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criação da indústria cultural. A indústria da cultura é compreendida como resultante da
racionalidade técnica no processo do desenvolvimento da sociedade industrial. A razão
burguesa, que posteriormente levou o nome de razão instrumental, nasceu juntamente com
a ciência moderna e com a ascensão da burguesia, sendo gradativamente colocada a
serviço de finalidades utilitárias, sobretudo a serviço da produção.
Com a Revolução Industrial, a máquina substituiu o homem no processo produtivo,
com todas as suas conseqüências para o trabalhador, enquanto ser explorado pelo capital e
enquanto desprovido de sua capacidade de realização através do trabalho. Pouco mais
tarde, foi desenvolvida na produção uma imensa racionalização, gerando um aparelho
administrativo para gerir a empresa capitalista, exercendo o controle sobre o trabalhador
através de princípios “científicos” formulados pela engenharia e pelo gerenciamento da
produção.
É nesse contexto em que o trabalhador é exaurido de suas energias corporais na
fábrica ou na empresa, que surge uma espécie de cultura com finalidade ideológica erigida
sobre o princípio da diversão: a indústria cultural. Esse conceito nos permitiu refletir sobre
a condição da obra de arte e a produção dos bens culturais na perspectiva mercantil da
sociedade industrial.
Os conceitos de razão e progresso amplamente defendidos pelo Iluminismo
(Aufklärung)
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, transformaram-se, nas considerações de Horkheimer e Adorno (1999), com
o amadurecimento da sociedade industrial, justamente na sua antítese. Esse processo a que
se submeteu o Iluminismo a serviço da economia burguesa acabou por transformá-lo num
irracionalismo, ou seja, justamente naquilo que julgava ter eliminado: o mito. Da mesma
forma, a promessa de progresso social é caracterizada pelos filósofos frankfurtianos como
a cultura pela metade (do alemão Halbbildung) inviabiliza a possibilidade do sujeito constituir-se através da
formação cultural (ADORNO, 1996).
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O conceito de Aufklärung tem dois sentidos em alemão, um histórico localizado e datado e outro trans-
histórico. Segundo Matos (1997, p. 120) “em sentido estrito, o Iluminismo corresponde ao século XVIII (o
‘Século das Luzes’) e sua Filosofia da Ilustração, à qual se vinculam na Inglaterra John Locke, na Alemanha
Kant e na França os enciclopedistas – Diderot, Voltaire, d’Alembert, Montesquieu, Rousseau e outros,
unidos no projeto de empreender uma suma filosófica que abrange, com seus verbetes, todos os segmentos
do Saber na filosofia, na ciência, na política, nas artes”. O sentido trans-histórico de Aufklärung não se
restinge, conforme Adorno e Horkheimer, ao século XVIII mas “abrange toda a história da razão que se
engendra e se consolida como exploração da natureza exterior e dominação da natureza interior”. In:
MATOS, Olgária C. F. Filosofia a polifonia da razão: filosofia e educação. São Paulo. Scipione, 1997.
Neste trabalho, será entendido o conceito de Aufklärung da forma como em português Guido Antonio de
Almeida o diferenciou quando da tradução da Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer. Nesta
perspectiva a palavra Iluminismo corresponde ao conceito de Aufklärung no sentido estrito. Já a palavra
Esclarecimento corresponde ao sentido trans-histórico.