saber de técnicos, especialistas e agentes do Estado, impedindo a crítica aberta e
franca.
Este foi o caso da assembléia de eleição do novo diretor da AAOPB, em 24 de setembro
de 2007, que foi totalmente conduzida por um membro do Sindicato Rural e presidente da
Associação de Agricultores da Costa Verde, convidado pelos pequenos produtores com o intuito
de ajudá-los na realização da reunião. Em seguida houve uma confraternização e os membros
da AAOPB ficam bastante satisfeitos. No ano seguinte, por ocasião de realização da assembléia
ordinária, o mesmo visitante conduziu novamente o processo. Desta vez, no entanto, Seu
288
Arnaldo, diretor eleito da Associação observou com desagrado que eles não tiveram espaço para
falar na sua própria organização.
5.3.5 O Banco do Brasil e o projeto de Desenvolvimento Regional Sustentável
Em março de 2007, a equipe da PAF foi contatada por um empresário da construção civil
residente no bairro do Recreio, ex-candidato a vereador e, responsável por uma ONG, que ao
tomar conhecimento do projeto de plantas medicinais de Farmanguinhos, pensou em
desenvolver um trabalho social voltado para o atendimento médico da população local fazendo
uso de fitoterápicos.
O provável viés eleitoreiro que poderia resultar deste vínculo afastou a possibilidade de
parcerias, mas em um dos encontros para troca de idéias, a coordenadora da PAF foi
apresentada ao gerente do Banco do Brasil da agência Recreio que demonstrou interesse pelo
projeto e o encaminhou para a superintendência do Banco. No dia 19 de julho de 2007, a equipe
da PAF, representantes da ALCRI, AAOPB, além do agricultor Pedro Mesquita
218
representando o grupo de Vargem Grande são recebidos na superintendência do Banco.
A reunião é conduzida pela coordenadora do plano de Desenvolvimento Regional
Sustentável DRS, implantado pelo banco em todo país. Estavam presentes também um
engenheiro agrônomo, analista do DRS, o gerente da agência Recreio, Taquara, Freguesia,
Praça Seca, Tanque, Barra da Tijuca, Realengo (todos bairros do entorno do PEPB), os
representantes da PAF
219
e os representantes dos agricultores: Irma da AAOPB, Maria Lúcia,
Marinho e Seu João da ALCRI e Pedro de Vargem Grande. A diretora da DCN do IEF, embora
tivesse sido convidada, preferiu não participar do encontro por não ter uma posição ainda
acertada com a equipe da PAF. Fomos acomodados em uma sala, com as mesas dispostas em
um grande círculo, com um telão à frente, no qual o engenheiro agrônomo Roberto Costa fez a
apresentação do Projeto e dos dados preliminares já obtidos na época. Este encontro foi
marcado de simbolismo e alterou o status do projeto frente aos agricultores. Pedro Mesquita,
218
Esta é a primeira reunião que Pedro participa. O poder simbólico desta reunião fez com que Pedro se tornasse
um parceiro constante do projeto e ator fundamental na criação da associação de agricultores de Vargem Grande –
AGROVARGEM.
219
Sandra Magalhães, Roberto Alexandre Costa, Paulo Henrique Leda, Silvia Nunes e Annelise Fernandez.
289
por exemplo, agricultor de Vargem Grande, que ainda não tinha comparecido a nenhuma
atividade do projeto, tornou-se um membro colaborador ativo e um dos responsáveis pela
organização da associação de agricultores de Vargem Grande. Estavam ali sentados lado a lado,
no prédio central do Banco do Brasil (BB), os gerentes da principais agências da Zona Oeste,
figuras que normalmente são mais acessíveis àqueles que têm maior poder econômico. No
entanto, estavam ali, junto com os pequenos agricultores, para discutirem as dificuldades de
produção, mercado e reprodução social da agricultura do Município.
Após a fala do Roberto, a coordenadora do BB apresenta o DRS e explica que o Banco
do Brasil pode se inserir e participar de algumas atividades do Projeto da PAF. A primeira
etapa seria a capacitação dos gerentes e a segunda etapa o Banco procuraria identificar as ações
que estão em desenvolvimento e buscar a articulação de parcerias. A coordenadora deixa bem
claro que o Banco não trabalha com recursos não-reembolsáveis, mas identifica prováveis
parceiros, colabora com planos de negócios e ao longo do processo ajuda a identificar gargalos e
encaminhamento de ações. Um dos principais produtos do Banco vinculado ao DRS é o serviço
de crédito do Programa Nacional de Agricultura Familiar, o PRONAF. Desta forma, o Banco ao
associar seu nome ao projeto, confere confiança às ações da PAF e disponibiliza capital social
através do acesso uma rede ampla de parceiros que, a longo prazo, pode resultar na aquisição de
capital econômico para implantação do projeto. Em troca, cria um ambiente de investimentos
seguro para a concessão de empréstimos.
Seu João Corrêa então pergunta quantos dos gerentes ali presentes sabiam lidar com o
PRONAF. Apenas um deles afirmou ter este conhecimento. Os gerentes reconheceram que isto
acontecia pela realidade urbana em que as agências estavam inseridas. A coordenadora afirmou
que o equacionamento desta dificuldade seria a primeira providência do DRS. Seu João então
descreve a sua dificuldade como agricultor para conseguir o crédito do PRONAF. A
coordenadora do PAF salienta que o empréstimo para os agricultores não resolveria as questões
ligadas ao projeto, que em um primeiro momento precisa de recursos não-reembolsáveis, para a
realização da capacitação dos agricultores e a possibilidade de uma bolsa para os participantes.
Naquele momento, afirma ela, de nada adiantaria a liberação de crédito para os agricultores que
não teriam como pagar suas dívidas. Uma das gerentes confirma que muitas experiências com o
PRONAF não são positivas e que é necessário que as pessoas saibam exatamente o que significa
290
um empréstimo e como usá-lo. Irma, representante da AAOPB, confirma esta visão, contando o
caso de dois agricultores: um pegou um empréstimo e aplicou na produção, o outro comprou um
fusca. Ficou todo endividado.
Outra questão discutida é a situação de indefinição frente ao IEF. A coordenadora do
DRS esclarece que sem o aceite desta instituição, o Banco não poderia levar o projeto à frente.
Sandra Magalhães esclarece que a equipe da PAF foi ao IEF, em abril de 2007 e apresentou o
projeto a diretora da DCN e DDF e que aguardava um posicionamento da referida instituição.
Somente no final de 2007, iniciam-se os contatos entre a PAF e o Banco do Brasil. No
caso deste último, as dificuldades estavam relacionadas à organização de tarefas e recursos
humanos para viabilizar o DRS. No caso da PAF houve a mudança de instalações do campus e o
afastamento temporário da coordenadora por questões de saúde. O Banco organizou-se frente ao
projeto da PAF a partir de três enfoques distintos:
- o uso de dados e acompanhamento do projeto como plano de trabalho de um grupo de cinco
funcionários no curso de MBA;
- a consolidação do DRS;
- a oferta de serviços bancários – o PRONAF vinculado à agência do Tanque.
A retomada dos contatos entre o grupo da PAF e do BB a princípio é tensa, porque esta
etapa se inicia pela cobrança dos funcionários do Banco de dados do diagnóstico que, além de
não estar pronto à época, não havia clareza para a equipe da PAF de qual seria a contrapartida
do Banco. Outra questão que despertou tensão foi que um dos funcionários do BB, na intenção
de levantar dados socioeconômicos mais rapidamente, abordou alguns agricultores diretamente
pelo telefone, cobrando dados como CPF, por exemplo, que foi considerado pela equipe da PAF
como uma postura agressiva e invasiva. Muitos agricultores ficaram assustados achando tratar-
se de cobranças de dívidas, empréstimos ou uma possível fraude bancária.
Desfeito este mal entendido, a equipe do BB se ofereceu para ajudar na análise dos
dados, o que causou novos impasses, uma vez que havia uma percepção distinta entre ambos os
grupos sobre a natureza dos dados. Enquanto a equipe do banco tratava o formulário de forma
objetiva e matemática, o grupo da PAF ponderava que o lançamento dos dados dependia
fundamentalmente de análise interpretativa que mal feita poderia comprometer todo o trabalho.
Destarte, foi estabelecido que o grupo do BB deveria esperar um pouco mais. Além disso, a
291
PAF ressaltou que o BB estava vinculando qualquer ação de sua parte ao andamento do
diagnóstico. Achávamos ao contrário, que o atraso da análise dos dados não era suficiente para a
ausência de iniciativas do BB. Havia ações possíveis de serem feitas, tais como: pressão para
resolver assunto com o IEF, a demanda de aquisição da documentação dos agricultores
220
e
organização da feira solicitada pelos agricultores etc. Apesar do início tenso e confuso, os dois
grupos aos poucos, tornaram mais rápidos os canais de comunicação, afinaram-se quanto à
metodologia de trabalho, administrando-as de acordo com as dificuldades burocráticas de suas
respectivas instituições.
A carta de crédito oferecida pelo Governo Federal no âmbito do Programa Nacional de
Agricultura Familiar, o PRONAF pode ser concedida aos pequenos produtores do Maciço da
Pedra Branca, desde que eles obtenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf DAP. Este
documento deve ser emitido pela EMATER, através de visitas aos agricultores. Devido às
dificuldades enfrentadas por este órgão de extensão, o BB disponibilizou recursos para pagar o
combustível dos veículos da empresa destinados a esse fim. Ainda assim, não houve empenho
da EMATER para a realização desta tarefa. O gerente da agência Tanque do BB, onde se
concentram as ações do DRS, entrou em contato com o presidente da EMATER que admitiu
não ter planejado nenhuma ação para o Município do Rio de Janeiro e se comprometeu a dar
andamento a essas ações.
A oferta deste serviço bancário está inserida no plano DRS, visto que o presente projeto
tem um perfil agrícola e um grande interesse do banco em disponibilizá-lo. Medeiros (2003,
p. 57) explica que o termo agricultor familiar ou agricultura familiar ganhou força a partir deste
programa (PRONAF) criado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, com o intuito
de ajustar os assentados rurais ao mundo dos negócios. Os termos campesinato, trabalhador
rural, assentado, são preteridos e o termo agricultura familiar adquire assim uma conotação
menos politizada e mais articulada ao mercado. Carneiro (1999) também chama atenção para o
fato que a disponibilidade de crédito foi estabelecida a partir de critérios de mercado
agricultores familiares viáveis ou não viáveis - que não contemplam a diversidade de unidades
de produção familiar, nem as diferentes lógicas que as orientam. através desta política,
continua a autora, a tendência “a eleger um único tipo de agricultor identificado à imagem de
220
Alguns agricultores estavam com dificuldades para renovar a carteira de produtor, documento necessário para a
realização das feiras.
292
uma agricultura ‘moderna’, especializada como modelo de agricultura a ser estimulada no
país.” Apesar deste contexto político específico ligado a origem do termo agricultura familiar,
no momento seguinte a apropriação pelos movimentos sociais que buscam através da
assimilação deste termo a redefinição de sua identidade socialmente desfavorecida. No caso dos
pequenos produtores, o acesso ao crédito e a aquisição do DAP pode ser um importante passo
na construção de sua legitimidade (confirmada mesmo que por uma Instituição financeira) em
permanecer no território estabelecido como Parque.
5.3.6 - A negociação com o IEF
Em janeiro de 2007, com a eleição do novo governador Sérgio Cabral, Carlos Minc
tornou-se secretário do Ambiente e a diretoria do IEF, junto com os gestores das UCs são
substituídos. No caso do PEPB, assumiu Marcelo Soares, assessor de Minc e ex-administrador
do Parque, no período de 1999 a abril de 2001. A equipe da PAF, então faz nova apresentação
ao administrador, que embora tenha se mostrado favorável à idéia, afirma a necessidade de
discuti-la com a diretoria da DCN.
Em abril de 2007, Sandra Magalhães e Roberto Alexandre Costa fazem a apresentação
do Projeto no IEF, à diretora do Departamento de Conservação da Natureza DCN e a
representante da DDF – Diretoria de Desenvolvimento Florestal. A apresentação tem boa
receptividade, a diretora da DCN fala inclusive na possibilidade de replicação deste projeto em
outras áreas protegidas com grandes conflitos sociais, etc. O IEF fica de dar um posicionamento
formal, mas passa-se um ano e há apenas um grande silêncio.
221
Em janeiro de 2008, realizo uma entrevista com o presidente do IEF e pergunto se ele
tem conhecimento do projeto. Ele diz que ouviu falar vagamente. Pergunto por que a Instituição
não havia dado resposta e ele então alegou dificuldades de comunicação e estruturação da nova
gestão que se iniciou em 2007.
221
O início da nova gestão do IEF, impondo a necessidade de arrumar a casa, e a falta de afinamento da então
presidente do IEF Iara Valverde, substituída em seguida por André Ilha - com algumas das diretorias do órgão,
foram fatores apontados por alguns funcionários para a morosidade no andamento de certos projetos da Instituição.
293
Lembro a ele que durante sua gestão houve concordância da Instituição para a
realização de um projeto da ONG Roda Viva com os agricultores. André Ilha então esclareceu
seu ponto-de-vista, alegando que para ele, tais iniciativas são benéficas, uma vez que visam usos
ambientalmente mais corretos do que os que são praticados nas UCs. Não obstante, este
dirigente deixa claro que tais medidas são paliativas, visto que o ideal a ser alcançado é a
implantação de um parque sem a permanência humana, como define a lei. Nestes termos, afirma
que assinaria um termo de cooperação com Farmanguinhos.
Apesar deste posicionamento favorável, a equipe da PAF tentou primeiramente
restabelecer contato com a diretora da DCN, responsável pelo encaminhamento do projeto no
IEF. Finalmente, por ocasião da reunião de apresentação do perfil dos membros do conselho
consultivo do PEPB, é restabelecida a comunicação e é marcada uma reunião com o presidente
do IEF em 07 de abril de 2008. Neste encontro, após rápida apresentação, fica estabelecido que
o IEF pode realizar um termo de cooperação técnica com Farmanguinhos e um termo de
compromisso com os agricultores de forma que ambas as instituições tenham segurança jurídica
para desenvolver suas atividades. O documento elaborado em abril de 2007 pela PAF e enviado
ao IEF, provocando oficialmente a instituição a se pronunciar sobre o projeto é então
reapresentado ao presidente do IEF que sugere algumas modificações.
A próxima etapa coube então a PAF: elaborar um novo documento que deveria ser
assinado pelo presidente da Instituição. Desta vez, entraves institucionais de Farmanguinhos,
dificultaram esta ação aparentemente simples. O chefe da equipe da PAF, neste momento,
pondera que o termo de compromisso deve ser feito diretamente entre o IEF e as associações de
agricultores e destas com Farmanguinhos, alterando a forma pensada inicialmente, na qual a
PAF se colocaria como mediadora do processo, protegendo assim o projeto de mudanças
políticas na Instituição. Reencaminhada esta proposta ao IEF, o esclarecimento mais amplo
sobre o formato da nova proposta foi discutido de fato em reunião realizada na Paróquia de
São Sebastião em Vargem Grande, no dia 29 de setembro de 2008, que contou com a presença
dos pequenos produtores das três associações, da equipe da PAF, da ONG Aliflor, da diretora da
DCN, do vice-presidente do IEF e, da engenheira florestal Márcia Barroso e do administrador
do PEPB, e da representante do DRS do Banco do Brasil.
294
Esta reunião com o IEF foi agendada pela PAF e teve como objetivo central explicitar
o posicionamento da Instituição quanto ao projeto e definir alguns termos para redação do
termo de compromisso a ser firmado entre as partes. Contudo, o encontro foi em grande medida,
precipitado pela ocorrência de notícias trazidas pelos agricultores de situações de conflito
ligadas à fiscalização, com o novo administrador do PEPB, que assumiu o cargo em abril de
2008. Desta forma, a reunião teve efeitos integradores entre os produtores e a PAF, entre os
produtores e o IEF, entre o IEF e a PAF e, de mobilização social que ultrapassaram seus
objetivos iniciais. (COMMERFORD, 1999).
