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Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Geografia - Doutorado
MOVIMENTOS PARTIDOS
geopolíticas da “revolução” brasileira (1964-1985)
Sandra Rodrigues Braga
Vânia Rubia Farias Vlach - Orientadora
Uberlândia-MG
2008
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Sandra Rodrigues Braga
MOVIMENTOS PARTIDOS:
geopolíticas da “revolução” brasileira (1964-1985)
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Geografia.
Área de Concentração: Geografia e Gestão do Terririo
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Vânia Rubia Farias Vlach (UFU)
Uberlândia
2008
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B813m
Braga, Sandra Rodrigues, 1966-
Movimentos partidos : geopolíticas da “revolução “ brasileira
(1964-1985) / Sandra Rodrigues Braga – 2008.
375 f .
Orientadora : Vânia Rubia Farias Vlach.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia.
Inclui bibliografia.
1.Geopolítica - Brasil - Teses.2. Movimento operário - Brasil -
História - Teses. I. Vlach, Vânia Rubia Farias. II. Universidade
Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Geografia.
III. Título.
CDU: 911.3:32(81)
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
mg- 08/08
2
3
Ao meu iro Luisinho (na memória, sempre) e à minha
filha, que me ensinaram a urgência da vida e a inutilidade
do amor que não ama.
4
HÁ TANTO A AGRADECER...
De início, a meus pais, Aparício e Eunice, que, julgando oportuna a vida, me deram a
oportunidade de ter oportunidades.
A meus irmãos e irmãs, de corpo presente ou não; sobrinhos e sobrinhas, netas ou não.
Todos esses me levaram adiante, para além da minha própria escassez de mim.
Aos amigos queridos, próximos ou distantes (apenas fisicamente), que, nesses longos
anos, me deram o leite e o mel de sua presença, fundamentais à continuação dessa caminhada.
São tantos nomes, tantas dívidas e uma escassa memória: o companheiro Dias; os camaradas
Valter, Dudu, Hamilton e Mauro; os colegas da AGB Uberaba, Anízio, Maria dos Anjos,
Leonardo, Leonetti, Alcione e Roberta; os “compadres” Daniel e ; as amigas de trabalho no
CNPq Gisele, Andréas Dias e Ríspoli, Simone, Fátima e Ângela; Carmem, a “boadrasta” de
minha filha, em Uberaba e minhas “mães adotivas” em Brasília, Nair e Nilza. Além disso, os
companheiros de martírio acadêmico Elza e voa, e sua orientadora Rosa Rossini, e todos
os demais “trecheirosdessa jornada, cujos nomes desconheço ou simplesmente perdi.
Aos professores (doutores) do Instituto de Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia, Vera e lio, Beatriz e William, e da Universidade de Brasília, Brasilmar Nunes
(Doutorado em Sociologia) e Nair Bicalho (Doutorado em Política Social), que
desperdiçaram comigo sua sabedoria, na ponte entre o mestrado e o doutorado.
Como trilhamos diversos caminhos, ao longo do último lustro, nossa dívida intelectual é
imensa e impagável. De início, vasculhamos todos os bancos de teses (da CAPES e de
diversas IES), buscando dissertações e teses, defendidas no Brasil e no exterior, de todas as
áreas do conhecimento, sobre transição e movimento operário no Brasil, PT e CUT. Os
trabalhos mais recentes foram lidos em documentos digitais. Quanto aos mais antigos,
escrevemos a diversos autores e tivemos a grata satisfação de receber, em nossa morada, os
trabalhos acadêmicos inéditos da professora Idinaura Marques, defendidos na França, assim
como a tese do professor Carlos Arturi, publicada na França. Além dessas teses, recebemos
uma série de dissertações da década de 1980 e 1990, inclusive a do professor Antonio Ozaí da
Silva. Boa parte dessa literatura, ou por se ater a um período posterior ao do recorte temporal,
por fim, estabelecido para essa investigação, ou por não partir de nosso interesse de pesquisa,
sequer foi mencionada nas referências bibliográficas deste trabalho (assim como a referente
aos CONCUTs, encontros do PT, mandatos parlamentares e executivos de Lula e do PT).
Apesar disso, todas essas leituras moldaram esse trabalho e a fluidez de suas idéias percola-se
a nossas próprias idéias. A todas essas “musas”, minha mais sincera devoção.
À minha orientadora, Vânia / Ariadne, que, há seis anos, me atirou ao labirinto
(minotáurico) dessa pesquisa.
5
AGRADECIMENTO MUITO MAIS QUE ESPECIAL
Durante seis longos anos, minha filha Laura sofreu as agruras desta pesquisa. Foram
freqüentes as clausuras domésticas, os silêncios desesperados e a permanente busca do tempo
livre que não tive. Por tolerar minhas intolerâncias, por afagar minha cabeça nos momentos de
pânico, Laura, sem dúvida, merece um agradecimento muito mais que especial. Obrigada,
meu amor. Obrigada, meu anjo.
6
No caminho, com Maiakóvski
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Eduardo Alves da COSTA
7
RESUMO
O advento do regime burocrático-militar, em 1964, permitiu que a geopotica uma nova
forma de racionalização e tecnificação do território, discurso e ação do poder ocupasse
posição central na arena potica. A otimização do território, com vistas à reprodução
ampliada do capital, fez-se graças a um planejamento autoritário, que produziu uma nova
divisão socioterritorial do trabalho. A volta dos militares aos quartéis, após 21 anos à frente
do Estado brasileiro, todavia, não representou um recuo desse projeto geopolítico. Ao
contrário, o que esta tese pretende demonstrar é que o plano distensionista, desencadeado pelo
general-presidente Ernesto Geisel, em 1974, teve por objetivo último a manutenção do
Grande Projeto, utilizando-se da potica trabalhista como um de seus instrumentos. A questão
trabalhista tornara-se delicada pela contribuição dos trabalhadores (por intermédio do
arrocho” salarial) na conformação do “milagre” brasileiro. Assim, a primeira das três partes
deste trabalho “O longo milagre, seus santos e epifanias” analisa as poticas ecomicas
do regime. Tais políticas marcaram-se pela luta contra a inflação e pela ideologia
desenvolvimentista, sucedânea do imaginário geopolítico do Brasil Grande (potência): no
contraponto do “paraíso” da classe média, a contenção salarial do exército industrial de
reserva, até o limite da fome. Nesse contexto, a revolução do generalato começou a enfrentar
a oposição de outras imagens da revolução, conforme demonstrado na segunda parte da tese –
“Adeus às armas”. Essa parte inaugura-se com uma discussão teórica sobre partidos,
sindicatos e o movimento operário, prosseguindo com a análise da situação da classe
trabalhadora no Brasil, suas distintas organizações, projetos societários e formas de
enfrentamento do regime. O combate do establishment a essas organizações deu-se,
essencialmente, no terreno da geopolítica, ou seja, por mecanismos de controle sobre
territórios materiais ou simlicos. Para colocar a casa em ordem, o regime utilizou-se de
instrumentos de repressão sica (a comunidade da informação) e simbólica (a ocultação da
resistência”) e, opondo-se à concepção maoísta do cerco do campo pela cidade, desencadeou
o cerco da cidade pelo campo. Os objetivos essenciais desse boom urbano eram geopoticos:
a integração do arquipelágico território nacional, para não o entregar a Estados e ideologias
exóticas”. As cidades promoveram um novo modus vivendi e demandas, exponencialmente
ampliadas, de acesso a um padrão superior de consumo. Posto que a autocrítica da luta
armada se centrasse no caráter pequeno-burguês” de suas lideraas, o surgimento de Lula,
um operário à frente da poderosa onda grevista do interregno 1978-1980, foi tomado como
impulsionador de um novo patamar de organização dos trabalhadores, o que, posteriormente,
se consubstanciaria no PT e na CUT. Na terceira parte – “Em busca da democracia perdida”
retoma-se o debate teórico sobre as transições democráticas e as especificidades da brasileira.
Finalmente, a potica trabalhista de Geisel é revisitada, tal qual sua reação às greves do
período. Lula apregoava apenas a maximização da produtividade do trabalho sob o
capitalismo, em suma, “o exercício da liberdade com responsabilidade”, defendido por Geisel.
Conclui-se que Lula e seu partido revelaram-se poderosos antídotos à doença incurável” do
comunismo, alvo primeiro dos geopolíticos militares brasileiros.
Palavras-chave: Brasil – transição democrática – geopolíticamovimento operário
8
ABSTRACT
The bureaucratic-military regimen of 1964 allowed geopolitics a new way of rationalization
and technicality of the territory, discourse and power action as well to occupy a central
position in the political arena. The territory optimization, aiming at the enlarged reproduction
of the capital was carried out thanks to an authoritarian planning that produced a new socio-
territorial segmentation of the work. The returning of the military to the headquarters, after
twenty-one years commanding the Brazilian State, however, did not represent a backward
movement of this geopolitical project. On the contrary, what this thesis intends to demonstrate
is that the plan of political opening carried out by General-President Ernesto Geisel, in 1974,
had as its main objective to maintain the Great Project, and for that he used the workers
politics as one of his tools. The workers issue had become delicate” because of the
contribution of the workers (by means of salary difficulties) in the conformation of the
Brazilian “miracle”. This way, the first section of this work – “The long miracle, its saints and
epiphanies” – analyses the regimen economic policies. Such policies were marked both by the
fight against inflation and the developmental ideology, that replaced the geopolitical
imaginary of Brazil Great (Potency): in the counterpart of the “paradise” of the medium social
class, the salary contention of the industrial army of reserve, up to the limit of hunger. In this
context, the revolution of the general state began to face opposition of other images of
revolution, as it is showed in the second section of the thesis Goodbye Weapons”. This
section is a theoretical discussion on parties, syndicates and the workers movement. It follows
with the analysis of the situation of the workers social class in Brazil, its different
organizations, social projects and ways of facing the regimen. The establishment fighting
against these organizations occurred, essentially, in the geopolitics field, that is, by means of
mechanisms of control of the material and symbolic territories. In order to get things properly
done the regimen used instruments both of physical repression (the information community)
and symbolic repression (hiding the “resistance”), and, opposing to the Maoist conception of
the city surrounding the field, caused the surrounding of the city by the field. The essential
objectives of this urban boom were geopolitical: the integration of the national archipelago
territory, avoiding offering it to exotic” States and ideologies. The cities promoted a new
modus vivendi and demands as well, exponentially amplified, with an access to a higher
standard of consume. Once the self-criticism of the armed fight was centralized on the “small-
burgess” character of its leadership, the emerging of Lula, a worker in the front of a powerful
strike wave of the interregnum 1978-1980, was taken as a booster of a new platform of the
workers organization, what, later, would become PT and CUT. In the third section “In
search of a lost democracythe theoretical debate is retaken on the democratic transitions
and specificities of the Brazilian transition. Finally, the workers politics of Geisel is revisited,
as well as its reaction to the strikes of the period. Lula would only proclaim the maximization
of the work productivity under the capitalism, that is, the exercise of liberty with
responsibility”, defended by Geisel. We conclude that Lula and his party were revealed as
powerful antidotes against theincurable disease” of the Communism, first target of the
Brazilian military geo-politicians.
Key words: Brazil – democratic transition – geopolitics – workers’ movement.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1- A estratégia da desaceleração 77
MAPA 1 - Brasil: Política salarial brasileira (1968-1970)
100
FIGURA 2 - A “aberturasegundo Edgar Vasques
118
FOTO 1 - O elegante CGT
14
3
FOTO 2 - Cena da greve geral de 1963
14
4
FOTO 3 - Trabalhadores da Comissão de brica da Cobrasma presos em 1968
15
1
FIGURA 3 - A esquerda brasileira (final dos anos 1970)
1
58
FIGURA 4 - Os Objetivos Nacionais
16
7
FIGURA 5- Óbices ao Poder Nacional
1
69
FIGURA 6 - O ciclo da informação
17
2
FIGURA 7 - Organograma da comunidade da informação 174
FIGURA 8 - A GRC 177
MAPA 2 Brasil: Guerra e guerrilhas (1965-1974)
1
82
MAPA 3 - Brasil: Sistema Rodoviário Nacional - PNV (1973) 186
MAPA 4 – Brasil: expansão urbana (1940-1980) 188
FOTO 4 - Lula da Silva, em assembia dos metalúrgicos na Vila Euclides - 1978 211
FOTO 5 - Piquete na greve de São Bernardo (1979) 213
FOTO 6 - Passeata das mulheres contra a intervenção sindical
214
MAPA 5 - São Paulo: o boom grevista - (1980)
218
MAPA 6 - Brasil: participação no I CONCLAT (1981) 222
MAPA 7 - Brasil: participação no CONCLAT (1983) 225
MAPA 8 - Brasil: participação no CONCLAT (1983) 228
QUADRO 1- Principais elementos iniciais do programa nacional do PT 233
FOTO 7 - O de maio em São Bernardo (1979) 238
QUADRO 2 - Transão programática do PT (1982-1987) 239
MAPA 9 - Brasil: Eleições estaduais (1982) 276
FOTO 8 - Geisel encontra-se com lideranças sindicais 299
FOTO 9 - A CNTI de Geisel 293
FOTO 10 - Geisel no 1
o
de maio Volta Redonda (1978) 301
FIGURA 9 - A evolução humana 314
FOTO 11 - Lula, o espetáculo 314
FOTO 12 - Liberdade para Lula 318
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Taxas anuais de inflação (160-1967) 51
TABELA 2 - Taxa de crescimento do PNB 58
TABELA 3 - Exportação, importação, renda e coeficientes de importação e
exportação (1968–1973)
63
TABELA 4 - A ilusória entrada de dólares (em US$ bilhões) Brasil
(1973/1977)
70
TABELA 5 - Financiamento quido em % do PIB - Brasil (1974-1979) 78
TABELA 6 - Lucros das multinacionais (em Cr$ milhões) no open market
Brasil (1977)
80
TABELA 7 - Exportação, importação, renda e saldo da balança (Brasil, 1968–
1980)
84
TABELA 8 - Participação dos produtos básicos, manufaturados e
semimanufaturados nas exportões (%) – Brasil (1974-1979)
85
TABELA 9 - Salário-nimo real – Brasil (1959-1970) 101
TABELA 10 - Salário médio no estado de São Paulo (1965-1970) 102
TABELA 11 -
Perfil da demanda global no Brasil 103
TABELA 12 - Distribuão da renda pessoal 1960/1970 104
TABELA 13 - Salários reais por estratos populacionais – Brasil (1960 e 1970) 105
TABELA 14 - A agricultura brasileira (1950-1978) 107
TABELA 15 -
As dez maiores empresas por área ocupada 108
TABELA 16 – Reajustes salariais – Brasil (1969-1975) 109
TABELA 17 - Camadas da população, peso e % da renda – Brasil (1970) 110
TABELA 18 - Salário mínimo (nominal e real), custo de vida e PIB per capita
(1964=100)
112
TABELA 19 - Necessidades mínimas diárias de nutrientes para adultos ativos 116
TABELA 20 - Horas trabalhadas por alimentos (São Paulo, 1965, 1973 1974) 117
TABELA 21 - Brasil: atividades industriais – 1889 127
TABELA 22- Nacionalidades dos líderes operários - Rio de Janeiro (1890-1920) 130
TABELA 23 - Greves – Brasil (1978)
212
TABELA 24 – Greves – Brasil (1979) 215
TABELA 25- Greves em São Paulo -1979 216
TABELA 26- Representação na I CONCLAT (1981) 220
TABELA 27 - CONCLAT de São Bernardo – Brasil (1983) 226
TABELA 28 - CONCLAT de Praia Grande – Brasil (1983) 227
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC
-
Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul
ABDIB
-
Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Indústrias de Base
ABERT
-
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
ABI
-
Associação Brasileira de Imprensa
ABINEE
-
Associação Brasileira da Indústria de Aparelhos Elétricos e Eletrônicos
AC
-
Ação Católica
ACB
-
Ação Católica Brasileira
AC/SP
-
Agrupamento Comunista de São Paulo
AERP
-
Assessoria de Relações Públi
cas da Presidência da República
AFL
-
CIO
-
American Federation of Labor
-
Congress of Industrial Organizations
AI
-
Ato Institucional
ALN
-
Ação Libertadora Nacional
ANAMPOS
-
Articulação dos Movimentos Populares e Sindical
AP
-
Ação Popular
AP
-
ML
-
A
ção Popular Marxista Leninista
APEC
-
Análise e Perspectiva Econômica
APML
-
Ação Popular Marxista Leninista
ARENA
-
Aliança Renovadora Nacional
ARP
-
Associação de Relações Públicas
BACEN
-
Banco Central do Brasil
BB
-
Banco do Brasil
BNDES
-
Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH
-
Banco Nacional de Habitão
BNM
-
Brasil Nunca Mais
BS
-
Brasil Sempre
BT
-
Boletim do Trabalho
CADH/SP
-
Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos de São Paulo
CAI
-
Complexo Agro
-
Industrial
C
A/OIT
-
Conselho de Administração / Organização Internacional do Trabalho
CC
-
Comitê Central
CCC
-
Comando de Caça aos Comunistas
CNDC
-
Coletivo Nacional de Dirigentes Comunistas
CE
-
Comissão Executiva
CEBs
-
Comunidades Eclesiais de Base
CEBRAP
-
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CECLAT
-
Congresso Estadual da Classe Trabalhadora
CEF
-
Caixa Econômica Federal
CEN
-
Comissão Executiva Nacional
CENIMAR
-
Centro de Informações da Marinha
CEDEC
-
Centro de Estudos de Cultura Contemporân
ea
CDS
-
Conselho de Desenvolvimento Social
CGG
-
Comando Geral de Greve
CGT
-
Comando Geral dos Trabalhadores
CGT
-
Central Geral dos Trabalhadores
CIE
-
Centro de Informações do Exército
CIOSL
-
Confederação Internacional de Organizações Sindicais
Livres
CIP
-
Comissão Interministerial de Preços
CIPA
-
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CISA
-
Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica
CL
-
Comitê de Ligação
CLT
-
Consolidação das Leis do Trabalho
CMN
-
Conselho Monetário Nacion
al
CNA
-
Confederação Nacional da Agricultura
CNBB
-
Confencia Nacional dos Bispos do Brasil
CNC
-
Confederação Nacional do Comércio
CNI
-
Confederação Nacional da Indústria
CNPE
-
Conselho Nacional de Potica de Emprego
CNPL
-
Confederação Nacion
al dos Profissionais Liberais
CNPS
-
Conselho Nacional de Política Salarial
CNTC
-
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio
CNTEEC - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Educação e Cultura
CNTI
-
Confederação Nacion
al dos Trabalhadores nas Indústrias
CNTT
-
Confederação Nacional dos Transportes Terrestres
CNTTMFA - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Marítimos, Fluviais e
Aéreos
CNTTT
-
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres
CODI
-
Centro de Operações de Defesa Interna
COLINA
-
Comandos de Libertação Nacional
CONCLAP
-
Conselho das Classes Produtoras
CONCLAP
-
Confencia Nacional das Classes Produtoras
CONCLAT
-
Confencia Nacional das Classes Trabalhadoras
CONCLAT
-
Congre
sso Nacional das Classes Trabalhadoras
CONCUT
-
Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores
CONSULTEC
-
Consultoria Técnica
CONTCOP - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e
Publicidade
CONTEC
-
Confederação Nacional dos Tra
balhadores em Estabelecimentos de Crédito
CONTAG
-
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CONTEC
-
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito
CORRENTE
-
Corrente Revolucionária de Minas Gerais
CPDOC
-
Centro de Pesquisa e Doc
umentação
CPI
-
Comissão Parlamentar de Inquérito
CPP
-
Código de Processo Penal
CPRM
-
Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais
CPT
-
Comissão Pastoral da Terra
CSI
-
Central Sindical Independente
CSN
-
Companhia Siderúrgica Nacional
CTPS
-
Cartei
ra de Trabalho e Previncia Social
CUT
-
Central Única dos Trabalhadores
DIAP
-
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
DIEESE
-
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DI
-
GB
-
Dissidência Guanabara
DI
-
RJ
-
Di
ssidência do Estado do Rio de Janeiro
DN
-
Diretório Nacional
DOI
-
Destacamento de Operações de Informações
DOPS
-
Departamento de Ordem Potica e Social
DPF
-
Departamento de Pocia Federal
DRT
-
Delegacia Regional do Trabalho
DSI
-
Divisão de Se
gurança Interna
DSN
-
Doutrina de Segurança Nacional
EBCT
-
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
EMA
-
Estado Maior da Armada
EMAe
-
Estado Maior da Aeronáutica
EME
-
Estado Maior do Exército
EMFA
-
Estado Maior das Forças Armadas
ENCLAT
-
En
contro Estadual das Classes Trabalhadoras
EMBRAER
-
Empresa Brasileira de Aeroutica
EMBRAMEC
-
Mecânica Brasileira S/A
EMC
-
Emenda Constitucional
ENOS
-
Encontro Nacional de Oposições Sindicais
ENTOES
-
Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposiçã
o à Estrutura Sindical
ESNI
-
Escola Nacional de Informações
ESG
-
Escola Superior de Guerra
FAR
-
Frente Armada Revolucionária
FGTS
-
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV
-
Fundação Getúlio Vargas
FIBASE
-
Financiamentos de Insumos Básicos S/A
FIESP
-
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI
-
Fundo Monetário Internacional
FMP
-
Frente de Mobilização Popular
FNT
-
Frente Nacional do Trabalho
FUNRURAL
-
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
GM
-
General Motors
GPI
-
Grande
Projeto de Investimento
GPMI
-
Grupo Permanente de Mobilização Industrial
IAB
-
Instituto dos Arquitetos do Brasil
IBAD
-
Instituto Brasileiro de ão Democrática
IBGE
-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRASA
-
Investimentos Brasileiro
s S/A
IBS
-
Instituto Brasileiro de Siderurgia
IC
-
Internacional Comunista
ICC
-
Índice
de Controle de Capital
ICM
-
Imposto sobre Circulação de Mercadorias
ICV
-
RJ
Índice de Custo de Vida / Rio de Janeiro
IGP
Índice Geral de Preços
INA
-
Indica
dor de vel de Atividades
INPC
-
Índice Nacional de Preço ao Consumidor
INPS
-
Instituto Nacional de previncia Social
IOF
-
Imposto sobre Operações Financeiras
IPC
-
Índice de Preços ao Consumidor
IPES
-
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
IP
I
-
Imposto sobre Produtos Industrializados
IPM
-
Inquérito Policial Militar
IR
-
Imposto de Renda
IS
-
Internacional Socialista
ISV
-
Internacional Sindical Vermelha
JAC
-
Juventude Agrária Católica
JEC
-
Juventude Estudantil Católica
JIC
-
Juventu
de Independente Católica
JOC
-
Juventude Operária Católica
JUC
-
Juventude Universitária Católica
LC
-
Lei Complementar
LSN
-
Lei de Segurança Nacional
MAR
-
Movimento de Ação Revolucionária
MCC
-
Movimento Contra a Carestia
MCI
-
Movimento Comunist
a Internacional
MCS
-
Movimento Convergência Socialista
MCV
-
Movimento do Custo de Vida
MDB
-
Movimento Democrático Brasileiro
MEB
-
Movimento de Educação de Base
MEP
-
Movimento de Emancipação do Proletariado
MIA
-
Movimento Intersindical Anti
-
Arro
cho Salarial
MNR
-
Movimento Nacionalista Revolucionário
MOLIPO
-
Movimento de Libertação Popular
MOMSP
-
Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo
MRT
-
Movimento Revolucionário Tiradentes
MR
-
8
-
Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MST
-
Movi
mento dos Trabalhadores Rurais Sem
-
Terra
MTb
-
Ministério do Trabalho
MTE
-
Ministério do Trabalho e Emprego
NR
-
Normas Regulamentadoras
OAB
-
Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN
-
Operação Bandeirantes
OCDE
-
Organização para a Cooperação
e Desenvol
vimento Econômico
OCML
-
PO
Organização de Combate Marxista Leninista
-
Política Operária
OLAS
-
Organização Latino
-
Americana de Solidariedade
OLT
-
Organização por Local de Trabalho
OPEP
-
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OPF
-
Organi
zações paramilitares fascistas
OPM
-
Organizações político
-
militares
ORM
-
POLOP
-
Organização Revolucionária Marxista
-
Potica Operária
ORTN
-
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
OSI
-
Organização Socialista Internacionalista
OT
-
O Trabalho
P
AEG
-
Programa de Ação Econômica do Governo
PASEP
-
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PCB
-
Partido Comunista Brasileiro
PCBR
-
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PCdoB
-
Partido Comunista do Brasil
PCdoB
-
AV
-
Partido Com
unista do Brasil
-
Ala Vermelha
PCR
-
Partido Comunista Revolucionário
PCUS
-
Partido Comunista da União Soviética
PDS
-
Partido Democrático Social
PEA
-
População Economicamente Ativa
PEBE
-
Programa de Bolsas de Estudo para Trabalhadores
PED
-
Prog
rama Estratégico de Desenvolvimento
PC
-
Polícia Civil
PF
-
Polícia Federal
PIB
-
Produto Interno Bruto
PIBI Produto Interno Bruto Industrial
PIPMO
-
Programa Intensivo de Preparação de o
-
de
-
Obra
PIS
-
Programa de Integração Social
PM
-
Polícia Mi
litar
PMMG
-
Polícia Militar de Minas Gerais
PNB
-
Produto Nacional Bruto
PND
-
Plano Nacional de Desenvolvimento
PNV
-
Plano Nacional de Viação
PO
-
Pastoral Operária
POC
-
Partido Operário Comunista
POR
-
T
-
Partido Operário Revolucionário Trotskis
ta
PP
-
Partido Popular
PROÁLCOOL
-
Programa do Açúcar e do Álcool
PROCAP
-
Programa Especial de Apoio à Capitalização da Empresa Privada Nacional
PRT
-
Partido Revolucionário dos Trabalhadores
PSB
-
Partido Socialista Brasileiro
PSD
-
Partido Social
Democrático
PSN
-
Plano Siderúrgico Nacional
PSOL
-
Partido Socialismo e Liberdade
PSTU
-
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT
-
Partido dos Trabalhadores
PTB
-
Partido Trabalhista Brasileiro
PUA
-
Pacto de Unidade e ão
PUC
-
Pontifí
cia Universidade Católica
QG
-
Quartel general
RAE
-
Revista de Administração de Empresas
RCB
-
Revista Civilização Brasileira
REDE
-
Resistência Democrática
SA
-
Sociedade Anônima
SAB
-
Sociedade Amigos de Bairro
SBE
-
Sociedade Brasileira de Eletr
icidade
SECEX
-
Secretaria do Comércio Exterior
SENAI
-
Serviço Nacional de Ensino Industrial
SENAR
-
Serviço Nacional de Formação Profissional Rural
SEPLAN
-
Secretaria do Planejamento
SFH
-
Sistema Financeiro de Habitação
SFICI
-
Serviço Federal de
Informações e Contra
-
Informações
SG/CSN
-
Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional
SIMESP
-
Sindicato da Indústria de Máquinas do Estado de São Paulo
SINDIPEÇAS
-
Sindicato Nacional da Indústria de Autopeças
SINE
-
Sistema Nacional de Empreg
o
SMBHC
-
Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem
SMSBD
-
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema
SNI
-
Serviço Nacional de Informações
SSP
-
Secretaria de Segurançablica
SUMOC
-
Superintendência da Moeda e do
Crédito
TERNUMA
-
Terrorismo Nunca mais
TRT
-
Tribunal Regional do Trabalho
TST
-
Tribunal Superior do Trabalho
UDN
-
União Democrática Nacional
UEO
-
União dos Estudantes de Osasco
ULTAB
-
União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UM
E
-
União Metropolitana dos Estudantes
UNE
-
União Nacional dos Estudantes
ULDP
-
União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo
URSS
-
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
US
-
Unidade Sindical
USP
-
Universidade de São Paulo
VAR
-
PALMARES
Va
nguarda Armada Revolucionária
-
Palmares
VPR
-
Vanguarda Popular Revolucionária
SUMÁRIO
NOTAS INTRODUTÓRIAS 24
FRENTE 1: O LONGO MILAGRE, SEUS SANTOS E EPIFANIAS 42
1. PEQUENA HISTÓRIA DAS CONTAS DO REGIME 44
1.1 Castello e a luta contra o fantasma da inflação 44
1.2 Costa e Silva e a saga do desenvolvimento 52
1.3 Enfim, um milagre 56
1.4 De novo, rumo ao desenvolvimento 73
2. O SANTO ARROCHO OU QUEM PAGA AS CONTAS DO MILAGRE 90
2.1 O fantasma da inflação ataca os trabalhadores 90
2.2 A adaga do (sub)desenvolvimento 98
2.3 Enfim, um milagre (para iniciados) 106
2.4 A fome nossa de cada dia 114
FRENTE 2: ADEUS ÀS ARMAS 121
3. A REVOLTA DOS BAGRINHOS 123
3.1 Sobre partidos, sindicatos e o movimento... 123
3.2 A situação da classe trabalhadora no Brasil (?) 125
3.3 Revoluções em caleidoscópio 154
4. COLOCANDO A CASA EM ORDEM 166
4.1 Esconder e assustar 166
4.2 O cerco da cidade pelo campo/o cerco do campo pela cidade 180
4.3 De Marxistas a Cristãos: uma via de mão dupla 194
5. AS NOVAS AVENTURAS DE UM HERÓI EM CRISE 204
5.1 O Big bang 205
5.2 113 trabalhadores em busca de um partido 231
FRENTE 3: EM BUSCA DA DEMOCRACIA PERDIDA 242
6. TRANSIÇÃO, TRANSIÇÕES... 244
6.1 O debate teórico em torno das transições democráticas 244
6.2 Transição à brasileira: habemus inc signus vencis 252
6.2.1 O II PND e a oposição dos ricos 261
6.2.2 Frota e o sucedido 267
6.3 A inveão da democracia: criação e(m) consolidação 279
7. O FILHO DO PASTOR ALEMÃO, “O ESPANTALHO DO LULA” E OS
RUMOS DA TRANSIÇÃO
285
7.1 Pa tocada, pa jogada: A potica trabalhista de Geisel 285
7.2 A indústria de greves e lulas 305
7.2.1 A marca e o marketing 309
7.2.2 A mácula e o marco 319
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O SEQÜESTRO DA HISTÓRIA - UM
ELEMENTO DA GEOPOLÍTICA
325
REFERÊNCIAS 332
NOTAS INTRODUTÓRIAS
O tempo é um tipo sui generis de inflação.
Mário Henrique SIMONSEN
I - Começando pelo começo: o tabuleiro de xadrez ou o conc(s)erto das nações
Os governos militares que se estabeleceram em boa parte da América Latina na década de
1960 não se constituíam em um dado isolado, au contraire, eles eram integrantes (mais ou
menos importante) do terririo-mundo da bipolaridade, da guerra fria, pero no mucho.
Como negar que o “breve século XX” 1914-1991 para Eric Hobsbawn o é
principalmente pela revolução técnica de que é portador e que (de?)termina revoluções
sociais: guerras interimperialistas, revoluções “socialistas e culturais. As duas grandes
guerras desenharam um mundo em caleidoscópio que se alterava a cada momento. Os acordos
de Yalta e Podstam (1945) definiam apenas que cada superpotência poderia fazer o que bem
quisesse em seu território.
Ninguém duvidava que a América Lat®ina pertencia aos Estados Unidos da América. A
baleia
1
, na expressão de Raymond Aron, demonstrava a importância
geopolítica/geoestratégica do controle das rotas marítimas como chave da hegemonia
mundial. Carregando a bíblia (The influence of sea power on history, 1660-1783, escrita pelo
almirante Alfred Mahan, em 1890) e o destino manifesto de “civilizar” o mundo, os norte-
americanos, em 1898, desenvolviam uma potica imperialista acirrada, que incluiu a
conquista de Guam, Porto Rico, Hav e as distantes Filipinas, além da guerra contra a
Espanha pela posse de Cuba. Em 1914, a posse do canal do Panamá, unindo as frotas do
Atlântico e do Pacífico, cristalizaria a ilha-continente e permitiria a existência de uma frota
marinha onipresente e capaz de se transportar rapidamente aos pontos estratégicos, de maneira
a assegurar a liberdade do comércio marítimo e praticar o bloqueio marítimo em torno dos
1
O contraponto da baleia é o urso, símbolo do heartland, o amplo núcleo do continente asiático, detentor de
imensos recursos naturais e base de um grande poder terrestre.
países inimigos”, como a “formidável força de projeção sobre todos os continentes, que
Mahan sonhava” (CHAUPRADE, 2001, p.44).
Entretanto, é em sua própria casa de veraneio, a ilha de Cuba, que o poder marítimo sofreu
seu primeiro golpe (simlico?). Em 1959, um “pequeno grupo de intelectuais
revolucionários da Sierra Maestra [...] enfrentaram inimigos na proporção de mais de 500 por
um, graças à excepcional coragem de que eram possuidores” (ARAÚJO, 1967, p.91). Trata-
se, sem vida, de uma visão romantizada da revolução cubana”, como bem assinala esse
autor, mais quoi faire, éramos dominados pelo romantismo revolucionário (pequeno-burguês,
semvida), vivíamos “anos dourados”.
Essa arpoada sobre o dorso da baleia, primeiro movimento dos peões sobre o tabuleiro
latinoamericano, teria sua correspondência, no outro lado do tabuleiro, com o rompimento da
China, - que fizera a sua revoluçãoem 1949, sob a liderança de Mao Tsé-tung com a
URSS, em 1966.
União Soviética, China e Cuba traziam, em suas mochilas, três modelos distintos de
revolução. Daniel Aarão Reis Filho (1989), sintetizando essas posões, afirma que os
soviéticos, através do PCUS, advogavam as revoluções nacional-democráticas, as alianças
com as “burguesias nacionais”, o caminho eleitoral e a coexistência pacífica
2
. Os chineses
viam a guerra revolucionária como instrumento para as transformações antiimperialistas e
antifeudais; apareciam com perfil próprio
3
e competiam com a URSS pela liderança do
mundo subdesenvolvido. Os cubanos, favoráveis como os chineses à luta armada contra o
imperialismo, apresentavam um caminho próprio: o “foco guerrilheiro”, e negavam qualquer
dinamismo revolucionário às “burguesias nacionais”, distinguindo-se, assim, dos soviéticos e
chineses.
O Brasil não ficara alheio a esse “furor revolucionário”. A guerra fria acirrava posições
ideológicas, esquentava as lutas poticas e eleitorais. Em um dos lados do tabuleiro, as forças
conservadoras (do status quo) criam suas instituições e suas ideologias, em que têm destaque
a ESG e a DSN, que, de acordo com Sonia Regina de Mendonça e Virginia Fontes (2001),
2
Essa posição materializara-se no XX Congresso do PCUS, em 1956, em que, em sintonia com a orientação
política de não-conflito, demarcada pelos acordos de Yalta e Podstam, a URSS passou a defender que a
transição revolucionária para o socialismo era possível de forma pacífica.
3
Ridente (2002) recupera depoimento de Duarte Pereira, que afirma ser o maoísmo um movimento que
interpreta ter a história entrado numa fase distinta do imperialismo, o que demandaria uma terceira etapa na
teoria da revolução proletária, um partido de tipo novo, marxista-leninista-maoísta.
teria sido elaborada pela ESG em conjunto com os institutos IPES e IBAD. A ESG era parte
das estratégias de contenção do perigo comunista” (o avanço do urso sobre os territórios da
baleia), sendo responsável por “transmitir para uma boa parte de civis, mais responsável”
(entre 1950 e 1967, 646 dos 1276 graduados da Escola eram civis), “informações e estudos
sobre o problema da seguraa do país, mostrando que aquele não era um problema dos
militares, mas de toda nação” (GEISEL, 1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998,
p.109).
Assumida como uma cosmovisão, um corpo orgânico de pensamento, a DSN inclui uma
teoria de guerra
4
, outra teoria de revolução e subversão interna, ainda outra do papel do Brasil
na potica mundial e de seu potencial geopotico como potência mundial, e um modelo
específico de desenvolvimento econômico associado-dependente que combina elementos da
economia keynesiana ao capitalismo de Estadoque “não pressupõe o apoio das massas para
legitimação do poder de Estado, mas tenta obter este apoio” (ALVES, 1985, p.26). A
inflncia crescente da ESG e sua ideologia pode ser constatada no governo civil de Juscelino
Kubitschek (1956-1960), momento em que comava a atuar o SFICI - órgão de informação
que antecedeu o SNI (criado pelo então coronel Golbery do Couto e Silva em 1964) e o
treinamento, no Reino Unido, dos torturadores
5
, que, a partir de 1968, teriam carta branca
para atuar na caça aos comunistas
6
.
É óbvio que esse movimento do cavalo (o aparato repressivo), respondendo a uma
demanda da torre (os grandes proprietários de terras) respondia a alguma movimentação de
peões (os trabalhadores) no lado oposto do tabuleiro. De fato, as ligas camponeses, criadas no
Nordeste a partir de 1945, sob a influência do PCB, tiveram um grande avanço em 1955,
quando foi criada a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco, no
Engenho da Galiléia. Esta liga camponesa, sob orientação do advogado Francisco Julião
7
, se
4
Para Geisel, o militar deveria estar, sempre, pronto para a guerra, quer externa, quer interna, posto que “em
ocasiões de crise, quando o país está ameaçado por graves dissensões internas, fomentadas por dirigentes
políticos que se desviavam de seu encargo de conduzir o país à realização de aspirações nacionais e utilizam o
poder para satisfazer seus interesses e ambições pessoais e de seus apaniguados, a nação fica em perigo, e os
militares, em conjunto, poderão ter que atuar com suas forças para afastar drasticamente o perigo manifesto”
(GEISEL, 1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.111).
5
Geisel (1993-1994 apud D’ARJO; CASTRO, 1998) informa que a tortura se tornou um problema entre
nós porque os nossos agentes são bem mais extrovertidos que os britânicos.
6
Cabe lembrar que, a partir da quartelada de abril de 1964, comunista passa a ser sinônimo de todo e qualquer
opositor do nouveau regime, independentemente de sua orientação ideológica.
7
Posteriormente eleito deputado, Julião teve seu mandato cassado pelo AI-2.
fortaleceu e serviu de exemplo para que outras surgissem e, junto com os sindicatos rurais,
comunistas ou de viés católico, desencadeassem fortes pressões pela reforma agrária.
Mas foi a partir da sucessão do governo Kubitschek, que o jogo ganhou maior mobilidade
de parte a parte, iniciando um período conturbado que terminaria com o xeque-mate de março
de 1964 e, obviamente, iniciaria um novo jogo.
De fato, o resultado da eleição presidencial de outubro de 1960 e a magnitude da viria
de Jânio Quadros diante do general Lott (quase seis milhões de votos contra dois milhões de
seu adversário) era totalmente inesperado. Para o cargo de vice-presidente, foi eleito em chapa
separada, o petebista gaúcho João Goulart, o Jango. Schwartzman (1988) informa que a
grande novidade desse pleito foi a tomada de posição da burguesia paulista, tradicionalmente
alheia da potica nacional do último período
8
. Por fim, o estado mais rico da federação, que
criara seus próprios instrumentos de ação, não tendo uma representação forte dos grandes
partidos nacionais, dava as cartas.
No sétimo mês de gestão, Jânio Quadros condecorou Che Guevara com a Ordem do
Cruzeiro do Sul. Ora, o médico argentino era a própria encarnação da teoria do foco,
posteriormente elaborada” por gis Debray (1967). O foco articulava três teses: a opção
pela luta armada; a guerra de guerrilhas como método para desenvolvê-la e a montagem
imediata de um foco guerrilheiro no campo como forma de iniciar a guerra de guerrilhas.
Além disso, sob a influência de Guevara, o semeador de revoluções”, Cuba, que então se
valia da tutela econômica da URSS, apoiara as Ligas Camponesas e, posteriormente, a luta
armada no Brasil, como lembra Rollemberg (2001).
É óbvio que as brigadas anticomunistas e a UDN desencadearam uma rápida alteração de
posições no tabuleiro. Isolado politicamente, Quadros apresenta uma carta renúncia ao
Congresso, pretendendo conseguir apoio para sua permanência no poder, como salvador das
forças do mal, apoiando-se no fato de seu vice ser petebista e herdeiro político de Vargas. O
movimento falhou, com o Congresso aceitando imediatamente o pedido de renúncia.
8
Schwartzman (1988) informa que, terminado o Estado Novo (1937-1945), os interventores nos estados e seus
prefeitos nomeados se reuniram para dar forma ao PSD, enquanto os burocratas do sindicalismo e do sistema
previdenciário oficiais formaram o PTB, partidos que dependiam essencialmente, para subsistir, da companhia
do poder, e que se desagregaram tão logo perderam o controle do Estado. O sistema de cooptação, representado
pela aliança eleitoral PSD-PTB, entra em crise quando os níveis de educação, urbanização e industrialização do
país começam a aumentar. Crescendo a participação social em rias esferas de atividade, ganhava corpo a falta
de interesse pelo sistema político partidário, expressa no aumento progressivo dos votos nulos nas eleições.
Entretanto, o quadro sucessório abriu uma crise imediata. O “golpe branco”
parlamentarista não foi suficiente para estancar a crise. Jango, em missão oficial à China no
momento da renúncia de nio, teve sua volta ao Brasil dificultada. A entrada no Brasil pelo
sul correspondia a um outro movimento de peões: Jango tinha forte apoio da população
gaúcha e de Leonel Brizola, idealizador da Campanha da Legalidade que assegurou a posse de
Goulart em 7 de setembro de 1961.
Nas eleições de outubro de 1962, Miguel Arraes é eleito governador de Pernambuco;
Leonel Brizola, deputado federal e o PTB duplicou o número de cadeiras no Congresso
Nacional. Nesse ínterim, a pretexto de desmontar as bases de mísseis soviéticos ali instaladas,
os Estados Unidos ameaçou invadir Cuba e o presidente norte-americano John Kennedy pede
o apoio brasileiro na OEA, Goulart responde, salientando que a posição do Brasil era a da
autodeterminação dos povos pautada na fidelidade à tradição pacifista, firmada no espírito
cristão do povo brasileiro.
Em 6 de janeiro de 1963, um referendo popular decidiria pela restauração do
presidencialismo, com 76,97% dos votos contra 16,88%, com um índice de abstenção de 35%
quando o esperado (pela UDN) era de mais de 50%. Com plenos poderes, Goulart definiu seu
ministério (composto por Hermes Lima, San Tiago Dantas, João Mangabeira, Celso Furtado,
Almino Afonso e outros “notáveis”) e organizou a luta contra a inflação por meio do Plano
Trienal.
Mas as peças continuavam a se deslocar e, em meados de 1963, “a cena potica brasileira
caracterizava-se por exigências cada vez mais fortes de ação extra-legal tanto da direita como
da esquerda, enquanto os objetivos pessoais do presidente permaneciam indefinidos, o que
vinha fortalecer a posição dos extremistas” (SKIDMORE, 1982, p.311).
“Jango nunca apresentou um projeto com algum detalhe explicativo que o tornasse
aceivel” afirma Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.161). De fato,
por sua dubiedade de posição, Goulart chegara ao completo isolamento. As “forças da ordem
consideram-no uma ameaça esquerdista, enquanto as esquerdas enxergavam em suas posições
exercícios de retórica. Buscando, de novo, o apoio de Brizola, Goulart encena, em março de
1964, o comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, a sexta-feira 13” do curto período
liberal da história brasileira na tentativa de reunir apoio à realização das “reformas de base”,
que tentavam viabilizar o capitalismo brasileiro, sobre outras bases. Depois, vieram “a
rebelião dos marinheiros, com a conivência do governo, o golpe de mão frustrado de
sargentos em Brasília e a desastrosa fala de Jango para os sargentos no Automóvel Clube do
Rio de Janeiro”. Nesse cenário, a disciplina e a hierarquia estavam gravemente abaladas”.
Era o flanco aberto para o xeque-mate. “As Forças Armadas então se decidiram pela
ofensiva, reclamada pela opinião pública” dirá o coronel Jarbas Passarinho (1999), o último
intelectual orgânico do regime militar
9
.
Se as “forças da ordem(do desenvolvimento com segurança) ganharam a partida em
1964, e a guerra, de fato, contra os “comunistas” no período seguinte, foram fragorosamente
derrotadas na “guerra da memória”, iniciada com a publicação, em 1977, da primeira
autobiografia sobre a luta armada Em câmera lenta, de Renato Tapajós. Vencidos pelas
armas, os comunistas hoje são todos heróis”, indigna-se Passarinho (2002, p.2).
Como bem assinala Florestan Fernandes (2005, p.64), uma tendência a tornar a
revolução um fato ‘míticoe ‘heróico’, ao mesmo tempo individualizado e românticoe “a
burguesia cedeu a essas tradições e fomentou-as
10
. 1964 inaugura um momento potico
extremamente rico na produção de mitos. Se a inexpressiva esquerda” brasileira do período
foi capaz de produzir um Marighella ou Lamarca, os “revolucionários de 1964” e sua
poderosa máquina de criar desenvolvimento e segurança não legaram à história nenhum
hei, sem vida, em função do espírito de corpo e de hierarquia que marca as Forças
Armadas.
Se “um golpe não é uma revolução” e “olhamos com desprezo os golpistas que se
atribuem o título de revolucionários”, é certo que, olhando a conjuntura da América Latina, da
Ásia e da África, em meados da década de 1960, não como negar que “os golpes tendem a
substituir as revoluções”, tornando-se “um recurso típico da potica internacional”, como
aponta Otto Maria Carpeaux (1966, p.36). Efetivamente, em meados dos anos 1970, um terço
das democracias constituídas no mundo havia involuído para alguma forma de autoritarismo.
O fato é que, Castello Branco, o primeiro presidente do regime autoritário, tentara, à toute
force, convencer ao brasileiros e ao resto do mundo que a “revolução de 1964” o era uma
típica quartelada latino-americana. Prometera uma autêntica restauração da democracia,
afirmando que a intervenção militar não se transformaria numa ditadura e duraria apenas o
tempo suficiente para uma vitória sobre os “inimigos internos”, mesclando, nesse rótulo,
comunistas, socialistas, trabalhistas, sindicalistas pelegos, estudantes infiltrados, poticos
9
Na perspectiva de Ferreiranior e Bittar (2006)
10
Essa historiografia de heróis gera dividendos, o apenas simbólicos. Pensemos, por exemplo, o quanto a
indústria da moda já lucrou com a venda da imagem de Che Guevara.
subversivos e corruptos. Agloriosa” restauraria a democracia, harmonizando as classes
sociais, numa autêntica ordem constitucional, com a afirmação de um ESN, “encetando o
rumo devido do sentido de unidade nacional” (RAGO FILHO, 2001, p.180).
Na década de 1960, revolução e democracia surgiam como um duplo uno e cada lado do
tabuleiro tinha sua própria visão do que elas representavam. Para o establishment, a
revolução de 1964” garantira a democracia, consubstanciada na manutenção de partidos
políticos e no “jogo eleitoral- ainda que esse tivesse suas regras constantemente alteradas
para manter o controle majoritário, como recorda Maria Helena Moreira Alves (1985, p.111)
– jogo que, em sua avaliação, teria permitindo a instalação de uma “dialética Estado
oposição” que, a partir da década de 1970, teria “forçado” a transição à democracia. No outro
lado do tabuleiro, a revolução brasileira deveria assumir outro modelo de democracia. Esse
modelo, ao contrário do que ocorria no outro lado, não era unitário, comportando desde a
contemplação da demanda por “reformas de base” (o caso dos “nacionalistas”) quanto a
ditadura do proletariado, entendida ali como democracia da maioria, que fundamentada no
poder dos sovietes (conselhos populares).
Assim, a democracia pode ser, em última alise, sinônimo ou antônimo de comunismo,
dependendo de que lado do tabuleiro se esteja. Iale Renan (1978, p.13) afirma que conceituar
democracia é extremamente difícil, já que seu entendimento tornou-se “fluido e controverso”,
de modo que, “de maneira geral vamos encontrá-la adjetivada em função de ideologias”.
Destarte, Cabral e Diniz (1971, p.85-86) recordam-nos os valores democráticos (de uma
certa democracia) que referendam a luta da “Revolução de 1964” contra o comunismo:
A democracia, na verdade, repousa na liberdade, na fé e na razão, faculdades
espirituais do homem. O comunismo, ao contrário, renega Deus e, por isso mesmo
sustenta que a mente deve ser doutrinada para chegar sempre a conclusões
predeterminadas. [...] O cidadão comunista não somente perde o direito de pensar
livremente, como tamm é despojado de sua própria moral. Se a consciência
desperta e protesta, acusam-no imediatamente de não cumprimento dos seus deveres
e atiram-no à prisão ou enviam-no para um campo de trabalho-escravo, onde
permanece até que ele, ou sua consciência, seja novamente reconduzido “ao bom
caminho”. [...] Dessa forma, transforma-se num autômato. [...] Despreza os valores
humanos, profana a inviolabilidade de consciência, nega a existência de Deus, que
está sempre ao lado da liberdade e da justiça do amor e do direito; portanto o
comunismo é uma negação da liberdade social”.
Nesse contexto, o tema da democracia parece-nos fundamental ao entendimento desse
espaço-tempo. Retomemo-no.
II - Uma certa democracia, um certa geopolítica
A democracia nunca teve um sentido unívoco. Desde a Antiguidade, apresentou-se como
sujeito e objeto de um grande debate na arena potica. Em cada período histórico, autores (e
atores/sujeitos sociais) destacaram aspectos diferentes dessa temática. Na Idade Moderna,
desenvolveu-se, transpondo os ideais da cidade-estado, ao Estado-Nação e complexificando-
se pela ampliação dos assuntos definidos como públicos e por adequações institucionais para
emprego em uma escala bem mais ampla que a da praça grega em que se originou.
A participação política, no contexto europeu, data da “dupla revoluçãoe, lentamente,
rompeu a regra secular de correspondência entre a posição social e potica dos indivíduos.
Numerosas alianças entre a burguesia nascente, a elite letrada e os trabalhadores europeus
foram estendendo os direitos de cidadania às classes populares.
A partir do século XVII, a idéia de que a organização potica das sociedades resulta de
um contrato entre seus membros ganhou corpo, em contraposição à antiga maneira de
conceber a política como um processo além ou acima dos seus participantes. Pelo contrato, a
ordem da potica passou à esfera da decisão humana e seu fundamento deveria ser a
soberania popular, reflexo do bem comum.
Tal decisão, entretanto, passou, mais e mais, a ser mediada pela representação, o que
contrariava a idéia original de Jean-Jacques Rousseau ([1762] 1987), segundo a qual a
soberania não podia ser representada, nem alienada, já que consistia na vontade geral, sendo
enfatizada a necessária identidade entre governantes e governados, base do contrato social que
instituiu um único corpo político. Assim, para o filósofo, os deputados do povo” não seriam
seus representantes e nada poderiam concluir definitivamente, devendo ser nulas todas as leis
que o povo não tivesse ratificado. Para esse autor, não é democrática uma sociedade, na qual
as oportunidades e o bem-estar dos cidadãos não se equivalham.
Nesse processo de progressiva mediação democrática, ocorreu um forte estreitamento do
conceito de soberania, um consenso crescente em torno das formas não participativas de
administração e uma rejeição das participativas devido ao seu impacto não institucional.
Apenas em tese, todos seriam iguais e teriam as mesmas chances de se candidatarem à disputa
de cargos e de defenderem suas preferências.
É inegável que historicamente “democracia” teve dois significados prevalecentes, ao
menos na origem, conforme se ponha em maior evidência o conjunto das regras cuja
observância é necessária para que o poder político seja efetivamente distribuído
entre a maior parte dos cidadãos, as assim chamadas regras do jogo, ou o ideal em
que um governo democtico deveria se inspirar, que é o da igualdade. À base dessa
distinção costuma-se distinguir a democracia formal da substancial, ou, através de
uma outra conhecida formulação, a democracia como governo do povo da
democracia como governo para o povo (BOBBIO, 1994, p.37-38).
Desde o início do século XX, a dimensão e a complexidade das sociedades
industrializadas e o surgimento de formas burocráticas de organização comportavam vidas
sobre as possibilidades de se praticar os ideais da democracia, principalmente no que tange à
maximização da participação. Outra limitação do conceito de soberania viria da emergência
dos interesses particulares”, que afirmou a impossibilidade da participação racional na
política.
Se “a extensão do sufrágio às classes populares e o voto secreto constituíram-se
instrumentos de expressão da vontade do eleitor”, “anunciando uma igualdade potencial”,
apenas a organização política garantiria a construção da igualdade real” (AVELAR, 2004,
p.224-225 passim). Entretanto, a teoria hegemônica estabelecia uma relão direta entre
mobilização de massas e rupturas na ordem democrática, o que ignorava que a ação coletiva
pode assumir, igualmente, um papel na manutenção e aprofundamento da democracia.
Ocorre que a grande participação das massas na política nazifascista, na Europa entre-
guerras, referendou as posições mais retrógradas quanto a tal participação. Uma emergente
Sociologia Política passou a demonstrar que a característica mais notável da maior parte da
população era a falta de interesse generalizada pela potica. Ao optar pela sociedade de
consumo e pelo Estado de bem estar social, abria-se mão do controle sobre as atividades
políticas e econômicas em favor da burocracia.
Na perspectiva da teoria democrática liberal, a democracia seria forma e não, substância,
procedimentalismo. Essa idéia advém de Max Weber ([1922] 1991), para o qual seria
inevitável a formação de uma burocracia à medida que crescessem as funções estatais. Essa
burocracia especializada estaria mais preparada que o indivíduo comum para lidar com a
enorme expansão das questões que se tornaram poticas (saúde, educação, previdência social
etc).
As formulações de Weber ([1922] 1991), associadas às dos tricos da sociedade de
massas, foram integradas em um marco comum para a análise da democracia por Joseph
Schumpeter (1942), que reelaborou o procedimentalismo, ao afirmar ser a democracia um
todo político, cabendo ao povo o papel de produtor de governos. Por método concebia as
regras para a tomada de decisão e para a constituição de governos: a luta entre deres rivais,
pertencentes a partidos em disputa pelo direito de governar. Nesse modelo,competitivo
elitista”, a democracia é concebida como um arranjo institucional capaz de produzir decisões
necessárias à reprodução social e econômica da sociedade, não tendo inscrito, em sua lógica
de funcionamento, qualquer fim intrínseco e sendo o papel do indivíduo comum, não apenas
diminuto, mas indesejável violação do processo de decisão “pública” regular. Norberto
Bobbio (1986), corroborando os esforços procedimentalistas, afirmaria que a democracia é
um conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e
com quais procedimentos (o peso igual dos votos e a ausência de distinções ecomicas,
sociais, religiosas e étnicas entre o eleitorado). Robert Dahl (1956) levanta um terceiro
elemento da teoria democrática hegemônica: a idéia de que a representatividade é a única
solução possível nas democracias de grande escala para o problema da representação
políticas.
Os três elementos acima formaram os consensos sobre a democracia consolidados no bojo
da segunda onda de democratização(1943-1962). A universalização do sufrágio universal,
o equilíbrio entre os poderes, a garantia da liberdade de expressão e de associação, o
reconhecimento formal dos direitos sociais e das garantias civis ganharam força nessa
conjuntura. A democracia, progressivamente, foi apresentada como um fenômeno relacionado
exclusivamente com a operação das instituições e do sistema potico que institui e
regulamenta a competição interelites.
Foi seguindo tal modelo que a democracia tornou-se, ao longo do século XX, o padrão de
organização da dominação potica na modernidade ocidental. O bem-comum, base do
contrato rousseuniano,o é pautado. Os indivíduos são chamados a se portarem como
consumidores, de sorte que a cidadania democrática corresponde à integração individual no
“mercado potico”. Em tal mercado, o interesse individual revela-se a medida de todas as
coisas, negando a alteridade e obstruindo a dimensão ética da vida social.
Ao atribuir ao Estado a obrigação pela implementação de poticas, o cidadão foi tornado
cliente do Estado e, nessa posição, objeto de uma ação paternalística por parte de uma
burocracia a quem delega a promoção da igualdade de fato entre os cidadãos. Nesse sentido,
substitui-se a participação do cidadão na vida pública pela decisão técnica da burocracia
estatal, sendo que o controle potico da burocracia fica delegado aos partidos poticos e o
único momento de intervenção do cidadão é o voto; o cidadão consente em que o Estado
invada domínios que antes eram considerados inexpugnáveis, os donios da autonomia
privada, em nome do objetivo maior da igualdade material a ser alcançada.
Eleições livres e periódicas, direitos e liberdades individuais privilegiam apenas um
determinado grupo social, de modo que a luta pela ampliação dos direitos democráticos
continua na ordem do dia de diversos movimentos sociais. A democracia liberal recebe
pressões de vários segmentos sociais e também luta para manter a sua hegemonia, mesmo
tendo que fazer concessões em determinados momentos. Mas, como afirma Dahl (1956), na
conclusão de Uma introdução à teoria democrática, trata-se de um sistema relativamente
eficiente para reforçar o acordo, encorajar a moderação e manter a paz social.
Renan (1978, p.135-136 passim), em Estudo de problemas brasileiros: introdução
doutrinária, mostra-nos como o modelo hegemônico é perfeitamente adaptável a uma
concepção autoritária de sociedade. Para esse autor, é atributo democrático admitir o
dissenso ou minoria, que pleiteia ascender ao poder pacificamente”. Entretanto, para esse
esguiano, a “Democracia Ocidental, impregnada pela Filosofia Humanista e pelo Cristianismo
é como se costuma dizer, ‘uma cidade aberta’”. Corroborando sua idéia de que “a Democracia
ao permitir todas as liberdades, não admite aquela que busca destruí-la”, esse autor transcreve
as orientadoras palavras de Pierre Duelos: “A Democracia não deve dizer aos que a difamam:
concedo-vos, em nome dos meus princípios, a liberdade que me negaríeis, em nome dos
vossos princípios, a liberdade que me solicitais, em nome dos meus”.
De fato, o próprio revolucionário russo Vladimir Ilitch, o Lênine (1980), reconhece a
ambivalência, ao afirmar que a democracia é uma forma da coerção dos homens, de um lado,
e, do outro, o reconhecimento formal da igualdade entre os cidadãos, do que derivaria a
possibilidade de, num determinado grau do seu desenvolvimento, a democracia unir a classe
revolucionária contra o capitalismo e romper a máquina do Estado burguês, substituindo-a por
uma quina mais democrática. Reconhece, portanto, esta dupla alma da democracia
moderna: a alma liberal, representativa, proprietária, elitista, e a alma rousseauniana,
revolucionária, populista-plebéia, que voa no u da utopia enquanto não se liga a uma força
social integralmente antagonista da burguesia” (CERRONI, 1978, p.72).
Nessa linha, Crawford Macpherson (1978, p 103) aponta a existência de um círculo
vicioso: “não podemos conceber mais participação democrática sem uma mudança prévia da
desigualdade social e sua consciência, mas não podemos conceber as mudanças da
desigualdade social e na consciência sem o aumento antes da participação democrática”. A
“nova esquerda”, corrente teórica capitaneada por Macpherson (1978) e Carole Pateman
(1992), afirma a importância de superação, não apenas das desigualdades materiais que
impedem a efetiva realização das liberdades prometidas pela democracia burguesa, mas
igualmente dos ficits de formação política que daí resultam, demando a ampliação da
participação nos processos decisórios.
Esse modelo de democracia aponta para além das instituições democráticas sob o
capitalismo. Macpherson (1978), ao estabelecer modelos de democracia, busca nos sovietes
sua estrutura de referência. Para ele, a concorrência oligopolista de partidos poticos é, não
apenas não-participativa, mas supra essencialmente não-participativa, de modo que, nas
democracias ocidentais, uma série de obstáculos devem ser removidos para chegar-se a uma
democracia participativa, dentre os quais a “falta de conscientização do povo e a
desigualdade social e econômica, já que o sistema partidário não-participativo é o que
mantém coesa uma sociedade desigual.
Como outros autores marxistas, a partir de meados dos anos 1960, Macpherson (1978)
afirma a “derradeira crise” do capitalismo, que passaria por dificuldades econômicas de
proporções catastróficas, expressas nos altos índices de inflação e desemprego. A
desvalorização dos salários, segundo o autor, levou os trabalhadores à militância potica no
âmbito dos partidos socialistas e comunistas e dos sindicatos. O rculo vicioso de baixa
participação estaria sendo rompido em três pontos: “a consciência cada vez maior dos ônus do
crescimento econômico; as vidas crescentes quanto à capacidade do capitalismo financeiro
de satisfazer as expectativas do consumidor enquanto reproduzindo a desigualdade; a
crescente consciência dos custos da apatia potica” (MACPHERSON, 1978, p 109).
Mas se os trabalhadores buscavam em massa os partidos operários (principalmente as
sucursais nacionais do PCUS) e os sindicatos operários, esses tendiam mais a dominar, que
servir a seus liderados. A organização burocrática em grande escala acabou por obstruir o
interesse e a potica de classe, levando ao oportunismo e à submissão plebiscitária das massas
aos impulsos do líder carismático e à utilização demagógica da “máquina” partidária
burocrática.
Marcos Nobre (2004) informa-nos que Weber ([1922] 1991) foi quem formulou a idéia de
que a introdução do sufrágio universal não representava um perigo revolucionário - como o
temia a burocracia alemã do seu tempo - tendendo a produzir uma estabilização e uma
institucionalização da luta potica adequada para conter o ódio desorientado das massas”.
Dadas essas características da teoria hegemônica da democracia, e o contexto de ameaça da
instituição de uma República Sindical no Brasil, foi possível ao regime burocrático-militar do
pós-1964 escolher “uma certa democracia” e manter uma fachada democrática, permitindo a
existência de partidos e a realização regular de eleições, jamais se assumindo como um
regime o-democrático.
Carlos Arturi (1999), analisando o regime democrático, sob o enfoque potico-
institucional, afirma que esse exige a observância das seguintes condições: 1) que todos os
atores políticos relevantes submetam-se à livre competição pacífica pelo poder, seja por
valorizarem a democracia, seja por cálculo potico que indique que os custos e riscos de não a
aceitar são maiores do que seguir suas regras; 2) que nenhum ator político possua poder de
veto quer sobre a participação de outros, quer sobre os resultados da competição política; 3)
que não existam instituões estatais independentes e autônomas frente ao poder político
democraticamente eleito. Ora, se os presidentes militares tiveram seus nomes respaldados
pelo Congresso Nacional, que, exceto em curtos períodos, manteve-se aberto e atuante, como
negar seu caráter “democrático”?
Exemplo modelar de “estoque limitado de práticas democráticas por parte das elites”
11
,
país aguilhoado com uma tradição autoritária que remonta ao início de sua colonização
12
, não
lhe foi difícil acolher (mais) um regime autoritário, um desses “sistemas poticos de
pluralismo limitado, não responsável, sem ideologia subjacente, mas de mentalidades
distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva” (LINZ, 1979, p.121).
Vendia-se (e comprava-se) facilmente a idéia de uma “democracia forte”. “O Estado
revolucionário durará o tempo necessário à implantação de novas estruturas”, afirmaria o
presidente Médici, em 1970
13
. Publique-se e cumpra-se. Eis o padrão: um Estado
hipertrofiado, burocratizado e ineficiente, ligado simbioticamente a uma sociedade
dependente e alienada, como afirma Schwartzman (1988).
O sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (1981, p.121), apontado como der do gigantesco
movimento de massas que, em maio de 1978, tomou as ruas do País, “precipitando a
abertura”, afirmaria: “eu concordo com a democracia relativa do presidente Geisel”.
11
Avritzer (2002, p.593).
12
Geisel (1993-1994 apud D’ARJO; CASTRO, 1998) exemplifica esse rancor das elites contra a ampliação
do escopo democrático. Para ele, “o velho problema da democracia” é que todo mundo vota no Brasil, gente,
como o analfabeto, o favelado, o flagelado do Nordeste, que não tem nenhum discernimento para escolher.
13
Apud Arturi (1999, p.209).
Quando se fala em democracia nesta terra eu tenho muito medo, porque a palavra
democracia realmente é muito relativa, porque a democracia que interessa à classe
trabalhadora não é a democracia da qual um grande número de pessoas está falando,
como empresários, jornalistas, políticos, etc. Uma democracia que interessa à classe
média não interessa à classe trabalhadora. [...] Para nós, democracia é liberdade
sindical e a partir daí o tenho dúvidas de que alcançaremos uma democracia plena.
está a reforma do governo democratizando o país, com o fim do AI-5, com o fim
do 477, que não tem nenhum interesse para a classe trabalhadora. Alguns artigos da
CLT são muito mais graves à classe trabalhadora que o AI-5. Desde que a classe
trabalhadora brasileira esteja amarrada, pode haver até democracia no país (LULA
DA SILVA¸ 1981, p.126-128 passim).
Jogando com a ambigüidade em torno dos graus permissíveis de democracia e
autoritarismo em cada período, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico
alcançado e seus usufrutuários, o regime militar teve vida longa. Diferenciando-se de regimes
similares na região, a autocracia brasileira apresentou a mais longa duração dentre todas, foi a
mais bem sucedida do ponto de vista econômico, a menos repressivo entre seus congêneres e
aquele no qual os militares como corporação, e não um militar (ditador), assumiram a
responsabilidade pelo poder e adaptaram as instituições políticas à nova ordem.
Para Sonia Regina de Mendonça e Virginia Fontes (2001), o regime autoritário passou por
três fases de institucionalização do Estado. A primeira fase acompanharia o governo Castello
Branco e as transformações institucionais que implementaria se materializaram na Carta
Constitucional de 1967. A segunda fase inicia-se com o governo Médici, que associa
desenvolvimento ao aparato repressivo que teve, na espionagem, pocia potica, censura e
propaganda, seus pilares básicos e acabou por exterminar quase todas as organizações que
optaram pela luta armada. A terceira e última fase do regime correspondeu aos governos
Geisel e Figueiredo, momento em que a crise econômica tecia, segundo tais autoras, uma
abertura, que era mais uma tentativa de garantir a continuidade dos aspectos mais importantes
do sistema que uma alteração fundamental do regime.
No nouveau régime, a geopotica propriamente dita encontraria as condições ideais para
se transfigurar em geopotica econômica. Se não integração (territorial) sem circulação
(viária), para unificar o arquipelágico terririo brasileiro, o Estado autoritário cimentou (e
asfaltou) um novo pacto federativo. O projeto geopolítico da “integração nacional”
demandaria a ação do Estado, como agente mobilizador de capitais para investimento,
financiador da marcha dos GPIs ao heartland interno e “eliminador” dos conflitos
socioterritoriais, dela decorrentes.
Nesse sentido, a DSN desvelava-se como ideologia da modernização, destinada a acelerar
os processos de concentração e centralização do capital. O regime autoritário foi portador de
uma modernização e de uma diversificação social sem precedentes no país que, ao final do
primeiro decênio, parecia ter materializado o sonho do “Brasil grande potência”. No contexto
de “um país que vai pra frente”, algum grau de autoritarismo parecia ao establishment
plenamente justificado. Entretanto, por mais fechado que seja, todo regime potico implica
algum conflito, fruto de uma dinâmica social que vincula democracia, direitos e lutas sociais.
Com efeito, mesmo nas fases mais “plúmbeas” do regime, a oposição fez-se presente,
alterando as posições do cavalo, a única peça do xadrez que se movimenta por sobre as outras,
embora ataque somente a casa na qual a jogada se completa, e manobrando o bispo (a Igreja),
para garantir que a torre, a rainha (a burguesia nacional) e o rei (o grande capital apátrida) se
mantenham em segurança.
O presente trabalho investiga os diversos movimentos que redesenham este tabuleiro e
definem, a cada passo, uma nova geopotica. Se a própria democracia, segundo o general
Deoclécio Siqueira (2005, p.40), nada mais é que “movimento resultante do confronto de
idéias”, do qual “surgem os líderes civis”, pode-se pensar a ampliação da democracia como
fruto de uma dialética entre a “guerra de movimentos”, feita por pequenos grupos, com ações
fulminantes em nome da maioria, e a “guerra de posições”, baseada em um planejamento
estratégico, e que exige a participação ampliada, com a construção de consensos.
Ao se pensar a democratização como uma dimensão da guerra, reportamo-nos à iia,
formulada pelo coronel Golbery do Couto e Silva (1957), de que essa o mais seria uma
guerra estritamente militar, tendo passado a guerra total (ecomica, financeira, potica,
psicológica e científica) e dessa, a guerra global; e de guerra global, a guerra invisível e
permanente. Essa visão se remete, sem vida, ao dualismo esquizofrênico da Guerra Fria e à
geopolítica.
O neologismo foi criado pelo jurista sueco Rudolf Kjellén (1846-1922), que definiu
geopolítica como ciência do Estado, enquanto organismo geográfico que se manifesta no
espaço. A teoria do Estado orgânico (o terririo-corpo; a capital-coração; as vias de
transporte-artérias; os centros de produção-mãos e pés), no entanto, já se encontra presente em
Politische Geographie (1897)
14
e é “a imagem organicista que conduz Ratzel a dar um grande
espaço à idéia potica”, afirma Paul Claval (1994, p.21), propondo os conceitos fundamentais
14
Cf.: “[...] as formações estatais elementares assemelham-se, evidentemente, a um tecido celular: em tudo se
reconhece a semelhança entre as formas de vida que surgem da ligação com o solo” (RATZEL, 1987, p.59).
e o método de uma Geopolitik alemã e influenciando outras geopolíticas, como as formuladas
por Mahan (1890) e Mackinder (1904).
Na década de 1920, nasce o mais polêmico projeto geopolítico: a Zeitschrift für Geopolitik
(Revista de Geopolítica, 1924-1944), fundada por Karl Haushofer (1869-1946). A geopolítica
haushoferiana (HAUSHOFER, 1986) reafirmava o sentimento de pertença dos alemães a uma
comunidade civilizatória (o Deutschtum) e propunha a criação de um espaço onde eles
pudessem explorar livremente suas potencialidades (o Lebensraum), do que decorre sua
identificação como um dos sustentáculos da política expansionista de Adolf Hitler”
(AZEVEDO, 1955, p.46).
A Zeitschrift für Geopolitik contava com a colaboração de militares, geógrafos, cientistas
políticos, historiadores e economistas. Ela teve uma tiragem inicial de 1.000 exemplares
mensais e alcançou mais de 5.000, nos anos 1930, sendo 25% de seus leitores estrangeiros,
dentre os quais muitos dos militares brasileiros reunidos em torno da ESG. De forma análoga
ao Lebensraum, a DSN, segundo Carlos de Meira Mattos (1981, p.166), devia promover a
simbiose entre a índole do povo e as características de seu território”, o que implicava uma
expansão “para dentro” (a fim de garantir o povoamento e a reprodução ampliada do capital).
Aparentada com o expansionismo nazista e compreendida como instrumento estatal de
controle, potico e militar, da nação brasileira, a geopolítica teve sua validade negada como
ferramenta de (re)conhecimento do mundo. Mas, Yves Lacoste (1988, p.261) o demonstra, “o
raciocínio geopotico o é por essência, ‘de direita’ ou ‘de esquerda’”.
Defendendo a geopolítica como ferramenta que “permite apreender toda uma margem da
realidade”, Lacoste (2001) divide-a em geopotica externa (a dos problemas de fronteiras e
das relações internacionais) e interna (a das reivindicações de autonomias regionais, da
geografia eleitoral e dos arranjos territoriais e do urbanismo).
Método de análise e ação prática, a geopolítica volta-se para as relações de força em
múltiplas escalas (local, regional, nacional e internacional) em situações bastante complexas.
As disputas de poder que conformam os territórios, objeto da geopolítica, envolvem táticas e
estratégias, contra adversários, reais e virtuais, e representações, divergentes, contraditórias
e/ou antagônicas enunciadoras do interesse estratégico ou do valor simbólico dos territórios
em disputa. Destarte, a geopolítica não é determinada por um dado isolado da geografia, como
se depreende das obras dos geopoticos cssicos, nem se restringe a qualquer unidade
administrativa (do Estado ao bairro).
Mesmo negando qualquer vinculação com o regime autoritário, não como negar o
caráter geopolítico e geoestratégico das ações desencadeadas pela oposição ao regime, quer
em sua vertente armada, quer na institucional. Ambas utilizaram-se de táticas e estratégias,
desdobradas em “implantações, distribuições, recortes, controles dos territórios, organizações
de donios que poderiam constituir uma espécie de geopolítica”
15
, de modo que “a geografia
deve estar bem no centro das coisas de que me ocupo”, acabaria por reconhecer o filósofo
Michel Foucault (1976, p.78) a seus interlocutores da revista Hérodote
16
, desvelando a
impossibilidade de escrever uma história dos poderes sem se ater à história dos espaços, que
englobaria desde as grandes estratégias da geopotica até as pequenas táticas do habitat,
c’est-dire a construção dos territórios.
Ora, o terririo é o resultado da apropriação permanente do espaço geográfico por uma
multiplicidade de práticas territoriais, que podem ser individuais ou coletivas, materiais ou
simbólicas. As recentes discussões desencadeadas pelo processo de globalização
(mondialización de l’économie, protestariam os franceses) e seu caráter
desterritorializante”
17
, alteraram os termos do debate. O conceito de território seria, não
apenas retirado dos estudos biológicos, mas também biológico, ou seja, todos os animais
(comme nous) o territorialistas e, enquanto vivos estiverem para lutar por ele, nada poderá
lhes tirar isso, afinal, “tu não te moves de ti”, como nos lembra Hilda Hilst. Nesse sentido, o
corpo é o território fundamental. O terririo-corpo do Estado-nação açambarcaria corpos-
territórios individuais.
O corpo-território seria objeto de uma permanente disputa de poder. Como informa
Foucault (2000), com as revoluções liberais do século XVIII, emerge o biopoder, as
tecnologias de população, voltadas para a incidência de epidemias, as taxas de natalidade,
longevidade e mortalidade. Vis-à-vis com o processo de transformação do capital, que
caminha para sua fase monopolista (no viés econômico) e imperialista (no viés potico), no
15
A tulo de exemplo, cf. o Programa da VAR PALMARES (1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.344): “Nas
regiões sob domínio do exército revolucionário são implantados os novos mecanismos de administração. Mesmo
sem ocupar fisicamente o território, mantém sobre ele domínio político e dá início à transformação nas relações
sociais, executando planos econômicos parciais, a reforma agrária, organizando o transporte, construindo
escolas, hospitais e estradas, estabelecendo auditorias de Justiça revolucionária, promulgando leis” (grifo nosso).
16
A revista, grande difusora da geopolítica na França, na época, tinha o subtítulo de “Estratégias, geografias,
ideologias”. Em seu exemplar número 1, Lacoste escreveu o artigo “Pourquoi Hérodote? Crise de la géographie
et géographie de la crise”. Hérodote (stratégies, géographies, idéologies), Paris, n. 1, p.8-62, 1976. A partir do
primeiro trimestre de 1983 (n
o.
28), esse subtítulo mudou para revue de ographie et de géopolitique (revista de
geografia e de geopolítica).
17
Mito denunciado por Rogério Hasbaert (2002).
século XIX, poder disciplinar e biopoder facultaram a eclosão da sociedade normalizadora,
cujos mecanismos de regulação e coerção produzem, avaliam e classificam as anomalias do
corpo social, ao mesmo tempo em que as controlam e eliminam.
A normalização do corpo-território estende-se a outros territórios, a partir da assumpção
de uma representação geopolítica comum, uma espécie de espacialização que congela
automaticamente o fluxo da experiência” (HARVEY, 1996, p.131), um geografismo ou uma
identidade partilhada.
Assim, pode-se pensar o território de uma greve como o conjunto dos corpos-territórios
18
portadores de uma representação de mundo/de poder comum (no mínimo, a do direito a uma
maior fatia do bolo da economia que cresce) que se reúne em torno dessa ação. Tal terririo
cresce e se amplia a partir de suas vitórias sobre o território dos patrões. A mesma análise
poderia se aplicar a qualquer representação de interesses que buscam ampliar sua influência
sobre outros territórios.
A partir dessa perspectiva, pode-se apreender a democracia como um território, o
resultado (sempre provisório) das disputas que o moldam e emolduram. É pensando nisso que
analisaremos o “milagre brasileiroe seus custos sociais, custos que englobaram os corpos-
territórios de dezenas de “brasileiros” (em sua maioria, muito jovens) que mergulharam, de
corpo e alma, na luta armada (e na luta ideológica) contra o regime. Procuramos analisar
como o arrocho salarial e as greves operárias disputaram o território econômico e a
multidimensionalidade desses territórios estabeleceu os limites e as possibilidades da
transição brasileira à democracia, uma longa jornada sob um céu de chumbo… Iniciemo-na
antes que seja tarde.
18
Aqui, como no trabalho social, um e um é sempre mais que dois.
FRENTE 1:
O LONGO MILAGRE, SEUS SANTOS E EPIFANIAS
Os povos são um mito: só existem as nações, e a nação é o Estado.
Golbery do COUTO E SILVA
Quem dirige o país? São as elites. Queiramos ou não queiramos.
Numa certa época, foi uma elite do Exército. Queiramos ou não, boa
ou má, mas era a elite do Exército, à qual se juntou parte da elite civil
deste país, porque nós pegamos dentre os melhores homens do país
para os ministérios, desde o Castello Branco. Nós não governamos
sozinhos. Ninguém governou sozinho. Nenhum general de bota e
espora governou sozinho a nação. Não! s tivemos o apoio, a
sugestão, a colaboração e a eficiência ou não de excelentes homens
civis deste país. De alguns dos melhores.
Carlos Alberto FONTOURA
1. PEQUENA HISTÓRIA DAS CONTAS DO REGIME
Em 31 de março de 1964, um movimento armado depôs o governo João Goulart e
inaugurou o regime burocrático-militar no país. Foram cinco os governos do período: general
Humberto Alencar Castello Branco (1964-1967); general Artur da Costa e Silva (1967-1969);
general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974); general Ernesto Geisel (1974-1979); general
João Batista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), sendo o governo exercido por uma Junta
Militar, no período de 31 de agosto a 15 de outubro de 1969, posterior à morte de Costa e
Silva. O golpe militar, impondo de forma autoritária uma solução para a “crise potica” (real
ou imaginada), foi uma precondição ao encaminhamento “técnico” das medidas de superação
da crise ecomica.
O presente capítulo discorre sobre a potica econômica do regime entre os governos
Castello Branco e Geisel (1964-1978). O objetivo é demonstrar a relativa eficácia do projeto
de modernização que, simbolicamente, consideramos o milagre
19
–, empreendido nesse
período.
1.1 Castello e a luta contra o fantasma da inflação
Portador de um projeto nacional de grandeza, o regime burocrático-militar assumiu o
desenvolvimento econômico como sua dimensão essencial. Em função disso, foram
colocados, no comando da potica ecomica, os melhores representantes do pensamento
conservador brasileiro. Tratou-se de aplicar uma orientaçãoracional e eficiente” a essa
19
A literatura econômica não é consensual quanto ao período conhecido como do “milagre”, ainda que a versão
dominante seja de que esse se restringiria ao governo Médici. Paul Singer (1976, p.112) afirmaria que “qualquer
série de tempo que se examine, referente à economia brasileira, mostra que 1968 foi o ano em que se deu a
inflexão para cima”. Quase trinta anos depois, outra seria a avaliação de Edmar Bacha e Regis Bonelli (2005,
p.166), para os quais o boom de poupança e investimento”, conhecido como o milagre econômico brasileiro,
correspondeu ao período 1965-1974. Por outro lado, vale lembrar, como o faz Carlos Fontoura (2005) que o
“milagre” foi uma criação da imprensa, “porque de nós, do palácio, do Médici, daquela gente próxima, do
próprio Delfim, nunca saiu essa palavra, essa expressão, [...] essa expressão não partiu do palácio do Planalto”.
política, em contraposição às alternativas enraizadas no nacional-desenvolvimentismo do
período anterior.
René Dreyfuss (1981) demonstra como organizações tecnoempresariais e potico-
burocráticas
20
vinham se formando desde a década de 1950, e como, aliados aos interesses
multinacionais, formaram uma série de “anéis de poder burocrático-empresariais”, com o fito
de articular, no âmbito do Estado, seus próprios interesses. Esses anéis reduziram a influência
dos políticos “profissionais” na formulação das diretrizes econômicas em prol dessa
intelligentsia técnica
21
, com forte ênfase em gerenciamento científico, administração pública
normativa, formalização e rotinização de tarefas.
Nessa perspectiva, o planejamento, ao mesmo tempo em que selecionava temas e
diretrizes, controlava o acesso externo aos centros burocráticos de tomada de decisão,
territorializando-se no cerne do Estado.
“A racionalização empresarial dos recursos humanos e materiais do país” foi “um dos
pilares do regime s-1964” e tomou o planejamento enquanto dimensão da racionalização
dos interesses das classes dominantes e expressão de tais interesses como Objetivos
Nacionais” (DREYFUSS, 1981, p.74). Tais objetivos promanavam diretamente dos que
mantinham as rédeas do poder e acreditavam que seus próprios interesses eram interesses
nacionais, já que, não havendo povo, cabia ao Estado construir a nação.
Uma caracterização do novo establishment é encontrada em Luiz Carlos Bresser-Pereira
(1973, p.135):
Os militares, que assumiram o poder em 1964, constituem um grupo
tecnoburocrático por excelência. Originam-se de uma organização buroctica
moderna como são as forças armadas. Possuem preparo técnico, administram
recursos humanos e materiais consideráveis. Adotam sempre os critérios de
eficiência próprios da tecnoburocracia. Como se não bastassem, chamaram
imediatamente para participar do governo os tecnoburocratas civis.
Vale notar que os estratos médios (quer o da tecnoburocracia, quer o dos militares) não
eram, de fato, a classe dominante a burguesia continuou a ditar as normas, quer na fase
20
A exemplo do IPES, da CONSULTEC, APEC e do CONCLAP.
21
Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen e Octávio Gouveia de Bulhões foram alguns dos expoentes desse
grupo. O primeiro deles tornou-se o civil mais importante do grupo ministerial e, como ministro, o mais
favorecido pelo presidente, uma figura central na formação do pensamento ‘econômicoda administração de
Castello Branco” (DREYFUSS, 1981, p.423).
“liberal”, quer na autoritária
22
apenas a classe dirigente da vez, que deveria garantir a
maximização dos lucros do grande capital. Cumprindo seu papel, os tecnoburocratas
moldaram o PAEG. Esse Programa baseou-se no combate sem trégua à inflação, vista como a
fonte de todos os males, e no repúdio ao estatismo. Propôs, essencialmente, o estímulo ao
capital estrangeiro, investimentos públicos em áreas de interesse do capital privado, a
contenção da pressão inflacionária mediante o controle salarial, o incentivo às exportações,
aumento da carga tributária e a reorganização do sistema financeiro.
A crença do regime era de que, de um cenário de estabilidade potico-monetária e livre-
iniciativa econômica, brotaria o desenvolvimento. Atribuía-se à inflação as seguintes causas:
déficit do setor público; excesso de crédito para o setor privado e excessivos aumentos
salariais. Para a tecnoburocracia, a inflação subvertia a ordem social, ao mesmo tempo em que
desorganizava o mercado de crédito e de capitais e distorcia o sistema de preços, premiando a
especulação e a ineficiência e incentivando a escalada do estatismo.
Apesar de um viés marcadamente antiestatista, o PAEG procurou conciliar medidas de
combate à inflação com uma potica compensatória intervencionista, que visava a um
distributivismo racional. As reformas sociais, como o Estatuto da Terra
23
e a implantação do
BNH, em julho de 1964, são os exemplos mais significativos dessa potica social, que, ao fim
e ao cabo, tinha como grandes beneficiárias frações importantes do capital.
De fato, com o advento da criação do BNH, a construção civil tivera grande impulso,
posto que a atuação do governo limitava-se a financiar as edificações, delegando-se a tarefa
de construí-las à iniciativa privada. Em 1963, havia 126.000 habitações financiadas no país e,
desse ano até 1977, esse número alcançou 1.688.000 habitações. Até 1967, haviam sido
financiadas 100.600 habitações. À medida que o BNH evoluía, passando a contar com
recursos do FGTS e das cadernetas de poupança, apenas no ano de 1977, foram financiadas
22
Bianchi (2001) informa que pesquisa realizada por Leigh Payne confirmou a extensão do apoio dado pelos
empresários ao nouveau régime: em uma amostra de 132 industriais paulistas, selecionados devido à sua intensa
participação política ente as décadas de 1960 e 1980, 82,3% daqueles que haviam iniciado seus negócios antes
de 1964 apoiaram o golpe.
23
José Gomes da Silva, um dos baluartes da luta pela reforma agrária no Brasil, em entrevista de 1994, narra
como foi convidado pelo ministro Roberto Campos a trabalhar com ele no projeto do Estatuto. Para ele, o
interesse do presidente Castello Branco pela reforma agrária viria de sua origem nordestina: “Ele viu e viveu o
problema lá no Nordeste”, afirma Silva (1996, p.46).
159.000 habitações, bem mais do que em todo o período republicano
24
. O BNH, órgão
responsável pelo controle do SFH, constituiu-se na primeira instância pública do setor
habitacional a definir normas e procedimentos padronizados, que somavam à ordem técnica, a
logística empresarial.
Quanto à reforma financeira, para realizá-la, criou-se o BACEN, em dezembro de 1964, a
partir da transformação da SUMOC, e o CMN, órgão de previsão e coordenação das contas
fiscais e monetárias. Tal reforma gerou um boom das agências bancárias, que começaram a se
descentralizar, criando as bases de uma rede nacional
25
.
O PAEG diferenciava-se do enfoque recomendado pelo FMI por ser gradualista, prevendo
três fases de ajustamento: a inflação corretiva; a desinflação e a estabilidade de preços. Pela
adoção da correção monetária
26
, mecanismo de indexação que estimularia a poupança,
atualizou os ativos das empresas; desencorajando a protelação dos débitos fiscais e criando
um mercado voluntário de títulos públicos.
A Reforma Fiscal e Financeira de 1966 melhora as condições de financiamento do
gasto público corrente e de investimentos tradicionais ligados à construção civil, que
recomeçam firmemente a partir desse ano. [...] A produção corrente de serviços de
utilidade pública acompanha sem desfalecimento a taxa média de crescimento
industrial a partir de 1968 (TAVARES, 1978, p.83).
O FMI terminou por aceitar o “tratamento gradualista” dado pela equipe econômica
brasileira e, em janeiro de 1965, concedeu crédito de US$ 125 milhões ao Brasil, desses US$
79,5 milhões destinados à construção de usinas elétricas. O governo norte-americano
concedeu US$ 150 milhões para novo programa de empréstimo e fixou em US$ 70 miles
os empréstimos para projetos essenciais. A “credibilidade” junto aos investidores estrangeiros
fez-se acompanhar pela adoção de metas quantitativas estritas para a taxa de inflação e para o
déficit público.
24
Ermínia Maricato (1988) afirma que o sucesso do BNH se deveu ao fato deste tratar a habitação como uma
mercadoria, produzida e comercializada em moldes estritamente capitalistas, ignorando cerca de 77% da
população que ganhava uma quantia igual ou menor que cinco salários mínimos mensais.
25
Seria tal o nível de salvaguarda desse capital que o Decreto-Lei 898/1969 estabelecia, em seu Art. 27, que
“assaltar, roubar ou depredar estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação” é
crime de segurança nacional, punido com pena de reclusão de 10 a 24 anos.
26
A correção monetária produziu um efeito não imaginado por seus formuladores: possibilitou a retomada das
vendas a prazo, principalmente de bens duráveis, como automóveis.
As reformas institucionais implementadas no âmbito do PAEG, como o sistema de taxas
de câmbio flexível e a correção monetária, eliminaram quase todos os efeitos adversos da
inflação sobre o balanço de pagamentos, ao mesmo tempo em que promoveram a geração de
poupanças e do mercado de capitais.
A lei 4.728/1965 regulou o mercado financeiro, protegendo os compradores de ações e acionistas
minoritários e estimulando as companhias de capital aberto e a crescente participação no controle
acionário de SAs
27
. Além disso, deu ao CMN e ao BACEN funções comparáveis às da Securities
Exchange Commission nos Estados Unidos.
Velloso (1977) informa que tais mecanismos se ligam aos modelos empresariais de
associações desenvolvidos durante o regime:
O chamado modelo dos terços: empresa privada nacional, empresa
estrangeira, organismo governamental (ou suas variantes: 40%,40%,20%, etc.).
O modelo aperfeiçoado, em que se dá o comando à empresa privada
nacional, com apoio do sistema BNDE, para que escolha o cio estrangeiro e
negocie a participação deste.
O modelo da holding (ou melhor dito, da companhia de participação),
em que diferentes empresas ou grupos nacionais formam uma empresa para
realizar sua participação em um grande empreendimento, às vezes
majoritariamente.
Para a tecnoburocracia, essas medidas teriam sidoo bem sucedidas que a inflação
deixou de comprometer o crescimento econômico.
Além do combate à inflação, outro pilar do desenvolvimento, para o PAEG-1964-1966,
era a internacionalização que, iniciada no governo Juscelino Kubitschek (1955-1961), deveria
prosseguir sem nenhum entrave. A posição do novo regime era de que o empresariado o
deveria se desenvolver a expensas de limitações do afluxo de capitais estrangeiros ao país.
Assim, ao contrário de uma “potica negativa”, a orientação era no sentido de uma
potica positiva” que permitisse aos empresários nacionais competirem em de igualdade
27
Posteriormente, o governo Geisel sancionaria uma nova Lei das SAs, cujos maiores diferenciais seriam: a)
dividendo nimo obrigatório, em função do lucro, consoante o fixado nos estatutos da empresa; protegendo a
minoria, o dispositivo cria o efetivo interesse do investidor em voltar-se para o mercado de ões; b) correção
monetária automática das demonstrações financeiras e do capital social; c) maior responsabilidade dos
administradores e controladores perante os acionistas; d) organização jurídica dos conglomerados e consórcios
de empresa (VELLOSO, 1977).
com os estrangeiros que aqui operam. Em 21 meses do governo Castello Branco, foram
emitidos um trilhão e 380 bilhões de cruzeiros, mais do que o montante das emissões de todos
os governos da República em conjunto, ascendendo a quase US$ 5 bilhões a dívida externa.
A implantação do PAEG permitiu que as multinacionais, utilizando suas subsidiárias
brasileiras, comprassem a preços reduzidos empresas nacionais falidas graças às restrições de
crédito impostas, provocando o fenômeno da desnacionalização. Luciano Martins (1973)
indica que, em meados da década de 1960, as corporações multinacionais ganharam uma nova
magnitude na América Latina, com ampla penetração de investidores europeus e japoneses. A
participação estrangeira no capital industrial total brasileiro elevou-se de 18,9% em 1965 para
25,9% em 1975.
A Carteira do Comércio Exterior do BB, nesse ínterim, emitia licença de importação sem
cobertura cambial de equipamentos industriais que correspondessem às inversões
estrangeiras, dando-lhes o direito de trazerem seus equipamentos sem nenhuma despesa,
enquanto os industriais nacionais eram obrigados a adquirir previamente, com pagamento à
vista, as licenças de importação exigidas.
Na década de 1970, a burguesia industrial nacional centrava-se nos grupos financeiros
Matarazzo, Villares, Votorantin, Klabin, Antunes, Monteiro Aranha e Gastão Vidigal. Desses,
apenas os grupos Villares e Votorantim mantinham relativa independência face ao capital
internacional. Mesmo assim, havia participação do capital internacional na Aço Villares e
uma joint venture na Ferropeças Villares, ao passo que a Klabin estava associado à
International Finance Corporation e à Hoescht, no caso da Companhia Brasileira de
Sintéticos.
Setores inteiros da indústria passaram para o capital estrangeiro durante os 15 anos do
regime autoritário, em um aumento quantitativo do grau de dependência e subordinação. Em
1965, somente em São Paulo, cinco mil empresas cerraram suas portas, estando em marcha
um processo de desnacionalização de importantes ramos da economia nacional. Uma única
firma estadunidense, a Anderson Clayton, detém 80% da exportação do café. Certos ramos
industriais passaram a ser quase totalmente controlados pelas multinacionais: material de
transporte (89,7%); borracha (81 %); indústria mecânica (72%); material elétrico e de
comunicação (61 %); indústria alimentícia (58,9%) e têxtil (55,4%).
As desvantagens do empresariado nacional face ao capital estrangeiro, para o PAEG-
1964-1966, resultavam de nossas características tecnológicas e de dificuldades institucionais
que inibiam a obtenção de empréstimos, no exterior, em condições satisfatórias de prazo e
taxas de juros. Todavia, foi a potica creditícia do Programa que provocou a elevação do
número de concordatas e falências de empresas nacionais, com posterior transferência de
controle acionário para grupos estrangeiros, muitas vezes, sem entrada efetiva de capital
estrangeiro, feita mediante crédito bancário conseguindo no país
28
.
Para garantir a entrada de capital estrangeiro no país e combater o nacionalismo, fora
revogada a lei de remessa de lucros (Lei 4.131, de 03 de setembro de 1962)
29
, que
determinava um teto de 10% por ano do investimento original e era vista como o principal
motivo da diminuição do ingresso de investimentos diretos no país. Embora tenha aderido
quase incondicionalmente ao regime, o empresariado nacional não apoiou essa potica,
desejando que o governo incrementasse o crescimento econômico e desenvolvesse um sistema
de defesa para as empresas nacionais, se preocupando menos com a estabilidade monetária.
José Pedro Macarini (2000), analisando a política econômica do governo Costa e Silva,
aponta suas inflexões em relação ao governo Castello Branco. Para esse autor, mesmo os
ortodoxos defensores da austeridade tinham o seu apoio pelo regime e pelo empresariado
condicionado a uma redução da inflação para 10% a.a. e a retomada do crescimento a taxas ao
redor de 6% a.a. quando do término do governo Castello Branco (Tabela 1).
28
Essa situação foi minorada pela regulamentação do Decreto-Lei nº. 157, no primeiro trimestre de 1967,
destinado a incrementar a capitalização das empresas privadas mediante investimentos dedutíveis do imposto de
renda; reduzir das taxas de juros de 36% para 24% ao ano e determinar às instituições financeiras para que
destinassem no mínimo 50% de suas operações de crédito a pessoas e firmas com sede no país e cujo capital
majoritário estivesse em mãos de brasileiros.
29
A Lei de Remessa de Lucros foi aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 1962, mas foi
regulamentada em janeiro de 1964, já na fase presidencialista do governo Goulart.
Tabela 1 - Taxas anuais de inflação (1960-1967)
Ano ICV-RJ ICC IGP
1960 23,8
40,8
30,5
1961 42,9
42,9
47,7
1962 55,8
55,3
51,3
1963 80,2
64,4
81,3
1964 86,6
104,2
91,9
1965 45,5
43,4
34,5
1966 41,2
35,1
38,8
1967 24,1
41,3
24,3
Fonte: Adaptado de Simonsen; Campos (1979).
Org.: BRAGA, S. R. (2007).
A taxa de crescimento havia caído para 1,6% em 1963 e o ficit público em 1962 fora
de 4,2% do PIB. Nos três anos de aplicação do PAEG 1964-1966 a taxa de crescimento
foi sempre positiva: 3,1%, 3,9% e 4,4% respectivamente, ainda que acanhada. A inflação
reduziu-se de 86, 6 % para 41,1 % e ficit público restringido em 1966 a 1,1% (Tabela 1).
O deputado federal Roberto Saturnino Braga, entrevistado pela Revista Civilização
Brasileira, em 1966, analisa o cenário econômico pós-1964:
O Governo atual encontrou uma situação econômica caracterizada por uma inflação
já de fato insuportável (mais de 100 % ao ano). O programa de reduzir drasticamente
essa taxa para 25% em 1965 e 10% em 1966 fatalmente teria que produzir os efeitos
depressivos que produziu. [...] O atual programa econômico-financeiro, chamado
PAEG [...] é parte da ação depressiva a que tem sido submetida a economia
brasileira desde 1961, [...] não originalidade no que a atual administração
Bulhões-Campos vem praticando em sucessão a semelhantes medidas de Mariani -
Bulhões, no Governo Jânio Quadros, e de Bulhões-Moreira Sales-Santiago Dantas,
no Governo João Goulart. Nem mesmo os homens mudaram. A tônica desses
programas é a contenção e não a dinamização das atividades. [...] a preocupação não
é econômica, de aumento de produção e melhoria do padrão de vida, mas
estritamente financeira, entre débitos e créditos escriturais e de tesouraria. Da
igualdade das contas, com aumento violento dos tributos e paralisação dos
investimentos públicos, esperam ver nascer a estabilização monetária e
desaparecerem as emissões. Como se fosse possível, numa economia
predominantemente liberal, equilibrar o todo desequilibrando ainda mais as partes.
Ou alimentar duradouramente a capitalização do Estado com a descapitalização
crescente do setor privado (BRAGA, 1966, p.65).
De fato, apesar de o governo Castello Branco ter reduzido o salário nimo real e o déficit
público, a inflação atingiu 41% em 1966 e 46% de 1965, zombando das estimativas do PAEG
que previa uma inflação de 25% para 1965 e de 10% para 1966.
O PAEG visava a restabelecer a credibilidade do Brasil no exterior e a reconquistar a
confiança dos investidores estrangeiros, o que foi alcaado. À revelia disso, encerrado o
triênio de aplicação do PAEG era grande o grau de insatisfação com seus resultados. Três
indagações sobre o curso da política econômica colocavam-se:
Primeiramente, por que estamos ainda diante de um processo inflacionário bastante
intenso, apesar do Governo ter colocado em prática uma política econômica
caracterizada por um rígido controle de demanda? Em segundo lugar, quais as
causas das reduções periódicas do nível de atividade que tem caracterizado a nossa
economia nos últimos anos? Finalmente, de que forma será possível compatibilizar o
objetivo de manutenção de taxas de inflação dentro de limites razoáveis com o de
plena utilização dos fatores e retomada do desenvolvimento? (DELFIM NETTO,
1967, p.1).
A resposta a tais indagações conduzia à rejeição do diagnóstico sobre a causa da inflação
formulado pelo PAEG. Assim, de acordo com Macarini (2000, p.5), o objetivo prioritário
colocado pela nova administração foi a estabilização do crescimento industrial em torno de
sua tendência de longo prazo”. Entretanto, a inflação continuava a ser vista como
contraproducente para o desenvolvimento.
E uma das principais causas da inflação era a política salarial populista”.
1.2 Costa e Silva e a saga do desenvolvimento
Em março de 1967, foi empossado o general Costa e Silva. Seu ministério era composto
por oito oficiais da ativa, dois da reserva, seis técnicos civis e três poticos. Para a condução
da política econômica, foram nomeados Antônio Delfim Netto, ministro da Fazenda, e Hélio
Beltrão, do Planejamento. No ato de sua posse, o novo ministro da Fazenda anunciou como
meta estratégica a aceleração do desenvolvimento econômico do país, em combinação com o
combate ao processo inflacionário.
A troca de governo trouxe nova estratégia. O PED, lançado pelo governo Costa e Silva em
1968, tinha por metas o aumento de investimentos em setores diversificados; a diminuição do
papel do setor público e o estímulo a um maior crescimento do setor privado; com a expansão
do comércio exterior e a contenção da inflação. Este programa se propunha a solucionar os
problemas relacionados com a estrutura e o financiamento da comercialização de alimentos e
a eliminar os principais pontos de estrangulamento da infra-estrutura, da produção industrial e
do mercado interno.
Em agosto de 1968, foi criada a EMBRAER, com a finalidade de desenvolver indústria de
material aeronáutico, incluindo a fabricação de unidades de vôo e instrumentos sofisticados de
controle e segurança das aeronaves. Ainda de acordo com as diretrizes do PED, o governo
criou a EBCT, vinculada ao Ministério das Comunicações. Finalmente, em agosto de 1969,
foi criada a CPRM, inserida na estrutura do Ministério das Minas e Energia, para, mediante
encomenda do setor privado ou por iniciativa do próprio governo, explorar as riquezas no
subsolo nacional.
Segundo estimativas do Instituto de Economia da FGV, o quadro inflacionário brasileiro
ao início do governo Costa e Silva, tomando como base o ano de 1966, apresentava um índice
de 38,8%. No ano seguinte, a inflação baixou para 24,3 %, elevando-se a 25,4 % em 1968,
para declinar novamente em 1969, quando chegou a 20,2%.
Continuava, assim, em pauta demonstrar a viabilidade do desenvolvimento brasileiro
(BRASIL, 1969, I-2), preocupação que permeou o PED. Em contraste com a retórica do
Programa anterior, o PED apoiou-se em um diagnóstico que vinculava o desafio brasileiro
ao “arrefecimento da substituição de importações”, encerrando um estágio do processo de
desenvolvimento econômico do Brasil, caracterizado por uma estratégia baseada num “único
fator dinâmico” (a indústria), tornada possível pelo fato de a decisão de investir depender
apenas do tamanho absoluto dos mercados”.
Exatamente porque arrefeceu a substituição de importações e nenhuma estratégia
concentrada numa única fonte de dinamismo te condições de assegurar o
desenvolvimento auto-sustentável, a estratégia a adotar no novo estágio objetiva a
diversificação das fontes de dinamismo. Dever-se-á ampliar substancialmente o
‘bloco de setores dinâmicos interligados, e que na fase anterior se limitara
praticamente à Indústria (Bens de capital, Bens de consumo duráveis, Bens
intermediários) e alguns segmentos de Infra-estrutura e de Agricultura. A ampliação
desse “bloco” de impactos simultâneos, para abranger (além da Indústria) o Setor
Agrícola, áreas substanciais da Infra-Estrutura Econômica e da própria Infra-
Estrutura Social (Habitação, Educação, Saneamento) irá permitir a expansão da
demanda e oferta capaz de sustentar um ritmo intenso de crescimento, numa
ampliação de mercado que permita superar a fase de crescimento moderado em que
se encontrava a economia (BRASIL, 1969, IV-16).
A velha potica econômica estaria na contramão da integração nacional, que, como
afirmam Smolka e Lodder (1975, p.205), ele conduz necessariamente, no longo prazo, o
sistema à concentração espacial pela simples razão de ser mais eficiente”.
As novas autoridades econômicas recorreram a alguns expedientes que implicaram
renúncia de receita: a elevação do teto de isenção sobre o IR das pessoas físicas, resultando
em um ganho aproximado de 5% para os salários reais das faixas salariais favorecidas, e o
alongamento transitório dos prazos para o recolhimento do IPI, passando a desfrutar de 30 a
45 dias, ao invés de ser feito no ato do faturamento, medida de estímulo à reativação da
demanda de consumo e de fornecimento de capital de giro ao setor industrial para atendê-la.
Observou-se, ainda, uma vigorosa expansão da oferta de moeda e crédito, ao passo em que
se reduziam as taxas de juros e uma gama de medidas estimulava as exportações (isenção de
impostos indiretos, minidesvalorizações cambiais). Para Macarini (2000, p.10), entretanto,
o seria correto considerar que a implementação do ‘modelo exportador’ já se constituísse
uma peça essencial da potica econômica: na verdade, tal somente ocorreu um pouco mais à
frente, durante o governo Médici”.
Presidido pelo ministro da Fazenda Delfim Netto, o CMN transformou-se numa “arena de
negociação entre setor público e privado, cabendo à tecnocracia o papel de agente mediador
dos interesses privados” (DINIZ, 1994, p.209). Mais do que um formulador da potica
monetária e creditícia, esse órgão passou a dirigir de fato a política econômica do país.
O desempenho da economia brasileira no ano de 1968 fora extremamente satisfatório: o
setor industrial teve crescimento próximo a 14%, o mesmo acontecendo com o emprego
industrial. A indústria automobilística iniciou em 1968 o seu ciclo de recordes sucessivos de
produção (mais de 270 mil unidades produzidas, contra 225 mil em 1967) e a da construção
civil experimentou substancial ativão. O setor de bens intermediários também cresceu: a
siderurgia, ao redor de 16% em 1968 e o setor de materiais de construção chegou, inclusive, a
ser surpreendido pela grande expansão da demanda. As exportações exibiram os primeiros
sinais do futuro boom exportador, atingindo a marca de US$ 1,8 bilhão (MACARINI, 2000).
Octávio Ianni (1971), analisando a potica econômica, referente aos anos 1964-70, afirma
a continuidade dos mesmos objetivos básicos: controle da inflação; expansão e diversificação
das exportações; estímulo à concentração do capital; racionalização das estruturas internas e
externas das empresas; modernização e reintegração do subsistema econômico brasileiro, em
nível nacional e internacional.
Assim, a potica creditícia, fiscal e cambial, nos termos em que foi posta em prática,
provocou o enfraquecimento da posição relativa e absoluta de um setor da burguesia brasileira
(não somente pequena e média) em favor da grande burguesia multinacional. Ruy Mauro
Marini (1986) informa que, entre 1964 e 1970, o índice de produção industrial no ramo de
material de transporte (dominado pelo capital estrangeiro) se elevou de 92,4 a 225,2, enquanto
o ramo têxtil (de base nacional, naquele momento) se reduzira de 101,6 a 97,2.
Para rebater a crença de que a “inflação produz o desenvolvimento”, Delfim Netto tentou
persuadir a sociedade a aceitar uma potica que reduzisse o ritmo de expansão da oferta
monetária a limites compatíveis com as necessidades reais da economia e do vel de preços
estimado. Todavia, as tensões criadas por essa potica ecomica junto ao empresariado
obrigaram a recorrentes medidas tópicas para abrandar as pressões de frações empresariais em
dificuldades, sem abandonar as diretrizes centrais de austeridade e disciplina.
Os últimos meses de 1968 corresponderam a um período de crise, observando-se uma
expansão acentuada do ficit orçamentário, dos meios de pagamento e do crédito bancário,
numa conjuntura marcada por sinais de estagnação. Sintomaticamente, uma das primeiras
medidas do governo Médici consistiu no adiamento do imposto de renda devido pelas pessoas
físicas em novembro/dezembro para fevereiro/março de 1970, procurando, assim, estimular as
compras de fim do ano.
Durante algum tempo tentou-se esconder o sol com a peneira, resultando daí um
hiato cada vez maior entre a inflação real e a inflação oficial, que acabou engolindo
todo o sistema de controles de pros, juros e salários. em fins daquele ano, o
“modelo” girava num vazio: a economia inegavelmente continuava crescendo, mas o
processo produtivo começava a engasgar em tantos pontos, que mudanças profundas
na política econômica se impunham (SINGER, 1976, p.164).
Sob este espectro, sendo os trabalhadores os eternos culpados das crises do capital, os
reajustes salariais de 1969 foram arbitrados supondo: 1) um resíduo inflacionário fixado em
15% no primeiro semestre e reduzido para 13% no segundo semestre; 2) um coeficiente de
aumento da produtividade no nível de 2%.
30
30
O próprio Delfim Netto, em entrevista a Visão (31 jan. 1969), reconhecia que o crescimento da produtividade
industrial alcançara 9%.
Durante o ano de 1969 foram recorrentes as queixas de setores empresariais, acusando em
maior ou menor medida os efeitos da restrição de crédito, enquanto as dificuldades já antigas
de algumas indústrias foram intensificadas. Nesse momento, contudo, a política ecomica
experimentou nova inflexão, com uma notável ampliação das ambições potico-econômicas.
A inflexão foi o resultado de uma mudança na política econômica: o combate à
inflação foi dado como vitorioso e a aceleração do crescimento passou a receber
máxima prioridade. A partir de 1967, à construção civil foram destinados créditos
abundantes do BNH e, em 1968, o seu produto cresceu 23% em relação ao ano
anterior. Este foi o início do boom, que logo depois envolveu a indústria
automobilística e outros ramos produtores de bens duráveis de consumo (SINGER,
1976, p.112).
A indústria automobilística foi o carro-chefe do anunciado milagre. Em 1966-1967, após
concluir a fase de absorção das indústrias nacionais, as empresas estrangeiras conformam um
setor altamente oligopolista. Uma única empresa, a Mercedes-Benz, chegou a responder por
mais de 50% dos caminhões produzidos no país. Essas montadoras, concentradas no ABC
paulista, empregavam 80 mil trabalhadores em 1971. À sua volta, gravitavam indústrias de
autopeças, de capital nacional ou estrangeiro. Ao mesmo tempo, o estoque de carros
estrangeiros no país passou de US$ 1,2 bilhão em 1960 a 17,5 bilhões em 1980. O automóvel
impulsionou a produção siderúrgica, a construção de estradas, pontes, viadutos, facultando às
grandes empreiteiras a consolidação de seu próprio império.
Delfim Netto captaria muito bem o novo clima, propondo como meta central do novo
governo uma taxa de crescimento de 9% a.a. e a conseqüente duplicação da renda per capita
na década de 1970. Delfim Netto permanecerá no governo Médici, mas, para Macarini (2005),
o se pode considerar como idêntica a atuação do ministro nos dois governos. O discurso (e
a práxis) delfiniana de 1967-1968 não se projetariam facilmente sobre todo o período até
1973: o “milagre” despontou apenas na virada de 1969 para 1970 e o “modelo agrícola-
exportador” somente adquiriu o estatuto de núcleo estratégico da potica econômica no
governo Médici.
1.3 Enfim, um milagre
Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmaria: “homem de meu tempo, tenho
pressa”. Um ritmo de crescimento entre 6 e 7% não nos bastaria, urgia “acelerar o
processo”, posto que o Brasil é grande demais para tão poucas ambições” (MÉDICI, 1970,
p.3).
Fato é que as reformas ocorridas durante os anos 1964-1967 aliadas ao cenário
internacional favorável e à capacidade ociosa, herdada do período anterior, resultaram em
período caracterizado por elevadas taxas de crescimento do PIB (Tabela 2), das exportações
brasileiras e da concentração de renda pessoal e setorial.
Reis Velloso (1977) informa que, em 1974, o setor industrial passou a responder por 40%
da renda interna, contra 11% do setor agrícola (em 1960, essas participações eram de 33% e
19%, respectivamente). Na indústria de transformação, entre 1973 e 1976, o nível de emprego
aumentou 10,5%. Isso significou mudança de tipo de emprego para milhões de pessoas, o que
teria ampliado a população urbana; levando a uma grande expansão do sistema educacional e
a uma abertura do hiato de nível de conhecimentos e, conseqüentemente, da capacidade de
gerar renda, entre mão-de-obra não-qualificada e mão-de-obra qualificada.
Para os apologistas do regime, porém, não havia “milagre” algum: a combinação de
elevadas taxas de crescimento econômico, com a contenção da inflação e um balanço de
pagamentos superavitário, fora o resultado da aplicação de um modelo teoricamente bem
estruturado, acompanhado de certo pragmatismo. Tal pragmatismo buscou a consecução dos
seguintes objetivos: a) desenvolvimento econômico como objetivo nacional prioritário; b)
política de redução gradual da inflação; c) criação de instituições tipicamente brasileiras,
como a correção monetária, taxa flexível de câmbio, política salarial, FGTS e PIS e d) esforço
na melhoria da formação dos recursos humanos.
Tabela 2 - Taxa de crescimento do PNB
Ano %
1960 9,7
1961 10,3
1962 5,3
1963 1,5
1964 2,9
1965 2,7
1966 5,1
1967 4,8
1968 8,4
1969 9,0
1970 9,5
1971 11,3
Fonte: Bresser-Pereira (1973, p.124).
As prioridades foram revistas e a inflação, reeleita o inimigo número 1 da economia
nacional. De persecutória da estabilização, a política econômica assumiu, então, traços
restritivos, com o propósito de impor substancial redução à taxa inflacionária. A perspectiva
era de que se podia enfrentar a inflação naquele momento, porque a economia estava
recuperada.
A potica ecomica em 1969 procurou reduzir o déficit orçamentário e fortalecer a
estrutura de capital da empresa nacional. Adotou-se o princípio da centralização
administrativa, permitida pelo AI-5, que, em seu artigo 10, estabelece: “A transferência de
recursos da União a Estados e Municípios, nos diversos setores e sob qualquer forma, ficará
condicionada à contrapartida de recursos próprios, de valor pelo menos equivalente àquele a
ser transferido” (BRASIL, 1969, p.33).
A redução do déficit orçamentário diminuiu a tensão inflacionária existente na economia e
foi complementada por uma potica monetária que evitou a expansão da oferta de moeda e do
crédito ao setor privado, assegurada agora pelo mercado de capitais. A partir desse momento,
foi possível tabelar as taxas de juros. Macarini (2000, p.24) entende que o tabelamento foi
uma estratégia de fomento da concentração bancária e financeira constituiu uma pa
importante da política econômica delfiniana durante o ‘milagre’ brasileiro”, com o
superfavorecimento do grande capital bancário”. Essa seria, para o autor, a gênese do
conglomerado financeiro, “apontado como o primeiro degrau para a formação de um
verdadeiro conglomerado financeiro-industrial: a réplica brasileira do zaibatsu japonês e peça
fundamental para assegurar a consolidação do desenvolvimento e a plena constituição da
Nação”, na avaliação dos economistas do regime.
O presidente Emílio Garrastazu Médici, ao apresentar, em palestra na ESG, o PND,
afirmou que seu governo iniciava um Estado revolucionário, no qual seriam plantadas
estruturas política, administrativa, social e econômica capazes de promover a integração de
todos os brasileiros aos níveis mínimos de bem-estar”. O governo revelava-se “disposto a usar
seus poderes excepcionais o na luta contra o inimigo da segurança, mas, sobretudo na
conquista do progresso”, procurando eliminar “a desigualdade entre os homens”, a “floração
de privilégios” e “desagregação entre as classes” (A NOVA SEGURANÇA, 1970, p.22).
Munido dessas “boas intenções”, o novo presidente valeu-se do AI-5 para ampliar, ainda
mais, o espaço de manobra de sua potica econômica. Além disso, cercou-se de “bons
homens”: além de conservar ministros militares em pastas civis, o governo Médici promoveu
a militarização da administração pública, garantindo a presença de militares (caracterizados
como técnicos e não como poticos) na direção e em cargos de segundo escalão de vários
setores do governo, bem como nas estatais.
Efetivamente, a posse do general Médici (1969-1974), fez-se acompanhar por uma intensa
ação de marketing potico, destinada a popularizar a figura do presidente e a criar uma
relação de comprometimento da sociedade com o governo. Nesse sentido, a participação da
sociedade como elemento-chave nas conquistas do país foi exaltada. Éramos todos co-
responsáveis pelo futuro de grandeza do Brasil, potência emergente.
Em seu discurso, Médici afirmava ter chegado à pungente conclusão de que a economia ia
bem, mas a maioria do povo ainda ia mal. Assim, mesmo sabendo que a população brasileira
cresceria em cerca de 26 milhões de pessoas na década seguinte, o I PND pretendia que a
renda per capita do país (por volta de US$ 300) fosse dobrada até 1980, graças ao aumento do
ritmo de investimento, dos 15% à época para 20%, e à redução da taxa de inflação, dos 20%
atuais para a faixa dos 10% ao ano, ainda no governo Médici.
O PIS, proposto pelo governo Médici, tinha por fim “integrar o trabalhador brasileiro no
sistema ecomico do País” e, ainda, favorecer “a permanente e indispensável harmonia entre
o capital e o trabalho”. Néstor Garcia (2005, p.181) comenta a propaganda que se fez
acompanhar da criação do PIS:
Outro anseio das classes subalternas era obter a melhoria das suas condições de vida,
através de uma participação mais justa na renda da economia. A tática de
desmobilização adotada consistiu na criação do PIS, apresentado como rmula de
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. A lei que criou o programa
apresentava-o como “destinado a promover a integração do empregado na vida e
desenvolvimento das empresas”. O sistema previa a criação de um fundo, com
recursos fornecidos pelas empresas, parte dos quais dedutíveis do imposto de renda,
que seriam depositados em contas individuais dos empregados: “É muito mais
gostoso trabalhar quando você é sócio dos lucros do Brasil. Com o PIS, dez milhões
de trabalhadores brasileiros participam dos lucros do Brasil”.
Para Delfim Netto, a criação de tais fundos vinculava-se ao objetivo permanente de
redução das taxas de juros, pré-condição do crescimento. Na medida em que o fundo captava
recursos a serem transformados em capital de giro das empresas, ele reduzia a demanda de
financiamento por parte dessas empresas, baixando a taxa de juros. Todos os recursos foram,
efetivamente, canalizados para bancar o crescimento industrial. Linhas de créditos
financiavam capital de giro, a compra de máquinas, equipamentos e matérias-primas para as
empresas. Ao mesmo tempo, investia-se na construção de grandes estradas, avenidas e
viadutos que favorecessem a circulação das mercadorias e a reprodução do capital, a partir
dessa capitalização dos recursos sociais.
Durante o ano de 1971, apesar da recessão americana, a atividade econômica continuava
firme no Brasil, o nível dos investimentos mantinha-se elevado, as exportações prometiam
girar em torno de US$3 milhões, as exportações de manufaturados apresentavam grande
crescimento, o déficit de caixa do governo estava controlado e os preços cresciam à uma taxa
decrescente.
As causas dessa recuperação econômica relacionaram-se a três fatores: uma potica
econômica, a partir de 1967, realizada ao nível do Ministério da Fazenda, e, portanto,
conjuntural, reequilibrou a economia brasileira, conciliando uma elevada taxa de
desenvolvimento com uma inflação moderada.
Aproveitando as medidas racionalizadoras positivas do governo anterior (1964/66),
e não incorrendo nos mesmos erros, a política governamental logrou restabelecer o
equilíbrio entre a procura e a oferta agregadas, diagnosticar e contornar a inflação de
custos, desenvolver o mercado’ de capitais, estimular as exportações, dar
tranqüilidade econômica à classe empresarial, e permitir que a capacidade ociosa
representada na economia fosse em parte eliminada. Além dessa causa de curto
prazo, há, porém, duas outras mais profundas. Uma diz respeito ao próprio
dinamismo e potencialidade intrínseca da economia brasileira. A outra se refere ao
processo de modificação no perfil de distribuição de renda, que passa a ocorrer no
Brasil nos anos sessenta (BRESSER-PEREIRA, 1973, p.123).
Essa potica ecomica, “destinada a aperfeiçoar as condições para o funcionamento e
prosperidade da empresa privada implicou em estender e aprofundar a participação do poder
público nos diversos setores e níveis da economia do país”, constituindo “um elemento
importante para a recomposição das relações entre as classes sociais” (IANNI, 1971, p.275).
Com o aumento da produção agrícola e das exportações através do federalismo
econômico, esperava o governo uma distribuão da riqueza nacional entre todos e não apenas
entre 20 milhões de brasileiros que viviam nas regiões mais ricas. E a segurança nacional
estará mais bem alicerçada, segundo o presidente da República, quando o país tiver um
desenvolvimento razoavelmente homogêneo de suas regiões e das diversas faixas de sua
população.
É nesse contexto que Delfim Netto defendeu uma meta de crescimento da ordem de 9% ao
ano, perspectiva que colocava em segundo plano as preocupações com a inflação, e o apoio
simultâneo à agricultura e à exportação, configurando um novo modelo de desenvolvimento.
Houve, nesse primeiro momento do governo Médici, uma disputa de projetos entre os
ministérios do Planejamento (Reis Velloso) e da Economia (Delfim Netto), em função do que
a divulgação das diretrizes do novo governo, anunciada para dezembro, fora adiada para a
reunião ministerial de 06 de janeiro de 1970, ocasião em que nada foi decidido. Se a atividade
do planejamento deu origem às Metas e Bases para a Ação do Governo (outubro de 1970) e o
posterior I PND
31
, em 1971, eles “cumprem papel essencialmente retórico, não se
constituindo no guia da política ecomica do Governo Médici” (MACARINI, 2005, p.59-
60). A perspectiva dominante era: “dêem-me o ano, e não se preocupem com décadas”, título
31
O I PND “inovou em termos de planejamento econômico na medida em que separava a estratégia de
desenvolvimento de sua execução”. Ele estabelecia três objetivos: “inserir o País, em uma geração, na categoria
das nações desenvolvidas; duplicar a renda per capita até 1980 e promover o crescimento do Produto Interno
Bruto entre 8 e 10% ao ano” (ACCARINI, 2003, p.168).
de um artigo de Delfim publicado no Jornal do Brasil, em 31 de março de 1970, e a nova
opção estratégica, o modelo “agrícola-exportador”.
Aí estará, precisamente, a maior novidade da nova política governamental. Desde os
anos 50, nosso esforço desenvolvimentista vem sendo predominantemente
industrial, de forma desequilibrada em relação ao setor agrícola [.] Dessa forma,
nossa política de desenvolvimento [.] visará ao incremento substancial da produção
agrícola e ao aumento das exportações, o que certamente haverá de motivar rápida
ampliação do mercado interno e induzirá a própria expansão do setor industrial
(MÉDICI, 1970, p.4).
Esse projeto envolvia a ambição de dobrar a renda per capita de 1970 a 1980, apoiada
numa projeção de crescimento do PIB de 9% a.a. A idéia era de que dos dois setores básicos –
agricultura e exportações – surgiriam condição para uma rápida ampliação do mercado
interno, em rompimento com as poticas do passado de apoio à industrialização por
substituição de importação, que teriam acarretado a redução da eficiência da economia e altos
custos sociais. O diagnóstico era de que o processo de substituição de importações encontrou
seu limite e qualquer tentativa de insistir com essa opção fracassaria em atingir a ampla
mobilização de recursos internos para a sustentação do desenvolvimento e o aumento geral da
eficiência do sistema produtivo nacional.
Macarini (2005, p.63) informa que eram as seguintes as projeções de crescimento:
“lavoura para o mercado interno (6,8% a. a.), pecuária para consumo interno (9,0% a. a.),
exportões (10,0% a. a.)”. Esse desempenho seria induzido pela redução de preços relativos,
capazes de estimular a ampliação do uso de fertilizantes e outros insumos e a mecanização,
possibilitando uma expressiva elevação da produção por área e da área cultivada por pessoa.
Os incentivos dados às exportações, incluindo pequenos reajustes da moeda brasileira em
intervalos variados de tempo, “desburocratização administrativa”, melhoramentos na infra-
estrutura de transporte e comercialização, tiveram forte impacto sobre a balança de
pagamentos brasileira (Tabela 3).
Tabela 3 - Exportação, importação, renda e coeficientes de importação e exportação –
Brasil (1968–1973)
Ano Exportações
(1968 = 100)
Importações
(1968 = 100)
Renda
(1968 =
100)
Coeficiente
de
Importação
Coeficiente
de
Exportação
1968 100
100
100
6,72
5,96
1969 123,15
109,46
109,5
6,72
6,71
1970 140,34
131,97
119,04
7,45
7,03
1971 143,54
161,62
132,54
8,19
6,46
1972 180,94
195,62
148,37
8,86
7,27
1973 222,46
226,76
169,09
9,01
7,84
Fonte: Adaptado de Nakabashi (2004).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
A expansão da agricultura e das exportações tinha o papel de criar as condições para uma
forte expansão industrial (a meta estabelecida foi de 10,5% a.a.). Tal estratégia teria se
tornado possível pela presença no País de uma estrutura industrial suficientemente ampla e
diversificada. O estímulo às atividades agrícolas deveria atuar, destarte, como um elemento de
dinamização da demanda interna de produtos manufaturados e, por conseguinte, do
crescimento industrial.
A execução da potica econômica enfrentou, no ano de 1970, uma aceleração da inflação
que suscitou inquietação em certos setores que demandavam um tratamento de choque,
rejeitado por Delfim Netto.A opção pela convivência com uma inflação sob controle,
neutralizada em seus efeitos, indicava a preservação indefinida da correção monetária,
originalmente instituída com caráter provisório” (MACARINI, 2005, p.68).
O governo procura compatibilizar, no limite do possível, a consecução simultânea dos
dois objetivos: o desenvolvimento e a estabilidade; significa que “quando temos de trocar
menos 5% de inflação com mais 2% do produto, ficamos com o produto, porque podemos
corrigir a distribuição de renda com potica fiscal”. Isto só é possível porque a inflação está
sob controle e os seus maiores males (a alocação defeituosa dos investimentos; a redução da
taxa de poupança; o desequilíbrio no balanço de pagamentos) foram praticamente
neutralizados pela potica de preços que eliminou o congelamento, pela correção monetária e
pela taxa de câmbio flexível. “Há uma alegre irresponsabilidade nas recomendações de que
devemos iniciar um tratamento de choque da inflação” (DELFIM NETTO, 1970, p.3).
A prática, anteriormente de caráter emergencial, de dilatação dos prazos de recolhimento
dos impostos indiretos, tornou-se permanente a partir de 1970, contribuindo para a expansão
do ritmo de atividade numa medida, cuja importância não deve ser subestimada. Com menor
abrangência e profundidade, também o ICM do setor industrial teve seus prazos de
recolhimento alongados. As aquotas de IPI e ICM foram reduzidas em 0,5% ao ano, de 1971
a 1974.
O ano de 1970 foi, também, o da implantação do open market (após uma fase
experimental em 1968-1969). O open facultou aos bancos remunerar parte do seu encaixe e
desenvolver operações interbancárias, projetando a redução dos seus custos operacionais. O
open constituiu, igualmente, esfera de valorização dos capitais em aplicações de curto prazo,
numa conjuntura de alongamento de prazos de recolhimento e redução/isenção de impostos.
As operações de mercado aberto são o substituto eficaz para o velho sistema de
taxas mínimas ou obrigatórias de depósitos compulsórios. Estamos aprendendo a
trabalhar com o open market para poder superar aquele sistema, extremamente
oneroso para os bancos. [...] Vai ser um instrumento extremamente importante no
futuro para controle da liquidez global do sistema econômico brasileiro. E vai ajudar
a reduzir muito os empréstimos compulsórios, quando chegar o momento
apropriado. Portanto, vai ser uma operação que reduzirá de maneira substancial o
custo do sistema bancário (DELFIM NETTO, 1970, p.36-38 passim).
O governo Médici elegeu a agricultura sua prioridade e estabeleceu 1970 como o “ano da
agricultura”. Vários foram os incentivos dados ao setor, visando à ampliação da mecanização
e do uso de insumos modernos, consolidando a sua transformação em agronegócio. Dentre
esses, Macarini (2005) destaca:
Isenção de IPI e de ICM sobre tratores e demais maquinários agrícolas.
Isenção de ICM sobre os insumos empregados na produção de adubos e
fertilizantes.
Incentivo fiscal à compra de tratores e máquinas agrícolas, fertilizantes,
defensivos, etc. (abatido em até 80% do rendimento líquido sujeito ao IR).
Redução do IR devido pela agricultura;
Isenção de IPI sobre matérias-primas e produtos intermediários
utilizados pela indústria de máquinas e implementos agrícolas.
Isenção de ICM sobre motores e engrenagens utilizados na fabricação
de tratores.
A resposta da agricultura aos estímulos foi um crescimento de 11,4% em 1971, uma
performance que não se repetiria nem em 1972 (4,1%), nem em 1973 (3,5%). Essa potica
impulsionou, fortemente, a indústria de tratores, que operava com 50% de capacidade ociosa
em 1969 e cuja expansão alcançou 47% em 1970; 57% em 1971 e 32% em 1972. A produção
de fertilizantes nitrogenados multiplica-se por oito entre 1970 e 1974 e a de fosfatados cresce
acima de 150% no período.
Quanto à indústria, Bacha e Bonelli (2005) estimam que o grau dio de capacidade
ociosa era de 3,4% antes de 1980, aumentando para 7,6% depois dessa data; ao passo que o
grau nimo de capacidade ociosa era zero, aumentando para cerca de 4,4% no pós 1980,
sendo verdade que os níveis observados de utilização de capacidade na indústria no início dos
anos 1970 jamais foram alcançados a partir de 1980.
Parte do crescimento da produção pretendido (algo como 2 a 3% a. a.) viria do
aproveitamento integral da capacidade produtiva subutilizada, pelo turno único de trabalho, e
seria incentivado pela redução dos encargos previdenciários nos acréscimos de turnos de
trabalho e dos encargos tributários sobre os acréscimos de produção provocados pelos turnos
adicionais. Essas duas medidas fizeram-se acompanhar pela redução da tarifa de energia
elétrica industrial nos períodos noturnos, fora dos picos de demanda e pela aceleração da
depreciação, vinculada à utilização desses turnos adicionais. A indústria nacional deveria,
pois, adotar padrões internacionais de eficiência.
Nessa conjuntura, a aceleração do crescimento tornou evidente o atraso na expansão de
capacidade da siderurgia. A o governo Médici, o existira qualquer programa de
investimento em antecipação a um possível ponto de estrangulamento futuro, de modo que as
importações de aço em relação ao consumo ingressavam em uma trajetória ameaçadora:
12,4% em 1969, 14,5% em 1970, 21,9% em 1971. O PSN, tornado inadiável, fixou, em
dezembro de 1970, a meta de quadruplicar a produção de aço em uma década, devendo atingir
20 milhões de toneladas em 1980. O crescimento do investimento público e do setor
produtivo estatal a taxas anuais de 12,2% e 27,7%, respectivamente, entre 1970 e 1973
assumiu grande importância, dado o seu efeito indutor sobre as decisões privadas.
A potica econômica caracterizou-se, ao longo de 1970 e 1971, por uma distribuição
generosa de incentivos (à agricultura, aos exportadores, à indústria, aos bancos); colheita farta
de crescimento econômico (incluindo, em 1971, a supersafra agrícola), inflação estabilizada,
aumento progressivo das reservas internacionais.
Em 1972-1973, combinaram-se uma conjuntura econômica internacional e doméstica de
intenso crescimento. A política econômica foi favorecida pelo boom sincronizado das
economias capitalistas desenvolvidas e por uma incomum flexibilidade da potica monetária
(oferta abundante de liquidez e baixas taxas de juros) que levou o comércio mundial aos
maiores índices de expansão de todo o pós-guerra. Nesse contexto de sobreliquidez
internacional, intensificou-se a demanda mundial por alimentos e matérias-primas industriais
e os preços dos alimentos cresceram 54,0% em 1972 e 43,2% em 1973, enquanto os preços
das matérias-primas industriais exibem alta de 29,4% em 1972 e 74,2% em 1973
32
.
A continuidade da expansão e, sobretudo a ausência de fortes pressões
inflacionárias, apesar das taxas inusitadamente altas de crescimento do produto, se
deve, portanto, em boa medida, ao rápido crescimento de nossa capacidade para
importar, proporcionada pela grande expansão das exportações e a forte elevação
das entradas de capital estrangeiro (SINGER, 1973, p.70-71).
Essa conjuntura de superaquecimento, com níveis de produção tendendo a alcançar a
plena utilização de capacidade, contribuiu para o crescimento da demanda, culminando em
sobreinvestimento, que, posteriormente, desdobrar-se-ia em uma crise de superacumulação de
capital. Assim, no pico do auge cíclico, em 1973, observaram-se manifestações de escassez de
matérias-primas e insumos. Ao disseminar-se a apreensão de escassez, teve início um
movimento especulativo (antecipação de compras), contribuindo para intensificar a escassez
(e a correspondente pressão localizada sobre os preços). Diante da escassez, Delfim indaga:
Quem é suficientemente irresponsável para propor que paralisemos o desenvolvimento
econômico porque existem algumas dificuldades com matéria-prima?”
Na indústria automobilística, as montadoras se defrontaram com limitações físicas
no suprimento de chapas de aço; as firmas de autopeças foram afetadas pela falta
generalizada de o, registrando-se casos de paralisação total da linha de produção
(além, é claro, de queixas insistentes de forte elevação dos custos, não reconhecida
pelo CIP v.g., disseminava-se no mercado a prática de sobrepreço). A indústria
têxtil foi afetada pela escassez de algodão; a de calçados, pelas dificuldades no
suprimento de couro (também aqui registrando-se casos de redução da produção); na
química, o suprimento deficiente de insumos afetou a produção de resinas (um caso
extremo: o fenol, monopolizado pela Rhodia, teve a sua produção interrompida em
32
Macarini (2005).
razão da escassez da matéria-prima, importada); a falta de resinas fenólicas e de
ferro gusa trouxe dificuldades para a fundição (MACARINI, 2005, p.78-79).
A partir do biênio 1970/1971, parecia esgotada a capacidade ociosa da indústria herdada
da etapa anterior e utilizada no período da recuperação, de modo que a potica ecomica do
período 1972-1973, contrastando com a prática anterior, reassumiu uma feição
antiinflacionária, assumindo uma meta explícita, a saber, 15% em 1972 e 12% em 1973, o que
o se via desde o PAEG. O general Médici, discursando no aniversário do regime, daria
grande espaço ao tema da inflação, qualificando-a de “mal do século” e “a maior inimiga do
bem estar da família brasileira”, e anunciaria a adoção de uma “nova postura”
33
.
Para Macarini (2005, p.80-81), essa “nova postura” diante da inflação, “na verdade, a
recuperação de um ideal originário da Revolução foi determinada por fatores de ordem
política: a sucessão de Médici começava a despontar, e essa poderia ser “uma tática para
enquadrar o processo ou para aumentar o cacife do grupo dirigente visando influir no seu
desenlace final”. Assim, para esse autor, a “nova postura” era parte da propaganda do regime
que buscava alimentar o ufanismo patriótico com o anúncio de sucessivos “projetos de
impacto”.
A confiança no êxito da meta antiinflacionária baseava-se em projeções de excelente
desempenho agrícola em 1972 e 1973, no arrocho salarial consolidado, déficit orçamentário
negligenciável, mbio acertado, política monetária eficazmente conduzida graças ao open. A
política econômica pretendeu reduzir significativamente a inflação e, ao mesmo tempo,
perpetuar o crescimento acelerado, concedendo prazos elásticos para o recolhimento do IPI e
disponibilizando financiamentos do capital de giro (a custo zero).
Hércules Corrêa (1980), apoiando-se em estudos do DIEESE e da RAE/FGV, afirma que,
enquanto a produtividade média aumentou 670%, entre 1966 e 1976, o salário real diminuiu
27%, nesse período. Por outro lado, enquanto o PNB per capita cresceu 58%, de 1961 a 1973,
o salário nimo real dio diminuiu 55 % nesse mesmo período de 12 anos.
O modelo adotado utilizou largamente o endividamento externo, intensificado ao longo de
1972 e 1973 e visto como mecanismo de captação de poupança externa, permitindo elevar a
taxa de investimento de forma a assegurar o crescimento acelerado. Em um quadro de
liquidez farta, houve um crescimento vertiginoso da oferta de crédito: 46% em 1972 e 43%
33
O discurso de Médici acha-se publicado em O Estado de São Paulo, de 02 de abril de 1972.
em 1973, no caso dos bancos comerciais; 54,4% em 1972 e 57,3% em 1973, no caso dos
empréstimos do SFH; 65,3% em 1973, no caso das financeiras (em São Paulo, alcançou-se a
taxa de 108,7%) e 60,2% para os empréstimos dos bancos de investimento (MACARINI,
2005).
Em pleno festival do “milagre brasileiro” (1968-73) o então Ministro da Fazenda,
Delfim Netto, dizia que era maravilhoso que o Brasil pudesse aumentar seu
endividamento externo rapidamente. E explicava, com arrogância: endividando-se o
Brasil estava utilizando a poupança externa (ou seja, recursos economizados por
habitantes de outros países) para promover seu desenvolvimento. E isso era
essencial, pois com a poupança interna (traduzindo: o que os brasileiros
economizavam) não seria possível fazer a economia crescer rapidamente (BUENO,
1983, p.44).
Os dados disponíveis demonstram que as multinacionais cresceram mais rapidamente que
o resto da economia durante o boom, quer pela formação de oligopólios, quer por sua
superioridade tecnológica. O relatório da Comissão de Inquérito sobre Multinacionais do
Senado dos Estados Unidos (1975) afirma:
Com quase metade da indústria sob controle estrangeiro, o comportamento das
multinacionais é um determinante crítico da performance da economia brasileira.
Além do mais, como muitas firmas estrangeiras são oligopolistas, a
desnacionalização está ligada à concentração do mercado de produtos. Concentração
de mercado confere poderes adicionais às multinacionais, liberadas da disciplina
imposta pela competição (NEWFARMER; MULLER, 1975 apud ANDRADE,
2002, p.52).
De 1966 a 1972, o número de indústrias privadas brasileiras, constante da lista das 300
firmas mais importantes (de acordo com a magnitude do capital), caiu de 156 para 139. O
capital das companhias brasileiras incluídas nessa lista decaiu de 36% em 1966 para 28% em
1972. Enquanto isso, a potica de endividamento externo, acelerada em 1971, alimentou o
sistema financeiro interno, aumentando, a um só tempo, as reservas de moeda estrangeira do
BACEN e abrindo caminho para as poticas de expansão presentes no II PND, “o mais
importante e concentrado esforço do Estado desde o Plano de Metas” (BECKER; EGLER,
(1998, p.139).
Os grupos internacionais líderes estão bem representados em toda a estrutura
industrial, dominando, em forma absoluta, os setores produtores de bens de consumo
duráveis (automobilística e eletroeletrônica). Estão presentes em forma decisiva nos
setores de bens de capital (máquinas e equipamentos), onde representam mais de
50% do valor da produção dos estabelecimentos deres. Dividem com as empresas
nacionais a liderança dos mercadores de consumo não durável, sendo absolutamente
dominantes na produção de fumo, farmacêutica, perfumaria e alguns setores mais
importantes das indústrias alimentar, têxtil e do vestuário (TAVARES; FAÇANHA,
s. d., apud BUENO, 1983, p.23-24)
As multinacionais passaram a dividir, com as empresas públicas, a liderança de setores
estratégicos de insumos, como a química pesada e a metalurgia, o setor de papel e celulose,
minerais não-metálicos. As multinacionais dominavam completamente as instrias do vidro
plano, borracha, condutores elétricos, de tintas e esmaltes, materiais petroquímicos, resinas,
inseticidas, pigmentos, corantes e laminados. Enquanto isso, as estatais controlavam a
siderurgia, os combustíveis e lubrificantes e as indústrias nacionais, os setores de cimento,
outros setores de materiais de construção e poucos outros de bens de consumo não duráveis.
Para manter o domínio dos setores modernos da indústria brasileira, de maiores
lucratividade e taxas de crescimento da produção, as multinacionais utilizaram-se de dumping
(preços artificialmente baixos para eliminar concorrentes), da suspensão do fornecimento de
peças e componentes às empresas nacionais e de outros estratagemas.
Grande governo tecnoburocrático e grande empresa capitalista complementam-se. O
grande governo além de controlar a economia em geral, produz energia elétrica,
transportes, aço, petróleo, comunicações. A grande empresa capitalista,
principalmente a internacional, controla, por sua vez, a indústria de transformação,
particularmente a indústria automobilística, a indústria de bens de capital, a indústria
de bens duráveis de consumo, a indústria eletrônica, a petroquímica. Em relação a
esta última, e também em relação à mineração e ao setor financeiro internacional, a
aliança entre o governo e o capitalismo internacional torna-se explícita, através de
acordos firmados pela Petrobrás, pela Vale do Rio Doce e pelo Banco do Brasil.
Esta aliança estabelece as bases de uma nova dependência de uma dependência
tecnológica e política (BRESSER-PEREIRA, 1973, p.136).
Graças a essa filosofia de portas sem trancas e ao empurrão dado com os crescentes gastos
com a importação de petróleo, a dívida externa brasileira foi se multiplicando. Passou de US$
4,4 bilhões em 1969 a US$ 12,5 bilhões em 1972, US$ 21,1 bilhões em 1975 e a US$ 42,8
bilhões em 1978, segundo Bueno (1983), que demonstrou ser o ingresso quido de lares
das multinacionais menor do que se apregoava (Tabela 4).
Tabela 4 - A ilusória entrada de dólares (em US$ bilhões) – Brasil (1973/1977)
Discriminação Até 1973 Até 1977
Total registrado no BACEN 4,8
11,2
Menos: lucros das multinacionais no país em que foram reinvestidos
1,7
3,7
Ingresso efetivo de dólares 3,1
7,5
Menos: lucros remetidos para o exterior 1,5
2,9
Remessas de royalties, assistência técnica, patentes, etc. 1,0
1,6
Ingresso quido de dólares 0,6
3,0
Fonte: Adaptado de Bueno (1983, p.46).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Nessa perspectiva, a poupança externadesvelou-se sangria de lares, ampliada pelos
lançamentos de ações, para captar recursos junto ao público e pelas aplicações no open
market. Nesse período, os lucros não-operacionais das multinacionais ultrapassaram, em
muito, os oriundos de suas atividades produtivas normais.
Bresser-Pereira (1973, p.137) afirma que “o grande governo tecnoburocrático tem hoje
condições de [...] controlar o capitalismo internacional em sua ão dentro do Brasil”, mas
apesar dessa aliança se realizar entre parceiros relativamente iguais, porém, o modelo não
perde suas características de modelo de desenvolvimento dependente”. Ao invés de uma
depenncia antiindustrializante, é desenvolvimentista”, tomando-se o desenvolvimento,
como a integração do Brasil no sistema capitalista internacional”, cum apêndice sem
autonomia tecnológica, sem autonomia em matéria de acumulação de capital”.
Assim, a dependência tecnológica em relação ao exterior acentuou-se, na medida em que
as multinacionais não se preocupavam em desenvolver uma tecnologia nacional. Por outro
lado, através da aferição de altas taxas de lucro, as empresas estrangeiras absorveram uma
parcela crescente da poupança nacional, desnacionalizando a economia. Essas empresas que
dominam a indústria capital-intensiva, tecnologicamente de ponta, foram colocadas na
vanguarda do novo modelo de desenvolvimento econômico do país.
De acordo com a ideologia eficientista ou desenvolvimentista e ao mesmo tempo
conservadora e voltada para a segurança do sistema, que caracteriza as elites
tecnoburocráticas, é muito mais fácil, seguro e eficiente realizar esta aliança, dando
apoio ao sistema capitalista e deixando que o mesmo se desenvolva de acordo com
sua dinâmica própria, do que partir para um arriscado processo de distribuição de
renda, que exigiria profundas alterações não só na estrutura da demanda, mas
também da oferta global (BRESSER-PEREIRA, 1973, p.137).
No tocante à política antiinflacionária, além da expectativa de safras agrícolas favoráveis e
de redução dos juros, a ação econômica traduziu-se em sucessivas reuniões com
representantes da indústria, tentando arrancar um comprometimento com as metas oficiais. Ao
mesmo tempo, reduziu-se a zero o IPI incidente sobre produtos alimentícios e sobre 30
categorias de produtos, a maior parte dos setores farmacêutico e de material de uso doméstico
e higiene pessoal. Em nove meses de 1973, 128 produtos foram contemplados com benefício
tarifário, medida de caráter emergencial, válidas por um período prefixado ou para
determinadas quantidades de importações. Isso ocorreu porque, durante o “milagre”, a CIP
autorizava aumento de preços sob a justificativa de elevações de custos. Desse modo, a
inflação, ao invés de eliminada, era reprimida.
A possibilidade de abrir pontos de estrangulamentos mediante importações tem
naturalmente seus limites. Em primeiro, nem todas mercadorias são importáveis. Em
geral não se importam serviços de comunicações nem de transporte interno, nem de
energia. [...] Em segundo lugar, nem sempre as mercadorias que se necessita
importar se encontram disponíveis no mercado mundial (SINGER, 1973, p.72).
Quanto ao setor agropecuário, a orientação exportadora resultou em pressão altista
decorrente da tendência à colagem preços domésticos-preços internacionais, então
inflacionados. Face ao comprometimento com a meta de redução da inflação, a política
econômica não hesitou em adotar restrições às exportões e, até mesmo ressuscitar a prática
do tabelamento de preços, durante o segundo semestre de 1972, atingindo, além da carne, a
soja, o milho, o arroz, o algodão e o feijão. As restrições às exportações também atingiram
alguns metais: aço, ferro gusa, cobre, níquel, alumínio, magnésio, zinco e estanho.
O governo Médici procurou acelerar o desenvolvimento econômico num ritmo e duração
adequados à meta de superação do subdesenvolvimento e beneficiou-se de um ascenso
clico, no plano doméstico, e de um cenário externo de expansão do comércio e do
movimento de capitais.
No plano potico, casada com a repressão, a intensa propaganda ufanista ajudou a criar
uma aparente aceitação do regime. Esta se expressou em pesquisas de opinião que conferiram
alta popularidade ao presidente Médici, ou na viria eleitoral da ARENA em 1970.
De qualquer forma, a política econômica cumpriu a contento o seu papel de
coadjuvar a valorização dos capitais, beneficiando amplo leque de interesses
capitalistas. Com certeza em nenhum outro momento desde sua implantação a
ditadura logrou atender, de forma tão generosa e ecumênica, as demandas do capital,
um fato revelador seja da enorme ampliação do raio de manobra suscitado pelo
auge, seja da real natureza da política econômica (MACARINI, 2005, p.90).
Com o primeiro choque do petróleo em 1973, porém, iniciou-se a “crise do milagre”,
objeto de interpretações divergentes. Boarati (2003) elenca as questões levantadas pela crise:
Crise conjuntural decorrente do choque do petróleo ou estrutural
inerente ao modelo de desenvolvimento?
Crise exógena ou crise endógena apenas agravada pelo choque do
petróleo?
Qual a saída para a crise: uma potica ortodoxa para reequilibrar as
contas externas ou medidas heterodoxas no sentido da substituição de
importações?
A polarização em torno das causas da crise resultou em uma grande discussão sobre as
políticas a serem implementadas para sua superação.
Paul Singer (1976) julga responsáveis pela crise instrumentos, de início, considerados
causadores do “milagre”, como a correção monetária, que, após a crise do petleo, assumiria
taxas crescentes e descontroladas, desajustes admitidos pela equipe econômica tardiamente,
quando a desorganização dos demais instrumentos, em especial do controle de preços e
salários, era tamanha que tornava a ruptura inevitável.
Delfim Netto (1990, p.113-115 passim), quase duas décadas depois, continuava a advogar
que, apesar da primeira crise do petróleo, o país continuou a crescer à custa, porém, de um
endividamento externo, compartilhado por todos os países em vias de desenvolvimento não
produtores de petróleo que se endividaram ainda mais, relativamente ao seu PIB”. A
política estava correta, ratifica seu mentor: Hoje se critica o endividamento, mas a verdade é
que sem ele a crise teria sido mais profunda e o que é pior, teria produzido uma
desorganização do sistema produtivo”. Em 1975, “sem a importação financiada de petróleo, o
PIB teria caído dramaticamente, produzindo uma miséria geral”.
Certamente, o houve “nenhuma tolice interna”, apenas importávamos quase 90% do
petróleo consumido e os países produtores resolveram explorar o resto do mundo formando
um cartel, que em 1974 elevou de 2 para 12 lares e, em 1979, de 12 para 34 dólares o preço
de um barril”.
De qualquer forma, era certo que os elevados índices de crescimento do PIB verificados
no governo Costa e Silva 1969, 10,0%; 1970, 8,8%; 1971, 13,3%; 1972, 11,7%; e 1973,14,0%
não se verificariam. Com o esgotamento da fase de prosperidade econômica mundial, dos
16 países capitalistas desenvolvidos da OCDE, 10 entraram em recessão em 1975, contra
apenas dois no período 1968-1973.
Com a redução das taxas de crescimento, acentuaram-se as críticas ao regime autoritário e
ao modelo brasileiro de desenvolvimento, pela concentração de renda
34
, crescimento
desequilibrado inter e intra-setorial e pela vulnerabilidade externa do país. Em 1973, último
ano da gestão Médici, o governo festejou uma suposta queda inflacionária para 15,5%; o
índice anunciado do IPC, usado no cálculo dos reajustes salariais, foi 14%. Durante algum
tempo, tentou-se mascarar a crise, o que resultou em um hiato cada vez maior entre a inflação
real e a oficial, que acabou engolindo todo o sistema de controles de preços, juros e sarios.
As principais vítimas desse processo foram os trabalhadores.
1.4 De novo, rumo ao desenvolvimento
Em 15 de março de 1974, momento em que o presidente Ernesto Geisel iniciava seu
mandato, era patente o quadro de deterioração da economia brasileira. A balança comercial
apresentava um vultoso déficit. Arrastado pela alta dos preços do petróleo e de outras
matérias-primas, o valor das importões um salto de canguru: mais do que dobra em
apenas 12 meses, passando de 6,1 bilhões em 1973 para 12,6 bilhões no ano seguinte. O valor
das exportações se eleva para 7,9 bilhões” (SANDRONI, 1981, p.41). O ficit na balança
34
Nos altos escalões das empresas, o salário médio, muitas vezes, superava aqueles pagos nos Estados Unidos a
cargos semelhantes. Um gerente geral, em empresas de São Paulo e Rio de Janeiro, ganhava 65 vezes mais que
um servente da construção civil em 1969, 81 vezes em 1972 e 90 vezes em 1975.
comercial, como proporção do PIB, progrediu de 1,17, em 1973, para 5,62, em 1974. No final
de 1973, a dívida externa, contrda para financiar as obras faraônicas do governo, atingiu a
marca de US$ 9,5 bilhões e a inflação chegou a 34,5% ao ano.
Surpreendentemente, o general Ernesto Geisel enfrentou as dificuldades econômicas e
políticas decorrentes do fim do “milagre” com a recusa do caminho do ajustamento. Reiterou-
se a opção pelo crescimento, mesmo que à custa do endividamento externo. Destarte, o Brasil
continuou a direcionar os investimentos, na indústria, para projetos que substituíssem
importações.
No governo Geisel, quando o preço do barril do petróleo passou de US$ 2 para 14
foi que o presidente decidiu tomar empréstimos para vencer a crise, mas com a
condição de investir em projetos reprodutivos, o que se deu, com apenas dois
malogros: a Ferrovia do Aço e o Acordo Brasil/Alemanha para energia nuclear.
Geisel não tinha outra alternativa a menos que paralisasse o País por falta de
suprimento de petróleo de que éramos dependentes, como o maior importador de
Terceiro Mundo, escravos do diesel, querosene, gasolina, para a indústria, os
transportes de terra, mar e ar e o consumo doméstico (PASSARINHO, 2003 apud
FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 2006, p.223).
A meta era alcançar um crescimento industrial de 12% ao ano até 1979. A isto veio o II
PND, que visava a criar bases para a indústria, reduzindo a dependência em relação a fontes
externas. Tal meta não se efetivou. Entretanto, o crescimento anual do PIB em 1974-80,
apesar de ser menor do que no “milagre”, manteve-se em 6,9% ao ano. Também, o progresso
técnico declinou, mas foi positivo a uma taxa de 0,9% ao ano. O preço relativo do
investimento aumentou e a produtividade do capital declinou substancialmente entre 1974 e
1984 (BACHA; BONELLI, 2005).
Opondo-se ao nacionalismo às avessas do governo Médici, no auge de seu plano, Velloso
(1977) afirmava que, das 1.069 principais empresas instaladas no país em 1976, 663 eram
privadas nacionais; 281, estrangeiras e 125, empresas estatais. Quanto ao patrimônio quido,
o capital nacional (privado e governamental) controlava cerca de 80% do total dessas
empresas. Pelo critério do faturamento, a empresa privada nacional respondia por 37,4%; a
estrangeira, por 38,3% e a estatal, por 24,3%. Entre 1970 e 1976, a participação da empresa
estrangeira, pelo critério do patrimônio líquido, declinara de 24,7% para 20,1 %, enquanto se
mantinha estável a da empresa privada nacional (27,8 % em 70 e 27,7% em 76) e aumentava a
da empresa estatal, de 47,5% para 52,2%.
O II PND afirmava-se como o “modelo” econômico e social dirigido aos “destinos
humanos da sociedade que desejamos construir”, prevendo que, ao final da cada de 1970, o
Brasil teria pela frente “a consciência de potência emergente e as repercussões do atual
quadro internacional”. Outra vez, falava-se em crescimento acelerado, aumento de
oportunidades de emprego, controle inflacionário, equilíbrio do balanço de pagamentos,
melhoria da distribuição de renda e em conservação da estabilidade social e potica. O
desenvolvimentismo do regime autoritário teria seu ápice nesse período, como
[...] uma ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto
econômico que se compõem dos seguintes pontos fundamentais: (a) a
industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento
brasileiro; (b) não meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no
Brasil através das forças espontâneas de mercado; por isso, é necessário que o
Estado planeje; (c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores
econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e (d) o Estado deve
ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos
financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a
iniciativa privada seja insuficiente (BIELSCHOWSKY, 1995, p.7).
A ideologia ancorava-se na propaganda. Em janeiro de 1975, foi criada a ARP, sob
orientação do Cel. José Maria de Toledo Camargo, ex-auxiliar do Cel. Otávio Costa na
AERP. Graças ao “acordo de cavalheiros” com a ABERT, o governo passou a dispor de 10
minutos diários, em todos os canais de televisão e emissoras de rádio do país, para a
divulgação de filmetes (anúncios de 120 segundos), textos e jingles. Nenhum anunciante
usava um terço desse tempo em nenhuma emissora e o governo o fazia em todas as 70
estações do Brasil. Os mesmos filmes eram projetados nos cinemas, obrigados a fazê-los
gratuitamente. Foram distribuídas 70.000 fotografias oficiais do presidente até janeiro de
1976. Em 1975, o governo criou a RADIOBRÁS e anunciou a proposta de criar emissoras em
pontos estratégicos do território, para facilitar a integração nacional. A rede começou com 54
emissoras de rádio e quatro de televisão.
De fato, sob a ideologia do desenvolvimentismo, consubstanciada no II PND (1975/1979),
divulgado em setembro de 1974, alastrou-se a participação estatal na economia. Se a ação
econômica do governo Médici tinha sido indiferente, e mesmo avessa, ao I PND, como afirma
Macarini (2005), o mesmo não se deu com o II PND, que trouxe de volta o planejamento ao
centro da economia.
Para Bacha e Bonelli (2005, p.179), o II PND representou a obsessão com a legitimação
de um regime autoritário estatizante através do sucesso econômico de curto prazo”. Para
Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.249-251 passim), a estatização
resulta de uma situação forçada! O sujeito o é estatizante porque gosta, é estatizante porque
é a única maneira de fazer as coisas, e se não fizer as coisas o país o se desenvolve”, já que
a iniciativa privada não se interessa pelo real desenvolvimento do país”.
A ênfase em substituição pesada de importões, “ponto crítico definidor do futuro
econômico do Brasil”, levou a dívida externa e a inflação doméstica a aumentarem
fortemente, gerando a demanda doméstica excessiva e indexação de preços e salários. Carlos
Lessa (1998) apregoa o mesmo ponto de vista: a grandiosidade do plano acabou por sustentar
politicamente o regime, visto que um ajuste recessivo pioraria a relação entre governo e
sociedade, desacreditando o sonho do Brasil Grande.
O II PND tinha como foco o setor de insumos básicos e de bens de capital em detrimento
do setor de consumo de bens duráveis. Enfatizaram-se os investimentos em indústrias de base
e a busca da auto-suficiência em insumos básicos, estimulando a pesquisa de combustíveis
fósseis, o programa nuclear, o PROÁLCOOL e a construção de hidrelétricas, impulsionado
pela crise do petróleo. O nível de atividade econômica, de 1974 até 1979, ficou acima de 4%
ao ano, um resultado expressivo diante de um quadro adverso.
Geisel (1993-1994), em entrevista concedida a D’Araújo e Castro (1997, p.290),
comentou o caráter sustentado do II PND:
O desenvolvimento que o II PND pretendia alcançar era um desenvolvimento
integrado, não apenas econômico, mas também social. Além do aumento da
produção nacional, nossa preocupação era, tanto quanto possível, assegurar o pleno
emprego, evitando o agravamento dos nossos graves problemas sociais e
promovendo melhorias na sua solução.
Apesar de o alcaar as ambiciosas metas estabelecidas, o II PND teve o crédito de ter
sido o primeiro plano de âmbito nacional em que o desenvolvimento sustentado foi inserido
no processo de planejamento. O Plano já enfatizava a necessidade de buscar o
desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida e sem devastação dos recursos
naturais.
O ministro Velloso (1977) apresenta as duas estratégias apresentadas ao governo Geisel
face à crise do petróleo
35
: ou jogar a economia em uma forte recessão, como teria feito a
maioria dos outros países, ou investir na desaceleração progressiva da economia.
35
O choque do petróleo originou tal mudança na balança comercial brasileira, que entre 1973 e 1974, criou-se
um déficit comercial de US$ 4690 milhões (VELLOSO, 1977).
Figura 1: A estratégia da desaceleração.
Fonte: Velloso (1977, p.123).
O ministro afirma que, com a recessão, não haveria recursos públicos para expandir os
programas de educação, saúde e saneamento, parando, virtualmente, o país, ecomica e
socialmente, por bastante tempo. Assim, era necessário recondicionar a economia brasileira”
à nova realidade mundial, desacelerando-se os investimentos públicos desde 1976, embora,
em termos de crescimento do PIB e aumento da produção industrial, os índices daquele ano
foram acima do desejado: 9,2% (VELLOSO, 1977).
A opção da desaceleração permitiria ao país manter-se no modelo que lhe conduziria ao
nível de potência intermediária. “Com a concepção de ‘plano sem metas’, operando apenas
com indicadores, foi tornado ainda mais flexível o planejamento, no Ps(VELLOSO, 1977,
p.59). Tal plano, porém, não abdicou da formulação das bases da potica de desenvolvimento
econômico e social, definindo a estratégia e as prioridades nacionais. Para preservar as
prioridades do II PND, garantiu-se, a todo custo, um alto nível de recursos para o núcleo
básico (petróleo, insumos básicos e projetos de exportação), desacelerando-se os
investimentos em infra-estrutura.
Contra o plano, houve a elevada soma de recursos, obtidos junto a bancos europeus que
dispunham, na época, de abundância de petrodólares. Neves e Oliva Júnior (2004) analisam o
comportamento dos financiamentos totais, como percentual do PIB (Tabela 5).
Tabela 5 - Financiamento líquido em % do PIB - Brasil (1974-1979)
Ano Financiamento Total
1974 4,9
1975 4,1
1976 3,8
1977 2,3
1978 4,4
1979 2,7
Fonte: Neves e Oliva Júnior (2004).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Geisel comentaria, em seu depoimento aos pesquisadores do CPDOC/FGV:
Simonsen de vez em quando arrancava os cabelos e vinha a mim com o problema da
inflação. Pensávamos na inflação, procuvamos adotar medidas para reduzi-la, mas
não era o problema número um do governo. Nosso problema número um era
desenvolver o país, dar emprego, melhorar as condições de vida da população. Para
tanto, tivemos que recorrer ao crédito externo, que na época era muito favorável.
Havia muito dinheiro disponível no exterior, proveniente da reciclagem da receita
auferida pelos países da Opep, os lebres petrodólares. E o Brasil tinha muito
crédito (GEISEL, 1993-1994 apud D'ARAUJO; CASTRO, 1997, p.285).
Sob o impulso da pretensa poupança externa”, cresceu a participação estatal no total dos
investimentos fixos, elevando-se de 38% em 1970 para 43% em 1978. Estima-se que 35% da
demanda total de bens de capital produzidos localmente em 1975 foram gerados por
investimentos públicos. Em 1974, o Estado controlava 68,5% das ações na mineração, 72%
na siderúrgica, 96,4% na produção de petróleo e 34,8% na química e petroquímica. O Estado
monopolizava o transporte ferroviário, o serviço de telecomunicações, a geração e
distribuição da energia elétrica e nuclear e outros serviços blicos, como nos informa
Andrade (2002).
Todas essas atividades produtivas foram sustentadas pela estrutura financeira não-
ortodoxa do Estado. Uma pesquisa de 1977 revelou que os setores produtivos estatais
contribuíram com 70% da produção industrial total; as escalas de produção e a intensidade de
capital eram mais elevadas no setor público do que no privado, mas os lucros nesse setor
foram bem menores que a média, devido à sua potica de preços baixos (TAVARES;
FAÇANHA, 1977).
Além de recursos orçamentários, o Estado estimulava a poupança privada de longo prazo
através de benefícios tributários e creditados; também recolheu poupança forçada para os
fundos sociais controlados pelo Governo, manipulando enorme quantidade de recursos através
do open market, que se manteve ativo pelas altas taxas de correção monetária e juros (Tabela
6).
Tabela 6 - Lucros das multinacionais (em Cr$ milhões) no open market – Brasil (1977)
Empresa Lucro
operacional (1)
Lucro
não operacional (2)
Lucro
líquido
(2/1)%
Volkswagen 9,5
573,0
582,6
5.931
Ford 703,6
336,2
482,4
131
General Motors 1.454,9
163,4
1.291,6
111
Caterpillar 394,4
82,9
266,5
123
Fiat 1.483,3
241,9
1.241,4
116
Siemens 339,8
377,5
25,7
211
Olivetti 11,1
77,5
82,6
598
Dow Química 691,6
51,2
640,5
107
Chrysler 194,4
56,2
138,1
128
Motores Perkins 28,3
18,3
10,1
163
Hoechst 76,8
53,6
23,5
169
Standart Electric 79,8
329,3
234,8
512
Sears 37,7
122,8
66,3
425
Stockler 5,1
12,9
7,8
352
Telefunken 26,1
26,4
0,3
201
Souza Cruz 63,6
18,0
45,6
128
Quimbrasil 16,0
38,5
54,5
140
Verolme 115,9
8,8
47,0
159
Champion 48,4
24,0
53,4
141
Roche 27,1
76,2
103,3
181
Alcominas 10,7
34,7
1,0
224
Fonte: Adaptado de Balanço Anual da Gazeta Mercantil.
Org.: S. R. BRAGA (2007).
O papel do Estado na economia brasileira foi muito além da instituição de poticas
monetárias e fiscais e da promulgação de leis e regulamentos com o objetivo de estimular o
crescimento, acentuando-se em quatro vias: o sistema bancário; a extensão da infra-estrutura;
o setor de habitação e a produção direta pelas estatais. Geisel, em entrevista a D’Araújo e
Castro (1997, p.290), já mencionada, discorre sobre o II PND e as críticas recebidas por sua
configuração estatista:
O PND em grande parte foi montado por um instituto especializado vinculado ao
Ministério do Planejamento. [...] O plano foi montado de acordo com algumas idéias
que eu tinha exposto na primeira reunião ministerial e contou com a colaboração de
todos os ministros. Foi muito discutido, inclusive no Congresso, que o aprovou com
algumas emendas, e entrou em vigor em dezembro de 1974. O plano, com suas
premissas e justificativas, está exposto pormenorizadamente numa publicação
oficial. Mas deve-se observar que o II PND não era rígido. Era uma diretriz para os
diferentes órgãos do governo pautarem suas ações e, como tal, foi sujeito a
modificações,com ampliações ou reduções conforme a situação. [...] o Brasil deve
sempre empenhar-se efetiva e prioritariamente no seu desenvolvimento em todos os
setores de atividade. Contudo, não há no país capitais dispoveis. Existem ricos,
mas estão pouco dispostos a enfrentar esses problemas, e assim relativamente
pouco dinheiro para promover o desenvolvimento. Cabe então ao próprio governo,
com os meios de que pode dispor, inclusive o crédito externo, assumir a tarefa.
Passamos então a ser acusados, pelos teóricos que nada produzem de estatizantes!
Segundo Maddison (1992), vários motivos levaram o governo a assumir os investimentos
na infra-estrutura do país e várias indústrias produtivas, sendo os principais a debilidade do
capital nacional para a realização de certos tipos de investimentos e a falta de atratividade
para o capital privado, nacional e internacional, de certas indústrias.
O II PND reforçou a orientação, já constante do primeiro Plano (o “federalismo
econômico”), dos pólos de desenvolvimento. O mote dessa proposta era a existência de uma
forte tendência de concentração, tanto social, quanto espacial, dos frutos do desenvolvimento.
Em suma, a remoção dos “obstáculos ao desenvolvimentoo conduzira à generalização da
expansão capitalista no espaço nacional, reforçando-se a concentração da renda.
O “partido da ordem” acreditava que a aceleração do desenvolvimento diminuiria as
desigualdades regionais, fortalecendo a coesão nacional. A perspectiva então dominante era
de que tensões sociais emergiriam dessa concentração, ameaçando a própria legitimidade da
idéia de desenvolvimento, vital ao processo de reprodução do capital.
Como demonstra mez (2005, p.53), o desenvolvimento, assumido como “descrão e
desejo do ‘melhor mundo possível’’’, contém uma “mensagem de fé absoluta no capitalismo”,
que, em “um discurso freqüentemente tergiversador, relaciona melhora e progresso, para
promover a reprodução da ordem social capitalista”. Nesse sentido, a implantação de pólos de
desenvolvimento, incorporada ao arsenal dos instrumentos de intervenção na economia do
Estado, representou a possibilidade de corrigir “distorções” no processo, sem reformular o
padrão básico de desenvolvimento.
Velloso (1977, p.43) afirma que desde o início, e, principalmente no Governo Médici, a
Revolução repudiou as soluções ecomico-geográficas baseadas no pequeno espaço
econômico, e na concentração industrial”, passando a uma visão do desenvolvimento
regional, centrada na integração nacional. Um melhor equilíbrio dentro da Federação seria o
propósito de fortalecer a economia nordestina, “de plantar bases para a ocupação econômica
da Amazônia; e de colocar em plena produção a nova fronteira agrícola do País, representada
pela área dos cerrados e, em geral, pela região Centro-Oeste” e de fundir os antigos Estados
da Guanabara e Rio de Janeiro e de dividir o Mato Grosso.
Outra medida “social” do governo seria a “readequaçãodos salários. Bacha e Bonelli
(2005) afirmam que uma indexação salarial aperfeiçoada acompanhou a abertura do regime
militar, iniciada pelo general Geisel. Assim, apesar de mantida a potica de arrocho, quando
indagado se reconhecia que “no governo Geisel os reajustes salariais pelo menos estiveram
mais perto da inflação”, a resposta de Lula da Silva (1981, p.152) foi: devemos reconhecer
que houve uma melhora nos índices de reajustamento do governo Geisel para o governo
Médici. Inegavelmente, segundo os próprios cálculos do DIEESE, houve uma aproximação
muito maior da realidade”.
Carlos Eduardo Sarmento e Verena Alberti (2002), ao analisarem as 17 subpastas, que
comem a pasta Ministério da Fazenda do Arquivo Geisel, confirmam que os assuntos
típicos dos despachos eram o acompanhamento dos ICVs e das taxas de inflação, a execução
do orçamento monetário e balança comercial. Apesar desse monitoramento contínuo,
deterioraram-se as contas blicas, com um persistente déficit no balanço de pagamentos
(Tabela 7).
Para Nakabashi (2004), há boas razões para suspeitar que o desempenho das importações
e exportações tenha desempenhado um papel crucial no crescimento da economia ou em
restrições ao mesmo. Como déficits em conta corrente afetam os setores importadores e/ou
exportadores; um déficit crescente aumentaria o risco de desvalorizações cambiais, e levaria o
país a praticar taxas de juros mais elevadas para atrair fluxos de capital, estimulando a parte
financeira em prejuízo da parte real da economia.
O segundo choque do petróleo, em 1979, elevou substancialmente o valor das
importações, mais que dobrando o ficit da balança comercial. O saldo do balanço de
pagamentos foi negativo na ordem de US$ 3,2 bilhões, ao mesmo tempo em que o fluxo de
capitais começou a se reduzir, motivado pela nova potica monetária restritiva norte-
americana, que pressionou a taxa de juros internacional, influenciando a direção dos capitais
estrangeiros para sua economia. Ainda que o ministro Mario Henrique Simonsen envidasse
esforços no sentido da abertura da economia para o capital estrangeiro, em meados de 1975, o
governo Geisel adotou uma medida contencionista e protecionista incisiva: o depósito prévio
de 100% sobre o valor de todas as importações, à exceção do petróleo.
Tabela 7 - Exportação, importação, renda e saldo da balança (Brasil, 1968–1980)
Ano
Taxa de
crescimento das
exportações (%)
Taxa de
crescimento das
importações (%)
Taxa de
crescimento
da renda (%)
Saldo da balança
comercial (% do
PIB)
1968 14,4
27,7
9,8
-0,76
1969 23,1
9,5
9,5
-0,01
1970 14,0
20,6
8,7
-0,42
1971 2,3
22,5
11,3
-1,74
1972 26,1
21,0
11,9
-1,59
1973 22,9
15,9
14,0
-1,17
1974 5,8
59,6
8,2
-5,62
1975 -1,1
12,9
5,2
-3,80
1976 7,1
-5,9
10,3
-2,39
1977 8,4
11,7
4,9
-0,66
1978 -3,0
4,6
5,0
-1,19
1979 15,5
26,3
6,8
-2,09
Fonte: Adaptado de Nakabashi (2004).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Utilizando dados da SECEX, que separam o valor das exportações em três categorias de
produtos: básicos, semimanufaturados e manufaturados, Nakabashi (2004) demonstra que a
participação dos produtos manufaturados nas exportações aumentou à custa da queda relativa
da participação dos produtos básicos (Tabela 7).
O robustecimento das exportações de manufaturas, para os apologistas do regime,
demonstrou que a estratégia de desenvolvimento do II PND, com investimento maciço no
parque industrial brasileiro, fora exitosa. Castro e Souza (1985) afirmam que, na verdade, o II
PND foi importante para o ajuste da balança comercial nos anos 1980 e que os investimentos
diretos e em carteira, entre 1973 e 1978, cresceram 79% e 256%, respectivamente, ambos,
porém, representando menos de 1% do PIB.
Tabela 8 - Participação dos produtos básicos, manufaturados e semimanufaturados nas
exportações (%) – Brasil (1974-1979)
Ano Básicos (%) Semimanufaturados (%) Manufaturados (%)
1974 57,57
11,53
27,00
1975 57,98
9,79
29,82
1976 60,52
8,31
27,41
1977 57,42
8,61
31,68
1978 47,22
11,23
40,15
1979 42,99
12,38
43,59
Fonte: Adaptado de Nakabashi (2004).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Entretanto, como nos lembram André Neves e Cid Oliva Júnior (2004), o retorno do
déficit do balanço de pagamentos ocorreu em 1979, o que tornou inviáveis, técnica e
financeiramente, inúmeros projetos do II PND, levando o ministro do Planejamento, Reis
Velloso, a recuar, fortalecendo a posição do ministro da Fazenda, Simonsen, defensor de uma
política contencionista.
De fato, desde o segundo semestre de 1976, diante dos indicadores da economia,
Simonsen passou a insistir em ‘uma profunda revisão de todos os objetivos e prioridades da
atual potica econômica’”, posto que a inflação é mais uma vez a preocupação principal
(SARMENTO; ALBERTI, 2002, p.70). Em março de 1976, a inflação atingiria o vel mais
explosivo desde o inicio do governo Geisel. O ministro propôs medidas para que a inflação
anual não excedesse os 40%, ainda que não ignorasse as reações a medidas antipáticas de
desaquecimento.
Em um balanço das realizações do governo Geisel no campo ecomico, Simonsen
sublinhou a viabilização do modelo brasileiro de desenvolvimento, logo após a crise do
petróleo; a manutenção do crescimento da produção e do emprego e o enfrentamento do
problema energético, por intermédio dos contratos de risco “um passo de extrema coragem
política”–, do acordo nuclear e do PROÁLCOOL. Quanto às taxas de inflação “pouco
confortáveis”, diz o ministro, “me deixaram em segunda época, obrigando-me a um exame de
recuperação no governo do presidente eleito João Batista de Figueiredo
36
(SIMONSEN,
2002, p.74).
Para constranger reações a medidas antipáticas da área econômica, o ministro, em
novembro de 1977, arrolou uma série de medidas destinadas a garantir que o partido do
governo ganhasse as eleições parlamentares de novembro de 1978. Tratava-se de impedir que
ocorresse aquilo que representava “a vocação natural do bipartidarismo: a alternância no
poder”. Assim, até 15 de novembro de 1978, não seriam anunciados aperto de créditos e
salários, cortes de programas e aumentos de impostos. Palavras comodesaceleração” e
desaquecimentodeveriam ser omitidas do vocabulário governamental, evitando-se também
apelar aos “respectivos antônimos”. As medidas simpáticas deveriam ser anunciadas no
momento de sua concretização, enquanto as antipáticas simplesmente não o seriam, ficando
embutidas nos procedimentos de rotina.
O ministro Simonsen, na sessão do CSN, de abril de 1977, em que se deliberou o
fechamento do Congresso, medida que antecedeu a decretação do “pacote de abril”, sugeriu
que, durante o recesso parlamentar, fossem feitas reformas poticas, e não apenas as do Poder
Judiciário, incorporando-se o AI-5 à Constituição na forma de salvaguardas. Tais
preocupações demonstraram que o “desenvolvimento não poderia continuar sem a
preservação da estrutura repressiva.
Nos despachos do presidente Geisel com Simonsen, o primeiro item da pauta eram os
ICVs. Até 1978, tratava-se do índice do Rio de Janeiro, mas, a partir de maio desse ano,
figura também o ICV nacional do Ministério da Fazenda, calculado com base em índices de
algumas capitais. Em 1979, o IBGE passou a calcular tais índices.
Por seus desdobramentos posteriores
37
, cabe comentar a exposição de motivos,
apresentada por Simonsen em abril de 1974, sobre a possível manipulação das taxas
inflacionárias de 1973. A forte pressão inflacionária nos primeiros meses do governo Geisel,
para Simonsen, seria motivada pela “inflação reprimida” dos últimos meses de 1973, quando,
procurando aproximar-se da meta de 12% de ao ano, o governo reprimiu os aumentos de
preços, via tabelamentos e controles. A potica monetária, ao contrário, mostrou-se
fortemente inflacionista, com expansão de meios de pagamentos.
36
Em março de 1979, sob a presidência de Figueiredo, Simonsen assumiria a SEPLAN do novo governo.
37
Em 1977, o movimento sindical e a oposição ao regime, capitaneados por Luiz Inácio da Silva, abriram a
discussão em torno da manipulação dos índices de custo de vida de 1973”, o que se desdobrou em uma CPI na
Câmara Federal.
A abertura dos preços no primeiro trimestre de 1974 seria, assim, a conseqüência do
excesso de procura existente no final do ano anterior. Nesse contexto, o governo deveria
investir, prioritariamente, na adoção de uma potica econômica antiinflacionária, pautando-se
poruma linha de austeridade, preservando o equilíbrio do orçamento e a disciplina da
política salarial, reduzindo apreciavelmente a taxa de expansão monetária”, “diagnóstico e
terapêutica” que “esbarravam em alguns dos pilares da legitimidade presidencial de Ernesto
Geisel”.
Para o ministro antecessor, a história de inflação reprimida era um hedge. “Ele escreveu
um documento para o Geisel, que depois foi usado pelo DIEESE e por outros, dizendo que
havia uma ‘inflação reprimida’. [...] É claro que era desagradável para ele e para o governo a
inflação ter passado de 15 para 32,33%, o que foi um efeito, realmente, da crise do petróleo”
(SARMENTO; ALBERTI, 2002, p.67). Simonsen, em vão, tentou fazer prevalecer a iia de
um rígido ajuste macroeconômico em prevalência ao desenvolvimento.
Bacha e Bonelli (2005, p.181), analisando o interregno 1974-1984, demonstram que a
principal razão da depressão na acumulação de capital no peodo, foi o aumento no preço
relativo do investimento, que reduziu o poder de compra da poupança. Para explicar a taxa
dia de crescimento do PIB de 3,9% no período, eles afirmam que o aprofundamento do
capital a uma taxa de 2,6% ao ano foi quem o sustentou, uma vez que o crescimento efetivo
foi de apenas 1,4% ao ano.
“Mesmo moderado, o crescimento do PIB, na última década do regime militar, somente
pôde ser mantido na base de altas doses de aprofundamento do capital financiadas pela
acumulação de dívida externa”. Assim, a “dívida externa como uma proporção do PIB
aumentou para 43,1 % em 1984 vindo de 16,3% em 1974, enquanto que a razão do serviço da
dívida para as exportações de mercadorias passou de 33,4% para 102,3% no mesmo período”.
Nesse contexto, era “inevitável” que, no final dos anos 1970, a inflação chegasse a 94,7% ao
ano; em 1980, batesse os 110% e, em 1983, os 200%.
Apesar de não ver suas recomendações de uma potica econômica mais austera e
restritiva acolhidas por Geisel, Simonsen foi fiel à potica do regime de contenção às
reivindicações salariais dos trabalhadores. Do ponto de vista econômico, a “revolução de
1964”, no fim da cada de 1970, já cumprira seu papel, garantindo a superexploração do
trabalho. Desfeitas pela crise do “milagre”, as condições de sustentação do regime
burocrático-militar, nesse momento, fragilizavam-se.
Tal estrangulamento das contas (e concomitantemente da legitimidade do regime) tornou-
se, particularmente, visível no governo Figueiredo. O retorno de Delfim Netto ao
Planejamento, em 15 de agosto de 1979, inicialmente saudado pelo empresariado, que
pretendia recriar as taxas do milagre, afastando a possibilidade” da recessão e invertendo a
escalada inflacionária, estava condenado ao fracasso. O ministro tirou da cartola um pacote de
mecanismos monetários, destinados a conter a inflação, controlando os preços; a diminuir o
déficit público, aumentando a capacidade fiscal do Estado pelo aumento de impostos e
elevação dos preços e tarifas administradas pelo setor público, que teve como culminância o
pacote de dezembro”: a eliminação dos subsídios fiscais às exportações de manufaturados, a
revogação da Lei do Similar Nacional e uma maxidesvalorização cambial de 30%.
À revelia de tais medidas, a inflação disparara, alcançando a marca de 113% em dezembro
de 1980. Os preços, em uma espiral ascendente, contraíram a produção industrial e os índices
de utilização da capacidade instalada da indústria, principalmente no setor de bens de capital,
que, desde 1979, sofria a redução das encomendas estatais.
Nesse contexto, o capital volátil superou largamente o capital produtivo instalado no país.
Analisando a posição da FIESP, Bianchi (2004) afirma que a Federação fazia uma crítica
contundente às poticas ecomicas que beneficiariam exclusivamente multinacionais e
bancos, defendendo a aliança entre a indústria e o setor agrícola, a expansão da oferta de
empregos, um maior volume de exportações e, subsidiariamente, de substituição de
importações, de modo a tornar superavitária a balança comercial, além de novos
investimentos para atividades com ocupação mais intensiva da força de trabalho.
O segundo choque do petróleo e o aumento do serviço da dívida estrangularam as contas
brasileiras, tornando a recessão impostergável. Em 1981, com a única exceção do setor de
alimentação, todos os demais apresentaram uma redução do INA, com destaque para o setor
de material plástico (queda de 17,3%) e de material de transporte (queda de 16,9%). O
conjunto da indústria paulista, por sua vez, apresentava uma retração do PIBI, medido pelo
IBGE, de 8,9%, na primeira queda desde 1965 (BIANCHI, 2004).
Apesar da redução da inflação, em 1981, fechando o ano em 97%, e de um saldo positivo
na balança comercial, o cenário econômico torna-se, progressivamente, mais sombrio. A
abrupta queda do PIB em 1981, atribuída à indústria automobilística, redundou em um
conjunto de medidas ortodoxas, como o controle das despesas blicas e das estatais; o
aumento da arrecadação tributária (IR e IOF das importações); a liberação das taxas de juros
dos empréstimos bancários e uma forte contração dos salários.
Entretanto, a crescente relação dívida / PIB, com a alta dos juros nos Estados Unidos,
levou o governo Figueiredo a recorrer ao FMI em 1982 e, ao longo dos dois anos seguintes, o
país subordinou-se a um rígido ajuste macroeconômico, desvalorizando-se a moeda nacional,
desindexando-se os salários, reduzindo-se os gastos públicos e aumentando-se os impostos.
Nesse contexto, as grandes empresas promoveram seu próprio ajuste, protegendo suas
margens brutas de lucro pelo aumento de preços, mecanismos inalcançáveis às pequenas e
dias empresas que amargaram a recessão, os juros e impostos elevados.
Para Armen Mamigonian (2008), a falência do projeto nacional-desenvolvimentista, no
governo Figueiredo, em função do peso da vida externa e das pressões dos países centrais,
estrangulara a indústria de base nacional, implantada ou ampliada no governo Geisel. Ao
apontar-se a inflação como epifenômeno da crise, descartaram-se todas as alternativas que
implicassem investimentos em infra-estruturas estranguladas e a criação um mercado interno
de base ampla. Toda a discussão do planejamento para o desenvolvimento foi suplantada
pelas posições mais liberais que defendiam “apertar os cintos” da economia brasileira.
Com a transição para o regime civil, maximizaram-se todos os problemas, já vislumbrados
no ancien régime. A recessão teve como principal conseqüência o desemprego. Os
trabalhadores eram, de novo, culpabilizados por sua miséria e sua (frustrada) crença no
desenvolvimento.
2. O SANTO ARROCHO
OU QUEM PAGA AS CONTAS DO MILAGRE
O regime burocrático-militar desencadeou uma série de iniciativas com vistas a aumentar
a taxa de exploração da força de trabalho do operariado, elevando, concomitantemente, os
lucros das empresas. Uma maior concentração do capital surgiu a partir das medidas em prol
das fusões e incorporões entre as empresas, da instalação de multinacionais e da associação
do capital nacional ao estrangeiro. Segundo os tecnoburocratas do regime, os grandes
conglomerados movimentariam uma massa de recursos muito maior, venderiam em maior
quantidade, elevando o volume dos lucros e acelerando o ritmo de crescimento da economia.
Esse rápido processo de concentração do capital alterou a composição/estratificação das
classes trabalhadoras no Brasil, tendo profundo impacto sobre seus processos organizatórios
posteriores.
O presente capítulo discorre sobre a potica salarial do regime entre os governos Castello
Branco e Geisel (1964-1978). O objetivo é demonstrar que o “milagre” fora tributário direto
da precarização salarial dos trabalhadores brasileiros.
2.1 O fantasma da inflação ataca os trabalhadores
A nova potica econômica não permitiria nenhum tipo de concessão aos trabalhadores,
mesmo as mais demagógicas. De fato, o fim do populismo materializou-se na potica salarial
do regime. O ministro do Planejamento Roberto Campos associava os aumentos salariais
desvinculados do crescimento da produtividade ao avanço da inflação. A política salarial dos
governos anteriores a 1964, denominada populista, foi assim caracterizada:
O enfoque populista é mais distributivo do que produtivo. Propugna maciços
reajustamentos salariais, que, por excederem o crescimento posvel da produção e
produtividade, alimentam a espiral de preços. Acredita ingenuamente (ou
91
demagogicamente) ser possível legislar melhorias do padrão de vida, mediante a
concessão de benefícios sociais superiores à capacidade da economia de sustentá-los
(CAMPOS, 1969 apud SANTOS, 2000, p.116).
Para Campos, o populismo salarial, criado pelo salário nimo que deveria representar
uma indenização ao trabalhador, com “uma parte justa no crescente produto social por sua
adaptação à ‘harmonia social’, como parceiro formal de direitos iguais”
38
, não conseguiu
melhorar o padrão de vida operário, posto que a espiral de preços anulava as altas salariais e a
estagnação econômica diminuía as oportunidades de emprego. Outra crítica era de que tais
medidas visavam apenas aos trabalhadores “protegidos” pela CLT.
A nova potica salarial pretendia quebrar as conquistas dos sindicatos mais politizados
(dos trabalhadores em empresas ligadas ao Estado e nas indústrias têxteis e de alimentos, de
menor porte), que, através da negociação direta, haviam conseguido reajustes de salário
desvinculados da produtividade. Além disso, o governo Castello Branco revogou conquistas
importantes de categorias profissionais, como os ferroviários, portuários e estivadores,
marítimos e petroleiros (GORENDER, 1987).
Pela fórmula então estabelecida, todos os salários seriam reajustados pela dia real e não
pelos picos, como acontecia anteriormente. Em 1966, o cálculo do novo salário nimo se
baseou na aplicação dessa fórmula, estendida aos dissídios e acordos coletivos. A inflação
para o próximo ano foi estimada em 10%, mas foi superior a isso, acelerando a queda do
poder aquisitivo real dos trabalhadores
39
.
A nova potica salarial, definida em julho de 1964, associou os aumentos salariais
desvinculados da produtividade ao aumento da inflação. Campos defendia, então, que a única
solução durável e realista para aumentar o consumo real dos trabalhadores era incrementar a
produtividade da mão-de-obra ou dos meios de produção, já que salário, além de renda
disponível para consumo, é custo de produção.
Concentrando-se primeiramente no setor público, Campos reorganizou o CNPS
40
e criou,
a partir de sugestões do economista Mário Henrique Simonsen, uma fórmula para calcular os
38
Füchtner (1980, p.77).
39
É bastante reveladora, para nossos propósitos, a informação de que a greve dos metalúrgicos de Contagem-
MG (1968) encerrou-se com a ida do Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, ao sindicato. Esse, a mando do
presidente Costa e Silva, negociou um abono de 10%, que corrigiria o último achatamento.
40
O CNPS foi criado pelo Decreto nº 52.275, de 17 de julho de 1963, e, em 7 de abril de 1967, foi alterado pela
Decreto n. 60.563, que estabelece que ser o Conselho “integrado dos Ministros de Estado da Fazenda, dos
92
futuros aumentos salariais do setor público. Tal fórmula trabalhava com três fatores: a média
do aumento do custo de vida durante os 24 meses precedentes; o aumento estimado da
produtividade no ano anterior; e o residual inflacionário (a metade da média da taxa da
inflação prevista pelo governo para os 12 meses seguintes). Além disso, estabeleceu-se que os
salários passariam a ser reajustados anualmente.
Esperava-se que as empresas privadas seguissem a orientação estabelecida para o setor
público, mas os salários desse setor subiram além dos níveis estabelecidos pelo PAEG,
obrigando o governo Castello Branco a requerer ao Congresso a extensão ao setor privado das
regras já estabelecidas. Apesar de resistências pontuais, em setembro de 1965, foi aprovada a
Lei 4.725
41
, por decurso de prazo, que, além de impor as regras salariais supramencionadas ao
setor privado, prorrogou por três anos a autoridade do governo para fixar salários.
A partir da Lei 4.725, de 13-07-65, reformada por alguns decretos no ano seguinte,
os índices de reajuste salarial, fixados pelas autoridades, deveriam obrigatoriamente
ser obedecidos pelas empresas e não podiam sequer ser alterados pelos Tribunais do
Trabalho. Os conflitos trabalhistas, que naturalmente se realizariam contra os
empresários, agora teriam sentido se fossem contra o governo. Se era
complicado pressionar e negociar com os patrões isoladamente, tornou-se mais
difícil, seo impossível, enfrentar todo o aparato estatal nas reivindicações. Alguns
poucos tiveram condições de perceber a manobra e tentaram divulgar o que haviam
descoberto, mas a repressão e a censura se encarregaram de neutralizá-los.
Quaisquer comentários a respeito da estrutura de poder, no Brasil, eram totalmente
vetados (GARCIA, 2005, p.169).
Marques (1980, p.173) reproduz o informativo do DIEESE sobre o tema, segundo o qual,
a Lei 4.725/1965 consiste em:
a) Para o governo, em fixar mensalmente um índice de reajuste salarial calculado segundo
uma fórmula matemática definida pela lei.
b) Para os trabalhadores, privados do uso de seu único meio efetivo de mudança, a greve,
pela lei 4.330 de 1964, a negociar praticamente sem perspectivas de obter uma melhora de
salário.
Transportes, do Trabalho e Previdência Social, da Indústria e do Comércio, das Minas e Energia, do
Planejamento e Coordenação Geral e das Comunicações” (Art. 1º ).
41
A Lei nº 4.725, “sob o pretexto de instituir uma política salarial no País, promoveu uma gigantesca
transferência de renda do assalariado para o setor público e deste para o setor privado” (DIAP, 2000, p.19).
93
c) Para os patrões que o têm nenhuma razão de reclamar dos índices do governo, nada
para se inquietar: lhes basta recusar os aumentos superiores ao índice e aguardar o julgamento
longe do menor conflito.
d) Enfim para os juízes do TRT, que perderam sua capacidade de julgar e de decidir
livremente em setembro de 1965, a procura uma solução ao impasse criado pelo índice que
fixa o governo.
Nesse contexto, os salários reais, apesar do crescimento do PNB no período 1964-1967,
decresceram. A primeira reação efetiva contra a política governamental de arrocho salarial
partiu dos trabalhadores de São Paulo, que organizaram o MIA, que se manteve por um ano
42
.
Entretanto, Marques (1980, p.176) afirma a origem proletária” do arrocho:
É somente porque certas greves o desencadeadas nos estados mais importantes
economicamente do país que o governo decide implantar uma nova política salarial,
“integrando” as reivindicações operárias conquistadas pelas categorias mais
organizadas, como os metalúrgicos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os
motoristas de ônibus do Rio de Janeiro e São Paulo, os professores do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os bancários do Rio de Janeiro e de São Paulo. A
nova política salarial visa a instaurar aumentos de salários semestrais calculados
com base no INPC, índice dado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo governo com
base em um índice de produtividade, que seria negociado pelos operários com o
patronato. Após essas medidas, o governo diz que as reivindicações operárias foram
tomadas em conta, a lei deve ser aplicada.
Simonsen, que trabalhou na instituição do SFH (1964) e da Lei 4.728, que disciplinava o
Mercado de Capitais (1965), afirmaria que, durante o ajuste de 1964 a 1967, os salários pagos
na indústria foram defasados na ordem de 25% (cf. Mapa 1). O expediente da redução
absoluta de salários como mecanismo de financiamento do crescimento econômico, depois de
1964, para o ministro Campos, mesmo parecendo socialmente cruel, era o preço a ser pago
para restaurar o potencial de investimentos, tanto no setor público quanto no setor
empresarial.
São dados estatísticos. É o óbvio ululante. Se era preciso aumentar a taxa de câmbio
real, aumentar os aluguéis reais e elevar as tarifas públicas, como isso seria
possível? Se houvesse aumento do salário real, o sujeito o ganharia o prêmio
Nobel de Economia, ganharia o Nobel de Física. Teria descoberto a maneira de se
42
Para a organização trotskista OC-1º de Maio (1971 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.395), o MIA, com a
presença ativa da AP e posto na ilegalidade pela ditadura, era “um organismo nacional dos pelegos, uma
tentativa dos burocratas sindicais de assumirem a dirão das movimentações que, cada vez mais, lhes
escapavam das mãos; de tomarem as rédeas do processo, para conduzirem os trabalhadores para a luta
reformista”.
94
criar a matéria do nada. A queda de salário real era inevitável (SIMONSEN, 1996
apud SANTOS, 2000, p.117).
A queda do poder aquisitivo real dos trabalhadores foi compensada” por uma série de
paliativos. Os aumentos monetários foram substituídos por “salários indiretos” que não
comprometeriam o desenvolvimento econômico. Uma das medidas, empreendidas nesse
sentido foi a criação dos fundos PIS e PASEP, que previam a distribuição de um salário
mínimo aos cadastrados que recebessem até cinco salários mínimos mensais
43
. Assim,
concedia-se um benefício ao mesmo tempo em que eram eliminados direitos históricos dos
trabalhadores, como o controle social sobre a Previdência Social, após a criação, em 1967, do
Instituto único, de administração centralizada.
Para convencer os trabalhadores de suas “boas intenções”, Castello Branco aproximou-se
das confederações sindicais, cupulistas e corruptas, suas “legítimas representantes”. Assim,
ocorreu na resolução sobre a partilha do 13
o
salário em duas cotas, uma em dezembro e outra
no mês de férias de cada trabalhador, para a qual o presidente exigiu, para aprová-la, o apoio
dessas confederações, o que demonstra que reconhecia a estrutura sindical atrelada ao Estado
era um forte contributo à plena realização do novo regime.
Para Ianni (1971, p.282-283),
A “verdade salarial”, exigida pela política antiinflacionária somente poderia ser
posta em prática nos quadros do “novo trabalhismo”. E esse novo trabalhismo, por
sua vez, era essencial para conjurar “a hidra da luta de classes”. Em outros termos,
tratava-se de reorientar o sindicalismo brasileiro, de acordo com as exigências da
estrutura de poder criada em 1964. [...] tratava-se de “popularizar” o governo, e dar
continuidade ao programa de “reconciliação” dos operários com o Executivo.
Observa-se a recorrência do pensamento conservador, segundo o qual a representação
profissional era forma obrigatória de superação da insolidariedade social que marcaria o povo
brasileiro. Oliveira Vianna, mentor intelectual do sindicato CLT, chegara a afirmar que só ao
cidadão sindicalizado se deveria dar o direito ao voto:Não o daria ‘nunca ao homem
desmolecularizado, ao homem puramente indivíduo, ao homem átomo - como é normalmente
o homem típico do Brasil” (VIANNA, s. d. apud BRESCIANI, 2005, p.450).
43
Em 1976, os dois fundos unificaram-se, ainda que Programas tenham patrinios distintos e como agentes
operadores o Banco do Brasil S.A. e a CEF, além do BNDES, encarregado da aplicação dos recursos do Fundo.
95
A criação do FGTS, pela Lei 5.107, de setembro de 1966, aprovada por decurso de prazo,
no governo Castello Branco, veio a substituir a estabilidade no emprego após 10 anos na
mesma empresa, em vigor no País desde a Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682, de 24 de janeiro
de 1923). Para os trabalhadores, a estabilidade era uma barreira à demissão, pois fazia as
empresas pagarem indenizações altas ao demitidos, daí é compreensível que esse ato tenha
desencadeado fortes reações por parte da classe trabalhadora. Em razão da forte propaganda
contrária, o presidente Castello introduziu no projeto uma cláusula que facultava aos
trabalhadores continuarem no regime de estabilidade ou optarem pelo novo sistema. Os
relatos operários do período mostram que a única opção era ou você passa para o fundo de
garantia ou vai demitido”. Assim, o regime de estabilidade no trabalho fora substituído pela
livre demissão sem justa causa.
Para Marini (1986), essa medida, eliminando o “passivo laboral” das empresas, propiciou
amplamente a centralização do capital, já beneficiado por uma potica salarial que
subestimava, sistematicamente, a inflação projetada, levando o salário mínimo a uma
tendência declinante que se manteve até 1970. Sendo o salário mínimo o regulador da escala
salarial em seu conjunto, esse se confundia com a própria taxa de salário, tendo servido de
base para a negociação de tetos salariais, cujos valores se situavam, em sua grande maioria,
muito próximos do salário mínimo. Desse modo, a imensa massa dos trabalhadores se viu
afetada pelo arrocho salarial, fato agravado pela intensa rotatividade de mão-de-obra.
Na visão do establishment, o FGTS, em substituição ao instituto da estabilidade no
emprego, era um instrumento de libertação, tanto das empresas quanto de seus empregados.
Das primeiras, porque aquelas com maior número de empregados estáveis eram invendáveis
por causa de seu passivo trabalhista”. Ele libertava o trabalhador, porque ao invés de
confinar-se eternamente a uma mesma empresa, sem possibilidade de aplicação de seus
talentos e habilidades e sem possibilidade de crescimento profissional, ele poderia levar esse
pecúlio financeiro, em conta nominal, de empresa para empresa.
Lula da Silva (1981, p.13) comenta os efeitos da rotatividade sobre os salários:
A rotatividade da mão-de-obra - que temos denunciado mas pouca gente tem dado
ouvidos - faz com que o trabalhador, depois de três anos de firma ganhando Cr$
30,00 por hora, arrume um outro emprego ganhando Cr$ 15,00. Seu salário foi
reduzido em 50%, mas o aluguel, o feijão, o arroz, o leite, nada mais foi reduzido.
Se já sofria ganhando Cr$ 30,00, imagine ganhando Cr$ 15,00! Por isso esse
trabalhador quer segurar o emprego.
96
Promovendo a rotatividade, o FGTS ampliou o exército industrial de reserva e
atuou, diretamente, no rebaixamento do nível salarial. As empresas passaram a
demitir trabalhadores às vésperas dos acordos coletivos, readmitindo-os depois ou
contratando outros, com salários mais baixos que os que obteriam através do acordo.
Em 1974, a taxa média global de rotatividade na indústria automobilística alcançou
72%, no ramo de elétrico-eletrônica, e 63%, no ramo de metalurgia, fenômeno ainda
mais acentuado na pequena e média empresa.
Tem um patrão, que é da Ford, que disse no jornal o seguinte: “O trabalhador que é
um bom empregado o tem medo de ser mandado embora e, por isso, não está
reivindicando estabilidade”. Como coisa que a gente só é mandado embora quando é
mau empregado. Como coisa que ser mandado embora ou não, depende do
comportamento da gente. Nós estamos de saco cheio de ver puxa-saco ser mandado
embora (LULA DA SILVA, 1981, p.370).
Sendo os reajustes salariais definidos com base em índices determinados pelo governo, em
uma economia recessiva e seriamente inflacionada, eles acarretaram um violento achatamento
salarial. Nesse contexto, a substituão da estabilidade pelo FGTS
44
tornou sólidos os
alicerces ecomicos do “milagre”.
Dreyfuss (1981, p.432) lembra que a Lei 5.107/66 extinguiu diversos programas de
assisncia aos trabalhadores, pagos por empregadores, e eliminou a contribuição estatutária
destes para outros programas, reduzindo assim os serviços anteriormente disponíveis para a
classe trabalhadora e baixando ainda mais seu padrão de vida”. Além disso, essa norma
estabelecia um cerceamento ainda maior do espaço de atuação política e social dos
trabalhadores, com o impedimento do uso do recurso da greve, possibilitado pela Lei de
Estabilidade.
Lula da Silva (1981, p.13), em entrevista ao Pasquim, afirma:
Esse negócio de passar pro FGTS [...] botou o cara rodando feito peru. Se essa lei
veio com o objetivo de criar um banco, que esse banco seja administrado pela classe
trabalhadora. O dinheiro é nosso, ! Veio o Fundo de Garantia pra acabar com a
estabilidade, deixando os trabalhadores à mercê dos empregadores e taí financiando
mansões, deixando de lado o trabalhador. Convém registrar por que a memória
nacional é curta: a sacanagem do fim da estabilidade foi feita por Roberto Campos.
44
A instituição do FGTS estimulou um alto índice de rotatividade da força de trabalho nas áreas industriais do
Brasil. Em 1970, em São Paulo, 35,5% da força de trabalho estavam há menos de um ano no trabalho; 55,6%
ainda não haviam atingido dois anos, e 74,2% não haviam atingido três anos), quadro que inibia reclamações
trabalhistas e favorecia os baixos salários.
97
Em 1963, num Congresso Nacional de Metalúrgicos, os trabalhadores aprovaram a
criação de um fundo mas para ser paralelo à estabilidade e não pra acabar com ela.
Roberto Campos aproveitou a deixa e criou o FGTS.
Para conter a expansão dos salários, em nome da ordem blica e da seguraa nacional,
em junho de 1964, foi sancionada a Lei de Greve, a Lei n. 4.330, de junho de 1964.
Emendando a Constituição de 1946 (que garantia o direito de greve), ela definia as condições
em que as greves seriam consideradas legais. Maria Helena Moreira Alves (1985) informa
que funcionários públicos federais, estaduais e municipais ou de empresas estatais eram
expressamente proibidos de entrar em greve.
Muitas das greves declaradas legais pelos tribunais de trabalho desde 1964 ocorreram em
empresas que mais de três meses não pagavam a seus trabalhadores. Entretanto, certas
exigências burocráticas para a legalização de uma greve eram tão dispendiosas e complexas
que muitos sindicatos simplesmente não as preenchiam. Entre as penas previstas para as
greves não autorizadas estavam a suspensão ou a demissão do trabalhador grevista sem
indenização, o afastamento da liderança sindical, pesadas multas e até mesmo o cancelamento
do reconhecimento legal do sindicato. A Lei tornava ilegais as greves de motivação potica -
somente as greves contra atrasos de pagamento recebiam alguma tolerância - e estabelecia
cautelas para desencorajar o “grevismo” do período anterior.
Lula da Silva (1981, p.166), entretanto, afirma que o arrefecimento do movimento sindical
tem nos seus deres os maiores culpados:
Outra coisa: ficou provado, para mim, que com toda a repressão que houve de 1964
para cá, com toda a recessão, uma coisa nunca foi proibida: é o dirigente sindical ir
para a porta da fábrica conversar com trabalhador. A grande lição que os dirigentes
sindicais têm de aprender é que o sindicalismo brasileiro esteve morto, talvez nem
seja por culpa dos governos revolucionários
45
, mas por culpa mesmo da
passividade dos dirigentes sindicais que não quiseram assumir, pelo menos em
termos de preparação de base. Porque a lei de greve é a mesma de alguns anos atrás
e o trabalhador está fazendo greve.
Fato é que o governo Castello Branco estava determinado a estabelecer uma potica de
controle salarial que impedisse a elevação dos salários acima da inflação e para isso precisava
eliminar qualquer possibilidade de oposição dos trabalhadores, o que intentou fazer com
intervenções nos sindicatos e o expurgo de vários deres sindicais.
45
Grifo nosso.
98
nos primeiros dias do novo regime, houve intervenção em 409 sindicatos, 43
federações e quatro confederações, então dirigidas por sindicalistas atuantes (DIAP, 2000).
Alves (1985) informa que, a partir desse momento até 1979, dentre intervenções, destituições
de diretorias, cerceamento de eleições e dissoluções de entidades somaram-se 1.565
interferências diretas do governo nos sindicatos.
Outro instrumento foi a doutrinação ideológica. Varela (1966) afirma que, em junho de
1964, sob os auspícios do novo regime, ocorreu a Conferência Nacional de Dirigentes
Sindicais pela Defesa da Democracia e do Bem Estar dos Trabalhadores, organizada pela
CIOSL, e que definiu a participação dos sindicatos brasileiros na Aliança para o Progresso,
que, em 1966, manteria 500 sindicalistas brasileiros estudando nos Estados Unidos e México.
O santo arrocho salarial maximizou as condições de reprodução do capital no país a níveis
nunca antes observados. Substituindo as negociações diretas pelo cálculo oficial dos reajustes,
o arrocho reduziu, sistematicamente, os salários reais, entre 1964 e 1967, atingindo 20% do
salário mínimo. Os reclamos dos assalariados foram calados pelo caráter discricionário do
regime.
2.2 A adaga do (sub)desenvolvimento
A potica salarial do governo Costa e Silva preservou o caráter de arrocho, impresso já na
gestão de Castello Branco. O Decreto 62.461, de 25 de março de 1968, alterou a tabela de
salário-nimo aprovada pelo Decreto n. 60.231, de 16 de fevereiro de 1967. O mote dessa
alteração fora o propósito do Governo em corrigir o desgaste produzido pela inflação no
salário real dos trabalhadores e elevar progressivamente o padrão dos assalariados à medida
que o País se desenvolve”. A tabela vigorou por três anos, estabelecendo, para os menores de
16 a 18 anos, um salário-mínimo entre 50% e 75% (Mapa 1).
A nova tabela salarial dividiu o país em 23 regiões. Os estados de Pernambuco, Bahia,
Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina foram divididos em duas
sub-regiões, a primeira compondo os municípios mais dinâmicos desses estados e a segunda
os demais municípios. Os maiores salários nimos nominais foram concedidos aos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara (NCr$ 129,60), ao passo que Minas Gerais e o
Distrito Federal ficaram no segundo grupo (NCr$ 124,80).
99
Os dados relativos à primeira sub-região do estado de São Paulo, que engloba o ABC,
locus preferencial da análise que desenvolveremos no capítulo 4, demonstram que, além de
o serem contemplados com o reajuste estadual, ficando seu salário nominal em NCr$
117,60, os trabalhadores dessa sub-região têm altos dispêndios para a reprodução de sua força
de trabalho: a alimentação representa 43%; a habitação, 33%; o vestuário, 14%; a higiene, 6%
e o transporte, 4% de seus gastos.
A Tabela 9, tomando como base os preços de maio de 1969, demonstra que o salário
mínimo real, que era de Cr$ 331,50 em 1959, caiu sistematicamente, todos os anos, até
alcançar Cr$ 187,20 em 1970. Essa queda constante foi especialmente pronunciada de 1964
para 1965, caindo 20% apenas nesse intervalo.
Tabela 9 - Salário-mínimo real – Brasil (1959-1970)
Mês e ano Salário-mínimo
nominalCr$
Deflator ICV
1965/1967: 100
Salário-mínimo real –
Cr$ (preços de
maio/1969)
Janeiro de 1959 5,90
4,04
331,50
Outubro de 1960 9,44
7,08
302,65
Outubro de 1961 13,216
10,1
297,02
Janeiro de 1963 21,00
16,3
292,55
Fevereiro de 1964 42,00
34,1
179,55
Março de 1965 66,00
64,9
230,80
Março de 1966 84,00
90,1
211,60
Março de 1967 105,00
122
195,36
Março de 1968 129,60
151
194,83
Maio de 1969 156,00
187
189,37
Maio de 1970 187,20
227
187,20
Fonte: Adaptado de Bresser-Pereira (1973, p.129).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
a Tabela 10 revela que, à revelia da miserabilização dos assalariados de menor renda,
que tiveram uma queda remuneratória de quase 50%, o salário médio teve tendência
ascendente no estado de São Paulo no período.
102
Tabela 10 - Salário médio no estado de São Paulo (1965-1970)
Mês e ano Salário-médio
nominalCr$
Deflator Salário-médio real
Cr$ (preços de
fevereiro de 1969)
Março de 1965 119,70
64,9
405,66
Março de 1967 219,55
122
466,00
Março de 1968 267,82
147
400,66
Maio de 1969 400,48
187
470,96
Fevereiro de 1970 534,05
220
534,05
Fonte: Bresser-Pereira (1973, p.130).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Essa ambivalência nos padrões salariais confirma a existência de um processo de
concentração de renda da classe média para cima, pois se o salário mínimo cai e, mesmo
assim, o salário médio cresce, é porque está ocorrendo uma redistribuição de renda em favor
dos que recebem os maiores salários.
Füchtner (1980) informa que, em 1967, enquanto o salário mínimo no Rio de Janeiro era
de NCr$ 105,00 a média salarial, no setor bancário, era de NCr$ 311,00; no de comunicações,
NCr$ 272,00; no de transporte, NCr$ 269,00; nos de saúde, comércio e cultura, NCr$ 175,00
e no industrial, NCr$ 172,00.
A tendência à concentração da renda da economia brasileira, a partir de meados dos anos
1950, pela crescente capital-intensividade dos investimentos realizados, manteve a economia
em um estado de subconsumo, já que todo investimento resulta, a curto ou a longo prazo, em
um aumento de oferta de bens de consumo, que necessitam encontrar mercado.
Celso Furtado (1968) constatou esse femeno (Tabela 11) e pros um papel mais ativo
do Estado na distribuição de renda. No momento dessa alise, 50% da população viviam ao
nível da subsistência, com uma renda per capita de US$ 130, tendo uma participação na renda
equivalente ao 1% mais rico da população.
103
Tabela 11 - Perfil da demanda global no Brasil
Grupos % da
população
População
1000
Renda per
capita (US$)
Renda total
(US$ 1.000)
% da renda
50
45.000
130
5.850
18,6
40
36.000
350
12.600
40,1
9
8.100
880
7.128
22,7
1
900
6.500
5.850
18,6
100
90.000
350
31.428
100,0
Fonte: Adaptado de Furtado (1968, p.8).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Recusando a potica “cepalina” de defesa da constituição de um mercado interno de
ampla base, o regime autoritário ampliou o “vampirismosocial. JoCarlos Duarte (1971)
afirma que a metade da população remunerada, situada no extremo inferior da distribuição,
viu cair sua participação na renda total de 17,7% para 13,7%, em que pese um aumento de
79% no PIB. A concentração de renda foi especialmente forte entre os 10% mais ricos da
população, que passaram de 38,87% da renda para 45,35% da renda.
Ruy Mauro Marini (1986) afirma que, entre 1960 e 1970, os 5% mais ricos da população
haviam aumentado sua participação na renda global de 27,3 a 36,3% e os 80% mais pobres,
reduzido a sua de 45,5 a 36,8% enquanto os 15% médios se mantiveram estáveis em 27%.
O planejador de Geisel, Velloso (1977), apoiando-se em estudo da Virgílio Gibbon sobre
os dados de IR de pessoas sicas, no período 1970-1975, afirma a existência de intensa
mobilidade vertical nas faixas médias de renda urbanas: cerca de 50% dos indivíduos que, em
1970, estavam na classe de renda inferior (Cr$ 10.000,00 - Cr$ 14.000,00 anuais), haviam
passado para classes de renda superiores, em 1975.
104
Tabela 12 - Distribuição da renda pessoal 1960/1970
Camada da população Participação percentual da renda total
1960 1970
40% mais pobres 11,20
9,50
10% seguintes 6,49
4,69
10% seguintes 7,49
6,25
10% seguintes 9,03
7,20
10% seguintes 11,31
9,63
10% seguintes 15,61
14,83
10% mais ricos 38,87
48,35
Total 100,00
100,00
30% mais ricos 65,79
72,81
5% mais ricos 27,35
36,25
1% mais rico 11,72
17,77
Fonte: Duarte (1971, p.40).
Duarte (1971) calculou a variação do salário real entre 1960 e 1970, por grupos de renda
(Tabela 13). Os dados levantados denotam que, enquanto os salários dos 50% mais pobres
permaneciam estagnados, os demais estratos, especialmente a partir dos 20% mais ricos,
cresceram, demonstrando que, ao contrário do antigo padrão de concentração de renda apenas
entre capitalistas, o novo modelo expandiu os “benefícios do desenvolvimento” à classe
dia.
105
Tabela 13 - Salários reais por estratos populacionais– Brasil (1960 e 1970)
Porcentagem da
população
Renda média real a preços de 1949 r2/r1
1960 (r1) 1970 (r2)
50%mais pobres 3,62 3,64 1,01
10% seguintes 7,67 8,30 1,08
10% seguintes 9,25 9,56 1,03
10% seguintes 11,58 12,76 1,10
10% seguintes 15,99 19,65 1,23
10% mais ricos 39,90 64,14 1,61
5% mais ricos 56,02 96,16 1,72
Fonte: Duarte (1971, p.42).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Este processo de concentração de renda garantiu a manutenção do mercado em níveis
elevados para as indústrias dinâmicas, tecnologicamente de ponta, como a automobilística. Os
estímulos às exportações de manufaturados permitiram compatibilizar concentração de renda
e desenvolvimento. Estabeleceu-se um círculo virtuoso” de desenvolvimento, em que o setor
moderno concentrou a renda na classe dia e alta e esta concentração, por sua vez,
estimulou o crescimento do setor moderno. À medida que as indústrias se tornavam cada vez
mais automatizadas e capital-intensivas, a tendência natural do mercado foi o favorecimento
dos grupos intermediários, em prejuízo das classes baixas, já que esse tipo de indústria
demanda pessoal de nível médio em muito maior proporção, do que a indústria trabalho-
intensivas (BRESSER-PEREIRA, 1973).
Foram excluídos o setor produtivo tradicional e a classe baixa, marginalizados do
processo de desenvolvimento. Estudos mostram que, em função do desempenho da economia,
na década de 1970, o emprego urbano cresceu a uma taxa mais elevada (6,42% ao ano) que a
população urbana (4,83% anuais). Na criação de empregos nessa década, o setor secundário
superou o terciário.
A concentração de renda na classe alta e na classe média favorece, assim, um
desenvolvimento ainda maior das grandes empresas capitalistas nacionais e
internacionais e das empresas públicas. Todas essas grandes empresas, por sua vez,
106
na medida em que o altamente capital-intensivas e tecnologicamente sofisticadas,
aumentam sua procura de pessoal especializado e de pessoal administrativo, ao invés
de aumentarem sua procura de pessoal não especializado. Aumenta, assim, o
emprego para a classe média, enquanto, acentua-se a marginalização da classe baixa.
(BRESSER-PEREIRA, 1973, p.17).
Para estimular a grande indústria, Delfim Netto expandiu o sistema de crédito ao
consumidor e garantiu à classe média o acesso aos bens de consumo duráveis – de automóveis
a aparelhos eletrodomésticos. Este setor, priorizado pelas poticas econômicas, canalizou uma
parcela significativa dos investimentos estrangeiros, que, em termos globais, passaram de
cerca de US$ 11,4 milhões para mais de US$ 4,5 bilhões entre 1968 e 1973.
Eis o milagre!
2.3 Enfim, um milagre (para iniciados)
O modelo de desenvolvimento tecnoburocrático-capitalista, colocado em prática pelo
regime autoritário, concentrou a renda nos grupos intermediários e de altas rendas, os únicos
com possibilidade de manter em nível alto a demanda dos bens sofisticados, produzidos pelas
indústrias dinâmicas do país.
O “milagre” foi possível pela adoção de uma estratégia que combinava a concentração
da riqueza e da renda, a redução do salário real face à produtividade média do sistema e a
exportação de produtos industriais objetivando aliviar os setores produtivos que enfrentavam
insuficiência de demanda. Como garante dessa política ecomica, estabeleceu-se uma brutal
repressão policial-militar.
Este modelo de desenvolvimento terá seu ápice no período do “milagre”. A potica do
regime era clara: a aceleração do desenvolvimento econômico poderia se fazer, e far-se-ia, em
detrimento da eqüidade distributiva. Podia dividir-se a população em dois setores: o setor A,
30% da população, controlaria 2/3 da renda e teria uma renda per capita de US$ 1.000,
ficando o setor B, 70% da população, com uma renda per capita de US$ 214,3. O “milagre”,
do ponto de vista social, teve um preço elevadíssimo.
A opção pelo desenvolvimento implica a aceitação da idéia de que é mais importante
maximizar o ritmo do desenvolvimento econômico do que corrigir as desigualdades
sociais. Se o ritmo do desenvolvimento é rápido, a desigualdade é tolerável e pode
ser corrigida a tempo. Se baixa o ritmo de desenvolvimento por falta de incentivos
107
adequados, o exercício da justiça distributiva se transforma numa repartição de
pobreza (CAMPOS, 1964, p.115-116).
Como afirma Albert Fishlow (1974, p.7-8), “o custo do programa de estabilização recaiu
sobre aqueles que tinham menos condições para suportá-lo: os pobres. Considerar tal
programa um sucesso total é, no mínimo, uma confusão semântica”. Apenas marginalmente a
população da periferia das cidades alcança algum fruto do milagre; por exemplo, um aparelho
de televisão, cujas antenas tomam os tetos das favelas de São Paulo (55 mil barracos em 1971,
71 mil em 1972).
Estimulados pelas poticas de taxação, pros mínimos e créditos subsidiados do governo,
as exportações primárias retomaram o lego. Nos setores afetados pelo boom de exportação,
o uso de máquinas agrícolas e outros insumos modernizou os métodos de cultivo,
principalmente nos estados mais ricos do Centro e Sul. A produção de culturas de subsistência
(arroz, feijão, mandioca e batatas) foi substituída e declinou posteriormente, o que, sem
dúvida, teve impacto sobre os padrões de reprodução da classe trabalhadora, pela elevação de
seus custos (Tabela 14).
Tabela 14 - A agricultura brasileira (1950-1978)
Produtos 1950/1959 1960/1969 1967/1978
Arroz
3,61
3
,23
3,21
Feijão
2,92
4,19
-
1,60
Mandioca
3,33
6,07
-
1,63
Batatas
4,84
4,34
1,73
Cebolas
5,63
3,48
5,91
Milho
3,30
4,75
2,47
Trigo
3,48
5,89
10,64
Soja
8,18
16,39
29,78
Café
6,62
-
6,94
-
3,91
Cana
-
de
-
açúcar
5,42
3,63
5,69
Algodão
1,31
1,61
-
2,30
L
aranja
3,02
6,02
11,88
Fonte: Mello; Acarini (1979).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
108
Em um país de extensa área cultivável, como o Brasil, não se produziam neros
alimentícios em quantidade necessária ao consumo da população. Os gêneros de primeira
necessidade subiram tanto de preço que as classes operárias estão quase privadas deles. Os
lavradores de algodão, arroz e outros produtos agrícolas atravessam situação grave, em
virtude das restrições de crédito e dos preços mínimos insuficientes.
A capitalização das médias e grandes propriedades implicou a extensão da legislação
trabalhista às áreas rurais, tendo por conseqüência a expulsão de colonos e o êxodo rural. Nas
áreas periurbanas, esses trabalhadores permanecem concentrados para recrutamento como
assalariados temporários (bóias frias) nos períodos de safras. Os trabalhadores estáveis no
campo são progressivamente em número cada vez menor. Trabalhando em grandes fazendas,
eles realizam uma série de serviços na entressafra. A Tabela 15 representa a concentração
fundiária, promovida pelas grandes empresas no país.
Tabela 15 - As 10 maiores empresas por área ocupada
Empresa Origem % Capital
estrangeiro
Área total
(ha.)
Estado
Jari Florestal
Estados Unidos
94,8
1.004.593
AP/PA
Agropecuária Agroindustrial
do Amapá
Estados Unidos
99,0
540.613
AP
Cia. Amazonas Madeiras e
Laminados
99,8
429.940
PA
The Lancashire General
Investiment
Inglaterra
100,0
164.601
RS/SP/RJ/M
T/MG/GO
Fazenda Xavantina
65,0
109.922
MT
World Land Corporation
Estados Unidos
100,0
104.108
GO
Superfine Madeira
Japão
99,0
PA
Agropecuária Rio Telles
Pires
100,0
98.459
MT
Peixe Sudoeste
100,00
78.920
MT
Novos Horizontes Agropec.
99,0
54.350
GO
Fonte: Adaptado de Bueno (1983, p.92).
Org.: S.R. BRAGA (2007).
109
No campo, a concentração fundiária acirrou a luta pela terra. Em 1971, houve 37 conflitos
com 12 mortos. Ao longo de 1975, registraram-se 127 conflitos com 19 mortes. Durante o ano
de 1976, a administração de Geisel assistiu a outros 126 conflitos, agora com 31 mortos.
Nas grandes cidades, à medida que produziam mais e mais, os trabalhadores percebiam
cada vez menos. Houve uma redução ponderável do salário mínimo real e, por extensão, dos
salários do pessoal menos qualificado, cujo nível está preso ao mínimo.
Durante o “milagre”, as condições pioraram para quem trabalhava. Em 1969, a
produtividade real foi de 5,9, mas os reajustes salariais tiveram seu lculo com base em 3,0.
Em 1973, no final do governo de Médici, a produtividade real foi de 8,4, mas os reajustes
salariais tiveram seu lculo com base em 4,0. A Tabela 16 apresenta os reajustes salariais,
concedidos no país no interregno 1969-1975.
Simonsen (1976, p.187), conquanto representante do pensamento oficial do regime, chega
a afirmar: a explosão demográfica, localizada, sobretudo nas camadas de renda mais baixas,
constitui um dos fatores responsáveis pelos desníveis econômicos individuais”. Exatamente
por isso, a estratégia da potica ecomica do governo deveria ser a busca do crescimento
econômico. Nessa perspectiva, o melhor instrumento de distribuão de renda seria a absorção
da mão-de-obra decorrente do crescimento.
Tabela 16 - Reajustes salariaisBrasil (1969-1975)
Ano
Salário
mínimo
nominal
Valor real
dos salários
(Cz$)
Índice do
salário mínimo
real
Salário (se
mantido o poder
de compra)
1969 156,00
2,41
41
381,55
1970 187,20
2,48
42
444,68
1971 225,60
2,36
40
563,98
1972 268,80
2,36
40
670,71
1973 312,00
2,13
36
865,71
1974 376,80
1,90
32
1.168,09
1975 415,20
1,73
29
1.413,35
Fonte: Marques (1981).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
110
O enfoque produtivista apregoava o aumento da margem distribuível, para aceleração do
ritmo de crescimento da renda e da oferta de empregos, como condição necessária para
viabilizar qualquer potica sensata de distribuição de renda. Tratava-se de “crescer o bolo,
para depois dividi-lo”, no axioma de Delfim Netto. Assim, “a potica tem sido orientada no
sentido de compatibilizar o desenvolvimento acelerado com uma gradual, pom contínua
melhoria de distribuição de renda” (CAMPOS, 1976, p.77).
A potica salarial dos governos Castello Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici o
foi apenas um elemento da ação antiinflacionária, mas parte de uma potica antioperária.
Nesse sentido, afirma Ianni (1971, p.274), “o congelamento salarial, nos termos em que
ocorreu nos anos 1964-70, fez parte de uma política de recomposição das relações entre as
classes assalariadas, por uma parte, e os compradores da força de trabalho, por outra”. A
contenção salarial distorceu profundamente a repartão da renda, aumentando a participação
do Estado e dos proprietários do capital e do solo urbano à custa dos assalariados de menor
renda.
A renda per capita brasileira em 1972 era de US$ 469 por ano contra US$ 4.240 para os
Estados Unidos, US$ 2.920 para a Suécia, US$ 2.700 para a Suíça, US$ 2.650 para o Canadá,
US$ 2.460 para a França, US$ 2.190 para a Alemanha Ocidental e, na América Latina apenas
alguns países apresentavam renda mais baixa que a nossa. A renda per capita, todavia, não
traduzia as desigualdades na distribuição da renda, acentuadas ao ritmo da concentração dos
capitais (Tabela 17). Além das desigualdades interclasses, vale destacar as distorções
regionais existentes: no Maranhão, no Piauí e na Paraíba, essa renda é inferior a US$ 200
anuais, difereas que se m mantendo ao longo do tempo. Em 1970, a Região Sudeste
detinha 52,08% da renda interna total; a Norte, 11,07%, a Nordeste, 14,3%; a Região Sul,
17,3% e o Centro-Oeste, 3,13%.
Tabela 17 - Camadas da população, % da população e da renda – Brasil (1970)
Camada % da população % da renda
I 40
7,0
II 40
27,8
III 15
27,0
IV 5
36,2
111
Fonte: Duarte (1971).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Assim, 80% da população (camadas I e II) participaram em apenas 34,8 da renda nacional,
enquanto os restantes 20% (camadas III e IV) se apropriaram de 63,2%, ou seja, mais da
metade dessa, ao passo que a última camada (IV), composta por apenas 5% da população,
reteve 36,2% da renda total. Em 1960, essas percentagens eram 45,5% e 54,4%,
respectivamente, o que significa que, embora tenha aumentado substancialmente o PNB, 80%
da população tiveram reduzidas sua participação na renda em 8,7%.
José Serra (1973), analisando esse modo de concentração da renda, ressalta que essa renda
monetária pessoal, obtida pelo censo demográfico, exclui os lucros retidos pelas SAs, os
ganhos diversos de capital e a remuneração de extraordinárias de executivos, de sorte que a
renda média pessoal é consideravelmente inferior à renda global per capita e que a parte da
renda privada não contabilizada na distribuição pessoal, pertence sobretudo aos grupos da
extrema cúpula da escala distributiva.
A partir de 1974, as campanhas de imprensa do governo Geisel procurariam criar um
clima de conformismo e esperança: “Temos de fazer um sacrifício hoje para que o amanhã
seja melhor”. Mas o que a classe operária via era que, ao contrário da afirmativa de que a
redução da taxa de inflação a beneficiou, ela, que ganhava salário mínimo foi prejudicada
tanto na fase de aceleração da inflação, pré-1964, como na desaceleração inflacionária, s-
1964.
O rápido declínio do salário nimo contrastou-se com a produtividade crescente. Os
dados disponíveis revelam, ainda, que o salário médio real dos operários industriais decresceu
entre 1964 e 1968. Embora certas categorias de pessoal qualificado, nos setores industrial e de
serviços, tiveram algum aumento em seu salário real, é certo concluir que os trabalhadores
o qualificados sofreram apreciável redução em seu nível de vida.
O salário nimo oficial caiu uniformemente, em termos reais, do índice 100 em 1960
para 52 em 1979, atingindo cerca de 60% da força de trabalho assalariada. Já os salários
dios reais teriam permanecido constantes de 1963 a 1970; aumentando um pouco durante o
boom e declinando a seguir (DIEESE, 1979).
112
Tabela 18 - Salário mínimo (nominal e real), custo de vida e PIB per capita (1964=100)
Ano Salário mínimo
Salário real Custo de vida PIB per capita
1964 42,00
100
100
100
1965 76,00
83
190
100
1966 84,00
69
288
101
1967 105,00
70
357
103
1968 129,70
64
480
111
1969 156,00
68
548
118
1970 187,20
66
671
129
1971 255,60
65
818
138
1972 268,80
67
958
150
1973 312,00
68
1087
166
1974 376,80
65
1384
177
1975 532,80
73
1576
183
1976 768,00
74
2481
194
1977 1.106,70
74
3581
-
1978 1.560,00
74
4978
-
Fonte: Borges (1978).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Régis Andrade (2002, p.14) lembra-nos que os salários, em nenhum momento,
incorporaram os enormes ganhos de produtividade:
A crescente massa de mais valia - ou lucros totais - foi redistribuída segundo linhas
determinadas pelas condições de mercado e pelas políticas governamentais
beneficiando os estratos de alta renda. Dessa forma, a concentração de renda foi
agravada pela escassez de certos profissionais altamente qualificados e pela
capacidade quase ilimitada do Governo de comprimir os salários básicos; pelos
esforços do Governo em assegurar a lealdade da burocracia pública, das Forças
Armadas e dos serviços de segurança, e pela extensa corrupção; pela concentração
113
de capital e propriedade bem como pela exacerbação de uma “ética da selva” nas
classes dirigentes, empresariais e na classe média alta.
Apesar de todo o arrocho salarial do governo Médici, a inflação o foi reduzida. Tentou-
se ocultar esse fracasso por meio de um lculo viciado dos índices de inflação (utilizando
para vários itens preços que não refletiam aqueles efetivamente praticados no mercado), e
outro interno da administração Geisel, elaborado por Mário Henrique Simonsen.
No que concerne à potica salarial do governo Geisel, Sarmento e Alberti (2002)
informam que Simonsen submeteu a esse presidente o anteprojeto de lei, reformulando a
sistemática de lculo do reajuste salarial em 14 de outubro de 1974. A principal inovação,
trazida por Simonsen, foi a reconstituição do salário pela média dos últimos 12 meses.
Para o planejamento tecnoburocrático, a vinculação entre aumento salarial e produtividade
é a única exeqüível. Velloso (1977) afirma que, se o salário médio anual, no Rio de Janeiro e
em São Paulo, tivera queda de 29 %, entre 1962 e 1970, 63% dessa queda de poder aquisitivo
teriam ocorrido entre 1962 e 1964, antes, portanto, da “gloriosa” e, computando-se o 13º
salário, o salário nimo, em 1976, seria apenas 19% menor que o de 1960. O ministro afirma
que, no interregno 1969-1973, o salário médio real cresceu 11 % ao ano e que a relação salário
dio/sario nimo aumentou 36% nesse período.
A fórmula salarial objetiva a consistência entre os objetivos de crescimento, controle
da inflação e distribuição da renda: crescimento, evitando a desordem dos
reajustamentos; controle da inflação, evitando que os aumentos de salários se
convertam em causa autônoma de inflação; e distribuição de renda, garantindo a
participação do trabalho na renda nacional. [...] O reajustamento pelos picos é que é
enganoso. Primeiro, porque leva a oscilações muito maiores no valor do salário real
que, ao longo do período, o trabalhador percebe. Apenas para registro, é sabido que
declina rapidamente a parcela de trabalhadores na faixa de salário mínimo. Em São
Paulo, no setor industrial, aquele percentual caiu de 36% em 1965 para 19% em
1973. Outro fator a levar em conta é que este ano começou a ser pago o abono
especial do PIS-PASEP, que, para o trabalhador de salário mínimo, corresponde a
receber um 14º salário. Isso sem considerar as diferentes formas de salário indireto e
o fato de que, dada a expansão de oportunidades, a renda familiar tem aumentado
bastante, com a elevação do número de pessoas na família que deixam a categoria
dos “sem rendimentos” (VELLOSO, 1977, p.195-198 passim).
Mais tarde, essa contenção não se mostrará suficiente para combater a inflação. Segundo o
ministro, para combater a inflação, era necessário mudar a potica salarial, devendo os
salários aumentar somente 25% em 1977.
Estão conscientes os trabalhadores brasileiros das dificuldades por que passa o nosso
País no momento em que o mundo todo atravessa períodos de crises em todos os
114
setores. Sabemos nós, trabalhadores, que estas dificuldades recaem mais
acentuadamente sobre aqueles que vivem de seus salários. Entretanto, estamos
conscientes de que tudo tem feito Vossa Excelência para reduzi-las, compensando-as
em uma política permanentemente voltada para os mais humildes, através de
incontáveis medidas e providências na área social do Governo (MTb, 1978, p.18).
Apesar desse aparente esforço presidencial, em 1978, Simonsen voltou à carga, afirmando
que os salários eram os determinantes do processo inflacionário, de modo que “um combate
mais rápido à inflação só se conseguiria de uma forma: baixando substancialmente as taxas de
reajustamento salarial”. O cálculo do reajuste salarial poderia ser feito pela ORTN, e não mais
pelo índice de custo de vida, recomenda o ministro, lembrando que obviamente, a sugestão
acima é tão correta do ponto de vista técnico quanto inoportuna do ponto de vista potico
(SARMENTO; ALBERTI, 2002, p.71).
Temos como fonte de informação o DIEESE, que nos fornece quanto deveríamos
receber para que nos equiparássemos, pelo menos, ao aumento do custo de vida.
Mas o DIEESE, como muitas entidades que pesquisam o custo de vida, não é levado
em consideração. Existe um grupo de economistas no Ministério do Trabalho que
dizem que fazem pesquisa em 14 capitais do Brasil e que chegam a um denominador
comum, ou seja, esse ano chegaram a 39% no mês de abril. E aí a gente começa a
reparar as falhas, a ver os erros da política salarial. Em São Paulo, segundo o
DIEESE, o aumento do custo de vida foi em torno de 43%, e a Fundação Getúlio
Vargas calculou que em Belo Horizonte o aumento do custo de vida foi de 65%. E,
em abril, os trabalhadores de São Paulo e Belo Horizonte tiveram seus salários
reajustados em 39%. Daí é fácil a gente perceber a falha da política salarial, porque
os companheiros de Belo Horizonte poderiam pelo menos receber, no mínimo, 60%
para fazer frente ao aumento do custo de vida (LULA DA SILVA, 1981, p.57).
Nesse momento, as camadas médias, que se expandiram acentuadamente durante a década
de 1960-1970, eram expulsas do paraíso do “milagre” - em que cumpriam a função de
alimentar a esfera do consumo suntuário, que, somada à do comércio exterior e à do consumo
estatal, viabilizara a realização das mercadorias -, inaugurando sua proletarização. Tal
processo implicou sua colocação ao lado dos trabalhadores na luta pela ampliação do valor
real dos salários.
2.4 A fome nossa de cada dia
O salário é o preço pago pelo empregador pelo aluguel da força de trabalho. Essa parte do
capital variável deveria permitir aos trabalhadores sua reprodução social, garantindo-lhes
115
alimentação, saúde, educação, habitação, transporte, vestuário e lazer e boas condições de
trabalho. Mas, com a “verdade salarial”, essa concepção se mostra, cada vez mais, fraudenta.
Um operário que tivesse trabalhado no mesmo emprego de 1964 a 1970, recebendo
apenas os aumentos dados pelo governo, teria perdido 33% de seu salário. De 1972 a 1974,
segundo o DIEESE, os metalúrgicos conheceram uma perda de poder de compra de 10,2 %
(MARQUES, 1980). O comércio interno ressentiu-se, de imediato, com a queda do poder
aquisitivo dos trabalhadores. Nos três primeiros meses de 1966, as vendas a varejo decaíram
na Guanabara em 40%, em Belo Horizonte 64% e em São Paulo 43%. A elevação do custo de
vida chegou a um nível jamais registrado, enquanto o aumento do salário mínimo não
ultrapassava os 100%, a taxa de inflação era de 220%.
Analisando-se o tempo de trabalho necessário para a compra de alimento nimo, Vieira
(1985) constata que, em 1969, eram necessárias 110 horas e 23 minutos, para comprar-se essa
alimentação, em 1973 eram necessárias 147 horas e 4 minutos para adquirir-se a mesma
alimentação. Em nome do crescimento do bolo, a maioria da população trabalhava mais para
comer. O resultado seria um exército de desnutridos, com nimas possibilidades de uma
maior participação nos vários setores da vida nacional.
Em 1969, informa Zuleide Melo (1978), a participação do trabalho na formação da renda
industrial era apenas 35%, contra 65% de participação do capital. Isto significa que, de cada
Cr$ 100,00 gerados pelo parque industrial, Cr$ 65,00 remuneravam o capital e Cr$ 35,00 o
trabalho. Em 1959, o trabalho retinha 43% da renda industrial, enquanto o capital era
remunerado com 57%. Essa partilha teve crescente elevação a favor do capital no período que
se seguiu. Lula da Silva (1981, p.109) comenta: “O aumento do salário seria inflacionário se
ele se sobrepusesse à produtividade. Se o trabalhador produzisse 10 e recebesse 11, seria
inflacionário. Mas, hoje, ele produz 10 e recebe 3. Como é que é inflacionário esse salário?”.
Se, como nos informa Yves Lacoste (1971), a insuficiência alimentar é um dos índices de
subdesenvolvimento, interessa observar como essa coincide com o crescimento do PNB no
Brasil. O Decreto-lei 399, de 30 de abril de 1938, que regulamenta as comissões de salário
mínimo
46
, estabelece que uma pessoa adulta normal deve ingerir: ¼ l de leite, 50 g de queijo,
200 g de carne, 150 g de feijão, um ovo, 100 g de arroz, 500 g de batatas, legumes e verduras,
300 g de frutas ou doces, 200 g de pão, 100 g de açúcar, 12 g de sal, 50 g de banha, 20 g de
46
Essa normativa, sete décadas após sua publicação, continua a ser o parâmetro de cálculo da cesta básica.
116
café ou chá, 25 g de manteiga. A Tabela 19 apresenta um quadro dos valores nimos diários
de nutrientes para adultos em atividade.
Tabela 19 - Necessidades mínimas diárias de nutrientes para adultos ativos
Nutrientes Unidade Necessidades
Calorias cal
3.040,0
Proteínas g
65,0
Cálcio mg
800,0
Ferro mg
12,0
Vitamina A mcg
1.500,0
Tiamina mg
1,5
Riboflavina (Vitamina B2) mg
1,6
Niacina (Vitamina P. P.) mg
15,2
Ácido Ascórbico (Vitamina C)
mg
75,0
Fonte: Adaptado de Melo (1978, p.129).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Melo (1978) chama a atenção para o subconsumo do leite no Brasil: cada brasileiro ingere
por ano apenas 80 l de leite, in natura e nas diversas formas de derivados. Quanto aos queijos,
nosso consumo per capita é de um 1 kg por ano, isto é, sete vezes menor que o dos
argentinos, 11 vezes menor que o dos norte-americanos e 11 vezes e meia menor que o da
França. Na Europa, de modo geral, a população ingere uma média de 3.400 cal e 88 g de
proteínas totais, diariamente, enquanto no Brasil nossa cota fica em torno de 15 g. de
proteínas por habitante, colocando-nos ao lado de indianos e paquistaneses. A Tabela 20 não
foi constrda de acordo com os percentuais ótimos de alimentação, mas de acordo com o
poder aquisitivo do salário nimo.
Essa autora (1978) realiza pesquisa de campo na cidade do Rio de Janeiro, que detém o
salário-nimo mais alto do País: Cr$ 1.108,00 em 1978, do qual descontados o INPS e
Imposto Sindical, o trabalhador recebe em tomo de Cr$ 1.000,00. A autora constatou que um
indivíduo gasta cerca de Cr$ 540,00 mensais em alimentos. Se as famílias eram constituídas
de uma média de quatro pessoas, a despesa mensal com alimentação deveria ser Cr$
1.620,00 (levando-se em conta que duas crianças comeriam o mesmo que um adulto). Melo
(1978) conclui que, se a despesa com a alimentação não deveria superar 50% do orçamento
doméstico, de acordo com Decreto 399, o rendimento mensal dessa família deveria ser de Cr$
117
3.240,00, para garantir sua sobrevivência em condições dignas, de sorte que a alimentação
mínima indispensável para manter um indivíduo saudável não estava ao alcance de 79% da
população fluminense. Além disso, a saúde e a educação foram esquecidas das necessidades
básicas dos trabalhadores, não havendo nenhuma indicação de como esses problemas se
resolveriam.
Tabela 20 - Horas trabalhadas por alimentos (São Paulo, 1965, 1973, 1974)
Produtos Quantidade/mês
Dez./1965 Dez./1973 Mar./1974
Carne 6,0 kg
26 h 24 min
66 h 22 min
65 h 57 min
Leite 7,51
4 h 15 min
5 h 46 min
6 h 55 min
Feijão 4,5 g
7 h 08 min
11 h 28 min
10 h 50 min
Arroz 3,0kg
3 h 45 min
5 h 54 min
6 h 32min
Farinha de trigo
1,5 kg
2 h 23 min
2 h 23 min
2 h 31 min
Batata 6,0kg
7 h 35 min
8 h 49 min
9 h 50 min
Tomate 9,0kg
8h24min
14 h 53 min
23 h28 min
Pão 6,0kg
7 h 48 min
13 h 04 min
17h13min
Café (pó) 600,0 g
46 min
3h47min
4 h 09 min
Banana 7,5 dz
4hoomin
10 h 44 min
10 h 23 min
Açúcar 3,0 kg
3 h 48 min
2 h 46 min
2 h 57 min
Manteiga 750,0 g
7 h 19 min
6 h 41 min
6 h 30 min
Banha 750,0 g
3h44min
9 h 05 min
9 h 39 min
Total
87 h 20 min
158 h 42 min
176 h 54 min
Fonte: Adaptado por Melo (1978, p.131).
O jornal Guerrilha Operária, publicado pela ALN, em 1971, em única edição, informa,
ainda, que o aluguel representava, em 1965, 273h e 40 min e, em 1969, 407h e 50 min. Do
mesmo modo, o gás engarrafado, que, em 1965, correspondia a 9h e 28 min, em 1969, passou
a responder por 12h e 12 min.
118
Com alimentaçãoo precária, insuficiente para repor as energias gastas diariamente
no trabalho, com uma saúde que se deteriora a cada dia pela debilitação constante,
com a fadiga e cansaço que se acumulam sem serem contrabalançados por horas de
repouso e lazer, não é difícil compreender porque a vida média do homem brasileiro
é mais baixa que a de muitos países. A média de vida do homem brasileiro fica em
tomo dos 48 anos de idade, sendo que em alguns Estados do Nordeste o
ultrapassa, de modo geral, os 42 anos, e apenas uma pequena parcela atinge os 60
anos, contrariamente ao que ocorre hoje em boa parte do mundo (MELO, 1978,
p.134).
Nesse sentido, é compreensível que apenas 51%, da PEA brasileira (32.398.000 em 1973)
tenham exercido algum tipo de atividade. Dos 30.577.000 restantes, 21.394.000 viviam
economicamente inativos e cerca de 10 milhões não trabalhavam por problemas de saúde.
Outros 10 miles formavam “as legiões perambulantes e nômades que palmilham as estradas
do interior, sem trabalho fixo”, aqueles que, na cidade, não conseguem colocação no mercado
de trabalho, “os biscateiros que esporadicamente conseguem ocupação, e que constituem a
massa flutuante de desempregados, o exército industrial de reserva” (MELO, 1978, p.135)
47
.
A mera reprodução da força de trabalho não qualificada, que, segundo o discurso
hegemônico, pouco ou nada contribuía para o desenvolvimento do país, era algo, à primeira
vista, inaceitável para o modelo concentrador. Entretanto, vale considerar, como o faz Lúcio
Kowarick (1979), que essa populão “marginal” contribui para a reprodução ampliada do
sistema. Efetivamente, a reprodução do trabalhador ao nível da subsisncia permite uma
redução progressiva dos salários, dado o aumento de produtividade dos setores capitalizados
da economia e a manutenção de um setor de serviços informal, cujos excedentes são drenados
para o capital monopolista.
Figura 2 - A “abertura” segundo Edgar Vasques.
Fonte: Retratos do Brasil.
47
O II PND, pela primeira vez, menciona a existência de “focos de pobreza absoluta” na periferia dos grandes
centros urbanos.
119
Essa população marginal, entretanto, em um contexto de alta rotatividade de mão-de-obra,
era, vez por outra, assimilada ao operariado industrial. John Humprey (1978) demonstrou a
prevalência de categorias semiqualificadas (56,9%) e não qualificadas (26.9%) entre os
operários industriais. De fato, a classe operária, com o crescimento industrial, mudara quali-
quantitativamente. Enquanto em 1960 apenas 15,9% do proletariado estava no exército
industrial ativo, essa proporção cresceria para 37,1% em 1976.
Como nos lembra Francisco de Oliveira (1977), tudo contribuía para que o Brasil, na
sétima cada do século XX, se encontrasse no umbral de sua transmutação em uma nação
industrial. Todavia, o crescimento do bolo não se destinara a matar a fome dos trabalhadores e
o salário mínimo não cobria, por dia normal de serviço”, as suas necessidades normais de
alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” (BRASIL, 1938, Art. 2º), de modo
que a reprodução dos trabalhadores deveria se fazer pelo prolongamento da jornada de
trabalho (a hora extra), incentivada pela potica laboral do regime, que já prolongara a
jornada de ramos industriais mais atrasados e com baixo nível de organização sindical, a
agricultura e a construção civil.
Marini (1986) cita Joaquim Santos de Andrade, presidente do Sindicato de Metalúrgicos
de São Paulo
48
, “insuspeito por sua capacidade de acomodação”, que denunciara que os
operários estão trabalhando doze horas por dia”, esclarecendo que 97 % deles tinham o
seguinte regime de trabalho: oito horas diárias, duas horas extras (máximo permitido pela
CLT, salvo em casos excepcionais) e mais 1,36 horas diárias a pretexto de compensar o
descanso do sábado, de modo que trabalhavam 66 horas por semana, em lugar das 48 horas
que a lei estabelece.
Humprey (1978), em investigação de campo em uma indústria automobilística de São
Paulo, entre 1974-1975, mostrou que o incremento da carga de trabalho dos operários, desde
sua entrada na fábrica, variava entre 20 e 50%, segundo a categoria. Face a essa sobrecarga de
trabalho, o número de timas de acidentes de trabalho, entre os metalúrgicos acentuava-se,
progressivamente, alcançando 33,08 % dos efetivos, o que desencadearia uma série de
medidas saneadoras por parte do governo Geisel, que pretendia evitar danos à “qualidade da
vida” do país.
48
É interessante observar que esse autor utiliza, nesse artigo, dados da revista Brasil Socialista, publicação
conjunta da APMLe do MR-8, editada no exterior, entre 1974 e 1977, com certa circulação clandestina no Brasil.
120
Com a diminuição da parte referente a salários no custo de sua reprodução, a classe
trabalhadora teve que aumentar a produção doméstica de valores de uso. Como nos lembra
Eunice Durham (1986, p.208), “a família é o núcleo de reprodução e de rendimentos e a vida
familiar, uma estratégia que, jogando com a mão-de-obra disponível entre atividade
remunerada e trabalho doméstico, procura assegurar um determinado nível de consumo”.
Regina Célia Bêga dos Santos (1986, p.72) afirma que quanto mais baixo o custo de
reprodução dos trabalhadores, menos investimentos ou serviços serão utilizados ou serão
considerados necessários”. No entanto, se existe um mínimo em que se precisa investir, é
certo que isso tem implicações territoriais, posto que qualquer investimento, valorizando o
espaço, tende a expulsar a parcela mais explorada da classe trabalhadora para áreas menos
valorizadas, que, mais cedo ou mais tarde, também serão alcançadas pelas inversões
capitalistas e daí, nova expulsão, que expande a cidade pela incorporação de novas áreas.
Se os artifícios usados pelos trabalhadores para sobreviver com salários tão escassos
acabaram por elevar os veis de acumulação do capital, entende-se que a organização dessa
população tenha se evoluído, tanto em nível de elaboração quanto em poder de pressão, das
silenciosas ocupações de áreas vagas ao ruidoso MCV, alterando, em alguns momentos, a
correlação de forças entre os agentes que, com interesses, conformam os territórios.
Se “os gestores do capital atrófico acreditaram na possibilidade de um capitalismo sem
contradições, bastando para tal, a desagregação permanente dos movimentos populares”
(RAGO FILHO, 2001, p.172), essa premissa revelou-se inócua, pois é certo que as lutas
sociais avançavam quando todos os caminhos pareciam fechados.
Analisada a importância do arrocho salarial” no modelo brasileiro de desenvolvimento
entre 1964 e 1978, é possível compreender a ação potica das organizações de esquerda
brasileiras, junto aos movimentos populares do pós-1964, o que constitui o objeto de pesquisa
do próximo capítulo.
FRENTE 2:
ADEUS ÀS ARMAS
122
RESOLUÇÃO
Bertold Brecht
I
Considerando nossa fraqueza os senhores
forjaram
Suas leis para nos escravizarem.
As leis o mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser
escravos.
Considerando que os senhores nos
ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
II
Considerando que ficaremos famintos
Se suportarmos que continuem nos
roubando
Queremos deixar bem claro que são apenas
vidraças
Que nos separam deste bom pão que nos
falta.
Considerando que os senhores nos
ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
III
Considerando que existem grandes
mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos
instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais
condições de ficar.
Considerando que os senhores nos
ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
IV
Considerando que está sobrando carvão
Enquanto nós gelamos de frio por falta de
carvão
Nós decidimos que vamos tomá-lo
Considerando que ele nos aquecerá.
Considerando que os senhores nos
ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
V
Considerando que para os senhores não é
possível
Nos pagarem um salário justo
Tomaremos nós mesmos as fábricas
Considerando que sem os senhores, tudo
será melhor para nós.
Considerando que os senhores nos
ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
VI
Considerando que o que o governo nos
promete sempre
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para podermos levar uma vida melhor.
Considerando: vocês escutam os canhões -
Outra linguagem não conseguem
compreender -
Deveremos então, sim, isso valea pena
Apontar os canhões contra os senhores!
* Poema da peça “Os dias da Comuna”.
3. A REVOLTA DOS BAGRINHOS
O presente capítulo discorre sobre o movimento operário no Brasil e no mundo e sobre as
complexas relações que o movimento per se estabelece com os partidos e sindicatos
operários. Busca-se compreender como se forjaram as classes trabalhadoras no Brasil e como
essas enfrentaram o autoritarismo, que percola a história nacional, ainda que com distintos
vernizes.
3.1 Sobre partidos, sindicatos e o movimento...
O século XIX marcou a incorporação da classe trabalhadora ao cenário potico
49
.
Acredita-se que “em sindicatos e partidos poticos, a consciência do conflito pode ser
clarificada e tornada mais exata do que o que normalmente ocorre na consciência de classe
mais difusa do trabalhador comum” (GIDDENS, 1975, p.138).
Para os marxistas, partidos e sindicatos não seriam organizações estanques. Em verdade,
o deveriam ser nem organizações em stricto sensu, sempre ameaçadas de burocratizar-se,
mas parte de um grande movimento do operariado em busca de sua emancipação. Não é outro
o escopo da Liga dos Comunistas, cujo manifesto de fundação, redigido por Karl Marx e
Friedrich Engels em 1848, inaugurou o movimento operário moderno de inspiração socialista.
Na palavra-de-ordem Proletários de todos os países, uni-vos!”, que encerra o Manifesto do
49
Deve-se frisar que o próprio conceito de classe não é consensual. Para Weber (1975) seria um fenômeno de
distribuição de poder na sociedade, representando diferentes níveis de acesso ao mercado. Para Bourdieu (1974),
a classe corresponde a uma dada posição na estrutura social, historicamente definida pelas relações que se
processam nesta estrutura. Já classe trabalhadora, segundo Piotirim Sorokin (1974, p.91), seria um grupo
ocupacional que percebe baixos salários e que se marca pelas privações, o “trabalho monótono e enfadonho,
pouco indicado para estimular o pensamento e a criatividade”.
124
Partido Comunista, afirmava-se a necessidade da unidade internacional dos trabalhadores
para varrer a exploração capitalista, já internacionalizada
50
.
Alain Touraine (2006) afirma que, apesar da constante confusão entre sindicalismo e
socialismo/comunismo, reunidos sob o título de movimento operário, durante longas décadas,
diversas linhas de pensamento de viés marxista analisaram crises do capitalismo sem incluir
seus agentes. Como o movimento operário é um movimento social central da sociedade
industrial e de movimentos históricos ou poticos como o capitalismo, o socialismo, o
comunismo, cujo objeto foi dirigir o processo de industrialização, compreende-se que
movimentos sociais e movimentos históricos freqüentemente procurem se unir e mesmo se
confundir.
De fato, o sindicato vive uma situação dual, que marca suas inter-relações com o(s)
partido(s) e os trabalhadores da “base”, mesclando uma ação como movimento social e como
instituição. Se o caráter regulatório da instituição ganha uma progressiva proeminência, é
ainda necessário falar em movimentos sociais porque se trata, da mesma forma, “de
conquistar ou reconquistar um espaço
51
” (TOURAINE, 2006, p.3).
Se todas as transformações sociais correspondem a alterações na ordem espacial, todo
movimento social é mudança de lugar e pressuposto de novas posições nas relações entre
sujeitos e lugares. Nessa perspectiva, a categoria território fornece elementos relevantes à
compreensão dos movimentos sociais. Assim, cada movimento altera a configuração
territorial dada e contribui para a emergência de outra, tensionando a própria ordem que
constitui e projetando outra ordem em que direitos conhecidos sejam atingidos e outros
possam ser inventados, afinal a u-topia é apenas um lugar um pouco mais distante.
Nesse trabalho, assumimos a perspectiva de que o movimento operário corresponde ao
somatório de partidos, sindicatos e ação coletiva dos trabalhadores, agregando, a um
tempo, dimensões sociais e poticas e não existindo fora dessa ambigüidade.
50
Entre 1848 e 1938, partidos e sindicatos se organizaram em quatro internacionais: a segunda se tornou
conhecida como a Internacional Socialista; a terceira, como a Internacional Comunista e a quarta, como a
Internacional Trotskista.
51
Grifo nosso. Desvela-se aqui a dimensão geográfica dos movimentos sociais, simbolizada na fala dos
diferentes sujeitos que, oprimidos e/ou explorados, demandam “mais espaço.
125
3.2 A situação da classe trabalhadora no Brasil (?)
A formação do proletariado brasileiro relaciona-se com o advento das relações de
produção tipicamente capitalistas, decorrentes da abolição da escravatura no fim do século
XIX. Essa afirmação inaugura boa parte da literatura sobre as classes trabalhadoras no Brasil,
ou está nela implícita. Ocorre que a existência da classe o pode ser um dado apriorístico.
Tavares (1966) afirma, com propriedade, que não houve, até aquele momento, nenhum
estudo sério sobre a situação da classe operária brasileira e das transformações que vinha
sofrendo em sua estrutura
52
. Para esse autor, a mera transposição das características do
proletariado europeu (o alemão, o francês e o inglês, tão bem analisados por Marx e Engels, a
partir de um prolongado acompanhamento in loco) para o Brasil seria, não apenas uma
falsificação, mas um procedimento antimarxista por excelência.
É fácil afirmar que rias passagens de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
escrito pelo jovem Engels, no século XIX, parecem cair como uma luva na história do
proletariado jovem de origem pobre. Vejamos:
Se tem a felicidade de encontrar trabalho, quer dizer, se a burguesia lhe faz o favor
de enriquecer-se à sua custa, espera-o um salário que mal chega para o manter vivo;
se não encontrar trabalho, pode roubar, se não temer a polícia; ou ainda morrer de
fome, caso em que a polícia velará para que morra de forma tranqüila, e nem um
pouco chocante para a burguesia. [...] Claro que para o burguês a lei é sagrada,
porque é obra sua, votada com seu acordo, para sua proteção e vantagem. Ele sabe
que, mesmo se uma ou outra lei o prejudica, o conjunto da legislação protege os seus
interesses. O operário sabe muito bem, e aprendeu várias vezes, por experiência
própria, que a lei é, para ele, um chicote preparado pela burguesia contra ele
(ENGELS, 1985, p.37-256 passim).
Se, como indica Lassalle (1999, p.92), o nimo essencial que o salário representa tende
a baixar”, parece claro que tais situações (um trabalhador desemprego pode ferir a lei e
constatar que essa lhe oprime) são passíveis de ocorrer. Entretanto, em cada sociedade, o
gradiente de repressão pode ser um forte estímulo à morte silenciosa, assim como diferentes
concepções sobre o que é ou não legal, o que é ou não moralmente aceitável, para si ou para
os demais.
52
Um exemplo flagrante desse desconhecimento seria a proposição de Ladislas Dowbor, o Jamil, um dos
teóricos da VPR, de que, dado o caótico processo de urbanização brasileiro e a “selvageria” de nosso
capitalismo, as camadas marginais e o lumpemproletariado se tornariam setores sociais potencialmente
revoluciorios. As tentativas de inserir lupensinato na ação “revolucionária” da guerrilha revelaram que o
principal anseio desse grupo era o de “integrar-se” ao sistema capitalista e usufruir de seus “benefícios”
(POLARI, 1982).
126
Ao reafirmar-se que a formação do proletariado brasileiro relaciona-se com a abolição da
escravatura, busca-se estabelecer um marco zero a um processo de exploração da força de
trabalho que não se inaugura , europeizando-se a gênese das nossas classes trabalhadoras.
Em suma, apaga-se, num átimo, o estigma da escravidão e todas as ambigüidades que essa
criou em(entre) nós. A escravidão brasileira iniciou quase um século antes dos Estados
Unidos, cobriu todo o território e foi a mais longa do Ocidente.
Para Kowarick (1979), os ex-cativos junto com a massa de trabalhadores que compunham
a mão-de-obra excedente, somente foram incorporados ao mercado de trabalho após 1930,
quando a economia alcançou maior grau de desenvolvimento e diversificação. Antes desse
processo, ou seja, ao longo da Primeira República, os ex-cativos teriam escassas
oportunidades de ocupação profissional, pois se viam preteridos pelos imigrantes no processo
de contratação de mão-de-obra, seja no campo ou nas indústrias que começavam a instalar-se
no Brasil.
Essa tese vem sendo derrubada pelos estudos mais recentes sobre o trabalho na República
Velha. Pedro Vasconcelos (2007) afirma que, em 1872, 59% dos escravos já estavam
concentrados no Sudeste contra 32% no Nordeste. De fato, a população negra, no ocaso da
escravatura, o se distribuía, homogeneamente, pelo terririo brasileiro, concentrando-se no
Nordeste (Litoral e Zona da Mata), na Baixada de Campos dos Goitacazes e no Vale do
Paraíba Fluminense.
A cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, quer por suas funções cosmopolitas,
quer pela sua localização geográfica entre a Baixada Campista (açucareira) e o Vale do
Paraíba (cafeeiro), ambos escravagistas, recebeu um expressivo contingente de negros. Do
ponto de vista da composição étnica, o operariado carioca apresentava uma maior percentual
de brasileiros natos que o de o Paulo. Entre esses, havia número expressivo de ex-cativos,
que se concentraram nas atividades portuárias, tendo exercido certa influência na formação
dos sindicatos desse setor, concorrendo com imigrantes, seus descendentes e com o
“nacional”.
Dois fatos chamam a atenção e levam ao questionamento da tese de que a classe operária
brasileira surgia com a abolição: a) a industrialização nacional antecede o fim do escravismo;
b) dadas as características de nossa escravidão moura, desde o período colonial, formou-se um
mercado de trabalho “livre”, composto, além de brancos pobres, por mestiços e negros
127
libertos, em um crescente contingente, muitos dos quais possuíam escravos, como relatou
André Antonil ([1711] 1982).
De fato, entre 1880-1900, houve um crescimento contínuo, embora lento, do mercado
interno, que impulsionou, principalmente, o setor têxtil, portador de um razoável vel de
mecanização em seu processo fabril desde o período anterior. A Tabela 21 ilustra a situação
da indústria brasileira no fim do século XIX.
Tabela 21 - Brasil: atividades industriais – 1889
Ramo industrial Estabelecimentos Capital ($)
Têxteis
239.230.327
Couros, peles e outras matérias animais
2.076.062
Madeira
15.444.587
Metalurgia
11.903.866
Produtos químicos e análogos
38.184.047
Alimentação
268
63.249.713
Vestuário e toucador
14.61
8.475
Mobiliário
2.370.040
Edificações
3.106.030
Construção de aparelhos de transporte
1.331.773
Produção e transformação de F. Físicas
3
187.000
Relacionado a Ciências, Letras e Artes
5
917.150
Cerâmica
5.011.530
TOTAL
903
397.630.600
Fonte: Carone (1978).
Assim, no alvorecer do “mundo livre”, havia 903 indústrias no Brasil, número que, ainda
segundo Edgar Carone (1978), se elevaria a 3.120, em 1907, e a 13.336, em 1920
53
. É óbvio
que, antes da chegada das primeiras levas de imigrantes, trabalhadores brasileiros
53
Este rápido avanço do crescimento industrial se deveu a fatores exógenos (de, um lado, a impossibilidade dos
países desenvolvidos exportarem seus produtos para a América Latina, no quadro da primeira grande guerra
(1914-1918), de outro, o aumento da demanda por produtos latino-americanos no mercado mundial) e endógenos
(a existência de um mercado interno, com grande potencial de consumo).
128
movimentavam tal indústria. Ao contrário da narrativa de ausência, que caracteriza São Paulo,
os estudos sobre o Rio de Janeiro apontaram a experiência, mesmo, do trabalho manufatureiro
e industrial com uso de escravos e a forte representação dos negros na massa do proletariado
industrial.
A análise do caso carioca no âmbito da sociedade escravista permitiu a Antonio Luigi
Negro e Flávio Gomes (2006) afirmarem que os negros (libertos e escravos) estavam longe de
constituírem uma classe bil e do atraso. O crescimento urbano da capital complexificara as
relações sociais de trabalho, em um contexto de aumento dos setores de serviços. A maior
parte dos setores de transportes, abastecimento e serviços contava com uma marcante
população negra, incluindo livres e libertos
54
.
Era comum que os senhores permitissem que seus escravos vivessem sobre si,
mercadejando (quitandeiras, fruteiras, lavadeiras etc.), transportando cargas e realizando
ofícios diversos (alfaiates, barbeiros, marceneiros, pedreiros etc.). Não poucos escravos ao
ganho moravam longe do controle senhorial, os encontrando semanalmente para depositar
as rendas conseguidas com suas atividades, das quais eram descontadas quantias para os
escravos se alimentarem e proverem sua sobrevivência básica. Essas relações, apesar de sua
lógica “liberal”, foram marcadas por um rígido controle, com as maras municipais
concedendo autorização para que os escravos trabalhassem ao ganho e cobrando os
correspondentes impostos dos senhores.
Vasconcelos (2007) afirma que a população do Rio de Janeiro, em 1872, estava dividida
em 52,21% de brancos, 44,79% de pardos e 24,13% de pretos (dos quais 45.040 escravos, 329
deles alfabetizados). No mesmo ano, São Paulo tinha uma população de 18.834 brancos
(60%), 6.711 pardos (21,4%, dos quais 950 escravos) e 4.968 negros (15,8%, dos quais 2.878
escravos).
A liberdade era concedida, preferencialmente, aos pardos, que, desde o período colonial,
tinham acesso a todos os ofícios, honras e dignidades, sem discriminação por questão de
cor”, restrições mantidas aos negros livres. Isso levou Antonil ([1711] 1982) a afirmar que o
Brasil era o purgatório dos brancos, o inferno dos negros e o paraíso dos mulatos.
54
Os autores mencionam que essa situação se reproduziria em outros núcleos urbanos: Salvador, São Luís,
Recife, Porto Alegre e São Paulo. Em 1857, em Salvador, houve, inclusive, uma greve promovida por
carregadores escravos, contra mudanças legislativas que interferiam nas relações senhoriais e na forma de
organização do seu trabalho.
129
De fato, a escravidão moura no Brasil, que incluiu a poligamia e a possibilidade de
reconhecimento dos filhos ilegítimos, ligou a ascensão social dos oprimidos à identificação
com os valores e os interesses do opressor. Nesse sentido, os mestiços conformam-se no
elemento mais tipicamente burguês daquela sociedade em mudança”, conforme afirma Jessé
Souza (2000, p.241).
Com a chegada dos contingentes imigrantes, vistos como elemento civilizatório (e
embranquecedor
55
, diga-se de passagem), no imaginário das elites e dos projetos
imigrantistas, África, escravidão, escravo e o negro foram associados à barbárie. Nos estudos
sobre a classe operária, igualmente, o legado e a experiência advindas das relações de trabalho
nos mundos da escravidão foram apagadas em abordagens que não tomaram o
embranquecimentocomo problema de pesquisa. Um profundo silêncio estendeu-se sobre o
trabalhador escravo, personagem de três séculos de nossa história de pobres proletários e
pedintes
56
.
A economia agrícola carioca não recebera correntes imigratórias significativas, como São
Paulo, e os que ali chegaram tiveram inserção diretamente na economia urbana, compondo o
quadro das lideranças sindicais da época (Tabela 22).
55
Vasconcelos (2007), comparando a composição étnica do Brasil e dos Estados Unidos no início do século
XIX, informa-nos que, em 1819, os brancos eram menos de 20% da população do Brasil (nos Estados Unidos
eram 80% em 1820) e havia cerca de 585.000 homens de cor livres sobre 1.500.000 a 2.000.000 de escravos (nos
Estados Unidos 233.634 negros livres sobre 1.538.000 escravos).
56
Pensamos nas análises sobre a cultura política “nacional”, sustentada no latifúndio - “Nós somos o latindio”,
lembraria Oliveira Vianna (1987, p.48) - traduzível no enunciado no nosso país ou bem se manda ou bem se
pede”.
130
Tabela 22- Nacionalidades dos líderes operários - Rio de Janeiro (1890-1920)
Nacionalidade Quantitativo
Brasileiros 35
Italianos 24
Portugueses 23
Espanhóis 22
Alemães 1
Poloneses 1
Não identificados 13
Total de estrangeiros 71
Total 119
Fonte: Maran (1979).
Outra diferença com São Paulo encontra-se no fato da cidade do Rio de Janeiro, assim
como Santos, concentrarem mais os portugueses que os italianos. Apesar de numericamente
muito superiores aos italianos, os portugueses ocupariam a segunda posição entre as
lideranças do período. Esse dado associa-se com o fato de que 60% das lideranças operárias
identificadas eram estrangeiros, indicando que herdamos de “nossos pais” a marca da
insolidariedade. Em contrapartida, italianos e espanhóis seriam apresentados como portadores
de maior formação política e tradição participativa.
Vale lembrar que 40% de nacionais (percentagem que agrega os 134 não identificados da
Tabela 22) seria um número bastante expressivo se comparado aos 10% presentes no operário
industrial paulista na última década do século XIX. Essa “excessiva participação” de
nacionais, na visão hegemônica, tornara o proletariado carioca mais suscetível à colaboração
de classes, fato ampliado porque uma importante parcela dos trabalhadores estava fora da
esfera da produção, vinculada ou não ao serviço público e o Estado fazia mais concessões às
reivindicações trabalhistas do que a empresa privada, ainda que não se eximisse de exercer
uma poderosa repressão quando os trabalhadores ultrapassavam os limites da colaboração.
Entretanto, a classe operária carioca (colaboracionista) não tomou o bonde para o paraíso.
Maran (1979) observa que, em 1890, um trabalhador médio no Rio de Janeiro percebia, no
131
máximo, 96$000 por mês, enquanto o salário mínimo necessário para cobrir as despesas de
alimentação, vestuário e moradia de uma família de quatro pessoas era de 103$000, de modo
que o ficit orçamentário de uma família carioca, nesse ano, era de pelo menos 7$000, isso
sem considerar que o tamanho médio da família brasileira no fim do século XIX excedia esses
quatro membros. Segundo o mesmo autor, em 1908, esse déficit elevara-se a 28$000, em
virtude uma contínua e progressiva elevação do custo de vida. Em 1902, ocorreria uma greve
dos trabalhadores da indústria de calçados do Rio de Janeiro, que, reivindicando aumento
salarial, teve forte apoio de seu sindicato.
Se a formação da classe operária no Brasil não se deu de forma análoga à da Europa, por
ter o país uma economia dependente e uma industrializada tardia, e, desde o icio
mecanizada, sem um período artesanal preparatório”, a história “oficialda classe operária
brasileira reproduziria ipsis literis a do proletariado europeu: fábricas, europeus e rebeldes.
Boris Fausto (1998) informa que, no período de 1887 a 1930, cerca de 3,8 milhões de
estrangeiros migraram para o Brasil; apenas, no período de 1887 a 1914, esse número teria
alcançado 2,74 milhões. A maioria dos imigrantes destinava-se ao Estado de São Paulo. No
interregno 1891-1900, 733.335 imigrantes ali aportaram em São Paulo e, entre 1901 e 1920, o
número aferido foi de 857.149 imigrantes, em grande medida, destinados a substituir a mão-
de-obra escrava nas fazendas de café.
Entre esses, os italianos eram a maioria (577.000 dos estrangeiros dos 803.000 que
desembarcaram no estado de São Paulo no último quartel do século XIX), a competir com os
párias negros, recém-egressos da escravidão, e os ‘caipiras’, mestiços refugiados na gleba
precária do seu ‘sítioapossado, sem direitos de qualquer espécie”, na expressão de Nicolau
Sevcenko (2000, p.38-39), pelos postos de trabalho.
Nessa competição entre desiguais, os imigrantes saíram com larga vantagem. Segundo o
censo de 1893, nas indústrias da capital paulista, 70% dos trabalhadores eram estrangeiros,
apesar de constituírem apenas 54,6% da população total. Dos 10.241 artesãos, 85,5% haviam
nascido no exterior. Na manufatura, 79% eram imigrantes; nos transportes e setores afins,
81%; no comércio, 71,6%. Excluindo as pesquisas no setor agrícola, os estrangeiros
constituíam 71,2% da força de trabalho total da cidade (MARAN, 1979). Em 1901, a
população operária do estado de São Paulo foi calculada em 50.000 pessoas, das quais os
brasileiros não chegavam a 10%. Na capital, a mão-de-obra constitda por imigrantes variava
132
entre 80 e 90% do total do setor industrial. Sendo a população operária na cidade de 8.000,
5.000 eram estrangeiros, com larga predominância dos italianos neste contingente.
Esse rápido incremento da população imigrante no setor industrial deveu-se ao êxodo
rural de colonos estrangeiros, a partir dos anos 1890, com as periódicas crises do café. Tal
êxodo deveu-se às condições de trabalho desses colonos, já que muitos fazendeiros deixaram
de cumprir seus compromissos, passando a aplicar multas e a maltratá-los freqüentemente. “A
dificuldade dos colonos em adquirir uma propriedade, principal sonho dos imigrantes e que os
impulsionou a tomarem a importante decisão de vir ‘fazer a América’, também contribuiu
para que optassem por tomar a direção das cidades” (OLIVEIRA, 2001, p.14-15).
Cabe ressaltar que o trabalho livre assalariado se restringia, então, a algumas categorias
urbanas. Por outro lado, a indústria, desde cedo, revelou-se uma grande consumidora de o-
de-obra. O processo de industrialização brasileiro, segundo Silva (1976), já se inaugurou sob
a égide do grande capital. Este autor informa que, em 1907, mais de 11 mil operários
trabalhavam em empresas de São Paulo, as quais empregavam, em média, quatrocentos
operários. Na cidade do Rio de Janeiro, mais de 13 mil operários atuavam em empresas que
utilizavam, em média, 550 operários. Outros 15 mil operários trabalhavam em empresas do
Rio e São Paulo com número de funcionários igual ou maior que uma centena. Em 1920, as
grandes empresas (100 ou mais operários) empregavam 63% da o-de-obra industrial do
Rio de Janeiro e contavam com 73% do capital aplicado na atividade industrial. Em São
Paulo, 65% dos operários fabris trabalhavam em grandes empresas.
Inicialmente, nosso operariado era composto, majoritariamente, por trabalhadores
estrangeiros e pelos nacionais originários das áreas rurais. Através dos imigrantes (italianos e
espanhóis em destaque), as iias socialistas e anarquistas influenciaram a luta dos
trabalhadores na República Velha
57
. A ação coletiva desse grupo desembocou na criação de
inumeráveis associações de classe, formais e informais. A diversificação da economia
propiciou o fim da etapa mutualista e o aparecimento do sindicalismo propriamente dito, em
57
A emigração italiana para São Paulo foi interrompida em 1902, por proibição do governo daquele país face às
denúncias sobre a precária situação dos imigrantes em terras brasileiras, o mesmo ocorrendo com a espanhola em
1910.
133
novas organizações que se auto-intitulavam ligas, uniões, associações ou sindicatos de
resistência ao capitalismo industrial emergente no Brasil.
58
A constituição do mercado de trabalho urbano industrial em São Paulo teve hegemonia do
imigrante, que terminou por ocupar lugar proeminente na formação da própria cidade e de sua
vida urbana. Tal importância e o volume de estudos sobre ela acabou por tornar “nacional” a
experiência de São Paulo. Assim, foram esquecidos tanto o trabalhador escravo, quanto o
operário do interior, posto que, das 268 industrias têxteis brasileiras em 1889, muitas se
localizavam em cidades pequenas.
Se os imigrantes formavam a grande maioria dos trabalhadores alocados nas indústrias,
eles não eram os únicos. Nos cortiços e no chão de fábrica, imigrantes pobres e “nacionais
(dentro os quais ex-escravos) conviviam. A total desqualificação do trabalhador brasileiro, em
termos poticos e culturais, e sua culpabilização pelo atraso” da classe operária no setor
“moderno” da economia atendem aos interesses dos dominantes, que, de fato, expurgou os
imigrantes “menos dóceis”, bloqueando a rebeldia do operariado de ascenncia européia.
Segundo Maram (1979), na instria têxtil, havia, em 23 fábricas, 10.204 operários, dos
quais 7.499 eram estrangeiros, sendo os italianos em número de 6.044, os portugueses 824, os
espanhóis 338, e os demais de outras nacionalidades. A concentração de operários em grandes
empresas, com péssimas condições de trabalho, facultou a emergência da consciência de
classe, sem a qual os trabalhadores não se organizariam minimamente. Essa consciência do
conflito de classe envolve o reconhecimento de que os interesses de todos os operários são
idênticos e solidários, mas o extrapola, à medida que é no processo de luta que a classe se
descobre como classe, o que alavancaria seu processo de transformação de “classe em si” em
classe para si”.
Para Anthony Giddens (1975), a consciência de classe admitiria três formas:
Os homens de uma determinada classe compartilham certas atitudes e
crenças.
Os membros de uma classe têm consciência de pertencer a uma classe
particular, que compartilha interesses comuns.
58
Interessa lembrar que a formação do proletariado brasileiro foi, de início, um processo restrito às grandes
cidades e que, àquela época, o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, tinha 522.651 habitantes e São Paulo,
64.934 habitantes (BRASIL, 1916).
134
Os membros de uma classe se organizam, ativamente, para perseguir
seus interesses.
Marques (1981) afirma que uma articulação dialética entre os interesses das forças sociais
agindo no Estado, no sindicato e nos locais de trabalho existe e é essencial no processo de
formação da consciência de classe. Assim, a consciência de classe dos trabalhadores se
desenvolve a partir dos componentes que constituem a base socioecomica, a sociopotica, a
ideológica. O enquadramento dos trabalhadores nos sindicatos e demais organizações
compatíveis com as condições fundamentais para a segurança do sistema, pois os conflitos
o resolvidos por esta via serão resolvidos pela via repressiva.
Certo é que homens, mulheres e crianças, do Brasil do início do século passado, presos 14
horas por dia ao chão das fábricas têxteis, de alimentos, calçados ou chapéus, encontraram
forças, para organizar e freqüentar escolas livres, para forjar e manter, mesmo ao preço de
suas vidas, sindicatos livres.
A primeira grande influência potica sobre a incipiente ação coletiva dos trabalhadores
brasileiros veio do anarquismo. Afirma Hans Füchtner (1980) que a Associação Tipográfica
Fluminense, fundada em 1853, foi a primeira organização profissional nacional. A maioria
das associações então existentes era de ajuda mútua e muito frágeis do ponto de vista da
organização das lutas. Contra isso, voltou-se o anarco-sindicalismo
59
, que defendia um
sindicalismo de resistência, marcado pelo emprego do método de ação direta das massas, com
rias formas de expressão: a ocupação de fábricas, as passeatas, a sabotagem, a greve (geral
ou parcial), as greves de solidariedade e de protesto, as greves de reivindicações sociais, o
labéu, a manifestação pública (cocios e protestos), as assembléias e outros, ainda que a
greve geral tenha sido o método de ação de maior destaque.
Se, como nos informa Esmeralda Moura (1997, p.44) “a bomba de dinamite no palacete
do Dr. Carlos Paes de Barros”, em 1893, foi a primeira manifestação material do anarquismo
em S. Paulo”, foram as greves urbanas em uma grande onda no intervalo 1901-1907–, que
deram visibilidade “a homens, mulheres, adolescentes e crianças que traziam para o espaço
público as reivindicações da classe operária, imprimindo-lhes amplitude social” (idem, p.43).
Entretanto, “por muitos anos, o Rio de Janeiro reuniria a maior concentração operária do país,
59
Os socialistas logo se ergueram contra os anarquistas e fundaram sua primeira associação em 1889, em Santos
(FÜCHTNER, 1980).
135
sendo superada pela capital de São Paulo em algum momento entre 1920 e 1938” (FAUSTO,
1976, p.14).
O número crescente de desempregados e o aparato legal e policial repressivo, entretanto,
garantiram a retração proletária. A lei de expulsão de estrangeiros (Decreto 1641, de janeiro
de 1907), denominada lei Adolfo Gordo, determinou a expulsão suria dos operários
estrangeiros envolvidos na organização sindical, sob o pretexto de comprometer a segurança
nacional ou a tranqüilidade pública”, em uma clara tentativa de arrefecer e controlar o
movimento operário, numa conjuntura em que suas lideranças eram predominantemente de
origem européia.
Maram (1979) demonstra o impacto das deportões sobre o trabalho anarquista,
desvelando uma correlação quase direta entre o número de expulsões e o nível de agitação
operária. Assim, nos anos de 1907, 1912, 1913, 1917, 1919 e 1920, os índices de deportados
foram os mais elevados, o que, publicamente, se justificou pela caracterização do movimento
como uma ação de bandidos. em outubro de 1919, como informa Füchtner (1980), foram
expulsos mais de 100 sindicalistas estrangeiros.
O Estado policial atingiria durante a República Velha sua forma plena na repressão
ao movimento operário. A greve estaria sistematicamente presente como ameaça à
propriedade e à ordem pública. No interior desse discurso, os “verdadeiros
operáriossurgiriam por oposição aos elementos de dissolução social, “desordeiros”
e “fanáticos” – imagem redutora do movimento operário, mera obra de agitadores na
fala oficial, que passa também, pela negação da miséria material na qual estava
imersa a classe trabalhadora (MOURA, 1997, p.46).
A partir de 1913, esta situação desencadeou inúmeros cocios de protesto,
principalmente no Rio de Janeiro, o que possibilitou a organização do segundo Congresso
Operário Brasileiro em 1914, reanimando as atividades anarquistas, e a preparação da greve
geral de 1917, a qual deixou claro que as reivindicações das emergentes camadas urbano-
industriais não poderiam ser ignoradas.
Durante a greve de 1917, os operários, agitando um programa maximalista, se apoderaram
da cidade durante vários dias. Nos conflitos entre grevistas e policiais morreu, em 09 de julho,
Antonio Martinês. Seu enterro se transformou numa manifestação que envolveu todos
trabalhadores de São Paulo. A greve geral assumiu, então, ares de revolta popular, com vários
armazéns saqueados e assembléias com até 80.000 pessoas. A greve somente terminou com o
acordo em torno de um aumento de 20%; da não-demissão dos grevistas; do cumprimento da
jornada de oito horas e da proibição do trabalho noturno para as mulheres e crianças.
136
As promessas patronais não foram cumpridas. Assim sendo, de 1917 a 1920, houve uma
onda quase contínua de greves, justificada pelo grau de organização do movimento operário,
que pressiona no sentido da implementação de uma legislação social trabalhista e
previdenciária e da participação no Estado.
Nesse momento, em decorrência das sucessivas deportões de seus quadros e do
conseqüente aumento numérico do operariado de origem nacional, o anarquismo perdeu parte
significativa de seu poder de influência sobre o movimento dos trabalhadores no Brasil.
A lere industrialização provocou o robustecimento dos efetivos operários pela
incorporação de migrantes rurais para os grandes centros urbanos, principalmente São Paulo,
em um padrão que se manteria até os anos 1960 e que diluiria o pequeno grupo de operários
qualificados, em sua maioria de origem estrangeira, em uma massa de operários não
qualificados, ligados à construção civil, transportes e serviços públicos e, a seguir, à própria
indústria manufatureira.
Para Marini (1986), tratava-se de uma estratégia de controle territorial destinar a debilitar
as condições de liderança operária, facultando ao Estado a manipulação dos novos dirigentes,
que o recém-criado PCB tentava hegemonizar. Ameaçado pela vitória do bolchevismo na
Rússia, o Estado brasileiro redirecionara e redimensionara sua intervenção social, a partir da
interferência na organização legal dos sindicatos.
A alteração do regime legal, por meio da emenda 34 à Carta de 1891, renovou o
liberalismo em curso, pondo fim à ortodoxia não intervencionista. Incorporou-se a presença
reguladora do Estado sobre o mercado, ao mesmo tempo em que se manteve o sindicato como
instituição legal, conforme a legislação de 1907. Essa emenda constitucional delegou
competência privativa ao Congresso Nacional para legislar sobre o trabalho, ampliando e
retificando o pacto liberal.
No ano de 1926, leis dispuseram sobre acidentes de trabalho, férias e odigo de
menores. Sob essas novas condições, o operariado não estava agora debaixo da influência
exclusiva das suas lideranças constituídas. A lei, que lato sensu constitui mecanismo de
limitação à liberdade dos indivíduos para salvaguarda e manutenção da ordem pública, passou
a servir como “mecanismo mediador das relões de classe, uma vez que ao acolher e
acomodar as reivindicações trabalhistas o faz sendo o Legislativo verdadeiro reduto das
elites para diminuir o espaço de atuação e disciplinar a ação do operariado” (MOURA,
1997, p.49).
137
Essa situação agravou-se na década de 1930, já que, sobre os mortos, foi lançado o véu da
ideologia. A partir desse momento, Vargas reescreveria a história da sociedade brasileira com
a pena do corporativismo. Como lembra Mainwaring (2001), os mecanismos corporativistas
de controle reduziram a capacidade de ação autônoma da classe operária. O Estado, ao
autorizar a existência de sindicatos operários, financiá-los e regulamentá-los, colocou-os
numa posição de dependência.
A atuação do Estado adquiriu, nesse momento, características mais sutis de controle e
repressão. O decreto de sindicalização de 19 de março de 1931 – Decreto 19.770 – pôs fim ao
pluralismo sindical
60
e passou a reconhecer apenas o sindicato que reunia dois terços da
categoria e, na hitese de tal não acontecer, o que congregasse maior número de associados.
Aos “novos” sindicatos era proibida a união com os já existentes, de modo a criar uma cultura
sindical totalmente nova, adaptada a um governo que pretendia revolucionar o sistema
político de cima para baixo com o objetivo de fortalecer a administração central
(FÜCHTNER, 1980, p.45).
Em cada município, poderia haver um sindicato por ramo de atividade. Os
empregadores descontavam, anualmente, o imposto sindical, equivalente ao pagamento de um
dia de trabalho, de todos os seus empregados, sindicalizados ou não. Essas somas, até 1994,
foram canalizadas para o governo, que as distribuía ao sindicato local (60%) e às federações
estaduais e nacionais de cada ramo (15% e 5%), sendo os restantes 20% retidos para gastos
administrativos.
O imposto sindical, mais que a contribuão voluntária, passou a garantir a sobrevivência
financeira da estrutura sindical e essa dependência definiu o completo atrelamento do aparato
sindical ao Estado. Além da dependência ecomica, tal Decreto agradou à parte do
movimento sindical brasileiro que viu assim solucionados dois grandes problemas: o do
reconhecimento do sindicato pelo patronato e o da estabilidade organizativa dos
trabalhadores.
O controle dos sindicatos objetivava transmutá-los em órgãos de colaboração de classes.
Tal potica foi, a um só tempo, acoimada pelos trabalhadores de fascista, e, pelos
empregadores, de comunista. A legislação trabalhista de Vargas foi, inúmeras vezes, acusada
60
Símbolo da influência do bolchevismo na estrutura sindical brasileira, a OLT oe-se aos sindicatos por
categoria profissional, ficando evidente que o sindicalismo oficial não garantia, por si só, o controle total sobre
as mobilizações operárias.
138
de ser uma cópia da Carta del Lavoro, implementada por Benito Mussolini, na Itália
dominada pelo fascismo.
Vianna ([1930] 1974), um de seus mentores como assessor do MTb de Vargas, entretanto,
afirmara: Essa legislação não parece com nenhuma outra legislação sindical existente no
mundo”. Embora conferisse grande poder ao Estado no controle das diretorias, para o autor,
muito se diferenciava do regime fascista que instituía o sindicato como órgão de partido e
instrumento dele.
Vianna advogava, destarte, a originalidade do sistema sindical brasileiro”, a
“independência de opinião e pioneirismo na atuação no Ministério do Trabalho”, que
realizava uma “democracia autoritária, mas não totalitária” (VIANNA, 1943 apud
BRESCIANI, 2005, p.442-444 passim). Para esse autor, tratava-se de corrigir a inata”
insolidariedade do povo brasileiro, quer operária quer patronal, transformando sindicatos e
associações profissionais em órgãos consultivos do Estado em matérias de sua competência.
Na visibilidade ganha pelo sindicalismo residia o chamado para a atuação responsável e
cooperativa. [...] Esta proposta de arquitetura harmoniosa compõe a matriz de seu programa
de reformas sociais e poticas”, afiança Vianna (idem, p.420), na tentativa de esvaziar de
conteúdo político-partidário a ação governamental de Vargas.
Com a CLT (Decreto-Lei 5.452, de 01 de maio de 1943), marco da arquitetura
harmoniosa” entre as classes, defendida por Vianna, consubstanciou-se, em um corpo
formal, toda a legislação trabalhista gestada em meio século de ativismo proletário no Brasil.
A CLT retirou sua originalidade da vitalidade e da autonomia das organizações
representativas dos trabalhadores, e carregou, em si, a vitória e a derrota desses. Seu fito
último seria eliminar, para sempre, o conflito capital/trabalho. Lula da Silva (1981, p.45)
comentaria:
A estrutura sindical brasileira dá a impressão de ter sido feita antes de existirem
trabalhadores. Ela é totalmente inadequada. Não se adapta à realidade, foi feita de
cima para baixo. O sindicato nasceu, no Brasil, não por vontade do trabalhador, mas
por desejo do governo. É preciso acabar com a contribuição sindical que atrela o
sindicato ao Estado. A estrutura e a legislação deveriam ser reformuladas como
resultado das necessidades. A estrutura atual é ineficiente, inoperante, do ponto de
vista do trabalhador.
A CLT moldou a estrutura sindical ainda vigente no Brasil, que se caracteriza por ser:
139
Descentrada, fragmentada e dispersa entre muitos sindicatos
municipais, pouco expressivos e frágeis politicamente.
Descentralizada, com parcas iniciativas e formas de ação unificadas,
apesar da existência das centrais sindicais.
Desenraizada, por não ser inserida nos locais de trabalho, mas sim
externa às empresas, com “poder de comando centrífugo e fragmentado”.
Verticalizada, com difícil articulação em perspectiva horizontal mais
ampla. Este padrão vertical tem sérias dificuldades de resistência, tendo como
forte aliado a terceirização.
Portadora de uma carta de reconhecimento oficial, que faz o sindicato
prescindir de representatividade política, possibilitando-lhe um baixo número
de filiados e a inexistência de luta reivindicativa.
Destarte, o Estado tentou forjar um “movimento sindical” sem movimento, buscando
obnubilar as lutas e conquistas da classe trabalhadora. Entretanto, houve resistências. Entre
1930 e 1935, confrontaram-se o sindicalismo independente e o atrelado
61
. Desde então, o
movimento operário marcar-se-ia pela confrontação das tendências classistas com as forças
que - dentro e fora dele - pugnam por mantê-lo subordinado ao Estado e, através desse, à
burguesia.
Os sindicatos que resistiram à tentativa de tutela do governo sofreram violenta repressão
policial e viram destruída por completo a organização sindical independente, estabelecendo-se
a hegemonia dos sindicatos oficiais e da burocracia sindical pelega” sobre os trabalhadores.
Os sindicatos oficiais passaram a constituir uma barreira à criação de organismos
independentes. Os estatutos sindicais, ainda que aprovados em assembléias dos associados,
eram anteriormente padronizados pelo MTb. Apesar da existência da associação facultativa ao
sindicato, quem o sustentava era o imposto obrigatório. Desse modo, para se manter durante
anos, a burocracia sindical não dependia do apoio dos associados, mas do apoio do
Ministério.
Essa condição favoreceu a corrupção dos dirigentes e seu afastamento dos trabalhadores
da base. Efetivamente, os sindicatos não tinham qualquer base nas empresas e categorias com
61
Parte desse conflito teria marcado a criação do projeto de esquerda, capitaneado por Agildo Barata, do PCB,
da ANL.
140
1.000 ou 100.000 trabalhadores só podiam ter uma mesma diretoria de 24 membros. Porém,
para evitar comissões de fábrica autônomas, a lei permitiu à nomeação de “delegados
sindicais”. A lei permitia aos sindicatos de uma categoria organizarem federações estaduais e
nacionais (não eleitas pelos trabalhadores), sendo proibidas federações de categorias
diferentes e a constituição de centrais sindicais.
Marini (1986) afirma que a vigência dessa legislação por um período tão prolongado
expressa um fenômeno mais profundo: a reestruturação, de cima a baixo, da sociedade
brasileira em moldes corporativos pelo Estado Novo, acentuando sua dependência em relação
ao Estado. De fato, junto ao mito da “outorga de direitos” aos trabalhadores pelo governo
autoritário de Vargas, o “pai aos pobres”, propagou-se outro, o da ignorância, passividade e
apatia do proletariado brasileiro
62
.
Se o varguismo parecia ter forte sustentação social, Schwartzman (1988) lembra que havia
rios tipos de oposição a este sistema hegemônico. A oposição liberal a Vargas, que
combinava setores urbanos de classe média e intelectuais com líderes mais tradicionais,
marginalizados do sistema pessedista dominante; setores militares, impacientes com a
ineficiência e o clientelismo político, que eram o preço do sistema de cooptação; setores
operários, que pugnavam por mais militância e envolvimento ideológico por parte de suas
lideranças sindicais e partidárias; e setores militares, intelectuais e operários que tratavam de
influenciar no sentido de uma potica externa e interna mais definidamente nacionalista.
É nesse contexto, no ocaso do Estado Novo, que surgiu, na cena potica, a evangelização
trabalhista do PTB
63
, que visava a consolidar o corporativismo, como estratégia de
reprodução política do varguismo, para além do autoritarismo de plantão. À invenção do
trabalhismo, em 1942, confluíram distintas influências (sendo a principal delas a filosofia
positiva de Auguste Comte, com seus eficientes projetos para a incorporação do proletariado à
sociedade moderna) e perspectivas de classe.
Ângela de Castro Gomes (2005, p.24) afirma que o sucesso desse projeto pode ser
62
Contra tal construto ideológico se voltara Evaristo de Moraes Filho em “O problema do sindicato único
no Brasil e seus fundamentos sociológicos”, cuja primeira edição foi lançada em 1952 –, defendendo a
maioridade dos trabalhadores brasileiros para lutar pela melhoria de suas condições de vida e a pressão política
das associações operárias e sindicais, em finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, como
indispensável para a formulação das leis trabalhistas no país.
63
Jorge Ferreira (2005) entende que o êxito político dos trabalhistas, no meio sindical, e o crescimento eleitoral
do PTB corresponderam a tradições e valores que circulavam na sociedade brasileira da época, e que o
trabalhismo - firmado na tríade soberania nacional, desenvolvimento econômico e justiça social - ficou mal visto
tão somente por ter sido a ideologia derrotada pelo golpe de 1964.
141
atribuído ao fato de ter tomado “o discurso articulado pelas lideranças da classe trabalhadora,
durante a Primeira República, elementos-chave de sua auto-imagem e de os ter investido de
novo significado em outro contexto discursivo”. O PTB inauguraria o partido de massas no
Brasil já nas primeiras eleições s-Estado Novo, em 1945, representando a forma de relação
emocional que Vargas mantinha com o trabalhador sindicalizado.
Ocorre que a lei trabalhista não equacionou o conflito capital/trabalho. A divisão sócio-
territorial do trabalho continuou a produzir e a reproduzir desigualdades e hierarquias na
sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, o descumprimento da legislação trabalhista pelos
capitalistas levou os trabalhadores a tomarem tal legislação, não como uma dádiva (ainda que
a propaganda oficial do varguismo afirmasse o oposto), mas como direitos a conquistar.
Nessa conjuntura, o controle dos sindicatos pelos dirigentes ministerialistas” não
representou o completo domínio do movimento operário, como indicam as 480 greves
identificadas por Marcelo Mattos (2004) no interregno 1945-1964, número que aponta para a
existência de algum nível de OLT, presença que atravessa todo o período, em categorias
industriais, como os metalúrgicos e os têxteis, em categorias manufatureiras, como os
marceneiros, e em categorias do setor de serviços, como os bancários. As OLTs, agindo de
forma independente da estrutura, em especial na preparação de greves, empurravam os
sindicatos para além da estrutura oficial, que tentava compartimentar completamente as lutas
da classe trabalhadora.
Essas greves (250 por empresa e 224 por categoria) confirmam a hipótese de que direitos
instituídos em lei, ou garantidos em convenções coletivas, não eram quidos e certos para os
trabalhadores, sendo necessário recorrer a greves para garanti-los. Para Mattos (2004), essas
supostas conquistas trabalhistas o sustentaram pactos políticos de colaboração de classes de
longo prazo, como afirma boa parte da literatura sobre o tema. Nesse sentido, o autor
menciona a existência de diversas greves por reivindicações poticas, intercategoriais, gerais
e/ou nacionais, greves por solidariedade e por defesa do direito de organização.
Parte significativa dessas manifestações de luta teriam ido de encontro ao sindicalismo
populista”, vigente no período “liberal” que antecede o retorno do autoritarismo (não tão
populista) de 1964. Segundo Mattos (2004, p.244), esse modelo de ação sindical apresentava
as seguintes limitações:
Inconsistência organizatória (organizações de cúpula - oficiais ou
paralelas - seriam privilegiadas em relação às OLT).
142
Falta de questionamento à estrutura sindical, até mesmo por parte da
direção comunista.
Falta de sintonia entre lideranças (com discurso e reivindicações
nacionais e politizadas) e suas bases (mobilizadas apenas por questões
salariais).
Poder de mobilização concentrado nos trabalhadores do Estado e
escasso entre os empregados do setor privado, em especial nos setores de ponta
da grande instria.
Privilegiamento do Estado como interlocutor principal dos sindicatos,
subordinação aos poticos populistas e secundarização do conflito capital e
trabalho.
Entretanto, Schwartzman (1988) afirma que o movimento sindical, no período 1945-1964,
em São Paulo, era bastante diferente daquele do resto do país, dando origem a uma grande
variedade de organizações sindicais não-alinhadas aos grupos dominantes em vel nacional.
Esse conflito teria se tornado claro na III Conferência Sindical Nacional, realizada em São
Paulo, em 1960, quando houve uma cisão a respeito da criação de uma Central sindical única
em nível nacional, cujo resultado foi acentuar a marginalidade do núcleo operário paulista,
durante os anos cruciais de 1960-1963.
Oswaldo Lourenço (2005) lembra que, em setembro de 1960, começou, no Rio de
Janeiro
64
, um movimento destinado a conseguir a paridade de salários entre o pessoal civil e
militar. Esse movimento rapidamente se espalhou para outros estados, resultando em uma
greve de mais de 400 mil empregados em transportes: marítimos, portuários, ferroviários,
aeroviários. O CGT, estrutura composta por sindicatos, federações e confederações, dominada
pela esquerda do PTB e pelo PCB, teria sua origem no Comando Geral dessa Greve.
Para Marini (1986), o CGT se constituiria no embrião da acalentada central única,
contribuindo, decisivamente, para formar a máxima instância de condução do movimento de
massas: a FMP, da qual participavam a UNE e um conjunto de órgãos recém-criados: a
CONTAG, o Comando Geral dos Sargentos e a Associação dos Marinheiros. Funcionando
mais como un parlamento que como um óro executivo, para este autor, a FMP foi a
64
A presença marcante do trabalhismo no Rio de Janeiro seria outra decorrência dos “defeitos de nascença” do
proletariado carioca.
143
experiência mais avaada das forças populares brasileiras em matéria de diálogo e
coordenação, à revelia das marcadas diferenças de opiniões ali existentes. Criada, em 1962,
por Brizola, a FMP foi fechada em 31 de março de 1964 pelos militares e seus integrantes
tiveram seus direitos poticos suspensos.
Foto 1 - O elegante CGT.
Fonte: CGTB (2007).
Durante a presincia de Goulart (1961-1964), o CGT se tornaria o principal defensor das
reformas de base (agrária, urbana, tributária, bancária e constitucional). Esse fato comprova
que a burguesia brasileira, com seus poticos e estadistas populistas, conseguira,
efetivamente, construir um consenso dos trabalhadores urbanos para o projeto de uma nação
“independente”, através da industrialização, como propõe Jacob Gorender (1988).
Marini (1986) aponta três outros senões desse Comando: a) excluía os trabalhadores
agrícolas, ao mesmo tempo em que sancionava a inclusão de entidades da classe média; b)
seus dirigentes eram os pelegos” do período anterior e lhe imprimiram um caráter
acentuadamente burocrático, enquadrando-o nos estreitos limites da estratégia governamental;
c) não assegurava a representação dos operários dos novos ramos industriais.
Füchtner (1980) aponta os limites dessa organização:
A atitude dos dirigentes sindicais nacionalistas baseava-se no desconhecimento
completo de suas próprias forças. Ambas as greves gerais de 1962 teriam causado
dúvidas em observadores atentos às forças dos mesmos. Eles o chegavam a ter
experiência de uma grande greve geral de mais de 24 horas. Também a ameaça
144
permanentemente repetida de greve geral não produzia mais efeito e depois ela nem
sempre parecia uma medida adequada.
Foto 2 - Cena da greve geral de 1963.
Fonte: CGTB (2007).
O “complexo de superioridade” do Comando devia-se a seu completo afastamento das
bases. Um exemplo do cupulismo do período encontrava-se no Sindicato dos Metalúrgicos de
São Paulo, o maior da América Latina, que, tendo uma base de 200 mil operários, realizava
assembléias de 200 a 500 participantes. Sem “carregar consigo as bases”, o movimento
sindical “não tinha força para dar grandes passos e nem poderia engajar-se prematuramente
em batalhas decisivas. Mas, essa não era a análise que se fazia, pois no exame da correlação
de forças sempre se assinalava o ‘poderio do CGT’” (TAVARES, 1966, p.20).
Se uma análise interna do CGT revela sua fragilidade, como álibi ao “partido da ordem”
sua força soava imensa. O ministro do STM, general Pery Bevilacqua (1966, p.26), afirmaria:
a democracia se achava ameaçada “com a pretendida implantação da República Popular
Sindicalista, que era o objetivo político do movimento subversivo capitaneado pelo
famigerado CGT, o qual foi contido pela anti-revolução de 31 de março”.
145
O PCB vendia, nesse ínterim, a idéia de que os trabalhadores estavam, finalmente, no
poder e de que se vivia um período de ascenso do proletariado
65
. Contra isso, digladiou-se,
sem sucesso, o geógrafo-historiador Caio Prado Júnior (1966) no interior do Partido. Essa
euforia” imobilizou os trabalhadores, abrindo caminho para o golpe civil-militar de 1964,
que, para o CGT, veio como um raio em céu azul.
O populismo, o primeiro projeto político de hegemonia da burguesia, foi descartado no
pós 1964, em favor de uma prática do “terrorismo de Estado”. A falta de resistência ao golpe
foi, majoritariamente, atribuída aos erros dos partidos de esquerda (hegemonizados pelo
PCB), que o se prepararam para isso.
Gorender (1987, p.95) reproduz o primeiro pronunciamento da CE do PCB após o golpe:
Absolutizamos a possibilidade de um caminho pacífico e não nos preparamos para
enfrentar o emprego da luta armada pela reação. Embora nos documentos do P. se
afirmasse que um dos caminhos possíveis para a conquista de um governo
nacionalista e democrático era a ação armada do povo e de parte das Forças
Armadas, em resposta a uma tentativa golpista, estávamos inteiramente
despreparados para isto no terreno político, ideológico e prático (apesar das
sucessivas crises e ameaças de golpe, não havíamos discutido a situação militar, não
tínhamos meios para assegurar o funcionamento do P. em quaisquer condições etc.).
Assim, para a felicidade geral do capital, o nouveau régime, objetivando uma
modernização excludente, assentou-se numa dupla violência: a ecomico-social, que excluiu
dos benefícios seus produtores, os trabalhadores, e a violência jurídico-política, que
potencializou a superexploração da força de trabalho, arrochando os salários, reprimindo e
cerceando a liberdade de organização e movimentação potica do trabalho.
De início, as regras do regime burocrático-militar para os sindicatos foram basicamente
duas: o desmantelamento sindical e a violenta repressão contra seus dirigentes. Os sindicatos
passaram a sofrer freqüentes intervenções. No período 1964-1979, dentre intervenções,
destituições de diretorias, cerceamento de eleições e dissoluções, somaram-se 1.565
interferências diretas do governo sobre as organizações dos trabalhadores (ALVES, 1985).
Francisco de Oliveira (2005, p.139) afirma queo sindicalismo oficialista funcionou,
durante a ditadura, como negatividade, enquanto a recusa do regime em mobilizá-lo”. Outra
65
O impacto dessa posição no movimento operário desvela-se tanto maior quando se sabe que “ao longo de toda
a conjuntura 1945-1964, o PCB desfrutou da hegemonia na representação não só dos trabalhadores mas também
dos setores de esquerda” (SANTANA, 2001, p.145-146).
146
era a visão de Ianni (1971, p.280-282 passim), analisando os acontecimentos no calor da hora.
Para ele, os anos 1964-70 foram anos de reformulação do sindicalismo brasileiro, posição que
ratificamos neste trabalho. Os governos “revolucionários” procuraram criar novo padrão de
organização e liderança sindicais, propondo as diretrizes de um “neotrabalhismo”, em
substituição ao “populismo distributivista”.
A potica econômica dos governos Castello a dici continha “uma nova potica
operária” que exigia “a ‘reversão das expectativas’ de todas as categorias de assalariados,
particularmente o proletariado”. Em conseqüência do “neotrabalhismo”, o sindicato perdeu
até mesmo a sua função básica de órgão de reivindicação salarial, já que, a partir do governo
Castello Branco, a elevação do salário nimo passou a ser proposta, calculada e aprovada
exclusivamente na esfera do Poder Executivo”. A potica trabalhista do governo orientou-se
no sentido de desenvolver as funções não poticas do sindicato, acelerando, ainda mais, o
processo de burocratização da organização e das lideranças sindicais, no sentido assistencial e
recreativo.
A aplicação da potica de “verdade salarial”, segundo Ianni (1971), exigia medidas de
reconciliação popular”, já que, para os tecnoburocratas do regime, havia que se reconquistar
a classe operária, traumatizada pela cessação de reajustes salariais extravagantes (prontamente
tragados, aliás, pela inflação), e pela interrupção do processo de politização de sindicatos.
Para a tecnoburocracia, esse trauma teria sido agravado pela insuficiente conscientização dos
trabalhadores em relação aos benefícios indiretos embutidos nos atuais programas de
habitão, saneamento, educação e reorganização de assistência social. A política de
transferência de renda pelo aumento do salário indireto (habitação, saúde, assistência social)
prosseguiria seu curso, sem prejuízo da política antiinflacionária.
O governo orientou-se no sentido de estruturar os sindicatos em termos de absoluta
independência e responsabilidade no cumprimento dos seus fins específicos. Quando
chamado a neles intervir, nos termos da lei, o fez quase sempre com vistas a
proporcionar-lhes condições para atuar como autênticos órgãos de classe,
eliminando fatores de perturbação de seu funcionamento. As interferências, porém,
têm sido transitórias, e apenas pelo mínimo essencial, cuidando-se por devolver a
autonomia à entidade o mais prontamente possível. Ressalte-se que o número de
sindicatos sob intervenção, que atingiu 425 no período posterior ao movimento de
março de 1964, reduziu-se a 42 em 31 de dezembro de 1967, ou seja, menos de 1 %
das entidades sindicais existentes no País, apontando-se ainda que não chegam a
10% desse total as intervenções por motivos ideológicos (COSTA E SILVA, 1968
apud IANNI, 1971, p.280).
147
Ao eleger as confederações cupulistas como únicos interlocutores legítimos do trabalho,
para o regime, os trabalhadores per si passaram a ser considerados meros fatores de produção,
quantifiveis em termos de custo-benefício. Tratava-se de um custo a ser reduzido ao
mínimo, de modo a maximizar os lucros do capital. Não é outro o sentido da promulgação da
lei anti-greves (Lei 4.330)
66
apenas dois meses após o golpe.
Idinaura Aparecida Marques (1980, p.90-93 passim) caracteriza as condições de vida e de
organização dos trabalhadores no período do “milagre”:
As condições de vida dos trabalhadores tornam-se muito difíceis. Eles são privados
de toda liberdade de expressão. Seus líderes são cassados e presos; os sindicatos são
desmantelados e/ou nas mãos de dirigentes “pelegos”. Eles não podem lutar contra o
arrocho. As condições materiais que lhes o dadas e a enorme repressão posta em
cena obrigam mos trabalhadores a entrar em um período de recuo e resistência. [...]
A reconstrução histórica da ação operária durante este período é difícil pela censura,
imposta durante quinze anos. As oposições sindicais desaparecem quase
completamente durante este período. Este período é um peodo de dispersão do
movimento operário e sindical de desmobilização, sem campanhas salariais nem
batalhas eleitorais. Nas fábricas, os operários mais combativos são afastados. O
regime lança sua policia militar contra os operários de forma pontual e violenta em
1968-1969, e massiva e generalizada em 1970-1973, separando toda a vanguarda da
classe operária: alguns são lançados na prisão, outros exilados e outros mortos. O
medo se instaura, a classe operária perde seus líderes, um fenômeno geral que se
produz em toda parte.
A participação sindical dos trabalhadores, que já era pequena antes do golpe, diminuiu
ainda mais, não chegando a 10% dos trabalhadores em grande número de categorias. Como a
legislação sindical lhes facultava, pequenas assembléias sindicais decidiam sobre as
reivindicações salariais e homologavam os acordos de gabinete, fechados entre as diretorias
dos sindicatos e os representantes patronais. Nas eleições sindicais, poucas oposições
conseguiam a cumprir as exigências eleitorais e seus candidatos eram demitidos ou
ameaçados de prisão. Isto obrigou os trabalhadores a repensarem a questão sindical, as formas
de luta e de organização.
Nesse cenário, apenas em 1968, o movimento operário retornaria à cena potica. Em de 1º
de maio daquele ano, diante de um público, estimado entre seis e 15 mil pessoas, dentre as
quais ativistas de organizações clandestinas ainda em circulação legal, o governador paulista
Abreu Sodré foi escorraçado da Praça da com pedradas. Depois de incendiado o palanque,
66
Essa lei considerou diversos setores econômicos essenciais, sendo totalmente proibidas as greves nesses ou
dependentes da declaração de sua legalidade pelos tribunais trabalhistas.
148
os trabalhadores saíram em passeata até a Praça da República, onde se improvisou um
comício (GORENDER, 1987).
Esse episódio elevou os ânimos dos trabalhadores paulistas, contribuindo para as
pequenas paralisações em algumas fábricas da grande São Paulo, naquele mês, como a dos
trabalhadores das empresas automobilísticas Volkswagen, Willys e Chrysler, de São Bernardo
do Campo, que, inovando em termos de mobilização, promoveram paralisações relâmpagos”
e greves “brancas”, como meio de forçar os empresários a negociar índices salariais maiores
do que os decretados oficialmente, enquanto “sua” direção sindical sequer tomara
conhecimento dos acontecimentos.
A aplicação da verdade salarial” desencadeou movimentos grevistas importantes durante
o ano de 1968, como o dos metalúrgicos de Contagem-MG, em abril, e o de Osasco-SP, em
julho. Marques (1980) relata como esses dois movimentos eclodiram em duas regiões
metropolitanas, mais ou menos isoladas, sede de uma importante concentração industrial
67
.
À época, Contagem era um centro industrial que contava com uma população de 33.000
habitantes e 18.000 operários, 20% dos quais sindicalizados. Foi a partir da campanha
eleitoral e da campanha salarial antiarrocho de 1967 que se iniciou a mobilização contra o
desemprego, os atrasos nos pagamentos e a potica salarial do governo. A campanha salarial
de outubro de 1967, na qual direção sindical “pelega” aceitou 17% de aumento quando a base
demandava 60%, levou os operários a organizarem um ComiIntersindical Anti-Arrocho em
março de 1968 (com 2.000 pessoas) dissolvido pela DRT.
Em 16 de abril, a greve eclodiu na Belgo-Mineira que foi ocupada pelos operários por
dois dias, criando-se comissões de representação, de disciplina e de seguraa. Suas
reivindicações: 25% de aumento sobre o salário da época e 25% de adicional noturno. A DRT
declarou a greve ilegal, mas, depois de 19 de abril, o movimento recebeu a solidariedade dos
trabalhadores da SBE; Mannesman; RCA Victor; Demisa; Industam; Simel; Metalúrgica de
Belo Horizonte; Polligo-Haeckel; Metalúrgica Triângulo; Minas Ferro e Mafersa, em um total
estimado de 16 mil trabalhadores em greve. Somente no dia 2 de maio, as fábricas voltaram a
funcionar normalmente, muito depois da intervenção do ministro do Trabalho Jarbas
Passarinho, que concedeu um abono de 10% aos trabalhadores. O movimento obteve essa
67
Uma das mudanças em relação ao sindicato populista, concentrado no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, foi o
salto qualitativo do movimento sindical nas grandes empresas, já que, antes de 1964, o movimento era mais forte
em empresas ligadas ao Estado e em indústrias têxteis e de alimentos.
149
vitória parcial, mas não deixou, na opinião de Marques (1981), um saldo organizatório maior
e um acúmulo de forças para novos avanços.
A tese do desconhecimento do sindicato, levantada por essa autora, é questionada por ex-
militantes operários (SMBHC, 2004), para os quais o que houve foi uma manobra do
sindicato para evitar a repressão, impedindo que o DOPS e a DRT ligassem a greve à diretoria
sindical, o que impediu a intervenção naquele momento, o que veio a ocorrer em outubro,
com uma greve que durou apenas um dia e sofreu violenta repressão.
Em depoimento a Otávio Luiz Machado, Gilney Amorim Vianna afirma que a
CORRENTE
68
, desde 1965, iniciara um trabalho clandestino de OLTs, que teve um papel
fundamental na conquista da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e
Contagem e que, em 1967, colocou na presincia Ênio Seabra, da AP e, na secretaria,
Conceição Imaculada de Oliveira, da CORRENTE.
Marco Aurélio Santana (2001, p.169), também reconheceria que, nessa greve mineira,
pode-se perceber claramente o trabalho ‘clandestino’ dos grupos de esquerda, principalmente
da AP, da Corrente e do COLINA”. Nas comissões de fábricas na Belgo-Mineira e na
Mannesmam, a AP/CORRENTE disputava posições com a POLOP, o POC e outros
agrupamentos minoritários. Os COLINA, um racha da POLOP, e a própria POLOP,
organização fundada em 1961, tinham uma proposta de preparação de comitês de empresa e
grupos organizados quando se iniciou a greve. Para garantir sua hegemonia nesse processo de
organização dos trabalhadores, a CORRENTE chegou a deslocar um quadro profissionalizado
de Ouro Preto para Contagem, onde teria sido uma peça de articulação da comissão de fábrica
da Belgo-Mineira, que dirigiu a greve de abril.
Foi, também, a partir da formação de uma Comissão de Fábrica na Cobrasma, a maior
metalúrgica da cidade e uma das maiores empresas da região, que cresceu um movimento
como a greve de Osasco. Quando a oposição ganhou a eleição do sindicato, em diversas
fábricas da região, expandiu-se um processo de organização de base.
A greve teve início quando um grupo de trabalhadores da Cobrasma abandonaram a
produção e tomaram 15 engenheiros como reféns. Em agosto de 1968, o sindicato, presidido
por JoIbrahim e respaldado pela Comissão da Cobrasma e outras que começavam a nascer,
68
Segundo Ridenti (1983), a CORRENTE, uma dissidência do PCB que chegou a fazer uma ou outra atividade
armada em Belo Horizonte, transformar-se-ia, em 1968, na ALN de Minas Gerais, cedendo bases também para o
PCBR.
150
liderou um movimento grevista por melhorias salariais, condições de trabalho e pela liberdade
de organização dos trabalhadores dentro das empresas. O movimento grevista se alastrava
quando o governo federal deu ordem para que o exército debelasse a mobilização. As tropas
ocuparam Osasco, o sindicato sofreu intervenção e as principais lideranças foram presas.
Marques (1980) afirma que a cronologia dos eventos que precederam a greve de julho de
1968 iniciou-se em 1962, com a campanha pela autonomia municipal e a criação da comissão
de fábrica da Cobrasma, para reivindicar o adicional de insalubridade e uma cantina. Em
1967, a oposição metalúrgica venceu as eleições e seu primeiro trabalho foi organizar a
campanha salarial, conduzida com os sindicatos metalúrgicos de São Paulo e de Guarulhos.
Em maio de 1968, em São Paulo, 1.200 operários da Metalúrgica Paulista realizaram uma
greve legal e, nesse contexto, a greve de Osasco eclodiu na Cobrasma e depois na Lonaflex, a
partir da ação de 200 operários mais preparados. Suas reivindicações: 35% de aumento
imediato, contrato coletivo de trabalho, reajuste salarial de três em três meses, abolição da Lei
de Greve e do Fundo de Garantia.
Na Cobrasma, 1.000 operários pararam o trabalho, tomando a decisão de ocupar a fábrica,
o mesmo se dando na Barreto-Keller, Braseixos, Fósforos Granada e na Brown Boveri
69
. Os
operários em greve reivindicavam 35% de aumento salarial, aumentos trimestrais e contratos
coletivos de trabalho; protestando contra o congelamento dos salários, o FGTS, a lei anti-
greve e a ditadura patronal. A greve foi declarada ilegal desde o primeiro dia, durando mais
dois, já que, no quarto, a Cobrasma e o sindicato foram invadidos pela polícia, prendendo
mais de 80 pessoas. O MTb interveio no sindicato, acusando a direção sindical de subversão e
os patrões concederam aumentos, variáveis segundo cada fábrica. É o fim da comissão da
Cobrasma.
69
Trotsky (1938) afirma que as greves com ocupação de fábricas, independentemente das reivindicações dos
grevistas, golpeiam no cerne a propriedade capitalista, colocando, na prática, a questão de saber quem é o dono
da fábrica: o capitalista ou os operários. Ademais, se a greve com ocupação levanta esta questão episodicamente,
o comitê de fábrica lhe dá uma expressão organizada, estabelecendo, de fato, uma dualidade de poder na fábrica.
151
Foto 3 - Trabalhadores da Comissão de Fábrica da Cobrasma presos em 1968.
Fonte: Arquivo da Oposição Metalúrgica de São Paulo.
Na greve de Osasco, a ALN participou por intermédio de alguns de seus militantes, como
Dorival Ferreira, mas o papel mais ativo foi desempenhado pela VPR e a AP. Mara Danusa
(2006), analisando os movimentos que se desenvolveram em Osasco, afirma que, em uma
população majoritariamente operária, o operário-estudante era uma figura muito comum, o
que explica a ligação entre operários e estudantes no curso dos movimentos de massas de
1968
70
. Na greve de Osasco, o movimento estudantil conseguiu construir uma ponte entre a
política estudantil e a operária, fazendo propaganda e organizando suas lutas e reivindicações.
Esses movimentos foram violentamente retalhados pelo regime autoritário que, em 13 de
dezembro de 1968, decretou o AI-5. Nos anos que se seguiram, a resistência operária ficou
restrita a pequenas organizações clandestinas de fábricas e às oposições sindicais o legais,
como o MOMSP. Os patrões foram convidados a recorrer à policia e mesmo a criar sistemas
repressivos internos nas empresas.
70
Ademais, o movimento estudantil constituía-se em locus de atuação das organizações políticas de esquerda, o
que explica essa ação e sua perspectiva revolucionária.
152
Pode-se reter do período do recuo e da resistência das lutas operárias “a operação
tartaruga”, pequenos débravages, a recusa de fazer horas extras, reivindicações para
obter pequenos melhoramentos nas condições de trabalho nas indústrias (transporte
gratuito, banheiros e cantinas), ações judiciais coletivas e greves para protestar
contra os atrasos de pagamentos dos salários (MARQUES, 1980, p.97-98).
Somente a partir de 1975, a luta operária retomaria fôlego. Entretanto, para garantir seus
propósitos, o regime autoritário apenas utilizou os mecanismos jurídicos da legislação
trabalhista existente, sem necessitar destruir estruturalmente os sindicatos. Se a participação
sindical era insignificante antes do golpe, reduziu-se ainda mais. Em muitas categorias, os
associados não chegavam a 10% e as diretorias “pelegas” não se empenhavam em aumentar
esse número.
As organizações de esquerda, mesmo aquelas que optaram pela luta armada, foram para
dentro das fábricas. Apesar da clandestinidade e do cerco policial, algumas delas continuaram
a manter vinculações com o movimento operário, mesmo quando a simples distribuição de
um panfleto, considerado “material ou fundos de propaganda de providência estrangeira, para
a infiltração de doutrinas ou iias incompatíveis com a Constituição”, era considerado crime
contra a segurança nacional, nos termos do Art. 13 do Decreto-Lei 898/68, punível com pena
(inafiançável) de reclusão de quatro a oito anos.
O PCB
71
e os agrupamentos trotskistas foram as únicas organizações de esquerda que, por
questão de método, e não de tática (PCdoB e AP se posicionavam contra o foquismo,
defendendo a guerra popular prolongada), se opuseram à escalada armada, empreendida por
mais de uma dezena de organizações, a exemplo da Ala Vermelha, PCBR, PRT, VAR
Palmares e o POC.
Nesse sentido, é interessante resgatar a análise de conjuntura do período feita pela OC-1º
de Maio em 1971, compilada em por Reis Filho e (2006, p.388-397 passim). Esses autores
afirmam que essa organização trotskista dedicou-se ao trabalho de agitação na classe operária
e de articulação de suas vanguardas, participando dos Grupos Independentes, formados nos
princípios da década de 1970 como embriões das futuras oposições sindicais.
Para a OC-1º de Maio, 1968 representou um grande salto qualitativo em relação ao
período anterior a 1964”. A classe operária teria se manifestado “em todo o país”, em
71
A política da “via pacífica”, aprovada pelo PCB, em 1958 e ratificada em 1967, estava longe de ser consensual
e custou ao Partido uma grande perda de militantes.
153
assembléias, greves, passeatas, ocupações de fábricas”, ao passo que o movimento estudantil
“interveio de forma radical, caminhando cada vez mais rumo à união de suas lutas com as da
classe operária”. Quanto às lideranças desse movimento, para compensar sua ignorância das
tarefas da revolução e do papel da classe operária com medidas radicalóides”, adotava
medidas “que não eram senão a antecâmara do terrorismo, das ações individualistas, que
acabaram predominando com a vinda do refluxo”.
Para essa organização, uma nova direção revolucionária estaria se formando, nas fábricas
e nas escolas e, “ao lado da tremenda vontade de briga”, aglutinou “elementos de rias
tendências, desde os que tinham uma concepção sindicalista, que colocavam a tomada do
sindicato como objetivo”, até os que “jamais confiaram na classe operária, nas massas”: “os
esquerdistas, dos quais muitos pertenciam ou foram recrutados pelos grupos guerrilheiros e
terroristas”.
Apesar dessa direção terrorista”, a greve de Osasco foi apontada como um dos pontos
mais altos do movimento de massas em 1968”, por sua contestação direta da propriedade
privada, com as ocupações de fábrica, pela “organização dos operários em comitês de greve e
pelo “nível político das reivindicações”, que causaram profundo impacto sobre o movimento
dos trabalhadores e dos estudantes. Essa greve seria apenas a ponta de lança de um
movimento que percorreu todo o país, envolvendo operários gaúchos e mineiros, bancários
cariocas, mineiros, cearenses, paranaenses e paulistas e os trabalhadores rurais de Cabo-PE.
Além disso, ocorreram greves parciais no ABC e em São Carlos-SP e manifestação no de
Maio, em São Paulo e Minas Gerais, que revelaram o amadurecimento potico do conjunto
do proletariado”.
Para esse grupo de trotskistas, o maior problema da greve de Osasco, como de todo o
movimento de massas em 1968, foi que não se colocou “o caminho da tomada do poder pela
classe operária”, o que levou seus líderes, como o presidente José Ibrahim, do Sindicato dos
Metalúrgicos de Osasco, com perspectivas de se tornar o maior líder operário nacional”, a
abandonar “essa posição junto à classe operária, para ingressar numa organização guerrilheira,
como indivíduo, desligado de um setor social”. De fato, quando a greve terminou, Ibrahim
mergulhou na luta armada, filiando-se à VPR. Essa organização participara da greve e
ofereceu aos grevistas, sob forte repressão, todos os recursos possíveis. Alguns de seus
quadros militavam em Osasco desde o pré-1964, na época da POLOP, e a organização era
muito atuante no movimento de massas da cidade (SANTANA, 2001).
154
Como Ibrahim, as lideranças da oposição sindical “Participação Ativa” ao Sindicato dos
Bancários de São Paulo também aderiu ao movimento guerrilheiro. A crítica dos trotskistas
eram óbvias: se havia condições para “fazer guerrilha”, tanto mais para continuar o trabalho
com a classe operária; a guerrilha fizera desencadear feroz repressão sobre as direções de
massa, atrasara as mobilizações, confundira os objetivos da luta, constituindo-se num lo
negativo em oposição ao ascenso revolucionário de 1968.
Teria sido essa retomada da luta operária, associada ao processo de radicalização do
movimento estudantil, que alertara o governo de que a situação poderia sair de seu controle.
Nesse momento, colocavam-se em choque (muitas vezes, literalmente), distintas concepções
de revolução. Em um flanco, os projetos da “revolução burguesa” x “revolução socialista”; no
outro, “o partido da ordem”, que se posicionara contra a classe proletária, o “partido da
anarquia”, “os cruzados da contrarevolução(MARX, 1974, p.341). Mas o partido da contra-
revolução nada mais queria ser que a própria Revolução, no mais alto nível, e na maior
amplitude, a “gloriosa”.
O regime burocrático-militar, desde seus primórdios, insere-se em uma disputa ideológica
em torno do uso do termo revolução. Em seu “combate à subversão e à corrupção”, os
golpistas de 1964 apresentavam como revolucionários, ao passo que seus oponentes eram
apresentados como subversivos e/ou terroristas. Essa disputa de projetos de revolução, para
ser compreendida, deve partir de sua origem, a acepção marxista do termo e as suas distintas
apropriações ao longo da história.
3.3 Revoluções em caleidoscópio
Tudo isto padeceram os semeadores evangélicos [...] Houve missionários afogados,
porque uns se afogaram [...]; houve missionários comidos, porque a outros comeram
[...]; houve missionários mirrados, porque tais tornaram os da jornada [...] mirrados
da fome e da doença, onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas
brenhas matou somente a sede com o orvalho que lambia das folhas. [...] Não me
queixo nem o digo, Senhor, pelos semeadores; pela seara o digo, pela seara o
sinto. Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas por amor de vós
mirrados; afogados sim, mas por amor de vós afogados; comidos sim, mas por amor
de s comidos; pisados e perseguidos sim, mas por amor de vós perseguidos e
pisados.
Pe. Antonio VIEIRA
155
Para Boaventura de Souza Santos (2005, p.25), reforma e revolução são as “duas grandes
vias da mudança social sancionadas pela modernidade ocidental”. Na acepção marxiana, a
revolução é um momento histórico de brusca transição de uma situação econômica, social e
política para outra. Uma revolão socialista, assumida na perspectiva do trabalho, implicaria,
numa orientação metapolítica, ir além do capital e do Estado.
Lukács (1989, p.125) sustenta que Marx transfigurou a dialética hegeliana em “álgebra da
revolução” ao se ater à totalidade e assumir que “somente a classe, por sua ação, pode
penetrar a realidade social e transformá-la em sua totalidade, passando de classe em si” a
classe para si”. A totalidade é a sociedade de classes e o que forma ao seu conteúdo, a
negatividade das relações de classe. Para Marx, só uma teoria correta: a que reproduz a
consciência de uma prática que objetiva mudar o mundo.
A revolão socialista não é uma continncia histórica, mas depende de uma gama de
condições objetivas e subjetivas. Tais condições tornam-se revolucionárias, todavia, “somente
se apreendidas e dirigidas por uma atividade consciente que vise à meta socialista”, posto que
“não a nima necessidade natural ou inevitabilidade automática que assegure a transição
do capitalismo ao socialismo” (MARCUSE, 1978, p.288-289).
Prado Júnior (1966) menciona outro componente dos processos revolucionários: as
mudanças que os impulsionam concentram-se em um período hisrico relativamente curto.
Essas rápidas alterações demonstram, efetivamente, que o ritmo da História não é uniforme,
nele se alternando períodos de relativa estabilidade e aparente imobilidade, com outros de
bruscas mudanças nas relações sociais. Haveria, portanto, um tempo cronológico e um
revolucionário, o que permitiria entender porque a tomada revolucionária do poder pelo
proletariado não estava colocada nas Teses de Abril, seis meses antes dos dez dias que
abalaram o mundo
72
”.
Outra era a concepção de revolão dos conspiradores de 1964. Ao contrário da rápida
movimentação das peças do tabuleiro potico, a “gloriosa” buscou cessar todo o movimento,
em decorrência do medo da burguesia nacional, tanto dos “deserdados da terra”, quanto dos
centros imperiais”. Sua autêntica” revolão apresentara-se como uma “renovação
regeneradora”, com vistas a assegurar a estabilidade social e potica, necessária à aceleração
do desenvolvimento capitalista, uma intervenção em nome da ordem. Nessa perspectiva, ao
72
Título do livro de John Reed, sobre o outubro de 1917, na Rússia.
156
invés das opções táticas”, defensivas, dos socialistas e comunistas, a burguesia agiu
estrategicamente, promovendo uma revolução das técnicas da contra-revolução
(FERNANDES, 1975).
Nesse sentido, ainda que os generais-presidentes, em nenhum momento, abdicassem de se
denominar revolucionários, o “intelectual orgânico” do ancien régime, Passarinho (1999, p.2),
afirmaria o oposto: “A rigor, o movimento militar de 64 foi uma contra-revolução”. Também
para Fernandes (1975), foi contra-revolucionária a ruptura da legalidade consubstanciada na
Constituição de 1946, que possibilitou a conversão do Estado em eixo da recomposição do
poder econômico, social e potico da burguesia, frente ao processo de autonomia potica que
o movimento operário ganhava em contraposição à ideologia do nacional-populismo.
O primeiro general-presidente, Castello Branco (1964, p.13), afirmara que, em de abril
de 1964, ocorrera
[...] uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas
instituições, e decisivamente, apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das
nossas convicções e profundidade das nossas concepções, convicções e concepções
que nosm do passado e que deveremos transmitir, aprimoradas, às gerações
futuras.
Outro general-presidente, Costa e Silva, comparara a “Revolução de 1964” à Revolão
Gloriosa da Inglaterra e à Revolução Francesa, dos séculos XVII e XVIII. E, nos termos
dessas revoluções liberais, afirma que não cometeria a injusta de considerar todos os que
divergem do Governo da Revolução como sequazes de ideologias fanáticas, fundada no ódio
entre as classes, na deificação do estado totalitário, no imperialismo agressor da soberania dos
povos” (COSTA e SILVA, 1967 apud RAGO, 1998, p.164).
No cerne da discussão, colocada pelos revolucionários de 1964, estava uma velha disputa
entre marxistas: o caráter da revolução brasileira. Envoltos em longas discussões sobre o
tema, os marxistas (em especial, os do PCB, “esta espécie de Academia de Letras, cuja única
função consiste em se reunir”
73
), não se perceberam que “a revolão faltou ao encontro”
74
.
A disputa de projetos revolucionários iniciara-se na década de 1920 e se encontra em uma
fase de grande fermentação quatro décadas depois, impulsionada pelas dissidências do PCB.
O III Congresso do PCB, de 1928 deliberara que a revolução brasileira seria democrática,
73
Carlos Marighella (1979, p.129).
74
Título da obra de Reis Filho (1989), que narra a trajetória dos comunistas no Brasil.
157
agrária e antiimperialista”, posicionamento que reproduzia os debates sobre a questão colonial
e nacional dos congressos da IC, e que, atravessando três décadas, foi ratificado no IV
Congresso, de 1954.
Nessa perspectiva, tratava-se de garantir a primeira etapa da revolução, capitaneada pela
burguesia brasileira, garantindo a independência do país frente ao imperialismo, a realização
do desenvolvimento industrial e a superação do latifúndio e dos restos feudais, com a reforma
agrária, o que abriria o caminho para uma longínqua etapa socialista.
A gloriosa” ceifaria todas essas ilusões. A resolução política do CC/PCB, de maio de
1965, afirma:
Também falsa era a perspectiva, que então apresentávamos ao Partido e às massas,
de uma viria fácil e imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em
relação ao setor da burguesia nacional que estava no Poder, tornaram-se evidentes.
Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e
golpista, da revolução brasileira, independentemente da linha política, acertada ou
não, que tenhamos adotado. É uma concepção que admite a revolução não como um
fenômeno de massas, mas como resultado da ação das cúpulas ou, no melhor dos
casos, do Partido (PCB, 1965 apud RAMOS, 2006, p.2)
Antes da autocrítica, porém, a crítica à proposta de aliança do proletariado com a
burguesia nacional progressista, ao eixo centrado na luta nacional e antiimperialista e à
possibilidade de se chegar a mudanças radicais através de “reformas” daria origem a diversas
outras organizações com distintas concepções de revolução e de intervenção na luta de
classes.
Fernandes (1975), ao afirmar que a burguesia nacional, em decorrência da persistência de
estruturas coloniais e neocoloniais e da aliança com o imperialismo, não se pros as tarefas
hisricas das revoluções nacional e democrática, de modo que as classes trabalhadoras teriam
que desencadear a revolução burguesa no país, reproduz uma das vertentes da questão, que
exacerbaria a diáspora marxista no Brasil.
As formulações revolucionárias, elaboradas nessa conjuntura de acirramento das
contradições, comportaram as mais variadas propostas estratégicas e táticas. A Figura 3
reproduz a árvore genealógica da esquerda brasileira, tal como se apresentava na década de
1970.
Figura 3- A esquerda brasileira (final dos anos 1970).
Fonte: 100 ANOS...
A “nova esquerda”, segundo Reis Filho e Sá (2006), teria cinco troncos distintos:
A ORM-POLOP, as organizações nela inspiradas, suas cisões e
dissidências: os COLINA; a VPR (integrada também por elementos do MNR);
o POC, resultante da fusão da ORM-POLOP com a Dissidência Comunista do
Rio Grande do Sul. Do POC, abalado pela repressão e por disputas internas,
surgiria a OCML-PO, da qual se destacaria a Fração Bolchevique e tendência
Combate do POC
75
, formada no exterior e que não conseguiria se implantar no
Brasil.
A AP que daria origem ao PRT e, após sua conversão ao maoísmo, à
AP-ML, da qual a maioria dos quadros se integraria no PCdoB.
PCdoB, fruto da luta potica no interior do PCB, que daria origem ao
PCdoB-AV, de onde sairia o MRT, e ao PCR.
Ainda do PCB, já no pós 1964, surgiriam as diversas Dissidências
Regionais e a Corrente. A dissidência gaúcha se integraria à ORM-POLOP
para formar a POC; a de São Paulo ingressaria na ALN; a DI-GB assumiria o
nome de MR-8, nome do grupo carioca liquidado pela repressão em 1969. A
Corrente daria origem ao PCBR e à ALN, da qual surgiria o MOLIPO
76
.
O trotskismo, representado pelo Movimento Estudantil de Maio,
mais tarde convertido em OC-1º de Maio.
Além dessas cinco matrizes, esses autores destacam as experiências do MAR e da VAR-
PALMARES, resultante da fusão de grupos provenientes da ORM-POLOP, MNR, AP e
PCB
77
.
Antonio Ozaí Silva (1998) afirma, que, embora divergentes quanto à tática e às formas de
luta, organizações que se pretendiam muito distintas, como o PCB, o PCdoB e o MR-8,
compartilhavam a mesma concepção etapista do processo revolucionário e a mesma
75
Em 1971, o POC-Combate, rejeitaria essa tradição, aderindo à IV Internacional, trotskista.
76
Essa organização formou-se em Cuba, criticando os métodos da ALN. Seus trabalhos iniciais, incluindo o
jornal Cruzeiro do Sul, foram desmantelados em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás, morrendo
assassinados quase todos os seus militantes, entre 1971 e 1973.
77
Não é pretensão deste trabalho dar cabo da riqueza organizativa desse período, haja vista as inúmeras
pesquisas em História Social que têm se dedicado a tal tema.
160
concepção marxista-leninista do partido de quadros. Assim, essa esquerda teria muito pouco
de nova.
Outra seria a perspectiva de Reis Filho e Sá (2006, p.25), para os quais a “nova esquerda”,
efetivamente, se distinguiu da práxis do PCB, à medida que reivindicava, “no mínimo, plena e
completa independência orgânica e potica frente à burguesia”e concluírem pela “total falta
de vocação revolucionária da burguesia potica, [...] um mito inventado pelos partidários das
reformas de base”, entre os quais o PCB. Ademais, era comum a interpretação da economia
brasileira como vivendo um processo irreversível de estagnação.
Para Jorge Casteda (1994, p.43), “o problema estava na incapacidade dos comunistas
para influir ou unir à esquerda”: o PCB seria “demasiado radical e pró-soviético para deixar
de assustar [...] a comunidade brasileira de negócios, a classe média e os Estados Unidos; mas
moderado e prudente em excesso para controlar e orientar os setores radicalizados da
esquerda política altamente polarizada do Brasil
78
”.
Os que saíram do PCB, no pós-1964, como Marighella, que chegara a ser deputado pelo
Partido, advogavam a necessidade imediata da luta armada, sem abrir mão, porém, da
concepção nacionalista e antiimperialista da luta. Para seus críticos, e dissidentes, o Partido
seria verticista (trabalhara a cúpula do movimento sindical CGT, CNTI, PUA , sendo de
criar e manter OLTs); tendo “uma direção pesada, com pouca ou nenhuma mobilidade” e
corroída pela ideologia burguesa”, nada mais poderia fazer pela revolução (MARIGHELLA,
1979, p.129).
Marighella, morto a tiros, em 4 de novembro de 1969, no bairro dos Jardins, em São
Paulo, foi a versão nacional do Che, alguém que trocara o conforto pequeno-burguês do lar
pela misteriosa clandestinidade da luta junto ao povo”
79
. Em abril de 1967, o grupo liderado
por ele formaria o embrião do AC/SP e alguns militantes seriam treinados em tática de
guerrilha em Cuba em setembro desse ano. Esse apoio cubano teria sido articulado na
confencia de fundação da OLAS, da qual Marighella participaria sem o aval do CC/PCB, a
que ainda estava ligado. Em abril de 1968, o AC/SP lançaria o primeiro número do jornal O
Guerrilheiro, em que Marighella estabeleceria as três fases principais para a implantação e o
78
De novo, colocar-se-ia a posição das peças no tabuleiro internacional: a disputa sino-cubano-soviética sobre o
caráter da revolução e o método empregado para alcançá-la e o olhar vigilante da “baleia”.
79
A fala de Alfredo Sirkis (1998, p.123) refere-se a todos os carbonários” que, como ele, submergiram na ação
armada contra o regime autoririo.
161
sucesso da guerra de guerrilha: 1º - planejamento e preparação da guerrilha; - lançamento e
sobrevivência da guerrilha; e 3º - crescimento e sua transformação em guerra de manobra
80
.
Do AC/SP, surgiria a ALN, que, no próprio nome, buscava a associação simlica com a
ANL, sustentando, mesmo, muitas das bandeiras de sua precursora, tais como a luta
antiimperialista e antilatifundiária, todavia não se tratava mais de uma potica de alianças,
mas de uma ação direta. Tal ação não tinha como objetivo precípuo a revolução socialista,
priorizando a libertação nacional, luta em que deveriam engajar-se todos os “patriotas” que se
colocassem contra o regime.
A ALN, defendendo a estratégia da tomada do poder pela via do “terrorismo
revolucionário”, teria vencido no ponto em que outros fracassaram, conseguindo a adesão de
parcelas significativas de estudantes e de religiosos. Em 1967, o AC/SP teria, segundo
Reinaldo Guarany (1984), cerca de 6.000 membros, entre militantes, simpatizantes e apoios,
nas principais cidades do país, dos quais 250 em luta. Uma das explicações para essa “enorme
audiência” da Ação encontra-se em sua recusa do centralismo. O militante não precisava
esperar orientação de um poder centralizado, qualquer um que se considerasse capaz de
“formar um grupo para fazer ações expropriatórias que o fizesse. Os grupos e as ações, assim,
se multiplicariam. A centralização emperraria a organização, que, ao contrário, deveria ser
ágil” (ROLLEMBRG, 2003, p.70).
Aqui surge a grande “inovação”, representada pela ALN: ela propunha a guerrilha urbana
como tarefa tática para alavancar a tarefa estratégica da guerrilha rural. As cidades
forneceriam os como meios de propaganda potica, de obtenção de fundos (“expropriações”,
como os assaltos a bancos, em que se especializaria), de recrutamento de quadros para a
guerrilha e de ataques estratégicos ao inimigo. Para a ALN, a revolução brasileira tinha que se
apoiar na (o que ser realizada pela) classe operária e, conseqüentemente, “focar-se” em São
Paulo.
Interessa-nos ver, na ALN, elementos que, mais tarde, seriam relevantes nas greves da
década seguinte e nas organizações dela derivadas, como o dominicano frei Betto
81
, que
80
Nesse momento, três frustradas tentativas de reação armada ao regime, impulsionadas pelo MNR, tinham
ocorrido: a) a Guerrilha de Três Passos (março de 1965), comandada pelo ex-coronel Jefferson Cardin Osório,
que, partindo de Três Passos-RS, rumo ao Mato Grosso, foi dispersada a tiros, em Cascavel-PR, pelo Exército;
b) a Guerrilha de Caparaó, na fronteira entre Minas Gerais e Espírito Santo (abril de 1967), cujos 22
guerrilheiros foram presos antes de dispararem o primeiro tiro; c) a do Bico do Papagaio, no atual Tocantins,
cujos 20 militantes debandaram em agosto, quando o jornalista Flávio Tavares, organizador do movimento, foi
preso.
162
chegara a ser preso por seu envolvimento com a guerrilha, e que, em 1980, fazia a “guarda
episcopalde Lula da Silva no momento de sua prisão.
Mas a “esquerda católica” não militava apenas na ALN. De fato, militara muito antes da
ALN. A1964, cerca de “90% dos militantes poticos, ou eram católicos ou tinham pai e
e católicos, tinham saído do cristianismo
82
. Segundo ndido Mendes (1966), ela estaria
na JUC, movimento de universitários católicos da classe média e da própria burguesia; no
dinâmico movimento estudantil das PUCs; na sindicalização rural impulsionada pelas
dioceses nordestinas; no MEB e na AP, organização formada por ex-membros da JUC. A AP
tornou-se uma das três maiores organizações de esquerda com aproximadamente 3.000
membros, dos quais alguns eram líderes na educação popular, no trabalho sindical e na
organização camponesa.
Fortemente marcada pela origem humanista-cristã, a Ação Popular via a revolução como
o único meio de resolver os problemas da sociedade” e realmente estabeleceu uma tradição
de humanismo radical dentro do catolicismo brasileiro que continuou depois de o próprio
movimento ter abandonado suas origens católicas” (MAINWARING, 1989, p.85-87 passim).
De fato, na potica de proletarização através da integração na produção”, desenvolvida pela
AP entre 1968 e 1970, que levou à transferência de inúmeros quadros universitários para o
campo e para as fábricas, era visível essa marca.
Roniere Amaral (2006) levanta a interessante tese de que a revolta contra a dominação
tecnocrática, tanto do messianismo humanista quanto do humanismo messiânico, baseou-se
no roubo do futuroimposto pelo tecnologismo. O primado do presente, estabelecido pela
tecnocracia militar, apresentava-se como obstrução da ação, parte da vita activa.
Mas o grande espaço de recrutamento dos grupos armados da “nova esquerda” era o
movimento estudantil. A ALN distribuiria boletim
83
, na passeata dos 100 Mil, que se seguiu à
morte do estudante Edson Luís Souto, pelas forças da repressão, em março de 1968, que
reeditaria a lei de Talião: “somente o sangue pagará o sangue” e lançaria a palavra-de-ordem
Pátria ou Morte!”.
81
Segundo Emiliano Jo(1997), além do próprio frei Betto, tornaram-se militantes da ALN os freis Fernando
de Brito, Oswaldo Rezende, Yves Lesbaupin, Magno Jo Vilela e Luís Felipe Ratton.
82
Segundo Herbert de Souza (1978), nesse momento, dos 150 mil estudantes universitários, cerca de 20 mil
participavam de associações católicas.
83
Reproduzido no jornal da ALN, O Guerrilheiro, n. 1, de abril de 1968.
163
Mas a radicalização já estava presente entre os estudantes, que reivindicavam ampliação
das verbas e vagas nas universidades, ocasionando freqüentes conflitos de rua. Seus deres
“faziam um discurso articulado, com princípio, meio e fim” que afirmaria não se tratar apenas
de “lutar contra a polícia”, mas de “participar num combate muito mais amplo e mais
complexo que era o combate pelo socialismo” (GABEIRA, 1979, p.52). Vladimir Palmeira
diria, na ocasião, ser a favor da violência quando, em um processo longo, chegasse a hora de
pegar nas armas. , nem a Pocia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá
deter o avanço do povo”.
Os dados levantados pelo Projeto BNM
84
demonstram que 57,8% dos implicados em
processos por ligação com organizações armadas urbanas pertenciam às camadas sociais
intelectualizadas. Tais dados fundamentam a tese de Reis Filho (1989, p.184) de “elites
sociais intelectualizadas, com alto nível de instrução, muito jovens, do sexo masculino,
residindo em algumas – e poucas – grandes cidades, formam a ampla maioria dos militantes.
Ao contrário de muitos críticos a posteriori do que seria o aventureirismo inconseqüente
dessas organizações, Reis Filho e (2006) indicam os elementos sociais, poticos e
conjunturais que promoveram tal fragmentação:
a) A desmoralização e dispersão do movimento popular “vencido” pelo golpe
de 1964 e seu “endurecimentopós-1968.
b) A desorganização dos partidos frente ao golpe levou ao desencanto com a
discussão teórica.
c) O privilegiamento da empiria favoreceu a emergência de grupos auto-
suficientes em âmbito regional ou municipal, que entendiam que a prática
reaglutinaria as esquerdas.
d) A influência da Revolução Cubana e da Chinesa, que difundiam a idéia de
que o dever do revolucionário era fazer a revolução, e não perder tempo em
discussões inócuas.
e) A média de idade dos militantes da Nova Esquerda era de 20-22 anos, o que
implicava uma violenta rejeição das tradições.
84
Wright (1989) informa que o projeto se iniciou a partir de carta de D. Paulo Arns ao secretário do Conselho
Mundial de Igrejas em 21 de agosto de 1979. Nesta carta, D. Paulo afirmava que “a atual ‘abertura democrática’
pode oferecer a única oportunidade de acesso ao referido material” (abundante documentação que
consubstancia 15 anos de repressão, em centenas de processos).
164
f) A clandestinidade dificultava os contatos políticos e as reuniões.
g) O cerco da polícia potica que desencorajava ou abreviava as discussões.
h) O ritmo desigual das lutas internas.
i) Os microcentros de poder em cada organização não se interessavam por
processos de reunificação.
Araújo (1967, p.91) afirma que a divisão das esquerdas é mais principesca do que
pressupõe a maioria de suas avaliações:
A falta de unidade tão cantada e lamentada entre as esquerdas o decorre […] das
formas de luta, do desacordo que haja a respeito da forma preferencial. Decorre do
conteúdo da revolução, do que fazer, do problema do poder, do programa enfim.
Isso é o que nos separa. […] A tese, muito difundida, da disputa sem princípios da
liderança, apenas acoberta as diferentes posições de clase assumidas pelos membros
da nossa esquerda.
A consciência de que, quanto mais divididas, mais frágeis eram, levou essas organizações
a agirem em frentes armadas, reunião de duas ou mais organizações para realizar ações de
maior envergadura (como os seqüestros de diplomatas estrangeiros), que passaram a ser
prática corrente de quase toda as siglas, à medida que a repressão avançava. Dadas as enormes
divergências em termos de programa e de táticas entre as organizações armadas, a Frente era a
iniciativa mais progressista no sentido de uni-las, ainda que a fusão não fosse cogitada.
Assim, é possível identificar alianças, como a FAR, reunião da ALN com a VPR, à qual se
associariam a REDE
85
e o MRT. Em julho de 1969, a VPR juntou-se aos COLINA, mas a
nova organização o resistiu ao primeiro congresso, em setembro do mesmo ano, quando a
maioria dos militantes recuperou antigas posições da POLOP de limitação ao militarismo.
Além disso, organizações, como o MAR
86
, formado em 1967, no presídio da Rua Frei
Caneca, no Rio de Janeiro, a partir do núcleo dirigente da guerrilha de Caparaó, após sua
fuga, em maio de 1969, seriam o braço armado do PCBR, que este tinha pouca experiência
nesse tipo de ação. O único caso de fusão, no âmbito da FAR, foi entre a REDE, organização
muito pequena e sem grandes possibilidades de ação, e a ALN.
85
A REDE surgiu em São Paulo, em 1968, agrupando ex-militantes do MNR. Em 1969-1970, realizou diversas
“ações expropriatórias” e participou do seqüestro do embaixador alemão no Rio de Janeiro, e, mesmo antes da
fusão, assume, como seus, os documentos da ALN.
86
Mesmo na prisão, o MAR, no primeiro semestre de 1968, elaboraria uma linha política com textos sobre
estratégia e tática da revolução brasileira, implantação da guerrilha rural e luta armada no campo.
165
As organizações forjadas nesse processo pouco cresceram potica e organicamente. Seu
isolamento e sua extinção tiveram na tortura física (e mental) seu principal vetor.
O general José Luiz Coelho Netto, subcomandante do CIE durante o governo Médici e
representante da “linha dura” do regime, em entrevista ao CPDOC em 1993, indagado sobre
qual o grupo de atuação mais perigoso, afirmaria: “Ainda era o PC e o PC do B. Porque os
outros, MR-8 e esses eram grupelhos. Não faziam mossa a ninguém. Levavam umas
palmadas, sumiam. [riso] Mas o PC tinha uma estrutura” (COELHO NETTO, 1993, p.24).
O próximo capítulo discorre sobre palmadas e grupelhos, ou seja, como repressão e
censura se articularam para eliminar os “fatores adversos” ao Poder Nacional.
4. COLOCANDO A CASA EM ORDEM
Isso é uma guerra não declarada, mas é uma guerra. Os prisioneiros são prisioneiros
de guerra (MÉDICI, 1970, p.15).
Todos têm plena consciência de que a casa em ordem é a única que oferece abrigo
seguro para a liberdade (GEISEL, 1978 apud MATHIAS, 1995, p.96).
Não posso discutir o todo de repressão: se foi adequado, se foi o melhor que se
podia adotar. O fato é que a subversão acabou (GEISEL, 1993-1994 apud
D’ARJO; CASTRO, 1998, p.224).
O presente capítulo discorre sobre os aparelhos ideológicos e os aparatos repressivos do
regime autoritário, destinados a forjar a normalidade da intolerância e a analogia entre nação e
“Revolução”. Tais construtos reificavam uma imagem ideal de organização societária,
transformavam qualquer contestação ao regime em negação do país, reforçando a posição de
domínio do “território-corpo” sobre os “corpos-territórios”.
4.1 Esconder e assustar
Na doutrina esguiana”, o Poder Nacional é apresentado como “a expressão integrada dos
meios de toda ordem, de que dispõe efetivamente a Nação, para alcançar e manter, interna e
externamente, os Objetivos Nacionais
87
”.
87
Uma idéia recorrente entre os revolucionários de 1964 era a de que a elite civil seria incapaz de compreender a
real importância dos Objetivos Nacionais, o que redundaria em uma redução do Poder Nacional.
167
Figura 4 - Os Objetivos Nacionais
Fonte: Renan (1978, p.37).
Iale Renan (1978, p.44-45) afirma que as características essenciais desse Poder são:
Eficácia: tem em mira produzir efeitos desejados.
Instrumentalidade: é o instrumento de que dise a Nação para a
conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais, empregado com vistas ao
Desenvolvimento (fortalecimento e aperfeiçoamento do próprio Poder
Nacional) e a Segurança (superar, neutralizar e diferir antagonismos e
pressões)”.
Integração: agrupa todos os meios de que dispõe a Nação.
Relatividade: caracteriza-se por quatro aspectos: tempo; espaço (o
Poder decresce na razão inversa das distâncias a que se aplica, na perspectiva
168
de Spykman); subjetivo (o valor aparente da imagem do Poder Nacional) e de
comparação com outro Poder Nacional.
Âmbito de atuação: é aplicado tanto no território nacional como no
exterior, visando ao Desenvolvimento e à Segurança Nacionais.
O mesmo autor, esguiano de formação, discorre sobre os fatores adversos ao Poder
Nacional, que ficariam afetos à Política Nacional de Desenvolvimento, a qual cabe superá-los,
mas são acompanhados pela Política Nacional de Segurança, como medida preventiva, pois
muitos deles são Antagonismos potenciais.
Os antagonismos apresentam-se como uma atividade deliberada, intencional e
contestatória à consecução e manutenção dos Objetivos Nacionais” (idem, p.74). Esses
dispõem de vontade, mas não possuem a capacidade de produzir efeitos, logo não têm Poder
para se anteporem à conquista dos Objetivos Nacionais, estando afetos à Potica Nacional de
Segurança, à qual cabe neutralizá-los.
169
Figura 5 - Óbices ao Poder Nacional
Fonte: Renan (1978, p.75).
A dualidade fatores adversos/antagonismos reproduz a visão conservadora de que as
idéias comunistas só poderiam ganhar a disputa ideológica em uma sociedade miserável.
O meio de solapar a ameaça do comunismo era transitar aceleradamente da forma
subdesenvolvida para um capitalismo desenvolvido. A antiga crença das classes
dominantes, de que com a miséria social os comunistas poderiam manipular as
massas, infiltrando-se no seio delas e contrariando a índole nacional, regada a
moderação, manifesta-se revigorada no calor e tragicidade da Guerra Fria, com uma
novidade: o nacionalismo exacerbado ou “getulismo de massas” também se converte
em inimigo interno (RAGO FILHO, 2001, p.160).
170
Duas conseqüências adviriam dessa concepção: a) a modernização conservadora
apresentar-se-ia o caminho seguro para solapar a ameaça do comunismo e b) os estratos mais
pobres da população deveriam ser preventivamente “acompanhados”, c’est-à-dire,
criminalizados pela pobreza de que são timas. Dessa forma, “as três fontes e as três partes
constitutivas” do pensamento militar brasileiro, em sua versão dominante a partir de meados
dos anos 1950, foram o pensamento autoritário desenvolvimentista, a DSN e a geopolítica.
Os Antagonismos que dispõem de alguma capacidade, denominam-se Pressões.
Verificamos, assim, que as Pressões dispõem de vontade e alguma capacidade de
produzir efeitos, logo possuem algum Poder. Contudo, quando m uma capacidade
de tal ordem, que pode ameaçar seriamente os Objetivos Nacionais, são os mesmos
denominados de Pressões Dominantes. Do mesmo modo que existem Fatores
Adversos com potencialidade de se transformarem em Antagonismos, existem
inúmeros Antagonismos que são Pressões em potencial (RENAN, 1978, p.74).
É nesse contexto que o “inimigo interno” reapareceria na Constituição de 1967,
modificando o significado original de segurança nacional, constante na Constituição de 1946.
Tal seguraa passava a ser externa e interna, incluindo a prevenção/repressão da guerra
psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva. Indagado os grandes problemas
do CIE em sua época, o general Coelho Netto afirma que não era o MDB, nem os sindicatos,
eram grupos comunistas radicados em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte,
nessas cidades principais” (COELHO NETTO, 1993, p.31).
O Decreto-lei 898/69, que instituiu, em 29 de setembro de 1969, a nova LSN, afirmava
que toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional”. Essa segurança
seria definida como “a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos,
tanto internos como externos”. Para a LSN, a segurança interna diz respeito às ameaças ou
pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou
produzam efeito no país. A guerra revolucionária seria o conflito interno, geralmente
inspirado em uma ideologia, ou auxiliado do exterior, que visaria à conquista subversiva do
poder pelo controle progressivo da Nação.
A preservação da segurança nacional demandaria “medidas destinadas à preservação da
segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e
da guerra revolucionária ou subversiva” (BRASIL, 1969, Art. 1º-3º). O conceito de guerra
psicológica adversa encontra-se na LSN como o emprego “da propaganda, da contra-
propaganda e de ações nos campos potico, econômico, psicossocial e militar, com a
171
finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de
grupos estrangeiros [...] contra a consecução dos objetivos nacionais”.
O conceito de guerra psicológica baseia-se na ideologia de que o povo brasileiro é ordeiro
e pacífico e, como tal, deve-se manter, sendo afastado da influência de doutrinas exógenas e
imorais. Gisálio Cerqueira Filho e Gizlene Neder (1978) demonstram que toda a História do
Brasil remete a esse discurso da classe dominante, que tem a integração/conciliação como
componentes ora explícitos, ora latentes que buscam cooptar dadas parcelas dos grupos
dominados, pela concessão de certas vantagens diferenciais ou pela coerção. Esses autores
denunciam violência implícita presente no uso ideológico da idéia de conciliação para
mascarar a violência presente nas relações sociais de produção.
Heleno Fragoso (1978), analisando a aplicação da LSN, afirma que as questões mais
importantes na perspectiva do processo são as da eliminação da tortura (que, via de regra,
ocorre durante os 10 dias de incomunicabilidade estabelecidos na Lei), na fase do inquérito, e
a da igualdade das partes, na fase judicial. Esse jurista aponta outros senões legais:
A LSN afirma que o cocio, o desfile ou a passeata constituem
propaganda subversiva, ou seja, “manifestação do pensamento tendente a
conduzir os destinatários da mensagem a convencimento que leve à prática de
determinada ação perigosa para a segurança do Estado” (idem, ib., p.244).
A exclusão do habeas corpus.
A prisão cautelar imposta por delegados da polícia potica estadual e
inspetores da PF e não por encarregado do inquérito, em flagrante ilegalidade.
A exclusão do sursis.
O Art. 23 do Decreto-Lei 898 estabelecia pena de reclusão de 8 a 20 anos para quem
tentasse “subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de
estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo”. O artigo seguinte
definia pena de reclusão de 12 a 30 anos para quem promovesse “insurreição armada ou tentar
mudar, por meio violento, a Constituição, no todo ou em parte, ou a forma de governo por ela
adotada”, pena agravada para prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo.
Já o Art. 25 afirmava que quem praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária
ou subversiva” está sujeito a pena de reclusão de cinco a 15 anos e, advinda a guerra, prisão
perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo. Ao contrário das LSN anteriores, o
172
fórum eleito para julgar os inclusos na nova lei não era civil: após o IPM, as sentenças eram
estabelecidas por auditorias militares. No combate à subversão, o papel da informação se
torna, progressivamente, mais relevante.
Figura 6 - O ciclo da informação.
Fonte: ESG (1986, p.37).
O Manual da ESG mostra a indissociabilidade entre os órgãos de informação e os de
planejamento. São os planejadores que devem colocar as demandas aos órgãos de informação,
a quem caberia o planejamento, a reunião, o processamento e a difusão da informão aos
planejadores que, ao usá-la, geram novas demandas de informão. O governo valia-se,por
conseguinte, do aparato formado pelo SNI
88
, CIEX, CENIMAR, CISA e pelo complexo DOI-
CODI (Figura 7).
88
O SNI foi inspirado na experiência americana desenvolvida pelo National War College. O DOI era
subordinado, em termos, à Seção Informações clássica em todo estado-maior de grandes unidades
brigadas, divisões e exércitos e nos grandes comandos regiões militares. os CODIs eram organizações
informais, combinadas com a participação de membros das três forças Exército, Marinha e Aeroutica – para
o planejamento e a eventual coordenação do emprego dos meios de cada uma delas conforme o efetivo
disponível e a área sensível – área portuária, aeroportos, instalações industriais, distúrbios de rua, etc.
173
Em 1969, sob a égide do AI-5, o digo Penal Militar, o Código de Processo Penal
Militar e a Lei de Organização Judiciária Militar, normatizaram os órgãos de segurança,
autorizando-os a ordenar e executar a prisão de qualquer pessoa.
SG/CSN (sob a chefia da Casa Militar)
AG. REG. SNI Agências do SNI
EME
EMA
EMAe
EMFA
FA 2 - 2ª Seção - EMFA
CIE
CENIMAR
CISA
E 2 - Serviço Secreto - EME
M 2 - Serviço Secreto – EM-Marinha
A 2 - Serviço Secreto – EMAe
S 2 - 2
a
seção Serviço Secreto (nível
de tropa)
CODI
DOI
DSI
DPF
D. REG. DPF – Delegacia Regional / DPF.
SSP (ligada à administração estadual)
DOPS
PM (estadual)
OPF
ESNI
ESG
Figura 7 - Organograma da comunidade da informação.
Fonte: Arquidiocese de São Paulo (1985, p.78).
Ao lado do aparato repressivo oficial, o empresariado era incentivado à “legítima defesa”
contra o terror
89
. É assim que, em 1969, surgiria a OBAN, com o objetivo de centralizar as
atividades de polícia potica nas mãos do Exército. Era financiada por grandes bancos
brasileiros, como o Mercantil; por grandes grupos comerciais e industriais (Ford,
Volkswagen, Ultragás e a Supergel). Mas o que pretendia ser uma militarização das
operões policiais tornou-se uma policialização das operações militares”. De fato, “o
delegado Sérgio Fleury não ficou parecido com um oficial do Exército”, mas “oficiais do
Exército ficavam parecidos com ele” (GASPARI, 2002, p.67). A OBAN, estruturada em
equipes de busca, de interrogatório e de análise, num trabalho ininterrupto, 24 horas/dia,
assumiu o controle da repressão em São Paulo, agregando efetivos das três armas, da pocia
política estadual, da PF, PC, Força Pública e Guarda Civil.
Em 11 de setembro de 1971, com a assinatura do decreto 69.534, o presidente adquire a
prerrogativa de redigir decretos secretos, a título de conter quaisquer atentados à segurança
nacional. Essa brecha na legislação “justificava” prisões sem mandatos ou acusações formais.
No centro das atenções, a GRC, interpretada como “aquela em que as características
clássicas da Guerra são substituídas”, cujo “instrumento principal é a agressão psíquica e o
seu objetivo a conquista das mentes da Nação, colocando-as a serviço da subversão marxista-
leninista” (MEIRA MATTOS, 1973, p.115). Ela seria um jogo imposto pelo MCI, cujas
ameaças dele decorrentes “afetam a coesão interna da Nação e colocam em perigo as
estruturas fundamentais da sociedade, impondo ao Estado uma ação de defesa”
90
.
Todo esse aparato jurídico-repressivo visava a coibir e eliminar a GRC, que, de acordo
com a doutrina esguiana, podia ter duas vertentes: a ortodoxa comunista e a doutrina
nacionalista burguesa. A primeira, mais abrangente, preconizava as seguintes fases:
Criação de um partido, como instrumento básico de todo o processo,
o podendo ser um organismo susceptível de dividir-se na primeira
encruzilhada do programa potico partidário. Deve funcionar com aparatos
distintos, uno e aberto por um lado e por outro clandestino.
89
Compareceram à solenidade de fundação da OBAN, em julho de 1969, além do Comandante do II Exército, o
governador paulista Abreu Sodré, o secretário de Segurança Pública e os comandantes do VI Distrito Naval e da
IV Zona Aérea.
90
Renan (1978, p.116).
176
Estabelecimento da frente unida, no intuito de conquistar aliados e
adeptos, utilizando, para tal, precauções de segurança, para evitar riscos para o
partido. Nesta fase, deveser iniciada a ão subversiva dirigida, procurando
o revolucionário manter-se o mais possível dentro dos limites da legalidade.
Realização de operões de guerrilha, mediante a utilização de
armamento leve. Assume importância a determinação da zona onde
desenvolver as ações e desmoralização dos militares inimigos.
Desenvolvimento da guerra de movimentos, pois as operações de
guerrilha não bastam para um triunfo decisivo sobre o “inimigo”. A criação de
um ercito revolucionário torna-se, deste modo, imperativo. Nesta etapa o
estabelecidas diversas “zonas de operaçãoe “bases regulares” sob o controle
político e militar dos revolucionários.
Inicio da campanha de aniquilação, condicionada ao aumento do poder
revolucionário e ao decréscimo do poder adversário. É o último passo para a
implantação do regime comunista.
177
Figura 8 - A GRC.
Fonte: Renan (1978, p.123).
A atividade insidiosa dos grupos que pretendiam desencadear a GRC teria se iniciado, em
dezembro de 1966, com o atentado terrorista no aeroporto de Guararapes, no Recife-PE, em
que morreu um jornalista e um almirante e ficaram feridas 14 pessoas. Segundo Duarte
Pereira, em depoimento a Gorender (1987), o atentado foi cometido por um comando
autônomo da AP, ainda em sua fase castrista, chefiado por um militante perito em explosivos.
O alvo, inatingido, era Costa e Silva, ministro da Guerra e próximo presidente da República.
Essa ação frustrada resultou na dissolução imediata dos comandos armados paralelos daquela
organização e seu afastamento das ações armadas urbanas.
Essa ação, na versão oficial, teria sido o principal determinante da criação pelas forças
armadas de “grupos, unidades específicas para combate e repressão à subversão”. A partir daí,
teriam sido criados os CODIs, com o objetivo de “coordenar, uniformizar e controlar as ações
178
dos diferentes setores envolvidos, sob a supervisão e a responsabilidade dos Comandos
Militares de Área”. Pouco depois, foram criados os DOIs, em bases semelhantes à da OBAN,
características posteriormente assumidas pelos 12 DOIs, que passaram a ter efetivos próprios,
desvinculando-se das segundas seções dos comandos de área, contando com verbas próprias e
instalações separadas das organizações militares locais.
Esta atitude ime a plena aplicação violenta do Poder, com o objetivo de eliminar o
processo subversivo, destruindo seus mecanismos e neutralizando seus dirigentes” (RENAN,
1978, p.116). Destarte, esse Estado militarizado privou 4.500 pessoas de direitos civis e
exilou outras dez mil. Reis Filho (1989) afirma que 1.843 presos políticos foram torturados.
em relação ao número de mortos ou desaparecidos, não há consenso: Araújo et al. (1995)
citam 360 e Miranda; Tibúrcio (1999), 328.
De setembro de 1969 a janeiro de 1970, 66 “aparelhos
91
foram descobertos; 320 pessoas,
presas e 300 armas, apreendidas. Era o início da “crônica de cadáveres”, na expressão de Elio
Gaspari (2002), para uma guerrilha que já assaltara 154 bancos e carros-fortes, roubando US$
3,8 milhões
92
, realizara cerca de 40 atentados a bomba, seqüestrando oito aviões comerciais e
quatro diplomatas.
O combate ao “terrorismo” abriu, efetivamente, uma guerra, que, segundo informa o
general Coelho Netto (1993, p.25), teria resultado em um número de baixas nas forças
armadas da “ordem de quatrocentas baixas. Mortos”. Também nesse lado do tabuleiro, não
consenso sobre o número de perdas. Gaspari (2002) estima que, para cada cinco mortos na
guerrilha urbana, essa matara duas pessoas. Giordani (1986), em contraponto ao projeto Brasil
Nunca Mais, escreve o livro Brasil Sempre, em que relaciona, nominalmente, 97 pessoas
(entre militares e civis) mortas pela “subversão” entre 1964 e 1974.
A linha dura exigia o cumprimento das leis vigentes, das leis de segurança. E como
obrigação sua, vivia procurando se infiltrar e levantar os focos de subversão. E
acabar com eles de qualquer maneira. Acabar com esses focos. Nunca, dentro do
centro, se insinuou sequer que não se respeitassem os direitos humanos. Agora,
acontece que a atuação operacional era feita por grupos organizados dentro das
91
Esconderijos de militantes clandestinos.
92
A ALN iniciara, em dezembro de 1967, os assaltos para angariar fundos para financiar a guerrilha rural que
não conseguiria implementar. A organização (ALN, 1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006) aponta como trunfo seu
o fato da LSN mencionar, pela primeira vez, assaltos a bancos, justiçamento de espiões estrangeiros, ataques a
quartéis, desvio e captura de armas e explosivos. Afirma ser o seu caminho o da violência, do radicalismo e do
terrorismo, as únicas armas contra a “violência inominável da ditadurae que isso teria permitido à organização
estruturar-se nacionalmente.
179
seções de informação. Em todo grupo há os mais exaltados, os mais radicais
(COELHO NETTO, 1993, p.24).
Os mais exaltados, os mais radicais” ou os mais extrovertidos, na acepção geiselista
pareciam (e eram) assustadores aos jovens guerrilheiros, “neófitos, sem noção de comando;
com parcos conhecimentos militares”
93
.
Mas, além de assustá-los, o regime devia escondê-los. Segundo Garcia (2005, p.123), a
partir de maio de 1970, com o advento do Decreto-Lei 1.077, instituidor da censura prévia, o
censor passou a “escolher dentre a infinidade de notícias e informações disponíveis as que
deviam ser bloqueadas e as que podiam ser liberadas, criando assim uma imagem
unidimensional da realidade”. Esse ordenamento jurídico, assentado no AI-5, determinou a
censura da correspondência, da imprensa e das telecomunicações, além de livros e periódicos,
sob a alegação de que publicações obscenas” faziam parte de um “plano subversivo”, que
ameaçava destruir os valores morais da sociedade brasileira”. Inúmeros comunicados,
verbais e escritos, vedavam, expressamente, a divulgação de “movimentos operários”,
“manifestação estudantile ações guerrilheiras.
Essas últimas, no discurso oficial, sequer existiam: nos cartazes de Procurados”, lia-se
terroristas poticos”, seguido da advertência: “Para a sua segurança, coopere, identificando-
os. Avise a pocia”. Abreu (2000) informa que foi o jornal O Globo que, em 26 de julho de
1966 empregou, pela primeira vez, o termo, sem nenhum pedido das autoridades: “Terrorismo
o interrompe o programa de Costa e Silva”, afirmava a manchete da primeira página
daquele dia.
A fim de que não servissem de exemplo a outrem, o regime, além de apresentar tais
organizações como a verdadeira ameaça, poderia também se valer de seu expurgo público. É
assim que, como nos recorda Beatriz Kushnir (2007), entre 1970 e 1971, jornais da grande
imprensa e a Rede Globo
94
passaram a divulgar o arrependimento público de ex-militantes da
VPR. Os programas gravados, veiculados minutos antes do único jornal televisivo nacional da
época, tinham o intuito de afirmar que ser oposição era um combate sem sentido e que a
preocupação do governo era “evitar que outros jovens incorram no mesmo engano”.
93
TERNUMA (2007, p.1-1).
94
Apesar da televisão brasileira datar dos anos 1950, apenas duas décadas depois, ela se consolidaria como um
veículo de comunicação de massa e uma grande empresa capitalista.
180
Nesse momento, o “milagre” já garantia uma ampla base de legitimação ao regime. Além
da elevação de rendimentos dos setores formadores da opinião pública, c’est-à-dire, da classe
dia, contribuía para isso a ação da AERP e do Sistema de Comunicação Social do Poder
Executivo, criado pelo presidente Médici, em 1970, com a incumbência de “formular e aplicar
a potica capaz de, no campo interno, predispor, motivar e estimular a vontade coletiva para o
esforço nacional de desenvolvimento” (ABREU; LATTMAN-WELTMAN, 2006, p.73).
Nesse governo, a AERP, sob o comando do coronel Otávio Costa, atuou com mais
intensidade, objetivando obter apoio popular e enfraquecer as manifestações oposicionistas. O
presidente surgia, com ar sorridente, em campos de futebol, assistindo às partidas com rádio
portátil colado ao ouvido e vibrando com os gols, de modo a encampar uma imagem popular e
simpática e otimizar a campanha “Brasil Grande”. Médici integrou as três áreas da
comunicação social (jornalismo, relações blicas e propaganda), e baixou o Decreto
67.611/70, que estabeleceu uma política de comunicação para o governo federal.
A propaganda oficial, ao mesmo tempo que subestimava os problemas sociais, oriundos
da forte concentração de renda, relacionava-os a “elementos estranhos”, em uma estratégia
destinada a impedir que as insatisfações se generalizassem. A “passividade inata” do povo
brasileiro, anunciada pela propaganda, visava à construção de um clima de consenso em torno
das medidas governamentais, em que as eventuais divergências eram isoladas, desestimulando
o aparecimento de outras. Tal isolamento não era apenas potico, au contraire era
essencialmente espacial.
4.2 O cerco da cidade pelo campo/o cerco do campo pela cidade
Edward Soja (1993, p.115) lembra que a luta de classes precisa abarcar e se concentrar
no ponto vulnerável: a produção do espaço, a estrutura territorial da exploração e dominação”.
A derrocada da guerrilha, em 1974, o representou apenas sua derrota militar, mas o êxito de
uma estratégia de controle territorial.
No cerne dessa estratégia, a informação. Como informa Gabeira (1978 apud
KOSHIYAMA, 1984, p.82), os órgãos de informação dispunham de “alguns peritos em
informação e literatura interditadas à maioria da população” que conhecem as organizações,
que lêem tudo que você diz, confrontando com tudo que já foi dito sobre a organização que
181
você pertence, vêem as contradições e devolvem em forma de bilhete com reorientação sobre
como te interrogar, por onde insistir”.
Com base nessas leituras do index e dos documentos apreendidos a cada queda de
aparelho”, o establishment forjou uma conceituação de GRC. Como vimos, a esquerda
armada sofria a influência da experiência chinesa de cerco da cidade pelo campo e a
inflncia cubana do foco guerrilheiro. Ambas as táticas têm em comum o fato de se
concentrarem no campo (Mapa 2).
A APML (1971 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.384) afirmaria sua posição:
Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o caminho da luta armada libertadora do
povo brasileiro é a guerra popular, fazendo a guerra de guerrilhas, construindo passo
a passo o exército popular, criando bases de apoio, cercará as cidades pouco a pouco
e, combinando a luta no campo com a luta nas cidades e a luta armada com as outras
formas de luta, conquistará seguramente a vitória.
Outra era a avaliação tática da VAR-PALMARES (1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006,
p.345-347 passim), plena de componentes geoestratégicos/geopoticos:
A guerra revolucionária é um processo global que comporta várias formas de luta e
de organização, que se combinam e se complementam. Combiná-las, no tempo e no
espaço, implica determinar quais as principais e quais as secundárias [...] O aspecto
principal da guerra de guerrilhas está, pois, no campo, o porque os camponeses
sejam a classe dirigente da revolução, mas porque se localiza o elo mais fraco do
Estado burguês. A guerrilha urbana coexiste com o aparelho repressivo, uma
atuando na superfície e outra nos subterrâneos da sociedade. A clandestinidade,
indispensável à sobrevivência da luta urbana, impede a atuação contínua, ao
contrário do que ocorre no campo, onde existem condições para a criação de um
destacamento político-militar atuando contínua e abertamente. o caráter
determinante da guerrilha rural na atual etapa da defensiva estratégica.
Para essa organização, o Brasil era, ao fim da década de 1960, “um país extenso e
desigualmente desenvolvido, de população rarefeita, onde é profundo o contraste entre as
regiões rurais e urbanas, onde são marcantes as diversidades regionais”. Nessas condições
geopolíticas, “não se trata de ganhar e conservar regiões que não podem ser defendidas. Ao
contrário, cede-se terreno para durar no tempo e manter aceso o programa potico
revolucionário”. A barganha de espaço por tempo, proposta pela VAR-PALMARES, em
1969, ignora o fato de que não existe movimento sem território.
A VPR (1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.297-298 passim) sistematizaria a posição
adotada na prática por essa e outras organizações. Nessa perspectiva, não se pode negar que
a cidade é o palco principal da vida ecomica e potica do país” e, se “não podemos
transformar, na cidade e na fase inicial da luta, o apoio popular em força organizada”,
“formas de luta na cidade”. De fato, que se considerar que “toda realidade nova exige
novos conceitos e uma discussão em termos de conceitos que pertencem a uma realidade
ultrapassada somente pode levar ao dogmatismo (com o conceito transpõe-se uma realidade
ultrapassada) ou à confusão”.
184
O que essa organização constatava era a acelerada urbanização em série, desencadeada
pelo regime, que colocara em prática os “princípios da teoria estratégica”, estabelecidos por
Aron (1986, p.699):
O prinpio da concentração das forças (evitar a dispersão); o princípio do objetivo
(escolher um plano e cumpri-lo, resistindo às pressões adversas; da perseguição
(perseguir vigorosamente as vantagens obtidas); da ofensiva (aproveitar a iniciativa,
no momento oportuno, e explorá-la plenamente para forçar uma decisão); da
segurança (proteger suas forças e linhas de comunicação contra um ataque-surpresa
do inimigo); da surpresa (enganar o inimigo a respeito de nossas intenções); da
economia de forças (empregar plenamente todas as forças dispoveis).
Assim, se como Becker; Egler (1998, p.144) apontam, “as poticas para a integração do
território visaram à remoção dos obstáculos materiais e ideológicos à expansão capitalista
moderna”, é certo que elas tinham uma contribuição a dar ao combate ao terror.
Assim, é compreensível o romantismo das esquerdas militaristas, que, ao criticar “a
civilização capitalista moderna”, o faziam “em nome de valores e ideais do passado (pré-
capitalista, pré-moderno)
95
, buscando, no passado, elementos para a elaboração da utopia
futura. As especificidades da urbanização brasileira (e a violência material e simbólica que
desencadeou) levaram alguns setores sociais a identificar no urbano a modernidade da
Revolução de 1964, o mal a ser combatido.
Há aqui o (re) conhecimento de que
[...] a especificidade mais fundamental do urbano provém da conjunção da
nodalidade, do espaço e do poder. As cidades são aglomerações nodais
especializadas, construídas em torno da instrumental ‘disponibilidade de presença’
do poder social. Elas são centros de controle, cidadelas concebidas para proteger e
dominar, através [...] de ‘pequenas táticas do habitat’, mediante uma geografia sutil
de recantos fechados, confinamento, vigilância, compartimentalização, disciplina
social e diferenciação espacial (SOJA, 1993, p.186-187).
A construção de rodovias, ferrovias ou portos significou a redução dos custos de
distribuição e a construção e expansão de refinarias, usinas siderúrgicas e hidrelétricas, a
ampliação da oferta de insumos básicos. Esses investimentos maximizaram os lucros do
capital, favorecendo a maior acumulação.
Em setembro de 1973, o presidente Médici sancionaria a Lei 5.917, estabelecendo o PNV,
cujo objetivo essencial era “permitir o estabelecimento da infra-estrutura de um sistema viário
95
Michael Löwy e Robert Sayre (1995, p.34).
185
integrado, assim como as bases para planos globais de transportes que atendam, pelo menor
custo, às necessidades do País, sob o múltiplo aspecto econômico-social-potico-militar
96
”.
.
96
Grifo nosso.
O Sistema Rodoviário Nacional (Mapa 3), definido pelo PNV de 1973, compreendia: a)
infra-estrutura rodoviária, que abrange as Redes de Rodovias e suas instalações acessórias e
complementares; b) estrutura operacional, abrangendo o conjunto de atividades e meios
estatais de administração, inclusive fiscalização, que atuam diretamente no modo rodoviário
de transporte e que possibilitam o uso adequado das rodovias (Lei 5.917, Anexo, item 2.1).
O PNV (1973) materializou os ideais inscritos na DSN, do desenvolvimento como fonte
de segurança interna e da integração nacional. Assim, aos olhos do regime autoritário, são,
efetivamente, “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais”, na Amazônia
Legal, as grandes rodovias, como a Transamazônica (BR-230), inaugurada em agosto de
1972. A idéia era rasgar a selva num percurso de oito mil quilômetros de pavimentação, no
escopo da palavra da ordem: “integrar para não entregar”.
Nesse processo, o crescimento das atividades econômicas justificou novos investimentos
em infra-estrutura que, por seu turno, possibilitaram nova expansão produtiva. A logística
passou a ser entendida como “preparação contínua dos meios para a guerra
97
ou para a
competão expressa num fluxograma de um sistema de vetores de produção, transportes e
execução” (BECKER, 1993, p.60).
Essas obras, apresentadas como “indispensáveis ao progresso”, necessárias para integrar
regiões ou para assegurar o crescimento da renda nacional”, tiveram forte choque sobre a
estrutura espacial da economia, incrementando o comércio inter-regional, para todas as
regiões brasileiras, aumentando-lhes o grau inter-regional (até então incipiente) de
complementaridade. A rede de circulação de mercadorias cristalizou-se em grandes eixos
rodoviários, que, delimitando a área de mercado integrada, convergiram para o Centro-Sul
(Mapa 4).
97
Grifo nosso.
Na década de 1970, segundo Roberto Lobato Corrêa (2001), os investimentos extensos
nas infra-estruturas básicas do desenvolvimento econômico (e a ação do Estado em atividades
produtivas estratégicas) cristalizaram no espaço:
A desconcentração, ampliação e diversificação das atividades
industriais, com o surgimento de centros industriais diversificados e
especializados.
A modernização e capitalização do campo, com a constituição de
complexos agroindustriais.
As inovações organizacionais junto aos setores industriais, comerciais e
de serviços, com destaque para a terciarização e para a constituição de grandes
corporações empresariais.
A ampliação de uma base técnica associada, primordialmente, aos
transportes e às comunicações, que possibilitou a diversificação das interações
espaciais, também associada à produção e distribuição de energia.
A incorporação de novas áreas ao processo produtivo global e a
refuncionalização de outras áreas, com destaque para as especializações
regionais das atividades.
Os novos padrões de mobilidade espacial da população; o aumento
quantitativo e qualitativo da urbanização; e uma estratificação social mas
ampla e complexa, gerando maior fragmentação social, ampliação das classes
dias e aumento do consumo.
Com isso, ocorreu uma crescente complexificação funcional dos centros urbanos,
intensificando-se a articulação entre centros e regiões, em novos padrões espaciais da rede e
novas formas de urbanização. Eclodiu, destarte, um novo Brasil urbano, com radicais
mudanças no conteúdo e nas formas de uso do espaço. Em poucas décadas, o Brasil
apresentou um ritmo urbano extremamente dinâmico, devido à metropolização e à expansão e
adensamento da estrutura urbana.
Em fuão da logística, o território foi reorganizado em novas redes de circulação de
mercadorias, distribuão de energia elétrica e de telecomunicações” que transformaram as
estruturas espaciais pretéritas” e construíram “formas adequadas ao processo de produção e
gestão da empresa capitalista em sua fase avançada” (EGLER, 2001, p.48).
190
A criação de novas cidades, como pontas de lança ao longo das novas rodovias, atacava,
duplamente, as organizações de esquerda armada. Os guerrilheiros estavam fechados num
rculo de giz, cada vez menor”, sintetiza Fernandes Júnior (2004, p.31). Um exemplo disso: a
guerrilha do Araguaia, empreendida pelo PCdoB (Mapa.
O livro A guerrilha do Araguaia e seus mitos, elaborado pelo grupo TERNUMA (2007) é
um tratado de geopolítica, que se fundamenta em documentos internos do PCdoB. De início, é
questionada a localização geografia da tentativa de guerra popular revolucionária (na verdade,
apenas um foco) na Região do “Bico do Papagaio” (SW do Pará, SE do Amazonas e N do
atual Tocantins). Mesmo antes da infiltração de militantes do PC do B para a montagem da
área (1966/1967), ela já fora objeto de ações esporádicas de Operações de Inteligência, em
função de conflitos de terra potenciais (heranças de Trombas e Formoso) e indícios de
provável atuação de organizações terroristas. A Operação Carajás, um exercício com tropa,
efetuado em 1970, deveria ser um “verdadeiro alerta aos homens de bom senso”. Além de
insana, a esquerda armada era “blanquista”
98
e anti-marxista, posto que
[...] iniciar uma luta contra as Forças Armadas com 60 neófitos, sem noção de
comando; com parcos conhecimentos militares e nenhuma convivência com a selva;
em área circunscrita e sujeita ao cerco tático e estratégico; era caminhar para o
destino inexorável - a derrota, uma mera questão de tempo. Aceitar a luta, em 1972,
foi insanidade e ausência completa de uma análise marxista das condições objetivas
e subjetivas do momento histórico em que se adentrava, com a fragorosa e certa
derrota das OPMs, nas áreas urbanas; o começo das ações contra o próprio PC do B
e o clima de euforia do “Milagre Econômico”, então vigente (TERNUMA, 2007,
p.24).
Assim, o olho que controla o território vê a frustrada tentativa da montagem de três áreas
de apoio periféricas, entre 1966 e 1972, em Goiás, Maranhão e Bahia. O exército popular
estava completamente afastado do povo que pretendia representar: aderiram à guerrilha 11
camponeses, dos quais dois desertaram e um foi “justiçado”, com mais 30 colaboradores, em
uma população de 20.000 habitantes, a luta teria 0,2 % de apoio popular
99
. Se a área que se
pretendia atingir era bastante extensa (6.500 km²), ficava próxima a Marabá e São João do
Araguaia (PA), a São Geraldo do Araguaia, Araguatins e Xambioá (GO). Contribuía para o
98
Em todo o texto, é trivial o emprego de um jargão “marxista”.
99
Apesar em 25 de maio, de 1972, o PCdoB criaria a ULDP, com um programa de 27 pontos, na busca de apoio
da população.
191
isolamento da guerrilha o fato de o Exército oferecer mil cruzeiros por paulista”
100
capturado, dinheiro suficiente para a compra de um pedaço de terra (GASPARI, 2002).
Para manter o controle do território, novos assentamentos surgiam ao longo dos grandes
eixos que avançavam à Amazônia, estabelecidos pela alta tecnificação da agropecuária. A
dispersão urbana, segundo Egler (2001, p.43), aconteceu a partir da formação “de uma ampla
frente urbana de interiorização correspondente às grandes capitais estaduais do centro-norte,
que balizam a urbanização no interior como pontos de contato e intermediação entre as bordas
da cidade mundial e áreas de avanço da fronteira” e da fronteira que incluiu centros regionais
e locais que se constituíram na “base logística das frentes de expansão agropecuárias e
mineraise “o crescimento explosivo de pequenos núcleos dispersos vinculados à abertura da
floresta ou a garimpos”, que se constituíram em “locais de reprodução da força de trabalho
móvel, razão pela qual muitos são também efêmeros, deslocando-se com o movimento das
frentes de povoamento”. Era o cerco do campo pela cidade.
Em um cerco tático e estratégico, no Natal de 1973, sob a chefia do CIE, as tropas entram
na selva num movimento em arco para evitar fugas, no qual caem 23 guerrilheiros
101
. Um ano
depois, a morte de 59 guerrilheiros e 10 moradores locais poria um ponto final na “aventura”
maoísta no Brasil e marcaria o domínio do terririo-corpo sobre os corpos-território
dissidentes da representação política hegemônica do Brasil Grande.
Em breve, modernos tratores apagariam quaisquer sinais dessa presença “estrangeira” nos
solos pátrios. A expansão da fronteira agrícola contra o bioma cerrado das áreas centrais do
Brasil, favorecida pela difusão da pavimentação rodoviária, impactaria, fortemente, a
produção agropecuária de Goiás, do antigo Mato Grosso, do atual Mato Grosso do Sul, em
que a área de lavouras temporárias e da produção de arroz e de soja alçaria taxas anuais
superiores a 20% (CASTRO, 2002).
No âmbito do Plano, os GPIs afirmar-se-iam como alternativa estratégica à integração
nacional e à alavancagem do Brasil na arena internacional
102
. Para a tecnoburocracia, o
100
“Paulista” era o termo usado pelos habitantes locais para designar os militantes do PCdoB.
101
Passarinho (2006) afirma que, em fins de 1973, o general Annio Bandeira, que fora comandante da
campanha do Araguaia, lhe procurou, dizendo que tinha “cinco rapazes arrependidos que queriam uma chance de
se reintegrar” e que ele, como ministro da Educação à época, recebera no MEC, o que levanta a hipótese de que
alguns desaparecidos políticos do Araguaia ainda estarem vivos e com nova identidade, graças à benemerência
do regime com seus “filhos pródigos”.
102
Velloso (1977) afirma serem cerca de 100 os grandes projetos em execução em insumos básicos e bens de
capital, que, no período 1975-1980, com um investimento de mais de Cr$ 300 bilhões (a preços de 1976).
192
contato da população rural com as “modernidades”, libertaria seu espírito do atraso. Esses
demandavam a devastação dos biomas (com destaque para o cerrado, dominante no interior
do país) e a utilização em larga escala de insumos agrícolas, via de regra importados, com a
concomitante geração de poluentes hídricos e atmosféricos. Ademais, a mecanização do
campo, com a constituição dos CAIs, expulsou do campo enormes contingentes de
trabalhadores rurais, rendeiros, parceiros e pequenos proprietários de toda a sorte, jogando-os
às periferias urbanas, onde pregava a ideologia vigente havia melhores condições de vida
e acesso à saúde, educação e empregos. Em decorrência, também, desses fluxos migratórios,
no final da década de 1960, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural,
chegando a 55,92% (IBGE, 1971).
Enquanto Estado e capital promoviam o surgimento de novas cidades, os grandes centros
urbanos brasileiros não eram esquecidos. Eles foram alvo de toda uma geopotica, destinada a
controlá-los a serviço do capital. A própria transformação desses núcleos em metrópoles,
outro ato do regime autoritário, visava à sua perda de autonomia e à minimização de suas
contradições urbanas, cada vez mais acentuadas no período.
A delimitação das regiões metropolitanas brasileiras, de 1969, orientada por métodos
quantitativos, obedeceu aos seguintes critérios: a) vida de relações entre os municípios; b)
sucessão de eventos e fenômenos interligados por mútuas relações de causa e efeito e c)
desigualdades intrametropolitanas. Três anos depois, o IBGE estabeleceria a “divisão do
Brasil em regiões funcionais urbanas” (FIBGE, 1972):
Centros locais ou dos níveis 4a e 4b, que desenvolviam as funções de
comercialização agrícola.
Centros subregionais ou dos níveis 3a e 3b, que englobavam as fuões
dos centros locais e outras.
Centros regionais ou dos veis 2a e 2b, nos quais a atividade terciária
passara a ter importância, ainda que se tratando de indústrias que atendiam
mercados locais e regionais e à agroindústria.
Submetrópoles regionais, que “no contexto da política devem atuar
como centros de equilíbrio, com funções macrorregionais, apoiando a
expansão e consolidação da fronteira agrícola através da ocupação territorial”
(SMOLKA; LODDER, 1975, p.196), agindo como centros educacionais
universitários e centros médicos desenvolvidos.
193
Metrópoles.
O crescimento das regiões metropolitanas valeu-se, principalmente, do incremento
imigratório, que ocorreu a taxas crescentes. Tais fluxos, interpretados como conseqüência de
uma explosão demográfica, eram mero reflexo de uma forma autoritária de planejamento,
com profundo impacto negativo sobre os padrões de vida urbana.
Nesse processo, a habitação tida como socialmente adequada apresentou-se como um
componente fora dos custos de reprodução da força de trabalho, que deve dirigir seus parcos
recursos para a aquisição de bens de consumo imediato, como alimentação, vestuário e
transporte. Assim, a ocupação de áreas sem infra-estrutura urbana e de forma irregular
estabeleceu o padrão de nossa urbanização e a periferização se agudizou em fuão do
arrocho salarial, pois, como afirma Oliveira (1977, p.69), a expansão da economia brasileira
no pós-1964 “tornou a exclusão um elemento vital do seu dinamismo”.
As migrações rurais punham à disposição da indústria massas crescentes de trabalhadores,
que se somavam ao excedente de mão-de-obra dispensado pela indústria artesanal. Não
obstante o aumento populacional e de força de trabalho urbana, continuou a imperar um
estreito núcleo de trabalhadores fabris, em contraste com a crescente massa de subproletários
e subempregados, que além dos desempregados, o caracterizados pela instabilidade
econômica (KOWARICK, 1983). Em contato com esse setor “atrasado”, com o qual se
confundia e interpenetrava em suas extremidades, a classe operária teria debilitada sua
posição em relação com os patrões e com o Estado e obstrdo o processo de construção de
sua consciência de classe.
Para Marini (1986), isso levou à formação de um “proletariado virtual”, que, para uma
população carente de recursos e serviços, que subsiste à custa de pequenos expedientes ou da
prestação de serviços domésticos, seria difícil assumir uma cultura proletária, e até mesmo
urbana.
Apesar de enfraquecido, com a prisão e/ou morte de seus líderes, esse “proletariado
virtual”, amparado pela Santa Madre Igreja, voltou a se organizar. Tal sua importância que
uma das vertentes interpretativas da iniciativa da transição brasileira à democracia seria a de
que a questão social, no final da década de 1970, tornara o Brasil uma panela de pressão
prestes a explodir.
194
O próximo tópico discorre sobre a ação de novos (e antigos) sujeitos que, segundo Álvaro
Moisés (1983, p.73), teriam “atingido a arena potica geral de forma pouco palatável para o
regime”.
4.3 De Marxistas a Cristãos: uma via de mão dupla
A contestação inicial ao regime foi feita pela intelligentsia radicalizada do movimento
estudantil
103
, o primeiro a se reestruturar no pós-1964 e que se tornou locus de recrutamento
das organizações de esquerda. Para Bresser Pereira (1979, p.83-84), “a revolução potica
radical de nosso tempo é a [...] dos estudantes e dos intelectuais não comprometidos [...] não
são mais os operários, como pretendia Marx no século passado, a classe revolucionária”. O
destinatário de sua crítica negativa era a sociedade industrial tecnoburocrática.
Essa experiência demonstrou a homologia de posição entre os operários (dominados) e os
intelectuais (dominados entre os dominantes), que desviaram a esses parte do seu capital
cultural acumulado, permitindo-lhes “os meios de constituírem objetivamente a sua visão do
mundo e a representação dos seus interesses numa teoria explícita e em instrumentos de
representação institucionalizados organizações sindicais, partidos, tecnologias sociais de.
mobilização e de manifestação, etc.” (BOURDIEU, 1989, p.153-154).
O “vanguardismo do movimento estudantil não se fez sem tensões. Gabeira (1979, p.60)
coloca o dilema do momento: “se a teoria afirma que a revolução seria conduzida pelos
trabalhadores, como pode a prática (o movimento das camadas médias) avançar?” A partir
dessa perspectiva, esse movimento teria necessariamente que refluir à espera de que “os
setores mais conseqüentes” tomassem a frente da cena, já que os estudantes se rebelam e se
esgotam; os operários vêm no refluxo da luta estudantil e reconduzem todo o movimento de
massas a partir do novo alento que lhe vão conferir”. Para essas esquerdas, o operariado era o
hei romântico da epopéia revolucionária.
Trata-se de uma visão (“incendiário aos 20, bombeiro aos 40”) partilhada com os
segmentos mais conservadores da sociedade
104
e de uma hipótese que inúmeros militantes da
103
No interregno 1935-1965, o número de universitários, no Brasil, saltara de 27.501 a 155.781.
104
Lula da Silva (2002, p.1) partilha da mesma opinião: “O auge da vida dele começa aos 20 e termina aos 30.
Nessa idade, todos somos mais impetuosos. [...] Temos mais pressa. Mas vai chegando um tempo em que a gente
195
“nova esquerda” não tiveram a oportunidade de provar. Também Guarany (1984, p.30)
afirmaria: Todos éramos de classe média. Qual o operário que teria a loucura-lucidez de se
meter naquilo?”
105
Se a velha esquerda imobilista, hegemonizada pelo PCB, fora
culpabilizada pela derrocada de 1964, a hiperatividade voluntarista da “nova esquerda” seria
condenada por lançar os “gorilas” da repressão contra os operários, adiando sine die a
revolução brasileira”. Para Ridente (1993, p.276), a bancarrota do conflito armado (1966-
1974) representou o fim de “um projeto de revolução, de transformação da sociedade
brasileira pela ação de grupos de ‘vanguarda’, que não puderam representar politicamente a
classe trabalhadora”.
A práxis estudantil, mesmo quando se radicalizou, foi apontada como produto
‘revolucionário’ da frustração das aspirações da classe média”, que realizou a polarização
‘revolucionária’ da consciência pequeno-burguesa”, afirmaria Foracchi (1966, p.11). Para
essa analista, a classe média brasileira não possuía, nos idos de 1960, “condições de tomar
como classe provincias que afetem a estruturação dos processos econômicos, mas alimenta
tal ilusão , em grande medida por interdio do mito da ascensão pela educação”. Dessa
sorte, a ação estudantil ilustraria “uma modalidade radical de consciência dos obstáculos
criados para o prosseguimento da trajetória de ascensão”.
Fato é que alguns “revolucionários” levaram às últimas conseqüências a tentativa de
incorporação ao proletariado. Assim, observa-se o trabalho da AP, anterior ao golpe, junto aos
sindicatos rurais, vistos como canalizadores de transformações revolucionárias no campo, e
seu processo de proletarização, relatado por Aldo Arantes e Haroldo Lima (1984).
Aplicada intensivamente no segundo semestre de 1968 e em 1969, declinando em meados
de 1970, a experiência de integração na produção teria deixado saldo positivo, por “consolidar
e ampliar importantes trabalhos populares da AP e inaugurar novas frentes em áreas
trabalhadoras, contribuindo para que muitos quadros e militantes tivessem um contato mais
direto com as massas” (ARANTES; LIMA, 1984, p.119), ao mesmo tempo em que
colaborava com a salvaguarda de seus militantes. Escondidos da polícia por um cerco de
vai percebendo que a história não se adapta ao nosso tempo de vida. A gente é que tem que se adaptar à história.
[...] A história é um processo”.
105
Apesar da hegemonia da intelligentsia na “nova esquerda”, a ALN (herdeira do (des)trabalho do PCB no
movimento sindical em São Paulo) teve 68 “trabalhadores manuais urbanos(14,8%) dentre os processados da
organização, número que se elevaria a 168 (36,6%), computando-se também os “autônomos”, “empregadose
“técnicos médios” (RIDENTI, 1993).
196
operários, os militantes da APML
106
sobreviveram à caça às bruxas comunistas, daí sua rápida
reconstrução entre 1976 e 1977
107
.
A história da AP/APML, nascida da JUC em 1962, exemplifica a aproximação de setores
católicos do marxismo. Novaes (1997) destaca que Julião, o advogado das Ligas Camponesas,
se declarava marxista-cristão, termo incorporado, posteriormente, por muitos militantes
oriundos das CEBs.
Malgrado essa uni/diversidade, na hierarquia da Igreja Católica, reinava o medo do
comunismo. A ameaça vermelha (e o ateísmo que a fortiori a acompanharia) levou os setores
conservadores dessa Igreja a apoiarem a “Revolução de 1964”. Se a CNBB foi criada em
1952 por Dom lder Câmara (“elemento progressista”, considerado “a voz dos que não têm
voz”), em meados da década seguinte, a Conferência era hegemonizada pelos setores mais
conservadores.
Isso não impediria que, em agosto de 1968, o padre operário Pierre Wauthier fosse
expulso do Brasil, por envolvimento na greve de Osasco, o que teria “obrigado” a CNBB a
responder ao arbítrio na linguagem dos direitos humanos
108
: “Por vezes o dever de colaborar
pode assumir a forma da denúncia franca e leal contra a violação dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais”, afirmaria a Igreja (apud PIERUCCI, 1996, p.253).
A partir do endurecimentodo regime, com o advento do AI-5, um acordo tácito entre os
bispos arrefecia a polarização política, culminando em uma maior no período 1974-1982, “em
grande parte em fuão da decrescente influência da direita católica, maior moderação nos
documentos progressistas
109
e um grande esforço da parte dos progressistas para trabalhar
dentro da instituição” (MAINWARING, 1989, p.191).
106
Após sua conversão ao maoísmo, a AP, nascida do cristianismo católico, adotou essa sigla. Vale lembrar que,
em 1973, a maioria dessa organização integrou-se ao PCdoB.
107
A partir desse momento, a APML retoma a atuação no movimento estudantil, ganhando a hegemonia na
Refazendo, tendência estudantil majoritária em São Paulo, Bahia e Minas Gerais e participando, ativamente, nos
movimentos populares de saúde (os conselhos populares de saúde), feministas (publicando o jornal Brasil
Mulher e realizando os Congressos da Mulher Paulista) e ações pela anistia, em São Paulo.
108
O padre francês, que rezava missa em fábricas de Osasco, recusou-se a persuadir os trabalhadores a
desistirem da greve e foi levado por executivos da companhia à polícia sob a mira de arma. Também na greve da
Contagem, três padres e um diácono associados à JOC foram torturados em Belo Horizonte, acusados de
subversão e mantidos na prisão até fevereiro de 1969.
109
De seu lado, a Igreja atendia ao apelo de Golbery à oposição: “retenham seus radicais e nós reteremos os
nossos” (ARTURI, 1999, p.285).
197
Assumindo a “denúncia franca e leal”, os bispos progressistas, aliando-se a agentes
pastorais de base, engajaram-se na renovação da Igreja, a partir da “opção preferencial pelos
pobres”, sacralizada no CELAM de Puebla (1979). A Igreja popular dos anos 1970, que teve
como as CEBs ícones e mobilizou milhões de pobres, ancorou-se em uma instituição forte,
com quase 250 bispos. Desde o início dos anos 1970, setores da PO, CPT e CEBs passaram a
fornecer locais para reunião, todo tipo de infra-estrutura, recursos e quadros (leigos e padres
militantes) ao movimento sindical e “popular”.
As CEBs definiam-se em torno dos três termos: a comunidade, como aglomerado de
pessoas, cujos laços de solidariedade tinham um rebatimento territorial (seus membros são
avant tout vizinhos); do eclesial, de ecclesia (assembléia, igreja), portanto, congregação de
fiéis; da base, não por sua identificação com os pobres e oprimidos, mas por apresentarem as
características de assembléia estável de fiéis, que formariam a Igreja local
110
.
As CEBs revitalizaram os movimentos sociais
111
, organizando, nos bairros mais pobres,
clubes de mães, associações de moradores, movimentos negros e reivindicatórios de moradia,
oposições sindicais e dando “impulso” ao ruidoso MCV. D. Paulo Arns, à frente da
Arquidiocese de São Paulo, informa Monsenhor Sérgio Conrado (1989, p.24-25),
desencadeou a Operação Periferia, que tinha por objetivos:
Criar entre os agentes de pastoral um espírito missionário, de ida em
busca do povo.
Criar e coordenar recursos humanos e materiais em todos os setores.
Descobrir e treinar lideranças locais e animadores de comunidades que
ajudassem o povo, através da organização, a ser “sujeito de sua libertação”.
Ophelia Nascimento Alves, mãe de quatro filhos e esposa de um mecânico, questionada
pelo jornal O Movimento (1978) sobre como iniciou sua participação no MCV de São Paulo,
responde:
Eu comecei no planejamento dos clubes de mães, em 1974, de onde surgiu a idéia
do MCV. Num primeiro momento eu recusei porque achei que ia lutar contra as
autoridades. Mas teve um padre que me ajudou a esclarecer mais as idéias e me
mostrou que se eu aceitasse, iria lutar contra a alta do custo de vida e não contra as
110
Cf. Reginaldo Prandi e André de Souza (1996).
111
Movimentos sociais são “ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas
formas da população se organizar e expressar suas demandas” (GOHN, 2003, p.13).
198
autoridades. Então eu aceitei e em 1974, demos início à pesquisa nos bairros e
verificamos quanto se ganhava e quanto se gastava [...] Mudou muito. Mudou
porque a gente aprendeu muito, se conscientizou, a gente sabe o que quer. Mudou
tanto a minha vida quanto a vida da minha família. A gente está sempre preocupada
em ouvir mais notícias, sempre ligada com os problemas do país, com as notícias
da economia. Hoje a gente discute política aqui em casa, principalmente na hora do
jornal. Agora, como é época de eleição, fica todo mundo preocupado em quem votar
quem melhor vai representar.
O depoimento acima corrobora a tese de que tais movimentos não seriam a rigor
espontâneos, como defende boa parte da literatura sobre a temática, mas frutos de um
processo de educação popular, que teve na Igreja Católica a grande escola
112
. Löwy (2000,
p.254), afirmando que a Teologia da Libertação foi, ao um tempo, reflexo de uma práxis
anterior e uma reflexão sobre essa práxis, ressalta que a JUC foi o centro dessa prática, mais
tarde, assumida pelas CEBs. O jesuíta peruano Gustavo Gutiérrez, considerado o “pai” dessa
corrente teológica, igualmente, atesta que foi na JUC que ela começou a ser gestada por
intermédio de uma prática potica. Mas foi a JOC que desenvolveu a noção cara à Igreja
popular do valor humano fundamental e conjugou a visão religiosa com a potica e a
economia.
Como vimos e ratifica Maria da Glória Gohn (1991, p.25-26) os “novos movimentos
sociais” eram, sobretudo, aqueles inspirados pela Teologia da Libertação, cujocerne da
diferenciação eram práticas sociais e um estilo de organizar a comunidade local de uma
maneira totalmente distinta”
113
.
A relação (subordinada) da Igreja Católica com o governo Geisel é retratada na
solicitação, encaminhada por dom Eugênio Sales, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, em
setembro de 1975, ao ministro da Justiça, Armando Falcão, de permissão para convocar
militares para os encontros que começara a promover com empresários e poticos para
discutir “problemas gerais do Brasil” (D’ARAÚJO, 2002, p.31).
112
Se uma prevalência de movimentos “disciplinados” pela Igreja, não se pode negar que alguns outros se
configurariam comoespontâneos”, como os quebra-quebras contra os precários serviços ferroviários das
periferias de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir de 1974. A cultura da ação direta elegia, assim, como
instrumentos de combate às carências e injustiças, a violência, contestatória e transgressora.
113
Esse “novo estilo de organização” influenciaria “uma parte significativa da esquerda, o PT, o sindicalismo
novo e muitas ligas camponeses, sindicatos e associações de bairros” (MAINWARING, 1989, p.251). Também
para wy (2000, p.435), “graças ao cristianismo da libertão, idéias, temas e valores do marxismo claro, de
forma seletiva e reformulados em termos político-religiosos foram assimilados por amplos setores populares
no Brasil – que se encontram não só nas CEBs, mas também no PT, na CUT e no MST”.
199
A ambigüidade da Igreja se expressava, igualmente, em sua participação na Bipartite. Esse
fórum, mais ou menos secreto, reuniu-se no período de novembro de 1970 a agosto de 1974,
permitindo ao regime passar uma imagem de diálogo entre os líderes da Igreja e do Estado
autoritário enquanto se ordenava a repressão sobre as bases. Esses encontros tiveram por
mentor Tarcísio Padilha, professor da ESG, e tinham por componentes os generais Muricy e
Adolpho João de Paula Couto (chefe da seção de guerra psicológica), e o coronel Omar
Diógenes de Carvalho (diretor do SNI na Guanabara), além do próprio Padilha. Do lado
católico, encontravam-se Cândido Mendes, der da Comissão Justiça e Paz; o jesuíta
Fernando Bastos, presidente do IBRADES; D. Vicente Scherer, cardeal de Porto Alegre; D.
Vicente, presidente interino da CNBB; seu sucessor D. Aloísio e seu primo D. Ivo Lorscheiter
e, eventualmente, D. Paulo Arns e D. Eugênio Sales (AMARAL, 2006).
Apenas quando o regime fecha os canais de diálogo, é que a Igreja avança, tornando-se,
efetivamente (no ponto de vista institucional, sobretudo), uma força de oposição ao regime
autoritário. Assim, como aponta Eder Sader (1988), emerge e ganha visibilidade pública um
sujeito coletivo, a partir da convergência de pequenos movimentos independentes e
autônomos, que desdobraram as questões postas pelo cotidiano (os clubes de mães da
periferia sul de São Paulo; as comissões de saúde da periferia leste; MOMSP, o “novo
sindicalismo” do ABC na década de 1970, dentre outros).
As transformações que se operavam no seio do Estado, nesse ínterim, tornaram-no alvo de
reivindicações populares, de várias ordens e matizes. Tais reivindicações adquiriram uma
dimensão potica antes inexistente, constituindo-se, para Kowarick (1983), na base material a
partir da qual se forje um projeto de luta que alimente os movimentos populares, alimentando
a dualidade de poder. 11 anos depois, em um trabalho conjunto com Nabil Bonduki, esse
autor reafirmaria:
[...] na medida em que os movimentos sociais, lenta e fragmentariamente, se
reorganizavam, e em que ocorreram eleições para os postos legislativos em 1974 e
1978, o regime instituído nãode mais tratar as iniqüidades sociais mediante
práticas puramente repressivas. [...] Assim, enquanto os movimentos operários-
sindicais eram mantidos sob rígido controle, pelas razões antes referidas, politizou-
se a questão urbana
114
, pois ela tornou-se um peso ponderável na balança da
deslegitimação do regime (KOWARIC; BONDUKI, 1994, p.149).
114
Grifo dos autores.
200
Nesse processo de mediação entre a realidade e sua politização, assume um novo peso a
fé. Na Teologia da Libertação, a fé religiosa constituía-se em apoio a um trabalho popular,
que, partindo da realidade, realizava uma leitura do evangelho com cunho potico, por
intermédio da prática do ver, julgar e agir. Essa teologia, à semelhança do pensamento
marxista, apresenta-se como uma teoria da práxis, que, segundo o teólogo Leonardo Boff
(1986), representaria três mediações:
A mediação sócio-analítica, que buscaria compreender o processo da
opressão sócio-econômica.
A mediação hermenêutica, que procuraria compreender Deus e sua
relação com o pobre.
A mediação prática que buscaria compreender as outras mediações que
poderiam superar a opressão.
Essa ação pedagógica levou, no fim da década de 1970, à emergência de uma nova
configuração de classe, pelos lugares onde se constituíam como sujeitos coletivos; pela
linguagem, temas e valores; pelas características das ações sociais em que se moviam, com o
aparecimento de um novo tipo de expressão dos trabalhadores, contrastante com o libertário
das primeiras décadas do século XX, ou com o populista do pós 1945 (SADER, 1988).
As diferentes mobilizações coletivas não estão interligadas por terem uma mesma
natureza ou mesmas características, mas sim porque podem estabelecer um espaço comum
numa rede de operações com sentido potico em que são engendradas e, portanto,
referenciadas, à mesma sociedade autoritária e excludente. Ilse Scherer-Warren (1993, p.115)
considera tais movimentos como condutas defensivas frente ao regime:
A década de 70 e início da década de 80 viveram um período histórico, nunca antes
observado, de constituição de identidades coletivas. Estas identidades foram
construídas em torno de significados múltiplos: carências comuns, defesa
comuniria ou cultural (religiosa, de gênero, étnica, ambiental, de direitos humanos
etc). No Brasil, as noções de movimento popular ou social passaram a ser
comumente utilizadas para denominar as ações coletivas desenvolvidas por
organizações “populares” localizadas e específicas, com alcance limitado de sua
ação política (por exemplo, associações de bairro, movimentos de mulheres,
organizações de defesa ambiental etc). Estas organizações que proliferam da década
de 70 aos meados da década de 80 tiveram sua relevância política durante o regime
autoritário, pois eram o espaço de expressão política possível para novos atores
sociais. Questões do cotidiano transformam-se em demandas políticas e em
instrumentos de defesa dos direitos de cidadania ou de contestação do autoritarismo.
201
De acordo com Ana Maria Doimo (1995, p.75), todavia, esses movimentos eram bem
mais que isso:
Nunca como neste período as idéias de povo e de participação popular ganharam
tanta significação positiva no pensamento sociológico de esquerda. [...] finalmente
se descobria que somente o povo poderia, de baixo para cima”, produzir as
necessárias transformações históricas
115
.
Alain Touraine (1989, p.280), uma das principais influências das pesquisas brasileiras
sobre movimentos sociais, elabora uma incisiva crítica a análises, como a anterior, que
apontam uma perspectiva revolucionária aos movimentos sociais do período, afirmando que
esses não passaram de clientela potica de determinados grupos, não chegando, mesmo, a
constituir um movimento político; no limite, tratava-se de “movimentos infra ou
parapolíticos”, cuja existência demonstrava os limites ou as crises do sistema potico”, não
significando “a presença de atores coletivos desejosos e capazes de r em causa a
organização social”.
Efetivamente, em meados da década de 1970, o Brasil, finalmente, parecia ter alcançado a
pacificação nacional”, com a supressão dos grupos armados e o silenciamento dos partidos e
sindicatos
116
. Assim, foi em um cenário de calmaria, “novos personagens entra(ra)m em
cena”. A idéia de que, quase num átimo, levaram o Brasil ao descontrole social” não
encontra respaldo na ampla adesão da oposição ao projeto “distensionista”
117
e no
envolvimento dos movimentos sociais com as eleições para os postos legislativos em 1974 e
1978.
As eleições de 1974 haviam mostrado que o povo o se deixava enganar pela
política de “distensão”. A expectativa arenista de capitalizar eleitoralmente, em
1978, os benefícios da propalada “redemocratização” de Geisel não se materializou,
apesar da máquina de propaganda ditatorial, da corrupção desenfreada, das pressões
de toda ordem, das intimidações e do emprego, em muitos casos, dos órgãos de
repressão. Nem mesmo a “Lei Falcão” - que restringiu o uso do rádio e da TV na
campanha eleitoral - impediu a expressão do descontentamento popular. O povo
impôs nova derrota à ditadura, mostrando que os resultados das eleições de 1974 e
1976 nada tiveram de fortuito. Nas regiões de maior densidade populacional e de
115
Grifos nossos.
116
Enquanto a violência indiscriminada, desencadeada pelas ditaduras argentina e chilena, engendrou grandes
movimentos populares antiditatoriais, no Brasil, a eliminação seletiva de lideranças, o apenas impediu esse
desdobramento, como apagou a “esquerda revolucionária” da história política brasileira.
117
A magnitude desse apoio é exemplificada na ação política do PCB, que, mesmo condenado à pena de morte
por Geisel (cf. cap. 6 deste trabalho), continuou a prestar solidariedade a esse projeto.
202
mais leve das taxas de urbanização e de concentração do proletariado, a Arena foi
fragorosamente derrotada e a classe operária demonstrou outra vez ser a força que
mais firmemente se oe à ditadura (CORRÊA 1980, p.231-232 passim).
A intelectualidade, que assumira um caráter politicamente relevante na cada anterior,
referendara a visão “mitológica” da résistence. Destarte, ao longo da década de 1980, tais
intelectuais forjaram uma verdadeira corrente do pensamento social brasileiro, que tinha por
objeto de estudo os heróicos “novos movimentos sociais”. Sendo eles parte constitutiva da
conjuntura incandescente do período, nossos escribas representavam a si mesmos (e ao povo a
que assessoravam) como um novo sujeito histórico.
Nessa vertente, as iias de povo e de participação foram reificadas. É sabido que as
formas e os canais de participação sofrem variações segundo o contexto histórico. Entretanto,
no Brasil, para Avelar (2004), a participação emergiu apenas nos 1970, quando as
organizações sindicais (dos setores de industrialização recente) alcançaram densidade potica,
a Igreja Católica progressista articulou-se em CEBs e movimentos sociais, como o de
mulheres, que agregaram força corporativa para a potica da não elite.
Os movimentos sociais foram um dos elementos da transição política ocorrida entre
1978 e 1985. Eles expressaram tendências profundas na sociedade que assinalaram a
perda de sustentação do sistema político instituído. [...] Através de suas formas de
organização e de luta, eles alargaram as fronteiras da política. Neles apontava-se a
autonomia dos sujeitos coletivos que buscavam o controle de suas condições de vida
contra as instituições de poder estabelecidas (SADER, 1988, p.313-315 passim).
Tal perspectiva teórico-prática obnubila o fato de que, ao cobrar direitos (reais ou
imaginados), é a maior presença do Leviatã (único detentor do direito de instituir direitos) que
se cobra e não sua superação dialética. Não se perde aqui de vista que alguns movimentos,
como os conselhos populares de saúde da zona leste, que “se viam” como sovietes, tinham
esse horizonte. Essa, todavia, não era a regra, como bem mostraram os eventos posteriores à
volta aos quartéis de nossos generais-presidentes e seus acólitos e que representaram o
silenciamento por asfixia (ou cooptação) desses movimentos e o silêncio conivente da
intelligentsia que procurou outros objetos de pesquisa e assistência voluntária. Como
salientara Arturi (1999, p.235), os intelectuais brasileiros tornaram-se, na segunda metade
dos anos 1970, um dos agentes poticos mais importantes” e teriam papel relevante na longa
jornada à terra prometida da democracia.
203
Mesmo que fruto de uma mesma árvore
118
, de todos os movimentos sociais do período,
um teria mantido uma trajetória ascendente no período de liberalização potica: o “novo
sindicalismo”.
118
No documenrio “Entreatos” de João Salles, Lula da Silva afirmara: “Eu sou fruto da Teologia da
Libertação”.
204
5. AS NOVAS AVENTURAS DE UM HERÓI EM CRISE
Em meados da década de 1970, na sociedade s-industrial dos países centrais, o
movimento operário já perdera sua posição de agente da luta de classes, força motriz da
hisria. Nesse momento os sindicatos operários tinham adquirido um status potico próprio,
agindo como organizações “quase-independentes” dos seus constituintes e mais voltadas para
a maximização do seu próprio poder potico do que para os objetivos potico-ideológicos de
classe.
Assim, a instância sindical constituía órgãos limitados que regulavam e entravavam as
lutas da classe trabalhadora por seu compromisso com a democracia dos vencedores. A
melhoria econômica dos trabalhadores europeus, as mudanças das condições de trabalho nos
setores industriais de ponta refletiriam na convergência programática dos partidos poticos e
a subseqüente integração cultural e política da classe trabalhadora ao capitalismo.
Outras seriam as condições da classe trabalhadora na sociedade brasileira, obrigada a arcar
com o ônus do “milagre”, condições que funcionaram como estopim de um poderoso
movimento de massas, que ganha corpo nas greves “heróicas” de 1978-1980 e que
conformaram um “novo sindicalismo”, consubstanciado na CUT e no PT. O presente capítulo
volta-se para esse movimento que se consolida
119
na transição democrática e que terá papel
relevante nos rumos daquele outro movimento, o da retirada estratégica dos generais a seus
QGs.
119
Vale lembrar que um movimento se consolida quando se petrifica na institucionalização e, quando isso
ocorre, o mais existe como movimento.
205
5.1 O Big bang
Como acontecera com o Congresso e os partidos, também os sindicatos foram poupados
da derradeira morte pelo regime autoritário
120
, que os mantivera sob estrito controle, muitas
vezes pela presença dos interventores, que representavam a inserção pedagógica do MTb em
favor da “obediência civil”.
À revelia desse controle, a continuidade dos sindicatos, com os recursos materiais e
simbólicos que aportavam, facultara a emergência de uma nova força: o “novo sindicalismo”,
que teve como nascedouro a experiência de São Bernardo. As greves dos metalúrgicos que
ocorreram, no ABCD paulista, entre 1978-1980, na visão de seus panegiristas, reinauguraram
o movimento sindical brasileiro. A década de trevas, que se sucedera às greves de Osasco e
Contagem, fora superada por uma nova claridade.
A racionalidade tecnoburocrática, ao fim da década de 1970, era amplamente hegemônica.
Tratava-se de congelar a vida em um eterno presente, apagando o passado de pequenez, em
nome da grandiosidade do Estado brasileiro e do desenvolvimento. Acompanhando essa
presentificação da vida social, parte expressiva da vultosa literatura sobre o “novo
sindicalismo” perdia de vista a reconstrução permanente dos movimentos dos trabalhadores:
nada à frente, nada atrás
121
.
Entretanto, o movimento operário alterna momentos de ascenso e refluxo, sem que isso
implique um término das lutas, de modo que a ação do “novo sindicalismo” se tornou
possível graças às microlutas, impulsionadas pelas oposições sindicais e comitês de fábrica
clandestinos, no interregno 1968-1978.
As oposições sindicais, com o MOMSP (que começara a se formar em 1967) à frente,
identificaram, mais rapidamente que outros setores operários, os limites impostos, quer pelo
sindicato corporativista, quer pelas cúpulas pelegas, à mobilização, politização e luta da classe
operária. Assim, elas passaram a combinar uma participação contestatória, nas instâncias
legais (assembléias, eleições sindicais) com um trabalho subterrâneo nas fábricas, assumindo
120
Bem ao contrário, o regime configurou-se como uma verdadeira “máquina de fazer sindicatos”, como
veremos no capítulo 7 deste trabalho.
121
Esquecia-se a trilha de ossos que a antecedera e que registrara mortes, como a de Olavo Hansen, do PORT,
aos 28 anos, sob tortura em 1971, por distribuir panfletos no 1º de maio. Como vimos, os trotskistas, como os do
PORT, recusaram-se à luta armada, o que não inibiu a ação preventiva do regime, que, em 1966, lhe impingiria
63 prisões.
206
como eixo a construção uma ampla rede de OLTs, instrumento determinante para o processo
de lutas posteriores e alicerce para a transformação do aparato sindical pelas bases
122
.
A história (e a geopotica que a acompanha, à medida que a primeira não existe fora do
espaço, que, pela ação de forças “poderosas”, torna-se território de muitos ou mantém-se
território de alguns) não ficou congelada no limiar das grandes greves de 1978. Assim, por
meio de documentos clandestinos, somos informados das greves dos metalúrgicos, químicos e
trabalhadores da construção civil do estado de São Paulo, no primeiro semestre de 1971, com
o fito de exigir o imediato pagamento dos salários atrasados. Essas paralisações teriam
duração de algumas horas (nas indústrias Goiana, Tamo, Marbraz e Tecnofim), até dois dias
(na indústria Conspedra), mas teriam obtido resultados concretos.
Por intermédio do jornal Venceremos, órgão de divulgação da ALN (n. 2, maio 1971, p.3),
observamos, no dia 10 de março daquele ano, “um comando guerrilheiro composto de
combatentes do MRT e da ALN” ocupar militarmente a Aços Villares S/A
123
, em “mais uma
expropriação de dinheiro, destinado à compra de armas e munições para a luta de libertação
nacional”. Os guerrilheiros picharam as paredes da fábrica com um “abaixo os patrões,
armemo-nos e lutemos” e teriam constatado uma “reação favorável dos operários”, ratificando
sua posição de que a luta dos operários “pelas liberdades de reunião, de discussão e de greve”
alcançaria resultados “se lutarmos de armas na mão”.
Lula da Silva (1981, p.120) informa que foram “praticadas muitas greves poticas no
Brasile que “temos fatos históricos mostrando que algumas empresas nos anos de 72 e 73
tinham intenção de que os trabalhadores fizessem greves, chegavam até a organizar
determinadas greves”.
Para Jo Álvaro Mois (1979, p.12), alguns pontos levantados, desde 1972-1973,
marcariam a trajetória dos dirigentes dos metalúrgicos de São Bernardo, como:
a) reconocimiento y constitución de una Comisión Paritaria, integrada por
representantes de empleados y empleadores, en las empresas con más de 1.000
122
Aqui, também, se apresenta uma geopolítica de libertação.
123
É posvel que Lula da Silva tenha presenciado tal ação, já que só ano seguinte (1972) assumiria um cargo de
diretor no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que lhe afastaria do trabalho fabril
da Villares, grupo empresarial que jogará um papel decisivo na organização do patronato durante o governo
Geisel, como veremos no capítulo 6. Interessa-nos também apontar que o operário Devanir José de Carvalho,
dirigente do MRT, atuaria, igualmente, nesse sindicato e seguiria o companheiro Lula da Silva na constituição do
PT. Como afirmamos, vários ex-membros das organizações militaristas, saindo dos porões das Bastilhas,
deram continuidade à luta contra o regime, aderindo às lutas de base, capitaneada pela igreja dos pobres.
207
trabajadores, para deliberar sobre litigios nacidos en contrato individual de trabajo y
sobre normas disciplinarias internas; b) reconocimiento de la figura de delegados
sindicales, como garantía de empleo; c) colocación de un mural para comunicados
del sindicato, con plena libertad para exponer comunicados de la entidad en las
varias dependencias de la empresa y en la cantidad necesaria.
Esse mesmo autor informa que, em de maio de 1973, a Federação dos Metalúrgicos de
São Paulo encaminhou um memorial ao presidente Médici, reivindicando acordos e
convenções coletivas de trabalho; reajuste salarial por categorias profissionais, considerando a
taxa de produtividade do setor e a fixação de uma taxa única nacional de produtividade para
as empresas que o chegassem a certo limite do setor. A mesma Federação apresentaria ao
governo Geisel, no primeiro semestre de 1977, pedido de revogação da potica salarial; a
criação de um fundo de desemprego; a liberdade e a autonomia sindicais e a participação dos
sindicatos nas decisões governamentais que se atenham aos trabalhadores.
Marini (1986) informa-nos sobre a luta dos operários qualificados da Volkswagen contra
as horas extras, em 1973, a que se seguiram, nesse ano e no seguinte, diversos protestos,
paralisações e operações-tartaruga, que, iniciando-se no ramo metalúrgico paulista, estendeu-
se a outros ramos e regiões, o que a priori confirmaria a tese elaborada pela teoria da “nova
classe operária”, segundo a qual a centralidade econômica dos setores industriais modernos no
capitalismo oligopólico provocaria efeitos multiplicadores em todos os outros setores
econômicos, generalizando as demandas desses setores transformando-as em pressão potica
pelo controle do trabalhador sobre a produção
124
.
No fim de 1973, acontecem as primeiras greves-tartaruga e as exploes de cólera popular
(com destruição de trens, de ônibus). Mois (1979) informa que, mesmo sob severa censura,
a imprensa brasileira começara a noticiar greves localizadas (Villares, Wolksvagen, General
Motors e Ford), paralisações de seções e operações tartaruga (Metalúrgica Matarazzo e Saad),
protestos contra as condões de trabajo e as ameaças de desemprego (Stork, Inox e De
Nigris).
Em 1973, na metalúrgica Villares, uma paralisação resultou em uma vitória importante:
10% de aumento salarial, revisão das categorias salariais, extinção do desconto de transporte e
garantia de não elevação dos preços da alimentação servida na empresa. O exemplo não é o
124
George Lukács (1989) afirma o percurso de conscientização de classe não é linear e tampouco progressivo,
existindo um momento de “salto”, processo de base econômica, que se desdobra em toda a vida social, cujo
caráter revolucionário integra o lento processo de transformação da sociedade, de forma que a infra-estrutura
econômica é determinante dos valores culturais e jurídicos da sociedade, ao mesmo tempo em que determinada
por eles.
208
único: entre 1973 e 1974, várias empresas modernas da Grande São Paulo, do Grande Rio e,
em menor escala, em outros estados, foram forçadas a conceder antecipações salariais, de até
seis meses, face à pressão dos trabalhadores.
Segundo Marini (1986), com o advento do governo Geisel, a ação operária pôde passar ao
terreno da reivindicação salarial aberta com ações de início quase espontâneas, mediante a
articulação incipiente de órgãos de base clandestinos, depois com os sindicatos sendo
empurrados pelas bases a se moverem à luz do dia, sob os olhos oblíquos e dissimulados” do
regime.
Integrando esta nova postura, ressurge a idéia da negociação no local de trabalho, efetuada
através de Comissões de Fábrica. No ano de 1976, já funcionava na Ford, ainda que de forma
clandestina, a Comissão de Fábrica. Antes de 1978, ocorriam pequenas paralisações em
algumas seções.
Estamos frente a un proceso de génesis de una nueva forma de acción de la clase
trabajadora sobre la cual es necesario detenerse. Assim, al contrario del silencio”,
todo indicaba que algunos sectores de la clase, aunque desorganizados en rminos
más amplios y, por lo tanto, involucrados en una práctica relativamente espontánea,
eran capaces de generar una movilización de base suficientemente eficaz para
mantener aquellas formas conflictivas al nivel de las empresas. De hecho, las
experiencias representadas por esta práctica de resistencia, permitieron al
movimiento de base acumular fuerzas y lograr alcanzar algún poder ante los
empresarios (MOISÉS, 1979, p.19).
Para a OSI
125
(1980, p.23), “a partir de abril de 1977, quando da intensificação das
mobilizações e da decisão da camarilha militar de impor seu ‘pacote de medidas’ e de fechar
temporariamente o Congresso, a situação política desembocou num período pré-
revolucionário”. Esse longo período de transição comportaria momentos diferentes e se
dirigiria “até a abertura de uma situação revolucionária”, o que representaria uma tendência e
o, “um processo linear, mecânico”.
Lula da Silva (1981, p.231-232) também afirma que 1977 foi um marco do sindicalismo
brasileiro, que, nessa década, vivenciava “um dos piores momentos” de sua hisria, nem
tanto “por causa do próprio regime militar implantado no país, mas também pela inoperância
do movimento sindical”. Para ele, o sindicalismo brasileiro se entregou ao assistencialismo,
125
A OSI daria origem à tendência petista OT. Essa corrente do trotskismo partiria de uma resistência inicial à
proposta de formação do PT, a uma total adesão a esse projeto, a ponto de parte da organização se diluir na
Articulação dos 113, a corrente majoritária no interior do partido.
209
ao favoritismo dos dirigentes sindicais, esquecendo-se de agir como órgão de representação,
de denúncia dos problemas que envolvem o trabalhador no dia-a-dia”. Em 1977, houve “a luta
pela reposição salarial de 34,1%”, que “surgiu muito mais pela necessidade de alguns
dirigentes sindicais participarem do descontentamento de toda a sociedade - tinham se
mobilizado naquela época intelectuais, estudantes, empresários, funcionários blicos - do
que por qualquer outra coisa”
126
.
Se é questionável que a história da classe trabalhadora tenha comado no ABC, como faz
crer a hagiologia do “novo sindicalismo”, não se pode negar sua importância. As greves de
1978 foram o primeiro ascenso de lutas verdadeiramente nacionais, com um milhão de
trabalhadores em greve em 1978; 2,5 milhões, em 1979 e 750 mil, em 1980. Nesse momento,
o operariado representava 28,6 milhões de assalariados, numa PEA de 42,8 miles.
O movimento grevista iniciado em 1978 em São Paulo deixou traços profundos no
cenário político brasileiro. A retomada da iniciativa dos trabalhadores no final da
década de 70, depois de 14 anos sufocados pelo autoritarismo militar, significou a
entrada na cena pública de amplas camadas das classes trabalhadoras que desde
1964 não conseguiam se fazer ouvir na sociedade brasileira (RODRIGUES, 1999,
p.75).
Para Marini (1986), esse grande movimento grevista s em cena uma classe operária
lúcida, disciplinada e combativa, que, em um contexto que favorecia a demissão dos grevistas
pelos pates
127
e que dificultava a ocupação das bricas, os operários não abandonaram o
trabalho, permanecendo com os braços cruzados junto às máquinas imóveis, em uma
ocupação de fato.
Como vimos, fora a denúncia de Simonsen de que os índices de inflação, em 1973 e 1974,
teriam sido manipulados por Delfim Netto, penalizando os trabalhadores em 34,1%, que
levara o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, presidido por Lula da Silva, a
desencadear uma campanha pela reposição salarial. Ainda que essa campanha terminasse, tal
como as anteriores, homologando os índices oficiais, o sindicato, recusando a negociação
tutelada pela Justiça do Trabalho e abrindo mão de sua participação no dissídio, alcançara seu
objetivo: desmascarar todo o processo.
126
Como acontecera no primeiro momento de resistência ao regime, o “período pré-revolucionário”, aberto em
1977, também seria, nessa perspectiva, tributário dos setores médios, tendo à frente os intelectuais mais ou
menos “orgânicos”.
127
Favorecida pela rotatividade que se alimentava do enorme exército de reserva acondicionado no lado pobre
das ricas metrópoles nacionais.
210
O sindicato deixara claro o rombo efetuado pelo governo. Lula da Silva procurara
“mostrar ao trabalhador que pouco adiantava ele participar das assembléias do sindicato em
termos de salários” porque “o decreto do reajuste de salário é dado pelo Presidente da
República” e “a participação nas assembléias teria pouca inflncia na determinação do índice
decretado pelo governo” (CADERNOS DO PRESENTE, 1978, p.73).
Em fins de março de 1978, os trabalhadores da Mercedes-Benz haviam paralisado o
trabalho por não terem recebido o aumento costumeiro, o que resultou na demissão de 17
operários. Segundo Antunes (1988), até aquele momento, o padrão era o de que os conflitos
eram resolvidos no âmbito das fábricas, por intermédio de conversas e acordos tácitos. Depois
das demissões, porém, os gerentes não mais aceitaram conversas.
Em 12 de maio de 1978, os operários da Saab-Scania entraram normalmente para o
trabalho, marcaram seus cartões, vestiram seus uniformes e mantiveram-se de braços cruzados
diante das máquinas e na linha de montagem
128
, pegando sindicato de surpresa
129
. A greve
durou quatro dias, findos os quais a diretoria do sindicato arrancou um acordo informal da
direção da empresa, que, pressionada por outros setores da indústria automobilística, o o
cumpriu, trocando os 20% das reivindicações por 6,5%. Nova mobilização foi tentada, mas
o conseguiu se efetivar.
Mas as mobilizações por fábrica se alastravam pelo ABCD, Osasco e o Paulo. No dia
15 de maio, na hora do almoço, a Ford parou, primeiro na seção da usinagem, seguida pela
ferramentaria e estamparia e logo a seguir em toda a empresa
130
. No dia 16, foi a vez da
Volkswagen. Apesar do TRT/SP considerar as greves ilegais, isto foi o icio de uma onda
mobilizatória que envolveu 150 mil operários, alcançando empresas de diversos portes, com
variados tipos de greve e duração diversa.
Em maio de 1978, quando os metalúrgicos do ABCD decretaram greve, essas começaram
a pipocar de norte a sul do país. Instantaneamente, os trabalhadores entenderam que, isolados
por categoria, o teriam força suficiente para mudar o quadro de arrocho e miséria e se
128
Desde fins de 1977, essa empresa passara por tenes internas entre a direção e os operios que resultaram na
demissão de alguns operários, decisão “revertida” por ação na justiça, que acabou prevalecendo na prática.
129
Ricardo Antunes (1988, p.20) reproduz o depoimento de um militante operário que afiança que a greve
nasceu de uma decisão espontânea do pessoal do diurno da ferramentaria. O pessoal do noturno estava saindo,
quando o turno do dia entrou e não ligou as máquinas. Ninguém começou a trabalhar. Não se ouvia o menor
barulho na fábrica”.
130
Para a Comissão de Fábrica da Ford, essa greve “não foi uma coisa o solta no ar”, existindo todo um
trabalho prévio na fábrica.
211
movimentaram contra o regime autoritário. Ícone desse movimento: Lula da Silva, der dos
metalúrgicos do ABC.
Foto 4 - Lula da Silva, em assembléia dos metalúrgicos na Vila Euclides - 1978.
Fonte: Sader (1988).
A direção do movimento grevista se manteve nas mãos dos sindicatos que se haviam
fortalecido a partir da campanha pela reposição salarial, registrando-se, na indústria
automobilística, somente no ano de 1978, um crescimento nos efetivos sindicais da ordem de
20% na Chrysler; mais de 25%, na Ford; 16%, na Mercedes e mais de 10%, na Volkswagen.
Com esse referendum, os sindicatos passaram a contar com delegados, núcleos de ação e
comissões coordenadoras nas “bases”.
As orientações distribuídas aos metalúrgicos de João Monlevade-MG, participantes das
greves de 1978 e 1979, exemplificam o incremento do capital simbólico dos dirigentes
sindicais face às suas bases, facultado pelas paralisações então em curso:
Cada companheiro deve sair da Assembléia firmemente decidido a parar / Os
companheiros devem se dirigir ao trabalho, marcar o cartão de ponto, ocupar o posto
de trabalho ordeiramente e não trabalhar / Todos os dias, as o término da jornada
de trabalho, os companheiros dirigio ao Sindicato para discutir e receber
orientações da Diretoria do Sindicato / Quando aparecer uma proposta razoável,
motivando o retorno ao trabalho, ele somente deverá ser reiniciado com a ordem
verbal e pessoal do Presidente do Sindicato, ou seu substituto imediato (STIMME,
2007, p.1).
212
Nesse movimento de revitalização do ativismo sindical, os operários industriais
continuaram com a lideraa absoluta das mobilizações, realizando três quartas partes das
greves desse período (Tabela 23).
Tabela 23 - Greves – Brasil (1978)
Setor Número %
Trabalhadores industriais 104
75,9
Trabalhadores da construção civil 8
5,8
Trabalhadores de base em serviços 13
9,4
Assalariados de classe média (professores, médicos,
bancários etc)
8
5,8
Não assalariados (chôferes de táxi e caminhão) 4
2,9
Total 137
100
Fonte: Almeida (1983).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
As as greves dos braços cruzados de maio de 1978, as formas de luta foram se
radicalizando com a formação de piquetes e enfrentamentos com a pocia nas ruas.
O ano de 1978 foi fantástico, teve greve o ano inteiro. Todo dia parava uma fábrica,
toda semana parava outra fábrica. E nessa greve da Scania nós fomos enganados
porque fizemos um acordo com a Scania. Nós fomos para uma assembléia dentro da
Scania. Colocamos o acordo em votação, todos os trabalhadores aceitaram a
proposta e nós fomos homologar na DRT, em São Paulo. Quando nós chegamos na
delegacia, estava a Ford, a Mercedes e a Volkswagen [...] que disseram para o tal
Lunerdal da Scania: “Não tem acordo. Vo o pode manter esse acordo porque
nossas empresas não querem”. [...] E aí, ficou o Sindicato como traidor. fomos
recuperar o prestígio quinze dias depois quando a gente conseguiu fazer um acordo
para toda a categoria de 15%. E 20% para a Scania. Acho que foi um bom acordo
para aquele momento, o pessoal da Scania ficou satisfeito e esse acordo foi
estendido para todas as empresas automobilísticas de São Bernardo (LULA DA
SILVA, 2007, p.1).
213
Foto 5 - Piquete na greve de São Bernardo (1979).
Fonte: Acervo Iconographia - Pesquisa de Texto, Imagem e Som Ltda.
Ao mesmo tempo, surgiram organismos de frente única no movimento grevista, como as
comissões de fábrica, os comandos regionais e o CGG dos professores do estado de São
Paulo, que se chocaram contra a estrutura corporativista dos sindicatos oficiais e referendando
as “novas lideranças”.
Na visão da Igreja, “se as primeiras greves irrompidas dentro do regime militar não foram
afogadas em sangue, muito se deve à serenidade da nova oposição sindical, mas é inegável
que foi a franca adesão de Dom Paulo que desarmou a fúria brutal das forças repressivas”
(BICUDO, 1989, p.52).
As a greve de 1978, tornaram-se possíveis outras mobilizações, em um processo que se
consolidou, ampliando as greves de metalúrgicos em 1979 e 1980, às quais, em volume ainda
maior que na anterior, se incorporaram bancários, petroleiros, professores, dentre outras
categorias, em todo o país. Algumas greves demarcaram-se por sua radicalização. Exemplo
disso foi a greve dos operários da construção civil de Belo Horizonte, que, entre os dias 30 de
julho e 03 de agosto de 1979, cruzaram os braços e que, no correr da semana grevista,
entraram em conflitos com a PMMG, que resultaram na morte do operário Orocílio Martins
Gonçalves, com um tiro dos policiais.
Hércules Corrêa (1980) informa que, entre maio de 1978 e maio de 1979, cerca de 1.300
mil trabalhadores fizeram greve, dos quais cerca de 800 mil eram operários e 500 mil,
pertencentes às camadas médias urbanas. Dentre os operários, 670 mil eram de São Paulo e,
desses, 460 mil, metalúrgicos da capital e do ABC. O total de horas paradas, nas indústrias
metalúrgicas, químicas, têxteis, gráficas, fumageiras, de alimentação, de cerâmica e outras, no
214
Estado de São Paulo, correspondeu a mais de 300 dias de trabalho.
Em abril de 1979, após uma intensa preparação, os metalúrgicos do ABC entraram em
greve, mobilizando cerca de 250 mil operários. A Comissão de Mobilização era constituída
por 450 membros, 50 deles, mulheres, cuja atuação foi decisiva à articulação do apoio ao
movimento grevista, reunindo-se com as SABs e as igrejas, fazendo visitas aos vizinhos
metalúrgicos para explicar a suas esposas a importância das reivindicações da categoria e a
necessidade de apoiarem a greve.
Foto 6 - Passeata das mulheres contra a intervenção sindical.
Foto: Juca Martins (1980).
Para a OSI (1980, p.24), a greve dos metalúrgicos, em seis dos maiores centros industriais
do país, e dos 400 mil servidores blicos, estaduais e municipais, em mais de 300 cidades
paulistas, paralisando setores inteiros da administração publica, como a saúde e a educação,
aumentaram as forças desagregadoras que agem no interior da ditadura militar, marcando a
relação entre as classes e no interior das próprias classes”.
215
Tabela 24 – Greves – Brasil (1979)
Setor Número %
Trabalhadores industriais 51
26,7
Trabalhadores da construção civil 13
6,8
Trabalhadores de base em serviços 42
21,9
Assalariados de classe média (professores,
dicos, bancários etc)
51
26,7
Não assalariados (chôferes de táxi e caminhão) 34
17,8
Total 191
100
Fonte: Almeida (1983).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
As greves em 1979 envolveram crescentes contingentes de assalariados dos setores de
serviço, da classe dia, assalariada ou não, diminuindo a participação dos operários
industriais implicou uma mobilização maior de efetivos e representa um elemento favorável à
resistência ante uma repressão governamental incrementada. A Tabela 25 representa as greves
por setor no estado de São Paulo.
Uma análise comparativa das Tabelas 24 e 25 permite-nos afirmar que as greves operárias
concentraram-se, massivamente, em São Paulo (64,70), enquanto todos os demais setores
apresentavam uma maior liquidez territorial
131
. De fato, no setor primário, as greves por
estabelecimento equivaleram a 92,3% en 1978, declinando para 72,55 en 1979. Nos outros
setores, as greves por categoria representaram um peso muito superior: 46% na construção
civil, 71,4% nos serviços, 54,9% para os assalariados de classe média e 94,1% para não
assalariados, em 1979.
131
Não se pode aqui perder de vista que o processo de desconcentração industrial (ou desindustrialização da
metrópole) estava em seus primórdios (tivera um primeiro impulso com os pólos de desenvolvimento, do II
PND). Posteriormente, uma das justificativas das empresas para a redistribuição de suas plantas industriais seria
refugiar-se do “furor sindical” do ABC.
216
Tabela 25- Greves em São Paulo -1979
Total na indústria de transformação 33
Metalurgia 23
Alimentação 06
Outros (borracha, têxteis, químicos) 04
Transporte 10
Setores médios assalariados (professores, bancários, médicos) 13
Serviços (público e privado) 13
Rural 01
Não-assalariados 11 (10 de motoristas
autônomos e taxistas)
Fonte: Oliveira (1987, p.34).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
As greves de 1979 teriam forçado o regime a abandonar a potica da “verdade salarial”
132
.
A lei 6.708/79, vigente a partir de de novembro de 1979, substituiu a fórmula da inflação
projetada pela indexação pelo INPC, estabelecido mensalmente em função de uma amostra de
famílias que ganham até cinco salários mínimos. Os reajustes salariais deixaram de ser anuais
para tornar-se semestrais e garantiram 10% acima do INPC para os trabalhadores que
ganhavam três vezes o salário mínimo e um aumento igual ao INPC para os que recebiam até
dez nimos, sendo progressivamente inferior para as faixas mais elevadas.
Ao mesmo tempo em que cedia no terreno salarial, o governo Figueiredo endurecia sua
política repressiva. Os grevistas, que não puderam, em 1979, usar o mesmo artifício da
ocupação branca das fábricas, empregavam piquetes que eram hostilizados pela pocia.
Nova greve metalúrgica do ABC (Mapa 5), em 1980, resultou em dissolução a força de
piquetes e manifestações, intervenção nos sindicatos participantes, prisão e enquadramento de
seus deres na LSN.
132
Em 1982, em meio a grave crise económica, o general Figueiredo imporia ao Congresso a revisão da política
salarial, restabelecendo a redução” dos salários em outubro.
217
Em 79 e 80, nós apenas colhemos aquilo que já havia sido plantado. Mas a verdade é
que você tinha movimentos muito fortes, por exemplo, as comunidades de base da
igreja católica, as pastorais, tinham um papel muito importante nos bairros, era uma
coisa muito forte. E o cara que militava ali era um operário. Antes, ele só militava lá
porque o Sindicato não era o escoadouro das suas insatisfações. Tanto é que na
greve de 79, houve a intervenção no Sindicato, o movimento popular entregava cem
mil panfletos num dia. Então. A chamada Igreja Católica Progressista estava
crescendo, extraordinário, não é? E tudo isso confluiu para o Sindicato (LULA DA
SILVA, 2007, p.1).
Nem sequer a presença do Papa, em visita ao Brasil, moderou a atuação do governo, ainda
que os bispos de São Paulo e do ABC patenteassem apoio e solidariedade aos grevistas
133
. A
atitude do governo fechou aos grevistas a oportunidade de obter outros apoios, levando-os
finalmente à suspensão da greve. Assim, em 1980, o total de greves se reduziu a 58, sendo
19 delas realizadas pelos operários industriais.
133
O bispo de Santo André assumiu, publicamente, a gestão do fundo de greve, após a intervenção no sindicato.
Entretanto, desde 1980, era visível, no meio sindical, a agitação em torno da revisão da
criação de uma central única. Com esse próximo propósito, foram realizados o ENOS e o I
ENTOES, unindo tanto direções combativas como oposições, assim como criada a
ANAMPOS, de curta vida.
Lula da Silva (2007) afirma que a idéia tem sua origem no encontro nacional dos
empresários, em 1980, a CONCLAP, e que sua articulação envolvia figuras, como o Hugo
Perez, da Confederação dos Eletricitários, a dos Ônibus Urbanos e o Joaquinzão. O DIAP
(2000) informa que, em 1977, em uma reunião de sindicalistas com o Geisel, Hugo Perez
colocou de público a exigência de realização de uma CONCLAT.
Em 21 de março de 1981, 183 entidades reunidas em São Paulo lançaram a convocatória
da I CONCLAT, criando a Comissão Nacional encarregada de concretizá-la. Essa Comissão
estabeleceu os critérios de participação e o temário de seis pontos da CONCLAT: a)
reivindicações e legislação trabalhadora; b) sindicalismo; c) previncia social; d) potica
salarial e ecomica; e) potica agrária e f) problemas nacionais.
As palavras de ordem para a campanha preparatória da CONCLAT foram:
Estabilidade no emprego.
Salário nimo real unificado.
Liberdades democráticas.
Liberdade e autonomia sindical.
Entre maio e junho de 1981, foram realizados 12 ENCLATs, envolvendo 908 entidades,
entre federações, sindicatos rurais e urbanos, associações pré-sindicais e profissionais. O
desaguar desse processo foi a I CONCLAT, que ocorreu na Praia Grande-SP, de 26 a 28 de
agosto de 1981, com a presença de 1.091 entidades, cujas bases somavam 12 milhões de
trabalhadores, representadas por 5.036 delegados.
220
Tabela 26- Representação na I CONCLAT (1981)
Entidades Entidades % Delegados %
Sindicatos urbanos 469
43.0
3.053
60,6
Sindicatos rurais 363
33,3
916
18,2
Associações pré-sindicais 176
16,1
716
14,2
Associações de funcionários
públicos
32
2,9
145
2,9
Federações 43
3,9
184
3,7
Confederações 5
0.5
22
0,4
Total 1.091
100.0
5.036
100,0
Fonte: Comissão Nacional Pró-CUT (1981).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Como a Tabela 26 evidencia, na I CONCLAT, fora evidente o predomínio das entidades
de base, enquanto os delegados das federações e confederações somavam cerca de 4%. Os
sindicatos urbanos, que representam 43% do total, contaram com uma representação
proporcionalmente superior (60% dos delegados), sucedendo o contrário com os sindicatos
rurais, provavelmente pelos critérios de participação adotados, que favoreciam as pequenas
entidades (até dois mil filiados: um representante por mil; até dez mil: um por dois mil e
assim sucessivamente).
As principais resoluções da I CONCLAT consistiram: na aprovação do Plano de Lutas e
na fixação do de outubro como Dia Nacional de Luta. Além disso, a Conferência aprovara
o encaminhamento de que se discutiria, em todo o país, a realização de uma greve geral e a
criação da Comissão Nacional Pró-CUT, destinada a se constituir em um CONCLAT,
previsto para agosto de 1982.
s, em 78, nhamos aprovado a idéia da CUT. Então, para alguns Sindicatos,
ela já estava bem amadurecida. Então o Conclat era um jeito de juntar todo mundo e,
lá, aprovar e criar a CUT. A gente fez o Conclat, foi um congresso fantástico. [...] E
aí, durante o Congresso, quando a gente foi criar a CUT, o meu amigo Jorge Bittar
que hoje é deputado federal pelo PT, naquele tempo pertencia a uma organização
política que era mais manerada. E ele então, sem consultar o plenário, parou para o
almoço. Parou para o almoço, foi um desastre. Porque aí a Contag fez um encontro
para os trabalhadores rurais, na volta colocou os advogados junto. E nós
221
começamos a perder (LULA DA SILVA, 2007, p.1).
Apesar dessas resoluções, o conclave materializou duas tendências divergentes, que se
enfrentariam no momento ulterior, inutilizando a maior parte das decisões tomadas. a
Comissão Pró-CUT funcionaria com dificuldade e escassos resultados, já que a divisão,
nascida no plano sindical, se projetava na esfera política.
O Mapa 6 representa a região de origem dos delegados presentes à I CONCLAT. Nesse
momento, é evidente o predomínio das delegações do Sudeste, que detêm 37,7% das
entidades e 56,3% dos participantes. Esse número é bastante desproporcional ao segundo
lugar: o Nordeste, com 27,6% das entidades e 19,9% dos delegados.
Na polarização pós-CONCLAT, de um lado, se encontrava o der metalúrgico Lula da
Silva (1981, p.291) que se posicionara:
Existem algumas pessoas que estão na organização deste Conclat e que não estão se
preocupando com as pessoas que podeo contribuir ou não para este Congresso.
pessoas que estão articulando este Conclat e que acham que dele deve participar o
Ari Campista, o Magaldi e outros mais, todos os traidores da classe trabalhadora.
Não é que a gente queira fazer um encontro festivo. Ninguém quer fazer um
congresso de... de esquerda. Mas a gente quer fazer um congresso dos trabalhadores.
E estas pessoas o podem, não devem e não merecem estar no meio da classe
trabalhadora. Nem como participantes nem como ajudantes de organização.
Para Marini (1986, p.24), Lula da Silva encabeçava um bloco, que, apesar de minoritário,
destacava-se por sua combatividade, por sua origem urbana e por ser formado por entidades
de base. Ideologicamente, o grupo enfatizava a ação direta das massas, questionando as
alianças fora do campo popular e a estrutura sindical vigente, “e naturalmente, assumia una
postura radicalmente oposta ao regime militar”.
No outro lado, a Unidade Sindical, tendência capitaneada por Joaquim Santos de Andrade,
dirigente dos metalúrgicos de São Paulo, que agrupava as lideranças das federações e
confederações, tinha forte apoio no sindicalismo rural e nos assalariados de classe média,
particularmente entre os funcionários públicos. A Unidade Sindical considerava a estrutura
sindical vigente um instrumento útil e necessário na atual fase de organização do proletariado
brasileiro. Integrada ao PMDB, a Unidade Sindical uniu seu destino ao desse partido,
hegemonizado pela burguesia oposicionista, com o fito de recuperar o controle do Estado.
A conjuntura eleitoral de 1982 exacerbara as divergências entre essas correntes,
prorrogando a realização do CONCLAT. A Comissão Pró-CUT, reunida em 27 de novembro,
deliberou a realização do CONCLAT no período de 26 a 28 de agosto de 1983, com a criação
da CUT na agenda.
Assim, em abril de 1983, realizaram-se os ENCLATs e, em agosto, os CECLATs, que
elegeram a maioria dos representantes ao CONCLAT. Diferentemente de 1981, as reuniões se
realizaram em todo o país e definiram uma maior participação de entidades e delegados. Em
21 de julho, o Dia Nacional de Greves com Manifestações” teve resultados limitados.
Em 14 de agosto de 1983, em reunião no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a
Comissão Pró-CUT se dividiu, efetivamente, em dois blocos: a Unidade Sindical, que adiou,
por 60 dias, a realização do Congresso e abandonou a Comissão; o bloco petista, que
convocou o Congresso, no prazo estabelecido, para São Bernardo.
224
Um critério mais flexível de representação
134
assegurou ao CONCLAT de São Bernardo
uma composição mais equilibrada que a da primeira CONCLAT: duplicou-se a participação
do campo e dos funcionários blicos, reduzindo-se o peso dos trabalhadores urbanos e dos
órgãos de cúpula. 912 entidades e 5.059 delegados fizeram-se presentes em São Bernardo.
Sua penetração nacional é mais uniforme e compatível com a distribuição geográfica dos
assalariados (Mapa 7).
134
Os sindicatos com até dois mil filiados podiam eleger dois delegados de dirão e três de base; os com até dez
mil sindicalizados, três e cinco e assim sucessivamente.
O CONCLAT de São Bernardo, além de estabelecer o novo Plano de Lutas e decidir a
realização de uma greve geral, criou a CUT, aprovando seus Estatutos e elegendo sua direção.
Estabeleceu-se o prazo de agosto de 1984 para a realização do I CONCUT.
Tabela 27 - CONCLAT de São Bernardo – Brasil (1983)
Tipo de entidades Entidades % Delegados %
TOTAL 912
100,0
5.059
100,0
Sindicatos urbanos 355
38,9
2.262
44,7
Sindicatos rurais 310
34,0
1.658
32,8
Associações pré-sindicais 134
14,7
588
11,6
Associações de funcionários públicos 99
10,9
483
9,5
Federações 14
1,5
68
1,3
Fonte: CUT (1984).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
Quatro dias após o encerramento do Congresso de São Bernardo, a Unidade Sindical,
constituída em Comissão Organizadora, convoca seu congresso para os dias 04 a 06 de
novembro, na Praia Grande-SP. O CONCLAT da Praia Grande contou com a presença de
4.234 delegados, representando 1.243 entidades. Os números demonstram a influência da
Unidade Sindical nas entidades do meio rural (mais da metade do total) e entre os assalariados
do setor de serviços (mais de 30%), tocando ao proletariado industrial um quarto do total.
Outro diferencial importante entre os dois CONCLATs diz respeito à presença de
federações: enquanto, no congresso cutista, elas representavam 1,5% das entidades
participantes; na Praia Grande, elas representavam quatro vezes esse percentual.
227
Tabela 28 - CONCLAT de Praia Grande – Brasil (1983)
Participantes Entidades % Delegados %
Sindicatos e associações urbanos 486
39,1
2.249
53,1
Sindicatos rurais 645
51,9
1.505
35,5
Entidades de funcionários públicos 29
2,3
124
2,9
Associações estatais 11
0,9
34
0,8
Confederações, federações, sindicatos e
entidades nacionais e estatais
75
6,0
322
7,6
Total 1.243
100
4.234
100
Fonte: Coordenação da Classe Trabalhadora (s.d.).
Org.: S. R. BRAGA (2007).
A distribuição regional dos participantes na Praia Grande não difere notoriamente daquela
do CONCLAT de São Bernardo (Mapa 8).
Enquanto a CUT concretizava-se em 1983, a Unidade Sindical julgara que ainda era cedo
para a almejada central única intersindical e, somente em 1986, fundaria a CGT. Assim, de
pronto, a disputa entre a Unidade Sindical e os cutistas foi claramente vencida pelos últimos,
que se autoproclamaram o “novo sindicalismo”.
Antunes (1998) afirma que, esse movimento sindical vivenciou, na década de 1980, um
momento altamente positivo, constatado por:
Um enorme quantitativo de greves, desencadeado pelos mais variados
segmentos: os operários industriais (com destaque para os metalúrgicos); os
assalariados rurais; os funcionários públicos e diversos setores assalariados
dios, em greves gerais por categoria, greves com ocupação de fábricas
(como a da GM, em 1985, e a da CSN, em 1989), greves gerais nacionais,
como a de março de 1989, que atingiu cerca de 35 milhões de trabalhadores.;
Expansão do sindicalismo dos assalariados médios e do setor de
serviços (bancários, professores, médicos, funciorios blicos) que se
organizaram em importantes sindicatos, aumentando os níveis de
sindicalização do país.
Avanço do sindicalismo rural, permitindo uma reestruturação
organizacional dos trabalhadores do campo, que se manteve sob a influência da
esquerda católica, que, posteriormente, participaria do nascimento do MST.
Nascimento de centrais sindicais.
Avanço nas OLTs, debilidade crônica do nosso movimento sindical, por
meio da criação de inúmeras comissões de fábricas.
Segundo Blass (1999, p.34), a proposta do novo sindicalismo foi “produzida e
reproduzida no efetivo acontecer dos inúmeros protestos sociais e manifestações operárias
que eclodiram em diversas cidades brasileiras e em vários setores produtivos, a partir do final
dos anos 1970 e no decorrer da década seguinte. Esse movimento, a partir de “um conjunto de
estratégias sindicais”, politizou “o cotidiano de vida e de trabalho” e a organização dos
trabalhadores nas empresas “no confronto direto e na interlocução potica com os
representantes patronais e/ou governamentais” para a conquista de suas reivindicações, quer
econômicas quer sociais, buscando “estabelecer as regras nimas de controle de fiscalização
dos acordos assinados com o objetivo de viabilizar a sua aplicação nas empresas”.
230
para Schrer-Warren (1987), o “novo sindicalismodistingue-se por suas orientações
políticas, como: a) autonomia sindical frente ao Estado; b) independência em relação aos
partido poticos; c) liberdade de escolha partidária de seus participantes; d) negociações
diretas entre o empregados e patrões, sem intervenção governamental; e) mobilização pelas
bases e criação de uma democracia interna ao movimento; nova forma de organização
trazendo o sindicato ao próprio local de trabalho e a criação de comissões de fábricas. Em
1980, implanta-se a comissão de fábrica na Volkswagen. No processo de negociação, a
Volkswagen tenta impor a comissão sem a presença do sindicato, acatando, por fim, a
proposta original que contemplava a figura do dirigente sindical na Comissão. Em 1981,
instala-se a Comissão de Fábrica da Ford, também com representação sindical.
Vito Gianotti e Sebastião Lopes Neto (1991, p.57-58 passim) afirmam que “o bloco que
formará a CUT aposta, de forma gradativa, numa estratégia de não conciliação de classes e de
busca de um caminho anticapitalista”. As definições nesse sentido foram, para esses autores,
o ponto de maior discordância entre os que virão a constituir-se nos dois blocos: CUT e
CGT”, coma postura ideológica da CUT [...] se definindo cada vez mais num sentido
classista, anticapitalista, isto é, negação de qualquer pacto social capaz de estabelecer uma
trégua entre as classes”.
Nos rumos do “novo sindicalismo”, duas eram as forças-mestras: a Igreja Católica e a
esquerda revolucionária. Iram come Rodrigues (1993) afirma que a Igreja exerceu
inflncia sobre ativistas sindicais durante todo o período autoritário, o que explica a
construção da idéia de “ir às bases” e uma concepção de trabalhador que extrapola o operário
de fábrica. Do lado das esquerdas, de acordo com esse autor, essas, tout le temps,
mantiveram-se atuantes nos pequenos embates cotidianos, seja nas bricas dos principais
centros industriais no país, seja em certas áreas rurais do Norte e Nordeste, mas, ao contrário
da atuação católica, representavam grupos dispersos, em muitos casos, sem contatos ou em
dissidência com suas organizações de origem.
Inicialmente restrito ao plano sindicalista, o “novo sindicalismo logo desenvolveria uma
perspectiva potica, explícita na formação do PT e no lançamento de candidaturas aos
diversos pleitos legislativos e executivos.
231
5.2 113 trabalhadores em busca de um partido
No fim da década de 1970, o espaço silencioso do trabalho no chão de fábrica dera lugar a
um poderoso movimento de massas que cobrava a ampliação dos espaços de representação da
classe trabalhadora.
Füchtner (1980 [1978], p.233), no calor das grandes greves de 1978, comentaria a
necessidade dos sindicatos repensarem sua relação com o sistema partidário:
O destino político do Brasil ainda é muito incerto para se fazer reflexões concretas
sobre o papel dos sindicatos nos conflitos sociais e políticos dos próximos anos. É
possível no entanto extrair-se algumas lições do passado. [...] No que diz respeito à
colaboração com grupos políticos ou novos partidos que a curto ou a longo prazo
irão surgir na cena brasileira, os sindicalistas precisam estar atentos se os mesmos
aspiram verdadeiramente uma nova ordem democrática e justa e as equivalentes
relações econômicas ou se eles representam apenas novas variantes da pacificação e
controle do operariado.
Não seria outro o propósito da criação do PT e da CUT, organismos que pretendiam ser,
mais que uma etapa no processo organizativo da luta operária no Brasil, uma completa ruptura
com o seu passado: “Começando a sacudir o pesado jugo a que sempre estiveram submetidos,
os trabalhadores de nosso país deram início, em 12 de maio do ano passado (greve da Scania),
à sua luta emancipadora” (PT, 1979, p.49).
O PT, que logo se tornaria a agremiação hegemônica no campo das esquerdas,
representava um amálgama entre o “novo sindicalismo”, a esquerda católica, os sobreviventes
da luta armada, correntes da IV Internacional e os movimentos sociais. O ex-governador de
São Paulo chegou a afirmar que o PT reuniu todas as siglas de esquerda, representadas por
caciques, mas o único cacique que tinha índio se chamava Lula (MARTINS, 2005).
Desde sua origem, o PT adquiriu um caráter frentista. O discurso de Lula da Silva, na
primeira convenção nacional do Partido (apud PT, 1998, p.107), afirma a peculiaridade do
modo petista de ser e sua destinação histórica: para ele, esse partido nasceu “da consciência
que os trabalhadores conquistaram após muitas décadas de servirem de massa de manobra dos
políticos da burguesia e de terem ouvido cantilenas de pretensos partidos de vanguarda da
classe operária”.
O PT via-se como um partido original. Mesmo um quadro histórico do trotskismo, como
Mário Pedrosa, foi seduzido pela novidade petista. Em discurso proferido, no ato de fundação
do partido, afirmaria que esse era “único de estruturas”, “único de tendências”, “único de
232
finalidade”. “Partido de massa não tem vanguarda, não tem teorias, não tem livro sagrado. Ele
é o que é, guia-se por sua prática, acerta por seu instinto. Quando erra, não tem dogmas e pela
autocrítica refaz seus erros” (PT, 1979, contracapa), afirmara Pedrosa.
O que a fala redentora de Pedrosa não revela é que foi o caráter frentista imanente ao
partido que o levou a adiar sine die a definição do seu projeto de sociedade, e,
concomitantemente, sua orientação e seus objetivos táticos e estratégicos.
Lincoln de Souza (2004), em sua tese de doutoramento, produziu um quadro bastante
ilustrativo das variações em torno de um tema que o PT encerrava entre 1979 e 1982
(Quadro 1).
GRUPOS
FUNDADORES
PRINCÍPIOS E VALORES
DIRETRIZES GERAIS
Democracia Socialismo Participação Popular Inversão de Prioridades Mudanças no Estado
SINDICALISTAS
-Interesses e participação da
maioria nas decisões
- Representação da maioria
-Primazia ao coletivo
-Natureza classista
-Envolvendo também os planos
social e econômico
-Além do formalismo da visão
liberal
- Desatrelamento do sindicato ao
Estado
- Proclamado de forma
genérica e necessidade de
maior aprofundamento
- Algo a ser decidido com a
classe trabalhadora
-Sem contraposição à
democracia
-Críticas ao transplante de
modelos e ao vanguardismo
- Condição importante para a democracia
- Participação nas decisões do Estado
-Participação direta e massiva, como nas
grandes assembléias plebiscitárias
- Liberdade e autonomia sindical
-Ação e representação atras do sindicato, de
delegados de base e de comissões
- Representação nas instituições políticas
como o Congresso Nacional
-Fundamental para a obtenção de direitos
-Controle exercido pelos trabalhadores sobre
algumas atividades
-Direcionamento para as reivindicações no âmbito
do trabalho e das lutas sindicais (salário, emprego
etc.)
-Algumas referências esporádicas sobre algumas
medidas nas políticas sociais, como saúde,
transportes, habitação, educação
-Situação do trabalho ligada ao modelo
econômico e defesa do mercado interno, produção
de alimentos, desconcentração da renda, reforma
agrária etc.
-Estado percebido inicialmente
como árbitro entre o capital e o
trabalho, posteriormente como tutor
e defensor dos interesses patronais
-Visto através do Governo Federal e
órgãos do Ministério do Trabalho
- Críticas ao atrelamento sindical
-Estado repressor em função do
regime militar
CRISTÃOS
-Democracia direta e exercida a
partir do plano local e das bases
- Decisões descentralizadas
-Soberania sem a mediação de
instituições políticas
- Sociedade autogestionária
ou algo semelhante
- Ênfase na igualdade ligada à
idéia de comunidade
- Participação permanente de todos nas
decisões e na execução
- Ligada à idéia de comunidade, ao cotidiano e
pequenas experncias
- Ação direta sem representação
- Primazia à participação no plano local
- Defesa da autonomia dos movimentos
perante às instituições
-Criação de comissões de empresa ou
comissões de fábrica
-Presença mais marcante nos movimentos de
bairros e também nas oposições sindicais
- Relacionada ao fundo público, através da luta
por bens de consumo coletivo e sobrevivência
imediata ligada à saúde, habitação etc.
-Reivindicações vinculadas à reprodução da força
de trabalho em movimentos localizados nos
bairros (saúde, custo de vida, moradia e outros)
- Reivindicações como direitos
-Discurso antiinstitucional e
antiestado e defesa da autonomia
dos movimentos
- Defesa da substituição do Estado
pelos movimentos organizados
-Ações predominantes de confronto
ou de relações com a
institucionalidade através de
reivindicações setoriais
-Discurso estatizante
- Defesa do Estado como
respeitador e provedor de direitos
ESQUERDA
ORGANIZADA
-Críticas à democracia de corte
liberal, considerada burguesa e
formal
-Discurso genérico sobre a
democracia socialista
- Valorização tática dos
chamados espos democráticos
-Discurso antiestalinista
genérico e defesa do chamado
leninismo (ditadura do
proletariado etc.)
- Estatização dos meios de
produção
-Estratégia da luta armada
- Tentativa de construção de uma linha de
massa
-Participação junto aos cristãos nos
movimentos de bairro e oposições sindicais
-Autocrítica do vanguardismo da luta armada
-Defesa das comissões de fábrica
- Denúncia do capitalismo no Brasil
- Assumindo as reivindicações dos sindicalistas e
cristãos
-Concepção leninista de Estado,
como repressor e instrumento de
classe da grande burguesia
-Encarado como um bloco
monolítico
- Dualidade de poderes
-Governo somente após a tomada
do poder
-Defesa meramente propagandística
de governo
-Valorização ao plano federal
INTELECTUAIS
-Democracia associada à
sociedade civil e contraposta ao
Estado
-Além da democracia
representativa e do jogo
institucional
-Necessidade de novas instituições
-Ligada aos movimentos sociais e
às classes populares
-Discurso genérico sobre
socialismo democrático
-Estratégia de guerra de
posição e alternativa de
hegemonia
-Via pacífica
-Diferente da social-
democracia e do chamado
socialismo real
-Participação real do cidadão e da maioria da
população no processo decisório
-Apoio aos movimentos sociais como
integrantes da sociedade civil
- Críticas ao modelo econômico e a seus efeitos na
concentração da renda, baixos salários,
degradação das cidades, crescimento das favelas e
má qualidade dos serviços públicos como saúde,
habitação, saneamento, transportes e outros
- Estado contraposto à sociedade
civil
-Críticas ao regime militar e a seus
traços repressivo e centralizador
Quadro 1- Principais elementos iniciais do programa nacional do PT
Fonte: Adaptado de Souza (2004, p.140-141).
Na perspectiva adotada por este autor, o PT, entre 1979 e 1982, demarcou-se pela variável
movimento social, que deixou uma marca significativa no seu núcleo programático. As
reivindicações dos grupos cristãos
135
, da esquerda organizada
136
e dos intelectuais
137
se
agregaram ou mesmo se superpuseram às do bloco sindical na trajetória do petismo,
traduzindo-se em algumas indefinições, ambiidades e dilemas.
Cada grupo aporta sua própria representação geopotica sobre esse território simbólico.
Assim, os sindicalistas indicam como o momento de gênese do PT a reunião convocada de 14
sindicalistas por Lula, no início de dezembro de 1978, na sede do sindicato de São Bernardo,
que discutiu a crião de um partido. Dessa reunião, sairiam como adeptos da iia Jacó
Bittar, presidente do sindicato dos petroleiros de Campinas; JoCicote, diretor do sindicato
metalúrgico de Santo André e Paulo Scromov, presidente do sindicato dos trabalhadores da
indústria do couro em São Paulo, grupo ao qual se incorporou Henos Amorina, presidente do
sindicato dos metalúrgicos de Osasco (HARNECKER, 1994) e Wagner Benevides, presidente
do sindicato dos petroleiros de Belo Horizonte.
Eduardo Suplicy (2006) afirma que “aquele retirante nordestino, que carregava consigo o
sonho de milhares de trabalhadores por dignidade e melhores condições de vida, passou a
coordenar as ações para a criação do Partido dos Trabalhadores”. Esse politic man lembra
que, em agosto de 1978, quando se candidatou a deputado estadual pelo MDB, travou com
Lula um diálogo em frente à Livraria Brasiliense, no qual esse teria formulado publicamente,
pela primeira vez, o pensamento de criação do PT. Lula da Silva (2007), ao contrário, afirma
que, em 15 de julho daquele ano, no congresso dos petroleiros, na Bahia, propusera a
criação do partido.
135
A Igreja tinha muitas pontes com o novo movimento. Apoiara, como vimos, as greves metalúrgicas desde
seus primórdios. Havia muitas pontes entre a legenda petista e a Igreja Progressista, como Luiz Eduardo
Greenhalgh, a partir de 1973, um dos primeiros integrantes da CADH/SP e advogado de Lula da Silva, e Frei
Betto.
136
O PT incorporou os principais grupos de esquerda remanescentes no período: a AP (em 1978, elegeu, pelo
MDB, os deputados estaduais Geraldo Siqueira, em São Paulo, José Eudes, no Rio de Janeiro e Adelmo Oliveira,
na Bahia), PCdoB-AV (em São Bernardo do Campo, criara o ABCD Jornal e desenvolvera atividades de
cinema), ALN, PCBR, MEP (atuante no movimento dos professores não universitários, principalmente no Rio
de Janeiro e Minas Gerais), a CS e DS. A OSI aderiu ao projeto PT a partir de 1980. O PRC, criado nessa
década, também entrou no PT, assim como uma ala do PCR do Nordeste. No MDB/PMDB, permaneceriam
apenas o PCB, PC do B e o MR-8, o que demonstra a franca hegemonia petista no âmbito da esquerda brasileira.
137
A maioria deles pertencia à USP, ao CEBRAP ou ao CEDEC. Almeida (1992) elencou 16 nomes que teriam
exercido uma grande influência no PT entre 1978 e 1984: Marilena Chauí, Dalmo Dallari, José Álvaro Moisés,
Paul Singer, Francisco Weffort, Marco Aurélio Garcia, Florestan Fernandes, Fabio Comparato, Eduardo Suplicy,
Francisco de Oliveira, Antônio Candido, Maria Vitória Benevides, Paulo Sandroni, Ermínia Maricato, Guido
Mantega e Eder Sader.
235
A esquerda organizada no interior do partido, particularmente o MCS, aportava ainda
outra representação: o marco zero do PT teria ocorrido no IX Congresso dos Trabalhadores
Metalúrgicos, Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo, em Lins, em janeiro
de 1979, em que sua proposta de criação fora apresentada pelos dirigentes do sindicato dos
metalúrgicos de Santo André
138
. Do Congresso participaram 800 delegados, dentres os quais
muitos pelegos históricos, como Joaquinzão, do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, e
Argeu dos Santos, presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo.
A proposta de crião do PT foi aprovada quase por unanimidade. Lula da Silva (2007,
p.1) rememora:
No Congresso de Lins, em 1979, nós levamos uma tese propondo a aprovação da
criação de um Partido dos Trabalhadores. E foi aprovada, com o voto do Joaquinzão,
com o voto do Argeu. Quem votou contra foi o Arnaldo Gonçalves, o Wagner Lino
Alves, porque eles tinham o partido deles, né? Nesse mesmo ano teve o
Congresso Estadual, em Lins e, depois, o Congresso Nacional, em Poços de Caldas.
E no Congresso Nacional, outra vez, nós aprovamos o Partido dos Trabalhadores.
Era uma tese e foi aprovada também com o voto do Joaquinzão. Ele votou para a
gente criar o PT.
A Tese de Santo André (PT, 1998) ressaltava que o partido dos trabalhadores” seria o
melhor instrumento para sua luta pela independência potica. Para Souza (2004), a forte
desconfiança da democracia representativa, na formação do PT, decorria da posição dos
sindicalistas (classe ainda pouca organizada para governar), da esquerda organizada (não
governar sob o capitalismo) e dos cristãos (confrontação direta com o Estado e predonio da
idéia de comunidade, no plano local).
A acolhida da Tese gerou certo otimismo que teve seu contraponto, em Osasco, com os
sindicalistas sendo desautorizados a incluir a proposta do PT nos pontos do Movimento
Contra o Desemprego, iniciando a separação entre partido e sindicatos, c’est-à dire, o partido
deixava de ser considerado como uma questão sindical, apesar de capitaneada por deres
sindicais.
138
Para Souza (1988), teria sido Benedito Marcílio, presidente daquele sindicato, assessorado por militantes do
MCS, quem lançou a proposta. Outra versão afirma que essa teria apresentada por José Cicote, diretor ligado a
grupo do Lula. Fato é que foi o MCS que elaborou o texto final aprovado, de defesa de um partido sem patrões.
O herdeiro político dessa corrente, o PSTU, não hesitaria em afirmar que foi o metalúrgico José Maria de
Almeida, o Zé Maria”, seu principal dirigente e candidato à presidência da República em 2002, “quem
apresentou uma tese no Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, [...] propondo a criação de um
partido de trabalhadores sem patrões” (BIANCHI, 2007, p.1).
236
Foi nesse contexto que ocorreu a primeira reunião do Movimento pró-PT em 30 de janeiro
de 1979, no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco que elegeu a Comissão Proviria,
composta por Jacó Bittar, Paulo Skromov, Henos Amorina, Wagner Benevides e Robson
Camargo, para elaborar sua Carta de Princípios. Segundo Souza (2004), duas versões do
documento foram apresentadas, uma pelo MCS, outra por Paulo Scromov, aprovando-se essa
última, com a inclusão do mote “partido sem patrões”, proposto pelo MCS. A Carta afirmava
seu compromisso com a democracia plena exercida diretamente pelas massas, pois não
socialismo sem democracia, e nem democracia sem socialismo(PEDROSA, 1981, p.61).
Além disso, salientava que o programa do MDB era pró-capitalista, apesar de sua composição
social extremamente heterogênea.
O texto ressaltava que a classe operária seria a vanguarda dos explorados e se uniria a toda
população explorada e trabalhadora, como bancários, professores, funcionários blicos,
estudantes, profissionais liberais e outros segmentos. Desde seus primórdios, por conseguinte,
o PT buscava a aproximação com os estratos médios, o que seria facilitado pelo fim do
milagre.
Vocês sabem que há dez anos atrás existia uma distinção muito grande, há dez anos
atrás existia o advogado, existia o professor, existia o médico, o funcionário público,
o jornalista, tantas outras profissões que se distanciavam de nós trabalhadores.
Graças a Deus, a proletarização do trabalhador brasileiro, a proletarização de todos
os assalariados, o estágio de miséria a que o governo levou todos aqueles que vivem
de salário, fez com que neste campo, no dia 1.° de maio de 1979, nós vissemos o
momento maior da classe trabalhadora brasileira (LULA DA SILVA, 1981, p.322).
Essa aproximação com a classe média é plena de contradições e ambigüidades. Wright
Mills (s.d., p.308-325 passim), o principal teórico dos white collars, afirma ser esse grupo
uma espécie de contrapeso dos interesses de classe, e o grande estabilizador e harmonizador
da sociedade”, ainda que, “por suas características sociais e opiniões poticas”, seus membros
sejam, na verdade, burgueses, o que “se revela de maneira particularmente nítida na tendência
dessas categorias para formar grupos de status e não simples classes econômicas”.
Apesar de sua imanente configuração burguesa, a classe dia, no Brasil, com o término
do milagre, acercou-se, progressivamente, da classe operária em suas formas de organização e
nos todos de luta, como aponta Marini (1986). Tal aproximação, para além de uma aliança
237
de classe, permitiria a incorporação pela classe operária de uma parte significativa dessas
classes médias como o proletariado de serviços
139
.
Mas a similaridade de posição pró-classes médias, entre Lula e os signatários da Carta,
o esconde as discordâncias quanto a outras questões, a começar pelo lançamento da Carta
no 1
o
de maio de 1979. A divulgação no ato realizado na Vila Euclides foi condenada por
Lula da Silva (1981, p.192), que afirmaria:
Eu não tenho falado muito a respeito do Partido dos Trabalhadores, porque eu
sempre achei que nós não devíamos misturar o nosso movimento com qualquer
outra palavra de ordem. Porque os trabalhadores poderiam entender que
estivéssemos querendo fazer um partido através do movimento. Acho que as
movimentações de São Bernardo foram muito mais importantes do que a discussão
sobre o partido. Eu disse aos companheiros que lançaram aquele esboço de um
programa que a coisa foi muito precipitada, porque entendo eu que deveríamos
procurar outros setores da sociedade antes de lançarmos qualquer coisa. Caso
contrário, você corre o risco de causar inveja, de causar ciumeira, e a pessoa pode
depois até ficar ofendida por não ter participado daquele esboço de programa, não
ter tido tempo de discuti-lo e melhorá-lo.
Lula, que tinha se afastado para participar das greves, chegara a afirmar que concordava
com o fundamental do documento, mas considerava que se deveria, antes de publicizá-lo,
procurar algumas lideraas poticas, como Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos,
encaminhando-lhes uma proposta melhor discutida.
A gente nunca deve marginalizar esses setores muito esquerdistas. Porque eles o
muito esquerdistas e tudo o que eles falam voo deve fazer. Mas eles tamm
evitam que você vá muito para a direita. Então, esse choque te permite ficar no
caminho do meio, né? Eu lembro que eles queriam anunciar o PT no dia de Maio
de 1979. Fizeram um jornal que nós mandamos engavetar. Eu proibi. s fomos
numa assembléia em Osasco e eu disse o seguinte: "Olhe, quem for distribuir
jornalzinho, fora do material da categoria, em São Bernardo, vai apanhar dos
trabalhadores." O jornalzinho era tipicamente, muito na linha daquilo que a
Convergência pensava sobre o PT. Então, a gente segurou (LULA DA SILVA,
2007, p.1).
Naquele 1
o
de maio, 100.000 pessoas se dirigiram a São Bernardo para a missa do
trabalhador e um ato público, com Vinícius de Moraes (na foto, com Lula) declamando o seu
poema Operário em construção.
139
É fato que vários sindicatos desse grupo, como os dos bancários, médicos, servidores públicos e professores,
sejam ativos e que as greves por eles protagonizadas, nos últimos vinte anos, destacam-se por seu número e
combatividade. O que a análise de Marini (1986) desconsidera é que a relação entre essas classes é dinâmica e
biunívoca, de modo que, do mesmo modo em que a clase operária pode “engolir” parte da clase média, o inverso
também é factível.
238
Foto 7 - O 1º de maio em São Bernardo (1979).
Fotos: Acervo Iconographia - Pesquisa de Texto, Imagem e Som Ltda..
Para a maior parte de seus analistas, o lançamento da Carta de Princípios teria provocado
uma “radicalização” do projeto PT, responsável por uma aproximação das oposições sindicais
(excluídas do Congresso de Lins) e pelo maior isolamento dos pecebistas no interior da
Unidade Sindical. A incorporação das oposições sindicais, formadas por cristãos e pela
esquerda, implicou a defesa do socialismo e de um menor ritmo de legalização do novo
partido. A entrada desses setores consolidou um grupo mais constante para levar adiante a
construção do partido e legitimou, ainda mais, a direção do processo pelos sindicalistas
140
.
O partido reproduzia, então, a idéia de que seria a expressão dos movimentos sociais.
Apesar disso, o impacto da variável eleitoral, c’est-à dire o fracasso da legenda no pleito de
1982, gerou uma crise interna, que contrastou com o otimismo anterior. Singer (2001)
informa que, nesse momento, cresceu a pressão da esquerda para que o partido se
concentrasse na organização dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que os “moderados”
viam nas palavras de ordem da campanha (“trabalhador vota em trabalhador”; “trabalho, terra
e liberdade”) o motivo do afastamento da classe média e dos eleitores menos politizados.
140
A hegemonia dos sindicalistas, no processo de criação do partido, permaneceu até 1983, quando esse,
ampliando sua base social, teve reforçada a representação da classe média.
GRUPOS
FUNDADORES
PRINCÍPIOS E VALORES
DIRETRIZES GERAIS
Democracia Socialismo Participação Popular Inversão de Prioridades Mudanças no Estado
Grupos influentes
- Intelectuais
-Esquerda e intelectuais
-Esquerda e cristãos
- Sindicalistas, intelectuais e cristãos
- Esquerda e intelectuais
Continuidade de
propostas anteriores
- Ampliação da
democracia
- Associação direta
com a participação
- Nem modelo soviético e
nem socialdemocracia,
mas a ser definido depois
a partir do Brasil
- Participação como presença nas
decisões políticas e econômicas do
Estado ou controle sobre o mesmo
- Autonomia dos movimentos
- Reivindicações centradas no âmbito do trabalho
e do emprego, nas carências urbanas e ligadas à
questão agrária
- Importância do curto, médio e longo prazos
- Estado como instrumento das classes dominantes e do
patronato
- Predomínio da visão estatizante
- Continuidade do mandato imperativo
- Caráter processual do programa
Explicitação geral das
propostas
- Defesa da
democracia
participativa
- Caráter popular
da democracia
- Recusa do modelo
soviético de socialismo
- Conselhos populares como o
principal canal e instrumento de
participação
- Formulação geral e explicitação da diretriz
- Indicações gerais sobre a origem dos recursos
- Reivindicações populares e não somente
sindicais
- Detalhamento das medidas
- Diferenças entre governo e poder
- Governo popular e democrático
- Defesa das alianças, incluindo-as também no governo
Insinuações ou
referências de
passagem de outras
propostas
- Concepção de
democracia
influenciada pelo
eurocomunismo
- Predominância da via
pacífica para o socialismo
e através de eleições
- Referência da Nicarágua
- Diferentes concepções de
conselhos populares
- Associação inicial da diretriz com cidadania e
direitos dos setores populares
- Indicação breve sobre as diferenças
socioeconômicas das regiões
- Estado como correlação de forças
- Importância do arcabouço jurídico do Estado
- Proposta de algumas medidas descentralizadoras
- Associação do Estado com esfera blica, administração e
interesse público
Novos temas e visão
teórico-política
- Projeto global e
alternativo
- Introdução de elementos
de uma análise gramsciana
- - Cidadania e direitos
- Incorporação de orientação para políticas
públicas
- Adoção indireta de autores como Ware, Poulantzas e teóricos
do eurocomunismo
- Introdução da descentralização
Inflexões principais
- Defesa da
democracia
participativa
- Fim da
representação
orgânica e abalo do
classismo
- Abandono do modelo
soviético
-Governos petistas
contribuindo com a
construção do socialismo
- Combinação das lutas social e
institucional
- Governos petistas como
apoiadores e estimuladores da
participação popular
- Reconhecimento da fragilidade e
heterogeneidade de interesses dos
movimentos sociais e da pouca
inserção do partido
Reconhecimento da importância de medidas
imediatas e de curto prazo e plano de emergência
- Assumida a inclusão de setores urbanos da
chamada classe média, pequenos proprietários etc.
- Superação da fase das denúncias e início de
formulações gerais
- Institucionalidade alçada a um campo de luta
- Partido assume o ato de governar sob o capitalismo, inclusive
com elementos de programa de governos
- Governos petistas ajudariam na mudança da correlação de
forças, abririam espaço para as lutas e favoreceriam a
organização popular etc.
Avanços na função
programática
- Idéia de projeto
global e
democrático
- Introdução de alguns
elementos críticos ao
modelo soviético
- Adoção da proposta dos conselhos
populares
- Início de uma melhor
diferenciação entre partido e
movimento
- Maior explicitação da diretriz e inclusão mais
detalhada das medidas de políticas
governamentais
- Inclusão gradativa da função governativa
- Consolidação do curto, médio e longo prazos
- Ressalvas quanto à importância do poder
Avanços e
dificuldades na função
governativa
- Democracia como
eixo de governo
- Alguns delineamentos no
âmbito econômico
- Participação como eixo de
governo
- Dificuldades implícitas sobre a
proposta dos conselhos
- Vínculo estabelecido entre governo, diretrizes e
indicações de políticas
- Governo petista para assegurar as conquistas dos
trabalhadores
- Partido dirigente e governante
- Indicações de obstáculos e limites dos governos
- Diferenciação inicial entre os governos federal, estadual e
municipal
- Dificuldades para transpor as orientações partidárias para o
Estado e do plano nacional para o âmbito municipal
- Receios de governar e conflitos entre as instâncias partidárias
e os governos
- Críticas ao administrativismo
- Inexistência de avaliação dos governos municipais petistas
Quadro 2 - Transição programática do PT (1982-1987)
Fonte: Souza (2004, p.205-206).
Lula da Silva (2007) lembra que a discussão em torno do programa do PT era acirrada,
girando em torno de seu caráter tático ou estratégico. Enquanto Lula defendia idéia de um
partido para “ganhar as eleições e fazer o que a gente sonha fazer”; os grupos de esquerda
queriam o PT para fazer a Revolução.
Para Souza (2004), 1982 inauguraria a transição programática do PT, a qual se
consolidaria em 1987 (Quadro 2). Na campanha de 1982, o boro ainda era Vote no três
que o resto é burguês” e a idéia de um partido sem patrões, que, segundo Lula da Silva
(2007), o era um discurso esquerdista, mas derivava de uma concepção messiânica das
CEBs. Mas essa concepção alterava-se rapidamente.
Em 02 de junho de 1983, o Manifesto dos 113, assinado pelos principais fundadores do
partido em São Paulo, incluindo Lula da Silva, fazia críticas à direita e à esquerda do
partido
141
. Assim, ao mesmo tempo em que fazia um chamamento contra a autonomização
parlamentar e a conciliação dos deputados petistas com os liberais na Assembléia Legislativa
paulista, combatia os grupos internacionalistas de esquerda que, na opinião desses, eram
parapartidários. Em uma manobra estratégica, coloca-se no basismo a positividade e nos
partidos tradicionais seu oposto.
Buscava-se, com o Manifesto, imprimir uma direção hegemônica em um novo momento
do partido, que já dispunha de parlamentares e prefeitos eleitos em 1982, o que representou
um impasse entre a democracia direta (o mandato imperativo e revogável) e a representativa.
Em novembro de 1983, a CEN/PT lançou o Projeto Político do PT, em que, diante da crise
brasileira, o que representaria perde do controle do governo Figueiredo do processo de
transição
142
, o partido lança a alternativa de um projeto popular. No seu messianismo, o PT
apresentava-se como a própria materialização da democracia.
Em 79 e 80, nós apenas colhemos aquilo que já havia sido plantado. Mas a verdade é
que você tinha movimentos muito fortes, por exemplo, as comunidades de base da
igreja católica, as pastorais, tinham um papel muito importante nos bairros, era uma
coisa muito forte. E o cara que militava ali era um operário. Antes, ele só militava lá
porque o Sindicato não era o escoadouro das suas insatisfações. Tanto é que na
greve de 79, houve a intervenção no Sindicato, o movimento popular entregava cem
mil panfletos num dia. Então. A chamada Igreja Católica Progressista estava
crescendo, extraordinário, não é? E tudo isso confluiu para o Sindicato (LULA DA
SILVA, 2007, p.1).
141
Nesse momento, os cristãos já se encontram diluídos na orientação hegemônica do partido e a polarização vai
se dar entre a futura Articulação, capitaneada pelos sindicalistas, e os agrupamentos de esquerda.
142
Cf. o capítulo seguinte.
241
A participação popular era muito acentuada. Entretanto, as CEBs, a UNE, os conselhos
populares ainda apresentavam traços de reformismo, de modo que se deveria atuar para que as
lutas de resistência se transformassem em uma luta contra o regime. Para tanto, dever-se-ia
estimular a criação da CUT e o fortalecimento dos comitês de bairros, conselhos populares e
de entidades que lutariam contra a dominação ideológica. Trata-se de partir das lutas então
existentes, intensificando-as e combinando-as com outras lutas no sentido de derrubar o
regime militar.
Se são os movimentos mais aguerridos aqueles que fazem avançar a democracia e as
conquistas cio-econômicas para a sociedade como um todo, trata-se de demonstrar que a
emergência do projeto PT anunciava a morte do regime autoritário, sendo portador de uma
democracia efetiva, uma democracia de base. O bem simlico desse movimento, não de
resistência, mas de ofensiva democrática, seria Lula da Silva, “voz e vez dos
trabalhadores”
143
.
Ao encarnar essas aspirações, e ao empenhar-se na construção de um sindicalismo
que levasse os trabalhadores a tomar consciência dos próprios direitos, em vez de se
limitar a funções meramente assistenciais, Lula começou a incomodar os donos do
poder. Para esses donos do poder, passou a ser uma ameaça a movimentação de uma
parcela do exército de explorados que, no entender dos beneficiários do milagre
brasileiro, além de produzir mais e mais riquezas, devem conformar-se com a
miséria e a exploração (LULA DA SILVA, 1981, p.5).
Com Lula da Silva, o Brasil subterrâneo vinha à cena, com uma palavra, “que jorra cil e
abundante”, “uma intuição profunda” e “um raciocínio vigoroso que, no embate contínuo com
a realidade”, estruturou seu pensamento. A “leitura e a informação teórica” pareciam, então,
dispensáveis a esse migrante nordestino, semiletrado, portador de uma nova história
144
, que,
sem dúvida, influenciaria os rumos da transição democrática brasileira, tema que será tratado
no próximo front.
143
Cf. apresentação em Lula da Silva (1981).
144
Em panfleto de 1989, a OT chamava o voto em Lula da Silva, afirmando “é a hora e a vez da revolução
brasileira”.
FRENTE 3:
EM BUSCA DA DEMOCRACIA PERDIDA
243
A revolução foi programada para durar vinte anos. Eles organizaram
um programa para consertar este país. Talvez fosse imposição do
Golbery, que era um cara que tinha seus defeitos, suas qualidades,
suas virtudes. Um cara que vo podia não gostar, mas não podia
negar nunca sua inteligência, sua visão potica, um homem com
objetivos poticos e ideológicos definidos, um pouco de esquerda
talvez e, por isso, fazíamos restrições a ele, mas não se podia acusá-lo
de ambições pessoais desmedidas, ou de querer aparecer. Disseram-
me, depois, que a programação do grupo era de vinte anos. [...] A
nossa posição era a de ir até o fim. Nós íamos consertar esse país. Na
marra.
Cyro ETCHEGOYEN
A democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se
valem das suas franquias para destruí-la.
Artur da COSTA E SILVA
6. TRANSIÇÃO, TRANSIÇÕES...
A transição do regime autoritário no Brasil é ainda tema de grandes debates. Foram
diversas as justificativas para essa abertura política. A distensão ora aparece como fruto da
crise ecomica, ora como fruto da complexidade econômica, ora como busca de legitimidade
para o sistema, ora como um ato de vontade do general Geisel e ora como fruto de uma crise
de autoridade. O presente capítulo reproduz o debate teórico em torno das transições de
regime; discute as especificidades do caso brasileiro e, por fim, demonstra o modelo de
democracia e sociedade que esse processo acarreta.
6.1 O debate teórico em torno das transições democráticas
O termo transição designa o momento em que o regime autoritário começa a se esgotar,
mas ainda não existe um outro regime consolidado. Efetivamente, a ausência de legitimidade
o é suficiente para provocar per se a crise de um regime autoritário, mas esse déficit
representa um sério empecilho para sua institucionalização.
Um governo autoritário se mantém enquanto é eficiente. Ele não tem legitimidade
constitucional. Então a legitimidade dele está no factual, na prática” (COUTO E SILVA,
1987, p.35). Essa perspectiva coaduna com a definição de regimes autoritários estabelecida
por Juan Linz (1978, p.121) como “sistemas políticos de pluralismo limitado”, “sem ideologia
subjacente, mas de mentalidades distintas”, sem mobilização potica exceto em alguns pontos
de seu desenvolvimento, “nos quais um chefe ou um grupo reduzido exerce o papel no quadro
de limites mal traçados sobre o plano formal, mas, nos fatos, os mais previsíveis”.
A transição seria um período muito aberto, cuja natureza da mudança depende,
fundamentalmente, das estratégias adotadas pelos agentes envolvidos nesses processos, que
calculam riscos e custos. Durante esse período, cada parte faz “cálculos de curto prazo” que
“não podem ser deduzidos das estruturas” e tende a cometer muitos erros (O’DONNELL;
245
SCHMITTER; WHITEHEAD, 1986). Entretanto, quanto maior o controle das elites sobre a
transição, menores as incertezas que a cercam.
Não há, segundo a maioria dos analistas, uma teoria das mudanças poticas que possa
fornecer um enquadramento anatico e conceitual para o estudo das transições de regime. A
política comparada realiza análises sobre um fenômeno potico que ocorre em Estados
nacionais extremamente diversificados, sob todos os aspectos, o que impõe uma reflexão
crítica sobre a literatura relativa ao tema.
Para Carlos Arturi (2001), muitos autores, ao construírem modelos explicativos das
transições de regime com base na identificação de agentes centrais, na formalização de seus
objetivos e na distribuição de suas preferências, incorrem em formalização e simplificação
excessivas, misturando níveis de análise, desprezando a história potica e institucional do país
estudado e supervalorizando a racionalidade dos agentes, muitos dos quais em processo de
constituição ao longo daquelas conjunturas.
Alguns autores, ao exacerbarem o papel do voluntarismo potico na construção da
democracia, praticamente, desconsideram o fato de que a racionalidade dos agentes é limitada
nos processos de transição, estando as regras do jogo político em constante modificação. Essa
perspectiva enseja a formulação de receituários prescritivos e normativos orientadores do
comportamento dos agentes poticos e da construção de instituições supostamente mais
adequadas para levar a termo os processos de transição e a consolidação da democracia. O
maior risco dessas análises consiste na racionalização retrospectiva, reconstruindo a
motivação das ações e a lógica dos acontecimentos a partir do seu resultado final e não a
partir do momento de sua realização (LINZ; STEPAN, 1995).
De fato, a interação entre a estrutura (econômica, social e potica) pré-existente e a
estratégia política, por que não dizer geopolítica, dos envolvidos permite arranjos
institucionais e comportamentais que condicionam as possibilidades de uma consolidação
democrática. Caso os acordos entre os militares e a oposição, estabelecidos na fase de
liberalização potica, perdurem no longo prazo, eles podem originar uma democracia com
defeitos de nascença”.
246
Banegas (1993) chama a atenção para a reorientação analítica sobre os processos de
transição, que, a partir da terceira onda de democratizações
145
, no início dos anos 1970,
passaram a privilegiar as variáveis poticas, como a qualidade das lideranças, as escolhas
racionais e os recursos dos agentes, em detrimento das explicações macro-orientadas, que
privilegiavam a influência das variáveis ecomicas e sociais, como o vel de
desenvolvimento econômico, a estrutura de classes e as fases de industrialização, no processo
de mudança potica.
Para O’Donnell e Schmitter (1988), as transições de regimes autoritários dividem-se em
duas fases. Na primeira, a liberalização, há a substituição ou afrouxamento de algumas regras,
diminuindo a repressão e restabelecendo alguns direitos individuais e coletivos. Na segunda,
chamada democratização, estabelecem-se regras de alternância no poder por extensão dos
direitos de cidadania e eleições livres.
Assim, a liberalização, também chamada distensão, descompressão ou abertura, momento
necessário à transição para um regime democrático, não seria suficiente para que a essa fosse
alcançada.
Para Share e Mainwaring (1986), existem três tipos de transições:
Transição provocada pela derrocada ou colapso do regime autoritário,
com controle quase nulo das elites.
Transição por afastamento voluntário da elite dirigente por entender que
tem pouca legitimidade, caso em que, ao mesmo tempo em que se distancia, a
elite garante para si alguma parte do controle dentro das novas regras poticas.
Transição pela transação”, em que as elites dão início à transição, mas
o controle sobre ela é muito maior, pois goza de legitimidade, pode competir
em eleições livres e negociar a agenda de reformas, que é gradual.
As transições negociadas podem assumir duas caracterizações: a) transição baseada em
acordos entre elites, cujos pactos se estendem a questões de dio prazo, e transição por
145
Vale lembrar que a teoria hegemônica é bastante ptica quanto às possibilidades de consolidação dos países
da “terceira onda” de democratizações que são “intrinsecamente hostis aos padrões de representação normais das
democracias estabelecidas, à criação e consolidação das instituições políticas e, especialmente, à ‘prestação de
contas horizontais’” (O’DONNELL, 1993 apud ARTURI, 1999, p.165). Esses regimes democráticos não-
institucionalizados caracterizar-se-iam pela delegação aos governantes eleitos da possibilidade de realizarem
tudo que lhes pareça adequado para minorarem a crise econômica aguda, o que teria origem no estilo populista e
na baixa institucionalização que marcaram o passado político da região.
247
disputa regulada, na qual o acordo se restringe ao mínimo para a sustentação do marco
institucional. Em regimes autoritários “bem sucedidos”, haveria maior possibilidade de uma
transição negociada; do contrário, transições por colapso são mais prováveis, sendo a decisão
de abrir forçada pela oposição ao regime. Cabe aqui lembrar que, “se o bom desempenho
econômico não permite a institucionalização ad infinitum do regime, pode garantir-lhe uma
transição menos traumática” (MATHIAS, 1995, p.34).
Nas transições “pactuadas”, os agentes estariam divididos em dois campos e dois
subgrupos: a) no campo favorável ao regime autoritário, haveria os partidários da linha dura e
os da liberalização e b) no campo da oposição, ficariam os radicais e os cautelosos. A
transição avança à medida que os moderados dos dois lados, mais que perder tudo ao
sucumbir aos extremismos, preferem aliar-se e fazer concessões mútuas
146
.
Espanha e Brasil são exemplos de transições negociadas bem sucedidas. No Brasil, o
domínio militar no regime autoritário e na iniciativa de liberalizá-lo, contrapõe-se à menor
militarização da Espanha, cuja transição do franquismo à democracia foi conduzida por
lideranças civis. Outra discrepância entre os dois países foi a velocidade do processo. No caso
espanhol, a transição é breve e a renovação de suas elites poticas, rápida. entre nós, a
transição é de longa duração, marcada pelo gradualismo e por um assombroso grau de
continuidade das lideranças do antigo e do novo regime, o que problematiza sobremaneira sua
consolidação.
As transições negociadas têm duas características: a) total insegurança dos agentes quanto
ao futuro (desconfiança mútua) e b) força do personalismo para a continuidade da distensão
rumo à democracia.
O sucesso potico dos regimes autoritários pode ser, por seu turno, visto com base no grau
de institucionalização alcançado (resultado da somatória da legitimação e a normalizaçãoou
valor em si – em torno das regras do jogo), no grau de militarização (a participação e o quanto
os militares vêem-se como responsáveis pelo regime), no nível de seu desempenho
econômico, e ainda nas diferenças em relação à tradição e à cultura poticas anteriores à sua
implementação (MATHIAS, 1995).
146
Monclaire (2001) critica essas análises da cognominada transitologia por isolar elites em negociações a portas
fechadas, fazendo reaparecer as macroestruturas quando o pacto está concluído. Assim, a transitologia cobriria
somente o “curto prazo”, não se preocupando com as situações políticas derivadas dos pactos.
248
No caso brasileiro, o maior grau de institucionalização deveu-se à periodicidade das
eleições, que lhe garante certa “legitimidade”. Ao contrário de outros regimes, no continente,
no Brasil, não houve uma “ditadura personalizada”, geradora de caudilhos, na qual o chefe de
governo e o das Forças Armadas seriam uma mesma pessoa.
O autoritarismo não eliminou as formas tradicionais de expressão potica, constituindo
uma ordem potica híbrida, em que formas autoritárias conviviam com uma limitada
autonomia das instituições representativas. Para Maria do Carmo Campelo de Souza (1976),
em uma sociedade relativamente desenvolvida e complexa, o sistema partidário é
instrumentalidade institucional quase substituível. Destarte, o Parlamento foi mantido aberto
exceto por três períodos (outubro de 1966, dezembro de 1968 a outubro de 1969 e abril de
1977) –, mas o Congresso teve sua participação, mais e mais, reduzida na formulação de
políticas e a Constituição de 1967 não indicou controles mútuos entre os três poderes.
Entre nós, “a Presidência da República foi encarada pelos militares como um órgão civil e
os oficiais-generais que a ocupam faziam-no como cidadãos” (MATHIAS, 1995, p.36)
147
.
Nesse caso, o revezamento cumpria o papel de impedir a caracterização do governo como
ditatorial, o que condiz com a tradição política do país, caracterizada, desde a independência,
pela competição intraelites pelo poder político através de eleições
148
.
De fato, as formas tradicionais de expressão potica parecem perfeitamente adaptáveis a
qualquer gradiente de centralização. Como lembra Mainwaring (2001), as elites brasileiras
sempre preferiram partidos frouxos e descentralizados e forjaram um sistema em que a
competão política implica tanto o acesso à patronagem quanto a disputa entre partidos com
diferentes propostas ideológicas. A preferência por esses partidos pro forma impediu que a
fidelidade aos deres de um partido nacional concorresse com a fidelidade aos governadores e
presidentes que controlam os fundos públicos.
As especificidades do regime brasileiro levam-nos a julgar que melhor que a designação
de ditadura ou de regime militar é a de regime autoritário burocrático-militar. Geisel (1993-
1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.68) informa que essa tradição de aliança civil-
militar remonta à Revolução de 1930, que “só venceu porque os militares, dessa vez, se
147
Exemplo disso é a fala do presidente Geisel (1978, p.98): “procuro governar o país como um civil”.
148
Se a cultura política corresponde às bases sociais em que estabelecem as relações entre os indivíduos na
sociedade, a tradição política refere-se, em interação com a cultura, ao arranjo institucional e às práticas políticas
do país.
249
juntaram aos poticos”, já que, até então os militares tinham feito revolução quase que à
revelia dos poticos e nunca tinham conseguido vencer” e, por outro lado, os poticos,
querendo a revolução, não dispunham de meios de fazê-la. Assim, teria havido “praticamente,
uma junção dos interesses das duas correntes” que se consolidou a despeito do recíproco
desprezo entre os militares e os poticos em geral e da depreciação de ambos pela
sociedade civil.
Os regimes autoritários burocrático-militares caracterizar-se-iam como arranjos poticos
marcados por
[...] uma coalizão, na qual oficiais das Forças Armadas e burocratas ocupam uma
posição predominante, mas não detêm poder exclusivo, estabelecem o controle do
governo excluindo ou incluindo outros grupos sem se comprometer com uma
ideologia específica, agindo pragmaticamente dentro dos limites de sua mentalidade
burocrática e sem criar ou permitir que um partido único de massa desempenhasse
um papel dominante (LINZ, 1980, p.149).
Mas, “regimes autoritários, quaisquer que sejam suas raízes na sociedade, quaisquer que
sejam suas conquistas”, confrontam-se com limitadas possibilidades de institucionalização
completa e autoconfiante”, afiança Linz (1980, p.30), daí não ser recomendável exacerbar o
papel do voluntarismo potico na construção da democracia. É na interação entre a estrutura
econômica, social e potica pré-existente e a estratégia dos agentes poticos que se deve
buscar os arranjos institucionais e comportamentais que condicionam as possibilidades de
consolidação democrática.
Arturi (1999), analisando a produção teórica sobre as transições de regime, aponta uma
guinada de marco conceitual e empírico desses estudos nos anos 1980, com o desmonte dos
regimes do Leste Europeu. No primeiro ponto, observa-se que as interpretações
macroestruturais foram substituídas pelas varáveis exclusivamente políticas. Nesse sentido, a
obra de O'Donnell e Schmitter (1988) é seminal e responsável pelo consenso da literatura
especializada em torno do argumento de que os regimes autoritários, em que a repressão foi
menos brutal e o crescimento econômico, mais significativo, possuem maiores recursos
políticos que lhes permitam tomar a iniciativa de “abrir” o regime e negociar com a oposição
a passagem do poder, resguardando algumas de suas prerrogativas e sua sobrevivência
política.
Para Arturi (1999), houve, igualmente, nesses estudos, alterações na hierarquização do
valor explicativo das variáveis segundo a fase do processo de democratização, com o foco
250
analítico deslocando-se das condições de emergência das transições para os dilemas relativos
à consolidação da democracia. Aqui, considera-se que, durante a transição, as variáveis mais
influentes seriam aquelas concernentes à qualidade da ação dos agentes poticos e à interação
de suas estratégias e que, após a instauração do regime democrático, as condicionantes
macrossociais e institucionais constituir-se-iam os agentes mais importantes para o sucesso ou
fracasso da consolidação do novo regime. Para esse autor, tais mudanças de enfoque
refletiriam uma ausência de modelos explicativos.
Além disso, Arturi (1999) assinala o deslocamento do interesse das pesquisas da fase
inicial da transição para a problemática da consolidação da democracia, emergindo daí uma
crítica aos limites da democracia potica e às chances de sua consolidação na ausência de
profundas reformas econômicas e sociais. A chamada consolidologia desvela que a
democracia não exige um apoio explícito e amplo da população às instituições do novo
regime, mas de uma aceitação, implícita, de sua importância.
Mathias (1995, p.23), recuperando Lamounier (1979), afirma que a distensão ocorreria em
dois níveis:
O processo, entendido como “conjunto de fenômenos ligados à
crescente deslegitimação do regime, sejam eles ações deliberadas de crítica e
contestação empreendidas por grupos da sociedade civil, sejam os dilemas a
que se viu arrastado o próprio regime”, seja, finalmente, “simples sintomas de
descrença ou de falta de empenho na preservação do autoritarismo por parte de
parcelas dos círculos dirigentes”.
O discurso, “conjunto de manifestações públicas, cerimoniais,
simbólicas”, através das quais “os círculos dirigentes procuram, ora conter, ora
dirigir e canalizar o processo em suas diferentes facetas”. Essa assertiva vai ao
encontro da expressa por Hannah Arendt (1995), ao afirmar o discurso como
forma de ação política, sendo, por definição, aquilo que faz do homem um ser
político. A intenção de promover uma distensão “gradual e segura” seria,
dentre essas manifestações, o mais citado e notório discurso, no caso brasileiro.
Para complementar esse esquema analítico, Mathias (idem, p.23) propõe um terceiro
elemento: o projeto, “a estratégia elaborada pelo grupo do poder no sentido de proceder à
distensão ‘lenta, segura e gradual’, expressando as intenções e os limites de uma ação nesta
direção e comportando um grau alto de voluntarismo por parte de seus proponentes”.
251
Cabe ressaltar, todavia, que, por mais fechado que seja um regime potico, ele comporta
algum grau de conflito, fruto da dinâmica social. Nesse caso, o projeto, como estratégia de
ação, “procura sem êxito alcançar todas as possíveis respostas para sua proposta”. Já o
processo, “ainda que impulsionado pelo projeto, muitas vezes foge ao controle porque toda
mudança traz consigo uma dinâmica autônoma que faz nascer novos horizontes” (MATHIAS,
1995, p.109).
Quanto à consolidação da democracia, esse período de duração variável, constitui uma
espécie de segunda transição, cuja avaliação da estabilização e do enraizamento do novo
regime requer um considerável recuo temporal. A consolidação da democracia caracteriza-se
pelo estabelecimento sólido de estruturas e procedimentos que pretendem durar. Essa fase é
bastante distinta da de transição, marcada pela fluidez e a incerteza.
Para Stéphane Monclaire (2001), a consolidação é um quíntuplo processo, cujas fases
combinam-se e nutrem-se umas das outras: 1) valorização desse tipo de recurso (processo já
iniciado no fim da transição); 2) objetivação da superioridade progressivamente construída e
atribuída ao valor desses recursos; 3) aprendizagem desse valor em via de estabilização e já
parcialmente objetivada; 4) aumento dos usos táticos desses recursos mais e mais legítimos, e
5) rotinização de seu uso.
A consolidação seria esse momento (de duração variável), no qual população é levada a
depositar sua confiança nas instituições, nas relações inter e intrainstitucionais que organizam
a redistribuição de poder no seio do Executivo e do Legislativo, nos níveis local e nacional, e
naquelas encarregadas de fazer respeitar essas modalidades, com base no “valor de ordem”
que nelas reconhecem.
A consolidação da democracia exige que a incerteza em relação à competição pelo poder
torne-se aceitável para os principais agentes. É preciso que eles concordem que os vencedores
de eleições, independentemente de quem sejam, assumam o poder, mantendo as regras do
jogo. Vale lembrar, porém, que a incerteza quanto aos resultados da competição eleitoral é
aceivel para os dirigentes do regime autoritário acompanhada de outras “certezas”, que
restrinjam o alcance de eventuais reformas econômicas, sociais e poticas, implementadas por
qualquer força potica que vença a disputa pelo poder.
Em uma democracia consolidada, ninguém “considera que haja uma alternativa aos
procedimentos democráticos para obter o poder”, e “nenhuma instituão ou grupo potico
252
tem direito a vetar a ação daqueles responsáveis pelas decisões democraticamente eleitos”
(LINZ, 1990 apud MONCLAIRE, 2001, p.13).
Trata-se de uma incerteza limitada, o que leva, segundo Arturi (1999), alguns analistas a
afirmarem que toda transição bem-sucedida seria basicamente conservadora, por implicar
acordos e pactos, públicos ou implícitos, que garantam a propriedade privada, a não
perseguição dos dirigentes autoritários no novo regime e sua sobrevivência política.
Assim, os elementos que favorecem a transição, como a moderação e objetivos
minimalistas da oposição e o oportunismo e controle por parte dos reformistas do regime,
revelam-se, posteriormente, constrangimentos à consolidação da democracia. Se “as forças
que promovem a democracia precisam ser prudentes ex ante e desejam ser resolutas ex post”,
as decisões anteriores criam condições que são difíceis de reverter depois, pois elas preservam
o poder das forças associadas ao regime autoritário(PRZEWORSKI, 1994, p.111).
O próximo tópico discute como esses elementos teóricos se expressam e se articulam na
distensão lenta, gradual e segura”, o caso brasileiro.
6.2 Transição à brasileira: habemus inc signus vencis
A lenta e gradativa liberalização do regime (a longa ponte entre os anos de 1974 e 1985) e
a utilização da arena eleitoral como recurso institucional privilegiado produziram um
simulacro de “normalizaçãodo processo. As regras do jogo político foram “naturalizadas
nos cálculos e na elaboração de estratégias dos principais agentes do período.
Consonante Arturi (1999, 2001), tratava-se de uma tentativa bem sucedida de
institucionalizar uma democracia “forte”, na qual os militares mantivessem direito de veto
sobre a vida potica do país e se consolidassem como um dos agentes poticos centrais, com
grande poder informal, sobretudo em momentos de crise potica. Arturi (1999) defende que a
vitória do projeto militar, com a institucionalização de uma “democracia forte”, faz-se à
revelia da eleição indireta do líder da oposição moderada, Tancredo Neves, para presidente da
República em 1985.
Para Gonçalves e Miyamoto (1993), a marcha da redemocratização não se marcou pela
linearidade ou pelo controle absoluto dos dirigentes sobre o processo. A crise ecomica
interna, acentuada pelo quadro recessivo externo, teria atiçado a impaciência da sociedade
253
pelas reformas, condicionando o surgimento de sérios percalços. Oscilando de acordo com o
movimento cruzado das correntes pró e contra abertura, a distensão procurou cumprir seu
juramento sem confrontar-se com os elementos do círculo castrense.
Genericamente, um processo de democratização envolveria três etapas: o início da
dissolução do regime autoritário, a criação da democracia e a consolidação do novo regime.
No Brasil, a primeira foi de março de 1974 a março de 1985, abrangendo os governos dos
generais Geisel (1974-1979) e Figueiredo (1979-1985). A segunda etapa desenvolveu-se
durante o governo civil de José Sarney (1985-1990), marcando-se pela proclamação da
Constituição de 1988 e pelas eleições diretas para a presidência em 1989. A consolidação
democrática iniciou-se com a posse, em março de 1990, de Fernando Collor de Mello, o
primeiro presidente eleito por sufrágio universal, afastado do cargo por um processo de
impeachment em dezembro de 1992, o que, para muitos analistas, indicaria um novo patamar
de maturidade potica dos brasileiros.
Questionando-se sobre os motivos que levaram o regime autoritário à transição, Mathias
(1995, p.40) propõe como determinante a erosão da legitimidade que passa a se esboçar no
final do governo Médici”, que desvelaria ser a persistência do autoritarismo contraprodutiva
por implicar uma degradação progressiva da validade do poder político e das relações entre as
elites e o Estado.
Essa tese sustenta-se em quatro fatores:
“A ‘resistência aos radicalismos’ inerente à cultura política brasileira”.
“A necessidade de o país manter uma imagem no exterior de uma
democrática estável”.
A resistência à repressão “pois não mais existia perigo aparente” e se
era possível ao governo administrar a crise, não o era manter os mesmos
índices de crescimento e atender às novas demandas”.
A mudança na relação instituição militar e regime, pela autonomia da
comunidade de informação e segurança que estava se constituindo num
Estado dentro do Estado” (MATHIAS, 1995, p.44-45), controlando, mesmo a
fidelidade da elite dirigente (incluindo a hierarquia militar) à Revolução, em
função de seus próprios critérios ideológicos.
254
Moisés (1979, p.8) afirma:
La crisis permanente de legitimidad se profundiza y comienza a cuestionar los
propios mecanismos de ejercicio de mando. Sectores sociales cada vez más amplios
se integran al proceso de discusión de los fundamentos de la propia autoridad del
régimen. Lo que era una simple crisis de legitimidad comienza a evolucionar para
transformarse en el inicio de una crisis de autoridad, característica, además, de la
formación de los Estados nacionales en América Latina, que carece de clases
dominantes locales fuertes o suficientes para instaurar su hegemoa.
Além dessa, há outras vertentes interpretativas da transição:
A estratégico-conservadora afirma que a transição evita o desgaste de
poder e enfatiza os custos da continuidade, como a crescente autonomia da
comunidade de segurança e informação, que a transformou em uma espécie de
“força armada paralela”, o que, para o regime potico, significava o
descontrole sobre a repressão e, no médio prazo, a perda do monopólio da
força.
A estrutural-crítica sustenta que o governo se viu acuado pela crise do
petróleo de 1973. Nessa perspectiva, é destacado o fato de que, no final dos
anos 1970, a inflação chega a 94,7% ao ano; em 1980, atinge 110% e, em
1983, 200% e a aceleração do desemprego (IBGE, 1970-1984).
A liberal-democrática explica a erosão da legitimidade pelo êxito
econômico que ampliou as demandas da sociedade civil. Essa concepção
acentua as afinidades eletivas entre o regime burocrático-autoritário e a
industrialização e afirma que são os sucessos dos diferentes governos militares
nos campos potico e econômico que ofereceram um terreno procio ao
retorno do velho projeto liberal-conservador. O governo Médici conduziu à
mais forte inflexão no ritmo e na amplitude do desenvolvimento, produzindo a
generalização do ethos capitalista em todos os setores econômicos e todas as
regiões do país” (ARTURI, 1999, p.185).
A da crise de hegemonia valoriza o papel dos movimentos sociais e dos
trabalhadores no s-1978. Nessa perspectiva, as grandes greves dos
metalúrgicos paulistas no final da década de 1970, acelerou a “abertura
política” do governo Figueiredo, introduzindo um agente político estranho ao
conjunto das forças que, até então, eram os únicos protagonistas da transição.
255
Para alguns autores, como Carvalho (1989), o projeto da distensão política teria sido uma
estratégia articulada e amadurecida no decorrer do governo Médici, objetivando minimizar a
coerção, enquanto garantia a continuidade do regime. Vale lembrar que Médici contava com
grande apoio da população, tendo sido aplaudido por 150 mil pessoas ao término do governo.
Essa hitese assenta-se no reconhecimento de que a vontade de Médici foi determinante na
escolha de Geisel para sucedê-lo na presincia da República e no convite feito a Samuel
Huntington, em meados de 1972, para formular um roteiro de reformas liberalizantes para o
regime, então no ápice da repressão. Essas sugestões, entregues ao ministro-chefe da Casa
Civil do governo Médici, Leitão de Abreu, seriam aproveitadas, dois anos mais tarde, pelo
General Golbery do Couto e Silva.
O caráter pró-ativo de Médici na distensão teria sua origem, segundo essa leitura, com a
reunião do presidente com seus colaboradores mais próximos, como o general Figueiredo,
chefe do Gabinete Militar, em janeiro de 1971, que aprovou a candidatura de Geisel, um
nome que, supostamente, preservaria a unidade militar. Em entrevista ao CPDOC, o general
Carlos Alberto Fontoura (2005), chefe do SNI no governo Médici, afirma que o presidente
costumava dizer que abriria o regime se o país estivesse completamente pacificado, sem
nenhum surto guerrilheiro. Como a guerrilha se estendeu, o presidente teria cumprido o que
prometeu: colocar um general em seu lugar, temendo que um civil não conseguisse debelar “a
crise guerrilheira”.
A partir dessa data até sua posse em janeiro de 1974, Geisel teria contato com um círculo
íntimo de colaboradores que estabeleceu contatos com a área militar, o governo e setores do
sistema potico e da sociedade civil, formulando questões com foco nas mudanças que
deveriam ser realizadas na organização do Estado. Enquanto o general Golbery, então
coronel, entrava em contato com o empresariado, a Igreja
149
e outros setores da oposição
“legítima”, o general e o ministro de Ercito Orlando Geisel e Figueiredo movimentavam-se
no âmbito da burocracia militar no governo
150
.
149
Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.276) menciona sua surpresa com a presença, em sua
posse, de “vários bispos e cardeais” apesar de “não ser católico, mas luterano”, o que parecia ser “uma
demonstração de boa fé e de confiança na mudança do quadro nacional”.
150
Alguns depoimentos de representantes da “linha dura’ ao CPDOC, no âmbito do projeto A volta aos quartéis,
informam que a aceitação de Geisel como “candidato oficial” do regime dependia de seu afastamento do coronel
Golbery, suspeito de propensões socialistas” ou “socializantes”. A presença de Golbery, no novo governo,
representaria, por conseguinte, uma traição.
256
Os nomes dos generais Ernesto Geisel e Adalberto Pereira dos Santos, como presidente e
vice-presidente da República, foram anunciados oficialmente pela ARENA apenas em junho
de 1973, sendo eleitos em 15 de janeiro de 1974 e empossados dois meses depois. O Colégio
que escolheu Geisel tinha três delegados de cada Assembléia Estadual e mais um
representante para cada 500.000 eleitores de cada Estado.
A facção militar que constituiu o governo Geisel tinha como preocupações centrais
restabelecer a ordem no âmbito da burocracia militar e o prestígio das forças armadas
enquanto instituição, o que demandava reestruturar as relações entre o regime e a sociedade,
restabelecendo os direitos civis fundamentais, em resposta a uma crise potica cumulativa.
Para Golbery (1976 apud ALVES, 1985, p.186), “a repressão ilimitada, na busca de uma
segurança absoluta, levaria em última análise à debilitação da segurança nacional pretendida”.
Nesse sentido, como informa Fon (1981), os anos de 1974 e 1975 foram particularmente
difíceis para os homens integrados nos organismos de segurança, posto que a desativação do
aparelho de segurança do Estado teve início nos primeiros dias do governo Geisel, com
uma metódica campanha de dispersão dos agentes ligados ao CCC. Em 20 de janeiro de 1976,
o general da “linha dura” Ednardo d'Ávila Mello é afastado do comando do 2
o
Exército e
substituído pelo general Dilermando Gomes Monteiro, em conseqüência da morte do
jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho (ambos militantes do PCB), no
interior do DOI-CODI, órgão vinculado ao 2
o
Exército.
Quanto ao cenário da sucessão, em nenhum momento após ter assumido a presincia, em
março de 1974, Geisel acenou com a possibilidade de eleições diretas para a escolha do
próximo presidente, como desejava a oposição, deixando claro que os instrumentos de
exceção permaneceriam como salvaguardas constitucionais.
Para Corrêa (1980), a essência das “salvaguardas” era a manutenção, na Constituição, do
processo punitivo expresso no AI-5, condição rejeitada pelas forças de oposição, que, exceto
por pequenos grupos, continuam resistindo à sua aplicação. A meta de institucionalização do
regime, mediante concessões secundárias, conciliava medidas liberalizantes com a
consolidação do projeto autoritário, sintetizado na fórmula “continuidade sem imobilidade”.
Buscava-se uma ampliação da base consensual do regime, com vistas ao retorno ao “Estado
democrático”, sem a perda do controle potico.
Quando o governo Geisel deu início à liberalização potica em 1974, os militares
haviam consolidado a modernização conservadora, dizimado quase todos os focos de
257
guerrilha e de contestação armada. Mathias (1995, p.78-80 passim) reproduz excertos do
pronunciamento de Geisel à Nação, em 1
o
de agosto de 1975, em que se afirma o ter a
distensão uma “conotação exclusivamente potica”, visando ao indispensável
restabelecimento do chamado Estado de direito”. Vinculava, então, o presidente ao
desenvolvimento integral e humano” a distensão, entendida como “a atenuação, se não
eliminação das tensões multiformes, sempre renovadas, que tolhem o progresso da Nação e o
bem-estar do povo”. Esse “abrandamento das tensões” introduzia a temporalidade e o
continuísmo da mudança, que resultaria em “uma reforma bastante limitada dentro dos
marcos dessa ‘revolução’”.
Realizado o lema “segurança e desenvolvimento”, o regime alcançou apoio social e
recursos políticos e econômicos consideráveis, permitindo-lhe empreender uma estratégia de
transição potica. Em 1978, a mensagem geiselista era: “a revolução é tratada como
‘anormal’ e a distensão passa a ser vista como condição e não conseqüência do
desenvolvimento socioeconômico” (MATHIAS, 1995, p.106).
A distensão envolveu, ainda, a liberalização gradativa da imprensa
151
e do debate político,
acompanhada da relativa contenção dos órgãos de repressão. Revitalizou-se o sistema
partidário como arena de legitimação do regime, ao garantir-se a manutenção do calendário
eleitoral. As eleições parlamentares de novembro de 1974 beneficiaram a oposição
institucional representada pelo MDB, que, aproveitando a maior liberdade de imprensa, fez
uma expressiva campanha de denúncias contra a violação dos direitos humanos, a
concentração de renda e a desnacionalização da economia, impetradas pelo regime. Apesar
desse espectro de denúncia para fora”, a postura adotada pelos deres da oposição durante
toda a campanha eleitoral” [mostrava] que “independentemente dos resultados eleitorais, o
MDB apoiava o projeto geiselista” (MATHIAS, 1995, p.113).
Para sua própria surpresa, o MDB conquistou mais de um terço do Congresso, levando o
governo a perder a maioria necessária para emendar a Constituição. Esse resultado, com a
redução das abstenções a 19%, foi impulsionado pela anticandidatura” de Ulysses Guimarães
e Barbosa Lima Sobrinho à presincia, o que demonstrou que “o MDB havia compreendido
que não existiam mecanismos fora das regras do jogo para chegar ao poder” (MATHIAS,
1995, p.65).
151
Para alguns analistas, o fim da censura prévia à imprensa seria parte da estratégia geiselista de contenção da
“linha dura” e do aparato repressivo que essa manipulava. A denúncia dos “excessos”, eufemismo para tortura e
assassinatos, constituir-se-ia em um instrumento de redução do número de casos.
258
Schwartzman (1988), analisando o voto do MDB em São Paulo, em 1974, afirma que esse
voto, ainda que mantendo as clivagens cio-econômicas tradicionais, revelou-se, claramente,
como de protesto contra o Estado centralizado e autoritário. Nesse contexto, o MDB emergia
como anti-governo e anti-elitismo, símbolo de um novo estado de coisas. Os votantes do
MDB, ao contrário dos arenistas, preferiam o voto direto, o governo eleito e acreditavam na
sabedoria do povo.
Nas eleições gerais de 1974, na votação do único partido legal de oposição: o MDB,
configurava-se uma frente política integrada pela pequena burguesia, setores da
burguesia e a classe operária, e respaldado pela Igreja Católica, que trazia pela mão
o movimento sindical rural, o campesinato organizado e as associações populares
urbanas, em cuja organização havia invertido notável esforço. Desde esse momento,
a redemocratização se convertia em uma exigência da luta de classes no país, que o
regime militar podia aspirar a moderar e dirigir, mas que não estava em condições de
impedir (MARINI, 1986, p.18-19).
Arturi (1999) informa-nos que, em 1970, foram eleitos 41 senadores da ARENA e cinco
do MDB e 72% dos deputados eleitos eram da situação (220 contra 90 do MDB), num quadro
em que as abstenções, apesar da obrigatoriedade do voto, chegaram a 23% e os votos nulos e
brancos somaram 28%. Até esse momento, o descrédito do MDB era muito grande, quer por
sua fragilidade quer pela extrema moderação e conformismo de sua campanha potica. Além
disso, havia a campanha pelo voto nulo desenvolvida pelas esquerdas que, nesse momento,
em sua maioria, sustentavam uma luta armada contra o regime e consideravam o MDB um
instrumento de legitimação do regime. A maioria dos eleitores que anularam seu voto em
1970, por orientação de partidos clandestinos e de grupos de esquerda, votaram no MDB em
1974.
Assim, concordamos com a avaliação de Mathias (1995), que afirma que as eleições de
1974, independentemente de seu resultado, representaram um ponto a favor do governo, pois
o importante era a sua realização em clima de relativa liberdade e a legitimação da
democracia liberal representativa.
A aceitação pelo governo Ernesto Geisel dessa vitória é considerado o marco da distensão
brasileira, realizando-se à revelia das “sérias divergências no interior das Forças Armadas,
com dividendos para a ‘linha dura’ que certamente se apropriou do fato para criticar a potica
do governo, acusando-a de contra-revolucionária” (MATHIAS, 1995, p.106). De acordo com
a teoria potica, a distensão tem início apenas quando uma confiança de todos os
envolvidos de que o processo terá continuidade. Como todos os generais-presidentes haviam
259
prometido restaurar a ordem democrática
152
, é óbvio que a desconfiança era grande naquele
momento.
É preciso que se registre que Geisel vivera “profunda insatisfação”, passando a defender a
tese de que as eleições não fortaleceram a democracia, pois o voto não foi ‘esclarecido’ e a
campanha pautou-se por interesses pessoais, e não nacionais”. Do mesmo modo, reforçara sua
crítica em relação à ARENA, que “falhara no papel que sempre lhe foi atribuído e que nunca
exerceu satisfatoriamente, de fazer-se o sustentáculo potico da Revolução de 31 de março de
1964’” (CASTRO, 2002, p.45-46 passim).
Tal aceitação das regras do jogo por Geisel, à revelia da “linha dura”
153
e do próprio
descontentamento, reforçou a confiança dos principais agentes políticos do período, quer do
regime, quer da oposição, de que a candidatura Geisel vinha acoplada a um projeto de
liberalização potica e de abandono do Estado de exceção. Para Geisel, os partidos poticos
do governo e da oposição eram os “veículos exclusivos de participação do povo na
organização do poder e responsáveis pela autenticidade do sistema representativo”, cabendo-
lhes concorrer decisivamente para o aperfeiçoamento da estrutura política nacional”
(GEISEL, 1973 apud MATHIAS, 1995, p.99). O presidente acreditava que os partidos
políticos faziam parte de umestilo de vida democrático”, colocando “o povo no poder
público”. A proteção de todas as categorias da população corria por conta da Justiça do
Trabalho e do INPS.
Todavia, face à vitória da oposição em 1974, as eleições municipais de 1976 sofreram
severas restrições da propaganda eleitoral. Quatro meses antes dessas eleições, entrava em
vigor a baixou a Lei 6.339, cognominada “Lei Falcão”, pela qual os partidos poticos
exporiam, no rádio e na televisão, sua denominação, seu número e o currículo dos candidatos,
com uma fotografia em se tratando da televisão. Mesmo com tais artifícios, a Arena teve
apertada vitória, conseguindo 35% dos votos contra 30% para o MDB.
152
O próprio Médici (1971), em seu discurso de posse, afirmara pretender deixar, ao término de seu período
governamental, definitivamente instaurada a democracia no país e fixadas as bases do desenvolvimento
econômico e social.
153
Arturi (1999) defende que as diretrizes gerais da DSN, a submissão militar aos princípios da hierarquia, ao
comandante chefe das Forças Armadas e os recursos de poder do general presidente resultaram em uma espécie
de ditadura personalista no seio do regime autoritário, que alargava o espaço de escolhas políticas ou
voluntaristas, criando permanente crise à medida que favorecia as dissidências e as clivagens no seio das forças
armadas, tomando a forma de uma oposição “interna” ao governo (em nome da defesa do regime por exemplo).
260
O Executivo apresentara, em 1977, projeto de reforma do Poder Judiciário, que propunha
a criação do Conselho da Magistratura, para disciplinar a atuação dos juízes, e a transferência
aos tribunais militares do julgamento dos policiais militares. Alegando que o partido
oposicionista não concordara com a proposta, em 1
o
de abril de 1977, o governo baixou o Ato
Complementar 102, que, em seu Art. 1º, decretou “o recesso do Congresso Nacional”,
embasado na jurisprudência de exceção do AI-5. De acordo com Art. 2º, § do AI-5,
decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar
em todas as matérias”, de modo que o governo teve alguns dias, para promulgar o Pacote de
Abril, que garantiria a maioria do Congresso para o partido do regime (ARENA) nas eleições
de 1978, assim como, no Colégio Eleitoral encarregado de escolher o próximo presidente da
República no início de 1979, além de adiar para 1982 as eleições diretas para governadores
dos estados, entre outras medidas arbitrárias.
Essa operação era perfeitamente coerente com duas idéias defendidas pelo presidente: a de
que “sobre o embasamento jurídico, prevalecia a revolução e que o Legislativo “era um
órgão necessário”, cujo funcionamento, “entre nós, era muito complicado, como ainda o é até
hoje” (GEISEL, 1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.p.176-189 passim).
O Pacote de Abril, incluso na EMC-8, representou uma obra de “engenharia geopotica”
que fortaleceu o governo contra resultados eleitorais adversos, decretando o crescimento
desproporcional das bancadas da Amazônia e do Nordeste no Congresso Nacional, com
impactos perversos até os dias atuais. “A oposição tinha suas praças-fortes nos estados mais
desenvolvidos, nas regiões mais industrializadas e nas maiores cidades”, como nos lembra
Alves (1985, p.192).
Pelo novo pacote, as bancadas estaduais da Câmara não podiam ter mais do que 55
deputados ou menos que seis. Com isso os estados menos populosos, controlados pela
ARENA, garantiram uma boa representação no Congresso, contrabalançando as bancadas do
Sul e do Sudeste, regiões em que a oposição era mais expressiva e o número de eleitores,
muito superior. O pacote criou a figura do senador biônico: um em cada três senadores passou
a ser eleito indiretamente pelas Assembléias Legislativas de seus estados. Modificou-se
igualmente o procedimento para encaminhar e aprovar emendas constitucionais, ampliando o
campo de manobras do governo.
Apesar dessas alterações das regras do jogo, a avaliação de Hércules Corrêa (1980, p.232),
membro do CC/PCB, então encravado no PMDB, é altamente positiva:
261
Conhecidos reacionários da Arena não conseguiram reeleger-se, e vários deles,
certos da derrota, não tiveram coragem sequer de se candidatar. No interior desse
partido, vozes se levantaram em oposição ao regime e agora parlamentares e
personalidades arenistas começam a ingressar no MDB. O balanço global das
eleições de 1978 é, portanto, muito positivo para as forças antiditatoriais. Elas
permitiram, mesmo com todas as restrições impostas pelo regime, que se realizasse
importante mobilização na campanha eleitoral.
À revelia disso, Geisel conseguiu, deste modo, controlar firmemente o processo de
liberalização, golpeando alternadamente a oposição e os militares da “linha dura”. Figueiredo
tem que governar com o povo. E quem representa o povo o os deputados e senadores. É
preciso, portanto, que deputados e senadores sejam a maioria da ARENA” afirma Geisel
(1979 apud MATHIAS, 1995, p.139).
Isso, obviamente, teve um custo. A partir desse ato arbitrário, as reações contrárias ao
governo Geisel aumentaram significativamente. O MDB passou a posicionar-se como um
verdadeiro partido de oposição e a apostar no caráter plebiscitário das eleições: “vote contra o
governo, vote no MDB”. Nessa conjuntura, nas eleições de 1978, a ARENA alcançou 50,4%
dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, ficando o MDB com 49,6%. Pelas normas da
EMC-8, porém, o partido governista ficou com uma bancada de 231 deputados e o MDB com
189. No Senado Federal, o MDB atingiu 56,9% dos votos, mas teve nove senadores
empossados, cabendo à ARENA 36, dos quais 21 “biônicos”, ou seja, eleitos indiretamente
sem voto popular. Quanto aos deputados estaduais, a ARENA chegou a 492, atingindo o
MDB 353 representantes nos Estados, o que sinalou expressivo crescimento.
6.2.1 O II PND e a oposição dos ricos
Com o II PND, que subordinou a economia ao Estado, tomado como “arquiteto do
futuro”, desencadeou-se uma forte mobilização patronal antiestatização, no “primeiro
movimento organizado de contestação aos governos militares partido da sociedade civil”
(ARTURI, 1999, p.268). Em entrevista a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro (1998, p.249-
251 passim), Geisel reproduz sua posição: “A estatização resulta de uma situação forçada! O
sujeito não é estatizante porque gosta, é estatizante porque é a única maneira de fazer as
coisas, e se não fizer as coisas o país não se desenvolve”, que a iniciativa privada não se
interessa pelo real desenvolvimento do país”.
262
O governo se lançara à realização de obra faraônicas (grandes hidrelétricas e centrais
nucleares, por exemplo) e à ambiciosa integração do sistema industrial, pela implantação de
indústrias petroquímicas e de bens de equipamentos. Em um contexto de crescente
intervencionismo estatal, a iniciativa privada, que sustentara o regime de exceção,
subitamente aderiu à democracia, clamando por “um sistema potico que permita a
participação de todos’” (MOTTA, 1979, p.126), c’est-à-dire em que essa assumisse uma
participação efetiva nas discussões dos problemas nacionais.
De fato, a ABDIB, fundada com o fito de garantir a implementação de uma potica
industrial votada para o setor de bens de capital, sempre esteve no centro do debate sobre a
política econômica do governo Geisel (VELASCO E CRUZ, 1995). Na tentativa de
neutralizar a oposição dos empresários paulistas, o BNDE, principal financiador do II PND,
criara, em 1974, três subsidiárias, para capitalizar as empresas priorizados no Plano através da
concessão de capital de risco: a EMBRAMEC, a IBRASA e a FIBASE. No Conselho da
EMBRAMEC, tomou posse, em 1974, Paulo Villares, diretor das Indústrias Villares S/A,
onde Lula da Silva trabalhou como torneiro mecânico
154
.
Apesar dessa representatividade no âmbito do governo Geisel, o empresariado voltou-se
contra suas poticas ecomicas, impulsionando intensa campanha contra a crescente
intervenção estatal, mormente nos setores de transporte, mineração e siderurgia, a partir de
1974. Em 1975, a ABDIB elaborara as primeiras críticas ao governo Geisel, afirmando que,
se o governo decidiu apoiar a indústria de bens de capital e ele é, por interdio das estatais,
o principal comprador, todos os problemas da indústria deveriam estar resolvidos. Apesar
disso, a indústria brasileira de bens de capital, que poderia produzir 80% dos equipamentos
necessários, responderia por apenas 56% de suas encomendas (ABDIB Informa n. 136/76).
Bianchi (2004) afirma que tais ões sinalizavam que os empresários não aceitariam o papel
subalterno ao qual haviam sido relegados.
Nesse contexto, em 30 de março de 1977, o governo assinou a Resolução 09 do CDE, que
reafirmou as diretrizes da potica industrial do II PND de apoio a empresa privada nacional,
notadamente o setor de insumos básicos, bens de capital e mineração. A Resolução
estabelecia que:
154
A eleição da ABDIB, para o biênio 1977-1978, empossou Carlos Ramos Villares como presidente. Lula da
Silva (1981) afirma que só uma vez esteve com o dono da Villares que lhe pareceu uma pessoa acessível. No seu
primeiro contato que teve com a área empresarial, alguns demonstraram maior aptidão para o sindicalismo livre,
mas não se chegou a discutir em profundidade
263
Os órgãos e empresas estatais importariam máquinas e equipamentos
quando não houvesse similar nacional, mesmo dispondo de limite no
orçamento de importações.
Realizar-se-ia um esforço de progressiva nacionalização de
componentes.
Primeiro, dever-se-ia determinar o volume do fornecimento de
equipamento da indústria nacional, para realizar, em seguida, concorrência
internacional, para que a parcela de produção não coberta pela indústria
nacional fosse adquirida no exterior.
A preferência, no caso de consórcios de fornecimento, seria dada àquele
sob liderança de empresas nacionais.
Em julho de 1977, com as denúncias da PETROBRÁS de atrasos nas entregas pela
indústria nacional, veio a ameaça de um decreto-lei revendo a legislação do similar nacional e
a Resolução 09, concedendo àquela estatal isenção total para importação de equipamentos.
Vários fabricantes produzindo os mesmos equipamentos, ausência de uma reserva de mercado
para os produtos nacionais, concorrência com multinacionais acarretaram uma
desnacionalização do setor (ABDIB Informa, n.146/77).
Bianchi (2004) acompanha a movimentação do empresariado no âmbito da FIESP.
Destarte, anota o discurso de posse de Theobaldo De Nigris, em novembro de 1977: “Em
verdade, o que desejamos é que decisões, por vezes fundamentais, sejam tomadas com o
prévio conhecimento de nossas posições e pontos de vista, evitando-se a surpresa, que cria
perplexidades desnorteantes e geram, em determinadas circunstâncias, desestímulo e
desânimo” (idem, p.124). Esse tema seria retomado no dezembro seguinte, quando De Nigris
afirmaria ser imprescindível uma ação coordenada entre governo e empresariado.
O ano de 1978 foi marcado pelo descontentamento da ABDIB pelo fracasso do II PND,
que teria suas metas revistas. Em julho, através do Fórum dos Líderes do jornal Gazeta
Mercantil, oito empresários, eleitos, um ano antes, como líderes por cinco mil empresários,
assinariam o Manifesto dos Oito: Antônio Ermírio de Moraes, diretor-presidente do grupo
Votorantin; Cláudio Bardella, ex-presidente da ABDIB e diretor-presidente do grupo
Bardella; Jorge Gerdau Johanpeter, diretor do Grupo Gerdau; JoMindlin, diretor da FIESP
e diretor-presidente da Metal Leve; Laerte Setúbal Filho, diretor-presidente do Grupo
Duratex; Paulo Velinho, diretor da ABINEE, vice-presidente da CNI e diretor do grupo
264
Springer-Admiral; Paulo Villares, ex-presidente do IBS e diretor do grupo Villares e Severo
Gomes, ex-ministro da Indústria e Comércio e diretor-presidente do grupo Parahyba.
Porque quando um Bardella está falando, ele fala como dono de uma coisa, a fábrica
é dele, então ele fala como dono. Eu acho que a diferença que existe é basicamente
essa: existem alguns dirigentes empresariais que têm assim mais decência, que têm
uma melhor postura do que outros para discutir, que têm um pouco mais de
responsabilidade do que outros (LULA DA SILVA, 1981, p.174).
Marini (1986) afirma que, nesse ínterim, a burguesia, no contexto da campanha contra a
intervenção do Estado na economia, viu destacar-se de seu interior os primeiros grupos
industriais favoráveis ao controle direto do aparato estatal, prescindindo da intermediação
militar, tendência que aumentaria à medida que o capital financeiro acentuara sua pressão
para apropriar-se da mais-valia gerada na produção.
O economista Luís Gonzaga Belluzzo (2004), assessor do grupo, analisando a conjuntura
em que o Manifesto foi elaborado, afirma que, apesar das taxas elevadas de crescimento, o
que preocupava era o ritmo do endividamento externo e o descasamento entre os projetos de
infra-estrutura, cujas receitas eram basicamente em moeda local e financiados em moeda
estrangeira.
Para Bianchi (2004, p.125-126), os signatários do documento tomavam como ponto de
partida uma perspectiva decenal e expressavam a concepção de que o desenvolvimento
econômico deveria estar “fundado na justiça social e amparado por instituições democráticas,
convencidos de que estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira”.
Na mais radical crítica potico-econômica do empresariado contra a administração Geisel,
eles introduziam a preocupação com a questão social”, entendendo que o desenvolvimento
da economia brasileira convivia com “desigualdades sociais profundas”, capazes de afetar “a
estabilidade social”. Defendiam, assim, que “qualquer potica social conseqüente” devia
embasar-se em uma potica salarial justa”, que levasse em conta “o poder aquisitivo dos
salários e os ganhos de produtividade médios da economia”.
La desilusión de la pequeña burguesía ante el fracaso del “milagro” encontró su
correlato en la protesta del empresariado de São Paulo, cansado de oponerse
inútilmente a los obstáculos a su intervención en la definición de la política
económica (léase, política de desaceleramiento de la economía y/o política de
estatización). Como observó Francisco de Oliveira, los empresarios de São Paulo
quieren saber “quién va a pagar el pato por la crisis”, pero como están alienados de
la política, no tienen acceso a las decisiones. Su protesta, seguida por la
reivindicación de la vuelta al Estado de Derecho, es la exteriorización de esa
265
insatisfacción (MOISÉS, 1979, p.7).
O documento afirmava a necessidade de uma “legítima negociação entre empresários e
trabalhadores”, o que exigiria “liberdade sindical, tanto patronal quanto trabalhista, e dentro
de um quadro de legalidade e de modernização da estrutura sindical”. Tal liberdade somente
seria exeqüível em um marco potico que permitisse uma ampla participação de todos”: um
regime dotado de suficiente flexibilidadepara absorver tensões sem transfor-las num
indesejável conflito de classes o regime democrático” (BIANCHI, 2004, p.126). A
democracia era indissociada, por conseguinte, da livre iniciativa e da economia de mercado,
que deveriam evitar “uma luta de classes de conseqüências imprevisíveis”.
À revelia do peso político dos signatários do Documento, ele o unificou a fala
empresarial. Da própria FIESP viriam as críticas de que seus autores o estariam dispostos a
participar de uma verdadeira economia de mercado, que pressuporia a não ingerência do
Estado na economia, ou seja, a inexistência do BNDES que os alimentava então. A crítica
antecipava a disputa eleitoral, travada em 1980, entre De Nigris e Luís Eulálio de Bueno
Vidigal Filho, proprietário da Cobrasma, presidente do SINDIPEÇAS e membro do CMN. A
vitória da chapa Renovação sem contestação, de Vidigal Filho, representou o triunfo do
projeto dos oito, com a incorporação de um de seus membros, Cláudio Bardella, e uma
ruptura geracional. Apesar disso, mantiveram-se lidas as relações entre os industriais
paulistas com o regime, de modo que, somente em 1980, o GPMI abriu, no parque industrial
paulista, 994 concorrências, envolvendo 730 pessoas e 11 empresas.
Efetivamente, o papel desempenhado pelo empresariado na transição democrática é pleno
de contradições: se o Manifesto dos Oito revelava sua oposição ao autoritarismo, em 1980, se
colocavam sob a liderança “firme e bem intencionada” do presidente Figueiredo. Tais
oscilações indicariam que o empresariado, dirigido pelo capital monopolista dos setores mais
dinâmicos da economia e tomado como uma das fontes de contestação ao regime burocrático-
militar, o apresentava a necessária unidade para elaborar um projeto de nação capaz de
impor-se ao conjunto da sociedade, limitando-se à defesa de interesses ecomicos imediatos
e de objetivos políticos transirios.
O empresariado ora avançava, ora recuava; ora via o movimento sindical como um
potencial aliado, ou um interlocutor necessário, ora, denunciando, na onda grevista, a
desordem. Em verdade, a onda grevista de 1978 estimulara a demanda e, se os sindicatos
grevistas” se mantivessem “despolitizados”, poderiam ser úteis. Tal não foi, todavia, a
266
avaliação dos dirigentes da FIESP que, em novembro de 1979, orientaram as empresas
associadas a não pagarem as horas paradas, a demitirem grevistas e a impedirem a sua
permanência dentro das fábricas, expondo-os à repressão policial
155
.
Em novembro de 1980, a Comissão de Negocião da FIESP chegou a um acordo com
sindicatos da capital, Osasco e Guarulhos, que representou um voto de confiança dos
operários à nova diretoria da Federação e, para Joaquinzão, dos metalúrgicos de São Paulo, o
início de uma nova era no relacionamento entre capital e trabalho. Assim, em março de 1981,
os acordos salariais dos metalúrgicos seriam concluídos, sem a interferência do governo, sem
greves e antes do prazo estabelecido para o dissídio da categoria.
Para Bianchi (2004, p.176-178 passim),
Em uma conjuntura recessiva o pacto social era levantado pelo empresariado como
uma saída para a criação de mecanismos de controle social mais eficazes que
pudessem incluir níveis mais elevados de contenção salarial em troca da estabilidade
no emprego. [...] O que a presença do pacto revela, portanto, é que o conflito existe
como uma ameaça presente ou potencial. Revela, a existência de lideranças
empresariais capazes de articular respostas políticas flexíveis adaptadas a contextos
particulares.
Destarte, o “espírito dos oito manteve-se na nova diretoria da FIESP, impondo,
momentaneamente, outra relação com o regime autoritário em crise. Tal espírito não era
outro, porém, que o do revanchismo. Vidigal Filho (2005, p.2), voltando-se àquela
conjuntura, afirma: “Nós fomos induzidos ao erro, mas nós erramos muito”. De fato, o
Cláudio Bardella está aí, pois “ele não entrou naquele clima e sobreviveu. Vendeu uma parte
da empresa para a Schüller, mas continua atuando como empresário. Mas toda a indústria
ferroviária quebrou”.
Para o ministro Velloso (1977), o grande problema era fazer o empresário nacional se
engajasse em GPIs, em meio a uma grande recessão mundial e a solão foi orientar todo o
sistema de incentivos governamentais, via BNDE
156
, para esses setores, considerados da mais
alta prioridade. A tática funcionara, com a empresa privada nacional, enfim, decidindo-se a
correr riscos elevados.
Foi essa assumpção do risco que levou a Vibase, de Paulo Villares, em Araraquara-SP, a
155
O SIMESP propusera medidas semelhantes, em fevereiro de 1979, defendendo uma reforma que
fracionasse os sindicatos metalúrgicos e a aplicação da LSN dos líderes sindicais da greve ilegal.
156
Só em 1976, essas operações alcançaram o montante de Cr$ 5,6 bilhões.
267
naufragar junto com o II PND. Ligada ao plano de expansão siderúrgica, a empresa previa
produção de 45 miles de ton./ano e o patamar atual é de 30 miles de ton./ano
157
, o que
mostra a desproporção das metas, que aceleraram o processo de desnacionalização do nosso
parque industrial.
David Friedlander e Ricardo Grinbaum ([1999] 2008) afirmam que a Villares foi o nome
que melhor representou o sonho brasileiro de ter um parque industrial igual ao das grandes
potências. Entrando de corpo e alma no projeto do Brasil Grande”, fez um plano ousado,
investindo mais de US$ 600 milhões em 15 empresas e 23.000 funcionários. Quando as novas
fábricas ficaram prontas, veio a crise da dívida externa e a Villares perdeu seu principal
cliente: o governo.
Apesar da revolta, a inércia. O empresariado brasileiro, mesmo associando-se a uma gama
de economistas “oposicionistas”, ao priorizar a intervenção na conjuntura, mostrou-se incapaz
de (ou desinteressado em) forjar um projeto de hegemonia potica, um “projeto de nação”,
fator relevante aos rumos da transição brasileira.
6.2.2 Frota e o sucedido
A demissão, em 12 de outubro de 1977, do ministro do Exército, Sylvio Frota, que
almejava suceder a Geisel, mostrou a todos os agentes da transição a segurança da
continuidade do processo. Frota era reconhecido como membro da “linha dura” e essa
desqualificação como candidato rompia com um dos pactos implícitos do regime: a sucessão
entre sorbonnistas” e a linha dura”. Os momentos que precediam a sucessão presidencial
eram sempre de tensão no campo militar, apesar desse rodízio no poder o que estimulava a
formação de facções nas Forças Armadas
158
. Estudos mais recentes, como o de Carlos Fico
(2004, p.81), afirmam que o “moderadode ontem poderia ser o “duro” de amanhã e que
muitos eram duros” para algumas questões e “moderados”, para outras, de modo que “a
157
Belluzzo (2004).
158
A partidarização de o aparelho militar atingiu seu ápice após a doença do presidente Costa e Silva em agosto
de 1969, quando assumiu o poder uma junta integrada pelos ministros de Exército, da Marinha e da Aeronáutica,
o que, segundo Geisel, se qualificaria como “o verdadeiro golpe”. O seu sucessor, o general Médici, foi
escolhido em um escrutínio reservado aos oficiais das três armas, em flagrante desrespeito às regras sucessórias
estabelecidas pela Constituição de 1967 (D’ARAÚJO; CASTRO, 1997).
268
clássica divisão entre linha dura e moderados não conta da diversidade de clivagens que
configuravam os diversos grupos militares”.
Essa demissão, efetivamente, abriu caminho para a indicação de Figueiredo, que não era
general-de-exército, como os demais presidentes da “Revolução”, mas general-de-divisão, o
que quebrava a hierarquia e “afastava, ainda que parcialmente, o Exército do centro político
decisório. [...] Figueiredo e Chaves foram confirmados pelo Cogio eleitoral como herdeiros
de Geisel por 355 a 266 votos (56% dos votos contra 80% em 1974)” (MATHIAS, 1995,
p.131), contra a chapa do MDB, encabeçada pelo general Euler Bentes.
Geisel conseguiu que a democratização seguisse nos seus moldes com a eleição de
Figueiredo, mas não impediu o avanço da oposição. Nas eleições legislativas de 15 de
novembro, a Arena obteve em todo o país 13,1 milhões de votos para o Senado e 15 milhões
para a Câmara; o MDB teve 17 milhões de votos para o Senado e 14,8 milhões para a Câmara
(ALVES, 1985).
A hegemonia dos setores liberais e conservadores, no interior das forças de oposição,
favoreceu o alinhamento das esquerdas às regras da transição negociada impostas pelo
regime. Em 1978, Geisel extinguiu o AI-5, o principal instrumento jurídico e o símbolo maior
da ditadura militar, que lhe permitia alterar unilateralmente as regras do jogo político, o que
deu à transição uma dinâmica própria, no sentido de que as medidas liberalizantes
constituíram-se em novas regras do jogo político, tornando improvável um recuo
institucional, sob pena de desmoralizar os partidários da liberalização e minar sua autoridade.
A EMC 11, que estabeleceu o fim do AI-5
159
, restituiu direitos de cidadania, espoliados
por este Ato, como o habeas corpus, e revogou o banimento de 120 presos poticos, todavia
estabeleceu novos controles por meio das “salvaguardas de emergências”. Assim, o
presidente, preocupado com a defesa do Estado e da sociedade doou aos brasileiros uma dose
tripla de segurança: o Estado de Sítio, as Medidas de Emergência e finalmente o Estado de
Emergência.
O Art. 158 dessa EMC, promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, afirma que, “nos casos de guerra ou a fim de preservar a integridade e a
independência do país, o livre funcionamento dos poderes e de suas instituições, quando
159
Para Geisel, preconizar a revogação do AI-5 o chega a ser contestação”, mas “lutar sistematicamente por
essa revogação porque o Ato seria um instrumento de arbítrio apenas aplicado para a manutenção de privilégios,
já é uma atitude contestatória” (CASTRO, 2002, p.47).
269
gravemente ameaçados ou atingidos por fatores de subversão”, o presidente da República,
poderá decretar o estado de sítio, o qual autoriza os seguintes atos coercitivos: a) obrigação de
residência em localidade determinada; b) detenção em edifícios não destinados aos réus de
crimes comuns; c) busca e apreensão em domicílio; d) suspensão da liberdade de reunião e de
associação; e) intervenção em entidades representativas de classes ou categorias profissionais;
f) censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas; e g)
uso ou ocupação temporária de bens das autarquias empresas blicas sociedades de
economia mista ou concessionárias de serviços públicos, bem como a suspensão do exercício
do cargo, função ou emprego nas mesmas entidades (BRASIL, 1978, Art. 158).
No ocaso de seu governo, Geisel faz aprovar a Lei 6.620/78, uma nova LSN, “que nada
mudou em termos das definições típicas da Lei de Segurança Nacional houve tão somente
um abrandamento das penas”, suprimindo-se as penas de morte e prisão perpétua e reduzindo
as demais. Não se tratou, porém, de “uma ‘humanização’ das penas. O que aconteceu foi uma
sofisticação do controle”, pois, como afirma Roberto Aguiar (1984, p.47), dadas as penas
exarcebadas da legislação anterior, “os juízes tendiam a absolver, para não condenar à morte
ou à prisão perpétua”.
A anistia e a reforma partidária
160
, ainda que implementadas no governo do general
Figueiredo (Geisel o único general-presidente a fazer seu sucessor) eram parte do projeto
Geisel
161
. Luiz Eduardo Greenhalgh (1999) informa que, desde o começo de 1975, os
primeiros movimentos pela anistia vinham se organizando e que, quando fundou-se o CBA,
em São Paulo, o general Golbery afiançou que não haveria anistia, posto que a revolução
continuaria a ser. No final de 1976, o mesmo ministro afirmaria a possibilidade de fazer uma
revisão caso a caso, podendo anistiar aqueles que não pegaram em armas ou que tiveram bom
comportamento carcerário.
160
Antes da Reforma, com a Lei 6.341/1976, Geisel intentara que os partidos políticos contivessem os
movimentos Estudantil e Trabalhista, permitindo que esses se fizessem representar nos Diretórios Municipais,
Regionais e Nacionais. O trabalhador seria ser sindicalizado (posto que o “indivíduo molecularizado” nada vale)
e o estudante, devidamente matriculado em estabelecimento de ensino, autorizado pelo Governo, somente
podendo participar do Movimento até 27 anos. Se eleito, esse trabalhador ou estudante desligar-se-ia do
respectivo Movimento. Esse formato de “participação” não obteve a aderência desejada.
161
Indagado sobre por que o concedeu a anistia no seu governo, Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO;
CASTRO, 1998) afirmaria que não o fez porque que o processo devia ser gradual, tendo sido necessário, antes
de prosseguir, sentir e acompanhar a reação, o comportamento das duas forças antagônicas: os militares mais
radicais e a área política da esquerda e dos remanescentes subversivos. Apesar de tanta parcimônia, a “linha
dura”, entrevistada pelo CPDOC, acusaria Geisel, de, não abrir, “escancarar” o regime.
270
O sistema partidário brasileiro, estabelecido em 1979, foi a base sobre a qual se ergueu a
transição brasileira, estratégia de grande êxito, apesar das crises poticas e econômicas.
Geisel legou ao general Figueiredo a tarefa de aprofundar a liberalização do regime e passar a
presidência a um aliado civil ao término de seu mandato. Como nos lembra Avelar (2004,
p.226), a ênfase no canal eleitoral, como cerne da participação, oculta os meios pelos quais
os segmentos da não-elite se organizam e se manifestam, particularmente nos países em que
as elites tradicionais sabem como manipular o sufrágio a seu favor, seja pelos vínculos
clientelísticos, pela coerção, seja pela violência”.
Face à necessidade de “recolocar os partidos no papel original de atores principais do
campo potico, fazendo refluir a suas atividades específicas as entidades o políticas que
tinham extrapolado sua área institucional” (COUTO E SILVA, 1981, p.32), o sistema
partidário brasileiro é reconstrdo em 1979, quando terminou o bipartidarismo. Mathias
(1995, p.99) reproduz o pensamento de Geisel sobre o tema:
A participação deve restringir-se aos partidos políticos. As demais associações civis,
como sindicatos, não têm e não podem cumprir essa tarefa. Quando as associações
‘fazem política’, isto é visto como ‘desvio’, como anormal e como mostra de que os
partidos não estão cumprindo seu papel. Porém, ao partido não cabe tomar decisões:
estas são responsabilidade do governo, que esacima das facções e interesses; ao
partido cabe simplesmente sugerir.
Na visão geiselista, o MDB “tanto já contemporizou com seus radicais que dificilmente
encontrará meios de compatibilizar-se com o processo revolucionário”, o que tornava “cada
vez seria mais generalizada a convicção da necessidade de uma reforma partidária que
extinguisse as atuais legendas” (CASTRO, 2002, p.48). Além disso, igualmente, “a Arena
falhara no papel ‘que sempre lhe foi atribuído e que nunca exerceu satisfatoriamente, de fazer-
se o sustentáculo político da Revolução de 31 de março de 1964’” (ibidem, p.46).
Essa reforma cristalizou o preconceito de Geisel com os partidos pequenos”, que ele
denominava inexpressivos, independentemente da importância da corrente potica
representada por eles. De fato, a reforma partidária de 1979, que extinguiu os dois partidos
então existentes e implantou o multipartidarismo
162
, fracionou a oposição para destruir o
caráter plebiscitário, crescentemente desfavorável ao regime, das eleições. O MDB era “um
conglomerado de diferentes grupos de oposição que dispunham, como canal potico, do
162
O bipartidarismo imposto vigorou de 1966 a 1979. O regime autoritário, para garantir o controle do processo
político, produziu três sistemas partidários distintos.
271
único partido legal de oposição”, de sorte que era do interesse do Estado de Segurança
Nacional a extinção do MDB” (ALVES, 1985, p.267).
O debate sobre os novos partidos envolveu diferentes propostas, como as de Almino
Afonso e Fernando Henrique Cardoso, que articulavam, com outros setores, a criação de um
partido que deveria ser popular, nacional e democrático”, com o povo e a classe operária
militante. Essa discussão envolveu um primeiro contato com Lula da Silva, em uma reunião
em São Bernardo, da qual participou todo o setor autêntico do MDB.
A proposta de Leonel Brizola baseava-se na recuperação do antigo PTB, defendendo uma
ideologia nacionalista vinculada à justiça social, nesse momento respaldada pela II
Internacional. Como bem afiança D’Araújo (1990, p.196), “partidos políticos não são o único
instrumento para aferir a capacidade organizativa dos trabalhadores, nem partidos trabalhistas
são sempre a forma privilegiada para defender e representar os interesses dos trabalhadores”.
Apesar disso, era clara a tentativa de aliar os trabalhadores a um novo projeto partidário.
O mesmo Fernando Henrique Cardoso, após o esvaziamento da proposta encabeçada por
Afonso e o êxito da campanha para o senado nas eleições de 1978
163
, passou a defender que o
próprio MDB seria o partido popular que se estava discutindo
164
.
A nova lei, aprovada em 22 de novembro, quando o governo ainda detinha maioria no
Congresso (garantida pelos senadores “biônicos”), sob intensos protestos do MDB, redefiniu
o cenário da política formal e deixou bem claro o principal objetivo do Estado: garantir o
controle governamental sobre a oposição sem sacrificar as vantagens legimitadoras de
eleições livres”.
A partir daí, a oposição fragmentou-se entre vários partidos ao passo que os quadros do
regime permaneceram majoritariamente no novo partido governista, o PDS. A divisão da
oposição facilitou a reacomodação das elites poticas, permitindo que a transição “pactuada”
se realizasse exclusivamente em termos institucionais.
De modo geral, o governo Geisel (1974-1979) foi bem sucedido na implementação do
projeto de distensão, enquanto processo político adstrito às forças conservadoras e à oposição
163
O STMSB apoiou essa candidatura e Lula da Silva foi considerado seu “grande eleitor”, idéia de que
discorda: “Não concorda com essa história de que eu fui o ‘grande eleitor’. Fui apenas um eleitor, como qualquer
um dos 40 milhões de brasileiros que votaram” (LULA DA SILVA, 1981, p.145).
164
Também a esquerda se mobilizou em torno do projeto de liberalização do regime: a CS, desde 1978,
propunha a formação de um partido socialista; a OSI, no primeiro de maio desse ano, falava de um partido
operário e popular e a AP tentava articular a criação de um partido popular.
272
oficial. Para Alves (1985), o plano mestre para aliviar a pressão, traçado por Geisel, envolvia
três elementos: a anistia potica e a reforma partidária (1979) e as eleições de 1982. Geisel,
jogando com a dualidade coerção e consenso, cassou os mandatos políticos de um senador,
sete deputados federais e estaduais e de dois vereadores.
O novo presidente ficou incumbido de dar prosseguimento à distensão. em 1979, a
proposta de anistia que Geisel encaminhara ao Congresso, por intermédio do senador Petrônio
Portela, é aprovada. Trata-se de uma anistia ampla e politicamente inteligente, pois seu
alcance concernia tanto aos prisioneiros e exilados de esquerda como, preventivamente, a
todos aqueles indivíduos ligados aos óros de segurança do regime que cometeram crimes
durante as atividades repressivas. Ideologicamente, essa anistia foi apresentada como “gesto
inegável de conciliação política na direção da oposição” (ARTURI, 1999, p.326), uma prova
da veracidade das palavras de Golbery à oposição: “retenham seus radicais e nós reteremos os
nossos” (ibidem, p.285).
Para o pecebista Corrêa (1980, p.242), a conquista da anistia ampla, geral e irrestrita
constitui passo importante para a formação de novos partidos poticos e para a própria
legalidade de nosso Partido” e “é condição necessária para se chegar à eleição de uma
Assembléia Nacional Constituinte efetivamente representativa”.
Mas, embora de grande significado no processo de democratização do país, a lei 6.683,
promulgada em 28 de agosto de 1979, mostrou-se mais eficaz aos integrantes do aparato de
repressão do que aos perseguidos políticos (só puderam ser anistiados os que ainda tinham
processos em tramitão e não tinham cometido os crimes de sangue” daqueles que
escolheram ingressar na luta armada) e não foi capaz de encerrar a escalada de atrocidades
iniciada com o golpe de 1964. A legislação continha a idéia de conciliação pragmática. De
forma alguma, a lei da anistia se dedicou ao estabelecimento da verdade, au contraire, o
espírito de 1979 o pedia perdão, mas esquecimento” dos fatos ocorridos durante a ditadura
militar.
Em 13 de novembro de 1980, é restabelecida a eleição direta para governadores e tem fim
a figura dos “senadores biônicos”, respeitando-se apenas os mandatos em curso.
O ano de 1981 foi fundamental para o processo de transição no Brasil. De fato, a explosão
de uma bomba no interior de um automóvel ocupado por dois membros do DOI do I Exército,
273
no estacionamento do Riocentro em 31 de abril
165
, teve conseqüências múltiplas e importantes
para o futuro potico do país. Em primeiro lugar, o episódio significou o fim dos atentados
perpetrados pela extrema-direita inconformada com o processo de transição, que ocorriam
desde o final de 1979. Isso forneceu a todos os agentes políticos a certeza de que o processo
de transição não mais corria o risco de ser interrompido por um golpe proveniente dos setores
duros” do regime.
A não apuração de responsabilidade desse atentado da extrema-direita militar, contudo,
resultou na demissão do chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, “o maior estrategista
político, aquele cujos líderes de oposição aprenderam a respeitar a inteligência e a fineza
intelectual, assim como o mais engajado na liberalização do regime entre todos os dirigentes
autoritários” (ARTURI, 1999, p.354).
A substituição de Golbery pelo ex-ministro do governo Médici, Leitão de Abreu, um
homem blico respeitado nos rculos castrenses, mas pouco afeito às manobras potico-
parlamentares, constituiu uma ruptura com o projeto estratégico do general Geisel. Logo após
assumir, Leitão de Abreu fez aprovar pelo Congresso, no final de 1981, um pacote” eleitoral
que proibia as coligações partidárias, impunha o voto vinculado a um mesmo partido para
todos os cargos eletivos, sob pena de sua anulação, entre outras medidas.
O “Pacote de novembro”, como ficou conhecido, inviabilizou a sobrevincia do PP, de
Tancredo Neves e de outras lideranças conservadoras da oposição democrática, o que
contrariaria, na perspectiva de Arturi (1999), a estratégia de utilizar-se do PP como força
auxiliar do PDS, para eleger, no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985, um quadro civil do
regime. As medidas adotadas por Leitão de Abreu forçaram a reincorporação do PP ao PMDB
no início de 1982 e enrijeceram o quadro partidário, ocasionando o retorno do caráter
plebiscitário, pró ou contra o regime, que as eleições expressavam desde 1974. Nesse caso,
ficou mais uma vez estabelecida a importância da qualidade das lideranças poticas na
condução de um processo de transição.
Cabem aqui as reflexões de Emir Sader (1990, p.1):
165
Nesse episódio, ocorrido em um centro de convenções do Rio de Janeiro, morreu o sargento Guilherme
Pereira do Rosário e o capitão Wílson Luís Chaves Machado ficou gravemente ferido. Esse seria o ápice da
escalada de atentados promovidos, desde 1978, pela “linha dura” e pela extrema-direita a associações de classe,
eventos oposicionistas e bancas que vendiam jornais da “imprensa alternativa”.
274
A falta de rupturas implica a falta de identidade. Falta de identidade nacional, das
classes sociais, dos atores políticos – já que a identidade, de um indivíduo ou de uma
nação, surge dos processos de ruptura, de contraposição ao outro. E a nossa história
está coalhada de momentos em que as elites dirigentes se anteciparam à constituição
de uma vontade popular surgida de baixo, alinhavando pactos por cima, que
frustraram as aspirações populares e as substituíram por processos gattopardistas,
em que “tudo muda para que tudo siga igual”.
Assim, a oposição acomodou-se às regras vigentes
166
, voltando sua atenção tão somente
para as eleições de 15 de novembro de 1982, para governadores de estado, realizadas pela
primeira vez desde 1966, o que lhe demandou um imenso trabalho de estruturação dos novos
partidos nos estados. Os resultados das eleições de 1982, que envolveram quase 70 milhões de
eleitores, deram uma vitória política expressiva às oposições, que obtiveram a maioria das
cadeiras na Câmara dos Deputados, além de vários governos estaduais.
No cômputo geral, o PDS obteve números semelhantes aos da oposição congregada então
em quatro partidos (PMDB, PDT, PTB e PT). Contudo, a eleição de dez governadores, nos
estados mais importantes do país, marcou o retorno da centralidade da potica regional na
formação de alianças no Congresso e do poder dos governadores de estado, acelerando a
perda do controle do processo de transição pelo regime. Mas, a partir dessas eleições, o
regime teve que administrar o país negociando diretamente com poderosos governadores da
oposição e fazendo em face de crescente desgaste potico.
Brizola, o “inimigo público número 1” do regime, cassado pelo AI-2, editado no início de
abril de 1964 pelo Comando Supremo da Revolução”, no mesmo momento que os deputados
Almino Afonso e Francisco Julião e outros 37 detentores de mandatos legislativos, elegeu-se
governador do Rio de Janeiro, pelo PDT. Esse partido foi fundado em 1980 por Brizola, após
tentativas frustradas de reunir o antigo trabalhismo sob a legenda “histórica” do PTB,
dominada por Ivete Vargas.
Nesse mesmo ano, o PT, criado no ano anterior sob a liderança do der metalúrgico Lula
da Silva, é legalizado, consolidando a reunião de grande parcela do movimento sindical rural
166
Essa crença da oposição na “boa fé” das medidas liberalizantes levou o PCB a convocar o Encontro Nacional
de Comunistas, como a fachada legal do seu VII Congresso, para dezembro de 1982 em São Paulo. A crença dos
comunistas revelou-se ingênua: o Congresso foi interrompido pela Polícia Federal, que prendeu todos os seus 30
participantes, liberando-os pouco depois. Assim, retornando à clandestinidade, o Congresso prosseguiu ao longo
de 1983 e somente foi concluído em janeiro de 1984.
275
e urbano, intelectuais
167
, militantes das CEBs, a esquerda do MDB e grupos saídos da
clandestinidade
168
.
Para alguns analistas, a partir desse pleito, a oposição partidária e a sociedade civil
organizada começaram a tolher, gradativamente, a margem de manobra do regime e a inverter
o domínio potico da transição, sempre na estrita observância da legislação político-eleitoral
imposta pelos governos militares. Carlos (1992, p.147) encontra-se entre os que afirmam que
o resultado dessa eleição colocou “em xeque o monopólio do executivo no gerenciamento do
país, de governar sem oposição e partidos poticos autênticos”.
O Mapa 9 ilustra o resultado das eleições para os governos estaduais. Como se constata, o
partido do regime vencera apenas nos estados nordestinos, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, mas mantivera uma “reserva política”, com a nomeação dos governantes nos
territórios de Roraima e Amapá, além do Distrito Federal. Rondônia, que se tornara estado em
1981, teve seu primeiro governador nomeado por Figueiredo.
167
Os intelectuais se “tornaram, na segunda metade dos anos 1970, um dos atores políticos mais importantes
(ARTURI, 1999, p.235).
168
Quanto ao PCB, digno representante do “ursosoviético entre nós, apenas em maio de 1985, seria legalizado
(o partido tivera dois anos de legalidade nos 63 anos anteriores).
Foi nesse contexto que surgiu a gigantesca mobilização pelas eleições diretas à
presidência da República em 1984, o movimento Diretas-Já”, considerado a reivindicação
mais concreta pela democratização do país após 1964. A direção nacional do PMDB,
capitaneada por Ulisses Guimarães, lançara essa campanha nacional, baseada em cocios
cada vez maiores pelas mais importantes cidades do país cocios que logo receberam
crescente apoio de sindicatos, movimentos de minorias poticas, associações de moradores,
igrejas, além da participação de outros partidos, como o PT
169
. Em novembro de 1983, foi
lançada a campanha das diretas para presidente. As primeiras manifestações não levaram mais
que dez mil pessoas. Em janeiro de 1984, já eram 50 mil no cocio em Curitiba e 300 mil na
Praça da em São Paulo; em Teresina, 25 mil; em Belém, 60 mil e 300 mil em Belo
Horizonte.
Das diretas, em 84, aquela multidão, 300 mil pessoas. O Tancredo pega na minha
mão e fala assim para mim: “Lula, e o que a gente faz com o povo?” Você percebe
que na elite brasileira, chegada ao poder, não tem povo. O povo tem que ser apenas
platéia, o povo não pode estar no palanque, o povo tem que estar em baixo. Então a
revolução do PT é essa, é colocar o povo no palanque (LULA DA SILVA, 2007,
p.1).
Tais manifestações, desencadeadas entre o final de 1983 e o início de 1984, culminou nos
comícios do Rio de Janeiro (10 de abril de 1984, com 500 mil pessoas, na Candelária) e de
São Paulo (16 de abril de 1984, com um milhão de pessoas, no vale do no Anhangabaú). O
movimento pôs em xeque, por um átimo, a estratégia potica do regime e os planos das
lideranças oposicionistas mais conservadoras, que negociavam com setores do partido
governista, para a criação da Aliança Democrática, pacto articulado entre setores do PMDB e
dissidentes do PFL.
Assim, quando surgiu a possibilidade de uma sda verdadeiramente democrática, que
significaria uma verdadeira ruptura com o regime autoritário (a campanha Diretas-Já”), os
líderes moderados da oposição não a julgaram conveniente, pelos riscos que implicava de um
veto militar, mas também porque contrariava seus objetivos estratégicos, que era obter a
Presidência da República no Colégio Eleitoral segundo a legislação em vigor.
169
Lula da Silva (2007) rememora as diretas como uma campanha fantástica, na qual o PMDB adquiriu certo
ressentimento dele por acharem que montavam o palanque para ele, o que teria sido apontado por Montoro a
Ulisses Guimarães.
278
A grande campanha pelas Diretas-Já”, e sua impotência para alterar as regras impostas
pelo regime autoritário (em 25 de abril de 1984, em uma Brasília colocada em estado de
emergência, a EMC Dante de Oliveira foi rejeitada por 22 votos a menos que o número
requerido para atender aos 2/3 da mara dos Deputados), foi paradigmática da liberalização
pelo altoatravés de acordos e cisões no seio das elites poticas no Congresso. Se, por um
lado, a campanha facilitou a dissidência governista e impediu um hipotético recuo político-
institucional, por outro lado, ela foi incapaz de dar um desfecho verdadeiramente democrático
ao processo de transição, pelo simples fato de que a maioria das lideranças oposicionistas e do
próprio governo estava, naquela conjuntura, satisfeita com a “legalidade autoritáriae com os
ganhos políticos nela vislumbrados.
O pacto político, que certamente ocorreu, entre o candidato oposicionista Tancredo Neves,
então governador de Minas Gerais, e os militares (Geisel liberara Aureliano Chaves e Marco
Maciel para negociarem com Tancredo), para impedir qualquer turbulência potica na reta
final da liberalização, garantindo àqueles últimos prerrogativas e salvaguardas poticas, foi
facilitado pelo gradualismo e pela longa duração do processo, o que permitiu o transformismo
político de muitos agentes. Assim, nos últimos anos do governo Figueiredo, praticamente já
o mais existiam nem os radicais da oposição, nem a “linha-dura” do regime, a que os
moderados de ambos os lados isolaram para levar a bom termo a transição. O continuísmo e o
garantismo” tornaram-se marcas da democratização outorgada brasileira, cujo êxito deveu-se
à combinação entre o voluntarismo do regime e o auto-enquadramento da maioria da oposição
na lógica e nas regras impostas por esse.
Arturi (1999, p.371) defende que, a partir de 1984, nenhum dos agentes pode alterar as
regras do jogo político, nem arbitrária nem legalmente, elas estão definitivamente fixadas e o
processo de liberalização far-se-á segundo a legislação autoritária”. Apesar do governo
Figueiredo ter, aparentemente, perdido o controle do processo de liberalização potica, o
resultado da transição “lenta, gradual e segura” confirmara as previsões dos seus mentores.
Com a morte de Tancredo Neves, assumiu a presidência José Sarney, ex-presidente da
ARENA e um dos quadros civis mais proeminentes do regime autoritário.
A ausência de pactos explícitos, na fase de liberalização, revelou-se um constrangimento à
democracia, produzindo uma situação de transição à refaire, que reforçou a tutela militar
sobre o governo Sarney, em um contexto de baixa legitimidade do presidente, visto como um
usurpador pela população, frustrada pelo fracasso da campanha pelas eleições diretas e pela
279
morte inesperada de Tancredo Neves, e pelos deres do PMDB, inconformados em submeter-
se a um quadro do ancien régime.
Eliézer de Oliveira (1994, p.111) informa que Sarney se aproximou do “aparelho militar
que, ao apoiar o presidente, indica-lhe também diversos limites para as poticas de governo”.
Se, de fato, a incerteza típica das transições de regime, naquilo que concerne à manutenção
das regras do jogo potico e mesmo da “abertura”, foi fortemente constrangida na longa
aurora de 1974 a 1985, a democracia que daí emerge só o seria sob tutela.
6.3 A invenção da democracia: criação e(m) consolidação
“Muito mais que à oposição seria do interesse da ‘revolução’ o retorno da
democracia integral” (MATHIAS, 1995, p.64).
Com a posse do primeiro presidente civil s-1964, inaugurou-se a fase de
democratização no Brasil, com a auto-intitulada “Nova República”. Essa fase não se realizou
sem grandes obstáculos.
Como a eleição de Tancredo Neves e José Sarney realizou- se num Colégio Eleitoral no
qual a maioria de seus membros pertencia ao partido governista, a oposição e os aliados
dissidentes” tiveram que negociar os votos, em boa parte através de arranjos clientesticos
que produziram um elevado continuísmo potico. Assim, Sarney herdara um ministério, em
que o PMDB detinha mais da metade dos ministérios e que era fruto de acordos políticos
realizados por Tancredo com vários setores isoladamente e cujo teor era praticamente
ignorado pelo novo presidente.
Efetivamente, a aceitação da eleição de Tancredo pelos militares baseara-se na sua
confiabilidadepotica pessoal, seu tancredismo, que garantiria tanto o cumprimento das
prerrogativas poticas oferecidas às Forças Armadas, como as promessas de que os interesses
econômicos fundamentais das classes dominantes não seriam atingidos por eventuais
reformas.
O alto grau de continuísmo das elites autoritárias na Nova República pode ser ilustrado
pelo fato de que, por ocasião das eleições gerais de 1986, que formou a Assembléia
Constituinte, foram eleitos 217 deputados que pertenceram à antiga ARENA e apenas 212
provenientes do antigo MDB, entre 1966 e 1979. Esse resultado é comumente atribuído ao
280
prestígio de que ainda desfrutava o regime autoritário e suas lideranças, em virtude do
desenvolvimento econômico alcançado em um contexto de uma crise ecomica (em 1980, a
inflação alcança os 110% e em 1983, 200%).
No que concerne ao sistema partidário-eleitoral, a Constituinte congressual manteve a
super-representação dos estados do Norte e Nordeste do país (e a paralela subrepresentação do
Sul e Sudeste) na Câmara dos Deputados. Fortemente influenciada pelas pressões dos
governadores sobre as bancadas federais de seus estados, a nova Constituição reforçou a
tradicional articulação da potica nacional via acordos regionais, em detrimento das relações
interpartidárias e do fortalecimento interno dos partidos poticos. Nesse processo, a inovação
política resumiu-se às iniciativas populares no processo legislativo e à participação das
associações civis na implementação das poticas de saúde, assistência social e de
planejamento urbano.
Sob o comando de Sarney, apesar de o sistema potico ter sofrido transformações de
cunho liberal-democrático, como o restabelecimento das eleições diretas para a presidência da
República, a concessão do direito de voto aos analfabetos e a liberdade para a organização dos
partidos, inclusive os comunistas, o país ainda vivia a tutela militar sobre o sistema potico. O
SNI, saindo intacto do processo constituinte de 1988, tornou-se um exemplo de preservação
das estruturas autoritárias que manifestava os interesses das corporações militares. O então
ministro chefe do SNI, o general Ivan de Souza Mendes, marcou presença, no governo
Sarney, por endurecer as negociações com líderes sindicalistas, reduzindo o espaço de
negociação do ministro do Trabalho Almir Pazzianotto.
Além de a cúpula militar opinar sobre inúmeras questões fora das atribuições específicas
militares, a tutela militar tornou-se ainda mais visível em sua forte pressão sobre a Assembléia
Constituinte, no sentido de impor a forma de governo presidencialista, a duração de cinco
anos para o mandato do Presidente Sarney, a limitação da anistia aos militares de esquerda
punidos ao longo do regime autoritário, e o veto a reformas sociais que poderiam provocar
conflitos graves, em particular a reforma agrária.
A sobrecarga da agenda econômica e social da Constituinte - em razão da ausência de
pactos substantivos entre os agentes sociais no período de liberalização potica - e as pressões
corporativas de quase todos os setores organizados produziram, por sua vez, a indefinão de
281
muitos dos princípios poticos e econômicos contemplados pela nova Carta, remetidos para a
regulamentação posterior através de leis ordinárias
170
.
A ambigüidade do PMDB e de seu presidente Ulysses Guimarães - que era também,
simultaneamente, presidente da Câmara de Deputados e da Assembléia Constituinte -,
dilacerados entre assumir a condição de partido no poder e a condição de herdeiro da oposição
ao autoritarismo, constituiu um fator importante para o descrédito das forças democráticas que
lideraram o processo de transição. Nesse sentido, a eleição presidencial por sufrágio universal
de 1989, a primeira desde 1961, possui múltiplas significações.
Essa eleição apontou constrangimentos importantes sobre o sistema partidário,
provocados pelo modo de transição e inquietantes indícios de deslegitimação dos partidos
políticos e de um baixo grau de identificação partidária do eleitorado. Efetivamente, os
candidatos dos dois maiores partidos em 1989, PMDB e PFL - que juntos detinham mais da
metade do número de cadeiras do Congresso -, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves, não
ultrapassaram, respectivamente, 4% e 2% dos votos no primeiro turno da eleição. Ora, esses
candidatos eram os líderes da Aliança Democrática, que possibilitou a eleição de Tancredo no
Colégio Eleitoral em 1985 e a instauração do primeiro governo civil as 1964. Em
contrapartida, os dois candidatos mais votados e que disputaram o segundo turno da eleição
foram Fernando Collor de Mello (25% dos votos), do inexpressivo PRN, que detinha apenas
21 cadeiras na Câmara em 1989, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Ambos os candidatos
representavam a oposição e a rejeição da maioria da população aos poticos tradicionais e ao
governo.
De fato, o alto grau de continuidade entre as elites do regime autoritário e do novo regime,
frutos de acordos e coalizões entre as lideranças moderadas da oposição e reformistas do
antigo regime, realizados basicamente no interior do Congresso, através da divisão de cargos
e recursos poticos entre esses agentes no novo governo civil iniciado em 1985, seria
responsável pela fragilidade das novas instituições políticas democráticas, sobretudo do
sistema partidário.
Além disso, as elites partidárias que refundaram as regras do jogo político tornaram
operativo e legitimaram um sistema potico marcado pela livre troca de legendas dos
parlamentares. Com efeito, Hagopian (1992) destaca a grande migração de lideranças
170
Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.262) comentaria: “De concreto, na vida pública,
Ulysses fez apenas esse monstrengo que é a Constituição que está aí”.
282
políticas do regime autoritário para a oposição durante seus dois últimos anos de existência
(1983-1985).
A fragilidade do sistema partidário tem suas raízes na estreita dependência dos partidos
em relação ao Estado e na centralidade da potica regional na formação de alianças
partidárias e eleitorais. No s-1964, o grande intervencionismo estatal e a fraca
institucionalização desse sistema provocaram a erradicação completa da identificação
partidária anterior, caso único entre todos os processos de transição ocorridos na América
Latina. A influência do regime autoritário reforçou um traço secular no sistema potico
brasileiro, que combina uma “lógica liberal” com uma “práxis autoritária”, e é, em parte,
responsável por uma cultura potica que resiste à democratização da esfera blica e à
expansão da cidadania. Assim, apenas aparentemente, a incipiente institucionalização do
sistema partidário no Brasil contrastou-se com a grande importância que os partidos poticos
e as eleições exerceram na democratização do regime autoritário.
No que concerne ao tema deste trabalho, a campanha e os resultados da eleição de 1989,
realizada em dois turnos, marcaram o início efetivo do regime democrático no país e o final
do longo processo de transição potica que começara 15 anos antes. Com a vitória dos
dominantes”, toma posse, em março de 1990, Fernando Collor de Mello, dando início ao
regime democrático stricto sensu. Nesse processo, tanto os militares, quanto as elites civis
conservadoras, mantiveram boa parte de suas posições no interior do Estado “democrático”,
por intermédio de arranjos clientesticos geradores de um elevado continuísmo potico.
Se os países que vivenciaram um longo período autoritário devem satisfazer duas
condições políticas indispensáveis à consolidação democrática o eficaz controle civil sobre
os militares e a real possibilidade de alternância das forças poticas no poder –, como afiança
Rouquié (1986 apud ARTURI, 1999), no caso brasileiro, a primeira dessas pré-condições
ainda não se verificou, a segunda, em princípio, está sendo testada. Efetivamente, se a derrota
do candidato de esquerda nas eleições presidenciais de 1989 impediu que a transição
brasileira vivesse sua verdadeira prova de fogo”, a vitória eleitoral e a posse de Lula, em
2002, mostraram que a adesão das elites nacionais à democracia liberal, estabelecida no bojo
da “terceira onda de democratização”, é irreversível
171
.
171
Tal adesão vai de encontro à afirmativa de Geisel, em depoimento às speras das eleições de 1994, que
afirma que, se Lula ganhasse aquela eleição, “as vivandeiras que rondam os quartéis” viriam insuflar os
283
O processo de impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco em dezembro de 1992,
que ocorreram rigorosamente dentro dos preceitos constitucionais, constitram
indubitavelmente um signo de vitalidade do regime democrático. Esses eventos não
afastaram, todavia, os indícios de uma ordem potica ainda precária, na qual os militares
continuam tendo um relevante papel. Na saída de Collor, Severo Gomes “veio defender o
Itamar”, naquela época “de esquerda e ultranacionalista” junto a Geisel. O ex-presidente teria
dito: “Não há problema, é claro que Itamar vai tomar posse e vai governar. Ninguém pode ser
contra ele” (D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.285).
De fato, as prerrogativas constitucionais ainda vigentes e o poder informal dos militares
brasileiros são extremamente amplos, o que lhes acarreta um alto grau de autonomia em
relação ao aparelho de Estado, situação praticamente incompatível com um regime
democrático. A autonomização da transição, ao invés de provocar uma ruptura institucional
com o antigo regime, enquadrou esse processo no padrão institucional tradicional do país,
reforçando suas características que tornam o sistema potico brasileiro resistente tanto à
ditaduras clássicas quanto à sua democratização estável.
Se os que acreditam que os militares perderam muito do seu poder potico durante os
governos Sarney, Collor e Itamar Franco, em função de uma dinâmica potica eleitoral típica
dos regimes democráticos, certo é que os dirigentes autoritários conseguiram atingir boa parte
de seus objetivos poticos garantia de não punição para os crimes cometidos pelo aparato
repressivo da ditadura, manutenção de consideráveis prerrogativas das Forças Armadas,
sobrevivência e continuidade da elite civil do regime —, tudo isso apesar do crescimento da
oposição em todo o peodo, da reação da extrema-direita militar e da profunda crise
econômica no início dos anos 1980.
Nas eleições de 1994, foi eleito, por um partido tamm recém criado, o PSDB, o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um dos membros da intelligentsia paulista, quadro do
MDB exilado pelo regime, reeleito no pleito seguinte. Com a posse de Cardoso, o poder
central voltou às mãos de São Paulo, que, de novo, prometia varrer (para debaixo do tapete da
política) a corrupção e a ineficácia administrativa, pela segunda vez desde 1945. Colocou-se,
militares. Os políticos, os industriais, o alto comércio etc começarão os procurar os militares e a encher a
cabeça deles para derrubar o governo” (GEISEL, 1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.454).
284
destarte, à prova a tese de Schwartzman (1988) sobre a centralidade da rainha paulista no
processo que resultaria em um xeque mate ao autoritarismo brasileiro
172
.
Todas as mudanças no tabuleiro sucessório não impediram que a elite castrense
continuasse a encontrar condições favoráveis para reproduzir suas intenções de vigília sobre o
sistema potico, embora tenha perdido o interesse de intervir diretamente na direção do
Estado, como fez de 1964 a 1985. Nesse contexto, a consolidação da democracia no país
ainda é apenas uma possibilidade alvissareira.
O próximo capítulo afasta-se dessa abordagem clássica da transição, assumindo a
centralidade de São Paulo, em oposição a Brasília, nos rumos da potica nacional e nos
destinos da democracia entre nós, nos marcos propostos por Schwartzman (1988). Essa
análise centra-se no papel desempenhado pelas greves de 1978 a 1980 e os movimentos que
realizaram no tabuleiro da conjuntura (a constituição da primeira central sindical, territorial e
fordista do país, a CUT, e do partido que reuniria as migalhas das esquerdas derrotadas, o PT)
sobre o projeto Geisel e seus apêndices, apêndices que se projetaram sobre o período
subseqüente, reescrevendo as trajetórias e reelaborando os mapas da volta aos quartéis.
172
Não é propósito desse trabalho caracterizar o longo governo Cardoso (1994-2002), o que já fizemos em nossa
dissertação de mestrado (BRAGA, 2004), mas sendo o autoritarismo, para Schwartzman (1988), fruto de um
Estado hipertrofiado e de uma sociedade civil dependente, a potica de Estado mínimo, empreendida por
Cardoso, que produziu a subsumpção do Estado ao mercado, ironicamente, teria produzido essa (p)reversão
temporária do autoritarismo, que, ainda sob esse estrito elemento, seria retomado, a todo fôlego pelo governo
seguinte.
285
7. O FILHO DO PASTOR ALEMÃO
173
, “O ESPANTALHO DO
LULA”
174
E OS RUMOS DA TRANSIÇÃO
Desde que não se perca a noção da direção final, nem o sentido moral da ação, pode-
se entrar por certos desvios e retomar depois o caminho que se havia traçado.
Ernesto Geisel
O presidente Geisel, quando assumiu o mandato, conseguiu captar o que a sociedade
queria. E expressou suas intenções atras da palavra distensão. Naquela época
havia reclamos da sociedade, que saía do mundo de mentiras que foi o governo do
general Médici.
Luís Icio Lula da Silva
O presente capítulo discorre sobre a disputa de projetos entre Brasília e São Paulo, disputa
que afeta o nosso modelo de transição democrática e a qualidade da democracia que
vivenciamos.
7.1 Peça tocada, peça jogada: a política trabalhista de Geisel
Para Geisel, a segurança era muito menos relevante que o desenvolvimento. Na maioria de
seus discursos presidenciais, ela sequer foi mencionada. O papel dominante do
desenvolvimento em relação à segurança fora explicitado por Geisel, já, na Convenção
Nacional da ARENA, em setembro de 1973, que referendaria seu nome como candidato
oficial do regime: “sem segurança, não haverá como promover-se o desenvolvimento”, mas,
é também evidente que um certo grau de desenvolvimento seja imprescindível à própria
segurança nacional, sem que esta, entretanto, venha a ser elevada a um plano superior ao
daquele”. Assim, na sua concepção, a função precípua da seguraa era facilitar o
173
A manchete de edição apreendida de O Pasquim”, sobre a escolha do general Geisel para suceder dici,
alertara: “Novo presidente é filho de pastor alemão”.
174
Expressão cunhada por Geisel (1993-1994).
286
desenvolvimento, e, nesse sentido, a segurança associava-se a grupos e instituições internos,
particularmente aos sindicatos e à classe trabalhadora.
A “atençãoà classe trabalhadora, suas organizações e movimentos, não era ocasional
nem episódica. Desde que ocupou o posto de secretário do CSN do governo Gaspar Dutra
(1946-1951), Geisel apercebeu-se das vantagens de conviver com a estrutura corporativa da
CLT. O presidente Dutra usou-a para expurgar a liderança sindical de todos os
esquerdistas”
175
e os governos seguintes “não desmontaram o aparato repressivo sobre as
greves, mantendo de pé a legislação do governo Dutra e acionando sistematicamente a
repressão policial” (MATTOS, 2004, p.255).
no governo Kubitscheck, Geisel voltaria a se atentar aos trabalhadores, dessa vez em
greve, no Rio de janeiro e em São Paulo (os ferroviários), cujo problemafoi afeto a ele:
Enquanto Juscelino, por temperamento, não tomava conhecimento, Falcão era ativo e fazia
uma frente conosco para resolver os problemas das greves aqui no Rio(GEISEL, 1993-1994
apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.131)
176
.
Como ministro do STM no governo Costa e Silva, Geisel observara, severamente, os
estudantes, recebidos por aquele presidente após a Passeata dos 100 Mil: “Foram conversar
com o presidente da República em mangas de camisa, tratando-o por ‘você’ [...] Líder
trabalhista também acha que deve ir em mangas de camisa conversar com o presidente da
República’. Para o presidente isso não poderia ser tachado de democracia, que “há certas
coisas que envolvem certa mística, envolvendo respeito e acatamento” (idem, ib., p.207).
Em seu governo, Geisel estará sempre atento ao “mundo do trabalho” e a correta posição
dos trabalhadores, de modo a impulsionar o neodesenvolvimentismo que pretende
impulsionar. Em consonância com isso e sabendo que a área sindical, como a estudantil,
eram delicadas”, porque “haviam sido muito atingidas pela repressão”, o presidente se dispôs
a “tranqüilizar” essas áreas ‘para que não me dessem muitos problemas”.
Na busca de um melhor perfil para uma área tão “delicada”, “Arnaldo Prieto, meu
175
“É fato que, no s-1945, o governo Dutra foi aquele que menor preocupação demonstrou em ir além da
repressão para coibir as greves, mantendo de a legislão repressiva do Estado Novo, enquanto a nova
Constituição não era aprovada e antecipando-se à Constituinte que [...] manteve intacta a estrutura sindical
corporativista criada no primeiro governo Vargas ao regulamentar de forma restritiva ao extremo o exercício
da greve, além de ter se pautado pelas intervenções do Ministério do Trabalho nos sindicatos” (MATTOS, 2004,
p.255).
176
O simples fato de Geisel lembrar-se desses eventos quatro décadas depois, per se, já é um indicativo da
relevância que conferia ao tema.
287
ministro do Trabalho, foi dos últimos escolhidos”. Esse engenheiro gaúcho fora, nos anos
1960, Secretário do Trabalho e Habitação do governador pessedecista Ildo Meneghetti e, em
1965, elegera-se deputado federal pela ARENA, tendo esse mandato até 1974. Prieto era uma
das principais lideranças do partido governista,“tinha bom nome, bom conceito, e foi indicado
o me lembro mais por quem. Era um homem acessível, dedicado, trabalhador. Acho que foi
um bom ministro, era hábil”, lembraria Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO,
1998, p.267).
A documentação, referente à gestão Prieto, disponível no arquivo particular do presidente
Geisel, doado ao CPDOC/FGV, acha-se reunida em cinco pastas e restringe-se às Agendas de
Despacho entre o ministro e o presidente. Chama a atenção a inexistência de anexos, mesmo
quando esses são mencionados e constituem parte fundamental do despacho. Em nenhuma
parte desse arquivo, a ausência de anexos é tão presente e sentida, o que levaria Gomes (2002,
p.120), a afirmar que sua sensação “é a de que essa documentação foi esvaziada
177
”, o que a
tornou “burocratizada e interessante apenas para usos pontuais”.
Para permitir uma maior dedicação do ministro aos assuntos trabalhistas, diante do
crescente espaço que as questões previdenciárias vinham ganhando, no dia 1
o
de maio de
1974, Dia do Trabalho, o presidente anunciou sua primeira medida de peso nessa “área tão
estratégica para as relações entre Estado e sociedade”: a pasta desdobrar-se-ia, ficando o
Trabalho sob um comando e a Previdência e Assistência Social sob outro. O MPAS tornou-se
o grande ministério da Revolução, movimentando enormes volumes de recursos e ampliando
a “atenção social aos menos favorecidos” e às vítimas do “par dialéticosuperexploração -
rotatividade: os mutilados do trabalho. Em meados da década de 1970, graças aos esforços do
regime, o Brasil já era campeão mundial em acidentes do trabalho.
Recordo-me que quando convidou o Secretário-Geral da Arena, Arnaldo Prieto, para
a Pasta do Trabalho e Previdência Social, disse-lhe o que pretendia fazer em
benefício dos trabalhadores e, por isso mesmo, entendia que a Previdência precisava
ser desvinculada, sem o que o Ministro não poderia dedicar tempo integral a essa
tarefa que desejava cumprida. O desmembramento se fez, assim, não para desidratar
o Ministério, senão para fortalecê-lo em suas novas atribuições. Na mesma ocasião
Geisel transmitiu ao Ministro que convidava essa instrução direta: Amplie o
diálogo com os trabalhadores e busque a paz social a qualquer custo”. Arnaldo
Prieto, um obstinado, mergulhou fundo nesse mundo de problemas que ao longo dos
tempos tem avassalado os nossos trabalhadores. Sabia que jamais removeria os
impasses imensos dessa área sensível da comunidade nacional por meio de palavras
177
Grifo nosso. Essa cuidadosa revisão do que deveria ou não ser publicizado (nada) é indicativa da importância
desse Ministério no “projeto Geisel”.
288
ou de procedimentos demagógicos. Estudou e descobriu que todos os governos da
Revolução estiveram atentos para os interesses mais legítimos e realizáveis dos
trabalhadores, cumprindo-lhe assim garantir seguimento a essa obra, ampliando-a
com a abertura de novas fronteiras e muita imaginação (FIGUEIREDO, 1978, p.43-
44).
Entretanto, esse era apenas um desdobramento da questão central: os trabalhadores. No
ocaso do “milagre”, a expectativa de Geisel era de recrudescimento das oposições ao regime,
principalmente no plano sindical. De fato, tanto a crise econômica, no s-primeiro choque do
petróleo, quanto à necessidade de “flexibilizar” os controles explícitos sobre a população,
mantendo, não obstante, a vigilância potica, que impedisse o retorno da subversão e da
ameaça comunista”, tornaram o espaço sindical fulcral ao projeto de distensão lenta, segura e
gradual.
Em decorrência dessa preocupação central, desencadeia-se uma gama de ões, que, na
concepção de Gomes (2002, p.106), aproximar-se-ia da “gerência potica de Vargas na
primeira metade dos anos 1940”, responsável pela condução de transformações no interior
do Estado Novo”, que “envolveram uma estratégica interlocução com os trabalhadores,
patrões e seus sindicatos”, “cuidado [que] povoava as mentes do presidente, do ministro e de
seus assessores”.
O desmembramento do ministério permitiu que fossem implementadas importantes
medidas, votadas aos trabalhadores:
O aprimoramento da formação de mão-de-obra.
A medicina e segurança do trabalho.
O reaparelhamento das DRTs.
A maior atenção aos órgãos de fiscalização profissional.
A maior assistência às organizações sindicais.
Pari passu, isso demandou uma completa reestruturação administrativa do MTb, criando-
se novas secretarias, como a de Emprego e Salários e a de Relações de Trabalho. Esse
processo de reorganização foi lento, sendo aprovado pela a SEPLAN em março de 1977.
Todavia, somente em maio de 1978, o ministro Prieto receberia autorização presidencial para
programar a nova estrutura burocrática, existente, de fato, desde maio de 1974. Esse caráter
informal, tão alheio à tipologia das ações do “ditador da abertura”, revela a assumpção de que,
para além do ordenamento jurídico, estariam os interesses da “Revolução”, interesses em que
289
era clara a centralidade da questão trabalho e trabalhadores.
No Editorial do BT n. 2, de fevereiro de 1975, a Coordenação de Relações Públicas do
MTb informa que a “Valorização da ação sindicalacha-se contemplada no II PND e se
expressa no objetivo de incentivar “o associativismo sindical, implementando atividades de
valia para o processo de desenvolvimento”. Nessa perspectiva, foram assumidas as seguintes
metas:
Alfabetização de 155 mil trabalhadores e dependentes no período
1975/1979.
Preparação prática de 27 mil pessoas em cursos de economia doméstica.
Formação de oito mil administradores sindicais no período.
Formação de 17 mil dirigentes sindicais.
Formação de 2.900 vogais junto à Justiça do Trabalho.
Doação de bens e equipamentos a entidades sindicais.
Concessão de empréstimos a entidades sindicais.
Doação de 250 equipamentos cinematográficos de 16 mm a sindicatos.
Promoção de 18 mil sessões cinematográficas educativo-culturais.
Realização da Olimpíada Sindical e campeonatos esportivos
intersindicais.
Edição e distribuição de 90 mil volumes de material de interesse do
trabalhador.
O PEBE foi outra linha de atuação do MTb, assumida pelo II PND. Suas metas eram: a) a
distribuição, no período 1975/1979, de 1.380.000 bolsas não reembolsáveis através dos
sindicatos; b) a distribuição de 11.600 bolsas não reembolveis através de convênios com
Escolas Técnicas e c) a concessão de 21.908 bolsas reembolsáveis no período 1975/79. A
filosofia do PEBE era proporcionar aos sindicatos condições de valorização de sua ação
social, integrar os trabalhadores na potica nacional de desenvolvimento como força atuante e
decisiva para o progresso do País” (BT 2, fev. 1975, p.19-20).
Essa questão tinha componentes internos e externos. Com o fito de melhorar a imagem
internacional do Brasil nessa área, o governo Geisel investiu na OIT. Fortaleceu-se a
290
representação brasileira na Organização, com a presença brasileira em todas as confencias
ocorridas entre 1974 e 1979, com uma delegação sob a chefia imediata do ministro Prieto, ao
passo que, até então, essa cabia ao consultor jurídico do MTb. Face ao interesse do próprio
presidente em que o Brasil ocupasse lugar de destaque na OIT, toda uma estratégia foi
montada, envolvendo a presidência e dois ministérios: do Trabalho e das Relações Exteriores,
sob a chefia de Azeredo da Silveira.
O ministro do TST, Arnaldo Sussekind, então integrante da Comissão de Peritos da OIT,
foi chamado, ainda no início de 1974, pelo presidente Geisel que pretendia se informar sobre
o porquê de o Brasil não participar do CA/OIT, se era um de seus primeiros membros e
importante país latino-americano. A resposta - “porque o Brasil não foi eleito- surpreendeu
Geisel, que decidiu reverter esse quadro, conseguindo o voto dos membros latino-
americanos
178
.
na conferência de 1974, a situação do Brasil teria melhorado ante à OIT, em função da
atuação dos sindicatos no FUNRURAL e da formação de mão-de-obra, por intermédio do
SENAI. Após a conferência de 1974, o Diretor Geral da OIT visitou o Brasil, sendo recebido,
em Brasília, pelo presidente. Graças a essas iniciativas, em junho de 1975, o país seria eleito
para o CA/OIT e Sussekind, nomeado seu representante. A OIT forneceria as diretrizes para o
MTb do governo Geisel, e sua importância seria tanto maior quando se sabe que fazia intensa
propaganda contra os países violadores dos acordos multilaterais sobre direitos dos
trabalhadores.
Outra peça da gerência potica do governo Geisel seria a reforma da CLT. Sussekind,
como membro da comissão que elaborou as normas originais, presidiu a comissão
encarregada de alterá-las. O trabalho teve início em julho de 1974, com o convite aos demais
membros da comissão, todos eles autoridades no campo do Direito do Trabalho no Brasil. A
comissão foi instalada em agosto de 1974, atuando até meados de 1977.
Aberta a todos os interlocutores referendados pelo regime, a comissão recebeu 974
sugestões para reformas, vindas, predominantemente, dos sindicatos, das universidades e da
Justiça do Trabalho. Em fevereiro de 1975, em seu primeiro relatório, o grupo afirmaria não
desejar alterar direitos e obrigações reconhecidas pela CLT, modificando apenas alguns
178
O CA é uma dirão colegiada, integrado por 10 países membros não eletivos e 18 países membros eleitos
para um mandato de três anos. A eleição segue uma lógica de representação continental, sendo as indicações
regionais aceitas pela OIT.
291
aspectos pontuais sobre a higiene do trabalho, o trabalho da mulher; a segurança e medicina
do trabalho e o funcionamento dos sindicatos. A iia de uma possível extinção da
representação classista na Justiça do Trabalho mobilizou vários sindicatos patronais e de
empregados, em luta por sua manutenção, campanha que tem o apoio do ministro Prieto.
O presidente Geisel (1974, p.16) comentaria os propósitos da reforma:
Quanto à legislação no quadro da Justiça do Trabalho, cuja composição será
mantida, impõe-se ressaltar que ultimaremos, ainda no corrente ano, a modernização
da Consolidação das Leis do Trabalho, adequando-a à realidade do tempo presente
com a incorporação de legislação recente e simplificação de seu texto, para que
qualquer trabalhador, mesmo o mais humilde, possa entendê-la e interpretá-la,
conhecendo seus direitos e seus deveres.
Em 9 de dezembro de 1976, Geisel sancionaria a lei 6.386/76 que alterou os artigos 549 a
551 e 580 a 592 da CLT, regulamentando a utilização da contribuição sindical, recolhida, de
uma vez, anualmente, correspondente à remuneração de um dia de trabalho. Pelas novas
disposições legais, os orçamentos das confederações, federações e sindicatos de base
interestadual ou nacional deveriam ser publicados no DOU e, no órgão de imprensa oficial do
Estado ou Terririo, os das federações estaduais e sindicatos municipais, intermunicipais e
estaduais.
A CEF manteria conta corrente intitulada “Depósitos da Arrecadação da Contribuição
Sindical”, em nome de cada uma das entidades sindicais beneficiadas, da qual cada entidade
sindical receberia um extrato da respectiva conta, ao qual teriam acesso os órgãos do MTb.
Dessa arrecadação, seriam creditados 5% (cinco por cento) para a confederação
correspondente; 15% (quinze por cento) para a federação; 60% (sessenta por cento) para o
sindicato respectivo e 20% (vinte por cento) para a “Conta Especial Emprego e Salário”.
A lei 6.386/76, em seu Art. 592, definia as atividades em que poderia ser aplicada essa
arrecadação sindical pelos sindicatos de empregados, a saber:
a) Assistência jurídica.
b) Assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica.
c) Assistência à maternidade.
d) Agências de colocação.
e) Cooperativas.
292
f) Bibliotecas.
g) Creches.
h) Congressos e conferências.
i) Auxílio-funeral.
j) Colônias de férias e centros de recreação.
k) Prevenção de acidentes do trabalho.
l) Finalidades desportivas e sociais.
m) Educação e formação profissional.
n) Bolsas de estudo.
Como se constata, tal recurso, que forma a base do orçamento sindical, poderia ser
aplicado em atividades de apoio à atuação estatal e de reforço do caráter assistencial dos
sindicatos. A constituição de fundos de greve e de solidariedade à luta das demais categorias
o era cogitada e a publicização das contas impedia sua utilização ad hoc.
Os laços clientelistas, que conviviam, em tensão dialética, com o “insulamento
burocrático”, expressavam-se, nessa lei, no dato de que, “com a autorização expressa do
Ministro do Trabalho”, o uso da contribuição poderia exceder o valor total das mensalidades
sociais consignadas nos orçamentos dos sindicatos (Art. 1
o
, 3
o
).
Essas “excepcionalidades” demonstram que tal “insulamento”, como afirma Edison Nunes
(1999, p.35), o é de forma nenhuma um processo técnico e apotico: agências e grupos
competem entre si pela alocação de valores alternativos; coalizões poticas são firmadas com
grupos e atores fora da arena administrativa, com o objetivo de garantir a exeibilidade dos
projetos”.
O foco da ação ministerial eram as cúpulas sindicais. Em 1977, as Confederações eram
13: CNA; CNC; CNI; CNTT; CONTAG; CNTC; CONTCOP; CONTEC; CNTEEC; CNTI;
CNTTMFA; CNTTT e CNPL. Eram, portanto, quatro confederações de empregadores, oito
de empregados e uma de profissionais liberais. Já o total de Federações, naquele ano, era 233,
sendo 139 de trabalhadores, 82 patronais, sete de profissionais liberais e cinco de
trabalhadores autônomos. O número de sindicatos era de 6.660, dos quais 3.750 eram de
trabalhadores, 2.541 patronais, 140 de profissões liberais e 229 de trabalhadores e patronais
autônomos. O Estado que congregava mais sindicatos era São Paulo, com 1.005, seguido do
293
Rio Grande do Sul e Minas Gerais, respectivamente, com 763 e 740 entidades.
O MTb concedeu empréstimos às entidades sindicais, não apenas para compra e reforma
de sedes, mas também para que construíssem escolas, hospitais, ambulatórios, colônias de
férias. Subvencionou-se a aquisição de gabinetes médicos e odontológicos e de ambulâncias,
tornando as organizações sindicais prestadoras de serviços, “valorizando-se, assim, a grande
massa de trabalhadores e seus dependentes” (BT, 1977, p.3).
O edifício sede da CNTI foi constrdo com recursos do MTb e inaugurado por Prieto em
de julho de 1976. De acordo com Geisel, é uma das mais belas edificações de Brasília-DF,
cidade patrimônio histórico da humanidade e foi uma dádiva do presidente da República à
diretoria da CNTI, encabeçada por Ary Campista
179
. A Foto 9 mostra o auditório de 420
lugares da CNTI e seu hall de entrada.
Foto 9 - A CNTI de Geisel.
Fonte: S. R. BRAGA (2007).
O montante das doações que se destinam basicamente a entidades de trabalhadores
alcançou três milhões de cruzeiros, graças a um reforço orçamentário em outubro de 1974,
que permitiu dobrar a dotação para atender à solicitação dos trabalhadores” (MTb, 1975, p.7).
179
Lula da Silva e alguns outros representantes do “novo sindicalismo”, como João Paulo Pires, do Sindicato dos
Metalúrgicos de João Monlevade, participaram, ativamente, da constituição de uma oposição à direção da CNTI
e a seu presidente Campista.
294
À primeira vista, a nova legislação flexibilizava o controle orçamentário dos sindicatos,
mas, salvo algumas simpáticas exceções, mantinha-se o estrito controle sobre as associações
de empregados. Essa lei não tocava as questões do direito de veto do Ministério sobre
candidatos às diretorias sindicais ou da exincia de atestado de ideologia. Vale observar que
o enquadramento sindical e a cobrança do imposto sindical compulsório eram dispositivos
criticados pela OIT. Todavia, naquele momento, a necessidade de controle do aparato sindical
era mais importante que o reconhecimento internacional, já que a ambicionada vaga no CA
daquela instituição já fora alcançada.
Como em outros temas constituintes da “distensão”, o sindical conciliava medidas de
rígido controle e ações liberalizantes. Assim, desde o início de sua gestão ministerial, Prieto
intentara devolver aos trabalhadores os sindicatos sob intervenção, o que implicava a
realização de eleições e a presea de novas lideranças, o que convergia com a comissão
revisora da CLT, desejosa de assegurar maior autonomia à administração dos sindicatos.
Em despacho de 8 de agosto de 1974, Prieto fazia um balanço dessa questão, informando
ao presidente que havia 6.600 entidades sindicais no país
180
, estando 200 delas sob
intervenção, algumas desde 1966
181
. Para o ministro, essa era uma situação que não devia se
perpetuar, por tido interesse do governo, porque poucos possuíam interventores por razões
políticas e de segurança nacional.
Assim, era preciso criar condições para que essas entidades voltassem a se administrar ou
seria melhor partir para a fusão com outro sindicato ou para a cassação da carta sindical. Para
ensinar sindicalistas a administrar sindicatos, Prieto promoveu Cursos de Administradores
Sindicais, de Vocalato e de Higiene e Segurança do Trabalho, formando, na última área,
mais de cinco mil dirigentes sindicais.
Carlos Chiarelli, da Secretaria de Relação de Trabalho do MTb, em entrevista ao BT 1
(MTb, 1975, p.6-7), informa que, em 1974, ocorreram mais de 56 Cursos de Administradores
Sindicais, “visando capacitar os dirigentes classistas a uma atuação consciente das funções
que lhe são cometidas”, sendo “incentivados os Cursos de Vocalato, com os quais se
180
O BT, órgão de comunicação do MTb (1977), afirma que, antes da “Revoluçãode 1964, o número de
entidades sindicais não chegava a três mil, o que denota que essa se constituiu em uma verdadeira “máquina de
fazer sindicatos”, apontando para o progressivo fortalecimento dos sindicatos enquanto mecanismos de
contenção da luta dos trabalhadores.
181
Em 1977, das 7.054 entidades sindicais registradas no Brasil apenas sete encontravam-se sob intervenção e 80
sobre junta governativa. Apenas esse ano, foram reconhecidas 252 novas entidades sindicais, sendo quatro
federações e 248 sindicatos (MTb, 1977).
295
preparam lideranças trabalhistas para exercer funções importantes na Justa do Trabalho”.
Tais cursos foram realizados “em convênios com Universidades, Institutos Técnicos,
Fundações Educacionais, etc, e formaram mais de mil líderes sindicais, no último exercício”.
Para diminuir o número de intervenções sindicais, ainda que exercendo estrita vigilância
sobre os sindicatos, as DRTs entrosaram-se com os serviços de informação e segurança, para
tomar as providências cabíveis no caso de envolvimento de deres sindicais com o
comunismo. Sindicatos ricos, fortes e muito politizados, como o dos Estivadores de Santos
182
,
eram mantidos sob permanente observação. Nesse contexto, as intervenções eram realizadas
apenas quando existiam de envolvimento de seus dirigentes com os comunistas
183
.
A disputa ideológica, na esfera sindical, levou à constituição de uma Comissão de
Rearmamento Moral, que possuía um Centro de Treinamento de Mão-de-Obra em Petpolis.
Tal Comissão realizou um simsio sobre os princípios morais que deviam orientar o
sindicalismo brasileiro e que constituiria um antídoto contra a “contaminação” dos
trabalhadores pelo comunismo. O mesmo sentido teve a realização, no Rio de Janeiro, em
1975, do VIII Congresso da Liga Mundial Anticomunista.
Em junho de 1976, Prieto anunciava a criação de um Centro Nacional de Treinamento de
deres Sindicais, que funcionaria até o fim desse ano, com o nome de Projeto Brasília. Este
Projeto recebeu, na capital federal, delegações sindicais de vários estados, totalizando 1.294
sindicalistas participantes. O balanço da iniciativa foi tão animador, que se mencionou a
possibilidade de estendê-lo, em 1977, a lideranças de empregadores, o que não veio a
acontecer.
Anteriormente, uma dificuldade era sentida: os sindicatos, aparentemente, não
gozavam de intimidade com a estrutura, planos e obras do MTb. Em função disso, o
Ministério do Trabalho abriu-se como um livro, e surgiu o Projeto Brasília, pelo
qual cada diretor, autoridade, técnico ou responsável por setor transmitem o que
realizam (BT, 1977, p.13).
Essa iniciativa de “diálogo com os trabalhadores e busca da paz social a qualquer custo
teve uma programação envolvendo as lideranças sindicais em visita àquela cidade, na
182
Na década de 1960, Santos tornou-se conhecida como reduto vermelho” pela atuação da USOMS, que,
comandada por Oswaldo Lourenço, dava amplo suporte ao PUA. Em julho de 1977, Prieto reuniu-se com
lideranças sindicais em Niterói-RJ e constatou a existência, ali também, de “infiltrações políticas”, o que foi
anotado em despacho com o presidente.
183
Para além da influência do PCB, o termo comunista era usado lato sensu, designando um amplo espectro
maior de entidades consideradas subversivas.
296
observação da chegada do presidente ao Palácio do Planalto, em reuniões com o Secretário-
Geral do Ministério e dirigentes da Secretaria de Relações do Trabalho (Subsecretaria de
Assuntos Sindicais e Subsecretaria de Proteção ao Trabalho, Subsecretaria de Higiene e
Medicina do Trabalho); Secretaria de Mão-de-Obra; PEBE - Serviço Especial de Bolsas de
Estudo. Os sindicalistas assistiram a exposições sobre a organização administrativa do
Ministério e participaram de outras reuniões com a Inspetoria Geral de Finanças. O critério
básico para a escolha das delegações era que o Estado convidado seria o mesmo que
participaria da solenidade de troca de bandeira, na Praça dos Três Poderes, no primeiro
domingo de cada mês.
Em 1977, foi criado o programa de Apoio à Ação Sindical, constituído por cinco projetos
do Ministério, dois dos quais cumpridos a contento no período. Um dos objetivos básicos do
MTb é o de incentivar as entidades sindicais, representativas de categorias profissionais e
econômicas, a constituírem departamentos de prevenção de acidentes de trabalho” (MTb,
1977, p.15), o que aponta para a importância da qualificação do trabalho para o êxito da
economia, de modo que a potica do governo na área do trabalhoé “parte inseparável do
processo de desenvolvimento” (BT, ano 1, n. 2, fev. 1975, p.1).
Nesse aspecto, é extremamente significativa a entrevista concedida pelo médico do
trabalho Joélho Ferreira de Oliveira a Ângela de Castro Gomes e Marcelo Thimóteo da Costa,
em 2006 (GOMES, 2007, p.277-278 passim). O médico, afirmando que, no governo Geisel,
a segurança do trabalho converteu-se numa questão de segurança nacional”, discorre sobre a
revolução” que ocorrera na área de segurança do trabalho naquele momento.
A recém-criada Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho contratara os primeiros
dicos do trabalho, incorporara as Seções de Segurança do Trabalho ao organograma das
DRT e editara as 28 NRs da área
184
. Essas NRs, base legal para que as empresas tomassem
medidas de prevenção aos acidentes e doenças do trabalho, aplicavam-se a todos os ramos de
atividade econômica. Elas impunham limites a atividades insalubres e operações perigosas e o
embargo ou interdição, em caso de infração. As atividades de maior risco eram as indústrias
metalúrgicas e pesadas, que concentravam o maior número de acidentes e intoxicações, além
de tétano, principalmente na construção civil.
184
O MTb, tal qual os ministérios da Saúde e da Educação do governo Geisel, foi concebido como órgão
normativo, distinguindo-se de outros ministérios, executivos, que deveriam implementar, e não formular,
normas. Algumas dessas RNs passaram pelo crivo do tempo, permanecendo inalteradas até o presente.
297
Oliveira (2006) afirma, ainda que o esforço de conscientização” das DRTs se dirigia aos
sindicatos de trabalhadores e se consubstanciava nas Semanas de Prevenção de Acidentes do
Trabalho, promovidas, anualmente, por ocasião do de Maio. Além desses momentos, os
contatos com lideranças sindicais eram freqüentes e, “depois que elas adquiriram confiança no
nosso trabalho, tornaram-se muito produtivos”, de modo que os próprios sindicatos
acompanhavam a fiscalização”, sem “qualquer empecilho, por parte dos delegados, que não
faziam pressão, nem interferiam negativamente”, o que demonstraria, para o médico, que “o
governo estava interessado em diminuir os índices de acidentes para dar uma satisfação à
OIT”. Nesse contexto, os sindicatos, graças ao nosso trabalho, viram as portas das empresas
se abrirem para eles” e “os próprios empresários os convidavam a participar das nossas
visitas”, de modo que o sindicalismo deu um salto, o que favoreceu muito o nosso
desempenho e o deles”.
Efetivamente, as CIPAs, previstas na NR-5 e constituídas por representantes do
empresário e dos trabalhadores que discutiam modos de garantir a integridade física dos
últimos, tornou-se, nesse período, um verdadeiro refúgio para os ativistas sindicais que,
eleitos para a CIPA, tinham garantida sua estabilidade no emprego. Assim, dependendo das
convicções ideológicas do “cipeiro”, essa aparente cooptação poderia se revelar um álibi para
uma atuação política mais conseqüente, já que, após um curso de aperfeiçoamento, exerciam
as suas funções “com certa liberdade” (OLIVEIRA, 2006). O controle ficava por conta das
DRTs que mantinham um cadastro dos membros das CIPAs existentes em todos os setores,
com base em cópias das atas de instalação e posse.
Ao lado da reversão do quadro de acidentes de trabalho, a questão da formação de mão-
de-obra tem destaque nos despachos ministeriais de Prieto. O novo ministério deveria
expandir a formação profissional de adultos em todo o território nacional e para todas as
ocupações econômicas. Prieto passaria a gerenciar o PIPMO, por dez anos sob o controle do
MEC. O PIPMO, no âmbito MTb, adota a administração por objetivos como norma de
trabalho e se inspira na idéia de que, “para que um bom conhecedor de um ocio seja mestre
basta lhe serem ministradas regras fundamentais”, posto que interessa muito mais “o que se
sabe” do que “o como se aprendeu”
185
.
Outra medida nesse sentido foi a potica de incentivos fiscais para o treinamento, que
185
com tal perspectiva seria possível a qualificação em massa buscada. Assim, em 1978, o PIPMO
alcançaria 28.868 trabalhadores no setor primário; 133.434, no setor secundário e 176.932 no setor terciário.
298
possibilita às empresas que tenham projetos de treinamento de seu pessoal aprovados pelo
Ministério do Trabalho, descontarem, em dobro, do Imposto de Renda, os gastos que tiverem
com este treinamento”, “[...] de tal forma que cada empresa se converterá, aos poucos,
também numa agência de formação e adestramento(MTb, 1978, p.14-15). Em balanço de
abril de 1978, o ministro informa a Geisel que mais de três milhões de trabalhadores foram
treinados por empresas sob tal estimulação governamental. Todas essas iniciativas eram,
eleitoralmente, capitalizadas pela ARENA. Prieto viaja muito em função de suas permanentes
preocupações poticas
186
.
Um balanço dessa gestão, feito pelo então candidato à presidência, Figueiredo, é
extremamente revelador da centralidade dos sindicatos, enquanto “legítimos representantes
dos trabalhadores”
187
, na ão política de Geisel. Figueiredo afirma que a potica social foi
um compromisso presidencial cumprido mais do que com determinação, com
intransigência”
188
. Para ele, ao convocar um potico experiente para o MTb, Geisel “tinha por
objetivo estabelecer um relacionamento com os trabalhadores como jamais ocorrera no país”.
A novidade dessa relação é a recusa do “tratamento demagógico das questões ligadas aos
nossos operários”, sem nunca deixar “de examinar, pessoalmente, as reivindicações que
líderes de classe pessoalmente lhe submetiam”.
Decorridos quatro anos da administração Prieto, revela-se lida a “ponte de entendimento
erguida entre o Governo e os trabalhadores”. Os sindicatos passaram a ser tratados como
fonte de aspirações legítimas e em razão disso seus deres puderam dialogar, livre e
permanentemente, com o Ministro”, além de terem uma pauta de audiências semanais com o
presidente, de sorte que “Geisel recebeu em seu gabinete, somente em 1977, mais de 4.000
líderes sindicais, o que em si mesmo revela o extraordinário apreço que dedica às classes
trabalhadoras” e “a lei contemplando os trabalhadores com férias de 30 dias nasceu de um
contato do Presidente com deres sindicais”.
186
Prieto submetia a Geisel o texto de seus discursos na OIT e do de maio, incorporando as sugestões
recebidas.
187
Para Geisel, a representação é a máxima expressão da democracia possível.
188
As referências que se seguem constam do BT 26, p.43-44.
299
Foto 8 - Geisel encontra-se com lideranças sindicais.
Fonte: MTb (1977).
A saúde do corpo social, com lideranças responsáveis dialogando e reivindicando,
terá sido o grande êxito do Ministro Arnaldo Prieto que durante esse período foi
capaz de desenvolver uma técnica de conversa direta sem o surrado tom discursivo
que o empolga operários. E ao lado da palavra, a ação. Esse Ministro tem sido
visto com freqüência nos porões de navios ouvindo reclamações ou nas profundezas
das minas de Morro Velho (700 metros). Os chamados bóias-frias constituíram um
capítulo à parte, essa missão atribuída ao Ministro sem outra alternativa que não
fosse a solução adequada. Numa dessas viagens, e foram várias, vi o Deputado
Prieto fitando trabalhadores, olho a olho, procurando descobrir-lhes no fundo da
alma a origem de seus sofrimentos. Como se não bastasse, quis viajar com eles,
mesmo no dorso de um caminhão desconfortável, para ver mais longe o começo e o
fim das dificuldades. Era o fato político posto a serviço de soluções até então
desconhecidas (MTb, 1978, p.44).
Para o candidato a presidente, o próprio Geisel havia reconhecido “estar o Estado ainda
longe de proporcionar ao trabalhador tudo aquilo de que necessita”, mas que o tinha o
pecado do imobilismo e menos ainda o da indiferença”, fazendo pelo trabalhador o que
permitiram os recursos nacionais, ao tempo em que promoveu, com energia, através do
Ministro ou diretamente por ele, o melhor inter-relacionamento entre empregados e
empregadores”.
Em função da necessidade de contenção das lutas operárias para o êxito da gestão de
distensão lenta, gradual e segura, o presidente Geisel, a partir de 1977, quando começa a se
reorganizar o movimento sindical, na perspectiva da autonomia face ao Estado, assume uma
série de atividades públicas. Em 1978, Geisel comemora o 1
o
de maio com os trabalhadores,
acompanhado pelo Ministro Arnaldo Prieto, em Volta Redonda - RJ, onde inaugura o alto-
300
forno 03 da CSN. Presidiu a comemoração na praça em frente ao escritório central da
empresa, e almoçou com altas autoridades e líderes sindicais, visitou obras da prefeitura e
assistiu a uma partida de futebol entre equipes sindicais e ao jogo Flamengo x Volta Redonda.
O discurso do presidente, reproduzido no BT 17, é outra peça relevante na compreensão
que o presidente tinha sobre o papel social dos pesquisadores no contexto da distensão. De
início, o presidente revela que tal era a importância do evento, que ele abandonara
compromissos internacionais para ali estar: Trabalhadores de Volta Redonda Trabalhadores
do Brasil Interrompendo viagem ao exterior, aqui vim especialmente para saudar-vos neste
Dia Universal do Trabalho, à sombra dos altos-fornos e das chamis de Volta Redonda,
símbolo, já tradicional, do Brasil industrializado e dinâmico de hoje”.
O presidente resgata o papel “da Revolução Redentora de 1964 que salvou o País da
anarquia e da desordem sem freios que o comunismo arquitetara e impulsionava sem
descanso, nem escrúpulos de qualquer ordeme que se propôs “a melhorar a qualidade da
vida para cada família, nas metrópoles, nas cidades, nos vilarejos do interior e nos mais
distantes rincões sertanejos”, visando a criação de um Brasil maior, mais forte, mais justo e
mais democrático, pelo trabalho ordeiro e fecundo de todos os dias, que ainda mais
dignificasse o homem brasileiro, libertando-o dos grilhões da miséria e da ignorância, da
prepotência dos mais ricos e da violência dos mais poderosos”. Ressalta que “nossos sonhos
de grandeza” são “muito mais ambiciosos agora que somos tantos mais brasileiros a fazer jus,
todos igualmente, aos benefícios de nosso progresso incessante”. “A certeza de completo
êxito num futuro melhordeposita-se na criatividade nova e a energia redobrada de nossa
vontade”, ante “cada desafio novo”.
Nesse ano, o 1
o
de maio demarca-se pela contraposição dos papéis concedidos aos
trabalhadores na construção da nação. Enquanto em São Paulo, o dia do trabalho é um
conclame à emancipação social, em Volta Redonda, Geisel reitera a prioridade dado por seu
governo “ao desenvolvimento social, procurando estender à população toda do País os bens
do progresso”.
301
Foto 10 – Geisel no 1
o
de maio – Volta Redonda (1978).
Fonte: MTb (1978).
Geisel rememora as medidas tomadas por seu governo nos últimos dois anos, em favor
do desenvolvimento social de nosso povo”: a criação do MPAS; a renovação do MTb; a
criação do CDS; a nova legislação sobre aposentadoria, regulamentação de profissões,
auxílio-maternidade, bolsas de estudos, alteração da fórmula da potica salarial “e tantas
outras que atestam cabalmente o interesse de meu Governo pelos problemas trabalhistas
(MTb, 1978, p.15).
Para o presidente, a distribuição de renda, entendida como “a potica salarial em seu
contexto amplo”, não pode realizar-se, por decreto, alterações bruscas nos níveis de salário-
mínimo e nos índices de reajustamento salarial”, já que “o comportamento das leis
econômicas e sociais não obedece a formulações a tal ponto simplistase o distributivismo
fácil, que tente atenuar as desigualdades individuais pela prodigalidade no reajuste dos
salários nominais, está fadado ao fracasso pelo que gera de tensões inflacionárias, de
limitação das oportunidades de emprego e de mutilação do potencial de poupança e
desenvolvimento(MTb, 1978, p.15).
Assim, o pensamento governamental apregoa que a melhoria da distribuão pessoal da
302
renda terá que resultar, em primeiro lugar, do aperfeiçoamento da política de desenvolvimento
e crião de empregos e, em segundo lugar, do aperfeiçoamento da política fiscal, da criação
de fundos institucionais de poupança pertencentes aos trabalhadores e da melhoria da
saúde e da assistência social
189
” (MTb, 1978, p.15-16).
O presidente ressalta, então, que todo um conjunto de medidas, inclusive na área
econômica e financeira, foram adotadas, em seu governo, tendo “sempre em mente a
promoção social de nosso povo”, que “o homem é o objeto central do desenvolvimento
nacional”. Nesse sentido, busca-se a universalização da assistência e previdência social.
Assim, enquanto em 1963, o número de segurados da Previdência Social era de 5,3 milhões
para uma população de 76,5 milhões de habitantes; em 1976, para uma população de 110
milhões, com a ampliação da previdência urbana aos empregados domésticos, a filiação
maciça de autônomos e empregadores, a instituição do PRORURAL, a previdência registra
um total de 30,13 milhões de segurados, a que somados os dependentes resulta na quase
totalidade dos habitantes do País.
Para o presidente, o 1
o
de maio é um momento de confraternização:
Quantas Nações podem, neste mundo conturbado, realizar encontros semelhantes a
este de que temos o privilégio de participar? O povo na rua, as crianças, os
trabalhadores, os empregadores e as autoridades, numa confraternização sem
discriminações, revelam bem o clima de paz social de que todos desfrutamos no
Brasil. Transformemos a reflexão em oração, pedindo a Deus que dê forças e energia
ao povo brasileiro e às suas autoridades para continuarmos nesta caminhada pelo
desenvolvimento, com segurança, em busca do bem-estar de nossa gente. Queremos
uma Pátria grande e progressista, mas, acima de tudo, queremos uma Pátria em que
o desenvolvimento se realize dentro dos princípios de justiça social e que se ajuste
inteiramente às legítimas aspirações do povo brasileiro e aos altos interesses
nacionais (MTb, 1978, p.16).
Os dois projetos poticos, subliminares aos distintos enfoques do Dia do Trabalho / Dia
do Trabalhador, coincidem quanto a “seu público alvo”: os operários da indústria metalúrgica,
o segmento mais avançado do proletariado. Geisel centra-se na CSN, considerado símbolo da
“Revolução de 30” e de tudo de bom que ela de fazer pelo povo brasileiro. As oposições
voltam-se aos (e vêm dos) metalúrgicos da periferia da metpole paulista.
Os traços dessa identificação com o opressor, na busca de maior acesso a benesses
governamentais e/ou capitalistas, estão presentes na fala do representante dos trabalhadores,
189
Grifo nosso.
303
na comemoração de Volta Redonda. Consonante à lógica que norteia essa perspectiva, o nome
desse sindicalista é omitido, uma vez que só existe enquanto representante de um grupo maior
que, detendo apenas a força de trabalho, com ela contribui para a “grandeza nacional”.
O sindicalista expressa “o profundo reconhecimento pelo gesto inesquecível do estadista
Ernesto Geisel, que interrompeu sua viagem à Europa, onde reafirma a imagem do Brasil, [...]
para estar aqui conosco, os deres sindicais e trabalhadores brasileiros” (MTb, 1978, p.17). O
sindicalista continua:
Sabemos que a escolha pessoal de Vossa Excelência, para que o Primeiro de Maio
deste ano fosse comemorado na cidade de Volta Redonda, marco primeiro da
arrancada de nossa emancipação econômica, representou um ato de crença no futuro
de nosso País e na capacidade de realização do trabalhador e do empresariado
brasileiro, que juntos constroem no dia a dia a grandeza de nossa Nação (MTb,
1978, p.18).
A busca de reconhecimento pelo “pai ilegítimoencontra eco na “espinhosa missão a que
se propôs”, com valor, “o nosso grande Chefe da Nação” em “seus esforços dedicados ao
povo brasileiro”. Tal empenho presidencial fez por merecer toda a nossa dedicação, apoio
integral e, acima de tudo, o nosso respeito”. Assim, em nome dos trabalhadores, o sindicalista
afirma:
Caminharemos juntos, em todos os momentos, com serenidade, com o trabalho
honesto e dedicado, para que o nosso Brasil cresça cada vez mais, com a
preservação da ordem e da justiça. Somos profundamente gratos pelo seu espírito
altamente humano, pela defesa de Vossa Excelência com relação aos direitos do
trabalhador e pelo diálogo que nos é dado. Rogamos a Deus pela saúde pessoal de
Vossa Excelência, para que atinja, ao final do seu Governo, os altos objetivos a que
se propôs, marcando, assim, encontro com a nossa História (MTb, 1978, p.18).
O discurso do Estado-patrão encontra eco no do trabalhador que destaca as grandes
realizações do governo: a) a ampliação da Previdência Social a categorias antes
desprotegidas; b) a aposentadoria dos maiores de 70 anos; c) a criação do sistema nacional de
treinamento de Mão-de-Obra, com a inclusão da empresa como agente do Sistema; d) a
criação do SENAR, que levará aos companheiros trabalhadores do campo a
profissionalização e conseqüente melhoria do padrão de vida, com repercussão na urgente e
necessária melhoria da produtividade no setor agropecuário
190
; e) o SINE; f) “a
dedicação permanente e prioritária do Governo no combate continuado ao acidente de
190
Grifos nossos.
304
trabalho”; g) “o aperfeiçoamento de um autêntico sindicalismo, que procura solucionar todos
os seus problemas e dificuldades através do diálogo
191
; h) o programa de bolsas de estudo,
que concede bolsas a trabalhadores sindicalizados do nível secundário e já agora estende a sua
ação, possibilitando o ingresso dos trabalhadores nas Universidades; i) a redução dos encargos
financeiros no financiamento da casa própria e o aperfeiçoamento do sistema do FGTS.
Para o trabalhador, “outras conquistas poderiam ser enumeradas e que somadas às que
mencionamos, definem e caracterizam a imagem do Governo, que tem como princípio
fundamental a preocupação com a promoção e o bem-estar social”.
O BT 25 dedica nove de suas 40 páginas à participação de Geisel no V Congresso
Nacional dos Trabalhadores na Indústria, em 1978, no Rio de Janeiro
192
. Geisel expressaria o
interesse do governo na potica de valorizar a participação das entidades sindicais no esforço
para a promoção social do trabalhador” (BT 10, 1975, p.16), posto que a mão-de-obra é “fator
fundamental do desenvolvimento” (BT 12, 1975, p.7).
O ministro Prieto, ao discursar na ESG, em julho de 1976, colocaria, com clareza, essa
opção estratégica:
A política sindical do governo Geisel assenta-se no diálogo aberto e permanente,
com o qual é buscado o fortalecimento das entidades sindicais para que possam seus
dirigentes, formados através de cursos, participar dos estudos e soluções dos
problemas de classes, constituindo órgãos de colaboração com o Poder Público, ao
mesmo tempo em que se cuida da promoção social do trabalhador (BT 19, 1976,
p.19).
O ministro Prieto e rios de seus assessores diretos afirmaram a centralidade do fator
trabalho no II PND, que preconizou a criação de um mercado interno agressivo, com aumento
de poder aquisitivo e política de empregos.
Muitas vezes, porém, “as comunidades locais não se arredam de suas tradições” e “é
mister que o coordenador as desperte para novas vocações” (PIPMO, 1975, p.8). Aqui, na
acepção de Gorender (1988, p.52), coerção e consenso “fazem um jogo, em que um elemento
aumenta à custa do outro, em certas conjunturas, mas, em nenhum momento, qualquer dos
191
Grifos nossos. A partir desse aperfeiçoamento, a área trabalhista” pouco trabalho deu, de fato, “só foi dar
problemas quase no fim do meu governo, com as greves dirigidas pelo Lula” (D’ARAÚJO; CASTRO, 1998,
p.267).
192
Lula (2007) recorda-se da briga dos “autênticos” com Ari Campista, presidente da CNTI, na tentativa de
impedir que Geisel abrisse o Congresso.
305
dois desaparece”. Assim, pela coerção ou pelo consenso, a sociedade brasileira fora
condenada ao progresso.
Coerção e consenso caracterizam, igualmente, a posição de Geisel em relação ao
emergente movimento grevista. O próximo tópico dedica-se à alise da reação do
establishment ao aparecimento de novos lutadores na arena política.
7.2 A indústria de greves e lulas
Para estabelecer os aumentos a serem anunciados pelo governo em janeiro de 1978, Geisel
preocupou-se em recolher informações sobre outros países. Em outubro de 1977, a Secretaria
de Emprego e Salário contratou uma equipe de técnicos do Departamento de Produção e
Sistemas da UFSCar, que desenvolveu o Sistema de Informações Gerais para o CNPS.
Essa equipe propugnou a negociação direta como a mais adequada aos segmentos mais
organizados do mercado, os setores modernos, dominados por empresas oligopolísticas, em
que já existiam sindicatos com representatividade e condições de ação, garantindo a seus
trabalhadores real participação em seus rendimentos. Efetivamente, aos setores mais
dinâmicos da estrutura industrial correspondiam os mais representativos sindicatos de
trabalhadores, conscientes de sua importância nessa estrutura, traduzida em uma negociação
coletiva que lhes permitia lograr melhores salários e condições de trabalho.
Macedo (1978), uma das matrizes da potica salarial, demonstrou que o salário médio dos
empregados novos e demitidos é menor que o do total de empregados de cada empresa; que o
salário dio dos empregados estáveis é superior aos dos admitidos ou demitidos; que, com
as taxas de crescimento, os empregados estáveis são os mais beneficiados, principalmente nas
grandes empresas e que, ao longo de quatro anos, há apenas 20% de estáveis.
Calabi (1978, p.90-91 passim) afirma que os reajustes concedidos – por salários mínimos
e por dissídio coletivo longe de realimentarem a inflação em igual intensidade, somente a
influenciam no máximo em 50% do aumento aplicado, só computados os efeitos indiretos dos
aumentos” e que apenas uma parcela reduzida de produtividade e dos seus decréscimos são
apropriadas pela força de trabalho empregada”. Em decorrência desses dois aspectos, poder-
se-ia pensar numa potica salarial e sindical que, ao amparo de negociações diretas entre
empregados e empregadores, permitisse àqueles uma fatia maior dos ganhos de
306
produtividade”.
O que tais estudos científicos apontavam vinha sendo colocado por Lula da Silva. De
fato, a primeira vez em que é mencionado, nas apreciações do SNI (outubro de 1977), tal
menção diz respeito a “reuniõCASTRO, 2002, p.59).
Em contrapartida, mesmo em 1978, quando emergiam as primeiras greves de vulto desde
1968, Simonsen defendia a manutenção das fórmulas de potica salarial e a proibição do
direito de greve: “Como não é concebível uma greve contra a aritmética, o princípio da
fórmula é incompatível com o direito de greve em negociações salariais. As recentes
paralisações do trabalho em São Paulo têm que ser, por isso, consideradas como ilegais”. O
ministro advertia que “se a inflação de custos forçada pelos sindicatos aumentar, caminhar-se-
á para a hiperinflação” (SARMENTO; ALBERTI, 2002, p.71).
Para fazer frente às greves, segundo ele, seria necessário aumentar o diálogo entre o MTb
e os empresários paulistas, não alterar a lei salarial e ativar os órgãos de segurança para a
identificação de quem está por trás das paralisações ilegais” (idem, ib., p.71).
A opção de instituir o direito de greve e abolir a rmula salarial, para que as negociações
partam do zero, afirma Simonsen, pressupunha uma sociedade adulta, e não uma sociedade
tutelada pelo Estado, como a brasileira.
À medida que a panela ganhava pressão, a ponto de se temer uma explosão (conforme
acreditava Golbery), a questão social (e particularmente as demandas dos trabalhadores dos
setores modernos da economia) não mais poderia ser tratada como questão de polícia. Nesse
contexto, a atuação do sindicalista passou a ser vista pelo SNI, inclusive, como positiva à
medida que “Lula procuraria evitar a exploração potica das reivindicações dos operários”.
Efetivamente, valia a pena refletir sobre suas idéias:
Suas postulações, para serem atendidas em sua totalidade, exigirão mudanças
radicais na política trabalhista do governo. Mas o exame progressivo de cada uma
delas, alimentando um diálogo que transmita confiança na disposição de aperfeiçoar
a legislação em benefício da força do trabalho, sem comprometer o desempenho da
economia, parece ser a melhor maneira de evitar que outro componente de
perturbação da tranqüilidade pública se insira na conjuntura delicada de
transformações políticas que a nação está vivendo (CASTRO, 2002, p.60).
Para Moisés (1979), desde o início do seu governo, Geisel deu sinais de desejar abrir
algum tipo de canal até a classe trabalhadora e, depois da derrota eleitoral em 1974, seriam
dados os primeiros passos nesse sentido, aumentando em 43% o salário dos trabalhadores
307
industriais, quase o dobro do concedido nos anos anteriores.
Rodolfo Konder, prefaciando Jordão (1984), afirma que, após 1974, o sucesso do modelo
de “desenvolvimento com segurança” dependia do apoio dos trabalhadores, contribuindo para
o incremento da produção, e de um mínimo de coesão e estabilidade social, pressupondo uma
ampla submissão às decisões do governo. Assim, a ênfase na questão salarial era plenamente
justificada, tal como ocorria com a questão do desemprego que, no período mais crítico da
desaceleração da economia, esteve sempre na pauta presidencial.
Os óbices à coesão e estabilidade social tornavam-se, ao longo do governo Geisel,
progressivamente maiores. O presidente atribuiria “o crescimento da oposição” ao governo do
Médici, “que nos últimos anos o se interessou pelo quadro político” (GEISEL, 1993-1994
apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.383). Assim, Geisel teria que atuar em diferentes
fronts.
Em 1978, aparece, pela primeira vez, o tema greve nos despachos entre o presidente e o
ministro Prieto e, em 04 de abril, o Decreto-lei 1.632/78 a proibiu a realização de greves nos
serviços públicos e atividades essenciais da segurança nacional e, em setembro daquele ano,
portarias ministeriais proibiram os dirigentes sindicais de participar de reuniões de caráter
intersindical. Em contrapartida, o presidente autorizava seu ministro a estabelecer
negociações com vários presidentes de federações de trabalhadores, em torno da questão
salarial, crucial para o MTb.
Desde que assumiu a presidência, Ernesto Geisel teve uma visão estratégica perfeita”,
diria Arturi (1999, p.262). Tal visão seria extremamente necessária, em um contexto diferente
dos governos anteriores, que podiam se dar o luxo de sustentar-se, exclusivamente, na fé e no
milagre. Com uma economia desaquecida e com a mudança de orientação e de tática, da
guerrilha para um ‘trabalho de massa’ difuso, sub-reptício, junto ao meio estudantil e
operário”, que dava a falsa impressão de que “o problema subversão já se encontra superado
(SNI, 1974 apud CASTRO, 2002, p.49), o “ditador da abertura” teria que usar todo o seu
arsenal estratégico, para levar o “barco da distensão” a seu porto final.
Para Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.369), tratava-se de “lutar
em duas frentes: contra os comunistas e contra os que combatiam os comunistas. Essa é que é
a verdade”. A estratégia não priorizava ações repressivas isoladas”, que só podiam ser
empreendidas com o conhecimento do presidente. “O raciocínio claro era esse: vamos
estudar, vamos ver uma outra maneira de enfrentar o adversário. É claro que, no fundo, isso
308
o é um problema militar” (idem, ib., 1998, p.365). Nesse contexto, ao invés da manutenção
da temporada de caça às bruxas do governo anterior, a nouvelle Inquisition escolhia a quem
queimar em suas fogueiras
193
, e os demais ficavam como cenário da farsa democrática que se
encenava.
Sendo o anticomunismo a principal bandeira utilizada durante todos esses 15 anos pela
ditadura”, como bem identifica a resolução política do CC/PCB, de maio de 1979 (apud
CORRÊA, 1980, p.244), optou-se pela tolerância à oposição de esquerda o-marxista, sem
laços com o urso soviético ou com o panda chinês, e fez-se a opção preferencial pela Igreja
Católica. A CNBB era, como afiança Arturi (1999, p.243), “a organização mais importante da
sociedade civil durante todo o período de transição”, obviamente, deveria ser o primeiro alvo
das articulações em prol do projeto de distensão.
A implementação da estratégia antecede o início do governo Geisel. Nos encontros com
dom Paulo Arns
194
e outras lideraas católicas, o general Golbery convenceu-os de que
Geisel, de fato, abriria o sistema potico, daí a presea de cinco cardeais na sua posse, o que
deu ao presidente certa tranqüilidade, posto que, quando foi escolhido, um dos problemas que
o preocupavam era o fato de não ser católico (GEISEL, 1993-1994 apud D’ARAÚJO;
CASTRO, 1998).
Analisando os discursos de Geisel, Mathias (1995, p.83-84 passim) constata que “o
presidente procura mostrar como o Brasil é privilegiado, que tem a vantagem de ser uma
nação ordeira, integrada e harmoniosa”, a “civilização da cordialidade” que os antepassados
nos legaram e que “procuramos aprimorar sempre, incorporando à sua Consolidação os novos
agentes e instrumentos de relacionamento humano, proporcionados pela marcha incessante do
progresso”.
O “discurso manso” guardava afinidades eletivas com a piedade cristã que pretendia
angariar. Na oposição ao regime desde 1970, a Igreja Católica fornecia locais para reunião,
recursos e quadros (leigos e padres militantes) ao movimento sindical e popular. A
aproximação entre os sindicalistas autênticos e os militantes das pastorais desaguou na
193
Em dezembro de 1976, três dirigentes do PC do B foram assassinados e outros seis presos no episódio que
ficou conhecido como “cerco da Lapa” (D’ARAÚJO, 2002).
194
Se, por intermédio de Golbery, Geisel chegava a dialogar “com a Igreja progressista, que era favovel às
ações da esquerda subversiva e as fomentava”, não deixara de, através do núncio, queixar-se ao Papa, que
orientara o presidente a ter pacncia porque “a Igreja resolve, mas é muita lenta” (GEISEL, 1993-1994 apud
D’ARJO; CASTRO, 1998, p.388). De fato, a reação viria, nos 1990, com o expurgo da Teologia da
Libertação.
309
consolidação do Projeto PT. Lula da Silva (2007) rememora que, nas grandes greves a partir
de 1978, conseguia-se distribuir 100 mil panfletos em um dia, utilizando o potencial de
organização de base da Igreja Católica. Para o ex-sindicalista, o membro do movimento da
Igreja Progressista, que não podia estar no sindicato, porque não era metalúrgico, tinha
ingresso certo no PT. No momento da criação do PT, eu era o mbolo da classe operária, o
pessoal falava. Você falava em operário, lembrava dos metalúrgicos do ABC, lembrava do
Lula, sabe?” (LULA DA SILVA, 2007, p.1).
O ex-sindicalista seria exemplo do “mistério do ministério”, tratado por Bourdieu (1958)
como um caso de magia social, em que um grupo se realiza por interveniência daquele que
fala em seu nome, o porta-voz. Esse, ao falar do grupo, e em seu lugar, e, sub-
repticiamente, a existência do grupo em questão, institui este grupo, pela magia, inerente a
todo o ato de nomeação. Destarte, a classe (operária, nesse caso) existe na medida em que
esse detentor de plena potentia agendi fala em seu nome, segundo a equação o Partido é a
classe operária, e a torna real no campo potico.
Ora, a classe como “vontade e representação” não se constrói a partir do nada.
Acompanhemos sua confecção.
7.2.1 A marca e o marketing
É comum que se considere o texto do SNI, de 1977, como o primeiro registro de um
encontro do sindicalista com o establishment. O depoimento do ex-governador de São Paulo,
no interregno 1975-1979, Paulo Egydio Martins, concedido em 2005, entretanto, questiona
essa afirmação.
Egydio Martins (2005) relata sua participação na solenidade de posse de Lula da Silva
como presidente do SMSBD, em 1975, que causou tal celeuma na época, que o próprio Geisel
lhe telefonara. Justificando-se ao presidente da República, ele ressaltara que Lula era um líder
sindical sem filiações ideológicas, que impulsionava um sindicalismo forte, fora do
peleguismo getuliano, corrupto e que deveria ser apoiado pelo regime.
Essa afirmação contrasta com as próprias memórias de Lula da Silva (2007). Ele afirma
que foi levado pelo iro comunista, Frei Chico, para o sindicato em 24 de abril de 1969. A
partir de 1972 e até 1975, desligado da produção, para atuar como primeiro secretário do
310
Sindicato, cuidava de FGTS, de aposentadoria, de habite-se e de seguro de acidente de
trabalho. Segundo o próprio Lula, assumiu a presidência do Sindicato porque a fábrica do
seu antecessor, Paulo Vidal, teria se transferido para Mauá. Lula, até então, nunca fora a uma
assembléia e a primeira vez que falou em blico foi na posse, um discurso redigido com a
ajuda do advogado da entidade. Na hora de ler me deu uma tremedeira que eu quase não
paro em pé”, lembra o ex-sindicalista.
Nesse contexto, é perfeitamente inteligível que Paulo Vidal, mantido na diretoria sindical
como secretário-geral, pretendesse tomar Lula como um fantoche, fato que rememora. Por
outro lado, se ele nunca discursara e de 1969 a 1975 eu não conversava com empresários”
(LULA DA SILVA, 1981, p.174), o governador nada poderia saber sobre as filiações
ideológicas e o tipo de sindicalismo que ele (não) lideraria.
A posse, com mais de 20 mil presentes, inaugurou a trajetória midiática de Lula, que
concedeu sua primeira entrevista a um canal de televisão nesse dia
195
. Dizendo que a gente
quando se dise a defender uma causa, a gente quando se dispõe a lutar por alguma coisa
que acha certa e verdadeira, eu acho que, se for necessário, até a vida nós temos que dar”,
Lula começava a desencadear a magia da enunciação
196
.
Nunca disse que sou resultado da minha inteligência ou da minha competência. Sou
resultado da evolução política de uma parcela da sociedade. Apareci no momento
exato. Obviamente tive o mérito de saber traduzir aquilo que era o pensamento
daqueles que representava. Não seria o que sou se não fosse a Imprensa (LULA DA
SILVA, 1979, p.3).
Egydio Martins (2005), desde a posse, tivera uma série de almoços e jantares com Lula. O
ano de 1975, efetivamente, seria divisor de águas na trajetória de Lula. Inicia
internacionalização de sua imagem: vai para o Japão participar do congresso dos
trabalhadores da Toyota
197
, de onde é informado sobre a prisão de seu irmão e orientado a não
retornar ao país, a que ele teria respondido: “Antes preso no Brasil que solto aqui no Japão!”
(LULA DA SILVA, 1981, p.39), antecedendo ao estilo verde-amarelo de cataventos e
195
Lula da Silva (1981) informa que, até 1975, em São Paulo, apenas dois jornais publicavam pequenas colunas
com assuntos sindicais.
196
Vale lembrar, como o faz Antônio de Almeida (2007), que, em 1974, o Sindicato realizava assembléias
com dez mil trabalhadores, nas quais Paulo Vidal chegava a ameaçar ir para a greve e, por fim, recuava, de modo
que se descredenciou perante a massa.
197
É interessante que seu cosmopolitismo se inaugura com a Toyota, na qual a subsumpção do operário no
esquema de produção de lucro para a empresa se tornou paradigmática.
311
aviõezinhos de papel, que acompanhariam a campanha televisiva Brasil. Ame-o ou deixe-o”,
a partir de 1977. Lula, não apenas retornou, como se dirigiu ao DOPS, para saber o que tinha
acontecido: Você vê, Sr. Luiz Inácio, como esse país é democrático, seu irmão espreso
porque é comunista e o Sr. em liberdade procurando informações sobre ele” (LULA DA
SILVA (2007, p.1). De fato, o país pareceria ter, magicamente, se democratizado,
especialmente para Lula.
Cabe lembrar que, um dia as o ato na Catedral da Sé, em memória de Herzog, o
presidente Geisel vai a São Paulo, onde se “reuniu, privativamente, com certos deres civis e
sindicais, mas não manteve nenhum contato com o MDB” (ARTURI, 1999, p.301), para
tentar acalmar os ânimos”. Nesse momento (cf. Cap.7), o presidente exoneraria o chefe dos
torturadores “extrovertidos” do II Ercito, substituindo pelo general Dilermando Monteiro,
outro “relações públicas” do regime com os ascendentes movimentos sociais paulistas.
O ex-governador Egydio Martins (2005) revela que, entre 1977 e 1979, Golbery ocupou-
se com Lula. Considerando que o sindicalismo não era o locus mais adequado para ele, o
general passou a usar o ministro Murilo Macedo, como ponte para Lula, realizando rias
reuniões fechadas com ele, com o fito de “organizar” a participação dos trabalhadores no
novo sistema partidário que surgiria em 1979. Para o ministro do Trabalho, existiam dois
sindicalismos: o democrático, que no empresário um parceiro de jogo com o qual ele deve
transacionar, e o revolucionário, para o qual o patrão é um inimigo a ser destruído. Lula seria
da primeira leva.
Foi nessa nova conjuntura que os metalúrgicos do ABC, com Lula à frente, adquiriram
visibilidade nacional com a campanha salarial de 1977, depois da Revolução de 1964, o
maior movimento sindical, em âmbito nacional, ocorrido no país(LULA DA SILVA, 1981,
p.40).
Moisés (1979, p.5) relata a gênese da campanha:
Aparentemente, todo comenzó en el segundo semestre de 1977, con la
sorprendente revelación a la que fueron obligadas las mismas fuentes oficiales del
gobierno federal ante las presiones internacionales, según la cual la manipulación de
los datos oficiales de reajuste salarial de los trabajadores industriales, en 1973 y
1974, habría impuesto una sobrepérdida real de un 34.1% en los salarios del
conjunto de la clase trabajadora del país. Ante ese anuncio, legitimador plausible
de las reivindicaciones, hubo algo así como una reacción inmediata y en cadena
de los más importantes sindicatos de trabajadores de la región del Gran São
Paulo, los cuales congregan cerca de 250 mil trabajadores de la industria automotriz,
312
electrónica y química
198
.
Ora, o DIEESE, desde o início dos anos 1970, sustentava que os dados utilizados para
reajuste dos salários estavam sendo manipulados, implicando perdas maiores para os
trabalhadores. Para Moisés (1979), um dos intelectuais inseridos no Projeto PT, tais denúncias
levaram os economistas do BIRD a estabelecer que as estadísticas oficiais eram falsas. O
próprio Delfim Netto afirma ter sido o hedge de Simonsen a base da internacionalização dessa
denúncia. Para Lula da Silva (1981, p.149), ela representaria “as divergências dentro do
próprio sistema”, que teriam levado “o próprio ministério de Geisel a levantar algumas
denúncias em relação ao ministério anterior
199
.
De fato, pode-se observar, nesse ínterim, “a mão invisível” do Estado criando o
movimento, projetando o seu passo seguinte e os subseqüentes, “com princípio, meio e fim,
passando por fases de aceleração, até gradualmente esvaziar-se e esvair-se” (VALLADARES,
1982, p.91).
O passo seguinte foi el surgimiento del movimiento de reivindicaciones, ante el cual el
gobierno asumió una posición de tolerancia, aunque afirmando que los aumentos de 1975 y
1976 fueron suficientes para cubrir las pérdidas anteriores” (MOISÉS, 1979, p.5). Para
desencadear a campanha dos 34,1%, Lula teve que se contrapor a Paulo Vidal, que preferia
evitar todo confronto, por mínimo que parecesse. Crendo na existência de um país
democrático”, Lula entrou na Justiça do Trabalho
200
“e não ganhamos”, mas foi “uma
campanha muito forte, que terminou em agosto de 77, terminou num clima muito bom. Mas
essa campanha foi, na verdade, o que deu início para mim em 1978” (LULA DA SILVA,
2007, p.1).
Essa campanha teria um saldo gente organizativo, que se apresentaria nas greves de 1978-
1980. Para Moisés (1979), o principal rito dessa campanha foi desencadear uma torrente de
outras reivindicações, aparentemente novas:
198
Grifos nossos.
199
Vale lembrar que esse procedimento não é corriqueiro ao longo do regime burocrático-autoritário, posto que
“’não duvidar, não divergir, não discutir’ é o princípio profissional no qual baseia-se a verticalidade do
comportamento militar” (MATHIAS, 1995, p.105). Por outro lado, o presidente Geisel, várias vezes, afirmara
que a salvaguarda da Revolução era muito mais importante que qualquer convenção.
200
Geisel (1993-1994 apud D’ARAÚJO; CASTRO, 1998, p.399) comentaria: “Havia Justiça do Trabalho que
começou a julgar os casos, se eram razoáveis ou não. Era o primeiro ônus da distensão. Eram fatos
desagradáveis, mas que faziam parte da liberdade que a distensão procurava assegurar”.
313
Aumentos salariais segundo o crescimento setorial da produtividade.
Controle sobre as condições de trabalho e garantia de emprego.
Negociação direta com os empresarios, livre da tutela do Estado.
Contratos coletivos de trabalho para cada setor.
Reconhecimento legal de representantes sindicais no interior das
fábricas.
Ampla e irrestrita liberdade sindical.
Pedagogicamente, para estabelecer os limites da integração, o regime voltou a prender
alguns sindicalistas
201
, de modo que o Sindicato de São Bernardo assumiu uma posição mais
combativa”, promovendo debates sobre o de maio, aos quais “bastante gente” assistia. Ao
mesmo tempo, Lula seria convidado para encontrar-se com Petnio Portella, ministro da
Justiça de Geisel e interlocutor de Geisel para a sociedade civil, em Brasília. Trata-se de um
teste. Lula da Silva (2007) recorda que “tinha uma oposição na categoria que achava que isso
era rendição”. Tratava-se de um pessoal mais organizado ideologicamente”, que constituía
uma oposição em toda assembléia”, em que se distribuía “muito material apócrifo”. Ora,
Lula não “contemporizou com seus radicais”, como o fizera o MDB, o que, certamente, lhe
valeu o respeito e as atenções do regime.
A partir desse momento, Lula tornar-se-ia, nas palavras de Fernando Henrique Cardoso
202
(2008, p.1), “um espetáculopara os meios de comunicação, “um mbolo” do/no Brasil, cuja
ascensão foi vista pelos setores “ideológicos que se consideravam progressistas” como “a
redenção das massas, a redenção de todas as dívidas sociais do Brasil”.
201
Para Golbery, “a repressão ilimitada, na busca de uma segurança absoluta, levaria em última análise à
debilitação da segurança nacional pretendida”, em função do que “tentava-se negociar e incorporar algumas das
exigências da oposição de elite, num esforço de ampliação da base de sustentação do Estado” (ALVES, 1985,
p.186). Essa “ação preventivavisava a conter os excessos da oposição e demarcar os limites da permissividade
política.
202
Interessa-nos saber que o primeiro ato de abandono da “ojeriza” e do “analfabetismo político de Lula
ocorreria na campanha de Cardoso a senador, em uma chapa, cujo vice vinha do SMSBD: o advogado, Dr.
Maurício (LULA DA SILVA, 2001).
314
Figura 9 - “A evolução humana”.
Fonte: Zé P.
A greve, iniciada em maio de 1978, é o ápice desse processo de iconização de Lula.
Inspirado nas sábias admoestações de Vidal, o sindicalista imaginara que “ia ter repressão,
porque a história de greve é repressão”. Dois dias depois da greve, Vidigal procurara o
general Dilermando, para dizer que era preciso acabar com a greve. Ao invés de correr
porque o Exército vai acabar com essa greve”, Lula telefonou para o Comandante e marcou
uma audiência, ao fim da qual teria lhe garantido: “enquanto eu for General aqui, eu te
garanto que o meu Exército o vai bater em trabalhador” (LULA DA SILVA, 2007, p.1).
A partir dessa greve, o sindicalista assumiria um papel de destaque na vida sindical e
política brasileira”, do que adviriam suas “numerosas entrevistas aos mais variados órgãos de
imprensa”, compiladas em Lula da Silva (1981).
Foto 11 - Lula, o espetáculo.
Fonte: CGTB (2007, p.7).
Nas greves de 1978, Geisel demonstraria toda sua condescendência com o setor mais
315
dinâmico e o líder dos seus trabalhadores. Não houve qualquer repressão prévia ou imediata,
o que permitiu medir seu impacto social e mostrar aos Oito o caráter não autoritário do seu
governo. A estratégia deveria evitar do tipo plebiscitário todo conflito eleitoral que pudesse
levar a uma confrontação com o regime e encorajar a criação de partidos moderados ou
dignos de confiança.
Mário Garnero (1988) externa sua “estranheza” quanto à facilidade com que Lula
ascendeu politicamente, em um contexto em que os mais inofensivos adversários do governo
eram tratados com impiedade
203
. O empresário fora a Brasília, no começo da greve, em nome
da ANFAVEA, para saber o que fazer e se encontrara com Simonsen, que fora orientado por
Geisel a tentar negociar com os grevistas, o que escandaliza, por se tratar de um passo que
nenhum governo militar jamais dera.
Naquele mesma noite de domingo, Lula apareceria no programa Vox Populi, da TV
Cultura, com o nihil obstat do comandante do II Exército e do governador, instrumentado
pelo Planalto. De fato, o General Dilermando chegou a participar do programa, argüindo Lula
sobre a possibilidade de impedir que haja infiltração de “ideologias extremistas, como é a
ideologia comunista”, nos sindicatos operários. À questão, Lula teria respondido: “sou contra
o radicalismo, tanto de esquerda como de direita”, posto que “o radicalismo não leva a nada”,
sendo muito mais útil que o comandante “nos ajudasse a brigar pela liberdade sindical, e me
desse o direito, não a mim mas a todos os dirigentes sindicais que não têm compromissos
ideológicos, de lutarem contra qualquer um dos dois extremos” (LULA DA SILVA, 1981,
p.83).
Como o discurso jornalístico forja, em boa medida, o imaginário social, a memória do
passado (e do futuro), cabe caracterizar a imprensa de meados da década de 1970. Nesse
sentido, a censura. Melo (1985) reproduz o comentário do general Golbery, de 1973, sobre O
Estado de São Paulo, sob censura até 1975, para o qual o fim da censura o o tornaria um
jornal de esquerda ou hostil ao regime, mas o mesmo jornal conservador que é. Para Golbery,
esse jornal seria mais conservador que ele e a censura estaria tendo um efeito inverso ao
pretendido, haja vista que, nem sempre, embaixo dos versos de Camões, moraria uma
importante denúncia. O próprio diretor do jornal, Ruy Mesquita, afirma que, às vezes, o
governo estava apreensivo com alguma coisa que ele não percebia (daí sua manutenção na
pauta) e censuravam.
203
O empresário se refere à cassação de alguns deputados.
316
Breguês (1978) informa que, até aquele ano, permaneciam sob censura prévia os jornais
Tribuna da Imprensa, Opinião
204
, Movimento e O São Paulo, o jornal da Arquidiocese de São
Paulo. Na edição de 9 de junho de 1978, a censura liberara a revista Veja, que informou ter,
desde 15 de maio de 1974, mais de 10.000 textos cortados, sessenta reportagens totalmente
vetadas, além de 64 ilustrações. Quanto ao jornal Movimento, sob censura prévia, desde o
primeiro número, de julho de 1975, até o número 22, tivera vetadas 273 reportagens de
maneira total e 276 de maneira parcial.
Para Lula, “quando a imprensa começou a ficar mais livre, começou, eu acho, a descobrir
o trabalhador. E daí aconteceu tudo o que está acontecendo até hoje”, ou seja, “muitos
contatos com jornalistas” e passaram a ser vistos “sem medo”, mas, igualmente, “sem nenhum
objetivo de me tomar vedete ou coisa parecida” (LULA DA SILVA, 1981, p.101-102).
A imprensa passou a vender Lula como um líder sindical em estado de pureza. Vidigal
Filho (2005) caracteriza-se a si mesmo como um maluco, que tal como Lula, falava todo o dia
sem parar. Para o ex- presidente da FIESPE, ele e Lula tiveram “uma sorte danada” de
sobreviver em uma ditadura, em que mesmo o Congresso “funcionava a meia-boca”. Na
segunda metade da década de 1970, para Vidigal, a imprensa não tinha o que publicar, daí os
jornais e as revistas ouvirem, a ele e a Lula, “o tempo todo.
Melo (1985), estudando a cobertura ao movimento operário pelos jornais O Estado de São
Paulo
205
e Jornal do Brasil, identificou uma cobertura extremamente simpática às
reivindicações sindicais, com o tratamento dado à greve. Lula da Silva (1981, p.118)
confirmaria que a imprensa teve grande participação no movimento que eclodiu em São
Bernardo”, porque, desde 1978, o trabalhador passara a ouvir falar “de sindicato, de luta de
classe, de reivindicação”, praticamente, “todo santo dia, pelos jornais, pelo rádio e pela
televisão”. Naquele ínterim, os principais jornais brasileiros apresentavam tiragem diária
dia de 300 mil exemplares, alcançando perto de 20 milhões de pessoas; o rádio envolvia 85
milhões de pessoas e a televisão, 45 milhões de pessoas.
Com tal celebrização”, a partir de 1979, Lula correria o mundo”, em audiências com o
senador democrata Edward Kennedy, o sindicalista polonês Lech Walesa, o Papa João Paulo
204
D’Araújo (2002, p.27) informa que “o Banco Nacional do ‘revolucionário’ Magalhães Pinto estava
financiando periódicos alternativos e de ‘esquerda’, como Pasquim, Crítica e Opinião”.
205
Cabe lembrar que o diretor recebeu, com sua família e alguns convidados, Lula, na sua residência, para uma
conversa que se estenderia por quatro horas e que seria reproduzida em parte em Lula da Silva (1981).
317
II, os primeiros ministros Adolfo Soares, da Espanha, e Helmut Schmidt, da Alemanha. No
Brasil, reunira com vários governadores, ministros e o presidente Geisel. “Eu o podia sair
do Brasil sem autorização da Polícia Federal, né? Mas, aí, também tinha o nome público,
estava consolidado, né? E , também, não podiam fazer mais nada comigo”
206
(LULA DA
SILVA, 2007, p.1).
Nessa conjuntura, Lula reelege-se com 98% de votos na eleição sindical de 1978. Em
1979, sofre a primeira intervenção no Sindicato, que durou 50 e poucos dias e acabou
reforçando os laços dos sindicalizados com a diretoria cassada. No ano seguinte, Lula e outros
sindicalistas autênticos” iniciaram uma “odisséia” pelo Brasil, na tentativa de consolidar o
PT. Sua capacidade de aglutinação era tal que até grupos radicalóides”, como a LIBELU,
que me chamava de a ‘muleta da ditadura’ e, logo depois, ela já estava no partido junto com
a gente”. A base do seu sucesso estaria no fato de ser “o resultado do grau de consciência que
os trabalhadores adquiriram naquele período(LULA DA SILVA, 1981, p.363).
A imagem pública de Lula não pára de crescer e é, em boa medida, reforçada pela
segunda intervenção sindical, na greve de 1980, e por sua prisão no dia 17 de abril, em que
permaneceria por 31 dias. Ainda na viatura, cinco minutos depois, na rádio Bandeirantes, já se
anunciava que o Cardeal Arns informara sobre sua prisão em casa. Na cadeia, “a gente era
tratado diferente porque a nossa prisão já se deu num outro momento. não tinha mais
tortura”. Na cadeia, tinha um tratamento de hotel: se tinha dor de dente, em uma hora, o Tuma
chegara com um dentista para me cuidar”; para ver o jogo do Corinthians, ele trouxe uma
televisão”; eu pedi para ele um circulador de ar”; “eu saía de noite para ver a minha e”;
tinha todo dia o jornal aqui” (LULA DA SILVA, 2007, p.1).
206
Como se infere, não falta ao sindicalista a noção do próprio mérito.
318
Foto 12 - Liberdade para Lula.
Fonte: CGTB (2007, p.8).
João Goulart foi cassado e o povo não se rebelou contra o governo; Juscelino
Kubitschek foi cassado e o povo não se rebelou; Jânio Quadros foi cassado e o povo
não se rebelou. Houve intervenção no Sindicato de São Bernardo e os trabalhadores
gritaram! Essa é a verdade que o governo não esperava. Cassaram três presidentes
da República e o povo não se manifestou. Cassaram meia dúzia de merda de
dirigentes sindicais e 120.000 homens se rebelaram contra isso. Essa o governo não
esperava (LULA DA SILVA, 1981, p.342).
Teotônio Vilela visitaria Lula na cadeia. Se, do ponto de vista potico, a greve de 1980
o resultou em ganhos econômicos, politicamente, foi um completo triunfo, já que, por
intermédio dela, o PT consolidar-se-ia enquanto partido político.
Para Lula, “a gente tentou dialogar e eles se trancaram por trás de cassetetes e bombas. A
gente quis negociar e eles nos enviaram helicópteros com metralhadoras e ordens de prisão.
Ora, ficou claro para o trabalhador de que lado está o governo” (ib., p.281). É óbvio que, para
o sindicalista, isso era um trunfo, a ponto de, ao se lançar candidato ao governo de São Paulo,
achar que ia ganhar, já que “fazia cocios que tinham mais gente do que o número de
moradores da cidade” (LULA DA SILVA, 2007, p.1). A conjunção de marketing com
legislação eleitoral levou Lula a adotar o nome oficial de Luiz Inácio Lula da Silva.
Se perdera em 1982, quatro anos depois, teria sua primeira vitória: eleger-se-ia deputado
federal, com a marca histórica de 652 mil votos, o que lhe dera a primeira impressão de que a
classe operária vai ao paraíso. O primeiro êxito reforçaria seu marketing pessoal, de modo que
“na eleição para presidente, em 1989, eu fui para o segundo turno, eu tinha certeza que ia
ganhar. Até hoje ninguém me convence que eu perdi aquela eleição” (ib, p.1).
A trajetória redentora de Lula teria seu correspondente na decadência dos “homens
319
partidos” do PCB.
7.2.2 A mácula e o marco
Quando é impossível determinar com exatidão quem deve ser tido como inimigo do
Estado e que atividades serão consideradas permissíveis ou intoleráveis, já não
have garantia para o império da lei, o direito de defesa ou a liberdade de expressão
e associação.
Maria Helena Moreira Alves
O governo Geisel, como vimos, teve que caçar comunistas e caçadores de comunistas.
Para o presidente, o comunista é um doente incurável que deve ser salvo de si mesmo. Nada o
convenceria a mudar de opinião, o que tornava as estratégias de longo prazo muito mais
relevantes que as táticas de curto prazo.
O PCB, que se assumira como oposição democrática”, não caindo na tentação da luta
armada, de início, se livrara das “palmadas” da repressão. Quando a comunidade da
informação liquidou os paulistas” no Araguaia, voltou a se ocupar com o PC, o único grupo
que tinha uma estrutura” (COELHO NETTO, 1993, p.24), estrutura essa importada
diretamente do Kreimler. Ora, entre 1975 e 1976, quase todos os dirigentes do “Partidão” já
se encontravam fora do país, o secretário-geral, Prestes, fora deslocado para a URSS em
1971.
A tática dos caçadores era muito simplista: em 1975, comemorando” os 40 anos da
Intentona, teria se engendrado um novo Plano Cohen, uma pretensa conspiração para derrotar
o regime. Em janeiro, o ex-deputado e ex-membro do CC/PCB Marco Antonio Tavares
Coelho fora preso e, sob tortura, revelou a estrutura do Partido em São Paulo, Rio de Janeiro,
Paraná e Brasília. Nos meses seguintes, dezenas de deputados eleitos, pelo MDB em 1974,
foram acusados de receber apoio do PCB, o que deveria levar Geisel a fechar o Congresso,
mas foi sumariamente ignorado.
O presidente entendia que o fato de um deputado ter apoio dos comunistas o significaria
necessariamente ser ele também comunista. Ademais, como já dito, a sua estratégia não se
limitava a táticas repressivas isoladas. De fato, a força deveria apenas limpar o terreno.
Assim, entre o final de 1974 e o decorrer de 1975, nove membros do CC foram assassinados e
o jornal oficial do Partido, Voz Operária, passou a ser editado fora do Brasil.
320
A despeito de todos os golpes sofridos, os pecebistas insistiam na via institucional para
derrotar o regime. A Resolução potica do CC/PCB (1979 apud CORRÊA, 1980, p.238)
declarava:
As forças sociais que se empenham na construção de um regime democrático em
nosso País são numerosas e constituídas por várias classes, camadas, setores,
correntes de pensamento e segmentos sociais. Logo, a unidade das forças de
oposição é requisito essencial, sobretudo num momento em que as manobras
divisionistas da ditadura se desenvolvem com maior ímpeto e vigor.
Tal unidade consubstanciar-se-ia no MDB, organização frentista que, segundo o PCB, a
partir das eleições de 1974, conseguira formar um bloco parlamentar democrático, que
aglutinaria ainda alguns representantes da ARENA, e além da denúncia, poderia propor leis
que contribuíssem para eliminar o arbítrio e contribuir para a organização e mobilização dos
trabalhadores. A atividade oratória do Congresso, recrudescida a partir daquele ano, foi
silenciada com a cassação do mandato de alguns deputados no primeiro semestre de 1976. A
verve parlamentar e a incompetência da ARENA, em garantir a vitória, em um jogo eleitoral
aberto, tornavam “cada vez seria mais generalizada a convicção da necessidade de uma
reforma partidária que extinguisse as atuais legendas” (CASTRO, 2002, p.48).
Como os comunistas optaram pelo caminho institucional, a reforma partidária teria, para
eles, um impacto muito mais negativo. Estilhaçava-se, destarte, a oposição emedebista, com
Tancredo Neves capitaneando seus mais conservadores para o PP e Lula, os mais radicais
para o PT.
Ora, o ano de 1978, de acordo com Santana (2001), marca o início do fim para o PCB.
Quando o novo sindicalismo entra em cena e começa a se forjar o Projeto PT, o
enfraquecimento do Partidão é evidente, quer pela repressão, quer pelo anacronismo de suas
proposições e formas de ação. O movimento sindical, que era central na linha de ação potica
dos comunistas, tornou-se a alavanca de organização e celeiro de quadros do PT. Iniciava-se a
“longa agonia” do Partidão, que seria mantido na ilegalidade, encapsulado no PMDB,
enquanto o PT colheria as vantagens da legalidade, que, por sua vez, cada vez alargavam seus
espaços.
O PT vendia-se, nesse ínterim, como o primeiro partido operário da história brasileira, não
apenas em sua “missão”, mas na sua origem. A idéia era que, enquanto o PCB era formado
por intelectuais pequeno-burgueses, o PT era “original” por ter operários como os seus
principais fundadores. Ora, o PCB, como seção brasileira da IC, poderia contrargumentar que
321
algumas lideranças operárias estiveram, desde 1922, na sua direção, ao lado de alguns
intelectuais e da classe média, tal qual o PT. De fato, poderia, se tivesse a seu lado a rede
social da Igreja e a adesão dos meios de comunicação, como ocorria com Lula/PT, mas isso
estava muito longe de ser o caso.
Se os quadros operários do PCB realizaram um eficaz trabalho junto às bases,
especialmente no pré-1964, contribuindo para que os trabalhadores chegassem, como sujeitos
hisricos, ao “mundo da grande política” (SANTANA, 2001), quem colheu os frutos
plantados foi o PT
207
.
Retardada ao máximo a legalização do PCB, o PT ganhava novos terrenos e consolidava
as posições conquistadas. O PT nasce legal, nunca foi clandestino, nem teve a legenda ou
deputados cassados. Do mesmo modo, o “novo sindicalismosurgiria no vácuo deixado pela
repressão ao pecebismo, que devia se ater a um esquema sindical clandestino.
Desde o nascedouro do Projeto PT, em 1979, os pecebistas reagiram pelas páginas do seu
jornal, o Voz operária:
Não reivindicamos o monopólio da representação dos trabalhadores, embora
lutemos legitimamente pela hegemonia no movimento operário (condição da futura
hegemonia deste na sociedade). Mas, em nome dos interesses mesmos dos
trabalhadores, que sempre soubemos defender, fazemos três perguntas: 1) É justo
confundir as atividades do movimento sindical com as de um partido político, seja
ele qual for? 2) A reação, os patrões, não têm um grande interesse na divisão política
dos trabalhadores? 3) Não há risco de que uma certa confusão se estabeleça e de que
forças e personalidades que atuam na esfera política manipulem em proveito próprio
as melhores intenções de muitos desses companheiros? (PCB, 1979, p.5).
o Manifesto do Movimento Pró-PT ressaltava que o novo Partido dos Trabalhadores
nascia do desejo de independência dos trabalhadores, cansados de servir de massa de manobra
para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da ordem. A idéia,
defendida pelo PT de ser um Partido de Trabalhadores, não um partido para iludir os
trabalhadores (PT, 1980), era um claro recado para o PCB “reformista”.
207
Um exemplo disso foi o fraco desempenho eleitoral do PCB no ABC, um dos focos de sua atuação no pré-
1964. Nas eleições de 1986, seu candidato a deputado federal obteve ali 1.413 votos e os seus três candidatos ao
legislativo estadual obtiveram juntos apenas 7.300 votos. Em 1988, não elegeria um só vereador em todo o ABC
e, nas eleições presidenciais de 1989, o desempenho do seu candidato seria ainda mais insignificante do que o
nacional. Contribuiu para isso o fato de o PCB/SP ter sido desbaratado pela repressão (apenas o PCB/RJ teve
continuidade ao longo de todo o regime).
322
No deserto, o PCB gritava que Lula entrara, no movimento sindical, via intervenção do
sindicato e que o PT não era partido operário. Ao saudar o PT, espera que esse se transforme
“nesse grande partido democrático de massas [...] situado no espectro ideológico à direita do
Partido Comunista
208
, uma vez que não coloca explícita e abertamente a questão do
socialismo(PCB, 1980, p.1). Fazendo o discurso da virtualidade, o PCB afirma que, se fosse
em 1979, com toda a tradição, com todos os companheiros vindos do exílio, com toda a
intelectualidade do partido, a história seria outra. Ora, a história não se constrói com “ses”. O
PT, ao longo dos anos 1980, ocuparia, em definitivo, a hegemonia, nas esquerdas e no
movimento sindical, tornando-se uma “real alternativa de poder”, algo que o PCB nunca foi.
Cada novo movimento do PT no cenário potico levava o PCB a posições mais
conservadoras, que, ainda mais rapidamente, o desgastava diante de um emergente
movimento sindical e dos trabalhadores no plano político mais geral. Entendendo que o PT
partidarizava o movimento sindical, na CONCLAT, os pecebistas lutaram pela unidade
sindical e contra o Projeto CUT
209
.
Para que isso fosse possível – criação do PT e da CUT –, é evidente que tivemos que
nos contrapor à política e à prática do PCB e de outros agrupamentos, como o PC do
B e o MR-8, que continuaram a privilegiar os conchavos de cúpula em nome da
unidade, fazendo acordos com a pelegada, sem questionar a atual estrutura sindical
(PT, 1998, p.203).
A declaração final do VII Congresso do PCB (concluído, na clandestinidade, em janeiro
de 1984), em contraponto a essa posição, registra:
A sua falta de compromisso com a experiência do movimento, a sua falsa idéia de
que a história do movimento operário começa com eles, a ausência de uma
concepção crítica e madura, os interesses político-partidários com que se
envolveram e as correntes que passaram a catalisar na organização política que
criaram, levaram-nos a superestimar sua própria força. Além de discriminar os
comunistas, orientam-se, na maioria dos casos, para a formação de direções petistas,
sem espaços para outras correntes e, desprezando o trabalho com direções e camadas
sindicais mais atrasadas, jogam no isolamento, o que lhes tem valido derrotas no
movimento e em eleições sindicais (PCB, 1984, p.107-108).
Na campanha das Diretas Já, o PCB reforçaria sua mácula de colaboração de classes.
Dirigentes do PT chegariam a afirmar que o Partidão fizera um acordo com a oposição liberal-
208
Grifos nossos.
209
Concretizado o Projeto CUT, os pecebistas, buscando preservar seus poucos fortes, ingressaram na CGT, uma
central sindical que terminaria cindida em três.
323
conservadora, para desmontar os palanques e mandar o povo para casa, transferindo a questão
sucessória ao Colégio Eleitoral. Esse episódio levaria à destituição da direção do PCB/SP, que
havia se reestruturado em 1977. Esses militantes, que terminariam por ingressar no PT,
repudiavam a participação oposicionista no Colégio Eleitoral, proposta por seus dirigentes
máximos, defendendo a manutenção da mobilização popular.
O PT boicotara o Colégio Eleitoral e, quando os seus deputados federais Airton Soares,
José Eudes e Bete Mendes desrespeitaram sua decisão, votando em Tancredo, foram expulsos
do Partido. No Encontro Nacional Extraordinário (Diadema-SP, 12-13 de janeiro de 1985), o
PT colocara-se como oposição a qualquer governo eleito no Colégio Eleitoral.
Para o PCB, a oposição ao novo governo era vista “antidemocrática”, de modo que, nas
eleições municipais de 1985, apoiaria, em quase todo o país, candidatos do PMDB e do PFL
(a Aliança Democrática). Com isso, o Partidão perdia, ainda mais, credibilidade. PCB e PC
do B, atrasados em suas respectivas análises do processo potico, mantinham-se atrelados aos
compromissos que haviam assumido no momento tancrediano, sem levarem em conta o fato
de que a situação havia mudado” (KONDER, 1988, p.16).
O PCB lançara candidaturas próprias em apenas 12 municípios. Para a prefeitura de São
Paulo, apoiaram Fernando Henrique Cardoso (PMDB), criticando a opção petista da
candidatura própria de Eduardo Suplicy, que dividiria, segundo essa perspectiva, as forças
democráticas, favorecendo a direita.
Para os comunistas, era um equívoco do PT achar que se fortaleceria em função do
enfraquecimento da democracia, da oposição sistemática à Nova República e ao PMDB
210
. O
Partidão se declarava o artífice” da Nova República, por ter defendido a transição negociada,
que lhe traria a legalização em 1985, como “um partido que nasceu morto”. No PMDB, o
PCB, tinha oito deputados, alguns nem aceitaram se filiar ao PCB.
Na primeira campanha presidencial pós-1964, o PT se propunha a “avaliar a situação do
PCB, PC do B e PSB”, embora fossem partidos da base de sustentação à Nova República,
com o fito de tomar iniciativas poticas que possibilitem ou a evolução desses partidos para
posições defendidas pelo PT ou a atração de setores desses partidos para apoio ou relão com
o PT” (PT, 1998, p.344).
210
Tratava-se, como a história demonstraria, de mais uma ilusão auto-imposta aos comunistas.
324
Ainda que optando, naquele momento de consolidação, pela candidatura de Roberto
Freire, os sucessivos fracassos eleitorais do PCB condenaram-no a apêndice eleitoral do
PT
211
. A estratégia de longo prazo de Geisel dera frutos. O ex-presidente recorda-se de certa
conversa, que mantivera com o general Frota, em que afirmara:
s estamos, desde o levante de 35 na Praia Vermelha, combatendo o comunismo.
E você vem me dizer, na nossa conversa, que o comunismo escada vez mais ativo,
cada vez mais forte e perigoso. Vamos admitir que isso seja verdade. Qual é a
conclusão a que vamos chegar? Se o comunismo está sendo combatido desde 1935 e
nós já estamos além de 1970 e ele está cada vez mais forte, cada vez mais poderoso,
então o método de luta que estamos adotando não serve, está errado! A solução atual
de matar, de esfolar, de brigar não serve. Vamos ter que encontrar outra solução,
pois essa que estamos usando 40 anos não resolve (GEISEL, 1993-1994 apud
D’ARJO; CASTRO, 1998, p.398).
Lula resolveu.
211
Essa triste existência se seguiu a um post mortem. No X Congresso, em janeiro de 1992, o PCB foi declarado
extinto. Perdida a “estrutura”, importada da URSS, a maioria de seus dirigentes optaria por um socialismo mais
moderno, livre da cula do comunismo, criando o PPS. Somente em 1995, após uma batalha nos tribunais,
parte de seus dirigentes que não concordaram com a autodissolução conseguiu reaver o direito de utilizar
legalmente a sigla.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O SEQÜESTRO DA HISTÓRIA - UM ELEMENTO DA GEOPOLÍTICA
A democracia que temos é somente aquela que podemos ter no jogo de pressões
entre militares perdendo fôlego e sociedade desarticulada.
Suzely Mathias
Também no meu governo, em regra, não havia segunda intenção. As coisas vinham
e tinham que ser claras. Não podia haver maquiavelismo ou manobras escusas.
Sempre procurei viver às claras.
Ernesto Geisel
A Revolução é tomada, então, como construtora e constituinte da Nação e, como tal,
não tem como ser vencida, é permanente.
Suzely Mathias
Em agosto de 2005, quando mal iniciava essa pesquisa de doutorado, a descoberta de um
esquema de corrupção no governo Lula causou celeuma. A eleição de Lula era a redenção da
classe trabalhadora diante dos poderosos. Representara a viria da esperança sobre o medo.
Como essa esperança poderia ser fraudada?
César Benjamin (2005), um dos intelectuais que ajudaram a construir o PT e que o teria
abandonado quando o barco da ética começara a fazer água no início da década de 1990,
afirmaria que, naquele momento, multiplicou-se o número daqueles que pregam um retorno
ao partido das origens, um partido puro, que devia ser recuperado. Ora, a CS, quando saiu do
PT, criando o PSTU, procurar resgatar o PT das origens, o mesmo que fariam os últimos
(des)iludidos que criaram o PSOL. O ex-petista lembra que tais conceitos pertencem ao
pensamento tico, haja vista que, a rigor, não há pontos de partida e de chegada, apenas
processos.
Uma vasta literatura vem recapitulando a trajetória do PT e da CUT, ao longo das quatro
últimas décadas. A idéia central da maioria dos trabalhos é de que, ao longo da década de
1980, essas entidades afirmaram-se em torno do “nãoe que, na década seguinte, assumiriam
um perfil muito mais “positivo. Essa “evolução” acompanharia a trajetória de seu líder, Lula.
Para alguns autores, como Giannotti e Neto (1991), nos documentos mais recentes da
326
Articulação, corrente hegemônica no PT/CUT, uma revisão da própria hisria, a partir da
caracterização da antiga prática como reativo-reivindicativa, o que implicaria a inferiorização
da classe trabalhadora e a predisposição a políticas conciliadoras e capitulacionistas.
Tanto o partido, quanto o “novo sindicalismo que o forjara, institucionalizara-se,
assumindo alianças mais amplas, questionando a validade da greve como instrumento de luta
e alcançado a era do “conflito negociadoe do “sindicalismo o propositivo. Ricardo Antunes,
Armando Boito Junior, Leôncio Martins, Iram Jácome Rodrigues, José Ricardo Ramalho,
Marco Aurélio Santana, além de Francisco de Oliveira consolidaram um valioso construto
teórico-emrico em torno da trajetória do “novo sindicalismo”.
Apesar de algumas divergências pontuais sobre a história desse ex-movimento (guerra de
movimento? x guerra de posição?), essa literatura possui uma ampla coerência interna. Como,
em geral, se posiciona a partir do presente e toma a distensão como um simples contexto, ela
o responde a todas as nossas necessidades de pesquisa. Ademais, vale também dizer que
toda a história tem no espaço sua realidade inescapável, uma dimensão negligenciada no
conjunto desses trabalhos.
E, por fim, assumimos o risco de trabalhar com indivíduos, corpos-territórios, em
permanente movimento sobre um espaço que se faz terririo, com contato com outrem.
Preocupamo-nos em tentar resgatar o papel do ex-sindicalista e atual presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva, forjador do que denominamos Projeto PT, em uma estratégia de
longo prazo, elaborada pelo ex- presidente Ernesto Geisel, que designamos como Projeto
Geisel. Essa opção pelo símbolo se baseia na concepção lacosteana de que a luta (geo)política
tende a ser, essencialmente e cada vez mais, simlica.
A batalha de representações não tem por fito a verdade (o que é), mas a veracidade (aquilo
que o outro deve crer como tal). Trata-se de propor um raciocínio causal simples, apoiando-se
em crenças supostamente comuns e de reforçá-las. Ora, a idéia dominante de que poticas
conciliadoras e capitulacionistas” seriam algo novo na trajetória do “Lula”, a nosso ver, não
se sustenta. Revendo seus discursos em praça pública, suas entrevistas à imprensa, aferimos
que muito pouco mudou.
Por outro lado, quando Etchegoyen, ex-comandante do CIE, afirma não haver campanha
da imprensa se houver erro tático, já que a imprensa “só pode entrar no erro do outro,
podemos pensar que a estratégia pode englobar táticas contraditórias. Geisel escreve certo por
linhas tortas. O próprio Lula afirmaria não ter sido o Sindicato dos Metalúrgicos o
327
descobridor” da mídia fora ela que o descobrira, sem que ele soubesse o porquê. Foi em
uma rede de televisão governamental que o grande blico “viu”, pela primeira vez, Lula e
conheceu suas opiniões sobre o sindicalismo. Lula, já em 1978, afirmava: É que hoje é Lula
pra cá, Lula pra lá”, mas fazia questão de ressaltar o ser resultado da sua inteligência ou
competência, mas o resultado da evolução potica de uma parcela da sociedade. Ele,
simplesmente, apareceu “no momento exato” e teve “o rito de saber traduzir aquilo que era
o pensamento daqueles que representava”.
Quanto a suas opiniões sobre o sindicalismo, 30 anos, Lula afiançara que “o
sindicalismo é forte onde existe a ganância de poder, a ganância de ganhar bem, a ganância
de participação. é forte nos países capitalistas”
212
. Criar este tipo de sindicalismo foi a
meta (alcançada) de Lula.
30 anos, Lula declara que não mudou, que, sob o macacão de torneiro mecânico ou o
terno Armani, suas idéias (posto que não tenha ideologias) permanecem intactas. Como
Tapajós, ex-guerrilheiro e diretor do documentário Linha de Montagem, sobre a greve de
1979, cremos que, naquele momento, ele já manifestava claramente uma visão potica
conciliadora”, ao invés de “conflituosa”.
Se nunca teve um projeto revolucionário, teve uma capacidade de adaptação fenomenal.
De fato, parodiando Bauman, temos aqui um típico caso de lulismo líquido, de um amorfo
multiforme. Os analistas da potica externa do governo Lula (pragtica e responsável, tal
qual o fora no governo Geisel), Vigevani e Cepaluni, lembram que é necessário vir para
interagir com audiências tão diversificadas, quanto a dos participantes do Fórum Econômico
de Davos e do Fórum Social Mundial.
As greves, o movimento do proletariado exige dele recursos políticos mais eficazes
do que MDB e Arena. Surgida no interior do sindicato corporativista, aglutinando
velhos pelegos - inclusive com passado de interventores e policialesco - e pelegos
mais novos, o PT vem mostrando a cada greve o seu verdadeiro papel: manter a
estrutura sindical corporativista, quebrar o movimento grevista, participar,
juntamente, com Figueiredo, das tentativas de evitar a abertura da crise
revolucioria. No interior da greve mais poderosa que presenciamos, Lula realizou
aquilo que a ditadura militar foi incapaz: quebrou a greve, desmobilizou os
trabalhadores quando tinham todas as condições para continuar. E a sua continuação
empurrava as contradições em que se debate a ditadura militar para um ponto
extremamente agudo. Lula conchavou com o Ministro, foi coberto pela Igreja
Católica, pelo PCB e iniciou a montagem de um aparato baseado no sindicato
212
Lula da Silva (1981, p.110).
328
oficial, certamente inspirado nos bandos de gângsteres que povoaram o sindicalismo
peronista (OSI, 1980, p.26-27).
O documento da OSI denuncia” a manobra de Lula, na greve de 1979, de, ao invés de
propor a trégua - negociada com os empresários, assim como o acordo de pedir um voto
de confiança em si e votar o tema. Segundo o próprio Lula, tal voto de confiança acabou por
gerar “um clima de traição, era um necio muito duro” dentro das fábricas. As palavras têm
poder, fato bem conhecido por Lula. Entretanto, como assinala Bourdieu (1989), a verdade da
promessa depende da veracidade e da autoridade de quem a pronuncia, ou seja, de sua
capacidade de fazer crer em sua veracidade e autoridade.
Os trabalhadores, crendo na veracidade de Lula, haviam comado a greve alguns dias
antes da posse do governo Figueiredo. “Aí, era estratégia mesmo. Era tática”, diria Lula.
Como Geisel o tinha reprimido a primeira greve, Lula acreditara que o governo Figueiredo
agiria da mesma forma, mas é certo que “houve um endurecimento”, que Lula atribuiria à
menor autoridade moral junto aos militares” de Figueiredo, c’est-à dire, de menor
veracidade e autoridade.
Entretanto, como afirmara o general Golbery, em sua famosa conferência na ESG, para a
qual forjara a concepção de sístole e diástole, como elemento explicativo da alternância entre
fases liberais e autoritárias na história potica brasileira, as cartas estavam lançadas. A
abertura se iniciara com a liberação progressiva da censura, ao mesmo tempo em que se
mantinha estrito controle e ativa vigilância sobre todas variáveis do processo, contendo
excessos, balizando limites à permissibilidade, já que o “inimigo interno” ainda não se
“suicidara”. Ora, a greve de 1979 mostrara o limite: veio a intervenção e os trabalhadores, que
haviam sido impedidos de fazer a greve branca do ano anterior, foram recepcionados pelas
tropas de choque.
O “suicídiodo “inimigo interno” aconteceria ao longo dos anos 1980, quando a grande
maioria dos grupamentos “revolucionários”, em boa medida sobreviventes da caça às bruxas,
acirrada no governo Médici, aderiu ao Projeto PT. Vários deles haviam considerado a
constituição do PT como uma articulação burguesa de apoio à ditadura, no trabalho de
impedir o desenvolvimento das greves e manter sindicato corporativista. Tal aparelho
apresenta como vantagem permitir a distribuição de renda de forma negociada, nos marcos do
capitalismo e a solução do conflito, de forma civilizada, mediante regras e procedimentos que
garantam a eqüidade nos entendimentos entre patrões e empregados (DIAP, 2000). Era o fim
329
do projeto revolucionário comunista, em prol do “autêntico reformista”, que proclama(va)(rá)
que a fome e o desemprego têm solução no capitalismo, como diriam os dirigentes pecebistas.
Ora, esses grupos vislumbraram, na onda de greves de 1978/1980, a abertura de uma crise
revolucionária, que, não apenas derrotaria a ditadura, como o próprio capitalismo no Brasil. O
seu objetivo declarado de aumento dos salários construiria, em sua opinião, a ponte para
reivindicações mais amplas de natureza política.
O crescimento dos efetivos do proletariado industrial que passou de cerca de três milhões
em 1960 a seis milhões nas duas décadas seguintes, concentrando-se em grandes fábricas e
aglomerações industriais, apresentava-se como um trunfo e uma fragilidade para o projeto
distensionista. O trunfo é representado pela diversificação, inerente ao crescimento do
exército industrial de reserva, que implica a possibilidade de aumentos salariais
diversificados, que fragilizam a unidade dos trabalhadores, acirrando o corporativismo. A
fragilidade era representada pelo crescimento de resistências no setor crítico da economia.
Cremos ter demonstrado o peso do arrocho salarial no bojo do milagre ecomico
brasileiro. Quando Geisel assumiu o poder em março de 1974, passaria a defender um
desenvolvimento integral e humano, combinando, orgânica e homogeneamente, os setores
político, social e ecomico, a partir do qual seria alcançada a distensão, entendida como a
atenuação das tensões multiformes que tolhem o progresso da Nação e o bem-estar do povo
(GEISEL, 1975 apud MATHIAS, 1995, p.78).
A pesquisa documental, na seção depositária da Biblioteca Sérgio Buarque de Hollanda,
do MTE, que permitiu o acesso a relatórios internos da gestão Prieto, além de documentos de
ampla circulação no âmbito de todas as DRTs e diretorias sindicais do período, como o BT,
permitiram-nos constatar a centralidade da delicada” área trabalhista no projeto de distensão.
Na assertiva geiselista, o trabalho, então revalorizado, é assumido como pressuposto da
cidadania regulada”, na medida em que todos trabalham e contribuem igualmente para o
desenvolvimento da nação. Para o ex-presidente, o exercício da liberdade com
responsabilidade significa adesão ao modelo econômico e maximização da produtividade do
trabalho. Para o atual, nas negociações diretas entre patrões e empregados, “nós sabemos o
que podemos pedir”, que aumentos absurdos podem levar os empresários a fecharem suas
fábricas e os operários precisam trabalhar para sobreviver. Parece-nos evidente que o “pastor
alemão” e o “espantalho” estão a serviço do mesmo projeto: a salvaguarda do capitalismo.
330
Laís Abramo (1999) vê, na greve metalúrgica do ABC de 1978, o resgate da dignidade
operária. Naquele momento, os trabalhadores, após anos de silenciamento, finalmente, diriam:
“Agora podemos andar de cabeça erguida”. A greve representaria a possibilidade de reagir à
redução de si mesmos a um mero fator de produção” e, concomitantemente, a reconquista de
sua humanidade.
Entretanto, esse evento, de importância estratégica para a organização proletária no Brasil,
seria controlado por suas lideranças, como temera Moisés (1979), que defendia a necessidade
de se estar atento para que a institucionalização do conflito (seu donio pelo sindicato) não
se transformasse em canal de absorção e controle das aspirações de base pelo Estado. Nesse
caso, principalmente no que tange à organização na base, como as comissões de fábrica
paulistas que haviam sustentado a resistência operária, “la actualización del control sobre la
movilización de base significa concretamente imponer una derrota a la clase trabajadora”.
A história mostraria que tal controle se efetivaria e que se faria presente na trajetória da
CUT, que chegaria ao século XXI como a maior central sindical da América Latina e a quinta
do mundo, a única efetivamente “nacional, territorial e setorial e marcadamente fordista,
como nos lembra Oliveira (2005). A força do neocorporativismo sindical do ABC seria,
inclusive, um dos fatores de realocação empresarial do território brasileiro, ao longo da
década de 1990. Nesse processo, emerge o “medo”.
Uma parte das longas leituras, que acabamos por não utilizar neste trabalho, dizia respeito
à participação de Lula nas campanhas presidenciais. Ora, o “medo de votar” era algo singular.
Ninguém demonstrara (ao menos publicamente) medo de votar nos “revolucionários”
desiludidos do PSTU e do PCO e muito menos nos comunistas (vistos com certa
complancia), mas o “medo de votar” se tornara, desde a campanha de 1989, uma variável
de análise eleitoral. De fato, o medo, imposto de fora para dentro, se tornara o mote das
campanhas presidenciais petistas, que o contrapunha à esperança. Resgatava-se o poema de
Drummond, para mostrar que o medo era um instrumento de dominação e que o povo
brasileirodeveria lutar para superá-lo: “Fiquei com medo de ti, // meu companheiro moreno,
// De nós, de vós: e de tudo. // Estou com medo da honra. // Assim nos criam burgueses, //
Nosso caminho: traçado. // Por que morrer em conjunto? // E se todos nós vivêssemos?”. Com
a vitória de Lula, em 2002, a esperança, enfim, vencera ou seria melhor dizer que o medo se
revelara uma fraude, um simulacro de si mesmo. Não havia o que temer, o havia...
331
De fato, no decurso de 21 longos anos, o regime burocrático-militar, com uma precisão
verdadeiramente cirúrgica, “removeu todos os tumores, de matiz revolucionário, na
sociedade brasileira. Todos os elementos indesejáveis da vida potica nacional foram
excluídos. Lula, o latino-americano tranqüilo” permaneceu.
Enquanto a política era servida a poucos, a democracia era dissuadida de entrar em cena.
332
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