CAPÍTULO 2: MODIFICANDO A ORDEM
[...] E espero eu dos que saírem deste nosso, também [colégio] real, teólogos,
filósofos e humanistas, que, quando chegarem ao Grão-Pará e Rio das
Almazonas, e se virem naquela imensa universidade de almas, espero, digo, do
seu espírito, e ainda do seu juízo, que, esquecidos das ciências, que de cá
deixam, se apliquem todos à conversão [...].
Quando eu estava no mundo, não deixei o mundo do mundo por salvar a minha
alma? Pois agora que sou religioso, por que não deixarei o mundo da Religião
por salvar muitas almas? Qual é o mundo da Religião? São as retóricas, são as
filosofias, são as teologias, são as cadeiras, são os graus, que na mesma religião
reputa o mundo por mais autorizados.
Exortação I em Véspera do Espírito Santo.
Padre Antônio Vieira, Colégio da Bahia, 1688.
O estudo realizado no capítulo anterior nos possibilitou vislumbrar que a chegada da
década de 1580 marcou o início de um momento peculiar para a Companhia de Jesus,
principalmente nos domínios portugueses. Durante as primeiras décadas correspondentes ao
estabelecimento da União Ibérica, a Ordem fundada por Inácio de Loyola passava por uma
série de dificuldades, tais como a crise de “identidade” atravessada pelos religiosos, a perda
de influência política frente à ascensão dos Felipes de Espanha e o surgimento de ataques de
caráter temporal contra o Instituto.
No mesmo sentido, o corpo da Ordem no Brasil também se deparava com um
período sem precedentes em sua história, surgido principalmente da tensão existente entre os
dois principais ministérios praticados pelos inacianos na Província: as missões realizadas
entre os nativos e os trabalhos ligados aos colégios. Se em território europeu, a polêmica
gerada pelo crescimento dos estabelecimentos de ensino girava em torno de questões como a
transformação do voto de pobreza, a estreita relação estabelecida com a literatura pagã, assim
como com a cultura secular e, por fim, a crise no ideal itinerante, primeira característica do
Instituto, no Brasil, somava-se a todos esses fatores a questão indígena.
No momento em que a Companhia de Jesus enfrentava uma forte crise em relação ao
empreendimento missionário no Brasil, os colégios fundados pelo Instituto assumiam um
importante papel junto à sociedade, apontando a intensificação das distintas posturas
existentes no interior da Ordem na Colônia. Este capítulo faz uma análise da presença