Download PDF
ads:
Cristina de Azeredo Lopes Tepedino
Cotidiano Escolar e Mudança Sociocultural:
a experiência do Colégio Stella Maris
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira
Rio de Janeiro
Abril de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Cristina de Azeredo Lopes Tepedino
Cotidiano Escolar e Mudança Sociocultural:
a experiência do Colégio Stella Maris
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Educação Brasileira do Departamento
de Educação da PUC-Rio.
Orientador(a): Prof. Vera Maria Ferrão Candau
Rio de Janeiro
Abril de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
ads:
Cristina de Azeredo Lopes Tepedino
Cotidiano Escolar e Mudança Sociocultural:
a experiência do Colégio Stella Maris
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Educação do Departamento de
Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas
da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.
Prof. Vera Maria Ferrão Candau
Orientadora
Departamento de Educação – PUC-Rio
Prof. Isabel Lellis
Departamento de Educação – PUC-Rio
Prof. Luiz Cavalieri Bazilio
UERJ
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 09 de abril de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e da orientadora.
Cristina de Azeredo Lopes Tepedino
Graduou-se em História pela PUC-Rio em 2004.
Participou da pesquisa sobre a Irmandande Santa
Cruz dos Militares, sob a coordenação da professora
Mary Del Priore; vinculada ao Departamento de
História da PUC-Rio entre 2001 e 2002 como Bolsista
de Iniciação Científica da FAPERJ. Foi mestranda do
Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira
do Departamento de Educação da PUC-Rio de 2005 a
2007. Atualmente integra a equipe do grupo de
pesquisa GECEC Grupo de Estudos sobre
Cotidiano Escolar e Cultura(s) do Departamento de
Educação da PUC-Rio, coordenado pela professora
Vera Maria Candau, como voluntária.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
CDD: 370
Tepedino, Cristina de Azeredo Lopes
Cotidiano escolar e mudança sociocultural: a
experiência do Colégio Stella Maris / Cristina de Azeredo
Lopes Tepedino ; orientadora: Vera Maria Ferrão
Candau. – 2007.
127 f. : il. (col.) ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. Escola. 3. Mudança
sociocultural. 4. Diversidade cultural. 5. Multiculturalismo.
I. Candau, Vera Maria Ferrão. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação.
III. Título.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Dedicatória
Dedico este trabalho à minha família, pelo apoio incondicional:
Aos meus pais, Ana Maria e Renato, pelo exemplo e apoio irrestrito em
todas as minhas escolhas e, pelo estímulo constante.
Ao André, meu marido, por todas as palavras e gestos de amor,
compreensão e generosidade em todos os momentos e principalmente no
momento de escrita deste trabalho.
Aos meus irmãos, Renato, pelo exemplo de perseverança e força de
vontade; Leonardo, pela criatividade e carinho e Ana Paula, pelo “pé no
chão” e conselhos.
Aos meus sobrinhos, Luiz Felipe, Renata e Mariana. A vida é muito
melhor com vocês.
Aos meus cunhados, Aninha, Fabrício e Renata, pela ótima relação e
convivência.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Agradecimentos
À minha orientadora, Vera Maria Candau, pelo incentivo, disponibilidade e
orientações fundamentais.
À professora Mary Del Priore, pelo exemplo de historiadora e mulher.
Aos colegas da turma de 2005 de mestrado da PUC-Rio que dividiram
comigo medos e angustias, destaco o “núcleo duro” e em especial Gilda.
Aos colegas do GECEC, é muito enriquecedor fazer pesquisa com vocês.
As diretoras, coordenadoras, professores/as, funcionários/as e alunos/as
do Colégio Stella Maris, pela simpatia e disponibilidade e por tornarem o
campo acolhedor. Em especial, Márcia Sime.
Aos colegas do curso de história da PUC-Rio, a partir da convivência com
vocês aprendi que as diferenças o fundamentais para conhecer melhor
a si mesmo e ao mundo.
Aos meus amigos, família escolhida, sem eles não estaria aqui. Obrigada
pela confiança e apoio.
Aos amigos que além de ligação de amor dividem comigo o mal estar de
viver numa sociedade tão injusta.
À família Dahmer Pereira que me acolheu com tanta generosidade e
carinho.
À todos os professores e funcionários do Departamento de Educação da
PUC-Rio, em especial a professora Menga Lüdke, pelas palavras de
incentivo e apoio.
À professora Isabel Lellis e Luiz Bazilio, que tão prontamente aceitaram
participar da banca desse trabalho.
Ao Cnpq pela ajuda financeira, fundamental para a realização dessa
pesquisa.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Resumo
Tepedino, Cristina de Azeredo Lopes; Candau, Vera Maria Ferrão.
Cotidiano Escolar e Mudança Sociocultural: a experiência do Colégio
Stella Maris. Rio de Janeiro, 2007, 127 p. Dissertação de Mestrado
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Inserida no contexto dos estudos sobre diversidade cultural e
educação, esta pesquisa focaliza o processo de mudança que o
Colégio Stella Maris passou nos últimos anos. Esta instituição de
ensino, uma tradicional escola confessional da cidade do Rio de
Janeiro, ao longo dos seus 65 anos atendeu às classes média e alta do
Rio de Janeiro. No ano 2000, devido a diferentes circunstâncias e a
uma opção da congregação religiosa responsável pela escola, passou a
atender prioritariamente à população de seu entorno geográfico, os
moradores da favela do Vidigal. O objetivo central da investigação foi
identificar as implicações da mudança de clientela na instituição
escolar e na prática cotidiana dos professores e professoras. As
principais estratégias utilizadas na pesquisa de campo foram: análise
documental, observação e entrevistas com os principais atores. Na
análise dos dados, especial atenção foi dada às implicações das
questões estudadas à diversidade sociocultural na dinâmica
pedagógica da escola.
Palavras chaves
Escola; mudança sociocultural; diversidade cultural;
multiculturalismo; favela; Vidigal.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Abstract
Tepedino, Cristina Azeredo Lopes Tepedino; Candau, Vera Maria Ferrão.
School, socio-cultural transformation; cultural diversity;
multiculturalism. Rio de Janeiro, 2007, 127 p. Master Dissertation –
Education Department, Catholic University, Rio de Janeiro.
The present research is inserted in the context of Cultural
Diversity and Education studies and intends to focus on the changing
process which the Colégio Stella Maris, in Rio de Janeiro has been
through these last years. This teaching institution, a traditional and
confessional school, educated Rio de Janeiro’s high and middle
classes for 65 years. In 2000, the school experienced a transforming
process, due to different circumstances and also to a choice made by
the religious congregation responsible for the school. It began to
assist primarily the low class population living in the neighborhood,
the inhabitants of the Vidigal favela. The main purpose of this
investigation was to identify the implications of this clientele change
to the school itself and the differences in the teachers´ behaviour and
in their pedagogical practices, not only theoretically but also when
facing daily life problems. The strategies used in the field research
were: document analysis, observation and interviews with the main
subjects. In the data analysis, special attention was given to the
implications of the studied questions to the social and cultural
diversity in the pedagogical dynamic of the educational institution.
Keywords
School, socio-cultural transformation; cultural diversity;
multiculturalism; favela; Vidigal.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Sumário
Introdução 11
Capítulo 1 Referências teóricas 17
1.1 Cotidiano, cotidiano escolar e suas dimensões 17
1.2 Cultura escolar e cultura da escola 21
1.3 Perspectiva multicultural e educação 24
1.4 Pedagogia diferenciada 32
Capítulo 2 Metodologia da pesquisa 38
2.1 Estudo de caso de inspiração etnográfica 39
2.2 Instrumentos da pesquisa 41
2.2.1 Observação participante 42
2.2.2 Entrevistas 44
2.2.3 Análise documental 47
Capítulo 3 O Vidigal no contexto das favelas do Rio de Janeiro 49
3.1 A gênese das favelas no Rio de Janeiro 49
3.2 Vidigal: aproximação histórica 59
Capítulo 4 O processo de mudança do Colégio Stella Maris 68
4.1 A Congregação Filhas de Jesus e sua missão 68
4.2 Descrição física da escola 73
4.3 Estrutura organizacional 80
4.4 O processo de mudança 81
4.5 A participação das famílias 85
4.6 A questão financeira 91
Capítulo 5 As transformações na dinâmica da escola 94
5.1 Metodologia e estratégias de ensino-aprendizagem 95
5.2 Diferentes olhares sobre o “outro” 107
5.3 Violência 113
Considerações Finais 115
Referências bibliográficas 119
Anexo 124
1 Roteiro das entrevistas 125
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Lista de tabelas e fotografias
Tabela 1 - Valor do rendimento nominal mediano mensal
Das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios 64
Tabela 2 - Média de anos de estudo das pessoas responsá-
veis pelos domicílios 65
Tabela 3 - Distribuição média de anos de estudo por bair-
ros da Zona Sul 66
Figura 1 - Vista do Morro dos Irmãos, a partir de satélite 59
Figura 2 - Vista do Colégio Stella Maris e parte do Vidigal,
a partir do satélite 67
Figura 3 - Vista do Vidigal de dentro do estacionamento da
escola 67
Figura 4 - Vista da escola a partir do satélite 73
Figura 5 - Prédio da escola visto da rua 73
Figura 6 - Vista SM de satélite 74
Figura 7 - A escola vista por dentro 74
Figura 8 - Varanda da escola 75
Figura 9 - Sala de aula 75
Figura 10 - Pátio da Educação Infantil 76
Figura 11 - Ginásio coberto 77
Figura 12 - Pátio principal 78
Figura 13 - Casa de boneca 79
Figura 14 - Alunos e alunas no recreio 90
Figura 15 - Crianças no pátio 93
Figura 16 - Mural da Educação Infantil 95
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
“É na ótica de colaborar na construção de uma
educação de qualidade e verdadeiramente
democrática que situamos o nosso horizonte de
preocupações, conscientes dos enormes desafios que
a sociedade e a educação brasileira têm de
enfrentar para efetivar este direito fundamental de
toda pessoa humana” (Vera Candau, 2001).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Introdução
Quando terminamos a graduação em História, e após três anos de militância
política no DCE da PUC-Rio, fomos tomadas por muitos questionamentos sobre uma
forma de estar/agir no mundo de maneira crítica e eficaz. Decidimos realizar o
mestrado na área da Educação por duas razões fundamentais: a primeira, por
acreditarmos que nas ciências humanas poderíamos estudar e pesquisar algum
problema ou questão que pudesse contribuir de alguma maneira para um mundo mais
justo e menos desigual. A segunda, para nos prepararmos para uma prática docente
democrática e voltada para a emancipação dos sujeitos sociais. Acreditamos
firmemente no caráter emancipatório e transformador da educação.
O Brasil é um país de grandes desigualdades, e estas disparidades sociais e
culturais estão presentes em todas áreas da vida da maior parte da população
brasileira. No campo da educação, não poderia ser diferente: a grande maioria da
população não dispõe de uma escola equipada, com professores e professoras bem
preparados para que os alunos e alunas desenvolvam as habilidades necessárias para
viver em sociedade, gozando de seus direitos e deveres. As desigualdades no sistema
educacional brasileiro são amplamente reconhecidas dentro e fora do país.
O sistema público de ensino enfrenta graves problemas: falta de investimentos
e políticas públicas, professores mal pagos e despreparados para os novos desafios da
escola hoje. Escolas depredadas, instalações precárias e livros didáticos insuficientes
e defasados completam este grave quadro.
Uma parcela minoritária da população freqüenta o sistema privado de ensino,
onde algumas escolas, de excelência, têm seu acesso limitado aos poucos que podem
pagar. Obviamente, existem exceções: os colégios públicos de aplicação das
universidades federais e estaduais contemplam ainda ensino de boa qualidade, assim
como algumas escolas da rede pública, municipal ou estadual. E, no sistema privado,
também existem colégios de baixo nível e descompromissados com uma educação
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
12
crítica e de qualidade. Porém, em geral, as escolas privadas tradicionais são
consideradas melhores e se destacam nas avaliações nacionais, como o ENEM
1
.
Diante deste paradoxo, é de extrema importância pesquisar uma escola ou
modelo que está na contramão da lógica que rege a sociedade em que vivemos, dando
aos grupos sócio-culturais historicamente excluídos oportunidade de freqüentar uma
escola reconhecida por sua qualidade de ensino. Consideramos que o processo vivido
pelo Colégio Stella Maris se situa nesta perspectiva. Para se caminhar na busca da
construção de uma proposta educativa alternativa, a problemática das relações entre
diversidade cultural e educação constitui um tema de extrema relevância. Apesar de o
poder público ter democratizado significativamente o acesso das crianças e
adolescentes à escola nas últimas décadas, ainda está longe de conseguirmos ensinar a
todos/as os/as alunos/as com qualidade e eficiência. Neste sentido, a perspectiva
multi/intercultural traz à tona as diferenças entre os sujeitos, afirmando a necessidade
de respeitar e incorporar as especificidades culturais de cada criança. A escola do
ideal moderno, construída sobre a afirmação da igualdade, ressalta a cultura única,
universal, que todos/as devem adquirir. No entanto, hoje cresce a consciência de que
esta cultura considerada “universal” é, de fato, monocultural, e crescem os desafios
de ensinar crianças e adolescentes na complexidade e na diversidade presentes tanto
nas salas de aula como na sociedade em geral. Neste sentido, é necessário estreitar
cada vez mais a temática das culturas e da educação sob a ótica multiculturalista.
Como afirma Vera Candau, “Articular igualdade e diferença, a base cultural comum
e expressões da pluralidade social e cultural, constitui hoje um grande desafio para
todos os professores (CANDAU, 2002:09).
O tema da diversidade cultural vem ganhando força no campo da Educação e
está presente nos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
publicados em 1997 como diretrizes curriculares propostas para o Ensino
Fundamental.
Outro motivo que nos parece ser importante para justificar o objeto de estudo
da pesquisa proposta diz respeito à própria realidade e configuração socioeconômica
1
Exame Nacional do Ensino Médio.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
13
e geográfica da cidade do Rio de Janeiro, onde ricos e pobres dividem o mesmo
espaço.
Devido aos inúmeros e crescentes conflitos armados nos últimos anos entre
traficantes e a polícia ou entre os próprios grupos de traficantes de drogas em disputa
dentro das comunidades, esses lugares são considerados áreas de risco. Com isto,
diversas escolas particulares que se localizavam no entorno de localidades de baixa
renda do Rio de Janeiro estão fechando suas portas ou se mudando para outras áreas.
É o caso do Colégio Bahiense e do Colégio São Marcelo, na Gávea. Estes fecharam
suas portas em 2004. Ou da Escola Americana do Rio de Janeiro, também localizada
no alto da Gávea, está de mudança para Zona Oeste da Cidade por conta da crescente
violência.
O Colégio Stella Maris, objeto de nosso estudo, assumiu no entanto uma nova
e diferente posição e pode apresentar-se como uma alternativa que oferece elementos
importantes para a reflexão no debate educacional sob a ótica do multiculturalismo.
Além da importância sociopedagógica desta experiência, trata-se também um
acontecimento raro: possibilitar aos professores acostumados a um determinado perfil
de aluno/a repensar sua prática, a fim de ensinar alunos/as de origens e culturas
acentuadamente diversas.
Pelas razões expostas este trabalho se propõe a investigar o antigo Colégio
Stella Maris e hoje Centro Popular de Educação e Assistência Social Stella Maris,
uma escola com amplos prédios de estilo moderno, dotado de quadras esportivas,
pátios e jardins, que se sobressai como um espaço privilegiado para o estudo e a
formação de crianças e jovens tanto por suas instalações físicas quanto na qualidade
de seu ensino.
Presente no Vidigal desde 1935, o Stella Maris já faz parte de sua história e da
comunidade que vive ali. Porém, nos últimos anos, ele vem passando por uma
mudança profunda devido ao fato de ter deixado de atender basicamente à clientela de
classe média e alta para voltar-se para os usuários de classes populares. Essa mudança
e as suas implicações na dinâmica da escola e na prática pedagógica dos/as
professores/as constituem o foco do nosso trabalho.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
14
Nesta perspectiva, a questão central da investigação pode ser assim
sintetizada: quais as implicações da mudança de clientela na dinâmica do Colégio
Stella Maris e na prática pedagógica dos professores e professoras?
Essa questão pode ser desdobrada nas seguintes perguntas:
Quais as representações dos diferentes atores (professores/as, gestores,
alunos/as e famílias) sobre esta mudança? Como a dinâmica da instituição escolar foi
afetada pelo universo sociocultural dos novos alunos e alunas (prática pedagógica dos
professores, organização, relações, atividades extraclasse etc.)? Quais foram os
dispositivos pedagógicos mobilizados pelos professores/as diante dessa nova
realidade?
Os objetivos da pesquisa que realizamos estão diretamente relacionados às
questões acima apresentadas. Podem ser sintetizados da seguinte maneira:
Analisar como a mudança do corpo discente influiu na instituição escolar e na
prática pedagógica cotidiana dos/as professores/as.
Identificar as diferentes representações de diversos atores presentes na escola
sobre a mudança.
Confrontar as concepções e práticas dos diferentes atores com as diferentes
tendências do multiculturalismo.
E, de maneira mais específica:
Descrever como o universo sociocultural dos alunos/as afeta a escola em
diferentes dimensões.
Identificar as tensões e os conflitos derivados dessa mudança.
Analisar a prática pedagógica dos/as professores/as.
Devido à natureza das questões propostas, optamos pelo desenvolvimento de
uma pesquisa na perspectiva de uma abordagem qualitativa. De acordo com Menga
Lüdke & Marli André (1986),
“a pesquisa qualitativa ou naturalística, segundo Bogdan e Biklem
(1982), envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato
direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
15
processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos
participantes” (p. 13).
Quanto à metodologia utilizada no trabalho de campo, a opção foi realizar um
estudo de caso de inspiração etnográfica, no intuito de compreender a fundo as
mudanças no cotidiano dessa escola provocadas pela nova configuração do corpo
discente. Para analisar a prática educacional no seu acontecer cotidiano e assim
retratar o dia-a-dia dessa escola, pareceu-nos mais adequado desenvolver o estudo de
caso de inspiração etnográfica, devido à complexidade da realidade a ser estudada,
para que fosse uma imersão mais ampla na realidade da escola e captar os aspectos
simbólicos e culturais presentes em sua dinâmica. Para tal, foram realizadas
observações, num total de 154 horas em pelo menos uma turma de cada série da
escola, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Embora tenha sido privilegiada
a sala de aula, outros espaços como recreio, corredores, entrada e saída de estudantes,
além da sala dos/as professores/as, também foram locais observados. Durante a
observação, tivemos oportunidade de conhecer e conversar com praticamente
todos/as os/as professores/as da escola. Após a observação foram realizadas oito
entrevistas formais e semi-estruturadas com três professoras, três coordenadoras, a
diretora e a orientadora pedagógica da escola.
A presente dissertação foi dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo
apresenta as referências teóricas que guiaram nossa pesquisa. Esse capítulo está
subdividido em quatro eixos: no primeiro, tratamos da temática do cotidiano e,
principalmente, do cotidiano escolar. No segundo momento tratamos de uma das
problemáticas derivadas do estreitamento da relação entre educação e cultura: a
cultura escolar e a cultura da escola. No terceiro eixo do capítulo apresentamos
alguns autores e questões referentes à relação entre o multiculturalismo e a educação,
além de modelos multiculturais para a escola. No último item do capítulo, um outro
aspecto é trazido à discussão: a pedagogia diferenciada proposta por Philippe
Perrenoud.
O segundo capítulo tem por objetivo descrever os processos e procedimentos
metodológicos presentes nesta pesquisa, apresentando o caminho percorrido até a
produção do relatório final.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
16
O terceiro capítulo analisa a gênese, o desenvolvimento e as representações ao
longo do século XX sobre as favelas e seus habitantes, no Rio de Janeiro. Num
segundo momento, focaliza-se mais precisamente a história do Vidigal. Terminamos
por contextualizar a população residente no Vidigal hoje, a partir dos dados do último
censo produzido pelo IBGE.
O quarto capítulo, intitulado “O processo de mudança do Colégio Stella
Maris”, está subdividido em seis partes. Na primeira, apresentamos a Congregação
Filhas de Jesus, responsável pela escola. Na segunda parte, é feita uma descrição
física da escola, com o auxílio de fotografias, para ilustrar e demonstrar, além do
excelente espaço físico da escola, o bom estado em que essa se encontra. Após essa
descrição, apresentamos a estrutura organizacional dela. Na quarta seção, tratamos
mais explicitamente do processo de mudança de clientela, dos fatores que levaram à
transformação e das maneiras como os diferentes atores se situam em relação a essa
mudança. A quinta parte focaliza como as famílias (antigas e novas) se posicionam
em relação à mudança. Na sexta, apresentamos as implicações da mudança na
dinâmica financeira da escola.
O quinto e último capítulo apresenta duas categorias de análise que se
mostraram mais significativas para responder à questão principal da pesquisa e para
poder compreender esse processo de mudança: as transformações na dinâmica
pedagógica da escola, com ênfase na educação infantil; e os diferentes olhares sobre o
outro, no caso os/as alunos/as. O capítulo termina com uma sintética referência sobre
como a violência afeta a dinâmica da escola.
Somos conscientes dos limites do trabalho realizado. No entanto, acreditamos
que ele pode contribuir para o aprofundamento das complexas relações entre
cotidiano escolar e cultura(s) na nossa realidade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
17
1
Referências teóricas
O presente trabalho se situa na linha de pesquisa sobre o cotidiano escolar e as
relações entre educação e cultura(s). Acreditamos que a problemática das relações
entre diversidade cultural e cotidiano escolar constitui um tema de extrema relevância
para a construção de uma escola verdadeiramente democrática. Os principais eixos de
reflexão que orientaram nosso trabalho são os seguintes: cotidiano escolar;
multiculturalismo e pedagogia diferenciada.
1.1
Cotidiano, cotidiano escolar e suas dimensões
A filósofa Agnes Heller apresenta o cotidiano como possibilidade de
aprendizado para a experiência do mundo da política. Neste sentido, o micro, o
cotidiano que sempre foi desvalorizado por se referir à esfera do privado, é que vai
educar para a vivência no macro, na vida social sistematizada.
Heller (2004), em seus estudos sobre o cotidiano, destaca dois conceitos
básicos que serviram de apoio à nossa investigação no cotidiano do Colégio Stella
Maris. Segundo ela, o cotidiano é heterogêneo, por ser constituído de diferentes tipos
de atividades que são inerentes à vida. Numa observação da prática pedagógica,
assim como da escola como um todo, é fundamental estar atento à diversidade de
atividades. A vida cotidiana é heterogênea em diversos aspectos:
“sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação ou importância de
nossos tipos de atividade. São partes da vida cotidiana: a organização do
trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social
sistematizada, o intercâmbio e a purificação” (HELLER, 2004:18).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
18
Além de heterogênea, a atividade cotidiana é hierarquizada. Essa
hierarquização, diferentemente da heterogeneidade, é mutável, se modifica em função
das diferentes estruturas socioeconômicas.
“A heterogeneidade é imprescindível para conseguir essa ‘explicitação
normal’ da cotidianidade; e esse funcionamento rotineiro da hierarquia
espontânea é igualmente necessário para que as esferas heterogêneas se
mantenham em movimento simultâneo” (HELLER, 2004:18).
Outra interpretação sobre a cotidianidade tem Maria Teresa Esteban (2003).
Esta autora lembra que o cotidiano é o lugar do pequeno, do desprezível, do sem
importância e que, muitas vezes, os sujeitos da classe popular também são
representados como desprezíveis, sem importância, tornando-se assim invisível às
ciências:
“Pois o cotidiano é o tempo/lugar do pequeno, do desprezível, do sem
importância, do irrelevante, do episódico, do fragmento, do repetitivo. E as
classes populares também congregam os sujeitos sem importância, pequenos,
desprezíveis. Fatos e pessoas que não correspondem às grandes narrativas
que constituíram os discursos privilegiados das ciências, tornando-se
invisíveis a uma ciência que não incorpora em suas análises o drama e a
trama da sociabilidade dos simples, aqueles a quem a vida social imprimiu a
aparência de insignificantes e que como insignificantes são tratados.
(Martins, 2000:135)” (ESTEBAN, 2003:200/201).
Para darmos visibilidade ao “sem importância”, ao episódico, é necessário o
desenvolvimento de metodologias de pesquisa que auxiliem na busca de significados
à trama social presente na vida cotidiana.
“Assim, é preciso o desenvolvimento de metodologias de pesquisa que
possam contribuir para que se tornem perceptíveis os sentidos dos
fragmentos desprezíveis e irrelevantes, porque são mediadores de
articulações complexas, de modos de viver e pensar, da dinâmica dos
processos sociais” (ESTEBAN, 2003:201).
Essas autoras nos auxiliaram a refletir sobre o cotidiano de forma mais ampla.
Apresentaremos em seguida alguns autores que tratam mais especificamente do
cotidiano escolar, assumindo a complexidade presente em sua trama.
Segundo André (2005a), uma das autoras que mais têm produzido nesta linha,
as pesquisas sobre cotidiano escolar no Brasil ganharam popularidade na década de
1980. Os primeiros trabalhos apresentavam muitos problemas e fragilidades do ponto
de vista teórico e metodológico. Com o passar dos anos, após muitas discussões,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
19
reflexões e aprofundamentos na década de 1990, nota-se uma produção regular e
consistente na área sobre esta temática.
André (2005b) chama a atenção para as dimensões que devem ser levadas em
conta numa rigorosa pesquisa sobre cotidiano escolar:
“Para que se possa apreender o dinamismo próprio da vida escolar, é preciso
estudá-la com base em pelo menos três dimensões: a institucional ou
organizacional, a instrucional ou pedagógica e a sociopolítica/cultural. Essas
três dimensões não podem ser consideradas isoladamente, e sim como uma
unidade de múltiplas inter-relações, através das quais se procura compreender
a dinâmica social expressa no cotidiano escolar. (...)
A dimensão institucional ou organizacional envolve os aspectos referentes ao
contexto da prática escolar: formas de organização do trabalho pedagógico,
estruturas de poder e decisão, níveis de participação dos agentes,
disponibilidade de recursos humanos e materiais, enfim, toda a rede de
relações que se forma e transforma no acontecer diário da vida escolar. (...)
A dimensão instrucional ou pedagógica abrange as situações de ensino nas
quais se dá o encontro professor-aluno-conhecimento. Nessas situações estão
envolvidos os objetivos e conteúdos do ensino, as atividades e o material
didático, a linguagem e outros meios de comunicação entre professor e
alunos e as formas de avaliar o ensino e aprendizagem. (...)
Outra dimensão fundamental no estudo das questões do cotidiano da escola é
a sociopolítica/cultural, que se refere ao contexto sociopolítico e cultural mais
amplo, ou seja, aos determinantes macroestruturais da prática educativa. Esse
âmbito de análise inclui uma reflexão sobre o momento histórico, sobre as
forças políticas e sociais e sobre as concepções e os valores presentes na
sociedade” (p. 42, 43, 44).
Essas três dimensões levantadas pela autora não se encontram isoladas, mas se
mesclam no interior da escola, influenciando-se mutuamente. Para compreender a
complexa rede de significados presentes na escola é necessário entender a fundo essas
dimensões interligadas.
Para a mesma autora, as pesquisas sobre cotidiano da escola são uma forma
privilegiada de compreender e refletir sobre a prática escolar.
Na medida em que procuramos compreender a escola sob a ótica da cultura, a
perspectiva de Juarez Dayrell (1996) é especialmente interessante, pois este autor
busca um determinado olhar sobre a escola que privilegie a ação dos sujeitos,
percebendo a escola como um espaço sociocultural.
“Falar da escola como um espaço sociocultural implica, assim, resgatar o
papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição. (...)
Essa abordagem permite ampliar a análise educacional, na medida em que
busca apreender os processos reais cotidianos, que ocorrem no interior da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
20
escola, ao mesmo tempo que resgata o papel ativo dos sujeitos, na vida social
e escolar” (136-137).
Dayrell utiliza a análise desenvolvida por Ezpeleta e Rockwell (1986), que
privilegia a ação dos sujeitos na relação com as estruturas sociais. Para estas autoras,
a instituição escolar seria resultado de um confronto de interesses da organização
oficial do sistema escolar e dos sujeitos. Sendo assim, a escola é concebida como um
processo permanente de construção social. Para as autoras,
“em cada escola interagem diversos processos sociais: a reprodução das
relações sociais, a construção e transformação dos conhecimentos, a
conservação ou destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da
instituição, a resistência e a luta com o poder estabelecido. Apreender a
escola como uma construção social implica, assim, compreendê-la no seu
lugar cotidiano, onde os sujeitos não são agentes passivos diante da estrutura.
Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua construção, de conflitos e
negociações em função de circunstâncias determinadas” (p.137).
Para Dayrell, olhar a escola como um espaço sociocultural significa
compreendê-la como um espaço social próprio, ordenado em duas direções:
institucionalmente (conjuntos de normas e regras) e cotidianamente (trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos).
O autor nos apresenta, ainda, duas interessantes maneiras de compreender
os/as alunos/as. A primeira seria aquela que pensa a criança ou adolescente
unicamente como aluno/a. Nesta concepção, “A escola é vista como uma instituição
única, com os mesmos sentidos e objetivos, tendo como função garantir a todos o
acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente acumulados pela sociedade” (p.
139). Nesta perspectiva, a diversidade dos alunos e alunas é reduzida a diferenças
cognitivas e “a prática escolar, nesta lógica, desconsidera a totalidade das
dimensões humanas dos sujeitos – alunos, professores e funcionários – que dela
participam” (p. 139).
A outra maneira de compreender essas crianças e adolescentes é entendê-los
como sujeitos socioculturais. Nessa perspectiva, o/a aluno/a é compreendido/a na sua
diferença, enquanto sujeito histórico, social e culturalmente construído, com valores,
visões de mundo, habitus etc. que lhe são próprios. Para Dayrell: “O que cada um
deles é ao chegar na escola é fruto de um conjunto de experiências sociais
vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais. Assim, para compreendê-los, temos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
21
que levar em conta a dimensão da experiência vivida” (p. 140). Através das
múltiplas experiências e espaços sociais vivenciados dentro do campo de
possibilidades de cada um, os sujeitos vão reproduzindo e elaborando sua cultura
própria.
Como defende o autor, trata-se de perceber a escola como um espaço
sociocultural, construído no cotidiano das práticas escolares, buscando a
possibilidade de pensar o processo educativo escolar como heterogêneo, fruto da ação
recíproca entre sujeito e instituição, e capaz de reconhecer e incorporar positivamente
a diversidade no desenvolvimento de alunos e alunas como sujeitos socioculturais.
1.2
Cultura escolar e cultura da escola
Para nos auxiliar na discussão sobre cultura(s) e educação escolar,
privilegiaremos a interlocução de alguns autores como Candau (2002), Forquin
(1993), Gimeno Sacristán (1998) e Pérez Gómez (1993).
Não podemos falar de cultura escolar sem refletir sobre a noção de cultura. A
partir do estreitamento do diálogo entre o campo da Educação e da Antropologia, o
significado do termo cultura sofre uma transformação. De uma concepção
universalista, prescritiva e normativa de cultura, difundida pela Pedagogia clássica,
passa-se a uma noção de cultura descritiva, pluralista, baseada na perspectiva
antropológica e sociológica. Segundo Candau (2002:61), a cultura é concebida “como
estruturante profundo do cotidiano de todo grupo social e se expressa em modos de
agir, relacionar-se, interpretar e atribuir sentido, celebrar etc.”. Assim, a cultura
configura o nosso modo de ser e a maneira pela qual cada grupo social se organiza,
estando relacionada a processos extremamente complexos e, em sua maior parte,
inconscientes.
As questões trazidas a partir do estreitamento da relação entre educação
escolar e cultura colocam diversos desafios para a escola. A primeira questão que
essa problemática suscita relaciona-se ao próprio conceito de cultura escolar.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
22
Expressão recentemente introduzida na teoria educacional, admite diversos enfoques.
Analisaremos as posições de três autores: Forquin, Gimeno Sacristán e Pérez Gómez.
Os três autores identificam a multiplicidade de aspectos e sentidos presentes na escola
e nos ajudam a compreender a complexidade do cotidiano escolar.
Jean Claude Forquin, em seu livro Escola e Cultura
1
, analisa diferentes
concepções e dimensões do conceito de cultura, discutindo suas implicações no
âmbito escolar. Seu estudo contempla as contribuições e limites da chamada “Nova
Sociologia da Educação” inglesa, que, a partir da década de 60, desenvolveu uma
reflexão sobre as dimensões e as implicações culturais da escolarização na sociedade
atual. Sua preocupação fundamental é a questão da educação escolar e do currículo,
refletindo sobre a natureza e a justificativa dos conteúdos escolares e a contraposição
entre universalismo e relativismo na seleção dos conteúdos escolares.
A reflexão de Forquin sobre a cultura escolar é fundamental para nossa
pesquisa, na medida em que parte da visão das relações entre educação escolar e
cultura. Distingue cultura escolar e cultura da escola, estimulando assim uma
compreensão mais complexa do cotidiano escolar. A cultura escolar supõe
necessariamente uma seleção entre materiais culturais disponíveis num determinado
momento histórico e social e estaria referida ao que é explícita e intencionalmente
proposto pela escola como finalidade de aprendizagem, ou seja, aos conhecimentos
intencionalmente trabalhados na escola, principalmente, na sala de aula. A cultura da
escola estaria constituída por especificidades, ritos e símbolos presentes no cotidiano
escolar.
"A escola é também um ‘mundo social’, que tem suas características e vida
próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de
gestão de símbolos. E esta ‘cultura da escola’ (no sentido em que se pode
falar em ‘cultura da oficina’ ou da ‘cultura da prisão’) não deve ser
confundida tampouco com o que se entende por ‘cultura escolar’, que se pode
definir como um conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que,
selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito de
imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma
transmissão deliberada no contexto das escolas" (Forquin, 1993:167).
1
O livro Escola e Cultura
1
, publicado no Brasil em 1993, é uma versão abreviada e reformulada de
sua tese de doutorado de Estado defendida em 1987, na Universidade de Ciências Humanas de
Estrasburgo, França.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
23
Outro autor que também contribui para refletirmos sobre o conceito de cultura
escolar é Gimeno Sacristán
2
, que possui uma ampla produção sobre os temas
relacionados a ensino, currículo, formação de professores e reformas educativas. Ele
chama a atenção para a íntima relação entre cultura escolar e currículo e desloca o
centro da discussão para o próprio conceito de currículo. Ao afirmar que a cultura
escolar vai além dos conteúdos, distingue dois significados de currículo: a visão
formal – documento, com objetivos, conteúdos etc. - e o currículo real –
aprendizagens dos alunos e alunas no cotidiano da escola.
Gimeno Sacristán não nega a importância do currículo formal, porém declara
seu caráter limitado, na medida em que não dá conta das aprendizagens que os alunos
fazem no contexto escolar. Propõe ampliar o conceito de cultura escolar, “frente à
cultura proposta pelo currículo, aquela que se declara perseguir, é importante
analisar a ‘cultura vivida’ realmente nas salas de aula” (SACRISTAN, 1998:15).
Para esse autor, a cultura escolar não seria somente os conteúdos-objetivos
trabalhados pela escola e sim todos os aspectos e valores presentes na dinâmica
escolar, assim como aqueles que são ignorados pela mesma. Ele considera que a
ausência de alguns aspectos pode ser significava para compreendermos a lógica da
escola.
Pérez Gómez
3
, também com ampla produção na área de ensino, educação
escolar e formação de professores, é responsável, em muitos casos em parceria com
Gimeno Sacristán, de publicações significativas na área. Assumindo os desafios da
perspectiva pós-moderna, parte da constatação da perplexidade diante da
problemática da escola hoje e do desconcerto por parte dos professores, que considera
que estão no centro do “furacão”. Diante dessa situação, propõe a urgência de
repensar a função da escola e o lugar do conhecimento dentro dela. Sendo assim,
compreende a escola como
“um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade
específica, que a distingue de outras instituições e instâncias de socialização e
lhe confere sua própria identidade e sua relativa autonomia, é a mediação
reflexiva daquelas influências plurais que as diferentes culturas exercem de
forma permanente sobre as novas gerações” (Pérez Gómez, 1993:80).
2
Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Valência (Espanha).
3
Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Málaga (Espanha).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
24
Ele identifica as diferentes culturas que se cruzam na escola: a cultura pública,
cujo locus seria constituído pelas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; a
cultura acadêmica, configurada pelas concreções dessas disciplinas explicitadas no
currículo escolar; a cultura social representada pelos valores e práticas hegemônicos
no cenário social; e a cultura privada, adquirida por cada aluno através dos
intercâmbios espontâneos com seu contexto. Na escola se daria o cruzamento de
todas essas culturas. Esse autor chama atenção para o fato de que a escola necessita
enfrentar as questões e valores emergentes e não ficar presa aos valores da
modernidade em crise. O seu papel não pode mais ser somente o da assimilação da
cultura universal nem a preparação para o mundo do trabalho e “sim o
enriquecimento do indivíduo, constituído como sujeito de suas experiências,
pensamentos, desejos e afetos” (p. 85).
Pérez Gómez afirma que a cultura escolar estaria representada pelos papéis,
normas, rotinas e ritos da escola como instituição específica, cada escola tendo a sua.
1.3
Perspectiva multicultural e educação
Em diferentes contextos, as propostas que articulam educação e diversidade
cultural surgem da constatação da pluralidade de experiências culturais que marcam
tão fortemente nossa sociedade hoje.
A partir das reivindicações de grupos historicamente excluídos e da
constatação de que essa escola do ideal moderno não consegue ensinar a todos, novas
questões surgem para a educação contemporânea. Como integrar as diferentes
identidades culturais no mesmo ambiente escolar? Como ensinar a tantos, de
diferentes raízes culturais? Quais são os conteúdos que devem ser selecionados? E,
por fim, quem os seleciona, sob quais critérios?
Apresentaremos sinteticamente alguns autores que trabalham com as questões
referentes ao multiculturalismo e educação, começando pelos europeus Forquin e
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
25
Bartolomé Pina e dialogando também com os norte-americanos McLaren e Banks.
Tendo sempre presente que questões trazidas pelo multiculturalismo guardam suas
especificidades locais, os modelos propostos por estes autores abrem perspectivas e
apontam caminhos para compreender a questão multicultural.
Forquin (2000) distingue dois sentidos do termo multiculturalismo. O
primeiro deles, descritivo: uma sociedade multicultural – um contexto em que
convivem grupos que têm diferentes origens étnicas e culturais –, o que não supõe
necessariamente um ensino multicultural. O segundo seria o prescritivo: o ensino
multicultural, que deve envolver algumas escolhas pedagógicas, éticas e políticas.
Nesta perspectiva, Forquin distingue duas posições: “unitarista” e
“separatista”, que seriam duas maneiras de efetuar na prática o processo de educação
multicultural. Os “separatistas” ou diferencialistas seriam aqueles que respeitam o
pluralismo cultural mas acreditam que a escolarização deve se dar separadamente, a
fim de não neutralizar as especificidades de cada universo cultural. Forquin não aceita
essa tendência, e a classifica como um multiculturalismo segregacionista. A segunda
posição seria a “unitarista” que propõe uma mesma escola, verdadeiramente
pluricultural, que favoreça a interação entre diferentes grupos culturais. Segundo ele,
esta perspectiva supõe “a coexistência, o encontro, a interação entre indivíduos de
identidades culturais distintas, levando em conta o que isso implica para cada um
como promessa de alargamento e do enriquecimento de suas perspectivas, mas
também considerando os riscos de desestabilização e conflito” (p. 62). Esse
multiculturalismo, aberto e interativo, ele denomina interculturalismo.
Também no contexto europeu, a espanhola Bartolomé Pina (1997) faz um
panorama dos diferentes modelos de educação multicultural no sistema escolar.
Aponta cinco principais enfoques de educação multicultural, classificando os
modelos segundo a finalidade que pretende atingir:
1 - Manter a cultura hegemônica; dentro desse enfoque estariam os modelos:
Assimilacionista: escola de caráter monocultural, incorporando as minorias
étnicas aos valores da cultura universal;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
26
Compensatório: reconhecimento das diferentes culturas, mas a diversidade
cultural é encarada como déficit, defendendo a necessidade de programas de
educação compensatória para os diferentes;
Segregacionista: escolas separadas para as minorias étnicas.
2 - Reconhecer a existência de uma sociedade multicultural:
Currículo multicultural: modificação integral ou parcial do currículo pela
introdução de conteúdos multiculturais;
Pluralismo cultural: reconhecimento do direito à diversidade cultural; propõe a
separação parcial ou total de escolarização ou currículos diferenciados;
Orientação multicultural: orientação pessoal do desenvolvimento da identidade
cultural.
3. Fomentar a solidariedade e a reciprocidade entre culturas:
Intercultural: respeito à diversidade cultural; promove diálogo entre as diferentes
identidades culturais e prega a solidariedade;
Educação não racista: contra a transmissão de valores e condutas racistas;
Holistico de Banks: “aborda a educação intercultural na escola a partir de um
enfoque institucional. Incorpora elementos de denúncia e luta contra a
discriminação e o racismo”.
4- Denunciar a injustiça provocada pela assimetria cultural e lutar contra ela
(enfoque sociocrítico):
Holístico de Banks: entre os enfoques três e quatro;
Anti-racista: denúncia das raízes históricas do racismo; promove a formação
conscientizadora e a discriminação positiva;
Radical: ação conscientizadora feita no interior das minorias culturais excluídas;
integra processos educativos, organizativos e políticos.
5 - Avançar em um projeto educativo global: valoriza a diversidade e promove a
igualdade; pretende educar para a cidadania em uma sociedade multicultural.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
27
A principal contribuição dessa autora é traçar um quadro de referência das
diferentes propostas e dos vários modelos de educação multicultural, tendo em vista a
pluralidade de perspectivas e propostas multiculturais para a educação.
Peter McLaren (1997), um dos principais representantes da pedagogia crítica,
reflete sobre o multiculturalismo como projeto político e enumera quatro tendências.
Afirma que essa diferenciação tem caráter heurístico, pois estas tendências, na
prática, tendem a se misturar. A primeira seria o multiculturalismo conservador ou
empresarial, com uma visão colonial, incluindo teorias evolucionistas ou perspectivas
centradas em um projeto focado na considerada cultura comum. A segunda tendência
seria o multiculturalismo humanista liberal, que afirma a igualdade intelectual entre
as diferentes etnias e os vários grupos sociais, o que permitiria a todos competir em
igualdade de posição. A terceira, que esse autor denomina multiculturalismo liberal
de esquerda, coloca ênfase na diferença cultural e tende a essencializar as diferenças.
Por último, o multiculturalismo crítico, agenda política de transformação, em que a
diversidade deve ser afirmada dentro de uma política crítica e de compromisso com a
justiça social, posição com a qual ele se identifica.
O autor propõe que a sala de aula seja um espaço de narrativas no plural; para
tal é necessário abrir espaços para múltiplas narrativas, pois a narrativa única e
autoritária, assim como a linguagem, deve ser problematizada e questionada, a fim de
superar a noção de neutralidade que nos obrigam a aceitar. Nas palavras do autor,
“a língua constitui a realidade, mais do que meramente a reflete, é um meio
simbólico que refrata, molda e transforma o mundo, e um meio básico através
do qual as identidades sociais são construídas, os agentes sociais são
formados, as hegemonias culturas asseguradas. A linguagem fornece as
autodefinições a partir das quais as pessoas agem, negociam as várias
posições do sujeitos e assumem um processo de nomear e renomear as
relações entre elas próprias, os outros e o mundo” (MCLAREN, 2000:25).
Para o autor, os teóricos da educação crítica falharam por não terem
compreendido o papel importante que a linguagem desempenha, tanto para a
manutenção da ordem hegemônica quanto nos projetos que têm como objetivo a
emancipação dos sujeitos. Segundo ele, “a teoria educacional crítica necessita de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
28
uma linguagem que compreenda como a experiência é produzida, legitimada e
organizada como um aspecto central da pedagogia”. (MCLAREN, 2000:25).
Outra crítica que o autor faz aos teóricos críticos do campo é que eles estão
tão ocupados descrevendo o estado das escolas existentes como meros agentes da
dominação que deixaram de pensar sobre como a escola deveria ser, ou seja, como se
dá a construção de abordagens novas e inovadoras para a organização escolar.
No que diz respeito mais especificamente a uma prática pedagógica crítica e
multiculturalmente orientada, McLaren afirma ser necessário que o educador não só
constate as diversas desigualdades (raça, classe, gênero etc.), como assuma a questão
da diferença para
“criar uma política de construção de alianças, de sonharem juntas(os), de
solidariedade que avance para além de posturas condescendentes (como, por
exemplo, ‘a semana das raças’), que na verdade servem para manter as
formas de racismo institucionalizado intactas” (MCLAREN, 1997:95).
Nesta perspectiva, o educador deve politizar suas aulas contra o sistema
opressor posto para que, além de aprender a ler e escrever, os alunos possam
compreender o mundo. Pois habitando
“em uma sociedade em que a prisão se tornou a alternativa educacional mais
realista para afro-americanos e latinos, o educador, como ativista, não pode
ficar à margem e esconder-se no binarismo falso da
objetividade/subjetividade. Ao contrário, o educador deve assumir um ponto
de vista a partir do qual, como coloca Paulo Freire, possa ler tanto a palavra
como o mundo” (MCLAREN, 2000:55).
A pedagogia crítica da linguagem, oriunda dos processos produtivos e
interativos que conformam o encontro da sala de aula, deve levar em conta a
experiência dos estudantes em três sentidos:
“Em primeiro lugar, o conceito de experiência do estudante é validado como
uma fonte primaria de conhecimento, e a subjetivada dos estudantes é vista
muitas vezes como um repositório de significados, construído em camadas e
muitas vezes contraditório.
Em segundo lugar, tal pedagogia tenta oferecer aos estudantes os meios
críticos para negociar e traduzir criticamente suas próprias experiências e
formas de conhecimento subordinado.
Em terceiro lugar, o discurso radical da pedagogia deve incorporar uma teoria
da leitura crítica viável, que enfoque os interesses e pressupostos que
informam a própria geração do conhecimento. Isto é particularmente
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
29
importante para o desenvolvimento de uma pedagogia, como diria Paulo
Freire, para ler tanto a palavra quanto o mundo” (MCLAREN, 2000:43).
Necessitamos não só questionar os conteúdos selecionados pela cultura
dominante, precisamos incluir no centro do currículo formas de conhecimento que
fazem parte da esfera do cotidiano popular. Para tal, é essencial que conheçamos
nossos alunos mais profundamente e que desenvolvamos uma linguagem que se
comunique melhor com eles e não sobre eles.
McLaren (2001) enumera algumas posições e ações necessárias aos
educadores críticos:
- relacionar os processos de grupo que ocorrem dentro da sala de aula com o
processo capitalista;
- desenvolver uma práxis dialética que permita fazer uma relação entre a vida
cotidiana e esses processos de globalização;
- auxiliar os alunos a ver essa dialética e a se tornarem pesquisadores desse
cotidiano, de modo a ajudá-los a desenvolver um senso de responsabilidade
pelos seus desejos, sonhos e ações. Precisamos usar as experiências de vida de
nossos alunos e da comunidade como base do currículo.
Neste sentido, a atitude do/a educador/a deve deixar de ser a de “pregador”
para a de “problematizador” do debate, mantendo os objetivos, porém alterando os
meios.
Esse autor nos é de grande importância, na medida em que apresenta
caminhos para pensar uma prática pedagógica inspirada na perspectiva crítica e
multicultural.
Outro autor que foi nossa referência para pensar a questão multicultural e seus
desdobramentos na sala de aula é James Banks. Na visão deste autor, a educação
multicultural é um movimento reformador, destinado a realizar grandes mudanças no
sistema educacional. Concebe como principal finalidade da educação multicultural
fazer com que todos os estudantes desenvolvam “habilidades, atitudes e
conhecimentos necessários, para atuar no contexto da sua própria cultura étnica, no
da cultura dominante, assim como para interagir com outras culturas e situar-se em
contextos diferentes do seu de origem” (BANKS, 2002).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
30
Banks afirma ainda que, desde os anos 60, muitos paradigmas foram
formulados para explicar o fracasso escolar e ressalta, em suas análises, dois deles: o
primeiro, “da privação cultural”, parte do pressuposto de que o fracasso de
determinados alunos se dá pela maneira como foram socializados. Nesse paradigma, a
cultura de origem é que é o problema, não a cultura da escola. Ela reconhece a
diversidade de culturas, porém constrói uma hierarquia entre elas. O segundo
paradigma, intitulado “da diferença cultural”, parte da afirmação de que as diferentes
culturas possuem linguagens, valores, símbolos etc. que devem ser entendidos em sua
originalidade. O problema não está na cultura dos alunos e sim na cultura da escola,
que deve abrir-se para a multiculturalidade presente na sociedade.
O autor trabalha também a questão da diversidade cultural no currículo e
aponta quatro abordagens, que podem explicitar diferentes níveis de mudança
curricular. A primeira seria aquela que, sem alterar o currículo, introduz algumas
contribuições de diferentes culturas no cotidiano escolar, como comemorações e
rituais próprios. A segunda seria uma abordagem aditiva, que acrescentaria
determinados conteúdos ao currículo sem afetar sua estrutura básica. A terceira
abordagem teria um enfoque transformador, promovendo uma reestruturação no
currículo como um todo, trabalhando temas e conceitos oriundos das distintas
tradições culturais. A quarta, da ação social, amplia a transformação curricular para
um compromisso com ações comunitárias de maior amplitude social e política.
A contribuição de Banks será importante para nossa pesquisa na medida em
que esse autor concebe, a partir destas idéais-eixo, um modelo de educação
multicultural para o dia-a-dia da sala de aula que pretendemos utilizar para analisar a
prática pedagógica dos professores e professoras.
O autor propõe cinco dimensões inter-relacionadas que constituem indicadores
de uma prática educativa na perspectiva multicultural. As duas primeiras dizem
respeito aos conteúdos ensinados, enquanto as três últimas estão mais voltadas para
atitudes e métodos de ensino-aprendizagem. São elas:
- integração de conteúdo: lida com as formas pelas quais os professores usam
exemplos e conteúdos provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
31
os conceito-chave, princípios, generalizações e teorias nas suas disciplinas ou
áreas de atuação;
- processo de construção do conhecimento: propõe formas através das quais os
professores ajudam os alunos a entender, investigar e determinar como os
pressupostos culturais implícitos, os quadros de referência, as perspectivas e
os vieses dentro de uma disciplina influenciam as formas pelas quais o
conhecimento é construído;
- pedagogia da eqüidade: existe quando os professores modificam sua forma de
ensinar de maneira a facilitar o aproveitamento acadêmico dos alunos de
diversos grupos sociais e culturais, o que inclui a utilização de uma variedade
de estilos de ensino, coerentes com a diversidade de estilos de aprendizagens
dos vários grupos étnicos e culturais, introduzindo novas linguagens,
diferentes tipos de avaliação e tarefas diversificadas;
- redução do preconceito: focaliza atitudes em relação a raça e como elas
podem ser modificadas através de métodos de ensino e determinados
materiais e recursos didáticos;
- uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de
diferentes grupos: processo de reestruturação da cultura e organização da
escola, para que os alunos de diversos grupos étnicos, raciais e sociais
possam experimentar a eqüidade educacional e o reforço de seu poder na
escola.
Para Banks, o mais comum é a incorporação de uma dessas dimensões nas salas
de aula; conseqüentemente, o multiculturalismo é visto apenas como inclusão de
determinados aspectos de diferentes culturas na escola. Ele afirma que a ênfase deve
ser dada ao e não ao ou, como é mais freqüente. A educação multicultural é entendida
pelo autor como um processo complexo e multidimensional.
A partir do modelo proposto por Banks, procuraremos identificação se há
indícios de prática multicultural na prática pedagógica dos professores e professoras
da escola pesquisada.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
32
Vera Candau (1994 e 2002), a partir da classificação proposta por Forquin,
enumera cinco posturas básicas em relação às diversas posições dos profissionais da
educação frente à educação multicultural. São as seguintes:
- Acrítica: refere-se “aos educadores que não têm uma consciência clara da
problemática das relações entre escola e culturas” (1994:8). Essa seria a
posição mais comum entre os profissionais de educação.
- Transcultural: enfatiza o papel da escola na sociedade como transmissora de
conhecimentos universais. Essa perspectiva acredita que “a escola é lugar da
igualdade e universalidade e não das diferenças e das particularidades”
(CANDAU, 2002:98).
- Assimilacionista: reconhece a pluralidade cultural do sistema educacional,
porém percebe uma hierarquização entre as culturas; as diferenças são
notáveis e procura-se a integração e assimilação das diferenças à cultura
hegemônica. Programas de educação compensatória são um dos exemplos
desta postura.
- Radical: defende escolas diferenciadas, a fim de preservar as diferenças. A
integração dos diferentes grupos teria como a conseqüência a neutralização
das diferenças.
- Perspectiva intercultural: Supõe a inter-relação entre os diferentes grupos
socioculturais. “Trata-se de um enfoque que afeta a educação em todas as
dimensões, favorecendo uma dinâmica de crítica e autocrítica, valorizando a
interação e comunicação recíprocas” (2002:98). A autora situa-se nesta
perspectiva.
A partir dos dados trazidos pela investigação e pelas posturas levantadas pela
autora, analisaremos como as professoras da escola se situam no debate sobre as
relações entre educação e diversidade cultural.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
33
1.4
Pedagogia diferenciada
Com o objetivo de buscar meios de lidar com a diversidade e com os
diferentes níveis de aprendizagem dos/as alunos/as no interior da sala de aula, surge a
pedagogia diferenciada. Seu objetivo é buscar metodologias pedagógicas que
respeitem as diferenças existentes entre os/as alunos/as.
Nosso principal interlocutor em relação a este aspecto será o sociólogo suíço
Philippe Perrenoud (1995 e 2000). Este possui uma ampla produção sobre temas
como o ofício do/as alunos/as e dos/as professores/as, formação a partir de
competências, ciclos escolares, avalição e pedagogia diferenciada. Este último
aspecto será o nosso principal interesse na obra do autor, devido aos objetivos desta
pesquisa.
Temos consciência de que as reflexões deste autor partem da escola suíça,
porém suas reflexões sobre os mecanismos de fabricação das desigualdades, o
fracasso escolar e, principalmente, sua proposta de construção de uma pedagogia
diferenciada nos serão muito úteis para refletirmos sobre as práticas pedagógicas
mobilizadas pelos professores e professoras da escola pesquisada.
Segundo o autor:
“Diferenciar o ensino é ‘fazer com que cada aprendiz vivencie, tão
freqüentemente quanto possível, situações fecundas de aprendizagem’
(PERRENOUD, 1996b). Para executar essa idéia simples, é preciso mudar
profundamente a escola. Acrescentemos de imediato que adaptar a ação
pedagógica ao aprendiz não é, no entanto, nem renunciar a instruí-lo, nem
abdicar dos objetivos essenciais. Diferenciar é, pois, lutar para que as
desigualdades diante da escola atenuem-se, simultaneamente, para que o
nível do ensino se eleve” (PERRENOUD, 2000:9).
Essa metodologia busca atividades e situações de aprendizagem que sejam
significativas e mobilizadoras, incorporando as diferenças pessoais e culturais dos
alunos/as, para garantir que todos tenham acesso ao conhecimento. Propõe uma
diferenciação das situações didáticas, que devem ser abertas e variadas e sensíveis às
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
34
diferenças. “O sistema educativo acolhe crianças e adolescentes muito diferentes.
Caso continue “indiferente às diferenças”, o fracasso persistirá.”
4
Perrenoud (2000) considera a pedagogia diferenciada como uma das formas
de lutar contra o fracasso escolar. Neste sentido, para amenizar ou neutralizar as
desigualdades, é necessário que essa pedagogia tenha como base uma análise rigorosa
dos mecanismos que geram as desigualdades dentro da escola. Para o autor, é “a
própria organização do trabalho escolar que produz o fracasso” (PERRENOUD,
2000:9).
O autor faz um apanhado das diversas explicações para as desigualdades de
desempenho escolar. Primeiro se tentou explicar o fracasso como um problema do
aluno; o desempenho escolar estaria relacionado às aptidões geneticamente
desenvolvidas pelo sujeito. Essa explicação ficou conhecida como ideologia do dom.
Tentou-se, também, explicar o insucesso como problema da família; o fracasso estaria
vinculado às condições socioeconômicas da família, ou seja, o problema seria o meio
cultural. Sem negar que a condição social da família é um elemento muito importante,
o autor chama atenção para o fato de que o meio não se reduz à condição de classe da
família, pois cada família forja sua própria cultura. Para Perrenoud, o que essas
teorias têm em comum é o postulado da falta de alguma coisa.
“Essas faltas, essas ausências ‘explicariam’ os atrasos e os fracassos
escolares. Seguindo tal modelo, afirmou-se, e ainda se afirma, sem
dificuldade, que as crianças das classes populares não têm êxito na escola
porque não são motivadas, porque seus pais não conseguem ajudá-las, porque
sua moradia é pequena, porque sua linguagem familiar é pobre, porque o
capital cultural da família é pequeno, porque as crianças não são dóceis na
escola etc” (PERRENOUD, 2000: 24).
Nas décadas de 1960 e 1970, os estudos de Sociologia da Educação avançara
na discussão e propuseram novas explicações para as desigualdades no interior da
escola. Os autores afirmam que as desigualdades biológicas, psicológicas,
econômicas, sociais e culturais só se transformam em desigualdades de aprendizagem
pelo modo particular de funcionamento da escola e pela maneira com que a escola
lida com as diferenças.
4
Philippe Perrenoud: O futuro da escola nos pertence. Entrevista concedida à Folha de São Paulo.
29/07/2003.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
35
Perrenoud resgata Bourdieu, quando afirma que a indiferença às diferenças
está na gênese das desigualdades escolares. Em 1966, Bourdieu escreveu:
“Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais
desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore no conteúdo do
ensino transmitido, nos métodos e nas práticas de transmissão e nos critérios
de julgamento, as desigualdades culturais entre as crianças de diferentes
classes sociais: em outras palavras, tratando todos os alunos, por mais
desiguais que sejam de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema
escolar é levado a dar, na verdade, sua sanção às desigualdades iniciais diante
da cultura. A igualdade formal que regula a prática pedagógica serve, na
verdade, de máscara e de justificativa à indiferença para com as
desigualdades reais diante do ensino e diante da cultura ensinada ou, mais
exatamente, exigida” (PERRENOUD apud BOURDIEU, 1966:336-337).
Durante a década de 70 muitos autores
5
reformaram e ampliaram essa
explicação, denunciando a escola como reprodutora das desigualdades mais amplas
da sociedade. As desigualdades no interior da escola deixam de ser explicadas pela
falta dos/as alunos/as ou das famílias. O fracasso escolar seria gerado dentro da
própria instituição escolar, pela organização e funcionamento das práticas
pedagógicas.
Perrenoud afirma que a indiferença às diferenças nunca é absoluta, nenhum/a
professor/a trata de forma exatamente igual a todos os/as alunos/as de uma turma.
Voluntária ou involuntariamente, os professores e professoras sempre fazem uma
diferenciação entre os estudantes. Essa diferenciação pode servir para uma causa
positiva ou reforçar as desigualdades já existentes.
Ele propõe abandonar o conceito de indiferença à diferença e falar em
diferenciação intencional e diferenciação involuntária. A diferenciação intencional é
aquela que beneficiaria os/as alunos/as, quando os/as professores/as buscam
diversificar as tarefas da sala de aula procurando atender a todos; são as ações
positivas que visam atenuar as desigualdades. A segunda é a diferenciação
involuntária. Esta é acrítica por diferenciar os/as alunos/as pela preferência pessoal do
professor, dando ênfase aos alunos/as que têm mais facilidades e deixando de lado
aqueles com mais dificuldades. Essa diferenciação reforça as desigualdades e é muito
comum dentro das salas de aula das escolas. Para o autor:
5
Em especial, os sociólogos da linha crítico-reprodutivista.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
36
“A diferenciação involuntária pode ter todo tipo de efeitos em relação ao
fracasso escolar. Por vezes, espontânea e intuitivamente, o professor
interessa-se pelos alunos que mais precisam dele, mesmo que não solicitem
ajuda. Outras vezes, a diferenciação selvagem tende a aumentar as variações.
Assim, em aula, quando faz uma atividade coletiva, o professor trabalha, de
preferência, com os alunos que fazem perguntas, que se manifestam, que
ajudam a construir uma “boa aula”, pois, com aqueles que nada dizem é
difícil de criar uma dinâmica (....). Inconscientemente, e às vezes contra seus
valores, o professor pode ser levado a “favorecer os favorecidos”
(PERRENOUD, 2000:27).
No que diz respeito mais diretamente à aprendizagem e ao ensino, o autor
chama atenção para o fato de que não basta ajustar algumas tarefas aos alunos/as, é
necessário transformar o conteúdo, a relação professor/a-aluno/a e o contrato
didático. Deve-se enfrentar algumas questões básicas:
“Como as crianças e os adolescentes aprendem? Como criar uma relação
menos utilitarista com o saber e instaurar um contrato didático e instituições
internas que dêem ao trabalho escolar um verdadeiro sentido? Como
inscrever o trabalho escolar em um contrato social e em uma relação entre
professores e alunos que façam da escola um local de vida, um oásis
protegido, pelo menos em parte, dos conflitos, das crises, das desigualdades e
das desordens que perpassam a sociedade” (PERRENOUD, 2000:45).
A pedagogia diferenciada assume a idéia do/a aluno/a no centro da ação
educativa; ao/a professor/a cabe organizar as situações, orientar e fornecer recursos
para que o processo aconteça. Essa perspectiva adota também os princípios das
correntes construtivistas e interacionistas, de que a aprendizagem acontece através do
processo de envolvimento ativo do/a aluno/a na construção do conhecimento,
enfatizando o ensino direcionado para as competências e o trabalho em projetos.
Perrenoud (1995) afirma que a mesma situação didática pode ser considerada
adequada e significativa para alguns e para outros não. Não se trata de criar um
programa para cada aluno ou aluna e sim buscar caminhos diversos para atingir as
competências almejadas. O que deve ser individualizado é o acompanhamento de
cada aluno/a. Nas palavras do autor:
“Diferenciação não é sinônimo de individualização do ensino. É evidente que
não se pode falar em diferenciação sem gestão individualizada do processo
de aprendizagem, mas isso não significa que os alunos vão trabalhar
individualmente, o que acontece é que o acompanhamento e os percursos são
individualizados” (Idem. p. 29).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
37
A diferenciação também exige o reconhecimento do grupo como oportunidade
de aprendizagem. O professor deve ajudar o grupo a construir uma identidade
coletiva, trabalhar cooperativamente e tomar consciência de suas diferenças e
desigualdades e agir sobre elas, investigando atividades e situações que levem em
conta as diferenças culturais.
Para Perrenoud uma intensa relação interpessoal sozinha não garante diminuir
as distâncias culturais; pelo contrário, as interações sociais intensas podem acirrar as
diferenças, sendo necessário aprender a trabalhar com esses conflitos; para tal, é
preciso vencer os preconceitos e resistências em relação aos alunos desmotivados,
bagunceiros, negligentes etc.
Um outro ponto importante que Perrenoud chama atenção é que a pedagogia
diferenciada exige uma avaliação formativa. Esta tem um sentido educativo, pois é
uma forma de avaliar que objetiva melhorar a formação, ajudar o aluno a aprender e
não a classificá-lo por notas. Uma avaliação que acompanhe o processo de cada
aluno/a, monitorando a aprendizagem, a fim de identificar lacunas e ajudá-lo a
progredir, pensando novas formas de ação. Para o autor, uma avaliação formativa
deve estar a serviço da regulação, do acompanhamento do processo de aprendizagem
e da ação didática, ao permitir o diagnóstico da situação e a prescrição de medidas
corretivas.
Esse autor e suas reflexões sobre a pedagogia diferenciada nos auxiliam a
compreender as mudanças metodológicas que uma escola preocupada com a questão
das diferenças deve enfrentar.
Somos conscientes de que a perspectiva multicultural não é tratada por
Perrenoud, mas acreditamos que sua abordagem pedagógica pode ser articulada com
a problemática das relações entre escola e diversidade cultural.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
38
2
Metodologia da pesquisa
Este capítulo pretende reconstruir os caminhos trilhados e os métodos
utilizados na pesquisa realizada sobre o cotidiano escolar do Colégio Stella Maris.
Para compreender o processo de mudança da escola e suas implicações na dinâmica
do colégio, assim como na prática pedagógica dos/as professores/as no seu acontecer
cotidiano, optamos por fazer uma pesquisa qualitativa, utilizando o estudo de caso de
inspiração etnográfica como enfoque inspirador.
A presente pesquisa se insere nessa perspectiva. Por tratar-se de uma pesquisa
qualitativa, procuraremos fazer uma descrição de como se deu o processo da
investigação, apresentando, assim, o caminho percorrido para chegar a esse relatório
final.
Um ponto essencial que gostaríamos de frisar é que trabalharemos
fundamentalmente com representações da realidade. As representações sociais dos
sujeitos/objetos
1
são forjadas por sua “maneira” de estar no mundo (seu lugar, sua
classe, sua ideologia) e a da pesquisadora também. Buscamos controlar a
subjetividade, exercendo uma vigilância crítica entretanto, como sujeitos, não
podemos ignorar sua influência até mesmo no momento de definir o tema estudado.
Nossa opção por estudar essa escola, em especifico, ocorre devido a uma visão de
mundo, e isso não pode ser ignorado.
Ângela Brito e Ana Cristina Leonardos (2001) destacam dois pontos
fundamentais em relação ao pesquisador/a, nas pesquisas qualitativas, que não devem
ser ignorados: a questão do poder e a influência da subjetividade. Assumimos a
afirmação de que a objetividade absoluta é impossível, devido ao lugar de onde o/a
pesquisador/a fala, de suas escolhas ideológicas tanto quanto metodológicas.
1
Para Brito & Leonardos (2001) a denominação objeto seria uma atribuição menor, o pesquisador se
limitaria a estudá-los, enquanto a intitulação sujeito iria além, pois aceitaria sua participação em vários
níveis da pesquisa. Optamos por utilizar o termo sujeito.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
39
Afirmam que o/a pesquisador/a deve ter consciência da subjetividade, para assim
amenizar suas conseqüências, garantindo o rigor e a imparcialidade na construção do
conhecimento. Segundo as autoras, o mesmo acontece com o poder: não podemos
negá-lo, tampouco podemos assumi-lo de forma absoluta e acrítica.
Muitos autores vêm se dedicando às questões da não-neutralidade dos
instrumentos de pesquisa e das influências entre o/a pesquisador/a e os sujeitos no
processo de investigação. Para Marília Pinto Carvalho (2003): “São reflexões que
partem do pressuposto de que o próprio processo de pesquisa é uma prática social e
está situada num contexto histórico-cultural, permeado por relações de poder, assim
como qualquer outro aspecto da sociedade” (p. 207).
2.1
Estudo de caso de inspiração etnográfica
Entendemos a investigação cientifica como uma produção discursiva, situada
no quadro de paradigmas, cujos alicerces epistemológicos fundamentam-se em
“concepções relativamente estabilizadas sobre o sujeito, o objeto e as relações entre
sujeito e objeto do conhecimento” (SARMENTO, 2003:141).
Zaia Brandão (2002) atesta que, a partir da década de 1980, com a crítica ao
positivismo e ao caráter genérico dos surveys, por se encontrarem alheios aos
problemas das escolas e salas de aulas, é provocada “uma virada hegemônica no
campo das estratégias metodológicas na sociologia da educação. Os estudos de caso,
a observação participante e as estratégias de pesquisa qualitativa foram
gradativamente dominando a pesquisa em educação” (p. 103).
O estudo de caso de inspiração etnográfica, opção assumida neste trabalho,
define-se, portanto, como uma pesquisa qualitativa de abordagem interpretativista.
Apresentaremos algumas concepções do estudo de caso que nos auxiliaram na
investigação.
De acordo com Howard Becker (1999), o termo “estudo do caso” nasce nas
pesquisas médicas e psicológicas, referindo-se “a uma análise detalhada de um caso
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
40
individual que explica a dinâmica e a patologia de uma doença dada; o método
supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da
exploração intensa de um único caso” (BECKER, 1999:117). As ciências sociais se
apropriam desse método não para estudar um individuo, mas sim, principalmente,
uma organização.
Para o autor, é utópico supor que possamos dar conta de tudo, daí a
necessidade de eleger alguns problemas que parecem ser de maior importância para
aprofundarmos e atribuir relevância teórica.
Segundo Stake (1998), “a especificidade do estudo de caso é a natureza
singular do objeto de incidência da investigação”. Acreditamos que a mudança de
clientela da escola seja um objeto de natureza singular e que será aprofundado por
nós nesta investigação. Manuel Sarmento (2003), em seu artigo O estudo de caso
etnográfico em educação, afirma:
Os ‘estudos de caso’ de escolas são, portanto, um formato metodológico
que deve a sua divulgação, antes de mais nada, ao fato de perspectivarem
holisticamente as unidades organizacionais, e, no caso dos estudos de base
etnográfica, de acrescentarem ao conhecimento de estruturas, regras,
interações e processos de ação as dimensões existenciais, simbólicas e
culturais que lhes associam” (p. 139).
Para este autor, o estudo de caso não implica nenhuma orientação em
particular, podendo ser utilizado em diferentes abordagens. Optamos pelo estudo de
caso de inspiração etnográfica devido à dimensão sociocultural que a etnografia
acrescenta ao estudo de caso. Sarmento (2003) destaca que
a etnografia impõe, deste modo, uma orientação de olhar investigativo para
os símbolos, as interpretações, as crenças e valores que integram a vertente
cultural (ou, dado que a cultura não existe no vazio social, talvez seja mais
apropriado dizer vertente sócio-cultural) das dinâmicas de ação que ocorrem
nos contextos escolares”(p.152)
.
Marli André (2005), autora com ampla produção sobre pesquisa qualitativa
em educação, etnografia e cotidiano escolar, sintetizando as contribuições de diversos
autores sobre o estudo de caso, enumera as situações em que o estudo de caso do tipo
etnográfico deve ser utilizado como estratégia metodológica:
“(1) quando se está numa instância do particular, numa determinada
instituição, numa pessoa, ou num específico programa ou currículo; (2)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
41
quando se deseja conhecer profundamente esta instância particular em sua
complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado
naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus
resultados; (4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas
relações, novos conceitos sobre um determinado fenômeno; e (5) quando se
quer retratar o dinamismo de uma situação numa forma próxima do seu
acontecer natural” (p. 51-52).
Segundo a autora, esse formato metodológico permite que nos aproximemos
da escola para desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia na
instituição escolar.
A abordagem etnográfica começa a ser utilizada na pesquisa educacional no
início da década de 1970, devido à aproximação dos campos disciplinares da
sociologia e antropologia com a educação. Essa abordagem amplia a investigação,
pois busca interpretar os significados do ponto de vista da cultura.
2.2
Instrumentos da pesquisa
Babbie (2004) destaca que, para o estudo e a compreensão de determinado
fenômeno social, o/a pesquisador/a terá maior possibilidade de acertar utilizando-se
de mais de um instrumento de pesquisa.
Como afirma André (2005), o/a pesquisador/a não deve limitar-se à descrição
de situações, mas
“deve ir muito além e tentar reconstruir as ações e interações dos atores
sociais segundo seus pontos de vista, suas categorias de pensamento, sua
lógica. Na busca das significações do outro, o investigador deve, pois,
ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas do entender,
conceber e recriar o mundo. A observação participante e as entrevistas
profundas são, assim, os meios mais eficazes para que o pesquisador
aproxime-se dos sistemas de representação, classificação e organização do
universo estudado” (p. 45).
Para investigar o processo de mudança de clientela e suas implicações na
dinâmica da escola como um todo, tornou-se necessária a utilização das técnicas
etnográficas: observação participante; entrevistas; e análise documental.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
42
2.2.1
Observação Participante
Na realização desta pesquisa, tivemos como referências fundamentais para a
pesquisa de campo os trabalhos de: Oliveira (1998); Malinowski (1975); Geertz
(1989); Sarmento (2003); Tura (2003) e André (2005, 2006). Esses autores
desenvolvem detalhadamente diferentes aspectos e dimensões da etnografia; os dois
últimos, da utilização da etnografia na pesquisa educacional.
As características principais da observação participante são: a presença
constante do/a pesquisador/a no campo e a observação direta das atividades.
Sahram Merriam (1988) identifica quatro possibilidades de observação
participante: 1) só participante; 2) participante como observador; 3) observador como
participante; 4) só observador.
Ao longo da pesquisa de campo, experimentamos todas essas possibilidades
destacadas por Merriam, embora na maior parte do tempo nos situássemos como
participante como observador. Como diversos autores ressaltam, não podemos
ingenuamente acreditar que nossa presença dentro da escola e da sala de aula não
altere em nada as ações dos sujeitos.
Procuramos seguir as lições de Malinowski (1975), de mergulhar na cultura
do outro para captar o ponto de vista dos “nativos”, observando a rotina, as regras, os
tons das conversas, prestando atenção “ao que se faz” e “ao que se diz sobre o que
faz”, sempre atentos também ao clima presente em cada observação.
A pesquisa foi realizada no Colégio Stella Maris. A escolha da escola se deu
pelas mudanças enfrentadas por ela, a partir do ingresso de uma nova clientela.
Estando cientes do processo de mudança porque a escola passou, entramos em
contato por e-mail com uma das principais responsáveis pela Congregação Filhas de
Jesus, que atualmente trabalha em Belo Horizonte mas era diretora da escola na época
da mudança; apresentamos as razões para investigar a escola. Recebemos
rapidamente uma resposta positiva, demonstrando felicidade pelo interesse no
projeto, além de nos fornecer o contato com a diretora atual da escola e de avisá-la
sobre nosso projeto.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
43
Marquei pelo telefone uma reunião com a diretora, que se realizou em abril de
2006. Fui bem recebida por ela, que manifestou o seu entusiasmo em relação ao
projeto da escola, de atender à população do Vidigal, e aceitou que fizessemos a
pesquisa na escola. A diretora estava no cargo havia um ano, tendo antes trabalhado
em Belo Horizonte.
Após conversar por meia hora com a diretora, esta chamou a sua sala e me
apresentou a Sonia
2
, coordenadora pedagógica, para que me ajudasse no que fosse
possível. Sonia também demonstrou entusiasmo em saber da minha pesquisa e muito
amavelmente se dispôs a ser minha cicerone.
Nesse primeiro contato, a diretora, além de nos passar algumas informações
sobre a estrutura da escola, fez comigo um tour por toda a escola.
3
A entrada na escola foi facilitada, sem dúvida, pela empatia com a
coordenadora pedagógica, que realmente se transformou em minha cicerone na
escola.
Executadas as exigências iniciais para a entrada em campo, passei a freqüentar
a escola duas vezes por semana durante seis meses.
Foram 154 horas de observação, no período de maio a novembro de 2006,
com pausa em julho, devido às férias escolares. Priorizamos a presença na sala de
aula, embora outros espaços também tenham sido observados, como o corredor, o
recreio, e algumas comemorações da escola.
Na medida em que procuramos entender a mudança e suas implicações na
escola como um todo, observei pelo menos uma turma de cada série da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental. Passamos um tempo maior nas classes de
alfabetização e, em geral, na Educação Infantil, porque estão passando por uma ampla
mudança pedagógica nesse segmento houve grande permanência das professoras, que
tornaram-se, atores privilegiados da mudança vivenciada pela escola.
Como dependíamos de uma agente autorizada, na grande maioria das vezes
quem desempenhou este papel foram as coordenadoras responsáveis
4
pelas turmas,
2
Todos os nomes são fictícios.
3
Um dado interessante é que quem sugeriu que a diretora me levasse por esse passeio pela escola, foi
Sonia.
4
Somente em uma ocasião fui introduzida numa turma pela “inspetora”.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
44
para nos introduzir nas salas de aulas algumas vezes
5
, por elas não estarem presentes,
ficamos observando livremente diferentes espaços da escola, conhecendo mais o
pátio, os recreios e as aulas de educação física. Em uma dessas ocasiões, coincidiu de
as três turmas do segundo período da Educação Infantil do turno da tarde estarem no
pátio participando de diversas atividades/brincadeiras simultaneamente. No início
estávamos só observando, mas rapidamente a professora de educação física nos
chamou para ajudar em uma das brincadeiras. Esse foi um dos momentos em que a
observação foi mais participante do que observação. Mas, na maior parte do tempo,
somente observamos e conversamos com as professoras.
Além da observação das atividades desenvolvidas na escola, também
pudemos, ao longo da pesquisa de campo, conhecer, conversar e interagir com
praticamente todos os/as professores/as da escola.
Toda observação direta e as conversas foram anotadas no diário de campo, da
forma mais completa possível. No final da observação tínhamos preenchido três
cadernos de observações.
2.2.2
Entrevistas
A outra técnica utilizada foi a entrevista, que funcionou como uma
complementação da observação. As entrevistas foram fundamentais, na medida em
que desejavamos compreender as diferentes visões e significados da mudança por
parte dos agentes sociais presentes no processo. Queríamos entender o sentido que os
próprios sujeitos davam para a mudança, incorporando assim significados, valores,
atitudes, linguagens, símbolos do “outro” a partir do ponto de vista do universo do
5
Ao longo da pesquisa, isso aconteceu cinco vezes. Depois de irmos à escola umas cinco vezes, nós já
conhecíamos os dois “recepcionistas” da escola, que permitiam minha entrada livremente. Estando lá,
nos encaminhávamos para a sala da coordenação responsável pela turma que observaríamos no dia. Se
ela não estivesse lá começávamos a nos movimentar pela escola à sua procura. Quando realmente elas
não estavam presentes, na grande maioria das vezes porque estavam viajando para algum encontro da
Congregação, alguém me avisava.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
45
“outro”. Buscávamos assim, a relativação, ou seja, compreender o conhecimento do
“outro” nos seus próprios termos; para tal, necessitávamos ouvir o “outro”.
Para a construção das entrevistas foram fundamentais as lições de: Bourdieu
(1998); Babbie (2004); Woods (1993) e Duarte (s/d).
Atentos aos problemas mais corriqueiros que acontecem nesse instrumento de
investigação, procuramos seguir os ensinamos de Rosalia Duarte (s/d), que afirma
que o desenvolvimento de uma boa entrevista requer:
“a) que o pesquisador tenha bastante bem definidos os objetivos de sua
pesquisa (e introjetados – não é suficiente que eles estejam bem definidos
apenas no ‘papel’); b) que ele conheça, com alguma profundidade, o contexto
onde pretende realizar sua investigação (a experiência pessoal, conversas
com pessoas que participam daquele universo – egos focais/informantes
privilegiados -, leitura de estudos precedentes e uma cuidadosa revisão
bibliográfica são requisitos fundamentais para a entrada do pesquisador em
campo); c) a introjeção, pelo entrevistador, do roteiro da entrevista (fazer
uma entrevista ‘não-válida’ com o roteiro é fundamental para evitar
“engasgos” no momento da realização das entrevistas válidas; d) segurança e
auto-confiança; e) algum nível de informalidade, sem jamais perder de vista
os objetivos que levaram a buscar aquele sujeito específico como fonte de
material empírico para sua investigação” (p. 3).
Pierre Bourdieu (1998) chama a atenção para o fato de o processo de pesquisa
ser uma relação social e para os efeitos dessa realidade nos dados obtidos. Para o
autor, é uma ilusão acreditar numa comunicação não violenta nas entrevistas, devido
à dissimetria da relação. No entanto, o/a pesquisador/a que domina as regras do jogo
e tem consciência disso, exercendo uma escuta ativa e simbólica, pode diminuir a
violência simbólica presente na entrevista. Nas palavras do autor:
“Levando em conta estas duas propriedades [dissimetria em relação a quem
conduz a entrevista e algumas vezes dissimetria social também] inerentes à
relação de entrevistas, esforçamos-nos para fazer tudo para dominar seus
efeitos (sem pretender anulá-los); quer dizer, mais precisamente, para reduzir
ao máximo a violência simbólica que se pode exercer através dele. Procurou-
se então instaurar uma relação de escuta ativa e metódica” (BOURDIEU,
1998:695).
Buscamos o tempo todo uma comunicação “não violenta”, com abertura à
escuta e deixando os sujeitos à vontade. Sem dúvida a relação construída ao longo do
processo de pesquisa de campo proporcionou uma interação de amabilidade e
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
46
confiança entre os sujeitos e a pesquisadora. Facilitou este clima o fato de as
entrevistas terem sido realizadas após o período da observação participante.
Foram entrevistadas 3 coordenadoras (2 coordenadoras da Educação Infantil e
uma coordenadora do Ensino Fundamental); a diretora; uma orientadora pedagógica
e 3 professoras. Três dessas pessoas mudaram de cargo durante a pesquisa de campo,
e foram feitas perguntas referentes às duas funções. Devido à intensa convivência
com os/as professores/as e os muitos diálogos travados durante a observação,
procuramos nas entrevistas privilegiar as vozes dos que estão por trás do acontecer
cotidiano da sala de aula.
Todas as entrevistas foram realizadas no interior da escola, em dias
alternados, com horário marcado antecipadamente, no mês de novembro de 2006.
O roteiro das entrevistas foi construído a partir das questões centrais que a
pesquisa pretendia abordar, assim como das questões que emergiram do trabalho de
campo. O roteiro foi o mesmo para todas as entrevistas; porém, algumas adaptações
foram necessárias, dependendo das entrevistadas, por exemplo, entrevistamos uma
professora que não estava presente quando a mudança de público aconteceu, o que
nos levou a retirar as primeiras perguntas do roteiro.
O roteiro funcionou como uma base. As entrevistas foram semi-estruturadas,
deixando-se assim os informantes mais à vontade para responder às questões.
Procuramos diminuir a distância entre pesquisador/a e sujeito e provocar um discurso
mais livre e aberto, assim como amenizar as relações de poder contidas nessas
situações. Seguimos Peter Woods (1993), que afirma:
“Em primeiro lugar, se poderia observar que ‘entrevista’ não é uma palavra
feliz, pois indica uma formalidade que o etnógrafo trata de evitar. Prefiro
chamá-las de conversas ou discussões, o que indica melhor um processo
livre, aberto, democrático, bidirecional e informal, no qual os indivíduos
podem manifestar-se tal como são, sem sentir-se atados a papéis
predeterminados” (p. 82).
O autor considera as entrevistas como um componente da observação
participante. Esta foi a perspectiva que procuramos assumir.
As entrevistas se deram da seguinte maneira: após uma rápida apresentação do
trabalho, no momento inicial da entrevista, pedíamos às entrevistadas para narrar sua
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
47
trajetória profissional, começando de maneira mais amena para depois entrar nas
perguntas fundamentais.
O roteiro das entrevistas
6
se dividiu em grandes chaves: institucional;
pedagógico e famílias (“novas” e “antigas”). O nível institucional tratou
exclusivamente do processo de mudança de clientela ocorrido em 2000 e como os
diversos atores se posicionam e analisam o processo. O segundo eixo de perguntas
destaca os aspectos pedagógicos: se a mudança de clientela havia provocado
transformações pedagógicas, quais, como os agentes educativos se posicionam frente
a essa questão, quais as mudanças consideradas significativas, processo de avaliação,
conteúdos curriculares, metodologias, linguagem utilizada e dispositivos
pedagógicos. O terceiro eixo foi sobre as famílias, tanto as antigas quanto as da
comunidade, como se deu o processo de comunicar às famílias “antigas” a opção da
escola, as diferentes reações, e como se deu a entrada das “novas” famílias na escola
e sua participação na dinâmica escolar.
2.2.3
Análise documental
A produção de documentos nas escolas é também um componente
fundamental do cotidiano. Segundo Sarmento (2003), os documentos produzidos pela
escola se dividem nas seguintes categorias: textos projetivos de ação – planos de
aulas, projetos da escola, regulamentos etc.; produtos da ação – relatórios, atas,
memorandos etc.; documentos performativos – jornais escolares, redações etc.
Como os documentos analisados foram do primeiro tipo, textos projetivos de
ação, tomamos os seguintes cuidados, destacados por Sarmento:
“Dado que os documentos do primeiro tipo – textos projetivos – constituem
orientações prévias à ação, é legitimo esperar-se deles um conjunto
articulados de intenções formalmente assumidas, aos diferentes níveis a que
se situam. Não é lícito interpretá-los como elementos reveladores das práticas
efetivamente realizadas, dado que eles de alguma forma lhe são anteriores; no
entanto, eles têm um considerável interesse nos estudos das lógicas de ação,
6
O roteiro das entrevistas se encontra no anexo do trabalho.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
48
porque, de algum modo, são a expressão “oficial” das lógicas dominantes. Há
que, todavia, considerar as suas múltiplas relações com o plano da ação, o
qual pode confirmar, contradizer ou “reinterpretar” as intenções
formalizadas” (p. 164).
A análise documental incluiu a consulta e análise de conteúdo de dois
documentos oficiais da escola: o Regimento Interno da Escola e a Proposta
Pedagógica, elaborados em 2001. Demos um tratamento historiográfico aos
documentos, encarando-os como fontes primárias que devem ser contextualizadas a
partir das circunstâncias de sua confecção.
Após a coleta de dados, fizemos a triangulação das diversas informações,
levantando assim contradições e conflitos entre os atores sociais. “Em síntese, a
triangulação dos métodos de recolha de informações, bem como a multiplicação das
fontes, obedece ao duplo requisito da abrangência dos processos de pesquisa e da
confirmação de informação” (SARMENTO, 2003:157).
Penetrar no cotidiano da escola foi algo instigante e novo. Viemos das
ciências sociais, mais precisamente da História; nossos objetos de pesquisa foram, até
então, documentos escritos, agora, pela primeira vez, trabalhamos/investigamos
sujeitos sociais. Não encontramos, ao longo de todo o período da pesquisa de campo,
nenhum impedimento para nossa presença na escola ou nas salas de aula. Fomos
muito bem recebidos por todos/as, e ninguém se posicionou contra a nossa presença.
Pelo contrário, muitas pessoas se interessaram pela pesquisa e afirmaram querer um
feedback do trabalho, que pretendemos apresentar em breve.
Com propriedade, Becker (1999) descreve um dos dilemas éticos do/a
pesquisador/a:
“O investigador conseqüentemente enfrenta um dilema ético. A ciência exige
relatos francos e irrestritos, e as questões das quais os membros do grupo se
queixam podem ser aspectos importantes do funcionamento do grupo, cuja
supressão enfraqueceria o relato e o privaria de importância científica. Por
outro lado, o investigador certamente tem alguma obrigação de não causar
danos àqueles que permitiram que ele os estudasse” (p. 133).
Sem dúvida essa questão perpassou todo o trabalho. Mas acreditamos que a
presente pesquisa possa ajudar, de alguma forma, ao processo em desenvolvimento na
escola.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
49
3
O Vidigal no contexto das favelas do Rio de Janeiro
Para compreendermos melhor a mudança pela qual a escola passou,
acreditamos ser necessário contextualizar a favela na qual a escola está inserida.
Nessa perspectiva, é importante reconstruir brevemente a história das favelas do Rio
de Janeiro, para entendermos como este fenômeno urbano nasceu e se desenvolveu
até os dias de hoje. Num segundo momento, será apresentada a história do Vidigal.
3.1
A gênese das favelas do Rio de Janeiro
Para reconstruir a história das favelas é necessário voltar-se para a virada do
século XIX para o XX na cidade do Rio de Janeiro, capital federal da recém-
proclamada República. Esse período esteve marcado por duas mudanças
institucionais importantes: a proclamação da República e a abolição da escravidão,
mudanças que causariam grandes transformações no país, tanto demográficas quanto
sociais.
Segundo Garcez Marins (2006), tumulto e desordem foram os substantivos
mais empregados para definir a dinâmica das capitais republicanas no Brasil. As
elites emergentes reservaram para si a responsabilidade da salvar o país do “atraso”
atribuído ao passado colonial e imperial, que é “visível na aparente confusão dos
espaços urbanos, povoados de ruas populosas e barulhentas, de habitações
superlotadas, de epidemias que se alastravam com rapidez pelos bairros, assolando
continuamente as grandes capitais litorâneas” (p. 132-133). Diversos viajantes que
passaram pelo Rio de Janeiro nessa época registraram o horror e a insalubridade da
cidade. As palavras de ordem eram: modernizar, higienizar, civilizar; era preciso
reformar e modernizar a cidade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
50
Para sanar as doenças que rapidamente se transformavam em epidemias,
devido à imundície das ruas e à lotação das casas sem a mínima infra-estrutura, foi
dada prioridade ao combate às habitações populares, consideradas os principais focos
da expansão das epidemias pela cidade. Para Marins,
“a ambição de arrancar do seio da capital as habitações e moradores
indesejados pelas elites dirigentes começou a se materializar com as medidas
visando a demolição dos numerosos cortiços e estalagens, espalhados por
todas as freguesias centrais do Rio de Janeiro, o que se processou sob a
legitimação conferida pelo sanitarismo” (MARINS, 2006:141).
Licia Valladares (2000), no artigo A gênese da favela carioca, no qual procura
resgatar a história social das favelas a partir de diferentes representações construídas
por diversos atores sociais, chama a atenção para o fato de diversos estudiosos do
tema
1
concordarem que houve uma relação direta entre o “bota-abaixo”
2
do centro da
cidade e a ocupação ilegal dos morros no final do século XIX e início do XX.
Em 1893, deu-se a demolição do maior cortiço do Rio de Janeiro, o “Cabeça
de Porco”
3
. Durante sua rápida destruição, feita numa madrugada, o prefeito Barata
Ribeiro autorizou a retira de madeiras e restos da estalagem pelos moradores, que
aproveitaram para construir os primeiros barracos do Morro da Providência. “A
miséria e os miseráveis que haviam perdido suas habitações na derrubada violenta
do cortiço tinham à disposição o morro contígno – as madeiras da demolição que a
própria prefeitura lhes permitia recolher” (MARINS, 2006:141). Alguns autores
4
afirmam que, nesse momento, já existiam barracos disseminados no morro de Santo
Antônio.
Alguns anos depois, em 1897, chegaram ao Rio de Janeiro os veteranos que
lutaram na Guerra de Canudos e se instalaram no Morro da Providência, a fim de
pressionar o Ministério da Guerra para que pagasse o que lhes fora prometido. E esse
morro passa a se chamar Morro da Favela. Existem duas explicações para o nome,
1
Benchimol, 1992; Rocha, 1986; Carvalho, 1986; Vaz, 1986; Chalhoub, 1996; Marnis, 1998.
2
Nome dado às reformas empreendidas por Pereira Passos no centro da cidade: foram destruídos os
cortiços, as estalagens, enfim, os lugares onde os pobres, por falta de opção, moravam.
3
“O Cabeça de porco” era um vasto cortiço situado próximo à estação da Estrada de Ferro Central do
Brasil. As informações sobre o Cabeça de Porco são contraditórias, alguns autores chegam a afirmar
que teria sido habitado por 4.000 pessoas. Boa parte de sua fama deveu-se a sua resistência às
investidas infrutíferas realizadas, durante o Império, para eliminá-lo.
4
Valladares (2000); Marins (2006).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
51
ambas relacionadas a Canudos. A primeira seria uma alusão ao morro do sertão
baiano de onde a artilharia legalista bombardeava o reduto daqueles jagunços
místicos
5
; e a outra seria devido às plantas com favas, comuns tanto no Morro da
Providência quanto em Belo Monte
6
, que tinha o nome de Favela. Valladares,
retomando a pesquisa feita por Abreu (1994), conta que:
“apenas na segunda década do século XX é que a imprensa passa a utilizar a
palavra favela de modo substantivo e não mais em referência exclusiva ao
Morro da Favela, surgindo assim uma nova categoria para designar as
aglomerações pobres, de ocupação ilegal e irregular, geralmente localizada
nas encostas” (VALLDARES, 2000:4).
Alba Zaluar e Marcos Alvito (2003) demonstram que a primeira menção à
palavra favela aparece numa carta de um delegado de polícia em novembro de 1900,
“como um duplo problema: sanitário e policial” (ZALUAR & ALVITO, 2003:9).
Os autores enfatizam que a favela “já começou a ser percebida como um problema
praticamente no momento em que surge, muito embora a despeito dessa clara
oposição a sua presença na cidade tenha continuado a crescer sem interrupção”
(Idem:10).
Em 1905, a revista Renascença publica o artigo Onde moram os pobres,
escrito pelo engenheiro Everardo Backheuser, que afirmava que, embora na favela
houvesse apenas 100 barracos, já gerava preocupação ao prefeito Pereira Passos. No
ano seguinte, o ministro da Justiça e Negócios Interiores, dr. J.J. Seabra, chama
Backheuser para fazer parte de uma comissão que daria pereceres sobre as condições
habitacionais dos pobres, ficando responsável pelo aspecto “técnico-sanitário”. Em
seu relatório final, publicado pela Imprensa Nacional no mesmo ano, ele examina
cortiços, casas de cômodo, hospedarias etc. E também a favela, descrevendo-a assim:
“O Morro da Favela é íngreme e escarpado; as suas encostas em ribanceiras
marchetam-se, porém, de pequenos casebres sem hygiene, sem luz, sem nada.
Imagine-me, de fato, casas (!) tão altas como um homem, de chão batido,
tendo para paredes trançados de ripas, tomadas as malhas com porções de
barro a sopapo, latas de kerosene abertas e juxtapondo-se taboas de caixões;
tendo para telhado essa mesma mixtura de matérias presos à ossatura da
coberta por blocos de pedras de modo a que os ventos não as descubram;
divisões internas mal acabadas, como que paradas a meio com o propósito
único de subdividir o solo para auferir proventos maiores. É isso pállida idea
5
Brasil Gerson, 2000
6
Marins, 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
52
do que sejam estas furnas onde, o mais completo desprendimento por
comesinhas noções de asseio, se allia uma falta de água, quasi absoluta,
mesmo para beber e cozinhar” (VALLADARES apud Backheuser,
1906:111).
Além de descrever o aspecto físico, ele descreve também a população que ali
vive. Chama a atenção para o grau de pobreza existente e, ao mesmo tempo, observa
que a maioria de seus moradores era de trabalhadores, pois até então todas as vezes
que se falava dos moradores do Morro da Favela ou de outros morros, que neste
momento também já haviam sido ocupados, eram descritos como desordeiros,
capoeristas, malandros.
“Para alli vão os mais pobres, os mais necessitados, aqueles que, pagando
duramente alguns palmos de terreno, adquirem o direito da escavar as
encostas do morro e fincar os quatro pilares do seu palacete. [...] Alli não
moram apenas os desordeiros e os facínoras como a legenda (que já tem a
Favella) espalhou; alli moram também operários laboriosos que a falata ou a
carestia dos cômodos atira para esse logares altos, onde se gosa de uma
barateza relativa e de suave viração que sopra continuamente, dulcificando a
rudeza da habitação” (VALLADARES apud Backheuser, 1906:111).
A ampla e veloz reforma urbana empreendida por Rodrigues Alves na
presidência e Pereira Passos na prefeitura, entre 1903-1906 no Rio de Janeiro tiveram
como principais vertentes: modernizar o porto, abrir a Avenida Central; alargar ruas,
desmontar os cortiços restantes e construir a Avenida Beira-Mar. A reforma tinha
como objetivo modernizar e embelezar a cidade, limpando-a em todos os sentidos.
Como conseqüência os pobres que ficaram sem moradia começaram a se espalhar
pelos incontáveis morros cariocas. Com muita rapidez os barracos foram erguidos por
todas as regiões urbanizadas da cidade, espalhando-se até Copacabana e Botafogo,
bairros escolhidos pelas elites para morar entre seus iguais.
“A expansão das populações das favelas avançara no seio dos bairros de
palacetes, marcando a paisagem e arruinando as ambições de afastar as
vizinhanças empobrecidas. O fracasso de forjar vizinhanças homogêneas no
Rio de Janeiro passava a consolidar-se no mesmo momento em que fortunas
de recursos públicos eram destinadas especificamente à expulsão das
habitações populares das áreas centrais da cidade. A intenção de ‘civilizar’ os
convívios, e discipliná-los por meio do controle da habitação e das
vizinhanças, não lograva resultados eficientes nem na capital do país”
(MARINS, 2006:156).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
53
Embora quisessem mudar a estética da cidade, os dirigentes não se
preocuparam em promover reformas sociais que incluísse a massa de miseráveis
existente nas grandes cidades. Restava a estes se virar como pudessem, e a ocupação
dos morros foi uma das alternativas para quem não tinha dinheiro para pagar os altos
preços dos aluguéis da capital da República. Outros foram habitar nos subúrbios.
Entre 1917 e 1926, houve registros de remoções em morros do centro da
cidade, ao mesmo tempo que da existência de novas favelas: no Catumbi, Lagoa,
Ipanema e Leblon.
Nos anos 1926 e 1927, Mattos Pimenta, um ilustre rotariano, empreendeu
junto à imprensa e ao poder público a primeira grande campanha contra a favela,
respaldada e financiada pelo Rotary Club do Rio de Janeiro
7
. O carro-chefe da
grandiosa campanha foi a imagem da favela como a “lepra da esthética”. Mattos
Pimenta chegou a fazer um filme de 10 minutos intitulado As Favelas, que mostrava
“o espetáculo dantesco que presenciei na perambulação pelas novas favelas do
Rio
8
. Segundo Valladares (2000), o filme foi exibido diversas vezes nos anos 26-27,
e até o presidente da República Washington Luiz teria-o assistido. Mattos Pimenta,
além de denunciar os problemas das favelas, propunha um projeto de substituir as
favelas por conjuntos de prédios com contrato de abertura de crédito com garantia
hipotecária. Valladares ressalta a importância desse personagem, na medida em que
muitas das suas idéias foram aproveitadas nos projetos que vieram depois: Plano
Agache; Código de Obras e BNH.
Somente em 1927 as favelas são incluídas pela primeira vez em um Plano
Urbanístico de remodelação, expansão e embelezamento da cidade. O projeto foi
preparado pelo urbanista francês Alfred Agache, a pedido do prefeito Prado Junior.
Em 1930, Agache denuncia o perigo representado pela permanência das favelas e
propõe a transferência de seus moradores, que, por viverem com liberdade ilimitada,
representavam uma ameaça à estrutura urbana “sob o ponto de vista da ordem social
e da segurança, como sob o ponto de vista da higiene geral da cidade, sem falar da
estética” (MARINS apud ZYLBERBERG, 1992:33).
7
Associação de empresários do Rio de Janeiro.
8
Discurso proferido por Mattos Pimenta em almoço no Rotary Club do Rio de Janeiro em novembro
de 1926, reproduzido por dois jornais da época (Correio da Manhã e O Jornal).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
54
Durante o Estado Novo (1930-1945) houve uma suavização do combate às
favelas, e os planos de Agache e das elites que o contrataram foram por água abaixo.
As favelas continuaram então a crescer e a se expandir aos olhos complacentes das
autoridades públicas.
O Código de Obras da cidade, de 1937, reconhece pela primeira vez a favela
na geografia oficial, porém a classifica como uma “aberração urbana” e propõe sua
completa eliminação. O projeto proíbe a criação de novas favelas, assim como
construções de novos barracos além de melhorias nos já existentes. Porém, o
centralismo administrativo do Estado Novo fez vista grossa ao cumprimento do
código.
Em 1945, são formadas as primeiras comissões de moradores dos morros
Pavão-Pavaõzinho, Cantagalo e Babilônia. Seus integrantes formularam uma pauta de
direitos sociais referentes aos problemas de infra-estrutura das favelas. O objetivo era
evitar as remoções para os parques proletários. Os parques proletários da Gávea, Caju
e Praia do Pinto já vinham sendo construídos e moradores das favelas eram
transferidos para eles desde 1941.
Com o fim do Estado Novo, algumas iniciativas foram realizadas para
resolver o “problema da favela”: em 1946, foi criada a Fundação Leão XIII, pela
Igreja Católica, com o objetivo de implantar os serviços de luz, água, esgoto e
assistência social aos favelados (entre 1947-54 a Fundação estendeu sua atuação a 34
favelas); em 1947, a Campanha Nacional da Casa Popular; no mesmo ano, foi criada
a Comissão de Extinção das Favelas, mas sua atuação foi muito tímida e somente
ampliou os parques proletários.
Em 1948, foi feito o primeiro censo das favelas do Rio de Janeiro, por
iniciativa da prefeitura do então Distrito Federal, publicado no ano seguinte. O
documento aponta 119 núcleos e uma população em torno de 280 mil habitantes nas
favelas. Zaluar e Alvito (2003) chamam a atenção para o texto que precede as tabelas
estatísticas, que afirma:
“os pretos e pardos prevaleciam nas favelas por serem hereditariamente
atrasados, desprovidos de ambição e mal ajustados às existências sociais
modernas (...) O preto, por exemplo, via de regra não soube ou não pode [sic]
aproveitar a liberdade adquirida e a melhoria da condição econômica. (...)
Renasceu-lhe a preguiça atávica e a estagnação que estiola, (...) como ele,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
55
todos os indivíduos de necessidades primitivas, sem amor próprio e sem
respeito à própria dignidade” (ZALUAR e ALVITO, 2003:13).
Nas eleições do ano anterior, o PCB havia recebido uma maciça votação; a
“ameaça vermelha” acrescentou uma nova dimensão ao eterno “problema da favela”.
Carlos Lacerda, então jornalista, publicou uma série de artigos sobre o tema e assim
se posicionava:
“aqueles que não quiserem fazer um esforço profundo e sincero para atender ao
problema das favelas, assim como aqueles que preferirem encará-lo como caso de
polícia, têm uma alternativa diante de si: a solução revolucionária, [pois os]
comunistas (...) oferecem a expropriação dos grandes edifícios e a ocupação de todo o
edifício como solução imediata, redutora e fagueira a quem vive numa tampão de lata
olhando o crescimento dos arranha-céus” (ZALUAR E ALVITO, 2003:14).
Após o destaque absoluto dado ao tema pela imprensa da época, a Folha
Carioca assinalava: “Profundo silêncio na campanha das favelas – um programa
grandioso que ficou apenas do papel” (ZALUAR E ALVITO, 2003:14).
Em 1954, moradores de diversas favelas cariocas se reúnem num barracão na
subida do morro do Borel e criam a União de Trabalhadores dos Favelados (UTF),
com o objetivo de discutir e reivindicar problemas de infra-estrutura e remoções.
No ano seguinte, a Arquidiocese do Rio de Janeiro cria a Cruzada São
Sebastião, sob a organização de Dom Helder Câmara. O objetivo do órgão era
elaborar uma pauta de direitos sociais para as favelas e exigir melhorias de infra-
estrutura. A Cruzada São Sebastião, além de realizar serviços de melhoria em
diversas favelas, lançou um conjunto habitacional homônimo. Pela primeira vez, os
moradores de uma favela foram transferidos para habitações nas proximidades do
local onde residiam. No entanto, os barracos deixados pelas famílias transferidas
rapidamente eram ocupados por outras famílias.
Durante sua gestão, Carlos Lacerda (1960-1965) adotou uma postura
ambígua; a política de remoção é colocada em prática junto à tímida urbanização de
algumas favelas. Iniciou-se a construção de conjuntos habitacionais (Cidade de Deus,
Vila Aliança, Vila Esperança, Vila Kennedy) com financiamento norte-americano nos
bairros periféricos da cidade e foram transferidos os moradores de 12 favelas para os
conjuntos. Nos dois primeiros anos do governo, enquanto José Artur Rios foi diretor
dos serviços sociais da Guanabara, houve uma significativa melhora na relação com
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
56
as favelas. Janice Perlman (1977), em seu clássico estudo sobre as favelas cariocas,
afirma que foi a primeira vez que houve um “período de diálogo aberto entre os
favelados e o governo” (PERLMAN, 1977:241). No ano de 1961 foram criadas 71
novas associações de moradores. Entretanto, Rios foi demitido por Lacerda em 1962,
e a política de remoções é levada ao extremo, com violência e arbitrariedade
9
. Essa
política foi retomada e consolidada durante o regime militar.
Em 1963, com o apoio de 100 associações registradas em cartório, é fundada a
Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG). Os
moradores, através de suas lideranças continuaram avançando em sua estrutura
organizativa.
Durante a ditadura militar, o estereótipo da favela como lugar da desordem
volta à cena, aliado aos interesses imobiliários e ao combate ao comunismo. A
política de erradicação das favelas é retomada e o governo federal começou a intervir
dentro das associações de moradores através das juntas governativas nomeadas pelo
Estado, esvaziando as organizações que vinham se fortalecendo desde do início dos
anos 50. O sumiço de algumas lideranças comunitárias e o terror muitas vezes
imposto pelo Estado fez com que muitas associações fossem coagidas a trabalhar a
favor das remoções. Marcelo Burgos (2003), em seu artigo sobre as políticas públicas
nas favelas do Rio de Janeiro, afirma que
“não foi por falta de vontade política que o problema favela não foi
resolvido: o que o exame dessas intervenções públicas em favela autoriza a
concluir é que o obstáculo central à sua solução foi a interrupção, pelo regime
militar, da luta democratizante que vinha sendo desenvolvida por
organizações de favelas entre os anos 50 e início dos 60” (BURGOS,
2003:25).
Com os recursos do recém-criado Banco Nacional da Habitação (BNH) e da
administração pela Companhia de Habitação Popular (COHAB) construíam-se
diversos conjuntos habitacionais, e as remoções continuaram. Devido à enorme falta
de coordenação entre a COHAB dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em
1968 criou-se a Coordenação de Habitação e Interesse Social na área Metropolitana
do Rio de Janeiro (CHISAM), com o objetivo de exterminar todas as favelas cariocas,
9
Algumas favelas foram incendiadas.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
57
prometendo que, em 1976, não haveria mais ninguém vivendo em favelas no Rio de
Janeiro. Até o final de 1973, a CHISAM acabara com 62 favelas, total ou
parcialmente, e transferido 35.157 famílias para conjuntos habitacionais.
Porém, depois de algum tempo morando nos conjuntos habitacionais, os
moradores começaram a abandonar suas casas e a voltar para as favelas. Os autores
que estudam essa temática afirmam que as principais razões do fracasso da estratégia
foram: os custos sociais das remoções, tais como: o aumento dos custos de transporte,
a falta de trabalho nas proximidades dos conjuntos, a falta de serviços públicos e,
conseqüentemente, a queda de renda familiar e a completa inadequação do programa
para seus benefíciarios, uma população de baixa renda e instável que dificilmente
teria capacidade para arcar com prestações mensais.
Apesar da forte política de remoções durante o regime militar, as favelas não
deixaram de crescer e, em 1970, 13,3% da população do Rio de Janeiro vivia em
favelas.
Em 1982, quando Leonel Brizola foi eleito pelos “super-revoltados”, segundo
Alba Zaluar, desenvolveu uma agenda social destinada às favelas cariocas. Através
do Programa de Favelas da Cedae, intitulado Proface, são implantados sistemas de
água e esgoto para cerca de 60 favelas. “Em sua definição oficial, esse programa
pretende: dar prioridade às áreas faveladas, sem clientelismo, buscando transformar
essas comunidades em bairros dignos do povo trabalhador” (BURGOS apud
Proface, 1984). Outro aspecto importante da política de Brizola para as favelas foi a
política de direitos humanos, definindo uma nova conduta das polícias civil e militar
para com os favelados.
Entretanto, a década de 1980 marca a rápida ascensão do tráfico de drogas nas
favelas. Segundo Zaluar e Alvito (2003:15):
“com a chegada do tráfico de cocaína em toda a cidade, a favela – onde as
quadrilhas se armaram para vender no mesmo comércio que movimentou o
resto da cidade e do país – passou a ser representada como um covil de
bandidos, zona franca do crime, hábitat natural das ‘classes perigosas’”.
Em 1993, criou-se um programa habitacional específico para as favelas, o
Favela-Bairro, que teria por objetivo “construir ou complementar a estrutura urbana
principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer as condições
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
58
ambientais de leitura da favela como bairro da cidade.”
(www.favelamemoria.com.br)
10
O Plano Diretor elaborado dentro do programa define favela como:
“área predominantemente habitacional, caracterizada por ocupação da terra
por população de baixa renda, precariedade da infra-estrutura urbana e de
serviços públicos, vias estreitas e de alinhamento irregular, lotes de formas e
tamanhos irregulares e construções não licenciadas, em desconformidade
com os padrões legais” (BURGOS apud Plano Diretor, 1992:20).
Embora desde a década de 1980 a favela começasse a ser pensada e representada de
outra maneira pelos governos, é a primeira vez que um documento oficial descreve a
favela sem juízo de valor, sem adjetivá-la ou estereotipá-la, como podemos confirmar
ao longo de sua história. Segundo Burgos (2003:48), “assim, despida de
preconceitos, tal representação da favela mostra-se compatível com sua efetiva
integração à vida social e política da cidade”.
Chegamos ao ano 2000 sem ter conseguido resolver o “problema da favela”.
Sem dúvida é possível afirmar que houve muitas melhorias, principalmente de infra-
estrutura, porém, devido à falta de uma solução definitiva para o problema
habitacional do país, elas continuam a crescer ininterruptamente até os dias de hoje. O
censo 2000 (IBGE) revela que existem no município do Rio de Janeiro 513 favelas e
811 no Estado. Num estudo de 2004, o IBGE anuncia a existência de 1.269 favelas no
Estado do Rio de Janeiro, sendo 681 na capital.
O sociólogo Luiz César de Queiroz Ribeiro (2002) explica o contínuo aumento
das favelas existentes e do surgimento de novas como um reflexo da falta de uma
política de habitação adequada. Afirma: “o governo tem que oferecer casas em
lugares onde o acesso ao emprego seja fácil. As casas não precisam ser perto do
mercado de trabalho, mas o morador precisa ter um sistema de transporte razoável.
Fazer um conjunto como o Nova Sepetiba, por exemplo, é pura demagogia”
11
.
Como foi possível compreender nesta breve reconstrução da história das
favelas, nas diferentes épocas, elas foram sempre representadas como o mundo da
desordem, com nomes pejorativos, como uma chaga social da cidade. Embora
10
Acessado em 19/12/2006.
11
Luiz César de Queiroz Ribeiro, professor do Ippur da UFRJ. In O Globo. Cem favelas em quatro
anos. Selma Schimidt. 19 de maio de 2002.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
59
algumas posições tenham mudado, vemos ainda hoje o olhar preconceituoso e
receoso com que a maioria da população vê a favela e seus moradores.
“A despeito de diferentes roupagens, sempre de acordo com um contexto
histórico específico, o favelado foi um fantasma, um outro construído de
acordo com o tipo de identidade de cidadão urbano que estava sendo
elaborada, presidida pelo higienismo, pelo desenvolvimentismo ou, mais
recentemente, pelas relações auto-regulaveis do mercado pela globalização
(ZALUAR e ALVITO, 2003:15).
Passemos agora à história específica do Vidigal, desde suas primeiras
ocupações até os dias de hoje.
3.2 Vidigal: aproximação histórica
Figura 1 – Vista do Morro Dois Irmãos, a partir de satélite. (Fonte: Google Earth)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
60
Como pode ser observado na foto
12
situada de frente para o mar nas encostas
do Morro Dois Irmãos, que separa os bairros Leblon e São Conrado, na Zona Sul do
Rio de Janeiro, está localizada a favela do Vidigal. Devido à sua privilegiadíssima
localização, numa das áreas mais nobres da cidade, sua história está marcada por
tentativas de remoção e resistência.
Depois de muito procurar em diversas fontes relacionadas às favelas a origem
do nome Vidigal sem obter êxito, encontramos uma explicação num site
13
ligado à
organização não-governamental Viva Rio que se dedica a resgatar a memória das
favelas do Rio de Janeiro.
Durante o Primeiro Império (1822-1831), havia um major de milícias e
cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro chamado Miguel Nunes Vidigal,
considerado um dos homens mais influentes do século XIX. Devido a seu prestígio,
recebeu muitos presentes ao longo da vida. Um deles teria sido uma grande extensão
de terra aos pés do Morro Dois Irmãos, onde hoje se localiza a favela. O presente
teria sido dado por monges beneditinos por volta de 1820. Essa seria a origem do
nome Vidigal que primeiramente batizou a praia e depois a favela.
O terreno foi comprado em 1886 pelo engenheiro João Dantas, que tinha o
sonho de construir ali o ponto de partida de uma linha de ferro em direção ao litoral
sul fluminense. João Dantas teria gasto todo seu patrimônio no projeto que acabou
não se realizando. Essa obra teria servido como base para a construção da atual
Avenida Niemeyer, avenida à beira-mar que liga os bairros de Leblon e São Conrado.
A ocupação do morro começou em 1941. Os primeiros barracos foram
construídos abaixo da Avenida Niemeyer até a praia do Vidigal, onde hoje se localiza
o Hotel Sheraton, um dos hotéis cinco estrelas mais luxuosos da cidade. No ano
seguinte, a Avenida Niemeyer foi estendida e iniciaram-se as ocupações na parte
superior da via, no início da antiga Estrada do Tambá e atual Avenida João Goulart,
que corta todo o Vidigal, se inicia na Avenida Niemeyer e sobe até o ponto mais alto
da favela.
12
Foto original retirada do programa Google Earth, manipulada por André Dahmer.
13
www.favelamemoria.com.br, acessado em 19/12/2006.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
61
No início da década de 1950, os primeiros moradores que haviam se instalado
na parte baixa foram removidos para a parte situada acima da Avenida Niemeyer.
Em 1958, a comunidade foi ameaçada de despejo pela primeira vez, por parte
da Empresa Melhoramentos do Brasil. Formou-se uma comissão de moradores que
conseguiu impedir o despejo.
Nas décadas de 50 e 60, junto à urbanização dos bairros do Leblon e Ipanema,
aconteceu a explosão demográfica do local.
No início de 1967, o proprietário de um dos terrenos no qual a favela estava
instalada entrou na justiça com uma ação de reintegração de posse. Os moradores são
proibidos de fazer melhorias em suas moradias, além da proibição de construção de
novas casas. Nesse mesmo ano, foi criada a Associação de Moradores do Vidigal.
Sua primeira conquista foi a permissão da Região Administrativa para consertar os
barracos. Porém, em contrapartida, a própria associação deveria fiscalizar para que
novos barracos não fossem construídos. Por essa razão e também pelo pouco apoio da
comunidade, a associação teve sua atuação esvaziada.
Não podemos esquecer que nessa época o Brasil vivia uma ditadura militar.
Muitos presidentes de associações foram presos ou desapareceram na medida em que
se recusavam a apoiar as remoções e entravam em enfrentamento com o Estado
ditatorial.
Em 1968 foi iniciada a construção do Hotel Sheraton. A companhia que
administrava o hotel ainda tentou privatizar a pequena praia, situada embaixo do local
onde está o hotel, mas os moradores ganharam na justiça o direito da freqüentá-la.
Após alguns anos de tranqüilidade, no final dos anos 1970, o risco voltou a
rondar a comunidade, quando parte do terreno foi vendido à empresa Rio Towers para
a construção de outro hotel de luxo na área.
Em dezembro de 1977, os moradores foram surpreendidos por equipes da
prefeitura enviadas a fim de derrubar os primeiros barracos e levar as famílias para
Antares, um dos conjuntos habitacionais financiado pelo BNH durante a ditadura
militar. A associação de moradores agiu energicamente junto ao advogado Aloísio
Teixeira e conseguiu uma ordem judicial que adiou as remoções. Esse adiamento
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
62
serviu para que os moradores fossem procurar e conseguissem apoio da Pastoral de
Favelas da Igreja Católica.
O Colégio Stella Maris entra em cena nesse momento, cedendo espaço físico
para as reuniões e oferecendo assistência financeira para os custos do processo.
Maria Christina Sá, assessora do cardeal Dom Eugenio Salles na época, que também
se pronunciou contrário a remoção, afirma: “O Colégio Stella Maris teve participação
importantíssima. Lá foram feitas todas as reuniões, abrigadas as pessoas necessitadas,
recolhido os donativos – era realmente um ambiente de verdadeira fraternidade.”
(Estudo das Características Socioeconômicas e as Aspirações dos Moradores da
Comunidade do Vidigal, 1999:16)
O argumento utilizado pela prefeitura para as remoções seria o alto risco de
desabamentos no local; os moradores, entretanto, descobriram o projeto de
construção de um hotel. Quando o projeto veio a público, foi um escândalo. Os
moradores ganharam apoio político e popular contra as remoções. Advogados,
jornalistas, diversos grupos ligados à Igreja, artistas e cantores apoiaram os
moradores.
O cantor Sérgio Ricardo, que na época morava na favela, participou da
resistência, e Ney Matogrosso fez um show beneficente no pátio do Stella Maris para
ajudar a associação.
A advogada Elyana Athayde, que fez parte da equipe formada pelos juristas
Sobral Pinto e Bento Rubião, ambos advogados da Pastoral de Favelas, relata:
“lembro como se fosse hoje quando Armando [de Almeida Lima, presidente da
associação de moradores na época] nos procurou para pedir ajuda. Os moradores já
haviam tentado tudo, até colocar crianças na rua para evitar a destruição dos
barracos” (Monteiro, 2002). Após a reunião dos dirigentes da associação de
moradores com os advogados da Pastoral de Favelas, os moradores garantiram
assistência jurídica e a proteção judicial para manter suas casas.
“Quando o Bento Rubião entrou no caso ele conseguiu logo de cara uma ação
que suspendia as próximas tentativas de remoção. E foi assim durante meses.
Eles vinham para derrubar e a gente já tinha uma medida cautelar preparada.
Era só mostrar os papéis que ninguém podia fazer nada,”
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
63
narra Elyana (Monteiro, 2002). Conseguiu-se assim, sustar as remoções contrariando
o prefeito Marcos Tamoio e o governador Faria Lima, que eram favoráveis a elas.
Alguns moradores que não quiseram entrar com a ação contra a remoção foram
removidos para Antares.
Trechos da matéria publicada no Jornal do Brasil em 12/01/1978 evidenciam
o vivido: “ao todo estava prevista a remoção de 17 famílias, mas 14 não puderam
ser transferidas por se encontrarem sob proteção judicial. (...) Os moradores do
Vidigal não querem ir para Antares porque o conjunto fica muito longe de seus
locais de trabalho.”
Em meados de 1978 foi aprovado o decreto de desapropriação para fins
sociais, assinado pelo recém-empossado governador Chagas Freitas, colocando um
fim à disputa e afastando o perigo de novas tentativas de remoção.
Dois anos depois, o Papa João Paulo II faz uma histórica visita ao Vidigal,
“onde faz um sermão enfatizando o compromisso da Igreja com os pobres e
chamando atenção dos ricos para as desigualdades sociais” (Cavalcanti, 2003:21),
tão visíveis no Rio de Janeiro, onde pobres e ricos dividem o mesmo espaço
geográfico. Devido à visita papal, o Vidigal recebeu algumas obras de melhorias.
Como já foi dito anteriormente, durante a década de 80 as favelas do Rio de
Janeiro conheceram um outro problema: a invasão do tráfico de drogas. No Vidigal
não foi diferente. A facção criminosa Comando Vermelho se instalou na favela,
impondo sua ordem. Os moradores passaram a viver um período sinistro, que perdura
até hoje, ficando no violento fogo cruzado entre traficantes e policiais.
O censo do IBGE (2000) revela que o Vidigal tem uma população de 9.349
pessoas. Segundo o sociólogo Luiz César de Queiroz Ribeiro (2002), com base nos
dados do IBGE, na última década a população do Vidigal cresceu 9%, passando de
8.580 para os valores atuais.
Essa população está dividida em 3.235 domicílios, dos quais 79% são imóveis
próprios, índice alto comparado aos dados da cidade como um todo (73,8%).
Segundo Paulo Bastos Césaz
14
, comparando o Vidigal com outras favelas da cidade,
14
Diretor de Informações de Instituto Pereira Passos (IPP). In O Globo. Cem favelas em quatro anos.
Selma Schimidt. 19 de maio de 2002.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
64
ela se encontra numa situação melhor, pois conta com infra-estrutura semelhante à da
cidade. No quesito abastecimento de água, são 97,8% de habitações que contam com
água encanada, a rede de esgoto atinge 94,8% dos domicílios e a coleta de lixo atende
100% do Vidigal. Números em geral muito próximos aos índices da cidade como um
todo.
A favela conta com os seguintes prédios institucionais de órgãos públicos: um
posto de saúde; uma escola municipal – Djalma Maranhão; uma escola estadual –
Almirante Tamandaré; uma creche comunitária da Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social; e um CEMASI – Centro Municipal de Atendimento Social
Integrado.
Do ponto de vista econômico, o rendimento médio mensal da população do
Vidigal é de R$ 662,09 reais (censo 2000). Salta aos olhos a discrepância e a
diferença entre os rendimentos dos moradores Vidigal e dos seus dois bairros
vizinhos, como a Tabela 1 confirma.
Tabela 1: Valor do rendimento nominal mediano mensal das pessoas com
rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes, segundo os
bairros.
15
Áreas de
Planejamento,
Regiões
Admnistrativas e
Bairros
Pessoas
responsáveis pelos
domicílios
particulares
permanentes total
Pessoas com
rendimento
responsáveis
pelos domicílios
particulares
permanentes
Valor do rendimento total
mensal das pessoas com
rendimento, responsáveis
pelos domicílios
particulares permanentes
(R$)
Valor do rendimento
nominal médio mensal
das pessoas com
rendimento,
responsáveis pelos
domicílios particulares
permanentes (R$)
Lagoa 63 686
61 199
265 314 677
4 335,28
Gávea 6 148
5 939
23 548 977
3 965,14
Ipanema 18 483
17 839
77 985 955
4 371,66
Jardim Botânico 6 715
6 468
25 701 281
3 973,61
Lagoa 6 787
6 587
36 675 520
5 567,86
Leblon 17 916
17 386
80 571 468
4 634,27
São Conrado 3 461
3 363
18 436 683
5 482,21
Vidigal 4 176
3 617
2 394 793
662,09
15
Dado retirado da Tabela 342: Valor do rendimento nominal médio mensal, valor do rendimento
nominal mediano mensal das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes, segundo as áreas de planejamento, regiões administrativas e bairros 2000 In
http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/ , acessado em 15/01/2007
.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
65
Do ponto de vista educacional, o índice de alfabetização entre os moradores
do Vidigal é de 91,5%.
16
Porém, os índices que indicam a taxa de alfabetizados
funcionais, através do número de anos de estudo é alarmante, como podemos
constatar na Tabela 2.
Tabela 2: Média de anos de estudo das pessoas responsáveis por domicílios
particulares permanentes, segundo os bairros.
17
Bairros
Percentual de crianças
de 10 a 14 anos com
menos de 4 anos de
estudo
Percentual de adolescentes
de 15 a 17 anos com menos
de 4 anos de estudo
Percentual de jovens
de 18 a 24 anos com
menos de 4 anos de
estudo
Percentual de
pessoas de 15 anos e
mais com menos de 4
anos de estudo
Percentual de
pessoas de 25
anos ou mais
com menos de
4 anos de
estudo
Lagoa 31,57
2,53
2,46
3,15
3,30
Ipanema 30,14
6,39
4,46
5,47
5,58
Leblon 30,13
5,60
3,36
4,82
5,03
Lagoa 31,57
2,53
2,46
3,15
3,30
Jardim Botânico 37,81
3,12
3,65
5,37
5,77
Gávea 25,68
0,00
2,92
5,05
5,76
Vidigal, São Conrado 45,99
7,21
8,53
16,36
19,16
Um dado significativo é que praticamente metade de crianças de 10 a 14 anos
tem menos de 4 anos de estudo. Em relação à escolaridade, os moradores do Vidigal
ficam muito aquém dos bairros vizinhos, com uma média de 5,91 anos de estudo por
responsável pela residência. E os responsáveis homens possuem um pouco mais de
escolaridade do que as mulheres responsáveis pelos domicílios, como pode ser vista
na tabela 3
18
.
16
Esse dado foi fornecido pelo IPP, e consideram moradores acima dos 10 anos que sabem escrever.
17
Tabela 536 - Indicadores de Educação - Analfabetismo funcional. Percentual de analfabetos
funcionais por faixas etárias, por bairros ou grupos de bairros – 2000, retirado de
http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/
, acessado em 15/01/2007.
18
Tabela 488 - Média de anos de estudo das pessoas responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes, por sexo, segundo áreas de planejamento, regiões administrativas e bairros – 2000. Idem.
Ibidem.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
66
Tabela 3: Distribuição da Média de Anos de Estudos por bairros da Zona Sul, do Rio
de Janeiro.
Áreas de Planejamento, Média de anos de estudo
Regiões Administrativas e
Total Homens Mulheres
Bairros
VI Lagoa 12,31
12,54
11,94
Ipanema 12,54
12,80
12,18
Leblon 12,67
13,03
12,14
Lagoa 13,89
13,90
13,87
Jardim Botânico 12,73
13,07
12,20
Gávea 12,61
12,75
12,39
Vidigal 5,91
6,07
5,60
São Conrado 12,39
12,68
11,63
O conjunto de dados aqui expostos abre um panorama para buscarmos
compreender melhor o contexto e o local em que a escola está inserida e quem é esse
novo publico da escola.
A seguir, uma foto de satélite que mostra a escola, marcada com uma linha em
laranja, e o início do Vidigal.
Figura 2: Vista do Colégio SM e parte do Vidigal, a partir de satélite. (Fonte: Google Earth)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
67
Figura 3: Vista do Vidigal de dentro do estacionamento da escola.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
68
4
O processo de mudança do Colégio Stella Maris
O Colégio Stella Maris está localizado na entrada da favela do Vidigal.
Fundado em 1935, pela Congregação Filhas de Jesus, foi batizado como Colégio das
Filhas de Jesus. Em 1942, a congregação muda o nome da escola para Colégio Stella
Maris. Em 1973, a escola muda de nome novamente para Instituto Educacional Stella
Maris, permanecendo assim até 2001.
Nosso interesse em estudar essa escola surgiu a partir da mudança por que a
instituição vem passando nos últimos anos. A escola, que sempre atendeu às classes
média e alta, passou a atender prioritariamente à população do Vidigal. Este capítulo
está divido em seis partes. Num primeiro momento, apresentaremos a Congregação
Filhas de Jesus e sua missão, responsável pela instituição educativa objeto de nossa
pesquisa. Na segunda parte, fizemos uma descrição física da escola com o auxílio de
fotografias para ilustrar e demonstrar, além do maravilhoso espaço físico da escola, o
estado excelente em que ela se encontra. Após esta descrição, analisaremos a
estrutura organizacional. Na quarta seção tratamos mais explicitadamente do processo
de mudança de clientela: os fatores que levaram à transformação e as representações
dos diversos agentes sociais. A quinta parte focaliza as famílias (antigas e novas) em
relação à mudança. Na sexta e última parte, apresentamos as implicações da mudança
na dinâmica financeira da escola.
4.1
A Congregação Filhas de Jesus e sua missão
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
69
Neste item apresentaremos uma sintética reconstrução da história da
Congregação Filhas de Jesus, resgatando alguns elementos significativos da história
da congregação e as mudanças por que mais recentemente vem passando.
Juana Josefa Cipítria y Barriola nasceu em 1845 em Andoin, na Espanha, filha
mais velha de uma família numerosa. Deixou sua cidade ainda jovem para trabalhar
em Castilla como empregada doméstica. Desde essa época, sua espiritualidade e sua
devoção pelos pobres já eram visíveis. Ainda doméstica, Juana distribuía comida aos
mendigos na porta da casa de seus patrões, que não gostavam nada desse seu
comportamento. Quando eles reclamaram com ela, respondeu com uma frase que
mais tarde se tornou famosa dentro da congregação: “Onde não há lugar para os
pobres, também não há lugar para mim”.
Em 1869, Juana conhece o padre jesuíta Miguel José Herranz, que a convida
para fundar uma obra de educação cristã para a mulher. Ela - que na época era semi-
analfabeta e não dominava completamente o castelhano, pois sua língua materna era o
euskera, língua oficial da região basca - passou então a dedicar algumas horas de seus
dias para estudar.
Em dezembro de 1871, em Salamanca, na Espanha, Juana Josefa Cipítria y
Barrioca, junto com cinco mulheres, fundaram a Congregação Filhas de Jesus. Após a
criação da congregação, Juana toma o nome de Madre Candida Maria de Jesus. As
Filhas de Jesus surgem com a missão da educação cristã da infância e da juventude de
todas as classes sociais. No ano seguinte, a congregação já contava com dezesseis
irmãs.
Em 1874, inauguraram a primeira escola e nos anos seguintes outras escolas
foram abertas por toda a Espanha. Uma tarefa ousada, pois, segundo a própria Madre
Cândida,
“numa época em que mulher não pisava nas universidades, já pensava na
necessidade de que as religiosas adquirissem títulos superiores para nossas
escolas. E assim o fiz, quando nossa congregação se consolidou um pouco
mais (...). Segundo os dados estatísticos da época, mais de sessenta por cento
das mulheres (na Espanha) eram analfabetas. E nisso eu não poupei esforços
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
70
para que minhas religiosas se preparassem e pudessem assim abrir colégios
onde a juventude se instruísse e se educasse.”
1
Madre Cândida possuía o sonho missionário de espalhar pelo mundo a
congregação. Em 1910, ela recebeu uma carta de um padre brasileiro solicitando a
instalação de um colégio na cidade de Pirenópolis, Goiás. Nesse momento a
congregação contava com 143 religiosas, e todas se ofereceram para vir em missão ao
Brasil.
Após uma viagem de 40 dias, em 7 de novembro de 1911, um grupo de seis
irmãs chega a Pirenópolis e são recebidas com festa pelas autoridades locais. No
mesmo dia em que chegaram, receberam uma escola municipal para administrar. Um
mês depois é inaugurada como “Colégio Maria Imaculada de Pirenópolis”. No ano
seguinte chegou um segundo grupo de irmãs e se encaminhou para Mogi Mirim, em
São Paulo, com o objetivo de educar moças da classe trabalhadora.
Em agosto de 1912, morreu Madre Cândida, deixando uma obra que se
espalhava por 15 países, sendo sete na América Latina. A Igreja, em reconhecimento
ao seu trabalho, beatificou Madre Cândida em maio de 1996.
Hoje, no Brasil, as Filhas de Jesus atuam tanto na educação e formação
religiosa de crianças e jovens quanto em obras sociais. Possuem oito escolas, nas
cidades de Mogi Mirim, Bragança Paulista, Campinas, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Leopoldina e Montes Claros. Além das escolas, existem seis comunidades
com religiosas inseridas em meios populares na Bahia, Minas Gerais, Piauí e São
Paulo. As casas de formação estão situadas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.
Também em Belo Horizonte está localizada a Casa Provincial e a Casa Santíssima
Trindade para encontros e eventos formativos, além da Casa Nossa Senhora de
Nazaré, dirigida às irmãs idosas e enfermas.
Cavalcanti (2003), analisando a trajetória das Filhas de Jesus no contexto da
história da Igreja no Brasil, nos auxilia a entender tanto a vinda da congregação
religiosa ao Brasil quanto a mudança de perspectiva.
1
Teresa Cavalcanti (2003: 25) apud “Textos originais de Madre Cândida”, traduzidos e adaptados
para o português por Maria Helena Lopes de Oliveira. Belo Horizonte, sem data, publicação da
congregação, Pág. 58.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
71
A autora com o auxílio de Riolando Azzi (1983), divide a história da Igreja no
Brasil em quatro períodos: Período Colonial – Igreja da cristandade (1500-1759);
Período da crise da cristandade (1759-1840); Período da “romanização” da Igreja
(1840-1962); e Período de renovação pastoral (1962 em diante).
A Igreja da cristandade “significa aquela que pretende cobrir todo o espaço
com a religião católica, não deixando liberdade para outras expressões culturais e
religiosas” (Cavalcanti, 2003:28). Nesta etapa, a Igreja no Brasil ocupou papel de
destaque junto ao Estado na promoção da normatização da população, que deveria ser
católica e súdita do rei de Portugal.
Esse modelo entrou em crise nos séculos XVIII e XIX. Sob a influência das
idéias liberais vindas dos Estados Unidos e da França, surgiu um clero liberal que se
situou contra o projeto colonial e enfrentou seus defensores.
O período denominado “romanização” da Igreja no Brasil é marcado pelo
espírito antiliberal e, conseqüentemente, pela mobilização de Roma “para tornar
nosso catolicismo menos leigo, popular, familiar, devocional e mais clerical,
sacramental e doutrinário na linha do Concílio de Trento” (Cavalcanti, 2003:29).
Para tal, o episcopado começou a chamar e pedir colaboração de ordens e
congregações européias para que viessem ao Brasil para atuar em escolas, hospitais,
obras assistenciais etc. Segundo Beozzo (1983), entre 1840 e 1930 são 93 novas
congregações femininas e em torno de 35 masculinas que chegam ao nosso país. No
mesmo ano em que as primeiras Filhas de Jesus vieram, 1911, outras oito
congregações também vieram para o Brasil, com o objetivo principal da educação,
marcadamente católica, fazendo frente ao ensino leigo.
Em 1962, o Concílio Vaticano II lançou um novo modelo para a Igreja,
definindo-a não mais como sociedade sacral hierárquica e sim como “povo de Deus”,
promovendo a abertura para uma nova perspectiva. Em 1968, foi realizada a II
Conferência do Episcopado Latino-americano, em Medellín, na Colômbia. O
documento final da conferência recomendava a defesa dos direitos humanos com
ênfase nos excluídos e propondo a “opção pelos pobres”.
Segundo Beozzo (1983), as congregações femininas foram as primeiras a
reestruturar suas atividades a partir da renovação pastoral. No entanto, as mudanças
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
72
dentro das Filhas de Jesus só iriam acontecer no final da década de 1980. As
religiosas começaram a deslocar-se para as periferias urbana e rural, colocando em
prática a “opção pelos pobres”.
Em 1989, a Congregação publicou um documento intitulado Determinaciones,
no qual são afirmados: o compromisso pela justiça e pela paz; a inserção e
inculturação; e a opção preferencial pelos pobres. No capítulo sobre a opção
preferencial pelos pobres, o documento afirma:
“Isto significa viver, nos comportar e educar a partir deles, de seus valores e
necessidade, e em favor deles; e comprometendo-nos em denunciar a pobreza
e as causas que a geram; ajudar aos que educamos para que também se
comprometam a lutar contra essa situação injusta” (Cavalcanti apud
Determinaciones:46).
Essa passagem é interessante na medida em que demonstra a preocupação da
congregação por conhecer a cultura desse novo público e “educar a partir deles”.
Como podemos observar, as mudanças ocorridas dentro da Congregação
Filhas de Jesus estão inseridas dentro das transformações mais amplas da sociedade
brasileira e da Igreja Católica.
A congregação atualmente está num processo de formar uma rede de todas as
escolas das Filhas de Jesus. Essa rede já estava sendo pensada de forma
administrativa, mas agora segue num processo de formar uma mentalidade de rede
pedagógica. Existe uma equipe com representantes de cada escola que se reúne
mensalmente. Em 2006, o EPAD (Equipe Provincial de Assessoria às Escolas das
Filhas de Jesus), nome dado à equipe, organizou dois grandes eventos, um em Belo
Horizonte (em abril) e outro em Brangança Paulista (em setembro). O primeiro reuniu
todos os professores das escolas da congregação do Brasil, 440 professores/as; o
segundo, representantes dos segmentos das escolas. Os encontros foram uma tentativa
de fazer uma proposta educativa, de pensar os projetos de trabalho. Na busca para que
a rede possa trabalhar de maneira uniforme, levando em conta as especificidades de
cada escola. Os encontros contam com algumas palestras com professores de fora e
diversas oficinas oferecidas para os professores das escolas, tratando de temas como
mudança do professor; projetos de trabalho; dinâmica de sala de aula.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
73
4.2
Descrição física da escola
Figura 4: Vista da escola a partir de satélite (Fonte: Google Earth)
Figura 5: Prédio da escola visto da rua.
Com construção
arquitetônica moderna, a
escola se destaca por seu
tamanho e localização
nobre, de frente para o
mar. Ocupando grande
terreno, estão os dois
prédios da escola, dois
pátios e um prédio menor
de três andares, além de
dois estacionamentos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
74
Figura 6: Vista da escola a partir de satélite (Fonte: Google Earth).
Os dois prédios, retangulares, são ligados entre si, formando um L. Na parte
menor desse L estão as salas de aula do Ensino Fundamental. Estas salas são de frente
para o mar, com varandas na parte interna e externa, que funcionam também como
corredores. A varanda interna está voltada para o enorme pátio principal e a externa
de frente, para o mar.
Figura 7: A escola vista de dentro.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
75
Entre as duas varandas estão as salas de aula. Amplas e arejadas, todas têm
duas portas para a varanda interna. Entre essas duas portas, estão localizados grandes
armários de madeira, para guardar o material dos/as alunos/as, ocupando toda a
extensão da parede. Do outro lado da sala, existem portas em vidro e madeira que dão
acesso a varanda de frente para o mar, como podemos observar na foto a seguir.
Figura 8: Varanda da escola.
Figura 9: Sala de aula.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
76
O outro prédio, maior e de arquitetura diferenciada, não tem varandas. O
andar térreo está voltado para o pátio. Ali funcionam: o laboratório de informática,
equipado com 30 computadores; uma sala de leitura, o auditório e algumas salas de
setores administrativos. Do outro lado do prédio, ainda no andar térreo, estão as salas
do primeiro período – maternal. Em frente a estas três salas está o pátio da Educação
Infantil, um pequeno pátio arborizado e com alguns brinquedos de madeira. No lado
direito do pátio está uma casa de bonecas, muito bem cuidada e em grande escala. O
chão é de cimento, mas possui três áreas de areia. No final do parquinho, subindo por
uma escada, chegamos à capela da escola.
Figura 10: Pátio da Educação Infantil.
No primeiro andar se localiza a entrada principal da escola, acima do nível da
rua. Lá fica o ginásio coberto, que ocupa grande parte do andar. No final desse andar,
estão localizadas as salas do segundo período da Educação Infantil, assim como a
coordenação desse segmento.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
77
Figura 11: Ginásio coberto.
No segundo andar está localizada a sala da diretora e, um pouco depois, a sala
dos/as professores/as. Um enorme corredor liga as duas partes deste andar, com uma
enorme mesa de refeição e uma cozinha.
Ao final desse corredor chegamos à outra parte do prédio, onde se encontram
três salas da educação infantil. São três salas por andar, elas são muito espaçosas,
possuem grandes estantes e armários; a maioria delas têm um pequeno quarto anexo
para guardar os materiais. Todas as salas da Educação Infantil são equipadas com um
aparelho de som.
No terceiro andar do prédio estão as salas de coordenação geral, pedagógica,
pastoral e outra sala de diretoria. Em frente a estas salas está a sala de audiovisual,
equipada com uma televisão grande, um videocassete, um DVD e cerca de 50
cadeiras de plástico. Ela tem tamanho equivalente a de duas salas de aula. Na parte
final do terceiro andar estão localizadas mais três salas do CA.
A única maneira de subir ao quarto andar é por uma pequena escada no final
do prédio. Lá existem quatro salas amplas. A maioria permaneceu fechada nas vezes
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
78
em que estivemos na escola. Numa dessas salas são ministradas as aulas de religião e
TOC – Tempo de Orientação Cristã
1
.
O enorme pátio da escola está de frente para os dois prédios. Muito
arborizado, possui grandes bancos de cimento em volta de cinco antigas árvores. Ao
longo do pátio estão pintadas faixas no chão, formando pistas de corrida. No final do
pátio, ao lado do grande portão por onde os/as alunos/as todos os dias entram na
escola, está localizado um pequeno prédio de três andares, residência das irmãs. Ao
lado deste prédio, um pouco acima do pátio, existe uma quadra poliesportiva.
Figura 12: Pátio principal.
1
Uma vez por mês todas as turmas (da Educação Infantil ao Ensino Fundamental) participam do TOC,
com o objetivo de fazer uma integração entre fé, cultura e vida, a partir de histórias, filmes, dinâmicas,
músicas, dramatizações. Segundo a própria escola, este é um momento significativo de diálogo,
oração, acolhida, reflexão, convivência, partilha, evangelização e anúncio da vida. Tive a oportunidade
de participar uma vez do TOC, com a segunda série. Após passar dois filmes sobre a vida de São
Francisco, a coordenadora da pastoral, responsável pelo TOC, perguntou aos alunos o que eles haviam
compreendido dos filmes e fez um paralelo com a vida dos/as alunos/as, ressaltando valores como
amor e a solidariedade, condenando o preconceito e o crime.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
79
Dayrell (1996), que concebe a escola como um espaço sociocultural, chama a
atenção para o fato de a arquitetura de uma escola não ser neutra e analisa a
arquitetura de um prédio escolar, observando:
“A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde a forma
de construção até a localização dos espaços, tudo é delimitado formalmente,
segundo princípios racionais, que expressam uma expectativa de
comportamento de seus usuários. Nesse sentido, a arquitetura escolar
interfere na forma de circulação das pessoas, na definição das funções de
cada local. Salas, corredores, cantina, pátio, sala dos professores, cada um
desses locais tem uma função definida a priori. O espaço arquitetônico da
escola expressa uma determinada concepção educativa” (p. 147).
Para o autor, um dos primeiros aspectos a chamar a atenção é o muro da
escola, que significa o “seu isolamento com o exterior”. Pois os muros demarcam
claramente a passagem do mundo da rua para o mundo da escola. “A escola tenta se
fechar em seu próprio mundo, com suas regras, ritmos e tempos” (DAYRELL,
1996:147).
O tamanho da escola é algo que chama muito a atenção, principalmente se
compararmos com as casas dos/as alunos/as, que em sua maioria são muito pequenas.
Uma das características das favelas em morros é o “aperto”; as casas, normalmente
pequenas, com dois cômodos, são geminadas umas nas outras, e as ruas são muito
estreitas também. Nesses lugares, as crianças acostumam-se a viver em espaços muito
limitados. A foto a seguir mostra a “casa de boneca” da escola. Ela é maior ou do
mesmo tamanho que muitas casas dos/as alunos/as.
Figura 13: Casa de boneca
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
80
4.3
Estrutura organizacional
A escola funciona em regime regular anual, em dois turnos: manhã (das 7:00
às 12:00 horas) e tarde (das 13:00 às 17:00 horas). Mantém a Educação Infantil, com
primeiro, segundo e terceiro períodos, e o Ensino Fundamental.
O calendário escolar é dividido semestralmente; o primeiro semestre vai de
fevereiro até o início de julho. O segundo vai de agosto até o início de dezembro. Ao
final de cada bimestre, os/as professores/as e a coordenação realizam o conselho de
classe de cada uma das turmas. Os docentes se reúnem com a orientadora pedagógica
uma vez ao mês, normalmente às sextas-feiras. Nas últimas reuniões do ano de 2006,
discutiram e refletiram sobre a mudança do livro didático. Tradicionalmente, em
junho, faz-se a festa junina. Em outubro é realizada a olimpíada da escola.
A escola tem 1.020 alunos/as matriculados, com média de 25 por turma.
Conta com duas diretoras: uma leiga e uma irmã, representante legal da congregação,
que está no cargo desde 2005. A escola tem seis coordenadoras: duas da Educação
Infantil e primeira série (uma leiga e uma da congregação); duas de segunda a oitava
séries (uma leiga e uma da congregação); uma da pastoral; e uma coordenadora
pedagógica.
A escola tem ainda em sua equipe uma orientadora pedagógica e duas
psicopedagogas; uma assistente social
2
e seis auxiliares de classe. No corpo docente,
são 21 professores/as na Educação Infantil e 40 professores/as no Ensino
Fundamental. A escola tem ainda três pessoas na equipe de informática e 37
funcionários de caráter administrativo.
2
A assistente social conta com uma estagiária estudante da PUC-Rio.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
81
4.4
O processo de mudança
A nossa missão é contribuir para o
desenvolvimento social do Brasil, através de uma
educação popular, séria e de qualidade,
abrangendo a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental.
3
Como já foi apresentado, a mudança de perspectiva da congregação,
privilegiando a opção pelos pobres, já vinha sendo colocada em prática desde o final
da década de 1980. Porém alguns fatores de natureza prática favoreceram a mudança.
Segundo as coordenadoras Sonia e Laura
4
, em 1999 a escola começou a receber
“timidamente” algumas crianças e adolescentes do Vidigal. Nessa parte do capítulo,
além da entrevistas realizadas por nós, faremos uso de algumas entrevistas feitas por
Teresa Cavalcanti em 2003
5
.
O Colégio Stella Maris, antes de decidir atender preferencialmente aos alunos
do Vidigal, já participava da dinâmica da favela de diferentes maneiras.
Anteriormente à mudança, a maior relação da escola com a localidade
6
se fazia
através dos/as funcionários/as, aos quais a escola prestava assistência e com os quais
mantinha laços de afeto. Outra forma de presença e atuação da escola no Vidigal tem
sido a catequese, a formação de grupos de oração, encontros de casais, enfim a
assistência propriamente religiosa. Como já foi mencionado, na ocasião das lutas
contra as remoções o Stella Maris ofereceu espaço para reuniões. Também nos
momentos de chuvas e desabamentos a escola abriu seu espaço para os desabrigados.
Os espaços da escola estão sempre abertos para cursos, festas, treinamentos e
competições esportivas da comunidade. A escola também manteve relações de apoio
3
Retirado do site da escola: www.stellamaris-rj.com.br acessado em 26/06/2006.
4
Os nomes aqui usados são fictícios.
5
Monografia apresentada ao departamento de psicologia da PUC-Rio intitulada: Desejo e poder o
processo de mudança de clientela de uma escola: da classe média/alta para a classe popular.
6
Usaremos o termo localidade, inspirada pelas reflexões de Marcos Alvito (2000). Para este autor, a
favela é uma localidade, pois “é um agregado de casas e pessoas que mantêm entre si uma rede
complexa de relações e vínculos de caráter pessoal, face a face, como laços de parentesco, amizade,
‘parentela ritual’, vizinhança, grupos informais e pequenas organizações. Esta imensa rede de relações
e de reciprocidade é facilitada pela concentração populacional (ALVITO, 2000:148).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
82
e colaboração com a Associação de Moradores do Vidigal; porém, nos últimos anos,
esta foi literalmente tomada pelo tráfico de drogas.
Ficou claro em diferentes entrevistas realizadas com coordenadoras, diretoras,
professoras e a assistente social, que a escola desde o início da década de 90 vinha
sofrendo dois graves problemas: a diminuição do número de alunos/as e a grande
inadimplência. A assistente social Maria relata: “nós tínhamos uma inadimplência
muito grande
7
. Laura, coordenadora da Educação Infantil, revela que “a quantidade
de turmas foi diminuindo”. Algumas explicações e especulações foram dadas para a
diminuição do número de alunos/as. A assistente social Maria levantou dois fatores:
“A Av. Niemeryer é um problema sério para as famílias que moram na zona
sul ou na Barra, porque ela tem horários de mão alterados e isso complica
muito, inviabiliza realmente o horário regular da escola. Outro fator que eu
acho que nos fez perder muitos alunos é a proximidade com o Vidigal: no
Rio de Janeiro, tudo que se refere a favela traz um pouco de medo para as
famílias porque as pessoas associam violência com esses lugares”
8
.
Laura afirma que “Uma coisa que a cada ano a gente foi percebendo é que o
número de turmas foi ficando menor, a procura foi diminuindo (...). A própria
questão do crescimento da Barra, tínhamos muitos alunos da Barra que migraram
para colégios de lá.”
Com as turmas ficando cada vez menores e poucos alunos efetivamente
pagantes, a escola fez a opção de começar a abrir algumas vagas para a população do
Vidigal. A diretora que participou de todo o processo de mudança, e que deixou a
escola no ano passado, revela:
“Nós tínhamos uma inadimplência muito grande. Então tivemos que optar:
ou fechar o Stella Maris ou ver o que fazer com essa inadimplência.
Resolvemos então que seria melhor voltar para o Vidigal, porque, já que
teríamos que pagar para que os alunos estudassem aqui com um prejuízo
grande para nós, então era melhor que o fizéssemos aproveitando a
oportunidade de seguir o critério da Igreja, de ajudar os pobres e de tornar
nosso colégio o mais popular possível.” (Cavalcanti, apud entrevista com
diretora em 2003).
7
Cavantanti. Pág. 55.
8
Idem. Entrevista com assistente social. Pág. 55.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
83
Laura também afirma que: “Quando chegou o momento em que a coisa ficou
mais difícil em ternos de quantidade de alunos, de falta de grana, nós até tínhamos
alunos, mas alunos que se dizem, vamos dizer, de classe média, mas também não
tinham dinheiro para pagar a escola”.
Nesse momento a idéia era misturar os/as alunos/as, mas rapidamente viram
que isso não seria possível. As famílias de classe média/alta demonstraram
insatisfação com a “mistura” de seus/as filhos/as com as crianças moradoras do
Vidigal. A diretora da época fala: “Mas foi difícil. Porque eu tinha realmente
tentado fazer essa mescla (...) mas a elite daqui não aceitava bem isso.” Sonia
também fez relatos na mesma linha: “Então tentávamos conciliar isso, mas de
alguma forma sabíamos que não seria possível, até porque estávamos vendo de
antemão que as famílias não iriam achar que o colégio pudesse manter a qualidade
trabalhando com classes menos favorecidas”.
Alguns discursos revelam momentos de tensão, pois a congregação queria a
mudança definitiva, enquanto as professoras e coordenadoras queriam que ela fosse
feita gradualmente. Nas palavras de Sonia:
“Fizemos um trabalho com a diretora da época para podermos opinar um
pouco. Ela nos ouviu para saber o que achávamos que era melhor para a
escola. Demos uma opinião muito importante, que gostaríamos da mudança,
sim, mas que queríamos fazer lentamente esta mudança. Depois as irmãs
optaram por fazer mais rápido. Então, no ano em que foi decidido [aceitar
preferencialmente alunos do Vidigal, em 2000] a mudança aconteceu
imediatamente.”
Em 1999 a escola estava definindo o que fazer: fechar por inadimplência e
falta de alunos/as ou tomar outro rumo. A congregação encomendou um estudo
intitulado “Estudo das características socioeconômicas e as aspirações dos moradores
da comunidade Vidigal que freqüentam as atividades desenvolvidas pelo Colégio
Stella Maris, Rio de Janeiro”
9
, para conhecer melhor as características da população
do Vidigal e levantar quais eram suas aspirações em relação à escola. A pesquisa
revelou que a única coisa que eles queriam era que o Stella Maris oferecesse ensino
9
Estudo encomendado pela Congregação Filhas da Jesus, datado de julho de 1999, assinado por:
Maria Cristina Salomão Almeida, Neusa Maria Gonçalves da Rocha e Sueli Bulhões da Silva. As
autoras consultaram moradores do Vidigal, documentos da Arquidiocese do Rio de Janeiro e
documentos da Secretaria Municipal do Trabalho.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
84
formal para suas crianças. Laura, hoje coordenadora da Educação Infantil, nos revela
uma visão interessante:
“Eu sou suspeita para falar, pois sou nascida e criada no Vidigal. Então, esse
colégio, para mim, que era da comunidade, era o sonho de consumo de que
eu não podia fazer parte. Fazia parte dentro do catecismo... Desde que eu me
entendo por gente, me lembro que o colégio sempre esteve aberto para as
pessoas participarem. Mas não necessariamente na educação formal. As
pessoas que estudavam aqui eram de outro poder aquisitivo”.
O site
10
da escola define assim a mudança:
“A partir da década de 80, algumas circunstâncias impuseram dificuldades ao
colégio, pois seu único acesso, a Avenida Niemeyer, tem seu sentido alterado
pela manhã e no final da tarde. Este fato, juntamente com o surgimento
crescente de escolas na zona sul, forçaram muitos de nossos alunos a optarem
pelas escolas mais próximas às suas residências. A congregação, que sempre
atuou na Comunidade de Vidigal de uma forma mais reduzida, teve com esta
mudança, uma oportunidade de repensar como servir de forma mais ampla ao
Vidigal”.
Em 2000, a congregação decidiu transformar o Instituto Educacional Stella
Maris em um “Centro Popular de Educação e Assistência Social Stella Maris”,
voltado integralmente para a comunidade do Vidigal. Muitos depoimentos de
coordenadoras e professoras relatam como foi esse momento dentro da escola.
Primeiro houve uma reunião com as coordenadoras e professoras para
comunicar a decisão definitiva. Segundo Laura, que era professora na época,
“nós, professoras, fomos muito claras, perguntando por quanto tempo teriam
dinheiro para nos manter com o salário que nós ganhávamos, um salário que
era muito alto. Hoje em dia, não é um salário baixo, comparado com as
outras escolas. Mas também não é o salário que nós ganhávamos antes... Elas
foram muito honestas, pois deixaram a gente muito livre para procurar outro
emprego... muitas pessoas ficaram e outras foram saindo ao longo do
processo.”
A fala de todos afirma que este processo foi transparente e integrado; a
congregação estava atenta ao que os profissionais da escola pensavam. As
discordâncias foram trabalhadas, embora a decisão final tenha sido tomada pela
congregação.
10
www.stellamaris-rj.com.br acessado em 25/01/2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
85
Após a reunião interna, a diretoria convocou uma grande reunião no auditório
da escola com as famílias, para comunicar que a partir daquele momento iriam dar
preferência às crianças e adolescentes do Vidigal. No final do ano, praticamente todas
as famílias de classe média e alta tiraram seus/as filhos/as da escola. Sonia afirma:
Os alunos de classe média foram saindo muito rápido, coisa que a gente não
esperava”. Laura confirma e acrescenta que as famílias, apesar de retirarem seus
filhos, saíram de bem com a escola e que alguns ex-alunos fazem trabalho
comunitário na escola. A entrada em massa dos novos alunos/as ocorreu em 2001,
causando diversas mudanças dentro da escola.
4.5
A participação das famílias
Diversos depoimentos demonstraram que comunicar a mudança às famílias
“antigas” foi um dos momentos mais difíceis do processo. A diretora na época
lembra:
“quando passamos a conversar com as famílias que estavam no colégio, para
que elas soubessem que o colégio ia atender o Vidigal, de preferência atender
ao Vidigal (...) Aí elas se sentiram muito magoadas porque não queriam a
mistura, mas também não queriam tirar os alunos, porque quem estava no
colégio gostava demais, eram filhos de ex-alunos, pessoas que tinham uma
ligação muito grande conosco (...). Foi difícil para que eles compreendessem
que nós tínhamos que tomar essa posição. Então, o momento mais difícil foi
mostrar para as famílias, sem agressão nem de uma parte nem de outra.
Porque a parte de cá às vezes agredia quando escutava algumas coisas nas
reuniões. Porque nas reuniões também havia também pessoas do Vidigal.”
Outro elemento que surgiu nas entrevistas das três coordenadoras da escola foi
o sofrimento causado pela mudança. Sonia relata:
“Eu me senti muito à vontade na mudança de trabalhar com as crianças, pois
acredito piamente no trabalho que vem sendo feito. Mas a gente tinha
saudades dos outros também, que eram nossos alunos de tantos anos, crianças
que estavam aqui com a gente desde pequinininhos, a gente tinha toda uma
história com eles também, então a gente sentiu isso. Mudaram as irmãs
também, vieram outras. Parece que teve uma mudança muito grande, então
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
86
teve um momento de dor também, mas não se tratava de nós acharmos que
não era isso que a gente queria, isso não passava pela cabeça da gente”.
Assim que a decisão foi comunicada às famílias, estas imediatamente
começaram a tirar seus/as filhos/as da escola. No final de 2000, praticamente todas as
famílias de classe média/alta tinham retirado seus filhos da escola. Ficaram
pouquíssimas famílias e alguns filhos/as de funcionários. Em 2006, não existia mais
nenhum aluno de classe média e alta.
Segundo a diretora da época e duas coordenadoras, a maioria das famílias
achou que seus filhos só tinham a perder estudando com crianças de outra classe
social. Mesmo quando era tímida a presença de alunos/as do Vidigal, as famílias já
demonstravam sua insatisfação em misturar seus/as filhos/as com os/as moradores da
favela.
Cavalcanti, entrevistando uma mãe que em 2002 ainda mantinha dois filhos na
escola, relata o seguinte depoimento:
“No ano que vem, não sei se vou resistir às pressões. Meu filho já dormiu
uma noite na casa de um amigo aqui embaixo, mas, de todo modo, é na
favela. As pessoas ficam perguntando se eu não tenho medo de uma bala
perdida (...). Também fico me perguntando o que o outro teria a acrescentar
ao meu filho. Por exemplo, meu filho pode incentivar o coleguinha do
Vidigal a ler, mas o que o outro teria a oferecer? Carinhos, amizade? E a
convivência, o linguajar?”
O preconceito e os estereótipos ficam evidentes neste depoimento. Fala como
se o único lugar violento da cidade fosse a favela, acreditando que a criança que mora
na favela não tem nada a oferecer; pelo contrário, seria uma péssima influência. A
idéia parece ser a de sempre: é papel da elite ensinar aos pobres e os pobres nada têm
a contribuir. Além disso, dizer que “aqui embaixo, mas de todo modo favela”, mostra
que existe uma representação de hierarquia dos próprios “favelados”
11
. Fica evidente
o preconceito enraizado na mentalidade destas classes sociais, onde o diferente,
especialmente os pobres e “favelados”, são vistos como inferiores, ruins e até como
uma ameaça. A maior prova disto é que praticamente 100% das famílias retiraram
seus filhos da escola.
11
Na maioria das favelas do Rio de Janeiro, que são em morros, quanto mais para o alto, as casas vão
ficando mais pobres.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
87
Oliveira (2005), em sua dissertação de mestrado, Diga-me com quem andas e
eu direi quem és: A escolha da escola como estratégia de distinção, apresentada ao
programa da Pós-graduação da PUC-Rio, atesta que o estabelecimento e a
preservação da rede de relações sociais, junto à transmissão da “herança escolar” e o
capital informacional, são os fatores que orientam as condutas das famílias de classes
média e alta no processo de escolha de um estabelecimento de ensino para seus/as
filhos/as.
Skliar e Dutchanszky (2000) distinguem três formas pelas quais a diversidade
tem sido enfrentada, caracterizando os imaginários sociais sobre a alteridade. As
perspectivas assinaladas são as seguintes:
- “o outro como fonte de todo mal”: essa perspectiva marcou as relações sociais do
século XX e pode tomar diferentes formas, desde a eliminação física do outro como a
coação interna mediante a regulação de leis e costumes. Nessa visão, “nós” somos os
bons, os civilizados, os cultos etc. enquanto os “outros” são maus, ignorantes,
bárbaros etc. Na educação esta perspectiva se traduz de diversas formas: quando o
fracasso escolar é atribuído às características sociais dos alunos; quando
diferenciamos as escolas segundo a origem social dos/as alunos/as, a mistura
acarretaria perda de qualidade; quando valorizamos exclusivamente o racional e
deixamos de lado os aspectos emocionais nos processos de aprendizagem etc.
- “o outro como sujeito pleno de um grupo cultural” parte de uma concepção de
cultura que representa uma comunidade homogênea de crenças e modos de vida. Na
educação essa perspectiva pode se manifestar, por exemplo, por uma entrada
folclórica das características culturais de um grupo específico no currículo.
- “o outro como alguém a tolerar”: admite a existência de diferenças, porém os que
detêm a hegemonia se limitam a admitir algumas de suas manifestações, desde que
não ameacem a ordem estabelecida.
Acreditamos que podemos enquadrar as famílias que retiraram seus filhos/as
da escola na primeira posição: encarando “o outro como fonte de todo mal” na
medida em que demonstraram acreditar que seus filhos/as só perderiam em estudar
com os “favelados” e que estes não teriam nada a ensinar-lhes.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
88
No que diz respeito às “novas” famílias que tiveram acesso à escola, como
mostrou o estudo feito pela congregação no Vidigal, o que elas mais esperavam da
escola era que esta desse uma educação formal para seus filhos/as. Porém, o primeiro
momento, o de entrada do novo público, foi marcado por uma desconfiança muito
grande por parte das famílias do Vidigal. A maioria delas estava apreensiva em
relação a se seus filhos/as seriam tratados da mesma maneira pelos/as professores/as
que antes trabalhavam com outra classe social. Diversas pessoas, as coordenadoras,
diretora e professoras, expressaram esse sentimento. Sonia: “Demorou um
pouquinho, [para conquistar a confiança deles] eles desconfiavam da gente, eles
falavam: um “colegião” desse para os nossos filhos?; alguns desconfiavam.” Ir.
Rosa, que chegou à escola para ajudar na mudança por já ter muita experiência de
trabalho com classes populares e hoje é coordenadora da Educação Infantil junto com
Laura, também se expressou nessa perspectiva: “As famílias apostavam muito. Elas
não conseguiam acreditar e ficavam perguntando: vai ser igual mesmo? Então
vamos olhar”.
Como veremos mais profundamente adiante, a escola como um todo e,
principalmente, a Educação Infantil, passaram por uma significativa mudança
metodológica, que vem sendo construída a cada ano. E as coordenadoras e
professoras, preocupadas com a desconfiança das famílias, queriam mostrar passo a
passo qual era a metodologia de alfabetização da escola, com muito cuidado e
preocupadas para que as famílias não pensassem que as mudanças estavam sendo
feitas só porque os/as alunos/as agora moravam na favela e eram pobres. Sonia,
coordenadora pedagógica da Educação Infantil, descreveu assim esse momento:
“tentar mostrar para eles sem muita teoria como é que a gente ia fazer nossa prática.
(...) Tivemos a idéia de filmar as crianças trabalhando e passamos para elas
assistirem”. Parece que o vídeo melhorou o ambiente, tanto para a escola quanto
para as famílias, que diminuíram sua desconfiança e dúvidas em relação à escola.
Três pessoas (Sonia, Laura e Ir. Rosa) relataram uma situação em que uma mãe, após
uma reunião, falou para Sonia: “vou te dar um voto de confiança”. Mas parece que a
conquista total da confiança das famílias se deu no ano seguinte, quando, segundo
Sonia,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
89
“eu pedi para as professoras fazerem uma aula com eles, então eles
entenderam o processo. Quando o primeiro grupo entendeu, elas foram
passando a confiança para as outras famílias e a gente não precisou mais
fazer. Elas falam: bota lá que é bom. (...) Hoje estamos em um outro
momento, já temos a confiança delas.”
Após um primeiro momento de estranhamento e, principalmente, após a
verificação do terreno pelas novas famílias, parece que hoje a relação é boa. Veremos
posteriormente de que maneira as famílias são incluídas dentro da nova metodologia.
Todas os falas indicam que atualmente existe troca entre família e escola, e que essa
parceria deve ser expandida.
Além disso, a escola desenvolve uma série de projetos sociais e cursos para as
famílias participarem, como foi possível perceber numa das nossas visitas à escola:
Dia 09/08/2006
Estava saindo da sala dos professores, quando vi colado na porta o seguinte
cartaz: “quarta-feira: série de palestras com grupo de pais inscritos. Temas:
planejamento familiar; relações interpessoais; inteligência emocional e auto-
estima; família e limites; drogas; violência domestica; meio ambiente e
reciclagem”.
Tivemos a oportunidade de perguntar informalmente para alguns pais e mães,
na entrada e na saída da escola, o que eles achavam do colégio. Todos foram
unânimes em responder que a escola era muita boa, que tratava muito bem os/as
filhos/as deles e, conseqüentemente, estavam muito satisfeitos com ela.
Ir. Rosa completa: “Fomos ganhando as famílias na medida em que eles
foram percebendo que as crianças estavam felizes, estavam aprendendo. Aí eles
foram se envolvendo também, foram confiando”.
Segundo diversas pessoas, as famílias são muito presentes. Ir. Rosa afirma que
“qualquer movimento que tenha no colégio, elas vêem em massa: vem pai, mãe, avó,
avô”.
Essa desconfiança inicial das famílias “novas” nos parece absolutamente
normal. Afinal, uma população que não é respeitada em praticamente nenhum de seus
direitos, que é tratada tanto pelo Estado quanto pela população em geral como
miserável, escória, subalterna etc. tinha que desconfiar quando uma escola da elite
resolve abrir-se para suas crianças. Como atestamos nas entrevistas, com o tempo a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
90
escola conquistou a confiança das famílias, na medida em que as famílias perceberam
que seus filhos e filhas não eram tratados com menor atenção e respeito.
Figura 15: Alunos e alunas no recreio.
4.6
Questão financeira
A congregação, devido aos fatos citados (evasão de alunos e grande
inadimplência), já vinha arcando com o prejuízo da escola. Quando houve a mudança,
ficou responsável por praticamente toda sua despesa. Ao mesmo tempo, procurou
parcerias com o Estado e a Prefeitura sem obter resultado.
Hoje a escola conta com a parceria de seis empresas privadas, que, ou
desenvolvem algum projeto na escola, como é o caso da C&A, que se responsabiliza
pelas aulas extra-escolares como teatro e capoeira, ou dão outras formas de apoio em
relação a projetos específicos. O Banco Itaú patrocina os passeios da escola. No ano
de 2006 cada turma fez dois ou três passeios. A proposta é cada vez fazer mais, pois,
segundo as coordenadoras, as crianças não têm a oportunidade de “sair” da favela, e
as coordenadoras têm consciência de que as famílias não têm como pagar os
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
91
ingressos de entrada nos lugares. O banco se responsabiliza pelos gastos e a escola
tem um microônibus próprio. Duas pessoas afirmaram que as crianças ficam muito
em casa e que as famílias não têm costume de fazer passeios com as crianças, e a
escola deve cumprir esse papel. Idas ao Zoológico, Jardim Botânico, Bosque da
Barra, Casa de Cultura Julieta de Serpa foram alguns dos passeios realizados. Sonia,
ressaltando a importância deles, revela: “pois se queremos trabalhar com projetos,
precisamos fazer passeios. Eles não estão acostumados a sair muito; embora eles
vivam na Zona Sul, eles não têm esse costume.”
As crianças e adolescentes estudam com bolsa, porém pagam uma quantia
simbólica, de acordo com a renda familiar. A escola faz um estudo socioeconômico
das famílias antes do ingresso dos/as alunos/as, e negocia com as famílias a quantia,
que gira em torno de R$ 50,00.
Segundo a assistente social, mesmo fazendo o planejamento com as famílias
individualmente sobre formas de pagamento de acordo com os recursos, a
inadimplência é grande. A questão financeira é um problema grave. A congregação
realmente é responsável pelo custo de manutenção da escola, que conta com um
número de professores/as e funcionários/as bastante grande. Obviamente existe
preocupação com a sustentabilidade do projeto a longo prazo.
A escola busca de todas as maneiras auxiliar os/as alunos/as. Os livros
didáticos, por exemplo, são todos comprados pela escola direto na editora, com
grande desconto devido à quantidade, e depois “vende-os” aos alunos/as. Sonia
deixou claro que não existe a possibilidade de nenhum/a aluno/a ficar sem o livro.
Segundo ela, “a escola faz algum arranjo”. Algumas vezes a escola parcela o livro o
ano inteiro em pequenas parcelas para a família e, quando a família não tem condição
mesmo, procura ajuda de pessoas para pagar o livro. E revela ainda: “eu já saí pela
minha família arrecadando dinheiro para ajudar algumas famílias”.
Na realidade, o projeto feito para transformar o Colégio Stella Maris em
Centro Popular de Educação e Assistência Social Stella Maris previa muitas outras
atividades, como cursos profissionalizantes, oficinas, escola para as famílias e Ensino
Médio. Sonia afirma: “gostaríamos de ter mais recursos, essa escola deste tamanho,
com esse espaço, poderíamos funcionar no turno da noite e ter o ensino médio.”
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
92
As professoras e coordenadoras que permaneceram na escola aceitaram que
seu salário diminuísse. Segundo Laura, “o salário aqui era muito bom, bem acima do
mercado; hoje os salários não são tão altos, mas estão na média das outras escolas.”
Conversamos com uma amiga de uma familiar, de classe média alta de
aproximadamente 50 anos que estudou no Stella Maris; até hoje ela se reúne com
algumas colegas e com a professora de francês da sua época, e nos revelou que a
escola tem procurado antigos alunos propondo que fiquem responsáveis
financeiramente por uma criança, isto é, assumindo as despesas educacionais de uma
criança.
A escola, principalmente na pessoa da assistente social, está sempre na busca
de parcerias para auxiliar a congregação a manter a escola.
Nas salas de aula as professoras se mostram sensíveis às limitações materiais
das crianças. Observamos, por exemplo, uma situação marcante: uma professora
pediu que os/as alunos/as pesquisassem em revistas para o dia seguinte algum animal
brasileiro. Após explicar a tarefa, a professora perguntou aos alunos/as quem não
tinha revista em casa, cinco alunos/as levantaram a mão e ela distribuiu exemplares a
que estavam dentro dos armários.
Outro exemplo: segundo as professoras, a cobrança de material não pode ser a
mesma, pois muitas vezes o aluno não leva para escola algum material por não ter
como comprar. A escola é muito bem equipada, todas as salas têm muitos materiais
nos armários, principalmente a Educação Infantil, que utiliza recursos como caneta
pilot, lápis de cor, lápis cera, tinta etc. Todos esses materiais estão presentes em
quantidade nas salas de aula.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
93
Figura 16: Alunos/as no pátio.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
94
5
As transformações na dinâmica da escola
Quais seriam as principais implicações da mudança de clientela na dinâmica
da escola? Pelos depoimentos e práticas observadas, foi possível perceber a
preocupação da escola de assumir os desafios dos novos/as alunos/as. Entretanto,
essas mudanças não têm se dado da mesma forma ou com a mesma intensidade na
escola como um todo. Enquanto as mudanças construídas na Educação Infantil
reestruturaram profundamente todos os aspectos da prática pedagógica, conteúdos,
práticas e avaliação, essa mudança abrangente não pode ser observada no Ensino
Fundamental. Algumas estratégias podem ter mudado, mas o currículo, a avaliação e
a prática cotidiana dos/as professores/as continuaram fundamentalmente os mesmos.
A principal implicação da mudança de clientela na dinâmica da escola,
apontada em todas as entrevistas e conversas
1
, foi relativa à transformação
metodológica construída na Educação Infantil.
Como bem recorda Becker, é impossível dar conta da totalidade. Nesse
sentindo, elegemos duas categorias de análise que se mostraram mais significativas
para responder à questão principal da pesquisa e para compreender o processo de
mudança: as transformações na dinâmica pedagógica da escola, com ênfase na
Educação Infantil, e os diferentes olhares sobre o outro, no caso os/as alunos/as. O
capítulo termina com uma breve observação sobre a questão da violência, que não foi
o objetivo do nosso trabalho, mas, devido à localização da escola e à influência do
problema na dinâmica da escola, é necessário um breve adendo.
1
Todas as coordenadoras são as mesmas desde a mudança; um grupo pequeno de professoras
permaneceu, mas, como já foi dito, a escola dobrou de tamanho, passando de 400 para 1.000 alunos/as,
e muitos/as professores/as foram contratados.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
95
5.1
Metodologia e estratégias de ensino-aprendizagem
Figura 17: Mural da Educação Infantil.
Algumas experiências vêm sendo feitas desde que os “novos/as” alunos/as
entraram na escola. Faremos aqui uma exposição das principais mudanças
metodológicas introduzidas. Como todas as entrevistadas gostam de lembrar e pela
observação também foi possível confirmar, a mudança tem sido um processo
construído a cada dia.
Antonio Flavio Moreira (2005), em um artigo que trata de identidade e da luta
de diversos movimentos sociais por afirmá-la, descreve com propriedade os conflitos
derivados da diferença, como
“as dificuldades vividas pelos professores em decorrência da entrada
intempestiva, em sala de aula, de alunos de grupos identitários até então
pouco presentes no espaço escolar. Problemas de aprendizagem, de conduta,
de agressividade e de valores parecem conturbar e inviabilizar muitas
atividades pedagógicas que os docentes antes desenvolviam com razoável
tranqüilidade. Inquieto, inseguro e insatisfeito, o professor empenha-se no
sentido de melhor conhecer quemo esses novos alunos, quem são esses
outros, esses estranhos, esses diferentes, que entram sem pedir licença, que
transgridem as regras e normas e que resistem aos mais agudos apelos de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
96
acomodação à ordem vigente. Como lidar com eles, como incluí-los? Como
lidar com alunos tão distantes da visão idealizada de estudantes que a escola
sempre cultuou? Como lidar com alunos de necessidades especiais, com
problemas com a justiça, com um pé na criminalidade, com dificuldades de
aprendizagem, com condutas inesperadas e violentas? Como lidar com os
pobres, negros, favelados, migrantes, homossexuais, membros de famílias
desajustadas” (p. 31).
As professoras e coordenadoras se depararam com um outro público, o de
crianças que “não têm um vocabulário desenvolvido”. Pouco estimuladas, algumas já
vinham com registro de fracasso na escola municipal. Na mesma perspectiva de
Moreira, Sonia afirma: “nos deparamos com crianças com muitas dificuldades;
então, aquele nosso sonho estava começando a precisar ser muito bem pensado: nós
tínhamos seis turmas e precisávamos alfabetizar mesmo”.
Este momento serviu para as coordenadoras e professoras repensarem sua
prática e começarem a estudar diferentes formas de ensinar.
As primeiras importantes mudanças introduzidas, segundo a coordenadora
pedagógica da Educação Infantil da época, foram: respeitar mais o tempo de cada
criança e fazer uma mudança metodológica significativa, mais voltada para os/as
alunos/as.
Primeiro trataremos de quais foram os recursos empregados para respeitar
mais o tempo da criança. Afirma Sonia: “não podíamos achar que uma criança que
chegou aqui com 6 ou 7 e crianças que chegam às vezes com 8 anos, que já fizeram 3
tentativas no município (...) que possamos jogar para elas a impossibilidade: temos
que descobrir um meio deles poderem se alfabetizar.”
Maria, coordenadora de segunda a oitava série do Ensino Fundamental, teve a
idéia de criar uma turma extra, intitulada Primeira Alfabetizadora - Alfa 1. Serviria
para incluir esses alunos que chegavam à escola sem estar alfabetizados mas que já
haviam feito o CA antes, sem sucesso. A idéia não era voltar para o CA, mas, ao
mesmo tempo, era necessário alfabetizar. Segundo Maria, a intenção era: “vamos
montar uma classe que a gente chama de primeira alfabetizadora, a gente bota essa
criançada lá, e eles não ficam com a sensação de estarem sendo reprovados, do
fracasso; a gente alfabetiza essa criançada nessa série e depois segue com eles.”
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
97
Essa série ficou como uma intermediária entre o CA e a primeira série. As
crianças que não conseguissem se alfabetizar em um ano, no CA, passavam para essa
série, em vez de repetir ou de ir para a primeira série. A idéia era trabalhar a auto-
estima desses/as alunos/as que já trazem tantos fracassos anteriores. Eles não seriam
reprovados de cara, assim que entrassem no colégio, mas também não iriam passar de
ano sem ter conseguido se alfabetizar. Segundo Sonia,
“quando nós começamos a trabalhar, muitas crianças não tinham vivido a
experiência da estimulação da Educação Infantil e muitas tinham dificuldades
muito grandes, que nós não conseguiríamos resolver em um ano. Ao mesmo
tempo, nós não queríamos começar logo com um formato excludente. Então,
nós tínhamos que pensar alguma coisa que pudesse, entre aspas, mostrar que
eles estavam avançando, mas na verdade nós iríamos continuar esse processo
[de alfabetização].”
Essa turma funcionou por três anos e foi extinta. Sonia defende uma
alfabetização em dois anos, não só para crianças de classes menos favorecidas mas
para todas as crianças que precisam de mais tempo para desenvolver adequadamente
seu processo de alfabetização. Segundo ela, a série acabou
“porque infelizmente nosso sistema não abre mão de algumas coisas. Mesmo
com a concepção que nós demos, no fundo as crianças ficavam marcadas
como “aquelas eram da Primeira Alfa”. Um estigma de dificuldade, quando
na verdade não era isso que nós estávamos tentando fazer. Nós estávamos
tentando alongar o processo de alfabetização, para aqueles que precisavam de
um tempo maior. Mas nós voltamos atrás na decisão. Na época, Ir. Ana
estava na direção e me pediu para coordenar a primeira série, justamente para
fazer a Primeira Alfa na primeira série. Estamos tentando fazer isso, mas aí
há uma preocupação maior das professoras. Elas já resistem mais, têm medo,
pois o currículo fica diferente do sistema e de grande parte das escolas”.
A turma foi criada para respeitar o tempo de cada criança, de maneira que não
as estigmatizasse com mais dificuldades frente às outras, mas mesmo assim essas
crianças foram estigmatizadas. A solução foi por um trabalho diferenciado na
primeira série. Outra questão, muito significativa, aparece nesta fala: a resistência
dos/as professores/as do Ensino Fundamental em mudar. Essa questão importante
será melhor trabalhada mais adiante. Agora nos centraremos na mudança
metodológica pela qual a Educação Infantil vem passando.
Todas as falas foram unânimes em afirmar que a mudança metodológica na
Educação Infantil foi um trabalho integrado entre a coordenação e as professoras, um
processo que vem sendo construído com muito aprofundamento e estudo. Embora
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
98
uma boa parte das professoras tenha saído da escola, ficou um grupo grande e muitas
outras entraram, porque a escola dobrou de tamanho. Séries que antes tinham duas ou
três turmas passaram a ter cinco ou seis. Nas palavras de Sonia, “como aumentou o
número de turmas, tinha muita gente nova, professoras jovens”.
Foi organizado um grupo de estudos entre a coordenadora pedagógica, a
coordenadora da Educação Infantil e as professoras, para que pudessem construir
juntas uma nova metodologia; segundo Ir. Rosa,
“uma metodologia mais adequada, que responda mais às necessidades da
clientela que você tem em mãos. Crianças pouco estimuladas, a gente tem
aqui crianças que as mães saem para trabalhar e elas ficam com ‘cuidadoras’,
que já cuidam de outras crianças ou ficam mesmo trancadas dentro de casa.
Crianças que foram acostumadas a ficar em lugares muito pequenos, a
maioria das casas são pequenas, de dois cômodos. Uma metodologia que
estimulasse mais essas crianças para tomar gosto por aprender”.
As professoras são unânimes em dizer que a grande incentivadora da mudança
de metodologia foi a coordenadora pedagógica da Educação Infantil. Laura lembra
que, “na época, quem segurou mesmo a mudança foi Sonia.” Ela, que nessa época
realizou uma pós-graduação no CEPERJ
2
em psicopedagogia, faz parte do NOAP
3
e
participou de muitos seminários e congressos. Ela relata:
“Eu trazia livros e textos para elas, eu incentivava e elas compravam a idéia.
Normalmente a coordenadora pedagógica incentiva, mas enfrenta alguma
resistência, sempre tem um grupo que resiste. Mas, no meu caso, as
resistências eram mínimas, as meninas estavam começando também, muitas
tinham acabado de se formar, algumas eram da própria comunidade. Elas
também estavam ávidas de saber e encontraram uma pessoa que
hipoteticamente tinha mais experiência do que elas.”
Tatiana, professora da Educação Infantil, destaca que a coordenadora
pedagógica sempre procurou dar autonomia para elas pensarem e buscarem novas
estratégias para chegar aos objetivos desejados. Tatiana afirma que “estamos sempre
trabalhando juntas [as professoras], pensando formas diferentes, projetos diferentes
para trabalhar com os alunos”.
Segundo Ir. Rosa, nesses muitos encontros foram trabalhados autores como
Paulo Freire, Piaget e Vigotsky. Na sala dos professores há um retrato emoldurado de
Paulo Freire com a frase: “O mundo não é. O mundo está sendo”.
2
Centro de Estudos Psicopedagógicos do Rio de Janeiro.
3
Núcleo de Orientação e Acompanhamento Psicopedagógico, vinculado à PUC-Rio.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
99
A idéia era estruturar uma “metodologia de maior construção da criança,
dando mais voz à criança, fazendo com que ela tivesse mais interferência no que
estava estudando”, diz Sonia. As professoras trabalhavam com as crianças os temas
sugeridos pelo livro, buscando relacionar aqueles temas com a experiência vivida por
eles para que o tema significasse algo para elas. Além disso, as professoras passaram
a fazer registros diários dos/as alunos/as, com a finalidade de ter noção real do
desenvolvimento de cada criança.
Essa metodologia foi se desenvolvendo até o ponto em que, em 2006, as
professoras da Educação Infantil abandonaram o livro didático e passaram a trabalhar
com projetos de trabalho.
Enquanto as coordenadoras falam com muita cautela dos projetos de trabalho,
enfatizando que essa prática está começando agora, que ainda é necessário aprofundar
essa proposta, as professoras falam com mais desenvoltura sobre os projetos.
Afirmam que eles já vinham acontecendo mesmo com o livro, mas que agora se
tornaram centrais. O que é unânime nesses depoimentos é que a opção por essa
metodologia se deu para que os/as alunos/as se tornassem sujeitos do processo
educativo, na medida em que muitos dos temas trabalhados são sugeridos pelas
próprias crianças. No entanto, há diferentes representações sobre essa prática e como
esta vem se desenvolvendo. Segundo Laura
4
:
“íamos seguindo as unidades do livro e vendo que as crianças tinham outras
demandas. Eu ficava assim: para onde eu vou? Tínhamos que cumprir o livro,
mas eu também queria trabalhar esses outros temas que surgiam. Nós
acabávamos ficando com dois métodos paralelos... os projetos já vinham
acontecendo, mas agora estão sendo mais aprofundados”.
Laura, assim como outras professoras, garante que os projetos são mais
significativos, por partirem da demanda dos/as alunos/as. Sonia fala sobre os projetos
com mais cautela e insiste no caráter incipiente dessa prática:
“nosso desejo é que o projeto de trabalho, que agora está só na Educação
Infantil, abranja toda a escola. Estamos nos preparando para isso. Para
trabalhar com projetos, temos que ter muita perspectiva, estamos ensaiando.
A gente viu que os projetos são mais significativos para os alunos, pois eles
nascem da demanda deles, eles ficam mais envolvidos e as famílias também
ficam, é muito legal.” (...)
4
Hoje coordenadora da Educação Infantil, antes era professora da albetização.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
100
“Desde o início a gente tinha um livro que era um disparador de projetos de
trabalho, só que ele chama de unidade. As professoras, sem perceber,
alargavam essas unidades, que se transformavam em um projetinho. Eu ainda
não tenho aprofundamento teórico para trabalhar com projeto de trabalho, eu
ainda vou ter que estudar muito sobre isso. As professoras da alfabetização
foram indo, foram indo, foram tomando tamanho gosto. Foram entendendo o
processo tão bem que começaram a perceber que o livro, ao invés de ajudar,
prejudicava. Então, elas abriram para trabalhar com projetos de trabalho. A
gente [coordenadora pedagógica e coordenadora da Educação Infantil]
incentivava isso, mas ficamos esperando que as professoras tomassem isso
para elas. No momento em que a professora diz: estou preparada, nós
respondemos: vamos lá, façam. (...) É importante dizer, a gente ainda não
está trabalhando com projeto de trabalho não, isso é uma coisa que a gente
deu o primeiro “balão de ensaio”. O primeiro movimento é das pessoas
entenderem que o tema dá margem para trabalharmos os conteúdos, é isso
que estamos fazendo”.
Um dos pontos descritos, que as professoras decidiriam a hora de colocar em
prática a nova metodologia, aparece também nas falas das professoras, além de ser
confirmada pela desenvoltura com que elas falam sobre os projetos de trabalho.
Antonia afirma que o tempo de cada um foi respeitado. A partir dos estudos e da
prática cotidiana, as professoras foram internalizando a prática dos projetos,“porque
hoje a gente estudou isso amanhã todo mundo faz; não foi assim, cada um no seu
tempo”.
Luisa, professora de alfabetização que trabalha na escola há 20 anos, relata
que:
“Estamos trabalhando com projetos há algum tempo e pelo primeiro ano sem
o livro. Estamos trabalhando um novo método: em vez de trabalhar com
sílabas estamos trabalhando por letras. Esse método, para mim, é mais
democrático, pois muitas crianças chegam ao CA sem conhecer as sílabas,
então algumas ficavam para trás. Agora estão todas com a mesma condição
de aprendizagem”.
Marina, também professora de alfabetização, conta os projetos que a turma
trabalhou durante o ano: “Este ano já trabalhamos os temas: Vidigal, Copa do
Mundo e Folclore. (...) Um dia uma pomba entrou na sala, foi uma comoção tão
grande dos alunos que parei o que estava fazendo e trabalhei as letras da palavra
com eles”.
Pela observação que fiz nas classes de alfabetização, confirmo a afirmação de
todas as professoras, de que em 2006 a alfabetização se deu de maneira mais tranqüila
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
101
e menos angustiante, tanto para elas quanto para os/as alunos/as. Na medida em que
os temas surgiam da demanda dos/as alunos/as, o processo de ensino-apredizagem se
tornou mais significativo para eles. Segundo Laura: “Uma coisa interessante é ouvir
das famílias: vocês estão trabalhando com tal coisa? Pois esse menino quando vê
qualquer coisa relacionada a isso fala que vai levar para a escola, que vai mostrar
para as professoras”.
Testemunhamos também o prazer dessas professoras, a vontade de acertar, de
ir mais longe. Ao longo de toda a observação na Educação Infantil, elas se mostraram
extremamente integradas entre si e o tempo inteiro abertas para explicar o novo
método com desenvoltura.
As características da metodologia desenvolvida são semelhantes às
características da pedagogia diferenciada proposta por Perrenoud. Os projetos são
construídos a partir da demanda dos/as alunos/as e o/a professor/a age como um/a
orientador/a encaminhando de forma que o projeto tome forma, com um
envolvimento ativo de cada aluno/a na construção do conhecimento. Além da
abertura do conteúdo, há também uma variedade de estratégias didáticas, para que
todas as crianças sejam incluídas.
Outro aspecto importante que aparece é a atribuição de mais tempo para as
atividades artísticas. Os/as alunos/as da Educação Infantil participam da oficina de
teatro, e as dramatizações são incluídas tanto nas oficinas de histórias/leitura quanto
nas de linguagem. Além disso, as crianças têm “cineminha” uma vez na semana e
todas as salas da Educação Infantil possuem um aparelho de som, que presenciamos
serem utilizados muitas vezes. Numa das turmas da alfabetização, por exemplo, que
estava trabalhando o tema folclore, a professora utilizou duas músicas de um disco
intitulado Folclore e depois passou uma atividade que tinha por referência as músicas.
Na hora em que ela colocou as músicas, os alunos ficaram felizes e em sua grande
maioria acompanharam cantando juntos e depois foram alegres fazer a atividade.
McLaren (1992), em seu livro “Rituais na escola”, nas recomendações finais
para os professores resssalta que a prática da dramatização deve estar no centro da
prática pedagógica e deve incluir os professores de todas as disciplinas:
“Os estudantes poderiam ser ressuscitados pelo emprego de uma linguagem
não-discursiva e atividades motoramente expressivas, através de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
102
apresentações e representações dramáticas. O teatro espontâneo e as artes
criativas deveriam ser o “miolo” do currículo multidisciplinar” (p. 317).
Uma das estratégias descritas pelas professoras com o objetivo de estimular
os/as alunos/as com dificuldades ocorre nos momentos que a turma se divide. Nas
oficinas (oficina de linguagem; oficina de história e aula de informática), realizadas
em outros espaços, fora da sala de aula e com outras professoras, a turma é sempre
dividida em dois grupos. Segundo Marina, elas tiveram a idéia de dividir a turma
entre crianças com mais facilidade e aquelas com maiores dificuldades. Assim,
enquanto o grupo que tem mais facilidade vai para a oficina, elas podem estimular
individualmente os/as alunos/as com alguma dificuldade. Marina afirma: “Estamos
fazendo esse teste esse ano, ainda vamos ver se dá certo. Mas desse modo podemos
trabalhar com algumas dificuldades específicas de cada aluno”.
Enquanto metade dos alunos foi para a oficina de linguagem, a professora
pediu para que os alunos pegassem uns dos livros na prateleira e lessem. A
professora foi chamando individualmente um a um para lerem para ela. O
interessante é que ela não estava sentada na sua mesa e sim numa das mesas
vazias da sala (Diário de Campo).
Como vimos, existe um esforço constante para estimular os alunos com
maiores dificuldades. Nesse contexto surgem as oficinas, principalmente a oficina de
linguagem. A coordenadora pedagógica afirma que notou que alguns alunos tinham
uma dificuldade muito grande na linguagem e precisavam de um estímulo específico.
Havia crianças que necessitavam do acompanhamento de uma fonoaudióloga. No
entanto, a maioria das famílias não pode pagar um profissional especializado. A
escola procurou, durante um ano, alguém que pudesse dar apoio, ou algum
consultório que quisesse fazer uma parceria. Como não conseguiu nada, resolveu
contratar uma fonoaudióloga com o objetivo de, a partir das oficinas de linguagem,
que são ministradas para o CA, primeira e segunda séries, estimular os/as alunos/as.
Acompanhamos duas classes na oficina de linguagem. Na primeira vez foi
feita a proposta de que o/as alunos/as se dividissem em dois grupos e criassem uma
história juntos a partir de alguns objetos distribuídos pela fonoaudióloga. Após essa
atividade, eles tinham que ler a história em voz alta. Na segunda vez, com uma turma
de segunda série, as crianças estavam ensaiando uma apresentação de teatro para o
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
103
maternal sobre higiene dentária. A fonoaudióloga perguntou para as crianças o que
era importante para a saúde bucal, e, a partir das falas das crianças, escreveu frases
para que cada criança decorasse. Após alguns minutos, ela pediu que as crianças
falassem sua frase em voz alta e na frente. Alguns falaram com muita desenvoltura,
enquanto outras apresentaram maior dificuldade de projetar a voz; ela foi estimulando
e ensinando aos alunos a soltar a voz com mais liberdade.
A oficina de história/leitura se realiza numa sala decorada com um circo, com
panos coloridos no teto, livros e desenhos pendurados em varais de barbante por
todas as paredes da sala e muitas almofadas no chão. Essa oficina é dada pela
professora de teatro da escola. O objetivo é que as crianças se familiarizassem com o
livro de uma maneira divertida. A professora faz a leitura do livro interpretando,
sendo toda a dinâmica muito divertida.
As oficinas são muito positivas na medida em que as crianças aprendem
“brincando”. Sempre que era anunciado que estava na hora de ir para alguma oficina,
todos os/as alunos/as ficavam super animados, batiam palmas, enfim, comemoravam.
Como já mencionamos, essas oficinas são feitas fora do espaço da sala de aula, tendo
por isso um clima mais informal; normalmente os/as alunos/as ficavam sentados/as
no chão ou em almofadas, o que parecia tirar o peso da sala de aula. Nas oficinas, a
arte tem um papel fundamental.
Dentro dessa reorganização pedagógica, a avaliação também sofreu mudanças
significativas. Segundo Sonia, “deu tão certo que do CA passou para a primeira
série, que passou para a segunda”. A avaliação até a segunda série do Ensino
Fundamental passou a se dar tendo por base o portfólio. As professoras constroem um
portfólio mensal de cada criança a partir das observações em sala de aula e,
principalmente, dos trabalhos. No final do semestre as professoras, junto com as
coordenadoras, analisam e comparam os portfólios e preparam um relatório de cada
aluno/a, depois se encontram com as famílias individualmente para mostrar para a
família a evolução, o que foi significativo para criança, o que a criança trabalhou, se
está avançando ou não. Segundo Sonia, esta avaliação é mais democrática e eficaz,
pois,
“se é no formato de perguntas e respostas ele vai bem e, ao mesmo tempo, se
eu peço para a criança escrever eu não tenho como dar uma nota por isso,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
104
mas eu tenho como avaliar o texto dela, eu posso dizer se ela avançou ou não
na escrita. Não podemos dar uma nota para o texto, isso é arbitrário, então o
portfólio não dá uma nota mas dá uma idéia da evolução do aluno. Você tem
três portfólios e observa se a criança foi capaz de organizar as idéias com
clareza, se tem uma certa criatividade, se os erros ortográficos diminuíram ou
não”.
Esta forma de avaliação pode ser considerada avaliação formativa na
perspectiva proposta por Perrenoud, na medida em que não tem como objetivo
classificar os/as alunos/as com notas, mas sim monitorar o processo de aprendizagem
de cada um/a individualmente, colaborando para a própria aprendizagem, no sentido
de que, acompanhando o percurso de cada aluno/a, a professora pode identificar o que
cada um/a aprendeu ou não efetivamente e trabalhar em cima das lacunas que
apresentarem.
Outro ponto positivo da avaliação é a participação das famílias. Segundo as
coordenadoras, elas não tomam nenhuma decisão sozinhas e sim junto com as
famílias. Segundo Ir. Rosa, esse momento é muito importante, já que conversando
com as famílias descobrem-se muitas coisas sobre a vida das crianças, fatos que
podem explicar as formas de cada criança estar na escola. Na maioria das vezes, as
famílias aceitam as sugestões das coordenadoras e professoras; inclusive se for o caso
de refazer a série. Mas Sonia relatou que já aconteceu de a família não querer que o/a
aluno/a repetisse a série, e elas promoveram a criança porém no ano seguinte o/a
aluno/a repetiu. Os encontros de avaliação podem tratar de diferentes questões
pedagógicas.
E, diversas ocasiões (quando as crianças estão entrando no auditório da
escola, no recreio, no corredor) em que estávamos ao lado da Ir. Rosa, ela sempre
comentava alguma coisa de cada aluno/a, pois conhece a família e a vida de cada uma
daquelas crianças. Individualizando o acompanhamento de cada criança junto às
famílias foi possível que a coordenadora conhecesse a vida de cada aluno/a.
Ela me revelou diversas histórias dos/as alunos/as; reconstruiremos uma delas:
“Está vendo aquele menino ali, de cabelo preto e olhos azuis? Ele ajuda a família,
que faz salgado para vender na rua. Ele sempre está com sono e desatento;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
105
conversando com a família descobrimos que ele fica acordado até as três da manhã
ajudando os pais”.
A partir das falas e das observações, é possível afirmar que a mudança
pedagógica não se deu na escola como um todo e não transformou o regimento da
escola, ou seja, não afetou a cultura escolar como um todo. Na Educação Infantil, no
entanto, os conhecimentos e conteúdos trabalhados com a finalidade de
aprendizagem, as práticas e a avaliação foram transformados. O mesmo não pode ser
afirmado em relação ao Ensino Fundamental, em que as mudanças ainda são frágeis e
pouco presentes.
Ainda prevalecem as estratégias tradicionais: aulas expositivas, na maioria das
vezes frontal, professores/as explicando, alunos/as copiando e corrigindo, seguindo à
risca o livro didático e os conteúdos dominantes e considerados “universais”.
Presenciamos algumas atividades em grupo e algumas tarefas mais
significativas, como uma professora que propôs que os/as alunos/as levassem fotos
suas ou das famílias para que mostrassem à turma, narrassem o sucedido e depois
construíssem um texto. Não foi possível observar nenhum tipo de diversificação das
atividades com o objetivo de incluir todos/as os/as alunos/as. No que diz respeito ao
conhecimento, parecia descontextualizado e desinteressante para os alunos. Um dos
exemplos dessa realidade foi registrada no caderno de campo:
Estou observando a sexta série hoje, agora tem dois tempos de História, a
professora veio chamar os alunos para a sala de audiovisual, onde os alunos
assistiram ao filme As missões.Antes de começar o filme, houve muita
bagunça, a professora ameaçando alguns alunos que, como diria McLaren,
estavam no “estado de estudante”
5
, que se não se comportassem e fossem
educados não poderiam assistir ao filme. Após algumas ameaças e trocas de
lugares, a professora simplesmente aperta a tecla play e o filme começa a
passar, sem dar nenhuma explicação e contextualização do filme para os
alunos. Depois de 40 minutos de filme, a professora pára o filme e pergunta
aos alunos se eles estão entendendo; todos falaram que não estavam
entendendo nada; então, neste momento, ela resolveu fazer uma
contextualização do filme. Quando faltavam 5 minutos para os dois tempos
acabarem, a professora disse que não daria tempo de ver o filme todo e
contou o final do filme para a turma e disse que na próxima aula discutiria o
filme com os/as alunos/as.
5
McLaren (1992), refletindo sobre as diferentes formas de interação entre os alunos e destes com o
ambiente no cotidiano escolar, identifica diferentes “estados de interação” e quatro estilos básicos:
estado de “esquina de rua”; “estudante”; “santidade” e “casa”. O estado da “esquina de rua” seria
aquele em que os estudantes se comportam como se estivessem na rua.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
106
Três pessoas afirmaram que a resistência à transformação no Ensino
Fundamental deriva do medo da perda de qualidade. “Elas resistem mais [à
mudança], elas tem medo, medo da perda de qualidade, pois fica diferente do sistema
e da grande maioria das escolas”, revela Maria. Por seu lado, Ir. Rosa afirma: “no
Ensino Fundamental é mais difícil, as professoras resistem mais”.
Sonia, coordenadora pedagógica, que estruturou com as outras coordenadoras
e professoras a mudança metodológica na Educação Infantil, e a partir de agosto de
2006 passou para a coordenação de primeira a quarta série, fez um relato revelador:
“De primeira a quarta é mais difícil, você fala com o professor sobre trabalho
diversificado e ele entende trabalho diversificado como diversos trabalhos e
reage imediatamente. Não dá chance, ele não consegue entender que o
mesmo trabalho pode atingir as diferentes crianças de diferentes maneiras.
Isso deve ser revisto no método de trabalho no Ensino Fundamental, fica essa
coisa formatada, as crianças ficam só respondendo e corrigem com a
professora, mas na realidade não estão dando conta de ensinar a todos. (...)
[Mas para essa mudança acontecer] é necessário mexer no regimento da
escola, na avaliação. Eu estou com esse sonho, agora que o Ensino
Fundamental vai ter 9 anos, acho que é uma boa hora para mexer nisso”.
Além do medo pela perda de qualidade, é importante questionar se esses
professores estão preparados para lidar com a diversidade e as diferenças de
aprendizagem dos/as alunos/as. Como a própria experiência da Educação Infantil
demonstrou, é necessário compromisso sério de estudo, reflexão sobre a prática
pedagógica, assim como conhecer verdadeiramente as crianças, o que supõe um
trabalho sistemático por parte dos agentes educacionais. Permanecer com o discurso
da igualdade, da prática única, “ignorando” as diferenças, é mais fácil, porém só
reforça e amplia as desigualdades socioculturais presentes na sociedade.
Na Educação Infantil se formou um sólido grupo com as professoras que
permaneceram, as novas (a maioria é recém-formada e algumas são do Vidigal) e as
coordenadoras que estão juntas desde a mudança e vêm construindo um projeto
coletivo de transformação pedagógica. O mesmo não pode ser observado no Ensino
Fundamental. A grande maioria dos professores desse segmento leciona na escola faz
pouco tempo e entraram na escola alguns anos após a mudança. As professoras mais
experientes já trabalharam em outras escolas (privadas e públicas); na sua maioria
moram na Zona Sul. Não nos foi possível perceber um projeto coletivo, uma prática
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
107
de reflexão conjunta. Enquanto as professoras da Educação Infantil procuravam
novas estratégias, as professoras do Ensino Fundamental colocavam a
responsabilidade do fracasso nos/as alunos/as, que têm muitas dificuldades, que não
fazem o dever de casa, que não são educados pelas famílias, que estas são ausentes.
Todas as professoras do Ensino Fundamental destacaram que os/as alunos/as
não fazem o dever de casa. “É muito difícil, eles não estudam nada em casa”. No
entanto, sabemos que é necessário introduzir conteúdos que de alguma maneira sejam
mais significativos para os/as alunos/as. Quando estes se sentem sujeitos do
conhecimento, e a aprendizagem se torna significativa, eles “compram” a idéia. É
fundamental também haver uma maior aproximação das famílias, a fim de que,
juntos, professores/as e famílias incentivem os/as alunos/as, buscando estratégias para
envolvê-los.
5.2
Diferentes olhares sobre o outro
Comprovamos a hipótese de Perrenoud, de que não existe uma indiferença
absoluta à diferença. Sempre existe uma certa diferenciação, seja ela involuntária ou
intencional. Constatamos que ninguém é indiferente às diferenças, pode ser até
involuntário, mas a diferenciação sempre está presente.
A partir das observações e das conversas com os/as professores/as, foi
possível evidenciar que as professoras da Educação Infantil diferenciam
intencionalmente, em beneficio das crianças, na medida em que procuram refletir e
diversificar suas práticas e o conteúdo para que o processo de ensino-aprendizagem
se concretize de maneira significativa e inclua todos/as os/as alunos/as.
No Ensino Fundamental, pelo contrário, a diferenciação é essencialmente do
tipo involuntário. Diferencia os/as alunos/as pela subjetividade do/a professor/a; é
possível afirmar que a maioria diferencia negativamente os/as alunos/as “problema”,
voltando sua atenção para aqueles mais comportados e obedientes. Um dos exemplos
desse prática se deu em observação numa turma da terceira série.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
108
“A turma estava dividida em sete grupos de seis pessoas; destes, três não
estavam fazendo a atividade proposta e conversavam sem parar em tom de
voz bem alto sobre outros assuntos. Perguntei para a professora se não seria o
caso de misturar os grupos, ou de vez em quando ela mesma escolher o
grupo, para que os mais agitados da turma não ficassem todos juntos. A
professora me respondeu da seguinte maneira:
Prefiro que eles fiquem juntos, pois eles estão atrapalhando somente entre si,
senão estariam atrapalhando toda a turma. Logo após me dizer isso, a
professora começa a apontar quais são os alunos que trabalham e quais não
querem nada” (Diário de Campo).
Essa fala deixa claro que a professora já tem um olhar negativo sobre esses
alunos/as, assumindo que, se eles não aprendem, é melhor que não atrapalhem os
demais.
As professoras do Ensino Fundamental fizeram muitas reclamações sobre
os/as alunos/as: “que não querem nada”, “que não fazem dever de casa”, “que são
mal educados”. Não houve em nenhum momento o questionamento de por que não se
interessam, se o que está sendo ensinado se relaciona com os interesses dos/as
alunos/as.
A velha prática da ameaça foi utilizada muitas vezes pelos professores: “você
vai fazer a primeira série de novo!”. Presenciamos falas de muitos/as professores/as
nesta perspectiva, como se as ameaças fossem uma maneira de “obrigar” o aluno a
fazer ou participar da atividade. A maioria dos conteúdos que nos foi possível
observar não faziam sentido para os/as alunos/as. Em geral, não eram
contextualizados e trazidos para a realidade deles.
Estereótipos e preconceitos também foram percebidos de maneiras diversas.
Por exemplo:“O problema é que os alunos não querem nada, não prestam atenção e
não estudam nada em casa”.
Segundo uma professora da segunda série que está na escola há 2 anos, como
os alunos têm muitas dificuldades, é necessário que o conteúdo “ande mais devagar”.
Segundo ela:“Claro que também existem alunos excelentes, eu fico com pena de eles
estarem aqui, pois eles poderiam render muito mais em outras escolas, pois aqui
tudo é muito devagar.”
Para outra professora, os/as alunos/as têm muitas dificuldades, pois, além de
não prestarem atenção às aulas, não estudam nada em casa:“Eles não estudam em
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
109
casa porque quando acordam a maioria dos pais já saiu para trabalhar e, além
disso, não há nenhuma cobrança dos pais. Para mim, já é um milagre que eles
aprendam alguma coisa.”
Visões preconceituosas ao contrário também foram evidenciadas. Uma
professora afirmou: “As crianças da escola particular onde eu dava aula antes, são
muito mais mal educadas do que as crianças do morro. Você é obrigada a ouvir
coisas do tipo: meu pai paga seu salário”.
A partir das duas formas de os professores compreenderem os/as alunos/as
propostas por Dayrell, somente como alunos/as ou como sujeitos socioculturais, e das
observações e entrevistas realizadas, podemos concluir que os/as professores/as da
Educação Fundamental, em sua maioria percebem as crianças e adolescentes somente
como alunos/as, na medida em que não manifestaram esforço para conhecer melhor
esses/as alunos/as e suas experiências de vida, assim como a problemática do
contexto em que vivem.
No entanto, na Educação Infantil está mais presente a compreensão dos/as
alunos/as como seres socialmente construídos e, a partir dos projetos de trabalho, são
incluídas experiências socialmente vivenciadas por eles, tornando assim a
aprendizagem mais significativa. Incluem no centro do currículo formas de
conhecimento que fazem parte do cotidiano popular dos/as alunos/as e de suas
famílias. Um dos exemplos desta orientação foi um dos projetos desenvolvidos na
classe de alfabetização cujo tema central foi o Vidigal, contexto tanto da escola como
dos/as alunos/as e suas famílias.
Outro problema observado foi como algumas professoras
6
classificam e
estigmatizam turmas e alunos/as.
Estava observando a primeira série quando a professora da outra turma da
mesma série entrou na sala e foi falar comigo em frente à toda, a turma,
dizendo: “Minha turma é muito mais calma que esta, esta turma é um
hospício.” E logo após falar isso ela virou para uma aluno que estava
conversando e perguntou em tom grosseiro: “Vai querer fazer a primeira
série de novo?” (Diário de Campo. Rio, 22/09/06)
6
Todas essas falas foram proferidas por professoras do Ensino Fundamental.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
110
Em outra turma, a professora, assim que entramos na sala, nos apresentou uma
aluna que “gosta muito de se mostrar”. As outras professoras da terceira série, na
hora de recreio, também me informaram que a turma em que eu estava era a pior.
Os livros de matemática estão sendo distribuídos por duas alunas. Quando a
professora começou a explicar a tarefa, uma aluna de 13 anos (Maira) começa a gritar
que não recebeu seu livro e acusa uma colega (aquela que a professora havia me
apresentado em frente à turma no momento de minha entrada em sala, que chamarei
de Ana) de ter pego o livro emprestado; esta, por sua vez, começa a gritar também,
dizendo que não havia pego o livro e pergunta para outras colegas se não era verdade,
todas dizem que não sabem nada, com um certo ar de ironia. Depois de alguns
minutos de gritos e acusações e xingamentos, a coordenadora entra na sala e retira
Ana para conversarem lá fora. Enquanto isso, Maira, que já havia sido expulsa de
sala na aula de inglês mais cedo, continua xingando a colega, que entra de volta na
sala pela porta de trás e a xinga aos berros e é levada pela coordenadora. Quando a
aula acabou, conversamos um pouco com a coordenadora e a professora sobre o
episódio. As duas afirmaram que Ana é descontrolada e tem sérios problemas (Diário
de Campo. Rio, 27/09/2006).
Algumas vezes, quando estava sendo encaminhada para uma turma, a
coordenadora falava: “temos três turmas: uma mais calminha, outra média e uma
agitadíssima”. Essa classificação, construída a partir das normas e escalas de valores
produzidas pelos agentes, favorece a construção de estereótipos e pode interferir
negativamente no desempenho escolar dos/as alunos/as. Como afirma Dayrell (1996):
“De uma forma ou de outra, a construção dessas auto-imagens interfere, e
muito, no desempenho escolar da turma e do aluno, refletindo também no seu
desempenho social, em outros espaços além da escola. Existe uma dimensão
educativa nas relações sociais vivenciadas no interior da instituição, nesse
processo de produção de imagens e estereótipos que interferem na produção
de subjetividade de cada um dos alunos, de forma positiva ou negativa (...).
Um jovem marcado de “mau aluno”, assumindo ou não o estereótipo tende a
se ver assim e se deixar influenciar por esse rótulo, que se torna um elemento
a mais de produção de sua subjetividade” (p. 154).
Temos consciência de que muitas vezes essas classificações são espontâneas e
involuntárias, entretanto consideramos fundamental problematizar essa prática.
Um exemplo claro dos reflexos dos estereótipos aconteceu quando estávamos
observando a quinta série. O sinal do recreio tocou, estávamos saindo da sala junto
com alguns alunos/as, quando uma aluna travou o seguinte diálogo conosco:
- Você anotou que nós somos mal educados?
- Não! (Espantada)
- Mas devia ter anotado, pois é verdade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
111
Seguiremos as dimensões propostas por Banks como indicativos da prática
educativa na perspectiva multicultural, podemos dizer que as professoras da
Educação Infantil evidenciaram indicadores na perspectiva da integração dos
conteúdos, na medida em que buscam exemplos e conteúdos a partir da cultura dos/as
alunos/as, pois os projetos surgem da demanda deles/as. Um dos exemplos desta
abordagem já foi anteriormente explicitado: na classe de alfabetização, um dos
projetos de trabalho teve como tema o Vidigal. Outro exemplo aparece no
depoimento de Antonia:
“Nunca foi dito assim: ‘você vai fazer assim porque estas crianças não dão
conta’; essa fala nunca houve; pelo contrário, criança é criança, independente da
criança ser rica ou pobre, criança gosta de brincadeiras e toda criança é capaz de
aprender. Mas a gente teve que ir adaptando: por exemplo, na alfabetização,
durante uma atividade, pedíamos para as crianças falarem algumas palavras com
a letra que estávamos trabalhando e vinham palavras que nós não estávamos
acostumadas a ouvir, como birosca, bica. Então fomos buscando palavras que
seriam mais significativas para eles”.
No Ensino Fundamental, em algumas ocasiões os/as professores/as buscavam
exemplos daquilo que estava sendo estudado a partir da vida dos/as alunos/as, mas de
maneira individual e tímida. No conteúdo não observamos nenhuma mudança
significativa.
A segunda dimensão destacada por Banks diz respeito ao processo de
construção do conhecimento e de como ele é influenciado pelos pressupostos
culturais e quadros de referência e a capacidade de os/as professores/as auxiliarem
os/as alunos/as a entender este processo. Não presenciamos nenhum questionamento
sobre a concepção dominante de se entender o conhecimento científico e sua relação
com o conhecimento escolar por parte dos/as professores/as. Muitas vezes ouvimos
esta frase: “os meios que mudaram, mas os objetivos continuam os mesmos”.
Algumas professoras, da Educação Infantil questionaram os conteúdos dos livros
didáticos por terem os conteúdos muito fechados e descontextualizados.
A terceira dimensão que o autor propõe é a pedagogia da eqüidade, que existe
quando os/as professores/as mudam sua forma de ensinar a fim facilitar o
aproveitamento de todos os alunos. Esta prática foi identificada na Educação Infantil
com a inclusão de novas linguagens, tarefas diversificadas e uma mudança na
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
112
avaliação. No Ensino Fundamental até o momento que concluímos o trabalho, essa
prática não tinha sido incorporada.
Redução do preconceito é a quarta dimensão proposta pelo autor. Focaliza as
atitudes em relação a raça e de formas de ensino e materiais didáticos que possam
modificar atitudes e preconceitos. Essa dimensão não foi identificada como uma
preocupação dos/as professores/as, que parecem não ter consciência da questão racial
nas práticas educativas e da importância de trabalhar uma construção positiva das
identidades culturais. Essa temática não emergiu na pesquisa de campo.
A quinta e última dimensão se refere ao empoderamento
7
dos diferentes
grupos presentes nas salas de aula. Na medida em que as professoras da Educação
Infantil, a partir dos projetos de trabalho colocaram a criança no centro do processo
educativo, podemos considerar que a perspectiva do empoderamento está presente.
No entanto, na educação fundamental, não constatamos nenhum tipo de
empoderamento dos diferentes alunos/as. Pelo contrário, presenciamos muitas vezes
preconceitos e estereótipos.
Também é possível afirmar que a hipótese de Banks, de que a preferência está
no ou e não no e, pode ser evidenciada em relação às dimensões propostas no modelo
do autor. É possível concluir que existem alguns indícios da prática multicultural nas
práticas pedagógicas das professoras da Educação Infantil, porém ainda pouco
trabalhados, especialmente no que diz respeito aos aspectos étnico-raciais. Quanto ao
Ensino Fundamental, a postura mais comum é a acrítica: os/as professores/as não
manifestaram consciência clara sobre a problemática das relações entre escola e a
cultura social de referência dos/as alunos/as. A diversidade cultural dos/as alunos/as é
ignorada pela maior parte dos professores.
7
Termo original em inglês: empowerment. Assumimos a perspectiva de Eduardo Vasconcelos, ao
considerar como empoderamento o aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos
e grupos sociais nas suas relações interpessoais e institucionais, especialmente daqueles submetidos a
relações de discriminação e dominação social.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
113
5.3
Violência
A questão da violência não foi nosso foco nesta pesquisa, mas, devido à
localização da escola, é necessário fazer uma observação sobre este tema.
Como já foi dito, a partir da década de 1980, as quadrilhas invadiram as
favelas cariocas levando terror e medo à população local. São facções criminosas que
movimentam milhões de reais na venda de armas e drogas, através das “bocas de
fumo” nas favelas. A conseqüência disso são guerras, conflitos armados entre
traficantes de facções inimigas lutando pelo controle das favelas. Esses conflitos têm
se tornado cada vez mais freqüentes.
Nos últimos anos, pelo menos uma vez ao ano, um conflito desses aconteceu
no Vidigal; o resultado é sempre o mesmo: um enorme número de mortos. Essa
guerra afeta o cotidiano tanto dos moradores da localidade quanto das instituições que
ali funcionam.
No caso do Colégio Stella Maris não é diferente. Quando o conflito está
acontecendo, o clima, a rotina e as regras da escola mudam. Um clima de tensão
permanece no ar o tempo inteiro, muitos alunos/as faltam às aulas nesses dias e
outros/as vão embora mais cedo.
Em uma das semanas da nossa observação, estava ocorrendo um conflito, que
levou para o morro muitos policiais e o carro blindado de ataque da polícia civil,
denominado pela população como “Caveirão”. Devido à localização do Vidigal, que
só tem uma entrada, pela Avenida Niemeryer, todos os policiais ficam na entrada,
com muitos fuzis e metralhadoras em punho, o “Caveirão” estava estacionado a três
metros da porta da escola.
Para sair no Vidigal, ou para ir à escola, todos os moradores têm que passar
por todos esses policiais e carros de polícia, o que os deixa muito temerosos.
“Estávamos sentadas no hall antes das salas da Educação Infantil no horário
de entrada das crianças. Na escada, uma criança chorava copulosamente, com
o pai e Laura; depois de algum tempo de conversa, a criança e o pai foram
embora. Laura nos revelou depois que a criança estava com muito medo de
que seu pai não voltasse para buscá-la na escola, porque alguma coisa
poderia acontecer com ele na volta para casa. Laura achou melhor que ela
voltasse para casa com o pai” (Diário de Campo).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
114
Três professoras afirmaram que, nesses períodos, têm de parar com o
conteúdo pois muitos/as alunos/as faltam às aulas. Além disso, pudemos presenciar
muitas crianças deixando a escola mais cedo com as famílias que, com medo, querem
ir logo para casa.
Uma professora do Ensino Fundamental, nos disse que no ano passado
também havia acontecido um conflito: “houve um dia em que tivemos que ficar na
escola até as 19:00 horas. Não tínhamos como sair com o tiroteio acontecendo,
tivemos que esperar parar”.
Sonia nos diz que essa questão complica também a contratação de novos/as
professores/as; segundo ela muitos têm medo de trabalhar no Stella Maris, devido aos
conflitos armados constantes.
Enfim, a violência atinge a cultura da escola de modo amplo: nos momentos
de conflito a rotina da escola muda profundamente e o clima de tensão toma conta de
alunos/as, famílias e funcionários da escola. Isso foi comprovado pela observação e
também nas falas dos sujeitos; a diretora afirma:“Em momentos como agora, em que
a comunidade está em paz, o clima da escola fica muito melhor. Em tempos de
conflito, o clima da escola também fica tenso. As crianças chegam à escola com
medo.”
Essa questão e seu reflexo na aprendizagem dos alunos merecem ser
estudados de modo mais amplo numa próxima pesquisa.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
115
Considerações finais
Esta pesquisa teve por objetivo compreender o processo de mudança de
clientela do Colégio Stella Maris e as implicações da inserção de estudantes
oriundos do Vidigal na dinâmica da escola, principalmente na prática pedagógica
dos/as professores/as.
Certamente a mudança vivida pela escola foi provocada por fatores
externos e internos: a crescente evasão de alunos/as das classes média e alta, fruto
da localização da escola e dos constantes conflitos armados na localidade do
Vidigal; a grande inadimplência e a opção da Congregação Filhas de Jesus por
priorizar o trabalho com aos pobres.
Embora a congregação tenha tomado a decisão final, esse processo foi
conversado com todas as partes envolvidas e todos tiveram oportunidade de expor
suas questões e observações, sem que fosse excluída nenhuma das partes.
Obviamente, algumas tensões surgiram: algumas pessoas acreditavam que o
ingresso dos alunos/as oriundos do Vidigal deveria se dar aos poucos e não de
uma vez, como ocorreu.
É importante ressaltar que, após a escola comunicar às famílias de classe
média que começaria a dar prioridade à matricula dos alunos do Vidigal,
praticamente todas essas famílias retiraram seus filhos e filhas da escola. Hoje, em
2006, não existe nenhum aluno de classe média na escola; todos são moradores do
Vidigal. Além de considerarem que a relação de seus filhos/as com crianças
moradoras da favela seria prejudicial, esses pais acreditavam que o colégio não
conseguiria manter a mesma qualidade se fosse freqüentado pela classe popular.
A representação e o estereótipo do morador da favela como um ser menor,
inferior, desajustado ou incapaz nascem junto ao surgimento das favelas e
continuaram evoluindo junto com elas até os dias de hoje, estando fortemente
arraigados nas concepções das classes média e alta. A experiência do Colégio
Stella Maris confirma essa triste realidade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
116
O trabalho realizado foi construído a partir das questões presentes na problemática
das relações entre educação e diversidade cultural, temática que vem
progressivamente se afirmando no campo da educação.
Nesta perspectiva, educadores/as e instituições de ensino são convocados a
reestruturar suas práticas educativas, re-significar o currículo, além de incorporar
as diferenças de forma mais positiva nas práticas pedagógicas.
Assumimos a perspectiva de Ana Canen, que afirma:
“desafiar preconceitos, questionar conteúdos e metodologias que
discriminam padrões culturais e preconizam um monoculturalismo
artificial constituem pontos cruciais para a viabilização de uma
perspectiva intercultural crítica na formação de professores” (CANEN,
2003:232).
Como constatamos ao longo do trabalho, a mudança de público não afetou
a prática pedagógica da escola como um todo.
Na Educação Infantil, formou-se um sólido grupo com professoras que
permaneceram e com as novas que ingressaram na escola em 2001, trabalho que
vem sendo construído em conjunto com as coordenadoras, num processo de
reestruturação da dinâmica pedagógica de maneira ampla. O grupo composto por
essas professoras e as coordenadoras da Educação Infantil demonstraram um
sentimento de “pertença” muito forte, num clima de integração e partilha que foi
construído a partir de uma preocupação comum: desenvolver uma metodologia
pedagógica voltada para o sucesso dessa nova clientela.
Nesta perspectiva, identificamos alguns indícios de uma prática
pedagógica multiculturalmente orientada na educação infantil, na medida em que
estava presente a busca da integração de conteúdos, a inclusão de novas
linguagens e estratégias didáticas. Como já foi dito, outras dimensões em relação
às questões étnico-raciais e relativas ao empoderamento dos sujeitos oriundos de
contextos populares devem ser mais aprofundadas e trabalhadas nas práticas
educativas da escola.
No Ensino Fundamental, além da maior resistência dos agentes em alterar
o currículo e a avaliação - o que exigiria introduzir modificações no regimento
interno da escola - notam-se também, um trânsito maior de professores/as e uma
menor sensibilidade ao tema da diversidade cultural.
Embora não seja possível obter indicadores numéricos das mudanças,
pelos depoimentos é possível perceber que, após as mudanças introduzidas na
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
117
prática pedagógica na Educação Infantil, o aprendizado vem se tornando mais
significativo para as crianças. Os projetos desenvolvidos envolvem tanto as
crianças quanto suas famílias.
Se no Educação Fundamental é unânime a reclamação da falta de interesse
dos/as alunos/as, o processo seguido pela Educação Infantil pode oferecer
contribuições à transformação da dinâmica global da escola. Na medida em que
tornamos a aprendizagem mais significativa e relacionada a realidade de cada
aluno/a, os alunos e as alunas evidenciam maior envolvimento com o processo de
ensino-aprendizagem. É importante incluir a vivência dos/as alunos/as na prática
pedagógica, para que essa prática faça sentido para eles/as.
A intencionalidade da escola se insere no horizonte de preocupações
orientadas a promover uma educação de qualidade e democrática para a classe
popular. Retornamos à epigrafe com a qual nos identificamos:
“É na ótica de colaborar na construção de uma educação de qualidade e
verdadeiramente democrática que situamos o nosso horizonte de
preocupações, conscientes dos enormes desafios que a sociedade e a
educação brasileira têm de enfrentar para efetivar este direito
fundamental de toda pessoa humana” (Vera Candau, 2001).
A intencionalidade e as buscas do Centro Educacional e Assistência Social
Stella Maris se inserem nessa ótica, não apenas por ter aberto as portas da escola
para os moradores do Vidigal, mas também porque uma parte da escola
reestruturou de maneira profunda a prática pedagógica a fim de incluir todos/as
os/as alunos/as, “alunos tão distantes da visão idealizada de estudantes que a
escola sempre cultuou” (MOREIRA, 2005:31).
Acreditamos que a transformação pedagógica construída na Educação
Infantil deva ser ampliada para o resto da escola, na medida em que o processo de
construção e reflexão sobre a prática de sala de aula resultou num novo sentido
para a atuação das professoras. A cumplicidade estabelecida em torno de um
projeto construído pelo grupo desafia as professoras a refletir e discutir suas ações
em sala de aula, examinar cuidadosamente suas posições e construir novas formas
de ensinar.
Em relação às diferentes tendências do multiculturalismo, podemos
concluir que essa temática não está explicitamente presente na proposta da escola.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
118
Podemos dizer que a prática pedagógica a escola se situe na perspectiva
assimilacionista, na medida em que pretende integrar os grupos marginalizados à
cultura escolar dominante, sem questioná-la. Não foi possível identificar nenhum
questionamento do caráter monocultural da cultura escolar.
Porém, a Educação Infantil, na medida em que reestrutura o currículo
incorporando temas oriundos do universo sociocultural dos alunos e das alunas,
introduz práticas educativas diversificadas utilizando diferentes linguagens e traz
para o centro do processo de ensino-aprendizagem a experiência vivida dos/as
alunos/as, pode ser considerada como apresentando germes de uma prática
pedagógica multiculturalmente orientada, se bem que consideramos importante
que as questões multiculturais sejam explicitamente introduzidas no processo de
formação continuada das professoras.
Reconhecemos os limites do trabalho realizado, principalmente devido à
nossa condição de pesquisadora iniciante. Acreditamos, no entanto, que a presente
pesquisa possa contribuir para as reflexões em relação ao tema da diversidade
cultural e educação, assim como apresentar uma experiência única, como é o caso
da mudança que vem sendo realizada no Colégio Stella Maris.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
119
Referências Bibliográficas
ANDRÉ, M. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 2005a.
________. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional.
Brasília: Líber Livro, 2005b.
ALVITO, M. A honra de Acari. In: VELHO, G. & ALVITO, M. (Orgs.).
Cidadania e violência. Rio de Janeiro: Editoras: UFRJ e FGV, 2000.
BABBIE, E. Método de pesquisa de survey. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2005.
BARTOLOMÉ PINA, M. Diagnóstico a la escula multicultural.
Barcelona: Cedecs Edit, 1997.
BANKS. J. An introduction to multicultural education. Allyn and
Babcon, 1999.
BARREIROS, C. Dialogando com Peter McLaren: em busca de uma
prática pedagógica multicultural e crítica. In: CANDAU, V. (Org.)
Cultura(s) e educação: Entre o crítico e o pós-crítico. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
BECKER, H. S. Observação Social e Estudos de Caso Sociais. In:
BECKER, H. Método de pesquisa em ciências sociais. São Paulo:
Hucitec, 1999.
BEOZZO, J. O. Decadência e morte, restauração e multiplicação das
ordens e congregações religiosas no Brasil 1870-1930. In: AZZI, R. A
vida religiosa no Brasil. Enfoques históricos. São Paulo: Paulinas,
1983.
BOURDIEU, P. Compreender. In: BOURDIEU. P. (Org.) A miséria do
mundo. Petrópolis: Vozes, 1998.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
120
BRANDÃO, Z. Pesquisa em educação: conversas com pós-
graduandos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002.
BRITO, A. X. & LEONARDOS, A. C. A identidade das pesquisas
qualitativas: a construção de um objeto analítico. In: Cadernos de
Pesquisa, n 113, 7-38, 2001.
BURGOS, M. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas
públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR & ALVITO (Orgs).
Um século de favela. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
CANDAU, V. Cotidiano escolar e cultura(s): encontros e desencontros.
In: CANDAU, V. (Org.) Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2000.
___________. (Org.) Sociedade, Educação e Cultura(s): questões e
propostas. Petrópolis: Vozes, 2002.
__________. (coord) Escola e Cultura(s): desvelando o dia-a-dia ....
(relatório de pesquisa). Departamento de Educação, PUC-Rio/ CNPq,
1998.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir
e escrever. In: OLIVEIRA, R. C. O trabalho antropológico. São Paulo:
Unesp, 1998.
CARVALHO, M. P. Um lugar para o pesquisador na vida cotidiana da
escola. In: ZAGO, N., CARVALHO, M. P. e VILELA, R. A. T. (Orgs.)
Itinerários de pesquisa: Perspectivas qualitativas em sociologia da
Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
CANEN, A. Formação de professores e diversidade cultural. In:
CANDAU, V. (Org.) Magistério construção cotidiana. Petrópolis:
Vozes, 1997.
CAVALCANTI, T. Desejo e poder: o processo de mudança de clientela
de uma escola: da classe média/alta para a classe popular. Monografia,
mimeo, 2003.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
121
DAYRELL. J. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL. J.
(org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1996.
DUARTE, R. Entrevistas em pesquisa qualitativa. PUC-Rio, mimeo, s/d.
ESTEVAN. M. T. Dilemas para uma pesquisadora com o cotidiano. In:
GARCIA, R. L. (org). Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
FORQUIN, J. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do
conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
___________. O currículo entre o relativismo e o universalismo:
dialogando com Jean Claude Forquin. In: Dossiê “Políticas Curriculares
e Decisões Epistemológicas”. Educação e Sociedade, n 73, ano 21,
1998.
GEERTZ. C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
HELLER, A.
Estrutura da vida cotidiana. In: O cotidiano e a história.
São Paulo: Paz e Terra, 2004.
____________. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Península,
1977.
LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MALINOWSKI. B. Objetivo, método, e alcance da pesquisa. In:
Desvendando as mascaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1975.
MARINS, P. C. G. Habitação e Vizinhança: limites da privacidade no
surgimento das metrópoles brasileiras. In: SEVCENKO, N. (Org.).
História da vida privada no Brasil, vol. 3. Rio de Janeiro: Cia das
Letras, 2006.
MCLAREN, P. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
122
____________. Multiculturalismo revolucionário – Pedagogia do
dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
____________. Rituais na escola. Petrópolis: Vozes, 1992.
MOREIRA, A. F. O estranho em nossas escolas: desafios para o que se
ensina e o que se aprende. In: GARCIA, R. L., ZACCUR, E.,
GIAMBIAGI, I. (Orgs.) Cotidiano: diálogos sobre diálogos. Rio de
Janeiro: DP&A, 2005.
OLIVEIRA, C. Diga-me com quem andas e eu direi quem és: A escolha
da escola como estratégia de distinção. Dissertação de mestrado de
Educação, PUC-Rio, 2005.
PÉREZ GOMÉZ. La cultura escolar en la sociedad posmoderna. In:
Cuadernos de Pedagogía, Barcelona, nov. 1993
PERLMAN, J. E. O mito da marginalidade: Favelas e política no Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
PERRENOUD. P. Pegagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
_______________. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar.
Porto: Porto Editora, 1995.
_______________. Construir competências desde a escola. Porto
Alegre: Artmed, 1999.
SARMENTO, M. J. O estudo de caso etnográfico em educação. In:
ZAGO, N., CARVALHO, M. P. e VILELA, R. A. T. (Orgs.) Itinerários
de pesquisa: Perspectivas qualitativas em sociologia da Educação.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
TURA, M. L. R. A observação do cotidiano escolar. In: ZAGO, N.,
CARVALHO, M. P. e VILELA, R. A. T. (Orgs.) Itinerários de
pesquisa: Perspectivas qualitativas em sociologia da Educação. Rio
de Janeiro: DP&A, 2003.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
123
VALLADARES, L. A gênese da favela carioca: A produção anterior às
ciências sociais. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2000, n 44.
WOODS, P. Investigar a arte de ensinar. Porto: Porto Editora, 1999.
ZALUAR, A. e ALVITO, M. (Orgs). Introdução. In: Um século de
Favela. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2003.
Sites consultados:
www.favelamemoria.com.br
www.hirasdejesus.org
www.seias.com.br
www.portalgeorio.com.br
www.stellamaris-rj.com.br
www.riobodycount.com.br
www.rio.rj.gov.br/ipp
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
124
ANEXO
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
125
Roteiro das entrevistas:
Primeiro momento:
Pedir para o/a entrevistado/a falar sobre sua experiência profissional e
particularmente sobre a trajetória no Stella Maris.
Segundo momento: a entrevista
1 – Nível Institucional
1.1. Como você vê o processo de mudança nesta escola? Que
expectativas havia em relação à implementação da proposta? Os
resultados responderam a estas expectativas? Em que sentido sim e
em que não? Quais foram os principais desafios? O que lhe parece
mais forte e mais significativo? Como se deu essa renovação
pedagógica? Houve conflitos? Quais? Todos estavam de acordo?
Houve uma progressiva construção de confluências? Como?
1.2 Quais foram os principais impactos sobre a dinâmica da escola?
Houve alguma repercussão no Projeto-Político Pedagógico da
Escola? Você lembra de algum momento ou acontecimento
significativo?
1.3 No que diz respeito aos alunos: Houve evasão dos alunos antigos?
Saíram em bloco ou em um determinado momento? Qual? A que você
atribui essa evasão? E os novos? Foram se incorporando
progressivamente? Em um determinado momento com mais força? A
que você atribui essa opção? Como você caracterizaria hoje os alunos
da escola?
1.4 E a realidade da escola como um todo, como é no momento atual?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
126
2- Aspectos pedagógicos
2.1 E do ponto de vista pedagógico, a mudança provocou alguma
transformação? Quais? Quais as principais no plano curricular? Na
dinâmica das salas de aula? Nas estratégias didáticas?
2.2 Como foi esse processo de mudança? Que participação teve o
conjunto de professores? Que referências teóricas ou prática foram
enfatizadas? Quais os principais desafios enfrentados? Há
intercâmbio com outras escolas? Em que sentido?
2.3 Os professores que já trabalhavam na escola permaneceram ou
saíram? Houve novas contratações? O que provocou ou motivou este
trânsito? Como é hoje a proporção entre professores antigos e novos?
2.4 Como se dá hoje o trabalho pedagógico conjunto dos
professores? Há reuniões de aprofundamento pedagógico? Se sim,
quais os temas mais enfatizados?
2.5 Que mudanças nas práticas pedagógicas têm sido mais
significativas? Que levou a introduzir a metodologia de projetos de
trabalho? Qual é a situação atual dessa prática?
2.6 Como são as relações entre os/as alunos/as? E com os/as
professores/as? Existem comportamentos e atitudes de discriminação
ou preconceito na dinâmica escolar? Como se manifestam?
2.7 Em relação ao contexto e experiência social e cultural dos alunos,
como você caracterizaria hoje? Que desafios apresentam? E
possibilidades? Como estes aspectos são trabalhados?
2.8 Os conteúdos escolares foram afetados pela nova realidade? Em
quê?
2.9 Quais os principais dispositivos pedagógicos mobilizados pelos/as
professores/as diante da nova realidade?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
127
3. Relação com as famílias (antigas e “novas”) e a comunidade:
3.1 No momento em que foi comunicada às famílias de classe média/alta
sobre a mudança que iria acontecer na escola, como elas reagiram? E
os alunos?
3.2 Como foi a participação das famílias (antigas e novas) em todo o
processo? Como são hoje essas relações? Que estratégias são
utilizadas?
3.3 Como você vê a relação entre a cultura escolar e as culturas sociais
das famílias? Em que se aproximam e em que diferenciam? Existem
conflitos? Enriquecimentos mútuos? Em que sentido? Quais os
principais desafios?
3.4 Existe alguma relação da escola com o Vidigal em geral? Em que
aspectos? Quais as principais dificuldades?
3.5 A questão do tráfico tem impacto na dinâmica escolar? Como?
3.6 Você gostaria de acrescentar alguma coisa mais?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510432/CA
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo