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Sandro dos Santos Gomes
As novas comunidades católicas:
rumo a uma cidadania “renovada”?
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Rio de Janeiro
Junho de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610492/CA
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Sandro dos Santos Gomes
As novas comunidades católicas:
rumo a uma cidadania “renovada”?
Dissertação apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Orientadora
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Marcelo Tadeu Baumann Burgos
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profª. Cecília Loreto Mariz
UERJ
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 20 de junho de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610492/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, do autor e da
orientadora.
Sandro dos Santos Gomes
Licenciou-se em Ciências Sociais pela Universidade
Federal Fluminense em 1993. Bacharelou-se em
Filosofia pela FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia) em 1999. E pela mesma faculdade, em
Teologia, em 2005.
Ficha Catalográfica
Gomes, Sandro dos Santos
As novas comunidades católicas: rumo a
uma cidadania “renovada”? / Sandro dos Santos
Gomes ; orientadora: Angela Maria de
Randolpho Paiva. – 2008.
117 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Sociologia)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui referências bibliográficas.
1. Sociologia – Teses. 2. Cidadania. 3.
Religião. 4. Igreja Católica. 5. Esfera pública. 6.
Renovação Carismática Católica. 7.
Comunidades de vida e aliança. I. Paiva, Angela
Maria de Randolpho. II. Pontifícia Universidade
Ctóli d Ri d J i D t t d
CDD: 301
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610492/CA
Agradecimentos
À minha orientadora Professora Angela Paiva pelo acompanhamento, pelo
estímulo, pelas sugestões e pela acolhida à idéia inicial desse trabalho.
Aos Professores que integraram as bancas de qualificação e defesa, Marcelo
Burgos e Cecília Mariz.
Aos meus colegas de mestrado, particularmente, Alessandra, Amanda, Eleandro,
José Luiz, Léo e Vera pela alegre convivência nesse tempo de aulas e estudos.
Aos professores do mestrado pelas aulas e a Ana Roxo por estar sempre nos
ajudando com as partes práticas que envolvem a vida acadêmica de um
mestrando.
Ao Ministério Atos 2 do estado do Rio de Janeiro da Renovação Carismática
Católica pela ajuda inicial com o trabalho de campo e às Novas Comunidades de
Vida e Aliança da região metropolitana do Rio de Janeiro que se dispuseram a
abrir as portas para se darem mais a conhecer.
À Província Brasil Centro-leste da Companhia de Jesus pelo suporte material e
intelectual desses últimos anos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610492/CA
Resumo
Gomes, Sandro dos Santos; Paiva, Angela Maria de Randolpho
(Orientadora). As novas comunidades católicas: rumo a uma cidadania
“renovada”? Rio de Janeiro, 2008. 117p. Dissertação de Mestrado –
Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
As Novas Comunidades católicas – as comunidades de vida e aliança – são
um fenômeno novo no universo católico. Nascidas da Renovação Carismática
Católica, as Novas Comunidades são a institucionalização do pentecostalismo
católico. A Igreja Católica no Brasil nos últimos 50 anos se destacou por uma
crescente participação na sociedade civil e na esfera pública em defesa da
cidadania. A presente pesquisa procura responder a seguinte questão: estariam as
Novas Comunidades movendo-se em direção da sociedade civil e da esfera
pública política, desenvolvendo o que se poderia chamar de uma cidadania
“renovada”? Tomando as Novas Comunidades existentes na região metropolitana
do Rio de Janeiro como campo de pesquisa, a resposta foi negativa. A
espiritualidade carismática, uma via mística de salvação, e o ideal de fraternidade
vivido em comunidade que caracterizam as Novas Comunidades, são obstáculos
para uma participação no espaço plural da sociedade civil e da esfera pública
política, porque enfatizam uma ruptura radical com “o mundo” – a sociedade –
procurando criar um espaço privado próprio – a Comunidade – para viver a
fraternidade e os dons do Espírito Santo.
Palavras-chave
Cidadania; religião; Igreja Católica; esfera pública; Renovação
Carismática Católica; Comunidades de vida e aliança.
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Abstract
Gomes, Sandro dos Santos; Paiva, Angela Maria de Randolpho (Advisor).
The new catholic communities: towards a “renewed” citizenship? Rio
de Janeiro, 2008. 117p. MSc. Dissertation – Departamento de Sociologia e
Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The new catholic communities – the communities of life and alliance – are
a new phenomenon in the catholic universe. Born from The Catholic Charismatic
Renewal, the New Communities are the institutionalization of Catholic
Pentecostalism. The Catholic Church in Brazil in the last fifty years has stood out
by the participation in the civil society and in the political public sphere in defense
of citizenship. The present research has looked to answer a question: could be the
New Communities moving towards the civil society and political public sphere,
developing what it could be named a “renewed” citizenship? Taking the New
Communities from the metopolitan region of Rio de Janeiro as a field of research,
the answer was negative. The charismatic spirituality, a mystical way of
salvation, and the ideal of fraternity lived in community, which characterized the
New Communities, are barriers for participation in the plural space of the civil
society and political public sphere because they emphasize a radical rupture with
“the world” – the society – creating a own private space – the Community – to
live the fraternity and the gifts from the Holy Spirit.
Keywords
Citizenship; religion; Catolic Church; public sphere; Catholic Charismatic
Renewal; communities of life and alliance.
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Sumário
1. Introdução 8
2. Transformações no campo religioso brasileiro 16
2.1. A religião na alta modernidade 17
2.1.1. Giddens e o “carro de jagrená” da modernidade 19
2.1.2. Hervieu-Léger e o paradoxo da modernidade 24
2.2. As estatísticas sobre religião no Brasil 29
2.3. Secularização “à brasileira”? 35
3. Cidadania e esfera pública no Brasil 41
3.1. Os (des)caminhos da cidadania no Brasil 41
3.2. Sociedade civil e esfera pública no brasil 54
3.2.1. A sociedade civil brasileira 54
3.2.2. A esfera pública política brasileira 60
3.2.3. Catolicismo, esfera pública e construção da cidadania 66
4. Reavivamento católico: rumo a uma cidadania “renovada”? 71
4.1. O reavivamento católico brasileiro 72
4.1.1. A Renovação Carismática Católica 72
4.1.2. As novas comunidades católicas 77
4.2. Rumo a uma cidadania “renovada”? 86
5. Conclusão 103
6. Referências bibliográficas 108
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1
Introdução
O tema de minha pesquisa é a relação entre religiosidade e cidadania no
Brasil contemporâneo, tendo como foco as novas comunidades católicas de
origem ou inspiração na Renovação Carismática Católica (RCC) – as chamadas
Novas Comunidades, também conhecidas como Comunidades de vida e aliança.
Nos últimos 18 anos tenho me inserido no campo religioso católico,
participando ativamente de trabalhos pastorais, encontros, assembléias, reuniões,
cursos e retiros, tornando-me um agente qualificado desse campo. Tenho
constatado ao longo dessa trajetória importantes mudanças no campo religioso
católico, mudanças sem precedentes. A possibilidade de me locomover e morar
em diversas cidades do país me confirmou na percepção do alcance e da
profundidade da mudança que está em curso.
A ascensão e disseminação da RCC por todo o país atingindo todos os
espaços católicos, e mesmo os tradicionais redutos das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), é inegável. Sua atuação vem alterando as configurações do
catolicismo no Brasil. Particularmente, vem surgindo nos últimos 15 anos a partir
da RCC as chamadas comunidades de vida e aliança, também conhecidas entre
seus integrantes como Novas Comunidades. Essas comunidades representam uma
grande novidade no interior do campo religioso católico. Elas são uma forma
institucional nova no catolicismo ou, no dizer da sociologia da religião, são a
institucionalização do carisma da RCC.
Dada a minha formação em Ciências Sociais e minha atuação no campo
religioso católico em atividades em prol da cidadania, meu interesse foi estudar e
pesquisar as Novas Comunidades procurando descobrir se elas estão sensíveis ou
não à questão da cidadania no país e de que forma elas podem contribuir ou não
para a ampliação e fortalecimento da cidadania. Pensei essa pesquisa como um
diálogo entre a sociologia da religião e a sociologia política ao vislumbrar o
encontro de temas como o da secularização, do ethos religioso e das visões
religiosas de mundo com temas como cidadania, cultura cívica, esfera pública e
sociedade civil. Por motivos de tempo e espaço reduzi a discussão teórica e
dediquei-me apenas a apresentar os temas e conceitos mais relevantes para o
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estudo.
Escolhi esse tema para minha pesquisa movido por algumas percepções.
Primeiro, o fenômeno das Novas Comunidades católicas de inspiração na RCC é
recente na Igreja Católica e ainda não foi muito estudado pelos cientistas sociais
(Mariz, 2005). Gradualmente vêm aparecendo alguns estudos sobre as Novas
Comunidades em nível de mestrado e graduação, mas estão focando
principalmente a Comunidade Canção Nova, de Cachoeira Paulista (SP), que é a
mais antiga dessas comunidades fundadas no Brasil, e que vem ao longo de mais
de vinte anos se dedicando à evangelização pelos meios de comunicação e possui
uma forte influência e prestígio tanto no meio carismático católico como fora
dele. Em recente participação no Congresso Nacional de Sociologia, em Recife
(PE), pude entrar em contato com outros jovens pesquisadores que estão no
Nordeste se dedicando a pesquisar as Novas Comunidades, fenômeno muito
presente naquela região do país.
Em segundo lugar, a Igreja Católica teve um papel relevante no processo
de redemocratização brasileira, ao tornar-se ao longo dos anos 70 um espaço
alternativo para as lideranças e movimentos populares que lutavam contra a
ditadura e exigiam a volta da democracia e dos direitos políticos plenos (Teles,
1994; Doimo, 1992). Na década de 80, nos inícios da Nova República, continuou
forte a conexão entre Igreja Católica e movimentos sociais populares. Assim,
cabe a pergunta: Estariam as Novas Comunidades inserindo-se nesse explícito
movimento de engajamento social e político que tem caracterizado segmentos
significativos da Igreja Católica no Brasil nos últimos quarenta anos?
Acredito que a pertinência de minha pesquisa se justifique pelos seguintes
motivos. Primeiro, ela se insere numa consolidada linha de pesquisas nas ciências
sociais acerca da relação entre religião e a esfera pública moderna. O que
procurei fazer foi trazer para essa discussão, esse novo sujeito social, as Novas
Comunidades católicas de inspiração na RCC, um fenômeno recente e pouco
estudado merecendo, portanto, uma investigação.
Segundo, a abordagem desse fenômeno pelo viés de uma agenda de
pesquisas sobre cidadania e cultura cívica é ainda inédita e poderia render
interessantes perspectivas tanto para a sociologia da religião, como para a
sociologia política preocupada com a constituição de uma cultura cívica num país
como o Brasil de fraca tradição democrática e republicana, e onde a Igreja
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Católica sempre desempenhou um forte papel na esfera pública.
Procurei no primeiro capítulo apresentar os dados estatísticos sobre o
fenômeno religioso no Brasil contemporâneo e as interpretações de alguns
especialistas sobre eles. Porém, é impossível tratar dessa questão sem procurar
pensar o lugar da religião na modernidade, ou alta modernidade para usarmos uma
expressão de Anthony Giddens. E pensar sobre isso é colocar o tema da
secularização. Por isso iniciei o capítulo procurando apresentar a discussão sobre
religião e modernidade, para em seguida olhar para o Brasil e suas especificidades
na relação entre a religião e modernidade brasileira. Tal relação explica a relação
particular que a religião no país mantém com a esfera política.
No segundo capítulo me dedico a analisar o percurso da cidadania em
nosso país, para em seguida precisar melhor a questão da esfera pública e da
sociedade civil. O processo singular de formação de nosso Estado-nação é o fator
explicativo fundamental para se entender o modo como se desenvolveu a
cidadania no Brasil, seguindo um percurso que destoa do caminho clássico da
cidadania descrito por Marshall, e que coloca não poucos desafios ao seu
exercício. Por isso, a constituição de uma sociedade civil forte e de uma esfera
pública não-estatal são fenômenos recentes e ainda em curso entre nós.
De modo breve, nesse capítulo, exponho como a Igreja Católica no Brasil
vem, desde o final da década de 50, passando por importantes transformações,
dentre as quais o surgimento de uma postura mais comprometida com a
transformação social, com a crítica das estruturas sociais injustas da sociedade
brasileira. Uma contribuição de um catolicismo que mergulhou na modernidade
do Concílio Vaticano II e fez do compromisso com a justiça social um
componente do seu ethos religioso como forma de dar testemunho da fé cristã.
Foi o caso da Ação da Católica no final da década de 50 e durante os anos 60,
seguido depois por um catolicismo mais popular, o movimento das CEBs, que
trouxe um rosto novo para o catolicismo, mais efetivamente ligado aos setores
populares e a “causa dos pobres”. Esse catolicismo popular e da libertação esteve,
e ainda continua, na raiz de muitos movimentos sociais reivindicatórios a partir
dos anos 70 e do movimento de resistência à ditadura militar e pela
redemocratização. A sociedade civil e a esfera pública que começa a se constituir
nesse período têm na Igreja Católica e nos seus movimentos eclesiais atores
sociais que não podem ser deixados de lado para se compreender o processo de
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redemocratização de nosso país.
No terceiro capítulo, por fim, me dedico a estudar o fenômeno das Novas
Comunidades – as comunidades de vida e aliança. Elas não podem ser bem
compreendidas se não lançarmos um olhar sobre a Renovação Carismática
Católica (RCC), seu berço de origem e o principal movimento católico em nosso
país e que cresce a cada ano. Por isso, reservo parte do capítulo na apresentação
da RCC, em sua história entre nós e em suas características principais.
Para estudar as Novas Comunidades decidi lançar mão do recurso da
caracterização ideal-típica – o tipo ideal empregado por Weber em sua sociologia
– para dar conta da grande diversidade empírica de Comunidades, uma das
características especiais desse fenômeno que constatei ao me aproximar do
universo do catolicismo pentecostal. Portanto, o que descrevo das Novas
Comunidades não quer ser uma definição essencial, mas um apanhado de traços
característicos da maioria das Comunidades que pude pesquisar, e que em alguns
casos empíricos se encontram enfatizados e em outros mais mitigados, ou mesmo
ausentes.
O trabalho de campo pesquisando as Novas Comunidades na região
metropolitana do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que foi fundamental para uma
compreensão mais precisa sobre o esse fenômeno religioso, foi também um
grande desafio. O trabalho de campo me possibilitou descobrir o modo como elas
estavam se inserindo na vida da Igreja Católica, as suas condições e estilos de
vida e como estavam percebendo a si mesmas nesse processo. Contudo, foi
necessário ampliar o projeto original de acompanhamento das Comunidades para
tentar atingir um número mais representativo da diversidade de situações em que
se encontravam, o que gerou um número maior de visitas, entrevistas e de
deslocamentos por um espaço geográfico mais extenso multiplicando o trabalho
sobre o material coletado. Infelizmente a riqueza de todo esse trabalho não coube
no espaço restrito dessa dissertação.
Na verdade, a abrangência do campo tornou-se uma dificuldade ao
impedir um aprofundamento etnográfico que acompanhasse mais de perto o
cotidiano dessas Comunidades. Teria sido interessante pesquisar a conduta dos
membros das Comunidades fora do ambiente comunitário, suas relações com
outros grupos da Igreja Católica, suas vidas nos ambientes familiar, profissional e
estudantil para o caso daqueles que são apenas membros das comunidades de
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aliança e, depois, um acompanhamento de um dia inteiro da rotina de uma
comunidade de vida. Contudo, essa opção era impossível dentro das
possibilidades de tempo disponíveis para a conclusão da pesquisa, seja pelos
prazos acadêmicos, seja pela dificuldade em agendar datas com as Comunidades
muito provavelmente pela outra dificuldade que explico a seguir.
Um desafio mais particular e que afetava a minha condição de pesquisador
foi minha pertença ao campo religioso católico. Ser nativo do campo religioso
católico me possibilitava e me interditava simultaneamente muitas situações. Ao
me apresentar nas visitas e entrevistas fiz questão de não esconder minha
condição de agente religioso católico – “padre”, categoria nativa muito importante
para os membros das Novas Comunidades que me facilitou acesso imediato a
muitas informações e pessoas na primeira fase da pesquisa, inclusive recebi
convites para “celebrar missas” e participar de alguns eventos. Entretanto, fui
descobrindo com o decorrer da pesquisa que as Comunidades estavam
interessadas em me ajudar na pesquisa para encontrarem legitimidade diante das
autoridades eclesiásticas e verem diminuídas as críticas e desconfianças para com
seu estilo de vida. Quando da fase de aprofundamento da pesquisa que
necessitava fazer entrevistas mais longas e acompanhamentos de atividades mais
restritas, houve certa resistência e até fechamento, o que demonstrava o receio da
minha “desaprovação eclesiástica”.
Esse receio da parte das Comunidades com a minha pesquisa aponta para
um tema ao qual toco levemente na dissertação, ou seja, o conflito entre as Novas
Comunidades e as autoridades eclesiásticas, entre “profeta” e “sacerdote” como
afirmaria a sociologia da religião de Max Weber. Não era o fulcro principal da
minha pesquisa discutir essa relação conflituosa, porque, percebo agora, ela já
seria uma outra pesquisa que demandaria também entrevistar várias autoridades
eclesiásticas acerca de um tema que poucos se sentiriam bem em falar –
especialmente os membros das Novas Comunidades.
Particularmente ser um agente religioso do campo católico me colocava
constantemente em estado de vigilância epistemológica para rever várias vezes
minhas intuições e conclusões, pois poderiam estar mais sendo informadas por
meu senso comum de ator do campo do que por alguma categoria forjada na
reflexão e nas leituras. Em especial, eu, um agente religioso altamente
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qualificado e desmagicizado (jesuíta!
1
) e simpatizante da Teologia da Libertação,
estava estudando grupos religiosos altamente encantados que reavivam o
catolicismo tradicional pré-conciliar. Era o encontro de duas posições bem
definidas no campo religioso católico, estruturalmente opostas. Foi necessário
explicitar constantemente para mim mesmo a dialética entre pesquisador e nativo
para evitar os preconceitos e enganos comuns as duas posições, pois tanto o senso
comum do nativo como o senso comum douto do pesquisador, criam armadilhas
para a compreensão científica do fenômeno das Novas Comunidades.
E no caso do senso comum douto do pesquisador, há o preconceito que
vem de uma postura científica, extremamente racionalizada, face ao “irracional”
da experiência religiosa carismática. E aqui se instaura uma afinidade eletiva no
sentido weberiano entre o discurso científico racionalizado e racionalizador e o
agente desmagicizado do campo religioso que pode atrapalhar a investigação, o
que exige uma vigilância epistemológica redobrada.
Minha hipótese principal é de que no presente momento as Novas
Comunidades Católicas estão alheias ou insensíveis a demandas de cidadania e
desinteressadas pela participação na sociedade civil e na esfera pública, pois a
religiosidade que abraçam é de “fuga do mundo”, a via mística de que fala Max
Weber em seus estudos das religiões, por causa da matriz carismática que adotam
em sua espiritualidade.
Como segunda hipótese, postulo ainda que a busca do ideal de vida de
fraternidade em comunidade, animado pela espiritualidade carismática, leva ao
fechamento dessas Comunidades impedindo-as de construírem canais de
comunicação com a sociedade civil e a esfera pública política. Essa busca de
fraternidade em uma vida de comunidade traduz a busca por segurança e
identidade que tem constituído muitos grupos religiosos contemporâneos, grupos
que se pautam por relações interpessoais mais abertas à expressão de afetos e
emoções e ao respeito da subjetividade individual.
Organizei o trabalho de campo da seguinte maneira. Entrei em contato
com a Comunidade Shalom aqui no Rio de Janeiro, graças a um companheiro
jesuíta que conhecia as suas lideranças, e por meio de uma de suas dirigentes fui
1
Weber em sua sociologia da religião em Economia e Sociedade afirma que o mais próximo que o
catolicismo chegou do protestantismo ascético foram os jesuítas com sua conduta de vida racional
metódica e ascética, ou seja, desmagicizada.
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encaminhado ao coordenador do Ministério Atos 2 estadual da RCC. Obtive uma
lista de Comunidades cadastradas e visitando-as fui descobrindo outras que não
constavam na lista (algumas dessas não haviam querido fazer parte do cadastro do
Ministério como forma de mostrar independência da RCC). A partir do contato
telefônico mapeei a situação delas, se ainda funcionavam e de que modo.
Com esse trabalho cartográfico fui, ao mesmo tempo em que começava a
visitar algumas Comunidades, construindo os critérios para a seleção das
Comunidades mais interessantes para uma observação participante. Estabeleci
que estudaria apenas comunidades que tivessem a figura de um fundador, um
carisma de fundação (o dom específico da Comunidade para a vida da Igreja) já
configurado, e um caminho de formação de seus membros bem definido. Isso foi
importante para distingui-las das “comunidades de serviço” da RCC, atualmente
muito comuns nas paróquias e dioceses, e que se dedicam com muita freqüência
aos ministérios de música, pregação, cura e libertação, mas sem a perspectiva da
vida comunitária e do carisma fundacional.
Procurei construir uma amostragem representativa da disposição
geográfica das Novas Comunidades na região metropolitana do Rio associando-a
com Comunidades que fossem bem diferentes entre si para fazer a observação
participante e as entrevistas. Dentro do possível, consegui entrevistar membros de
Comunidades dos subúrbios cariocas, da Baixada Fluminense e de Niterói.
Algumas dessas entrevistas foram mais profundas, tanto com os fundadores como
com os membros, percorrendo um repertório de temas e perguntas que iam
surgindo da própria entrevista. Em outros casos foram mais breve, porém mais
direcionadas às motivações de participar de uma Nova Comunidade. A
observação participante ficou mais restrita àquilo que me era permitido participar,
ver ou ouvir em algumas situações. Reuniões mais “fechadas” de dirigentes ou de
discussão de problemas me foram vedadas. Nesse ponto pesou o fato de ser uma
“autoridade eclesiástica”. Entretanto, o “olhar etnográfico” captou tanto as
presenças e as ausências, e o cruzamento com o material das entrevistas revelou
pontos interessantes.
Objetivo principal da pesquisa foi perceber até que ponto as mudanças
socioculturais no campo religioso brasileiro – particularmente no subcampo
católico – aliados às grandes mudanças sociais no Brasil que se deram a partir da
década de 80 do século passado, têm influído no exercício da cidadania no país.
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Mais especificamente, queria descobrir que percepção e prática da cidadania as
Novas Comunidades Católicas poderiam estar trazendo para a sociedade
brasileira. Me interessava saber se o pentecostalismo católico seria capaz de se
afinar com o processo de democratização da sociedade brasileira, de construção
de uma cidadania que faça frente a grande desigualdade social e política que
marca a história de nosso país.
Tomei conscientemente como guia da minha pesquisa a compreensão da
cidadania como titularidade de direitos, sabendo que nem todos os autores
trabalham com ela, e que há outras possibilidades. Para o caso brasileiro, a
história desses direitos é mais um percurso de idas e vindas e constatação de
lacunas. Contudo, a titularidade de direitos está presente na Constituição de 1988
e na inspiração de recentes políticas públicas, por isso não está fora de propósito
nessa pesquisa o emprego dessa compreensão de cidadania, a qual não pode ser
dissociada de uma percepção de cultura cívica. Foi isso que pesquisei no trabalho
que se segue em relação às Novas Comunidades da região metropolitana do Rio
de Janeiro.
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2
Transformações no campo religioso brasileiro
O objetivo desse capítulo é situar a minha pesquisa no âmbito das
importantes discussões acerca do fenômeno religioso no Brasil nos últimos anos.
Tais discussões têm envolvido os cientistas sociais da religião em diversos debates
e polêmicas. As principais discussões dizem respeito a transformações
significativas no campo religioso brasileiro. Do ponto de vista estatístico,
estaríamos vendo o declínio da quase absoluta hegemonia católica, assim como o
declínio de uma religião tipicamente autóctone como a umbanda (Pierucci, 2006),
e o surgimento de um mercado religioso altamente competitivo. Por outro lado,
estaríamos diante de um reavivamento religioso, caracterizado por uma nova
forma de viver a religiosidade: mais desinstitucionalizada e subjetiva, emocional,
marcadamente individualista e perpassada por componentes mágicos. Daí se falar
tanto em “reencantamento do mundo” (Camurça, 2003), “dessecularização”
(Berger, 2001) e “revanche de Deus” (Oliveira, 2005), dentre outras. Como
expressão dessas mudanças quantitativas e qualitativas no campo religioso
teríamos a ascensão das igrejas pentecostais e neopentecostais
2
, o aumento dos
que se declaram “sem religião”, do trânsito religioso e da religiosidade própria
dos novos movimentos religiosos como a Nova Era.
Daí se poder legitimamente perguntar se essas mudanças não significariam
um processo de modernização do campo religioso brasileiro, concomitante as
grandes transformações sociais, econômicas e políticas que vêm ocorrendo na
sociedade brasileira desde a década de 80 do século passado. Esse processo de
modernização no campo religioso brasileiro seria a reorganização das instituições
religiosas, das correlações de forças e posições dos atores institucionais e uma
pluralização crescente dos modos de crer.
Na primeira seção deste capítulo procuro discutir a relação entre
2
Adoto nesse trabalho a classificação de Paul Freston que vem se tornando corrente na
compreensão do pentecostalismo no Brasil e que aponta para três ondas pentecostais: “uma
referida ao momento de introdução desse movimento, na década de 1910; outra, aos anos 50; e a
última, aos anos 70. Cada uma dessas ‘ondas’ seria identificada por um conjunto de denominações
individuais. As principais, respectivamente: Assembléia de Deus (AD) e Congregação Cristã do
Brasil (CCB); Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), O Brasil para Cristo (BPC) e Deus é
Amor (DA); IURD” (Giumbelli, 2001, 103).
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modernidade e religião
3
. Comumente se pensou que haveria um antagonismo
insuperável entre religião e modernidade, mas autores recentes vêm mostrando
que a religião não desapareceu na modernidade como vaticinava-se em outras
épocas, mas permaneceu e adaptou-se a própria modernidade.
Em seguida, na segunda seção, apresento e discuto os recentes dados
estatísticos sobre religião no Brasil procurando ir além da leitura imediata desses
dados, buscando os traços característicos da mudança qualitativa em curso no
campo religioso brasileiro. Considero importante dialogar com esses dados
estatísticos sobre religião no Brasil que vêm sendo divulgados pela mídia, porque
escondem mais do que revelam as mudanças em curso no campo religioso
brasileiro.
Por último, na terceira seção, procuro caracterizar o processo de
secularização e laicização do Estado-nação brasileiro. A relação da religião com o
Estado e a sociedade no Brasil tem contornos muito peculiares que fogem aos
modelos clássicos da “teoria da secularização” forjada no hemisfério norte.
2.1.
A religião na alta modernidade
Uma questão que constantemente retorna ao centro das discussões dos
estudiosos da religião é o lugar da religião na sociedade contemporânea. A
procura por se compreender e explicar as complexas e nem sempre evidentes
relações que o fenômeno religioso mantém com a sociedade moderna tem
conduzido a um permanente retorno aos clássicos da sociologia da religião e a
uma revisão do esquema conceitual “modernidade versus religião”, e por
conseqüência, da assim chamada “teoria da secularização”. O fenômeno religioso
parece persistir e mesmo se intensificar na era da modernidade, contrariando os
prognósticos de muitos estudiosos do século XIX e do início do século XX que
vaticinaram o fim da religião nas sociedades modernas capitalistas, onde o
3
Utilizo o termo “religião” aqui nesse capítulo de forma abrangente, como sinônimo do termo
“fenômeno religioso”. Um dos grandes desafios dos estudos acerca da religião no mundo
moderno é a definição do objeto em questão, “a religião”, pois dependendo da definição adotada, o
recorte empírico, e mesmo o arcabouço teórico, conduzem a resultados díspares. Para uma
discussão sobre o os usos e significados do termo “religião” no ocidente moderno, Cf.
GIUMBELLI, 2002, p. 24-46.
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desenvolvimento econômico e social tornaria obsoletas as crenças religiosas.
Já na segunda metade do século XX, o fenômeno religioso nas sociedades
centrais do capitalismo começou a dar sinais de revitalização e posteriormente
tornou-se visível através dos Novos Movimentos Religiosos da década de 60,
nascidos no bojo do movimento da contracultura que espalhou-se por boa parte do
mundo ocidental naquela década. Tornou-se empiricamente constatável que o
fenômeno religioso se revitalizava, de modo especial, ali onde se havia previsto o
seu ocaso. Mais do que simples revitalização, ele se transformava, transmutava,
assumindo novas cores e tonalidades num mosaico bem diversificado e
contraditório também.
É sintomático também que, a partir dos anos 70 do século XX,
começassem revisões das teorias sobre a modernidade. Rápidas e intensas
transformações sociais, culturais, políticas e econômicas nas sociedades centrais
do capitalismo apontavam para a necessidade de se rever as concepções em voga
sobre a modernidade. Não demorou muito para que se passasse a falar de “pós-
modernidade” como uma forma de tematizar e explicar as mudanças que estavam
em curso, como no clássico livro de Lyotard, A Condição Pós-moderna.
Meu intento aqui não é enveredar para uma exaustiva e extensa discussão e
análise do conceito de “pós-modernidade” e da literatura a seu respeito
4
;
tampouco estou preocupado com suas implicações para a teoria social. Entendo
que ainda – apesar de se alardear em alguns meios que estamos presenciando o
nascimento da “sociedade pós-moderna” – estamos na era moderna, período
histórico da civilização ocidental iniciado na segunda metade do século XVIII,
inaugurada pela Revolução Industrial inglesa e pela Revolução francesa, tendo o
ideário do Iluminismo como suporte ideológico. Se a idéia de “moderno” já se
encontrava presente em períodos anteriores, foi apenas com esses eventos
históricos que a modernidade ganhou densidade sociológica, virou um “fato
social” no jargão durkheimiano.
O que me interessa, de fato, é apresentar rapidamente as características
contemporâneas da sociedade moderna ocidental, tomando como ponto de partida
as análises de alguns autores acerca de importantes mudanças em curso, e as
conseqüências que isso traz para a religião. Valho-me para isso dos trabalhos de
4
Para uma excelente introdução a essa discussão Cf. KUMAR, 2006.
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19
Anthony Giddens e da socióloga da religião Danièle Hervieu-Léger
5
.
2.1.1.
Giddens e o “Carro de Jagrená” da modernidade
Giddens vem desenvolvendo desde o início da década de 90 do século
passado importantes análises a respeito da sociedade moderna e das mudanças que
vem sofrendo na segunda metade do século passado (Giddens, 1991, 1997, 2002).
