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e, também, múltiplos campos disciplinares, trata-se de avaliar as potencialidades, presentes
no termo, de compreensão e problematização de uma modernidade particular.
A afecção conhecida como melancolia (do grego: melas: negro, chole: bile) é
caracterizada por um desequilíbrio humoral, que acarreta uma oscilação entre dois estados
psíquicos opostos: o humor depressivo e o humor exaltado. Desde a Antiguidade, a
melancolia foi tematizada por registros de diversas ordens, abrangendo tanto o âmbito
literário e filosófico, quanto o médico e o iconográfico. As teorizações de caráter
especulativo, semiológico ou metapsicológico, como as empreendidas por Homero,
Aristóteles e Galeno, e as representações picturais e simbólicas, como as de Dürer,
buscaram, cada uma à sua maneira, uma aproximação do termo. Assim, ao longo da
história, o tema da melancolia tem sido abordado por diferentes disciplinas, como a
filosofia, a história, a psiquiatria e a psicanálise e, igualmente, por diversas formas de
expressão e manifestação, tais como: o humor melancólico dos antigos, a acedia
medieval,
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o spleen baudelairiano,
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e, entre tantos, a melancolia drummondiana, objeto de
investigação deste trabalho.
O campo semântico que abarca o termo melancolia é vasto e dissemina-se em
diversos textos da tradição ocidental, recebendo nuanças de sentido, conforme o uso das
variadas nomenclaturas, tais como: a angústia, em Kierkegaard, e também em Heidegger; o
absurdo existencial, de Schopenhauer, a náusea, de Sartre, o ressentimento, em Nietzsche;
o sofrimento do protagonista de Werther, de Goethe; a melencolia, de Dürer; mesmo o
tédio, de Baudelaire, a nostalgia, de Proust, além do horror, em Kafka, o luto pelo não-
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De acordo com o teólogo Jean-Yves Leloup, em Escritos sobre o Hesicasmo, que trata da mística dos
padres do deserto (os monges do Monte Athos, São Gregório de Nissa, Evágrio Pôntico, Diácono de
Fótico) cuja origem remonta aos séculos IV e V, a acedia pode ser assim descrita: “mais triste que a
tristeza, a acedia é aquela forma particular de impulso de morte que introduz o desgosto e a lassidão em
todos os nossos atos. Ela leva ao desespero e, às vezes ao suicídio. [...] Os antigos a denominavam ainda de
‘demônio do meio-dia’ e descreviam com precisão este estado em que o asceta, depois de ter conhecido as
consolações espirituais do início e o combate ardente da maturidade, coloca em questão todo o seu
caminho. É a grande dúvida: tudo não teria sido apenas uma ilusão? Para que todo este tempo passado no
deserto? Ele não sente nenhum prazer na liturgia e nos exercício espirituais. Deus lhe parece uma projeção
do homem, um fantasma ou uma idéia segregada por humores infantis. Todos os antigos suportes ou certezas
[...] faltam [-lhes] e nada ainda toma o lugar do belo edifício desmoronado. [...] A acedia pode levar-nos ao
‘inferno’ no sentido em que nos fecha em nós mesmos. Não há mais abertura ou passagem para o Amor.
Nenhum desejo do ‘desejo do Outro’...” LELOUP, 2004, p. 67-69.
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No Prefácio à sua tradução de As flores do mal, de Baudelaire, Ivan Junqueira distingue os termos Spleen e
Ideal: “É sob o signo do antagonismo entre essas duas matrizes polares que se desenvolve o pensamento do
autor: de um lado, o spleen, esse estado indefinível de uma angústia sem causa e que constitui a expressão
suprema do tédio baudelairiano; de outro, a aspiração do poeta pelo absoluto e pelo infinito cujo símbolo é
o ideal.” BAUDELAIRE, 1985, p. 86.