Download PDF
ads:
Gabriela Mafra Barreto
São Paulo,2008
T
A cidade como cena
para os grupos teatrais:
o caso do Grupo Galpão,do Grupo
Armatrux e do Teatro da Vertigem
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ads:
Gabriela Mafra Barreto
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo como
parte dos requisitos necessários para obtenção do
título de mestre em arquitetura e urbanismo
Área de concentração: Projeto, Espaço e Cultura
Orientador: Carlos Roberto Zibel Costa
São Paulo, 2008
T
A cidade como cena
para os grupos teatrais:
o caso do Grupo Galpão,do Grupo
Armatrux e do Teatro da Vertigem
T
A todos da minha família,
aos amigos de vida e em especial a minha mãe.
T
Agradecimentos
A todos que participaram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.
Em especial aos queridos amigos do Grupo Galpão,do Cine Horto e do Grupo Armatrux.Ao
arquiteto Carlos M Teixeira,pela disponibilidade de interlocução,e ao Teatro da Vertigem,na pessoa
do Antônio Araújo. A todos,obrigada pela a gentileza no processo de coleta dos depoimentos dos
atores,diretores e dramaturgo,e pela permissão para o uso das fotos e imagens nesta dissertação.
Ao meu orientador Carlos Zibel, pelas esclarecedoras conversas e pela forma tranqüila de
conduzir esta produção.
Aos meus pais, que sempre me incentivaram e cultivaram meus sonhos e, a maneira de
cada um,mostraram o valor da educação,do carinho e do respeito à vida.
X
Resumo
Este trabalho tem como objetivo a análise do espaço urbano,na medida em que explora
o conceito de teatralidade das cidades para o urbanismo.Compreende a relação das intervenções
artístico-urbanas e do teatro no espaço da metrópole,buscando principalmente fazer prospecções
tanto da arte cênica,como das cidades.Ajuda a entender melhor o panorama mundial e as trans-
formações culturais ao indicar, principalmente no âmbito das cidades, as novas possibilidades
para o desenvolvimento da arte e da cultura,e para futuros empreendimentos e parcerias entre
os setores público e privado. A arquitetura surge,nesta proposta, como um elemento essencial
na história das cidades e das sociedades mundiais,em todos os seus períodos.Percorremos a tra-
jetória teatral de três importantes representantes do teatro brasileiro, os grupos Galpão e
Armatrux de Belo Horizonte e o Teatro da Vertigem de São Paulo. Buscou-se entender a relação
do teatro de cada grupo, com os espaços da cidade,na sua forma de produção,no processo de
re-significação de importantes espaços simbólicos e na re-qualificação dos vazios urbanos, em
novos lugares contemporâneos da arte nas metrópoles.
g
Abstract
The purpose of this work is the urban space analysis, as well as it explores the cities
theatricalism concept to the urban planning. It comprises the relation between the artistic-urban
interventions and the theater at the metropolis space, trying, mainly, to make prospections of both,
the scenic art and the cities. Helping to better understand the world-wide scenery and the cultural
transformations; and revealing it to the new possibilities for the art and culture development,mainly
at the cities’ scope, for future undertaken and association between public and private sectors.
Architecture results from, on this proposal, as a main element in the history of the cities and the
world-wide societies, in all their periods. We covered the theatrical trajectory of three important
Brazilian theater representatives,the groups Galpãoand Armatruxfrom Belo Horizonte and Teatro da
Vertigem from São Paulo.Seeking to understand the theater relation of each group,in its production
manner, with the city spaces, at the re-significance process of important symbolic spaces and at the
unoccupied urban re-designation in new contemporary places of art in metropolises.
Lista de Figuras
Lista de Figuras
Capítulo 1 – As Intervenções Artísticas no Universo da Metrópole:
Foto1:Foto da Igreja de São Francisco – Estréia da peça “Romeu e Julieta”(Capa da Dissertação)
Fonte:GALPÃO CINE HORTO – janeiro 2007.
Foto2:Vale do Anhangabaú – Local do Arte/Cidade II (Capa do Capitulo)
Fonte:www.sampaonline.com.br.– capturado em 04/02/2008.
Imagem 1:Mapa de São Paulo - Localização de três etapas do Arte/Cidade.
Fonte:www.prefeituradesaopaulo.com.br,capturada em 04/02/2008.
Imagem 2:Vista Aérea do Antigo Matadouro de São Paulo – Local do Arte/Cidade I.
Fonte:PEIXOTO,2002,pg 35.
Imagem 3:Fachada do Antigo Matadouro.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 37.
Imagem 4:Intervenção de Carmela Gross.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 47.
Imagem 5:Intervenção de Anne Marie Sumner.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 55.
Foto3: Vale do Anhangabaú – Local do Arte/Cidade II.Fonte:www.sampaonline.com.br,capturada em
04/02/2008.
Imagem 6:Instalação de Guto Lacaz.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 76.
Imagem 7:Instalação de Guto Lacaz.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 77.
Imagem 8:Instalação de Rubens Mano.Fonte:PEIXOTO,2004,pg.87.
Foto 4:Estação da Luz – Local do Arte/Cidade III.Fonte:www.sampaonline.com.br,capturada em 04/02/2008.
A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão,do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Imagem 9:Mapa de Localização do Arte/Cidade III em São Paulo.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 98 e 99.
Imagem 10:Moinho Central – Local do Arte/Cidade III.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 113.
Imagem 11:Visão do Moinho sentido Terminal Barra Funda.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 202.
Imagem 12:O Trem do Arte/Cidade III.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 143.
Imagem 13:Passarelas Vermelhas - Arte/Cidade III.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 198.
Imagem 14:Intervenção de Laura Vicci.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 226.
Imagem 15:Intervenção de Laura Vicci.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 227.
Imagem 16:Intervenção de Rodrigo Andrade.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 221.
Imagem 17:Intervenção de Rodrigo Andrade.Fonte:PEIXOTO,2002,pg 223.
Capítulo 2 – O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória
por novos espaços teatrais
Foto 5:Grupo Galpão - (Capa do Capitulo).Fonte:GALPÃO CINE HORTO – janeiro 2007.
Foto 6:Cena da peça A alma boa de Setsuan”,na oficina com os alemães.(Eduardo,Wanda,Toninho e Kurt
Bildstein).Fonte:Brandão,1999,pg 24.
Foto 7:Cena dos improvisos de voz e corpo desenvolvidos com os alemães no Festival de Inverno de 82,em
Diamantina.(Antônio Edson,Mauro Lúcio,Wanda Fernandes e Vanita Aguilar).Fonte:Brandão,1999,pg 16.
Foto 8: “E A Noiva Não Quer Casar”:A noiva,na Avenida Afonso Pena,na Praça Sete.(Wanda Fernandes).
Fonte:Acervo Galpão Cine Horto,s.d.
Lista de Figuras
Foto 9:“E A Noiva Não Quer Casar”:perseguição da noiva por seus pretendentes. (Wanda Fernandes).
Fonte:Brandão,1999,pg 27.
Foto 10:“De Olhos Fechados”.(Antônio Edson,Wanda e Eduardo).Fonte:Brandão,1999,pg.33.
Foto 11:O Universo do clown incorporado no trabalho do Galpão.(Wanda) Fonte:Brandão,1999,pg 36.
Foto 12:“O Pro cê Vê na Ponta do Pé”,a bailarina e o mendigo”.(Chico Pelúcio e Wanda).
Fonte:Brandão,1999,pg 39.
Imagem 18:Teatro de Dionísio.Fonte:SPACE & DRAMA,1960,pg.09.
Imagem 19:Teatro de Dionísio.Fonte:SPACE & DRAMA,1960,pg.10.
Imagem 20:Teatro de Dionísio.Fonte:BERTHOLD,2004,pg.131.
Imagem 21:Personagens da Commedia dell’arte:O Pantaleão.Fonte:(ETCHINGS,1618,pg 86.)
Imagem 22:Personagem de um Homem Militar.Fonte:(ETCHINGS,1618,pg 192.)
Imagem 23:Personagens da Commedia dell’arte e palco montado no centro de um vilarejo.
Fonte:(ETCHINGS,1618,pg 122.)
Foto 13:Imagem de um Rito Xamãnico.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 14:“Servidor de Tantos Amores”( Wanda e Antônio Edson).Fonte:BRANDÃO,1999,pg.50.
Foto 15:Cenário da peça,“A Comedia da Esposa Muda”,interior de Minas Gerais.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 16:Cenário da peça,“A Comedia da Esposa Muda”,Festival de Canela,RS.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 17:Cenário da peça,“A Comedia da Esposa Muda”,Festival de Canela,RS.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 18:Beto Franco,“ Foi Por Amor.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão,do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 19:Beto Franco,“ Foi Por Amor.Fonte:BRANDÃO,1999,pg.65.
Foto 20:“ Corra Enquanto é Tempo– Memorial da América Latina em SP.Fonte:BRANDÃO,1999,pg.68.
Foto 21:“ Álbum de Família.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 22:“ Álbum de Família.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 23:Estréia da peça “Romeu e Julieta”,em Ouro Preto.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 24:Igreja de São Francisco de Assis,em Ouro Preto.Fonte:SOUZA,2007.
Foto 25:Ensaio de “Romeu e Julieta”,em Morro Vermelho,MG.Fonte:BRANDÃO,1999,pg.100.
Foto 26:Visão Panorâmica da cidade de Ouro Preto.Fonte:SOUZA,2007.
Foto 27:Estréia da peça “Romeu e Julieta”em Ouro Preto.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 28:Estréia da peça “Romeu e Julieta”em Ouro Preto.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 29:Estréia da peça “Romeu e Julieta”em Ouro Preto.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Imagem 24:As Igrejas de Santa Maria di Monte Santo e Santa Maria de’Miracoli,em construção.
Fonte:(BAETA,s.d.)
Foto 30:Visão Panorâmica da cidade de Ouro Preto.Fonte:SOUZA,2007.
Foto 31:“Romeu e Julietaem Londres,no “Globe Theatre”.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 32:“Romeu e Julietaem Londres,no “Globe Theatre”.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 33:A Rua da Amargura”:no Foyer do Teatro Municipal,SP.Fonte:BRANDÃO,1999,pg.128
Foto 34 :A Rua da Amargura.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 35 :A Rua da Amargura”:Eduardo Moreira como Jesus.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Lista de Figuras
Foto 36:A Rua da Amargura.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 37:“Um Moliére Imaginário”na Praça do Papa,em BH.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 38:“Um Moliére Imaginário”em Tiradentes,Elenco e Cenário.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 39:“Um Moliére Imaginário”na Praça do Papa,em BH.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 40:“Partido”. Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 41:“Um Trem Chamado Desejo, Chico Pelúcio.Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 42:“Um Homem é um Homem. Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 43: Galpão Cine Horto.Fonte:BARRETO,2007.
Foto 44: “Um Trem Chamado Desejo. Fonte:Galpão Cine Horto,s.d.
Capítulo 3 – Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte,
pelo Grupo Galpão e Armatrux
Foto 45:Capa do Capítulo – Belo Horizonte,A Cidade como palco,visão das Mangabeiras.
Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Imagem 25:Planta Antiga de Belo Horizonte.Fonte:ARRUDA,2003,pg 38.
Foto 46:Visão da Avenida Afonso Pena em Belo Horizonte.
Fonte:www.skyscrapercity.com,capturada em 20/01/2008.
Foto 47:Praça 7,centro de Belo Horizonte.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 48:Belo Horizonte,Praça da Liberdade.Fonte:www.vitruvius.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 49:Vista da região centro-sul de Belo Horizonte.Fonte:PINHEIRO,2004.
Foto 50:Vista da região centro-norte de Belo Horizonte.Fonte:PINHEIRO,2004.
Foto 51:Visão da região central de Belo Horizonte,eixo norte-sul.Fonte:PINHEIRO,2004.
Foto 52:Praça da Estação.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 53:Parque Municipal.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 54:Praça da Assembléia.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 55:Praça Raul Soares.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 56:Praça da Liberdade.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 57:Praça do Papa.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 58: “Romeu e Julietana Praça da Estação.Fonte:Acervo Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 59: “Romeu e Julietana Praça da Estação.Fonte:Acervo Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 60:Praça do Papa.Fonte:www.uai.com.br,capturada em 05/12/2007.
Foto 61:Praça do Papa.Fonte:BARRETO,2007.
Foto 62:“Romeu e Julietana Praça do Papa.Fonte:Acervo Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 63:Grupo Galpão na Praça do Papa.Fonte:Acervo Galpão Cine Horto,s.d.
Foto 64:Bairro Buritis ao fundo.Fonte:PINHEIRO,2004.
Foto 65:Vazios Urbanos.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 66:Local próximo da peça no Bairro Buritis.Fonte:TEIXEIRA,2004.
A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão,do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Lista de Figuras
Foto 67:Entorno do local da peça.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 68:O Grupo Armatrux.Fonte:Acervo GrupoArmatrux.
Imagem 26:Estudo Preliminar do espaço das palafitas do cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 27:Perspectiva do cenário da peça “Invento para Leonardo.Fonte:TEIXEIRA,2001.
Imagem 28:Perspectiva do cenário da peça “Invento para Leonardo.Fonte:TEIXEIRA,2001.
Foto 69:Cenário da peça “Invento para Leonardo.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 70:Cenário da peça “Invento para Leonardo.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 71:Cenário da peça “Invento para Leonardo.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 72:Vazios Urbanos - Amnésias Topográficas”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 73:Imagem frontal do cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 29:Estudo Preliminar de “Nômades”– Perspectiva Isométrica do Espaço das Estruturas Existentes.
Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 30:Estudo Preliminar de “Nômades”– Planta do Cenário e dos Prédios Existentes.
Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 31:Perspectiva do cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 32:Perspectiva do cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 33:Perspectiva do cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Imagem 34:Perspectiva do cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 74:O Vazio das Palafitas.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 75:Homem-cone,personagem da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 76:Cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 77:Cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 78:Cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 79:Passarela - cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 80:Passarela - cenário da peça “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 81:Michelle Gonçalves atriz de “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 82:Parte final do cenário de “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Foto 83:Parte final do cenário de “Nômades”.Fonte:TEIXEIRA,2004.
Capítulo 4: Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho
por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo
Foto 84:Capa – Cenário da peça BR3.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 85:O anjo em “Paraíso Perdido”.Fonte:KNAPP,1992.
Foto 86:Ator em “Paraíso Perdido”.Fonte:ETCHEBER,1992.
Foto 87:O uso das cordas no espaço,“Paraíso Perdido”.Fonte:CALABI,1992.
Foto 88:Saltos,“Paraíso Perdido”.Fonte:CALABI,1992.
Foto 89:O uso do espaço,“Paraíso Perdido.Fonte:CALABI,1992.
A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão,do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Lista de Figuras
Foto 90:O uso da nave,“Paraíso Perdido.Fonte:FRAIPONT,1992.
Foto 91:Visão do público no altar,“Paraíso Perdido”.Fonte:VALE,1992.
Foto 92:Cenografia em “O Livro de Jó”.Fonte:PINHEIRO,1993.
Foto 93:Jó na escada.Fonte:PINHEIRO,1993.
Foto 94:Personagens de Elifaz e Jó.Fonte:PINHEIRO,1993.
Foto 95:Público assistindo cena da peça “O Livro de Jó”. Fonte:PINHEIRO,1993.
Foto 96:Cadeira do juízo,Apocalipse 1,11”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,1997.
Foto 97:O uso do espaço cênico,Apocalipse 1,11”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,1997.
Foto 98:Cena do Juízo Geral,Apocalipse 1,11”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,1997.
Foto 99:João e Jesus em “Apocalipse 1,11”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,1997.
Foto 100:Cenário da peça “BR3”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 101:Cenário da peça “BR3”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 102:O uso do rio Tietê como cenário.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 103:Cena da peça “BR3”embaixo do viaduto.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 104:Cena da peça “BR3”nas margens do rio Tietê.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 105:Cena da peça “BR3”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 106:Cenário nas margens do rio Tietê.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 107:Atores em cena.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
Foto 108:Rio Tietê palco da peça “BR3”.Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem,2006.
A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão,do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Sumário
Introdução.................................................................................................................................................................................................... 23
Capítulo 1. As Intervenções Artísticas no Universo da Metrópole.................................................................. 31
1.1 A Arte na Metrópole............................................................................................................................................................ 34
1.2 “Intervenções Urbanas – Arte Cidade”,em São Paulo.................................................................................... 35
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão:da rua ao palco,uma trajetória
por novos espaços teatrais.............................................................................................................................................................. 49
2.1 O Início do Risco – 1982 a 1984.................................................................................................................................. 53
2.1.1 A formação do Grupo.As primeiras peças:“E a Noiva não quer casar,
“De olhos bem fechadose “O pro cê vê na ponta do pé” .......................................................... 53
2.1.2 Influências circenses,da Comédia dell’arte,da música folclórica e
da cultura popular .................................................................................................................................................. 61
2.1.3 A opção da rua como lugar teatral ............................................................................................................ 64
2.2 O Percurso até o Rito – 1985 a 1989.................................................................................................................................. 67
2.2.1 Arlequim,Servidor de tantos amores”,A Comédia da Esposa Muda,
Triunfo,um delírio barroco”, “Foi por Amore “Corra Enquanto é Tempo...................... 67
2.3 A Busca,O Encontro e a Magia das Novas Linguagens Teatrais
na Rua e no Palco – 1990 a 1997 .............................................................................................................................. 73
2.3.1 “Álbum de Família,“Romeu e Julieta, A Rua da Amargura
e “Um Moliére Imaginário .............................................................................................................................. 73
Sumário
2.3.2 Ouro Preto,palco barroco para Shakespeare....................................................................................... 81
2.4 A Conquista do Rito e do Palco – 1999 a 2007 ................................................................................................ 92
2.4.1 “Partido, “Um Trem Chamado Desejo, “O Inspetor Geral”e “Um Homem
é um Homeme “Pequenos Milagres” .................................................................................................... 92
Capitulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte,pelo Grupo Galpão e Armatrux.......................... 97
3.1 O Percurso do Grupo Galpão por Belo Horizonte ................................................................................................ 109
3.1.1 A re-significação de praças e espaços da capital mineira........................................................ 109
3.2 Amnésias Topográficas + Armatrux = “Invento para Leonardo”e “Nômades” .......................... 117
3.2.1 Amnésias Topográficas:vazios urbanos,novos espaços para o teatro .............................. 118
3.2.2 O Grupo de Teatro Armatrux........................................................................................................................ 120
3.2.3 “Invento para Leonardoe “Nômades” .................................................................................................. 121
Capitulo 4. O Teatro da Vertigem + Cidade:o caminho por novos espaços
teatrais na cidade de São Paulo................................................................................................................................................ 133
4.1 O percurso na megacidade de São Paulo com as peças
“Paraíso Perdido, “O Livro de Jó”e Apocalipse 1,11” ................................................................................ 138
4.2 “BR3”e o Rio Tietê................................................................................................................................................................ 146
Conclusão.................................................................................................................................................................................................... 153
Referências Bibliográficas.................................................................................................................................................................. 159
Introdução 23
g
Introdução
Tão antigo quanto o homem,o ato gestual dramático está vinculado aos rituais religiosos
mais primitivos, ao instante em que o homem completou a ação de colocar e tirar a máscara em
frente ao espectador,com consciência da representação de um signo.
Dentre os elementos característicos de uma cultura,os signos e símbolos representam,par-
ticularmente,formas próprias de conhecimento,de expressão e de valor,desenvolvidos ao longo de
um processo de civilização de um grupo, de um povo ou de uma nação, aprimorados através da
comunicação,da vida coletiva e das suas interações sociais.
De fato,ao longo da história das civilizações,temos referências das principais cerimônias e
ritos religiosos percorrendo as ruas e espaços públicos das cidades,lugar do coletivo e da atualiza-
ção dessas interações sócio-culturais.
São nos espaços da cidade que a arte e as manifestações culturais extraem a sua poética,
mantendo um ritmo constante de troca com o meio social urbano.
Percebemos que, apesar das constantes mudanças da era moderna, a cidade permanece
como o grande cenário e palco das transformações cotidianas.Um cenário de múltiplas variáveis e
de complexas funções que se articulam,resultando em soluções arquitetônicas e em cenários urba-
nos conturbados e polêmicos que merecem ser discutidos sob diferentes contextos.
As questões que se fazem presentes,neste trabalho,referem-se às manifestações artísticas
produzidas no universo da cidade e dos espaços públicos, e às relações desses eventos com os
agentes vivos do cotidiano urbano.
24 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Na visão de BRISSAC (2002),“não se pode compreender a criação artística e arquite-
tônica atual independente das grandes escalas da metrópole,aliadas à perda das referências
históricas e locais que provocam...”Nesse sentido,algumas perguntas podem ser levantadas.
Qual o sentido, então,de se produzir arte na metrópole contemporânea? Qual seria a postu-
ra da arte nesse contexto? De que modo a arte lida com os lugares e os “não lugares da
metrópole? As relações da arte com esses espaços tornam-se,dessa forma,indissociáveis.
Sabemos que o teatro é uma forma de manifestação artística em que uma história e seu
contexto se fazem reais e verídicos pela montagem de um cenário e pela representação de atores
em um palco,para um público de espectadores.O conceito de teatro,conhecido por nós,ociden-
tais,se origina na Grécia,onde “theastai” significava olhar,ver,contemplar.
A arte da representação tem,na sua base,não só o signo da palavra expressa,mas também
os signos não-verbais,como os gestos,os movimentos corporais,o som da voz e o ritmo da músi-
ca.Esses elementos,em conjunto,são responsáveis pela performance do espetáculo e por sua lin-
guagem artística e serão sempre determinados por códigos, como o tempo e, especialmente, o
espaço, compreendido, aqui, como os lugares onde elementos sócio-culturais são agregados ao
processo de montagem de um espetáculo,transformando-o em uma grande manifestação artísti-
ca,significativa de um local,de uma cidade,de um país.
Em tempo de globalização,das megacidades,do urbanismo acelerado,“os lugares contem-
porâneos” são frutos dos cruzamentos de caminhos (SOLA-MORALES, 1985). Esses lugares carre-
gam, na sua formação, um passado, um presente em transformação e um futuro que será reflexo
do hoje.Cabe,então, aos agentes contemporâneos e atores deste “palcoperceberem os espaços
públicos urbanos como novas possibilidades de experiências e de manifestações artísticas que
resgatem características da vida pública na cidade.
Dessa forma,o teatro e as artes que se manifestam nas ruas são importantes por represen-
Introdução 25
tarem e transformarem um espaço que é real em palco de performances e intervenções artísticas,
como esculturas,instalações de arte e de vídeos,cinemas ao ar livre,ou mesmo qualquer manifesta-
ção cultural que modifique a relação do indivíduo com a cidade e re-qualifique e re-signifique esses
espaços,transformando-os em lugares da ação,em símbolos do cotidiano e da vida urbana.
O teatro surge, nesta dissertação,como instrumento de questionamento e análise sobre a
ocupação dos espaços e vazios da cidade por diferentes grupos artísticos,em busca de novos luga-
res teatrais.Estudar a forma de desenvolvimento das produções artísticas e como elas conseguem
apresentar a sua arte nos diferentes espaços urbanos,livres ou ocupados,públicos ou semi-públicos,
sempre em busca de um novo lugar teatral e de uma nova relação entre o espaço/sala e a
cena/palco,foi o objetivo que mobilizou esta pesquisa.
O lugar teatral não pode ser resumido apenas ao teatro,pois esse significa e requer o edifí-
cio teatral;deve ser definido como o local onde o espetáculo artístico é apresentado,o espaço onde
acontece a relação entre público e ator. Dessa forma,diferentes espaços podem ser transformados
em lugares teatrais,pois esses incluiriam e compreenderiam todos os locais onde o espetáculo artís-
tico pode ser apresentado.
Durante os séculos XIX e XX,o lugar teatral foi uma temática que acompanhou importan-
tes transformações urbanas e sociais ocorridas naquele período. Segundo MANTOVANI (1989),a
busca por um lugar teatral condizente com novas propostas permeia todo o século XX, e a cada
época, corresponde uma arquitetura teatral que representa o seu pensamento. Desde o final do
século XIX, surgem críticas ao teatro à italiana, por ele representar o passado, multiplicando deste
então,as propostas concretas para um novo teatro.
Para compreender e analisar como estas transformações urbanas acontecem,tanto nas
suas estruturas físicas e sociais quanto no pensamento e na vida das pessoas,bem como as suas
implicações nas artes e no teatro,fez-se necessário,historicamente,um retorno ao espaço arqui-
26 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
tetônico e ao lugar teatral no Barroco, período em que as cidades se transformaram em verda-
deiros teatros,fornecendo o cenário para as intervenções teatrais e também para os movimen-
tos populares que, naquela época, aconteciam nos seus espaços públicos. As cidades barrocas
eram a estrutura pictórica e visual das festas.
Também os séculos XVIII e XIX foram palco de grandes mudanças e revoluções sociais e da
ruptura com o passado.Surgiu uma nova classe social e as cidades se modernizaram para ambien-
tar o espaço que a burguesia freqüentaria.As cidades passaram a ser fundo de cenário para a bur-
guesia se exibir. Surgiram, naquela época, os grandes passeios públicos, os parques e áreas
imponentes de passagem que representavam o poder do dinheiro da época e forneciam o espaço
de exibição da aristocracia burguesa.Todas essas transformações influenciaram o teatro que,a partir
de então,passaria por grandes questionamentos.
O homem daquela época mudou radicalmente;o seu novo olhar e a sua nova percepção
do mundo interferiram em todas as correntes da era moderna.Tudo isto chegou até a arte.Criou-se
uma polifuncionalidade para o palco e toda a cena se modificou.O teatro mudou,fica mais versátil
com o modernismo,acompanhando as mudanças do momento nas cidades e na vida das pessoas.
A relação com o público ficou mais valorizada e o teatro e a cenografia se enriqueceram com a sua
nova função de informar,transmitir e fazer o público refletir.
As cidades e a sociedade foram modificas,representando,em seus hábitos sociais e nas for-
mas arquitetônicas,as correntes de vanguarda do modernismo.Segundo PISCATOR (1920),“a drama-
turgia e arquitetura juntas,em suas raízes,partem da forma social de sua época.”
A partir da segunda metade do século XX, muitos diretores experimentais exploraram
inúmeras possibilidades de espaços não tradicionais.O teatro pôde ser visto nas ruas,nos parques,
nas praças, nas fábricas, nos armazéns, nos centros comunitários e em lugares abandonados,
espaços residuais da malha urbana.
Introdução 27
Dessa maneira,a ação artística,ao apropriar-se dos cenários urbanos,transforma a cidade
no lugar da ação, no palco de muitas cenas artísticas, usando-a como instrumento de cena,
aproximando a realidade da atividade artística e interagindo com o público de forma mais direta.
O objetivo geral desta pesquisa é descrever, analisar e compreender como as múltiplas
intervenções artísticas estão sendo realizadas nos espaços livres,vazios e públicos das cidades,e
como as cidades reagem a tais intervenções.
Definido o segmento da arte cênica como o meu principal instrumento de pesquisa,
foram escolhidos três representantes do teatro pós-moderno brasileiro como objeto deste estu-
do:o Grupo Galpão,o Grupo Armatrux e o Teatro da Vertigem.
Especificamente, pretende-se:aprofundar a análise das artes cênicas como instrumento
de estudo do universo das cidades; compreender, a partir de diferentes formas de produção de
espetáculos contemporâneos, de que maneira essas produções vêm ocupando os espaços da
cidade como palco de ações e expressões artísticas; por fim, descrever como esses espaços são
recuperados,transformados e reintegrados,na sua forma de uso,na sua identidade e no seu valor
simbólico,à vida das pessoas e das cidades.
O Caminho Metodológico da Pesquisa
A idéia de estudar as diferentes formas de apropriação do espaço urbano pelas produ-
ções artísticas surgiu durante a minha participação na produção de um evento cultural itineran-
te conhecido por “Circuito Telemig Celular de Cultura, em Minas Gerais. Após percorrer várias
cidades do interior do estado,passando pela capital,Belo Horizonte,pude conhecer todo o pro-
cesso envolvido na sua preparação,como a escolha do lugar para os espetáculos,a montagem
dos palcos e cenários pelos grupos de atores, a ocupação dos espaços pela platéia, a relação
público/ator,e,pricipalmente,a resposta das pessoas após os espetáculos.Vários depoimentos
obtidos mostraram a importância e o valor que a arte trouxe para os lugares das cidades per-
corridas durante o evento.
Para esta pesquisa, todos os grupos que participaram do “Circuito foram, inicialmente,
avaliados a partir do depoimento dos atores,bailarinos e músicos,como forma de se perceber a
experiência de cada grupo envolvido no evento.Após um primeiro contato,foram selecionados
os Grupos Galpão e Armatrux,de Belo Horizonte,e o Teatro da Vertigem,de São Paulo,esse,par-
ticularmente,pelos processos de pesquisa desenvolvidos na Trilogia Bíblicae,principalmente,na
peça “BR3”,que teve como palco o Rio Tietê.
Cada um desses grupos foi pesquisado a partir de leituras referentes às suas produções
teatrais,às suas histórias de formação e às suas influências artísticas mais relevantes, a partir das
fontes bibliográficas e consulta ao acervo histórico de cada companhia teatral.Em seguida,foram
entrevistados atores, dramaturgos, cenógrafos e diretores de cada grupo, e, dos depoimentos,
foram extraídas informações preciosas e fundamentais para o desenvolvimento e entendimento
das questões levantadas nesta pesquisa.O cruzamento desses depoimentos com a bibliografia
pesquisada resultou na análise e construção deste trabalho.
O percurso do trabalho iniciou-se na megacidade de São Paulo,a partir de três edições
do projeto “Intervenção Urbana Arte/Cidade, analisando a sua trajetória pelos lugares significa-
tivos da cidade e propondo uma reflexão sobre a relação das artes com os espaços públicos da
metrópole.Compreendendo a relação das intervenções artísticas e urbanas no espaço da metró-
pole, passamos pela trajetória teatral de um dos maiores grupos de teatro do Brasil, O Grupo
Galpão,que percorreu e re-significou importantes lugares públicos de Belo Horizonte.Em segui-
da,novos espaços da cidade foram apresentados a partir de duas intervenções teatrais do Grupo
28 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Introdução 29
Armatrux, realizadas nas palafitas de concreto, vazios urbanos epidêmicos na paisagem de Belo
Horizonte.Encerrando o trabalho,retornamos a São Paulo,trazendo o processo criativo do Teatro
da Vertigem, identificando, no percurso da Trilogia Bíblica, os palcos e os lugares simbólicos da
metrópole,finalizando com a peça BR3,apresentada no Rio Tietê.
A arquitetura surge, nesta proposta, como um elemento essencial na história das cida-
des e das sociedades mundiais, em todos os seus períodos. Sobre a criação da arquitetura pre-
sente, PAYOT (1982) escreve:A arquitetura não apreende seu modelo em parte alguma.Ela não
reside em nenhuma realidade,em nenhuma instância:a Arche não está em um lugar,mas no pró-
prio movimento de sua produção.”
Deste trabalho, foi possível identificar as múltiplas possibilidades no uso dos espaços,
revelando a importância do campo artístico na elaboração de um novo olhar sobre os espaços
já existentes, por onde as pessoas transitam todos os dias e que, ainda assim, são quase sempre
esquecidos.
Acredito que o registro desta experiência,pelo ótica do arquiteto,possa contribuir para
o desenvolvimento de estudos semelhantes, a partir de uma abordagem contemporânea, dire-
cionada para a multiplicidade de usos,através da arte,que o espaço urbano pode oferecer.
Um dos motivos que me fazem acreditar neste trabalho é a possibilidade de se fazer um
estudo que revise a análise do espaço urbano,na medida em que explora o conceito de teatralida-
de das cidades para o urbanismo. Permite,assim,fazer prospecções tanto da arte cênica como das
cidades,ajudando a entender melhor o panorama mundial e as transformações culturais e a indi-
car novas possibilidades para o desenvolvimento da arte e da cultura, principalmente no âmbito
das cidades,para futuros empreendimentos e parcerias entre os setores público e privado.
Capítulo 1
T
As Intervenções Artísticas
no Universo da Metrópole
Capítulo 1. As Intervenções Artísticas no Universo da Metrópole 33
T
A cidade sempre foi palco das ações,das transformações e das dinâmicas sociais e econô-
micas da vida cotidiana.Através do tempo,muitos de seus espaços são redimensionados em função
dessas e de outras intervenções decorrentes do crescimento acelerado.
Nesse contexto,também a arte se apresenta como elemento de transformação desse novo
espaço que se organiza,o universo da metrópole.
De fato, nas últimas décadas, em função da maior flexibilidade nos limites da criação
artística,essa vem tendo cada vez mais influência sobre o uso dos espaços urbanos.Tais interven-
ções permitem que a arte desvende o espaço aberto da cidade e ganhe sentido na relação do
espectador com a obra e com o lugar em que vive.
Tal influência pôde ser observada durante o Circuito Telemig Celular de Cultura,elemento
motivador deste trabalho,em que a ocupação dos espaços pelas mais diversas formas de expressão
artística deu-se de forma bastante significativa.
Das muitas formas de arte produzidas no ambiente urbano, como grafites, esculturas,
vídeo-instalações,performances artísticas e teatro de rua, uma grande parte vem sendo realizada
em parceria com projetos de revitalização de grandes áreas urbanas.
Contudo,ao mesmo tempo em que a arte interage com a metrópole,suscita,concomitan-
temente,algumas questões referentes ao seu papel na dinâmica dos espaços.Assim,como definir o
conceito de arte hoje,e,principalmente,das intervenções artísticas que vem ocupando o espaço da
cidade? Como entender a sua linguagem e o significado desta produção artística a partir do espaço
urbano? Qual o contexto escolhido pelos artistas para manifestar suas intervenções artísticas? Qual
o efeito produzido nas pessoas e no espaço da cidade?
Assim,o objetivo deste capítulo é ampliar o olhar sobre as diferentes intervenções artísticas
produzidas no universo da metrópole,analisando seu sentido,seus reflexos no ambiente urbano e
seu alcance na construção de novos espaços ou na re-apropriação de antigos,transformando-os em
paisagens significativas para a cidade e recuperando símbolos da história,da arquitetura e da vida
pública dos grandes centros.
1.1 A Arte na Metrópole
Quando se analisa a relação arte e cidade,uma das questões mais relevantes a serem aborda-
das é o limite que se estabelece entre o público e o privado nesses dois segmentos e desses entre si.
No contexto das cidades,esse limite tem oscilado em função do momento histórico,político
e social vivido por diferentes grupos.
À priori,ao Estado sempre coube a função pública,enquanto à sociedade,mais precisamen-
te, à família, coube a esfera privada.Contudo,a sociedade,bem como essa relação,estão em cons-
tante transformação,com,muitas vezes,especialmente nos dias atuais,a apropriação de uma esfera
pela outra.
Na arte,a discussão entre o público e o privado começou a ser levantada a partir da déca-
da de 60;por um lado,questionando o papel e a atuação dos museus e galerias,por outro,discutin-
do a sua relação com o espaço,com a história e com o público,no sentido à valorização dos aspectos
socias, à renovação de suas práticas e à recuperação de seu valor pela reapropriação dos espaços
públicos da cidade.
Essa foi a proposta do Arte/Cidade”,projeto que será apresentado a seguir,como importante
exemplo de intervenção artística no âmbito da metrópole.
34 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Capítulo 1. As intervenções artísticas no Universo da Metrópole 35
1.2 Intervenções Urbanas - Arte/Cidade em São Paulo
Em São Paulo,o Arte/Cidade,criado por Nelson Brissac Peixoto,em 1994,foi um impor-
tante movimento que buscou investigar como a arte e a arquitetura interagem com o espaço
urbano e com seus usuários.
Os projetos elaborados para o Arte/Cidadetrabalharam o espaço da metrópole de
uma forma alternativa e única, revelando novas possibilidades para lugares esquecidos e
abandonados dentro da cidade, propondo, assim, um novo olhar sobre a metrópole con-
temporânea.
As três primeiras edições desse projeto aconteceram na década de 90. Foram eles:
“Cidade sem janelae A cidade e seus fluxos”,em 1994,e A cidade e suas histórias”,em 1997.
“Cidade sem janelas”foi realizada no antigo matadouro da cidade,localizado no bairro
da Vila Mariana.Esse episódio foi realizado sob a proposta de uma nebulosa conceitual”,desen-
volvida a partir de uma lista de palavras oferecidas pelos organizadores da mostra. O evento
misturou poesia,cinema,fotografia,pintura e escultura.
O espaço do matadouro,repleto de significados,recebeu as intervenções dos artistas
que,de forma independente,expressaram,por todo o edifício,a realidade do local e da cidade.
Segundo BRISSAC (2000), “... toda intervenção é necessariamente pontual, sem pretender
abranger o todo.Aqui predomina o princípio da ação e reação.Cada gesto provoca contíguas
rearticulações,dando novas funções e sentidos para locais e serviços.”
O matadouro encontrava-se em ruínas; um ambiente sujo e abandonado, com uma
atmosfera carregada,o que direcionou as intervenções a partir das sensações captadas por cada
um dos artistas envolvidos no evento.
Imagem 1: Mapa de São Paulo – Localização de três etapas
do Arte/Cidade.
Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br
Imagem 2:Vista aérea do Antigo Matadouro de São Paulo –
Local do Arte/Cidade I.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 35.
Imagem 3: Fachada do Antigo Matadouro.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 37.
36 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Capítulo 1. As intervenções artísticas no Universo da Metrópole ou na Cidade Contemporânea 37
Diferente de uma galeria de arte,clara e neutra,nos galpões do matadouro,tinham peso,
densidade e espessuras. O resultado foram intervenções que remetiam para baixo, para o chão,
numa busca por aberturas dentro do concreto.
Um importante trabalho desta edição foi a intervenção da artista Carmela Gross,que per-
furou todo o piso de um dos salões com buracos das mais variadas dimensões.Cada furo projeta-
do teve um desenho próprio e um lugar específico para ser aberto. As perfurações no piso,como
se fossem janelas,propunham a busca por novos horizontes e novos ares,a partir de um ambiente
de baixa vibração e de pouco ar. Essas fendas, contudo, abriam-se para o chão, indicando que o
caminho,ainda assim,era obscuro.
Outro trabalho de destaque foi a intervenção do artista mineiro Éder Santos,a partir de
um trabalho de vídeo,onde as imagens ganhavam espessuras a partir da velocidade da projeção,
quando projetadas sobre um monte de terra em câmara lenta.
A intervenção de Arnaldo Antunes aconteceu do lado de fora,em uma das paredes externas
do matadouro.Nesse local, o poeta enxergou a cidade como fragmento, utilizando-se das palavras
sobrepostas para representar o que tinha percebido daquele lugar,uma sobreposição de informação
e de história.O espaço das palavras,montado através de painéis com cartazes impressos em tipogra-
fia,rasgados e colados em camadas,re-significou esse ambiente e também a paisagem da cidade.
As telas metálicas de Anne Marie Sumner estabeleceram uma relação de evidência e obs-
trução com o visitante.”(PEIXOTO,2002).A proposta da artista,ao colocar três telas metálicas para-
lelas, era deixar uma possibilidade de visão através dos furos nas telas, Contudo, pela grande
dimensão e sobreposição intencional dos painéis metálicos, a sensação, ao contrário, foi de blo-
queio.A visão ficou obstruída e a percepção panorâmica do lugar impossível.A entrada,antes livre
e aberta,nesse momento,ficou vedada,exigindo todo um percurso para a entrada no galpão e a
compreensão da proposta.
Imagem 4: Intervenção de Carmela Gross.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 47.
Imagem 5: Intervenção de Anne Marie Sumner
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 55.
Percebemos que as intervenções de “Cidade sem janelas”, realizadas no Matadouro da Vila
Mariana,reafirmaram a essência sombria do lugar,mas atribuíram ao espaço um novo uso,o de gale-
ria de arte.
No mesmo ano de 1994, o segundo Arte/Cidade aconteceu no Vale do Anhangabaú,
região central da cidade e principal eixo articulador com o centro antigo.Atravessado por um trân-
sito constante de pessoas e automóveis,o vale tem o seu tecido urbano fragmentado e permeável,
local onde a percepção da história da cidade se confunde com o fluxo contínuo do lugar.
Nessa edição, A cidade e seus fluxos,a cidade foi abordada pela dinâmica dos movimentos,
que pertencem ao espaço e à vida da metrópole.A área escolhida para receber as intervenções foi
estabelecida pelo perímetro conformado pelos edifícios da Eletropaulo,do Viaduto do Chá,do edifí-
cio Guanabara,da sede do Banco do Brasil,do Vale do Anhangabaú e das ruas de conexão a essa área.
Os últimos andares dos três edifícios foram ocupados juntamente com locais no entorno.
Num local onde os fluxos eram dominantes, a idéia de deslocamento foi mantida,direcionando o
transitar entre as coisas e as pessoas que percorrem e freqüentam a região diariamente.
Diferente do matadouro,onde a escala se manteve na medida do homem,no Arte/Cidade
II”, a distância entre as intervenções dificultou a unidade de percepção do evento. A questão era o
deslocamento entre os pontos de referência. Assim, o espaço do Anhangabaú transformou-se em
palco de uma arte transitória,uma vez que o deslocamento tornou-se significativo para a interven-
ção,bem como a não definição dos caminhos,a liberdade de escolha e a multiplicidade de opções
de percursos,representando a vontade de movimentação de todo o evento.A grandeza da cidade
se impôs e foi impossível não assumir esta proporção.
38 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Capítulo 1. As intervenções artísticas no Universo da Metrópole ou na Cidade Contemporânea 39
Foto 3:Vale do Anhangabaú – Local do Arte/Cidade II.
Fonte: www.sampaonline.com.br, capturado em 04/02/2008.
Nessa etapa,a arte invadiu o espaço urbano,saiu do círculo fechado da galeria e estabe-
leceu,definitivamente,uma relação com o indivíduo da metrópole.Ocorreu,assim, uma vetoriza-
ção do espaço.
“São dois sistemas simultâneos: corredores que se estendem horizontalmente e construções verti-
cais que objetivam uma visão abrangente, superando a dispersão no solo. Deslocamentos terres-
tres e movimentos de ascensão. Uma cidade vista das janelas: tudo se volta para fora, dá para a
rua,lança-se para longe.Esses espaços irradiadores existem como plataformas para o movimento.
(PEIXOTO,2002)
Imagens, projeções cinematográficas, luzes e elementos ópticos predominaram sobre as
obras dos artistas.A luz, transparente e fluida,percorreu todos os espaços, transformando, resignifi-
cando e reconfigurando,não apenas os ambientes,mas também as figuras e a paisagem urbana.
O periscópio gigante de Guto Lacaz,instalado na fachada do prédio da Eletropaulo,estabe-
leceu uma comunicação entre dois planos,configurando o instante.Quem observava,pela rua,con-
seguia ver a exposição no último andar,e o visitante de cima conseguia observar a movimentação
do térreo.Assim,essa instantaneidade alterou a visão da cidade,e,consequentemente,dos espaços.
Dessa segunda edição,destaca-se o trabalho do fotógrafo Rubens Mano,uma intervenção
no Viaduto do Chá,intitulada “Detetor de ausências,que evocava o invisível.
Imagem 6: Instalação de Guto Lacaz
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 76.
Imagem 7: Instalação de Guto Lacaz
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 77.
40 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Capítulo 1. As intervenções artísticas no Universo da Metrópole ou na Cidade Contemporânea 41
A instalação consiste em dois grandes refletores,de 12 mil watts de potência,instalados ao lado do
Viaduto do Chá. Cada cilindro é colocado sobre torres de cerca de 13 metros de altura,erguidas a
partir do piso do vale,de modo a cortarem a passarela na altura da calçada.Lançam fachos de luz
paralelos,não coincidentes,de 1,5 metros de diâmetro,que atingem perpendicularmente o fluxo de
pedestres. Ao atravessá-los, à noite, o passante tem sua silhueta instantaneamente recortada. Por
um momento,as figuras fugidias brilham sob a iluminação intensa,antes de desaparecerem nova-
mente na escuridão.Momento em que se pode perceber essa presença efêmera,evidência da perda
iminente”.(PEIXOTO,2004)
Sobre o viaduto, a multidão parecia nuvens que não tinham destino e se desfaziam no
horizonte.Assim,a instalação do artista pretendeu fotografar o invisível e que não tem registro.A
questão levantada foi:como deter essas ausências? Nesse sentido,o vazio entre os focos intensos
de luz produziram e apontaram para o que não poderia jamais ser fotografado.
A luz que surgiu no Viaduto do Chá iluminou e contornou os edifícios e o Vale do
Anhangabaú,enfatizando a grandiosidade da paisagem urbana e transformando-a em um espaço
de Luz.
A terceira edição,A Cidade e suas Histórias”, aconteceu em 1997, num trecho de 5 km do
ramal ferroviário oeste,ao longo do qual importantes e significativos locais da história de São Paulo
se encontravam abandonados.
O percurso partiu da Estação da Luz, passando pelo Moinho Central e chegando aos
galpões das Indústrias Matarazzo.Região industrial da cidade do final do século XIX e início do
XX,sempre teve o edifício da Estação da Luz como importante símbolo do poder do café e da
história de São Paulo.Antiga estação São Paulo Railway e depois E.F. Santos-Jundiaí, a Estação
da Luz foi o primeiro edifício da região.Ao seu redor e ao longo da linha do trem,surgiram todos
os bairros industriais e residenciais, inicialmente recebendo os senhores do café e, depois, os
operários das fábricas.
IMAGEM 8: Instalação de Rubens Mano
Fonte: PEIXOTO, 2004,pg.52.
Foto 4: Estação da Luz – Local do Arte/Cidade III.
Fonte: www.sampaonline.com.br, capturado em 04/02/2008.
Imagem 9: Mapa de localização do Arte/Cidade III
em São Paulo.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 98 e 99.
42 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Capítulo 1. As intervenções artísticas no Universo da Metrópole ou na Cidade Contemporânea 43
O Moinho Central surgiu em 1949 e foi o primeiro sítio localizado ao longo da linha fér-
rea. Com uma vida curta, o prédio foi desativado em 1980, e, hoje, encontra-se abandonado e
ocupado por cortiços populares que, ao longo dos anos, surgiram por toda a região central de
São Paulo.
As Indústrias Matarazzo,no bairro Água Branca,representaram o maior complexo indus-
trial do país do final do século XIX.Grande complexo fabril,possuía, em sua área, edifícios volta-
dos para produção,pesquisa e depósitos.Pela grande extensão do seu território,foi instalado um
ramal com uma linha ferroviária que interligava o complexo à São Paulo Railway. Em 1970, o
grupo Matarazzo foi à falência,e com ele,toda a área das fábricas e da linha férrea.Quase todos
os edifícios foram demolidos,restando apenas a Casa das Caldeiras,com suas chaminés e galpões
adjacentes.Os espaços vazios e resíduos de terrenos permanecem no contexto urbano,transfor-
mando a paisagem da cidade em um lugar silencioso,meio vazio,meio abandonado,porém bas-
tante instigante.
E foi nesse contexto que A cidade e suas histórias”construiu suas intervenções urbanas.
O ponto de partida para o conceito da proposta foi o trem.A estrada de ferro foi o caminho por
onde as coisas vieram,partiram,e se perderam.”(PEIXOTO,2002).Foi o trem o primeiro a inaugu-
rar o processo de aceleração das cidades.Assim,por ele,as pessoas viram as sucessivas interven-
ções na paisagem da metrópole,durante a edição.
Diferente do Arte/Cidade II”, o importante não era o movimento e os fluxos da cidade.
Nessa etapa,o principal era o percurso,tendo-o como o fio condutor da organização e da histó-
ria da cidade.”(PEIXOTO,2002).
Imagem 10: Moinho Central – Local do
Arte/Cidade III.
Fonte: PEIXOTO,2002, pg 113.
Imagem 11:Visão do Moinho, sentido
Terminal Barra Funda.
Fonte: PEIXOTO,2002, pg 202.
44 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Imagem 12: O Trem do Arte/Cidade III
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 143.
Capítulo 1. As Intervenções Artísticas no Universo da Metrópole 45
“Essa viagem se faz essencialmente no tempo.O passado como um solo arqueológico, o transcorrer
do tempo evidenciado em formas especiais,nas coisas e nos lugares.”[...] “ A história dos materiais,a
reiteração dos gestos,a lembrança inscrita nas obras.Marcas,resíduos,inscrições.Passado,memória:
o apagamento dos registros, a dissolução da linguagem. Metamorfose, oxidação, combustão.
Reciclagem,reapropriação,releitura:a cidade e suas histórias.”(PEIXOTO,2002).
O grande desafio da terceira etapa foi garantir,pelas intervenções artísticas,a narrativa da
história ao longo de todo o extenso percurso. Os lugares escolhidos foram determinados pelos
intervalos,pontos readequados ao trajeto do trem.O percurso do trem e suas paradas estabelece-
ram ritmos variados,com suas desacelerações e as mudanças de trilhos permitindo a percepção
dos lugares de uma nova forma.Conceitos de horizontalidade,distância e scanning,originários da
Land Art,foram utilizados na construção das intervenções. Como observa PEIXOTO:
Todo um novo circuito, regido por uma investigação sobre a organização e a percepção do
espaço urbano – independente das necessidades funcionais da cidade – foi criado ali.Instaurou-
se um ritmo sem medida,uma linha de variação contínua:modo como o fluido ocupa o espaço.
A área alterou-se por completo.Aquela região comprimida junto ao rio,circunscrita pela estrada
de ferro, fragmentada pela desconexão entre a linha de trem e a trama rodoviária transformou-
se num espaço liso,uma ampla extensão tecida por vias de transporte que percorrem em todas
as direções”. (PEIXOTO, 2002)
As intervenções feitas no Arte/Cidade III”buscaram,no abandono dos edifícios e na paisagem
deteriorada,a sua expressão e representação,e,por isso,muitas das obras se confundiram com a paisa-
gem.Cidade e arte se fundiram em um momento de transformação na busca pela memória da cidade.
Imagem 13: Passarelas Vermelhas - Arte/Cidade III.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 198.
A intervenção feita no moinho representou bem o espírito dessa terceira edição.
Marcas do passado,coletadas do material acumulado pelo espaço do edifício sucateado,como
esquadrias,metais,pixações,e dos desenhos e registros das invasões sofridas ao longo dos anos
de abandono.O acesso,como já foi dito,foi apenas pelo trem.Na tentativa de reativar seu espa-
ço e garantir um percurso seguro para as intervenções e visitações das pessoas,todo o espaço
do moinho e imediações foram limpos e desobstruídos, nivelados e abertos para novos cami-
nhos e descobertas.
A intervenção da artista plástica Laura Vinci,no moinho,representou a idéia de dissolu-
ção,como se toda aquela estrutura de concreto estivesse desaparecendo.
“Um sistema fluido vertical atravessando a rigidez horizontalizada da construção. Um monte de
areia,que se esvai lentamente por um orifício no piso,para refazer-se no andar inferior do prédio,
como se parte da construção se desfizesse, como se um processo orientado de erosão estivesse
reordenando a disposição da massa ali erguida, criando conexões numa organização espacial
rigidamente compartimentalizada”.(PEIXOTO,2002).
Outra intervenção foi a de Rodrigo Andrade,que usou os dormentes,antes utilizados para
nivelar os trilhos do trem. Esses foram empilhados e transformados em um cubo de cerca de 4
metros de lado.Porém,parte das vigas foram cortadas diagonalmente e conformando um volume
estranho,sem respostas.
Em síntese, essa terceira edição abordou a questão do abandono das áreas urbanas,reto-
mando,assim,ao problema apresentado no Arte/Cidade I”“Cidade sem janelas”, agora,na escala
da metrópole contemporânea. Defrontamos,dessa forma,com o grande problema das metrópoles
que crescem sem rumo e planejamento, e que, com o tempo,vão apresentando pedaços urbanos
mortos dentro de seus grandes centros.
46 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Imagem 14: Intervenção de Laura Vicci.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 226.
Imagem 15: Intervenção de Laura Vicci.
Fonte: PEIXOTO, 2002,pg 227.
Capítulo 1. As Intervenções Artísticas no Universo da Metrópole 47
Após discorrer sobre as três edições do Arte/Cidade, são necessárias algumas considera-
ções finais.
A grande força do percurso, elemento determinante tanto no matadouro como ao longo
da linha do trem,foi,principalmente,garantida pela escolha dos lugares,significativos e simbólicos
dentro do espaço da metrópole.
O espaço em ruína foi a imagem que perpassou e unificou grande parte das intervenções,
e dessa maneira,permitiu o questionamento sobre o atual estado das metrópoles contemporâneas.
É importante que os agentes urbanos, os atores da cidade, questionem, e, desse modo,
percebam a paisagem urbana de outras formas,principalmente os espaços esquecidos na memória
vivada cidade.
Foi nesse sentido que o Arte/Cidade”ampliou nossa percepção,pois,como um processo
arqueológico,quase poético,em que o imaginário e simbólico foram conectados ao tempo real,
permitiu transportar passado e futuro para o momento presente de cada intervenção.
Assim como nas intervenções urbanas,onde a arte revela e questiona a vida através dos
percursos,do movimento e da ação,a representação teatral também é um instrumento artístico
que utiliza a realidade do instante como palco de questionamentos e transformações éticas e
simbólicas nos indivíduos e espaços.Por isso, apresento, a seguir, a experiência do teatro pelas
ruas e espaços de Belo Horizonte, com os Grupos Galpão e Armatrux, e por São Paulo, com o
Teatro da Vertigem.
Imagem 16: Intervenção de Rodrigo Andrade.
Fonte: PEIXOTO,2002, pg 221.
Imagem 17: Intervenção de Rodrigo Andrade.
Fonte: PEIXOTO,2002, pg 223.
Capítulo 2
b
O Caso do Grupo Galpão:
da rua ao palco,uma trajetória por
novos espaços teatrais
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 51
b
O Grupo Galpão,companhia teatral de palco e rua,com sede em Belo Horizonte,hoje com
25 anos de carreira, tem representado, ao longo destes anos, de forma propulsora, a cena teatral
mineira.O Galpão já se apresentou em,aproximadamente,150 cidades de 17 países,tendo recebido
numerosos prêmios nas Américas e na Europa.O Grupo tem na sua base de formação as tradições
do circo-teatro,o movimento corporal e a música ao vivo surgidos em decorrência dos desafios artís-
ticos.A qualidade da arte do Galpão pode ser constatada nesta definição de Junia Alves:
A grande popularidade do Grupo deve-se ao trabalho que desenvolve,combinando elementos da cul-
tura popular, inspirando-se em peças clássicas e prestando-lhes homenagens, focalizando estilos de
representação e ênfases temáticas da história do teatro nacional, enfim, demonstrando, por meio de
suas produções,uma relação de afinidade estética com Minas Gerais,metonímia do país.”(ALVES,2006)
Logo no início da sua formação,momento de definição e organização das funções entre os
integrantes e dos ideais de trupe mambembe, o Grupo, com base nas suas diretrizes conceituais,
definiu o tipo de teatro de rua que caracterizariam a sua trajetória artística.Assim,segundo Eduardo
Moreira,ator fundador do grupo,eram objetivos do Galpão:
“1) Dar continuidade ao aprendizado no festival de Diamantina; 2) Tentar desenvolver as técnicas
aprendidas e ampliá-las,adaptando-as a nossa realidade cultural;3) Facilitar o acesso à cultura,ao
teatro, popularizando-o; 4) Procurar, através do teatro de rua,uma forma mais direta e espontânea
de comunicação com o público; 5) Tentar desenvolver uma estrutura de trabalho na qual exista a
possibilidade de participação do público no espetáculo,criando assim um constante desafio e uma
constante provocação,tanto da parte dos atores quanto do público; 6) Desinstitucionalizar o palco;
e por último 7) Buscar novas alternativas de espaço teatral, uma vez que nisso consiste um dos
maiores problemas da nossa realidade cultural regional.”(ALVES,2006)
52 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Ao assumir o fazer teatral como profissão e a busca por novas alternativas de espaços cêni-
cos como meta,o Galpão consolidou-se como um dos principais representantes deste “novoteatro
de rua, em Belo Horizonte e em Minas Gerais, tornando-se, ao longo do tempo, uma das maiores
referências nacionais e internacionais desse segmento artístico.
A partir do estudo da prática teatral do grupo,apresento,a seguir,toda a sua história,desde
a primeira peça, “E a Noiva não quer casar,de 1982,até a mais recente, “Pequenos Milagres”,de 2007.
Aproximo minha análise,principalmente,das produções artísticas elaboradas para a rua que percor-
reram diferentes espaços de Belo Horizonte,como praças,parques,lugares alternativos e vazios urba-
nos da cidade,com destaque especial para a peça “Romeu e Julieta, encenada em Ouro Preto, em
que mostro a cidade se transformando em palco para aquela montagem definitiva do Galpão.
Dentre os grupos teatrais investigados, dois aspectos determinaram a escolha do Grupo
Galpão. O primeiro foi o fato de, como espectadora,ter acompanhado parte desta estória, assistin-
do,ao longo destes anos,aos seus espetáculos e vivenciando o seu desenvolvimento.O segundo,foi
ter trabalhado, como arquiteta e profissional de teatro, com o Grupo Galpão no Circuito Telemig
Celular de Cultura
1
, durante os anos de 2000 e 2001.