O encontro foi encerrado, entre outros resultados, com o compromisso da equipe da
PAF de redigir rapidamente uma minuta do termo de compromisso e do empenho do IEF em
firmar o documento antes da fusão das agências ambientais no INEA, prevista para janeiro. A
pressa em solucionar este impasse burocrático devia-se também à necessidade da PAF em
buscar parceiros ou participar de editais ainda neste ano para a concessão de recursos que
viabilizem o projeto em 2009. Contudo, ainda em janeiro deste mesmo ano, a PAF buscava
orientações junto ao departamento jurídico de Farmanguinhos, sobre o melhor formato do
documento e o detalhamento das parcerias, sobretudo no que diz respeito a informações e dados
sobre os agricultores.
5.3.7- Perspectivas atuais do Projeto
Enquanto a PAF/Farmanguinhos enfrenta dificuldades internas na elaboração de um
documento (termo de cooperação /termo de compromisso) a ser firmado com o INEA, tem por
outro lado procurado avançar no diálogo com a Secretaria Municipal de Saúde, responsável por
um programa de fitoterápicos desenvolvido em alguns postos de saúde da cidade do Rio de
Janeiro. Este programa, na atualidade, cobre menos de 1% dos usuários da rede. A sua reduzida
abrangência envolve questões culturais ligadas às práticas médicas, mas, sobretudo, a própria
falta de estrutura do programa. A partir de conversas que apontam para uma parceria, a PAF e a
Secretaria Municipal de Saúde, através do Programa de Fitoterápicos do Município do Rio de
Janeiro, pretendem aumentar em quatro anos esta abrangência para 10%, gerando, portanto, uma
demanda de produção de plantas medicinais que poderiam incluir os agricultores do maciço da
295
Pedra Branca no cultivo de plantas medicinais. O SUS, por sua vez, já trabalha com dois
fitoterápicos que poderiam ser produzidos no maciço em adequação com o bioma local: o guaco
e a espinheira santa.
Quanto à intermediação do Banco do Brasil para encontrar parceiros, havia linhas de
incentivo a projetos sociais da Eletrobrás e Petrobrás que foram fechados com a expansão da
crise mundial em 2008.
Recentemente, o BB conseguiu a instalação de dois telecentros com dez computadores
para a AAOPB e a AGROVARGEM. Esta última como não tem sede própria, irá instalar os
computadores na sede da Associação de Moradores de Vargem Grande. A ALCRI não recebeu
os computadores porque não enviou o documento de solicitação a tempo. Nesta fase de
implantação, a PAF busca conseguir estagiários universitários para a estruturação e gestão desta
rede de comunicação.
Através da Fundação Banco do Brasil e não do DRS, a PAF recentemente participou de
edital disponibilizando recursos para a agroindústria. O pedido foi encaminhado por
funcionários (conforme prevê o edital) da Agência Tanque, indicando como beneficiária, a
associação do Rio da Prata, dadas as condições de sua sede e maior grau de estruturação desta
associação que já realiza o beneficiamento da banana. Foram solicitados recursos para a
compra de um furgão e equipamentos para a produção de polpa de manga.
Inicia-se agora a análise e redação do diagnóstico e a retomada do projeto com os
agricultores em novas bases, considerando o processo de mobilização e a rede de comunicação
que foi construída. Cabe refletir de forma conjunta sobre as ações a serem realizadas com ou
sem recurso disponibilizado.
5.4 – Mobilização política, associações, mediadores e instituições
As três associações de pequenos produtores no maciço da Pedra Branca foram fundadas
em momentos distintos a partir de questões, conjunturas, mediadores diferentes. Nos três casos
o antagonismo frente ao Estado (representado pelo IEF que administra o PEPB) se configurou
de formas diferenciadas. Moacir Palmeira (1974) em uma discussão específica que não nos
296
interessa aqui abordar, sobre a participação política diferencial do campesinato, afirma que são
as contradições às quais este grupo está submetido que fazem com que ele se organize e se torne
combativo. Além disso, não são as diferenças socioeconômicas que fazem este ou aquele grupo
se mobilize politicamente, mas ao contrário, é a participação política que desencadeia um
processo de diferenciação interna e de integração em novas bases dos grupos aos quais as
lideranças estão ligadas.
No caso dos pequenos produtores do Parque Estadual da Pedra Branca, o
enfrentamento com a Instituição responsável pela sua administração, o IEF, se caracterizou por
raras situações de conflito aberto e tem sido marcado pela negociação e resistência por parte dos
agricultores, tanto através de ações individuais, quanto através de ações coletivas que ocorreram
em geral sem a existência de organizações políticas formais, naquilo que Scott (1987) define
como as formas cotidianas de resistência. Neste sentido, é possível pensar que o antagonismo
frente ao IEF apenas indiretamente contribuiu para a mobilização dos pequenos produtores na
história de constituição das duas associações de agricultores do PEPB: ALCRI e AAOPB.
Já a última associação a ser criada, a AGROVARGEM em dezembro de 2007, a
possibilidade de inviabilização do projeto da PAF pelo IEF e a própria metodologia conduzida
pela equipe de Farmanguinhos (buscando elencar os problemas apontados por eles) contribuiu
para a identificação mais clara deste órgão de governo como antagonista que justificava a
necessidade da criação da associação, fortalecendo a identidade de agricultores nativos
222
.
Almeida (2006, p. 70) neste sentido, destaca que a incorporação de uma identidade de grupo
com base na tradicionalidade, não se reduz à história nem tampouco a laços primordiais, mas
sim através da mobilização, que pode, por sua vez, resultar em transformações políticas mais
profundas na capacidade destes grupos fazerem frente ao poder do Estado, na defesa dos
territórios que estão socialmente construindo.
Na história de constituição das três associações, pode-se identificar o papel central de
mediadores vinculados a organizações que fizeram uso da prática associativa, como meio para
disseminar conhecimentos técnicos aos agricultores e implementar modificações nas condições
em que se realizam esta pequena produção e por extensão possibilitar a melhoria das condições
de reprodução social dos pequenos produtores do maciço. As três iniciativas de associativismo
222
A lei estadual, 2.393, 20 abr. 1995 confere direitos às populações nativas em unidades de conservação.
297
foram estimuladas pela crença de tais mediadores no papel privilegiado das associações na
conquista de metas coletivas, na aquisição de normas e padrões comuns.
Se a priori, as instituições e ONGs criam caminhos favoráveis para a participação
política, como foi o caso da EMATER, da PAF e da ONG Roda Viva, é preciso avaliar as
condições que estas organizações oferecem para o exercício da participação política e atuação
dos mediadores que as representam. As dificuldades vão desde as limitações de recursos e
consequente falta de infra-estrutura, para o desenvolvimento de atividades em campo, como é o
caso da EMATER e da PAF; o predomínio de relações verticalizadas nas instituições que
implantam mecanismos de gestão participativa, apenas por exigência legal, desautorizando, na
prática, o papel de mediadores exercidos por seus funcionários ou atores; a falta de
transparência na gestão de recursos que impedem o planejamento a longo prazo ou que os
mediadores cumpram as metas estabelecidas com os membros do projeto. Salek (engenheiro
agrônomo responsável pela implantação do projeto da ONG Roda Viva, entre os agricultores do
Rio da Prata), neste sentido, lembra que no final do projeto teve que terminar a construção da
sede dos agricultores à revelia da ONG, interessada em direcionar os recursos disponíveis para a
sede da AAOPB, para outros projetos sem financiamentos.
Considerando novamente o tema do antagonismo, como fator de estímulo à
mobilização política, deve-se destacar, contudo, que se por um lado a identificação do IEF como
antagonista pode ser percebida em inúmeras situações e falas dos pequenos produtores,
evidencia-se também o desejo dos pequenos produtores de fazer parte do pacto ambiental, sendo
reconhecidos como parceiros da Instituição na conservação do território da UC. Para alguns
autores este movimento corresponde ao desejo de inclusão em políticas de tutela (LOBÃO,
2006, p. 10), para outros, entre eles, Almeida (2006, p. 15), trata-se de situações históricas em
que grupos encontram oportunidade de articular estratégias de defesa de seu território, a partir
da reivindicação do reconhecimento jurídico-formal de suas formas de ocupação específicas e
uso dos recursos naturais. Descreveremos a seguir o contexto de formação das respectivas
associações e em seguida retomamos este debate.
298
5.4.1 - A EMATER e os agricultores do Pau da Fome na Taquara
Segundo relatos dos agricultores, a Associação de Lavradores e Produtores de
Jacarepaguá ALCRI foi fundada em 1986. Contudo, desta fase inicial, poucos que dela
participam na atualidade se lembram. Durante doze anos, ela ficou desativada e apenas em
1998, por iniciativa do engenheiro agrônomo da EMATER, Leonel Rocha Lima, ela voltou a
funcionar e a mobilizar os agricultores da região da Taquara
223
. As reuniões eram realizadas às
segundas-feiras, no tio de Manoel, na localidade da Boiúna (Taquara), posteriormente
passaram a ser feitas no Pau da Fome, na venda de caldo de cana do Seu João. Além de Leonel,
outro engenheiro agrônomo, Vanderlei de Oliveira, foi lembrado pelos agricultores como um
profissional sempre atuante e disposto a ajudar os agricultores. O estímulo dos agrônomos, para
a formação da associação, fazia parte de um projeto da própria EMATER de fomentar a união
dos agricultores em associações para a facilitação do trabalho de extensão rural. Segundo
Leonel, a atividade de extensão é uma atividade demorada, de grande esforço físico e que requer
um bom número de profissionais. Ela envolve o deslocamento para lugares distantes: abrir
porteiras, desatolar carros, subir morros, vencer a desconfiança dos agricultores
224
. Tais
dificuldades inerentes a esta atividade e uma crescente defasagem de funcionários fez com que a
instituição buscasse realizar a atividade de orientação aos produtores através de encontros
coletivos, em associações. Segundo seu relato, há dezessete anos a EMATER não realiza
concurso e, na gestão atual do governo de estado, houve a exigência de enxugamento de 200
profissionais. Outro fato político que contribuiu para a limitação das atividades de extensão
rural no país, destaca Leonel, foi a extinção da Empresa Brasileira de Extensão Rural
EMBRATER,durante o Governo Collor, concentrando sobre os estados e prefeituras a
realização desta tarefa.
Após a fase de retomada, os membros da ALCRI destacam os eventos promovidos pela
EMATER: Curso de Capacitação Rural, Semana do Agricultor, Curso de Plantas Medicinais e
algumas festividades. Além da presença da EMATER, a luta para conseguir o CNPJ da
associação, marca a sua existência desde 1998. A falta deste documento era avaliada como o
223
A Taquara é um sub-bairro de Jacarepaguá e nesta localidade se encontra a sede do PEPB.
224
Fala do Seu João: muitos tinham medo de apresentar documentos. Em referência à situação de conflito com os
agentes ambientais.
299
principal entrave para o grupo conseguir apoio ou benefícios do Estado, além de critério
importante para serem respeitados como uma associação oficial. Internamente também foi
considerado um fator de desagregação e desinteresse ou acionado como argumento por alguns
para não pagar a mensalidade da Associação, que esta não era para valer. Em um desses
debates sobre o tema, um dos membros discordou desta visão, comparando: o é o papel que
faz o casamento, mas sim a convivência. Apesar de muitos concordarem com este ponto de
vista, a alusão ao CNPJ sempre era acionada como um fator de expiação para os problemas da
associação. Entre as muitas dificuldades para a aquisição do documento estava o
desconhecimento dos trâmites legais necessários para viabilizá-lo, os custos elevados que
muitos não queriam pagar, a ajuda de voluntários que se ofereciam para resolver o problema,
mas na verdade, não davam andamento ao processo além de ter caído em exigência rias
vezes em razão da antiguidade da Associação e desorganização de seus registros. Finalmente,
no final de 2007, a ALCRI consegue o seu CNPJ. A primeira iniciativa da Associação após a
aquisição do documento foi se registrar na UNACOOP, uma cooperativa da CEASA que
exporta produtos orgânicos e paga, segundo um informante, melhor pela caixa da banana do que
o mercado local. Trata-se, entretanto, de uma iniciativa tímida por parte de um dos agricultores
deste grupo que tenta mobilizar os demais para esta atividade, mas que envolve um esforço
coletivo de coordenação de tarefas: produção constante, viabilização de transporte e por isso,
ainda está em discussão.
Outro projeto do grupo é solicitar à EMATER (agora que eles têm CNPJ) a realização
de um curso de artesanato e ou de preparo da fibra da banana. Segundo Seu João, o caule da
banana tem 16 capas, de diferentes texturas, que são aproveitadas para diferentes atividades.
Tanto o aprendizado do artesanato, quanto o aprendizado do manejo da fibra podem ser
atividades lucrativas, porque algumas associações trabalham com a fibra, mas não querem
prepará-la, apenas comprá-la.
A ALCRI é formada por vinte agricultores residentes nas seguintes localidades da
Taquara: Pau-da-Fome, Rio Pequeno, Teixeiras, Santa Maria, Boiúna e Fincão. As reuniões
acontecem toda primeira segunda-feira do mês e o número de participantes varia bastante de
uma reunião para outra. No final de 2006, foi feita a eleição para composição de nova diretoria e
a presidência ficou a encargo de Jorgelino, vulgo Marinho (apelido herdado do avô que se
300
chamava Mário. Daí o neto: Marinho). Apesar de possuir um tempo razoável de existência, a
ALCRI apresenta fragilidades no engajamento e comprometimento coletivo de seus membros
em assumir responsabilidades, realizá-las e prestar contas ao grupo, reproduzindo uma prática
comum a muitas associações que é a concentração de tarefas sobre alguns poucos membros, em
geral da diretoria, que embora insatisfeitos com a sobrecarga de trabalho não conseguem
reverter este quadro e delegar/cobrar funções e, muitas vezes, realizar compromissos assumidos
com o grupo. As reuniões da ALCRI têm caráter pouco deliberativo, embora ali se debatam
assuntos ligados à agricultura, divulgação de projetos e conflitos ligados à administração do
Parque. A história desta associação, construída sobre a sociabilidade dos agricultores em
encontros de capacitação técnica, sofreu visível esvaziamento com os entraves institucionais
crescentes da EMATER e a dificuldade dos agricultores buscarem esses recursos por conta
própria. A pouca vivência de práticas burocráticas na Associação geradas, em parte, pela
demora na aquisição do CNPJ pode ser apontada como entraves atuais para a busca de
assessoria cnica ou de aproveitamento de oportunidades institucionais. na atualidade um
maior empenho da diretoria com a manutenção dos registros escritos da associação que, no
entanto, esbarra nos reduzidos recursos sociais de seus membros e na dificuldade de delegar
tarefas e dar prosseguimento ao que é decidido nas reuniões.
Assim, por ocasião da formação do conselho consultivo do PEPB, a carta de intenções
da Associação para enviar ao IEF, feita em conjunto pelos presentes na reunião da ALCRI,
acabou não sendo entregue e a ALCRI não está representada no conselho. No caso da
elaboração de um projeto solicitando ao Banco do Brasil, um telecentro com dez computadores,
esta Associação foi a primeira a apresentar o esboço do documento, que considerado satisfatório
pela PAF para ser enviado ao Banco, serviu de base para as duas outras associações elaborarem
seus projetos. No entanto, venceu o prazo e a ALCRI não enviou o documento final.
Os seus associados têm um perfil diferenciado das demais associações: ela é composta
tanto por agricultores antigos, herdeiros de famílias estabelecidas na região, quanto por
aposentados que passaram a se dedicar à agricultura, somente nesta fase da vida e pessoas que
têm sítio em outra região, mas moram perto da ALCRI e por isso participam, além de alguns
simpatizantes da luta dos agricultores. Outra particularidade referente aos pequenos produtores
da localidade do Pau da Fome é a sua grande proximidade com a sede da administração do
301
Parque, fazendo com que estes sofram de forma mais intensa impedimentos em suas atividades
cotidianas por parte da fiscalização mais presente dos agentes ambientais.
Os membros da ALCRI têm mostrado particular interesse em desenvolver atividades
complementares ao cultivo da banana, ligadas ao artesanato que pudessem envolver outros
membros da família na produção e que trouxessem mais dinamismo para a associação. Mas,
alegam os interessados, todas essas providências tomam tempo e esbarram novamente na
dificuldade de distribuição de tarefas entre os membros do grupo, além de eventuais
impedimentos junto à administração do Parque. Seu João conta que pouco tempo fez alguns
vasos e objetos de bambus recolhidos em seu sítio, nos quais escreveu Parque da Pedra Branca,
foi advertido então pela administradora do Parque que primeiro não podia extrair plantas, nem
mesmo o bambu (que é considerado uma planta exótica e nociva para o ecossistema local) e em
segundo, não podia usar o nome Parque da Pedra Branca sem pagar direitos autorais ao Governo
do estado.
5.4.2 - O Projeto Desenvolvimento Sustentável no Rio da Prata e a formação da Associação
de agricultores orgânicos da Pedra Branca
FOTO 29
Seu Arnaldo, presidente da Associação de Produtos Orgânicos, em frente à sala de estufa. (foto de
Roberto Costa, 10 abr. 2007).
302
No período de março de 2001 a dezembro de 2003, uma parcela dos agricultores do Rio
da Prata aderiu ao projeto desenvolvido pelo engenheiro agrônomo Ronaldo Salek - financiado
pelas ONG Rockfeller e repassado e administrado pela ONG Roda Viva - de agricultura
orgânica junto aos agricultores do Rio da Prata.
Segundo Salek (entrevista em 14 fev. 2007), a história do projeto inicia-se a pedido de
sua esposa que, membro desta ONG, desenvolvia atividades de monitoramento da qualidade
dos rios da região
225
, junto com adolescentes de escolas públicas e privadas de Campo
Grande. Sensibilizada pela realidade dos produtores locais, perguntou a Salek se era
possível encontrar solução para os problemas dos mesmos. Foi então desenvolvido o
projeto de capacitação para a prática da agricultura orgânica. Ao referir-se à situação atual
dos agricultores do Rio da Prata, este engenheiro agrônomo, em alusão ao processo de
penetração do capitalismo na agricultura, destaca que a mesma está mudando no mundo
inteiro. Para ele, esses agricultores vivem ameaçados por uma agricultura de mercado,
realizada em grandes áreas de produção, com grande organização e força comercial que
produzem bananas bonitas e grandes. Embora de paladar ruim, frisa ele, a banana teve seu
valor reduzido no mercado, contribuindo para o empobrecimento dos pequenos sitiantes. De
outro lado, continua ele, também a visão hermética e burocrática de ambientalistas que
afirmam:
“Ou a área esta com a vegetação nativa ou não é uma área de interesse
ambiental. Os mesmos não entendem que entre uma coisa e outra
existem um milhão de coisas. Você não pode afastar o ser humano, tem
que arranjar uma fórmula de convivência. Eles têm um ecossistema
muito particular: é denso, é entremeado de bananeiras, de caquizeiros
com árvores nativas, você encontra um pau-d’alho um jequitibá... tudo
uma agrofloresta que não é o ideal, mas nem a Floresta da Tijuca é
primária...” (entrevista em 14 fev. 2007).
Ao caracterizar os produtores do Maciço da Pedra Branca, Salek apresenta uma visão
peculiar de que os mesmos são basicamente coletores ou agricultores extrativistas, uma vez que
não realizam a agricultura da persistência, ou seja, a cultura da banana e do caqui é realizada
com poucas práticas de manejo. Tratando-se de uma agricultura bastante incipiente e
225
O projeto Vozes da Zona Oeste.
303
rudimentar. Isso não significa, contudo, que esta atividade não seja trabalhosa. Segundo Salek,
esses produtores têm um trabalho infernal para isso. Meia parte da vida deles é correr atrás
de burro, arrumar alimento pra burro”
226
.Seu ponto de vista é particularmente interessante
que permite estabelecer uma linha de continuidade com as práticas extrativistas historicamente
estabelecidas na região - descritas por Magalhães Corrêa desde os anos 30 - e pode sugerir, pelo
tipo de trabalho que este plantio exige, a maior facilidade de combinação desta agricultura com
outras atividades urbanas. Garcia Jr. (1983, p. 133), em seu estudo sobre a pequena produção na
zona da mata pernambucana, identificou a distinção entre lavoura; que precisa ser replantada
uma vez colhida e, as árvores, que ao contrário, possibilitam o desenvolvimento de culturas
permanentes. Embora esta distinção não tenha sido observada no caso dos produtores do PEPB,
é possível pensar que a cultura realizada por meio das árvores acaba por exercer outras funções
ligadas à territorialidade ou à legitimação da permanência destes pequenos produtores no
Parque.
Voltando ao projeto da ONG Roda Viva, este tinha como idéia central reverter uma
agricultura extrativista rudimentar e extensiva, com baixos índices de produtividade, como até
então era praticada, por outra, em sistema de agrofloresta, cultivada em áreas menores, com
agregação de valor ao produto orgânico e do beneficiamento de parte dele, como é o caso da
banana-passa. Além do desenvolvimento de novas técnicas e a capacitação dos agricultores,
fazia parte do projeto, através de convênio assinado com o IEF
227
, o zoneamento da área a ser
cultivada, através da recomposição de áreas degradadas e o comprometimento dos produtores
em não expandir suas moradias, nem suas culturas, que a grande maioria dos sitiantes estava
estabelecida nos limites do PEPB.
O Governo estadual, em contrapartida, se encarregaria de conseguir um bom ponto de
venda para os produtores. A garantia de um ponto de comercialização, segundo Salek,
possibilitaria não apenas maior rendimento aos agricultores, como também, conferiria
progressivamente um status especial a eles, frente à sociedade, sobre seu papel na conservação
do Parque. Infelizmente, as negociações de um ponto de vendas na rodoviária de Campo
Grande, administrada pela CODERTE, não chegou a ser assinada pela então Governadora
Benedita da Silva. Da mesma forma, as negociações para um espaço na feirinha do Jardim
226
Entrevista realizada em 14 de fev. 2007.
227
Assinado pelo então presidente do IEF, André Ilha.
304
Botânico acabaram sendo minadas pelos diretores desta Instituição, sem explicações muito
claras. Os agricultores, contudo, suspeitam que justamente a sua condição de produtores em
uma área de proteção integral e, portanto, de destruidores do parque, foi utilizada como
acusação que inviabilizou a negociação. O agrônomo lamenta que esta parte do projeto não
tenha sido concluída, que ela seria essencial para a adesão de um maior número de
participantes e expansão do projeto.
Salek descreve sua dificuldade em iniciar o projeto, devido à desconfiança dos
agricultores em relação a ele e a sua proposta, chegando a confundi-lo com um agente
ambiental, com intenções fiscalizadoras ou alguém que pudesse tomar a terra deles. A maneira
encontrada pelo agrônomo para conquistar a confiança dos agricultores e despertar o interesse
pelo projeto foi levá-los em excursões onde pudessem aprender e vivenciar experiências afins
ao projeto (LEAL, 2005, p 47-48).
Após os passeios, os produtores se reuniam e discutiam sobre as atividades realizadas,
descreviam o que tinham observado aos demais membros que não puderam participar das
excursões (LEAL, 2005, p.49). Assim, aos poucos, o projeto foi sendo implantado com a
construção de fóruns de debate que permitiram o partilhamento dos problemas, a busca de
soluções e a construção de uma identidade afirmativa de produtores orgânicos. O aprendizado
técnico-científico, institucional e a vivência de experiências possibilitou a construção da
identidade do agricultor orgânico em oposição aos demais agricultores convencionais. É
curioso, contudo, que na prática são poucas as diferenças entre ambos, uma vez que a cultura da
banana e do caqui exige muito pouco manejo, utilização de insumos, irrigação ou agrotóxicos.
A diferença essencial na rotina agrícola consiste na abolição das queimadas e do uso do
carbureto para amadurecer a banana e o caqui. Diante desta constatação, alguns agricultores
inseridos no projeto se surpreenderam: nós éramos praticamente orgânicos e não sabíamos
(LEAL, 2005, p.41). Neste sentido, tornar-se orgânico, para esses agricultores do Rio da Prata,
muito mais do que uma alteração radical no seu sistema tradicional de produção, significou a
modificação de sua leitura de mundo, através da adesão a um conjunto de preceitos e valores
ligados ao ambientalismo, ao cuidado com a saúde dos produtores e dos consumidores, que por
sua vez têm transformado a sua auto-estima, percepção a respeito do Parque, do meio-ambiente,
305
da sua identidade como agricultor e seu interesse em desenvolver e/ou diversificar suas
atividades na agricultura.
Chamamos de capital social o conjunto de recursos de fato ou potenciais relacionados
ao pertencimento de redes sociopolíticas geradoras de apoio mútuo, normas, confiança e
participação estabelecidos entre os indivíduos (PORTES, 1998). Segundo Bourdieu (1998),
existe uma relação entre a aquisição de capital social, o acesso ao capital econômico e a
promoção de capital cultural. Os agricultores que aderiram ao projeto percebem de forma
positiva a aquisição de conhecimentos técnicos e se autoclassificam de forma diferenciada
frente aos demais produtores. Eles percebem um novo padrão de relacionamento com os
consumidores que os tratam com mais respeito e valorizam sua atividade, como é o caso
daqueles que participam da feira de produtos orgânicos realizada aos sábados na sede da
EMATER em Campo Grande. Pode-se dizer, então, que os laços construídos entre os
produtores e consumidores envolvem a confiança destes sobre o respeito aos princípios
orgânicos por parte dos produtores e a qualidade dos produtos consumidos. A convivência na
feira estendeu-se, inclusive, na organização de passeios dos consumidores aos sítios onde a
produção é realizada.
Leal (2005, p.76) descreve esta conversão dos agricultores em produtores orgânicos
como a passagem de uma posição periférica, mas de relativa liberdade como historicamente
tem sido a posição do campesinato – para uma situação de dependência frente a um universo de
significados e relações sociais que não dominam, tais como as instituições que concedem as
certificações de produtos orgânicos e viabilizam este mercado. Mais ainda, entende como uma
domesticação, o intuito de fazê-los cumprir o papel de barreira ao avanço da urbanização e
torná-los produtores agrícolas engajados no ideário de conservação do meio ambiente (LEAL,
2005, p.77).
Sem dúvida, o processo de construção da identidade de agricultores orgânicos foi
decisivamente influenciado pela intermediação de um saber externo, da ONG Roda Viva e, mais
diretamente, pelo saber técnico dos engenheiros agrônomos. Contudo, não acredito que esta
transformação deva ser pensada como domesticação, mas como um esforço pela autonomia, à
medida que esses agricultores vislumbraram através de um aprendizado institucional, da
formação de um espaço social e de uma identidade coletiva, a possibilidade de reapropriação
306
coletiva sobre os princípios de construção e avaliação de sua própria identidade.
(BOURDIEU, 2006, p. 125). Deve-se destacar também a importância da experiência
associativa, como um meio para o estabelecimento de redes de relações sociais que
ultrapassaram o nível das relações de vizinhança e que possibilitaram vínculos com outras
organizações, como é caso da certificadora de orgânicos e, através dela, a construção de
relações com os consumidores de produtos orgânicos.
Segundo Bourdieu (2006, p.124), os dominados nas relações de força simbólicas
buscam reelaborar a definição dominante sobre sua identidade, buscando suprimir a tábua de
valores que as constitui como estigmas e reapropriá-la de acordo com seus interesses
específicos. Assim, as classificações atribuídas a eles de invasores ou de agricultores
depredadores do Parque têm sido progressivamente substituídas pelos mesmos, através da
valorização de seu papel em evitar a urbanização, através de uma zona de amortecimento criada
pela atividade agrícola, praticada em acordo aos princípios ambientais. Este é o caso da
crescente incorporação, por parte dos moradores, de valores e visões de mundo ligadas ao
ambientalismo, salientando a sua contribuição no impedimento da entrada de pessoas estranhas
na área, no combate aos incêndios entre outras coisas. O engenheiro agrônomo Ronaldo Salek,
ao fazer um balanço dos resultados do projeto, descreve a fala de um dos agricultores que
participaram da construção da associação, o que lhe deu a noção de que alguma coisa havia
mudado:
“Ele falou qualquer coisa do tipo: ‘olha a relação da gente, agricultor, com os
compradores agora é muito diferente, eles respeitam a gente, eles querem saber
sobre a nossa vida onde a gente mora, o que a gente faz, eles escutam a gente. Eu
passo boa parte do tempo na feira, explicando as pessoas sobre o meu trabalho, a
minha vida...’ e olha, ele falou isso com uma força que eu disse: caramba! é uma
coisa que na sociedade, um feirante pobre, vendendo um produto que você
compra e vai embora. Ali de repente, ele é o alvo das atenções, o centro... vem
então uma pessoa, entre aspas que eles acham que é bacana tem carro, salário se
veste bem, tem uma aparência razoável, chega e quer ouvir o que eles têm a
dizer, e mais, esse processo foi se consolidando. Os fregueses vão visitá-los,
vão lá em cima conhecê-los. Ele estava tentando então mostrar para outra pessoa
do grupo como era diferente... então ele foi um cara que incorporou esse
negócio.” (Depoimento do agrônomo Ronaldo Salek descrevendo a visão de um
dos agricultores do Rio da Prata sobre sua atividade depois do projeto. 14 fev.
2007).
307
No folheto de divulgação do projeto elaborado em julho de 2002 (veja na página
seguinte)
228
constavam como participantes dezenove agricultores. Em 2005, quando Leal
realizou sua pesquisa, as reuniões da Associação contavam com a participação de oito
agricultores e que foram, por ele, estudados. Embora, a AAOPB possa ter mais inscritos, pode-
se dizer que este é, aproximadamente, o mero de participantes que compõe o núcleo da
associação e que realmente frequenta as reuniões. Segundo Salek, a Associação foi
oficialmente constituída no final do projeto, em dezembro de 2002, após cerca de oito meses de
trabalho e reuniões com os produtores. Um dos motivos, segundo ele, seria evitar o
aparecimento de políticos oportunistas, com interesses eleitoreiros ou clientelistas, como de fato
apareceram, diz o agrônomo. A criação legal da AAOPB se deu de forma conjunta com a
construção de sua sede, patrocinada pela ONG. A sua planta apresenta na entrada, uma estufa,
onde as frutas são armazenadas
229
, uma sala aberta para reuniões, um banheiro, uma cozinha
com forno para a fabricação de bananas-passa e uma salinha para armazenar estes produtos
embalados.
A produção de banana-passa é feita em uma propriedade de 1 ha cedida pelo marido de
uma das associadas, através de documento firmado em cartório pelo prazo de oito anos para a
Associação. Segundo Salek, o solo da referida propriedade estava bastante deteriorado, foi
recuperado e ali de forma entremeada com árvores, foram introduzidas, com sucesso, espécies
de bananas boas para a fabricação das passas. De acordo com os agricultores deste grupo, os
participantes deste ato cooperativo se revezam em dias alternados no corte e manejo das
bananas, deixando-as na sede. Em seguida, as filhas de uma das agricultoras preparam as
bananas-passa. A venda deste produto garante, junto com as mensalidades, um fundo para o
pagamento das despesas da associação: água, energia elétrica e as diárias de R$15,00 para o
preparo do doce. Esterci (1984, p. 61) ao realizar pesquisa sobre diferentes experiências de
trabalho em roças comunitárias, afirma que os casos mais bem sucedidos foram aqueles onde o
resultado deste esforço coletivo foi apropriado de forma comunitária, cobrindo gastos de
natureza distintos daqueles da unidade de produção familiar, como é o caso também na
Associação do Rio da Prata.
