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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
PROURB
Dissertação de Mestrado em Urbanismo
Pedro Manuel Delgado
Orientadora: Professora Doutora Sonia Azevedo Le Cocq d’Oliveira
Rio de Janeiro, fevereiro de 2007.
ILHA DE S.VICENE-CABO VERDE
MINDELO
UMA CIDADE, UMA FORMA URBANA
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduaçao em Urbanismo Prourb
MINDELO: UMA CIDADE, UMA FORMA URBANA.
Dissertaçao de Mestrado em Urbanismo
Pedro Manuel Delgado
Orientadora: Professora Doutora Sonia Azevedo Le Cocq d’Oliveira
Rio de Janeiro, fevereiro de 2007.
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Dedico esta tese aos meus filhos, Vander e Vânia, pelo tempo que estiveram à minha
espera, e pelo apoio sem o qual não seria possível concluir esta dissertação.
6
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado durante o período de 2005 -2007, junto ao programa de Pós -
graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Enquadra-se no âmbito do Programa de Cooperação, com
bolsa da CAPES-MEC no âmbito do Programa PEC-PG -Programa de Estudantes -
Convenio de Pós-graduação. Meus agradecimentos iniciais são dirigidos a essa
instituição, especialmente à sua Coordenação representada pela pessoa Prof.Dra. Denise
Barcellos Pinheiro Machado - PROURB-FAU-UFRJ e seus dirigentes, corpos docentes,
e funcionários. Agradeço a minha família, por tudo. A paciência, o apoio e o tempo que
estiveram a minha espera sem o qual não seria possível concluir esta dissertação. Um
especial agradecimento à orientadora Prof. Dra. Sonia Azevedo Le Cocq d’Oliveira, aos
professores que compuseram as bancas de Qualificação (2005) e Final (2007),
professores-doutores Lílian Vaz, Rachel Coutinho Marques da Silva,respectivamente, e
Cristóvão Fernandes Duarte e Vera Lucia Motta F. Rezende. Os meus agradecimentos à
Câmara Municipal da Ribeira Grande - Santo Antão e à Câmara Municipal de S.Vicente
- todo o pessoal do GT (Arquitecto Anildo Silva), ao Dr.Moacyr Rodrigues(entrevista
em 28.01.06), Joaquim Monteiro (Biblioteca Nacional-Praia).
E finalmente os meus sinceros agradecimentos à CAPES pela oportunidade que me
ofereceu na cedencia da Bolsa de Estudos.
Resumo
Esta tese pretende abordar de forma sintética, a importância que o arquipélago de Cabo
Verde marca no contexto da expansão das navegações para o Atlântico Sul. Evidencia o
papel que desempenha no contexto urbanístico das cidades insulares atlânticas de
origem portuguesa, todas de recorrência histórica e urbana na localização litorânea. A
abordagem das duas épocas foi fundamental na compreensão das conseqüências
espaciais da ancoragem portuária: Ribeira Grande, cidade fundada no século XV, com
traços de uma cultura urbanística tardo-medieval, e Mindelo, uma cidade nova, criada
sob os desígnios da Revolução Industrial e dos princípios urbanísticos pragmáticos do
século XIX. Constituem, assim, dois momentos históricos identificam as constantes que
marcam a importância da inserção histórica do arquipélago no contexto das rotas
transoceânicas, adquirindo valor estratégico fundamental ao funcionamento do
Atlântico.
Realçamos a importância da Ilha de S. Vicente, mais especificamente da cidade
do Mindelo, analisando a estrutura urbana, desde o início do século XIX até o século
XX. Do processo de povoamento ao conceito de projecto urbano, incertezas, frustrações
e varias tentativas, marcam a fundação e formação de uma cidade, inscrevendo e
prescrevendo uma forma urbana peculiar das cidades-porto.
Finalmente, considera-se a importância dos cenários do planeamento urbanístico
vigorado no ultramar, dos tipos de planos, do desenho e da s influências conceituais dos
planos da cidade do Mindelo.
Palavras-chaves: cidades-porto, Insular, Historia e Forma Urbana, Migração e Projecto
Urbano.
7
Abstract
This thesis intends to approach in synthetic way, the importance that the archipelago of
Cap Verde marks in the context of the expansion of the navigations to Atlantic Ocean
South. He evidences the paper that carries out in the town planning context of the
Atlantic insular cities of Portuguese origin, all of historical and urban appeal in the
coastal location. The approach of the two times was fundamental in the understanding
of the space consequences of the port anchorage: Ribeira Grande, city founded in the
century XV, with lines of a delay-medieval town planning culture, and Mindelo, a new
city, maid under the purposes of the Industrial Revolution and of the pragmatic town
planning beginnings of the century XIX. Two moments reports identify the constants
that mark the importance of the historical insert of the archipelago in the context of the
transoceanic routes, acquiring fundamental strategic value to the operation of Atlantic
Ocean. We enhanced the importance of the Island of S. Vicente, more specifically of the
city of Mindelo, analyzing the urban structure, since the beginning of the century XIX
to the century XX. From settlement process to the concept of urban project,
uncertainties, frustrations and varies attempts, they mark the foundation and formation
of a city, enrolling and prescribing a peculiar urban form of the city-port.
Finally, we considered the importance of the sceneries of the town planning been
in force in the overseas, of the types of plans, of the drawing and of the conceptual
influences of the plans of the city of Mindelo.
Word-key: city-port, Insular, History and Urban Form, Migration and Urban Project.
Lista de Ilustraçoes
LISTA DE MAPAS
Para a cidade da Ribeira Grande Santiago, a sua estrutura urbana inicial do tipo linear-
pag, 24.
Estrutura da cidade antiga – Cidade da Praia, Zona do Plateau-pag, 25
Localização das ilhas de Cabo Verde no Oceano Atlântico, pág,29.
Rota do tráfico de escravos para Santiago e Américas-pag, 30.
Mapa da Ilha de S.Vicente (acesso na internet em 12.12.06)-Mapa e ilha de SVicente,
pág, 42.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Vista parcial da Cidade Velha - pág, 32.
Antônio de Noli - Descobridor da ilha de Santiago. Iniciador da grande aventura da
ocupação humana do arquipélago cabo-verdiano - pág, 35.
8
Ruínas da Sé Catedral. Visão panorâmica da Fortaleza (c.1555-1709)-pag, 38.
Casas típicas da Cidade Velha-Rua Banana (finais do Século XV), pág,38.
Fortaleza Real de S. Filipe (c. 1591).
Panorama geral visualizada do lado nascente, pág, 39.
Fotografia da Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (c.1495), pág,
39.
Vista parcial do porto-Editor: União Bazar, 1910 pag 52.
Câmara Municipal da Ilha de S.Vicente”.Gravura de Alberto, Escola Portuguesa,
século XIX. Edifício dos Paços do Conselho-pag, 53.
Cidade antiga do Mindelo, Painel em azulejo -Praça Estrela ( Fotos do autor, 2005).pag,
57.
Vista parcial da Baia e Cabeça de Washington -Editor: Bazar Bonucci & Frusoni, 1910,
pág, 59.
Parish Church St. Vicent CV.” Editor: Nicol & Percy, St. Vicent, Cape Verde (
Bristish Manufacture), pág-61,
Fotografia Antigo Edifício Hospital Militar e Civil, pág,61.
Praça Estrela, 2006 Foto: Mindelo Antigo, vista geral-Paineis em azulejos-pag, 120.
Ponte Nova- Editor: Bazar central Bonnaci & Frusoni, 1910.-pag70.
Vista parcial da cidade do Minddelo Fonte: Ensaio de Iconografia das Cidades
Portuguesas do Ultramar”- (Vol. I),p. 131, Luis SILVERIA Junta de Investigação do
Ultramar, Lisboa, 1956, (No Arquivo Histórico da Praia-Cabo Verde).pag-122.
Fotografia da Alfândega - Bazar Central Bonucci & Frusoni, 1910.-pag, 78.
Baia e “Cabeça de Washington - Editor: I & Nicol, 1920-pag-82
Ponte de desembarque de S.Vicente -pag-83
Largo da Pracinha-Editor: Bazar Central Bonucci & Frusini, 1910-pag- 83
Trabalhadores de Carvão – pag84.
Cena de Casamento”-Col. Particular Amandio Paris Silva, pág-88.
Esplanada do Quiosque, 1945 ( Foto: Moacyr Rodrigues), pág-89.
Grande Hotel Brasileiro”-Col. Particular João Loureiro,pág- 93.
A cidade do Mindelo em 1891. Fonte: “Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas
do Ultramar”- (Vols I), p.120, Luis SILVERIA Junta de Investigação do Ultramar,
Lisboa, 1956, (No Arquivo Histórico da Praia -Cabo Verde, pág-100.
Praça Nova ou Praça Serpa Pinto- Editor: União Postal Universal, 1910, pág-102.
9
Vista parcial da cidade do Mindelo, pág-102.
Estação Telegráfica - Editor: Bazar&Frusoni, 1910, pág-103.
Vista parcial de Salina- Editor: União Postal Universal, 1910, pág-108.
Vista típica de casas tradicionais da malha urbana, centro da cidade, pág-109.
Antigo Edifício do Correio, pág 112.
Edifício Capitania dos Portos( Replica Torre de Belém)-construído em 1918-1921, pág-
113.
Alto de Solarine, Fonte Cônego, Fonte Felipe, Ribeira Bote e Monte Sossego em 1979,
pág-115.
Fonte Felipe, Ribeira Bote, Fonte de Inês, Vila Nova, Lombo de Tanque e Bela Vista
em 1979-pag-116.
Vista atual da cidade do Mindelo. (acesso a internet em 12.12.2006).pag-118.
Avenida. Marginal- Mindelo, 2005- (Fotos do autor), pág-119.
Foto atual Estatua A.Noli -vista para a baia. , 2005- ( Fotos do autor), pag-119.
Largo principal a frente dos Paços do Concelho e a rua perpendicular a Baia-pag-120.
Vista parcial da cidade do Mindelo (foto-2005), pág-120/122.
Vista parcial-Ribeira Bote, Alto de Solarino -2005- Expansão periférica da cidade, pág-
123.
Vistas parciais de áreas de expansão periférica da cidade ( 2005), pág-124.
Fotografia aérea da cidade do Mindelo em 1968-1969.( Gabinete Técnico da Câmara
Municipal de S.Vicente),pág-130.
LISTA DE ESQUEMAS
Ribeira Grande: Localização e implantação de edifícios significativos (igrejas,
conventos e fortalezas) desenho do autor, pág-40.
Ocupação Inglesa: 1850 a 1859 e 1879-1914 - Desenhos do autor)- pág, 80 e 81.
Esquema da estrutura urbana da cidade (desenhos do autor), pág-132.
Estrutura Urbana - Linhas de força convergindo para o centro da baia ( desenho do
autor), pág-133.
Esquema do Plano Director ( 1968-1969), pág-142.
Esquemas de Planos Parciais, pag144.
LISTA DE PLANTAS
Planta da povoação do Mindelo de 1938.
Fonte: Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar”- (Vols I) , Luis
SILVERIA Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1956, p.129 (No Arquivo
Histórico da Praia-Cabo Verde), pág,60.
A plano f Porto Grande in the Island Saint Vicente of Cape verd”, 1820, pag-63.
A plano f Porto Grande in the Island Saint Vicente of Cape verd”, 1873-pag, 64.
Planta da Povoação do Mindello na Ilha de S.vicente de Cabo Verde em 1858 ( Sena
Barcellos), pág-66.
Planta incompleta da Cidade do Mindelo.Fonte: SILVERIA, Luis -Ensaio de
Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar-(Vol. I), p. 131, Junta de Investigação
do Ultramar, Lisboa, 1956, (No Arquivo Histórico da Praia-Cabo Verde), pág 135.
Urbanização da cidade do Mindelo (1968-1969), pág- 141.
Plano parcial de Urbanização da cidade, pág-145.
LISTA DE QUADROS
Companhias de navegação com escalas mensais no Mindelo, PAG-90.
Receita Pública arrecadada no Mindelo-(1875-1880), pág-96.
Evolução das Relações de Masculinidade na Ilha de São Vicente, pág-97.
Expansão da cidade - Novos Bairros 1908, pág-105.
S.S.G. - Secretaria Geral do Governo.
Sumário Paginas
Introduçao 14
Capítulo 1
1 A estrutura urbana e morfologica das Ilhas Atlanticas de origem
portuguesa.
1.1 As cidades das ilhas atlanticas de origem
portuguesa 18
1.2 A expansao portuguesa e a criaçao das cidades
atlanticas 18
1.3 A escolha do sítio 19
2 Os modelos de referência do urbanismo português na África: 21
2.1 A evoluçao da estrutura urbana. 23
2.2 Espaço Insular: práticas sociais e
simbólicas. 25
Capítulo 2
2 Cabo Verde e o Atlântico 28
2.1 Arquipélago de Cabo Verde: enquadramento e desenvolvimento
2.2.1 Primeiras estruturas administrativas: 31
As primeiras ocupações
2.2.2 O desenvolvimento do comércio com a costa da Guiné: século
XV e a primeira metade do século XVI. 35
2.2.3 A expansão da cidade - século XVI. 36
2.2.4 A decadência da cidade. 41
Capítulo 3
3 Mindelo: uma cidade, uma forma urbana. 42
3.1 A ilha de São Vicente e o Atlântico. 43
3.2 Época das incertezas e esperanças. 45
3.2.1 São Vicente: povoamento e desenvolvimento
populacional 1794 a 1850: Projeto urbano, incertezas e
tentativas de povoamento. 45
3.2.2 A cidade do Mindelo e o período entre 1858 a 1879. 55
3.2.3 A estrutura urbana, o local de assentamento e o porto. 60
A primeira planta de fundação da cidade. 65
A estrutura do núcleo central e sua expansão. 67
O rápido crescimento da cidade
e o aumento da população. 70
A cidade e as ilhas vizinhas. 72
3.3 A importância da navegação no processo de desenvolvimento
socioeconômico da cidade. 77
3.3.1 Mindelo: cidade em crescimento, prosperidade
e crise – 1879 a 1914. 77
3.3.2 O declínio da cidade do Mindelo. 85
O porto e as virtualidades econômicas e espaciais. 92
3.3.3 A crise do modelo de crescimento do porto 93
O porto e o aumento demográfico 98
3.3.4 Expansão da cidade e novos bairros 101
A cidade e novas infra-estruturas urbanas 106
A cidade do Mindelo e a influência inglesa 107
3.3.5 Mindelo no período entre 1914 a 1939 110
3.3.6 Mindelo no período pós-guerra: a emigração e as
transformações morfológicas no tecido urbano. 114
Capítulo 4
4 As mudanças no contexto do desenvolvimento
e do crescimento urbano: Mindelo a partir dos anos 70. 117
4.1 O crescimento urbano disperso e fragmentado
e as conseqüências sobre o desenvolvimento urbano. 117
4.2 Planos, Legislação urbanística e expansão da cidade. 125
4.3 Desenho e a forma urbana de estrutura antiga da cidade do Mindelo
e suas influências conceituais. 129
4.3.1 O sistema de planejamento urbano 134
4.3.2 O renascimento
do Ministério das Obras Públicas. 136
5 O urbanismo no Ultramar: Mindelo, os instrumentos urbanísticos e os
modelos conceituais. 138
5.1 Mindelo e os planos urbanísticos. 141
Conclusão. 147
Referências Bibliográficas 151
INTRODUÇAO
Esta tese tem como base o tema “Mindelo, uma cidade, uma forma urbana”. Não
se pretende abordar ou desvendar em profundidade a idéia da forma urbana no sentido
mais genérico. Pretende-se apenas relacionar o processo de reprodução do espaço
urbano na formação da cidade do Mindelo como mudanças morfológicas advenientes
dessa formação, relacionando-o, a cada momento, à organização interna da cidade com
o processo de evolução da formação social.
Tentando atingir este objetivo, o estudo aqui apresentado descreve e analisa a
estrutura urbana da cidade do Mindelo, desde o início do século XIX até o século XX,
procurando transmitir e perceber, paralelamente, suas intenções em relação aos
processos econômicos, sociais e políticos que habilitam o arquipélago de Cabo Verde a
desempenhar papel geoestratégico no Atlântico. Essa importância é proveniente da
posição geográfica das ilhas, da sua valorização no Atlântico enquanto ponto estratégico
e da sua inserção na economia mundial.
É relevante assinalar que nos anos 50 de mil e oitocentos, a ilha de São Vicente
passa de espaço inóspito, marginal, árido, sem água e semi-habitado a um espaço
dinâmico, um ponto de encontro, um centro de vida e de trocas culturais em que a
situação mundial que se alterava começava a traçar um novo desti no para a ilha de São
Vicente, e incitava o entusiasmo de alguns governantes de visão que sonhavam ainda
com o povoado se resumindo a algumas choupanas erguidas no areal, com um
ambicioso plano que se concretizaria” num papel desenhado, num período em que
lutas intestinas assolavam o reino e depauperavam os cofres, e Cabo Verde conhecia um
dos seus maiores períodos de estiagem e de mortalidade conseqüente” (CORREIA e
SILVA, 2005: 11). A criação da cidade do Mindelo passou por várias etapas para se
chegar à sua fundação. Uma das primeiras etapas foi a criação de um projeto urbano
para a cidade, um desígnio, um projeto estratégico, de longo prazo , e a chave do projeto
fora a construção do porto. E a cidade do Mindelo nasceu como porto, e do mar e à sua
volta desenvolveu-se uma série de atividades econômicas, por isso é uma urbe talássica.
O processo de formação da sociedade cabo -verdiana se caracteriza no quadro de
contexto geográfico, pela descontinuidade territorial. Apesar da sua pequenez e no
quadro de uma unidade arquipelágica, a cada uma das ilhas são marcadas peculiaridades
inerentes à forma de povoamento de cada uma delas. No entanto, o que pretendemos
abordar é a importância histórica no contexto urbanístico das cidades insulares
Atlânticas de origem portuguesa.
A mobilidade geográfica secular do cabo-verdiano remonta ao processo de
formação da sociedade que se seguiu à descoberta do arquipélago em 1460 e o seu
posterior povoamento com a doação pela Coroa Portuguesa, situação que t ransformou o
território num entreposto de escravos, sobretudo com destino às grandes plantações de
cana-de-açúcar das Américas. Daí se imprimiriam características próprias ao cabo-
verdiano, que se refletiram na estratificação sui generis da sua estrutura urbana, social,
econômica e cultural.
A descoberta das ilhas pelos portugueses situa-se no contexto da expansão das
navegações para o Atlântico Sul. Os fatores climáticos, o distanciamento em relação ao
reino e a condição de ser um espaço longínquo foram determinantes para que estas ilhas
tivessem um povoamento tardio em relação às outras ilhas. Açores e Madeira
apresentam um quadro climático e pluvial completamente diferente daquilo que foi
descrito pelos colonos como árido, inóspito e marginal. E é neste quadro que
interrogamos: qual é o papel que Cabo Verde vai desempenhar no contexto da
navegação portuguesa para o Atlântico?
Num primeiro momento abordamos, de forma sintética, a importância da
colonização, desde a antiguidade, por ter sido esta um campo fértil para a criação de
cidades: a expansão portuguesa e a implantação do sistema de criação das primeiras
vilas e cidades Atlânticas nos arquipélagos do domínio português. E num segundo
momento, faremos refencia a Cabo Verde, como porto marítimo de passagem
obrigatória, que revelar-se-ia de transcendente importância no prosseguimento das
viagens para o Sul do Oceano Atlântico, na busca do caminho marítimo para a Índia.
Ribeira Grande-Ilha de Santiago, a primeira cidade européia na África, desenvolveu-se
a partir do século XV ao longo de uma ribeira escavada entre vales, para proteção e
obtenção de água, num território árido e inóspito, tornando-se um lugar de interação
humana que, pelo seu dinamismo comercial, gerava uma grande heterogeneidade social.
Referências bastante elucidativas revelam a importância que este arquipélago
teve como ponto estratégico no Atlântico. Nesse sentido, afirma-se que em 1497, a
armada de Vasco da Gama, a caminho da Índia, lançou âncora na Vila da Praia
(Santiago) para se abastecer em víveres e água”, concluindo dentre outros pontos que
em 1500, Pedro Álvares Cabral, a caminho do Brasil, com escala em Cabo Verde, da
mesma forma que antes, em 1498, Cristóvão de Colombo, durante a sua terceira
viagem, passou por Ribeira Grande” (PEREIRA, Daniel, 1998: 28) e por outro lado,
em demanda das ilhas do Atlântico ocidental, numerosas foram as expedições bretãs e
normandas que escalaram demoradamente São Vicente e o seu Porto Grande. Também
os holandeses, no seu esforço de conquistar e ocupar o Brasil utilizaram
sistematicamente a ilha de São Vicente. Neste contexto deu-se a escala na ilha cabo-
verdiana em 1628, a serviço da companhia holandesa das Índias Ocidentais, com a
frota do capitão Van Uytgeest a caminho de Pernambuco. No mesmo ano fundeia no
Porto Grande, sob o comando do capitão Adraien Jansz, uma outra frota das Províncias
Unidas. É, no entanto, em 1629, que estaciona em São Vicente a maior frota holandesa
até então vista no arquipélago. Ela tem por destino o Brasil e por objetivo a conquis ta
da cidade de Olinda. Os navios capitaneados pelo general Loncq demoram quatro
meses em São Vicente, tempo suficiente para descansar a tripulação, montar
embarcações e abastecer-se de sal nas ilhas orientais do arquipélago” (CORREIA e
SILVA,1998: 28). Nestas explicações reside o valor estratégico e a posição geográfica
que Cabo Verde marca nos seus roteiros de navegação.
A metodologia adotada no trabalho consiste essencialmente na recolha de
bibliografia, cartografia e iconografia sobre a importância da s ilhas atlânticas de origem
portuguesa e da evolução urbana da cidade do Mindelo. Julgamos inoportuno descrever
a importância do arquipélago de Cabo Verde no quadro histórico das cidades insulares,
sem a qual não é possível, embora num outro contexto, compreender e entender a
demanda histórica que caracteriza esse período e o da fundação da cidade do Mindelo,
no início do século XIX. Dois períodos históricos diferentes consagrados em momentos
diferentes, eis a razão desta dissertação. Os limites do tempo e de recursos não
permitiram abranger todo o manancial de fontes primárias encontradas em algumas
bibliotecas, que julgamos relevantes para trabalhos posteriores. Cabe aqui a observação
de que a pesquisa de informações a que tivemos acesso, constitui um embasamento
teórico adotado para a articulação de categorias e conceitos, que se revela ainda bastante
incompleto. E na seqüência destas categorias e conceitos pretendemos abordar em
trabalhos posteriores estudos da morfologia da estrutura urbana da cidade, os eixos
estruturantes que marcam uma malha urbana sui generus de origem de uma segregação
espacial a volta dos pontos de água (poços). Entretanto, consideramo-lo suficiente para
uma primeira tentativa de análise do processo de estruturação urbana do espaço
mindelense nos séculos XIX e XX, e entendemos que esta an álise deve ser considerada
apenas como preliminar.
CAPIOTULO 1
1 A ESTRUTURA URBANA E MORFOLOGICA DAS ILHAS ATLANTICAS
DE ORIGEM PORTUGUESA
1.1- AS CIDADES DAS ILHAS ATLANTICAS DE ORIGEM PORTUGUESA
1.2- A expansao portuguesa e a criaçao das cidades Atlanticas
A partir do século XV se inicia a expansão portuguesa e a implantação do
sistema de criação das primeiras vilas e cidades atlânticas nos arquipélagos do domínio
português. Essa expansão é caracterizada em um único grande grupo geograficamente
distinto: para o Norte da África, as Ilhas Atlânticas, a Costa Africana, o Oriente e o
Brasil. É o período dos descobrimentos e o início da multiplicação das fundações em
todos esses continentes que, segundo Portas,
estende-se das primeiras fundações à sua consolidação
como lugar central, integrando progressivamente os
saberes civis e militares que conduziriam às luzes”
setecentistas e à proto-industrialização” (PORTAS,
ano:(163).
Assim, no decorrer dos séculos seguintes, a Coroa Portuguesa estabeleceu e
manteve um império marítimo forte, e assegurou um monopólio de navegação e
comércio. Na primeira metade do século XV, os primeiros marcos importantes e
demarcadores das faces iniciais da expansão marítima passam com a descoberta e o
início da ocupação das ilhas atlânticas. Estas ilhas situavam-se nas rotas de navegação
para o Sul, ao longo da costa africana. O comércio do ouro produzido nas regiões ao sul
do Saara e o comércio dos escravos eram determinantes aos objetivos comerciais do
início da expansão e ao controle deste monopólio, através da rota marítima em torno d a
África: à esta expansão desde o início a fortificação e a cidade surgem associadas;
foram, sobretudo as fortificações, feitorias e cidades amuralhadas que mais
evidenciaram a influência da engenharia militar portuguesa e o seu cariz erudito,
afirmando-se por imperativo da conquista, da descoberta ou da colonização” (COSTA,
Alexandre, 2000: 3). E prosseguindo, conclui TEIXEIRA, Manuel (1999: 47) que em
muitos casos, serão os mestres de fortificação e mais tarde os engenheiros militares que,
encarregados do desenho das fortificações, irão também se ocupar do desenho das
cidades”. E assim, a expansão portuguesa que se iniciou no princípio do século XV é
marcada essencialmente no seu contexto urbanístico pela construção de fortalezas.
1.3- A escolha do sitío
Esta atuação é marcada mais no sentido defensivo cujo interesse passava por
razões estratégicas. A seguir, ao Norte de África, a ocupação das ilhas Atlânticas; com o
desígnio de chegar a Índia, estabeleceu-se uma rede urbana ligada pela navegação que
definia pontos estratégicos no quadro da colonização das ilhas: Madeira em 1422;
Canárias em 1424; Açores em 1439; Cabo Verde em 1462 e S. Tomé e Príncipe em
1482.
Os traços que caracterizaram a implantação das primeiras fundações das cidades
portuguesas se baseavam desde o início na escolha do sítio. Segundo Cruz, Gleuda
(2001: 160), desta personalidade própria, transcrita por FERNANDES, Manuel (1991:
100), ”tratar-se ia de um certo senso do sítio sobre o qual se fundamentaria a preferência
por certas implantações”, em que o senso do sítio — refinado no urbanismo português
tem um referencial muito antigo e m editerrâneo e que era impregnado nas fundações
de empórios ou feitorias das colonizações empreendidas por fenícios, gregos,
cartagineses e romanos. Estas normas e princípios que vigoravam mesmo transmitidas
pelos decretos régios da criação de cidades, devi do ao grau de simplicidade, permitiam,
para além de uma certa maleabilidade, identificar um padrão de assentamento
tipicamente mediterrâneo.
Antes da opção do tipo de traçado, vários aspectos são considerados na escolha
do sítio”, nomeadamente a desembocadura de um pequeno rio ou riacho que aporte água
doce, natureza do solo, relevo acidentado (topografia), fontes de água, cursos ou massas
de água, uma colina. Uma vertente importante a considerar nos núcleos antigos é a
ocupação de sítios mais elevados, que facilitava a aplicação de um esquema defensivo e
militar, além do controle eficiente das vias de comunicação e caminhos ou vias
marítimas e fluviais. Neste contexto, segundo Portas (ano: 164),
a escolha de novos sítios urbanos privilegiará outros conceitos,
valorizados pelos saberes codificados da engenharia militar pós-
filipina, privilegiando então as facilidades de expansão e densificação,
aproximação ou anulação das distâncias entre alta” e baixa” (ou
cidade ou porto), a monumentalidade mais ou menos barroca de
santuários, catedrais, praças ou fortalezas, finalmente construídas para
durar.
Porém, no quadro deste esquema e no caso do urbanismo português, a expansão
atlântica, a visão e a importância do senso do sítio” apresentam uma predileção
litorânea que passa a ser o “o resultado do acúmulo de conhecimento matemático,
astronômico, geográfico e cartográfico ligado às áreas litorâneas e às técnicas
comerciais e de navegação” (CRUZ, Gleuda, 1998: 161). Segundo a mesma autora, era
natural que os reinos cristãos ocidentais da península também ali tenham buscado
inspiração”.
Enraizada nas cidades portuguesas, essa litoralidade” toma outras dimensões
com a sua aplicação em outros quadrantes alterados pelas condições locais. E assim, o
modelo de estrutura formal das cidades litorâneas, que acontece desde a monarquia
portuguesa, vai manter-se ao longo da história como sistema estruturante associado às
cidades, conservando, de certo modo, alguma peculiaridade com os antigos núcleos
fortificados. Com efeito, a colonização das ilhas atlânticas, a fundação das suas vilas e
cidades portuárias consolidam profundamente esta cultura litorânea,
mas elas ensaiam uma litoralidade nova e começam a criar uma
dialética espacial entre a alta defensiva e a baixa comercial. Desta
transição tão lenta como firme, na direção da costa e dos estuários,
sobretudo no norte do Tejo, nasceu enfim o modelo português da
cidade” (FERNANDES, Manuel., 1991: 110).
2- Os modelos de referência do urbanismo português na África
Vários são os autores que se referem à influência da cidade medieval e
renascentista portuguesa do continente nas cidades das ilhas atlânticas de origem
portuguesa. Os princípios básicos e a pr ática que se verificava no continente foram de
certa forma utilizados para as cidades da expansão. Segundo Ribeiro (1962: 45),
aquelas cidades receberam uma influência mais ou menos direta do povoamento
português, e os modelos que lhe serviram de referência foram, de certa forma,
importados do continente. A práxis urbanística que se aplica ao continente na época
(século XV), e em épocas anteriores (séculos XIII e XIV) e posteriores (século XVI)
serviu de base ao modelo de referência, o que lhe dava um caráter comum às cidades
existentes no continente.
Porém, na África, os diferentes modelos de cidades eram adotados conforme a
sua adequação às condições políticas e econômicas que haviam conduzido à sua
fundação. O modelo urbano, muitas vezes, resulta de uma multiplicidade de variáveis
em interação, traduzidas numa íntima relação com o território onde predominam. É
principalmente a partir da segunda metade do século XVI que se começam a aplicar
regras de fortificação e de urbanismo influenciadas pelos ideais renascentistas e
adotados os seus modelos teóricos.
O movimento de expansão para além do território europeu, como afirma
TEIXEIRA, Manuel (1999: 47), envolveu a construção de um grande número de
implantações urbanas ou proto-urbanas nas ilhas atlânticas e ao longo das costas da
África, do Brasil, e do Médio e Extremo Oriente”. Estes conjuntos construídos eram
classificados pelas feitorias, fortes e núcleos urbanos. Muitas delas eram localizadas
em pontos estratégicos, pois tendiam a evoluir a partir dos outros. As cidades evoluíam
naturalmente, paralelamente a estas situações, em locais favorecidos para as atividades
portuárias ou onde a atividade comercial era mais intensa. A importância da expansão
colonial portuguesa que se vem refletir nas morfologias das suas cidades é a forma
gradual que foi consolidada ao longo dos tempos. O papel específico de cada um
destes aglomerados urbanos, no quadro geral do projeto de colonização, marcados por
diferenças ecológicas, diferentes culturas, deram a cada uma destas cidades
características específicas, demarcadas por um conjunto de circunstâncias locais.
Apesar das características específicas, todas elas tinham os mesmos modelos de
referência e isso lhes dava um caráter comum (TEIXEIRA, Manuel., 1999: 47).
Aquando do seu descobrimento em 1460, essas ilhas se encontravam desertas e
não havia condições que permitissem a ocupação humana, sendo introduzidos meios
próprios para tal, tendo em conta a importância geoestratégica do arquipélago.
2.1 - Evoluçao da estrutura urbana
Através da análise da evolução do traçado urbano e de alguns elementos da
morfologia do tecido urbano constata-se que as estruturas dos quarteirões, ruas e largos,
pontos defensivos, edifícios de grande significado, apropriam-se quase em todas as
cidades das ilhas atlânticas de traços comuns da morfologia urbana. É notório verificar
que, para estas cidades, o desenvolvimento urbano decorre por fases distintas. Nota-se,
contudo, numa primeira fase, iniciada com a chegada dos primeiros colonos, que a
malha urbana nasce a partir de uma rua principal marcada pela existência de dois
núcleos, sendo esta rua o elemento gerador e estruturante de todo o sistema urbano.
É caracterizada pelo crescimento do tipo linear, muitas vezes paralelo ou
perpendicular à costa, dependendo dos casos e em conformidade ao crescimento da ru a.
Numa segunda fase, surge um conjunto de ruas paralelas (ruas principais e secundárias)
e perpendiculares à primeira, dando origem a uma malha urbana retangular e uma
hierarquia definida pela rua-travessa, resultando um conjunto de quarteirões alongados
de forma retangular. Uma terceira fase se caracteriza, por um lado, pela implantação de
edifícios significativos (igrejas, conventos e fortalezas) afastados do tecido urbano
inicial; e por outro, apresenta um desenvolvimento de malhas urbanas em forma
reticular, cujos quarteirões são em forma quadrangular, dando origem a uma hierarquia
de novas tipologias de lotes (frente do lote: ruas; traseira dos lotes: interior dos
quarteirões).
Como afirma CORREIA e SILVA, PIRES, F. (1998: 618)- “o traçado urbano da
primeira cidade portuguesa nos trópicos mostra-se plástico e adaptativo em relação à
ribeira e sua marcante e demarcada orografia”, concluindo que do relevo a cidade
expressão a um projeto urbanístico”. Por outro lado, Portas (ano: 164) corrobora esse
pensamento afirmando que é o sítio que molda a cidade e não contrário”. Porém, a
essência destes modelos nos remete a princípios conceituais da forma como essas
cidades eram estruturadas e a importância que os traçados geométricos tiveram quando
foram utilizados para racionalizar o processo de colonização.
Para a cidade da Ribeira Grande – Santiago, a sua estrutura urbana inicial do tipo linear.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago – Cabo Verde), I.B.N.L. 2004.
Estrutura da cidade antiga – Cidade da Praia, Zona do Plateau.
Fonte: Plano de Desenvolvimento da Praia – Santiago, acesso à Internet em 9.12.06.
2.2- O ESPAÇO INSULAR: Práticas sociais e simbólicas.
Do mar à cidade”; assim nascem as principais cidades do arquipélago. Ribeira
Grande, Praia e Mindelo foram todas de localização litorânea e constituem todas elas
burgos talássicos” (CORREIA e SILVA, 1998:1). O fenômeno urbano no arquipélago,
num primeiro momento, é marcado essencialmente na estrutura formal de cidades
litorâneas. A intensificação das relações comerciais desenvolvida pela via marítima,
depois do século XVI e com o crescimento da atividade dos portos de mar, acompanhou
o desenvolvimento urbano nestas cidades, reforçando o fenômeno urbano litorâneo.
Assim, nas ilhas atlânticas, a fundação das vilas e cidades portuárias consolida essa
cultura litorânea. Sendo elas marcadas pelo fenômeno insular, é evidente que em termos
antropomórficos enquadram-se em sociedades insulares e marítimas, as quais foram no
tempo e espaço historicamente constituídas com os seus mitos, símbolos, formas
culturais e mesmo representações mentais intrínsecas no mundo do seu imaginário, pois
relacionam-se com o mar e as ilhas, segundo Diegues (1998: 27), esse fenômeno é
interpretado com a idéia do espaço insular como lugar por excelência, onde a cultura,
sociedade e espaço coincidem”.
O mar, uma via de comunicação das mais antigas, é utilizado pelo homem e
exerce sobre as sociedades insulares importância que depende essencialmente do tipo de
relação que elas mantêm com o exterior, isto é, da forma como essa relação é vista
como fator de contato ou de isolamento. Se considerarmos a importância da interface do
encontro entre a terra e o mar (maritimidade) como elemento fundamental para a
compreensão e entendimento da formação e reprodução simbólica das sociedades
insulares, ela é interpretada como elemento fundador da insularidade e ao modus
vivandi” da população das ilhas, características de comportamentos peculiares próprios
de natureza particular de espaço insular. A influência que exerce sobre a população das
ilhas, não é de forma direta, mas por meio das práticas sociais e simbólicas. Se por
um lado a influência das práticas sociais e simbólicas depende da dimensão territorial e
da forma como essa influência se exerce em algumas sociedades insulares, por outro o
mar é interpretado como obstáculo ao contato com o mundo exterior ou como meio de
comunicação. Em algumas sociedades ela é também vista como um caminho para a
realização de trocas simbólicas, culturais e comerciais.
O ponto onde queremos chegar: não é por acaso que na relação entre a ilha e o
mar poderá eventualmente residir uma força d e criação urbana insular que transcende a
uma especificidade do desenho de cidades. São Vicente é mar e também terra. Se o mar
está sempre presente nas representações do território até a morna veio do mar”
(LOPES, Manuel.,1984:13), ele o é como fronteira e limite. Como confirma Diegues
(1998: 117), habitar uma ilha é viver numa terra irremediavelmente limitada. Mas se a
relação terra-mar é essencial na vida dos seus habitantes, então ela é entendida como
elemento fundamental na compreensão da formação e reprodução social e simbólica das
sociedades insulares, que exercem também a sua influência como elo de ligação entre as
sociedades marítimas estabelecidas no litoral e as insulares, sendo que estas últimas
na ótica da identidade social”, segundo Cabantous (citada por Diegues, 1998: 93)
podem ser equiparadas aos bairros de gente do mar que existem em quase todos os
portos do mundo” (Diegues, 1998: 93 ).
Sendo as ilhas do arquipélago constituídas por sociedades insulares, de relação
social e simbólica com o mar, são elas essencialmente marcadas pelo mar e ilha. O
Mindelo é uma sociedade paradigmática que emerge dessa relação cuja interação
econômica, social e simbólica com o mar e o porto, ocorre a partir de práticas idênticas
de caráter particular, ainda mais marcantes do que as existentes nas sociedades
marítimas litorâneas. Além disso, são marcadas, neste caso concreto, por uma dupla
relação mar e ilha (maritimidade), a priori da resultante da relação com o mar como
causa do isolamento, e por outro lado do contato com o mundo exterior e do lócus de
práticas econômicas, sociais e culturais inerentes às atividades produtivas. Por exemplo,
nos anos cinqüenta, com o baixo índice populacional e mesmo infraestrutural, a
movimentação do carvão já se faz sentir, através da implantação das companhias
carvoeiras, que vai impulsionar o povoamento da ilha. Com o fluxo migratório a ganhar
expressão, o crescimento da povoação à volta do movimento portuário, e o
aparecimento de outras atividades tais como comércio, indústrias e de u m número cada
vez mais crescente de estrangeiros, é que vão desenvolver-se, evoluir e transformar-se
todos os apports culturais trazidos pelos outros habitantes das outras ilhas”
(RODRIGUES, Moacyr.1998:5). Aliás, por ocasião da sua descoberta, as ilhas do
arquipélago não foram apenas consideradas etapas de uma longa viagem como decorreu
no litoral de países continentais, mas sim nelas se desenvolveram, num outro momento
histórico, sociedades marcadas profundamente pela mar-ilha da qual o que define o
espaço cultural insular é o oceano que o rodeia” (DIEGUES, 1998:67). E assim, todos
estes apports de uma forma solidária, se misturam com a cultura de origem camponesa
trazida pelos imigrantes vindos do resto do arquipélago, que se enraízam na cultura
popular mindelense.
Apesar de trazer outras implicações, como os processos sociais advenientes da
relação entre a morfologia urbana e a vida dos habitantes nas cidades, uma vez criada
uma forma espacial particular, ela tende a institucionalizar e a determinar sua lógica
social.
CAPITULO 2
2 CABO VERDE E O ATLANTICO
ESPAÇO E OCUPAÇAO
2.1- O Arquipélago de Cabo Verde
Enquadramento e Desenvolvimento
O arquipélago de Cabo Verde possui dez ilhas, das quais nove são habitadas e
sete ilhéus. Situadas no Oceano Atlântico, são de origem vulcânica. A superfície total
do arquipélago é de cerca de 4033 Km² e está situada entre 17º 13’ N-14º 48’ N de
latitude, e entre 25º 22’ W Gr.-22º 40’ O Gr. de longitude, ficando a cerca de 465 Km
da costa africana (a Oeste do Senegal e perto do Cabo Verde de onde lhe veio o nome).
As ilhas e ilhéus formam dois agrupamentos que constituem o conjunto arquipélagico
segundo a sua posição em relação aos ventos dominantes do nordeste: o Grupo de
Sotavento: Maio (269 km²), Santiago (991 km²), Fogo (476 km²), e Brava (64 km²) e
os ilhéus Grande, Luís Carneiro e Cima; e o do Grupo de Barlavento: Santo Antão
(779 km²), São Vicente (227 km²), Santa Luzia (35 km²), São Nicolau (343 km²), Sal
(216 km²) e Boavista (620 km²), e os ilhéus Branco, e Raso. As ilhas mais importantes
são Santiago (Praia) e São Vicente (Mindelo) enquanto os quatro ilhéus que compõem
este arquipélago são Branco e Raso e os dois ilhéus Secos ou do Rombo, ao norte da
ilha da Brava.
Localização das ilhas de Cabo Verde no Oceano Atlântico.
Rota do tráfico de escravos para Santiago e Américas.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago - Cabo Verde), I.B.N.L. 2004.
2.2.1 - Primeiras Estruturas Administrativas
As primeiras ocupaçoes
O processo da descoberta e ocupação das ilhas de Cabo Verde enquadra-se no
contexto do alargamento das navegações portuguesas para o Atlântico no século XV.
E essa importância estratégica dá às ilhas uma outra dimensão no Atlântico como porto
seguro à continuação de viagens que estendiam a novas descobertas. E é evidente que a
situação intermediaria do trajeto Europa-África-América, obrigou por razões
estratégicas o seu povoamento. Aquando do seu descobrimento em 1460, elas se
encontravam desérticas e não havia condições que permitissem a ocupação humana,
sendo para isso introduzido meios próprios, tendo em conta a importância
geoestratégica do arquipélago.
Logo após a sua descoberta em 1460, iniciou -se a colonização com a nomeação
do capitão donatário da ilha de Santiago, Ant ônio da Noli, genovês a serviço do Infante
D. Henrique em 1461. No ano seguinte, entregue por D. Fernando a Antônio da Noli,
inicia-se o povoamento das ilhas, sendo a ilha de Santiago a primeira ilha a ser povoada.
Dividida em duas partes (norte e sul) foram entregues a esses donatários com o
privilégio das doações. Numa primeira fase, o povoamento se processa com os seus
primeiros habitantes, constituídos pelo próprio Antonio da Noli e vários casais de
Algarve, entre outros cidadãos de profissão liberal trazidos por ele. Numa fase posterior,
o grosso da população das ilhas provém dos negros trazidos do continente africano, a
grande maioria na condição de escravos. Com esta maioria surge a mão-de-obra
necessária para o desenvolvimento das atividades econômicas nas ilhas recém-
descobertas. Porém, é neste reduzido espaço da Ribeira Grande que começam a ser
criadas as bases de existência do qu e viria a ser a futura capital do arquipélago de Cabo
Verde e berço do homem cabo-verdiano. Que fatores foram determinantes na escolha do
sítio que viria a ser denominado de Ribeira Grande?
Segundo Senna Barcellos (2003: 38) para a escolha de lugar Antonio da Noli
visou certamente a abundância extraordinária de água que inundava um solo ubérrimo,
de preferência aos outros pontos do sul da ilha que lhe pertenciam, onde faltava aquele
elemento tão necessário de começo de uma colonização, embora o clima fosse mau”.
É notadamente importante verificar que o elemento água é importante na
identificação e escolha do sítio. Esta é dos pressupostos para qualquer estabelecimento
humano.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago – Cabo Verde), I.B.N.L., 2004.
Situada nas margens de uma ribeira de bela paisagem cheia de fertilidade,
ganhará a toponímia do que foi a antiga Cidade Velha da Ribeira Grande; nasce a
primeira cidade que os portugueses tiveram na África, na aventura dos descobrimentos.
A escolha dessa localidade se deve a ela ser dotada de uma enseada defronte da foz de
uma então rica ribeira, e por possuir recantos onde os navios podiam abrigar-se,
conforme descreve João Fagundes (1990: 82):
A disposição topográfica da cidade organiza-se em torno de alguns
elementos essenciais: -uma pequena enseada, com boas condições de
abrigo, - um vale alongado no sentido sul-norte, enquadrado por duas
vertentes de declive acentuado que morrem a pequena distancia da
costa, -uma plataforma costeira baixa, que se estende para ambos os
lados de desembocadura do vale.
Estes são os pressupostos que determinaram a escolha das margens da ribeira
para a sua ocupação. Porém, adicionado a estes fatores, surge ao longo das margens e
vales uma prática de agricultura na qual, apesar de se apresentar de forma ainda
rudimentar, encontrar-se-ão os principais fatos urbanos representativos do aparecimento
do povoado. E foi assim que, junto ao pequeno porto da Ribeira Grande, começam a
aparecer as primeiras habitações do povoado, que em menos de um século de existência
se tornaram vila e cidade. É evidente que a evolução na ocupação do espaço leva o seu
tempo e não foi um processo tão simples como podemos imaginar. O processo decisório
estaria ligado a regalias que de certo modo determinavam que houvesse alguma
intensificação no povoamento de uma ilha, sobretudo esta que se encontrava distante da
metrópole.
Além disso, a sua estratégica localização determinará dois importantes fatores:
primeiro, a decorrência gradual do povoamento e a sua rápida ascensão; segundo, o
espaço arquipelágico recém-descoberto surge como uma retaguarda estratégica para os
desígnios políticos e econômicos da Coroa Portuguesa. Com a idéia prevalecente da
descoberta do caminho marítimo para a Índia, sobretudo da demanda de fontes de
riquezas que na altura chegavam à Europa, as ilhas tornam-se um ponto estratégico para
continuação das descobertas e implementação do comércio com os habitantes do
continente negro. Na impossibilidade de se fixarem de forma estável e segura no
continente, o arquipélago passa a desempenhar uma preciosa escala náutica na busca
dos mares e terras do Sul” (CORREIA e SILVA, 1998: 8).
Na impossibilidade de estabelecerem no continente, e aliada a essa posição
estratégica, a sua ocupação e povoamento determinaram a concessão de amplas regalias
aos povoadores pela Coroa, regalias constantes da Carta Régia de 1466. Estes principais
critérios na concessão de privilégio aos povoadores irão dinamizar a ocupação e o
desenvolvimento da ilha de Santiago, dando origem aos primeiros sinais de
emergência de um sistema urbano medieval” (CRUZ, Gleuda., 1998:160).
E assim, com a ligação com o continente negro e o desencadear do
desenvolvimento do comércio com a costa, a ilha torna-se o motivo primordial da sua
ocupação. O porto da Ribeira Grande passa a desempenhar o seu papel como ponto de
incidência, quase ponto obrigatório de passagem de quase todos os navios que tinham
o continente negro como destino. Com a acumulação inicial de riquezas provenientes
da sua estratégica posição, o povoado começa pouco a pouco consolidando contornos
de um aglomerado urbano.
O assentamento humano processa-se com a contínua chegada de carregamento
de negros, mão-de-obra escrava proveniente da costa africana, aumentando
consideravelmente o número de habitantes do povoado. Porém, é com essa mão-de-
obra que se desenvolve a prática de uma agricultura rudimentar e uma pastorícia
nascente. E assim, através da mão-de-obra do negro trazido do continente, é que
Ribeira Grande conheceu o desenvolvimento. Ao iniciar-se a colonização, levaram-se
casais do reino para Santiago, recrutaram-se escravos da Guiné, ensaiaram-se as primeiras
culturas. E já em 12 de junho de 1466, El-Rei D. Afonso, numa carta de privilégio, outorgava
que fosse constituído primeiro foral dos colonos de Santiago, o primeiro código judicial e
administrativo pelo qual se deviam reger os moradores, sob a vontade suprema do Infante D.
Fernando. E na Cidade Velha, com esses primeiros sinais de emergência de um espaço urbano,
as trocas comerciais e de escravos começam a intensificar-se (Silva, Madeira M.,1998, citado
por Murias, Manuel-1938:23) e muitas vezes essas cidades segundo (CRUZ, Gleuda.,
2001:160) tornam-se verdadeiras repúblicas burguesas e comerciais (...) e com o povoamento
dos colonos vindos da Coroa portuguesa, tornam-se um espaço que configura um estágio
intermediário entre o assentamento rural e a categoria de cidade.
Antônio de Noli - Descobridor da ilha de Santiago. Iniciador da grande aventura da
ocupação humana do arquipélago cabo-verdiano.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago – Cabo Verde), I.B.N.L. 2004.
2.2.2- O DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO COM A COSTA DA GUINÉ
século XV e primeira metade do século XVI.
A posição estratégica no Atlântico, a intensificação do com ércio de escravos, o
arquipélago passa a ser uma referencia obrigatória no contexto histórico das ilhas.
Além disso, para a fixação de colonos vindos da Europa, a Coroa portuguesa cria
incentivos necessários para essa fixação, nomeadamente privilégios, liberdades e
isenções. Transformado simultaneamente como entreposto escravocrata, o
desenvolvimento econômico da Ribeira Grande dependeu em grande parte do
comércio com o exterior, conseqüência da liberdade concedida aos moradores para
resgatar escravos na costa da Guiné, segundo Fagundes, J. (1990: 75) entre os
privilégios concedidos figurava a liberdade de comércio e resgate de escravos na costa
da Guiné”.
É na Cidade Velha que nasce o homem crioulo. Foi o ponto de encontro dos primeiros
europeus e negros da costa de África, trazidos para o povoamento dessas ilhas. Do
cruzamento dessas duas raças distintas originou uma população mestiça. A
miscigenação nascida da simbiose cultural (europeu e africano) deu origem à
caboverdianidade. A evolução do dialeto crioulo, com diferenças de uma ilha para a
outra, onde as variantes fonéticas provêm de muitas línguas africanas do qual deve-se a
miscigenação atrás referida. A cidade antiga da Ribeira Grande teve ainda um papel
preponderante no apoio à expansão portuguesa e no desenvolvimento do comércio e de
navegação que se estendeu desde o início do povoamento (século XV) até meados do
século XVI:
Altamente favorecido pela conjuntura internacional, com o
alargamento das rotas comerciais e com a abertura de novos mercados
consumidores de escravos (… ), Ribeira Grande testemunha ate
meados do século XVI, uma fase de crescimento, impulsionada pelo
dinamismo do seu principal setor econômico: o comércio com a costa
da Guiné, donde sobressai o da escravatura. (Santos, Maria Emilia
Madeira: 1991: 159).
.
2.2.3 - A EXPANSAO DA CIDADE - século XVI
Este foi o período de grande auge para o progresso econômico da Ribeira
Grande no final do século XV. Segundo SILVA, Maria Tereza M. (1998:126), “surge à
volta do porto e resultante do comércio externo, o desenvolvimento de uma economia
local e uma movimentação de mercadorias, bens e serviços que fez crescer a cidade”,
em que:
os gêneros de produção interna (algodão, peles e sebos) são vendidos
aos mercadores que lá vão abastecer-se de escravos; ao mesmo tempo
em que os visitantes provêm à ilha de bens de primeira necessidade,
incluindo alimentos: o milho, arroz e cuscuz (importados da Guiné),
além de farinha de trigo, biscoitos, azeite e vinho provenientes da
Europa (Santos, Maria Emilia Madeira: 1991).
Em função disso, a cidade passa a adquirir a importância geoeconômica no
Atlântico. Com efeito, ao longo do século XVI, quase todas as rotas do comércio
atlântico passam pela Ribeira Grande, e não é por acaso que a Coroa resolve dotá -la de
infra-estruturas mínimas para fiscalizar de perto toda essa movimentação. Boa parcela
da navegação que se dirigia à costa da Guiné partia da Ribeira Grande, sendo
cobrados, na torna-viagem, os impostos devidos à Coroa, os quais se iriam transformar
numa das principais fontes de receitas do erário público.”
1
. Durante a primeira fase da
implementação urbana da Ribeira Grande nota-se ter havido alguns constrangimentos
de ordem topográfica, devido por um lado à existência de um vale de declive
acentuado, e por outro a uma ribeira que por vezes inundava a zona baixa que, para
além de causar estragos, deu origem a um desenvolvimento inicial linear perpendicular
à costa. Por conseguinte, a cidade parte de uma rua, a Rua Direita, paralela à ribeira
incluindo outras duas ruas paralelas a esta — a Rua da Carreira e a Rua da Banana.
1
-(A.A.V.v., História Geral de Cabo Verde, vol. I, Coordenação de Luis de Albuquerque e Maria Emilia Madeira
Santos, Lisboa, 1991, p. 134).
Ruínas da Sé Catedral. Visão panorâmica da Fortaleza (c.1555-1709).
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago - Cabo Verde), I.B.N.L., 2004.
Rua Banana (finais do Século XV)
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago - Cabo Verde), I.B.N.L., 2004.
Fortaleza Real de S. Filipe (c. 1591).
Panorama geral visualizada do lado nascente.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago – Cabo Verde), I.B.N.L., 2004.
Fonte: Pereira, Daniel A., A importância Histórica da Cidade Velha” (Ilha de
Santiago – Cabo Verde), I.B.N.L., 2004.
Fortaleza de S.Filipe(c.1591)
Casa da Camara
Misericórdia
Sé Catedral
(ruínas-in.1556 e termino 1700)
Forte de S.Verissimo
Forte de S.Brás
Forte de S.João
Mar
Arcos das celas do
Convento de S.Francisco
Pelourinho(c.1512)
Igreja e
Convento de S.Francisco (c.1640)
Ribeira Grande: Localização e implantação de edifícios significativos (igrejas,
conventos e fortalezas).
A adoção da cidade de novas infra-estruturas acaba por lhe atribuir uma
dinâmica maior e reforçar a sua posição geoeconômica. Instalou-se primeiro, na zona
nascente, a prisão, a misericórdia e a câmara municipal. Em frente a estes edifícios é
demarcado um amplo largo em frente ao mar, onde se colocaram o Pelourinho,
símbolo do poder municipal, centro da vida do burgo que funcionava como mercado
de escravos, onde:
por volta de 1510-1512 a Ribeira Grande estava completada com
uma Câmara Municipal, pilar da administração local que só era criada
quando a importância das povoações assim o justiçasse. Com as
Câmaras surgiam, geralmente, os pelourinhos por constituírem, ao
tempo, símbolos de justiça e municipalidade. Acreditamos, portanto
que este pelourinho terá sido construído numa data muito próxima da
criação da Câmara Municipal, provavelmente na primeira metade do
século XVI ( FILHO, Lopes. 1992: 94).
As inundações e o declive acentuado determinaram que o desenvolvimento
fosse de forma linear no sentido sul-norte, ao ponto do:
troço de muralha que liga os baluartes de S. Veríssimo e S. Brás foi
dotado de uma cloaca para escoamento destas águas. No seu curso
final formava-se uma laguna que se podia estender até perto do
pelourinho, criando uma área naturalmente imprópria para a
construção (onde ficou um logradouro amplo junto ao mar)
(FAGUNDES, in Oceanos nº5, 1990).
A partir desta fase, no momento áureo da sua economia, a vila (desde 1530
Ribeira Grande) ascende à categoria de cidade. Ascende de jure à categoria de cidade e
ao mesmo tempo passa a ser sede de bispado de Cabo Verde, erigida pela Bula Papal
Pró Excelenti, com jurisdição espiritual sobre as ilhas do arquipélago e sobre a terra
firme do continente africano, do cabo Verde ao cabo das palmas”.
2.2.4- A DECADENCIA DA CIDADE (Final do século XVI)
Esta situação foi diminuindo, ao longo de todo o final do século XVI e mais
ainda durante o século XVII, essencialmente devido a guerra de corso, pirataria e de
outras potências européias (Inglaterra, Holanda e França), criando instabilidade no mar
e em terra, fazendo afugentar as embarcações com receio de serem saqueadas e é o
caso por exemplo de dois violentos ataques realizados à cidade em 1578 e 1585, pelo
corsário inglês Francis Drake, como afirma Fagundes (1990:83)-João Fagundes,”
2
em
1712, finalmente a cidade é atacada e saqueada por corsários franceses”. E assim,
provoca a decadência econômica das ilhas, e bem assim, conclui Fagundes (1990:82),
é a perda definitiva do estatuto de capital em 1769” e passa a ser transferida para
Praia.
2
- Ribeira Grande -A Cidade Velha” in Oceanos, n.5, 1990, p.83),
CAPÍTULO 3
3 MINDELO: UMA CIDADE, UMA FORMA URBANA.
A ilha significa a quintessência do retorno ao lugar; os indivíduos se encontram perdidos numa
sociedade planetária, sem limite, de espaços descontínuos. Modelo reduzido do mundo, a
pequena ilha oferece uma coincidência perfeita para o espírito entre os limites geográficos e os
mentais. Os indivíduos, perdidos na sociedade contemporânea sem limites, tem necessidade, de
tempos em tempos, de limites e referências claras (DIEGUES, 1998: 101).
Planta da Ilha de S.Vicente (acesso na internet em 12.12.06)
3.1- A ILHA DE SAO VICENTE E O ATLANTICO
O descobrimento das ilhas se encontr a no contexto da navegação portuguesa do
Atlântico durante o século XV e serviu como porto seguro à continuação das viagens e a
novas descobertas. O processo de ocupação das ilhas atlânticas (caso de Cabo Verde),
descobertas em 1460, era registrado e integrado nos bens do reino e em seguida
passavam pelo processo de ocupação. E assim, surgem as primeiras estruturas
administrativas no sistema de capitanias / donatários. Neste sistema, as doações eram
sempre acompanhadas de amplos poderes e privilégios, conferida assim quase total
liberdade de ação ao capitão donatário na sua área de jurisdição.
Aquando da chegada dos portugueses, as ilhas eram desérticas e não ofereciam
condições de atração para o seu povoamento. Elas foram doadas a D. Fernando. À
semelhança do que acontecera nas outras ilhas atlânticas, D.Fernando, o donatário, fez-
se representar por dois homens de confiança, Diogo Afonso e António Noly, a quem
atribui parte das terras doadas. E assim a ilha de Santiago, sendo a primeira ilha a ser
povoada, foi dividida em duas partes (norte e sul) que foram entregues a esses
donatários com o privilégio das doações.
Com a divisão da ilha de Santiago, tiveram origem as primeiras
capitanias/donatárias, Ribeira Grande e Alcatrazes, constituindo assim o primeiro
instrumento de fixação no então espaço deserto de Cabo Verde. Este sistema de
capitanias iniciado ainda no século XV, alarga-se ao resto do arquipélago em
condições e momentos diferentes, com resultados também diferentes” (LOPES, Maria
J., 2005: 21).
O povoamento se materializou mais cedo nas ilhas de Santiago e Fogo e foram
sendo gradualmente criadas estruturas administrativas, “apresentando as da ilha de
Santiago um maior grau de complexidade” (LOPES, Maria J., 2005: 21).
Conseqüentemente, alguns anos mais tarde, a 22 de janeiro de 1462, foi a descoberta da
Ilha de São Vicente. O seu povoamento foi muito tardio, pois, como aconteceu com as
restantes ilhas de Barlavento, até início do séc. XIX, se encontrava por povoar. A sua
extrema aridez e falta de água dificultara a ocupação humana. Durante muito tempo foi
ocupada por cabras e não por gente. Sob “as luzes da era da modernidade”, aguardava a
ilha, na luta renhida com a natureza adversa, pelos melhores momentos do seu despertar
do tempo em que esteve adormecida. Isso acontece, porém, um pouco mais tarde, com o
incremento dos fluxos anglo-sul-americanos, resultado da independência das ex-
colônias do pólo austral (Brasil e Argentina), do descobrimento da navegação a vapor, e
introdução de novas tecnologias de navegação e a formação de uma sociedade marcada
pela maritimidade e submetida a uma dinâmica de integração atlântica. E assim, a
revolução geoeconômica e política, que tem lugar no xadrez atlântico ao longo do séc.
XIX constitui o quadro de gestação do Mindelo. E assim o Mindelo surge da revolução
geoeconômica que tem lugar no xadrez atlântico ao longo do séc. XIX.
A posição estratégica destas ilhas do atlântico ocidental serviu como base de
escalas de várias expedições estrangeiras. É o caso das expedições bretãs e normandas
que escalaram demoradamente São Vicente e o Porto Grande. CORREIA e SILVA
(1998: 28) aborda esta questão referindo-se à importância da ilha de São Vicente no
Atlântico, em que “os holandeses, no seu esforço de conquistar e ocupar o Brasil
utilizaram sistematicamente a ilha de São Vicente. Neste contexto, escala a ilha cabo-
verdiana, em 1628, a frota do capitão Van Uytgeest a caminho de Pernambuco, a
serviço da companhia holandesa das Índias Ocidentais. No mesmo ano, fundeia no
Porto Grande, sob o comando do capitão Adriaien Jansz, uma outra frota das Províncias
Unidas. É, no entanto, em 1629, que estaciona em São Vicente a maior frota holandesa
até então vista no arquipélago. Ela tem por destino o Brasil e por objetivo a conquista da
cidade de Olinda. Os navios capitaneados pelo general Loncq demoram quatro meses
em São Vicente, tempo suficiente para descansar a tripulação, montar embarcações e
abastecer-se de sal nas ilhas orientais do arquipélago” e concluindo a enorme
desproporção entre a pequenez e a pobreza da ilha, por um lado, e a grande procura de
que esta é objeto por parte de navegação oceânica, por outro”.
3.2 - éPOCA DAS INCERTEZAS E ESPERANCAS
3.2.1- Sao Vicente: povoamento e desenvolvimento populacional – 1794-1850:
Projeto urbano, incertezas e tentativas de povoamento.
As primeiras ilhas descobertas foram as de Santiago e Fogo, em 1460, e dois
anos mais tarde, a 22 de janeiro de 1462 é que foi descoberta a ilha de São Vicente e
doada, mais tarde, ao duque de Viseu. Apoderaram-se dela os Marqueses de Gouveia, a
título de que era uma dependência de S. Antão, e que à semelhança das outra ilhas, foi
doada, desde 1498, juntamente com a de S. Nicolau, ao conde Portalegre. O sistema de
doação se baseava em contratos de arrendamento através de decretos régios e que se
beneficiava de privilégios em relação ao pagamento de alguns dízimos e foros.
Acontece, porém, que no início do século XVIII, fez-se um contrato de arrendamento
com Manuel Lopes Godelho, da ilha de S. Nicolau “e suas anexas que foram do
Marquês da Gouveia”, por um período de nove anos, pagando anualmente 750 mil r éis,
além do hum por cento e dous por milheiro dos quartéis”. Segundo LOPES, Maria J.,
(2005: 71) o contrato não menciona explicitamente a ilha de São Vicente, mas, com
certeza, ela fazia parte das ilhas anexas. Ali, São Vicente sempre esteve ligada à ilha de
S. Nicolau ou à de S. Antão”.
A ilha de São Vicente, apesar de ser plana, era árida e sem água, e o seu
povoamento foi muito tardio pela extrema aridez. Num primeiro momento, a ocupação
humana foi dificultada e, durante muito tempo, a ilha foi ocupada apenas por cabras.
Neste quadro nefasto conheceu-se um processo difícil na formação da primeira
povoação, apesar da sua posição estratégica desde a primeira doação à povoação D.
Rodrigo, passaram-se algumas centenas de anos e à cidade algumas dezenas” -LOPES,
Maria J., (2005: 70). Num segundo momento, o projeto urbano do povoamento e da
fundação da povoação, com todas as virtudes e vicissitudes de uma sociedade
paradigmática passou por incertezas, por v árias tentativas e por personalidades ousadas
que apostaram e acreditaram que este espaço, um dia, seria uma cidade e que marcou
alguns dos períodos mais significativos da história cabo-verdiana” (BARCELLOS,
2003: 48). O tempo foi marcante e decisivo no decorrer do primeiro núcleo urbano ate a
sua formação como cidade. A importância da ilha e do seu porto natural não era
ignorada pelas autoridades do reino, segundo Sena Barcelos, em 1724, aquando do
problema com S. Antão; o Conselho Ultramarino estabelecia hipóteses para a
possibilidade dos ingleses se fixarem na ilha de São Vicente que fica muito vizinha à
de S. Antão, a qual não é habitada e tem um porto muito cômodo e abrigado, com um
ancoradouro capaz de receber grande número de navios, ainda os de maior lotação e
força” (BARCELLOS, 2003: 250).
Desfrutando da sua posição estratégica, a ilha torna-se ponto de referência e
quase que obrigatória, de escala náutica, procurada nos séculos XVII e XVIII pelos
navios em direção ao Atlântico Sul. Nesse tempo era quase desabitada, possuindo
apenas um número reduzido de habitantes. Servia como ponto de refúgio a pescadores
da ilha de S. Antão, de abrigo e acolhimento de embarcações de outras nacionalidades
que freqüentavam a ilha de forma indiscriminada. Em 1734 surge a primeira proposta de
João da Fonseca Távora, morador da Corte e de passagem pelo porto da Praia, que se
ofereceu para povoar a ilha de São Vicente e fortificar o porto. O governador informou
Sua Majestade do pedido e das vantagens que a ilha ia usufruir, e que a mesma, como
ponto de escala de corsários, seria um perigo para as outras ilhas. Aliás, dadas as
condições climáticas e a aridez da ilha, o seu povoamento estaria condicionado a grande
dispêndio à Fazenda Pública, que a Coroa não estaria em condições de suportar, sendo
esta a razão que poderá ter condicionado o processo de povoamento e nada ficou
resolvido” (LOPES, Maria J.,2005: 72 ).
É evidente que durante a colonização, as autoridades se preocupavam mais com
as ilhas que apontavam índices econômicos mais notáveis, sobretudo as que
interessavam em primeiro lugar à exploração de terras mais ricas e com condições
agrícolas mais promissoras. Assim, as atenções estavam viradas mais para as ilhas de
Santiago, Fogo e Santo Antão , cujas terras produziam tudo quanto pudesse interessar à
economia da época. O ano de 1781 foi decisivo para que as ilhas desérticas fossem
povoadas. Pelo decreto de 11 de maio desse mesmo ano, Sua majestade ordena que
fossem dadas executadas as providências necessárias a fim de se povoarem as ilhas
despovoadas, São Vicente e outras, e determinava sua majestade que se povoassem a
ilha de São Vicente e outras desérticas de Cabo Verde, dando-se para esse fim as ordens
necessárias, beneficiando os novos povoadores com isenção de foros por tempo de dez
anos e mandando aplicar os dízimos delas para a reedificação das igrejas”
3
.Nota-se,
todavia, que durante esses anos subseqüentes nenhum projeto foi executado; apenas se
fala de indícios do relançamento do projeto de povoamento da ilha. É conhecido o
empenho do governador Marcelino Bastos em auxiliar a empresa de povoamento da
ilha, que ainda se encontrava desértica, e o interesse de João Carlos da Fonseca Rozado,
3
- Subsídios da História de Cabo Verde e Guine, Vol. II-116.
um rico agricultor da ilha do Fogo, disposto a povoá-la. Em julho de 1795 foi nomeado
capitão-mor de São Vicente por ter se oferecido para povoá-la com 50 escravos, na
condição de que o Estado construísse na ilha uma igreja. (Subsídios da História de CV,
472/483). Após ter lançado a obra de desbravamento da ilha, batizou o pequeno
povoado com o nome de D. Rodrigo. Em 1815 morreu arruinado e descrente. Nesse
tempo, os poderes centrais manifestavam notável interesse no relançamento do
projeto de povoamento, recorrendo a todos os meios possíveis para iniciar o tão útil
estabelecimento”. Para o seu início, aproveitaria-se os moradores das outras ilhas. Para
estes, recomendava-se que o número de casais não ultrapassasse o número de vinte, por
não “ser acertado que a povoação se faça só com colonos das ilhas”. Entretanto,
prosseguem com certas recomendações a favor dos benefícios para os povoadores, sua
subsistência e defesa
4
. Por outro lado, destaca-se também, nesse quadro de
relançamento do projeto, a vinda de dois iates de Lisboa, nos princípios de 1794,
especificamente para dar início ao processo. O primeiro iate, denominado Bom
Sucesso, transportava presos, gêneros e ferramentas destinados à ilha de São Vicente.
Este processo não se realizou. Aconteceu de terem naufragado logo à entrada da cidade.
Porém, segundo informações do governador, os presos acabaram por fugir em outras
embarcações. Em junho do mesmo ano, chega um outro iate com presos com destino às
ilhas de barlavento onde se apresentava o melhor clima, e depois seriam transportados
para povoar a ilha de São Vicente, quando para esse efeito se dirigirem as ordens
necessárias”
5
.Não obstante essa situação, as ordens chegavam pela carta gia de julho
de 1795, que ordenava o início do processo de povoamento, na seqüência da proposta
de João Carlos da Fonseca. Diante disso, não passava de um quadro de preparativos e de
instruções, que se enquadrava, desde a visita do governador a São Vicente na ocasião de
4
- S.G.G., livro n. 11, Representação que fez o Real Erário.
5
- S.G.G., livro n. 11, fol. 149-150.
posse — acompanhado do Provedor, Escrivão da Fazenda Real e um oficial engenheiro
, na demarcação e repartição dos terrenos, na autorização dos casais a levarem os seus
escravos, e estabelece um conjunto de medidas e privilégios ao capitão-mor, inclusive
vários materiais para abarracamento, armamento e munições. Enfim, uma série de ações
que acaba por inviabilizar a execução do projeto, com a morte do governador. No ano
seguinte, em agosto de 1815, Inácio de Melo, que sucedeu a João Carlos da Fonseca,
deparou-se com a ilha em estado degradante, pois a população encontrava-se bastante
reduzida e na mais profunda miséria. A agricultura não floresceu, as terras não
produziam o suficiente para a sobrevivência dos habitantes e tudo dependia da ilha
vizinha de Santo Antão. Ao constatar a tal situação, Inácio de Melo expõe e solicita
apoio ao governador geral com urgência para auxiliar os poucos povoadores que ainda
viviam. Desses constavam em número bastante reduzido, apenas alguns da ilha do
Fogo, mas também da ilha de Santo Antão e da Boavista. Desses poucos povoadores
que resistiram a tais calamidades, o governador autoriza e incentiva-os, sobretudo os de
Santo Antão, a estabelecerem-se em São Vicente “a troco de promessas de ajuda,
fornecimento de ferramentas e gado, que apesar dos que viviam era de extrema
miséria, por não terem condições de sobrevivência
6
. Apesar das perspectivas da
consolidação da povoação, o seu povoamento demorava a se institucionalizar.
Decorridos poucos anos, apesar de assolada por vários p eríodos de seca e de epidemias,
a população ia crescendo, abrigando cerca de 200 habitantes em 1807. Em 1819,
Antonio Pusich, governador do arquipélago, ao assumir este desafio, transfere para São
Vicente famílias camponesas de Santo Antão, munindo-as de alfaias agrícolas e
sementes. Milícia, alfândega, feitoria e igreja foram a mínima infra-estrutura de
6
- S.G.G., n. 8-1819-1820.
benefício à ilha. Satisfeito pelo que tinha realizado, muda o nome da povoação de D.
Rodrigo para Leopoldina, em homenagem à princesa austríaca de Portugal.
A dinamização do povoamento se reforça ainda com a autorização na concessão
de terrenos por aforamento, isentos de dízimos durante dez anos. O contrato obrigava os
beneficiários a satisfazer certos requisitos e sujeitos a sua nulidade, se não cumprissem
na íntegra as medidas estabelecidas no contrato: cultivar os terrenos em prazo
estabelecido, construir pelo menos quatro edifícios na área estabelecida da povoação,
empregar nos trabalhos somente gente livre, nunca escravos, e fundar e manter na ilha
uma casa de comércio que sirva de entreposto mercantil entre aquela província e os
portos da Europa”
7
.
É de extrema importância, nessa época, a ocorrência de grupos com capacidade
de reivindicação, capazes de gerir e zelar os interesses da população, correspondendo ao
imperativo da vida da cidade. E junto aos privilégios surge um grupo de cidadãos
constituídos na maior parte de moradores, a solicitarem direitos de livre entrada de
todos os materiais para construção urbana na nova povoação do Mindelo, tendo o
mesmo pedido sido deferido em 23 de julho de 1851, com isenção de direitos por
cinco anos e que estas construções não fossem cobertas de palhas, apenas de madeira,
telha, cal, vidros e ferragens
8
. Formularam regras que regulamentam a vida urbana do
Mindelo. Percebe-se igualmente uma intenção deliberada de planejamento
relativamente à reabilitação do núcleo antigo, onde as condições sanitárias se faziam
sentir com as epidemias constantes que assolavam a povoação.
Constata-se, porém, que as preocupações sanitárias, por um lado se refletem na
valorização estética e, por outro, na inovação dos traçados. Assim, revelam-se
7
- Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Novíssima, 184-1835, vol. I p. 73-74.
8
- Subsídios para a Historia de Cabo Verde, Vol. II, p. 466.
preocupações de caráter sanitário, estético e funcional no início da sua fundação, os
quais se tornam relevantes, com princípios urbanísticos renovadores da imagem da
cidade. Anos mais tarde, na seqüência de implementação desses princípios, por decreto
régio de 12 de dezembro de 1860, ordenam-se medidas urbanísticas, especificamente
para a orla marítima da baía:
1º Que mais não sejam concedidos terrenos na Villa do Mindelo entre os prédios e a
baía;
2º Que não se permitam do lado da baía quaisquer construções que excedam a linha
das casas atualmente edificadas, sem que preceda projeto regular aprovado pelo
governo.
É curioso verificar que estes conjuntos de medidas revelam preocupações, não
pelo fraco índice populacional inerente a dificuldades na estruturação do espaço, mas
mostra, sobretudo, sinais claros de que o porto seria a única alternativa ou mesmo at é a
mola impulsionadora capaz de dinamizar o desenvolvimento da futura cidade. E é neste
contexto que as figuras dos governadores aparecem como impulsionadores na
estruturação urbana da povoação o é por acaso que os primeiros indícios para
efetivação dessa estruturação se iniciara com a fase de estruturação urbana da povoação,
sob a administração do governador Fortunato Barreiros (1852-1858), pois foi neste
período que grande parte das medidas administrativas e urbanísticas foram sendo
implementadas como soluções de diferentes problemas para a consolidação do espaço e
a forma da cidade. No quadro dessas medidas urbanísticas foram definidas igualmente
as linhas de um projeto urbanístico, contendo elementos geradores de uma estrutura
urbana para a futura cidade a ser criada pelo porto carvoeiro. Delimitada com marcos de
alvenaria a extensão da futura povoação, foram definidos em seguida os locais para a
construção dos elementos geradores e estruturantes do projeto urbano concebido pelo
Estado, tais como: edifício da alfândega e o seu cais, a sede da municipalidade e a
cadeia civil, o quartel militar, a residência do governador e duas praças públicas.
Vista parcial do porto-Editor: União Bazar, 1910
Paralelamente, implementam-se medidas sanitárias e de higiene pública indispensáveis
à criação de um modo de vida urbano mais confortável. E assim nasce o primeiro núcleo
urbano, consolidado por um espaço humano de dimensão significante proveniente da
inter-relação entre o mar e a terra. Origina-se uma forma urbana baseada na
maritimidade: e estende-se marcada por uma identidade social em que o porto molda
os contornos do perfil psicossocial do habitante da cidade” (CORREIA e SILVA, 1998:
126).
Por outro lado, durante o mandato do governador Calheiros e Meneses (1858),
estavam já concluídos os edifícios da alfândega e da igreja, além de outros projetos que
se destinavam essencialmente aos serviços públicos e à Câmara Municipal. Enquanto no
período do governador Albuquerque (1869) concluem-se algumas obras como a
construção do quartel e obras iniciadas em 1859, como a da residência do governador
(parte reservada ao Comandante Militar). Terminou, também, a expensas da Câmara, a
construção do Edifício dos Paços do Conselho, obra iniciada em 1862. Na mesma época
procurou-se canalizar as águas das nascentes do Madeiral e do Maderalzinho.
Câmara Municipal da Ilha de S.Vicente”. Gravura de Alberto, Escola Portuguesa,
século XIX. Edifício dos Paços do Conselho.
Fonte: Correia e Silva A., Espaços Urbanos de Cabo Verde - O tempo das cidades-
porto, 1998.
Tudo dependia da movimentação e da dinâmica desencadeada com a volta do
porto. Acontece, porém, na década de trinta, a concessão gratuita de terrenos por
aforamento e a isenção de dízimos durante dez anos; foram as únicas formas para
realizar uma efetiva dinamização do povoamento. Buscando transformar a povoação o
mais rápido possível, era necessário criar condições desde a organização administrativa,
econômica, social e até mesmo espacial. Mas não era necessário somente criar essas
condições, era preciso acima de tudo traçar uma nova realidade insular e atlântica que
impulsionasse o espaço marginal” de infra-estrutura para responder às demandas
impostas pelo movimento portuário. Simultaneamente ao crescimento populacional,
modificavam-se então as estruturas urbanas e administrativas da povoação. Porém,
administrativamente unida a Santo Antão até 1852, a ilha passava a ter autonomia
administrativa própria com a sua estrutura municipal formada por cinco membros e com
atribuições e obrigações do código administrativo referente às Câmaras Municipais,
sendo de urgente necessidade dotar a Comissão Municipal da Ilha de
São Vicente com meios suficientes para as suas despesas, a fim de que
possa proceder o quanto antes à construção das obras de que carece a
organização do respectivo município, e do mais importante e
freqüentado porto (27.03.1852) – (Senna Barcellos, 2003: 483).
e da instalação de serviços sanitários, fiscais e judiciais necessários ao acompanhamento
e desenvolvimento da povoação, e assim, esta diversidades de medidas caminha a novos
horizontes impostos pelas funções portuárias e por inerentes funções urbanas de um
espaço que começa a assumir importância significativa no contexto nacional e
internacional. Devido a essa importância, em 1851 autoriza-se a construção de um cais
ou ponte de madeira. É evidente que com o desenvolvimento rápido e progressivo a que
assistia, ligado ao seu porto principal e como depósito de carvão de pedra, em 1858, por
decreto de 29 de abril, era elevada à categoria de Vila.
9
.
Duas décadas mais tarde, por Decreto de 14 de abril de 1879, era-lhe atribuído o
estatuto de cidade,
atendendo à representação que me dirigiu a Comissão e Conselho
Municipal da Vila do Mindelo da Ilha de São Vicente do Arquipélago
de Cabo Verde, e tendo em consideração os avultados melhoramentos
que na mesma vila, modernamente se têm realizado e bem assim o
aumento da sua população, o desenvolvimento do seu comércio e a
sua importante posição geográfica, que a faz ser freqüentada por
grande número de navios de todas as procedências; Hei por bem,
conformando-me com o parecer da Junta Consultiva do Ultramar e
informações do Governo Geral da Província de Cabo Verde, elevar a
mencionada vila do Mindelo à categoria de cidade com a
denominação de cidade do Mindelo de São Vicente”
10
.
9
-Boletim Oficial., 1858, n. 29
10
- B.O., Ano 1879, n. 20.
E assim, decorridos os cem anos de incertezas e de tentativas, o projeto urbano
da criação da cidade Mindelo acaba por se concretizar.
3.2.2- A cidade do Mindelo e o periodo entre 1858-1879
Anterior a este período, em 1703, depois da assinatura do “Tratado de Methwen”
com a Inglaterra, Portugal se torna um estado dependente da Inglaterra. É importante
realçar como surgiu a influência inglesa no processo de desenvolvimento da cidade do
Mindelo. Que papel terão os ingleses na formação urbana da cidade?
O século XVIII marca o período da dominação inglesa em grande parte do
comércio entre Portugal e as suas colônias. Com o intuito de estabelecer e incrementar o
comércio português com as colônias, o Marquês de Pombal promove a criação de
companhias coloniais, atribuindo-lhes grandes privilégios para estabelecerem
exploração das possessões portuguesas na África. Entretanto, estas vieram a perder esta
importância logo depois da demissão de Pombal em 1777. Porém, no final de século
XVIII, com a revolução industrial na Inglaterra, ocorrem grandes transformações
econômicas a nível mundial. E assim, a grande indústria moderna aparece baseada no
uso das quinas. Além disso, o desenvolvimento técnico e a invenção da quina a
vapor ocasionou um aumento do mercado comercial com a venda de produtos
industriais a outros países, proporcionando uma revolução no sistema de transportes.
Chegara o símbolo do progresso e do vapor; e assim o navio a vapor tornou-se o meio
de comunicação transatlântico. Por outro lado, a Inglaterra, país que possuía uma
indústria e marinha das mais poderosas na altura, passa a assegurar-se do domínio
econômico no mundo. E Portugal, nessa altura, e durante as guerras napoleônicas na
Europa, fica numa posição de dependência da Inglaterra e acaba por consolidar essa
dependência com o tratado de comércio de 19 de fevereiro de 1810”
11
, que confere à
Inglaterra uma situação privilegiada no comércio com Portugal e com as colônias
portuguesas”
12
. No entanto, com a assinatura desse tratado, ambos os países passam
formalmente a exercer livre concorrência comercial e econômica. Sendo os ingleses que
controlavam e dominavam o comércio e navegação mundial, é evidente que a Inglaterra
é que usufruía das vantagens do tratado. É neste contexto que a ilha de São Vicente
representa para os ingleses uma plataforma importante para a instalação dos seus
interesses comerciais em meados do século XIX, e onde “criaram por fim as bases para
o desenvolvimento econômico e urbano do Mindelo”
13
. E assim, a importância que a
ilha representa para os ingleses foi demarcada no primeiro quartel do século XIX, com a
presença de dois hidrógrafos (Vidal e Mudge), procurando um porto para o seu tr áfico
atlântico a servir o seu comércio, e serviço postal entre Inglaterra, América do Sul,
África e Ásia”
14
.
A partir de 1850, surge uma época brilhante e exuberante para a cidade do
Mindelo. Com a instalação dos primeiros depósitos de carvão de pedra para
fornecimento aos vapores, a ilha entra num período florescente, dado ao movimento
progressivo no porto. É o símbolo do vapor. No ano seguinte teve início o progresso da
ilha com a importância adquirida pela navegação a vapor. Por portaria régia de 18 de
novembro de 1850, é autorizada à Companhia Royal Mail Packet estabelecer, livre de
direitos, na ilha de São Vicente, um depósito de carvão de pedra para uso dos vapores
da mesma, e assim, Mindelo ganha um futuro substancialmente identificado com o mar,
com o porto. Em 13 de maio de 1851, o governador geral, João Fontes Pereira de Melo,
deu ao Conselho do Governo conhecimento da citada portaria. Nesse mesmo ano,
11
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984 - pág. 13.
12
- Ibidem, p. 12.
13
- Ibidem, p. 13.
14
- Ibidem, p. 13.
Thomas Miller estabeleceu um outro depósito na povoação que passa a denominar de
Patent Full, que se funde ao de Virger & Nephew em 1860, com a anterior sob a firma
Miller & Nephew.
Lançou-se, no mesmo ano de 1854, o imposto de 100 réis por tonelada de
carvão, cuja receita devia aplicar-se nas obras públicas de São Vicente. É nesse período
que a ilha entra na sua fase de progresso, e as epidemias e a saúde se tornam a grande
preocupação da cidade. Isso acontece logo após a instalação dos referidos depósitos de
carvão, seguidos de uma epidemia de cólera que dizimou uma grande parte da sua
população. Em agosto de 1856, a ilha foi vítima desse flagelo.
Cidade antiga do Mindelo, Painel em azulejo -Praça Estrela ( Fotos do autor, 2005).
Em 1875 instalara-se em terra a Cory Brothers & Co., que, reduzindo o custo do carvão,
fez afluir a navegação a São Vicente. Anos depois, as companhias Miller e Cory
fundiram-se com a designação de Millers & Corys Cape Verde Islands Ltd. Em 1885 a
firma Wilson, Sons & Co. estabeleceu um novo depósito no Mindelo.
Com o estabelecimento destas companhias começaram a progredir e a
desenvolverem-se notavelmente as ilhas de Cabo Verde. Mais tarde, em 1888, foi
montada a Companhia de São Vicente e os seus depósitos. Novo impulso se imprimiu
não só à cidade, como também ao arquipélago. O movimento da navegação no porto e o
crescimento do Mindelo em população e importância comercial coincidiu com o
lançamento dos cabos submarinos ingleses em Cabo Verde, com maior amplitude em
São Vicente, como transcreve Manuel Lopes:
Nos tempos de navegação, os tempos que vão, quando os sinos
das companhias inglesas não paravam de badalar na mar! Vapor do
norte! Vapor do sul! Um ou dois toques convencionais), trabalhara na
Companhia Wilson & Sons, atravessava as ruas da cidade todos os
dias mascarado de carvão, atrás de companheiros silenciosos,
derreados de cansaço com as algibeiras recheadas, e alguma esperança
no coração. Tempo de azáfama em que os guindastes nos cais de
dupla estrutura não paravam de carregar ou descarregar Cardiff” ou
newcastle”, cobrindo tudo ao redor de pó negro, enfarruscando os
prédios da beira-mar. Os rebocadores eram as formigas da baía,
levando e trazendo lanchões de carvoeiros pejados, e gritando a voz
do porto em bulício nas suas sereias estridentes. As mulheres corriam
empurrando as vagonetas dos cais para os depósitos, montanhas
negras atrás de altos muros da cor de tijolo, e dos depósitos para os
cais, tentáculos vivos que se estendiam do porto para o Oceano e
nesses vai-vens ligeiros e contínuos passavam os dias menos negros,
mesmo sujos de do carvão, porque não faltava cachupa no
fogareiro da família. (LOPES,Manuel, 1984: 27 e 28).
Vista parcial da Baia e Cabeça de Washington-Editor: Bazar Bonucci & Frusoni, 1910
Vista parcial do porto-Editor: União Postal Universal, 1910.
3.2.3- A estrutura urbana, o local de assentamento e o Porto
Os mapas antigos referidos nos documentos (SILVERIA, Luis.,1956-Vol.I) revela a
primeira estrutura urbana da cidade do Mindelo, que correspondia ao Plano da
povoação do Mindelo na Ilha de São Vicente em Cabo Verde, para ser seguido quanto
seja possível”. O primeiro documento da cidade resulta do Decreto Régio de 11 de
Junho de 1838, no governo de de Bandeira, que dava à povoação da ilha de São
Vicente, chamada de Nossa Senhora da Luz, o nome de Mindelo, assim designado
desde 1838 — em homenagem ao desembarque dos libertadores” do Liberalismo
naquela praia do Minho e tencionava transformar a povoação em capital do
arquipélago, revelada em 1850 por Sousa Monteiro: “Este Mindelo é o nome que há de
de ter a futura capital da província, de que apenas um bonito e inexeqüível plano
desenhado no papel, e uns marcos plantados em 1839 pelo governador geral Fontes para
mostrar o local que de ocupar a cidade, em projeto -(SILVERIA, Luis.- vol. II:
129).
Planta da povoação do Mindelo de 1938.
Fonte: Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar- (Vols I) , Luis
SILVERIA Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1956, p.129 (No Arquivo
Histórico da Praia-Cabo Verde
Parish Church St. Vicent CV.” Editor: Nicol & Percy, St. Vicent, Cape Verde (
Bristish Manufacture), Fonte: Espaços Urbanos de Cabo Verde, O Tempo das Cidades -
Porto-1998
Antigo Hospital Militar e Civil.
É um plano em forma rígida retangular cujo desenho inclui uma retícula rigorosa de
ruas e quarteirões. No interior do tecido urbano, dois eixos perpendiculares cruzavam-se
numa rotunda, tendo no extremo poente uma praça cívica voltada para o mar, marcada
pela igreja, paco episcopal, palácio do governo e câmara; enquanto no extremo oriental,
três eixos arborizados apontavam para um parque, e as outras extremidades são
marcadas essencialmente pela alfândega e pelo mercado. Segundo Manuel Fernandes,
sendo um plano utópico, a sua grandiosidade excessiva e o difícil momento histórico em
que surge deram lugar à realidade de uma cidadezinha portuária, com retícula mais
adaptada e irregular, envolvendo a baía, como se desenha na planta de Senna Barcellos
de 1858 (BARCELLOS, 2003: 86 e 87). Em outra planta de expressão embrionária,
elaborada pelos hidrógrafos ingleses Vidal e Mudge em 1820, conforme a figura, nota -
se os primeiros sinais da origem do fenômeno urbano da povoação, no porto, no local da
igreja e na casa do governador, na primeira alfândega e uma fortificação, além de um
pequeno agrupamento de casas. Começa então a ressuscitar gradativamente a cidade,
adaptando-se aos acidentes do terreno. Segundo Azevedo, muitas vezes essas cidades
obedeciam a algumas normas de urbanização, umas em torno da igreja mais importante
ou de um mosteiro ou em dois agrupamento à roda da pequena igreja, do mosteiro ou
do castelo, tinham brotado os conselhos” (AZEVEDO, J. L. 1988: 16).
A plano f Porto Grande in the Island Saint Vicente of Cape verd”, 1820.
Fonte: Linhas gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da cidade do Mindelo,
1984.
A plano f Porto Grande in the Island Saint Vicente of Cape verd”, 1873.
Fonte: Linhas gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da cidade do Mindelo,
1984.
A primeira planta da fundaçao da cidade
Senna Barcellos caracteriza a planta da povoação do Mindelo de 1858 como um
esboço feito e elaborado pelo engenheiro Januário d’ Almeida, numa altura em que ele
efetuara uma visita de reconhecimento à Vila. Trata-se de uma planta elaborada de
forma aleatória, apenas com a identificação e configuração dos elementos urbanos
constituintes da vila, sem nenhuma rigidez técnica, cujo
esboço desta planta foi levantado, em algumas horas, à vista e a passo,
numa escala aproximada pelo referido engenheiro que casualmente, de
passagem em São Vicente para outra ilha, fez esse reconhecimento
para elucidar a disposição atual da povoação e para servir de auxílio
nas questões de melhoramentos materiais que ali deviam ser
tratadas(BARCELLOS, 2003: 86-87).
É evidente que se trata de uma primeira imagem do núcleo inicial da povoação,
da existência de apenas grandes barracões, símbolos de um porto carvoeiro onde se
começa a manifestar elementos urbanos marcantes para a formação da configuração
urbanística.
A leitura desse plano demonstra a inexistência absoluta de edifícios públicos, onde
funcionam as alfândegas, o quartel militar; com todos em péssimas condições
higiênicas, de edifícios públicos havia carência absoluta. A alfândega estava alojada
numa barraca indecente, pela qual se pagava a renda mensal 24000 réis; o quartel
militar, a barraca coberta de palha, de condições higiênicas, que não abrigava doze
homens à vontade”
15
.
A alfândega, o quartel militar e a igreja foram os únicos edifícios públicos
recomendados pelo engenheiro como prioritários para a construção, sendo esta última
iniciada em 1854.
15
- Subsídios para a História de Cabo Verde.
Planta da Povoação do Mindello na Ilha de S.vicente de Cabo Verde em 1858 ( Sena
Barcellos).
Paralelamente a estas construções e outras de urgência seguiam-se um lazareto,
o hospital, a casa de governo e o edifício para a municipalidade e administração. E
assinalou no local em substituição de uma barraca, a construção da alfândega.
Demarcou na planta áreas destinadas para repartições, armazéns, depósitos e
pátios. Por outro lado, dispondo ainda de bastante terreno, indicou o espaço onde seria
destinada a Praça da Povoação, dando indicações de que seria o espaço reservado para
esse fim e que o mesmo estaria interditado a qualquer construção. Mais tarde, porém, o
espaço passou a ser uma praça denominada, D. Luis Praça, espaço necessário para
embelezar a cidade, aberto e à beira do mar que era o encanto dos moradores e
visitantes”. E assim foram traçados os elementos urbanos essenciais que simbolizam o
primeiro núcleo urbano do que viria a ser a futura cidade do Mindelo.
A estrutura do núcleo central e sua expansao
A construção do Mindelo com todas as suas complexas vicissitudes, decorrentes
de várias incertezas na sua criação, aponta no final do século XIX para uma forte
expansão da população tendo o porto como a sua origem. O crescimento por extensão
de ruas e parcelamento parciais complementa a consolidação do singular modelo
urbano. Este período se caracteriza pelo crescimento de infra-estrutura devido a efetiva
urbanização do núcleo urbano. Atividades comerciais se desenvolvem nas principais
ruas da faixa litorânea (Rua de Santo Antonio e Rua da Praia), o centro principal
delimitou-se pelo mar a ocidente, e estendeu-se para o norte até às proximidades da
Praça Serpa Pinto e para o sul ate à Salina. No núcleo inicial ia se formando o seu core
histórico, onde concentra as funções centrais (econômicas, administrativas, financeiras e
culturais). Fatores como construções edílicas realizadas pelos ingleses, aforamento de
terrenos, cedência de loteamentos, construções particulares e crescimento populacional,
determinam um novo visual à imagem da vila que começa a crescer. A estrutura urbana
das ruas, os espaços públicos e os quarteirões definem e estabelecem os primeiros sinais
da consolidação urbana: havia uma praça e dois largos (1858: 2 largos), 7 ruas (1858:
4), e 3 travessas (1858: 4)-
16
. A abordagem descrita por Raul Ribeiro, nos evoca a uma
imagem urbana da vila bem típica da época, em 1870:
existe a Alfândega, mas ainda não temos cais do Estado e por isso o
nosso desembarque se efetuava no chamado cais do sul da Companhia
Miller. Dobra à direita, passa aqui pela frente da Alfândega e aqui tens
tu a linda Praça D. Luiz, que a política local da época, quarenta e
cinco anos, sacrificou ao estabelecimento do depósito de carvão da
Companhia São Vicente. Diz-se que esta praça era uma paródia ao
Terreiro da Paco, de Lisboa.
Banhada a Oeste pela praia, tem por fundo a Rua dos Navegantes,
crismada mais tarde de Rua D. Carlos, de Lisboa e ultimamente de
Roberto Duarte Silva (...). A Praça tem por limites: a Norte, a fachada
lateral da Alfândega e a Sul umas casas Cory, atualmente sede da
firma Millers & Corys.
Nesta mesma praça, no local onde atualmente estão os escritórios da
Companhia São Vicente, existia um prédio onde funcionavam a
Administração, a Repartição de Fazenda, o Correio e a Capitania.
O centro principal da povoação pode delimitar-se pelo mar a ocidente,
estendendo-se ao Norte à casa do sr. Jorge Rendall, meses
demolida, e a Sul até a Salina. Atrás da Alfândega está o Mercado
Público, absorvido mais tarde pelos armazéns reais (...), o aspecto
orográfico do povoado veio modificando-se com a urbanização e
atualmente vemos incrustadas nas ruas casas que noutros tempos
ficavam isoladas em planos mais elevados.
O centro comercial é nas lojas indicadas, mas, mais para baixo da
Praça, antes de chegar à Salina, encontramos o primitivo quartel, (...).
para trás, no alto, onde estão as Ruas do Douro, do Minho etc, era a
aldeia de Craca, um pequeno aglomerado de casinhas cobertas de
colmo” (Jornal Notícias de Cabo Verde, 1938).
A população continuava a crescer de tal forma, que em 1866 se contava com
1308 pessoas. Não sendo tão expressivo em termos numéricos, reflete-se
substancialmente na estrutura urbana. Foram construídas um número de 327 fogos em
relação aos 170 existente em 1858, as casas altas eram 23 e mais 3 em construção;
casas abarracadas 158 e palhotas 32 (em 1858: 11, respectivamente 168, incluindo
palhotas)-
17
.
16
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 33.
17
- Boletim Oficial, 1866:14.
Foto: Mindelo Antigo, vista geral-Paineis em azulejos, Praça Estrela, 2006.
As companhias inglesas foram os primeiros promotores imobiliários que incentivam por
iniciativa própria a construção de edifícios para as famílias mais abastadas,
proporcionando parcialmente modificações na estrutura do núcleo central. Em paralelo
a estas construções surgem novas infra-estruturas públicas, nomeadamente o quartel e o
hospital que consolidam a estrutura urbana. Contrariamente a essa ocupação, nota-se,
contudo, diferenças de tipologias habitacionais que surgem entre o núcleo e a periferia
imediata ao seu entorno. São pequenos aglomerados de baixas condições de
habitabilidade, na maioria cobertas de colmo, como é o caso da Aldeia de Craca, Aldeia
da Salina, Monte e pequenas casas no Alto de S. Nicolau, embora estes em condições
um pouco diferente daqueles, supondo serem casas construídas especificamente para os
trabalhadores de Millers e Nephew. É evidente que esta imagem mostra numa primeira
instância uma ocupação parcial, na sua periferia, mesmo acontecendo no início da
formação do primeiro núcleo urbano.
O rápido crescimento da cidade e o aumento da populaçao
Em 1860, aparecem os sinais de uma segregação espacial, embora seja ainda de
reduzida dimensão, direcionada ao Sul. È um período que testemunha um índice de
crescimento rápido da população. Ano após ano denota-se ainda mais esse crescimento,
com a instalação de novos depósitos — caso da companhia Cory Brothers que em 1875
se havia instalado, e dois anos depois possuía uma ponte de madeira; e que esta
situação repercute na ocupação e parcelamento da estrutura urbana: a população
aumenta para 3001 habitantes, com um número de 781 fogos, e dois anos tarde aumenta
para 3717 habitantes e 911 fogos.
Ponte Nova- Editor: Bazar central Bonnaci & Frusoni, 1910.
A atividade de pequenas indústrias e comércio de mercadorias começa a expandir e a
concentrar-se, junto ao núcleo portuário ou em suas imediações. Eram pequenos
estabelecimentos comerciais dedicados à venda por retalho de fazendas, mercearias e
bebidas, que abastecia os negociantes da terra e grande parte dos de toda a província.
Eram pequenas indústrias e estabelecimentos comerciais com baixo nível de
mecanização, verdadeiros serviços absorvendo, conseqüentemente, alguma quantidade
de força de trabalho.
Sendo o carvão de pedra a única atividade comercial que de início prosperou no
Mindelo, conseqüentemente gerou outros ramos de comércio, como fornecimento dos
navios, e definiu um hinterland” comercial de implantação de gêneros provenientes das
outras ilhas e a distribuição de produtos estrangeiros em quase todo o arquipélago. Num
primeiro momento, grande parte dessas atividades foi exercida pelos ingleses, e no
fim da década entre 1850 e início de 1860 começam a surgir casas comerciais de
privados em que “havia um total de 157 estabelecimentos comerciais”
18
. Assim o
núcleo começara, então, a concentrar grande mercado de trabalho.
O progresso do Mindelo como ponto vital do comércio mundial é incrementado
com o aparecimento dos cabos telegráficos submarinos que, dada a importância da
cidade pela sua posição geográfica, passa a ter uma outra importante atividade
econômica com a instalação do “Telégrafo Inglês”. A 10 de março de 1874 era instalado
o primeiro cabo telégrafo submarino da companhia Brasilian Telegraph, trazido da ilha
da Madeira por vapores ingleses (Hybernia e Edinborough) pelo qual em junho do
mesmo ano a ilha de São Vicente foi ligada com o Brasil (...); os cabos foram amarrados
na Matiota onde a companhia construiu as suas instalações”
19
.
O aumento da navegação no Porto Grande e o desenvolvimento comercial
desencadeado à volta da Vila contribuíram amplamente para o desenvolvimento da
economia pública e municipal. O ano econômico de 1869 ao de 1878 -79, prosperou de
tal forma que os rendimentos públicos aumentaram a partir dos impostos arrecadados
18
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 31.
19
- Ibidem, p. 32.
por tonelada de carvão de pedra importada para depósito, enquanto o aumento dos
rendimentos municipais vinha do imposto por tonelagem de lastro recebido pelos
navios, no ano de introdução desse imposto de 30 réis, em 1879 de 250 reis por
tonelada”
20
.
A cidade e as ilhas vizinhas.
A Ilha de São Vicente, com suas condições climatéricas de irregularidade das chuvas,
aridez do solo e exigüidade de terrenos cultiváveis, não poderia ter vocação para a
produção agrícola. O incremento da navegação do seu porto e o desenvolvimento
comercial no Mindelo contribui para o despertar” das ilhas Santo Antão e S. Nicolau
na reorganização da economia agrícola. O hinterland” comercial que se desenvolve
entre elas passa a encontrar um novo mercado para os seus produtos a completar o
mercado interno, em que “os agricultores de Santo Antão iriam com certeza colher pelo
menos a maior parte das vantagens que sempre resultam ao fornecedor de gêneros de
toda a espécie”
21
.
No final da década de 800, a dinâmica econômica que se inicia à volta do porto
cria espaço aberto para novas dinâmicas sociais. As ilhas vizinhas, Santo Antão e S.
Nicolau, dispondo de uma certa organização da economia agrícola, tornam-se
hinterlands” do escoamento dos seus produtos agrícolas para São Vicente. E assim,
criou-se desde então um eixo de atividades lucrativas, que passaram a beneficiar o
arquipélago todo. Era preciso, pois, incentivar a atividade agrícola nessas ilhas e
melhorar o seu acesso ao povoamento do Mindelo, para garantir o abastecimento. Tal
20
- Ibidem, p. 12.
21
- Manuel Bonaparte Figueira, Subsídios para o estudo evolutivo da cidade do Mindelo, p. 41 segundo
assinalado no livro Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo.
hipótese ganha substância quando se verifica um movimento maior de barcos em
trânsito entre as ilhas e o porto, trazendo gêneros alimentícios para o abastecimento da
população do Mindelo e dos navios de passagem. Vejamos como exemplo um esboço
de estatística de navios de longo curso que entraram no porto Grande: 1892 -994 navios;
1894-1444; 1898-1444; 1900-1879; 1915-1368; 1921-752; 1927-1410; 1933-517;
22
O final deste período de 1858-1879 acaba por intensificar a importação de vários
bens e produtos alimentícios dos quais essas ilhas tinham encontrado um novo
mercado para os seus produtos a completar o mercado interno”
23
.
É neste contexto que, da interface criada das dinâmicas econômica e social,
surgem novos espaços sociais e novas formas do modos vivandi” que se prescreve o
início da formação do seu núcleo urbano.
O decorrer do século XIX assiste, entretanto, a algumas modificações
substanciais tanto na aparência como no conteúdo da forma urbana da povoação. Com a
instalação dos primeiros depósitos dos estabelecimentos ingleses, impõe-se um novo
momento de organização social.
Mindelo, uma cidade nova criada nos meados do séc. XIX , não conheceu a
economia baseada no sistema escravocrata. Este sistema era inexistente; porém,
coincidiu com a sua abolição sob a carta gia de 10 de marco de 1857, registrando
apenas “32 escravos, sendo 18 homens e 14 mulheres”.
24
.
A mobilidade interna da população (intra e inter ilhas) que se intensificou nesse
período, sob o incent ivo da navegação e do trânsito internacionais, cresce rapidamente,
oriunda grande parte das ilhas vizinhas, principalmente de Santo Antão e S. Nicolau.
22
- João Almeida ´´O Porto Grande de São Vicente de cabo verde``, in Boletim da Agência Geral das
Colônias, Liv. Ferin, Ano1º, Lx.Outubro de 1925, p. 74-180 e Linhas Gerais da História do
desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984, 77.
23
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 32.
24
- ibidem: 32.
Não era apenas esse movimento pendular inter ilhas que marca a dinâmica econômica
que se inicia à volta do porto. As secas periódicas, a deficiente estrutura agrícola e
social a que essas ilhas estariam sujeitas, fomes periódicas, e uma agricultura que não
garantia uma sustentabilidade permanente aos seus habitantes, fizeram com que esse
movimento se intensificasse. Assim, São Vicente representa a alternativa de encontrar
emprego, além de funcionar como “hinterland” comercial de produtos, e Mindelo passa
a ser visto como um pólo de atração pelos serviços ligad os às atividade do porto, como
trabalho nas oficinas, descarga e fornecimento de carvão, com salários compensadores.
O porto nesse tempo rendia para todos. Os barcos eram muitos, havia
por onde escolher. Mas os “ship-chandlers” desentendiam-se. Cada
um queria tudo para si. Uma luta surda pela concorrência. Tinham
vigias de binóculo fiscado no ilhéu. Ao sinal debanda o porto”,
lançavam os botes ao mar. (LOPES, Manuel., 1984: 28).
Não foi apenas da conseqüência intrínseca do agravamento das condições de
vida das populações rurais, mas da necessidade de mão-de-obra produtiva que nesse
período falava-se de fato da concorrência de indivíduos para se empregar nos trabalhos
braçais das companhias dos barcos a vapor”
25
, e assim a ilha passa a funcionar como
uma reserva contínua e enorme de mão-de-obra barata para os comerciantes e
industriais de São Vicente”
26
, concluindo que o movimento do porto era um chamariz
para aqueles que queriam trocar a vida do campo pelas fainas de carvão… Os barcos
afluíam à baía, havia um bom começo, o dinheiro circulava” (LOPES, Manuel.,1984 :
28).
25
-Boletim Oficial., 1851, n. 98, portaria n. 83.
26
- ibidem: 32.
A cidade do Mindelo e Porto Grande na década de 1880
Fonte: Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar- (Vol. I),p. 131,
Luis SILVERIA Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1956, (No Arquivo
Histórico da Praia-Cabo Verde).
É neste contexto que, da interface criada das dinâmicas econômica e social, que em
Mindelo se origina o aparecimento de vários estratos sociais, com o grande fluxo de
imigrantes estrangeiros. Resultou daí um processo de crescimento populacional
acelerado via migração interna e de imigrantes estrangeiros em direção a uma povoação
que renascia das atividades portuárias das cidades porto” (CORREIA e SILVA, 1998:
página), não obstante, a influência exigia uma maior organização do espaço urbano,
condizente com o aparecimento de vários estratos sociais que é marcante pelo aumento
rápido da população de São Vicente”
27
, e conseqüentemente a consolidação e
transformação da forma inicial da estrutura urbana. A tendência da evolução da
população é clara e indubitável. Enquanto que em 1827 a ilha alberga apenas 183 almas,
27
- ibidem: 33.
em 1860 a população vai se situar em torno de 1141 pessoas. Onze anos mais tarde
esse número aumenta para 1817 habitantes. No final do período entre 1871 e 1879 essa
mesma população havia quase triplicado em tamanho, a totalizar aproximadamente
3717 habitantes. E assim, a forma urbana do Mindelo vai -se perscrevendo e escrevendo
os contornos do seu espaço defronte à ba ía. Prescreve-a, constituída por uma população
proveniente de uma imigração massiva de camponeses pobres ou sem terras das ilhas de
S. Antão e S. Nicolau que vêem no porto, do outro lado do canal, as oportunidades de
emprego. Vários fatores contribuíram para o crescimento demográfico na vila nesses
dezenove anos. Com a abertura do porto ao tráfego transatlântico um rápido
crescimento demográfico é provocado no pequeno aglomerado urbano, situado no
enorme espaço defronte à ba ía do porto. O mais importante de todos foi, sem d úvida, o
crescimento das atividades portuárias ligadas à importação do carvão e a freqüência da
navegação, que foram crescendo à volta do núcleo urbano em paralelo com o
incremento da navegação à vapor, atraindo a mão-de-obra numerosa, constituída por
uma nova faixa etária da população ativa e de uma nova composição profissional.
Assim, a povoação do Mindelo, situada na beira do Porto Grande, começa a dar
os primeiros sinais de crescimento como conseqüência de desenvolvimento portuário
que então se verificava”
28
. Mindelo caminha, assim, para a era da modernidade. Com a
implantação da companhia Cory Brothers & Co., em 1875 o Porto Grande é sem dúvida
o maior porto carvoeiro no médio Atlântico. Correia e Silva (2005, p.104) atribui a
vocação do Mindelo como coaling station, reafirmando nenhum outro coaling station
da Macaronésia se lhe compara, quer em volume de tráfego, quer em importância
estratégica para as rotas que liga m a Europa e o Atlântico Sul . Além disso, e por essa
mesma altura, inaugura-se no Mindelo a primeira estação telegráfica por cabo
28
- Correia e Silva, A. Leão - História de um Sahel Insular, Praia, Spleem Ed.1995-p. 44.
submarino do arquipélago. Assim, São Vicente, a partir de então, torna-se um ponto
estrategicamente incontornável em matéria de transporte e comunicações atlânticas. O
início da era da modernidade é representado simbolicamente pelo vapor e pela telegrafia
por cabo submarino que, segundo Correia e Silva, constituem os dois apports
tecnológicos que vão promover o Porto Grande, arrancando-o da sua sorte obscura e
marginal, para colocá-lo no centro do turbilhão dos fluxos da economia internacional.
3.3-A IMPORTÂNCIA DA NAVEGAÇAO NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONOMICO DA CIDADE
3.3.1- MINDELO: cidade em crescimento, prosperidade e crise – 1879-1914
O período que se estende de 1879 a 1914 representa, para a hist ória do Mindelo,
com estatuto de cidade, o período de maior desenvolvimento da zona do porto, por
onde se concentram as principais atividades socioeconômicas , e continuou ate início do
século XX. Que papel o Estado vai ter numa vila que acaba de obter o estatuto de
cidade? O Estado vai atuar em duas vertentes: a primeira na organização espacial da
povoação, e numa outra, como grande industrial, um consumidor de espaço e de
localizações específicas, sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do
solo. Assim, com a implantação dos depósitos ingleses, passa a organizar diretamente o
espaço urbano, ao mesmo tempo em que interfere, devido à natureza da atividade
industrial, no uso da terra das áreas próximas. Diante disso, acompanha de perto e desde
o início o processo urbano-portuário que ocorre no Mindelo. Uma primeira observação
refere-se ao fato de que o Estado participa primeiramente da forma fiscal. Para isso, a
criação da alfândega surge como uma das medidas prioritárias no controle dos tráfegos ,
e não é por acaso que foi estrategicamente localizada logo à entrada do porto.
Alfândega - Bazar Central Bonucci & Frusoni, 1910.
É evidente que com a acumulação do capital proveniente de rendimentos que pelo porto
circulam, constituirá fonte de receita utilizada no financiamento dos seus projetos.
Segundo Correia e Silva esta importância ainda é reforçada depois do lançamento da
primeira linha de vapores ligando Londres ao Rio de Janeiro, em que “a Coroa promove
a alfândega da ilha, até então a menos importante do arquipélago, à posição de
alfândega de primeiro nível” (CORREIA e SILVA, 1998: 34). Os impostos sobre a
importação e a reexportação do carvão no reabastecimento de vapores em trânsito no
Porto Grande, e as taxas cobradas sobre o tráfego telegráfico contribuíram para
equilibrar as contas públicas e assim, o porto é para o Estado o lugar de exação fiscal
por excelência” (CORREIA e SILVA, 1998: 35). A contribuição do Estado em matéria
de construção de edifícios públicos teve o seu auge entre 1858 e 1879, o
equipamento do porto e de serviço à navegação neste período atinge um dos seus
pontos altos, e na década de 1960 é que se reforça esta intervenção com a construção do
cais acostável. E é neste quadro que, devido às virtualidades fiscais, o Estado desde o
primeiro momento procura moldar o processo de gestão e controle portuário de acordo
com seu interesse. A diversidade das intervenções assinala o aspecto empreendedor na
realização de toda a orla marítima. O Estado , como agente de regulação do uso do solo,
a área demarcada na orla portuária é na totalidade concedida às companhias carvoeiras
inglesas, incluindo terrenos na vizinhança imediata do porto para a construção de
edifícios.
E assim os ingleses constituem a presença estrangeira dominante e o Estado é, neste
caso, menos ativo no processo. A diferença é que, enquanto a náutica a vapor tende a
criar portos mais mobilizadores de fatores produtivos em relação a navegação veleira, o
vapor vai atrair processos de produção portuária, volumes muito maiores de capitais,
terra e mão-de-obra.
Fonte: Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo,
1984.
OCUPAÇÃO INGLESA: 1850-1879
A Zona Marginal Marítima e zonas vizinhas
Ocupação Inglesa
Terrenos ocupados por
atividades inglesas
propriedade deconhecida
(Club Ingles de Golf
e Campo de Football)
PRAIA DE GALÉ:Millers, Rendall
8
19
20
18
11
10
16
13
9
4
5
3
7
1
21
N
Limites exactos não
conhecidos
2
Morro de Fortim
D’El-Rei
(Monte Nor te)
Morro do Alto de
Meteorologia
(Monte Sul)
Morro do Alto de S.João
(Monte Este)
1-Telegrafo
2-FORTIM
3-Fonte de Miller
4-Alto de Companhia
5--Millers & Nephew
7-Consulado Inglês
8-Quintal do Norte
9-Quintal Meio e Sul
10-Telegrafo
11-Millers & Cory
12-Alfandega
13,44-Rendall
14-Antiga ponte de madeira
da Alfândega
15-Praça D.Luis
16,18-Cor y Brothers
17-Ponte de Despejos
19-Salina, Campo de
Cricket
20,21-Cor y Brothers
Fonte: Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo,
1984.
OCUPAÇÃO INGLESA: 1879-1914
A Zona Marginal Marítima e zonas vizinhas
Ocupação Inglesa
Terrenos cedidos, não ocupados
Terrenos ocupados por
atividades inglesas
(Club Ingles de Golf
e Campo de Football)
PRAIA DE GALÉ:Millers, Rendall
22
2
27
28
26
8
19
49
20
50
18
11
10
31
32
43
16
46
17
48
47
44
45
13
34
35
33
41
37
36
24
25
23
38
39
40
9
4
5
3
7
29
30
1
Companhia S.Vicente
de Cabo Verde
Cricket Club Ingles
Casas Alto de Mira-Mar
Outras casas fora do centro
42
21
1-Telegrafo
2-FORTIM
3-Fonte de Miller
4-Alto de Companhia
5,11,16,18,20,21,29,32,35-
-Millers & Cor y
7-Consulado Ingles
8-Quintal do Norte
9-Quintal Meio e Sul
10,31-Telegrafo
12-Alfandega
13,44-Rendall e zona Rendall
17-Ponte de Despejos
19-Salina, Campo de
Cricket
23-Casa de Guarda
24,41-Ar mazem da alfândega e
armazém
25-Ponte materiais inflamáveis
26-Ponte de Água
27-Plano inclinado
28-Oficina do Estado
30,34-Blandy Brothers
33 e 48-Wilson
36,37,38-Ponte Norte, Ponte Meio,
Ponte Sul
39-Ponte Metálico de Alfândega
40,45-Empresa Madeiral,
Ponte de Água
43,49-Companhia S.Vicente CV
50-Wilsons, Sons &Company
N
O porto carvoeiro para sua demanda e financiamento, implica necessariamente
avultados investimentos em infra-estrutura imobiliárias: armazéns de combustíveis,
planos inclinados, cais de embarque e desembarque, carris, guindaste, instalações do
sistema de farolagem, lanchões e baldes de ferro constituem todo um cenário de
arcabouço para possibilitar a carga e a descarga do carvão.
Baia e “Cabeça de Washington - Editor: I & Nicol, 1920.
Ponte de desembarque de S.Vicente
Largo da Pracinha-Editor: Bazar Central Bonucci & Frusini, 1910.
Mindelo caminha para uma autêntica cidade industrial, e esta seria uma das intenções
das companhias inglesas. O Estado acaba por lhes conceder todo o poder, atribuindo-
lhes a totalidade de terrenos circunscritos à orla ribeirinha e circundados de muros de
vedação de terrenos em forma de grandes quintais (Norte, Meio e Sul) ao redor da
cidade. O desenvolvimento induzido pelo porto, como é evidente em todas as cidades
industriais da época, tem igualmente alguns efeitos nocivos sobre o espaço urbano. Com
exceção do espaço ocupado pela Praça D. Luis, todo o restante do ribeirinho da cidade é
monopolizado pelas carvoeiras, apesar de serem generosamente concedidos a armazéns
e telheiros cobertos de zinco para o depósito do carvão. Esta imagem degradante e
pesada a que os ingleses denominam de “The cinderheap significa um montão de
escorias de carvão, visível em todo o espaço ribeirinho na fixação de construções e
atividades poluentes e inestéticas. E em meio ao processo de urbanização, a acumulação
de enormes quantidades de carvão em depósito dentro da cidade coloca Mindelo numa
situação urbana e sanitária preocupante, afetando quase toda a população.
Trabalhadores de Carvão - Fonte: Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento da
cidade do Mindelo,1984
Esta imagem desencadeia reações de vários munícipes, contrapondo críticas às
condições de vida existentes, e contra esta forma de gestão urbana utilizada que punha
em causa a segurança, a saúde e os desígnios do projeto urbano do Mindelo em
detrimento dos interesses das carvoeiras inglesas. Adquirem um enorme poder às
autoridades administrativas e estabelecem em função dos seus interesses as condições
dos operários, impondo e neutralizando todas a deliberações, quer da Câmara Municipal
quer os da administração central. Surgem várias reivindicações na cidade que dão
origem a um quadro de conflito, em oposição ao fato de toda a parte central do porto, ter
ficado nas mãos dos ingleses. Esta situação é contestada pelo dico João Augusto
Martins da seguinte forma:
Hoje, esta ilha verdadeiramente não é nossa, ou é-o apenas n’aquillo e
pela maneira que os ingleses querem que ella seja. A quase totalidade
dos terrenos no litoral, tanto no porto grande como na bahia da
Matiota, onde se podia estabelecer depósitos de carvão foram
concedidos imprevidente e criminosamente aos ingleses; todos os
melhores terrenos para edificações pertencem-lhes
29
.
Dentre outros contestatários, vários habitantes da cidade opuseram a um outro
terreno concedido nas mesmas condições uma outra empresa considerada Nacional”,
onde existia a praça municipal da cidade-praça Dom Luis. E o resultado desta ocupação
é que em 1895 ela acaba por ser demolida e em sua substituição construíram-se os
grandes quintalões pertencentes a essa companhia, e tornando-se nos anos 80 fonte de
tensão social.
3.3.2- O DECLÍNIO DA CIDADE DO MINDELO
Aliada a esta situação, o grosso dos novos investimentos no porto decorrem
durante o período de 1879-1914, com todos realizados antes dos finais do século. As
29
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 52.
contribuições estatais estiveram na base de execução de obras de manutenção enquanto
outros investimentos mais pesados foram realizados pelas companhias antes de 1900.
Neste quadro de realizações é preciso destacar a importância da náutica a vapor no
processo, mobilizadora dos investimentos. Este cria portos mais mobilizados de fatores
produtivos do que a navegação veleira. Todo o rendimento de capital que se movimenta
na atividade carvoeira (despesas de investimento em construções, fretes, taxas de
importação e reexportação, salários) atinge proporções extraordinárias. Por conseguinte,
o Mindelo, diferente dos demais portos de Cabo Verde, vai receber estes pesados
investimentos em capital fixo, que por exigência do carvão dão origem ao montante de
materiais, máquinas, homens e de entre outros”
30
. O porto carvoeiro contém, mais ainda
que o veleiro, uma grande virtualidade urbana, e gera uma cidade que acolhe em si
forças econômicas e sociais que se espacializam de forma vincadamente urbana. Essas
forças constituídas por várias famílias detentoras de capital fundiário e comercial vêem
o Mindelo como uma excelente oportunidade de multiplicar os seus negócios. rias
famílias e personalidades da Boavista, Sal e Santo Antão chegam ao Porto Grande. A
maioria será de lojistas, abastecendo a cidade e a navegação em trânsito, com a
produção alimentar proveniente das referidas ilhas. Além disso, distribuem pelo resto do
arquipélago múltiplos artigos importados pela alfândega de São Vicente.
Em 1800, toda a dinâmica econômica e social se concentra na cidade. Torna-se
uma autêntica cidade cosmopolita e é o centro das atenções em todo o arquipélago.
Várias firmas inglesas, italianas, alemãs e portuguesas abrem representações na cidade,
trazendo a ela seus agentes comerciais, administradores, engenheiros navais, operários
especializados. A presença dessa comunidade é representada simbolicamente na
existência na cidade de uma igreja anglicana e um cemitério inglês. Dessa comunidade,
30
- ibidem, 1984: 53.
os ingleses constituem a presença estrangeira dominante. Porém, não é somente a
presença inglesa a dominante. Numerosos comerciantes judeus provenientes do Norte
da África, munidos de passaporte inglês e francês, desembarcam no Porto Grande,
atraídos pela oportunidade de realização de lucros comerciais. Essa pequena
comunidade por exemplo Issac Whanon, Issac Benrós, Issac Gabay, Zafranny,
Abraham Brigham , marca a presença judaica em São Vicente. Investem no comércio
grossista e a retalho, hotelaria e construção. É importante assinalar uma outra
comunidade de comerciantes estrangeiros que chega a ter uma presença considerável
que é a italiana. Esta comunidade também estimulada pelo mercado criado pelos
numerosos passageiros desta nacionalidade que escalam o Mindelo, a caminho de
Buenos Aires, Montevidéu e Santos, instala-se na cidade, com mercadores transalpinos
abrindo bazares, lojas de souvenirs, bares e restaurantes. É o caso de Pietro Polese,
Cavassa Giuseppe, Frusoni, Massoca Mattili e outros, que são alguns dos importantes
comerciantes italianos da praça do Mindelo. Muitos ocupam postos nos serviços da
Administração do Conselho, Câmara Municipal e altos funcionários do Estado.
Contudo, em 1879, o Mindelo acolhe a maior comunidade de estrangeiros existente no
arquipélago. Havia na cidade por essa altura, 106 filhos do Reino e ilhas adjacentes” e
114 estrangeiros. Destes últimos, 86 eram ingleses, 14 italianos, 6 marroquinos, 2
belgas, 2 americanos e 1 russo. A sua posição estratégica e o desenvolvimento
socioeconômico chama atenção da maior parte dos países ribeirinhos do Atlântico ou
com interesses nas rotas oceânicas, a possuírem representação consular ou vice-consular
no Mindelo: Alemanha (cônsul), Bélgica (cônsul-geral), Brasil (agente comercial e vice-
cônsul), Dinamarca (vice-cônsul), Estados Unidos (agente consular), Inglaterra (vice-
cônsul), Itália (agente consular), Países Baixos (vice-cônsul), República de Uruguai
Oriental (vice-cônsul), Rússia (vice-cônsul), Suécia e Noruega (vice-cônsul), e Turquia
(vice-cônsul). E assim, a cidade abre-se ao mundo e a ilha liberta-se do espaço
particular, acomodando na sua relação entre mar e terra, sendo o mar sempre presente
nas suas representações do território. Este espaço insular, inóspito e limitado abre ao
mundo, e o mar torna -se uma ruptura, um elo entre os homens, um elo de confrontação
entre culturas.
Além da comunidade estrangeira residente, a relação de confrontação da
diversidade cultural desempenha um papel importante pela permanente freqüência
constante daqueles que chegam e partem no espaço de tempo apenas necessário ao
reabastecimento dos vapores.
Cena de Casamento”-Col. Particular Amandio Paris Silva- Fonte: Espaços Urbanos de
cabo Verde, O tempo das Cidades- Porto, 1998
Esplanada do Quiosque, 1945 ( Foto: Moacyr Rodrigues).
Estas escalas breves davam à cidade uma vida vislumbrante, com os marinheiros
povoando por todos os lados as ruas. Eles freqüentavam os botequins, as pensões,
bordéis e tascas espalhadas pela cidade e arredores, e naturalmente emprestavam à urbe
muito movimento, de dia e à noite, facilitando a vida de muitas famílias. Era uma
imagem de fato representativa da vida boêmia da cidade. Desembarcam no porto,
provenientes de outras partes do mundo emigrante em demanda aos eldorados do Sul,
sejam eles as cidades do Rio da Prata, da cidade do Cabo em África do Sul ou mesmo
da Austrália.
Quadro I
Companhias de navegaçao com escalas mensais no Mindelo
Empresa Nacionalidade Rota
Empresa Lusitana
Portuguesa
Lisboa-Madeira-São
Vicente-S. Tiago-Bolama-
S. Tomé-Angola
Royal Mail Steam
Packet C.
Inglesa
Southampton-Lisboa-
Brasil-Rio da Prata
Pacific Steam
Navigation C.
Inglesa
Liverpool-Lisboa-Brasil-
Rio da Prata
Orient Steam
Navigation C.
Inglesa
Londres-Cabo da Boa
Esperança-Austrália
Lamport & Holt
Société General de
Inglesa
Liverpool-Londres-
Brasil-
Rio da Prata
Transports Maritimes
Francesa
Marselha-Brasil-Rio da
Prata
Chargeurs Réunis
Francesa
Havre-Brasil-Rio da
Prata
Apesteguy Frères
Francesa
Bordéus-Brasil-Rio da
Prata
Dufur Ebruzza
Italiana
Gênova-Brasil-Rio da
Prata
Società Lavarello
Italiana
Gênova-Brasil-Rio da
Prata
Rocco Piaggio & Filho
Italiana
Gênova-Brasil-Rio da
Prata
Nicolo Schiafino
Italiana
Gênova-Brasil-Rio da
Prata
Nord Deutscher Lloyd
Alemã
Bremen-Brasil-Rio da
Prata
Hamburg Sudameri-
Kanishe Chaft
Alemã
Hamburgo-Lisboa-
Brasil-Rio da Prata
Kosmos
Dampfschiffahrt
Alemã
Hamburgo-Rio da Prata-
Valparaíso
Fonte: Joaquim Vieira Botelho da Costa, Aditamento aos Relatórios da Administração
do Conselho de São Vicente de 30 de janeiro de 1877 e 1 de março de 1880.
A vida na cidade era marcada pela navegação. Várias companhias de paquetes,
pelas poucas horas de permanência, despejam no Mindelo centenas de passageiros, o
suficiente para a agitação e movimento nas ruas da cidade. Toda essa boemia era sinal
de vida, e ao mesmo tempo de esperança e frustração. Nela desenvolveram-se duas
classes sociais com características especiais: a dos operários ligados às companhias
carvoeiras e a dos trabalhadores de ocasião, sem patronato, totalmente dependentes da
circulação de estrangeiros, do contrabando e da emigração clandestina. É nesta última
classe que se inclui a chamada gente da ponta da praia”, os cicerones que
acompanhavam os estrangeiros pelas ruas da cidade. Segundo Correia e Silva as
afluências de estrangeiros residentes ou de passagem pelo porto contribuíram de certo
modo na mudança do mindelense, tornando-o aberto e receptivo, que na sua capacidade
de contato e oportunidade de aprender línguas estrangeiras transformou-se numa
necessidade da qual era usual ouvir-se falar o inglês, francês ou italiano ao lado do
crioulo e do português.
O aumento da navegação no Porto Grande e o desenvolvimento comercial
contribuíram altamente com a economia pública e municipal. O mesmo autor afirma
que, durante os anos 60, as fontes portuárias registram uma média de 50.000
passageiros em trânsito por ano. Em 1888, esse número iria triplicar em relação ao de
década de 60. E Porto Grande recebe nesse ano 169.440 passageiros em trânsito.
Portanto, até essa altura, o Porto Grande consegue conservar a sua posição como porto
mais movimentado face as carreiras internacionais, e com ele segue o florescimento e
desenvolvimento do Mindelo a partir de um momento em que a navegação começara a
perder a sua importância nesta zona do arquipélago, tornando-se mais evidente no
século XX.
O porto e as virtualidades econômicas e espaciais
Se por um lado a navegação gera dinâmicas socioeconômicas e influi no grau de
movimentação do porto, ela também contribui com momentos cíclicos de frustração e
incertezas aos habitantes da cidade. Os momentos altos e baixos da navegação
repercutem no desenvolvimento das atividades comerciais. Assim, paralelamente à
diminuição da navegação entre 1884 e 1886, o comércio sofreu e os estabelecimentos
diminuíram em número. Essa repercussão fazia-se sentir na vida dos comerciantes
quando a situação comercial se apresentava pouco animado por falta de passageiros em
trânsito, visitando a terra, devido às muitas quarentenas”
31
. Por outro lado, é a partir do
fim do século que as casas comerciais começam a se organizar. Essa organização pa rte
da iniciativa de mercadores estrangeiros, em especial os ingleses, que estabeleceram
casas comerciais especializadas em importação de produtos finos ingleses (louças,
tecidos, calçados, artigos de luxo, doces etc.), equipamentos de navegação de pequena
escala, materiais de construção, ao lado de comerciantes e proprietários nacionais que
também se instalaram com empresas importantes de fornecimento de água à cidade e às
embarcações de gêneros alimentícios (hortaliças, peixe fresco, carnes) e outros produtos
considerados exóticos e de luxo para os passageiros em trânsito (pássaros, animais,
esteiras, bordados, obras de mercenária). Paralelamente a estas atividades, Mindelo
eleva-se, com o aparecimento dos cabos submarinos, como porto estratégico ao
comércio mundial e devido à sua importância geográfica, acabam por se estabelecer na
ilha desde 1874 até o início do século. Inicialmente desenvolvida pelo Brazilian
Submarin Telegraph, posteriormente se expandiu a outros pontos do mundo,
31
- B.O., 21.1886, Relatório do Administrador do Conselho.
nomeadamente entre a Inglaterra e a África do Sul, tocando as ilhas de Ascensão e
Santa Helena”
32
.
Grande Hotel Brasileiro”-Col. Particular João Loureiro, Fonte: Espaços Urbanos de
Cabo Verde-O tempo das cidades porto, 1998.
Quatro anos mais tarde a Western Telegraph (em 1899 era a Brazilian Submarin
Telegraph) consegue obter o direito de amarrar em São Vicente e explorar um cabo
submarino ligado à Ascensão, dirigindo ao Brasil e Argentina. Com estes progressos o
arquipélago abre-se ao mundo das comunicações telegráficas e estabelece o aumento de
rendimentos resultantes de taxas de telegrafia no incremento de postos de trabalho, do
comércio e da navegação.
3.3.3- A Crise do Modelo de Crescimento do Porto do Mindelo
32
- Boletim Oficial, n.11-1900.
O funcionamento do sistema econômico-social construído no Mindelo dependia
essencialmente do crescimento da demanda carvoeira causado pela navegação
internacional. O crescimento da cidade dependia exclusivamente dos recursos
financeiros provenientes desse setor. Aliás, todo o sistema funciona em consonância a
um determinado nível de freqüência do fluxo portuário. A cidade nasceu como porto, e
do porto ela vai depender, permanecendo apenas a relação mar-terra.
Contudo, no fim da década de 80, o número de navios no Porto Grande começa a
decrescer. Toda a prosperidade e dinamismo que a cidade do Mindelo viveu por pouco
tempo se mantiveram. Denota-se que nas últimas décadas do séc. XIX se
apresentavam sinais da crise portuária com todas as implicações para o
desenvolvimento urbano e mercantil com reflexos particularmente na vida social. Com
esta situação, o crescimento da cidade, a sua infra-estrutura e equipamentos,
dependendo das receitas portuárias, engendrarão num primeiro momento a baixa de
rendimentos fiscais e sobretudo a redução do nível de emprego no porto. É claro que
essas duas vertentes ficam sujeitas a quaisquer variações significativas no volume de
compras de carvão efetuado pelos vapores no Porto Grande. Num segundo momento,
esta crise atinge os rendimentos dos comerciantes fornecedores de bens de consumo
popular, visto o desemprego como sendo a causa da diminuição do volume da demanda
solvável.
Os primeiros sinais da crise portuária começaram a surgir logo depois de 1889,
quando houve um decréscimo extemporâneo, que veio atingir o ponto mais baixo em
1894 com a entrada de um número de 891 navios de longo curso, dos quais 885 eram a
vapor. Entretanto, em 1900 acontece o contrário, atingindo o seu máximo com a
entrada nesse mesmo ano de um número de 1882 navios mercantes, sendo 1840 a vapor.
Como referimos, o desenvolvimento da cidade depende da navegação internacional.
Devido à conjuntura internacional e com abertura de outros portos, o Porto Grande
começara a perder a afluência que detinha em relação aos anos anteriores. Porém, a
cidade-porto é um ponto localizado no quadro de uma rede de dimensões atlânticas, se
encontrando dependente das dinâmicas que se desenvolvem em todo o atlântico.
Até certa altura, o Porto Grande consegue conservar a sua posição como porto
mais movimentado face às carreiras internacionais, e com ele o desenvolvimento do
Mindelo a partir dali com a navegação a longo curso começara, então, a perder a sua
importância e a tornar-se mais evidente no início do séc. XX. Além disso, com as
oscilações do tráfego decorrentes entre a primeira metade do séc. XX , a importância do
Porto Grande foi diminuindo no fim da primeira Grande Guerra, e a partir daí não teve
mais oportunidade de atingir o auge a que se verificou no século passado.
Segundo CORREIA e SILVA (1998) a razão dessa situação é devida à alteração das
condições, que de certo modo sustentavam a posição geográfica do porto e
conseqüentemente todo o processo de desenvolvimento da cidade.
Essa posição privilegiada que o Porto Grande adquiriu durante os anos anteriores
e, sobretudo da sua valorização, foi na verdade devida a diversos fatores endógenos,
como a falta de concorrência de outros portos, de condições técnicas, econômicas,
políticas e até militares que contribuíram, ao lado da atividade carvoeira, para o
desenvolvimento urbano e mercantil.
Com a inversão destas tendências, assiste -se à decadência e à desvalorização do
Porto Grande e do Mindelo como ponto s estratégicos, e puseram em marcha todo o seu
desenvolvimento. Como forma de reverter esta situação, houve a necessidade primeira
de controlar os preços, e em segundo lugar a reestruturação das empresas. Durante a
década de 80 e parte de 70, vigora no Porto Grande um regime comercial monopolista.
A Millers & Nephew cabe então o controle total do preço do fornecimento do carvão.
Entretanto, a subida de preços afeta a afluência da navegação ao Porto Grande de tal
forma que essa afluência começa a decrescer, originando a baixa dos rendimentos
fiscais e salariais. E como forma de a solucionar, em 1875 a administração concede
licença no mercado local a uma nova companhia, a Cory Brothers & Co (167). Esta
consegue provocar a baixa acentuada do preço do carvão fornecido. Entre 1875 e 1880,
com o aumento do volume de tráfego de vapores e o crescimento dos rendimentos
fiscais, a cidade passa a reviver o mais longo ciclo de crescimento ininterrupto pelo
Porto Grande. À volta desta expectativa, em 1884 a administração portuguesa concede a
Thomaz Robert Morgan, negociante residente em Cardiff, terrenos em Galé e Trás do
Monte na cidade, com o fim de estabelecer obras para facilitar e atrair a navegação.
Quadro II
Receita Publica arrecadada no Mindelo
(1875-1880)
Anos Rendimentos Públicos
1875-1876 22:752$447
1876-1877 28:864$753
1877-1878 29:216$454
1878-1879 41:202$076
1879-1880 45:692$430
Fonte: Relatório do Governador Geral de Cabo Verde referido ao ano de 1880.
Enquanto a navegação internacional à vela perde a sua importância para o Porto Grande,
o número de vapores ganha uma posição extraordinária. Para assinalar essa importância,
entrou em 1879 um número de 669 navios mercantes de longo curso, dos quais 482
eram vapores. Esse aumento acaba assim por atingir o seu auge em 1889, ano em que se
verifica ter atingido um número de 1.927 navios mercantes de longo curso, dos quais
1.861 eram vapores.
O porto, como centro de vida e de trocas culturais, manifesta várias dinâmicas
econômicas e sociais, que interagem de tal forma que o modelo de formação
demográfica da cidade-porto torna-se dinâmico. Assiste, porém, a um aumento da
procura portuária, indutora da realização de avultados investimentos, tornando a cidade
um pólo de atração e sobretudo da migração de trabalhadores das ilhas rurais vizinhas, a
sua consolidação proveniente de transformação social no quadro urbano, estaria ligado à
emergência de novos modos de vida. É curioso notar, segundo documentos abalizados
sobre esta matéria, num primeiro momento, que as primeiras vagas são de
predominância masculina, o que engendra de certo modo um excesso de homens em
relação às mulheres. Contudo, esta diferença é explicada pelo grande número de
trabalhadores que afluíam ao porto, composto na sua maioria por homens atraídos pelas
atividades que se desenvolviam e que empregavam na maior parte mão-de-obra do
sexo masculino. Este processo estabelece-se em duas formas; por um lado, pela
imigração, e por outro, pela dinâmica do crescimento endógeno à urbe. Entretanto,
passado algum tempo, os homens, na contribuição para a feminização da urbe,
mandam buscar suas mulheres deixadas nas aldeias de origem, e assim a dinâmica
demográfica tende para o equilíbrio no qual consiste a natural superioridade numérica
das mulheres face aos homens.
QUADRO III
Evoluçao das Relaçoes de Masculinidade na Ilha de Sao Vicente
Ano Homens Mulheres Total H. M
1874
1875
1876
1877
1878
1879
1880
1.172
1.345
1.394
1.525
1.774
1.981
2.208
1.264
1.496
1.534
1.476
1.523
1.736
1.856
2.436
2.841
2.928
3.001
3.297
3.717
4.064
92.72
89.90
90.87
103.1
116.48
114.11
118.96
Fonte: Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo, Antonio Correia e Silva, 2005.
O que os motivou depois de 1890 na construção, por exemplo, da ponte de
desembarque de materiais inflamáveis na Pontinha, a nova ponte de alfândega e o farol
de S. Pedro. Estas iniciativas, apesar de corresponderem a esforços localmente
significativos entre 1879 a 1914, não foram suficientes para melhorar a situação
concorrencial. Além do mais, a despeito de o volume de tráfego manter-se ainda a um
nível elevado, vários são os sintomas da crise portuária em 1884. A situação agrava-se
ainda mais, tendo as duas carvoeiras mindelenses aumentado de comum acordo o preço
da tonelada de carvão vendido no Porto Grande. Assim, parte do fluxo portuário que
escala o Mindelo começa a desviar-se em 1884 para as Canárias. Enquanto isso, e
perante os protestos locais e da administração portuguesa, as companhias carvoeiras
justificam-se, argumentando que a situação do aumento do preço do carvão era
conseqüência do agravamento da pressão fiscal verificado a partir de 1880. N a verdade,
neste ano o imposto sobre a cada tonelada de carvão vendido passara de 100 réis para
300”
33
. Na realidade, enquanto que em Las Palmas e Teneriffe vigora o regime de porto
franco, em São Vicente esta situação agrava-se cada vez mais pela negligência da
administração portuguesa, insensível ao fenômeno da competição, sobre tributando a
atividade carvoeira. Assim, a abertura do Canal de Suez, o desenvolvimento dos portos
de Teneriffe e Las Palmas (Canárias) e Dakar (Senegal), que concorrendo com o Porto
Grande e pela oferta de novas vantagens sobre este, acaba por lhe retirar a importância
geo-estratégica.
O porto e o aumento demografico
O crescimento da população de São Vicente apresenta variáveis populacionais
que oscilavam conforme a intensidade de freqüências da navegação no porto e das
33
- B.O., Cabo Verde n. 47: 1880.
epidemias que periodicamente assolavam a cidade. Apesar da inexistência de um
vínculo estatístico confiável, os dados populacionais da época permitem-nos avaliar
tendências crescentes e decrescentes da ilha. Segundo os dados a que tivemos acesso, os
indicadores referentes ao aumento da população no período de 1879 -1914 cresceram de
quase 4.000 em 1879 para 10.000. Este crescimento acontece em períodos alternados,
ou seja, vai depender de dois fatores: o primeiro, ligado ao número de freqüência da
navegação para o Porto Grande, e o segundo ligado à situação econômica nas ilhas,
muitas vezes acompanhada de epidemias de fome, obrigando à emigração para a cidade
ou para o estrangeiro.
Toda a década de 1880 foi marc ante pela fome que se instala em torno das ilhas
do arquipélago. Este episódio nefasto veio coincidir no momento em que no Mindelo
decorria o maior incremento de trafego marítimo. E assim, a cidade do Mindelo era o
único ponto de saída à sobrevivência causada pela epidemia da fome.
Em 1879 a população cresce rapidamente de 3.717 para 6.561 em 1889. A crise
econômica que decorre em São Vicente entre 1883 e 1886 não impediu que imigrantes
continuassem a chegar. Acontece que, mesmo havendo períodos de fome aguda nos
anos subseqüentes, aumentou o fluxo demográfico especialmente entre 1888 e 1889,
proveniente de todas as partes do arquipélago. A maior parte consegue obter emprego
nas casas Millers & Cory e Wilsons, Sons & Co. É o caso decorrente durante a crise
agrária ter chegado a São Vicente no palhaliote Carlota vários imigrantes vindos da
ilha do Maio”
34
.
No ano seguinte em 1895, com os sinais do decréscimo da navegação, a situação
agrava-se em conseqüência do excessos de trabalhadores, da escassez do gênero
alimentício e o aumento dos preços, dos quais resultaram na diminuição da população
34
- Boletim Oficial, 47-1889, Notícias dos Conselhos.
100
de 6.881 pessoas em 1890 para 6.211 em 1895. No entanto, a partir de 1894 essa
população cresce de 5.694 pessoas nesse ano para 6.666 em 1896, devido à chegada de
navios no Porto Grande. Segundo consta dos documentos que versam sobre esta
matéria, ocorreu uma das piores fomes nas ilhas que durou quatro anos.
Entre 1903 e 1904 calcula-se que mais de 14.000 pessoas morreram, num
universo de uma população de cerca de 140.000 pessoas (CARREIRA, A. 1972: p. 10).
Esta situação coincide com uma redução muito significativa da navegação, e a cidade
não dispunha de oferta de trabalhadores suficiente para a demanda solvável. Entretanto,
em 1910 a situação inverta-se, e a população ultrapassa o limite de 10.000 habitantes,
pois é nesse período que, enquanto o aumento demográfico se processa, o da navegação
começa a decrescer, isto é, enquanto persiste a dicotomia da seca nas ilhas e o aumento
da navegação em São Vicente, decorre sempre um agravamento da intensidade
imigratória para a cidade do Porto Grande. E assim, a ilha torna-se um centro de
imigração e o porto uma base para a emigração
35
.
A cidade do Mindelo em 1891. Fonte: Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas
do Ultramar- (Vols I), p.120, Luis SILVERIA Junta de Investigação do Ultramar,
Lisboa, 1956, (No Arquivo Histórico da Praia -Cabo Verde.
35
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 59.
101
A diversidade social é cada vez mais complexa, flutuante e plástica. Embora
pareça ser um número de dimensões reduzidas, a estrutura socioprofissional começa a
firmar-se no seu espaço e manter o seu caráter. Em 1885 os trabalhadores, em várias
artes e ofícios, atingiram o número de 1.294 pessoas.
Segundo CORRREIA e SILVA (2005: 117) a tarefa principal do patronato inglês seria a
transformação de pobres camponeses recém-chegados à cidade em proletário urbano-
portuário, e que no fundo constitui incontestavelmente a classe mais numerosa da urbe,
aquela que faz movimentar o porto e, por conseguinte, a cidade.
Em 1900, o número de 5.535 pessoas começam a ser absorvido por vários
trabalhos característicos de uma cidade. Surgem novos grupos profissionais que
completam essa diversidade.
3.3.4- EXPANSAO DA CIDADE E NOVOS BAIRROS
A cidade continua a prescrever-se em torno das atividades socioeconômicas do
porto, e este teve um papel importante da determinação da forma urbana. Num primeiro
momento, definiram limites precisos para a constituição de um núcleo fortemente
estruturado. Enquanto continua a consolidar a sua estrutura dos traçados urbanos, vão
surgindo novas relações com o território.
O crescimento começa na década de 1880, ano em que se inicia uma intensa
ocupação dos terrenos na ilha. Porém, o núcleo antigo seguiu de certa forma uma
disciplina urbanística traduzida na malha octogonal. Esta expansão foi possível na
identificação de nomenclaturas que assinalavam as praças, ruas e becos da cidade. Com
base nessa identificação é que foi possível o conhecimento da sua expansão.
102
Praça Nova ou Praça Serpa Pinto- Editor: União Postal Universal, 1910,
Vista parcial da cidade do Mindelo.
103
Essa parte da cidade seria posteriormente envolvida por bairros fora da área central mais
antiga, em direção ao interior da baía ou pelos vales, e elevando-se pelas encostas dos
morros, ao Sul ou a leste do centro, onde foram dados aforamentos na década de
1880”
36
. É uma ocupação mais aberta, descontínua, a qual preserva rupturas naturais ou
agrícolas entre a parte antiga e as novas extensões, permitindo assim a eclosão da
aglomeração.
Estação Telegráfica- Editor: Bazar&Frusoni, 1910
36
- Manuel Bonaparte Figueira, Subsídios para o estudo evolutivo da cidade do Mindelo, p. 204.
104
A ilha de São Vicente, inóspita, dominada pela seca, não dispunha de água potável
suficiente à sobrevivência da população, e a sua recolha era feita através de alguns
poços, à volta dos quais algumas famílias pouco numerosas se concentravam para uma
cultura agrícola e pecuária de mera sobrevivência. Daí que ainda alguns bairros do
Mindelo tragam os rótulos de Fonte Felipe, Fonte de Inês, Fonte Doutor, Fonte Côn ego,
Fonte Cutu, Fonte Francês. Nesse período, fora do centro e dos bairros mais antigos
começaram a surgir novos bairros, entre estes o Monte Santo Antonio, Alto de Miramar,
Monte Celerina (Solarine) e Lombo de Palha.
O quadro a seguir mostra a divisão e distribuição dos habitantes por ruas, bairros
e povoações fora da cidade. Constitui um recenseamento dirigido pelo pároco Luis Loff
Nogueira e elaborado no ano de 1908. Trata-se de um registro que permite ter uma idéia
da densidade da população distribuída ao longo das principais ruas da estrutura urbana.
105
EXPANSAO DA CIDADE
Novos Bairros - 1908
Zonas-Ruas
Número de
Habitantes
Número de
Fogos
Observação
1- Entre Infante D.
Henrique (Aven. 5 de
Julho), Travessa de
Camões (Rua Patrício
Lumumba ao Sul da Praça
Amílcar Cabral), Rua da
Paz Alto de Miramar
(Segunda rua), o Palácio e
a Rua de Lisboa.
2100 442
Zona de maior
densidade
populacional: Rua dos
Descobrimentos (Rua
1º de Maio), a rua com
mais habitantes da
cidade- 510 habitantes
em 108 fogos.
2- Entre Rua de Lisboa,
Paços do Conselho, Rua
Suburbana, Praça
Estrela - Independência e
Rua da Praia.
1124 275
3- Entre os Paços do
Conselho, Largo de
Madeiral, Rua de Coco,
Largo de Dr. Regala e
Rua do Hospital
(Aven.Unidade Guiné
Cabo Verde)
345 67
4- Para Leste: Fonte de
Doutor e Largo de Dr.
Regala (Hospital Velho).
222 49
5- Chã de Cemitério 250 49
6- Bairros mais antigos
fora do Centro:
- Lombo de Trás
- Lombo de Frente
- Monte
54
993
1188
13
245
262
Densamente
Habitados
7- Alto de Companhia
- Alto de Miramar
(a Este da Rua da Paz).
279
293
56
64
8- Faldas do Monte de
Santo Antonio
- Alto de Santo Antonio
- Monte de Celarine
63
71
11
20
9- Ribeira Bote 233 55
10- Ilha do Sal
- Alto de São Nicolau
- Fonte de Cutu
204
94
133
38
16
26
Fonte: Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo.
106
E assim, durante o período de 1879-1914, há sinais de que depois de 1908 houve
interesse canalizado para os bairros fora do centro. A expansão urbana era tão rápida
que em 1911 foram definidos limites físicos da cidade:
o esquema que envolvia a área urbana limitava a oeste pelo Porto
Grande, a norte pela chamada primeira ribeira da Matiota”, da sua
foz a origem e por uma reta ligando a este último ponto ao monte
Vigia”, Selarino” e Passarão”, ao sul por uma linha quebrada
passando pelo monte Passarão”, parede sul do cemitério novo e o
primeiro pontão da estrada do Lazareto
37
.
A cidade e novas infra-estruturas urbanas
Além do complexo processo de transformações estruturais, observa-se o
crescimento demográfico e espacial, a criação de modernos serviços técnicos e públicos
na cidade. Segundo o livro Linhas Gerais da História do Desenvolvimento da Cidade
do Mindelo, a energia elétrica, telefones, a iluminação pública nas ruas e praças, o
aumento de edifícios públicos urbanos caso da criação da Polícia Civil, serviços da
estação metereológica, salas de aula, escolas profissionais, a Biblioteca Municipal, além
da Banda Marcial (constrói-se em 1889 aPhilarmonica Artistas Mindellenses”) — e de
entre outros fatores, determinaram de certa forma transformações espaciais urbanas.
É evidente que entre o processo da urbanização, industrialização e
modernização, as crises habitacional, urbana e sanitária afetavam quase toda a
população. A crítica às condições da vida existentes e a elaboração da imagem negativa
da situação puderam ser observadas tanto para as moradias quanto para a própria cidade.
Os efeitos modernizadores do Porto Grande sobre a cidade trouxeram outras
dinâmicas ao processo da sua modernização. Mas esses efeitos também têm o seu lado
negativo. A constatação dos males derivados desse processo gera problemas sanitários,
insalubridade urbana e social. A grosso modo, a população constituída pelo imenso
37
- Boletim Oficial, n.4-1911, Portaria 34.
107
proletariado portuário permanecia em situação laboral precária. Ele desempenha as
penosas tarefas manuais no porto, numa situação social pendente por baixos salários,
emprego eventual e débil proteção social. Este quadro social precário, e a frágil posição
no processo produtivo espelha as condições gerais de vida da classe trabalhadora. Ela
habita em casas em condições de habitabilidade deploráveis, pobres e sem condições
higiênicas.
As observações do delegado de saúde, inscritas no relatório sanitário referente
ao segundo trimestre de 1850, falam da situação habitacional dos operários:
habitações para a população pobre, nas mais deploráveis condições
higiênicas, sem luz, sem ventilação, sem espaço conveniente, são
verdadeiras pocilgas que deteriorando profundamente a saúde dos
moradores, diminuem a sua resistência em frente a causas
morbigenes”
38
.
A cidade do Mindelo e a influência inglesa
A influência inglesa foi determinante na história e formação urbana do Mindelo.
É marcada pela presença na cidade de um grande grupo de britânicos, e apresenta para o
operariado mindelense alternativa e esperança no desenvolvimento do Mindelo. Este era
composto por chegadas sucessivas de homens e mulheres provindas de todo o
arquipélago, que apenas traziam com eles a própria força de trabalho, sem condições e
espaços de habitabilidade, pois era necessário dar o mínimo de condições de instalação.
Muitas vezes, essas transferências eram asseguradas por uma política social mínima.
Esta política consistia essencialmente no encargo que é assumido por completo pelas
companhias carvoeiras inglesas. Os recém-chegados acabam por se adaptarem aos
modos de vida dos ingleses. Os hábitos e costumes ingleses entram na vida dos
mindeleses. É o caso do primeiro encargo assumido, nos inícios dos anos 60 do séc.
38
- Boletim Oficial., n.11-1891.
108
XIX, pelo Mac Leod and Martin, que constrói o denominado Quarteirão inglês” ou o
Lombo Mac Leod, contendo mais de 50 casas de habitação social.
Salina- Editor: União Postal Universal, 1910
Paralelamente, todas as outras empresas passam a seguir o mesmo exemplo, caso da
Millers & Cory, erguendo um conjunto habitacional com o mesmo fim no Alto da
Companhia, onde se instalam trabalhadores seus vindos da ilha de S. Nicolau
39
. E é
neste contexto que as companhias carvoeiras criam base social de apoio na ilha. Além
disso essa ação não tinha apenas a dimensão de assistência social, mas havia nela um
sentido especulativo, porque elas fazem reverter aos seus cofres, sob a forma de renda
de casa, uma parte substancial dos salários que lhes é atribuída. Esta parte substancial
que lhe é retirada dos salários para os alugueres dessas habitações sociais”, era de tal
forma elevada que chegaria a atingir de 30% a 40% do custo de edificação. Porém, em
todo o sistema de especulação imobiliária, a intervenção das instituições estatais nesse
processo foi nula, quer da Administração do Conselho, quer da Câmara Municipal e
bem assim o das Obras Públicas. Nota-se, contudo, que a maior parte dessas empresas é
39
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 32.
109
que detinha o poder no Mindelo. Mas não é isso. Na prática eles é que detinham na
sua lista cerca de 50% de trabalhadores de toda ilha
40
.
Vista tipicas de casas tradicionais da malha urbana, centro da cidade.
Figuras típicas de famílias inglesas
40
- B.O., n.19, 1880, Relatório do Administrador do Conselho, Cidade do Porto, p. 117.
110
3.3.5- MINDELO no periodo entre 1914-1939
No final do século XIX e até a guerra de 1914-18, as cidades européias
apresentam profundas dinâmicas sociais, econômicas e urbanísticas. Enquanto passam
por uma grande complexidade estrutural e morfológica em matéria de inovações em
infra-estrutura e equipamentos, a cidade do Mindelo, sob a dependência da navegação
internacional e do bloqueio do porto pelos alemães, causa uma diminuição acentuada de
navios entrados nos finais da Primeira Grande Guerra. Em conseqüência a esta situação,
o melhoramento do Porto Grande, com a construção de infra-estrutura portuária,
constitui uma medida de enquadramento e desenvolvimento da navegação
internacional para o porto de São Vicente”
41
. Segundo Vasconcellos (1916: 94)
a diminuição no vapor do carvão relativamente ao ano de 1912 deve
atribuir-se principalmente a que os vapores vindos do sul tomam
em São Vicente o combustível necessário para chegarem a Las
Palmas, onde por outro lado os vapores vindos do norte se abastecem,
por ali encontrarem o carvão mais barato.
É neste período que a navegação entra na fase estacionária, reduzindo a
freqüência de navios mercantes de longo curso. CORREIA, Claudia (1996:107)
corrobora esse sentido, destacando outros fatores importantes que estiveram a frente
desse processo. Refere-se, contudo, ao aperfeiçoamento e às inovações técnicas, por um
lado, e a fatores internos por outro. Refere-se no primeiro caso, o lugar que teve nesse
processo o aumento da tonelagem de navios, o crescimento do mercado mundial, a
substituição do carvão de pedra por combustíveis líquidos mais leves (a exemplo da
utilização de óleos minerais, como resultado da invenção e introdução definitiva do
motor de combustão interna), o aparecimento da telegrafia sem fios etc.
Por outro lado, a mesma autora aborda a importância de outros fatores internos
que constituíram também motivos dessa desvalorização, como a exagerada tributação
41
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 75.
111
imposta sobre o carvão e seu monopólio por determinadas companhias; o imposto sobre
a água para fornecimento aos navios; impostos sobre produtos de importação e
exportação; o imposto sobre a tonelagem dos navios que efetuavam operações de
comércio; os onerosos encargos suscitados pelas leis alfandegárias (quarentenas, cartas
de saúde, visita de saúde, expediente, registro de porto etc.) e a negligência do
melhoramento do Porto Grande perante a concorrência de outros portos.
Assim, como conseqüência da perda da navegação e do movimento do porto,
Mindelo perdia também o seu lugar de centro de atraç ão mercantil. Perante este cenário
e com a diminuição da navegação, a situação econômica e financeira tornava-se
deficitária. É evidente que, dependendo da importação de mercadorias e com o
afastamento da navegação, a atividade comercial diminuía ao mesmo tempo em que a
cidade perdia o seu poder de compra gerando dificuldades de abastecimento e,
sobretudo, o aumento do preço dos produtos.
Os rendimentos provenientes das receitas fiscais (impostos municipais, da
fazenda e receitas aduaneiras) também diminuíram e tiveram reflexos no funcionamento
dos organismos administrativos da cidade, que deixavam de ter a eficiência que
reclamava o interesse da coletividade, dando então continuidade cada vez mais à
retração e desestruturação urbanas” - CORREIA, Claudia (1998: 107).
No quadro desta situação econômica, foi determinada uma contenção de
despesas por parte do Estado, cujo financiamento era provenientes da maior parte do
aumento da percentagem das taxas telegráficas atribuída a Cabo Verde, o que não
impediu, entretanto, que uma série de melhoramentos fossem realizados nas partes
centrais da cidade, principalmente no que diz respeito às atividades portuárias
(construção de uma nova ponte-cais, de planos inclinados, de uma ponte de alfândega),
obras públicas (construção do edifício da Capitania dos Portos Torre de Belém”, 1918-
112
21, construção do primeiro andar do Liceu parte Este do antigo quartel em 1927 , dentre
outros) e calçamento de ruas e de vias de acesso, com a maior parte delas construídas
antes de 1929 e localizadas fora da cidade.
Antigo Edifício do Correio
113
Edifício Capitania dos Portos( Replica Torre de Belém)-construído em 1918-1921.
Este período também se caracterizou pela execução de obras públicas ou em curso,
realizadas com as despesas feitas pela Direção das Obras Públicas. de janeiro de
1927 a junho de 1929 foram 1.152.910$42 escudos, quando no orçamento em vigor na
altura figuravam apenas 900 contos para obras em todas as ilhas”
42
. Em 1936 foi
concluída a nova ponte do cais da alfândega (Ponte do Estado). Permanecia ainda no
quadro das realizações das obras a aspiração para a construção do cais acostável para
barcos de passageiros, o que não aconteceu, devido à depressão econômica que atingiu
quase todo o mundo. Em 1932 esta crise se instala na generalidade dos países europeus.
A quintafeira negra de 24 de outubro de 1929, segundo Gonçalves (1981: 23), marca o
início da Grande Depressão, registrando-se nesse período uma vertiginosa e
generalizada queda das cotações em quase todos os países industrializados. Em
Portugal, o processo de implantação do modo capitalista se manifesta com certo atraso,
com os efeitos da crise de 1929 sendo sentidos de forma retardada.
42
-ibidem, 1984: 76.
114
Porto Grande sofreu esta influência de maneira alarmante durante esse período.
A navegação diminuiu de forma drástica. O número de navios mercantes de longo curso
entrados foi inferior comparado aos anos anteriores. O valor de carvão importado para
reabastecimento baixou de tal forma que após a crise, entre 1930 e 1935, a sua
utilização como combustível viria a ser substituída por combustíveis mais leves. Assim
foi a crise geral e os problemas relacionados com a queda de carvão à época. Contudo,
como conseqüência da difícil realidade econômica e por iniciativa das autoridades
locais, foi necessário tomar medidas de caráter urgente para apoiar o desenvolvimento
do Porto Grande na concorrência que se verificava entre os portos.
3.3.6-MINDELO NO PERIODO PÓS-GUERRA: a emigraçao e as transformaçoes
morfologicas do tecido urbano
No período do pós-guerra, Cabo Verde atravessa várias dificuldades durante a
década de quarenta. A emigração foi a única via que o governo português apontou como
solução aos problemas que o império colonial português sofreu durante a guerra, com o
bloqueio com os aliados e as grandes fomes ocorrid as em 1941-43 e 1947-48. Assim, a
emigração funciona como alternativa face à degradação contínua das terras, em
resultado dos longos períodos de seca e de estiagem. Porém, desconhece-se o número de
emigrantes desse período em S. Vicente. Pressupõe-se que a maioria dos que emigraram
foram para a Europa e Estados Unidos, onde a conjuntura florescente nas décadas de
cinqüenta e sessenta criou uma procura acelerada de mão -de-obra”
43
. O peso dos fluxos
migratórios internos se reflete na determinação da intensidade urbanística em Cabo
Verde. Assim, a “emigração tem agido como válvula de descompressão demográfica, e
no período de 1960-80, a população urbana aumentou numa dia de 4,5 % ao ano,
enquanto a população rural cresceu a um ritmo muito mais fraco (2,7 % entre 1960-
1970 e 0,2 % entre 1970-1980)” (ANDRADE, J. 1998: pg.). Na década de 80, o saldo
da emigração teria alcançado um valor da ordem dos 45.000 indivíduos de ambos os
sexos, isto é, cerca de 50% do saldo natural observado. O crescimento populacional dos
principais centros semiurbanos (Praia e Mindelo) foi influenciado pelas migrações
43
- ibidem, 1984: 94.
115
internas, em matéria de equilíbrio e desequilíbrio demográfico e na transformação
morfológica do território. De 1940 a 1970 é o período em que emigração para S.
Vicente foi de tal maneira intensa, que se originou o aparecimento de várias localidades,
devido à emigração interna provocada pela seca e escassez de chuva que o arquipélago
atravessava nessa época, principalmente no conselho do Porto Novo, na vizinha ilha de
Santo Antão. Foram então a seca e a fome que trouxeram os primeiros moradores,
oriundos das localidades de norte e sul do con selho do Porto Novo, à procura de novas
condições de habitabilidade em São Vicente.
Foto: Alto de Solarine, Fonte Cônego, Fonte Felipe, Ribeira Bote e Monte Sossego em
1979. Fonte-Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do
Mindelo, 1984
116
Foto: Fonte Felipe, Ribeira Bote, Fonte de Inês, Vila Nova, Lombo de Tanque e Bela
Vista em 1979. Fonte - Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da
Cidade do Mindelo, 1984.
Assim, começaram a surgir na periferia vários novos bairros dispersos, formando anéis
periféricos na envolvente estrutura antiga da cidade, onde houve um aumento
extraordinário e caótico da área ocupada por construções urbanas, resultando em vários
bairros novos”
44
. Os bairros Monte Sossego e Ribeira Bote tiveram um crescimento
contínuo, enquanto os bairros Fonte Felipe, Fonte Cônego e Alto de Solarine
apresentaram crescimento na década de sessenta. Isso não acontece com outros bairros,
como Madeiralzinho, Cruz de João Évora e Chã de Alecrim, no norte, e Fernando Pó no
sudeste onde, pelo contrário, será desencadeado um crescimento a partir da década de
cinqüenta, que começa a acelerar na década de sessenta. A emigração passa, no entanto,
a ter um papel importante, a julgar pelas suas remessas, que têm tido um papel relevante
não só no equilíbrio doméstico das famílias, mas também na economia global do país. É
evidente que o volume das remessas em divisas por parte da emigração, e o seu impacto
ao nível da aplicação no seio das famílias deixa a convicção de que, sobretudo quando
essas remessas são periódicas (como acontece na maioria dos casos), de um modo geral
44
-- ibidem, 1984: 95.
117
garantem no mínimo as condições para a aquisição de bens de consumo necessários ao
seu sustento.
A aquisição de terras, de meios de transporte e de outros equipamentos, o
melhoramento das casas ou a construção de novas moradias para a habitação ou
arrendamento fazem parte das diversas facetas que caracterizam a marcha do progresso
socioeconômico.
No quadro da evolução do parque imobiliário, traduzida por José Andrade no
estudo realizado pela SEDES em 1989, são abordadas as implicações favoráveis
incidentes no nível de vida:
Uma fração bastante apreciável do dinheiro dos migrantes é investida
em imobiliário: habitação principal (no campo ou na cidade), imóvel
destinado ao aluguel e, em menor grau, imóveis destinados ao
comércio ou à indústria. Trata-se de um complemento familiar e de
um investimento extra-familiar onde o emigrante aparece como
empreendedor, visando tirar benefício do seu investimento e para isso
podendo ou não apelar aos membros da família para o gerir.
CAPITULO 4
4-AS MUDANCAS NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO E DO
CRESCIMENTO URBANO: Mindelo a partir dos anos 70.
4.1- O crescimento urbano disperso e fragmentado e as conseqüências do
desenvolvimento urbano
A mobilidade geográfica secular do cabo-verdiano remonta ao processo de
formação da sociedade que se seguiu ao descobrimento do arquipélago em 1460 e o seu
posterior povoamento com a doação pela Coroa Portuguesa, situação que tornou o
território num entreposto de escravos, sobretudo com destino às grandes plantações de
cana de açúcar das Américas. É esta mobilidade geográfica que caracteriza Cabo Verde,
com uma longa e antiga tradição migratória, característica própria ao cabo-verdiano,
enraizadas nas migrações permanentes que de forma determinante estão ligadas a outros
fatores no aparecimento de vários extratos sociais, com núcleos populacionais dispersos
ou concentrados. Essa crescente mobilidade interna ganha maiores proporções a partir
dos anos 70, em que a crise econômica mundial, com maior incidência na Europa -onde
a emigração cabo-verdiana está em grande escala -, provoca uma notória explosão
demográfica nos principais centros urbanos de Cabo Verde: Praia, Mindelo e Sal, de
1980 a 1990. Segundo ANDRADE, (1998), a população residente passa de 38.000
118
para cerca de 65.000 no caso d e Praia; 35.500 para 47.200 em Mindelo e de 5.800 para
7.600 no Sal. Assim, as migrações passam a constituir um fenômeno socioeconômico
em Cabo Verde.
Vista atual da cidade do Mindelo. (acesso a internet em 12.12.2006).
119
Avenida. Marginal- Mindelo, 2005- (Fotos do autor).
O período a partir das décadas de 1960 a 1980, em conseqüência ao fluxo migratório
interno e externo, é caracterizado historicamente pela intensidade do crescimento
econômico de Cabo Verde, que é um contraponto face à degradação contínua das terras,
resultado dos longos períodos de seca e de estiagem.
Foto atual Estatua A.Noli -vista para a baia. , 2005- ( Fotos do autor).
120
Praça Estrela e Rua da Praia- Fotografia actual - 2006
Largo principal a frente dos Paços do Concelho e a rua perpendicular a Baia-
Fotografia actual - 2006
Vistas parciais na Cidade do Mindelo.
121
É relevante o papel que a migração marcou na história da cidade do Mindelo.
Foi marcante desde a formação do seu primeiro núcleo urbano até hoje, como uma das
formas de desenvolvimento econômico e financeiro da ilha.
O êxodo rural em direção aos centros urbanos, sobretudo para o Mindelo,
originou acelerado crescimento urbano, em que conjuntos habitacionais proliferaram, na
periferia da cidade, como forma de atenuar as pressões sociais e a demanda por
habitação. Desprovidos das mais variadas infra-estruturas, os novos bairros
permanecem durante algum tempo num relativo isolamento, acentuado pela indefinição
de traçados e linhas de transporte. Essa indefinição na época não permite assinalar a
ligação do núcleo antigo à proliferação de bairros na periferia, onde o solo atribuído
pelo sistema de aforamento permite o subúrbio como alternativa à concentração urbana.
Neste caso foi gerada a proliferação e extensão do solo construído com modificação dos
modelos espaciais e urbanísticos. Verifica-se, contudo, que a rua passa a ser um simples
percurso. A praça” perde o seu sentido como espaço reservado ao encontro e à vida
social e, assim, transforma-se num simples largo. O centro da cidade e a periferia
constituirão um momento de ruptura na morfologia urbana tradicional, e um
entendimento diverso na forma de ocupação do solo. Assim, a cidade do Mindelo
desenvolve-se por extensão de loteamentos e de construções do tipo clandestino, e não
pela organização do espaço urbano. É evidente que são estas urbanizações e a situação
social e sanitária da população que motiva o pensamento urbanístico e higienista no
século XX, e que constituíram preocupações ressalvadas no discurso de Dr. Teixeira de
Sousa na tomada de posse como Presidente da Câmara de São Vicente em 1960.
Ressalva ele no seu discurso preocupações inerentes às perspectivas de
desenvolvimento de São Vicente, destacando o momento altamente promissor para as
cidades nas perspectivas de grande projeção econômica para o Porto Grande que se
desenhavam no horizonte. Reforça ainda nesse discur so a indispensável participação do
Estado no esforço que se vai exigir ao município no futuro. Salienta-se a existência de
problemas cuja solução deve ser atacada com maior urgência, numa cidade com cerca
de 25.000 habitantes (1960) sem água, sem esgotos e sem energia elétrica. Para uma
cidade desse porte, como Mindelo, era necessária com urgência a implementação de
infra-estrutura básica para o melhoramento sanitário na cidade.
Para além da água, esgoto e energia elétrica, existem evidentemente
outros problemas também importantes para a vida desta cidade. São os
problemas de urbanização, de alojamento, de estética urbana (...) e
outros ainda que hão de ser equacionados e escalonados por esta
122
Câmara, sempre com a cooperação de engenheiros e arquitetos e com
a intervenção ativa dos munícipes.
45
A partir dos anos 80 do século XX, a expansão urbana que se verifica na
periferia passa a ter uma paisagem eminentemente marcada pela construção. A
paisagem que marca a cidade, na ilha de São Vicente, confunde-se com a cidade do
Mindelo: Uma ilha, uma cidade ou, se quisermos, uma cidade numa ilha e pouco mais
(RODRIGUES, A., 2005: 82).
Vista parcial da cidade do Mindelo (foto-2005).
A cidade começa então a estender-se e fragmentar-se pelo território envolvente e
alastrar-se indiscriminadamente para a periferia, que cresce como cintura habitacional e
industrial, sem descontinuidade construtiva. E assim, desta malha antiga é retirada a sua
45
-Texto extraído da internet, a 17 de Março de 2006, às 17:21h por Joaquim Saial.
123
importância como marco físico e histórico, mantendo, com fases sucessivas da sua
evolução, traços de estruturas sintáticas anteriores que, se comparadas com a evolução
da sua estrutura de hoje, demonstrariam a permanência de natureza estruturante,
funcional e simbólica do seu núcleo antigo, conotada de morada”. Segundo Portas,
estas estruturas ainda hoje condicionam, pela continuidade ou negação, os traços
posteriores, mesmo que estes interpretem modelos de urbanização dissonantes”
(PORTAS, ano: 163). Posteriormente, essa parte da cidade seria envolvida por bairros,
alguns deles estruturados à volta de poços” (DELGADO A. J. citado por
RODRIGUES, M., 1988: 5).
Vista parcial-Ribeira Bote, Alto de Solarino -2005- Expansão periférica da cidade.
É o caso de bairros como Fonte Felipe e Fonte Cutú. Desses bairros foram surgindo
novos bairros, uns de caráter espontâneo e outros envolvidos por cordões periféricos
que continuam sendo determinados em função da sua localização em relação ao centro
histórico.
124
Vistas parciais de áreas de expansão periférica da cidade ( 2005).
125
A proliferação dos bairros na periferia da cidade encontra-se integrada no sistema de
desenvolvimento urbano que predomina nos anos 80. A expansão da cidade
impulsionava a construção de grandes unidades com funções separadas, tais como
conjuntos habitacionais, áreas industriais e outras, que eram todas separadas e que hoje
ainda predominam. Curiosa é a sua persistência no quadro da metodologia utilizada para
a intervenção nas nossas cidades. No quadro da expansão da cidade, a problemática da
moradia ainda é considerada essencial no processo de desenvolvimento urbano.
4.2 PLANOS, LEGISLACAO URBANÍSTICAS E A EXPANSAO DA CIDADE.
Desde a primeira fundação do Mindelo, a água potável constitui o produto
emblemático nas incertezas e tentativas do seu povoamento. Um dos grandes
constrangimentos de se viver na cidade é a escassez desse produto para um grande
número de habitantes. A sua procura dava à cidade momentos de turbulência
desencadeada no seio da população. Era de fato uma aflição para aqueles cujo acesso
era difícil para não dizer impossível. Como um bem, representa para a população uma
necessidade premente à sua sobrevivência. A sua exploração através de poços era um
126
mal à saúde pública. Este mal, transcrito nos relatórios sanitários, sublinhava a ligação
entre doenças, provenientes da má higiene e da carência de água. Não havendo recursos
para o seu consumo, a água potável ou destilada, ou mesmo extraída das nascentes de
Madeiral e Madeiralzinho, era vendida pela Rendall & C. a preços elevados e de uso
quase exclusivo dos funcionários ingleses. Para a classe trabalhadora não resta outra
solução senão o recurso à água salobra dos numerosos poços existentes tanto na cidade
como no interior da ilha. A água chega à cidade em 1891. Sendo, no entanto, a água
extraída dos poços, devido a ser ainda por causa de infiltrações e poluição”
46
, a
cólera e as febres gastrintestinais de caráter tifoso tornam-se ameaças à saúde pública.
Acresce ainda sublinhar que, apesar do inegável desenvolvimento que o porto
provoca à infra-estrutura do saneamento básico, esta mantém-se, ainda nos anos 80,
bastante precária. Em 1900, o Delegado de Saúde alerta para soluções aos problemas de
saneamento, embelezamento e expansão urbana. Segundo ele, essas soluções devem
passar com a participação de todas as instituições numa ação conjunta, articulada,
sistemática e organizada das entidades representativas do Estado, conseguindo que de
futuro fosse ouvida a autoridade competente na construção de novas casas”
47
. Com a
aprovação do Regulamento de Salubridade para as Edificações da Cidade do
Mindelo”
48
, as estruturas municipais passam a dispor de instrumentos contendo medidas
urbanísticas fundamentais de intervenção na cidade. Dentre essas medidas fica proibido
edificar sem que haja a intervenção da Câmara Municipal. Além disso, a cidade, sob os
efeitos nocivos das atividades portuárias, e para não se transformar numa cidade
eminentemente metálica e inestética, adotara a introdução de novos materiais, proibindo
o emprego de outra qualidade de cobertura que não fosse a telha de barro, ardósia ou de
46
- Boletim Oficial, 21-1882, Boletim Sanitário.
47
- Boletim Oficial, 23-1901, Boletim Sanitário.
48
- Boletim Oficial, n.4-1900, Acórdão 3.
127
outros produtos incombustíveis nas construções novas
49
. Por outro lado, outros
materiais como coberturas metálicas, eram permitidos apenas em edifícios não
habitacionais, depois da sua aprovação e respectiva licença.
Com a instalação das Obras Públicas em 1858, elabora-se um vasto programa
unitário para a construção de ruas, infra-estrutura e elaboração de planos e estudos
urbanos. Logo após a sua institucionalização, a abertura de poços foi a primeira
intervenção na resolução do problema de abastecimento de água à cidade (vila).
O primeiro plano para a cidade data de 1911, Plano Geral de Melhoramento da Cidade
do Mindelo, elaborado pela direcção das Obras Públicas da Província, tinha como
objectivo atenuar a crise sanitária, orientar o saneamento básico e solucionar os
problemas das edificações, alargamento e pavimentação de ruas. E tornam-se
instrumentos importantes para a definição de novos programas de obras públicas e
fornecimento de princípios urbanísticos à administração p ública na modificação parcial
da estrutura da cidade e mesmo dos edifícios. Estes projetos e planos de melhoramentos
tinham uma incidência maior de intervenção voltada especificamente ao núcleo antigo
da cidade, pois a prioridade era subjacente à consolidação de toda a área central, e não
passavam, em geral, do rol de obras preconizadas aos projetos de melhoramentos.
Aliás, nos anos de 1920 a 1930, a habitação já se fazia sentir a nível mundial nos
principais centros populacionais, e esse mesmo fenômeno repercute em Cabo Verde,
especialmente em rias localidades da cidade do Mindelo. Assim, com objetivo de
incentivar essa política, publica-se o diploma do Regulamento Geral das Edificações
Urbanas, a 5 de julho de 1916, como instrumento de regulação da ocupação do uso do
solo. Nos anos 50 publica-se um outro diploma legislativo de 13 de junho, que faz
referência ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas de 1916 que se encontrava
49
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 67.
128
em vigor na Colônia de Cabo Verde, estando este a ser revogado, introduzindo novas
medidas ao melhoramento dos aglomerados urbanos do arquipélago, no sentido de
proporcionar-lhes os melhores meios de sanidade, como também, de embelezamento e
de estética”
50
. Reuniram-se em um único diploma regras fundamentais respeitantes à
construção urbana, orientação dos corpos administrativos, construtores etc. Finalmente ,
esse mesmo diploma estabelece que a metade das taxas e das multas a cobrar nos termos
desse regulamento constitui receita dos Serviços de Obras Públicas
51
. Estes projetos e
planos de melhoramentos tinham uma incidência maior de intervenção voltada
especificamente ao núcleo antigo da cidade, pois a prioridade era subjacente à
consolidação de toda a área central, e não passava em geral do rol de obras preconizadas
aos projetos de melhoramentos.
Fora da cidade, contemplava-se apenas o alargamento de algumas vias ou
estradas já existentes. As restantes, que ligavam-se ao centro, constituíam uma série de
estradas carroçáveis que se tornariam, posteriormente, as principais vias da cidade.
Ao longo do tempo , diferentes preocupações se sobrepunham, em determinados
períodos; desde a fundação da cidade a questão urbana constituía quest ões preocupantes
das instituições sanitárias. A questão estética encontra-se ligada à questão sanitária. A
preocupação sanitária transcende todos os planos e as diversas instituições. A relação
higiene e estética está presente nas ações e em propostas de i ntervenção na cidade, que
passa por determinados requisitos a cumprir, que tanto referentes a edifícios ou
instalações de boa aparência, pagamentos de taxas de utilização de via pública e
limpeza, estariam sob a responsabilidade dos proprietários. A questão habitacional
ligada principalmente às questões de salubridade, a altura da fachada seria determinada
50
- Decreto Legislativo, n. 1043.
51
- Artigo 4º do Diploma Legislativo.
129
pela largura das ruas fixada numa altura mínima de 3,5 metros. Em 1912 essas regras
vieram a ser modificadas e substituídas pelo então regulamento praticado em Lourenço
Marques Maputo.
Paralelamente e por essa mesma altura com a aprovação do Código de postura
do Município de São Vicente de Cabo Verde”, observa-se também um movimento de
reestruturação e organização dos serviços públicos, e desenvolve-se uma série de
questionamentos, nos meios médicos, acerca do relacionamento entre as doenças e a
habitação das classes populares, transcritos em relatórios sanitários de epidemia
(varíola), que aparecem com regularidade, apesar das medidas tomadas
52
.
4.3 Desenho e a Forma Urbana da Estrutura Antiga da cidade do Mindelo, suas
influências conceituais
Mindelo surge precisamente no período que coincide, a nível mundial, com um
grande embate na industrialização e de forte crescimento demográfico, que constituem
fatores determinantes e característicos do século XIX. Segundo Lamas (2004:203), a
complexidade de análise do desenho e forma urbana do século XIX é caracterizada
essencialmente, por um lado, pela continuidade da cidade clássica e barroca, e por outro
pelo aparecimento de novas tipologias urbanas que vão preparando a cidade moderna.
Mas Mindelo, sendo uma cidade nova, nascida nos meados do século XIX, terá a sua
estrutura e forma urbana de conseqüências idênticas a que tiveram as cidades existentes
na mesma época. Qual é a relação do desenho do seu núcleo inicial e os processos
sociais advenientes da consolidação urbana? Sendo uma cidade insular, marcada pela
relação mar-ilha, a sua configuração urbana não consubstancia a um modelo espec ífico
e característico de cidades insulares. A interpretação que Lamas nos apresenta em
52
- Boletim Oficial, n.35-1882: 68.
130
relação às cidades existentes da época nos relata que elas tiveram uma persistência,
ainda de nítida continuidade com o urbanismo clássico-barroco” (Lamas, 2004: 203).
O quadro desta interpretação nos leva a pensar que a estrutura urbana inicial do Mindelo
foi marcada não por uma nítida continuidade, mas por princípios urbanísticos
pragmáticos do século XIX.
Fotografia aérea da cidade do Mindelo em 1968-1969.( Gabinete Técnico da Câmara
Municipal de S.Vicente).
Por um lado, o desenho e a forma urbana da cidade são assinalados, sob os
princípios da cidade clássica e barroca, e por outro destaca-se a importância que as
cidades insulares (litorâneas) tiveram na sua configuração urbana. Nota-se, contudo, no
131
primeiro caso, nas primeiras medidas urbanísticas, a preocupação de implementar regras
tradicionais de composição do espaço, que foram identificadas e relacionadas nas suas
partes os elementos morfológicos” geradores do núcleo urbano. Do plano antigo da
cidade do Mindelo percebe-se a concepção de uma cidade; não obstante, a consolidação
da sua forma no tempo não deixa de transparecer uma cidade de forma racional, baseada
nessas regras tradicionais de composição do es paço, e a importância do terreno sobre o
qual a cidade se implantava moldava o traçado, e era o próprio terreno, através de
arruação, que se fazia essa adaptação. Pois resulta assim, não obstante as diferentes
fases descontínuas de parcelamento, uma cidade que não é rigorosamente geométrica
em plantas, mas que denota na percepção dos espaços construídos uma grande
regularidade, valorizada pela expressão das particularidades locais, como é a própria
estruturação dos espaços públicos que deram origem à estrutura urbana antiga que
Mindelo tem hoje. De certa forma expressam-se alguns temas do urbanismo clássico,
neste caso, de uma cidade planeada racionalmente na sua estrutura global, a
regularidade do traçado e adoção de modelos arquitetônicos uniformes que obedeceram
todas as construções de elementos morfológicos” da rua e da praça, característicos de
cidades racionais. Desde modo, a absoluta regularidade do traçado, expressão típica de
uma cidade de forma racional, se identifica a uma adaptação e uma correta compreensão
do sítio, do qual se continuava a observar-se a maleabilidade física e intelectual que
desde sempre haviam caracterizado os traçados urbanos portugueses” (TEIXEIRA,
Manuel., 1997: 17).
132
Esquema da estrutura urbana da cidade (desenhos do autor).
O traçado regular articula-se harmoniosamente com a localização de edifícios singulares
em pontos dominantes da cidade, como o caso especifico do Fortim Del-Rei”, tirando
daí partido quer do ponto de vista estético, quer do ponto de vista da leitura e da
estruturação de cidade, sob a presença do “Monte de Cara” ao fundo.
O primeiro núcleo urbano originou a volta do pequeno Largo da Câmara, depois
do Largo da República, de localização central, marcado por eixos principais de ruas que
133
estruturam a cidade: Rua Tenente Valadim (Rua da Praia) e a Praça D. Luis no eixo
portuário ao longo da baía, rua D. Carlos I (Rua de Lisboa) perpendicular à
costa, com funções de eixo comercial e administrativo; assinalava a saída do núcleo à
nascente o largo de Madeiral, enquanto à saída sul, terreiro da atual Praça Estrela.
Foi erguida ao norte da cidade depois de 1895 a Praça Serpa Pinto (Praça Nova), que
teria sido construída em substituição a de D. Luis, em 1891, ocupada com mais
instalações portuárias e que assinala a expansão para essa direção.
A estrutura da malha converge para o centro da baía no sentido Este / Oeste e os
eixos litorais Norte / Sul tangentes à forma convexa da baía, formando uma estrutura
urbana da relação mar com o litoral (sistema litorâneo) e assim, apresenta uma estrutura
morfológica cujas linhas de força expressivas convergem para o centro da baía.
Estrutura Urbana - Linhas de força convergindo para o centro da baia ( desenho do
autor).
134
4.3.1 O Sistema de Planeamento Urbano.
A evolução do planeamento urbano em Portugal, a partir do século XIX, esteve
ligada ao processo de revolução industrial. A cidade do Mindelo, nova e marcada
simbolicamente pelos sinais da época industrial , também vai repercutir os efeitos dessa
evolução a uma outra dimensão, com novas valências na formação da sua estrutura
urbana inicial, e introduzi-las nas áreas urbanas existentes à época. A concentração de
setores de atividades industriais e a intensidade de mão-de-obra proveniente das outras
ilhas deu origem a novos valores socioeconômicos e culturais, e a sua concentração em
todo o espaço portuário, bem como o surgimento de alojamentos para trabalhadores.
Num primeiro momento, o crescimento urbano e a concentração populacional decorrem
com maior valência no core histórico, não obstante, ao aparecimento parcial de alguma
segregação espacial de maior evidencia à volta do centro.
Esse processo não foi, contudo, apesar das preocupações inseridas nas
recomendações urbanísticas, acompanhado das necessárias condições habitacionais e
sanitárias. Esta situação deu origem a que fosse necessária à promulgação de medidas
urbanísticas ao procedimento de planejamento da vila, em caráter temporal. Dependia,
por um lado, dos recursos financeiros disponíveis para a construção de edifícios
públicos e por outro, dos esforços e vontade política na exeqüibilidade de realizações a
certos setores em vários domínios (1858-1879).
Dos problemas financeiros e dos esforços induzidos na realização de certas
obras, a vila iniciou um processo de transformação muito rápido, cujas marcas são ainda
visíveis em algumas áreas da periferia, como a zona de Craca, Cruz de João Évora,
Fonte Felipe e Monte Sossego. A resposta dada às necessidades decorrentes em vários
domínios foi nomeadamente a criação de infra-estrutura portuária — construção de
ponte cais da alfândega com guindaste e caminhos de ferro, e mais para o sul a ponte
135
de despejo”; proteção da marginal e embelezamento de espaços públicos (Praça D.
Diniz), a instalação de iluminação pública (1874) e alargamento e calçamento das
principais ruas em quase todo o centro, construção do calçamento em 1874 e 1875 da
Praça de D. Luis e “das ruas circunscritas ao largo dessa praça” como forma de
solucionar a questão sanitária na vila
53
. Dando prioridade às “zonas de caráter oficial”
54
)
e dando consentimento para o aparecimento de pequenos núcleos de bairros operários
de iniciativa livre (clandestino) na periferia. Porém, na organização do crescimento da
vila e sob essas recomendações urbanísticas, tiveram que traçar já no final de 1859 “as
novas ruas e praças da Villa, pelos alinhamentos marcados”, onde deram início a
construções particulares. Posteriormente, em 1875, o sistema de planeamento sofreu
alterações na elaboração de uma planta contendo todas as ratificações necessárias” da
estrutura urbana das ruas, achando-se os arruamentos da vila do Mindelo da ilha de
São Vicente (...) em estado de completa irregularidade”, como se pode constar no
desenho da “Planta incompleta” do Mindelo
55
.
53
- Boletim Oficial 1871.
54
- Linhas Gerais da Historia do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, 1984: 40.
55
- B.O. 64-1860, idem.
136
Planta incompleta da Cidade do Mindelo.Fonte: SILVERIA, Luis -Ensaio de
Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar-(Vol. I), p. 131, Junta de Investigação
do Ultramar, Lisboa, 1956, (No Arquivo Histórico da Praia-Cabo Verde).
4.3.2 O Renascimento do Ministério das Obras Publicas
Plano geral de Urbanizaçao
Em Portugal, sob o advento do Estado Novo, a política de saneamento das
finanças locais do Estado teria sido feita com os recursos do esvaziamento do s tesouros
municipais, que Gonçalves ressalva existirem ainda no espírito daqueles que
acreditavam na política verdadeira” proclamada pelo regime político do então
Governo.
Entretanto, com a promulgação da Constituição do Estado Novo”, esta não
atribuía a figura do município como poder local às condições de “elemento estrutural da
Nação” (Gonçalves, F., 1981: 24).
Do ponto de vista político, já se havia criado, segundo o mesmo autor, as
Comissões Administrativas nomeadas pelo Governo, com a função específica de
permanecerem à frente dos Conselhos. Entrou em funcionamento no ano de 1930 a
União Nacional, partido único com competência exclusiva de recrutar, formar e
selecionar os quadros políticos do regime com intuito de obter futuros gestores
municipais de nomeação governamental. Neste novo quadro se havia implementado
uma política urbanística de visão centralizadora, o que reduz a intervenção dos
municípios relativa à sua autonomia para tratar localmente dos seus problemas
urbanísticos, em que os os interesses locais não seriam capazes de se sobrepor ao
interesse da Nação” (Gonçalves, F., 1981: 24). Surge então o Decreto-Lei nº 24.802, de
21 de dezembro de 1934, o primeiro regulamento de elaboração dos instrumentos
urbanísticos designados de Planos Gerais de Urbanização”. A totalidade dos
137
dispositivos desta figura de plano contida neste diploma passa a ser a mesma a vigorar
de 1944 a 1971 (Gonçalves, F., 1981: 25).
Com este diploma, as Câmaras Municipais eram obrigadas a promover o
levantamento de plantas topográficas e a elaboração das respectivas figuras de planos
gerais de urbanização dos seus municípios. O conteúdo jurídico deste diploma, em
outros países europeus como França, Espanha, Holanda, e Itália, exigia a
obrigatoriedade na elaboração dos planos gerais de urbanização e era exigido para as
cidades de mais de 10.000 mil habitantes, enquanto em Portugal esse número era
reduzido para 2.500 habitantes, o que resultava, segundo Gonçalves, na
obrigatoriedade da elaboração de centenas de planos, imposição a cumprir no preciso
momento em que publicamente se reconhecia a escassez de meios para levar por diante
tal tarefa” ( Gonçalves, F., 1981: 25). Entretanto, a adjudicação dos levantamentos
topográficos urbanos viria acontecer em setembro de 1938, e em meados da década
de 40 (1940) é que se pode dispor das plantas, obtendo as condições legais para servir
de base aos estudos de urbanização. Assim, ao longo do período compreendido entre
1944 e 1971, nem um único plano geral de urbanização fora aprovado pelo Governo
56
Paralelamente a todas as modificações que o regime procurava introduzir no
aparelho de Estado, o objetivo era transformá-lo num instrumento de poder totalitário e
centralizador. O sistema de planejamento que Duarte Pacheco pretendia era de ordem
disciplinar, com intuito de proporcionar aos arquitetos e engenheiros portugueses o
ensejo de desenvolverem o gosto e o interesse pelos estudos de urbanização”
57
.
Conseqüentemente, destaca-se a importância do novo figurino dos urbanistas”,
56
- Gonçalves, F., 1981: 25.
57
- ibidem: 25.
138
observando que a “legislação de 1934 apresentava-se como uma espécie de incubadora
de uma nova e distinta figura de técnicos”
58
.
Entretanto, o Decreto-Lei 24.802 estabelece parâmetros jurídicos que
atribuem a responsabilidade das Câmaras Municipais e dos cnicos na elaboração dos
planos de urbanização e os procedimentos para a apreciação, avaliação e execução,
despertando-os para as nobres tarefas do planeamento urbano”
59
.
A inexistência de planos topográficos atualizados a que as Câmaras Municipais não
dispunham, vieram salvá-las das imposições a que estavam submetidas pelo então
Ministério das Obras Públicas e das Comunicações” (Gonçalves, F., 1981: 26). Esta
instituição acaba por acusar as Câmaras Municipais, considerando que estas não
possuíam a mínima idoneidade técnica”, e ao mesmo tempo as impedia de alcançar a
tábua de salvação que parecia ser a constituição de serviços técnicos de urbanização
municipais, que no fundo não passa da criação de um ideário de raiz tecnocrata que
servia, ao fim, para a montagem de uma urbanística de caráter totalitário”
60
. O ano de
1936 marca a entrada em vigor da versão provisória do Código Administrativo do
Estado Novo e torna-o definitivo em 1940, integrando a figura do município “no seio de
um Estado nacionalista, orgânico e autoritário” ( Gonçalves, F., 1981: 26 ).
5 O URBANISMO NO ULTRAMAR: Mindelo, os instrumentos urbanisticos e os
modelos conceptuais
1958 é o ano da institucionalização da Direcção dos Serviços de Urbanismo e Habitação
em Cabo Verde, cuja atividade se inicia integrada na então Direcção Geral de Obras
Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar. É o início dos ideais teóricos
destes serviços no âmbito do planeamento físico no Ultramar Português, dirigidos
58
- ibidem: 25.
59
- ibidem: 26.
60
- ibidem: 27.
139
essencialmente aos principais aglomerados urbanos, que se encontram desintegrados
das regiões envolventes” (Colóquio, 1961: 206).
Treze anos antes, em 1945, por iniciativa das estruturas governamentais, vão
fazer seguir os trâmites legais aos processos da elaboração sistemática dos planos de
urbanização para os principais centros. Como estrutura de suporte técnico criaram o
Gabinete de Urbanização do Ultramar”, que seria o organismo central do Ministério do
qual veio a ser desdobrado anos depois nas Províncias de Angola e Moçambique, nas
Seções de Urbanização que passam a funcionar dentro dos “Serviços de Obras Públicas
Provinciais”.
A inexistência de instrumentos cartográficos como levantamentos
topográficos e cartográficos indispensáveis à compreensão regional dos problemas
reduzia os limites possíveis de estudo. Porém, toda a disciplina de ocupação do solo era,
nessa altura, exercida através de esquemas de divisão em talhões, instrumento do
processo de concessão de terrenos, do tipo sistema em quadr ícula, a cargo dos Serviços
de Agrimensura que sucediam em centros de pequena dimensão (povoações
comerciais). “Era a época da sistemática quadrícula de arruamentos, sem distinção
funcional e com percentagens exageradas e anti econômicas em relação à superfície do
conjunto”
61
.
Qual o planeamento urbano para as províncias ultramarinas?
Considera-se que o planeamento urbano praticado a partir de 1945 foi adaptado
62
sucessivamente à evolução dos conceitos na matéria urbanística, tornando como base
61
- Colóquio, 1961: 207.
62
- ibidem: 211.
140
de maior preocupação o traçado do sistema viário, a organização funcional do espaço
dentro de um perímetro urbano e a disciplina regulamentada da sua utilização.
Além disso, realça a vida das aglomerações que devem ser conduzidas à
necessidade de um planeamento de integração regional, isto é, a imprescindível
determinação das zonas de gravitação para várias actividades ou serviços, relacionando-
as a equipamentos normalmente com sede urbana, segundo uma hierarquia de
povoamento definida pela categoria dos núcleos-sede.
Esse tipo de planeamento abrange cada núcleo conforme a sua posição na
hierarquia do povoamento, a respectiva área de influência, incluindo todos os núcleos
subsidiários, que deverá ainda atender às relações de dependência com os núcleos de
ordem superior e de interdependência com os da mesma ordem, vizinhos”
63
. No
quadro desta teoria, apesar do Planeamento Regional ser um instrumento necessário à
aplicação comum, as diversas Províncias Ultramarinas possuíam princípios de
exigências do desenvolvimento do nível econômico e social da população de
determinada área com atuação sobre a exploração de novos recursos ou intensificação
da exploração daqueles existentes. A criação ou reforço do equipamento coletivo,
conduzido a nova forma de ocupação do solo e de relações entre essas ocupações, pass a
a constituir uma das dificuldades na sua aplicação, sublinhando que o Planeamento
urbano no Ultramar é o grau de indeterminação com que se apresentam as perspectivas
de crescimento das populações (....) e que o cálculo da população d e um núcleo urbano
(baseado em taxas de crescimento anteriores) é bastante aleatório considerando as
desigualdades de composições demográficas”
64
.
63
- ibidem: 211.
64
- ibidem: 211.
141
5.1 Mindelo e os planos urbanisticos
Em 1960 se inicia a elaboração dos planos urbanísticos na cidade do Mindelo,
através de uma série de estudos, planos, pareceres e formulações do urbanismo
moderno, com um discurso específico sobre a questão urbana e a sua relação com a
modernidade.
Urbanização da cidade do Mindelo (1968-1969).
142
As grandes polêmicas travadas sobre o urbanismo no Ultramar foram discutidas no
Colóquio realizado de 8 a 21 de março de 1961, que aborda questões pertinentes aos
problemas urbanísticos e da expansão das cidades no Ultramar.
Verifica-se, neste Colóquio, nos planos e nos temas, a emergência e a
decorrência do urbanismo no sentido moderno do termo, e os problemas inerentes aos
países ultramarinos. Nota-se, contudo, que a interpretação do urbanismo (como ciência
e arte) se baseava em conceitos como universalidade de princípios e métodos
comparados com as outras ciências que reconhecem no urbanismo a existência de
contraste humano, estabelecendo fatores humanos e ambientais.
Esquema de Plano Diretor( 1968-1969).
143
Esquemas de Planos Parciais
144
A idéia globalizante que era atribuída à concepção da cidade enquanto totalidade
procurava prever e gerenciar racionalmente a expansão urbana, substituindo as
operações pontuais, o que implica uma visão abstrata do urbanismo. Em todos os planos
globais ou parciais da cidade permaneciam princípios urbanísticos em sua totalidade,
buscando resolver problemas cruciais: o zoneamento, a distribuição de zonas industriais
e de áreas verdes, equipamentos etc.
Na elaboração desses planos a utilização do desenho foi efetivada como síntese
da resposta aos problemas urbanos. Embora numa dimensão e escala bastante pequenas,
não eram mais simples propostas de embelezamento urbano, o que realçamos integrar
145
diversas análises e contributos, inclusive do próprio movimento moderno a idéia do
zonning, da rede viária principal e da distribuição de equipamentos de caráter geral.
Assim, procuravam delimitar áreas de conjunto onde se introduziram questões relativas
de ordem funcional e estética, no sentido de “dar satisfação a várias pretensões de
arranjos locais e implantações, pedidos pela Província”
65
.
Plano parcial de Urbanização da cidade.
65
-Plano Parcial de Urbanização de Zona Norte da Cidade do Mindelo, Despacho 20 de marco de 1969,
p. 2.
146
Porém, estes planos detinham um entendimento morfológico da cidade, o que nos leva a
caracterizá-los pela grande complexidade na elaboração de suas propostas, com algumas
preocupações de ordem cênica e visual.A maioria destes planos elaborados por
arquitectos/urbanistas funcionários da admnistraçao ultramaria em comissão eventual de
serviços”propondo a deslocação dos signatários em comissão eventual de serviço, a qual
obteve autorização de Sua Excelência o Subsecretario de Estado da Administração
Ultramarina”
66
, concluindo que o plano poderá ter a devida e desejável
exeqüibilidade”.Os planos urbanísticos e de saneamento deram inicio a partir de 1957 e
a grosso modo eram na maioria dos casos, planos parciais cujos estudos de intervenção
eram exclusivamente o ordenamento urbanístico de zonas ocupadas ou de expansão
da cidade.( 1957-60-plano da cidade do Arq Aguiar: 1960-Plano Director do Arq
Amorim: 1964-70-Plano de urbanização com planos parcelares da Arqta. Caria e na
década de sessenta: planos parcelares do Arqto BrancoLo.
66
-Relatório da Comissão eventual de serviço a Província de Cabo Verde, Arqt. Antonio Carmona Seabra
e o Eng. Artur Colunas Pereira, oficio n.2991 do Governo da Província de Cabo Verde, Lisboa, 2 de Abril
de 1972.
147
Na prática constituem de certo modo a história das intervenções urbanísticas que
marcaram parcialmente a cidade do Mindelo e passaram por uma sucessão de projetos
de intervenção pontual que se viabilizaram e concretizaram no tempo. Assim, os planos
que se realizaram foram aqueles propostos como soluções de diferentes problemas,
sobretudo os Planos Directores, que nunca foram seguidos na totalidade como
instrumentos urbanísticos.
CONCLUSAO
Esta tese pretendeu analisar a relação espaço-sociedade caboverdeana no tempo. As
concepções urbanísticas vigentes na época da emergência de cada uma das cidades ou
148
seja as grandes paradigmas de pensar e construir cidades, constituem variável em que o
porto aparece como elemento gerador na modelação das cidades caboverdeanas.
Especificamente, pretendeu recuperar no tempo determinado, a evolução histórica das
principais cidades, considerando que este tipo de estudos detalhados de estruturas
urbanas e das suas características morfológicas é uma condição necessária para a
intervenção na cidade. A partir de 1975, o pais ascende a independência nacional com
serias dificuldades, particularmente difícil, no inicio, devido a total inexistência de
infraestruturas em quaisquer domínios ( industria, pesca, agricultura, desenvolvimento
urbano, saneamento básico) partindo assim de uma situação socioeconômica precária,
agravada ainda mais pela seca que durante anos assola o pais. Esta situação repercute na
distribuição espacial da população, verificando, assim, uma grande dispersão rural e a
macrocefalia dos principais centros urbanos, mais especificamente na cidade do
Mindelo. Por outro lado, na perspectiva de recuperar todo o processo de construção do
espaço mindelense, nos induz com isso demonstrar que a sua forma atual, apesar de se
encontrar estratificada segundo um modelo dicotômica núcleo-periferia, é resultado de
uma longa evolução histórica. O projeto da cidade se inscreve no tempo.Este processo
histórico não apresentou uma evolução linear. Ele variou em forma e conteúdo e teve a
ver muito com as características e contradições de cada momento de organização social
que a cidade atravessou ao longo da sua evolução urbana. Mindelo mostra-nos que
durante o seu processo histórico urbano a consolidação do projeto urbano, desde o seu
primeiro núcleo urbano, esteve relacionada com o tempo; e como espaço, conheceu um
processo difícil na formação da primeira povoação, até o momento em que se tornou
cidade. E é neste contexto que desde a primeira povoação denominada D. Rodrigo
passaram algumas centenas de anos, e para a cidade algumas dezenas. O tempo
149
predomina desde a concepção do projeto do povoamento urbano até a sua formação
como cidade.
A mutação temporal que a cidade do Mindelo sofreu nos descarta a idéia de que
o tempo não é mais homogêneo que o espaço e as atuações sobre a cidade implicam
temporalidades diversas”
67
.
Realmente, o Mindelo, após as tentativas do seu povoamento, de várias
intervenções até á sua consolidação urbana, caminhava por nova etapa na vida da
cidade. Porém, a sua longa história nos mostra que Mindelo, de pequena cidade
mercantil, de origem colonial, emergia como uma cidade moderna, cosmopolita e
civilizada. A atual estrutura da cidade é a expressão mais acabada de um processo de
estratificação espacial que vem desenhando desde muito tempo, mesmo decorrente
de forma linear e descontinua. É evidente que o Estado teve um papel importante no
processo e teve sempre associado à classe dominante, refletindo o seu interesse e
garantindo ao maximo a rentabilidade dos seus investimentos.
O registro dos projetos e do contexto em que se inseriam permite perceber a maneira de
pensar a cidade, o seu desenvolvimento e as influências que tiveram ao longo da sua
história.
A idéia de planear a cidade ficou patente no processo da construção da cidade do
Mindelo, caracterizada na indicação de um conjunto de problemas localizados, e suas
resoluções através de um conjunto de obras, de legislação, de regulamentos das
edificações, da tensão social e da reivindicação de uma cidade de qualidade, fatore s que
organizavam o conjunto de intervenções consideradas necessárias através de planos de
melhoramentos, com a transcendente importância atribuída ao plano em que deveria se
subordinar toda a intervenção localizada. Assim, a questão é construir a cidade e não
67
- Panerai, Mangin, 2002: 254.
150
realizar grandes operações de habitação. É necessário repensar o projeto urbano como
mediação entre a cidade e a arquitetura que, apoiando-se em convenções urbanas,
proporciona um contexto a partir do qual a arquitetura e o espaço urbano se reconciliam,
formando a cidade como um todo.
Essa reconciliação deve partir da idéia de introduzir projetos de
desenvolvimento interno, na lógica de procurar vantagens em determinadas áreas de
intervenção. A cidade continua se expandindo de forma acelerada e descontínua em
todo o espaço periférico, na expectativa de obter uma contribuição para a estrutura
multicêntrica da cidade. É necessário repensar a implementação de projetos que
acompanhem e que sejam mais resistentes a crises do que um número pequeno de mega-
projetos. As instituições municipais têm um grande desafio, a partir da capacidade de
intervenção dos seus serviços técnicos e gestores urbanos: a fragmentação e dispersão
típicas do processo contemporâneo de expansão das cidades ocorrido na cidade do
Mindelo a partir dos anos 80. Áreas onde, até então, afirmava-se o sentido de
centralidade (caso do centro da cidade do Mindelo), seja em função do seu significado
histórico, seja dos bairros que formam cordões periféricos à sua volta, e passam a perder
força em conseqüência de novos fatos, entre os quais destacam-se a construção e
distribuição de loteamentos de forma desarticulada e pontual, introduzindo a
descontinuidade urbana entre as áreas construídas. Não queremos apontar esta situação
como sendo um caso concreto do Mindelo, mas apenas fazer uma alerta às constatações
parciais que a cidade vem enfrentando. É preciso repensar a cidade do Mindelo como
cidade competitiva ao mundo globalizado, atribuindo os seus valores sócio-culturais no
quadro de uma gestão estratégica. Uma estratégia de analise teórica baseado nos
conceitos do Desenho Urbano que têm sido aplicados na elaboração dos projetos
151
urbanos contemporâneos. Assim, torna-se mais flexível o conceito de plano-projeto e a
importância do Desenho Urbano como instrumento teórico no Planeamento Estratégico.
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ARQUIVO HISTORICO NACIONAL, Praia.
BIBLIOTECA DA MARINHA, CENTRO RIO DE JANEIRO.
BIBLIOTECA NACIONAL, PRAIA,
REAL GABINETE PORTUGUES DE LEITURA, RIO DE JANEIRO.
GABINETE TECNICO DA CAMARA MUNICIPAL DE S.VICENTE
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( http://www.livrosgratis.com.br )
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