Longe de abraçar a idéia de um advento da pós-modernidade ou de uma
“sociedade pós-moderna”, ele afirma que estamos na era moderna e que a
sociedade continua sendo moderna, porém estamos vivendo uma nova fase da
modernidade, a alta modernidade ou modernidade tardia, em que as
características básicas da modernidade se radicalizam e globalizam. Igual opinião
tem Beck (1997) e Bauman (2001) ao afirmarem, cada um em seus próprios
esquemas teóricos, que estamos presenciando a radicalização da modernidade, o
seu triunfo. E quais seriam essas características básicas para Giddens?
Em primeiro lugar, a separação entre espaço e tempo: esses já não se
relacionam por meio da mediação do lugar. “Lugar” entendido como uma
localidade, cenário físico situado geograficamente. Como afirma Giddens:
Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida
em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e
para quase todos os efeitos, dominadas pela “presença” – por atividades
localizadas. O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do
tempo fomentando relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de
qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de modernidade,
5
Não posso deixar de mencionar aqui os trabalhos de Zygmunt Bauman que refletem sobre o atual
estágio da modernidade no mundo globalizado. Bauman iniciou suas reflexões apontando para os
dilemas da pós-modernidade (1998), mas nos seus trabalhos mais recentes passou a tratar do tema
da “modernidade líquida” (2001; 2004; 2007a; 2007b; 2008). A “modernidade líquida”, em
oposição à “modernidade sólida”, seria uma fase nova na história da modernidade em que as
instituições, padrões, códigos e regras a que os indivíduos se conformavam adquirem “fluidez” e
“liquidez”; não há mais referências duradouras e sólidas, a mudança é permanente, tudo é
transitório (2007b). Isso ocorre porque a lógica própria da modernidade é “derreter”, “dissolver”.
Característico dessa “modernidade líquida” é o aparecimento da “vida líquida” e da “sociedade
líquida”: “A ‘vida líquida’ é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade
líquido-moderna. ‘Líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob as quais agem
seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em
hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se
revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode
manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo” (2007a, 7). Mas como sua reflexão
deve muito aos trabalhos de Anthony Giddens que o antecederam, preferi focalizar esse último.
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o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os locais são
completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem
distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está presente
na cena; a “forma invisível” do local oculta as relações distanciadas que
determinam a natureza
6
.
Em segundo lugar, há como conseqüência da separação entre espaço e
tempo, o desencaixe, entendido como “o ‘deslocamento’ das relações sociais dos
contextos locais e sua rearticulação através de partes indeterminadas do espaço-
tempo” (Giddens, 2002, 24). Para Giddens, há dois tipos de mecanismos que
favorecem esse desencaixe, os quais ele chama de “fichas simbólicas” e “sistemas
peritos”
7
. As fichas simbólicas são meios de troca com valor padrão
intercambiáveis em qualquer contexto, sendo o dinheiro o melhor exemplo disso.
O dinheiro põe entre parênteses tanto o tempo como o espaço ao valer como
crédito e ao permitir a troca entre indivíduos que não se encontram fisicamente.
Já os sistemas peritos ou especializados “põem entre parênteses o tempo e o
espaço dispondo de modos de conhecimento técnico que têm validade
independente dos praticantes e dos clientes que fazem uso deles”. Conforme
Giddens:
Tais sistemas penetram em virtualmente todos os aspectos da vida social nas
condições de modernidade – em relação aos alimentos que comemos, aos
remédios que tomamos, aos prédios que habitamos, às formas de transporte que
usamos e muitos outros fenômenos. Os sistemas especializados não se limitam a
áreas tecnológicas; estendem-se às próprias relações sociais e às intimidades do
eu. O médico, o analista e o terapeuta são tão importantes para os sistemas
especializados da modernidade quanto o cientista, o técnico ou o engenheiro
8
.
Tanto as fichas simbólicas quanto os sistemas peritos dependem
essencialmente da confiança, pois sem a mediação direta do lugar, tendo o espaço
e o tempo sido postos entre parênteses, além da especialização do conhecimento,
as relações entre os indivíduos acabam se baseando em algo próximo à “fé”.
Discutiremos mais à frente as conseqüências da confiança subjacente às relações
sociais na vida moderna.
A terceira característica apontada por Giddens é a reflexividade
9
. Ela não
6
GIDDENS, 1991a, p. 27.
7
Ibid., p. 29 et. seq.. Cf. também, Id., 2002, p. 24 et. seq.
8
Ibid., p. 24.
9
Ibid., p. 25 et. seq. Cf. também, Id., 1991a, p. 43-51.
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deve ser confundida com aquele monitoramento reflexivo da ação intrínseco a
toda atividade humana. Essa reflexividade moderna “consiste no fato de que as
práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação
renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu
caráter” (Giddens, 1991, 45). Exemplos dessa reflexividade são a difusão da
teoria econômica pela sociedade, a produção e o uso de estatísticas econômicas e
sociais por agências governamentais e outras, a apropriação pelo senso comum de
conceitos psicológicos, etc. O conhecimento e a informação circulam de tal modo
pela sociedade que proporciona às instituições sociais e aos indivíduos a
possibilidade de alterarem suas práticas.
A pergunta que cabe fazer agora é qual seria o lugar da religião nesse
mundo moderno, numa sociedade pós-tradicional, em que as práticas e as crenças
não são mais em geral sancionadas pela autoridade da tradição e do costume,
ambos fundamentados na esfera do sagrado, mas passam pelo crivo da
reflexividade que as renova incessantemente?
As rápidas menções de Giddens à situação da religião na alta modernidade
dizem respeito ao seu não desaparecimento e ressurgimento como resposta à
questão da “dúvida” num contexto de múltiplas autoridades e à questão da
moralidade da existência:
E a religião não só deixou de desaparecer. Vemos à nossa volta a criação de
novas formas de sensibilidade religiosa e empreendimentos espirituais. As razões
disso devem ser buscadas em características fundamentais da modernidade tardia.
O que devia ter-se tornado um universo social e físico sujeito a conhecimento e
controle cada vez mais seguro deu lugar a um sistema em que áreas de relativa
certeza se entrelaçam com dúvida radical e com inquietantes cenários de risco. A
religião até certo ponto gera a convicção que a adesão aos postulados da
modernidade necessariamente interrompe – desse ponto de vista é fácil ver por
que o fundamentalismo religioso tem um apelo especial
10
. Mas isso não é tudo.
Novas formas de religião e espiritualidade representam num sentido mais básico
um retorno do recalcado, pois apelam diretamente a questões relativas ao
significado moral da existência que as instituições modernas tendem a dissolver
inteiramente
11
.
Como afirma Giddens, a religião não desaparece e experimenta um
ressurgimento devido a características fundamentais da modernidade tardia. Os
10
A frase também está truncada no original: “Religion in some part generates the conviction which
adherence to the tenets of modenity must necessarily suspend: in this regard it is easy to see why
religious fundamentalism has a special appeal”. (Giddens, 1991b, 207).
11
Id., 2002, p. 191-192.
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sistemas especializados com seus peritos e especialistas estão presentes em todos
os campos da vida moderna, mas não há uma autoridade única que abarque todos
esses campos. Em conseqüência, não há uma autoridade “absoluta” que garanta a
verdade e a segurança: a concorrência entre os diversos peritos e especialidades
gera muita insegurança e incerteza para a condução da vida, já que a “dúvida
radical” está na base dos sistemas abstratos que garantem a própria existência
social na modernidade tardia. Apesar de a religião na modernidade ser apenas
uma autoridade entre outras, ela possui a pretensão de possuir uma verdade que
abarca a totalidade da existência. Indivíduos com dificuldades psicológicas de
viver em um mundo de autoridades diversas em conflito buscam refúgio em
sistemas de autoridade mais amplos, como a religião. É um movimento negativo,
pois envolve a submissão a uma forma de autoritarismo dogmático e não a
genuína relação de confiança pressuposta também na religião (Giddens, 2002,
181).
Outro elemento que favorece o ressurgimento da religião é o risco. A
sociedade na alta modernidade com todos os seus sistemas de controle tornou-se,
paradoxalmente, uma sociedade do risco
12
. A sociedade moderna eliminou
muitos perigos e problemas da sociedade tradicional, mas gerou outros
incontroláveis em escala global: desastres ecológicos, atentados terroristas,
acidentes nucleares, ameaças de guerra nuclear ou bacteriológica, “efeito estufa”,
crises econômicas, poluição industrial, etc. Perigos ameaçadores longe do
controle coletivo e individual, capazes de afetar a sociedade e o próprio
desenvolvimento do eu (self), gerando ansiedades nem sempre administráveis
pelos indivíduos
13
. Para Giddens a crise é normal na alta modernidade. Faz parte
da dinâmica da modernidade a crise ser endêmica, tanto a nível individual como
coletivo, sendo fruto do constante processo de mudanças contínuas e profundas
12
Para a discussão sobre confiança, risco e segurança ontológica, Cf. GIDDENS, 1991a. p. 81-
102;126-136. Cf. também para uma discussão sobre a construção do self, GIDDENS, 2002. p. 39-
69; 104-134.
13
Giddens se vale da metáfora do “carro de Jagrená” para se referir a esse mundo em descontrole
gerado pela modernidade em total oposição ao otimismo das previsões iluministas: “uma máquina
em movimento de enorme potência que, coletivamente como seres humanos, podemos guiar até
certo ponto mas que também ameaça escapar de nosso controle e poderia se espatifar. O carro de
Jagrená esmaga os que lhe resistem, e embora ele às vezes pareça ter um rumo determinado, há
momentos em que ele guina erraticamente para direções que não podemos prever” (Giddens,
1991a. p. 140). “O termo vem do hindu Jagannãth, ‘senhor do mundo’, e é um título de Krishna;
um ídolo desta deidade era levado anualmente pelas ruas num grande carro, sob cuja rodas, conta-
se, atiravam-se seus seguidores para serem esmagados” (Giddens, 1991a, p. 133).
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que lhe é inerente. Isso abre mais uma oportunidade para a religião ser um
suporte ou abrigo para se enfrentar os riscos e as crises. Nas sociedades
tradicionais, a religião e a magia eram um meio por excelência para se enfrentar
as incertezas e os perigos; na alta modernidade elas atuariam como um recurso de
emergência diante da incapacidade experimentada pelos indivíduos dos sistemas
especializados em garantir segurança ontológica. Essa por sua vez deve ser
entendida como “a crença que a maioria dos seres humanos têm na continuidade
de sua auto-identidade e na constância dos ambientes de ação social e material
circundantes” (Giddens, 1991, 93).
Entretanto, na teoria de Giddens, a religião e formas novas de
sensibilidade religiosa representam o retorno do recalcado. Esse recalcado nada
mais é do que as questões existenciais postas à margem pelos sistemas abstratos e
pelo projeto reflexivo do eu (self); questões sobre o sentido da vida, a moralidade
do agir, sobre a doença e a morte, etc. não estão no escopo dos sistemas abstratos
que informam aos indivíduos apenas sobre aquilo que é mais apropriado ou
adequado para seus objetivos particulares na construção constante de sua auto-
identidade, e não estão interessados em dizer, do ponto de vista moral, o que é
“certo” ou “errado”. É nesse aspecto que a religião encontra espaço na
modernidade, pois a religião procura exatamente dar uma resposta para o
significado da vida humana em sua totalidade, seu fim último, numa perspectiva
ético-metafísica. Ela reaparece e tira suas forças das brechas deixadas pelos
sistemas abstratos em sua lógica técnico-científica incapaz de dar sentido
metafísico à vida humana. A racionalidade instrumental que perpassa a vida
social moderna na medida que nega sentidos metafísicos ao mundo e à vida
humana, engendra demandas no interior do self que encontram respostas na
religião e em novas formas de religiosidade. Mas na modernidade nem esse
indivíduo, marcado por um projeto reflexivo de auto-identidade, nem a religião e
suas variantes, são os mesmos dos tempos pré-modernos
14
. Discutiremos isso
mais adiante.
14
Anthony D’Andrea (2000) desenvolveu uma análise do movimento New Age se valendo das
categorias de “alta modernidade”, “reflexividade” e pós-tradicional” de Giddens. Para D’Andrea,
a New Age é uma religiosidade típica da alta modernidade, uma religiosidade pós-tradicional
baseada no individualismo e na reflexividade, voltada para a perfectibilidade do self, i.e., para o
constante trabalho de aperfeiçoamento do “eu” por meio de práticas paracientíficas, técnicas
psicológicas, rituais mágicos e crenças religiosas. Menos do que uma religião, a New Age seria um
movimento que perpassa várias religiões e se alimenta de suas tradições, uma forma nova de
combinar a tradição à modernidade.
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24
Resumindo o que temos visto até agora sobre a religião na teoria da
modernidade tardia de Giddens é o seguinte. A religião ressurge como uma fonte
alternativa de segurança ontológica diante da permanente ameaça do “carro de
Jagrená” da modernidade, que em seu descontrole desperta muita ansiedade
existencial nos indivíduos. Com sua autoridade, a religião é capaz de aplacar, ou
de manter em níveis administráveis, a dúvida radical disseminada pelos sistemas
especializados. Por outro lado, a religião se torna fonte também de sentido para a
vida humana, respondendo a perguntas existenciais e sobre a moralidade do agir,
cumprindo um papel que os sistemas abstratos são incapazes de realizar.
2.1.2.
Hervieu-Léger e o paradoxo da modernidade
Uma outra leitura possível, e mesmo complementar a de Giddens, quanto
ao papel da religião no mundo moderno, é aquela feita por Danièle Hervieu-Léger,
que tem procurado entender como a religião se desenvolve na modernidade, ao
contrário da teoria social de Giddens mais preocupada em entender e explicar o
funcionamento da alta modernidade.
Hervieu-Léger entende e explica a modernidade a partir do paradigma
weberiano da racionalização crescente das diversas esferas da vida social. Para
ela, a modernidade possui três características que estão intimamente ligadas ao
enfraquecimento social e cultural da religião nas sociedades ocidentais (Hervieu-
Léger, 1999, 29-32). A primeira característica é a ênfase dada à racionalidade em
todos os domínios da ação, segundo o imperativo da adaptação coerente entre
meios e fins. A racionalidade moderna exige que os enunciados explicativos
passem pelo crivo da explicação científica. A segunda característica é “A
autonomia do indivíduo-sujeito, capaz de ‘fazer o mundo no qual ele vive e de
construir ele mesmo as significações que dão um sentindo a sua própria
existência”. A terceira característica é “um tipo particular de organização social,
caracterizada pela diferenciação das instituições, especialmente na especialização
dos diferentes domínios da atividade social”.
Essa diferenciação das instituições é fruto de um longo percurso e está
associada ao processo de emancipação da ordem temporal da tutela da tradição
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25
religiosa: a “laicização”. Para Hervieu-Léger:
A religião cessa de fornecer aos indivíduos e aos grupos o conjunto das
referências, das normas, dos valores e dos símbolos que lhes permitem dar um
sentido a sua vida e as suas experiências. Na modernidade, a tradição religiosa
não constitui mais um código de sentido que se impõe a todos
15
.
Mas a sociedade ocidental moderna mantém uma relação ambígua com a
religião, pois a sua existência deita raízes nas fontes judaico-cristãs, entre elas a
noção de autonomia, que graças à Reforma Protestante, atingiu seu ápice com o
calvinismo. Mas para Hervieu-Léger a relação ambivalente entre modernidade e
religião é mais profunda, indo além do que as teorias da secularização podem
descrever:
A “secularização” das sociedades modernas não se resume, pois, no processo de
perda social e cultural da religião com a qual é confundida comumente. Ela
combina, de forma complexa, a perda da influência de grandes sistemas
religiosos sobre uma sociedade que reivindica sua plena capacidade de orientar
ela mesma seu destino e a recomposição sob uma forma nova de representações
religiosas que permitiram a esta sociedade de se pensar a si própria como
autônoma.
16
.
Hervieu-Léger chama atenção para aquilo que ela chama de “paradoxo da
modernidade”:
(...) a modernidade aboliu a religião, como sistema de significações e motor dos
esforços humanos, mas ela criou, ao mesmo tempo, o espaço-tempo de uma
utopia que, na sua própria estrutura, permanece em afinidade com uma
problemática religiosa de realização e de salvação
17
.
15
HERVIEU-LÉGER, 1999, p. 32-33. Tradução minha, no original: “La religion cesse de fournir
aux individus et aux groupes l’ensemble des références, des normes, des valeurs et des symboles
que leur permettent de donner un sens à leur vie et à leurs expériences. Dans la modernité, la
tradition religieuse ne constitue plus un code de sens qui s’impose à tous”.
16
Ibid., p. 36-37. No original: “La “sécularisation” des sociétés modernes ne se resume donc pas
dans le processus d’éviction sociale et culturelle de la religion avec lequel on la confond
couramment. Elle combine, de façon complexe, la perte d’emprise des grands systèmes religieux
sur une société qui revendique sa pleine capacité d’orienter elle-memê son destin, et la
recomposition sous une forme nouvelle des représentations religieuses qui ont permis à cette
société de se penser elle-memê comme autonome”.
17
HERVIEU-LÉGER & CHAMPION,1986, p. 224. “No original: la modernité abolit la religion,
en tant que système de significations et moteur des efforts humains, mais elle crée, en même
temps, l’espace-temps d’une utopie qui, dans sa structure même, demeure en affinité avec une
problématique religieuse de l’accomplissement et du salut”.
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26
É a própria modernidade que coloca o tema da realização ilimitada do
indivíduo, do atendimento de todas as necessidades para o pleno florescimento do
indivíduo. A idéia de progresso humano é esse crescimento ilimitado do
indivíduo e da coletividade de indivíduos, um substituto à promessa da realização
do Reino de Deus da tradição judaico-cristã, uma forma secularizada de
escatologia judaico-cristã
18
.
A modernidade nas sociedades européias construiu-se sobre os escombros
da religião e assumiu o seu lugar como portadora de promessas de realização
humana pela via do progresso técnico e científico que elevariam a moralidade
humana. No entanto, o século XX testemunhou com suas Grandes Guerras, com
o advento do totalitarismo, com as crises econômicas mundiais o cansaço, a
exaustão do modelo de progresso e das promessas da modernidade. Porém, a
dinâmica de inovação constante, de mudança em direção ao novo, continua no
coração da modernidade; os avanços científicos e técnicos constantes, o produzir
incessantemente mais continuam a recolocar e alimentar a utopia moderna de
realização plena. Os valores fundamentais da modernidade – a razão, o
conhecimento, o progresso, etc. – permanecem ainda no horizonte. O paradoxo
da modernidade repousa nessa aspiração utópica da inovação, no imperativo da
mudança, da necessidade de produzir sempre mais, de conhecer sempre mais, de
comunicar sempre mais e sempre mais rápido, que são sempre reabertas na
medida em que os conhecimentos e as técnicas se desenvolvem (Hervieu-Léger,
1999, 37-39).
É nesse espaço paradoxal da modernidade que a religião reencontra seu
lugar:
A oposição entre as contradições do presente e o horizonte de uma realização
futura cria, no coração mesmo da modernidade, um espaço de esperas, no qual se
desenvolvem novas formas de religiosidade que permitem superar essa tensão:
representações novas do “sagrado” ou apropriações renovadas de tradições de
religiões históricas
19
.
18
Para uma análise mais precisa sobre a relação entre modernidade e escatologia cristã, Cf.
KUMAR, 2006, p. 106-123.
19
HERVIEU-LÉGER, 1999, p. 40. No original: “L’opposition entre les contradictions du présent
et l’horizon d’un accomplissement futur crée, au coeur même de la modernité, un espace
d’attentes, dans lequel se développent, le cas échéant, de nouvelles formes de religiosité
permettant de surmonter cette tension: représentations nouvelles de “sacré” ou appropriations
renouvelées des traditions des religions historiques”.
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Tem se falado de “retorno do religioso” ou de “revanche de Deus” para se
referir aos Novos Movimentos Religiosos e aos reavivamentos religiosos nas
religiões tradicionais. Mas esses fenômenos religiosos estão bem longe de
representar uma volta ao universo religioso do passado. Eles evidenciam o caráter
paradoxal da modernidade do ponto de vista da crença.
Por um lado, as grandes explicações religiosas do mundo nas quais os homens
encontravam um sentido global estão desqualificadas. As instituições religiosas
continuam perdendo sua capacidade social e cultural de imposição e regulação
das crenças e práticas. O número de seus fiéis diminui, e os próprios fiéis
“servem-se à vontade”, não somente em matéria de prescrições morais, mas
igualmente em matérias de crenças oficiais. Por outro lado, essa mesma
modernidade secularizada oferece, porque ela é geradora por sua vez de utopia e
opacidade, as condições as mais favoráveis à expansão da crença. Quanto mais a
incerteza do futuro é grande, mais a pressão da mudança é intensa, e mais essas
crenças proliferam, se diversificando e se disseminando ao infinito
20
.
Assim, a religião não desaparece na modernidade como supõe a uma certa
interpretação da secularização. Ela deve ser entendida como:
(...) o conjunto dos processos de rearranjos das crenças que se produzem em uma
sociedade cujo motor é a insatisfação das expectativas que ela suscita e cuja
condição cotidiana é a incerteza ligada à busca interminável de meios de
satisfazê-las
21
.
Para Hervieu-Léger, então, a religião na modernidade possui um lugar,
mas ao mesmo tempo ela se transforma por causa desse lugar que agora ocupa. O
fenômeno religioso passa a apresentar características muito específicas que
retratam a ação da modernidade sobre ele.
Não é a indiferença religiosa que caracterizaria a sociedade moderna, mas
a crença que escapa ao controle das grandes religiões. Isso se expressaria por
20
Ibid., p. 41-42. No original: “Les institutions religieuses continuent de perdre leur capacité
sociale et culturelle d’imposition et de régulation des croyances et de pratiques. Le nombre de
leurs fidèles s’amenuise, et les fidèles eux-mêmes “en prennent et en laissent”, non seulement en
matière de prescriptions morales mais également en matière de croyances officielles. D’um autre
côté, cette même modernité sécularisée offre, parce qu’elle est génératrice à la fois d’utopie et
d’opacité, les conditions les plus favorables à l’expansion de la croyance. Plus l’incertitude de
l’avenir est grande, plus la pression du changement est intense, et plus ces croyances prolifèrent,
en se diversifiant et en se disséminant à l’infini”.
21
Ibid, p. 42. No original: “l’ensemble des processus de réaménagements des croyance qui se
produisent dans une société dont le moteur est l’inassouvissement des attentes qu’elle suscite, et
dont la condition quotidienne est l’incertitude liée à la recherce interminable des moyens de les
satisfaire”.
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duas tendências: uma primeira de subjetivação e individualização das crenças
religiosas, os crentes não praticantes; e uma segunda pela liberdade dos crentes de
bricolar seu sistema de crenças fora de um conjunto doutrinal de crenças
institucionais (“crer sem pertencer”).
A conclusão da autora é de que o campo religioso se encontra
“desregulado” e hoje se pode crer sem amarras institucionais. Porém isso não
quer dizer que não haja mais pertencimentos grupais e identidades confessionais.
Longe disso, as crenças individuais necessitam ser expressas num grupo,
produzem pequenas comunidades de crentes, nascidas do engajamento pessoal e
voluntário dos indivíduos, caracterizadas pela afetividade e comunicação. Por sua
vez, esse pertencimento comunitário, reativa identidades confessionais, sem que
no entanto haja uma adesão plena ao corpo doutrinal da confissão religiosa.
Assim, os indivíduos bricolam suas crenças a partir do patrimônio das
religiões tradicionais para dar um sentido a sua existência, o qual também se torna
elemento para a construção de identidades coletivas numa sociedade cada vez
mais pluralista. Individualização e subjetivação das crenças por um lado, graças à
cultura moderna do indivíduo; mobilização coletiva identitária de símbolos
confessionais por outro, fruto da pluralização de grupos e segmentos sociais na
sociedade.
Resumindo a posição de Hervieu-Léger, podemos afirmar que a
modernidade procurou substituir os horizontes utópicos da religião trazendo a
perspectiva da realização e salvação para a realidade histórica imanente construída
exclusivamente pela ação humana. Entretanto, o descompasso permanente entre
as promessas da modernidade e suas realizações gera incertezas e crises, abrindo
espaço para a proliferação da religião. Mas o fenômeno religioso na modernidade
assume novos contornos, pois a individualização e a subjetivação, conseqüências
da cultura do indivíduo, conduzem a uma forma nova de viver a experiência
religiosa que traz como resultado a “desregulação” da religião, mormente o
cristianismo, em que o poder de regulação institucional das crenças se enfraquece.
Aproximando Hervieu-Léger e Giddens é possível afirmar que a busca da
realização das promessas da modernidade, via sistemas abstratos, gera incertezas e
inseguranças (a insegurança ontológica), além de não responder às questões
morais e existenciais que permanecem presentes no bojo da vida social. A
sociedade na alta modernidade cria as condições favoráveis para o florescimento
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da religião já que o descontrole do “carro de Jagrená” atinge o âmago dos
indivíduos: o seu self, a construção de sua identidade. De fato, é esse estado
permanente de crise característico da sociedade na alta modernidade que favorece
a expansão do fenômeno religioso em suas múltiplas formas.
Mas a religião que floresce não é a tipicamente tradicional, e sim uma
marcada pelo self, por uma subjetividade individual, oscilando entre a busca de
segurança e a busca de sentido; mesmo as religiões tradicionais como o
cristianismo e o judaísmo experimentam em seu interior movimentos de
renovação em que o indivíduo e sua subjetividade estão no centro da experiência
religiosa (Champion & Hervieu-Léger, 1990), experiência religiosa que escapa ao
controle institucional. Cada vez mais, a instituição religiosa tradicional perde o
controle sobre seus fiéis, ao mesmo tempo em que o pluralismo religioso gera
novas ou resgata antigas identidades confessionais, sem contudo estarem sob a
regulação institucional.
A pergunta que agora cabe fazer é se essa descrição do estado da religião
nas sociedades centrais do capitalismo é válida para a sociedade brasileira.
Haveria grandes diferenças entre o fenômeno religioso no hemisfério norte,
especificamente nos países europeus, e o fenômeno religioso numa sociedade
periférica como a brasileira? Haveria uma modernidade religiosa em curso
também no Brasil, um novo rearranjo das instituições religiosas e do modo de
crer? O que as recentes pesquisas sobre religião no Brasil teriam a revelar? É o
que veremos na próxima seção.
2.2.
As estatísticas sobre religião no Brasil
Os estudiosos da religião no Brasil desde o censo do IBGE de 1991 vêm
constatando significativas mudanças no campo religioso brasileiro. Os dados do
censo do IBGE de 2000 confirmaram as tendências do censo anterior: o declínio
percentual do número relativo de pessoas que se declaram católicas e o aumento
expressivo dos que se declaram evangélicos pentecostais e dos que se declaram
sem religião.
Podemos conferir os números no Quadro abaixo:
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30
DADOS GERAIS SOBRE RELIGIÕES NO BRASIL
Anos População Católicos
Evangélicos
de Missão
22
Evangélicos
Pentecostais
23
Outras
Religiões
Sem
Religião
1970 93.470.306
85.775.047
91,8%
4.833.196
5,2%
2.157.229
2,5%
704.924
0,8%
1980 119.009.778
105.860.063
89%
4.022.330
3,4%
3.863.320
3,2%
3.310.980
3,1%
1.953.085
1,6%
1991 146.814.061
122.365.302
83,3%
4.388.165
3%
8.768.929
6%
4.345.588
3,6%
6.946.077
4,7%
2000 169.870.803
125.517.222
73,9%
8.477.068
5%
17.975.106
10,6%
5.409.218
3,2%
12.492.189
7,4%
Fonte: Censo 2000 do IBGE
Pesquisas posteriores trabalhando sobre os números do censo de 2000
procuraram esmiuçar os dados relativos às religiões no país. O livro Atlas da
filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil da equipe de César Romero
Jacob (2003) apresentou a pesquisa do censo de 2000 em formato de mapas
geográficos, possibilitando uma apreciação da distribuição espacial das religiões
no território nacional aliada a indicadores sociais
24
. Em 2005, a equipe do Centro
de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, sob a direção
de Marcelo Neri, divulgou a pesquisa chamada Retrato das Religiões no Brasil
em que trabalha os dados do censo de 2000 privilegiando modelagens
econométricas e o cruzamento com outros dados de amostragem da situação
ocupacional da população. Em 2006, a equipe de César Romero volta a publicar
mais um estudo, Religião e sociedade em capitais brasileiras, descendo a nível
22
As principais igrejas evangélicas de missão no Brasil segundo o censo: Batista (37,31%),
Adventista (14,27%), Luterana (12,53%), Presbiteriana (11,57%), Metodista (4,02%) e
Congregacional (1,76%).
23
As principais igrejas evangélicas pentecostais no Brasil segundo o censo são: Assembléia de
Deus (47,47%), Congregação Cristã do Brasil (14,04%) e Universal do Reino de Deus (11,85%)
que abarcam ¾ dos fiéis pentecostais. Em seguida temos Evangelho Quadrangular (7,44%), Deus
é Amor (4,37%) e Maranata (1,56%).
24
O grande mérito do trabalho de César Romero e sua equipe é esmiuçar a distribuição estatística
em conjunto com a variável território associando-a aos indicadores sociais. Para uma explicação
do método e do processo de construção desses dados de seus trabalhos Cf. JACOB, 2004, 126-
151.
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31
mais micro ao enfocar de perto as regiões metropolitanas de 19 capitais
25
, numa
análise de zonas e bairros.
Em 2007, por ocasião da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o Instituto
Datafolha divulgou pesquisa realizada em março com pessoas com mais de 16
anos e obteve os seguintes números: Católicos 64%; Evangélicos pentecostais
17%; Sem religião 6%; Evangélicos não-pentecostais 5%; outras religiões 5%;
Espíritas kardecistas 3%
26
. Entretanto, a pesquisa também revela uma diminuição
na taxa de decréscimo das pessoas que se declaram católicas como na taxa de
aumento daquelas que se declaram evangélicas pentecostais na atual década.
Mariz & Machado (1998) referindo-se aos dados do censo de 1991, fazem
algumas observações que também são válidas para o censo de 2000 e pesquisas
similares. Primeiro, observam as autoras, os dados não falam sobre as práticas e
crenças dos entrevistados. Tratando-se do Brasil onde é notória a distância entre o
modo como cada fiel vive sua crença e a doutrina oficial da instituição religiosa a
qual pertence – e isso é mais evidente ainda no catolicismo – e onde as pessoas
possuem uma dupla pertença a instituições religiosas – vide o caso dos católicos
que praticam cultos mediúnicos e dos adeptos de religiões afro-brasileiras que se
declaram católicos – os dados estatísticos apreendem apenas alguns traços do
fenômeno religioso no Brasil, e podem mesmo induzir ao erro interpretativo. A
segunda observação é quanto à categoria “sem religião”. Ela não significa ateu ou
pessoa desprovida de religiosidade. Como afirmam as autoras:
Não se deve assumir que, em qualquer pesquisa, os que se dizem sem religião
sejam ateus – totalmente secularizados e desprovidos de qualquer religiosidade. Os
que se declaram sem religião não estão declarando que não possuem crenças
religiosas ou que abandonaram qualquer prática. Podemos interpretar que se dizer
‘sem religião’ significa, na verdade, uma não adesão a uma instituição ou
identidade religiosa: uma rejeição à religião institucionalizada
27
.
Marcelo Camurça referindo-se aos dados do censo observa que:
A questão está em compreender que a ‘realidade dos números’ proveniente da
análise estatística, quando se trata da ‘realidade social’ – e principalmente da
25
As capitais estudadas foram: Manaus, Belém, São Luís, Teresina, Fortaleza, Natal, Recife,
Maceió, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis,
Porto Alegre, Campo Grande, Goiânia e Brasília.
26
Folha de São Paulo Especial Religião, domingo, 6 de maio de 2007, p. 2.
27
MARIZ & MACHADO, 1998, p. 22.
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32
realidade social do fenômeno religioso, sinuoso e polissêmico – não é um ‘espelho
cristalino’ que reflete a imagem do real
28
.
A ilusão dos dados estatísticos é fazer crer que a realidade está
inteiramente expressa nos números apresentados, mas, em se tratando de uma
realidade social tão sinuosa e polissêmica como o fenômeno religioso, essa
pretensão é, de fato, enganosa. É necessário mudar o olhar sobre esses dados
apresentados. Segundo Camurça:
A sutileza está em passar de uma sociometria, ou seja, o juízo de que a realidade tal
e qual está espelhada nesses números, a uma semântica, ou seja, à interpretação
dos múltiplos significados que se escondem por trás dos níveis mais explícitos das
respostas dos entrevistados
29
.
É procurar olhar através das “declarações espontâneas” dos entrevistados
do censo os silêncios, as lacunas, as contradições e as interdições presentes nas
respostas. Se não, estaremos reificando o real e obscurecendo uma compreensão
mais adequada, por exemplo, do “fenômeno dos sem religião”, ao acreditarmos
que os que se identificam com a categoria “sem religião” do censo são partidários
do ateísmo ou não possuem nenhum tipo de religiosidade. Também podemos cair
na sociologia espontânea da mídia e de alguns analistas que vêem nos dados do
censo um processo de “descatolicização”, confundindo o enfraquecimento
institucional da Igreja Católica – sua hierarquia – com o fim de uma “cultura
católica” que permeia boa parte ainda da vida sociocultural brasileira
30
. A
realidade social do fenômeno religioso é mais complexa e exige, portanto, um
tratamento mais qualitativo para trazer algum significado relevante aos dados
estatísticos
31
. Em se tratando de dados estatísticos sobre o fenômeno religioso no
28
CAMURÇA, 2006, p. 46.
29
Ibid.,p. 46.
30
Cf. NERI, 2005, p. 58-59. Falar de “descatolicização” é ler a realidade do fenômeno religioso a
partir dos dados imediatos dos números obscurecendo uma apreensão mais ampla dos múltiplos
aspectos em jogo do fenômeno religioso no Brasil contemporâneo. O catolicismo brasileiro é
menos uma filiação a uma instituição religiosa, e mais a adesão a um conjunto de crenças e
práticas em boa parte à margem do catolicismo oficial da hierarquia, marcadas por um ethos
sincrético que une religiões mediúnicas e rituais da encantaria.
31
Um bom exemplo de uso de dados estatísticos como ponto de partida para um estudo mais
qualitativo do fenômeno religioso se encontra no trabalho de Regina Novaes (2006). Para outros
exemplos, Cf. CAMURÇA, 2006, p. 35-48. Para uma análise das dificuldades envolvidas no censo
sobre religião no Brasil, Cf. MAFRA, 2004, p. 151-159.
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33
Brasil, todo o cuidado é pouco
32
.
E de que modo podemos entender esses dados construídos pela estatística
do Censo? Quais são os aspectos do campo religioso que podem ser captados
nessas pesquisas? Partindo do Censo de 1991 – cujas tendências se viram
confirmadas no Censo de 2000 – Mariz & Machado (1998) apontam para duas
transformações paradoxais do campo religioso brasileiro: um crescente pluralismo
institucional, expresso pelo florescimento de igrejas evangélicas (pentecostais) e
no seu fortalecimento enquanto instituições competitivas, e uma
desinstitucionalização religiosa onde parte da população vem abandonando a
identidade religiosa institucional sem aderir a outra.
Partindo do Censo de 2000 e de pesquisas mais recentes sobre a
religiosidade juvenil, Regina Novaes identifica “o entrelaçamento de três
tendências” presentes no universo contemporâneo dos jovens:
a) forte disposição para o trânsito religioso e para novas combinações sincréticas;
b) diminuição da transferência religiosa intergeracional e ênfase na escolha
individual (seja para declarar-se ateu ou agnóstico; seja para mudar de religião e
seja, até, para permanecer na religião dos pais); c) ampliação das possibilidades
para o desenvolvimento de religiosidade sem vínculos institucionais (como
interregno entre pertencimentos religiosos ou como ponto de chegada)
33
.
Camurça (2006), interpretando os dados do Censo de 2000, afirma que há
a presença de tendências modernizantes no campo religioso representadas pela
multiplicidade de ofertas religiosas e liberdade de escolha. A presença
significativa de evangélicos (pentecostais) e dos “sem religião” seria um sintoma
dessas tendências. Igualmente a atuação do movimento das CEBs e da
Renovação Carismática Católica representa essas tendências no âmbito católico
(Camurça, 2006, 38-39). Por outro lado, há uma permanência da religiosidade
tradicional católica presente nos números do censo na região Nordeste e em Minas
Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em que o catolicismo é francamente
majoritário e onde os evangélicos possuem o mais baixo percentual. Isso faz com
tenhamos que relativizar as interpretações fáceis e corriqueiras de oposição entre
32
Foi exatamente isso o que pretendeu a pesquisa realizada pelo Centro de Estatística Religiosa e
Investigações Sociais (CERIS) ao investigar o perfil do catolicismo em várias regiões
metropolitanas brasileiras. O objetivo era qualificar os diversos conteúdos das crenças dos
católicos. Cf. SOUZA & FERNANDES, 2002.
33
NOVAES, 2006, p. 145.
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34
“tradicional” e “moderno”, “urbano” e “rural”, “catolicismo popular” e
“catolicismo das Cebs”, etc (Camurça, 2006, 41 et. seq.).
Outro aspecto a que chama atenção o autor é para o sincretismo religioso
(Camurça, 2006, 45). Aliado ao tradicional sincretismo de crenças e práticas
característico do campo religioso brasileiro, algo já afirmado por Pierre Sanchis
(1997), há a existência de um sincretismo pós-moderno presente “nas chamadas
religiosidades do self, marcadas por uma tônica individualista e subjetivista”,
muito próprio do universo da Nova Era. Mas como o Censo não esmiúça as
respostas dos entrevistados, cai na categoria dos “sem religião” esse contingente
de sincréticos pós-modernos. Com isso, mais uma vez, longe de representar um
aumento do indiferentismo religioso, o aumento percentual da categoria “sem
religião” representa o surgimento de uma “religião invisível”, “marcada pela
desfiliação dos indivíduos das instituições religiosas e a opção destes por uma
religiosidade própria, montada a partir das ofertas de um ‘mercado religioso’”. A
conclusão do autor “é que no Brasil, em termos de fenômeno religioso enquanto
expressão social, cultural e simbólica, o que parece ser mais significativo são os
modos de crenças do que as religiões nominais” (Camurça, 2006, 45).
Cruzando as percepções desses pesquisadores podemos afirmar o seguinte:
somado aos tradicionais duplo pertencimento institucional e sincretismo religioso,
emerge no campo religioso brasileiro um “mercado religioso” institucional
competitivo que favorece os múltiplos pertencimentos e o intenso trânsito
religioso. Tanto o trânsito religioso
34
, como a desfiliação dos indivíduos das
instituições religiosas apontam para o aparecimento de um modo novo de viver a
religiosidade no Brasil calcado nas escolhas individuais subjetivas. É o indivíduo
a partir de sua subjetividade, e não de uma tradição, que escolhe seu
pertencimento institucional e o modo de crer. Esse modo de viver a religiosidade
não é dominante no campo religioso brasileiro, mas já é significativo, e longe de
estar concentrado em alguma região geográfica do país, de ser uma exclusividade
de uma determinada religião, de uma classe social, ela perpassa todo o espaço
social. Percebe-se uma presença mais significativa dessa forma de religiosidade
nas principais regiões metropolitanas, indicador de uma dinâmica social muito
própria do espaço metropolitano contemporâneo.
34
Cf a pesquisa realizado pelo CERIS sobre o fenômeno do trânsito religioso e as conclusões da
equipe (Fernandes, 2006).
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35
A essa religiosidade calcada na autonomia do sujeito poder-se-ia chamar
de “religiosidade pós-moderna”, mas não nos enganemos ao pensarmos que a
existência de tal religiosidade significa que a sociedade brasileira – e o campo
religioso em particular, estariam entrando numa era “pós-moderna”. Como tem
afirmado Sachis (1997, 1999, 2001), o campo religioso brasileiro é habitado por
dinâmicas tanto tradicionais, modernas e pós-modernas que se imbricam e
mutuamente se influenciam, evidenciando como o campo religioso vem se
complexificando desde as últimas décadas do século passado.
O mais importante é notar como o fenômeno religioso no Brasil não
declina, mas passa por uma transformação que redimensiona o papel das
instituições religiosas, agora colocadas num mercado religioso competitivo, e o
modo de crer dos fiéis, que cada vez mais vai se individualizando e subjetivando,
dando oportunidade para bricolagens e pertencimentos múltiplos ou temporários.
Não uma diminuição do crer entre os brasileiros como podemos interpretar pelos
dados estatísticos, mas uma pluralização crescente dos modos de crer e um leque
mais amplo de possibilidades para o trânsito religioso.
2.3.
Secularização “à brasileira”?
Esse quadro do fenômeno religioso no Brasil evoca as análises de
Hervieu-Léger e Giddens ao apontar para um processo de desregulação
institucional – no caso, a Igreja Católica – e individualização e subjetivação do
crer, que revela a outra face da moeda: o papel do Self na experiência religiosa
contemporânea. Entretanto, há que se ter o cuidado de não enquadrar de imediato
a sociedade brasileira dentro do esquema da modernidade. O processo de
formação de nosso Estado-nação foi tardio e seguiu caminhos bem diferentes
daqueles percorridos pelas nações européias tidas como protótipos da
modernidade. Nossa modernidade é periférica, constituída nas franjas das
sociedades capitalistas centrais, em permanente processo de importação de
instituições, numa condição de subalternidade. Somos uma “outra modernidade”
que operacionaliza as instituições da modernidade num registro diferente do
originário (Carvalho, 2002).
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36
Por isso, as reflexões de Giddens e Hervieu-Léger precisam ser matizadas
e contrapostas às pesquisas empíricas sobre a realidade brasileira. O “carro de
jagrená” de Giddens pode estar globalmente em descontrole – mais precisamente
nos países centrais do capitalismo – porém os seus efeitos no Brasil
provavelmente são desiguais e interagem com questões locais. O efeito das
mudanças sociais sobre o campo religioso ainda está para ser devidamente
estudado, mas é indubitável que o vertiginoso e desordenado processo de
urbanização das últimas décadas, associado com a falência do modelo nacional-
desenvolvimentista e a entrada em cena do modelo de desenvolvimento via
mercado potencializaram situações de pobreza e desigualdade social que podem
ser uma das causas para o boom do pentecostalismo evangélico (e indiretamente,
do católico). “O mundo em descontrole” no Brasil, talvez seja menos a chegada
da alta modernidade, com suas instituições e crises, e mais a inserção subordinada
do país no mercado global, com o conseqüente desmonte dos arranjos
institucionais e sociais constituídos durante a era nacional-desenvolvimentista.
Ao que me parece, o campo religioso brasileiro, segundo podemos aferir
das pesquisas, vai se diferenciando internamente com o aparecimento de novas
instituições religiosas (as micro ou nano igrejas evangélicas), novas identidades
religiosas (“o evangélico”, “o católico renovado” e o “sem religião”), a
intensificação do trânsito religioso, novas possibilidades sincréticas e novos
modos de crer. Uma situação de pluralidade religiosa que traz a questão do
pluralismo religioso para uma disputa dentro do próprio campo religioso como do
campo político. Mais precisamente, a Igreja Católica, e depois, os cultos afro-
brasileiros, são os mais afetados com a pluralização. Haveria uma certa
desinstitucionalização, como diz Hervieu-Léger, mas é algo que atinge quase
inteiramente a Igreja Católica, exatamente por ter sido e continuar sendo, a grande
instituição religiosa dentro do campo religioso brasileiro. De fato, o que está em
curso é uma recomposição desse campo, rumo a uma situação inteiramente nova,
em que a equação (quase um mito de origem) “brasileiro = católico” não encontra
mais respaldo imediato.
As instituições religiosas se multiplicam quase ao infinito, graças ao
movimento pentecostal evangélico, que gera igrejas em cada esquina numa
competição por fiéis. Mas se as igrejas evangélicas pentecostais estão nessa
competição por fiéis, não apenas entre si, mas sobretudo com os cultos afro-
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37
brasileiros, também se encontram em luta por privilégios junto ao poder público,
visando capturar os antigos privilégios da Igreja Católica para si, o que se pode
perceber da atuação de parlamentares evangélicos nos diversos níveis do
legislativo. Isto põe em xeque a teoria que afirma que a religião na modernidade
foi colocada na esfera privada. No Brasil, e na América Latina em geral, a
religião, mais precisamente a Igreja Católica, sempre esteve de algum modo na
esfera pública. O que se percebe hoje no Brasil é que a privatização e
subjetivação das crenças, com o conseqüente enfraquecimento do controle
institucional, não representa um enfraquecimento ou evasão das instituições
religiosas da esfera pública. Muito pelo contrário, é cada vez maior a presença da
religião, das instituições religiosas na esfera pública, seja no âmbito da
participação política, via representação política (Miranda, 1999; Burity &
Machado, 2006; Machado, 2006) seja no âmbito da participação social, por meio
de organizações da sociedade civil (Burity, 2006). Tal cenário apresenta-se como
um desafio à clássica teoria da secularização, em que previa-se o confinamento da
religião à esfera privada e a autonomia da esfera política face às demandas das
instituições religiosas e às crenças dos atores políticos (Mouffe, 2006). Não é o
que vem acontecendo no Brasil.
Diante de tal cenário é possível perguntar se, de fato, houve ou há um
processo de secularização na sociedade brasileira e quais poderiam ser suas
características. No nível sociocultural, a sociedade brasileira não é menos
religiosa do que no século XIX, apesar da religião não ser mais a “legitimadora do
todo social”, mas começa a sinalizar para novos modos de viver a religiosidade,
onde o papel da escolha individual segundo os critérios da subjetividade passa a
ser cada vez mais importante. Assim pode ser entendido o “processo de
secularização” atualmente em curso no Brasil: um processo de recomposição das
instituições e crenças religiosas face à uma sociedade que gradativamente vai se
complexificando e diferenciado-se, gerando um pluralismo maior de grupos e
classes sociais, e que põe um acento cada vez maior no papel do indivíduo como
sujeito normativo da vida social.
Por outro lado, esse processo não significa o afastamento da religião da
esfera pública: muito pelo contrário, percebe-se o aumento da participação das
instituições religiosas na esfera pública. A esfera pública tem testemunhado a
crescente visibilidade de atores oriundos do campo religioso, com vínculos
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institucionais diretos ou indiretos, que atestam a vitalidade do pertencimento
religioso como uma identidade social válida. Professar algum credo ou
pertencimento religioso em público, e mesmo atuar a partir dele na esfera pública,
não é algo mal visto no Brasil. Ao contrário, pode ser fator de aglutinação de
adesões, apoio ou, simplesmente, de votos.
Uma explicação para essa aparente contradição, pois dentro do esquema da
teoria da secularização “modernização=declínio da religião”, seria os pressupostos
eurocêntricos da teoria, ou seja, na concepção de mundo liberal que a informa.
Subjacente a ela está uma certa concepção de separação entre o público e o
privado que não se coaduna com a concepção vigente no Brasil. A construção da
separação entre público e privado no Brasil além de recente, seguiu caminhos
outros do que aquele percorrido na Europa. A nossa modernização periférica não
retirou a religião da esfera pública e a confinou no mundo privado, mas tão
somente buscou, em moldes liberais, construir a separação política entre Estado e
Religião, ou seja, entre Estado e Igreja Católica. A presença da religião na esfera
pública estaria regulada tomando-se a Igreja Católica como modelo, por essa ser a
religião majoritária dos brasileiros (Giumbelli, 2002). Com isso, é confirmada
como religião oficiosa do país e interlocutora única e previlegiada com o Estado.
Ao contrário da traumática separação entre Igreja e Estado ocorrida na França, em
que a Igreja Católica era um inimigo a ser derrotado, aqui no Brasil, a separação
foi útil para a Igreja Católica e para o Estado ao por fim ao antigo sistema do
Padroado e possibilitar o desenvolvimento institucional de ambas as partes, a
ponto de poderem mais à frente, com a era Vargas, constituírem uma aliança.
Podemos chamar essa situação peculiar de “aspecto político” da nossa
“secularização à brasileira”: a religião que não deixa de ter um papel importante
frente ao Estado. E é esse papel que se encontra em jogo na disputa entre as
diversas igrejas evangélicas pentecostais com a Igreja Católica.
Mas o que culturalmente legitima que atores da esfera religiosa possam
encontrar espaço no campo político e na esfera pública? A resposta se encontraria
na matriz cultural brasileira, forjada com fortes elementos religiosos, não oriundos
do catolicismo oficial, mais racionalizado e desencantado, mas do sincretismo
popular católico, feito de uma amálgama de crenças e ritos de raízes indígenas e
africanas, que privilegia a íntima relação e troca entre o mundo visível e o
invisível, entre o mundo dos vivos com o mundo dos entes espirituais. Haveria
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39
uma homologia estrutural entre anjos, demônios, santos, orixás, encostos,
pombas-giras e almas que constituiria no Brasil uma religiosidade que favorece o
transe mediúnico e a possessão. A comunicação com esse mundo espiritual como
via de solução de problemas mais diversos, desde questões privadas – doenças,
assuntos amorosos – até questões políticas – bênçãos ou “trabalhos” para se
ganhar eleições ou vencer disputas políticas – atesta que a ligação entre o campo
religioso e o campo político é forte, que esse campo religioso é ainda
profundamente encantado, mágico e englobante do campo político. A cosmologia
presente no campo religioso é facilmente mobilizada para angariar dividendos no
campo político. Não é de se estranhar, portanto, que alguma aura messiânica
posso estar presente em partidos políticos e movimentos de esquerda, ou
manipulações maniqueístas – o bem contra o mal – e demonização de adversários
políticos funcione no campo político. Essa faceta tradicional e não-moderna da
cultura brasileira no campo religioso, convive com os aspectos modernos citados
acima de individualização e subjetivação das crenças, e é ela que tem permitido
uma forma de ligação com a política como temos vistos mais recentemente.
Como afirma Pablo Semán se referindo às sociedades latino-americanas:
[...] o lado culturalmente “não moderno” das sociedades latino-americanas
contemporâneas é uma base, um plâncton que nutre o impulso religioso que se
projeta na esfera pública ou pode ser trazido a ela pelos apelos de políticos e
candidatos. Não é por acaso que o eleitorado popular responde tanto a apelos que
sublinham a santidade do candidato quanto a possibilidade de ele ser
metaforizado ou referido diretamente como um “homem de Deus latino-
americanas não apenas implica a existência de uma forte visão cosmológica, mas
também uma perspectiva que entende a divisão entre público e privado de uma
forma muito diferente da tradição liberal, que instaura essa divisão e que leva”.
Ainda mais quando se considera que essa faixa “não moderna” das sociedades a
ver esse homem de Deus ao mesmo tempo como um bom pai de família. Do
ponto de vista “tradicional”, público e privado conectam-se fluidamente através
de formas de entender os papéis familiares, que chamamos privados
35
.
Em um campo religioso marcado pela cosmologia da encantaria, um fato
histórico singular foi o aparecimento no subcampo católico de um movimento
profundamente desencantado como o das CEBs, que destoou dessa cosmologia ao
pôr o acento na ação humana na história e nos componentes éticos em vista ao
compromisso social e participação política. Na verdade, a Ação Católica iniciou
35
SEMÁN, 2006, p. 21-22.
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40
esse processo no final dos anos 50, mas foram as CEBs que o estenderam a um
número mais amplo de pessoas do campo e da cidade nos anos 70. O viés
racionalizador das CEBs e da Teologia da Libertação que a deu suporte afirmava a
necessidade de se racionalizar a conduta individual e coletiva por meio de uma
práxis voltada para ação transformadora do mundo, da sociedade.
Esse “novo jeito de ser igreja”, como costumava-se dizer entre seus
militantes, teve grande apelo popular, e tinha uma forte orientação democratizante
das relações intraeclesiais, e buscava a realização do Reino de Deus, um reino de
justiça face a exploração do pobre, oprimido pelos poderes econômicos e
políticos. Todo o movimento de resistência à ditadura militar, de
redemocratização e, atualmente de consolidação da democracia está marcado pela
presença de militantes ou ex-militantes das CEBs ou de simpatizantes delas que se
sentiam inspirados pela Teologia da Libertação.
A conquista e ampliação da cidadania no Brasil e o fortalecimento da
sociedade civil nas últimas décadas não podem sem entendidas sem a participação
de uma militância católica que fez do engajamento social e político uma forma de
dar testemunho de sua fé cristã. Uma grande virada, pois a história da cidadania
no país mostra como o catolicismo aqui vigente até o Concílio Vaticano II esteve
sempre em afinidade com uma visão orgânica e hierárquica da sociedade, que
favorece o autoritarismo e o corporativismo, e legitima um Estado como demiurgo
e regulador do mundo social. É o que será visto no próximo capítulo.
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3
Cidadania e esfera pública no Brasil
O presente capítulo tem por objetivo uma breve discussão da trajetória da
construção da cidadania no país e de uma esfera pública para o seu exercício, e o
papel que a religião, especialmente a Igreja Católica, tem desempenhado nesse
processo.
Na primeira seção descreverei o percurso tomado pela cidadania em nosso
país, que foge ao clássico esquema da evolução dos direitos de cidadania pensado
por Marshall. As causas para essa singularidade se dão devido à própria formação
do Estado-nação brasileiro.
Na segunda seção discuto a esfera pública no Brasil, tomando como ponto
de partida os conceitos de “esfera pública”, e “sociedade civil”. Também aqui o
processo singular de formação do Estado-nação brasileiro confere características
peculiares ao funcionamento da esfera pública no Brasil.
E por último, discuto brevemente o papel da Igreja Católica na construção
da cidadania e de um espaço público plural e democrático nas últimas décadas.
3.1.
Os (des)caminhos da cidadania no Brasil
Uma boa ajuda para acompanharmos a trajetória da cidadania no Brasil é o
livro de José Murilo de Carvalho, Cidadania no Brasil: o longo caminho, que de
forma concisa e clara, nos apresenta os percalços do desenvolvimento da
cidadania no país. O autor adota a perspectiva clássica da cidadania tal como
apresentada por Marshall para ir acompanhando seu desenrolar pela história do
Brasil
36
.
Tomando Carvalho como nosso guia, passemos a caracterizar a cidadania.
36
O autor privilegia nesse trabalho a perspectiva clássica da cidadania como titularidade de
direitos (a visão liberal), mas há outras perspectivas possíveis. Em outros trabalhos o autor
apresenta outras duas concepções: a do republicanismo clássico ou do humanismo cívico, que
enfatiza a cidadania como interesse pelo bem coletivo e participação na vida pública, e a
comunitária, que percebe a cidadania como sentimento de pertencimento a uma comunidade
política, na antiguidade, a cidade, nos tempos modernos, a nação (Carvalho, 2002a, 2002b). Como
o próprio autor observa, essas concepções se combinam de diferentes formas na cultura política de
cada país, sendo enfatizado mais os traços de uma do que de outra.
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42
Podemos caracterizá-la segundo um eixo tripartite de direitos: direitos civis,
políticos e sociais. Os primeiros se referem à garantia da vida em sociedade
(liberdade de ir e vir; liberdade de expressão, liberdade religiosa; direito à
propriedade; direito à justiça); os segundos garantem a participação no governo da
sociedade (direito de votar e ser votado; direito de associação política); e os
últimos à participação na riqueza coletiva produzida (direito à saúde; direito à
assistência social; direito à educação;) (Carvalho, 2006, 9-10). Essa é a via liberal
clássica dos direitos definidores de uma cidadania integral
37
.
Carvalho argumenta que no caso do Brasil, graças ao processo de
formação de nosso Estado-nação, a cidadania seguiu um percurso próprio. Aqui
os direitos sociais foram muito enfatizados e, segundo, os direitos não foram uma
conquista dos cidadãos a partir de um movimento revolucionário, mas fruto da
ação do Estado que os outorgou a parcelas da população. O Estado tornou-se o
demiurgo dos direitos, o que criou entre nós uma cultura política em que o Estado
é o principal sujeito da sociedade; o distribuidor de favores e benefícios, sem a
intermediação da representação política e com o conseqüente enfraquecimento do
associativismo e do jogo político entre os grupos e classes sociais. Como afirma
Carvalho:
Uma conseqüência importante é a excessiva valorização do Poder Executivo. Se
os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em que o
Legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a imagem, para o
grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo aparece como o
ramo mais importante do poder, aquele do qual vale a pena aproximar-se. A
fascinação com um Executivo forte está sempre presente, e foi ela sem dúvida
uma das razões da vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no
plebiscito de 1993
38
.
O autor chama de “estadania” essa cultura política brasileira de orientação
para o recurso direto ao Estado sem intermediação de representação legítima.
Por outro lado, parece que a atuação estatal sempre privilegiou, a partir de
1930, esse modo de lidar diretamente com parcelas da população, especialmente
37
Na trajetória clássica, segundo Marshall ao analisar a Inglaterra, vieram primeiro os direitos
civis, depois os políticos e por ultimo os sociais. Foi um percurso histórico, mas que possui um
forte liame lógico interno; cada direito conquistado abria caminho para a aquisição dos direitos
seguintes. Nesse ponto, Carvalho pondera que esse foi o caso inglês, analisado por Marshall, o
reconhecimento de direitos na França, na Alemanha e nos Estados Unidos seguiu seu próprio
processo, singularizando-se. E isto explica a diferença da cidadania em cada um desses países.
38
CARVALHO, 2006, p. 221.
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43
com os segmentos urbanos que emergiam para a vida política. Essa “estadania”
entendida como uma troca entre o Estado e os trabalhadores urbanos, pode ser lida
como um processo de cooptação por parte do Estado desses grupos por meio da
concessão de direitos sociais para sustentar o pacto modernizante da Nação entre
as elites agrárias e a industrial. Como bem lembra Carvalho, os trabalhadores
rurais somente vieram a ter seus direitos reconhecidos durante o regime militar, o
que reforça a nossa tradição de enfatizar os direitos sociais nos períodos de
ditadura ou forte restrição aos direitos civis e políticos.
Segundo o autor, essa inversão do percurso dos direitos no Brasil, tendo os
direitos sociais saído na frente, teve conseqüências negativas para a cidadania:
Além da cultura política estatista, ou governista, a inversão favoreceu também a
visão corporativista dos interesses coletivos. Não se pode dizer que a culpa foi
toda do Estado Novo. O grande êxito de Vargas indica que sua política atingiu
um ponto sensível da cultura nacional. A distribuição dos benefícios sociais por
cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores para dentro do sindicalismo
corporativo achou terreno fértil em que se enraizar. Os benefícios sociais não
eram tratados como direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada
categoria com o governo. A sociedade passou a se organizar para garantir os
direitos e os privilégios distribuídos pelo Estado
39
.
Tanto a “estadania” como o corporativismo seriam faces diferentes de uma
mesma moeda sociocultural que deita raízes em nossa herança ibérica. Diferente
da Anglo-América em que a sociedade é um pacto entre indivíduos e o Estado
nasce desse pacto, a Ibero-América instaura primeiro o Estado para depois
constituir a sociedade como um amálgama amorfo de partes desiguais. Richard
Morse havia antes chamado a atenção para esse traço diferenciador entre as duas
Américas, uma diferença crucial já presente nos princípios organizadores da Ibéria
e da Inglaterra, onde encontramos nessa última uma sociedade baseada no pacto,
regida por um princípio nivelador ou individualista em contraste com uma
sociedade orgânica como a ibérica, regida por um princípio “arquitetônico”
(Morse, 1988, 49-50).
Uma tal concepção de Estado é fortemente refratária à questão do
reconhecimento dos interesses e direitos individuais ou de grupos particulares,
negando qualquer tipo de conflito no âmbito da sociedade civil. Os conflitos de
interesses encontram sua solução não apenas a partir da intervenção estatal, mas
39
CARVALHO, 2006, p. 222.
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44
dentro do próprio aparato estatal. Não é a busca do consenso em meio ao conflito
que preside a relação entre Estado e sociedade, mas a busca de harmonia das
partes em relação ao todo, sendo este formado de partes desiguais que possuem
cada uma o seu devido lugar. Estamos diante de uma sociedade que aceita a
desigualdade como algo natural.
Mas se o elemento cultural ibérico, tão sublinhado por Morse, torna-se um
constrangimento estrutural para a nossa ampla adesão ao ideário iluminista e
funcionamento de nossas instituições políticas ao modo anglo-saxão e francês,
Werneck Vianna chama a atenção para a existência de um iberismo “como
construção política própria”, que unia partidários do “americanismo” com do
“iberismo” em torno da questão da terra e do controle social das classes
subalternas (Vianna, 2004, 153). A apresentação do pensamento de Tavares
Bastos, nosso “americanista” do século XIX, aponta para o fato dessa contradição
entre os ideais do liberalismo e o elitismo social: a reforma da sociedade, a
constituição da nação deve vir de cima, da ação da elite política e estatal, e não de
baixo, do “país profundo”, de uma aliança com as classes subalternas (Vianna,
2004, 164-166). É irônico como toda a polêmica entre Tavares Bastos e o
Visconde de Uruguai acerca da centralização ou descentralização do governo do
país, feita a partir da leitura de Democracia na América de Tocqueville, não
apenas leve a posicionamentos diferentes, mas tenha como concordância entre as
duas partes a impossibilidade da República no país e adesão à monarquia
(Ferreira, 1999, 65-66). Discute-se a reforma política da administração
governamental, mas não a universalização dos direitos, de modo especial, os civis
à população. O medo da fragmentação territorial e da emancipação dos escravos
mitigou o viés liberal dos contendores e fez com que a elite política e oligárquica
se mantivesse unida sob um mesmo mote: o controle social sobre o território e
sobre o contingente de escravos, fator de produção essencial para a economia.
É José Murilo de Carvalho quem sintetiza melhor as impossibilidades para
a cidadania nesse período monárquico e suas conseqüências até o presente
momento:
A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a
escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande
propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com
o poder privado. Esses três empecilhos ao exercício da cidadania civil revelaram-
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45
se persistentes. A escravidão só foi abolida em 1888, a grande propriedade ainda
exerce seu poder em algumas áreas do país e a desprivatização do poder público é
tema da agenda atual de reformas
40
.
Com a República velha não encontramos um estágio muito avançado em
relação ao período monárquico. A “república dos coronéis” não foi um espaço de
ampliação da cidadania. O arranjo político entre o poder central e as elites
agrárias oligárquicas tornou o direito político de votar das populações do interior
do país um fato sem valor, a não ser para perpetuar o clientelismo político. Os
grandes contingentes de ex-escravos continuaram após a proclamação da
república sem cidadania, ou melhor, entregue a uma subcidadania. Sem acesso à
educação e a outros direitos sociais, esse segmento da população ficou à margem
da sociedade. Nem mesmo o operariado que surgia no meio urbano teve seus
direitos sociais reconhecidos. Os episódios de extrema violência da guerra de
Canudos (1896-1897) e do Contestado (1912-1916) exemplificam como a noção
de direitos civis estava muito longe do horizonte de nossa vida política
republicana.
A era Vargas, inaugurada em 1930, representou uma novidade quanto aos
direitos sociais ao incorporar as classes urbanas trabalhadoras ao universo dos
direitos modernos trabalhista e previdenciário. Entretanto, o avanço desses
direitos não foi acompanhado por um avanço substantivo dos direitos políticos e,
muito menos, dos civis. Embora tivessem as classes populares sido incorporadas
no jogo político eleitoral como um elemento importante, na ditadura de Vargas os
direitos civis foram muito restringidos.
Com o fim da ditadura Vargas, o Brasil passará a viver um dos mais longos
períodos de normalidade democrática já vividos pela república (Carvalho, 2006,
126-144). Entre 1945 a 1964, com o retorno dos direitos políticos, há um
reflorescimento da vida política com um sistema representativo de partidos
políticos de alcance nacionais e a crescente participação da população via
partidos, sindicatos e associações. Há uma ampliação do leque de forças sociais
que começam a participar da vida política. Também é um período fortemente
marcado pelo populismo e o nacionalismo e por uma crescente polarização entre
esquerda e direita que culminará com o golpe militar de 1964. Foi um período de
40
CARVALHO, 2006, p.45.
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intensa vivência dos direitos políticos e pela busca de sua extensão a todos os
membros da sociedade, apesar dos direitos sociais, por meio da legislação
trabalhista do primeiro governo Vargas continuarem sendo a sustentação do
corporativismo e do populismo. Foi nesse período que os trabalhadores do campo
se manifestaram organizadamente na vida política nacional por meio das Ligas
Camponesas e começou a emergir o sindicalismo rural. As principais questões em
disputa entre as forças políticas eram a Guerra Fria, o petróleo e a política
trabalhista e sindical (Carvalho, 2006, 128).
Infelizmente, o período democrático entre 1946 a 1964 não foi suficiente
para gestar soluções diferentes para os impasses políticos e sociais do país por um
caminho que não fosse o do autoritarismo. A via institucional falhou em resolver
a radicalização da polarização entre esquerda e direita, embora o eleitorado
quisesse uma solução de “centro”: ambas as lideranças de direita e esquerda se
articulavam para uma solução golpista. A ditadura militar, que perdurou entre
1964 a 1985, teve o efeito de minar as pequenas esperanças de uma trilha mais
consistente para a cidadania no Brasil, muito embora a organização da sociedade
civil tivesse lentamente se imposto contra a ditadura e exigido principalmente a
volta dos direitos políticos plenos e o fim das limitações aos direitos civis.
Diante do que vimos até agora, a história da cidadania no país tem passado
por inúmeros percalços. A noção de indivíduo como portador de direitos não
encontrou solo acolhedor entre nós. Alguns estudiosos afirmam que esse quadro
desfavorável para a cidadania se deve por causa de nossa tradição autoritária, ao
nosso autoritarismo como princípio de organização da sociedade e via de solução
de nossos impasses políticos e sociais.
É o que poderíamos chamar de “autoritarismo social”, seguindo a análise
de Evelina Dagnino. Para a autora, o autoritarismo social seria “um ordenamento
social presidido pela organização hierárquica e desigual do conjunto das relações
sociais profundamente enraizado na cultura brasileira e baseado
predominantemente em critérios de classe, raça e gênero”, se expressando “num
sistema de classificações que estabelece diferentes categorias de pessoas,
dispostos nos seus respectivos lugares na sociedade” (Dagnino, 1994, 104).
Para a autora, ele é o principal desafio à construção de uma cultura
democrática no Brasil:
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Esse autoritarismo social engendra formas de sociabilidade e uma cultura
autoritária de exclusão que subjaz ao conjunto das práticas sociais e reproduz a
desigualdade nas relações sociais em todos os seus níveis. Nesse sentido, sua
eliminação constitui um desafio fundamental para a efetiva democratização da
sociedade
41
.
Se o autoritarismo social teria sido a matriz histórica de ordenamento de
nossa sociedade, muito provavelmente ele está na raiz do fato da questão social no
Brasil ter sido sempre tratada como caso de polícia, como manutenção da lei e da
ordem.
E de onde procede essa verve autoritária que subverte as iniciativas de
cidadania e a extensão da democracia? A perspectiva analítica adotada por Elisa
Reis para apresentar uma explicação possível aos elementos autoritários presentes
na vida social e política brasileira parecer ser interessante, mais por seu valor
heurístico do que como teoria geral explicativa. Sua análise parte do processo de
state-building integrado à dinâmica das classes sociais, onde a premissa
fundamental é a de que “tradições políticas interagem com a dinâmica social
através de um processo de influências recíprocas”, ou seja, é preciso ter sempre
em consideração na análise “os limites paramétricos constituídos pelos
condicionantes estruturais, e as escolhas efetivas dos atores políticos em situações
histórico-concretas” (Reis, 1982, 333-334).
A autora toma como marco teórico de sua análise o clássico estudo feito
por Barrington Moore sobre as origens da democracia e da ditadura no ocidente
moderno. Em suas análises Moore enfatizara o papel estratégico das classes
agrárias no processo de modernização burguesa no ocidente. Reis procura a partir
da contribuição de Moore, interpretar o papel das elites agrias brasileiras no
processo de modernização ocorrido no país a partir do final do século XIX. A tese
de Moore é de que se não há uma revolução burguesa, com o conseqüente
enfraquecimento das elites agrárias e fortalecimento da burguesia industrial, o
processo de modernização será conservador e “pelo alto”, onde o Estado é o ator
estratégico de conciliação entre a velha e a nova ordem. A autora introduz
algumas modificações nos pressupostos operativos de Moore para precisar as
análises empíricas: primeiro, no Estado há a burocracia que tem seus próprios
interesses para além daqueles das classes dominantes, e segundo, é preciso
41
DAGNINO, 1994, p. 105.
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construir sempre as linhas de ação concretas que se colocam como opção aos
atores sociais (Reis, 1982, 334 et. seq.).
Para a autora, é esse jogo político que envolveu as elites agrárias
exportadoras, a emergente, porém débil elite industrial e a burocracia estatal em
consolidação, sob os constrangimentos socioeconômicos do período da nascente
República, que constituiu um processo de modernização conservadora no país.
Como ela própria afirma:
Sumariando a discussão, reafirmaríamos que, sob a dominação rural-oligárquica
no Brasil, fatores de ordem estrutural e escolhas políticas concretas interagiram
decisivamente na moldagem do futuro político da nação. A notável capacidade
de “mudar conservando”, que caracteriza o processo histórico brasileiro, não
pode ser entendida apenas ao nível da cultura nacional, da mesma forma como
também não satisfazem as explicações que atrelam o sucesso da modernização
conservadora unicamente à habilidade pessoal da liderança. Para entender os
elementos de continuidade de forma adequada, temos que ter sempre presente: a)
os interesses sociais concretos, tais como eles se confrontam em situações
particulares; b) o processo de state-building que, apesar do equivoco freqüente,
não constitui um evento discreto na historia de uma sociedade; e c) a interação
dinâmica entre a e b.
42
A perspectiva da autora tem o mérito de lançar luzes sobre a interação
entre sociedade e Estado, considerando a estrutura concreta das classes sociais e
seu jogo político em que o Estado, na pessoa de sua burocracia, é um ator
importante em interação e negociação com as classes sociais. É nessa arena
política é que vão se constituindo formas autoritárias de relações sociais,
especialmente no campo político.
Podemos dizer que a explicação da autora ao colocar o papel crucial do
Estado no processo de modernização conservadora, nos faz entender melhor a
“estadania” de Carvalho como sendo uma prática resultante de nosso processo
singular de modernização. Suas hipóteses dão conta de como o processo de
construção da cidadania no país se viu afetado pela ausência de uma burguesia
liberal industrial capaz de fazer frente ao conservadorismo das nossas elites
agrárias. Sem uma burguesia liberal capaz de impor sua visão de mundo à
totalidade da sociedade, os direitos civis, espinha dorsal da luta política, ficaram
em segundo plano. Por isso, mesma que certa ideologia burguesa se faça circular
pela sociedade, ela não encontra enraizamento histórico, pois não há agentes
42
REIS, 1982: p. 340.
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sociais capazes de respaldá-la. As idéias ficam como que “fora do lugar”. No
caso do Brasil as elites agrárias foram os principais atores políticos e econômicos
durante um longo período. Sua hegemonia deu força à burocracia estatal e
consolidou uma prática de relacionamento entre Estado e sociedade civil que
perdura até hoje.
Essa hegemonia das elites agrárias no pacto modernizante do país explica
o fato de os direitos sociais tomarem a dianteira: foi porque eram estrategicamente
mais toleráveis ao projeto político das elites agrárias e industriais e ao processo de
consolidação do Estado-nação capitaneado pela burocracia. É o que poderíamos
argumentar avançando para além da análise da autora. Naquele momento os
segmentos urbanos da população já são um ator político importante e sua
participação forçou a concessão de direitos pela via do alto. Uma mudança
conservadora. A estrutura fundiária permanece intocável, os trabalhadores do
campo não possuem direitos sociais, e no cômputo geral, os direitos civis não
avançam substantivamente como prática social.
Em trabalho posterior, Elisa Reis (1997) aprofunda suas análises sobre o
processo de construção do Estado-nação brasileiro que é muito esclarecedor do
que até agora temos visto. Segundo ela, os processos de formação do Estado e
construção da nação podem ou não ser concomitantes, pois são coisas distintas.
No caso do Brasil, a formação do Estado se deu muito antes da construção da
nação – e aqui recordarmos as discussões sobre centralização ou descentralização
na época do Império, em que a constatação da inexistência de uma nação conduz a
uma opção por um Estado tutor da sociedade. Mas para a autora, a questão que
surge nesse descompasso se dá na representação dessa nação a ser construída: ou
ela é um indivíduo coletivo ou uma coletânea de indivíduos. Ela vê no período da
República Velha a gestação de uma ideologia de Estado Nacional que será
plenamente assumida e desenvolvida na Era Vargas. Uma ideologia que toma a
nação como um indivíduo coletivo, um todo em que as diferenças e divergências
de classes e grupos sociais devem ser suprimidas para o bem do todo coletivo.
Ideologia autoritária, em oposição à concepção liberal-burguesa que vê a nação
como uma coletânea de indivíduos, que na Era Vargas vai lançar mão do
corporativismo como meio de organizar a sociedade em suas relações com o
Estado.
O recurso à ideologia autoritária do Estado nacional, de hipostaziar a
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nação como um sujeito coletivo, foi mais uma vez utilizado pelo regime militar
que permitiu ao Estado expandir-se até os rincões do país para buscar a integração
nacional. Período de grandes restrições aos direitos civis e políticos, mas que
foram sufocados pelo discurso ideológico do “Brasil Grande” e pelas
conseqüências imediatas do milagre econômico que legitimaram o Estado
autoritário. Com o fim do milagre econômico, a legitimidade do regime militar se
esvai e gradualmente ganham força grupos e movimento sociais que pressionam
pela redemocratização do país.
O novo na questão da cidadania no período posterior à ditadura militar, no
processo de redemocratização, são os diversos novos movimentos sociais que
trazem novos aportes para a política e incentivam a participação, e, sobretudo,
enfatizam os direitos civis. Esses movimentos reivindicam a democratização da
sociedade como um todo.
A Constituição de 1988 pode ser considerada com toda a certeza a grande
novidade em termos institucionais da vida política brasileira. Essa constituição
foi fruto de um longo processo de lutas sociais capitaneado por movimentos
sociais, grupos organizados e instituições que têm suas raízes na luta contra o
regime militar e pela volta da democracia. A Constituição de 88 é o produto final
de um árduo processo construção de marcos institucionais democráticos com
vistas a democratização de toda a sociedade brasileira. Sem aspecto progressista e
moderno lhe rendeu a alcunha de “Constituição Cidadã”, e tem sido por meio dela
que os movimentos sociais e os grupos subalternos da sociedade têm encontrado
recursos para a efetivação de direitos e a criação de novos.
Na década de 1990 os movimentos sociais se tornam um elemento
dinamizador da sociedade civil numa perspectiva transformística não-
revolucionária, pois o projeto socialista se viu questionado pela derrocada do
Leste europeu. Esses movimentos defendem as bandeiras dos direitos humanos,
dos direitos das minorias e do exercício pleno da cidadania, o que toca de cheio a
questão dos direitos civis.
Concomitante a essa ascensão dos novos movimentos sociais nos anos 90,
está o discurso neoliberal que evoca o poder do mercado como regulador das
relações sociais e a diminuição do Estado e de sua intervenção na vida econômica
e social. Nessa década, o desmonte do aparato estatal, o fim da ideologia
nacional-desenvolvimentista, e a crise fiscal criaram obstáculos sérios à
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manutenção dos direitos sociais outorgados em décadas passadas. Esse novo
contexto socioeconômico levou muitos grupos e movimentos sociais a uma
posição defensiva diante da investida do discurso neoliberal sobre os escombros
do nacional-desenvolvimentismo.
Não pode ser esquecido o boom das Organizações não-governamentais
(ONGs) nesse período, que significou um reordenamento das políticas públicas e
da relação entre o Estado e a sociedade, ao se colocarem como agentes
intermediários entre os dois. Muito tem se falado e escrito à cerca do papel das
ONGs no processo de democratização da sociedade, tanto contra como a favor de
sua atuação nessa interface entre Estado e sociedade:
O predomínio maciço das ONGs expressa, por um lado, a difusão de um
paradigma global que mantém estreitos vínculos com o modelo neo-liberal, na
medida em que responde às exigências dos ajustes estruturais por ele
determinados. Por outro lado, com o crescente abandono de vínculos orgânicos
com os movimentos sociais que as caracterizavam em períodos anteriores, a
autonomização política das ONGs cria uma situação peculiar onde essas
organizações são responsáveis perante as agências internacionais que as
financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de serviços mas não
perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes, nem tampouco
perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer
outra instância de caráter propriamente público. Por mais bem-intencionados que
sejam, sua atuação traduz fundamentalmente os desejos de suas equipes
diretivas
43
.
Se os movimentos sociais ficaram por muito tempo envolvidos com as
politics, os novos movimentos sociais pleiteiam policies baseadas nos direitos
civis e sociais de grupos e segmentos da sociedade. Essa dinâmica nova de alguns
grupos e movimentos sociais pareceria se enquadrar naquilo que já foi chamado
por Nancy Fraser de “era pós-socialista”. Como afirma Matos:
O que caracteriza esse processo, como o nome mesmo já diz, é uma nova
configuração da ordem mundial globalizada e multicultural, na qual as lutas por
redistribuição são paulatinamente substituídas por reconhecimento, ou seja, os
conflitos de classe são tendencialmente suplantados por conflitos de status social,
advindos da dominação cultural
44
.
O conflito político no fim do século XX estaria mudando de enfoque,
43
DAGNINO, 2002b, p. 292.
44
MATOS, 2004, p. 144.
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apesar da questão em jogo continuar sendo a injustiça. Da luta contra a
desigualdade socioeconômica estaríamos passando para a luta contra a
discriminação cultural, pois o que está em pauta é o reconhecimento de
determinada identidade cultural e sua valorização:
A injustiça simbólica é causada por padrões sociais de auto-representação,
interpretação e comunicação. Resultados desse tipo de injustiça são a hostilidade,
a invisibilidade social e o desrespeito que a associação de interpretações ou
estereótipos sociais reproduzem na vida cotidiana ou institucional. Este tipo de
comportamento implica um prejuízo da auto-estima de indivíduos e grupos os
quais são produzidos por processos intersubjetivos. A injustiça econômica, por
sua vez, é enraizada na divisão social do trabalho e na estrutura político-
econômica de uma sociedade. Resultados desse tipo de injustiça são
freqüentemente: a exploração, a marginalização, e a pobreza
45
.
Mas poderíamos realmente caracterizar por demandas por reconhecimento
o que diversos movimentos sociais no Brasil vêm apresentando nesses últimos
anos? Demandas por reconhecimento, de fato, envolvem questões de gênero,
raciais, étnicas, enfim, a problemática da diversidade cultural, o
multiculturalismo. Essa problemática se faz sentir de modo mais agudo nos
países do capitalismo avançado do hemisfério norte, especialmente nos países
europeus que recebem migrantes de suas antigas colônias e nos E.U.A., onde as
questões raciais herdadas pela escravidão nunca foram de verdade equacionadas.
Não me parece que no Brasil as demandas por reconhecimento estejam
suplantando as de por redistribuição, apesar da atuação crescente e de maior
visibilidade do movimento negro, feminista e gay, e também da crescente
articulação do movimento indígena. O que esses movimentos têm buscado pela
via do reconhecimento de uma identidade, ou antes, o reconhecimento da situação
de injustiça em que se encontram, é a ação redistributiva estatal que concede
direitos, procura estabelecer cotas para superar a desigualdade de oportunidades,
enfim, que estabelece ações para corrigir situações de injustiça social
46
.
45
SOUZA, 2000, p. 182-183. Expoentes da reflexão sobre o reconhecimento, além da citada
Nancy Fraser, são Axel Honneth e Charles Taylor. Esses autores – especialmente os dois primeiros
– têm travado um profícuo debate sobre a construção de uma teoria crítica do reconhecimento,
buscando novas bases filosóficas que endossem uma política do reconhecimento.
46
Um exemplo contundente disso é o reaparecimento de populações indígenas no nordeste
brasileiro. Após um período de quase extinção durante a expansão colonial, sucedeu-se um
período de ostracismo e perda de identidade das populações indígenas que passaram a ser tratadas
como caboclos ou camponeses pobres. No final do século passado, o aumento da população e a
articulação do movimento indígena a nível nacional proporcionou a várias populações daquela
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Parece-me difícil enquadrar o movimento indígena e o quilombola sob a
bandeira do multiculturalismo. As populações indígenas e as comunidades
quilombolas estão buscando o atendimento de direitos básicos pela via do
reconhecimento de sua identidade cultural, pois eles estão marcados pela nossa
histórica injustiça social que estabeleceu um grande fosso de desigualdade entre
um pequeno segmento da população que vive no topo da pirâmide social e uma
grande maioria que está na base.
A aprovação recente do Estatuto do Idoso e as discussões sobre demais
estatutos que tramitam no Congresso dão a idéia de que grupos organizados da
sociedade civil estão articulados e exigindo o reconhecimento de direitos. Os
movimentos Gay, Feminista e Negro não são os únicos atualmente a lutarem na
questão dos direitos civis. Há movimentos lutando pelas pessoas deficientes, pela
juventude, etc. Em comum entre esses movimentos está a demanda por políticas
públicas calcada na noção de direitos, isto é, no reconhecimento da cidadania. E
essas políticas públicas são demandadas nos diversos níveis de governo: federal,
estadual e municipal. Secretarias ou coordenadorias especiais estão sendo criadas
em âmbito municipal e estadual em diversos lugares do país para atender as
crescentes demandas de políticas públicas a partir do reconhecimento de direitos.
Nessa esteira do reconhecimento de direitos alguns autores vem afirmando
o aparecimento de uma “cidadania jurídica” (Carvalho, 2002; Vianna & Burgos,
2002) possibilitada pelo ordenamento jurídico da Constituição de 1988 e pela
atuação do judiciário. Ela consistiria na efetivação e reconhecimento de direitos
de cidadania via poder judiciário, uma “ampliação dos níveis de representação,
que passam a compreender, além dos representantes do povo por designação
eleitoral, os que falam, agem e decidem em seu nome, como a magistratura e as
diversas instâncias legitimadas pela lei a fim de exercer funções de regulação”
(Vianna & Burgos, 2002, 371). Longe de significar o aparecimento de uma
comunidade cívica de cidadãos virtuosos, ela testemunharia que cidadãos comuns
estão cada vez mais creditando ao poder judiciário a capacidade de assegurar e
efetivar direitos:
região a recuperação de sua identidade, mas não como simples reafirmação de suas tradições,
porém uma politização de sua identidade com vistas ao usufruto de direitos de propriedade, de
saúde e assistência social, como é o caso recente dos Potiguara do norte da Paraíba. Cf. PALITOT,
2006, p. 259-298.
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54
[...] se a cidadania política dá as condições ao homem comum de participar dos
procedimentos democráticos que levam à produção da lei, a cidadania social lhe
dá acesso à procedimentalização na aplicação da lei por meio de múltiplas
formas, individuais ou coletivas, de um simples requerimento a uma ação
pública, proporcionando uma outra forma de participação na vida política
47
.
Assim as Ações Populares e as Ações Civis Públicas perpetradas pelo
Ministério Público, por membros do Legislativo e por associações da sociedade
civil, “têm servido como lugar de afirmação de novos direitos e de participação na
construção da agenda pública” (Vianna & Burgos, 2002, 484), como mais um
recurso para a ampliação da cidadania no país.
De qualquer modo, as últimas décadas do século passado presenciaram um
espocar na sociedade civil de várias demandas, fossem elas dirigidas ao Estado,
fossem a busca de um espaço público não-estatal. É o que veremos abaixo ao
discutirmos a questão da esfera pública no Brasil.
3.2.
Sociedade civil e esfera pública no Brasil
3.2.1.
A sociedade civil brasileira
Apesar de ter mencionado acima a sociedade civil na discussão sobre a
cidadania no Brasil, é no processo de construção da esfera pública que a sociedade
civil assume um papel importante. Na derrocada do socialismo e de sua utopia, a
sociedade civil chegou a ocupar nas esperanças e nas teorias acadêmicas um lugar
fundamental nas perspectivas emancipatórias, especialmente no que toca ao
processo de redemocratização no Leste europeu e na América Latina.
O tema da sociedade civil passa assumir importância a partir da década de
70 em várias partes do mundo (Costa, 1994, 2002). Na Europa oriental, mais
precisamente na Polônia, com a ação do Solidariedade capitaneando a luta por
liberdades diante do regime socialista totalitário. Na Europa ocidental, grupos e
setores descontentes com a forte gerência do Welfare State, desejavam superar a
burocracia e ter mais espaço para participar da definição das políticas públicas.
47
VIANNA & BURGOS, 2002, p. 372.
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55
Na América Latina, especialmente no Brasil, a sociedade civil se colocava contra
o regime militar e seu Estado autoritário pedindo o retorno da democracia. É
nesse contexto que se recupera o conceito de “sociedade civil” para a reflexão
acadêmica, mas é nas décadas de 80 e 90 que se discutem a viabilidade teórica e
prática do conceito.
O conceito de sociedade civil vem da tradução latina – societas civilis
para koinonia politike, conceito aristotélico. O uso antigo não se aproxima ao seu
uso contemporâneo, que começou com autores modernos do século XVIII. Em
Aristótele koinonia politike designava a comunidade de iguais, comunidade dos
cidadãos da Pólis grega que compartilhavam de um mesmo ethos. A tradução
latina já refere-se à comunidade de cidadãos do império romano, que abrange
mais do que a cidade de Roma.
No século XVIII, sociedade civil (société civile, civil society, bürgerliche
Gesellschaft) passará gradativamente a designar um espaço social distinto do
Estado e, em seguida, um espaço para defender-se das investidas do Estado. Mas
será com Hegel que a reflexão sobre a sociedade civil ganhará uma densidade
nova ao lhe colocar o papel fundamental de mediação entre a esfera estatal e a
esfera privada, a família. Ela seria um lugar gerador de solidariedade entre os
indivíduos em oposição à competição do mercado; um lugar em que uma nova
eticidade se contraporia ao egoísmo gerado pelo mercado (Avritzer, 1993; Costa,
2002).
Marx abandonará a reflexão hegeliana sobre a bürgerliche Gesellschaft,
pois no seu esquema de interpretação, a sociedade civil no capitalismo seria “uma
outra forma de manifestação do subjugo da classe trabalhadora determinado a
partir das relações de produção” (Costa, 2002, 39). Para Marx a superação da
contradição entre a classe capitalista e a classe trabalhadora não se daria pela
criação de organizações intermediárias entre o mercado e o Estado: “a solução
marxiana, a abolição do mercado, não se coloca no sentido de diferenciação e sim
na perspectiva da fusão entre Estado e sociedade” (Avritzer, 1993, 218).
Gramsci representa um avanço especial na reflexão marxista sobre a
sociedade civil. Ele não se prende a um economicismo que vê a superestrutura da
sociedade como um epifenômeno da infra-estrutura econômica: o Estado, as
organizações sociais, a cultura não são reflexo puro e simples das relações de
produção. Gramsci afirma que a dominação burguesa é multidimensional, não
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56
estando estritamente fundada no domínio econômico ou no controle do aparato
estatal:
A “hegemonia” é conquistada também e até mais propriamente no plano cultural,
expressando, assim, a capacidade de uma classe específica para dirigir moral e
intelectualmente o conjunto da sociedade, produzindo consensos em torno de seu
projeto político. Conforme Gramsci, a disputa entre as classes pela hegemonia
tem lugar predominantemente na órbita da sociedade civil, completando-se no
plano da sociedade política (Estado)
48
.
Nessa perspectiva gramsciana, a luta que se trava é principalmente pela
hegemonia de um projeto político na sociedade civil. Papel fundamental cabe ao
partido operário como sujeito direcionador das lutas e gestor de uma reforma
ético-política da sociedade. Exatamente por causa da necessidade de
transformação da infra-estrutura para o fim da dominação burguesa, em que o
papel preponderante da luta dos trabalhadores capitaneada pelo partido operário é
crucial, Gramsci não desenvolverá uma análise da sociedade civil que supere os
cânones do marxismo. Será apenas no enfrentamento ao Estado totalitário do
leste europeu que a reflexão sobre a sociedade civil voltará à baila com vigor.
Na retomada da reflexão sobre a sociedade civil podem ser destacadas,
segundo Sérgio Costa, duas vertentes: a enfática e a moderada (Costa, 2002, 44).
Os autores da vertente enfática, apesar da diversidade de suas formulações
teóricas, têm em comum o fato de enfatizar a sociedade civil como elemento
democratizador das relações da sociedade com o Estado e o mercado, evitando
que esses últimos subjuguem e regulem a vida social (estatismo e liberalismo,
respectivamente). A vertente enfática vê no fortalecimento da sociedade civil, no
processo de radicalização da democracia, o meio para a realização das promessas
de emancipação política e social, por isso, o conceito de sociedade civil é mais
normativo do que empírico. A vertente moderada, por sua vez, atem-se apenas ao
aspecto descritivo e empírico do conceito, limitando-se à teia de instituições e
atividades existentes para o incremento do espírito público e civismo.
Das críticas ao conceito de sociedade civil que se colocam, a primeira diz
respeito aos seus fracos contornos analíticos. Diante da pergunta “quem faz parte
da sociedade civil?”, as respostas têm sido muito variadas entre os estudiosos, e
48
COSTA, 2002, p.40.
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57
também em cada contexto social, sendo seu uso entre os atores políticos
envolvidos igualmente ambíguo. Uma segunda crítica refere-se à
sobrevalorização da capacidade da sociedade civil em democratizar a democracia
existente. A sociedade civil não é portadora de virtuosismo, de ações voltadas
apenas para o interesse geral da sociedade, mas traz em seu bojo também toda
uma gama de interesses particulares, práticas antidemocráticas, competição por
acesso a poder e dinheiro. Ela não é um todo homogêneo, porém um conjunto
muito diversificado de interesses conflitantes entre si de grupos sociais,
movimentos e instituições as mais diversas possíveis.
No Brasil o conceito de sociedade civil se difunde no âmbito da resistência
ao regime militar mais com conotação político-estratégica que analítico-teórica;
enfatizava-se o civil em oposição ao militar.
Enquanto concepção política, a sociedade civil representava, no início dos anos
70, uma plataforma de sustentação fundamental para o projeto de oposição ao
regime militar. Com isso, a discussão sobre a plausibilidade empírico-analítica
da categoria ficava relegada a um plano secundário. Ou seja, não cabiam
especulações sobre a existência de uma sociedade civil no Brasil, buscava-se um
marco conceptual capaz de dar suporte à organização da resistência contra s
militares
49
.
Durante o processo de redemocratização a sociedade civil englobava
amplos segmentos e instituições: organizações de base, setores progressistas da
Igreja Católica, o chamado “novo sindicalismo”, setores empresariais
“progressistas” e os partidos e políticos “democráticos”. Mas com o desenrolar da
redemocratização as clivagens nesse bloco da sociedade civil começam a aparecer.
Os antigos aliados começam paulatinamente a defender seus próprios interesses e,
às vezes, a colocarem-se em posições opostas.
Na década de 90 fica evidente que a sociedade civil, em seu sentido estrito
de esfera distinta do Estado e do mercado, não é um campo homogêneo, e sim um
conjunto bem diversificado de demandas de diferentes atores nem sempre
compatíveis entre si. Segundo Costa (Costa, 2002, 58), pode-se perceber duas
tendências de comportamento da sociedade civil: uma primeira, marcada por
associações civis e movimentos sociais que longe de terem um projeto de Estado
para atender aos anseios e às aspirações da sociedade, procuram veicular de forma
49
COSTA, 2002, p.55.
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58
autônoma e transparente suas demandas ao Estado, contribuindo de modo efetivo
para o fortalecimento da esfera pública no Brasil. Outra tendência vai a sentido
contrário, em que organizações civis desconsiderando suas especificidades
assumem “funções e padrões de ação, ora próprios das agências públicas, ora das
organizações empresariais”.
Para Costa (2002), o campo da sociedade civil vem se tornando cada vez
mais e mais complexo e multifacetado, heterogêneo e ambivalente na sua relação
com os demais agentes sociais. Ele aponta alguns elementos que vão nessa
direção: a) a acolhida social da crítica neoliberal ao Estado, desabona o papel do
Estado como promotor do desenvolvimento socioeconômico, abrindo espaço para
que atores da sociedade civil se coloquem como alternativa tanto ao Estado como
ao mercado; b) a emergência abundante de ONGs atuando em muitas frentes, por
vezes, em substituição ao Estado; c) o investimento de setores empresariais nas
parcerias com a sociedade civil sob a forma da responsabilidade social; d) a ação
do Estado em regular o “terceiro setor” e a criação de “organizações da sociedade
civil de interesse público” favorecendo um uso instrumental das organizações
civis em prol do ajuste fiscal estatal e contenção dos gastos públicos; e) a
internacionalização de muitas organizações viabiliza conquistas em âmbito
nacional, mas corre o risco de ignorar as demandas locais e o contexto social que
as gera.
Nesse quadro complexo parece difícil responder à pergunta fundamental:
quem faz parte da sociedade civil? Costa, mesmo reconhecendo as dificuldades
apontadas acima, lança mão de um conceito operacional de sociedade civil
referente à situação brasileira:
A categoria refere-se ao contexto na topografia social, marcado por relações de
solidariedade e cooperação e não se restringe assim a um somatório de
organizações, trata-se de uma teia de interações. As organizações da sociedade
civil devem ser vistas, nessa definição, como condensação institucional, nódulos
nesse contexto de interações que se distinguem dos grupos de interesses atuantes
na esfera da política (partidos, lobbies etc.) e da economia (sindicatos,
associações empresariais etc.)...
50
O ponto nevrálgico para Costa em sua definição está na demarcação das
associações da sociedade civil daquelas pertencentes à política e à economia.
50
COSTA, 2002, p.62.
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59
Para ele essa distinção se dá em quatro aspectos: a) base de recursos: os atores da
sociedade civil não dispõem dos mesmos recursos dos atores da esfera política e
econômica, valendo-se apenas de capacidade de canalizar a atenção pública para
suas demandas; b) base de constituição grupos: os atores da sociedade civil
constroem sua identidade na própria ação coletiva, enquanto que as outras já
trazem-na de suas esferas; c) natureza de recrutamento dos membros: os atores da
sociedade civil se vinculam, em geral, de modo livre e voluntário às suas
associações, enquanto os de outras esferas estão ligados por um compromisso
legal; d) natureza dos interesses representados: os atores da sociedade civil
“apresentam questões e problemas que emergem no mundo da vida”, enquanto
que os demais apresentam as “demandas constituídas a partir das esferas da
política e da economia”
51
.
A perspectiva de Costa chama a atenção para considerarmos o mundo da
vida, conceito habermasiano importante para se compreender muitas das
dinâmicas sociais na modernidade sistêmica. É perguntando se esse mundo da
vida, do qual fazem parte grupos religiosos, encontra expressão na sociedade civil
ou se ele está subsumido às demandas sistêmicas, que poderemos de fato apontar
para uma existência de uma sociedade civil democrática e plural. Para o presente
trabalho, adoto a perspectiva de sociedade civil de Costa, perguntando-me se
demandas do mundo da vida podem ser explicitadas no bojo da sociedade civil via
grupos religiosos carismáticos. Mas não se pode falar de sociedade civil sem se
discutir a esfera pública, pois ambos se condicionam mutuamente, como vai ser
visto a seguir.
3.2.2.
51
Uma definição concorrente e que se atém apenas ao aspecto empírico do conceito é apresentada
por Bernado Sorj: “A sociedade civil em regimes democráticos não é, portanto, uma arena, mas
um conjunto de atores na esfera pública que afirmam ser parte da sociedade civil. Não há
definição a priori, fora da luta política e cultural, sobre quem deve ser definido como parte da
sociedade civil e quem deve ser excluído. Definir a sociedade civil é em si mesmo parte da
confrontação política, apropriando e impondo um significado próprio sobre o conceito. O único
ator que pode ser plausivelmente excluído da definição operacional de sociedade civil é o estado,
porque ele comanda os recursos e o poder legal delegado pelos cidadãos, o que lhe permite retirar-
se do debate público e impor suas decisões à sociedade como um todo. Qualquer cidadão
individual e grupo formal ou informal (desde a organização da igreja e clubes esportivos até
sindicatos) que se engaja na esfera pública é um ator potencial da sociedade civil” (Sorj, 2005, 18).
Pela definição apresentada, organizações tidas como pertencendo às esferas política (partidos) e
econômica (sindicatos e organizações empresariais) poderiam fazer parte da sociedade civil.
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60
A esfera pública política brasileira
O conceito de “esfera pública” foi recuperado na discussão sobre a
democracia nos anos 90 como repercussão à tradução inglesa de um livro dos
anos 60 de Jurgen Habermas, Mudança Estrutural na Esfera Pública
(Strukturwandel der Öffentlichkeit). Nesse livro Habermas afirma que a esfera
pública burguesa mudou com a sociedade do welfare state, ocorreu uma
estatização da sociedade e uma socialização do Estado, por isso, os limites entre o
público e o privado já não são tão claros, o que representaria o fim da esfera
pública burguesa liberal típica. A discussão sobre a public sphere no mundo
anglo-saxão trouxe o tema para o mainstream das ciências humanas. A tradução
brasileira utiliza o termo “esfera pública” em sintonia com a inglesa. Mas que
mudança operou a tradução inglesa no conceito de Öffentlichkeit?
Segundo Wilson Gomes (Gomes, 2006) a tradução inglesa – public sphere
– acrescenta a metáfora espacial ao antigo conceito de Öffentlichkeit. Este por sua
vez dizia respeito àquela “circunstância da vida social em que coisas, pessoas,
idéias, instituições, normas e informações são tratadas abertamente”; uma fala
pública sobre os mais diversos assuntos. Tais assuntos podiam ser desde a fofoca
ou comentários maliciosos sobre vida alheia até a discussão sobre assuntos de
política e o funcionamento do Estado. Habermas, no livro citado acima, mostra o
início da esfera pública burguesa como discussão de temas culturais, discussões
literárias, para mais a diante se interessar pelos assuntos da vida política; de uma
Öffentlichkeit cultural a uma Öffentlichkeit política. Como comenta Gomes:
A mais primitiva publicidade política burguesa se realiza, portanto, através do
comentário público, da conversa nos espaços de sociabilidade, da fala coletiva
sobre as decisões da esfera reservada da política e sobre o funcionamento do
Estado. Pelo discurso dos Iluministas esse “meter-se” nos negócios políticos
ganha fumos de nobre função política. Trata-se, então, do uso público da razão,
do tirocínio argumentativo público, do público debate dos homens livres e
capazes de argumentar, da conversão do arbítrio em racionalidade e coisas que
tais
52
.
A diferença conceitual entre public sphere e Öffentlichkeit está em que o
primeiro materializa, substantiva esse domínio, âmbito público, transformando-o
em arena pública, “o locus onde se processa a conversa aberta sobre os temas de
52
GOMES, 2006, p. 53.
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61
interesse comum, o espaço público”. Essa mudança semântica faz com que
exatamente, e isso ocorre no Brasil, se passe a tratar esfera pública como
sinônimo de espaço público, utilizando-os como conceitos similares. Gomes
ainda nos alerta para os múltiplos usos da expressão “esfera pública”:
Hoje a expressão esfera pública inclui um conjunto tão ampliado de acepções que
convém empregá-la sempre com muita prudência. Numa resenha rápida e
despretensiosa, encontro pelo menos cinco sentidos para o termo: 1) esfera
pública como o domínio daquilo que é público, isto é, daquilo sobre a qual se
pode falar sem reservas e em circunstâncias de visibilidade social, que acredito
ser o sentido mais original da expressão; 2) esfera pública como arena pública,
isto é, como o locus da discussão sobre temas de interesse comum conduzida
pelos agentes sociais; 3) esfera pública como espaço público, isto é, como o locus
onde temas, idéias, informações e pessoas se apresentam ao conhecimento geral,
sem que necessariamente sejam discutidas; 4) esfera pública como domínio
discursivo aberto, isto é, como conversação civil; 5) esfera pública como
interação social, como sociabilidade
53
.
Diante de tal multiplicidade de significados e usos é mister escolher algum
e deixar isso claro para se evitar mal-entendidos. Para os efeitos de minha
pesquisa primeiro diferencio esfera pública de espaço público. Entendo o espaço
público como esse lócus onde ocorre a discussão sobre temas de interesse comum
envolvendo tanto o Estado, a sociedade civil e o mercado, ou seja, espaço público
como arena pública
54
. Exemplos do que entendo por espaço público podem ser
Orçamento Participativo, Conselhos Gestores de Políticas Públicas, Fóruns
Temáticos da Sociedade Civil, etc. Esses lugares são espaços públicos de
encontro da sociedade civil com o Estado (Dagnino, 2002). Por esfera pública
entendo o domínio do que é posto a público, o publicizar, que pode ser desde a
vida alheia de um vizinho, os escândalos sexuais de alguma personalidade pública
(ator, político, escritor, etc), as falcatruas de governantes, atos de corrupções, o
campeonato de futebol, o desfile das escolas de samba até questões de interesse
público como problemas ecológicos, sociais e políticos; mas é possível e
necessário fazer uma distinção entre essa esfera pública, entendida em sentido
amplo, com aquela esfera pública mais restrita, destinada a publicizar os assuntos
da política, a esfera pública política. Para o contexto da democracia essa esfera
53
GOMES, 2006, p. 56.
54
Com essa definição quero me distanciar de uso habitual de espaço público como lugar físico do
encontro e da socialização, como pode ser uma rua ou praça, ou mesmo um cinema e restaurante.
Me atenho ao espaço público como local do debate público sobre assuntos de interesse geral, mais
precisamente sobre questões de políticas públicas a cargo do Estado.
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pública é de suma importância porque toca nas questões de cidadania e políticas
públicas, em questões de interesse geral. É na esfera pública política que se
procura construir a opinião pública e a vontade coletiva acerca dos assuntos
concernentes à vida política e às questões de Estado. Ela é a mediação entre a
sociedade civil e o Estado (poder executivo e a burocracia) e a sociedade política
(Congresso, Assembléias, Câmaras).
Tendo delimitado melhor o que entendo por esfera pública política, resta
saber qual a melhor abordagem de compreensão sobre seu funcionamento.
Segundo Costa (Costa, 2002) há duas abordagens vigentes:
A primeira abordagem caracteriza-se pela centralidade conferida aos meios de
comunicação de massa e pela ênfase da impossibilidade factual de entendimento
comunicativo dentro da esfera pública. Tratar-se-ia, em tal órbita, da disputa pelo
controle do acervo de recursos, e não osritos de conteúdo das diversas
mensagens apresentadas, que moldará as preferências (políticas, de consumo,
estéticas etc) das massas
55
.
Essa abordagem entende a esfera pública política como “um palco para a
encenação política, não se observando nessa arena comunicação efetiva, mas a
mera disputa de poder entre os diferentes atores”. Uma disputa desigual, já que os
principais competidores e detentores de recursos econômicos e simbólicos são o
governo, os partidos, os grupos empresarias dos meios de comunicação, e outros
agentes poderosos do mercado. No outro lado se encontrariam os grupos
organizados da sociedade civil, os movimentos sociais, etc com pouca
possibilidade de influência, e no extremo, a população, como meros espectadores.
Em suma, a esfera pública política seria um mercado competitivo dominado por
alguns poucos que conseguem publicizar suas próprias demandas e moldar a
opinião pública (Costa, 2002, 17-21).
Uma segunda abordagem, que não nega o fenômeno da espetacularização
da esfera pública política, a forte influência dos meios de comunicação, afirma
que para além dessa esfera pública mercadológica há processos comunicacionais
ancorados em bases sociais que seriam o substrato da comunicação na esfera
pública. Quer isto dizer que nos subterrâneos da esfera pública, ali onde os meios
de comunicação não se interessam em publicizar, há formas de publicização
55
COSTA, 2002, p. 16.
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ocorrendo. Um exemplo seria as iniciativas de vários movimentos sociais de
publicizar suas demandas via Internet ou por pequenos jornais ou por associações.
Nesse caso, haveriam processos não dominados pela lógica do dinheiro e do
poder, que colocariam atores na esfera pública política ligados aos fluxos do
mundo da vida em oposição aos atores sistêmicos ligados ao Estado e ao mercado,
capazes de publicizar seus demandas e influenciar a opinião e a vontade coletiva.
Essa abordagem da esfera pública política seria a discursiva e os seus principais
proponentes são Habermas, além de Cohen & Arato, que introduziram
desenvolvimentos ao modelo de Habermas.
A abordagem discursiva tem o mérito de considerar mais atentamente os
fluxos que partem do mundo da vida e alimentam perspectivas alternativas às
demandas de grupos estatais e do mercado. É essa atenção à porosidade da esfera
pública política que não está fechada e dominada inteiramente pelos atores
sistêmicos que importa focalizar, pois são desses fluxos as iniciativas de
renovação do mundo da política e de permanente construção da democracia. Sem
dúvida é importante não “satanizar” o Estado nem o mercado, não cair numa luta
do “bem contra o mal”, tendo os virtuosos atores da sociedade civil a missão de
purificar a esfera pública política. Como ficou dito acima, vários grupos que
compõem a sociedade civil, e não pertencem ao Estado e ao mercado, mantém
relações de parceria e dependência com eles. O importante é verificar se esses
grupos de fato possuem alguma base social ou de que modo são alimentados pelo
mundo da vida. Seria essa a pergunta mais importante, porque se esses grupos, e
as ONGs são um exemplo disso, não possuem alguma representatividade, algum
ponto de comunicação com o mundo da vida, correm o risco de se tornarem
“satélites teleguiados” dos atores sistêmicos e incapazes de posicionamentos mais
críticos diante de questões cruciais para o interesse geral da sociedade.
Interessa agora vislumbrar o caso concreto da esfera pública brasileira.
Nossa história aponta para a quase inexistência de uma esfera pública política em
moldes burgueses. Aquilo que foi dito sobre o percurso da cidadania em nosso
país pode valer também para a constituição de uma esfera pública política. Os
autores são quase unânimes em afirmar a tradição patrimonialista e autoritária do
Estado como empecilho para a constituição de uma sociedade civil capaz de atuar
na esfera pública. Os negócios do Estado estariam inteiramente nas mãos dos
políticos e a lógica que presidiria o mundo da política seria a do clientelismo e da
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patronagem. Seria a partir dos anos 1980 que parece ter se generalizado um
processo de construção de uma esfera pública política iniciado com as lutas pela
redemocratização.
Porém, segundo Costa (Costa, 2002, 30-31), pesquisadores como Moniz
Sodré e Fábio Wanderley dos Reis tendem a ver a esfera pública política brasileira
exclusivamente como um mercado político, uma arena de disputas entre interesses
sociais particulares, sem que haja a possibilidade de alguma disputa que vise o
interesse geral da sociedade. O que importa é “vender” sua posição pelos meios
de comunicação e não um debate argumentativo.
Por outro lado, Costa chama atenção de que a realidade da esfera pública
política no Brasil talvez não seja tal qual os analistas – especialmente do campo
da comunicação – imaginam. Nas últimas décadas a grande mídia vem
absorvendo questões trazidas por atores da sociedade civil, testemunhando uma
porosidade nos meios de comunicação, como exemplificam as reportagens de
cunho investigativo e de denúncia. A crítica de Costa a esses analistas é não
perceber a especificidade dos movimentos sociais e associações voluntárias em
relação aos grupos de interesses. Os primeiros vêm contribuindo com a
ampliação de temas e questões na agenda política brasileira ao publicizar, por
exemplo, a questão do aborto, da discriminação racial, dentre outras novas
questões. E é dessa capacidade de publicizar questões pertinentes ao conjunto da
sociedade que esses atores extraem seu poder para o enfrentamento de grupos de
interesse.
Se a influência política dos grupos corporativos que defendem interesses
particulares e específicos é devida antes à sua capacidade de controle dos
recursos comunicativos disponíveis, o poder político dos movimentos sociais e
das demais associações da sociedade civil é, sobretudo, resultado do mérito
normativo de suas bandeiras, isto é, de sua possibilidade de catalização da
anuência e do respaldo social. Nesse caso, o espaço público já não pode mais ser
representado unicamente, como fazem os pluralistas, como um mercado de
interesses em disputa. O espaço público deve ser representado como arena que
também medeia os processos de articulação de consensos normativos e de
reconstrução reflexiva dos valores e das disposições morais que orientam a
convivência social
56
.
Uma virtual qualidade dos movimentos sociais e associações voluntárias
56
COSTA, 2002, p. 35.
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em oposição aos grupos de interesse corporativos seria sua capacidade de
enraizamento social, de catalizador de fluxos provenientes do mundo da vida. O
perigo que ronda esses atores da sociedade civil é a forte institucionalização no
mundo da política, sua estatização ou cooptação política. É um drama que se
coloca quando se pensa na sobrevivência de um movimento ou associação, pois a
necessidade de recursos financeiros pode levar a financiamentos ou parcerias que
comprometam tal enraizamento. A situação das ONGs é muito emblemático a
esse respeito.
Costa é bastante otimista em sua conclusão acerca da esfera pública
brasileira:
[Há] evidências de que a esfera pública brasileira cada vez mais se consolida
como um sistema intermediário capaz de absorver e processar temas e opiniões
dos segmentos sociais e culturais diversos, transmitindo aos cidadãos e ao
sistema político os conteúdos informacionais processados. Quando se trata a
esfera pública a partir dos termos enfáticos, conforme a teoria comunicativa da
democracia, verifica-se que a esfera pública no Brasil se mostra crescentemente
capacitada para atuar como caixa de ressonância através da qual os fluxos
comunicativos gestados nas relações cotidianas chegam até as instâncias de
deliberação próprias ao regime democrático, influenciando os processos
decisórios que têm lugar nesse nível. O surgimento de meios de comunicação
“críticos”, a expansão da sociedade civil e a preservação de espaços públicos
primários, dentro dos quais se observa um processo “alternativo” de formação de
opinião, representam evidências de que as situações-problema captadas e
condensadas no mundo da vida são de fato levadas à órbita pública
57
.
Em trabalho posterior (Avritzer & Costa, 2006, 81-82), Costa, em parceria
com Avritzer, tem uma leitura mais matizada sobre a situação da esfera pública
brasileira, apontando as transformações múltiplas e ambivalentes pela qual ela
tem passado. Os autores afirmam que a esfera pública na América Latina passa
por transformações em que convergem os ciclos de democratização e as reformas
neoliberais e geram muitas ambigüidades: inserção na economia mundial e
pluralização societária convivendo com a fragmentação dos espaços públicos
locais dominados pela rede do narcotráfico; reformas estatais com cortes
orçamentais em áreas vitais em conjunto com inovações institucionais que
possibilitam maior transparência e participação da sociedade civil na deliberação
das políticas públicas; concentração da propriedade dos meios de comunicação e
busca da legitimidade política através do apoio às massas, convivendo com maior
57
COSTA, 2002, p. 79-80.
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publicização de questões de interesse público.
Cabe agora perguntar, no âmbito do interesse que move esse trabalho, qual
o lugar da religião na esfera pública política e na construção da cidadania – em
especial, refiro-me ao papel que a Igreja Católica tem desempenhado.
3.2.3.
Catolicismo, esfera pública e construção da cidadania
Como vimos no primeiro capítulo, o campo religioso e o campo político
não estão tão afastados um do outro. Se o processo de modernização social no
Brasil trouxe uma crescente diferenciação entre a esfera religiosa e a esfera
política, ela não significou a incomunicabilidade entre os dois campos. A matriz
cosmológica presente no campo religioso permite um intercambio entre os dois
campos em épocas de campanha eleitoral ou de certas questões públicas. Assim,
no caso brasileiro a modernização não redundou em secularização radical, mas em
laicização do Estado e certo grau de desencantamento das relações sociais,
inclusive no campo religioso.
Mas esse processo de diferenciação que rompe com uma naturalizada
legitimação do político pelo religioso sem, contudo, instaurar uma separação
radical, sugere também a possibilidade de atores religiosos poderem atuar na
esfera pública política. Atuação que pode ser algo tradicional, voltada para a
defesa de seus próprios interesses, ou para uma atuação voltada para o bem
coletivo. Nesse caso, a Igreja Católica notoriamente por meio primeiro da Ação
Católica, e depois, pelas Comunidades Eclesiais de Base e as Pastorais Sociais
contribuiu para a constituição de uma esfera pública política mais democrática e
plural. Esses movimentos católicos são um fenômeno singular diante tanto do
campo religioso brasileiro, como do subcampo católico justamente por
apresentarem uma visão positiva da ação no mundo, ao valorizarem a participação
política sob um viés desencantado, onde a práxis histórica tem um valor
fundamental.
O que estaria por detrás de tal forma de agir tão singular no campo
religioso? Sem dúvida, uma visão religiosa do mundo em que os valores
religiosos não estão em conflito ou competição com valores laicos como
“democracia”, “cidadania”, “participação social e política”, mas ao contrário, são
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67
esses mesmos valores e visão de mundo que exige a atuação na sociedade em
vista a sua transformação em direção de relações sociais mais condizentes com o
Evangelho. É algo inusitado se analisarmos a secular posição da Igreja Católica
que enfatizou sempre uma visão orgânica e hierarquizada da sociedade e,
portanto, de legitimação da desigualdade social no país (Paiva, 2003). Mas as
grandes mudanças no panorama da Igreja Católica, principalmente com o
Concílio Vaticano II, possibilitaram o surgimento de uma nova visão de mundo
que buscava recuperar a radicalidade na vivência do Evangelho das comunidades
cristãs primitivas. Uma visão que enfatizava fortemente o compromisso social
como forma de testemunho mais autêntico de vida cristã.
É indubitável que a Igreja Católica, seja pela ação institucional de sua
hierarquia através da CNBB, seja pela ação de seus movimentos, como a Ação
Católica e as Comunidades Eclesiais de Base têm desempenhado um papel
importante na vida social e política do Brasil nas últimas cinco décadas.
O estudo de Angela Paiva (2003) acompanha bem de perto esse despertar
católico para a esfera política no Brasil nos fins dos anos 50 e década de 60. Com
o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica passa de uma postura de fora-do-mundo
para uma aceitação das realidades terrestres em sua autonomia própria, e o mundo
passa a ser um lugar para se viver e dar testemunho da vida cristã. Já a teologia
católica dos anos 50 havia caminhado para a superação da dicotomia entre o
sobrenatural e o natural; com isso favoreceu a valorização da ação na história: não
haveria uma história sagrada por um lado, e por outro a história profana, pois há
apenas uma história da salvação que acontece na própria história humana. Como
afirma a autora:
Tal reconhecimento é de grande interesse sociológico. Pela primeira vez, a Igreja
Católica passou a estar-no-mundo, quando, ao fim, estava em condições de
conviver com as sociedades secularizadas existentes. A Igreja se autodenominou
a “Igreja do povo”, a “comunidade dos fiéis”, com uma inserção do laicato sem
precedentes e uma mudança no foco das alianças tradicionais, passando da classe
dominante para a dominada. Era preciso, portanto, buscar uma argumentação
teológica na antiga tradição cristã, na tentativa de encontrar respostas à própria
modernidade. Dessa forma, o Vaticano II não fez nenhuma revolução, mas sim
passou de uma tradição estreita e formalista imposta por Constantino para a
grande tradição esquecida dos primórdios do cristianismo. Além do mais, o
Concílio incorporou e legitimou as inúmeras tendências existentes que
circulavam nos diversos países católicos
58
.
58
PAIVA, 2003, p. 173.
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68
Na década de 50, a Igreja Católica no Brasil também vai passando por um
processo de mudança que possibilitará a acolhida aos ventos modernizantes do
Concílio. Com a fundação da CNBB e a crescente preocupação de parte do
episcopado, especialmente o nordestino, diante das questões sociais, a antiga
atitude de resignação diante das injustiças sociais vai paulatinamente dando lugar
a uma crítica social. Com a chegada de assessores eclesiásticos vindos da Europa
trazendo uma nova mentalidade, mais progressista, a Ação Católica começa a
abandonar as discussões filosóficas e teóricas, e passa se interessar por ações mais
concretas de mudança da situação social. A adoção de um modelo de organização
para atuação nos meios específicos – estudantil, universitário, operário e rural –
irá dar a Ação Católica um novo direcionamento e um maior comprometimento
com os problemas sociais. Uma nova visão religiosa de mundo, em que o
compromisso social e político fazem parte da própria prática religiosa, ou seja,
não há contradição entre santidade e cidadania, pois a primeira exige a segunda,
marca fortemente a militância dos membros da Ação Católica especializada –
particularmente os integrantes da JEC e da JUC.
Uma visão religiosa de mundo que impele à ação intramundana, ação que
é levada à frente por uma conduta de vida racionalizada, graças ao método “ver-
julgar e agir” que leva o militante a constantemente rever e avaliar sua conduta e
direcioná-la para uma ação transformadora que testemunhe de fato a autenticidade
de sua vida cristã. Para esse tipo de conduta o engajamento é um valor
importante. Emblemático desse tipo de comportamento foram os jucistas, como
descreve Paiva (2003, 180-189). Esse comportamento dos militantes católicos se
assemelha ao descrito por Weber em relação ao protestantismo ascético:
racionalização da conduta de vida em vistas a um fim irracional, desmagicização
da prática religiosa. Não por acaso, foram os jucistas que mais avançaram nesse
aspecto, rompendo com a visão tradicional do catolicismo, pois o meio
universitário possibilitava uma reflexão crítica da prática religiosa e uma maior
autonomia em face ao controle hierárquico, sendo um ambiente mais secularizado
e plural.
Como afirma Paiva (2003), nesse processo ocorre a passagem da ética da
caridade, voltada para uma ação imediata e assistencialista, caracterizada pelo
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paternalismo, para uma ética da solidariedade, preocupada com a emancipação e
autonomia dos marginalizados e excluídos; enquanto a primeira está presa à
relação pessoal entre quem ajuda e o ajudado, a segunda foca as estrutura sociais
injustas que aviltam a dignidade humana. Nesse caso a solidariedade cristã passa
a se confundir com a solidariedade social, permitindo, e mesmo exigindo, a
atuação do cristão militante na esfera social mais ampla, ou seja, vindo a tomar
parte da sociedade civil e atuar na esfera pública. A atuação da Ação Católica no
Movimento de Educação de Base (MEB) e no sindicalismo rural exemplifica
como a militância católica estava empenhada concretamente na transformação das
estruturas sociais. O confronto com a hierarquia eclesiástica conservadora nas
vésperas do golpe de 64 confirma a orientação dessa militância católica em ser
agente de transformação da sociedade e, portanto, inevitavelmente seriam alvos da
ditadura militar que se instalou a seguir. Entretanto, o caminho já havia sido
aberto para outros movimentos católicos se colocarem como agentes de
transformação social, como foi o caso das Comunidades Eclesiais de Base e de
toda militância católica posterior ligada à Teologia da Libertação.
Nos anos que se seguiram ao golpe militar a militância católica se
empenhou na luta contra a ditadura. Com o recrudescimento do regime em 68, a
militância católica e outros grupos contrários ao regime encontraram no espaço da
Igreja Católica abrigo seguro para gestar a resistência (Telles, 1994). É
impossível compreender nesse período o movimento pela redemocratização e os
diversos movimentos populares reivindicatórios a partir da década de 70 sem
analisar o papel da Igreja Católica e de seus agentes pastorais. Ana Maria Doimo
(Doimo, 1992) afirma que esses movimentos populares são constantemente
alimentados pela dinâmica das CEBs, que são seus ambientes de origem. A
dimensão da utopia própria do mundo religioso das CEBs, alimentou a crença
desses movimentos populares na capacidade do povo organizado e mobilizado
fazer sua própria história, superando as relações de exploração.
Doimo ainda assinala a importância da Igreja Católica que através de suas
pastorais e organismos interagiram na sociedade civil num período de grandes
restrições aos direitos civis e políticos. Ela cita o caso da Comissão de Justiça e
Paz:
No Brasil, a Comissão Pontifícia Justiça e Paz teve seu ato organizacional
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70
aprovado em 23 de julho de 1970 e, ao longo da década, desdobrou-se pelas
dioceses e arquidioceses brasileiras sob a forma de Centros, Comissões e/ou
Equipes de defesa dos direitos humanos e sociais, aglutinando profissionais com
saber especializado, como advogados, sociólogos, arquitetos etc
59
.
E entre suas atividades consta assessoria ao movimento popular,
sindicatos, associações de moradores, atos públicos em defesa dos direitos
humanos, formação de lideranças etc. E mantém contato com organizações da
sociedade civil, como a OAB por exemplo.
E se considerarmos ainda como um bom número de ONGs mantém
vínculos formais ou informais com a Igreja Católica, pode-se perceber o alcance
que o catolicismo da Ação Católica dos inícios dos anos 60 logrou ao inspirar a
militância católica de décadas posteriores na busca da transformação da
sociedade.
Resta saber se o catolicismo brasileiro contemporâneo encontra-se afinado
com as visões religiosas de mundo geradas no seio da Ação Católica e
continuadas no movimento das CEBs. Atualmente, a forte atuação da Renovação
Carismática Católica (RCC) e a presença de outros movimentos internacionais
católicos no país pluraliza o espaço eclesial católico, que até os anos 70 parecia se
dividir entre o catolicismo popular, o catolicismo oficial romanizado e o
catolicismo da libertação. As CEBs já não possuem tanta visibilidade eclesial e
social, e com a queda do muro de Berlim em 1989, a utopia socialista de
transformação social entrou em crise. A RCC cresce vigorosamente no Brasil e
possui muita visibilidade midiática e está influenciando novas gerações de
católicos. Seria possível que a RCC, e as Novas Comunidades Católicas que
estão nascendo como fruto da sua ação na Igreja Católica, pudessem suscitar nos
católicos um interesse na cidadania e pela participação na esfera pública política?
É o que veremos no próximo capítulo.
59
DOIMO, 1992, p. 298.
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4
Reavivamento católico: rumo a uma cidadania “renovada”?
Nesse capítulo procuro analisar o reavivamento católico no Brasil
contemporâneo, sob o prisma da cidadania. Mais precisamente, meu interesse
recai sobre as comunidades de Vida e Aliança oriundas da Renovação Carismática
Católica – as Novas Comunidades. A pergunta que faço é a seguinte: as Novas
Comunidades poderiam vir a participar da esfera pública política e trazer novos
aportes à questão da cidadania no Brasil? A pergunta encontra fundamento no
papel que a Igreja Católica, a partir de seus movimentos, tem exercido na esfera
pública política brasileira desde o início do processo de resistência à ditadura
militar e redemocratização. Os ventos progressistas do Concílio Vaticano II
(1962-1965) e das Conferências Episcopais Latino-americanas de Medelín (1968)
e Puebla (1979) enfatizaram a presença pública da Igreja Católica no engajamento
social em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. Essa tem sido de modo
geral a linha de atuação da Igreja Católica no Brasil através da CNBB e de suas
pastorais sociais. Igualmente o movimento das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) foi durante muito tempo a vanguarda dessa atuação mais comprometida
com a transformação social por meio da participação política. Em tempos
recentes, a Renovação Carismática Católica (RCC), atualmente o principal
movimento católico no Brasil, vem se interessando pela política, preocupando-se
com a formação política de seus membros e lançando candidaturas a vários níveis
do poder legislativo.
Nesse capítulo, portanto, trato na primeira seção do reavivamento católico
brasileiro apresentando a RCC, para em seguida tratar mais pormenorizada e
extensamente das Novas Comunidades. Na segunda seção me detenho em
responder a pergunta acima a partir do trabalho de campo realizado com as Novas
Comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro.
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72
4.1.
O reavivamento católico brasileiro
Como visto no primeiro capítulo, há em curso no campo religioso
brasileiro uma grande transformação, a qual as pesquisas estatísticas apenas tocam
na superfície. O aumento dos fiéis evangélicos pentecostais, dos “sem religião” e
o declínio estatístico dos católicos apontam para um crescente processo de
pluralização religiosa e desinstitucionalização, em que a tradicional hegemonia
católica diminui. Novos modos de crer vão surgindo ao lado dos tradicionais
modos e pertencimentos. Nesse aspecto, paradoxalmente, na Igreja Católica o
declínio estatístico de fiéis ao longo das últimas décadas vem concomitante com
uma reafirmação da identidade católica proporcionada pela ação da Renovação
Carismática Católica. Essa reafirmação da identidade católica não é uma simples
volta aos tempos anteriores ao Concílio Vaticano II – como pleiteiam as minorias
integralistas católicas – mas uma reapropriação do imaginário católico tradicional
pelo viés pentecostal, no qual o papel da subjetividade individual na mobilização
das emoções e da afetividade é central. É muito provável que seja essa uma das
chaves de compreensão para a forte expansão da RCC em solo brasileiro e de seu
forte antagonismo inicial com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
voltadas para o engajamento coletivo social e político de seus membros e com
pouca atenção para o mundo da subjetividade individual.
4.1.1.
A Renovação Carismática Católica
Em 2007 a RCC completou 40 anos de existência
60
. Ela surgiu nos E.U.A.
(Pittsburgh, Pensylvania), após alguns estudantes universitários católicos, em
contato com vários membros de igrejas pentecostais, experimentarem durante um
retiro o chamado “batismo no Espírito Santo”, uma experiência análoga àquela
descrita no livro dos Atos dos Apóstolos
61
, caracterizando-se por uma forte
60
Para maiores informações oficiais sobre a RCC é bom consultar o sítio da RCC brasileira:
<
http://www.rccbrasil.org.br/>. Para uma leitura da história da RCC no Brasil, Cf. CARRANZA,
Brenda. Renovação carismática católica: origens, mudanças e tendências. 2.ed. Aparecida (SP):
Editora Santuário, 2002.
61
Os Atos dos Apóstolos é um livro que narra a vida das primeiras comunidades cristãs e sua
expansão missionária pela Palestina e Ásia Menor após a ressurreição de Jesus e a vinda do
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73
manifestação dos dons do Espírito Santo, como por exemplo, a glossolalia, a
profecia, a cura, etc. Há relatos de que as experiências de “batismo no Espírito
Santo” já começavam a ocorrer em vários lugares dos E.U.A., porém esse ano e o
local acabaram ficando como marco fundacional. De qualquer maneira, foi nos
E.U.A. que nasceu o pentecostalismo católico, e as razões para isso são evidentes
se considerarmos como os E.U.A. são profundamente marcados por suas raízes
religiosas, e em especial por ter experimentado várias ondas de reavivamento
religioso com forte ênfase nos dons do Espírito Santo.
A RCC se espalhou rapidamente pelos E.U.A., e em seguida pelo mundo
inteiro. Aqui no Brasil chegou em 1969
62
, trazida por dois jesuítas
estadunidenses, Haroldo Rahm e Eduardo Dougherty, que se estabeleceram na
cidade paulista de Campinas e realizavam Encontros de Oração no Espírito Santo.
Logo a proposta se espalhou daí para vários lugares no país, sendo que a ação de
alguns missionários religiosos que conheceram a RCC nos E.U.A. foi fator
importante para a sua expansão. A década de 70 no Brasil foi um período de
expansão territorial e organização da RCC, que realizava seus congressos
nacionais de lideranças e divulgava a novidade da experiência do “batismo do
Espírito Santo”. Os anos 80 foram o período da consolidação institucional e
projeção da RCC na mídia, seja como alvo de matérias, seja como usuária do
meio midiático. Na década de 90, a RCC já é uma presença expressiva no meio
católico, ainda que não majoritária, atingindo a cifra de milhões de adeptos e de
pessoas influenciadas por ela. É a década também de sua forte inserção na mídia
eletrônica, com rádios e canais de televisão voltados para a evangelização dos
católicos.
Desde os seus inícios nos E.U.A., a RCC se caracterizou por ser um
movimento católico da classe média, e no Brasil não foi diferente: funcionários
públicos, profissionais liberais e universitários eram a composição social do
movimento no Brasil. A partir da década de 90, a RCC passa a atingir os meios
populares, mas ainda é predominante a classe média entre seus adeptos, sobretudo
entre as suas lideranças. Por essa maior inserção na classe média, compreende-se
Espírito Santo no Pentecostes. Ele, em conjunto com os evangelhos, são os principais livros do
Novo Testamento da Bíblia.
62
A RCC chegou no Brasil num período muito favorável para sua expansão, pois com as fortes
restrições aos direitos civis e políticos depois do AI-5, as atividades estritamente religiosas são
vistas pelo regime militar como menos perigosas.
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também o antagonismo inicial com a CEBs, exclusivamente voltada para os meios
populares e pobres.
Em seus quase 40 anos em solo brasileiro, a RCC se tornou uma
organização católica de expressão nacional muito bem articulada em seus diversos
níveis – nacional, estadual e diocesano
63
– em conselhos, comissões, escritórios,
ministérios, equipes de serviço, comunidades e grupos de oração. Presente em
quase todas as dioceses e paróquias do país, em muito difere dos seus primórdios
de espontaneidade em viver segundo as inspirações do Espírito Santo. Fez-se
necessário ao longo de sua existência a inevitável institucionalização de seu
carisma para a sua própria sobrevivência dentro da Igreja Católica (Carranza,
2002; Mariz, 2003) face às demandas da hierarquia eclesiástica e das demandas de
expansão e administração dos seus membros. Rotinização do carisma, segundo
Weber, que aponta para uma racionalização das práticas, como pode ser visto pela
organização do movimento e nas cada vez mais crescentes orientações internas,
estatutos, regimentos, visando a regularização de práticas e discursos. Enfim,
necessidade de rotinização e burocratização para a sobrevivência do movimento.
Nesse aspecto de sobrevivência do carisma é fundamental a vida dos
grupos de oração. Mesmo com vários tipos de atividade como Cenáculos,
Retiros, Rebanhões, Tardes de Louvor, Festivais, Barzinhos de Jesus, é na reunião
do grupo de oração, e nos Seminários de Vida no Espírito promovidos por ele, que
reside o chão da vida da RCC. Nesses grupos de oração os membros da RCC se
encontram semanalmente para exercitar e manifestar os dons do Espírito Santo e
acolher os novos adeptos e divulgar o carisma. Como descreve Carranza:
A atividade central dos grupos de oração é, como o próprio nome diz, a oração,
seja de louvor, de ação de graças, em línguas, contemplativa, de libertação e de
cura. Nela inserem-se todo tipo de emoções e manifestações de experiências
pessoais (depoimentos), leitura da Bíblia e cantos. Os encontros de oração
acontecem normalmente num clima emotivo e festivo, durando aproximadamente
de duas a três horas. Há também, quase sempre, oração em línguas (glossolalia),
curas interiores e físicas. É justamente esse clima festivo e emotivo que
diferencia a RCC de outros grupos religiosos da Igreja Católica, ao mesmo tempo
que se assemelha aos grupos pentecostais.
64
63
Refere-se às dioceses, circunscrições territoriais sob a administração eclesiástica de um bispo ou
arcebispo, normalmente formadas por circunscrições menores, as paróquias, que por sua vez são
administradas pelos párocos, que podem ser presbíteros (padres) ou diáconos.
64
CARRANZA, 2002, p. 44-45. Para uma descrição pormenorizada das práticas religiosas
carismáticas, Cf. PRANDI, 1998, p. 61-95.
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75
A centralidade do grupo de oração na dinâmica da RCC pode ser
confirmada pelas orientações presentes na página web da RCC nacional:
O Grupo de Oração é a célula fundamental da Renovação Carismática Católica, é
a expressão máxima e principal da RCC... O grupo de oração da RCC não deve
esquecer, obviamente, de sua identidade carismática. Os outros grupos dentro de
outras experiências são importantes para a Igreja e para as pessoas, mas o Grupo
de Oração carismático tem características próprias: Batismo do Espírito Santo e o
uso dos Carismas.
65
A RCC se propõe a renovar toda a Igreja Católica recuperando para ela a
experiência do Pentecostes, os dons do Espírito Santo. Mas de imediato, a
atuação da RCC tem tido como fruto o reavivamento de católicos não-praticantes,
levando-os a uma participação maior na vida sacramental e adesão à doutrina
católica. A mídia se refere a RCC como a resposta da Igreja Católica à ação das
igrejas pentecostais que estariam roubando católicos. O que se percebe é que a
RCC vem atingindo o público católico por meio da mídia eletrônica. Com
programas das TV Século XXI e Canção Nova – essas lideradas pelos principais
líderes da RCC no Brasil, Pe. Eduardo Dougherty e Pe. Jonas Abib – em conjunto
com dezenas de rádios espalhadas pelo país, a RCC atinge um amplo público
católico para além daquele pertencente ao movimento. Essa televangelização dá
uma grande visibilidade a RCC e dissemina muitas de suas práticas e crenças
pelos meios católicos. É comum, em muitos lugares do Brasil hoje, encontrarmos
católicos que exibem algum traço “carismático” mesmo sem pertencer ao
movimento, pois a influência da RCC tem atingindo muitos católicos, inclusive
influenciando novas gerações de membros de CEBs. Por isso, é possível dizer
que o pentecostalismo católico transcende as fronteiras da RCC como um
fenômeno do catolicismo brasileiro contemporâneo.
E qual seria a fórmula do sucesso da RCC? É indubitável que o uso
maciço dos meios de comunicação social, aliados às técnicas de marketing, dão
resultados, mas o que realmente está por trás desse alcance do movimento é sua
capacidade de articular o tradicional, o moderno e o pós-moderno presentes no
campo religioso brasileiro (Sanchis, 1997, 1999; Camurça, 2001). Segundo
Camurça, a RCC consegue retomar e revalidar a tradição “através da experiência
65
<http://www.rccbrasil.com.br/atual/cobertura/noticias.php?cod_cobertura=2548&aba=atual>.
Acessado em 9 de abril de 2008.
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76
subjetiva e da escolha pessoal dos fiéis”, isto é, um retorno à tradição pela via da
modernidade. “A Tradição, outrora vivenciada como uma força
atávica/impositiva, encontra-se agora dinamizada e subjetivada pela livre-opção
dos indivíduos” (Camurça; 2001, 49), uma escolha livre realizada no interior da
Igreja. Se a autonomia e a liberdade do indivíduo atestam sua condição de
modernidade, por sua vez, elas se exercem no interior da tradição da Igreja.
Tradição aqui no sentido de tradicionalismo religioso, de piedade católica
devocional que imperou desde os inícios da Idade Média até o Concílio Vaticano
II. De fato, o que acontece, é uma reapropriação subjetiva da tradição pré-
conciliar, onde práticas de piedade devocionais como as exposições do
Santíssimo, devoções aos anjos e santos voltam com toda força, somando-se a
uma valorização da Bíblia – algo enfatizado pelo Concílio – mas numa
perspectiva fundamentalista. E tudo isso, marcado pela efusividade do Espírito
Santo que dá um tom festivo e emocional às reuniões dos católicos carismáticos.
O sucesso da RCC está em reativar uma identidade católica para os tempos
modernos: possibilidade de escolha individual e atenção à subjetividade
individual, o mundo interior dos indivíduos. Uma adesão religiosa não feita pelo
caminho da catequese, ensino, isto é, pelo uso da intelecção/razão, mas pela
experiência mística expressa em gestos corporais e êxtases emocionais: seria esse
o aspecto pós-moderno presente na RCC (Camurça, 2001, 54-55).
Sucesso que não deixa de ser ambíguo, pois a orientação inicial
fundamental da RCC era a plena pentecostalização da Igreja Católica, sua
renovação no Espírito Santo, porém hoje ela se enquadra como mais um
movimento católico, com autonomia relativa, submetida ao controle tanto da cúria
vaticana, quanto ao dos bispos locais, que variam muito na sua adesão ou rejeição
à RCC. Mariz (2003, 184-185) chama a atenção para esse fato mostrando como a
Igreja Católica se organiza de forma a permitir que movimentos como a RCC
possam ter uma certa autonomia e estrutura organizativa paralela às estruturas
propriamente canônicas e eclesiásticas para poderem ser incluídas na estrutura
mais ampla da Igreja Católica. Seria essa a maneira como a Igreja Católica,
particularmente a hierarquia, assimila movimentos renovadores que procuram
mudar o status quo, sem ocasionar as grandes rupturas características das
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77
dissidências no mundo protestante
66
.
Assim, a RCC seria gradualmente assimilada à estrutura eclesiástica. O
que talvez seja novidade é exatamente o aspecto pentecostal e laico que marca o
movimento, e que gera tensões permanentes com a hierarquia, especialmente com
os párocos. Tensões a nível local que se renovam recentemente com o boom das
comunidades carismáticas de vida e aliança.
4.1.2.
As novas comunidades católicas
Um olhar atento ao desenvolvimento da RCC nos últimos 15 anos notará
um fenômeno interessante: o aparecimento de comunidades carismáticas
67
. Essas
comunidades conhecidas como comunidades de vida e aliança já são
mencionadas em alguns estudos mais recentes sobre RCC (Miranda, 1999;
Carranza, 2002), ou são elas mesma objeto de estudo (Oliveira, 2004; Mariz,
2005)
68
. Empiricamente constata-se que o pentecostalismo católico está vivendo
66
Weber já observara em sua sociologia da religião (Weber, 2004a, 375-377) como o caminho de
salvação na Igreja Católica se dá pela distribuição da graça institucional, que dispensa tanto ao fiel
que recebe como ao encarregado do ofício de distribuir a necessidade de ser um virtuoso religioso,
pois é a instituição que é a portadora dos méritos necessários para a salvação, conferidos a ela pela
salvador. Logo, para o exercício da graça institucional, a obediência se torna a virtude cardeal
indispensável, já que “fora da Igreja não há salvação” (Extra ecclesiam nulla sallus). Submeter-se
à autoridade que distribui a graça necessária para a salvação não significa a ausência de
divergência e de pluralidade, como bem mostram a profusão de movimentos e congregações
religiosas no catolicismo, pois o que é afirmado é a autoridade responsável pela distribuição da
graça institucional. Pertencer à Igreja Católica é reconhecer a legitimidade dessa autoridade. Esse
tem sido o meio pelo qual a Igreja Católica tem universalizado a mensagem de salvação e seus
efeitos, pois não há restrições a nenhum grupo ou classe de pessoas para fazerem parte da Igreja.
Basta aceitar a autoridade legitima que confere a graça. Essa plasticidade da Igreja Católica
explica sua capacidade de sobrevivência ao longo dos séculos e sua unidade apesar de tantos
movimentos internos de contestação do status quo.
67
Mais a frente trataremos da distinção entre as comunidades de vida e aliança – As Novas
Comunidades – e as “comunidades de serviço” da RCC.
68
As mais antigas e importantes Comunidades são a Comunidade Canção Nova e a Comunidade
Shalom, respectivamente fundadas em 1978, em Queluz (SP), e em 1982, em Fortaleza (CE). São
as duas únicas Comunidades a receberam o reconhecimento pontifício até o presente momento,
tendo recebido, a primeira em 2008, e a última em 2007. As demais, e não todas, possuem
reconhecimento apenas diocesano. Segundo o Direito Canônico da Igreja Católica, o
reconhecimento pontifício permite que a Comunidade tenha autonomia face ao controle do bispo
diocesano, podendo ter ampla liberdade para suas atividades e estilo de vida, respondendo apenas
às autoridades eclesiásticas do Vaticano, ou seja, a Comunidade se coloca sob a alçada papal. As
que possuem reconhecimento diocesano, possuem um estreito vínculo de obediência ao bispo em
cuja diocese receberam a aprovação, estando portando dependentes dele e de seus sucessores. Do
ponto de vista do status, a aprovação pontifícia certifica que a Comunidade é de grande valor para
o conjunto da Igreja Católica, podendo por isso estender suas atividades para qualquer diocese do
mundo. O reconhecimento pontifício das Comunidades Shalom e Canção Nova abriram novas
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78
uma nova fase com a multiplicação incessante dessas comunidades por todo o
território brasileiro
69
. Uma pesquisa na Internet em páginas católicas ligas a RCC
ou uma participação em eventos importantes da RCC revela a presença dessas
comunidades como uma expressão nova da vivência da espiritualidade
carismática: a experiência comunitária. A visibilidade dessa experiência tem
ultrapassado as fronteiras da RCC e atingido a vida de muitas pessoas em
paróquias e dioceses pelo país
70
, como tenho observado em minha própria
experiência como agente do campo religioso católico, e confirmado pelo trabalho
de campo.
Segundo estimativa em publicação recente sobre o tema (Timbó, 2004,
16), “existem cerca de 400 Novas Comunidades, dentre estas, aproximadamente
65% estão em fase embrionária, 20% estão em desenvolvimento e 15% estão
atingindo ou já atingiram um amadurecimento e são, de certa forma, referencial
para as demais”
71
. E como a maioria das Comunidades possuem um élan
missionário, elas abrem várias casas, inclusive fora do estado de origem e mesmo
fora do país, o que aumenta em muito sua visibilidade e reforça a divulgação
desse novo jeito de viver a espiritualidade carismática.
Do ponto de vista lógico, o aparecimento das Comunidades segue os
desdobramentos da experiência do cristianismo primitivo narrada nos Atos do
Apóstolos: após a experiência da efusão do Espírito Santo em Pentecostes surgem
as primeiras comunidades cristãs reunidas em torno dos apóstolos, dedicadas à
oração, ao louvor, à escuta da Palavra de Deus, e ao amor fraterno e a partilha de
bens.
Por isso, a RCC criou o Ministério Atos 2 para acompanhar as
perspectivas para as Novas Comunidades no campo católico. Para os membros das Comunidades
pesquisadas esse reconhecimento legitima o próprio conjunto das Novas Comunidades face aos
outros movimentos católicos e à hierarquia.
69
As Novas Comunidades não são um fenômeno exclusivamente brasileiro, porém entre nós se
reveste de uma grande intensidade comparado com outros países.
70
As atividades a que se dedicam as Novas Comunidades e que lhes têm angariado visibilidade
eclesial são muito variadas, contudo a maioria delas deriva de sua matriz carismática: cursos de
formação bíblica e de doutrina católica; retiros; grupos de oração; eventos para a juventude;
encontros; acampamentos; festivais de música; atividades, enfim, que podem ser enquadradas
como evangelizadoras. Atividades tidas como de assistência social fazem parte também do amplo
leque de ações desenvolvidas pelas Novas Comunidades: casas de acolhida para menores de rua;
comunidades para a recuperação de dependentes químicos; asilos; visita a hospitais e a presídios;
ação educacional para crianças de baixa renda; cestas básicas.
71
É muito provável que esse número tenha aumentado, pois impressiona a velocidade com que se
fundam Novas Comunidades, a despeito de algumas não durarem muito tempo devido a
dificuldades internas de relacionamento, inexperiência das lideranças e questões econômicas.
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79
Comunidades, mas essa ligação de origem com a RCC não significa que as
Comunidades estejam submetidas à estrutura administrativa e de governo da
RCC, ou ainda que façam parte de uma estratégia de expansão da RCC, como
afirma Carranza (Carranza, 2002, 62-83). O trabalho de campo revelou que as
Comunidades são bem independentes da estrutura da RCC, tendo vida própria,
apesar de não negarem sua origem na RCC e ainda participarem de eventos
promovidos por ela. Em alguns casos, há referência a conflitos entre as
Comunidades e a RCC por causa exatamente da autonomia que elas vêm
adquirindo. Em alguns lugares, a coordenação da RCC procurou discernir o
carisma das Comunidades, o que gerou reações, pois isso ia contra a manifestação
do Espírito Santo. Caberia apenas ao bispo diocesano reconhecer ou não a
legitimidade desse carisma e não a estrutura de governo da RCC.
Como expressão dessa autonomia das Novas Comunidades, as mais
antigas e principais Comunidades fundaram a FRATER
72
– Fraternidade das
Novas Comunidades de Vida e Aliança. Ela não é um órgão de controle ou
governo, mas uma maneira para essas comunidades se organizarem –
especialmente em ajuda às mais recentes e como visibilidade para o conjunto da
Igreja Católica no Brasil. E o fenômeno das Novas Comunidades é já tão
significativo que a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou
recentemente um subsídio doutrinal tratando do tema
73
. O que chama a atenção
nesse subsídio é a preocupação da CNBB em tentar compreender o fenômeno em
função exatamente da sua inserção nas igrejas particulares, isto é, nas dioceses,
pois o que é muito característico do fenômeno é que as Comunidades possuem
uma forte autonomia frente ao controle eclesiástico de párocos e bispos. Como
ficou evidente no trabalho de campo, a relação com o clero, particularmente com
o pároco é por vezes tensa ou envolta num clima de suspeitas por parte deste.
Mas quais são as características dessas Novas Comunidades? A partir do
meu trabalho de campo e consulta a várias páginas web de algumas Comunidades,
posso caracterizá-las da seguinte maneira sem esgotar, contudo a diversidade dos
casos particulares. Primeiro, elas se distinguem das comunidades paroquiais, das
comunidades eclesiais de base e das comunidades das ordens e congregações
72
Para maiores informações sobre a FRATER, visite a página web:
<
http://www.novascomunidades.org.br>.
73
CNBB, 2005.
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80
religiosas por dois aspectos fundamentais: o viés laico e a matriz carismática.
Mesmo quando o fundador da comunidade é um padre, o viés laico dos seguidores
e membros da comunidade predomina.
O aspecto laico é muito evidente nessas comunidades. O fundador é em
aproximadamente 80% dos casos um homem leigo
74
, e boa parte deles casados
75
.
É algo interessante se considerarmos que na RCC a maioria dos participantes é de
mulheres
76
. Talvez aqui pese ainda a tradição da Igreja Católica em que os
homens têm maior acesso às posições de liderança e autoridade.
Quanto à matriz carismática, essas comunidades nasceram de pessoas
majoritariamente ligadas à RCC, fossem os vínculos mais estreitos ou não. As
exceções confirmam a regra, já que a experiência que origina o chamado a fundar
a Comunidade se dá num contexto carismático, em que a pessoa faz uma
experiência nos moldes da RCC: glossolalia, curas, profecias, etc. Em geral, a
Comunidade iniciou-se como um grupo de oração que buscava um maior vínculo
entre seus participantes. Depois veio um chamado particular dirigido a uma
liderança que se torna o fundador da Comunidade.
O nosso grupo de oração ia crescendo (600 pessoas por domingo) e a cada dia
mais jovens se juntavam a nós para o serviço. Com a Obra crescendo,
compreendemos que Deus estava pedindo de nós um compromisso maior com
Ele. E foi deste compromisso maior com Deus, com a sua Igreja e com a Obra
que Ele nos confiou, que sem nós percebermos, Ele estava nos conduzindo para
uma vida em Comunidade. Deus nos chamou a uma vida comunitária, não
somente para realizarmos coisas para Ele, mas para sermos diante da sua
presença. Nós acreditamos piamente que Deus nos chamou a sermos diante Dele,
pelo poder do Seu Espírito Santo, e assim diante da sua Presença, nós
transbordarmos num serviço que é do coração d’Ele
77
.
Uma segunda característica, derivada da matriz carismática, é a
espiritualidade dessas comunidades. A espiritualidade vivida por elas é a
espiritualidade cultivada pela RCC. Nela são enfatizados a experiência pessoal de
Deus, a oração, o louvor, a glossolalia, a cura e a libertação pessoal de males
74
No trabalho de campo encontrei três fundadores, casados, que foram encaminhados para o
diaconato. Ou seja, tornaram-se clérigos casados, o que pode ser uma tendência futura para as
Comunidades, especialmente as menores e mais ligadas às dioceses. Talvez uma forma das
Comunidades encontrarem reconhecimento e legitimidade perante a hierarquia, e uma forma dessa
de assimilar essas Comunidades à estrutura da diocese.
75
As esposas se tornam co-fundadoras, compondo um ideal de família aos moldes da doutrina
católica oficial.
76
Segundo Prandi (1998, 165), as mulheres representam 70,3% do contingente da RCC.
77
<http://www.novomana.org.br/>, acessado em 4 de junho de 2008.
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81
físicos e espirituais, o uso da Bíblia, a veneração a Maria e a alguns santos –
especialmente os ligados ao carisma particular da Comunidade. No trabalho de
campo acompanhei algumas reuniões de algumas Comunidades. Apesar da
diversidade de lugares geográficos, de formato de comunidades, de números de
membros, de carismas próprios, as reuniões se assemelhavam muito entre si e com
uma reunião típica de um grupo de oração da RCC: oração em alta voz dirigida ao
Senhor Jesus simultaneamente por todos os presentes, para pedir, agradecer,
louvar; momento de cânticos de louvor; momento da proclamação da palavra e
pregação; e, glossolalia. Dessa espiritualidade carismática resultam também os
nomes dessas comunidades que expressam exatamente uma experiência pessoal e
ao mesmo tempo grupal de Deus, que destoa dos nomes da piedade santoral
católica dados às comunidades paroquiais. Shalom, Cruz Gloriosa, Caos à
Glória, Sobre a Rocha, Pequeno Rebanho, Colo de Deus, Coração Novo, Oásis,
Doce Mãe de Deus, Arca da Aliança, Alpha e Ômega, Aliança de Misericórdia,
são alguns nomes dentre outros tantos que trazem ao mesmo tempo um conteúdo
performativo e teleológico ao apontarem para uma experiência subjetiva e coletiva
que é ao mesmo tempo o ponto de partida e o ponto de chegada como ideal a ser
alcançado. É visível em muitos desses nomes a inspiração bíblica, mas nascida
num contexto de efervescência emocional muito próprio das experiências da
RCC. Tanto o aspecto laico como o carismático são as principais fontes de
conflito com parte do clero e de desconfiança entre os leigos não ligados à
espiritualidade carismática.
Uma terceira característica fundamental dessas comunidades, e que
contribui muito para a desconfiança e críticas externas, é a chamada consagração
de seus membros. Tradicionalmente na Igreja Católica a consagração diz respeito
à vivência do celibato por meio do voto de castidade, à renúncia a bens materiais
por meio do voto de pobreza e à obediência a alguma autoridade eclesiástica por
meio do voto de obediência. Essa forma de consagração é predominante entre as
ordens e congregações religiosas, mas também entre associações religiosas para
certos fins de evangelização, como as Sociedades de Vida Apostólica e Institutos
Seculares. No cristianismo antigo a consagração se referia exclusivamente ao
celibato vivido pelas virgens e viúvas, e posteriormente, aos anacoretas.
As Novas Comunidades trazem um entendimento novo para consagração.
A idéia original de consagração a Deus permanece, mas as formas e os modos de
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consagração se alteram. Os consagrados são homens e mulheres solteiros ou
casados, de diferentes idades, que podem viver essa consagração numa vida em
comum em uma mesma casa ou em sua própria casa, podendo abandonar a sua
antiga profissão ou não para se pôr disponível para a missão da Comunidade. A
maioria dos membros das Comunidades são jovens, por isso, muitos deles só após
um percurso de acompanhamento vocacional feito dentro da Comunidade definem
se permanecerão solteiros ou se casarão, e no caso dos homens, se permanecerão
leigos ou se tornarão clérigos. E a consagração pode ser expressa de diferentes
formas: votos ou compromissos, alguns com valor meramente simbólico, outros
com valor canônico feito sob uma autoridade eclesiástica, de modo geral o bispo
diocesano, em alguns casos, o pároco local, em outros, o assistente espiritual. E
as etapas de preparação à consagração variam muito em extensão, número e
conteúdo, segundo a morfologia de cada Comunidade. Em geral, as Comunidades
têm adotado o modelo das congregações religiosas (Aspirantado, Postulantado e
Noviciado), mas orientações recentes da cúria vaticana advertem para não se
assemelhar essa preparação para a consagração com aquela própria das
congregações religiosas. Assim, ultimamente vem se trocando os termos
“noviciado” por “discipulado”, e “votos” por “compromissos”
78
.
As Novas Comunidades são mais conhecidas como comunidades de vida e
aliança, e isso está relacionado com o aspecto da consagração. Na comunidade
de vida se encontram aquelas pessoas que se sentem chamadas a viver
intensamente o carisma e a missão da Comunidade, levando uma vida em comum
com outros membros, morando em casas da Comunidade e estando disponíveis
para serem enviados a qualquer parte. Da comunidade de vida fazem parte
solteiros e casados, e a grande maioria abdicou da vida profissional. A
comunidade de vida é mantida por contribuições dos membros da comunidade de
aliança, por doações de terceiros e por atividades realizadas por seus membros,
78
De fato, minha pesquisa apontou para uma crescente identificação das Novas Comunidades com
a tradicional vida religiosa consagrada da Igreja Católica. E parece ser esse o caminho que a
própria hierarquia eclesiástica vem tomando para assimilar a novidade dessas comunidades ao
conjunto da instituição católica, confirmando a histórica plasticidade da Igreja Católica em
absorver movimentos internos de mudança do status quo. Da parte das Comunidades essa filiação
à milenar vida religiosa consagrada se dá ao meu ver por dois motivos. Primeiro, por uma busca
por reconhecimento e legitimidade diante da hierarquia eclesiástica, que mais facilmente acolheria
um movimento que já pertenceria à história e tradição da vida religiosa consagrada e da própria
Igreja. Em segundo
lugar, Weber já havia chamado a atenção para o fato de que no catolicismo, o
virtuoso religioso é o monge. Portanto, é natural que essas comunidades marcadas pela busca do
virtuosismo religioso se identifiquem com
traços do monaquismo.
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83
como venda de livros, Cds, artigos religiosos, etc. A comunidade de vida se
assemelha muito às tradicionais comunidades religiosas, mas a possibilidade de
casais com filhos morarem juntos é o aspecto suis generis desse tipo de vida
comunitária. Já a comunidade de aliança é formada por aquelas pessoas que tendo
se sentido chamadas a viver o carisma da Comunidade, continuam a viver no
mundo, com sua vida profissional e própria família. Apesar disso, estão
disponíveis para servir à Comunidade.
É exatamente esse aspecto de vida comunitária, seja na comunidade de
vida, seja na comunidade de aliança, que tem atraído a maioria das pessoas que
procura as Comunidades. As pessoas sentem que o grupo de oração ou a paróquia
não atendem a suas demandas por relações intersubjetivas mais íntimas e para um
aprofundamento na fé; são lugares de superficialidade na vivência cristã. Elas
estão buscando algo mais: uma experiência de fraternidade.
Como está escrito em um convite de uma Comunidade distribuído para
quem queira conhecê-la:
Você vem alimentando dentro de si o sonho de participar de uma comunidade
fraterna, onde irmãos e irmãs, entre casais, pessoas casadas, viúvas e jovens,
vivem unidos na perseverança da Doutrina da Igreja, nas reuniões em comum, na
Eucaristia e nas orações? Saiba que esse sonho pode se tornar realidade. Está em
suas mãos decidir o que fazer de sua vida. [...] Se você tem sede de Deus e
deseja que Ele realize grandes mudanças em sua vida, venha estar conosco e
participe das missas que são celebradas em nossas Casas e dos nossos momentos
especiais de partilha, de oração e de adoração ao Santíssimo Sacramento.
Perguntando a membros de uma outra Comunidade sobre a diferença entre
a vida pastoral na paróquia e a vida na Comunidade, a dimensão do vínculo de
fraternidade sobressaiu:
Uma das coisas que podem ser destacadas é a questão que a vida pastoral você
exerce dentro da igreja, dentro da paróquia, por exemplo, eu fiz parte da
coordenação do Crisma, a Pastoral do Crisma, o nosso trabalho era sempre ali,
reuníamos a coordenação antes, decidíamos o que íamos fazer durante à tarde,
levávamos o dia com os crismandos e quando acabava participávamos da missa e
ao fim todos voltavam para suas casas. Então não existia um vínculo muito
profundo... não uma relação de amizade muito profunda, uma partilha sobre a
vida do outro. Existia sim, confraternização, vai ao aniversário de um, vai na
festa, mas não existia esse contato tão próximo, tão íntimo que se tem dentro de
uma vida comunitária. Porque dentro da comunidade, não só aqueles que vivem
juntos na mesma casa – não falo da comunidade de vida – mas o contato da vida
comunitária é mais próximo, é mais fraterno, as pessoas... a vida de cada um é
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mais aberta ao acesso para o outro. Pelo menos na realidade que eu vi de
paróquia foi essa a grande diferença. (Perséfone
79
, 22 anos, jovem de uma
Comunidade de Irajá)
Na tradição sociológica, “comunidade” sempre esteve associada ao seu par
opositor “sociedade” desde o clássico estudo de F. Tönnies, Gemeinschaft und
Gesellschaft. “Comunidade” se referia ao lugar das relações pessoais, da relação
face-à-face, das normas e valores tradicionais, da vizinhança e proximidade, o que
equivale dizer que “comunidade” é sinônimo de “comuna” e sendo típico do meio
rural. “Sociedade” referia-se ao mundo mais amplo, ao universo das relações
impessoais, formais, ao anonimato dos indivíduos das grandes cidades e
metrópoles do mundo moderno e urbano em permanente mudança.
No âmbito da religião, “comunidade” se refere a indivíduos que
compartilham de um conjunto comum de crenças e práticas religiosas. A
comunidade religiosa pode ser uma comunidade de vizinhança, como no caso das
paróquias na Igreja Católica em que o território é tido como elemento de
nucleação comunitária. Mas as comunidades que são formadas pelas Novas
Comunidades se distanciam muito do modelo paroquial. Primeiro, há uma vida
comunitária – partilha, troca, proximidade, intimidade, expressão da subjetividade
– ao contrário da vida paroquial que segue um caminho de mais formalidade, mais
preocupada com o serviço sacramental, com pouco espaço para o atendimento
pessoal, e o pároco, na maior parte do tempo, atuando como um funcionário do
sagrado, responsável pelo controle da “graça institucional”. A paróquia parece
acentuar o anonimato e o individualismo da vida social moderna e um sentimento
difuso de solidão.
Em segundo lugar, nas Comunidades há um líder, o fundador, o portador
do carisma da Comunidade, enquanto nas paróquias há o pároco, o sacerdote
encarregado dos sacramentos, da administração da graça institucional e do
controle da vida paroquial. Weber já havia observado a diferença que há entre o
profeta
80
, que constitui uma comunidade de seguidores reunidos em torno de sua
pessoa e o pároco, responsável pela paróquia, uma mera divisão administrativa
79
Todos os nomes de membros de Comunidades citados nesse trabalho são fictícios.
80
O profeta é uma figura ideal-típica da sociologia da religião weberiana e um caso particular dos
tipos de dominação – a carismática (Weber, 2004b). O profeta age motivado por causas
irracionais, ele possui um dom, um mandato divino que o obriga a agir e que interpela o curso
natural das práticas, crenças e instituições, enfim, a tradição. Em geral, ele se opõe à figura ideal-
típica do sacerdote, responsável pelo controle dos bens de salvação e dos leigos.
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85
eclesiástica (Weber, 2004a, 312-313). O fundador de uma Comunidade sente-se
chamado – vocação divina – a reunir um grupo de pessoas para uma vida fraterna
para o serviço da Igreja. Na história da Igreja Católica houve inúmeros
fundadores que deram origem às ordens e congregações religiosas, mas o fato
radicalmente novo nas Comunidades é o aspecto laico e pentecostal dessas novas
fundações. Esse aspecto contrasta fortemente com o controle eclesiástico
burocrático e tradicional das paróquias, o que explica as tensões entre as
Comunidades e as paróquias em muitos casos.
Outro elemento importante da vida comunitária das Novas Comunidades é
a identidade assumida pelo grupo. O sentimento de pertença é algo característico
dos membros das Comunidades, e ele é expresso nos símbolos religiosos, por
vezes ostensivamente visíveis como crucifixos, medalhas, pulseiras, camisas com
estampas de imagens religiosas, e até mesmo no modo de vestir-se, com roupas
mais austeras e comportadas. É uma nova identidade que se constitui após uma
experiência de mudança de vida e adesão mais consciente e estreita ao catolicismo
– entendido aqui como doutrina.
A matriz carismática das Novas Comunidades torna a vida comunitária
expressiva e aconchegante, gerando uma sensação de segurança. A busca da
fraternidade tem caracterizado os que se aproximam e se filiam a essas
comunidades. Hervieu-Léger (1997) chama esse tipo de comunidade de
“comunidade emocional”, uma forma de “comunalização religiosa nas quais a
expressão individual e coletiva dos afetos é central e constitutiva do grupo”. E
aqui no caso, a adesão ao grupo envolve uma experiência de conversão ou
redescoberta do catolicismo pela via da experiência dos dons do Espírito Santo. E
acrescenta a autora:
O testemunho que cada convertido dá ao grupo de sua própria experiência, e o
reconhecimento que o grupo lhe traz de volta criam um laço muito forte entre a
comunidade e o indivíduo. Este laço de adesão toma sua forma mais
intensamente afetiva no caso – lembrado por Weber – de comunidades de
discípulos reunidos em torno de uma personalidade carismática
81
.
As comunidades emocionais expressam ao mesmo tempo sua condição de
serem um produto contraditório da modernidade ao trazerem dentro de si
81
HERVIEU-LÉGER, 1997, p. 33.
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elementos modernos e pós-modernos: a preocupação com o indivíduo e sua
subjetividade, com a expressividade e uma resistência à racionalização das
convicções religiosas compartilhadas. Essas características retratam bem o
espírito das Novas Comunidades como um produto contraditório do encontro
dialético entre o tradicional, o moderno e o pós-moderno no campo religioso
brasileiro contemporâneo. Resta agora saber se o ethos das Novas Comunidades
encontra afinidade com questões de cidadania e com demandas para a esfera
pública política descrita nos capítulos anteriores.
4.2.
Rumo a uma cidadania “renovada”?
Nesta seção procuro responder a seguinte questão: são as Novas
Comunidades capazes de participar da sociedade civil e publicizar na esfera
pública política alguma demanda de cidadania? A matriz carismática que
possuem favorece uma abertura para a esfera pública política? Haveria
possibilidade para a existência de uma “cidadania renovada”? Entendendo aqui
por “cidadania renovada” uma prática de cidadania – isto é, um conjunto de
ações voltadas para a defesa ou afirmação de direitos de cidadania, com a
conseqüente participação na esfera pública política como participante da
sociedade civilsuscitada por uma visão religiosa de mundo calcada na
espiritualidade da RCC; daí o termo “renovado”. Para buscar responder a essa
questão realizei um trabalho de campo cujo recorte empírico foi a região
metropolitana do Rio de Janeiro
82
. Escolhi esse recorte por entender que a
dinâmica socioespacial do município do Rio de Janeiro está muito imbricada com
a dos outros municípios da região metropolitana se considerarmos os indicadores
socioeconômicos e outros indicadores sociais. Igualmente, a escolha da unidade
metropolitana para o recorte empírico favoreceu a comparação entre as diferentes
circunscrições eclesiásticas católicas
83
– as dioceses – presentes na região
82
A região metropolitana do Rio de Janeiro é formada pelos seguintes municípios: Belford Roxo,
Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Magaratiba, Marica, Mesquita,
Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de
Meriti, Seropédica e Tanguá.
83
As circunscrições eclesiásticas presentes na região metropolitana do Rio de Janeiro são: a
arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, a arquidiocese de Niterói, a diocese de Duque de
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87
metropolitana, o que foi de suma importância para a compreensão do fenômeno
das Novas Comunidades.
Por meio do Ministério Atos 2 estadual, tive acesso há uma lista de várias
Novas Comunidades. Com o contado com essas comunidades no trabalho de
campo, pude ter acesso a outras fora da lista. Um ponto importante em disputa
nesse universo das Novas Comunidades é precisar quem pertence a ele. Os
fundadores de Comunidades mais antigas e maiores tendem a desconfiar das
comunidades menores e que estão restritas aos limites de uma paróquia, por
acreditarem que elas são mais “comunidades de serviço” da RCC, principalmente
quando a origem delas é um grupo jovem ligado a RCC. Segundo os fundadores,
a diferença entre as “comunidades de serviço” e as Novas Comunidades está em
que estas possuem um carisma fundacional (um dom específico para a vida da
Igreja), um caminho de formação para seus membros e as pessoas que delas
participam buscam uma intensa vida comunitária, enquanto aquelas não possuem
um carisma fundacional, fundador e regras de vida, além de seu escopo estar
apenas no serviço de evangelização na paróquia ou na diocese e as pessoas que
nela participam não terem um vínculo tão estreito. O trabalho de campo
confirmou essa distinção quando entrei em contato com algumas comunidades e
percebi que elas possuíam um alcance muito limitado, apesar de estarem
discernindo se viriam a se tornar uma “comunidade de aliança”. Por isso, utilizei
como meu critério para a escolha das Comunidades a serem pesquisadas o fato de
possuírem um fundador, um carisma fundacional, um itinerário de formação e
vida comunitária
84
.
O universo de Comunidades restritas à região metropolitana computou um
total de 45 Comunidades
85
(30 na cidade do Rio e 15 no seu entorno), número que
diz respeito apenas às Comunidades nascidas nessa região. Fiz a opção de estudar
Caxias, a diocese de Nova Iguaçu, a diocese de Itaguaí e a diocese de Petrópolis. Somente a
arquidiocese do Rio e as dioceses de Nova Iguaçu e Duque de Caxias possuem seus territórios
inteiramente dentro da região metropolitana.
84
Esse processo de definição das Comunidades a serem pesquisadas foi muito importante para
minha pesquisa, pois revelou as expectativas que os fundadores tinham em relação ao meu
trabalho. Havia da parte deles um vivo interesse que o pesquisador/autoridade eclesiástica
(“padre”) falasse bem das Novas Comunidades. O reconhecimento e a legitimidade que a
pesquisa poderia trazer para essas Comunidades sempre esteve no horizonte de apreciação dos
principais informantes, e passou a estar no meu como forma de vigilância epistemológica das
informações recebidas e de indícios dos conflitos que ocorrem entre as Comunidades com as
autoridades eclesiásticas e os agentes pastorais.
85
Sendo a grande maioria somente de comunidades de aliança.
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88
as Comunidades autóctones por me interessar em conhecer de perto o processo de
fundação e organização da comunidade, portanto o acesso ao fundador seria algo
muito importante.
Na primeira fase da pesquisa utilizei o contato telefônico para obter alguns
dados básicos: tempo de existência, numero de membros, localização, missão e
carisma, e o estado atual da comunidade. Essa primeira fase mostrou que algumas
Comunidades haviam deixado de existir e outras passavam por problemas
financeiros. A crise financeira se caracterizava pela perda do local de reuniões – a
sede – por causa da impossibilidade da Comunidade pagar o aluguel. Tanto as
que haviam terminado como as que passavam dificuldades eram comunidades
pequenas, com poucos membros.
Fazendo o cruzamento da variável “Comunidade” com a variável
“território” cheguei a alguns dados interessantes. Encontrei uma alta
concentração de Novas Comunidades na Zona Norte e Oeste da cidade do Rio de
Janeiro e nenhuma na Zona Sul, na grande Tijuca
86
, na Barra da Tijuca e em
Jacarepaguá
87
. Qual seria a explicação para essa distribuição territorial?
Igualmente a Baixada Fluminense apresentou um percentual muito baixo de
Novas Comunidades se comparado com Rio, Niterói e São Gonçalo
88
. Qual seria
a explicação para esse fenômeno?
89
Essas perguntas me orientaram na segunda fase do trabalho de campo que
consistiu em observação participante e entrevistas com os membros de
Comunidades do Rio, Niterói, São Gonçalo e Baixada. E numa terceira fase
aprofundei as entrevistas com perguntas surgidas no próprio trabalho de campo e
selecionei para aplicá-las em três Comunidades do Rio e uma de Niterói,
86
A grande Tijuca (Tijuca, Maracanã, Grajaú, Vila Isabel e Andaraí) e Barra da Tijuca (e Recreio
dos Bandeirantes) fazem parte respectivamente da Zona Norte e Zona Oeste do Rio, mas o perfil
socioeconômico desses bairros se assemelha aos bairros da Zona Sul, por isso, na pesquisa quando
me refiro a Zona Norte e a Zona Oeste, excluo esses bairros.
87
A distribuição das Comunidades no Rio e Baixada pode ser seguido pela sua proximidade ao
traçado da Avenida Brasil: desde o Caju à Santa Cruz.
88
Não foram encontradas Comunidades na diocese de Itaguaí e na diocese de Petrópolis, apenas
uma em Guapimirim.
89
As pouquíssimas “comunidades” que encontrei na Zona Sul e Grande Tijuca, apesar de seus
membros dizerem que estavam em processo de discernimento para se tornarem uma “Nova
Comunidade”, não se encaixavam na definição operacional que utilizei na pesquisa. Essas
comunidades estavam dentro do perfil de “comunidade de serviço” da RCC: funcionamento
paroquial, ausência de um carisma fundacional, ausência de vínculos comunitários entre os
membros e participantes, ausência de um itinerário de formação para os membros, etc, por isso
optei por não utilizá-las porque desejava trabalhar com comunidades mais estruturadas.
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89
Fiz o cruzamento de dados socioeconômicos e de filiação religiosa
90
para
a região metropolitana com a distribuição territorial das Comunidades. O
cruzamento me revelou que o perfil do católico da Zona Norte e Oeste carioca
seria de classe média mediana à baixa, em contraste com o católico da Zona Sul
carioca e niteroiense que são das classes médias alta e alta. O trabalho de campo
confirmou-me esses dados. A composição social dos membros das Novas
Comunidades é em geral de professores do ensino fundamental e médio,
profissionais de nível técnico, estudantes universitários, etc
91
. Uma composição
social que se repetia de modo geral nas diversas cidades da região metropolitana,
com alguma ou outra exceção.
Cruzando mais uma vez os dados das Comunidades com indicadores
sociais, percebi que a área de maior concentração de Comunidades era uma área
suburbana do Rio, de ocupação e urbanização antiga em comparação com a
Baixada Fluminense, São Gonçalo e Itaboraí que continuam recebendo fluxos de
imigração e são lugares onde o percentual de evangélicos pentecostais e “sem
religião” é muito alto. Cheguei à conclusão de que as Novas Comunidades estão
nascendo com maior facilidade nesses subúrbios da Central, Leopoldina e
arredores porque aí se localiza uma extensa faixa de classe média católica
tradicional que se vê ameaçada pelo avanço pentecostal e pelo declínio econômico
da região metropolitana. O declínio dos subúrbios cariocas aponta para uma
situação de crise social, econômica e cultural. Essa crise também poderia se fazer
sentir em outros bolsões católicos de classe média baixa, como podem ser os
arredores de São Gonçalo e a Zona Oeste carioca, e que coloca para esses setores
o problema de sua identidade social.
O papel que a RCC e as Novas Comunidades vem exercendo nesse
universo católico tradicional é, ao que me parece, o de reativar uma identidade
católica face às grandes mudanças no campo religioso e às mudanças
socioeconômicas e culturais em curso no país. O caso da região metropolitana do
Rio de Janeiro parece apontar para isso. Uma identidade católica renovada que
atinge uma fração da classe média que está em maior contato com os segmentos
90
Vali-me para esse trabalho da pormenorizada pesquisa de César Romero e equipe (Jacob, 2006).
91
Em uma Comunidade de Niterói constatei que o grupo fundador pertencia à classe média alta, a
sede está localizada na região oceânica, mas pude constatar que os membros mais recentes da
comunidade são originários de bairros interioranos e de São Gonçalo, num perfil próximo do
subúrbio carioca. O que confirma ser a composição social das Novas Comunidades na região
metropolitana do Rio de um segmento da classe média de modo geral.
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populares pentecostais e que vive uma situação econômica difícil em função do
fraco desempenho econômico da região metropolitana do Rio nas últimas
décadas. Curiosamente, foi no último decênio do século passado que grande parte
das Comunidades existentes no país surgiram, o que reforça a hipótese de
imbricação entre mudanças no campo religioso e mudanças socioeconômicas
como uma das explicações para o boom das Novas Comunidades. Não se pode
esquecer que nos anos 90 a RCC entrou fortemente nos meios eletrônicos de
comunicação de massa divulgando seu modo de viver o catolicismo, e que a
Comunidade Canção Nova projetou-se na mídia católica com sua emissora de TV
captando uma forte atenção do mundo católico pentecostal. No trabalho de
campo a Comunidade Canção Nova foi sempre citada como um paradigma de
Nova Comunidade, o que atesta seu poder de influência no universo do
catolicismo pentecostal.
No entanto, um fator de suma importância para a compreensão do
fenômeno das Novas Comunidades surgiu no decorrer das entrevistas: a relação
entre as circunscrições eclesiásticas e a RCC. Tornou-se claro que a relação entre
a RCC e a estrutura e hierarquia eclesiástica de cada diocese joga um papel
fundamental para o desenvolvimento das Novas Comunidades. O modo como se
dá o processo de surgimento, consolidação e legitimação da RCC face ao bispo,
párocos e estrutura pastoral da diocese influenciará no aparecimento das Novas
Comunidades e no seu formato. Foi no contraste entre a diocese de Nova Iguaçu
e a arquidiocese do Rio de Janeiro que pude perceber esse fator.
As dioceses de Nova Iguaçu e Duque de Caxias são notoriamente
conhecidas no meio eclesial por terem feito uma opção pelo meio popular e pelas
CEBs, e de terem estado muito afinadas com a Teologia da Libertação. Ora, é
exatamente no território dessas dioceses que encontrei o menor numero de Novas
Comunidades, um percentual baixíssimo se comparado à arquidiocese do Rio.
Em entrevista com um fundador de uma dessas Comunidades, ele me contou que
havia sido uma liderança da RCC nos seus inícios na diocese, e que havia
encontrado forte resistência por parte do clero porque a linha pastoral prioritária
da diocese eram as CEBs. Contou-me, então, que a RCC só conseguiu crescer e
desenvolver-se nas paróquias de uma cidade da diocese onde justamente não havia
CEBs e os párocos eram mais “abertos”.
A RCC posteriormente se expandiu, mas sem ter grande expressão na
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91
diocese, sendo obrigada a acompanhar a vida pastoral da diocese, e a cidade de
origem continuou sendo seu principal reduto. O mesmo se deu com a
Comunidade. Ela nasceu nessa mesma cidade da Baixada Fluminense e logo
precisou se inserir na vida pastoral da paróquia e da diocese.
Outro fundador de Comunidade na mesma diocese da Baixada Fluminense
narrou experiência similar: também foi uma liderança importante da RCC na
diocese, e fundou a Comunidade num recanto da diocese, no seu local de moradia,
na divisa com o município do Rio, muito próximo à Zona Oeste. Também a
Comunidade se viu direcionada a participar desde os seus inícios da vida pastoral
paroquial e diocesana. Os dois fundadores narraram que desde o início da
fundação foram acompanhados pelo bispo pessoalmente, e que o novo bispo
designou um sacerdote para acompanhá-los e a outra Comunidade que existia em
outro lugar remoto da diocese. Ambos os fundadores narraram como as suas
respectivas Comunidades estavam inseridas na vida pastoral diocesana dando um
testemunho de comunhão com o bispo e as paróquias locais.
O controle eclesiástico sobre as Comunidades é algo estabelecido nas
principais dioceses da região metropolitana. Tanto na arquidiocese do Rio, quanto
na de Niterói esse controle é feito por um bispo e por uma comissão coordenada
por um padre, respectivamente. Mas o que difere da situação narrada acima, é de
que nessas arquidioceses o controle é mais um acompanhamento, enquanto que no
caso citado da diocese da Baixada houve um direcionamento para a inserção na
vida pastoral da diocese. Ou seja, aqui a autonomia foi mais limitada em vista a
uma comunhão com a linha pastoral da diocese, enquanto no Rio e em Niterói a
preocupação parece ser mais com os aspectos doutrinais e a obediência à
hierarquia.
Na minha análise, essas situações diferenciadas das Comunidades poderão
ter impacto na possibilidade de essas Comunidades poderem vir a se tornar
agentes da sociedade civil. As arquidioceses do Rio e Niterói têm uma concepção
de Igreja e um arranjo institucional tradicionalista e conservador, ao contrário das
dioceses de Nova Iguaçu e Duque de Caxias mais próximas de um modelo de
Igreja “Povo de Deus” e sensíveis às lutas populares. Com isto quero dizer que há
mais chances da linha pastoral das dioceses da Baixada propiciar uma
sensibilidade nas Comunidades daquela região para questões de cidadania, do que
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92
as arquidioceses do Rio e Niterói
92
.
Um indício do que estou falando. Um fundador de uma das Comunidades
da Baixada me contou que por causa de sua inserção nas lutas pelo melhoramento
do bairro onde mora e onde se localiza a Comunidade – visivelmente um bairro
abandonado pelo poder público e apresentando características de segregação
socioespacial – é muito conhecido e estimado pela população da região e pelos
párocos locais. Contudo, uma terceira Comunidade na diocese, localizada em
uma área remota, se distanciou da caminhada em conjunto com a diocese sem
muitas explicações. Como pude averiguar ela é uma Comunidade com muitos
membros e possui uma estrutura organizativa maior que as outras duas. Além
disso, possui um forte viés místico e de virtuosidade religiosa. Esses são os
fatores importantes a meu ver que determinaram o rumo próprio dessa
Comunidade. Restaria empreender um estudo ao longo do tempo para verificar
minha hipótese em relação às outras duas Comunidades e verificar as tensões
internas que se produzem nessa relação.
Um fator que me parece, este sim, ainda mais importante para considerar a
possibilidade das Novas Comunidades se sensibilizarem por questões de
cidadania e pela esfera pública política é a sua visão religiosa de mundo. Quanto
mais uma Comunidade está impregnada de uma postura de “fuga do mundo”
93
,
buscando a vivência da mística e a conseqüente valorização do êxtase religioso e
92
Pedro de Oliveira (2007, 22-24) ao comparar as CEBs e a RCC faz a distinção entre duas
estruturas de Igreja: a pastoral, nascida com o Concílio Vaticano II, com estruturas igualitárias de
participação, e autonomia entre os organismos eclesiais participantes, dentre os quais estariam as
CEBs, as Pastorais Sociais, as Conferências Episcopais, etc; e a canônica, onde a participação é
hierarquizada e sob o controle da autoridade eclesiástica, e onde a RCC estaria atuando. No caso
das Novas Comunidades, a preocupação é de justamente se inserir nessa estrutura canônica,
reconhecendo a autoridade eclesiástica e aderindo integralmente a doutrina católica oficial. O
reconhecimento pontifício ou diocesano faz parte dessa estratégia de inserção. Entretanto, o caso
das Comunidades da Baixada mostra claramente essa presença dos dois tipos de estruturas
eclesiais. As Comunidades estavam interessadas em seguir as orientações da autoridade
eclesiástica local – o bispo e seus delegados – mas a linha da diocese justamente priorizava a
“Igreja Pastoral” e não tanto a estrutura canônica, por isso as Comunidades que aceitaram
caminhar com o bispo tornaram-se mais próximas de uma sensibilidade social com o seu entorno e
menos direcionadas a uma “fuga do mundo”.
93
Weber ao estudar as religiões de salvação fez uma distinção ideal-típica entre misticismo e
ascetismo. As religiões de salvação se opõem ao mundo e oferecem duas vias de salvação: a via
mística, orientada para a contemplação, e por conseguinte para uma “fuga do mundo”, onde o
indivíduo se experimenta com um “recipiente do divino”; e, a via ascética, orientada para a ação,
mas de “rejeição do mundo”, onde o indivíduo se experimenta como um “instrumento de Deus”.
O ascetismo pode ser de orientação extramundana como intramundana, como foram o
monaquismo ocidental e o protestantismo ascético respectivamente. Apesar da “fuga do mundo”
típica do misticismo, no Ocidente o misticismo se viu orientado para algum tipo de ação
intramundana por causa da visão religiosa de mundo judaico-cristã (Weber, 2004a, .365-373).
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de “práticas encantadas” com a falta de racionalização das práticas religiosas,
poucas chances ela terá de se interessar por questões de cidadania e pela esfera
pública política.
Reginaldo Prandi (1996) já havia chamado a atenção para o
distanciamento da política próprio da religiosidade mágica que vinha crescendo
com a expansão do pentecostalismo, da RCC e das religiões afro-brasileiras.
Diante da crise da sociedade, incapaz de atender às necessidades materiais e
simbólicas básicas de amplos segmentos da população, temos o sucesso da
religião mágica que promete prosperidade, cura, conforto espiritual e psicológico.
Esse quadro evoca, mais uma vez, as análises de Giddens sobre o “mundo em
descontrole”, sobre uma angustiante “insegurança ontológica”. Na verdade, o
quadro no Brasil envolve um estado permanente de insegurança econômica e crise
social, graças ao fim da Estado Nacional-desenvolvimentista (Reis, 1998, 2002) e
ao caótico processo de urbanização que cria contextos favoráveis ao crescimento
da religiosidade mágica e, em particular, propícias a um catolicismo pentecostal e
desfavoráveis a um tipo de catolicismo mais modernizado, desmagicizado, de
religiosidade de forte cunho ético, direcionado ao agir intramundano, como por
exemplo, o das CEBs.
No catolicismo pentecostal é evidente a manifestação de fenômenos
extraordinários como curas, milagres, glossolalia, visões e revelações, ou seja, de
aspectos mágicos, o que propicia a “fuga do mundo” típica do caminho da
mística. Poderiam as Novas Comunidades a partir da sua matriz carismática
desenvolver uma “cidadania renovada” ou ela seria um entrave para a participação
na esfera pública política?
Nas observações das atividades das Comunidades e nas entrevistas notei a
ausência de uma referencia mais explícita a um projeto de cidadania ou uma
preocupação com a esfera pública política, mesmo quando a Comunidade se
coloca como chamada por Deus a participar de um projeto de restauração da
Humanidade. O foco está “no resgate de pequenos valores, o valor da família, da
honestidade, da retidão”, como bem disse um membro de uma Comunidade do
subúrbio carioca:
O próprio do mundo é a disputa, temos que disputar um com o outro o tempo
todo pra ver quem é o melhor: “eu quero ser melhor do que você”, “eu quero
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cantar melhor mais do que você”, “eu quero chamar mais atenção do que você”.
É essa retidão, esses valores que vieram quebrar no homem essa estrutura que
leva à sociedade a um colapso... Nosso fundador fala uma frase: “não é mudar o
mundo todo, mas é mudar todo o mundo, o mundo inteiro daquela pessoa com
quem nós convivemos”. Essa experiência de trazer valores, de resgatar valores
que estavam perdidos na nossa sociedade, traz à sociedade uma contribuição sem
tamanho, que resgata aquilo que não passa, valores que não passam, valores que
marcam. Se uma pessoa é honesta, mesmo depois de falecer, morrer, ela continua
sendo reconhecida por isso: “aquela pessoa tão honesta...”. (Hércules, jovem de
uma Comunidade de Irajá)
O que mais me chamou a atenção é que encontrei algumas Comunidades
na Zona Oeste do Rio e na Baixada Fluminense que têm como missão o trabalho
educacional numa perspectiva confessional católica, tendo inclusive, aberto
escolas para o ensino fundamental. E o público atendido é em sua maioria de
segmentos empobrecidos, enfim membros das classes subalternas. Em uma delas
há toda uma preocupação em evangelizar por meio da atividade escolar, orientada
para práticas que remontam ao catolicismo tradicional pré-conciliar (oração antes
do início das aulas e das refeições, visita à capela para rezar diante do santíssimo
sacramento, etc), mas reavivados pela experiência carismática, por esse viés
místico. Não é apenas o conteúdo programático de cada disciplina por si só, mas
a transmissão de um ethos de solidariedade (“Fazer ao outro o que gostaria que
fizessem com você”), de convívio social, de respeito ao semelhante e de partilha
com quem tem menos recursos. Um ensino confessional católico que tem atraído
um contingente significativo de alunos de igrejas evangélicas, exatamente porque
os pais se sentem atraídos pelo caráter religioso do ensino.
O mais interessante é que há uma consciência da situação de pobreza dos
alunos atendidos, mas a resposta em termos de cidadania ainda evoca uma leitura
da realidade nos moldes do tradicional espírito caritativo católico. Instada a falar
sobre como poderia o trabalho educacional realizado pela Comunidade com os
alunos contribuir para a cidadania, a entrevistada falou do respeito ao semelhante,
da partilha entre os alunos, de quem tem material escolar partilhar com o colega
que não tem, e citou o caso de dois alunos da mesma sala, cujo os pais eram
respectivamente um traficante e um policial, como exemplo de boa convivência e
superação do conflito. E acrescentou:
Cidadania é a partir também da oração, porque você vai sendo um cidadão
melhor se estiver nos braços de Deus. Aí você vai ser um cidadão melhor e vai
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precisar pouco de algum ensinamento, porque no próprio momento lá Deus vai
mostrar o que fazer (Cassandra, membro de uma Comunidade da Zona Oeste).
É interessante notar como a dimensão do conflito social ou a divergência
entre os indivíduos é sempre um problema e até um “mal” ou “pecado”. O bom
convívio seria a ausência de interesses conflitantes, um estado de harmonia
constante entre os indivíduos. Essa visão é tipicamente católica e evoca a
submissão da parte ao todo, do indivíduo à coletividade. E é uma visão das
relações sociais diametralmente oposta à visão liberal clássica que afirma o
indivíduo como portador de interesses e direitos que devem ser garantidos e
respeitados.
Em outra Comunidade, é citada a ação social realizada, um trabalho de
evangelização com os “miseráveis” em que se percebe claramente o aspecto de
“ação civilizatória” sobre os assistidos como sinônimo de formação de cidadania,
mas que subjacente à ação viceja uma mentalidade de ação caritativa.
A nossa ação social tem um grande fundo de evangelização, de formação pra
levar essas pessoas excluídas, não é só dar o alimento, dar a roupa, dar o remédio,
isso qualquer um faz, o Rotary faz muito bem (faz melhor que a gente!), mas é
levar a experiência de Deus para essas pessoas, a gente vê que as pessoas mudam
na própria aparência, a gente vê que a pessoa está digna, não é estar bem vestida
não, mas a gente está... porque a coordenadora da nossa ação social costuma dizer
que aqui a gente não cuida de pobre, mas tem que tirar do miserável, que a gente
pega os mais miseráveis, pois o pobre já está bem... A gente vê que eles se
transformam, porque a evangelização, a oração, há todo um processo de levar
aquela pessoa a se sentir um filho de Deus. E a pessoa muda. Então você vê
mulheres que vinham todas desprezadas, todas rasgadas, de shortinho curto, com
aquele palavreado, hoje são pessoas decentes, já falam direitinho... (Penélope, co-
fundadora de uma Comunidade de Niterói).
Ainda foi acrescentado que ação social prestada aos assistidos consiste em
reuniões semanais com evangelização e formação cristã (missas, adoração ao
santíssimo sacramento, pregação e ensino da doutrina católica, regularização de
matrimônios perante a Igreja Católica, etc), orientações sobre higiene pessoal,
aulas de alfabetização, distribuição de remédios e de cesta básica mensal. Foi
destacado pelo fundador, como um sinal de sucesso dessa ação, o fato de uma
assistida ter se tornado membro da Comunidade.
Isso leva ao contraponto entre a caridade e o contrato social. Se a
Constituição de 1988 é o marco legal e institucional do processo de
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redemocratização, expressão do contrato social da sociedade, a noção de
cidadania presente em nossa Carta Magna não encontra ecos na ação social das
Comunidades. Os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros
assegurados na Constituição são um horizonte desconhecido para a ação social
dessas Comunidades. Os assistidos pela ação social desenvolvida pelas
Comunidades, sejam eles alunos carentes, favelados, indigentes, presidiários ou
outros em situação de vulnerabilidade social são objetos de caridade e não
sujeitos de direitos. Eles são vistos como “filhos de Deus”, gente necessitada,
mas não como cidadãos portadores de direitos que devem ser defendidos ou
afirmados. Implicitamente parece que há uma divisão entre a “Cidade de Deus” e
a “Cidade dos Homens”, entre o espiritual e o temporal, sendo que o assistido é
visto como alguém que precisa de bens espirituais prioritariamente, isto é, de
“cidadania celeste”. Mas onde fica a sua “cidadania terrestre”? Ele também não
faz parte da sociedade?
Foi o que percebi no trabalho de campo ao notar a ausência de referências
a questões relativas à cidadania na programação das atividades, nos conteúdos de
cursos, palestras e folhetos explicativos. O foco está totalmente na dimensão
religiosa, no anunciar o “Senhor Jesus”, e especialmente no conhecimento da
doutrina católica oficial e na sua observância.
Interessante também é o fato que a preocupação doutrinal das
Comunidades pesquisadas não explicitar o Ensino Social da Igreja Católica,
ficando focada mais nos aspectos da moralidade sexual, dos sacramentos e das
orientações da hierarquia eclesiástica. Não há menção explícita à Doutrina Social
da Igreja Católica, que justamente esteve no foco do pontificado do Papa João
Paulo II, e passou por um intenso desenvolvimento nas duas últimas décadas do
século passado. O alvo da ação é o indivíduo e as normas que deve seguir para
continuar estritamente católico e se ver livre do pecado. A preocupação está em
encontrar mérito diante de Deus e continuar digno de recebê-lo seja na oração,
seja na comunhão eucarística. Nesses aspectos, as Novas Comunidades estão
repetindo as práticas religiosas da RCC, com o diferencial da vida comunitária e
do ideal da fraternidade. Mas uma fraternidade muito restrita aos limites da
comunidade. Como me observou um fundador, há membros que vivem a
fraternidade dentro da Comunidade, mas não nos seus ambientes profissionais.
Sua observação me chamou a atenção para o fato de que o ideal da vida
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fraterna das Comunidades, que poderia ser um elemento de crítica à sociedade
com uma conseqüente ação intramundana para a construção de relações mais
fraternas e justas entre as pessoas, parece ao contrário, levar para um fechamento.
Nesse caso a vida comunitária é um refúgio, um oásis frente à “insegurança
ontológica” e ao “carro de Jagrená”. O mundo da vida nessas Comunidades
estaria fechado sobre si mesmo, sem comunicação com a sociedade envolvente,
sem demandas para a esfera pública, desinteressado de juntar-se ao conjunto da
sociedade civil. Nesse ponto, as Comunidades poderiam estar próximas de certos
tipos de seita
94
que apresentam traços de auto-segregação e de desinteresse pela
política (Wilson, 1970)
95
.
Se as Novas Comunidades são uma forma de “comunidade emocional”, é
provável que quanto mais intensa seja a fraternidade emocional entre os membros,
menos disponível esteja para uma racionalização ética da vida e, por conseguinte,
para agir na esfera pública política altamente racionalizada. O suporte emocional
e simbólico oferecido pela Comunidade daria aos seus membros um forte
sentimento de pertença e um crescente desinteresse por tudo aquilo que fosse
potencialmente experimentado como ameaça a essa pertença e à identidade que
ela gera. A participação em esferas sociais mais racionalizadas como a esfera
pública política levaria o membro de uma Comunidade a ter que se defrontar com
universos que operam com lógicas altamente racionalizadas, ou seja,
desencantadas, com práticas e indivíduos muito diferentes do seu contexto
comunitário, o que constantemente colocaria em questão sua própria prática e
94
Ernst Troeltsch em seu amplo estudo sobre o cristianismo caracterizou de modo ideal-típico a
seita como sendo “a voluntary society, composed of strict and definite Christian believers bound to
each other by the fact that all have experienced ‘the new birth’. These ‘believers’ live apart from
the world, are limited to small groups, emphasize the law instead of grace, and in varyring degrees
within their own circle set up the Christian order, based on love; all this is done in preparation for
and expectation of the coming Kingdom of God” (Troeltsch, 1992, 993). Os membros das seitas
se vêem como eleitos que escolheram a sua fé ao contrário dos que pertencem a Igreja por
nascimento. A questão da escolha como adesão pessoal é muito importante. Sociologicamente as
Novas Comunidades apresentam grande semelhança com o tipo seita. Não por acaso um membro
de uma Comunidade me disse numa visita que “as Novas Comunidades são uma resposta do
Espírito Santo na Igreja Católica ao fenômeno das seitas evangélicas que se multiplicam pelas
esquinas”.
95
Weber observou em sua sociologia das religiões: “En effet, la recherche du salut (Heil)
proprement mystique ou pneumatique des virtuoses religieux – une recherche qui est appuyée sur
un charisme religieux – a, conformément à la nature des choses, toujours été apolitique ou
antipolitique. Elle n’a fait aucune difficulté, il est vrai, pour reconnaître l’autonomie des ordres
terrestres, mais c’était seulement pour conclure logiquement à leur caractère radicalement
diabolique ou, à tout le moins, pour prendre à leur égard le point de vue d’indifférence absolute
qu’exprime la formule ‘Rendez à César ce qui est à César (car en quoi cela concerne-t-il le
salut?)” (Weber, 1996, 429).
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crenças religiosas. Um exemplo do que estou falando surgiu nas entrevistas
quando os entrevistados mencionaram em várias ocasiões a dificuldade de viver
sua fé renovada nos ambientes de trabalho e no meio universitário. Não por
acaso, ambientes muito racionalizados e pluralistas. Portanto, não é de se
estranhar se algumas Comunidades mais extremadas na vivência da virtude
religiosa apresentarem um espírito sectário e de fechamento à esfera pública.
A conclusão que chego é de que tanto a matriz carismática quanto o ideal
de fraternidade das Novas Comunidades tendem a criar dificuldades para um
despertar cidadão: um interesse em participar da esfera pública política somando-
se à sociedade civil. A matriz carismática abre uma via mística – ser “receptáculo
do divino” – que inibe a orientação de ação intramundana, pois o viver da efusão
do Espírito Santo é o suficiente para a salvação
96
. Qualquer ação externa à
Comunidade se conduz exclusivamente orientada para a Igreja Católica, como
parte de um mandato divino. Não há nenhuma ação externa orientada para o
aperfeiçoamento da sociedade, para um projeto de reforma da sociedade que passe
pela ação na esfera pública política. Mesmo as ações sociais, graças ao seu
caráter caritativo tradicionalmente católico, esgotam-se em si mesmas, numa
perspectiva de assistencialismo: não são pensadas como defesa dos direitos de
cidadania dos assistidos, nem como práticas de inclusão e empoderamento dos
mesmos.
Já o ideal de fraternidade e o modo como se organizam as Comunidades
para atendê-lo, também tende a dificultar formas de cooperação e associação com
outros que não compartilhem da mesma identidade e valores. Na medida em que
o foco é a própria Comunidade e o que ela pode gerar de sentimentos de
segurança, pertencimento, identidade social clara e visível face à pluralidade de
identidades religiosas, tanto a figura do “outro” – entendido como grupo diferente
e externo à esfera religiosa, como a própria esfera pública política não despertarão
interesse algum. Se a vida comunitária é sentida por seus membros como um
refúgio ao estado de anomia social – que na região metropolitana do Rio de
Janeiro se traduz na sua crescente pauperização, no descescenso social e
econômico de seus segmentos médios e na alta concentração de renda da classe
96
Weber vê a possibilidade de uma postura mística se tornar atuante no mundo quando o fiel deixa
a atitude de possuir a Deus para ser possuído por Deus e passa a agir em vistas das esperanças
escatológicas da aparição da era da fraternidade cósmica, como é o caso dos movimentos
milenaristas (Weber, 1996, 433-434).
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99
superior (Lago, 2000) – causado pela crise econômica dos anos 80 e
principalmente pelas políticas econômicas neoliberais dos anos 90
97
, então a vida
comunitária passa a ser um local que pode assegurar uma rede de proteção social
privada, de apoio mútuo que dispensa a ação estatal e a necessidade de associação
e cooperação com outros na esfera pública como forma de garantir a reprodução
social do indivíduo, sobretudo, a simbólica.
Uma tal situação evoca o “familismo amoral” de Banfield que Reis (1998)
recupera para entender a situação atual da América Latina. Com a falência do
projeto nacional-desenvolvimentista, uma sociedade como a brasileira
marcadamente hierárquica e integrada a partir de uma visão holista e organicista
de seu funcionamento, com uma identidade coletiva construída sobre uma idéia de
nação que prometia a integração de todos num futuro promissor, entrou em crise:
nem as elites sociais assumem um presumido papel de responsabilidade pelo
desenvolvimento social, nem as classes subalternas acreditam que tomarão parte
da distribuição da riqueza. E num contexto de grande desigualdade e pobreza, a
falta desse cimento ideológico a amalgamar os diversos interesses, conduz ao
definhamento da solidariedade social, com os diversos segmentos e grupos se
fechando na esfera privada e debilitando a esfera pública. A elite se encastela em
seus condomínios e ruas particulares enquanto as classes subalternas buscam a
duras penas encontrar meios de sobrevivência face aos ditames do mercado.
Em um nível mais macro, Bauman (2007a, 2007b) aponta para uma
situação similar ao tratar dos efeitos da globalização. Enquanto a elite globalizada
é capaz de um comportamento de extraterritorialidade, conectando-se com
espaços nacionais e internacionais e desconectando-se com o local, o refugo da
globalização, ou seja, aqueles que estão à margem da globalização são relegados a
espaços desconectados e abandonados da cidade. E Bauman ainda acrescenta:
O mundo em que vive a outra camada de moradores da cidade, a camada
“inferior”, é o exato oposto da primeira. Em agudo contraste com o estrato
superior, caracteriza-se por ter sido cortado da rede mundial de comunicação à
qual as pessoas da “camada superior” estão conectadas e à qual estão
sintonizadas suas vidas. Os cidadãos urbanos da camada inferior são
“condenados a permanecerem locais” – e portanto se pode e deve esperar que
suas atenções e preocupações, juntamente com seus descontentamentos, sonhos e
97
Para um estudo recente sobre a crise de reprodução da classe média brasileira no final do século
passado, em decorrência da crise econômica dos anos 80 e das políticas econômicas neoliberais
dos anos 90, Cf. GUERRA, 2006.
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100
esperanças, se concentrem nos “assuntos locais”. Para eles, é dentro da cidade
que habitam que a batalha pela sobrevivência, e por um lugar decente no mundo,
é lançada, travada e por vezes vencida, mas na maioria das vezes perdida
98
.
As conseqüências são evidentes. O espaço público da cidade, como local
de convivência dos diferentes grupos sociais, e a esfera pública política como
lócus da publicização de demandas do mundo da vida, se enfraquecem, e com
eles, a solidariedade social.
E o que dizer sobre a camada média da sociedade? No caso brasileiro,
depois do fim do milagre econômico proporcionado pelo Estado nacional-
desenvolvimentista, o estrato médio sofreu muitos reveses econômicos e se
refugia como pode da insegurança das cidades e do descenso social. No mundo
globalizado ela procura alcançar as benesses da extraterritorialidade em meio ao
pavor de ter de viver no local. Um dos possíveis lugares de refúgio desse mundo
global em descontrole talvez seja a comunidade e a vida fraterna com seus apoios
mútuos (Bauman, 2003). E a matriz carismática associada a essa vida fraterna
concede ao indivíduo a sensação de empoderamento e segurança, pois o
experimentar-se como “receptáculo do divino”, isto é, a experiência da efusão do
Espírito Santo vivida em comum, conecta-o a uma realidade sobrenatural onde os
poderes divinos são maiores do que as forças mundanas que governam a
sociedade. E assim pode encontrar alívio para suas ansiedades, solução para seus
problemas e alento para enfrentar as ameaças desse mundo em descontrole.
Identidade e sentimento de pertencimento a um grupo são elementos importantes
para se viver no local em permanente ameaça de desconexão do global
99
.
Em todo caso, o ethos das Novas Comunidades, como fruto do
reavivamento católico contemporâneo, ao ser composto por elementos católicos
tradicionais revitalizados e pentecostalizados dá sinais de pouco interesse por
98
BAUMAN, 2007b, p. 81.
99
Prandi faz a seguinte afirmação em relação a RCC e a classe média que me parece
complementar à minha análise: “O discurso carismático veio recuperar um público de classe média
que estava perdido num tiroteio de opções religiosas. Mesmo tendo desde o candomblé até a
Igreja Universal do Reino de Deus como opções religiosas, esse segmento católico não conseguia
integrar-se. De um lado via uma Igreja Católica popular muito ligada às aspirações políticas da
esquerda e com um discurso racionalizado e secularizado. De outro lado, o pentecostal,
encontrava discursos mais macios aos ouvidos, mas muito distantes da tradição católica. Foi esse
segmento católico, avesso à Teologia da Libertação e pouco à vontade com as ofertas pentecostais,
que se mostrou simpático ao discurso carismático. Essa filiação a um movimento de reavivamento
espiritual deveu-se à proposta de vivência de um catolicismo ‘mais perto da magia e mais longe da
política’” (Prandi, 1998, 160).
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questões de cidadania e pela esfera pública política. Talvez uma forte
institucionalização nas Comunidades maiores e mais estruturadas conduza a uma
abertura para a esfera pública política e para a sociedade civil, como resultado da
rotinização do carisma fundacional. Porém, se no coração do ethos permaner a
matriz carismática, haverá sempre uma tensão permanente entre a via mística e a
vida comunitária com a ação em esferas não religiosas. O que mitiga com certeza
o grau e o alcance dessa ação.
Em texto recente, Pedro de Oliveira (2007) faz considerações muito
próximas às minhas ao tratar do tema da transformação social entre carismáticos e
participantes das CEBs. Ele conclui que há uma afinidade eletiva, em sentido
weberiano, entre as CEBs e a transformação social a partir da idéia-força de
libertação – entendendo-se “idéia-força” como “idéias carregadas de valor e por
isso capazes de conferir sentido ao agir humano”. “Libertação” no contexto das
CEBs se opõe à opressão exercida pelos mais ricos sobre os mais pobres, por isso
permite a passagem da esfera religiosa para a esfera política. Na RCC, a idéia-
força é santificação; mesmo quando se fala de “libertação” na RCC, seu uso é
sinônimo de libertação pessoal, santificação, ou seja, o foco está no indivíduo e na
superação de seus males. Assim, explicaria-se a facilidade com que um membro
das CEBs encontra em lançar-se à militância política ou à participação social, pois
faria parte de sua identidade religiosa a luta pela libertação da opressão, da
injustiça. Ao contrário, a fraca adesão de membros da RCC com a prática política
e a participação social vem de suas identidades religiosas estarem calcadas na
busca da santidade; portanto, o envolvimento de alguns membros com a ação
política não é visto como algo fundamental, mas apenas como algo facultativo,
que não acrescenta nada de excepcional à santidade do indivíduo.
Em relação às Novas Comunidades, a matriz carismática com sua idéia-
força de santificação é associada com outra idéia-força: fraternidade. Ou seja, a
busca de santificação passa a ocorrer nesse lugar idílico, a “comunidade”, se
traduzindo em fraternidade. Porém essa busca da fraternidade não me parece
alterar a falta de afinidade eletiva entre a matriz carismática e a ação política e a
participação social. Como evidenciei em minha pesquisa as Novas Comunidades
estão desinteressadas da esfera pública política, o que não significa dizer que no
futuro membros de Comunidades não se envolvam com a ação política mas, que
provavelmente eles repetirão os mesmos padrões do que já se observa com os
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membros da RCC: a ação política será algo facultativo, mais ligada ao indivíduo
do que uma opção coletiva da Comunidade ou uma prioridade desta. E sempre
estará presente para esses indivíduos e para a coletividade da Comunidade, aquela
tensão que Weber apontava como característico na relação entre comunidades
religiosas que buscam viver intensamente a religiosidade mística e a esfera da
política, com suas orientações pragmáticas e racionais que não se adaptam ao
acosmismo do amor almejado por uma ética de fraternidade (Weber, 2004a, 392-
393).
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Conclusão
O objetivo do presente trabalho foi pesquisar a relação entre religiosidade
e cidadania no Brasil contemporâneo, focando em particular o caso das novas
comunidades católicas nascidas na Renovação Carismática Católica (RCC), as
comunidades de vida e aliança, mais conhecidas também como Novas
Comunidades.
Como exposto no primeiro capítulo, há em curso no campo religioso
brasileiro uma mudança significativa que assinala para o declínio da hegemonia
católica e para uma crescente pluralização religiosa, especialmente novos modos
de crer e pertencer institucionalmente, que apontam para o aumento gradativo dos
“sem religião” e do trânsito religioso. No caso do catolicismo, como religião
historicamente hegemônica e majoritária, se observa um processo contraditório:
por um lado, acontece uma desregulação institucional onde os fiéis se tornam
mais livres para bricolar os conteúdos da fé, mas por outro, há um reavivamento
do catolicismo proporcionado pela RCC, que reativa a identidade católica em uma
perspectiva pentecostal em sintonia com o processo de pentecostalização do
campo religioso levado a cabo pelas igrejas evangélicas.
Nesse aspecto, as Novas Comunidades representam uma consolidação do
pentecostalismo católico ao constituírem um novo estilo de vida, um novo ethos
católico no já diverso e plural universo católico. A novidade das Novas
Comunidades reside, assim como na RCC, na articulação entre o catolicismo
tradicional pré-conciliar (práticas de piedade e devoção, dicotomia entre
sobrenatural e natural), com os elementos de modernidade trazidos pelo Concílio
Vaticano II (valorização da autonomia do fiel, valorização do laicato), e com
elementos de pós-modernidade que estão disseminados pela cultura
contemporânea (valorização da expressividade, da subjetividade e das emoções).
Mas as Novas Comunidades vão além da RCC ao serem um lugar propício para a
constituição e afirmação de uma identidade católica compartilhada em
comunidade.
No contexto da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma área com o
maior percentual de evangélicos do país, onde os evangélicos na política e na
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mídia marcam uma presença contundente, a identidade católica se vê fortemente
provocada. E levando em consideração ainda como, desde os anos 80, a região
metropolitana do Rio vem passando por um processo de declínio econômico, de
fim do projeto nacional-desenvolvimentista e de sua ideologia de nação grande e
rica em oportunidades de ascensão social, presenciamos, portanto, uma situação
de crise social, em que a escalada do narcotráfico e da violência são sua face
visível; estamos diante de um quadro social que se assemelha ao que Giddens
afirma gerar “insegurança ontológica”, o descontrole do “carro de jagrená”, que
em nosso caso é o colapso do Estado Nacional-desenvolvimentista e nossa atual
inserção no mundo globalizado.
Em tal cenário, a comunidade se torna um lugar de segurança e identidade,
de lócus para a reprodução social e simbólica. Em minha pesquisa de campo
apareceu constantemente essa alusão à comunidade como lugar de relações
interpessoais mais fraternas e de vivência mais intensa da identidade católica por
meio do conhecimento e da doutrina católica. Um espaço social idílico, a salvo
do “mundo”, entendido como lugar do pecado, do desregramento de vida, etc.
Esse movimento de constituição de grupos religiosos fechados sobre si
mesmos contrasta com o movimento que segmentos católicos passaram a realizar
no Brasil nos fins dos anos 50 e que se intensificou da década de 60 em diante
movido pelos ventos do Concílio Vaticano II, pela opção pelos pobres feita pelo
episcopado católico latino-americano e pela luta pela redemocratização. A
participação na sociedade civil e na esfera pública política foi algo característico
da militância católica, não apenas de vanguarda, mas moderada também.
Entretanto, parece que amplos contingentes de católicos ficaram à margem desse
processo de entrada na modernidade, apesar de levarem suas vidas em meio ao
processo de modernização social e cultural. Elementos religiosos tradicionais do
catolicismo – como uma visão religiosa de mundo encantada – permaneceram
convivendo com todas as reformas radicais na Igreja Católica proporcionadas pelo
Vaticano II, e estão sendo reavivados pela atuação da RCC – especialmente por
uma fração da classe média católica que reencontra um lugar no mundo em uma
perspectiva de “fuga do mundo”.
A expressão cidadania “renovada”, cunhada por mim, visava dar conta da
possibilidade das Novas Comunidades estarem se inserindo no movimento de
partes do catolicismo de interesse na esfera pública política e de participação na
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sociedade civil. Perguntava-me se essas Comunidades poderiam estar superando
o viés de “fuga do mundo” característico da RCC, já que a própria RCC, na
medida em que foi se institucionalizando e se inserindo nas estruturas eclesiais,
foi obrigada – pelo menos em seu discurso e práticas oficiais – a mitigar os
elementos de conflito com a hierarquia eclesiástica. E como lideranças da RCC
têm nos últimos anos se envolvido com a política partidária conquistando cargos
no legislativo de diversas partes do país, assim seria possível que o catolicismo
pentecostal – mesmo que em movimento mimético – estivesse seguindo as
pegadas do pentecostalismo evangélico e se envolvendo com a sociedade política.
Entretanto, o trabalho de campo revelou que apesar da independência face
ao controle institucional da RCC, as Novas Comunidades reproduzem em seu
interior a matriz carismática da RCC e a conseqüente via mística está presente,
associada a um ideal de fraternidade vivido em comunidade. Não obstante a
diversidade empírica de Comunidades, com diferentes formatos e orientações, a
matriz carismática é muito visível.
A visão religiosa de mundo presente repõe a tradicional dicotomia do
catolicismo pré-conciliar entre natural e sobrenatural, entre mundano e divino,
entre Igreja e mundo. Mas acrescenta ainda a dicotomia entre comunidade e
sociedade, vista como lugar do pecado e do desregramento, dos valores
mundanos. Não há um continuum que proporcionasse a comunicação entre o
mundo da vida dessas Comunidades com a sociedade civil e a esfera pública. A
busca de uma vida virtuosa em comunidade, perseguindo um ideal de fraternidade
e marcada pela matriz carismática, envolve um certo grau de ruptura e rejeição do
mundo nessas Comunidades que dificulta um despertar para uma atuação na
esfera pública e de participação na sociedade civil. E quanto mais uma
Comunidade se aproxima do ideal de vida virtuosa do catolicismo – o monge – e
mais ênfase dá na ruptura e distanciamento do mundo, mais difícil fica esse
possível despertar, mais improvável fica a constituição de uma cidadania
“renovada”.
O que constatei no trabalho de campo foi a presença de um espírito
caritativo tradicionalmente católico guiando a ação social daquelas Comunidades
que desenvolviam alguma forma de ajuda aos empobrecidos. Algo que estava
longe dos avanços das últimas décadas em matéria de ação social mesmo se
compararmos com a doutrina social oficial da Igreja Católica. Se compararmos
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então com os trabalhos que as Pastorais Sociais da CNBB ou algumas dioceses
desenvolvem, a distância se acentua ainda mais. O pobre é visto como objeto de
caridade, de auxílio material e, sobretudo, de ajuda espiritual: será a adesão ao
“Senhor Jesus” que irá mudar a sua sorte de pobre, de miserável. Mesmo no
melhor dos casos, quando a ação principal da Comunidade – a sua missão – é o
trabalho educacional com os pobres, o espírito caritativo tradicional está presente.
É preciso “civilizá-los”, e isso seria a cidadania.
O foco da ação educativa está na evangelização, entendida como
explicitação de uma dimensão transcendente ou sobrenatural – Deus – que rege a
vida humana exigindo um bom comportamento, traduzido em partilha de bens e
respeito mútuo. Porém isso é muito frágil diante da dinâmica social de pobreza e
de desigualdade que envolve esses alunos. Alguns membros de Comunidade que
trabalham em escolas públicas de áreas segregadas do Rio relatam como os alunos
desses lugares são difíceis de evangelizar e educar, quando comparados com os
alunos atendidos em suas escolas confessionais. Essa situação revela o pouco
alcance e eficácia que pode ter o projeto educacional de Comunidades que atuam
segundo um modelo caritativo de ação já há muito tempo abandonado pelas
escolas católicas tradicionais. Não poderia ser mais eficaz e mais abrangente
engajar-se na luta pela melhoria do ensino público? Porém isso pareceria ir contra
o fulcro principal da Comunidade: a evangelização. Novamente a dicotomia entre
agir no mundo, transformá-lo e rejeitar o mundo e seus valores está presente
impedindo uma passagem para a esfera pública e a participação na sociedade
civil.
No entanto, como também percebido no trabalho de campo, o fechamento
à esfera pública e à sociedade civil pode ser contrabalançado pela inserção na vida
diocesana. Se uma Comunidade receber um direcionamento para se inserir na
vida pastoral da diocese – especialmente se essa diocese possuir uma linha de
ação que contemple a participação social e política como uma exigência da fé
cristã – as chances de abertura para a esfera pública política e para sociedade civil
aumentam. Mas tudo dependerá dessa interação entre as instâncias eclesiásticas
diocesana e estrutura pastoral com o tipo de Comunidade. Se a Comunidade for
marcadamente voltada para uma busca de uma vida virtuosa pela via mística e a
diocese for de uma linha pastoral engajada, as divergências serão muitas e
constantes. A Comunidade tenderá a se isolar.
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Mas a realidade das Novas Comunidades é mais complexa e dinâmica do
que os limites temporais e espaciais impostos por esta pesquisa podem
demonstrar. As Novas Comunidades estão presentes em todas as regiões do país,
no interior e nas capitais. As Comunidades nascidas no sertão nordestino ou no
norte de Minas Gerais, por exemplo, com certeza guardam dinâmicas próprias em
contextos socioculturais que diferem bastante da região metropolitana do Rio de
Janeiro aqui estudada. Assim, ao invés de generalizações muito abstratas, convém
tomar o presente estudo como uma aproximação a essa realidade empiricamente
muito diversificada das Novas Comunidades e que possui sua especificidade
própria na região metropolitana do Rio de Janeiro graças aos fatores eclesiásticos,
socioeconômicos e culturais que estruturam os espaços de seu desenvolvimento.
Como “filhas” da RCC, as Novas Comunidades, como visto nessa
pesquisa, participam do retorno do catolicismo pré-conciliar, e pouco interesse
apresentam até o momento pela sociedade civil e pela esfera pública política.
Porém, uma coisa é inegável: a contínua multiplicação das comunidades de vida e
aliança pelo território brasileiro demonstra uma nova fase do catolicismo
pentecostal que vai se consolidando na Igreja Católica e que espera por mais
pesquisas empíricas, pesquisas de maior fôlego e profundidade do que a presente
foi capaz de realizar.
Estou consciente que segui nessa exposição da minha pesquisa, nos
capítulos anteriores, um percurso “canônico”, “clássico” e que se tivesse tomado
outro caminho metodológico encontraria outros resultados com a matização de
alguns aspectos que ficaram de fora ou foram apenas citados, como a própria
relação entre a autoridade eclesiástica e as Novas Comunidades, que por si só já
daria uma nova pesquisa. Contudo, por questões de tempo e pelo interesse de
mapear e apresentar a realidade pouco conhecida dessas Comunidades preferi
trilhar um caminho mais seguro e conhecido. Em pesquisas posteriores, a
abordagem etnográfica será um elemento imprescindível para se compreender os
meandros de um fenômeno tão novo e complexo como são as Novas
Comunidades.
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