228
Folder frente e verso de apresentação do projeto da ONG Roda Viva.
229
O carbureto, produto utilizado convencionalmente para amadurecer as frutas é substituído por álcool com água,
vaporizado sobre as caixas com os produtos.
308
5.4.3- O Projeto de Plantas Medicinais de Farmanguinhos e a Associação de Agricultores
de Vargem Grande – AGROVARGEM
Esta associação foi formada no contexto de mobilização dos agricultores para se
engajarem no projeto realizado por Farmanguinhos. Desde 2006, vínhamos realizando visitas
e preenchendo formulários na região de Vargem Grande. Com a entrada de Silvia no projeto,
também moradora do local e com a continuidade de visitas mais frequentes, foi marcada uma
reunião para apresentação do projeto ao grupo, coordenada por mim, o farmacêutico Paulo Leda
e a pedagoga Silvia Regina. Foi uma reunião que contou com grande número de participantes e
teve momentos de tensão, visto que o tema concentrou-se sobre a questão do Parque e os
agricultores se colocaram em uma postura de cobrança de benfeitorias e queixas frente aos
membros do grupo da PAF. Foi esclarecido então que a equipe não representava o IEF e que
não podia resolver tais demandas, apenas a mobilização dos agricultores seria capaz de
conseguir algumas conquistas e neste aspecto o projeto poderia representar um fortalecimento
do grupo, mas isso precisaria ser construído. Foi marcada então uma próxima reunião para
aprofundar e discutir quais eram as prioridades dos agricultores de Vargem Grande.
Esta reunião foi feita então em 12 de setembro. De todas as falas, questões e
encaminhamentos foram selecionadas cinco demandas: formação da associação, eletrificação,
estrada, documentação e moradia digna. A formação de uma associação ficou em primeiro
lugar, com o entendimento dos presentes de que ela seria o principal meio para lutar pelas outras
demandas. Nesta reunião um fato curioso aconteceu: uma moradora do local, com perfil social
distinto dos agricultores, chega e pergunta se aquela era a reunião para abrir estradas. Silvia
então de forma incisiva preocupada com a visão distorcida sobre o encontro e a repercussão
negativa que poderia ter esta informação nega e explica que se trata de uma reunião para
discutir o Projeto de Plantas Medicinais de Farmanguinhos. A reunião se inicia, o projeto é
novamente explicado e, para desfazer o mal-entendido, a facilitadora distribui cópias da lei
2.377 de 28 jun.1974 de criação do Parque e da Lei 2.393, 20 abr. 1995 que versa sobre a
permanência de populações nativas em unidades de conservação integral no estado do Rio e
enfatiza que o projeto deve caminhar de acordo com os princípios legais e institucionais na
309
defesa do PEPB. A equipe da PAF neste momento estava em uma posição delicada. Sem
nenhum tipo de posicionamento definido do IEF sobre o projeto, temia que a veiculação de
informações alteradas sobre a atuação do grupo de Farmanguinhos, como havia feito esta
moradora, resultasse na inviabilização do trabalho.
No dia 26 de setembro é realizada a terceira reunião de agricultores que inicialmente
conta com a participação de 21 membros, incluindo eu e Silvia. Descrevo a seguir o desenrolar
desta reunião que consolidou o desejo do grupo em criar a associação e discutiu sua finalidade e
natureza. A sua descrição também é particularmente importante porque revela o conceito de
participação que tem orientado a trajetória desta associação em sua formação, em grande
medida influenciada pela vivência política de Silvia Nunes Batista em diversas organizações e
movimentos sociais. Outro aspecto que fica claro é a importância atribuída por este membro da
PAF às reuniões, nas quais evidencia-se a valorização deste momento para a produção da
participação e aprendizado político.
5.4.3.1 A fundação da AGROVARGEM
Paulo Martins, o Paulinho (que posteriormente foi eleito diretor), abre a reunião e
informa que o objetivo do encontro era avançar no debate sobre a formação da associação.
Imediatamente o assunto se direciona para saber quem seria presidente. A maioria dos
participantes parece concordar que este é o primeiro tema a ser discutido. Idéia particularmente
defendida pela moradora que, na outra reunião, tinha interesse em abrir estradas e por uma
médica chinesa interessada em cultivo de plantas medicinais, que entrou em contato com a
equipe da PAF e demonstrou interesse em participar do projeto e compareceu à reunião. Silvia
tenta reorientar o debate perguntando quantas associações existiam formalmente, em que as
pessoas assinavam papéis e pagavam advogados... Na tentativa de sensibilizá-los para este
enfoque conta uma história e escolhe alguns participantes para interpretá-la. A narrativa gira em
torno de um líder de associação que, afoito em realizar as tarefas e promover a entidade, acaba
concentrando afazeres, fica sobrecarregado, acumula poder e acaba sozinho, com o
esvaziamento da associação. Assim, argumenta Silvia, seria mais importante discutir o que é
uma associação. Dois agricultores concordam e argumentam que não sabem direito o que é uma
310
associação. A médica por sua vez está preocupada com os custos ligados a advogados e
contadores, alguns agricultores também falam nos custos, preocupados talvez em assumir
compromissos financeiros que não possam arcar. Novamente o assunto dos cargos volta. A
moradora de classe média sugere que cada um deveria fazer na associação o que sabe fazer
melhor e o exemplo: eu posso escrever, mas não posso capinar. Discordo dessa idéia e
afirmo que a associação deveria ser um espaço de aprendizado e que todos deveriam participar.
Jorge dos Santos Seu Pingo dá um exemplo da união da comunidade, nos mutirões para
reformar as estradas. A chinesa então questiona Seu Pingo: mas vocês não podem abrir
estradas!! Seu Pingo esclarece que a estrada da Mucuíba é uma estrada muito antiga e
reconhecida como tal. Novamente, eu e Silvia tentamos reconduzir o assunto para a natureza da
associação. Pedro então afirma, tem que ser de agricultores porque de moradores tem e a
gente não vai. Seu Pingo confirma: associação de agricultores. Neste momento uma
redefinição dos rumos da reunião e do posicionamento dos indivíduos no grupo. A identidade de
agricultor é percebida como um termo que define o grupo em oposição a quem não é. A
explicitação desta idéia latente faz com que a médica chinesa que, até então, estava preocupada
com assuntos burocráticos e posições ligadas à tomada de decisões, faça a simples pergunta:
mas nós duas podemos participar? Em referência também à moradora que queria abrir estradas.
Silvia argumenta que esta era uma outra questão e que o mais importante era decidir o que a
maioria desejava como finalidade para a associação. Seu Rosênio afirma que gostaria muito de
conseguir novamente os documentos da propriedade de seu pai, perdidos em um incêndio. Seu
Pingo fala da importância da representação para que o Estado veja os agricultores de forma mais
respeitosa. Aos poucos a discussão vai caminhando para a antiguidade das famílias de
agricultores e sua relação com o Parque
230
. Francisco pondera que ninguém ali é contra o
Parque, até porque a sua existência já era um fato consumado. Mas para Cineu, quando não dão
condições aos moradores para viver dignamente, eles acabam derrubando a mata para fazer
suas casas. Pedro pondera que os agricultores dão menos prejuízo ao Parque do que os
casarões. Neste momento, Silvia pergunta se algum dos presentes gostaria de morar em outro
lugar, mais abaixo, em Vargem Grande mesmo. Algumas pessoas levantam a mão e queixam-se
das dificuldades cotidianas de morar sem transporte e energia elétrica. Silvia comenta que
230
A expressão o Parque abarca a dimensão fiscalizatória e de controle do IEF e da administração desta UC,
envolve também o território que redefine o lugar de moradia, trabalho e laços simbólicos e afetivos.
311
conhece dois bons projetos de moradia popular em Jacarepaguá e que os presentes deveriam
pensar em lutar por moradia para si ou seus descendentes no próprio bairro de Vargem Grande.
Em seguida, a reunião caminha para seu fim e, alguns agricultores se encarregam de visitar as
associações do Rio da Prata e da ALCRI, para obter informações sobre como formar uma
associação. A próxima reunião então é marcada para o dia 24 de outubro de 2008.
No dia marcado, o grupo se reúne na biblioteca da Associação de Moradores de
Vargem Grande, a AMAVAG, e os temas giram em torno do estatuto, perfil e nome que a nova
associação teria. Fica decidido, então, que esta se chamaria AGROVARGEM. Em 21 de
novembro, o grupo novamente se reúne e o encontro começa com a leitura e assinatura da ata da
reunião passada e a partir de um modelo de estatuto trazido pela Silvia, é discutida a natureza e
finalidade da associação, assim como o direito de voto dos associados.
FOTO 30
Reunião dos agricultores na biblioteca da AMAVAG em Vargem Grande para
discussão do estatuto da Associação. 21 nov. 2007.
Ficou convencionado que apenas os agricultores tradicionalmente estabelecidos em Vargem
Grande poderiam votar. Os recém-ingressos deveriam ficar como colaboradores e o direito de
voto seria concedido após um ano de participação efetiva na Associação. Discutidos os seus
312
aspectos essenciais, a assembléia geral foi marcada para o dia 12 de dezembro e a leitura do
modelo final de estatuto e sugestões de nomes para a diretoria é marcada para o dia cinco de
dezembro.
A assembléia foi marcada no bar do Seu Pingo. Paulinho fala algumas palavras sobre a
importância de legalizar aquilo que o grupo deseja e a importância deste documento para
fortalecer a caminhada de todos. Silvia ao recolher as assinaturas dos presentes salienta que
ninguém responde isoladamente, mas sim o grupo. Outro assunto que é discutido neste
momento é o preenchimento da carta-convite do IEF para que a AGROVARGEM faça parte do
conselho consultivo do Parque e que deve ser preenchida e enviada à administração do Parque
até o dia 21 de janeiro de 2008. Em seguida, foi feita uma coleta de dinheiro para dar entrada no
processo de legalização da Associação. A reunião foi encerrada com uma sopa de legumes e
carne feita pelo Seu Pingo.
O CNPJ da AGROVARGEM foi obtido em setembro de 2008. Desde a reunião de
novembro, o diretor da associação comenta que a possibilidade de se construir a sede da
AGROVARGEM também no terreno doado para a construção de uma capela na estrada do
Mucuíba. Para este fim, algumas festas, com bazar e venda de alimentos estavam sendo
realizadas na localidade. Contudo, esta solução gerou mal-estar entre os participantes e
interessados em participar que pertencem à religião evangélica. Além disso, gerou rumores
sobre a arrecadação de recursos. Este fato foi debatido na reunião do dia 23 de julho de 2008, na
qual ficou determinado que não se deveria misturar os assuntos da associação com assuntos
religiosos. Gerou-se um consenso sobre a importância da construção de um espaço neutro que
pudesse ser usado tanto para missas, quanto para cultos, para a associação e outras atividades
comunitárias, desde que o doador do terreno concordasse com a idéia. Além desses assuntos,
foram discutidos: o andamento do processo do CNPJ da associação, a horta que seria iniciada
pelas mulheres, a visita técnica organizada pela EMATER à fazendinha de orgânicos em
Seropédica, com vagas para que os agricultores se inscrevessem, além do mutirão organizado
pelo grupo do DRS do Banco do Brasil, para tirar o cadastro de pessoa física (CPF) de quem
ainda não tinha ou havia sido bloqueado.
313
5.4.4 - O associativismo entre os pequenos produtores do PEPB: expectativas, dificuldades
e conquistas
A mais antiga das associações, a ALCRI, criada em 1986 e reativada em 1998, teve na
segunda fase, como elemento agregador fundamental, a atuação da EMATER, através da figura
carismática do engenheiro agrônomo Leonel Rocha Lima e da colaboração permanente do
também engenheiro agrônomo Vanderlei de Oliveira. A importância desta mediação é destacada
pela viva lembrança dos cursos de capacitação. Um dos participantes, que na época era criança,
lembra que por ser muito pequeno, não ganhou certificado, ganhou uma medalha que ele tem
até hoje. Os cursos promovidos pela EMATER parecem ter marcado a representação dos
produtores sobre as atribuições da associação relacionada à capacitação técnica, à vivência de
novos aprendizados e a momentos de sociabilidade entre os agricultores. O antagonismo
crescente com a administração do Parque nos anos 90 (período em que a presença institucional
do IEF com suas marcas materiais e imateriais - instalações, portões, placas, fiscalização, ações
pedagógicas - se fazem mais presentes na região do Pau da Fome), contribui para o
fortalecimento da identidade da associação. Da importância de preservar data de fundação da
associação para fazer frente à luta por direitos de permanência e reprodução da atividade
agrícola no maciço.
a AAOPB tem a sua história e identidade relacionada à conversão aos produtos
orgânicos, incentivada também por um engenheiro agrônomo Ronaldo Salek vinculado à
época, à ONG Roda Viva, que organiza no final do projeto, a Associação de Agricultores
Orgânicos da Pedra Branca. Esta nova identidade confere aos seus membros um status
diferenciado dos demais agricultores do maciço e uma reelaboração de suas representações
sobre o Parque, em seus múltiplos aspectos: territoriais, institucionais e ideológicos. Ainda que
o IEF se configure como um antagonista que impede a colocação de energia elétrica, melhoria
das estradas e se imponha como uma ameaça potencial às atividades cotidianas, mudou para
esses agricultores sua posição nesta relação assimétrica. Eles agora desejam fazer parte do
pacto da conservação, dada a sua condição de produtores orgânicos e que, portanto, ganham seu
sustento de forma equilibrada com a conservação da natureza.
A feirinha de produtos orgânicos aos sábados na sede da EMATER, no bairro de
Campo Grande, é o momento onde esta identidade de produtores orgânicos se consolida e ganha
314
publicidade frente à sociedade mais ampla, constituindo-se na sua face externa. Através da feira,
alguns poucos produtores/revendedores, de perfil socioeconômico distinto e maior escolaridade
se agregaram à Associação, participando de suas reuniões e na medida do possível cumprem o
papel de representantes de seus membros em eventos, reuniões, encontros para os quais a
Associação é convidada. Além disso, colaboram na solução de dificuldades de ordem
burocrática da entidade ou dos próprios agricultores. Neste sentido, a conversão à produção de
orgânicos e a experiência do associativismo possibilitou o acesso deste grupo de agricultores a
uma rede mais ampla de relações sociais que promove a circulação de informações e geração de
oportunidades, além de um nculo com os consumidores baseado na confiança social (FREY,
2004) que envolve a certificação dos produtos orgânicos.
Os participantes da feirinha, contudo, não deixaram de trabalhar nas feiras tradicionais.
Em alguns casos, um dos membros da família faz a feira convencional, enquanto outro fica
responsável pela feira de orgânicos. Os produtores da AAOPB se queixam do ponto de vendas
da EMATER, abandonado e pouco movimentado (embora a feirinha tenha um público fiel),
mas reclamam também que nas feiras comuns, ninguém valoriza o produto orgânico.
A conversão à produção orgânica, ainda que não implique de fato em grande mudança
ao modo de produzir bananas e caquis, impõe de forma abstrata barreiras à entrada de novos
agricultores do maciço na Associação. Outras questões que envolvem a rede de relações sociais
locais parecem também dificultar a entrada de novos membros. Alguns agricultores que não
participam deste grupo formal acham que este beneficia apenas o seu núcleo, formado desde a
sua fundação e ligado à produção cooperativa de banana-passa. O sociograma (BATISTA,
2008)
231
elaborado por Silvia no âmbito de suas atividades de pesquisa sobre a prática da gestão
participativa do projeto, revelam a dificuldade de transmissão de informações entre os
agricultores do Rio da Prata e o caráter restrito de comunicação da AAOPB. É preciso destacar
também que a concepção negativa de Ronaldo Salek (agente responsável pela estruturação da
Associação) sobre a política ou o papel desempenhado pelos políticos pode ter contribuído,
entre outros fatores, para a dificuldade de seus membros em ampliar a esfera de atuação da
AAOPB.
