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PEQUENAS INTERVENÇÕES EM ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS: ITINERÂNCIA, FLEXIBILIDADE E INTERATIVIDADE
Andressa Carmo Pena Martinez
Orientador: José Ripper Kós, Ph.D
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE URBANISMO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
URBANISMO.
Aprovada por:
________________________________________________
Prof. José Ripper Kós, Ph. D. (orientador)
________________________________________________
Prof. José Barki, D.sC.
________________________________________________
Prof. Beatriz Santos de Oliveira, D.sC.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
AGOSTO DE 2008
i
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MARTINEZ, ANDRESSA CARMO PENA
Pequenas Intervenções em Espaços Livres Públicos:
itinerância, flexibilidade e interatividade / Andressa Carmo
Pena Martinez. - - Rio de Janeiro: PROURB-FAU/ UFRJ,
2008.
viii, 209 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: José Ripper Kós
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa
de Pós-graduação em Urbanismo, 2008.
Referências bibliográficas: f. 202-209
1. Projetos para Espaços livres públicos. 2. Arquitetura
Temporária 3. Pequenas Intervenções Urbanas – Tese. I. Kós,
José Ripper. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
PROURB-FAU/UFRJ. III.Título.
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A minha família
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AGRADECIMENTOS
Aos meus amados pais, Ramón e Maria Odete, pelo incentivo incondicional;
Aos meus queridos irmãos, Amanda e Ramón, pelo carinho;
Ao Blanco, pela paciência em ouvir alguns comentários sobre essa dissertação nos momentos mais inusitados;
Ao Prof. José Kós que motivou o ingresso no Mestrado, orientador de muitos anos, pelas intervenções sempre direcionadas e relevantes;
Ao Prof. José Barki pela leitura atenciosa e conversas descontraídas sobre o tema;
À professora Jelena Petric, que gentilmente contribuiu para o desenvolvimento dessa dissertação;
Aos professores do PROURB e funcionários;
Aos meus amigos e todos que me ajudaram direta e indiretamente.
iv
Resumo da Dissertação apresentada ao PROURB/FAU-UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre
em Urbanismo (M. Sc.)
PEQUENAS INTERVENÇÕES EM ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS: ITINERÂNCIA, FLEXIBILIDADE E INTERATIVIDADE
Andressa Carmo Pena Martinez
Agosto/2008
Orientador: José Ripper Kós
Programa: Urbanismo
A dissertação tem como objetivo investigar a produção contemporânea de projetos para espaços livres públicos,
tendo como foco intervenções em escala pontual, potencializadas através de arquiteturas itinerantes, mobiliários urbanos multiusos e
recursos tecnológicos adicionais. A investigação teórica centra-se em projetos multiprogramáticos, abertos à flexibilidade de usos,
dinâmicos e adaptáveis, frente ao ritmo acelerado da cidade contemporânea.
Ao final, como síntese da abordagem conceitual, uma breve análise crítica é conduzida através do experimento,
para verificar a validade e o potencial do embasamento teórico apresentados nesse trabalho. Conceitos, estratégias projetuais,
metodologias de análise e representação recorrentes são experimentados através de propostas pontuais para um espaço público
existente, a George Square, em Glasgow.
Palavras-chave: espaços públicos, urbanismo experimental, arquitetura itinerante, projetos multiprogramáticos, intervenções pontuais,
efemeridade, flexibilidade de usos
v
Abstract of Thesis presented to PROURB/FAU-UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of
SMALL INTERVENTIONS IN PUBLIC SPACES: ITINERANCY, FLEXIBILITY AND INTERATIVITY
Andressa Carmo Pena Martinez
August/2008
Supervisor: José Ripper Kós
Department: Architecture and Urbanism
This work aims to investigate the contemporary production for public spaces, focus on small scale interventions,
through itinerant objects, multipurpose, dynamic and adaptable urban furniture. The theoretical research focuses on multipurpose
projects, open to flexibility of uses, in front of the fast pace of a contemporary city.
At the end, as synthesis of the conceptual approach, a critical analysis is lead through the experiment, to verify the
validity and the potentiality presented in this work. Design concepts, methodologies of analysis and representation are experimented
through proposals for a real public space, George Square, in Glasgow.
Keyword: public spaces, itinerant architecture, multipurpose design, small interventions
vi
SUMÁRIO
1| Introdução: reflexões sobre o projeto aberto para Espaços Livres Públicos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |1|
1.1| A cidade em movimento: um novo contexto? .......................................................................................................................... |1|
1.2| Motivação .......................................................................................................................... |5|
1.3| Objetivos .......................................................................................................................... |9|
1.4| Estrutura da Dissertação ........................................................................................................................ |11|
2| O espaço público como um espaço provocativo - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |14|
2.1| Por favor, pise na grama! ........................................................................................................................ |14|
2.1.1| Um breve percurso estético, do Conceitual ao Relacional ..................................................................................... |19|
2.1.2| Mais espaço, menos volume: uma estória em movimento ..................................................................................... |25|
2.1.3| Urbanismo Inflexível x Urbanismo Suave: o soft e o hard ..................................................................................... |29|
2.1.4| Sob um novo ponto de vista: as pessoas como esculturas e a cultura do objeto .................................................. |33|
2.1.5| A inserção de uma nova dimensão em projeto: o tempo ..................................................................................... |41|
2.1.6| A elasticidade do espaço em fluxo ..................................................................................... |49|
2.1.7| Próximo Ato: o espaço público como um palco aberto ..................................................................................... |54|
2.1.8| Conclusão: os ingredientes urbanos contemporâneos ..................................................................................... |58|
2.2| Retornando ao centro da cidade... ..................................................................................... |60|
2.2.1| Mais fricção, por favor! ..................................................................................... |60
2.2.2| Abrindo a semântica do espaço: a articulação das diferenças ................................................................................. |66|
2.3| A cidade conectada nos espaços intermediários - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |69|
2.3.1| As intervenções em rede: desafiando o urbanismo tradicional ......................................................................... |72|
2.3.2| Uma breve amostra: O Festival Radiance 2007 em Glasgow ......................................................................... |76|
2.3.3| A porosidade dos espaços livres públicos ......................................................................... |81|
vii
3| As extravagâncias ambiciosas na Cidade Criativa - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |85|
3.1| A Cidade Itinerante: arquitetura nômade e temporária ................................................................................................. |87|
3.1.1| Uma breve análise crítica ............................................................................................... |103|
3.2| A Cidade da Diversão: mobiliário e jogos urbanos ............................................................................................... |105|
3.2.1| Algumas considerações ... ............................................................................................... |121|
3.3| A Cidade Conectada: as tecnologias no espaço público ............................................................................................... |123|
3.3.1| Observações relevantes ............................................................................................... |135|
3.4| Uma pequena amostra para a excitação de idéias ............................................................................................... |137|
4| O processo criativo como produto em construção - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |139|
4.1| Métodos de Observação e Representação ............................................................................................... |143|
4.1.1| O processo como uma narrativa: Enric Miralles ............................................................................................... |143|
4.1.2| Os algoritmos projetuais de MVRDV ............................................................................................... |147|
4.1.3| Os ideogramas de Rem Koolhaas ............................................................................................... |149|
4.1.4| Um kit heterogêneo de métodos de interpretação ............................................................................................... |151|
4.2| Métodos de análise ou consulta pública participativos ............................................................................................... |153|
4.3| Metodologia Paisagem Experimentada ............................................................................................... |157|
5| A experimentação como o ponto de partida para a síntese - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |166|
5.1| Deixemos Glasgow florescer! ...................................................................................................................... |167|
5.2| Reconhecendo a George Square ... ...................................................................................................................... |172|
5.3| A apresentação de idéias ... ...................................................................................................................... |192|
6| Considerações finais - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |201|
7| Bibliografia - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - |202|
viii
1| INTRODUÇÃO: REFLEXÕES SOBRE O PROJETO ABERTO DE ESPAÇOS LIVRES
PÚBLICOS
1.1| A cidade em movimento: um novo contexto?
Nós vivemos em um mundo pluralista (...) As pessoas nunca tiveram
tanta liberdade de escolha, nem estiveram tão bem informadas sobre
o que é oferecido e quais os melhores lugares para acessá-los. As
escolhas estendem-se de dúzias de modelos e cores de veículos,
30.000 itens nas prateleiras dos supermercados a 100 canais de TV e
à oferta de uma vasta gama de entretenimento em clubes e
restaurantes. Há uma população caprichosamente voraz, liberal,
informada, opinativa e com liberdade de movimento e os urbanistas
estão criando novos lugares para o seu modo de vida. (MOOR &
ROWLAND, 2006: 180, tradução do autor)
Uma breve análise da história das cidades é suficiente para indicar
que os assentamentos humanos estão e sempre estiveram em constante modificação. No
entanto, o surgimento de novas tecnologias, a evolução dos meios de transporte e de
comunicação de massa, o incremento das atividades produtivas e financeiras, além de uma
inumerável lista de recursos materiais e imateriais disponíveis, introduziram, de forma
singular, profundas e intensas alterações na dinâmica, na noção de tempo e no território dos
adensados centros urbanos.
O início do século XXI trouxe não apenas expectativas em relação ao
novo milênio e à capacidade criativa do homem, como de fato, parte das aspirações e
idealizações encontrou campo concreto na cidade. Ainda que não se tenha concretizado a
imagem visionária disseminada através da indústria cinematográfica e filmes como Guerra
opções de escolha na cidade
contemporânea
1
nas Estrelas
1
, que a viagem à Lua em 1969 tenha estimulado expectativas além das
atingidas, de que desenhos animados como os Jetsons
2
e seus ‘carros-aviões’ limitaram-se
apenas às personagens coloridos de uma imagem não realizada; ou no campo da
arquitetura e do urbanismo, ainda que estejamos distante ou nunca nos aproximemos da
Instant City
3
vislumbrada por Archigram, é impossível negar que, de fato, o século XXI
trouxe novidades que alteraram o uso do espaço, suscitaram debates e introduziram novos
focos de atuação para profissionais associados à prática do urbanismo.
Profissionais e pesquisadores de urbanismo, planejamento ou
estudos urbanos estão voltando sua atenção para a dramática
revolução na relação entre as pessoas e o espaço público. Os termos
em voga na teoria do urbanismo evocam um espírito de mudança no
ar. Há um consenso de que forças globais, tecnológicas e sociais
estão rompendo os limites que tradicionalmente moldavam a estrutura
da cidade. Uma nova ordem urbana está se formando num mundo de
espaços virtuais, alterando o comportamento territorial e reinventando
comunidades (HERZOG, 2006: IX prefácio, tradução do autor)
Em um esforço de sintetizar e explicitar o reflexo dessas novas
dinâmicas no espaço urbano proliferam inúmeras terminologias que se propõem a definir a
cidade contemporânea (cidade virtual, informacional, hipercidade...), mas que, distantes de
uma denominação definitiva, apontam apenas que essa nova cidade é ainda, por definição,
indefinível, múltipla e mutante.
De acordo com Kevin Thwaites e Lam Simkins (2007), o momento
atual é o do urbanismo experimental; já Nan Ellin (2006) defende o urbanismo integral, além
de uma série de outras denominações, nas quais não tenho intenção em me aprofundar,
uma vez que traduzem visões particulares e até mesmo um estado efêmero da
nomenclatura que, como a própria cidade, está sujeita a constantes modificações.
1| Guerra nas Estrelas é o título de uma
série de seis filmes de ficção científica, o
primeiro lançado em 1977, que aborda a
existência de sociedades humanas,
altamente tecnológicas, que extrapolaram o
território do Planeta Terra e vivem em
outras galáxias.
2| Os Jetsons foi uma série de televisão
animada, produzida inicialmente na década
de 60 e novamente entre 1985 e 1987, que
apresentou uma versão do que seria a
cidade no século XXI: casas suspensas,
veículos voadores, automação de diversos
esforços humanos, a substituição da mão-
de-obra por robôs e toda a sorte de
eletrodomésticos.
3| A Instant City (cidade instantânea), foi um
dos projetos do grupo de arquitetos
ingleses, Archigram, concebido ao final da
década de 70. Trata-se de uma cidade
nômade, transportada por helicópteros e
dirigíveis, que não está presa à lógica da
localização ou limites territoriais.
2
O Urbanismo Integral é sobre: redes e não limites; relacionamento e
conexões, não objetos isolados; interdependência não (in)
dependência; transparência não opacidade; permeabilidade não
paredes; fluxo e fluidez não estaticidade; conexão com a natureza e
não controle da natureza; catálises, pontuações não produtos finais,
master plans ou utopias (ELLIN, 2006: 02, tradução do autor).
Numa forte referência aos tratados de arquitetura anteriores, como a
Carta de Atenas ou o Manifesto do New Urbanism, mas com certo teor irônico e crítico, um
grupo de arquitetos e designers dinamarqueses, conhecido como RACA, elaborou um
extenso Manifesto para o projeto contemporâneo.
Ainda que alguns princípios possuam caráter vago e aparentemente
distanciem-se da materialização efetiva, a transcrição a seguir, de parte dos 34 princípios,
revela algumas nuances da atitude e linguagem de projeto frente à cidade contemporânea.
1| Um projeto deveria ser baseado na experiência individual. Essa é a
essência de qualquer projeto;
2| Tem-se que questionar o cotidiano, examinar o dia-a-dia e criar
uma nova combinação;
3| Cada projeto deve manter o seu contexto, nunca subestimar o
entorno, as pessoas e suas necessidades;
4| Criar experiências que façam as pessoas perceberem o seu próprio
cotidiano de uma nova maneira;
5| Uma conclusão é melhor quando não é tomada, a ausência de
resposta é o produto final;
6| Foco no fragmento para criar algo completo;
7| Um projeto nunca está completo antes da interação com o homem;
8| Faça projetos que desafiem o usuário a ser um participante ativo;
9| Mantenha o projeto num nível de investigação;
10| Há sempre uma relação entre espaço, um evento e o homem;
11| Mantenha o processo aberto, nunca perca a curiosidade;
12| Coloque os obstáculos para que as pessoas os superem, as façam
mudar de direção ou saltá-los;
Conceitos
nomenclaturas, à parte
manifesto: novos princípios de projeto?
3
13| Participe em vez de assistir.
Fonte:
www.raca.dk (tradução do autor)
Distante da pretensão de ser um marco intelectual e tendo como
objetivo apenas ressaltar o foco de atuação do escritório de forma descontraída, esse
documento já evidencia na prática a busca por uma linguagem de projeto associada à
compreensão do espaço urbano como dinâmico e imprevisível.
Nesse contexto, a cidade, cumprindo o seu histórico papel de cenário,
pano de fundo ou palco da sociedade, reclama por novas roupagens capazes de
materializar as atuais e instantâneas relações homem-espaço-tempo. Por sua vez, o espaço
livre público, onde a influência do novo é ainda mais evidente, constitui campo aberto para
experimentação de novas estratégias projetuais que se propõem a responder ou se adequar
às solicitações dessa cidade em transformação.
A vida pública floresceu nas ruas e praças de uma maneira não vista
20 ou 30 anos atrás, certamente não na forma que possui hoje, o que
nem é uma nova versão de uma tradição urbana antiga, mas
verdadeiramente um novo fenômeno. O interesse sobre uma nova
vida pública nos espaços urbanos é certamente instigante. Numa
sociedade em que a maior parte das atividades diárias acontece na
esfera privada – em casa, em computadores e carros particulares,
estações de trabalho e em centros de compra estritamente privativos e
controlados – há claros sinais de que aos espaços urbanos foram
dados novos e influentes papéis como espaços coletivos e fóruns. Em
contraste com as novas tecnologias e espaços particulares, a
oportunidade para as pessoas de usarem o seu próprio
senso e interagirem diretamente com o entorno está se tornando
extremamente atraente (GEHL & GEMZOE, 2003:20, tradução do
autor).
Dessa forma, a intervenção urbana atual diferencia-se do
planejamento tradicional, já que não constitui uma atuação estritamente ordenada baseada
projeto aberto e mutável
4
em resultados antecipados, mas revela as possibilidades de mudança através de um projeto
concreto.
Nesse sentido, exige-se que o espaço livre-público assuma novas
roupagens, torne-se flexível, organizado em função de novas temporalidades, no novo ritmo
da cidade do “instantâneo”. É, por esse motivo, absolutamente necessário refletir sobre o
projeto de design no espaço público e sobre a sua contribuição na definição de novas
relações entre o homem e o espaço (NEVES, 2003).
1.2| Motivação
Tendo em vista as solicitações dessa cidade contemporânea densa,
dinâmica e mutante por definição, o tema dessa dissertação surgiu a partir do
questionamento e curiosidade pessoal em investigar e refletir sobre a existência de uma
linguagem de projeto que traduza, no espaço livre público, os anseios e aspirações
inerentes ao século XXI. Ainda que a ausência de distanciamento histórico e temporal seja
um empecilho para uma análise global do fenômeno em curso, é notável que as
experiências relacionadas ao projeto de espaço público se transformaram e novos
parâmetros projetuais surgiram.
Os espaços públicos são uma fonte vital para o desenvolvimento do
centro da cidade. Enquanto a vida pública sofreu nas metrópoles
descentralizadas no fim do século XX, alguns educadores, escritores e
urbanistas estão apontando maneiras de recuperá-los. Espaços
públicos ancoram e conferem coerência para áreas intensamente
urbanizadas. Algumas cidades estão enfatizando a importância de
uma rede de espaços públicos conectados, criando identidade, e
provendo um palco para pedestres e a vida pública (HERZOG, 2006:
imprevisibilidade
5
238, tradução do autor).
Os arquitetos dinamarqueses Jan Gehl e Lars Gemzoe, em seu livro
New City Spaces, analisam em profundidade o processo de transformação do espaço
público, fundamentalmente entre a década de 70 e início dos anos 90, a partir da
pedestralização de diversas ruas, denominado por eles de walking conference. O fenômeno
de retirada de veículos e estacionamentos do centro das cidades foi acompanhado pelo
ressurgimento e restauração de diversas praças e espaços livres. Na prática, além de
Strøget em Conpenhagen, o caso mais célebre e que se tornou o maior centro de compras a
céu-aberto europeu, é possível identificar diversas cidades, nos cinco continentes, que
adotaram a mesma estratégia, em um fenômeno que perdura, embora com menor fôlego,
até a atualidade.
Já na década de 90, Barcelona despontou como ícone de uma nova
face do processo de intervenções em espaço público: o Parque Olímpico inaugurado em
1992, no bairro de Montjuic, sinalizava uma nova escala de projeto, cujo foco era a atuação
nas bordas da cidade e a sua conexão com os pequenos espaços públicos inseridos nas
zonas mais densas e centrais. A revitalização de quilômetros de Passeio Marítimo até, mais
recentemente, a Zona Del Levante, onde foram instaladas as estruturas que receberam o
Fórum Urbano Mundial em 2004, explicitam uma avalanche de intervenções que extrapolou
a cidade catalã e atingiu, inclusive, áreas portuárias desativadas como as Docklands de
Londres ou Porto Madero na Argentina.
Lawrence Herzog, em seu livro Return to the Center, Public Space,
and City Building in a Global Era, confirma que o foco de intervenção nas áreas livres
públicas foi uma das mais bem-sucedidas estratégias utilizadas por Barcelona não apenas
para valorizar a imagem da cidade, mas para, de fato, corrigir problemas causados pela
ausência de resultados antecipados
espaço mutante
antecedentes
hipótese: uma nova linguagem de
projeto
6
superpopulação e a deterioração de bairros residenciais periféricos. Ao contrário da
construção de novas moradias, da renovação de edifícios ou da infra-estrutura urbana
dessas áreas em processo de degradação, os melhores resultados foram obtidos a partir da
valorização e revitalização das áreas livres de uso coletivo.
Seguindo o mesmo processo, o Rio de Janeiro assistiu no final da
década de 90 e início do século XXI, o Programa Rio-Cidade e Favela Bairro, que
propuseram uma série de intervenções em áreas localizadas no município, reconhecendo o
espaço público como foco para valorização da imagem e, em alguns casos, ordenamento e
renovação mais profundas de zonas singulares da cidade.
No entanto, apesar de recentes como intervenção, uma breve análise
pós-ocupação ou uma visita despretensiosa a alguns casos ícones, como Barcelona, indica
que talvez essa ‘fórmula’ esteja incompleta. A grande esplanada que abrigou o Fórum
Urbano Mundial em 2004 (figs. 01 e 02) atualmente repousa no silêncio pela ausência de
freqüentadores; o Parque Olímpico catalão (fig. 03), apesar de pertencer ao circuito turístico
da cidade, é quase um local inóspito, sem maiores atrativos e cuja área livre não convida à
permanência ou estimula a vida pública. Não é necessário ir a outras cidades para constatar
que muitas praças, objeto de recentes intervenções, renovadas em seu mobiliário, com
iluminação e pavimentação adequadas, muitas vezes permanecem esquecidas pelo público.
Espaços destinados ao público infantil estão abandonados, outros,
projetados para a prática de exercícios físicos, vazios, enquanto a uma pequena distância, a
pouco mais de vinte ou cinqüenta metros, um local que não foi pensado estritamente para
aquele fim abriga uma dezenas de atividades (fig. 04). Alguns anfiteatros e suas pesadas
estruturas de concreto estão esquecidos e, simplesmente, tornaram-se barreiras à fluidez de
pedestralização
o caso de Barcelona
7
atividades no espaço. A simples reorganização e padronização do mobiliário ou a definição
de ‘programas’ rígidos, estritamente definidos, inflexíveis, que condicionam um modo de
ocupação do espaço, está sujeita à falha.
Se o espaço público é a expressão mais evidente dos anseios da
sociedade, se ele é a tradução direta de novas dinâmicas, por que alguns exemplos já
falharam? Por que intervenções relativamente recentes já não respondem à demanda e ao
ritmo dos atuais espaços urbanos? Qual seria a linguagem de projeto adequada à cidade
contemporânea? Como o espaço público pode instigar e atrair usuários diante das diversas
opções de lazer oferecidas atualmente?
Segundo Philippe Grégoire e Claire Petetin
4
, a intervenção urbana
atual diferencia-se do planejamento tradicional, uma vez que hoje ela não constitui apenas
‘uma atuação estritamente ordenada de resultados antecipados’, mas ‘um projeto concreto
capaz de revelar as possibilidades de mudança’. Nesse novo estado de incertezas, as novas
estratégias projetuais, através da criação de novas interfaces, oferecem a possibilidade
construir, a todo o momento e de modo temporário, a experiência individual do homem no
coração da cidade.
Ainda em fase introdutória sobre o tema e, tendo em vista as algumas
referências bibliográficas e projetuais citadas até o momento, inicio com o pressuposto de
que o projeto para o espaço livre público contemporâneo deve possuir como qualidade
principal a noção de flexibilidade.
A versatilidade surge, então, como ponto central dos espaços
públicos. E aqui a inter-relação com a forma, no sentido de estrutura
física, torna-se menor. Em suma, quanto menos específica é a forma
de uma quadra, mais possível é ter um espaço público de uso misto.
Quando o apparatus do mercado tornou-se temporário e móvel, por
o espaço público como agente
transformador
4| Arquitetos franceses, cuja produção tem
como foco a temática do objeto portátil,
itinerante e temporário, baseada na crença
de que a mobilidade é uma das mais fortes
características da sociedade
contemporânea.
obsolescência
|Fig. 01| Espaços entre os edifícios
permanecem vazios e não possuem
qualidades que estimulem a permanência.
Fonte: www.gettyimages.com
8
exemplo, ele pôde se transformar em uma área para passegiata à
noite, ou um espetáculo, um jogo esportivo durante alguns dias do ano
(KOSTOF, 1999.)
Os projetos apresentados em concursos nacionais e internacionais
como Fused Spaces (2004) na Holanda, o anual European Prize For Urban Public Space em
Barcelona; Seminários como
Interactive City (2006) na Califórnia e Sensory Urbanism
(2007) em Glasgow; o foco do trabalho de arquitetos como os americanos Uncommon
Projects, Urban Atmospheres, Cities on the Move e Atopia, para não citar uma dezena de
outros exemplos, apontam para uma importante vertente de concepção projetual – a noção
do efêmero.
1.3| Objetivos
A dissertação tem como objetivo investigar a produção
contemporânea de projetos para espaços livres públicos, notadamente de espaços
intersticiais em adensados centros urbanos, que indiquem novos parâmetros, conceitos e
estratégias projetuais relacionados à flexibilidade de usos e a sua capacidade adaptativa,
frente às múltiplas solicitações do público nas grandes cidades.
Parte dos parâmetros projetuais adotados e recorrentes na produção
contemporânea não são novidade e já foram aplicadas em experiências anteriores, ainda
que de forma embrionária. No entanto, mais do que fruto da mente visionária de
determinados profissionais, os casos recorrentes superam seus precursores, revisitam
conceitos e integram um fenômeno maior que se beneficia das vantagens técnicas e
produtivas, se adapta à dinâmica singular da cidade, modifica-se e reinventa-se numa
interação aberta e espontânea com o seu contexto e usuários.
|Fig. 02| Limites à fluidez no espaço e
desproporção de escala.
Fonte: www.gettyimages.com
|Fig. 03| Mobiliário padronizado e
pavimentação adequada não é suficiente
para garantir o conforto no espaço público.
Fonte: CENVER, 1996: 69
programas rígidos x organização fluida
9
Como recorte espacial, a dissertação se detém em intervenções de
caráter pontual, na escala de uma praça, em centros urbanos adensados. A escolha dos
estudos de caso e dos referenciais teóricos que embasam a fundamentação desse trabalho
não se apóia na definição de espaço público de acordo com categorias ou subcategorias
identificadas por determinados autores, uma vez que classificações rígidas, seja de ordem
funcional ou morfológica, contradizem a própria lógica do projeto contemporâneo aberto e
multifuncional.
Distante da pretensão de solidificar conceitos rígidos, propor princípios
que defendam um novo ‘estilo de época’, ou regras à semelhança de tratados, esse trabalho
se propõe a refletir, questionar e estimular um novo olhar sobre o projeto para o espaço livre
público. Muito além de respostas, busca-se a exploração de idéias em potencial e a coleta
de informações, ainda fragmentadas por seu caráter recente, de projetos urbanos que
beiram os limites do efêmero e temporário.
Em um segundo momento, como síntese da investigação teórica,
propõe-se a aplicação dos parâmetros projetuais identificados, singulares à prática
contemporânea, em um espaço urbano existente. Para tanto, foi escolhida a Praça George
Square, no coração da cidade de Glasgow (Escócia), durante o semestre de estudos na
Universidade Strathclyde. Experimentalmente, proponho algumas intervenções de caráter
pontual nesse espaço livre, utilizando-me das técnicas de observação e ferramentas de
projeto recentes, tendo em vista a sinalização de rumos e qualidades em potencial para o
projeto de espaço livre público.
|Fig. 04| A apropriação espontânea
transforma um banco na Praia de
Copacabana, um equipamento para a
prática de exercício físico. Em algumas
praças, áreas exclusivas para esse fim, não
são freqüentadas.
Fonte:
www.gettyimages.com
Fundamentação
a Praça George Square: o desafio do
experimento
10
1.4| Estrutura da dissertação
A dissertação é dividida em cinco blocos principais que tratam
respectivamente da fundamentação teórica do tema (capítulo 02); da análise de estudos de
caso, relacionados à produção projetual do século XXI (capítulo 03); fundamentação e
aplicação de uma metodologia de projeto contemporânea (capítulo 04) e da apresentação
de propostas de projeto para uma praça existente, a George Square (capítulo 05).
O capítulo 02 abre-se para a investigação teórica e a diversidade de
conceitos associados ao projeto de espaços livres públicos e, apesar de se referir
predominantemente à extensa bibliografia produzida entre 2001 e 2008, revisita também a
produção de autores como Kevin Lynch, Jane Jacobs, Rosalind Krauss e William White.
Organizada em quatro temáticas, a dissertação detém-se inicialmente na caracterização do
pensamento contemporâneo que estimula a produção de um projeto mais provocativo,
relacionado a uma nova estética, à noção do efêmero e à interação humana (01); defende o
centro da cidade, denso e múltiplo como o espaço em potencial para intervenções (02); e
finaliza-se ao indicar a pequena escala como a dimensão contemporânea de projeto, cujo
macro-território é atingido a partir da formação de uma rede fluida de intervenções (03).
O capítulo 03 detém-se essencialmente na apresentação de projetos
executados como ilustração da produção mundial para espaço livre público. Foram
compilados mais de 160 projetos, concebidos predominantemente no século XXI,
descobertos através de discussões e trabalhos apresentados em congressos e seminários;
resultados de concursos; publicações impressas, (livros, periódicos e revistas de arquitetura
e urbanismo); além de material digital disponibilizado em websites de profissionais e
Fundamentos teóricos
estudos de caso
11
universidades, sites de associações e institutos, blogs e fóruns de discussão virtuais,
nacionais e internacionais. Os estudos, idéias e projetos não-realizados foram importantes
para o amadurecimento do tema durante a fase de pesquisa, mas não são citados nesse
capítulo.
O capítulo 04 atenta para as singularidades do processo projetual que,
no caso contemporâneo, revelou-se tão importante quanto o produto final. A pesquisa indica
que os métodos tradicionais de observação de campo, que antecedem o projeto, são
reinventados e abordados de uma forma mais descontraída e aberta, numa linguagem que
revela e caminha em conjunto com o projeto. Essa parte da dissertação destaca que os
projetos embasados na temática da multi-funcionalidade não se destacam apenas como
produto final, mas por apresentarem um novo modo de pensar, refletidos em métodos e
processos de observação e concepção, como as colagens do arquiteto espanhol Enric
Miralles, o método de observação em latas ou a técnica de cartão postal perdido, proposta
pelo grupo Urban Atmospheres, além de outros exemplos que serão apresentados no
capítulo.
Esse momento da dissertação apresenta, ainda, a recente publicação
Experiential Landscape (2007), dos arquitetos e professores Kevin Thwaites e Lam Simkins,
como proposta de metodologia de análise e observação de campo, destinada ao projeto
contemporâneo, construída a partir de workshops e práticas de atelier com estudantes
universitários.
O capítulo 05, por sua vez, como síntese da investigação teórica,
propõe a aplicação de qualidades projetuais inerentes à produção contemporânea,
reveladas ao longo da pesquisa, tendo como objeto de intervenção a George Square, uma
metodologia de projeto
aplicação prática
12
praça existente na área central da cidade de Glasgow, Escócia. Inicialmente, um breve
histórico e caracterização desse espaço público tem como objetivo apresentá-lo, situá-lo no
contexto da cidade e justificar a sua opção como objeto de estudo. Em seguida, utilizando-
se da metodologia de análise e observação proposta pelo livro Experiential Landscape,
associada aos resultados da extensa pesquisa conduzida por William White (1980), suas
debilidades e áreas potenciais de intervenção são explicitadas e ilustradas graficamente.
Essa sessão é, então, concluída através de propostas e sugestões projetuais concretas,
adequadas ao contexto da George Square.
Por fim, o capítulo 06 abre-se para considerações finais e revela
conclusões relevantes extraídas dessa temática de estudo.
conclusão
13
2| O ESPAÇO PÚBLICO COMO UM ESPAÇO PROVOCATIVO
2.1| Por favor, pise na grama!
É o humor de quem a olha que dá forma à cidade de Zemrude.
(CALVINO, 2003: 66)
Quantas molduras, bordas ou limites não cerceiam o caminhar em
uma praça pública? Quantos desvios são impostos, materiais e imateriais, no trajeto que
relaciona o usuário e o espaço da cidade? Muitas vezes a arquitetura do espaço público é
dominadora, estática e permanente: A existência de objetos, fronteiras ou molduras rígidas,
impede a formatação de novas ações, num determinismo funcional que negligencia e
desestimula a experimentação no coração da cidade.
O subtítulo desse capítulo, Por favor, pise na grama, não deve ser
compreendido como estímulo à transgressão de regras de conduta social, a defesa de uma
visão anti-natureza ou, ainda, a negação do jardim público e do espaço contemplativo. Ele é
tão somente a tradução literal da frase em inglês, Please, walk on the grass!, de Zoe Ryan,
em seu livro The Good Life
5
, e se traduz como uma expressão-convite à experimentação da
cidade, um estímulo ao rompimento da rigidez e estaticidade dos elementos que dificultam a
interação do homem com o seu espaço livre público.
Remova o violino do violinista e os dedos perdem a sua memória, por
exemplo. Nesse caso, o violinista precisa de uma melodia para tocar e
enquanto ele toca, ela também é uma parte da atividade: e o violino
uma extensão do corpo (...). Esses lugares dão forma às nossas
ações, mas como o violino, eles também se tornam parte da atividade.
5| O livro The Good Life: New Public
Spaces for Recreation, é fruto de uma
exposição no Van Allen Institute, em 2006,
que reuniu artistas, arquitetos, fotógrafos,
clientes e paisagistas. Mais de 70 projetos
urbanos ilustraram a produção de espaço
público contemporâneo, tendo como
requisitos-chave a flexibilidade para
acomodar múltiplas atividades e a
preocupação adaptativa desses espaços ao
longo do tempo.
o espaço como extensão do corpo
14
(THWAITES & SIMKINS, 2007: 44 e 45, tradução do autor)
Nesse sentido, o autor Zoe Ryan reivindica a
cidade como “um ‘campo ampliado’
6
que incorpora a mais completa gama de possibilidades
arquitetônicas – todos os tipos de objetos, inserções, espaços, práticas, ideais e emoções:
uma arquitetura que provoque questões, que nos impulsione a contemplar o mundo ao
redor, de uma maneira provocativa e interativa (RYAN, 2006)
Em outros momentos, precisamos de diferentes tipos de arquitetura,
aquelas que se apropriam em vez de dominar, que intervém e se
adicionam, em vez de impor e substituir. Nós precisamos de
arquiteturas com uma natureza não-permanente e temporária, que
aparecem por algumas semanas, dias, ou mesmo horas, que
cumprem o seu papel e desaparecem (...). Arquitetura, nesse sentido,
é como uma flor de estação: bonita em sua presença efêmera e
provisória; apreciada não apenas pelo que ela oferece, mas também
pela certeza de que, em breve, ela ter-se-á ido (RYAN, 2006, tradução
do autor).
Zöe Ryan defende que o espaço livre público seja instigante, e em
oposição à lógica hermética e alienadora dos shoppings centers, que ele nos impulsione ao
questionamento, através de uma arquitetura dinâmica e aberta às intervenções.
Multifuncional e aberto a todos, estes (novos) espaços públicos dinamizam a área
envolvente e estabelecem-se como elementos referenciais da cidade (MATOS, 2002).
Segundo essa visão, o espaço urbano é constituído por espaços
flexíveis que podem acomodar diferentes atividades, programadas ou espontâneas, e têm a
capacidade de transformação temporal para encorajar novos usos, conferindo vigor ao lugar
nos mais diversos tempos da cidade (RYAN, 2006). Kevin Lynch, já em 1972, afirmou que a
maior responsabilidade para o espaço público no futuro (no contexto dessa dissertação, o
6| A expressão Campo Ampliado foi
utilizada em 1979 pela crítica de arte
americana Rossalind Krauss em seu artigo
A Escultura no Campo Ampliado, que
discorre sobre a prática escultórica e a sua
relação intrínseca com a arquitetura e a
paisagem, a partir da década de 70.
o espaço do questionamento
15
século XXI) “é criar possibilidades desejáveis abertas para o futuro, e manter a nossa
habilidade em responder a mudanças no presente”. (LYNCH, 1972)
William White, contemporâneo de Lynch, após uma longa pesquisa,
iniciada no final da década de 70, e dedicada à observação do comportamento social em
pequenos espaços urbanos, afirma que as possibilidades de escolha e de movimento
maximizam não apenas a experimentação do espaço, conferindo liberdade e satisfação ao
usuário, como também contribuem para o caráter funcional da cidade: “a possibilidade de
escolha é um importante exercício. Esses movimentos são funcionais. Eles são a declaração
de liberdade e satisfação. Concentrado nessas pequenas questões, você é o mestre do seu
destino”. (WHITE, 1990: 121)
Em uma entrevista transcrita no livro New Public Spaces, de Sarah
Gaventa, o escritório holandês MVRDV revela que um foco importante em sua prática
projetual é a preocupação com a flexibilidade e a importância do projeto no futuro: “nós
estamos sempre trabalhando com a idéia de mistura de funções, integrando diferenças e
projetando objetos que são capazes de modificar suas qualidades e características no
futuro.” (GAVENTA, 2006: 177)
Os autores de Experiential Landscape, Kevin Thwaites e Lan Simkins,
reivindicam que o espaço público deve estimular a apropriação espontânea, permitir ao
homem organizá-lo, alterá-lo e interagir livremente, alternando comportamentos de caráter
coletivo ou individuais. Por outro lado, se a área livre pública possui uma configuração
rígida, que limite a liberdade de movimento e a fluidez de atividades, o homem
instintivamente tende a negligenciá-la e abandoná-la, principalmente diante das diversas
opções de escolha oferecidas no contexto da cidade.
o espaço multifuncional
o espaço da satisfação
paisagens hiperativas
16
Charles Jencks, embasado no exemplo concreto da Theater Square
em Rotterdam (figs. 05 e 06), projetada por Geuze e inaugurada em 1996, defende a criação
de paisagens hiperativas: à semelhança dos esquemas de Koolhaas a arquitetura é
concebida como superfícies densas e animadas, algo para ser usado o máximo possível
(JENCKS, 2002).
Em 1998, Martha Schwartz, ganhou uma competição internacional
para o projeto da Exchange Square (figs. 07 e 08), em Manchester, Inglaterra, com seu
criativo desenho que reflete o passado industrial da cidade, associado à flexibilidade de usos
e liberdade de movimento, introduzidos pelos bancos que deslizam em trilhos, numa clara
referência à importância da secular linha férrea que conecta Manchester a outras áreas do
país. Esse projeto, juntamente com aTheater Square, são exemplos recorrentes nas
publicações voltadas para espaços públicos e podem ser considerados, inclusive, como
precursores da produção contemporânea, focada na multiplicidade de usos e capacidade
adaptativa desses territórios.
Allan Jacob e Donald Appleyard, em seu artigo publicado no Journal of
the American Institute of Planners (1987), Toward an Urban Design Manifesto (Rumo a um
Manifesto de Desenho Urbano) afirmam que a cidade deve ser compreendida não apenas
em seu nível funcional, mas também em um segundo nível relacionado ao que os autores
denominam de experiência cultural.
uma cidade deve ter lugares mágicos onde a fantasia é possível (...).
Arquitetos e urbanistas levam a cidade e eles mesmos muito
seriamente; o resultado é freqüentemente a morte e o aborrecimento,
sem imaginação, sem humor, espaços alienados. Mas as pessoas
|figs. 05 e 06| A Theatre Square
(Schouwburgplein) no centro de Rotterdam,
concebida por Adrian Geuze e o grupo
holandês West 8, foi inaugurada em 1996 e
tornou-se um dos primeiros exemplares de
espaços livres públicos multi-programáticos.
As torres de iluminação são refletores,
cujos focos podem ser alterados livremente
pelos usuários.
Fonte:
www.west8.nl
17
precisam de um escape da seriedade e do significado restrito do
cotidiano. A cidade sempre foi um lugar de excitação; é um teatro, um
palco sobre o qual os cidadãos podem se expor e assistir a outros. Ela
tem mágica, ou deveria ter, e depende de certa sensualidade, de
humor hedonístico, sinais, luzes noturnas, fantasia, cor e outra
imagem. (LEGATES & STOUT, 2003, tradução do autor)
Nesse sentido, os primeiros exemplos consultados já foram capazes
de revelar uma ótica singular de projeto, baseada no despojamento de regras e na negação
de princípios programáticos rígidos que condicionam a apropriação espacial; projetos que
encorajam a diversão, felicidade e trocas (RYAN, 2006) no espaço público. No entanto, essa
busca de felicidade e satisfação não é exclusivamente um mérito ou inovação da produção
contemporânea. O diferencial desses projetos é provavelmente a tentativa e o desafio de
materializar no espaço público conceitos tão subjetivos relacionados às experiências
particulares, através de projetos concretos que se oferecem como soluções, experimentos,
ou de acordo com diversos autores, verdadeiros jogos urbanos.
Seguindo uma linha associativa, apresentada pelos próprios autores e
suas citações, essa dissertação aventurou-se a traçar, ainda que de forma não linear, um
pensamento que ‘se apropria’ de conceitos recorrentes em publicações recentes e, através
de sua reflexão, propõe-se a transpô-los e experimentá-los fisicamente na própria cidade.
|fig.07| A planta geral, apresentada na
ocasião do concurso, ilustra a área
destinada aos bancos móveis (em azul).
Em amarelo, os bancos fixos conferem
nuances de anfiteatro à praça.
Fonte: REED, 2006: 43-44
|fig.08 e 09| Bancos móveis sobre trilhos.
Fonte: REED, 2006: 43-44
18
2.1.1| Um breve percurso estético, do Conceitual ao Relacional
Eu refletirei como arte e arquitetura estão progredindo em sua mais
recente tentativa de co-habitação. (Jeniffer Allen in MELIS, 2003: 169)
Jennifer Allen, escritora e crítica de arte contemporânea, defendeu
recentemente, no livro Parasite Paradise: A Manifesto for Temporary Architecture and
Flexible Urbanism (2003), que as recentes mudanças no projeto de espaço livre público e o
crescente foco em direção às questões como flexibilidade e mutabilidade, refletem as novas
visões sobre estética e a relação entre arte, arquitetura e espaço, introduzidas pelo crítico
francês e curador de arte Nicholas Bourriaud, no início da década de 90. Ao traçar uma
breve evolução entre a Estética Kantiana, a Estética Conceitual e mais recentemente, a
Estética Relacional, de Bourriaud, a autora demonstra como a relação entre a arte e a
cidade possui influência sobre o projeto urbano e, mais especificamente, como auxiliou a
moldar uma linguagem singular observada na prática contemporânea.
Distante de criar interações simples ou performances teatrais, a
Estética Relacional apresenta o trabalho de arte como uma série de
relações abertas. Para Bourriaud, o movimento pode ser
compreendido como uma reação crítica à indústria de serviços em
ascensão, que gradativamente determina e comercializa relações
sociais, senão o espaço público inteiro. Em vez de assistir – e comprar
– os espectadores são convidados a usarem o trabalho de arte e
ainda levá-lo sem nenhum custo. De fato, o trabalho Relacional está
incompleto sem o espectador, que é definitivamente transformado em
um colaborador e decide como o trabalho será completo. (Jennifer
Allen in MELIS, 2003: 174, tradução do autor)
Desprovida da pretensão de esmiuçar o trabalho de Immanuel Kant
(1724-2804), considerado um dos mais importantes filósofos do final do século XVIII, cuja
|figs. 09| detalhes dos bancos móveis
Fonte: REED, 2006: 43-44
tradução da arte no espaço urbano
19
importância se estende da epistemologia à metafísica e à teoria do conhecimento, Allen
(MELIS, 2003) concentrou-se na breve caracterização das diferenças entre o pensamento
estético aplicado às artes e como eles influenciaram a concepção de paisagem-e-arquitetura
na fase contemporânea.
Após Kant, arte e arquitetura - o artista e o arquiteto separam-se.
Arte permanece no domínio da beleza pela virtude de sua
desnecessidade, sua autonomia, sua liberdade, que está manifestada
nos termos de belas artes. Arquitetura, por contraste, é sempre
marcada por propósito e uso específicos (Jennifer Allen in MELIS,
2003:178, tradução do autor)
Kant introduz princípios de universalidade aplicados à arte ao
determinar que valores mais profundos, relacionados a juízos de gosto – predicativo de belo
ou sublime – são inerentes à essência humana e não variam de acordo com o contexto
cultural, reflexões individuais ou a influência temporal. Além do determinismo estético, que
enquadra a arte a determinados padrões de beleza, Kant declara, ainda, a dicotomia entre
arte e arquitetura, artista e arquiteto, como expressões com propósitos distintos: arquitetura
em sua função utilitária, relacionada à técnica e às noções de durabilidade; enquanto a arte
como manifestação do belo, decorativa, sem a intenção de permanência temporal, efêmera
por essência.
Esse pensamento estético é compatível à noção de arte apresentada
em museus e galerias e à contemplação do belo manifestada através da pintura, escultura,
da música e da dança, como ornamento indissociável aos edifícios criados para essas
manifestações artísticas.
No século XIX, a Estética Kantiana é progressivamente substituída, no
campo das artes, por um movimento de valorização da idéia e do conceito da obra, como
a obra inacabada aberta ao usuário
paisagem arquitetônica
estética Kantiana
20
aspectos importantes na concepção artística, em detrimento de juízos de valores sobre o
belo ou feio. Sob o título A prisão da arte, em seu livro A Beleza sob Suspeita, o autor
Gilberto Paim, traça uma crítica à concepção artística kantiana e, apoiado na visão anti-
ornamental do arquiteto austríaco Adolf Loos (1870-1933), não apenas destaca a superação
dessa estética, como também defende que a ordem imutável e a rigidez na concepção
arquitetônica asfixiam o usuário e o impedem de se apropriar do espaço em sua
potencialidade, cujo rebatimento aplica-se também sobre o espaço livre público.
Ele tocava em arte quando segurava a maçaneta, ele se sentava em
arte quando ocupava a sua poltrona, ele afundava em arte quando
sua cabeça repousava sobre uma almofada. Ele rolava na arte com
um entusiasmo extraordinário. Desde que o seu prato fora
ornamentado ele cortava seu beuf à la oignon com duas vezes mais
energia.
Sua alegria, entretanto, durou pouco. O apartamento que era uma
obra de arte total deixava o seu proprietário terrivelmente cansado;
todo o tempo ele devia respeitar a posição determinada pelo arquiteto
para cada objeto, devia consultá-lo sobre mudanças mínimas – e
jamais incorporar sem a sua aprovação qualquer novo elemento que
não havia sido previsto no projeto original. Assim como o arquiteto
havia eliminado do apartamento todas as lembranças do passado de
seu proprietário, pretendia também impedir que o seu futuro
lentamente tomasse conta dele. A obra de arte total deveria existir
num tempo fora do tempo, no tempo da pura beleza, definitivamente
impróprio à vida humana. Depois de algumas semanas em sua prisão
de luxo, o próspero e poderoso homem de negócios havia se tornado
o homem mais infeliz dos homens. (PAIM, 2000: 67)
Esse novo período, denominado Estética Conceitual, assimilou como
arte os objetos imbuídos de conceitos, que não necessitam de habilidades físicas para a sua
criação e incorporam elementos pré-fabricados, cotidianos, reinventando-os sob novos
ordenação imutável asfixia o usuário
rigidez asfixiante
21
significados. A arte desmaterializou-se da escultura e pintura tradicionais, dos elementos
decorativos, saiu exclusivamente do museu, expandiu-se em novos territórios e atingiu
diferentes escalas.
A Estética Conceitual permitiu a arte em romper-se da mídia
tradicional como a pintura e a escultura e, mais tarde, acolher formas
inesperadas, incluindo arquitetura. A arte conceitual liberou totalmente
o trabalho de arte – e o artista – do que tinha se tornado um ritual
restritivo e institucionalizado, não importa o quão diversa são as suas
manifestações: uma habilidade de criar objetos, organizá-los através
da mídia, fabricá-los para serem vistos no silêncio (Jennifer Allen in
MELIS, 2003: 172, tradução do autor).
Apesar de emergir como movimento apenas após a década de 60,
através de artistas como Christo
7
, Yves Klein (1928-1962)
8
, Robert Morris
9
e Adrian Piper
10
,
a autora Jennifer Allen associa o surgimento da Estética Conceitual a movimentos como o
Construtivismo e a Bauhaus, enquanto diversos autores são unânimes em afirmar o artista
francês Marcel Duchamp (1887-1968) e a sua obra Fontain
11
, em 1917, como a primeira
manifestação do caminho conceitualista de arte. Sob o pseudônimo de R. Mutt, Duchamp
tem o seu mictório branco, esmaltado, comprado em uma loja de construção,
desclassificado no concurso promovido pela Society of Independent Artists (Sociedade dos
Artistas Independentes), em Nova Iorque, por tratar-se de um objeto pré-fabricado, sem
nenhum labor humano que o caracterizasse como obra de arte.
A criatividade estende, portanto, do trabalho à vida cotidiana: das
latas de sopas Campbell
12
e caixas de sabão Brilho, aos objetos
domésticos indistintamente (...) objetos dispares e contraditórios
comporão paisagens, ou cenários (...) em uma afirmação do caráter
lúdico, da sua pertinência como valor criativo do ambiente. (ABALOS,
2001: 127-128)
Estética Conceitual
as obras extrapolam as galerias arte
7| Artista americano, conhecido
internacionalmente através de suas obras
de arte em larga escala, transita entre a
pintura e a escultura, tendo como pano de
fundo intervenções urbanas. Seus
polêmicos trabalhos vão desde o ambicioso
projeto Over the River, que sugere a
cobertura de quilômetros de rios, ao
empacotamento do Parlamento em Berlim
(1995), ao recente The Gates (2005), no
22
Independente da polêmica suscitada por esse objeto, é notável que a
arte adquire novas nuances e, distante da estética tradicional, extrapola o contexto dos
museus, os limites da aparência física e concentra-se no conceito do objeto.
A Arte Conceitual libera a arte do conceito determinado que
ameaçava reduzi-la a conhecimento. A Arte Conceitual não é uma arte
restrita, mas uma arte libertária que sempre muda e permite-se ser
qualquer coisa e a existir em qualquer lugar. Distante de desaparecer,
a arte tornou-se onipresente, movendo-se além de objetos discretos
para ambientes inabitados, freqüentemente temporários, tanto dentro
quanto fora das paredes de um museu (Jennifer Allen in MELIS, 2003:
173, tradução do autor).
No entanto, apesar do caráter libertário da Estética Conceitual,
manifestado através de diferentes correntes artísticas no pós-guerra, a arte ainda continuava
concentrada no objeto, em elementos fechados para si. Até mesmo a Kinetic Art ou arte
cinética, limitava-se apenas às obras em constante movimento, sem nenhuma interação
profunda com o usuário. As esculturas cinéticas, movidas por energia eólica ou elétrica,
ainda quando movimentadas pela ação humana, não constituíam em essência objetos
interativos.
O sociólogo Ernest Burges, citado por LeGates e Stout, no livro The
City Reader, reforça a idéia de que o movimento constante reproduz uma ordem restrita, tão
rígida e pouco interativa, quanto um elemento estático: O movimento por si, não é uma
evidência de mudança ou crescimento. Na verdade, movimento pode ser uma ordem fixa e
imutável de deslocamento, projetada para controlar uma situação constante, como um
movimento rotineiro. Movimento que significa interação implica em uma mudança em
resposta a um novo estímulo ou situação (Ernest Burges, in LeGates & Stout, 2003).
Em 1920, Naum Gabo fez o que foi provavelmente a primeira
Central Park, em Nova Iorque.
8| Pintor francês, adquiriu notoriedade após
o período pós-guerra, através de suas
obras consideradas artes performáticas,
nas quais modelos femininos nus, em
movimento, eram usadas como pincéis
vivos (living brushes).
9| Artista e crítico de arte americano que
concebeu obras relacionadas ao singular
interesse pela dança, transitando por
manifestações como performance art e land
art.
10| Adrian Margareth Piper é artista e
professora de artes, sendo uma das
principais expoentes do vocabulário de ‘arte
conceitual’, com estudos que vão de kant,
ao minimalismo e à filosofia que relaciona
imagens a conceitos.
23
escultura cinética. Através da vibração elétrica, um cordão aparentava
formar um cone, combinando movimento e ilusão para criar uma
forma escultórica temporária. Alguns anos depois, Laszlo Moholy-
Nagy levou a kinetic art mais além com o seu Módulo de Luz-Espaço,
uma construção motorizada de dois metros de altura, de aço cromado
perfurada, arame e vidro. Quando ele era posto em movimento em um
cômodo escuro e a luz era projetada sobre a sua superfície de planos
variados em movimento, a luz refletida produzia sombras diferentes
sobre a parede. Mas, provavelmente, o melhor e mais conhecido
expoente da kinetic art é Alexander Calder, cujos mobiles
13
usam
somente correntes naturais de ar para criar um divertido ballet aéreo
de formas e cores. (COOPER, 2001, tradução do autor)
A partir de meados da década de 90, Nicolas Bourriaud, desenvolve o
conceito de Estética Relacional (2002), o qual assume a atividade artística e obra de arte
como um jogo, cujas regras não possuem essência imutável, mas dependem do contexto.
Bourriaud nega a concentração auto-referencial do objeto. Ao defender a Arte Relacional, o
crítico francês atenta para a necessidade de uma criação aberta, em que o elemento não
constitui apenas um parasita no espaço, mas dialoga com o observador, o convida a
participar, a interagir e a pertencer à obra.
Enquanto a Arte Conceitual expande as possibilidades para os
objetos de arte, a Estética Relacional claramente expande as
possibilidades para a arte da audiência, integrando o visitante no
trabalho de arte como um colaborador. (Jennifer Allen in MELIS, 2003:
177, tradução do autor)
A arte torna-se ao mesmo tempo uma questão individual e coletiva,
constituída por diferentes tipos de objetos, em diferentes escalas; através de arte e
arquitetura, indissociadas. A noção temporal é inserida na criação arquitetônica, através de
uma arquitetura que estimula, responde e se transmuta de acordo com as solicitações
11| Fontain, de Marcell Duchamp, 1917.
Fotografia de Albert Stieglitz (fig.10)
| Fonte: en.wikipedia.org |
12| Pintura latas de sopa Campbell, de
Andy Warhol (pintor e cineasta americano),
1962, Museu de Arte Moderna, em Nova
Iorque. (fig.11)
Fonte: en.wikipedia.org
24
externas.
Enquanto reformula o parasita, o efêmero e casual, a Estética
Relacional adiciona algumas qualidades para o trabalho de arte como
arquitetura: acessível aos indivíduos, usado coletivamente, sem
planejamento, incompleto. (Jennifer Allen in MELIS, 2003: 178,
tradução do autor)
De fato, a Estética Relacional de Bourriaud ousa ao afirmar e
reivindicar da arte, arquitetura ou desenho da paisagem, uma postura pró-ativa, pouco auto-
referencial, de objetos que se completam através de uma relação interativa com o usuário.
Como um produto – e projeto – “as obras Relacionais constituem-se como um convite para o
público, um modo de estabelecer contato através de formas familiares que o espectador
confia em entrar, sem necessariamente prever o que o espera.” (Jennifer Allen in MELIS,
2003: 177).
2.2.2| Mais espaço, menos volume: uma estória em movimento
De ‘less is more’ (menos é mais), ‘more is more’ (mais é mais), o
neologismo contemporâneo tornou-se ‘more from less’ (mais do
menos). Jesus Lara in ELLIN, 2006 (tradução do autor)
Em uma analogia às expressões consagradas que ilustraram a
produção arquitetônica em períodos anteriores, como ‘less is more’ (Mies Van der Rohe) e
‘more is more’ da arquitetura pós-moderna, Jesus de Lara, no livro Integral Urbanism, de
Nan Ellin, defende que a expressão ‘more from less’ (mais proveniente do menos) é a que
melhor ilustra o projeto contemporâneo, notadamente a produção de espaços urbanos,
numa clara referência a uma arquitetura que privilegia o seu estado potencial, as qualidades
13| Mobili Myxomatose, 1953, de Alexander
Calder. (fig.12)
Fonte: calder.org
Estética Relacional
criação interativa
more from less
25
múltiplas suscitadas por um elemento edificado ou uma intervenção mínima. Diversos
autores apontam para a capacidade criativa e o potencial que um objeto arquitetônico
exerce sobre o espaço urbano e a sua conseqüente atuação como catalisador de
transformações no contexto da cidade.
A recente publicação sob o título Espaço Público Contemporâneo:
Arquitetura A - volumétrica (Contemporary Public Space: Un-volumetric Architecture), volta o
olhar para o território compreendido como um jogo de superfícies e texturas; uma arquitetura
geradora de espaços sem a necessária definição volumétrica do objeto.
A arquitetura a - volumétrica expressa uma nova condição alcançada
em acordo com o projeto de espaço livre público a partir da década de
90. Esse livro propõe-se a oferecer uma reflexão teórica (...) frente ao
difícil desafio de delinear e construir uma nova identidade para essa
categoria transitória e continuamente em metamorfose que é o espaço
livre contemporâneo. O diálogo com novas realidades metropolitanas
e a possibilidade de oferecer soluções temporárias faz desses novos
projetos os mais ricos, libertários e estimulantes exemplares da
produção atual. (AYMONINO & MOSCO, 2006, tradução do autor)
A arquiteta Denise Scoot Brown (AYMONINO & MOSCO, 2006)
aponta que a definição de arquitetura através de suas qualidades abstratas remonta desde
Vitruvius - firmeza, utilidade e beleza (firmitas, utilitas e venustas) - mas que a noção de
espaço surgiu apenas em 1950, com Bruno Zevi. Na década de 60, a definição de
arquitetura de Louis I. Kahn como ‘princípio de concepção de espaço’, foi uma proposição
atrativa, principalmente em um momento em que todas as definições de arquitetura estavam
sob reavaliação. O espaço, antes compreendido como intervalo geometricamente
mensurável, começa a ser definido como uma construção subjetiva, diretamente relacionada
à noção do sujeito. Como evolução desse pensamento, a partir da década de 90, os projetos
arquitetura sem volume
projetos ricos e estimulantes
noção de espaço
existência de arquitetura sem volume
26
contemporâneos começam a materializar a sugestão de que arquitetura pode existir sem
volume.
Prefigurando uma forma urbana em que a visão e imagem possuem
um peso mais iconológico que layouts e volumes, quebrando a
dualidade genética e virtuosa da regra que opõe o sólido ao vazio, o
ponto focal à textura (AYMONINO & MOSCO, 2006, tradução do
autor)
Segundo Rossalind Krauss (1972), os primeiros artistas a explorarem
as possibilidades de arquitetura como nonarchitecture ou arquitetura sem volume foram
Robert Irwin, Sol LeWitt, Bruce Nauman, Richard Serra e Christo. James Wines, líder do
grupo SITE, em concordância com Krauss, afirma que a Era pioneira da arquitetura a-
volumétrica começou nas décadas de 70 e 80 e acrescenta aos nomes anteriores, o
trabalho inovador dos artistas e arquitetos como Gordon, Matta-Clark, Robert Smithson,
Gianni Pettena, Vito Acconci, Yves Klein, Claes Oldenburg, Nam June Paik, Alan Sonfist,
Dennis Oppenheim, Robert Venturi, Ugo La Pietra, Franco Raggi, Gaetano Pesce, Peter
Cook, além de outros grupos como Art Farm, Archigram, Archizoom, Super Studio, UFO,
Haus Rucker, Onyx e o próprio SITE
14
, no qual se insere.
Em todos os casos dessas estruturas axiomáticas, há algum tipo de
intervenção no espaço real da arquitetura, seja através de
reconstrução parcial, de desenho, ou como nos recentes trabalhos de
Morris, através do uso de espelhos (…) eu estou pensando aqui na
idéia de Corredores de Nauman. Mas, independente do método
empregado, a possibilidade explorada nessa categoria é um processo
de mapeamento de características incontestáveis da experiência
arquitetônica – as condições abstratas de aberturas e fechamentos
em uma realidade de um espaço pré-concebido. (KRAUSS, 2006: 13,
tradução do autor)
De fato, essa arquitetura sem volume insere-se em espaços pré-
arquitetura a-volumétrica
14| Krauss e Wine citam artistas
emblemáticos nas décadas de 60 e 70,
cujos trabalhos extrapolam a lógica
volumétrica da arquitetura, tendo como
influência o movimento da Estética
Conceitual.
27
existentes, sobrepõe-se e acomoda-se em meio a camadas concebidas, trabalha em seus
fragmentos, constitui um novo elemento de coesão, viabilizando a reorganização elástica do
contexto, explorando e descobrindo novos potenciais em um mesmo território.
Permita-nos dizer que ao contrário de um mundo de peças, vestígios
e instantes, esses projetos a-volumétricos constituem um domínio em
que percebemos a presença de diversas possibilidades associadas à
produção de valores que unem arquitetura e território, provenientes
mais da ausência típica de substância do que de características
óbvias que estimulam possibilidades. Eles podem ser vistos como
uma mina de formas e modos de serem moldados e interpretados, ou,
ainda ignorados; no entanto, é impossível não se dirigir a eles e
perceber a sua presença ativa e transformadora onde tudo parece
declarar seu isolamento e nada mais é capaz de manter unidos os
diversos pedaços dessas paisagens fragmentadas em que vivemos.
(Alberto Ferlenga in AYMONINO & MOSCO, 2006:139)
Uma série de elementos não volumétricos localizados em um espaço
público cria um ambiente, um campo formatado pelo diálogo entre
diferentes objetos. O conceito é o do playground de Isamu Noguchi,
algo como um jogo numa escala urbana. Este é o modo como
Noguchi
15
descreve a lógica de sua invenção: ‘espaço vazio não
possui dimensão visual ou significado por si mesmo. Escalas e
significados aparecem, por sua vez, somente quando um objeto ou
linha são introduzidos. (AMIDON, 2001: 211 tradução do autor)
A espontaneidade e os resultados instantâneos que esses espaços
podem alcançar possuem um apelo massivo sobre a comunidade. Os autores consultados
atentam que o valor dessa arquitetura sem volumetria reside em sua despretensão em
causar uma transformação programada do espaço público ou de exercerem sobre ele uma
influência duradoura e imutável, superior à passagem do tempo. Independente da natureza
desses projetos, sejam intervenções temporárias, objetos adicionados ao espaço, mobiliário
15| Isamu Noguchi (1904-1988), artista
americano, cuja obra é caracterizada pelo
trabalho da superfície e o jogo lúdico de
objetos referenciais nos espaços públicos.
|fig.13| Countored Playground (1931) – não
realizado.
|fig.14| Playground para a matriz das
Nações Unidas – não realizado (1952).
Fonte:
www.noguchi.org
28
ou a manipulação de superfícies, é justamente a elasticidade dos resultados e o risco do
inesperado que tornam essa arquitetura de superfícies, texturas, luz ou cores, uma
arquitetura verdadeiramente catalisadora de transformação.
A paisagem é agora tão cuidadosa como uma coleção de artes. O
patrimônio e os principais interesses do público que guiam escolhas e
mudanças na produção e estética, beneficiam-se com essa paisagem
contemporânea que reúne uma complexidade de diferenças
semânticas, técnicas e materiais, e cuja multiplicidade não é inferior
aos experimentos urbanos anteriores. (AYMONINO & MOSCO,
2006:18, tradução do autor)
Nos dias de hoje, todo espaço vazio é alvo de um frenesi de
preencher, tapar. Mas, a meu ver (...) hoje é bem mais fácil controlar o
espaço vazio do que jogar com volumes e formas aglomeradas que,
embora ninguém tenha conseguido explicar como, se tornaram
incontroláveis. (KOOLHAAS, 1989)
2.2.3| Urbanismo Inflexível x Urbanismo Suave: o soft e o hard
Da sabedoria da construção da cidade, o Urbanismo Integral aprende
sobre justaposição, simultaneidade e decisão coletiva, adaptando-as
às necessidades e aos gostos contemporâneos, tanto quanto à
paisagem urbana que temos trabalhado ao longo do último século.
(ELLIN, 2006: 19)
Incorporadas recentemente ao vocabulário relacionado também à
prática urbana, as palavras em inglês soft e hard, apesar do estrangeirismo dos termos,
sintetizam conceitos que na área tecnológica já são utilizados recorrentemente. Em analogia
ao hardware, ou componentes físicos do computador e ao software, a linguagem imaterial
de informações codificadas, denominações semelhantes são recorrentes na literatura
arquitetura de superfícies
paisagem múltipla
urbanismo suave x urbanismo rígido
29
urbana contemporânea: o urbanismo soft, caracterizado por intervenções brandas, aplicadas
ao espaço urbano existente, enquanto o urbanismo hard, caracteriza-se pela intervenção em
infra-estruturas rígidas, em redes materiais e o suporte físico da cidade.
Para Nan Ellin, o urbanismo síntese do século XXI é, por definição, o
soft urbanism, compreendido como um conjunto de intervenções em redes urbanas pré-
existentes, tendo como foco de atuação o espaço livre público. A cidade como produto de
transformações históricas, do acúmulo e reminiscência de diversas fases de
desenvolvimento, é um cenário, uma estrutura física (hard) que se revigora continuamente
com as intervenções mais suaves (soft). Através de projetos que se sobrepõem à infra-
estrutura física das cidades, novas camadas operacionais aglutinam-se a ela e adicionam
novos ingredientes, materiais e imateriais. “Esse foco em intervenções que possuem efeitos
catalíticos, porém a-programáticos partem dramaticamente do plano master que dominou o
século XXI.” (ELLIN, 2006: 125)
Sarah Gaventa, autora de New Public Spaces, apesar da face radical
e o tom de manifesto de seu discurso, ilustra através do projeto para o Jardim Guerrilla que
o soft urbanism caracteriza-se por intervenções mínimas, que podem permanecer ou serem
rapidamente substituídas, dependendo da sua adequação ao público. Apesar do risco de
falha ou obsolescência do projeto urbano, essas intervenções brandas e suas estruturas
pré-concebidas para mudanças são mais facilmente ajustáveis à cidade em metamorfose.
Esqueça os planos urbanísticos de regeneração, a consulta pública,
pedidos de financiamento e apelos – As transformações no Jardim
Guerrilla acontecem com uma espátula e algumas plantas e leva dias,
em vez de anos. Muitas comunidades estão cansadas de ser
consultadas sobre opções para os seus espaços públicos e, então,
esperarem por anos para algo acontecer, aumentando expectativas
com o orçamento de autoridades locais e prioridades que nunca são
intervenções catalíticas
| Fig. 14 | O grupo de Milão, na Itália. A
primeira célula surgiu em Nova Iorque
Fonte:
www.guerrillagardening.org
30
encontradas (...). Apesar de não proverem soluções (aparentemente)
em longo prazo, elas podem ser espaços para fortalecimento da
comunidade. (GAVENTA, 2006: 161, tradução do autor)
O Jardim Guerrilla
(figs 14, 15 e 16), por exemplo, é constituído por
um grupo de voluntários em diversas cidades mundiais que se comunicam e organizam
através de um website (
www.guerrillagardening.org), com o objetivo de promoverem a
rápida melhoria dos jardins urbanos. Através de um blog, diversas pessoas, das mais
diferentes profissões, marcam o encontro e o local da intervenção, e munidas de pequenos
utensílios de jardinagem, fazem composições com espécies de mudas, doadas ou trazidas
pelos voluntários. O site é ilustrado com diversas fotografias (antes-e-depois) de
intervenções, notadamente na América do Norte, Austrália e Europa, além de instruções
sobre como ‘criar uma comunidade local e virtual e unir-se às 80 localizações já existentes,
para a disseminação das mesmas práticas em outros países.
Embora não se tratem de projetos concebidos por grupos de
arquitetos ou artistas, objetivo dessa dissertação, essa iniciativa é uma clara demonstração
do potencial catalítico de intervenções mais brandas, que se somam e regeneram as
estruturas urbanas pré-existentes. Os voluntários desse projeto ‘global’ trabalham sob a
motivação de intervenção aberta: apesar das escolhas de espécies e coloração, a
vegetação assume a função de ocupar livremente a área definida, em um resultado
imprevisível, cujo progresso gradual amplia a expectativa e estimula os voluntários a
manterem o contato virtual ou, em alguns casos, físico, à espera dos resultados.
Sarah Gaventa exemplifica através do objeto temporário do grupo
Nimbus (praça em Sttutgartt), a capacidade catalítica dessas intervenções arquitetônicas em
potencializar o espaço público em curto prazo: “nenhum re-desenho permanente da cidade
| Figs 15 e 16 | Long Beach, Califórnia,
Estados Unidos. O site instrui os
participantes a postarem as imagens antes
e imediatamente após a intervenção. Os
membros datam as fotos e as atualizam no
site, após meses ou anos, para demonstrar
a evolução das espécies.
Fonte:
www.guerrillagardening.org
31
foi realizado, mas ela continua se transformando e vista sob uma nova luz (literalmente) pelo
público que foi atraído para usá-la.” (GAVENTA, 2006: 22)
Em Contemporary Public Space: Un-volumetric Architecture, o
arquiteto Pipo Ciorra retoma o conceito de hard e soft e os relaciona às redes tecnológicas
urbanas. Por não se tratar do objeto de estudo dessa dissertação e, a despeito da discussão
acerca da influência tecnológica sobre a cidade, aproprio-me do conceito de tecnologias
soft, como mais uma ferramenta para a viabilização e enriquecimento das estratégias
projetuais aplicadas ao espaço público.
Tecnologia está presente numa porção cada vez maior de nossa vida
diária: por um lado as tecnologias mais rígidas conectadas a redes de
infra-estrutura, por outro, tecnologias mais brandas de eletrônicos e
sistemas imateriais. Enquanto a tecnologia hard possui um impacto
direto no território, tecnologias soft encontram expressão através de
efeitos que são fisicamente menos evidentes, mas tão invasivos que
redefinem os limites tênues entre o público e o privado. (Pipo Ciorra in
AYMONINO & MOSCO, 2006: 323, tradução do autor)
Os recursos tecnológicos surgiram como uma ferramenta adicional de
flexibilização do projeto urbano. A capacidade de substituição ou a simples reprogramação
dos parâmetros virtuais ampliaram a gama de opções, cores, ruídos, a manipulação de
formas e o posicionamento dos objetos em relação ao espaço livre e seus usuários.
A exposição SoftSpace Contemporary Interactive Environment, por
exemplo, realizada em setembro de 2007, na Tate Modern em Londres, dedicou-se
exclusivamente à exploração de novos sistemas tecnológicos para a incorporação de luz,
som e recursos eletromagnéticos, com o objetivo de viabilizar e enriquecer os softspaces
(espaços suaves). Os projetos apresentados, ao contrário da lógica de interação individual,
a tecnologia soft na praça
o potencial da tecnologia
espaços soft
32
propunham-se a utilizar a tecnologia para enriquecer o diálogo entre as pessoas e estimulá-
las a descobrirem novos potenciais de uso, notadamente no espaço público.
Por sua vez, Cooper (2001) aborda o conceito de soft aplicado à
arquitetura como definidor de uma nova categoria de materiais que, em função de suas
propriedades físico-químicas, ampliam a criação de novas formas, cores, texturas e
enriquecem as experiências sensoriais. Nesse ponto, a flexibilidade é definida não apenas
através da capacidade adaptativa desses projetos, mas literalmente no manuseio das
estruturas, no tato suave ou na rápida transformação, montagem e reciclagem dos
elementos físicos aplicados ao projeto urbano.
O desenvolvimento da indústria química conduziu à criação de
termoplásticos que podem ser moldados em diversos tipos de formas
orgânicas. Novas fibras sintéticas, muitas das quais sub-produtos da
corrida espacial, têm encorajado a aplicação aventureira de materiais
‘soft’ em arte, arquitetura e design. (...) Outras estruturas novas têm
sido usadas para fazer anteparos distintos que provaram ser mais
econômicos e bem sucedidos do que as paredes e cercas tradicionais.
Agora, no entanto, esses materiais suaves são também aplicados na
paisagem rígida da cidade – pavimentos, muros, mobiliário urbano e
até edifícios. (COOPER, 2001, tradução do autor)
2.1.4| Sob um novo ponto de vista: as pessoas como esculturas e
a cultura do objeto
Famílias de objetos são interpretadas como unidades espaciais
integrais. Em contraste, objetos pontuais desfazem a ordem
tradicional através de estados de individualidade.
AMIDON, 2001: 56 (tradução do autor)
tecnologias dos materiais
33
Em momentos alternados e não lineares, a arte rivaliza com a
arquitetura e reivindica sua expressão como forte manifestação artística no espaço livre
público. Em outros arte-arquitetura tornam-se extensão, complemento e hibridizam-se no
estreito limite entre a dicotomia secular da lógica kantiana: utilidade ou beleza;
temporalidade ou durabilidade. A arte, no contexto da cidade, é compreendida como
emoção, sensibilidade, diálogo, interlocução, independente de sua manifestação através de
objetos arquitetônicos, ou tradicionais meios de expressão artística. Distante da discussão
sobre o papel ou contribuição da arquitetura na arte, ou como arte, os autores consultados
nesse sub-capítulo questionam a validade e obsolescência da escultura-monumento como o
tradicional veículo (objeto) artístico no espaço livre público.
Vossa Alteza,
Os monumentos históricos que cobrem o solo da França causam
admiração e inveja à Europa Erudita (…) tal é o espetáculo que nos
oferece esse maravilhoso encadeamento de nossas antiguidades
nacionais e que faz de nosso solo tão precioso objeto de pesquisas e
estudos (...). A França não pode ficar indiferente a essa parte notável
de sua glória.
Carta enviada ao rei francês em 21 de outubro de 1930, por Guizo,
Ministro do Interior (CHOAY, 2001:259-261)
A escultura possui desde a Antiguidade o importante status de
monumento (fig. 17); ela exerce sobre o espaço público um alto valor material, símbolo de
honra e admiração no contexto de uma cidade. Poucas são as praças antigas em que
esculturas não repousam silenciosamente como marco de tempos gloriosos; elas
concentram em um único objeto o engenho e a criatividade do labor humano, aliados à
responsabilidade de conter fragmentos da memória de uma cidade. Mantidas em seu
pedestal, em seu espaço estritamente fixo e determinado, são ‘condenadas’ a assistirem
Reflexões sobre a escultura no espaço
público
o culto ao objeto (de arte)
a tradição da escultura...
| fig. 17 | Thomas Graham, George Square
(Glasgow, Escócia).
34
estaticamente à mutação gradual e contínua da cidade. Apesar de testemunhos da
passagem do tempo, a memória urbana reside em si como objeto mudo, em esculturas que
pouco se articulam com os usuários do espaço. Sem autonomia, são reduzidas a objetos
sem identidade, sem rosto, presença física, mas sem significado. A escultura como
monumento “constitui um espelho que cria um efeito de distância, de afastamento,
propiciando um intervalo onde se haverá de instalar o tempo referencial da história.”
(CHOAY, 2001:205)
Rossalind Krauss, em seu artigo A Escultura no Campo Ampliado,
traça o trajeto histórico da tradicional escultura como monumento até o momento em que se
dissocia do posicionamento estático do pedestal. Choay e Krauss concordam que essa nova
fase ocorre após a década de 1960 e, ao se traçar um paralelo histórico, coincide
cronologicamente com a mudança de mentalidade no campo sociológico e artístico
característico do período pós-guerra; é a passagem do caráter figurativo ao não figurativo,
ou como é corrente dizer-se, à abstração (ARGAN, 1988:105).
A lógica da escultura parecia inseparável da lógica do monumento. De
acordo com esse pressuposto, uma escultura é uma representação
comemorativa. Ela senta-se em um lugar particular e fala em uma
língua simbólica sobre o significado e uso daquele espaço. (KRAUSS,
1979:06)
Krauss descreve o rompimento da relação direta entre escultura e
monumento, a partir do momento que ela perde o seu status de simples objeto isolado,
símbolo, marco estático, geometricamente posicionado como entidade forte no espaço
público. A escultura abstraída do seu valor personificado de simples representação mistura-
se ao território, apropria-se do espaço geométrico, expande-se na subjetividade do sujeito e
hibridiza-se com o lugar.
... a rigidez da escultura...
... a libertação da escultura
| fig. 18 | A escultura sai do pedestal e
torna-se acessível ao usuário.
Fonte: BIRKSTED, 1999 |
35
Através da veneração de sua base, a escultura estende-se para
absorver o pedestal em si e distante do lugar atual; e através da
representação dos seus próprios materiais ou o processo de sua
construção, a escultura descreve sua própria autonomia. (KRAUSS,
1979:06)
Entre o período pós-guerra e a década de 70, um grupo de artistas e
arquitetos colocou a Dinamarca e Suécia em posição de destaque em relação a áreas de
recreação infantil, tendo como pioneiros os trabalhos do arquiteto C. Th. Sørensen. Na
prática, esses projetos já constituíam uma nova postura e a apropriação diante das formas
escultóricas no espaço livre público. A figura 18 demonstra a forma feminina na cidade de
Odense, Dinamarca, como suporte para a integração do lazer infantil ao espaço público,
sem a necessária definição de áreas exclusivas para esse uso. Apesar de não possuir
outras imagens dessa praça, é possível imaginar que essa escultura fora também utilizada
como banco ou encosto para adultos. Segundo as autoras Clare Marcus e Carolyn Francis,
esculturas ou fontes que intrigam as crianças, geralmente, também atraem adultos
(MARCUS & FRANCIS, 1998).
Algumas décadas posteriores, situação semelhante é encontrada na
estátua-monumento I Amsterdam (figs 19, 20 e 21), que impregnada de um caráter de
promoção e celebração da cidade, repete o propósito da tradicional escultura; porém, ao ser
abstraída do estrito confinamento do pedestal, torna-se objeto lúdico, apropriado na
multiplicidade de suas formas, instigante motor numa relação direta com o sujeito individual
ou coletivo. Concebida como monumento itinerante, o portal desloca-se temporariamente
para outros espaços públicos da cidade, principalmente à entrada de edifícios emblemáticos,
ainda que apenas no contexto local de Amsterdam. De vizinhança em vizinhança ele atrai
| figs. 19, 20 e 21 | O poder de atração
sintetizado em um objeto. Fonte: imagens
de Marcella Buffoni,
www.facebook.com |
36
turistas para supostos eixos menos ‘badalados’, celebra áreas já conhecidas, reforça a
identidade e estimula os próprios moradores a fotografarem e experimentarem a escultura.
Daniela Brasil, em sua dissertação de Mestrado na Bauhaus
Universität Weimer, concluída em 2006, sob o título Zeit-zu-gehen (tempo para acontecer),
trabalha com as estátuas dos representantes da literatura alemã do século XIX, Goethe e
Schiller. O monumento dedicado a ambos foi inaugurado na cidade de Weimar em 1857 e
desde essa data permaneceu imóvel no mesmo espaço, em frente ao teatro da cidade.
Reivindicando posicionamento semelhante à Krauss sobre a
autonomia subjetiva das esculturas, Daniela sugere que o monumento-símbolo da cidade
seja libertado de seu pedestal e possa experimentar o espaço público, ou até mesmo
ultrapassar os limites da cidade alemã. Através de bonecos de papel cartão, réplicas de
bustos ou fotomontagens são feitas imagens simuladas dos escritores em Lisboa, dirigindo
veículos de passeio, pegando uma carona em carrinhos eletrificados em parques de
diversão (os populares carrinhos de bate-bate), transportados em carretas ou até mesmo na
palma da mão da própria autora.
Não é nova a idéia de que monumentos podem ser removidos de
suas posições originais. Isso pode acontecer quando a cidade renova
a sua estrutura urbana ou quando a orientação política de um governo
muda. Se os monumentos mudam por razões objetivas, porque eles
não poderiam deslocar-se por questões subjetivas?
Não deveriam as estátuas também ter a liberdade de ver outras
paisagens?
Se Goethe e Schiller pudessem caminhar de Weimar por enquanto, se
pudessem ser içados de sua base de pedra e levados para o primeiro
lugar onde se encontraram, talvez a memória vivesse e a história
poderia se libertar de seu confinamento.
Seria possível para a cidade de Weimar permitir os monumentos de
Goethe e Schiller saírem para um passeio por toda a parte de Jena?
37
Daniela Brasil in www.zeit-zu-gehen.de
Apesar do tom bem-humorado da proposta, Daniela Brasil estimulou,
de fato, profundos debates entre os adeptos da nova idéia e os que defendiam a tradicional
permanência dos monumentos na cidade. Na prática, a discussão evidenciou o anonimato
da escultura como símbolo morto e estático no espaço livre público e, ao mesmo tempo, o
potencial regenerador que a idéia de mudança promove nesse mesmo local. Ao consultar o
cidadão comum, Daniela o trouxe para o espaço da cidade, o fez pensar e interagir
subjetivamente com as esculturas, transformar a relação objeto-sujeito, ainda que tenha
fomentado apenas fluxos de idéias, mais do que a experiência rica da mobilidade física e o
poder de mutabilidade resultante da relação direta com o próprio usuário.
No projeto contemporâneo, os objetos não apenas rompem a
estaticidade que os torna imperceptíveis no espaço público, mas superam a simples
finalidade de representação de conceitos e da abstração da mente criativa do artista. A partir
da década de 90, as esculturas perdem a sua função representativa, extrapolam a noção de
conceito, o condicionamento programático e tornam-se objetos manipuláveis, concebidos
para incitarem, solicitarem respostas e interagirem com a audiência. Argan (1998), voltando-
se para a lógica antropológica de mutação do espaço público, define a escultura e os
objetos urbanos como obras abertas. A relativização da arte urbana se consolida. Os lugares
de enunciação, o jogo entre objetos e territórios, tornam-se relativos porque os sujeitos
urbanos também são relativos.
Não é possível pensar o objeto separadamente do sujeito: o sujeito é
sujeito porque coloca a realidade como outra e distinta de si; o objeto
é objeto apenas porque é assumido e pensado pelo sujeito. Nesse
sentido, podemos dizer que a realidade ou um fragmento da realidade
torna-se objeto na medida em que, pensado por um sujeito, adquire a
objetos manipuláveis
sujeito – objeto: interatividade
38
singularidade do sujeito. Da mesma forma, o homem é sujeito porque
compreende e faz a sua realidade ou um seu fragmento. (…) o mundo
moderno tende a deixar de ser um mundo de objetos e sujeitos, de
coisas pensadas e pessoas pensantes. O mundo de amanhã poderia
não ser mais um mundo de projetistas, mas um mundo de
programados. (ARGAN, 1998: 252)
Argan atenta, ainda, que a relação contextualizada entre objeto e
sujeito não é apenas resultante de uma nova mentalidade sobre a arte, um capricho da
evolução artística natural, mas uma necessidade para a manutenção da vitalidade urbana
nesse novo século. Nesse caso, o sujeito reside não apenas na figura antropológica, mas na
dinâmica da própria cidade, resultante da associação e dissociação de elementos, da rotina
paradoxalmente mutante como essência do espaço público contemporâneo.
William White, ampliando a defesa pela interatividade dos objetos
urbanos, no início da década de 90, sugere que as pessoas sejam, de fato, as novas
esculturas no espaço público. Essa visão do sujeito transformado em objeto reforça a
importância de se encorajar um comportamento espontâneo e criar territórios abertos para
interpretações individuais e coletivas. Trata-se de uma arte de transformação formal dos
objetos e dos padrões de posicionamento da interação humana, numa clara associação às
dinâmicas entre o espaço e o tempo (LYNCH, 1972).
A experiência de outras pessoas representa uma oportunidade
particularmente colorida e atraente para o estímulo (...). Nenhum
momento é como o anterior ou o que está por vir quando pessoas
circulam entre pessoas. O número de novas situações e novos
estímulos é ilimitado. (GEHL, 2006, tradução do autor)
A rigidez programática dos objetos urbanos os desconecta do espaço
livre público, território resultante não apenas pela sua presença silenciosa, mas pelas
o homem como escultura
39
dinâmicas transformadoras suscitadas pela interação humana. O homem como escultura
instala a noção de espaço livre público como um território adaptativo, mutante não apenas
pelas dinâmicas e a passagem temporal na cidade, mas pelo micro intervalo de tempo, que
une ou separa as instantâneas e diversas solicitações humanas.
Nós podemos mudar as nossas mentes de modo a desfrutar as
dinâmicas do mundo. Nós podemos também mudar o mundo para
corresponder de forma mais próxima à nossa própria mentalidade.
(LYNCH, 1972:242, tradução do autor)
A interessante analogia de White, que posiciona o homem como
escultura no espaço público contemporâneo, pode ser ilustrada através do resgate à
imagem do tradicional chafariz e a sua breve evolução conceitual no contexto da cidade. A
secular escultura, como representação de uma figura ilustre ou símbolo de honra, foi
gradativamente substituída, nas décadas de 60 e 70, por formas escultóricas abstratas; no
início da década de 90, alterou-se através da projeção de cores, a sincronia entre os sons e
a velocidade variada dos jatos. O ponto importante dessa mudança, que reflete o objetivo
dessa dissertação, é exatamente o momento em que o objeto escultórico referencial da
fonte deixa de ser um elemento a ser visto, contemplado, um ballet de água que necessita
de uma audiência, e é substituído pelo próprio homem.
No final dos anos 90 e, principalmente no século XXI, a tradicional
fonte cedeu espaço para um palco aberto de interações. Através de jatos localizados no
piso, crianças e adultos caminham em meio à água, desviam-se dos jatos, desafiam a sua
velocidade e exercitam a sua capacidade de memorizar o intervalo entre eles, em um jogo
lúdico de acertos e erros. A diversão é experimentada não apenas por quem utiliza o
espaço, independente da faixa etária, mas também pelo que assiste e se deleita com a
encorajamento à interação
40
destreza de uns ou outros que são molhados inadvertidamente. Apesar da previsibilidade da
ação, do espaçamento e sincronia programada dos jatos, é notável que esses espaços
estimulem um jogo interativo, diverso, nos quais o próprio homem supera a escultura, ainda
que estas sejam cinéticas (Kinetic Art).
(1) Criar um senso de diversão, deleite e surpresa em meio à vida da
cidade. (2) Estimular o jogo, a criatividade e a imaginação (...) ou criar
uma forma que pode ser manipulada, sobre a qual se senta, ou na
qual se passeia. (3) Promover contato e comunicação. (4)
Experiências sensoriais – a textura da escultura ‘toque-me’, o som e
sensação de uma fonte - podem oferecer encontros breves, mas
prazerosos (5) Encorajar a interação, lançar as pessoas como atores
em vez de audiência. (MARCUS & FRANCIS, 1998:48, tradução do
autor)
Finalizando essa breve discussão sobre a ordem objetual no espaço
livre público, as autoras Clare Marcus e Carolyn Francis, ao lançarem as qualidades
necessárias para o projeto contemporâneo, definem que deve residir no objeto
(compreendido como mobiliário ou objeto arquitetônico) o movimento livre e a capacidade de
mutabilidade. É a combinação de objetos e a sua conexão programática e interativa que
torna o espaço livre interessante e atraente aos seus usuários. Nesse sentido, o espaço
público deve ser uma grande arte pública, no qual somos as próprias esculturas, porém
mutantes, móveis e dinâmicas.
2.1.5| A inserção de uma nova dimensão de projeto: o tempo
Mas foi inútil a minha viagem para visitar a cidade: obrigada a
permanecer imóvel e imutável, para facilitar a memorização, Zora
definhou, desfez-se e sumiu. Foi esquecida pelo mundo.
CALVINO, 2003: 22
| figs. 22 e 23 | praça com jatos d’água, em
Vancouver, Canadá, 2006.
escultura ‘toque-me’
o objeto como estímulo
41
A velocidade das transformações na cidade contemporânea trouxe ao
projeto urbano a preocupação com uma nova dimensão: a noção do tempo. Apesar da
relação entre tempo e cidade não ser uma novidade na literatura relacionada à arquitetura,
nunca sua importância e conseqüências sobre o projeto foram tão exploradas. Enquanto a
bidimensionalidade de um desenho não é suficiente para demonstrar o potencial completo
da criação, a tridimensionalidade do artefato arquitetônico, por si só, não é capaz de definir
integralmente a funcionalidade e o valor estético do elemento edificado para a cidade.
Possivelmente o aspecto mais intrigante do desenho da paisagem é o
fenômeno das modificações contínuas (…). Parte dos projetos mais
excitantes no espaço urbano atinge ações nunca antes vistas ou
distinguidas no ambiente, intercedendo em processos, à priori,
invisíveis como geradores do conceito de projeto. (AMIDON, 2001: 80,
tradução do autor)
A relação entre tempo e cidade e as suas conseqüências sobre o
projeto urbano, podem ser abordadas sob inúmeros conceitos e denominações. Com o
objetivo de não estender o assunto além da prática projetual, esse sub-capítulo detém-se na
descrição do tempo sob a ótica do efêmero, da noção do tempo cronológico e subjetivo e a
sua relação como definidor de uma semântica singular sobre o espaço livre público.
O crescimento urbano e desenvolvimento têm inspirado abordagens
mais pró-ativas (…) e um desenho com a idéia de movimento, tanto
através do espaço (circulação) quanto do tempo (dinamismo e
flexibilidade). (ELLIN, 2006, tradução do autor)
Rui Duarte, em sua Tese de Doutorado A Arquitectura do Efêmero
(Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa), aponta uma nova visão
ordem objetal do espaço
uma quarta dimensão de projeto
fenômeno das modificações contínuas
o efêmero
o momento
42
sobre a arquitetura, não mais apoiada na relação de permanência e durabilidade, mas nas
manifestações formais momentâneas, igualmente importantes para a fixação de valores, a
compreensão e experimentação do espaço.
A arquitetura associa-se geralmente a uma idéia de permanência que
perdura através dos séculos ou mais de uma geração, constituindo
como a língua e as tradições a demonstração inequívoca da vitalidade
cultural duma sociedade (...). Mas a par da arquitetura permanente,
existe uma arquitetura efêmera com funções específicas, cobrindo um
vasto setor da vida que vai desde a resposta à necessidade primária
de abrigo, à ‘fixação’ visual dos momentos de celebração tornando-se
referência na memória coletiva, ou captando o sentido geral da vida
por vezes com contornos mais ou menos imprecisos, mas
estrategicamente determinantes no pulsar de uma realidade que flui e
que é codificada em manifestações formais com incidências
simbólicas, poéticas, de pendor lingüístico ou midiático. (DUARTE,
1992)
Desse novo olhar sobre a arquitetura, que nega a diferença temporal
entre arte e arquitetura - arte como efêmera, arquitetura como durável – e, que por
extensão, define que a arquitetura pode ser altamente flexível, temporária, sem
planejamento e substituível (Jeniffer Allen in MELIS, 2003: 180), surge o badalado termo
efêmero, recorrente na linguagem relacionada às artes visuais e mais recentemente ao
projeto urbano e arquitetônico. A noção do efêmero
16
tornou-se quase uma nova categoria
de projeto, uma nomenclatura tão popular e descritiva que soa como novidade e aparenta
reunir qualidades superiores ao seu sinônimo temporário.
Na prática, a compreensão da fugacidade temporal das relações no
espaço da cidade e a sua conseqüente brevidade demandam que o projeto para o espaço
livre público reúna qualidades adaptativas, flexíveis e multifuncionais, capazes de responder
16| EPHEMERALIngl. (port. efêmero)
Adj. 1. por um curto período de tempo || 2.
existe por apenas um dia, como algumas
plantas e insetos.
[Sinônimos] temporário, transitório, volátil,
momentâneo, curta-duração.
[Antônimos] permanente, eterno, duradouro
Fonte: Wiktionary - a wiki-based opened
dictionary- en.wiktionary.org/wiki/ephemeral|
43
às diferentes solicitações dessa mesma cidade, de modo a se perpetuar nela, ao longo do
tempo, sem se reduzir a elementos sem utilidade ou obsoletos.
O termo efêmero, considerado pejorativamente em décadas
anteriores, relacionado à rápida deterioração ou desvalorização, surge, então, como
nomenclatura positiva de um novo tempo, associado à satisfação causada por uma
arquitetura momentânea, potencializadora do espaço.
O maravilhoso sobre arte, arquitetura e design é que eles estão
sempre lá no tempo presente; nós podemos retornar a eles e mudar
nossa mentalidade, experimentá-los novamente, e todos os
envolvidos na produção do ambiente em que vivemos podem fazê-los
melhores; ou simplesmente aproveitá-los. Você sabe, somente
estando lá, sendo parte da mudança, em tempo real. (Edward
Allington in CHARITY, 2005: 25)
Em sua dissertação de mestrado, Nomadology in Architecture:
Ephemerality, Movement and Collaboration (Nomadismo em Arquitetura: Efemeralidade,
Movimento e Colaboração), Gregory Cowan defende a arquitetura efêmera como suporte
para as novas dinâmicas da sociedade contemporânea. A arquitetura nômade, como
denominada pelo autor, é, nesse sentido, adaptativa e capaz de acompanhar as mudanças
de padrões de usos e movimentos.
A noção de que arquitetura é o controle e encarceramento das
pessoas em estruturas solitárias, permanentes e inflexíveis, deve ser
desafiada hoje através das novas redes e a fluidez das relações
sociais. Tendências para opressão pela arquitetura estática e
inanimada devem ser superadas (...) através do movimento, do
efêmero e dos processos de participação. (COWAN, 2002, tradução
do autor)
Embora as manifestações do efêmero muitas vezes sejam conotadas
como sendo de menor seriedade, esses projetos são exatamente os que criam estados
arquitetura temporária
arquitetura momentânea
arquitetura nômade
arquitetura dinâmica
44
potenciais, através de novos equipamentos e estratégias que mudam, se deslocam e
interagem, segundo solicitações instantâneas. Trabalha-se não apenas com o conceito de
permanência do usuário no espaço, mas de sua impressão no território como uma rede de
fluxos, a noção de mutação contínua, em intervalos de tempo que muitas vezes não
ultrapassam um instante.
Kevin Lynch, em seu livro What Time is this Place? (Qual o tempo
desse lugar?), já em 1972, aborda a importância do tempo para o planejamento da cidade e
para a manutenção de sua estrutura, material ou imaterial. Lynch indica que o mundo não
começou a mudar repentinamente: ele sempre tem mudado, em talvez não mais rápido do
que ontem (LYNCH, 1972). O que é a chave de seu discurso e, na verdade, crucial para o
projeto de espaço público contemporâneo é: Mas nossa atitude em relação à mudança é
que está mudando: nós aprendemos a ver, e talvez a aceitar, um universo em progresso
(LYNCH, 1972).
Atividades mudam cíclica e progressivamente dentro de seus
recipientes relativamente imutáveis (...) Alocar espaços para um uso
específico é freqüentemente ineficiente e socialmente isolador. O
tempo de uma ação ou intervenção física tem tanto a contribuir para o
bom funcionamento de um lugar, quanto a sua própria localização.
(LYNCH, 1972, tradução do autor)
Lynch destaca antecipadamente, em 1972, a crescente importância
que a temporalidade adquiriria no futuro (leia-se o momento atual) como qualidade a ser
vislumbrada no projeto de espaços urbanos, à semelhança de aspectos programáticos,
funcionais, estéticos ou outros princípios criativos. A temporalidade deve ser considerada na
desafiante dicotomia entre o tempo linear e artificial das cidades (os sistemas cronológicos
determinados pelas convenções sociais) e o tempo não linear, subjetivo, dinâmico que se
o instantâneo
nova atitude diante da mudança
sobreposição de tempos subjetivos
45
experimenta no espaço livre público. “Do mesmo modo, cada experiência é ancorada na
quarta dimensão – o tempo – ao contrário de um local somente mapeável”. (AMIDON, 2001:
80, tradução do autor)
Nesse ponto, Lynch descreve o tempo subjetivo como individual,
relacionado à experiência do usuário com o seu espaço; um tempo instantâneo, sem
comparação cronológica; tempo em que atividades se repetem, ocorrem apenas uma vez,
ou sobrepõem-se simultaneamente. O tempo na cidade não é múltiplo devido à natureza
urbana, mas porque o tempo subjetivo é diferente em cada indivíduo; esses diversos tempos
sobrepostos e simultâneos criam dinâmicas instantâneas, a todo o tempo, no mesmo
espaço.
E é justamente em função dessa relação interativa entre o homem e o
seu espaço individual, que o autor defende o projeto aberto e flexível como ferramenta de
ajuste coletivo entre o tempo subjetivo do usuário e as solicitações de toda uma cidade no
mesmo espaço público. Nesse sentido, o espaço deve ser planejado para o futuro. “É mais
racional controlar o presente, agir para um futuro próximo ou manter o futuro distante aberto,
para explorar novas possibilidades, para manter a habilidade de responder às mudanças.”
(LYNCH, 1972)
Somando-se à noção de tempo subjetivo de Lynch e ao conceito de
efêmero, relacionado à temporalidade dos artefatos urbanos como intervenções positivas,
Nan Ellin cria uma relação semântica entre o tempo e o espaço. Em seu livro Integral
Urbanism (Urbanismo Integral), no qual define as qualidades do planejamento urbano para o
século XXI, a autora conecta o relacionamento entre o tempo e o espaço como processo e
produto; verbo e nome. O tempo instala no projeto uma dimensão aberta, não mensurável
por valores geométricos. O projeto não é visto mais como um produto final, mas um
processo em construção contínua ao longo do tempo; o tempo é considerado um importante
agente, que adiciona novas camadas ao espaço, numa dinâmica ora previsível, ora não
linear.
tempo cronológico x tempo subjetivo
projetos para um futuro aberto
o tempo como agente transformador
46
O fato que é quase um pré-fabricado, um projeto aparentemente
instantâneo que está pronto para ser usado, e sua constante
propensão para múltiplos modos de uso no mesmo espaço, para
quebrar os limites entre arquitetura e arte, fazem dele o motor
potencial de uma nova ‘qualidade difusa’. (AYMONINO & MOSCO,
2006: 23, tradução do autor)
Para Ellin o tempo é viabilizador de novas ações sobre o espaço
urbano; assim como uma oração (espaço dinâmico) não é constituída apenas através do
nome (elementos estáticos), o espaço público não existe sem a ação, determinada pelo
verbo (tempo). É o tempo que conecta o sujeito ao espaço de forma dinâmica e distinta; é
ele um dos fatores cruciais para as mudanças que a significação do espaço experimenta em
cada usuário.
Na vida prática, o tempo é uma riqueza de que somos avaros; na
literatura o tempo é um valor de que se pode dispor com prodigalidade
(...). A rapidez de estilo e de pensamento quer dizer antes de tudo
agilidade, mobilidade, desenvoltura; qualidades essas que se
combinam com uma escrita propensa a divagações, a saltar de um
assunto para o outro, a perder o fio do relato para reencontrá-lo ao fim
de inumeráveis circunlóquios. (CALVINO, 1998: 59)
Essa mesma relação semântica e gramatical entre o tempo e espaço,
elaborada por Nan Ellin, já fora explorada por Ítalo Calvino, na literatura e poesia. Em seu
livro, Seis Propostas para um Novo Milênio, parte dos valores apontados pelo autor como
qualidades essenciais para a literatura no século XXI, podem ser aplicadas por analogia à
arte, arquitetura e por extensão ao projeto de espaço livre público contemporâneo. Ao falar
sobre rapidez ou tempo, Calvino aborda a simultaneidade de fatos, a sucessão rápida de
relações que se interpõe em intervalos instantâneos; um espaço urbano de camadas,
concebido nas três dimensões geométricas e no tempo.
o tempo transforma a ação na semântica
do espaço
o tempo como dimensão da divagação
dimensão aberta para idéias simultâneas
47
| A concisão e a rapidez | agradam porque apresentam à alma uma
turba de idéias simultâneas, ou cuja sucessão é tão rápida que
parecem simultâneas, e fazem a alma ondular numa tal abundância de
pensamento, imagens ou sensações, que ela ou não consegue
abraçá-las todas de uma vez nem inteiramente a cada uma, ou não
tem tempo de permanecer ociosa e desprovida de sensações (...). A
excitação das idéias simultâneas pode ser provocada tanto por uma
palavra isolada, no sentido próprio ou metafórico, quanto por sua
colocação na frase, ou pela sua elaboração, bem como pela simples
supressão de outras palavras ou frases etc. (CALVINO, 1998: 54)
Para finalizar essa breve passagem sobre a noção de tempo, tão
crucial para a prática de projeto contemporâneo, porém subjetiva e imaterial, recorro à
semântica de Calvino como recurso para compreensão da passagem temporal sobre a
cidade. Independe do seu intervalo, seja longo, curto, instantâneo, mutante ou efêmero, o
tempo condiciona mudanças experimentais sobre o espaço livre público. Tal como numa
narrativa aberta, ele é o elemento estruturador do ritmo sobre o espaço; o tempo é
simultaneamente o agente transformador e o meio da transformação.
Depois, uma idéia de tempo determinado pela vontade, no qual o
futuro se apresenta tão irrevogável quanto o passado; e por fim a idéia
central do conto: um tempo multíplice e ramificado, no qual cada
presente se bifurca em dois futuros, de modo a formar uma rede
crescente e vertiginosa, de tempos divergentes, convergentes e
paralelos. (CALVINO, 1998: 134)
Perseguindo o percurso traçado pelos autores mencionados até o
momento, sugiro que o efêmero, em si, não é uma qualidade ou definição, mas uma noção a
ser perseguida pelo projeto contemporâneo. O importante é o reconhecimento de que ele,
como dimensão projetual, introduz a lógica da inconstância. E é, aparentemente, o
agente e meio da transformação
lógica da inconstância
48
reconhecimento de sua facilidade de mudar a fisionomia do espaço, a chave para o projeto
contemporâneo.
2.1.6| A elasticidade do espaço em fluxo
Um mapa de Esmeraldina deveria conter, assinalados com tintas de
diferentes cores, todos esses trajetos, sólidos ou líquidos, patentes ou
escondidos. Mas é difícil fixar no papel os caminhos. CALVINO, 2006:
87)
Expandindo o conceito de movimento em suas diversas nuances
(movimento que reside no objeto, no sujeito ou no território) e adicionando ao espaço livre
público o tempo como dimensão, diversos autores agregam a noção de mobilidade ao
projeto contemporâneo. Mobilidade nesse sentido é a capacidade de mover, transpor os
limites físicos do espaço ou condicionar-se a ele, em um determinado intervalo de tempo.
“Não é um tipo de ordem estática, ou escultórica, mas, como a música e a dança,
caracterizada somente por movimento e mudança: atividade dinâmica que inclui e organiza
a totalidade.” (THWAITES & SIMKINS, 2007: 109).
Ruas, ciclovias, trilhos, corredores verdes, passeios e auto-pistas,
tanto virtuais como reais, são espaços que estão constantemente em
fluxo. Energizados pelo movimento, eles são lugares onde trajetórias
se cruzam, a mistura de atividades e pessoas ocorre, conexões são
feitas e o intercâmbio acontece. (RYAN, 2006, tradução do autor)
Nan Ellin (2006) aborda a mobilidade no espaço livre público através
do conceito de espaços em fluxo. Na verdade, fluxo é o termo em voga na literatura urbana,
como conceito-síntese da liberdade de movimento, fluida e multidirecional. Segundo Zöe
Ryan (2006), o espaço público é um recipiente aberto para novos trajetos, não apenas
mobilidade
espaços em fluxo
49
físicos, impulsionado por forças mecânicas, mas também subjetivos e imateriais, uma
composição rica de informações, pessoas e objetos. “Ao usar a cidade como um espaço
para interrogação e provocação, essas intervenções abrem a cidade e criam um fluxo de
pessoas, artigos e idéias.” (RYAN, 2006, tradução do autor)
Ellin afirma que o espaço público contemporâneo é o resultado do
posicionamento e deslocamento relacional, simultâneo ou gradativo dos diversos elementos
que compõem a vida urbana. A área livre urbana não se constitui apenas por seus
elementos fíxos (mobiliário, planos, volumes) e pessoas, mas a sua associação e
desassociação, resultado de conjuntos e fragmentos fluidos no espaço.
Nós sabemos intuitivamente quando um espaço está em fluxo (…).
Porque pessoas requerem quantidades variadas de estímulo para
estarem em fluxo, espaços que estão em fluxo oferecem escolha e
podem ser experimentados de diferentes formas. (ELLIN, 2006:06,
tradução do autor)
Fluxo, nesse sentido, não significa uma ordem restrita de movimento.
Fluidez é, de acordo com os autores, a mobilidade resultante de um estímulo; a necessidade
de ir adiante e ainda além. É seguir um trajeto no espaço que não segue estritamente um
padrão pré-determinado. É percorrer um caminho exato ou se descobrir na sinuosidade do
percurso. Como a água que tateia o seu trajeto e sempre encontra o melhor ou o mais
rápido caminho para escoar.
Do espaço geométrico como finito, recipiente estático para um espaço
vivo que parece um fenômeno mais elástico: entidade flexível e
dinâmica que mistura, estica-se e modela-se em diferentes escalas
para responder à ação. (THWAITES & SIMKINS, 2007: 110, tradução
do autor)
o espaço público como resultado de uma
composição fluida
o estímulo como viabilizador dos
espaços em fluxo
movimentos experimentais
50
Fluxo não é simplesmente seguir um percurso, caminhar, mas é se
mover sob o estímulo do que está por vir, através de indícios descobertos na própria
trajetória. É um movimento experimental e aberto que não se limita a um deslocamento
contínuo, mas é alternado por pausas, repetições, novos ritmos ou até a descoberta da
necessária mudança de sentido ou direção.
Esse tipo de espaço urbano é, então, diametricamente oposto ao
espaço dos desenhos profissionais, da geometria, objetos estáticos ou
dos restritos administradores urbanos. Ele é um espaço de dinâmicas
fluidas, sujeitas a constantes mudanças não apenas em suas formas e
usos, mas na compreensão de que as pessoas – todos nós, não
apenas profissionais urbanos ou do desenho – têm o domínio sobre a
cidade. (RYAN, 2006, tradução do autor)
Citado no livro The City Reader (LEGATES & STOUT, 2003), o
sociólogo Ernest W. Burgess, já em 1925, aponta a mobilidade como um estímulo
necessário para o crescimento de uma comunidade. Apesar de não tratar especificamente
do espaço livre público, Burgess define uma importante distinção entre movimento e
mobilidade; enquanto o primeiro refere-se apenas ao deslocamento, a mobilidade agrega
qualidades de mudança potencial.
Movimento, por si só, não é uma evidência de mudança ou
crescimento. De fato, movimento pode ser uma ordem fixa ou imutável
de deslocamento, projetada para controlar uma situação constante,
como um movimento rotineiro. Movimento que é significativo para o
crescimento implica em mudanças, em resposta a um novo estímulo
ou situação. Mudança de movimento nesse sentido é chamada de
mobilidade. Mobilidade, como é evidente, envolve mudanças, novas
experiências, estímulo. Estímulo induz uma resposta da pessoa aos
objetos que oferecem expressão para os seus desejos. (LEGATES &
STOUT, 2003, tradução do autor)
espaço dinâmico
movimento x mobilidade
movimento + mudanças = mobilidade
51
Nesse sentido, a mobilidade fluida é distinta da atitude passiva do
flâneur que caminha tranqüilamente pelas ruas, observando os detalhes, anonimamente,
sem ser notado. A fluidez defendida pelos autores contemporâneos reside na expectativa de
que o usuário contribua com o espaço e seja estimulado a interagir com ele, tornando-o um
agente ativo e, por vezes, saindo da sua postura de anônimo.
Lugares onde a mudança é experimentada são freqüentemente os
mesmos em que escolhas devem ser feitas. Eles encorajam as
pessoas a pararem e refletirem sobre onde estiveram, quando e para
onde deveriam seguir. (THWAITES & SIMKINS, 2007: 42, tradução do
autor)
Para Richard LeGates e Frederic Stout, o espaço urbano é fluido à
medida que estimula o florescimento das individualidades, torna-se um campo aberto e
confortável para a manifestação do usuário. No entanto, os autores definem que a
mobilidade está relacionada a dois elementos: (1) o estado de mutabilidade da pessoa e (2)
o número e o tipo de contato ou estímulo em seu próprio ambiente. Na prática, LeGates e
Stout (2003) indicam que a fluidez depende não apenas do potencial oferecido pelo espaço,
mas também da receptividade da audiência em participar desse ambiente criado. Ainda que
as duas condições não se façam presentes simultaneamente e que o segundo elemento,
seja mais palpável através da prática de projeto (foco dessa dissertação), LeGates e Stout
abrem espaço para que o usuário escolha entre participar ativamente ou simplesmente
manter a sua atitude anônima, de flaneur, nesse mesmo ambiente.
Embora diversos autores ressaltem os benefícios diretos que um
espaço em fluxo oferece para a vida pública urbana, um ambiente verdadeiramente múltiplo
e adaptativo, deve por essência ajustar-se às solicitações individuais e coletivas e ser um
espaço aberto também aos que não se sentem confortáveis diante das mudanças. “Na
mobilidade fluida x flaneur
a mobilidade alimentada por estímulos
mobilidade resultante do estímulo
espacial e da receptividade do usuário
52
verdade, a meta não é produzir cidades que estão completamente em fluxo ou espaços que
estão consistentemente em fluxo ao longo do tempo” (ELLIN, 2006:93), mas oferecer um
estado potencial para a opção por mudanças.
Quando falamos de um espaço do diálogo, a idéia é mover-se numa
expansão momentânea do horizonte de possibilidades no qual nem o
sujeito, nem o objeto são fixos, mas relacionais, e cada um é
potencialmente transformador do outro. (Justine Lloyd in DEVLIEGER
et al, 2006: 110)
Os limites podem ser espessos, complexos, suaves, cenários,
graduais, e ainda invisíveis, utilizando-se de estenografia, textura,
materiais, tecnologias, e todas as formas de recursos para sugerir aos
habitantes da cidade se eles devem, ou não, atravessar as fronteiras
em questão. (RYAN, 2006 (tradução do autor)
Ao mesmo tempo, o objetivo não é criar espaços públicos que super-
estimulem o usuário, que o obriguem a interagir ou a se manter em fluxo ininterruptamente.
O projeto contemporâneo, na verdade, busca oferecer dinâmicas criativas que o convidem e
guiem no espaço público, uma vez que, como orientação, as pessoas precisam de estímulo
enquanto se movimentam (THAWAITES & SIMKINS, 2007: 42).
Para ilustrar a crescente preocupação acerca da mobilidade como
qualidade contemporânea de projeto, o endereço eletrônico archetypes.net destaca os
“espaços em fluxos ou fluxos dinâmicos no espaço, como um dos padrões de solução
arquitetônica necessários à prática projetual contemporânea”. Extraindo qualidades
inerentes à fluidez espacial, o site propõe-se a indicar decisões de projeto favoráveis à
concepção de espaços em fluxo: (1) Conferir à circulação espaço de igual importância –
encorajar as pessoas a utilizar essas circulações; (2) compreender a noção dos espaços em
camadas – intervenções ou elementos novos que, quando adicionados, dinamizam o espaço
mudanças opcionais
dinâmicas criativas como orientação nos
espaços em fluxo
princípios para espaços em fluxo?
53
(3) circulações – sugerir um sentimento de movimento, encorajando-nos a ir de um espaço
ao outro; não é necessária a definição restrita de áreas de circulação, mas a sua
composição dinâmica com á área pública; (4) direções múltiplas – conferir opções de trajeto
multidirecionais, de acordo com diversos locais de interesse; (5) plano aberto – a criação de
vários espaços em diferentes camadas permite um fluxo dinâmico (6) organização de
espaços ao longo dos eixos de movimento; (7) transições – oferecer momentos de pausa,
alteração de ritmo ou atmosfera; (8) estabelecer uma conexão visual dinâmica entre
elementos no mesmo espaço.
Independente da validade das definições sobre os princípios
projetuais e a aplicabilidade das ‘regras’ anteriores para espaços em fluxo, de fato, o
conceito de mobilidade adiciona um novo ingrediente ao projeto contemporâneo. Baseado
na compreensão de que o espaço livre público deve ser multi-programático, menos estático
e composto não apenas por limites espaciais e geométricos, a noção de fluidez incorpora
(ao projeto) todas as formas de espaço, nos quais as pessoas podem girar, deslizar, e rodar,
fazer mímicas, realizar-se, declamar, descer, atravessar, e expor opiniões (RYAN, 2006).
2.1.7| Próximo ato: O espaço público como um palco aberto
A população de Melânia se renova: os dialogadores morrem um após
o outro, entretanto nascem aqueles que assumirão os seus lugares no
diálogo, uns num papel, uns em outro. Quando alguém muda de papel
ou abandona a praça para sempre ou entra nela pela primeira vez,
verificam-se mudanças em cadeia, até que todos os papéis sejam
novamente distribuídos (...) quem comparece à praça em momentos
consecutivos nota que o diálogo muda de ato em ato, ainda que a vida
dos habitantes de Melânia seja breve demais para que possam
percebê-lo. (CALVINO, 2003: 78)
a fluidez permite a coexistência de todas
as formas de espaço
54
A definição do espaço livre público como palco urbano não é novidade
na história das cidades; as praças e ruas são cenários tradicionais para a manifestação
coletiva, seja de cunho político, cultural ou social. Recentemente, expressões como cidades
espetáculo (HERZOG, 2006: 31), espaços de performances (RYAN, 2006) e definições
semelhantes ilustram a comparação secular entre o teatro e a vida urbana. Independente da
nomenclatura utilizada, no entanto, os conceitos contemporâneos diferenciam-se dos
anteriores porque não tratam o usuário como meros espectadores. A produção atual altera o
foco das intervenções e transforma a audiência nos verdadeiros atores urbanos.
Bons artistas e boa audiência. Essas são as matérias-primas de uma boa vida pública.”
(WHITE, 1990: 55, tradução do autor)
Enquanto o conceito de palco ou espetáculo pressupõe a noção de
distanciamento em relação à performance, os projetos contemporâneos captam o usuário
para a cena e o convidam à interatividade. O grupo holandês West8, em seu projeto para a
Praça Schouwburgplein (figs. 24 e 25), em Rotterdam cria, literalmente, um palco urbano:
holofotes podem ser operados livremente pelos usuários da praça, que definem o que (ou
quem) deve ser iluminado. A artista Marie Sester, em estratégia semelhante propõe, à
entrada do Grande Halles de La Villette, focos de luz sobre os passantes. O seu projeto
Acess (figs. 25 e 26) prevê um site na internet (fig. 27), através do qual qualquer pessoa
pode escolher o pedestre a ser ‘iluminado’ pelo alvo de luz.
Os usuários de um espaço deveriam ser atores, não espectadores
(...). Arquitetos e desenhistas industriais vêem freqüentemente os
seus desenhos como um produto final do seu gênio, cuja estética é
completamente originada em suas mentes. Um projeto como esse
está fadado a danos delicados. Os arquitetos da paisagem têm
aprendido a colocar esse pressuposto em perspectiva, porque eles
sabem que o seu projeto é continuamente adaptado e transformado.
a platéia se transforma em atores
|fig. 24| As pessoas no centro dos holofotes
ou canhões de luz, na linguagem teatral.
Fonte: REED, 2006: 36
55
(Adrian Geuze, do West 8, in REED, 2006, tradução do autor)
Embora menos literais do que os exemplos anteriores, grande parte
da produção de projetos contemporâneos funciona como um palco onde alguém vem para
se ‘apresentar’ e outros chegam para assistir ou talvez ser assistidos (MARCUS, 1998: 188).
Esses projetos reinterpretam a cidade como um palco em que cada nova idéia pode ser um
jogo ou brincadeira no espaço público. “Eles ilustram que os espaços livres públicos podem
possuir forte identidade e engajar programas culturais que atraem um público amplo,
assegurando vitalidade e relevância ao espaço ao longo do tempo”. (RYAN, 2006)
O conceito contemporâneo defende um teatro aberto, em que
qualquer um pode ser o personagem, sem a definição de um roteiro ou comportamento pré-
determinados: pode-se começar, modificar e interagir.
William White (1990), no início da década de 90, após uma vasta
pesquisa de campo como observador do comportamento em diferentes praças, defende que
os espaços públicos devem estimular a interação do usuário e a relação entre eles, ainda
que sejam inicialmente desconhecidos. White define sob a expressão triangulação o
“processo através do qual alguns estímulos externos provêm um elo entre as pessoas e
incitam estranhos a conversarem com outros estranhos, como se eles já conhecessem uns
aos outros (...) o estímulo pode ser físico através de um objeto ou simplesmente visual.”
(WHITE, 1990: 154)
Eu tenho desafiado o modo como criamos jardins, acreditando na
possibilidade de projetá-los no tom das necessidades da vida
moderna (....). O projeto também ilustra a direção que eu tenho
ansiosamente perseguido, no qual o jardim é considerado como um
palco (...) algo que deve envolver e ser adaptável às mutantes
demandas dos que os utiliza. (COOPER, 2001, tradução do autor)
|fig. 25| Painel para manipulação eletrônica
dos refletores, pelos usuários.
Fonte: GAVENTA, 2006: 21
|fig. 26 | Acess
56
Jan Gehl (2006) defende que os espaços mais interessantes são os
que captam o usuário e os estimulam a interagir, num fenômeno semelhante ao descrito por
White, mas sob a simples denominação de ‘conversando com estranhos’ (talking with
strangers).
Atividades e experiências em comum como eventos inesperados ou
pouco usuais servem para iniciar e gerar conversação (...). Essas
conversas podem começar quando os participantes estão em
sossego, em particular quando eles estão ocupados com a mesma
coisa, ou enquanto empenhados na mesma atividade juntos. (GEHL,
2006, tradução do autor)
Um exercício denominado, Caixas na George Square, com alunos do
primeiro ano, do curso de Arquitetura da Universidade Strathclyde (outubro de 2007),
confirma como atividades inesperadas no espaço público podem gerar conversação entre
estranhos, em fenômeno semelhante ao descrito por White (triangulação) ou Gehl
(conversando com estranhos). O exercício, cujo objetivo era introduzir noções espaciais
iniciais, tornou-se um grande foco de atração e curiosidade para os pedestres e usuários da
praça no centro de Glasgow.
Inicialmente, os pedestres paravam como observadores curiosos,
alguns perguntavam aos alunos o que estava ocorrendo e progressivamente começavam a
participar ativamente do exercício, sugerindo, inclusive, o posicionamento das caixas na
George Square. Um fotógrafo profissional deixa o seu trabalho em captar as imagens dos
monumentos da praça-cartão postal da cidade, para sugerir o seu ‘enquadramento’ no
exercício (fig. 29). A própria instabilidade dos blocos empilhados, é capaz de chamar a
atenção dos alunos e observadores. A fig. 30, por exemplo, demonstra a aflição com a
oscilação das caixas, enquanto a fig. 31 retrata um senhor que observava atentamente o
|fig. 27| Pedestres no centro das atenções à
entrada do Les Halles, Paris.
| Fig. 28 | Os pedestres como alvos no site
| Fonte: www.medienkunstnetz.de |
57
exercício, conversava com outros alunos e, ainda sorri, quando, ao virar-se para fazer um
comentário, percebe que será fotografado como parte da atividade.
Tendo como referência a obra de Hélio Oiticica, Paola Berenstein
aponta, ainda, outras características deste espaço livre como palco aberto à experiência
pública: Oiticica passa à criação de espaços inacabados que tornam possíveis diversas
experiências, de acordo com a disponibilidade criativa das pessoas que neles entram. “Ele
sugere usos possíveis do espaço criado, deixando-os abertos a todas as propostas por parte
dos utilizadores ou simplesmente, dos passantes. Espera do público performances, deixa
espaços vazios para que elas aconteçam (...) Propõe uma experiência do espaço, de
diferentes tipos de espaços possíveis, incomuns”. (BEREINSTEIN, 2002)
Compreendidos como territórios instigantes, os projetos
contemporâneos designam o espaço público como palco aberto para performances
variadas, multi-programáticas e mutantes, cujos principais atores, seus usuários, modificam-
se em sincronia com os estímulos do ambiente e assumem constantemente novos papéis ou
personagens.
2.1.8| Conclusão: os ingredientes urbanos contemporâneos
Kubai Khan percebera que as cidades de Marco Polo eram todas
parecidas, como se a passagem de uma para outra não envolvesse
uma viagem, mas uma mera troca de elementos. Agora para cada
cidade que Marco lhe descrevia, a mente do Grande Khan partia por
conta própria, e, desmontando a cidade pedaço por pedaço, ele a
reconstruía de outra maneira, substituindo ingredientes, deslocando-
os, invertendo-os. (CALVINO, 2003:45)
Os sub-capítulos anteriores reúnem questões cruciais para a
| fig. 29 | Fonte: o autor
|figs 30 | Fonte: o autor
|figs 31 | Fonte: o autor
58
construção do perfil de projeto público contemporâneo. Embora alguns conceitos não sejam
novidade na literatura urbana, outros estejam camuflados sob novas nomenclaturas e ainda
que parte dos teóricos apontados, como Lynch (1972), Krauss (1979) e mais recentemente
White (1990), já defendessem projetos públicos relacionais, é notável a existência de uma
corrente contemporânea que sustenta e materializa as noções de flexibilidade, interatividade
e capacidade de mutabilidade dos projetos urbanos.
O primeiro sub-capítulo, sob o título Um breve percurso estético, do
Conceitual ao Relacional, ao traçar a evolução da arte e arquitetura ao longo do século XX,
aponta a Estética Relacional, de Nicolas Bourriaud, como direção para a produção artística a
partir de meados da década de 90. Em sua defesa pela extrapolação das artes no espaço
público, ele se opõe à rigidez asfixiante dos projetos que estimulam reações estritamente
programadas e sustenta criações interativas e incompletas, que oferecem espaço para a
contribuição do usuário.
O segundo, Mais espaço, menos volume: uma estória em movimento,
ressalta a importância e existência de uma arquitetura sem volume, a exploração das
superfícies, a criação de paisagens multifuncionais e destaca conseqüentemente a
necessidade de flexibilidade no projeto contemporâneo.
Por sua vez, Urbanismo Inflexível x Urbanismo Suave: o soft e o hard
aborda o urbanismo de camadas, as intervenções suaves como potencializadoras da
experiência espacial, ressalta o papel das tecnologias como ferramentas de intervenção no
projeto público e a gama de novos materiais que viabilizam uma arquitetura temporária e a
exploração de novas texturas na cidade.
O sub-capítulo, Sob um novo ponto de vista: as pessoas como
aberto às performances inesperadas do
público
mutabilidade do território
noção de obra aberta
arquitetura sem volume
paisagens multifuncionais
urbanismo suave
59
esculturas e a cultura do objeto, defende os objetos manipuláveis, em detrimento da ordem
estática, indica um novo caminho para a cultura das esculturas, em detrimento dos
exemplares tradicionais e, ao defender questões sobre interatividade do objeto (sujeito –
objeto), aponta conceitos aplicáveis ao mobiliário urbano.
O quinto tema, A inserção de uma nova dimensão em projeto: o
tempo, compreende a instantaneidade das mudanças na cidade e o conseqüente potencial
de uma arquitetura nômade e adaptativa. Ao assumir a lógica urbana da inconstância, do
tempo como dimensão da divagação, ele define a necessidade de um projeto aberto para o
futuro e o espaço contemporâneo como um campo para idéias simultâneas.
Por sua vez, o sub-capítulo, A Elasticidade do espaço em fluxo, insere
princípios de mobilidade, multi-funcionalidade e a necessidade de projetos estimulantes para
a instalação de um espaço dinâmico e criativo. Por fim, ao compararem o espaço público a
um palco aberto (Próximo ato: O espaço público como um palco aberto), os autores
consultados indicam a necessidade de focar o olhar no homem e a sua relação mutante com
o espaço, considerando-nos como os alvos de projeto, os verdadeiros atores do espaço livre
público.
2.2| Retornando ao centro da cidade...
2.2.1| Mais fricção, por favor!
O centro é o lugar das notícias e fofocas, da criação de idéias, da
propaganda, de acordos e encontros; o lugar onde começam as
manifestações. WHITE, 1990: 341(tradução do autor)
O desafio para urbanistas, eles argumentam, é prover ‘mais fricção,
por favor’, um ajuste de funções perdidas e a oportunidade para
conectividade entre sub-culturas em um conjunto de valores
dominantes. (MOOR & ROWLAND: 163, tradução do autor)
objetos manipuláveis
a interatividade centrada no objeto
arquitetura adaptativa
noção do projeto inacabado
desenvolvimento contínuo
espaços em fluxo
a cidade como um palco aberto
60
Apesar de previsões pessimistas que proclamam a morte do espaço
livre público em áreas centrais devido ao crescimento do tráfego de veículos, ao advento
dos shoppings centers, à poluição visual e sonora, à maciça verticalização e insegurança,
não se pode negar que o centro urbano e a sua diversidade constitui, ainda, o núcleo
gravitacional de uma cidade.
Apesar do desenvolvimento e mudanças nos padrões de uso, como
um espaço de mercado e um local de encontro, a cidade continua a
oferecer uma alternativa significativa, um suplemento valioso diante da
multidão de outras opções. (GEHL & GEMZOE, 2003. 13, tradução do
autor)
Por maiores ou bem equipados que sejam os shoppings centers, eles
não substituem a atmosfera real da cidade. Independente do conceito de ‘centro de compras
a céu aberto’, da propaganda em torno das facilidades que reúnem (escritórios, lazer,
restaurantes ou bancos), os edifícios fechados não conseguem recriar a mesmo cenário de
um grande centro urbano: todas as suas ruas, pavimentações, becos ou esquinas guardam
resquícios do passado com a vitalidade do presente, são dinâmicos, abertos ao inesperado,
sem programação ou regras restritivas de conduta à proporção dos espaços privados.
É um fato bem conhecido que as pequenas cidades são mais
amigáveis que as maiores. Mas, elas realmente são? Até a interação
entre as pessoas é interessante, há marcas maiores disso nas
grandes cidades – não somente em número absoluto, mas como uma
proporção do total. Em cidades pequenas, por contraste, você vê
menos relações, saudações menos prolongadas, menos conferências
na rua, menos 100% de conversas e menos 100% de localizações
para essa situação. Individualmente, o quociente de amistosidade das
menores poderia ser muito mais alto, até a freqüência da trocas (…)
no entanto, as ruas das grandes cidades são notavelmente mais
sociáveis do que aquelas de uma cidade menor. (WHITE, 1990: 6,
núcleo gravitacional da cidade
qualidades dos centros populosos
61
tradução do autor)
Não é sem motivo que o fenômeno da pedestralização, citado no
primeiro capítulo, perpetuou-se em diversas cidades mundiais e transformou outras, como
Conpenhagen, como casos-referência do florescimento da vida pública. Não é necessário
irmos tão longe geograficamente para percebermos que muitos edifícios de lojas ou galerias
comerciais, próximos a ruas movimentadas, sofrendo a ‘concorrência’ direta com o espaço
livre público, não foram adiante ou atingiram o público esperado e proclamado pela cultura
dos shoppings centers.
Lugares onde as pessoas se congregam rotineiramente ou onde elas
passam de um regularmente (…) podem se tornar significantes na
rotina diária. (THAWAITES & SIMKINS, 2007: 41, tradução do autor)
Desse modo, acreditando na vitalidade e importância do espaço livre
público, essa dissertação detém-se no projeto voltado para áreas livres em adensados
centros urbanos; locais onde o espaço remanescente é, em oposição ao território
densamente edificado, a respiração da cidade, o intervalo do descanso, a interrupção da
asfixia gerada pelos edifícios altos e os limites entre o espaço de uso coletivo, em
detrimento das imposições do privado.
Para as pessoas que trabalham o dia inteiro em ambientes de
escritório, em sua padronização de formas, cores, temperaturas,
vizinhanças, em toda a sua previsibilidade, e assim por diante, uma
hora de almoço em um ambiente de complexidade sensorial e
prazerosa é um alívio bem-vindo. Às vezes, uma vista da praça é uma
atração significativa e, nesses casos, a função do arquiteto é criar um
território que se capitaliza nesses bens visuais. (MARCUS &
FRANCIS, 1998: 25, tradução do autor)
Os defensores dos espaços privados de uso público como clubes,
a vitalidade do centra da cidade
o espaço livre: o intervalo do descanso
segurança no espaço livre provocativo
62
shoppings e galerias fechadas alegam que a insegurança das ruas desmotiva o uso
sistemático e freqüente de praças e largos, notadamente no contexto de cidades populosas
como o Rio de Janeiro ou São Paulo. Jane Jacobs, citada por LEGATES & STOUT (2003),
afirmou em seu livro Morte e vida das cidades Americanas que os espaços inseguros são o
resultado de áreas vazias e que essa mesma insegurança diminui drasticamente de acordo
com a capacidade de atração do público em intervalos regulares. Uma rua bem utilizada
está apta a ser uma rua segura. Uma rua deserta está apta a ser insegura. (JACOBS in
LEGATES & STOUT, 2003).
À semelhança de Jacobs, William White (1980) define que os espaços
atraentes ao público, e como conseqüência, mais utilizados, estão menos sujeitos também
ao vandalismo. Em uma ampla pesquisa conduzida em dezenas de parques e praças
americanas, White percebe que o grau de depredação é inversamente proporcional ao
número de freqüentadores:
O Paley Park é um quintal para as pessoas. Com suas cadeiras e
mesas móveis, ele deveria ser vulnerável ao vandalismo. Aqui está o
registro de infrações de segurança desde que o parque foi aberto em
1967:
1968 – Um dos vasos de flores na calçada foi roubado por dois
homens numa van;
1970 – A placa de ‘lanches’ foi retirada da parede;
1971 – Uma pequena mesa foi levada
1972 – Um homem entalhou suas iniciais em uma das árvores.
1974 – Uma das luminárias de metal na entrada foi removida.
Nos nove anos em que tenho estudado as praças e pequenos
parques na cidade de Nova Iorque, ocorreu um problema mais sério
em apenas uma, e nos espaços mais utilizados, não ocorreu nada em
nenhum. ( WHITE, 1908: 61-63, tradução do autor)
63
No que concerne ao projeto de espaços públicos, White define que o
medo e o mito dos indesejáveis (a população de rua) limitam a criatividade e o desenho
mais fluido dessas áreas. Na verdade, para White, “não são eles mesmos o problema. São
as medidas utilizadas para combatê-los que são o problema. Muitos homens da
administração pública têm um medo quase obsessivo de que um local atraente para as
pessoas poderia também ser para outras indesejáveis. De tal modo eles tornam-se pouco
atraentes. (...) É por esse motivo que os bancos são feitos tão estreitos para se deitar, que
pontas são colocadas nas bordas; o que é mais importante, muitos espaços necessários,
não são providos de tudo (que precisariam) ou os projetos para eles são reduzidos e
limitados”. (WHITE, 1980: 61)
Considerando no caso específico do Rio de Janeiro, onde o temor em
relação à insegurança no espaço público, que impele a administração pública a limitar o
horário de utilização de praças e jardins, em pleno centro da cidade, é justamente o
responsável por tornar essas áreas pouco atraentes ao público, vazias e conseqüentemente
inseguras. Se o medo do novo, da criação de espaços inusitados e diferentes no contexto da
cidade, tivesse limitado Reidy na concepção do Parque do Flamengo
17
, o Rio de Janeiro não
possuiria um espaço público linear tão singular; se ele pensasse na insegurança de um
parque às bordas do mar, isolado por vias expressas, conectado ao tecido urbano através
de poucas passarelas para os pedestres, ou se preocupasse com os grupos de
‘indesejáveis’ nas clareiras e quadras, escondidas em meio a um traçado sinuoso, os
arquitetos e paisagistas não seriam ousados para criar um parque urbano tão criativo no
contexto do Rio de Janeiro (fig. 32).
Ao mesmo tempo, refutando o pessimismo que a cidade no futuro
o medo como limitador do desenho
17| O projeto urbanístico do Parque do
Flamengo (Brigadeiro Eduardo Gomes) foi
concebido por Affonso Eduardo Reidy e
complementado pelo paisagismo de
Roberto Burle Marx. Inaugurado em 1965, o
parque multi-programático permanece
aberto 24 horas, diariamente, e consagrou-
se como referência de lazer para a cidade.
| Fig. 32 | Imagem aérea do Parque do
Flamengo. Fonte: Google Earth
64
tenderá ao fracasso, ao caos, à violência ou desordem devido ao seu inchaço, ao
descontrole das fronteiras, à mobilidade de indivíduos desconhecidos e ao fim das relações
de vizinhança, Charles Jencks (2002) crê na vitalidade do centro da cidade e motiva-nos a
desprezar o vitimismo que recaiu sobre o espaço livre público, ao assumir o seu potencial, a
“visão de uma urbanidade ativa, uma alternativa revigorante aos estereótipos do homem
urbano como conformista, vítima ou alienado e migrador.” (JENCKS, 2002)
O terreno espacial da vida urbana está para ser mais do que uma
simples zona de passagem já que os cidadãos se movem de um
espaço privatizado para outro (...). Centros da cidade prósperos
necessitarão, ainda, de suas praças. (HERZOG, 2006: 240, tradução
do autor)
Concentrando-se na importância das áreas livres para a cidade e,
distante de explorar questões políticas, conflitos sociais ou de gestão pública, essa
dissertação detém-se exclusivamente na capacidade imaginativa dos projetos
contemporâneos; seus aspectos lúdicos, o potencial de atração e interação com o usuário.
O último ponto, que a visão das pessoas atrai ainda outras pessoas, é
algo que os planejadores e arquitetos da cidade parecem não
compreender. Eles operam na premissa de que as pessoas visam
sinais de vazio, ordem óbvia ou silêncio. Nada poderia ser menos
verdadeiro. Pessoas amam assistir atividades e outras pessoas estão
em evidência constante em qualquer lugar. (Jacobs in LEGATES &
STOUT, 2003)
A investigação parte da premissa que, a despeito das críticas à
vitalidade do centro da cidade, os projetos contemporâneos abrem-se para reclamar pelo
espaço público, refutando os que se limitam ao desenho geométrico e ordenador; ao simples
embelezamento da paisagem da cidade. Novas tecnologias capturam o usuário, arquiteturas
temporárias potencializam o espaço e uma gama de novas ferramentas dinamiza e revitaliza
urbanidade ativa
capacidade imaginativa
reinvenção dos espaços subestimados
65
lugares subestimados e esquecidos.
A proposta não é criar espaços alienadores que pressupõem a retirada
do homem do mundo real, espaços-fantasia. Não são apenas intervenções superficiais e
momentâneas que propõem um escape das reais questões que trabalham no espaço
público: É simplesmente a possibilidade de ver no caos urbano a cidade como um espaço
diverso; é o reconhecimento da vitalidade existente nesse território heterogêneo e pulsante e
a tentativa de introduzir em meio à dinâmica inerente à cidade, locais que valorizem e
reforcem os espaços livres públicos diante das diversas opções oferecidas por esses
grandes centros urbanos.
2.2.2 | Abrindo a semântica do espaço: a articulação das diferenças
Nossas respostas aos estímulos são mediadas pela cultura. Por
exemplo, nós consideramos o som dos animais como neutros e
similares, independente da cultura, mas isso não se reflete na
onomatopéia. Os cachorros ingleses woof ou bow wow, os alemães
wau wau. Ao redor do mundo bau bau na Itália, ham ham na Albânia,
haw haw no Oriente Médio e wang wang na China. E woof woof
definitivamente não é um cachorro em japonês. Os nomes de Galos
ou aves (kikeiki ou chichirichi) dependem de onde você está. O mais
importante, independente das diferenças acerca da interpretação, é
que há concordância no significado do sentido ao longo do tempo e da
cultura. (LANDRY, 2006, tradução do autor)
Além da crença na importância do espaço livre público como
interrupção singular em um ambiente densamente construído, a opção pelo centro da cidade
se deve também à sua capacidade de aglutinar em um mesmo território pessoas de
a vitalidade dos grandes centros
urbanos
valorização dos espaços livres centrais
66
diferentes etnias, renda, idades, habilidades, locais ou turistas, etc.; pessoas de todos os
tipos (ELLIN, 2006)
As transformações mostradas aqui não refletem apenas o talento
criativo dos designers contemporâneos, mas são definitivamente uma
indicação de como as diversas culturas podem valorizar e utilizar os
espaços abertos. (REED, 2006, tradução do autor)
Diferentemente de outros bairros, o centro da cidade congrega
diversas faixas etárias ou grupos sociais que diariamente transitam no espaço público com
fins diversos: moradia, acesso à educação, trabalho no comércio ou centro financeiro,
compras ou interesse pelas atividades artísticas e culturais. Ele reúne um público
diversificado oriundo de diversas partes da cidade, sua periferia e até mesmo outros
municípios, cujos fluxos se sobrepõem e constituem esse espaço multifacetado, híbrido e
múltiplo.
Nossa pesquisa e observações de campo têm mostrado também que
o senso do centro parece mais intensivamente tocado em lugares
constituídos por centros em pequena escala e esses tendem a ocorrer
onde há convergência de oportunidade de parar e descansar, onde
pessoas podem aglomerar-se, e por isso onde a sensação
predominante é a de ocupação em detrimento do movimento.
(THAWAITES & SIMKINS, 2007: XIII, tradução do autor)
Segundo Zöe Ryan (2006), o território da cidade é abastecido por
identidades, composto por indivíduos diferentes em sexo, grupo social, cultura, origem ou
profissão. Ao mesmo tempo, como seres humanos únicos, somos indefiníveis por uma só
característica. Podemos ser diversas pessoas em uma só, reunirmos muitas qualidades a
serem exploradas e sermos constantemente moldados, reestruturados, transformados pela
vida nas cidades, os códigos sociais e a passagem do tempo. “Este é o modo como as
centro como aglutinador das diferenças
espaços multifacetados
67
pessoas são constantemente construídas e permanecem nas cidades atualmente, e esse é
o modo como as cidades devem ser projetadas – não para o previsível, setores monolíticos
da população, mas para gostos variados, diferentes opiniões e pontos de vista. As
identidades dos espaços de nossas cidades, como os seus habitantes, deveriam ser
múltiplas, diversas, dinâmicas, enérgicas, efêmeras e híbridas”. (RYAN, 2006)
“Como se vê a cidade varia de acordo com quem você é, de onde
você veio, sua cultura, sua posição social, sua fase da vida e interesses.” (LANDRY, 2006)
Por esse motivo, o projeto de espaço livre público deve ser aberto ao imprevisível, acessível
a todos os grupos de pessoas e às diferenças que fazem grupos ou indivíduos singulares
em meio a uma massa de milhares de habitantes. O projeto aberto e flexível pretende ser
um espaço de descobertas, uma vez que o interlocutor é diferente e ele mesmo se
transforma a cada dia, em seu humor, idéias ou pensamento.
Imagine a complexidade dos seres humanos: nosso comportamento
imprevisível, nossos problemas, obsessões e neuroses; nossa
inclinação rumo ao caos casual, ao nosso individualismo (…). No
entanto, uma vez que saímos de nossas casas, nossos espaços de
trabalho, ou onde quer que estejamos, e saímos para a rua, nós
sabemos exatamente como nos relacionar com o outro e onde nos
situar. (MOOR & ROWLAND, 2006: 83, tradução do autor)
A intenção de um projeto interativo, flexível, mutante e adaptativo é
tornar o espaço livre público acessível a todos e reinventar a cada intervalo de tempo, de
acordo com as solicitações individuais ou coletivas. Desse modo, “um espaço poderia ser
diferentes lugares, possivelmente ao mesmo tempo para diferentes indivíduos, ou em
momentos diversos, de acordo com as variações nos padrões de uso.” (THWAITES &
SIMKINS, 2006: 40)
as identidades no espaço
identidades híbridas
identidades em transformação diária
68
As pessoas são diferentes e elas respondem de forma diferente. As
observações feitas aqui, no entanto, ilustram alguns limites do
pensamento e prática do projeto urbano, do mesmo modo apontam à
enorme e singular capacidade que as pessoas possuem de olhar além
dos limites e descobrir um potencial surpreendente nos espaços livres
públicos. (STEVENS, 2007: 03, tradução do autor)
2.3 | A cidade conectada nos pequenos espaços intermediários
Dão o melhor de si textos em que um máximo de invenção e de
pensamento se concentra em poucas páginas. (CALVINO, 1998: 63)
Os espaços livres públicos, ainda que estejam sob o recorte espacial
do centro da cidade, podem ser categorizados através de uma extensa e múltipla gama de
definições, que consideram aspectos morfológicos, dimensões, tipo de uso, ocupação ou
outros fatores, flutuando entre questões materiais precisas, a qualidades espaciais
subjetivas. Clare Cooper e Carolyn Francis, autoras do Livro People Places: Design
Guidelines for Urban Open Space (1998), dividem o espaço livre público em seis categorias,
cada qual desmembrada em outras sub-divisões. Na primeira, a praça de rua, por exemplo,
as autoras chegam à especificidade de definições como “o canto de permanência, a calçada
alargada, o ponto de ônibus, a ligação com o pedestre, a esquina de bolso ou a praça da
galeria.”
Independente da nomenclatura ou critérios definidos por determinados
autores, essa dissertação detém-se especificamente na produção projetual em pequenos
espaços urbanos, em geral na escala de uma praça. Sem a rigidez de definições
preliminares ou critérios de dimensões mínimas, inserem-se no contexto do trabalho, os
espaços acessíveis às identidades
múltiplas
diferentes lugares no mesmo espaço
nomenclaturas à parte
69
espaços livres cuja importância é maximizada na proporção da densidade do solo ou pela
sua singularidade, como exemplar único em uma determinada área da cidade.
Eu acredito que esses pequenos espaços negligenciados estão onde
nós devemos focar nossa atenção, ao contrário de se concentrar nos
casos famosos de parques ou praças que, apesar de importantes, não
impactam as nossas vidas na mesma proporção que as jornadas
regulares entre o lar, o trabalho e o lazer. Se a criação de um
ambiente urbano de qualidade é costurar juntos os espaços que
sobraram da regeneração de nossas cidades, então esses lugares
‘entre’ são os remendos finais necessários para completar essa
transformação. Eles requerem abordagens e soluções inovadoras e
criativas e, embora haja algumas restrições e considerações
importantes, eles demandam geralmente um baixo custo na proporção
de seu alto uso, impacto e valor que podem adicionar e realçar a
nossa experiência diária no ambiente construído. (GAVENTA, 2006:
55, tradução do autor)
Na verdade, fugindo da tentativa da categorização rígida dos espaços
públicos, a literatura urbana contemporânea volta-se para a valorização dos pequenos
lugares na cidade, para a exploração do potencial das zonas entre elementos edificados e
não apenas em praças cívicas, espaços solenes ou simbolicamente importantes como
ícones urbanos. Atualmente, em função das rápidas mudanças do espaço exterior,
determinadas propostas de desenho da paisagem estão aparecendo em locais jamais
considerados anteriormente (AMIDON, 2001: 108).
A oportunidade no centro da cidade será para os pequenos lugares
(…). É maravilhosamente encorajador reconhecer que os espaços que
as pessoas mais gostam são os relativamente pequenos. (WHITE,
1980: 172)
Por sua vez, alguns autores como White (1980), Gehl (2006), LeGates
pequena escala
espaços pequenos na proporção do alto
impacto
os espaços entre edifícios
70
e Stout (2003), focam-se no caráter subjetivo do espaço público e buscam uma escala
compatível a do pedestre, uma vez que identificam nela a potencialização do grau de
experiência no espaço. “Eu também vejo a cultura pública como construída socialmente no
micro-nível. É produzida pelos diversos encontros sociais que compõem a vida diariamente;
os espaços nos quais experimentamos a vida pública nas cidades”. (LEGATES & STOUT,
2003). Para White, os pequenos espaços são mais atraentes para a reunião de pessoas:
Mais uma vez, nós não encontramos relação clara. A maioria dos
menores espaços tinha o maior número de pessoas, enquanto em
outros exemplos mais amplos, havia um público menor. (WHITE,
1980)
As pessoas possuem um bom senso de distância social e eles
conduzem isso melhor que qualquer um (…). Eles vão para os
espaços vivos, onde há muitas pessoas. E vão lá por escolha – não
para escapar da cidade, mas para participar dela. (WHITE, 1990: 173,
tradução do autor)
Jan Gehl, em seu livro Vida entre Edifícios: usando o espaço público
(2006), define que o sistema compacto de espaços livres públicos trabalha na escala do
pedestre e, ao reduzir as distâncias, amplia as experiências sensoriais ao máximo possível.
Na verdade, é quase sempre mais interessante estar em pequenos espaços, onde tanto a
totalidade quanto os detalhes podem ser vistos (GEHL, 2006). Nesse sentido,
a rejeição de uma área mono-funcional é um pré-requisito para a integração de vários tipos
de pessoas e atividades. Se as possibilidades estão para serem resgatadas, o trabalho de
planejamento e projeto nas média e pequena escala são fatores decisivos (GEHL, 2006).
Em um nível mais local, os espaços externos em uma escala íntima –
pavimentada ou cultivada, privada ou pública – são pontuações
inerentes e importantes no ritmo especial da cidade. (AMIDON, 2001:
134)
escala compatível com o pedestre
rejeição ao espaço mono funcional
71
2.3.1 |As intervenções em rede: desafiando o urbanismo tradicional
O Urbanismo integral muda da direção do plano master que,
em seu foco de controlar tudo,
ironicamente tende a gerar cidades fragmentadas
sem território ou caráter.
Ao contrário, o Urbanismo Integral propõe intervenções mais pontuais
Que possuem um efeito tentacular ou em dominó,
Catalisando outras intervenções em um processo dinâmico que avança.
ELLIN, 2006 (tradução do autor)
É unânime entre os autores consultados que o projeto contemporâneo
deve se concentrar nos pequenos espaços livres públicos. Nan Ellin (2006) define que o
Urbanismo Integral reside em intervenções pontuais que contribuem para a ativação de
segmentos urbanos, sem a necessidade de grandes obras sobre a estrutura permanente da
cidade. Enquanto os grandes planos urbanos constituíam uma forma de cirurgia numa
cidade anestesiada, o Urbanismo integral poderia ser considerado como uma forma de
acupuntura em uma cidade completamente alerta e engajada (ELLIN, 2006: 09)
Concordo, por esse motivo que essas intervenções não ferem a
estrutura existente. A praça continua como pano de fundo, mantendo a
sua relação com a história, edifícios, com o entorno. O que esses
elementos fazem é potencializar o uso da área, mas as estruturas
físicas são mantidas e re-relacionadas entre si e com os objetos
novos. Não é o simples redesenho da praça. (HERZOG, 2006,
tradução do autor)
Na verdade, a idéia do potencial de restabelecimento de uma rede de
pequenos espaços livres como alternativa aos grandes parques urbanos já fora explorada,
em 1963, pelo arquiteto Robert Zion:
a escala mínima
escala íntima = pontuações importantes
intervenções catalíticas
intervenções ativadoras
72
Desde a abertura do Central Park de Omstead, os profissionais
urbanos focaram a sua atenção em grandes parques, praças cívicas,
avenidas e bulevares (…) Zion não aceitou a crença de época na qual
um parque urbano para ser viável, precisava no mínimo de três acres
para acomodar a população urbana. Zion argumentou que Nova
Iorque seria mais bem servida por centenas de pequenos parques
(…). Sua visão representa a mudança na ênfase das propriedades e
características dos espaços individuais para a visão de uma rede
conectada de espaços como uma totalidade. Está Implícita a
experiência de que tais redes são psicologicamente benéficas para a
população urbana. Essa atitude mais holística para a organização
urbana espacial, como uma trama conectada de lugares de
experiência, ampliaria também uma abordagem mais fluida e rítmica
do projeto, relevante tanto para as sensações de continuidade quanto
de localização. (THWAITES & SIMKINS, 2007: 113, tradução do autor)
Na última década, idéias semelhantes às de Robert Zion reaparecem
na cena do urbanismo e, em um fenômeno urbano mais intenso do que na década de 60,
defendem a escala pontual do projeto, o just-in-time planning definido por Koolhaas, na qual
o macro é atingido não por intervenções em grandes áreas, mas pela interconexão desses
espaços, a formação de uma rede programática, cuja reverberação associativa é
responsável, em si, pela ativação de um contexto urbano maior.
As possibilidades para esses tipos de espaços públicos são infinitas,
baseadas nas respostas imaginativas e a criação de novas definições.
Eles não precisam absolutamente custar um preço exorbitante, já que
uma adição em pequena escala pode trazer em tal ambiente um
impacto em larga escala. (GAVENTA, 2006: 52, tradução do autor)
Através de um atento projeto de espaço intermediário, a interconexão
na escala local, pode traduzir-se num projeto de proximidade, não só ao nível da morfologia
do espaço público ou coletivo, mas também das relações, dos acessos e das contigüidades
ativação das estruturas permanentes
os espaços de bolso
uma rede conectada
just-in-time planning
73
que permitem entender os nós como lugares de ressonâncias e de diálogo com outros
lugares. O conceito de espaço público que está subjacente a esta visão de nó, é o conceito
de um lugar que se abre às sugestões do sítio, enquanto cruzamento de funções, escalas
territoriais diferentes, lugar das multiplicidades e das comunicações materiais e imateriais
(MILANO, 1969).
A acupuntura urbana envolve a identificação de intervenções pontuais
que sendo rápidas e talentosas podem ser catalíticas, liberando
energia e criando um efeito de reverberação positiva. (LANDRY, 2006,
tradução do autor)
No mesmo sentido, a teoria do espaço diferencial, citada por Kevin
Thwaites e Lan Simkins (2007), como “desdobramento da linguagem de padrões”
desenvolvida pelo arquiteto austríaco Christopher Alexander, ilustra a relevância e o
potencial que pequenas unidades espaciais adquirem quando combinadas entre si. À
semelhança de uma rede conectada de intervenções, cada padrão é compreendido como
uma entidade autônoma, cuja relação física ou psicológica cria uma linguagem morfológica
coerente e, conseqüentemente, uma totalidade mais ampla. “Esse é um sistema que permite
a estrutura do ambiente surgir potencialmente de milhões de adaptações em pequenas
escalas”. (THWAITES & SIMKINS, 2007: 127)
“Alexander aceita que a forma final de uma estrutura tem que ser
compreendida como indeterminada porque emergiu eventualmente como conseqüência de
um sistema generativo, ao contrário da fabricação prévia de uma idéia pré-definida”.
(THWAITES & SIMKINS, 2007: 128). “De fato, ele nos ofereceu uma visão da ordem do
espaço que exibe a plenitude, argumenta que é a propriedade da totalidade que devemos
aspirar acima de tudo e estabelecer um caminho que se desenvolve gradualmente através
adições em pequena escala
projeto de proximidades
acupuntura urbana
espaço diferencial
74
do efeito integrador de diversos atos em pequena escala, distinguíveis em suas
singularidades, mas que simultaneamente formam parte da evolução de uma ordem em
larga escala” (THWAITES & SIMKINS, 2007: 131).
Aplicada no campo do urbanismo, a teoria de Alexander assume a
combinação de pequenas unidades, como entidades generativas e singulares, cujo
resultado imprevisível das combinações é mais facilmente ajustável; é a compreensão do
espaço urbano como uma rede flexível que se recompõe, regenera e se reconecta de modo
a se reinventar e a responder às solicitações de cada tempo.
O conceito é do planejamento em pequenos centros: uma série de
intervenções que são contidas, mas possuem um impacto poderoso,
criando o que reporta a uma monumentalidade através de uma escala
reduzida. As instalações usam arte e efeitos digitais para apresentar a
imagem de uma cidade hipotética de participação. (AYMONINO &
MOSCO, 2006: 305, tradução do autor)
Por sua vez, o arquiteto francês Simon Texier, em seu capítulo La
Ville Verte: 1975-2001, afirma que o projeto urbano contemporâneo é caracterizado por uma
rede de intervenções e abole definitivamente a noção de sistema de espaços, em voga na
prática urbana em décadas anteriores. O termo sistema, que pressupunha uma
homogeneidade de tratamento, foi substituído pela noção de rede, que ao reconhecer a
vitalidade introduzida por elementos heterogêneos na cidade, defende a conexão
sistemática de projetos pontuais; é a compreensão de que intervenções mínimas, em escala
local, constituem uma rede associativa que atingem a macro-escala urbana.
Uma coleção diversa de intervenções em pequena escala que vão da
arte pública e jogos urbanos, às instalações e performances, ilustram
a importância e o potencial de métodos simples de investigação de
como usamos, compreendemos, divertimo-nos, construímos e
diversos atos em pequena escala
rede urbana flexível
intervenções contidas em pequenos
centros
sistema x rede associativa
75
cultivamos a cidade. (RYAN, 2006, tradução do autor)
2.3.2 | Uma breve amostra: O Festival Radiance 2007 em Glasgow
Crie uma série de experiências recentes dentro de uma forma urbana,
e desafie grande parte dos dogmas recorrentes no projeto urbano.
MOOR & ROWLAND, 2006: 184
Em sua segunda edição, o Festival Radiance, sob o título de Bienal
Internacional de Glasgow, trouxe à cidade escocesa mais de 40 intervenções luminosas em
diferentes pontos do centro. Somando-se as 85 instalações permanentes, Glasgow foi
transformada em uma galeria de artes a céu aberto e reuniu artistas provenientes de
diferentes cidades européias, durante o final de semana entre 23 e 25 de novembro de
2007.
Formatada em três rotas temáticas, a Rota Histórica, a Rota de
Iluminação artística e a os Jardins de Deleite, a exposição noturna mesclou intervenções de
caráter promocional da cidade, a outros trabalhos com apelo estético, de sensibilização
subjetiva do público ou, ainda, objetos interativos como convite à participação ativa dos
freqüentadores da amostra.
A exposição foi alocada em espaços livres públicos no centro
comercial da cidade, estendeu-se aos jardins do campus universitário da Universidade
Strathclyde, visitou fachadas de edifícios históricos, penetrou em armazéns vazios na área
periférica do Rio Clyde, ocupou o interior de galerias de arte e átrios de edifícios. Objetos
luminosos foram içados por andaimes e alocados no espaço público, enquanto projeções
jogos urbanos e uma rede de
intervenção
| Fig. 33 | Painel digital simula bolhas ao
toque ou estímulo externo. Fonte: o autor
76
lumínicas coloriram superfícies de edifícios e pavimentos por toda a cidade.
A rota histórica (fig. 34), centrada em edifícios emblemáticos na
cidade, recontou o passado de Glasgow através de projeções de luz e cores que,
associadas à sonoplastia, criavam murais animados e fluxos dinâmicos de imagens na
pavimentação e fachadas. O artista francês Xavier de Richemont traduziu a história da
Catedral da cidade, como um cinema a céu aberto, através de imagens projetadas em suas
paredes externas em meio à música religiosa medieval (fig. 35). O Museu STF. Mungo de
Arte Religiosa (fig. 36), na calçada oposta à igreja, foi utilizado como painel para um teatro
de sombras infantil, enquanto no cemitério local, o trajeto entre a estátua Knox e o Mausoléu
Monteith, foi iluminado com um arco-íris de cores projetadas sobre os túmulos (fig. 37).
| Fig. 34 | As pessoas assistem à história de
Glasgow projetada numa vitrine.
a rota histórica
| Fig. 35 | Centenas de pessoas à espera
da iluminação na Catedral. Fonte: o autor
77
A rota de iluminação artística apresentava obras de arte lumínicas
interativas, dentre as quais se destacaram os painéis itinerantes Triptych (figs. 38 e 39),
desenvolvido pelo United Visual Artists. Instalado em Glasgow após uma exibição em Paris’
Nuit Blanche, os três monolitos enigmáticos interagiam diretamente com os passantes,
respondendo aos estímulos de movimento ou proximidade através de cores e sons.
Dispostos sobre um tablado, os painéis transformavam-se a cada sutil aproximação, toque
| Fig. 36 | O teatro de luz. Fonte: o autor
| Fig. 37 | A entrada do cemitério, rota de
passagem da exposição. Fonte: o autor
78
ou bater de palmas, desenhando em sua superfície diferentes linhas pixelizadas, mudanças
de cores ou sons que simulavam descargas elétricas, em resposta instantânea e de
intensidade correspondente ao estímulo executado. O objeto era tão intrigante que
resgatava todos os passantes; não havia uma pessoa que não parasse para observar, filmar,
fotografar. A grande maioria rompeu a timidez e permaneceu por um longo tempo em frente
a eles, criando coreografias que desafiavam a instalação e buscavam ‘desvendar todas as
combinações de cores e imagens previamente programadas.
A obra Dune 4.1 (fig. 40), desenvolvida pelo artista holandês Daan
Roosergaarde, combinava arte, luz e tecnologia ao reproduzir um canteiro de flores
florescentes que acende ou brilha em diversas velocidades e intensidades lumínicas.
Através de sensores de presença, o movimento do passante é reproduzido na escultura
luminosa; uma movimentação brusca acarreta um festival acelerado de cores, em toda a sua
extensão ou em pontos localizados, de acordo com a posição do usuário. Ao lado, um
Vestido de Fibra Ótica (fig. 41), criado por Kim Tae Gon, parecia flutuar sobre o solo e, em
uma atmosfera tanto elegante quanto fantasmagórica, estimulava psicologicamente o
usuário a observar serenamente a peça, criando uma interrupção na euforia suscitada pelo
corredor interativo caracterizado pelo Dune 4.1.
O grupo Guerrilla Lighting, por sua vez, constituído por alunos do
Departamento de Arquitetura da Universidade Strathclyde e 60 eletrotécnicos do BDP
Lighting, propunham uma exposição nômade pelas ruas de Glasgow, ao transformar com
equipamentos portáteis, dezenas de edifícios e espaços livres ao longo do percurso.
A rota dos Jardins de Deleite, concentrada nos campus da
Universidade Strathclyde reuniu artistas como Nich Smith, MCM Architects e iGuzzini, para a
| Fig. 38 e 39 | Os painéis interativos do
United Visual Arts. Fonte: o autor
| Fig. 40 | O caminho interativo, ao longo do
qual os participantes da exposição
estalavam os dedos, batiam palmas e
promoviam uma série de estímulos no
espaço. Fonte: o autor
79
criação de uma Piscina de Luz (fig. 42) no canteiro Rottenrow ou Iluminações Noturnas (fig.
43), um extenso corredor com anteparos brancos no qual se projetavam as sombras dos
passantes.
Apesar da criatividade traduzida nas intervenções pela cidade, o
Festival Radiance se destacou em Glasgow pela sua capacidade de atração de um público
extremamente variado. Crianças e adultos disputaram as ruas do centro e, apesar da baixa
temperatura de quatro graus negativos (-4ºC), milhares enfrentaram filas para as exposições
em recintos fechados, aglomeraram-se ao redor das instalações ou andavam em grupos a
procura de novos pontos de intervenção, inclusive no cemitério da cidade. O Festival
Radiance foi hábil ao destacar a capacidade catalítica que uma rede de intervenções
estimulantes possui em atrair o usuário para o espaço livre público. Nem mesmo as
condições climáticas desconfortáveis ou o trajeto escuro e úmido, próximo a túmulos num
cemitério, foi capaz de conter a curiosidade e impedir as pessoas de explorar cada ponto de
intervenção. Zonas de armazéns industriais abandonados tornaram-se seguras com a
multidão de pessoas que se aglomeravam nas portas à espera pela amostra; muitos se
aventuraram a entrar em subsolos, vielas estreitas, espaços residuais que só inspiravam
confiança devido ao movimento intenso de pessoas, mas que em noites normais, seriam
consideradas áreas inseguras e desertas.
As rotas temáticas, no entanto, poderiam ser seguidas aleatoriamente;
não constituíam seqüências lógicas ou critérios de progressão gradual. Na verdade, era
justamente o desafio de descobrir o que estava por vir, a expectativa de buscar as zonas
entre intervenções, a opção de escolher uma rota desconexa e individual, que tornava o
Festival Radiance uma rede conectada de experiências.
| Fig. 41 | O vestido de fibra ótica aparenta
flutuar no escuro. Fonte: o autor
| Fig. 42 | As instalações luminosas nos
jardins da Universidade Strathclyde.
80
Apesar da historiadora urbana M. Christine Boyer, compreender essas
pequenas intervenções como enclaves cênicos que reduzem a cidade a atrações turísticas
ou suprimem a ordem contínua da realidade (SORKINS, 1992), o Festival Radiance
comprovou o potencial que as estruturas urbanas permanentes possuem de receber novos
estímulos; é a afirmação da capacidade adaptativa de uma população que reconhece o
território urbano como área de deleite, um complemento do espaço privado. Na verdade,
não houve noite semelhante, durante todo o outono e inverno, em que a cidade tenha
recebido um público itinerante tão ávido por novidades; nem em condições climáticas mais
amenas as ruas ficaram tão cheias quanto esse final de semana em Glasgow.
2.3.3 | A porosidade dos espaços livres públicos
Nesse sentido, tempo e distância são relativos. Nós estamos tão perto
das pessoas no lado oposto do globo, ou na profundidade dos
oceanos ou na altura da atmosfera, como somos dos amigos abaixo
na rua (…). Qualificações espaciais não estão mais relacionadas ao
volume tridimensional. Nós temos as ferramentas para antecipar e
reconhecer outras dimensões familiares? (AMIDON, 2001: 108,
tradução do autor)
Em voga também no vocabulário recente de práticas urbanas, o termo
porosidade surge em textos de Janes Amidon (2001), Charles Landry (2006) ou na definição
de urbanismo contemporâneo criada por Nan Ellin (2006) e direciona a discussão sobre a
importância das intervenções pontuais sob a ótica de uma rede conectada, que extravasa os
territórios nacionais e atinge a macro-escala global.
Pessoas precisam ser porosas a novas influências tanto quanto reter
| Fig. 43 | Os anteparos brancos que
conformam o corredor de luz e sombras nos
jardins da Strathclyde. Fonte: o autor
urbanidade conectada na macro-escala
global
humanidade compartilhada
| Fig. 44 | CowParade em Warsaw, Polônia.
Obra Krowa Rasy Warszawskiej, artista
Ewa Brykowska
81
as suas identidades (…). Nós necessitamos de limites e bordas para
ancorar identidade no terreno tanto quanto pontes para nos conectar
ao exterior. (LANDRY, 2006, tradução do autor)
A Porosidade é compreendida pelos autores como a qualidade
inerente ao urbanismo contemporâneo; o termo reflete a noção de uma humanidade
compartilhada, expressão utilizada por Landry para definir as experiências comuns que
relacionam cidades distintas e solidificam o território urbano em proporção mundial. Landry
destaca a Copa do Mundo de Futebol ou os Jogos Olímpicos, a despeito de seu cunho
competitivo, como momentos de reunião entre diversos grupos sociais, étnicos e culturais,
numa relação que contribui diretamente para o enriquecimento das cidades. Independente
da tentativa de alguns países em superarem as nações-sede anteriores, através da
construção de ícones urbanos ou infra-estruturas monumentais, esses eventos reafirmam a
noção de uma rede de intervenções e demonstram o potencial catalítico que atos
localizados possuem sobre o território da cidade.
Em uma escala mais próxima ao pequeno espaço público, eventos
como a Cow Parade (figs. 44 e 45) transformam a cidade como uma galeria de artes aberta
e conectada: uma oportunidade para entretenimento do público local, uma vitrine sobre a
cultura de um país e a imagem de uma cidade para o mundo. Desde o primeiro evento em
Zurich, em 1998, organizado para arrecadar recursos para o Programa Alimentar Mundial da
ONU, através da venda das obras expostas, o CowParade percorreu diversas cidades, em
mais de 20 países europeus e americanos.
A Cow Parade tornou-se o mais amplo evento de arte urbana do
planeta – vacas pintadas em um labirinto de linhas de cores nas ruas
(...). Para os que viajam muito, isso cria uma linha de experiências
comuns que é diferente de um Mcdonalds ou um hotel Hilton.
galeria de artes a céu aberto
| Fig. 45 | CowParade em Lisboa, Portugal.
Obra Cowmões, artista Joana D'Eça Leal.
Fonte: Malina e Noemia Costa Dias –
vinculado via e-mail
| Fig. 46 | CowParade no Rio de Janeiro,
Brasil.
82
(LANDRY, 2006, tradução do autor)
Recentemente percorrendo as cidades brasileiras de Belo Horizonte,
Rio de Janeiro e São Paulo (outubro e dezembro de 2007), quase uma centena de vacas
coloridas foram expostas em espaços públicos, refletindo temáticas locais através de poses
descontraídas ou cumprindo função publicitária para algumas empresas privadas (figs 46 e
47). Adquirindo atributos personificados, as obras eram maciçamente fotografadas por
moradores e turistas e, embora estáticas, tornaram-se integrantes ativos de uma cena
urbana dinâmica. Em 11 de dezembro as peças cariocas foram leiloadas para arrecadação
de renda para o projeto social Obra da Cidade do Rio de Janeiro, o que destaca a
visibilidade e capacidade regenerativa que manifestações no espaço livre público suscitam
na totalidade de uma cidade.
Desde 2001, Berlim teve o seu “Amigos Ursos”, que representam a
compreensão entre culturas e coexistência pacífica. O evento tornou-
se agora global, com artistas fazendo ursos em Shangai, Sydney e St.
Gallen, Suíça. (LANDRY, 2006)
Em 2006, a exposição itinerante Amigos Ursos (figs. 48 e 49), iniciada
em 2001 em Berlim, à semelhança do Evento CowParade, coloriu ruas e praças e
acrescentou ao espaço público novos pontos focais de atração. O próprio Festival Radiance
em Glasgow, apesar de limitado ao contexto da cidade escocesa, abrigou não apenas obras
inéditas, mas outras já apresentadas em exposições européias anteriores.
Ampliando o conceito, a noção de porosidade é compreendida não
apenas através da formatação de uma rede física de pequenos espaços públicos, mas
também a partir da conexão imaterial viabilizada pelas tecnologias digitais. A conectividade
urbana ampliou sua escala de alcance inicialmente através do telefone e da televisão e,
| Fig. 47 | CowParade no Rio de Janeiro,
Brasil. Fonte: Carlos Vieira
conectividade urbana
83
mais recentemente, em face de uma enorme gama de eletro-eletrônicos conectados em
rede, plugados ou sem fio. As relações urbanas romperam as fronteiras geográficas e
tornaram-se acessíveis instantaneamente por meio de uma tela ou um simples contato
digital.
E é justamente a compreensão de uma urbanidade conectada nos
pequenos eventos, da formatação de uma rede de intervenções adicional às estruturas
permanentes da cidade, o ponto de partida para a prospecção de projetos urbanos que
ilustram a produção contemporânea em espaços livres públicos. “Essas facilidades
generosas de comunicação, que permitem a rápida mobilidade de pessoas, matérias e
idéias, são um segundo meio de alcançar a adaptabilidade.” (LYNCH, 1972) “Olhando sobre
esse ponto de vista, essas intervenções criam uma cultura aberta que é mais resiliente e
adaptável às mudanças conduzidas por questões políticas ou globais.” (LANDRY, 2006)
A breve exploração desses temas demonstra que “os melhores
espaços livres públicos comprometem-se com uma ampla extensão de usos, são projetados
tanto para a larga – e a pequena – escala de eventos, são flexíveis para mudar ao longo do
tempo, acomodando atividades múltiplas, programadas ou sem roteiro. Um bom projeto
serve a necessidades individuais e coletivas. Esses novos e inovadores espaços destacam-
se por suas habilidades de serem apropriados por pessoas de diversas comunidades, por
encorajar experiências múltiplas e por alimentar as trocas sociais e culturais na cidade”.
(RYAN, 2006)
| Fig. 48 | A exposição itinerante Amigos
Ursos em Vancouver, Canadá, 2006.
| Fig. 49 | Esses novos objetos urbanos
atraem moradores e turistas. Vancouver,
Canadá, 2006.
84
3 | AS EXTRAVAGÂNCIAS AMBICIOSAS NA CIDADE CRIATIVA
Muitos desses (projetos) são extravagâncias ambiciosas multimídia e
multiuso. Alguns são tanto instantâneos, outros puramente
experimentais. Mas o que eles todos compartilham é um excitamento,
dinamismo e uma abordagem jovem que cria uma alternativa radical
às idéias convencionais. Às vezes impactante, sempre provocante,
eles são a dianteira do projeto de paisagem. (COOPER, 2001)
Percorrendo o trajeto teórico delineado no capítulo anterior e
embasado por conceitos-chave, que abrangem desde as facetas multifuncionais e
adaptativas do projeto à escala de intervenção, essa terceira parte da dissertação volta o
olhar para exemplares que refletem efetivamente a produção contemporânea no espaço
urbano.
Sob o título de Cidade Criativa, segundo denominação de Charles
Landry
18
, os projetos contemplados na seqüência ilustram a ambição e a defesa de uma
atitude pró-ativa diante do espaço urbano, reconhecendo-o como um receptáculo aberto a
experimentos provocativos, que mesclam arte-arquitetura, valorizam e reforçam o
dinamismo singular da cidade contemporânea.
A paisagem oferece uma estratégia para acomodação e integração
(...) as atividades urbanas, infra-estrutura e arquitetura, reconhecem
que os lugares devem adaptar-se e responder às mudanças ao longo
do tempo. Definitivamente, isso tem conduzido a uma melhor
compreensão da paisagem como um modelo para o urbanismo: em
camadas, sem hierarquia, flexível e estratégico. (REED, 2006)
Aproximadamente 160 projetos executados, notadamente nos
primeiros anos desse século XXI, fazem parte do universo de idéias, protótipos e conceitos
18| Diretor da empresa de consultoria e
planejamento cultural, COMEDIA. Charles
Landry, em seu livro The Creative City: A
toolkit for urban innovators (2005), define
alguns parâmetros necessários para
estimular a criatividade no espaço público.
cidade criativa
amostragem de projetos
85
desenvolvidos por grupos de artistas e arquitetos em todo o mundo, prospectados através
da mídia eletrônica (websites, blogs, revistas e fóruns online), meio impresso (publicações,
jornais e revistas de arquitetura), descobertos e garimpados individualmente em centros de
pesquisa, seminários, conferências ou, ainda, experimentados ao ar livre no espaço público
de algumas cidades. Essa breve amostragem, no entanto, não contempla os exemplos
ainda não executados ou em estágio de desenvolvimento.
Com o objetivo de facilitar a organização desses projetos, eles foram
agrupados segundo três categorias definidas por Zoe Ryan (2006) em seu livro The Good
life - New public Spaces for Recreation: a cidade itinerante (the itinerant city), a cidade do
divertimento (the fun city) e a cidade conectada (the connected city). Reunindo alguns
parâmetros-âncora, essas categorias não detêm, no entanto, toda a gama de possibilidades
dos projetos apresentados, uma vez que a essência adaptativa e flexível dessas
intervenções é simplesmente o estado potencial de mudanças. Ao mesmo tempo, ao
apresentarem qualidades diversas, alguns projetos podem ser considerados ‘híbridos’ e
transitarem livremente entre as três categorias de Ryan.
A relação entre o projeto e nossas experiências de cidade não é
singular, previsível ou igualmente compreensível, mas é, em
substituição, complexa, imprevisível e constantemente mutável.
(RYAN, 2006, tradução do autor)
Por essência, a cidade itinerante detém-se na arquitetura nômade
que, alocada temporariamente no espaço livre público como um artefato exógeno, sobrepõe-
se a um território existente, atuando como costura e elemento regenerador. A cidade do
divertimento volta-se para os objetos que constituem pontos referenciais na cidade e
reivindicam um mobiliário urbano livre da padronização rígida e, segundo alguns autores,
(1) cidade itinerante
(2) cidade do divertimento
(3) cidade conectada
86
asfixiante. Por fim, a cidade conectada revela o potencial das tecnologias digitais, que ao
serem incorporadas ao projeto, agem como novas ferramentas para a potencialização,
regeneração e a reinvenção sutil do espaço público, oferecendo novas alternativas às
volumosas intervenções no território físico da cidade.
3.1 | A cidade itinerante: arquitetura nômade e temporária
O que significam essas intervenções arquitetônicas, pequenas e
móveis para a nossa sociedade estritamente regulada e para o
planejamento da arquitetura e do urbanismo? Qual é o seu sentido (ou
contra-senso) na história da arquitetura móvel sob uma perspectiva
histórica? O quanto disso é arte ou arquitetura? (...) Paraíso Parasita
nos encoraja a considerar uma nova abordagem para o planejamento
urbano, onde nada é fixo de antemão. (MELIS, 2003:22, tradução do
autor)
Na publicação editada por Liesbeth Melis, Paraíso Parasita: um
manifesto para uma arquitetura temporária e um urbanismo flexível (2003), diversos autores
são convidados a explorar em profundidade as origens, o potencial e a materialização de
estruturas temporárias e itinerantes na cidade. Apesar de enfatizar o caso do subúrbio
Leidsche Rijn
19
, na Holanda, e a produção de arquitetura residencial temporária e pré-
fabricada, a publicação apresenta, ainda, outros exemplos aplicados também no espaço
livre público.
Em vez de procederem de uma estrutura rígida e definitiva, seria
melhor voltar-se mais para a região de um planejamento espacial
imaterial baseado no cotidiano (...). Parasitas podem estimular e
acomodar processos espontâneos e tarefas simples. É a partir do qual
os parasitas atacam o planejamento espacial institucionalizado,
parasitas temporários
19| Leidsche Rijn é um bairro planejado em
Utrecht, na área central da Holanda,
previsto para atender a uma população de
90.000 pessoas em 2015, ano de
conclusão da construção. A área adquiriu
notoriedade como um canteiro experimental
de arquiteturas pré-fabricadas e, por
essência, temporárias, flexíveis e
adaptativas.
87
desgastando conceitos predominantes e lançando por terra propostas
pré-estabelecidas. (Ivan Nio in MELIS, 2003: 23-24, tradução do autor)
Discordo, no entanto, que parasita (adj.|| indivíduo acostumado a viver
à custa alheia
20
) seja o termo mais apropriado para caracterizar essas arquiteturas
itinerantes e nômades, que possuem o poder de se instalar e apropriar-se de um
hospedeiro, no caso urbano, do território. Em contrapartida, prefiro considerá-la uma relação
mútua, no qual esse novo elemento beneficia-se do local instalado, mas também contribui
para revigorar o espaço; confere a ele um novo significado, redimensiona e redesenha um
novo lugar.
(Parasitas) podem explorar o significado dessa pequena escala,
possivelmente como intervenções que oferecem estruturas flexíveis. A
vantagem de injeções como essas é que há algo a fazer em diferentes
lugares e o seu domínio público genuíno ganho tanto em uso quanto
em significado. (Ivan Nio in MELIS, 2003:22, tradução do autor)
Apesar de elementos itinerantes e da arquitetura temporária ser tema
recorrente na história urbana, eles adquiriram maior impulso a partir do século passado, em
face às invenções tecnológicas como o carro, o crescimento da indústria automobilística na
década de 1920, a padronização do container marítimo (20x40 pés) na década de 1950 e o
ideal da standartização da indústria da construção. Ao final de 1920 modernistas famosos
como Walter Gropius pregavam o desenvolvimento de indústria de construção civil em série
e padronizada, embora pouco tenha sido colocado em prática (Hans Ibelings in MELIS,
2003: 154).
Segundo o historiador de arquitetura Hans Ibelings, a história da
arquitetura móvel no século XX segue, na verdade, duas trajetórias: A primeira linha
20| NASCENTES, Antenor. Dicionário da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Bloch
Editores, 1988, p. 467.
injeções temporárias
tecnologia como viabilizadora
21| Arquiteto italiano que participou do
movimento futurista de 1914.
22| Carro conceitual criado em 1933 pelo
arquiteto e inventor americano Buckminster.
A palavra Dymaxion foi uma marca criada
por Fuller para designar uma série de
invenções que visavam estudar futuros
modos de vida, principalmente através de
estruturas nômades.
88
histórica começa brevemente após 1900 e padronizadamente inclui as fantasias futuristas
de Sant’Elia
21
, o fascínio de Le Corbusier com os automóveis, as aeronaves e os navios de
passageiros, a casa e o carro Dymaxion
22
de Buckminster Fuller na década de 1930, as
casas de aço nos períodos pré e pós guerra de Jean Prouve
23
, as cidades itinerantes
visionadas por Japoneses na década de 1950, as cidades nômades de Archigram em 1960,
incluindo os edifícios veiculares do Future System
24
e a arquitetura dinâmica de Kas
Oosterhuis
25
. A maior parte da arquitetura móvel ou semi-móvel desse período nunca foi
colocada realmente em prática ou não foi além do estágio de protótipo (Hans Ibelings in
MELIS, 2003: 150).
O desenvolvimento de novos materiais e texturas
26
ampliaram as
opções da indústria da construção e alimentaram o sonho de dezenas de arquitetos e
profissionais do desenho industrial. A produção de polímeros plásticos desenvolvidos desde
1950, por exemplo, vislumbrava um futuro promissor e pavimentou o caminho para uma
arquitetura modular. Os novos plásticos abriram as portas, inclusive, para outro tipo de
arquitetura móvel sob a forma de edifícios infláveis (Hans Ibelings in MELIS, 2003: 158).
O mergulho na nova área dos pneumáticos e suas formas livres, as
reabilitações do plástico pela arte e arquitetura representaram muito
da expectativa e da ilusão por trás dessas experiências em alcançar o
ambiente livre de restrições, o cenário ao mesmo tempo, da eterna
diversão e da auto-expressão, a realização do mundo “como uma
grande almofada”, ainda que só por alguns breves momentos.
(PIANTA, 2002: 227)
Os resultados mais memoráveis foram as casas cápsulas como as do
Americano Monsanto de 1957. No entanto, esse período de experimentação com plásticos
esbarrou na crise de petróleo em 1973 (Hans Ibelings in MELIS, 2003: 158).
23| Arquiteto francês, influente no
desenvolvimento da idéia de um desenho
nômade, desenvolveu trabalhos da escala
do mobiliário à arquitetura. Notável pela
aplicação do aço como estrutura e
revestimento arquitetônico.
|fig. 50| Fonte: www. time.com
24| Grupo londrino fundado na década de
1970, tendo como filosofia principal,
segundo suas próprias palavras, uma
arquitetura voltada para o século XXI. Seus
projetos valorizam as inovações
tecnológicas como ferramentas para o
desenho.
Fonte:
www.future-systems.com
89
A popularidade das cápsulas canonizadas pela linha da arquitetura
móvel pode ser diretamente relacionada ao programa de viagem
espacial da NASA (...) que fez dessas cápsulas uma referência de
mais avançada e inovadora forma de mobilidade. Parte do seu
sucesso foi certamente devido à sugestão de que tais cápsulas,
equipadas com os mais diversos eletrodomésticos e apetrechos,
poderia prover a base para uma existência completamente auto-
suficiente – um tema que nunca fora antes registrado na história da
arquitetura móvel. (Hans Ibelings in MELIS, 2003: 157-158)
A segunda linha, por sua vez, desistiu dos experimentos de arquitetura
anteriores. A arquitetura móvel pertencente a esse segundo estágio é formatada por
restrições. Ela tem sido produzida porque há um mercado para isso: Cabines portáteis,
stands de comida, carroças de cachorro-quente, hospitais móveis, tendas para festas,
banheiros públicos, quiosques, lojas, bancas de mercado, pavilhões de exibição, escolas
temporárias, feiras; a lista é infinita. Esses tipos de arquitetura móvel satisfazem
necessidades funcionais reais, sem envolver a exaltação de ideais para o futuro da
sociedade em que – como tem sido proclamado pelos três últimos quartos do século ou
mais – nós devemos lidar com uma existência nômade e flexível, condizente com o nosso
livre arbítrio (Hans Ibelings in MELIS, 2003: 150-153)
A primeira foi amplamente divulgada, mas essa segunda linha
histórica da arquitetura móvel nunca teve uma narrativa claramente
coerente e aberta, pela simples razão de que alguém jamais fez
qualquer pesquisa real sobre o assunto. (Hans Ibelings in MELIS,
2003: 153)
Uma vez construído, na maior parte dos casos sua mobilidade
potencial falhou ao se materializar, tornando-se tão inertes quanto à
arquitetura estática, sobre a qual se empenhou em superar. (Hans
Ibelings in MELIS, 2003: 161)
25| Fundado no início da década de 1990, o
escritório de Kas Oosterhuis desenvolveu
uma técnica de desenho, baseada no
projeto multicamadas, com o objetivo de
criar edifícios adaptáveis às condições
climáticas, a um público variado, à
transferência de dados e, inclusive, às
modificações volumétricas através de uma
arquitetura paramétrica.
Fonte: www.oostehuis.nl
26| Materiais inertes, que possuíam
durabilidade e não reagiam quimicamente
com as intempéries, além de mais leves e
facilmente transportáveis
arquitetura móvel padronizada
90
Apesar de considerada inferior à construção tradicional, a arquitetura
temporária da primeira trajetória, segundo definição de Ibelings, aparentemente retomou a
sua importância nas últimas décadas. Fruto do ideal humanitário de adequação às
demandas de um novo tempo, não apenas relacionada ao seu caráter utilitário, ela entrou
em cena novamente, a partir da década de 70, através de outras estruturas não-abrigos,
alocadas no espaço público.
Um número considerável de arquitetos tentou também contribuir para
a melhoria de vida dos nômades involuntários (desabrigados). Recentemente Shigeru Ban
projetou edifícios construídos com tubos de papelão para os desabrigados do terremoto em
Kobe em 1985 (fig. 51) Um compromisso para com os que provaram ser inaptos a lidar com
as perdas ou catástrofes é reduzir os abrigos em massa e volume para um mínimo
manipulável, transportável e, até mesmo, portátil. Desde a Segunda Guerra, os esforços
nessa direção têm conduzido a avanços imensos sob o rastro da minutarização e
digitalização e o resultado mais espetacular – sem o envolvimento de nenhum arquiteto –
vem sendo a redução do escritório completo para um pacote de eletrônicos que pode caber
facilmente numa mochila nas costas. “Os arquitetos têm auxiliado a conduzir essa redução,
ao imaginar objetos móveis e portáteis que podem ser construídos tanto como uma casa
compacta ou alguma parte dela ou um novo mobiliário multifuncional projetado para
satisfazer todas as necessidades básicas da vida”. (Hans Ibelings in MELIS, 2003: 163-165)
Considerando o potencial da arquitetura móvel em alocar-se em
diferentes territórios e constituir elementos catalíticos de transformação, os projetos na
seqüência constituem uma pequena amostragem da capacidade dessas estruturas portáteis
em reinventarem o espaço público nas grandes cidades.
experimentos recentes de arquitetura
temporária
soluções temporárias e humanitárias
|Fig. 51| Engradados funcionam como base
estrutural para as estruturas temporárias de
papelão.
Fonte:
www.designboom.com
91
T
he Markies
discutindo o futuro
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Eduard Böhtlingk
Data: 1986-1995
Local: Holanda
Fonte: www.bohtlingk.nl
Em contraste com outras ‘caravanas’, Markies
pode ser ampliada lateralmente. O núcleo de 2,20
x 4,50 metros em planta, que acomoda cozinha,
banheiro, mesas e assentos, pode ser ampliado
substancialmente para 4,50 x 6,60m, enquanto
uma película em PVC transparente emerge como
uma ‘capota’ de proteção às intempéries. O corpo
principal é composto por painéis-sanduíches de
poliester, reforçado nas extremidades com
estruturas de aço. O mobiliário interno, forrado
por vinil e resinas sintéticas, foi especialmente
desenhado para a caravana e pode ser dividido
em partes, o que lhes confere maior flexibilidade e
adaptabilidade.
02
M
mobielen bienale
o pequeno que faz o máximo
01
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Eduard Böhtlingk
Data: 1985
Local: Holanda
Fonte: www.bohtlingk.nl
O projeto foi idealizado em 1985, como um
módulo de exposições itinerantes, para
participar da Bienal de Jovens Arquitetos
Holandeses. Quando a caixa compacta é
aberta, um triângulo aponta para a área de
exibição de desenhos, enquanto o outro abriga
o espaço de permanência, com assentos,
destinado à exposição de imagens e desenhos
iluminados do arquiteto.
92
| fig. 52 |
| fig. 53 |
C
ocobello
a caixa móvel
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Peter Haimerl
Data: 2003
Local: Munich, Viena, Rotterdam
Fonte: www.urbnet.de
Sistema de caixas-em-caixas - Cocobello pode ser
ampliados horizontal e verticalmente para produzir uma
unidade de dois pavimentos. No andar superior, além
da mobília reconfigurável, o usuário possui acesso à
Internet e outras mídias. No piso térreo, sanitário e copa
concentram as instalações hidráulicas e dão apoio as
atividades realizadas no interior e exterior do módulo.
Fachadas Múltiplas - As fachadas podem ser
transparentes ou opacas, janelas, painéis de
propagandas ou superfícies de projeção de imagem.
Transporte compacto e rápida instalação -
Com dimensões compactas de 3x6x3.5 metros, o
transporte não exige desmontagem. Quando aberto,
amplia-se para 5.8x 6.4x 6 metros, sem a necessidade
de instalação de partes adicionais.
Mobiliário que emerge - Alçapões são abertos no
pavimento para o surgimento da mobília articulada e a
escada. O andar pode permanecer vazio ou ocupado.
03
93
| fig. 55 || fig. 54 |
A
dd-on
o espaço público vertical
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Peter Fattinger, Veronika Orso e
Michael Rieper.
Data: 2005
Local: Wallenstein Square, Viena
Fonte: www.add-on.at
A Praça Wallestein, na área norte do Canal Danúbio, foi
utilizada como playground, durante seis semanas, para
um movimento artístico nômade que percorreu a
Áustria em 2003. Uma plataforma com mais de 20
metros de altura foi composta por módulos tubulares de
metal, sobrepostos e conectados como células
multifuncionais diversas. Multi-programática, essa
escultura urbana contém, simultaneamente, banheira
térmica, cozinha, bar, cama elástica, mesa de jogos,
teatro, sanitários, churrasqueira, áreas para descanso e
esculturas dinâmicas, concebidas por diferentes
artistas.
Acessível, a estrutura oferece uma gama de ângulos,
vistas e perspectivas da praça, em diversos níveis, na
qual o público pode experimentar livremente rotinas
pessoais no contexto urbano.
04
94
| fig. 57 || fig. 56 |
W
anden
vida nas madeiras
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Nils Holger Moormann
Data: 2006
Local: Alemanha
Dimensões: 1,10 x 3,86 x 6,50 m(LAP)
Fonte: www.moormann.de
Walden, Vida nas Madeiras, é a história de um
escritor americano, que descreve sua vida e a sua
relação com a natureza e serviu como inspiração
para a concepção do objeto itinerante de
Moormann.
Dotado de compartimentos variados, desde
cozinha, mesa para refeições, depósitos, escada
para o último nível com espreguiçadeira e teto de
vidro retrátil, esse elemento é facilmente
transportado e içado por um guincho. um
catálogo de acessórios e peças para montagem
personalizada desse módulo, no qual o cliente
pode escolher cada unidade modular e adequá-la
ao custo final pretendido e à funcionalidade
desejada.
06
R
adio base station
tecnologia encapsulada05
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Regina Schineis
Data: 2001
Local: Augusburg, Alemanha
Fonte: www.schineis.com
Caixa composta por vidro serigrafado, protegido
por estrutura de cobre e tiras de madeira ao
redor. Compacta e facilmente transportável,
essa estação de rádio itinerante pode ser
alocada em pequenos espaços livres públicos. A
iluminação interna a torna uma lanterna,
segundo definição da própria arquiteta. A rádio
ganhou os prêmios Thomaswechs 2001, Traffic
Design 2001 e TECU 2002.
95
| fig. 59 || fig. 58 |
J
ardim temporário
discutindo o futuro
FICHA TÉCNICA
Organizadores: Daniel Sprenger and Marc
Pouzol
Data: 1997 a 2003
Local: Berlim, Alemanha
Fonte: www.lebalto.de
De 1997 a 2003, um grupo de arquitetos e
artistas alemães reuniu-se anualmente, durante o
verão de Berlim, para uma série de intervenções
no espaço público, sob o tema JARDIM
TEMPORÁRIO.
O objetivo era propor uma reflexão sobre
a importância da natureza na paisagem urbana e
resgatar a interação em espaços rígidos e
residuais. Através de estímulos sensoriais, o
pedestre era convidado a pensar a cidade e
interpretar contextos existentes, sob novos
pontos de vistas. As imagens ilustram
respectivamente as espreguiçadeiras verdes
liege-wiese, (2000 - Gartelmann e Hundertmark),
un jardin de voyage (2001 - Nicolas Pinier, Metz e
Frankreich) e niah-hain (1998 - Gruppe)
08
M
inimaouse
o pequeno que faz o máximo
07
FICHA TÉCNICA
Estudantes: Boulanger, Moreau e Le
Renard (Ecole d’architecture de Nantes)
Data: 2005
Local: Nantes,França
Fonte: www.lesgrandsateliers.org
Uma caravana de quebra-cabeça que,
simulando um container compacto, se
transforma em uma plataforma de peças
itinerantes, configuráveis e recombináveis
pelos usuários. Esses objetos móveis atuam
como mesas, bancos, cadeiras e uma série de
outras funções, em pleno espaço público.
Como trabalho acadêmico, o Minimaouse foi
escolhido para o concurso anual de inverno
2006, realizado entre universidades francesas.
96
| fig. 61 || fig. 60 |
K
iss the frog!
arte da transformação
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: MMW architect
Data: 2005
Local: Nasjonalmuseet for kunst,
Tullinløkka, Oslo
Fonte: www.mmw.no
O pavilhão temporário, anexo ao museu, foi
constituído por uma membrana de PVC,
suportada por alta pressão interna de ar, através
de um potente ‘ventilador para injeção de ar
fresco. A parede aparece como planos côncavos
emergentes do piso, constitda por uma
membrana verde, tratada com uma camada de
material anti-chamas. Por sua vez, a superfície
branca interna, com altura de 13,5 metro, foi
utilizada para projeções de filme, foto e outras
imagens digitais. Os diversos acessos entre a
área de exposições do museu existente, o espaço
de alimentação e descanso externo circunscrito
ao pavilhão verde e as superfícies internas,
tratadas digitalmente com imagem e som,
criaram um percurso dinâmico e estimulante, ao
longo de 200 metros de corredores infláveis.
10
T
ubaloon
um palco pneumático
09
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Snøhetta As
Data: 2006
Local: Kongsberg, Norway
Fonte: www.snoetta.com
Desenhado como palco para o Kongsberg -
Festival Anual de Jazz, o Tubaloon é composto
por uma membrana pneumática tensionada,
com 20x40m (altura e profunidade), cuja
geometria sugere uma forma acusticamente
natural, à semelhança de instrumentos
musicais ou do canal auditivo. A membrana de
PVC, envolve uma estrutura em aço rígida,
cujas medidas entre 4 e 5 metros, encaixam-se
aos padrões dos containers para o transporte.
97
| fig. 63 |
| fig. 62 |
U
npacking
arte da transformação
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: nArchitects
Data: 2006
Local: Nova Iorque, Estados Unidos
Fonte: inform-ventures.com/
Unpacking foi uma instalação pública
promocional projetada para intrigar e criar um
sentimento de antecipação, ao se transformar
lentamente durante quatro dias e revelar,
finalmente, a forma de um veículo. No primeiro
dia, um volume largo e austero começou a ser
gradativamente decomposto em ‘fatias’, com
palavras e enigmas do que estaria por vir. Cada
bloco, uma vez retirado do volume principal, era
disposto ludicamente na praça, recombinado
como mobiliário temporário. Um conjunto interno
em lâminas de acrílico, ao ser revelado, atuava
como uma caixa de luz noturna.
A instalação provou que, no contexto urbano, um
ambiente intrigante e em constante estímulo
pode ser mais efetivo para capturar a imaginação
do público.
12
B
andstand
palco etinerante
11
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Níall Mc Lauglin
Data: 2002
Local: Bexhil, Reino Unido
Fonte: AYMONINO & MOSCO, 2006: 170-
171
Produzido pelo arquiteto Mc Lauglin e seus
estudantes, através de uma série de
workshops, esse palco itinerante propõe-se a
abrigar os mais diversos eventos. A forma é
resultado da análise computadorizada da
propagação do som e é constituída por fibra de
vidro, apoiada sobre base metálica.
98
| fig. 65 || fig. 64 |
N
ovo jardim tech
espaço verde itinerante
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Patrick Nadeau, Vicent
Dupont-rougier e Joelle Alexandre
Data: 1999
Local: Chaumont-sur-Loire, France
Fonte: COOPER, 2001
Motivado pelo desejo de incorporar áreas verdes
e o cultivo de vegetais, em interstícios urbanos,
esse módulo é composto por três decks, com
substratos, aberturas e proteções distintas,
sistemas internos de irrigação e drenagem
especialmente desenhados. Cada plataforma
elevada trabalha com o conceito de sistema
hidropônico, sem solo, com espessuras
diferenciadas, de acordo com o porte das plantas
cultivadas. Podem ser totalmente expostos ao sol
ou sombreados através de lonas retráteis. Em
uma das faces, uma ‘capota’ de material
transparente cria uma estufa para espécies
menos resistentes ou para condições climáticas
adversas. Quando fechado, torna-se um cubo
transportável, útil também como feira itinerante,
reduzindo o desperdício com sobras.
14
Z
usatzraum
um palco pneumático
13
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Ezilhäuser Architekten
Data: 1998
Local: Gologne, Alemanha
Fonte: MELIS, 2003
Concebido como uma estação de trabalho
pública, uma compacta lan-house o anexo-
satélite, segundo a definição dos autores, não
possui uma finalidade rígida. Com área útil de
12m2, é dividido em espaço de trabalho,
circulação e descanso ou contemplação no
terraço superior. Mesas e estantes podem
‘emergir, ao serem desencaixadas da parede. À
noite, a iluminação a torna uma contrastante
lanterna vermelha.’
99
| fig. 67 || fig. 66 |
S
erpentine pavilions
espaço verde itinerante
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: variam anualmente
Data: 2000 -
Local: Kensington Garden, Londres
Fonte: GAVENTA, 2006: 169-171
Desde 2000, o Kensigton Garden, em Londres,
abriga pavilhões temporários durante o verão,
assinados por arquitetos de diferentes
nacionalidades, sob a condição de que esse seja
o seu primeiro trabalho executado no Reino
Unido.
Zaha Hadid, em 2000, foi sucedida por Daniel
Liberskind em 2001, Toyo Ito em 2002, Oscar
Niemeyer em 2003 e Alvaro Siza em 2005.
A pequena escala dos projeto, permite aos
arquitetos experimentar os mais diversos
materiais, sistemas construtivos e formas que
atraem mais de 200 mil visitantes em poucas
semanas. Parte dos custos altos utilizados
durante a construção retornam através do leilão
da obra para colecionadores ou grandes parques
urbanos.
16
P
araSite
escultura inflável inteligente
15
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Kas Oosterhuis
Data: 1996-1998
Local: tour por Helsinki, Dunaújváros e
Graz
Fonte: MELIS, 2003: 95-100
Objeto inflável, constitído como cápsula para
acesso à internet, exposições de imagens
digitais, som ou área de descanso, em suas
superfícies internas macias. Cada trinta minutos
é marcado por uma variação nas cores e
dinâmicas das luzes, acompanhada por um som
brusco e marcante, perceptível do exterior.
100
| fig. 69 || fig. 68 |
B
oerenwereldkeuken
refeitório móvel
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Marc Maurer e Nicole Maurer
Data: 2003
Local: Holanda
Fonte: MELIS, 2003: 71-74
Com capacidade para 100 pessoas, o refeitório
percorreu em 2003 áreas de fazendas nas zonas
periféricas da Holanda em comemoração ao ‘Ano
da Fazenda - 2003’. Em cada final de semana, o
restaurante abria as portas em uma cidade
diferente.
Os freqüentadores sentam-se juntos em longas
mesas e bancos, cuja largura é suficiente,
inclusive, para se deitar e permanecer por
períodos mais prolongados. Os grandes vãos e a
convergência do pavilhão para um único ponto
permitem uma visão privilegiada do exterior e de
todo o interior. Com sistema de aquecimento e
iluminação própria, o refeitório permanece aberto
durante o dia e à noite.
20
L
ichtspielhaus
cinema urbano
19
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Winter e Berthold Hörbelt
Data: 1998
Local: Berlim, Alemanha
Fonte: MELIS, 2003: 119-122
O cinema itinerante, com dimensões de 25x10
metros (profundidade e largura) foi construído
com 2500 engradados de garrafa. Os
projetores, com diferentes tecnologias, são
armazenados em um container ao fundo do
cinema. Bebidas são vendidas à entrada do
espaço e, ao final das exibições diárias, atores e
produtores entram em contato com o público e
discutem, no interior do objeto, questões
abordadas pelas projeções.
101
| fig. 71 || fig. 70 |
M
obile porch
mini objeto arquitetônico
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Böhm, Safer e Andreas Lang
Data: 2000
Local: Londres, Inglaterra
Fonte: MELIS, 2003: 110-114
Denominado de brinquedo público, o Mobile
Porch foi produzido como objeto catalítico de
atração para as áreas vazias e esquecidas sob os
viadutos e vias de Londres. Multiuso, pode ser
utilizado para piqueniques urbanos, como lojas e
feiras itinerantes, galeria de arte e bares.
Com uma estrutura metálica circular de 2,30
metros de diâmetro e 2,10 de largura, acomoda
duas pessoas e sua área expande-se
horizontalmente, aumentando a superfície da
base. As molduras circulares podem ser
removidas, ampliando a área de contato entre o
espaço da cidade e o interior do objeto.
18
M
ille Ruimtestation
estação tecnológica
17
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: 2012 Architecten
Data: 2003
Local: Holanda
Fonte: MELIS, 2003: 116-118
O grupo 2012 Architecten é um escritório
holandês, cujo trabalho destaca-se pela
reciclagem de materiais encontrados na cidade,
reutilizando-os em seus projetos com ligeiras
adaptações. Essa estação tecnológica é um
projeto piloto para a construção de módulos-
abrigo polivalentes. Constituídas por unidades
octogonais, ela abriga as mais diversas
atividades. Sua energia é gerada através de
painéis solares reutilizados.
102
| fig. 73 || fig. 72 |
3.1.1 | A Cidade Itinerante: uma breve análise crítica
Em oposição à defesa da cultura do container, em que novas
realidades virtuais são criadas e apresentadas em um espaço confinado, a maior parte dos
projetos expostos na sessão volta-se para a cidade e estabelecem uma conexão direta e
aberta entre o exterior e o interior.
Expandindo-se horizontal (the Markies, pag. 92) e verticalmente
(Cocobello, pag. 93) os objetos tentam se adaptar à demanda do lugar, à capacidade e
dimensões do espaço público. Com fachadas atuando como telas de projeção, facilidades
como sanitários e copa, iluminação artificial ou outros recursos tecnológicos, essas
arquitetura itinerantes instalam novos programas e tornam-se pontos focais inusitados no
espaço urbano.
No entanto, a pesquisa também demonstrou a proliferação de uma
série de instalações temporárias em verdadeiras caixas fechadas, herméticas, sem
nenhuma relação com o exterior, na qual o indivíduo experimenta uma atmosfera totalmente
diversa da cidade pulsante (Parasite, pag. 100). Qual o propósito de isolar um som extraído
da própria cidade e reproduzi-lo em uma caixa sem luz? Como muitas artistas tentam
valorizar o espaço público limitado às imagens projetadas, fragmentos da cidade nunca
percebidos isoladamente, em ambientes individualizados (Zusatzraum, pag. 99)? Como
valorizar a excelência coletiva de uma praça, se para percebê-la, algumas instalações
temporárias alteram o ritmo do pedestre, os convidam a entrar em espaços confinados e
vendem o pensamento de que ‘em cápsulas’ terão sua experiência potencializada?
A investigação indica que o limite entre a arquitetura temporária
cultura do container
objetos mutantes
urbanidade em cápsulas?
103
benéfica ao espaço, realmente potencializadora de seu uso e a que nada contribuiu ou
existe apenas no plano da teoria, reside no objeto itinerante que não se encerra em si, que
se abre para o espaço público e instala novos programas, perenes ou não. É o que olha
para a cidade e não a nega; não tenta encapsular uma realidade aberta e sabe valorizar o
ritmo peculiar ao urbano: um ritmo que pode ser experimentado ao ar livre e gratuitamente.
A observação de diferentes arquiteturas itinerantes permitiu a extração
de alguns princípios de concepção projetual relacionados ao grau de contribuição do objeto
para a potencialização do espaço público:
Escala: Objetos itinerantes devem possuir dimensões proporcionais
ao local em que foram implantados. Objetos pequenos, em praças em
escala urbana, perdem importância sobre o território. Por outro lado,
equipamentos maiores asfixiam o ambiente, tornam-se mais
importantes que o contexto e desvalorizam o entorno.
Tempo: os equipamentos não devem apresentar uma vida curta ou
instantânea. Instalações que duram algumas horas não são capazes
de sensibilizar o pedestre. É necessário um tempo maior para que a
comunidade assimile, supere o estranhamento inicial e sinta-se
‘capaz’ ou apta a experimentar a novidade.
Invólucro: A materialidade do objeto deve ser atrativa ao olhar do
pedestre. Equipamentos herméticos e misteriosos causam
estranhamento, desconfiança e não convidam à interação.
Relação entre o interior e exterior: É necessário que a arquitetura
temporária dialogue com o entorno. Suas atividades devem ser
experimento ao ar livre
princípios norteadores
104
realizadas para o existente e não independente deste.
Apoio a eventos: Instalações hidro-sanitárias e tecnologias digitais
podem ser incorporadas à arquitetura temporária como recurso de
personalização do objeto e flexibilidade para diferentes eventos.
3.2 | A cidade da diversão: mobiliário e jogos urbanos
Nossos espaços urbanos não são apenas para a proposta de
trabalho, turismo, varejo e toda uma gama de atividades
supostamente importantes, mas também para o divertimento, para nos
deixar ir, para sermos nós mesmos em nossa área de emoções e
extensão corporal. ‘Play’ é seriamente divertido e todos nós devemos
fazer parte disso. (RYAN, 2006, tradução do autor)
Sob o título Cidade da Diversão, Zöe Ryan (2006) defende como
qualidade do espaço público, a sua secular função em fomentar o lazer, o entretenimento e
os jogos urbanos. O autor, no entanto, extrapola as tradicionais atividades voltadas para o
público infantil, as áreas monofuncionais dedicadas à prática esportiva, os jogos, as
performances urbanas ou qualquer evento público sazonal e concentra-se nos objetos que
constituem esses espaços: o mobiliário urbano. Seguindo a mesma tendência, Quentin
Stevens (2007), em sua publicação The Ludic City: Exploring the potential of public Spaces,
indica que o estímulo à experimentação da cidade não se concentra apenas na
compreensão do espaço urbano como receptáculo para arquiteturas temporárias, atividades
ou elementos exógenos, mas reside também na capacidade dos objetos urbanos de
reinventarem os seus territórios como elementos impactantes, recombinantes e atraentes
para um público igualmente plural e variável.
Eu tenho refletido muito sobre a noção de escala e em como construir
extravagâncias portáteis
os jogos urbanos
105
pequenos momentos em jogos, em detrimento de sempre grandes
gestos. Tradicionalmente, grandes jogos têm sido realizados em
espaços públicos projetados em uma escala gigante, com o intuito de
ter influência sobre um número imenso de pessoas. No entanto, no
contínuo de nossas vidas diárias no espaço público, uma experiência
em 10 segundos tem a possibilidade de transformar o dia por inteiro.
(Kevin Slavin in RYAN, 2006, tradução do autor)
Nesse sentido, Jane Amidon (2001) ressalta a importância dos
artefatos físicos na cidade quando estes são valorizados sob a luz de um jogo relacional
entre o espaço urbano e o público instigado. Já em 1972, Kevin Lynch abordava a influência
dos objetos permanentes, não apenas no que concerne à imagem e simbolismo formais,
mas em sua capacidade viva e animada de estimular as atividades humanas. No mesmo
sentido, os designers Wes Jones e Illhum Kim (AYMONINO & MOSCO, 2006: 97-165)
enfatizam o potencial de renovação do espaço público através de uma arquitetura sem-
volume, na variedade de objetos estimulantes ou na diversidade de estímulos concentrados
em um objeto único e isolado.
Um objeto arquitetônico, a despeito de suas dimensões físicas, pode
se estender, gerando situações e criando sensações territoriais e, ao
mesmo tempo, pode se contrair, criando uma unidade na qual
significados e experiências múltiplas se sobrepõem. (Illhun Kim in
AYMONINO & MOSCO, 2006: 164, tradução do autor)
Em meados da década de 1980, ao conduzir uma profunda pesquisa
sobre a utilização de diversas praças americanas, William White conclui que a liberdade de
movimento, a variação e a multiplicidade de usos permitidos pelo mobiliário urbano,
combinados ou isolados, ampliam exponencialmente o potencial de todo um espaço público.
Cadeiras, mesas, bancos, luminárias, plataformas, pequenos abrigos e toda a sorte de
o lúdico concentrado na mobília urbana
opções de escolha
objetos-âncora de atração
106
objetos urbanos, negligenciados por sua padronização formal, limitações de movimento e
rigidez utilitária correm o risco de constituírem meros ornamentos ou objetos inertes no
espaço público. Thwaites e Simkins (2007), formatando uma metodologia de projeto
denominada Paisagem Experimentada, seguem a pesquisa de White e também definem o
mobiliário urbano como objetos-âncoras de atração do público.
Isso pode ser encorajado pela organização física do espaço, tal como
espaços em pequena escala adjacentes a uma arena pública principal
ou a presença de um ponto focal como âncora para encontros. Até
traços relativamente acidentais, como a flexibilidade de mesas e
cadeiras móveis, apresentam um profundo impacto sobre a percepção
e privacidade das pessoas no espaço público. Isso se deve ao fato de
permitirem o controle territorial temporário através de sua constante
recombinação para se ajustar às necessidades de diversos indivíduos
e grupos ao longo do tempo (THWAITES & SIMKINS, 2007: 116)
Agora uma invenção maravilhosa – a cadeira móvel. Tendo um
encosto, é confortável; mais então, se tiver um braço. Mas, a grande
qualidade é a mobilidade. As cadeiras ampliam as escolhas: para se
moverem ao sol, fora dele, para criar ambientes para grupos ou se
distanciar deles. A possibilidade de escolha é tão importante quanto o
seu exercício. Se você souber que pode mover caso deseje, você se
sente mais confortável. Talvez seja por esse motivo que as pessoas
mudam a posição de uma cadeira apenas alguns polegares e que,
freqüentemente, antes de se sentarem, param a cadeira
aproximadamente no mesmo lugar em que ela estava anteriormente.
No entanto, esses movimentos são principalmente funcionais. São a
declaração de autonomia e satisfação para o próprio indivíduo.
(WHITE, 1980, tradução do autor)
A pesquisa de White conclui que os assentos fixos individuais evitam
escolhas, são inflexíveis, dificultam a possibilidade de se aproximar ou se afastar de outras
pessoas; suas dimensões e formas padronizadas são pouco atraentes e, por vezes,
imperceptíveis; a homogeneidade de materiais, formas, altura dos assentos, direção pré-
mobilidade e transformação
limitações dos objetos fixos ou mono-
funcionais
107
determinadas e a impossibilidade de mudanças desmotivam progressivamente o uso do
espaço.
Deveria haver mais experimentação. A linguagem do projeto dos
bancos chega a diferentes formas e dimensões, permitindo
configurações distintas. Pequenas plataformas servem tanto quanto
conexões entre bancos e são eles mesmos, eminentemente multiusos
(...). Seriam mais modernos e valiosos, se houvesse um projeto que
possibilitasse que o layout inicial fosse melhorado. (WHITE, 1990: 119,
tradução do autor)
Observando que as extremidades dos bancos são as mais utilizadas,
poderia ser discutido que eles deveriam ser encurtados de tal modo
que sejam completamente extremidades, sem meio. Mas, os meios
inúteis são funcionais por não serem usados. Eles permitem espaços
de intervalos. Eles também permitem escolhas. (WHITE, 1990,
tradução do autor)
Tendo em vista as idéias precursoras de Lynch sobre a necessária
adaptabilidade dos objetos urbanos, a investigação preliminar de White sobre a utilização
variada e criativa do mobiliário público, a defesa de arquitetos como Jan Gehl sobre a
maximização das opções de escolha, esse sub-capítulo dedica-se a apresentar uma
pequena amostragem da recente produção de mobiliário urbano, sob a ótica da flexibilidade
de usos e da multi-funcionalidade dos espaços. Os exemplos apresentam a exploração de
novos materiais, formas e dimensões pouco usuais, cores e iluminação diferentes do
padrão, além de qualidades adaptativas, criativas e lúdicas que residem não apenas nesses
objetos, mas que ‘contaminam’ o território do qual fazem parte.
Um tipo especial de assento pode ser provido sob a forma de
‘paisagem para se sentar – objetos multiusos na cidade, qualquer
elemento espacial largo projetado para servir a mais de um propósito
ao mesmo tempo. (GEHL. 2006, tradução do autor)
convite à experimentação
composições de ‘costas para costas’ ou
‘frente a frente’ (GEHL, 2006)
objetos multiusos
108
A
daptative Lounge
mobília criativa
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: ONL Projects
Data: 2006
Local: Dutch Embassy | Berlim, Alemanha
Fonte: www.oosterhuis.nl
Vinte e cinco objetos multi-usos, projetados em ocasião
da Copa do Mundo de 2006, desenhado por um grupo
de arquitetos e escultores, possuem mais de uma face:
um projeto paramétrico, otimizado pelo método de corte
de cinco formas complementares, criados a partir de um
bloco de 1x1,20x4 metros. As linhas angulares dos
elementos, ao serem colocadas em diferentes
posições, são utilizadas sob diversas maneiras.
Cada um dos cinco tipos possuem diferentes formas,
confirmando a filosofia do escritório ONL em criar
objetos não padronizados, com o objetivo de ampliar a
sua interação com os usuários. Como uma mesa alta
ou baixa, uma cadeira ou espreguiçadeira, cada um dos
elementos e combinações criam uma nova paisagem
após cada uso.
01
109
|fig. 74 | |fig. 75 |
S
even in motion
possibilidades exponenciais
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Achim Meyerhofer, Christoph
Fischer, Damien Hodgson e Stephen Kausch
Data: 2003
Local: Hamburg, Alemanha
Fonte: wecantplaygolf.us/archsommer/
De linhas retas, traço simples e aberturas articuladas, o
mobiliário Seven in Motion pode ser girado horizontal e
verticalmente, possui aberturas que auxiliam no apoio
de novos acessórios, além de, iluminação embutida
internamente, o que permite a utilização noturna dos
módulos. Sem recursos tecnológicos adicionais, esse
projeto destaca-se pela flexibilidade de uso e
adequação a diversas atividades, apesar da forma
simples e pouco inovadora. O estudo da proporção de
cada módulo em relação às dimensões da praça, a
preocupação ergonômica que permite a sua utilização
como banco, espreguiçadeira e tela de projeção (em
altura coerente ao nível do observador), tornaram o
desenho completo, o que lhe rendeu o Prêmio Europeu
para Espaço Público Urbano, em 2004.
02
110
|fig. 76 | |fig. 77 |
R
einhaus
balcão instantâneo03
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Realite:united
Data: 2001
Local: Berlim, Alemanha
Fonte: www.realities-united.de
Reinraus é o protótipo de uma produção
padronizada e em série de mobílias que atuam
como extensão entre o espaço público e
privado. O equipamento pode ser instalado em
diversas alturas, embutido em paredes ou
superfícies verticais com o braço de
sustentação’ à direita ou esquerda.
T
rinkbrunnen
compartimento inflável
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: next ENTERprise
Data: 2003
Local: Öosterreich, Austria
Fonte: www.thenextenterprise.at
Projetado inicialmente para a Hölfest na praça St.
Pölten, Trinkbrunnen foi desenvolvido como
‘refrigeradorpara bebidas. Fácil de desmontar e
dobrar, o objeto é portátil, pode ser guardado em
pequenos espaços e é independente de infra-
estruturas externas.
O bar é constituído por uma mangueira com uma
cavidade, que ao ser preenchida por água,
refresca bebidas. Enquanto um tubo esbelto
permite a entrada de água fria, um outro esgota a
mais quente. Por sua vez, o peso da água é
utilizado para enformar e estabilizar o objeto
pneumático
04
111
|fig. 78 | |fig. 79 |
I
nterplay
instalação temporária
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Mathias Klöpfel, estudante da
Bauhaus-Universität Weimar
Data: 2002
Local: Weimar, Alemanha
Fonte: www.interplay.tk
Desenvolvido por estudantes de artes visuais,
esse mobiliário itinerante associa alta tecnologia
à possibilidade de composições ilimitadas.
Empilhados ou justapostos, os blocos de plástico
criam plataformas, bancos, mesas, limites
espaciais, nas mais diversas alturas e dimensões
horizontais. São reconfiguráveis e possuem
iluminação interna em diversas tonalidades. Os
LEDs embutidos nas caixas possuem sensor de
presença que transformam o movimento em
impulsos luminosos, em uma reação direta à
dinâmica do ambiente. O resultado é um dialogo
criativo e livre entre os visitantes e os módulos. O
usuário dita não apenas o uso e o novo arranjo
dos blocos, como esses tornam-se um reflexo
luminoso de seus movimentos corporais.
06
T
aka tuka land
jardim de infância pública05
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Baupiloten (grupo de estudantes
da Universidade Técnica de Berlim)
Data: 2003
Local: Berlim, Alemanha
Fonte: baupiloten.com
O jardim de infância Taka-Tuka, inicialmente
construído como uma solução temporária,
tornou-se uma instituição permanente em
Berlim. As crianças, junto aos professores da
escola, fizeram colagens e modelos que
retratassem o espaço ideal. O resultado foi a
mescla entre o espaço de aprendizado e as
áreas livres públicas, através de superfícies
plásticas que se transmutam em circulação,
acessos e áreas multifuncionais.
112
|fig. 80 | |fig. 81 |
M
obilo
um mobiliário anfíbio
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Encore Heureux
Data: 2007
Local: Paris, França
Fonte: encoreheureux.org
Mobilo é um projeto de assento flutuante que, ao
retornar ao solo firme, transforma-se em banco
público. O princípio de objeto aquático reversível
foi desenvolvido para o Canal Saint-Martin em
Paris. Os módulos de 2x1 metros, compostos por
uma prancha superior e um elemento flutuante,
podem ser conectado e formar superfícies
maiores através de ponteiras metálicas.
Combinados, configuram plataformas flutuantes
no espelho d’água ou, no solo, atuam como
bancos, mesas e mobiliário urbano.
08
F
rancesc macià
vegetação móvel na praça07
FICHA TÉCNICA
Local: Gavà, Barcelona, Espanha
Fonte: www.midimagem.eesc.usp.br
Desenvolvido pela municipalidade de Gavà, em
Barcelona, a praça Francesc Macià foi ocupada
por dezenas de objetos móveis, deslizantes
sobre trilhos. A vegetação de pequeno porte é
reposicionada pelo usuário, em movimentos
que refletem necessidades funcionais,
intenções estéticas ou um jogo lúdico pessoal
ou coletivo.
113
|fig. 82 | |fig. 83 |
Situadas na costa de Vinaròs, as diferentes
configurações da Microcostas, tornaram a área
popular entre moradores e turistas. A idéia de
criar uma série de ilhas artificiais que conformem
espaços delimitados para o descanso ou banho
de sol, adaptaram-se às condições geográficas
específicas da costa. Com uma geometria
hexagonal desenvolvidas a partir de duas
unidades básicas, elas podem ser dispostas
isoladas ou agrupadas em grupos de três até sete
plataformas.
O relevo variado multiplica a superfície de contato
e permite distintas apropriações, de acordo com
o grupo de pessoas, idade e hábitos particulares.
Na prática, essa intervenção artificial não apenas
ampliou o número de visitantes, como também
valorizou as qualidades naturais dessa região.
M
icrocotes
plataformas geométricas
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Guallart Arquitectes
Data: 2007
Local: Viranòz | Valença,Espanha
Fonte: www.guallart.com
10
C
ommon ground
mobília-escultura de luz09
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Monika Gora
Data: 2001
Local: Urneá, Alemanha
Fonte: AYMONINO & MOSCO, 2006: 144
Esses objetos escultóricos foram desenhados
para criar uma continuidade visual entre o
interior e o exterior de um hospital alemão.
Apesar de possuírem as mesmas dimensões,
são compostos por dois tipos distintos de
materiais: pedra negra ou poliester reforçado
com fibra de vidro e cor magenta, iluminadas por
luz fluorescente em seu interior. Segundo a
intenção do artista, as esculturas reproduzem
metaforicamente um sofá, flores ou corações.
114
|fig. 84 | |fig. 85 |
Os phonèmes são cerca de vinte peças
escultóricas, cujas formas se assemelham à
posição de corpos ou posturas. O traçado, em
referência ao alfabeto de fonemas, constituem
receptáculos para objetos de pequenas
dimensões, bancos ou instrumentos musicais
(cada peça com uma sonoridade singular)
Com grandes dimensões em planta (2x4 metros),
eles se instalam generosamente no espaço da
cidade e permitem uma variada gama de usos,
entre bancos, apoios, plataformas, locais para
descanso, playground para crianças, entre
outros. Em síntese, segundo definição dos
próprios autores, esses objetos constituem
micro-arquiteturas urbanas.
L
es phonèmes
alfabeto de micro-arquiteturas
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Bécheau & Marie-Laure Bourgeois
Data: 2007
Local: França
Fonte: becheau.bourgeois.free.fr/phonemes/
12
M
öbius bench
fuga da padronização11
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Acconci Studio
Data: 2001
Local: Fukuroi City, Japão
Fonte: AYMONINO & MOSCO, 2006: 142
O assento plástico foi desenhado em referência
às linhas da tira de Möbius: Uma seção em Y
que é rotacionada e volta-se sobre si mesma
como uma fita. Nesse banco, as pessoas
podem sentar-se normalmente, dentro ou fora
da espiral, deitarem-se em diferentes posições
ou alturas em relação ao solo. Além da função
de assento, é compreendido como escultura,
um atraente objeto para crianças ou fonte
luminosa, cujo apelo estético o torna referência
dominante no espaço público.
115
|fig. 86 | |fig. 87 |
Situada próximo ao Canal em Paddington,
Londres, a ponte Rolling Bridge abre-se ou se
recolhe através de movimentos lentos e suaves.
Transformada de uma plataforma convencional
para pedestres em uma escultura circular,
quando não necessária, ela enrola-se através de
estruturas hidráulicas em segme ntos
triangulares. Quando recolhido, cada um dos oito
perfis eleva-se e se reposiciona até formar uma
circunferência perfeita. O movimento pode ser
parado em qualquer ponto ao longo da trajetória,
independente de sua altura. Quando fechada
torna-se um elemento com potencial para
armazenamento e estocagem de objetos não
utilizados, principalmente no período noturno.
R
olling bridge
uma ponte retrátil
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Heatherwick Studio
Data: 2005
Local: Londres, Reino Unido
Fonte: www.heatherwick.com
14
H
ouse in a park
abrigo no parque13
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Sean Godsell
Data: 2000
Local: Melbourne, Australia
Fonte: www.seangodsell.com
O arquiteto australiano Sean Godsell criou um
p banco-cama tendo como foco a população de
rua de Melbourne, Austrália. Bi-funcional, o
projeto possui duas articulações laterais que
sustentam a cobertura, além de um ponto de luz
automático, alimentado por placa foto-voltáica,
cujo objetivo é sinalizar os períodos de
ocupação do objeto. Atualmente em alumínio,
estuda-se a sua construção em material
inoxidado para facilitar a manutenção e ampliar
a durabilidade.
116
|fig. 88 | |fig. 89 |
Canopy foi uma estrutura temporária em bambu,
construída em um sistema que fornece sombras,
assentos e atmosferas variadas, resultando na
vio dos arquiteto sobre uma paisagem
profunda’, capaz de afetar todo o espaço público.
A trama de bambu produz uma gama de
densidades de sombras e padrões sobre o piso,
ao longo do dia, além de definir cômodos ao ar
livre, abertos para o céu, destinados a distintas
escalas e padrões de usos: Cômodo da piscina,
ambiente de névoa (vapor de água fresca),
cômodo da rocha (um pedregulho que permite
apropriação variada), ambiente de encontro
(oferece um assento para cinco pessoas) e uma
elipse com areia, orientada para a máxima
exposição ao sol. Em 5 meses de existência,
Canopy atraiu mais de 100.000 pessoas.
C
anopy
estrutura multifuncional
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Narchitects
Data: 2004
Local: P.S.1 Art Center | Nova Iorque, EUA
Fonte: www.narchitects.com
16
H
ollywood shadow
projeções temporárias15
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Cameron McNall
Data: 2001
Local: Hollywood, EUA
Fonte: www.electroland.net
Esculturas em grande escala, de cenas icônicas
na indústria cinematográfica de Hollywood
estão estrategicamente situadas em edifícios
para produzir sombras sobre paredes e pisos,
que tornam-se ‘ativas’ e dinâmicas através do
percurso diário do sol. Através da reprodução de
formas, com densidade e posição variadas, Mc
Nail duplicou a percepção dos painéis
bidimensionais e acrescentou ao espo
público qualidades como projeção de luz,
movimento e temporalidade,
117
|fig. 90 | |fig. 91 |
Tendo como intenção a concepção de um objeto
mínimo para o parque, os arquitetos propuseram
uma rede elástica, na qual as pessoas pudessem
sentar, brincar, pular e serem desafiadas ao
equilíbrio.
Aparentemente frágil e camuflada entre a
vegetação, a teia se apóia em dez árvores e, ao
possuir espaçamento variado da trama, permite
caminhar entre elas, transpor os limites físicos
por ela imposto e, principalmente, convida o
usuário a imaginar novas possibilidades de uso.
S
lacklines
uma ponte de atraente
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Cliostraat
Data: 2005
Local: Villamanin, Italia
Fonte: www.cliostraat.com
18
S
ous les zebres
uma cobertura inusitada17
FICHA TÉCNICA
Arquitetos:
Data: 2004
Local: Parc André Citroen | Paris, França
Fonte: encoreheureux.org
Encoreheureux
Presas a uma rede de cabos, formatando um
teto vazado poucos metros do solo, um grupo
de 500 balões-zebras ‘galopavam’ ao sabor do
vento, produzindo uma cobertura em
movimento, além de sombras variadas sobre o
piso. Em outras áreas do parque, intervenções
artísticas e personagens vestidos de zebra
relacionavam o tema ao público, através de
jogos, brincadeiras e atividades físicas.
118
|fig. 92 | |fig. 93 |
Concebida diante da necessidade de criar uma
barreira física ao redor d a casa de Tadao Ando,
com o objetivo de impedir o estacionamento de
veículos próximo à residência, esse grande
painel verde alterou positivamente, também, a
relação dos usuários com uma rua de passagem
intensamente movimentada. O painel de 253
metros de comprimento foi construída com uma
tradicional tela metálica japonesa, composta por
três camadas de tramas espaçadas a cada 2,5
cm, nas quais se fixa o substrato. Por sua vez, um
tubo para irrigação no topo e uma canaleta de
drenagem no piso, regulam o sistema hidráulico.
Painéis para propagandas mesclam-se à
vegetação e rendem 100.000 dólares a cada seis
semanas. As espécies vegetais e floração variam
de acordo com as estações do ano.
G
reen green screen
escultura para tocar
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Klein Dytham Architects
Data: 2003
Local: Toquio, Japão
Fonte: GAVENTA, 2006: 172-176
20
E
vergreen!
esculturas de bambu19
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Ron Arad
Data: 2003
Local: Roppongi Hills | Toquio, Japão
Fonte: GAVENTA, 2006: 58
Evergreen é constituído por 24 tubos de cobre,
cobertos por hera ao longo de toda a sua
extensão. A sinuosidade da trama a permite se
estender ao longo do espo blico e
configurar recantos como assentos, áreas de
permanência ou descanso. Ao longo do tempo,
a hera continuará a crescer e, provavelmente,
cobrirá completamente essa estrutura.
119
|fig. 94 | |fig. 95 |
O grupo receitas urbanas convida os moradores
de uma comunidade a solicitarem à prefeitura
uma licença para a instalação de uma caçamba
de entulho multiuso, como reserva urbana pública
de lazer. A partir da documentação, a equipe
instala uma estrutura adaptada, que pode ser
utilizada como local para crianças, área
informativa, plataforma de leituras, barraca ou
stand, local para exposições, palco para dança
flamenca e outras infinitas possibilidades.
Nesse caso específico, o conjunto está
preparado para receber uma gangorra, criar uma
barraca dotada de esperas metálicas para
cobertura com lonas ou outros materiais, além do
uso como área livre elevada.
C
ubas contenedoras
recuperando a rua
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Grupo Receitas Urbanas
Data: 1997
Local: Sevilha, Espanha
Fonte: www.recetasurbanas.net
22
P
lay or rewind
volleyball urbano21
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Clioostraat Architects
Data: 2001
Local: Siena, Itália
Fonte: www.clioostraat.com
O escritório criado em 1991, para explorar os
espaços intersticiais na cidade concebeu três
quadras esportivas (futebol, volei e boliche),
desenhando-as em diferentes localidades. As
linhas não correspondem à planta da praça,
mas estendem-se diagonalmente, desviando
de objetos fixos e atingindo fachadas. Na
prática, essas quadras distorcidas desafiam os
usuários e, até mesmo turistas, a reinventarem
as regras e adaptá-las ao novo espaço.
120
|fig. 96 | | fig. 97 |
3.3.1 | Algumas considerações...
Dentre a multiplicidade de questões ou conclusões parciais suscitadas
pelos diferentes projetos, algumas qualidades recorrentes destacam-se na produção de
objetos ou mobiliário urbano, sob a ótica da interatividade, ludicidade, mobilidade e
flexibilidade de uso:
Agrupamentos e desmembramentos: Compostos por módulos ou
objetos complementares, os mobiliários que permitem maior
flexibilidade de uso são os que podem ser reunidos, agrupados,
encaixados ou desmembrados, sendo usados como entidades
separadas, individuais ou coletivas, cujas disposições variadas criam
objetos formalmente diferentes.
Mobilidade: o mobiliário deve ter um grau médio de mobilidade que
permita ao usuário girá-lo, arrastá-lo para uma área sombreada ou
mais ensolada, agrupá-los, etc... Ao mesmo tempo, estruturas
discretas mantêm a permanência do objeto, sem que sejam retirados
do espaço público (trilhos fixam mobílias que deslizam, tirantes
prendem outros que escorregam, rodízios movimentam alguns mais
pesados, articulações e dobradiças mudam o objeto sem que ele saia
do local)
Iluminação: Fugindo da tradicional iluminação superior ou inferior
(luminárias embutidas no piso e balizadores), o próprio mobiliário
possui fontes luminosas embutidas. Sejam através de aberturas que
permitam a passagem da luz, materiais transparentes ou translúcidos,
mobiliário urbano inovador
unidades recombinantes
objetos móveis
recursos tecnológicos
121
bancos, mesas e cadeiras tornam-se lanternas noturnas no espaço
público. A utilização de diferentes temperaturas de cor e combinações
cromáticas contribui para a criação de ambientações lúdicas e
estimulantes.
Estrutura: A estrutura do mobiliário deve ser clara, coerente com a
função e utilizada como partido para o design do mobiliário. Seja o
objeto estruturado pela rigidez formal ou peças aparentes, elas devem
ser coerentes com a mensagem que o objeto se propõe a imprimir no
espaço.
Partido: Mais do que objetos padronizados, o mobiliário urbano deve
imprimir uma nova expressão no espaço. Articulador de novas
mensagens, suas cores, texturas e formas devem reivindicar uma
atitude e instigar uma reflexão bem-humorada sobre o contexto.
Escala: Ainda que seja a reprodução de uma forma já consolidada no
imaginário (ex. cadeira com pés, acento e encosto), sua escala deve
ser instigante e diferente do usual: superlativizada ou reduzida ao
extremo para se tornar atraente ao usuário.
reflexões bem-humoradas
o lúdico
122
3.3 | A Cidade conectada: as tecnologias no espaço público
Mas o que são parques e praças, senão lugares de encontros, ou
antes, espaços potenciais nos quais relances, toques, sorrisos,
palavras, comentários, observações e opiniões de todos os tipos
possuem a possibilidade de serem transferidos? Quarteirões urbanos
são locais de trocas de informações e relacionamento, permitindo o
movimento de dados e pessoas ao redor das co-presenças de
padrões de movimentos e pausas. Essa condição pode ser
intensificada, adicionalmente, a partir de espaços não-físicos em
nossas cidades, através de telas, redes sem fios, quadros de
exposições, downloads e uploads, mensagens de textos, podcasts e
broadcasts de todos os tipos. (RYAN, 2006, tradução do autor)
Nas cidades contemporâneas, os tradicionais espaços (ruas, praças,
avenidas, monumentos) estão, pouco a pouco, transformando-se em espaços de fluxos,
flexíveis, comunicacionais, lugares digitais (HORAN, 2000). Segundo LEGATES & STOUT
(2003), no entanto, essa transformação tecnológica do lazer está acompanhada de uma
tendência de privatização ou individualização que contraria a essência do espaço público
como ambiente de reunião e trocas sociais. A televisão, como símbolo e tecnologia pioneira
da comunicação de massa, concentra as críticas contra as tecnologias consideradas
alienadoras, escravizantes e isoladoras. Recentemente, a internet e o seu alcance em
escala global colocaram em cheque as escalas urbanas, as fronteiras territoriais e a
proximidade física como condicionantes dos relacionamentos sociais.
Telefones móveis, equipamentos sem-fio e toda a sorte de tecnologias
de digitais agem sobre hábitos cotidianos, ditam padrões de comportamento, ampliam as
opções de escolha e possuem conseqüências diretas no território da própria cidade. Através
de um simples toque digital, estruturas fixas do espaço público transmutam-se virtualmente;
influência tecnológica no projeto urbano
metamorfoses digitais
organização mais flexível
123
novas cores, luzes e sons são adicionados; formas e posições alteram-se sem esforço físico
aparente; e o usuário, ao contrário de um sujeito passivo, é encorajado a opinar sobre as
transformações, desfrutá-las ou até mesmo comandá-las digitalmente.
Na arquitetura e no projeto urbano, essas tecnologias estão nos
permitindo representar e projetar cidades como dinâmicas, ao
contrário de entidades estáticas. A internet e tecnologias móveis
também permitem padrões de assentamento e formas de organização
mais orgânicas e flexíveis. (ELLIN, 2006: 13, tradução do autor)
As flashmobs (aglomerações instantâneas de pessoas em um local
público) são um dos exemplos mais curiosos da capacidade de atração e reunião física de
‘conhecidos’ digitais no território livre das cidades (figs. 97 e 98). Iniciado por um jornalista
em Manhattan, no ano de 2002, dezenas de eventos semelhantes divulgados via e-mail,
telefones móveis, redes de relacionamento pessoal e blogs, ocorrem em diversas cidades
no mundo e reúnem multidões progressivamente maiores, em prol de performances
públicas, manifestações, diversão ou, em alguns casos, despropósitos urbanos. Guerras de
travesseiros, festas em metrôs urbanos e zumbi walks (caminhadas de zumbis) são alguns
dos ‘eventos’ organizados por uma rede de (des) conhecidos virtuais.
Nós estamos trabalhando como novas tecnologias da comunicação
transformam o modo como projetamos o ambiente físico – a
arquitetura da forma, material, luz e espaço – de tal modo que a inter-
relação entre os ambientes atuais e virtuais pode ser explorada e as
suas diferenças dissolvidas. (Jane Harrison in RYAN, 2006)
A tecnologia de GPS, por exemplo, está em fase de implantação nos
espaços públicos europeus, como estratégia de adequação aos princípios de Desenho
Universal, auxiliando pessoas com limitações visuais a caminhar em uma cidade
|
figs 97 e 98 | móbile clubs – encontros em
espaços públicos reúnem multidões de
desconhecidos. Acima, evento de tango, em
Vancouver. Fonte: greatdance.com
124
(navegação local) e entre cidades (navegação global). Através da instalação de pontos
eletrônicos em ruas e praças, os deficientes visuais utilizarão um sistema digital como guias
para o trajeto na cidade.
A navegação local ou mobilidade a curtas distâncias é baseada em
técnicas como um cajado, a relação com os sons (barulho nas ruas, o
reflexo sonoro nas paredes), vestígios táteis da superfície do piso
(incluindo ladrilhos elásticos instalados propositadamente ou outros
recursos táteis) ou uso de cães guias. (Simon Ungar, Mark Blades e
Christophes Spencer in DEVLIEGER et all, 2006: 105)
No que concerne a influência das novas tecnologias sobre as
estruturas físicas de ruas e praças, arquitetos e artistas destacam-se por seus trabalhos de
recomposição e adição de elementos à paisagem urbana, através de sons, luzes e
movimentos programados da mobília pública, acreditando que a personalização de objetos
urbanos cria um senso de intimidade entre as pessoas e o seu entorno (RYAN, 2006).
Dentre os inúmeros projetos que transitam entre instalações
temporárias à micro-arquiteturas permanentes, destaco Lixeiras e Bancos (figs. 99 e 100),
do grupo londrino Greyworld, na área externa ao Junction Theatre em Cambridge, no qual
cinco latas e quatro bancos móveis destacam-se no espaço público através de recursos
tecnológicos luminosos, cinéticos e acústicos; (esses objetos) “foram injetados com um
mágico sopro de vida, de tal modo que quebraram com a estaticidade e suas posições fixas
para percorrerem livremente a praça pública em Cambridge” (
www.greyworld.org). Na
prática, além de objetos móveis, quando ocupados como assentos, os bancos ‘cantam’ a
agradável melodia de ‘garota de Ipanema’, alterando a atmosfera de toda a praça.
O que me empolga acerca do trabalho deles (greyworld) é que eles
estimulam as pessoas a refletirem sobre o espaço em que estão e
encorajam a interação espontânea em territórios onde menos se
A tecnologia viabilizando o desenho de
espaço público para todos
| figs 99 e 100 | Personificação do
mobiliário: Lixeiras e bancos móveis e
sonoros Fonte:
www.greyworld.com
125
espera. (Chris O'Shea in RYAN, 2006)
Greyworld está tentando mudar a maneira como o espaço público
está sendo utilizado, através de um senso de diversão e semelhante
medida de aventura (...) eles estão voltando-se até para os lugares
mais desagradáveis ao público, encorajando a interação e até mesmo
o sorriso torto mais irônico em nossa rotina diária. (Iain Aitch,
Landscape Journal, December 2005 in RYAN, 2006)
Outros exemplos de projetos como a Schoubergplein Theatre
Square
27
, em Rotterdam, a iluminação da praça Römerkastell & Marltplatz
28
de Dietrich
Brennenstuhl & Nimbus Design, em Stuttgart e a Luminous Motion
29
(fig.101), de Peter
Freeman, são alguns exemplos entre centenas de projetos que exploram as tecnologias
como mecanismos de flexibilização e variação dos espaços urbanos.
Durante o dia, mais do que à noite, Luminous Motion reúne as
pessoas, as intriga, as fascina, as faz dividir um deleite em comum. As
pessoas encontram outros que conheceram lá, quer por organização
ou chance, a probabilidade aumenta pelo fato de que a escultura o
encoraja diariamente a assisti-la e ver as suas mudanças. A lenda ao
redor de sua base oferece um menu de humores à peça, de cores e,
eu imagino ritmos, e você é impulsionado a fazer a sua seleção
enviando uma mensagem de texto de seu telefone móvel. Até nesse
processo de uma natureza de divisão, as pessoas primeiro pensam o
que seria possível para a escultura e depois, entre eles, decidem
quem deveria fazer uma ligação. Aqueles dentre nós que têm resistido
a enviar mensagens de textos através de celulares ou que vêem as
mudanças de cores causadas pelas mensagens de outros, sentem-se
impelidos a confessar a sua falta de participação; de tal modo que
estranhos conversam com estranhos e uma área de passagem antiga,
numa cidade antiga, mais uma vez cumpre a sua função inicial. (John
Gillet in CHARITY, 2005: 92)
Nesse sentido, projeções, imagens fílmicas, acesso à internet,
conexões wireless são novas ferramentas que potencializam as opções programáticas do
objetos personificados através da
interação promovida por recursos
digitais
interação espontânea
27| Tem elementos interativos para uso do
público, e contêm quatro postes hidráulicos
de iluminação, com 35 metros. O painel
(com um degrau para crianças) permite ao
público movê-los para cima ou para baixo,
criando o que os arquitetos denominam de
‘ballet mecânico’. (GAVENTA, 2006: 21)
28| A nova iluminação pública convida as
pessoas a mudarem a cor da luz, puxando
uma correntinha tradicional. O espaço, em
parte deserto ou pouco convidativo,
particularmente à noite, tornou-se agora
convidativo e divertido. (RYAN, 2006)
29| Escultura interativa Luminous Motion,
projetada por Peter Freeman, em 2003, é
programável através de mensagens via
celular.
126
espaço, captam o usuário e estabelecem relações interativas e práticas híbridas entre o
ambiente material e o eletrônico. Os diversos projetos nessa sessão, quer físicos ou
(principalmente) virtuais, demonstram que o intercâmbio de idéias e informação é uma parte
fundamental da Cidade Conectada, encorajando movimento e a experimentação que anima
e informa o ambiente urbano (RYAN, 2006). Como conseqüência, o espaço torna-se uma
plataforma aberta.
| Fig 101 | Fonte: CHARITY, Ruth (Edit.). Re
Views: Artists and Public Space. London:
Black Dog, 2005.
127
C
onfeti
perfomance das cores
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Sergio Sebastián Franco, Patricia
de Miguel de la Cal
Data: 2004
Local: Plaza de Chueca | Madrid, Espanha
Fonte: www.urban.cccb.org
Caracterizado por simplicidade formal e redução dos
recursos, o projeto Confeti destaca-se como exemplo
de revitalização do espaço blico, atras da
virtualização da pavimentação, numa composição
cromática e formal diversa, que se dilui ou se conforma
temporariamente de acordo com a posição do sol, da
iluminação artificial e dos anteparos coloridos. O efeito
cromático é alcançado através de fontes de iluminação
superior (edifícios, sol, iluminação de apoio associada
aos anteparos) e de iluminação inferior (sistema público
existente e trânsito de veículos e pedestres). Durante o
dia, os anteparos translúcidos projetam sombras
coloridas sobre o piso da praça. À noite, a iluminação
artificial, caracterizada por sistemas de LEDs e
projetores halógenos, associam-se e contribuem para o
efeito no piso.
01
128
|fig. 102 | |fig. 103 |
V
olume at V&A
luzes interativas
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: United Visual Artists
Data: 2006
Local: V&A's John Madejski Garden | London
Fonte: www.uva.co.uk
Uma instalação luminosa interativa transformou o
Jardim John Madejski, durante o inverno, ao criar uma
área dinâmica de performances variadas, a partir da
interação entre o público e a escultura. Os volumes
respondiam espetacularmente ao movimento humano,
criando uma série de experiências audio-visuais. Ao
pisar nos intercolúnios, as ações dos usuários eram
transmutadas em arte, cores, luzes e sons.
O grupo United Visual Artists possui dezenas de
trabalhos interativos em que arte, tecnologia e o usuário
se associam para a produção de espetáculos variados
de luz, cores e sons. Com escritório sediado em
Londres, são os responsáveis por inúmeras instalações
temporárias e permanentes, cujo principal objetivo é
captar o público e propor a experimentação do espaço
da cidade.
02
129
|fig. 104 | |fig. 105 |
E
nteractive
fachada mutante
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Electroland
Data: 2006
Local: Los Angeles, EUA
Fonte: www.electroland.net
Inteligência artificial e atividades humanas são
combinadas em um jogo eletrônico em escala urbana.
O projeto consiste em uma quadra luminosa de LEDs,
embutidas num átrio de entrada do edifício, que
responde à presença dos visitantes; uma enorme tela
de luz na fachada que reflete os padrões da entrada;
além de monitores menores na portaria do edifício.
O movimento do público no piso, cria uma série de
combinações em planta que alteram, ao mesmo tempo,
a fachada do edifício e o seu diálogo com a cidade. Um
sistema de câmeras acompanha os movimentos e
indica a posição dos participantes, à semelhança de um
equipamento de video-game.
03
130
|fig. 106 | |fig. 107 |
L
ake of dreams
cores cinéticas
04
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Patrick Woodroffe, Patrick
Woodroffe Lighting
Data: 2005
Local: Wynn | Las Vegas, EUA
Fonte: www.destination360.com
O Lago dos Sonhos abrange uma área de 1800
m2 e possui um sistema sofisticado de
iluminação submersa que configura a maior
iinstalação cinética de cores já executada. Mais
de 4.000 pontos de luz, controlados
individualmente, estão instalados em 700
painéis removíveis a uma profundidade de
1,20m, transformando a superfície em um show
espetacular de luz e água.
P
arty wall
parede cinética
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: NArchitects
Data: 2005
Local: -
Fonte: www.narchitects.nl
Party Wall constitui uma parede modular
dinâmica que responde à estímulos de presença
e proximidade. Reúne qualidades térmicas e de
delimitação espacial através de simples
superfícies emborrachadas, com duas polegadas
de espessura. Nesse primeiro protótipo,
pequenos motores acionados pelos sensores de
presença, movimentam as camadas flutuantes e
causam compreensão e expansão do material,
resultando em diversas aberturas e densidades.
Os arquitetos planejam a construção de novos
protótipos que responderão à luz, calor, som, ou
seja, atributos óticos, térmicos e acústicos.
05
131
|fig. 108 | |fig. 109 |
A
ccess
holofotes urbanos06
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Marie Sester
Data: 2003
Local: La Villette | Paris, França
Fonte:
www.medienkunstnetz.de/mediaartnet
Desenvolvido pela artista Marie Sester, o projeto
Access propõe focos de luz sobre os passantes,
à entrada do Grande Halles de La Villette.
Através de um site na internet, o público
comanda os canhões de luz e escolhe o alvo a
ser 'iluminado' pela instalação. A estratégia, ao
mesmo tempo que valoriza a entrada do edifício,
retira do anonimato os indivíduos que circulam
diariamente entre multidões na cidade.
T
holos system
link para comunicação
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Tholos Systems
Data: 2006
Local: diversos
Fonte: www.tholos-systems.com
IO Tholos System cria um sistema ininterrupto de
comunicação (24 horas, durante os 365 dias do
ano), que permite o diálogo entre pessoas, em
escala global, independente de fuso-horário ou
data específica. O objetivo do projeto é permitir o
contato direto, através de recursos de imagem e
som em tempo real, o acesso à informações
sobre outras cidades no mundo, a ampliação de
intercâmbios profissionais ou a incorporação
como atração turística em grandes metrópoles..
Em referência à arquitetura clássica grega, na
qual o edifício circular possa conotão
transcendental, o sistema é constituído de uma
tela 360º para vídeo-conferência em pleno
espaço público que alia alta resolução de imagem
e plena qualidade de som.
07
132
|fig. 110 | |fig. 111 |
Lichtschwarm é um recurso interativo entre
iluminação urbana e mídia, caracterizado por
um sistema de LEDs manipulado a partir de
sensores de presença. As luzes mudam em
intensidade e cor, de acordo com a
velocidade e quantidade de usuários. É
sensível também aos sons e ruídos, tempo,
condições climáticas, aparelhos de celular,
pouso de pássaros e toda a sorte de
estímulos externos.
Grades em esquinas, além de impedirem a
travessia de pedestres em áreas perigosas,
emitem sons quando tocados pelos público. O
volume corresponde diretamente à intensidade
do estímulo.
Esse projeto
L
ichtschwarm
sensores de presença
08
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Meier Jürgen
Data: 2005
Local: Leipzig, Alemanha
Fonte: www.lichtschwarm.de
R
ailing
barreiras acústicas
FICHA TÉCNICA
Arquitetos: Greyworld
Data: 1997
Local: Londres e Paris
Fonte: www.greyworld.com
09
S
canning
cópias digitais
FICHA TÉCNICA
Artista: Cornelia Erdmann
Data: 2003
Local: Munich, Alemanha
Fonte: www.corneliaerdmann.de
10
Uma parede com scanners foi erguida em
um pequeno espaço experimental. O
equipamento perpetuamente scaneia o
ambiente e conserva os traços dos
visitantes. Na face oposta, os traços
digitalizados são visualizados em uma
parede para projeção. Eles mantém-se
visíveis até serem sobrepostos por nova
imagens. Segundo a autora, ele evidencia
questões de tempo, espaço, mudança e
memória.
133
|fig. 112 | |fig. 113 | |fig. 114 |
4
d-pixel
som e reação11
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Daan Roosergaarde
Data: 2003-2004
Local: Rotterdam, Holanda
Fonte: www.studioroosegaarde.net
4D-pixel é uma superfície que reage
fisicamente ao estímulo sonoro de vozes ou
músicas; uma parede da qual emergem pinos
em relevo, criando traçados na superfícies que
acompanham o estímulo do publico. O objetivo
é criar uma arquitetura que responda, interaja
e se adapte de acordo com as solicitações do
pedestre.
F
low 5.0
escultura de vento
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Daan Roosergaarde
Data: 2007
Local: Rotterdam, Holanda
Fonte: www.studioroosegaarde.net
Flow 5.0 é uma escultura interativa constituída
por centenas de ventiladores que também
reagem ao som e ao movimento. Caminhando
ao longo do corredor, o pedestre interage com a
escultura e se conscientiza sobre o seu corpo,
em uma relação dinâmica com o espaço e a
tecnologia.
12
W
ind 3.0
escultura de vento
FICHA TÉCNICA
Arquiteto: Daan Roosergaarde
Data: 2006
Local: Rotterdam, Holanda
Fonte: www.studioroosegaarde.net
13
Diversos metros de fibras são movidos por
ventiladores acionados por sensores de
presença, em uma ampla superfície com
4,00x2,35m. Como resultado, uma parede
cinética chama a atenção do pedestre e o
convida a interagir com a escultura.
134
|fig. 115 | |fig. 116 | |fig. 117 |
3.3.1| Observações relevantes
Os casos apresentados na sessão constituem exemplos de
intervenções mínimas, em que os recursos tecnológicos atuam como estratégias sutis e
metamórficas, capazes de alterar em poucos instantes a dinâmica do espaço público.
O projeto Confeti (pag. 141), em Madrid, constitui um excelente
exemplo da associação entre tradição e inovação: anteparos coloridos suspensos,
associados ao sistema de iluminação, maximizam a utilização noturna e diurna da praça,
sem alterar sua estrutura morfológica, funcional, o seu caráter cívico e histórico. O jogo
cromático projetado sobre o piso permite a reinvenção virtual e mutante do pavimento e
reforça simultaneamente as fachadas tradicionais da praça.
Projetos como o EnterActive (pag. 143) reconhecem o espaço público
como um grande jogo urbano, numa alusão direta e recíproca entre o ambiente edificado (a
arquitetura da cidade) e a identidade das áreas livres urbanas. Party Wall (pag. 144), Railing
(pag. 145), Scanning (pag. 145) e outras pequenas intervenções constituem protótipos
experimentais de abordagens criativas na macro-escala urbana, enquanto Access (pag. 144)
e Lichtschwarm (pag. 145) destacam a iluminação como elemento instigante e convidativo
para performances na cidade.
Por sua vez, na contramão das intervenções sutis, o projeto Tholos
System (pag. 145) constitui um exemplo caro, de manutenção específica e durabilidade
limitada para ser manipulado livremente no espaço livre público. O painel computadorizado,
que permite o contato direto entre pessoas em cidades diferentes, aparenta complexo para a
maior parcela da população; requerendo um domínio preliminar da linguagem tecnológica,
ele está sujeito à perda de utilidade em longo prazo, seja por desinteresse ou receio da
tradição e inovação
jogos urbanos
complexidade limitadora
135
comunidade em ‘operá-lo’.
De um modo geral, no entanto, independente de suas limitações,
todos os exemplos apresentados ilustram a importância das novas tecnologias como
alternativa para o entretenimento e ativação da interação no espaço público. Nesse sentido,
dentre os artifícios tecnológicos recorrentes, destacam-se:
Iluminação: As novas tecnologias de iluminação (circuitos eletrônicos,
sensores de presença, eletroluminescência, etc...) implementam
mobílias, são acionados ou desligam de acordo com os passos e
ritmos dos usuários, criam desenhos em pisos e paredes e favorecem
o uso noturno do espaço.
Imagem: Semelhantes às estratégias lumínicas, a projeção de
imagens em paredes e pisos altera virtualmente o desenho do espaço
público, cria novas composições de cores e luz, captam a atenção do
transeunte. No entanto, não devem ser utilizados como recurso em
áreas onde já existe a vinculação de outras imagens em massa ou
poluição visual. O ideal é que sejam feitas em praças mais confinadas,
conformadas por edifícios ou anteparos, com o objetivo de criar uma
situação intimista e favorecer a concentração do pedestre para as
mensagens transmitidas.
Som: Em uma escala menor, o som associado ao mobiliário, às
projeções de imagens ou ao movimento diferenciado dos usuários,
instala momentos de descanso mental, relaxamento ou convidam à
interação no espaço
30
.
artifícios tecnológicos
30| Nossas habilidades técnicas na
produção da luz e som são instrumentos
poderosos para cria tais exposições a céu
aberto. Antes, eles tinham sido utilizados na
arte cinética e nos shows multimídia em
estúdios. Agora nós podemos transportá-los
à escala da cidade. (LYNCH, 1972: 206,
tradução do autor)
136
3.4 | Uma pequena amostra para a excitação de idéias...
Esses elementos constituem referências espaciais através dos quais
os indivíduos podem se relacionar com o ambiente. (DEVLIEGER &
FROYEN, 2006: 156)
Os exemplos demonstrados nesse capítulo são uma pequena
apresentação do universo de projetos contemporâneos desenvolvidos como intervenções
abertas à exploração do público. Todos possuem em comum a preocupação com o resgate
e a abordagem criativa do espaço coletivo urbano, sem a modificação dos elementos fixos
ou da estrutura física da cidade.
A sessão cidade itinerante, dedicada à arquitetura nômade, pode ser
aprofundada através da coletânea de projetos em websites como MoCoLoco
(mocoloco.com), containerbay e fabzone do grupo PreFab (
www.fabprefab.com), além do
endereço eletrônico Archilab, encontro Internacional de Arquitetura realizado anualmente na
cidade francesa de Orleans (
www.archilab.org), que reúne dezenas de projetos criativos e
experimentais, concebidos por arquitetos de diversas nacionalidades.
No sub-capítulo cidade da diversão, ao contrário de regras ou
desenhos pré-determinados, o mobiliário urbano torna-se um eficiente recurso para
dinamizar o espaço livre e permitir ocupações variadas, de acordo com a necessidade do
usuário. A flexibilidade de objetos manipuláveis, de usos adaptáveis, diminui a formação de
áreas obsoletas e pouco atrativas na cidade. Grupos como Citymined_d
(
www.citymined.com), ConvertibleCity (www.convertiblecity.de), Mutopia (www.mutopia.dk),
Park Fiction (
www.parkfiction.org), além dos projetos para a Praça Potsdamer (fig.118), em
Berlim, BasketBar (fig.119), na Holanda, ou a ponte na província chinesa de Gansu (fig.120),
| Fig. 118 | Gangorras em escala urbana.
Fonte: Foto Aeliane van de Ende -
www.ds.landschapsarchitecten.nl
| Fig. 119 | Quadra de basquete sobre
cafeteria em campus universitário, Utrecht.
Arquitetos nlArchitects
Fonte: www.architectenweb.nl
137
embora não citados na seleção anterior, engrossam o número de intervenções que mesclam
utilidade e entretenimento, e tornam as áreas públicas grandes espaços para diversão.
Por sua vez, a sessão cidade conectada, abre-se para a inserção de
ferramentas digitais como um novo caminho para entretenimento coletivo e contraria a
crítica sobre a essência individual e alienadora dos recursos tecnológicos. Apesar de
concordar com Charles Landry (2006) sobre a relação entre idade e tecnologia
31
, o risco de
uma parcela da população se sentir menos confortável ou estrangeira em sua própria
cidade, é mitigado a partir de intervenções que não requerem conhecimentos preliminares
para a manipulação da tecnologia ou apresentam estratégias adicionais de experimentação
do espaço sem a utilização exclusiva das ferramentas tecnológicas. Nesse sentido, uma
produção ilimitada de projetos e protótipos interativos pode ser consultada através de sites
como o MediaArtNet (
www.medienkunstnetz.de), Eletroland (www.electroland.net), Metalab:
Laboratório de design digital belga (
www.lab-au.com), Urban-atmospheres (www.urban-
atmospheres.net
), entre outros.
Independente das estratégias utilizadas ou das categorias de Ryan
(2006) em que se enquadram, todos os projetos apresentados investem no potencial de
interação do usuário e revelam, por essência, a infinita capacidade de reinvenção do espaço
público frente ao território diverso da cidade.
| Fig. 120 | Ponte não linear para pedestres,
transforma-se em banco, área de
permanência e ponto de encontro.
Fonte:
www.architecturalreviewawards.com
O desconhecimento da linguagem
tecnológica: estrangeiros em sua
própria cidade
31| O autor destaca a facilidade que os
mais jovens possuem em lidar com as
inovações tecnológicas, em contraposição
a uma parcela da população que se sente
desconfortável e incapaz de manipular as
ferramentas digitais.
138
4| O PROCESSO CRIATIVO COMO PRODUTO EM CONSTRUÇÃO
O que é criativo em um período ou situação não é necessariamente
em outro. Crucialmente, criatividade é uma jornada, não um destino,
um processo e não uma condição. Cada produção criativa possui um
ciclo de vida e, como o tempo e a experiência da inovação em ação
revela-se, ele mesmo precisará se adaptar e se reinventar novamente.
(LANDRY, 2005, tradução do autor)
Diante de projetos cujos resultados residem na contradição de
produtos finais constantemente mutáveis e, por essência abertos e inacabados, o olhar dos
artistas e arquitetos recai não apenas sobre a busca por um intento engenhoso e criativo,
mas se volta para o percurso entre o desenho e a sua correspondente materialização
prática. “Em arquitetura, o desenho em si é um ato construtivo. E o projeto surge de um
processo de construção de um elemento ao outro.” (TAGLIABUE, 1995, tradução do autor)
Todos os projetos investigados revelaram que, independente das
diferentes abordagens, artistas e arquitetos re-elaboraram tradicionais métodos de análise,
observação e representação para facilitarem a fluidez de idéias e o seu enquadramento ao
ritmo e solicitações contemporâneas; na verdade, o processo tornou-se tão criativo quanto a
obra concebida.
Como a taxa de mudança tem-se acelerado, não podemos mais
sustentar nossa pretensão de permanência. Com a noção de tempo
mais relacionada ao espaço, o processo tornou-se tão importante
quanto o produto. De fato, ele é a parte de um produto que nunca está
completo (...). Como o processo tem sido o produto, o trajeto tornou-
se tão importante quanto o destino – em termos de como um arquiteto
aborda e concebe um projeto. (ELLIN, 2006: 119, tradução do autor)
Alberto Pérez-Gomez e Louise Pellentier em Architectural
o processo contínuo e ilimitado
produtos em mutação
processos igualmente criativos
139
Representation and the Perspective Hinge (2000), ao abordarem a evolução histórica da
representação gráfica no campo da arquitetura, destacam a transformação mais acelerada
ocorrida a partir da década de 1990, quando imagens estanques foram substituídas por
gráficos que incorporaram simultaneamente qualidades estáticas e dinâmicas, de diferentes
naturezas. Vídeos experimentais, gráficos e imagens manipuladas digitalmente
transformaram radicalmente a compreensão da realidade no final do século XX e continuam
a desafiar o discurso complexo ao redor de representação visual. A fragmentação e
temporalização do espaço iniciados pelas montagens cinematográficas abriram um
verdadeiro e infinito domínio de lugares poéticos para a imaginação humana (PÉREZ-
GÓMEZ & PELLENTIER, 2000:03).
Em nosso campo, a compreensão da autonomia e polissemia dos
símbolos aplicados pelos arquitetos é um importante passo inicial (...).
Um objeto, um modelo ou desenho pode, de fato, incorporar toda a
intencionalidade de um edifício. (PÉREZ-GÓMEZ & PELLENTIER,
2000:388)
Autor de uma importante metodologia de análise, desenvolvida ao
longo da década de 1960, Kevin Lynch incorporou ao projeto urbano um criterioso método
de observação e compreensão da cidade, baseado na tradução gráfica do imaginário da
população, através de imagens mentais. Esquemas e mapas ilustrados, ao seguir uma
simbologia padronizada, ampliaram os métodos de representação bidimensional da
arquitetura, restritos às tradicionais plantas e elevações arquitetônicas. Nessa época Lynch
disseminou novos códigos para a tradução metafórica de qualidades subjetivas da cidade.
No entanto, já na década de 1970, Kevin Lynch ressaltou que como a
própria cidade, esses mapas mentais deveriam estar abertos às modificações, retratarem
produto em processo
ferramentas tecnológicas de análise e
representação
informações condensadas em imagens
140
simultaneamente pontos de vistas distintos, lacunas, ambigüidades, fraturas e coesões
urbanas. O autor já questionava e pensava sobre a tradução bidimensional de movimento e
mudanças, além de estimular a exploração dos recursos digitais para uma abordagem mais
dinâmica durante o processo de concepção projetual.
Administrar mudanças no ambiente requer técnicas para sua
representação (...). Nós podemos usar freqüentemente fotografias
aéreas ou na altura do observador, levantamentos de campo
contínuos através de dispositivos de monitoramento pontuais, ou
apresentações visuais dinâmicas para manter um fluxo contínuo de
dados no fenômeno real, em mudança. Mapas e diagramas devem ser
modificáveis ou eles mesmos devem representar evolução. Filmes ou
dados devem ser armazenados no computador, de tal modo que
possamos monitorar cada estágio no processo ou assistir ao processo
em ação. (LYNCH, 1972: 186, tradução do autor)
Ao mesmo tempo, Kevin Lynch questiona a validade dos métodos
tradicionais de observação de campo e sugere que as técnicas participativas (entrevistas e
questionários), sejam criativas e espontâneas, com a exploração de recursos tecnológicos
adicionais, de modo a criar canais abertos de interpretação entre o arquiteto, a comunidade
e o espaço público.
O questionário em si é apenas um ensaio e possui muitas
características dúbias. É incerto que qualquer questionário escrito é
útil, uma vez que questões redigidas tendem a ser tão abstratas e
pensadas, deficientes para um diálogo que clarifica um quebra-cabeça
ou adiciona profundidade a uma pergunta superficial. Uma caminhada
gravada ou um trajeto de carro pela cidade seria melhor, ou talvez,
uma discussão pessoal centrada em mapas, fotografias, filmes,
entrevistas gravadas e outras representações do ambiente. (LYNCH,
1972: 243, tradução do autor)
Os autores abordados nesse capítulo indicam que os projetos abertos,
códigos para tradução bidimensional do
território urbano
movimento e transformação traduzidos
nos desenhos gráficos
desenhos ‘em ação’
limitações das técnicas tradicionais de
entrevista
141
flexíveis e interativos não constituem apenas sub-produtos de novos parâmetros
programáticos ou estéticos, mas refletem novas lógicas de pensamento e proposição de
idéias refletidas em processos projetuais cada vez mais dinâmicos, diversificados e também
abertos às mudanças.
Se arquitetura é para comunicar como se pretende, ela deve evitar
sinais que possuem apenas um único significado e, ao mesmo tempo,
deve superar os códigos, usando uma redundância de sinais e
metáforas populares para sobreviver à transformação dos códigos
rapidamente mutáveis, e os códigos específicos de uma localidade.
(JENCKS, 2002:34, tradução do autor)
Nesse sentido, o capítulo 04 detém-se na breve exemplificação de
métodos de observação de campo desenvolvidos na produção urbana recente. Distante da
pretensão e, da impossibilidade, de esgotar o tema, eles são uma pequena descrição do
universo ilimitado de nomenclaturas, estratégias e ferramentas para a tradução gráfica de
idéias, observações pessoais e técnicas de análise participativas.
Para demonstrarem e descreverem tal hibridez e conectividade
espacial, os arquitetos têm adaptado suas formas de representação e
expressão. (ELLIN, 2006:53)
Como critério pessoal para estruturação do tema, os processos
projetuais identificados foram separados em métodos de representação (1), que revelam
procedimentos pessoais desenvolvidos por artistas e arquitetos para a observação e
tradução do espaço e análise participativa da população ou consulta pública (2), que
consiste em métodos de conhecimento do local sob o ponto de vista da comunidade que
utiliza ativamente a área.
No primeiro caso, destacam-se os processos desenvolvidos pelo
arquiteto catalão Enric Miralles, o Datascapes do MVRDV, os gráficos e desenhos
projetos flexíveis requerem processos
de concepção criativos e dinâmicos
códigos abertos às interpretações
representação de conectividade e
hibridez
142
esquemáticos de Rem Koolhaas e algumas notações gráfica apresentadas no Seminário
Urbanismo Sensorial (Universidade Strathclyde, janeiro de 2008) por Geoff Matthews,
professor da Escola de Arquitetura da Universidade de Lincoln.
O segundo critério aborda métodos de consulta pública exemplificados
e ilustrados através de projetos como Mergulhe o seu Dedo do Pé (Jacqui Rodger and
Jayne Murray), o método dos Cartões Postais Perdidos do grupo Urban Atmosphere, o
projeto Tilted de David Patten, Café Temporário de Anna Douglas e Débora Jones, a
experiência do Workshop Global Studio 2006, além da metodologia Paisagens
Experimentadas de Kevin Thwaites e Ian Simkins, utilizada como diretriz para a elaboração
de sugestões projetuais ao final da dissertação.
4.1| Métodos de observação e representação
4.1.1| O processo como uma narrativa: Enric Miralles
Uma vez eu participei de uma aula de atuação. Minha primeira cena
era ficar de pé no palco e entregar uma linha. O resultado foi artificial.
Em seguida, eu saí do palco e ‘encontrei’ camadas de informações
adicionais para a cena; histórias, contextos, desejos.
Quando eu voltei ao palco, a linha foi arrastada, redesenhada, com a
adição de camadas mais complexas. E a linha ficou muito diferente.
A metodologia de projeto é similar.
Deixe o desenho ser uma ferramenta de descoberta;
No ato do traço, permita cada ponto sugerir uma direção,
Ser um horizonte para projetar os seus limites.
No princípio de algo, para o qual não estamos aptos ainda a conferir
uma forma.
O projeto, e não a pesquisa, guia o trabalho.
um aluno de Miralles in TAGLIABUE, 1995 (tradução do autor)
(1) técnicas de análise e representação
(2) métodos de observação e análise
participativos
143
Aos projetos emblemáticos e inventivos criados por Enric Miralles,
soma-se um processo singular e pessoal formatado pelo arquiteto como ferramenta
simultânea de análise, observação e projeto. Sua produção, amplamente estudada, traduz-
se, segundo sua própria denominação, através de fotomontagens dinâmicas (fig. 121),
mapas mentais (fig. 122) repletos de simbolismo e metáforas, ou ainda, ‘técnicas’ de
observação à distância, como o bem-humorado e subjetivo olhando fora de foco.
Todos os desenhos de Miralles, desde a primeira impressão no
terreno, até o desenvolvimento progressivo do traçado resultaram em imagens dinâmicas,
que embora abstratas, possuem a personalidade de comunicar tensões fortes, áreas
fragmentadas, elementos de conexão, momentos de parada. As cores, espessuras de linha,
ângulos e a relação dos elementos revelam o ritmo de ocupação, as áreas mais dramáticas
e singulares do espaço projetado.
A princípio há um interesse em planos inclinados, horizontais
flutuantes, seções estratificadas, fragmentos variados e relações
ambíguas entre figura e fundo. Coberturas formam espaços
complexos, comprimidos e expandidos sobre níveis escultóricos no
terreno. Rampas, pontes, plataformas, galerias, escadas, decks,
bancos, pisos, trilhos e outros traços diretamente relacionados ao uso
e movimento humano, dramatizados, feitos para pairar e interpenetrar.
(TAGLIABUE, 1995, tradução do autor)
O livro editado por Benedetta Tagliabue, Mixed Talks / Enric Miralles
(2005), que acompanha um workshop ministrado por Miralles em Harvard, em 1993,
apresenta a lógica projetual do arquiteto sob o ponto de vista poético; uma série de colagens
e sobreposições de fragmentos, idéias e linhas de força são conectadas para a criação de
um todo novo e coerente. Nesse sentido, a técnica de fotomontagem, expressão máxima de
personalidade na representação
| Fig. 121 | TAGLIABUE, Benedetta (Edit.).
Mixed Talks / Enric Miralles. London:
Academy Editions, 1995: 37
| Fig. 122 | TAGLIABUE, Benedetta (Edit.).
Mixed Talks / Enric Miralles. London:
Academy Editions, 1995: 42
144
seu processo criativo, supera o objetivo de construção no espaço, para a reprodução em
vários graus de complexidade (a sobreposição de camadas), que serve como um significado
de síntese de projeto (fig. 123), sem a necessidade de desenhos técnicos especializados
(TAGLIABUE, 1995).
As diferentes fotomontagens visam conectar, em uma única visão,
todas as diversas imagens que acompanham o olho, à medida que
esse se move ao longo desse perfis e seções. Eles tentam explicar
um tipo de percepção simultânea e completa, para transportar todos
os conhecimentos introduzidos em todos os desenhos e perspectivas
de um projeto (...). Eles são peças de informação, indicando o que
está atrás, por baixo, no topo, à frente, dentro ou fora. (TAGLIABUE,
1995, tradução do autor)
“A reunião de fotomontagens leva as construções de volta ao estúdio,
tornado-as, em realidade, o espaço da transformação” (TAGLIABUE, 1995). A técnica de
Miralles consiste na remontagem do sítio através dos fragmentos, desmembrando e
recompondo sob outro ponto de vista o mesmo espaço; ele deixa lacunas, vazios (fig. 124),
inclina planos, enfatiza linhas de forças verticais e horizontais e progressivamente o projeto
se revela nos espaços em branco, nas áreas de desconexão e interrupção do movimento.
“Essa capacidade de modificação contínua permite formatar espaços independentes das
necessidades programáticas.” (TAGLIABUE, 1995).
Alberto Pérez-Gómez e Louise Pellentier (2000) comparam esse
processo a uma seqüência narrativa, que cria oportunidades para o envolvimento
progressivo da audiência entre cada justaposição. “Ele fortalece a dimensão que existe entre
um espaço de evocação metafórica (o espaço poético da montagem – figs. 125 e 126) e a
experiência criativa do espectador através desse espaço.” (PÉREZ-GÓMEZ &
| Fig. 123 | Plantas, elevações e modelos
tridimensionais são sobrepostos na imagem
síntese do projeto da escola primária
Manoel Martínez Calderón, Nepal, 2004.
Fonte:
www.mirallestagliabue.com
|Fig 124| Fonte: TAGLIABUE, 1995: 42
145
PELLENTIER, 2000: 374)
O espectador não é passivo, mas participa criativamente na
construção do espaço tátil sugerido pela montagem, enquanto desiste
do seu desejo de poder e controle. O espaço metafórico da montagem
pode constituir um modelo potencial para a criação e recepção
apropriada da arquitetura. (PÉREZ-GÓMEZ & PELLENTIER, 2000:
374)
Por sua vez, os mapas mentais de Miralles (fig. 127), apoiados no
desenho à mão livre tendem mais à abstração que o método de fotomontagem; eles estão
imbuídos de idéias e conceitos intrínsecos, numa espécie de fusão entre observação,
pesquisa de campo, identificação de problemas e o desenvolvimento do projeto
propriamente dito.
Talvez uma das mais maravilhosas coisas que podemos fazer é
produzir uma coleção de documentos – onde o projeto, os problemas
e as soluções, todos coexistem ao mesmo tempo – de tal modo que
estejam abertos à interpretação de outras pessoas. (TAGLIABUE,
1995, tradução do autor)
Os mapas mentais, os desenhos de Miralles, são como hieróglifos
cheios de idéias e significados ocultos, mas eles são também notas
musicais para a orquestração de atividades humanas e o terreno.
Material e estrutura são implícitos nas linhas, do mesmo modo que a
iluminação, espaço, vista e detalhes... os desenhos indubitavelmente
possuem seu fascínio e as suas próprias qualidades intrínsecas; eles
são também centrais para o processo de projeto. (TAGLIABUE, 1995,
tradução do autor)
O processo de Miralles apóia-se, inicialmente, em técnicas de
observação de campo desprovidas de opiniões pré-concebidas, independente do
conhecimento prévio do espaço público. No workshop em Harvard, o arquiteto sugere um
olhar preliminar desfocado, através do qual o observador se concentra não nos objetos
|Fig. 125 e 126| Montagens e modelos
tridimensionais produzidos durante o
workshop em Harvard, 2003.
Fonte: TAGLIABUE, Benedetta (Edit.).
Mixed Talks / Enric Miralles. London:
Academy Editions, 1995: 63 e 67
conteúdo reunido no traço singular
146
reais, mas em nuances, manchas, linhas de força, movimentos e tensões reveladas através
do jogo subjetivo da imaginação.
Nós gostaríamos de sugerir que o primeiro passo para compreender
os desenhos seria olhá-los fora de foco. Deixe os olhos entreabertos.
Ou se você usa óculos, tire-os (...). Esse método nos permite olhar
para as coisas sem formar nenhuma opinião séria sobre elas (....). O
que estamos fazendo, então, é (...) associarmos os desenhos às
imagens de nossa imaginação. (TAGLIABUE, 1995)
O resultado ‘final’ revela um trabalho artístico particular (fig. 128),
produto de um processo original, que mescla critérios de observação que não se apóiam em
objetos concretos, mas que se revelam na representação dinâmica das fotomontagens e na
sobreposição, simultânea e gradativa, das informações técnicas tradicionais (plantas, cortes
e elevações). As plantas figurativas e maquetes volumétricas refletem uma noção de
movimento físico e temporal, um profundo potencial de exploração do espaço e a vitalidade
(aparente?) de reinventar a cidade, através da criação de cenários estimulantes e
convidativos à interação dinâmica do usuário.
4.1.2| Os algoritmos projetuais de MVRDV
O trabalho do escritório holandês MVRDV é considerado
paradigmático por utilizar o fluxo de informações como condutor do projeto urbano e
arquitetônico. A aplicação de bancos de dados, estatísticos e numéricos, é explorada no
processo projetual através de recursos audiovisuais, plataformas digitais e até mesmo
softwares experimentais; a arquitetura em suas qualidades formais é gerada como
conseqüência da combinação de parâmetros numéricos, num processo denominado
“Datascapes: diagramas e mapas computadorizados de regras de planejamento e
|Fig. 127| Mapa mental desenvolvido para o
projeto Color’s Park em Mollet del Vallés
Fonte:
www.mirallestagliabue.com
|Fig. 128|escola Manoel Martínez Calderón.
Fonte:
www.mirallestagliabue.com
147
inclinações sociológicas.” (JENCKS, 2002)
O método Datascapes adquiriu notoriedade a partir da vídeo-
instalação exibida entre 1998 e 1999, no Stroom Center for the Visual Arts em Hague,
Holanda, no qual a cidade contemporânea foi analisada como produto da organização de
informações (fig. 129). Uma cidade que desconhece a topografia pré-existente, sem
ideologia pré-concebida, sem contexto. Somente, através de dados simples e vastos: uma
metacidade (media08.wordpress.com).
Esse projeto reside nas margens entre visualização de dados e
planejamento urbano e tenta provocar um novo pensamento, através
da manipulação espacial de dados. (Blog Media Theory for the 21st
Century in http://media08.wordpress.com)
A exploração de dados é também visível no desenho inovador para a
Pig City, em 2001 (figs. 130 e 131). Ao analisar a atividade econômica das fazendas para a
criação de porcos na Holanda, MVRDV propôs uma nova e drástica organização espacial da
produção para a transformação das antigas e obsoletas estruturas existentes. Em outras
publicações como Farmax, 3D City ou SpaceFighter, o escritório apresenta metodologias
nas quais os dados numéricos não são apenas matérias primas para o processo de
concepção, mas fonte para repensar crítica e radicalmente os espaços na cidade.
SpaceFighter: o jogo evolucionário da cidade, por exemplo, é um
ambicioso software criado pelo MVRDV, com o objetivo de compreender “as dimensões e
complexidade da realidade urbana”, segundo palavras do diretor Winy Maas e desenvolver
novos métodos de análise e observação do território, sobrepondo-se aos exaustivos
modelos de criação volumétrica digital. Ele prega a possibilidade de reformulação e
reinvenção contínua da cidade, amparada pela combinação de dados em fluxo, que refletem
cenários estimulantes em substituição
aos desenhos técnicos tradicionais
combinação de dados analíticos para a
geração do projeto
|Fig. 129| uma cidade gerada pela
combinação de dados
Fonte: http://media08.wordpress.com
148
as transformações instantâneas da cidade contemporânea.
Em termos práticos, ele (SpaceFighter) significa uma mudança dos
atuais métodos de mapeamento e diagramas para novas e inclusivas
ferramentas de jogos (...) O modelo interativo pode gerar efeitos antes
inimagináveis, já que absorve novos conhecimentos através de
usuários que interagem no jogo, mas também pela constante
atualização de diversos bancos de dados, aos quais está conectado.
(
http://media08.wordpress.com)
Na prática, o escritório MVRDV formatou “uma linguagem de projeto
centrada em um algoritmo cultural alternativo, onde a mistura de realidade e dados (reality >
data), criam uma paisagem compreendida como um Datascapes.” (http://media08.
wordpress.com).
4.1.3| Os ideogramas
31
de Rem Koolhaas
Rem Koolhaas notabilizou-se pela linguagem singular de
representação do projeto caracterizada pelo jogo de metáforas e analogias através de
elementos gráficos e diagramas que figuram informações factuais. Obcecado por dados
estatísticos e numéricos, sua pesquisa minuciosa é traduzida e simplificada em conceitos
através de jogos imagéticos, satíricos e dotados de profundo significado crítico. Embora
possua uma técnica de reconhecimento do contexto amparada pela organização de dados,
a metodologia de Koolhaas se distingue do Datascapes do MVRDV, uma vez que a
recombinação das informações e a conseqüente geração do desenho não se amparam em
dados paramétricos, mas em associações inventivas e particulares do artista.
Seu trabalho é fundamentado na definição do programa e suas
estruturas não se detêm às tipologias ou a simples julgamentos estéticos de “bonito” ou
| Figs. 130 e 131| Fonte: www.mvrdv.nl
geração algorítmica do espaço
31| Comparação dos diagramas de Rem
Koolhaas à secular técnica de ideogramas.
Ideograma (do grego ιδεω = idéia + γράµµα
= caracter, letra) é um
símbolo gráfico
utilizado para representar uma
palavra ou
conceito abstrato.
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Ideograma
149
“feio”. Como processo projetual, o desenho é precedido da análise geral da questão, a
justificativa e a posterior aproximação para a área de intervenção.
Koolhaas desenvolve um olhar da oportunidade
32
: através de uma
visão crítica que flutua entre os extremos da sátira e de dados factuais, ele sente as
metáforas do contexto e extrai aspectos marcantes do espaço. A adoção do partido
projetual, síntese de sua observação, torna-se, em um segundo momento, uma espécie de
ideograma sintético das intenções projetuais.
A representação do projeto é esmiuçada através de novos esquemas
de trabalho: colagens, seleção de imagens fortes, diagramas, jogos de finalidades
33
e
gráficos que auxiliam na definição programática, funcional e estética do edifício (figs. 132
133 e 134).
Charles Jencks (2002) compara os esquemas de Koolhaas às
superfícies densas animadas, uma paisagem hiper-ativa. Por outro lado, apesar de destacar
o seu intento criativo, Jencks não vê relação direta e lógica entre a trajetória analítica e o
produto projetado; ele aponta a desconexão entre os gráficos factuais e as conclusões
subjetivas que culminam no projeto, como se o produto não fosse conseqüência do
processo, mas uma entidade autônoma, sustentada posteriormente por esses mesmos
gráficos.Diagramas lógicos e obstinados de, em alguns casos, leis ilógicas.” (JENCKS,
2002)
Independente das discussões levantadas por inúmeros autores sobre
a validade dos gráficos para o desenvolvimento do processo, os ideogramas de Rem
Koolhaas são, de fato, interessantes narrativas das qualidades priorizadas no projeto; são
abordagens lúdicas, bem-humoradas (figs. 133 e 134) e dinâmicas que apontam caminhos
32| Expressão utilizada pelo professor José
Barki em disciplina ministrada no curso de
Atelier I, em maio de 2006 (PROURB/FAU-
UFRJ).
33| Os diagramas são utilizados para a
organização de fluxos de pessoas, trajetos
e funções concentradas no edifício.
150
criativos e alternativos para a tradução de conceitos e a representação técnica tradicional.
4.1.3| Um kit heterogêneo de métodos de representação
Geoff Matthews, diretor do programa de Mestrado em Exibições e
Museus, na Escola de Arquitetura da Universidade de Lincoln, apresentou durante o
Seminário Urbanismo Sensorial
34
técnicas multimodais de representação como ferramentas
enriquecedoras para o processo de projeto. Tendo em vista a flexibilidade de usos, a
mutabilidade das relações no espaço e a influência de novas dinâmicas, ritmos e
movimentos na cidade, Mattews sugere a apropriação de técnicas conhecidas e
disseminadas no campo de outras disciplinas artísticas e a sua experimentação na prática
da arquitetura e do urbanismo.
Eu sugiro que as qualidades multimodais de representação do espaço
urbano adéqüem a processos criativos de projeto que já existem e
podem ser encontrados diariamente nos ateliers de arquitetos,
produtores de cinemas, artistas, coreógrafos e compositores. Eu
sugiro um kit de ferramentas heterogêneo focado no projeto como
exploração criativa das possibilidades reais de mudança (...). Ele
oferece a facilidade de uma colaboração interdisciplinar, que difere da
tentativa de síntese e controle restritos, permitindo cada momento
dinâmico de se extravasar em (diferentes) processos. (Resumo
apresentado no Seminário Urbanismo Sensorial
34
)
Esse kit de ferramentas reúne métodos de análise e representação
sensíveis às variações dos usuários, seus comportamentos e particularidades (variáveis
psicográficas), a influência dos sons (soundscape), odores e outros estímulos sensoriais
(anotações sensoriais), qualidades cinéticas e fluxos no espaço (labanotation), narrados
| Figs. 130, 131, 132| Evolução do desenho
para o Museu LACMA. Reunião de dados e
‘tipologias’ das coleções definem o partido.
Fonte: KOOLHAAS, 2004
| Figs. 133 e 134| Representação do projeto
Universal HQ. Pode arquitetura representar
o amálgama de uma companhia de líquor
com um studio de cinema, um gigante
musical, e uma companhia de internet?
Fonte: KOOLHAAS, 2004
151
através de ilustrações (storyboards), mapeamentos ou técnicas digitais.
Variáveis psicográficas, por exemplo, constitui um método de
observação e simulação dos estilos de vida e comportamento do público, através da criação
de personagens. Esse método, já disseminado no campo da arquitetura, é utilizado por Rem
Koolhaas, por exemplo, como estratégia para a análise de fluxos, trajetórias e a organização
funcional de espaços destinados a um público diversificado.
Storyboard ou estória em quadros é uma narrativa que transcorre
através da sucessão de imagens; a organização gráfica de uma série de ilustrações
destinadas à pré-visualização de movimentos ou ações interativas. Esse método permite
fluxos de idéias, processos de pensamento e planejamento visual destinados à
experimentação preliminar dos potenciais de mudança. Segundo o ilustrador João Spacca
(
www.spacca.com.br) o storyboard não é a realização definitiva de um projeto gráfico, mas
uma etapa de visualização de algo que será utilizado em outro meio, um desenho-
ferramenta de orientação para o projeto.
Por sua vez, as anotações sensoriais constituem um alfabeto para a
simplificação de experiências sensoriais, através da linguagem iconográfica ou a exploração
de escalas de cores. No caso específico do soundscape, a compreensão da paisagem
sonora reflete-se em gráficos que mapeiam a reverberação, intensidade e influência de
diversas fontes sonoras no espaço (fig. 135).
Por último, o Labanotation ou notação de Laban (figs. 136 e 137) é um
método descritivo simbólico desenvolvido pelo arquiteto Rudolf von Laba para traduzir a
forma do movimento humano através de uma representação gráfica multidirecional,
diretamente relacionada aos critérios de análise espacial (plantas e elevações). Apropriada
34| Seminário realizado no Departamento
de Arquitetura, Universidade Strathclyde
(Glasgow), janeiro de 2008.
métodos multimodais
| Fig. 135| mapa de som, desenvolvido para
o projeto
Warwick Bar Masterplan
Fonte: www.publicartonline.org.uk
152
posteriormente pelo coreógrafo Heidi Dzinkowska, essa notação cinética foi amplamente
disseminada no campo da dança, onde apresentou maior aplicabilidade. Formatada por
caracteres padronizados, a grafia cinética é organizada semanticamente através de
símbolos que denotam direção, sentido, partes do corpo em movimento, segundo a
complexidade e tempo de ação. Nesse sentido, no que concerne à prática urbana, esse
método soma-se aos demais recursos existentes como técnica de representação de fluxos
multidirecionais e de dinâmicas comportamentais no espaço público.
Uma linguagem para a descrição do movimento humano o tão
simples quanto possível e simultaneamente complexa quando
necessária. (http://en.wikipedia.org)
4.2| Métodos de análise ou consulta pública participativos
Acompanhando as alterações na linguagem de representação do
projeto, os métodos tradicionais de observação e compreensão do espaço transformaram-se
em abordagens igualmente criativas. Na busca por projetos flexíveis, interativos e
relacionados aos usuários, as técnicas de entrevista ou consulta pública foram revisadas:
através de abordagens subjetivas, sem questionários, a comunidade é convidada a
experimentar o espaço e a responder através de suas atitudes e comportamentos
particulares.
Grupos de pesquisa sobre projetos para o espaço público como Ixia:
Public Art Think Tank (
www.ixia-info.com), Arte Pública Online (www.publicartonline.org.uk) e
Urban Atmosphere (
www.urban-atmospheres.net), bem como o trabalho singular de diversos
arquitetos e urbanistas revelados através dos estudos de caso anteriores, ilustram um grupo
| Fig. 136| parte da simbologia de Laban
Fonte: www.ballet-dance.com
| Fig. 137| software que reúne a notação de
Laban em meio digital.
Fonte: www.markus-bader.de
153
diversificado de métodos centrados na interação com os usuários.
O grupo Urban Atmospheres, da Universidade da Califórnia, Berkeley,
investiga metodologias para a compreensão das experiências emotivas da vida urbana,
segundo própria definição, através do uso de tecnologias emergentes. Dispositivos móveis
com bluetooth, redes de sensores, tecnologias sem fio viabilizam uma série de Provas
Urbanas, segundo a definição do grupo, técnicas de observação provocativas criadas para
desconstruir situações urbanas e revelar oportunidades de intervenções. Munidos de
telefones celulares e equipamentos digitais, o grupo mapeia, identifica territórios e interage
com a população local.
A técnica dos Cartões Postais Perdidos, adaptada do método de
Cartas Perdidas de Milgram
35
, foi capaz de investigar o quanto a população é curiosa e
instigada por pequenos traços e detalhes no espaço público. Às 05h30minh da manhã, 110
cartões postais, manuscritos, selados e com endereço, foram distribuídos numa área central
de São Francisco, sobre bancos, lixeiras, peitoris, degraus, sobre carros, dentro de
transportes públicos ou no chão. Divididos em três categorias (a, b e c), continham três tipos
distintos de mensagem: (a) de um amigo para o outro, com uma foto pessoal, (b) de um
individuo para um grupo restrito do trabalho, com foto de uma festa e (c) direcionada a uma
comunidade para a divulgação de um passeio de barco. Todos os cartões continham uma
pequena mensagem, finalizada com um site, supostamente um endereço com fotos do
evento (figs 138, 139 e 140):
Robin,
Peguei essa imagem de volta e lembrei-me de você. Que semana
excelente! Eu ainda não acredito que te pegamos saindo de fininho
pelo telhado! Fique com essa foto para você.
www.sfnetworks.org/chris/rooftop/83_241.htm Chris
Participação pública através da
experimentação do espaço
35| Técnica desenvolvida por Mann
Milgram, em 1965, como pesquisa de
mercado, para avaliar a popularidade de
algumas empresas americanas. O grau de
devolução das cartas aos destinatários
permitiu mapear a relação entre o
consumidor e determinadas prestadoras de
serviço.
154
Cada uma das 110 urls possuía um código numérico que permitia
verificar a data, horário e localidade do acesso, resultando em quatro comportamentos
distintos: cartões que não retornaram (descartados e nem sequer acessados), cartões que
voltaram via correio, outros apenas visualizados pelo site, e alguns tanto acessados quanto
postados pelo correio para o destinatário. Em três dias, 45% dos cartões retornaram. Outros
atravessaram longas jornadas entre o Parque Chinatown, Reno e Nevada, retornando cerca
de 20 dias depois. Quatro cartões receberam mensagens ‘adicionais’, reportando que foram
perdidos e enviando detalhes de contato do remetente. Um deles trazia até um comentário
bem-humorado sobre as fotos no site. O maior índice de retorno foi em relação ao cartão ‘a’,
que continha uma mensagem particular entre amigos.
Apesar da impossibilidade de avaliar se os cartões não acessados,
nem re-encaminhados foram achados ou simplesmente descartados, esse método indica o
potencial de engajamento de uma população com o espaço público, independente das
dimensões do espaço público e escala urbana. O grupo fez diversos diagramas de análises
e quadros estatísticos capazes de revelar uma dezena de conclusões sobre os locais em
maior evidência na cidade, o perfil do público interessado e outras particularidades úteis
para o projeto na área.
O uso de cartões postais também foi adotado em substituição às
tradicionais entrevistas, no workshop Global Studio 2006, em Vancouver (figs. 141 142 e
143). Na ocasião, um grupo de alunos, do qual fazia parte, estudavam alternativas para a
implantação de um estádio de futebol sobre uma via férrea desativada entre o mar e o bairro
mais tradicional e turístico da cidade. Frente ao impacto que um estádio, com capacidade
para 50 mil espectadores, acarretaria nas ruas movimentadas e destinadas a pedestres, os
|Figs. 138 e 139| Exemplo dos cartões
‘perdidos’ no espaço público.
| Fig. 140| Exemplo de gráfico gerado para
a avaliação do método.
Fonte:
www.urban-atmospheres.net
155
cartões postais tornam-se um meio de comunicação para os desejos particulares da
comunidade local. Seis diferentes postais foram produzidos: cinco contendo imagens com
soluções alternativas para a área (um parque verde, um centro de lazer com piscinas e
quadras esportivas, um empreendimento residencial, centro de lojas, teatros e casas de
concertos) e o sexto em branco, aberto para desenhos e sugestões da população. Cartões
postais gigantes foram fixados em muros e esquinas do bairro, enquanto a apresentação do
conceito em vídeo era utilizada para motivar a participação popular. Pessoas de todas as
idades, inclusive moradores de rua, fizeram desenhos nos cartões em branco e escreveram
listas de desejos como sugestões. Os cartões recebidos foram encaminhados para a
municipalidade de Vancouver.
Os artistas Jacqui Rodger e Jayne Murray, convidados para a
demolição e elaboração de um projeto em substituição a uma piscina pública, na região
central da Inglaterra, recorreram a um processo de consulta popular intitulado por eles
‘Mergulhe o seu dedo do pé!’. Através de milhares de balões coloridos e modelados com
formas sugestivas do que poderia ser construído no futuro, eles atraíram um público variado
para opinar sobre o projeto na área. Adotando os balões como suporte para escrever os
desejos particulares, os profissionais descobriram que a piscina não era utilizada devido à
ausência de interesse comunitário, mas pelas condições climáticas adversas. Em vez de
cometer o erro de demoli-la, repensaram recursos adicionais e soluções para mitigar o
impacto do clima e prolongar a sua utilização durante o ano.
Por sua vez, o artista David Patten, em Birmingham, fixou dezenas de
mensagens ambíguas e citações sobre a estátua Tilted, de Anthony Gormley, no centro da
cidade. Observando à distância o interesse do público, o artista escutou conversas,
| Figs. 141, 142 e 143| Participação ativa da
população através da técnica de cartões
postais. Fonte:
o autor
156
comentários bem-humorados, observou curiosos e até novas mensagens escritas. Anna
Douglas e Deborah Jones, na mesma cidade instalaram um Café Temporário na Praça
Principal. Após dezenas de questionários preliminares realizados com os freqüentadores, foi
apenas através da instalação de uma mesa de bar, e o convite para um chá com bolo, que
simples entrevistas transformaram-se em profundas conversas e contribuíram para a
apreciação do funcionamento do espaço para grupos específicos.
Até mesmo algumas flores em homenagem ao poeta Robert Burns,
sobre a sua estátua na George Square, em Glasgow, foram motivo para estranhamento e
interesse do público (fig.144). Os ‘novos’ objetos instigaram a curiosidade de alguns
passantes, condicionaram novas rotas, geraram conversas entre estranhos e demonstraram
a capacidade de assimilação e experimentação do espaço público em seus pequenos
detalhes.
Esses casos, em diferentes escalas, exemplificam a possibilidade de
novas abordagens em substituição aos questionários ou técnicas tradicionais de entrevistas.
Estratégias informais e bem-humoradas demonstram-se mais atrativas e capazes de
explorar em profundidade, a relação subjetiva entre o usuário e a cidade.
4.3| Metodologia Paisagem Experimentada
Paisagem Experimentada é um método de análise para projetos
abertos. (THWAITES & SIMKINS, 2007: 37)
Em meio a dezenas de métodos práticos de análise, observação e
representação para o projeto de espaço público, essa dissertação detém-se especificamente
| Fig. 144 | Casal observa a homenagem ao
poeta. Fonte:
o autor
atenção nos pequenos detalhes
métodos criativos e abertos
paisagem experimentada – método
síntese e suporte para o projeto
157
na metodologia Paisagem Experimentada, formatada recentemente pelos professores Kevin
Thwaites e Lam Simkins como síntese de sucessivas pesquisas e workshops ministrados na
Universidade de Sheffield, no Reino Unido. Percorrendo conceitos relacionados a uma
visão antropológica da paisagem, sob olhar de Kevin Lynch, Gordon Cullen, Merleau-Ponty,
Norberg-Schulz, Christopher Alexander, Bernard Tschumi e diversos outros profissionais
relacionados à arquitetura, urbanismo e sociologia, os autores elaboraram um processo
projetual participativo que revisita e mescla teorias de décadas anteriores, mas se preocupa
com a representação dinâmica e interativa do espaço. Técnicas de observação e
mapeamento são mescladas às tecnologias digitais; as imagens geradas, distantes de
representação estáticas, insinuam movimento, indicam fluxos, deslocamentos e traçam o
perfil de comportamento dos usuários no espaço público. Mais do que mapas analíticos,
revelam indícios e tornam-se suportes para a geração do projeto.
Em um primeiro estágio, o reconhecimento do sítio é realizado através
dos métodos tradicionais de observação, renomeados pelos autores como além do
especialista (fig. 145), observação do não-participante, trilhas antropológicas, conversação,
role-play, entrevistas semi-estruturadas (figuras-palavras, mapeamento cognitivo e poemas
dos desejos), e gravação de informações. Todos se assemelham às técnicas analíticas
anteriores, combinadas e repensadas, sob o olhar mais dinâmico para a assimilação do
movimento e comportamento espacial e não apenas imagens estáticas representativas ou
simbólicas da área.
(1) além do especialista: “excursiona o espaço para reproduzir as
trajetórias do pedestre e gravar observações ao longo do caminho
(2) observação do não-participante: envolve a observação passiva
das atividades de grupos ou indivíduos específicos e as registra
através de anotações, em formas textuais ou diagramáticas, às vezes
releitura de teorias consagradas
| Figs. 145 | trajetórias do pedestre,
associada às observações do profissional.
Fonte: THWAITES & SIMKINS, 2007
além do especialista
observação no não-participante
158
suplementadas por fotografias de tendências comportamentais e
orientações espaciais.
(3) trilhas antropológicas: observa os rastros das pessoas, em vez de
observá-las diretamente. As chamadas linhas dos desejos que tendem
a desenvolver-se em superfícies permitem uma aproximação familiar,
já que eles deixam evidências visíveis de que, em alguns casos, os
padrões reais de movimento dos pedestres não correspondem às
intenções dos arquitetos.
(4) conversação: é tão fácil olhar de cima o valor de conversas casuais
para a compreensão de como os espaços públicos são utilizados sob
o ponto de vista menos estruturado ou científico.
(5) role-play: assumindo personagens com nomes, idade, perfis
detalhados, gostos, hobbies, ocupação e local de trabalho, famílias e
amigos, atribuindo a cada, um endereço real, alocado dentro da área
de estudos. Isso ajudou os estudantes a situarem os personagens
com um grau de realismo (...) e o mais importante, permitiu
desenvolver noções sobre a rotina diária e padrões de movimento de
um endereço ao outro. A maioria dos estudantes criou, também,
storyboards para articulá-los.
(6) entrevista semi-estruturada: método freqüentemente utilizado (...)
na prática rapidamente percebemos que a entrevista era ingênua e
limitada em relação à natureza do lugar. Tivemos que adotar uma
abordagem de entrevista voltada para o movimento do público e
conversações temáticas para os participantes criarem mentalmente, o
mais natural possível, o que fizeram ou sentiram no local (...)
conduzidas em pares, um realiza as perguntas, enquanto outro toma
notas e observa os detalhes subjetivos, como percursos, gestos e
ritmos das conversas.
(6-a) Mapeamento cognitivos: durante o curso do trabalho de campo,
tornou-se aparente que as técnicas de mapeamento cognitivas são
úteis em dois sentidos: Podem ser utilizados convencionalmente para
compreender a percepção em situações existentes, mas também ser
adaptadas para expressar como (as pessoas) gostariam de ver as
mudanças.
(6-b) figuras-palavras (fig. 146): uma ferramenta potente através da
trilhas antropológicas
conversação
role-play
entrevista semi-estruturada
mapeamento cognitivo
159
qual os participantes expressam os seus sentimentos sobre os
lugares, descrevendo-os simplificadamente por palavras ou através de
imagens representativas.
(6-c) poemas dos desejos
36
: uma adaptação da entrevista semi-
estruturada (....) construída gradativamente através do
comprometimento das pessoas sobre temas particulares, como por
exemplo, ‘eu gostaria que o meu playground tivesse’.
(7) gravação de informações: o estágio de reunião de informações
consiste na gravação de voz e transcrição de textos, com anotações
suplementares. Para sumarizá-los, transcrições parciais da percepção
de profissionais e usuários podem ser codificadas de forma
relativamente simples através de gráficos de percepção dos lugares.
(THWAITES & SIMKINS, 2007: 84-176)
Por sua vez, a maior interatividade de Paisagem Experimentada, em
relação às metodologias anteriores se deve, em parte, à adaptação da simbologia a ícones
digitais, que operacionalizados através do computador, condensam e associam informações
de movimento, uso e dimensões espaciais. Camadas de dados de diferentes naturezas são
sobrepostas, combinadas e destrinchadas virtualmente, através de diagramas interativos.
Esse jeito diagramático de expressar o caráter de experimentação do
local é fundamental para a operacionalização da metodologia (...).
Cada símbolo possui o seu próprio registro textual de organizar
detalhes únicos, através de softwares GIS usados para coletar mapas,
revelados a um clique de mouse (...) isso pode também ser
suplementado com fotografias e informação visual.
Não é tanto pelo conteúdo detalhado dos mapas individuais das
metodologias que importa, mas o modo como eles dispõem as
camadas para compreender o espaço em profundidade (...). Isso
permite formas diagramáticas, textuais e fotográficas de informação
para serem coletadas e analisadas em caminhos múltiplos e
diferentes, e essa versatilidade é muito importante para o modo como
os mapas da paisagem experimentada são lidos e interpretados.
(THWAITES & SIMKINS, 2007: 99)
| Fig. 146 | Desenhos realizados por
crianças como suporte para a intervenção.
Fonte:
www.elprdu.com/ims_research.htm
36| Essa técnica foi amplamente explorada
na virada do milênio, através de cápsulas
do tempo contendo milhares de desejos e
sonhos para o futuro da humanidade nos
próximos 100 anos. Quando abertas,
revelarão se os rumos da sociedade
assemelham-se aos bilhetes guardados.
Por sua vez, no workshop Global Studio
2006, em Vancouver, centenas de papéis
em branco, pendurados nos galhos de
pequenas árvores, foram suporte para os
desejos dos professores e alunos que
participaram das atividades.
160
Simplificadamente, a metodologia é definida através de quatro
componentes do espaço público, condensados pela sigla CTDA: centro, direção, transição e
área. O centro está relacionado à experiência de localização; direção à noção de
continuidade e extensão, transição para sentimento de mudanças, e área para a
compreensão da abrangência de ambientes, relacionados através de qualidades singulares.
A metodologia inicia-se a partir da identificação de um centro principal,
ou outros em diferentes escalas, no contexto de uma praça ou espaço livre. A noção de
centralidade está associada à imaginabilidade social (memória do local), interação social ou
territorialidade (locais de encontros e saudações ocasionais, onde se iniciam conversas
entre estranhos, posicionados estrategicamente para a observação e controle de pessoas),
ou benefícios restauradores (áreas para relaxamento, intimidade, refúgio contemplativo e
psicológico).
Imaginário coletivo: Visitas regulares às lojas ou outras atividades
locais podem, freqüentemente, tornar esses espaços marcos na
paisagem nos padrões rotineiros do cotidiano.
interação social: conexão de pessoas que se reconhecem por
freqüentarem o espaço, ou outras desconhecidas, que possuem em
comum as mesmas atividades.
Territorialidade: Controle do espaço através do engajamento pessoal
em atividades; a possibilidade de ser observado ou observar pessoas
à distância.
Benefícios restauradores: a necessidade das pessoas em relaxar e se
recuperar da realidade ao redor (...) isso inclui a sensação de divagar,
psicológica e fisicamente, permitindo a mente de voar. (THWAITES &
SIMKINS, 2007: 99)
| Fig. 147 | As árvores com os desejos ao
fundo do grupo.
Fonte: www.theglobalstudio.com
resumo da organização da metodologia
1 – Centro: Imaginário coletivo
Interação social
Benefícios restauradores
2 – Direção: Cinética
Sensorial
3 – Transição: Limites-entradas
Corredor
Segmento
Efemeridades
Fonte: THWAITES & SIMKINS, 2007: 77
161
A direção é condicionada à noção de cinética-movimento (múltiplas
alternativas, senso de antecipação e inclusão de pontos chaves no caminho), vistas (a
presença de elementos fortes na paisagem), enquanto as áreas de transição são marcadas
por limites e entradas (mudanças bruscas), corredores (mudanças graduais), segmentos
(leve conexão dos espaços) e efemeridade (efeitos temporários de transição).
| Fig. 148 | Legenda padrão para o
mapeamento. Fonte: o autor (THWAITES &
SIMKINS, 2007)
162
Essas três qualidades reunidas são capazes de revelar percursos
principais, pontos de atração, potencialidades, áreas de interação, dispersão e uma dezena
de qualidades, que combinadas e sobrepostas em mapas, indicam as zonas de debilidade e
direcionam o projeto às particularidades de cada espaço público.
Simplificadamente, o método consiste (inicialmente) em trabalhar com
a gama de informações que caracterizam e induzem a apropriação do espaço (1), seguido
pelo registro das informações, sua codificação em termos de CDTA e através de expressões
gráficas como mapas de paisagens experimentadas (2). Em um estágio final, a metodologia
indica como esses mapas podem ser interpretados e utilizados para projetos abertos,
orientados para a interação do público.
| Fig. 149 | Diagramas de avaliação das
qualidades CTDA no espaço público.
Fonte: THWAITES & SIMKINS, 2007: 77
| Fig. 150 | Centro – imaginabilidade social
163
Na verdade, a investigação apontou que ainda não há uma
metodologia de projeto voltada especificamente para ‘produtos’ abertos, interativos e
flexíveis. A maioria dos autores e teorias recentes detém-se na reunião e categorização
didática dos estudos de caso, e em análises preliminares, cujas conclusões são limitadas.
Talvez seja, na verdade, um erro criar um roteiro restrito que visa enquadrar em categorias
pré-determinadas, espaços que são, por essência, mutantes, flexíveis, adaptáveis e
indefiníveis. A metodologia Paisagem Experimentada destaca-se como coesão de teorias
| Fig. 151 | Centro – interação social
| Fig. 152 | Centro – benefício restaurador
| Fig. 153 | Direção – cinética
164
consagradas e critérios analíticos para observação das qualidades dinâmicas (fluxos
cinéticos e comportamentais) do território, não mapeados ou combinados em metodologias
anteriores. Na prática, no entanto, o trajeto projetual, a costura entre as conclusões
diagramáticas e esquemáticas, continua sendo um processo aberto, pessoal, criativo e,
principalmente, imprevisível.
Peça a 10 profissionais da paisagem ou urbanistas, experientes e
treinados, para registrar as suas percepções particulares de um
território e você encontrará 10 resultados diferentes, ainda que as
instruções entregues a eles, para a interpretação do lugar, sejam
muito precisas. Haverá alguns resultados em comum, cerceados pelos
seus conhecimentos profissionais preliminares, mas haverá também
muitas e significativas diferenças. (THWAITES & SIMKINS, 2007)
| Fig. 154 | Direção – sensorial
| Fig. 155 | Transição
| Fig. 156 | Sobreposição dos mapas
165
5| A EXPERIMENTAÇÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A SÍNTESE
Após explorar a teoria acadêmica e alimentar-se de idéias,
fomentadas por estudos de caso e métodos de representação, torna-se igualmente
importante conduzir uma breve análise crítica através do experimento, para verificar a
validade e o potencial do embasamento teórico apresentados nesse trabalho.
Distante da proposição de um projeto fechado, que contraria a
natureza conceitual dos espaços públicos flexíveis e adaptativos, esse capítulo detém-se na
proposição de idéias para um contexto existente: a George Square, na área central de
Glasgow. “Uma praça central pode ser um importante dispositivo sócio-psicológico e de
orientação perpétua”. (MARCUS & FRANCIS, 1998: 188, tradução do autor)
Percurso diário e obrigatório durante o semestre de estudos na
Universidade Strathclyde (setembro de 2007 a fevereiro de 2008), a George Square foi
lentamente revelando-se uma fonte rica de experiências e novidades. Localizada numa área
central de Glasgow, projetada ainda no século XVIII, a praça sobreviveu às turbulências e
benefícios impostos pela passagem do tempo e, apesar da manutenção da forma,
reinventou-se continuamente em conteúdo e representatividade para a imagem da cidade.
na maioria das cidades, o desafio para a regeneração urbana reside
em criar não apenas formas, mas também novo conteúdo. Você não
pode simplesmente copiar ou reconstruir a forma; você tem que se
preocupar com novo conteúdo. (HERZOG, 2006, tradução do autor)
Através da combinação de diversos métodos de observação e
representação da realidade, associado ao conhecimento empírico do local mescla nessa
abordagem o embate entre o olhar profissional, embasado por metodologias para o
o engenho do experimento
por que uma praça na Escócia?
Conteúdos em mutação
olhar profissional x visão como usuária
166
reconhecimento de sítio, e a visão de usuária estrangeira, impregnada de referências
tropicais de uso do espaço público e o conseqüente preconceito sobre as limitações
impostas pelo inverno escocês para a experimentação máxima da praça.
Desprovida da pretensão de re-estruturação de um território já
consolidado, tal como a George Square é no imaginário da população local e, distante de
propor um projeto fechado, essa sessão detém-se na proposição de pequenas intervenções
como resposta às debilidades evidenciadas pela observação sistemática do espaço público.
O capítulo inicia-se com um breve histórico, caracterização e
localização da George Square no contexto de Glasgow, seguida da observação da praça
através de fotografias, colagens, simulação de percursos, monitoramento 24 horas por
webcams, além da criação de mapas cognitivos e gráficos, segundo a metodologia
Paisagem Experimentada, de Kevin Thwaites e Lan Simkins. Ao final, fruto de um brain-
storm de idéias, são sugeridas propostas pontuais, de caráter permanente ou temporário,
como solução para pequenas desconexões, a potencialização do uso da praça ou
simplesmente para reforçar as qualidades pré-existentes nesse espaço.
5.1| Deixemos Glasgow florescer!
37
A maioria das praças cívicas, projetadas no século XIX e XX, foram
concebidas como área livre na paisagem edificada. Elas são espaços
tradicionais para celebrações e demonstrações cívicas (...). Se você
anseia em ver uma estátua eqüestre de um líder militar já esquecido
ou um patrono cívico, então uma praça pública é certamente o lugar
para onde olhar. (GAVENTA, 2006: 18, tradução do autor)
A George Square é a maior praça escocesa, localizada na área central
de Glasgow (fig. 157). Fundada em 1781, em homenagem ao Rei George III, foi parte de um
plano para a ‘urbanização’ de uma cidade essencialmente rural e ocupada por enormes
um turbilhão despretensioso de idéias
37| tradução da frase utilizada para a
publicidade da cidade no final do século
XIX. Fonte: SOMERVILLE, 1891.
38| Com dimensões semelhantes às atuais
(140x80m
2
), a George Square foi projetada
originalmente como uma praça dupla,
separada ao meio pela North Hanover
Street e a Hanover Street, mas esse
desenho nunca foi implementado.
| Fig. 157 | O piso vermelho distingue a
George Square em vista aérea. Em
amarelo, a Queen Station é a porta de
entrada para as viagens de trem para o
leste do país e, principalmente, a capital
Edimburgo. A linha tracejada indica a
separação da praça por um eixo viário não
167
fazendas e casas de campo. Com dimensões próximas às atuais
38
, mas limitadas por
cercas, o acesso a George Square era restrito à vizinhança mais próxima. Relatos e
ilustrações da época, reunidos por historiadores, demonstram um espaço público utilizado
como extensão do quintal e das zonas de serviços de residências: locais para animais e
lavagem de roupas.
A praça foi criada no ano 1781. Simplesmente não foi feito muito mais
para marcar os seus limites; um escritor, descrevendo
aproximadamente vinte anos mais tarde, declara que era um ‘buraco’,
cheio de água-verde e o local turístico favorito para afogar filhotes de
cachorros e gatos, enquanto o limite dessa piscina suburbana era o
abatedouro de cavalos. (SOMERVILLE, 1891:9, tradução do autor)
Após as guerras napoleônicas e a Guerra Civil Americana (1861-
1865), um período de paz reinou sobre o Reino Unido e suas cidades voltaram-se para o
seu desenvolvimento interno. Glasgow, notadamente caracterizada por fazendas e ranchos,
apresentou um desenvolvimento formidável para os padrões da época. As vias limítrofes à
George Square, antes ‘estradas principais da cidade’, foram retificadas e rebatizadas;
importantes instituições financeiras e governamentais construíram edifícios imponentes ao
longo das novas ruas; famílias mais abastadas substituíram as antigas casas de fazendas,
por novas mansões em estilo clássico italiano. A praça, antes cercada, abriu-se para a
cidade.
Os últimos cinqüenta anos fizeram uma mudança maravilhosa dentro
e ao redor da praça (o autor escreve em 1891). A primeira imagem foi
encontrada em uma caricatura em 25 de junho de 1825 (...) Há a
estátua solitária do Senhor John Moore, ao redor da qual alguns
garotos estão correndo e dançando com cabos. (SOMERVILLE, 1891:
20-21, tradução do autor)
Centro gravitacional da cidade, a George Square tornou-se símbolo do
realizado.
| Fig. 158 | A caricatura caracteriza a praça
em 1825, quando a primeira estátua foi
erguida, do militar Sir John Moore (1819).
Fonte: SOMERVILLE, 1891: 21
| Fig. 159 | Edifício do governo municipal,
construído entre 1883 e 1887.
Fonte: SOMERVILLE, 1891: prefácio
168
momento de prosperidade que a cidade vivia: construção de hospitais públicos, a
implementação de leis sanitárias, novas redes de abastecimento de água, o crescimento da
indústria têxtil e siderúrgica, melhorias na educação, a construção de bibliotecas públicas,
museus, além da criação de novos parques e praças em diversos pontos da cidade.
A praça era dividida em canteiros de flores e pavimentos asfaltados, com bancos e
iluminação adequada à noite, e sempre aberta”. (SOMERVILLE, 1891: 20)
Será visto que o estilo dos Edifícios Municipais possui tratamento
renascentista italiano (figs. 159 e 160). Nas fachadas, dignidade e
efeito artístico foram alcançados por um grupo de massas na
composição gera, e um senso refinado de proporções. (fig. 160) Outro
aspecto notável é o desenho do piso, em que cada frente possui uma
individualidade e tratamento especial próprio, enquanto ao mesmo
tempo, unidade foi dada a todo projeto pela repetição e equilíbrio do
contorno. A altura geral das paredes é de 75 pés sobre o nível da rua.
(SOMERVILLE, 1891: 52, tradução do autor)
No século XIX, Glasgow esteve à frente de grandes descobertas na
ciência, indústria e comércio, que contribuíram para o seu desenvolvimento e a elevaram à
orgulhosa posição de segunda cidade do Império Britânico. A prosperidade da cidade
motivou, inclusive, a visita da Rainha Victoria e o seu marido em 14 de agosto de 1849.
Essa celebração, em praça pública, surtiu um efeito psicológico impressionante sobre a
população, motivado pelo progresso após um reinado anterior de profunda crise econômica,
fome e miséria. Além disso, as visitas reais anteriores datavam de 1617 (James VI) ou, mais
de um século depois, em 1745, ocasião em que o Príncipe Charles esteve na cidade por
quatro dias.
Quando informaram que ela seria agora a Rainha do Reino Britânico,
ela imediato e instintivamente disse, ‘eu serei boa’, e pediu ao
reverendo Arcebispo para orar por ela e pelo Reino. O seu direito à
sucessão, seguindo a linha real, residia no fato de que o Rei William
| Fig. 160 | Imagem do edifício do Banco da
Escócia. Fonte: SOMERVILLE, 1891: 28
Minhas melhores recordações da praça
foram por volta de 1962-65, quando a
cidade montou alguns festivais de verão.
Havia grupos de pop e jazz, durante o
almoço, e todos saíam dos escritórios e
sentavam-se sobre a grama para comer os
seus sanduíches e ouvir às músicas. Minha
banda favorita era Alex Boyd e West Coast
Jazz Band. O clarinetista saía do seu
emprego na loja dos correios, tocava na
praça, corria de volta para o seu posto e
voltava a trabalhar!
Hughmac, 11 de janeiro de 2008
Fonte: discuss.glasgowguide.co.uk
169
IV, terceiro filho de George III, não deixou nenhum herdeiro, e ela era
filha do Duque de Kent, seu irmão, o quarto filho do mesmo monarca.
(SOMERVILLE, 1891: 65, tradução do autor)
Ao longo do último século, a George Square foi palco de atos
públicos, assistiu a duas grandes guerras mundiais, crises e prosperidades econômicas,
homenagens e festividades coletivas, realizadas através de instalações temporárias, ou de
treze estátuas que, pontuadas em toda a praça, relembram personagens ilustres e ajudam a
contar progressivamente a história da cidade. Em 13 janeiro de 1919, por exemplo, a praça
assistiu à maior manifestação operária na Escócia, quando cerca de 30 mil funcionários
reivindicaram a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. O choque direto
com as forças militares, resultou na célebre Sexta-Feira Preta e, um mês após, na
negociação por uma jornada menor, porém ainda de 47 horas por semana.
Atualmente, a pavimentação vermelha, luminárias antigas, os jardins
simétricos, bancos de madeira e monumentos comemorativos convivem com estruturas
modernas de suporte para shows e grandes eventos na cidade. Em quase seis meses,
durante o período de outubro de 2007 a fevereiro de 2008, a George Square abrigou
exposições de veículos, lançamentos de filmes, comemoração pela vitória como sede do
Commonwealth Games 2014
39
, pista de patinação no gelo, mercado público e iluminação
natalina, shows em celebração à virada do ano, o Festival Radiance 2007, maratonas de
corrida e ciclismo e toda a sorte de eventos em diferentes escalas.
Apesar da austeridade do entorno edificado, a rigidez formal da praça,
a monotonia cromática das fachadas e monumentos, o tráfego de veículos e a aparente
dificuldade para a travessia de pedestres, a George Square é o espaço público mais
utilizado no centro de Glasgow. Nenhuma praça, ainda que beneficiada pelo metrô, pela
Eu tenho em mente a memória da minha
velha mãe de 88 anos. Ela lembra bem o
dia que a guerra acabou (Segunda Guerra);
parecia que todos tinham reunido as
crianças e as famílias e caminharam para a
George Square. Ela me disse que o locutor
da rádio não pediu que a população de
Glasgow fizesse isso; simplesmente foi um
sentimento coletivo de que a praça parecia
o melhor local para a celebração. Então,
minha mãe, meu pai e eu, ainda um bebê,
caminhamos da Crown Street para George
Square. Um boa caminhada, diria. Quando
eles chegaram lá, a praça estava lotada
(...). Ela (George Square), de fato, possui
um lugar especial na memória e no coração
de minha mãe.
Jaybee, 29 de agosto de 2006
Fonte: discuss.glasgowguide.co.uk
39| Competição esportiva que reúne o
Reino Unido e todos os países de
colonização inglesa. Realizado desde 1930,
ocorre em intervalos regulares a cada
quatro anos.
170
estação central de trem, as galerias e ruas de pedestre, a proximidade do campus
universitário ou outras facilidades, superam a sua capacidade de atração do público e
semelhante posição no imaginário da cidade. No fórum de discussão online
(
www.glasgowguide.co.uk) diversos depoimentos e fatos curiosos demonstram a influência
que a George Square possui sobre o imaginário da população local. A freqüência de
fotógrafos em busca dos melhores ângulos para folhetos e imagens publicitárias, a
concentração de turistas, a utilização da praça como ponto de encontro ou referência de
localização confirmam, de fato, a George Square como o coração da cidade.
Índice de monumentos na George Square,
organizados em ordem cronológica:
1819 – Sir John Moore (1761 - 1810), militar
na Guerra da Península |1|
1832 – James Watt (1736-1819), inventor e
engenheiro mecânico |2|
1837 – Walter Scott (1771-1832), poeta |3|
1854 – Rainha Victoria (1819-1901) |4|
1856 – James Oswald (1779-1852),
membro do Parlamento |5|
1859 – Robert Peel (1788-1850), Primeiro
Ministro |6|
1866 – Príncipe Alberto |7|
1868 – Lord Clyde (1865-1944), general do
Exército na Índia |8|
1872 - Thomas Graham, químico |9|
1877 – Thomas Campbell, poeta |10|
1877 – Robert Burns, poeta |11|
1902 – William Gladstone (1809-1898),
Primeiro Ministro |12|
1921 – Cenotaph |13|
Edifícios principais:
1874 – Edifício Bank of Scotland (direita)
1888 – Edifício Municipal (esquerda)
171
5.2| Reconhecendo a George Square...
Uma Olinda inteiramente nova que em suas dimensões reduzidas
conserva os traços e o fluxo de linfa da primeira Olinda e de todas as
Olindas que despontaram uma de dentro da outra; e no meio desse
cercado mais interno já despontava – mas é difícil distingui-las – as
Olindas vindouras e aquelas que crescerão posteriormente.
(CALVINO, 1998: 125)
Apesar da passagem do tempo, a observação mais apurada da
George Square revela traços semelhantes de ocupação do espaço público; os usuários
conservam os mesmos hábitos de permanência, movimentam-se nas áreas de costume,
cruzam a praça seguindo determinadas direções predominantes. Fotos de época
demonstram as mesmas aglomerações, os pontos de maior atração, as regiões mais vazias
ou densificadas, ainda que o vestuário, os padrões de mobília urbana ou bondes
eletrificados evidenciem a distância temporal que separa as imagens em preto e branco da
dinâmica colorida e acelerada do espaço real experimentado (figs. 161 e 162).
Embora o escopo da dissertação defenda a imprevisibilidade e a
capacidade de adaptação do espaço público frente à cidade múltipla e ao comportamento
humano diverso, pesquisas no campo do urbanismo e da arquitetura, sob um olhar
sociológico, extraem determinadas lógicas de ocupação do espaço, nas quais a
imprevisibilidade se deve não apenas à apropriação dos elementos existentes, mas à
capacidade criativa de reinventar o território, transpor os tradicionais padrões de uso e
reutilizar os mesmos espaços e objetos, sob novos pontos de vistas.
A investigação conduzida na década de 1980 por William White e
reforçada por estudos posteriores dos arquitetos Jan Gehl e Lars Gemzoe, revela alguns
padrões de interação entre os usuários, sua relação com os elementos fixos do território, a
| Fig. 161 | Os monumentos como bancos.
Fonte: SOMERVILLE, 1891: 68
| Fig. 162| Há pouco, no mesmo pedestal...
172
previsibilidade dos movimentos de reunião e dispersão, e uma dezena de diferentes
relações ‘imutáveis’ no mesmo espaço público. Adotando a técnica observação de não-
participante, segundo a metodologia Paisagem Experimentada, foram também identificados
na George Square os mesmos padrões de comportamento estudados por William White:
| Figs. 163, 164 e 165| A maioria das pessoas que usa as praças está em pares ou grupos
de três ou mais. A maioria dos assentos é linear. Isso é bom para os indivíduos, para pares,
mas não muito bom para três ou mais. Permitindo a eles uma organização livre, como
cadeiras, as pessoas em grupo as posicionarão em ângulos próximos a 45 graus (...).
Bancos são artefatos de projeto, cujo objetivo é pontuar fotografias arquitetônicas. Eles
estão freqüentemente sentados em forma modular, espaçados eqüidistantes um do outro,
em uma simetria que é agradável em planta. No entanto, eles não são muito bons, para se
sentar. (WHITE, 1980: 115-116)
Eles não são bons assentos: há muito pouco deles; eles são tão pequenos; eles são
freqüentemente isolados de outros bancos ou qualquer ação que ocorre na praça. Pior
ainda, tendem a repetir o mesmo módulo de praça após praça, ainda que esse (módulo) não
tenha funcionado muito bem no primeiro lugar. (WHITE, 1980: 33)
linearidade limita as conversas em grupo
solução: É fácil posicionar os bancos de tal
modo a facilitar escolhas. Em vez de
enfileirá-los, tudo o que se deve fazer é
dispor alguns em ângulos em relação aos
outros. (WHITE, 1980: 117)
arranjo de bancos previsível e monótono
a praça volta-se para dentro e não se
relaciona com os edifícios adjacentes
solução: rompimento da barreira formada
pelos bancos e estímulo aos fluxos
multidirecionais, em oposição à
segmentação entre a circulação periférica e
a interna
173
| Figs. 166, 167 e 168| Tipicamente, eles (os bancos) voltam-se para dentro, com as suas
costas expostas para o tráfico de veículos nas ruas. (WHITE, 1980)
|figs. 169, 170 e 171| Assista como os bancos são ocupados. A primeira aproximação
normalmente ocorre no final do banco, não no meio. A ocupação subseqüente ocorre em
qualquer ponto livre, próximo ao final. Somente quando há poucos espaços vazios, as
pessoas se sentarão no meio, e alguns preferirão permanecer em pé. WHITE, 1980: 117
As esquinas são funcionais. Você perceberá que as pessoas freqüentemente agrupam-se
nas extremidades dos degraus, especialmente quando uma borda provém um ângulo
correto. Essas áreas são adequadas para se sentar frente a frente. As pessoas em grupo
gravitam próximas a elas. (WHITE, 1980: 32)
|figs. 172, 173 e 174| Nós tivemos que concluir que as pessoas sentarão em qualquer lugar
entre a altura de um pé ou três. (WHITE, 1980)
Cada banco ou área de permanência deveria ser colocada onde há, por exemplo, um
pequeno espaço dentro do espaço, um nicho, uma esquina, um lugar que oferece intimidade
e segurança e, como regra, um micro clima adequado. (GEHL & GEMZOE, 2003)
as pessoas precisam de distâncias de
conforto social. Quando os assentos são
fixos, os espaços vazios são funcionais
A distância social entre pessoas é uma
dimensão sutil e sempre se altera. Mas a
distância de assentos fixos não muda e é
por esse motivo que eles raramente
agradam a todos. (WHITE, 1980: 121)
novas apropriações em alternativa aos
bancos lineares. As pessoas buscam
privacidade em áreas menos expostas
174
|figs 175 a 180| As pessoas reúnem-se em artefatos de várias formas e dimensões (bancos,
degraus, bordas de jardins e próximas a elementos focais). MARCUS & FRANCIS, 1998: 39
Eles também demonstram uma inclinação a pararem perto dos objetos (...). Eles gostam de
espaços bem-definidos, tais como degraus e as bordas de uma piscina. O que eles
raramente escolhem é o meio de um amplo espaço. (WHITE, 1980)
|fig. 178| Em parques e áreas gramadas perto de residências, as pessoas freqüentemente
possuem dificuldade em sair e sentar-se na grama, se não há ‘nada perto para se sentar. ’
(GEHL & GEMZOE, 2003)
|fig. 181 a 184| Comida atrai pessoas, que atraem mais pessoas. Temos uma excelente
oportunidade de observar o efeito através de experimentos semi-controlados em uma praça
objetos atraem pessoas. São lugares
confortáveis para a parada.
|fig. 176 e 177| a lixeira como ponto de
referência.
|fig. 179| a mulher marca um encontro
próximo ao monumento: ponto de
referência e visibilidade, sem a exposição
direta em um largo espaço vazio.
175
nova. Inicialmente, não havia comida. Um número moderado de pessoas usou a praça. Sob
nossa sugestão, a administração colocou um stand de comida. Foi um sucesso imediato (um
carro de flores não foi). Mais pessoas chegaram. Um vendedor ambulante montou uma
banca na calçada; então outro (...). Em seguida, a administração pegou o restaurante no
edifício para abrir um pequeno café voltado para o exterior. Mais pessoas chegaram e ainda
mais – acima e além do número que usava o café. (WHITE, 1980: 53)
|fig. 185| Todas as praças projetadas para permanência deveriam ter o máximo de áreas
possível, dentro de uma zona confortável – um percurso de condições climáticas fisicamente
prazerosas para uma pessoa que está na sombra ou com roupas casuais. Os principais
fatores que afetam o conforto nas áreas livres externas são temperatura, sol, umidade e
vento. (MARCUS & FRANCIS, 1998: 32)
|fig. 186| O que faz as pessoas sentirem-se desconfortáveis é o contato visual direto com
estranhos. É verdade que as pessoas gostam de observar outras, mas não gostam de ser
vistas observando, ou de serem observadas. (WHITE, 1980: 117)
| fig. 187| Bancos que provêm uma boa visão das atividades do entorno são mais usados
que bancos com pouca ou nenhuma visão dos outros. (GEHL & GEMZOE, 2003)
| fig. 188, 189 e 190| As pessoas aproximam-se mais em lugares barulhentos que nos
silenciosos. (WHITE, 1980: 133)
a loja de sanduíches Greggs, na
esquina, estimula a ocupação da George
Square durante o almoço
William Whyte (1980) comenta que um
quiosque de comida não deve ocupar uma
área muito ampla, mas se concentrar em
um ponto. Soa mais atrativo e por
reverberação, ‘contagia’ as demais áreas
da praça.
|fig. 185| a área de sol é a mais disputada,
principalmente em cidades do hemisfério
norte, como Glasgow
|fig. 186| o rapaz escolhe um local em que é
possível observar a chegada das pessoas,
mas que possui, ao mesmo tempo, um grau
de privacidade e menor exposição
|fig. 187| rapaz observa as atividades do
entorno
|figs. 188 a 190| áreas ocupadas atraem
mais pessoas e, em geral, os mais jovens
176
|fig. 191, 192 e 193 | Uma boa praça começa na esquina da rua. (WHITE, 1980: 54)
|fig. 183| Padrões de permanência são similares. Quando as pessoas param para conversar
em uma praça, eles costumam fazê-lo no meio do fluxo de tráfego. Eles também
demonstram uma inclinação em permanecer próximo aos objetos, como um mastro ou
estátua. (WHITE, 1980: 21)
|fig. 194| “Eles fazem pior quando congelam o desenho dos bancos. (...) Por que não
experimentar? Alguns traços, como bordas e degraus, serão fixos, mas os bancos e as
cadeiras não devem ser.” (WHITE, 1980: 34)
|fig. 195| Seguindo a tendência de que as pessoas tendem a se aproximar de objetos, a
municipalidade de Glasgow freqüentemente utiliza os monumentos ou elementos fixos para
‘esconder as estruturas de apoio de eventos: banheiros químicos e containeres.
|fig. 196| Pequenas novidades no espaço público atraem as pessoas.
as esquinas como ‘ponto de encontro
espaços vazios são desconfortáveis. As
paradas ocorrem próximo aos objetos
simulação dos percursos do método
Paisagem Experimentada
177
Seguindo o método além do especialista de Kevin Thawaites e Lam
Simkins, foram traçadas quatro diferentes trajetórias de acesso à praça, segmentadas em
cinco pontos distintos de observação, para a identificação das qualidades CTDA, definidas
pelos autores: centro, direção, transição e área. Conforme ilustrado em planta, o trajeto AA
simula o percurso diagonal entre a George Street e a Queen Street, o BB’ da George Street,
na saída da estação de trem (Queen Station) no sentido da Cochrane Street, o percurso CC’
entre a North Hanover e a Hanover Street, o eixo que corta transversalmente a praça e, ao
final, o trajeto DD’ entre o edifício do Banco da Escócia, na Queen Street, em direção ao
Edifício Municipal, na lateral oposta da George Square.
Mais de 300 fotografias registram o entorno, o conteúdo da praça e o
movimento dos usuários em diferentes datas, horários e condições climáticas. Observações
adicionais foram realizadas através de 300 imagens suplementares, registradas por duas
webcams posicionadas em edifícios adjacentes à George Square. Esse monitoramento (fig.
197, ao lado) ratifica as áreas de permanência, os locais de descanso, o fluxo intenso de
pedestres, as visuais predominantes e os espaços de maior interesse, destacados segundo
a simbologia de Paisagem Experimentada. Como síntese da análise, os gráficos concluem o
coeficiente de ocupação e movimento (centro, direção e transição) predominantes em cada
um dos 20 pontos observados.
|fig. 198| montagem panorâmica da Praça George Square
|fig. 197| Fonte:
www.glasgow.gov.uk
178
A
A
1
2
3
4
5
B
B’
2
3
4
5
1
B
1
2
3
4
5
C
C’
D
D’
1
2
3
4
5
|Fig. 199| planta com os quatro percursos definidos em cores
179
|Figs. 199 e 200| Percurso AA’: George Street em direção à Queen Street
|fig. 201| 1 |fig. 202| 2 |fig. 203| 3 |fig. 204| 3 |fig. 205| 4 |fig. 206| 5
Conexão entre a Universidade Strathclyde e o centro de Glasgow, o percurso AAé o que concentra o maior fluxo de pedestres e o trajeto mais
rico em detalhes, em ambos os sentidos (fig. 203): a predominância das visuais do obelisco, as torres do Edifício Municipal (fig. 204 e 205), as
áreas intimistas entre os jardins e os bancos (fig. 202). O percurso é estimulante e mescla diferentes escalas, reveladas pela noção de cheios
e vazios, bem como a sensação de entrada em um espaço solene, acentuada pela diferença entre o corredor estreito, conformado pela
esquina e o monumento Cenopath, e a sensação de amplitude do espaço aberto, desvendado atrás do obelisco.
|fig. 207| |fig. 208| |fig. 209| |fig. 210| |fig. 211| |fig. 212|
180
|Figs. 213| Percurso BB’: George Street em direção à West George Street
|fig. 220| |fig. 221| |fig. 222| |fig. 223| |fig. 224| |fig. 225|
|fig. 214| 1 |fig. 215| 2 |fig. 216| 3 |fig. 217| 3 |fig. 218| 4 |fig. 219| 5
Apesar da George Street concentrar os hotéis mais importantes de Glasgow, ser a porta de entrada para a rua de pedestres e o acesso à
Queen Street Station, o percurso é o de menor movimento. No ponto 1 (fig. 214), o olhar do visitante é atraído pelas torres do edifício Municipal
e, mais adiante, pelo obelisco no centro geométrico da praça (fig. 215). A força do grande espaço vazio predominante nesse trajeto (figs. 216,
222 e 223) é, na verdade, funcional: ponto de encontro, reunião de grupos, espaço para instalações temporárias (palcos para shows e
pavilhões itinerantes), ou alívio e relaxamento do ambiente densamente construído do entorno. Jogos de futebol, skates ou patinação
ocorrem na periferia desse espaço, próximo às áreas de permanência e concentração de pessoas.
181
|Figs. 226 e 227| Percurso CC’: North Hanover Street em direção à Hanover Street
|fig. 231| |fig. 232| |fig. 233| |fig. 234| |fig. 235| |fig. 236|
|fig. 226| 1 |fig. 227| 2 |fig. 228| 3 |fig. 228| 3 |fig. 229| 4 |fig. 230| 5
no ponto 01 (fig. 226), o obelisco destaca-se como importante marco visual da George Square. Os demais monumentos pontuam o trajeto
e concentram pequenos centros de permanência e atividades. A estátua do poeta Robert Burns (fig. 228), ligeiramente dispersa e assimétrica
em relação aos demais elementos da praça, adquire notoriedade e torna-se um importante centro de imaginário coletivo e de interação
social, segundo nomenclatura de Paisagem Experimentada (fig. 232). Contraditoriamente, a imagem de Lord Clyde (fig. 229), poucos
metros dos demais monumentos, permanece sempre vazia e isolada, rivalizando em atenção com os painéis digitais do edifício em
construção na esquina. Essa dinâmica provavelmente será alterada a partir da desobstrução da rua e conclusão do novo edifício (fig. 230).
182
|Figs. 237 a 238| Percurso DD’: West George Street, transversal à George Square
|fig. 239| 1 |fig. 240| 2 |fig. 241| 3 |fig. 242| 3 |fig. 243| 4 |fig. 244| 5
|fig. 245| |fig. 246| |fig. 247| |fig. 248| |fig. 249| |fig. 250|
Novamente, as torres do edifício Municipal despontam na paisagem como importantes pontos de atração visual. Nesse percurso, as estátuas
eqüestres dos reis britânicos (figs. 240 e 241) possuem grande importância e destaque, como área de permanência e pequenos encontros
sociais. Ao mesmo tempo são também utilizados pela municipalidade como obstáculos visuais para containers, banheiros públicos e veículos
de apoio à manutenção da George Square. A área 02 é a que apresenta maior desconexão dinâmica com a praça, tendo como circulação
predominante, o corredor periférico e paralelo ao Bank of Scotland. A área 4, no extremo oposto, por sua vez é escolhida para conversas
veladas, momentos de relaxamento, reflexão e privacidade.
183
|fig. 251| CENTRO
imaginário coletivol
interação social
benefícios restauradores
184
|fig. 252| DIREÇÃO
movimento
185
|fig. 253| DIREÇÃO
vista
186
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Ts
Ts
|fig. 254| TRANSIÇÃO
limites-entradas
corredor | segmento | efêmero
187
forte
moderado
fraco
1
centro direção transição
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
2
centro direção transição
3
centro direção transição
4
centro direção transição
5
centro direção transição
|fig. 255| Avaliação do percurso AA
4
centro direção transição
5
centro direção transição
1
centro direção transição
2
centro direção transição
3
centro direção transição
|fig. 256| Avaliação do percurso BB’
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
Através do percurso AA’, foi possível
identificar a área do obelisco como o centro de imaginário coletivo
mais importante na George Square. A potência visual desse
monumento vertical converge os usuários da praça, os convida à
permanência e eleva esse espaço também à posição de centro de
sociabilidade e benefício de restauração. Esse centro maior é
caracterizado pela heterogeneidade de sub-centros, que alternam
áreas mais propícias ao contato coletivo, em detrimento de outras
voltadas para a introspecção e atividades individuais: A área de
bancos voltada para o canteiro verde da George Street, ao norte da
praça, apresenta um caráter maior de sociabilidade, enquanto ao
sul, a atmosfera é mais silenciosa e propícia à leitura ou conversas
particulares. Em oposição, o fluxo de movimento é mais acentuado
ao sul do obelisco, onde a concentração estacionária de pessoas é
reduzida.
No trajeto BB’ a particularidade mais
acentuada se deve ao impacto psicológico que o espaço vazio
monumental exerce sobre a escala humana (fig. 256, pontos 2 e 3).
A sensação de praça cívica, acentuada pela profusão de
ornamentos do edifício Municipal e o caráter histórico das estátuas,
criam um ambiente propício para grandes eventos, instalações
temporárias e objetos itinerantes. Ao preencherem parcial e
sazonalmente o território, esses novos elementos instalam pontos
de permanência, onde antes o movimento era predominante.
188
1
centro direção transição
2
centro direção transição
3
centro direção transição
4
centro direção transição
5
centro direção transição
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
|fig. 257| Avaliação do percurso CC’
1
centrO direção transição
2
centro direção transição
3
centro direção transição
4
centro direção transição
5
centro direção transição
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
forte
moderado
fraco
imagem
social
relaxamento
vista
movimento
entrada
segmento
corredor
efêmero
|fig. 258| Avaliação do percurso DD’
O trajeto CC’, que corta transversalmente a
praça, contribuiu para verificar a importância dos monumentos
pontuais como centro de imaginário e sociabilidade. A posição das
estátuas em relação aos demais objetos e principais fluxos de
movimento são fatores igualmente importantes para a atribuição de
significado a esses monumentos. Em geral, os objetos próximos às
áreas de permanência ou na periferia de grandes espaços livres
são os mais utilizados; figuras posicionadas através de regras de
geometria espacial ou isoladas em áreas vazias tornam-se menos
intrigantes para o público. O sentimento de instabilidade ou leve
deslocamento são importantes para atrair o olhar e destacá-los em
meio a um contexto homogêneo.
O ponto 3 do percurso DD’, por exemplo,
ilustra o potencial simbólico do monumento ao poeta Robert Burns
(fig. 258). Deslocado em relação aos demais, a imagem instiga a
curiosidade dos passantes, é ponto de parada e de permanência
para grupos. No mesmo trajeto, as esculturas eqüestres da Rainha
Victoria e seu marido constituem pórticos de acesso longitudinal à
George Square e são utilizados como bancos, espaço de
contemplação e relaxamento. No entanto, pouco relacionadas,
ambas pairam esparçadas e desconectadas entre si, mantendo
inexplorado o potencial de moldura ou pórtico de entrada à praça.
189
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Ts
Ts
|fig. 259| SÍNTESE DO MAPEAMENTO
190
Diante das constantes mudanças climáticas, da alternância de
períodos chuvosos no mesmo dia ou mudança na velocidade e direção dos ventos, tornou-
se igualmente importante o monitoramento das condições metereológicas e a sua influência
sobre o funcionamento da praça. Apesar do uso do espaço público estar diretamente
relacionado ao conforto e proteção às intempéries, a população local é mais tolerante às
baixas temperaturas e permanece na praça, independente das condições adversas. As
descrições na coluna lateral transcrevem uma pequena parte do cruzamento diário de dados
metereológicos e as imagens das webcams para a compreensão do funcionamento da
George Square.
Analisando o conteúdo geral da praça, independente da lógica
delineada pelas metodologias aplicadas, uma breve observação pessoal é suficiente para
revelar a importância imagética dessa grande praça cívica e, na ausência de novos
estímulos pontuais, a relação afetuosa estabelecida entre os usuários e os monumentos
edificados.
17 de janeiro de 2008
Hora
0
C ventos descrição
11h00minh 2 8 milhas chuva forte
12h00minh 5 8 milhas nublado
13h00minh 5 8 milhas chuva
leve
15h00minh 4 8 milhas chuva leve
Andaimes e veículos retiram os enfeites
natalinos da George Square
13h00minh- homem parado sobre o
pedestal da estátua do Príncipe Alberto,
com o lanche para almoço. Como estava
molhado com a chuva, ele forrou o tampo
do pedestal com o plástico para apoiar seus
pertences e deixar as mãos livres para
comer.
15h00minh – assim que a chuva parou, um
homem sentou-se no banco molhado. Mas,
permaneceu por pouco tempo.
01 de fevereiro de 2008
Hora
0
C ventos descrição
11h00minh 3 30 milhas nublado
Ventos muito fortes. Bancos virados na
praça
191
5.3| A Apresentação de idéias...
confluência e entrechoque de uma multiplicidade de métodos
interpretativos, maneiras de pensar, estilos de expressão. Mesmo que
o projeto geral tenha sido minuciosamente estudado, o que conta não
é o encerrar-se numa figura harmoniosa, mas a força centrífuga que
dele se liberta, a pluralidade das linguagens como garantia de uma
verdade que não seja parcial. (CALVINO, 1998: 131)
Com o objetivo de direcionar as propostas projetuais ao embasamento
metodológico de Paisagem Experimentada, frente à multiplicidade de idéias e abordagens,
serão utilizadas exclusivamente as conclusões provenientes dos gráficos analíticos e dos
mapas cognitivos dos quatro percursos, apresentados no sub-capítulo anterior.
A primeira conclusão indicada pelos gráficos é o baixo coeficiente de
efemeridade (variação nas sensações), na maioria os pontos avaliados na George Square.
Segundo Lan Simkins e Kevin Thwaites, a experiência no espaço público é enriquecida
pelas transição entre zonas peculiares ou sensações sensoriais especiais. No entanto, a
percepção de temperatura, das cores, vento, insolação ou sombra permanece constante,
homogênea e inexplorada em de toda a praça.
A variedade e qualidade dos efeitos de textura, cor, massa, som e
odores, criados através de um planejamento cuidadoso, pode
adicionar prazer aos usuários da praça. (MARCUS & FRANCIS, 1998:
44, tradução do autor)
Trabalhando especificamente o fator transição-efemeridade destaco,
através do jogo de oposições, algumas qualidades importantes a serem exploradas e suas
conseqüentes sugestões de projeto:
Frio x aquecimento: criação de ‘cômodo temporários aquecidos’.
18 de janeiro de 2008
Hora
0
C ventos descrição
10h00minh 6 16 milhas chuva
leve
11h00minh 5 17 milhas chuva leve
11h00minh – Um grupo permaneceu parado
entre os dois jardins e o obelisco central,
apesar da chuva. Em geral, tenho
observado que os encontros são realizados
nos lugares mais abertos, onde há mais
visibilidade: onde podem ver e serem vistos
ao mesmo tempo. Mesmo com a chuva
fina, eles permaneceram, sem proteção ou
guarda-chuva, por mais de 15 minutos.
21 de janeiro de 2008
Hora
0
C ventos descrição
16h00minh 2 11 milhas chuva
leve
17h00minh 7 11 milhas chuva leve
18h00minh 7 13 milhas chuva leve
À medida que anoitece, as pessoas andam
menos no centro da praça, porque essa
permanece mais vazia e não há o que se
observar, principalmente no inverno.
Caminham principalmente pela periferia,
utilizando a George Square apenas como
192
Caixas herméticas (parcialmente transparentes) ou coberturas temporárias, distribuídas em
pontos específicos da George Square, provêm fonte de aquecimento através do piso ou
forro. Quando isoladas, atendem indivíduos ou pequenos grupos; conectados, os módulos
atendem grupos maiores.
Ventos: Cômodos, coberturas ou anteparos verticais atuam como
barreira para atenuação eólica. A mobilidade dessas novas estruturas permitiria a escolha de
direções variadas, de acordo com a posição dos ventos.
Fontes sonoras x silêncio: Rádios incorporados ao mobiliário urbano
ou móbiles em áreas de permanência tornam-se fontes sonoras digitais ou aproveitam os
fluxos de ar na praça.
Luminosidade: A iluminação atual disposta simétrica e
homogeneamente, concentra-se apenas em alguns monumentos e possui foco fixo e
alcance limitado. Em geral, a praça é pouco utilizada à noite devido às zonas de penumbra.
Além de propor a melhoria da iluminação geral ou funcional, pontos específicos, com
temperaturas de cores distintas, criariam uma atmosfera lúdica na praça. Sob a
denominação luz de humor, propõe-se tonalidades mais quentes como contraposição
psicológica ao frio, ou as mais diversas variações, de acordo com o desejo do usuário.
Incorporadas aos bancos e assentos, ou em postes de iluminação, podem ser controladas
manual ou digitalmente, permitindo a livre escolha de cores e orientação dos focos de luz.
Melhor iluminação não significa necessariamente luz mais clara (…).
Significa um nível adequado de claridade direcionado ou refletido em
direção às superfícies horizontais – em contraste à iluminação
públicas nas ruas. (...) Significa também luz acolhedora e agradável.
(GEHL & GEMZOE, 2003, tradução do autor)
passagem, em vez de diversão ou
entretenimento.
cômodos quentes
barreiras contra ventos
explorar qualidades sonoras do espaço
trabalhar com dois níveis de iluminação:
luz funcional ou geral e luz específica
193
Dias chuvosos x ensolarados: Coberturas contra a chuva podem ser
incorporadas ao mobiliário urbano, abertas como guarda-chuvas, conchas ou capotas.
“Sol e calor trazem as pessoas para fora, chuva e frio as mantém distante (do espaço
público).” ( WHITE, 1980: 133, tradução do autor)
Policromia dos elementos fixos: Diante do predomínio dos tons de
vermelho ou terra-cota, desde a pavimentação, ao obelisco e às fachadas adjacentes, a
projeção de imagens coloridas e digitais seria uma alternativa à monotonia de tratamento da
George Square. Projetados sobre o piso ou monumentos fixos, a profusão de cores
permitiria a reinvenção constante e interativa da praça.
Trabalhando entre coisas, alterando relações, obrigando nossos
sensos a confrontar o espaço, produzindo situações que superam as
proporções de nosso corpo, atuando no escuro ou na luz, em cor ou
em profundidade para revelar as relações freqüentemente
involuntárias que estabelecemos com o ambiente que nos rodeia.
(Enrico Morteo in AMIDON, 2001: 60, tradução do autor)
A avaliação dos mapas sobrepostos, além de confirmar a
homogeneidade de tratamento e estímulos sensoriais, ressaltou prioritariamente o
comportamento e a dinâmica do território, permitindo a visualização da descontinuidade de
fluxos, a presença das zonas sem legibilidade, a desconexão dos movimentos
predominantes e a conseqüente definição de cinco áreas potenciais de intervenção:
sombreamento
redução da monotonia cromática da
praça
194
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Tc
Ts
Ts
Ts
1
2
2
3
6
5
4
7
|fig. 260| IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS EM POTENCIAL PARA INTERVENÇÃO
195
Por sua vez, tendo em vista a ampla gama de possibilidades
projetuais contidas nas cinco áreas definidas, proponho a escolha das três primeiras, tendo
como referência de abordagem as categorias de projeto apresentadas no capítulo 03
(cidade itinerante, cidade da diversão e cidade conectada). O objetivo desse recorte é
associar as três temáticas de Zöe Ryan (2006) como estratégias iniciais de projeto aos
problemas identificados pela metodologia Paisagem Experimentada. Desse modo, descrevo:
Área 01: Área de transição com característica de corredor e
passagem. Espaço vazio, sem a existência de objetos referenciais, não possui áreas de
permanência ou outros estímulos para pausas no percurso. Desconectado do edifício do
Banco da Escócia, a circulação predominante ocorre na calçada externa, periférica à
George Square. Nesse contexto propõe-se:
a- Bar itinerante: Objeto como catalisador das relações entre o
edifício do banco, o centro comercial da cidade e a loja de sanduíches Greegs, como marco
inicial da Merchant City
39
. O objetivo é reduzir a circulação periférica, promover pontos de
permanência na área de vazio, valorizar o eixo de entrada da praça entre as estátuas, a
criação de um centro funcional e de sociabilidade como equilíbrio e contraposição ao eixo
estático do obelisco.
Módulo fechado à noite, abre-se durante o dia, ampliando a área de
ocupação. Constitui-se de um objeto expansível horizontalmente, composto por quadros
móveis unidos sob cobertura ou pequenas caixas como ‘cômodos aquecidos’; fechados, são
utilizados para armazenar cadeiras, bancos e outros elementos presentes na composição.
Com o uso de canópios de vidro ou pequenos pavilhões, espaços semi-abertos poderiam
ser criados (...). Eles seriam particularmente apropriados em cidades chuvosas, como
39| A Merchant City constitui o reduto
gastronômico de Glasgow. Constituída por
algumas quadras, concentra bares e
restaurantes especiais na cidade.
Área 01
Cidade itinerante: arquitetura temporária
Proposta: objeto bar-polivalente
196
Seattle.” (WHITE, 1980:46)
Área 02: Estaticidade das zonas de permanência. Os usuários são
condicionados aos limites impostos pela disposição linear e o conseqüente desconforto para
conversas em grupos. A estratégia de intervenção volta-se para a proposição de bancos
multiuso, móveis e conectáveis que permitam flexibilidade para agrupamentos e rompam a
barreira rígida entre a rua e a George Square. Então, algo deu errado. As correlações
desapareceram. O sol continua a se mover; as pessoas não. (WHITE, 1980: 40)
Área 03: Durante a noite, a iluminação escassa desestimula a
apropriação pública, principalmente nas áreas de menos expostas e de maior privacidade:
os canteiros verdes. Como solução propõe-se um sistema de iluminação específica,
caracterizado por focos de luz instalados nas áreas gramadas, atrás dos bancos.
Manipulável através de um painel eletrônico acoplado à luminária, os usuários podem
escolher livremente a direção e cores dos focos de luz. Além do caráter funcional, as
projeções coloridas alteram a uniformidade do piso da George Square.
Os projetos apresentados adiante constituem ilustrações
esquemáticas, não detalhadas, de idéias e sugestões preliminares aplicáveis no contexto da
George Square, sob a ótica da flexibilidade de usos, interatividade e reinvenção contínua do
espaço livre-público.
Área 02
Cidade da diversão: mobiliário urbano
móvel ou multiuso
Proposta: bancos sobre trilhos
Área 03
Cidade conectada: tecnologias no
espaço público
Proposta: iluminação interativa
197
M
ódulos-bar
arquitetura itinerante
01
Composto por três elementos básicos,
esse objeto atua como bar e expande-se
horizontalmente através de rodízios
instalados em duas unidades internas
menores. O módulo principal pode ser
fechado através de capotas adicionais
que resguardam o público do vento e frio,
mas mantém o contato visual com o
exterior. Fechada, a superfície externa é
utilizada como tela de projeção para
cinema ao livre, enquanto equipamentos
Instalados no teto permitem a projeção
adicional de imagens no piso da praça.
Simulação do posicionamento do bar
Módulo 01: banco elevado ou mesa Módulo 02: banco contínuo Módulo principal
Visão interna da compactaçãoObjeto fechado
Objeto fechado
Objeto se abre... Módulo 01 Módulo 02
módulo 02
módulo 01
módulo principal
imagens projetadas
198
S
obre trilhos
bancos móveis
02
Dando prosseguimento à segunda
categoria de Ryan, a cidade do
divertimento, propõe-se módulos
móveis como alternativa aos bancos
fixos da George Square. Apesar de
manter as dimensões do mobiliário
existente na praça, esses bancos sobre
trilhos rompem a linearidade da
composição original e ampliam as
opções de permanência do usuário: na
sombra ou em áreas mais insoladas,
bancos individuais ou para conversas
em grupo, isolados ou próximos dos
demais, voltados para a rua ou o interior
da praça e uma dezena de novas
combinações. A mobilidade vertical do
encosto permite a sua eliminação
completa, a escolha do sentido para
onde se sentar, o uso como mesa ou
apoio e a conexão multidirecional de
dois ou mais módulos.
trilhos
As imagens ilustram arranjos variados dos mesmos módulos
1
2
Vista 1 Vista 1
Vista 2 Vista 2 O encosto pode ser manipulado verticalmente
199
L
uz de humor
focos interativos
03
Por fim, seguindo a última categoria de
Ryan, a cidade conectada, propõe-se
um sistema de iluminação específica
interativo, no qual o usuário pode
escolher a cor e a direção dos feixes de
luz. Através de um painel acoplado à
luminária, escolhe-se as opções de
cores, alcance e posicionamento dos
focos. Além de prover o nível de
iluminação adequado, essa estratégia
lúdica estimula a criatividade do público
e o destaca, não apenas como
manipulador das mudanças, mas como
foco de atenção do espaço. Em planta,
a pavimentação da George Square
reinventa-se continuamente.
N
Ilustração esquemática da manipulação da tecnologia
Área de aplicação localizada da intervenção
200
201
6| CONSIDERAÇÕES FINAIS ...
Em vez de tentar prover uma resposta definitiva para a questão sobre
o que os espaços públicos são, ou deveriam ser, o argumento
sustentado nesse livro é que o projeto e o planejamento precisam
assegurar que a pergunta permanece aberta, para permitir certo jogo,
uma quantia de diversão. (STEVENS, 2007, tradução do autor)
Motivada por questionamentos pessoais acerca da produção
contemporânea de espaços livres públicos, essa dissertação materializa o trajeto longo, não
linear e, por vezes, multidirecional percorrido em dois anos de investigação. Desprovida de
embasamento teórico inicial, mergulhando em um processo aberto, desconhecido e fluido,
iniciou-se tendo como foco principal a busca por projetos mais dinâmicos, interativos e
mutantes: a promessa de transformação constante dos espaços livres em oposição à
obsolescência e ao declínio de uso de determinadas áreas na cidade. Em um primeiro
momento, o único fio condutor era a referência isolada, de um projeto intitulado mutant
carpet
40
, concebido por Márcio Kogan, em 2003, para o Civic Park em Los Angeles:
Los Angeles, quarta-feira, 28 de março de 2007
Tempo bom, 67
0
F, umidade relativa do ar: 34%
Como toda manhã, a Sra. Mildred anda lentamente pela Spring Street
em direção ao pequeno mercado da First Street. Cansada pelos 87
anos, 7 netos, 4 filhos que a visitam uma vez por ano e que lhe
telefonam uma vez por mês, toma 5mg de Coumadin uma vez por dia,
20mg de inderal (...). Hoje ela chegou à conclusão que está totalmente
louca. Parada, olhando para uma pista de skate e uma parede de
escalar do Civic Park, tinha a impressão de que ontem a praça estava
de uma forma totalmente diferente, com quadras de basquete e mesa
de gamão, e, pensando bem, na semana passada havia torres de luz
e uma tela de cinema, nem os bancos estavam no mesmo lugar.
Seriam alucinações do remédio? Volta a se arrastar pela rua
investigação aberta ao inesperado
40| Projeto premiado como menção
honrosa no concurso de idéias para o Civic
Park, em Los Angeles, em 2003. Essa
referência uniu-se a questionamentos
pessoais e auxiliou na formatação das
motivações iniciais dessa pesquisa.
| Fig. 261 | Tela de projeção e torres de
iluminação.
201
pensando no fim da vida (...)
Nesse instante não consigo deixar de pensar no filme ‘As Horas’
quando em 1925, uma palavra que Virginia Wolf coloca em seu
romance Mrs. Dalloway influenciará uma pessoa 77 anos depois. Este
incrível poder aqui presente na arquitetura me assusta
profundamente. Há cinco anos, sentado numa lanchonete com quatro
arquitetos do meu escritório decidíamos pelo projeto da praça
mutante, uma simples e convencional praça com seu entorno
arborizado e piso de pedra, que pode se transformar assumindo
outras identidades conforme a vontade de seus usuários. Através de
elevadores hidráulicos, que movimentam torres, caixas, blocos, pisos
e painéis, surgem novas formas de uso deste espaço público.
Algumas vezes tudo volta a se fechar, camuflado por um deck de
madeira, a praça volta a ser uma praça. (...)
A velhinha que entra no mercado está sã, talvez mais sã do que esses
arquitetos e compra somente um pacote de batatas Pringles, afinal,
ela já tem o que comprar amanhã: um vidro de ketchup.
Fonte:
www.marciokogan.com.br
Esse projeto tornou-se a motivação para a hipótese inicial de que a
produção de espaços livres públicos, frente às cidades em transformação acelerada, à
diversidade de público e de padrões de comportamento, deveria possuir, mais do que
outrora, certo grau de flexibilidade, mutabilidade e liberdade de apropriação: territórios
adaptáveis e multiprogramáticos. Na ausência de conhecimento teórico preliminar, a
investigação percorreu inicialmente fragmentos conceituais e projetos garimpados na
internet: opiniões em blogs pessoais, fóruns de discussões online, websites de arquitetos e
cursos de arquitetura, tendo como palavras-chave de busca termos como arquitetura
mutante, espaços públicos interativos, urbanismo flexível ou intervenções efêmeras.
Progressivamente surgiram referências de workshops, projetos experimentais universitários,
concursos de idéias, nacionais e internacionais, conduzindo a um universo abrangente de
| Figs. 262 | Piso revela pista de skate
| Figs. 262 e 263 | Pista de skate sob deck
de madeira
| Fig. 264 | Quadras de basquete e novas
estruturas emergem do subsolo.
Fonte: www.marciokogan.com.br
202
artigos, textos e publicações relevantes para o tema.
Por sua vez, o semestre de estudos na Universidade Strathclyde, em
Glasgow, contribuiu para o desenvolvimento teórico do trabalho, embasado por publicações
recentes sobre o urbanismo contemporâneo. As práticas compiladas durante o levantamento
projetual preliminar foram ratificadas conceitualmente através de publicações com nuances
de ‘Manifesto Contemporâneo’ como Urbanismo Integral (ELLIN, 2006), A Cidade Criativa:
um kit de ferramentas para inovadores urbanos (LANDRY, 2005) ou Paraíso Parasita: um
manifesto por uma Arquitetura Temporária e Urbanismo Flexível (MELIS, 2003);
embasaram-se em livros dedicados à análise crítica de projetos (AMIDON, 2001; COOPER,
2001; REED, 2006; RYAN, 2006 e AYMONINO & MOSCO, 2006); enveredaram pelo
reconhecimento do espaço público como território artístico, caracterizado por uma arte não
mais auto-centrada nos desejos particulares do artista, mas no público (ARGAN, 1988;
MILES, 2000; CHARITY, 2005; KARAM, 2006), e reconheceu a relevância de algumas
questões de caráter social e comportamental do território urbano (LYNCH, 1972; WHITE,
1980; BEREINSTEIN, 2003; GAVENTA, 2006; GEHL, 2006), na tentativa de reconhecer até
que ponto a flexibilidade de usos e a adaptabilidade do espaço reside, de fato, em novas
abordagens de projeto.
A investigação foi relevante para demonstrar não apenas a tendência
contemporânea de uma produção multiprogramática, refletida tanto em novas linguagens,
escalas e recursos adicionais de projeto, quanto em métodos de observação, análise e
representação do espaço, reconhecendo o desenho como produto delineado
progressivamente pelo processo; a substituição da noção de projeto final pela a lógica de
projeto em processo, assimilando a espontaneidade da apropriação pública como variável
palavras-chave: arquitetura temporária,
mutante, interativa, flexível e adaptativa
a busca por uma linguagem
contemporânea de projeto urbano
203
fundamental para a idealização do espaço.
Como resultado e projeto produzir trabalhos relacionais como um
convite ao público, um caminho para estabelecer contato através de
formas familiares onde o espectador confia em entrar, sem
necessariamente saber o que esperar. (Jennifer Allen in MELIS, 2003:
177)
Nesse sentido, o capítulo 02 divide-se em três blocos relevantes para
o recorte conceitual e espacial da produção de projetos no âmbito dessa dissertação: o
estímulo à concepção de territórios provocativos, multiprogramáticos e interativos (1); o
retorno ao centro da cidade e aos interstícios em meio a uma massa homogênea e
densamente edificada (2); a identificação da pequena escala de intervenção como foco
potencial de estímulo à participação pública e a reinvenção contínua do macro território (3).
Desse modo, a noção de transformação perpétua tornou-se o
princípio central do projeto urbano. De tal modo que nós chegamos às
estruturas urbanas flexíveis ou às molduras ao redor das quais uma
gama de decisões pode ser feita, o que reflete o desejo atual por
escolhas e, simultaneamente promove áreas de privacidade,
intercâmbio público, movimento e responsabilidade social. (MOOR &
ROWLAND, 2006)
Conceitos como Estética Relacional, de Nicolas Bourriaud (2002),
Arquitetura A-volumétrica de Aymonino & Mosco (2006), Urbanismo Suave (soft), de Nan
Ellin (2006), a expansão dinâmica da cultura do objeto, segundo Rossalind Krauss (1979), a
temporalidade no espaço público, a noção de efêmero e a identificação dos espaços em
fluxo, cerceiam o tema em defesa da inserção contínua e variada de estímulos físicos na
cidade como convite à interação pública; é a compreensão de lógicas relacionais, centradas
nos desejos pessoais e coletivos do usuário. É o reconhecimento do espaço da
a noção do projeto aberto em processo
projetos relacionais
a noção do espaço em transformação
contínua
204
oportunidade, nos quais os projetos sugerem determinadas performances, mas mantêm-se
simultaneamente abertos, flexíveis e adaptáveis à apropriação espontânea (1).
Nós deveríamos ser competentes nos meios adequados: ambientes
para a dança, atuação, canto, cinema, som e luzes, fogos, gráficos,
cenários, jogos, contos, músicas, rituais, esportes (...) se há o perigo
de perder espontaneidade através desses meios, há também grandes
possibilidades para o enriquecimento com eles. Em uma sociedade
complexa, espontaneidade não é freqüentemente encontrada. De fato,
até os que são espontâneos seguem amplamente modelos rituais de
espontaneidade. Um modelo planejado pode excitar espontaneidade
em vez de suprimi-la. (LYNCH, 1972, tradução do autor)
O capítulo 02 reforça também a importância da flexibilidade nos
espaços públicos centrais, diante da diversidade de usuários e da necessidade de estímulos
adicionais frente ao ambiente densamente construído (2); reconhece o centro como território
acelerado de transformações e fluxos, e o papel fundamental de pequenas intervenções
como estratégias de potencialização desses territórios na cidade. A macro-escala, por sua
vez, é atingida através da força associativa gerada por uma rede conectada de intervenções
pontuais e suaves, que se sobrepõem à infra-estrutura permanente pré-existente na cidade
(3). “Esses novos espaços para recreação e lazer são intervenções novas que fazem o
ambiente urbano uma fonte constante de surpresa e descobertas.”
(RYAN, 2006)
O capítulo 03 concentra-se na apresentação do foco inicial da
investigação: a prospecção de projetos para espaços livres públicos, sob a ótica da
flexibilidade, adaptabilidade e multiplicidade de usos. Agrupados em três categorias,
segundo critérios definidos por Zöe Ryan, ilustram pequenas estratégias de cunho itinerante
e temporário (a cidade itinerante), mobiliários urbanos móveis e multiusos (cidade da
espaço das oportunidades
território da espontaneidade:
A integração de várias atividades e funções
nos espaços públicos possibilita as pessoas
a atuarem em grupos, a estimularem e
inspirarem uns aos outros. (GEHL, 2006)
atuação na pequena escala:
Projetos em pequena escala mostram
possibilidades para novas áreas de
entretenimento que além dos desenhos
característicos, integram som, luz, materiais
inventivos e, equipamentos rotineiros,
encorajando atividades individuais e
coletivas. (RYAN, 2006)
205
diversão) e exemplos dotados de recursos tecnológicos adicionais (cidade conectada). Na
prática, alguns projetos são híbridos e transitam simultaneamente entre as diferentes
categorias e, independente da denominação, constituem abordagens descontraídas e
criativas de ocupação urbana.
A cidade cria condições para o jogo porque, como a atividade em si,
ela situa os objetos em relações novas e não-convencionais, ele
realça o reconhecimento de conexões que não são sobre
instrumentalidade e poder. É um centro de possibilidades que se torna
perceptível através da decodificação de suas imagens e práticas.
(STEVENS, 2007: 17)
Nesse momento da pesquisa, diante da ausência de regras de
concepção projetual, de um ‘urbanismo-contemporâneo’ delineado por verdades absolutas,
o experimento surge como desafio e possibilidade de síntese da investigação conceitual; a
tentativa de transpor para uma realidade existente idéias fomentadas pela descoberta
progressiva de projetos criativos para o espaço público. No entanto, durante o semestre de
estudos em Glasgow, a ‘realidade existente’ aparentava tão desafiante quanto o projeto-
síntese em si: a necessidade de identificar um espaço potencial para intervenção, o desafio
de compreendê-lo e projetá-lo, diante do inverno rigoroso e de uma cultura de utilização de
áreas livres oposta ao conhecimento empírico e pessoal da realidade tropical.
Nesse sentido, o capítulo 04 ilustra o percurso para a identificação de
métodos de observação de campo capazes de revelar áreas potenciais de intervenção em
uma cidade sobre a qual não possuía informações preliminares. A imersão no processo
criativo dos projetos apresentados no capítulo 03, a análise da trajetória profissional de
alguns autores consultados, os métodos de concepção projetual experimentados em
determinados workshops ou apresentados em seminários sobre a mesma temática,
arquitetura itinerante,
mobiliário urbano multiuso
tecnologias digitais
206
evidenciavam a reinvenção de técnicas tradicionais e a sua adequação a novas linguagens
de projeto.
Projetos criativos, flexíveis, multiprogramáticos e interativos também
exigiram metodologias de reconhecimento do sítio igualmente abertas e adaptáveis,
desvendadas progressivamente através da observação dos padrões de comportamento do
público, das peculiaridades de ocupação, da representatividade dessas áreas livres no
contexto da cidade, do questionamento subjetivo do público e, principalmente, da
experimentação pessoal de praças no centro de Glasgow.
Para o artista, trabalhar nos espaços públicos significa tempo para
refletir, ter idéias e rejeitá-las, tempo para discutir, tempo para olhar,
visitar e experimentar, tempo para aprender. (CHARITY, 2005: 18)
Em meio a métodos interpretativos diversos, em sua maioria, reflexo
de processos pessoais, ‘patentes intelectuais’ encerradas no universo particular de
determinados arquitetos, adotou-se a metodologia Paisagem Experimentada, formatada
pelos professores Kevin Thwaites e Lan Simkins através de workshops e projetos
experimentais desenvolvidos em universidades européias. Segundo a definição dos autores,
essa metodologia constitui a releitura de conceitos consagrados na literatura urbana,
recombinados e direcionados para a identificação dos movimentos, fluxos e a sobreposição
dinâmica de novas camadas no espaço público; a ‘promessa’ de um método de transcrição
e representação do estado latente de mudanças, de realidades inacabadas e padrões
comportamentais ainda em processo.
Como síntese da investigação, o capítulo 05 dedicou-se à
compreensão da George Square, no centro de Glasgow, e ao seu conseqüente
reconhecimento como área potencial para propostas pontuais de intervenção. Em oposição
a síntese através do experimento
métodos de observação e análise
paisagem Experimentada
207
às estruturas temporárias desproporcionais erguidas regularmente, cuja montagem ou
desmontagem perdura por quase um mês ou que, em alguns casos, ocupa completamente a
praça (fig., 265), as intervenções propostas atuam na pequena escala e figuram como
alternativas para problemas e desconexões identificadas através dos métodos de
mapeamento.
Ao final, o experimento foi elucidativo não apenas como exercício
intelectual, síntese de idéias e conceitos sobre a temática, mas relevante para revelar a
ausência de uma metodologia de projeto integralmente aberta, dinâmica e apoiada em
conceitos menos rígidos; demonstrou que esses processos não se encerram na
padronização de uma linguagem projetual e a normatização estilística, uma vez que a
definição de regras contradiz os princípios de flexibilidade e espontaneidade objetivados
através desses novos projetos.
Enquanto, o conceito mais seguro é sobre a criação de certeza e
uniformidade, a dissecação das camadas da cidade e as suas
interdependências, promovem incerteza e a necessidade por
flexibilidade. Então, podemos ver uma divergência aparecendo entre
uma abordagem mais dinâmica do projeto urbano, que explora a
noção de mudança, e outra que cria estaticidade e a mesmice que
vemos em muitos projetos urbanos produzidos atualmente. (MOOR &
ROWLAND, 2006: 187, tradução do autor)
Essa dissertação não trata da defesa por uma cidade
‘profissionalmente experimentada’ ou hiperativa, na qual o usuário hiper-estimulado corre o
risco de tornar-se indiferente ao novo ou incapaz de reconhecer elementos singulares na
paisagem; não é a defesa da proliferação de contextos interativos, mas a capacidade de
potencializar localizações específicas, identificadas como pontos estratégicos de
o método como experiência do processo
a validade do experimento
A diversidade formal nesses desenhos
reflete não apenas a estética individual dos
arquitetos e idéias teóricas sobre a
paisagem – uma arte de superfícies,
sistemas e mudanças – mas também o
modo como um desenho responde ao sítio,
o fenômeno mais fundamental implícito nas
paisagens construídas. (REED, 2006,
tradução do autor)
208
intervenção. A pesquisa revela a força dinâmica contida em projetos bem-humorados e
manipuláveis, em espaços livres públicos convidativos, ricos em conteúdo, vitais e capazes
de se reinventarem continuamente dentro dos mesmos limites formais.
O que eu acredito é que criatividade e inovação são vitais para o crescimento urbano.”
(Chris Murray in CHARITY, 2005: 167)
É o reconhecimento que o risco do erro, no qual reside a fragilidade
da prática profissional arquitetônica e urbana, pode ser minimizado através de projetos que
não concentram em si a responsabilidade do uso rígido e condicionado do espaço, mas
daqueles que lançam diretrizes de utilização, oferecem estímulos de mudança e esperam do
público respostas, aguardam performances. Utilizando como exemplo as idéias propostas
para a George Square, esses projetos flexíveis consistem nas possibilidades múltiplas de se
afastar bancos, agrupá-los e recombiná-los de acordo com o número de pessoas, empurrá-
lo para o sol ou para as áreas de sombra, para os espaços mais centrais ou periféricos; o
estranhamento causado por um bar-itinerante múltiplo, que como um novo ponto focal, abre-
se para praça, fecha-se no conforto de um ambiente aquecido, coberto e protegido das
intempéries; objeto que instala novos sons, imagens projetadas sobre o piso; lanterna
noturna, desmembrável e articulável em unidades menores ao longo da mesma praça. É o
potencial criativo decorrente de uma iluminação específica, colorida e direcionável,
simultaneamente funcional e ‘decorativa’.
Nesse sentido, o universo de questões abordadas nesse trabalho visa
traçar um panorama geral como sustentação à crescente produção de espaços públicos,
sob a ótica de abordagens bem humoradas, multiprogramáticas e adaptativas. Constituiu
uma oportunidade para a investigação das motivações conceituais e dos fios condutores de
| fig. 265 | Pavilhão temporário erguido na
George Square. Escala monumental que
altera as pequenas relações vitais na praça.
introdução de novos conteúdos
Os projetos apresentados aqui são
exemplos de como os espaços públicos
inutilizados têm sido reinventados com
novos projetos ousados que os ativarão
durante o dia e à noite. (RYAN, 2006)
É um espaço para chances de encontro,
descobertas inesperadas e intercâmbios
sociais, onde os cidadãos são levados a
uma nova jornada tempo após tempo.
(RYAN, 2006)
o caso da George Square
209
uma temática recorrente atualmente na prática profissional, mas parcialmente analisada no
âmbito teórico.
Por fim, reconhecendo a impossibilidade de esgotar o tema, essa
dissertação constitui um ponto de partida para futuros trabalhos relacionados ao potencial de
novas tecnologias incorporadas ao projeto urbano (1) e às técnicas de observação
participativas, como processos criativos para a idealização do espaço público (2).
Eu diria, vamos simplesmente tentar. Nós não deveríamos saber nada
de antemão (...). Você deveria perceber que é parte de um processo
de urbanização muito mais longo e antigo. Essa não é a última palavra
que você está adicionando, mas a primeira palavra do próximo
estágio. O que nós deixamos em um território deve ser capaz de
absorver coisas novas, em vez de ser o fim da linha. (AYMONINO &
MOSCO, 2006: 35)
conclusão:
A estrutura flexível será conseqüentemente
a chave para o futuro do projeto urbano. Ela
possibilitará o desenvolvimento para
responder à incerteza. (MOOR &
ROWLAND, 2006: 187)
trabalhos futuros
o potencial regenerador de tecnologias
digitais no espaço público (1)
a compreensão do processo criativo de
projetos voltados para a interatividade (2)
210
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