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ANEXO 2 – PREFÁCIO DO LIVRO DE OLDACK MIRANDA E EMILIANO JOSÉ –
LAMARCA O CAPITÃO DA GUERRILHA – ESCRITO POR RAIMUNDO JOSÉ
“Os jornalistas brasileiros têm ajudado a contar a história recente do país através de vários
livros. São reportagens e pesquisas que a imprensa não pôde ou não quis fazer na época: a
Guerrilha do Araguaia, a Tortura, O projeto Jari, de Fernando Portela, Antônio Carlos Fon,
Sérgio Buarque, Palmério Vasconcelos, Jaime Sautchuk e outros. O livro de Emiliano e
Oldack, um desses documentos de nossa história, acrescenta aos esforços anteriores mais do
que um perfil político do capitão Lamarca: revela também a intensa emoção, o amor e a
tragédia da vida de alguns revolucionários desse período; e inclui também uma narrativa
precisa e dramática do horror desses anos de repressão sangüinária.”
O livro permite uma reflexão amarga sobre a imprensa de nossos dias. A certa altura, numa
entrevista que nunca saiu, nem sairia na imprensa legal da época, Lamarca diz que ‘a
imprensa é dominada pelo capital americano; o que ficava de dignidade foi varrido pela
pressão econômica. O regime de semi-escravidão do Nordeste brasileiro está sendo
institucionalizado pelo governo e a imprensa aplaude, mostrando o grau de indignidade
moral a que chegou’.
Lamarca exagera nesse juízo. Restava muita dignidade dentro das redações dos jornais
brasileiros da época. Mas o erro não é essencial: a direção das grandes empresas
jornalísticas, que dá o tom e o conteúdo geral das publicações que dominam o mercado de
informações, fez o que pôde para omitir ou ocultar a vida trágica daqueles anos, exatamente
por seu compromisso com o regime militar implantado para servir os monopólios e
latifundiários, especialmente os estrangeiros.
Mesmo os jornalistas empenhados em divulgar a verdade não tinham sequer, às vezes, como
se aproximar dos fatos. Na época dos acontecimentos relatados por Oldack e Emiliano, eu fui
editor de política da revista Veja. E, mesmo tendo escrito várias vezes sobre a ‘guerrilha
urbana’, e mesmo tendo feito esforços para revelar as torturas junto com os companheiros da
revista, ao ler hoje Lamarca, o Capitão da Guerrilha, me surpreendo com a fibra, o
heroísmo, o amor à Pátria, à revolução, e mesmo os muitos acertos e descobertas políticas
dos grupos armados daquele período. Mais do que o isolamento político dos revolucionários,
foi o terror oficial, a intimidação, a pressão econômica, a guerra psicológica que envenenava
o país a partir dos porões da tortura que nos levavam a uma admiração descrete e passiva
pelos que, mesmo em seus erros, enobreceram o espírito do povo brasileiro, reafirmaram a
sua disposição de dar a vida por liberdade e justiça.
Emiliano e Oldack provam, com sua obra, a qualidade do jornalismo de partido. É uma
história que inclui fatos centrais para a compreensão dos graves erros políticos dos
guerrilheiros, mas é, ao mesmo tempo, uma história contada por quem está ao lado dos que
combateram o fascismo. É o jornalismo dos que têm posição, sem ter uma seita, tão vigoroso,
tão denso e tão real como jamais poderá ser o jornalismo dos escritores de aluguel, tão ao
gosto dos patrões de hoje, eternamente perdidos no seu esforço de equilibrar os dois lados
quando um é a morte, o rastro de sangue, a tortura, a corrupção e a mordomia e o outro é o
futuro, a esperança, o sofrimento, o grito de liberdade.
É um esforço jornalístico, histórico e político. Faz sentir orgulho da nossa profissão, do seu
alcance e suas limitações. Ajuda na educação e na elevação do nível de consciência política
do povo. Mostra como o jornalista ajuda também a escrever a história quando compreende
as limitações objetivas do seu trabalho, o tempo curto e o espaço limitado que
desaconselham o preconceito, o doutrinarismo, o perfeccionismo, o intelectualismo e
recomendam o espírito de crítica, de pesquisa, da urgência da luta e da realidade.