231
Vide anexo 12: Painel elaborado por Batista(2008) que descreve a gestão participativa do projeto.
315
Portes (1998) ao realizar um balanço sobre a produção teórica relacionada ao capital
social, frisa a necessidade de determinar as motivações dos agentes que geram práticas e valores
responsáveis pela criação de capital social, aqueles que se beneficiam e qual o recurso que está
em jogo. Para aqueles que participam da associação, a aquisição de ganhos materiais
232
e,
sobretudo simbólicos, pela transformação de sua identidade social a partir de sua conversão em
produtor conservador, tornando-os espécies de porta-vozes dos pequenos produtores do maciço,
à medida que passam a ser reconhecidos e procurados por outras organizações tais como o
sindicato rural, algumas ONGs etc. Tais benefícios, contudo, não são percebidos pelos demais
produtores da localidade, como vantajosos ou representam valores por demais abstratos,
avaliados como incapazes de mudar a realidade de vida dos mesmos.
O grande entrosamento entre os poucos sócios fundadores confere à associação, de
acordo com alguns agricultores que não participam da mesma, um caráter fechado. Um antigo
participante, que se afastou e recentemente voltou a frequentar as reuniões, queixou-se de que
no início havia mutirões que beneficiavam todos os sítios e agora, eles não acontecem mais.
Este produtor, embora preze a associação e se relacione bem com os seus membros, não obtém
vantagens concretas, que acredita ele, cabem à associação realizar.
Os agricultores do PEPB (pertencentes ou não às associações) ao responderem o
formulário da PAF, manifestaram as seguintes expectativas sobre as associações: 20%
acreditam que sua principal finalidade é ajudá-los na comercialização de produtos e na
conquista de pontos de venda melhores. Em igual proporção, espera-se também que essas
organizações melhorem a situação dos agricultores
233
, referindo-se de forma abstrata à
condição de subordinação política e econômica em que vivem os pequenos produtores. 18%
desejam que a associação seja um espaço de aquisição de conhecimentos e assistência cnica.
Outros 15% gostariam que a associação pudesse resolver questões ligadas aos documentos, ou
seja, que estabelecesse o papel de interlocução com o Estado na solução de entraves
burocráticos que dificultam a aquisição de direitos básicos de cidadania. Finalmente 20%
afirmaram que esperam a melhoria da própria associação, indicando a valorização da
232
SALEK, 14 FEV. 2007. Comentário sobre um dos membros de uma família de agricultores da associação: está
ganhando uns R$150,00 por feira, antes não ganhava nada. Mas sempre reclamando...
233
A expressão foi utilizada pelos agricultores ao serem perguntados sobre o que esperavam da Associação. Vide
anexo 11: formulário com as respostas padronizadas.
316
experiência associativa como um fim em si mesmo ou a percepção de que a participação é
condição através da qual outros benefícios são adquiridos.
A AGROVARGEM, por sua vez, é a mais recente das associações e sua formação deu-
se em um contexto de crescente insatisfação com o IEF e mobilização da PAF/Farmanguinhos,
buscando viabilizar o projeto de plantas medicinais com os agricultores do maciço. Embora o
projeto, para a maioria deles, seja ainda vago e impreciso
234
, a PAF, através da realização de
alguns encontros ou exercendo o papel de divulgadora de outros eventos e oportunidades,
acabou por propiciar fóruns de debates e por assumir um papel de interlocução e mediação das
relações dos agricultores com o IEF. É neste contexto, portanto que a AGROVARGEM começa
a se desenvolver, construindo uma imagem frente aos agricultores da região de que a associação
tende a se tornar um espaço importante de aquisição de direitos frente ao IEF, de comunicação e
de arbitragem de conflitos.
Uma característica marcante da AGROVARGEM é a presença de atores que trazem
uma cultura de participação e mobilização comunitária a partir de sua inserção na paróquia
local, e em número reduzido, na Associação de Moradores de Vargem Grande - AMAVAG,
voltadas para a solução de questões públicas e problemas da coletividade. Este é o caso de
Paulinho, atuante nas duas organizações e que foi eleito diretor da AGROVARGEM. Observa-
se que recentemente o nome Comunidade da Pedra Branca tem sido utilizado para referir-se às
redes de laços interpessoais que se estabelecem a partir da localidade chamada Alto Mucuíba ou
Cafundá de Guaratiba (nome citado em O Sertão Carioca) estabelecendo nculos de
parentesco, amizade e conhecimento com outras localidades muito próximas: Pontal de Vargem
Grande, Sacarrão, Morro Redondo. Esta denominação recente está ligada ao empenho pela
construção de uma capela no local, incorporando ao seu nome um pertencimento mais amplo e
politizado, à medida que incorpora de forma consciente o pertencimento ao Parque.
“Antigamente, até nos documentos isso aqui era terra do Cafundá, depois que
eles viraram isso aqui parque, é que eles passaram a chamar de Pedra Branca. E,
no entanto, a Pedra Branca não faz parte deste lado. A Pedra Branca faz parte de
Virgem Maria, para o lado de Bangu. Eu não sei como eles inventaram esse
234
Esta percepção é totalmente justificável visto que o projeto para se concretizar precisa de recursos e construir
com os envolvidos planos de ação, formas de organização do trabalho, discutir que tipo de mercado pretende-se
buscar para a formação de redes e arranjos produtivos.
317
nome, comunidade Pedra Branca. Porque a Pedra Branca não faz parte. É para o
lado de lá. eles botaram aqui, Comunidade Pedra Branca.” (Moradora antiga
da localidade do Cafundá em Vargem Grande)
Entre os valores e atitudes adquiridos através do engajamento comunitário por esses
atores, que favorecem o associativismo, pode-se destacar a receptividade a projetos e
oportunidades que resultem em mudanças para a coletividade, a abertura à conversação, a
compreensão de que os resultados da mobilização são lentos e o princípio de que novas
propostas devem ser boas para todos os lados... A facilidade de obtenção de ajuda ou
acionamento de redes de conhecimento baseadas na religiosidade, em contrapartida, tem
causado certo mal-estar entre aqueles que pertencem à religião evangélica e ameaça de trazer os
conflitos de uma esfera para outra, conforme foi evidenciado na polêmica do centro
comunitário. Este incidente, no entanto, abriu caminho para debates e a interferência de
membros influentes da comunidade com a finalidade de preservar relações de amizade antigas e
de marcar a autonomia da Associação frente a certas questões.
O cumprimento dos procedimentos burocráticos de manutenção de uma associação, tais
como o registro do livro de atas, a realização de assembléias e outros, são encarados com
dificuldade pelos agricultores. Tanto a ALCRI, que enfrentou muitas dificuldades para a
obtenção do CNPJ, quanto a AAOPB que funcionava de fato como associação, mas não tinha
recursos sociais (SOUZA; PERISSINOTO; FUKS, 2004) para dar andamento aos
procedimentos formais para eleição de nova diretoria; mudança de estatuto e realização de
assembléias buscaram este aprendizado através da orientação de agentes externos. A vivência da
prática associativa possibilitou a constatação da importância da dimensão formal das
organizações é importante para a conquista de direitos e benefícios na interlocução com o
Estado e outras entidades.
Um aspecto importante ao qual se deve à atuação da equipe da PAF sobre as
associações, é o maior dinamismo conferido às reuniões das mesmas, dado pela simples
presença conjunta ou alternada dos membros da equipe da PAF, trazendo informações ou
tratando de alguma questão de interesse dos agricultores. Da mesma forma os encontros
promovidos pela PAF permitiram o desenvolvimento de uma sociabilidade e espírito de
cooperação entre as associações de agricultores do maciço. A AGROVARGEM que na sua
318
origem constituiu-se internalizando regras de participação nas reuniões, importância da
atribuição de tarefas pelos membros do grupo, prestação de contas e organização de pautas de
discussão, tem apresentado maior potencial de atração de novos associados, inclusive os mais
jovens. Também por essas características, a AGROVARGEM é dentre as três associações
aquela que tem o maior grau de debate e deliberação nas reuniões. A importância das reuniões,
realizadas de acordo com certos rituais, foi incorporada como metodologia pela PAF, por
influência decisiva da entrada de um novo membro na equipe, com uma trajetória de
engajamento político.
Commerford (1999, p. 47), ao estudar a importância das reuniões em diversas
organizações tais como sindicatos e associações de trabalhadores e produtores rurais destaca a
importância desses encontros como elementos importantes de construção de um universo social,
a partir da intensificação de uma sociabilidade que atravessa a estrutura formal das
organizações. De forma ritualizada, as reuniões constroem símbolos coletivos e colocam em
ação múltiplas concepções e representações acerca das organizações e do papel de seus
dirigentes e membros.
A reunião em linhas gerais, descreve este autor, é organizada em torno de um objetivo
definido e estrutura-se a partir de uma pauta de temas a serem discutidos. Ela tem uma forma:
abertura, discussão e conclusão e é constituída por coordenadores que conduzem a sua
evolução, pelos participantes e pelos convidados (pessoas sobre as quais uma expectativa de
que sejam colocadas em destaque). Dentre os participantes, Commerford chama de equipe de
frente (1999, p.63) o grupo de pessoas que falam mais vezes e mais longamente nas discussões.
A dinâmica do encontro começa com a abertura, segue-se para a discussão que deve ter algum
tipo de conclusão ou fechamento. Também a organização espacial do encontro (em sua maioria
com as cadeiras distribuídas em círculo) busca alcançar o máximo de integração e participação,
dissolvendo hierarquias sociais e distinções entre os coordenadores e participantes.
Segundo este autor, a despeito dos esforços de construção de eventos igualitários e
democráticos, a dinâmica das reuniões evidencia também a distribuição desigual de recursos
entre seus membros escolaridade, posição social (sobretudo convidados, considerados pessoas
mais influentes), competência para falar em público, legitimidade dentro do grupo, entre outros.
319
Um indicativo de que as reuniões muitas vezes reproduzem certas hierarquias pode ser
percebido pelo mero maior de intervenções de alguns poucos participantes da reunião
(COMMERFORD, 1999, p. 73), que acaba por fortalecer certas lideranças internas. Souza;
Perissinoto e Fuks (2004) também consideram como significativa para identificar a participação
nas reuniões, a identificação do segundo ator a fazer o uso da palavra. Gluckman (1987, p. 238)
a partir do conceito de situação social também traz importantes considerações para pensar as
reuniões, à medida que demonstra que em certos eventos socialmente marcantes, o
comportamento dos indivíduos permite compreender o sistema de relações subjacentes entre a
estrutura social e as suas partes. Se por um lado, a reprodução de hierarquias e a
manifestação de disputas, de outro, as situações sociais, ou neste caso, as reuniões permitem a
negociação e a arbitragem de conflitos, possibilitando novas formas de equilíbrio social.
Também gostaria de ressaltar o caráter pedagógico das reuniões, no sentido proposto por
Ribeiro (1992, p. 97) de reverter ou exercer influência transformadora sobre representações
freqüentemente excludentes, através da importância atribuída ao discurso, à fala e à categorias
que constroem as identidades sociais. Ainda que falar nas reuniões exija um aprendizado
quanto à forma e elaboração de idéias, os encontros entre pessoas de uma mesma categoria
correspondem a uma etapa importante de aprendizado e aquisição de confiança, necessários
para falar em arenas mais amplas e hierarquizadas, onde a voz deste pequeno produtor tende a
ser desconsiderada. Não é absolutamente incomum que em reuniões onde se fazem presentes
grupos com recursos políticos e sociais distintos, tais como ONGs, agências governamentais e
pequenos produtores, voltadas para tratar assuntos relativos a estes últimos, justamente os
agricultores não tenham o direito de falar. As associações de agricultores e seu recente
dinamismo podem ter papel importante, para dar voz e permitir a participação ativa deles em
outros fóruns de participação tais como o conselho consultivo do Parque que deve iniciar suas
atividades em breve.
As reuniões que contam com convidados importantes (pelo cargo, pelo domínio em
certo assunto, pela liderança religiosa ou de outra natureza,...) cumprem o importante papel,
entre outros que foram discutidos, de legitimar a associação frente a seus membros, frente ao
grupo ao qual pertence esta organização e às demais associações. Este foi o caso da reunião
320
ocorrida em 29 de setembro de 2008,
235
na “casa” da AGROVARGEM que assumiu o papel de
anfitriã, reunindo os pequenos produtores desta associação, da AAOPB, da ALCRI, a equipe da
PAF, o vice-presidente do IEF, a diretora da DCN, o administrador do PEPB e a gerente da
agência Freguesia do Banco do Brasil representando o programa DRS. A presença de tantas
ilustres figuras trouxe visível capitalização de prestígio aos agricultores e à AGROVARGEM,
frente aos produtores da região. O encontro realizou-se em uma das salas de reunião da Paróquia
de São Sebastião, no Largo de Vargem Grande, que a referida associação não tem sede ainda.
O encontro contou com mais de trinta participantes e seguiu uma pauta e metodologia que foi
organizada a partir de escuta prévia com as três associações.
236
Elencando alguns de seus
resultados, podem ser destacados, o reconhecimento do IEF à possibilidade de aquisição de
energia elétrica pelos moradores de Vargem Grande, desde que seguindo certos procedimentos,
o reconhecimento da diretoria do IEF sobre a necessidade de melhorar a comunicação com os
moradores do PEPB e o reconhecimento explícito do IEF quanto à seriedade e competência
técnica da instituição Farmanguinhos para a condução do projeto de plantas medicinais no
Parque Estadual da Pedra Branca, marcando uma clara mudança de concepção sobre a gestão de
UCs, em relação àquela reunião de 2006, onde muitos agricultores escutaram da administradora
do PEPB, que nada podiam: nem luz, nem projeto, nem nada. Fazendo uso de Almeida (2006,
p.15) acredito estarmos diante de:
“Momentos de transição ou a situações históricas peculiares em que grupos
sociais e povos percebem que condições de possibilidade para encaminhar
suas reivindicações básicas, para reconhecer suas identidades coletivas e
mobilizar forças em torno delas e ainda para tornar seus saberes práticos um
vigoroso instrumento jurídico-formal.”
235
Vide anexo 13: ata da reunião.
236
Vide anexo 14: documento disponibilizado aos participantes com antecedência e durante a reunião e a ata desta
reunião.
321
CONCLUSÃO
Para concluir, retomo aqui algumas reflexões de Armando Magalhães Corrêa em seu
Sertão Carioca e sobre o Sertão Carioca. Da mesma forma que este autor descreveu esta região,
sua gente e fez reflexões mais amplas sobre muitos outros sertões, aqui nos apropriamos desta
obra para refletir sobre o Parque Estadual da Pedra Branca e, também, pensar outros sertões,
através do tema da permanência humana em parques. De uma forma que este autor não poderia
imaginar, sua obra nos permite refletir sobre os dois modelos de conservação em disputa no
campo ambiental e que tratamos neste trabalho: o conservacionismo e o socioambientalismo.
Pensador de uma geração de intelectuais e cientistas dedicados ao estudo da natureza
que na década de 30 concebeu os primeiros parques no Brasil, Magalhães Corrêa defendia a
criação de parques nacionais como parte integrante de um projeto mais amplo de nação voltado
para o sertão, ou seja, um movimento de reforma social que buscasse promover melhores
condições para os segmentos mais pobres da sociedade, formados pelos sertanejos (autênticos
brasileiros), com políticas de educação, saúde e desenvolvimento rural em equilíbrio com a
conservação da natureza. Junto a este modelo integrado entre sociedade e natureza, este autor
concebia a existência de áreas protegidas sem qualquer tipo de uso direto os parques
nacionais.