Ao estudar a história do Galpão, foi possível conhecer detalhes da vida da companhia,
observar, de perto,os procedimentos construtivos de uma peça, a escolha do texto e do diretor, o
processo coletivo de criação e a montagem das cenas,compreender a opção pela rua e,em segui-
da, o porquê da alternância com o palco. Percebi a importância do Grupo na evolução da cena
teatral belohorizontina e a relação do teatro do Galpão com as transformações ocorridas nos lugares
escolhidos como palco dos seus espetáculos.
1 Circuito Telemig Celular de Cultura – Projeto cultural itinerante,iniciado em 1999, atualmente reformatado para cada uma das áreas culturais,como as artes
cênicas,a música,o cinema e mídias eletrônicas.O Circuito percorreu todas as regiões do Estado de Minas Gerais levando gratuitamente a arte para os espaços
públicos de cada cidade pólo do interior e também da Capital Mineira.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 53
Foto 6: Cena da peça A alma boa de Setsuan”, na oficina
com os alemães.(Eduardo,Wanda, Toninho e Kurt Bildstein).
Fonte: Fonte: Brandão, 1999, pg 24.
2.1 O Início do Risco - 1982 a 1984
2.1.1 A formação do Grupo. As primeiras peças: “E a Noiva não quer casar”,
“De olhos bem fechadose “O pro cê vê na ponta do pé”
O Grupo Galpão surgiu do encontro com o diretor George Frosher e o ator Kurt Bildstein,
ambos integrantes de uma companhia de teatro de rua chamada O Teatro Livre de Munique.O pri-
meiro contato ocorreu na oficina de teatro oferecida pelo Teatro Marília,em março de 1982,em Belo
Horizonte.O segundo e definitivo para a formação do grupo ocorreu durante outra oficina de teatro
de rua, no Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, em Diamantina, ocorrida
naquele mesmo ano.Ao final do Festival, os cinco atores mineiros, Eduardo da Luz Moreira,Wanda
Fernades,Teuda Bara,Fernando Linhares e Antônio Edson se reuníram e fundaram o Grupo Galpão.
Na primeira oficina,oferecida pelos alemães,os alunos trabalharam “técnicas corporais,acro-
bacia e jogos teatrais com objetos, como bastões e cadeiras, técnicas de respiração e vocais, todas
inspiradas no teatro de Grotowski e na interpretação épica brechtiana
2
(BRANDÃO,1999). Nessa
época,tudo era novidade,das improvisações das ações,à teatralização cênica,e,sempre com muita
disciplina,o grupo aprendeu que o fazer teatral seria regado a muito suor,esforço e dedicação inte-
gral ao oficio.
Na segunda oficina, em Diamantina, o trabalho foi direcionado para o teatro de rua e
para a montagem da peça A Alma Boa de Setsuan, de Brecht.O teatro épico de Brecht faz os
atores narrarem e representarem a ação do texto ao invés de vivenciá-la realisticamente. Além
Foto 7: Cena dos improvisos de voz e corpo
desenvolvidos com os alemães no Festival de Inverno
de 82, em Diamantina. (Antônio Edson, Mauro Lúcio,
Wanda Fernandes e Vanita Aguilar).
Fonte: Brandão,1999, pg 16.
2
Brecht,Bertold: importante dramaturgo,poeta e encenador alemão do século XX.São identificadas duas motivações principais para o Teatro Épico de Brecht:
A concepção marxista do Homem, um ser que deve ser entendido observando-se o conjunto de todas as relações sociais de que participa.Para Brecht,a forma
épica é a única capaz de apresentar as determinantes sociais das relações inter-humanas.O seu intuito didático,a necessidade de um “palco científicocapaz de
desmistificar as relações da sociedade,esclarecendo o público e suscitando a ação transformadora.(Fonte:site - http://pt.wikipedia.org/wiki/Bertolt_Brecht).
54 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
das técnicas de Brecht,foram também inseridas as técnicas dos Grupos Bread and Puppet
3
e do
Living Theatre
4
. Os treinamentos foram aprofundados, os atores aprenderam a usar as pernas de
pau,a ocupar um palco vazio e a preenchê-lo com o movimento do corpo.O universo mágico do
teatro de rua do Galpão começou desta maneira,a ser construído.
Nesta época, segundo Brandão,“as três primeiras pernas de pau são compradas para os
ensaios da primeira peça, que aconteceram no gramado do Borges da Costa – antigo hospital,
ocupado pelos estudantes e transformado em residência universitária. (BRANDÃO,1999).
O primeiro espetáculo do grupo,“E a Noiva Não quer Casar”, com texto escrito por Eduardo
Moreira,apoiava-se nas criações circenses e teve como destaque a utilização da perna de pau,que
viria a se tornar símbolo do Galpão, com o passar dos anos. Nessa montagem,houve uma grande
investigação em relação aos movimentos corporais, aos gestos grandes e ampliados, às fortes
expressões,à voz e aos instrumentos musicais,todos articulados para a grande invocação ao carna-
val no desfecho da peça, quando a noiva rejeita seus pretendentes e transforma-se na rainha da
escola de samba, momento em que a comédia dá lugar a uma grande festa. Identifica-se, assim, a
vontade dos atores de privilegiar a proximidade e o contato com o público. Desta forma, o grupo
nasce tecnicamente,abordando a rua.A estréia aconteceu na Praça Sete,no centro da capital,ponto
de partida na história do Galpão com a cidade de Belo Horizonte.
Foto 8:“E A Noiva Não Quer Casar”:
perseguição da noiva por seus pretendentes.
(Wanda Fernandes).
Fonte: Brandão, 1999, pg 27.
3
Bread and Puppet:o Bread and Puppet Theatre é conhecido pelo caráter radical das suas técnicas,pela recusa do profissionalismo,assim como pela vontade de
se inserirem na realidade quotidiana,tal como pela «pobreza» dos recursos técnicos que utiliza.Bem se pode dizer que o Bread and Puppet Theatre pratica um
teatro total na medida em que utiliza e combina todos os recursos do espectáculo e das artes:actores,marionetas,máscaras,pantomina, récita, música, dança,
pintura,escultura,jogos de luzes,etc,etc.tudo isso numa dramaturgia unitária.(Fonte: site - http://pt.wikipedia.org/ wiki/BreadandPuppet).
4
Living Theatre: fundado em 1947 o Living Theater é uma alternativa ao teatro comercial inglês.Alguns nomes importantes do teatro fazem parte desta história
como Erwin Piscator, Julian Beck e Judith Malina. Até sua morte, Julian se apresentou em oito idiomas diferentes em 25 países e 4 continentes.Em pleno fun-
cionamento,o Living é lembrado ainda hoje por seu caráter experimental e artístico.(Fonte:site - http://www.sobresites.com/teatro/campanhias.htm).
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 55
Foto 9:“E A Noiva Não Quer Casar”:
a noiva, na Avenida Afonso Pena,na
Praça Sete.(Wanda Fernandes).
Fonte: Acervo Galpão Cine Horto, s.d.
56 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
A peça infantil “De olhos Fechados”,com texto de João Vianney,foi a segunda monta-
gem,marcando o começo da proposta de alternar o trabalho entre o palco e a rua. A estória
refere-se a quatro crianças que tiveram a imaginação afetada por serem criadas em aparta-
mentos assistindo a programas de tv, e que, ao fecharem os olhos numa brincadeira, desco-
brem um novo mundo imaginário.Uma metáfora que visa despertar as crianças para os cinco
sentidos: tato, olfato, paladar, audição e visão. Nessa montagem, o Grupo buscou reinventar
formas de se relacionar com a platéia ao misturar o universo infantil das brincadeiras e do
improviso com a imaginação das pessoas.
Fazer a alternância entre a rua e o palco foi importante para atingir um número maior de
pessoas.Com um cenário enxuto de dois caixotes e alguns pneus,a peça pôde ser montada não
só no palco, mas também em play-grounds, praças, quadras e creches. O espetáculo recebeu os
mais importantes prêmios do teatro infantil na época,e com ele,o Galpão foi reconhecido como
um grupo de teatro.
A terceira peça,“O Procê Vê na Ponta do Pé”, foi determinante por reunir seus integran-
tes e agregar novos artistas ao grupo inicial. Marcou o retorno às ruas e o aprofundamento da
linguagem clownesca. Entraram para o grupo Chico Pelúcio, Paulinho Polika e Sumaya Costa.
Polika, ator com uma formação diversificada,fabricava bonecos e marionetes,estudava mímica
e pantomima e pesquisava apresentações baseadas no teatro de bonecos que exercia grande
influência neste momento.Anos depois,Paulinho Polika viria a fundar o Grupo Armatrux.
Esta peça tratava-se de um trabalho de improvisação e das técnicas circenses que,
misturadas às cenas do cotidiano urbano,envolvia o público em um universo onírico e lírico,
através de uma linguagem leve e divertida. A música, nesta fase, surgiu como elemento de
marcação das cenas,ainda sem os instrumentos e as canções,que,mais tarde,seriam a marca
registrada do Galpão.
Foto 10:“De Olhos Fechados”. (Antônio Edson,
Wanda e Eduardo).
Fonte: Brandão,1999, pg 33.
Foto 11: O Universo do clown incorporado no trabalho do
Galpão. (Wanda).
Fonte: Brandão,1999, pg 36.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 57
Foto 12:“O Pro cê Vê na Ponta do Pé”, a bailarina e o
mendigo. (Chico Pelúcio e Wanda).
Fonte: Brandão,1999,pg 39.
O cenário remetia à caixa preta italiana e era composto por uma estrutura tubular que
suportava uma lona preta recoberta por estrelas coloridas.Os personagens saíam de trás da lona e
ocupavam o espaço à frente,aproximando-se do público que,muitas vezes,invadia o limite entre o
ator e a platéia,participando do espetáculo.O desenho deste espaço,chamado de lugar teatral,onde
acontecia a relação entre o ator e a platéia,de um modo natural,acabava conformando um círculo.
O Círculo, na geometria, é definido como a região de um plano limitada por uma cir-
cunferência.A figura desta região é uma área que limita dois espaços.No caso das representa-
ções artísticas e teatrais, o espaço interno do círculo é destinado ao rito teatral e o espaço
externo resultante é o lugar do público.Esta forma circular está presente na história da huma-
nidade desde os tempos dos povos primitivos.O palco do teatro primitivo era uma área aber-
ta de terra batida,como um terreiro, com um totem fixo ao centro e com lanças espetadas no
chão ao redor, conformando um circulo maior, onde se encontrava um animal abatido e os
cereais colhidos para o ritual. Nessas encenações, a transformação numa outra pessoa era uma
das formas arquetípicas da expressão humana. O teatro das tribos primitivas foi definido por
Oskar Eberle,no seu livro Cenalora (BERTHOLD, 2004) como:
“O teatro primitivo real é a arte incorporada na forma humana e abrangendo todas as possibilidades
do corpo informado pelo espírito; ele é, simultaneamente, a mais primitiva e a mais multiforme,e de
qualquer maneira a mais velha arte da humanidade.Por essa razão é ainda a mais humana,a mais
comovente arte.Arte imortal.”
Dessa maneira,conteúdo e forma de expressão teatral eram determinados pelas neces-
sidades da vida e pelas concepções religiosas.O individuo-ator retira destes elementos caracte-
rísticas que possibilitavam a sua transcendência e a de seus semelhantes. E, assim, o homem
primitivo personificou os poderes da natureza.Transformou o Sol e a Lua,o vento e o mar em
58 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
criaturas vivas que brigam,disputam e lutam entre si e que podem ser influenciadas a favorecer o
homem por meio de sacrifícios,orações,cerimônias e danças.”(BERTHOLD,2004)
De fato,a magia e o encanto do teatro, no seu sentido mais amplo,está nessa capaci-
dade de representação diante de um público,sem que esse identifique a personalidade real da
pessoa em cena.O primeiro representante desta arte foi o Xamã,uma mistura de sacerdote,fei-
ticeiro e curandeiro, o porta-voz do deus, um dançarino mascarado que, num ritual sagrado,
afastava os demônios.
O Xamanismo tem suas raízes na cultura dos caçadores de certos povos asiáticos
setentrionais, nas tribos da Indonésia e da Polinésia, e entre os índios norte-americanos. O
teatro primitivo utilizava acessórios e objetos cênicos que estivessem facilmente a sua dis-
posição,como as peles de animais,chocalhos de cabeça,máscaras,figurinos e instrumentos,
mas sempre da forma mais rústica e simples na sua concepção.Outros elementos caracterís-
ticos eram os aromas inebriantes e os ritmos estimulantes que reforçavam os efeitos da cena
primitiva. De acordo com Oskar Eberle,o teatro primitivo era uma grande ópera ao ar livre.
(BERTHOLD,2004)
Esse grande espetáculo ganhava um ar mais dramático quando acontecia à noite,sob
a luz das fogueiras, que intensificavam os rituais demoníacos” e as bruxarias, espaço onde o
Xamã realizava seus rituais sagrados.
Percebemos os vestígios do teatro primitivo nos costumes e manifestações artísticas
populares atuais,como na dança em volta do mastro,nas festas de São João, e nas procissões
religiosas.Da mesma forma, as máscaras ancestrais usadas como pantomimas de animais em
peças de mímicas, como o figurino e o arsenal de montagem, são uma pré-concepção da
Commedia dell´arte.
Foto 13: Imagem de um Rito Xamânico.
Fonte: Galpão Cine Horto, sd.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 59
Já o Teatro ocidental começou aos pés da Acrópole, em Atenas,com os sagrados festi-
vais em homenagem a Dionísio, o deus do vinho, da vegetação, do crescimento,da procriação
e da vida exuberante.Somente após uma evolução destes rituais,como a sua transformação em
encenações trágicas ou cômicas, é que Dionísio tornou-se o Deus do Teatro.“O teatro é uma
obra de arte social e comunal,nunca isso foi mais verdadeiro do que na Grécia Antiga.A multi-
dão reunida no theatron não era meramente espectadora, mas participante, no sentido mais
literal. O público participava ativamente do ritual teatral e religiosos, inseria-se na esfera dos
deuses e compartilhava o conhecimento das grandes conexões mitológicas.”(BERTHOLD,2004.)
Entender os processos de formação, crescimento e distribuição dos edifícios públicos,
na cidade de Atenas,faz-se necessário para que se compreenda a participação do cidadão ate-
niense no uso dos espaços urbanos e na transformação da polis,berço da civilização ocidental.
Localizada em uma posição geográfica favorável ao tráfico marítimo,tendo um alfabe-
to implantado e uma moeda forte, a cidade de Atenas do século IV, transformou-se na polis
democrática da bacia do Mediterrâneo. A nova cultura que surgiu desta conjunção de fatores
foi formadora da base e do conhecimento do mundo ocidental.
A origem é uma colina,onde se refugiam os habitantes do campo para defender-se dos inimigos; mais
tarde,o povoado se estende pela planície vizinha,e geralmente é fortificado por um cinturão de muros.
Distingui-se então a cidade alta (a acrópole,onde ficam os templos dos deuses e onde os habitantes da
cidade ainda podem refugiar-se para uma última defesa),e a cidade baixa (a astu,onde se desenvolvem
os comércios e as variações civis), mas ambas são partes de um único organismo, pois a comunidade
citadina funciona como um todo único,qualquer que seja seu regime político.”(BENÉVOLO,1999)
Segundo Benévolo, em Atenas,“O espaço da cidade se dividia em três zonas: as áreas
privadas ocupadas pelas casas de moradias,as áreas sagradas – os recintos com os templos dos
Imagem 18: Teatro de Dionísio.
Fonte: SPACE & DRAMA, 1960, pg 9.
Imagem 19: Teatro de Dionísio.
Fonte: SPACE & DRAMA, 1960, pg 10.
60 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
deuses – e as áreas públicas,destinadas às reuniões políticas,ao comércio,ao teatro,aos jogos
desportivos e etc.”(BENÉVOLO,1999)
As reuniões públicas aconteciam na praça do mercado,um local ao ar livre que permi-
tia grandes encontros.Quando a Acrópole não comportava mais o grande número de morado-
res da cidade, a área no pé da colina do Areópago tornava-se o local da expansão urbana de
Atenas.Foram construídos os teatros de Dionísio e de Zeus,o buleuterion na Àgora,novos tem-
plos,o aqueduto que conduzia a água do rio Ilissos para a cidade e novas áreas residenciais.
Na capital do novo mundo, onde uma sociedade se formava dentro dos mais nobres
conceitos civis e democráticos,a vida acontecia, na sua maior parte,fora do núcleo familiar. Os
espaços livres e abertos eram os mais importantes dentro da sua estrutura urbana, principal-
mente a Àgora e os templos sagrados,como o de Dionísio.Ali,era o lugar onde todos iam hon-
rar os deuses. Um espaço que misturava o profano e o sagrado, onde o céu e o inferno eram
separados,por um lado,pelo semicírculo destinado ao povo, e,por outro, pela área da orques-
tra,circular, palco onde os atores representavam as peças dos grandes autores da época,como
Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Os rituais de dança e os teatros eram precedidos por procissões
solenes que vinham da cidade e terminavam na orquestra.Conhecidas como os ritos de passa-
gem, as procissões conduziam as pessoas, percorrendo as ruas e os espaços sagrados da cida-
de, elevando o clima do teatro que iriam assistir ou o ritual que iriam oferecer a determinado
deus do ano.
A forma,o desenho e a relação determinada pelo coro e orquestra grega definiram para
sempre o espaço teatral para todos os espetáculos artísticos que vieram a surgir no mundo.A
conformação da platéia diante do palco e dos atores, o semicírculo e o circulo são até hoje
representações do espaço sagrado e do rito teatral.
Imagem 20: Teatro de Dionísio.
Fonte: BERTHOLD, 2004, pg 131.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 61
2.1.2 Influências Circenses, da Commédia dell’ arte, da Música Folclórica e
da Cultura Popular
O Galpão iniciou sua trajetória empenhado em conjugar as técnicas circenses e a impro-
visação da Commedia dell´arte
5
à criatividade exuberante da dramaturgia clássica e renascentista
e aos movimentos de vanguarda do teatro contemporâneo, com a produção do imaginário
cultural regional de Minas Gerais.
Segundo Alves, o Grupo tinha como proposta o rompimento da previsibilidade do
desempenho no palco para a criação de um novo espetáculo de cultura, inserido no velho
conceito de que todo desempenho teatral visa atuar como ponto de partida para a reflexão e
a responder,metaforicamente,perguntas relativas a nossa origem,ao nosso ser brasileiro,num
painel de crítica a tipos e situações da nossa realidade.”(ALVES ,2006).
Circo – Teatro
A proposta do circo-teatro é bastante diferente dos espetáculos das grandes empresas
circenses, como o Circo de Soleil. São mais modestos e próximos do público que os assiste. No
circo-teatro,o espetáculo é dividido em três partes:a primeira parte é destinada ao picadeiro,onde
encontramos a essência do circo;a segunda parte é o show da noite, destinado aos artistas con-
vidados especialmente para o espetáculo;a terceira parte é a encenação de uma peça de teatro.
Imagem 21: Personagens da Commedia dell’arte: O Pantaleão.
Fonte: ETCHINGS,1618, pg 86.
5
Commedia dell´arte: comédia de habilidade.Isto quer dizer arte mimética segundo a inspiração do momento,improvisação ágil,rude e burlesca,jogo teatral
primitivo tal como na Antiguidade os atelanos haviam apresentados em seus palcos itinerantes: o grotesco de tipos segundo esquema básico de conflitos
humanos,demasiadamente humanos,a inesgotável,infinitamente variável e,em última análise,sempre inalterada matéria-prima dos comediantes no grande
teatro do mundo.Mas isto também significa domínio artístico do corpo,reservatório de cenas prontas para a apresentação e modelos de situações,combinações
engenhosas,adaptação espontânea do gracejo à situação do momento.”(História Mundial do Teatro,Barroco,pág.353)
62 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Na primeira parte,os números apresentados são os de malabaris, trapézio e contorcio-
nismo, mas a grande atração é o palhaço e o seu companheiro,o clown,que,às vezes,pode ser
uma criança ou um jovem da própria família circense.
O Palhaço é uma figura muito importante, responsável pelo chamariz do circo, onde
quer que este seja montado.É o palhaço que sai às ruas convidando as pessoas para assistirem
ao espetáculo na praça.
O show da segunda parte sempre é vinculado aos artistas que estejam de alguma forma na
mídia. A peça teatral apresentada na última parte é escolhida em função do lugar, da cidade e do
público local.São peças de um repertório já estabelecido e reconhecido,geralmente alternando dra-
mas e comédias.Os cenários são sempre concebidos em razão da mobilidade do circo,e variam de
acordo com a maior ou menor prosperidade do empreendimento. Os figurinos são quase todos
confeccionados por integrantes do circo.Os operários,trabalhadores braçais,pequenos assalariados
e suas famílias constituem seu público fiel.
De acordo com, Guinsburg,o circo-teatro é um espetáculo enraizado na tradição e que
vem enfrentando toda espécie de vicissitudes,vem resistindo ao tempo e continua a se impor à pre-
ferência do público, cuja composição social pouco difere daquela que se observa entre os artistas
que para ele se apresentam.”(Guinsburg,2006).
A Commedia dell’arte
A Commedia dell´arte surgiu na Itália,no começo do século XVI.Seus atores foram os primei-
ros profissionais da história do teatro,originários dos mimos ambulantes e improvisadores.Seus per-
sonagens surgiram em 1520,no Carnaval de Veneza,com seus cortejos mascarados,uma sátira social
(marca deste conceito) impressa nas fantasias dos bufões,nas apresentações de números acrobáti-
Imagem 22: Personagem de um Homem Militar.
Fonte: ETCHINGS,1618, pg 192.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 63
cos e nas pantomimas.A origem desse gênero sempre esteve arraigada à vida do povo,de onde saí-
ram as inspirações para os textos e para as cenas das peças,através das improvisações dos atores.
Na metade do século XVI,a Commedia dell´arte expandiu-se para os países ao norte dos
Alpes, para Viena, celeiro da cultura da Europa Central neste momento. Conhecida como a
“Comedia all’improviso allá italiana” ao chegar a França,tornou-se a comédie italienne,sendo apre-
sentada principalmente nos centros dos bairros de Saint-Germain e Saint-Laurent.
Neste mesmo período do século XVII,em 1661,um grande empresário teatral,dramaturgo,
diretor e ator estava em grande ascensão no meio artístico parisiense.Jean Baptiste Poquelin, mais
conhecido como Molière.No ano de 1658, numa apresentação no Louvre para o Rei Luis XIV e sua
corte, Molière apresentou uma seqüência de espetáculos. A primeira e principal montagem
Nicomède,de Corneille,não obteve sucesso,mas a segunda,de sua autoria,uma comédia de intrigas,
foi calorosamente aplaudida,levando o rei a oficializar a trupe de Molière como a companhia teatral
do rei.Luis XIV foi o grande patrocinador e impulsionador da carreira do diretor,entregando-lhe os
palcos de Bourbon e depois o Palais Royal.
Nos dez anos seguintes,Paris conheceu suas peças,Le Tartuffe, O Misantropo,O Avarento e
também O Doente Imaginário, sempre sátiras muito bem articuladas sobre os hipócritas, invejosos,
ou quem quer que fosse destaque na sociedade parisiense da época.
O personagem típico da Commedia dell’arte era conhecido como o Zanni,figura provenien-
te de Bérgamo,esperto e malicioso,ou bonachão e estúpido,sempre glutão.Usava máscara feita de
couro, chapéu e barba descuidada. Um dos seus sucessores foi o Arlecchino. O alvo e objeto dos
jogos cômicos eram os tipos passivos como o Pantaleão e o Doutor.O Pantaleão era sempre o rico,
senil, desconfiado mercador de Veneza, tendo o manto como característica e sempre possuindo
uma filha casadoira a atrair um jovem cortejador.Já o Dottore/doutor era caracterizado pelo uso de
uma toga preta com gola banca e um capuz preto sob um chapéu preto de abas largas para cima.
Imagem 23: Personagens da Commedia dell’arte e palco
montado no centro de um vilarejo.
Fonte: ETCHINGS,1618, pg 122.
64 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Além desses,havia o Capitão,um tipo fanfarrão e covarde,uma caricatura do oficial espanhol valen-
tão e falador. A criada Colombina ou Smeraldina sempre surge como a amante ou esposa de
Arlecchino e se apresentava sem máscaras.Percebemos alguns tipos característicos abaixo nas figu-
ras de Callots Etchings.
O Grupo Galpão,ao pesquisar os recursos da Commedia dell’arte,das técnicas circenses,do
clown e da pantomima,chegou a uma identidade cênica e poética impar,reconhecida como uma
das mais instigantes produzidas no país. Percebemos estas referências nas montagens originais,
como em Arlequim,mas,principalmente,na peça A Comédia da Esposa Muda”.
2.1.3 A opção da Rua como Lugar Teatral
A investigação da rua como o lugar teatral para as apresentações artísticas do Galpão
sempre esteve,por sua vez,relacionada à sua base de formação,quando seus integrantes partici-
param das três oficinas oferecidas pelo Goethe Institut,na década de 80,com os diretores alemães
do Teatro Livre de Munique”.
Neste período, na Alemanha, acontecia um movimento conhecido por contra-cultura
alemã, onde não apenas os teatros livres, mas, também, outros segmentos culturais buscavam
romper com a tradição e com a autoridade das instituições e,dessa forma,alcançar uma liberdade
de criação e ação.Era um movimento por ações culturais não convencionais,e o “teatro livreseguiu
exatamente este caminho.Brigavam por tirar os espetáculos das grandes e tradicionais casas e salas,
voltadas para um seleto público burguês,e levá-los aos espaços abertos e livres das cidades.
O Teatro Livre de Munique partiu para apresentações pelas ruas das cidades alemãs,mas
também buscou novas experiências teatrais,viajando para outros países,a fim de travar encontros
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 65
com novas culturas e ensinar os métodos do teatro de rua. Passaram por vários países como
França, Israel, Venezuela, Brasil e países do leste europeu. Contudo após a queda do muro de
Berlim,a Alemanha Ocidental viu-se com a responsabilidade de reerguer o lado Oriental do país,
e todos os seus movimentos culturais,investimentos e intercâmbios com os países em desenvol-
vimento foram interrompidos.
Devido a todo este movimento cultural alemão, os diretores do Teatro Livre de Munique,
vieram ao Brasil,e os atores do Galpão participaram de suas oficinas,apreendem os métodos do tea-
tro de rua, as técnicas de andar em pernas-de-pau,o uso da música e os movimentos acrobáticos
resultando na montagem da peça A alma boa de Setsuancomo conclusão do curso.
Além disso,a opção pela rua,no início da formação do grupo,tornou-se necessária,pois era
fundamental aprender a se relacionar com o público e com os espaços abertos da cidade,já que as
poucas salas de teatro eram inacessíveis para um grupo que ainda era desconhecido.De fato,a rua,
naquele momento, apresentava-se como uma opção economicamente viável. Segundo Eduardo
Moreira,em um entrevista dada em janeiro de 2007,analisa: “foi uma escolha que deu muito certo,
porque aos poucos o grupo foi sendo reconhecido, passando a ser convidado a se apresentar em
novos espaços.
Grupos de teatro de rua,naturalmente,utilizam os espaços da cidade como um espaço
cênico, o palco de seus primeiros ensaios teatrais. Buscam principalmente os espaços históricos,
pois estes são lugares simbolicamente relevantes para a população de suas cidades.
A Praça Sete,no centro da capital,foi um dos lugares mais trabalhados pela trupe, assim
como os centros sociais e associações de bairros periféricos e os espaços alternativos.Aos poucos,
o público foi reconhecendo,ali,uma nova forma do fazer teatral,onde a aproximação com a pla-
téia era parte da magia e do desafio do espetáculo de rua,pelo compartilhamento da alegria e do
prazer de descobrir a cidade como o lugar da festa,democrático,onde as pessoas se encontram
66 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
para ver um espetáculo teatral. Como Eduardo Moreira, em uma entrevista de janeiro de 2007,
deixa claro: “naquela época,saindo de um regime militar,juntar 500 pessoas na Praça Sete era visto
como algum ato de subversão,manifestação ou coisa do tipo”.
A escolha dos locais acontece também de forma que esses possam ser incorporados
como cenários das peças pelo seu desenho, área livre ou geografias naturais que favoreçam o
cenário, o fazer teatral e a relação dos atores com a platéia. Assim o espaço urbano escolhido é
ocupado de uma nova forma.A prática do teatro expõe um novo significado àquele lugar da cida-
de e aos seus cidadãos,reintegrando-o,dessa forma,ao cotidiano da sociedade civil.
No caso do Grupo Galpão, quando este se encontra em turnê a escolha é movida por
alguns motivos.Ainda segundo Eduardo Moreira,como o grupo vai muito rapidamente por estas
cidades,o centro é um lugar mais fácil para chamarmos um grande público.Fazer o espetáculo ser
um acontecimento na cidade,é o que estamos interessados.Mas também,existe a preocupação em
revalorizar a história da cidade,de ter uma marca de encontro com a população com a sua história,
com a sua cidade,que é uma coisa fundamental”.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 67
2.2 O Percurso até o Rito – 1985 a 1988
2.2.1 Arlequim, Servidor de tantos amores, A Comédia da Esposa Muda,
Triunfo, um delírio barroco,“Foi por Amor”e
“Corra Enquanto é Tempo.
As próximas cinco peças marcaram um período de amadurecimento do Grupo,de intensa
pesquisa e de renovação no caminho da prática teatral.
A peça Arlequim Servidor de Tantos Amores”teve o texto adaptado de Carlos de Goldoni.
A escolha do texto foi um processo natural,pois a linguagem circense inicialmente apresentada nas
peças anteriores sugeria uma continuidade da pesquisa.Novas técnicas da Commedia dell’arte e da
máscara italiana foram introduzidas,mas seriam apropriadas de forma mais completa apenas no tra-
balho seguinte, A Comédia da Esposa Muda – que Falava mais do que Pobre na Chuva.
Nesse sentido,o palco foi o lugar de ação deste processo de pesquisa e formação do ator,
já que era importante praticar a construção de personagens e alcançar uma dramaturgia mais con-
sistente e segura. Uma premiação, fruto de uma concorrência da Secretaria Estadual de Cultura a
concessão de espaços públicos teatrais para locação,facilitou a concretização desta etapa.
A temporada de Arlequimfoi um episódio de muitos percalços,onde a mistura da inexpe-
riência de adaptação conduzida pelo próprio grupo,junto com a constante oscilação de organiza-
ção e instabilidade financeira, acarretou o primeiro tropeço na trajetória do Galpão. Terminada a
temporada de Arlequim, o Grupo passou por uma grande reformulação, alguns atores deixaram a
equipe e o formato voltou aos quatro atores de origem, Eduardo, Wanda,Teuda e Antônio Edson.
Uma fase de organização interna e preparo para a próxima peça se fez necessária.As fun-
ções de cada integrante foram estruturadas pela primeira vez e novas oficinas foram concluídas,
sendo que uma delas foi com Ulisses Cruz,ex-assistente de Antunes Filho.Os workshops foram intro-
Foto 14:“Servidor de Tantos Amores”. (Wanda e
Antônio Edson).
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 50.
68 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
duzidos como método do processo coletivo de criação e construção das cenas,sendo até hoje ado-
tados como prática pelo Grupo.
A próxima peça,A Comédia da Esposa Musa,retomou e aprofundou o gênero da com-
media dell´arte na sua essência.O espetáculo marcou também o retorno do Grupo à rua e teve
na direção Paulinho Polika ex-integrante do Grupo.A pantomima,os exercícios de voz e as más-
caras típicas do gênero, foram aplicadas aos personagens representados pelo casal Briguela
(Eduardo) e Vesúvia (Teuda) e ao Doutor (Toninho). Os outros personagens foram caracteriza-
dos pelos gêneros do circo e do clown.Esta montagem teve um significado mais real e eficien-
te na forma de apropriação da linguagem excessivamente codificada e formal da Commedia
dell’arte,resultando em um espetáculo fiel ao espírito da comédia e correto na sua linguagem
popular para a rua,o que o transformou em um grande sucesso.
A Praça da Liberdade foi o palco da estréia da A Comédia da Esposa Musa,em novembro
de 1986,momento em que os espaços públicos ainda não eram tão valorizados na capital mineira.
Nessa época,a Praça da Liberdade era conhecida por ser o lugar da feira de artesanato
aos sábados e domingos. A aglomeração de barracas e um excesso de público acabaram por
destruir e alterar todo o desenho e paisagismo da praça. No final da década de 80, a feira foi
transferida para a Avenida Afonso Pena, região central da cidade, e, poucos anos depois, seria
transformada na maior feira de artesanato do país.Após a retirada da feira de artesanato,a Praça
da Liberdade passou por uma ampla reforma, uma revitalização completa, sendo o traçado, o
paisagismo e os monumentos originais do projeto de Aarão Reis foram recuperados.À frente da
equipe que coordenou este trabalho estavam os arquitetos Èolo Maia e Jô Vasconcelos.
Na estréia,da A Comédia da Esposa Musa, quinhentas pessoas confirmam que a inge-
nuidade,alegria e simplicidade do espetáculo são capazes de contagiar o público e prendê-lo
à representação.(BRANDÃO,1999).
Foto 15: Cenário da peça,“A Comedia da Esposa Muda,
interior de Minas Gerais.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 69
Foto 16: Cenário da peça,A Comedia da Esposa Muda”,
Festival de Canela,RS.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 17: Cenário da peça,“A Comedia da Esposa Muda.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
70 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
O maior ganho dessa revitalização foi o incentivo ao novo uso de seus espaços pela
população.E a partir dessa intervenção urbanística,a população adotou a Praça da Liberdade e
incorporou seus espaços na vida cotidiana da metrópole. Novos hábitos, como caminhadas e
atividades físicas, apresentações artísticas e festivais culturais ou, simplesmente, o fato de per-
manecerem em seus bancos,jogando conversa fora,tornaram-se uma constante pelos morado-
res de seu entorno e comunidades vizinhas.
O Grupo Galpão foi o primeiro grupo a apresentar para a cidade a possibilidade do uso
artístico em seu território urbano, não apenas para a Praça da Liberdade, como também para
outras importantes praças da capital.Ao resignificar o espaço da Praça com o teatro, o Galpão
não foi diretamente responsável por esta recuperação e revitalização urbana e arquitetônica,
mas,como diz o ator Eduardo Moreira,acho que o Galpão tem uma importância grande neste
sentido de valorização e de reconhecimento destes espaços públicos,por exemplo,a Praça Sete
e a Praça da Liberdade.A gente ia para a Praça da Liberdade em um momento em que a Praça
não tinha o uso que tem hoje.Hoje todo mundo vai caminhar na Praça da Liberdade,é um lugar
muito reconhecido e glamouroso da cidade.
Percebemos,pelo depoimento do ator, que,ao buscar trabalhar em lugares simbólicos
da cidade e ao levar a arte do teatro para o espaço da Praça,o Galpão inaugurou uma fórmula
que foi plenamente aceita pelo público mineiro, que,naturalmente,reconheceu na cultura sua
importância e incorporou a sua prática ao cotidiano da cidade.
Em A Comédia da Esposa Muda,os espaços e a arquitetura das cidades compunham a
cena.No depoimento do ator Chico Pelúcio,em janeiro de 2007,percebemos a importância do
uso da arquitetura e do espaço urbano para o Grupo.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 71
“Eu tenho um testemunho mais marcante,outros tantos aconteceram em outras cidades,mas este acon-
teceu em Baependi,que é a minha cidade,tem uma igreja católica,imensa lá....,e que é católica,repres-
sora,tradicional,e tem uma sacadinha que só é usada pelo bispo da campanha na Semana Santa.O
parlatório dele onde ele reza a missa.Neste espetáculo o Toninho,sempre descia de uma torre da Igreja.
Tinha o sino também, que só era tocado nos ritos religiosos. Aí ele aparece lá na torre de igreja, todo
maquiado,e desce reutilizando tudo isso,inclusive o sino,toca chamando,para em frente ao relógio da
igreja, desce, e para no parlatório do bispo, e toca a corneta. As pessoas nunca mais viram a torre da
mesma forma,a torre passou a ter uma outra possibilidade,uma outra imagem,então o pessoal lá fala
até hoje assim...e aquele espetáculo que o ator toco o sino do padre,ou,e aquele espetáculo que o ator
falou no lugar do bispo... e as passaram a falar assim desde então.”
O Sucesso da peça A Comédia da Esposa Musa foi fundamental na trajetória do Grupo.
Com a peça, o Galpão percorreu inúmeros festivais de teatro por todo o país e, pela primeira vez,
ultrapassou a fronteira nacional participando de festivais internacionais.
Em seguida,vieram as peças Triunfo,um Delírio Barroco,fruto de uma experiência junto à
Cia.de Dança do Palácio das Artes,e “Foi por Amor,uma esquete que abordava a realidade brasilei-
ra a partir dos crimes passionais cometidos,naquela época,em Minas Gerais.
Após “O Triunfoe as viagens pelos festivais internacionais de teatro de rua,o Grupo sentiu
a necessidade de pesquisar temas mais próximos da cultura popular brasileira,iniciando,assim,uma
fase denominada de série brasileira”.
A primeira peça desenvolvida,“Foi por Amor,um teatro-relâmpago onde os atores surgiam
diante das pessoas em diferentes e diversos locais,como em filas de ônibus,de cinema,nos parques
e praças,nas esquinas e bares de Belo Horizonte,buscava denunciar o machismo da sociedade bra-
sileira,principalmente da sua justiça.
Dando seguimento com “Corra enquanto é tempo,peça em que a música ao vivo executada
pelos próprios atores foi incorporada, tornando-se, a partir de então, uma das grandes características
Foto 18: “Foi Por Amor”
Fonte: BRANDÃO,1999, pg.65.
Foto 19: Beto Franco,“Foi Por Amor”
Fonte: BRANDÃO,1999, pg.65.
72 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
cênicas do Grupo e diferenciando todas as montagens, a nova e as futuras.Com a direção e autoria
textual de Eid Ribeiro,“Corra enquanto é tempoabordou,já na década de 1980,a proliferação das sei-
tas religiosas protestantes, dos grupos crentes e a disputa pelas áreas centrais das capitais entre as
prostitutas e os grupos religiosos. Pensado e montado para a rua, o espetáculo foi um dos mais
populares e divertidos,sendo o mote principal a disputa de um ponto da cidade entre uma família
de crentes e um travesti.
No final do ano de 1989,um grande passo foi realizado rumo a estabilidade necessária para uma
companhia teatral,a compra do galpão na rua Pitangui,localizado no bairro do Horto,região noroeste da
cidade.Na época,começavam os primeiros workshops e ensaios da última montagem da série brasileira
“Álbum de Família,de Nelson Rodrigues.A nova sede da companhia foi o alicerce para o Grupo realizar as
novas pesquisas,montar cursos e oficinas e elaborar suas peças com a segurança do espaço próprio.
Durante as viagens aos festivais de teatro de rua,o Galpão realizou uma série de contatos
com outros grupos de teatro de rua brasileiros e estrangeiros,transformando-se numa espécie de
catalizador e representante da classe teatral brasileira frente ao crescente movimento do teatro
de rua”. Era o momento propício para inserir Belo Horizonte no percurso dos grandes festivais
internacionais de teatro.E no primeiro semestre de 1990,o Galpão iniciou e coordenou os prepa-
rativos para a realização do I Festival Internacional de Teatro de Rua de Belo Horizonte,que acon-
teceu na primeira semana de Agosto do mesmo ano.
O festival invadiu as ruas da capital,e a magia do teatro encantou o público mineiro,como
descrito na passagem do livro de Cacá Brandão:As apresentações acontecem no Espaço do Galpão
e em parques e praças de Belo Horizonte:a praça Sete,a Savassi,a praça da Liberdade,a praça Duque
de Caxias, o parque das Mangabeiras...As amplitudes urbanas dos espetáculos, como os Potlach,
jamais tinham sido vistas na cidade.Diversas oficinas foram realizadas e a participação da população
foi surpreendente.”(BRANDÃO,1999)
Foto 20:“Corra Enquanto é Tempo”– Memorial da
América Latina em SP.
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 68.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 73
2.3 A Busca,O Encontro e a Magia das Novas Linguagens
Teatrais no Palco e na Rua – 1990 a 1997
2.3.1 “Álbum de Família, “Romeu e Julieta, A Rua da Amargura e “Um
Moliére Imaginário
A volta ao Palco se deu em 1990, com a marcante montagem de “Álbum de Família de
Nelson Rodrigues,com Eid Ribeiro no trabalho de direção.A alternância entre as montagens de rua
e de palco revela a constante necessidade do Grupo em desenvolver novas pesquisas teóricas e de
novas técnicas de atuação e de formação dos atores.E,dessa forma,o Galpão partiu para um gran-
de desafio que foi trabalhar uma das mais importantes peças do mais polêmico autor brasileiro.
O processo de trabalho de preparação dos atores,da dramaturgia à definição da linguagem
cênica,além dos inumeráveis trabalhos experimentais propostos pelo diretor foi,segundo os atores,
um dos mais desgastantes dentro da trajetória do Grupo, semelhante apenas aos trabalhos de
“Partido,com Cacá Carvalho.
Eid Ribeiro buscou representar a essência da peça,contextualizar cenicamente a atmosfera
da trama,e durante o processo de montagem,encontrou no expressionismo alemão a sua imagem.
Conduziu todos os ensaios, as experimentações e os exercícios de improvisação, com muita segu-
rança.A palavra e o texto foram substituídos por grunhidos e contorções corporais sugeridas pela
trama.Paralelo ao trabalho com Eid, os atores estudaram toda a obra de Nelson Rodrigues,promo-
veram workshops,grupos de estudos e debates da obra,juntamente com outros profissionais teóri-
cos e estudiosos do autor. Todo o processo foi encarado como um grande aprendizado, sendo
considerado uma verdadeira escola de teatro para os atores e técnicos envolvidos na sua produção
e montagem.
Foto 22:“Álbum de Família.
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 90.
Foto 21: “Álbum de Família.
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 90.
74 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
O grande mérito do trabalho desenvolvido por Eid Ribeiro foi alcançar uma soma de todos
os elementos artísticos já adquiridos pelo Grupo com o teatro de rua e agregá-los aos estudos para
esta montagem.O espetáculo representou para o Galpão um novo degrau na sua dramaturgia,um
novo senso de teatralidade e complexidade cênica que envolveu a todos,ator, diretor,dramaturgo,
músico e cenógrafo.Esse processo ficou conhecido como processo colaborativo
6
de montagem.
“Romeu e Julieta
A estória da peça “Romeu e Julietacomeçou em 1986,com os encontros entre o diretor de
teatro Gabriel Vilela e o Grupo Galpão no Festival de Inverno de São João Del Rey e no Festival de
Teatro Amador de São José do Rio Preto.Nessa época,o Grupo apresentava o espetáculo A Comédia
da Esposa Muda. Nesses dois encontros,o diretor percebeu o potencial artístico da trupe mineira ao
representarem a essência do teatro de rua e levarem ao público o espírito de Dionísio
7
,a magia e o
rito da verdadeira festa do teatro.
Em 1990,no Rio de Janeiro,durante a temporada da peça “Corra Enquanto é Tempo,o dire-
tor vivenciou os atores num momento pós-espetáculo. Enquanto todos desmontavam o cenário,
trocavam os figurinos e recebiam os cumprimentos, Gabriel observava a veraneio sendo utilizada
como o local de apoio cênico e camarim dos atores. A veraneio era o veículo do Grupo e também
o meio de transporte dos cenários e bagagens dos atores.
6
Processo Colaborativo – “Processo contemporâneo de criação teatral,com raízes na criação coletiva,teve também clara influência da chamada década dos
encenadores”no Brasil(década de 1980),bem como do desenvolvimento da dramaturgia no mesmo período e do aperfeiçoamento do conceito de ator-criador.”
“O texto a priori não existe,vai sendo construído juntamente com a cena,requerendo,com isso a presença de um dramaturgo responsável,numa periodicidade
a ser definida pela equipe.”(Dicionário do Teatro Brasileiro,2007)
7
Dionísio – “Deus Grego dos ciclos vitais,da alegria e do vinho,chamado Baco entre os romanos”.(Dicionário Aurélio,685)- “ os sagrados festivais báquicos,menádicos,
em homenagem a Dionísio,o deus do vinho,da vegetação e do crescimento,da procriação e da vida exuberante”.(Berthold,M,História Mundial do Teatro,2004,103)
Foto 23: Estréia da peça “Romeu e Julietaem Ouro Preto.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 75
Desse episódio,Gabriel visualizou a veraneio como a carroça original do teatro mambembe,
vindo a utilizá-la como o principal objeto cenográfico da próxima montagem.Dos cinco workshops
propostos por Gabriel Vilela em que o carro foi utilizado,o Grupo desenvolveu os temas “Um Musical
Brasileiro, do teatro de comédia, “Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto,“Romeu e
Julieta,de Willian Shakespeare, “O Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca e “Primeiras estó-
rias”, de Guimarães Rosa.Sem justificar a escolha,o diretor optou por Shakespeare,mas o fato acabou
coincidindo com o passado,quando o Grupo já manifestara a vontade de montar a peça.
De todas as peças produzidas e apresentadas pelo Grupo Galpão,“Romeu e Julieta”foi o
grande divisor de águas na carreira do Grupo.Com “Romeu e Julieta,a trupe mineira alcançou pro-
jeção nacional e internacional.O espetáculo ganhou todos os prêmios do teatro brasileiro e foi reco-
nhecido por todos os críticos de arte e público nacional e internacional.
Considerada um marco na década de 1990,“Romeu e Julietaé a peça com o mais rico e
valoroso material de pesquisa do Galpão.Esse vasto repertório foi essencial para ampliar a percep-
ção do espírito “Galponiano de teatro de rua. A seguir, será feito um recorte específico para esta
montagem.
Partirei do contexto urbano escolhido para esta montagem,a cidade de Ouro Preto.Nesta
análise da ocupação do espaço urbano pelo teatro,a partir da peça,irei mostrar como este se trans-
forma e incorpora novos significados e símbolos para quem os utiliza e vivencia.
Inicialmente faz-se necessário entender os motivos da escolha do principal palco do barro-
co mineiro pelo diretor Gabriel Vilela.
Mineiro,de Carmo do Rio Claro,região sul do Estado de Minas de Gerais,Gabriel Vilela,tem
na sua origem a identidade com a cultura popular,com as danças folclóricas,as músicas e os rituais
religiosos do interior de Minas.Mudou-se para São Paulo e formou-se em Artes Cênicas pela Escola
de Artes Dramáticas da USP.Atuando desde o tempo de estudante,Gabriel Vilela se destacou,rapi-
76 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
damente,no meio artístico,com montagens sempre instigantes,questionadoras,buscando um tra-
balho contemporâneo simultâneo ao seu tempo e imprimindo sua marca em espetáculos vibrantes
de forte impacto sobre a platéia e críticos de arte.
O modelo de direção do Gabriel Vilela é característico por ser centralizador e por ditar o
ritmo de trabalho da equipe técnica e do grupo de atores.Comanda todas as ações,da direção do
espetáculo, e elaboração e construção dos cenários e figurinos à escolha da trilha sonora e altera-
ções do texto,definindo a linguagem e a imagem da peça, estampando a sua baliza e o seu olhar
teatral para todo o contexto da montagem.
Ao assumir a direção de uma nova montagem do Galpão, Gabriel sabia, claramente, qual
seria a imagem da peça.A sua criação partiu da conexão de todas as informações sobre o tema:o
autor,a origem do grupo de atores,a narrativa histórica,o cenário e os figurinos.Todos estes elemen-
tos foram misturados e re-estruturados especialmente para este trabalho.A experimentação foi uma
constante,da produção dos figurinos aos exaustivos ensaios,na busca pelo ritmo e tom mais ade-
quados à peça.A produção experimental apresentou curiosidades.No caso dos figurinos,utilizou-se
de todas as roupas existentes de antigos espetáculos, tudo o que podesse ser incorporado à sua
confecção,que simbolizasse o espírito do Galpão.Toda a produção se deu no galpão,supervisiona-
da pelo diretor.
Ao aceitar a direção desta montagem,Gabriel escolheu também aquele momento propício
para o aprofundamento de sua pesquisa sobre o Barroco Mineiro. Nesse sentido, os elementos se
apresentaram de uma maneira natural, em favor desse desenvolvimento:a peça, o texto, o autor, a
Companhia Teatral,o lugar,a atmosfera da capital mineira e a essência barroca de Ouro Preto.
Definido o barroco mineiro com o grande contexto para o drama shakesperiano,iniciou-se
o processo de pesquisa.Carlos Antônio Leite Brandão foi convidado para excursionar com o Grupo
até Ouro Preto e apresentar aos atores o templo do barroco mineiro.A partir desta experiência,Cacá
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 77
Brandão integrou-se à equipe como o dramaturgo da peça (trabalho que nunca havia executado até
então) e acabou se transformando no dramaturgo oficial do Grupo.Ele foi o apoio fundamental para
a direção de Vilela,por sua formação de arquiteto,teórico,filósofo e especialista no Barroco Mineiro,
com grande formação em Shakespeare e uma certa capacidade para escrever e cortar textos,como
o próprio autor se descreve,em entrevista para a pesquisa,concedida em janeiro de 2007:
“Resolvi fazer esta experiência,e aí,foi assim que começou.Uma coisa que eu nem sabia direito o que
era.Mas era basicamente dar o suporte teórico para ao grupo fazer a dramaturgia do espetáculo,os
cortes de textos basicamente, que nunca é uma coisa só de você, depende da direção, não é você
quem corta, você corta de acordo com a concepção do espetáculo já definida.Que vem do diretor,
mas no caso do Galpão, ela vem do diretor, mas ela trabalha muito com as contribuições de cada
ator e também da minha parte. É um negócio tripartido, entre aquilo que o diretor concebe para o
espetáculo,as potencialidades que o grupo manifesta nos workshops,e o interesse literário fica por
minha conta.Em estar trabalhando com várias traduções,vários comentadores,para achar e definir
os ganchos da peça e o que é importante”.
Durante a visita a Ouro Preto,Gabriel definiu o local de estréia da peça,o adro da Igreja
de São Francisco de Assis, palco que receberia a peça que estava sendo concebida com os
ingredientes mais preciosos da cultura popular mineira e da mais nobre estória de amor
conhecida do mundo “Romeu e Julieta,de Willian Shakespeare.
O ponto central da peça ficou destinado ao universo Shakesperiano.Ao seu redor,gira-
riam a poesia da palavra lírica, dramática e a linguagem emotiva, características do Galpão,
tudo isto misturado ao espírito mineiro.Este último ingrediente foi alcançado com a conjuga-
ção e articulação do texto clássico do autor inglês com o modo de expressão do povo minei-
ro, representado na maior obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas. Uma árdua e
Foto 24: Igreja de São Francisco de Assis,em Ouro Preto.
Fonte: SOUZA, 2007.
78 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
ousada mistura proposta pelo diretor e realizada pelo dramaturgo. Outro personagem impor-
tante deste trabalho foi Arildo Barros, tendo integrado a equipe como assistente de direção,
principalmente na leitura do texto e ensaios junto aos atores.
O trabalho de produção da peça foi iniciado no final de abril com uma aula de Cacá
Brandão sobre a vida de Shakespeare,a história do teatro elizabetano,as características e con-
flitos da arte e do homem maneirista e a importância daquele texto frente ao seu contexto his-
tórico e frente ao mundo contemporâneo.(BRANDÃO,1999).Gabriel Vilela expôs para o Grupo
a sua concepção para o cenário da peça,pois já havia formado o conceito da montagem.Sabia
claramente o que deveria ser feito para se chegar à imagem visual esperada, transmitindo
segurança na direção dos atores.
Em um momento de pesquisa do dramaturgo,após a leitura de comentários de Peter
Brook e sobre depoimentos de outras montagens de Shakespeare surgiu a idéia de se explo-
rar a movimentação dos corpos dos atores em cena.
O sentimento da instabilidade deste amor de Verona foi captado pelo diretor ao incor-
porar o conceito da precipitação do corpo,um corpo que não sabe o que irá acontecer quan-
do é arrebatado por um amor impossível de ser vivido.Para transmitir ao corpo em cena essa
instabilidade, a ponto de uma quase precipitação, foram adotados exercícios em um elástico
preso ao chão,passando depois para uma trave a três metros de altura.O movimento oscilan-
te de um corpo andando e falando,sob uma trave,fazia com que as palavras saíssem trepidan-
tes,com uma sonoridade e agilidade que deram o tom certo para o espetáculo. Desta forma,
os corpos dos atores ocuparam o espaço da cena de forma diferente,ao adotarem movimen-
tos oscilantes, pernas de pau e acessórios como as sombrinhas, na tentativa de se alcançar o
equilíbrio.Todos estes elementos foram incorporados e representados nos figurinos e cenários
do espetáculo.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 79
Como a experimentação é parte essencial do trabalho de construção de Gabriel Vilela, os
ensaios das cenas foram realizados em uma praça de um vilarejo próximo à cidade de Caeté,cha-
mada de Morro Vermelho,a 45 km de Belo Horizonte.A veraneio foi posicionada diante da Igreja de
Morro Vermelho e o cenário construído e testado durante a temporada final dos ensaios.
A cidadezinha de Morro Vermelho teve uma participação importante na conclusão de
alguns elementos do espetáculo,como a cor dos figurinos,que,quando finalizados e vistos inseridos
na paisagem das casas do vilarejo, receberam uma leve camada de cal, flores de plásticos e decal-
ques coloridos típicas de cidades do interior,acessórios também aplicados aos elementos do cená-
rio,como o carro,traves e escada.
Ali, o espetáculo adquiriu o espírito do teatro Grego ao ocupar o espaço cênico livre e se
integrar completamente à paisagem natural e ao espaço conformado pelas casas,Igreja e praça do
pequeno vilarejo. Ensaiar, neste espaço, foi importante para o Galpão, mas, para o vilarejo e seus
moradores,foi fundamental,pois o teatro do Grupo conseguiu recuperar o significado e o valor de
uso daquele espaço que,anteriormente,aos ensaios não era percebido pelos moradores.No depoi-
mento de Cacá Brandão,em janeiro de 2007,percebe-se este fato (....) “No Morro Vermelho,por exem-
plo,a praça nunca vai ser a mesma depois dos ensaios do grupo ali,o local era a própria cidade,que
redescobriu a praça ao assistir aos ensaios ao ar livre.Então esta re-significação dos espaços é que
dão o dinamismo,que dão a vida que não tinham antes,que ele começa vir a ter, e começa a des-
cobrir estas possibilidades.”
Foto 25: Ensaio de “Romeu e Julieta, em Morro
Vermelho, MG.
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 100.
80 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 26:Visão panorâmica da cidade de Ouro Preto.
Fonte: SOUZA, 2007.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 81
2.3.2 Ouro Preto,palco barroco para Shakespeare
Ouro Preto como palco barroco para Shakespeare? Como responder a essa pergunta? E,
principalmente, como entender a cidade barroca e os antigos núcleos urbanos do Brasil Colonial
como um espaço que pode ser qualificado como obra de arte”? Para isto,é necessário compreen-
dermos os organismos urbanos como objetos estéticos,partindo de um conceito de “modo de visão.
Esse conceito vai além do discurso morfológico do traçado,isso é,da busca pelo entendimento da
tipologia de cidade luso-portuguesa,e dos questionamentos e análises de especialistas que discu-
tem as diferentes formas de organização urbana entre as cidades planejadas pelos espanhóis,com
seus traçados reguladores,e as cidades espontâneas,tradicionalmente reconhecidas pelos traçados
medievais,construídas pelos colonizadores portugueses. Como observa Smith:
“Os descobridores portugueses eram homens do renascimento, mas como, urbanistas pertenciam
ainda à Idade Média.Constantemente recusaram-se a adotar o sistema de arruamento em xadrez,
aparecido na Europa e trazido à América pelos conquistadores espanhóis. Pelo contrário,apegam-
se ao tipo de cidade medieval construída sobre uma iminência fortificada,a que pertencem as cida-
des portuguesas, com todas as suas limitações: ruas estreitas e irregulares e casario apertado. (...)
Para onde quer que fossem,levavam consigo a tradição nacional da cidade alta e baixa,das ladei-
ras íngremes e tortuosas que ligavam entre si, e das capelas e fortes espalhadas pelas alturas
sobranceiros aos terreiros compridos e irregulares de forma,à volta dos quais se alinhavam as igre-
jas e as moradas estreitas e altas”. (SMITH,s.d)
O Projeto de colonização dos espanhóis sempre foi muito estudado e valorizado em
relação à urbanização e ao planejamento das cidades,o que não diminui o grau de importância
das ocupações espontâneas dos colonizadores portugueses como forma geradora de espaços com
Foto 27: Estréia da peça “Romeu e Julietaem Ouro Preto.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 29: Estréia da peça “Romeu e Julietaem Ouro Preto.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 28: Estréia da peça “Romeu e Julietaem Ouro Preto.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
82 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
qualidades artísticas.Ao contrário,segundo Argan,“ (...) pode,sem dúvida, ser concebida como uma
obra de arte que,no decorrer da sua existência,sofreu modificações,alterações,acréscimos,diminui-
ções,deformações,às vezes verdadeiras crises destrutivas(ARGAN,1933).
Isso porque todo espaço tem uma história a partir dos eventos que nele acontecem. No
caso da cidade,ela é fruto de um plano pré-concebido de implantação,mas também de toda uma
história formada por uma sucessão de acontecimentos que são incorporados à vida dos lugares e
são transformadores em relação à consolidação de seu organismo urbano.
Segundo Baeta,“ (...) o plano é apenas o momento da gênese a partir do qual inicia-se o
desenvolvimento gradativo dos elementos presentes na complexidade da estrutura urbana.Na rea-
lidade não só o traçado,mas principalmente os monumentos,os espaços públicos, a preexistência
natural e arquitetônica,as construções civis,o sistema fundiário,todos estes fatores concorrem para
definir o caráter que cada cidade assume em seus diversos ‘tempos’.”(BAETA,s.d.)
Desta forma,o traçado irregular das cidades que se formaram no período colonial brasilei-
ro,como é o caso da cidade de Ouro Preto,não impediu que essa fosse valorizada artisticamente.E,
para isto,vamos verificar,através dos princípios universais da arte barroca da construção dos marcos
visuais das cidades,seus elementos de valorização artística sobre os espaços urbanos.
Em 1662,auge do Alto Barroco Romano,a cidade de Roma passou por uma grande inter-
venção urbana no seu vetor norte. Duas igrejas foram construídas com a finalidade de marcar a
entrada para a cidade,formando um grande portal.As Igrejas de Santa Maria di Monte Santo e Santa
Maria de Miracoli,construídas por Carlo Fontana e Bernini,que sucederam a Rainaldi, foram funda-
mentais por definirem uma nova sistematização urbana para o ingresso na Roma.
Inicialmente, esta entrada da cidade era conhecida pela existência de uma praça, onde
havia a Igreja de Santa Maria del Popolo,no quatrocentos,e por três grandes e largas vias que se
formaram bem em frente à entrada norte,Via Babuíno,Via del Corso e Via Ripetta, rompendo o
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 83
tecido medieval da Roma quinhentista. A próxima intervenção aconteceu no plano de
Renovação da cidade por Sisto V, com a transferência de um obelisco egípcio para o centro
da praça, justamente para o ponto focal do encontro dos três eixos. E, quase um século
depois, dando continuidade ao plano de monumentalização da área à frente da porta de
acesso,Rainaldi iniciou a construção das duas igrejas.
Da concepção dos projetos à definição do local de implantação de cada igreja e conclu-
são das obras,vários conceitos foram sendo modificados.A primeira idéia propunha dois templos
em forma de cruz grega.Esse projeto acabou sendo substituído por duas rotundas,cada uma com
um pórtico clássico à frente e uma pequena torre ao lado adjacente à outra igreja.Esta opção aca-
baria favorecendo ao efeito mais dramático e cenográfico da proposta.Era importante que as igre-
jas fossem absolutamente idênticas e que estivessem posicionadas em simetria entre si.Porém os
lotes,com diferentes dimensões e angulações,exigiam uma alteração no alinhamento,em função
dessa diferença.Dessa maneira,vários estudos foram feitos considerando as diagonais,ângulos e
tangentes das duas igrejas que permitissem a construção dos templos de uma forma que, ao
serem vistos frontalmente,os edifícios se apresentassem,definitivamente,com a mesma largura,o
que daria uma idéia ilusória de que eram iguais.E assim foi feito.Apesar de o desenho não ser exa-
tamente igual entre as Igrejas, o grande valor do conjunto foi mantido e a monumentalidade do
portal alcançado.
O objetivo da arte no século XVII era,independente da pureza do desenho,produzir sensa-
ções nos indivíduos,através do efeito visual determinado pela obra em questão,de tal forma que o
elemento que era variável nesta análise era o tipo de olhar do indivíduo que contemplava uma obra.
O olhar é particular de cada pessoa e,dessa maneira,é subjetivo,bem como a sua interpretação,feita
a partir de um repertório e imaginação própria de cada um. E,desta forma,a arte pode ser uma inter-
pretação a partir de uma realidade e ser transformada pela imaginação que está além do visível.
Imagem 24:As Igrejas de Santa Maria di Monte Santo
e Santa Maria de’Miracoli, em construção.
Fonte: BAETA, s.d.
84 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Outro fator determinante para as alterações dos espaços urbanos, nesse período, foi o
fato de a cidade barroca do século XVII ter sido palco do surgimento,consolidação e desenvolvi-
mento das cidades-capitais.As cidades-capitais foram sedes dos grandes organismos políticos e
religiosos europeus, centros que foram responsáveis por grandes transformações urbanas de
regiões inteiras.Uma nova dinâmica urbana foi iniciada com a formação das cidades capitais. As
muralhas medievais foram rompidas e as cidades se espalharam,ilimitadamente,por grandes vias,
cruzamentos e uniões de novas regiões.
As novas estruturas viárias foram importantes para a análise barroca do espaço urbano,
pois foram modificadas em função de uma série de efeitos visuais utilizados na sua construção,
representados pelas perspectivas que mostravam a cidade como vista. O Barroco, segundo
Argan, priorizava a “perspectiva communis”, que permitia a apreciação e interpretação das ima-
gens de forma livre para todo o eixo visual. Desta forma,de acordo com Baeta:“O espaço urba-
no agora se oferece para todo o espectro visual,sendo desenvolvidas estratégias de conjunção
ótica da preexistência arquitetônica e natural com a nova trama viária e com os novos monu-
mentos.” (...) Assim, a organização artística do espaço atinge uma habilidade de criar cenários
poderosos nunca antes vista. Um conjunto imenso de imagens espetaculares são derramadas
por todo ambiente citadino.O transeunte transforma-se imediatamente em espectador e prota-
gonista de uma encenação teatral quando, inesperadamente,após longa preparação e um sen-
timento de tensão e suspense, se depara com acontecimentos dramáticos pontuais espalhados
por todo a cidade.”(BAETA,s.d.)
Verificamos esse acontecimento quando percorremos as ruas da cidade barroca e nos
deparamos com a construção desse cenário através da arquitetura de seus edifícios.A arquitetu-
ra em Ouro Preto contamina toda a cidade,dos grandes monumentos às construções originais,
conduzindo o percurso pelas vias e largos que vão surgindo ao longo de todo o espaço urbano.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 85
Essa arquitetura foi gerada a partir da conurbação de uma seqüência de arraiais de
exploração aurífera,localizados às margens do córrego do Tripuí, que, somados, demarcavam a
entrada e a saída da zona de mineração entre as serras de Ouro Preto e do Itacolomi.Em 1711,
ganhou o status de vila e,de acordo com Melo,“(...) toda uma rede urbana foi sendo formada,
ao longo dos caminhos e estradas, nas encruzilhadas ou nas travessias de cursos d’água, à mar-
gem dos locais onde o ouro e o diamante eram encontrados,o que fez a região das Minas Gerais
ser considerada a primeira sociedade eminentemente urbana da história do Brasil e, a partir de
1720,se transforma em capital.(MELO,1985).
A cidade de Vila Rica foi, aos poucos, construindo a sua imagem característica do final
do século XVIII,tecendo,lentamente,suas edificações urbanas ao longo da estrada troncoe da
exuberante paisagem natural.A cidade foi se consolidando na paisagem com seus largos, pra-
ças,becos,ruas e,principalmente,com as construções das igrejas,afirmando,efetivamente,o seu
caráter cenográfico.
O componente dramático que definiu a fruição de espaço barroco da Ouro Preto setecen-
tista foi semelhante ao da cidade de Roma,quando o que identificou a diferença da cidade medie-
val para a barroca foi o jogo de contraste da nova ordem com o fundo,juntamente com os novos
marcos e monumentos de referência urbana da nova cidade.Em Ouro Preto,a surpresa do desco-
brimento gradativo, dos grandes acontecimentos arquitetônicos, é, sutilmente, descortinada pelo
traçado tortuoso e pela topografia local. Caminhar pela cidade transforma-se num jogo teatral
grandioso,onde o cotidiano representa um acontecimento cênico de uma ópera barroco-mineira.
Foi nesse palco que a peça “Romeu e Julietaestreou,no dia 12 de setembro de 1992,
um sábado chuvoso às quatro horas da tarde,no adro da Igreja de São Francisco de Assis.
A veraneio foi posicionada ao lado da Igreja de São Francisco, de forma que a platéia se
aglomerasse em semi-círculo diante do cenário.
Foto 30:Visão panorâmica da cidade de Ouro Preto.
Fonte: SOUZA, 2007.
86 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 31:“Romeu e Julieta em Londres, no
“Globe Theatre.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 87
Todos os acessórios dos figurinos,os instrumentos musicais e as esperas de cena foram
feitos no espaço posterior do cenário,apesar desse ser visualmente livre aos olhos do público e
de quem passasse pelo local.
O espetáculo foi conquistando, lentamente, a platéia, que, aos poucos, esqueceu a
chuva e foi se envolvendo com a peça.Diante de todos,a energia do clima épico e romântico
da montagem contagiou todo o lugar:o público,os atores,o diretor,os transeuntes,os edifícios
ao redor e o espaço do adro da Igreja de São Francisco, transformado, naquele momento, no
lugar da estória de “Romeu e Julieta,em Ouro Preto.
“Romeu e Julietaalcançou o maior sucesso de público,dentre todas as montagens do
Galpão.Adaptada para o palco continuou sua trajetória de sucesso e chegou a fazer uma tem-
porada no teatro de Shakespeare “Globe Theatre”,em Londres.
Em Belo Horizonte,o Galpão levou mais de três mil pessoas à Praça do Papa para assis-
tirem à nova montagem,fato nunca antes acontecido naquele lugar.
A importância do sucesso dessa montagem está na conquista de novos lugares teatrais
por meio da arte do teatro e da cultura popular,além da apresentação de novos significados e
da recuperação de símbolos,reintegrando as pessoas aos espaços públicos das cidades.
Seguindo a trajetória do Grupo Galpão, as próximas peças que completaram este
período de busca por novas linguagens teatrais na rua e no palco foram: A Rua da Amargura
e “Um Molière Imaginário. Não caberá discorrer minuciosamente sobre os detalhes das estó-
rias de suas concepções, mas apenas sobre alguns fatos importantes relativos ao teatro, às
peças e as suas formas de apresentação.
Foto 32:“Romeu e Julietaem Londres,
no “Globe Theatre”.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
88 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
A Rua da Amargura
A Parceria com Gabriel se desdobrou em A Rua da Amargura, com base no texto “O
Mártir do Calvário, de Eduardo Garrido (1901), o maior sucesso de montagens das companhias
teatrais no Brasil da primeira metade do século XX.A proposta do diretor sugeria um mergulho
no universo da interpretação melodramática do circo-teatro, uma homenagem às companhias
mambembes brasileiras das décadas de 30 e 40, e o aprofundamento na pesquisa do folclore
da Folia de Reis,tradicional rito popular da sua cidade de origem,Carmo do Rio Claro.
A peça foi concebida em duas partes.A primeira,um auto de Natal,introduzia a narra-
tiva da peça, sendo dedicada ao nascimento e a história de Jesus, acontecendo sempre nos
espaços externos às salas de apresentação,como:ruas,largos e foyers.A segunda parte da peça
tinha no palco o lugar exclusivo dos passos da Paixão de Cristo.
Essa montagem foi para o Galpão um trabalho que os seus integrantes vivenciaram,na sua
realidade absoluta,os verdadeiros sentimentos que o espetáculo refletia.Por uma situação do desti-
no,a fundadora do Grupo,Wanda Fernandes,faleceu em decorrência de um acidente de carro,após
uma premiação dos Inconfidentes Mineiros em Ouro Preto. Uma fatalidade que desestruturou o
Grupo,principalmente o ator Eduardo Moreira, seu marido. Os preparativos do espetáculo da “Rua
neste momento se encontravam iniciados e a nova montagem ficou ameaçada em não se realizar.
Gabriel Vilela,neste momento, como disse Brandão,deixa de ser apenas um elemento
externo e torna-se uma referência marcante na história da companhia mineira.”(...) “Mais do que
dirigir e conceber cenários e figurinos,...,Gabriel torna-se a própria alma do grupo durante este
período.”(BRANDÃO,1999)
Foto 33:A Rua da Amargura”: no Foyer do Teatro
Municipal, SP.
Fonte: BRANDÃO, 1999, pg 128.
Foto 34:A Rua da Amargura.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 89
Foi com a força do trabalho que a companhia se reestruturou,em um ritmo acelerado de
produção e ensaios,pelo pouco tempo disponível.A estréia acontece no Centro Cultural Banco do
Brasil, no Rio de Janeiro, em 26 de agosto de 1994. O espetáculo ganhou 17 dos prêmios mais
importantes do país,incluindo o Molière,Mambembe,Shell,Sharp,APCA e Sesc-Sated.
Foto 35:A Rua da Amargura”:
Eduardo Moreira como Jesus.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 36:A Rua da Amargura.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
90 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
“Um Molière Imaginário
O grande desafio do próximo trabalho do Galpão foi retomar a posse do fazer teatral
do grupo enquanto GRUPO de teatro,pelas suas próprias forças,e,para isto,os atores fizeram a
opção por uma direção interna,onde o principal objetivo era trabalhar o ator numa outra pers-
pectiva,o ator dentro de uma relação com outros atores enquanto grupo coral.
Marcando os 15 anos da companhia,a peça “Um Molière Imaginário foi versão do texto
“O Doente Imaginário,última peça escrita por Molière e por ele representada,uma homenagem
à figura do dramaturgo francês, Jean Baptiste Molière. O espetáculo teve Eduardo Moreira na
direção,que buscou misturar à linguagem do circo,o teatro mambembe e a música ao vivo que,
nessa montagem,foi destaque e componente estrutural e cênico do espetáculo.
Mantendo a tradição na história do grupo em alternar os espaços de apresentação e
seus públicos,esta montagem foi pensada para a rua,e,como em “Romeu e Julieta,estreiou em
frente a uma Igreja,na cidade de Tiradentes,em março de 1997.
O cenário da peça simbolizava a estória contada pelos atores.Foi pensado para que se
tivesse uma fácil montagem,que fosse adaptável a qualquer espaço aberto.Por isto,a opção por
um formato circular, que remetesse aos palcos itinerantes das Commédias dell´arte,quando
essas eram apresentadas nos espaços públicos das cidades daquela época.
O palco circular, com uma altura aproximadamente de 70 centímetros,tinha, no seu semi-
círculo frontal, o espaço da cena principal; a outra metade era destinada às cenas dos diálogos de
Argan (o protagonista da estória) com seu autor oficial,Molière,que,na peça,transformava-se em um
personagem fantasma e conversava sobre o sentido e a função da arte teatral.
Foto 37:“Um Moliére Imaginário”na Praça
do Papa, em BH.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 38:“Um Moliére Imaginário”em Tiradentes,
Elenco e Cenário.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 91
No chão,em frente ao palco,outro semi-círculo,com um diâmetro maior e desenhado
com pó de serragem,delimita o espaço cênico dos atores,representando o território,o terreiro
xamãnico,o lugar da cena teatral.
A cobertura do palco era o espaço da personagem a Rainha Mab,que,ao piano,narra-
va a estória de Argan,o doente imaginário,e do teatro de Molière.O projeto cenográfico desen-
volveu uma dinâmica espacial adequada para a narrativa,garantindo a apresentação da peça e
a liberdade de montagem,independente do local para onde o Grupo o levasse.
Foto 39:“Um Moliére Imaginário”na Praça do Papa, em BH.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
92 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
2.4 A Conquista do Rito e do Palco – 1999 a 2007
2.4.1 “Partido,“Um Trem Chamado Desejo,“O Inspetor Geral”,“Um Homem
é um Homeme “Pequenos Milagres
Seguindo um processo natural de busca por novos desafios que viessem a completar as
deficiências percebidas de cada ator no espetáculo anterior,o Grupo sentiu a necessidade de traba-
lhar a essência individual do ator e a sua relação com o Universo Teatral.Por esse motivo,as próximas
peças “Partido, “Um Trem Chamado Desejo, “O Inspetor Geral”, “Um Homem é um Homem e
“Pequenos Milagres”foram concebidas sobretudo para o palco.
Neste caminho da conquista do rito pelo palco,apenas a peça “Um Homem é um Homem,que
estreiou sob uma lona de circo,em um espaço público alternativo de Belo Horizonte – Casa do Conde,
seguiu sua trajetória pelos palcos italianos e depois retornou para os espaços abertos das cidades.
Com direção de Cacá Carvalho,o Galpão montou,em 1999,a peça “Partido,uma adapta-
ção livre da obra “O Visconde Partido ao Meio,de Ítalo Calvino.“A peça explora o universo do autor,
testando os limites entre o bem e o mal,com um jogo cênico todo articulado em torno das con-
tradições.Assim, os atores são partidos em dois personagens e o palco italiano tradicionalmente
se converte em labirinto,revelando-se como as páginas de um livro.(Galpão,01/01/2008).
Somente no final do ano 2000,o Galpão estreiou “Um Trem Chamado Desejo, com direção
de Chico Pelúcio,música de Tim Rescala e dramaturgia de Luis Alberto de Abreu.O sonho de home-
nagear o artista de teatro de rua foi,finalmente,realizado por intermédio da estória de uma trupe de
atores-músicos,em suas agruras e esperanças,sentimentos típicos da vida mambembe.
Em 2002, foi iniciada a parceria com o ator e diretor Paulo José, que realizou um trabalho
voltado para a técnica do ator,para a sua relação com as pessoas,com a história da peça e com a his-
Foto 40:Partido”.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 41:“Um Trem Chamdo Desejo”, Chico Pelúcio.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 93
tória oficial do teatro.Trabalhos de pesquisa e “pockets showssobre diversos gêneros teatrais foram
instrumentos para a escolha da futura montagem.“O Inspetor Geral”, de Nicolai Gogol, estreiou em
2003, fazendo uma forte crítica à corrupção e aos maus costumes dos governantes da Rússia
Imperial;uma metáfora à realidade brasileira.
A segunda peça em parceria com Paulo José,“Um Homem é um Homem”, de Berthold
Brecht,completa o trabalho de desenvolvimento dos atores.O teatro de Brecht abre o ator para o
universo teatral, significou uma evolução dentro da teoria teatral escolhida pelo Grupo, em
Molière,buscava-se o trabalho em grupo,enquanto o ator em “Partidoprivilegiava-se o lado pes-
soal.Já o ator do Paulo José era trabalhado em função do teatro como um todo,da história do tea-
tro,da história em si.
A montagem mais recente, “Pequenos Milagres teve sua estréia em julho de 2007, no
Galpão Cine Horto.Baseado em histórias reais,a montagem foi desenvolvida a partir de quase seis-
centas narrativas recebidas pelo Grupo em sua campanha junto ao público, tendo na sua direção
Paulo de Moraes e dramaturgia de Maurício Arruda.
Ao considerar a trajetória teatral do Grupo Galpão percebemos que hoje ele é parte inte-
grante da história de Belo Horizonte.Para muitos que vivem na capital,esses anos foram revelado-
res,por terem crescido assistindo às suas peças pelas praças,ruas e festivais de teatro da cidade.O
prestígio junto ao público demonstra o reconhecimento dos espetáculos do Galpão como algo
que pertence a eles.Desta forma,a história do Grupo faz parte das histórias pessoais de cada um,e
muitos vêm percorrendo os lugares teatrais da capital junto com a trupe.Nesse reconhecimento,
as pessoas adotam para si algo que pertence à cidade,de uma forma pessoal,com cuidado e cari-
nho pelo significado e símbolo de cada lugar.Desse modo,a arte do Galpão continua espalhando,
e cultivando, transformações nos indivíduos sensíveis a arte e à cultura que aos poucos reconhe-
cem o seu valor,ao apropriar-se dos espaços da cidade em suas vidas.
Foto 42:“Um Homem é um Homem.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Igualmente,os dois espaços da rua Pitangui,o galpão sede do Grupo e o Cine Horto,que
há dez anos foi comprado e transformado em um Centro Formador de Cultura voltado para as artes
cênicas. Nesse espaço, funciona um teatro, um cinema, um centro de pesquisa, e uma escola de
formação e aperfeiçoamento para profissionais do campo artístico.Atuando no bairro há vinte e
cinco anos o Galpão re-qualificou um pouco aquela região,ao dar um caráter e uma imagem que
anteriormente não existia.
Pretende-se ainda analisar o trabalho decisivo do Grupo Galpão na evolução cultural,
social e política do público que acompanha suas apresentações,em Belo Horizonte,como elemen-
to de transformação ética do cidadão, ao re-significar e re-integrar diferentes espaços públicos à
vida da sociedade na cidade.
Isso porque,ao longo da trajetória do Grupo,constata-se a busca do rito teatral,em que pre-
valece a preocupação em se levar para a cidade um teatro de qualidade,socialmente transformador
e sensível às questões artísticas e dramáticas,em que cada espaço adquire um significado individual
e uma história cultural a partir dos eventos que nele acontecem.
Belo Horizonte foi o grande palco para afirmação da arte do Galpão.O Grupo foi responsá-
vel pela apresentação e uso do espaço público da cidade como espaço para o teatro.Vários lugares
foram descobertos e transformados em espaços teatrais da cidade.
Dessa maneira, Belo Horizonte e seus espaços teatrais serão abordados e apresentados a
partir da trajetória do Grupo Galpão,e da experiência de Intervenção Artística-Urbana,realizada pelo
Grupo de Teatro Armatrux,nos vazios das palafitas de concreto de edifícios da capital.
94 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 43: Galpão Cine Horto.
Fonte: BARRETO, 2007.
Capítulo 2. O Caso do Grupo Galpão: da rua ao palco, uma trajetória por novos espaços teatrais 95
Foto 44:“Um Trem Chamdo Desejo”.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
b
Os Lugares Teatrais
de Belo Horizonte,
pelo Grupo Galpão e Armatrux
Capítulo 3
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 99
Abordar a relação dos espaços urbanos com a arte cênica é falar da inserção da arte,
em especial, da performance e da manifestação teatral neste complexo emaranhado que é a
vida da cidade.Se,por um lado,o teatro é um instrumento que parte da representação do coti-
diano,de fatos reais,históricos ou simbólicos,por outro,a cidade serve ao teatro por sua natu-
reza ambígua e contraditória,um organismo vivo em permanente transformação.
Como lugar de manifestações artísticas,o espaço urbano suscita as seguintes indaga-
ções: Que lugar é esse? Quais são essas manifestações artísticas? Como elas atuam nesses
“lugares”e também nos “não-lugares”?
Nesse contexto,apresento a cidade de Belo Horizonte, palco das manifestações artís-
ticas e da arte cênica de dois grupos mineiros,o Galpão e o Armatrux,intercalando a trajetória
da cidade,da sua origem à sua expansão,com a história desses grupos no decorrer dos anos.
Destaco,inicialmente,o Grupo Galpão,mostrando a sua movimentação pelos espaços
simbólicos da cidade planejada por Aarão Reis,e,depois,pelos vazios urbanos,resíduos de áreas
mal exploradas arquitetonicamente,fruto do crescimento acelerado e aleatório da cidade.
Sobre a trajetória do Grupo Armatrux, destaco a parceria desenvolvida com os arqui-
tetos Carlos Teixeira e Louise Ganz,parceria que resultou na ocupação dos vazios residuais das
palafitas de concreto de edifícios localizados no bairro Buritis,região sudoeste da capital,como
espaço cênico das montagens do grupo.
Apresento a capital mineira sob a ótica de TEIXEIRA (1999), que abordou a trajetória
descontinua da sua ocupação,os vazios urbanos resultantes,propondo um novo olhar para a for-
mação e futuro de Belo Horizonte.A investigação sobre a ocupação dos espaços da cidade pelo
teatro e o limite entre a arte e a vida são abordados através da experiência de SCHECHNER (1977).
T
100 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
A questão principal foi entender esta habilidade do artista em transformar o cidadão da
metrópole pela modificação do espaço urbano em palco cênico, uma vez que, para quem está
atuando,o importante é saber que o espectador descobre-se como cidadão quando há uma iden-
tificação com o outro e com o coletivo.
Nesse sentido,a arte torna-se responsável por reintegrar o homem ao seu papel de cidadão.
O lugar da sua ação torna-se, pois, o mesmo lugar da arte, ou seja, o espaço da cidade. ACCONTI
(2004) destaca que o espaço é proposto como motivo para a ação do público em sua performance
cotidiana e a cada troca de experiência, algo novo é adicionado e algo antigo é descartado”.
Segundo SCHECHENER (1977),“a performance artística como arte restitui a dimensão do mito e do
imaginário da cidade, tanto no campo estético quanto do social. Os valores simbólicos da cidade
estão diretamente ligados à noção coletiva de espaço,de comunhão e participação.
E no caso do teatro de rua:
este restitui a função da festa à cidade, recupera a memória dos espaços simbólicos através da
criação artística,apontando para a dimensão mítica da cidade muitas vezes perdida na saturação
e elegibilidade da cidade.O teatro,para o autor,viria se realizar como modo de recriação do espaço
urbano,abrindo-se e abrindo-o dialeticamente.”(ZONNO,2007).
Belo Horizonte - Palco da vida e do teatro
Belo Horizonte,a capital planejada,foi construída sob o signo da racionalidade,tendo um
traçado organizado, que, na época, representava um novo regime político e refletia as condições
perfeitas de salubridade exigidas naquele momento.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 101
Projetada por uma comissão composta “por quatro engenheiros,um arquiteto,um médico
higienista e outros auxiliares técnicos”(TEIXEIRA,1999),teve a sua construção comandada pelo enge-
nheiro Aarão Reis, formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, na época a maior escola de
engenharia do País.Aarão Reis elaborou um projeto totalmente estruturado dentro das referências
positivistas, à semelhança às da Ècole Polytechnique de Paris, admirador incondicional da Paris de
Haussmann, foi também muito influenciado pelo plano da cidade de Washington. Dessa forma, o
Projeto de Belo Horizonte representou o auge do pensamento positivista do final do século XIX.
Apresentado à Afonso Pena, então presidente da província de Minas Gerais,em março de
1895, o projeto organizava e distribuía a futura capital em três áreas. A primeira, chamada de área
urbana,localizava-se na parte central do sítio escolhido para a sua implantação,onde,originalmen-
te,existia um pequeno arraial que abastecia os tropeiros e bandeirantes que rumavam à região das
minas, em Ouro Preto. Com 8.815.382 m
2
, a área urbana foi dividida em quarteirões de 120x120
metros,com um desenho semelhante ao de uma quadrícula em ângulos retos,sendo cortadas em
ângulos de 45º por algumas avenidas.
“(...) Às ruas fiz dar largura de 20m,necessárias para a conveniente arborização,a livre circulação
dos veículos, o tráfego dos carris e os trabalhos da colocação e reparações das canalizações sub-
terrâneas. Às Avenidas fixei a largura de 35m, suficiente para dar-lhes a beleza e o conforto que
deverão,de futuro,proporcionar à população.Apenas a uma das avenidas – que corta a zona
urbana de norte a sul,e que é destinada à ligação dos bairros opostos – dei largura de 50 metros,
para constituí-la em centro obrigatório da cidade,e,assim, forçar a população,quanto possível, a
ir-se desenvolvendo do centro para a periferia, como convém à economia municipal [...].Essa zona
é delimitada e separada da suburbana por uma avenida de contorno,que facilitará a conveniente
distribuição dos impostos locais,e que,de futuro,será uma das mais apreciadas belezas da cidade.”
(REIS,citado por TEIXEIRA,1999).
Imagem 25: Planta Antiga de Belo Horizonte.
Fonte:ARRUDA, 2003,pg 38.
102 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 46:Visão da Avenida Afonso Pena,
em Belo Horizonte.
Fonte: www.skysrapercity.com, capturada
em 20/01/2008.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 103
A segunda área,chamada de zona suburbana,tinha 24.930.803 m
2
.Seu desenho era resul-
tante da topografia natural, com quarteirões irregulares, lotes com medidas variáveis e ruas mais
estreitas (no máximo 14 metros).Era formada por vários bairros que conformavam um anel em volta
da região central. A terceira área que circundava a zona suburbana fora destinada aos sítios de
pequenas lavouras.
Com essa conformação aprovada, as obras da futura capital começaram, destruindo-se o
pouco de história que ali existia.Derrubaram,por completo,o velho arraial,que foi substituído pelo
ponto central,o “marco zero,local que seria conhecido,futuramente,como o centro da cidade.
A área estabelecida dentro do perímetro da Avenida do Contorno,zona urbana da cidade,
definiria a região mais nobre,sendo ocupada pelas áreas administrativas,legislativas e pelo judiciá-
rio,bem como por funcionários públicos e pelo melhor comércio.
Dentro desse limite,a geografia local se apresentava entre dois extremos:uma região baixa,
por onde passava o Ribeirão Arrudas,destinada à área dos serviços e comércios da cidade; e uma
outra, mais alta, no sopé da Serra do Curral Del Rey, escolhida para a construção da Catedral e das
moradias mais importantes da cidade.Ligando um extremo a outro,havia a Avenida Afonso Pena,
com seus 50 metros de largura, estrutura que garantia o sentido da ocupação, definindo o eixo
norte-sul e a obrigatoriedade da passagem pelo centro.
Essa divisão da cidade em dois planos remete a uma conformação que se assemelha à de
um grande teatro,onde a Serra seria a platéia voltada para o palco,Belo Horizonte,que,circundada
pela avenida do Contorno,teria no ponto mais baixo,ao final desta inclinação,o espaço dos serviços,
camarins imaginários destinados aos cidadãos,atores daquela cena.
A Avenida do Contorno, nesse caso, é a representação geométrica do círculo e também
simbólica do espaço cênico dos deuses gregos e do primitivo Xamã, ao transformar o seu espaço
interno em palco para os rituais cotidianos e cenas da vida urbana.
104 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Já a explicação da sociedade como teatro é uma concepção antiga, originada em Platão,
conhecida como Theatrum Mundi.Naquela época,era destinado aos deuses o controle sobre a vida
humana.A imagem do mundo como um espetáculo dirigido por Deus e representado pelos seres
humanos vigorou durante toda a Idade Média.
No Renascimento,mas,especialmente,no Barroco,essa forma de perceber o mundo como
teatro caracterizou o novo modo de viver da sociedade burguesa, quando a cena passou a ser
representada por todos.O importante era ver e ser visto pelos passeios públicos,parques e arredo-
res da cidade.
Na avaliação de SENNETT (1943),Rousseau foi quem percebeu a grande cidade como um
teatro, lugar em que as pessoas buscavam por reputação. A visão da cidade como palco de uma
grande encenação,local de encontro de todas as pessoas,independente da sua classe social,tinha,
na praça pública,seu espaço privilegiado e,nos transeuntes,seus atores.
A partir daí,segundo SCHECHENER (1977),na performance social,os espaços urbanos,histori-
camente,delinearam-se como monumentais espaços cênicos,tornando o sujeito um observador con-
templativo do espetáculo da cidade que,aos poucos,erguia seus símbolos arquitetônicos do poder.
Pode-se afirmar que o primeiro lugar simbólico de Belo Horizonte foi a Praça Sete,local de ori-
gem da capital e parte integrante da memória coletiva de todos os belohorizontinos.Ponto de encon-
tro das duas avenidas mais largas do plano original, a Avenida Afonso Pena e a Avenida Amazonas,
configurou-se,desde o início,como o destino principal do público em diversas manifestações sociais,
razão pela qual tornou-se o primeiro lugar escolhido pelo Galpão para apresentação de seu teatro.
O segundo lugar símbolo e marco arquitetônico da cidade,projetado dentro da zona urbana
foi a Praça da Liberdade.Destinada a receber os edifícios sede das Secretarias do Governo Estadual e
o Palácio do Governo,foi escolhida como mais um dos lugares teatrais do Galpão e palco de muitas
intervenções artísticas,não apenas do grupo,mas,também,de inúmeros artistas e festivais culturais.
Foto 47: Praça 7, centro de Belo Horizonte.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 48: Belo Horizonte,Praça da Liberdade.
Fonte: www.vitruvius.com.br, capturada em 05/12/2007.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 105
Porém a essência desse espaço está na performance política que o mesmo representa para
os mineiros.Na percepção de SCHECHENER (1977),a performance é como um modo de comporta-
mento que caracteriza qualquer atividade e,mais restritamente,uma atividade feita por um indivíduo
ou um grupo na presença de e para outro indivíduo ou grupo.”
O espaço privado da Praça da Liberdade,conformado,essencialmente,por edifícios institucio-
nais de estilos neo-clássicos e pelo edifício residencial Niemeyer,está ali exercendo uma performance
política à sociedade.Sua área pública aberta,composta por jardins,passeios e espaços livres,compõe
o lugar da cena social urbana que,com o passar dos anos,foi se transformando e participando do seu
cotidiano,tornando-se palco da vida na metrópole.
Percebemos que Aarão Reis,em Belo Horizonte,ao buscar um resultado estético nas solu-
ções urbanas e arquitetônicas para a cidade, demonstrou ser muito mais um experimentalista que
apreciava a beaux-arts francesa do que um homem influenciado pelo pragmatismo americano.
Dessa maneira,a capital mineira é a representação da mistura de várias experiências,como a ame-
ricana de L’Enfant,em Washington,e as européias,como a Paris,de Haussmann e a Ringstrasse,na
Viena de Camilo Site”. (TEIXEIRA, 1999) Aarão, ao interferir na ordem reticulada do plano,fez surgir
inúmeras praças e espaços públicos, com os edifícios públicos nos cruzamentos, favorecendo,
assim,a perspectiva urbana,o que comprova a seu verdadeiro ideal pela performance estética.
Ao atravessar a Avenida do Contorno,que funcionava como um muro invisível,divisor de águas
entre o espaço ideal”e o espaço não-ideal”, encontramos as zonas suburbanas e os sítios agrícolas.
A zona suburbana de Belo Horizonte, desde os seus primórdios,anunciava uma ocupação
mais flexível,com uma urbanização direcionada pela topografia e hidrografia da região.Essa flexibi-
lidade de ocupação,sem a rigidez das regras e do traçado imposto,favoreceu a uma outra caracte-
rística, à natureza de progresso, por demonstrar um crescimento populacional acima e mais
acelerado do que o da zona urbana.
106 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
O que havia sido planejado e esperado era um crescimento e adensamento do centro,
interno à Avenida do Contorno,local que detinha toda infra-estrutura para esse desenvolvimen-
to.Tal fato,porém,não aconteceu no inicio do processo de ocupação.Belo Horizonte nasceu em
oposição à sua previsão. O seu desenho, crescimento e desenvolvimento urbanos, respectiva-
mente,foram delineando a cidade em direção à desconhecida zona suburbana e à sua extensão.
E o que antes seria a periferia,hoje,tornou-se a cidade.
Durante esse percurso,o centro da capital passou por turbulências e variações de situações
urbanas que trouxeram conseqüências graves para a sua importância como lugar.
“No início,o Centro e a zona-urbana eram a imagem,o rosto,o lugar simbólico que melhor representava
a comunidade dos belo-horizontinos.Eram a feição própria da cidade,o ponto de encontro de todas as
classes sociais,todas as raças, todas as danças.O lugar onde a cidade mais pulsava,o marco onde ela
começou e diz a que veio,que evoca suas origens,sua vocação e os objetivos dos habitantes ali instala-
dos.Tudo o que representa uma cidade quase sempre está no Centro:Picadilly Circus,a Mesquita Azul,o
viaduto do Chá,o obelisco da Praça Sete....Mas o interessante é que o centro deixa justamente por estar
demasiadamente centralizado [...],ele abandona sua condição central pelo simples fato de estar no cen-
tro,de ser “Centroe não conseguir sustentar sua condição.[...] O Centro passa então a ser o lugar de onde
escapa tudo o que é bom:o melhor comércio,os melhores serviços,o conforto,o dinheiro...e para onde
converge tudo o que é ruim,a desordem,a marginalidade a decadência.(TEIXEIRA,1999).
A partir daí, ocorreu uma expansão em direção aos vazios da cidade, onde ainda não
existia uma saturação. Assim o centro, na contramão desse movimento, esvaziou-se. As áreas
suburbanas receberam todo um contingente populacional,e,ao dar prosseguimento à história,
outros centros, em novos bairros, acabaram surgindo, a fim de cumprirem o papel do antigo,
lançando comércios,modas,tendências e costumes,fazendo dessa uma característica que per-
manece até os dias atuais.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 107
O surgimento desses novos lugares demarcou,igualmente,a transformação dos símbo-
los da cidade.Novos espaços públicos estabeleceram outros palcos para novos comportamen-
tos. Dessa análise, duas questões puderam ser levantadas: como, quando e onde esses novos
espaços urbanos surgiram? Como o teatro dos grupos foi fator fundamental nessas mudanças,
re-qualificando, re-integrando, e re-significando esses lugares, ao promover uma identificação
entre o público,o teatro e a cidade?
Foto 49:Vista da região centro-sul de Belo Horizonte.
Fonte: PINHEIRO,2004.
Foto 50:Vista da região centro-norte de Belo Horizonte.
Fonte: PINHEIRO,2004.
108 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 51:Visão da região central de Belo Horizonte,eixo norte-sul.
Fonte: PINHEIRO,2004.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 109
3.1 O Percurso do Grupo Galpão por Belo Horizonte
3.1.1 A re-significação de praças e espaços da capital mineira
O Grupo Galpão surgiu em 1982,época em que o Centro já havia passado por suas mais
evidentes transformações, encontrando-se, naquele momento, bastante envelhecido e empo-
brecido na sua arquitetura,nos seus aspectos sociais,culturais e econômicos.A região que agre-
gava essas características era a Savassi, que, apesar de estar localizada na borda do anel da
Contorno com os bairros periféricos (ou suburbanos) da região sul, já indicava o caminho para
os novos pontos de convergência em direção ao vetor sul da capital.
E o Centro? Esse havia se transformado em um lugar de passagem e de ligação entre
as regiões periféricas, com um grande volume de veículos, ônibus e gente que atravessava a
cidade em busca de trabalho,estudos,serviços,comércios e moradia.
Após a década de 1960,houve uma retomada,pelos arquitetos,desse espaço central,
em defesa da dimensão simbólica do espaço urbano. Tornava-se importante preservar as
características permanentes nas configurações espaciais de um lugar, no tempo e que deve-
riam ser tomados como um modo de construção de memória, passado no presente, referen-
ciando ao próprio ser, o habitar historicamente dos homens em uma situação cultural.
(TEIXEIRA,1999).
No caso de Belo Horizonte esse processo pareceu ter prevalecido.Ao Centro coube o
papel de representar a memória coletiva da cidade e, para alcançar tal objetivo, seria funda-
mental que seus monumentos,arquiteturas e espaços urbanos fossem mantidos ou recupera-
dos. Mas essas recuperações só começaram a partir do ano 2000, e, enquanto as atitudes de
intervenção não ocorriam,outros centros foram surgindo.
110 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
O Galpão apareceu,exatamente,no momento em que essa discussão estava sendo levan-
tada.Colocava-se,então,a necessidade de experimentar os espaços da cidade como espaços para o
teatro de rua.Foi na Praça Sete que o grupo,na busca por novos espaços teatrais em Belo Horizonte,
apresentou sua primeira peça: “E a Noiva não quer casar.
Em sua trajetória artística, dentro da área planejada da capital, o grupo percorreu os
espaços públicos mais nobres e importantes, como: a Praça da Estação, a Praça Rio Branco, a
Praça Sete,o Parque Municipal,a Praça da Liberdade,a Praça Raul Soares,a Praça da Assembléia
e a Praça da Savassi.Nesse percurso,ao ampliar sua área de atuação às zonas suburbanas e peri-
féricas,o teatro do Galpão foi apresentado por toda a cidade,dos centros comunitários dos bair-
ros aos parques, das novas praças aos novos vazios, resíduos urbanos representantes da “lógica
contraditória do crescimento periférico”(TEIXEIRA,1999).
O compromisso do Galpão era percorrer e levar o teatro de rua para os espaços públicos da
cidade.Ao transferir o espaço cênico para esses locais,buscava tornar possível a troca entre o real e
o ficcional,o imaginário e o simbólico.
O relacionamento afetivo com o espaço é fruto dos laços simbólicos e imaginários
estabelecidos entre o real e o cotidiano desses lugares. A importância do grupo está exata-
mente aí,no reconhecimento dos espaços públicos,ao longo da sua trajetória, através de um
novo olhar, uma nova forma de percepção e uso desses espaços, agregando-lhes novos valo-
res junto ao espectador.
São dois os vetores de crescimento da cidade, um em direção à região norte, ao
aeroporto de Confins e ao futuro Centro Cívico do Governo do Estado, e o outro em direção
à região Sul-Sudoeste, no sentido às cidades de Nova Lima, Brumadinho e Ouro Preto.
Seguindo o rumo da expansão em direção ao vetor sul, novos bairros se formaram e, como
eles,novas centralidades.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 111
Foto 52: Praça da Estação.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 54: Praça da Assembléia.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 55: Praça Raul Soares.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 57: Praça do Papa.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 53: Parque Municipal.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
Foto 56: Praça da Liberdade.
Fonte: www.uai.com.br, capturada em 05/12/2007.
112 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
A zona suburbana e a periferia foram reflexos de uma mistura de elementos,da forte espe-
culação imobiliária,de diferentes correntes urbanísticas e dos planos diretores.A sua imagem reme-
te a uma implantação aleatória, veloz e sem restrições. Junto com os novos bairros, surgiu uma
arquitetura de péssima qualidade,como galpões,bares,casas,edifícios,depósitos,shoppings e cen-
tro comerciais.A paisagem urbana que se formou não acrescentou quase nada ao contexto já exis-
tente.O basic color,representado pelo branco,bege e cinza, foi mantido,restando às poucas áreas
verdes,encontradas no Parque das Mangabeiras,na Serra do Curral e nas praças,o papel de melho-
rar a imagem da capital e garantir uma qualidade mínima aos espaços livres e públicos da região.
A praça, no espaço da cidade, é, historicamente, considerada um centro de cerimônia,
um lugar de convívio e encontro social.No imaginário da população, sua forma representa um
referencial físico e afetivo e sua configuração sugere um palco cercado de edificações que com-
põem um cenário urbano repleto de símbolos. Segundo SITE, citado por ZONNO (2007), uma
praça “libertaria a alma do homem moderno da maldição da solidão urbana e do medo do vazio
e do imenso trepidante. O espaço anônimo da praça, graças à delimitação de uma área tem o
poder de converter-se em cenário de infinita riqueza urbana.”Dessa forma,confere-se à praça um
valor, uma identidade que precisa de expressão, de criação e de imaginários para sobreviver.
Quando isso não acontece,a praça transforma-se num mero lugar de passagem.
No percurso artístico do Grupo Galpão pelos espaços públicos de Belo Horizonte,duas
importantes praças foram palcos de significativas estréias e de outros espetáculos teatrais: a
Praça JK,no bairro Sion,e a Praça do Papa,no bairro das Mangabeiras.
A Praça JK é resultante da topografia acidentada,natural da geografia mineira.Um gran-
de “largosurgiu como divisor de áreas entre as construções de classe alta.De um lado,casas resi-
denciais,ocupando as montanhas,do outro,edifícios residenciais,e,ao fundo,a favela do Acaba
Mundo,cravada ao pé da Serra do Curral.
Foto 59:“Romeu e Julieta”, na Praça da Estação.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Foto 58:“Romeu e Julieta”, na Praça da Estação.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 113
O espaço da Praça JK foi,aos poucos,sendo ocupado; primeiramente,pela comunidade da
favela do Acaba Mundo,que está na região há mais de 30 anos,e,mais tarde,por moradores das clas-
ses média e alta dos bairros adjacentes.Essa conformação urbana e social da região acabou influen-
ciando,mais tarde,a nova carada zona suburbana de Belo Horizonte.
Foi nesse espaço ainda não urbanizado da Praça JK que o Galpão estreou,em 1994,o espe-
táculo A Rua da Amargura,seguido de “O Molière Imaginário.
No ano seguinte, a Praça JK foi urbanizada com espaços planejados e setorizados.Áreas
de esportes, com quadra de futebol, aparelhos de ginásticas e pista para caminhada e cooper,
áreas de brinquedos para as crianças, espaços livres de permanência e uma grande área aberta
para receber eventos culturais foram construídos.Bem mais adensada hoje,a população freqüen-
ta a Praça JK diariamente,utilizando seu espaço como local de encontro e de convívio social, de
lazer,saúde e cultura.
No percurso do Grupo Galpão pelos espaços públicos de Belo Horizonte, com certeza, o
mais significativo e simbólico foi,no entanto,a Praça do Papa.
Localizada no bairro das Mangabeiras,ao pé da Serra do Curral,a Praça do Papa foi construí-
da,em 1980,para receber o Pontífice João Paulo II em sua primeira visita ao Brasil.Em seguida,o local
transformou-se em mirante e símbolo turístico da cidade. Contudo, a praça sempre foi pouco fre-
qüentada e utilizada pelos belohorizontinos.
O acesso público dificultado por sua distância até o centro, sua área urbana de extensos
aclives gramados, intercalados por pequenos platôs de permanência social, e um cenário urbano
composto por residências de classe alta foram ingredientes que dificultaram a freqüência dos usuá-
rios à Praça do Papa.Outra situação que ajudou ao não uso de seu espaço público foi à borda de iso-
lamento formada pelos afastamentos,muros e grades das residências adjacentes.Por muito tempo,
a Praça do Papa foi simplesmente,uma grande rotatória viária e mirante da cidade.
Foto 60: Praça do Papa.
Fonte: www.uai.com.br, capturada
em 05/12/2007.
Foto 61: Praça do Papa.
Fonte: BARRETO, 2007.
114 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 62:“Romeu e Julieta, na Praça do Papa.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 115
Seu espaço urbano somente foi modificado e re-qualificado, simbolicamente, depois da
estréia da peça “Romeu e Julieta,do Grupo Galpão.Pela primeira vez,o teatro de rua levou três mil
pessoas para aquele lugar.Naquele momento,a história daquela praça começou a se modificar.Ela
ganhou um novo sentido, transformando-se em um lugar de eventos culturais, um grande teatro
aberto para a vida pública da cidade.
Hoje,o espaço da Praça do Papa compõe a programação cultural dos eventos que aconte-
cem na capital, tendo sido palco de vários shows musicais e festivais culturais de teatro, cinema e
circo da capital. Na comemoração dos seus vinte e cinco anos de carreira, o Galpão levou oito mil
pessoas à praça com o espetáculo “O Molière Imaginárioem outubro de 2007,demonstrando,mais
uma vez,a forte relação do grupo com a cidade de Belo Horizonte.
No depoimento de Eduardo Moreira,em janeiro de 2007,evidencia-se a relação do grupo
com alguns espaços públicos de Belo Horizonte.
Acho que o Galpão montou um circo na Praça JK quando ela ainda não era nem urbanizada.A
própria Praça da Liberdade sofreu uma revitalização e uma restauração após estes vários espetá-
culos apresentados. Não vou dizer que o Galpão foi responsável diretamente nestas transforma-
ções, mas ele teve uma certa importância nesta valorização. Ele foi fundamental na maneira em
mostrar para a cidade olhar para os seus espaços públicos, a mesma coisa numa área como a
Praça do Papa.Acho que a gente levou muitos eventos pra Praça do Papa,grandes estréias,assim,
reunir 5000 pessoas em espetáculos como a estréia do “O Molière Imaginário, a pré-estréia do
“Romeu e Julieta”. A primeira vez do “Romeu e Julieta” foi na Praça do Papa,então,são momentos
muito marcantes da vida pública da cidade.
Dessa forma, observamos que, no momento em que o teatro se propõe a transformar o
espaço urbano em espaço teatral e cênico,ele assegura a relação entre a representação e a realida-
de.Além de valorizar o espaço,apresenta-o para a cidade como um local de eventos e performan-
116 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
ces artísticas.E assim percebemos que a valorização do espaço é fruto,essencialmente,do que nele
está sendo desenvolvido.
Quando a cidade é usada como cenário para a arte,no caso do teatro e da performance
artística,promove-se uma mudança no que é visto e em quem observa,uma intervenção estética
e social.
Pode-se dizer que a vida nas cidades,nos tempos atuais,resume-se apenas a três funções:
a do morar, a do trabalhar e a do deslocar. O convívio social,as grandes festas, a recreação, a troca
cultural e a vida afetiva, todos esses eventos vêm sendo deslocados em função da transformação
dos valores socioeconômicos e culturais definidos pelo capitalismo e veiculados pela mídia,que
dita as tendências de comportamentos e os novos estilos de vida.
Nesse sentido, o teatro, quando apresentado na cidade, tenta recuperar a dimensão da
festa e da sociabilidade que integra o espaço público urbano.
Belo Horizonte é,hoje,uma metrópole com carências de infra-estrutura urbana básica e de
espaços públicos. Seu único parque central, o Parque Municipal, tem uma área semelhante a um
terço do que era previsto originalmente.
Na história da sua expansão urbana,a metrópole já ultrapassou todos os limites geografi-
camente definidos por seu plano original.A cidade,hoje,no sentido sul,já cresce em território per-
tencente à cidade de Nova Lima, e, no sentido sudoeste, rumo à cidade de Brumadinho, onde a
topografia mais acidentada impõe uma caminhada em menor velocidade.
Além disso, na irregular e explosiva expansão da cidade, na década de 80, um bairro
denominado Buritis, desenvolveu-se como o novo lugar para se morar na região sudoeste de
Belo Horizonte.
Foto 63: Grupo Galpão, na Praça do Papa.
Fonte: Galpão Cine Horto, s.d.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 117
3.2 Amnésias Topográficas + Armatrux = Invento para
Leonardo e Nômades
118 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
3.2.1 Amnésias Topográficas: vazios urbanos, novos espaços para o teatro
O Bairro Buritis está localizado, exatamente, para fora da antiga zona suburbana. A
topografia irregular dificultou a sua ocupação por alguns anos, mas a cidade se expandiu e a
necessidade de novos bairros residenciais transformou o Buritis em um dos principais bairros
residenciais,principalmente pelos seus pequenos edifícios voltados para a classe média.Em
decorrência de uma rígida Lei de Uso e Ocupação do Solo, aos edifícios do bairro só foram
permitidos a construção de quatro pavimentos,sem nenhuma restrição,contudo, ao impac-
to causado pelas estruturas de concreto resultantes da implantação em terrenos com declives
bastante acentuados.
O resultado foi uma paisagem desconexa, composta por prédios anões, construídos
sob palafitas de concreto e por uma seqüência de resíduos urbanos decorrentes da falta de
integração da arquitetura,do urbanismo e da topografia.
“...esses prédios refletem fatores de domínio mais amplo: o crescimento urbano descontrolado,a justa-
posição aleatória de interesses múltiplos (da prefeitura, dos especuladores do setor imobiliário, das
empresas urbanizadoras),a discrepância entre arquitetura e infra-estrutura e,principalmente,o desperdí-
cio típico das sociedades não planejadas.”(TEIXEIRA,2001).
Contudo, nos vazios existentes,está a liberdade de exploração e de superação das defi-
ciências urbanas das metrópoles,através da busca pelo equilíbrio entre as forças do urbanismo
e da arquitetura.”(TEIXEIRA, 1999). Sugere, assim, o autor um olhar criativo para o futuro desses
resíduos, afirmando que, quanto maior o número de áreas residuais e vazias na sua extensão
urbana,maior a vantagem da cidade em conquistar essa transformação.
Foto 64: Bairro Buritis ao fundo.
Fonte: PINHEIRO,2004.
Foto 65:Vazios urbanos.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 119
A paisagem das grandes cidades é composta por muitos elementos residuais: terrenos baldios,vazios
ociosos, lacunas ilhadas; áreas subutilizadas esperando ser ativadas, reservatórios de oportunidades
abertos às pressões das demandas cívicas e sociais.”(TEIXEIRA,2001).
No caso de Belo Horizonte,é visível o triunfo do não-planejado sobre o planejado.A cidade
cresceu e se espalhou por todos os lados,ultrapassando limites,invadindo áreas verdes reservadas,
suprimindo espaços públicos e criando os vazios urbanos.
Os vazios das palafitas de concreto dos edifícios do bairro Buritis representam,exatamente,
áreas com esse potencial para exploração,que TEIXEIRA (2001) define como Amnésias Topográficas”,
uma situação recorrente,não só naquele bairro,mas em toda a paisagem da capital mineira.
Foto 66: Local próximo da peça, no Bairro Buritis.
Fonte: TEIXEIRA, maio 2004.
Foto 67: Entorno do local da peça.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
120 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
3.2.2 O Grupo de Teatro Armatrux
O Grupo de Teatro Armatrux surgiu em 1991,da parceria de um grupo de atores principian-
tes com profissionais de teatro para a realização do espetáculo Acorda Aderbal”.Este espetáculo foi
concebido como proposta final de curso de uma escola particular de artes integradas conhecida por
Centro Artístico Tangram. Com uma formação multidisciplinar a escola tinha como característica o
ensino das diferentes linguagens artísticas e a sua aplicação na prática, em montagens teatrais.Foi
nesta escola artística que estudou Paula Manata e outros componentes fundadores do Grupo
Armatrux,que na sua origem foram primeiro conhecidos por Grupo Tangram.Da primeira formação
apenas a atriz Paula Manata permanece no grupo.A peça Acorda Aderbal” foi importante por ter
na sua montagem todas as linguagens artísticas que influenciaram a construção do conceito artísti-
co do Armatrux.Elementos do teatro físico,do teatro de imagens,do teatro de bonecos,do canto e
da dança,foram estudados e explorados nesta primeira montagem,e permanecem como base para
as pesquisas teatrais dos espetáculos do Grupo até hoje.
A rua foi naturalmente o espaço escolhido para apresentação da peça,por ser um grupo
desconhecido era difícil alcançar um público nos espaço fechados das salas de teatro.A escola de
arte acabou logo após a montagem de Acorda Aderbal”, e o grupo de atores juntamente com o
diretor de teatro Paulinho Polika fundaram o Grupo de Teatro Armatrux.
Com dezesseis anos de carreira o Armatrux,tem quatorze espetáculos de teatro produzidos,
sendo oito deles apresentados em espaços da cidade, como: nas ruas, praças, parques e espaços
alternativos. A rica formação artística de seus componentes traduz por pesquisar sempre uma lin-
guagem artística na fase de concepção de uma montagem.Razão pela qual,os espetáculos sempre
apresentam diferentes expressões artísticas,ora do teatro de boneco com teatro de imagem,ora o
teatro físico com arquitetura,ou o teatro mambembe com os clowns e a pesquisa circense.O impor-
Foto 68: O grupo Armatrux.
Fonte:Acervo GrupoArmatrux.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 121
tante na visão de Paula Manata,em entrevista cedida em julho de 2007,“é estar sempre pesquisan-
do,buscando novas relações da arte cênica com outros segmentos culturais,pois são todas expres-
sões teatrais,tudo é teatro.
À vontade de trabalhar a partir do espaço da cidade surgiu em um momento de questio-
namento sobre qual deveria ser a marca do grupo,se o grupo era um grupo de teatro de rua,ou um
grupo que se apresentava na rua? Todas as montagens até então,ocupavam o espaço da rua com
seus palcos e cenários,mas ainda não haviam criado um teatro a partir da rua,da cena cotidiana e
da vida na cidade.Este conflito gerou uma busca por criar um teatro que trabalhasse no ambiente
urbano,fizesse da cidade o cenário e também parte da peça.
3.2.3 “Invento para Leonardoe “Nômades”
A idéia de se usar os espaços das palafitas de concreto como um espaço cênico surgiu do
encontro dos arquitetos Carlos Teixeira e Louise Marie Ganz com a diretora de teatro do Grupo
Armatrux,na época,Andréia Caruso.
A peça de teatro “Invento para Leonardo, do Grupo Armatrux, foi a primeira intervenção
artística num espaço como o vazio das palafitas. Era uma performance artístico-cenográfica,em que
o corpo apresentava-se como instrumento de pesquisa na ocupação das estruturas de concreto,um
espaço frio,de dimensão assustadora. Outra questão trabalhada nesse processo foi a mudança na
relação do uso dos espaços.A peça possibilitou uma inversão entre o espaço público e o privado,e
vice-versa,causando um ruído urbano,um movimento no cotidiano do lugar.
Para que esse trabalho fosse realizável,a participação do Armatrux foi essencial,através da
incorporação de toda uma pesquisa anterior que o grupo tinha em relação aos novos conceitos de
espaço para o teatro de rua.
122 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
A idéia de fragmentos de cenas já havia aparecido durante a elaboração do contexto,a pes-
quisa sobre o corpo articulado,movimentos e formas de ocupar o vazio com o corpo do ator,usan-
do a voz,não a palavra,e o gesto,foram os instrumentos de comunicação com o público.
Na peça “Invento o espaço da platéia foi pensado inicialmente em ocupar duas alas de
arquibancadas.Ao fundo do cenário,ficaria uma parte do público,que participaria como um perso-
nagem voyer,uma brincadeira e crítica ao lugar cênico.A outra parte da platéia ficaria de frente para
o palco,da maneira tradicional do teatro italiano.Mas o que aconteceu foi diferente,apenas a parte
da platéia de frente para o palco foi construída,o que não alterou o resultado,como a atriz Raquel
Pedras descreveu em entrevista em julho de 2007: (...) o público,da arquibancada,sentado de fren-
te para o palco, conseguiu visualizar as cenas dos apartamentos vizinhos que aconteciam simulta-
neamente, como se fossem outros espetáculos, e assim a coisa do voyer permaneceu. (...) “O
interessante é que isto não foi fator determinador do espetáculo,foi percebido durante a monta-
gem.E serviu de base de pesquisa para o outro.
Dessa forma, o espaço estático das palafitas se alterou quando foi colocado em uso pelo
teatro do grupo,ganhando movimento pelos corpos dos atores e reagindo quando os espaços pri-
vados transformaram-se em espaços públicos.
A experiência da performance teatral nos vazios da não arquitetura no Buritis aproximou-se
muito do conceito teatral de Antonin Artaud, aplicado após 1960, que indicava o abandono da
representação pela “presentação, aquilo que acontece aqui e agora,no tempo real,aproximando a
arte para o instante da vida.Isso,de fato,aconteceu com o espetáculo “Inventos para Leonardo,como
revela este depoimento:
“Simultaneamente à apresentação da peça,os prédios vizinhos apresentavam suas cenas cotidianas:
famílias jantando,usando os banheiros e eventualmente assistindo à peça de suas janelas:cenas pri-
vadas que se tornaram públicas.”(TEIXEIRA,2001).
Imagem 26: Estudo Preliminar do espaço das palafitas e do cenário da peça
“Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2001.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 123
Foto 69: Cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem 28: Perspectiva do cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2001.
Imagem 27: Perspectiva do cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2001.
124 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 70: Cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 71: Cenário da peça “Invento para Leonardo.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 125
Para atingir aquele objetivo, era fundamental transformar o cenário de abandono em
uma local mais permeável ao público e também ao espectador e aos vizinhos espaciais.
Partindo das estruturas de concreto,o espaço foi sendo assim elaborado:
“...passarelas de madeira,escadas,rampas e plataformas possibilitaram o uso extensivo das pala-
fitas em diversos níveis, enquanto uma arquibancada tubular transformou um lote vago em pla-
téia das palafitas. A porção mais central do palco se aproximava das proporções de um palco
italiano,mas a situação da platéia – um lote vago entre dois prédios de apartamentos laterais e as
palafitas no fundo – certamente criou uma outra relação entre os espectadores,palco e a cidade.”
(TEIXEIRA,2001).
Em síntese,pesquisando a performance em espaços significativos, utilizados como ele-
mentos cenográficos,“Inventos para Leonardo foi um espetáculo marcante para o Armatrux,
permitindo ao grupo a construção de uma nova identidade como representante do novo tea-
tro de rua em Belo Horizonte.
Um período de três anos separou aquela primeira montagem investigativa da segunda
peça,“Nômades,de 2004.Com um tempo de pesquisa maior e um orçamento garantido,o tra-
balho de levantamento,elaboração e montagem pôde ser amplamente desenvolvido,resultan-
do numa peça mais rica e dinâmica em relação ao lugar teatral.
“Nômades”representou uma evolução da pesquisa de arquitetura cenográfica e da per-
formance artística do ator.A peça foi um resultado do projeto de pesquisa em atuação dramá-
tica,que é realizada pelo Galpão Cine Horto (Grupo Galpão) chamado de cena 3x4 onde Grupos
profissionais de teatro são convidados para ampliarem seus repertórios artísticos.
O espetáculo foi concebido pelo processo colaborativo de montagem,que neste caso,
buscaram materializar e trabalhar sob os sentimentos e pensamentos que cada um dos atores
Foto 72:Vazios urbanos Amnésias Topográficas”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 73: Imagem frontal do cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
126 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
estivessem vivenciando na época.Todos os atores desejaram falar de temas sobre a cidade,cada
um com a sua crise,e todos com relação ao urbano.O resultado foi o retorno às palafitas junta-
mente com a pesquisa dos vazios urbanos do arquiteto Carlos Teixeira,nesta etapa com a dire-
ção de Cristina Brandão.
Aprofundando nos questionamentos e mergulhando nas relações humanas da sociedade
contemporânea, Paulo Azevedo elaborou o texto da peça a partir do espaço cênico – o vazio das
palafitas,e o traduziu em sensações e sentimentos comuns nos dias atuais.
“Pessoas em busca de um lugar.De alguém.De uma condição ideal.São peças submersas de um jogo
cotidiano,marcado pela solidão e boas doses de prazer.O tempo é uma questão de ponto de vista.E em
cada ponto do caminho,uma história diferente.O concreto é falso e a realidade é dura como um papel.
O seu.E o deles.”(AZEVEDO,2004).
Com um cenário maior, onde corredores e passarelas definiam o percurso do espetá-
culo, platôs intermediários puderam ser destinados às cenas de maior movimentação. A pro-
posta da peça era conduzir o público por todo espaço cênico, mostrando a dimensão
gigantesca dos vazios.
A peça iniciava-se na rua e,à medida que se desenrolava,também o cenário montado
sob as palafitas ia sendo ocupando.O público era parte integrante da peça e caminhava junto
com os atores.A proximidade com o público revelou novas situações em relação à ocupação
de novos espaços pelo corpo.
A seleção das estruturas e dos edifícios para a intervenção foi alcançada através dos
mapas e fotos e das inúmeras conversas com os moradores e condomínios,até a aquisição de
uma seqüência que possibilitasse a montagem. Segundo Carlos Teixeira, em entrevista de
março de 2007,
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 127
Imagem 33: Perspectiva do cenário da peça.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem 31: Perspectiva do cenário da peça.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem 32: Perspectiva do cenário da peça.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem30: Estudo Preliminar de “Nômades”– Planta do
Cenário e dos Prédios Existentes.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem 29: Estudo Preliminar de “Nômades”– Perspectiva
Isométrica do Espaço das Estruturas Existentes.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Imagem 34: Perspectiva do cenário da peça.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
128 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
um dos maiores problemas foi garantir a continuidade à fluidez do espaço,o que não aconteceu de
maneira simples.Existiam paredes a serem sobrepostas,e que necessitariam de escadas muito altas,
dificultando a movimentação e o percurso das pessoas. Por isto, o estudo preliminar de ocupar o
vazio da área de quatro edifícios,foi substituído pela segunda alternativa e o cenário foi concebido
para apenas dois prédios”.
As performances teatrais e os jogos cenográficos vivenciados pelos artistas e arquitetos
levantaram questões,alertando para situações típicas das grandes metrópoles,como o desperdício
de áreas urbanas,o abandono dos espaços públicos e,conseqüentemente,a proliferação dos vazios
urbanos pelas cidades.
Na visão de Raquel Pedras,A percepção das coisas no espaço cênico das palafitas teve
outro significado, outra dimensão, outra sensação. Já para Michelle Gonçalves, outra atriz que
atuou em “Nômades, o verdadeiro sentimento dos atores em relação ao espetáculo foi o desafio
de (...) “ir para lá é ir para a cidade com os nossos vazios,tem haver com o fato de viver no urbano,
trazia muito mais perguntas do que respostas para o grupo.A peça era muito mais para provocar
do mesmo jeito que a gente tinha sido provocado quando chegaram no local pela primeira vez.(...)
Era muito mais uma forma de colocar as questões para as pessoas,foi um espetáculo para sacudir,
fazer pensar e tentar entender como é viver na metrópole.”
Ao ocuparem o espaço vazio das palafitas com um cenário flexível e articulado às estru-
turas de concreto, novos espaços de permanência foram sugeridos, novas soluções espaciais
foram conquistadas e apresentadas às pessoas que participaram dos eventos e novas percepções
foram alcançadas sobre a preservação daqueles lugares.
Se, por um lado, a peça “Invento para Leonardo”buscou, na pesquisa dos movimentos
corporais,explorar cada parte do espaço cênico,em “Nômades”esse mesmo espaço foi vivencia-
Foto 74: O Vazio das Palafitas.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 129
Foto 75: O Homem-Cone,personagem da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 76: Cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 77: Cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 78: Cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 79: Passarela - Cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 80: Passarela - Cenário da peça “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
130 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 82: Parte final do cenário de “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Foto 81: Uma cena da peça “Nômades”, atriz Michelle Gonçalves.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
Capítulo 3. Os Lugares Teatrais de Belo Horizonte, pelo Grupo Galpão e Armatrux 131
Foto 83: Parte final do cenário de “Nômades”.
Fonte: TEIXEIRA, 2004.
do ao máximo;o público foi obrigado a percorrê-lo,percebendo como é residual este ambiente
sob palafitas de concreto, compreendendo, simultaneamente, os novos espaços cênicos cons-
truídos para a peça.
Para os moradores,os resultados foram múltiplos. As pessoas que moravam nos edifícios
em que as montagens foram feitas tiveram uma participação concreta nas etapas de construção
e liberação dos espaços transformados em teatro,mas poucos assistiram ao espetáculo.Já os vizi-
nhos de frente ou da lateral às montagens, favorecidos pela posição de suas janelas das salas e
varandas,puderam assistir inúmeras vezes às apresentações e interagiram completamente com
o evento e o espaço.
Esse teatro que aprecia a busca por novos espaços cênicos capazes de transformar o
gesto cênico, o olhar do indivíduo e a relação de ambos com o espaço é fruto do teatro pós-
moderno que deixou de “... apresentar espetáculos feitos por alguns e consumido por outros,
para organizar experiências teatrais onde não há separação entre público e platéia:todos atuam
e ninguém apenas assiste.(COELHO,1995).
Nesse sentido,público e platéia se fundem,os papeis se misturam,o público é também
artista e,nessa condição,age,criativamente,sobre seu meio ambiente,possibilitando a si mesmo
o resgate da dimensão imaginária do espaço público e a absorção da arte como experiência de
vida cotidiana.
Essa é a essência da proposta do Teatro da Vertigem, que buscou com as peças “O
Paraíso Perdido,“O Livro de Jô”,Apocalipse 1,11” e, particularmente, com “BR3” levar essa nova
experiência artística para a cidade de São Paulo.
g
Teatro da Vertigem + Cidade:
o caminho por novos espaços teatrais
na cidade de São Paulo
Capítulo 4
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 135
b
O Teatro da Vertigem aparece,neste momento,direcionando o foco da análise sobre o
uso dos espaços não convencionaisda cidade pela arte teatral.
A metrópole de São Paulo é o espaço da ação e reação ao teatro produzido pelo
Vertigem.
Considerado o mais importante nome surgido no cenário nacional das artes cênicas
dos anos 90,o Teatro da Vertigem tem, na sua trajetória, a marca por temas instigantes e ques-
tionadores, expressões e modos representativos sintonizados com o teatro contemporâneo e
causador das mais fortes reações nas platéias nacionais e internacionais.
Abordaremos os espetáculos da Trilogia Bíblica e, em especial, a peça “BR3”, com o
objetivo de compreender o processo criativo do grupo e identificar a função do fazer teatral
como instrumento de re-valorização e re-significação dos espaços escolhidos pelo grupo.
Entender de que forma a metrópole de São Paulo foi utilizada como palco e cena das
peças “Paraíso Perdido, “O Livro de Jó”, Apocalipse 1,11”e “BR3”, e como essas intervenções re-
qualificaram e re-significaram estes lugares na sua forma de uso, na sua identidade e no seu
valor simbólico na vida das pessoas e da cidade a partir destes novos usos foi nosso objetivo.
Especificamente, buscamos analisar a experiência da peça “BR3”, investigando qual a
intenção do Teatro da Vertigem ao montar uma peça dentro do rio Tietê.Um alerta ambiental?
Direcionar um olhar para um lugar que está agonizando? Um desafio artístico para o ator, para
uma produção,ou para o diretor?
Qual a relação entre teatro e cidade que o grupo construiu ao longo destes anos com
as montagens Trilogia Bíblicae “BR3”? Dentro do processo evolutivo de pesquisa do Vertigem,
como o grupo percebe a relação entre o espaço e cena, ator e público? A peça BR3 serviu de
veículo para questões vitais de uma megacidade como São Paulo?
Num estado de Vertigem – O início
Um grupo de estudo formado por estudantes da ECA,amigos,colaboradores e pessoas
ligadas à produção teatral, sob a orientação do artista, professor e diretor de teatro Antônio
Araújo,iniciaram,no início dos anos 90,uma busca por assuntos e questionamentos de interes-
ses individuais e coletivos que representassem o sentimento motivador do grupo.
Naquele momento, a questão principal e latente era a relação da física no movimento
do corpo do artista.Por ser o principal instrumento do ator,o corpo humano também foi ques-
tionado sobre a sua relação simbólica com o sentido religioso da proteção divina. Diante de
muitos elementos investigados e um extenso material acumulado,a idéia de elaborar um roteiro
para uma peça teatral surgiu como resultado de todo o estudo desenvolvido até então.
Mineiro de Uberaba,Antônio Araújo,assim como outro diretor de teatro já citado ante-
riormente, Gabriel Vilela, também teve sólida formação católica, tendo participado de muitas
procissões em Araguari,no Triângulo Mineiro,onde foi educado.Mudou-se para São Paulo,onde
formou-se em teoria do teatro e direção teatral,pela USP. Após estudar dramaturgia com Luís
Alberto de Abreu e atuar em alguns espetáculos, Antônio Araújo desenvolveu uma forte iden-
tidade com o teatro de José Celso Martinez Corrêa e com o CPT,de Antunes Filho,além de uma
grande empatia com as atrizes Eli Daruj e Marilena Ansaldi.
Porém,muito diferente de Vilela,com sua essência voltada para a religiosidade do barroco-
mineiro,Araújo expressava a sua devoção na representação do sentimento de dor e sofrimento.
O questionamento da presença e/ou ausência do sagrado na sociedade contemporâ-
nea foi a base da Trilogia Bíblica,um conflito que é permanente no homem contemporâneo em
relação à sua dimensão espiritual. Contraditoriamente, as questões investigativas sobre a física
clássica e a sua transposição para o trabalho nos corpos dos atores foram combinadas ao tema
136 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 85: O anjo em “Paraíso Perdido.
Fonte: KNAPP, 1992.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 137
religioso no processo de ensaio da peça “Paraíso Perdido.Está nessa mistura a potência e o avan-
ço artístico alcançado pelo grupo.
Se o lugar do sagrado no cotidiano das pessoas havia sido definido como eixo da
investigação, a pergunta que se fazia era: crer ou não crer? E qual seria a fé possível de um
grupo de jovens em um final de milênio?
Assim,baseados nos textos sacros e bíblicos e em obras de autores clássicos,o grupo
encontrou em John Milton,do século XVII,o poema que alimentaria o roteiro da peça elabora-
da por Sérgio Carvalho.
O começo do trabalho a partir da colocação do tema e das angústias, concomitante-
mente com a elaboração do texto é a principal característica do processo de desenvolvimento
do Teatro da Vertigem, conhecido por processo colaborativo, muito utilizado pelo Grupo
Galpão,e também pelo Armatrux como já foi demonstrado.
Essa característica é interessante uma vez que, apesar de cada integrante ter sua fun-
ção individual estabelecida, existe a liberdade de um profissional influenciar o outro e, dessa
forma, a possibilidade do conjunto de cenas e idéias ir sendo construído e conhecido por
todos do grupo.
A escolha do lugar passa a ser discutida somente após o ritual de concepção da peça.
A busca por lugares e marcos simbólicos da cidade que pudessem receber as montagens sem-
pre foi encarada com coragem pelo grupo, por serem muito difíceis as soluções de ordem
burocrática, política e econômica,que sempre ocasionaram entraves na liberação de espaços
não convencionais”para uma intervenção artística.
Essa outra característica do Vertigem em apropriar-se de espaços simbólicos,públicos,
com destinação social e caráter político claro,potencializa a repercussão e o impacto das peças
junto ao público e à cidade.
Foto 86:Ator em “Paraíso Perdido”.
Fonte: ETCHEBER, 1992.
Foto 87: O uso das cordas no espaço,“Paraíso Perdido.
Fonte: CALABI, 1992.
4.1 O percurso na megacidade de São Paulo com as peças “Paraíso Perdido,
“O Livro de Jó”e Apocalipse 1,11”
A investigação da mecânica clássica aplicada aos estudos do grupo em “Paraíso Perdido
gerou um espetáculo em que a força da palavra era correspondente à força da presença física dos
atores,e dos espectadores.”(LABAKI,2002).De acordo com ARAÚJO (2006),um dos pontos mais estu-
dados foi a compreensão do equilíbrio. Percebemos isso a partir do próprio nome do grupo, que
significa o estado que precede o desequilíbrio, o estado vertiginoso das coisas. Na peça “Paraíso
Perdido”,esse estado aparece de várias formas,como nas constantes seqüências de quedas e,especial-
mente,na cena inicial do anjo caído,escrita a partir da análise científica sobre as quedas dos corpos.
Já na primeira fala do espetáculo,a questão do (des)equilíbrio é revelada:
“Quando eu caí,as asas não verteram água nem sangue.Eu me verti de mim pelo corte.Pela fenda escor-
ri para a terra,pesada,ausente.Descobri o corpo tarde demais.Conheci a dor sem o medo ou o riso dos
fracos”.(VERTIGEM,2002)
A partir de então,o trabalho corporal tornou-se forte e radicalizou-se a cada espetáculo.Se
em “Paraíso Perdidoteve início a pesquisa do corpo,em “O Livro de Jó”, de 1993, essa pesquisa tor-
nou-se ainda mais forte,a partir da temática da Aids e a depauperação do corpo pela doença.Já em
Apocalipse 1,11”,foi explorada a questão do desrespeito ao próprio corpo,que muitas vezes se trans-
forma em objeto sem qualquer valor oferecido pelo seu massacre.
O Teatro da Vertigem representa claramente a geração dos anos 90 pela sua forma de
expressão intensamente visual.Isso aconteceu não só em relação à pesquisa do corpo,que teve na
body art o seu maior exemplo,mas também na escolha das arquiteturas,na forma de ocupação dos
espaços dos edifícios, na composição das cenas e sua relação com o público e no percurso pelos
Foto 89: O uso do espaço,“Paraíso Perdido.
Fonte: CALABI, 1992.
Foto 88: Saltos,“Paraíso Perdido”.
Fonte: CALABI, 1992.
138 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
ambientes,transformando-os em cenários dramaticamente reais.
“Paraíso Perdidoera uma peça com duração de 50 minutos,divididos em três momentos:
a dor da queda,a revolta e a aceitação da perda do paraíso após o pecado original.
O espaço da Igreja de Santa Ifigênia foi pensado de uma maneira que o público percorres-
se todo o local,seguindo as cenas que surgiam em pontos extremos de todo corpo da nave central.
Caminhar pelo espaço era obrigatório para ver e entender o que se propunha.Porém,muitas vezes,
as pessoas não conseguiram permanecer nos espaços propostos,como na parte final da peça,quan-
do muitos se recusaram a permanecer onde a platéia deveria estar.
Durante a temporada de oito meses, a peça foi alvo de muitos manifestos e passeatas de
católicos conservadores,de muitas ameaças,cartas anônimas aos atores,ao diretor,trotes e até uma
ameaça de bomba durante o espetáculo.
Depois de todas as repercussões sobre a peça “Paraíso Perdido, o grupo percebeu a força
que o teatro exerce na vida das pessoas e da cidade e assumiu a questão da religiosidade com muito
mais intensidade.
O tema da sacralidade no mundo contemporâneo foi então aprofundado, e buscando,
dessa forma,na fonte original,a Bíblia,os estudos e textos para a peça seguinte,“O Livro de Jó”.
Em Jó”,a temática girou em torno da Aids,pois a realidade da doença na época era muito
diferente dos dias atuais.Ainda não havia medicamentos para a síndrome e o grupo perdeu amigos
e companheiros durante a temporada da peça.
À frente do trabalho de dramaturgia,estava Luis Alberto de Abreu,que foi o responsável por
todo o enredo da peça em que o personagem Jó ficava à mercê de uma “brincadeiraentre Deus e
o Diabo.Acometido por uma peste,Jó perde a mulher,abandona sua casa e vaga pelo deserto.
O lugar escolhido para a encenação de “O Livro de Jó”foi o Hospital Humberto Primo que,
desativado,tinha a atmosfera exata do universo artaudiano,com suas macas e os aparelhos de aten-
Foto 90: O uso da nave,“Paraíso Perdido”.
Fonte: FRAIPONT, 1992.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 139
Foto 91:Visão do público no altar,“Paraíso Perdido.
Fonte:VALE 1992.
Foto 92: Cenografia em “O Livro de Jó”.
Fonte: PINHEIRO,1993.
dimento de emergência semelhantes a aparelhos de tortura.“O Livro de Jó” foi a peça em que
foram cumpridas todas as exigências do teatro da crueldade,através de um ambiente rigorosa-
mente verdadeiro.
No papel de Jó estava o ator Matheus Nachtergaele, que conferiu uma entrega total ao
espetáculo,assumindo,diante do público,“um risco físico,que contaminava e indicava,na violên-
cia ao próprio corpo, parte do suplício do Jó, que impacientemente, interrogava Deus sobre as
causas de seu padecimento(VERTIGEM,2002)
Como Jó, todos nós já nos perguntamos algo semelhante, independente da crença,
dúvida essa que sempre se manifesta no transcorrer da vida.
O percurso coletivo pelos ambientes e corredores do hospital era a forma do público se
sentir inserido naquela história e nos questionamentos do personagem principal. O edifício do
hospital representava o espaço real do teatro físico e cruel, simbolizando exatamente o que Jó
estava sentindo e passando, o vazio do abandono e o sofrimento da dor, uma transição entre a
vida e a morte.
A sensação de desconforto da platéia ao ser conduzida numa experiência radical como
em “O Livro de Jó”era muito grande,e a proximidade com o público foi um dos instrumentos para
o sucesso da peça. O espectador era transformado em cúmplice, participando, ao lado de Jó,de
forma solidária, das suas angustias e questionamentos, por dentro do corpo hospitalar que, ao
mesmo tempo,representava o lugar da cura,mas também da morte.
O grande sucesso nacional e internacional de público e crítica consagrou todo o traba-
lho do grupo,que excursionou por vários países.Em 1998,o Vertigem foi a sensação em Moscou,
no III Festival Internacional de Teatro Anton Tchekhov,além de ter recebido,em 1996,todos os prê-
mios nacionais, Shell, APCA, Mambembe e Apetesp, nas categorias, espetáculo, direção, ator,
Iluminação e figurino.
Foto 93: Jó na escada.
Fonte: PINHEIRO,1993.
140 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 94: Personagens de Elifaz e Jó.
Fonte: PINHEIRO,1993.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 141
Foto 95: O público assistindo cena da peça “O Livro de Jó”.
Fonte: PINHEIRO,1993.
A Trilogia Biblica foi completada com o espetáculo Apocalipse 1,11”, que estreou no
ano 2000 e teve,no presídio do Hipódromo,localizado na zona leste da capital,o espaço decisi-
vo para a sua realização.
Na pesquisa, característica do processo coletivo de montagem do grupo, sempre surge
uma investigação nos sistemas científicos que ajudam no fundamento da encenação da peça.Em
“Paraíso”, foi a física clássica.Em Jó”, a medicina e a sintomatologia,sendo os atores treinados a par-
tir dos sintomas da doença.Já em Apocalipse”,a sociologia foi a grande parceira do contexto,através
da inserção da violência e do caos social urbano na montagem.
Apocalipse 1,11”foi estruturado em dois vértices. O primeiro nos fatos brutais que estavam
acontecendo no país,como a queima do índio pataxó em Brasília e o massacre dos cento e onze deten-
tos no presídio do Carandiru, em São Paul. O segundo nos textos da Bíblia, mais precisamente em o
Apocalipse de Joãoque, naquele momento,apresentava-se como referência de exclusão social e de
violência para os criadores.O número 111 do título da peça era uma referência ao capítulo 1,versículo
11,da Bíblia,mas também ao número de presos assassinados pela Polícia Militar no Carandiru em 1992.
De início,foi a penitenciária do Carandiru o espaço escolhido para a encenação.Contudo,
com a permissão negada,o grupo buscou o pavilhão desativado do antigo presídio do Hipódromo,
na zona leste de São Paulo,outro novo espaço para a montagem da peça.
O trabalho de laboratório e pesquisa dos personagens foi feito por lugares sinistros de São Pau-
lo,como em boates na boca-do-lixo,em delegacias e presídios,em pontos de tráfico e prostituição,o que
permitiu aos atores percorrerem espaços reais e,assim,testemunharem o submundo urbano da cidade.
Com roteiro de Fernando Bonassi,o terceiro episódio da Trilogia”narrava a busca por uma
Nova Jerusalém profanada por João,um apóstolo transformado num simples homem.Ao longo da
peça,o personagem se vê obrigado por um anjo poderoso a testemunhar alguns fatos e escrevê-los
para que a humanidade esteja a par das anunciadas atrocidades,do caos e da degradação moral.O
Foto 96: Cadeira do Juizo,Apocalipse 1,11”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 1997.
142 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
relato de João não se refere ao caos que está por vir,mas coloca uma série de bizarrices e alegorias
que sugerem o fim dos tempos,como a decadência de uma sociedade onde valores contraditórios
e a falta do sentido de solidariedade e altruísmo imperam.
O trabalho cenográfico no presídio foi realizado em sua máxima extensão.Foram aprovei-
tados como lugares teatrais as celas,os pátios,os corredores,as grades,os muros e a entrada,que foi
organizada com a finalidade de provocar arrepiantes sensações,ampliadas pela representação car-
regada dos atores e pela sonoplastia,com sirenes e tiroteios.
A força cenográfica só pôde ser completada com o diálogo dos atores naquele espaço do
presídio que se apresentava impregnado de história e de significados.Um dos grandes momentos
do espetáculo foi alcançado quando o público,encostado na parede,ao longo do corredor,durante
um blackout,foi surpreendido com os atores nus correndo entre as duas fileiras humanas,uma refe-
rência explícita ao massacre do Carandiru.
Nessa cena,os corpos dos atores esbarravam em quem estava de pé no corredor,colocan-
do em xeque os sentidos do público.Novamente,o hiperrealismo do Teatro da Vertigem rompeu a
fronteira do ator e do público,entre a cena e o espaço do presídio,entre o teatro e a cidade.
E,dessa forma,a questão da resignificação do espaço público foi conduzida até o final do espe-
táculo,quando os atores seguiram para o meio da rua,de onde agradeceram os aplausos da platéia.As-
sim,a cena representava a volta do ator ao lugar central dos questionamentos do cidadão com a cidade.
É interessante ressaltar a semelhança do percurso do Vertigem com o crescimento e expan-
são da metrópole. São Paulo cresceu a partir do centro antigo da capital, passando pela Avenida
Paulista, centro do capital financeiro,até atingir,finalmente,a zona leste.No mesmo sentido,centro
–periferia, o Vertigem passou do centro antigo, núcleo urbano original, local da Igreja de Santa
Ifigênia, cruzando a Paulista, para, alcançar a antiga zona industrial, na região leste e periférica da
cidade,finalizando sua trajetória nas águas do rio Tietê,marginal à cidade,com a peça BR3.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 143
Foto 97: O uso do espaço cênico,Apocalipse 1,11”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 1997.
Foto 98: Cena do Juizo Geral,Apocalipse 1,11”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 1997.
144 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 99: João e Jesus em Apocalipse 1,11”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 1997.
Se traçarmos uma linha,vamos observar o desenho de um aspiral,onde a Igreja é ponto de
origem e o rio o ponto extremo da curvatura,que representa a força centrífuga do movimento feito
pelo teatro no espaço da metrópole.
A questão da centralidade e da experimentação de idéias em espaços públicos é afirmada
por ARAÚJO (2006),a partir da forte relação do trabalho do grupo com a arquitetura e o urbanismo,
bem como com a arte pública e as intervenções na cidade.Como observa Aimar Labaki:
“Quando o Vertigem se instala num espaço público – igreja,hospital,prisão,desativados ou não –
ele instaura uma discussão sobre a centralidade do fenômeno teatral no interior da cidade,isto é,da
sociedade.O teatro estava no centro da experiência do cidadão grego.Os mistérios medievais,a sua
maneira, carregavam de novo significado o espaço público. Ao fazer da experiência teatral uma
experiência de reflexão sobre a polis – isto é,ao retornar essas tradições - ,o grupo leva novamente
o teatro ao centro da experiência da comunidade.”(LABAKI,2002)
Além disso,outro aspecto relevante do trabalho do Vertigem é a relação que ele estabele-
ce entre o corpo e esse alargamento do espaço urbano.Como observa Silvia Fernandes:
“Em grandes cidades como São Paulo,onde a decomposição do corpo humano reflete,em grau apavoran-
te,o esgarçamento do tecido social,espaços públicos como a igreja,o hospital e o presídio ainda funcionam
como marcos efetivos de localização física e imaginária.São semelhantes às cenografias sociométricas que
se refere Richard Schechner ao comentar o teatro grego, pois mapeiam a cultura e a estrutura social da
cidade,além de preservarem sua memória.”[...] “Refazendo o percurso do Teatro da Vertigem por São Paulo
é possível perceber claramente um projeto teatral de sociometria.”(FERNANDES,2002)
E foi no marco mais importante para a cidade de São Paulo que o Teatro da Vertigem ence-
nou,em 2006,o seu quarto espetáculo,“BR3”.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 145
4.2 BR3 e o Rio Tietê
Sabemos que a água é um dos elementos simbólicos nas paisagens urbanas de várias cida-
des do mundo.As águas dos rios são fundamentais para a formação e manutenção de núcleos huma-
nos,pequenas vilas e grandes metrópoles como São Paulo.Funcionam como fonte de irrigação,muitas
vezes como força hidráulica e também como meio de transporte e comunicação entre as cidades.
O rio Tietê tem uma trajetória semelhante.Nasce no município de Salesópolis, aos pés da
Serra do Mar,bem próximo do litoral.Correndo em sentido contrário,o rio atravessa o estado de São
Paulo no sentido leste-oeste,cruzando a metrópole e abastecendo as culturas agrícolas durante o
seu percurso que termina no Rio Paraná.
Ao longo de seus 1100 Km de extensão,o rio Tietê acompanhou as bandeiras rumo ao inte-
rior do país,em seguida,as monções,a cafeicultura e a explosão industrial do estado.Porém,ao che-
gar na área urbanizada da cidade,o rio passou a receber todo o esgoto doméstico e industrial,o que
deixou suas águas escuras e densas.Assim, o Tietê hoje chega apodrecido,quase morto no espaço
urbano da metrópole que,ao contrário de tentar recuperá-lo,mal o enxerga,praticamente nega a
sua realidade e seus vínculos com o seu passado da cidade.
Em 2002,ano em que o grupo completava dez anos de carreira,após vários encontros,dis-
cussões e reflexões,fez-se necessário criar novos horizontes e sonhos.Segundo o ator SIVIERO (2005),
naquele momento refletir o País parecia ser uma questão muito instigante.
Assim surgiu uma nova proposta:criar uma peça a partir de uma viagem.Viajar representa-
va a possibilidade de desenvolver todo o processo de criação de uma forma muito significativa,onde
seria natural voltar revigorado e realimentado para um novo trabalho.
Dessa forma,o grupo iniciou sua pesquisa.Como era importante refletir o país,partiram de
uma brincadeira com o nome Brasil,definindo que a viagem seria feita a partir de uma trajetória que
Foto 100: Cenário da peça “BR3”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
146 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
representasse o caminho entre três cidades que tivessem o radical Br no nome da cidade.
Foram escolhidas três cidades que não tinham nenhuma relação entre si,a não ser no radi-
cal Br,Brasilândia,periferia de São Paulo,Brasília,capital federal e Brasiléia,cidadezinha do Acre,loca-
lizada na divisa com a Bolívia.Definido o percurso,o grupo partiu em busca do reconhecimento dos
vários brasis.Toda a viagem foi documentada e filmada,constituindo-se no grande material de pes-
quisa para a construção e representação da peça.
A narrativa da peça surgiu da idéia de representar a história de uma família que percorreria
as três cidades,um recurso que se apresentou para solucionar a distância entre cada uma delas.
As três cidades escolhidas eram pontos de referência que traduziam de forma bastan-
te diferente uma da outra a idéia de fronteira, do inacabado,da expansão,da conquista do ter-
ritório, de um país que tenta, sem conseguir, cumprir o seu encontro marcado com o futuro.
(DELMANTO,2005).
Foi na lógica da fronteira, do acampamento e do provisório que o grupo percebeu o elo
que unia as três cidades encontradas:na cultura de cada lugar,a lógica do não-lugar,de quem vive
em constante fluir por este país.
Nesse contexto,Brasília,a capital no centro do País,representava o interesse do capital vol-
tado para mercado consumidor e para o paradigma da rodovia e do automóvel. Brasilândia era a
representação dos barracos amontoados e da periferia árida,espalhada pela extensa área urbana de
São Paulo.Já em Brasiléia a questão da fronteira era uma linha imaginária que separa dois universos
e países em seu estado de abandono e miséria.
O elemento marcante do percurso foram as águas dos rios que,nas três cidades,são funda-
mentais e simbólicos no seus respectivos trajetos. Em Brasilândia, os córregos são recipientes de
dejetos,em Brasília,o Lago Paranoá é fonte de lazer e umidade,e o Rio Acre é um grande meio de
transporte para a população de Brasiléia.
Foto 101: Cenário da peça “BR3”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
Foto 102: O uso do Rio Tietê como cenário.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 147
Foto 104: Cena da peça “BR3”embaixo do Rio Tietê.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
Foto 103: Cena da peça “BR3”embaixo do viaduto.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
148 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Em São Paulo o rio que simboliza esta nova proposta é o Rio Tietê.Um rio que corre pra den-
tro,que tem uma experiência de viagem,de descoberta e de exploração muito semelhante ao que
o grupo se propôs na viagem pelo Brasil.
E,nesse sentido,fazer a peça no rio Tietê teve como motivação levar o espectador a viajar
pelo rio,a fazer uma viagem de volta na História,recuperando o sentido do rio para a cidade,como
também uma viagem pelas cidades que o grupo visitou.A proposta central da peça foi a viagem
sugerida ao público:entrar num barco e visitar os lugares.
Aliado ao mote central da viagem,veio a questão da identidade nacional. Durante a viagem
de pesquisa,quanto mais avançassem para o interior, o grupo esperava encontrar um país esque-
cido e abandonado,onde o “futuroainda não tivesse chegado.Mas não foi bem isso o encontrado.
Ao contrário,o “futurocompareceu,
“...na figura dos camelôs em cada esquina,nos jornais,no lixo acumulado em Brasilândia,nas curvas
de Brasília e nos eixos de suas favelas,na violenta miséria de Cuiabá,na devastação da Rondônia,na
resistência dos povos acreanos e na beleza caricata de suas cidades,...”(DELMANTO,2005).
o grupo percebeu,através do rastro de devastação,que o “futurojá havia chegado. A pos-
sível representação da identidade nacional naufragara sob as águas em que navegavam.
A idéia fora modificada no sentindo contrário da anterior. O papel do teatro seria o de
revelar,como antidiscurso,as contradições que o discurso imaginário da ideologia de identidade
nacional brasileira encobre.“Se a teia da ideologia se constrói sobre o imaginário, o espetáculo
teatral terá a missão de,também através da imagem,utilizando as mesmas armas da aranha,tecer
a teia da anti-teia.(DELMANTO,2005)
As múltiplas identidades foram apresentadas pelo texto de “BR-3”de várias maneiras,como
o personagem principal, Jonas, que vai se modificando durante o desenrolar da história. Em uma
Foto 105: Cena da peça “BR3”.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 149
outra situação, um personagem muda de nome ao mudar de cidade, e, assim, a transformação de
uma pessoa quando em confronto com o outro se estabelece.São questões de grande choque que
foram abordadas pelo texto de Bernardo Carvalho.
Transportada para a encenação no Tietê,ela foi traduzida pela própria característica do rio,
que está sempre se movendo, na instabilidade de suas águas a na insegurança de se estar num
barco velho sob as águas podres do rio.Tudo se movia naquele cenário,espectadores,barcos,cenas,
atores e cidades.
“E durante o processo a idéia de identidade móvel,flutuante como o próprio rio,que você nunca conse-
gue prender nem materializar,porque é uma identidade que sempre escapa,fluida como a própria água.
É como se a gente pudesse falar em identidades instantâneas...”(ARAÚJO,2006)
Por isso,encenar no rio Tietê representou exatamente este jogo de precipitações e fluidifi-
cações que a discussão da peça propunha.O espaço do rio foi fundamental para que se conseguis-
se o realismo e mobilidade desejada.O Tietê virou um palco fluido para os atores da Vertigem,que
enxergaram,no processo de transformação que o próprio rio simboliza,o viés para a discussão sobre
a questão da identidade,individual e coletiva.
A construção do cenário e dos figurinos foi também apreendida pelo grupo como a idéia
de algo em constante transformação.Por terem trabalhado com elementos da construção civil para
caracterizar os viadutos,as pontes e margens em cada uma das cidades, o grupo percebeu que as
três cidades apresentavam características de uma constante transformação,nunca ficando prontas
ou acabadas,existindo sempre algo a ser modificado ou construído.
Assim,o Teatro da Vertigem, com a sua “BR-3”no Rio Tietê,indicam e sugerem novos olha-
res e questionamentos sobre a transitoriedade das coisas,das pessoas,das identidades fluidas como
o rio,sempre em permanente construção como as cidades.
150 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Foto 106: Cenário nas margens do rio.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
Foto 107:Atores em cena.
Fonte:Acervo do Teatro da Vertigem, 2006.
E usando as palavras do diretor Antônio Araújo, termino aqui o percurso pelas peças do
Vertigem,direcionando o mote da conclusão deste trabalho.
“Eu acho que quando o espetáculo quer trazer o espectador para dentro do rio de novo e quer
fazer o espectador olhar para esse rio,redescobrir o rio (....) E talvez,com isso,provocar uma ressensi-
bilização do espectador por meio dessa experiência.Mais do que resignificar o rio como espaço teatral,
para mim tem a importância de resensibilização do rio pelo espectador”.(ARAÚJO,2006).
Foto 108: Rio Tietê, palco
da peça “BR3”.
Fonte:Acervo do Teatro
da Vertigem, 2006.
Capítulo 4. Teatro da Vertigem + Cidade: o caminho por novos espaços teatrais na cidade de São Paulo 151
Conclusão
O presente trabalho buscou compreender de que maneira diferentes intervenções artísti-
cas podem ocupar os espaços e os vazios urbanos das cidades,avaliando como essas intervenções
se comunicam com as pessoas e com o universo da metrópole.
Comparando diferentes grupos e segmentos artísticos, destacamos, especialmente, as
semelhanças encontradas entre os percursos do Arte/Cidade e do Teatro da Vertigem pela megaci-
dade de São Paulo.
O Arte/Cidade percorreu regiões históricas importantes da capital paulista. Começando
pelos galpões do Antigo Matadouro,na Vila Mariana,passou pelo Vale do Anhangabaú,no centro da
capital,chegando à Estação da Luz e,por fim,ao Moinho e à Antiga Fábrica Matarazzo,na região da
Barra Funda.Analisando cada intervenção realizada nesse percurso,foi possível identificar uma cor-
relação entre a escolha dos espaços e as propostas de cada mostra.Os não-lugares de antes,espa-
ços abandonados,invisíveis e residuais,foram re-significados,recebendo uma nova proposta de uso
através da arte e da cultura.
Já o Teatro da Vertigem nos conduziu por um outro caminho da metrópole. Após sua estréia
na Igreja Santa Ifigênia,no centro,o grupo cruzou a região da Paulista até o Hospital Humberto Primo,
seguindo para o Presídio do Hipódromo,na zona leste,até a região da Barra Funda,onde realizou sua
última montagem nas águas do rio Tietê.
Os quatro locais marcaram o cruzamento da trajetória artística do Arte/Cidade com o Teatro
da Vertigem em São Paulo:a região central,a região da Paulista/Vila Mariana,a região da Barra Funda/
Marginal Tietê e a Zona Leste da capital,o que permite identificar, entre ambos,uma semelhança na
escolha por lugares contemporâneos ou ainda pelos “não-lugares,nos espaços da megacidade.
Conclusão 153
Imagem 35: Mapa de localização dos percursos
do Arte/Cidade e do Teatro da Vertigem.
Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2008.
154 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Uma outra característica semelhante entre o Arte/Cidade e o Teatro da Vertigem foi a
opção por projetos artísticos e teatrais que fizessem um mapeamento seqüencial da arte, da
arquitetura,da cultura e da estrutura social da cidade,conhecidos por projetos cenográficos de
sociometria,como mostrado na Imagem 35.
Deve-se ressaltar que a relação do Teatro da Vertigem com a arquitetura e o urbanismo
foi um elemento essencial para a formação da sua identidade artística. Se não existisse o olhar
para a cidade e o interesse em fazer um teatro que discutisse essa relação,a dramaturgia do grupo
não seria a mesma.Ainda que,no futuro,mudanças de ideais e de questionamentos alterem a ima-
gem conceitual das novas produções do grupo, o Teatro da Vertigem, por sua profunda relação
com o espaço urbano,será sempre um ícone dentro da cena contemporânea teatral brasileira.
Prosseguindo em nossa análise, percebemos que tanto no Arte/Cidade como no
Vertigem sempre ocorreu uma escolha por lugares simbólicos.Essa opção garantiu que não só
as intervenções artístico-urbanas como a performance conferissem um novo significado para as
arquiteturas e os espaços da cidade.
Ao serem transformados em palco e cena dessas intervenções,esses lugares estabele-
ceram com os cidadãos e espectadores uma relação mais próxima, o que revelou o valor e a
importância do deslocamento da arte das galerias e museus para os espaços da cidade,incen-
tivando a cultura,o convívio e a ética social, e recuperando, dessa maneira, o conceito original
da polis grega.
De fato,tais eventos permitem recuperar o sentido de viver nos grandes centros,de per-
correr seus espaços e de vivenciá-los no seu sentido mais amplo, propondo uma participação
ativa em todos os seus riscos e ritos,nas suas esferas política,social e cultural.
Foi acreditando nesse conceito que também o Grupo Galpão trilhou seu percurso
pelos espaços de Belo Horizonte.Sempre buscando o verdadeiro sentido de seu ofício,o Galpão
Conclusão 155
aproximou o teatro da cidade, atuando como importante agente incentivador das grandes
transformações culturais ocorridas nos últimos anos. Com a magia e o encanto do rito teatral,
re-significou,re-qualificou e conferiu novos usos aos espaços urbanos,reintegrando-os,através
da arte,ao cotidiano da metrópole.Foi por isso que,na comemoração dos vinte e cinco anos do
grupo, o Galpão conseguiu reunir mais de três mil pessoas com “O Molière Imaginário e sete
mil pessoas com “O Homem é um Homem,na Praça do Papa,em outubro do ano passado.
Seguindo os passos do Grupo Galpão pelos lugares teatrais de Belo Horizonte, o
Grupo de Teatro Armatrux também vem criando,ao longo dos dezesseis anos de carreira,espe-
táculos em que a principal característica é a vivência da cidade pela mistura de referências e
de linguagens artísticas. O grupo, dessa forma, faz dessa vivência a sua fonte de inspiração,
laboratório de pesquisa e lugar de encenação de suas peças.
Porém a maturidade do grupo trouxe uma nova investigação:o universo da metrópole
e a sua relação com o teatro do grupo. O espaço da cidade como o lugar da criação do espe-
táculo foi incorporado à idéia do movimento e dos sentimentos comuns de quem vive na
metrópole.Com um olhar para a questão dos vazios urbanos e dos não-lugares”, o arquiteto
Carlos Teixeira tornou-se parceiro do grupo nas duas intervenções teatrais apresentadas nos
vazios das palafitas de concreto de edifícios do bairro Buritis na capital mineira.
E novamente o teatro e arquitetura se encontram como instrumento de crítica urbana.
Discutir as questões dos vazios urbanos e dos “não-lugaresfoi o principal papel do teatro pro-
posto por esse grupo. “Invento para Leonardo”e “Nômades”foram duas intervenções artísticas
que representaram as novas possibilidades de exploração do espaço da cidade pelo teatro e
pela intervenção artístico-urbana.
De acordo com o arquiteto Carlos Teixeira,os vazios representam a liberdade de exploração
e superação das deficiências urbanas das metrópoles.Dessa maneira,são eles os lugares contempo-
156 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
râneos da cena artística produzida nas cidades. Assim, está no vazio urbano a possibilidade de
expressão para os grupos teatrais,como novo espaço do fazer artístico.
A experiência do Armatrux nas palafitas de concreto concedeu ainda uma nova identi-
dade,um novo caminho para o teatro no universo da cidade,aproximando-o das questões levan-
tadas pelo Vertigem em relação à cidade e às artes cênicas.
Verificamos que, quando o espaço urbano transforma-se em palco e cena para a arte,
muitas questões são levantadas e algumas reflexões propostas,como a questão do valor simbó-
lico e do significado desse espaço para a metrópole e para a arte que nela se produz.
A cidade é um organismo vivo em constante transformação; seu espaço,dessa forma,é
mutável, como também as pessoas que nele habitam. Ao representar fatos reais, históricos e
questões do cotidiano,o teatro desses grupos revela-se como um grande instrumento de comu-
nicação da cidade com seus cidadãos,aproximando os agentes vivos,atores urbanos,dos espaços
público da metrópole. De igual forma, amplia a relação entre a vida e a arte, favorecendo o
encontro social e ético desses cidadãos diante da contemporaneidade e da complexidade dos
fatos que desafiam o cotidiano de quem mora nas metrópoles do início do século XXI.
O grande desafio da cidade será sempre o de permanecer como espaço da festa, das
manifestações artísticas, culturais e sociais, diante da transitoriedade e da instantaneidade do
comportamento social que desafiam a memória,o planejamento e a identidade deste palco que
chamamos de cidade.
Conclusão 157
Referências Bibliográficas
ABREU.L.A.Um Trem Chamado Desejo.Belo Horizonte:Autêntica/PUC Minas,2007.
ALVES,J.,NOE,M.O Palco e a Rua:A Trajetória do teatro do Grupo Galpão. Belo Horizonte:PucMinas,2006.
ARGAN,G.C.Arte Moderna.São Paulo:Companhia das Letras,1992.
ARRUDA,R.P.Álbum de Belo Horizonte.Belo Horizonte:Autêntica,2003.
ÁVILA,A.Triunfo Eucarístico:uma festa barroca.Belo Horizonte:Centro de estudos Mineiros,1967.
AZEVEDO,R.M. Metrópole:abstração.São Paulo: Perspectiva,2006.
BARBOSA,A.M.,GUINSBURG,J.O Pós-modernismo.São Paulo:Perspectiva,2005.
BENÉVOLO,L.História da Cidade.São Paulo:Perspectiva,2001.
___________,História na Arquitetura Moderna.São Paulo:Perspectiva,1998.
BERTHOLD,M.História Mundial do Teatro.São Paulo:Perspectiva,2000.
BRANDÃO,C.A.L.Grupo Galpão:15 anos de Risco e Rito.Belo Horizonte:Artes Gráficas Formato,1999.
___________, Diários de Montagem. Livro 1: Romeo e Julieta. Livro 2: A Rua da Amargura. Livro 3: Um Molière
Imaginário.Livro 4:Partido.Belo Horizonte:UFMG,2003.
BRECHT.B.Um Homem é um homem; tradução de Fernando Peixoto;adaptação de Paulo José.Belo Horizonte:
Autêntica/PUC Minas,2007.
CALVINO.I.Partido;adaptação e dramaturgia por Cacá Brandão.Belo Horizonte:Autêntica/ PUC Minas,2007.
CARDOSO, Ricardo Brügger. Espaço Cênico-Espaço Urbano: a relação entre os espaços das artes cênicas e os
espaços públicos da cidade. Rio de Janeiro:PROURB/UFRJ,2000.(Dissertação,Mestrado).
Referências Bibliográficas 159
COELHO,J.T.N.Moderno Pós-Moderno.São Paulo:Iluminuras,1995.
COLQUHOUN,A.Modernidade e Tradição Clássica ensaios sobre arquitetura 1980-87.São Paulo:Cosac & Naify,2004.
COSTA, M.C.C.Censura Em Cena: teatro e censura no Brasil.SãoPaulo:Edusp:Fapesp:Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo,2006.
GARRIDO,E.A Rua da Amargura.ed.Belo Horizonte:Autêntica/PUC Minas,2007.
GUINSBURG,J,FARIA,J.R.,LIMA,M.A.Dicionário do Teatro Brasileiro:Temas,Formas e Conceitos.São Paulo:Sesc SP
e Perspectiva,2006.
JUNIOR.H.F.Centralidade em São Paulo.SãoPaulo:Cortez,FAPESP,Edusp 2000.
LAKASTOS,E.M,MARCONI,M.A.Metodologia do trabalho científico:procedimentos básicos,pesquisa bibliográfica,
projeto e relatório,publicações e trabalhos científicos.São Paulo:Atlas,2001.
LE CORBUSIER.Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo:Cosac & Naify,2004.
LIPOVESTSKY,G.Os Tempos Hipermodernos.São Paulo:Barcarolla,2004.
MAGALDI,S.Cem Anos de Teatro em São Paulo(1875-1974).São Paulo:SENAC,2001.
MANTOVANI,A.Cenografia.São Paulo:Ática,1989.
MELO,S. Barroco Mineiro.São Paulo:Brasiliense,1985.
MENDONÇA,M.A.Pequenos Milagres.Belo Horizonte:Autêntica/PUC Minas,2007.
MICHALSKI,Y. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Rio de Janeiro:FUNARTE,2004.
MOLIÈRE.JB.P. Um Molière Imaginário.Belo Horizonte:Autêntica/PUC Minas,2007.
MONTANER,J.M.A modernidade superada:arquitetura,arte e pensamento do século XX. São Paulo:Gustavo
Gilli,2001.
160 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
MOREIRA,E.L.Diários de Montagem. Belo Horizonte:UFMG,2003.
__________ ,Texto de rua.Belo Horizonte:Autêntica/ PUC Minas,2007.
MUMFORD,L.A Cidade na História,suas origens,transformações e perspectivas.São Paulo:Martins Fontes,2004.
NESBITT,K.Uma Nova Agenda para a Arquitetura:antologia teórica (1965-1995).São Paulo:Cosac & Naify,2006.
NOVAES,Adaulto.O Olhar.São Paulo:Companhia das Letras,1998.
PAYOT, D. Le Philosophe et l’Architecte – sur quelques determinations philosolhiques de l’idée d’architecture.Paris:
Aubier-Montagne,1982.
PARENTE,A.Tramas da rede:novas dimensões filosóficas.Porto Alegre:Sulinas,2004.
PEIXOTO,F.O que é o Teatro.São Paulo:Brasiliense,1980.
PEIXOTO,N.B. Intervenções Urbanas:Arte/Cidade.São Paulo:Senac São Paulo,2002.
__________, Paisagens Urbanas.São Paulo:Senac São Paulo,2004.
PISCATOR,E.Teatro Político.1920.
PRADO,D.A.História Concisa do Teatro Brasileiro. São Paulo:Edusp,2003.
SILVA, A.C.A. A Gênese da vertigem: o processo de criação de “O Paraíso Perdido. São Paulo: ECA/USP, 2002.
(Dissertação,Mestrado em Artes Cênicas).
SCHECHNER,R.Performance Theory. New York: Routledge,1977.
SENNETT,R.O Declínio do Homem Público:as tiranias da intimidade. São Paulo:Companhia das Letras,1988.
SHAKESPEARE,W. Romeu&Julieta.Belo Horizonte:Autêntica/PUC Minas,2007.
SMITH,R.In: Medieval ou Barroco.Revista do Barroco,nº 12.Belo Horizonte:Imprensa Universitária da UFMG,pg 41.
Referências Bibliográficas 161
TASSINARI,A.O espaço moderno.São Paulo:Cosac & Naify,2001.
TOLEDO,B.L.São Paulo:três cidades em um século.São Paulo:Cosac & Naify,2007.
TEIXEIRA,C.M. Em Obras:História do Vazio em Belo Horizonte. São Paulo:Cosac & Naify,1999.
VERTIGEM,Teatro da.Trilogia Bíblica.São Paulo:Publifolha,2002.
__________, BR-3.São Paulo:Perspectiva:Edusp 2006.
XAVIER,D. Arquitetura metropolitana.Annablume:Fapesp,2007.
Artigos e Revistas
ACCONCI,V.Public space in a private time.In:Vito Hannibal Studio.1ed.Barcelona:Museu dArt Contemporani
de Barcelona,2004.
BAETA, R.E. Ouro Preto: Cidade Barroca. Available from Internet: <www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/
actas/3cicbi/documentos >.Cited:15 october 2007.
DELMANTO,I.In:Revista de Teatro do Galpão Cine Horto.Ano.II,Dezembro 2005,número 3.
FERNANDES,S.Teatro – Cidade. Available from Internet:<www.Cooperativapaulistadeteatro.com.br/portal/
articles>.Cited:11 november 2007.
____________,O Lugar da Vertigem.In:Trilogia Biblica.São Paulo,Publifolha,2002.
LABAKI,A. Antônio Araújo e o Teatro da Vertigem.In:Trilogia Bíblica.São Paulo:Publifolha,2002.
SIVIEIRO,S.In:Revista de Teatro do Galpão Cine Horto.Ano.II,Dezembro 2005,número 3.
162 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
SOLA-MORALES,I.Lugar:permanência o producción.In:Performance e Vida:Arte e teatralidade na experiência
pública/privada.Os Urbanistas.Revista da Antropologia Urbana,ano.4, fevereiro,2007,n.5.
SUBTEXTO,Revista de Teatro do Galpão Cine Horto.Ano.II,Dezembro 2005,número 2.
_________,Revista de Teatro do Galpão Cine Horto.Ano.III,Novembro 2006,número 3.
ZONNO, FABÍOLA. Performance e Vida Urbana: Arte e teatralidade na experiência pública/privada. s.n.t.Available
from Internet:<www.osurbanistas>.Cited:05 february 2008.
Entrevistas
Carlos Antônio Leite Brandão. Dramaturgo do Grupo Galpão.Janeiro 2007.
Carlos M.Teixeira.Arquiteto e cenógrafo das peças “Invento para Leonardoe “Nômades”do Grupo Armatrux.
Julho de 2007.
Grupo de Teatro Armatrux: Paula Manata, Eduardo Machado, Raquel Pedras, Tina Dias, Cristiano Araújo,
Fernanda Paredes e Michelle Gonçalves.Março de 2007.
Chico Pelúcio.Ator do Grupo Galpão,diretor da peça:"Um Trem Chamado Desejo" e diretor do Galpão Cine
Horto.Janeiro de 2007.
Eduardo da Luz Moreira.Ator fundador do Grupo Galpão e diretor da peça "Um Molière Imaginário".Janeiro
de 2007.
Antônio Araújo. Diretor do Teatro da Vertigem na Trilogia Bíblica, com o “O Paraíso Perdido”,“O Livro de Jó”,
Apocalipse 1,11”,e na peça “BR3”.
Referências Bibliográficas 163
Vídeos,Dvds,Imagens e Fotos
Grupo Galpão
“Corra Enquanto é Tempo,1988.
A Comédia da Esposa Muda,1986.
“Álbum de Família,1990.
“Romeu e Julieta,1992.
“Partido”,1999.
“Um Trem Chamado Desejo, 2000.
Paulo José.Grupo Galpão – A história de um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil.2003.
Apresentação de “Romeu e Julietano Globe Theatre,em Londres.
DVD das fotos do Grupo Galpão
Grupo Armatrux
DVD dos 10 anos do Armatrux,2001.
DVD das fotos de elaboração do projeto cenográfico e fotos das peças “Invento para Leonardoe “Nômades”,
por Carlos M.Teixeira.
Teatro da Vertigem
DVD das peças da Trilogia Bíblica e BR3.
DVD das fotos da Trilogia Bíblica e BR3.
164 A cidade como cena para os grupos teatrais: o caso do Grupo Galpão, do Grupo Armatrux e do Teatro da Vertigem
Sites
ARTE/CIDADE Grupo de Intervenção Urbana.Available from Internet:<www.pucsp.br/artecidade>
GRUPO ARMATRUX.Available from Internet:www.armatrux.com.br
GRUPO GALPÃO. Available from Internet:<www.galpãocinehorto.com.br>
_____________. Available from Internet:<www.grupogalpao.com.br>
TEATRO DA VERTIGEM. Available from Internet:www.teatrodavertigem.com.br
VAZIOS.S/A. Available from Internet:<www.vazio.com.br/amnesias>
WIKIPEDIA. Available from Internet:<www.wikipedia.com.br>
http://pt.wikipedia.or/wiki/Bertold_Brecht.Accessed:12.12.2207
http://pt.wikipedia.or/wiki/BrendandPuppet.Accessed:12.12.2207
Referências Bibliográficas 165
FAUUSP 2008
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo