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Capa: A capa utilizada na tese traz como tema a cidade produzida pelos
movimentos sociais urbanos. A imagem corresponde a um mapa de João Pessoa
aonde se observa a construção de uma casa (moradia) por um homem o qual
representa a figura dos movimentos sociais urbanos (MNLM, MLB e NDV) como
sujeitos sociais. Sendo apresentado apenas em sombra como forma de representar
a falta de um reconhecimento de sua importância na produção do espaço urbano. A
parede em tijolos aparentes, na qual se observa alguns buracos demonstrando a
precariedade das condições de construção, representa o principal objetivo dos
movimentos urbanos: a produção do território da moradia. A pichação dos nomes
dos movimentos representa a necessidade constante que eles têm de denunciar a
falta de reconhecimento do seu papel enquanto ator social, com destaque para uma
das principais frases utilizadas pelos movimentos: ocupar, resistir pra morar. Ao
centro, em forma de concreto, a imagem da mata do buraquinho que representa o
processo de urbanização acelerada da cidade estando ao fundo a própria estrutura
urbana da cidade de forma a conceber que a produção do espaço da moradia
corresponde à produção do espaço urbano. Isso é reforçado na frase escrita no
cavalete posto em primeiro plano na parte inferior esquerdo cuja frase posta (nós
também somos autores dessa obra), expressa por um dos coordenadores dos
movimentos, ratifica o interesse desses atores sociais em participar do processo de
ordenamento do espaço urbano.
(Texto e desenho: Souza Júnior, X. S. S. de.).
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UNIVERSIDADEDEESTADUALPAULISTA
FACULDADEDECIÊNCIASETECNOLOGIA
CampusdePresidentePrudente
APARTICIPAÇÃO
DOSMOVIMENTOSSOCIAISURBANOS
NAPRODUÇÃODOESPAÇO
DEJOÃOPESSOAPB
XistoSerafimdeSantanadeSouzaJúnior
Orientador:Prof.Dr.EliseuSavérioSposito
Tese de Doutorado elaborada junto ao
Programa de Pósgraduação em Geografia, na
Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, campus de
PresidentePrudenteSP,paraobtençãodotítulo
dedoutor emGeografia naárea de
concentraçãoproduçãodoespaçogeográfico.
PresidentePrudente
2008
Souza Júnior, Xisto Serafim de Santana de.
S715p A Participação dos movimentos sociais urbanos na produção do
espaço de João Pessoa-PB / Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior.
- Presidente Prudente : [s.n], 2008
xiii, 341 f.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia
Orientador: Eliseu Savério Sposito
Banca: Bernardo Mançano Fernandes (UNESP), Arthur Magon
Whitacker (UNESP), Beatriz Ribeiro Soares (UFU) e Doralice Sátyro
Maio (UFPB)
Inclui bibliografia
1. Movimento Social Urbano. 2. Produção do espaço. 3. apropriação
espacial. I. Autor. II. Título. III.
Presidente Prudente - Faculdade de
Ciências e Tecnologia.
CDD(18.ed.) 910
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da
Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus
de Presidente Prudente.
ʺUm sonho que se sonha
é um sonho que se sonha só,
mas sonho que se sonha junto
érealidade.ʺ
MNLM,
citandoumpensamentodeRaulSeixas
Dedico este trabalho a minha querida e
amada esposa Priscila por tudo que ela vem
representandonaminhavidaeaosmeuspais
e meus irmãos que sempre acreditaram em
mim.
AGRADECIMENTOS
A minha consciência tem milhares de vozes/
Cada voz traz-me milhares de histórias, / E
de cada história sou o vilão condenado.
Willian Shakespeare.
Quando iniciamos o doutorado e estabelecemos os primeiros contatos com as pessoas que
passam a compartilhar, a partir daquele momento, uma nova fase da nossa vida pessoal e
acadêmica é comum ouvir, nas diversas conversas de bastidores, o grande desafio que se
constitui fazer uma tese. Terminado o curso e vencidas
a maior parte das batalhas
percebemos que o grande desafio é escrever os nossos agradecimentos às pessoas e
instituições que durante esses quatro anos fizeram, de fato, a diferença uma vez que um
trabalhoacadêmicoésempreumaproduçãocoletiva.
Foramquatroanosdeexperiênciasinovadoras.Nessetempo,poliminha
estupidez,aprendi
novos truques, conheci pessoas novas, reencontrei com outras e estabeleci laços que
ultrapassarãoasbarreirasdotempocronológico.Tambémerreieaprendiapedirdesculpas,
mas também fiz as coisas piorarem e perdi amizades. Aprendi no convívio coletivo a
esquecer a conjugação na primeira pessoa e professar mais a
luta pelo coletivo. Chegou,
então, o momento de agradecer a essas pessoas, que tiveram a paciência de conviver com
minhasangústias,temoresedecepções,mastambémcomaminhaamizade,apoioesonhos,
eàsinstituiçõesquemeforneceramascondiçõesdesuperar asdificuldadesencontradasao
longodessetempo.
Comoumbomcristão,o primeiroemais importanteagradecimento éparaDeusque, além
de me conceber a graça de fazer o doutorado, tem providenciado as condições necessárias
para que eu possa concluílo através da superação dos problemas e do fornecimento da
inspiraçãonecessáriaparaodesenvolvimentodatese.
RogoaDeusparacontinuarsendofiel
aos compromissos assumidos e para continuar desenvolvendo trabalhos voltados para
beneficiar a sociedade, principal fomentadora de minha formação, e contribuir com o
desenvolvimentodaGeografia,ciênciaqueescolhienquantoprojetodevidaprofissional.
Ao professorEliseuSposito segueumagradecimento especialporter
aceitadoodesafiode
orientarme no desenvolvimento de uma pesquisa cujo tema não faz parte do rol de
trabalhos que vem desenvolvendo ao longo do tempo, apesar de ter conseguido fazer isso
com maestria. A postura ética (profissional e pessoal) destacase entre outras tantas
qualidadesque aolongode
três anosem quefiqueisobsuaorientação, aprendiaobservar,
respeitareaprender,paraumdiapoderigualmenterepassar.Assim,aúnicacoisaqueposso
dizeré:obrigadoporteracreditado.
Segue também o meu agradecimento ao CNPq, cujo apoio financeiro viabilizou o
desenvolvimento da pesquisa ajudandome a
superar a distância espacial entre a
necessidade de conviver o cotidiano da Universidade e a importância de manter o contato
comosmovimentossociais,fornecendoigualmentecondições paraparticipaçãoemeventos
edivulgaçãodosresultadosobtidos.Damesmaforma,estendoosmeusagradecimentosaos
membrosdoGAsPERR,grupo noqualestive
vinculadoporquasetrêsanoseondeaprendi
muito através dos eventos, reuniões, colóquios ou, simplesmente, nas conversas informais
comoscolegasdagraduação,pósgraduaçãoeprofessores.
Aproveito também para externar os meus agradecimentos aos docentes da UNESP pelo
apoioeestímulo,emespecialaosprofessoresArthurWhitackereBernardoFernandes(pelas
contribuiçõesduranteoexamedequalificaçãoeconversasquecertamenteinfluenciaramna
elaboração da pesquisa e na minha própria qualificação como profissional). Gostaria de
registrartambémosmeusagradecimentosaosprofessoresJoãoLima,JoãoOsvaldoeTadeu
Tomaselli, pelas conversas nos “bastidores” e pelo constante incentivo às atividades que
desempenhei na UNESP. Agradeç o também aos professores
Raul Guimarães, Eda Góes e
Maria Sposito (Carminha), pela ajuda e incentivos fornecidos durante este período de
vínculo ao programa e a professora Claudemira pelo laço de amizade que felizmente
fortalecemos.Atodos,eudesejopodercontin uar fazendojusàconfiançaemminhapessoa.
Aproveito,igualmente,paraagradeceraIvonetee
Márcia(secretáriasdapósgraduação)ea
Lúcia,secretáriadodepartamento,portodaajuda quemefoifornecida.
Nesse tempo pude fortalecer, também, laços de amizades com professores de outras
instituições.Emespecial,deixomeusagradecimentosaDoraliceMaia(UFPB),BeatrizSoares
(UFU), Edvânia Gomes (UFPE) e Beatriz Pontes (UFRN), pelo incentivo. De forma muito
especial,agradeçoaoprofessorMarceloLopesdeSouza(UFRJ)pelaajudaconcedidaatravés
das diversas trocas de emails. As observaçõe s e críticas foram importantes para o meu
amadurecimento acadêmico.Atestoigualmenteo meu agradecimento especial ao professor
José Borzacchiello (UFC) pelo apoio teórico que foi
fundamental na pesquisa, além dos
incentivos e atenção durantes os diversos momentos que pudemos nos encontrar entre um
eventoeoutro.
Agradeçotambémaosmeuscolegasdapósgraduaçãoportodooapoiofornecidoecomos
quaistiveaoportunidadedecompartilharmomentosagradáveistantonoconvíviocotidiano
da
Universidade quanto nas diversas confraternizações. Foram tantos os contatos que,
fatalmente, esquecerei de mencionar alguns. Deixo registrado o meu muito obrigado a
Carlos Loboda, Ana Goiana, Anderson, Jânio, Atamis, Karla, Valéria, Sampaio, Fernanda,
Leandro,Adriano,Kedma, Márcio,Elaine,Erika, Bruna,Beatriz,Luciano, Marcelino,Silvia,
Erica, Edilson, Denise, Ademir (Terra), Cláudia, Fernando,
Lucilene, Floripes, Jean, Odair,
Oséias, Adriano, André, Hélio, Laíz, Marquian a, Umberto Alexandre, Ana Lúcia, Camila,
Girardi, Eraldo, Vitor, Maria, Lima, Sérgio (duas unhas), Paula e Valéria por terem
compartilhado tantos momentos bons durante esta jornada. Deixo um agradecimento
especial a Elias, Igor e Oscar González por todo o apoio fornecido,
especialmente nos
diversosmomentosemquenecessiteidoapoioparaelabora çãodetextosemoutrosidiomas.
Peçoigualm ente desculpasporeventuaiscontratemposprovocadospelostressdosafazeres
nodoutorado.
Aos mantenedores das Faculdades Integradas de Patos, por terem autorizado o meu
afastamento temporário e aos amigos e colegas de profissão, especialmente
os do curso de
Geografia, deixo registrado os meus agradecimentos. Não poderia deixar de fazer uma
mençãoespecialaVilmaUrquiza,MariaDaPaz,AretuzaMeloeAlanaMelo, portodoapoio
fornecido.
Manifesto também os meus agradecimentos à Prefeitura de João Pessoa, em especial aos
profissionaisdas secretariasdeplanejamento,infraestruturaetransparênciapúblicadentre
os quais destaco as pessoas de Perla, Darlene, Edgar, Ronaldo e Niedja, por todo apoio
fornecidoparaobtençãodasinformaçõessobreodesenvolvimentourbanodeJoãoPessoa.
Aos amigos dos movimentos sociais (MNLM, CMP, MLB, NDV), a quem tive a honra de
conhecere admirarpelo trabalhosocialprestado,principalmente àpopulação maiscarente,
gostaria de deixar registrado um agradecimento especial. Espero que o conteúdo da tese
possa ser utilizado como ferramenta nesta árdua missão que é
a luta pela conquista da
reforma urbana.Como não posso nomear um por um, conforme acordado na carta de
consentimento deixo registrado um agradecimento especial a todos os coordenadores que
estiveramàfrentedosmovimentosentreos anosde2004e2006.
Échegadoentão omomentode agradeceràquelas pessoas
quecompartilham nãoapenaso
ladoprofissional,mastambémoafetivo.
Deixoummuito obrigadoaos amigosque sempreestiveramaomeulado,emboraalgunsà
distância, dando o apoio moral para que pudesse seguir em frente, entre os quais destaco:
Cristiane, Marisa, Manuel, Edinilza, Clélio, Lenilton, Dário, Carlos Lima,
Dirce, Armando,
Alvina, Edma, Valéria de Marcos e José Carlos. Fica ainda um agradecimento especial a
DonaLeunoreEuniceportermerecebidoemsuacasanoiníciododoutoradoedesdeentão
teremdesenvolvidoumlaçodeafetividadetantocomigocomocomminhaesposa.
Umagradecimentoespecialaosmeus
pais,porteremsempreacreditadoemmimeteremme
apoiado(financeiraeemocionalmente)nos“temposdasvacasmagras”:operíodoqueestive
sembolsa.Estendoesteagradecimentoaoapoioconstantedosmeusirmãos(Gúbio,Patrícia
eAndré),daminhaqueridacunhada(Daniele)edaminhairmãdecoração(Leide)
eaoseu
esposo(Marcelo)efilho(Yuri),assimcomoatodososdemais familiaresquepormotivode
espaçonãopoderianomearumporum.Dapartedafamíliademinhaesposa,agradeçopelo
apoioda minhaqueridasogra (DonaLúcia), aomeusogroRuyDuarte(emmemória)eaos
meus cunhados Michele e Eduardo por estarem sempre ao meu lado. A todos o meu mais
sinceroObrigado.
Finalmente,comonãopoderiadeixardeser,deixoumagradecimentomaisdoqueespeciala
minha querida esposa Martha Priscila que foi colocada cuidadosamente por Deus para
compartilhar,todososdias,as
minhasalegriaseangústias,mefornecendoaforçanecessária
para seguir em frente. Quantos desafios superados? Quantas incertezas transformadas em
fatos concretos? Obrigado por você ter me incentivado a vir fazer o doutorado e, de forma
aindamaisespecial,portermeacompanhandodurantetodosospercurs os.Atuacompanhia
fez
esemprefaráadiferença.Obrigadoportudoeesperosemprepoderretribuir.
Paraosamigos,colegas,instituições,etc.,queporesquecimentomomentâneonãomencionei
nessesagradecimentos,deixoregistradaasminhasdesculpasnaesperança deumdiapoder
meredimir.
Atenciosamente,
Xisto Souza Júnior
RESUMO
Os arranjos socioespaciais que constituem a realidade urbana das cidades
brasileiras vêm sendo influenciado, especialmente nas últimas três décadas, por
uma participação constante de segmentos da sociedade civil organizada, entre os
quais se destacam os movimentos sociais urbanos (MSUs) pela importância que
vem assumindo ao atuarem diretamente no espaço a partir da produção do território,
(conquista da moradia). O texto ora apresentado busca, assim, analisar a influência
desses atores na produção social do espaço urbano, a qual se expressa na luta pelo
direito à cidade. Subdividido em cinco capítulos, o texto corresponde à formação dos
fundamentos que sustentam os processos responsáveis pelo surgimento desses
atores sociais e suas relações com os fatores de formação da cidade. Para isso,
selecionamos como recorte territorial a cidade de João Pessoa (PB) pelo fato dos
MSUs presentes na cidade ainda estarem em processo de consolidação, ao
contrário da realidade encontrada em outras metrópoles brasileiras. A pesquisa está
estruturada a partir da análise dos discursos dos atores sociais estudados (MNLM,
MLB, CMP e NDV) a cerca de temas como a produção do espaço e o futuro da
cidade, sendo os resultados relacionados à análise da influência desses atores no
processo organização do espaço.
Palavras-chave: Movimentos sociais urbanos; produção do espaço, território
ABSTRACT
The socio-spatial arrangements that constitute the urban reality of Brazilian cities
have been influenced by a constant participation of sectors of the organised civil
society, especially in the last three decades. Amongst them, the urban social
movements (USMs) can be highlighted because of the importance they have
assumed by acting directly in space through the production of territory (housing
conquest). Therefore, the text presented here aims to analyse the influence of these
agents in the social production of the urban space that is revealed by the struggle for
the right to city. The text is divided in five chapters and presents the formation of the
basis that sustains the processes which are responsible for both appearing of these
agents and their relations with the factors that shape the city. To achieve this aim, the
city of João Pessoa (PB) was selected as the territorial basis of the analysis
because, in this city, the USMs are still in process of consolidation, differently from
other Brazilian metropolises realities. The research is framed through the speech
analysis of the social agents studied (MNLM, MLB, CMP, NDV) in order to find out
about themes just as production of space and the future of the cities. The results of
that analysis are related to the influence of these agents in the space production
process.
Key-words: Social urban movements; production of space; territory.
RESÚMEN
Los arreglos socio-espaciales que constituyen la realidad urbana de las ciudades
brasileñas han venido siendo influenciados, especialmente en el transcurso de las
últimas tres décadas, por una participación constante de segmentos de la sociedad
civil organizada, entre los cuales destacan los movimientos sociales urbanos (MSUs)
por la importancia que han venido cobrando al actuar directamente en el espacio a
partir de la producción del territorio, (conquista de la vivienda). El texto que ahora se
presenta persigue, así, analizar la influencia de esos actores en la producción social
del espacio urbano, la cual se expresa en la lucha por el derecho a la ciudad.
Subdividido en cinco capítulos, el texto corresponde a la formación de los
fundamentos que sustentan los procesos responsables por el surgimiento de esos
actores sociales y sus relaciones con los factores de formación de la ciudad. Para
ello seleccionamos, como recorte territorial, a la ciudad de João Pessoa (PB), por el
hecho de que los MSUs presentes en dicha ciudad aún están en proceso de
consolidación, en contrario de la realidad encontrada en otras metrópolis brasileñas.
La investigación está estructurada a partir del análisis de los discursos de los actores
sociales estudiados (MNLM, MLB, CMP y NDV) sobre temas como la producción del
espacio y el futuro de la ciudad; estando los resultados relacionados con el análisis
de la influencia de esos actores en el proceso de organización del espacio.
Palabras clave: Movimientos sociales urbanos; producción del espacio; territorio.
i
SUMÁRIO
Índice....................................................................................................................................................
ii
Listademapas,figurasequadros....................................................................................................
iii
Listadetabelasefotos.......................................................................................................................
iv
Listadeapêndiceseanexo................................................................................................................
v
ListadeSiglas......................................................................................................................................
v
Introdução............................................................................................................................................
01
Capítulo1.............................................................................................................................................
09
Capítulo2.............................................................................................................................................
41
Capítulo3.............................................................................................................................................
100
Capítulo4.............................................................................................................................................
156
Capítulo5.............................................................................................................................................
219
Consideraçõesfinais.........................................................................................................................
292
Bibliografia...................................................................................................................
........................
298
Apêndices............................................................................................................................................
305
Anexos..................................................................................................................................................
331
MemorialDescritivo...........................................................................................................................
337
ii
ÍNDICE
Introdução..............................................................................................................................
1
1
TrajetórianaconstruçãoepercepçãodosMovimentosSociaisUrbanoscomo
atoressociais...................................................................................................................
9
1.1 Ométodoqualitativoaplicadoaoestudodageografia.................................................................
12
1.1.1 Aplicaçãodométodoqualitativonoestudodosmovimentossociaisurbanos....................
27
1.2 Introduçãoàtese:elementosestruturantes....................................................................................
35
2
Da criação do território à produção do espaço urbano: uma perspectiva
geográfica.........................................................................................................................
41
2.1 A produção do espaço na apropriação do território: em busca do eixo
norteador..............................................................................................................................................
49
2.2 Desvendando os mitos para descobrir as “máscaras”: a configuração territorial em
contexto.................................................................................................................................................
60
2.3 Quemsãoessesnovos“atores”sociais?..........................................................................................
72
3 ElementosdaformaçãosocioespacialdacidadedeJoãoPessoa..........................
100
3.1 Fatores da formação do espaço urbano de João Pessoa: em busca de uma
identidade.............................................................................................................................................
105
3.2 Planejamento e gestão: o que está por trás dessas concepções na apropriação do
espaço?..................................................................................................................................................
123
3.3 OslimitesdodesenvolvimentourbanodeJoãoPessoa:paraqueméodiscurso?...................
146
4
Espaço construído e espaço em construção: os limites impostos pelas
contradiçõesnaproduçãodoespaçourbanodeJoãoPessoa(19702000)...........
156
4.1 Asidasevindasdousodoplanejamentonapolíticadeordenamentourbano:daatuação
dopoderpúblicoaosurgimentodenovosatoressociais............................................................
160
4.2 planejamentourbanoemJoãoPessoa:asdiversasfacesdeumaideologia..............................
175
4.3 ApolíticaurbanadeJoãoPessoa:quandonovosatores“roubam”acena................................
190
4.4 Asnovasconfiguraçõesterritoriaiseasaçõesdosatoressociais...............................................
202
5
Dequeme paraqueméacidade?àproduçãodoespaçonaperspectivados
MSUs................................................................................................................................
219
5.1 OsmovimentossociaisurbanosdeJoãoPessoa............................................................................
232
5.2 Um olhar geográfico sobre a atuação dos movimentos sociais urbanos na produção do
espaçourbanodeJoãoPessoa..........................................................................................................
267
5.3 Aproduçãodacidadeapartirdodiscurso....................................................................................
274
5.4 Desafiosaoestudodosmovimentossociaisurbanos...................................................................
287
Consideraçõesfinais...........................................................................................................
292
Bibliografia...........................................................................................................................
298
iii
MAPAS
01 Distribuiçãoocupacional............................................................................................ 115
02 PrincipaiscorredoresdeacessoaolitoraldeJoãoPessoa..................................... 117
03 Principaisconjuntoshabitacionais(19601980)....................................................... 132
04 Empreendimentosurbanosnolitoral....................................................................... 151
05 EvoluçãourbanadeJoãoPessoa............................................................................... 205
06 AglomeradosSubnormais.......................................................................................... 209
07 BairrosondeosMSUsatuaram............................................................................. 213
08 Zoneamentourbanoe
divisãoregionalporRPA...................................................
216
09 Distribuiçãoespacialdosdomicíliosparticularesporsituaçãoderenda........... 235
FIGURAS
01 LocalizaçãodacidadedeJoãoPessoa...................................................................... 3
02 Relaçãoentreosatoressociais:odebatesobrea produçãodoterritório............ 64
03 Relaçãoentreosatoressociais:odebatesobrea apropriaçãodoterritório........ 65
04 Organizaçãoesquemáticadosmovimentossociais:produçãoxapropriação 75
05 Ocupaçãoterritorial:JoãoPessoa
noséculoXIX.....................................................
108
06 ExpansãodaavenidaEpitácioPessoa:iníciodoséculoXX.................................. 111
07 ReformaurbanísticaemJoãoPessoa(1923)............................................................. 127
08 Relaçãoentreosfatoresconjunturais(EPS)naproduçãodoespaçourbano..... 134
09 RegiãometropolitanadeJoãoPessoa....................................................................... 202
10 ExpressõesdosMovimentosSociaisUrbanos......................................................... 271
QUADROS
01 Prósecontrasnousodométodoqualitativoedométodoquantitativo............ 22
02 Procedimentosmetodológicos:1ª.Etapa................................................................. 33
03 Procedimentosmetodológicos:2ª.Etapa................................................................. 34
04 SíntesedasprincipaisabordagenssobreMovimentosSociais Urbanos............. 84
05 Asidasevindasdoplanejamentoenquantopolíticadeordenamentourbano. 145
06 Síntese
dosaspectoscomunsdosMSUs..................................................................
287
iv
TABELAS
01 PopulaçãoresidentenaRegiãometropolitanadeJoãoPessoa............................. 202
FOTOS
01 EstaçãoCiência,culturaearte................................................................................... 151
02 Condomínioextremooriental.................................................................................... 151
03 CondomínioCaboBrancoResidencialPrive........................................................... 151
04 ReuniãodoscoordenadoresdoMovimentoNacionaldeLutaporMoradia..... 237
05e06
 AcampamentoJorgeLuizocupaçãocoordenadapeloMNLM.........................
237
07e08
Acampamento5dejunho...........................................................................................
239
09e10
ResidencialColinasdoSul.........................................................................................
240
11 Reuniãoentreoscoordenadoresdosmovimentos................................................. 246
12 ReuniãorealizadanaSETRAPS................................................................................. 246
13 Ocupaçãonocentroadministrativo.......................................................................... 246
14 Passeatadogritodosexcluídos................................................................................. 246
15 AcompanhamentodoMNLMnacomunidadeMandacaru(AltodoCéu)....... 246
16 AcompanhamentodoMNLMnacomunidadeRenascer...................................... 246
17 PasseatanaAvenidaCondedaBoaVistaemRecife:ForumSocialMundial.... 246
18 Participaçãonoencontroestadual............................................................................ 246
19e20
VisitadaCoordenaçãodoMNLMàIrlanda...........................................................
247
21
Protestos contra o descaso do poder público durante o Fórum Social
Nordestino,emRecifePE...........................................................................................
258
22 IEncontroNacionaldeHabitação(RecifePE)....................................................... 258
v
APÊNDICE
01 Roteirodasentrevistasedosquestionários............................................................. 306
02 Modelodotermodeconsentimento......................................................................... 309
03 Análisedediscurso:questionárioabertoaplicadoaoscoordenadores.............. 310
04 Análisedediscurso:entrevistaabertarealizadacomoscoordenadores............ 312
05 Análisedediscurso:entrevistaabertarealizadaentreoscoordenadores......... 318
ANEXOS
01 Reportagenssobreasaçõesdosmovimentossociaisurbanos.................. 332
02 Cartilhadocooperativismo............................................................................. 336
LISTADESIGLAS
AI5................. AtoInstitucionaln.5
ANAMPOS... ArticulaçãoNacionaldosMovimentosPopulareseSindical
APAN............ AssociaçãoParaibanadosAmigosdaNatureza
API................. AssociaçãoParaibanadeImprensa
APROS.......... AssociaçãodasProfissionaisdoSexodaParaíba
BNH.............. BancoNacionaldeHabitação
CAGEPA....... CompanhiadeÁguaeEsgotosdaParaíba
CAIS.............. CentrodeCidadania,Açõese
InteraçõesSolidárias
CEBs.............. ComunidadesEclesiaisdeBase
CEHAP......... CompanhiaEstadualdeHabitaçãoPopular
CLACSO....... ConsejoLatinoamericanodeCiênciasSociales
CMP.............. CentraldeMovimentosPopulares
CNBB............ ConfederaçãoNacionaldosBisposdoBrasil
CNIR.............SistemaNacionaldoCadastroRural
COHABS....... CompanhiasdeHabitaçãoPopular.
COPLAN...... CoordenadoriaGeraldoPlanejamento
CPT................ ComissãoPastoral
daTerra
CURA............ ComunidadesUrbanasparaRecuperaçãoAcelerada
DSC............... DiscursodoSujeitoColetivo
EMEPA......... EmpresaEstadualdePesquisaAgropecuáriadaParaíba
FASE.............. FederaçãodeÓrgãosparaAssistênciaSocialeEducacional
FCP................ FundaçãoCasaPopular
FDHMMA.... FundaçãodeDefesadosDireitosHumanosMargaridaMariaAlves
FHC............... FernandoHenriqueCardoso
FMFH............ FundoMunicipal
deFomentoàHabitação
FMI................ FundoMonetárioInternacional
FNRU............ FórumNacionalpelaReformaUrbana
FUNDURB.... FundodeDesenvolvimentoUrbano
vi
LISTADESIGLAS
Continuação
GRUCON..... GrupodeConsciênciaNegradoRangel
IAP................. InstitutodeAposentadoriaePensão
IBGE.............. InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística
IDEME.......... InstitutodeDesenvolvimentoMunicipaleEstadualdaParaíba.
INCRA.......... InstitutoNacionaldeColonizaçãoeReformaAgrária
INPS.............. InstitutoNacionaldePrevidênciaSocial
INSS..............InstitutoNacionaldeSeguridadeSocial
IPPUC...........
InstitutodePesquisaePlanejamentoUrbanodeCuritiba
IPTU.............. ImpostoPredialsobreoTerritórioUrbano
IRE................. InstitutodeReferênciaÉtnica
LDO............... LeideDiretrizesOrçamentárias
LOA.............. LeiOrçamentáriaAnual
LDU............... LeideDesenvolvimentoUrbano
MEL............... MovimentodoEspíritoLilás
MLB............... MovimentodeLutanosBairros,VilaseFavelas
MLM.............. Movimento
deLutaporMoradia
MNLM.......... MovimentoNacionaldeLutapelaMoradia
MNRU........... MovimentoNacionalpelaReformaUrbana
MQ................. MétodoQualitativo
MST............... MovimentodosTrabalhadoresRuraisSemTerra
MSU............... MovimentoSocialUrbano
MTST............. MovimentodosTrabalhadoresSemTeto
NDSTT.......... NovaDivisãoSocialeTerritorialdoTrabalho
NDV.............. NúcleodeDefesadaVida
OAB............... Ordem dosAdvogadosdoBrasil
ONG.............. OrganizaçãoNãoGovernamental
OSCIP............ OrganizaçãodaSociedadeCivildeInteressePúblico
PDU............... PlanodeDesenvolvimentoUrbano
PNH............... PolíticaNacionaldeHabitação
PPA................ PlanoPlurianual
RMJP.............. RegiãoMetropolitanadeJoãoPessoa
RPA...............RegiãoPolíticoadministrativa
SAMOPS....... SociedadedeAcessoriaaosMovimentosPopulares
SEDUC.......... Serviço
deDocumentaçãoPopular
SETRAPS....... SecretariadeTrabalhoePromoçãoSocial
SFH................ SistemaFinanceirodeHabitação
SPVA............. SuperintendênciadoPlanodeValorizaçãoEconômicadaAmazônia
SUDENE....... SuperintendênciadeDesenvolvimen t odoNordeste
SUDOESTE... SuperintendênciadeDesenvolvimentodoCentroOeste
UNMP........... UniãoNacionalporMoradiaPopular
URV............... UnidadeRealdeValor
UVAS............. UniãoVoluntária
deApoioaosSoropositivos
Introdução
Ao ser aprovado em uma seleção para realização de um doutorado, a
primeiradúvidaquesurgeé:oqueéumatese?Quaisosseusfundamentosecomoa
mesma se configura? Como constituir um trabalho que seja tido como uma tese e
justifiqueaqualificaçãoaspirada?
A curiosidade de obter tais respostas remete a uma inevitável necessidade
de buscar soluções em trabalhos anteriormente estruturados ou em produções
científicas que se proponham a explicar e evidenciar os caminhos a serem
percorridos na elaboração de uma tese de doutorado. Observar a estrutura e
estabelecer os procedimentos necessários à construção do que poderia ser
classificado como a “grande sacada”, ou seja, algo não percebido por outros
pesquisadores, apresentase como um parâmetro para produção de um trabalho
desseporte.
Assim sendo, o significado está e sempre esteve voltado à classificação da
tesecomoalgoinovador,capazdesuperarumacoletâneadefatosedadossobreum
determinado fenômeno e de ser explicado através de uma perspectiva teórica
igualmente inovadora. Isto remete à inevitável realidade: elaborar uma tese é algo
difícil uma vez que demanda o desenvolvimento da capacidade de construção de
argumentos pautados em um alicerce que possibilite a união entre o teórico
e o
empíricocomoformadeidentificaçãodosfenômenos.
Tratase,paraalguns,deumtextoquenãodeveserdestinadoaleigos,masa
pessoas que tenham conhecimentos prévios sobre os conceitos e perspectivas
trabalhadas. outros, justificando a demanda social por soluções aos problemas
inerentes à própria sociedade, remetem à necessidade de se organizar um trabalho
que forneça perspectivas para as soluções de tais problemas. Logo, fazer uma tese
seriaalgocomplexo.
2
Com a experiência vamos percebendo que a tese é inerente ao próprio
processo de investigação, sendo nada mais e nada menos do que um trabalho
monográfico no qual o pesquisador se dispõe ao desafio de criar fundamentos e
concepções a partir de concepções preexistentes, tendo como diferencial a
demonstração de hipóteses bem estruturadas que possibilitem o convencimento de
que se trata de uma forma válida de se observar o fenômeno, por possuir
fundamentos lógicos em sua estruturação tanto na perspectiva teórica como na
empírica.
Nesse contexto, partimos do princípio de que existem diferentes formas
possíveis de se analisar a produção do espaço urbano de uma cidade sendo
igualmente possível criar elementos constitutivos de um raciocínio lógico sobre os
condicionantes inerentes a esse processo. Em meio a estas possibilidades, houve a
opção por trabalhar com apenas um dos atores responsáveis pelo processo de
produção do espaço urbano: os Movimentos Sociais Urbanos (MSUs) sem, no
entanto,desconsiderarodiálogodestecomosdemaisatoressociais
1
.
No entanto, o que justifica a escolha deste ator e não de outro(s)? Por que
analisaroprocessodeproduçãourbanaapartirdaatuaçãodosMovimentosSociais
Urbanos e não em decorrência de uma variedade de possibilidades existentes? Que
hipótesesfundamentamaevidênciadeumatesededoutoradoemgeografiaapartir
daatuaçãodesseatorsocial?
Osfundamentosquenoslevaramàopçãodeanalisaraproduçãodoespaço
a partir da atuação dos MSUs decorrem de alguns resultados obtidos ainda no
mestrado,entreosquaispoderiadestacarofatodequeosatoressociais,emespecial
a sociedade civil organizada, tende a selecionar espaços para exercer sua atuação,
1
No âmbito acadêmico existe um forte debate sobre como deveríamos denominar os segmentos sociais que
participam da produção do espaço geógrafo: agentes, atores ou sujeitos? Para esta pesquisa optamos pelo uso
do termo ator social uma vez que buscamos enfatizar a importância do papel desempenhado pelos MSUs no
contexto da dinâmica espacial de João Pessoa. Fica, portanto, o debate acerca dessa observação como desafio
para o leitor.
3
sendo, portanto, uma utopia a apreensão da totalidade social e espacial; além da
perspectivadequeoutrosatoressociaisestejamcadavezmais influentesnoprocesso
deproduçãodoespaço.Foi,emespecial,ointeresseporessasegundaobservação,o
elementomotivadordapresentetese.Paraistofoiselecionadoum recorteterritorial
cuja atuação desses atores estivesse em processo de consolidação. Tal preocupação
influenciounaescolhacidadedeJoãoPessoa,naParaíbacomoáreaobjetodeestudo.
Localizada entre RecifePE e NatalRN (Figura 1), duas capitais
metropolitanas com dinâmica socioespaciais bastante complexas, a cidade de João
Pessoa destacase por possuir uma particularidade: ao mesmo tempo em que se
constitui como um espaço de dependência (da dinâmica capitalista coordenada por
outras capitais) é um espaço autônomo, uma vez que vem assumindo,
principalmenteapósadécadade1990,umnovopapelnocontextointraregional.
Figura1localizaçãodaCidadedeJoãoPessoaPB
A posição da cidade de João Pessoa com relação às cidades de Recife (PE) e Natal (RN)
evidencia uma situação de dependência políticoeconômica, embora seja igualmente uma
capitalesededeáreametropolitana.Issosedeveadependênciahistórica queacidadevem
t
e
nd
o
co
mr
e
l
ação
à
d
i
n
â
m
ica
socioespacia
ld
as
capi
t
ais
v
i
z
i
nh
as
.
4
Alémdaleiturasobre aaçãodessesatores sociais,buscouseinvestigar,em
um levantamento inicial, as características dos mesmos e de quem forma eles
participamdaproduçãodoespaço.Comasprimeiras observações percebeuse que,
ao contrário das ONGs, os Movimentos Sociais Urbanos sustentam sua atuação
através de articulações internas, preocupandose com a sociedade e interferindo na
dinâmicaurbanaatravésdaproduçãodosespaços.
A realidade evidenciada em João Pessoa, a partir de uma entrevista
preliminar, remeteu a identificação de outra hipótese: embora no discurso
reconheçamointeressedeatuarnacidadecomoumtodo,napráticaasatuaçõesdos
movimentos são fragmentadas e pouco articuladas. Tal constatação acaba indo ao
encontro da classificação proposta pelos estudiosos desses atores sociais ao
identificálos como os representantes da sociedade que conhecem o espaço em sua
totalidadeetêmnaarticulaçãoaprincipalestratégiadeatuação.
Embora nas entrevistas se evidencie uma ação fragmentada, os MSUs vêm
ganhando uma importância cada vez mais significativa, especialmente por
demonstraremprofundosconhecimentossobre as demandassociaisdeJoão Pessoa,
mesmo sem estabelecerem contatos entre si. Isso nos remete à primeira premissa: o
conhecimentodoterritórioporpartedosmovimentossociaisnãodependeapenasda
articulação, mas da intencionalidade e realização de ações que influenciem na
dinâmicadaáreaurbana.
Por outro lado, essa primeira contextualização do conteúdo da tese aponta
para a existência do risco constante de cooptação dos coordenadores dos
movimentos, tanto internamente como externamente. Esse risco de cooptação se
expressapormotivospolíticos,econômicosouideológicos,nãoobservadosdeforma
isolada,masemsuacomplementaridade.Foipercebido,nesse contexto, atendência
da reprodução de ações fragmentadas tendo em vista a dificuldade de atuação em
conjunto,apesardosmovimentos estarem envolvidoscomquestõesrelacionadas ao
5
direito à moradia, transporte, segurança etc. que despertam interesses comuns.
Diante desse contexto, emergiram outras inquietações, a saber: na medida em que
são reconhecidos pelo poder público, esses grupos podem ser de fato chamados de
movimentos? Da mesma forma, as visões fragmentadas das demandas sociais
influenciam na classificação dos mesmos como sociais? E ainda, se a luta é por
questões de ordem social, nem sempre pautada na identificação da real demanda
espacial,podemessesgruposserclassificadoscomourbanos?
Paracompreensãodanaturezadessesatoressociais,observandoosvalorese
ações que exercem no espaço, ao produzir territórios, optamos pela escolha do
método qualitativo a partir da análise de discurso. A opção pelo uso desse método
demanda uma contextualização sobre os fundamentos que sustentam sua
aplicabilidade, especialmente no meio geográfico onde ainda se evidenciam
contendasquantoaosfundamentoscientíficosnaaplicabilidadedomesmo.
Pensandonisso,optamosporiniciaratesedissertando,noprimeirocapítulo
(trajetória na construção e percepção dos Movimentos Sociais Urbanos como atores
sociais), sobre os fundamentos que sustentam a aplicabilidade do método científico
no estudo da atuação dos Movimentos Sociais Urbanos. Este capítulo tem como
objetivo fornecer ao leitor umaaproximação inicial dos fundamentos que nortearão
osnossosargumentos.
Embora existam outras opções, em termos de uso método científico,
entendemos que a opção pelo método qualitativo possibilitounos apreender a
intencionalidade dos atores sociais envolvidos com a produção do espaço urbano.
Concebemosaleituradessecapítulocomosendo,aomesmotempo,opcionalparaos
leitoresquetenham apenasointeressedeconhecercomoseefetivaainfluênciados
MSUs na produção do espaço, e relevante, para àqueles que desejam conhecer um
pouco mais sobre os fundamentos científicos do método qualitativo e queiram
6
entenderoscritériosutilizadosnaanálisedasentrevistas,documentos,discursos,etc.
osquaisservirãodefundamentosparaaredaçãodoúltimocapítulo.
Para o segundo capítulo (Da criação do território à produção do espaço
urbano: uma perspectiva geográfica) a atenção esteve direcionada para a realização
deumaanálisesobreaconcepçãodeurbanoassimcomoaconcepçãodemovimento
social urbano e território. O urbano é compreendido como relações sociais que
caracterizam determinadas funções desempenhadas no espaço, entre as quais se
destacam o acesso a infraestrutura, equipamentos e a acessibilidade. Assim,
movimentosdegênero,étnicos,ouatémesmos osdossemteto,hiphop,entreoutros,
embora atuantes e presentes no cotidiano urbano, por produzirem territorialidades
(disputasdepoder),nãosãoconcebidos,emnossaanálise,comoMSUs.
Osmovimentosdelutapormoradia,seconcebermosestacomoumconjunto
de conquistas sociais que possibilitam a obtenção de justiça social e qualidade de
vida
2
, poderiam assim ser concebidos como MSUs. São estes movimentos que,
através de suas estratégias e táticas, produzem territórios (o da moradia), ao
ocuparem o espaço e lutarem por sua conquista e condições de exercício da função
socialparaoqualforamcriados.Taisterritóriossãoconcebidoscomodecorrentesda
produçãoeapropriaçãodoespaçoapartirdasrelaçõessocioespaciais.
Oterceirocapítulo(Elementosdaformaçãosocioespacialda cidadedeJoão
Pessoa) é um convite para que o leitor conheça os processos que influenciaram na
formação socioespacial da cidade de João Pessoa a partir dos diversos arranjos
políticos,econômicoseideológicosinerentesaesteprocesso,evidenciandooqueestá
por trás do discurso sobre o planejamento do espaço urbano e como os MSUs são
influenciadosporessediscurso.
2
Os termos moradia e habitação serão utilizados em muitos momentos do texto. Estes, no entanto, não deverão
ser concebidos como sinônimos pelo leitor uma vez que nos reportamos a concepção utilizada pelos
movimentos que entendem moradia como um conjunto de elementos que constituem as condições de
habitabilidade ao passo que habitação corresponderá sempre a residência, teto, etc.
7
Taisfatores,aoseremobservadosdeformasuperpostadelegaram,atéofinal
dadécadade1970,aresponsabilidadedeproduçãodoespaçoaopróprioEstado.A
partirdametadedessadécadahouveopredomíniododiálogoentreopoderpúblico
e as empresas privadas assim como as primeiras participações de segmentos da
sociedadecivilorganizada.nofinaldadécadade1980novosatoressociaispassam
a participar (como agentes propositores) do diálogo sobre o futuro da cidade
reaparecendo, nesse contexto, a importância do poder público, embora agora com
menorinfluênciatendoemvistaaposiçãodosnovosatoressociais.
O debate sobre o planejamento urbano é retomado no quarto capítulo
(Espaço construído e espaço em construção: os limites impostos pelas contradições
na produção do espaço urbano de João Pessoa). Contudo, a atenção passa a ser
direcionada para a análise das políticas urbanas, propostas para o ordenamento
espacialdacidadeapartirdadécadade1970,eainfluênciadosnovosatoressociais
naformaçãosocioespacialdacidadedeJoãoPessoa,especialmenteosMSUs.Apartir
desse momento os movimentos de luta por moradia assumem uma posição
importanteaoseenvolverem diretamentecomodebatesobrereformaurbana,justiça
sociale
qualidadedevida.
Oquintoeúltimocapítulo(Dequemeparaqueméacidade?àproduçãodo
espaço na perspectiva dos MSUs) foi redigido a partir das informações obtidas na
atividadedecampodeacordocomasquaisexpressamosodiscursodosMovimentos
Sociais Urbanos. Para isso foi utilizamos
como análise a participação observante ao
invés da observação participante. Tal uso justificase no fato de que, enquanto a
observação participante valoriza o discurso direto do sujeito, o que demanda a
participação no cotidiano do sujeito estudado; a participação observante permite
elaborarodiscursodosujeitocoletivoapartirdasuperposiçãodasdiferentesformas
que o sujeito utiliza para expressar um pensamento ou intencionalidade, entre os
8
quaissedestacamasentrevista,osprojetos,asações,etc.Corresponde,portanto,ao
discursoprovenientedeumamatrizdiscursiva.
O capitulo é redigido não apenas para os pesquisadores que se interessem
pelo tema, mas para o leigo e para os movimentos sociais, especialmente por
corresponderafalasocialdessesatores.Assim,sedistanciaumpoucoocapítuloda
linguagemutilizadanosdemaiscapítulosumavezquereproduzaconcepçãodesses
movimentos,noqueserefereaoposicionamentosobreaproduçãodoespaçourbano
deJoãoPessoa.Enfatizamos,assim,as intencionalidades, cordialidades e diferenças
entre os Movimentos Sociais Urbanos, além de retomar as concepções de espaço,
territórioemovimentosocial.
É com base em tais constatações que se torna possível estruturar a tese de
que os MSUs, especialmente os de João Pessoa, apesar de todas as contradições e
contrastes inerentes aos seus valores e formas de atuação, exercem uma expressão
geográfica no espaço ao produzir territórios o que faz com que se diferenciem de
outrosmovimentossociais.
Procuramos, portanto, desenvolver um trabalho acadêmico que não seja
apenasparaousodeteóricos oupesquisadoresquetenhaminteressepelatemática,
embora forneça contribuições importantes ao propor um olhar alternativo para o
entendimentodoselementosefatoresresponsáveispelaproduçãodoespaçourbano.
Ao contrário, procuramos desenvolver um texto que possa ser utilizado pelos
próprios membros dos movimentos ao fornecer subsídios que auxiliem esses atores
nodesenvolvimentodeestratégiasetáticasdeatuação.
Finalmente, acrescentamos que,logoapósosapêndiceseanexos,inserimos
o nossomemorialdescritivo. Com a inclusão desse memorial buscamos fornecerao
leitor um panorama sobre os fatores responsáveis pela escolha da temática que
sustentou o desenvolvimento da tese assim como um breve relato da trajetória
acadêmicadoautoredosmotivosqueolevouparaescolhadessetema.
CAPÍTULO1
Trajetória na construção e percepção dos
Movimentos sociais urbanos como atores
sociais.
“Mi designo, pues, no en enseñar aquí el método que cada cual debe
seguir para dirigir su razón, sino ver de qué manera he procurado
dirigir la mía. Los que se ocupan de dictar preceptos deben
considerarse más hábiles que aquellos a quienes se los dan, pero si se
equivocan en la menor cosa, debe censurárseles. Mas, únicamente
proponiendo este escrito [...] espero que será útil a algunos, sin ser
nocivo a nadie, y que a todos parecerá bien mi franqueza.”
(DESCARTES, [sd], p.29).
10
A pesquisa científica tem sido tradicionalmente influenciada por uma
condição: o saber, para ser concebido como científico, deve ser condicionado a um
posicionamento neutro do pesquisador perante o objeto estudado. Preocupados em
fundamentar uma tese ou fornecer contribuições para o próprio desenvolvimento
científicoetc.,ospesquisadoressãolevadosadeixardeladooregistrodospercursos
percorridosatéotérminodainvestigaçãoassimcomoaprópriainfluênciadoobjeto,
dossujeitosoudosfenômenosestudados.
Estamos, naturalmente, nos reportando à questão do método que
tradicionalmente tem influenciado na produção do conhecimento científico. O
próprioDescartes,aquemfizemosmençãonaepígrafeintrodutória,buscouaorigem
doconhecimentoapartirdadeduçãoracionaledalógica(racionalismo),observando
que“[q]ualquercoisabaseadanossentidosépotencialmentesuspeita”(AUDI,2006,
p.20).
Algo semelhante se reproduz no âmbito acadêmico. Pautados na
necessidade de se enquadrar às normas postas pelo próprio universo acadêmico
científico, os pesquisadores, especialmente os doutorandos que desde o início são
orientados a descobrir os fundamentos (teóricos e/ou metodológicos) de sua tese,
acabam aprisionando aquilo que talvez se configure como o elemento mais
importantenaelaboraçãodesuapesquisa:orelatodesuatrajetórianadescobertado
saber.
Os conhecimentos adquiridos nas conversas informais, realizadas nos
bastidores entre uma confraternização e outra são tão relevantes na fundamentação
da tese quanto aqueles conquistados nas horas a fio em que o pesquisador passa
lendo, relendo, fichando e sistematizando textos produzidos por ele e por outros
pesquisadores,osquaiscertamentecontribuemparaafundamentaçãodatese.
11
Entendemos,assim,queadescriçãodessepercursoéalgoimportantepara
sercompartilhadocomoleitor,especialmentequandooobjetopesquisadofazparte,
emtermosdeessência,doprópriocontextosocioespacialvividopelopesquisadore,
principalmente, quando o tema da pesquisa retrata o diálogo entre o sujeito
pesquisado e o sujeito pesquisador. Assim, embora exista um reconhecimento da
importância das normas para produção do trabalho acadêmico, como poderíamos
nosabsterderegistraroscaminhospercorridosnaformaçãodatese?
Mais do que desenvolver uma preocupação em ter que contribuir para a
ciência, especialmente se houver concordância de que a tese é apenas um passo
inicialeinacabadoda própriaformaçãoteóricado pesquisador, compreendeseque
umapesquisa,especialmenteemníveldedoutorado,sustentaseemsuaimportância
práticaparaasociedade.
Assim, consideramos a neutralidade, em qualquer ciência, como sendo
algoinexistente,frutodeumadiversidadedeconveniênciastendoemvistaqueoser
humano enquanto ser social traz consigo a subjetividade adquirida nas mais
diferentesexperiências.
Foicombasenesseraciocínioqueoptamosporinserirumcapítulonoqual
o leitor, independente de sua formação intelectual, possa se sentir inserido na tese.
Issoocorretantopelabuscadoaprimoramentocientíficocomopeloentendimentode
comooautorfirmouoseurecortedarealidade:tantoteóricoaopreocuparsecomas
limitações no entendimento das expressões geográficas decorrentes das ações do
objeto de estudo (as práticas territoriais dos movimentos sociais urbanos), como
metodológico,aosesentirenvolvidocomoprópriotemadapesquisa.
12
1.1 Ométodoqualitativoaplicadoaoestudodageografia.
Antes de nos submetermos ao desafio de analisar as características e
potencialidadesdométodoqualitativo(MQ)fazseoportunoevidenciarqueexistem
diferençasentreométododeabordagem científicaeastécnicasdeanálisecientífica.
Por método entendemse “os procedimentos mais amplos de raciocínio, enquanto
técnicassãoprocedimentosmaisrestritosqueoperacionalizamosmétodos,mediante
empregodeinstrumentosadequados”(SEVERINO,2002,p.162).Assim,enquantoo
método corresponde à forma de se pensar os fenômenos, as técnicas são a
operacionalização dessas formas, sem estarem restritas apenas a um único método.
Comoissoéfeito?Pararesponder,énecessárioidentificaroque,defato,diferenciao
métododatécnicadeanálise.
DeacordocomParraFilho&Santos (1998,p.95),ométodo“éocaminhoa
sertrilhadopelospesquisadoresnabuscadoconhecimento”,ouseja,aformanaqual
um sujeito apreende determinado objeto (material ou imaterial). Tratase, assim, de
um“conjuntodeprocedimentosracionais,baseadosemregras,quevisamatingirum
objetivodeterminado”(SPOSITO,2004,p.25).Porcontadadiversidadedeformasde
seobservarcientificamenteosfenômenos,osmétodospodemserclassificadoscomo
gerais, relativos ao saber filosófico, e particulares ou específicos, relativos a forma
como cada ciência observa, especificamente, os fenômenos (PARRA FILHO &
SANTOS,1998).
Os métodos gerais correspondem a orientações filosóficas para as ciências,
sejam essas naturais ou exatas, humanas ou sociais. O prim eiro segmento,
compreendidocomociênciasracionaisoudarazãoprecedemoroldeconhecimentos
que passaram a ser reconhecidos como científico sendo, portanto, delineadores dos
parâmetros que sustentam à pesquisa científica com base nos procedimentos
estabelecidos pelas ciências da natureza. Para serem conhecidas como ciência as
disciplinas teriam que se enquadrar aos parâmetros (teóricos e analíticos) postos
13
pelas concepções racionalistas. Por esse motivo, durante décadas, as ciências
humanasousociaistiveramqueadotareseadaptarataisparâmetros,mesmotendo
em sua estruturaoempirismo(contatoe adaptação aosfenômenos)comoelemento
constituintedosaber(VICTORIA;KNAUTH;RASSEN,2000).
A concepção racionalista que se estende dos gregos até o final do
século XVII afirma que a ciência é um conhecimento racional
dedutivo e demonstrativo como a matemática, portanto, capaz de
provar a verdade necessária e universal de seus enunciados e
resultados,semdeixarnenhumadúvida(...).Aconcepção
empirista
que vai da medicina grega e Aristóteles até o final do século XIX
afirma que a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em
observaçõeseexperimentosquepermitemestabelecerinduçõeseque,
ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas
prioridadesesuasleisde
funcionamento.(CHAUI,2005,p.221).
Na Geografia isso se encontra representado desde o alicerce de seus
primeirosfundamentos.ParapesquisadorescomoFriedrichRatzeleAlexanderVon
Humboldt, na Alemanha, e Paul Vidal de La Blache na França, entre outros que
compartilharam com esses os primeiros estudos compreendidos como realmente
geográficos, a influência dos métodos de análise das ciências da natureza e das
ciências exatas orientou os debates que fundamentaram a sistematização da
Geografia enquanto saber científico: a intuição a partir da observação, no caso de
Humboldt, a observação e descrição, no caso de Ratzel; e observação, descrição e
comparação no caso de La Blache (MORAES, 1993).
Algo semelhante ocorreu
décadasseguintescomousodopositivismológicoaplicadoaosestudosdageografia.
Essasituaçãocomeçouaseramenizadacomainfluênciadomaterialismo
históricoedialético,apesardissoterficadomaisnodiscursodoquenapráticauma
vez que boa parte dos geógrafos críticos, apesar
de sustentaram suas preocupações
com o social relacionandoas sempre as bases delineadas pelas relações econômicas
(sistemas de produção, desenvolvimento tecnológico, Divisão Social do Trabalho
14
etc.), desenvolveram suas críticas baseadas nos indicadores de desenvolvimento e
produção,masnosentidodesepreocuparemcomoqueasociedadepensa.
De acordo com Sposito (2004; 2004b), as orientações filosóficas que
sustentamoconhecimentocientíficopodemserdivididasemtrêsgrandesmétodos:a)
o hipotéticodedutivo (submissão do sujeito ao objeto); b) o fenomenológico
hermenêutico(submissãodoobjetoaosujeito);ec)odialéticomarxista(existênciade
uma reciprocidade de influências entre o sujeito e o objeto). O método hipotético
dedutivocompreendeoconhecimentocientíficocomodecorrentedeexperimentose
modelos racionais de interpretação de fenômenos, os quais, além de se repetirem e
seremmensuráveis,podemserigualmenteinvestigadosporoutrospesquisadores.
o fenomenológicohermenêutico interpreta os fenômenos enquanto fatores sociais
dependentes do próprio processo em que se dão as relações sociais. Finalmente, a
dialéticamarxista, alicerçada no materialismo histórico e dialético, compreende a
relaçãosujeitoobjetoemsuainfluênciaeinterdependência.
Devido às próprias particularidades dos saberes científicos cada ramo do
conhecimento adota métodos específicos de análise, entre os quais se destacam: o
dedutivo; o indutivo; o quantitativo; o qualitativo; o axiomático; o nomotético e o
idiográfico. Alguns desses métodos são tomados enquanto específicos das ciências
exatas ou da natureza; outros como métodos das ciências humanas ou sociais. Por
conta da própria complexidade inerente aos arranjos sociais no espaço, é comum
encontrarmostrabalhoscujosfundamentossãopautadosnatriangulaçãodemétodos
a exemplo das abordagens qualiquantitativas. Percebese, nesse contexto, que os
métodos(geraisouespecíficos)correspondemàformadeobservaçãodarealidade.
quando se faz referência à opção pela decisão dos elementos que
propiciamessaobservação, estanemsempreéfáciluma vezquea atualconjuntura
social, sua dinâmica e complexidade, tem tornado cada vez mais flexível o uso das
técnicas de análise científica. Assim, as técnicas correspondem aos procedimentos
15
metodológicos,osquais,porsuavez,variamtantonoquedizrespeitoabaseteórica
quesustentasuaaplicabilidadequantoàdecisãopeloquesedecideobservar.
Contudo, as técnicas de análise científica ou metodologia científica são,
inicialmente, inerentes aos seus respectivos saberes. Assim, as ciências da natureza,
por terem como fundamentos a adoção de modelos e padrões (método hi potético
dedutivo), buscam nas formulações de matrizes amostrais, questionários, gráficos,
tabelas etc., os parâmetros metodológicos que sustentem a análise dos seus
respectivos objetos de investigação. as ciências da sociedade recorrem, enquanto
técnica de abordagem, aos levantamentos de dados históricos; imagens; entrevistas;
análisedediscursos,etc.
No entanto, devese considerar que a relação entre um procedimento
científico e outro pode se complementar, dependendo do objeto e dos objetivos da
pesquisa, possibilitando o uso tanto das técnicas fornecidas pelas ciências da
natureza como pelos aportes inerentes às ciências sociais. A explicação encontrase
naprópriabasequesustentaaidentidadedaciência: umaciênciaestruturadapelas
heranças que a direcionaram para o estudo da dinâmica da natureza (daí a
necessidade do uso das técnicas oriundas das ciências naturais) assim como o seu
vínculo com as questões inerentes à própria sociedade, tornando necessário o uso
dosaportescaracterísticosdasCiênciasHumanas.
Essa situação se aplica às pesquisas na Geografia uma vez que a própria
complexidadedoseuobjeto,oespaçogeográfico,atornaumaciênciacomplexa:seja
peladificuldadededefinirummétodode análisecapazdelibertáladasíndromede
ser classificada como uma ciência de síntese ou dependente; seja por levar em
consideração o fato de não conseguir definir, com exatidão, os métodos de
abordagens.
16
Dessa forma, tendo em vista essa possibilidade de utilizar os diferentes
referenciais metodológicos, o método qualitativo pode ser empregado ao estudo
geográfico,semnecessariamenteimplicarnainclusãodosaportesdeoutrosmétodos,
quandofornecessárioparasubsidiarainvestigação.Adotandoessaperspectivacada
etapadaanálisecientíficaésuficientementeflexível.Portanto,numainvestigaçãoem
que o método quantitativo é adotado enquanto procedimento, o pesquisador pode
utilizar procedimentos metodológicos do método qualitativo para complementar a
suainvestigaçãoouviceversa.
Assim, com a permissão do leitor para o uso de um exemplo figurativo, a
flexibilidade possibilita perceber os diferentes arranjos espaciais a partir de uma
observaçãocaleidoscópicadoespaço
3
.
Oquegostaríamosdeevidenciarapartirdascomparaçõesanteriores
é que os métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa o
diferentes,porém nãosão excludentesporque, na verdade, colocam
sequestõesdiversas,baseadasemconstruçõesteóricometodológicas
com princípios diferenciados. Entretanto, essa diversidade tem sido
utilizada de uma forma bastante eficiente
em projetos de pesquisa
queconstroemmaisdeumobjetodepesquisaapartirdeummesmo
tema,sendoumvoltadoparaoconhecimentoquantitativoeoutroao
qualitativo, com finalidade de adicionar outras dimensões a um
mesmo estudo (...). É possível, assim, trabalhar de forma
complementar com as duas
metodologias, no sentido de que os
resultados de uma questão, colocada a partir de princípios teórico
metodológicosquantitativos,suscitemnovasquestõesquepossam
ser colocadas dentro de princípios qualitativos, ou viceversa
(VICTORIA;KNAUTH;RASSEN,2000,p.3940).
3
OCaleidoscópioé umpequenocilindrocomposto porjogosde espelhoscomfragmentos devidros
no fundodo cilindro.A cada giro sãoformadosdiferentes arranjos geométricos. Aanalogiaa este
pequenobrinquedoessustentadanofatodeacreditarmosqueoespaçodeveserconcebidonessa
mesma perspectiva: diferentes arranjos
(técnicas) que o pesquisador pode utilizar para observar o
espaço.Ogirodocilindroqueformaestesarranjosseriamosdiferentesmétodosquepoderiamser
utilizadosnarealizaçãodessaobservação.
17
Contudo, tal relação ainda se apresenta como um entrave tendo em vista a
própria diferença existente entre os saberes. Ainda é comum, por exemplo, os
pesquisadoresdasciênciasdanaturezaeexatasnãoreconheceremocarátercientífico
das ciências humanas ou sociais, especialmente quando os pesquisadores buscam
entenderarealidadeapartirdousodométodoqualitativo.Paraseenquadrarem,as
ciências humanas e sociais necessitam adotar os procedimentos reconhecidos como
verdadeiramente científicos pelas ciências da natureza, a exemplo das técnicas que
comprovem a confiabilidade e a validade científica do estudo realizado
(DESLANDES&ASSIS,2002).
O método qualitativo (MQ) pode, portanto, ser utilizado como opção no
estudo da ação dos atores sociais, embora os geógrafos ainda utilizem esse método
de forma moderada. Em parte, isso se deve a própria influência filosófica,
especialmente as decorrentes de bases marxistas que têm resistência em recorrer a
outrosmétodosnodesenvolvimentodesuas pesquisas.Defato,namaioriadasvezes,
os geógrafos de bases marxistas encontramse “presos” as limitações postas pela
própria corrente de pensamento ao não adotarem outros fundamentos que podem
serutilizadoscomosubsídioàinvestigação.
Entreessastécnicaspodesedestacaraprópriaconstruçãodafaladosujeito
envolvido nesse fenômeno ao invés de observálo de fora, assim como o uso de
outros aportes que permitam a observação dos elementos inerentes ao mesmo. Em
outras palavras, fazse necessário, tendo em vista à complexidade da atual
conjuntura socioespacial, que os geógrafos passem a observar a produção social do
espaçoatravésdoestabelecimentodeumamaioraproximaçãocomossujeitos.
A referência à pessoa investigada assinalada como objeto, significa
que o pesquisador é quem detém o poder de realizar uma
interpretação sobre o outro sem lhe permitir um espaço para sua
participaçãoativanoprocesso.Considerarapessoainvestigadacomo
sujeito implica compreendela como possuidora de uma voz
reveladora
da capacidade de construir um conhecimento sobre sua
18
realidade que a torna coparticipante do processo da pesquisa.
Conceber, portanto, a pesquisa nas ciências humanas a partir da
perspectivasóciohistórica implicacompreendelacomoumarelação
entre sujeitos possibilitada pela linguagem. (FREITAS; SOUZA;
KRAMER,2003,p.29)[destaquesdosautores].
Bakhtin (1997) aprofunda este raciocínio ao mencionar a importância de se
observarodiscursodentrodoprópriodiscurso(odiscursocitado)noqualocontexto
narrativo se torna fundamental, fornecendo alguns parâmetros para o
desenvolvimento da análise do discurso. Embora a teorização sobre a análise do
discursonãoseconfigure comoumadasmaiores preocupaçõesdeBakhtin(BRAIT,
2006), suas contribuições são relevantes por evidenciarem os caminhos para a
realização da análise do discurso a partir da interpretação textual e interaç ão entre
quemtransmiteodiscursoequemserveparatransmitilo(BAKHTIN,1997,p.148).
Entre as diversas produções existentes, especialmente no campo da
sociologia,lingüística, psicologiaenageografia,emboraempequenasproporções,os
argumentosestruturadosporBauer&Gaskell(2002),Minayo(1998;2005)eLefevre
& Lefevre (2003) vem sendo comumente utilizados pelos pesquisadores nas
pesquisas sociais ao optarem pelo método qualitativo enquanto recorte analítico
interpretativo dos fenômenos sociais.
A consulta a esses referenciais é o primeiro
passoparaummelhorconhecimentosobreousodessemétodo.
De acordo com Minayo (2005) o uso do método qualitativo possibilita ao
pesquisador a “compreensão interpretativa da ação social” (MINAYO, 2005, p. 81).
Seinserirmosaproduçãodoespaçocomoexpressãodessaação temseassimqueo
MQpossibilitariaumaapreensãomaissubstancialacercadas característicaselimites
de cada ator social envolvido. Nesse contexto, a observação da intencionalidade do
sujeito, expressas especialmente nos discursos e ações, apresentase como um dos
objetivosdessemétodo(MINAYO,1998).
19
O principal interesse dos pesquisadores qualitativos é na tipificação
davariedadederepresentaçõesdaspessoasnoseumundovivencial.
As maneiras como as pessoas se relacionam com os objetos no seu
mundovivencional,suarelaçãosujeitoobjeto,éobservadaatravésde
conceitos tais como opiniões, atitudes, sentimentos, explicações,
esteriótipos, crenças, identidades,
ideologias, discurso, cosmovisões,
hábitos e práticas. Esta é a segunda dimensão, ou dimensão vertical
de nosso esquema (...). As representações são relações sujeitoobjeto
particulares,ligadasaummeiosocial.Opesquisadorqualitativoquer
entender diferentes ambientes sociais no espaço social, tipificando
estratos sociais e funções, ou combinações deles, juntamente
com
representaçõesespecíficas(BAUER&GASKELL,2002,p.57)
Nesse contexto, o método qualitativo permite identificar as motivações que
levamosatoressociaisaoexercíciodesuaspráticassociais(eespaciais)sendoomais
importante a fundamentação de elementos que sustentem a produção de um
discurso capaz de representar o posicionamento de todo o segmento social. A
história desse segmento, associada à própria contextualização dos arranjos que
envolvem a prática dos mesmos na atualidade confere o caráter científico desse
método por possibilitar os procedimentos necessários à investigação e a própria
compreensãodas“interpretaçõesdosatoressociais possuemdomundo”(BAUER&
GASKELL,2002).
De acordo com Minayo (2005) existem pelo menos cinco formas de se
subsidiarumapesquisaqualitativa: a) aordenaçãodosfenômenospelodesenhodo
tipoideal; b) a análise da vida cotidiana ou abordagem fenomenológica; c) a
observação e investigação dos fatos ou etnometodologia; d) o interacionalismo
simbólico;e)investigaçãoparticipante;ef)ahermenêuticadialética.
Para Minayo (2005) a ordenação dos fenômenos corresponde a modelos
elaborados pelos próprios pesquisadores contendo todas as condições do que se
pode observar na realidade. a análise da vida cotidiana busca fundamentar os
procedimentosnaprópriasubjetividade dosujeito(experiênciavivida).Porsuavez,
aetnometodologiacorrespondeàanálisedetalhadanosfatosnoprópriolocalaonde
osmesmosseevidenciam.Ointeracionalismosimbólicosustentaavidasocialsendo
20
constituídopelainterrelaçãodosgruposnaspráticas(simbólicaeinteracionais)dos
indivíduos.Noquedizrespeitoàinvestigaçãoparticipante,estabuscafundamentar
o estudo social tendo como parâmetro que o sujeito ou ator social pode ser
estimuladoaassumirumaposiçãopolíticaemsuaatividadenoespaço.Finalmente,a
hermenêuticadialética busca evidenciar a comunicação entre os atores sociais
atravésdalinguagem,aqualpodepossuiraspectoscontraditórios.
Tais abordagens, no entanto, possuem elementos comuns a exemplo do
reconhecimento da complexidade das realidades humanas; o contato direto com os
agentes selecionados para estudo. Em fim, buscam evidenciar a dinamicidade da
realidadevividapelaspessoasatravésdosseusrespectivosgrupos(MINAYO,2005).
Nesse sentido, a abordagem qualitativa constituise em “uma aproximação
fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da
mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos
dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornamse
significativas”(MINAYO,1993,p.244).
Com relação às proposições de Minayo discordamos apenas quando a
autorafundamentasuaanáliseentresujeitoeobjeto.Nométodoqualitativoarelação
sematerializanodiálogoentrepesquisadorepesquisado,ouseja,entreossujeitos.
Dasdiferentesformasdeserealizarumapesquisaqualitativa,aobservação
participante possibilita uma aproximação com o sujeito e com a realidade
socioespacial da qual este faz parte uma vez que “inclui pessoas leigas,
representativas de situações a serem transformadas, de uma forma orgânica à
produçãodeconhecimentosobretaissituações,semnecessariamenteestarvinculada
aumaaçãodireta”(MINAYO,2005,p.86).
Um dos principais questionamentos elaborados pelos críticos, no que diz
respeitoaousodoMQassimcomoporpartedosautoresquerealizamestudoscomo
usoda técnicadapesquisaparticipantediz respeitoaoscritériosdeestabelecimento
21
dovínculoentreosujeitopesquisado(formadordodiscurso)eosujeitopesquisador
(analistadodiscurso).Com relaçãoaisso,Freitas; Souza;Kramer(2003)forneceram
algumas alternativas ao conceberem que o objeto do uso desse método em uma
pesquisanãoseriaarealizaçãode uma simples análiseinterpretativa,masocaráter
dialéticoquepodeserapreendido(FREITAS;SOUZA;KRAMER,2003,p.31)apartir
do discurso entre os sujeitos em relação ao objeto; entre o sujeitopesquisado e o
sujeitopesquisador.
Outraquestãoqueprovocacontendas noâmbitoacadêmicodizrespeitoaos
aspectos positivos e negativos do uso do método qualitativo assim como ao
questionamento se o mesmo traz consigo fundamentos que o qualifiquem como
científico. Com relação a este segundo aspecto, a difusão de análise do uso desse
métodocomofundamentoparaapesquisacientífica,porpartedosdiversoscampos
doconhecimentocientífico,assimcomoaofatodomesmopossibilitaraapreensãodo
discursodosujeito,ratificaseucarátercientífico.quantoaosprósecontras desse
uso, poderíamos resumir em alguns parâmetros (Quadro 1), tendo por base uma
adaptaçãodascontribuiçõesdeVictoria;Knauth;Hassan(2000,p.3741).
Apesar dessas diferenças, os métodos devem ser concebidos de forma
complementar uma vez que possuem limites. Com o uso apenas do método
quantitativo fica difícil, na atual conjuntura (econômica, política e social) vivida no
país,apreenderosmotivosquelevamosatoressociais a se expressarem no espaço.
Por outro lado, essa mesma conjuntura exige do pesquisador, que se utiliza do
método qualitativo para subsídio de sua pesquisa, a necessidade de coletar
informaçõescomplementaresparacompreensãodosmotivosquelevaram osujeito
pesquisadoaproferirumdeterminadodiscurso.
22
Quadro1:Prósecontrasnousodométodoqualitativoedométodoquantitativo.
MétodoQuantitativo MétodoQualitativo
Utilização
‐ descrição de uma variável (tendência e
dispersão) ou sua divisão por categorias
edescriçãodesuasfreqüênciasdeforma
a permitir a identificação por
amostragemdouniversoinvestigado.
‐ apreensão do contexto no qual o
fenômeno ocorre permitindo a
apreensão da intencionalidade dos
indivíduosougruposqueseexpressam
através
do discurso(texto, voz,
símbolos,imagens,etc.).
Formasde
expressão
‐ por amostragem (aleatória ou
estratificada) de forma a obter um
parâmetro da ocorrência do fenômeno
emumdeterminadouniverso;
‐ Compreende que a sociedade
constituída por grupos que se
expressamatravésde sujeitos coletivos.
Buscasearepresentaçãoelaborada.
Técnicas
‐ Uso de técnicas que propiciem a
mensuração (questionários, matrizes,
gráficos,etc.).
‐perguntasobjetivas.
‐ valoriza a aproximação do
pesquisadorcomopesquisadoapartir
de observação (direta ou participante)
eentrevistas.
‐ valoriza a formação de tópicosguia
(entrevista temática) ao invés de
perguntas.
Potencialidades
‐ Amostra de grandes portes segundo
parâmetros matemáticos de amostragem
emensuração.
‐ por observar o discurso do sujeito
coletivo permite uma apreensão do
fenômeno em sua essência
(comportamentos,valoresetc.)
Limitações
‐ As respostas o pouco criativas e
críticas,alémdeseremsuperficiaisoque
leva ao risco de malentendidos ou de
análisesequivocadas;
‐ incertezas quanto a expressão coletiva
do fenômeno, especialmente quando se
tratadequestõesdeordemsocial.
‐ o trabalho para organização é muito
intensivo e complicado
o que pode
levar o pesquisador a cometer alguns
equívocos como, por exemplo, a
definição do tópicoguia (roteiro da
entrevista)eusodetermos impróprios
ao tipo de pesquisa (amostra, dados,
percentual,etc.).
‐ a análise de texto exige um rigor
científico quanto ao procedimento de
todasasetapas.
Principais
Diferenças
(BAUER;GASKELL,
2002,
P.22e23)
‐ “lida com números, usa modelos
estatísticos para explicar os dados e é
consideradapesquisahard
“evitanúmeros,lidacominterpretações
das realidades sociais, e é considerada
pesquisasoft”.
Elaboradopor:XistoSouzaJúnior(abrilde2008)apartirdaanálisedasobrasdeBAUER&GASKELL,2002;MINAYO,2005e1998
O estudo da violência urbana é um bom exemplo da possibilidade de se
trabalharcomestemétododeformacomplementar, apesardasdiferenças.Assim,a
explicação de um discurso que enfatize a violência urbana pode ser compreendido
noprópriomapadoriscoelaboradopelasinformaçõesestatísticasacercadaviolência
23
urbana.oaportedométodoquantitativopossibilita,apartirdaamostra,observar
como essa violência se expressa espacialmente (quantidade de locais seguros e
inseguros), o método qualitativo permite entender os motivos que faz com que
determinadaáreasejaseguraeoutrainsegura.
Tanto um método como o outro está fundamentado em critérios que
possibilitem o desenvolvimento da pesquisa. O diferencial consiste no fato de que
“sobopontode vista qualitativo, osprincípiosdedefiniçãoamostral sebaseiamna
buscade‘aprofundamentoedecompreensãodeumgrupo’”(MINAYO,2005,p.94)
inseridoemumdeterminadocontextosocioespacial.paraapesquisaquantitativa,
“ainterpretaçãotemsignificadomuitodistinto”,pois“partedosresultadosobjetivos
apresentadosnosgráficosetabelas,eérespaldadapelassemelhançasediscrepâncias
dosresultadosdepesquisassimilares”(DESLANDES;ASSIS,2002,p.207).
As considerações de Minayo devem ser observadas com cautela uma vez
que a associação do método qualitativo a princípios da definição amostral se
apresenta como um equívoco, pois a amostragem é um instrumento adequado à
pesquisa quantitativa. Para a pesquisa qualitativa a idéia se adotar amostragens
perdesentidoumavez queoMQestábaseado emrepresentaçõesprovenientes dos
sujeitosemsuasdiferentesformasdeexpressões.Assim,saber“quantos”, “quais”e
“quem”nãoseaplicaapesquisaqualitativapelofatodestasepreocuparapenascom
o“porquê”,o“como”eo“paraquê”.
É com base nessa preocupação que autores como Bauer & Gaskell (2002)
propõem, para a pesquisa quantitativa, o uso de amostragem ou amostra enquanto
fundamentos técnicos. Por sua vez, para a abordagem qualitativa os autores
propõemaformaçãodocorpus:procedimentosquepossibilitamaformulaçãodafala
socialdecorrentedasváriasexpressõesdeixadasporumdeterminadosujeitocoletivo
ou ser social. Dessa forma, a análise do discurso do sujeito coletivo (DSC) emerge
24
como procedimento técnicocientífico de identificação metodológica de uma
determinadaformaçãosocioespacial.
O DSC corresponde, assim, a identificação das idéias centrais retiradas do
discurso, a exemplo de poesias, cartazes e reportagens que retratem a ação sujeito
social em suas práticas cotidianas, segundo as quais é possível identificar o
posicionamentode
umdeterminadogruposocial acerca de umobjeto.ParaLefèvre
& Lefèvre (2003), o uso do discurso do sujeito coletivo fornece os subsídios ao
reconhecimentodocarátercientíficodométodoqualitativo,umavezque
a tarefa organizadora do pesquisador não diz respeito nem à
matematizaçãomecânicaouautomáticadopensamentocoletivo,nem
ao uso de metalinguagem; seu papel, ao contrário, é bem outro:
produzirosujeitosocialoucoletivododiscursoeodiscursocoletivo
correspondente,fazendoosocialfalarcomosefosseumindivíduo,
e
isso o por um passe de mágica, nem a partir de uma instância
científica supostamente transcendente, mas, como manda o rigor
científico, utilizando procedimentos explícitos, transparentes e
padronizados (passíveis, portanto, de crítica e contestação),
construindose a fala do social com o material empírico proveniente
de falas dos indivíduos,
buscando nas idéias centrais e nas
expressõeschave, coincidentes ou semelhantes de discursos
efetivamente existentes, um discurso compartilhado (LEFÈVRE &
LEFÈVRE,2003,p.29).
DeacordocomGill(2002,p.245),essaformadeinvestigaçãoéconstituída
tendo como parâmetros algumas características provenientes do construtivismo, a
saber: a) as críticas ao conhecimento dado; b) compreensão das especificidades da
compreensão histórica e cultural da nossa visão de mundo; c) influência dos
processos sociais na formulação do conhecimento; e d) a relação entre a construção
doconhecimentosocialdosfenômenoseasaçõespráticas.Corresponde,portanto,a
uma“propostadeorganizaçãoetabulaçãodedadosqualitativosdenaturezaverbal,
obtidosdedepoimentos,artigosdejornal...”(LEFÈVRE&LEFÈVRE,2003,p.15).
25
Da mesma forma que Minayo cai na armadilha de utilizar expressões de
natureza tipicamente do método quantitativo (amostragem, percentuais, etc.),
consideramos como um equívoco da parte de Fernando Lefèvre e Ana Lefèvre em
mencionarem a “tabulação” e “dados” na pesquisa qualitativa. Contudo, isso não
deveserassociadoaumerrointencional,masaofatodeaindasermosinfluenciados
por décadas de uso de termos característicos do método quantitativo. Apesar das
diversas revisões que fizemos em nossa pesquisa, é possível, por exemplo, termos
cometido,poralgumdeslize,equívocosparecidos.
O objetivo da análise do discurso é encontrar a fala social a partir do
discursoproferidopelosujeitocoletivo:umdepoimentoexpressoporumatorsocial
constituído“deumeusintáticoque,aomesmotempoemquesinalizaapresençade
um sujeito individual do discurso, expressa uma referência coletiva na medida em
queesseeufalapelaouemnomedeumacoletividade”(LEFÈVRE&LEFÈVRE,2003,
p.16)<destaquedosautores>
Em nossa pesquisa, o “sujeito coletivo” estaria, assim, representado pelos
coordenadoresdosmovimentossociaisurbanosdeJoãoPessoa.
é um idioma ‘segundo’, uma segunda língua, ou, na terminologia
chomskiana, uma ‘competência’ social que, na medida em que
viabiliza e permitea troca entreindivíduos distintosdeumamesma
cultura,constitui,comooidioma‘primeiro’,condiçãoimprescindível
para a vida humana em sociedade. Esse idioma é obtido
indutivamente, por abstração,
a partir de um conjunto de falas
individuaisdesentidoreputadosemelhanteoucomplementar,coma
finalidade precípua de expressar e representar um pensamento
coletivo(LEFÈVRE&LEFÈVRE,2003,p.16).
De acordo com Lefèvre & Lefèvre (2003), para se elaborar um discurso
devemse adotar alguns cuidados: a) definição do sujeito social; b) elaboração do
corpus”; e da fala social. Para isso, o pesquisador deve utilizar o discurso em seu
estadobruto;analisálo,retirandoasidéiascentrais;econstruirafalasocial,ouseja,
“um discurso síntese, elaborado com material dos discursos individuais (ou parte
26
deles) semelhantes ou complementares enunciado na primeira pessoa do singular”
(LEFÈVRE&LEFÈVRE,2003,p.27).
Na perspectiva da análise qualitativa, a partir da análise do DSC, os
problemas podem ser considerados de forma descritiva (descrição das respostas),
interpretativa (identificação das melhores e piores respostas e análise dos motivos
que levam o sujeito a pensar de determinada forma) e pragmática (tentativa de
delinear o que levaria o sujeito a pensar de outra forma). Tais abordagens são
concebidas de forma progressiva. Na tese, como existe todo um aporte teórico
conceitual e analítico, enfatizouse à abordagem progressiva. Porém, em alguns
momentos,otextoseapresentadescritivoargumentativoeinterpretativo.
Delineadososparâmetrosquesustentamoentendimentodequeométodo
qualitativopossuiatributosqueconfereocarátercientíficonapesquisaficaodesafio
de se observar como o mesmo se enquadra na teoria (fundamento científico dos
fenômenos) e na prática (observação empírica dos fenômenos decorrentes das
relaçõessocioespaciaisnoespaç o). Essasanálisesserãodesenvolvidas nos próximos
itens.
No caso de sua aplicabilidade para a pesquisa geográfica são necessárias
duas atenções especiais. A primeira diz respeito à necessidade de se resgatar os
parâmetros inerentes a atividade de campo, especialmente no que concerne a sua
organização e desenvolvimento. A segunda diz respeito à própria formulação da
baseconceitualqueirásustentarapesquisa.
Assim, se tomarmos como exemplo o conceito de território, antes de
formularmostesesouconcepçõesdomesmoapartirdoqueobservamosnasrelações
socioespaciais ou a partir das nossas próprias referências teóricas, o uso do método
qualitativo possibilita identificar esse conceito tendo como ponto de partida o
própriosujeito.Aconcepçãoé,portanto,inerenteaosujeito,restandoaopesquisador
27
à habilidade de enquadrar aos parâmetros científicos, identificando suas
similaridadesediferenças.
1.1.1 APLICAÇÃO DO MÉTODO QUALITATIVO NO ESTUDO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
URBANOS
Após o resgate sobre os fundamentos científicos no uso do método
qualitativo, restanos esboçar como seria a aplicabilidade do mesmo. Para isso,
passaremos a fazer uma breve análise sobre como utilizamos os aportes fornecidos
por esse método na presente pesquisa. Naturalmente, seria impossível descrever
todos os procedimentos em detalhes uma vez que nos arriscaríamos a uma
indesejável desistência do leitor quanto à continuação da leitura da tese tendo em
vistaoriscodotextoficarcansativo.Assim,optamospordemonstraraaplicaçãodo
método em apenas um dos tópicos trabalhados na entrevista realizada junto aos
coordenadoresdosmovimentossociaisurbanosdeJoãoPessoa(Apêndice1)
Contudo, antes de dar início à descrição dos procedimentos metodológicos
adotados, é importante anteciparmos a nossa concepção de movimentos sociais
urbanos (MSUs): atores sociais que exercem, ou têm potencial para exercer,
influências na produção do espaço urbano. Assim, são movimentos que, ao
produziremterritórios
ouinfluenciarnoredimensionamentodesuafunçãosocial,se
expressam ou podem se expressar geograficamente. Em João Pessoa, tais
movimentos seriam, justamente, àqueles que lutam por moradia: MNLM
(MovimentoNacionaldeLutaporMoradia),MLB(MovimentodeLutanosBairrose
Favelas), CMP (Central de Movimentos Populares) e NDV (Núcleo de
Defesa da
Vida).Osargumentosquesustentamessadefiniçãoserãocontextualizadosaolongo
dosdemaiscapítulos.
28
Iniciandoaanálisedosprocedimentosmetodológicoséimportantejustificar
que a opção pelo estudo dos MSUs partiu do acesso a algumas reportagens que
retratavam a atuação do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) na
ocupação de áreas desocupadas da periferia oeste de João Pessoa, Órgãos públicos
assimcomoaposturadogovernomunicipalfrenteaessasações(Anexo1).
Oprimeirocontatoestabelecidojuntoaosmembrosdomovimentosuscitou
alguns questionamentos: qual a influência deles no processo de formação
socioespacialdacidade?Existemoutrosmovimentoscompreocupaçõessemelhantes
àsdoMNLM?Como elessearticulam?Qual a escaladeatuação?Observado numa
perspectivageográfica,oquediferenciaestemovimentosocialdeoutrosqueatuam
igualmentenoespaçourbano?
Uma vez que os movimentos estão presentes em todo o Brasil, restou o
desafio de escolher a cidade que poderia ser utilizada como recorte territorial para
realizaçãodapesquisa.
Apartirdeumaprofundamentobibliográficochegouseàconclusãodeque
entre tantas cidades possíveis de serem selecionadas, João Pessoa apresentava duas
característicasqueviabilizariamsuaescolha:a)ofatodosMSUsqueatuamemJoão
Pessoa demonstrarem preocupações com o futuro da cidade ; e b) o fato desses
movimentos
estarememprocessodefirmaçãoenquantosujeitosocialecoletivo.
Alémdisso,oslevantamentosiniciaisevidenciaramque,emborasejasedede
uma metrópole, os movimentos sociais urbanos de João ainda não se encontram
efetivamenteconsolidadosaopontodeseremreconhecidospelasociedade.
Da mesma forma, ao contrário do que ocorre em
outras cidades
metropolitanas, os MSUs de João Pessoa ainda não estão envolvidos com o poder
público ou com interesses partidários, embora, conforme identificado, o risco de
cooptaçãoéumarealidadepresentenasrelaçõessociaisdessesmovimentos.
29
Escolhido o recorte territorial a ser estudado, os procedimentos foram
montadoscomaseguinteestratégia:
1. Conhecer os MSUs de João Pessoa no sentido de evidenciar quais os que se
destacam por suas atividades a partir de suas intencionalidades e relação com à
cidade.
2. Conhecer a história da formação socioespacial da cidade de João Pessoa e a
influênciadaparticipaçãodosMSUsnesseprocesso;
3.
Identificaroslaçosentreasociedade(suasreaisdemandas),osmovimentossociais
urbanos (suas relações) e outros atores sociais, especialmente o poder público,
principalresponsávelpelaproduçãodoespaço;
4. Identificar o envolvimento desses movimentos com o processo de produção do
espaçourbanodeJoãoPessoa.
Combasenisso,fezseaopçãopeloseguinteprocedimento:
Construção de um alicerce teórico voltado para a identificação do que
está sendo proposto na investigação, especialmente no que se refere aos
debates.Osfundamentosestãorelacionadosàconcepçãodeproduçãodo
espaçonaperspectivadoterritórioedosmovimentos
sociaisurbanosna
perspectiva de suas expressões geográficas (ocupação e influência no
ordenamentourbano);
Realização de atividades de campo que possibilitassem cumprir a
estratégiamencionadaacima,aqualfoiigualmentesubdivididasemtrês
etapas: a) Pesquisa exploratória relacionada à coleta de informações; b)
pesquisa participante relacionada à realização de
entrevista e
acompanhamentodasatividadesdosMSUse;c) Entrevistacoletivacom
30
os coordenadores do movimento voltada para apreender os MSUs
enquantosujeitocoletivo.
Sistematização das informações de forma a delinear os laços entre o
teórico e o empírico e entre estes e a problematização evidenciada no
sentido de fornecer o alicerce necessário para dar sustância à afirmação
dequea
temáticatrabalhadacorresponde,defato,aumatese.
Para a realização da atividade de campo foi constituído um arcabouço
teóricocapazdefornecerosaparatosnecessáriosparasubsidiarapesquisa,oqualé
trabalhado nos capítulos que se seguem abordando temas como conceito de
movimentos sociais, produção do espaço, planejamento, gestão urbana, território,
moradia, entre outros.Todo o arcabouço
está voltado para analisar os diversos
papéis que os movimentos sociais exercem no espaço onde a classe “dominante
garante a subordinação e dependência dessas classes dominadas com relação ao
sistemasócioeconômicoemvigor”(LOJKINE,1997,p.314).
Até chegarmos à decisão pelo uso do método qualitativo e definição dos
procedimentosmetodológicostivemosquesuperaralgumasdificuldades,taiscomo:
conhecer o que subsidia o referido método para poder definir o roteiro das
entrevistas e do questionário aberto, e superar o fator distância que nos
impossibilitou o acompanhamento do cotidiano dos movimentos, levandonos a
substituir o uso da observação participante para realizar uma participação
observantequeconsistedasuperposiçãodosdiscursosobtidosde diferentesformas
(entrevista,análisedeprojetos,registrosetc.)formando,assim,amatrizdiscursiva:a
faladosujeitosocialpautadanasuperposiçãodeinformações.
Taisinformaçõesforamobtidasemseisatividades:contatoinicial,conquista
de confiança, realização de entrevista, aplicação de questionário, participação nas
31
atividadeseaquisiçãodemateriaisproduzidospeloeparaosmovimentos,além de
outrasinformaçõesreferentesaosfatoresdeformaçãodacidadedeJoãoPessoa.
No que concerne aos procedimentos adotados, eles foram organizados em três
frentes:
i) Trabalho de campo exploratório: correspondeu à primeira etapa da
atividade de campo, realizada em2005,a qual teve como objetivo atender
aos itens “1” e “2” da estratégia proposta. Foi realizado um levantamento
de todos os movimentos sociais atuantes em João Pessoa e definidos os
critérios que sustentam, efetivamente, quais desses poderiam ser
concebidos
efetivamente como urbanos. Com base nesta etapa, foram
selecionados, para análise, quatro movimentos: o Movimento Nacional de
Luta Pela Moradia (MNLM); O Movimento de Luta nos Bairros e favelas
(MLB); O Núcleo de Defesa da Vida (NDV) e a Central de Movimentos
Populares(CMP).Desses,oMNLMtemumaposição
dedestaqueporsero
movimento de maior expressão na cidade, além de ser o que
estruturalmenteseencontramais organizado;
ii) Pesquisa participante:
Correspondeu a segunda etapa, realizada em 2006
(primeirafase),entrevistacomoscoordenadores,eem2007(segundafase),
realizada entre os coordenadores dos movimentos. A sistematização das
informaçõesobtidasnessaentrevistaapartirdousodométodoqualitativo
pautadonaanálisedediscursoforneceuas informaçõesnecessáriasparaa
redação
do quinto capítulo da tese. Da mesma forma, foram obtidos e
confeccionados materiais iconográficos como mapas, fotos e figuras, além
de terem sido adquiridos documentos e livros que retratem o processo de
formaçãoespacialdacidadeeaatuaçãodosmovimentossociaisurbanos,e
de10DVDsproduzidospeloMNLM,nos
quaissãorelatadasalgumasdas
principais atuações desse movimento nos últimos anos. Tais materiais
foramutilizadosaolongodetodaatese.
32
iii) Questionários abertos: Correspondeu à terceira etapa da atividade de
campo aplicado junto aos membroscoordenadores dos movimentos. Esse
questionário possibilitou o complemento das informações que não
puderam ser adquiridas durante as entrevistas. Tais informações foram
complementadas a partir da observação das principais ocupações
realizadas pelos movimentos, com o devido registro fotográfico. Tais
informaçõessustentamosprincipaiselementosconstituintesdatese.
Aprimeiraentrevistafoirealizadajuntoacadaumdoscoordenadoresdos
movimentos a partir de um roteiro específico (Apêndice 1) montado par a obter
informações sobre os movimentos e a produção do espaço urbano. A segunda
entrevista foi coletiva (focal), realizada entre os coordenadores do MNLM, CMP e
MLB na sede do MNLM com base em alguns tópicosguia sobre a produção da
cidadeeaparticipaçãodosmovimentossociaisurbanos( Apêndice1).Aescolhado
local inibiu, em alguns momentos, o pronunciamento dos coordenadores do MLB e
CMP. A última estratégia utilizada foi a aplicação de um questionário aberto junto
aos coordenadores dos movimentos (Apêndice 1) enquanto complemento das
lacunasdeixadaspelaentrevista.
A principal dificuldade esteve relacionada ao agendamento que fosse
favorávelatodos,aescolhadolocaleofatodenãopodermosganharaconfiançados
coordenadorescomarapidezquedesejávamosumavezque
nãopodemosparticipar
docotidianodessesmovimentos.
A análise dessa entrevista correspondeu apenas à primeira parte da
elaboração da análise do discurso na montagem da matriz discursiva a qual foi
complementadapelaanálisedeoutrosdocumentosobtidosduranteasatividadesde
campo. Para preservar a imagem dos entrevistados e garantir fidelidade às
33
informações concedidas, foi entregue um termo de compromisso para cada um dos
entrevistados(Apêndice2).
Segueabaixoummodelodecomoasinformaçõesforamsistematizadasna
elaboração do discurso do sujeito coletivo, o qual serviu de base para a redação do
quinto capítulo. O modelo a seguir corresponde a um item da entrevista realizada
comocoordenadordoMovimentoNacionaldeLutapela Moradia(MNLM),sendoo
mesmo raciocínio utilizado para a análise das demais entrevistas e, portanto, na
formação do discurso do sujeito coletivo. Os procedimentos consistem na retirada
dasexpressõeschave,idéiascentrais e,então,formaçãodafalasocialoudiscursodo
sujeitocoletivosegundoosprocedimentosorientadosporLefèvreeLefèvre.
1. Transcrição da entrevista: realizada na íntegra contendo todas as expressões,
reações e observações possíveis de serem captadas. Essa entrevista foi realizada
juntoaumcoordenadordecadamovimento(Quadro02)
econtoucomapresença
deumobservadorcujafunçãofoidescreverocomportamentodoscoordenadores.
QUADRO02:
METODOLOGIA:1ª.ETAPA/
PERGUNTA1:PRODUÇÃODACIDADE/EXPRESSÕESCHAVE
Paravocê,paraquemestásendoconstruídaacidadeequemtemparticipadodaconstrução?
Rapazéoseguinte,acidadeestásendoproduzida,vamosdizerassim,paraaclassericaeaclassemédia.Opobreestá
ficandosempreparatraz.UmtempodesseeseDeusquisernósvamosfazerisso,nósqueremosfazerduasocupações
aqui em João Pessoa numa área extrema, que é a área da praia. Para você ter uma idéia, esse prefeito entregou a
Associaçãodosdesembargadoresdaquiumterrenoimenso.Issoéumafrontoàquelespobresquevivemnafavela
excluído.Então,voltandoparaapergunta,vejaqueacidadeestásendoconstruídaparaosricoseparaaclassemédia
equem produzmais são osgrandesempreiteiros. Hoje, porexemplo, paravo terumaidéia, a questãodo crédito
solidárioagentevaiconstruiras300unidadeseagentefezumaopçãoparaospequenosempreiteiros.Entãoagente
abriuumalicitaçãoeparecequeseisempresasconcorreramaessalicitação,entãoagenteconversandocomoprefeito,
ele disse não, olhe, eu gostaria que vocês não contratassem essas pequenas empreiteiras, vocês contratassem uma
empresa maior por conta da segurança e nós vamos apostar nessas pequenas empreiteiras. Hoje a gente fez o
contatoeviuqualaempresaquevaiteromenorcusto.Vamossimconversarcomessaspequenasempreiteiraspara
que eles também tenham vez na cidade. Chega de buscar pessoas deoutros Estados quevem para Paraíba para
arrancara riquezada Paraíbae os pequenos não temchance em nadaporque exatamenteaprópria legislaçãopede
coisaquefogedocontroleeaí,infelizmente,sãoosgrandesempresáriosquevemhojetomando....

Emdestaqueoqueficousendoconsideradocomoexpressõeschave.
P=pesquisador;E=entrevistado.
34
2. Selecionadas as expressõeschave, o objetivo passou a ser o de abstrair da
entrevista as idéias centrais possíveis de serem apreendidas no discurso dos
coordenadoresdosmovimentossociais(Quadro03).
QUADRO03:
METODOLOGIA:2ª.ETAPA
PERGUNTA1:PRODUÇÃODACIDADE/IDÉIASCENTRAIS.
Paravocê,paraquemestásendoconstruídaacidadeequemtemparticipadodaconstrução?
Id1
A cidadeé produzida paraos
ricos
Id2
O Movimento tem interesse
em realizar ações em área de
praia
a cidade está sendo produzida, vamos dizer assim, para a classe rica e a classe
média.Opobreestáficandosemprepara traz.UmtempodesseeseDeus quiser
nós vamos fazer isso, nós queremos fazer duas ocupações aqui em João Pessoa
numa áreaextrema, queé aárea dapraia. Para vocêter umaidéia, esseprefeito
entregouaAssociaçãodosdesembargadoresdaquiumterrenoimenso.Issoéum
afronto àqueles pobres que vivem na favela excluído. Então, voltando para a
pergunta, veja que a cidade está sendo construída para os ricos e para a classe
média e quem produz mais são os grandes empreiteiros (...) para você ter uma
idéia, a questão do crédito solidário a gente vai construir as 300 unidades e a
gentefezumaopçãoparaospequenosempreiteiros(...).Oprefeito,eledissenão,
olhe,eu gostariaque vocês o contratassemessaspequenas empreiteiras, vocês
contratassem uma empresa maior por conta da segurança e nós vamos apostar
nessas pequenas empreiteiras (...) que vem para Paraíba para arrancar a
riquezadaParaíba e ospequenosnãotem chanceem nadaporque exatamentea
própria legislação pede coisa que foge do controle e aí, infelizmente, são os
grandesempresáriosquevemhojetomando.
Id3
Quemproduz a cidadeoos
grandesempreiteiros com
permissão do poder público,
mas o movimento quer a
participaçãodospequenos.
ID1 ID2 ID3
3. A partir das idéias centrais, é possível identificar o discurso do movimento
quantoàproduçãodacidade:
“ParaoMovimentoNacionaldeLutaporMoradia,acidadedeJoãoPessoavem
sendo produzida para os ricos uma vez que o poder público, executivo e
legislativo,temfavorecidoaosgrandes empreiteiros,osquais,alémdeterem a
preferência na construção, passam a ter as áreas de praia como o
principal
investimento em infraestrutura. Assim, o MNLM busca reduzir essa
disparidade através de ocupação nessas áreas e de luta para que os
investimentosurbanossejamtambémpatrocinados porpequenasempreiteiras.
Aocupaçãoemumaáreadepraiaserveparachamaratençãodopoderpúblico
paraavozdessesatores
sociais”.
35
Com relação a esta temática, os coordenadores dos outros movimentos
expressaram posicionamentos próximos ao exposto pelo MNLM, conforme poderá
ser observado no quinto capítulo. A matriz discursa é formada, portanto, com base
naanálisedosdiscursosdesses movimentos,osquaissão expressosnasentrevistas,
questionários, documentos produzidos, relatos de experiências, entre outras formas
deexpressões.
1.2 Introduçãoàtese:elementosestruturantes.
Ao se propor a realização de um trabalho científico, o pesquisador
fatalmente se depara com duas formas ao mesmo tempo contraditórias e
complementares de se fazer ciência: a descoberta de fatos ainda não percebidos e a
redescobertadefatosmuitoconhecidoscomoverdadesabsolutas.
O primeiro tipo está diretamente relacionado à análise prática dos
fenômenos que interferem na dinâmica da sociedade, os quais são facilmente
catalogados e passíveis de terem seus elementos constituintes mensurados e
analisados por meio de parâmetros lógicos e experimentais quanto à sua forma de
reprodução. Estes são, na maioria das vezes, caracterizados pela preocupação em
estudaro“desconhecido”.
Porsuavez,asegundasituaçãocorrespondeàanálisedecomoasociedade
participa da formação do espaço onde vive sendo esta participação influenciada,
principalmente, por fatores conjunturais (econômicos, políticos e ideológicos)
organizadosedinamizadossegundoaatuaçãodecadasegmentodasociedadenuma
relaçãoespaçotempo.
Essa segunda perspectiva é, assim, mais complexa que a primeira,
justamente por confrontar a sociedade com verdades historicamente consolidadas,
36
especialmente no que diz respeito à produção e apropriação do espaço constituído
pelos atores sociais. Contudo, essas verdades possuem dinâmicas e demandas que
não podem esperar pelas descobertas obtidas no campo científico, as quais, quando
existem, são produtos de contradições e discordâncias por parte dos seus
investigadores cujos olhares distintos quanto à perspectiva do objeto estudado
acabamporreativaro ciclonoqualasociedade,deummodogeral,nãorec onhecea
importânciadosresultadosobtidos.
Nesse contexto, o estudo da dinâmica social, a atuação humana no espaço
atravésdesuasinterrelações,tornaseograndedesafiodopesquisadordasciências
humanas uma vez que o trabalho passa a ser influenciado por fatores que se
apresentam alheios ao seu controle. Isto delineia a capacidade de percepção dos
problemas artificialmente criados, os quais acabam sendo externados por uma
subjetividade repleta de valores morais socialmente criados e difíceis de serem
reconhecidospeloprofissional.
Desta feita, o pesquisador se depara com um problema teórico e prático.
Teórico, pois não existe consenso na definição da melhor forma de se observar tal
realidade, sendo submetido a fortes questionamentos quanto aos fundamentos
metodológicosselecionadosparaobservaçãodamesmaoudapertinênciadoestudo
paraodesenvolvimentocientífico.Étambémpráticoporque,namaioriadasvezes,o
pesquisador se depara envolvido por dúvidas tanto com relação ao recorte espacial
quanto ao uso e pertinência desse recorte e na definição dos critérios a serem
utilizadosnaobservaçãodarealidadesocioespacialestudada.
A justificativa de lembrar tais limitações da pesquisa social, nestas linhas
introdutórias, está associada ao reconhecimento de que, ao fazer uma opção pelo
desenvolvimento de uma tese sobre a atuação dos movimentos sociais urbanos, o
presentetrabalhoenquadrasenocontextodasegundasituaçãomencionada.
37
Durante muito tempo, a explicação da atuação dos movimentos sociais se
caracterizou como de responsabilidade dos sociólogos, sendo as principais
produçõesvoltadasparaanalisaraatuaçãodessesatoressociaisoriginadasemduas
escolas que coordenaram a produção do conhecimento sociológico desse tema: a
norteamericana e a européia, tendo como principais referências a produção
bibliográfica de autores como Manuel Castells, Donald Pierson, Alberto Mellucci,
JeanLojkine,JordiBorja,AlainTouraine(GOHN,2004).
Aproduçãodessesautoresévoltadaparaaanálisedosfatoresresponsáveis
pela origem, desenvolvimento e extinção dos movimentos, além da própria
participação dos mesmos no processo social. De uma forma geral, o espaço é
concebido como representação do território (área ou ambiente) no qual os
movimentos atuam ou exercem sua influência no contexto da organização
4
social.
Percebese, com esta afirmação, um desafio epistemológico a ser superado pelo
geógrafo no que diz respeito a observar como tais movimentos se expressam
geograficamenteinfluenciandonaproduçãosocialdomesmo.
Apesar de reconhecermos a existência de uma diversidade de trabalhos
sobre presença e atuação dos movimentos sociais urbanos,
é inquestionável o
número de trabalhos e pesquisas preocupados em explicar os fundamentos da
classificaçãodopapeldaatuaçãodessesatoressociais.
Contudo,adificuldadedeincluiroespaçoenquantoelementocondicionante
da atuação dos movimentos além do não reconhecimento do mesmo como um dos
objetivosdessaatuação,tornalimitadae
complexaatentativadesecriarumateoria
queexpliqueas práticasdessesatoresemtodas assuasvertentes. Oresultadodisso
4
A palavra organização, relacionadaàdinâmica socialno espaço, deveser compreendida,ao longo
do texto, como significado de forma estrutural da sociedade (social), do espaço (espacial) ou de
ambos(socioespacial).Quando, por sua vez, nos referirmos ao processo (formação social, espacial
ousocioespacial)compreendasecomosinônimodeprodução
enquantoformadeapropriação.
38
refletese na existência de uma diversidade de paradigmas volvidos com a questão
da atuação e classificação dos movimentos sociais, especialmente os que atuam no
espaçourbanoatravésdaproduçãodeterritórios.
As análises que mais se aproximaram da inclusão do território como
elementonaanálisedosmovimentossociaisforamàquelas decorrentesdainfluência
do materialismo histórico e dialético. Contudo, os trabalhos desenvolvidos pelos
geógrafos de base marxista sobre a relação dos movimentos sociais com o espaço
estiveramnormalmentelimitadosaobservarestarelaçãoenquantoconseqüênciasde
lutadeclassesdecorrentesdainfluênciadasrelaçõescapitalistasdeprodução.Assim,
osgeógrafosdebasemarxistadesconsideraram,namaioriadoscasos,aobservação
desses movimentos enquanto sujeitos coletivos que influenciam o processo de
produção do espaço ao analisálos como mais um elemento vitimado pelas
conseqüências sociais, políticas e econômicas do capitalismo e não enquanto
potenciaisatoresprodutoresdoespaço.
Dessa forma, ao analisar as práticas dos movimentos sociais urbanos as
análisesbuscam,tradicionalmente,darênfaseàestruturaurbanaaoinvésdeanalisar
oespaçourbanoemsuaformação.Buscamfalarsobrerelaçõesdeproduçãoaoinvés
deanalisarostiposdeapropriação;e,finalmente,analisaraslutasdeclasseaoinvés
das diferentes formas de se delimitar as territorialidades, reforçando o processo de
segregaçãosocioespacial.
AGeografiapode(eacreditamosquedeva)serobservadacomoumaciência
capaz de fornecer os subsídios necessários para a observação dessa nova forma de
visualizaçãodaspráticasdosmovimentossociaisurbanosumavezque,aolongodos
anos, tem no seu objeto de estudo (o espaço) o fundamento para compreensão da
formacomoasociedadesedesenvolveeseexpressanoespaço.
39
No Brasil, alguns geógrafos (José Borzacchiello da Silva, Marcelo de Souza
entreoutros)têmtrabalhadocomestatemáticaaoanalisarosmovimentospopulares
de bairro, movimentos dos semteto etc., enquanto atores sociais. Contudo, as
definições sobre o significado de movimento social urbano ou de movimentos
populares urbanos desenvolvidas por esses professores acerca da atuação dos
movimentosesuaclassificaçãocomourbanosmerecemserretomadasnosentidode
observarsetaisaçõesexpressam, de fato, produçãodeterritório.Retomaremosesta
análisenopróximocapítulo.
Diantedoexposto,umdosfundamentosdateseestárelacionadoàseguinte
observação:osmovimentos urbanos sãoaquelesqueinfluenciamnastransformações
espaciais a partir da produção do território (escala da moradia) e da influência nas
transformaçõesnasfunçõesespaciais.
Noâmbitoanalíticotemse observado,nasdécadasrecentes, uma mudança
nosparadigmasdasciênciasdedicadas aoestudodosfenômenossociaisaoadotarem
alguns conceitos e/ou definições como passíveis de serem analisados a partir de
perspectivasdistintas,dentreosquaissedestacamasconcepçõesdecidade;urbano;
movimentos sociais; atores sociais; intencionalidade; produção; apropriação; entre
outros. Ao tornar transversais tais concepções, as ciências têm fornecido um aporte
maissubstancialàsociedade.
Foi por esse motivo que optamos por trabalhar a formação socioespacial a
partir das práticas efetivadas pelos movimentos sociais urbanos, identificando suas
práticaseintencionalidadesnacidadeondeseexpressamterritorialmente.Oobjetivo
éevidenciarque oespaçoaparececomopreocupaçãodos MSUsumavezqueestes,
ao lutarem por melhorias sociais, acabam participando do processo de produção e
apropriaçãodopróprioterritórioondeatuam.
40
O fato dos MSUs de João Pessoa estarem em consolidação possibilita
evidenciaroinícioda articulação dessesatoresedecomoeles podem influenciar(e
influenciam) nas transformações urbanas, sem ainda estarem envolvidos, em sua
plenitude, com interesses políticos que levam a perda da essência do movimento.
Para isso, observamos os posicionamentos desses atores sobre questões políticas,
econômicaseposturaideológicaassumidanodesenvolvimentodasaçõesnoespaço
urbano.
Finalmente, concebemos que a tese tem seus fundamentos sustentados na
idéiadequeem JoãoPessoaexistemmovimentos sociaisurbanosquese expressam
produzindo territórios, influenciando, portanto, no processo de sua formação
socioespacial. Na concepção aqui trabalhada, os movimentos realmente urbanos,
segundo uma perspectiva geográfica, seriam aqueles que lutam pela conquista do
direito à cidade a partir da conquista pelo direito à moradia e do direito de
acessibilidadeaoespaçourbano.
CAPÍTULO2
Dacriaçãodo territórioàproduçãodoespaço
urbano:umaperspectivageográfica
“Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto
muro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde
passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na
obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após
geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada,
acorrentados sem poder mover a cabeça ou locomover-se, forçados a
olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o
mundo exterior nem a luz do Sol, sem já mais ter efetivamente visto
uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombra dos outros e de
se mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro,
do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o
interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de
fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da
caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando
nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas
sombras também são projetadas nas paredes da caverna, como num
teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas
e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos
ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos
projetados são seres vivos que se movem e falam...” (Chauí, 2005, p.
11).
42
Aepígrafeacimaéconhecidaporboapartedospesquisadores.Tratasede
uma formulação de Platão (o mito da caverna) que teve por objetivo fazer uma
analogia acerca da situação humana e sua resistência e temor pelo desconhecido.
Nesta, os homens se vêem amarrados às suas próprias limitações e temerosos pelo
desafio de tentar descobrir as verdades que norteiam sua existência, dando a elas
verdadeiras formas (ideológicas e estruturais) que possibilitem explicar a
complexidadequecadavezmaisenvolveeinfluencianasrelaçõessocioespaciaisda
qualfazemparte.
Apartirdautilizaçãodamesma,porémsemapretensãodequerermosnos
compararàgenialidadequelevouPlatãoatalanalogia,propomosdarcontinuidade
aonossodebatecomoleitorconvidandooaodesafiodetentarassociarestasituação
à necessidade do ser humano em criar territórios e defendêlos no sentido de
formular relações e práticas necessárias à produção do espaço produzido e
apropriado.
Nesse contexto, a nossa caverna (o mundo das aparências apontado pelo
filósofo)corresponderiaàsprópriasnecessidadesque,aolongodahistória,emanam
doserhumanonabuscadosseusdomínios elimites(físicosousimbólicos),osquais
sãocondicionadospelasrelaçõessocioespaciaisesuasreestruturações.Contudo,com
o passar do tempo, esses limites acabam ganhando uma forma cada vez mais
definida,resultantedepráticasouideologiasformuladasnoâmagodasociedade.O
medo de mudanças e a conseqüente perda do controle desses limites, associados à
dificuldadeempercebêlos,levamestehomemaumanecessidadenaturaldequerer
transformararealidadevividaporelemesmo.
Por sua vez, as sombras corresponderiam aos arranjos (jurídicopolítico,
ideológico,culturaleeconômico)que,aolongodotempo(omovimentodasimagens
na parede), influenciam na concepção de novas formas e valores. A compreensão
dessa dinâmica é, portanto, evidenciada por membros da própria sociedade que
43
passam a questionar os motivos e limitações desses arranjos, além dos recortes
muitasvezescriadoseimpostosàsociedade.
Aessedomínioo homem concebeucomosendo território.Suanaturezae
dinamicidade decorrem de práticas que levam à materialização, segundo um
determinadotempoeemdecorrênciadeumadiversidadedefatoresdeordemsocial,
política e ideológica. Contudo, ao falarmos de materialização espacial (produção de
territórios) não temos a intenção de excluir a influência da subjetividade na
concepção de território, a qual resulta na formação de territórios simbólicos. Nesse
contexto, os Movimentos Sociais Urbanos despontam como uma alternativa
encontradaporalgunsindivíduosnosentidodedifundirnasociedadeanecessidade
departiciparativamentedoespaço,produzindooeapropriandose.
Noâmbitocientíficoessasdenominaçõeseanalogiasvêmsendoefetivadas
deformaconsciente,sendoasmesmasevidenciadasapartirdeumadiversidadede
terminologias voltadaspara explicar os motivos que levam o ho mem à necessidade
de produzir tais domínios, mantêlos ou modificálos. A origem do termo território
encontrasediretamenterelacionadaàspráticasquejustificamasformaspelasquais
ohomemvem participando daproduçãodoespaço aonde vive.Assim,o usodessa
concepção passa a ser associado a uma diversidade de significações, quase sempre
relacionadasàsrelaçõesdepoderentreosatoressociais.
Ficaevidentenestepontoanecessidadedeumavisãodeterritórioapartirda
concepçãodeespaçocomohíbridohíbridoentresociedadeenatureza,entre
política, economia e cultura, e entre materialidade e ‘idealidade’, numa
complexa interação tempoespaço (sendo assim) concebido a partir da
imbricação de múltiplas relações de
poder, do poder mais material das
relaçõeseconômicopolíticas aopoder maissimbólico das relaçõesde ordem
maisestritamentecultural.(HAESBAERT,2004,p.79)
De fato, o território, assim como seus desdobramentos (territorialidade,
territorialização, multiterritorialidade etc.), está prioritariamente relacionado às
relaçõesdepoderexpressasnoespaço.Maisdoqueacompreensãodosignificadode
44
território, o problema passa a ser a necessidade de se identificar às suas diversas
origens e assim definir as tendências ou imagens produzidas enquanto mecanismo
deapropriaçãodoespaço.
Assim sendo, o questionamento sobre a produção do espaço, expresso
como território, demanda da necessidade de se identificar não apenas os atores ou
comoelesatuam,masosmotivosqueoslevamaatuardeumadeterminadaformae
não de outra; de valorizar determinados elementos socioespaciais e desconsiderar
outros;deoptarporalgumasformasdeparticipardaproduçãodoespaçoignorando
outras igualmente relevantes. No caso dos Movimentos Sociais Urbanos essa
produção está relacionada à produção e conquista da moradia. Temse, assim, um
territóriodamoradia.
A escala na qual o território é produzido não é exclusiva desses atores
sociaisumavezquenãoestáalheiaaosinteressesdeoutrosatoressociais,aexemplo
do poder público municipal e dos agentes e empreendedores imobiliários, que ora
propiciam as condições de produção e reprodução e, em outros momentos,
dificultam esse processo criando contendas com os segmentos da sociedade civil
organizada.
Taiscontradiçõesjustificamofatodemuitospesquisadoresconceberem a
existência de uma crise na cidade e da cidade. Esta, no entanto, não se evidencia
apenas em termos de uma matriz teórica representada através das diversas
indefinições conceituais, mas também como fruto das próprias relações
socioespaciais que acabam influenciando os indivíduos a submeterem o uso dessa
terminologia a qualquer fator, conjuntura ou modelo, sem se preocuparem com a
identificação dos elementos que condicionam sua produção: organização e
reorganizaçãodosespaços.Istopropiciaaconstruçãodemitos(HAESBAERT,2004)
e, com eles, a (re)produção de formas e processos que caracterizam os territórios
enquantoexpressãogeográficadasrelaçõessociaisnoespaçourbano.
45
Osatoressociaissãoconcebidosassimcomomentoresdasdivergênciasna
produçãodoespaçosegundoasquais oterritóriodaapropriaçãoé,simultaneamente,
o da desapropriação e o da condição. Alguns de forma consciente, estruturando os
elementos que possibilitem um determinado tipo de formação socioespacial, outros
de forma espontânea, sem maiores preocupações com os debates que resultam na
produçãodoespaço.
Nesse sentido, a relação entre forma e estrutura, no âmbito da atual
conjuntura socioespacial, tem se tornado cada vez mais complexa uma vez que a
estrutura se apresenta agora como a essência dos fatores modeladores, produto das
intencionalidades impressas por tais atores. Enquanto essência, essas
intencionalidadessãopoucopercebidaspelasociedadeumavezqueapopulação,de
uma forma geral, tem restrições para observar os condicionantes que tornam os
arranjosaparentementeinvisíveis.
As relações sociais continuam a se tornar mais complexas, a se
multiplicar,aseintensificar,atravésdascontradiçõesmaisdolorosas.
Aformadourbano,suarazãosuprema,asaber,asimultaneidadeeo
encontro,nãopodemdesaparecer(...).É umgrande jogoqueseestá
realizandosobnossosolhos,comepisódios
diversoscujosentidonem
sempreaparece(LEFEBVRE,2001,p.79).
Retomandoaanalogiafeitanoiníciodessecapítuloépossívelcaracterizar
aprimeirahipótesequenortearátodooprocessodeestruturaçãodonossoraciocínio
no presente texto: é imprescindível a compreensão dos processos que explicam a
produção do espaço cujos arranjos (relações econômicas, sociais, políticas etc.) são
produzidos e concretizados,
embora a exposição de suas intencionalidades seja
imperceptível para a sociedade. Desta forma, como delegar o direito à apropriação
doespaço,aexemplododireitoàmoradia,mobilidade,inclusão,entreoutros,senão
se possibilita a compreensão dos motivos que historicamente permitem tal
apropriação?Aoproduzireseapropriar do espaço sem compreenderoquedefato
significam as “projeções” e quem as originam, a sociedade é influenciada a
46
reproduzir modelos e ideologias que nem sempre correspondem às suas reais
demandas.
Diantedessequadrodereferências,ainfluênciadosMSUsnaproduçãode
territórios de moradia tem se apresentado como um elementochave para a
compreensão do processo de produção do espaço tendo em vista as contradições
inerentes ao
contexto de sua formação (SILVA, 1983) a partir da influência sobre os
processos sociais (GOHN, 1991). Contudo, esta relação está condicionada à própria
natureza do movimento, a qual se encontra diretamente relacionada aos fatores
ideológicosconduzidosporeventoshistóricosdenaturezacultural,social,econômica
epolítica.
Assim, ao lidarmos com
o estudo de atores sociais cuja ação está
diretamenterelacionadaapráticasdecorrentesdosfatoresapontados,odesafiopassa
serentãoodesetentarevidenciaroquedefato se encontra por trás dos discursos.
De fato, enquanto agentes produtores do espaço, os MSUs apropriamse dele de
forma diferenciada, segundo os elementos presentes no contexto urbano e,
principalmente, suas relações com as práticas sociais relacionadas aos problemas
urbanos(CASTELLS,2000,p.376).
Desta forma, a luta pelo direito à cidade é conseqüência da própria
necessidade que esses atores sociais passam a ter ao se tornarem suporte da
conquista do território a partir da aquisição da moradia. Isto torna necessária a
compreensãodoquesepodeentendercomosendoaessênciadessesatores,ouseja,a
sua unidade e elementos constitutivos, fundamentais na identificação das
contradiçõesinternasinerentes aosmovimentosenquanto indicadorbásico(GOHN,
1991)dacompreensãodesuaparticipaçãonaproduçãodoespaçourbano.
47
É perceptível, portanto, a existência de uma estreita relação entre os
MovimentosSociaisUrbanoseosfatoresresponsáveispelaproduçãodoespaçoonde
exercem suas territorialidades, assim como a relação deles com os demais atores
sociais que também participam da produção social do espaço. Temse, assim, a
visualizaçãodeumarelaçãoestruturante,relaçãosocialentreosmovimentossociais
de ordem basicamente política e ideológica, e outra estruturadora, relação dos
movimentoscomoespaçoondeatuamrealizandoaçõesdeintervenções(ocupação),
resistência (luta) e permanência (conquista do direito à moradia e acessibilidade
urbana). Nesse contexto, a estruturação, compreendidacomoprocessode produção
social do espaço, é originada pelas diversas relações sociais numa perspectiva de
relaçãoespaçotempo.
Aestruturaçãodoespaçoéadimensãoespacialdasrelaçõessociais,e,
sendo estas lutas de classes, a estruturação do espaço é luta de classes,
nãosomentenosentidodequeelaéprodutodelas,masnodequeela
éoqueestáemjogoe,mesmo,ummeiodelas.
(LIPIETZ,1988,p.105).
Ofatoé quemaisdo queoestudodaorganizaçãodessesmovimentos,as
suas práticas e relações internas e externas se apresentam como o desafio para a
compreensão da influência dos mesmos no contexto da formação social do espaço
urbano. Enquanto sujeito coletivo, os Movimentos Sociais Urbanos representam, de
acordo com Silva (1983, p. 13), “as mais diversas formas de expressão, mobilização,
organizaçãoelutadossetorespopularesurbanos”.
Isso se pelo fato de não conseguirem encontrar os parâmetros para a
apreensão da dinâmica socioespacial assim como a própria dificuldade de
promoveremasarticulaçõesnecessáriasaoreconhecimentodosmesmoscomoatores
produtoresdedinâmicasespaciais.Istopodeserobservadoporsuatrajetóriadentro
daorganizaçãoespacialdacidadeumavezqueseencontrambastantefragmentados,
nãoconseguindo,assim,apreenderacidadeemsuatotalidade.
48
Os MSUs são, portanto, condicionados a valores postos por outros atores
sociais, especialmente pelo poder público, responsável direto pelo ordenamento do
uso e ocupação do solo urbano. Isto tem influenciado na forma de atuação dos
movimentos, inclusive no que concerne a luta pelo direito ao uso dos espaços,
especialmente no que se refere à relação dialética entre o público e o privado no
contextodaapropriaçãoespacialumavezqueenvolveasaçõesdosmovimentosem
suarelaçãocomoespaçoecomosdemaisatoressociais.
Issofazcomquesejamuitopróximaarelaçãoentreapropriaçãoespaciale
aproduçãodoespaçodecorrentedasaçõesdosmovimentossociais.Combasenisso
são produzidos fortes embates quanto à identificação dos elementos a serem
evidenciados como prioritários pelos movimentos sociais atuantes na cidade,
resultando em uma fragmentação e limitação da atuação desses nas lutas pelos
direitossociais.
Os movimentos estão presos às mesmas amarras que neutralizam a
capacidade da sociedade em avaliar a participação desses atores no processo de
produção do espaço urbano. Por sua vez, esta produção, cada vez mais, perde
significado uma vez que não se apresenta como produto real da atuação dos
movimentos sociais, sendo mais um espaço de reprodução do que um espaço de
estruturação.
Diantedessequadrodereferências,oqueexplicariaa evidênciadetantas
diferenças e contradições internas aos movimentos e entre eles e a sociedade,
especialmentenoquedizrespeitoàprópriaconfiguraçãodoespaçoondehabitame
travamsuasrelaçõessociais?Quaisasestratégiasdesenvolvidasparaquepossamter
o real poder de influência? As práticas territoriais desses atores têm realmente
permitidoainfluêncianaproduçãodoespaço?
49
2.1Aproduçãodoespaçonaapropriaçãodoterritório:embuscadoeixonorteador
Odiscursoeasaçõesvoltadasparasepensaraproduçãodacidade,tendo
como parâmetro os embates evidenciados entre os atores responsáveis por sua
organização territorial, têm reduzido os laços entre o planejamento e a gestão dos
espaços urbanos. Isto se evidencia na ação dos atores sociais que se apropriam do
território sem compreender os reais motivos que influenciam no processo da
formaçãosocioespacial.
Os debates emergem em meio a três perspectivas que juntas representam
todo o mosaico dialético da pr odução social do espaço: a
econômica (porque as
mudanças na cidade são coordenadas por relações sociais de produção); a jurídico
política(porqueoestadoaindaseapresentacomograndearticuladordoprocessode
produçãoespacial)eaideológica(porqueoslimitesentreosinteressesindividuaise
os coletivos convergem enquanto visão de mundo). Juntas, essas perspectivas
são
responsáveis pela reordenação das configurações territoriais, especialmente no que
dizrespeitoaosespaçosurbanosondeasrelaçõessocioespaciaisseapresentamcada
vezmaiscomplexas(LIPIETZ,1988).
Aoproduzirconflitos,adialéticaresultante darelaçãoentreessesarranjos
setornaexpressãodopróprioespaço,transformandocontínuaeprogressivamenteo
mesmo.
Com base nisso, o espaço passa a ser compreendido pela sociedade como
“maisumajustaposiçãodelugaresdoqueumespaçointerativo”(SILVA,1997,p.90)
produzidopelosembatescriados entre as políticaspúblicas(formuladaspelopoder
público) e as necessidades sociais (reivindicadas por outros atores) dentro de uma
dadaformaçãosocioespacial.
Sãoatravésdasrelaçõesprovocadaspelainterfacedesses indicadoresque
se evidenciam os maiores contrastes sociais (convergências e dissidências) e da
procuraporalternativasquefavoreçamoprocessodeorganizaçãoespacial.Istose
emdecorrênciadeestratégiasetáticaspolíticoadministrativas,asquais,porsuavez,
50
se complementam e se contrapõem segundo a influência de cada ator social e do
processodeformaçãohistóricadoespaço.Percebese,comisso,a importânciadese
observar a produção do espaço a partir da realização de articulações entre esses
atoressociaisdentrodeumdeterminadocontextointraregional.
Ao fazermos referência à formação social do espaço, estamos afirmando
que a compreensão de uma organização espacial, construída e moldada pelos
arranjosrelacionadosanteriormenteesuaspossibilidadesdeinterrelações,remeteà
observação de um espaço produzido como um processo contínuo, decorrente das
açõesecontradiçõesdasociedadeatravésdosseusatoressociais.Assim,propõesea
observação de um espaço no qual o aspecto mais relevante não se fundamente nas
formasefunçõesespaciais,masnarelaçãocontínuaentreambas.
Nesse sentido, as contraposições inerentes aos embates formados entre os
atores sociais encontram os seus fundamentos em duas visões de mundo distintas,
porém complementares. Estamos nos referindo às noções de totalidade e estrutura
social. A totalidade corresponde aos objetos criados e recriados, além de suas
inevitáveis articulações (SANTOS, 1985), nas quais os MSUs vêm cada vez
participandodesuaprodução.Aestruturasocialestárelacionadaàsfuncionalidades
inerentes aos elementos espaciais (HARNECKER, 1983), segundo a qual se torna
possívelacompreensãodaprópriarelaçãoentreosatoressociaisresponsáveis pelas
conexões necessárias ao processo de produção do espaço. Desta forma, tanto a
totalidade como a estrutura social proporcionam novos desafios do ponto de vista
teórico e metodológico uma vez que se encontram volvidos por tendências e
conjunturasdiversificadas,porémcoexistentes.
A totalidade social corresponde, portanto, às articulações evidenciadas
entreosatoressociaisemumadadaconfiguraçãoespacialtendonafiguradopoder
públicooatorresponsávelpelarealizaçãodasestratégiasqueacabamcondicionando
a participação dos outros segmentos da sociedade, alguns organizados e outros
51
envolvidospelainfluênciadeumoumaisfatoresconjunturais(econômico,jurídico
político e ideológico). Assim, compreende o processo estruturante na organização
espacial,nestecasorepresentadopelarelaçãodosMovimentosSociaisUrbanoscom
os demais atores sociais. Essa, no entanto, não deve ser compreendida como
totalidade espacialousocioespacialuma vezquenenhumator social seriacapazde
apreendêla em sua plenitude; mas enquanto conjunto das relações sociais entre
diversos atores sociais: o poder público, as empresas privadas e os diversos
segmentosorganizadosdasociedadecivil,entreosquaissedestacamosMSUs.
a estrutura social está relacionada aos fatores estruturadores da
organizaçãodoespaçoaorepresentarasrelaçõessocioespaciaistravadasnomesmo,
sendo composta pela participação de três grandes grupos sociais: as empresas
privadas (que atuam no espaço, dandoo de valor e sendo um dos principais
elementos ordenadores do processo de expansão e recuo da estrutura urbana); o
poderpúblico(oqual,tendoinfluênciaemdiversasescalas,apresentandosecomoo
responsável direto pelas normas e condutas socioespaciais) e a sociedade civil (que
principalmente nas décadas recentes vem ganhando uma importância política cada
vezmaissignificativa).
Não obstante, a busca pelo desenvolvimento socioespacial se apresenta
como uma preocupação comum a todos. A sua origem e evolução são repletas de
contradições e posicionamentos dicotômicos criados tanto pela conjuntura da
organização espacial, a qual se encontra delineada por parâmetros engendrados ao
longo de sua formação histórica e ocupacional, como pelas produções acadêmicas
voltadasparaoestudodasquestõesurbanas.
Assim, o espaço produzido e apropriado pelos Movimentos Sociais
Urbanos é objeto da interferência de fatores históricos relacionados às identidades
criadaspelousoepráticasdesegmentosdasociedadenãoinseridosnosmovimentos.
Da parte dos movimentos, a experiência adquirida no convívio diário, no qual
52
debatem, discutem, concordam e discordam entre si, influencia na formação de um
pensamento comum sobre o espaço onde atuam. Com base nessas observações
compreendesequeaprodução(eoconsumo)doespaçoéobservadanaapropriação
diferenciadaporpartedosdiferentesatoressociais.
Dessa forma, as relações sociais responsáveis pela produção do espaço
fundamentamse na compreensão de que o espaço é produzido por quem de fato
exerce o direito de efetivar sua produção. Assim, antes de dar continuidade a este
raciocínio, fazse necessário deixar evidenciado o estreito elo que diferenciaria o
espaçoproduzido(daprodução)eoespaçoapropriado(daapropriação).
Ultrapassando os limites postos pela própria influência capitalista,
observase que a produção do espaço não se resume às transformações estruturais
evidenciadas no mesmo, ou seja, “a fabricação material (atividades produtivas da
ConstruçãoeObras Públicas)dossuportesfísicosdessa atividade”(LOJKINE,1997,
p. 153). Essa fabricação material referida pelo autor está relacionada, em nossa
análise, aos debates que engendram a relação entre o agente produtor, o agente
consumidoreoagentefacilitador.
Ofatoéqueaproduçãodoespaçovaimaisalém.Elacorrespondetambém
àsprópriasintencionalidadesdosindivíduos,asquaissãoproduzi daspelosembates
entre as demandas individuais e coletivas; o público e o privado compreendendo,
destaforma,“aproduçãodasidéias,dasrepresentações,dalinguagem
5
(LEFEBVRE,
2001b,p.44)
5
EmumsentidomaisamplodoqueoformuladoporLefebvre,entendemossermaisapropriadoouso
dotermodiscursoaoinvésdelinguagemumavezqueoprimeirotrazconsigoarepresentaçãomais
apropriada das intencionalidades dos indivíduos: suas expressões ou consciência (produto social).
Nessesentido,alinguagemse
apresentacomoumafacetadessasexpressões.
53
O significado de produção, no estudo e compreensão da cidade, se
expressaemdoissentidos:um amplo, quecorrespondeàmatrizdoseusignificado,
ou seja, relacionado à criação; e outro restrito, relacionado às bases materiais
(LEFEBVRE,2001b)
[A]cidade cobrebema duplaacepçãodo termo‘produzir’.Obra ela
mesma, é o lugar onde se produzem as obras diversas, inclusive
aquilo que faz sentido da produção: necessidades e prazeres. É
também o lugar onde o produzidos e trocados os bens, onde o
consumidos. Reúne essas realidades, essas modalidades
do
‘produzir’”(LEFEBVRE,2001b,p.51)
Oespaçoproduzidoé,também, o espaçoprodutodasidéias(LEFEBVRE,
2001; LOJKINE, 1997) no qual o valor de uso se torna relevante o entendimento do
processodeformaçãourbana.Ao contrário do que pode ser observadonoprocesso
deproduçãopautadonamaterializaçãodasterritorialidades,oespaçoproduzidoéo
espaço também das intencionalidades: o espaço como sujeito ao se apresentar
enquanto “produto e produtor das relações entre os objetos e a própria relação
social” a qual “ocorre de forma desigual uma vez que é produto de diversos
segmentosdasociedade”(CALIXTO,2000,p.36ep.42).Aoproduziremterritório,a
partir da ocupação espacial, os movimentos estão nada mais nada menos que
expressandooumaterializandosuasintencionalidades.
Ao fazer referência ao espaço como sujeito, estamos nos reportando às
diversasmudançasevidenciadasnosobjetoscriadosaolongodahistória,aexemplo
de praças, campos, entre outros que têm suas funcionalidades, formas e estruturas
modificadas de acordo com a relação social que se evidencia em um determinado
períodoassimcomoascoexistênciasdesuasfunções,reconhecidocomorugosidades
por Milton Santos (1997). Nesse sentido, a quem se concebe o direito de promover
mudanças nesses espaços? Seria o futuro desses espaços apenas de interesse das
sociedades atuais? Que fatores ou eventos devem ser considerados como
54
condicionadores da configuração espacial por determinarem as rugosidades e os
novosobjetos?
Tais inquietações nos remetem à constatação de que, na atualidade, a
questão urbana perpassa as questões de ordem prática ao se enraizar em outra que
acreditamos ser mais problemática para se solucionar: a de ordem teórica,
especialmente no
que se refere à conexão entre espaço e urbano, representada pela
própriaconcepçãodeterritório(espaçoproduzido).
Esta observação nos remete a necessidade de repensarmos algumas
concepçõesquehistoricamente vêm“engessando”acapacidade decompreensãoda
atual complexidade encontrada na ação dos atores sociais no espaço onde exercem
suas territorialidades,
ou seja, o espaço das apropriações (intencionais ou não;
voluntáriasoucircunstanciais).
Essas limitações têm, como base, o desafio, por parte do geógrafo, em
realizar estudos mais substanciais sobre a ação dos atores sociais, em especial os
MSUs,naproduçãodoespaço,especialmentenoquedizrespeitoanecessidadedese
levar em consideração o fato de tais atores produzirem ideologias e, com elas “a
produção e a conseqüente difusão de um ‘estilo de vida’, valores, gostos,
acontecimentos, experiências, interesses” (CALIXTO, 2000, p. 179). Isto,
possivelmente, explicaria as dificuldades de se desenvolver pesquisas geográficas
voltadas para entender o espaço na perspectiva da ação dos Movimentos Sociais
Urbanos, assim como o próprio reconhecimento da geograficidade existente na
abordagemdessetema.
Aprópriaimprecisãodasconcepçõessobreoqueseriadefatooambiente
urbanoeseuselementosconstituintestemdificultadoodiálogosobreaorganização
dos mesmos, especialmente entre os cientistas que estudam a sociedade. Nessa
perspectiva, Souza (2004) fornece algumas evidências sobre a questão urbana
relacionada às imprecisões das bases conceituais, especialmente as influenciadas
55
pelas relações socioespaciais que interferem no processo da produção e reprodução
doespaçogeográfico.
Parafacilitaracompreensãodosargumentosquepassaremosaapresentar,
fazse necessário evidenciar a nossa concepção de espaço (conceito norteador da
pesquisa), a nossa concepção de urbano e a conseqüente compreensão sobre os
processosem
queseevidenciamelementosresponsáveispelaapropriaçãoespacial.
Uma das referências mais utilizadas no meio acadêmico, especialmente o
geográfico, na definição do espaço, foi a formulada por Santos (1997, p.51), ao
classificálo como um “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de
sistemasdeobjetosesistemasdeações,não
consideradosisoladamente,mascomoo
quadroúniconoqualahistóriasedá”.
O espaço é compreendido, assim, como o campo das relações ou o
ambiente onde a sociedade cria novos objetos ou recria os existentes através da
materialização de suas práticas, escrevendo no território a sua existência. Santos
propõe ainda a visualização da indissociabilidade entre os sistemas de objetos e
ações,observadosemduasperspectivas:verticalidadesehorizontalidades.Estas,por
sua vez, são aprimoradas ao serem entendidas como representação da totalidade
socialnumarelaçãoespaçotempoemquesefazempresentesasdiacronias(sucessão
detempos)esincronias(simultaneidadedetempos)ousuperposiçãodoseventos.
Emcadalugar,ossistemassucessivosdoacontecersocialdistinguem
períodosdiferentes,permitindofalardehojeedeontem.Esteéoeixo
das sucessões. Em cada lugar, o tempo das diversas ações e dos
diversosatorese amaneira comoutilizam otemposocial nãosão os
mesmos. No viver
comum de cada instante, os eventos não são
sucessivos, mas concomitantes. Temos aqui o eixo das coexistências.
(SANTOS,1997,p.126).
Compreendese, assim, que tais relações entre objetos e ações não podem
serevidenciadasapenasnasescalasregional,nacionalouplanetária,mastambémna
própria escala do cotidiano da sociedade, cujo resultado corresponde a verdadeiras
56
transformações espaciais, ou seja, “intrusão da sociedade nessas formasobjetos
resultantenasmudançasdefunções”(SANTOS,1997,p.85).Estaescaladocotidiano
éaescaladacidadeondeaspráticassãobemmaisevidenciadasenaqualsepercebe
as manchas deixadas no espaço através da participação no processo de redefinições
no ordenamento socioespacial. Esse cotidiano se apresenta não mais como uma
relação entre os iguais, mas enquanto produto de relações conflitantes, dialéticas e
contraditóriasentreossujeitos.
o urbano se apresenta como algo que “designaria então uma forma
especialdeocupaçãodoespaçoporumapopulação,asaberoaglomeradoresultante
deumaforteconcentraçãoe deumadensidaderelativamentealta”(CASTELLS,2000,
p.40).Seria,paraCastells(2000),o espaço ondeseefetivamascontradiçõessociais,
abrangendo uma dimensão, densidade e heterogeneidade, correspondendo assim
campo onde as relações sociais, enquanto sistema de atores (CASTELLS, 2000), se
encontra em “ebulição”, ou seja, ao local nos quais as relações se tornam mais
complexas: um “campo de tensões altamente complexo (...) um possívelimpossível
que atrai para si o realizado, uma presençaausência sempre renovada, sempre
exigente”(LEFEBVRE,1999,p.47).
Nessa perspectiva, Seabra (2001, p. 191) entende o urbano como “espaços
profundamente recortados pela propriedade, divididos ou fracionados e que estão
funcionaleestritamentearticuladosaoníveldocotidiano”cujosentido“transcendea
cidade,semtodaviadeixardeenglobala”(CARLOS,2001,p.32).
Diante disso, o espaço urbano se apresenta como uma totalidade
decorrentedeváriosarranjos socioespaciaiscujovalordeusoencontraselimitadoao
tipo de funcionalidade e acesso permitidos (VILLAÇA, 2001) tendo, na prática
cotidianadosatoressociaisoprincipalelementodesuacomplexidade.Istoremeteà
necessidade de ultrapassarmos os limites que compreendem o urbano enquanto
estruturaebuscarnasações desenvolvidas pelos atores sociais, em suaspráticasde
57
produção, consumo e apropriação espacial, a reestruturação enquanto essência da
dinâmicaurbana.Paraoautor(VILLAÇA,2001),ofatorlocalizaçãoseconstituicomo
um importante indicador da evidência de mudanças socioespaciais percebidas nos
ambientes urbanos, alguns de forma mais rápida, outros de forma lenta; alguns de
forma abrangente e homogênea, outros de forma segmentada e heterogênea. A
localização se constitui, portanto, em um elemento estratégico na decisão pela
ocupação e conquista do território cujo discurso da permanência a todo custo está
amparadonalutapelodireitoàcidade.
Tais condicionantes possibilitam visualizar que, antes mesmo de ser
produto da influência dos fatores econômicos, políticos e ideológicos a produção
social do espaço se efetiva com a criação da identidade do indivíduo e do grupo
coletivocomoespaçoondeesteatua(CARLOS,2001;SEABRA,2001).Seusgostose
desgostos. Seus medos e suas esperanças; mas também suas práticas de luta e
resistência. Suas vivências e suasexpressões, marcas e símbolos. Sua transformação
doeu(indivíduo)paraonosso(coletivo).
Assim, ao nos submetermos ao desafio de analisar como os Movimentos
Sociais Urbanos participam do processo de produção do espaço através de sua
apropriação, percebemos que a participação desses atores sociais na busca pela
apreensãodatotalidadeespacialassimcomosuascoexistências,apresentamsecomo
um ausentepresente evidenciado na própria lógica dialética do processo de
produçãodoespaçourbano.
Atotalidade?Dialeticamentefalando,elaestápresente,aquieagora.
E não está. Em todoato humano, e talvez desde a naturezavivente,
existemtodososmomentos:trabalhoejogo,conhecimentoerepouso,
esforço e fruição, alegria e dor. Mas esses momentos exigem uma
‘objetivação’na realidadee nasociedade (...).
Próximanessesentido,
a totalidade está, portanto, igualmente distante: imediaticidade
vividaehorizonte.(LEFEBVRE,1999,p.132).
58
Observadas nesta perspectiva, as transformações socioespaciais vão além
dasmudançasnafuncionalidadedosobjetos.Elassãotambémideologiae,comotal,
sofre interferência dos atores sociais quanto ao seu significado (CASTELLS, 2000) e
na contextualização do urbano em sua dinâmica e historicidade. Isto influencia na
observação do risco de se conceber o espaço apenas como produto das relações de
troca (enquanto valor de troca) desconsiderando a importância dos elementos que
possibilitam considerálo enquanto valor de uso de acordo as interrelações
produzidas entre as conjunturas que delimitam a sua formação‐produto dialético
decorrentedasrelaçõessocioespaciais.
Comrelaçãoàdificuldadedeseobservaradinâmicaespacialapartirdessa
perspectiva,Lefebvre(1992)argumentaque
Opontochaveparaacompreensãodarelaçãodecorrentedahistoricidade
refletida nas relações sociais materializadas, as quais são ao mesmo tempo
coexistentesesuperadas(anegaçãoousubstituiçãodovelhopelonovo),variatanto
horizontalmente, numa perspectiva espacial sincrônica, como verticalmente, numa
perspectivatemporaldiacrônica.
the opposition between exchange value and use value,
though it begins as a mere contrast or nondialectical
antithesis, eventually assumes a dialectical character.
Attempts to show that exchange absorbs use are really
justanincompletewayofreplacingastaticoppositionby
adynamicone.Thefactisthatuse
reemergessharplyat
oddswithexchangeinspace,foritimpliesnotʹpropertyʹ
butʹappropriationʹ. Appropriation itselfimplies time (or
times),rhythm(orrhythms),symbols,andapractice.The
morespaceisfunctionalized‐themorecompletelyitfalls
undertheswayofthoseʹagentsʹthathavemanipulatedit
so as to render it unifunctional‐the less susceptible it
becomestoappropriation.Why?Becauseinthiswayitis
removedfromthe sphereoflivedtime, fromthetime of
itsʹusersʹ, which is a diverse and complex time
(LEFEBVRE,1992,p.356).
Nesta citação Lefebvre ressalta a
dificuldade de se observar as
transformações do espaço como valor de
troca para espaço enquanto valor de uso.
Enfatizaaindaaimportânciadeseconceber
o espaço o enquanto propriedade, mas
enquanto apropriação uma vezque
expressa tempos, ritmos, símbolos e
práticas.Paraoautor,quanto
maisoespaço
se torna funcionalizado, mais se
dependentedainfluênciadosagentesqueo
manipulam tornandoo unifuncional,
menossuscetívelfica àapropriação.
59
Taisrelaçõessãoprodutorasdeespaçoscadavezmaisamorfoseflexíveis
uma vez que “na prática socioespacial, esse mundo se revela em suas contradições,
em um movimentoque aponta a um processo em curso, com base no processo das
relaçõessociais”(CARLOS,2001,p.11e12).
Embora exista uma dificuldade de se visualizar essas observações nas
territorialidades produzidas pelos Movimentos Sociais Urbanos atuantes em João
Pessoa, especialmente pela dificuldade de articulação entre os mesmos, podese
perceber que a produção do espaço está condicionada a diversos interesses. Estes,
porsuavez,vãodesdeasuperaçãodoslimitesmunicipais,aoseespraiarparaescala
regionalondeseevidencia umahistória dependênciacomasorganizações espaciais
evidenciadas em Recife e em Natal, até o próprio processo endógeno de relações e
dinâmicasespaciaisnaformaçãointraurbanadacidade.
Ofatoéque, aolidarcomascoexistênciasdasatuaçõessocioespaciais, os
movimentos apresentam dificuldades em perceber a própria dinâmica espacial, no
concernenteàsestratégiasdosdiferentesatoressociais,emsuatotalidade.Damesma
forma,asrelações entre os atores sociais apresentamse superficiaisumavezqueas
açõessãodesenvolvidasdeformaisolada.
Dessa forma, a produção do espaço urbano de João Pessoa, enquanto
produto de práticas (sociais, econômicas, políticas, ideológicas etc.) desenvolvidas
pelos movimentos urbanos, é compreendida tanto pelas práticas e relações sociais
(CALIXTO,2000)comopeloterritório,porrepresentaroredutodamaterializaçãode
taisrelaçõesepráticas(RIBASet.all.,2004).
60
2.2 Desvendando os mitos para descobrir as ‘máscaras’: a configuração territorial
emcontexto.
OsestudossobreainfluênciadosMovimentosSociaisUrbanosvêmsendo
realizados pelos geógrafos de forma ainda moderada, especialmente no que diz
respeitoinfluênciadessesatoresnoprocessodeproduçãodoespaço.
com relação aos estudos sobre a atuação dos movimentos sociais no
campo, estes são mais comuns de serem encontrados, inclusive por parte dos
geógrafosnodesenvolvimentodeanálisessobreosimpactosdasrelaçõestrabalhistas
e a luta pela terra a partir da análise das territorialidades desses atores sociais. As
produçõesgeográficasabordandoestatemáticaseapresentamcomoeixotemático
dediversasinstituiçõesdeensinosuperior.
Porsuavez,oestudodaatuaçãodessesatoresemumespaçourbano,está
fragmentadoaalgumasInstituiçõesdeEnsinoSuperior,sendoaproduçãorestritaa
algunspesquisadoresqueanalisamessesatorescomomaisumelementodasrelações
sociais declasse semaprofundarem suas análises sobreaparticipação dessesatores
na produção social do espaço a partir da produção de territórios e da influência na
promoçãodaacessibilidadeurbana.
Isso evoca a necessidade de se repensar as limitações que historicamente
têm influenciando na forma de se pensar o espaço geográfico produzido ou
apropriado por tais atores sociais. Dessa forma, concordamos com Gohn (2004) ao
mencionar que existem pelo menos três fatores que têm influenciado em tais
limitações.
O primeiro estaria relacionado à tendência de, enquanto pesquisadores,
elaborarmos estudos empíricodescritivos nos quais contextualizamos a existência
desses atores sem apreender as expressões dos mesmos no âmbito da cidade. Isto
tem produzido efeitos tanto positivos, a exemplo de uma importante renovação e
61
dinamismo das ciências sociais (GOHN, 2004), possibilitando uma maior
aproximação com o sujeito e sua influência na dinâmica socioespacial; como
negativos, em especial os relacionados às limitações da observação de práticas e
relações travadas com outros agentes espaciais e com o espaço no qual se cria um
vínculo afetivo e nos quais as territorialidades reproduzem práticas contraditórias
quantoaousoeproduçãodoespaçourbano.
Conforme observado no capítulo anterior, o uso do método qualitativo
reduzosefeitosnegativosnamedidaemqueosfundamentosdaanálisedediscurso
possibilitam observar os membros que formam os MSUs enquanto atores sociais
coletivos.
Outrofatorquerefleteesta limitação correspondeàprópria fragmentação
dodebatesobreapráticadessesmovimentossociaisatuantesnoespaçourbano.Para
isto,serianecessárioumdiálogomaisconsistenteentreasciênciashumanas.
A existência de um distanciamento entre as possibilidades de se observar
as práticas dos movimentos sociais e as bases teóricas que explicam suas atuações
tornaaexplicaçãodasaçõesdesses atoressociaisbemmaiscomplexa.Oterritório e
seuselementosconstituintes(tipodeestruturae relaçãosocioespacial)apresentamse
comoosmeiospara seobservarasdas estratégias etáticasdosmovimentossociais,
especialmentenoqueserefereàlutapelaresoluçãodasquestõesurbanas.
Um terceiro fator está relacionado ao uso descompromissado do modelo
Europeu para os estudos das práticas desenvolvidas pelos Movimentos Sociais
UrbanosnoBrasil.ConformemencionadoporGOHN(2004),talusoépreocupante
uma vez que os recortes defendidos não correspondem às mesmas demandas e
complexidades inerentes a realidade brasileira. Os eventos ocorridos na Europa,
assim como a própria conjuntura políticosocial que proporcionaram o surgimento
dos movimentos sociais, são distintos dos eventos evidenciados no Brasil, fato que
62
torna necessário rever os fundamentos que são utilizados, a partir da associação
entreaproduçãoeuropéiasobreaformaçãodosmovimentosurbanos,naexplicação
dosurgimentodosMovimentosSociaisUrbanosnoBrasil.
Por outro lado, a carência de produções voltadas para a construção de
estudos teóricos que expliquem o processo de criação e difusão dos Movimentos
Sociais Urbanos no Brasil torna importante a consulta de estudos desenvolvidos
pelos pesquisadores europeus. Para isso, são necessários esclarecimentos adicionais
queinfluenciemnareduçãodasdisparidadesentreestasduasformasdeseobservar
aproduçãodoespaçourbanoapartirdosMovimentosSociaisUrbanos.
Problema semelhante ocorre com a ausência de um diálogo com a
produção norteamericana uma vez que alguns elementos presentes nas estruturas
urbanassãoherdadosdaprópriaobservaçãodomodeloamericano,tantonoquediz
respeito aos contrastes socioespaciais, criados em decorrência da importância dada
ao Estado, como pelos próprios valores culturais que ao longo do século XX foram
infiltradosereproduzidosnaculturabrasileira.
Algumastentativasdeaproximaçãodosestudoscientíficossobreestetema
vemsendorealizadasnocontextolatinoamericano,tendocomodestaqueopapelda
CLACSO (Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales) na difusão das produções
científicas entre os pesquisadores de diversos países latinoamericanos acerca de
questões de relevância social, as quais são produções provenientes dos diferentes
camposdoconhecimentocientífico.
As limitações apresentadas anteriormente têm, no entanto, dificultado a
compreensão de muitos aspectos evidenciados na atuação dos Movimentos Sociais
Urbanos, fato que explica o desenvolvimento desse tipo de segmento social em
algunsespaçoseineficiênciaemoutros.Emoutraspalavras,vivemoscomaausência
deumaporteteóricoquesirvadefundamentoparaaexplicaçãodacomplexidadede
63
nossa estrutura social. A construção desse aporte teórico deve ser concebida em
comunhãocomarealidadeempíricaquecompõemoselementos queidentificamas
característicasdosmovimentosatuantesemnossosespaçosurbanos.
Contudo,emborasejamconstatadastaislimitações, é igualmente verdade
a existência de uma diversidade de influência e identidades entre os Movimentos
Sociais Urbanos, alguns reproduzindo os modelos europeus, especialmente os
voltados para compreensão dos limites estruturais, e outros baseados na guerra
políticoideológica caracterizada pelos novos movimentos sociais evidenciados no
paradigma americano. Em ambos, temse presente o processo de construção e
reestruturação de territórios: numa perspectiva mais material (disputa territorial,
especialmente pelos direitos) e outros mais simbólicos (busca por uma identidade
com o espaço onde os mesmos atuam). Isto justifica a necessidade de
desenvolvimentodeestudosqueanalisemessasinfluências.
Essasperspectivasnospossibilitamrefletirsobreumaquestão:quandonos
referimosaoprocessodeproduçãoapropriaçãodoespaçopelosMovimentosSociais
Urbanos no Brasil, a que concepção de território deveríamos fazer referência: Ao
território das relações de poder, produto e produção das relações socioespaciais ou
aoterritóriodosimbólicoqueenvolveaanálisedecomooespaçoéapropriadotendo
emvistaodebatepolíticoamparadoporfatores(valores)ideológicos?
No primeiro caso, temse o território enquanto produto das práticas
urbanas,caracterizadopelovalordadoaoespaço(valordetroca).Atriangulaçãoda
relaçãoentreosatoressociaisdeveserobservadaemsentidodecomplementaridade.
Assim,essasrelaçõestêmnaesferapúblicaoelemento delineador uma vezqueéa
partir dos parâmetros (legais e políticos) propostos pelo município, que as
territorialidades do espaço produzido são, então, materializadas (Figura 2) pelas
estratégiasetáticassocioespaciaisdesenvolvidaspelosdemaisatoressociais.
64
Figura2:relaçãoentreosatoressociais:odebatesobreaproduçãodoterritório

O território enquanto produto pode ser compreendido como a categoria
espacial na qual podem ser valorizados os objetos, as funções, as estruturas e os
processos,coordenadospelaesferapúblicaqueordenaaspráticasdeoutrosatorese
a seleção dos espaços a serem utilizados como estratégicos, redirecionando as
relaçõesdepoder(disputaterritorial)paraosmesmos.
O espaço se torna, assim, expressão das relações de poder entre esses
atores, segundo a qual existem arranjos (políticos, econômicos e ideológicos) que
coordenam os avanços e retrocessos na configuração territorial, cabendo ao poder
públicoamontagemdocenárioasertrabalhadopelosdemaisatoressociais.Estes,se
por um lado são influenciados por tais práticas, por outro também às influenciam
umavezquefornecemnovossignificadosaosobjetoseações.
no segundo caso, o território simbólico, se utilizarmos como referência
as concepções trabalhadas por Haesbaert (2004), o território é decorrente do
significadodadoaoespaçopelasociedade,atravésdeseusvalores,planoserelações.
Esse território (espaço apropriado) é envolvido por relações simultâneas que não
necessariamente precisam estar disputando, entre si, o controle do território para
Afigura2representaopapeldopoderpúblicona
definição das territorialidades desempenhadas
pelos atores sociais. A representação busca
evidenciar,pelomenos,trêsfrentes: a)existeuma
dependênciaentreasações(estratégiasetáticas)a
qual está representada pelas setas; b) O poder
público projeta as regras a serem seguidas pelos
atores, especialmente no contexto do
ordenamento territorial conforme representado
pela sombra projetada e; c) mesmo tendo que
obedecer as regras e diretrizes postas, os demais
atores sociais mantêm relações de dependência
que influenciam na própria atuação do poder
público.
65
reduzilo (dar sentido a sua existência). Nessa perspectiva, o territórioapropriado
seria o espaço das multiterritorialidades (Haesbaert, 2004) dos atores sociais ao se
relacionarem (territórioproduto) disputando o espaço, produzindoo, mas também
serelacionandocomomesmodeformasimultânea.Temse,portanto,umterritório
decorrentedeapropriação.
Para este nova perspectiva, a triangulação da relação entre os três atores
sociais deve ser observada de forma superposta, tendo como delineadores todos os
atores sociais que desenvolvem estratégias e táticas de apropriação territorial. Esta
apropriação,porsuavez,nãonecessitaserapenasporsubstituição(diacronias)uma
vezquepodeserevidenciadaemsuasincronia(simultaneidade).
Nesse contexto, o espaço é observado a partir das práticas simultâneas
entreosatoressociais,sendoclassificadopelosvaloresdadosporseuusoeinteresses
(Figura3).
Figura3:relaçãoentreosatoressociais:odebatesobreaapropriaçãodoterritório.
Éemmeioaodebate decorrente darelaçãoentreessesatoressociaisesuas
práticas que permeia a própria formação socioespacial. A cidadeé produzida como
conseqüência de um movimento maior que transcende seus domínios (econômicos,
políticoseideológicos),influenciandonasrelaçõesevaloressocioespaciais.Poroutro
lado, nesta mesma cidade são expressos os conflitos e contradições sociais entre os
A figura 3 representa a organização espacial a
partir das práticas territoriais produzidas pelas
relações entre os atores (área de interseção
superior). Nesse sentido, o controle do poder
público não conseguem apreender as práticas
cotidianas dos demais atores sociais,
representada na interseção entre as empresas
privadas e asociedade civil.Ao
mesmotempo,
asestratégiase táticasparticularese asrelações
com o poder público são agora estabelecidas: a
a
p
ro
p
riação influencia, assim, na
p
rodução do
66
seus próprios atores. Assim, cada prática socioespacial é influenciada e influencia
esteprocesso.
Um desses atores, vinculados à esfera da sociedade civil organizada, são
justamenteosMovimentosSociaisUrbanosquepassamaterumaparticipaçãomais
ativanodebatesobreodireitoà cidadeapartirdainfluência daconjunturapolítica
evidenciadanopaísemmeadosdosanosde1970.Defato,estaconjunturasubsidiou
a criação de movimentos questionadores dos processos de produção do espaço
urbano, especialmente no que diz respeito a lutas urbanas de favorecimento social
sobre as principais demandas espaciais: infraestrutura, equipamentos urbanos de
usopúblicodeummodogeraletc.
Asaçõesdesenvolvidasporessesatoressociaisnesseperíodoserviramde
parâmetros para a adoção das concepçõesestruturalistas desenvolvidas por autores
comoManuelCastells,JordiBorja,AlainTouraine,entre outrosquesepreocuparam
comaformulaçãodeteoriasemetodologiasparaexplicarosprocessosqueestavam
sendodesencadeadosnaestruturaurbana.
No âmbito da geografia, a influência desses fatores esta relacionada às
disputas de poder entre o Estado, enquanto ator hegemônico, e os atores sociais
emergentes que se sentiam mergulhados pelo então modelo capitalista de
desenvolvimento:aglobalização(aberturademercados),areestruturaçãoprodutiva
(desenvolvimento de novas tecnologias e meios de produção) e o neoliberalismo,
representadopelaminimizaçãodaparticipaçãodoEstadonomercado(LESBAUPIN,
2000;ARAUJO,2000).
Nesse contexto, a produção do espaço é conduzida pelas contradições
inerentesàspráticasdosatoressociaistendo,noordenamentourbanodesenvolvido
pelopoderpúblico,os“limites”doprocessodeproduçãodoespaço.aapropriação
éconduzidapelascomplementaridadesdeinteressesentreessesatoresque,embora
nem sempre concord antes, são complementares na medida em que constroem
67
territorialidades a partir de diálogos e práticas assim como a própria disputa de
poder entre os mesmos (apropriação de território), a qual evidencia as contradições
socioespaciaisesuacomplexificação.
Por outro lado, os mesmos interesses pelo terr itório (produzido e
apropriado) são evidenciados quando os atores sociais defendem a valorização do
território por seu valor de uso (importância no contexto espacial). Os Movimentos
SociaisUrbanospartemtantodeumaperspectivacomodaoutra,ouseja,produzem
território, ao realizarem ocupações e lutarem pela conquista dessas áreas ocupadas,
se apropriam dos territórios, ao manterem suas práticas socioespaciais e
influenciaremnoordenamentourbano.Énessecontextoqueidentificamosadialética
na atuação dos Movimentos Sociais Urbanos, assim como a sua complexidade
quantoaointeressepelodireitoàcidade.
Odireitoà cidadeé,portanto, decorrentedaparticipaçãonaproduçãodo
espaço uma vez que os MSUs passam a se apresentar como representantes legais
pelos direitos sociais pela obtenção de melhorias na estrutura urbana e na própria
qualidade de vida da sociedade. Da mesma forma, o direito é obtido pela
apropriaçãodoespaçoumavezquepassam,também,areivindicarodireitoaousoe
acesso aos espaços produzidos ao longo do processo de formação socioespacial da
cidade.
As lutas desenvolvidas no contexto urbano desde a década de 1970 são
forjadasemmeioaessasduasinfluências,sendoclassificadasportrêsparâmetros:a)
a luta por questões relacionadas ao consumo coletivo, que resultou na participação
direta na produção espacial; b) a luta pela criação de identidades culturais e
valorização da autonomia conquistada, tendo as preocupações relacionadas ao
direito ao uso e acesso ao espaço produzido; e c) o aumento do poder local, neste
caso com forte participação de empresas privadas nacionais e multinacionais,
68
responsáveispelareduçãodaparticipaçãodosmovimentosurbanos:sejanoquediz
respeitoàprodução,sejanoconcernenteaapropriaçãourbana.
As reivindicações dos MSUs estão, assim, pautadas na elaboração de
discursos,fatotambémobservadonoqueserefereàaçãodoEstado,agentecoibidor
das práticas desses atores. Na maior parte dos casos, os movimentos eram
coordenados pelas pastorais da Igreja Católica que, além de estimularem
mobilizações voltadas à transformação social (inclusão social), protegiam os
membrosdomovimentoeinfluenciavam narealizaçãode ações de estratégias para
delimitaçãoterritorial.Assim,atuavamnadefiniçãodosterritóriosquedeveriamser
ocupados
ou utilizados para difusão das lutas desenvolvidas pelos mesmos,
contribuindoparaaadoçãodeumnovosignificadoanoçãodesociedadecivil.
Duranteoperíodo19701980,eprincipalmentenofinaldadécadade80,a
noção de sociedade civil sofre algumas alterações, devido, entre outras coisas, a
associação desse significado
com as noções de autonomia, participação, direitos
humanose,especialmente,cidadania.Estestermossãocadavezmaisrelacionadosà
lutadosmovimentos.
Nãosetratamaisdeumsinônimodesociedade,masdeumamaneira
de pensála, de uma perspectiva ligada à noção de igualdades de
direitos,autonomia,participação,emfim,osdireitoscivis,políticose
sociais da cidadania (.....) a noção de sociedade civil se transforma e
passa a ser compreendida
em oposição não apenas ao Estado, mas
também ao mercado. Tratase agora de uma terceira dimensão da
vidapública,diferentedo governoedomercado.Em vezde sugerir
uma idéia de uma arena para a competição econômica e a luta pelo
poder político, passa a significar exatamente o
oposto: um campo
ondeprevaleceosvaloresdasolidariedade(BREDARIOL&VIEIRA,
1998,p.101e108).
Assim como ocorre com a compreensão do processo da organização do
espaço urbano, os movimentos sociais podem ser compreendidos a partir de três
perspectivas: a) a política representada pelos movimentos de bairros que
emergiram na cidade em meados dos anos 1970; b) a cultural representada,
69
predominantemente, pelos movimentos que passaram a se preocupar com a
igualdadeeliberdade,especialmentedegêneroeraça;ec)aideológicapautadana
busca pela autonomia e pela luta em defesa da descentralização administrativa e
melhoriaseminfraestruturaeequipamentosurbanos.
Estadescentralizaçãofezcomqueosatoressubstituíssemasreivindicações
sócioambientaisporreivindicaçõesquetransformassemdefatoaestruturasocial,o
que resultou no surgimento de novas demandas como o debate sobre público
privado e a luta pela cidadania, atualmente reconhecida como direito à cidade
(GOHN, 2004). Por outro lado, as transformações políticas, associadas às mudanças
econômicas e sociais, passaram a influenciar em mudanças nas relações sociais,
tornando cada vez mais fragmentada a ação dos movimentos uma vez que se
confundem com os interesses individuais de seus membros. Com isto, a concepção
deterritório(produçãoeapropriação)tornaselimitada.
Isto influenciou para que na década de 1990 houvesse um descrédito
quantoàimportânciadosmovimentossociais,especialmentenoquedizrespeitoaos
debatessobreoprocessodeformaçãoespacial(disputaporterritórios).Estasituação
se modificou apenas na metade da década de 1990 por conta de uma alteração na
formadesepensarpoliticamenteoespaço.
Nesse contexto, representantes da sociedade civil passaram a ter uma
importânciamaiorsendomaisvalorizadosporpartedopoderpúblicoquepassoua
desenvolver um discurso de uma administração mais participativa e transparente.
Esse processo acabou reduzindo o número de movimentos preocupados com
mudanças em fatores estruturais assim como o surgimento de outros preocupados
comacidadania, ouseja,a lutapelodireitoàcidaderepresentadapelaparticipação
naprodução,consumoe apropriaçãoespacial.Adicotomiainerenteàconcepçãode
território (produção e apropriação) assume, então, uma nova importância ao
70
aproximar as lutas ao cotidiano da sociedade, associando as ações ao discurso
proferidoporsujeitosquerepresentariamumadeterminadacoletividade.
Alutaemerge eserealiza noníveldavida cotidianaénesteplano
quepercebem,lutamereivindicam.Dessaprática,comovimos,surge
a consciência de que não se trata de uma luta apenas pela
manutençãodobairro;umapreocupaçãoemdiscutirosentidoda
cidade,emtorno
datransformaçãodavida.(CARLOS,2001, p.301e
302)
Emdecorrênciadessaaproximaçãodaescaladocotidiano,osMovimentos
Sociais Urbanos passaram a ter como prioridade a difusão do trabalho coletivo
(direito a ter direito) e ao próprio processo de exclusão social (combate à violência,
pobreza e segregação). Foi em meio a esse contexto que os movimentos sociais de
João Pessoa começaram a se estruturar. Eles surgem, portanto, em um momento
crítico: desconhecimento, por parte da sociedade, do papel e importância desses
atores sociais para o processo de ordenamento socioespacial; emergência de ONGs
que passam a realizar funções tradicionalmente desenvolvidas pelos movimentos e
ausência de um histórico de experiência com o espaço no qual exerce sua
territorialidade.
Com isso, os movimentos passam a ser caracterizados pelo grau de
inclusão e participação dos atores sociais no processo de ordenamento urbano. A
apropriaçãodoterritóriose efetiva deformafragmentada umavezqueos objetivos
do movimento são também fragmentados. A dificuldade em se articular com os
outros movimentos produz uma atuação ainda incipiente. Tais fatores vão servir
para mostrar a fragilidade existente nos movimentos urbanos: ausência de uma
atuaçãomaisefetivanoprocessodeproduçãoespacial.
No caso João Pessoa, a participação dos Movimentos Sociais Urbanos no
debateeaçõespararesoluçãodequestõesurbanasapareceemmeadosdadécadade
1990.Estesmovimentos surgemcomsériosproblemas,dentreosquaissedestacama
dificuldadedeatuaçãoem escalasdiferenciadasedadificuldadederealizaremações
71
articuladas. Poderseia afirma, assim, que os MSUs de João Pessoa existem sem
existir uma vez que escapam aos mesmos a capacidade de apreender as diversas
escalasdeação.
O debate sobre a produção do espaço é restrito a reiv indicações
superficiais uma vez que os movimentos não participam ativamente das relações
socioespaciais inerentes à estruturação das formas, funções e estrutura urbana. Por
sua vez, evidenciase uma passividade quanto à luta pela apropriação espacial. O
reflexo dissoencontraserelacionadoàdificuldadedeseevidenciarosreaisvalores
queidentificamopessoense,ouseja,suaidentidade.
OsMSUsdeJoãoPessoaaparentam,assim,terdificuldadesdeespacializar
suasaçõesdeformaaparticipardoprocessodeproduçãoeapropriaçãoespacial.Os
fatores econômicos, políticos e ideológicos são apresentados como as máscaras da
atuação desses movimentos, especialmente por influenciar na articulação dos
mesmos e, consequentemente, na espacialização de suas ações. O fato de não
participarem ativamente da produção e de não se apropriarem do espaço traria,
nessecontexto,repercussõesaoprocessodeformaçãourbanadacidade.
Tal questionamento será analisado com maior acuidade nos próximos
capítulos.Antes,noentanto,éprecisodeixarevidenciadoque,independentedograu
de complexidade encontrado tanto na estrutura espacial da cidade como em sua
estrutura social, os movimentos sociais são atores sociais importantes na produção
do espaço urbano uma vez que, apropriandose das vantagens e desvantagens
inerentes ao próprio espaço, possibilitam uma maior visualização dos fatores que
condicionam sua formação. Para isto, se faz necessário deixar entendido o que
concebemosporMovimentosSociaisUrbanos.
72
2.3Quemsãoesses“novos”atoressociais?
A inclusão das aspas ao questionarmos a identidade dos Movimentos
Sociais Urbanos justificase pelas diversas contradições inerentes a origem dos
mesmos no tempo e no espaço, especialmente por parte dos teóricos que se
dedicaram ao estudo desses atores sociais utilizando tais contribuições enquanto
subsídio para entender as particularidades desses movimentos no Brasil enquanto
conseqüência do processo de exclusão social decorrente dos impactos da
globalizaçãode massaquetemdespertadonasociedadeointeresseporseorganizar
elutarpordireitossociais,aexemplododireitoàmoradia.
Notempo,existea hipótese dequeessesatorestenhamsurgidode forma
mais expressiva na década de 1970 quando diversos países da América Latina,
inclusive o Brasil, vivenciavam um momento de pressão do autoritarismo militar
despertando na sociedade o anseio pela obtenção da autonomia e inclusão social.
Esta situação proporcionou o surgimento de movimentos institucionalizados:
sindicatos,pastorais,representantesdebairros,etc.
Existe igualmente a hipótese de que, no Brasil, os MSUs tenham surgido
entre as décadas de 1980 e 1990 a partir do processo de redemocratização
(especialmente no Brasil), e das inquietações sociais decorrentes da difusão da
política neoliberal e do impacto da globalização. Tais
eventos despertaram em
segmentos da sociedade (população mais carente) o interesse pela conquista dos
direitos sociais, especialmente os relacionados aos direitos à moradia digna e
mobilidadeurbanaatravésdalutapelareformaurbana.Dessaforma,taisatoressão
originados dos segmentos da sociedade que lutam por justiça social e qualidade de
vida(condiçõesdehabitabilidade,emprego,moradia,etc.).
73
Quanto ao espaço, as divergências pairam em torno da hipótese de que
esses atores sociais sejam articulados em escala nacional, desenvolvendo atividades
territoriais bem definidas a partir de uma agenda comum de ação; ou estejam
presentes em diversas cidades realizando encontros nacionais, porém possuindo
formas de ação bem diferenciadas como é o caso do CMP (Central de Movimentos
Populares)quenacionalmenteatuacomocoordenaçãodemobilizaçõese intercâmbio
entre os movimentos, mas em diversas cidades a atuação se aproxima a de um
movimento social. Outro exemplo é o Movimento Nacional de Luta por Moradia
(MNLM) que, a partir de decisões tomadas em encontros nacionais, desenvolvem
ações comuns (ocupação) nas cidades onde possuem sede a partir da realização de
umaagendacomumdeatuação.
O aspecto comum é que todos os movimentos que atuam na cidade são
urbanos,seentendermos comoverdadeofatodequeestão presenteseatuantesem
espaços urbanos. As diferenças pairam quando o sentido de urbano passa a ser
relacionado ao sentido de complexidade socioespacial decorrentes do processo dos
conflitosresultantesdasrelaçõesdeproduçãodoespaço(LEFEBVRE,1999).
Ourbano,enquantoforma,transformaaquiloquereúne(concentra).
Ele fazdiferir deuma maneira refletida oque diferiasem osaber: o
queeradistinto,oqueestavaligadoàsparticularidadesnoterreno.
Ele reúne tudo, inclusive os determinismos, as matérias e conteúdos
heterogêneos, a ordem e desordem
anteriores. compreendidos os
conflitos, as comunicações e formas de comunicações preexistentes.
Como forma que transforma, o urbano desestrutura e reestrutura
seus elementos, as mensagens e códigos egressos do industrial e do
agrário.(LEFEBVRE,1999,p.156)
Com base nisso existem movimentos que mesmo presentes no espaço
urbano não participam diretamente dos processos que envolvem a produção desse
espaçoumavezquenãoinfluenciamnastransformaçõesdoterreno.Ébemverdade
quetantoumcomooutroproduzterritórioaodelinearrelaçõesdepoderdecorrentes
das próprias práticas socioespaciais. Contudo, as concepções de território são
74
diferentes. Para os movimentos que, presentes no urbano, não interferem nas
redefinições espaciais, o território é simbólico (produto das relações de poder),
embora dialeticamente este seja real uma vez que é bem delimitado por tais atores
sociais. para os movimentos que, igualmente atuantes no espaço urbano,
interferem nas redefinições espaciais, o território é real, ou seja, é materialmente
conquistadoedelimitadosendoexpresso,principalmente,naescaladamoradiacom
rebatimentonoreordenamentodeoutrossetoresdadinâmicaurbana.
Finalmente, a última observação diz respeito ao próprio significado
etimológico do que se considera como sendo Movimento Social Urbano. Por
movimentodevesecompreenderalgotransitório:umprocessoquesesustentaatéo
momentoemquefinalizaosentidodesuaexistência.Assim,os movimentosexistem
emessênciaatéomomentoemqueexistiremdemandaspelaconquistadasbandeiras
deluta,comoéocasodomovimentodesemterra,semteto,lutapormoradia,étnico,
degênero,hiphop,entreoutros.
Contudo, ao adjetivarmos esses movimentos no momento em que
inserimos o termo social, o significado se torna mais amplo. Alguns movimentos
passariamanão seenquadrar,poisestariammaisparamovimentospopulares(luta
por uma conquista específica de um segmento da sociedade como é o caso do
movimentodegêneroeétnico)doqueparamovimentosocial.OMNLMsurgecomo
exemplo uma vez que, independente da classe social, a questão da moradia se
constitui como de interesse de todos os segmentos sociais tanto por aqueles que
lutam para ter esse direito (conquista da propriedade e das condições de
habitabilidade) como por aqueles que lutam para não perder o direito de
propriedadeeestimamporumasegregaçãosocioespacial.Existemaindaaquelesque
lutamparaque talimpassesejaresolvidodeformaplanejadaearticuladaevitando,
comisso,possíveisdistúrbiossocioespaciais.
75
Finalmente, quando inserimos o termo urbano, a complexidade ganha
novosaresumavezqueapreendeaquelesmovimentosqueseapropriamdoespaçoa
partir de ocupações temporárias, fluídas ou pontuais; e outros que atuam
produzindo e redefinindo o espaço urbano, através de ocupações permanentes
(moradia),fixas e diversificadas, conforme evidenciado em parágrafos anteriores.
Emsíntese,teríamososeguinteesquema(Figura4):
ElaboradoporXistoSouzaJúnior(2008)
Assim, o que consideramos como Movimentos Sociais Urbanos são os
movimentos voltados para lutar por interesses comuns no espaço urbano ao
construir o território de relações territoriais de poder, realizando, portanto, práticas
territoriais, ou influenciando no processo de ordenamento do espaço urbano ao
interferirnasfunçõessocioespaciais.
Tal concepção está baseada
em formulações elaboradas por Alain
Touraine(1994,1973, 1969),ManoelCastells (1999;2000),JeanLojkine(1997)e Jordi
Borja (1975) que desenvolveram importantes considerações sobre a origem dos
movimentossociais,inclusiveosurbanos,esuasprincipaiscaracterísticas.Emborase
Figura4Organizaçãoesquemáticadosmovimentos sociais:produçãoxapropriação
76
configurem como teóricos reconhecidos internacionalmente, esses autores fizeram
umaleiturasegundoumaperspectivadasrelaçõessociais,oqueé naturaltendoem
vistaaformaçãodosmesmos,nãoseaprofundandoemquestõesquerelacionassem
essesatorescomoprodutoresdoespaçourbano,apesardeteorizaremsobrequestões
urbanas.
Assim,buscaremos nas
próximas páginas fazer um resgate das principais
idéias trabalhadas por esses autores no que se refere à atuação dos movimentos
sociais,extraindodelasumconteúdoquepodeservir(etemservido)comosubsídio
arealizaçãodeumaleiturageográficadasexpressõesoriginadasporessesatoresno
âmbito da atual conjuntura
política, econômica e social. Acrescentamos a estas
formulaçõesalgumascontribuiçõesdegeógrafosbrasileirosquenasúltimasdécadas
têmseenvolvidocomodebatesobreosatoressociaisurbanos.
Alan Touraine aproxima a concepção de sujeito à noção de movimento
socialaoafirmarqueo“sujeitoexistecomomovimentosocial”(TOURAINE,1994,
p. 249) tendo como objetivo a contestação da ordem.Embora o autor não aborde
diretamente a questão dos movimentos urbanos, sua análise pauta nas expressões
deixadas pela sociedade industrial concebida como sociedade moderna, a qual
resgata o valor do sujeito (social) cujo fator cultural apresentase como principal
elementoidentificador.
Touraine (1994) compreende, assim, a própria impossibilidade de se
separar sujeito e ator social (ser produtor da vida social) do indivíduo (ser
consumidor de normas e instituições sociais) o qual se torna sujeito na medida em
que passa a assumir uma nova posição frente à insatisfação do que é imposto pela
sociedadedemassa(moderna).Assim,omovimentosurgecomo“umatorcoletivo
cuja orientação maior é a defesa do sujeito, a luta pelos direitos e a dignidade dos
trabalhadores” (TOURAINE, 1994, p. 254) tendo como objetivo questionar uma
77
relação que se materializa nas instituições e organizações. Para o autor, o que
caracteriza esses novos atores é o fato de que a luta deixa de ser voltada para
questionarosistemadeprodução,masasfinalidadesdosistemadeprodução.
Embora Touraine esteja fazendo referência a um contexto social que data
dofinaldadécadade1960,quandopassouadiferenciarosvelhosmovimentos,asua
concepção é importante uma vez que corresponde à realidade brasileira vivida nas
três ultimas décadas, quando os movimentos transformam suas bandeiras de luta
voltandose mais pela promoção de reivindicações relacionadas aos direitos
humanos (moradia, saúde, etc.) do que ao sistema de produção, embora as
expressões populares tenham permanecido marcadas por temas como o fim de
acordos com o mercado internacional, as críticas ao neoliberalismo econômico e as
políticas de privatização. Isso, noentanto, existe apenas nos discursos desses atores
umavezqueademandasocialsetorna,naprática,aprincipalbandeiradeluta.
Hojeoespaçopúblicoestálotadoporessesnovosmovimentossociais,
mesmo que muitos vejam sua fraqueza política. Malgrado a
influência exercida sobre eles pelo fundamentalismo revolucionário
das seitas esquerdistas ou, ao contrário, seu fechamento em temas
não políticos e numa mistura de afirmações muito globais e de
objetivos muito
particulares, devese reconhecer que as novas
contestaçõesnãovisamcriarumnovotipodesociedade,menosainda
libertar as forças de progresso e de futuro, mas ‘mudar a vida’,
defender os direitos do homem, assim como o direito à vida
(TOURAINE,1994,p.261e262)
Em Production de la Socièté (1973), Touraine concebeu que a essência dos
movimentos sociais não se encontraria orientada por valores expressos de forma
consciente uma vez que estariam localizados no nível do sistema de ação histórica
definindose pelo confronto de interesses opostos para o controle das forças de
desenvolvimento. Assim, os movimentos não seriam uma simples expressão de
intençãoouconcepçãodemundo.
78
Touraine considera que a conjuntura de desenvolvimento técnico,
científico e informacional, caracterizada a partir da década de 1970, obrigou os
movimentos a terem que se definir frente aos conflitos sociais que colocavam em
xequeodesenvolvimentosocial.Comisso,osmovimentosdeveriamserguiadospor
trêsprincípios:odaidentidade,odaoposiçãoeodatotalidadesendo,portanto,um
atorhistórico(TOURAINE,1969;1973).
De acordo com Touraine (1973), no princípio da identidade o ator
(movimentosocial)seautodefine.Assim,omovimentonãopoderiaserconsiderado
organizado sem ter consciência do que o define, sendo o conflito o elemento que
constituieorganizaomovimento.oprincípiodaoposição,semelhanteaoanterior,
seria uma precondição à organização do movimento social uma vez que o mesmo
precisadefinirosseusadversários,osquaisseoriginamapartirdoprópriointeresse
de conflito. Finalmente, o princípio da totalidade corresponderia à atenção ao
sistemadeaçãohistórica na qualsediscuteoprocesso de dominaçãoporpartedos
adversários. Este princípio denota bem a importância que Touraine dedica ao fator
histórico comoelementodeamadurecimentoeconsolidaçãodo movimento social e
seu enfraquecimento representa a fragmentação dos conflitos (TOURAINE, 1973, p.
346).
ParaTouraine(1973,p.386),osmovimentosseriam,portanto,a“expressão
diretaouindiretadoconflitodasclasses”.Suaforma depende do sistemapolíticoe
daorganiz a çãosocial,atuando,nestecaso,comoumaexpressãodeumacoletividade
emdiferentesescalasterritoriais.
Apesar de considerar o movimento como expressão de uma coletividade,
Tourainedeixabemevidentequeexistediferençaentremovimentosocialecondutas
coletivas, posicionamento este corroborado por outros autores contemporâneos,
adeptosdaanálisesocialnaperspectivadomaterialismohistóricoedialético.
79
Outra observação relevante nas considerações que Touraine, mencionada
nolivroProductiondelasocièté(1973),éarelaçãodomovimentosocialnaconjuntura
política. Para o autor, o movimento social não seria matériaprima da ação política,
embora contraditoriamente afirme que eles sejam a razão disto. A relação entre o
movimentosocialeaaçãopolíticadependedascondiçõesdeformaçãoeorganização
social do movimento. Assim, sendo um movimento grande, este pode exercer uma
expressão política. Porém, caso seja pequeno, de pouca expressão, esse movimento
podeserusadopelasforçaspolíticas.
Poderíamos ainda fazer referência a outra contribuição igualmente
importantedeAlainTouraine,a Sociologiedelaaccion(1969),na qual oautorfazum
resgate das concepções de ideologia‐“toda identificación de esas mediaciones al
sujetohistóricoquesehace,emconsecuencia,desubjetalizado,reificado”‐eutopia,
“toda tentativa de um actor histórico para identificarse directamente al sujeito
histórico, prescidiendo de lãs mediaciones institucionales y organizacionales”
(TOURAINE, 1969, p. 169). Com base nessas concepções, o autor reforça a relação
dosmovimentossociaisenquantosujeitoscoletivos(sujeitoshistóricos).
Castells (2000, p.375) define movimento social como “organização do
sistema dos agentes sociais (conjuntura das relações de classe) tendendo a produzir
um efeito qualitativamente novo sobre a estrutura social”. Este efeito
qualitativamente é expresso a nível das estruturas e das práticas. Para o autor a
observação das contradições inerentes a estrutura urbana se apresenta como um
elementochavenaanálisedosmovimentossociaisumavezquepõedúvidassobrea
ordemestabelecida(AMMANN,1991).
Ao observar a relação entre movimentos sociais e estrutura urbana,
Castells concebe os movimentos urbanos enquanto um conjunto de atores sociais
resultantes da articulação de um sistema de agentes urbanos que interferem na
80
transformaçãoestruturaldosistemaurbano.Assim,paraCastells(2000,p.390),“[h]á
Movimento Social Urbano quando correspondência entre as contradições
estruturais do sistema urbano e uma linha exata de uma organização formada a
partirdacristalizaçãodeoutraspráticas”.
As considerações de Castells remetem a um impacto desses atores sociais
nãoapenas nasociedade,mas,simultaneamente,naestruturaurbana.Talconcepção
se aproxima do enfoque que estamos utilizando na nossa definição de Movimento
SocialUrbano.Adiferençaestarianofatodeacreditarmosqueosmovimentossociais
não influenciariam apenas na estrutura urbana (espaçoproduto/ forma), mas no
próprio redirecionamento da mobilidade urbana (espaçoapropriação/ função).
Infelizmente,Castellsnãoforneceunestaobraadevidaimportânciaàinfluênciados
MovimentosSociaisUrbanosenquantoagentesenvolvidoscomaquestãourbana,ao
valorizaraestruturapelaestrutura.
Em termos de caracterização, Castells concebe que os movimentos se
autodefinem por suas práticas (CASTELLS, 1999, p. 94) e, assim como definido por
Touraine, eles estão diretamente relacionados à sua própria história, existindo
igualmenteconcordâncianoquedizrespeitoaosprincípiosqueregemaatuaçãodos
movimentos(identidade,oposiçãoetotalidade).
Jordi Borja aprofunda o debate sobre o papel dos Movimentos Sociais
Urbanosdefinidooscomo“accionescolectivasdelapoblaciónentantoqueusuaria
de la ciudad, es decir, de viviendas y servicios, acciones destinadas a evitar la
degradaciónde sus condiciones de vida” (BORJA, 1975, p. 12). Nesse sentido, Borja
amplia o entendimento da ação desses atores ao incluir a luta pela conquista das
demandas urbanas (infraestrutura e equipamentos) enquanto fundamento da ação
dosMovimentosSociaisUrbanos.
81
Com relação à natureza desses atores, Borja (1975, p. 17 e 18) propõe
quatro possibilidades que motivam a formação de movimentos urbanos: a)
deterioração das condições de vida; b) ameaça decorrente da ação urbanística
(intervenção urbanística); c) déficit nas condições de moradia e de serviços e; d)
oposiçãoàpolíticaurbanadaadministraçãopública.
AcaracterizaçãopropostaporBorjaforneceoelodeligaçãocomaleitura
geográficaaoconcebêloscomoatores“constituidosporlaaccióndeumgruposocial
que actúa sobre uma base territorial” (BORJA, 1975, p.19). Assim, são movimentos
quenãoselimitamavivenciarourbanoenquantoelementodasrelaçõessociais,mas
enquantoprodutodaexpressãomaterialdessasrelaçõesnamedidaemquepossuem
o território como objeto de ação, representado na luta pela infraestrutura e
acessibilidadeurbana.
Os MSUs que atuam em João Pessoa se enquadrariam nos requisitos
propostos por Borja, especialmente no que diz respeito à luta contra a ameaça da
intervenção urbanística e o déficit de moradia. As discordâncias estão voltadas na
importância que Borjadelega ao fator organizacional uma vez que compreendemos
nãoseresteoelemento fundamental na atuação dos movimentos urbanos.Issonão
significaquedefendamosquetaismovimentosnãonecessitemdeaçõesorganizadas
(planejadas), mas de levarmos em consideração que esses atores sociais têm no
improviso e na espontaneidade duas características importantes na configuração de
suas bases ideológicas, especialmente pelo fato do planejador propiciar a realização
deaçõeseficientesnamedidaemquepossibilitamumamaiorresistêncianalutapela
conquistadoterritórioocupado.
Um último aspecto que poderíamos destacar a partir das formulações de
Borjadizrespeito àtentativadoautoremdefiniroselementosidentificador esdesses
atores sociais. Para ele, Movimentos Sociais Urbanos são “aquellos movimientos de
82
lasclasespopularesquepartiendodereivindicacionesurbanasalcanzanunnívelde
generalidaddeobjetivos ydepotencialidadpolíticaquemodificanlas relacionesde
poderentrelasclases”(BORJA,1975,p.54).
TaismovimentossãoconcebidosporBorjacomomovimentospopularesde
base social e territorial. Porém, não seriam todos os movimentos populares, mas
apenasosqueatuamemáreasurbanas,preocupados exclusivamenteemauxiliarna
soluçãodoproblemadodéficitresidencial,osquaisseexpressamdetrêsformas:a)
são movimentos reivindicativos (lutam por melhorias em infraestrutura e
equipamentos urbanos), democráticos (o objetivo reivindicativo é mais amplo,
articulado e participativo) e com dualidade de poder (embates mais incisivos entre
classes populares e a classe dominante). Os MSUs em João Pessoa desenvolveram
bem as duas primeiras características ao desempenharem atividades de ocupação
urbana(construçãodemoradias)eaçõesdereordenamentoespacial.Assim,asações
são pautadas na produção de território através da ocupação e nas condições de
acessibilidadeurbana,atravésdaapropriação.
Lojkine, outro importante teórico sobre a questão urbana, analisa a
atuaçãodosmovimentossociaisapartirdaproblemáticadahegemoniadoEstadona
observaçãodaslutasdeclassesnaqualessesatoresaparecemcomoalgoantagônico
aopoderinstitucional doEstado.OmovimentosocialparaLojkinecorresponderiaa
“capacidade de um conjunto de agentes das classes dominadas diferenciarse dos
papéisefunçõesatravés dos quaisaclasse(...)dominantegaranteasubordinaçãoe
dependência(...)comrelaçãoaosistemasócioeconômico”(LOJKINE,1997,p.314).
Nessesentido,omovimentosocialcorresponderia,deacordocomLojkine,
aomaisaltograudeexpressãodalutadeclasses.Estepassaatersentidoquando
atuaem oposiçãoàclassedominante eaosatoreshegemônicos.Adquire,assim,um
83
caráter revolucionário, apesar de afirmar que nem todo movimento seja
revolucionário,corroborando,portanto,comasprópriasformulaçõesdeTouraine.
Ao colocar o elemento político como fator de referência, Lojkine entende
movimento social como conseqüência da combinação de um processo social
decorrente do movimento de classes e outro relacionado ao movimento político.
Seria,portanto,umsegmentodasociedadeque, ao se organizar, tem comoobjetivo
“transformar o sistema sócioeconômico no qual surgiu” (LOJKINE, 1997, p. 359) a
partir de um conteúdo ideológico e político posto em movimento por uma dada
organização social. A expressão geográfica desses atores estaria, portanto,
relacionadaasuaextensãosocialemrelaçãocomoespaçoterritorial,ouseja,aescala
deinfluênciaearticulação.
NoâmbitodourbanoLojkineapontaosfatoresideológicosepolíticos,no
que se refere ao poder do Estado, como sendo os principais problemas na atuação
dos movimentos. Assim, discorda de Castells quanto à compreensão de que a
produçãodourbanopor partedosMSUsestejarelacionadaàquestão da moradiae
da acessibilidade aos equipamentos urbanos, alegando as conseqüentes limitações
que produziriam a capacidade desses atores contestarem o poder econômico e a
reprodução social coordenada pela classe dominante. Contudo, ao firmar tal
posicionamento, Lojkine acaba reduzindo o papel do Movimento Social Urbano ao
associáloapenasaumagentereivindicador.
Contudo, c onsideramos que tais críticas não procedem se levarmos em
consideração o fato de que o objetivo dos movimentos urbanos está voltado para
conquistadajustiçasocialequalidadedevidanoespaçourbano.Questõesdeordem
econômica (reprodução dos meios de produção, consumo etc.) e social
(desdobramentos da formação social) são de incumbência de outros movimentos
84
sociaisqueembora estejam presentes noespaçourbanonão têm comometaexercer
influêncianaproduçãodoespaçourbano.
Não resta dúvida de que a quase totalidade dos Movimentos
Populares Urbanos se move na instância da reprodução da força de
trabalho. Suas reivindicações se dirigem à conquista de bens e
serviços do consumo coletivo e não direta e explicitamente a
propriedade dos meios de produção, nem de suas características
fundamentais,
comoapropriedadeprivada,aproduçãodamaisvalia,
enfim,aexploraçãodotrabalhoemsuasmaisvariadasmodalidades.
(AMMANN,1991,p.62).
Após a análise das concepções desses teóricos, cuja trajetória acadêmica
transcende um ramo específico do saber científico, é possível elaborar um esquema
preliminar sobre as características dos Movimentos Sociais Urbanos, as quais se
expressam no território, em escalas variadas. Tais movimentos preocupamse
exclusivamente com a produção do espaço urbano, se constituindo como sujeitos
sociais ao buscarem desenvolver atividades em coletividade. É possível ainda
mostrarumquadroesquemáticodostemasmaisrelevantesnaproduçãodosautores
(Quadro4).
Quadro4:síntesedasprincipaisabordagenssobreosMovimentosSociaisUrbanos.
Relaçõesde
classe
Sujeito
histórico
Sujeito
coletivo
Estrutura
social
Estrutura
espacial
Identidade
Operação
Totalidade
Reivindicativo
Democrático
Dualidadede
poder
TOURAINE
 
CASTELLS

BORJA
 
LOJKINE Dominante
x
dominado

Revolucionário
ElaboradoporXistodeSouzaJúnior(2008)
No que se refere ao uso do aporte fornecido por esses autores enquanto
referência na análise dos MSUs no Brasil, especialmente se a intenção estiver
relacionadaaointeressedesefazer uma leiturageográficadaatuaçãodessesatores
sociais.
85
Uma primeira limitação é a associação dos movimentos sociais a uma
determinadaclassesocialeseucaráteropositorereivindicador,conformeobservado
anteriormente em Castells, Touraine e Borja. Lojkine vai mais além ao associálos a
uma classe específica (dominados) no embate contra outra classe de atores
dominantes,comoseosmovimentossociaisnãofizessempartedoEstadoeestenão
pudesse, igualmente, se expressar como movimento social ao patrocinar ações de
mobilização ou consulta pública como, por exemplo, um plebiscito e campanhas
sanitárias e preventivas. Outros atores tidos como agentes dominantes podem
igualmente se expressarem como movimentos sociais. Assim, tal classificação é
ineficienteeimprodutiva.
A atual conjuntura política, econômica e social, especialmente de países
como o Brasil, faz com que tais associações percam sentido uma vez que a própria
organização social é hoje retrato de uma complexidade social na qual participam
atores de diferentes grupos, etnias e situação social e financeira. Assim, é comum
encontrar em MSUs a participação tanto de pessoas sem nenhuma formação
acadêmica como de pessoas com curso superior finalizado. É comum encontrar
desde pessoas desempregadas até pessoas que sobrevivem da economia informal e
outrasqueatuamnaeconomiaformal.Alémdisso,aprópriarealidadesocioespacial
tende a formar uma sociedade cada vez mais interativa, com exceção de casos
especiais nos quais os espaços são segregados de forma a produzirumaverdadeira
separaçãosocial,especialmenteportipoderenda.
Outra limitação está relacionada à questão da ênfase dada à estrutura
social e espacial. Diferente do período em que os atores vivenciavam quando
desenvolveram suas bases conceituais (década de 197080), limitar a atuação dos
movimentosnodebatesobreotipodeestruturasocialenalutaporreformasurbanas
nãopossibilitaapreenderacomplexidademencionadanoparágrafoanterior.
86
Por um lado, a sociedade não se divide mais em compartimentos e nem
muito menos possui funções bem definidas de forma a proporcionar o
funcionamento regular do sistema social. A própria concepção de sistema é
igualmente questionável uma vez que a ação social é fluida tanto vertical como
horizontalmente, em suas práticas e ações. Por outro lado, as reivindicações por
mudanças no espaço urbano não atingem a mesma objetividade que em décadas
anterioresumavezqueoprópriosentidodeurbanoganhounovosarranjos:aoinvés
da luta por reformas, o objetivo passou a ser relacionado a luta por melhorias na
infraestrutura do espaço urbano (habitabilidade) e conquista por equipamentos
urbanos. Assim, as concepções de justiça social e qualidade de vida assumem uma
posição de destaque por parte dos Movimentos Sociais Urbanos ao se tornarem os
principaisalicercesdasbandeirasdeluta.
Um terceiro fator que demanda uma atenção especial ao se utilizar as
concepções dos teóricos europeus diz respeito à própria conjuntura econômica,
política,socialeideológicavividapelasatuaisorganizaçõessociais.
No âmbito econômico os movimentos atuam hoje em uma realidade em
queopoderprivadopassaadelinearascondiçõesdeordenamentourbano,algumas
vezes em parceria com o poder público, e uma realidade na qual o equilíbrio
financeiro, estabilidade econômica e desenvolvimento social tem se tornado uma
constante a diversos países emergentes. Assim, os movimentos são obrigados a
dialogar com esses atores ao invés de assumir uma posição reivindicatória. São
guiados a participar da produção (inclusive do espaço urbano): seja através de
práticascooperativistas;sejaporaçõesparticularesdeocupaçãoterritorial.
No contexto político a realidade é, igualmente, diferenciada. Se outrora
havia uma situação de oposição às políticas desenvolvidas pelo poder público, os
atuais avanços na política urbana com a implementação de gestões cada vez mais
87
democráticastêmprovocadomudançasnaformadeatuaçãodosmovimentossociais.
Aoinvésdeseapresentaremcomosegmentosopositores,essesatoressociaistornam
se“parceiros”nodebatesobreodesenvolvimentourbanodacidade. Como se trata
de um período de adaptação, essa conjuntura política tem sido responsável por
verdadeirascisõesentresenosdiversosmovimentosurbanos.
Quanto à questão social são evidenciadas mudanças significativas nos
valores e forma de organização da sociedade. A luta pelo direito à moradia, por
exemplo,nãoseresumemaisareivindicaçõesdesegmentosespecíficosdasociedade,
masaumademandacomumeampla.Oacessoàmoradiaganhaumacomplexidade
diferentedalutaporhabitaçãoquecaracterizouosmovimentosnadécadade1970ao
ser compreendida como conjunto de elementos que possibilitam condições
adequadas de habitabilidade (habitação, saúde, transporte etc.) e não mais a uma
simplesconquistadeumteto.
Superpondotodososelementosmencionadosanteriormente,asmudanças
na ideologia despontam como testemunho das limitações no uso dos aportes
desenvolvidos pelos teóricos europeus para a realidade brasileira, apesar de serem
imprescindíveisseaintençãoestiverrelacionadaabuscaporumaconstruçãodabase
teórica para classificar os MSUs no Brasil. O debate sobre o sistema de produção
capitalistaperdecadavezmaissentido.Porumlado,ahegemoniaeconômicadesse
sistema no âmbito global e a queda do próprio socialismo sob a pujança do
capitalismo, tornaram os discursos contracapitalismo cada vez mais improdutivos.
Por outro lado, as conquistas iniciadas no final da década de 1980 e aprovadas no
século XXI, a exemplo do Estatuto da Cidade que garante a obrigatoriedade pela
funçãosocialdacidade,têmfornecidocondiçõesbásicasparaaatuaçãodessesatores
sociais sem a necessidade de se travar “debates epopéicos” contra o Estado. Isso se
efetiva através das aberturas que vem sendo fornecidas quanto à participação dos
88
mesmos no debate sobre a produção do espaço urbano. O principal cuidado está
relacionado ao risco de cooptação e a perda da identidade e motivação do
movimento.
Os fatores conjunturais mencionados (econômico, político, social e
ideológico) ganham uma complexidade ainda maior na medida em que os atores
sociais, outrora excluídos
das vantagens provenientes do atual desenvolvimento
técnicoinformacional, passaram a utilizálos em benefícios próprios. Isso torna a
relação com o urbano algo ainda mais complexo, impossível de ser apreendido
através do reducionismo de uma visão estruturalista. Tais atores sociais lidam com
um espaço em constante reformulação. Ao afirmamos tal
posição não estamos
fazendo referência ao estruturalismo enquanto corrente teórica, mas a estruturação
enquanto processo contínuo do (re)ordenamento urbano a partirdas mudanças nas
funçõessociaisexpressasnoespaço,ouseja,aformaçãosocioespacial.
No Brasil, dos geógrafos preocupados com a atuação dos Movimentos
Sociais Urbanos destacamos as produções Silva (1986), Souza (1988; 2004; 2006),
Souza e Rodrigues (2004), sobre Movimentos Sociais Urbanos, além de Fernandes
(2001; 2005) que tem desenvolvido uma importante revisão conceitual acerca das
característicasquediferenciamummovimentoespacialdomovimentoterritorial.
Em sua tese, José Borzacchiello da Silva analisa as formas de expressões
espaciais de alguns atores sociais que compõem a sociedade civil organizada de
Fortaleza (CE). Ao estudar a atuação desses atores, o autor contextualiza os fatores
deformaçãodosMovimentosSociaisUrbanos,particularmentenocontextoespacial
da capital cearense, com ênfase a participação da sociedade civil concebendo o
espaçomoradiacomoolocalnoqualosmovimentosseexpressam(SILVA,1986,p.
173).
89
Temascomosegregação,açãocoletiva,estruturaçãourbanaeparticipação
coletiva aparecem como elementos balizadores das formulações do autor no que
concerne a influência dos movimentos sociais no processo de produção do espaço
urbano. Embora não tenha tido o objetivo de realizar um resgate teórico específico
dasconcepçõesdesenvolvidassobreotema,especialmenteasproduçõesdosautores
europeus que tem exercido fortes influências sobre o estudo dos MSUs no Brasil, o
autor analisa alguns dos principais temas trabalhados pelos teóricos europeus: a
exemplo do valor que é dado ao fator político, acrescentando a inclusão dos
movimentossociaistrabalhadosenquantoatorpolítico;aluta declassesesentidode
coletividadeeparticipação.
O principal aspecto trabalhado pelo autor que nos instigou a formulação
de debates é o fato ter desenvolvido sua pesquisa realizando entrevistas junto a
sindicatos, associações, federações e fundações. Embora mencione esses segmentos
como movimento popular (SILVA, 1983, p. 204), esses atores são concebidos em
diversosmomentos,comoexemplosdeMovimentosSociaisUrbanos.Comrelaçãoà
primeira afirmação não encontramos discordância com a concepção que adotamos
em nossa análise. Contudo, a divergência emerge a partir do momento em que os
movimentos populares selecionados passam a ser concebidos como movimentos
sociais(popularesouurbanos).
Se recorrermos ao dicionário da língua portuguesa, não necessitando,
portanto, conhecer em profundidade o tema, perceberemos de imediato que os
sindicatos, associações, federações e fundações possuem significados comuns uma
vez que remetem a um agrupamento institucionalizado, voltado para luta tanto em
decorrência de interesses particulares como por interesses de um pequeno grupo
(FERREIRA,2004).Dessaforma,taissegmentossociaissãocompletamentecontrários
90
ao sentido de movimento social e Movimento Social Urbano, especialmente no que
dizrespeitoàconcepçãoqueestamosadotando.
Em seu trabalho, o autor não realiza um aprofundamento sobre as
diferençasentremovimentopopularemovimentosociale/ou movimentopopularde
bairroemovimentosocialdebairro,oquepossibilitariacompreendermelhor oque
sustenta seus argumentos. Ao contrário, em diferentes momentos, ele trata essas
relações como sinônimas. Infelizmente, não tivemos acesso à outra produção do
autor a respeito dessa temática, com exceção de exposições orais em palestras e
conferências,nasquaiscontextualizaessedebateenquantoproblemáticaenãocomo
fundamentação teóricoconceitual. Isso não permite afirmar que o posicionamento
adotadoaindafaçapartedasconcepçõesdoautor.
Marcelo Lopes de Souza tem desenvolvido diversas análises de cunho
teóricosobreotema,emboraseutilizedeexemplospráticosemsuaabordagem.Esse
autor tem procurado identificar as características dos Movimentos Sociais Urbanos
concebendoos como uma das expressões dos ativismos sociais de bairro (SOUZA,
1988,2004,2006;SOUZA&RODRIGUES,2004).Eleconcebecomoaspectoscomuns
ou legados (palavras do autor) desses atores a “conquista de direitos sociais (...), a
politização das cidades (...) e a criação de uma margem de manobra para a
humanização do urbano” (SOUZA, 2004, p. 193). Em linhas gerais o autor associa
esses legados às conquistas de melhorias no equipamento urbano e infraestrutura,
direitossociaisentreoutras.Todasestãorelacionadasàproduçãodoespaçourbano.
Concordamos com o autor quando este faz, digase de passagem, uma
leiturageográficasobreosMovimentosSociaisUrbanos,relacionandoosnãoapenas
as questões de ordem material, conforme mencionada anteriormente, mais as de
ordem política (participação nas decisões sobre a produção do espaço urbano);
ideológica(lutaporjustiçasocialequalidadedevida,aexemplodalutapelareforma
91
urbana); e sócioeconômica (luta pelo simples direito à cidade). Em trabalho escrito
em coprodução com Rodrigues, o autor considera o que o “paradigma dos
MovimentosSociaisUrbanosconstituiseprecisamenteapartirdaemergênciadeum
padrão de análise das lutas urbanas” tendo como essência o fato de serem atores
sociaisespontâneosepopulares(SOUZA&RODRIGUES,2004,p.8).
Outro aspecto igualmente positivo na obra do autor é a preocupação em
fornecer um arcabouço conceitual sobre a concepção de Movimento Social Urbano
segundo uma perspectiva geográfica, a começar pela preocupação em definir as
características desse ator social, diferenciandoo de outras formas de atividade
públicaorganizada(ativismossociais).Paradefinirestaobservação,nadamelhorque
umatranscriçãodeumadesuasanálises:
[O]s ativismos sociais (ou ativismos, simplesmente, para evitar uma
redundância) são um conjunto mais amplo de ações públicas
organizadas,doqualosmovimentossociaisseriamumsubconjunto.Os
ativismos, como ações públicas organizadaserelativamenteduradouras,
diferenciamse de ações coletivas efêmeras e pouco organizadas ou
desorganizadas, como quebraquebras
(...), saques e outras; (...) Os
movimentos sociais, de sua parte, seriam uma modalidade
especialmente crítica e ambiciosa de ativismo social, distinta de
ativismos ‘paroquiais’. Estes encaminham reivindicações pontuais,
sem articulalas com questionamentos mais profundos, relativos a
problemas nacionais e internacionais, esem construir pontes entre a
conjuntura, cujo
domínio não ultrapassam, e as estruturas, que não
chegamatematizar”(SOUZA,2006,p.278).<destaquedoautor>
Aolongodesuasformulações,oautor buscaevidenciaroselementos que
diferenciariam os ativismos sociais (urbanos) dos movimentos sociais (urbanos),
embora uma maior ênfase à análise dos ativismos. Assim, considera atores que
realizam suas ações a partir de uma luta de bairros representada por atores
institucionalizados (associações de moradores, sindicatos, etc); de outros que
realizam apartir do bairro com articulações que ultrapassam os limites dacidade
(SOUZA, 2006). Nesse sentido, o que Borzacchiello denominou de Movimentos
92
Sociais Urbanos ou de movimentos populares urbanos (associações, sindicatos,
federações e fundações), se considerarmos as formulações de Souza & Rodrigues
(2004,p.86),seriam,naverdade,ativismosurbanos.
Com relação a caracterização dos MSUs concordamos igualmente com
Souza(2004;2006)emdiversosaspectos,especialmentenoqueserefereàs formasde
atuação (influência na produção do espaço urbano) e ao desenvolvimento de
estratégias que possibilitem a abertura de novas frentes de atuação sem o risco da
cooptaçãodosmembrosporpartedopoderpúblico.
O ponto de divergência paira no fato do autor conceber o MTST como
Movimento Social Urbano. Acreditamos, no entanto, que a dificuldade de ação
integrada,fragmentaçãodasatuaçõesesignificadoadotadoparaotermo“moradia”
6
se apresentam como fatores complicadores no que se refere ao aceite do MTST
enquanto MSU. Vejamos como os próprios autores definem os Movimentos Sociais
Urbanos:
“Os movimentos sociais especificamente urbanos são aqueles que,
embora estando organizados em torno de questões diretamente
vinculados ao espaço urbano como habitação e regularização
fundiária,nãoagemsome ntenaescaladeum bairro,de umaruaou
deumafavela, mas buscam agirem escalas maisamplas(na cidade,
no país
e, às vezes, construindo até conexões internacionais)”
(SOUZA&RODRIGUES,2006,p.84e85).<destaquedoautor>
O primeiro argumento que poderíamos utilizar em contestação da
associação do MTST como Movimento Social Urbano parte dos próprios autores
quando afirmam que “[h]oje o MTST tem núcleos em várias cidades do Brasil, mas
nãoapresentaumaarticulação nacionalforte,oque levaosdiversosgruposaatuar
demaneiranãouniforme”(SOUZA&RODRIGUES,2004,p.97).
6
Lembramos que de acordo com as entrevistas e consultas a outras formas de discursos, os movimentos
trabalhados (MNLM, CMP, MLB e NDV) sempre conceberam a moradia como algo diferenciado de habitação
ou teto. Para eles, enquanto o primeiro possibilita compreender toda a complexidade urbana ao interferir em
sua dinâmica ao passo que a conquista de teto ou habitação é apresentada como algo mais restrito a escala de
ocupação.
93
Se na caracterização anterior o requisito para um movimento ser
consideradocomourbanoéacapacidadedearticulaçãocomoutrosníveisescalares,
a dificuldade do MTST conseguir tal articulação e ação conjunta coloca em xeque a
consideraçãodomesmocomotal.Portanto,ofatodeestarempresentesnasgrandes
(e médias) cidades, e em diversas regiões, não é suficiente para classificálos como
um Movimento Social Urbano uma vez que esta presença na quase totalidade
espacialnãoéreproduzidaemaçõesorganizadas,integradase complementares.
Outro aspecto que reforça o argumento é a ausência de mobilizações em
torno de ações complementares a conquista dos direitos urbanos. Os próprios
autoresevidenciamistoaomencionaremque“[n]ãobastapedirmoradias,é preciso
lutar contra toda uma série de processos que reproduzem as desigualdades sociais
nas cidades, pois, além da luta pela moradia, é preciso lutar também por infra
estrutura,poremprego,porsaúde...”(SOUZA&RODRIGUES,2004,p.98).
O fato é que o MTST é formado por sujeitos sociais que, em sua maioria,
sãotrabalhadoresatuantesnocomércioinformal.Assim,necessitamdaconquistade
residêncianocentrodacidade,próximasaolocaldetrabalhooudefácilacesso.Eles
têmcomoprincipal
objetivodelutaaconquistadeumteto(habitação).
Portanto,emboradebatameusememseusdiscursospalavrasemmenção
a necessidade de por fim ao capitalismo e a política neoliberal, ou ainda pela
implementaçãodareformaurbanaoudapolíticafundiária,sãoatoressociaisquena
práticaseexpressam apenas
naconquista dahabitaçãoumavezquenãobuscamse
aprofundaremoutrasquestõesinerentesàsobrevivêncianomeiourbano.
Nesse contexto, concordamos que os movimentos dos sem teto existentes
nascidadecorresponderiamaoqueMarceloLopescompreendecomoumaexpressão
de ativismo urbanos. Porém, o MTST, ao limitar suas demandas na conquista por
uma habitação (o teto) sem relacionar a continuidade da luta e a própria expressão
94
da amplitude da luta (acessibilidade, equipamentos urbanos, infraestrutura etc) de
forma a produzir uma repercussão social no urbano, não poderia ser considerados
como Movimentos Sociais Urbanos. O que está sendo colocado em questão é o
entendimento das concepções de moradia, território e função urbana que se pode
perceber a partir das ações dos semteto. Isso, no entanto, não significa que não
reconheçamos a forte presença que o mesmo exerce dentro da cidade o que nos
remete a pensarmos na existência de movimentos sociais da cidade sendo o
movimentodossem tetoumdesses movimentosumavezqueelesse apropriamda
cidade(?).
De fato, ao defenderem a luta por moradia enquanto sinônimo de
habitação (conquista do teto) o MTST não consegue apreender a amplitude da
necessidade social relacionada a questão da habitabilidade: moradia enquanto
sinônimo de justiça social e qualidade de vida. Os membros desse movimento
ocupam, normalmente, prédios e terrenos vazios. Com a conquista desses espaços
residêncianãoexisteumacontinuidadenalutapelosdireitossociaisquepossibilitem
umacondiçãodignadesobrevivênciaumavezqueessalutapassaaserexpressapor
outrasrepresentações:ONG´s,associaçõesdemoradores,amigosdobairro,clubede
mães,pastorais,etc.Assim,abandeiradeluta,apesardeestávolvidacomdiscursos
sobre a situação política, econômica e social, não reproduz mudanças práticas na
situaçãopolítica,econômicaesocialdosmoradoresquepassamahabitarno espaço
conquistado.
Outro aspecto importante está relacionado à própria compreensão de
território.OMTSTconcebeoprédioouterrenoconquistadocomoespaçodemoradia
(habitação),voltandose para problemas endógenos dos espaços ocupados e não do
seu entorno. Assim, limitamse a apropriação do território e não na sua produção
como espaço reorganizador das funções urbanas. A preocupação do movimento
95
estaria,portanto,voltadaparaseconquistarahabitaçãodeformaafacilitaroacesso
das pessoas ao centro urbano, particularmente o comercial, e o de conseguir, a
partir dessa conquistas, impactos na própria dinâmica urbana. Isso explica a
desaprovaçãodasociedade,poisoqueexpressanosocial(culpa,particularmenteda
mídia)são,paraeles, açõesdepessoasinvasoras dobemprivadoepúblico, em sua
maioria composta por favelados, baderneiros ou microespeculadores que, após a
conquista,passamanegociarobemconquistado.
os movimentos de luta por moradia, por exemplo, entendem o termo
“moradia”emseusentidoamplo:condiçõesde habitabilidade. Eles expressam suas
ações como pessoas que lutam pela conquista de condições dignas de moradia. Ao
produziremterritóriospassamalutarpelaconquistados seusdireitossociais(infra
estrutura,equipamentosurbanos),ouseja,justiçasocialequalidadedevida.
Outro elemento que sustenta o argumento posto está relacionado ao fato
de que o MTST, assim como outros ativismos de bairro, não se preocupa com a
função urbana. Ao conquistarem a moradia (habitação) não existe um
desdobramento do interesse pela conquista das renovações dos direitos sociais
urbanos, embora incluam em seus discursos temas como a reforma urbana e a
luta
pela confirmação da função social das habitações. Assim, não existe a preocupação
comreivindicaçõesdotipo:direitoàmobilidadeurbana;direitoàsfunçõesurbanas.
Aocontrário,asatuaçõesdessesatoressãolocalizadas(apesarderealizaremdebates
amplossobreaconjunturapolítica,econômicaesocialdopaís),semrepercussõesem
outras
esferaseescalasdoespaçourbano.
Da mesma forma que o MST (movimento que inspirou a formação de
movimentos de trabalhadores no espaço urbano), o Movimento dos Trabalhadores
Semteto possuem uma expressão espacial uma vez que está presente em diversas
localidadeseescalas.Ambosproduzemterritório(FERNANDES,2005).
96
O elemento diferencial estaria no seguinte fato: enquanto o MST luta
politicamente pela reforma agrária através de ocupações territoriais e luta pela
conquista de um conjunto de direitos que possibilitem condições adequadas de
sobrevivência (acompanhamento técnico, garantia de mercado através do
cooperativismo, reconhecimento da posse e das funcionalidades espaciais, entre
outros), o MTST luta politicamente por uma reforma urbana de cunho mais
ideológico uma vez que as ocupações e reivindicações não são direcionadas para
conquista de benfeitorias urbanas que garantam as condições de habitabilidade.
Assim, entendemos que o MTST ocupa o espaço ao se apropriar do território uma
vezquenãoexercegrandesinfluênciasnoordenamentourbano.
Com isso chegamos ao debate sobre as contribuições de Fernandes (2001,
2005) que ao estudar o MST tem articulado argumentos de forma a sustentar à tese
dequeexistemmovimentossocioespaciaisemovimentossócioterritoriais.Aênfasea
esta distinção, de acordo com o autor, parte do princípio de que existe uma
fragilidadeporpartedosgeógrafosemutilizaroconceitodemovimentosocialtendo
emvistaadificuldadedeexpressaranaturezageográficadaexpressãodessesatores
sociais.
Na década de 1980, a geografia brasileira intensificou seus estudos
referentes às ações dos movimentos sociais. Todavia, o referencial
teórico para análise dos objetos era sempre de origem sociológica,
econômica ou histórica. Por esta razão, desde meados da década de
1990,realizamosesseesforçoempensarasdimensõesgeográficasdas
ações
edasrelaçõesconstruídaspelosmovimentossociais,nosentido
de reconceitualizálos a partir de uma leitura geográfica dos
processos sociais e geográficos. Neste sentido, tempos, estamos
cunhando osconceitosde movimento socioespacial e demovimento
socioterritorial para contribuir com os estudos geográficos nas
CiênciasHumanas.(FERNANDES,2005,p.
30).
97
O autor sustenta seus argumentos no entendimento de que “as relações e
as ações acontecem no espaço (...) em todas suas dimensões: social, político,
econômico...” (FERNANDES, 2005, p. 30). Assim, numa leitura geográfica da ação
dessesatoressociais acompreensãoda produçãodoespaçoeterritóriosseapresenta
como algo imprescindível. Para o autor, todos os movimentos se expressam
espacialmente (são, nas palavras do autor, socioespaciais). Entre esses movimentos
existem aqueles que produzem o espaço político, deixando suas marcas nas
redefiniçõesespaciais,ouseja,produzemterritorialidadesedesterritorialidades.Tais
movimentosteriam,portanto,oterritório(espaçoproduzido)comotrunfo,umavez
queseapresentacomoelementofundamentalparasuasobrevivência(FERNANDES,
2005).Aestes,oautordefiniucomosendosócioterritoriais.
Para Fernandes (2005) tais movimentos se expressam de forma isolada,
termo este que compreendemos como significado de ação fragmentada; e de forma
territorializada ao produzir conexões multiescalares, desenvolvendo redes capazes
defomentarassuasestratégiaspolíticas deterritorialização.OMSTseriaoexemplo
de movimentos sócioterritoriais atuantes no campo, enquanto na cidade seriam os
movimentosdossemteto.
Movimentos (sócioterritoriais) isolados são aqueles que atuam em
uma determinada microrregião ou num espaço geográfico
equivalente.Consideramosessesmovimentoscomoisoladosnãopor
estarem sem contato com outras instituições, mas sim por atuarem
um espaço geográfico restrito. Os movimentos (socioterritoriais)
territorializadossãoaquelesqueatuamem diversasmacrorregiõese
formam uma
rede de relações com estratégias políticas que
promovem fomentam a sua territorialização. Todos os movimentos
territorializados começam como movimentos isolados. Estes ao se
territorializarem e romperem com a escala local, se organizam em
redes e ampliam suas ações e dimensionam seus espaços.
(FERNANDES,2005,p.32).
98
No que refere as proposições do autor, reconhecemos a importância de
suas formulações para o desenvolvimento de uma abordagem geográfica dos
movimentos sociais. Contudo, a falta de uma produção mais abrangente sobre as
concepções trabalhadas pelo autor, especialmente no que se refere ao embasamento
teórico que o levou a tais distinções, impossibilita uma leitura mais profunda sobre
suasconcepções.Isso,noentanto,nãodesmereceosavançosquevemsendoobtidoa
partir dos diversos ensaios publicados. Outro aspecto importante é o fato do autor
considerarosmovimentosdossemtetocomomovimentossócioterritoriaisatuantes
na cidade, sem particularizar cada movimento da mesma forma como fez para os
movimentos sócioterritoriais atuantes em espaços rurais (SILVA & FERNANDES,
2005).
Semteto é uma denominação destinada a identificar aglomerados de
pessoas que não possuem uma residência para moradia,asquaisestãoorganizadas
em associações, fundações, movimentos sociais, entre outras. Entre esses
movimentosquelutamporhabitação,oMTSTvemganhandoumdestaquedevidoa
suapresençaemdiversasescalas,emborasempromoveraçõesconexas.Paraoautor,
tais movimentos se expressam, portanto, de forma isolada uma vez que buscam
conquistar o território de moradia sem se preocuparem com as relações com o
urbano.Assim,estariammaisenquadradoscomomovimentospopulares.
Essas observações são complexas e necessitam de um maior
aprofundamentoanalítico,oqueobviamentenãofazpartedosnossosobjetivosnesse
texto.Ofatoéqueconcordamoscomaexistênciadessesmovimentosqueexpressam
suas ações redimensionando as configurações do espaço urbano. Tais movimentos
seriam os de luta por moradia cuja bandeira (discursoprática), além de ter a
conquista do território como objeto, voltamse para as questões urbanas,
99
especialmenteasquedizemrespeitoàconquistadosdireitossociaisàcidade:justiça
socialequalidadedevida.
Com base em tais reflexões, acreditamos que o leitor possua as
informações básicas, mesmo se não as considerar suficientes, para compreender as
relações entre a atuação dos Movimentos Sociais Urbanos de João Pessoa e suas
influênciasnoprocessodeproduçãoeformaçãosocioespacialdacapitalparaibana.
CAPÍTULO3
Elementos da formação socioespacial da
cidadedeJoãoPessoa
“Se há uma produção da cidade, e das relações sociais na cidade, é
uma produção e reprodução de seres humanos por seres humanos,
mais do que uma produção de objetos. A cidade tem uma história;
ela é a obra de uma história, isto é, de pessoas e grupos bem
determinados que realizam essa obra nas condições históricas.”
(LEFEBVRE, 2001, p. 46 e 47)
101
Maisdoquepassaraconotaçãodequeacidadedeveserobservadacomo
um “organismo vivo”, a epígrafe remete a pensála em sua essência: espaço
construído pelo ser humano (CARLOS, 2001) tendo, portanto, uma existência
histórica(LEFEBVRE,1999)pautadaemumafunçãodemediaçãoentreuma“ordem
próxima”euma“ordemdistante”,conformemencionadoporLefebvre(2001,p.46).
A esta “ordem próxima” o autor associa o fato da cidade ser observada
como projeção da história das relações sociais dos indivíduos ou grupos que a
compõem, os quais estariam constantemente influenciados por uma ordem mais
distante, delineada pelas instituições que as representam e constituída pelos fatores
externos que condicionam as próprias ações desses grupos, ou seja, aqueles que
modificamopapeldecadaumaolongodotempo.
Os elementos da formação socioespacial em uma cidade correspondem,
portanto, a uma relação dialética (contraditória e complementar) entre as práticas
efetivadas pelos grupos sociais e a própria influência dos elementos econômicos,
políticos e ideológicos que se apresentam externos a esta realidade, embora
conduzam a sua existência
7
. No Brasil, isto se encontra diretamente relacionado aos
diversosmomentosdeavançoepredomíniodocapitalismo.
Aformaçãosocioespacialdeumacidadepodeser,assim,compreendidaa
partirdeumaleituradasinterferênciasdosdiversosfatores(forma,estrutura,função
e processo) que a constituem. Tais fatores, embora algumas vezes conflitantes, são
7
Além desses três elementos (econômico, político e ideológico) a cultura exerce uma influência
significativa na formação socioespacial, seja por se caracterizar como “potencial técnico de
comunidadeshumanas”nousoemudançadosseushabitats(WAGNER&MIKESELL,2000,p.121
e 122); seja devido ao seu papel enquanto “coprodutora
da realidade que cada um percebe e
concebe” (MORIN, 2005, p. 25). Contudo, em decorrência da complexidade da leitura geográfica
dessetermo(cultura),oquedemandariaummaioraprofundamentoanalíticoeaformulaçãodeum
arcabouço teórico complementar, além dos nossos próprios limites em analisar as diversas e
possíveisexpressõesgeográficas
dessetema,optousepordeixarafuturaspesquisasquebusquem
analisar a influência desse elemento na produção social do espaço urbano através da atuação dos
movimentossociaisurbanos.
102
complementares,umavezquesãooriginadosapartirdaatuaçãodosdiversosatores
sociaisentreosquaisosmovimentossociaisurbanos.
A cada movimento social, possibilitado pelo processo de divisão do
trabalho,umanovageografiaseestabelece,sejapelacriaçãodenovas
formasparaatenderanovasfunções,sejapelaalteraçãofuncionaldas
formas existentes. Daí a estreita relação entre a divisão social do
trabalho, responsável pelos movimentos da sociedade, e
a sua
repartição espacial (...). A divisão interna do trabalho nos mostra o
movimento da sociedade, a criação e os reclamos de novas funções
sãoobrigadaspelasformaspreexistentesounovas(SANTOS,2005,p.
60e61).
Taisaçõestrazemsignificadosnãoapenasnaordemestrutural(CASTELLS,
2000), mas também ideológica uma vez que a relação espaçotempo é apresentada
comoaarticulaçãoentreasmesmas.Nessaperspectiva,acompreensãodaformação
urbanaultrapassaaslimitaçõesdeixadaspelasconcepçõesqueadvogamumaleitura
apenas de suas formas ou daquelas que defendem a leitura de suas estruturas,
passandoaserprodutodarelaçãoentreambas,umavezquesãodecorrentesdeuma
superposiçãodasordenspróximasedistantes.
A forma, por exemplo, tem sentido se for apreendida como conseqüência
de um valorsocialfornecidoaelaem um dado período sendo, portanto, reflexode
uma dada estrutura social (SANTOS, 1985). No sentido de evitar a análise da
formação social a partir de uma seqüência de películas (seqüência diacrônica de
vários momentos sociais), sustentase a necessidade de proporcionar a leitura da
cidade a partir de uma superposição das práticas socioespaciais (ordem próxima) e
dos fatores conjunturais (ordem distante) externos a essa realidade (LEFEBVRE,
2001).
Noespaçourbanoessesfenômenosconvergemconstituindoaorganização
espacialcomoprodutodeumrelacionamentomútuoentreasociedade,representada
por seus atores sociais, e a dinâmica espacial no qual esses atores se expressam
103
geograficamente.Combasenestarelaçãoseevidenciamasconstantestransformações
em suas formas, estruturas e funções (SANTOS, 1985), a partir da própria relação
dialéticadeseuselementosconstituintes:açãoereação;estratégiasetáticas;produto
eprodução.
Nocasodascidadesbrasileiraspoderíamosfazerumaanalogiacomostrês
momentos
históricosdeorganizaçãodeterritóriodaAméricaLatina:oprimeiroindo
atéoiníciodosegundoperíododasegundarevoluçãoindustrial;osegundoindoaté
o fim da Segunda Guerra; e o terceiro que ocorreria até o período atual, conforme
evidenciadoporSantos(2005,p.89).
No que diz respeito
a João Pessoa, temse, assim, uma fase pouco
urbanizada pautada nas relações de exportação com a Europa; uma segunda fase
influenciada pelo modelo de urbanismo americano, correspondendo às cidades
funcionais segundo as quais se evidencia uma formação espacial planejada e,
finalmente,umaterceira,maisatualecomplexa,naqualsesuperpõemocontroledo
poderpúblicoeaprogressivaparticipaçãodeoutrosatoressociais.EmboraosMSUs
estejampresentesnastrêsfases,énestaúltimaqueelesemergemcomoatoressociais
preocupadosinicialmentecomofimdaespoliaçãourbana(décadade1970e1980)e
depoispelodireitoàcidade.
O fato é que a cidade apresenta uma característica singular: ao mesmo
tempoemqueé produtodefatoresqueinfluenciaramnasuaocupaçãoelocalização,
especialmente os geográficos, similares aos evidenciados em outras cidades
litorâneas, possui uma organização espacial na qual se destaca pelo “atraso” na
realização de ações significativas, especialmente no que se refere à sua formação
urbana. Isto se deve às próprias estratégias políticas que coordenaram tal processo,
tantonoquedizrespeitoàdifusãodainfraestruturaeequipamentosurbanos,como
104
no que se refere à participação tardia das mobilizações sociais no processo de
formaçãosocioespacial,conformeseráobservadonoquartocapítulo.
Emboraistosejamaisevidenciadoapartirdadécadade1970,períodoem
quesepercebeumnovopapeldasprefeiturasnoordenamentourbanoassimcomoa
ascensão dos movimentos sociais e organizações populares, a compreensão da
formação socioespacial de João Pessoa remonta ao próprio período do
estabelecimento do seu sítio (AGUIAR & MELLO, 1985). Isto, por sua vez, está
diretamenterelacionadoafatoresdelocalizaçãoespacialerelaçõessociaisdosatores
sociaisqueparticiparamdoprocessodeproduçãodoespaçourbanodacidade.
Parasecompreenderadinâmicaevidenciadanoespaçourbanopessoense
éinevitávelainclusãodedoiselementosqueseapresentamcomoalicercesdaatual
estruturaurbanadacidade.Estamosnosreferindoaoprocessohistóricodaformação
socioespacial,oqualécaracterizadoprincipalmentepeloselementosfísiconaturais,e
àatuaçãodopoderpúbliconapromoçãododesenvolvimentourbanodacidade.
Destacase,ainda,oprópriopapeldesempenhado,aolongodotempo,pela
cidade. Por um lado, a influência de Recife (PE), especialmente econômica,
impossibilitou uma participação mais efetiva da cidade no contexto de
desenvolvimento do Nordeste Oriental. Por outro lado, a modesta participação dos
diversos segmentos da sociedade assim como a dificuldade da cidade em
potencializar o desenvolvimento urbano dos municípios limítrofes, impossibilitou a
consolidação de um espaço metropolitano similar aos encontrados em outras áreas
quetemacidadecapitalcomosede.
Oselementosresponsáveispelaformaçãosocioespacialda cidadedeJoão
Pessoa estão representados por três fatores: a) a formação histórica da cidade e a
construção de sua identidade; b) a relação entre planejamento e gestão urbanos na
produção da cidade; e c) os fatores que influenciaram em limitações no seu
105
desenvolvimentourbanonumatentativadedescobrirqueseencontra,efetivamente,
portrásdodiscurso.
Noprimeirocaso,acidadeéobservadaapartirdetrêseventosprincipais:
a) a sua localização e forma de ocupação que, ao contrário de outras capitais
litorâneas, ocorreu a partir do continente e depois seguiu em direção à orla
marítima; b) as políticas desenvolvidas na metade do século XX; e c) o estímulo à
participação popular após a década de 1970. no segundo caso, este processo é
observadoapartirdasestratégiasdedesenvolvimento,analisadaspelaspropostasde
planejamento e suas repercussões no espaço urbano de João Pessoa. Finalmente, a
formaçãosocioespacialéobservadacomoconseqüênciadoslimitespostosaopróprio
desenvolvimentourbanodacidade,osquaissãodecorrentesdosdiversoselementos
conjunturais (econômico, político e ideológico) coordenados pela ordem próxima
(atoressociais)eordemdistante(influênciacapitalista).
3.1 Fatores da formação do espaço urbano de João Pessoa: em busca de uma
identidade.
O processo de formação da cidade de João Pessoa foi significativamente
influenciado por uma diversidade de fatores sócioeconômicos, políticos e
ideológicos, produzidos tanto por conseqüência das relações sociais inerentes ao
contextourbanodacidade,
comoemdecorrênciadasprópriasrelaçõesdeprodução.
Estas, ao longo dos anos, foram sendo modificadas por conta da dinâmica regional
naqualacidadeencontravaseinserida.
Ao contrário do ocorr ido com outras capitais do Nordeste Oriental, João
Pessoa teve sua organização espacial iniciada a partir do continente indo,
tardiamente,
emdireçãoao litoral,esendofortementeinfluenciadapeloselementos
físiconaturais (relevo colinoso) que serviram de proteção contra os ataques
indígenas.
106
acidadedesenvolveusenumsítiocolinoso àmargemdireitadoRio
Sanhauá e sua parte mais baixa foi ocupada pelas atividades de
comércio. Na sua porção mais alta, locarizaramse órgãos
administrativos,culturais,religiososeprédiosresidenciaisdepadrão
alto. Esta ocupação permaneceu aos anos de 1855, havendo depois
expansão
da cidade em direção ao litoral e ao sul. Nos demais
sentidos (norte e oeste) existem os obstáculos formados pelos rios,
marés e mangues, que naquela época, representavam entraves mais
sériosàexpansãourbana(AGUIAR&MELLO,1985,p.50).
Este fator de localização do seu sítio geográfico acabou delineando os
próprios desdobramentos e contrastes de sua configuração espacial, especialmente
no que diz respeito a sua função e a sua configuração territorial, os quais são
ressaltadoscomoconseqüênciasdeestratégiasetáticasdeseusatoressociais.
Uma das conseqüências foi justamente
a sua própria denominação
8
. Ao
contráriodeoutrascapitaisnordestinas,ofatorpolíticoseconfiguroucomoelemento
predominante de sua designação. A exceção foi o período em que a mesma foi
concebida como Parahyba, entre o final do século XIX e meados do século XX
(AGUIAReMELLO,1985),quandoosfatoresfísiconaturaisprevaleceram.
No contexto da organização espacial, isto representa a influência política
sobreosvaloresecondutasdamaiorpartedapopulação,“atrofiando”acriação de
identidadescomacidadeassimcomoadifusãodeposturasideológicascontráriase
reivindicadoras.
Outroaspectorelevantedizrespeitoaofatodeque,emdecorrênciadeum
decretodoreidePortugal, preocupadoemconsolidarodomínioportuguês nonorte
dopaís(HONORATO,1999),JoãoPessoasurgecomocidadenãopassando,assim,
por outras formas de organizações espaciais (burgo, vila, aldeia etc.) como ocorreu
8
Ao longo dos séculos, além da atual denominação em homenagem a João Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, líder político assassinado em Recife (PE), em 1930, a cidade recebeu as seguintes
denominações: Filipéia de Nossa Senhora das Neves, primeira denominação originada em
homenagem à padroeira e, principalmente, ao rei Felipe II da
Espanha; Frederica, quando da
ocupaçãoholandesa,emhomenagemaomonarcaholandês(Frederico);eParahyba,emhomenagem
aomarcozerodesuafundação,rioSanhauá,afluentedoParaíba(AGUIAR&MELLO,1985).
107
com outras capitais (AGUIAR&MELLO,1985),oqueacaracterizacomoaterceira
cidademaisantigadoBrasil(AGUIAR,2002)
9
.
Istoexplicariaapoucaexpressividadeouatividadesincipientesdosatores
organizados (ONGs, movimentos sociais, ativismos sociais etc.). Por outro lado,
aspectos históricos que poderiam ter sido inseridos no imaginário da população, a
exemplo da forte influência indígena na delimitação territorial, foram deixados de
lado pela própria história de sua formação espacial ou são apresentados como de
menor relevância. Assim sendo, João Pessoa passou a desenvolver, nos seus
habitantes,valoreseidentidadescriadasmaisumavezporfatoresquenãocondizem
comsuanaturezaespacial.
Comoexemplodisso, podese mencionarotítulode segundacidademais
verdedomundo,oqualévendidoereproduzidocomoelementodeidentificaçãoda
populaçãocomacidade.Alémdeinverídico,umavezqueexistemnomundovárias
cidadesquepoderiamter essetítulo,sloganscomoessereforçaminfluenciamnotipo
deimagemdecidade queécriadaparao pessoense.o fatodetertidoseumarco
zero às margens do rio Sanhauá ao invés da orla marítima como era comum às
cidades marítimas, pouco é difundido e utilizado por parte dos atores sociais
responsáveispeloprocessodesuaformaçãoespacial.
Um outro elemento que influenciou na atual configuração espacial da
cidadedeJoãoPessoafoijustamenteademoradamesmaem expandir o seu limite
territorial.AtépraticamenteofinaldoséculoXIXemeadosdoséculoXX,acidadede
JoãoPessoateveseuslimitesrestritosaosítiodesuafundação(Figura5).
9
 As outras são Salvador (1549) e Rio de Janeiro (1565). É importante deixar evidenciado que sua
origemcomocidadenãosignificasuaclassificaçãocomoaterceiraocupaçãourbanamaisantiga,ou
seja,éaterceiracidademaisantiga,masnãooterceiroburgomaisantigo(HONORATO,1999).
108
Figura5:Ocupaçãoterritorial:JoãoPessoaatéoXIX
Até este período, os seus usos e dinâmicas ainda eram significativamente
rurais (AGUIAR, 2002), e tinha como setorde maior dinamismo as terras baixas do
Varadouro, aonde foi estabelecido e dinamizado o comércio, e as áreas mais altas
onde foram estabelecidos os principais edifícios administrativos (AGUIAR &
MELLO, 1985) e localizadas as residências da população com melhor poder
aquisitivo.Taisespaçoseramprecariamenteconectadosporruasaindasemasfaltoe
tracejadasdeformairregular.
Poucas eram as ruas calçadas e a ocupação do espaço urbano era
descontínua, ficando frequentemente, entre os prédios, grandes
intervalosdesabitados.Ascasasresidenciaiserammodestas,segundo
a arquitetura típica das residências coloniais e despidas de muitos
dosbásicosnecessáriosaprédiosurbanosdestinadosamoradias(...).
Logodepoisdocentro
iniciavamseossítios,algunsdelescomvários
hectares, o que bem demonstra a origem rural da urbe e que
perduraria por todo o século XIX (...). Os edifícios públicos eram
poucos,carenteseinadequados(AGUIAR&MELLO,1985,p.75).
As políticas destinadas às melhorias no ordenamento urbano, além de
seremrestritas às principais ruasdaépoca,erampredominantementevoltadaspara
beneficiamento de parte da população economicamente mais favorecida uma vez
que os mais pobres encontravamse residindo em pequenos casebres (AGUIAR &
Início da ocupação da atual cidade de
João Pessoa “Frederica Civitas”. Ao
contrário de outras cidades litorâneas,
João Pessoa tem seu marco zero às
margens do rio Sanhauá estendendose
em direção leste de terrenos mais
elevados. O traçado da ocupação inicial
erarestritoas duasprincipaisruas:atual
RuaNova
(1)e DuquedeCaxias(2) eas
lagunas (4) e elevados eram
compreendidos como um “limite
geográficodeexpansão.
Fonte:CDROMImagensdoBra silColonial.
109
MELLO,1985)ouempequenossítioslocalizadosnosetorperiféricodaáreacentral,
emboraoshábitosruraisfossemcomunsatodos.
Devido à ausência de infraestrutura, a saúde constituíase como um dos
principais problemas da vivência urbana na cidade, especialmente por conta de
diversasdoençasepidêmicas,aexemplodafebreamarela.Istosedeveaofatodeque,
nesseperíodo,JoãoPessoanãopassavadeumpontoestratégicoparaescoamentoda
produção açucareira assim como ocorreu com outras ocupações litorâneas que, até
meados do século XX, eram limitadas a meras reprodutoras da força produtiva
impostas pelo sistema capitalista colonizador, caracterizado pelas imposições
mercantilistasdecunhoabsolutista.
Esta condição foi predominante até as primeiras décadas do século XX,
emboraemproporçõesmenorestendoemvistaasaçõespúblicas realizadasdurante
oiníciodesseséculo,especialmentenoquedizrespeitoàurbanizaçãodosprincipais
espaçospúblicos,osquaiseramrepresentadospelasprincipaisruas(NovaeDireita),
o Ponto dos Cémreis, principal espaço de encontro da burguesia emergente, e o
espaçodaBicaefonteslocalizadasemtodooemergenteperímetrourbano.
Contudo, a cidade permanecia dependente de Recife, tanto no âmbito
econômico,relaçõesdeentrada esaídadosprodutosproduzidos e comercializados,
umavezque“iraRecifeaindasignificavaumsonhoounecessidademaispremente”
(AGUIAR&MELLO,1985,p.257)comonoqueserefereàforteinfluênciapolíticae
ideológicadacapital pernambucana,relacionadaespecialmente aoshábitosurbanos
que em Recife se encontravam fortemente consolidados, os quais estavam
diretamente associados à própria expansão dos hábitos norteamericanos. Este
momento marca a primeira grande transformação urbana (hábitos sociais) vivida
pela sociedade pessoense o que permite, igualmente, formular o primeiro recorte
sobreaformaçãosocioespacialpautadonosseguintesfatoresconjunturais:
110
a) Econômicos‐representados pela dependência direta da economia
pernambucana e adoção, como estilo de vida, de hábitos e valores norte
americanos que começavam a se infiltrar no estilo de vida do cidadão.
Contudo, os hábitos rurais ainda se faziam presentes no próprio meio
urbanotantonaproduçãoagrícolacomonacriaçãodeanimais(AGUIAR,
2002).
b) Políticos‐representado pela dificuldade de se criar ações que
propiciassem uma mudança efetiva na qualidade de vida do cidadão;
atraso na expansão do perímetro urbano; e participação efêmera da
populaçãonodebatepolítico,pelomenosatéamortedeJoãoPessoa(1930)
que serviu de estopim para a primeira grande mobilização popular
(AGUIAR&MELLO,1985);
c) Ideológico‐a sociedade mantinha presa a si valores patriarcais que não
mais se adequavam aos valores que deveriam ser adotados por uma
sociedade urbana. Assim, desenvolviam hábitos rurais por não
conseguirem se adaptar as normas, especialmente higiênicas, que
passavamafazerpartedapolíticadesenvolvidapelopoderpúblico.
Apartirdadécadade1930,comamortedopresidente(governador)João
Pessoa,apolíticadesenvolvidaparaacidade passou a ser direcionadaàbuscapela
melhoria das condições de vida da população. Foram, então, criadas diversas obras
de melhoramento urbano, especialmente as relacionadas à melhoria na coleta de
esgoto (canais pluviais) e criação de residências, além do asfaltamento, iluminação
pública,abastecimentod’águaeserviçospúblicosemgeral.
Em decorrência do aumento significativo da pobreza, devido ao aumento
do número de imigrantes oriundos do interior do Estado assim como a falta de
emprego,ascondiçõesdevidacomeçaramaseconfigurarcomoumadasprincipais
preocupações dos administradores públicos. Isso se deve ao fato de serem
pressionados pela população, especialmente as que possuíam uma situação
econômica estável e que tinha enraizado hábitos de condutas que não mais
possibilitavama
vivênciaem conjuntocomapopulaçãomaispobre.Emergedaíuma
das primeiras e mais significativas mobilizações sociais expressas na nova
111
denominaçãodacidade quepassaa serchamadadeJoãoPessoaem decorrênciado
aceitepopularaosideaispolíticosdoexgovernador.
Apesar disso, a morfologia urbana permaneceu quase que imutável até
praticamente a metade do século XX, com exceção de algumas ações de “reforma”
urbana, que deram início ao processo de descentralização espacial, a exemplo da
revitalização do Parque Sólon de Lucena, na década de 1940, e da abertura da
AvenidaEpitácioPessoa(Figura6),nadécadaseguinte(AGUIAR,2002).
Figura6:ExpansãodaAvenidaEpitácioPessoa:iníciodoséculoXX
Com a abertura da Epitácio Pessoa são criados, em acréscimo aos bairros
existentes nas primeiras décadas do século XX (Roger, Torre, Tambiá, Jaguaribe e
Cruz das Armas), mais oito bairros (Expedicionários, 13 de maio, Miramar, Bairro
dosEstados,Tambauzinho,CaboBranco,TambaúeManaíra),osquaissãoocupados,
principalmente,porumapopulaçãocommelhorpoderaquisitivo.
Os bairros localizados no centro passaram a servir de moradia para os
comerciantes e para a população de menor poder aquisitivo. É evidenciado, nesse
contexto, o primeiro processo de segregação espacial uma vez que pobres e ricos
passaramaterumaseparaçãoespacialbemdefinida.
Iníciodasobrasparaaberturadaviaque
ligassea cidade aolitoral (séculoXX). O
significado das obras representa dois
elementos vitais à compreensão da
estruturação urbana da cidade: a) O
avanço,emdefinitivo,rumoaolitoral;b)
Uma das principais obras dos planos
desenvolvidosnoséculoXX.
Fonte: Prefeitura Municipal de JoãoPessoa.
s/d
112
Estadistribuiçãoespacialnãoseconfiguramcomoumelementototalmente
negativo para a população mais pobre uma vez que a proximidade com o centro
urbano, especialmente para exercício da atividade comercial, favorecia sua
mobilidade.Conformepoderáserobservadocommaiordetalhenopróximocapítulo,
o problema reside no adensamento urbano e na falta de políticas voltadas para
melhoria da infraestrutura, além da ausência do fornecimento de equipamentos
urbanos que possibilitassem uma melhoria na qualidade de vida (escolas, serviços
hospitalaresetc.)dopessoense.
Noâmbitodaformaurbana,aocupaçãodolestedacidade,indotantono
sentidonortecomonosentidosul,representauma“ruptura”naformadesepensaro
ordenamento urbano da mesma, ou seja, a negação do rio e a visualização de um
desenvolvimentourbanovoltadoparaomar.
Neste momento, o crescimento urbano passa a ter como referencial o
planejamento espacial, no qual se evidenciavam os traçados geométricos de ruas e
quadras e a definição das funções dos bairros emergentes, especialmente no que se
refereaoâmbitoeconômicoeestratégico.
Osplanosdedesenvolvimentourbanotraçados porSaturninodeBritoem
meados do século XX foram retomados pela administração pública que passou a
advogarumcrescimentocomvetoresdeexpansãobem definidos.Emcontraposição
a este ordenamento planejado, evidenciavase um centro urbano cada vez mais
degradado, ocupado por uma população pobre e traçados urbanístico complexos,
relicáriodeumperíodoaindacolonial.
A reforma da faixa litorânea da cidade, com a locação de equipamentos
urbanos, infraestrutura, especialmente as relacionadas ao saneamento, e
empreendimentosprivadoscomooHotelTambaúquerepresentouaorigemturística
do litoral pessoense, são considerados como um elemento estratégico na formação
socioespacialdeJoãoPessoa.
113
O “pensar” a cidade passou, dessa forma, a ser compreendido pela
preocupação com os valores morais (difusão de uma nova conduta de vivência
social); estéticos (predomínio de objetos padronizados e visivelmente agradáveis,
incluindo ruas e avenidas com traçados bem definidos, casas etc.) e espaciais
(necessidade de se efetivar uma segregação espacial e separação entre os ritmos e
formasdecondutasocial).
Istopodeserconsideradocomoumdosindicadorescapazesdeexplicaro
fatodosmovimentossociaisurbanosteremsuasedenocentrodacidade,afastados,
assim, tanto do setor estesudeste (litorâneo) provido de infraestrutura e
equipamentos urbanos, como do setor centrooeste que possui maior demanda por
tais serviços. A localização na área central da cidade, além de favorecer as
mobilizações (ocupação de espaços públicos) facilita, também, o deslocamento para
osbairrosperiféricosocupadosporumapopulaçãomaiscarente.
Um aspecto positivo está relacionado ao fato da preocupação com a
preservaçãodoscondicionantespaisagísticoslitorâneosatravésdainibiçãolegalpara
a verticalização das edificações localizadas na orla marítima. Com isso, João Pessoa
conseguiu articular bem a necessidade de estruturação da orla marítima com a
preservaçãodocenáriopaisagísticocaracterísticosdolitoralnordestino.
Durante os anos de 1970, fatores externos relacionados à migração
provocada pela seca no semiárido e à atração pelo parque industrial emergente,
assimcomoospróprioscontrastes internosinerentesasdisparidadessocioespaciais,
são responsáveis por uma nova fase do ordenamento urbano da cidade: um centro
voltado para o comércio e administração pública; um setor litorâneo voltado para
residência de uma população com maior poder aquisitivo; um setor meridional
criado para comportar parte da classe média; e uma porção oeste onde se encontra
localizadapartedapopulaçãocommenorpoderaquisitivo.
114
Quanto aos imigrantes, oriundos predominantemente dos municípios
interioranos, na medida em que não conseguiram se encaixar em nenhum desses
quadrantes,amaiorpartefoiseagrupandojuntoàpopulaçãoexcluídacriando,com
isso,asdiversasáreasdeaglomeradossubnormais,osquaisseespraiaramnocentro
da cidade em uma circunferênciaque abrange o perímetro urbano,com exceção do
leste e do sul, este último apresentado um vazio urbano. A exceção foram aqueles
quepossuíamfamiliaresresidindoemJoãoPessoaouquechegavamàcidadecom
umempregoestabelecido.
OsMSUssurgemesedesenvolvemjustamentenestemomentoemqueas
disparidades sociais começam a ficar mais evidenciadas. O processo de favelização
associado aos problemas urbanos que passam a fazer parte da realidade
socioespacialdacidadenofinaldadécadade1980,emaisaindaduranteadécadade
1990, se apresentam como elementos motivadores daconsolidação dos movimentos
sociais urbanos cujo interesse e espacialização passa a corresponder com a própria
distribuiçãoespacial.
Diantedoexposto,entreasdécadasde19701990,acidadedeJoãoPessoa
apresentava, em sua configuração urbana, uma divisão socioespacial alicerçada em
pelomenossetesfrentes(Mapa1):
Em acréscimo ao que se pode ser observado no mapa essas frentes
possuemasseguintescaracterísticas:
1) um setor leste voltado para o turismo, ocupado por parte da população com
maior poder aquisitivo que, embora “limitado” por dois elementos físico
naturais‐o rio Jaguaribe ao norte e a falésia morta ao sul‐é altamente
freqüentado e dinâmico devido a três principais corredores de acesso: os
corredores norte, oeste e sul. O corredor norte, que corresponde à Avenida
GovernadorFlávioRibeiroCoutinho(RetãodeManaíra),possibilitaoacessoas
praiasdeManaíra,BessaeTambaú,apartirdaBR230epelaAvenida
115
116
DesembargadorB.Menezes,éaprincipalopçãoparaquemvemdoRioGrande
doNorte,dointeriordoEstadoda Paraíbaeatémesmodocentrocomerciale
históricodacidadeemdireçãoacidadedeCabedelo(aonorte),aopóloturístico
Praia do Jacaré, ao Shopping Manaíra etc. O segundo corredor (o oeste)
corresponde às Avenidas Senador Ruy Carneiro e Presidente Epitácio Pessoa,
principais acessos para as pessoas quem vêm do centro da cidade e demais
bairros periféricos em direção à orla marítima de Cabo Branco, Tambaú e
Manaíraquecompreendemasprincipaisfaixasdoturismolitorâneopessoense.
Finalmente, o corredor sul (Estrada da Penha) corresponde ao principal acesso
das pessoas que vêmde Pernambuco e Rio Grande do Norte (BR 101), do
interiordoEstadodaParaíba(BR230)edeoutrasáreasperiféricasdacidadede
João Pessoa em direção à praia de Cabo Branco e ao Pólo Turístico Ponta do
Seixas,alémdeseconstituircomoumdosprincipaisacessosaspraiasdolitoral
sul de João Pessoa (PB 008) e da Paraíba. Conforme pode ser observado no
mapa a seguir (Mapa 2), as principais áreas de atuação dos MSUs de João
Pessoaestãopróximasoumargeiamesses corredores,oque facilitariaoacesso
dessa população aos espaços públicos e ao litoral, se o sistema de transporte
público fosse de fato eficiente no atendimento das demandas dessa população
pobre.
2) UmsetornortelimitadopelorioSanhauáaonorte,oqueinviabilizaaexpansão
urbanaeocupaçõespopulacionaisquesobrevivememmeioafortesproblemas
estruturais. Por se tratar de uma das áreas mais antigas da cidade e devido às
própriasdificuldadesdeinfraestruturaeequipamentosurbanos,correspondea
umadasprincipaisáreasdeatuaçãodosMovimentossociaisurbanos.
117
118
3) Um centro históricocomercial com problemas estruturais significativos,
ocupado, em suas funcionalidades, por um comércio predominantemente
popular e pela concentraçãode serviços básicos. Corresponde a uma áreacom
funcionalidades divididas uma vez que é tanto comercial como de serviços ou
deresidências.Talcaracterística,entretanto,confereaestaáreaumaposiçãode
destaquequantoàsmobilizaçõesdosmovimentossociais(inclusiveosurbanos)
tendo em vista justamente o aspecto complexo de sua configuração
socioespacial;
4) Um setor centrosul onde foram estabelecidos os principai s loteamentos
habitacionais (Bancários, Mangabeira, Cristo Redentor, Valentina Figueiredo
etc.), criados para absorver o excedente populacional presente no contexto
urbano (19701980), especialmente para a classe média. Isso se justifica no fato
de que, ao mesmo tempo em que demonstrava interesses em se afastar dos
setores mais pobres (oeste e leste), esta classe média não tinha recursos para
ocupar as residências localizadas no setor leste (Manaíra, Miramar, Tambaú,
CaboBrancoetc),compreçodeocupaçãobemmaisalto.Apartirdadécadade
1990 as ocupações das áreas vêm fugindo do planejamento inicial destinado
para a mesma, o que tem influenciado no processo de favelização e no
conseqüente aumento dos problemas urbanos. A conquista desses territórios
vemsendofeitaemparceriacomumaaçãoefetivadosmovimentosurbanos.
5) Um setor sul que se caracteriza como uma importante alternativa para
expansão dos limites territoriais urbanos da cidade, sendo, portanto, uma das
áreas mais visadas pelo planejamento urbano e empreendedores imobiliários,
além de ser o setor no qual se localiza o distrito industrial da cidade. A
ocupação dessa área se caracteriza tanto por ações planejadas, a exemplo da
construção de condomínios populares, como o Morada do Sol (Grotão) e por
119
ocupações e conquistas territoriais como a ocupação Jorge Luiz, no bairro do
Valentina Figueiredo. Contudo, tanto num caso como no outro a atuação dos
movimentos tem sido cada vez mais efetiva seja por atuarem como
articuladores e “parceiros” do poder público no que diz respeito ao
planejamento;sejaporassumiremumaposiçãodeliderançanoquedizrespeito
à decisão pela realização das ocupações, resistência e diálogo para conquista
definitivadoterritórioocupado.
6) Todo um perímetro oeste ocupado por uma população mais carente, em sua
maioria expulsa do centro da cidade ou oriunda de outras localidades, e com
dificuldades no que diz respeito ao acesso ao centro urbano. São as ocupações
dosterrenosmaiselevados(bairroscomoAltodoCéueAltodoMateus)edas
terras baixas. Por se caracterizar como uma das áreas mais carentes do espaço
urbanodeJoãoPessoaascomunidadesnelasresidentesvêmcontandocomum
intensivo apoio dos movimentos sociais urbanos que além de coordenarem as
ocupações têm conseguido conquistas importantes para essas comunidades a
exemplodoordenamentourbanodacomunidade5dejunho.
7) Osdiversosaglomeradossubnormaisespacializadosdeformafragmentadaem
todo o perímetro central da cidade, ocupando, especialmente, as áreas mais
ameaçadas pelo risco ambiental, a exemplo da Mata do Buraquinho e as áreas
alagadasedemanguezais. A atuaçãodosmovimentossociais, particularmente
os urbanos de luta por moradia, expressase predominantemente nessas áreas.
Em decorrência das diversas controvérsias quanto à viabilidade de
ordenamentourbanodessasáreas,ainfluênciadosmovimentosseefetivamais
no sentido de orientação quanto aos procedimentos a serem adotados pelos
moradoresdoquepelalutanoquedizrespeitoaoutrosdireitossociaiscomoa
120
acessibilidadeequalidadedevidaumavezqueamoradiaseapresentacomo
umaconquistaefetivadaporaçãoespontâneadosmoradores.
Este é o quadro socioespacial encontrado em João Pessoa no final da
década de 1990. Ao apresentar o mapa 1 para os coordenadores dos movimentos
(MNLM, CMP e MLB), eles ficaram interessados em poder identificar possíveis
espaçospropíciosaumaocupação:Umdessesespaçoséosetor“01”quecontacom
espaçosquepossueminfraestruturabásicaeossetores“04,05e06”quecomeçam
a despertar o interesse do poder público e dos agentes empreendedores.O quadro
conjuntural (econômico, econômico e ideológico) que caracterizou a formação
socioespacialdacidadedeJoãoPessoanasegundametadedoséculoXX,foiportanto:
a) Econômicos a dependência com Recife passa a ser, prioritariamente,
relacionada ao comércio. A cidade tem uma configuração econômica bem
delimitada, passando a ser composta por um centro bastante dinâmico e
popular e um setor leste que passa a assumir uma posição de área central,
especialmente após a construção dos Shopping Centers (Manaíra e Mag)
sendo ocupado pela população com maior poder aquisitivo e voltado
predominantemente para a valorização do turismo litorâneo. Da mesma
forma,evidenciaseumadifusãomaiordeoutrossubcentros,aexemplodos
mercadospúblicosdebairrosperiféricosepopulososassimcomodegalerias,
comooshoppingsul,quepassamaexistircomostatusdeshoppingcenter.
Tais espaços vão sendo paulatinamente servidos com ações tanto de infra
estrutura como de locação de equipamentos urbanos (bancos, praças etc).
Poroutrolado,os bairrosmaisantigos(ocupadospor umapopulaçãomais
carente)assimcomoas favelas quepassamafazerparte do cenário urbano
de João Pessoa ficam alheios aos benefícios resultantes desse processo de
crescimentoeconômicodacidade.
121
b) Políticos O município passa a desempenhar um novo papel cujas ações
produzemumrebatimentoemsua ordenação urbana.Opodermunicipalé
responsávelpelacriaçãode espaçosfuncionais,com responsabilidades bem
distintas, reorganizando o espaço ao formar espaços segregados nas mais
diferentes escalas econômicas e socioespaciais. Emerge, assim, a figura de
outros atores sociais que passam a identificar as seqüelas deixadas pelo
processo de formação socioespacial. Um desses atores são os movimentos
sociaisurbanosquepassamareivindicaraçõesmaiseficazesnamelhoriada
qualidade de vida da população de baixa renda, especialmente no que diz
respeito à moradia, saneamento, segurança e saúde. A influência política
dessesatoressociaisétanto formal(passamafazerpartedodebatesobreo
ordenamentourbanodacidade)comoinformal(aoassumiremumaposição
deliderançaquantoaseleçãoeocupaçãodeáreasociosas);
c) Ideológicos Os valores urbanos do pessoense são, assim, colocados em
xeque, especialmente no que diz respeito aos elementos espaciais que os
identificam.Aspropostas de expansão do turismo associadas às estratégias
para uma participação mais efetiva da cidade na região passam a ser
utilizadas como principais elementos na definição do pessoense através de
sua cidade. Para isso, são criados slogans voltados para formação de uma
identidade para o pessoense a exemplo do rótulo de cidade mais verde do
mundo, mencionado anteriormente. Por outro lado, questões relacionadas
ao direito à qualidade de vida, situação de moradia, entre outros, fogem
praticamentedoideáriodeboapartedaspessoasqueresidemnacidade.
Por conta dessas características, a cidade de João Pessoa vivencia, em
meados deste século, um paradoxo: por um lado tem conseguido criar elementos
legaisrelacionadosaocontroleurbano,reduzindo,emboraqueinsuficientemente,os
122
impactos negativos característicos de ocupações socioespaciais litorâneas (poluição
dosrios,ausênciadesaneamentobásico,“desconfiguração”paisagística,decorrentes,
do processo de verticalização litorânea etc.). Por outro lado, os atores responsáveis
pelo processo de sua produção não têm conseguido que a cidade desponte em
termosdeparticipaçãonadinâmicaregional,sendo,ainda,umacapitaldependente
dasrelaçõescomacapitalpernambucana.
É, assim, no âmbito intraurbano, uma cidade de porte médio que vem
construindo os elementos necessários para sua consolidação, ao influenciar na
reestruturação dos espaços das cidades adjacentes, fornecendo os parâmetros
necessáriosàconsolidaçãodaáreametropolitanaenodesenvolvimentoregional.Por
outrolado,os limitesestruturais herdadostêmseconstituído emumdosprincipais
problemasdacapitalparaibana.Acidadevai, portanto, seadensandoseminvestirde
forma adequada na melhoria da infraestrutura urbana e assim suprir as demandas
cada vez mais emergentes da população, embora exerça uma função importante no
contexto da dinâmica regional. Isto possibilita classificála como sendo uma cidade
média, apesar de ser uma capital. O impacto dessa dualidade na ação dos
Movimentossociaisurbanosseráanalisadonoscapítulossubseqüentes.
Porenquanto,taisconsideraçõesdevemserconcebidasapenascomomais
um elemento para compreensão de que a organização socioespacial de João Pessoa
vem sendo organizada como parte de um complexus socioespacial decorrente da
atuação de diferentes atores sociais dentre os quais se destacam os movimentos
sociaisurbanosquedesdemeadosdadécadade1990vêmparticipandoativamente
dodebatesobreaproduçãosocialdoespaçourbanodacidade.Emdecorrênciadisso,
as administrações públicas têm pautado as estratégias de desenvolvimento de João
Pessoa em propostas de planejamento articuladas a partir de uma participação
efetivadessesatoressociais.
123
Contudo, se a participação desses atores vem sendo cada vez mais
significativa, o que explicaria a dificuldade dos mesmos em definir as reais
prioridades urbanas da cidade? Quais são as fragilidades históricas das diversas
propostas de planejamento? Para quem de fato é a produção do espaço urbano de
João Pessoa? respostas para tais questionamentos estão inseridas na análise da
herança histórica de sua formação espacial: tanto no que diz respeito àtrajetóriade
seleção das demandas sociais para fins de planejamento como no que se refere às
práticasdesenvolvidaspelosmovimentossociaiseasdificuldadesdosmesmosdese
articularem.
3.2Planejamentoegestão:oqueestáportrásdessasconcepçõesnaapropriaçãodo
espaço?
Planejamento e gestão de espaços urbanos são concepções ao mesmo
tempo complementares e divergentes. Complementares na medida em que uma
dependedaoutra para estabelecer osseusrespectivossignificados. Divergentes por
teremfundamentosquenão
possibilitamumaaproximaçãodeambasnocontextodo
desenvolvimento urbano, especialmente no que diz respeito às políticas propostas
pelaadministraçãopúblicaeaparticipaçãodosatoressociaisnessecontexto.
Ambas trazem consigo elementos polêmicos (teóricos e práticos) que
demandamdebatesmaissistemáticosentreosprofissionaisenvolvidoscomaanálise
da
questãourbana(urbanistas,arquitetos, sociólogos,geógrafosetc.).Assimcomoo
observado anteriormente, acreditamos que os fatores econômicos, políticos e
ideológicosvêm,aolongodosanos,exercendoinfluêncianadefiniçãodessestermos
segundoosfenômenosinerentesàsociedade.
124
Antesdeexaminarmos,nopróximocapítulo,arelaçãoentreplanejamento
egestãonaproduçãodoespaçourbanodeJoãoPessoa,fazsenecessárioanalisartais
concepções em sua essência, na medida em que estas vão sendo moldadas pelos
fatoressocioespaciais.
No que concerne à concepção de planejamento no Brasil, esta se inicia na
segunda metade do século XX com a expansão do ideário capitalista para a
promoçãododesenvolvimento,alongoprazo,tendooGovernoFederalcomooseu
principalarticulador(DALAND,1969;FRIEDMANN,1960).
A opção pelo planejamento é decorrente de três situações inerentes ao
mundo capitalista que se encontrava em expansão, a saber: a) a crescente
complexidadedavidamoderna,especialmenteapósaSegundaGuerraMundialcom
o progressivo crescimento da área urbana; b) a relação progressiva do controle do
homem sobre o meio ambiente a partir da intensificação do processo de
industrialização; e c) a consciência humana acerca das atividades desempenhadas
pelomesmo(WANDERLEY,1975).
O planejamento não se limita, portanto a “uma função técnica mas sim
umafunçãosocial”(WANDERLEY,1975,p.27).Aocontrário.Eledeve serconcebido
como expressão da própria sociedade uma vez que tem como “missão criar as
condiçõesparaumasobrevivênciadosistemaalongoprazo”(SOUZA,2004,p.27).
Umdosgrandesreferenciaisparaaanálisedainfluênciadoplanejamento
no desenvolvimento socioespacial foi, indiscutivelmente, John Friedmann. Embora
suasproduçõestenhamsidovoltadasàanálisedoplanejamentonaescalaregional(e
nacional), em um período entre as décadas de 196070, suas concepções são
oportunas para se compreender o impacto do planejamento no processo de
ordenamentodosespaçosurbanos.
125
Paraexplicararealidadeespacialbrasileira,elassubsidiam as concepções
tradicionais do planejamento urbano regulatório que compreende o período pós
Segunda Guerra a ao final da década de 1970 como para o seu reaparecimentono
finaldadécadade1980
10
noseiodasadministraçõesdemocráticas.
Friedmann concebeu planejamento como “uma atividade pela qual o
homem,agindoemconjuntoeatravésdamanipulaçãoecontrôle(sic.)conscientedo
meio ambiente, procura atingir certos fins anteriormente por êle (sic.) mesmo
especificado”(FRIEDMANN,1960,p.7).
Contudo, no âmbito da produção do espaço urbano, o planejamento
emergecomoconseqüênciadaspropostasdeordenamentoevidenciadaspelaEscola
de Chicago (EUA)
que passou a delinear, inicialmente aos arquitetos e urbanistas e
depois a outros profissionais preocupados com a produção do espaço urbano, um
sentido de cidade pautado na organização e na elaboração de leis próprias
necessárias ao ordenamento urbano tendo como preocupação a criação de um
ambiente“maissaudável”nascidades
11
.
Estamos,obviamente,nosreferindoaprimeirafasedeproduçãoteóricada
EscoladeChicagovoltadaparaanálisedasocupaçõesurbanaspela“acomodaçãoda
organização social ao meio ambiente físico” (GOTTDIERNER, 1993, p. 36)
representadoemcapitaiscomoRiodeJaneiro,Recife,JoãoPessoaetc.,pelosprojetos
sanitaristasorganizadosporSaturninodeBritonasprimeirasdécadasdoSéculoXX.
10
Ousodessetermoéoportunoseconsiderarmosqueoplanejamento(emmeadosdadécadade1990)
surge novamente como elemento do debate político na organização socioespacial. Contudo, na
prática,oplanejamento,desdesuaorigememmeadosdoséculoXX,nuncadeixoudeexistirtendo
sidoapenasexpressodeoutras
formas.
11
Aassociaçãoentre planejamentourbanoe ambientesaudável aindasefazpresenteumavezqueo
principal objetivo do planejamento urbano continua sendo, conforme mencionado por Hilhorst
(1975, p. 166), a “criação de um meio ambiente físico, destinado aos habitantes da cidade, que
forneçaaestruturanecessáriaparasatisfaçãode
suasnecessidadesculturais,econômicas,higiênicas
esociais”segundoosrecursosdisponíveis.
126
O segundo momento de influência teórica da Escola de Chicago foi
caracterizadopelaexpressãomáximadomodernismourbanoidealizadopeloEstado
(poderpúbliconaesfera federal)quepriorizouoincentivo aconstruçãodegrandes
edificaçõeseaberturasdeviaspúblicasformandoaconhecida“selvadepedras”.
Em João Pessoa o planejamento urbano esteve evidenciado na reforma
urbanística
12
elaborada a partir da década de 1920 a qual teve como parâmetro às
intervençõespautadasnotrinômiosanear,embelezarecircular.
Uma das principais propostas de saneamento e ordenamento urbano foi
elaborada, justamente, por Saturnino de Brito, o que explica e confirma a
preocupação com a formação de uma cidade
mais organizada e mais urbanizada
(Figura 7). A preocupação com as mudanças de hábitos, conforme observado
anteriormente, reforça a influência dos preceitos da ecologia humana o qual foi
resgatadopelaEscoladeChicagoparaosfundamentosdaordemurbana.
Contudo, não se pode afirmar que João Pessoa se constitui como uma
cidadeplanejada.Aocontrário,conformeobservadonocapítuloanterior,caracteriza
sepelaespontaneidadedesuaformação,sendocondicionadapeloselementosfísico
naturais característicos de seu sítio. É igualmente improcedente afirmar que João
Pessoanãotenhatidoexperiênciasdeplanejamentourbano.
Vários espaços foram reformulados e criados a partir de ações de
planejamento, tendo suas funções modificadas ou prédeterminadas, a exemplo do
ordenamentourbanodasorlasdeTambaúeManaira,criadosprioritariamenteparao
turismo. Para isso foram estabelecidos muitos dos fundamentos estabelecidos pelo
12
Existem autores que optam pelo uso do termo reforma urbana para explicar esse contexto. Nós
optamos pelo termo reforma urbanística por está relacionado às transformações estruturais do
ordenamento urbano ao passo que Reforma Urbana consiste na inclusão da questão social
(qualidadedevidaejustiçasocial)nasaçõesdecorrentesdo
planejamento(SOUZA&RODRIGUES,
2004). Portanto, para este período ainda não se poderia mencionar que João Pessoa estivesse
vivenciandoumareformaurbana,masumareformaurbanística.
127
urbanismo moderno estabelecido a partir das concepções teóricas organizadas pela
EscoladeChicagoapósaSegundaGuerraMundial.
Figura7:ReformaUrbanaemJoãoPessoa(1923)
Cabe lembrar que esta concepção de Planejamento desenvolvida pelos
urbanistasdaEscoladeChicago,cujoideárioencontrouumamparosignificativonos
países emergentes, serviu como base para a criação do modelo de planejamento
A figura à esquerda corresponde a um dos
setores de Reforma que foram propostos por
Saturnino de Brito em 1913. A Lagoa, no
centro, ao invés de ser observada como um
limite a expansão territorial passou a ser
considerada como o ponto de partida. Na
figuraà direita, podese
observar o que de
fato foi realizado no governo de Sólon de
Lucena (192024). Assim, o planejamento e
ordenamento urbanos fundamentava as bases
paraoprocessodeexpansãodoespaçourbano.
Obs.Assetasindicamàperspectivaqueasimagnsdevemserobservadasecomparadas.
Fonte:Adaptadode:IHGPProjetoParaybadoNorte(1913),aesquerda;ePlantadaCidadedaParayba(1923),
adireita.
128
(urbano) voltado para a preocupação com a estruturação territorial (Blueprint
Planing)
13
,especialmentenoquedizrespeitoàsfunçõesdacidade.
“Não deveria, contudo, a nova estrutura realizarse de maneira
uniformepelacidade toda:a cidadecontemporânea deveriater uma
estrutura nitidamente diversificada. E isso para corresponder a uma
estrutura social específica, segregada; a moradia de uma pessoa
dependiadaatividadeporelaexercida”(HALL,1995,p.246)
A propagação desse tipo planejamento serviu de base para a difusão do
urbanismo modernista cujo marco principal foi a Carta de Atenas, documento
produzido a partir dos debates realizados no IV Congresso Internacional de
Arquitetura e Urbanismo, realizado na cidade de Atenas, em 1933. As diretrizes
instituídas neste documento, especialmente no que diz respeito à orientação para
realizaçãodezoneamentosdeusodaterrapautadonaseparaçãofuncional(SOUZA,
2004),aindaservemdeparâmetrosparamuitaspolíticasurbanas.
Voltado para ratificar o estilo de vida propiciado pelo capitalismo, o
urbanismo modernista estabeleceu os critérios que deveriam ser adotados pelas
administrações públicas no sentido de se ter, efetivamente, uma cidade estruturada
na ordem e adequada as nova dinâmica imposta pela economiamundo de forma a
transformála “em um único domínio público homogêneo patrocinado pelo estado
[de forma a] eliminar as diferenças para criar uma cidade racionalista universal,
dividida em setores de acordo com as funções urbanas: residência, trabalho,
recreação,transporte...”(CALDEIRA,2000,p.311).
Questões como a salubridade (saneamento, ventilação etc) e paisagismo
passaram a configurar como prioridades na elaboração das propostas de
planejamentourbano.
13
O Blueprint planing “tratase de planos nos quais se projeta a imagem desejada em um futuro
menosoumaisremoto”deformaaseter,noordenamentourbano,acidadeideal.(SOUZA,2004,p.
123).
129
O principal artífice das concepções modernistas
14
para a produção do
espaço urbano foi, indiscutivelmente, o arquiteto Le Corbusier que definiu
parâmetros ainda hoje utilizados no ordenamento urbano (SOUZA, 2004;
CALDEIRA,2000),especialmentenoquecorrespondeadivisãoespacialporzonas(o
zoneamento urbano), determinando as funções urbanas da cidade e adaptandoas
para as exigências do
capitalismo (facilidade de deslocamento, concentração,
harmoniasocial,ordemetc.).
Assimsendo,durantepraticamentequatrodécadas(19301970)aprodução
doespaçourbanodascidadestevenafiguradopoderpúblico,dosarquitetosedos
urbanistas os principais financiadores e mentores do ordenamento urbano, sendo
estes, na perspectiva de muitos pesquisadores, os
únicos profissionais capazes de
fornecerossubsídiosnecessáriosparaaconstruçãodacidade(HALL,1995).
O planejamento urbano modernista dividiu a cidade a partir das funções
urbanas (especificamente a econômica) uma vez que buscava a produção de uma
cidade que favorecesse a ação do capital em sua organização socioespacial,
especialmenteoimobiliárioeoindustrial(SOUZA&RODRIGUES,2004).
Nesse contexto, o Estado (em suas três esferas de governo: municipal,
estadualeFederal)assumearesponsabilidadedepropiciar asaçõesvoltadasparaa
conquista da modernização dos espaços urbanos criando, em decorrência isso,
normas,leiseregrasvoltadasparaaocontroleurbano.
Evidentementequeestecontrolenãopassoudopapel,especialmentepara
as cidades brasileiras cuja desigualdade social levou os segmentos sociais
economicamente menos favorecidos à realização de ações de ocupação urbana
14
Embora a análise teórica sobre a modernidade seja algo cativante, compreendemos que a mesma
nãosefazoportuna paraestetrabalho.Contudo,caso oleitor queirase aprofundarnestatemática
seguecomo sugestãoaleituradas obrasdeA.Touraine(1973)e D.Harvey (2003)por trataremde
forma substancial
a análise teórica da concepção de modernidade e suas variantes (modernismo,
modernização,pósmodernidadeetc).
130
contrárias ao planejado pelas leis de ordenamento, resultando em um intensivo
processodefavelização.
Se por um lado o planejamento regulador influenciou na reconfiguração
dos espaços urbanos, por outro se caracterizou como o elemento motivador do
surgimento de verdadeiras manifestações sociais oriundas de diferentes segmentos
da sociedade: tanto os excluídos
das propostas de ordenamento quanto aqueles
inseridos na mesma de forma involuntária ao serem expropriados do centro da
cidade(formandoasperiferias)ouobrigadosaocuparáreas imprópriasàhabitação.
Em ambos os casos essa fração da sociedade não teve (e ainda não tem) direito
quantosaosbenefíciosdeinfra
estruturaeequipamentosurbanos.
A crise social decorrente desse “descontentamento urbano que girava em
torno da base dos projetos modernistas de habitação e de renovação urbanas”
(HARVEY, 2003, p. 88) propiciou o surgimento de movimentos organizados pela
própria sociedade. Tais movimentos, apesar de originados por motivações
diferenciadas (questões étnicas, de gênero, ambientais, habitacionais etc), tinham
como objeto comum a luta pelo direito à cidade, representado por justiça social e
melhoriadaqualidadedevida.
No âmbito da análise sobre o ordenamento urbano emergiram estudiosos
sensíveis a crise social evidenciada na cida de, a exemplo de Richard Sennett e Jane
Jacobs que se caracterizam pelas influências de suas posturas críticas quanto aos
valoresquedeveriamserobservadosemumplanejamentourbano.
Apartirdascriticasfeitasaoimpactodoplanejamentourbanomodernista
naorganizaçãodosespaçosurbanos,porestesteremsetornadoespaçosopacos,sem
vida, alheios as particularidades locais, o planejamento crítico passa a valorizar os
usos ao compreenderem que os “homens e mulheres poderiam construir suas
próprias cidades” (HALL, 1995, p. 287). Com relação ao impacto da influencia do
planejamentourbanonaformaçãodeespaçosopacos,Sennettescreveu:
131
Esse quadro de referências não foi diferente para a realidade de João
Pessoa.Defato,emboraastransformaçõesurbanastenhamsidomodestaserestritas
àconstruçãodealgunsconjuntoshabitacionais,àrevitalizaçãodealgunsespaçosno
centrodacidadeeàurbanizaçãodolitoraldacidade,odesenhodesuaformaurbana
temsidoinfluenciadopelaparticipaçãosocial,emboraaindadeformamodesta.
Essaparticipação se efetivou a partir de políticas públicas que resultaram
noprocessodesegregaçãosocioespacialmotivandopos turasreivindicativasemprol
documprimentodosdireitoshumanosparaasociedade.
Issopropiciouosurgimentode ocupaçõesespontâneasedescentralizadas
entre as áreas ordenadas de forma planejada a exemplo das oc upações espontâneas
(favelas) que surgiram incrustadas nos conjuntos habitacionais financiados pelo
governo federal, especialmente os construídos nas décadas 1970 e 1980, por terem
sido construídos nos setores periféricos da cidade, fugindo na rota da expansão
urbanaquecaracterizouacidadeatéofinaldadécadade1960(Mapa3).
Contudo, a reforma urbanística esteve mais presente nos espaços
influenciados pela pavimentação das Avenidas Epitácio Pessoa, Cruz das Armas,
DomPedroIIeCamilodeHolanda,doquenarevitalização dos espaços iniciais de
ocupação(doVaradouroaoParqueSólondeLucena).
Fomentar lugares urbanos por zonificar, ya no centralmente
contratados, promovería por tanto el desorden visual y funcional
em la ciudad. Mi opinión es que este desorden es mejor que la
planificación muerta y predeterminada que restrinja la efectiva
exploraciónsocial.Esmejorqueseanloshombreslosforjadoresdel
cambio histórico,
a que éste venga condicionado por el deseño
funcionaldeunplanpreexperimentalque‘hadeserllevadoacabo’
pese a quien pese. Si se permite que el elemento de la historia en
sítiosdelaciudadresurjadeestemodo,sisepermiteladislocación
funcional y una
red de acontecimentos y personas concomitantes
que habiten el mismo suelo, entonces los anhelos de identidad
purificda puenden tener um campo abonado de pruebas
verdaderamenteformidable(SENNETT,19__,p.203).
O autor entende que, apesar
do risco da desordem
funcional e visual da cidade
decorrente da falta de
planejamento, esta desordem
seria melhor que uma
planificação que produzisse
umacidadesemvida.Paraele,
o papel do homem na
formaçãohistóricadacida de.
132
133
Assim, no caso de João Pessoa, ao contrário do que propunha Corbusier
para promoção do ordenamento urbano‐substituição dos imóveis degradados por
imóveis mais modernos e adequados a uma moradia “decente” (HALL, 1995) o
planejamentoestevevoltadopa raordenamentodosespaçoscomformaçãoestrutural
emergenteficando,ocentrodacidade,semgrandestransformações,comexceçãode
algumasruasprincipais(DuquedeCaxias,GeneralOsórioetc.).
O fato é que após quatro décadas (19401970) em que o planejamento foi
tido e aceito como a única forma de se chegar ao desenvolvimento, ocorre, ou pelo
menos se evidencia melhor, o início da superposição dos interesses socioespaciais
segundo os critérios estabelecidos pelo avanço e influência do capitalismo nas
formaçõesdosespaçosurbanos.Seporumladoainternacionalizaçãodasrelaçõesde
produção criou instrumentos para determinar tanto o tipo como a forma dos
elementos (equipamentos urbanos) que passam a compor o espaço da cidade
(shopping centers, conjuntos habitacionais etc); por outro lado essa
internacionalização influencia no avanço de formas espaciais que se contrapõe ao
modelo de urbanização proposto, a exemplo das favelas e comércio informal,
especialmente em João Pessoa cuja industrialização não conseguiu absorver o
contingenteresponsávelportalconfiguração.
Aproduçãodoespaço,assimcomosuaapropriação,passaacorresponder,
ainda em meados da década de 1970, a realidades socioespaciais cada vez mais
diversificadas no âmbito político (espaço planejado e ordenado versus espaços sem
nenhumtipodeordenamento eespontâneos);econômico(zonas ricasocupadaspor
uma população de alta renda versus zonas encravadas por tipo de ocupações e
funções irregulares ou desorganizadas) e, finalmente; no contexto social (setores do
espaço com infraestrutura e equipamentos urbanos adequados a sobrevivência do
homem versus espaços desprovidos de qualquer tipo de condições básicas para
sobrevivência).
134
Observase, portanto, que o planejamento racional da escola modernista
caracterizouse como sendo um dos “tentáculos” do capitalismo ao ser responsável
pelas crises sociais que passaram a fazer parte do contexto urbano das cidades,
especialmente nos paises subdesenvolvidos. Diante desse quadro de referência,
alguns fenômenos urbanos tem se tornado uma realidade cada vez mais
representativadarealidadeurbana, aexemplodasegregação espacial,queintercala
dascontradiçõessociaiseeconômicas;injustiçasocial,produzidapelascontradições
dos três elementos (social, político e econômico); e da qualidade de vida,
resultado das contradições inerentes à questão social em decorrência dos fatores
políticoeconômicos (Figura 8). Esses dois últimos (a luta contra a injustiça social e
conquistadaqualidade devida)tornaramse,inclusive,oselementosmotivadoresda
lutasocialencabeçadapelosmovimentossociaisurbanos.
Figura8:Relaçãoentreosfatoresconjunturais(EPS)naproduçãodoespaçourbano.
ModeloesquemáticoelaboradoporXistoSouzaJúnior(2008).
O planejamento urbano (PU) racional esteve
relacionado à interação entre os fatores
econômicos, políticos e sociais. Em
decorrência disso foram geradas duas
conseqüências principais: uma espacial
representada pela segregação espacial (SE)
que dividiu em pedaços desiguais a maior
parte das cidades; e outra social (CS) que
possibilitou a emergência de novos
atores
sociaiscomformaçõeseinteressespolíticose
ideológicos distintos daqueles aspirados
pelos planejadores. Isto gerou uma
verdadeiracrisesocial(crisenacidadeecrise
da cidade), ou seja, a injustiça social (IS)
evidenciada na exclusão pelo direito à
cidade. Esta relação apresentase como em
espiral produzido pelas diversas
relações e
interesses socioespaciais oriundas das
relaçõesemescalasmaiorescomoendógenas
àprópriaescaladacidade.
135
Nãoobstanteaissoasconseqüênciasambientaisprovenientesdasdiversas
intervenções urbanísticas patrocinadas pelas administrações tecnicistas durante a
década de 1970 trouxeram à tona o debate de um problema que vinha se
avolumandodesdeaexpansãodaspolíticaseplanosdesenvolvimentistas.
Estamosnosreferindoàquestãoambientalque nos centros urbanos ficou
externalizada pela poluição acelerada dos recursos hídricos (decorrente da histórica
deficiência no saneamento básico) e ausência de infraestrutura em geral que fosse
capazdesuportaroadensamentopopulacionalqueduranteesteperíodoiniciouum
processogeométricodecrescimentopopulacional.Isso possibilitouosurgimento de
segmentos organizados da sociedade, especialmente as ONGs, associações de
moradores, ativismos sociais e movimentos sociais, além dos debates e produções
acadêmicasacercadocaosgeradonaorganizaçãodacidade.
Contudo, o planejamento, apesar de todos os problemas evidenciados,
trouxe importantes contribuições para a formação socioespacial da cidade. Uma
dessas contribuições foi o estímulo ao zoneamento urbano pelo uso do solo que
praticamente obrigou a prefeitura a fazer um levantamento cartográfico da
configuraçãoespacialdacidadeeacriarleisqueregulamentassem,emdefinitivo,as
formasetiposdeocupaçãourbanasegundocadaescalaespacial.Aobrigatoriedade
da elaboração de Planos Diretores no final da década de 1980, através da Reforma
Constitucional, e códigos urbanísticos são exemplos dos benefícios trazidos pela
políticadesenvolvimentistaquepredominouatéametadedadécadade1980.
Embora a sociedade civil organizada tenha, efetivamente, se estruturado
nesse períodoeparticipadode fortes debateselutassobre o futuro da cidade (e de
outras lutas), ela não conseguiu se infiltrar no debate sobre a produção do espaço
urbano,mesmocontandocomoapoio da universidade, especialmentedapartedos
cursosdasciênciashumanasqueseengajaramnalutapormudançasnaformadese
observarosconflitos,criandoinstrumentosqueexplicassemasuanaturezae osseus
136
limites, assim como o apoio da Igreja, especialmente a católica que, através de suas
pastorais, forneceu o apoio logístico as ações elaboradas por esses segmentos da
sociedadenalutapelosdireitoshumanos.
Os movimentos urbanos, quando existentes, caracterizavamse, portanto,
como grupos que atuavam motivados pelo planejamento desenvolvido pelo Estado
(emsuastrêsescalasadministrativas)emparceriacomosempreendedoresurbanos.
Assim, as ações não eram precedidas de planejamento do grupo sendo mais
impulsivasqueorganizadas;maistáticasqueestratégicas.
Esses atores lutavam por habitação (residência, teto etc) ao invés de
buscaremaconquistadamoradia(habitabilidade).Portanto,condicionadospelotipo
de política desenvolvida com a implementação do planejamento urbano eles
ocupavamosespaçosproduzidossesubmetendoascondiçõesimpostasaoinvésde
produzir os espaços ocupados para, em seguida, impor suas condições de
ordenamento(conquistadejustiçasocialcomqualidadedevida).
Contudo,foramasmudanças naformadegestão doespaço,porparte do
Estado,quemaisinfluenciaramnaorganizaçãoterritorial,entreasquaissedestacam
asalteraçõesnaprópriaconjunturacapitalista.Entreessasalterações está a redução
da influência do Estado que passa a ser submetido às regras impostas por uma
dinâmicaeconômicaqueestimulaaaberturadasfronteiras,aflexibilizaçãoeaperda
da autonomia do domínio territorial (ARAÚJO, 2000). Como conseqüência, a partir
dasegundametadeda décadade1980,apolítica de administraçãopúblicapautada
no planejamento é substituída pelo estímulo à prática de um “assistencialismo
imediatista”.
Ogoverno,particularmentenaescalamunicipal,passaasepreocuparcom
a criação de políticas de ordenamento e desenvolvimento urbano e implementação
de normas e leis voltadas para o controle do uso e ocupação do solo, de forma a
gerenciar o espaço urbano segundo os investimentos propostos para o mesmo. São
137
criadas,assim,parceriascomosetorpúblico,aexemplo dosacordosfirmadoscom o
governo estadual e federal que passaram a financiar as políticas (especialmente as
habitacionais) e com os setores privados, especialmente os agentes imobiliários que
passaram a delinear o espaço a partir dos usos e funções.As decisões seguem em
consonânciacomotempodepermanêncianopoder(tempodegestão)oquetornou
inviável(oudesinteressante)oinvestimentonoplanejamentourbano.
O “imediatismo” no debate da coisa pública é reproduzido na própria
sociedade que passa a assumir uma eterna espera pelo governo ideal: Um governo
quepromoveria açõesquesolucionassemdefinitivamenteosproblemasvividospela
sociedade.Assim,asociedadecivilorganizada,emsuasdiferentesfrenteseescalade
ação,nãoassumemumaposturapropositivaquantoaoordenamentourbano.
O impacto causado por tais mudanças, assim como evidenciado
anteriormente,écausaeconseqüênciadefatoresconjunturais:econômico, políticoe
ideológico, sendo este último decorrente da influência progressiva de diferentes
segmentosdasociedade.Éimportanteressaltarqueàanálisedessesfatoresdeforma
isolada deva ser entendida apenas no sentido de facilitar a argumentação sobre a
influênciadecadaum,hajavistaofatodequeosmesmossãoauto
dependentes.
Noquedizrespeitoàquestãoeconômica,estapassaaserdesenvolvidaem
duas frentes: a escala mundial, representada pelos atores globais que comandam a
dinâmica políticoeconômica (capacidade política de investimento ou não no
ordenamento urbano) e a escala local cujas mudanças estruturais e funcionais
representambemainfluência
dosetorempresarialnasredefiniçõessocioespaciais.
Estimuladas pelo momento propício criado pelo mercado, diversas
empresas particulares emergiram como importantes atores sociais ao definirem não
apenasoordenamentourbano,masasregrasdaDivisãoTerritorialdoTrabalho.Por
outro lado, os municípios são colocados na difícil situação de negociar com esses
atores a definição dos espaços, ao tornaremse excluídos do processo e dos espaços
138
dinâmicos, os quais passariam a receber todos os investimentos possíveis para sua
expansão e domínio territorial. São criadas, assim, novas centralidades funcionais
como foi o caso do estabelecimento do Shopping Manaíra e espaço turístico de
Tambaú em João Pessoa, os quais, juntos, produziram um novo dinamismo
socioespacialparaestaárea(litorallestedacidade).
A cidade de João Pessoa, assim como ocorreu em outras cidades
capitalistas,passaa serproduzidaemmeioaumacontradição:selecionarespaços e
fornecerascondições(legaiseestruturais)quepossibilitema atratividade de novos
empreendimentosatendendo,aomesmo tempo,asdemandassociaiscada vezmais
complexas,independentedoespaçoselecionado(pelopoderpúblicoepelosagentes
empreendedores) enquanto prioridade ao desenvolvimento urbano. Isso justifica a
necessidade de valorizar políticas e intervenções cada vez mais rápidas, ou seja,
substituíremoplanejamentoemdetrimentodagestãopública.
No âmbito da perspectiva política as estratégias de ordenamento urbano
sofreram uma mudança substancial. Por um lado o Governo Federal se afasta das
ações locais repassando aos municípios a incumbência de gerenciar a sua dinâmica
territorial.Poroutro,odebatesobreofuturodascidadespassaaterumainfluência
significativa da sociedade civil organizada, especialmente pelos movimentos sociais
evidenciados em suas diferentes formas de expressão espacial (os movimentos
culturais,degênero,étnico,urbanoetc).
As disputas de poder decorrente dessas duas forças no período de
transição doregimeditatorialpara o democrático (19701980) correspondem, assim,
ao“fim”doplanejamentocomoestratégiadegovernançadaadministraçãopública,
a qual passa a ser desempenhada pelo empreendedorismo urbano ao assumirem
uma posição de destaque no que diz respeito as decisões sobre os locais mais
propícios para receber o investimento assim como o próprio financiamento de
desenvolvimentourbano.
139
Essesatores,especialmenteosrelacionadosaoramodosetorcomercial,ao
implementarem empreendimentos de grande porte, tanto comerciais (shoppings,
hotéis etc) como habitacionais, comerciais, empresariais, estão articulados em
diferentesescalasespaciaisoquepossibilitaumaflexibilidadequantoàdecisãosobre
aproduçãodoespaçourbano.
O fato das ações serem
predominantemente controladas pela confluência
dos fatores políticos e econômicos repercutiu em mudanças e conflitos sociais e
ideológicos acerca da apropriação dos espaços urbanos uma vez que as “mudanças
econômicas maciças afetavam o sistema político, organização social, instituições
religiosas e burocráticas e todos os outros elementos da sociedade. Portanto, o
desenvolvimento
se tornou ‘social’ e ‘político’, assim como econômico” (DALAND,
1969,p.04).
Osconflitossociaissetornamcadavezmaispresentesemtodosossetores
da cidade e, com eles, a apropriação desordenada de diferentes espaços,
independente de serem eles públicos ou privados. Nesse contexto, a luta pela
qualidade de vida (habitação, saúde, trabalho, saneamento, ambiência urbana etc) e
justiça social se apresenta como uma bandeirade luta de muitos segmentos sociais,
especialmenteosmovimentoseasONGs.
Alémdointeressepeladisputapolítica sobreofuturodacidadepassoua
existir, também, uma disputa ideológica pautada nos discursos da administração
pública e da sociedade civil organizada assim como os próprios discursos travados
entre os próprios segmentos dessa sociedade que passam a definir prioridades
distintas para a conquista de uma condição de vida urbana mais favorável às
respectivas demandas particulares. Assim, embora tenham sido criadas diversas
políticas de gerenciamento urbano, a produção do espaço vem sendo diretamente
condicionadapeladisputaentreos diversosatoressociais.Nesseperíodo, enquanto
alguns segmentos sociais são desarticulados, a exemplo dos movimentos e
140
associaçõesdebairros,outros passam a seestruturareparticipar mais efetivamente
nos debates sobre a reforma urbana tendo em vista o fato de serem reconhecidos,
especialmentepelopoderpúblico,comoatoressociais.
Com a reforma constitucional ocorrida no final da década de 1980 e a
implantaçãodemodelosdegestãovoltadosparaoestímuloàpar ticipaçãopopulare
disposiçãoemabordarproblemashistóricos,aexemplodainjustiçasocial,qualidade
devidaedireitoàcidadania,odebatesobreoordenamentourbanoganhaumnovo
impulso. O discurso pela reforma urbana passa a ser algo comum entre os
envolvidospelodebatesobreofuturodacidade.
CoubeaPortoAlegre(RS)eRecife(PE),maisaprimeiradoqueasegunda,
opioneirismoaadoçãodapolíticadeOrçamentoParticipativo(ouDemocrático)em
meados da década de 1990. Em pouco tempo as experiências dessas cidades foram
utilizadas como referências para outras capitais, inclusive João Pessoa (PB) no final
da década de 1990, sendo influenciadas por eventos internacionais sobre a reforma
urbana nas cidades, conforme serão analisados com maiores detalhes no terceiro
capítulo.
Ofatoéqueaspolíticasdesenvolvidaspelasgestõesmunicipaissão,mais
umavez,envolvidaspelaprópriaconjunturadaeconomiamundoapartirdoavanço
do neoliberalismo, delimitando as práticas de ordenamento territorial com base no
estímulo as privatizações e redução da interferência do Estado em questões
relacionadasàsresponsabilidadessociais.Odiscursocontidonasleis,especialmente
as que garantem o direito à cidadania (saúde, habitação, educação etc), são
confrontadoscoma realidadesegundoaqualasdesigualdadessociaissãocadavez
mais significativas. Por outro lado, as diversas conferências, simpósios e encontros
relacionados a formulações de propostas de cidadania, além das diversas pesquisas
acadêmicas sobre esta temática, forneceram as condições necessárias para uma
participação popular mais efetiva, particularmente no que diz respeito à coisa
141
pública. Tais eventos favoreceram a difusão das ONGs e o reaparecimento dos
movimentossociais.
Noâmbitoeconômicoessesatoressurgemjustamentenomomentoemque
a estabilidade econômica (1994), proporcionada pela Unidade Real de Valor (URV),
que posteriormente serve como fundamento para implementação do Real, permite
aosatoressociaispensarem
asmudançasespaciaisnovamentealongoprazo,ouseja,
resgataroplanejamentourbanoenquantoestratégiadeação.
Odesenvolvimentotécnico,especialmente apopularizaçãodastécnicasde
georeferenciamento, associado ao desenvolvimento científico e informacional,
possibilitou aos gestores públicos uma maior flexibilidade e segurança quanto aos
investimentosurbanos.Estasituaçãoé
decorrentedasparceriasfirmadascomoutros
agentessociais,particularmenteasempresasprivadas.
Noâmbitopolíticoessesatoressurgemapósareformaconstitucionalcujas
leis e normas passam a adotar mudanças significativas para o desenvolvimento
urbano,aexemplodaobrigatoriedadedoestabelecimentodoEstatutoda Cidadeem
cidades com população superior a 20 mil habitantes e o incentivo à realização de
planejamentosquepriorizemaparticipaçãocoletiva.Portanto,aconjunturapolítica
sobreposta às demais, marca o retorno do planejamento enquanto estratégia de
desenvolvimentourbano.
Finalmente,nocontextosocial,surgemnovosatoressociaisentreos quais
osmovimentossociaisurbanosquepassamainfluenciardiretamentenoprocessode
ordenamento urbano. Ao atuarem na luta pela moradia, compreendida como um
complexo de ações infraestruturais, esses movimentos passam a exercer um papel
importante enquanto interlocutores entre o interesse estratégico do poder público e
asreaisdemandassociais.
Ao contrário do ocorrido na década anterior, esses atores surgem
justamente num período em que e o planejamento participativo possibilita sua
142
inclusão enquanto agente planejador. Em João Pessoa a superposição desses
elementos se configura no início do século XXI com o acesso ao poder de uma
administração pública vinda das bases sociais: a administração do prefeito Ricardo
Coutinho(PSB).Apoucaexperiência,tantoporpartedaadministraçãopúblicacomo
por parte dos próprios movimentos sociais urbanos (criados na segunda metade da
décadade1990)emergecomoprincipaldesafioàimplementaçãodeumapolíticade
ordenamentourbanopautadanaparticipaçãopopular.
Contudo, apesar das dificuldades evidenciadas, o planejamento urbano
vem sendo desenvolvido em meio a perspectivas favoráveis a consolidação de um
cenário mais positivo quanto à participação popular no desenvolvimento de ações
pautadasnoplanejamentourbano.
A imagem negativa do planejamento vem, assim, sendo paulatinamente
substituída por perspectivas mais propositivas, voltadas a obtenção de um
ordenamento urbano originado das bases populares indo, portanto, de acordo ao
modelo de planejamento urbano idealizado pelos críticos ao planejamento
modernistaaoconceberemoproblemahabitacionalcomoalgoquenãopodemaisser
“resolvido de cima [por ser] um problema do povo [e como tal, poderia ser]
solucionado, ou até mesmo encarado corajosamente, mediante a vontade e a ação
concretasdoprópriopovo”(HALL,1995,p.294).
Reaparece, em meio a esse quadro de referências, a opção pelo
planejamento urbano em detrimento de ações assistencialistas e distantes das reais
demandas socioespaciais decorrentes da ausência do planejamento enquanto
estratégia de desenvolvimento urbano. Quanto a falta de experiência relacionada a
participação social no planejamento, esta vem sendo superada pelo aprendizado
comum decorrente da atuação do poder público e movimentos sociais urbanos,
especificamenteosquelutampormoradia.
143
Ofatoéque,tantonaexperiênciadoplanejamentotradicional(regulatório)
como no planejamento patrocinado pelas empresas privadas, chamado de
mercadófilo por Souza (2004), e no planejamento atual inspirado na valorização da
participaçãopopular,nessestrêscasos,opapeldoEstado(poderpúblico)vemsendo
marcante. Por outro lado, o surgimento de outros atores sociais, como os
movimentosurbanos,constituisecomoumelementodiferenciador.
Essainfluência,porsuavez,apresentatrêscaracterísticas:
a)presençadeumEstado(poderpúblicoadministrativo)que,emboraresponsável
peloplanejamento,sedeixaenvolverpelosinteresses particularesdediferentes
agênciasprivadas,apesardeproferirdiscursosvoltadosparaoassistencialismo;
b)um setor privado responsável pelo financiamento dos planos elaborados pelo
poder público, mas descompromissados, em sua maioria, com as reais
demandassociaissendo,assim,osgrandespromotoresdareproduçãoda crise
social;
c)uma sociedade cada vez mais organizada e atuante, porém ainda presa aos
“grilhõesdeixadospeladitadura”(aindanão atuamcomoatoressociais)eque
se deixam levar por conquistas limitadas insuficientes para se conquistar a
reformaurbanatãopleiteada.
O que existe, efetivamente, é a retomada do planejamento diferente
daquele existente no período da ditadura. Entre os principais aspectos, poderíamos
destacar:
a) Econômicos A crise gerada pelo endividamento e a consolidação do
neoliberalismocomoformadegestãohegemônicaresultouemadversidades
econômicas significativas com repercussões em todas as escalas espaciais.
Finalmente, embora o planejamento continue tendo o Estado (em suas três
esferas administrativas) como principal agente idealizador das ações, o
144
financiamento parte agora das instâncias privadas que possuem tempo e
recortesespaciaismuitasvezesdiferentes daquelesdelimitadospelo Estado
ounecessitadospelasociedade;
b) PolíticosOEstado,conformeobservaçãoanterior,éagoracoadjuvantena
elaboração das políticas de desenvolvimento (planejamento espacial) uma
vezquedeumladosetorna
dependentedosetorprivadofinanciadore,por
outro lado, se depara com segmentos sociais cada vez mais organizados e
cientes dos seus direitos socioespaciais. A ausência de uma reserva
econômicaquesustenteaçõespróprias,tendoquerecorreràpráticadoPPP
(parceria públicoprivada) torna o Estado uma instância dependente
de
interesses particulares. As administrações municipais passam a ser
responsáveis pela justiçasocial,porém semcondições técnicas e financeiras
paraisto;
c) SociaiseideológicosEssanovafasedoplanejamentosedeparacomuma
sociedade politicamente mais organizada, porém vítima de uma herança
histórica de exclusão, descrédito político e injustiça social o que reproduz
um descrédito do planejamento. A participação ainda é incipiente uma vez
que os indivíduos, especialmente os sujeitos coletivos, se deixam levar por
diferenças ideológicas ignorando, assim, a articulação enquanto postura de
participação mais eficiente. Contudo, o surgimento de movimentos sociais
urbanosvoltadosparaalutapelamoradiaemaçõesquereduzam ainjustiça
social e pr opiciem melhor qualidade de vida, tem propiciado uma nova
formadesefazerplanejamento.
Diante dos argumentos apresentados, podese montar a seguinte sinopse
acerca dos avanços e retrocessos do planejamento para o ordenamento urbano das
cidadesbrasileiras(Quadro5):
145
Quadro5:Asidasevindasdoplanejamentoenquantopolíticadeordenamentourbano
Planejamento
(19301982)
Gestão
(19831994)
Planejamento
(1995‐2006)
Econômica
A ascensão do capitalismo
com o desenvolvimento e
expansãodasindústriascontribuiu
para o surgimento do
planejamento enquanto forma de
organização espacial. As cidades e
a vida urbana são produzidas
estrategicamente, pelo Estado e
pelos arquitetos, para exercerem
funções específicas, originando
fenômenos urbanos como a
segregação espacial. As
desigualdadescriadasproduzem
o
caos nas cidades. O ordenamento
urbano passa a ser coordenado
pelas agências privadas,
especialmente as imobiliárias, que
passamadefinirossetoresaserem
contemplados com infraestrutura
esaneamento.
Oplanejamentoésubstituído
por formas mais instantâneas de
ordenamentourbano.Oavançoda
globalização e da abertura de
mercados fornece as condições
necessárias para a inclusão das
empresas privadas no
ordenamentodosespaçosurbanos.
Para isso, setores da cidade são
selecionados como vetores do
desenvolvimento dando origem a
criação de bairros nobres e áreas
opacas (no que diz respeito,
principalmente, a inclusão social).
O zoneamento urbano proposto
pelas políticas
públicas é
direcionado para favorecimento
desses investimentos na medida
em que fornece condições para o
estabelecimentodomesmo.
As políticas neoliberais
continuamdelimitandoadinâmica
urbana e o papel das cidades.
Contudo, as empresas privadas
perdem a autonomia financeira
conquistadanadécadaanterioreo
Estadopodecontarcoma
presença
de novos parceiros na elaboração
deaçõesquereduzamasinjustiças
sociais e garantam o direito à
cidadania. Mesmo assim, as áreas
maisbeneficiadascominfra
estrutura continuam sendo
priorizadas para o investimento
privado criando não apenas
espaços segregados, mas espaços
fragmentados (dotados de infra
estrutura e equipamentos
suficientes para
o isolamento do
“feio”).
Política
Preocupado em fornecer as
condiçõesparaodesenvolvimento,
o Estado investe na elaboração de
planos que propiciem o
desenvolvimentourbano. Para
isso, além de estatais, são criados
instrumentos básicos como as
cartas de créditojunto aórgãosde
fomento para realização das obras
de infraestrutura das cidades.
Endividado, o Estado
abandona o
seu papel no ordenamento urbano
tendo que acatar as prioridades
das instâncias de fomento
(empresas privadas) reproduzindo
ecrisesocial.
O governo Federal deixa a
responsabilidade do ordenamento
urbano para as administrações
públicas municipais, as quais,
submetidas aos interesses das
empresas privadas, acabam
promovendo uma forma de
ordenamento
urbano que reforça a
exclusão social. No sentido de
amenizar este panorama são
criados espaços para ouvir a
demanda da população. Contudo,
as decisões continuam sendo mais
políticasdoquesociais.
Amparadas pelo apoio da
sociedade civil organizada, pela
reforma constitucional e formação
de redes internacionais de
desenvolvimento urbano (cidades
saudáveis;
cidades sustentáveis;
etc), as prefeituras retomam o
planejamento enquanto estratégia
política. Da mesma forma, o
Governo Federal, especialmente a
partirdo início da décadade2000,
assume uma postura mais social
(pelo menos no discurso) e cria
instrumentos que possibilitem o
ordenamento urbano e a inclusão
social.
Social
O modernismo fornece os
instrumentosparaareforma
urbana a qual é mais preocupada
com a estética e funcionalidadedo
quecomainclusãoedireitosocial.
A crise econômicanos anos 1970e
ocrescimentodasinjustiçassociais
criam o ambiente propicio ao
surgimento e segmentos
organizados na sociedade
(associações
de moradores, ONGs,
Movimentos sociais urbanos,
étnicos etc). A pressão política
dificulta a participação desses
atores no debate sobre a justiça
socialeaqualidadedevida.
Vivenciando a retomada da
democracia, a sociedade começa a
se organizar melhor e a ter uma
participaçãomaisativanalutapela
melhoria
da qualidade de vida e
redução da injustiça social. O
longo período de experiência no
regime autoritário acaba
dificultando uma participação
maisefetiva.Asociedadereproduz
a política de exclusão ao não
promoverumaatuaçãomais
articulada e eficiente. Assim, as
conquistas são poucas e setoriais
uma vez que as reivindicações
são
poraçõesassistencialistas.
Tanto as ONGs como os
Movimentos Sociais, em especial
osque lutam pela reforma urbana,
passam a desempenhar um papel
mais eficiente no debate sobre o
futuro da cidade. Assim, atuam
como articuladores entre o poder
público ea sociedade, defendendo
aposiçãode que a
políticapública
eficiente tem porbase aadoção de
estratégiasdedesenvolvimento,ou
seja, devem ser produto de
planejamento.
ElaboradoporXistoSouzaJúnior(2008)
146
3.3OslimitesdodesenvolvimentourbanodeJoãoPessoa:paraqueméodiscurso?
Diante do exposto, a formação socioespacial da cidade de João Pessoa
decorre de situações particulares que acabaram delineando não apenas a estrutura
espacial na qual pousou seu sítio, mas a própria formação de seu ordenamento
urbano. A cidade foi e vem sendo construída a partir das estratégias desenvolvidas
pelas administrações públicas (estadual e municipal) em parceria com arquitetos,
urbanistas e empresas privadas. Embora a influência da sociedade civil organizada
venha sendo cada vez mais efetiva, ela praticamente não é reconhecida no que diz
respeitoasdecisõessobreaproduçãodacidade.
JoãoPessoa,comoobservadoempáginasanteriores,apesardeternascido
comocidade,tevefortesdificuldadesdeseconsolidarcomotal,ouseja,definiroseu
papelperanteasdemaiscapitaisoucidadesdonordestebrasileiro,principalmente.
Estas influências acabaram definindo dois tipos de cidade. Uma cidade
com uma organização espacial bem diferenciada daquelas encontradas nas demais
cidadesbrasileirasumavezquetem conseguidodesenvolversuafisionomiaurbana
sem abandonar elementos de seu sítio inicial, o que possibilita a existência de uma
paisagem que se apresenta como um verdadeiro relicário urbanoambiental do
espaçoondeteveestabelecidooseusítio.nosegundocaso,apresentasecomouma
cidade “descoberta” por
atores sociais que tradicionalmente têm ficado de fora do
debatesobreosparâmetrosdoordenamentourbano.Assim,existeumacidadefeita
para ser produzida e apropriada pela e para a classe média e outra para ser
produzida e apropriada pela sociedade em geral. Umacidade que segrega, exclui e
diversifica;e
outraqueresisteeseimpõe.Taisaspectostornamdesafiadorointeresse
pelacompreensãodaformaçãosocioespacialdacidadedeJoãoPessoaassimcomoas
estratégiasetáticasdesempenhadaspelosatoressociaisnoprocessodeproduçãoda
cidade.
147
Para compreender essas duas cidades temse como uma das opções a
observaçãodosfatoresqueinfluenciaramnoordenamentourbanoapartirdadécada
de 1970, período em que a cidade se depara com diversas políticas de controle ao
desenvolvimentourbano.Assim,éoperíodoemquesãocriadasascondiçõesiniciais
para o surgimento e consolidação de atores sociais que até então estavam ausentes
dosdebatessobreofuturodacidade.
A cidade do discurso configurase como a cidade mascarada por slogans
especificamentecriadosparaatender a um interesse emergentenocontextourbano:
atuação das empresas privadas no ordena mento espacial. É, portanto, como uma
cidade estrategicamente imaginada para ser apropriada por formas de organização
espacial,previamenteselecionada.
Termos como “A segunda cidade mais verde do mundo”; “O ponto mais
oriental das Américas”; “cidade saudável”; entre tantos outros, são exemplos de
instrumentos criados para dar sustento à formação de uma cidade diferenciada de
outras com condições similares. Tais figuras criadas para a cidade são idealizadas
peloEstadoepelasempresasprivadassendoqueoprimeiroforneceosinstrumentos
legais e materiais (no que concerne a infraestrutura) e o segundo fornece o aporte
financeironecessárioparapromoçãodeintervençõesespaciais,especialmentenoque
dizrespeitoàlocaçãodeequipamentosurbanos.
Conforme pode ser observado, nos dois principais momentos em que o
planejamentoseapresentoucomoestratégia deordenamentourbano,aproduçãodo
espaço foi delineada pelos parâmetros apresentados nessa parceria entre o poder
públicoeasinstânciasprivadasdeinvestimento(financeiroematerial)emsuasmais
diferentes formas e escalas de atuação sendo a questão política e a econômica as
principaisexpressõesdoespaçoproduzido.
A difusão e consolidação dos movimentos sociais urbanos na década de
1990, por sua vez, apresentase como um marco da inclusão do fator social
148
(participação da sociedade) no ordenamento urbano da cidade, embora ainda de
formarestritaoqueconferecertacomplexidadenaformaçãodacidade.
Assim,ascontradiçõesaparentementeobservadas,aexemplodacriaçãode
uma legislação específica de controle a verticalização na orla marítima que inibe a
disputa imobiliária por aquele território
15
, são diluídas pelo discurso criado como
identidade para a cidade. Isto se pelo fato de se perceber que a criação dessa
legislaçãofazpartedeestratégiasdeordenamentourbanocriadasemumperíodoem
que João Pessoa consegue, de fato, direcionar suas artérias viárias para o litoral,
mesmo não se encontrando em condições de receber tais intervenções estruturais
uma vez que o valor do uso do solo não correspondia ao valor desejado palas
empresasdefomento.
Alegislaçãodeproteçãoàorlamarítimaé,assim,encobertapelodiscurso
do poder público de não permitir que a cidade se transforme no caos urbano
presenteemoutrascapitaiscujoprocessodeverticalizaçãoinfluenciounaambiência
urbana. Embora seja um instrumento importante para evitar a especulação
imobiliária descontrolada, ela passou a ser utilizada como “pano de fundo” para se
criarumareservadevalorsobre oterritóriolitorâneotendoemvistaasprojeções
que,
emmeados dosanos1970,eramapontadasparaolitoralnordestino:áreapotencial
paraodesenvolvimentoeconômicopeloturismoeserviçosemgeral.
Enquanto as atenções foram voltadas para as ocupações no sul da cidade
atravésdaconstruçãodebairroseconjuntoshabitacionaisdemédioegrandeporte,
as políticas de proteção ao litoral foram utilizadas como instrumentos para a
15
Art. 229. A zona costeira, no território do Estado da Paraíba, é patrimônio ambiental, cultural,
paisagístico,históricoeecológico,nafaixadequinhentosmetrosdelargura,apartirdapreamarde
sizígiaparao interiordocontinente, cabendoaoórgão estadualde proteçãoaomeioambientesua
defesaepreservação,
naformadalei”(PARAIBA,2005).
149
consolidação de uma área de valor territorial bastante atrativo para as empresas
privadas.
O aceite do discurso da necessidade de se preservar os condicionantes
paisagísticos do litoral pessoense, por conta da política de contenção do avanço da
urbanização verticalizada na orla, oculta o interesse desse segmento em realizar
investimentosno
momentooportuno:umacertezamaiordoretornofinanceiro.
As experiências com outras capitais com a criação de condomínios ou
venda das terras antes de obtenção da infraestrutura necessária justificam tal
preocupação.EmJoãoPessoa,essa infraestrutura chegouasermontada a partir
dasegundametadedadécada
de1990.
Assim,houveoaceiteemobedeceralegislaçãoelaborada,desdeadécada
de1970,apartirLeideDesenvolvimentoUrbano(LDU)efirmadanadécadade1980
com a constituição estadual. Contudo, isso não correspondeu a um desinteresse na
aquisição de lotes na faixa da orla marítima a um preço aquém do cobrado na
atualidade.
Em um segundo momento, após a pavimentação das principais vias de
acesso, com exceção da Av. Epitácio Pessoa aonde foram realizados investimentos
emequipamentosqueatraíssemtalestrutura,aexemplodoshotéis(comexceçãodo
HotelTambaú,inauguradoantesdadécada de1980),shoppings, centroscomerciais
etc.,alémdacriaçãoapartirdadécadade1990deequipamentosqueconfirmassema
viabilidade funcional da área, especialmente a turística com a criação do pólo
turísticolitorâneocomseushotéis,bares,feirasetc.
Com a consolidação e reprodução dos discursos criados para a cidade,
sendoumdesses confirmadoscomacriaçãodopóloturísticoFaroldoCaboBranco
(O ponto mais oriental das Américas), temse observado uma mudança na postura
dosempreendedoresquepassaramaconstruiredificaçõesnaorla.
150
Nos últimos anos têmse evidenciado um aumento de empreendimentos
verticais (condomínios e edifícios residenciais) e horizontais (recentes condomínios
fechados construídos e em construção em bairros como Altiplano Cabo Branco e
Morada do Sol) sendo construídos na faixa litorânea uma vez que a relação custo
benefícioéfavorávelaoempreendedor.
Portanto, o aparente prejuízo obtido com a não construção dessas
edificaçõesduranteasdécadasde1970e1980ésubstituídopelolucroadquiridocom
acompradasterrasnesseperíodoesuavendanosdiasatuaisouaindapelaprópria
construção de empreendimentos (comerciais e residenciais) nessa área. Tanto numa
situação como na outra esses empreendedores têm como poder de barganha a
consolidaçãodaimagemcriadaparaacidadeeainfraestruturamontada,nadécada
de1990,parasuaconsolidação.
Desta forma, enquanto por um lado, ao longo de praticamente 20 anos
(1970‐1990), o governo municipal ficou responsável pela criação de uma “imagem
para a cidade” fornecendo para aquela área uma estrutura propícia a futuros
investimentos (saneamento, revitalização da orla marítima, rodovias de acesso a
todos os setores da cidade etc); por outro, os empreendedores urbanos,
particularmenteasimobiliáriasouinstituiçõesdefomento,ficaramresponsáveispor
tornar real essa imagem, através da locação de novos empreendimentos comerciais
(Shopping Centers Manaira e Meg, restaurantes, hotéis na orla etc) e residenciais
(Condimínio Extremo Oriental e o Cabo Branco Residence Privé), além da venda
dessasimagens.
Sobre a localização desses empreendimentos, ver o mapa (Mapa 4) e as
fotosaseguir(Fotos1a3).
151
152
Em meio a esse contexto, de acordo com o qual se evidenciava um
processodeantecipaçãoespacial
16
,criouseumimagináriosegundooquala cidade
deJoãoPessoasetornouumacidadequetem na qualidadedevidaosuaprincipal
identidade. Essa qualidade de vida, no entanto, o chega até aos moradores
excluídosdosequipamentosurbanos.Comisso,ointeresseporjustiçasocialemerge
como
fatormotivadorparalutarpelodireitoàqualidadedevida.
A retomada do planejamento durante a década de 1990 trouxe consigo
novasexpressõesdediscursosdesenvolvimentistasquemaisumavezcolocaram em
xeque a equidade social na ambiência urbana. Embora reconheçamos um esforço
pelodesenvolvimentodeaçõesvoltadasparaatender
asdemandasurbanas(saúde,
saneamento,etc.)JoãoPessoafoi,novamente,sendo“vendida”porumdiscursoque
não corresponde diretamente a sua realidade urbana, tais como: cidade saudável;
cidadelimpa;entreoutros.
Taisdiscursosapresentamcomoprincipaismetasarevitalizaçãodocentro
histórico através do reordenamento das moradias antigas e revitalização dos
circuitos feitos no centro, a exemplo do uso do Parque Sólon de Lucena,
recentemente(em2006)escolhidocomocartãopostaldacidade.
Por sua vez, existe também a produção de uma cidade vivida por outros
segmentos da sociedade através da forma como os mesmos vão se infiltrando na
realidadenegada:adaconstruídaparatodos.Sãoatoresquevivemousepreocupam
com as pessoas que vivem às margens dos benefícios deixados pelos atores que
produzemacidadeimaginada:opoderpúblicoeosagentesprivados.
16
SegundoamesmaconcepçãoadotadaporCorrea(1995, p.39):“...localizaçãodeumaatividadeem
umdadolocalantesquecondiçõesfavoráveistenhamsidosatisfeitas”.
153
Na primeira fase da construção dessa cidade, quando o planejamento
começou desenhar a expansão urbana para o leste (litoral) e sul da cidade, estes
atores não se encontravam devidamente organizados ao ponto de questionar os
fundamentospostosnaorganizaçãoterritorialdacidade.
Ofatoderesidiremnosbairrosmaisantigos(setor oeste e norte, além do
centrodacidade)edaatençãoaodesenvolvimentourbanoplanejado(infraestrutura
e equipamentos urbanos) ter tido como prioridade as áreas de expansão,
especialmente a faixa litorânea, além da própria política desenvolvida pelas
administrações públicas durante o período militar, influenciaram na pouca
expressividadedaorganizaçãosocialnessemomento.Issoocorreupelofatodeque,
se por um lado os indivíduos nãoconseguiam perceber o que estava realmente por
trás dos discursos promovidos pelos agentes empreendedores, por outro não
contavamcomnenhumaorganizaçãosocialcapazderealizartalesclarecimento.
Essacidadeapropriadapelapopulaçãomaiscarenteécompreendidacomo
acidadedosexcluídosdoprocessodedesenvolvimento urbanoumavezque,sepor
um lado, durante duas décadas houve investimentos significativos para o
ordenamentourbanodasáreasfavorecidaspeloplanejamento;poroutro,osespaços
maisantigosficaramalheiosàspropostasdessaspolíticas.
Assim, o discurso de João Pessoa como a segunda cidade mais verde do
mundo esconde a João Pessoa dos excluídos, a cidade dos semmoradia. Esconde a
cidade composta por favelas banhadas pelos principais rios ou amparadas pelos
principaismorrosdo espaçourbano.Acidadesaudável,moderna,escondetambém
a cidade das doenças e do atraso segundo a qual o modo de vida rural ainda
permanece nas entranhas da estrutura urbana da cidade, conforme se evidenciava
aindanasprimeirasdécadasdoséculoXX.
154
Enquanto no primeiro contexto se evidencia a conquista da qualidade de
vida(habitação,emprego,saúde,transporte,etc.)paraumsetordacidade;nooutro
essaqualidadedevidaencontrasediluída em meio a umainjustiçasocialcadavez
maisvisível.
Osurgimentodosmovimentos sociaisurbanospropiciou aorigemde um
novo contexto para a produção do espaço urbano. Um contexto segundo o qual o
poder público passa a ter que, obrigatoriamente, dialogar com essas representações
antesdedefinirosparâmetrosparaoordenamentourbanodacidade.Poroutrolado,
osfatoresconjunturaisdeordenamentourbano(econômicos,sociaisepolíticos),que
caracterizou o contraste urbano da cidade, são acrescidos de outro, o ideológico,
igualmenterelevantenoentendimentodosprocessosresponsáveispelaproduçãodo
espaçourbano.
Paraessesnovosatores,devidoapoucaexperiênciaedificuldadedegerar
discursos amparados em posturas comuns, especialmente no que diz respeito aos
parâmetrosideológicosdoordenamentourbano,talfatorseapresentacomomaisum
indicador da complexidade de se compreender o que está realmente por trás dos
discursosnaproduçãoeapropriaçãodoespaçourbano.
Este item serve, assim, como contextualização introdutória da
complexidade que se tornou a organização espacial de João Pessoa, especialmente
com a presença e atuação dos MSUs quanto às estratégias e táticas desenvolvidas
pelosmesmosaolongodastrêsúltimasdécadas.
Quandosemencionaahipótesedaexistênciadeuma“cidadedodiscurso”
não significa que a mesma não se expresse em sua materialidade. Não se trata do
discurso subjetivo, mas do discurso que materializa uma realidade presente,
especialmenteportercomoconseqüênciaareproduçãodainjustiçasocial.
155
Essacidadedodiscursocorresponde,assim,acidadefictícia.aoquefoi
classificado como “cidade real”, a cidade dos excluídos, essa também é uma
realidade (material e subjetiva) vivida pelos demais segmentos sociais: seja pela
impossibilidadedeseisolarcompletamentedessarealidadeurbanaumavezquesão
submetidos aos mesmos problemas urbanos (violência, ambiental etc.) vividos pela
sociedade, por se tratar de problemas coletivos; seja pelo fato de não conseguir se
excluirdosvalores(culturais,políticos,sociaisetc.)presentesigualmentenopróprio
segmentosocialexcluído.
Assim, a afirmação de uma cidade do discurso e de uma cidade do real
deve ser observada apenas como um modelo que permita compreender que existe
uma João Pessoa produzida para atender essa realidade criada, a da cidade quase
perfeita, e outra que expressa os principais problemas urbanos presentes em
qualquerespaçourbano.ÉparaestaJoãoPessoaqueosMovimentosSociaisUrbanos
devempautarseusobjetivosdeação.
CAPÍTULO4
Espaço construído e espaço em construção:
os limites impostos pelas contradições na
produção do espaço urbano de João Pessoa
(19702000).
“Infelizmente, nos últimos anos, o domínio das práticas espaciais
tem mudado, tornando ainda mais problemática qualquer definição
imutável em relação ao urbano enquanto domínio espacial
distintivo. Por um lado, testemunhamos uma maior fragmentação
do espaço social urbano em zonas, comunidades e diversos ‘clubes
de esquina’, enquanto, por outro lado, o transporte rápido e
integrado torna absurdo o conceito de cidade enquanto unida
(HARVEY, 2005, p.171)
157
O parágrafo utilizado como epígrafe introdutória para este capítulo
sintetiza dois grandes problemas vivenciados atualmente nas cidades: as
repercussõesprovocadaspelasmetamorfoses das práticas espaciaisnaproduçãodo
espaço urbano, devido a uma participação cada vez mais diversificada dos atores
envolvidoscomseuordenamento,eacomplexidadeemquesetornaramosespaços
urbanosemdecorrênciadasdiferentesrelaçõessocioespaciais.
Noquedizrespeitoàspráticasespaciais,apartirdoquefoiobservadono
capítulo anterior, se por um lado a diversidade de atores sociais que ultimamente
tem participado da produção do espaço evidencia novas perspectivas para o
ordenamento urbano; por outro lado as conseqüências decorrentes da
“exclusividade”assumidapelopoderpúbliconoordenamento(planejamentourbano)
assim como a influência do empreendedorismo privado na organização do espaço,
ocupando e transformando os principais setores do espaço urbano, tem inibido a
participaçãodeoutrosatoressociais.
Em João Pessoa a atuação conjugada do setor público e privado foi
determinanteparasuaatualconfiguraçãosocioespacial.Defato,responsáveisdiretos
peloplanejamentourbanodacidadedurantequasetrêsdécadas,essesatoressociais
foramdeterminantesparaasegregação do espaçourbanodeJoãoPessoa: ocupação
pelapopulaçãomaispobrenossetoresnorte,oesteesuleocupaçãopelapopulação
economicamentemaisfavorecidanossetoresnordeste,lesteesudeste.
Com isso,atoresemergentes, a exemplo dos movimentos sociais urbanos,
estãosendo obrigadosadesenvolversuaspráticasespaciaisemmeioacontradições
herdadas das práticas desenvolvidas pelo setor público e privado. Assim, esses
movimentos vêm atuando, dialeticamente, em um espaço construído, no qual
realizam suas ações segundo o ordenamento, zoneamento e setorização funcional
158
determinadoparaomesmo,e em umespaçoaindaemconstruçãotanto noquediz
respeitoàsmudançasdasformascomonoqueserefereàsalteraçõesdasfunções.
Emboranessesúltimos10anostenhahavidoavançosquantoàinclusãoda
sociedade civil no debate sobre o ordenamento urbano esta ainda ocorre de forma
moderada.Issoseefetivapelofatodosatoressociaisquerepresentam esta inclusão
serem obrigados a atuar em um espaço que, embora não se apresente totalmente
ocupado, têm, territorialmente, suas funções bem delimitadas pela legislação de
ordenamento urbano, particularmente a Lei Orgânica do Município (1990) e pelo
PlanoDiretor(1992),osquaispassaramasecaracterizarcomooprincipalreferencial
na promoção do ordenamento urbano de João Pessoa. Esses atores são, portanto,
condicionadosaterqueatuaremumespaçocadavezmais complexo(quantoàsua
infraestruturaeordenamento)econtraditório(quantoàsuafuncionalidade).
A relação dialética entre a análise do espaço construído (espaço
apreendido como palco elaborado a partir das diferentes ações dos atores sociais) e
espaço em construção (se aceitarmos à idéia de que os processos prevalecem como
agentesmediadoresdastransformaçõessocioespaciais)remeteparaanecessidadede
se analisar o espaço a
partir da influência dos diferentes fatores conjunturais
(políticos,econômicoseideológicos)decorrentesdasdiversaspráticassocioespaciais.
Contudo, independente do papel ou função desempenhada pelos atores
sociaisenvolvidoscomaproduçãodoespaçourbanopessoense,oudoatualcontexto
socioespacial da cidade de João Pessoa, as ações dos atores sociais vem assumindo
um aspecto comum: produzir o espaço a partir de ações estratégicas voltadas para
uma urbanizaçãoplanejada, apesar dessa preocupação se materializar muitas vezes
deformautópica.
159
Por sua vez, o planejamento urbano aplicado à urbanização está
diretamente relacionado a ações de produção ou reestruturação de territórios, a
exemplo das mudanças na infraestrutura urbana, como as apropriações e
desapropriações,bemcomoadificuldadedeimplementaçãodeaçõesquepropiciem
uma mobilidade urbana mais eqüitativa. Assim como ocorre com os agentes
empreendedores, a localização e a facilidade de acesso tem sido, por exemplo, os
principais elementos das estratégias desenvolvidas pelos movimentos sociais
urbanos.
Em João Pessoa, o planejamento, enquanto expressão da política urbana,
tem transitado entre as diferentes escalas de ação ao se fazer presente e influente
tanto a nível intraurbano, delineando os critérios das mudanças territoriais,
impondoregrasenormasaosatoressociaisenvolvidoscomaquestãourbana,como
anívelregional(estadualefederal)aodesenvolveraçõescomatoresquesearticulam
nessaescaladeformaagarantiraviabilidadefinanceiraepráticaparasuaexecução.
Portanto, além das oscilações da forma como o poder público tem
promovido a gestão do espaço urbano ao optar, em alguns momentos, pelo
planejamento enquanto estratégia de desenvolvimento e, em outros, por ações
condicionadaspelademanda,às açõespautadasnoplanejamentotemseconfigurado,
igualmente, como estratégia de outros atores sociais segundo os seus respectivos
objetivos ou intencionalidades. Em todos os casos, o recorte temporal comum
corresponde ao início da década de 1970 quando o planejamento começou a fazer
partedapolíticaurbanadopoderpúblicomunicipal.
160
4.1Asidasevindasdousodoplanejamentonapolíticadeordenamentourbano:
daatuaçãodopoderpúblicoaosurgimentodenovosatoressociais.
A década de 1970 marcou, especialmente para o mundo ocidental, um
período de fortes transformações socioespaciais decorrentes do processo de
globalização, a partir do acesso a
novas técnicas, difusão do conhecimento e da
informação e, principalmente, das conseqüências sócioeconômicas oriundas do
impacto desse processo no ordenamento urbano tanto dos países desenvolvidos
comonospaísessubdesenvolvidos.
No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, a
globalização, conduzida pelo surgimento de atores hegemônicos (grandes
empreendedores), assim
como pela difusão de diversos segmentos sociais
(movimentossociais,ativismospopulares,organizaçõessociaisetc.),produziufortes
conseqüênciasaoespaçourbano.
No que concerne à conjuntura política, o país vivenciou, nesse período, a
“plenitude” da intervenção militar, representada pelo centralismo e o autoritarismo
administrativo decorrente das intervenções de ações da administração pública
(federal,estadualemunicipal)nosespaços“vazios”.Talconjunturateveporobjetivo
promoveroordenamentoespacialdeformaatornáloaptoàsintervençõesdosetor
privadoquenesseperíodoestavapassandoporumprocessodeexpansão(conquista
edomínioterritorial).Poroutrolado,arepressãoproduzidapelaintervençãomilitar
propiciou, nesse mesmo período, o surgimento de novos atores sociais,
especialmenteosmovimentossociaisque,incentivadospelaIgrejaCatólica(Pastorais
e Teologia da Libertação), passaram a se mobilizar em busca de conquistas pelos
direitos sociais (inclusão social). o estímulo à criação de pólos industriais,
particularmente em áreas metropolitanas, assim como a urbanização acelerada,
repercutiunosurgimentodemovimentosambientalistas.
161
Tais movimentos, em parceria com outros segmentos da sociedade,
passaram a ter como um dos seus principais objetivos a luta contra os impactos
produzidos pelas ações dos empreendedores nas transformações dos espaços rurais
ou urbanos. No caso específico do espaço urbano o problema ambiental esteve
relacionado,principalmente,apoluiçãodosrioseausênciadeumsaneamentobásico
necessários ao atendimento a um contingente cada vez maior de pessoas que se
multiplicavamnosprincipaiscentrosurbanos.
O debate político passou a se infiltrar em outras esferas da sociedade
(universidades, associações, espaços públicos etc.), o que resultou em uma
participaçãomaisefetivadopoderpúblicomunicipalnaelaboraçãotantodeplanos
de desenvolvimento como de políticas públicas mais flexíveis às exigências desses
atoressociais,especialmenteemmeadosdosanos1990quando,especificamentepara
a realidade brasileira, puderam contar com um respaldo legal de participação na
produçãodoespaçourbano.
Noâmbitoeconômico,osinvestimentosdosempreendedoresfomentaram
transformações significativas no ordenamento urbano, especialmente no que diz
respeito às áreas metropolitanas através da implementação de novos e modernos
empreendimentosurbanosaexemplodosgrandescondomíniosfechados(verticaise
horizontais), conjuntos habitacionais, Shopping Centers, Hipermecados etc. Tais
empreendimentos marcaram a transformação da realidade urbana ao reforçarem o
processodesegregaçãosocioespacialproduzindo,apartirdeste,novascentralidades.
no que se refere à questão social o debate sobre a mesma migrou da
escala regional, discussões sobre as desigualdades históricas entre as regiões sul
sudesteenortenordeste,discussãoessaquepredominoudurantepraticamentetrês
décadas (19501970) para eclodir na escala intraurbana (desemprego, falta de
habitação,insalubridade,etc.),nofinaldadécadade1970,influenciandonainclusão
162
da justiça social e da qualidade de vida enquanto prerrogativas de um
desenvolvimento urbano pautado em ações públicas bem mais representativas e
efetivas,baseadasnoplanejamentosocioespacial.
o desenvolvimento urbano, o qual é o objetivo fundamental do
planejamento e da gestão urbanos, deixase definir com a ajuda de
dois objetivos derivados: a melhoria da qualidade de vida e o aumento da
justiçasocial(...).Àluzdapreocupaçãocomoplanejamentoeagestão
urbanos, ambos os
objetivos (...) podem ser compreendidos como
objetivos intrinsecamenterelevantes, pois claramente dizem respeito a
finsenãosomenteameios.(SOUZA,2004,p.75e76).(Destaque do
autor)
Assimsendo,noâmbitosocialarelaçãoentreoprocessodeglobalizaçãoe
anovadivisãosocialeterritorialdotrabalho,evidenciadaapartirdadécadade1970,
forneceu os elementos para uma realidade urbana bem mais complexa. Uma
realidadecompostaporumasociedadecrítica,reivindicadoraeatuantequetevenos
sindicatos, movimentos de bairro e populares, assim como as associações de
moradores,osprincipaisagentesmotivadoresdastransformaçõesurbanas.
Comaparticipaçãocadavezmaisefetivadessesatoressociais,alógicade
umasociedadeordenadaporumaeconomia pautadaemdoiscircuitos,osuperiore
o inferior, perdeu sentido uma
vez que “todos os níveis da população podem estar
ligados ao consumo fora do sistema a que pertencem” Santos (2005, p. 97),
prevalecendo, com isso, a superposição inerente das relações socioespaciais
decorrentesdessesdoiscircuitos.
A conjuntura apresentada resultou, ainda durante a década de 1970
17
, em
mudançassubstanciaisnaorganizaçãodoespaçoaoinfluenciarnaformadeatuação
dopoderpúblicoemsuastrêsunidadespolíticoadministrativas(municipal,estadual
17
Muitas das ações que caracterizaram o ordenamento espacial na década de 1970 surgiram das
propostas de planejamento de décadas anteriores, especialmente no que diz respeito à legislação.
Contudo, as condições propícias para a difusão e reconhecimento dessa nova fase da política
nacional,ocorreramnacadade1970.
163
e federal), especialmente no que diz respeito às ações que propiciaram o
ordenamento urbano das principais cidades brasileiras: inicialmente as capitais
(sejamelasmetropolitanasounão)edepoisascidadesdeportemédio.
Para o governo federal, esse período representou a inserção do Brasil no
cenáriomundialenquantopaísemdesenvolvimentoumavezqueacriaçãodepólos
de desenvolvimento (agroindustriais e metropolitanos, principalmente), com
investimentos nos setores tecnológicos e científicos, possibilitou que o país
vivenciasse um período de forte crescimento econômico, o qual ficou conhecido
como “milagre econômico”. Esse período de crescimento econômico repercutiu em
mudançastantonaárearuralcomonaáreaurbana.
Para o orde namento do espaço urbano as repercussões do crescimento
forampercebidasatravésdosfortesinvestimentostantodosetorfinanceirocomodas
empresasprivadasquejuntosinfluenciaramnoordenamentourbanoprovenienteda
construção de novos empreendimentos voltados para fornecimento das condições
necessárias para a modernização do espaço urbano tanto em termos de infra
estruturaquantonoquesereferealocaçãodenovosequipamentosurbanos.
O financiamento proveniente do Sistema Financeiro de Habitaçã o (SFH),
através das Companhias de Habitação Popular (COHABs), por exemplo,
propiciaram mudanças substanciais no ordenamento urbano, especialmente nas
capitais,atravésdaconstruçãodegrandesconjuntoshabitacionaispopulares
18
.
18
EmboraoSFHtenhasidoumadasprincipaisreferênciasnoqueconcerneaoprocessodeapoiodo
poderpúblicofederalnofinanciamentohabitacional,aexpressãogeográficadesseapoioremontao
iníciodoséculoXXcomacriaçãodasCarteirasPrediaisdosInstitutosdeAposentadoriaePensõese
a Fundação Casa
Popular (IAP/FCP) os quais foram transformados na segunda metade do século
XX em Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS).
164
Aatençãoàmoradiafoidirigidaatodasasclassessociaisvariandoapenas
noqueserefereàinstituiçãodefomento,aotipodemoradiaealocalizaçãoespacial.
Para a população com melhor poder aquisitivo o financiamento foi oriundo da
iniciativa privada sendo os empreendimentos representados por conjuntos verticais
localizadosnosetorlestedacidade.aclassemédiaobteveofinanciamentoatravés
deCooperativasHabitacionais.
Quanto ao tipo de moradia houve a predominância de conjuntos
habitacionais de pequeno porte, decorrentes de financiamentos oriundos do
SFH/BNHoudoapoiodossindicatosaexemplodosbancários,comerciáriosetc.,os
quais, no caso específico de João Pessoa, resultou na formação de alguns bairros
como Jardim Cidade Universitária, Bancários, Funcionários I e II. Esses
empreendimentos foram localizados em áreas estratégicas quanto ao acesso e as
funções urbanas. Finalmente, a população com menor poder aquisitivo obteve o
financiamento proveniente dos Programas Habitacionais (parcerias entre os
governos federais, estaduais e municipais) através de medidas assistencialistas.
Assim, além de modestas, possuindo no máximo três cômodos (sala, quarto e
banheiro), as residências eram entregues desprovidas de saneamento e infra
estruturabásica.
Incrustandosenessastrêsgrandessubdivisõesforamsendoespacialmente
distribuídas no espaço urbano ocupações “espontâneas” desprovidas de
investimentos públicos ou privados e com condições adequadas a uma moradia
digna.Taisocupaçõesresultaram,naturalmente,naformaçãodefavelasque,durante
adécadade1970,foramsendodifundidasnacidadedeJoãoPessoa.
Envolvidos com problemas de ordem mais ideológica (igualdade de
gênero e étnica, por exemplo) e política (luta contra a repressão imposta pelo
governo militar), as organizações sociais existentes nesse período exerceram pouca
165
pressãosobreoordenamentourbanodacidade.Representadasprincipalmentepelas
associações de bairros, as ações estiveram restritas a reivindicações pontuais,
voltadas para pressionar o poder público quanto ao atendimento das demandas
sociais., relacionadas as melhorias no saneamento, emprego e educação. As ações
desses atores, portanto, não conseguiram ultrapassar eficientemente a escala
municipal devido a própria conjuntura política adotada pelo país durante esse
período.
Osmovimentossociaisquesurgiramnesseperíodoestiveram,porsuavez,
relacionadosàlutapelaigualdadesocial(étnica,degêneroetc.).Possuíam,portanto,
expressõesmaisespaciaisdoqueterritoriaisumavezquealutanãoeravoltadapara
conquistadeterritórios.
Os que mais se aproximaram do debate territorial foram os movimentos
dos favelados. Estes, no entanto, estiveram mais próximos de serem considerados
movimentospopularesdoquemovimentosrealmentesociaisumavezqueascausas
eram pontuais, pouco articuladas e voltadas para conquista do direito a habitação
(ter a casa conquistada independente da mesma possuir ou não infraestrutura) ao
invés da conquista do direito à moradia (conquista da casa dotada de toda a infra
estruturanecessáriaaumamoradiadecente).
Comoprocessoderedemocratizaçãoocorridoapartirdasegundametade
da década de 1980 e da própria reformulação da Constituição Federal em 1989,
especialmente através dos artigos 182 e 183, é estabelecida uma atenção especial ao
regulamentodoordenamentourbano.
Apreocupaçãoquantoaofuturodascidadesresultanainclusãodenormas
específicas sobre a responsabilidade do poder público em produzir um espaço
urbanomaisjustoeeqüitativo,produtodeumaparticipaçãoativadasociedade.
166
Pela primeira vez, é bom frisar, a cidade foi tratadana Constituição
Federal, que nasceu com o intuito de assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, o bemestar, o desenvolvimento, a
igualdadeeajustiçacomovaloressupremosdeumasociedadefutura,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social. No
estabelecimento da nova Constituição o país alcançou, também, um
novo e promissor patamar com a incorporação, na lei fundamental,
da participação popular nas decisões de interesse público.
(OLIVEIRA,2001,p.3).
Portanto, se por um lado a redemocratização correspondeu a uma
mudança na forma de atuação das prefeituras no que concerne a organização do
espaçourbano,delegandoaesta autonomiapararesoluçãodosprincipaisproblemas
urbanosassimcomopromoverodesenvolvimentourbanodeformajusta;poroutro,
evidenciase, por parte do
governo federal, uma nova fase de estímulo ao
planejamento,especialmentenaescalaurbanaemdecorrênciadoaumentoacelerado
doprocessodeurbanização.
Alémdeestabelecernormasespecíficasvoltadasparaas novasatribuições
do poder público municipal, o governo federal passa a atuar comointerlocutor dos
investimentos no ordenamento urbano, tanto os oriundos do próprio orçamento
públicofederalcomoosdecorrentesdosgrandes empreendedores.Paraisso,orienta
como requisito para cidades com mais de 20 mil habitantes a implementação do
Plano Diretor Urbano (BRASIL, 2007) enquanto instrumento para produção de um
espaçourbanomaisinclusivo.
Éimportantelembrarqueaquestãourbanafoiinseridanodebatepolítico
a partir de uma série de mobilizações, conferências e encontros oriundos de
iniciativas da sociedade civil organizada (ONGs, associações, fundações,
movimentossociaisetc.).
167
Osdebatespromovidosporessesatoressociais,nofinaldadécadade1980,
resultou na formação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU)
19
, o
qual teve como grandes agentesmobilizadores os movimentos de luta por moradia
que, neste período, começavam se organizar e se difundir a exemplo da União
Nacional por Moradia Popular (UNMP), o Movimento Nacional de Luta por
Moradia (MNLM) e a Central de Movimentos Populares (CMP), os quais, embora
tenham fincado raízes nos últimos anos da década de 1980, foram consolidados
enquantorepresentantescoletivosdelutapormoradiaapenasnoiníciodadécadade
1990.
AatuaçãodoMNRU,transformadonadécadade1990emFórumNacional
pela Reforma Urbana, resultou na formulação da emenda constitucional que serviu
de base para inclusão, na Constituição Federal, de um capítulo exclusivo sobre a
política urbana: capítulo II cujos artigos 182 e 183 fornecem as bases para os
desdobramentosfuturosdapolíticaurbananoBrasil.
Além disso, a emenda constitucional fundamentou a promulgação do
projeto de lei 5.788 de 1990, o qual, após uma década (19902000) tramitando no
congressoesenado,foiutilizadocomoreferênciaparaalei10.257/01queversasobre
o estabelecimento do Estatuto da Cidade como regimento para o ordenamento
urbano“sustentável”.Entreasprincipaisconquistasobtidasapartirdoprojetodelei
5.788/90, destacaramse: a obrigatoriedade do Plano Diretor para municípios com
19
No Brasil, o debate sobre o tema “reforma urbana” não foi uma novidade do final da década de
1980.Antes,nacadade1960,otermoaparecenaadministraçãopúblicaenquantomeioparase
conseguir o direito de propriedade urbana, combate a especulação imobiliária e valorização da
função social
da cidade, entre outros preceitos que foram retomados no final da década de 1980.
Contudo,estetemaéresgatadocomumimportantediferencial:teragregadoosmovimentosdeluta
pormoradiacomo umdos principaisatores nalutapor umareforma urbana(qualidadede vidae
justiçasocial).
168
contingente populacional superior a 20 mil habitantes; o IPTU
20
progressivo, a
desapropriaçãopara finsdereformaurbanae odireitoapropriedadeportempode
usoedelimitaçãodesuafunçãosocial.
Assim, pela primeira vez, a atuação de um movimento social (no caso
específicodosmovimentosnacionaisdelutapela moradia,especialmenteaCMPeo
MNLMconseguem
realizaraçõesqueinfluenciamdiretamentenaelaboraçãodeleis
epolíticasfuturassobreoordenamentoterritorialdoespaçourbano.
Essesmovimentospassaram,então,secaracterizarpelainfluênciaexercida
nodebatee açãosobreoordenamentodoterritóriourbano,fatoestequepermite,se
utilizarmos uma linguagem geográfica de uma das concepções
trabalhadas
Fernandes (2005), classificálos como movimentos sócioterritoriais. Entre as
principais propostas elaboradas que servirão de base para as políticas urbanas das
décadasseguintes,destacaramse:aconcepçãodafunçãosocial;odireitoàmoradia;
participaçãopopularegestãodemocrática;direitoàpropriedadeporusoeconquista
coletiva.
No que diz respeito à escala estadual, a atuação do governo no
ordenamento urbano, por está envolvido com as políticas nacionais foi sendo
progressivamente reduzida uma vez que na transição de uma administração
centralizadoratecnicista para uma democráticaparticipativa, no âmbito das três
esferas de governo, houve um estreitamento dos laços entre o governo federal
(detentor do financiamento e das regulamentações gerais) e o poder público
municipal que passou a ser o principal responsável pela elaboração de políticas de
ordenamentoecontroleurbano.
20
Imposto Predialsobre TerritórioUrbano de forma progressivaconsiste na reforçar oavalorização
dafunçãosocialdacidadesobpenadeperdadodireitodepropriedade.
169
Seporumladooperíodoiniciadocomacriaçãodeestataisvoltadaspara
resoluçãodosprincipaisproblemas,tantonasáreasruraiscomonasáreasurbano,a
exemplo, no caso da Paraiba, da EMAPA (Empresa Estadual de Pesquisa
AgropecuáriadoEstadodaParaíba)
21
,aCAGEPA(CompanhiadeÁguaeEsgotosda
Paraíba)eCEHAP(CompanhiaEstadualde Habitação Popular), marcouoápiceda
parceriaentreogovernofederaleoestadual(os estaduais)
22
;poroutrolado,coma
redemocratizaçãoogovernofederalestreitalaçoscomosmunicípiosumavezqueos
problemasurbanossetornamcadavezmaisagravanteseopoderpúblicomunicipal
passaaassumiraresponsabilidadedepromoçãodoordenamento“sustentável”dos
espaçosurbanos.
Duranteadécadade1990houve
umareduçãodosinvestimentosdopoder
público federal no que diz respeito à implementação de uma política que
regulamentasse o desenvolvimento urbano das cidades, apesar da obrigatoriedade
de implementação das Leis Orgânicas e dos Planos Diretores por parte do governo
municipal.Ainstabilidadeeconômicavivenciadapelopaísduranteadécadade1990
assimcomoaprópriaopçãopolíticaadotadaespecialmenteduranteasduasgestões
de Fernando Henrique Cardoso (FHC), ao fornecer condições favoráveis aos
investimentos de grandes agentes privados, além de um não acompanhamento
efetivo das políticas de desenvolvimento urbano promovidas pelo poder público
municipal, foram os motivos que resultaram em uma atuação passiva do poder
públicofederalnoqueconcerneaopatrocíniodoordenamentourbano.
21
AEmpresa Estadualde Pesquisa Agropecuáriada Paraíbasurgiuno final dadécada de1970(Lei
Estadual 4.034 de 20/12/1978) para o desenvolvimento tecnológico no meio rural e como
instrumentoparaviabilizaroabastecimentodoscentrosurbanos.
22
Enquanto a CAGEPA foi criada para resolver o problema do saneamento básico agravado com a
urbanização acelerada evidenciada entre as décadas de 1970 e 1980, a CEHAP, financiada pelos
recursosdoSFH(SistemaFinanceiroHabitacional),atravésdoBNH(BancoNacionaldeHabitação),
ficouresponsávelpelaresoluçãodosproblemasdefalta
demoradiaapartirdacriaçãodeconjuntos
habitacionais populares promovendo, com isso, a expansão urbana para os setores periféricos.
Nenhumadasduasconseguiramatingirosobjetivosquejustificaramsuacriação.
170
Embora muitos municípios tenham cumprido, nesse mesmo período, as
orientaçõesestabelecidasnaconstituiçãonoqueserefereaimplementaçãodoPlano
Diretor para os municípios com população superior a 20 mil habitantes (BRASIL,
2007),essarecomendaçãoacabounãosendotãoeficienteumavezque,naprática,à
faltadecontroleoudefinanciamentoparaimplementaçãoefetivadomesmo.
Assim, para muitas cidades, o Plano Diretor é implementado mais como
um conjunto de normas definidas de uma política urbana do que enquanto um
mecanismo de promoção de um ordenamento urbano planejado e eqüitativo. Para
outras cidades que conseguiram implementar parte do que realmente foi
compreendido no Plano Diretor, as ações foram ainda assim limitadas por não
apreenderemoqueossegmentosorganizadosdasociedadepleiteavam:umamaior
qualidadedevidaejustiçasocial.
A grande dificuldade esteve relacionada a ausência de uma ação mais
efetiva do governo federal no que concerne a criação de mecanismos que
viabilizassemaimplementaçãodoscritériosestabelecidospelosplanosdiretoresede
umafaltadeexperiênciaouinteressepolíticodasadministraçõesmunicipaisquanto
alutapelacriaçãodascondiçõesnecessáriasparapromoçãodoordenamentourbano
segundo as normas estabelecidas no Plano Diretor. Acrescentase a isso a demora
pela aprovação de uma lei que aprovasse a criação do estatuto da cidade enquanto
instrumento de viabilização (financeira e prática) das políticas de desenvolvimento
urbana propostas nos Planos Diretores e a pouca experiência dos segmentos
organizados da sociedade civil em reivindicar a implementação das normas
estabelecidasnalei.
Noentanto,duranteadécadade1990houveumgrandeamadurecimento
dos diversos segmentos sociais no debate sobre o futuro da cidade. Contudo, as
grandes questões urbanas continuaram sendo relacionadas à ausência de uma
171
política habitacional e urbana capaz desupriras demandas evidenciadasno espaço
urbanodacidade.
Questões relacionadas ao direito de igualdade de gênero, respeito étnico,
de preservação ambiental, principais bandeiras de lutas dos movimentos sociais
durante a década de 1970, foram minimizadas em decorrência da elaboração e
implementação de políticas específicas
e do surgimento de organizações não
governamentais que passaram a suprir as lacunas deixadas pelo poder público.
Contudo, outras questões continuaram a ser um problema cada vez mais crescente
noambienteurbano.Estamos,naturalmente,nosreferindoàquestãodaconquistade
umamoradiadigna.
Apesar de terem surgido, ao longo
desse período, diversos atores sociais
preocupadoscomaresoluçãodessesproblemas,àexemplosdeONGscomoaFASE
(FederaçãodeÓrgãosparaaAssistênciaSocialeEducacional)edosobservatóriosde
políticas públicas que passaram a existir nas principais cidades, onde os problemas
urbanossãomaisacentuados, foramosmovimentos sociaisdelutapelamoradiaos
quemaisconseguiramconquistasnoquedizrespeitoajustiçasocialequalidadede
vidaparapopulaçãocommenorpoderaquisitivo.
Isso se deve, por um lado, ao fato de que, ao contrário de outros atores
sociais, esses movimentos conseguiram se articular a nível de Brasil de forma a
montar uma rede que possibilitasse ao mesmo a realização de ações coordenadas
segundo uma agenda nacional de ocupação, resistência e luta. Por outro lado, em
cada espaço de atuação o movimento conseguiu manterumaautonomiaestratégica
segundoarealidadesocioespacialdolocalondeexercesuasatividades.
Estrategicamente, isso significa que os movimentos de luta por moradia
conseguiram, ao mesmo tempo, criar as condições necessárias para participar do
desenvolvimentourbanotantonaescalanacional,emparceriacomoutrossegmentos
172
da sociedade civil, lutando pela consolidação de uma legislação federal que
fornecesseascondiçõesnecessáriasparaoestabelecimentoda reformaurbana;como
na escala local, através da luta pela moradia decorrente de ações efetivas na
produçãodoespaço(construçãodoterritóriodamoradia).
Tanto numa esfera como na outra esses movimentos se destacaram pela
manutenção de uma autonomia política perante os demais atores sociais ao se
proporem a lutar por um ideário comum, a reforma urbana (justiça social e
qualidade de vida), sem abandonar os elementos que os identificam como
movimentos sociais urbanos: atores sociais autônomos cuja atuação resulta em
mudanças na organização do espaço urbano ao garantir para a sociedade,
especialmente a mais carente, o direito à cidade através da conquista das condições
dehabitabilidade,ouseja,odireitoaumamoradiadigna.
apósaadministraçãodogovernoLulaéqueforamcriadasascondições
ideais para a reforma urbana. De fato, embora o Estatuto da Cidade tivesse sido
aprovado em 2001, no final gestão de Fernando Henrique Cardoso, pela Lei n.
10.257/01,consolidand o,emdefinitivo,asnormasparaatuaçãodopoderpúblicona
resoluçãodosproblemasurbanos;foiapenascomacriaçãodoMinistériodaCidade,
nogover noLula,quesecriaramascondiçõesideaisparagarantiroestabelecidopelo
EstatutodaCidade: garantiadajustiça socialequalidadedevidanoespaçourbano
das cidades; valorização da função social da cidade e da propriedade urbana da
cidade; estímulos para implementação de gestões públicas mais democráticas;
distribuição dos ônus e benefícios da urbanização a partir do estabelecimento da
outorgaonerosa;entreoutrasconquistasdecorrentesdeumadécadadelutapelapor
partedosdiversossegmentosdasociedadecivilorganizada(BRASIL,2001).
[O Ministério das Cidades] tem como competência institucional
elaborar políticas de apoio ao planejamento e gestão territorial e
fundiáriaurbana.Tratasede umapolíticadeapoioa[os]municípios
173
[na]implementação doEstatuto daCidade e[n]o fortalecimentodos
processos de planejamento e gestão territorial e urbana. (BRASIL,
2004,p.7;15).
Com a criação do Ministério das Cidades as administrações públicas
municipaispuderamcontarcomnovasalternativasparaaquisiçãodefinanciamentos
voltadosparaapromoçãoefetivadasorientaçõesdeordenamentourbanopropostas
no Plano Diretor tanto no que diz respeito a reformulações noespaçourbanocomo
noquesereferearesoluçãodos problemashabitacionais.Dessaforma,noinício do
séculoXXIsãoconsolidadasascondiçõesideaisparaarealizaçãodareformaurbana
nastrêsvertentesconjunturais:política,econômicaesocial.
Noâmbitoeconômico,opaístinhaacabadodevivenciar,nosúltimosanos
da década de 1990, um período de equilíbrio monetário, iniciado com a
implementação do Plano Real ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso,
embora não tivesse conseguido obter, nesse momento, a estabilidade econômica
desejada, a qual veio a ser conquistada durante o governo Lula
23
. As melhorias
orçamentárias associadas a políticas de criação de novos mecanismos de
financiamento foram os elementos que representaram uma ação mais efetiva por
parte do governo federal, especialmente no que corresponde ao financiamentopara
adoção dos Planos Diretores resgatando, em definitivo, o planejamento enquanto
alternativapolíticadedesenvolvimento.
23
ConcebeseoiníciodesseperíodocorrespondenteaocomeçodagestãodogovernoLula,apartirda
não renovação do acordo feito junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no que se refere ao
empréstimo concedido ainda na gestão de FHC (1998) e renovado no final de sua gestão, até o
momento atual em que os ativos internacionais no exterior (reservas internacionais) se torna
superior a vida externa do país. No âmbito no desenvolvimento urbano isso representa a
existênciadecondiçõesideaisparainvestimentosemaçõessociais,especialmenteasrelacionadasà
moradia.
174
Nocenáriopolítico,apesardasdiversascrisesqueassolaramaatualgestão
do governo federal, especialmente entre os anos de 20052007, foram adotadas
medidasfundamentaisparaapromoçãododesenvolvimentourbano,entreasquais
se destaca a criação do próprio Ministério das Cidades e as diversas ações e
encontros patrocinados pelo mesmo, a exemplo das conferências municipais,
estaduais e nacional das Cidades. Tais debates, ao contar com a participação de
diferentes segmentos sociais, tiveram como principais resultados a criação de
programas e leis relacionadas diretamente ao ordenamento urbano e atenção à
moradia,especialmenteparaapopulaçãodemenorpoderaquisitivo.
Finalmente,aquestãosocial,representadaporumaatuaçãomaisativados
diversos segmentos da sociedade civil organizada, foi caracterizada pelo
amadurecimento dessas representações decorrentes do momento propício criado
como conseqüência da estabilidade econômica e mudanças no campo político. A
influência de tais mudanças, por sua vez, esteve relacionada à própria postura do
poder público federal, ao criar situações mais favoráveis à participação dos
segmentosdasociedadecivilorganizada(aexemplodaconsolidaçãodoEstatutoda
Cidadeedapromoçãodediversasconferênciassobreofuturodascidades),comoda
novatendênciadasadministraçõesmunicipaisem dialogar(deformaobrigatóriaou
não)comossegmentosdasociedadecivilorganizadosenvolvidosdiretamentecoma
questãourbana,comoéocasodosmovimentossociaisurbanos.
Diante do quadro de referências apresentado é possível se chegar a
algumas reflexões importantes: a) o planejamento urbano foi retomado na última
década,emboracom umaroupagemdiferentedaquelaadotadanoperíododitatorial;
b) existe uma maior aproximação entre o governo federal, que passa a assumir um
papel de agente fomentador do ordenamento urbano ao elaborar políticas de apoio
aoplanejamentoegestão territorialdascidades,e o governomunicipalquepassa a
175
atuar como gestor de ações voltadas para o ordenamento urbano, a partir do
estabelecimentodosplanosdiretores eaberturadediálogocomoutrosatoressociais
e, finalmente; c) emergência e consolidação de novos atores que passam a atuar
diretamente na produção do espaço urbano, entre os quais os movimentos de luta
por moradia que têm adquirindo uma maior importância em decorrência da sua
própriaformadeatuação.
4.2 OplanejamentourbanoemJoãoPessoa:asdiversasfacesdeumaideologia.
Aexemplodoqueocorreunopaíscomoumtodo,oplanejamentourbano
emJoãoPessoatevemesmoinícioapartirdadécadade1970.Olentoprocessode
urbanizaçãoassociadoaofatodetersidoapenasapartirdessadécadaqueacidade
começou, efetivamente, o seu processo de expansão espacial e o governo federal a
difundirinvestimentosnoplanejamentodiretamentenoordenamentoterritorialdos
espaçosurbanos,sãofatoresqueexplicamosurgimentodoplanejamentoapartirda
décadade1970.
Uma exceção foi o Projeto do Sistema de Esgotos Sanitários que
correspondeu a relatório técnico voltado para a elaboração do sistema de esgoto de
JoãoPessoa,em1968,apartirdaretomada doprojetodesaneamentoelaboradopor
Saturnino de Brito, em 1913, conforme observado no segundo capítulo. Este projeto
propunha a ordenação territorial da cidade
a partir da seleção das áreas a serem
contempladascomoabastecimentod´águaeserviçosdecoletaetratamentosanitário.
Asáreascontempladaspor este projetoantecipavama divisão territorialpropostaa
partirdadécadade1970noqualossetorescentro,norteelestecorresponderamaos
locaismaisbeneficiados
pelaspropostasdeordenamentoterritorial.
A experiência com o planejamento urbano em João Pessoa nasceu na
gestão de Dorgival Terceiro Neto (19711974) ao estabelecer os fundamentos para
elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) enquanto mecanismo de
176
promoção do ordenamento urbano da cidade. Além das reformas políticas
(orientação para o desenvolvimento urbano) as mudanças estiveram igualmente
direcionadas a promoção de uma reforma administrativa no sentido de por fim na
“desorganização” que caracterizou a cidade de João Pessoa durante praticamente
todooséculoXX(JOÃOPESSOA,1970,p.13).
Para
proporcionar o desenvolvimento urbano pautado no planejamento o
poder público foi obrigado a tomar como providência a adoção de equipes mistas
para elaboração de um diagnóstico básico das reais condições de desenvolvimento
urbano de João Pessoa tendo por objetivo catalogar a dinâmica físicoterritorial da
cidade correspondendo, portanto, a um
instrumento destinado a resolução dos
problemasdeusoeocupaçãodosolo.
Noâmbitodaquestão políticaoPDUfoiproporcionado pela necessidade
de promover mudanças urgentes na forma de atuação no espaço urbano. O
crescimento acelerado do contingente populacional assim como o surgimento de
grandes empreendedores que passaram a atuar na cidade, reestruturando as infra
estruturaspréexistenteseimplementandonovosempreendimentos,obrigouopoder
municipal a conhecer o espaço de forma a gerenciar o seu ordenamento territorial.
Assim, diante da complexidade que começava a se configurar na cidade, o poder
público foi imbuído da necessidade de promover medidas que proporcionassem o
controle das ações sobre o espaço urbano de João Pessoa sem, ao mesmo tempo,
inibirosprópriosinvestimentosnodesenvolvimentoespacial.
A concepção de que o ordenamento urbano devesse estar pautado no
planejamento resultou na reestruturação do cadastro imobiliário necessário para o
financiamento das mudanças na forma de arrecadação pelo uso e ocupação do solo
urbano. O aumento do número de ocupações irregulares, evidenciado ao longo da
década de 1970, justifica a necessidade de se criar uma legislação específica, de
177
controle ao uso e ocupação assim como ao deslocamento no espaço urbano. Assim,
para o governo municipal, o PDU propiciaria o crescimento ordenado e controlado
do espaço urbano, além do reordenamento dos espaços ocupados de “forma
irregular”.
Por meio de uma ação planejada, a gestão municipal buscou delimitar os
espaços segundo
suas potencialidades funcionais de forma a proporcionar uma
maioreficiênciano“rendimentodasatividadeshumanas”(JOÃO PESSOA, 1970,p.
213) sendo, para isso, observadas as limitações físiconaturais e sócioterritoriais de
cadasetor.OPDU correspondeu,portanto,aoprimeiroesforço, porpartedopoder
públicomunicipal,depromovero
desenvolvimentourbanoplanejadoparaacidade
de João Pessoa com base na formulação de técnicas que possibilitassem a ocupação
“racional”dosolourbano.
Trataseemverdade,essencialmentedeumapeçaprogramáticapara
condicionar a racionalidade formal da ocupação e uso do espaço
urbano, noslimites ecapacidades dedecisão do governo municipal,
comalgumasincursões,semdúvida,sobrefatosquedãoconteúdo a
processos tipicamente de desenvolvimento. Procurase, através dele,
lograr maior
equilíbrio e eficiência no funcionamento do sistema
urbano quanto ao espaço físicoterritorial disponível (oferta) e as
demandas de ocupação do solo, à distribuição dos equipamentos e
serviços comunitários, inclusive os viários. A ação governamental
reguladora, sob o modelo [Sic] de normas legais de zoneamento,
loteamento, qualificação de usos, pressões
(JOÃO PESSOA, 1970, p.
07).
Com relação ainda ao PDU, conforme pode ser observado acima, três
aspectos se destacam enquanto parâmetros para a própria elaboração do código de
urbanismo (1975) e do Plano Diretor (1992): a) a compreensão do espaço urbano
como um sistema, o que denota a necessidade de se obter um maior equilíbrio e
eficiência no seu funcionamento; b) uma melhor distribuição dos equipamentos e
serviços comunitários; e c) a promoção dos meios para que o governo municipal
atuassem de forma mais eficiente na regulamentação do ordenamento urbano
178
através da criação de instrumentos legais de controle do uso e ocupação do espaço
urbano.
Assim sendo, no que diz respeito ao interesse pelo funcionamento do
sistema urbano, evidenciase a busca pela organização de um espaço com funções
24
bem definidas, abrangendo a três vertentes da economia que influenciam o
ordenamentodoespaçourbano:
a) o residencial ou imobiliário: que corresponderam às áreas destinadas à
ocupação populacional planejada, à exemplo dos espaços criados e
destinados para receber os conjuntos habitacionais financiados pelo
Sistema Financeiro deHabitação(SFH),através do BNH e da Companhia
EstadualdeHabitaçãoPopular(CEHAP),apartirdametadedadécadade
1970efinaldadécadade1980;
b) o comercial e de serviços: espaços delimitados para receber os
empreendimentosdeempresasprivadas.Essesespaços são representados
pelos corredores comerciais e de serviços, a exemplo da Av. Epitácio
Pessoa,oupelosespaçoscomfunçõescomerciaisbemdefinidasaexemplo
da própria área central da cidade (centro histórico) aonde se localizam,
principalmente, os médios e pequenos empreendimentos comerciais e de
serviços;alémdeáreasbemdelimitadaspeloplanejamento,asquaisforam
contempladas com empreendimentos públicos (como os mercados) ou
privados(bancos,lojas,restaurantesetc);
c) o industrial: um espaçobemdelimitadoparaapreender o pólo industrial
que começava (década de 1970) a se estabelecer na cidade sendo
24
Entendase, para o recorte temporal analisado nesse momento (década de 1970) que funções
espaciaisestãomaisrelacionadasaosaspectoseconômicosdossetoresurbanos.Osaspectossociais
ouasfunções sociaisda cidadeserão incluídasapenasnadécada de1990 quando aspropostas de
urbanizaçãopassarãoaincluiraspreocupações
comaqualidadedevidaejustiçasocial.
179
localizados no setor sul (na área do atual bairro das indústrias) e nos
pequenos distritos industriais criados nas áreas de implementação dos
conjuntoshabitacionaisentreàsdécadasde1970e1980.
Quantoàdistribuiçãodosequipamentos,elesvieramsubsidiaroapoioaos
investimentos desenvolvidos pelos agentes privados, especialmente no que diz
respeito à viabilização das ocupações urbanas tanto residenciais como comerciais.
Além da preocupação com o deslocamento entre os diversos setores ocupacionais,
especialmente os litorâneos que passaram a contar com o aumento de vias que
permitissemoacessocadavezmaisrápido.Aquestãourbanaenvolveria,portanto,a
produçãodeumespaçoestrategicamentefuncional.Istoexplicaapreocupaçãocomo
zoneamento do espaço urbano assim como a consolidação das vias de circulação
necessáriasapromoçãodamobilidadeurbana.
O fato de ter sido elaborado em um período no qual o modelo tecnicista
começavaapredominarcomoestratégiadedesenvolvimentourbano,consolidandoa
responsabilidade do governo municipal com o processo de produção do espaço e o
conseqüente afastamento dos governos estadual e federal dificultou a realização de
ações maiseficientesporparte da gestão municipal. Acrescentase a issoaausência
derecursosquepropiciassemaaplicaçãodeaçõesvoltadasparaatendermuitasdas
demandasurbanasidentificadasnolevantamentofeitoorganizadoresdoPDU.
Outra característica do PDU está relacionada ao fato do mesmo propiciar
conexõescomoutrosmunicípios adjacentes (Bayeux,SantaRita,Cabedeloe Conde)
evocando,assim,aprimeiraintençãodesepensaroespaçonãoapenasordenadona
escalaintraurbana,masestabelecendoparâmetrosviáveisaformaçãodeumespaço
180
metropolitano
25
.Evidentemente,issodecorre doprópriodiscursodogovernofederal
queentreofinaldadécadade1960ameadosdadécadade1970passouaassociara
modernização dos espaços urbanos a partir da consolidação de espaços
metropolitanos
26
(JOÃOPESSOA,1970).
A questão habitacional foi, indiscutivelmente, uma das principais
preocupações na elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano de João Pessoa,
em decorrência do aumento do contingente populacional, especialmente por parte
dosmigrantesoriundosdeoutrosmunicípiosdo interior doEstado.Emmeados da
década de 1970, das 48.185 residências cadastradas, João possuía 34.812 residências
ocupadas por uma população de baixo pode aquisitivo (JOÃO PESSOA, 1970). As
preocupações estiveram principalmente associadas a melhorias na infraestrutura
urbana e eliminação dos espaços degradados. Buscavase, portanto, o
estabelecimento de moradias adequadas e que possibilitassem condições de
habitabilidade,conceitoestequefarápartedasfuturaspolíticasdedesenvolvimento
urbanodacidade.
O PDU correspondeu, assim, à primeira grande etapa do plane jamento
enquanto opção política para promoção do ordenamento urbano de João Pessoa. O
seuconteúdoesteverelacionado aodesenvolvimentointegradodoespaço segundo
as funções econômicas estabelecidas para o mesmo. Para viabilizar as ações de
planejamentoaprefeituracriouaCOPLAN(CoordenadoriaGeraldoPlanejamento).
Este órgão passou a ter como função prestar assessoria técnica à prefeitura assim
como a própria elaboração, controle e avaliação de planos, programas e projetos
25
A respeito da existência da Região Metropolitana de João Pessoa esta se efetiva porLei estadual
complementar 59, dedezembro de2003, emconsonânciacom oartigo 25,parágrafo terceiroda
ConstituiçãoFederalde1988.
26
Poriniciativadogovernofederal,em1973,sãocriadasnoveregiõesmetropolitanas:SãoPaulo(SP),
Belém (PA), Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Recife (PE),
Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ). Após a reforma constitucional (1988) ficou destinado aos
governosdosestaduaisaimplementaçãode
regiõesmetropolitanas.
181
desenvolvidos pela administração pública, além de atuar como órgão articulador
entre os interesses dos poderes público e privado no que concerne a produção do
espaçourbano.
Estimulados pelo incentivo financeiro proveniente do ProjetoCura
(Comunidades Urbanas para Recuperação Acelerada) elaborado pelo BNH (1972)
paraaperfeiçoamentodosequipamentosurbanosdeformaa
amenizarosproblemas
urbanosque,nametadedadécadade1970,começavamafazerpartedarealidade
urbana,especialmentedascidadesmetropolitanas.
As ações financiadas pelo projeto favoreceram principalmente medidas
para o desenvolvimento dos espaços litorâneos ficando as áreas mais carentes fora
das ações de urbanização. Além disso, as
condições postas pelas normas do projeto
resultaram na obrigatoriedade de se investir em uma legislação voltada para
regulamentaroordenamentourbano.
Para sustentar as exigências impostas pelo governo federal foi instituído,
nagestãodeHermanoAugusto(197579)oCódigodeUrbanismo(Lein.2.102/1975)
que serviu de base legal para a formação do primeiro Plano Diretor da Cidade. No
Código de Urbanismo foram estabelecidas as normas de ordenamento e
disciplinamento urbano delineandose as condições para o zoneamento territorial
assimcomoasnormasparamobilidadenoespaçourbano.
O Código de Urbanismo teve “como finalidade assegurar o
desenvolvimento físico da estrutura urbana, capacitandoa a atender plenamente as
funções de habitar, trabalhar, circular e recrear, proporcionando também a vida
socialequilibradaesadia”(JOÃOPESSOA,2001,Art.7)tantonasáreasocupadas
como naquelas suscetíveis à urbanização assim como naquelas de interesse
estratégico e dos espaços rurais uma vez que estes, na década de 1970, ainda
representamarealidadesocioespacialdeJoãoPessoa.
182
Umadasformasdepromoçãodoordenamentourbanosobospreceitosdo
CódigodeUrbanismofoi,portanto,a promoçãodoparcelamentoterritorial público
quando a divisão territorial era proveniente da ação pública; ou privado, quando o
ordenamentoeraprovenientedeaçõesdeempresasprivadas,porémsubmetidosao
parecer do poder público. Conforme consta nos artigos 73 e 74 do Código de
Urbanismo,esteparcelamentopoderiaserfeitosobaformadearruamento(conexão
de novas vias com vias oficiais), loteamentos (divisão do terreno em setores
suscetíveis a futuras negociações) remembramento (união dos lotes) ou
desmembramento (quando a finalidade estava relacionada a edificação sem a
aberturadenovasvias).
O Código de Urbanismo valorizava, portanto, a definição de normas
voltadas para a divisão funcional do espaço urbano, tendo, para isto, os
empreendedores privados como principais parceiros. Esta parceria, por sua vez, se
apresentavacomouma relaçãodialéticaentredomínio esubmissão umavezquese
por um lado o poder público exercia o poder de controlar a ocupação urbana da
cidade, por outro, as ações desses agentes estavam diretamente condicionadas aos
interesseseconômicosdosgrandesempreendedores,especialmentenoqueserefere
alocalizaçãoecondiçõesparadeslocamento.
Outro aspecto que passaria a caracterizar as futuras propostas de
urbanização foi o estabelecimento zoneamento urbanoterritorial enquanto meio de
orientação parao uso e ocupação do solo urbano, valorizando, assim, a
funcionalidade espacial como critério para a divisão territorial. Foram ao todo
criadas28áreasdezoneamentofuncional,sendocincoresidenciais,onzecomerciais,
uma turística, cinco industriais, uma especialresidencial, quatro especial de
preservaçãoe uma de grandes equipamentos sendo o mesmo critério definido para
divisãodossetoresambientais(JOÃOPESSOA,2001,art.168).
183
Emboraozoneamentoterritorialpossasersinônimodecontrovérsiasuma
vez que representa uma organização espacial apenas como recortes territoriais não
apreendendo, portanto, as relações socioespaciais inerentes ao mesmo, o seu
estabelecimento propiciou, por um lado, o mapeamento territorial da cidade
fornecendoasbasesiniciaisparaaconsolidaçãodoPlanoDiretoreconhecimentodos
limites e potencialidades territoriais; por outro lado, propiciou as condições para a
realização de ações mais efetivas por parte dos atores sociais: o setor público
(controle do ordenamento urbano); empreendedores privados (delimitação dos
territórios funcionais) e outros segmentos da sociedade civil organizada que
passaramacontarcominformaçõesmaisprecisasquantoaoespaçodeatuação.
Além do investimento em propostas voltadas para aperfeiçoamento do
sistema de saneamento básico a administração municipal contrata os serviços do
InstitutodePesquisaePlanejamentoUrbanodeCuritibaPR(IPPUC)parapromoção
do ordenamento urbano da cidade cuja proposta valorizava o adensamento
populacional em torno de grandes eixos viários do transporte coletivo, integrado a
várias estações espalhadas no espaço urbano segundo um modelo similar ao
implementado na própria capital paranaense, mas que acabou não sendo
implementadoporfaltaderecursos.
Duranteadécadade1980asaçõesdeplanejamentourbanorealizadaspela
prefeituramunicipaldeJoãoPessoaforamreduzidasassimcomoasprovenientesde
outras esferas públicas. A explicação está diretamente relacionada, naturalmente, a
crise sócioeconômica agravada a partir do final da década de 1970 decorrente da
renovação do papel do Estado, estímulo a privatização, descentralização das
responsabilidadesepromoçãodeaçõesmaiseficientesapartirdabuscaporsoluções
rápidasaosproblemassociaiseeconômicos.
184
Essa nova conjuntura política trouxe fortes conseqüências na política de
ordenamentourbanoiniciadanosanosdacadade1970.Osinvestimentosnosetor
habitacional foram sendo paulatinamente reduzidas, especialmente após a extinção
doBNH(1986) aomesmotempoemquenovos atoresprivadospassavamaexercer
uma influência preeminente nas reconfigurações da função espacial da cidade ao
proporcionar a difusão de novos empreendimentos comerciais e de serviços a
exemplodosshoppingscenters,escritóriosempresariais,centroscomerciaisetc.
A administração pública, especialmente na escala municipal, teve suas
ações restritas ao estabelecimento e manutenção de normas, leis, decretos e
programas sob o discurso de promover o controle urbano o qual, em sua essência,
colaborava com as estratégias desses atores sociais ao fornecer as condições ideais
parasuadifusão.
Assim, se por um lado a legislação (nas três escalas federativas) inibiu
mudanças significativas em um dos setores espaciais mais cobiçados pelos
empreendedores (o setor litorâneo); por outro, possibilitou a esses mesmos atores
sociais as condições para influenciar no ordenamento sócioterritorial da cidade ao
delimitar os espaços segundo funções bem definidas para o mesmo, além de
propiciar o direito de propriedade, especialmente nas áreas litorâneas por conta da
localizaçãooudaacessibilidade.
A redução da participação do poder público, tornandose promotor ao
invés de provedor das políticas de desenvolvimento urbano, associado aos fatores
ideológicos de luta contra a política neoliberal, influenciou no surgimento de
diversos movimentos sociais preocupados com o ordenamento urbano,
especialmente os envolvidos com a luta pelo direito à moradia. Motivados pela
conjuntura política (transição do regime de poder e mudança na postura do poder
público cada vez menos atuante), econômica (crise financeira), social (aumento do
185
déficithabitacionale da injustiça social)e,principalmente,ideológica(luta poruma
sociedademaisjusta)essesatoresiniciaramumasériedemobilizaçõesconjuntas.
A ausência de uma política pautada no planejamento e em uma presença
mais constante por parte do poder público repercutiu no agravamento da crise
socioespacialquevinhasedesenvolvendodesdeoiníciodadécadade1970.Afalta
de controle quanto a manutenção dos investimentos propostos no Plano de
Desenvolvimento, especialmente no que se refere ao interesse em por fim às
moradias irregulares que se difundiam, incravandose nos territórios
cuidadosamenteselecionadosparaexercerumdeterminadotipoespecíficodefunção.
Isso,noentanto,motivou opoderpúblicomunicipala estreitar laçoscom
outros atores sociais, os quais passaram a ser mais ativos no que diz respeito ao
debatesobreofuturodacidade,especialmentepelofatodeestaremrespaldadospela
própria constituição, sem no entanto modificar o papel desempenhado durante a
década de 1970 (fornecimento de autorização para aquisição de bens e imóveis,
elaboração do Plano Diretor etc). Quanto aos planos de ordenamento urbano
desenvolvidos pelo poder público este continuou direcionado à elaboração de
normas,valorizandoaconfiguraçãoterritorialatravésdozoneamentourbano.
Contudo, a abertura de espaço para ação da iniciativa popular através da
apresentação de projetosdelei à Câmara municipal, embora ainda com algumas
restrições,conformeestabelecidopelaLeiorgânicamunicipal(JOÃOPESSOA,1970),
permitiuumamaioraberturadeespaçoasociedadecivilorganizadanoqueconcerne
a participação no debate sobre a produção do espaço urbano. A Lei Orgânica
municipalpropicia,assim,umaprimoramentodapolíticaurbanadeJoãoPessoa.
186
Comasreformulaçõesnapolíticaurbana,apartir da promulgação daLei
Orgânica e da revisão do Plano Diretor, o planejamento é retomado, no começo da
década de 1990, como estratégia política do poder público municipal tendo agora
comoobjetivoavalorizaçãodasfunçõessociaisdacidadenosentidodapromoçãoda
qualidadedevidadapopulação(JOÃOPESSOA,1992).Paraisso,oPlanoDiretorse
tornaoinstrumentobásicodapolíticaurbanaaqual,porsuavez,passouapermitir
uma participação mais ativa dos “representantes da comunidade diretamente
interessada”(JOÃOPESSOA,1992,Art.152,parágrafo2º.).
A moradia passa a ser uma das principais preocupações do governo
municipal, especialmente no que diz respeito ao suprimento das necessidades da
população mais pobre ao fornecer orientações mais sistemáticas quanto as normas
legais voltadas para a valorização da função social da cidade e da propriedade
permitindo, com isso, o direito ao acesso as terras públicas não utilizadas por parte
dapopulaçãocommenorpoderaquisitivo(JOÃOPESSOA,1992,art.75).
Com a promulgação da Lei n.3 de 30 de dezembro de 1992, na gestão do
entãoprefeitoCarlosAlbertoPintoMangueira(199093),oPlanoDiretorpassaaser
regulamento e se torna
a principal referência para o or denamento urbano de João
Pessoa.AmparadonosfundamentosdaLeiOrgânica,oPlanoDiretorbuscaenfatizar
ocontroleeusodosolourbano,circulaçãoetudomaisquepropicieaqualidadede
vidaaopessoensetendooplanejamentocomoprincipalfundamentonaestruturação
daspolíticasde
ordenamentourbano.
No que diz respeito às normas do ordenamento urbano, o Plano Diretor
passa a sistematizar em um único documento algumas orientações contidas em
legislações anteriores, especialmente no PDU, Código de Urbanização e na própria
Lei Orgânica, confirmando os agentes públicos e privados como atores sociais
“responsáveis”pelaproduçãoegestãodoespaçourbanoeacrescendoaimportância
187
da participação de outros segmentos da sociedade civil organizada, confirmando,
assim,ocompromissoemasseguraraqualidadedevidaejustiçasocialnaprodução
socialdoespaçourbano.
No que diz respeito às orientações para divisão territorial, esta continua
sendofeitaatravésdozoneamentoespacial.Emboraessanovapropostatenhacriado
hierarquias nas prioridades para controle de adensamento populacional (zonas
adensáveis prioritárias, zonas adensáveis não prioritárias, zonas não adensáveis,
zonasderestriçãoadicionalezonasespaciais)apropostamaisumaveznãolevaem
consideração a própria dinamicidade socioespacial, o que causa a contestação dos
diversossegmentosderepresentaçãosocial.
O Plano Diretor traz, portanto, inovações a exemplo da possibilidade de
aplicaçãodaoutorgaonerosaparaautorizaçãodeconstrução,nosetoradensável,de
área superior ao permitido por lei assim como a própria criação do Fundo de
Urbanização que passa a se caracterizar como uma das principais alternativas na
aquisição de recursos voltados para atendimento das demandas da população de
menor poder aquisitivo (JOÃO PESSOA, 1994, Art. 16) a partir dos recursos
provenientes da aplicação da outorga onerosa e do Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU), além de outras intervenções financiadas por iniciativa dos agentes
privados.
Através do Plano Diretor o governo municipal consegue realizar alguns
avanços na solução dos principais problemas urbanos relacionados ao direito à
cidade ao estabelecer ações efetivas no atendimento às demandas por moradia,
amenizando déficit habitacional que se agravou durante a década de 1980, e a
mobilidade urbana. De fato, no âmbito da questão habitacional, as atenções são
direcionadasavalorizaçãodoprópriodireitosocialdeacessoaumamoradiadigna.
188
A partir da segunda metade da década de 1990 as atenções estiveram,
assim, relacionadas aos problemas dos assentamentos humanos, através do
reassentamento das habitações em áreas de risco; urbanização e revitalização das
zonas adensáveis; e elaboração de programas específicos de moradia popular
realizado em parceria com agentes públicos e privados tendo como um dos
principais mecanismos de financiamento o Fundo Municipal de Fomento à
Habitação(FMFH)(JOÃOPESSOA,1993,art.57e58).
O Plano Diretor permitiu, portanto, a observação do urbano a partir da
preocupação com o resgate do planejamento e do incentivo a participação popular
nas redefinições das políticas urbanas, embora ainda de forma limitada. Para isso,
instituiu o sistema de planejamento do município de João Pessoa, composto pela
secretariadeplanejamento(responsávelpeloacompanhamentoeavaliaçãodoPlano
Diretor),pelosórgãosdeplanejamentodescentralizadosnaescalaintraurbanaepelo
conselho de desenvolvimento urbano e setorial, os quais passam a fundamentar os
planos de governo, plano plurianual, lei de diretrizes Orçamentárias e Orçamento
Anual(JOÃOPESSOA,1993).
No que diz respeito à participação da sociedade civil organizada, ele se
efetiva, de fato, apenas na administração de Francisco Xavier Monteiro da França
(19931997)quandooplanejamentopassaaassumirumpapelimportantenapolítica
municipal delineando novas frentes de financiamento e intervenção espacial dando
ênfaseaquestãodamoradiaeaoordenamentoespacial.
Paraosmovimentossociais,assimcomoparaosoutrossegmentossociais,
tantoagestãodoFranciscoFrançacomoasduasgestõesdeCíceroLucena(19972004)
nãotrouxeramgrandescontribuiçõesparaaconquistadosdireitosestabelecidospela
própria constituição federal (1998) e pelo Estatuto da Cidade (2001) os quais
garantemodireitocoletivoaoterritórionoqualafunçãosocialnãosefazpresente.
189
Contudo, a exemplo do que ocorreu na escala Federal, associar as
dificuldades de implementar o estabelecido pela constituição a questões puramente
políticopartidáriasélimitardemaisouniversodevariáveisquepodemservircomo
explicaçãoaausênciadeaçõesmaisconsolidadasnoqueconcerneaodireitoàcidade
érepresentadopelodireitoahabitabilidadeouamoradia.
O longo período ditatorial influenciou não apenas as gestões que
administraramacidadeduranteadécadade1990ecomeçodadécadade2000,masa
própriasociedadequedemorouaassumirumaposiçãomaiscríticareivindicandoos
direitos conquistados com a reforma constitucional e os movimentos sociais que
durante esse período deixaram muito a desejar em termos de atuação efetiva na
produção do espaço ao se limitarem a debater questões puramente ideológicas que
emnadacontribuíramparamelhoriadaqualidadedevidadospessoenses.
Otipodeplanejamentodesenvolvidonadécadade1970,pornãoincluira
participaçãoefetivadapopulação,nãorepercutiuemumareformaefetivanoespaço
urbano.Assim,asdiversastentativasdepromoçãodoordenamento urbanodeJoão
Pessoa, entre as décadas de 1970 e 2000, não passaram de reformulações pontuais
voltadasparareproduçãodosinteressesdopoderpúblicooudas
empresasprivadas
queinvestiramnoempreendedorismourbano.
O cenário político, econômico e social evidenciado nesse período,
conforme será analisado no próximo item contribuiu para os poucos avanços na
conquista da reforma urbana, o que irá ocorrer efetivamente no início do século
XXI quando esse cenário sofre alterações em suas diferentes
escalas de poder e
quando os movimentos sociais urbanos, com experiência de uma década de
atuação,passamaexercerumnovopapelnocontextodaproduçãodoespaçourbano
deJoãoPessoa.
190
4.3 ApolíticaurbanadeJoãoPessoa:quandonovosatores“roubam”acena
Conforme observado no item anterior, o planejamento urbano na cidade
de João Pessoa teve início em meados da década de 1970. Após praticamente uma
década sendo colocado em segundo plano, o planejamento foi retomado nos anos
noventa a partir da implementação do Plano Diretor da cidade tendo enquanto
elemento diferenciador a inclusão de representações da sociedade civil organizada
como coautores das estratégias de desenvolvimento socioespacial. Contudo, foi
igualmenteobservadoqueaparticipaçãodesses“novos”atoressociaisacabounãose
efetivandoemdecorrênciadefatorescomo:
a) A pouca experiência desses atores (ONGs, movimentos populares,
movimentossociaisetc)nãofavoreceuaumaatuaçãomaisefetiva;
b) embora tenham havido avanços quanto à preocupação em garantir o
direitoàcidade,aspropostasdeplanejamentoestiveram maisvoltadas
para o ordenamento territorial ao invés de abarcarem as diversidades
derelaçõessócioterritoriais;
c) o governo municipal ainda não tinha a experiência necessária para
desenvolver o planejamento a partir de uma ação conjunta com os
segmentos da sociedade civil organizada uma vez que permitiam a
participaçãoapenasnasfasesiniciais;
d) os movimentos sociais compreendidos como urbanos por se
preocuparem com a resolução dos problemas urbanos, relacionados
principalmente ao acesso a moradia e a mobilidade, foram pouco
ousadosquantoàatuaçãonaformaçãodapolíticadedesenvolvimento
urbano.
191
Contudo,nãoforamapenasessesosfatoresresponsáveispelaausênciana
implementação de uma política realmente participativa. Tais fatores, na verdade,
fazem parte de um conjunto maior de arranjos socioespaciais que influenciaram na
ação pouco eficiente dos segmentos da sociedade civil organizada. O fator está
relacionado aos efeitos da superposição da conjuntura política, econômica e social,
evidencianadécada de1990enosprimeirosanosdoséculoXXI,expressanasmais
diferentesescalasterritoriais.
No âmbito político os problemas estiveram relacionados desde a
implementação da política neoliberal por parte do governo federal, iniciada na
gestãodeFernandoCollordeMello(1992)efinalizada(emsuaessência)nasegunda
gestão de Fernando Henrique Cardoso (2002) com a redução da participação do
governo federal na elaboração de políticas que auxiliassem as administrações
municipais na promoção do desenvolvimento urbano, atéa ausência, por parte do
governo municipal, de políticas mais eficientes que garantissem os direitos sociais
conquistadosnareformaconstitucional(1988).
No contexto econômico, a crise monetária do início da década de 1990, e
financeira,nofinal damesmadécada, enquantoconseqüênciadacriseglobal,assim
como a própria dificuldade de obtenção de financiamentos e a entrega do
ordenamento urbano aos interesses dos empreendedores privados, por parte dos
governos municipais, isso resultou na ausência de investimentos mais substanciais
para aquisição de moradias, aumentando, com isso, o déficit habitacional para a
populaçãodemenorpoderaquisitivo.
Quanto à questão social, o longo período sob o regime ditatorial fez com
que a década de 1990 se caracterizasse para a sociedade mais como um período de
aprendizado do que um momento de ação afetiva uma vez que a dificuldade de
desprendimentodoprotecionismoestatal,característicadoperíodomilitar,desvioua
192
atenção desses atores para a realização de ações de caráter mais reivindicativo e
ideológicodoquepropositivoeprático.
Assim, se tornaram mais comuns as reivindicações quanto ao
cumprimento da implementação do plano diretor (na escala local) ou pelo fim dos
acordosjuntoaoFMI(naescalanacional)doquearealizaçãodepropostaseaçõesde
ocupação que propiciassem tanto o cumprimento das normas de urbanização na
produçãodoespaçocomoapróprialutaparaaimplementaçãodoes tatutodacidade
e maior participação do governo federal na resolução dos problemas urbanos.Este
quadro foi modificado após as renovações políticas e estabilidade econômica
evidenciadasnosprimeirosanosdadécadade2000tantonaescalaFederalquantona
escalamunicipal.
NaescalafederalissoseevidenciouapartirdavitóriadeLuizInácioLula
daSilvaàpresidênciadoBrasil(2002)oqueserviudeestímuloareformulaçõesnas
práticas desenvolvidas pelos movimentos sociais, especialmente aqueles envolvidos
comaquestãodemoradiaemobilidadedevidoacriaçãodoMinistériodasCidades.
na escalamunicipalasmudançasforaminiciadasapartirdavitóriade
RicardoVieiraCoutinho(2004)àprefeituradacidadedeJoãoPessoapela Coligação
DecisãoPopularumavezque,sendoesteoriundodasbasesdosmovimentossociais,
houveumanovareorganizaçãonaformadeatuaçãodosdiversossegmentossociais,
particularmente os envolvidos com a luta pelo direito à moradia ao se sentirem
contempladospelofatodoprefeitoiniciaragestãocumprindoumacordofeitoantes
daeleição:acriaçãodasecretariamunicipaldehabitação.
o governo de Ricardo Coutinho é um governo que vem respeitando
os movimentos sociais. Claro que governo é governo e isso para
agenteéumaquestãoclara,maselevemrespeitandoosmovimentos.
(...)Assim quena campanhapassadapara prefeitoo MNLM,agente
se reuniu com todos os candidatos a
prefeito edemos a cada um
deles essa plataforma de luta e dentro dessa plataforma estava a
193
questãodasecretariadehabitação.Assimqueoprefeitofoieleito,no
outro dia, agente estava na porta dizendo: prefeito, está aqui o
termodecompromissoqueVsa.Senhoriaassumiunacampanha.Nós
queremosasecretariadehabitaçãoenãoé paraomovimentonão.É
para a cidade de
João Pessoa. Taí. Hoje uma das coisas que ele
colocouparaagenteequevaiestarreforçandoaquestãodahabitação.
(MNLM/PB. Entrevista realizada junto a Coordenação do MNLM. [janeiro, 2006].
Entrevistador:XistoSouzaJúnior,JoãoPessoa,2006.).
Defendendo um discurso de gestão democrática a Coligação Decisão
Popular assumiu a administração municipal de João Pessoa em 2005 tendo como
premissaorestabelecimentodocaráterpúblicodaadministraçãomunicipal,alémda
promoção da inclusão social e aposta no planejamento urbano a partir da
participaçãoativadosdiversossegmentosdasociedade
civil.
Oiníciodaadministraçãoé caracterizadopelasubstituiçãode uma forma
de gestão pública pautada na relação predominante entre as diversas escalas do
poder público (Federal, Estadual e Municipal) e o empreendedor privado,
especialmenteosetor imobiliário, comercialeindustrialqueperdurouna ordemdo
discursourbanodesdeadécadade1970.Aatualgestãoassumeopoderdefendendo
a inclusão da participação popular na articulação política enquanto um elemento
importantenapromoçãodeumagestãodemocrática.
Além das Organizações Não Governamentais (ONGs), associações
populares, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs),
Movimentos Sociais étnicos, de gênero e etc., que passam a ser efetivamente
reconhecidos como “novos” atores do cenário urbano sendo chamados a participa r
do debate sobre a cidade. Entre esses movimentos, os movimentos com a luta pela
moradia(MNLM,CMP,MLB)passama ganharummaior espaçoenquantoagentes
estratégicosnodebatesobreaproduçãodo espaço urbanotendo emvista arelação
diretaqueosmesmospossuemnaprópria produçãoereordenamentodeterritórios
noâmbitodoespaçourbano.
194
A gestão da Coligação Decisão Popular inicia o governo sustentando o
discursodeumaadministraçãodemocráticaeinclusiva,tendocomoembasamentoo
seguinte tripé: a) inovar na forma de administrar a cidade a partir da criação e
transformação do modelo de promoção da administração pública; b) aproximar à
sociedade civil organizada dando a esta a possibilidade de atuar de forma mais
efetiva e eficiente; e c) promover a integração das questões relevantes para a
promoçãododesenvolvimentourbanomaisjusto.
Esse discurso está pautado na própria situação socioespacial vivenciada
pela cidade uma vez que esta gestão encontrou consolidado, enquanto herança de
gestõesanteriores,osseguintesfatores:umalegislaçãourbanabemdelimitada(Plano
Diretore LeiOrgânica);umaexperiênciahistóricadeintervençõesurbanaspautadas
na realização de planejamento, apesar dos diversos problemas inerentes ao mesmo;
segmentos da sociedade civil habituados e conscientes de seus direitos e deveres
com o espaço urbano; e, finalmente, a presença de atores sociais diretamente
envolvidos com a luta por resolução de questões urbanas como infraestrutura e
equipamentos a partir da luta pelo direito à moradia e por condições mais justa de
habitabilidade: os movimentos sociais urbanos. Isso, por sinal, explica o uso desse
termopeloprefeitoemsuasdiversasexposiçõespúblicas.
“Eu seio que significa para todos do movimento;paratodosque se
candidataram a essas casas e que estão construindo o seu sonho de
ter um local para morar com sua família. Eu sei o que significa isso
quando a gente olha para trás e fazia discussões dizendo: mas, não
adianta a casa. Não da para você simplesmente construir muitas
casas e o tratar questão da habitabilidade. Não tratar das
questões que é como as pessoas podem e devem ser felizes; ter as
suasnecessidadesbásicasatendidasdentrodeummesmoespaço”.
(MNLM/PB.DiscursoproferidopeloprefeitoRicardoCoutinhoduranteainauguração
doConjuntoHabitacionalColinasdoSul,nobairrodoGrotãoemjaneirode2007.)
195
A Coligação Decisão Popular assume, portanto, uma cidade mais
amadurecidano que diz respeito ao interesse de outros atores sociais em participar
diretamentedaspropostasdeordenamentooulutarpelocumprimentodedireitos
adquiridos. Ao contrário do que ocorreu com administrações passadas, isso tem
possibilitadoaimplementaçãodepropostasmaiscondizentescomasreaisdemandas
dasociedade.
Contudo,maisdoqueassociaroaumentodaparticipaçãodosnovosatores
sociais no debate sobre a produção do espaço urbano a uma autonomia ideológica
implementadapelaColigaçãoDecisãoPopular,éinquestionávelainfluênciadaatual
conjunturaeconômica,políticaesocialpresentesnocontextourbanodeJoãoPessoa
enquanto fatores motivadores das transformações socioespaciais mesmo não se
desconsiderandoque o perfil político dessa gestão, assim como a própria gestão do
governoLula,temfacilitadooaceitedaspropostasdeaçãonoespaçourbano.
Com relação aos fatores econômicos os elementos foram favoráveis tanto
naescalanacionalcomaparticipaçãoemumnúmerocadavezmaiorediversificado
de agentes privados em decorrência da estabilidade econômica, especialmente os
atuantesnosetorcomercialeimobiliáriocomonaprópriaescalalocalemdecorrência
das novas formas de obtenção de financiamentos, especialmente para aquisição de
moradia,osquaissãoproporcionadosefavorecidospelosprogramasdesenvolvidos
no âmbito do governo federal ou com os recursos provenientes dos próprios
empreendedoresurbanos.
Assim,agestãode Ricardo Coutinho tem contado, por um lado, com um
cenário de perspectivas favoráveis aos investimentos provenientes do governo
federal através do Ministério das Cidades, em especial para populações de baixo
poderaquisitivoqueseconfiguramcomoosmaioresprejudicadospeloaumentodo
196
déficithabitacionaldecorrente daausênciadeinvestimentosmaissubstanciaisentre
asdécadasde1970e2000,períodoemqueacrisehabitacionalfoiagravada.
Poroutrolado,aexistênciadeumalegislaçãourbanaconsolidadamais
de uma década, tem permitido ao governo municipal dedicar uma maior atenção à
realização das propostas contidas no plano de governo, especialmente no que se
refereafontenaqualsepodebuscarosrecursosparaexecutarosprojetosplanejados.
Assim, na escala local as condições econômicas apresentamse favoráveis
aos investimentos nas obras de infraestrutura urbana, a exemploo transporte e do
saneamento, além do próprio atendimento a resolução dos problemas de moradia
cominvestimentosoriundosdogovernofederale/oudofundodeurbanizaçãocomo
é o caso do Fundo Municipal de Fomento à Habitação (FMFH) e do Fundo de
DesenvolvimentoUrbano(FUNDURB).
Por isso, assim como ocorreu em outras cidades brasileiras, a exemplo de
Porto Alegre (RS) e Recife (PE) entre as décadas de 198090, é estabelecido o
orçamentodemocrático:umaferramentadecontroledosinvestimentos naprodução
do espaço urbano que passa a se caracterizar como o principal referencial de uma
gestãopúblicabaseadanaparticipaçãodasociedadecivilorganizadano
debatesobre
asdecisõesacercadasprioridadesparaoordenamentourbano.
O orçamento democrático tem sido, portanto, um meio de participação
direta do cidadão na elaboração, implementação e fiscalização da lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA) e Plano Plurianual (PPA) na
cidade de João Pessoa. Outro elemento
diferenciador tem sido a possibilidade de
obtenção do Crédito Solidário. Oriundo da iniciativa dos próprios movimentos
sociais urbanos, o crédito solitário consiste no financiamento a custos baixos, sem
juros e com acordo direto ao mutuário podendo contar com a parceria do poder
público (federal e estadual), das empresas privadas (na aquisição de terrenos ou
197
construção de moradias) sob acompanhamento dos demais atores envolvidos com
essetermo.
Comisso,seantecipaainfluênciadeoutrofator:opolítico.Aopçãopor
uma administração pautada na valorização do diálogo com a sociedade
proporcionou novas relações socioespaciais. A própria logomarca escolhida para
plano de Governo (Uma Decisão
Popular) apresenta se como um elemento que
sustentaoestabelecimentodeumagestãoquepassaacontarcomuma participação
mais efetiva dos diversos segmentos da sociedade civil organizada, incluindo os
próprios MSUs, abrindose, assim, novos espaços pautados cada vez mais nos
debates.
A questão urbana ou o ordenamento urbano
passa a depender da
participação direta dos diversos segmentos da sociedade nas reformulações das
estratégiasdedesenvolvimentoassimcomonoacompanhamentoeanálisedasações
desempenhadaspelopoderpúblicomunicipalepelosempreendedores.Essetipode
mudança torna a questão (postura) política um elemento importantena formação
socioespacialdacidadedeJoãoPessoaumavezquedespertaointeressepelodebate
sobre o futuro da cidade, acompanhando diretamente as principais ações de
mudança na organização do mesmo. Essa abertura ao diálogo passa a se constituir
comooprincipaldestaquenorelatodoscoordenadoresdosMSUs.
No âmbito da escala federal houve uma maior aproximação do governo
juntoaosmunicípiosnumatentativade juntaresforçosquepropiciasseaconstrução
deinstrumentoslegaisparaapromoçãododesenvolvimentourbanomunicipalcom
ocomprimentodoPlanoDiretoreestabelecimentodoEstatutodaCidadeapartirdo
estímulo a uma participação mais direta dos diversos segmentos sociais enquanto
condiçãoparaseobtermaisjustiçasocialequalidadedevidanosespaçosurbanos.
198
Isso se efetiva través de investimentos financiados pelo Ministério da
Educação, especialmente os de ordem orçamentária e, principalmente, a partir de
debates como, por exemplo, a Conferência das Cidades, que permitiu as gestões
obter informações sobre os reais problemas da cidade evidenciados pelos atores
sociais que participam de sua produção. Isso tem possibilitado um maior
amadurecimentonaparticipaçãodasociedadecivilorganizadanoquedizrespeitoà
escolhadasprioridadesparaomovimentoeparaacomunidade.
Com isso chegamos às mudanças ocorridas no terceiro fator: o social. Ao
assumir o poder a Coligação Decisão Popular se deparou com uma sociedade mais
atuante, representada não apenas por ONGs, associações de bairros, ativismos ou
movimentossociais,masporumapopulaçãocadavezmaisenvolvidacomodebate
sobre a produção do espaço urbano. se início, assim, a um período no qual a
sociedade se torna um ator estratégico voltado para realizar uma atuação mais
efetivacombasenaadoçãodeumaposturamaispropositivadoquereenvidicativa.
As três décadas de dependência das ações e determinações provenientes
do poder público municipal, especialmente no que se refere à produção do espaço
urbano, fez dessas participações algo pontual, pouco diversificada e altamente
dependentedasintervençõespropostasnoordenamentourbano.
Devido a um maior acesso as informações e a uma maior experiência
adquirida nas diversas reuniões, assembléias etc., houve um aprimoramento da
atuação desses atores sociais assim como um maio reconhecimento da importância
dos mesmos. Em decorrência desse tipo de experiência, os movimentos sociais
urbanos de luta por moradia têm conseguido obter algumas conquistas,
especialmente no que se refere ao real conhecimento dos mesmos enquanto atores
sociais.
199
Dessaforma,maisdoqueuma“inovação”dapartedaColigaçãoDecisão
Popular, no que concerne a adoção de uma nova forma de promoção da gestão do
espaço urbano, foram os atuais arranjos econômicos, políticos e sociais, sempre
intercalados pelo fator ideológico, os elementos responsáveis pelas condições ideais
paraqueaatualpolíticaurbanafossepossíveldeseraplicada.
Poroutrolado,comomencionado,aopçãopelagestãoparticipativacom
avalorizaçãodoplanejamentourbanoinclusivoexerceu umelementoimportantena
redução das desigualdades socioespaciais em João Pessoa na qual o planejamento
urbano passe a considerar a participação dos movimentos envolvidos com essa
temática como sendo algo relevante ao processo de produção de uma cidade mais
justa.
Assim,combasenosargumentosapresentadosnosparágrafosprecedentes
podese afirmar que a gestão Coligação Decisão Popular surge enquanto referência
para a visualização das mudanças na forma como eram feitas as políticas urbanas
sem,comisso,sedesconsideraraimportânciadoalicercecriadoaolongodasúltimas
trêsdécadas,especialmentenoquedizrespeitoàlegislaçãodeordenamentourbano.
Dessaforma,assim comoocorreriacom qualquer outracoligaçãopolítica,
embora, talvez, em menor intensidade e amplitude, os avanços nos meios de
comunicação e informação, assim como o amadurecimento e adaptação popular ao
regimedemocrático,apósdécadassobumregimecentralizadoreautoritário, aatual
gestão marca um período de reforma administrativa do governo municipal de João
Pessoa.
NoâmbitodapolíticaurbanadeJoãoPessoa é possívelseevidenciartrês
importantes transformações: a valorização da intersetorialidade e descentralização
administrativa;oreconhecimentodenovosatoresenvolvidoscomoplanejamentodo
espaçourbano,eopróprioplanejamentoparticipativo.
200
Com relação ao primeiro tópico (intersetorialidade e descentralização), ao
contrário do que se observou em administrações anteriores, a gestão Ricardo
Coutinhopassaasepreocuparcomapromoçãodeintervençõesbaseadasnaatuação
maisefetivadosdiversossetoresdaadministraçãopúblicamunicipalenapromoção
de diálogos com os mais diferentes atores sociais, criando, para isso, instâncias
decisórias em diversas localidades do município, as quais passam a atuar em um
esquemadesubprefeiturasfuncionais.Comaparticipaçãodeoutrosatoressociaisna
produção do espaço urbano têmse umamaior garantia quanto ao atendimento aos
reaisproblemasvividospelasociedade.
Essa participação ocorre tanto de forma direta quando existe o convite
paraatuarnaprópriaadministraçãocomodeformaindiretaatravésdoenviode
planos, programas, projetos de lei ou até mesmo reivindicações decorrentes de
mobilizações públicas ou promoção de meios para a promoção da articulação entre
osdiferentesatoressociais.
Com relação à participação direta, esta tem sido um dos pontos mais
polêmicos entre os MSUs, tanto internamente, devido às contendas criadas entre os
mesmos em decorrência do risco da existência ou não de cooptação por parte do
poder público o que, em caso positivo, levaria a um afastamento dos objetivos do
movimento;comoexternamente, provenientedosembatesentreosmovimentosque
concordamcomaimportânciadecooperaçãocomopoderpúblicoeoutrosquenão
concordamcomoposicionamentodeatuarcomoparceirosdogovernomunicipal.
Aterceiramudança (planejamentoestratégico)estárelacionada aofatode
que a administração transfere a responsabilidade de definição da política de curto,
médioelongoprazoparaaprópriasociedadecivil.Issofazcomqueessesegmento
busque se articular melhor e participar de forma mais efetiva nos debates sobre a
produçãodoespaçourbano.
201
Essa mudança representa uma outra dificuldade aos movimentos sociais
urbanos uma vez que, ainda inexperientes com essa nova forma de promoção da
política urbana (uma política mais pautada em proposições do que em
reenvidicações), esses atores não têm conseguido atuar de forma eficiente quanto à
aprovação de suas prioridades, com exceção daquelas oriundas de ações práticas
relacionadas a ocupação territorial, o que provoca divergências entre os mesmos.
Acrescentaseaisso,aprópriadificuldadedearticulação,tantointernacomoexterna,
correspondente a outro fator que tem influenciado em uma participação menos
efetivadessesatoressociais.
Entre esses atores sociais os movimentos de luta pelo direito à moradia
vêm se destacando tendo em vista a natureza dos mesmos, os seus objetivos e
posiçõesideológicassobreofuturodacidade.São,portanto,atoresque,porteremo
território enquanto objeto de ação, influenciam diretamente nas redefinições
socioespaciais.
Aposturadesempenhadaporessesmovimentoséprodutodeumasériede
fatoresqueenvolvem diretaedialeticamentearelação entreaformaçãodos objetos
espaciais (produção do urbano) e o tipo de funcionalidade dada ao mesmo através
das práticas socioespaciais justamente por serem obrigados a atuar em um espaço
construído (em termos de configuração territorial), mas igualmente em construção
(emtermosderedefiniçõessócioterritoriais).Sãojustamenteessascontradiçõesque
serãoobservadasnopróximoitem.
202
4.4 Asnovasconfiguraçõesterritoriaiseasaçõesdosatoressociais
EmseuatualcontextosocioespacialJoãoPessoaconstituisecomocidade
sede de uma Região Metropolitana formada, segundo o IBGE (2007), por mais oito
municípios (Bayeux, Cabedelo, Conde, Cruz do Espírito Santo, Lucena,
Mamanguape,RioTintoeSantaRita),masque,emtermosdemográficos,possuiuma
densidade baixa se comparada à densidade de três dos quatro municípios mais
populosos (Tabela 1), o que demonstra ser uma área que, embora integrada
espacialmente(Figura9),possuifortesproblemasfuncionaiseinfraestruturais.
A realidade socioespacial da Região Metropolitana de João Pessoa,
especialmentenoquetangeasquestõesobservadas, suscitafortesembatesquantoa
sua caracterização enquanto área metropolitana uma vez que a maior parte de sua
população está concentrada nos municípios de João Pessoa, Santa Rita, Bayeux e
Cabedelo.Entreesses,JoãoPessoasedestacaporconcentrarpraticamenteodobrodo
somatóriodosdemaismunicípiosoqueexplicaoaltoadensamentopopulacional.
Tabela01
PopulaçãoResidentenaRegiãoMetropolitanadeJoãoPessoa
(RMJP)edensidadedemográficanoanode2007
MunicípiosdaRMJP
População
Residente
Área
(km
2
)
DD*
(hab/km
2
)

RMJP 1.049.290 2274 461,43
Bayeux 92.891 322.902,84
Cabedelo 49.728 31 1.604,13
Conde 19.925 173 115,17
CruzdoEsp.Santo 15.281 196 77,96
JoãoPessoa 674.762 211 3.197,92
Lucena 10.943 89 122,96
Mamanguape 40.283 349 115,42
RioTinto 23.023 466 49,41
SantaRita 122.454 727 168,44

Fonte:IBGECensoDemográfico2007.
Disponíve lem:<http://www.ibge.gov.br
>
Acessoem:5demar
ç
ode2008.
Figura9:RegiãoMetropolitanadeJoãoPessoa
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da
Paraíba - IDEME
203
Com exceção do aglomerado formado pelos municípios de João Pessoa,
CabedeloeBayeuxquepossuemarticulaçõesvisíveisentresi,tantofuncionaiscomo
estruturais, os demais municípios não fornecem as condições necessárias para a
consolidação da RMPJ: Infraestrutura, adensamento populacional significativo,
densidadedemográfica,acessibilidade,entreoutros.
O que distingue esta nova forma das precedentes o é seu
tamanho(queéconseqüênciadesuaestruturainterna)mastambéma
difusão no espaço das atividades, das funções e dos grupos, e sua
interdependênciasegundoumadinâmicasocialamplamenteindependenteda
ligaçãogeográfica(CASTELLS,2000,p.53)(destaque
doautor).
A articulação de Cabedelo à cidade de João Pessoa decorre, inicialmente,
pelo fato da mesma ser sede do único porto da região o que demandou a
estruturaçãodeviasdeacessoecirculaçãodeprodutos(agrícolaseindustriais)edos
investimentosnosetor deturismode praiaenquantoreal potencialidadeeconômica
para o município e região. Bayeux destacase por ter seu espaço diretamente
conjugado à João Pessoa, além de conter um forte adensamento populacional
composto,principalmente,porumapopulaçãodebaixopoderaquisitivo.
O fato é que a RMJP ainda não possui os elementos necessários para o
reconhecimento enquanto
aglomerado metropolitano. A repercussão desse debate
para os demais atores sociais que exercem suas territorialidades em João Pessoa, a
exemplo dos movimentos sociais urbanos, é relevante na medida em que interfere
diretamentenasestratégiasepráticassocioespaciaisdessesatores.
Envolvidaporumdiscursocadavezmaiscomumaosgestorespúblicos,o
de pensaroespaçoagora comometrópole,apopulação,especificamenteadebaixo
poder aquisitivo que corresponde ao principal público da luta dos movimentos
urbanos,estácadavezmaissendorealocadaparasetoresperiféricosdacidade.Com
isso, esses atores sociais são levados à reestruturação de suas estratégias de ação,
204
sendolevadosanecessidadedeseadaptaraumanovaescalaespacialqueconduzao
afastamento da área central espraiandose pela periferia da própria cidade ou dos
espaçosdosmunicípiosvizinhosquecompõemaRMJP.
Por outro lado, se considerarmos como inconsistente a existência dessa
área metropolitana, por motivos apresentados, as estratégias desses movimentos
passamaserdenaturezacentrípeta.IssoconduzosMSUsavalorizaremosespaços
centrais da cidade, e s pecialmente os que possibilitam acessibilidade ao setor de
comércioeserviços.Aescaladeatuaçãoseria,portanto,bemmaisconcentrada,oque
confereumamaioreficiêncianaocupaçãoegarantiasdepermanência.Deummodo
geral,esta éaescalatrabalhadapelosmovimentostendoemvistaadificuldadedeles
emdesenvolveraçõespensandooespaçonumaescalametropolitana.
Tantonumasituaçãoquantonaoutraadialéticaentreespaçoconstruídoe
espaçoemconstruçãosefaz presentenasdiversas práticasdosMSUsquepassama
terqueatuarfrenteaessasduasrealidadesdoespaçourbanodeJoãoPessoa:porum
lado, um espaço polarizado pela influência econômica de Recife; e por outro, um
espaçoquedespontanoatualcenárioregionalcomoumpóloregional,especialmente
no que diz respeito
à estruturação dos municípios próximos constituindo, portanto,
uma área metropolitana. Essas realidades decorrem da própria configuração
territorialdacidade,especialmentenasúltimastrêsdécadas(19702000).
Conforme observado no capítulo anterior, a expansão urbana de João
Pessoa começou tardiamente e de forma diferenciada do que normalmente ocorreu
com outras capitais do
litoral nordestino sendo constituída a partir do continente
chegandoaolitoralapenasnofinaldadécadade1960e,principalmente,duranteas
décadasde19701990quandoseintensificouaexpansãourbana,resultandonaatual
configuraçãoterritorial(Mapa5).
205
206
Ofatoéque,emmeadosdoséculoXX,acidadeerasubdividida em dois
setores:acidadebaixa,ondepredominavamasatividadesdecomércioeportuária,e
a cidade alta, com funções administrativas, residenciais e de serviços. Essas
atividades se efetivaram de forma espontânea segundo a própria característica
espacial evidenciada nesse período: um espaço concentrado e pouco dinâmico. Sua
expansão urbana se realiza, portanto, seguindo duas direções: uma LesteNE, que
possibilitou o acesso à orla marítima, e outra no sentido SulSO decorrente das
relações econômicas desenvolvidas com a cidade de Recife. Essas frentes de
expansão, no entanto, ainda não significavam frentes de ocupação uma vez que as
relaçõeseramprioritariamentefuncionais:moradia,lazerecomércio.
Apenas a partir da década de 1920 é que essas frentes de expansão
resultaramemfrentesdeocupações:alestecomaformaçãodecasasparaveraneioe
nosentidoSulSOporparte dapopulaçãoexpulsadasáreascentraisemdecorrência
daspolíticasbaseadasnaspropostasdesaneamentofeitaporSaturninodeBritoeda
conseqüente necessidade de urbanização, tanto da cidade baixa (atual Varadouro)
como da Cidade Alta, onde se localizavam os principais prédios administrativos,
especialmentenotrechocompreendidoentreaGeneral
OsórioeDuquedeCaxias.
Conforme pode ser observado no mapa 5, com a construção da Avenida
EpitácioPessoa(finalizadanadécadade1950emeadosdadécadade1960),acidade
foi vagarosamente sendo expandida para o litoral e com ela a classe burguesa que
residia, principalmente, na Avenida das
Trincheiras. No mesmo período, a
construção das Avenidas Pedro II e Cruz das Armas propiciaram a expansão no
sentido Sudeste e Sul, respectivamente. Enquanto a primeira avenida surge para
viabilizar a formação do distrito industrial, estrategicamente situado no acesso a
cidadedoRecife,asegundasurgeparafacilitaroacessoaocentrodeabastecimento
deágua,queexistia dentrodoespaçodaatual mataburaquinho,eacessoaocentro
207
universitário que iniciava o seu processo de consolidação iniciado em meados da
décadade1960.
Com a construção do Centro Universitário (atual UFPB) foi possível
realizar a conexão do centro comercial da cidade com os bairros de Miramar e
Brisamar, além de uma nova alternativa para se chegar a orla marítima através da
AvenidaEpitácioPessoapropiciando,assim,umnovoprocessodeexpansãourbana:
início e expansão da ocupação dos espaços correspondentes aos bairros Castelo
BrancoeMiramar.
No final da década de 1960 a cidade apresenta uma morfologia urbana
contendo duas características distintas: uma espontânea e outra planejada. A frente
deadensamentoespontâneo,entãoformadapelosespaçosdosatuaisbairrosdeCruz
das Armas, Jaguaribe, Trincheiras, Ilha do Bispo, Varadouro, entre outros, é
representada por ocupações progressivas realizadas no sentido centroSudoeste
acompanhandootraçadodaAvenidaCruzdasArmas.Algosemelhanteocorreuno
sentido centroNorte propiciando a formação dos atuais bairros do Padre Zé,
Mandacaru, Ipês e Treze de Maio. Foram estas ocupações constituídas por uma
população de baixo poder aquisitivo, oriundas, predominantemente, das áreas
centrais que estavam passando por uma metamorfose quanto a sua função urbana
(deixandodeserresidencialepassandoasercomercialedeserviços)ouconstituída
pormigrantes(JOÃOPESSOA,1993).
afrentedeocupaçãoplanejada,consolidadaapartirdadécadade1970,
foi constituída por ações de urbanização que tiveram como principal referência as
mudanças funcionais da Avenida Epitácio Pessoa, deixando de ser um corredor
residencial para se tornar um corredor de serviços. As ocupações, propiciadas para
uma população de médio a alto poder aquisitivo, foram favorecidas pelos
financiamentos na aquisição de habitação decorrentes da Política Nacional de
208
Habitação(PNH)atravésdaconstruçãodeconjuntoshabitacionaiserevitalizaçãoda
orlamarítima,especialmenteapósoestabelecimentodoHotelTambaú,em1971.
Isso resultou na intensificação de ocupações a leste, na orla marítima e
eixosdeacesso(atuaisbairrosdeManaíra,Tambaú,PortaldoSol,PontadoSeixase
Penha, Altiplano Cabo Branco e Tambauzinho), além de uma expansão no sentido
sul, compreendido pelos atuais bairros do Cristo Redentor, Ernesto Geisel, Ernani
SátyroeCostaeSilva.
Esses dois setores de expansão são entrelaçados por ocupações em áreas
impróprias (vertentes, áreas alagáveis e de preservação permanentea exemplo dos
manguezais, fundos de vale, etc.) e espaços segregados por iniciativas do poder
público e empresas privadas, ambos decorrentes de um processo migratório,
intensificado durante as décadas de 197080. Até então as poucas favelas existentes
em João Pessoa eram incorporadas às propostas de ordenamento urbano
desenvolvidasapartirdadécada1970.Contudo,ademorapeladefiniçãodapolítica
urbana, concretizada apenas na década seguinte, associada à própria intensificação
dos imigrantes, intensificou a difusão de favelas e com isso os problemas urbanos
relacionados,principalmente, aquestãodeacessoaomercadodetrabalho,moradia,
saúde,entreoutros.
Assim, se por um lado evidenciase a consolidação de uma cidade
planejada, com infraestrutura e equipamentos urbanos capaz de suprir as
necessidades mínimas de parte da população; por outro lado observouse a
consolidação de um espaço espontâneo, conseqüente de ocupações irregulares em
áreasderiscos(Mapa 6),aexemplo dosmanguezaisedasáreas de encostassendo,
portanto,umespaçocomcarênciassignificativasnoquedizrespeitoàinfraestrutura
eequipamentosurbanos.
209
210
Diante do crescimento das ocupações de baixo poder aquisitivo,
concentrada principalmente nas proximidades do centro urbano, especialmente no
perímetrodocentrohistórico, surge a necessidadedeinvestimentosempolíticas de
intervenção voltadas para o redirecionamento desses aglomerados e definição das
funçõesquesecontextualizavamparaacidade,especialmentenoquedizrespeito
a sua importância administrativa, potencialidade industrial e turística, conforme
evidenciado em capitais como Salvador, Recife, Natal e Fortaleza durante a década
de 1970. Em João Pessoa, no entanto, isso ocorre de forma diferenciada devido à
existência de “espaços vazios”, espacialmente nos setores sudeste, sul e oeste, e de
espaçospoucoadensados.
No decorrer desse período (19701980) a atuação social esteve
representada, principalmente, pela formação de grupos organizados a exemplo de
movimentos sociais, movimentos populares, sindicatos, associações, entre outros.
Tais representações, constituídas por perspectivas diferenciadas, especialmente no
queconcerneaosaspectospolíticoseideológicos,tiveramemcomumointeresseem
representar uma coletividade ameaçada pela perda ou submissão dos seus direitos
civisepolíticosdecorrentesdasaçõesdeumEstadoautoritárioeregulador(governo
militar).
Assim sendo, essas representações foram organizadas enquanto
interlocutores legais da sociedade na conquista dos seus direitos, conforme os
preceitos estabelecidos, principalmente, pela Carta das Nações Unidas (1945) e pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) entre tantos outros tratados e
declaraçõesoriginadosdesdeentão
27
.
27
Entreosdocumentos,destacaramseainda:aConferênciaInternacionaldeDireitosHumanos(1966,
em Teerã), a Conferência dos Direitos Humanos (1993, em Viena) e a Segunda Conferência das
NaçõesUnidassobreAssentamentosHumanos(1996,emIstambul)queforneceramosfundamentos
paraosDireitosHumanos,oqualtemcomoprincipalfundamento
odireitoàmoradia.
211
Entre as diversas instituições
28
que surgiram nesse período como apoio à
atuação dos movimentos sociais (étnicos, de gênero, ambientalistas etc.) ou aos
demais segmentos da sociedade, a Igreja Católica emerge como um dos principais
referenciaisparaobtençãodosdireitos,especialmenteoscivisepolíticos.Atravésde
suaspastorais,aexemplodaComissãoPastoraldaTerra(CPT),edasComunidades
Eclesiais de Base (CEB), a Igreja assume um papel de intermediador entre a
população e o Estado na obtenção pela conquista e reconhecimento dos direitos
humanos.
Na Paraíba esses movimentos encontrariam ressonância junto à
cúpuladaIgreja,dirigidadesde1966peloArcebispoDomJoséMaria
Pires. Ao contrário dos antecessores, comprometidos com
tradicionalismoesalvaçãodasalmas,DomJoséfaziasepartidáriode
‘IgrejanaCidade’,istoé,práticareligiosasecularizadaevoltadapara
o social. Seu
exemplo contaminou o cabido metropolitano onde
sacerdotes de inspiração tradicionalista aderiram à nova linha,
emanada do Vaticano II e Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil(CNBB)comsedeemBrasília.(MELLO,2002,p.219e222).
De fato, de acordo com Fernandes (2000, p. 50), as CEBs “tornaramse
espaçosdereflexãoeaprendizadodecomotransformararealidade,porintermédio
dalutapelaterra”.EmboraoautorenfatizeainfluênciadaIgrejaCatólicanoauxílio
a conquista da terra dos espaços rurais através da atuação das
CEBs e das CPTs,
fundamentandoaorigemdoMovimentodosTrabalhadores RuraisSemTerra(MST),
é importante ressaltar o papel da Igreja na estruturação de movimentos e
organizaçõespopulares nosespaçosurbanoscontribuindo,assim,para“organização
dachamadasociedadecivil”(MELLO,2002,p.223).
28
Na Paraíba podese destacar: o Papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação
ParaibanadeImprensa(API),SindicatodosBancários,alémdeoutrossegmentosprofissionaiscomo
médicos,arquitetosecientistassociais(MELLO,2002).
212
ComoapoiodaIgrejaCatólica,firmandoofundamentobíblicododireito
pelaterra(posseporocupação),tantonosespaçosruraiscomonosespaçosurbanosa
formação de territórios e territorialidades se constituiu comoa principal forma de
conquista dos direitos humanos ofuscado pela repressão promovida durante a
ditadura. No âmbito rural, a expressão geográfica desses atores sociais tem seus
fundamentosnaconquistadeespaçosparafinsmoradiaetrabalhodandoaomesmo
afunçãosocialdemeiodeprodução.noespaçourbanoessaexpressãogeografiase
materializanaescaladamoradiaestandoà funçãosocialassociadaàapropriaçãoou
habitabilidade.
No caso de João Pessoa,assim comode outras cidades, além do interesse
em contribuir com o fim da repressão militar a atuação da Pastoral da Terra no
espaço urbano foi motivada pela existência de uma zona rural adjacente a esse
espaçooupresençadehábitoseestilosdevidacomunsaoespaçoruralaexemploda
criação de animais de pequeno e médio porte soltos nos quintais e/ou nas ruas, em
diversas localidades do ambiente urbano. Tais elementos ainda fazem parte do
contextodapaisagemurbanadacidadedeJoãoPessoa
29
.
Assim, se por um lado o poder público, especialmente o municipal,
demonstroupreocupaçõescomo futurodacidade,produzindoosprimeirosplanos
de ordenamento urbano; por outro, apoiados pela CPT e CEBs, os segmentos
emergentes da sociedade civil (associações, sindicatos, movimentos sociais, entre
outros)desenvolveramestratégiasdeocupaçãodeterras emdiversaslocalidadesna
cidade, especialmente as dos setores norte e oeste, resultando no adensamento dos
bairrosdoRoger,PadreZé, Mandacaru,Ipês,JoãoPauloIIeSãoJosé(aonorte)eos
bairrosdoVaradouro,IlhadoBispo,TrincheiraseJaguaribe(Oesteecentro).Dos 64
bairrosnacidade,
osMSUsrelataramatuaçãoem19(Mapa7).
29
Paraumaprofundamentomaissubstancial,consultarMaia(1994).
213
214
Durante a década de 1980, com o delineamento das políticas de
desenvolvimento urbano houve um redirecionamento da expansão urbana assim
comoumaintensificaçãodoprocessodeadensamentopopulacionaloqueprovocou
uma intensificação dos problemas sociais, especialmente no que diz respeito à
habitabilidade: condições adequadas de infraestrutura e equipamentos urbanos
(JOÃOPESSOA,1993).
Aexpansãourbanafoisendoredimensionadaparaossetoressulsudoeste
do município, através da ocupação das áreas dos atuais bairros do Varjão,
Mangabeira (I a IV), Bancários, Jardim Cidade Universitária, Anatólia e Jardim São
Paulo;alémdaocupaçãoeadensamentodobairrodosEstados,Ipês,JardimOceania,
Aeroclube, Tambaú, Manaíra e Bessa, alvos dos a gentes imobiliários e
empreendedores que, a partir da década de 1990, motivados pelo crescimento do
setor de turismo de praia e de negócios, deslocaram, para faixa litorânea os
investimentosnossetoresde comércio, serviçosehabitaçãono sentidode atendera
crescente demanda produzida pelo turismo assim como o interesse da população
com melhor poder aquisitivo, fato justificado pela intensificação das verticalizações
naorlamarítima
30
Aocontráriodoquetradicionalmenteocorria, João Pessoa passaatersua
organização pautada não apenas em sua infraestrutura urbana, mas também nas
próprias funções socioespaciais. Tais funções são, em essência, complexas e
contraditórias, sendo expressas em três realidades socioespaciais: a) um espaço
urbano adensado; b) um espaço urbano
suscetível à expansão; e c) espaços de
resistências.OsespaçosruraisqueconstituíamarealidadeurbanadeJoãoPessoaaté
meados da década de 1990 se tornam inexistentes para as fontes legais de
30
Emboraaorla marítimade JoãoPessoaestejaresguardadaporumalegislaçãoespecíficaqueinibe
aespeculação(PARAIBA,2005),temsepercebidoumaumentodaquantidadedeedifíciosacimade
trêsandares,especialmentenosbairroslocalizadosnolitoralnorte.
215
informações estatísticas (IBGE, Prefeitura Municipal, IDEME, etc.). Contudo, na
prática, essa realidade ainda se faz presente através das chácaras, sítios, vacarias,
ruas,camposabertosetc.
SobreessanovarealidadeterritorialdeJoãoPessoadoinícioda décadade
1990, sobrepõese uma nova dinâmica socioespacial pautada em uma relação mais
complexa
entre os atores sociais em decorrência da própria dinâmica política,
econômica e social. De fato, as conseqüências espaciais produzidas pelo impacto
avassalador da globalização sobre o território resultou numa reconfiguração
territorialdacidadedeJoãoPessoa.
Se por um lado, a implementação de novos empreendimentos
socioespaciais, a exemplo dos shoppings
centers e a descentralização dos
equipamentosurbanos,redefineascentralidadeseordenamentourbano.Poroutro,a
novarelaçãosocialeterritorialdetrabalhoestimulaavalorizaçãodosfluxossobreos
fixos sendo, portanto, mais complexa e difusa, tendo a valorização da mobilidade
comooelementoprincipal.Assim,asterritorialidadespassamapredominarsobreo
interessepelaprodução(controle)deterritórios.
Retomando as bases das formulações de Milton Santos (1979) no que
concerne à compreensão do espaço como produto de circuitos diferenciados da
economia(superiore inferior),adécadade 1990representaumamaiorcomplexidade
narelaçãoentreessasduasesferasapartirdetransformaçõesnasprópriasestratégias
deatuaçãodosatoressociais.
Assim, o ordenamento territorial passa a demandar políticas que
possibilitassemavisualizaçãodasarticulaçõesentreessescircuitoseoimpactoquea
mesma produz na sociedade e no território. O ordenamento por zonas territoriais,
característicos das décadas de 19701980, é substituído por novas regionalizações
pautadasnasfuncionalidadesdoespaçourbano(Mapa8).
216
217
A nova divisão espacial por regiões administrativas possibilitou aopoder
público um maior controle sobre o ordenamento urbano uma vez que as ações
públicas passaram a ser estruturadas com base nas demandas identificadas nas
reuniões distritais.Esse tipo de gerenciamento favorece igualmente a participação
popular a partir da criação da figura dos delegados que são escolhidos em
Assembléia, indicados pela própria sociedade. Para os movimentos esse tipo de
gestão se torna interessante na medida em que cria na população o hábito pelo
debatepúblicosobreoespaçourbano.
As ações de reforma do espaço urbano de João Pessoa evidenciadas nos
últimosanosvêmseefetivandodeduasformas:a)pelasintervençõespropostaspelo
poder público a partir da política de ordenamento urbano na qual os movimentos,
assim como os demais atores sociais, são convidados a participar do processo de
implementação; b) por ações espontâneas da população com o apoio dos próprios
movimentos urbanos a partir de ocupações de terrenos ou de mobilizações para
conquistadosdireitosdecidadaniarepresentadosnaconquistadodireitoàmoradia.
A produção do espaço urbano tornase, portanto, complexa uma vez que
de um lado representa a confirmação das políticas de desenvolvimento segundo as
quais os espaços são preventivamente delimitados em termos de configuração
territorialeusofuncional,eporoutro,éumespaçoproduzidodeformaespontânea,
emboraorganizadaumavezquepartedasestratégiasetáticasdeaçãodesenvolvidas
pelos movimentos sociais urbanos que se expressam geograficamente a partir da
realizaçãodeocupaçõesurbanaseconstruçãodemoradias.
Embora muitas vezes contraditória, essa expressão geográfica se
materializanaconquistaeproduçãodeterritórios tendocomoparâmetroospróprios
fundamentos regidos na Constituição Federal. Ao contrário de outros movimentos
sociais(hiphop,MEL,UVAS,etc.),populares(APROS,APAN,GRUCON, SAMOPS,
218
etc.)eoutrasrepresentaçõessociaisqueatuamtambémnoespaçourbano(aexemplo
da I.R.E, FDHMMA, CAIS etc.)
31
, os movimentos de luta por moradia produzem
territórioeparticipamdasredefiniçõessocioespaciaisdoordenamentourbano.
Desta forma, se por um lado a reforma constitucional propiciou o
surgimento desses atores sociais (movimentos de luta por moradia) ao possibilitar
umaaproximaçãoentreaconquistademoradiacomoconquistadodireitohumano
à
qualidadedevida,poroutrolado,anovapropostadeordenamentourbanopautada
nadefiniçãoderegiõesadministrativasatravésdavalorizaçãodoplanejamentocomo
principal característica da gestão democrática forneceu a esses atores uma maior
mobilidadenoespaçourbanonoqueserefereàsestratégiasetáticasdeatuação.
31
Embora tenhamos colocado o significado de cada uma dessas siglas na lista de siglas, o momento
demanda a discriminação de cada um: MEL (Movimento do Espírito Lilás); UVAS (União
VoluntáriadeApoioaosSoropositivos);APROS(AssociaçãodasProfissionaisdoSexodaParaíba);
GRUCON(Grupo deConsciênciaNegrado Rangel);APAN
(AssociaçãoParaibanadosAmigos da
Natureza); SAMOPS (Associação de Acessória aos Movimentos Populares); I.R.E (Instituto de
ReferênciaÉtnica);FDHMMA(FundaçãodeDefesadosDireitosHumanosMargaridaMariaAlves);
CAIS(CentrodeCidadania,AçõeseInteraçõesSolidárias).
CAPÍTULO5
Dequemeparaqueméacidade?aprodução
doespaçonaperspectivadosMSUs.
“Nós estamos aqui meus amigos pra contar nossa missão,
É tanta gente sem casa que e de cortar coração,
E gritando em voz alta, queremos uma solução (...).
Nós queremos casas boas pra poder ter união,
com direito à saúde pra poder ser cidadão.
Nós queremos a limpeza como área de lazer,
que também somos humanos temos direito a viver.
Água, esgoto e energia, queremos com abundância.
Educação, rua calçada e também ter segurança.”
(Música cantada durante o VII Encontro do MNLM –
Itapecerica da Serra, São Paulo, 21 a 23 de maio de 2004))
220
De um modo geral, os movimentos sociais que atuam no espaço urbano
das cidades brasileiras são atores recentes, pois surgem, inicialmente, em
concomitância com o processo de industrialização e urbanização difundido no país
em meados do século XX, enquanto resultado do agravamento da crise no campo
(lutapelodireitoaterra)edoagravamentodosproblemasurbanosprovenientesda
ausênciadeumplanejamento capazdeatenderacrescente demanda dosmigrantes
oriundos do campo ou de outras cidades que, situadas na periferia dos grandes
centrosurbanos,passam aseconstituircomoespaçosestratégicosaosinteressesdos
grandes atores econômicos e políticos fomentadores do processo de modernização
dessesespaços.
Com o golpe militar os movimentos sociais sofreram uma retração em
decorrência do novo papel que o poder público constituído passou a exercer:
promotor do desenvolvimento regional e urbano, do ordenamento territorial e o
controle espacial tanto no campo como na cidade passando, com isso, a atuar nas
redefinições das fronteiras territoriais, reorientando os usos e funcionalidades do
espaçoapartirdeumainterferênciamaissignificativanasdiferentesescalasdeação.
No campo, o Estado, compreendido aqui na perspectiva de governo
constituído, voltase para a reprodução dos interesses dos grandes proprietários de
terra (capital monopolista), intensificando os conflitos no espaço rural ao inibir as
lutas populares pelo acesso à terra. Em novembro de 1964, ano em que eclode o
golpe militar, é sancionada a primeira lei (4.504/64) de Reforma Agrária: o Estatuto
daTerra.
A partir de verbas obtidas pelo Fundo Nacional de Reforma Agrária
criado nessa mesma lei (Art. 27), o Estatuto passa a delinear as políticas de
ordenamento territorial dos espaços rurais, propiciando as condições políticas,
econômicasesociaisparaodesenvolvimentoagrárioeaobtençãodareformaagrária.

221
O Estatuto da Terra foi concebido na intenção de propiciar garantias
quantoàconquistadapropriedadeapartirdenormasvoltadasparaexigirafunção
social da mesma (Artigo 12º.), propondose, assim, a promover mudanças
significativas na estrutura fundiária do país a partir da valorização da ação de
estatais que atuassem na escala regional como a Superintendências de
Desenvolvimento(SUDENE,SPVEA,SUDOESTEetc.).
Naprática,noentanto,oEstatutodaTerracorrespondeuauma formade
controle das lutas sociais e conflitos de terra que eclodiram noespaçoruralapartir
dadécadade1950nosentidodecoibirumapossívelrevoluçãodostrabalhadoresno
campo.
A real intencionalidade implícita no Estatuto é confirmada através da
implementação,doisanosmaistarde,daLeino.4.947/66quedefinemasnormasdo
direito agrário, estabelecendo as desapropriações aos imóveis rurais
32
concebidos
como fundamentais aos projetos de desenvolvimento (parágrafo único do Art. 2º).
Comapromulgaçãodestaleisãocriadas,decertaforma,as“condições”paradifusão
dafiguradosgrileirosatravésda autorizaçãodostítulosdeposse (Art.3º.)a qual é
oficializadapelopróprioSistemaNacionaldeCadastroRural
(CNIR).
A participação de outras escalas do poder público administrativo, a nível
municipal e estadual, através do INCRA
33
, denuncia o favorecimento da concessão
aos grandes empreendedores em troca, principalmente, de favorecimentos políticos
oueconômicos.
32
ConformeconstanaprópriaLei4.504/64,emseuArtigo4º,IncisoI,entendaseporImóvelRural“o
prédio stico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração
extrativaagrícola,pecuáriaouagroindustrial,queratravésdeplanospúblicosdevalorização,quer
atravésde
iniciativaprivada”.
33
OInstitutoNacionaldeColonizaçãoeReformaAgráriacorrespondeaumaautarquiafederalcriada
pelo Decreto n.1.110/70 tendo como objetivo a promoção da Reforma Agrária, organização do
cadastrodeimóveisruraiseadministraçãodosterritóriosdaUnião(BRASIL,2008).
222
Comisso,oshomenseasmulheresquerealmentedependiamdaposseda
terra para sobrevivência passaram a ter maiores dificuldades na conquista das
mesmas em decorrência tanto da pressão política do governo militar e dosgrandes
proprietários de terra como da própria situação econômica vivenciada pelo país no
iníciodadécadade1970.
No âmbito político o Estado restringiu a possibilidade de ação conjunta
porpartedospequenosprodutores,dificultandoaaçãodessesnãoapenasnoquese
refere à conquista da terra, mas a sua própria manutenção. Por outro lado, a
dependência de mantimentos associada à dependênciapelaconcessãode terras por
parte dos grandes produtores, além das adversidades físiconaturais, foram fatores
responsáveispeladesarticulaçãodoshomensemulheresquehabitavamnocampo.
No que se refere à situação econômica, esta despontou em duas frentes
contraditórias: se por um lado houve um aumento dos investimentos de empresas
estrangeiras e do próprio Estado no desenvolvimento de políticas e ações de
modernizaçãodocampo,especialmente noqueserefere àimplementaçãodenovas
técnicas; por outro, o impacto desse período favorável de crescimento econômico
vivido pelo país não representou grandes benefícios aos trabalhadores e
trabalhadoras do campo tanto no contexto social (ausência de avanços na
qualificaçãoprofissional)comonoeconômico(melhoriadarendafamiliar).
Asconseqüênciasdesseúltimofatorforammaissignificativasumavezque
os rendimentos continuavam baixos e a maior parte dos lucros era cooptada pelos
atravessadoresecomerciantes,oqueimpossibilitouoexercíciododireitopostopela
Lei n. 6.383/76 que, entre outras medidas, estabelecia que os “ocupante[s] de terras
públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família,
[faria]jusàlegitimaçãodapossedeáreacontínuaaté100hectares”(Art.29).
223
na cidade a atuação do Estado esteve voltada para o estímulo a
produçãodeumespaçoconstruídoparamelhoriadascondiçõesdehabitabilidadeda
burguesia emergente, cada vez mais consolidada, em grande parte proveniente do
campo, representada, principalmente, pelos médios e grandes empreendedores
urbanos, agentes imobiliários, empresas da construção civil, entre outros cujo
rendimento confere a conquista dealguns benefíciosdecorrentes do
desenvolvimentourbano:moradia,acessibilidade,segurança,etc.
De fato, os investimentos na infraestrutura urbana, proporcionado pelo
Estado, e a locação de empreendimentos e equipamentos imobiliários, financiados
pelo SFH/BNH, tornou secundário o atendimento das demandas provenientes das
camadasmaispobres,as quais,semoutraalternativa,tiveram que seaglomerarem
setoresdacidadeimprópriosàmoradia,normalmenteemáreasdealagados,morros,
zonasperiféricasfuncionalmentesegregadas,vertentesderelevo,etc.
Tanto no campo como na cidade, o Brasil do final da década de 1960 se
caracterizou pelas diversidades socioespaciais. No campo, a política agrária e os
investimentos na tecnificação não foram capazes de absorver os pequenos
produtores que, excluídos do direito legal de acesso a terra, foram submetidos às
imposições dos grandes proprietários, fato que os levaram a adotar as seguintes
atitudes:migrarparaoscentrosurbanos,especialmenteosdasgrandescidades,com
o objetivo de serem inseridos como mãodeobra para os parques industriais em
difusão; ou ficar no campo se organizando em grupos e lutando pela conquista da
terra,formando,assim,ascondiçõesbásicasparaaformaçãodosmovimentosrurais
de luta pela terra e reforma agrária. Na cidade, as políticas de urbanização
desenvolvidaspeloEstadoepelosgrandesempreendedoresforaminsuficientespara
absorveroexcedente populacionaloriundodocampo, resultandonaformulaçãode
grandesaglomeradossubnormaise,comeles, movimentos populares voltados para
lutarpelodireitoàcidade.
224
Nesse ínterim, o processo de urbanização foi adquirindo claras
conotações espoliativas. O Estado, preocupado em consolidar as
atividades produtivas, omitese da provisão das necessidades mais
imediatasdagrandemaioriadapopulação(...).Noentanto,comonão
era isso que acontecia na prática, o reforço recebido pelos
movimentos sociais urbanos representava,
de fato, um agravamento
doantagonismoentreasmassaseoEstado(JACOBI,1983,p.147).
A partir da década de 1970 os novos arranjos na conjuntura política e
econômica mundial produziram um impacto significativo nas estratégias do Estado
quantoaocontroleedesenvolvimentourbanoeregional.
Nocampo,aindustrialização“padroniza”osespaçosapartirdaexpansão
e implementação das técnicas de produção agroindustriais (produção tecnicista)
representadas pela criaçãode pólosespecíficosdedesenvolvimento,reestruturando
as configurações sócioterritoriais especialmente das regiões centrooeste, norte e
nordeste.Em contrapartida, expropriados do acesso a esta nova configuração
territorial, os grupos de pequenos proprietários e posseiros, sujeitos as imposições
postas pelos grandes produtores ou, ainda, agricultores desempregados em
decorrência do avanço da tecnificação do campo, iniciaram um processo de
reivindicação pelo direito a terra. A ação desses novos atores sociais resultou na
formação de um dos maiores movimentos sociais de luta pela reforma agrária no
Brasil:oMovimentodosTrabalhadoresRuraisSemTerra(MST),oqual,atualmente
(2008)organizadoem23estadosdoterritórionacionaletemcomobandeiradelutao
combateaodescasodoEstado paracomoshomensemulheresdocampo,nabusca
pelatãosonhadareformaagrária.
Na cidade, as mobilizações resultaram na organização de movimentos
sociais e populares voltados para reivindicação de conquistas e direitos sociais,
resultando na formação de diversos tipos de mobilizações: movimentos de gênero,
feminista, ambientais, moradores da favela, pelo custo de vida, loteamentos
clandestinos, além das associações de moradores, amigos de bairro e federações
225
comunitárias, entre outros. Tais mobilizações eclodiram especialmente nos grandes
centroscitadinosapartirdadécadade1970
34
.
Esses movimentos (sociais e populares) eclodiram em formas de
organizações comunitárias e organizações coletivas, regulamentadas ou não, em
combateaopressão,especialmenteapósapromulgaçãodoAtoInstitucionalnúmero
5(AI5)
35
.SeporumladoesseatorepresentouoápicedeopressãodoEstado(militar)
sobre a sociedade, ao coibir articulações públicas; por outro fez com que as
mobilizaçõessetornassemmaisestratégicasemenosespontâneas.
O AI5ratificatambém o papel que a igreja vinha exercendo no que
se
refere a posição de estímulo a criação de mobilização populares através das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as pastoriais sociais, especialmente a
ComissãoPastoraldaTerra(CPT)quesurgiunametadedadécadade1970e,desde
então, tem prestado um assistencialismo não apenas aos trabalhadores do campo,
mas igualmente aos moradores da cidade (população mais carente) uma vez que a
maioriaeraprovenientedocampo.
Ascaracterísticasrepressivasdoregimenosanosqueseseguiramao
AI5 geraram um esvaziamento muito significativo das SABs, que
perderam oseu caráter de defesa dosinteresses dobairro. Foi nesse
período que a Igreja, a partir das Comunidades Eclesiais de Base e
outros agentes pastorais, passam a desenvolver
um trabalho que se
34
Dosdiversosmovimentosexistentesnesseperíodo,omovimentodossemtetoedelutapormoradia
destacamseporseexpressaremgeograficamenteaoproduziremterritóriosdecorrentesdalutapor
melhoriadascondiçõesdemoradiadapopulaçãoeconomicamentemenosfavorecida.Entreosdois,
os movimentos de luta por moradia exercem uma
maior influência no ordenamento urbano ao
desenvolver práticas sócioterritoriais voltadas para conquista da justiça social. os movimentos
dos sem teto, em especial o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), tem expressões
pontuais (conquista do territórioresidência) o possuindo, portanto, uma influencia maior no
contextodeordenamentoespacial(transporte,segurança,
lazer,etc.).
35
EditadonagestãodopresidenteArthurdaCostaeSilva(19671969),oAI5ficouconhecidocomoo
mais cruel dos Atos Institucionais criados pelo regime militar. O AI5 permaneceu em vigor por
umadécada(19681978).Alémderevogarosdispositivosconstitucionaisde1967,inibiuaformação
de muitos movimentos (populares e sociais) ao coibir mobilizações públicas com expressões
políticas, gerando com isso descontentamentos por parte da população que se sentia excluída de
açõesefetivasparainclusãosocial.
226
torna praticamente a única alternativa de participação das classes
populares a nível dos problemas de bairro. O trabalho das CEBs
valoriza, intensamente a participação do morador na vida da
comunidade e seu envolvimento nos movimentos reivindicatórios
urbanos.Apartir das CEBs, a Igreja ampliasuaparticipaçãoatravés
deClubesdeMães,
dasPastoraisOperária,daPeriferia,daJuventude,
do Trabalho e dos Direitos Humanos. Esses setores iniciam no
começo da década de 1970 um trabalho que setorna praticamente a
únicaalternativadeparticipaçãodasclassespopularesnosseuslocais
demoradia(JACOBI,1983,p.149).
Na década de 1980 o processo de redemocratização do país trouxe o
surgimentodenovosmovimentoseativismosurbanosvoltadosparaalutacontrao
descasohistóricodaspolíticaspúblicasurbanaseofimdasdesigualdadessociais.Os
principais argumentos estiveram relacionados ao fato de que a situação de
sobrevivênciano
espaçourbanotinhachegadoaoníveldainsustentabilidadesendo
necessária uma contraofensiva por parte da sociedade no sentido de se obter uma
reformaurbana.
Entre esses novos movimentos sociais destacaramse àqueles envolvidos
com a luta pelas melhorias dos serviços urbanos e habitação. Em suas diferentes
frentesdeação,taismovimentospassaramasepreocuparcomaconstruçãodeuma
identidadepolítica,aqualestevereproduzidaporumaposturadeautonomiafrente
aoEstadodeformaaexpressarasdemandaspopularesesociais.Estaposiçãoesteve
direcionada a substituição da manipulação e cooptação política, características do
associativismo, sindicalismo ou pelo simples vínculo a interesses partidários, por
uma ação mais espontânea e consciente que representassem o real interesse da
coletividade.
O momento conjuntural no qual esses movimentos são originados (luta
pelaredemocratizaçãodopaís,amobilizaçãopelasdiretasjá;eomovimentopolítico
pela reforma constitucional no final da década de 1980), influenciou a formação
ideológica desses movimentos ao contribuir para a criação da identidade comum
entreosmesmos:lutapelareformaurbanaeconquistadodireitosocialàmoradiaa
227
partir da implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Esse
momento coincide com a difusão, no campo, dos movimentos de luta pela reforma
agrária, os quais passam a assumir uma posição de referência para a atuação dos
movimentossociaisurbanos.
O fim da década de 1980 foi marcado por mudanças significativas nas
formasdemobilizaçãoenaprópriaformadosmovimentosexerceremsuasações.O
discurso ideológico, pautado na luta por demandas pontuais cede lugar a uma a
necessidade de desenvolvimento de uma ação mais prática, articulada e não mais
dependentedopoderpúblico.
Por sua vez, vários movimentos (étnicos, gênero, etc.) que surgiram nos
anos de 196070, são cooptados por instituições nãogovernamentais. Com isso, vão
perdendopaulatinamenteoseucaráterdemovimentosocialaocomprometeremsua
autonomiaeidentidade.Outros,comoomovimentodosfaveladosemovimentosde
bairro,sãocooptadospelopoderpúblicoatravés dosseuslíderes,se transformando
em movimentos de cunho políticopartidário ou são institucionalizados, perdendo
igualmenteocaráterdemovimentosocialaocriaremestatutosenormasdeatuação,
deixandodelutarporcausasdeinteressecoletivo.
Durante a década de 1990 os movimentos sociais que atuaram na cidade
entraramnumaverdadeiracrisedeexistência,emespecialpelofatodequeareforma
constitucionalpassouagarantirdireitosantesnegados,aexemplododireitoàsaúde,
educação, igualdade social, etc. Tais reivindicações se configuraram como as
bandeiras de luta que motivaram o surgimento desses movimentos, o que leva a
muitos pesquisadores, políticos e militantes a cogitarem um possível fim dos
movimentosatuantesnoespaçourbano.Oquadrosemodificanamedidaemqueos
movimentos do campo, comandados pelo MST, reestruturam seus objetivos de luta
ao se interessarem pela conquista do direito à terra, amparados pelas mudanças na
reforma constitucional. Tais movimentos passam a observar à cidade como um dos
228
pontos estratégicos para realizar as mobilizações e reivindicações tendo em vista a
alta concentração populacional e o impacto que as ações geram sobre o cotidiano
urbano. Assim, passam a estimular a consolidação de movimentos dos sem teto no
sentidodefortalecerasmobilizaçõeseconseguirresultadosmaiseficientes.
Osdiscursospassaram aseroapenasdecunhosocialepolítico,mas,e
principalmente, ideológicoaoseremdirecionadosaoquestionamento da posiçãodo
governo federal frente à economiamundo e a “venda do Brasil” para os grandes
atoreshegemônicos,deixandoemsegundoplanoadívidahistóricacontraídacomos
trabalhadorestantodocampo(reformaagrária)comodacidade(reformaurbana).
Guiados pela conquista dessas duas reformas, os movimentos sociais
investiramnoapoioaoPartidodosTrabalhadores,deformamaisespecificaafigura
de Luiz Inácio Lula da Silva, como a promessade mudança. Naturalmente, como é
doconhecimentocomum,ogovernode Lula gerou uma série de decepções para os
movimentos sociais que se sentiram enganados por não terem atendidas, com a
rapidez esperada, as demandas exigidas, além de terem que conviver com o
constanteriscodecooptaçãoeperdadeautonomiadecorrentesdaimplementaçãode
políticasparticipativascontextualizadasemumdiscurso
democráticopopular,tanto
a nível federal como na escala municipal, mas que continuavam sem possibilitar o
espaçonecessárioparaqueosmovimentosatuassemdeformamaisefetiva.
Nós elegemos um governo que chamamos nosso. Portanto, esse
governo não é um governo de todos. Se fosse um governo de todos
teria 100% dos votos de todo o Brasil. Esse é o governo dos
trabalhadores.Dasexcluídaseexcluídosdessepaís.Então,opapeldo
nossomovimento éreafirmara
suaindependência mesmodiantedo
governoquenóselegemos(...).Nósnãoelegemosvocêsparacumprir
com oscontratosdo governo do neoliberalismoque o FHCfez. Nós
elegemos você, governo Lula, para cumprir com a história e com a
esperançaque nósconstruímos ombroaombro contigo.Outu
tado
nosso lado como sempre teve ou tu ta contra nós. Nós não somos
oposiçãoaogovernoLula.Nóssomosafirmaçãodavida.
(DepoimentodoCoordenadordoMNLMduranteoVIIEncontroNacionaldoMNLM.
ItapecericadaSerraSP,de21a23demaiode2004.DVD/AcervodoMNLMPB.
229
Poroutrolado,os eventos(políticos,econômicosesociais)queocorreram
na década de 1990 propiciaram uma reformulação na forma de atuação dos
movimentos,possibilitandoumarearticulaçãonassuasestratégiasdeatuação.Sepor
umladoquestõescomoasmelhoriasnapolíticaeducacional,desaúde,detransporte,
etc., influenciaram na desestruturação de muitos movimentos; por outro, o fracasso
da política habitacional e a incapacidade de promover a reforma urbana foram
elementos que fortaleceram movimentos que existiam desde a década de 1980, a
exemplo do Movimento de Luta por Moradia (MLM), transformado depois em
MovimentoNacionaldeLutaporMoradia(MNLM)edoMovimentodeBairros.
Tais movimentos influenciaram na consolidação de outros, como por
exemplo, o dos sem teto (reivindicando habitação), além de diversos movimentos
culturais que se difundiram nos guetos urbanos, a exemplo do Rap, Hip Hop (SP),
afroreggae (BA), Manguebeat (PE), os quais, ao contrário de movimentos anteriores,
que surgiram durante a ditadura militar, a exemplo do tropicalismo e movimentos
ecológicos que possuem uma expressão espacial ao produzirem territorialidades e
geraremconflitosdepoder.
A intencionalidade emerge como um importante elemento diferenciador
da atuação dos movimentos que se originaram antes da redemocratização para
aqueles que surgiram após a redemocratização. Os primeiros tiveram como
expressão de suas intencionalidades as relações sociais representadas na luta pelo
fim da desigualdade social (direitos iguais entre as classes sociais), o que explica a
largaproduçãodossociólogosacercadosurgimentoedifusãodessesatoresentreas
décadas de 197080. os movimentos que emergiram no período posterior a
redemocratização, têm o espaço como expressão de suas intencionalidades, sendo
quealgunsaprofundamessaexperiêncianoespaçoaoproduzemterritório,comoéo
casodosmovimentosdelutapormoradia.Essetipodeintencionalidaderatificabem
arelevânciadaanálisegeográficadaatuaçãodessesatoressociaisurbanos.
230
Para John Searle (2002) a intencionalidade é a “propriedade de muitos
estadoseeventosmentais pela qualestessão dirigidospara,ouacerca de,objetose
estadosdecoisasnomundo”(SEARLE,2002,p.01).Nessecontexto,expressõescomo
crenças, temores, esperanças e desejos se configuram como indicativos de
intencionalidades uma vez que se caracterizam como fenômenos que representam
uma determinada coisa ou objeto (AUDI, 2006) sendo, portanto, o resultado da
mente de forma a obter uma satisfação. Para Searle (2002, p. 18) “[t]odo estado
Intencional com uma direção de ajuste é uma representação de suas condições de
satisfação”.
Adotando como verdadeira a premissa da intencionalidade como
representação da satisfação, todo o sujeito coletivo tem a intencionalidade como o
principal fundamento de sua identidade. Se considerarmos a própria concepção de
Searle (2002) que exemplificou a crença, o desejo e a intenção como expressões da
intencionalidade, alguns movimentos (étnicos, gênero, ecológico etc.) associamna a
uma melhoria social (a relação entre as classes sociais) enquanto outros (MTST,
MNLM, MLB etc.), observamna como instrumento de obtenção de melhorias nas
condiçõesespaciais.
O primeiro caso corresponde à atuação de movimentos que têm como
intencionalidadeodesejodeobtermelhorescondiçõesdevida;acrençadequeisso
é possível com base em ações revolucionárias a partir da intenção de modificar a
própriaestruturasocialumavezqueestareproduziriatodososembatessociais.o
segundocasocorrespondeamovimentosquetêmcomointencionalidade:odesejode
que todos tenham uma moradia seja no sentido restrito (conquista de um teto) seja
no sentido amplo (condições de habitabilidade); a crença de que isso é possível a
partir de ações organizadas de ocupação no sentido (intenção) de conseguir a
reformaurbana(justiçasocialequalidadedevida).
231
Existe,nessecontexto,umarelaçãointrínsecaentreintencionalidadeeação
umavezqueaprimeirasecomplementanamaterializaçãodasegundaque,porsua
vez,temsentidodeexistênciaquandodapresençadaprimeira(antesoudurante).
A crença na existência da ocupação, por exemplo, se concretiza quando da
presençadoatodeocupar.Casocontrário,limitaseaumapretensão.Porsuavez,o
ato de ocupar existe se concebido como resultante de uma intencionalidade que o
alimenta como é o caso do desejo de se conquistar uma moradia, o qual pode ser
anterior(fomentador)ousimultâneo(motivador).
Precisamos, antes de mais nada, distinguir as intenções que são
formadasantesdasaçõeseasqueonãosão(...).pelomenosdois
modosdesedeixarmaisclaraadistinçãoentreumaintençãonaação
e uma intenção prévia. A primeira (...) é observar que muitas das
ações
que realizamos são realizadas espontaneamente, sem que
formemos, consciente ou inconscientemente, nenhuma intenção
préviadefazermostaiscoisas(SEARLE,2002,p.118).
e ainda
Todas as ações intencionais têm intenções na ação, mas nem todas
têm intenções prévias. Posso fazer algo intencionalmente sem ter
formado uma intenção prévia de o fazer e posso ter uma intenção
prévia de fazer algo e todavia não fazer nada no sentido dessa
intenção(SEARLE,2002,p.119).
Entreosmovimentossociaiscujaintencionalidadeestápautadanarelação
socioespacial,existemaquelesquevãoaindamaisalémaodemonstrareminteresses
com a produção do espaço a partir da apropriação e produção de territórios
(conquista da moradia e influência no ordenamento urbano). Para isso,
reestruturaram suas formas de atuação ao se
articularem em diferentes escalas.
Assim, a intencionalidade (expressa nos fundamentos políticos, econômicos e
ideológicos) é igualmente multiescalar e a influência nas transformações no espaço
ondeatuam,produzindoos tais territórios, seconfiguracomoaprincipalexpressão
geográficadessesatoressociaisdecorrentedanecessidadedeseconquistarmelhorias
naprópriainfraestruturaurbana.
232
Ao produzirem território (espaço) esses movimentos sociais materializam
suasintencionalidadesdandoaestasumacondiçãodialéticaumavezqueaomesmo
tempo em que assumem uma posição de representação e satisfação ao ocuparem o
espaço,existeumarealimentaçãoapartirdosurgimentodeoutrasintencionalidades
pautadasemuminteressecoletivopelareformaurbana.
5.1OsmovimentossociaisurbanosdeJoãoPessoa
A partir do critério de classificação de movimentos sociais urbanos
enquanto ator social que participa diretamente da produção do espaço urbano ou
queinterferediretamentenoordenamentourbanodacidadeforamclassificadosem
JoãoPessoaquatromovimentoscomourbanos:OMovimentoNacionalde Lutapor
Moradia (MNLM); A Central de Movimentos Populares (CMP); o Movimento de
Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e; o cleo de Defesa da Vida (NDV). Os três
primeirosporestaremenvolvidoscomodebatesobreaproduçãodoespaçourbano
atravésdalutapelaconquistadamoradiaeoúltimosobreaquestãodamobilidade
urbana.
De acordo com as informações coletadas durante a atividade de campo e
análisedasentrevistas,apenasoMNLMpossuiumaestruturaorganizacionalcapaz
delheproporcionarumpapeldecisivonodebatesobreaproduçãodoespaçourbano:
sejaemdecorrênciadaformadeatuação;sejaporcontadainfluênciapolítica,sociale
ideológica que vem exercendo nesses últimos anos. a CMP vive um conflito
interno sobre a sua função social sendo dividida entre os que defendem a atuação
exclusiva enquanto articuladora dos movimentos sociais e os que defendem a
importânciadasatividadesdesempenhadajuntoàscomunidades,exercendoopapel
de movimentos sociais urbanos. O MLB possui pouca expressividade espacial uma
vez que limita sua ação a setores bem delimitados na cidade. O NDV, além de
233
possuir pouca expressividade, ainda tem o agravante de estar institucionalizado
enquanto ONG. Contudo, a função social que desempenha, conforme será
evidenciadomaisadiante,evidenciacaracterísticasdemovimentosocial.
Todosdesenvolvemsuasatividadesacompanhandodiretamenteaatuação
do poder público, especialmente no que diz respeito à elaboração de políticas
públicas voltadas
para a melhoria da qualidade de vida da população: moradia,
segurança, educação, transporte etc. Embora boa parte dos membros que estão na
coordenaçãonãoseremnaturaisdacidade,todos demonstraram envolvimento com
as questões urbanas de João Pessoa e o conseqüente interesse pala participação no
movimentosocial.
As ações são
decorrentes tanto de iniciativas dos movimentos, através de
decisãocoletivacomoporiniciativapopular,alémdapromoçãodeacessóriajuntoa
outras organizações e entidades voltadas para a promoção do bem comum. Dos
quatro movimentos, apenas o NDV não possui sede própria, fato de que dificulta a
realizaçãodeumaaçãomaisefetiva.
O reconhecimento da atuação dos movimentos na elaboração do
diagnóstico acerca da situação de habitabilidade da população mais carente ficou
evidenciado através de um relatório, feito pela Comissão Nacional pelo Direito à
Moradia adequada e à Terra Urbana
36
, em maio de 2004, sobre as condições de
moradia das comunidades pobres de João Pessoa (SAULE JUNIOR; CARDOSO;
GIOVANNETTI,2005).
Além de ONGs, associações, sindicatos e movimentos sociais de gênero e
ambiental, a comissão teve um apoio substancial do MNLM, CMP e NDV uma vez
que as localidades selecionadas para ser realizado o diagnóstico correspondem a
36
A Comissão foi composta por pesquisadores da área de direito urbanístico e teve por objetivo
realizarumrelatosobreosdesrespeitossociais,econômicoseculturaisdecomunidadespobres.
234
áreasquediretaouindiretamentereceberamoapoiodosmovimentos:Condomínios
Liberdade,IndependênciaIeIIeAmizade(nobairroValentinaFigueiredo),afavela
Novo Horizonte (no Cristo Redentor), o Assentamento Jorge Luiz (no Valentina
Figueiredo), o acampamento Patrícia Thomaz (em Mangabeira) e o acampamento 5
dejunho(noAltodoMateus).
Além de problemas relacionados à falta de infraestrutura as ocupações
têmemcomumainsegurançaquantoàconquistadodireitodeposse,umavezquea
população ainda não possui a documentação legal que garanta tal direito, assim
comooacessoaserviçosbásicoscomoáguaeenergia.Assim,oacompanhamentovai
desde o início da ocupação até a conquista legal do território (SAULE JUNIOR;
CARDOSO;GIOVANNETTI,2005).
O problema é ainda maior pelo fato das ocupações terem sido realizadas
em locais afastados do centro da cidade no qual se concentram a população com
menor rendimento por domicílios particulares permanentes no qual predominam
moradoresdasclassessociaisDeE(Mapa9).
Localizada no bairro do Cristo Redentor, às margens do Rio Jaguaribe, a
favela Novo Horizonte existe a mais de 21 anos sendo composta por mais de 600
unidades habitacionais. A comunidade vem recebendo assistência tanto do MNLM
comodoCMPeMLB.
Apoiados nos artigos 9 e 14 da Lei Federal no. 10.257/01 eles vêm
orientando a comunidade no sentido de conquistar o direito fundiário pelo uso
Capião uma vez que as ações de urbanização da localidade estão condicionadas a
legalização da mesma junto ao poder público. A ocupação é composta por pessoas
com baixo rendimento que sobrevivem da coleta de lixo, construção civil ou
atividadesdoméstica.
235
236
Oapoiodosmovimentosestárelacionadoalutapelaconquistadodireito
jurídico à posse do terreno (direito de propriedade) e condições de habita bilidade
(infraestruturaeequipamentosurbanossuficientesparaatenderasnecessidadesda
população)umavezqueasresidênciasforamconstruídaspelosprópriosmoradores
comusodemateriaisimprópriosedebaixaqualidadeeacomunidadenãodispõede
saneamentobásicoeserviçossicoscomocreches,postodesaúde,etc.Oproblema
se agravou devido a dificuldade de acessibilidade decorrente da falta de transporte
urbano, especialmente durante o período de chuva. Esse diagnóstico foi realizado
pelo MNLM, transformado em projeto e depois encaminhado à prefeitura que, por
não ter interesse com a urbanização desta localidade, ignorou o mesmo
desconsiderandoointeressepopularempermanecernolocal.
Nós que aqui moramos queremos que as autoridades enxerguem a
nossa comunidade que existe 17 anos e até agora não foi feito
nenhumbenefício.Nósqueremosquefaçamessesbenefíciossemnos
tirar de nossas casas, pois temos uma vida nessa área, queremos
benefícios sim, mas queremos continuar
aqui em Novo Horizonte.
(
Depoimento de um morador da localidade em carta entregue à Comissão
NacionalpeloDireitoInSAULEJÚNIOR;CARDOSO;GIOVANNETTI,2005,
p.24
).
Localizado noBairrodoValentinaFigueiredo,oacampamentoJorge Luiz
(2002)foioutroacontecimentoimportanteevidenciadopelaComissãoNacionalpelo
do Direito à Moradia, o qual contou com a colaboração direta do Movimento
Nacional de Luta por Moradia, da Central dos Movimentos Populares e do Núcleo
deDefesadaVida.
De
acordo com a coordenação do MNLM o acampamento foi produto de
uma ação planejada pelo movimento que atuou na realização da ocupação e no
acompanhamento da negociação junto à prefeitura e ao Ministério Público para
obtençãodalegalizaçãodoterrenoocupado(Foto4,5e6).
237
Os coordenadores do MNLM entendem esta experiência como um
exemplo da capacidade dos MSUs em conseguir moradia para os mais pobres a
partir da ocupação e resistência tanto por parte das investidas da prefeitura em
quererretiraraspessoasdaocupaçãocomoporpartedaprópriapopulaçãodobairro
quedemonstrouresistênciaàocupação.Estaresistênciaficouexpressanadificuldade
deaceitarosocupantesnoatendimentodosserviçosbásicosdesaúde.
Apósseisanosdeocupaçãoede muita lutaediálogoentrea prefeitura e
ocupantes, o MNLM passou a negociar um acordo com a prefeitura para
transferênciadacomunidadeparaoCondomínio ResidencialGervásioMaiaquena
ocasião estava sendo construindo no Colinas do Sul, bairro do Grotão, através do
projeto “operação mudança de vida”, o qual teve por objetivo promover a
Antes de coordenar as ocupações os membros do
movimento realizam reuniões internas e com
membros da comunidade (foto 4) no sentido de
planejar o melhor momento para realização da
ocupação. São também realizadas reuniões no
próprio local de ocupação (foto 5) para montagem
da estratégia de permanência. A ocupação
é
realizada com a participação direta dos membros
dasfamílias(foto6).
Fonte:AcervodoMNLM(20022004).
4
5
6
238
transferência das famílias para esta localidade, especialmente as que residiam em
acampamentos
37
.
Outracomunidade querecebeuàvisitadaComissãoNacionalpeloDireito
à Moradia e à Terra Urbana foi o Conjunto 5 de junho que se originou a partir de
uma ação planejada realizada em 1998, pelo Movimento Nacional de Luta por
MoradiaemparceriacomaCentraldeMovimentosPopulares.
Ao todo foram assentadas 101 famílias que ocuparam e resistiram na
localidade morando em lonas durante muito tempo (Foto 7) até o reconhecimento
por parte da prefeitura e garantia do direito à moradia após diversas reuniões
realizadas junto à prefeitura e Ministério Público. Atualmente a comunidade conta
comresidências
dealvenariaecomserviçosdeinfraestruturabásica:abastecimento
d´água,energia,transporte,etc.(Foto7e8).
Alocalizaçãogeográficaéumacondiçãodiferencialnoconjunto5dejunho
uma vez que a proximidade com o centro urbano da cidade e a disponibilidade de
transporteeserviçosbásicospermitiuaosmoradoresdarcontinuidadeasatividades
que desempenhavam antes de realizarem a ocupação, fato que não ocorreu, por
exemplo,comapopulaçãotransferidaparaocondomínioresidencialColinasdoSul,
entregue em 2007 pela prefeitura municipal, cuja distância do centro da cidade se
apresenta como um problema em decorrência das poucas opções de transporte
público,ograndeintervaloentreumônibuseoutroeoprópriovalordapassagem.
37
Essa ação se efetivou em dezembro de 2007 quando a prefeitura patrocinou a transferência da
comunidadedoJorgeLuizparaoresidencialGervásioMaiaque,alémdecasadealvenaria,contém
todo o serviço de infraestrutura básica (coleta de esgoto e lixo, abastecimento d´água, escola,
UnidadedeSaúdeda
Família,CentrodeReferênciadeEducaçãoInfantileescola).
239
ComrelaçãoaessaconquistadascasasnoColinasdoSul,concebidacomo
uma outra vitória dos movimentos (MNLM, CMP e MLB) em parceria com a
prefeitura e com o governo federal, através do Crédito Solidário, as famílias
contempladas com as casas puderam contar com boa
infraestrutura (saneamento,
energia, abastecimento d’água etc.) e equipamentos urbanos (escolas, creches,
unidadesdesaúdedafamília,etc.)adquirindo,portanto,umamelhorqualidadede
vida,selevarmosemconsideraçãoqueamaioriaveioprovenientedeassentamentos
eacampamentos.
As pessoas ocuparam a área do campo de futebol
(destaqueem amarelona partesuperiorda foto 8b)
e permaneceram habitando em lonas (foto 8a) até
que a prefeitura cedeu o terreno de frente onde
foram estabelecidas as residências (Foto 8a e 8b).
Atualmente a comunidade conta com acesso
a
equipamentos e infraestrutura básica para residir
com dignidade no local (destaques em amarelo),
com exceção do serviço de esgotamento sanitário e
saneamentoque aindasão deficientes,
destaqueemazul(Fotos8ae8b).
Fonte:Foto7:AcervodoMNLM(1998)/
Foto8a.e8b:XistoSouzaJúnior,2007.
7
8b
8
240
O residencial Colinas do Sul foi conquistado a partir de uma demanda
levantada pelo MNLM através do projeto “Comunidade Independente”
desenvolvido pelo próprio movimento e apresentado à prefeitura enquanto
demandasocial(Fotos9e10).
Contudo,umelementotornaessaconquistacontraditóriaumavezque,se
porumladoasresidênciassãoadequadasàmoradia,poroutro,adistânciadocentro
da cidade constituise em um fator que pode comprometer a sustentabilidade da
moradia uma vez que a maioria dos trabalhadores passaram a necessitar de
transporte público para ir ao trabalho sem possuir o rendimento suficiente para tal
gasto.
As limitações em termos de mobilidade urbana comprometem, portanto,
as conquistas de habitabilidade. Se por um lado essas pessoas se sentem
contempladascomaconquistadoterritório(amoradia);poroutropassamatersuas
9
10
ResidencialColinasdoSulfoicriadoapartirdaparceriaentreaprefeitura(Concessoradoterreno),a
Caixa Econômica Federal (Financiadora a partir de verbas do Crédito Solidário) e o MNLM
(Idealizadordoprojetodeconcessãodemoradiaparaapopulaçãomaiscarente).Nafoto9oprojeto
criado em parceria
entre o Estado e o MNLM com indicação dos equipamentos urbanos que
complementamoprojetodemoradia.Nafoto10asresidênciasmostrandoemperspectivaotamanho
doempreendimentocomcapacidadepara1.336famílias.
Fonte:Foto9e10/XistoSouzaJunior,2007.
241
territorialidades (condições de acessibilidade ao espaço urbano) são limitadas pela
faltaderecursosedeficiêncianofornecimentodosserviçosbásicos.Dessaforma,os
movimentos acabaram reforçando o processo de segregação urbana ao aceitarem a
escolha do lugar selecionado para os acampamentos, antes localizados em setores
estratégicos do território pessoense, sem existir garantias prévias de melhoramento
dosserviçosbásicosdesobrevivência.
Apesar dos problemas, a Comissão avaliou como positivas as ações
desempenhadas pelos movimentos uma vez que possibilitaram a sistematização de
informações precisas sobre a situação socioespacial das comunidades selecionadas
paraarealizaçãodolevantamentosócioeconômico.
MNLM
A origem do MNLM corresponde a uma trajetória de conflitos
socioespaciaisdecorrentesdefatorespolíticos(ausênciadeparticipaçãonasdecisões
de ordenamento urbano), econômicos (falta de recursos para aquisição de bens e
serviços) e sociais (aumento da quantidade de pessoas excluídas dos benefícios
provenientes do desenvolvimento econômico), os quais foram caracterizados numa
situação de instabilidade administrativa marcada pela transição de um cenário
ditatorialcentralizador para um cenário democráticoparticipativo expresso na
reformaconstitucionalocorridanofinaldadécadade1980.
Essa contextualização é representada por uma mudança no papel do
Estado (poder público executivo) e da própria sociedade civil organizada. Por um
lado o Estado passa a ser condicionado pelas conseqüências sócioeconômicas do
impacto da globalização nas organizações socioespaciais, especialmente no que
concerne a influência do empreendedorismo privado no ordenamento dos espaços
urbanos.Poroutro,insatisfeitoscomotipodepolíticaimplementada(valorizaçãodo
242
crescimento econômico como representação máxima do desenvolvimento), diversos
segmentos da sociedade civil passaram a se organizar para reivindicar mudanças
sociaisnalutapelaconquistadosdireitoshumanos,dosquaisodireitoàmoradiase
tornaumadasprincipaisestratégiasdeorganização.Dessecontextodeluta(social)e
resistência (ao modelo político expresso pelo Estado) surgiram os movimentos de
lutapormoradiaqueadotaramcomometa a luta pela dignidade representada pela
conquista do direito à habitabilidade (moradia com infraestrutura e equipamentos
básicos).
Mais do que uma decisão ideológica, o movimento se consolida em João
Pessoa como conseqüência de uma demanda popular: luta pela conquista de
residência por parte das pessoas desabrigadas pela enchente de 1989 tendo o apoio
da Arquidiocese da Paraíba (OLIVEIRA & FERREIRA, 2004). Assim, o movimento
nascedentrodaIgrejaCatólicaque,alémdoincentivoeinfluêncianaorganizaçãodo
MNLM,foifundamentalparacriaçãodaprópriaidentidadedomovimentotantono
contextoideológicoaespiritualidadeenquantoelementocondicionadordasações
comonocontextopolíticoesocialdecisãopelaassistênciamaisfortedaspastorais
no acolhi mento da população excluída. A decisão pela assistência à moradia não
surge,portanto,porobradocasoumavezquenoiníciodadécadade1990passaase
caracterizar como um das mais urgentes demandas das cidades tendo em vista o
aumentoprogressivodosaglomeradossubnormais.
Inicialmente o grupo se organiza utilizando a denominação de 10 favelas
umavezqueoobjetivoestava relacionadoaoauxíliodaspessoasque moravamem
favelasedemandavammelhoriasnascondiçõesdevida,sendoaIgrejaainstituição
na qual as demandas eram apresentadas através das pastorais (OLIVEIRA &
FERREIRA, 2004). Na medida em que aumentava o número de pessoas
contempladas pelas intervenções do grupo, através da igreja, começou a existir um
243
consenso de que a assistência era abrangente e o vínculo com a Igreja Católica
provocava resistência a pessoas de outras crenças que se sentiam constrangidas em
ter que ir às dependências da Igreja Católica. Conscientes dessa limitação, o grupo
chegouaoconsensosobreanecessidadedesedesvinculardaigrejaeaseorganizar
enquantomovimentosocial,em1993,tendocomoobjetivoalutapormoradia.Assim,
passouautilizaraSigladeMLMPB(MovimentodeLutapelaMoradiadaParaíba)
se identificam como “movimento social de caráter popular com a finalidade de
organizar a parte da sociedade que necessita reivindicar seus direitos, sobretudo o
direitoahabitaçãodigna”(OLIVEIRA&FERREIRA,2004,p.140).
Omovimento(...)nasceu daestruturadaIgreja, ainda dapastoral, e
o movimento começou a fazer uns trabalhos que não era
movimento ainda, era pastoral, em parceria com a Cáritas
Arquidiocesana. Então quando o movimento começou a fazer um
trabalhoaquinacidadedeJoãoPessoa,nascomunidadesperiféricas,
então se viu que este movimento tinha como crescer, tinha outros
lugares para alcançar. o movimento teve uma assembléia e nesta
assembléia,queaconteceuem1993para1994,oucoisaassim,agente
discutia que a gente não queria mais que o movimento fosse uma
pastoral. Por que a
gente não queria mais que o movimento fosse
uma pastoral? Porque quando o movimento era pastoral, ele
poderia atingir o público católico. E o movimento não é isso. O
movimento é para atingir todos porque a missão do movimento é
atender as questões da moradia, seja ele católico, evangélico,
macumbeiro,
etc. Assim, ele o tem cor nem raça. A nossa missão
maioréaquestãoda moradia. Daí, então,a gentetinha umarelação
muito boa com a arquidiocese. Tivemos a conversa com o bispo, na
época o Dom Marcelo que estava chegando e com ele não tivemos
problema,tanto
équeduranteotempoqueelepassoucoordenandoa
Arquidioceseda Paraíba, ele deusempreum apoio aos movimentos
sociais. Não excluiu nenhum. Tanto é que nós estávamos nas
dependênciasdaigreja.Então,éisso.
(Depoimento de um Coordenador do Movimento Nacional de Luta por
Moradiaementrevistarealizadanasededomovimentonodia12de janeiro
de2006).
Oiníciodasatividadesveioaocorrerem1994atravésdarealizaçãode
umencontrodeformaçãopolíticanoqualforamdelineadososprincípiosdeatuação
e debatidas as metas de reivindicações a exemplo da luta pela implementação do
244
PlanoDiretordaCidadedeJoãoPessoa.Em1995omovimentosefiliouao MNLM,
tornandose a representação estadual desse movimento sendo obrigado, portanto, a
aderirasdecisõesdomesmonaescalanacionalaexemplodoestabelecimentododia
03 de junho como o dia nacional da realização de ações políticas (ocupações,
mobilizações,passeatas,etc.)emtodooterritórionacional
38
.
Namedidaemquefoisearticulandocom outrossegmentosdasociedade
civil organizada o MNLM passou a ter uma maior influência nos debates sobre a
produçãodacidadeaorealizarações,oficinasepropostasvoltadas paraurbanização,
definindo como metas: o direito à conquista de moradia digna e reforma urbana.
Essasmetas,conformeseráobservadomaisadiante,passouafazerpartedodiscurso
dosmembrosdomovimento,osquais,porfaltadeumdebateinternomaisprofundo,
passaram a ser confundidos ao serem ora concebidos como bandeira de luta; ora
comoestratégiadeatuação
39
.
O movimento concretiza a sua organização após os dois encontros
estaduais(19971998)nosquaisdefinesuaestruturaeformadeatuação.Passa,então,
arealizarparcerias comoutrossegmentos dasociedadecivil organizada,aexemplo
dasatividadesdedocumentaçãoaudiovisualrealizadaemconjuntocomoServiçode
Documentação Popular (SEDUC) a partir da implementação de um projeto
desenvolvidopeloprópriomovimento:o“projetoabraoolho”.
38
Informação obtida do DVD do 6º. Encontro Nacional do MNLM (10 anos de luta: ocupando,
resistindoemorando) queocorreuemIbirité(MG)entre osdias 23e26de março de2001.Acervo
doMNLMPB.
39
DuranteoVIIEncontroNacionaldeLutaporMoradiarealizadoemItapecericadaSerra(SP),entre
osdias21e23demaio,váriosmembrosdoMNLMnacionalidentificarammoradiadignaereforma
urbanacomosendoeixosdeluta(estratégiadeação)eemoutrosmomentoscomobandeiradeluta.
Contudo,parecesermaiscoerenteassociarareformaurbanacomoeixodelutaealutapormoradia
digna como bandeira de luta associada a outras bandeiras identificadas pelos membros do
movimento (ocupação, despejo e regularização fundiária, inovações tecnológicas e melhorias
habitacionais e cooperativismos) nesse mesmo evento. DVD do VI Encontro
Nacional. Acervo do
MNLMPB.
245
Com esta parceria o movimento registrou em vídeo algumas das ações
desenvolvidasjuntoàscomunidadesmaiscarentesdeJoãoPessoaedecomunidades
deoutrosmunicípiosadjacentes,aexemplodeBayeux.
Duranteoprocessodeorganizaçãodomovimentoocorreramdivergências
quanto à sua função social, especialmente no que diz respeito à postura ideológica,
metodologia de atuação e as relações de poder entre os próprios coordenadores do
movimento.Essasdivergênciassãooriginadasdeformaespontâneaumavezqueàs
práticas cotidianas, independentes da escala de ação, nem sempre se efetivam de
forma harmônica, sendo originados conflitos decorrentes de posicionamentos
distintos quanto a crenças, valores, ideologias, posturas políticas, entre outros. Tal
aspecto ficou bem evidenciado quando, no ato de uma entrevista com um dos
coordenadores do movimento, fomos indagados sobre os motivos da escolha de
apenasumdoscoordenadorespararealizaçãodaentrevista.
Outra forma de evidenciar as divergências políticas, expressas nos
posicionamentos dos coordenadores e membros do movimento, é a existência de
conflitos quanto ao posicionamento político do movimento. Uma parte dos
coordenadores defende a necessidade de se manter independência política da
administração pública, justificando o risco de cooptação. Outra parte, por sua vez,
observaaaproximaçãocomopoderpúblicocomoumeventoimportanteefavorável
àlutadesenvolvidapelomovimento.
As divergências foram expressas em outras situações, tais como a decisão
pela associação do movimento, na ocasião ainda MLM, ao Movimento Nacional de
LutaporMoradia.Algunsdefenderamovínculojustificandoumapossívelprojeção
da ação do movimento local uma vez que este passaria a fazer parte da agenda
nacional de ação. Outros, porém, defenderam um posicionamento contrário,
246
justificandooriscodedependênciadosposicionamentosideológicosepolíticos,além
daperdadaidentidadeeindependênciadomovimentolocal.
Quanto à atuação, o MNLM exerce suas atividades em diversas escalas.
Localmente, as ações são expressas através de reuniões e eventos (internos e com
diferentes segmentos da sociedade) assim como através da realização de
mobilizações,passeataseocupações(Fotos11a18)nacidadeeemoutrosmunicípios
doestado,sendoestesorganizadospelacomissãoestadual.
A foto 11‐reunião interna
dos membros do
movimento, com destaque
a bíblia posta no centro
comosinaldapermanência
do fator espiritual como
fundamento ideológico do
movimento; A foto 12‐
reunião realizada na
SETRAPS (em 2002) onde
se negociava as condições
demoradiadas famíliasdo
assentamento Jorge Luiz;
Na
foto 13‐ocupação no
centro administrativo da
prefeitura municipal rei‐
vindicações dos direitos
dosacampados.Afoto14‐
passeada para implemen
tação do Estatuto da
Cidade durante o evento
Grito dos Excluídos. Na
foto 15 temse o acom‐
panhamento na moradia
para conscientização da
participação pelos direitos
sociais à
moradia (acampa
mento Mandacaru, no Alto
do Céu). Na foto 16 a
reuniãocom acomunidade
renascer luta pelo direito
à moradia. Na foto 17 a
realização deuma passeata
no Recife durante o Fórum
Social Nordestino (2005) e
nafoto18aparticipaçãono
encontro estadual do
MNLM
.
Fonte:Fotos11a18doacervodoMNLMPB
11 12
1
3
14
1
5
1
6
17 1
8
247
atuação na escala nacional, a atuação é expressas nos encontros
nacionaisorganizadospelacoordenaçãonacional,atividadesqueenvolvemquestões
deinteressecomum,aexemplodaConferênciaNacionaldasCidades,para definiros
critérios da política nacional de habitação e através de mobilizações realizadas em
forma de passeadas organizadas para ocorrer de forma simultânea em diferentes
locaisoudeformaconjuntaemumúnicolugar.
Nacionalmente, o MNLM está presente nos seguintes estados: Paraíba,
Pernambuco,Sergipe,Piauí,Maranhão,DistritoFederal,Ceará,Tocantins,Acre,Pará,
RioGrande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais,
MatoGrossodoSuleGoiás.
Naescalainternacionalomovimentoobteve pelomenosduasimportantes
interações: a parceria com o Comitê Católico contra a fome e pela vida, que auxilia
financeiramente o movimento no desenvolvimento de suas ações; e uma atividade
realizada na Irlanda na qual membros do movimento expuseram a experiência do
movimentonotrabalhocomosexcluídos(Fotos19e20).
Visita de uma das coordenadoras do MNLMPB a Irlanda para relatar a experiência do movimento no
combateaexclusãoeconquistadosdireitoshumano.
F
o
nt
e
:
Ace
rv
o
d
o
MN
L
M
PB.
19 20
248
Na escala estadual o movimento atua, além de João Pessoa, em mais dez
municípios (Patos, Pombal, Pintibu, Guarabira, Cabedelo, Sapé, Alhandra, Salgado
deSãoFélix,BayeuxeSantaRita),emborapresteauxílioaoutrosmunicípios,oque
confereaomovimentoumaamplitudeespacialassimcomoumamaiorvisibilidadee
capacidadedemobilizaçãopolítica.
OMNLMdaParaíbaéumatorsocialvoltadoparapromoçãodalutapela
reformaurbanaeconquistadodireitoàmoradiaatravésdaorganizaçãodaspessoas
que não têm esse direito garantido, despertando nelas a consciência política para a
conquistadodireitoàcidade.Aaçãodomovimentoevocaumaaparentecontradição
umavezque,seporumladodefendeaimportânciadaaçãolocal,identificaçãocom
acidadeexpressanaconquistadamoradiaedosdireitossociais;poroutrolado,sua
capacidade de articulação é fundamental para aquisição de novas articulações que
influenciemnoposicionamentopolíticoeideológico.
Durante o VI Encontro Nacional, o movimento definiu como Plano de
Luta
40
:
1. Comemorarodia3dejunhocomodianacionaldeLutapelaMoradia;
2. incentivaraocupaçãodeterras;
3. ocuparconjuntoshabitacionaisemlitígio;
4. esclarecerosobjetivosdasocupações;
5. proibiracomercializaçãodeimóveisconquistadosapartirdaluta;
6. garantiracessoàterradepessoasportadorasdedeficiência;
7. incentivar debates sobre gênero, etnia, segurança, educação, saneamento,
saúde,ecumenismoegeraçãoderendanasocupações;
8. investiremsegurançanasocupações;
9. reivindicararegularizaçãofundiáriadasocupações;
40
InformaçãoobtidanoDVDdoevento.Fonte:acervodoMNLM.
249
10. coibir nas ocupações: bares, tráfico de drogas e seitas religiosas que
promovamaextorsãoedesorganizaçãodapopulação;
11. estimularocooperativismoeosmutirõesnaconstruçãodecasas.
Esse Plano de luta surge com o objetivo de pressionar a gestão pública
(municipal,estadualefederal)pararealizaraçõesquepossibilitassemumamelhoria
na qualidade de vida da população, especialmente a mais carente. Para os
participantesdaocupação,oobjetivoestárelacionadoaoestabelecimentodenormas
quefavoreçamoconvíviocomumearesponsabilidadesocial.
O movimento valoriza o planejamento como estratégia de ação,
especialmente quando tem por objetivo a promoção de ocupações orientando os
familiares envolvidos com a ação para a necessidade de resistir até conseguir o
reconhecimentodopoderpúblico.Paraisso,buscapromoveracapacitaçãodealguns
membros,treinandoospara atuaremcomoagentesarticuladores da ação.Contudo,
as ações ocorrem também de forma espontânea a partir de iniciativa da própria
população que consultam os membros do movimento solicitando apoio para
permanêncianaáreaocupadaeconquistadebenefíciosurbanísticos.
Apesar de aceitar as ações espontâneas, o movimento busca valorizar o
planejamento como ferramenta na escolha do melhor local para a realização da
ocupação.Paraaescolhadesseslocais,levaemconsideração:anaturezadoterreno
(público ou privado onde não se exerce a função social), a questão topográfica,
acessibilidade a serviços e comércio, entre outros elementos (OLIVEIRA &
FERREIRA,2004).
Com relação à questão topográfica existe o cuidado para não se realizar
ocupaçõesnasáreasdevale,alagadosoudeencosta,umavezquesãoáreasemque
não se pode obter a conquista legal de posse por serem protegidas por leis de
ordenamento urbano e ambiental. Percebese, com isso, a importância que o
250
movimento tem com relação ao conhecimento geográfico da cidade no sentido de
identificar os pontos estratégicos que possibilitem a realização da ocupação e
conseqüenteconquistadodireitodeposse.
O movimento considera sua atuação baseada na organização, formação e
intervenção(OLIVEIRA&FERREIRA,2004).Apreocupaçãocomaorganizaçãoestá
relacionadaaodesenvolvimentodeestratégiasquepropiciemumaaçãoarticulada e
eficiente. Para isso, valoriza a formação dos seus membros, qualificandoos para o
exercício das práticas socioespaciais de forma a poder intervir no ordenamento
urbanotantonoâmbitopolítico,comonocontextoeconômicoeideológico.
Aosepreocuparemcomaconquistadamoradiadigna,apartirdareforma
urbana, o movimento desenvolve seu discurso pautado na preocupação com a
conquistadoterritórioecomafunçãosocialdoseuuso:mobilidade,acessibilidade,
infraestrutura, equipamentos urbanos, etc. Enquanto ator social, o movimento
apresentasecomoumsujeitocoletivocapazdepromovermudançasnaorganização
territorial do espaço onde atua. Apesar das diversas ações realizadas, das quais
muitas resultaram em mudanças na qualidade de vida das pessoas, conforme
mencionado anteriormente, o MNLM ainda não é devidamente reconhecido pela
sociedade e pelo poder público, embora a atual gestão pública (20042008) tenha
estreitadolaçoscomomovimento.
Da parte da sociedade isso ocorre devido à forma como as ações
desenvolvidas pelo movimento chegam ao conhecimento popular, especialmente
através da mídia que muitas vezes associa as práticas dos movimentos com
vandalismo,desocupação,etc.,provocandoumaresistênciapopularquantoaoaceite
do papel socioespacial desempenhado pelo movimento. A prefeitura, por sua vez,
ainda não reconhece efetivamente a importância do movimento na participação da
251
produção do espaço urbano, enquanto parceiro capaz de fornecer auxílio na
resoluçãodosproblemassocioespaciais.
Isso vem sendo modificado na medida em que o movimento passa a
produzir e reproduzir suas próprias atividades (DVDs, participação em reuniões
comunitárias,etc)chegando àsociedadecomumaoutraimagemelevandoopoder
público a repensar a importância de se realizar parcerias com os movimentos
envolvidoscomaquestãourbana.Aoexporàmoradiacomoumproblemasocial,o
MNLMteminfluenciadonaretomadadodebatesobreofuturodacidadeesobreos
principais problemas socioespaciais no ambiente urbano: segregação, exclusão,
ordenamento,mobilidade,etc.
Emtermosdeorganização,oMNLMécompostoporcoordenadores.Estes
possuemomesmopoder e representatividade dentro do movimento, com mandato
de dois anos com possibilidade de renovação por mais dois. Cada membro do
movimento pode se candidatar à coordenação do mesmo desde que esteja
devidamenteenvolvid ocomasmetasdomovimentoedispostoaagircoletivamente.
Entre os coordenadores, um é eleito para representar nacionalmente o movimento,
tornandosemembrodacoordenaçãonacionaldoMNLM(OLIVEIRA&FERREIRA,
2004,p.157).
Assim, o MNLM se constitui como um movimento políticosocial que
organizahomensemulheresquenãopossuemmoradiaouqueapossuem,masnão
vivem de forma digna, seja pela ausência de uma residência sem infraestrutura
básica;sejapelafaltadeequipamentoseserviços urbanos. É ummovimentoquese
preocupa com a conquista do território através da ocupação. Para isso, exerce uma
influêncialocalaodefinirasáreasnasquaissãorealizadasas ocupaçõeselutarpelo
ordenamento urbano da cidade. Assim, ao se articular em outras escalas, acaba
influenciando também nas decisões políticas na produção dos espaços urbanos a
252
exemplodaconquistadoEstatutodaCidade,aprovadoapósumadécadadedebates
sobre a importância de se definir a lei que garantisse o direito social de acesso à
moradia,especialmenteparaacomunidademaispobre.
CMP
41
A Central de Movimentos Populares se origina da experiência de
articulação de diversos movimentos populares na busca pela definição de um eixo
comum de luta que propicia sse a conquista dos direitos sociais tendo como
parâmetro a luta contra o neoliberalismo capitalista. A formaçãoda CMP se por
conta da fragilidade que os movimentos demonstravam ao atuar isoladamente no
estabelecimentododiálogocomoEstado,tantodeordemtécnicacomopolítica,além
da própria forma de atuação ao optarem por atividades isoladas, mesmo quando a
demandavoltavaseparauminteressecomum.
Numatentativadesuperartaislimitaçõesosmovimentossociaispassaram
a montar agendas comuns de ação que estivessem amparadas a uma mesma
bandeira de luta. Em João Pessoa, essa ação conjunta foi centrada na bandeira pela
reformaurbanasegundoaqualcadamovimentoestruturariasuametodologiaeeixo
de luta em temas como moradia, transporte, igualdade de gênero, etc., de acordo
comosquaispassaramaatuarossindicatos,federações,associações,etc.
Surgedaío interesseempromoveraarticulaçãodosdiversosmovimentos
sociaisatravésda unificaçãodelutas sendo,porém,respeitadas asindividualidades
ideológicas e estruturais de cada movimento. Para coordenar essa ação conjunta,
materializadaatravésdarealizaçãoe participaçãoemfóruns,reuniões,mobilizações,
entreoutrasatividadesfoi criada,em1980,aArticulaçãoNacional dosMovimentos
PopulareseSindicais(ANAMPOS).
41
Base da informação a partir da análise do questionário (Apêndice 3) e da entrevista individual (Apêndice 4)
253
A partir da ANAMPOS buscouse desenvolver ações mais diretas através
propostasvoltadasparaapromoçãodainclusãosocialeenfrentamentodaideologia
política do capitalismo (concebida como exploradora e dominadora), assim como o
combateaposiçãodoEstadofrenteaessaposturapolítica,alémdodesenvolvimento
de atividades que propiciassem a unificação das lutas dos movimentos populares e
sindicais, especialmente no que diz respeito à luta pela redemocratização e reforma
constitucional.
Em1988aANAMPOSédissolvidaparadarlugaraComissãoPrócentral
deMovimentosPopularesaqual,cincoanosdepois(1993),éefetivadacomoCentral
de Movimentos Populares. Atualmente a CMP está presente em 16 Estados (Acre,
Rondânia, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe,Bahia,MinasGerais,SãoPaulo,RiodeJaneiro,Paraná,RioGrandedoSule
noDistritoFederal)sendocompostanãoapenaspormovimentossociaisepopulares,
mastambémporoutrossegmentosdasociedadecivilorganizada(ONGs,Fundações,
Associações,Sindicatos,etc.).
Assim, tanto no âmbito organizacional como no próprio contexto que
motivousua consolidaçãoaCMP,nacionalmente,nãoseconstitui, em sua essência,
como um movimento popular ou movimento social urbano (segmento social que
atua diretamente na transformação das condições socioespaciais da população). De
fato,aoseroriginadadanecessidadedeagruparerepresentardiversossegmentosda
sociedade civil na luta por objetivos comuns, especialmente no que se refere a luta
pelareformaurbanaecontraapolíticaneoliberal,aCMPpassouadesenvolverações
voltadas para a promoção da articulação dos movimentos (sociais e populares) e
apoioasatividadesdesempenhadasporessesmovimentos.
Em 1996, durante o I Congresso Nacional da Central dos Movimentos
Populares ocorrido em Belo Horizonte (MG), foi definida a estrutura política do
254
movimentoatravés daescolhadacoordenaçãonacionale daexecutivanacional.No
segundo congresso, realizado em 1999 também em Belo Horizonte, o qual contou
com a presença de 500 delegados de diversos segmentos sociais, o movimento
assumiu,emdefinitivo, a posturadeoposiçãofrente à adoçãodapolíticane oliberal
implementadapelogovernofederalnagestãodeFernandoHenriqueCardoso.
Apósosegundocongresso,aCMPdefinesuaposturapolíticabaseadanos
seguintes eixos: fim de acordos com o FMI; defesa das reformas agrária e urbana;
combate a política de privatização e valorização dos serviços públicos de saúde e
educação; combate a descriminalização de gênero, raça, étnico, etc., os quais estão
alicerçadosemprincípioscomosolidariedade,fraternidade,autonomia,democracia,
entreoutros.
A CMP possui agenda própria de luta e mobilização, apesar de possuir
atividades diversas, tendo como uma das principais preocupações a informação e a
articulaçãodosmovimentossociais e populares,especialmenteosque desenvolvem
suasatividadesnoespaçourbanopelalutapelodireitoàcidade.
Contudo, em João Pessoa, exerce uma atuação diferenciada da atuação
desenvolvidapelaCMPnacionalumavezque,alémdeatuarcomoarticuladora,ela
realiza ações de orientação e acompanhamento das ocupações, a exemplo da
ocupaçãodeCostadoSolePontadoSeixas,emboraprofesseumdiscursocentrado
nadefesadoseu papelcomoagentearticuladora das açõesentreosmovimentos.A
CMP de João Pessoa busca auxiliar na promoção da conquista da justiça social e
qualidadedevidaatravésdoinvestimentopúblico,deformademocrática,elutando
contra os principais problemas urbanos, entre os quais os relacionados ao direito à
moradia,educação,saúdeetransporte.
De acordo com os coordenadores, a CMP local participa ativamente do
debate político através das discussões sobre a implementação de políticas públicas
255
voltadaspararesoluçãodosproblemasmencionadose elaboraçãodeprojetosparao
desenvolvimento social, a exemplo dos debates para implementação do Fundo de
DesenvolvimentoSocial,doEstatutodaCidadeedaResolução460queforneceapoio
financeiro para que a população mais carente possa realizar obras de melhoria das
condiçõesdemoradia.
O movimento costuma se reunir três vezes ao mês, sendo organizado em
formadecolegiado,abrangendosetesetoresestruturais:comunicação,administração,
organização, formação, finanças, mobilização e assuntos jurídicos. Apesar dessa
estrutura, o movimento não reflete um caráter hierárquico uma vez que cada
membro,independentedosetorondeatua,possuiomesmopoderdedecisãoqueos
demais.
Quantoaopapeldearticulação,aCMPprocuranãointerferirnasdecisões
ouaçõesdosmovimentosfiliados,garantindo,assim,aautonomiadosmesmos.Sua
açãoestárelacionadaà buscapelacriaçãodelaçoscomunsentreosmovimentosno
sentidodeinserirosmesmos,osquaismuitasvezesexistem apenas localmente, em
debatesnacionais,sejamelesvinculadosounãoàCMP.
Os constantes investimentos feitos para implementação de políticas
habitacionais voltadas para melhoramento das condições de moradia da população
mais carente têm direcionado o movimento a participar ativamente das decisões
sobre a implementação dessas políticas. Para isso, além de coordenar reuniões e
participardeencontrosefórunssobrepolíticahabitacional,namaioriadasvezesde
forma indireta uma vez que a participação ocorre a partir de um dos movimentos
associados,cujomembro,normalmente,émilitantedaCMP,existeumapreocupação
quanto ao cumprimento da legislação, especialmente no que diz respeito a garantia
da moradia enquanto direito social, além da observação da existência de
equipamentosadequadosanovademanda.
256
Contudo, ao contrário do MNLM, a CMP observa a moradia enquanto
demandapontualdasociedadeenãocomoumasuperposiçãodedemandas,porestá
diretamente relacionada a outros problemas, tais como: acessibilidade, infra
estrutura, equipamentos urbanos, segurança, saúde etc. Nesse sentido, a concepção
de moradia se aproxima do significado de habitação (teto) e não de habitabilidade
(condiçõessociaispropíciasaaquisiçãodebensdeformaigualitária).
Embora o movimento tenha bem definido os seus objetivos (bandeira e
eixosdeluta),aindavivenciaumacondiçãodeconflitointernoquantoasuafunção
social e desenvolvimento de suas atividades. Se por um lado os coordenadores da
CMPdemonstraramointeressedeassumiropapeldearticuladoreserepresentantes
dos movimentos e segmentos sociais, expressando valores ideológicos que
fundamentam a atuação do movimento; por outro, sensibilizandose com as
demandas da população menos favorecida, os coordenadores desenvolvem ações
características de um movimento social urbano, tais como a constante participação
nas ocupações e o acompanhamento das ações desenvolvidas pelos movimentos
filiados.
Aquestãopolíticaéoutrofatorqueinterferediretamentenadefiniçãodos
papéis a serem desempenhados na cidade. Sendo constituída por diversos
movimentos, os quais muitas vezes possuem diferentes posicionamentos político
ideológicos, a CMP acaba se expressando de forma heterogênea quanto à definição
da principal demanda social, apesar dos coordenadore s terem um discurso comum
voltadoparaocombateapolíticaneoliberal,assumindoassimumaposiçãocontrária
ao Estado da forma como está constituído, mesmo quando este se dispõe a realizar
umagestãodemocráticaeparticipativa.
A CMP na Paraíba possui, portanto, uma postura independente da
assumida pelo movimento nacional ao participar diretamente de ações espaciais
257
relacionadasaoacompanhamentodeocupaçõeselutapelareformaurbana.Embora
os coordenadores assumam um discurso de que o movimento desenvolva
exclusivamente a função de articulação, na prática, realiza ações práticas
participando,portanto,doprocessodeproduçãodoespaçourbanodeJoãoPessoa.
MLB
42
O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) tem como
bandeira de luta a conquista por moradia a partir da luta pela reforma urbana.
Sustentasuasreivindicaçõesnalutacontraapolíticaneoliberalecontraocapitalismo
que,paraomovimento,temimpossibilitadoaformaçãodeumasociedademaisjusta
umavezqueboapartedapopulaçãoficaexcluídadodireitoàcidade,especialmente
no que se refere à moradia enquanto requisito básico da dignidade. Assim,
semelhanteàCMP,oMLB direciona sua lutapormotivaçõespolíticasaoassociara
conquista dos direitos sociais (moradia, saúde, saneamento, emprego, etc.), através
daimplementaçãodeumregimesocialistademocrático.
O MLB surgiu em 1999 a partir de mobilizações de semtetos para
reivindicar o direito de permanência nos prédios e terrenos ocupados. Atualmente,
está presente em 13 Estados (Pará, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais,São Paulo, Rio de Janeiro,Paraná e Rio
GrandedoSul),sendo todas as representaçõesassociadasàCentral de Movimentos
Populares. Defendem um discurso voltado para promoção da consciência da
população mais pobre, especialmente os moradores de aglomerados urbanos de
favelasebairros,paraadefesadeseusdireitossociais.
42
Base da informação a partir da análise do questionário (Apêndice 3) e da entrevista individual (Apêndice 4)
258
O Movimento desenvolve suas atividades a partir de articulações com
outrosmovimentossociais,especialmenteàs organizadas pelo CMP. Alémdeações
práticasoMLBparticipatambémdaorganização de eventosaexemplodo I Fórum
Social Nordestino, realizado de 24 a 27 novembro de 2004, em Recife (PE) e o I
EncontroNacionaldeHabitaçãorealizadonacidadedeRecife(PE)(Fotos21e22).
Enquanto o Fórum reuniu movimentos de diversas origens e princípios,
tendo como principal preocupação a luta pela dignidade social (gênero, habitação,
etc.), no Encontro nacional foi enfatizada a questão da luta pela inclusão social a
partirdaconquistadascondiçõesdignasdemoradia.
Entre os diversos exemplos mencionados, dois merecem destaque por
demonstrarem algumas das qualidades do movimento (união, luta e resistência): a
ocupação Alburqueque, em Jaboatão dos Guararapes (PE), e Leningrado Potiguar,
emNatal(RN).NaocupaçãodeAlbuquerque,apósdiversaslutascontraoEstado,o
movimento conseguiu, em 2003, a conquista do direito à moradia alojando 256
Afoto21 éumapasseatapelaAv.CondedaBoaVista realizadadurante o IFórumSocialNordestino,
realizadonacidadedeRecifeem2004(24a27denovembro),oqualtevecomoprincipalreivindicaçãoa
radicalização da democracia e contra o neoliberalismo, fim da violência contra a mulher
(motivo da
passeata)ecombateapolíticadetransposiçãodoRioSãoFrancisco,alémdalutapelaimplementaçãode
umapolítica participativa.Afoto 22correspondeaos debates ocorridosduranteo IEncontroNacional
deHabitaçãorealizadoemRecife,noanode2007empródainclusãosocialegarantia
daconquistado
direitoàmoradiadigna,especialmenteparaosmoradoresdeacampamentos,favelas,etc.
Fonte:Foto21=acervodoMNLMefoto22=XistoSouzaJúnior
21
22
259
famílias. as conquistas obtidas na ocupação de Leningrado, com o alojamento de
1800 famílias, representam para o movimento uma expressão do potencial de
mobilizaçãopopular.
UmaspectocomumnasocupaçõesrealizadaspeloMLBéareferênciaque
o movimento faz em defesa do socialismo, seja através dos líderes, a exemplo da
ocupações de Albuquerque (nome em homenagem a Mércia de Albuquerque,
advogada de presos políticos durante o regime militar) e Leningrado, atual San
Petersburgo (Rússia), emreferência a cidade que mais expressou o significado da
ideologiasocialista.
A importância dada a questão política faz do MLB um movimento que
supervaloriza o fator ideológico tendo, portanto, resistências em desenvolver uma
atividade conjunta com o poder público e com outros movimentos que não
compartilham diretamente com o posicionamento do MLB. Tal posição reforça a
presença de ações fragmentadas por parte dos movimentos e da dificuldade de
implementaçãodasorientaçõespropostaspeloCMP.
Ao contrário do MNLM, o MLB não desenvolve atividades em todos os
bairrosdacidade.Acaba, comisso,reforçandooprocesso desegregaçãodecorrente
muitas vezes de questões pessoais uma vez que a seleção dos bairros está
diretamente relaciona as relações pessoais entre os membros do movimento e a
comunidade, com exceção das vezes em que ocorrem problemas de conseqüências
naturais.
De acordo com a coordenação, a escolha da área de atuação depende da
dificuldade financeira do movimento, especialmente no que se refere ao
acompanhamentodetodasaslocalidadesquedemandampelaajudadomovimento.
260
Outro elemento que restringe uma ação mais efetiva do MLB está
relacionado ao fato de seus membros estarem associados à CMP. Existe uma
dificuldadedese definiratéondeumaaçãocorresponde àsiniciativasepráticasdo
MLB ou até onde representam a intencionalidade da CMP, fato que repercute
negativamente na própria imagem da Central dos Movimentos Populares. Além
disso,aaproximaçãocomossindicatosepartidospolíticos(socialistasecomunistas)
interfere diretamente na autonomia do MLB enquanto movimento social urbano na
medidaemqueacabaminfluenciandonouniversodeatuação.
Em seu discurso, os coordenadores do MLB não apreendem a concepção
de moradia na mesma perspectiva do MNLM (elemento de convergência para a
conquista de outros direitos sociais). Ao contrário, associa o conceito de moradia a
conquistadeumahabitação,deixandoparaoutrossegmentossociaisapreocupação
comalutapelosdireitoshumanos.
A posição ideológica do movimento com relação ao poder público acaba
igualmente dificultando uma participação mais efetiva na luta pelo bem comum.
Embora tenham amenizado tal postura frente à atual gestão municipal (20042008),
aindaapresentamváriasexpressõesdereivindicaçãopormudançaseimplementação
depolíticaspúblicasvoltadasparaumasoluçãodosproblemasurbanos.
Isto confere ao movimento um caráter de movimento social urbano uma
vez que, mesmo não concebendo a moradia em sua complexidade, mas enquanto
significado de residência, a preocupação em participar dos debates políticos de
reformaurbanapossibilitatalassociação.
261
NDV
43
Dosmovimentosqueatuamdiretamentenaproduçãodoespaçourbano,o
NúcleodeDefesadaVidaéomenosrepresentativoeomaiscontroverso,acomeçar
por sua caracterização enquanto movimento social (NASCIMENTO, 2003) e do
própriocontextoresponsávelporsuaformação.
Aocontráriodeoutrosmovimentosquenascemda
afliçãosocial poruma
demandaespecífica,oNDVsurgedeumeventonoqualalgumaspessoasdecidemse
organizar para lutar por um benefício de uma localidade específica. Dessaforma, o
NDVnãosurgecomosocial,mascomoumaorganizaçãopopular.
O NDV foi criado em 1996 a partir de um
curso ministrado pela ONG
Sociedade de Assessoria aos Movimentos Populares (SAMOPS), fato que explica a
decisão, quatro anos depois, por sua institucionalização em decorrência da opção
pelacriaçãodeumestatutoelegalizaçãoenquantoentidadecivil,pessoajurídicade
direitoprivado,semfinslucrativos(NASCIMENTO,2003).
Este curso forneceu as informações básicas para que fosse possível a
organizaçãodeumgrupovoltadoparalutarpelodireitoàcidade,especialmenteno
que se refere à infraestrutura (transporte, água, energia, etc.) e conquista de
equipamentos e serviços urbanos de forma a obter uma melhoria na qualidade de
vidadaspessoas.
AssimcomoocorreucomoMNLM,suaconsolidaçãoéresultantedoapoio
das pastorais da Igreja Católica, fato que justifica o perfil do NDV em lutar pelos
direitossociaisapartirdaformaçãopolíticadosmembrosenvolvidos,orientaçãoas
pessoas auxiliadas pelo movimento e valorização do voluntariado enquanto forma
deatuação.
43
Base da informação a partir da análise da entrevista individual (Apêndice 4) e Nascimento (2003)
262
O NDV se expressa geograficamente realizando suas atividades nas
comunidades do Conjunto Valentina, Mussumagro, Santa Bárbara, Loteamento
PlanaltoBoaEsperançaeConjuntoSonhoMeu,todaslocalizadasnoBairroValentina
Figueiredo, setor sul da cidade de João Pessoa, embora nos últimos quatro anos
(20032007) venha desenvolvendo articulações com segmentos e comunidades nos
bairrosdoAltodoMateus,BancárioseCristoRedentor.
Apesar de não possuírem sede própria, os membros se reúnem
mensalmente para traçar os planos e ações a partir de iniciativa de um dos
componentes ou por iniciativa da população quando demandam uma necessidade
específica a partir do contato com os líderes comunitários que costumam participar
dasreuniõesdonúcleo.
O NDV tem como bandeira de lutaasreivindicaçõespelaimplementação
das políticas públicas, especialmente na área da educação, saúde, meio ambiente e
transporte.Dessas,alutapelaimplementaçãodeumsistemadetransportepúblicoe
dequalidaderecebeumamaioratençãoporpartedoNDVumavezque,desdesua
consolidação,omovimentoconcebeuodireitoaotransportepúblicoecoletivocomo
a principal alternativa para a mobilidade urbana da população, questão esta que
consideracomosendoomaiorproblemadacidadedeJoãoPessoa.
Aocontráriodosdemaismovimentos,oNDVatuaestruturadosobsistema
de lideranças e não enquanto coordenações. Isso acaba centralizando o poder de
decisãonasmãosdoslíderes,fatoqueresultanoriscodecooptaçãoouverticalização
nadecisãotantopormotivosideológicoscomopolíticos.
263
Aprincipalcríticarelacionadaaonúcleodizrespeitoaofato domesmoter
se institucionalizado. Assim, para os demais movimentos, o NDV é caracterizado
comoumaOrganizaçãoNãoGovernamental.
Contudo,seporum ladoainstitucionalizaçãolheconfererestriçõesasua
ação enquanto representante social uma vez que fica submetido ao risco da
influência de outros atores sociais, sendo submetido aos interesses particulares dos
mesmos; por outro lado, a opção dos membros do movimento em atuar de forma
voluntária e por se preocuparem com as implementações das políticas públicas,
escolha de uma bandeira específica de luta e de ter pelo menos um dos membros
vinculados a outro movimento social ou coletivo, conferelhe a condição de
movimentosocial.
Assim, se estruturalmente o NDV deve ser concebido como uma
OrganizaçãoNãoGovernamental,sendo,portanto,corretaamençãode“aNDV”(a
ONG Núcleo de Defesa da Vida); na perspectiva funcional e prática o núcleo
correspondeaummovimentosocialurbanoumavezquetempreocupaçõesquanto
aorganizaçãoterritorialecomaacessibilidadeurbana.
Nesse contexto, tornase mais coerente, independente de legalmente ser
concebidacomoONG,classificaroNúcleodeDefesadaVida comoummovimento
social: o “NDV”. É nessa perspectiva que optamos por incluílo no rol de
movimentossociaisurbanosdeJoãoPessoa.
EmentrevistarealizadacomumdoslíderesdoNDV,ainstitucionalização
do núcleo foi explicada alegandose motivos financeiros uma vez que para esses
representantes fica mais fácil adquirir verbas junto a órgãos públicos ou privados
comoregistrolegaldonúcleoenquantoONG.
264
Embora sirva como explicação, este motivo não pode ser utilizado como
justificativa uma vez que existem várias formas de se conseguir financiamentos,
mesmo sendo um movimento social. A opção pela institucionalização resultou
apenas no surgimento de resistência quanto à inclusão do núcleo nas estratégias
desenvolvidaspelosdemaismovimentossociais.
O
movimentoseexpressadediferentesformas:elaborandopropostaspara
melhoraraqualidadedevidadapopulação;prestaçãodeassistênciaaosmoradores;
realização de denúncias sobre precariedades na infraestrutura e equipamentos
urbanos; realização de eventos e oficinas voltados para a capacitação e
conscientização popular sobre os direitos sociais; auxílio aos
assentados; parcerias
com outros segmentos sociais, especialmente com os movimentos sociais, entre
outrasatividades.
O uso dos meios de comunicação para divulgação das ações e promoção
da mobilização, especialmente à rádio comunitária (difusora mussumagro) e do
jornal comunitário (Boa Notícia), o qual é editado e divulgado pelos próprios
moradores (NASCIMENTO, 2003), tem se constituído como uma das principais
estratégiasdeaçãoemobilizaçãodoNDV.
O movimento vem também se utilizando da mídia de massa, o que
possibilita a divulgação das ações em outras escalas, embora muitas vezes ocorram
distorções sobre os motivos do movimento, uma vez que sempre existe o risco dos
meiosdecomunicaçãoestaremsobainfluênciadosinteressespolíticos,econômicose
ideológicosdeoutrosatoressociais.
Contudo,umfatoimportanteéaconsciênciadoslíderesquantoaosfatores
conjunturais queseacobertam nos interesses da mídia de massa,masque admitem
serpossívelousodosmeiosdecomunicaçãoembenefíciodosprópriosmovimentos,
aproximandose do observado por Santos (2000) acerca da tendência do
265
estabelecimento de uma globalização alternativa na qual a cultura popular utiliza a
própriatécnicadaculturademassaembenefíciopróprio.
a possibilidade cada vez mais freqüente de uma revanche da
culturapopularsobreaculturademassaquando,porexemplo,elase
difundemedianteousodeinstrumentosquenaorigemopróprios
da cultura de massa (...). Nesse caso, a cultura popular exerce sua
qualidadedediscursodosde
baixopondoemrelevoocotidianodos
pobres;dasminorias;dosexcluídos,pormeiodaexaltaçãodavidade
todososdias”
Depoimento de Milton Santos. Texto extraído do filme de Silvio Tendler
(2006), Encontrocom Milton Santos ou omundo global vistodo lado de cá.
Direção de Silvio Tendler. Rio de Janeiro: Caliban, 2006. Rotação: 0:53:44 a
0:54:00e0:54:07a0:54:25.1DVD(81min.e18s.),son,color.
Embora Milton Santos esteja se referindo a todos os movimentos que
nascem da própria sociedade, os quais, portanto, participam da consolidação dessa
globalização alternativa, compreendemos que no âmbito das transformações
geográficas(areorganizaçãosocioespacial)osmovimentossociaisurbanosassumem
uma posição de destaque na medida em que ao produzirem territórios (no ato de
ocupar os espaços) redimensionam a formação do espaço urbano quanto as suas
funcionalidades,usoseestrutura.É emmeioa essecontextoque oNDVse inseree
secontextualizacomomovimentosocialtendoemvistaotipodeatuaçãoqueexerce.
O uso consciente da potencialidade dos
meios de comunicação enquanto
ferramentaparaaconscientizaçãopopulartempossibilitadoaomovimentochegara
outras escalas, tanto no espaço citadino como no âmbito regional e até mesmo
nacional, especialmente quando recebe o apoio de outros movimentos que se
articulamemoutrasescalas,aexemplodoCMPeMNLM.
Esta
preocupação com a articulação com outros segmentos da sociedade
civil organizada (ONGs, associações, movimentos sociais, etc.) tem influenciado no
amadurecimento do NDV, abrindo possibilidade para sua reorganização,
266
especialmente no que diz respeito à retomada de sua identidade enquanto
movimentosocialurbano,aproximandose,portanto,dapopulaçãomaispobre.
Apesardeexercerfunçõesdemovimentosocial,ofatodeestarestruturado
como uma ONG faz com que o NDV esteja submetido ao risco constante de ser
cooptado, especialmente pelo poder político uma vez que as possíveis alianças
realizadascomoEstado,segmentosdasociedadecivilorganizadaoucomempresas
privadastendemainfluenciarnodesenvolvimentodasatividadesdonúcleo.
A grande influência no ordenamento urbano da cidade está pautada na
preocupaçãocomaspolíticaspúblicasparaotransporteurbanocoletivo,mobilidade
eacessibilidadesocialaosespaçospúblicosdacidadeconsideradoscomodedifíceis
acessos para a população mais pobre, conforme vimos no mapa 2, no terceiro
capítulo. Isto se constitui como um dos grandes problemas do espaço urbano por
condicionar o direito ao uso da cidade por parte dessa população economicamente
menosfavorecida.
Assim, enquanto a CMP, o MNLM e o MLB se preocupam com as
condições de infraestrutura eequipamentosurbanos(moradia,saneamento,escola,
etc.), o NDV está mais preocupado com as adoções de políticas públicas que
propiciem a mobilidade urbana da população mais carente atravésdoinvestimento
na fluidez e acessibilidade enquanto formas de inclusão social no contexto da
formaçãosocioespacialdacidadedeJoãoPessoa.
267
5.2 Um olhar geográfico sobre a atuação dos movimentos sociais urbanos na
produçãodoespaçourbanodeJoãoPessoa
44
.
Diante do que vem sendo observado os Movimentos Sociais Urbanos de
João Pessoa são atores sociais que participam da produção socioespacial da cidade,
os quais, apesar de possuírem aspectos divergentes quanto à natureza e forma de
atuação,têmemcomumapreocupaçãocomadinâmicaurbanaeagarantiasocial
da
qualidade de vida da população mais carente. Contudo, tendo em vista a função
social que desempenham, os movimentos estão submetidos ao constante risco de
cooptação.
NocasodoMNLM,devidoaoconflitoexistenteentreacoordenaçãolocal
e a coordenação nacional, especialmente no que diz respeito à forma de
atuação, o
movimento está sujeito ao risco de cooptação ideológica. Por outro lado, a parceria
que vemsendoestabelecida nos últimos anos junto ao poder público têm resultado
numa cisão entre os coordenadores que defendem a importância dessa parceria
enquanto estratégia de garantir a inclusão social e àqueles que observam nessa
parceriaoriscodecooptaçãopolíticaumavezqueomovimentoestarianaconstante
ameaçadenãopoderatuardeformaautônoma.
ACMPeoMLBestãoigualmentesujeitosaoriscodecooptaçãoideológica,
porémdecunhofundamentalistaumavezqueodiscursocontracapitalista,emfavor
daimplementaçãodeumsistemasocialistadegovernabilidade,acabainfluenciando
na tomada de decisões, comprometendo a defesa do interesse coletivo. Assim, o
posicionamentopolíticoadotado,pautadoemvaloresideológicossustentadosdesde
a origem dos movimentos (partidária e sindicalista), tende a tornar os movimentos
vítimas das próprias limitações inerentes aos valores políticos adotados,
44
Base da informação a partir da análise do questionário (Apêndice 3) e da entrevista com grupo focal
(Apêndice 5)
268
especialmente na atual conjuntura mundial que se encontra “enredada pela teia
do” sistema capitalista, parecendo improvável o sucesso de outra forma de
organizaçãosocial,políticaeeconômicadiantedessaconjuntura.
ONDV,porsuavez,tendoemvistaofatodetersidoinstitucionalizadoe
estruturadoenquanto ONG está submetido ao risco constante de cooptação política
umavezquesetornavulnerávela influênciadosórgãosquefomentamas ações do
movimento assim como da própria gestão municipal, responsável pelas decisões
sobreoordenamentourbano.
Os movimentos possuem características comuns e outras distintas com
relação à cidade, a estrutura organizacional, metodologia de trabalho e
reconhecimentosocialsobreainfluênciadomovimento.
O primeiro aspecto diz respeito à composição. A coordenação (ou
liderança, no caso do NDV) é composta por poucos membros, os quais são
responsáveis em definir as ações dos movimentos sociais. Desses, apenas o MNLM
demonstrou preocupação com relação ao planejamento na definição das estratégias
deação.
O NDV e o MLB possuem sérios problemas em termos de organização.
Alémdaausênciadeumasedepermanentequepossaservirdereferência aspessoas
quenecessitamdesuasatividades,evidenciaramaexistênciadecontendasquantoà
realizaçãodasações.Enquantooprimeiroesperaosurgimentodademandapopular
paradesenvolversuasatividades;osegundorealizaasaçõesdeformafragmentadae
seletiva. Embora a atuação do NDV seja igualmente pontual, o fato do movimento
está envolvido na questão do transporte público e implementação de políticas
públicasvoltadasparaapromoçãodaacessibilidadenoespaçourbano,influenciana
superaçãodessas limitações.o MLBficaretidonaescalalocal, naqualexercesua
territorialidadeapartirdoacompanhamentodasdemandasdosassentados. Mesmo
269
sendo vinculado à CMP, a falta de uma organização interna e a dificuldade dos
componentes em separar a ação do MLB da atuação do CMP influencia
negativamentenalutapelafirmaçãodesuaautonomia.
ACentraldeMovimentosPopularespossuisuasedenomesmoprédiodo
partido político no qual seus membros são vinculados (o PSdoB) o que pode
influenciarnodesenvolvimentodasatividadesdomovimentotendoemvistaorisco
de transferir a estas os valores e posturas políticopartidárias. o MNLM possui
sedeprópria,aqual,alémdeestáestrategicamentelocalizada(ruaDuquedeCaxias,
nocentrohistórico)temservindodereferênciaparaarealizaçãodeaçõesarticuladas
comoutrosmovimentos,alémdefavoreceramobilizaçãopopular.
OutroaspectodestacadopeloscoordenadoresdoMNLM,NDVeCMPfoi
a preocupação com a formação de propostas para melhorias das condições de vida
da população. O MNLM e o NDV preocupamse com a elaboração de projetos que
são direcionados ao poder público, instituições privadas e ONGs assim como a
participação em ações sociais decorrentes de projetos do governo municipal. O
MNLM,noentanto, vaiumpoucomais além ao se preocuparemelaborarcartilhas
voltadas para a qualificação profissional,
a exemplo da cartilha de orientação ao
cooperativismo (Apêndice 6). o MLB, embora participe de eventos e fóruns
realizados nacionalmente, não desenvolvem projetos. A CMP, mesmo não
elaborandoprojetos,temauxiliadonarealizaçãodepropostasdeoutrosmovimentos
sociais.
Outro aspecto que evidencia as diferenças entre os movimentos diz
respeito à perspectiva quanto ao futuro da cidade. O MNLM parte do princípio de
queaaçãopráticaatravésdaimplementaçãodepolíticaspúblicaséaformapara se
obter uma cidade melhor uma vez que reflete uma melhoria na qualidade de vida
das pessoas. O MLB e a CMP ressaltam o fator ideológico como um elemento
270
importanteparaobterumacidademelhorsendoestepautadodasubstituiçãodeum
EstadocapitalistaparaumEstadosocialista.A CMPacrescentaaindaaimportância
de investimentos em mecanismos que estimulem a participação popular e da
conscientizaçãopopular sobreaimportânciadeparticipardadecisãosobreofuturo
daformaçãosocioespacialdacidade.paraoNDVofuturodacidadedependeda
implementação de políticas públicas mais eficientes, especialmente às que são
necessárias para atender as demandas das comunidades mais pobres propiciando
umamelhorqualidadedevidaemaisjustiçasocialparaessapopulação.
Com base nisso percebe se que o ordenamento urbano da cidade está
condicionado ao aspecto econômicosocial na perspectiva do MNLM; sóciopolítica
para o CMP, políticoeconômica para o MLB e o NDV. Tal posicionamento foi
ratificadoquandoperguntamos sobreoprincipal problema urbanoobservadopelos
movimentos.
O MNLM apontou a moradia como à demanda de maior prioridade em
JoãoPessoa,confirmandoassimumapreocupação econômicaesocialumavezque,
prioritariamente,correspondeàfaltadeinvestimentospararesoluçãodoproblema,o
qualésocialumavezqueatingeamaiorparteda populaçãoeenvolvaumfatorde
ordempolítica.
O MLB mencionou a questão do emprego refletindo, portanto, uma
posiçãopolítica(lutaportransformaçãodosistemacapitalistapelosistemasocialista)
eeconômica(faltadeempregodecorrentedaadoçãodapolíticacapitalista).
A CMP, por sua vez, relacionou como principais prob lemas a questão do
emprego, moradia, segurança e saneamento, refletindo uma relação dos problemas
urbanos a questões de ordem política e social, sendo esta última associada como
conseqüênciadaprópriaposturapolíticaadotadapeloEstado.
271
o NDV, ao associar os problemas urbanos a questão do transporte e
segurança,expressaaquestãopolítica(ausênciadepolíticaspúblicasquepropiciem
uma melhor acessibilidade da população mais carente) e econômica (ao associar a
questãodaviolênciacomoconseqüênciadaexclusãosocial).
É evidente que o elemento ideológico, expresso nas intencionalidades,
aparece na interseção entre esses fatores que comandam as ações dos movimentos
fazendo com que os fatores políticos, econômicos e sociais estejam, mesmo que
implicitamente, presentes nos discursos dos membros dos movimentos. Assim,
teríamososeguintemodeloesquemático(Figura10)

ModeloesquemáticoelaboradoporXistoSouzaJúnior(2007)
Quanto à atuação, os quatro movimentos possuem posições convergentes
ao fazerem a opção pela assistência à população mais pobre, residentes
principalmente na periferia da cidade, sendo a questão da moradia, seguida da
mobilidadeurbana,apontadacomoumgraveproblemaurbano.OMLB,noentanto,
ressalta a importância das organizações populares enquanto elementos estratégicos
na transformação social. De um modo geral, todos se preocupam em participar dos
eventos sobre a questão urbana, sejam eles organizados pelo Estado ou por outros
segmentosdasociedadecivilorganizada.Apesardisso,nenhumdoscoordenadores
Figura 10: Expressões dos Movimentos Sociais Urbanos
272
(ou líderes no caso do NDV) utiliza a articulação entre os movimentos como um
espaçopróprioparaodebate.
Outro aspecto importante diz respeito à questão do reconhecimento da
ação desempenhada pelos movimentos. Para os coordenadores do MNLM, através
damídiaquedivulgaasaçõesdeocupação,apropriação emobilização,a sociedade
percebe o esforço do movimento na luta pela melhoria das condições de vida das
pessoas e da formação de uma cidade melhor, embora reconheça que, em muitos
casos, as informações são comprometidas por influência política de outros atores
sociais.ONDVentendequeexistereconhecimento,oqual,nocasodomovimento,é
ainda maior porque o movimento vem se utilizando do poder da mídia para
divulgar as ações e intencionalidades. para o MLB e CMP não existe este
reconhecimento. O MLB atesta que isso se deve a discriminação e difamação dos
movimentosatravésdamídiaqueosassociaabaderneiros,desocupados,invasores,
etc. Para o CMP existe um desconhecimento populacional sobre a função dos
movimentos popular e social decorrente da ausência de uma cultura de orientação
políticaporpartedasociedade.
Defato,emboraexistaoreconhecimentodequeamídiade massabeneficie
interessesdesegmentosespecíficosdasociedade,comcriatividadeeplanejamentoos
movimentos sociais podem se utilizar dos meios de comunicação para expor suas
atividades.Quantoao desconhecimentopolíticoporpartedapopulaçãomaispobre
não observamos isso de forma pessimista uma vez que a cada dia as pessoas estão
procurando formas de conhecer os seus direitos. A opção pela participação nos
movimentos,especialmentepelapopulaçãomaiscarente,temaumentadoecomelaa
conscientizaçãopolíticasobre osfatoresquemotivamalutadosmovimentossociais
urbanos.
273
De um modo geral os movimentos concordam quanto à definição do que
seria um movimento social urbano. Para eles, MSUs são movimentos que
influenciam diretamente no futuro da cidade ao participarem do processo de
produção e reprodução da cidade. Isto converge com as práticas dos movimentos
estudados. Dos quatro que classificamos como MSU, três (MNLM, CMP, MLB)
exercem uma expressão geográfica ao participarem diretamente da produção do
território(escaladamoradia),influenciando,porconseqüência,nadinâmicaurbana;
eum(NDV)sepreocupacomaproduçãodeterritorialidadesaolutarpelodireitode
acessoaotransportepúblicocoletivo.
Embora o MNLM e MLB não considerarem o NDV como movimento
socialporterseinstitucionalizadocomoONG,aCentraldosMovimentosPopulares
considera que, na prática, o NDV realiza ações condizentes com as desempenhadas
pelos movimentos sociais urbanos. Tal aspecto é relevante na medida em que
proporciona o debate sobre o que seria, tanto na perspectiva teórica como na
empírica,maisimportantenaclassificaçãodeummovimentosocial:suaestruturaou
suafunção?
Esta observação nos remete para a necessidade de retomarmos as bases
teóricoconceituais que sustentam o entendimento de movimento social enquanto
atorgeográfico.Conformetrabalhadonocapítulo2,movimentossociaisurbanossão
compreendidos como aqueles atores sociais que se expressam geograficamente a
partir da produção do espaço (território) de forma a influenciar no ordenamento
urbano.
Afunçãosocialdeve,portanto,serlevadaemconsideraçãonadefiniçãode
movimentosocial. Para o urbano essa funçãoestárelacionadaa realização de ações
que possam influenciar na sua configuração tanto no contexto das formas
274
(transformações na configuração territorial a partir da ocupação) comono âmbito
dosprocessos.
Com base no que foi apresentado nessa análise, poderíamos sintetizar
algunselementoscomunsdosMSUsdaseguinteforma(Quadro06).
Quadro06:SíntesedosaspectoscomunsdosMSUs:
MNLM CMP NDV MLB
FuturodaCidade
Açãopráticaatravés
depolíticaspúblicas
Fatorideológico
(participação
popular)
Políticaspúblicas
maiseficientes
Fatorideológico
Ordenamento
urbano(motivos)
Econômicosocial Socialepolítico Políticoeeconômico
Demandas
moradia
Emprego,moradia,
segurançae
saneamento
Transportee
segurança
emprego
Papeldamídia
Existe
reconhecimento
Problemadeordem
cultural
Existe
reconhecimento
Existe
intencionalidade
Conceito de
MSUs
São os movimentos que influenciam diretamente no futuro da cidade através de
suas práticas (apropriação do território e acompanhamento do processo de
urbanização.
ElaboradoporXistoSouzaJúnior(2008)
5.3Aproduçãodacidadeapartirdodiscursodosmovimentossociaisurbanos
45
.
foi atestado que os movimentos sociais urbanos atuam espacialmente
produzindo territórios e influenciando na consolidação de novas funções ao espaço
urbano. Das relações cotidianas até as grandes reuniões e visitas existem,
naturalmente, divergências internas (entre os coordenadores) e externas (relações
com outros atores sociais). As ações desempenhadas pelos movimentos são
influenciadas por três relações escalares: a individualfamiliar, na qual estão
45
Base da informação a partir da análise da entrevista com os coordenadores (Apêndice 4), projetos DVDs etc.
275
expressos os valores cotidianos; a coletiva, na qual se efetivam as relações sociais
pautadas em ações, debates e participação política e; finalmente, a relação entre a
sociedadecivileoEstadonastrêsescalasfederativas:nacional,regionalemunicipal.
Em João Pessoa, os MSUs têm em comum o interesse na luta por infra
estruturaeobtenção deequipamentosurbanostendocomoprincipaispreocupações
a solução dos problemas de moradia (MNLM, CMP, MLB) e mobilidade urbana,
bandeiraestaqueédefendidaprincipalmentepeloNúcleodeDefesadaVida(NDV).
Tais movimentos possuem algumas características comuns e outras distintas com
relação à forma de atuação, estrutura organizacional, metodologia de trabalho e
reconhecimentosocial.
Em seusdiscursos
46
, oscoordenadores dos movimentos apresentaram um
contexto no qual se evidencia uma relação direta entre a ação dos movimentos e a
produção do espaço urbano. Atestaram um urbano dos excluídos, formado por
pessoas que necessitam de um apoio incondicional de segmentos organizados da
sociedade civil que trabalhem com questões relacionadas a conquista do direito à
cidade, como é o caso dos movimentos sociais urbanos. Para isso, se expressam
territorialmente ao realizarem ações que influenciam no ordenamento urbano a
partir de ocupações territoriais, promovendo uma nova dinâmica em termos de
apropriaçãodoespaço.
A origem dos movimentos urbanos de João Pessoa, assim como os
processos norteadores de sua consolidação, influenciou diretamente na forma de
participação social no debate sobre a produção do espaço. De um modo geral os
movimentos expressam suas práticas a partir de valores políticos, sociais e
ideológicos,construídosdesdeoprocessodesuaorganizaçãoeconsolidação.
46
Análise com base com o discurso do tópico 1: (estrutura, composição e articulação).
276
O MNLM, conforme observado, tem sua origem nos fundamentos
religiosos e ideológicos da Igreja Católica. Mesmodepois de ter se desvinculado da
influência dos preceitos católicos, após perceber que a luta pelo direito à moradia
(direito à terra) não poderia ser restrito ao público católico, os membros do
movimentoaindareproduzemtaisprincípiosnascomunidadesondeatuam,embora
atestemqueapreocupaçãoestejapautadanodiscursodaconquistadamoradiaedo
treinamento (qualificação) dos membros para se tornarem agentes transformadores,
independentedecrença,gênero,idade,etc.
O MNLM busca valorizar a ocupação enquanto estratégia de ação e a
preocupação com a formação da consciência social como subsídio a conquista do
direito à cidade através da conquista do direito à moradia. Somase a isto a
disposiçãodeatuaremparceriacomoutrosmovimentos.
a Central de Movimentos Populares (CMP), tendo sido originada da
ANAMPOS(Articulação NacionaldeMovimentoPopulare Sindical),apresentaum
discursoideológicopróximo ao discurso defendido nos sindicatos ao enfatizar uma
posição política radical contra o Estado e contra o capitalismo, defendendo como
modeloidealdegovernabilidadeaimplementaçãodeumsistemasocialistaenquanto
alternavaviávelaconquistadainclusãosocial.
O discurso dos coordenadores do movimento é, portanto, bem mais
impositivo. Ao defenderem uma transformação radical no tipo de política
desenvolvidopelosmembrosdomovimentoacabaminfluenciandoideologicamente
os movimentos associados. Assim, o movimento, especialmente em João Pessoa,
deixa de atuar como agentearticulador para desempenhar ações específicas de
ocupaçãoeacompanhamentoemcomunidadespobres.
277
Essefoi,inclusive,omotivoalegadopeloscoordenadoresdoMNLMpara
desvincular o movimento do quadro associativo da CMP, apesar de considerarem
como sendo possível a realização de atividades em conjunto com a CMP e os
movimentosassociados,noscasosemqueoobjetivoprincipalsejaodepromoçãode
maisjustiçasocialparaascomunidadesmaispobres.
o NDV possui outra particularidade: por ser originado de uma ONG
(SAMOPS)nãopossuiumabandeiradelutadefinida,preocupandosecomquestões
relacionadasàlutapelaconquistadosdireitoshumanos.Talinfluênciaédecisivana
opção pela institucionalização enquanto organização da sociedade civil sem fins
lucrativos,dedireitojurídicoeprivado.
Por outro lado, a influência da Igreja Católica, no momento inicial da
organizaçãodomovimento,foifundamentalparaque,mesmoseinstitucionalizado,
o NDV continuasse a exercer atitudes de movimento social a exemplo do
voluntariadoeda assistênciasocialpordemanda.Assim,estruturalmente,o NDVé
umaONG,masnaessênciaatuacomoummovimentosocial,condiçãoestaquenos
remete a reflexão do que deve ser levado em consideração enquanto prioritário na
classificação de um movimento social urbano segundo a perspectiva da Geogafia:
suaestruturaousuafunção?
Com relação à cidade e seu potencial de atração
47
os movimentos têm em
comum a identidade com a mesma, apesar de muitos coordenadores não serem
pessoenses.OsmovimentosobservamJoãoPessoacomoumacidadebonita,segurae
grande,emboraassociemaqualidadedevidanacidadecomocaracterísticadeuma
cidade de porte médio; bem vista pelas pessoas, apesar de identificarem poucos
pontos clássicos (turísticosidentitário) e os que estão necessitados de uma atenção
especial. A praia, o centro histórico, especialmente a lagoa, assim como a cidade
47
Análise com base com o discurso do tópico 2: (A cidade e o seu potencial de atração)
278
baixa (marco zero) são, para os movimentos, os lugares mais importantes de João
Pessoa.Afaltadeinfraestrutura,noentanto,impossibilitaummelhorusodocentro
histórico.ParaoMNLM,talinvestimentolevariaumamaioraceitabilidade porparte
dapopulação.
UmaspectonegativodacidadedeJoãoPessoa,segundoosmovimentos,é
a falta de acessibilidade decorrente da ausência de uma ação mais efetiva da
administração pública. O investimento estrutural no sistema de transporte se
constitui, contraditoriamente, em um avanço e em um retrocesso. Um avanço na
medida em que propicia uma melhoria na mobilidade urbana e na qualidade dos
serviços prestados a partir da implementação do sistema integrado de transporte
público,emparteconseqüênciadaatuaçãodoNDVatravésdapromoçãodedebates,
reivindicações e propostas de mudanças nas políticas públicas. o atraso estaria
relacionado ao descaso quanto ao atendimento das demandas da população mais
carente, especialmente no que diz respeito ao valor da passagem, quantidade de
veículoscoletivosdisponibilizadoseintervaloentreumveículoeoutro.
A segregação socioespacial aparece comoum problema comum apontado
pelos coordenadores dos movimentos enquanto conseqüência da própria formação
dacidadedeJoãoPessoaedaausênciadepolíticaspúblicasquetivessemrealmente
reduzindoosproblemassocioespaciaisdacidade,conformeidentificadoaolongodo
segundoeterceirocapítulos.
Issosedeveàausênciadeumapolíticavoltadaparasuprirasnecessidades
da população proveniente de outros municípios paraibanos, e que resultou no
surgimentodeocupaçõesirregulares(19801990)e noconseqüenteagravamentodas
questõesurbanas.
279
Acidadeé,naperspectivadoscoordenadoresdosmovimentos,produzida
para os mais ricos, beneficiados nas políticas voltadas para o desenvolvimento
urbano, embora tenha ambas as realidades em seu contexto organizacional: de um
lado,osricos(moradoresdapraiaedocentro)edooutro,ospobresquenecessitam
deaçõesmaiseficazes,especialmenteporseremosquemaissepreocupamemficar
em dia com as obrigações tributárias. Para os coordenadores, o próprio poder
legislativo dificulta uma maior igualdade no uso da cidade ao favorecer a
intervenção dos grandes empreendedores sem haver uma compensação para a
populaçãomaispobre.
De acordo com os movimentos, em especial o MNLM, quem produz a
cidadesãoosgrandesempresárioseestaéproduzidaparaapopulaçãocommelhor
poder aquisitivo. os pobres são deixados para trás, o que torna importante uma
contraofensiva por parte dos movimentos sociais urbanos através da ocupação das
áreas mais nobres enquanto forma de mostrar ao poder administrativo o
descontentamento dos pobres quanto à situação em que vivem. Portanto, eles
concebem João Pessoa como uma cidade dos contrastes: entre o rico e o pobre; dos
incluídoseosexcluídos.
De acordo com os coordenadores dos movimentos, João Pessoa é uma
cidade que nas últimas décadas vem sofrendo mudanças significativas em sua
configuração territorial em decorrência da atuação de diferentes segmentos sociais,
dentreosquaissedestacaaparticipaçãodosmovimentossociaisurbanosatravésdas
ocupações, redefinição das funções sociais e atuação como agente propositor de
alterações na legislação de políticas públicas, além do debate sobre a definição do
quedeveserconsideradocomopropriedadedentrodeumacidade.
280
Outroaspectoressaltadoéoesclarecimentodosdireitosedeveresaserem
adotadospelasfamíliasqueparticipamdaocupação
48
.ParaoMNLM,direitoedever
sãocoisasinseparáveis,masapopulaçãoéapenaseducadaparaexigirseusdireitos.
Em alguns setores, como o da moradia, este direito é negado a exemplo do que
ocorre com as pessoas que moram em acampamentos ou favelas e que não podem
contarcom
serviçosdeinfraestruturaeequipamentosurbanosadequados.
Contudo,porfaltadeumaformaçãoadequada,essasmesmaspessoasnão
valorizam o espaço conquistado assim como não percebem os motivos que levam a
conquista. Além disso, por falta de maiores esclarecimentos, as pessoas pensam em
participardasocupaçõessemternoção
dasdificuldadesexistentesentreaocupação
e a conquista assim como o sentido de solidariedade uma vez que concebem a
conquistacomoumaposseindividual.
OMovimentoNacionaldeLutaporMoradiaéumapropostadevocê
parar de achar que está sozinha para resolver o teu problema de
moradia.Paravocê,quandofordespejada,vocêachaqueoproblema
é seu. O movimento é pra gente enfrentar o nosso desafio. Para
juntos,agente
organizareencontrarumlocalparaagenteficar.Esse
movimento somos nós; somos todos nós (...). A gente se reuni e
decide onde o nosso espaço. Onde tem um pedaço de chão para
nósnessemundo.Nóstemosqueconquistaronossodireitodemorar,
fazerquea
terracumpraoseupapelsocial.
(Discurso do coordenador do MNLM nacional durante o VII Encontro Nacional de
Luta por Moradia realizado em Itapecericada SerraSP,entre osdias 21 e23/05/2004.
DVD/AcervoMNLM00:06:13a00:06:46).
Sefordefinidoaqui:vamos praumaárea,chegando seorganizae
ocupa e ali, primeiramente, não tem essa estória o de dizer: Oh!
Aqui no terreno vou fazer uma cerca (...). Esse o é o objetivo. O
objetivo é ocupar a área (...). A gente não vai querer
ocupar para
querer construir ali naquele canto desordenadamente, certo? Se a
gente conquista aquela área ali mesmo, então a gente vai fazer
topografia. Vai fazer um conjunto como no 5 de junho. A gente não
ocupaparafazerfavela.
(DiscursodocoordenadordoMNLMPBduranteaformaçãodaComissãode
coordenadores de PatosPB nodia 31/05/2004.DVD/Acervo MNLM 00:12:14
a00:12:46).
48
Análise com base com o discurso do tópico 3 - (direitos e deveres da população)
281
Um aspecto importante nesses dois depoimentos é a preocupação da
coordenaçãodomovimentoemconscientizaracomunidadequantoaosdeverespara
a realização de uma ação conjunta assim como a preocupação em realizar ações
baseadasemplanejamento.Dessaforma,procuravalorizararealizaçãodeocupações
tendocomointencionalidadeapromoçãodeumaurbanizaçãofutura.Demonstram
se,portanto,contráriosaoprocessodefavelização.
Quanto à participação do movimento no desenvolvimento de atividades
em conjunto com a prefeitura, a coordenação do CMP observa isso como um
problema uma vez que o movimento passa a correr o risco de cooptação, além de
reforçaratendênciadareproduçãodoprocessodesegregaçãourbanadecorrentedas
imposições da prefeitura quanto à escolha do local no qual os investimentos são
empregados. A escolha é normalmente por setores da periferia, os quais são
desprovidosdeumsistemaeficientedetransporte,infraestruturaeserviçosurbanos.
Assim, além de não poder escolher a casa, a população fica impossibilitada de
escolher o local de moradia. Para o NDV o problema está no fato da sociedade ser
ainda pro duto de ações individualistas impostas pela mídia, a qual dificulta a
realização de ações coletivas. Isso se reproduz no próprio movimento uma vez
que
estetemadificuldadedeagirdeformaarticulada.
A principal conseqüência disso é a dificuldade de se desenvolver ações
conjuntas,pautadasemobjetoscomuns.Comisso,oespaçodeaçãodosmovimentos
é um espaço fragmentado, recortado por interesses particulares frutos de
intencionalidades (políticas, econômicas e sociais) igualmente particulares,
mesmo
emlocaisemquemaisdeummovimentorealizaatividades.
282
Da mesma forma que a década de 1990 representou um período de
mudançasnaformaemqueopoderpúblicodesenvolviasuaspolíticas,valorizando
o planejamento
49
, os movimentos urbanos consolidados no início desse período
(MNLM e CMP) desenvolveram uma postura de atuação adaptada a esta nova
conjuntura social (consciência da importância do segmento da sociedade civil
organizado noordenamentourbano),político(implementação da política neoliberal
e valorização do planejamento em detrimento de ações espontâneas) e econômica
(equilíbrio monetário e dependência da ajuda direta do Fundo Monetário
Internacional). Tais aspectos passam a caracterizar o universo ideológico desses
movimentos.
Um exemplo desse posicionamento ideológico foi, justamente, a
importância que passou a ser dada a ocupação e mobilização em espaços públicos
(ruas, praças, Órgãos públicos, etc.) e em espaços de debates políticos (encontro
nacionais, fóruns, congressos, reuniões, etc.) para discutir o planejamento urbano.
Comoconseqüênciadisso,onovomovimentosocialdeixadeserumsimplesagente
reivindicador para se tornar um importante agente propositor. Aocontrário do que
ocorria em outros momentos, o investimento em oficinas, associado a uma
preocupação com a capacitação dos membros do movimento, propicia aos mesmos
um conhecimento sobre questões técnicas no âmbito urbano, as quais são
fundamentaisparaexercíciodessenovopapeldeagentepropositor.
Em João Pessoa essa mudança ocorre na transição da gestão de Cícero
Lucena (20002004) para a atual gestão de Ricardo Coutinho (20042008) e se
consolidanestaúltimaumavezqueoprefeito temsuaformaçãopolíticainiciadanas
relações de base, especialmente por ter sido durante algum tempo vinculado ao
movimento social. Além disso, em termos de funcionais, a atual gestão faz a opção
49
Análise com base com o discurso do tópico 4 - (política pública e planejamento urbano)
283
pelo debate político como prérequisito para a definição das políticas de
desenvolvimento urbano, especialmente no que diz respeito aos investimentos na
infraestruturaurbana.
Essanovaconjunturaapresentasecomoummomentoidealparaaatuação
do movimento de luta por moradia uma vez que, nesse mesmoperíodo, o governo
federalpassaa se preocupar emtentar amenizar o problema da moradia no espaço
urbano, o qual foi agravado pelas diversas falhas nas políticas implementadas
durante a década de 1990 ao valorizar o empreendedorismo privado e, com ele, a
privatização do espaço e redefinições territoriais, a partir da criação do Ministério
dasCidadeseda aprovaçãodoEstatutodasCidadesque forneceuaosmovimentos
populares e sociais, além de outros segmentos da sociedade civil organizada, um
novo instrumento de mobilização e reivindicação do direito à moradia a partir da
comprovaçãodonãousosocialdoespaçourbano.
A atual gestão municipal (20042008) tem estimulado, portanto, a
participaçãodosmovimentossociaisurbanosnodebatesobreaproduçãodoespaço
50
.
Estesmovimentossãomotivadospelasituaçãodemoradiadapopulaçãomaispobre,
mastambémdocrescenteinteressedepessoasdispostasaparticipardeorganizações
sociais enquanto instru mento para lutar por uma cidade melhor. Assim, apesar das
gestões anteriores terem favorecido a organização dos movimentos na medida em
que, ao se posicionarem de forma opressora e repressiva, as ações dessas
organizações sociais, a abertura ao debate e a possibilidade de propor sugestões ao
ordenamento urbano foram materializados na atual gestão administrativa, o que
possibilitou a consolidação dos MSUs, especialmente os que lutam por moradia
(MLBeMNLM),osquaisvemsefortalecendonessesúltimosdezanos.
50
Análise com base com o discurso do tópico 5: (atuação dos Movimentos Sociais Urbanos).
284
Os MSUs de João Pessoa possuem objetivos comuns, embora estes sejam
expressos de forma diferenciada uma vez que apresentam posturas políticas
diferenciadas. Isto dificulta a criação de uma unidade e ação integrada, a qual se
concretiza quando do interesse de luta pela conquista de mudanças consistentes na
atualconjunturaurbana.
Para os coordenadores do MNLM, o fato de existir movimentos que
supervalorizamasdecisõespolíticasnoordenamentourbanoenoseupapelsocial,a
exemplo do que ocorre com a CMP, dificulta a definição de uma bandeira de luta
comum.Assim, os movimentos acabam lutandopor coisas específicas, deixando de
ladoalutaporobjetivoscomuns,àexemplodareformaurbana.
O risco de cooptação é mencionado como outro desafio aos movimentos.
Seporumlado aaproximaçãodopoder público, no quesereferea participaçãona
realização das políticas urbanas, pode favorecer o reconhecimento do movimento
enquanto ator social; por outro lado, tal aproximação pode levar a limitações no
desenvolvimento das atividades. Esta divisãode posicionamento ocorre igualmente
entreoscoordenadoresdecadamovimento.
Noqueserefereaosobjetivosdosmovimentos,essesnãosãotãodistintos,
emborasejamexpressosdeformadiferenciadaumavezqueosmovimentosexpõem,
abertamente, suas posições políticas de forma diferenciada, fato que dificulta a
formaçãodeumaunidadedeação(criaçãodeumabandeiradelutacomum),exceto
quandoofocodalutaereivindicaçõesestãovoltadasparaalutapormoradia.
OMNLMé,emJoãoPessoa,reconhecidamenteomovimentosocialurbano
mais organizado. Em parte, isso decorre da capacidade do movimento em se
articulartantoverticalmente(diferentes escalas espaciais)comohorizontalmente,ao
atuaremdiversossetoresdacidadeapartirdeparceriascomdiversosmovimentos.
285
Osacontecimentospolíticos,econômicosesociais dos últimosanos(2003
2008), no qual o tema moradia se tornou estratégico ao ser associado ao sentido de
dignidade de sobrevivência no espaço urbano, têm exercido uma influência
substancialnaconsolidaçãodoMNLMenquantoatorsocialparticipantedoprocesso
deordenamentourbano.
A
escaladeatuaçãoéconcebidacomoumelementochavenadefiniçãode
movimentos sociais urbanos sendo uma vez que esses se caracterizam como atores
sociaiscujaspráticasestãovoltadasparaumaescalaespecífica(conquistadamoradia
e habitabilidade), embora estejam efetivamente articulados em diferentes níveis
escalares.Assim,emboratenhamsua
funçãosocialrelacionadaalutapelaconquista
do direito de acesso à terra (produçãodoterritório na escala da moradia) enquanto
bem coletivo, desenvolvem suas práticas a partir de articulações em escalas
geográficasdiferenciadas.
Para o NDV, a organização é observada como uma das principais
dificuldadesdarealizaçãodasaçõesaquesepropõeomovimentoumavezqueeste
tende a reproduzir interesses individuais, submetendo o movimento ao risco
constante de cooptação, além da pouca participação da população nas atividades
desempenhadaspelomovimento.
No que se refere a posição dos movimentos quanto a participação do
desenvolvimento urbano
51
, a prioridade está relacionada a socialização da infra
estrutura, justamente no setor periférico da cidade por se constituir como o mais
favorávelaexpansãourbana.Paraeles,casoestaexpansãonãovenhaacompanhada
de investimentos em infraestrutura a tendência é que a cidade cresça de forma
desordenada, especialmente no que se refere ao direito à moradia. É nisso que
consiste, para os movimentos, o sentido de direito à cidade: a preocupação com o
51
Análise com base com o discurso do tópico 6: (produção do espaço urbano).
286
futuroordenamentourbanoeoconseqüentereconhecimentodopoderpúblicosobre
aimportânciadaparticipaçãoeinfluênciadoMSUnesseprocesso.
EmboraagestãoadministrativadaColigaçãoDecisãoPopular(20042008)
seja fruto de um partido de esquerda, o PSB, a relação entre a prefeitura e os
movimentos ainda ocorre de forma insatisfatória, segundo os membros dos
movimentos. Isso se deve ao reconhecimento limitado (mais discursivo do que
prático) das ações e capacidades dos movimentos sociais quanto à influência no
processo de produção do espaço urbano, especialmente no que se refere a uma
participaçãomaisefetiva nas decisõessobreaimplementaçãodas políticas urbanas.
Temse como resultado a formação de uma cidade que segrega o mais pobre ao
dificultaroseuacessoaosespaçospúblicose aosdireitossociais.Éjustamentealuta
contra esta segregação socioespacial que serve de motivação as ações dos
movimentos sociais urbanos, apesar deles acabarem reproduzindo esse processo ao
seremenvolvidosnaspráticasevaloresqueosustenta.
A tarefa dos movimentos no contexto da produção do espaço urbano é,
portanto,adeorganizaraspessoas,estimulandooengajamentonabandeiradeluta
defendida pelos movimentos de forma a conquistar o reconhecimento social da
importânciadaparticipaçãodessesnoprocessodeproduçãoespaço.
A questão da moradia é o principal problema dessa ação desarticulada
entreoplanejadorurbano(oEstado),quemesmoinconscientementeacabaenvolvido
nas estratégias dos grandes empreendedores urbanos, e os movimentos sociais
urbanos que, além de alertar constantemente para o risco da construção de uma
cidade em que se promova a exclusão, têm lutado pela transformação da atual
conjunturasocioespacialapartirdaefetivaçãodepráticasterritoriais.
287
Assim, a ação territorial dos movimentos sociais urbanos vem se
efetivando a partir do acompanhamento das ações desenvolvidas pelo governo ao
reivindicarem,quandonecessário,arealizaçãodepolíticaspúblicasvoltadaspara o
beneficiamento da população mais pobre. As discordâncias políticas existentes se
constituem como uma das principais preocupações dos movimentos. Estes, por sua
vez,têmpormetaasuperaçãodoslimitesenquantoestratégiaparaacriaçãodeuma
agendacomumentreosmovimentos.
5.4Desafiosaoestudodosmovimentossociaisurbanos
Com base em tudo que foi argumentado até o momento temse que a
eficiênciadaaçãodosMSUsestádiretamenterelacionadaaoempregodavalorização
deseteprincípiosbásicosqueoscaracterizam:oCOMBATE(crítica,ocupação,
mobilização, bandeira de luta, articulação, território, estratégia). É com base na
atuação pautada nesses princípios que os movimentos se expressam no espaço,
participandodesuaprodução.
Ao assumir como princípio a valorização de um posicionamento baseado
na capacidade crítica o movimento garante a reprodução de uma imagem de
autonomiafrenteaopoderpúblicoedemaisatoressociais,independentedocontexto
político da realidade socioespacial que vivencie. Com tal posicionamento, o
movimentoreduzoriscodecooptação.Issonãosignificaqueomesmodevasempre
exercer um papel de opositor das ações do poder público, mas que desenvolva a
habilidade de desempenhar uma função de interlocutor entre a sociedade e o
governo municipal. Supervalorizar a postura ideológica escondida em posturas
políticaspodeinterferirnodesempenhodafunçãosocialquemotivousuaformação.
288
Em João Pessoa, o MNLM tem expressado à crítica na perspectiva da
importância do diálogo e desenvolvimento de parcerias, enquanto o CMP e MLB
observam essa participação com ressalvas. No primeiro caso o movimento corre o
riscodecooptaçãoporacomodaçãoepercadaidentidade,enquantonosegundocaso
passa a ser presente o risco de se deixar prevalecer posturas políticoideológicas
sobrequestõessócioeconômicas.
O segundo princípio que deve orientar a ação dos movimentos é o do
direcionamentodosobjetivospararealizaçãodeocupaçõesumavezqueseconstituir
comoelementoqueid entificaocaráterde urbano(açãosocialnaproduçãodacidade)
do movimento. O ato de ocupar concebe a este a oportunidade de materializar sua
intencionalidade, a qual está expressa na conquista da moradia e se constitui na
formapelaqualosmovimentosdeixamsuasmarcasnoespaçourbano,influenciando
no seu redimensionamento e nas próprias decisões sobre o contexto político das
decisões sobre formação. Dos quatro movimentos estudados apenas o NDV não
valorizaaocupaçãocomoprincípiodeatuação,porsepreocuparapenascomaluta
pelo direito da acessibilidade urbana. O CMP, que no contexto nacional age como
articulador,atuaemJoãoPessoaapartir
deaçõespráticasrelacionadasàrealizaçãoe
acompanhamentodaconquistapelodireitoàmoradia.
o terceiro (mobilização) se constitui como um dos principais desafios
para os movimentos, pois está diretamente relacionado à capacidade de atuação.
Esse princípio vem sendo mais explorado pelo MNLM do que pelos demais
movimentosque
encontramproblemasdeorganização,prérequisitoparapromoção
demobilizações.Issoexplicaosmotivospelosquais oMNLMtemconseguido uma
maiorexpressividadenaparticipaçãodeaçõesrelacionadasaoordenamentourbano
de João Pessoa. Como os movimentos se expressam geograficamente no espaço a
289
partir da produção do espaço, a mobilização se apresenta como uma opção para se
conseguirseconseguirestaexpressãodeformaintegrada.
Abandeirade luta se constituicomoaespinhadorsaldeummovimento
social uma vez que é através dela que se expressam os seus valores ideológicos,
políticos, sociais etc. Dos movimentos analisados, apenas o MNLM e CMP
expressaramaexistênciadeumabandeiradeluta(ReformaUrbana).Semadefinição
desseprincípioqueservedealicerceaatuaçãoespacialdomovimentona produção
doterritório,existeocomprometimentodarealizaçãodeumaaçãoeficiente.Nocaso
dos MSUs a bandeira de luta se materializa, de fato, na busca pela reforma urbana
sendoamoradiadignaumeixodeluta,conformeevidenciadopelos coordenadores
doMNLM.
Outroprincípioimportanteéodaarticulaçãoquepermiteaosmovimentos
a mobilidade necessária para se conseguir obter a conquista da luta para qual se
propõem. Essa articulação se expressa, principalmente, por motivos ideológicos e
políticos. Dos movimentos urbanos de João Pessoa, apenas o MNLM e CMP
conseguem desenvolver este princípio, ambos sustentados nos dos elementos
mencionados,emboradeformadiferenciada.
Para o MNLM o fator ideológico não se apresenta como prioridade uma
vezquearesoluçãodosproblemassociaisaparececomometa(conquistadamoradia)
aopassoemqueoposicionamentopolíticoéconcebidocomoalgocomplementarna
formaçãodaidentidadedomovimento.para o CMP a situaçãoinversatendoem
vistaagrandeimportânciaqueomovimentoexpressaaquestãoideológicaque,por
suavez,sustentaaprópriaposturapolíticadomovimento.
O território aparece como um dos princípioschave na identificação da
função espacial do movimento uma vez que integra os demais princípios
identificadosapartir domomentoem querepresentaa capacidadedeinfluência no
290
ordenamento espacial. É observando se o movimento expressa esse princípio em
suas ações que se torna possível identificálo como efetivamente urbano. Esta
expressão se materializa na capacidade que o movimento desenvolve quanto a
produção e apropriação do espaço, influenciando, portanto, no próprio processo de
formação da cidade. Os quatro movimentos estudados demonstraram, a partir de
suaspráticas,umapreocupaçãodiretacomessasquestões.
O sétimo e último princípio é o da estratégia, o qual está diretamente
relacionado à capacidade do movimento planejar suas ações de forma a evitar
desperdícios, especialmente no que se refere à imagem social. Assim, agir com
estratégia evita o risco de se adotar ações precipitadas e equivocadas, obtendo,
portanto,umamaioreficiêncianasaçõesrealizadas.
Dos movimentos estudados o MNLM é o que mais se preocupa em
expressar esse princípio uma vez que as ações, conforme observado, são realizadas
com base na realização da viabilidade espacial, política, social e econômica da ação
quebuscadesenvolver.Poroutrolado,apreocupaçãocomopoderda mídiaconfere
aos demais movimentos uma preocupação, apesar de superficial, com a questão do
planejamento: seja para evitar situações pejorativas à imagem do movimento; seja
comoformadelevaraoconhecimentosocialosprincípiosdomovimento.
Entre os movimentos estudados apenas o MNLM tem na prática do
COMBATE a constituição de sua identidade enquanto par ticipante do processo de
produçãodoespaçourbano.OCMPapareceemsegundolugardevidoàdificuldade
desemobilizare deagirdeformaarticuladaemconseqüênciadosprópriosvalores
ideológicos que discordam dos adotados pela atuação do movimento em outras
escalas.oNDVeoMLBsãoosquepossuemmaioresdificuldadesdeseconsolidar
(serreconhecidopelasociedadeepelopoderpúblico).
291
Para finalizar esta análise ratificamos como dois outros grandes desafios
para os desenvolvimentos urbanos a precarização atual no mundo do trabalho e a
suafirmaçãocomoagentepropositivonodebatesobreoordenamentourbano.Com
relação à primeira questão, por não poderem contar com recursos disponíveis que
possibilitemoautosustento,osmembrosdosmovimentosacabamtendoquedividir
a participação no movimento com atividades necessárias à sua sobrevivência o que
dificultaoengajamentocompletoaosvaloressociaisadotados pelo movimento.Por
outrolado,aoassumirumaposturadeagentepropositor(apresentandoalternativas
e não apenas problemas) os membros dos movimentos têm conseguido dar uma
maiorqualidadeàsaçõesdesenvolvidas.Comoconseqüência,osmovimentossociais
urbanos vêm cada vez mais se firmando como ator social estratégico no
desenvolvimentourbano.
ConsideraçõesFinais
Os argumentos apresentados ao longo do texto apresentaram pelo menos
doisaspectosquesustentamàtese de que os movimentossociaisurbanostêmuma
participaçãoativanoprocessodeproduçãodoespaçourbanosendo,portanto,atores
sociaisquedespertamointeresseaoestudogeográficodesuasações.
O primeiro
aspecto está relacionado ao fato de que esses atores sociais se
expressamgeograficamenteatravésda realizaçãodeocupações. Assim,aocontrário
de outros movimentos que igualmente atuam na cidade, os MSUs têm o território
como sendo a sua principal preocupação enquanto sujeitos coletivos. o segundo
aspectodizrespeitoà
funçãosocialqueomovimentopossuiumavezque,aodefinir
a moradia e a acessibilidade urbana como metas de ação, eles assumem uma
importante atuação enquanto articuladores entre a sociedade e o poder público no
debatesobreaproduçãodacidade.
A estratégia escolhida para o desenvolvimento da tese, a
começar pela
escolhadométodo(oqualitativo),senãofoiamelhor,foiàquelaquenospossibilitou
o acesso a realidade a qual nos dispomos a estudar tendo em vista as limitações
espaciais (distância do cotidiano dos indivíduos) e a própria natureza dos atores
selecionadosparainvestigação(osmovimentossociaisurbanos).
Com relação à primeira limitação, esta corresponde a impossibilidade de
participarmos das atividades desenvolvidas pelos movimentos (suas conquistas e
angústias), fato que nos levou a leitura das ações dos movimentos a partir de suas
expressões (discursos) e não de suas práticas (procedimentos cotidianos), embora
estas últimas estivessem contempladas nos discursos. O método qualitativo
possibilitou,apartirdasuperposiçãodediscursos(montagemdamatrizdiscursiva)
representada pela leitura dos valores e práticas territoriais dos movimentos
293
estudados, compreender como estes realizam suas atividades e quais as
preocupaçõesqueosmesmosapresentamquantoàproduçãosocialdoespaço.
O segundo fator limitante foi reflexo da impossibilidade da participar
ativamente das práticas cotidianas dos indivíduos. Os movimentos sociais
apresentamsecomoatoresque,emdecorrênciadohistóricode
lutaeresistência,têm
dificuldadesdeaceitarapresençadoestranhoemseuconvívio.Asbarreirasquesão
criadas devem ser concebidas como uma forma prudente e compreensível deles
preservarem seus valores e garantirem sua sobrevivência. Isso não poderia ter sido
diferenteconoscotendoemvistaonãoenvolvimentonocotidiano
dosmesmos.
A implicação disso está relacionada na obtenção tardia da confiança dos
membrosque relutaram em fornecer os materiais produzidos (projetos, ações, fotos
etc.). após vários contatos é que alguns disponibilizaram informações de seus
respectivos acervos, com destaque para o MNLM que foi o que mais forneceu
informações.
Oterritóriofoiobservadonosegundocapítulocomoaessênciadaatuação
eidentificaçãodosobjetivosdosMSUs.Emboraprodutoderelaçõesepráticassócio
econômicasconseqüentedasrelaçõeshistóricasentreoEstadoeosempreendedores
urbanos,oterritórioétambémconcebidocomoaresultantedepráticasnaprodução
doespaço.
É,assim,oterritóriodaapropriaçãoapartirdaocupaçãoeredefiniçãodas
dinâmicas socioespaciais. Os territórios produzidos pelos movimentos sociais
urbanos, a partir de suas práticas, influenciam no próprio redimensionamento dos
valoresquesustentamodesenvolvimentourbano.
Deacordocomoobservadonoterceirocapítulo,aformaçãosocioespacial
de
João Pessoa influenciou diretamente na identidad e dos movimentos quanto à
definição dos locais em que estes exercem suas territorialidades assim como nos
próprios valores políticos, econômicos e sociais. Os movimentos desenvolvem uma
294
atividadepautadaemduasrealidades:porumlado,umacidadeproduzidaporuma
imagem criada pelo poder público e pelas empresas privadas e, por outro, uma
cidade escrita pelas impressões espaciais dos excluídos. Tanto numa situação como
naoutra,JoãoPessoaépercebidacomoumacidadefragmentadaeestafragmentação
étambémconseqüênciadasprópriaspráticassocioterritoriaisdosmovimentos.
Na primeira forma de observar a cidade, expressa na venda de sua
imagem (“cidade saudável”, “ponto mais oriental da s américas”, “segunda cidade
mais verdedo mundo” etc.), JoãoPessoaéapreendidapelos movimentosenquanto
umespaçoproduzidoparaosricosuma
vezqueospobressãocolocadosàsmargens
desseprocessodeproduçãodeseuespaçourbano.É,portanto,concebidacomouma
cidadeboadesemorar,poispermiteumaboaqualidadedevida.
Porém, os movimentos observam também outra cidade. Uma cidade que
ficouàsmargensdaspolíticasdeplanejamento
urbano,desenvolvidaprincipalmente
a partir da década de 1970 através da implementação do planejamento enquanto
estratégia de política pública. Observam uma cidade de pessoas excluídas do
discurso do imaginário urbano que é reproduzido e vendido como identidade da
cidade. Contudo, eles concebem igualmente a cidade como produto de pequenas
práticas socioterritoriais
originadas por pessoas que se apropriam, de fato, da
imagemrealdacidade:umacidadecomproblemasinfraestruturaiscujapopulação
clama por mais justiça social, especialmente no que se refere a conquista de uma
moradiadigna.
Justiça social e qualidade de vida vão, assim, sustentar os discursos dos
movimentos,
fundamentando suas bandeiras de luta e eixos de ação sendo a luta
pela reforma urbana a síntese dessa relação. A luta pelo direito à moradia é
concebida,porsuavez, comoumcaminhopara se obterareformaurbana umavez
que apreende o conjunto de demandas: conquista da residência, acessibilidade,
295
saneamento, educação, saúde etc. Em outras palavras, através da conquista de uma
moradiadignaseconquistaigualmenteoprópriodireitoàcidade.
Com basena leitura dos fatores históricos de formaçãoda cidadede João
Pessoapudemosidentificaropróprioprocessoquedelineiaaaçãodosmovimentosa
partir da
apropriação do território. Com base nessas considerações, percebemos, no
quarto capítulo, que os movimentos vêm conseguindo obter um reconhecimento
social, especialmente por parte da administração pública, embora este ainda se
efetivedeformapoucoexpressiva.
O longo período de consolidação do movimento, associado a pouca
experiência com a participação no
planejamento público da prefeitura, expressa de
forma mais nítida apenas a partir da década de 1970, implicou na ausência do
desenvolvimento de competências e habilidades mais qualificadas. O entendimento
desses dois patamares não fez parte de nossa preocupação ao longo das reflexões
desenvolvidas no presente texto, sendo, assim, um desafio para
ser estudado em
outromomentoouporoutrospesquisadores.
Emboraos movimentos exerçam umainfluência significativa,
especialmente após o início da gestão de Ricardo Coutinho ao longo do quadriênio
20042008, eles ainda se deparam com fortes restrições para desenvolvimento de
ações mais amplas na cidade, apesar de que tenham
obtido alguns progressos no
decorrerdesseperíodoapartirdeexperiênciasquerepresentamasmaisimportantes
conquistasdosmovimentos,aexemplodoMNLMqueentreosdemaiséoquemais
temconseguidoêxitoemsuasempreitadas.
Fechamosoquinto capítulocomos relatosdosaspectosmaisimportantes
destacados pelos movimentos
no que se refere às relações socioespaciais
desenvolvidas e materializadas em práticas sócioterritoriais. Dos elementoschave
expressos pelos movimentos, a intencionalidade se destaca na medida em que
296
fundamentaosvaloresideológicosdosmovimentos emsuarelaçãocomaprodução
socialdoespaço.Aintencionalidadeconstituisecomoaexpressãodamaterialização
dosobjetivosdosmovimentosdandoorigemanovasintenciona lidades.
Dos movimentos estudados, o MNLM se constitui como a principal
referência para identificação dos elementos que possibilitam
contemplar um
movimentocomosendoverdadeiramenteurbano.Aosepreocuparcomoprincípio
doCOMBATE‐açãopautadanacrítica,organizaçãoemobilidadeapartirdos
valoresrelacionadosàbandeiradelutaearticulaçãoenoterritóriocomoexpressão
de estratégias territoriais o
MNLM tem participado efetivamente do processo de
produção social do espaço urbano da cidade de João Pessoa. A CMP segue um
roteiro aproximado uma vez que em João Pessoa atua como agente produtor do
espaço,enquantooMLBeoNDVapresentamforteslimitações.
A busca pela conquista do território, representado
pela conquista do
espaçodamoradia,enquantoestratégiadeconquistadodireitoàcidadeé,portanto,
a principal expressão geográfica desses atores sociais. A criação de alternativas que
possibilitem uma maior aproximação e reconhecimento social consiste em um dos
grandes desafios a ser superado pelos movimentos. O poder da mídia,
tradicionalmenteutilizadopelosgrandesatorespolíticosparadenegriraimagemdos
movimentos,aindaépoucoutilizadopelosmovimentossociaisurbanos.
A criatividade, que se constitui como uma das principais qualidades do
movimento, se bem utilizada, pode promover uma reversão no discurso que chega
ao conhecimento da sociedade. Em João Pessoa isso
vem sendo feito através da
realizaçãodedocumentários,publicaçõesemperiódicosdecirculaçãolocaleusodas
rádioscomunitárias.
297
Ao geógrafo fica o desafio de explicar o tipo de cidade que vem sendo
construídaapartirdainfluênciadessesatoressociais.Onossofoiodeidentificarque
tais atores sociais, diante da atual conjuntura socioespacial, têm participado desse
processo na medida em que produzem território e influenciam no
ordenamento
urbanodacidade,participandodaformaçãodeumaorganizaçãosocioespacialcada
vezmaiscomplexa.
Assim, ao invés de “fechar uma porta” na observação científica da
influência geográfica das práticas sócioterritoriais desses atores sociais, tivemos a
preocupaçãodeapontartendênciasquepodemedevemserobservadaspelosatores
responsáveis pelo
processo de produção do espaço urbano de João Pessoa,
especialmenteosmovimentossociaisurbanosquenosúltimosanostêmtomadopara
si a responsabilidade de atuar como articulador entre a sociedade e o governo
municipal. Para isso, é necessário deixar para os movimentos que participam do
processodaproduçãodoespaço
urbanoapartirdapráticadoCOMBATE.
“Quemlutapormoradianãopodedesanimar
Tocasanfonaepandeiro
Enãodeixaocorpoparar(bis)
JesusCristoacompanha
quemavidaentregar.
Quembrigaporseusdireitos,
elevemiluminar.(bis)
Ogovernoqueropovooprimidoesemação,
Quandoalguémabreosolhos,
vema
perseguição(bis)
Nãotememosseuspoderes,desteshomens
Incompetentes.
Pensoqueébananaebobo,Eéquemenganoua
gente(bis)
Quemlutapormoradia
Letra:Wellington
Música:Salete
Quemtemsuacasacaindoviveerespiraaflição.
Enãodorme,cochilos,égrandeasolidão(bis)
Agorafalodossemteto,quevivenahumilhação.
Eumanudezmaior,évivernavidaemvão(bis)
Ascriançaseucontobem,
sofremegemememsilêncio.
Seu
destinoésempreacasa,
quemostrammuitocontentes(bis)
Parafalardamulher,tenhoquefalarcomraça,
Alémdenãoteracasa,eomaridonacachaça(bis)
Parafalardamoradiaeomitirosofrimento,
Prefiroescrever,anegarmeussentimentos(bis)
ConfiandoemJesusCristo,
queéhomemjustoefiel,
suaterraprometida”
298
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APÊNDICES
306
Apêndice1Roteirodasentrevistasedosquestionários.
ENTREVISTACOMOSCOORDENADORES
1.Ovínculocomacidadeeasperspectivasparaodesenvolvimentourbanoda
mesma.
2.Acidadeeseuspotenciaisdeatraçãonocontextododesenvolvimento
urbano;
3.Acidadecomoprodutodeseushabitantes:osdireitosedeveresnaprodução
doespaçourbano.
4.Aspolíticaspúblicaseoplanejamentourbano:oquedeveserconsiderado
comoestratégicoparaodesenvolvimentourbanodacidadedeJoãoPessoa.
5.Aatuaçãodosmovimentossociaisurbanosnoprocessodareestruturaçãodo
espaçourbano.
6.Aestruturaçãourbanadacidadeeasestratégiasdeordenamento.
7.Acidade,adinâmicaurbanaesuasidentidades.
307
ENTREVISTAENTREOSCOORDENADORES:GRUPOFOCAL
TópicoGuia
1. Muito se diz que a cidade de João Pessoa é uma cidade tranqüila e boa para se
morar. Será que isso pode ser tomado como um fato?
2. Uma das principais características de uma organização urbana bem estruturada
consiste no reconhecimento e participação de diálogos entre os diversos atores
sociais. Como está a cidade de João Pessoa nesse contexto?
3. Um movimento social existe com o objetivo de transformar uma determinada
situação (melhorar as condições de vida da sociedade). Em João Pessoa isso vem
sendo feito? Como o seu movimento está fazendo? O que tem faltado?
4. Seria possível identificar alguma ordem de prioridade entre as reivindicações?
Como trabalhar juntos? É possível? O que falta?
5. Quando se fala de produção do espaço urbano existe uma relação entre luta por
infra-estrutura e equipamentos urbanos. O que o movimento social pensa para os
próximos anos com relação a todo o eixo sul da cidade?
6. Identifique no mapa o(s) local(is) onde o movimento social atua? Por que atua
neste e não em outro? É possível agendar formas de participações conjugadas?
De que forma?
7. Quais as maiores dificuldades que um movimento social urbano tem para
exercer a sua atuação em João Pessoa? Como superar?
308
Questionárioaplicadojuntoaosmembrosdosmovimentossociaisurbanos
CidadedeJoãopessoa‐pb
NOMEDOMOVIMENTO: ANODEVÍNCULOAOMOVIENTO:
FUNÇÃODESEMPENHADAJUNTOAOMOVIMENTO:
TEMPODERESIDÊNCIA: CIDADEDEORIGEM: SEXO:()M()F
1. Quantaspessoasestãovinculadas,hoje,aomovimento?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
2. Quaisospapéisdesempenhadosporessaspessoas?Aondeatuam?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................
3. Queprojetosforamrealizadospelomovimento?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................
4. Quaisasperspectivasdomovimentoquantoaofuturodacidade?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................
5. QuaisoslocaisaondeoMovimentoatuameporqueessesespaçosenãoemoutros?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................
6. Dequeformaomovimentotemparticipadonodebatesobreaproduçãodacidade?
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
309
Apêndice2
TERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO
Esta pesquisa fará parte da tese que está sendo realizada junto ao Programa
de Pós-graduação em Geografia, da UNESP de Presidente Prudente, São Paulo, sob
orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito, a qual tem por título: A influência
dos movimentos sociais urbanos na reestruturação do espaço urbano de João
Pessoa-PB.
Desta forma, deixo desde já garantido ao participante desta etapa:
entrevista com grupo focal, o direito a qualquer esclarecimento sobre o estudo em
qualquer fase do mesmo; direito de recusar a participar ou retirar seu consentimento
em qualquer fase da pesquisa; confidencialidade e anonimato. Deixo também
registrado que as informações serão sigilosas e que os participantes não serão
identificados e que os resultados do estudo serão utilizados exclusivamente para
publicações e encontro científicos, tais como: monografias, dissertações, teses,
artigos em revistas científicas, congressos, reuniões além de outras atividades de
caráter exclusivamente acadêmico.
Qualquer esclarecimento adicional entrar em contato com Xisto Serafim
de Santana de Souza Júnior, a qualquer momento pessoalmente no endereço: Rua
Dineza Carneiro Monteiro, 148, Mangabeira I, João Pessoa. CEP: 58.055-710; pelo
telefone (83) 3238-6170 ou pelo e-mail: [email protected].
Diante disso,
eu,____________________________________________________, representante
do ____________________________________________________, estando ciente
dos motivos apresentados e do compromisso firmado para o uso das informações
que estão sendo coletadas, aceito participar da pesquisa acima referida. Data: ___/
___ / 2007.
Assinatura:
________________________________________________________________
310
Apêndice3AnálisedeDiscurso:questionário
MNLM MLB CMP
1.quantas pessoas
estão vinculadas ao
movimento?
A coordenação está com 10
pessoas. Em relação a militância
existem centenas de pessoas nas
bases e participam de atividades
pontuais, como manifestações e
datas comemorativas do MNLM.
Em João Pessoa tem quatro
núcleos de base do movimento
que reúne 22 companheiros
A CMP é uma Central de
movimentos e sua base é formada
por entidades e não por pessoas.
Hoje têm 23 entidades filiadas;
2. quais os papéis
desempenhados
por essas pessoas?
Os coordenadores atuam na
própria coordenação do MNLM,
com poderes para elaborar planos
de trabalho (planejamento anual),
participam das decisões políticas
e negociações com o poder
público. Além de atuarem nas
bases onde moram, sendo a
maioria na periferia de João
Pessoa, também tem atuação em
outros municípios do Estado.
Cada núcleo tem um coordenador
e um secretário de finanças.
Atualmente, atuamos com mais
evidência nos bairros 13 de maio,
Miramar e Grotão
São filiados a CMP os mais
diversos movimentos: dos que
lutam pela moradia aos portadores
de deficiência, passando por
movimentos negro, GLBT, de
cultura, comunitário e de
juventude
3. que projetos já
foram realizados
pelo movimento?
Projeto em parceria com
instituições não governamentais e
governamentais, instituições
filantrópicas, religiosas e
privadas. Projeto com o
Ministério das Cidades e Caixa
Econômica Federal, Prefeitura de
João Pessoa e Governo do Estado
para construção de casas: Crédito
Solidário. Projeto social de Ação
Integrada para sensibilizar
(conscientizar) e mobilizar as
comunidades, em parceria com a
Arquidiocese, através da Asa
(Ação Social Arquidiocesana),
financiando pelo Misereor, uma
instituição Alemã, durou 3 anos,
até a chegada do atual bispo: Dom
Aldo. Projeto em parceria com
Saelpa, com objetivo de
conscientizar os moradores dos
condomínios do Valentina (É Pra-
Morar), com relação ao uso
racional de energia elétrica e
negociação de dívidas. Projeto em
parceria com o CCFD (Comitê
Católico contra a Fome e pelo
Desenvolvimento), uma
organização Européia que há anos
financia o MNLM.
Já promoveram dois encontros
estaduais de habitação popular,
um sobre o Estatuto da cidade e
três cursos de formação política;
Já promovemos diversos
seminários e cursos de formação
política – entre eles destacamos
os encontros de habitação,
organicidade, estatuto da cidade e
o seminário sobre gênero
4. perspectivas
quanto ao futuro
da cidade?
Contribuir para reduzir o déficit
habitacional e melhorar a
qualidade de vida das pessoas que
moram na periferia, com
melhorias de infra-estrutura e
urbanização, assim como
melhoria para toda cidade com
uma política de reforma urbana.
Acreditamos na construção de
uma cidade melhor a partir do
momento em que a lógica do
lucro for substituída por uma
política que atenda à uma vontade
da população. Sem isso a cidade
continuará sendo um espaço de
conflitos e exclusão;
Acreditamos que à medida que
aumenta a participação popular na
definição dos rumos da cidade,
estaremos mais próximos da
cidade que queremos. Hoje, nos
preocupa a ausência de uma
política de Estado que possibilite
essa participação
5. locais aonde
atuam e por que
nesses locais e não
em outros?
Atua na periferia, ou seja, onde se
encontram os mais excluídos da
sociedade, um público que não
tem acesso a moradia digna e
qualidade de vida. Trata-se de
Atuam em comunidades pobres,
bairros populares, vilas e favelas.
Atuamos nesses locais porque
acreditamos na força do pobre
organizado e na sua capacidade de
A CMP atua por meio dos
movimentos a ela filiados
311
famílias carentes, sem-teto,
faveladas, discriminadas pela
sociedade e abandonadas pelo
Estado (poder público), por isso a
necessidade de atenção prioritária
a esse público, que corre risco de
despejo e necessita de
organização para lutar pelos seus
direitos.
transformar a realidade.
6. participação no
debate sobre a
produção da
cidade?
Tem atuação no Fórum Estadual
de Reforma Urbana, participa de
encontros regionais e nacionais,
elaborando diretrizes para
implementar nas cidades onde
tem atuação. Além desses espaços
luta para participar de todas as
conferencias das cidades,
seminários, congressos e outros
eventos que traçam propostas para
implementar políticas de
desenvolvimento urbano.
Também participa de audiências
públicas e sessões no legislativo.
Porém as formas mais eficientes
para intervenção nas cidades têm
sido as mobilizações de protesto,
reivindicando melhorias
habitacionais. Trata-se de pressão
com negociação.
Participam do debate da
conferência das cidades desde
2003, do Fórum Estadual de
Reforma Urbana e temos um
membro do movimento no
conselho nacional das cidades e
no núcleo de revisão do plano
diretor da cidade de João Pessoa.
Atualmente participamos
ativamente da construção da
conferência municipal/estadual da
cidade e fazemos parte da
comissão executiva da revisão do
plano diretor;
7. Principal
problema?
Moradia Falta de emprego
Falta emprego, moradia,
segurança, saneamento e
transporte
8. a sociedade
reconhece a
atuação do
movimento na
produção da
cidade?
Porque percebe o esforço do
movimento para melhorar a
cidade, fazendo intervenções que
são destaques na mídia, forçando
os governantes e atenderem
reivindicações que melhoram a
qualidade de vida dos mais
necessitados da cidade.
A sociedade não reconhece a
atuação do movimento porque
não oferece espaços democráticos
de participação popular na
construção da cidade e porque a
imprensa insiste em tratar de
forma discriminatória os
movimentos e as suas lutas;
Sim, entretanto este
reconhecimento não é suficiente
graças a falta de uma cultura
política que prestigie a
participação dos movimentos na
produção do espaço urbano.
8a. quem são os
movimentos
sociais?
ão MSUs: Movimento Nacional
de Luta por Moradia, União de
Moradia Popular (UNMP),
Movimento de Luta nos Bairros
(MLB), Central de Movimentos
Populares (CMP) e Movimento de
Luta pelo direito à moradia
São MSUs: Movimento Nacional
de Luta por Moradia, União de
Moradia Popular (UNMP),
Movimento de Luta nos Bairros
(MLB), Central de Movimentos
Populares (CMP) Movimento de
Luta pelo direito à moradia e
Federação Paraibana de
Associação de moradores
Movimento Nacional de Luta pela
Moradia (MNLM), União
Nacional de Moradia Popular
(UNMP), Movimento de Luta nos
Bairros (MLB), Central dos
Movimentos Populares (CMP),
Movimento de Luta pelo Direito à
Moradia, Federação Paraibana de
Associações de Moradores.
Existe outro? (8b)
não
Considera ainda como MSUs a
CONAM e o MTL
CONAM, MTL e MDM
9 que lugares vo
mais se identifica?
Lagoa (Parque Solum de Lucena)
e a Praça dos Três Poderes, pois
são lugares onde os movimentos
costumam realizar protestos
mobilizações populares.
Com a comunidade onde atuamos
e com a lagoa.
Com o centro histórico e com a
orla.
312
Apêndice4AnálisedeDiscurso:entrevistacomoscoordenadores
Como é a estrutura, composição e articulação do movimento?
MNLM CMP/MLB NDV
O movimento nasceu da pastoral da
Igreja Católica (1992) e resolveu
assumir uma posição independente
(1993) quando percebeu que a luta por
moradia não poderia ser restrita apenas
ao público católico uma vez que é uma
demanda da população em geral. O
movimento está presente em 22
Estados da Federação, em nove
municípios da Paraíba e em quase toda
a cidade de João Pessoa tendo em vista
a situação da cidade. A atuação está
voltada para o trabalho de formação e
conscientização das pessoas que
conquistam a moradia, além de treinar
os militantes para ser agentes
transformadores sendo isso feito
através de encontro estaduais nos
quais são feitos balanços da atuação.
Algumas pessoas pensam que o
movimento é uma empresa e se
associam pensando que vão ganhar
dinheiro, porém quando observam que
o trabalho é voluntário desistem. O
movimento possui um parceiro uma
entidade francesa (o Comitê Católico
contra fome e pela vida) que auxilia
financeiramente o movimento para
que este desenvolva suas
atividades.(p.1)
Originada a partir da organização de
pessoas que faziam parte do
movimento sindical, através da
ANAMPS (Articulação Nacional do
Movimento Popular e Sindical), a
CMP é uma entidade que tem por
objetivo unificar as lutas de todos os
movimentos sociais pela defesa de
políticas públicas originadas com a
participação desde o processo de
criação, embora possua também lutas
específicas. É organizada
nacionalmente e tem como um dos
principais princípios a diversidade
sendo composta por coordenadores.
Em João Pessoa, a CMP é composta
por sete coordenadores.(p.1)
Originado do SAMOPS (Assessoria
de Movimentos Populares) o NDV
luta pelos direitos humanos, mas
prioriza a questão do transporte
público que é uma demanda por
conta da natureza do bairro sede
(bairro dormitório) e se estrutura em
um regime presidencialista.(p.1)
A atual gestão tem se apresentado
disposta a atuar em parceria com os
movimentos. Enquanto ela tiver esse
posicionamento nós a apoiaremos, mas
quando deixar de fazer política a gente
vai bater na porta do governo seja ele
quem for. O Movimento está
desvinculado da CMP porque ela
deixou de fazer o papel que deveria
(Coordenadora) e passou a atuar como
movimento social. Isso não
impossibilita uma ação conjunta
quando for uma causa de interesse da
população uma vez que os
movimentos precisam deixar de olhar
apenas para os objetivos
particulares.(p.2)
O NDV surgiu para ocupar uma
lacuna deixada por outras
organizações e atua em toda a cidade
e tem como característica a luta pela
eficácia da política pública e não por
uma questão pontual como ocorre
com outros movimentos.(p.1)
Resultante de uma marcha realizada
em Brasília, a qual reuniu nove mil
pessoas, o crédito solidário
corresponde a um exemplo de
conquista dos movimentos de luta por
moradia uma vez que, através de
financiamento, favorece o acesso a
moradia a pessoas que recebem de um
a três salários mínimos. Como essa
313
conquista não contemplou as pessoas
que moram nas ocupações, por
ganharem menos do estabelecido,
houve novas mobilizações que
resultaram na aprovação da resolução
460. Pautada na parceria entre o
governo Federal e prefeituras essa
resolução garante o direito à moradia
para as pessoas mais pobres. Para o
movimento, as casas não devem ser
entregues de graça. Ao contrário, o
povo deve fornecer uma contrapartida
uma vez que fazendo isso estará
ajudando outras famílias a saírem
também da dependência do aluguel
sem ter que ocupar terreno. Para isso,
o movimento lutou para criação de um
fundo de habitação que possibilite
coordenar a política habitacional o
qual seria gerenciado pelos
movimentos sociais e pelo governo
municipal. A ocupação de terra é feita
por necessidade e não por gosto.(p.3)
314
A Cidade e seu potencial de atração
MNLM CMP/MLB NDV
Por todos terem vindo de uma mesma
origem (sem-teto) os coordenadores
tem um compromisso de sempre
colocar o movimento para frente. Para
isso, investem na formação. Acreditam
que atual gestão seja um governo que
faça a vontade do povo, especialmente
no que se refere a moradia.(p.4)
Por ser uma cidade grande, João
Pessoa é uma cidade bem vista pelas
pessoas, apesar de ter poucos pontos
clássicos. O mais importante é a
lagoa que, embora degradada, é um
espaço democrático.(p.1)
João Pessoa é uma cidade dividida:
de um lado é dos ricos (moradores da
praia e do centro), beneficiados pelas
políticas do governo; e do outro é
dos pobres que necessitam de ações
mais eficazes e deveriam ter pois, em
termos de quantidade, são os que
pagam mais impostos.(p.1)
No Brasil, a cidade é para alguns (os
mais ricos uma vez que o custo de
vida é muito alto). A falta de acesso é
motivada pela ausência de uma ação
mais efetiva do prefeito que, limitado
as exigências da própria legislação,
não tem conseguido resolver os
problemas da população mais pobre,
segregada na periferia. Um desses
problemas é a própria questão da
segurança. Embora João Pessoa seja
considerada uma cidade pacata quando
comparada a outras capitais. Contudo,
necessita de políticas educacionais e
de segurança pública para não se
transformar em uma cidade violenta
como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e
São Paulo.(p.4)
Contraditoriamente, o grande avanço
para o desenvolvimento de João
Pessoa (o investimento na melhoria
das vias de circulação) é também o
grande atraso ao não levar em
consideração que nesses locais
existem pessoas que necessitam de
uma atenção especial em termos de
qualidade de vida.(p.2)
Para o movimento, quem produz a
cidade são os grandes empresários que
a produzem para os ricos e classe
média sendo os pobres deixados para
trás o que torna importante dar
oportunidade para os pequenos
empreiteiros, mesmo a prefeitura não
concordando com isso. O movimento
tem interesse de ocupar áreas nobres
como a da praia como forma de
mostrar o descontentamento dos
pobres quanto a situação dos pobres.
Contudo, a legislação ainda se
apresenta como um problema uma vez
que favorece os grandes
empresários.(p.5)
A praia e o centro histórico,
especialmente a cidade baixa onde a
cidade nasceu, são os lugares mais
importantes de João Pessoa. A falta de
infra-estrutura, no entanto,
impossibilita um melhor uso do centro
histórico. Assim, a cidade baixa
deveria receber um melhor
investimento do governo para que a
cidade tivesse uma aceitação de
100%.(p.5)
315
A Cidade como produto dos seus habitantes: direitos e deveres na produção do espaço urbano
MNLM CMP/MLB NDV
Direito e dever são coisas
inseparáveis, mas a população é
apenas educada para exigir seus
direitos. Para alguns setores, como a
moradia, o direito é negado como
acontece com as pessoas que moram
nas ocupações e são privados do
direito a uma casa boa. É fundamental
que toda a família passe por um
processo de formação para que ela
saiba o que está ganhando, porque está
ganhando e quem foi que deu e porque
veio isso para ela e, assim, ela não
pensaria que veio de graça.
Infelizmente, a falta de recursos do
movimento impossibilita que sejam
feitas oficinas para impedir à prática
de venda do bem conquistado.(p.6)
A atual gestão fornece mais situação
de esperança do que a gestão do
governo do PSDB nas políticas e
estratégias do desenvolvimento
urbano, embora, na prática, não
esteja existindo uma transformação
radical uma vez que tem muitas
imposições por parte da prefeitura
quanto a questões como o local onde
as casas serão construídas ou o
próprio modelo de casa.(p.2)
Vivemos em uma sociedade
individualista imposta pela mídia e
pelos ricos e que dificulta a
realização de ações coletivas. O
sistema de transporte coletivo, por
exemplo, foi planejado para atender
o interesse dos grandes empresários
de ônibus.(p.2)
A própria dinâmica do movimento
favorece a melhoria de sua
participação, seja pela experiência
adquirida nas trocas com outros
movimentos; seja pelo próprio
aprendizado obtido na prática de
atuação.(p.2)
Os movimentos têm dificuldade de
agir de forma articulada devido ao
caráter individualista de cada um.
Por conta disso, existe dificuldades
de se obter ajuda em favorecimento
de uma luta. É por isso que o NDV
busca reivindicar o bom
funcionamento de qualquer política
pública não apenas criticando, mas
contribuindo.(p.2)
A política pública e o planejamento urbano: o que deve ser considerado como estratétigo
MNLM CMP/MLB NDV
A partir da década de 1990 os
movimentos sociais têm se preocupado
em ocupar os espaços públicos,
especialmente à Assembléia Legislativa,
e de participar do debate sobre o
planejamento urbano, a exemplo da
participação no debate sobre a Lei de
Diretrizes Orçamentário, embora muitas
vezes isso seja difícil pois têm questões
que os movimentos não conseguem
entender o que está sendo debatido.(p.7)
Todo o movimento deve lutar para a
melhoria de vida da população. Os
maiores problemas são nas áreas
pobres uma vez que os investimentos
são localizados nas áreas nobres da
cidade que desperta o interesse da
construção civil e dos empreendedores
por se tratar de áreas que possibilitam
um maior lucro. Isso ocorre porque
João Pessoa é uma cidade que vem
sendo formada para melhorias nas
condições de vida de quem tem
dinheiro e de quem financia as
campanhas, enquanto o pobre
permanece na miséria.(p.3)
A gestão anterior fez muitos projetos,
mas não os tirou do papel, ao contrário
da gestão atual que vem executando
ações, especialmente para os pobres. O
movimento, no entanto, continua com
reservas uma vez que é apenas a favor
da política pública.(p.3)
A atual gestão municipal tem se
preocupado muito com a qualidade,
especialmente nos setores de transporte
público e habitação que vem sendo as
prioridades.(p.7)
Assim como ocorre em todo o Brasil, a
principal demanda de João Pessoa é por
moradia e infra-estrutura urbana,
especialmente nas localidades mais
pobres resultando na formação de
favelas. Com a criação das ZEIS esse
problema poderia ser resolvido. Porém,
devido a falta de uma participação dos
movimentos interfere, as ZEIS não têm
resolvido o problema.(p.3)
316
Atuação dos Movimentos Sociais Urbanos
MNLM CMP/MLB NDV
O movimento se inicia a partir da
necessidade de melhorar a comunidade
não tendo, portanto, a preocupação
com questões mais gerais como
religião, etnia. A participação só vem
a se concretizar na atual gestão sem,
no entanto, deixar de fazer cobranças
ao governo através de propostas de
plano de trabalho exigindo o
cumprimento do prometido. Um
problema que se observa é que alguns
movimentos estão dependendo de
político o que torna questionável a
consideração dos mesmos como
movimentos sociais urbanos, além da
dificuldade de atuarem em conjunto. A
CMP deveria auxiliar nisso se
exercesse o papel para o qual foi
criada: a de articuladora. O resultado é
que estão sendo formados muitos
movimentos sem se quer ter uma
bandeira de luta: hoje, qualquer um
que ser movimento social.(p.8)
O número de movimentos
envolvidos com a questão urbana
tem aumentado devido ao déficit
habitacional e ao interesse do povo
em se organizar e luta para a
conquista de uma cidade melhor. Os
movimentos que mais têm crescido
são aqueles envolvidos com a
questão da moradia. A articulação
desses movimentos tem sido obtida a
partir da criação do Fórum Estadual
de Reforma Urbana, criado durante a
Conferência das Cidades. (p.4)
O MNLM vem deixando de ser um
movimento forte na medida em que
seus membros vão sendo cooptados
pelo poder público que faz isso como
estratégia para evitar novas
ocupações.(p.3).
Os movimentos sociais urbanos são
aquelas organizações que não se
limitam em sua escala de ação uma
vez que lutam pela conquista de
direitos de uma coletividade e não de
alguns segmentos espaciais.(p.9)
Ao contrário da gestão anterior que
inibia a formação de movimentos,
embora não tenha conseguido, pois a
opressão serviu de estímulo a
organização e mobilização, a atual
gestão busca estreitar os laços com
os movimentos. Para isso, tem
estimulado a participação de pessoas
originadas do movimento na própria
gestão. (p.4)
Os movimentos não conseguem
atuar em toda a cidade e são poucos
que estão organizados. O
individualismo e a cooptação
historicamente implementado inibe a
participação popular sendo poucas as
pessoas dispostas a atuar
coletivamente e os organismos que
são para defender, não
defendem.(p.3)
Ao buscar sempre a articulação o
MNLM exerce, algumas vezes, a
função que deveria ser exercida pela
CMP e busca sempre investir na
qualificação dos seus membros (p.9)
Os movimentos sociais urbanos de
João Pessoa possuem objetivos
comuns, embora estes sejam
expressos de forma diferenciada uma
vez que tais movimentos apresentam
posturas políticas diferenciadas. Tais
diferenças políticas dificultam a
criação de uma unidade. Esta
unidade, por sua vez, apenas se
concretiza com a experiência obtidas
nas lutas pela obtenção de um
mesmo objetivo: conquista da
moradia. (p.5)
O NDV tem se preocupado com
questões da cidade e não apenas do
bairro de Valentina. (p.4)
A forma de atuação do movimento é
focalizada uma vez que atuam apenas
em alguns bairros da periferia (Treze
de maio, Miramar, Cruz das Armas e
Rangel). Na medida em que o número
de militantes vai crescendo, cresce
também os espaços de atuação. (p.5)
O MNLM é um dos movimentos
mais fortes de João Pessoa (p.4)
Considera os movimentos a partir de
suas práticas. (p.5).
317
Metas para se atingir o desenvolvimento urbano da cidade
MNLM CMP/MLB NDV
A questão habitacional é o principal
problema da cidade pois se constitui
como o elemento essencial para a
sobrevivência das pessoas (p.9).
A prioridade da ação do movimento
é a socialização da infra-estrutura
justamente para a área periférica que
constitui o espaço mais favorável a
expansão urbana. Caso essa
expansão não venha acompanhada
de investimentos em infra-estrutura,
a tendência é que aumente o número
de favelas na cidade (p.6).
O cumprimento da lei, inclusive por
parte da prefeitura, propicia o
ordenamento urbano. A moradia é
que mais sofre com o
descumprimento da lei devido ao
crescimento populacional (p.4)
Mesmo em uma gestão de esquerda a
relação entre a gestão e o movimento
depende do aceite da prefeitura no
que se refere ao reconhecimento do
movimento e da ação prática do
movimento no sentido de pressionar
para que esse reconhecimento se
concretize uma vez que a prefeitura
precisa do apoio do movimento para
defender a política urbana de acordo
com que o movimento almeja.(p.6)
O direito à cidade é concedido para
quem tem dinheiro. O pobre tem que
ficar isolado, preso ao próprio bairro
sem poder contar com infra-estrutura
adequada. A tarefa do movimento é,
portanto, organizar as pessoas para
lutar, apesar do movimento ainda ser
desconhecido na cidade uma vez que
não atua em toda à cidade (p.7)
Considerações finais sobre a atuação do movimento
MNLM CMP/MLB NDV
O movimento deve acompanhar a ação
do governo e reivindicar quando é
necessário, especialmente no que se
refere a questão da moradia que,
embora não seja a única, é a principal
bandeira do movimento. Existem
discordâncias políticas entre os
movimentos e estas devem ser
superadas e serão a partir do momento
em que os movimentos deixem de
olhar para si próprios (p.10)
Devido a falta de informação, existe
uma incompreensão sobre o que seja
o movimento e isso não vem mais do
poder público, mas da educação que
recebemos. A sociedade tem hoje um
importante papel de protagonizar
uma transformação radical na
sociedade e essa transformação só
vai se dá a partir do momento que as
pessoas atuarem coletivamente (p.7)
318
Apêndice5AnálisedeDiscurso:entrevistaentreoscoordenadores
Muito se diz que a cidade de João Pessoa é uma cidade tranqüila e boa para se morar. Será que isso pode ser
tomado como um fato?
MLB
João Pessoa é uma cidade tranqüila?
Id1. João Pessoa é uma cidade boa de
se morar (tranqüila) para as pessoas
com melhor poder aquisitivo e não
tão boa para as comunidades mais
pobres.
Id2. João Pessoa não seria uma
cidade agradável de se morar por
conta das condições de moradia das
pessoas mais pobres.
É difícil você dá uma opinião generalizada. Eu acredito que João Pessoa
pode ser considerada, de fato, uma cidade tranqüila, boa de se morar para
certos setores da sociedade. Já para outros setores, eu não posso responder
isso e acredito que não seja verdade. Por exemplo: se você chega em um
bairro nobre da cidade de João Pessoa, em um bairro de classe média, e vai
fazer essa pergunta a um morador desse bairro ele vai dizer que sim, que a
cidade é tranqüila, uma cidade agradável de se morar. Agora, se você para
um morador de lá da comunidade da Boa Esperança e vai perguntar a
mesma coisa ele vai dizer não, porque meu bairro é um bairro
extremamente violento. Eu acredito que você tem que ter essas duas
visões. Para parte da sociedade, de João Pessoa é uma cidade boa, então a
resposta é afirmativa. Para outro setor, que é um setor que eu não tenho
dados estatístico então eu não posso dizer que é maioria, que é o setor
majoritário, mas é um setor que vem crescendo, a resposta é negativa. Não
dá para dizer que João Pessoa é uma cidade agradável de se morar por
conta das condições de moradia dessa pessoa, do local em que essa pessoa
mora e outras coisas. a cidade é construída por esses dois setores: um
setor que vive bem; que vive de forma agradável e que a maioria dos
recursos públicos é voltado para melhorar ainda mais as condições de vida
desse setor; e de outro lado tem um setor que é cada vez mais abandonado
pelo poder público; pela própria sociedade que vai caminhando cada vez
mais para o fundo do poço.
Id3. A maioria dos recursos públicos
é voltado para melhorar ainda mais
as condições de vida dos mais ricos
enquanto os mais pobres ficam cada
vez mais abandonados pelo poder
público e pela própria sociedade.
João Pessoa é considerada uma cidade boa de se morar apenas para a parcela da população economicamente mais
favorecida o que faz com que os recursos públicos sejam destinados para esse seguimento implicando em
melhorias das condições de vida do mesmo. Para os pobres, além de insegura não agradável, as péssimas condições
de moradia desfavorece uma boa qualidade de vida.
MNLM:
João Pessoa é uma cidade tranqüila?
Id1. Se comparada a outras capitais,
João Pessoa é considerada uma
cidade pacata e a violência existe
tanto para os ricos como para os
pobres.
Id2. Existe a necessidade de se ter
uma atenção especial do poder
público com relação as comunidades
mais carentes no sentido de
transformar a crise atual e permitir
que eles se sintam incluídos.
Olha, de uma certa forma eu discordo. João Pessoa, especificamente, é
uma cidade boa de se morar. É uma cidade pacata. Claro que existe
violência. Agora, se existe violência de um assassinato; de violência
corporal, que está enraizada em alguns setores da sociedade. Essa questão
da violência corporal tanto está incorporada nas comunidades pequenas
quanto na sociedade elitizada. Eu queria colocar que existe um certo
preço por parte do poder público para o qual vão essas comunidades
carentes porque elas têm que ser tratadas com algo diferencial: tanto na
área da educação quanto na área da infra-estrutura, na área social, no
sentido de transformar a crise da gente; fazer com que eles e elas façam
parte da sociedade, não viva só na sociedade. Eu tenho também a certeza
de que a cidade de João Pessoa não se compara ao Recife; Rio de Janeiro;
São Paulo.... Claro, violência existe. Se a gente dizer que a Paraíba não
tem violência a gente estaria invertendo as situações. Agora eu quero dizer
que João Pessoa ainda está uma cidade muito pacata. Claro que por conta
da ausência desses instrumentos que eu coloquei fazem com que essa
violência venha aumentando mais na área da juventude onde o governo do
Estado, o governo Federal, o governo municipal teria que está criando uma
política para que esses jovens saia desse local...dessa situação. Vejo por aí.
Id3. Deve ser dada uma atenção
especial aos jovens uma vez que a
falta de infra-estrutura torna-os as
principais vítimas.
Se comparada a outras capitais, João Pessoa é uma cidade pacata e a violência existe tanto para os ricos, os
principais alvos. Existe a necessidade de se ter uma atenção especial do poder público com relação as comunidades
mais carentes no sentido de transformar a crise atual e permitir que eles se sintam incluídos, especialmente para os
jovens que se tornam as principais vítimas da falta de infra-estrutura.
319
Qual a sua posição no que se refere a busca incessante por se criar uma imagem que identifique a cidade como por
exemplo o título de cidade mais verde do mundo.
MNLM
O que você acha da imagem criada
para João Pessoa como sendo a cidade
mais verde do Brasil?
Id1. Os governos não permitem que
os movimentos sociais participem do
desenvolvimento do Estado e da
cidade e os movimentos precisam
desse reconhecimento.
Id2. João Pessoa é uma ótima cidade
e considera-la a cidade mais verde do
Brasil é um elogio muito grande.
Os governos fazem com que os movimentos sociais não participem do
desenvolvimento do Estado e da Cidade. Entendemos que João Pessoa é
uma cidade ótima. É uma cidade verde. Defendemos a questão do meio
ambiente eu vejo que ainda faltam muitas coisas, por exemplo, o governo
municipal, o governo estadual, ele tem que reconhecer os movimentos
sociais para que isso venha se tornar mais presente porque criou-se um
dilema que João Pessoa é a cidade mais verde do Brasil. Isso para gente é
um elogio muito grande. Agora, o que é que o Estado, o que é que a
prefeitura está fazendo para que isso venha se tornar mais presente? e aí
aonde é que o Estado está considerando a participação dos movimentos
sociais, das organizações sociais que trabalham com a questão social do
município. Por que? o MNLM, seção Paraíba, trabalha mais com a
questão da moradia em si, não é? Mas, a gente não luta só pela moradia.
Luta por transporte, por saúde, pela cidade mais verde para que ela
continue, mas eu vejo que ainda falta muito....o governo considerar que
esse movimento participe também das decisões municipal e estadual
Id3. O MNLM da Paraíba não se
limita apenas a luta por moradia, mas
por outras demandas da cidade.
João Pessoa é uma ótima cidade e considera-la como a cidade mais verde do Brasil é um grande elogio. Os
problemas existentes não são apenas da moradia e cabe aos governos considerar os movimentos como atores
importantes no desenvolvimento da cidade, coisa que não vem sendo feita.
MLB
O que você acha da imagem criada
para João Pessoa como sendo a cidade
mais verde do Brasil?
Id1. O fato de ser considerada a
cidade mais verde do Brasil é
importante na medida em que o verde
está cada vez menos presente nas
grandes cidades.
Id2. A consideração de João Pessoa
como cidade mais verde é voltada
para atender o interesse dos grandes
empreendedores do que atender a
necessidade da população.
O fato de João Pessoa ser o ponto mais oriental das Américas não influi em grande
coisa no dia-a-dia da cidade. Já o fato dela ser a cidade mais verde do Brasil é um
fato mais importante porque influi numa sociedade onde o verde é cada vez menos
presente nas grandes cidades, então algo importante porque cria de fato um
diferencial. Agora eu acho que o estardalhaço em torno desse fato se deve muito
mais para atender o interesse do setor imobiliário, do setor hoteleiro, do setor de
turismo do que para proporcionar bem estar para a população. Essa propaganda em
torno desse fato de João Pessoa ser uma cidade verde se dá mais para atender esses
interesses econômicos: atrair mais interesses externos na cidade e atender, dessa
forma, esses interesses econômicos. Agora eu acho que assim, tomado
isoladamente, não dá para você ter uma opinião única em torno da pergunta se João
Pessoa é ou não uma cidade agradável; se João Pessoa é uma cidade boa ou não.
Essa resposta fica facilitada a partir do momento que você compara ela com outras
cidades: a Recife, a São Paulo; se você comparar João Pessoa a Campina Grande.
Eu acho Campina Grande muito mais agradável que João Pessoa. João Pessoa é
uma cidade melhor de se morar do que São Paulo; Belo Horizonte; do que Rio de
Janeiro, por exemplo. Agora, a partir do momento em que se toma João Pessoa de
forma isolada, sem se comparar com outras cidades, eu acho difícil você ter uma
resposta única para a pergunta se João pessoa é ou não uma cidade agradável. Aí,
tomando isoladamente, João Pessoa você tem que levar em conta a opinião de
várias camadas populares que existem em João Pessoa e que vivem de forma
diferente. Não há essa uniformidade da forma de viver dentro de João Pessoa
Id3. Se comparada a outras cidades
João Pessoa é uma ótima cidade,
mas, se analisada individualmente,
tem que levar em consideração as
várias camadas populares.
O fato de ser considerada a cidade mais verde do Brasil é importante na medida em que o verde está cada vez
menos presente nas grandes cidades. Porém, a importância disso é mais para atender aos interesses dos grandes
empreendedores. Se comparada a outras cidades João Pessoa é uma ótima cidade, mas, se analisada
individualmente, tem que levar em consideração as várias camadas populares.
320
MNLM
O que você acha da imagem criada
para João Pessoa como sendo a cidade
mais verde do Brasil?
Desde a década de 1970 a sociedade não organizada elas ocupavam ou
ocupam até hoje esses lugares por exemplo beira de maré; beira de
lago;....e aí assim, hoje as piores coisas, as situações mais desagradáveis
estão justamente nesses lugares que deveriam ser preservados tanto é que
existe um projeto para que venha se trabalhar o Porto do Capim aonde
nasceu a cidade de João Pessoa como um todo, mas aí, até lá, como essas
famílias estão vivendo? Quando dá uma certa chuvinha as casas se
alagam; os rios traz todos os dejetos que são colocados na maré. O que o
governo do Municipal está fazendo para retirar essa família de lá para que
venha se tornar essa cidade mais verde? Não basta só o verde por verde,
tem que ter o verde, mas tem que ter também a qualidade de vida.
Id1. Enquanto se associa João Pessoa
como cidade mais verde, as piores
situações de pobreza se encontram
nas comunidades pobres o que
compromete a qualidade de vida da
população mais carente.
Enquanto se associa João Pessoa como cidade mais verde, as piores situações de pobreza se encontram nas
comunidades pobres o que compromete a qualidade de vida da população mais carente.
MLB
O movimento Social e a produção do
espaço
Id1. O slogan de cidade mais verde é
político cuja intencionalidade é
justificar a necessidade de
permanência do verde como forma
de inibir a ocupação desordenada e
os interesses predatórios do setor
imobiliário criando para isso um
imaginário social: cidade mais verde
do Brasil.
Id2. A defesa de cidade mais verde
não está sustentada como forma de
proporcionar o bem estar da
população, mas para atender o
interesse do empreendedorismo.
Você cria um argumento para combater os interesses predatórios do setor
imobiliário na cidade de João Pessoa. Por exemplo: há uma área verde que
querem desmatar para construir um condomínio, então você poderá dizer:
“hora, como vamos desmatar uma área verde na cidade de João Pessoa se
João Pessoa vive do slogan de ser a cidade mais verde do mundo?”
Argumento político para você barrar essa questão do desmatamento da
ocupação desordenada; entendeu? eu acho que desse ponto de vista é algo
importante porque cria no imaginário popular e cria na sociedade, de uma
forma geral, a compreensão de que nós temos que defender o verde pra
fazer que João Pessoa permaneça nesse status de cidade mais verde do
Brasil e a segunda mais verde do mundo. Do outro lado, eu acho que de
certa forma é negativo porque primeiro eu acredito que não se mantém
João Pessoa como a cidade mais verde do mundo com esse objetivo de
proporcionar bem estar para a população. Não há a compreensão de que
nós temos que preservar o verde de João Pessoa porque o povo de João
Pessoa merece viver numa cidade agradável. Nós temos que manter o
verde de João Pessoa e esse slogan que João Pessoa é a cidade mais verde
do Brasil porque isso vai despertar os interesses dos turistas; isso vai
despertar os interesses das grandes empresas de construção civil; porque a
partir disso eles vão querer construir João Pessoa; vão querer visitar João
Pessoa; isso vai dar mais retorno pra o empresariado do turismo; para o
empresariado do setor imobiliário e tudo mais, então você acaba
preservando o verde para atender os interesses de um setor minoritário da
sociedade que é esse setor empresarial ao invés de você preservar o verde
no sentido de você proporcionar, a partir disso, o bem estar; uma cidade
mais agradável para se viver para o conjunto do povo. Você impedir essa
ocupação desordenada que já existe em outras cidades e é ruim porque
você acaba fazendo com que esse jargão você ganha a sociedade toda para
defender esse jargão, mas na verdade é um jargão que é defendido não pra
proporcionar bem estar pra todo mundo, mas pra garantir os interesses de
uma parte reduzida da população.
Id3. Impedir a ocupação com
justificativa neste jargão é ruim na
medida em que o que está por trás é o
interesse da minoria.
O slogan de cidade mais verde é político e tem como intenção justificar a permanência do verde como forma de
inibir a ocupação desordenada e interesses predatórios do setor imobiliário criando este imaginário social voltado
para atender o interesse do setor empreendedor. Assim, impedir a ocupação como justificativa neste jargão é ruim
na medida em que está por trás é o interesse da minoria.
321
MLB
O movimento social e a produção do
espaço
Eu vejo pouca atuação do movimento nesse sentido. Talvez isso aconteça
por conta dessa fragmentação que existe entre os movimentos. falta uma
atuação conjunta do movimento de moradia nessa questão...há
movimentos ambientalistas que evidentemente discutem isso, agora um
movimento urbano de moradia a atuação deles nesse sentido, nesse setor, é
insuficiente; quase inexistente
Id1. A pouca atuação dos
movimentos de luta por moradia
decorre da ausência de uma atuação
conjunta.
A pouca atuação dos movimentos de luta por moradia decorre da ausência de uma atuação conjunta.
MNLM
O movimento social e a produção do
espaço
Id1. A cidade está crescendo e a
quantidade de movimentos é
insuficiente, em particular pelo fato
dos membros terem outros
compromissos.
Id2. O movimento de luta por
moradia defende que as ações de
ocupação seja nas proximidades do
centro da cidade.
A cidade de João Pessoa está crescendo. Os movimentos ainda continuam
pouco pra a demanda porque muito das pessoas que estão em movimentos
são pessoas que vivem desempregados. São pessoas que estudam. O
Movimento Nacional, a cinco anos atrás, nós estamos trabalhando
exatamente essa temática: não ocuparmos áreas periféricas. Tem que ir
para o centro da cidade. Tem que ir, sabe, para o meio das elite mesmo.
Tem que dar uma de ousado. Nós estamos trabalhando essa questão de
está ocupando esses espaços ociosos dentro da cidade, um acordo que a
gente fez com a empresa que está construindo as casas é que cada morador
que for para sua casa a empresa estará dando pra ela uma planta para que
ela plante na frente da sua casa mas, não é qualquer planta. É uma planta
que venha servir, também, de alimentação para aquela família. Não é só
uma planta pra servir de sombra ou para manter o verde, mas também que
ela venha trabalhar com isso. Então isso é algo que está acontecendo e nós
trabalhando isso aí. A entrega vai ser no dia 25 de janeiro....é no
Grotão...chamado Colina do Sul.
Id3. O movimento se preocupa com
os espaços ociosos e defende o
plantio de árvores frutíferas que sirva
de alimento da população.
A cidade está crescendo e a quantidade de movimentos é ainda insuficiente, em particular pelo fato dos membros
terem outros compromissos. O movimento de luta por moradia defende que as ações de ocupação sejam nas
proximidades do centro da cidade, preocupando-se com os espaços ociosos e defendendo o plantio de árvores
frutíferas que sirva de alimento da população.
322
MLB
Produção da cidade e o diálogo entre
os atores sociais.
Id1. O intercâmbio entre a prefeitura
e a sociedade civil organizada é ainda
recente através do estabelecimento de
canais de diálogo.
Id2. A Conferência das Cidades é o
instrumento que tem propiciado este
intercâmbio, embora ainda seja um
espaço pouco aproveitado,
especialmente em João Pessoa.
Acho que durante muito tempo não houve esse intercâmbio, esse canal de
comunicação entre o poder público e a sociedade organizada ou a
sociedade de uma forma geral. Acredito que de dois anos para cá houve
alguns avanços com a questão do orçamento democrático que eu
particularmente acho algo muito limitado ainda, mas do ponto de vista de
você comparar com o que havia antes é um avanço. Então eu acho que
houve algum avanço nesse sentido: de estabelecer esses canais de diálogo
de discussão entre a sociedade e a sociedade organizada e o poder público
municipal. A Conferência das Cidades ajuda nesse debate de estabelecer
esse canal apesar de como a gente estava falando no começo é um espaço
que é ainda muito pouco aproveitado e é dado muito prestígio no sentido
que você discute, discute, discute, mas na hora de colocar em prática você
pouco coloca em prática; poucas resoluções são concretizadas acho que no
sentido de haver plenamente, do ponto de vista do poder público, o
estímulo e a promoção da participação popular e ao mesmo de haver por
parte da sociedade a plena consciência de que é um cidadão e de que é não
apenas um mero habitante, mas é um ator social; um a gente que contribui
para a construção da cidade. Acho que essa visão; essa concepção ainda
não existe em João Pessoa; nem por parte da sociedade; nem por parte do
poder público, apesar dos avanços que houveram de dois anos pra cá, mas
eu acredito que ainda não há plenamente desenvolvido essa concepção em
João Pessoa como há em outras cidades, onde a participação popular é
maior; onde o estímulo a participação popular por parte do poder público
também se dá de forma mais evidente.
Id3. As poucas decisões tomadas a
partir das discussões na Conferência
das cidades decorre da ausência de
estímulos a participação popular e da
falta de consciência do cidadão
quanto a sua importância como ator
social.
Apenas com a Conferência das cidades é que se iniciou um processo de relação entre a prefeitura e a sociedade
civil organizada, mas em João Pessoa esse espaço ainda é pouco utilizado, especialmente no que se refere a
decisões a partir dos debates estabelecidos: seja pela falta de um maior estímulo à participação popular; seja pela
própria consciência do cidadão quanto a sua capacidade de se tornar um ator social.
323
MNLM
Produção da cidade e o diálogo entre
os atores sociais.
Id1. A atual gestão municipal
diferencia-se das anteriores pois, pela
primeira vez, se tem uma gestão que
está disposta a escutar os
movimentos sociais
Id2. Os movimentos sociais não estão
sabendo se utilizar desse processo e
precisam se apoderar desse espaço de
diálogo, especialmente pela atuação
não se limitar a escala municipal.
O governo municipal não se compara a outros governos que já passaram
por aqui. É um governo que de uma certa forma tem escutado os
movimentos sociais; tem escutado a sociedade como um todo nessa forma
aí do orçamento democrático porque que já viu na história de João Pessoa
as comunidades; o governo se preocupar de vir para a comunidade; de se
colocar a disposição; de dizer olha, diga aqui os problemas, mesmo que a
gente não resolva,mas a gente está escutando. E aí foi criado isso aqui em
João Pessoa. E aí eu acho que os movimentos sociais a gente não está
sabendo utilizar-se desse processo, ou seja, a gente infelizmente quem já
viu na história da cidade de João Pessoa você entregar o PPA a câmara
municipal aonde se faz todo um relatório a um orçamento X. Claro que
ainda falta muita coisa, por exemplo, ali a sociedade precisava saber
quanto é que um prefeito ganha....quanto é que sai, isso é uma forma de
controlar e da sociedade saber quanto é que cada gestor está recebendo pra
executar aquela função. Eu vejo isso como um ponto importante e aí eu até
digo que os movimentos sociais têm que se apoderar disso para que isso
saia da questão municipal e vá para questão estadual, por que? Porque
diversos movimentos não vive só em João Pessoa, não tem atuação só em
João Pessoa, não é? Então eu vejo que isso está sendo bom para cidade de
João Pessoa como um todo. Claro que falta muita coisa para melhorar.
Outra coisa, a sociedade não estava apta a participar disso. É algo novo
que vem para a sociedade..
Id3. Falta ainda muita coisa para
melhorar uma vez que a sociedade
ainda não está ainda apta a participar
disso uma vez que ainda é algo novo.
A atual gestão municipal diferencia-se das anteriores porque, o poder público está disposto a escutar os
movimentos sociais, o que tem sido dificultado pela falta de uma maior experiência de ação participativa por parte
da sociedade, inclusive os próprios movimentos que não estão sabendo se utilizar desse processo e precisam se
apoderar desse espaço de diálogo, especialmente pela atuação não se limitar a escala municipal.
MLB
Sobre a participação do movimento na
administração pública.
Id1. Observa a possibilidade de
participação na administração
pública como sendo uma coisa boa se
a administração for de uma gestão
que estimule; que promova a
participação popular.
Eu não sou contra que o movimento participe de administração pública.
Particularmente eu defendo que, de certa forma, é bom.. Agora eu acho
que tem que ser de uma administração de um governo que ele estimule;
que ele promova a participação popular e que ele seja de fato um governo
popular e democrático, digamos assim. Agora se for no sentido de você
chamar as lideranças do movimento para participar da administração com
o objetivo de cooptar esses movimentos, ou de você minimizar a atuação
dos movimentos ou de você paralisar de certa forma o movimento por
conta do movimento está na administração pública, eu acho isso
extremamente negativo pra o movimento e pra a sociedade de uma forma
geral porque a partir do momento em que você coopita o movimento pra
dentro da administração pública você priva a sociedade, principalmente o
povo pobre de lideranças e eu acho que nesse ponto de vista isso é ruim a
partir do momento que o movimento participa mas o movimento participa
com voz; com poder de decisão; com poder de intervenção na
administração pública. Eu acho extremamente positivo. Agora, a partir do
momento que o movimento participa por participar sem ter poder de
decisão, sem ter poder de interferência, nas decisões do governo eu acho
ruim porque, na verdade, os movimentos não estarão cumprindo nenhum
papel essencial dentro da administração e a população pobre que é a mais
carente é a que o movimento trabalha vai, de certa forma, se sentir carente
desse tipo de representação.
Id2. A participação na administração
é negativa quando o a inclusão dos
líderes é no sentido de cooptar ou
minimizar a atuação do movimento e
positiva quando permite que o
movimento exerça sua condição de
ator social participando das tomadas
de decisões.
A participação do movimento na administração pública pode ser positiva e negativa. Positiva quando é dado
permissão para que o movimento exerça sua autonomia e participe da tomada de decisão. É negativo quando a
administração tem como objetivo de minimizar a atuação do movimento a partir da cooptação do movimento.
324
MNLM
Sobre a participação do movimento na
administração pública.
Id1. Os movimentos se sentem
responsáveis pela a atual gestão
participando inclusive do debate
sobre o planejamento da questão
política da cidade.
Id2. Tem interesse de participar, mas
não de ser cooptado uma vez que a
participação dos movimentos sociais
é importante se os movimentos forem
livres.
Esse foi o maior nó entre os movimentos sociais porque nós, os movimentos
sociais, foi eles que deram origem a essa administração que está aí. Foi nós que
sentamos e fizemos todo o planejamento da questão política da cidade. Então eu
acho importantíssimo que os movimentos sociais vá pra dentro para governar,
agora com essa responsabilidade que Heron colocou: nós temos que estar dentro
não pra ser cooptado nós temos aqui uma representação da CMP e com isso a
CMP não pode mais fazer uma ocupação aqui porque tem essa representação. A
gente vem lutando pra que aquilo que a gente estamos sofrendo na pele, aquilo se
torne realidade no sentido de mudança. Aí a gente deve indicar justamente outras
pessoas que não viveram o processo, que não sabem o que é aquilo que vai pra
dentro pra primeiro conhecer e depois executar. Eu acho isso um pouco
complicado. Eu acho que o movimento nacional tem essa linha: nós indicamos
quatro pessoas do Movimento Nacional pra fazer parte do governo, certo? Elas
tinham aqui no movimento status de coordenação mas, a partir do momento que
foram para o governo deixaram de ser coordenação do movimento, mas se
tornaram militante essas pessoas que hoje estão lá no governo e que passaram pela
coordenação do movimento nós colocamos que: olhe, vocês vão pra lá com o
compromisso de fazer com que esse canal seja um canal aberto entre o movimento
e poder público mas, na hora em que o movimento entender que ocupar uma terra
da prefeitura, a gente vai ocupar. Na hora que a gente entender que tem que ir pro
rádio dizer que o prefeito não está fazendo certo, porque elas têm que entender que
tem um papel claro, se o governo não está fazendo a gente também tem que dizer.
Desde o momento que esse governo instalou-se aqui em João Pessoa eu ainda não
vi nenhum movimento fazer uma ocupação em certo departamento da prefeitura, a
não ser que seja um movimento que foi da outra administração que aconteceu
quando o governo passado, do Cícero Lucena, perdeu e aí eles começaram a se
organizaram em grupo e começaram a infernizar a ocupação. A participação dos
movimentos sociais está sendo muito importante. Claro que falta muita coisa ainda,
mas elas têm que estar lá com esse esclarecimento. Os movimentos eles têm que
ser livre. Se os movimentos deixam de ser livre porque está com um cargo lá num
sei aonde é melhor se retirar pra que ele não seja amarrado ao prefeito; ao
secretário.
Id3. A luta é para por fim as
dificuldades e obtenção de
mudanças.
Os movimentos se sentem responsáveis pela a atual gestão participando inclusive do debate sobre o planejamento
da questão política da cidade tendo para isto que evitar o risco de cooptação uma vez que a atuação tem que ser
livre de forma a por fim as dificuldades e obtenção das mudanças esperadas.
MLB
Dúvidas e curiosidades sobre a atuação
dos movimentos sociais.
Eu particularmente estranhei bastante quando o pessoal do movimento
entrou na prefeitura e saiu do cargo de coordenação do movimento, por
exemplo, José Martins, Entrou na prefeitura e deixou de ser coordenador.
Aí eu estranhei bastante. Eu particularmente acho errado. Acho que o
camarada estabelece uma relação muito melhor com o movimento a partir
do momento que ele é coordenador e ele é membro da administração
pública ao mesmo tempo e você vira membro da administração e sai da
coordenação do movimento você enfraquece essa ligação porque uma
coisa é você ter um simpatizante ou um militante na administração outra
coisa é você ter um membro da coordenação do movimento dentro da
administração. Acho que foi errado, mas é uma coisa do movimento e o
movimento tem autonomia de decidir e agora quando ele falou qual a
concepção do movimento nesse tipo de situação...pra mim tá
esclarecido....se eu tivesse uma pergunta a ele eu faria essa: por que o José
Martins e a Doraci saíram do movimento? da atuação do dia-a-dia do
movimento pra entrar na prefeitura, se eles não poderiam ter ficado ao
mesmo tempo dos dois?
Id1. É favorável a participação de
coordenadores do movimento como
membros da administração pública
pois fortalece a relação entre o
movimento e a prefeitura.
É favorável a participação de coordenadores do movimento como membros da administração pública pois fortalece
a relação entre o movimento e a prefeitura.
325
MNLM
Dúvidas e curiosidades sobre a atuação
dos movimentos sociais na prefeitura.
A gente temos essa metodologia de trabalho. Você foi indicada pra
participar do governo, ótimo, parabéns! Então você vai servir de ponte pra
o movimento nacional e pra outros movimentos se for o caso. Tem outros
movimentos aí que as vezes dizem assim: puxa vida, em todos os cargos lá
tem gente do Movimento Nacional!? vocês parece que querem tornasse
donos da prefeitura. Não é isso. Agora, entendemos que é importante que a
gente indique. O governo vai analisar se fulano é bom; se não é; se dá, se
não dá. Agora, a partir do momento que você sai daqui pra servir a outra
organização, o governo especificamente, aqui tem pessoas que participam
de outras entidades; elas não deixam de ser coordenadores do movimento.
Mas a partir do momento que vai pra o governo você deixa de ser
coordenador porque as pessoas que a gente envia pra lá ela não venha dar
só suporte ao Movimento Nacional não, ela venha dar suporte a todo tipo
de movimento: se aquele movimento “X” ou “B” não tem acesso e se
precisar do movimento pra servir de ponte nós estamos de portas abertas
pra puxar o caba veio: tá acontecendo isso, isso e isso...vamos ver como
pode resolver essa situação.
Id1. O movimento é favorável a
participação de seus membros-
coordenadores na administração
pública desde que não continue como
coordenador uma vez que serve de
articulador para outros movimentos.
Já quando a participação é em outra
organização os membros continuam
como coordenadores.
O movimento é favorável a participação de seus coordenadores em outra organização, mas quando a participação
for na administração pública o vínculo fica sendo apenas como membro uma vez que a missão passa a ser de
articulador entre o poder público com qualquer movimento social.
MLB
Dúvidas e curiosidades sobre a atuação
dos movimentos sociais na prefeitura.
Eu discordo
1
porque eu acho que se eu estivesse na administração pública
exercendo um cargo lá e tivesse essa situação de ocupação e o prefeito dissesse:
olhe, mande o pessoal sair da ocupação, eu entregava o meu cargo na hora porque
eu sou uma pessoa do movimento. Na minha opinião, eu presto contas
primeiramente ao povo; as pessoas para quem a gente trabalha. Não é ao prefeito
que eu presto contas, inicialmente, mesmo sendo da administração pública. A
primeira pessoa a quem devo prestar contas é ao meu movimento e ao povo que ele
representa. e acho errado a pessoa do movimento está na administração pública e
baixar a cabeça pro o prefeito e prejudicar o seu próprio movimento apenas pra
atender ao interesse do prefeito com medo de perder o cargo.
Id1. Discorda porque o membro do
movimento deve prestar conta apenas
ao movimento e não se submeter aos
interesses do prefeito com medo de
perda do cargo.
Discorda porque o membro do movimento deve prestar conta apenas ao movimento e não se submeter aos
interesses do prefeito com medo de perda do cargo.
È importante se chegar a um diálogo porque quando chegar num momento chave de dizer o que é que vocês
pensam eu tenho que ter um discurso comum e acho que esse diálogo serve pra isso....nesse sentido, eu queria
saber também o outro lado: o que é que está faltando ao CMP e ao MLB
MNLM
Dúvidas e curiosidades sobre a atuação
dos movimentos sociais na prefeitura.
Um dia desse, eu conversando com uma certa figura e aí a gente as vezes escuta
coisas que não deve. E aí uma figura da CMP, hoje, ela está sendo cotada e essa
figura hoje não é a figura em si, é o grupo em que essa figura participa e essa
figura está sendo cotada pelo governo do Estado fulano aí está querendo se pegar
pra se colocar contra a administração municipal. Acho isso errado. Na hora de ser
contra, a gente tem que ser porque a gente tem também um ideal. Não sei se vocês
do MLB tem alguma dificuldade com relação a essa administração? vocês têm um
projeto lá e já procuraram a prefeitura e aí a prefeitura nunca sentou com vocês pra
resolver. O nosso pensamento é que “Caba veio vá pra lá pro governo”, mas que
ele sirva de base para os movimentos sociais. Isso é uma questão. A outra é: vocês
já indicaram alguém de vocês para o governo?
Id1. A posição do movimento não
deve ser sempre contrária a
administração, em especial porque
ela permite o diálogo.
Id1. A posição do movimento não deve ser sempre contrária a administração, em especial porque ela permite o
diálogo.
1
Usar as fotos da reunião na qual a postura de Heron se modifica: problema -> participação ou não no
quadro da prefeitura = risco de cooptação????
326
MLB
Dúvidas e curiosidades sobre a atuação
dos movimentos sociais na prefeitura.
Id1. A CMP não tem nenhum dos
seus membros vinculados à
administração pública o que existe
são associados de outros movimentos
vinculados a CMP que participam da
gestão pública. Assim, a CMP não
pode intervir nas decisões de seus
filiados.
A CMP não tem ninguém na administração municipal nem na estadual. Eu
tenho certeza absoluta disso porque nós não tomamos nenhuma decisão a
nível de CMP nesse sentido de participar de administração: nem
municipal; nem estadual. Um dos grandes problemas e, ao mesmo tempo,
uma das grandes qualidades da CMP é que a CMP é uma entidade diversa.
A CMP não é um movimento unitário. Ela é composta por diversos
movimentos populares. Temos a MLB, tem movimentos de deficientes,
tem movimento de negros; movimento de cultura; movimento homosexual
e tudo mais. A CMP não pode intervir na decisão de cada movimento. O
que existe, e aí eu concordo, é gente de movimentos filiados a CMP na
administração municipal. Agora, eles não estão lá representando a CMP.
Então não se pode dizer que a CMP está na administração municipal. O
movimento filiado a CMP está na administração municipal respondendo
pelo seu movimento. O que pode haver é gente filiada ao movimento da
CMP. No caso da CMP da Paraíba nós não fazemos parte da
administração pública. Nós temos poucos espaços de diálogo na prefeitura
e acho que nós deveríamos reconhecer isto, por exemplo, por que não
existe conselho municipal das cidades se isso foi tão discutido na última
Conferência das Cidades? Se é uma reivindicação do movimento e se é
uma necessidade da cidade esses canais de diálogo têm que ser
estabelecidos de forma mais clara. Tem o CDU (Conselho de
Desenvolvimento Urbano), mas nós sabemos muito bem qual o papel do
CDU cumpre aqui em João Pessoa. É um conselho formado
fundamentalmente por entidades que não representam o movimento
popular que não representa a parcela mais pobre da população. É tudo
empresário. As associações que existem lá são todas ligadas à direita..
Id2. A CMP precisa criar mais
espaços de diálogos com a prefeitura.
Tem o Conselho de Desenvolvimento
Urbano que deveria ser esta porta
mas é formado fundamentalmente
por entidades que não representam os
movimentos populares.
A CMP não tem membros vinculados à administração pública o que existe são associados a outros movimentos
vinculados a CMP que participam da gestão pública. Assim, a CMP não pode intervir nas decisões de seus filiados.
A CMP precisa criar mais espaços de diálogos com a prefeitura. Tem o Conselho de Desenvolvimento Urbano que
deveria ser esta porta, mas é formado fundamentalmente por entidades que não representam os movimentos
populares.
327
MLB
Perspectivas de criação da agenda
comum entre os movimentos.
Id1. O espaço de diálogo entre os
movimentos é fundamental e
necessário em João Pessoa
Id2. A CMP consegue fazer uma
agenda comum entre os membros dos
movimentos
Id3. o Fórum de Reforma Urbana e a
Conferência das Cidades são bons
espaços para se debater a ação
conjunta dos movimentos uma vez
que se debate a cidade de uma forma
geral, o que não vem sendo feito.
Esses espaços de diálogos com outros movimentos são fundamentais. É
algo que falta aqui em João Pessoa e talvez esteja aí. A gente
desembaralhando esse meio de campo que existe entre os movimentos
talvez a gente possa avançar bastante. A CMP consegue criar a sua agenda
comum, a gente consegue fazer agendas comuns entre os movimentos que
fazem parte da CMP, entendeu? E eu acho que o espaço para agendas
comuns entre os diversos movimentos. No caso aqui de João Pessoa seria
o Fórum de Reforma Urbana que discute não só a questão de moradia, mas
discute a cidade de uma forma geral e acho que este espaço meio que
desapareceu de um ano pra cá e a gente está retomando agora o Fórum de
Reforma Urbana.. Acho que é importante ter esses espaços, mas eu acho
que a gente tem que debater mais; tem que discutir mais e eu acho que este
ano vai ser importante para a gente avançar nesse sentido por conta das
Conferências das Cidades porque a três anos atrás quando houve a terceira
conferência a gente conseguiu conformar esse grupo. Conseguiu, de certa
forma, criar uma unidade entre os principais movimentos populares. Acho
que a gente errou e eu particularmente faço essa autocrítica porque eu acho
que quando a gente saiu da Conferência Municipal das Cidades é sem
amarrar a questão do Conselho municipal das cidades foi um erro grande
do movimento. A gente acreditou em uma promessa da prefeitura de fazer,
ainda naquele ano, o Conselho Municipal e acabou não fazendo. Eu acho
que esse tem que ser o passo adiante do movimento. Nós vamos discutir
isso com os outros movimentos a partir do momento que a gente começar
a voltar a ser organizado coletivamente para discutir essas coisas, mas eu
acho que esse ano vai ser importante para a gente avançar nesse sentido
eu posso responder pelo meu movimento, pelo MLB, e respondo pelas
decisões que são tomadas coletivamente pela CMP. Quando a gente reúne,
senta, na reunião da direção; numa plenária da CMP; em um Congresso da
CMP e toma uma decisão. Um movimento que faz parte da CMP que toma
uma decisão do movimento entendeu? que seja, no seu ponto de vista,
errada, ruim. Eu não posso responder por essa decisão por mais que aquele
movimento faça parte da CMP. Nós temos que entender que a posição de
um movimento “X” não pode ser confundida como a posição da CMP.
Id4. O movimento errou quando saiu
da Conferência Municipal das
Cidades sem definir a questão da
formação do Conselho Municipal das
cidades.
O Fórum da Reforma Urbana é considerado o espaço de diálogo fundamental e necessário para se debater a ação
conjunta dos movimentos em João Pessoa, o que não vem sendo feito nos últimos anos. A CMP consegue fazer
uma agenda comum entre os membros dos movimentos e errou quando saiu da Conferência Municipal das Cidades
sem definir a questão da formação do Conselho Municipal das Cidades.
328
X 6. Identifique no mapa o(s) local(is) onde o movimento social atua? Por que atua neste e não em outro? É
possível agendar formas de participações conjugadas? De que forma?
MNLM
Local e forma de atuação do
movimento
Nós temos o prazer de querer atuar em toda a cidade de João Pessoa como
um todo, certo? Agora, a gente reconhecemos nosso limite de transporte,
recursos que o movimento, por exemplo, não tem uma parceria com o
governo no sentido de recursos...então, a gente sabe que para chegar em
uma dessas comunidades, no mínimo a gente perde 30 minutos de ônibus.
A outra questão é que nós somos abertos pra ir para qualquer uma dessas
áreas. Agora o que falta é convite. As vezes a gente não vai lá, toma
conhecimento por outras pessoas sobre certo problema. Então, as vezes, é
mais por falta de conhecimento mesmo
Id1. Embora o movimento tenha
interesse de atuar em toda a cidade,
mas não atua por limites financeiros,
embora esteja aberto a ajudar
qualquer área quando for convidado
ou quando toma conhecimento por
parte de outras pessoas sobre um
determinado problema.
Embora o movimento tenha interesse de atuar em toda a cidade, mas não atua por limites financeiros, embora
esteja aberto a ajudar qualquer área quando for convidado ou quando toma conhecimento por parte de outras
pessoas sobre um determinado problema.
MLB Local e forma de atuação do
movimento
Id1. A atuação é diferente em cada
bairro e a escolha do bairro é quando
o movimento toma conhecimento do
problema através da mídia ou através
de um dos membros que moram no
local onde o problema aparece.
O nosso é assim. Há diferenças, em cada bairro, na forma como a gente
iniciou a atuação no bairro. Às vezes a gente ver no jornal a matéria de um
problema lá e vai lá, entendeu? tentar entrar em contato com a liderança lá
que tá a frente do problema. Então a gente entra em contato e a partir daí a
gente desenvolve um trabalho. Outra forma é que um companheiro nosso
mora em tal comunidade a gente desenvolve um trabalho a partir do local
de moradia dessa pessoa: com o desenvolvimento do trabalho, “ah!
apareceu um contato em tal bairro” aí vai lá no bairro e desenvolve um
trabalho no bairro. Nossa forma de atuação diferencia de bairro em
bairro...então, por exemplo, lá no Valentina a gente tem uma feira
comunitária. o MNLM trabalha em um lugar a gente trabalha em outro.
Então acaba não tendo essa comunicação. As vezes a gente precisa atuar
sozinho até para afirmar o movimento em determinada comunidade, mas
em outras comunidades e em outras situações a gente pode traçar uma
agenda comum. Por mim eu não vejo problema nenhum.
Id2. Não atuam na mesma localidade
uma vez que precisa ter uma atuação
particular para poder se firmar,
embora para algumas situações existe
uma atuação conjunta.
A atuação é diferente em cada bairro e a escolha do bairro é quando o movimento toma conhecimento do problema
através da mídia e contato com a liderança da localidade ou através de um dos membros que mora no local onde o
problema aparece. As vezes a atuação é particular para que o movimento possa se firmar na comunidade, embora
em algumas situações possa ser firmada uma agenda comum.
329
MNLM
Local e forma de atuação do
movimento
Eu vejo que é um grande fragmento do movimento, eu não sei se isso
acontece com o MLB, mas essa disputa de espaço: “olha, ali está comigo
não tem ninguém que entre porque se entrar vou começar o tiroteio”. A
gente uma vez, nós passamos em um local, a gente foi lá fazer uma visita e
passamos lá numa situação que vimos lá o pessoal sendo despejado. A
gente parou o carro e deu apoio e tal depois, quando a tempestade passou,
ai o grupo que tava acompanhando disse: “não, ali quem acompanha
somos nós, vocês num pode está ali não, porque vocês acompanha a área
da cidade e aqui é área rural”. Então eu disse, puxa vida e agora? Ai
colocou logo as famílias contra o movimento. Isso é ruim, porque acima
do movimento está a vida de cada um, se o movimento puder acompanhar,
acompanha numa boa. E ai nós vamos discutir mais tarde como a gente vai
acompanhar.. Se um certo grupo que estava sendo acompanhado pela
União achou por bem não querer mais o acompanhamento da União por
‘N’ motivos: “fulano estava mesmo querendo invadir espaço”. E
também poderia ser o contrário: poderia ser as duas entidades
acompanhando o mesmo grupo. Agora, felizmente, é essa demarcação do
espaço.
Id1. Existe uma disputa por atuação
no espaço o que influencia na
fragmentação da ação dos
movimentos.
Existe uma disputa por atuação no espaço o que influencia na fragmentação da ação dos movimentos.
MLB
Local e forma de atuação do
movimento
Id1. Sente a falta de um espaço
comum de discussão para reduzir as
lacunas existentes entre os
movimentos e se criar as condições
ideais de se estabelecer parcerias.
Id2. Os movimentos de João Pessoa
não são consolidados o que explica
essa disputa por espaço como forma
de conquistar a auto-afirmação.
Acho que seria possível. Insisto naquela discussão do espaço comum de
discussão. Acho que a partir do momento que a gente cria esse espaço
comum permanente, constante de discussão, eu acho que a gente vai
primeiro aparando as arestas: você vai criando uma agenda uma concepção
comum do movimento; você vai tirando essas dúvidas, entendeu?
preenchendo essas lacunas que existem entre os movimentos. Você vai
criando um certo ambiente de fraternidade entre os movimentos porque o
que existe hoje ainda é isso há muito essa disputa por espaço. O
movimento aqui, de forma geral, não é um movimento consolidado, não
podemos dizer que o movimento aqui é o grande movimento. Então, tá
todo mundo em vias de consolidação: Uns mais adiantados do que os
outros. Há, naturalmente, essa disputa por espaço; por auto-afirmação,
entendeu? por você querer se consolidar e tudo mais. Então, como não
existe este espaço de diálogo comum então o que vai prevalecer é
justamente essa concepção de que o que eu devo fazer é crescer o meu
movimento e me afirmar e acaba você não dando espaço pra existir esse
intercâmbio entre os movimentos. A partir do momento em que você cria
um espaço comum de discussão e você vai criando um ambiente fraterno,
de debate com os outros movimentos. Agente cria as condições materiais e
as condições objetivas de estabelecer esse tipo de parceria De você atuar
em um mesmo bairro e propor uma atividade em conjunto com os
moradores do bairro...já que eu atuo em um mesmo bairro, mas em áreas
diferentes de um mesmo bairro então a gente pode ajuntar as duas áreas e
fazer um protesto em comum. eu acho que o que falta. É esse espaço
comum de diálogo. Permanente. Constante.
Id3. A falta de um espaço diálogo
comum influencia na concepção de
que é necessário investir no
crescimento do movimento não
existindo espaço para promoção de
intercâmbio.
A luta pela valorização de ações particulares que possibilitem a auto-afirmação do movimento, justificada pelo fato
de que os movimentos não se encontram consolidados, e a falta de um espaço comum de discussão dificulta a
redução das lacunas existentes entre os movimentos. Por conseqüência os movimentos optam por ações
particulares, dificultando o estabelecimento de parcerias.
330
MNLM
Local e forma de atuação do
movimento
Id1. São raras as vezes que o
movimento atua na escala municipal
segundo uma agenda comum, o que
não ocorre quando existe encontros,
fóruns, etc.
Id2. O movimento é muito frágil e a
dificuldade da ação conjunta talvez
seja por medo de perder público.
Id3. Existem divergências políticas
uma vez que os movimentos são
diferentes entre si
As vezes a gente participamos de agenda comum, mas isso é muito raro.
Por exemplo, na criação da Secretaria Municipal de Habitação, e aí a gente
do movimento todo dia tinha gente lá porque a gente achava interessante.
Aí, aqui e acolá a gente chamava o pessoal do MDM. Aqui e acolá a gente
chamava o pessoal da União, não é? E a gente podia. Olha, vamos fazer o
seguinte: a gente vamos firmar com o Fórum da criação dessa secretaria.
Então, todo dia, por obrigação, tinha que ir lá. Às vezes fazendo um
movimento ou alguma coisa dessa natureza. Quando é para, viagens de
oficinas, encontros, fóruns, produzidos pela CMP a nível nacional. A gente
senta e vai; caminha e vai se embora. Agora o que falta mais é a nível de
município. Heron foi feliz quando colocou que a gente é muito frágil com
isso, sabe? Não sei se é medo de perder público ou medo de querer mudar
as nossas intenções mesmo perder público, cara?. Amanhã tem público, eu
acho que é isso. A gente temos divergências políticas, temos que ter
porque aquilo que ele acredita talvez não seja aquilo que eu acredito, não
é? “A CMP ela tem esse objetivo”, sabe, definir os grupos. Traçar um
plano de trabalho, metas; relação com os movimentos sociais, certo? isso
foi uma das lacunas que o movimento nacional saiu da CMP. A CMP, a
nível de município, ela deixou isso a desejar e aí cada movimento, por
exemplo, faria as suas tarefas e as vezes não. Às vezes quando ia para os
encontros, ele ia pra se engarfar..
Id4. Um dos motivos que fez com
que o MNLM se desvinculasse da
CMP foi fato da CMP não exercer
sua atuação de articuladora e outros
movimentos acabaram fazendo o
papel dela.
O movimento social em João Pessoa é muito frágil e a dificuldade de ação conjunta deve-se, talvez, ao medo de
perder público e não as divergências políticas uma vez que estas são naturais na medida em que cada movimento
tem posicionamento diferenciado. Existe uma dificuldade de formação de uma agenda comum de atuação na escala
municipal e isso se deve ao fato da CMP não exercer sua atuação de articuladora, motivo que fez com que o
MNLM se desvinculasse da CMP.
MLB Local e forma de atuação do
movimento
Id1. O motivo do MNLM ter se
afastado da CMP deve-se a uma
decisão nacional uma vez que a
relação municipal era boa.
Essa questão do Movimento Nacional sair da CMP não foi uma questão
daqui da cidade. Vocês saíram porque a direção nacional de vocês,
nacionalmente, saiu da CMP....mas a relação que a gente tinha aqui com
vocês era muito boa. Com Geovani, que era o coordenador do MNLM e
era da CMP...e a CMP serve para cumprir esse papel para os movimentos
que são filiados a ela. Não que ela não possa fazer isso com os outros
movimentos, mas ela consegue fazer isso com os movimentos que são
filiados hoje: criar agendas comuns, encontros comuns. Eu acho é que aqui
na Paraíba a gente tem esse trabalho. Aonde der para a gente unir os
bigodes. A gente une lá. Faz o trabalho; tenta se unir. Quando não dá,
paciência.
Id2. Para os movimentos filiados, a
CMP exerce o papel de articuladora
ao promover uma agenda comum de
ação.
A CMP exerce o seu papel de articuladora para os movimentos que estão associados a ela e o afastamento do
MNLM é explicado por uma decisão nacional por parte do MNLM e não por motivos locais uma vez que existia
uma boa relação entre os coordenadores dos movimentos.
ANEXOS
332
333
334
335
336
MEMORIALDESCRITIVO
338
Sou o terceiro filho de uma família de quatro irmãos, sendo três homens e
uma mulher. Meu pai é aposentado como operador de digitação do Serviço de
Processamento de Dados (SERPRO) e minha mãe é uma tradicional senhora do lar.
Nasci em 1974, em Recife-PE, cidade que desde então despertou em mim um
sentimento duplo de amor e ódio. Amor pelas suas belezas físico-naturais e sócio-
culturais, bem como por seus contrastes (duelo entre os morros e alagados), os quais
foram genialmente galanteados nos contos e versos de escritores como Josué de
Castro, João Cabral de Melo Neto, Mário Lacerda de Melo e Gilberto Freire, entre
tantos outros. Ódio pelos descasos a que é submetida a maior parte da população,
decorrentes das dificuldades de moradia que levam os habitantes a sobreviverem em
condições subumanas, refugiadas nos morros, ou “afogadas” nos alagados, situação
esta que pude presenciar em boa parte da minha infância e adolescência tanto pelas
proximidades geográficas e econômicas, como pela convivência nas escolas e ciclos de
amizade.
Durante toda a minha infância e início da adolescência, morei em um
bairro da zona sul da periferia de Recife e percorria a pé o caminho até a escola. Isto
me possibilitou um contato mais próximo com outras realidades sociais, além de uma
observação precoce de alguns elementos que, modestamente, já despertavam a minha
atenção, entre os quais a presença de luxuosas moradias existentes nas proximidades
da escola e as ocupações subnormais que as cercavam e as observavam no alto dos
morros ou as espreitavam sob o lamaçal dos mangues que cobriam as terras mais
baixas. É, assim, da experiência prática pelos contrastes, que surgem em mim a
Geografia.
Na adolescência, saí da periferia da zona sul da cidade para morar em
uma periferia de outro município na zona norte da região metropolitana recifense,
em uma área litorânea (a 600 metros da praia). A ida para este local foi
conseqüência de um grande processo de ocupação dos prédios vazios do conjunto
residencial Beira Mar que havia sido construído, no começo da década de 1980, pela
Caixa Econômica Federal como uma dos últimos investimentos do extinto BNH.
Percebi com este evento a capacidade das pessoas em se organizar e lutar pela
conquista do seu próprio território: a moradia.
Isto me possibilitou evidenciar ainda uma outra realidade: o contato com
o mar onde pude perceber as interferências do homem através das construções que
dia-a-dia avançavam em direção ao mar, fato que, 20 anos depois, resultou em uma
situação contrária, a retomada pelo mar do espaço ocupado, o que na geografia
física conhecemos como erosão marinha.
Em decorrência dos contatos que meu pai tinha no trabalho, consegui vaga
no Instituto de Educação de Pernambuco (IEP), localizado no perímetro central da
cidade do Recife, o que me possibilitou vivenciar duas realidades distintas: o
convívio lento e modesto do local de residência, onde foram consolidadas novas
identidades, e a dinamicidade e complexidade que já se faziam presentes no contexto
urbano da Recife do final dos anos 1980.
Durante o científico a minha experiência com a Geografia não foi muito
boa. Por um lado, isso foi causado pela própria conjuntura político-social do país,
entre as décadas de 1970-1990, na qual a transição da ditadura para o regime
339
democrático ainda despertava incertezas quanto ao futuro econômico de Recife e do
país, obrigando aos professores a árdua tarefa de articularem esta transição ao
conteúdo transmitido em sala de aula.
Por outro lado, os professores de Geografia ainda faziam uma exposição de
uma Geografia Geral que, pautada nos parâmetros quantitativos, obrigava-me a
estratégia da memorização, traduzida pela linguagem popular como “decoreba”.
Tempos depois, descobri que, ainda inconscientemente, esta negação e crítica ao tipo
de Geografia transmitida já estava diretamente relacionada ao tipo de aporte
teórico que passaria a fazer parte da minha visão de mundo: a leitura do espaço a
partir da perspectiva materialista e histórico-dialética.
Desta forma, a minha curiosidade, associada aos desafios cotidianos,
despertou em mim alguns interesses por fenômenos socioespaciais, os quais passavam
“despercebidos” aos olhares de outros colegas de escola e de alguns professores. Nesse
contexto, antes mesmo de perceber, a Geografia já fazia parte do meu cotidiano,
traduzida nos questionamentos relacionados aos processos de ocupações irregulares e
ao contraditório interesse em contribuir com a melhoria da condição de vida das
pessoas que sobreviviam nessas ocupações, além do fascínio com os mangues e os rios,
elementos fundadores da identidade recifense: a Recife Veneza e o Recife
mucambópoles.
Em meio a esse contexto passei a ter curiosidade em visualizar os
movimentos que a sociedade criava no sentido de modificar a situação em que se
encontravam. Assim, embora ainda não percebesse, expressava, em meus próprios
discursos, o interesse em estudar as relações desenvolvidas entre os atores sociais e
como estas influenciavam na produção do espaço. Foi igualmente nesse momento que
tive pela primeira vez o contato com o termo território: relações de poder
materializadas no espaço, modificando seu valor de uso
Terminado o científico (1992) e após a realização de alguns cursos
profissionalizantes, consegui ingressar, através de vestibular, no curso de Geografia
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A escolha pelo curso foi decorrente
de alguns contatos estabelecidos com professores de cursinhos pré-vestibulares, os
quais me transmitiram um tipo de conhecimento geográfico que valorizava o
estímulo ao estudo das contradições sociais produzidas por diferentes e complexas
relações socioespaciais. Fui, assim, apresentado a uma nova forma de olhar o espaço:
apreende-lo na superposição das estratégias e táticas desenvolvidas pelos diversos
personagens que compõem o palco no qual realizamos o nosso teatro da vida.
O grande diferencial na minha formação acadêmica foi a oportunidade de
ter ingressado, em meados do segundo semestre letivo, no Programa Especial de
Treinamento (PET/GEO) do curso de Geografia, o qual tinha, e ainda tem, a CAPES
como agência de fomento. No PET tive contato com trabalhos desenvolvidos por
Organizações Não Governamentais, o que me levou a descobri a existência do sujeito
coletivo como sendo aquele que pode expressar as intencionalidades que identificam
o grupo do qual fazemos parte.
Este contato resultou no desenvolvimento de um trabalho monográfico no
qual associava a minha paixão de infância (observação do relicário urbano-
ambiental que compunha a identidade da capital pernambucana) com minha paixão
340
de adolescência (analisar a criatividade da população excluída em reescrever sua
história e a história do espaço no qual exerce suas territorialidades).
Terminada a graduação, obtive ingresso imediato junto ao mestrado em
Geografia da UFPE. Neste momento, a preocupação em analisar a participação dos
atores sociais no processo de estruturação urbana, influenciou na escolha por
investigar as convergências e dissidências entre os mesmos no que concerne ao
interesse pela apropriação de uma área de cobertura vegetal encravada entre o
centro administrativo da cidade de Recife e o centro comercial, no caso representado
pelo bairro do Pina. Os resultados da pesquisa mostraram que, em espaços com
territorialidades já evidenciadas, a atuação dos atores sociais que representam à
sociedade organizada é pouco eficiente, fato este que me despertou para um novo
questionamento: a real influência dos diversos segmentos da sociedade civil
organizada no processo de produção do espaço em ambientes urbanos no qual esses
atores ainda estivessem em formação.
A experiência adquirida na graduação foi, assim, fundamental na minha
formação pessoal e profissional na pós-graduação, especialmente no que diz respeito
à participação e desenvolvimento de atividades intra e extracurriculares. Da
mesma forma, o apoio fornecido pelo CNPq foi de fundamental importância para o
desenvolvimento da pesquisa, possibilitando o desenvolvimento da mesma em tempo
hábil.
Terminado o mestrado (2001), tive a oportunidade de ingressar no
mercado de trabalho dando aula de Geomorfologia e Climatologia em uma faculdade
particular do interior do Estado da Paraíba, na qual estive vinculado até o final de
2004. Embora os compromissos assumidos nesse período (2001-2004) tenham
influenciado no adiamento da tentativa de ingressar no doutorado, a experiência
obtida foi fundamental para a minha qualificação profissional, especialmente no que
diz respeito à experiência na docência assim como para a necessidade de observar o
método adotado na análise dos atores sociais e da importância do trabalho de campo
enquanto referência ao desenvolvimento da pesquisa. O trabalho na Paraíba me
levou também a conhecer e me apaixonar pela cidade de João Pessoa, aonde residi
por quase quatro anos.
Assim como ocorrido na infância, porém agora com um olhar mais
acurado de profissional da geografia engajado no estudo da dinâmica urbana e
regional, percebi uma João Pessoa produto de contrastes socioespaciais. Por um lado,
uma cidade cuja imagem foi criada para ser vendida como sendo o local no qual a
qualidade de vida se expressa nas permanências paisagísticas (“segunda cidade mais
verde do mundo”). Por outro, descobri uma cidade que exclui os pobres do direito ao
uso do seu espaço ao não propiciar o direito mínimo a dignidade humana: a
conquista da moradia expressa nas condições de habitabilidade.
Foi o contato com essa realidade que me aproximou dos movimentos
sociais urbanos e decidi realizar o doutoramento na Universidade Estadual Paulista,
em Presidente Prudente-SP.
Assim como ocorrido no mestrado, procurei analisar, na UNESP, a relação
dos atores sociais no processo de produção do espaço urbano. Desta feita, foi feita a
opção por analisar esse processo justamente em João Pessoa uma vez que as práticas
341
sócioterritoriais encontradas não se encontravam tão amadurecidas quanto as
evidenciadas em outros espaços metropolitanos. O estudo dessas práticas pelos
movimentos sociais urbanos se configurou, então, como a motivação para a
elaboração do projeto de doutorado.
Finalizo esse breve resgate dos elementos norteadores da formação do meu
perfil profissional deixando para o leitor as descobertas que obtive na investigação
das práticas sócioterritoriais dos movimentos sociais urbanos de João Pessoa
(MNLM, MLB, CMP e NDV) e sua influência no ordenamento urbano. As práticas
desses atores sociais são expressas de duas formas: pela ocupação, produzindo
territórios a partir da conquista da moradia, e pela promoção ao direito a
acessibilidade urbana. O texto, mais do que um trabalho acadêmico, é produto do
histórico de nossa formação profissional.
Att.,
Xisto Souza Júnior
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