No entanto, o que diria Corrêa se hoje soubesse que o Sertão Carioca pôde
sobreviver dentro de um parque? Esta contradição chama atenção para o fracasso de uma
política de conservação baseada em áreas protegidas restritivas que foi implantada no país de
forma autoritária, permanecendo isoladas, sem se integrar às condições socioeconômicas locais
e regionais. Na verdade este modelo de conservação da natureza importado que foi adotado no
Brasil, sob a perspectiva do conservacionismo, contribuiu para aumentar a pobreza e
dificuldades de reprodução social de populações que se viram impedidas de garantir seus
sustento através do uso direto dos recursos naturais e de suas formas tradicionais de interação
com o meio. Neste sentido, os parques, tal como concebia Corrêa, não foram criados de forma
integrada a um projeto de nação voltado para a promoção socioeconômica e cultural do sertão.
Ao contrário, fazendo uso da visão polarizada que marcou o olhar de pensadores do início do
século e, influenciou este autor, a respeito da existência de dois Brasis um Brasil atlântico,
322
moderno, civilizado e cosmopolita e um Brasil sertanejo, pobre, atrasado, mas autêntico
pode-se dizer que os parques se inseriram em um modelo de modernização do país, apoiado
sobre o eixo civilização-progresso que pôde ser combinado com as frentes de expansão
desenvolvimentistas para o interior, marcantes no país, entre os anos 50 até meados dos anos
80. Os parques correspondem, portanto, a uma categoria de conservação da natureza que
atendem aos anseios, expectativas e modo de vida das populações urbanas elitizadas.
Diante destas questões, busquei ao longo deste trabalho refazer o percurso que
transformou uma parte da região outrora chamada Sertão Carioca, em Parque Estadual da Pedra
Branca, demonstrando que esta unidade de conservação, muito mais do que uma área florestada
é um artefato cultural que abriga inúmeros significados: seja refletindo o processo de evolução
urbana da cidade do Rio de Janeiro e as disputas pelo direito de ocupar e definir os usos desta
região, seja refletindo o longo processo de gestação das idéias ambientais que consagraram os
parques como o primeiro e mais conhecido modelo de área protegida.
A história da ocupação do maciço da Pedra Branca e a trajetória de seus pequenos
produtores, cujo território passou a fazer parte de um parque, demonstram as contradições
geradas por esta categoria de unidade de conservação. Se por um lado, a legislação ambiental
tem trazido enormes impedimentos à reprodução social deste grupo, de outro, a permanência
nesta área protegida tornou-se, ao longo do tempo, condição essencial deste grupo para fazer
frente aos processos mais amplos de expropriação econômica trazidos pela crescente ocupação
urbana e novas racionalidades de mercado.
Os pequenos produtores do PEPB mantêm desde longa data uma produção de caráter
familiar, que alterna a produção de culturas destinadas ao mercado: a banana e o caqui, em
menor escala o aipim, a cana, o coco, a manga e outros, além de legumes e hortaliças voltados
para a subsistência que também podem entrar no circuito comercial. A atividade agrícola
corresponde a uma parte substantiva da manutenção das unidades familiares, embora a
pluriatividade seja uma característica histórica deste grupo de pequenos produtores, inseridos
em meio urbano e, portanto, com necessidades elevadas de consumo de bens que não são
produzidos em suas propriedades. Este grupo social deseja subverter as representações
estigmatizantes de invasores e depredadores do meio ambiente e desejam fazer parte do pacto
323
ambiental, sendo reconhecidos como sujeitos de direitos a partir de sua anterioridade à criação
do PEPB e de seu papel na conservação das suas fronteiras.
A atuação de mediadores institucionais e do terceiro setor que estimularam a prática do
associativismo entre os pequenos produtores, inicialmente com objetivos de extensão e
capacitação técnica, tem contribuído para transformar a leitura deste grupo a respeito de si
mesmo, a respeito de sua atividade, incorporando princípios do ambientalismo e redefinindo
suas relações com o Instituto Estadual de Florestas e outros atores institucionais. A experiência
da organização política e o aprendizado de princípios de representação, a melhoria das redes de
comunicação e a aquisição de habilidades tais como falar em público, adquiridos na vida
associativa começam a exercer seus efeitos sobre a capacidade deste grupo defender seus
interesses, ter voz ativa em fóruns onde os atores têm recursos sociais, políticos e
organizacionais diferenciados como é o caso do conselho consultivo do PEPB em processo de
formação.
Ao refletir sobre os efeitos dos projetos, concepções e atores em disputa no campo
ambiental fluminense sobre o território do PEPB, deve-se considerar que este espaço não era
vazio de relações sociais, mas formado pela dinâmica de ocupação do maciço, dos usos e dos
modos de vida das populações ali estabelecidas, assim como, pelas fronteiras que constroem,
pelas divisões e nomeações e as representações atribuídas ao mesmo ao longo do tempo. A
despeito das tentativas institucionais de construir um Parque de acordo com os padrões
consagrados como universais e científicos desta categoria mundial de conservação da natureza,
o PEPB carrega as marcas do Sertão Carioca.
324
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1995 – AVENTURA country. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jun. 1995, Barra, p.1.
1995 - PASSEIOS e vídeos na festa do verde. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jun.
1995, Barra.
1995 – SEMINÁRIO discute floresta da Pedra Branca. Tribuna da Imprensa, Rio de
Janeiro, 15 ago. 1995.
1995 - VICTOR, Duilo; MAZZA, Florença. O desafio da preservação. Jornal do
Brasil, 2 out. 2005, Cidade, p. A23.
1996 – A NATUREZA escondida no meio da floresta urbana. O Globo, Rio de
337
Janeiro, 2 maio, 1996, Barra, p. 20.
1996 - MENDES, Taís. Os vizinhos distantes da cidade grande. O Globo, 2 maio
1996, Barra, p.18.
1996 – MOURÃO, Diogo. Guia junta história e aventura. O Globo, Rio de Janeiro, 7
jul. 1996.
1996 – PLATONOW, Vladimir. O paraíso a dez minutos da Barra. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 1 ago. 1996, Barra, p. 6.
1996 - PAU da fome é área de alto risco. O Globo, Rio de Janeiro, 17 out. 1996,
Barra, 7.
1996 – Seminário do IEF discute floresta. O Fluminense, Niterói, 22 nov. 1996,
Nacional, p. 9.
1996 – SEMINÁRIO verde. O Fluminense, Niterói, 19 nov. 1996, Nacional, p.5.
1996 - IEF reúne especialistas em seminário. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 19
nov. 1996, Educação/Cultura, p. 11.
1996 - PEDRA Branca provoca polêmica. Tribuna da Imprensa, 20 nov. 1996.
1996 – VASCONCELOS, Sérgio de. Parque Estadual da Pedra Branca. Rio News,
15 dez. 1996, Ecologia, p. 12.
1997 - IEF não tem verba para plantar árvores. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13
fev. 1997, Barra, p. 3.
1997 – CAMARA, Eric. Invasões ameaçam Parque Estadual da Pedra Branca.
O Globo, Rio de Janeiro, 9 mar. 1997, Rio, p.29.
1997 – Parque de papel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 fev. 1997, Informe JB.
1997 - MUSSOI, Paulo. O campeão da poluição. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
31 ago. 1997, Cidade, p. 37.
1997 – Capinzais substituem as florestas no Rio. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11
dez. 1997, Cidade, p. 22.
1998 – AUTRAN, P.; SCHMIDT, S. Políticos apóiam invasões em troca de votos.
O Globo, Rio de Janeiro, 19 mar. 1998, Rio.
338
1998 – RAMALHO, Sérgio. Pedra Branca devastada. O Dia, Rio de Janeiro, 14 jun.
1998 , Zona Oeste.
1998 - DESMATAMENTO de primeira. O Dia, Rio de Janeiro, 6 dez. 1998, Zona Oeste, p. 7.
1999 - UMA faxina ecológica em Campo Grande. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
11 out. 1999
1999 – RIO de lama na Barra da Tijuca. O Dia, Rio de Janeiro, 6 nov. 1999, Geral, 8.
1999 – LEAL, João Carlos. Ameaças a diretores de parques. O Globo, Rio de
Janeiro, 10 nov. 1999.
2000 – MARTA, Fabrício. Um paraíso abandonado no Rio. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 10 set. 2000, Cidade, p. 16.
2001 - MAGALHÃES, Luiz Ernesto. Grumari volta aos tempos de Cabral. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 4 jul. 2001, Cidade, p. 18.
2001 – MAGALHÃES, Luiz Ernesto. Latifundiário de Grumari quer hotel e não
parque. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jul. 2001, Cidade.
2001 - PARQUE da Pedra Branca revitalizado. Diário Oficial do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, ano 27, n.160, p.1, 23 ago. 2001.
2003 – NAME, Daniela. Dentro da programação da Mira, CCBB abre mostra sobre
pioneiro da reciclagem que desbravou a Joatinga. O Globo, Rio de Janeiro,
p.3, 27 abr. 2003.
2004 – CAMINHADA vai comemorar os 30 anos do Parque da Pedra Branca.
O Globo, Rio de Janeiro, 20 jun. 2006.
2004 - BELEZA natural X expansão ilegal. O Globo, Rio de Janeiro, 10 jun. 2004,
Barra, 5.
2004 - MONTEIRO, Flávia. Pedra Branca a um passo da mudança. O Globo, Rio de
Janeiro, 10 jun. 2004, Barra, p.3.
2004 – NETTO, Sabrina. Parque da Pedra Branca sofre com degradação. Jornal do
339
Brasil, Rio de Janeiro, A16, 21 jun. 2004.
2004 - ESTADO lança unidade móvel de educação ambiental. Semads, Rio de
Janeiro, 15 out. 2004. Disponível em:
<htttp://www.semads.rj.gov.br/noticia_dinamica1_Fotos.asp?id_noticias=877>.
Acesso em: 21 nov. 2004.
2005 - MORAIS, Rodrigo. Bombeiros controlam fogo no Parque da Pedra Branca no
Rio. Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/cidades/noticias/2005/jun/14/254.htm>. Acesso
em: 13 set. 2005.
2005 - LOBO, Maurício. A importância das unidades de conservação. Semadur, Rio
de Janeiro. Disponível em: < http://www.semadur
. rj.gov.
br/artigo_dinamica1.asp?id_artigo=34>. Acesso em: 13 set. 2005
2005 - GOVERNO do Estado entrega conjunto de intervenções na área de meio
ambiente do Rio. Secretaria de Estado do Ambiente, Rio de Janeiro, 8 jun.
2005. Disponível em: <http://www.semds. rj.gov. br/noticia
_dinamica1.asp?id_noticia=1137>. Acesso em: 17 mar.2007.
2005 - GOVERNO do Estado destina casas populares para moradores em áreas de
risco. Semadur, Rio de Janeiro, 9 jun. 2005. Disponível em:
<htttp://64.233.187.104/search?q=cache: 5Gnj_8bQYIUJ:
semads.rj.gov.br/noticia_...>. Acesso em: 7 nov. 2006.
2005 – PARQUE da Pedra Branca faz aniversário. Diário Oficial do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, p.2, 28 jun. 2005.
2005 – IEF lança manual de agrofloresta no Parque da Pedra Branca. Diário Oficial
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p.2, 30 jun. 2005.
2005 – IEF cria o conselho consultivo do Parque Estadual da Pedra Branca. Diário
Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p.11-12, 5 jul. 2005.
2005 – NOVA Sepetiba II acolherá população de áreas de risco. SERLA, Rio de
Janeiro,4 set. 2006. Disponível em:
<http://www.serla.rj.gov.br/Noticias/mat157.asp>.Acesso em 4 set. 2006.
2005 - OBRAS do IEF dão novo visual a parque do estado. Secretaria de
Comunicação Social, Rio de Janeiro, 25 dez. 2005. Disponível em:
340
<http://209.85.165.104/search?q=cache.uw38XoAXIM0J:
www.impresnsa.rj.gov.br/SCSSi... >. Acesso em: 9 jan. 2007.
2006 - PINTO, Mônica. Entrevista exclusiva: Maurício Abreu. Ambiente Brasil, 19
fev. 2006. Disponível em:
<http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=23214>. Acesso em: 9 fev.
2007.
2006 - EMBRAPA revela que 99% do território brasileiro é área rural. O Radical, 5
jun. 2006. Disponível em: <http://o
radical.uol.com.br/conteúdo/leitura.asp?codmat=7675>. Acesso em: 24 set.
2006.
2006 - ISKANDARIAN, Carolina. Focos de incêndio em parque carioca estão
controlados. Estadão on Line, São Paulo, 15 jun. 2006. Disponível em:
htttp://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=19606>.
Acesso em: 9 jan. 2007
2006 – FUNDO carioca apóia agricultores da zona Oeste. Diário Oficial do Município
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano 20, n.90, 27, p. 1, 59, jul. 2006.
2006 - LOBO, Maurício. Editorial. Rio Florestal, Rio de Janeiro: IEF/RJ, n.2, set.
2006.
2006 - FLORESTA em movimento: prevenção e educação ambiental para a população.
Rio Florestal, Rio de Janeiro: IEF/RJ, n.2, p. 21, set. 2006.
2006 - PEDRA Branca e Tiririca ganham postos avançados. Rio Florestal, Rio de
Janeiro: IEF/RJ, p. 22, n.2, set. 2006.
2006 – PEDRA Branca X Tijuca. O Globo, Rio de Janeiro, 28 set. 2006, Barra,
p. 16-18.
2006 - IEF/RJ e LIGHT assinam termo de compromisso ambiental. Assessoria de
Comunicação Social do IEF/RJ, IEF, Rio de Janeiro, 11 out. 2006. Disponível
em: <htttp://www.ief.rj.gov.br/noticias/4.htm>. Acesso em: 7 nov. 2006.
2007 – PARQUE da Pedra Branca sofre com degradação. Secretaria de Estado dos
Recursos Hídricos. Disponível em:
<http://www.serhid.rj.gov.br/detalhe.asp?1dPublicacao=3169>. Acesso em: 7
jan. 2007.
341
2007 - NOVA presidente do IEF toma posse nesta sexta. O Globo, Rio de Janeiro, 3
jan, 2007. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/01/03/287271782.asp...
>. Acesso em: 9
jan. 2007.
2007 – NOVO secretário é esperança de mudanças no Rio de Janeiro. Agência Carta
maior, política ambiental, 7 jan. 2007. Disponível em:
<http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_
id=13209&...>. Acesso em: 7 jan. 2007.
2007 FANZERES, Andréia. Conservação: a lanterninha da Feema. O Eco, 22 jan. 2007.
Disponível em: < http://www.oeco.com.br/reportagens/37-reportagens/10961-oeco_20494
>.
Acesso em: 12 ago. 2007.
2007 - CARLOS Minc, por mais qualidade de vida. Conheça a Semadur, Perfil do Secretario,
Semadur, Secretaria de Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em:
<http:www.semadur.rj.gov.br/perfil_Carlos_Minc.asp>. Acesso em: 9 jan. 2007.
2007 - PARQUE estadual da Ilha Grande terá gestão modelo. Portal do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 fev. 2007. Disponível em:
<http://209.85.165.104/search?q=cache:bTGeEggufaEJ:www.governo.rj.gov.br/noticias
.
a ...> Acesso em: 4 fev. 2007.
2007 - GOVERNADOR anuncia criação do ICMS verde. Noticias do Governo, Portal
do Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2 fev. 2007. Disponível em:
http:www.governo.rj.gov.br/noticias.asp?N=36181>. Acesso em: 4 fev. 2007.
2007 - IEF: choque de gestão nas unidades de conservação. Semadur, Rio de Janeiro,
13 mar. 2007. Disponível em: <http://www.semdur
. rj.gov. br/noticia
_dinamica1.asp?id_noticia=1778>. Acesso em: 17 mar.2007.
