51
leitor a realidade externa da obra, colocando este leitor-ouvinte em contraste com a
sua realidade e a realidade percebida artista.
A pesquisadora Fernanda Cavacas debruçou-se na recolha de falares
correntes no Sul de Moçambique, e catalogou, à maneira de um dicionário, em sua
pesquisa, intitulada, Pensatempos e improvérbios, os provérbios utilizados por Mia
Couto, cujo trabalho estético apresenta aqueles falares revestidos de uma nova
roupagem. Assim, busca nos romances de Mia Couto provérbios e tenta apresentar
uma nova leitura para tais provérbios, como, por exemplo em: “Quem fala
consente? Fiquei calado.” A autora aproxima esta fala ao provérbio, usado no
dialeto changana, como se percebe a seguir: Ouvir dá vida, ver dá morte, ou seja,
[=Se te avisares dum perigo não queiras experimentá-lo.]
Desse modo, nota-se em A Varanda a presença de elementos de matriz oral,
como provérbios, adágios. Nessa perspectiva, encontra-se, em A Varanda, a
tradição discutida poeticamente na voz de Nãozinha, a feiticeira que se converte em
água à noite; Navaia Caetano, o velho que está condenado à morte, caso conte a
história da sua vida, etc. Tudo acaba por apresentar os elementos fantásticos
originários das cosmogonias e da cultura oral africana, e “a obra de arte, na tentativa
de revelar o mundo que o artista percebe, conhece e apreende, coloca seu receptor
mais próximo da realidade que lhe é externa.” (SALES, 2007, p. 139). Neste
deslocamento, encontra-se o ouvinte, adentrando numa realidade que não faz parte
do seu repertório.
Ao narrar, as personagens de A Varanda, tornam-se autores. Em seus gestos
narrativos é perceptível o trabalho de uma voz autoral, voz esta que por vezes está
“entre” o autor Mia Couto e tais narradores. O próprio gesto de oralidade, está
presente no projeto estético de Mia Couto, que, no processo de criação, vislumbra o
indispensável aspecto sonoro da palavra. Em face do criar, nasce uma voz
autônoma. Do gesto criador de Mia Couto nasce o gesto narrador. As vozes
proferidas pelos contadores, tornam-se autônomas. Percebe-se no romance,
narradores que, aparentemente, possuem suas biografias além da ficção,
parecendo que utilizam o livro para serem ouvidos: vozes que exigem um ouvido
sempre atento. A título de ilustração, vejamos o alerta dado por Navaia Caetano ao
investigador, Izildine Naita : “Neste asilo, o senhor se aumente de muita orelha. É
que nós aqui vivemos muito oralmente” (COUTO, 2003, p. 28)