2007 - SECRETARIA do Ambiente antecipa plano de emergência contra queimadas.
Rio de Janeiro, Semadur, 14 mar. 2007. Disponível em: http://www.semdur
.
rj.gov. br/noticia _dinamica1.asp?id_noticia=1779> Acesso em: 17 mar.2007.
2007 - CABRAL amplia Parque Estadual da Ilha Grande. Portal do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 maio 2007. Disponível em:
<http:www.governo.rj.gov.br/noticias.asp?N=36182>. Acesso em: 4 fev. 2007.
342
2008 – LOBO, Felipe. Montanhista no comando(entrevista com André Ilha). O Eco, 06 jun.
2008. <Disponível em: http://www.oeco.com.br/index.php/reportagens/37-reportagens/10981-
oeco_27881>. Acesso em: 21 ago. 2008.
2008 - MOEHLECKE, Renata. Fitoterápicos sociais. Farmanguinhos participará de
criação de sistema agroecológico de produção de plantas medicinais. Revista
de Farmanguinhos. Rio de Janeiro: Fiocruz, n.15, p.12-15, jun. 2008.
2008 – IEF inicia regularização fundiária em parques e reservas estaduais. O Globo
on Line, Rio de Janeiro, 23 jun. 2008. Disponível em:
http://o globo.oglobo.com/rio/mat/2008/06/23>. Acesso em: 23 jun. 2008.
DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS APRESENTADOS EM ORDEM CRONOLÓGICA:
1979 - SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO SAA/RJ. Plano
de manejo do Parque Estadual da Pedra Branca: programa de trabalho. jul.
1979.
1979 - ____________ . Implantação do Parque Estadual da Pedra Branca: projeto
atividade. 1979
1992 - SECRETARIA EXTRAORDINÁRIA DE PROGRAMAS ESPECIAIS/
FUNDAÇÃO INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Projeto Floresta
da Pedra Branca: relatório 1991/1992. Rio de Janeiro, 1992.
1995 - FUNDAÇÃO INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Projeto Floresta
da Pedra Branca: sub-projeto horto florestal da Pedra Branca. Rio de Janeiro,
set. 1995.
2005 - INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. . Programa de Treinamento em
Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis. Manual de agroflorestas.
2006 – INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS. Programa de Treinamento em
Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis.Floresta Atlântica, sombra e
água fresca. Ago. 2006
2005 - RIO FLORESTAL. Revista da Fundação Instituto Estadual de Florestas IEF,
n.1, dez. 2005.
2006 – RIO FLORESTAL . Revista da Fundação Instituto Estadual de Florestas IEF,
343
n.2, set. 2006.
2008 DIRETORIA DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA / INSTITUTO ESTADUAL DE
FLORESTAS /RJ. Programa de fortalecimento de conselhos: reorganização do conselho do
Parque Estadual da Pedra Branca. Rio de Janeiro, 2008.
344
ANEXO 1
QUADRO DE ENTREVISTAS
DATA ENTREVISTADO(A)
REFERÊNCIA
12/12/2005 Nadja Maria Costa Geógrafa Pesquisadora da Uerj com
diversos trabalhos sobre o PEPB
01/2006 Rogério Ribeiro de
Oliveira
Pesquisador e professor do
departamento de Geografia da PUC-
RJ com diversos trabalhos sobre o
PEPB e morador de seu entorno.
07/01/2006 Luis Eduardo Saraiva Estudante de biologia, atuante em
trabalhos de educação ambiental e
morador da região de Caetés no
entorno do PEPB
12/01/2006 Neila Cortes Administradora do PEPB no período
2003-2006.
13/01/2006 Marcelo Soares Na época ex-administrador do
Parque, assessor de Carlos Minc e
atuante em atividades ligadas ao
ambientalismo. Tornou-se
administrador do PEPB em 2007.
19/03/2006 José Rodrigues da Silva
(Seu Zequinha)
Agente florestal do PEPB desde
1989.
19/03/2006 Raimundo
(Seu Raimundo)
Agente florestal
01/05/2006 Arnaldo Avelino da
Costa
(Seu Arnaldo)
um dos agricultores mais antigos da
região do Rio da Prata. Foi eleito em
2007 presidente da Associação de
Produtores Orgânicos da Pedra
Branca
02/08/2006 Eremita * Engenheira Florestal, responsável
pelo projeto Escola Carioca de
Agricultura Familiar na Fazenda
Modelo, cedida pelo governo estadual
à Prefeitura do Rio de Janeiro.
09/08/2006 Vânia Lúcia Marques
da Silva*
Presidente da Associação de
Produtores, lavradores e artesãos de
Piabas e adjacências do Rio de
Janeiro. APROLAPIAS
12/08/2006 Rogério da Silva
Pestana*
Filho de Seu Zé do Grumari: produtor
de bananas e plantas ornamentais no
Grumari e Barra de Guaratiba. Parte
345
do cultivo está dentro do PEPB e
APA do Grumari.
25/08/2006 Irma Maria Ferreira Produtora orgânica e massoterapeuta.
Mora em Santíssimo na zona Oeste
do Rio de Janeiro, colabora com os
agricultores orgânicos do Rio da
Prata e participa da Ong Caatyba.
12/2006 Sabrina Mendes Stanley
Carpenter
Bióloga e educadora ambiental do
PEPB na gestão de Neila Cortes(até
2006).
08/01/2007 Silvia Regina Nunes
Batista
Moradora da região de Vargem
Grande, possui parentesco com
famílias que habitaram ou habitam o
PEPB, engajada em movimentos
populares de saúde e moradia.
Atualmente faz parte da equipe da
PAF Farmanguinhos.
12/01/2007 Irene de Andrade
Mesquita
(Dona Lila)
Moradora de 74 anos, da região de
Cafundá de Guaratiba em Vargem
Grande.
21/01/2007 Paulo José Martins
Filho
(Paulinho Pedra Branca)
Morador de Cafundá de Guaratiba em
Vargem Grande, atualmente trabalha
como eletricista e possui parceria com
o cunhado na produção de banana. É
também vice-presidente da
Associação de Moradores de Vargem
Grande.
28/01/2007
Bete Rua
Moradora de Cafundá de Guaratiba/
Vargem Grande. Adquiriu sua
propriedade sem saber que o antigo
proprietário estava sendo processado
pelo IEF por construção irregular.
Recentemente foi obrigada a demolir
sua casa.
14/02/2007
Ronaldo Salek
Engenheiro agrônomo, idealizador e
responsável pelo projeto de
agricultura orgânica realizado com os
agricultores de Rio da Prata – Campo
Grande.
26/03/2007 Andréia Franco de Bióloga e funcionária da vice-
346
Oliveira presidência do IEF-RJ.
26/03/2007
Alceo Magnanini Engenheiro agrônomo, 84 anos,
atualmente funcionário do IEF. No
passado foi funcionário do IBGE, do
Jardim Botânico, Funcionário do
IBDF, onde assumiu o cargo de
diretor do Parque da Tijuca e
posteriormente de todas as UCs
administradas pelo IBDF.
17/04/2007
Carlos Bontempo Biólogo e ex-funcionario do IEF.
Atualmente presta consultoria para
esta mesma instituição.
18/03/2007
Natalina dos Santos
Mesquita
(Dona Nédia )
Moradora de 74 anos da região de
Cafundá de Guaratiba em Vargem
Grande.
18/07/2007 Zuleika Moreira Ex-adminsitradora do PEPB e
funcionária do IEF do Departamento
de desenvolvimento florestal.
04/11/2007 Lourdes
(Dona Lourdes)
Moradora de 84 anos da Estrada do
Sacarrão em Vargem Grande
09/11/2007 Padre Lúcio Zorzi
***
Padre responsável pela Paróquia do
Rio da Prata em Campo Grande.
01/2008 Dona Amir Vieira
(Dona Lili)
80 anos moradora de Vargem Grande,
filha do maior produtor de banana da
região no passado: Antonio Vieira,
conhecido por Nico Vieira.
23/01/2008 André Ilha Presidente do Instituto Estadual de
Florestas - IEF
14/04/2008 Alba Simon Chefe da Diretoria de Unidades de
Conservação do IEF
21/07/2008 Leonel Rocha Lima Engenheiro agrônomo da EMATER
responsável pela reativação da
ALCRI
* Entrevista realizada conjuntamente com Antônio Eduardo Moreira.
** Entrevista realizada conjuntamente com Roberto Alexandre Costa
*** Entrevista realizada conjuntamente com Silvia Nunes Batista
347
ANEXO 2
LEI Nº 2.393 DE 20 DE ABRIL DE 1995
DISPÕE SOBRE A PERMANÊNCIA DE POPULAÇÕES NATIVAS RESIDENTES EM UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - Fica o Poder Executivo, através de seus órgãos competentes, autorizado a assegurar às
populações nativas residentes há mais de 50 (cinqüenta) anos em unidades de conservação do Estado
do Rio de Janeiro, o direito real de uso das áreas ocupadas, desde que dependam, para sua
subsistência, direta e prioritariamente dos ecossistemas locais, preservados, os atributos essenciais de
tais ecossistemas e cumpridas as exigências previstas na presente Lei.
§ 1º - A concessão do direito real de uso às áreas ocupadas, prevista no caput desse artigo, será
inegociável por prazo indeterminado, podendo ser transferível apenas aos descendentes diretos
somente se os mesmos também dependerem direta e prioritariamente destas mesmas áreas, vedadas
a locação ou sublocação a outros interessados.
§ 2º - Como contrapartida deste direito, as populações beneficiadas por esta Lei ficam obrigadas a
participar da preservação, recuperação, defesa e manutenção das unidades de conservação.
§ 3º - Em nenhuma hipótese poderá ser concedido o direito real de uso de terra em áreas que sejam
consideradas, por Lei, como Reservas Biológicas.
Art. 2º - A permissão da exploração e uso dos recursos naturais às populações nativas residentes em
unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro, e beneficiadas por esta Lei, obedecerá as
seguintes exigências:
I - Proibição de exploração e/ou uso de espécies ameaçadas de extinção, bem como adoção de
práticas que comprometam seus respectivos habitats, assim como o ecossistema como um todo;
II - Permissão restrita de exploração de recursos naturais não renováveis, condicionada ao mínimo
indispensável à manutenção da qualidade de vida das populações beneficiadas por esta Lei, vedadas
as práticas que comprometam os atributos essenciais dos ecossistemas explorados;
III - Proibição do uso de práticas e/ou atividades que comprometam a recuperação natural dos
ecossistemas;
IV - Demais restrições de uso de unidades de conservação, segundo Legislação Federal e Estadual
vigentes.
Art 3º - O não cumprimento dos dispositivos desta Lei sujeita o infrator às seguintes penalidades:
I - Multa de 1 (uma) a 100 (cem) UFERJ's referentes à data da infração;
II - Obrigação de recomposição da área afetada com espécies nativas do local;
348
III - Para os casos de reincidência de infração, perda do direito real de uso da área ocupada, concedido
pela presente Lei.
Parágrafo Único - As penalidades previstas nos incisos I e III, independem das impostas no inciso II.
Art. 4º - O Poder Executivo, através de seus órgãos competentes, promoverá:
I - O cadastramento das populações nativas a serem beneficiadas por esta Lei;
II - Ampla informação às populações beneficiadas sobre os direitos garantidos por esta Lei, bem como
os deveres e as penalidades impostas pelo não cumprimento da mesma;
III - VETADO
IV - Criação de mecanismos de proteção e preservação especiais nas áreas ocupadas ou sob influência
das populações nativas, de forma a compatibilizar a melhoria da qualidade de vida das populações
beneficiadas por esta Lei e a preservação dos atributos essenciais dos ecossistemas locais;
V - Levantamento sócio-econômico das populações nativas promovendo, preservada a cultura local, as
medidas necessárias para o atendimento médico e educacional, bem como para a regularização da
concessão real de uso da terra, nos termos desta Lei.
Art. 5º - Na elaboração de políticas, programas ou ações que objetivam as populações nativas
beneficiadas por esta Lei ou provoque qualquer influência em seu modo de vida, o Poder Executivo
através de seus órgãos competentes garantirá a efetiva participação dos interessados, diretamente ou
através de seus representantes.,
Art. 6º - As despesas decorrentes desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias,
suplementadas se necessário.
Art. 7º - VETADO.
Art. 8º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 20 de abril de 1995.
MARCELO ALENCAR
Governador
349
ANEXO 3
350
ANEXO 4
Parque Estadual da Pedra Branca
LEI
ESTADUAL
N
O
2.377
DE
28
DE
JUNHO
DE
1974
Cria o Parque Estadual da Pedra Branca e
dá outras providências
O GOVERNADOR DO ESTADO DA GUANABARA
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara decreta e eu sanciono a
seguinte lei:
Art. 1
o
Fica criado, no Estado da Guanabara o Parque Estadual da Pedra Branca,
compreendendo todas as áreas situadas acima da linha da cota de 100 m do Maciço da Pedra Branca e
seus contrafortes.
Art. 2
o
– No tocante às áreas de propriedade da União, adjacentes ou inclusas no Parque
Estadual, o órgão estadual competente deverá propor ao Governo Federal indispensável para a
programação dos serviços estaduais se integre harmonicamente com os serviços federais.
Art. 3
o
Fica declarada de utilidade pública para fins de desapropriação toda a área abrangida
pelo art. 1
o
, respeitadas a jurisdição e a administração federais existentes.
Art. 4
o
As ocupações existentes na data da presente lei poderão ser toleradas enquanto não for
possível sua remoção ou transferência para fora dos limites do Parque.
P
ARÁGRAFO
Ú
NICO
O Estado, através seus órgãos competentes, providencia o
cadastramento destas ocupações e tomará as medidas que se impuserem para que não mais ocorram, após
a promulgação desta lei.
Art. 5
o
– Nas áreas onde for necessário o florestamento ou reflorestamento de preservação
permanente, o Estado poderá fazê-lo, se não o fizer o proprietário.
§Se tais áreas contiverem culturas que, comprovadamente devam ser suprimidas, de seu valor
deverá ser indenizado o proprietário.
§ As áreas a que se refere este artigo gozarão do benefício previsto no inciso VI, do art. 129,
da Lei nº 1.165, de 13 de dezembro de 1966.
Art. 6
o
Caberá à Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral elaborar o Plano-Diretor do
Parque Estadual da Pedra Branca, bem como promover sua implantação, incluindo os empreendimentos
públicos na área, sem prejuízo das atribuições específicas dos demais órgãos do Estado.
(D.O. de 02/07/74)
351
ANEXO 5
352
ANEXO 6
DIRETORIA DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA / INSTITUTO ESTADUAL DE
FLORESTAS /RJ. Programa de fortalecimento de conselhos: reorganização do conselho do
Parque Estadual da Pedra Branca. Rio de Janeiro, 2008. P. 50-51.
353
354
ANEXO 7
355
356
MOVIMENTO EVOLUTIVO PACTO DE RESGATE
AMBIENTAL
Seminário Dia Mundial da Água
2009
Por uma bacia
hidrográfica
sustentável
O INSTITUTO LAGOA VIVA (membro do CONSELHO ESTADUAL DE
RECURSOS HÍDRICOS, do CONSELHO GESTOR DO PARQUE ESTADUAL DA
PEDRA BRANCA e representante eleito do COMITÊ BAIA DE GUANABARA E
SISTEMAS LAGUNARES MARICÁ E JACAREPAGUÁ) e a sua principal
iniciativa local o
Movimento Evolutivo PACTO DE RESGATE AMBIENTAL,
que prioritariamente luta pela revitalização e conservação permanente da
bacia hidrográfica da Barra da Tijuca/Jacarepaguá, junto a ACIBARRA,
ASSOCIAÇÃO DE IMPRENSA DA BARRA (AIB) e diversos outros parceiros
apresentam.
SEMINÁRIO EM COMEMORAÇÃO AO DIA MUNDIAL DA
ÁGUA.
PREÂMBULO
O dia 22 de março ficou instituído como O DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA.
357
Nesse inicio do século XXI, os problemas ambientais surgem como uma ameaça
concreta para o futuro do planeta. Apesar de a água ser essencial para a
sobrevivência da humanidade, a sua falta já assola mais de um bilhão de pessoas,
como informa a ONU. A tendência é que o cenário ainda piore com as mudanças
climáticas, aquecimento global, efeito estufa, desmatamento, lixo, grandes secas,
falta de saneamento, poluição.
Diversos especialistas apontam à escassez da água como um dos maiores flagelos
a serem enfrentados pela humanidade em poucos anos. Desse modo, se não
houver mudança urgente em relação à proteção e conservação dos recursos
hídricos, o mundo certamente vivenciará novos graves conflitos e guerra pela
posse da água.
Local: MARINA BARRA CLUBE
Estrada da Barra da Tijuca 777, Barra da Tijuca, RJ.
Datas: 27 de Março com início às 14:00h até às 18:00h
É fundamental que aconteçam estes "Momentos" de palestras, exposições e
dinâmicas presenciais, oportunidade de nos organizarmos neste novo ente
deliberativo, fundamentado na legislação de recursos hídricos, e praticarmos uma
gestão democrática e participativa elaborada de acordo com os anseios da
comunidade local.
Através de profunda e diversificada reflexão, sempre motivando práticas pró-
ativas, onde os palestrantes, os voluntários, os interessados e convidados irão
interagir, trocar, disseminar informações, catalisar experiências, nos tornarmos
mais conscientes e participativos, gerarmos motivações, certezas e
concretizações todas voltadas para o cuidado de um recurso cada vez mais
escasso, cuja conservação é responsabilidade de todos, evitando o desperdício e o
uso desnecessário.
Apresentaremos panorama atual das intervenções para saneamento e
abastecimento, legislação de recursos hídricos e avançaremos para consolidação
definitiva deste difícil processo de formação do Sub-Comitê para gestão eficaz dos
recursos hídricos da nossa sub-bacia hidrográfica.
14:00h - Primeiro Painel Temático
"O NOVO CENÁRIO PARA MELHORIA DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS DA BACIA
HIDROGRÁFICA DA BARRA DA TIJUCA/JACAREPAGUÁ, QUE SE APRESENTA.
COORDENADOR -Professor Ney Suassuna - Presidente da ACIBARRA.
Painelistas: Wagner Victer (Presidente da CEDAE), Márcia Bacarini (Coordenadora
do Programa de Saneamento da Baixada de Jacarepaguá), André Ilha – Diretor de
358
Biodiversidade do INEA, Altamirando Fernandes Moraes – Sub- Secretário
Municipal do Meio Ambiente, Marcio Santa Rosa, Gerencia de Meio Ambiente da
Candidatura dos Jogos Olímpicos RIO 2016.
15:30h: Segundo Painel Temático
"SUB-COMITÊ, A NOVA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS PARA NOSSA
BACIA HIDROGRÁFICA"
COORDENADOR - Luiz Carlos Viveiros (Presidente do Comitê Baia de Guanabara).
Painelistas: Luiz Firmino - Presidente do INEA, Suzana Claudia Monteiro de Barros
INEA, Engenheira Luiza Cristina Krau - FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS, David Zee
– UERJ e CCBT.
17:30h - Palestra de Encerramento. Ministro Carlos Minc* - MMA
* A CONFIRMAR
18:30h - COQUETEL DE CONFRATERNIZAÇÃO.
Comissão provisória de organização, registros, sistematização e desdobramentos:
Álvaro Nassaralla - Lagoa Viva; Biólogos - Marcelo Cruz Tavares da
Cunha Mello, Luiz Carlos Gomes do Couto, Marco Velloso - CCJ, Renato Velloso,
Fábio Velloso. Adriana Mello, Maria Luiza Velloso, Carlos Alberto Costa.
Coordenador: Donato Velloso Tels.: - 21 8728-0430, 21-24935796
E-mails: lagoaviva@ig.com.br - donato@pactoderesgateambiental.org
FRANQUEADO AOS INTERESSADOS
Relação dos envolvidos no processo para habilitação como membros do SUB-
COMITÊ p/ gestão dos Recursos Hídricos da Barra da Tijuca/Jacarepaguá,
convidados e confirmados.
I - PODER PÚBLICO:
Federal: IBAMA, IRD, Parque Nacional da Tijuca.
Estadual: SEA, INEA, PEPB( Parque Estadual da Pedra Branca)
Municipal: Rio Águas, Sub- Prefeitura da Barra/Jacarepaguá, IPP, Unidades de
Conservação, COMLURB – GDA.
II- USUÁRIOS
:
CEDAE, FIRJAN, FECOMERCIO, RICA, MERCK, FURNAS, APELABATA,
WATERPLANET, SOCIMA, MARINA BARRA CLUBE, CARVALHO HOSKEN, (ADEMI),
ASTRAL, PROJAC, COCA -COLA, PRAIASA, Via Náutica, ECOBALSASAPELABATA - (
pescadores), IBRATA
III - SOCIEDADE CIVIL:
359
ABAS, ABES, UNIVERSIDADES, ONGS, (TERRAZUL- GRUDE- SOS PEDRA BRANCA,
RIO Ambiental, ACIBARRA, BARRALERTA - ACIJA, ACIR, FAFERJ, Câmaras
Comunitárias de Jacarepaguá, Barra e Recreio.
360
361
ANEXO 8
362
ANEXO 9
363
ANEXO 10
“Plantas Medicinais nas Comunidades do Entorno do Parque Estadual da Pedra Branca:
Discussão do projeto”
22 de novembro de 2006
Local do Evento: Centro Tecnológico de Medicamentos – Farmanguinhos – Fiocruz
Av. Comandante Guaranys, 447 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro
Tels: 2456-7204/7237, 2443-5116
Dia 22 de novembro de 2006 – Quarta-feira
9:00 – 9:30 Abertura
Apresentação da “Plataforma Agroecológica para o Desenvolvimento de
Fitomedicamentos Farmanguinhos/Fiocruz”
Glauco de Kruse Villas Boas
Gerente do Departamento de Produtos Naturais-Farmanguinhos/Fiocruz
9:30-10:15 Projeto “Aplicação dos Princípios Agroecológicos na Produção de Plantas
Medicinais pelas comunidades do Entorno do Campus Fiocruz da Mata
Atlântica”: Primeiras Visitas, Metas e Perspectivas
Antonio Eduardo Moreira, Roberto Alexandre Costa e Sandra Magalhães Fraga -
Farmanguinhos/Fiocruz
Annelise Caetano F. FernandezDoutoranda em Sociologia – PPGSA/UFRJ
10:15 – 10:45 Coffee Break : Momento para Integração
10:45-12:30 Mesa Redonda:
Contribuições para a construção de um Diagnóstico Rápido Participativo”
A experiência de cada entidade
Discussão das principais dificuldades
Propostas de encaminhamentos participativos
Formação do grupo de monitores
Ministério da Saúde
FIOCRUZ
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
364
ANEXO 11
365
366
367
368
369
370
ANEXO 13
ATA DA REUNIÃO DOS INTEGRANTES DO PROJETO PLANTAS
MEDICINAIS NO ENTORNO DO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA
BRANCA COM O IEF, INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS.
> Aos vinte e nove dias do mês de Setembro de 2008, no salão da igreja de São Sebastião,
localizada à -----------------------, Vargem Grande, Rio de Janeiro, realizou-se
a reunião dos
integrantes do Projeto Plantas Medicinais no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca
com o IEF, Instituto Estadual de Florestas
com os seguintes pontos da pauta: a) infra-
estrutura: Luz, Estradas, Construção e reformas de casas; b) Fiscalização; c) introdução de
espécies exóticas - exemplo: palmito Pupunha, Gliricídia; d) Posicionamento em relação ao
Projeto de Plantas Medicinais. Com a palavra a srª Sandra................,deu início aos trabalhos
as 10:11 hs, agradecendo a presença da Srª Alba Simon......, Paulo Isquiavo, administrador do
Parque, srª Leila representante do Banco do Brasil, representantes da Fiocruz e
representantes das associações presentes (AAOPB, AGROVARGEM,.......), apresentou a
metodologia da reunião, se apresentou como mediadora e pediu que a srª Alba Simon fizesse
uma apresentação no período de 10 minutos do IEF. A srª Alba dividiu com o Sr. Paulo
Isquiavo o seu tempo. Srª Alba falou que assumiu o IEF em Janeiro de 2007, assumindo um
passivo de descrença, que o IEF não administra somente o Parque da Pedra Branca, mais
.....parques no Estado do Rio de Janeiro,falou que o Parque foi criado no tempo da Ditadura
Militar, que hoje por força de lei tem que haver a consulta da população sobre novas criações,
da necessidade que vê de existir um canal de conversa com os moradores do Parque, sobre o
Conselho que estava sem estrutura, mas sendo reformulado. O sr. Paulo Isquiavo falou da
necessidade de reflexão sobre .......,falou ainda do Parque Carbono que irá abranger a área
de......., que no futuro o produtor da área poderá ser beneficiado com este projeto que é uma
medida compensatória. Retomando a palavra a srª Sandra.....passou a palavra ao Sr. Arnaldo
Avelino da Costa, presidente da AAORPB, que relatou sua história e de demais moradores do
Rio da Prata em Campo Grande, da conservação que estes tem procurado fazer do Parque,
perguntou se houve uma mudança da cota 100,ou seja da localização do marco. Sr. Paulo
falou que desconhece. A srª Rita de Cássia Carreiro M. Caseiro falou da importância deste tipo
de encontro, que os moradores do Rio da Prata tem uma história de vida naquele local, mas
de 100 anos de história, citou o art da lei......que ..... O Sr. Paulo......representante do Pau-da-
371
fome, falou da pressão sofrida a anos atrás, quando guardas florestais, erradamente contra os
moradores, que se os moradores forem repreender os motoqueiros que sobem pra fazer
trilhas, acabam levando uma "carteirada", o Sr. Francisco da AGROVARGEM, falou que o IEF
deveria parar mais para ouvir os moradores, relatou ainda que foi a light pedir a instalação de
energia elétrica na sua residência e foi informado de que não poderia ser atendido por ser
área rural e que o IEF não permitiria a eletrificação da área. Retomando a palavra o Sr. Paulo
Isquiavo esclareceu que por conta do episódio ocorrido entre 1998/99 na comunidade de
Vargem Grande, posteriormente houve tentativas de diálogo, inclusive houve um treinamento
de ........contra incêndio na mata,citou sobre um falso proprietário de terras que enganou muita
gente nas redondezas. Informou ainda que a área é de conservação, mas que pode ter
eletrificação sim, monofásico, que não existe proibição legal sobre isso.A srª Alba Simon disse
que pretende abrir mais espaço para conversar sobre o assunto, que existe o programa do
governo federal "luz para todos", e com relação as reformas de casas, estas são permitidas o
que não pode é obras novas, ou puxadinhos. O Sr. Paulo Isquiavo deu o telefone do IEF para
ser contactado sobre a liberação de reformas em casas. A Sr[ Sandra.... falou que seria
importante que os moradores fossem informados sobre projetos de replantio,........ Foram
aprovadas as seguintes propostas: retomar e estabelecer termo de cooperação/compromisso
entre IEF e moradores do Parque; possibilidade de luz monofásica com posteamento
integrado, conversando com o Ministério Público à partir de critérios a serem estabelecidos;
com relação a poder reformar casas pedindo autorização mas que não pode construir novas
casa não houve consenso;revitalizar posto de Vargem Grande; formar grupo de trabalho ou
câmara técnica sobre agricultura dentro do conselho consultivo do Parque, esclarecer onde é
verdadeiramente a cota 1000 no Rio da Prata; com relação a introduçaõ de espécies exóticas
ficou para uma nova discussão;rever delimitações do Parque após Plano de Manejo; re-
implantar fiscalização comunitária. A srª Madalena......do Rio da Prata falou sobre uma
possível fiscalização que houve na obra de seu cunhado e que o fiscal que esteve teria dito
que seria demolida a casa, perguntou se tinham informações a respeito. O Sr. Carlos Pontes
informou que ele esteve lá no Rio da Prata e que na ocasião estava com um aparelho de GPS
e que na frente da citada obra, localizada em frente ao posto de fiscalização do IEF, o seu
aparelho marcava 100 metros de altitude e que pela lei não poderia haver tal obra ali, que
havia ido ao local para ver outra situação, o sítio de Anacleto.
Ainda com relação ao Projeto de
Plantas Medicinais, o Sr. Paulo Isquiavo informou que não pode haver a introdução de
espécies exóticas na área do Parque por causa do perigo da hibridação das espécies locais,
372
como o Palmito pupunha, e quanto a Gliricídia por conta de seu alastramento muito rápido.O
Sr. Paulo Isquiavo sugeriu que seja assinado um termo, com cada associação do Parque com
a interveniência da Fiocruz, sobre o projeto. A srª Leila....do Banco do Brasil falou que o Banco
não entraria em tal projeto se não visse a possibilidade de continuidade. Será elaborado um
termo de compromisso, a ser assinado entre Ief e Associações do Parque com prazo
estipulado par atl projeto, não havendo consenso ficou para outra oportunidade ser resolvido.
A Sr.ª Sandra .... falou em nome da Fiocruz que......, será visto com o jurídico do IEF sobre a
possibilidade de tempo estipulado para o projeto, qual o prazo de duração, será feita proposta
de texto. As 13:16 hs a s Sandra....sem mais nada a declarar encerrou a reunião
> Rio de Janeiro, 29 de Setembro de 2008.
> Mediadora: Srª Sandra......
> Assinatura:
> Secretária: Srª. Rita de Cássia Carreiro Morais Caseiro
> Assinatura:
>
>
> --
> Rita de Cássia C. M. Caseiro
373
ANEXO 14
Reunião entre agricultores e representantes do Instituto Estadual de Florestas (IEF)
Data: 1º de setembro de 2008 de 9 às 12 horas.
Local: Associação de Moradores de Vargem Grande
Endereço: Estrada do Pacuí, 80
OBJETIVO:
Criar um ambiente de diálogo entre os agricultores e o Instituto Estadual de Florestas, para que
questões emergenciais e indispensáveis sejam encaminhadas na direção do consenso.
METODOLOGIA:
1. Haverá um mediador responsável por estabelecer um acordo entre os presentes com o papel de:
a. Apresentar a metodologia no início da reunião.
b. Assegurar que todos entenderam e a maioria concordou com a metodologia proposta.
c. Apresentar o humorômetro (ferramenta para avaliar o humor dos participantes).
d. Controlar o tempo de exposição, debate e encaminhamento de cada item da pauta.
e. Definir a redação dos acordos e consensos.
2. Um auxiliar exibirá placas de tempo esgotado para todos os debatedores: 5 minutos para
exposição do tema e 3 minutos para debate.
3. A discussão será iniciada por temas definidos na pauta, onde um representante dos produtores irá
colocar a questão para o IEF, com tempo máximo de 5 minutos para cada parte.
4. O debate relacionado a cada tema estará aberto com 3 minutos para os presentes na plenária.
5. Haverá tempo máximo de 10 minutos para construção do encaminhamento de cada questão da
pauta, que serão os produtos da reunião.
6. PAUTA:
a. Infra-estrutura: Luz, Estradas, Construção e Reformas de Casas;
b. Fiscalização;
c. Introdução de Espécies Eticas – exemplo: Palmito Pupunha, Gliricídia;
d. Posicionamento em relação ao Projeto de Plantas Medicinais.
7. Os produtos deste encontro serão:
a. Acordos que poderão gerar documentos ou outros desdobramentos
b. Agenda de novas reuniões
8. Temas que não apresentarem consenso serão objetos de próximas reuniões,
preferencialmente agendadas neste dia.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo