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Programa de Pós-Graduação em Urbanismo PROURB-UFRJ
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM URBANISMO
Orientadora: Profa. Dra. Rachel Coutinho Marques da Silva / 2007
A UTOPIA E A FORMAÇÃO URBANA DE PENEDO
A criação, em 1929, e o desenvolvimento de uma colônia utópica finlandesa no estado do Rio de Janeiro.
Sergio Moraes Rego Fagerlande
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Fagerlande, Sergio Moraes Rego,
F153 A utopia e a formação urbana de Penedo: a criação, em 1929, e o desenvol-
vimento de uma colônia utópica finlandesa no estado do Rio de Janeiro/
Sergio Moraes Rego Fagerlande. - Rio de Janeiro: UFRJ / FAU, 2007.
xi, 231 f.: il.; 30 cm.
Orientadora Rachel Coutinho Marques da Silva.
Dissertação (mestrado) – UFRJ / PROURB / Programa de Pós-Graduação
em Urbanismo, 2007.
Referências bibliográficas: f.212-220.
1. Urbanismo – História – Penedo (Rio de Janeiro). 2. Penedo – Rio de
Janeiro (RJ). 3. Utopia urbana I. Silva, Rachel Coutinho Marques da.
II.Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título.
CDD 711.4098153
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Sergio Moraes Rego Fagerlande
A UTOPIA E A FORMAÇÃO URBANA DE PENEDO
A criação, em 1929, e o desenvolvimento de uma colônia utópica finlandesa no estado do Rio de Janeiro.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo, PROURB, da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para a obtenção do Grau de
Mestre em Urbanismo.
_____________________________________________________________
Orientadora: Prof° Dr° Rachel Coutinho Marques da Silva, PROURB /UFRJ
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Cristóvão Fernandes Duarte, PROURB / UFRJ
_____________________________________________________________
Prof° Dr° Maria Cristina Cabral, PUC/RJ
Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2007
iv
Para meu pai, que sempre me incentivou a seguir o meu caminho.
Para Eugênio, que me acompanha nesse caminho.
.
v
Quero agradecer à minha orientadora, Prof° Dr° Rachel Coutinho Marques da Silva, pelas indicações e caminhos a serem seguidos, muito
importantes para a realização desse trabalho.
È necessário um agradecimento especial a meu pai (in Memoriam), não somente pelo grande incentivo que sempre me deu, mas também por
sua pesquisa sobre Penedo, trabalho realizado durante anos, e que me possibilitou ter acesso a farto material utilizado nesse trabalho,
inclusive com a tradução de importantes textos em finlandês, além de sua incansável busca pela preservação da memória de sua terra.
Tenho que fazer um agradecimento especial a duas amigas, Luciana Silva Andrade e Cecília Gaspar Moreira, sem as quais eu não teria tido
coragem de enfrentar o desafio desse mestrado.
Esse trabalho não seria possível sem a amizade e especialmente a paciência de Hugo Hamann.
Quero agradecer aos meus professores e colegas do mestrado, em especial o Prof. Dr. Cristóvão Duarte e a Pro Dr° Margareth Pereira,
pelos caminhos sugeridos em suas disciplinas.
Gostaria de agradecer à Marja Parno, tanto por sua ajuda na tradução do finlandês de importantes textos, como pela confiança em ceder
material sobre a história da colônia, inclusive com fotografias da Finlândia, importantes para a compreensão de todo o processo da vinda dos
finlandeses.
Gostaria de agradecer à Helena Hildén de Souza, pelo material cedido, e pelas informações sempre importantes.
vi
Um mapa do mundo que não inclua a Utopia
nem vale a pena ser visto.
(Oscar Wilde)
1
1
A map of the world that does not include Utopia is not even worth glancing at. (tradução nossa)WILDE, apud HARVEY, 2000, p. 133.
vii
RESUMO
Penedo surgiu de uma antiga fazenda de café, localizada no
município de Resende, sul do estado do Rio de Janeiro, onde foi
fundada em 1929 uma colônia utópica por um grupo de jovens
vegetarianos finlandeses liderados por Toivo Uuskallio. Esse
técnico agrícola finlandês teve em 1925 um “chamado” para criar
uma nova sociedade no sul, onde todos viveriam em comunidade,
junto à natureza.
O trabalho buscou estudar a formação de Penedo, em seu
período como colônia utópica, desde sua fundação até sua
dissolução em 1942, e de como as idéias utópicas foram
importantes na criação dessa comunidade.
Para entender como se deu o estabelecimento de Penedo
foram estudadas as bases ideológicas de sua formação, que foram
o resultado de um movimento existente na Finlândia, concernente a
tratamentos de saúde naturais e vegetarianismo, bem como de
pensamentos de setores religiosos pentecostais, além das idéias
próprias de Uuskallio.
Buscou-se também conhecer as condições sociais e urbanas
daquele país nórdico no período estudado, e o movimento de
emigração existente, inclusive com a fundação de outras colônias de
princípios semelhantes, como Sointula no Canadá e Colonia
Finlandesa, na Argentina. Também se estudou a questão da utopia
urbana, desde a criação do termo por More, passando pelos
socialistas utópicos e pelas experiências religiosas americanas do
gênero.
A pesquisa abordou a vinda dos imigrantes, quem eram e
como foi o processo de escolha dos que formaram Penedo, além
de suas motivações para uma mudança tão grande de vida. Um
formulário, mandado aos candidatos à vida na colônia, foi um dos
principais documentos estudados para se buscar o perfil desses
primeiros habitantes do empreendimento.
A ocupação da sede da fazenda pelos pioneiros foi o ponto
de partida para a vida da comunidade. A partir desse lugar central,
onde aconteciam os principais eventos, teve início o
desenvolvimento urbano de Penedo, com a construção das
primeiras residências, a abertura de estradas e desenvolvimento de
plantações, seguindo o Projeto Habitacional criado por Uuskallio. A
análise dos itens desse projeto foi fundamental para se entender
não somente as idéias de seu fundador a respeito do planejamento
urbano da colônia, mas de como foi sua implantação. Alguns de
seus pontos demonstraram a importância das questões coletivas,
ao lado de fortes preocupações ecológicas.
A colônia privilegiava uma opção vegetariana radical em
comunidade, com a divisão de tarefas e constrão de uma nova
viii
sociedade igualitária, tendo a vida natural e princípios religiosos
lado a lado. O respeito à natureza e à liberdade eram os mais
importantes princípios do planejamento do empreendimento, e
que regulariam a vida da comunidade por muito tempo.
Através de relatos dos pioneiros, juntamente com estudos a
respeito da colônia, buscou-se resgatar a vida comunitária levada
pelos primeiros habitantes, e como foi se desenvolvendo a
formação urbana do lugar. O estudo das descrições da vida na
colônia feita pelos primeiros moradores, além de análise de
antigas fotografias, foi importante para a elaboração de mapas que
demonstram como se deu a implantação da colônia e seu
desenvolvimento urbano, através da localização das primeiras
casas e vias que foram sendo abertas. O estudo da tipologia das
construções ajudou a formar um retrato do peodo em que
Penedo vivenciou essa experiência.
A vida do empreendimento passou por muitos problemas
financeiros, que levaram ao seu final em 1942, quando a colônia
utópica acabou, e a fazenda foi vendida para uma companhia
suíça, terminando com um projeto de uma nova sociedade nos
trópicos, com uma vida mais justa junto à natureza. Penedo passou
a ser um lugar com características tradicionais de uma pequena
cidade, com casas particulares em lotes individualizados.
Após o término da colônia utópica, foram surgindo novos usos,
e se desenvolveu a atividade turística, baseada nas pensões
caseiras e na produção de artesanato. Turistas eram atraídos não
somente pela presença finlandesa, mas também pela possibilidade
de contemplação da natureza, junto às montanhas e ao vizinho
Parque Nacional de Itatiaia, criado em 1937. Os finlandeses haviam
transformado a paisagem da antiga propriedade de morros nus,
sem vegetação, em um lugar agradável, com florestas e muito
verde.
Dessa maneira, mesmo com o final da utopia urbana
sonhada, a comunidade manteve alguns ideais, como a
importância da ecologia prevista ainda em seu projeto inicial,
simbolizada pelas matas plantadas pelos imigrantes. Penedo
existe até os dias de hoje, como um pacato lugarejo, onde a
natureza e as tradições finlandesas são preservadas, atraindo
grande número de turistas.
ix
Abstract
Penedo was created on an ancient coffee plantation, based
on the area of Resende, interior of Rio de Janeiro State, where it
was founded in 1929, as an utopian colony, by a young Finnish
vegetarian group organized by Toivo Uuskallio. This Finnish garden
architect had a “call” to create a new society on the south, where
people would live in community, by the nature.
This research studies the formation of Penedo, during its
period as an utopian colony, since the foundation until the end of
the project, in 1942, and how utopian ideas were important to the
creation of the community.
To understand how Penedo was established, it was studied
the ideological grounds of the project, that were the result of an
existing movement in Finland, of natural treatments for health,
vegetarianism and some pentecostal religious thoughts, and also
Uuskallio’s ideals. It was also important to understand how life on
the Nordic country was at that moment, and its existing movement
of migration, including the foundation of other utopian colonies, as
Sointula, in Canada, and Colonia Finlandesa, in Argentina. Also the
urban utopia was studied, since the creation of the term, by Thomas
More, passing through the utopian socialists and the American
religious experiences of the kind.
This research observed how the process of arrival of the
emmigrants was, the choice and their motivations for that enormous
change in their lives. A questionary to be answered by the
candidates was one of the main documents to understand who the
first emmigrants to Penedo were.
The colony was established around the ancient central house of
the farm. It was the center of most significant events in its social life,
and the starting point to develop the colony, with the construction of
the first houses, roads implantation and horticulture, following
Uuskallio’s Housement Project. The analysis of some items of this
Project was fundamental to understand Uuskallio`s ideas and
proposals upon the colony`s urban installation and development.
Many points showed the importance of collective matters and
ecological intentions.
The colony privileged a communal vegetarian option, with equal
work division, building a new society, having a natural life together
with religious principles. Respect for nature and freedom were the
commandments of the project, which would regulate the colony’s
life for a while.
Through the pioneers’ writings and some other studies about
the colony, it could be recovered communitary life, and its urban
development. Studying particular descriptions of the first inhabitants
and the analysis of ancient photos were essential to elaborate maps
showing the implantation and urban development of the place,
through first houses and roads location. The typology of those
x
buildings allowed to create an image of this period of the Penedo
experience.
The settlement had some financial problems, leading to a
turning point in 1942, when finally the utopian colony ended, with
the farm’s sale to a Swiss company, closing the new tropical
society project, with a better life by the nature. Penedo became a
common place, like a tradicional small village, with private houses
on individual properties.
After the utopian colony period ended, there appeared new
activities, specially linked to tourism, as small inns, handicraft, with
tourists also attracted by nature’s contemplation and the
mountains, specially the neighbourhood to the Parque Nacional de
Itatiaia, founded in 1937. The Finnish immigrants changed the
landscape, from a naked hill’s farm, vegetationless, into a pleasant
place, with trees and forests.
xi
Introdução
Figura 1 - Casa Grande da Fazenda Penedo, em 1929
FIGURAS
Capa – Harry Bertell e Timo Aaltonen, com o nome de
Penedo formado por laranjas [194-]
Fonte: Álbum Marti Aaltonen 01
Figura 01. Casa Grande da Fazenda Penedo [1929] .......... 20
Figura 02. Grupo plantando tomates [193-] ......................... 23
Figura 03. Hamina – Vista aérea .......................................... 32
Figura 04- Foto aérea de Sointula [1927].............................. 38
Figura 05. Fotografia do salão comunitário de Sointula
[1903] ....................................................................... 39
Figura 06. Salão de Sointula [1932] ..................................... 39
Figura 07. Foto de casa construída na colônia [192?] ........ 42
Figura 08. Foto de ponte - Colonia Finlandesa [1900] ......... 43
Figura 09. Foto casa e grupo - Colonia. Finlandesa Casa
de Ernst Arellin, em Bonpland, [ca.1927] ................ 43
Figura 10.Reunião da Sociedade Vegetariana Finlandesa
(SVY), em Kirvu, em 1925....................................... 45
Figura 11. Sanatório de Kirvu [1925] .................................. 50
Figura 12. Interior do Sanatório de Kirvu, com pessoal
técnico [1925] ........................................................... 50
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
xii
Figura 13. Detalhe de foto do Sanatório de Kirvu, com
grupo de nudistas [1925] ......................................... 51
Figura 14. Foto do Sanatório de Kirvu, com grupo de
nudistas [1925] ......................................................... 51
Figura 15. Reuniões da Sociedade Vegetariana Finlandesa
(SVY), em Kirvu [1925]............................................ 53
Figura 16. O grupo inicial, que veio em 1927 .................... 67
Figura 17. Toivo Uuskallio, Frans Fagerlund, Enok Nyberg
e Eino Kajander na Fazenda Três Poços [1928]
................................................................................. 79
Figura 18. Frans Fagerlund, Toivo Suni, Liisa Uuskallio e
Ole Artelo, na Fazenda Três Poços
[1928]....................................................................... 79
Figura 19. Fotografia de Resende [193-] ........................... 86
Figura 20. Foto de reunião em Helsinki, 11 de junho de
1929 ........................................................................ 92
Figura 21. Fazenda Penedo [1929]. Vista da estrada de
acesso à fazenda ................................................... 94
Figura 22. Casa Grande [1929 ou 1930] ............................ 94
Figura 23. Grupo de finlandeses em visita a moradores
fazenda acesso à fazenda....................................... 94
Figura 24. Casa de colono [1929], com Ethel, Kaisa e
Gotte Bertell, e Frans Fagerlund ............................. 95
Figura 25. Grupo no navio Ilmatar, em 07 de dezembro de
1930 ………........................................................... 97
Figura 26. Foto de grupo imigrante à bordo do navio SS
Cordoba – 16 de junho de 1929 ............................ 97
Figura 27. Trem saindo de Penedo, com Braf, Leskinen e
Asikainen, [193-] ..................................................... 98
Figura 28. Desenho de Alva Fagerlande, com Estação de
Mal.Jardim e caminho para Penedo........................ 98
Figura 29. Porteira da Fazenda Penedo [193-] ................ 98
Figura 30 - Grupo dentro do salão do segundo pavimento
do Casarão [1929] .................................................. 99
Figura 31. Navio no porto chegada de grupo de
finlandeses, [ca.1930] ............................................ 101
Figura 32. Grupo em frente ao Casarão- [1930 ou 1931] ... 104
Figura 33. Refeitório do Casarão [1929] ............................. 106
Figura 34. O primeiro casamento da colônia, em 26 de
outubro de 1929 ....................................................... 108
Figura 35. Canal da Represa [193-]..................................... 108
Figura 36. Appelgreen, Kaarina, Ulla e Asikainen, no meio
da plantação [1931] ................................................. 114
Figura 37. Passeio à Fazendinha [1931] ............................ 114
Figura 38. Grupo de Ginástica [1931].] …........................... 115
xiii
Figura 39. Foto de Ceia de Natal em Penedo, [194-] .......... 118
Figura 40. Grupo no rio [1930] ............................................ 120
Figura 41. Foto de enterro, Cemitério de Resende [1929]... 123
Figura 42. Foto do dia do casamento de Lilli Bertell e Iivari
Munne [1931] ........................................................... 123
Figura 43. Foto Casamento Brusi, em agosto de 1933 ........ 125
Figura 44. Grupo com instrumentos musicais, sob
palmeira, no Jardim da Casa Grande [ca. 1930]
.................................................................................. 125
Figura 45. Trabalhadoras na cozinha comunitária [193-] .... 127
Figura 46. Plantação de tomates em frente ao Casao
[1929] ...................................................................... 127
Figura 47. Plantação de laranjais [1937] ............................ 128
Figura 48. Trabalhadores junto à Casa Grande [193-] ....... 128
Figuras 49 e 50. Fotos de Asikainen trabalhando na
plantação[193-] ........................................................ 128
Figura 51. Casa na Fazendinha [193-] ............................... 130
Figura 52. Despedida da Sra Simola [1931] ........................ 141
Figura 53. Morro com estrada de acesso à fazenda, antes
de 1929 .................................................................... 145
Figura 54. Caminhão da fazenda, sobre ponte [193?] ......... 149
Figura 55. Antiga ponte sobre Rio das Pedras [194-] ......... 149
Figura 56. Foto caminho junto Casa Asikainen e Niilo
Valtonen, [193?] ................................................... 152
Figura 57. Vista geral da fazenda [ca. 1930] ..................... 154
Figura 58. Casa Suni em obras [ca. 1930] ......................... 158
Figura 59. Casa Suni pronta [1930] .................................... 158
Figura 60. Casa Lehtola [1929] .......................................... 160
Figura 61. Casa Lehtola [1930] .......................................... 160
Figura 62. Casa Branca [195?] ........................................... 161
Figura 63. Vista Geral – Casa Branca à esquerda [194?] . 161
Figura 64. Casa Nurmi [193-] .............................................. 162
Figura 65. Casa Uuskallio (antiga Casa Nurmi) [194?] ...... 162
Figura 66. Praia de rio, junto à sauna de Asikainen [193-] .. 163
Figura 67. Interior sauna dos Bertell [195-] ........................ 163
Figura 68. Casa Toro, em Pikku Laakso [1929] ............... 165
Figura 69. Casa Jussi Saarela, atrás da AMAN, [ca. 1937]. 165
Figura 70. Grupo em frente à casa dos Reiman [1932] ...... 167
Figura 71 - Foto primeira casa Asikainen [193-] ................. 169
xiv
Figura 72 – Tuulentuppa [1936] ....................................... 169
Figuras 73 e 74. Satulinna em construção [193?] ............... 170
Figura 75. Casa Hieta, anos [193-] .................................... 172
Figura 76. Casa Bertell [1938] ......................................... 173
Figura 77. Cheias no Rio Paraíba [1936 ou 1937] ............ 173
Figura 78. Leskinen em frente a sua casa [1935] .............. 175
Figura 79. Casa de Mathias Barbosa da S. Cunha Bueno.. 175
Figura 80. Foto da casa Toro [1996] .................................. 177
Figura 81. Casa Lalla, antiga Casa de Alfredo Leal [1937] . 177
Figura 82. Antiga casa de Alfredo Leal [193-] ... ................ 178
Figura 83. Casa Hugo Lehtonen [194-] .............................. 178
Figura 84. Reta do Grupo Kaleva ....................................... 179
Figura 85. Planície da fazenda, já sem plantações [194-] .. 181
Figura 86. Planície da fazenda [1929] ................................ 185
Figura 87. Ethel Bertell Fagerlund, Frans Fagerlund e
Mats Bertel, na varanda da Casa de Suni [ca.
1929] ..................................................................... 199
Figura 88 Casa de Asikianen, em construção [194-] ....... 199
Figura 89. Detalhe da parede da Casa Toro .................... 201
MAPAS
Mapa 01. Mapa de Helsinki, com prédios neoclássicos,
no início século XIX .............................................. 29
Mapa 02. Mapa de Hamina [1750] .................................... 32
Mapa 03. Mapa das Colônias Utópicas no mundo ............. 36
Mapa 04. Mapa da região de Sointula ................................ 40
Mapa 05. Mapa de Sointula ................................................. 40
Mapa 06. Mapa da Argentina com a localização da
colônia....................................................................... 42
Mapa 07. Mapa de localização da colônia Finlandesa, na
Argentina ................................................................. 42
Mapa 08. Localização de Penedo, no mapa do Brasil e
no estado do Rio de Janeiro ................................. 85
Mapa 09. Mapa da Região de Resende .............................. 85
Mapa 10. Mapa e primeira página do diário de Ethel
Bertell..................................................................... 101
Mapa 11. Aero da Região com marcação dos limites da
Fazenda Penedo e as primeiras vias .................... 146
Mapa 12. Aero da Região com marcação limites Fazenda
Penedo [1929] .......................................................... 180
Mapa 13. Aero da Região com marcação de limites da
Fazenda Penedo após 1935 ......................................... 182
xv
Mapa 14. Aero da Região com marcação de limites da
Fazenda Penedo em 1942 ...................................... 183
Mapa 15. Mapa de Penedo – antes de 1929 ...................... 187
Mapa 16. Mapa de Penedo – 1929 .................................. 189
Mapa 17. Mapa de Penedo – 1934 .................................. 191
Mapa 18. Mapa de Penedo – 1939 ................................. 193
PLANTAS E FACHADAS
Planta 01. Planta Baixa Casa Branca – Pav. Térreo .......... 201
Planta 02. Planta Baixa Casa Branca – Pav. Superior ....... 201
Planta 03. - Planta e fachada da Casa Toro ...................... 202
xvi
SVY Sociedade Vegetariana Finlandesa (Suomen
Vegetarinen Yhdistys)
IVU União Vegetariana Internacional (International
Vegetarian Union)
SAMPO Sociedade Amigos de Penedo
AMAN Academia Militar das Agulhas Negras
EFCB Estrada de Ferro Central do Brasil
Plamed Companhia de Plantas Medicinais
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
xvii
Agradecimentos ........................................................ v
Resumo ..................................................................... vii
Lista de Ilustrações ................................................... xi
Lista de Abreviaturas e siglas .................................. xvi
Sumário ........................................................................ xvii
Introdução .................................................................... 20
1 A Finlândia na virada do Século XIX para o XX 29
1.1 A emigração finlandesa ................................... 33
1.2 As colônias utópicas finlandesas ..................... 35
1.2.1 A Colônia de Sointula, no Canadá ................... 38
1.2.2 A Colônia Finlandesa na Argentina..................... 42
2 As bases ideológicas para a criação de Penedo 45
2.1 As idéias na Finlândia ...................................... 46
2.1.1 A Igreja Livre de Skutnabbin ............................ 48
2.1.2 Tratamentos naturais ......................................... 49
2.1.3 Movimento vegetariano na Finlândia ................. 52
2.2 A utopia .............................................................. 54
2.2.1 Utopias antes de More ....................................... 55
2.2.2 A utopia de Thomas More (1516) ...................... 56
2.2.3 Os socialistas utópicos ...................................... 58
SUMÁRIO
xviii
2.2.4 A utopia e a Cidade-Jardim .............................. 62
2.2.5 Colônias utópicas seculares nas Américas ...... 63
2.2.6 Utopias de fundamentos religiosos na América . 64
2.2.7 A utopia religiosa na América do Sul ................. 65
3 A Colônia Finlandesa de Penedo ........................... 67
3.1 Toivo Uuskallio e suas idéias ............................ 68
3.2 A escolha do Brasil ............................................ 73
3.3 A vinda do primeiro grupo em 1927 .................. 75
3.4 A compra da Fazenda Penedo, em 1929 .......... 78
3.5 A localização de Penedo – a região de Resende
.............................................................................. 84
3.6 Pennanen e a divulgação da colônia na Finlândia
.............................................................................. 87
3.7 Os seguidores do projeto ................................... 91
3.8 A Fazenda Penedo na época da chegada dos
finlandeses ....................................................... 93
3.9 A viagem da Finlândia para Penedo ................ 96
4 A implantação da colônia 99
4.1 A chegada dos primeiros grupos ........................ 100
4.2 Como se instalaram os primeiros finlandeses .... 105
4.3 O Projeto Habitacional ........................................ 109
4.4 Projeto de Sanatório Naturalista ......................... 110
4.5 O dia a dia de Penedo entre 1930 e 1935 .......... 112
4.5.1 Manifesto de Penedo – 1930 – Críticas externas
............................................................................... 116
4.5.2 Natal de 1930 ..................................................... 117
4.5.3 Alimentação e vida natural ................................. 119
4.5.4 Novos grupos chegando ..................................... 121
4.5.5 Casamentos, nascimentos e enterros ................ 122
4.5.6 Atividades culturais ............................................. 124
4.6 Trabalho: infraestrutura, plantações e comércio
.............................................................................. 126
4.7 Dificuldades de imigração .................................. 132
4.8 Problemas no paraíso - Questões financeiras ... 133
4.9 Grupo Kaleva Escritura com divisão de
terrenos em 1935 ............................................. 134
4.10 Novas atividades em Penedo, de 1935 a 1942
.............................................................................. 136
4.11 Saída da colônia ............................................... 139
4.12 Fim do sonho da colônia - A venda da fazenda
............................................................................. 142
5 O desenvolvimento urbano de Penedo .................. 145
5.1 As primeiras vias ............................................... 148
5.2 As construções da colônia ................................. 153
5.2.1 O que existia antes dos finlandeses chegarem .. 154
xix
5.2.2 As primeiras casas do Projeto Habitacional ...... 155
5.2.3 Casas fora do Projeto inicial ............................. 164
5.3 A estrutura fundiária – A posse da terra .......... 178
5.4 Análise da formação inicial, e de seu
desenvolvimento .............................................. 185
5.5 Análise do Projeto Habitacional e de sua
implantação ...................................................... 195
5.6 A morfologia e a tipologia urbana: Como eram
as construções dos imigrantes ........................ 198
6 Considerações finais ............................................ 204
7 Referências bibliográficas ................................... 212
8 Anexos ................................................................... 221
8.1 Anexo1 - O Projeto Habitacional de Penedo .... 221
8.2 Anexo 2 - O Formulário de Pennanen ........... 224
8.3 Referências Iconográficas ............................... 228
8.3.1 Fotografias ....................................................... 228
8.3.2 Lista de Plantas ............................................... 228
8.3.3 Lista de Mapas ................................................. 228
20
Figura 01 - Casa Grande da Fazenda Penedo [1929].
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
OBJETIVOS
Nesse trabalho se pretende estudar a formação da colônia
finlandesa de Penedo, localizada em Itatiaia, sul do estado do Rio
de Janeiro, que foi fundada em 1929 por um grupo de jovens
vegetarianos liderados por Toivo Uuskallio. A dissertação tem por
objetivo resgatar o estudo do pensamento utópico no campo do
urbanismo no início do século XX e sua transposição para o Brasil
através da formação da colônia finlandesa
O estudo propõe o resgate de uma história marcada por
ideais, sonhos, alguns realizados e muitos perdidos, mas que
INTRODUÇÃO
21
deixaram uma marca na cidade, e que de certa maneira
permanece em muito do que ali está até os dias de hoje.
Esse técnico agrícola
2
finlandês teve em 1925 um
“chamado” para criar uma nova sociedade no sul, onde todos
viveriam em comunidade, junto à natureza. As idéias para a
criação de Penedo foram resultado de um movimento existente
na Finlândia, de tratamentos de saúde naturais, vegetarianismo
e de pensamentos de setores religiosos pentecostais, além das
idéias de Uuskallio (MELKAS, 1999). Havia um grande
movimento ligado a idéias naturalistas, com sanatórios onde se
aplicavam esses métodos de tratamento, e jornais e revistas
divulgando essas idéias. Esses grupos tinham participação
ainda do movimento trabalhista social cristão da Finlândia, de
onde Uuskallio partiu em 1927 para o Brasil, em busca da
concretização de seus ideais.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, em um pequeno grupo de
cinco pessoas, os pioneiros passaram algum tempo em busca
de terras para e estabelecimento da colônia, até finalmente
2
A profissão de Uuskallio, em finlandês, chama-se puutarha arkitekti, muitas
vezes traduzida como jardineiro. O termo jardineiro aparece em diversos
textos. Isso acontece no livro de Melkas (MELKAS, 1999), no de Lahteenmäki
traduzido por Valtonen (LAHTEENKI, 1979), além de ser utilizado por
Fagerlande e Valtonen. Essa tradução não parece ser a melhor, pois
Uuskallio era mais que simplesmente um jardineiro, como se conhece o termo
no Brasil. Seria uma profissão como agrônomo. Uma tradução possível para o
inglês é garden architect, que seria paisagista, na melhor tradução para o
português. Uma profissão ligada ao cultivo vegetal, não dedicada à estética
dos jardins, mas à produção agrícola. Seria algo como um técnico agrícola,
com especialização em pomares e fruticultura.
encontrarem a Fazenda Penedo. Era uma antiga fazenda de café
arruinada, próxima às montanhas de Itatiaia, pertencente ao
Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e naquele momento
praticamente abandonada, com uma pequena criação de gado. A
região possuía alguns assentamentos de europeus, como os de
alemães em Mauá e Itatiaia, além de italianos em Porto Real, o que
parece ter ajudado na escolha, mas o que mais impressionou foi a
visão das montanhas acima do vale, com rios e cachoeiras, além
das facilidades de acesso e implantação da colônia.
A chegada de Uuskallio ao Brasil é bem descrita em seu livro
“Na viagem em direção à Magia do Trópico” (UUSKALLIO, 1929),
título que traduz suas idéias. Situada aos pés do Maciço de Itatiaia,
a fazenda era parcialmente plana, tendo um antigo casarão como
sede ao fundo da planície, e com morros e montanhas se
espalhando ao redor de um rio, o Rio das Pedras. Era o local
perfeito para a criação dessa colônia vegetariana, conforme
descrição do próprio Uuskallio.
A compra da fazenda foi realizada com ajuda financeira do
movimento de Amigos de Penedo, criado na Finlândia, onde havia
outro importante personagem designado como representante do
grupo, o Pastor H.D.Pennanen. Após vir ao Brasil e conhecer a
fazenda adquirida, ele escreveu um livro de incentivo à colonização,
“Fazenda Penedo, um Empreendimento Finlandês no Brasil”
(PENNANEN, 1929), em que fazia ampla divulgação da Fazenda
Penedo e do Brasil, inclusive com um formulário a ser preenchido
22
pelos interessados em participar da comunidade. Esse
formulário indicava rios pontos a serem atendidos com
relação aos ideais vegetarianos, e outros pontos concretos,
referentes à situação financeira, pessoal e familiar. Certamente
era importante verificar as condições financeiras de cada
interessado, pois o empreendimento não contava com a ajuda
de nenhum dos governos, nem o finlandês nem o brasileiro, e,
assim, a questão financeira foi sempre um ponto difícil do
projeto, sendo realizadas freqüentes campanhas de auxílio ao
empreendimento, na Finlândia.
Com a chegada dos primeiros imigrantes, teve começo a
experiência comunitária. Inicialmente instalados no Casarão,
antiga sede da fazenda, eles participavam de atividades sociais
e culturais, além de utilizarem juntos o refeitório e a cozinha
coletiva. A questão da igualdade era muito importante, e todas
as decisões eram coletivas, buscando esses ideais. o havia
diferenças de classes, e as escolhas eram sempre conjuntas,
com a divisão do trabalho sendo igual para todos, e ninguém
sendo obrigado a nada, realizando aquilo que queria, para seu
bem estar e da coletividade.
O planejamento da colônia atendeu aos ideais de
Uuskallio, que escreveu um Projeto Habitacional, em 1929.
Esse projeto deveria ser seguido como norma inicial, e mesmo
não tendo sido encontradas plantas com a marcação dos lotes,
como ele apregoava, serviu como parâmetro para se verificar as
intenções de ocupação do espaço físico, além de se poderem
observar alguns hábitos que ajudaram no estudo da formação
urbana de Penedo. No Projeto aparece a maneira proposta para a
divisão da propriedade, com a implantação de 250 lotes de 14
hectares, sendo dois hectares de terras planas e 12 hectares de
florestas, com a indicação de estradas e infra-estrutura a ser
construída e mantida de maneira coletiva. Uuskallio previa esse
tamanho, pois, segundo seus cálculos, seria o nimo de terra para
cada família produzir alimentos para seu sustento (MELKAS, 1999).
Havia a preocupação de Uuskallio com a natureza, não
somente com relação aos hábitos vegetarianos, mas também com
relação à poluição dos rios e preservação das matas, como
demonstra o Projeto Habitacional. Outro ponto importante com
relação ao projeto urbano é a intenção de fazer uma grande via em
forma de reta, substituindo o antigo caminho de acesso à sede da
fazenda sobre os morros, indo do pátio defronte ao Casarão até a
Estação de Estrada de Ferro de Marechal Jardim, existente junto ao
Rio Paraíba. Essa via marcou definitivamente a implantação urbana
de Penedo, mesmo não tendo sido completada, e atualmente parte
dela é a principal artéria viária de Penedo, a Avenida das
Mangueiras.
Nesse período de vida comunitária, de 1929 a 1942, foram
construídas as fundações de seis casas, dentro desse Projeto
Habitacional, todas de acordo com o projeto de Uuskallio, que
pretendia construir Penedo à imagem de seus planos e desejos.
23
Figura 02 - Grupo plantando tomates [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Dessas casas somente foram construídas quatro, deixando
as outras duas em suas bases de pedra. O estudo da localização
dessas construções mostra como foi pensada a colônia, em
termos de implantação urbana. Mais tarde outras residências
foram sendo construídas, de maneira mais espontânea, de
acordo com as necessidades dos moradores da colônia.
As atividades de Penedo eram inicialmente voltadas para a
implantação de uma infra-estrutura, como as vias e pontes,
trabalhos nas plantações e na construção de casas. Uma das
atividades propostas desde o início, a construção de um sanatório
naturalista onde se aplicariam métodos desenvolvidos nos
sanatórios finlandeses que apoiavam o empreendimento, não
conseguiu seguir adiante por falta de dinheiro, mesmo tendo sido
escolhido terreno para isso, e iniciada a construção de estrada
para o local.
Penedo, como colônia utópica, durou até 1942, quando
Uuskallio foi obrigado a vender parte da fazenda, devido ao
agravamento da situação financeira. Com essa venda, muitos
finlandeses tiveram que ser deslocados de suas propriedades,
24
recebendo dinheiro ou terras pelo que tinham direito, e o período
utópico teve fim, iniciando-se uma nova fase na vida de Penedo.
RELEVÂNCIA E JUSTIFICATIVA
Na revisão da literatura sobre o tema, verificamos a
importância e o caráter único da formação da colônia. Apesar de
ter sido um movimento que existiu em diversos outros lugares
especialmente na América do Norte, não parece ter existido outro
lugar no Brasil com as mesmas características de formação.
Durante o período da experiência comunitária foram
construídas casas, vias de acesso, plantações e infra-estrutura,
dentro de um projeto urbano pré-determinado. Como foi o dia a
dia dessas pessoas, a vida em comum, e como a utopia
influenciou nas decisões da vida comum das pessoas são temas
abordados no presente trabalho, visando formar um painel da
vida da colônia, suas atividades, tanto no aspecto material quanto
nos aspectos culturais e sociais.
Foram encontrados somente estudos referentes à história
de Penedo, e não sobre sua formação urbana. A maioria desses
textos, que servem de base para o trabalho, não tem
preocupação com o modelo urbano, sendo voltados para a
história das pessoas e do local. A pesquisa sobre Penedo e
demais colônias utópicas no Brasil não encontrou trabalhos
específicos sobre suas questões urbanas, e parece ser bastante
importante estudá-las, especialmente o episódio singular de
Penedo dentro da formação urbana do Brasil.
Para o estudo da imigração para Penedo foi importante
buscar as origens dessa idéias não somente na história do
urbanismo mundial, mas mais especificamente na historia da
Finlândia e de seus movimentos migratórios. A Finlândia é um
país periférico do norte europeu, que havia ficado independente
da Rússia em 1917, e que naquele momento era pobre e pouco
desenvolvido economicamente. Foi importante conhecer um
pouco da história do urbanismo naquele país, apresentado por
Richards (1978) e Helander (1993) em seus respectivos livros
sobre a história da arquitetura e urbanismo na Finlândia, e das
influências locais sobre o futuro plano de Penedo, além de tentar
entender as condições históricas para a imigração desde aquele
país, no período estudado.
Alguns autores finlandeses têm realizado um importante
trabalho de pesquisa sobre a história da emigração daquele país
e, especialmente sobre Penedo e o Brasil, foi feito extenso estudo
por Melkas (1999). Trata-se de pesquisa em arquivos finlandeses,
significativo complemento aos dados colhidos no Brasil, para a
história da colônia e de seus antecedentes históricos e
ideológicos.
A partir da leitura de outros autores finlandeses, em
especial Teuvo Peltoniemi (1986) com seu livro Kohti parempaa
maailmaa (Em direção a um mundo melhor), e seus textos sobre
25
emigração finlandesa para o Canadá e Estados Unidos
(PELTONIEMI, 1987), e especialmente a partir de seus textos da
exposição sobre as colônias utópicas finlandesas, foi possível
constatar alguns fatos importantes, como o de que Penedo não
era um caso isolado dentro do contexto das emigrações
finlandesas. Havia outros exemplos de colônias baseadas em
princípios utópicos, sendo as mais importantes Sointula no
Canadá, de 1900 e Colônia Finlandesa na Argentina, de 1906.
A emigração finlandesa para as Américas era bastante
grande, especialmente para os EUA e Canadá. Autores como
Olavi Koivukangas (2004b, 2005) e Reino Kero (1976, 1977,
1985) estudaram essas colônias da América do Norte, e também
outros pesquisadores finlandeses como Olavi Lähtenmäki (1979,
1989) estudaram as colônias da América do Sul, inclusive
Penedo. São estudos focados na história do lugar e da imigração,
sob um aspecto sociológico e antropológico, e fazem parte de um
resgate da história finlandesa.
Em termos de comparação, a colônia de Sointula, no
Canadá é a que mais semelhança apresenta com Penedo, apesar
de terem sido resultados de períodos históricos diferentes. Essa
colônia, por suas características anarquistas e socialistas, guarda
proximidade com outras experiências daquele período, inclusive
as poucas que aconteceram no Brasil. Melkas (1999) apresenta
dados que mostram as relações entre Toivo Uuskallio e os
fundadores das experiências no Canadá e na Argentina.
Parece importante entender a relação entre a cultura
finlandesa, especialmente naquele momento, e a formação da
colônia. Sennett (1992) nos fala, seguindo o pensamento de
Weber (2006), da influência da ética protestante sobre a formação
de espaços, algo que pode ser percebido em Penedo.
Harvey (2000) em seu livro Spaces of Hope (Espaços da
esperança) coloca a importância de se discutir a história das
experiências utópicas, onde a questão dialética do autoritarismo e
da livre imaginação presentes nessas utopias materializadas
pode ser evidenciada. Lefébvre (2002), em seu livro “A Revolução
Urbana”, coloca que a u-topia está em toda a parte e em lugar
nenhum, e que ela é importante, pois representa um elemento
que não pode ser desconsiderado no estudo do urbanismo.
Para estudar o caso de Penedo, além dos autores que
estudaram a emigração finlandesa, foi importante estudar o
conceito de utopia urbana, como aparece na obra de Choay
(1985) “A Regra e O Modelo”, a respeito do modelo criado por
More. O estudo das experiências dos chamados socialistas
utópicos também auxiliou a montar o panorama das influências
estudadas para a formação de Penedo.
A pesquisa a respeito das colônias utópicas na América foi
outro ponto abordado no trabalho, para se entender a
implantação urbana desses ideais. Reps (1980) nos fala, em seu
livro sobre a formação urbana norte-americana, de cidades que
foram planejadas dentro das idéias da busca da utopia. Locais
26
nos EUA criados por grupos religiosos, experiências baseadas
em conceitos religiosos de busca do paraíso terrestre, e outras
mais voltadas aos ideais não religiosos. Sorkin (1992) fala da
importância das experiências utópicas para o desenvolvimento do
urbanismo, citando os exemplos americanos e a influência desse
pensamento para “desenvolver a atmosfera de renovação e
reforma, com conseqüências sobre o urbanismo” (SORKIN, 1992,
p. 211).
As experiências de colônias utópicas no Brasil foram
bastante raras. Após as Missões Jesuíticas, especialmente as do
sul do Brasil, podem ser consideradas principalmente a Colônia
Cecília, experiência anarquista e socialista ocorrida no sul do
Paraná entre 1890 e 1894 estudada por Candido de Mello Neto
(1998), a formação de Canudos de Antônio Conselheiro, ocorrida
entre 1893 e 1897 e bem descrita por Walnice Nogueira Galvão
(2002), e o Falanstério do Sahy, estudado por Raquel S. Thiago
(1995). Diferentes entre si, esses núcleos urbanos tem suas
origens de mesma maneira ligadas as ideais de liberdade e vida
comunitária, apesar de diferirem profundamente com relação às
posições religiosas, mas demonstram o caráter mundial das
idéias utópicas alcançando o Brasil.
METODOLOGIA DA PESQUISA
O estudo de Penedo foi feito através da analise de
fotografias, escrituras e mapas antigos, além de relatos de
antigos moradores e fundadores, através de livros, cartas e
diários. Algumas pesquisas realizadas também auxiliaram o
trabalho, inclusive a respeito da chegada dos imigrantes nos
navios a vapor (FAGERLANDE, 1996), com dados coletados no
Arquivo Nacional e em arquivos finlandeses (MELKAS, 1999). A
caracterização desse grupo, de como eram os seus integrantes,
além de como foi realizada sua formação na Finlândia, e de como
as idéias vegetarianas e naturalistas na Finlândia daquele
momento, juntamente com o pensamento de Toivo Uuskallio
influíram nesses processos de agrupamento inicial.
Alguns pioneiros de Penedo deixaram suas memórias
escritas em livros, cartas e diários, como é o caso de Nilo
Valtonen (1998), Eila Ampula (1997) e Ethel Bertell Fagerlund
(apud FAGERLANDE, 1996). Outros escreveram sobre a história
de Penedo, como Eva Hildén (1989), Teuvo Peltoniemi (1986) e
Olavi Koivukangas (2005) e outros, como Alva Fagerlande (1996,
1998a) e Eevaleena Melkas (1999) pesquisaram mais a fundo,
buscando dados em diversos arquivos. Além de utilizar suas
próprias memórias de nativo e morador da colônia, Fagerlande
pesquisou nos arquivos brasileiros a respeito de chegadas de
navios, junto a familiares de antigos moradores e entrevistou os
remanescentes dos pioneiros, como Liisa Uuskallio, Eva Hildén,
27
Niilo Valtonen e Lilli Bertell Munne. Fagerlande (1996) também
teve também a preocupação em registrar não somente em livros
e traduções, mas em desenhos, fotos e projetos de antigas casas,
o máximo da história do lugar. Melkas fez sua pesquisa em
arquivos finlandeses, pesquisando gravações com antigos
moradores, cartas e revistas.
O Projeto Habitacional, mesmo não tendo a forma de um
mapa, descreve os itens que seriam usados para a estruturação
física e conformação urbana da colônia, mostrando as diretrizes
que foram seguidas. Foi importante estudar seus itens,
observando o que foi realizado e quais suas intenções formais.
Através da análise comparativa entre fotos antigas,
escrituras, relatos, mapas antigos e descrições contidas em livros,
foi possível desenhar mapas que demonstraram como se deu a
evolução do lugar com a datação das construções das primeiras
casas e das vias de acesso. Trata-se de material que possibilitou
formar um painel do desenvolvimento do lugar em seus tempos
de colônia utópica, entre 1929 e 1942.
Os mapas, feitos para diversos períodos, serviram para se
estudar o desenvolvimento da formação urbana, possibilitando
analisar como se deu o crescimento da colônia. Foram
observados os tipos de construção, ocupação do solo, e de como
foi a implantação do Projeto Habitacional. Os desenhos são
referentes aos anos mais significativos, como dois da situação em
1929, um antes da compra da fazenda e outro no final do mesmo
ano. O terceiro mapa mostra a situação em 1935, ano do Grupo
Kaleva, quando teve início o desmembramento da fazenda. Além
desses foi feito ainda um mapa de Penedo em 1939, um dos
derradeiros anos da colônia utópica. Nesse ano foram
construídas as últimas casas dentro desse movimento
O estudo da formação de Penedo leva em conta o conceito
de forma urbana formulado por Rossi (2001, p. 1) logo na
introdução de seu livro “A Arquitetura da Cidade”:
Ao falar de arquitetura não pretendo referir-me apenas à
imagem visível da cidade e ao conjunto das suas arquiteturas,
mas antes à arquitetura como construção. Refiro-me à construção
da cidade no tempo.
A formação da colônia não foi tratada somente como um
projeto a ser implantado, mas de uma cidade vivida pelos que a
criaram, seus moradores, pessoas que marcaram o lugar com
suas histórias pessoais, com suas vivências. O estudo da história
e da memória de um lugar e de seus habitantes é uma busca pela
reconstrução de sua existência, e de como a vemos a partir do
nosso conhecimento atual, como fala Le Goff (1984, p.163).
O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e
tem um futuro que é parte integrante e significativa da história
A cidade foi vista como um elemento vivo, que deixou uma
história não somente em suas pedras, mas em suas fotografias,
árvores, rios, suas pessoas e casas, festas e comemorações,
28
vida e morte de seus habitantes. Foi parte importante do trabalho
a memória de seus habitantes, como fala Le Goff (1984), ao falar
de sua importância para a identidade, individual e coletiva, e de
como as tradições familiares, histórias locais e conhecimentos
orais.
[...] representam a consciência coletiva de grupos inteiros
(famílias, aldeias), contrapondo-se a um conhecimento privatizado
e monopolizado por grupos precisos em defesa de interesses
constituídos. (LE GOFF, 1984, p.47)
29
Mapa 01 - Mapa de Helsinki, com prédios neoclássicos, no início do século XIX.
Fonte: HELANDER, 1993.
A primeira referência às terras finlandesas aparece em
relatos da época romana, em 98 a.D.. Somente a partir de 1150
foi iniciado o processo de colonização, pelos suecos, de sua
região costeira. As primeiras cidades se desenvolveram, com a
construção de catedrais, castelos e fortalezas, durante a Idade
Média. As edificações para defesa serviam para proteger a região
da Rússia, que vivia um período de expansão de seus limites
territoriais, chegando a fazer fronteira a leste com a Suécia, onde
é hoje a Finlândia (JUTIKKALA, 1963).
1. A FINLÂNDIA NA VIRADA DO SÉCULO XIX
PARA O XX
30
Durante o domínio sueco a língua finlandesa tinha pouca
importância, sendo falada pelo povo e escrita somente para
publicação de leis e literatura religiosa. Nas escolas e na
universidade, a Abo Akademi fundada em 1640 em Turku, a
língua usada era o sueco. O país se tornara bilíngüe, com a
população educada falando a língua do país dominador e a
população mais humilde a língua nativa, o finlandês. O país
seguiu os hábitos e costumes suecos, inclusive a religião daquele
país, o protestantismo de orientação luterana (ASPLUND e
METTOMÄKI, 1998).
O período de domínio sueco durou até 1808/1809, quando a
Suécia perdeu o controle das terras finlandesas para o Czar
Alexandre I, que passaram a fazer parte do império russo, sob a
forma de Grão Ducado. Neste momento, a antiga capital, Turku,
foi substituída por Helsinki (RINTA-TASSI; KOSTET;
SÖDERSTRÖM; VÄÄRÄ, [200-]).
No século XIX teve início um movimento cultural de
valorização das raízes nacionais, não somente na Finlândia, mas
em diversos outros locais da Europa. No caso finlandês havia uma
busca não somente pela independência política, mas pela
construção de sua nacionalidade (KROPOTKIN, 1885).
Os mais importantes fatores de afirmação nacional
finlandesa eram a sua própria língua e cultura popular.
Considerada inculta desde a ocupação sueca, a formatação de
uma língua nacional foi um dos mais importantes elementos de
união nacional. A cultura popular ancestral sobrevivia
principalmente através da tradição oral, com lendas e canções. A
coleta dessas manifestações populares resultou em um livro, o
“Kalevala”. Tratava-se de uma compilação de poemas e cânticos
tradicionais, compondo uma lenda da formação do povo finlandês,
com seus heróis e deuses. Seu autor, Elias Lönrot (1802-1884),
transpôs esses mitos para a forma escrita, com a primeira edição
em 1835. O livro alçou a posição de símbolo de união da nação,
sensibilizando as elites culturais para a questão da nacionalidade
e do orgulho pela pátria (ASPLUND e METTOMÄKI, 1998). Foi
um peodo em que o país começava a adquirir autonomia, e a
língua nacional, o finlandês, adquiriu status igual ao sueco como
língua oficial. Outro exemplo dessa autonomia foi a criação da
moeda local, o marco finlandês, em 1860 (JUTIKKALA, 1963).
Era um momento em que a Finlândia passava por um
processo de industrialização, com razoável aumento populacional.
Apesar da população crescer a taxas de 15% por cada, as
novas empresas não conseguiam absorver a mão de obra que
saía do campo, por não encontrar trabalho. Teve inicio então o
movimento migratório para o exterior, acompanhando um
processo comum em diversos outros países europeus, como
Alemanha e Itália (ENGELBERG, 1942).
No ano de 1899 houve uma grande crise política, quando o
Czar Alexandre II desrespeitou a promessa de criação de uma
constituição finlandesa e iniciou um processo de limitação da
31
autonomia política existente, dando inicio ao que foi chamado de
russificação. Muitos se exilaram por conta dessas lutas políticas,
especialmente na Suécia. A partir de 1906 a situação tomou novo
rumo, com a criação de um parlamento nacional finlandês eleito
por sufrágio universal, inclusive sendo o primeiro país na Europa
e o segundo no mundo onde esse direito seria exercido também
pelas mulheres (FRIED, 1971).
Ao mesmo tempo foi um período de intensificação da luta
por liberdade potica, culminando com a independência
conquistada à Rússia em 1917, reconhecida pelo novo Governo
Bolchevique Soviético. A partir daí aconteceu uma guerra entre os
que defendiam um governo comunista e os não comunistas, com
a vitória destes, ajudados por tropas alemãs. Finalmente a
República Finlandesa foi criada, com presidente e
parlamentarismo, em 06 de dezembro de 1917 (JUTIKKALA,
1963).
Foram anos de guerras e insegurança econômica. A
Finlândia era basicamente um país agrário e florestal, e havia
somente uma pequena indústria mecânica, com a economia
girando em torno da extração madeireira e de uma agricultura de
pouca expressão. Com o crescimento da população e as
condições econômicas que não acompanhavam as necessidades
de seus habitantes, não havia muitas perspectivas de trabalho no
país. A questão da emigração adquiriu relevância e, em 1902, o
número de emigrantes para a América do Norte foi de 23.152,
formando uma onda migratória que levaria 271.120 pessoas para
os EUA e Canadá entre os anos de 1893 e 1919, um mero
significativo para um pequeno país (ENGELBERG, 1942).
Em termos de movimentos culturais a Finlândia, mesmo
sendo um país periférico da Europa, sempre teve muito contato
com os centros europeus. A Suécia era um país bastante
importante da Europa, especialmente até o culo XVIII, e a
criação de uma universidade em Turku, Finlândia, ainda no
século XVII, demonstra a importância dada à cultura. A música,
com Jean Sibelius, pintura e especialmente arquitetura foram
parte de um movimento bastante importante que renderia
expoentes da arquitetura mundial, como Alvar Aalto, Eliel e Eero
Saarinen
3
.
3
Eliel Saarinen foi importante arquiteto e urbanista finlandês. Realizou diversos
projetos para Helsinki, e participou do concurso de Canberra, nova capital da
Austrália (MONCAN, 2003). Emigrou para os EUA, onde seu filho Eero Saarinen
se destacou, tanto como arquiteto e designer (SERRANO, 2005).
32
Mapa 02 - Mapa de Hamina - 1750
Fonte: KOSTOFF, 1999.
Figura 03 - Hamina – Vista aérea
Fonte: KOSTOFF, 1999.
A Finlândia sempre foi um país escassamente habitado e
com poucas cidades, em meio a muitas florestas e lagos. As
primeiras cidades surgiram na Idade Média, com pequenas
dimensões e em número diminuto (HELANDER, 1993). A partir da
dominação sueca surgiu a necessidade de criação de cidades,
especialmente na costa do Báltico, que servissem de portos para
ligação com a Suécia. Eram núcleos urbanos voltados para esse
comércio, além de exercerem papel administrativo. Mesmo assim,
foram poucos, e ao final da era sueca, no início do culo XIX,
havia somente 25 cidades no país (HELANDER, 1993). A
necessidade de controlar a fronteira com a Rússia também foi um
importante motivo para a criação de cidades fortificadas. Dentre
essas se destaca Hamina (Mapa 02 e Figura 03), construída em
1721, e que tem sua planta em forma octogonal remetendo ao
planejamento das cidades ideais do renascimento italiano, como
Palmanova (1593). As ruas têm um ponto focal dirigido ao centro,
onde uma praça, com igreja e prédio administrativo
(RICHARDS, 1978).
As cidades mais antigas da Finlândia tinham suas casas em
madeira, e eram isoladas umas das outras. Somente Helsinki e
33
poucos outros centros possuíam a estrutura tradicional de
quarteirões. Até o século XIX a maioria das ruas não tinha um
traçado retilíneo, nem os quarteirões eram quadriculados. Esse
sistema da quadricula ou grid surgiu com força na Finlândia nesse
período, juntamente com a introdução do estilo neoclássico em
Helsinki.
A cidade tornou-se capital na transição do domínio sueco
para o russo, e sofreu uma grande reforma após um incêndio que
a destruiu, em 1812. Nesse ano Johan Albert Ehreström fez seu
novo plano urbano e Carl Ludwig Engel concluiu os projetos de
arquitetura em 1817. A cidade foi toda construída em estilo
neoclássico, inspirada em São Petersburgo, com amplas ruas
retilíneas e uma grande praça central, onde está a grande
catedral no mesmo estilo (RICHARDS, 1978).
Outras cidades foram remodeladas no culo XIX seguindo
o modelo da capital, com ruas largas para deixar espaço para a
limpeza da neve, As casas ficavam distantes umas das outras
também pela preocupação com os incêndios, freqüentes em
cidades tradicionalmente construídas com madeira. Essa é uma
característica das cidades finlandesas que não se encontra em
países da Europa Central. Segundo Richards (1978), trata-se de
proporções encontradas também em cidades russas, o que
parece natural, pois a Finlândia vivia um momento de dominação
política pela Rússia, o que certamente teve influências em suas
cidades.
A questão do espaçamento entre as casas urbanas
finlandesas as torna diferentes de outras cidades do norte
europeu, como Estocolmo e Tallin. Hankonen diz que as antigas
cidades finlandesas não têm o arquétipo das cidades orgânicas
tradicionais, pois têm uma densidade menor, com mais áreas
verdes (HANKONEN, 1998).
No final do século XIX a Finlândia foi palco de um
importante movimento chamado de Romantismo Nacional,
influenciado pelos movimentos Arts and Crafts, Art Nouveau e
Jugendstil (HELANDER, 1993). Diversos arquitetos e urbanistas
projetaram novas cidades, voltadas para questões de
planejamento metropolitano e industrial. Muitos projetos não
foram executados, devido aos problemas econômicos do país. No
século XX, a Finlândia passou a ser um dos países onde a
arquitetura racionalista teve grande desenvolvimento, com
destaque para a obra de Alvar Aalto, tanto na arquitetura como no
urbanismo.
1.1 A EMIGRAÇÃO FINLANDESA
A Finlândia sempre foi um país de emigrantes, devido às
difíceis condições de sua geografia. O clima frio, a terra pobre e
sem grandes riquezas minerais fez com que seu povo sempre
tivesse a necessidade de buscar outras terras para viver
(ENGELBERG, 1942).
34
A história da emigração finlandesa para a América do Norte
teve início no século XVII, com uma corrente migratória vinda da
Suécia incluindo finlandeses (KOIVUKANGAS, 2005). Esse
processo continuou durante o peodo de dominação russa, no
século XIX. A migração sempre teve uma motivação econômica,
pois a Europa em geral era ponto de partida de emigrantes, e a
América do Norte sempre foi receptiva, com muitas atividades
econômicas atrativas aos imigrantes.
A partir do final do século XIX e início do XX, com o
processo de russificação da Finlândia, houve uma forte corrente
migratória de cunho político e ideológico. Muitas pessoas fugiam
das políticas repressivas da Rússia, inclusive para escapar de
servir no exército russo. Esse processo foi mais intenso durante o
final do culo XIX e início do XX, até a primeira grande guerra.
Foi um período em que a emigração em massa passou a ser vista
como algo negativo para o país, pois promovia a fuga de pessoas
capacitadas para o trabalho. Segundo Engelberg (1942), o
governo, naquele momento subordinado à Rússia, nada fez para
impedir essa emigração, e por outro lado não deu qualquer apoio
aos que saiam do país. A maior ajuda aos emigrantes sempre foi
de instituições como a igreja, ou sociedades de ajuda mútua e
beneficente.
A Finlândia, durante o período de maior movimentação
migratória, no século XIX, era um país basicamente agrícola e de
extrativismo florestal, além de contar com atividades ligadas à
pesca. Existia uma pressão contínua nas áreas de expedão de
migrantes, devida à grande taxa de desemprego. Por outro lado,
havia muitas oportunidades de trabalho nos Estados Unidos, e
em especial uma grande quantidade de terras que eram
oferecidas de maneira gratuita. Havia ainda grande oferta de
trabalho em mineração, não somente nos Estados Unidos como
também no Canadá. As minas de Michigan e Minnesota, além de
áreas rurais próximas foram as primeiras a receber os finlandeses
(KOIVUKANGAS, 2005).
Havia grande interesse americano em receber europeus, e
companhias de terras criavam cidades para vender aos
imigrantes interessados. Esse foi o caso de Kaleva, MI,
experiência realizada pela Michigan Land Society no estado de
Michigan, em 1900, em que essa empresa executou um
loteamento de terras e construiu uma cidade, dando nomes
finlandeses às suas ruas, e mesmo o nome da cidade, que faz
referência ao mais importante livro da Finlândia, o Kalevala. Essa
referência era importante naquele momento, de afirmação da
nacionalidade finlandesa. O alvo dos empreendedores eram
famílias finlandesas que haviam imigrado para cidades
americanas, como Nova Iorque (PUUSTINEN, 1997). A cidade
tinha uma planta em forma de grid, dentro do tradicional sistema
de urbanização daquele período nos Estados Unidos (KERO,
1985).
35
A partir de 1923, segundo Engelberg (1942), os Estados
Unidos passaram a restringir o número de imigrantes, e o Canadá
passou a ser o alvo preferencial da emigração finlandesa, ao lado
de uma pequena corrente migratória para a América Latina, não
muito significativa no número total de migrantes.
Apesar da preferência pelos paíse da América do Norte,
outros países também receberam finlandeses, assim como outros
europeus que saiam do velho mundo. Dessa maneira, Austrália,
Argentina e outros países da América do Sul também chegaram a
acolher finlandeses, mas em menor escala. Eram trabalhadores
para as minas da Austrália, ou agricultores que tentavam se
estabelecer em novas fronteiras agcolas. Eventualmente
marinheiros se estabeleciam em cidades costeiras, sem formar
comunidades. Com relação às experiências na América Latina,
Koivukangas (2004b) fala:
Os motivos peculiares de cada empreendimento colonial
fazem da emigração Finlandesa para a América Latina algo
interessante e sem paralelo. Cada empreendimento tem seus
próprios objetivos idealistas que os uniam, colocando essas
colônias em lugar diferenciado com relação ao total de
emigrações espontâneas finlandesas para a América do Norte.
4
4
The peculiar background of each colonial enterprise makes the Finnish
emigration to Latin America unique and interesting. Every enterprise had its own
uniting idealistic goals, which placed these colonies apart from the general and
spontaneus mass emigration to North America.” – Tradução nossa.
1.2 AS COLÔNIAS UTÓPICAS FINLANDESAS
O movimento migratório finlandês teve uma particularidade.
Entre os diversos tipos de migrantes, incluíam-se aqueles que
pretendiam uma transformação mais profunda das sociedades.
Criaram o que Peltoniemi (1986) chamou de Colônias Utópicas
Finlandesas (Mapa 03). São diversos os exemplos, começando
por experiências no século XVIII na África, e prosseguindo com
exemplos em vários continentes.
Na Rússia foram fundadas comunidades entre 1868 e
1872. A Austrália recebeu um jornalista com ligações com o
movimento socialista, Matti Kurikka, que criou Chillagoa em
1900, e que após o fracasso do empreendimento foi para o
Canadá fundar Sointula
5
, em 1901. Essa foi uma experiência
importante, tendo durado alguns anos, e um exemplo onde
houve uma tentativa de implantação de uma colônia socialista
(PELTONIEMI, 1986).
Outra experiência importante foi a da Colônia Finlandesa,
fundada em 1906 na Argentina por Arthur Thesleff, na região de
Missiones. Todas elas marcaram a busca dos finlandeses por
novos ideais, em busca de nova vida fora da Europa. São muitas
as experiências no continente americano. Colônias em países
como Cuba, com Itabo em 1904 e Ponnistus em 1907, são
alguns destes exemplos (KOIVUKANGAS, 2004b).
5
Sointula significa Harmonia em finlandês.
36
Mapa 03 - Mapa das Colônias Utópicas no mundo.
Fonte: PELTONIEMI, 1987.
A questão do nacionalismo finlandês estava presente em
diversas experiências. Desde o início do século XIX a Finlândia,
após muitos séculos de dominação sueca, tinha passado a fazer
parte do Império Russo, e no decorrer do século o movimento
nacionalista foi se intensificando, com tentativas de emancipação
nacional. Muitas das pessoas que participaram desses
movimentos utópicos eram socialistas que fugiam da repressão
czarista.
37
Outra onda de emigração ocorreu nos anos 1920, quando os
ideais vegetarianos passaram a ser muito fortes na Finlândia.
Essa nova leva de emigração foi chamada por Peltoniemi de
“febre tropical”, pois ia especialmente de encontro com a idéia de
lugares voltados para a natureza, com ideais de vida vegetariana
e, portanto situados em locais tropicais. Novas colônias utópicas
foram criadas, dentro de um enfoque baseado nesses princípios
vegetarianos. Dentre esses empreendimentos, Peltoniemi (1986)
considera as experiências mais positivas a fundação de Penedo
em 1929, a de Colônia Villa Alborada no Paraguai em 1920 e de
Viljavakka na República Dominicana.
Uma experiência precursora de Penedo, pois seria realizada
por alguns de seus futuros fundadores
6
, foi a da Sociedade
Paradiso em 1925, empreendimento vegetariano na Riviera
Francesa, que não foi adiante por problemas financeiros
(PELTONIEMI, 1986). Essa experiência, ainda situada na Europa,
é mais uma prova desse movimento em busca de lugares ao sul.
Era muito grande, naquele momento, o interesse dessas
pessoas por alternativas de vida, na Finlândia. Os ideais variavam
de socialismo, nacionalismo, cristianismo, teosofia, vegetarianismo
e também quem buscasse por fortuna ou novas chances de
trabalho. No caso específico de Penedo, a mais forte razão era o
vegetarianismo, e a busca por uma sociedade voltada para a
6
Entre seus participantes e futuros fundadores de Penedo estavam Ethel, Katri
e Gotfried Bertell.
natureza, nos trópicos como mostra o livro escrito por Toivo
Uuskallio, o fundador de Penedo, chamado de Na viagem em
direção à magia do trópico, nome que simboliza essa procura
(FAGERLANDE, 1998a).
Durante esse período os finlandeses patrocinaram algumas
outras experiências comunitárias, especialmente nos EUA, como
a de Redwood Valley, com The Finnish Colony Inc., que durou de
1913 a 1922. Eram fazendas que, a exemplo de Penedo, tinham
projetos de uma comunidade idealizada, mas que não foram
adiante.
A última experiência conhecida de colônia utópica
finlandesa é a criação de um kibbutz em Israel, fundado por
cristãos finlandeses em 1971, por um finlandês que havia
participado da experiência de Penedo, Martti Kurki (PELTONIEMI,
1986).
Dentre as muitas experiências utópicas, Koivukangas e
Peltoniemi consideram as mais importantes as de Sointula, no
Canadá, Colônia Finlandesa na Argentina e Penedo, no Brasil,
sendo a de Penedo a que permanece até os dias de hoje com
presença finlandesa. São essas duas experiências que Melkas
(1999) também cita em seu livro, mostrando as relações entre os
seus participantes e os idealizadores de Penedo.
38
Figura 04 - Foto aérea de Sointula [1927].
Fonte: http://www.island.net/~soinmuse/menu.html . Disponível em: 09/05/2006
1.2.1 A COLÔNIA DE SOINTULA, NO CANADÁ
No final do século XIX havia no Canadá e nos EUA um
grande número de finlandeses, que tinham emigrado em busca de
uma vida melhor (KOIVUKANGAS, 2004b). Atentos ao movimento
de reivindicações por uma vida melhor, alguns trabalhadores no
Canadá resolveram criar uma sociedade com ideais de igualdade.
Em 1900 esses trabalhadores, muitos deles mineiros, contataram
o jornalista Matti Kurikka para ajudá-los nesse projeto
(KOLEHMAINEN, 1941).
Matti Kurikka (1863-1915) era um jornalista que tinha forte
atuação no movimento trabalhista social na Finlândia, com
enormes interesses pelas idéias socialistas, de acordo com
Kolehmainen (1941). Ele havia sido editor do jornal Työmies
7
,
órgão do movimento trabalhista finlandês, e era reconhecido
como importante liderança da classe trabalhadora. Sua formação
era baseada em três tradições, socialismo marxista, teosofia e os
escritos de Tolstoi, além de uma forte base nacionalista e de ser
um grande apreciador do Kalevala (PELTONIEMI, 1984b). Além
disso, havia uma forte influência da mensagem cristã em seus
ideais de igualdade e fraternidade entre os homens, porém sem a
presença da igreja, pois ele era tido como anticlerical. Sua
atuação nos movimentos populares o fez buscar o exílio, e
Kurikka foi para a Austrália, onde tentou estabelecer uma
7
Työmies significa O trabalhador, em finlandês.
39
Figura 05 - Fotografia do salão comunitário [1903], com banda e adultos da
comunidade. As atividades sociais, como música, danças, teatro e debates
aconteciam nesse local.
Fonte: http://www.island.net/~soinmuse/menu.html . Disponível em: 09/05/2000
Figura 06 - Salão de Sointula [1932]. O slogan e o painel pintado revelam os
ideais revolucionários de Sointula.
Fonte: http://www.island.net/~soinmuse/menu.html . Disponível em: 09/05/2006
comunidade utópica, sem sucesso (KOLEHMAINEN, 1941).
Kurikka estava vinculado ao movimento socialista de
orientação marxista, na Finlândia. Seus planos incluíam não
somente os conceitos de fim da propriedade privada, organização
comunitária da produção, mas também algumas idéias vindas do
anarquismo, como o fim da idéia de família monogâmica, e a
existência do sexo livre. Ele era um defensor da igualdade dos
sexos (VIRTALA, 1997), movimento que vinha tendo ampla
circulação na Europa, e que teve forte repercussão na Finlândia,
onde o voto feminino havia sido estabelecido em 1906.
Houve apoio do governo canadense para estabelecer a
colônia, e o lugar escolhido foi uma ilha, na costa perto de
Vancouver, onde foi. fundada Sointula, em 15 de dezembro de
1901. Os finlandeses criaram uma companhia à base de cotas, a
Kalevan Kansa Company
8
, ajudados pelo governo
(KOLEHMAINEN, 1941).
8
Companhia do Povo do Kaleva, tradução nossa.
40
Mapa 04 - Mapa da região de Sointula
Fonte: http://www.sointula.com/
Disponível em: 09/05/2006
Mapa 05 - Mapa de Sointula
Fonte: http://www.island.net/~soinmuse/menu.html
Disponível em: 09/05/2006
Formada inicialmente por 127 habitantes, que incluíam
madeireiros, mineiros, alfaiates e sapateiros, todos buscavam os
ideais de cooperação, que existiam nas decisões tomadas em
conjunto, igualdade de direitos para homens e mulheres, casa de
ensino para crianças, além de atividades culturais e esportivas
coletivas, com ginástica, música e danças. Havia uma casa
comunitária (Figura 05), onde estas atividades eram realizadas,
como podemos ver nas fotografias da colônia (KOLEHMAINEN,
1941).
Kurikka, devido à sua formação, preocupou-se muito em
divulgar o projeto através de artigos em jornais e palestras. Havia
inclusive um jornal da comunidade, o Aika
9
, iniciado em 1901,
publicado semanalmente em Nanaimo, local próximo dali, até
1902, e quinzenalmente em 1903. Sua publicação, originalmente
em finlandês e parcialmente traduzido para o inglês, durou até
1904 (KOLEHMAINEN, 1941).
Após algum tempo, os finlandeses começaram a ter
problemas para distribuir sua produção de madeira e peixe, pois o
9
Aika significa Tempo, em finlandês.
41
local era de difícil acesso. Dessa maneira, as dificuldades
econômicas aumentaram, criando rios problemas para a
manutenção da colônia, que apesar de tudo ainda contava com
203 habitantes em 1903. Os desentendimentos chegaram ao seu
auge em 1904, quando então Kurikka deixou Sointula, com uma
grave ruptura no movimento. Suas idéias pareceram muito
avançadas para a época, inclusive com relação ao amor livre, e
demais costumes sociais. Havia influência do pensamento de
Fourier, Owen, Saint Simon, e de outras comunidades utópicas,
que não foram bem recebidas pela comunidade local (VIRTALA,
1997). Muitos finlandeses ainda tentaram criar uma outra
comunidade perto dali, Sammon Tajoat, que durou ainda algum
tempo.
Com relação à implantação urbana da colônia, esta se
situava junto ao mar, e seu traçado era bastante simples, com
uma rua principal paralela à praia (Mapa 05). As casas eram
afastadas umas das outras, e as atividades mais importantes
eram a agricultura, manejo das madeiras e construção naval. As
fotografias da época mostram também a importância de seu
centro social, com atividades culturais, sociais e políticas sendo
exercidas em seu interior.
Na imagem da época (Figura 06) percebe-se não somente o
piano, que era utilizado para música e dança, mas, sobretudo, a
frase escrita em inglês. Trata-se de lema dos trabalhadores, tirada
do manifesto comunista de Karl Marx, de 1848, apelando pela
união mundial dos trabalhadores (apud HARVEY, 2000). Abaixo
da frase aparece o símbolo comunista da foice e martelo, além de
um painel pintado com uma cena de uma mulher com a bandeira
do movimento. Por meio da imagem se verifica a ligação de
Sointula com os movimentos socialistas marxistas, e seu projeto
de implantação dessa nova sociedade.
Essa sede funcionaria como o equivalente a um centro
social da colônia, como a Casa Grande na Fazenda Penedo seria
mais tarde, e se repetiria em muitas outras comunidades. De
qualquer modo, as idéias de cooperativismo foram mantidas, e
nos anos 1960 ali se estabeleceram comunidades alternativas, de
hippies. Ainda sobrevive uma padaria comunitária, que faz pulla, o
pão tradicional finlandês e uma cooperativa de pesca. Ainda nos
dias de hoje é um lugar de vida natural e de volta à natureza,
como foi proposto por Kurikka. Alguns autores mencionam a
experiência de Sointula como importante dentro da história dos
movimentos sociais no Canadá
10
. As experiências finlandesas na
América do Norte eram bastante conhecidas na Finlândia. Esses
movimentos tinham ampla divulgação, especialmente nos círculos
que Uuskallio freqüentava. Melkas (1999) fala que o fundador de
Penedo conhecia bem as atividades e idéias de Matti Kurikka,
criador da colônia de Sointula. Kurikka havia trabalhado com
Pekka Ervasti na redação da Revista
10
Disponível em: www.nordicway.com/places_sointulla.htm . Acesso em
10/05/2006
42
Mapa 06 - Mapa da Argentina com a localização da colônia.
Fonte: LÄHTEENKI, 1989.
Mapa 07 - Mapa de localização da Figura 07 - Foto de casa construída
na colônia Finlandesa, na Argentina colônia [192-].
Fonte: LÄHTEENKI, 1989. Fonte LÄHTEENKÄKI, 1989.
Elämälehden
11
em Helsinki, que era amigo pessoal de Uuskallio, e
com quem ele dava palestras em diversos lugares, como na
seccional de Helsinki da Liga da Paz da Finlândia.
Ao pensarem no empreendimento de Penedo, Uuskallio e
Pennanen possivelmente levaram em conta as experiências
nesses países. Sobre as colônias no Canadá, Pennanen (1929)
fala de notícias a respeito de insucesso da emigração para esse
país, onde os trabalhadores finlandeses estariam em situação
ruim.
11
Elämälehden significa Revista da vida, em finlandês – tradução nossa.
1.2.2 A COLÔNIA FINLANDESA NA ARGENTINA
A idéia de criação de colônias finlandesas na América do
Sul era bastante antiga, conhecida desde o final do culo XIX,
após a visita de líder nacionalista finlandês, Konni Zilliacus, à
Argentina. Nesse período, quando a Finlândia ainda não era
independente, os movimentos nacionalistas incentivavam a
emigração para o Novo Mundo. Mesmo sendo os Estados
Unidos e Canadá os países preferidos, havia interesse pela
Argentina, que também recebia muitos imigrantes
(LÄHTEENMÄKI, 1989).
Nos primeiros anos do culo XX a situação política na
43
Figura 08 – Foto de ponte – Colônia Finlandesa [1900].
Fonte: LÄHTEENKI, 1989.
Figura 09 - Foto casa e grupo - Colônia [ca. 1927].
Fonte: LÄHTEENKI, 1989.
Finlândia ficou bastante deteriorada, havendo uma grande
repressão ocasionada pelo que ficou conhecido como russificação
do país. Em 1906 um grupo de finlandeses estabelecidos em
Estocolmo, Suécia, havia criado um Parlamento no exílio, e
desenvolveu a idéia de criação de uma Nova Finlândia no exterior.
Seria um instrumento de pressão sobre os governos europeus,
para melhorar a situação política na Finlândia. Uma expedição
liderada por Arthur Thesleff, foi enviada à Argentina, onde foram
oferecidas pelo governo daquele país opções de locais para a
nova colônia. A escolha recaiu sobre terras no Território de
Misiones, junto à fronteira com o Brasil. Ali, em 1906, foi fundada a
Colonia Finlandesa (LÄHTEENMÄKI, 1989).
O empreendimento foi fundado por um pequeno número de
participantes, que buscavam fugir do serviço militar obrigatório no
exército russo, e era composta em sua maioria por jovens de
formação pouco ligada à agricultura. Eram idealistas buscando a
criação de um mundo igualitário e sem perseguições políticas.
A formação urbana era dispersa, com casas de madeira
isoladas e plantações, em um território bastante desprovido de
condições sicas para a sobrevivência. Não havia estradas,
pontes, e tudo mais que precisou ser feito para a sobrevivência
dos colonos. A terra não era adequada para plantações, sendo
mais um item desfavorável para o sucesso da colônia. De
qualquer maneira, a comunidade chegou a ter 500 habitantes nos
44
anos 1930 (KOIVUKANGAS, 2005), com um centro comunitário
onde a cada mês os moradores se encontravam para dançar
(POHJOLA, 2006). No entanto o lugar sofreu um processo de
dispersão, e hoje as antigas casas estão em ruínas, e a maioria de
seus moradores deixou a colônia.
Lahteenmäki (1979) fala que em 1910 um grupo de
finlandeses migrou para o sul do Brasil, para se estabelecer junto
às margens do Rio Uruguai, e depois de uma forte enchente,
resolveram migrar para a outra margem do rio, indo para a
Colônia Finlandesa na Argentina. Apesar de ter atraído
inicialmente muita gente, a colônia foi uma experiência que não
surtiu o efeito esperado, fracassando em termos econômicos.
Não houve apoio posterior da Finlândia, e o empreendimento,
mesmo persistindo, não teve sucesso como experiência coletiva.
A população remanescente se espalhou pela região, onde ainda
existem famílias de descendentes em pequenas cidades
próximas, mas sem uma organização social forte, como foi o caso
de Sointula e ainda é o de Penedo.
Ao divulgar a Colônia Finlandesa de Penedo, Pennanen
(1929) falava das experiências migratórias no país, e de como a
América do Sul seria um excelente destino para essa emigração,
pelas vantagens dos países quentes, onde os finlandeses teriam
mais condições de vida saudável. Pennanen e Uuskallio tinham
conhecimento das experiências da Argentina e Paraguai.
Um dos primeiros contatos de Uuskallio com a América do
Sul teria sido através de Walter Heikel, que havia sido seu
professor em Lepa, onde ele estudara em 1915. Heikel era um
especialista em frutas e fabricante de vinhos, e havia pretendido
emigrar para a Argentina, tendo se inscrito em 1906 no grupo de
Thesleff que iria criar a Colônia Finlandesa na Argentina
(MELKAS, 1999). Thesleff era amigo de Heikel, convivendo com
ele no período em que estavam em Helsinki, e Uuskallio e Heikel
eram amigos íntimos, mantendo correspondência com grande
troca de idéias.
Mais tarde, em 1921, Heikel viajaria para o Paraguai para
participar de um empreendimento de cultivo e exportação de
frutas tropicais, a Exótica Fruit Company, que ele tinha fundado
em 1919, com dois outros cios. A empresa não teve sucesso,
mas Heikel comprou terras no Paraguai, em Villa Rica, onde
passou a cultivar erva mate e uvas para a fabricação de vinhos.
Heikel em 1909 admirava os ideais de paraíso, e volta à
natureza. Ele era extremamente idealista e tinha pensamentos
contrários à sociedade existente, e especialmente contra a
guerra. De acordo com Melkas (1999), suas conversas sobre ida
para o sul certamente influenciaram Uuskallio. Essa ligação entre
Heikel e Uuskallio demonstra que a experiência de Colônia
Finlandesa era de pleno conhecimento do idealizador de Penedo,
e que pode ter influenciado em sua escolha do Brasil.
45
Figura 10 - Reunião da Sociedade Vegetariana Finlandesa (SVY), em Kirvu
[1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
A criação de Penedo foi um projeto que se baseou em uma
série de idéias e movimentos existentes na Finlândia no final do
século XIX e início do século XX. É comum em Penedo se atribuir
somente à figura de Toivo Uuskallio a idéia que resultou na
execução desse empreendimento. Autores como Hildén, Valtonen
e mesmo Fagerlande prenderam-se muito ao que foi sendo
passado pela tradição oral, apesar de também considerarem os
fatos que ficaram registrados em documentos, como cartas e
mesmo fotografias. A presença de descendentes de Uuskallio e
2. AS BASES IDEOLÓGICAS PARA A
CRIAÇÃO DE PENEDO
46
Suni entre os que estudaram a história de Penedo possivelmente
fez com que esse lado fosse mais divulgado. Valtonen fala de
grupo na Finlândia, trabalhando em conjunto com Uuskallio, e
suas impressões, juntamente com o trabalho de Eevaleena
Melkas, que com sua pesquisa em arquivos na Finlândia nos fez
perceber uma maior abrangência das bases ideológicas para a
criação de Penedo.
Melkas (1999) fala que foram diversas essas raízes da
construção do projeto da colônia, e cita de maneira mais ampla os
autores e pensadores que foram importantes naquele momento
na Finlândia, influenciando movimentos que surgiram naquele
país, e que ajudaram a gerar um conjunto de idéias importantes
para tornar real o projeto da colônia utópica de Penedo.
2.1 AS IIAS NA FINLÃNDIA
A partir das teorias das teorias científicas do século XIX,
como as ciências da natureza, o positivismo e o darwinismo,
diversos autores influenciaram os pensamentos ligados à
formação de um grupo de pessoas interessadas em uma nova
sociedade, voltada para a vida natural, misturando influências
religiosas, pseudocientíficas e ideológicas.
Na Finlândia, muitos escritores exerceram importante papel
nesse contexto, como o russo Leon Tolstoi, os finlandeses Arvid
Järnelfelt, Juhani Aho, o alemão Oswald Spengler e pensadores
religiosos, como Akseli Skutnabbin (MELKAS, 1999).
Leon Tolstoi (1828-1910), mais conhecido por sua obra
literária, era importante ativista de causas como a liberdade
individual e religiosa, sendo contra o serviço militar obrigatório, e
defensor de uma sociedade mais humana e justa. Tinha ainda
importante participação no movimento vegetariano russo e
mundial daquele peodo, sendo um adepto desse tipo de
alimentação. Suas posturas pacifistas eram ligadas a uma
interpretação religiosa voltada diretamente aos evangelhos. Seu
apoio a uma seita cristã que era perseguida na Rússia,
auxiliando-os a se exilarem no Canadá, o tornou um forte
exemplo para os movimentos cristãos ligados a comunistas e
anarquistas, fazendo-o sofrer uma grande perseguição por parte
do governo imperial russo e da igreja ortodoxa, que o
excomungou.
Vários grupos se formaram sob sua influência,
especialmente em relação às suas doutrinas religiosas e
sociais
12
. Sua obra influênciou outros autores finlandeses, como
Arvid Järnefelt (1861-1931), escritor que participou do movimento
social na Finndia, lutando por melhores condições políticas e
sociais no país, que era parte do império russo, ao seu tempo. A
importância de Tolstoi foi grande, especialmente com relação às
idéias de auxílio tuo, e rnefelt foi um dos seus seguidores,
12
Disponível em: www.ivu.org/history/societies/russia.html ,
www.ivu.org/history/tolstoi/ . Acesso em 18/05/07.
47
principalmente com relação aos ideais de igualdade, socialismo e
reforma das questões ligadas à terra.
Juhani Aho (1861-1921), escritor e jornalista que trabalhou
com Järnefelt em jornais de Helsinki, nos anos 1900, bastante
ligado às questões religiosas e da herança cultural finlandesa
13
,
também foi muito influenciado pelas idéias de Tolstoi. Esses
autores foram importantes pensadores no meio jornalístico
finlandês, divulgando essas idéias num momento em que o país
assistia à saída de muitos de seus habitantes, buscando
melhores condições de vida na América.
A obra de Oswald Spengler (1880-1936), segundo Melkas
(1999), teria tido influência sobre o pessimismo que se abatia
sobre a Finlândia, especialmente devido às guerras, a mundial de
1914-1918 e a interna, de 1917-1918. Segundo Choay (2000)
Spengler achava que o ocidente tinha chegado a um declínio sem
fim, daí o título pessimista de sua mais famosa obra, “O Declínio
do Ocidente”, de 1918. Ali ele expunha sua visão de que o
homem deveria viver junto à natureza, em pequenas cidades,
indo ao encontro das idéias de volta ao campo, fuga dos grandes
centros e tudo que ia sendo pensado pelos interessados numa
vida natural. Melkas (1999) fala ainda da influência de Piotr
Kropotkin (1842-1921), John Ruskin (1818-1900) e William Morris
(1834-1896). Eram autores ligados a movimentos como o
anarquismo e Arts and Crafts, que teve grande influência sobre o
13
Disponível em www.kirjasto.sci.fi/arvidj.htm . Acesso em 31/05/07.
movimento arquitetônico finlandês chamado de Romanticismo
Nacional.
Era uma tendência que pregava a volta a uma arquitetura
camponesa, vernacular, e bastante ligada aos movimentos
nacionalistas. Buscava um revival da arquitetura tradicional da
Carélia, região mais tradicional do país, e de onde veio o
Kalevala. Esse movimento teve influência ainda nas artes
plásticas, com Akseli Gallen-Kallela e Jean Sibelius, na música, e
na arquitetura teve a participação de Eliel Saarinen (RICHARDS,
1978).
Outro escritor que, segundo Melkas (1999), influenciou os
movimentos de criação de Penedo foi o sueco Karl Erik Forslund
(1872-1941), com idéias sobre uma colônia utópica nos mares do
sul, com cidades pequenas com muitos parques e pomares
14
.
Todos esses escritores tinham ideais de volta à vida em
pequenas cidades, na natureza, e voltados para a cultura do
campo, longe das grandes cidades. Cada um deles tinha seus
próprios pensamentos, como Kropotkin, que era mais ligado a
idéias mais tradicionais de comunidades utópicas, mas com um
olhar crítico com relação a elas (CHOAY, 2000).
Todas esssas idéias que circulavam na Finlândia
possivelmente influenciaram a formação da colônia, inclusive o
que Sennett (1992) fala sobre a ética protestante, seguindo as
14
Disponível em
www.nordiskmuseologi.com/summaries/951summaries.html Acesso em
18/05/07.
48
idéias de Weber (2006) sobre o assunto, onde aparecem as
grandes diferenças culturais e a maneira dos protestantes
encararem o processo de urbanização e criação de cidades. São
conceitos de igualdade, e isso aparece no caso de Penedo, onde
sempre foi importante se pensar desse modo, pois mesmo com
todas as peculiaridades existentes, havia esses conceitos éticos
presentes. A idéia da importância essencial do trabalho parece
estar sempre presente, inclusive nessas idéias da criação de
Penedo.
Entre tantos autores que influenciaram de maneira direta e
indireta, Melkas (1999) fala que o que realmente foi decisivo para
a criação da colônia de Penedo foram três princípios: os
tratamentos de saúde, o movimento pentecostal de Akseli
Skutnabbin e os pensamentos de Toivo Uuskallio. A essas
influências soma-se o vegetarianismo, que está presente tanto
nas idéias de Uuskallio, nos tratamentos de saúde e na Igreja
Livre de Skutnabbin.
2.1.1 A IGREJA LIVRE DE SKUTNABBIN
Ao lado desses escritores, Melkas (1999) coloca o
pensamento pentecostal de Akseli Skutnabbin e sua Igreja Livre
(Vapaa Kirko) como fundamental para a formação das idéias que
resultaram na criação da colônia de Penedo (MELKAS, 1999).
A Igreja Livre tinha Akseli Skutnabbin como dirigente.
Tratava-se de uma Igreja Evangélica, que teve suas raízes na
Igreja Luterana da Suécia, nos anos 1870, recebendo também
influência da Igreja Cristã Anglo-Saxônica (MELKAS, 1999).
Inicialmente havia a vontade de modificar a própria Igreja
Luterana, mas terminou criando uma divisão da mesma. Seus
princípios enfatizavam as decisões pessoais em matéria de fé, e
a importância da congregação dos crentes (RAITIS, 2004). Suas
idéias continham a recusa a prestar serviço militar, eram a favor
da vida no campo, e tinham a crença de que o mundo tinha
tomado o rumo da destruição, sem possibilidade de retorno. Sua
leitura da Bíblia via nela a presença de ideais vegetarianos.
Nessa igreja eram permitidas diferentes interpretações da
religião, recebendo influências das idéias de Tolstoi, Aho e
Järnefelt (MELKAS, 1999).
Tinha naquele momento em torno de 2.000 a 3.000
integrantes, que se espalhavam principalmente pela região da
Carélia, embora existissem por toda a Finlândia. Eram muito
independentes em seus ideais, não estando ligados nem a
correntes socialistas nem à social democracia, importantes
movimentos daquele momento na Finlândia. A Igreja tinha uma
publicação chamada Mensagem da Graça (Armon Samostat),
criada em 1905, onde eram divulgados textos religiosos e de
conteúdo social. Uma das convicções do grupo era de que,
devido à guerra de 1914, o fim do mundo estava próximo
(MELKAS, 1999).
49
2.1.2 TRATAMENTOS NATURAIS
Eram muito importantes, na Finlândia, as idéias referentes a
tratamentos naturais, pois havia uma grande rejeição a métodos
como vacinas e cirurgias. Melkas (1999) fala da influência de
Eduard Baltzer, Gustave Struve e Louis Kuhne. Esses
tratamentos utilizavam água fria, ar fresco e a luz do sol, além de
serem contra o consumo de álcool e carne. As idéias ligadas aos
tratamentos naturais tiveram sua formulação na Alemanha, a
partir de 1864, e Louis Kuhne foi o personagem mais importante
desse movimento para a Finlândia (MELKAS, 1999).
Outra influência importante foi o médico alemão Richard
Ungewitter, e suas teorias sobre o nudismo para a saúde. Havia
ainda amplo uso de ginástica para a melhoria das condições de
saúde (MELKAS, 1999). As imagens encontradas no álbum de
Armas Parno, participante das atividades em Kirvu, mostram a
importância que se dava aos hábitos do nudismo, conforme as
fotografias apresentadas (Figuras 13 e 14).
Louis Kuhne (1835-1903) foi um médico alemão seguidor
das idéias de Theodor Hahn (1824-1883) e Edward Baltzer (1814-
1887). Todos difundiam o higienismo, o vegetarianismo e a
hidroterapia, dentro de uma medicina natural, e Baltzer criou a
primeira associação naturalista alemã, a Sociedade para a prática
de uma vida natural
15
.
15
Disponível em: www.zuhaizpe.com/articulos/historia_medicina5.htm. Acesso
em 21/10/06
A influência desses autores no movimento naturalista
finlandês se deu também com a tradução de rios livros de
alimentação vegetariana, como o “Livro de Receitas para
Vegetarianos – Para os amigos do modo de vida natural”, obra de
Edward Baltzer traduzida por Anna Kurimo, em 1911. Um
exemplar desse livro pertencia a Armas Parno
16
, mostrando a
divulgação dessas idéias naquele momento.
Kuhne desenvolveu uma nova técnica em sua clinica
fundada em 1883, em Leipzig, Alemanha. Eram banhos de
assento com fricção, utilizados para fortificar os nervos e tonificar
a foa vital do corpo. Os banhos também serviriam para retirar as
doenças e tudo de ruim que estivesse no organismo, uma
purificação que complementaria a alimentação natural e
vegetariana que seria importante para todo ser humano
17
.
A implantação das idéias ligadas aos tratamentos naturais
na Finlândia se deu com a criação de uma rede de sanatórios, a
partir de 1910, onde eram aplicados esses métodos (MELKAS,
1999). O mais importante e conhecido sanatório foi o de Kirvu,
criado em 1911, nessa pequena cidade da Carélia (Figura 11).
16
Parno era ativo participante do movimento vegetariano, como mostram as
fotografias dos encontros da SVY, em seu álbuns, e os livros em seu poder,
sobre a alimentação vegetariana, além de ter sido um dos pioneiros a vir para o
Brasil em 1927, junto com Toivo Uuskallio (na época ainda usava o nome de
Frans Armas Fagerlund). Na contracapa desse livro encontra-se o nome de
outro livro traduzido por Anna Kurimo, esse de Louis Kuhne.
17
Disponível em :www.vidaintegral.com.br/noticias.php?noticiaid=230 e
www.pureinsideout.com/detox-bath-louis-kuhne.html. Acesso em 21/02/07
50
Figura 11 - Sanatório de Kirvu [1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
Figura 12 - Interior do Sanatório de Kirvu, com pessoal técnico [1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
Dirigido por Maalin Bergström, ali utilizavam os métodos
desenvolvidos por Louis Kuhne, como hidroterapia e os banhos
de assento. Importantes médicos finlandeses, como Dr. Lybeck
18
,
fundador de outro sanatório, Vilppulan Elämänmäen, e redator da
Revista Terveys
19
, trabalharam (MELKAS, 1999). Essa revista,
grande divulgadora de idéias ligadas aos movimentos de
tratamentos naturalistas, seria muito importante para a divulgação
18
Dr. Lybeck era um médico conceituado dentro do movimento vegetariano
internacional. Falou pela delegação finlandesa no Congresso Internacional da
Sociedade Internacional Vegetariana (IVU) em Manchester, em 1909. Disponível
em: www.ivu.org/history/societies/finland.html . Acesso em 18/05/07.
19
Saúde, em finlandês – tradução nossa.
das idéias de criação de Penedo. Maalin Bersgström também
seria importante personagem no movimento de criação de
Penedo, participando ativamente na Finlândia e também morando
alguns anos na colônia, onde pretendia criar um sanatório nos
moldes do de Kirvu. Outros sanatórios, como o de Suoniemi,
dirigido por Rauha Lukkala, também eram focos desse
movimento. Lukkala também viria para Penedo para analisar a
viabilidade da instalação de um sanatório, sendo importante
51
Figura 13 - Detalhe de foto do Sanatório de Kirvu, com grupo de nudistas [1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
Figura 14 - Foto do Sanatório de Kirvu, com grupo de nudistas [1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
colaboradora para a criação da colônia como participante do
grupo organizador na Finlândia (MELKAS, 1999).
A influência das idéias de Kuhne sobre os naturalistas
finlandeses pode ser também credenciada ao uso de banhos de
vapor em seus tratamentos. Isso era bastante familiar aos
finlandeses, onde a sauna sempre foi importante elemento não
somente de tratamentos de saúde, mas de seus hábitos e de sua
cultura. Os usos de banhos termais e de vapor remontam os
tempos pré-históricos. Termas romanas, banhos japoneses e de
diversas outras culturas as usam tempos. Os finlandeses
criaram a forma mais disseminada nos dias de hoje, a sauna
20
.
20
Desde o século V da nossa era o conhecidas as saunas finlandesas de
madeira. Inclusive, o nome sauna é a única palavra da língua finlandesa que é
conhecida e utilizada em todo o mundo. A sauna sempre foi uma construção
isolada, inicialmente com fumaça em seu interior, e depois somente com o ar
quente e vapor. Foi um hábito utilizado em toda a Escandinávia durante tempos
mais remotos, e depois foi caindo em desuso. Somente no século XX o uso dos
banhos de sauna voltou a ser utilizado e difundido pelo mundo. Na Finlândia
esse hábito sempre esteve presente, e com grande importância para a saúde e
também para a convivência social. Seu significado ultrapassa a questão
higiênica e de saúde. Tem um grande componente de espaço de convivência,
não somente familiar, mas também de grupos, e mesmo de pessoas que não se
conhecem, e é até mesmo utilizada em reuniões de negócios e políticas. Todas
as casas finlandesas têm sua sauna, e se forem agrupamentos ou edifícios, têm
sua sauna coletiva. Fábricas, escritórios e até mesmo o Parlamento tem sua
própria sauna. Disponível em: www.pureinsideout.com/bathing-health-benefits-
52
Essas idéias foram vivenciadas em Penedo, como conta
Valtonen (1998) citando o hábito de seguir o que eles em Penedo
chamavam de kuhnir. Eram banhos de assento, utilizados como
hidroterapia, voltados para a eliminação de problemas de saúde,
todos hábitos de vida natural baseados na teoria criada por
Kuhne.
2.1.3 MOVIMENTO VEGETARIANO NA FINLÂNDIA
O movimento vegetariano na Finlândia teve início com a criação
da Sociedade Vegetariana Finlandesa (SVY - Suomen
Vegetarinen Yhdistys) em 1913 (MELKAS, 1999). A palavra
vegetarianismo surgiu na Inglaterra em 1843, com a criação da
Associação Britânica e Estrangeira para a promoção da
Humanidade e Abstinência da Alimentação de Base Animal (The
British and Foreign Society for the Promotion of Humanity and
Abstinence from Animal Food)
21
. O movimento na Alemanha foi
criado em 1867, por Eduard Baltzer, com a Sociedade para o
modo natural de vida
22
. Na ssia foi criada uma Sociedade
Vegetariana em 1901, e na Suécia, em 1903. A União
Vegetariana Universal (IVU) foi criada em 1908, difundindo o
sauna.html, www.pureinsideout.com/detox-bath-louis-kuhne.html. Acesso em
21/02/07
21
Disponível em. http://pt.wikipedia.org/wiki/Vegetarianismo. Acesso em 23 de
fevereiro de 2007 e disponível em http://www.ivu.org/history/index.html. Acesso
em 23 de fevereiro de 2007
22
Disponível em: http://www.ivu.org/history/societies/vbd.html. Acesso em 29 de
junho de 2007
pensamento pelo mundo, especialmente pela Europa. Toivo
Uuskallio passou a ser um seguidor desses ideais, divulgando-os
pela Finlândia. O Sanatório de Kirvu era importante pólo
divulgador dessas idéias, e diversos de seus integrantes, além de
pessoas do círculo de amizades, eram membros do movimento
internacional vegetariano. Anna Kurimo, importante personagem
do movimento, aparece como representante oficial da Finlândia
no Congresso de 1909, em Londres
23
. Diversas pessoas que
iriam para Penedo com Uuskallio, como Frans Fagerlund
24
e
Toivo Suni, participavam das atividades em Kirvu.
Os álbuns fotográficos de Fagerlund (Armas Parno)
mostram o relacionamento dele com os integrantes do Sanatório,
além de muitos encontros no ano de 1925 (Figuras 10 a 15). Uma
das iniciativas de integrantes da Sociedade Vegetariana
Finlandesa foi a idealização da Sociedade Paradiso. Criada em
1925 em Helsinki, planejava estabelecer uma colônia voltada
para a vida natural ao ar livre, ao sol e vegetariana. A diretora de
Kirvu, Maalin Bergström, a diretora da Casa de Repouso
Suoniemi, Frederika (Rauha) Lukkala e Anna Kurimo
25
,
23
Disponível em: www.ivu.org/history/societies/finland.html e
www.ivu.org.congress/wvc23/index.html . Acesso em 18/05/07.
24
Frans Armas Fagerlund trocaria seu nome mais tarde para Armas Parno, nos
anos 1930. Essas mudanças de nome eram possíveis na Finlândia durante
algum tempo, quando o forte nacionalismo fez o governo autorizar trocas de
nomes que eram suecos, como é o caso de Fagerlund.
25
Das três criadoras da Sociedade Paradiso, Bergstm e Lukkala vieram para
Penedo, sem ali permanecer por muito tempo (FAGERLANDE, 1998a)
53
Figura 15 - Reuniões da Sociedade Vegetariana Finlandesa (SVY), em Kirvu
[1925].
Fonte: Álbum Armas Parno 01
importante membro da SVY, foram as criadoras dessa
associação. Bergström foi para Nice e Cannes em outubro de
1926 estudar as possibilidades locais para criar um sanatório. A
idéia era estabelecer o grupo em uma fazenda de 6 a 10
hectares, com casas em que as pessoas passariam temporadas
de dois meses, e com a aplicação dos métodos de hidroterapia
criados por Kuhne (MELKAS, 1999). Peltoniemi (1986), fala que o
projeto nasceu no círculo feminino da Associação Vegetariana
Finlandesa, e que das 16 inscrições, 13 eram de mulheres.
Antes de Uuskallio ter a idéia da colônia no Brasil, alguns
dos futuros integrantes do primeiro grupo que viria para Penedo,
Ethel, Gotte e Katri Bertell, tinham participado da Sociedade
Paradiso (PELTONIEMI, 1986). Como não conseguiram um
grande número de participantes, esse projeto não foi adiante e o
dinheiro entregue foi devolvido, em 1928. Foi uma experiência
precursora de Penedo, pois mesmo ainda situada na Europa, era
mais uma prova desse movimento em busca de lugares ao sul.
Não se encontra referência da participação de Uuskallio
nesse projeto, pois segundo Armas Parno (apud MELKAS, 1999),
ele não gostava da idéia de se criar uma colônia na França, pois
pretendia sair da Europa, indo para os trópicos.
54
Pode se perceber, por conta desse projeto e de outros
semelhantes, a vontade latente de sair do país frio. A imagem das
terras ao sul como ligadas à natureza e paraíso eram comuns
naqueles anos. Essa nova onda de emigração, chamada por
Peltoniemi (1986) de “febre tropical”, gerou experiências como a
fundação de Penedo em 1929, a de Colônia Villa Alborada no
Paraguai em 1920 e de Viljavakka na República Dominicana. A
experiência de Heikel no Paraguai, se não pode ser considerada
parte dessas experiências utópicas, pode ser incluída nessa idéia
de uma febre tropical, importante elemento para se entender a
vinda dos finlandeses para Penedo (MELKAS, 1999).
2.2 A UTOPIA
Para se estudar Penedo enquanto colônia utópica, não se
pode deixar de considerar as origens da idéia de utopia urbana.
Utopia é uma palavra que vem sendo muito utilizada, e por vezes
perdeu sua força, passando a ter significados muito amplos, em
áreas tão diversas como urbanismo e arquitetura, cinema e
música
26
.
Sua origem, a partir da criação do termo por More em 1516,
aparece no dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975, p.1446) como
“1 País imaginário, criação de Thomas Morus (1480-1535),
escritor inglês, onde um governo, organizado da melhor maneira,
26
Para se ter idéia do alcance do uso do termo Utopia, ver o Dictionnaire des
Utopies (RIOT-SARCEY, BOUCHET E PICON. 2006).
proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e
feliz.
2. P. ext. Descrição ou representação de qualquer lugar ou
situação ideais onde vigorem normas e/ou instituições políticas
altamente aperfeiçoadas.
3. P. ext. Projeto irrealizável; quimera; fantasia.”
Essa idéia de um lugar ideal também aparece na descrição
do Dictionnaire des Utopies (MADONNA-DESBAZEILLE, 2006) e
também no Dictionnaire de l’urbanisme et de l’amenagement
(CHOAY, 2005), onde a palavra Utopia, criada por More a partir
de raízes gregas, aparece de duas formas. Outopus, a forma
mais tradicional que conjuga ou, do grego nenhum mais topos, do
grego, lugar. A outra maneira de entendimento é vindo de
eutopos, junção de eu, do grego bom, com topos, lugar. Dessa
maneira, poderia ser tanto o bom lugar como lugar nenhum, lugar
inexistente.
O livro de More, De optimo reipublicae statu deque nova
insula UTOPIA” (1516) foi editado em latim, e logo foi traduzido
para diversas nguas. A partir dessa divulgação, o termo passou
a ser utilizado como nome comum, sinônimo de plano de governo
imaginário ideal e de projeto quimérico (CHOAY, 2005).
Choay (2005) cita autores como Ernst Bloch e Karl
Mannheim, e suas descrições de Utopia, baseadas no conceito
de More. Ricoeur repete a frase de Mannheim, de que “[...] uma
utopia é não só um sonho, mas um sonho que se quer realizado.”
(apud RICOEUR, 1986, p.473). Para ele, a intenção da utopia é
55
fragmentar a ordem existente, criando uma nova, substituindo o
poder por algo diferente. Dessa maneira
[...] todas as utopias tem a ambigüidade de pretender ser
realizáveis, mas de ser, ao mesmo tempo, obras do imaginário, do
impossível (RICOEUR, 1986, p.490).
Ricoeur ainda cita Mumford (RICOEUR, 1986), para quem
existiriam somente dois tipos de utopias, as de escape e as de
programas, que querem ser realizadas. Assim, as utopias de
escape seriam basicamente as da literatura, e as demais seriam
aquelas que se tornariam experiências concretas, sendo
implantadas como veremos depois.
Em seu dicionário, Merlin e Choay (2005) mostram que o
termo utopia permanece presente na sociedade a os dias de
hoje, sendo utilizada em diversos campos, como literatura,
história, urbanismo. O dicionário das utopias (RIOT-SARCEY;
BOUCHET e PICON, 2006) mostra que esse uso é ainda mais
amplo, incluindo cinema, teatro, dança, religião, artes plásticas e
até internet. Picon (2006, p.251) diz que “como as religiões, as
utopias tem necessidade de lugares e dispositivos espaciais para
reforçar a consistência de suas mensagens.
A utopia é basicamente uma criação do ocidente, e diversos
autores seguiram o modelo de More através dos culos. Marx,
mesmo reconhecendo o valor dessa literatura e dos projetos
chamados de utópicos, é o primeiro a denunciar o que ele chama
de socialismo utópico, pelo irrealismo de certas propostas. Ele os
considerava mais por seu valor crítico do que por serem projetos
de mudança da sociedade (CHOAY, 2005).
Para Mannheim (1985) cada momento histórico tem sua
utopia possível, e dessa maneira elas vão se sucedendo, de
acordo com cada período. O desenvolvimento das utopias foi
muito importante dentro do processo de criação do que
chamamos hoje de urbanismo.
A idéia da utopia antecede a criação do nome, que somente
surge no século XVI, fazendo parte da tradição das sociedades
desde a antiguidade clássica (HARVEY, 2000). Dessa maneira,
More estaria somente criando seu modelo renascentista de
utopia, que acabaria dando nome e projeção a essa corrente de
pensamento, presente desde muito tempo na história.
2.2.1 UTOPIAS ANTES DE MORE
Mumford (2004) diz que desde que as cidades começaram
a existir, na antiguidade, elas se revelaram não somente como
uma maneira de expressar concretamente o poder secular e
sagrado, mas também como uma maneira de representar o
cosmo, de trazer o u à terra. Assim a utopia sempre estaria
presente nos ideais de formação das cidades. Antes mesmo da
criação do conceito por More, a idéia de uma cidade perfeita
existiria.
A cidade se revelou não simplesmente um meio de expressar
em termos concretos a ampliação do poder sagrado e secular,
56
mas, de um modo que passou muito am de qualquer invenção
consciente, ampliou também todas as dimensões da vida.
Começando por ser uma representação do cosmo, um meio de
trazer o céu à terra, a cidade passou a ser um símbolo do
possível. Utopia foi uma parte integrante da sua constituição
original e, precisamente porque tomou forma, no início, como uma
projeção ideal, a cidade trouxe à existência realidades que
poderiam ter permanecido latentes durante um tempo indefinido,
em pequenas comunidades mais sobriamente governadas,presas
a expectativas mais mesquinhas e não dispostas a fazer esforços
que transcendessem tanto os seus bitos de trabalho cotidiano
quanto a suas esperanças mundanas. (MUMFORD, 2004, p.39)
Os gregos tiveram lendas sobre a cidade ideal, como o mito
de Atlântida, que foi retomado por Platão (427-347 a.C.), em seus
Diálogos. A civilização dessa cidade misteriosa teria tido grande
influência sobre a formação de Atenas. Platão, em seu livro “A
República” (IV c a. C.), formula conceitos de como deveria ser
a sociedade ideal.
Inglebert (2006) cita que a primeira descrição da Cidade de
Deus terrestre foi a da comunidade de Jerusalém descrita nos
Atos dos Apóstolos (2,42-47 e 4, 32-35). Na Idade Média, Santo
Agostinho forneceu esse modelo, numa descrição da cidade
divina como a Jerusalém Celeste, em seu livro Cidade de Deus”
(De Civitate Dei, 410-430) (FIORATO, 2006).
Somente na Renascença a idéia do espaço como um meio
de conversão aparece, sendo então utilizado por More em seu
livro. Nesse período aparecem também as cidades ideais,
diferentes de utopias por não serem normativas, e sim
apresentarem proposições como tipos ideais (CHOAY, 1985).
Na visão de algumas seitas cristãs, a idéia de um reino de
mil anos, sinônimo de bondade e prosperidade se constitue uma
figura de utopia bastante recorrente na história. Seria o retorno
glorioso de Cristo à Terra. Essas correntes utópicas se inscrevem
nas que propõem uma construção terrena de suas idéias. O
milenarismo se estabelece como a realização de um projeto
social e religioso considerado ahistórico (MULTON, 2002). A
inspiração vem do “Livro do Apocalipse”, de o João, em seu
capítulo XX, sob o nome de Milênio. Esse tempo é símbolo da
perfeição. Daí o nome que seus seguidores deram a essas idéias.
Essa corrente teve grande influência nas idéias de Toivo
Uuskallio (MELKAS, 1999), responsável pela criação de Penedo.
A Bíblia sempre é citada por Uuskallio como sendo a principal
fonte de suas idéias (MELKAS, 1999).
2.2.2 A UTOPIA DE THOMAS MORE (1516)
Thomas More (1477/78-1535) editou seu livro em 1516. Ele
criou o termo UTOPIA, a partir de raízes do grego, formulando um
novo gênero sobre o assunto da cidade ideal, há muito
conhecido, mas que ele expôs de uma nova maneira,
concretizando os ideais de uma sociedade igualitária, justa e feliz
(MADONNA-DESBAZEILLE, 2006). More era um personagem
influente na sociedade inglesa da época, e bastante ligado aos
pensadores humanistas, em especial Erasmo de Roterdam. A sua
visão de sociedade tinha aspectos comuns na Renascença, com
57
a volta de princípios e pensamentos da antiguidade clássica. A
influência dos pensadores gregos, Platão em especial, está
presente em sua formulação de uma sociedade e cidade ideais.
A ilha de Utopia, de acordo com autores como Choay
(1985) lembrava a Inglaterra, por sua descrição física, e sua
capital, Amaurota, lembrava Londres. O modelo de More seria
não somente a antiguidade, mas também a própria Inglaterra do
século XVI, como referência para seu suporte espacial.
O livro tem diversas leituras possíveis, e pode ser visto
como uma crítica à sociedade inglesa daquele momento. Sua
configuração também é sujeita a diversas interpretações, pois ele
se divide em duas partes, e que parecem às vezes não terem
muito em comum. A primeira parte é a descrição de antigas
culturas e de seus hábitos. Na segunda parte, um viajante, Rafael
Hithlodeu, descreve a More suas viagens, onde teria conhecido
uma ilha onde se encontraria uma sociedade perfeita. Esse
viajante, possivelmente um português que teria feito parte de
expedição de Vespúcio, estaria descrevendo algo existente, em
terras que poderiam ser no Novo Mundo. Dessa maneira, essa
Utopia existiria na América recém descoberta
27
. Certamente More
brinca com o nome utopia, pois a idéia de um lugar ideal também
27
Essa hipótese é descrita por Margareth Pereira em A Forma e a Imagem, Rio
de Janeiro, PUC RJ, 1992, em que diz essa hipótese ter sido defendida por
Afonso Arinos de Mello Franco in O Índio e a Revolução Francesa, Rio de
Janeiro, INL/José Olympio, 1976.
coexiste com a de que este lugar não é possível de existir, pois é
lugar nenhum.
A interpretação do texto de More sugere um jogo de
palavras, seja com o próprio nome utopia, com um significado
dúbio, ou com o nome dos personagens, como o de quem
descreve a More a própria ilha, Hitlodeu, que é uma palavra de
origem grega que significa “especialista em disparates” (LOGAN e
ADAMS, apud MORE, 1999).
Utopia era o nome de uma ilha composta de diversas
cidades. Essa ilha teria sido construída pelo homem, sendo então
um lugar não natural. Seu criador, Utopus, teria realizado o
projeto completo dessa Utopia, desde a conformação da
sociedade até as cidades e casas. De acordo com More (1999)
todas essas cidades, em número de cinqüenta e quatro, eram
iguais e por esse motivo ele se concentra na descrição da capital,
chamada Amaurota
28
.
Essa cidade tinha a forma quadrangular, com ruas largas e
casas alinhadas, com jardins na sua parte traseira. Um rio cortava
a cidade, com uma ponte de pedra para sua travessia. As casas
eram feitas de alvenaria de pedra e tijolos, recobertas de
argamassa, e não tinham telhado, e sim tetos planos, com uma
impermeabilização em chumbo, para resistir às intempéries.
28
De acordo com Logan e Adams, o termo vem de amauroton, que significa
“obscurecido” ou obnubilado”.(MORE, 1999)
58
Na sociedade de Utopia não existia a propriedade privada,
as terras eram para o cultivo coletivo, e as casas eram sorteadas
e trocadas a cada dez anos (MELKAS, 1999). Era uma sociedade
em que tudo era bastante regulado, inclusive as relações
pessoais. Havia liberdade de culto, e o dinheiro servia somente
para as trocas externas. A descrição da sociedade é bastante
minuciosa, inclusive das relações pessoais e familiares. Isso seria
influenciado pela configuração espacial existente, daí a
importância da Utopia para a criação de uma nova forma espacial
(HARVEY, 2000).
A partir desse modelo criado por More, bem estudado por
Choay (1985), teve início uma escola literária chamada de
literatura utópica que, além de seu aspecto literário, influenciou o
aparecimento de diversos exemplos concretos de cidades
utópicas posteriores.
Diversos autores desenvolveram seus trabalhos a partir
desse novo tema. Choay (2005) cita diversos autores como
seguidores de maneira canônica, na literatura, das idéias de
More. Tommaso Campanella, Civitas soli-Cidade do Sol, 1602/03;
Francis Bacon, Nova Atlântida, 1603; Doni, Mondi celesti...,1552;
Stiblin, De Eudemonensium republica, 1555; Andreae, Rei
publicae Christianopolitanae descriptio, 1619; Morris, News from
Nowhere, 1891; Wells, A Modern Utopia, 1905. A autora cita
ainda outros autores que seguiram de forma mais ou menos
derivada da maneira de More, como Bacon e Cyrano de
Bergerac, Histoire Comique des États... de l’ alune et du soleil,
1657; Fénelon. Les aventures de Télémaque, 1699; Godwin, The
man in the moon, 1648; Morelly, Le code de la nature, 1755;
Huxley, Brave new world, 1923.
Ao tratar da forma das utopias, Ricoeur (1986) fala que
“Esta precisão e esta relação obsessiva com configurações e
simetrias especiais é um traço comum das utopias escritas”,
dizendo ainda que elas se iniciam de maneira criativa, acabando
por se mostrar presas dentro de um quadro congelado.
Rykwert (2004) diz que os escritores utopistas estavam
preocupados com um retorno à natureza, buscando lugares
remotos pelo mundo para implantar seus projetos utópicos. Seria
uma busca a um estado natural, onde haveria liberdade com
relação às convenções pré-existentes. Essas idéias de retorno à
natureza seriam muito importantes na Finlândia do século XIX e
início do XX, influenciando os responsáveis pela idéia da colônia
nos trópicos.
2.2.3 OS SOCIALISTAS UTÓPICOS
A partir da Revolução Industrial, diversos pensadores
passaram a refletir sobre as mudanças na sociedade que se
transformava. Saint Simon (Claude Henry de Rouvroy, Comte de;
1760-1825) fazia a apologia da sociedade industrial, do método
positivo e da reconstituição dos laços sociais (REGNIER, 2006,).
Sua preocupação era grande com as classes trabalhadoras e
59
com a igualdade entre os homens. Sua influência sobre as
cidades utópicas e o socialismo do século XIX foi enorme
(MONCAN, 2003).
Foi um dos iniciadores dos pensamentos sociais que se
desenvolveriam no século XIX através das obras de diversos
autores. Para Ricoeur (1986), seu pensamento utópico é mais
racionalista, enquanto Fourier seria mais romântico. Dessa
maneira, Saint Simon estaria mais próximo do pensamento do
Iluminismo francês. Sua visão de utopia não era mais a
renascentista, onde esta deveria estar numa ilha, mas a idéia que
qualquer lugar seria apropriado para a utopia.
Mesmo sem apoio, e sem ter realizado experiências
concretas, sua idéias foram muito importantes, influenciando
importantes pensadores. Ricoer diz que Bakunin foi influenciado
pelas idéias de Saint Simon com relação ao fim do Estado
(RICOEUR, 1986), além de Engels também se referir
elogiosamente a ele.
Suas propostas eram bastante amplas, e não havia um
modelo concreto a ser seguido, e dessa maneira elas
influenciaram toda a sociedade, e não deixaram seguidores
criando comunidades, como aconteceu com outros chamados
socialistas utópicos, no século XIX.
Charles Fourier (1772-1830) foi outro dos importantes
pensadores do século XIX, que através de sua obra literária
propunha modificações na sociedade e principalmente nas
cidades. Para Ricoeur (1986), Fourier seguiria a linha de
Rousseau, onde mais importante é desvendar a natureza que a
civilização teria em si mesma. Essa idéia de volta à natureza
humana seria a utopia do regresso à lei primitiva, que não é uma
visão de mundo científica, mas uma conexão tica, uma atração
apaixonada. Fourier escrevia sobre as paixões, e de como o
homem se transformaria atendendo a elas. Era um autor onde a
religiosidade estava sempre presente, não dentro de um
movimento de igreja, mas de volta aos princípios primitivos da
humanidade.
Suas idéias, inclusive sobre amor livre, eram tão difíceis de
serem aceitas na época, que seu livro Le Nouveau Monde
Amoureux (O Novo Mundo Amoroso) somente seriam editado
em 1967, para não prejudicar seus seguidores dentro do que
poderia ser mais aceitável para aquele momento.
Sua obra “A Harmonia Universal e o Falanstério”, de 1848,
preconizava mudanças que seriam instrumentalizadas através de
suas falanges”. Essas Falanges eram compostas por grupos de
2000 a 3000 pessoas
29
, que formariam um novo núcleo social.
Um grande edifício, o Falanstério, abrigaria essas pessoas. Seria
o palácio do povo, a exemplo dos grandes palácios franceses.
Segundo Freitag (2002), ele se inspirou nas falanges de Felipe da
Macedônia, que eram capazes de se infiltrarem entre seus
29
Outros autores, como Beecher, Bienvenu e S.Thiago citam meros entre
1500 e 1600 (BEECHER e BIENVENU, 1983) e 1620 (S.THIAGO, 1995).
60
inimigos e vencê-los. Da mesma maneira, as falanges fourieristas
reestruturariam a sociedade através da criação desses pequenos
núcleos, que exerceriam um trabalho que seria um exemplo para
a sociedade tradicional.
Para Fourier o urbanismo e o projeto de seus edifícios eram
muito importantes, dentro de sua utopia (apud RYKWERT, 2004).
Seu falanstério teria um edíficio grande como um palácio como
centro, e dali sairiam as alas, tudo bastante especificado por
Fourier. Cada detalhe, inclusive arquitetônico, fazia parte de seus
escritos.
O nome inicial da comunidade seria Harmonie (Harmonia),
nome recorrente com relação a outras experiências utópicas,
como a de Owen, ocorrida em 1825, nesse mesmo período. De
acordo com Rykwert (2004) o modelo de Owen era bastante
parecido com o de Fourier, tanto em escala do assentamento,
forma de renda e planejamento do terreno. Seu modelo de utopia,
apesar de literário, não era somente para contemplação, mas
para ser colocado em prática (BEECHER e BIENVENU, 1983),
partindo de um projeto teórico que deveria ser realizado por um
grupo. Fourier buscava patrocinadores para suas experiências,
entrando em contato com diversos intelectuais, banqueiros, e
mesmo governantes.
Uma organização de trabalho rígida era parte do controle
que seria estabelecido sobre as pessoas. Os falanstérios
poderiam se localizar em áreas rurais (FREITAG, 2002), e
aqueles camponeses que não quisessem habitar o palácio
poderiam ter suas casas em volta. Além das casas, manufaturas
e fábricas circundariam o edifício, todos ligados por galerias e
avenidas. As atividades sociais, coletivas e religiosas seriam
realizadas no palácio do povo, que seria o centro da comunidade.
De acordo com Beecher e Bienvenu (1983), era uma experiência
basicamente rural, onde deveria haver um curso de água, a terra
deveria ser plana com pequenos morros, e a presença de uma
floresta próxima seria importante. Apesar de próximo a alguma
grande cidade, a comunidade deveria ser isolada, para evitar
visitantes indesejáveis. Após a primeira falange, deveria ser
organizada uma rede delas, para se ajudarem mutuamente, com
uma produção complementar, e somente nesse momento haveria
uma agricultura em larga escala.
Essa idéia de uma comunidade isolada, mas com facilidade
de acesso era um dos pontos colocados por Toivo Uuskallio para
a escolha do local da Colônia de Penedo (MELKAS, 1999).
Apesar de seus esforços, Fourier não conseguiu implantar
seus projetos em vida, mas deixou muito seguidores, na França,
EUA e outros países europeus, sendo Victor Considerant um de
seus principais seguidores. Durante os anos 1840, o movimento
fourierista se espalhou por diversos países, havendo nos EUA
mais de duas dúzias de experiências fourieristas, especialmente
divulgadas por Albert Brisbane (BEECHER e BIENVENU, 1983).
61
Até mesmo na Rússia, em S. Petesburgo, se formou um
núcleo fourierista, em 1845, comandado por M.V.Butashevich-
Petrashevsky, que atraiu intelectuais como Dostoievski. Esse
grupo durou até 1849, quando foi reprimido pela polícia tzarista e
se dissolveu (BEECHER e BIENVENU, 1983).
Outro seguidor de Fourier, o médico homeopata francês
Benoit Mure criou o Falanstério do Sahy em Santa Catarina,
Brasil, em 1842, experiência que durou apenas três anos,
resultando em fracasso (S.THIAGO, 1995).
Todas essas experiências tiveram importância na
divulgação de idéias novas, mas como experiências práticas
terminaram em fracasso, especialmente devido a problemas
financeiros, administrativos, e à falta de coesão dos grupos, como
havia nas comunidades religiosas na América do Norte
(BEECHER e BIENVENU, 1983). De todo modo, as idéias de
Fourier foram relevantes para a causa da igualdade social.
A influência de Fourier sobre Martti Kurikka, com idéias
relativas ao amor e à liberdade, parece ter sido importante para a
conceituação da colônia de Sointula, no Canadá (VIRTALA,
1997), cujo nome também significa harmonia, em finlandês. Essa
experiência canadense e as idéias de Kurikka eram de pleno
conhecimento de Uuskallio (MELKAS, 1999).
Outro importante pensador do momento, Robert Owen
(1771-1858) era um industrial inglês que pretendia mudar a
sociedade em que vivia, pois imaginava que melhores condições
de vida resultariam em melhor produção, e mais ganhos para
todos. Precursor do socialismo inglês, ele iniciou seus projetos
criando melhorias para os trabalhadores em suas fábricas em
New Lanark, Escócia.
Não conseguindo realizar todos seus projetos na Europa,
adquiriu terras nos EUA, criando o projeto de uma cidade
baseada em seus ideais de igualdade e educação para todos.
New Harmony, Indiana, de 1824, teve curta duração, mas é
considerada por autores como Reps (1980) como a primeira
experiência utópica secular nos EUA.
Era a antiga Harmony, dos seguidores de Rapp
30
. A
experiência praticada em New Harmony tem sido objeto de
diversos estudos, inclusive em livros de Choay (2000), juntamente
com as demais experiências urbanas de fundo utópico.
A cidade seguia o quadriculado tradicional, margeando um
rio, e as edificações eram de bom nível, para a época (REPS,
1980). Todas as casas, em tijolos, tinham jardins frontais, e eram
coladas nas ruas, que eram largas e pavimentadas. Essa era a
estrutura encontrada por Owen ao chegar, pois seus planos
previam grandes construções, que nunca chegaram a serem
executadas, e tinham a forma de um grande retângulo, tornando a
cidade quadrangular. Para isso ele contratou um arquiteto,
30
George Rapp era um líder luterano alemão, criador da comunidade de Harmony
Society, que criou três cidades na América do Norte, entre elas a primeira Harmony
(REPS, 1980).
62
Thomas Stedman Whitwell (RYTKWERT, 2004) para fazer o
projeto que ele tinha em mente, mas de maneira esquemática.
A forma chega a lembrar o Falanstério de Fourier, apesar
de não ser tão espalhado como este. Era um retângulo fechado,
onde estariam concentradas as atividades e habitação. Os
campos ficariam ao redor, também em retângulos, formando uma
malha que se estenderia e formaria outros núcleos. De acordo
com Benévolo (1981), cada aldeamento teria edifícios capazes de
abrigar 1200 pessoas, e no meio dos edifícios estariam os
edifícios públicos, divididos em setores. No edifício central estaria
a cozinha pública, e despensas. Ao lado, a escola, locais de
oração, biblioteca, e demais salas de atividades sociais. Os
demais três lados da construção seriam destinados à habitação.
No meio da grande construção, estaria um pátio de atividades, e
em volta, os campos para agricultura.
Para Owen, essa seria uma máquina de morar
(BENÉVOLO, 1981), que aumentaria a eficiência das moradias,
melhorando as condições de vida de um grande número de
pessoas de maneira ilimitada.
Houve uma série de experiências também inspiradas nas
idéias de Owen, mas não tiveram longa duração. De qualquer
modo, a influência de seu pensamento foi importante na área de
educação e da divulgação das idéias que ajudaram a desenvolver
o movimento cooperativo. Da mesma maneira que Fourier, suas
idéias também parecem ter influído no pensamento de Martti
Kurikka, criador de Sointula (MELKAS, 1999).
2.2.4 A UTOPIA E A CIDADE-JARDIM
O século XIX foi palco de inúmeras transformações nas
cidades, como as intervenções de Haussmann em Paris (1853-
1870) e o plano de Ildefonso Cerdá para Barcelona, de 1859. A
partir daí, as intervenções urbanas se sucederam, buscando
melhorar as condições de higiene e habitação nas cidades. Na
Inglaterra, surgiram as idéias de Ebenezer Howard, que em seu
livro Garden Cities of to-morrow (Cidades-Jardim do amanhã), de
1902 (anteriormente lançado em 1898 como Tomorrow: a
Peaceful Path to Real Reform), lançando um novo conceito de
cidade. O seu livro apresentou um diagrama de como seria
cidade equilibrada, usufruindo das vantagens urbanas e da
natureza.
Uma busca do campo como lugar privilegiado para a
instalação de cidades utópicas, como era a Utopia de More e de
autores como Owen e Fourier. Ottoni (apud HOWARD, 1996) fala
da importância do movimento Arts & Crafts para as idéias de
Howard. Esse movimento era favorável à criação de pequenas
cidades, como as existentes na Idade Média, mais ligadas ao
campo e à natureza, e com o trabalho mais artesanal, e dando
mais importância a uma relação mais humana de trabalho,
diferente da nova sociedade industrial e suas grandes cidades.
63
Melkas (1999) fala da influência de Ruskin e Morris também na
Finlândia, onde suas idéias estariam presentes na formulação dos
ideais que levaram à criação de Penedo.
A Cidade-Jardim tinha sua área e população discriminadas
no livro de Howard, com terrenos circundantes destinados a áreas
verdes e plantações. Uma setorização das atividades foi
proposta, além de haver o cuidado em se pensar as vias e os
acessos.
Existiu uma preocupação em relação à viabilidade
econômica da Cidade-Jardim, com estudos relacionados ao custo
da terra, e de como este seria resolvido com a valorização
resultante do pprio uso. Seria uma alternativa às cidades
industriais, pois era auto-sustentável, e abrigaria uma grande
população, sem diferenças de classe.
Howard conseguiu concretizar seu intento, buscando o
auxílio dos arquitetos Raymond Unwin (1863-1940) e Barry
Parker (1867-1947) para realizar Letchworth, cujo plano original é
de 1904. Uma segunda cidade-jardim, Welwyn, é construída, nos
anos 1920. Apesar de terem sido construídas, as cidades-jardins
não obtiveram sucesso como projeto de sociedade nova,
tornando-se apenas áreas habitacionais de classe média e alta,
sem a diversidade social prevista (OTTONI, apud HOWARD,
1996).
A influência do modelo das cidades-jardins foi grande, se
estendendo pelos EUA e até mesmo ao Brasil, onde Barry e
Unwin desenvolveram projetos, especialmente em São Paulo. De
qualquer modo, a cidade-jardim era um projeto de cidade, ligado
à nova sociedade industrial, dependente dessa sociedade, e não
uma experiência que estivesse afastada desse mundo que se
desenvolvia.
2.2.5 COLÔNIAS UTÓPICAS SECULARES NAS
AMÉRICAS
O grande fluxo migratório entre a Europa e as Américas,
durante o culo XIX e início do XX, ocasionou o surgimento de
diversas experiências utópicas seculares, não somente de cunho
religioso. Seguidores de Owen, Fourier e Cabet fizeram surgir
diversas outras experiências. De acordo com Rykwert (2004) a
construção de utopias foi bastante popular nos Estados Unidos
durante o século XIX, chegando a se criar cerca de duzentas
comunidades, envolvendo mais de cem mil pessoas.
Esse movimento ocorreu também em outros países. Mesmo
países pequenos, como a Finlândia, tiveram movimentos de
criação de colônias utópicas, em diversos lugares, como Canadá,
EUA, Cuba, República Dominicana, Argentina e Brasil
(PELTONIEMI, 1987). Para relacionar apenas os mais
importantes, podemos citar Sointula, no Canadá, de 1900, de
cunho anarquista e socialista, e Colônia Finlandesa, na Argentina,
de 1906, também de origem socialista. Outras experiências, como
Penedo, no Brasil e Viljavakka, na Republica Dominicana, ambas
64
de 1929, ambas coletivistas e vegetarianas, reforçam o conjunto
de iniciativas que aconteceram no final do século XIX e início do
XX.
No Brasil, além do exemplo de Penedo, tivemos a italiana
Colônia Cecília, anarquista, criada no Paraná em 1890, além do
citado Falanstério do Sahy
31
, criado por um grupo de franceses
fourieristas liderados por Benoit Mure em Santa Catarina, em
1842. Todas essas experiências tiveram curta duração, pois a
Colônia Cecília terminou em 1893 (MELLO NETO, 1998), e o
Falanstério do Sahy em 1843 (RIBEIRO, 2006).
2.2.6 UTOPIAS DE FUNDAMENTOS RELIGIOSOS NA
AMÉRICA
A partir dos conceitos estabelecidos pela busca de uma
Cidade Celeste, como através do modelo de Santo Agostinho,
várias correntes religiosas buscaram criar o paraíso terrestre. A
maior parte dessas experiências se localizou na América, em
especial na do Norte.
Após a descoberta do novo mundo, e das lutas religiosas que
seguiram o advento da Reforma de Lutero, a Europa viu surgirem
diversos movimentos religiosos, que não encontraram espaço no
velho mundo para suas vivências. A ida para a América era uma
questão de sobrevivência para muitos, e de realização de sonhos
para todos.
31
A grafia varia bastante, aparecendo diversas vezes como Saí.
O que chamamos hoje de Estados Unidos foi palco de
diversas experiências utópicas de cunho religioso. Diversas
seitas, como os Moravianos, Huguenotes, Mórmons, Puritanos,
transformaram seus ideais em experiências concretas, criando
cidades em vários locais do país. Reps (1980) nos mostra como
isso foi importante, apesar do pequeno número de pessoas
envolvidas, em relação ao total de habitantes do país.
Eram locais criados por grupos religiosos, e também
experiências como a de George Rapp, cujo grupo funda a cidade
de Harmony, em 1803, sendo todas experiências baseadas em
conceitos religiosos de busca do paraíso terrestre.
Foram criadas diversas cidades, desde as comunidades
fundadas por Huguenotes franceses, como Oxford,
Massachussets (1687), New Rochelle, New York (1688) e outras
em Virginia e Carolina do Sul (REPS, 1980).
Cidades como Filadélfia, fundada por Penn em 1682,
também foram fundadas como refúgio para aqueles que fugiam
da intolerância religiosa, além de acolher os índios do lugar
(RYTKWERT, 2004). Sua planta era também quadriculada,
entremeada com jardins, bastante precisa, com um projeto bem
definido.
Outros grupos religiosos, como os Moravianos, também
ligados a seitas protestantes européias, criaram outras cidades,
com Bethlehem, Pennsilvania, fundada em 1742, e Salem, de
1765. Seus povoados foram especialmente imitados, com
65
construções de bom nível. A idéia de criar um jardim do Éden fez
com que cuidassem bem de seus pomares e jardins.
Havia ainda diversas outras comunidades, entre elas a dos
mórmons, que criaram a cidade de Salt Lake City, Utah, em 1870,
além de diversas outras, como a primeira Nauvoo, em Illinois. Em
Salt Lake, a recriação do Templo de Jerusalém ou da Nova
Jerusalém (RYTKWERT, 2004) era uma ambição dos mórmons,
comum entre muitas dessas seitas.
De maneira geral, as cidades mencionadas acima seguiam
plantas em grid, a tradicional quadrícula das cidades americanas.
No centro havia construções maiores, em geral mercados ou
construções que seriam os centros das comunidades. As casas
sempre distantes umas das outras, com bastante área verde
entre elas.
2.2.7 A UTOPIA RELIGIOSA NA AMÉRICA DO SUL
A descoberta da América foi um importante componente
para a criação do imaginário que fez surgir a Utopia de More.
Autores como Afonso Arinos de Mello Franco (apud PEREIRA,
1992) citam as cartas de Vespúcio sobre o Novo Mundo,
especialmente sobre o Brasil, como tendo influenciado o autor
inglês. Apenas a partir do século XVIII a Europa veria essas
idéias saírem do papel e se tornarem reais, com o advento do
iluminismo (PEREIRA, 1992).
No Novo Continente, desde a fundação das primeiras
cidades um componente utópico. A idéia da construção de
uma nova civilização, em um espaço novo, sem cidades, poderia
incluir a idéia da Utopia.
Os Jesuítas podem ser considerados precursores da
tentativa de criação desses assentamentos utópicos nas
Américas. A partir da descoberta da América pelos espanhóis,
tornou-se um objetivo importante para os dominadores, tanto
espanhóis como portugueses, povoar suas novas terras, para
exercer melhor seu domínio sobre tão vasto território. Dentro
desse processo, os Jesuítas tinham participação como
catequistas educadores, buscando nas novas terras as almas que
a Igreja católica tinha perdido com a Reforma Protestante, na
Europa. As missões criadas por eles em diversos pontos do
continente visavam a conversão dos indígenas à religião católica,
e assimilação, por sua parte, da nova cultura.
A experiência das missões no sul da América,
especialmente na região do Paraguai, Argentina e Brasil, podem
ser considerados exemplos de experiências utópicas (BÉLIGAN,
2006), pois os assentamentos criados conseguiram juntar índios e
padres europeus, em comunidades que respeitavam a vida dos
nativos, sem escravidão, com a terra sendo repartida por todos.
Durante muitos anos, os jesuítas conseguiram manter as
missões, até o momento em que interesses políticos causaram o
fim delas.
66
Ao lado das primeiras iniciativas jesuíticas, Reps (1980)
coloca como uma das primeiras experiências utópicas no Brasil a
vinda dos franceses em 1555, para fundar a França Antártida.
Rechaçados pelos portugueses, esse Huguenotes se dirigiram à
América do Norte, onde prosseguiram seu intento.
No século XIX, o arraial de Canudos, de Antônio
Conselheiro pode ser enquadrado nesse perfil de ajuntamento
religioso utópico. Surgido em 1894, no interior da Bahia, esse
grupamento foi criado por um líder messiânico, e seria uma opção
de sobrevivência para um povo sem muitas escolhas, e que via
em Canudos uma possibilidade de vida sem opressão social,
tendo sua terra e trabalho, sem patrões (GALVÃO, 2002).
67
Figura 16 - O grupo inicial, que veio em 1927: Toivo Uuskallio, Eino Kajander,
Frans Fagerlund e Enok Nyberg. Foto tirada por Liisa Uuskallio, de acordo com
Melkas (1999)
Fonte: Uuskaallio, 1929.
No Brasil foram poucas as experiências utópicas e Penedo
parece se enquadrar nessa categoria. Pode-se verificar isso a
partir das idéias de seu criador, um finlandês que em 1925 teve o
sonho de estabelecer no sul uma colônia ideal, com a ajuda de
um grupo atuante na Finlândia, ligado aos movimentos
vegetarianos e naturalistas, e interessados também em
estabelecer novas experiências em terras ao sul. Dessa maneira
Toivo Uuskallio desenvolveu seu projeto, e criou a colônia de
Penedo. Parece ser importante estudar suas idéias, a partir da
3. A COLÔNIA FINLANDESA DE
PENEDO
68
chegada do primeiro grupo ao Rio de Janeiro, sua busca pela
fazenda onde poderia ser criada a colônia, de como ele pensou o
empreendimento, e de como isso pode ser viabilizado, através
dos movimentos no Brasil e na Finlândia. A partir das idéias
existentes naquele país, e do pensamento de Uuskallio, um grupo
de emigrantes deixou a Finlândia e veio se estabelecer em terras
que foram compradas no Brasil com esse propósito. Ao lado de
Toivo Uuskallio, H.D. Pennanen foi outra importante figura desse
movimento, responsável pela escolha daqueles que viriam habitar
Penedo, formando a dupla mais importante dos organizadores do
movimento que gerou a colônia.
3.1 TOIVO UUSKALLIO E SUAS IDEIAS
Toivo Uuskallio (1891-1969) foi o visionário finlandês que
teve a inspiração para criar a colônia de Penedo. Para estudar
suas idéias foi importante a análise de seus textos, em especial o
livro sobre a vinda para o sul, e o que escreveram pessoas que
conviveram com ele, como Niilo Valtonen (1998), Liisa Uuskallio
(1979) e Eva Hildén (1989), além de buscar no livro de Melkas
(1999) a comparação entre dados que existem no Brasil e
aqueles encontrados em arquivos na Finlândia. Melkas encontrou
documentos como cartas e revistas, além de gravações
realizadas em Penedo em 1972 por Olavi Lähtenmäki junto a
fundadores da colônia, guardados em arquivos na Finlândia, e os
analisa em seu livro, onde mostra aspectos do pensamento de
Toivo Uuskallio em relação à sua visão de mundo, e de como isso
foi importante para a criação da colônia (MELKAS, 1999).
Uuskallio estudou em Erfurt, Alemanha, entre 1913 e 1914,
fazendo um curso de técnicas agrícolas, e depois complementou
sua formação em Lepa, Finlândia, em 1915, indo depois para
Antrea, pequena cidade na Carélia
32
, em 1916 (MELKAS, 1999).
Era que ficava sua propriedade rural, Toimela, onde aplicou
suas teorias a respeito da produção de alimentos. Na propriedade
funcionava também uma escola onde ele era professor, e que
visava alcançar maior número de seguidores para seus ideais.
Segundo Hildén (1989) Toimela foi conhecida como
fazenda modelo na Finlândia, recebendo estagiários e visitantes
de toda parte, devido ao sucesso no trato com a terra. Em seu
livro sobre a viagem para o sul, Uuskallio (1929) conta como seu
trabalho ali era importante para ele, e que seus parentes
manteriam o trabalho, mesmo após sua vinda ao Brasil. Melkas
(1999) fala que ele não poderia vender a propriedade, pois seu
pai era idoso e residia nela.
Toivo Uuskallio sempre teve tendências espiritualistas e, de
acordo com Melkas (1999), desenvolveu um conjunto próprio de
idéias. Vindo de um lar cristão, sua verdadeira conversão ocorreu
quando perdeu a irmã, aos 17 anos. O próprio Uuskallio (1929)
nos relata que sua opção pela alimentação vegetariana foi por ter
se curado de uma doença, vinte anos antes de sua ida para o
32
A Calia é uma região ao leste da Finlândia, na fronteira com a Rússia.
69
Brasil, e que devido a isso ele estudou muito o assunto,
concluindo que os melhores alimentos para adultos seriam nozes,
frutas e cereais.
Ele também era bastante ligado à Sociedade Vegetariana
Finlandesa (Suomen Vegetarien Yhdistys - SVY) e à Liga da Paz
na Finlândia, além da Igreja Livre de Skutnabbin, movimento dos
trabalhadores cristãos e teosofistas. Apresentava palestras e
escrevia artigos, além de ter lançado sete livros. O primeiro,
editado em 1925, chamava-se “Aparições e Experiências”, com
descrições de sonhos e visões. O segundo e o terceiro,
“Ressucite, Religião!” e “Ressucite, Iluminação!”, ambos de 1926,
eram sobre assuntos relativos a religião. O quarto e o quinto, de
1928, “Alimentação do Homem” (PENNANEN, 1929)
33
e “O
Problema da Agricultura” (UUSKALLIO, 1929)
34
eram referentes a
questões de alimentos. O sexto livro, “Na Viagem em direção à
Magia do Trópico” foi lançado em 1929, e contava a viagem para
o Brasil e a escolha da Fazenda Penedo, e o último livro, lançado
em 1930, chamava-se “Problemas econômicos da Alimentação”,
e também se referia às questões de produção de alimentos.
Seus pensamentos eram pessimistas em relação à cultura,
pois ele acreditava que o mundo estava indo à direção do caos,
especialmente a Europa, e que esta rumava para a destruição,
em meio a guerras e a vida doentia dos homens (MELKAS,
33
A relação dos livros de Uuskallo aparece no final do livro de Pennanen (1929).
Todos os livros foram escritos em finlandês, e editados naquele país.
34
Uuskallio (1929) cita esse livro ao mencionar suas iias para criar Penedo.
1999). Uuskallio achava que o homem quebrara as leis de Deus e
em suas duas primeiras obras, de acordo com Melkas (1999),
encontra-se grande influência da revelação de São João, descrita
no Livro do Apocalipse da Bíblia
35
.
Da mesma maneira que Skutnabbin, Uuskallio era marcado
pelas guerras, e achava que a única saída para a humanidade
era a vida natural, onde se alcançaria a paz e a harmonia entre
os homens. Ele tinha a visão milenarista de que se podia alcançar
o Reino dos Céus na Terra, e que todos os indivíduos deviam
buscar o sonho comunitário, mas de maneira individual, cada um
respeitando as liberdades individuais, e sua maneira de ver a
crença cristã era de que a vida natural era a melhor maneira de
servir a Deus.
Uuskallio acreditava em exercícios, vegetarianismo,
alimentação com frutas, vida sem álcool, tratamentos naturais, e
na influência do nudismo para promover a vida saudável, além de
ser contra as vacinas, tudo isso como parte do conjunto de idéias
que ele queria implantar em sua sociedade ideal. Com relação à
moral sexual achava que o homem deveria seguir o modelo dos
animais na natureza, com sexo para procriação, e que a
35
Essa referência ao Livro do Apocalipse e às revelações de São João denuncia
as intenções milenaristas de Uuskallio e seus ideais. De acordo com Multon
(2006) milenarismo é o reino de mil anos, sinônimo de paz e bondade, quando
do retorno de Cristo à Terra. Sua realização compreende um projeto social e
religioso considerado como ahistórico. Ele é anunciado por São João no Livro do
Apocalipse, sob o termo de milênio.
70
amamentação deveria durar de seis a sete anos, para somente
depois se ter outro filho (MELKAS, 1999).
Ele era contra todas as obrigatoriedades com relação ao
trabalho, direito e sociedade, pois se colocava a favor das
liberdades individuais, e assim achava que todas as leis,
instituições sociais, educação e ciência, eram sinais de uma
sociedade repressora e mentirosa, e que toda obrigação causaria
revoltas. Por isso ele era contra movimentos de grupos foados,
mesmo aqueles que tinham boas intenções, como os movimentos
a favor da paz (MELKAS, 1999).
Para Uuskallio a agricultura era a primeira das obrigações
que a natureza impunha ao homem, para a sua saúde e o
desenvolvimento pessoal, e sua opinião com relação à posse de
terra era que “Deus é o proprietário de toda a Terra, e ninguém
tem direito de possuir parte dela” (UUSKALLIO, 1925, apud
MELKAS, 1999, p.83). Esse pensamento traduz a relação que ele
tinha com a questão da propriedade da terra na colônia de
Penedo.
Melkas (1999) diz que é difícil dizer de onde vem o seu
conjunto de idéias, pois em seu primeiro livro de 1925 ele fala de
seus pensamentos mais profundos, mas depois diz que os
abandonou, e que a Bíblia era o único livro que ele lia, além dos
livros ligados a sua profissão. O pprio Uuskallio fala de seus
questionamentos ligados à religião, e à Teosofia, e de que o seu
pensamento religioso e idealista foi uma das razões mais fortes
para a criação de Penedo (UUSKALLIO, 1929).
Nos anos de 1926 e 1927 ele fez uma série de palestras
sobre alimentação saudável em reuniões da Sociedade
Vegetariana Finlandesa, SVY (MELKAS, 1999), que eram
organizadas por ele próprio, e nas quais também discursavam o
Pastor Pennanen, Pastor Mikko Airila e Oskari Jalkio. Eles eram
todos amigos, tinham idéias filosóficas parecidas como a
admiração pelo sul, mas apesar disso algumas discordâncias
impediram o trabalho conjunto.
Melkas (1999) fala que Jalkio e Pennanen não se
entendiam bem, mas Uuskallio e Pennanen eram bons amigos e
tinham projetos em comum. Todos eram contra vacinas, e por
conta do Brasil exigi-las para a entrada no país, Jalkio não quis
se juntar ao grupo que veio ao Brasil em 1927, preferindo partir
para a Jamaica, em 1928, e mais tarde para a República
Dominicana, onde fundaria Viljavakka, outra colônia vegetariana
com ideais muito parecidos com os de Penedo.
Após 1924 Uuskallio tinha formado um rculo de amizades
sobre questões ligadas ao cultivo da terra, que funcionava em
Toimela, e entre os seus integrantes estava Juho Kurkki, Toivo
Suni e o próprio Uuskallio. Nesse momento Uuskallio fazia
cálculos para definir o tamanho de uma propriedade de terra de
tamanho ideal, suficiente para alimentar uma família, chegando à
conclusão de que em dois hectares se poderiam plantar legumes
71
e hortaliças suficientes para se alimentar uma família. Esse
número era exatamente o que ele definiu para Penedo, onde
todos os lotes teriam esse tamanho (MELKAS, 1999), e que está
incluído em seu Projeto Habitacional.
Liisa Uuskallio dizia que o projeto de Penedo deveria ser
implantado em um lugar que fosse deserto, onde ninguém
habitasse (apud MELKAS, 1999), pois, segundo ela, seu marido
achava que essas idéias não seriam bem aceitas na Finlândia,
onde haveria ainda preconceito com relação a elas. A idéia de
volta à natureza não era algo novo na Finlândia, mas as idéias de
Uuskallio eram diferentes, pois envolviam a alimentação
vegetariana, ausência de gado, proibição de consumo de álcool,
tratamentos naturais, regras para procriação, nudismo, educação
e uma nova sociedade. Para ele o sul era o local da primeira
moradia do ser humano, local apropriado para a realização de um
paraíso religioso, e mesmo tendo como base a Bíblia, essas
idéias podem ser consideradas como uma visão particular sua, na
qual ele acreditava profundamente, e recebia estímulos de seu
grupo para a mudança para o sul.
Seu relacionamento pessoal com pessoas como Walter
Heikel, que havia tido grande experiência com terras no Paraguai
e conhecimento da implantação da Colônia Finlandesa de
Thesleff, na Argentina, além da convivência com Pekka Ervasti,
amigo de Matti Kurikka, criador da colônia Sointula, no Canadá,
provavelmente influenciou Uuskallio para a criação de Penedo.
Outra personagem que o pode ter influenciado foi Sakari
Lamminen, que escreveu artigo na Revista Terveys, em 1922/24
sobre a fundação de uma sociedade que seguisse a alimentação
de frutas e legumes, falando da possibilidade disso ocorrer na
Finlândia ou na Austrália. Melkas diz que não se pode provar
essa relação direta, mas foi um fato a que Uuskallio teve acesso
(MELKAS, 1999).
Melkas (1999) fala que, apesar de famosa, a fazenda de
Toimela tinha grandes problemas financeiros e, portanto, não
seria problema para Uuskallio largar tudo e ir para o Brasil. Nesse
momento havia conflitos no rculo de Uuskallio, com artigos dele
sendo rebatidos na Revista Terveys, pois alguns, como Juho
Kurki, achavam que as idéias de vida natural poderiam ser
vivenciadas na própria Finlândia, pois o nacionalismo aparecia de
maneira mais intensa, e nem sempre a idéia de abandonar a terra
natal era bem vista. Juho Kurkki dizia em artigo na Revista
Terveys, em 1926, que não haveria lugar no globo terrestre sem
sofrimento, e dessa maneira não haveria motivos para se
abandonar a própria terra (MELKAS, 1999).
As palestras e escritos de Uuskallio demonstravam uma
grande influência do movimento vegetariano e voltado para a vida
natural, e ele passou a ser um importante divulgador desses
ideais pela Finlândia. A partir dessa experiência ele tornou-se o
criador de um projeto de emigração para os trópicos, de base
vegetariana. Logo no primeiro parágrafo de seu livro referente à
72
viagem realizada para o Brasil, com o nome de “Na Viagem em
direção à Magia do Tropico” Uuskallio (1929) conta ter recebido
um chamado para deixar sua terra natal e emigrar para o sul,
explicando a razão de ter criado esse empreendimento
Eu tinha recebido um chamado para deixar a terra natal e
emigrar para o sul longínquo. O chamado era extraordinário pelo
fato de que chegou de noite e sem emissário aparante. A
mensagem chegou à alma e acordou o meu consciente, que tinha
planejado outras atividades para serem realizadas no futuro
próximo. Estas atividades que me eram caras e bem
compreensíveis para os outros. Mas desta forma tinham que ficar.
Tinha podido ver com os olhos da alma algo que me chamava
para um posto de serviço na seara humana. o trabalho deverá
ser o prosseguimento do anterior. (UUSKALLIO, 1929, p.3).
Com essa explicação, ele abandona seus projetos na
Finlândia, em especial sua fazenda de Toimela, e passa a se
dedicar a tornar realidade esse sonho, de ir para o sul. A
impossibilidade de seguir suas idéias de vida natural em seu país
o fez procurar um local adequado para criar a comunidade
idealizada. Suas explicações para a ida ao sul mencionam a
necessidade do homem buscar seu lugar certo no mundo, pois
para ele os trópicos eram o lugar adequado para a vida humana
(UUSKALLIO, 1929).
Certamente um país como a Finlândia, com seu clima
gelado, não seria o lugar para a aplicação de seus ideais, e esse
seu desejo de retornar ao paraíso na terra fez com que ele
procurasse terras mais quentes, e Uuskallio dizia:
Precisamos levar uma vida natural sem preocupações com
comércio e sociedade de consumo. Cada falia tem de cultivar
no seu jardim tudo o que necessita para sua alimentação, vestir-
se com roupas mais leves possíveis, desfrutar dos raios de sol
reparadores, respirar o ar puro, sem poluição, viver em paz longe
de conflitos e guerras. (apud HILDÉN, 1989, p.19)
Seu ideal era viver em local onde o clima permitiria vida
mais natural, com menos roupas e nudez, com maior
aproveitamento dos raios solares, e onde se pudesse aplicar seu
projeto de vida, incluindo a alimentação vegetariana, abstenção
de bebidas alcoólicas, e mesmo chá e café (FAGERLANDE,
1998a).
O pensamento de Uuskallio incluía questões pacifistas, pois
desde sua participação na primeira grande guerra ele era contra o
militarismo e guerras. A busca desse lugar ideal seria uma forma
de escapar do velho mundo, onde as guerras eram marcantes, e
ele pensava que poderia criar um porto seguro para aqueles que
fugissem das guerras, pois muitos de seus seguidores eram
pacifistas, que não pretendiam pegar em armas em uma guerra.
Ainda estavam entre suas preocupações as atividades do
corpo, como ginástica, o que se evidencia nas primeiras
fotografias de Penedo e seus moradores, onde a vontade de
demonstrar que todos levavam uma vida saudável transparece
em fotos de grupos atléticos em atividade.
A idéia da criação de uma pequena comunidade nos
trópicos se junta à idéia de viver longe das grandes cidades e da
civilização, o que aparece em comentário a respeito de
73
Hamburgo, cidade visitada deurante sua viagem para o Brasil. Ele
fala a respeito da massa humana, que para ele é maior do que o
território suporta, e de como é um lugar de desemprego e
sofrimento.
[...] enchente humana e Hamburgo, de aperto incomum e
zoeira, onde o terreno nem é suficiente para se circular, pois além
de ter que se utilizar o nível do terreno, tamm se tem que fazê-
lo debaixo da terra e no ar, onde se vive em dezenas de andares
e se sofre o desemprego (UUSKALLIO, 1929, p. 16).
Para Uuskallio (1929), o homem deveria viver no campo,
junto às plantações, e não em grandes cidades, onde não haveria
espaço e nem ar para o homem. Sua vontade de fundar uma
pequena comunidade é expressa na sua opinião a respeito da
criação de Penedo, e de que seja um lugar onde todos sejam
naturalmente integrados ao projeto
Não parti para fundar uma comunidade artificial, bastante
delas no mundo, saí para trabalhar chamando outros para agir
com o mesmo fim, se assim for a vontade (UUSKALLIO apud
HILDÉN, 1989).
Dessa maneira ele mostrava que queria levar para Penedo
pessoas ideologicamente agregadas ao seu projeto, que
acreditassem nele e interessadas em mudar suas vidas, criando
não o que ele chama de comunidade artificial, mas uma
comunidade natural, de pessoas voltadas para a mudança em
suas vidas e em um novo caminho rumo à natureza e à vida
saudável.
3.2 A ESCOLHA DO BRASIL
Sempre houve dúvidas com relação ao porque da vinda de
Uuskallio para o Brasil. Certamente a escolha deveria ser por um
país tropical, palco provável dessa experiência idealizada por ele.
A América do Norte não estava mais tão disponível para a
migração de finlandeses, como tinha sido durante tanto tempo, e
a América do Sul era então um destino atraente. Ali havia a
possibilidade de ir para a Argentina, mas havia uma outra
colônia, que não estava indo bem, e como já estava estabelecida
algum tempo, tinha seus ideais definidos, não sendo um
espaço aberto para novas experiências.
Em seu livro sobre a viagem para o Brasil, Uuskallio (1929)
diz que tinha lido e ouvido a respeito da nova terra escolhida,
especialmente com relação ao clima quente, além de informações
sobre seu tamanho e população. O que mais importou para ele foi
saber a respeito das riquezas da natureza, como as frutas e
animais, e o eterno verão, e ele cita castanhas, como a do Pará,
para mostrar a riqueza da terra e de seus produtos vegetais
(UUSKALLIO, 1929). A importância das castanhas deve-se ao fato
dele pensar as nozes como um dos mais importantes alimentos
para o homem, juntamente com frutas e cereais. Fala ainda que
tratavam o Brasil “como um paraíso e inferno, donzela
adormecida, que com suas tetas pode alimentar mais que a
humanidade” (UUSKALLIO, 1929, p.11).
74
Lahteenmäki (1979) relata que Uuskallio iniciou sua busca
em bibliotecas, procurando dados sobre locais exóticos, como as
Ilhas Samoas, ou a Amazônia, no Brasil. Valtonen (1998) também
conta que Uuskallio pensava em ir para as Ilhas Samoas, nos
mares do sul, e em suas palestras contava sempre das
maravilhas da vida nos trópicos. Mas como essas ilhas eram
muito pequenas, ele preferiu o Brasil, que pelo seu tamanho e
com mais terras disponíveis poderia receber muitos finlandeses.
Segundo Valtonen (1998), ele sempre dizia nas palestras que “a
Finlândia é terra de lobos e ursos”, e que Deus havia criado o
país para esses animais, não para os homens. O paraíso seria
“como as Ilhas Samoas, com frutas saborosas e nutritivas”
(UUSKALLIO, apud VALTONEN, 1998, p.23).
Melkas (1999) confirma o que Valtonen fala sobre as Ilhas
Samoas, dizendo que Uuskallio pesquisava em livros de
geografia, e percebeu que seria inviável ir para essas ilhas por
serem muito distantes, e que os finlandeses não conseguiriam
chegar lá. Aparentemente a segunda opção era a Austrália, e
somente em terceiro lugar estava a América (MELKAS, 1999).
Segundo Melkas (1999) os finlandeses sabiam muito pouco
a respeito do Brasil. A relação oficial entre os países teve início
em 1919, quando o país, seguindo a maioria das demais nações,
reconheceu a independência da Finlândia, ocorrida em 1917, e no
mesmo ano foi criada a representação diplomática do novo país
independente na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal.
Entre as influências sobre a vinda ao Brasil Melkas (1999)
fala que a presença de Heikel no Paraguai pode ter influenciado
Uuskallio, apesar de este insistir para irem para aquele país.
Parno (apud MELKAS, 1999) conta que Uuskallio interessou-se
pelo Brasil ao encontrar Juhani Tikka, um finlandês que havia
estado aqui em 1923, com um grupo de nove pessoas. Tinham
sido oferecidas a ele terras, mas a experiência não havia sido
bem sucedida, e Tikka continuou sua procura por outras fazendas
para trabalhar, especialmente no estado de São Paulo. Como não
teve sucesso na empreitada, Tikka voltou para a Finlândia em
1926. Sua participação no projeto de Uuskallio é nebulosa, com
poucas referências em arquivos pesquisados por Melkas (1999).
Um desses documentos é uma carta de Suni de 22 de abril de
1927, onde é descrita a possibilidade de Uuskallio e Tikka
trabalharem juntos no Brasil, falando que este iria com eles fundar
a colônia futura, indicando ainda a possibilidade de obtenção de
terras gratuitas no Brasil, através de órgãos governamentais.
Tikka não havia enterrado seu sonho de viver no Brasil,
apesar de suas más experiências. Seu grupo passou a divulgar
propaganda negativa sobre o que havia acontecido, dizendo que
o Brasil era perigoso e ruim para se viver. Segundo Melkas
75
(1999), o jornal Helsingin Sanomat
36
publicou, em setembro de
1923, cartas de alerta contra o Brasil, e também carta de Tikka
contando vantagens, como ofertas de terras grátis, feitas pelo
governo no Brasil. Uuskallio não considerou a propaganda
negativa, e manteve seus contatos com Tikka. Apesar de seu
nome aparecer bastante nesse momento, e talvez tiver
influenciado na escolha do Brasil, não é mencionado depois, sem
ser possível saber o que ocorreu com ele, e por que ele não veio
para o Brasil. Os autores que contam a história de Penedo, no
Brasil, nunca o mencionaram, e ele parece nunca mais ter vindo
para cá, de acordo com as entradas em navios no porto
(FAGERLANDE, 1998b).
Outro motivo que atraiu Uuskallio foi a situação de paz
reinante no Brasil, pois Valtonen (1998) fala que Uuskallio citava
ainda suas lembranças da guerra de 1908 para explicar seu
horror às guerras, e de como achava bom estar no Brasil, um país
sem guerras.
A idéia de emigração era bastante familiar ao finlandês
desde o século XIX. Nesse período houve um grande movimento
migratório em direção à América do Norte. Alguns dos emigrantes
para Penedo, como Matts Bertell, haviam participado desse
movimento, buscando trabalho nos EUA
37
, e outra participante de
Penedo, Lilli Bertell também queria ir para os EUA, quando tinha
36
Notícias de Helsinki, em finlandês – tradução nossa.
37
Matts Bertell esteve nos EUA e voltou para a Finlândia, ainda no século XIX.
23 anos, em 1924, não conseguindo visto (FAGERLANDE, 1996).
Outros imigrantes, como Tyynne Sarva, Lyyli Jouskari e Toivo
Sipilä queriam ir para o Canadá ou os EUA, mas havia
dificuldades para emigrar para esses países nos anos 1920
(FAGERLANDE, 1999b), e dessa maneira o Brasil era a melhor
alternativa.
3.3 A VINDA DO PRIMEIRO GRUPO EM 1927
Uuskallio organizou a vinda inicial de um pequeno grupo,
com ele próprio, sua esposa Liisa, Frans Armas Fagerlund
38
, Eino
Kajander e Enok Nyberg (MELKAS, 1999; FAGERLANDE, 1998a)
(Figura 16). Vieram no navio La Corunã, chegando em 01 de
setembro de 1927, e se instalaram no Rio de Janeiro em um local
de recepção de alemães, o chamado Deutsches Männerheim
39
.
Como Uuskallio dominava o idioma, buscou a ajuda dos círculos
alemães, em especial a associação alemã Deutscher Hilfsverein
40
para se posicionar na nova cidade (UUSKALLIO, 1929).
Logo no primeiro dia eles foram ao Instituto Berlitz, para ter
aulas de português, além de circular pela cidade para conhecer
melhor os hábitos do país. Uuskallio descreve a cidade, seus
principais lugares turísticos e seus hábitos, principalmente os
38
Frans Armas Fagerlund trocaria seu nome mais tarde para Armas Parno
39
Deutsches Männerheim significa Casa dos homens alemães (FAGERLANDE,
1998a).
40
Deutscher Hilfsverein significa Sociedade Beneficente Alemã tradução
nossa.
76
alimentos encontrados, como frutas e verduras (UUSKALLIO,
1929). Como estavam à procura de uma fazenda para comprar,
visando fundar o novo assentamento nos trópicos (VALTONEN,
1998; MELKAS, 1999), ficaram pouco tempo na cidade, em torno
de um mês (UUSKALLIO, 1929).
Uuskallio também procurou ajuda na representação
finlandesa no Rio de Janeiro, junto ao nsul Kalle Aapro, que foi
contrário ao projeto do grupo de criação de uma colônia no Brasil.
Sua oposição era tamanha que mandou carta ao Ministério das
Relações Exteriores da Finlândia solicitando a divulgação de
alertas na imprensa sobre as dificuldades de se estabelecer no
Brasil. Foram publicados comunicados em jornais de algumas
cidades na Finlândia em 1928 sem, no entanto, abalar o
empreendimento. Mais tarde esse mesmo cônsul melhoraria sua
visão a respeito de Penedo, após contatos com outro diplomata,
Viljanen, que tinha viajado pela América do Sul nos anos de 1927
e 1928, e o convenceu a não se opor ao projeto
41
. De qualquer
maneira, a visão de ambos era de que os nórdicos não se
adaptariam ao clima do Brasil (MELKAS, 1999).
Toivo Uuskallio tinha 35 anos ao chegar, e apresentava
como profissão jardineiro. Sua esposa era a única mulher do
grupo, Elisabeth Matilda, que todos chamavam Liisa
41
Mais tarde Apro e sua família seriam alguns dos primeiros hóspedes de
pensões em Penedo, incentivando a atividade nascente junto à comunidade
estrangeira e diplomática.
(VALTONEN, 1998), e tinha 26 anos ao chegar ao Rio de Janeiro,
apresentando como profissão dona de casa.
Um dos componentes do grupo era Frans Armas Fagerlund,
solteiro, natural de Hiitola, na Carélia, com 24 anos ao chegar, e
que se declarara agricultor na entrada
42
. Valtonen (1998) fala que
ele havia se tornado vegetariano por acaso, ao ler na Bíblia um
conselho de Pedro para curar doenças de estômago comendo
repolho
43
. A partir daí passou a comer somente verduras e frutas,
plantando-as na cidade em que morava, Viipuri. Conheceu
Uuskallio no Sanatório de Kirvu, na Finlândia (VALTONEN,
1998)
44
, em 1925, através de Toivo Suni (MELKAS, 1999). A
partir daí resolveu segui-lo em seu projeto para a criação de uma
sociedade vegetariana no sul, vendendo sua propriedade e
rumando para o Brasil.
Os outros integrantes, que completavam esse grupo inicial,
foram Eino Kajander e Enok Nyberg. Melkas fala que Kajander
veio para Brasil por motivos idealísticos, como demonstra seu
artigo na Revista Terveys, onde dizia que queria viver junto à
42
Os estrangeiros ao entrar no país tinham que declarar a idade, estado civil e
profissão. Com relação à profissão grande parte dos finlandeses declaravam
atividades ligadas à agricultura, para serem melhor aceitos pela imigração no
Brasil (FAGERLANDE, 1998a), e conseguiam vantagens junto so governo
brasileiro, como passagem gratuita de trem (MELKAS, 1999).
43
Não parece provável haver repolho nas épocas bíblicas, mas sim outras
verduras e comida vegetal.
44
O álbum de fotografias de Armas Parno (então Frans Fagerlund) mostra
inúmeras fotos de Kirvu, com fotos de 1925, inclusive com dedicatórias de
Maalin Bergström e Dr Lybeck, comprovando a grande ligação de Parno com o
movimento na Finlândia.
77
natureza. O outro componente do grupo, Nyberg, era
aparentemente seu amigo (MELKAS, 1999).
Melkas (1999) conta que cada um custeou sua viagem, mas
que Uuskallio pegou dinheiro emprestado para a viagem, e que
Parno (apud MELKAS, 1999) dizia que não tinha havido nenhum
planejamento para a viagem. Valtonen (1998) fala que Parno
havia dito a ele que tinha financiado a viagem para o grupo, e que
Uuskallio não reconhecia isso, e que quem pagou a viagem
pelo interior do Brasil, em busca da fazenda ideal a ser comprada,
foi Toivo Suni (VALTONEN, 1998).
Durante a estada no Rio de Janeiro Uuskallio escreveu seu
livro Na viagem em direção à magia do trópico. Com esse livro,
além de divulgar suas idéias e o conhecimento do Brasil,
Uuskallio pretendia ganhar algum dinheiro. (VALTONEN, 1998).
Era um livro descrevendo hábitos brasileiros, e também sua
viagem de navio desde a Finlândia, passando por diversos
países, com críticas aos costumes da época, e descrição da
cidade do Rio de Janeiro, seus lugares tusticos e costumes da
população.
Nesse período que passou no Rio de Janeiro Uuskallio se
correspondeu com Heikel, que estava no Paraguai. Ainda não
havia sido feita a escolha definitiva pelo Brasil, havendo a
possibilidade de ir para o Paraguai, como fala a carta de Heikel
(MELKAS, 1999). Devido aos problemas de vacinas, Jalkio não
quis vir ao Brasil, mas se correspondia com Uuskallio, e queria
que ele fosse para a Jamaica, o que este ponderou fazer. Melkas
fala que Liisa foi contra irem ao Paraguai, e que Uuskallio nunca
foi àquele país, descartando também a hipótese da Jamaica.
Ao grupo inicial logo se juntou Toivo Andreas Suni, vindo no
navio Massília em 25 de abril de 1928. Grande amigo de Toivo
Uuskallio, esse professor da Carélia havia vendido sua casa para
seguir seu mestre em idéias naturais (VALTONEN, 1998).
Deixara sua esposa, professora primária, e seus filhos para vir
conhecer o Brasil. Ao entrar no país declarara como profissão ser
lavrador (FAGERLANDE, 1999c).
Logo se juntou ao grupo o jovem Ole Aartelo, que chegou
ao Rio de Janeiro em 07 de dezembro do mesmo ano. Ele havia
conhecido Uuskallio quando este foi à sua cidade, Pori, para uma
palestra. Uuskallio havia circulado pela Finlândia para divulgar
suas idéias, especialmente pela região costeira, de onde saiu a
maioria dos emigrantes finlandeses. Apesar da pouca idade,
dezessete anos, veio sozinho em um navio para o Brasil.
Aartelo contou a Valtonen (1998) como conheceu Toivo
Uukallio, a quem chamavam de Irmão, ou profeta. Uuskallio tinha
escrito um livro, “Aparições e Experiências”, onde falava de
guerras e pestes, com a terra molhada de sangue, e esse medo
das guerras era um dos motivos que ele alegava em suas
palestras para convencer as pessoas a migrarem da Finlândia.
Suas idéias vegetarianas e pacifistas eram as bases para a
78
criação da nova comunidade nos trópicos, e o jovem Aartelo foi
convencido desses ideais e resolveu se juntar a esse grupo.
3.4 A COMPRA DA FAZENDA PENEDO, EM 1929:
Uuskallio tinha vindo para o Brasil em busca de terras para
estabelecer sua sociedade ideal, e estava à procura de uma
fazenda para comprar, onde pudesse instalar os finlandeses que
o seguiam em seus projetos utópicos. Valtonen (1998) diz que ele
conheceu um religioso alemão, do Mosteiro de São Bento, em um
restaurante vegetariano que ele frequentava. Uuskallio conta, em
seu livro, que foi ao Mosteiro de São Bento falar pessoalmente
com o superior da Ordem, o Abade Pedro Eggerath, e recebeu a
oferta de emprego para ser responsável por uma das fazendas de
propriedade dos religiosos, em Barra Mansa, no vale do Paraíba,
a Fazenda Três Poços (UUSKALLIO, 1929). Todos aceitaram, em
conjunto, o trabalho, pois seria uma oportunidade de conhecer
melhor o interior do Brasil e suas fazendas. Além disso, poderiam
verificar as possibilidades concretas de se viver no Brasil, com
relação ao clima e alimentação. Segundo Melkas (1999) eles
ficaram lá até abril de 1928.
Situada a 100 km do Rio, a fazenda estava às margens do
Rio Paraíba do Sul, e nela havia uma Estação da Estrada de
Ferro Central do Brasil (EFCB). começaram a plantar repolho,
tomate, cenoura e alface. De acordo com Hildén (1989) a
experiência foi importante para verem o que se poderia plantar
nas terras tropicais, tão diferentes de seu país de origem (Figuras
17 e 18). Viram como as árvores frutíferas cresciam bem, e
causou-lhes espanto também a ausência de equipamentos e
maquinaria para a agricultura, sendo o trabalho realizado
somente com enxadas e regadores. Observando os morros
devastados, Uuskallio observou:
Por que tinham sido destruídas grandes florestas tropicais para
tantas plantações de café, cacau, fumo, cana-de-açúcar, algodão
e cereais, e por que tantos pastos de gado? Todas essas áreas
poderiam ser pomares florescentes produzindo o alimento natural
(apud HILDÉN, 1989, p.22).
Mais uma vez nota-se que a visão de Uuskallio era de
preservação da natureza, e de que a agricultura deveria ser a
favor do homem, provendo-o com o melhor dos alimentos, sem
precisar devastar as florestas para produzir alimentos para todos.
Após um período na Fazenda Três Poços, acharam o local
muito quente, e resolveram sair, em busca de outros lugares com
clima melhor para se instalarem (VALTONEN, 1998). Nesse
momento Kajander e Nyberg decidiram ir para o Paulo, se
separando do grupo, pois tinham se decepcionado com as
possibilidades de trabalho no Brasil, que consideravam iguais às
encontradas na Finlândia (MELKAS, 1999).
De acordo com Melkas (1999) a ida para Três Poços foi
fundamental para a futura colônia, pois conheceram melhor o país
e as condições de vida e da agricultura eles ouviram falar da
79
Figura 17 - Toivo Uuskallio, Frans Fagerlund, Enok Nyberg e Eino Kajander na
Fazenda Três Poços [1928].
Fonte: Álbum Armas Parno 02
Figura 18 - Frans Fagerlund, Toivo Suni, Liisa Uuskallio e Ole Aartelo
(agachado), na Fazenda Três Poços [1928].
Fonte: Álbum Armas Parno 02
Fazenda Penedo, que também era do Mosteiro de São Bento, e
que estava à venda, mas a questão não foi adiante, e eles nem
foram ver a fazenda; naquele momento.
Valtonen (1998) conta que Uuskallio disse para irem em
direção às montanhas, e dessa maneira foram de trem para a
Estação Homem de Mello
45
, ponto de partida de diversas
pequenas estradas em direção às montanhas de Itatiaia.
Uuskallio tinha sabido de pensões de propriedade de alemães em
locais com mais de mil metros de altitude, certamente através de
45
Estação Homem de Mello seria depois a Estação de Itatiaia (FAGERLANDE,
1998a).
seus contatos no Círculo Alemão, que ele freqüentava. Com
fluência nesse idioma, Uuskallio sempre manteve bons contatos
no meio germânico, e eles foram se hospedar na Pensão Walter,
em Itatiaia, de propriedade de um alemão.
Essa pensão era composta de pequenas casas espalhadas
pelo mato, e o grupo ficou num pequeno chalé de dois quartos,
sala e varanda, que serviu como base para a busca da fazenda
ideal para a colônia. Localizada onde é hoje é o Parque Nacional
de Itatiaia, a dez quilômetros da Estação de Trem, Uuskallio e
Suni começaram a procurar uma fazenda para criar a futura
colônia finlandesa. Os Toivos saíram pelos estados do Rio de
80
Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo atrás de
fazendas, e durante oito meses visitaram cerca de duzentas
fazendas (FAGERLANDE, 1998a).
Durante a temporada na Pensão Walter, Uuskallio fez
diversos contatos, importantes para a implantação da colônia. Ali
ele conheceu o diretor do escritório de São Paulo da Agência
Brasileira de Notícias, Jaime Adour da Câmara, que se interessou
pelo projeto da colônia, e o divulgou em jornais de Rio e São
Paulo, de acordo com Pennanen e Uuskallio
46
. Ainda nesse
período Uuskallio conheceu pessoas ligadas ao Ministério da
Agricultura, do setor responsável pelas colônias, de quem
recebeu muitas informações sobre a possibilidade de receber
terras do governo, ficando muito interessado (MELKAS, 1999).
As informações eram que se podia receber 25 hectares por
família, e que o governo ajudaria nas viagens desde o porto até
as terras, além de ajuda para construção de estradas,
alojamentos, máquinas, sementes e mudas. No entanto, os
relatos de experiências vividas por outros estrangeiros os levaram
a evitar florestas tropicais não habitadas, de maneira geral
oferecidas pelo governo. em seus primeiros contatos com os
alemães no Deutsches Männerheim, Uuskallio ouviu histórias
sobre expedições desastrosas de grupos alemães pela
Amazônia, em que muitas pessoas tinham morrido, e também
46
De acordo com Melkas (1999) não foram encontradas as matérias em
nenhum jornal importante no Brasil, nesse período.
que o clima não era apropriado para europeus (UUSKALLIO,
1929). Ele foi informado por quem tinha passado por essas
experiências de que, no geral, as terras oferecidas ou eram
montanhosas ou pantanosas, a ajuda demorava a chegar, e havia
controle sobre o que plantar, além de haver terras disponíveis
no Espírito Santo. (MELKAS, 1999).
Uuskallio pensou então na possibilidade de comprar as
terras em local com facilidades de acesso, e passou a procurar
fazendas de café e gado, concentrando-se nas fazendas
arruinadas, por serem mais baratas. o quiseram São Paulo,
pois naquele momento haviam testemunhado várias geadas, o
que os afugentou, pois queriam lugares mais quentes, com
bastante sol e calor. A escolha do Espírito Santo foi descartada,
pois acharam aquela região muito montanhosa e por isso
inadequada para o empreendimento (MELKAS, 1999).
Valtonen (1998) conta que, ao passarem pelo Rio de
Janeiro encontraram novamente o Abade do Mosteiro de São
Bento, que havia lhes oferecido o trabalho na Fazenda Três
Poços, e esse religioso alemão lhes ofereceu a compra de uma
fazenda de propriedade do Mosteiro, situada nas proximidades de
Itatiaia, junto à mesma montanha onde eles estavam. Felizes com
a perspectiva de encontrar a terra sonhada rumaram em direção
à Pensão Walter, constatando que a área de Itatiaia seria a ideal,
pois além da boa localização havia esse contato com os
religiosos do Mosteiro de São Bento, o que facilitava a transação.
81
Apesar de a fazenda estar próxima à Pensão Walter eles não a
tinham visitado ainda (MELKAS, 1999).
Com a expectativa de encontrar o lugar desejado, logo ao
retornar a Itatiaia montaram seus cavalos e foram em direção à
sede da Fazenda Penedo, situada a dez quilômetros do lugar
onde estavam hospedados. Segundo Melkas (1999), a data
dessa visita é incerta, e Valtonen (1998) fala que o grupo foi
recebido pelo administrador, um religioso alemão. Logo a visão
das montanhas e do vale que se espraiava encantou a todos, e
Liisa (apud VALTONEN, 1998) teria dito a Uuskallio que a
providência os havia guiado para aquele lugar. Estava escolhido o
lugar da nova comunidade, a Fazenda Penedo. Liisa Uuskallio
(1979) conta que eles foram a cavalo até aquela velha fazenda,
numa viagem interminável.
Chegamos numa curva do caminho donde se podia descortinar
a vargem e o sobrado. A vargem não parecia apertada, mas o
sobrado e a senzala pareciam abandonados. Tristes. Sempre
admirei o estilo do sobrado e onde se via que fazenda mudava
dono frequentemente.
Melkas (1999) cita carta de Uuskallio, publicada no jornal
Työkansa
47
em 08 de novembro de 1928 em que ele fala que
finalmente haviam encontrado a fazenda, e explica o porquê de
sua escolha. Uuskallio fala que ela oferecia as condições básicas
buscadas por ele, estando situada em lugar com clima tropical,
47
Trabalho do povo em finlandês, tradução nossa.
mas o quente demais, localização calma, facilidades de
acesso, águas protegidas, preço baixo e possibilidades para o
futuro. Melkas (1999) fala que Uuskallio, que era pouco ligado a
questões pticas, nesse caso teve o cuidado com essas
questões, para a escolha do local mais adequado.
É importante lembrar que a Finlândia é um país bastante
plano, em que suas maiores elevações não atingem 600m de
altitude. De acordo com Peltoniemi (1986), Uuskallio sentiu ter
visto aquele local em seus sonhos, pressentindo um lugar
indicado por Deus. A sede ficava em área sem vegetação, junto
ao rio, e ao fundo encontrava-se a floresta, sobre as montanhas.
A pequena distância do rio Paraíba do Sul e da Estrada de Ferro,
que ligava o Vale do Paraíba ao Rio de Janeiro, também foram
pontos importantes na decisão.
A presença de alemães em Itatiaia e Mauá foi mais um
elemento a favor da escolha e, finalmente, a questão do preço,
que era mais baixo do que outras fazendas visitadas, fez com que
a decisão fosse sacramentada. Melkas (1999) fala de Resende, e
de mais três colônias na região, Porto Real, fundada em 1874,
Visconde de Mauá e Itatiaia, de 1908/1916, e de sua importância
para a escolha.
Mesmo sem ter todo o dinheiro para a compra, Uuskallio fez
uma escritura de promessa de compra e venda junto ao Mosteiro
de São Bento em 05 de dezembro de 1928, devendo ser fechada
a escritura definitiva em pouco tempo Para isso ele deu parte do
82
dinheiro que tinha como sinal, esperando receber o restante que
faltava da Finlândia (VALTONEN, 1998). Ele não consultou
ninguém para tomar essa decisão, pois acreditava estar guiado
pela mão de Deus, e estava confiante na sua missão. Logo após
a assinatura do documento o grupo se instalou na fazenda, em 7
de dezembro de 1928 (MELKAS, 1999).
No começo do ano seguinte foi concretizada a venda com o
registro da escritura de compra e venda da Fazenda Penedo
entre a Abadia Nullius de Nossa Senhora do Montserrate do Rio
de Janeiro (Mosteiro de São Bento) representado por D. Pedro
Eggerath, O.S.B, Abade do Mosteiro, e Toivo Uuskallio e Liisa
Uuskallio. Foi realizado o registro em 28 de janeiro de 1929, no
Rio de Janeiro, com uma hipoteca da propriedade, pois parte do
valor total dado na data da escritura e o restante deveria ser pago
depois. A hipoteca consistia em duas notas a serem pagas em
etapas consecutivas, a primeira em noventa dias e a segunda
vencendo em seis meses.
A descrição da propriedade na escritura diz ela incluir a
Fazenda Penedo e os tios de Ribeirão das Pedras, Castilho,
Boa Vista e Serrinha, a ela incorporados. A área total é de
seiscentos e noventa e sete alqueires, o que corresponde a
3.373,48 hectares, área a ser dividida em 250 lotes de 14
hectares, dentro do Plano Habitacional de Penedo. Pastos de
capim gordura, jaraguá, guiné e angola, e o restante em
capoeiras e matas virgens, e as construções existentes, como as
casas de morada e de colonos, barracões, moinho, cocheira,
estábulos, além de móveis e os animais, cinco cavalos, dez
burros e doze bois (FAGERLANDE, 1998b). Inicialmente a
fazenda seria vendida com a porteira fechada, mas Uuskallio não
quis as 300 cabeças de gado existentes, pois eles eram
vegetarianos e não queriam animais na fazenda, somente poucas
cabeças para o uso em carros de bois.
Durante o período cafeeiro, a Fazenda Penedo teve
diversos donos. Seu nome advém da grande pedra que domina a
paisagem, um penedo, que significa grande rocha ou rochedo
(FERREIRA, 1975). Não se sabe exatamente quem formou a
fazenda, ou construiu o Casarão. Whately (2003) fala que a Maria
Benedita Gonçalves Martins, considerada a rainha do café de
Resende, havia herdado muitas fazendas de seu pai, e adquirido
outras, entre as quais a Fazenda Penedo. Como ela faleceu em
1881 (WHATELY, 2003), essa aquisição foi antes dessa data, e a
fazenda estava formada. Bopp (apud FAGERLANDE, 1998a)
cita como antiga proprietária da Fazenda Penedo Maria Benedita
Martins, uma das primeiras povoadoras de Resende. Godoy
(1977) descreve ser a fazenda de 1885, e que sua primeira
proprietária teria sido Maria Clemente Magalhães Pereira. Na
Exposição Regional de Resende de 1885 aparece seu nome
como proprietária (como Maria Clementina Magalhães Pereira),
tendo a fazenda uma média de exportação de 5.000 arrobas de
83
café, uma das maiores produções da relação de produtores
(WHATELY, 2003).
Godoy fala que em 1893 a fazenda foi vendida por Arthur
Moitinho para Raul Lopes da Silva, de quem o Banco Hipotecário
do Brasil adquiriu, em 1898, a fazenda. Logo após João Peres
Branco, morador de Vassouras, a adquiriu do Banco, e em 1903 o
Tenente Coronel Manoel Gomes Assumpção, também de
Valença, e Plínio Rosálio Franklin permutaram a fazenda
(GODOY, 1977).
A escritura de compra e venda da Fazenda Penedo em 26
de julho de 1906, realizada entre o Tenente Coronel Manoel
Gomes de Assumpção e João Paulo Britto (FAGERLANDE,
1998b). Nova transação foi feita com a fazenda em 1909, com
Cristino Cruz e João Paulo Brito adquirindo a propriedade
(GODOY, 1977).
Bopp (apud FAGERLANDE, 1998a) fala que em 1913 o
governo desistiu de comprar as águas da Fazenda Penedo,
situada no distrito, e cita o proprietário como sendo o Dr
Cristiano Cruz. Esse proprietário vendeu a fazenda em de 30 de
outubro de 1915. Nova transação foi efetuada outra venda em 31
de outubro de 1917, tendo como vendedor Geminiano de Lyra
Castro (FAGERLANDE, 1998b).
Em 19 de agosto de 1918 foi feito novo registro de venda
entre João Campelo de Senna Rosa e Luis Migliora e Armando
Migliora. Finalmente a Fazenda Penedo foi para as mãos do
Mosteiro de São Bento, com registro efetuado em 30 de abril de
1921. A partir dessa data os monges mantiveram a fazenda, até a
venda para os finlandeses em 1929 (FAGERLANDE, 1998b).
Uuskallio fez a compra da fazenda em seu pprio nome,
pois isso, segundo ele, facilitaria as providências a serem
tomadas, nos casos de burocracia. Na prática, fez com que ele
fosse o dono oficial das terras, e com isso conseguiu gerenciar
empréstimos e toda sorte de acordos financeiros posteriores, sem
precisar prestar contas a ninguém. Foi a maneira encontrada por
ele de conseguir construir seu sonho. Essa atitude seria sempre
criticada, pois impedia os demais de negociarem com as terras,
além de conferir um enorme poder a ele.
Valtonen (1998) fala que Uuskallio pretendia comprar a
fazenda sem vender nada a ninguém. A fazenda seria em
comum, cada um recebendo sua parte, mas sem ser dono dela.
Ele conta que Uuskallio explicava da seguinte forma sua proposta
para a divisão das terras
[...] mas a fazenda se em comum. Cada um recebe a sua
parte. Escute agora eu explico: Supondo-se que um dono de
fazenda com terras e florestas e águas para pescaria, depois de
bem nutrido, morre sem deixar herdeiros. A fazenda vai a leilão e
quem pagar mais passa a possuir as terras. Quando o fazendeiro
morreu levou a terra consigo para o céu? Não senhor. A terra é de
Deus. Ela estava pronta antes de nós. O Criador a vendeu a
alguém? Naturalmente não. Nem deu direito de tomar posse
(UUSKALLIO, apud VALTONEN, 1998, p.25).
84
Ele dizia que estava em seu livro, mas Valtonen conta que
Frans Fagerlund dizia ter dúvidas sobre isso. Essa relação de
Uuskallio com as terras, e o projeto nem sempre bem explicado,
foi um motivo para grandes problemas durante todo o período da
colônia a sua venda em 1942. Uuskallio (1925, apud MELKAS,
1999) em seu primeiro livro, de 1925, realmente falava isso, de
que Deus era senhor de tudo, inclusive as terras, e que ninguém
tinha o direito de possuir nada, de forma individual. Esse
pensamento traduz a relação que ele tinha com a questão da
propriedade da terra na colônia de Penedo.
3.5 A LOCALIZAÇÃO DE PENEDO A REGO DE
RESENDE
A região sul do Vale do Paraíba começou a ser ocupada no
século XVIII. Eram tropeiros que vinham de Aiuruoca, Minas, e ao
encontrarem uma grande planície entre as cadeias montanhosas
da Serra do Mar e a da Mantiqueira, ali se estabeleram, onde
antes havia somente os índios Puris (WHATELY, 2003).
Nesse trecho do vale do Rio Paraíba do Sul os pioneiros
liderados por Simão da Cunha Gago, fundaram um pequeno
povoado em 1744 (MAX DE VASCONCELLOS, apud
FAGERLANDE, 1998a). Com a construção da Capela Curada,
em 1747, o povoado passou a se chamar Nossa Senhora da
Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova (WHATELY, 2003).
Em 1756 esse povoado foi elevado à Freguesia, e depois a
povoação de Nossa Senhora da Conceição da Paraíba Nova
virou a Vila de Resende em 1801 (WHATELY, 1998). A principal
atividade econômica dessa época era a criação de gado.
No início do povoamento a atividade econômica mais
importante era a criação de gado. A partir de 1790, iniciou-se o
cultivo de café, que atingiu grande desenvolvimento durante o
século XIX, peodo durante o qual Resende passou de vila à
cidade em 1848. Após construção de ponte sobre o Rio Paraíba
e estrada em direção ao sul de Minas, decidida pela Câmara
Municipal de Resende em 1826 mas executada dez anos depois,
houve incentivo à ocupação e desenvolvimento econômico da
outra margem do rio. Nesse período foi criado o povoado de
Campo Belo, futuro município de Itatiaia, em 1842 (WHATELY,
2003; BOPP, apud FAGERLANDE, 1998a).
As fazendas da região transportavam sua produção por via
fluvial até Resende, e dali, a partir de 1873, pela Ferrovia D.
Pedro II, atual Central do Brasil, que levava a produção ao Rio de
Janeiro. Com a decadência da produção cafeeira esses
produtores transferiram-se para o interior de São Paulo, e as
terras da região passaram então a ser ocupadas novamente pelo
gado.
Com o desenvolvimento da criação de gado leiteiro, no
início do século XX, Resende passou a ser responsável por um
terçoda produção de leite do estado, e seu segundo produtor de
manteiga (WHATELY, 2003).
85
Mapa 08 Localização de Penedo, no mapa do Brasil e no estado do Rio de
Janeiro.
Fonte: SOUSA,; FAGERLANDE; HONKALA, 2002. Contracapa.
Mapa 09 - Mapa da Região de Resende, com a marcação da estrada de ferro, as
principais cidades, a Fazenda Penedo e seu antigo caminho de acesso.
Fonte: Google Earth, acesso em 26 de julho de 2007
Outras cidades da região tiveram seu desenvolvimento
ligado à imigração européia, como é o caso de Porto Real.
Atualmente município autônomo, Porto Real deveu sua formação
original aos italianos. Várias famílias, que teriam o destino do sul
do Brasil, chegaram à região em 1874, e devido a uma epidemia
de febre amarela não puderam alcançar seu destino final, em
Santa Catarina, terminando por se fixar nas terras fluminenses
(WHATELY, 2003).
Essa experiência, feita com o patrocínio oficial do governo
imperial, visava o desenvolvimento da agricultura, em especial a
cana de açúcar, dentro de um embrionário projeto de substituição
da mão de obra negra, que mais tarde foi aplicado em São
86
Figura 19 - Fotografia de Resende [193-].
Fonte: Álbum Armas Parno 02
Paulo e no sul do país (BEVILACQUA, 1998).
Outra importante experiência de colonização estrangeira na
região foi realizada na região que hoje forma o Parque Nacional
de Itatiaia. Essas terras haviam pertencido ao Visconde de Mauá,
e o governo federal as comprou em 1908, desenvolvendo nelas
um projeto de colonização estrangeira.
A semelhança das regiões montanhosas dos Alpes atraiu
imigrantes alemães para o Núcleo Colonial de Visconde de Mauá,
desenvolvido entre 1908 e 1916. Era mais um caso de
colonização com apoio oficial, e tanto o Núcleo de Mauá como o
Núcleo de Itatiaia funcionaram com subvenção governamental.
Por uma série de fatores, inclusive a dificuldade de
transportes, a atividade agrícola não obteve sucesso, e as terras
acabaram sendo ocupadas por gado leiteiro. Apenas algumas das
famílias que participaram de experiência se mantiveram no local,
e além das atividades rurais acabaram por estabelecerem
pousadas e pensões, que mesmo sendo inicialmente bastante
rústicas, formaram a base da atual indústria de turismo da região,
com hotéis como o Bühler, que tiveram sua origem nesse
momento (LANFREDI, 1998).
Em 1918 a Estação de Trem de Campo Belo passou a se
chamar Homem de Mello (BOPP, apud FAGERLANDE, 1998a). O
87
povoado de Campo Belo passou a vila somente em 1938,
recebendo o nome de Itatiaia em 1943 quando virou 2° distrito do
município de Resende. No núcleo alemão de Itatiaia, localizado
em Campo Belo, foram criadas pensões e hotéis, e foi justamente
em uma que se hospedaram os primeiros finlandeses a chegar à
região em 1927, a Pensão Walter, que de acordo com Fagerlande
ainda existe com o nome de Hotel Donati (FAGERLANDE,
1998a). De acordo com Sá Corrêa (2003), Josef Simon, que mais
tarde fundaria o Hotel Simon, chegou em 1923 às terras da
Colônia de Itatiaia e se hospedou com o Sr. Walter, que
morava ali. Diz ainda que em 1928 o Sr Robert Donati, também
alemão, comprou a pensão do Sr Walter e fundou o Hotel
Repouso, atual Hotel Donati, inaugurado em 1931. Com a criação
do Parque de Itatiaia, em 1937, houve grande impulso às
atividades turísticas, que somente ultrapassaram a atividade
leiteira em importância a partir das décadas de 1970 e 1980
(LANFREDI, 1998).
Foi nessa região, no então município de Resende, que foi
criada a Fazenda Penedo, em um vale nas encostas do Maciço
de Itatiaia. As fazendas daquela região de Resende eram
acessíveis através da Estação de Trem Marechal Jardim, da
EFCB, que ficava próxima ao Rio Paraíba do Sul, pois ainda não
havia estradas de rodagem ou caminhos por terra.
3.6 PENNANEN E A DIVULGAÇÃO DA COLÔNIA NA
FINLÂNDIA
O projeto da colônia vegetariana de Penedo tinha uma base
organizada na Finlândia chamada de Amigos de Penedo
(PENNANEN, 1929). Esse grupo tinha se organizado após muitos
encontros do movimento naturalista e vegetariano. Em reunião no
Sanatório de Suoniemi em 1928, ainda questionavam a opção
pelo Brasil como lugar para a criação da colônia, e a escolha da
Fazenda Penedo por Uuskallio (MELKAS, 1999). Havia dúvidas
também com relação ao dinheiro necessário para a compra, pois
a quantia estava bastante acima das possibilidades do grupo.
Finalmente em 05 de julho de 1928, em nova reunião em
Tampere, os amigos de Penedo decidiram pela compra da
fazenda. Foi então escolhido o Pastor Penannen como
responsável pela campanha financeira de arrecadação de fundos,
pois além de ser uma pessoa com grande credibilidade junto à
sociedade, tinha experiência no assunto.
Harri David Pennanen era capelão da Igreja Luterana em
Ourivesi, e tinha sido, em 1924, diretor do Centro de Trabalho
Social de Toukola e diretor de sua Universidade Livre, em Viipuri.
Nesses cargos sempre teve que contar com campanhas
financeiras para financiar suas atividades. Além disso, era muito
amigo de Uuskallio, participante do movimento vegetariano do
SVY e com acesso à Igreja Oficial da Finlândia. Segundo Melkas
(1999), ele tinha conhecido Uuskallio em uma reunião de
88
movimentos cristãos no verão de 1925, em que também
participavam Jalkio e Skutnabbin.
Além de ser pastor, Pennanen atuava como editor do
principal canal de propaganda desse grupo, o jornal Työkansa,
publicado pela Associação Cristã de Operários, movimento
socialista cristão de Tampere, interior da Finlândia, entre os anos
de 1924 e 1930 (VALTONEN, 1998; MELKAS, 1999). Ele
conseguiu obter boa divulgação nos jornais durante o ano da
fundação, 1929, pois mantinha uma coluna semanal no jornal,
que tinha como leitores e assinantes muitos amigos e
simpatizantes da causa de Uuskallio. Seu trabalho enfatizava o
somente os aspectos ideológicos, mas também as vantagens
econômicas que se vislumbravam na nova colônia.
Pennanen tentou diversas fontes de financiamento, junto à
Igreja, governo finlandês e bancos, sem sucesso. A melhor
alternativa foi a criação de uma campanha dedicada a
arrecadação junto aos interessados, de maneira individual, com a
venda de bônus. Dessa maneira se daria aos participantes ações
do negócio, à semelhança da extinta Sociedade Paradiso. Tendo
sua base estabelecida principalmente em torno dos Sanatórios de
Kirvu e de Suoniemi, com pessoas ligadas a eles e ao movimento
vegetariano, as pessoas que haviam criado a Sociedade Paradiso
auxiliaram de maneira decisiva o projeto. Esse grupo gerenciava
as campanhas financeiras e de propaganda, tanto para angariar
fundos que viabilizassem a compra da fazenda quanto e sua
manutenção durante certo peodo, como também para indicar
candidatos que quisessem se aventurar no novo mundo.
Pennanen (apud MELKAS, 1999) cita a participação de 200
pessoas financiando o empreendimento.
Como integrante dessa organização Pennanen (1929) fala
do grupo como um movimento que tinha a preocupação de
divulgar as idéias de Uuskallio, informar a respeito de Penedo, e
que eram pessoas muito conceituadas na sociedade, sendo suas
opiniões importantes para todos os que seguiram o projeto e
foram aceitos para ir para a colônia. Faziam parte do grupo
Maalin Bergström, chefe do escritório e Adolf Welsenburg, de
Kirvu, o relojoeiro Toivo E. Louhimo, de Viipuri, o jardineiro Matti
Mikkonen, de Leinijärvi, o irmão de Toivo Uuskallio, Niilo
Uuskallio, de Antrea, o diretor Kalle Vilgren, de Lahti, Siiri
Mannienen e o professor Jalmari Kauppala, de Helsinki, o
professor August Kuusisto, de Turku, o agricultor Alfred Lalla, e o
professor I.A.Lalla, de Laitila, o ourives Väinö Nurmi e o ferroviário
Eino Valtonen, de Pori, a diretora Rauha Lukkala, de Suoniemi, o
síndico Heikki Vartiainen, de Tampere, e o pastor H.D. Pennanen
e esposa, de Ourivesi (PENNANEN, 1929). Muitos deles
chegaram a ir a Penedo, mas não se estabeleceram lá, com
exceção de Bergström e sua filha, por algum tempo, e o filho de
Eino Valtonen, Niilo Valtonen, por toda a vida. Outros estiveram
na colônia, como Kuusisto, Nurmi com a família, Lalla e família,
89
Manninen, Lukkala e mesmo Pennanen, mas certamente não se
fixaram por lá (FAGERLANDE, 1998a).
Os grupos ligados ao movimento social e da igreja foram os
principais incentivadores do movimento. Não houve ajuda por
parte de nenhum governo, nem do finlandês nem do brasileiro,
sendo um empreendimento basicamente privado, e havia
inclusive preocupação com os impostos e também com a
possibilidade de estímulo de empresas privadas que
eventualmente pudessem utilizar a colônia para a divulgação de
seus produtos, o que aparece nos textos de Uuskaallio (1929) e
Pennanen (1929).
O principal elemento de sua propaganda foi o livro escrito
por ele, após visita feita à Fazenda Penedo, pouco antes da
compra, em 1928, e editado logo após, em 1929 (VALTONEN,
1998), chamado de Fazenda Penedo, um empreendimento
agrícola finlandês no Brasil, e que é um retrato bastante favorável
da Fazenda e da região, e também do projeto a ser implantado.
Pennanen tirou muitas fotos da fazenda, sempre buscando o lado
mais positivo da região e do empreendimento, e no final do livro
existe um questionário, onde se buscam informações sobre os
candidatos interessados em participar da Conia de Penedo
(PENNANEN, 1929).
O questionário
48
visava colher informações básicas das
pessoas, como nome, local de nascimento, língua materna,
escolaridade, religião, se fez o serviço militar, o que pensava da
pátria e questões relativas a atividades políticas e sociais. Além
disso, solicitava informações sobre saúde, alimentação, e
questionava diretamente sobre o interesse a respeito da
alimentação vegetariana e uso de café, bebidas e outros
estimulantes, e alguns itens são referentes a esportes, canto ou
prática de música e associações culturais e políticas, como
partidos e organizações religiosas.
As perguntas são bastante amplas, e questionam sobre o
conhecimento do candidato a respeito da obra e pessoa de Toivo
Uuskallio, e de seus escritos, além de querer saber a respeito do
Työkansa, livros e jornais relativos ao projeto de Penedo.
Uma série de perguntas era relativa às condões
financeiras do candidato, e de como este poderia participar do
empreendimento, mostrando o modo que era realizado a parte
financeira do empreendimento e a maneira das pessoas
comprarem suas partes.
O questionário falava das condões da viagem, e da
estadia em um país estrangeiro, se a pessoa interessada seria
capaz de deixar para trás sua terra e família, para viver em um
48
O questionário é composto de 71 itens, e faz parte do livro de Pennanen
(1929) para divulgar a colônia. Foi traduzido por Alva Fagerlande, e também
aparece no original como anexo do livro de Melkas (1999). Sua tradução
aparece no anexo desse trabalho.
90
local distante. Em outro item aparecia a questão da habitação na
fazenda, mostrando as dificuldades existentes naquele momento,
em que a moradia seria coletiva, antes de existirem casas
individuais, e ao final do questionário aparece referência à
estrutura na Finlândia que administrava o projeto naquele país.
A escolha das pessoas para virem ao Brasil era bastante
criteriosa, levando em conta o preenchimento desse amplo
questionário a respeito das intenções e das possibilidades das
pessoas. Pennanen é descrito por imigrantes, como Hildén
(1989), sendo uma pessoa bastante engajada no processo de
escolha e convencimento dos viajantes. Apesar desse
engajamento ideológico, o comentário de pessoas que vieram, já
em Penedo, é que o que realmente interessava era a pessoa
poder pagar sua vinda (VALTONEN, 1998).
Percebe-se, na realidade, que ambos os fatores foram
importantes. A questão financeira era crucial, num
empreendimento sem apoios financeiros importantes. Por outro
lado, sem idealismo e vontade, ninguém conseguiria largar seu
país na Europa e se aventuraria num lugar ermo e distante no
interior do Brasil (FAGERLANDE, 1998a).
A vinda para Penedo refletia um momento em que muitos
finlandeses desejavam mudanças, fosse por motivos ideológicos,
climáticos ou simplesmente para melhorar de vida. As
experiências em outros países, por meio de emigração tradicional
para países como EUA, Canadá e Suécia, ou através de
experiências em colônias ditas utópicas, como Sointula no
Canadá certamente eram familiares a muitos finlandeses.
Hildén (1989) fala de artigo de Pennanen, que saiu no
Työkansa no final de 1929, onde ele falava da destruão da
natureza na Europa, com as florestas sendo derrubadas, e de
como ali a vida natural e junto a Deus era difícil e antinatural.
Penedo foi comprada em razão das leis sagradas que devem
ser obedecidas. O não cumprimento destas leis da vida é a
causade toda a confusão e o caos. A vida é regida pelas severas
leis de causa e efeito. As leis da natureza são sagradas e divinas;
é num país onde se pode viver em harmonia com a natureza; o
homem e as palmeiras devem viver juntos. Instintivamente
ansiamos pela vida onde os topos de palmeiras sussurram sobre
a paz. As cadas futuras demonstrarão que a paz é impossível
enquanto os povos da Europa continuarem a viver a sua vida
antinatural que deteriora a saúde, arruína o solo, destrói as
florestas e reduz a terra a um deserto.‘Isto não precisa
necessariamente acontecer se começarmos a paz de maneira
certa. Isso não é nenhuma utopia nem filosofia tola, é uma
aspiração ponderada e prática para a vida natural. Volta à
natureza! Este é o nosso lema. Enquanto o homem moderno
destrói a natureza e despreza as suas leis, ele anda para a sua
destruição e perdição. Devemos escolher o caminho certo, e isso
é, sem vida, a causa de Penedo. Quem compreender estas
verdades está disposto a se sacrificar para que os ideais e os
anseios se realizem e que alcancemos as nossas metas
(PENNANEN, apud HILDÉN, 1989, p.52).
A preocupação em dizer que não se tratava de uma utopia
nem tolice parece ser uma maneira de dizer que a colônia era
viável, não sendo um sonho irrealizável, visto que o conceito de
utopia, mesmo naqueles anos, estava ligado a sonhos quiméricos
e sem a possibilidade de execução real. Sempre aparece nos
91
textos de Pennanen (1929) uma preocupação em mostrar que a
colônia se situa em local de fácil acesso, com bons transportes
por trem. Ele também sempre fala que seu der é uma pessoa
muito competente em sua área, de produção agrícola, para
desfazer eventuais preocupações com o destino da colônia, pois
havia uma grande divulgação na Finlândia a respeito de colônias
mal-sucedidas na América do Sul. Melkas (1999) também
questiona a propaganda tão intensa feita para uma colônia tão
pequena, lembrando que havia uma grande necessidade de
capital para a realização do empreendimento, e também a
concorrência com outras colônias, com Viljavakka, na República
Dominicana, e Villa Alborado, no Paraguai, que estavam
ocorrendo ao mesmo tempo e com possíveis candidatos a
emigrantes de perfil bastante semelhantes.
3.7 OS SEGUIDORES DO PROJETO
Enquanto no Brasil Toivo Uuskallio e seu pequeno grupo
procuravam pela fazenda onde seria instalada a colônia, na
Finlândia Pennanen fazia um trabalho de seleção dos candidatos
a formar o primeiro grupo de imigrantes (HILDÉN, 1989). A viagem
desse grupo de 28 pioneiros foi em navio que os levou até a
Alemanha, e dali um outro vapor partiria para o Brasil. A saída do
porto de Helsinki foi em 15 de maio de 1929, no navio alemão
Nordland, e a chegada no Rio de Janeiro deu-se em 16 de junho
do mesmo ano.
Como a bagagem não poderia exceder 60 kg, havia uma
lista dos objetos essenciais a serem levados. Homens deveriam
levar ferramentas como barras de ferro, machados, enxadas e
apetrechos de horticultura, e as mulheres levariam utensílios de
cozinha, cobertor de e algodão, lençóis, saco para colchão e
travesseiro. Era indicado ainda levar roupa de baixo, roupas de
trabalho de algodão, calção debanho e maiô, um roupão de pano
felpudo, além de roupa social de linho, ternos para os homens e
vestido para as mulheres (HILDÉN, 1989).
Na noite antes da viagem todos se reuniram no salão de
festas do Clube Feminino em Helsinki (Figura 20), onde
Pennanen fez um discurso de encorajamento, indicando a nova
vida que todos teriam, e a missão de todos em ajudar a
humanidade a encontrar um caminho melhor (HILDÉN, 1989). De
acordo com Fagerlande (1998a) não existe registro em Penedo
da chegada dos pioneiros, mas pesquisa realizada em arquivos
da chegada de navios indica que de 01 de setembro de 1927 até
16 de outubro de 1940 chegaram ao porto de Rio de Janeiro 321
finlandeses, sendo 208 registrados como imigrantes. O maior
fluxo foi no ano de 1929, com a chegada de 122 colonos. Em
1930 foi registrada a chegada de 21 pessoas, em 1931 vieram 23,
e a partir desse ano foram poucas as entradas, sendo que em
1938 chegaram 19 imigrantes.
92
Figura 20 - Foto de reunião em Helsinki, 11 de junho de 1929
Fonte: HILDÉN, 1989, p.9
O período em que foi criada a colônia foi bastante
conturbado, tanto no Brasil como no restante do mundo. O ano
de 1929 viveu uma forte crise econômica que ficou marcada
pela quebra da bolsa de Nova York. Logo depois, em 1930, o
Brasil foi palco de uma revolução, com a chegada de Getúlio
Vargas ao poder. Mais tarde, em 1932, a guerra esteve próxima
a Penedo, com a Revolução Constitucionalista em São Paulo,
estado que faz divisa com Resende, perto de onde se situava
Penedo.
Tempos depois a segunda grande guerra também prejudicou
o desenvolvimento do empreendimento, com a interrupção das
viagens entre Finlândia e Brasil (FAGERLANDE, 1998a), e a
retomada dessa ligação aconteceu somente após o término do
conflito, quando muitos finlandeses vieram para o Brasil. Nesse
momento, pessoas que haviam habitado Penedo regressaram,
como muitos jovens que tinham vindo ainda solteiros, e que
regressaram com suas esposas e filhos.
93
A maioria dos imigrantes eram trabalhadores, em diversas
áreas de atuação
49
, muitos voltados para a área agrícola e
florestal, outros para serviços de infra-estrutura, mas também
muitos tinham trabalhos urbanos, com pouca utilidade em uma
colônia rural (MELKAS, 1999). Algumas pessoas eram ligadas a
atividades em tratamentos de saúde e hospitais. Além disso,
por vezes a ocupação de agricultor não era realmente a
verdadeira, mas a apresentada para a obtenção de visto para o
Brasil, que privilegiava essa categoria de trabalhadores, pois o
governo sempre tinha o interesse em trabalhadores qualificados
para o campo. Apesar das idéias de Uuskallio serem anteriores
a 1929, é importante observar que grande parte dos imigrantes
veio depois da quebra da Bolsa de Nova Iorque
50
. Fagerlande
(1999b) fala que esse acontecimento foi bastante sentido na
Finlândia, aumentando a crise econômica que o país vivia
desde a independência e as guerras que se seguiram a ela.
49
De acordo com Melkas (1999), de um total de 120 pessoas, 30 se
declaravam agricultores, 16 trabalhadores, 10 donas de casa, 6 empregados,
4 professores, 3 trabalhadores de fábrica, 3 comerciantes, 3 eletricistas, 3
trabalhadores em hortas, 3 ferreiros, 2 carpinteiros, 2 balconistas, 2
massagistas, 2 jardineiros, 2 metalúrgicos, e os demais , em mero de 1
cada, paisagista/agrônomo, homem de negócios, trabalhador de obras,
trabalhador em ferrovias, oficial, pintor, trabalhos variados, trabalhador
agrícola, trabalhador florestal, coronel, garçonete, escritor, instrutor de pesca,
trabalhador de escritório, capataz, estudante, mecânico de aviões, funcionário
de sanatório, sapateiro, enfermeiro, babá, pedreiro, motorista, comissário de
polícia rural, mecânico, músico. As profissões eram as declaradas à
imigração, não correspondendo às vezes à realidade.
50
A quebra da bolsa de Nova Iorque ocorreu em 24 de outubro de 1929.
Lahteenmäki (1979) mostra que é a grande distribuição
espacial das pessoas que organizavam a vinda para o Brasil, e
suas profissões. Eram pessoas de classe média, profissionais
responsáveis, de maneira geral pessoas amigas e relacionadas a
Toivo Uuskallio havia anos, e as pessoas escolhidas para o
empreendimento estavam relacionadas a elas, de maneira geral
das mesmas cidades. É importante verificar que elas cobriam uma
vasta área do país, não concentrando os emigrantes em nenhuma
área específica. Apenas se verifica que a maioria vinha das maiores
cidades, não das pequenas, e que a cidade de onde vieram mais
imigrantes foi Tampere, seguida de Helsinki e Vipuri. Possivelmente
o fato de sediar a redação do jornal Työkansa contribuiu para essa
posição de Tampere (MELKAS, 1999).
3.8 A FAZENDA PENEDO NA ÉPOCA DA CHEGADA
DOS FINLANDESES
A Colônia Finlandesa de Penedo surgiu de uma antiga
fazenda de café, que havia se transformado em local de criação
de gado. Sua estrutura física era a de uma tradicional fazenda do
século XIX. Não se tratava de moradia nobre, e sim de centro
coletor de produção, que seria encaminhada a outra fazenda e dali
levada ao porto, e a sede possuía certa grandeza, mas sem
excesso de luxo. O pavimento inferior deveria ser utilizado para a
produção, e o segundo para moradia (FAGERLANDE, 1998a).
94
Figura 21 - Fazenda Penedo [1929]. Vista da estrada de acesso à fazenda.
Fonte: MELKAS, 1999.
Figura 22 - Casa Grande [1929 ou 1930]
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
Logo ao chegar à Fazenda o grupo formado por
Uuskallio, Fagerlund e Suni foi até Três Cachoeiras, local onde
começava a floresta, e pode ver como os morros estavam todos
desmatados, devido às atividades de ca e gado (VALTONEN,
1998). Na realidade, as matas ficavam somente no alto das
montanhas, e mesmo os pequenos morros estavam pelados,
como se pode ver pelas fotos de época. Não existiam
plantações, e as árvores frutíferas se restringiam a
jaboticabeiras e mangueiras, em torno da Casa Grande. Havia
ainda uma pequena usina de energia, movida pela foa do rio,
que fornecia eletricidade à fazenda, e a Casa Grande também tinha
água encanada (Figura 21).
A sede da fazenda era chamada de Casarão ou Casa Grande
por ser uma construção bastante grande, com dois pavimentos, em
formato retangular, ainda existente. Trata-se de construção do
século XIX, em forma de um paralelepípedo, onde a fachada
principal possui somente uma porta no pavimento inferior e quatro
janelas no superior (Figura 22).
As fachadas laterais possuem grande número de janelas,
sendo oito separadas e quatro agrupadas, formando um conjunto.
Os ângulos da casa são arrematados por pilastras gigantescas,
95
Figura 23 - Grupo de finlandeses em visita a moradores brasileiros da antiga
fazenda [1930].
Fonte: FAGERLANDE, 1998a
Figura 24 - Casa de colono [1929]. com Ethel, Kaisa e Gotte Bertell, e Frans
Fagerlund
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
encimadas por capitéis decorados (GODOY, 1977). Tratam-se
de detalhes padrão no vale do Paraíba, conferindo ao prédio
ares neoclássicos. Isso acontece também no hall de acesso
onde estava a grande escadaria para o pavimento superior. A
grande porta de acesso, em forma de arco abatido reforça certa
nobreza da construção.
A casa foi construída com cnica tradicional, de pau-a-
pique, sobre alicerce de pedra empilhada, com telhado em
quatro águas, coberto com telhas canal. Na época da compra,
as paredes eram pintadas em cor ocre, e depois foram caiadas,
possivelmente no final de 1930 (JOUSKARI, apud FAGERLANDE,
1999b).
Em torno dessa sede havia as dependências tradicionais de uma
fazenda da época, como um terreiro de secagem de café e um
anexo direto da residência, utilizado como cozinha e depósito. Um
pouco mais adiante estava a antiga senzala, a casa do
administrador, cocheiras e depósitos de café. Fora a casa principal,
as demais estavam em péssimo estado de conservação quando os
finlandeses chegaram. Além desse cleo central, havia vários
casebres, na maioria de pau-a-pique espalhados pela fazenda, que
96
eram casas de caboclos e antigos trabalhadores da fazenda
que ali permaneciam. Algumas eram não mais que barracos
bastante precários, e outros eram um pouco melhores. As fotos
de época mostram essas casas, normalmente de negros,
possivelmente antigos trabalhadores da fazenda, a quem foi
permitido ficar por algum tempo nas terras
51
(Figura 23). Essas
pessoas chamavam a atenção dos finlandeses, tanto pela sua
cor, como pelas condições precárias em que viviam
(FAGERLANDE, 1998a). Algumas dessas casas de antigos
moradores ainda eram habitadas, e outras não.
Por outro lado, alguns desses antigos habitantes da terra
ensinaram aos que chegaram alguns hábitos, e como cultivar
certos alimentos, que eram desconhecidos aos que chegavam
(VALTONEN, 1998).
Poucas dessas casas foram reaproveitadas de maneira
definitiva pelos finlandeses, exceto a casa do antigo
administrador, Alfredo Leal, e que foi usada por Jaakko Jämsä,
tornando–se mais tarde o início do Hotel Bertell, e outras
parecem, pelas fotografias que eram utilizadas de maneira
temporária, como abrigos durante passeios e banhos de rio
(Figura 24).
51
Diversas fotos encontradas mostram finlandeses junto a famílias de negros,
em casebres na Fazenda Penedo.
3.9 A VIAGEM DA FINLÂNDIA PARA PENEDO
De acordo com Fagerlande (1998a) até meados dos anos
1930 não havia linha de vapores ligando a Finlândia ao Brasil, e por
isso a viagem se dividia em três etapas. A primeira de navio desde
Helsinki até Stettin na Alemanha, a segunda de trem, até Hamburgo
ou Bremen na Alemanha ou até Bordeaux, no sul da França, e a
partir daí a travessia do Atlântico, por navio, totalizando cerca de
trinta dias de viagem (Figuras 25 e 26).
A partir de meados dos anos 1930, em grupos menores, teve
início a ligação direta com as linhas da Finland Syd Amerika Linjen,
sem precisar passar pelos trechos ferroviários, nem trocar de navio.
Ao chegar ao porto do Rio de Janeiro, todos os imigrantes
ficavam internados por alguns dias em uma hospedaria oficial
localizada numa ilha da Baía da Guanabara chamada Ilha das
Flores. Valtonen (1998) fala que quando os imigrantes chegavam
de navio eram encaminhados para essa ilha, onde eram vacinados
e inspecionados, para verificar suas condições de saúde, mas que
geralmente os finlandeses não tinham problemas, e saiam depois
de dois dias
52
.
Ao desembarcar era usual aos finlandeses que iriam para
Penedo se hospedarem em uma pensão na Lapa. Havia sempre
alguém de Penedo, normalmente Uuskallio, esperando pelos
52
De acordo com Fagerlande (1996), os documentos necessários para se entrar
no Brasil eram o Certificado Negativo de Antecedentes Criminais, Atestado de
Profissão Lícita, Certificado de Boa Saúde e Capacidade Física e Atestado de
Vacina.
97
Figura 25- Grupo no navio Ilmatar, em 07 de dezembro de 1930
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 26- Foto de grupo imigrante à bordo do navio SS Cordoba – 16 de junho
de 1929.
Fonte: SOUSA, 2002.
viajantes, e após poucos dias eles se encaminhavam para a
Estação da Central do Brasil, pegando o trem com destino a
Marechal Jardim (figura 27).
Para se chegar a Resende, e dali à Fazenda Penedo era
obrigatório o uso de trens da Central do Brasil. Partindo da
antiga estação do Campo de Santana, no Rio de Janeiro, a
viagem durava por vezes sete horas, ou mais. Fagerlande
(1998a) fala que a EFCB tinha uma ligação diária entre Rio e
São Paulo com a freqüência de cinco trens de passageiros. Na
Estação de Marechal Jardim paravam o “Misto” (Figura 28),
um trem de carga com apenas um vagão de passageiros, metade
primeira classe e metade segunda, que passava às 10:30 horas e o
“Expresso”, que chegava às 11:15 horas, tendo partido da Estação
Pedro II no Rio à 5:15 da madrugada.
Da cidade de Resende até a Estação de Marechal Jardim
eram seis quilômetros de distância (VALTONEN, 1998). A partir daí
mais seis quilômetros até a porteira da Fazenda Penedo (Figura
29), e mais seis quilômetros e meio até a sede. Entre a Estação de
Marechal Jardim a porteira da Fazenda Penedo havia somente
98
Figura 27- Trem saindo de Penedo, com Braf, Leskinen
e Asikainen [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 28- Desenho de Alva Fagerlande,
com Estação de Mal. Jardim e caminho
para Penedo.
Fonte: FAGERLANDE, 1996.
Figura 29 - Porteira da Fazenda Penedo [193-].
Fonte: JOUSKARI, 1958.
a Fazenda Ribeirão das Pedras, do Coronel João Barbosa da
Silva.
Marechal Jardim era a estação mais perto da entrada da
fazenda, e ficava junto ao Rio Paraíba do Sul. De era um longo
caminho de terra, que somente carroças, cavalos ou no máximo
carros de boi poderiam utilizar. Somente após a nova estrada,
feita pelos finlandeses, é que foi possível fazer o caminho de
caminhão. Ainda nos anos 40 se fazia esse percurso dessa
maneira (FAGERLANDE, 1998a).
Essa antiga estrada dos tempos da fazenda de café
alcançava a porteira da Fazenda, e seguia pelo morro até o
casarão sede da Fazenda. Dentro da fazenda havia outros
caminhos e picadas, mas nenhum deles era transponível por
automóveis, mesmo o de acesso à sede. Eram caminhos de bois
e cavalos, transportes existentes nos tempos em que a produção
de café ocupava aquelas terras.
99
Figura 30 - Grupo dentro do salão do segundo pavimento do Casarão [1929].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Depois de Toivo Uuskallio ter realizado a compra da
fazenda, com a ajuda dos grupos na Finlândia, teve início a
implantação de seu projeto. Ao mesmo tempo em que Pennanen
escolhia os que deveriam vir, com o consentimento de Uuskallio,
este, aqui em Penedo, tratava de criar as condições para receber
esses imigrantes. A propriedade, apesar do cuidado com sua
escolha e compra, apresentava diversas dificuldades para acolher
os novos moradores, necessitando de muitas benfeitorias para se
tornar o paraíso esperado pelos finlandeses. Ao lado de uma
natureza agradável, com um clima ameno, existiam dificuldades
como falta de moradias, de estradas, e mesmo dificuldades com
relação à agricultura planejada para a fazenda. Mesmo assim,
4. A IMPLANTAÇÃO DA COLÔNIA
100
com a chegada dos novos moradores, teve início a vida
comunitária, com todos os problemas e alegrias de uma nova
colônia, repleta de ideais e um grande projeto a cumprir. Como se
deu esse período, que teve inicio em 1929 e durou até o ano de
1942, quando a fazenda teve que ser vendida e a comunidade se
desfez, e os acontecimentos ocorridos durante esse tempo foram
contados por seus moradores, e redescobertos por suas
fotografias, que tornam visível a vida dessas pessoas, dia após
dia, nesse lugar tão impregnado de sonhos.
A história da formação urbana é resultado da soma das
histórias de seus habitantes, como cita Le Goff (1984), ajudando
a revelar a identidade do local e sua forma, da maneira como
descreve Rossi (2001), não somente de pedra e cal, mas uma
construção de vida das pessoas, durante um determinado tempo.
Os relatos pessoais, junto com documentos com as datas
de acontecimentos, fotografias com legendas e mapas formaram
um painel da vida diária dos habitantes desse novo núcleo
urbano, que foi surgindo na Fazenda Penedo. A partir de um
início que parecia difícil, mas onde ainda era possível sonhar com
os ideais comunitários, foi se verificando a necessidade de se
tornar cada vez mais realista a visão dos moradores, que foram
adaptando o Projeto Habitacional às suas necessidades,
mantendo alguns de seus ideais e deixando de lado outros.
4.1 A CHEGADA DOS PRIMEIROS GRUPOS
Após a compra da Fazenda, começaram a vir os grupos de
imigrantes. Várias pessoas foram chegando no começo do ano de
1929, e na Semana Santa havia 22 finlandeses na colônia
53
,
como aparece em relato de Siviä Rajalin, no Jornal Terveys, da
sexta feira santa de 1929 (FAGERLANDE, 1998a)
Nós 22 finlandeses somos de posições sociais e profissões
diferentes, mas aqui temos o mesmo valor. Fazemos juntos as
refeições no anexo da cozinha, com as janelas abertas a nossa
alimentação é vegetariana e sauvel.
O primeiro grupo oficial, escolhido por Pennanen para vir
para Penedo, chegou ao Brasil no navio Desiderade, em 16 de
junho de 1929, formado por 26 pessoas que deixavam a Finlândia
para se aventurar nos trópicos, rumo ao desconhecido.
Eram jovens, idealistas, que tinham o perfil mais adequado,
no entender dos organizadores do empreendimento, para a
formação da colônia ideal.
53
As vinte e duas pessoas devem ser as seguintes:
Hyväri, Amanda e Hyväri, Herman, que chegaram em 07/02/29 em navio
desconhecido. Colliander, Hugo; Fockman, Andréas; Kohlemainen, Armas; Lalla,
Erki; Markkula, Emil; Preelzman, Johannes; Ritari, Jussi; Stapsen, Taimi; Teräs,
Emil; Tukio, Aarne e Uusitalo, Väinö que chegaram em 24/02/29, em navio
desconhecido. Hannonen, Eino (23 anos, solteiro e mecânico); Sjöblom, Edvin
Bernhard (19 anos, solteiro e mecânico) e Toro, Matti (26 anos, casado e
carpinteiro) chegaram em 10/03/29, no navio Andes. Järveläinen, Otto Ilmari e
Vähäkallio, Lauri chegaram em 25/03/29, em navio desconhecido. As profissões
eram declaradas ao chegar, assim como as idades e estado civil. Além do casal
Uuskallio, Frans Fagerlund, Ole Aartelo e Suni. Talvez uma dessas pessoas não
estivesse no momento na Fazenda, pois o total de pessoas soma 23 pessoas.
(FAGERLANDE, 1998a; 1999b).
101
Figura 31 - Navio no porto – chegada de grupo de finlandeses [ca;1930].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Mapa 10 - Mapa e primeira página do diário de Erthel Bertell
Fonte: FAGERLANDE, 1996.
Nesse primeiro grupo estava Ethel Bertell. Ela deixou um
diário em que registrou desde os preparativos até a chegada ao
porto do Rio de Janeiro, que mostra bem como eram esses
pioneiros, que deixavam seu país em busca de seus sonhos
(FAGERLANDE, 1998a). Logo no começo do manuscrito (Mapa
10) Ethel Bertell fala que Pennanen havia estado em sua casa,
dizendo que ela estava entre os escolhidos para a primeira leva
dos que iam para Penedo. Seu relato continua com os detalhes
dos preparativos para a viagem, e a festa de despedida na
Associação de Operários Cristãos, em que todos estavam muito
felizes, com a presença de Pennanen e Mikko Airila, entre outros
(FAGERLANDE, 1996).
No mesmo navio veio seu iro Gottfried (Gotte) Bertell e
sua cunhada Katri. Ethel era enfermeira de crianças, tendo
experiência em hospitais, assim como seu irmão e cunhada, e
tinha trabalhado também com hidroterapia em Kirvu, sanatório de
Maalin Bergström, onde muitos dos imigrantes entraram em
contato com os ideais de Uuskallio. Sua família possuía uma
pequena propriedade rural em Kellokoski, perto de Helsinki, e
estavam todos decididos a vir para o Brasil, inclusive seus pais. A
102
família era originalmente de Pori, na costa leste da Finlândia, e
tinha ido para a região de Helsinki em busca de melhores
condições de vida (FAGERLANDE, 1996).
Ethel, Gotte e Kaisa tinham um forte desejo de viver junto à
natureza, e por isso tinham participado do grupo que pretendia
fundar uma colônia em Nice, sul da França, em 1925, a
Sociedade Paradiso, e desde esse tempo pretendiam emigrar
para o sul, realizando seu projeto vindo para Penedo. Segundo
Fagerlande (1998a), os Bertell tomaram contato com as idéias da
comunidade utópica em palestras de Pennanen, e ficaram
interessados em vir para uma terra onde houvesse um clima mais
ameno.
Em seu diário Ethel fala da viagem, iniciada no dia 16 de
maio de 1929, quando eles saíram da Finlândia no navio à vapor
SS Nordland. Como eram todos vegetarianos, ela fez comentários
sobre a alimentação, dizendo que não havia sido servido pão de
centeio, e sim ovos, comentando que os alemães deviam achar
que faziam parte da alimentação vegetariana. Chegando a Stettin,
pegaram um trem para Hamburgo, de onde embarcaram no navio
Desiderade em direção ao Brasil, passando pela França,
Espanha, Portugal, Dacar, e chegando ao Rio de Janeiro em 16
de junho de 1929 (FAGERLANDE, 1996) (Mapa 10).
Quando estava próximo da chegada ao porto do Rio de
Janeiro, Ethel deixou registrada sua expectativa com relação ao
novo mundo, ao falar de seus sentimentos frente ao futuro que a
aguardava:
Quando eu da próxima vez escrever estarei caminhando nas
terras de Penedo, se é que eu ainda escreva a respeito destes
sentimentos imperfeitos e que ainda mais imperfeitos se tornam
por eu o conseguir me expressar direito (apud FAGERLANDE,
1996).
O grupo era bastante heterogêneo, composto de 22
solteiros e somente dois casais. Algumas pessoas ficaram na
colônia, mas a maioria voltou no mesmo ano (FAGERLANDE,
1998a). Em 1929 chegaram seis grandes grupos de imigrantes,
sendo que a segunda grande leva a chegar ao Rio de Janeiro,
com destino a Penedo veio no navio Weser, em 24 de junho de
1929. Era composta de 32 pessoas, e dessa vez vinham mais
casais, cinco, e uma família de três irmãs, e ainda havia no grupo
pessoas mais velhas, apesar da maioria ser de jovens. Da
mesma maneira que aconteceu com o primeiro grupo, algumas
dessas pessoas ficaram em Penedo, e muitas outras voltaram
logo para a Finlândia (FAGERLANDE, 1999b).
No terceiro grupo a chegar, a bordo do navio Sierra
Córdoba em 05 de julho de 1929, estava a família de Toivo Suni.
Ele tinha vindo em 1928, e nessa leva chegaram sua mulher,
Laura, que tinha 31 anos, sua filha, Eva, com 6 anos e seu filho,
Paavo, de 7 anos (FAGERLANDE, 1999b). Suni foi um grande
colaborador de Uuskallio, e sua filha Eva Suni (depois Hildén) foi
103
importante personagem da história de Penedo, e que mais tarde
seria a idealizadora e executora de um museu de Penedo, além
de autora de importante registro da memória da colônia.
Ao chegar à fazenda Hildén (1989) ficou deslumbrada com
a paisagem, com as montanhas e especialmente com o rio. Logo
passou a tomar banhos nele, aproveitando suas águas cristalinas.
O pátio defronte ao casarão e as primeiras plantações, com
moças finlandesas tratando de tomates e verduras, logo lhe
chamaram a atenção, assim como as mangueiras e
jabuticabeiras, que eram algumas das poucas árvores existentes,
sendo novidades para a jovem finlandesa.
Em seu livro sobre Penedo Eva Hildén (1989) conta como
foi sua vinda para o Brasil. A despedida em Helsinki foi numa
reunião com muitas pessoas, inclusive o Pastor Pennanen, em
um salão onde os viajantes, cerca de trinta incluindo duas
crianças, subiam em um palco, para receber os aplausos de
todos. Essas crianças eram realmente um grande atrativo, por
serem as primeiras a irem para Penedo.
Eles vieram a bordo do navio Rügen, que saiu do porto de
Helsinki e atravessou o Báltico a a Alemanha, e dali o grupo
pegou um trem até Hamburgo, de onde partia o navio para o Rio
de Janeiro. Ao chegar ao Rio, pegaram o trem que parava na
Estação Marechal Jardim, onde o caminhão da fazenda os
esperava, onde as mulheres e as crianças foram instaladas
(HILDÉN, 1989).
O próximo grupo a chegar, o quarto, era menor, com sete
pessoas, e vieram no navio Massilia, que chegou em 25 de
setembro de 1929. Nele estava Akseli Viktor Lehtola, que vinha
com sua esposa, Aleksandra (Sanni) e sua filha Eila. Ele tinha 42
anos, Sanni 37 e Eila 13 anos, e era natural de Tampere, onde
havia trabalhado como sapateiro antes de concluir curso de
construtor e desenhista de arquitetura, quando começou a
construir casas na região. Eila Ampula (1997) conta em seu livro
que seu pai praticava ginástica em sua cidade, Tampere,
participando do grupo do Clube Tampereen Yritys, e era também
ator em um teatro amador, além de tocar violino e acordeão.
A família Lehtola soube do projeto de Uuskallio pelos
jornais, interessando-se pela idéia, especialmente devido aos
problemas de Eila com estudos, e com a vontade de buscar um
melhor clima para viver. Lehtola foi o grande construtor de
Penedo em seus primeiros anos, devido aos seus conhecimentos
técnicos, e segundo Fagerlande (1999b) ele fez os desenhos das
casas e as construiu, seguindo as idéias de Uuskallio.
Outro grande grupo a chegar, o quinto, chegou em 16 de
outubro de 1929, pelo navio Lutetia, e o último grande grupo a
chegar em 1929 foi pelo mesmo navio, chegando em 27 de
novembro ao Rio. Nesse navio chegou Matts Bertell, o patriarca
de sua família, que era a mais numerosa a vir para Penedo. Com
71 anos era o mais velho dos imigrantes, e conheceu as idéias de
Uuskallio através de seu filho
104
Figura 32 - Grupo em frente ao Casarão- [1930 ou 1931].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Harry, que tinha trabalhado com ele em Antrea, onde assistiu às
palestras de Pennanen (FAGERLANDE, 1998a).
Nesse grupo ainda estavam Amália (Maalin) e Mirjam
Bergström, mãe e filha. Maalin era a proprietária do Sanatório de
Kirvu, que era famoso por seus tratamentos com métodos
naturais, e onde muitos imigrantes de Penedo tomaram
conhecimento das idéias de Uuskallio. (VALTONEN, 1998).
Bergström fazia parte do grupo organizador na Finlândia, em sua
cidade, Kirvu (PENNANEN, 1929), e estava em seus planos criar
um sanatório nesses moldes em Penedo. Acompanhando-a
estava ainda Frederika (Rauha) Lukkala, outra integrante do
grupo organizador e responsável pelo Sanatório de Suoniemi,
também um importante estabelecimento de tratamentos naturais
na Finlândia e onde aconteciam muitas das reuniões dos Amigos
de Penedo (FAGERLANDE, 1998a).
Algumas pessoas chegaram a Penedo antes do chamado
primeiro grupo oficial escolhido por Pennanen. Elas vieram pelo
Navio Andes, da Companhia A Mala Real Inglesa, em trajeto
diferente dos demais, em um barco inglês que saia de
105
Southampton, chegando ao porto do Rio em 10 de março de 1929
(FAGERLANDE, 1998a).
Outro a chegar antes, no navio Andes, foi Matti Toro.
Carpinteiro com 26 anos, ele era recém casado com Elli Toro, que
viria logo depois, no Navio Sierra Córdoba. (FAGERLANDE,
1998c). Matti Toro queria ir para a Austrália, mas ao ouvir falar de
Penedo resolveu vir com a primeira turma (VALTONEN, 1998).
Na Finlândia ele trabalhava em fábrica, e como tinha ideais
comunistas, querendo viver em uma sociedade comunitária, com
liberdade, em que todos fossem irmãos. Valtonen conta ainda que
ele havia participado da Revolução Comunista que aconteceu na
Finlândia logo após sua independência, quando os comunistas
finlandeses perderam a guerra civil para os chamados brancos,
que eram apoiados pelos alemães e impuseram uma República
nos moldes ocidentais (VALTONEN, 1998).
4.2 COMO SE INSTALARAM OS PRIMEIROS
FINLANDESES
Ao chegarem à Fazenda Penedo, Uuskallio e o grupo inicial
encontraram uma fazenda devastada, após o término da era do
café, e somente utilizada para a criação de gado. Sendo
vegetarianos radicais, eles não aceitaram continuar com essa
atividade, e se recusaram a ficar com o gado, apesar de terem
pagado por ele, ficando somente com algumas cabeças, para o
transporte em carros de boi (VALTONEN, 1998).
Nesse ponto Uuskallio mantinha um rígido controle sobre os
hábitos dos novos habitantes. Era terminantemente proibido o
consumo de carne, ovos e a leite, sendo permitido somente o
consumo de vegetais, às vezes crus, o álcool também estava
banido, e nem mesmo café ou chá eram permitidos, devido a
seus efeitos estimulantes (FAGERLANDE, 1998a).
Logo ao chegar, a fazenda oferecia pouco aos finlandeses.
Liisa Uuskallio lembra das dificuldades iniciais, especialmente em
relação à alimentação.
Não entendi como os habitantes viviam, pois o horta em
parte nenhuma. Só vi alguns pés de milho. Eu era a primeira dona
de casa finlandesa na cozinha da fazenda quando chegaram
alguns finlandeses para conhecerem a fazenda. Aí precisou
pensar muito (sic) o que botar na panela (UUSKALLIO, 1979).
No início todos se instalaram na sede, única construção
própria para esse uso. Liisa Uuskallio fala que o casarão não
tinha muitos móveis, como se o antigo administrador tivesse
vendido o mobiliário por conta própria (UUSKALLIO, 1979).
Apesar de grande, seu estado de conservação não era dos
melhores, mas havia espaço para todos do grupo inicial. Os
solteiros dormiam em alojamentos coletivos e os casados em
quartos individuais, mas como eram poucos os casais, e também
havia maior número de homens que de mulheres, a maioria dos
homens se alojou no grande dormitório.
Valtonen (1998) fala que o salão de baixo tinha paredes e
teto brancos e que servia de depósito e alojamento,
106
Figura 33 - Refeitório do Casarão [1929].
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
com 16 camas de ferro em 2 filas, e se colocavam as malas sob
as camas. Havia quatro grandes janelas e portas em ambas as
extremidades, onde moravam alguns dos solteiros. Depois havia
uma grande sala onde se passavam as roupas e um escritório
com um quarto de dormir para o escriturário
54
.
As refeões eram todas preparadas e servidas na cozinha
e refeitório coletivos (Figura 33). Esses dois cômodos ficavam
onde era a antiga leiteria da fazenda, separada do sobrado, e
54
Melkas (1999) fala que havia um livro de anotões da colônia, pelo menos no
primeiro ano, em que se anotavam as entradas e saídas dos colonos. Após
algum tempo, deixou-se de anotar os dados da colônia. Fagerlande fala que
Iivari Munne foi, durante algum tempo, escriturário da colônia (FAGERLANDE,
1998a) .
junto à cozinha havia o armazém e depois moradia para o
comerciante, que no início da colônia foi Veli Markkula
(VALTONEN, 1998). Esse almoxarifado funcionava como uma
pequena loja, com os produtos necessários para todos.
No segundo pavimento havia um salão no meio de
edificação, com assoalho de tábuas largas de madeira de lei, e
friso diferente do primeiro pavimento, e oito janelas de cada lado
do salão. Era um espaço utilizado para atividades como palestras,
ensaios de coros musicais, cultos religiosos ou outros eventos
coletivos, como as pregações e palestras de Uuskallio (Figura
30). Depois dele havia uma sala de bilhar, que foi utilizada pelas
mulheres solteiras como alojamento.
107
Existiam ainda nesse segundo pavimento dois corredores
ligando a quatro quartos individuais, onde moravam os casados,
onde ficaram Toivo e Liisa Uuskallio. Essas acomodações tinham
mais conforto, como água corrente e lavatórios (VALTONEN,
1998).
Além de água corrente a casa possuía eletricidade, vinda de
uma pequena usina próxima (Figura 35). Sua localização próxima
ao rio também agradava bastante os finlandeses, pois a prática
de banhos curativos era um dos itens essenciais de seus hábitos,
além de possibilitar a construção de uma sauna próxima,
mantendo assim no novo país os costumes mais tradicionais
desse povo (FAGERLANDE, 1998a).
O banho era tomado no rio, depois da sauna. A primeira
sauna foi construída junto ao rio, logo perto da Casa Grande
(HILDÉN, 1989), e deve ter sido precária, talvez de madeira, pois
não deixou vestígios.
O pátio defronte à sede, foi sendo utilizado para atividades
coletivas, como ginástica, corais e celebrações de casamentos.
Dessa maneira seu antigo campo de secagem de café serviu
como praça de eventos e principal local coletivo da comunidade
nos primeiros tempos, e muitas das fotografias coletivas dos
primeiros tempos da colônia foram tiradas nesse pátio, junto ao
casarão.
A vida diária não era fácil, com dificuldades de adaptação
não somente às condições locais como também à rigidez dos
hábitos impostos por Uuskallio, como o vegetarianismo radical.
Valtonen (1998) diz que as reclamações, em geral, diziam que
era como um mosteiro, com rezas diárias, sem café ou bebidas, o
que propiciou críticas até em jornais da Finlândia, falando mal das
condições de vida da colônia. Uuskallio respondeu fotografando
casas, pomar e culturas agrícolas, e escrevendo artigos para
promover Penedo, como aquele em que falava que A Colônia
Penedo tem sua marca de religiosidade, promovendo muita
alegria, principalmente demonstrada nas suas danças folclóricas”
(UUSKALLIO apud VALTONEN, 1998).
As questões eram discutidas em comum, mas a palavra de
Uuskallio pesava muito, e as suas determinações eram
geralmente acolhidas, pois ele mantinha um grande controle
sobre todos. O trabalho era decidido de acordo com a consciência
de cada um, e caso o trabalhador estivesse indisposto, não havia
cobrança para se trabalhar, somente sua própria consciência
(VALTONEN, 1998). De maneira geral, Uuskallio indicava as
pessoas para os trabalhos, mas também se seguiam as
competências individuais. Valtonen diz que havia casos de
pessoas que não faziam seu trabalho direito, deixando os outros
trabalharem em seu lugar, mas cada caso era de acordo com a
consciência do trabalhador.
108
Figura 34 - O primeiro casamento da colônia, entre Frans Armas Fagerlund e Ethel
Bertell, em 26 de outubro de 1929.
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Figura 35 - Canal da Represa [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Melkas (1999) fala de carta de Uuskallio a Suova, integrante
do grupo organizador na Finlândia, de 13 de agosto de 1929.
Uuskallio falava haver um questionamento a respeito de suas
decisões, e que se cogitava a realização de eleições para a
direção da colônia, sendo ele contra, por achar que nem todos ali
estavam imbuídos dos ideais que ele preconizava e, portanto, a
colônia poderia perder o rumo esperado por ele. Como a
propriedade estava em seu nome, ele tinha as garantias legais
para estabelecer sua vontade. Havia também na colônia um
conselho, que decidia “castigos” para aqueles que não cumpriam
as normas acordadas. A mais difícil de cumprir pelos mais jovens
era a de absenteísmo, o que provocava conflitos, e repreensões
aos que descumpriam essa regra (MELKAS, 1999).
Lyyli Jouskari fala sobre as condições de vida em Penedo,
que acompanhavam os ideais de liberdade total de Uuskallio, com
salários iguais para todos, mesmo que não houvesse dinheiro
efetivo para pagar a qualquer um.
109
A vida era, pois agradável, interessante, sem cuidados. Sem
cuidados demais. Trabalhasse ou não, a comida estava sempre à
mesa, a tempo. Não havia preso! A liberdade fazia parte dos
ideais de Penedo (apud FAGERLANDE, 1996).
Apesar de haver salários nominais, na prática o dinheiro era
curto, e ninguém os recebia. Ficavam assim acumuladas mais
dívidas da fazenda, dessa vez para com seus próprios colonos.
Assim, não havia dinheiro em circulação, e para se comprar algo
era sempre difícil (MELKAS, 1999).
A colônia era composta, em sua maioria, de jovens, pois
Uuskallio e Pennanen tinham consciência das enormes
dificuldades de sobrevivência na nova terra, e de como apenas
quem tivesse boas condões de saúde poderiam agüentar
(MELKAS, 1999). A maioria dos colonos era de solteiros, portanto
nada mais natural que logo começasse a acontecer encontros e
casamentos.
Ainda em seu primeiro ano ocorreu o primeiro grande
acontecimento da colônia, o casamento de Ethel Bertell e Frans
Fagerlund (FAGERLANDE, 1998a), o primeiro de Penedo, em 26
de outubro de 1929. O casamento civil foi no cartório de Resende,
e a comemoração aconteceu no Casarão. Uma foto tirada em
frente à fachada da Casa Grande, em que aparecem oitenta e
oito pessoas, permaneceu como um marco do início da colônia.
Fagerlande (1998a) fez uma lista com os nomes das pessoas
conhecidas, identificando quarenta e três pessoas. Ali estão os
presentes com suas melhores roupas, inclusivas mulheres com
seus trajes nacionais, e bebês nos colos de suas mães. Essa foto
é encontrada em diversos álbuns de pioneiros, certamente foi um
importante registro da presença de todos ali (Figura 34).
4.3 O PROJETO HABITACIONAL
De acordo com Melkas (1999), Uuskallio não tinha bastante
definido seu projeto de ocupação das terras antes de vir para o
Brasil. A primeira vez em que ele falou sobre assentamento foi
em artigo da Revista Terveys, em abril de 1927, com idéias vagas
a respeito de pequena colônia de hortifruticultura. O esboço de
projeto habitacional foi publicado no jornal Työkansa de 09 de
maio de 1929, e era entregue aos investidores, juntamente com o
recibo do dinheiro que havia sido pago (MELKAS, 1999). Era
assim um dos itens com que ele atraía as pessoas para a futura
colônia
55
.
Melkas (1999) fala que o Projeto Habitacional era um texto
escrito, como aparece em seu livro, e que foi publicado no
Työkansa. Fagerlande (1998a) também fala de Projeto
Habitacional, traduzindo original em seu poder, que tem algumas
pequenas diferenças em relação ao de Melkas (1999), publicado
na Finlândia. Não se tem notícia de um desenho desse Projeto, e
caso tenha havido efetivamente um, esse foi perdido. Não
notícia dele seja em arquivos pessoais conhecidos, no museu ou
relatos nos livros escritos pelos antigos moradores e estudiosos
55
Ver Anexo.
110
no assunto, e o mapa mais antigo da fazenda encontrado é o feito
em 21 de outubro de 1941. Não parece que as terras tenham sido
medidas antes desse desenho, feito pelo engenheiro José Garcia
da Silveira, de Resende, para se conferir os limites das terras do
Grupo Kaleva, e a marcação dos lotes a serem demarcados pelos
componentes do grupo. Havia também dúvidas com relação ao
real tamanho da fazenda, tendo sido realizados outros
levantamentos da propriedade, segundo Valtonen (1998).
Além dessa planta de 1941 existe também a escritura do
grupo Kaleva de 1935, que é, na realidade, a única referência a
essa planta com a marcação dos lotes. Ao fazer a descrição dos
lotes, na escritura feita na Legação Finlandesa no Rio de Janeiro
em 1935, onde o Grupo Kaleva acertava com Uuskallio a
separação de sua parte na Fazenda Penedo, mencionando-se a
numeração que aparecia em uma chamada “Planta Geral de
Penedo”. O texto da escritura fala dos lotes marcados em planta,
que seria o referido desenho (FAGERLANDE, 1998b).
Os lotes, num total de 250, seriam individuais, cada um com
14 hectares, sendo dois de terras planas e 12 de floresta
(HILDÉN, 1989), e seriam construídas estradas para acessá-los.
O rio era outro elemento importante na constituição desse projeto
urbano, sendo mencionado no Projeto Habitacional, pela sua
importância (FAGERLANDE, 1998a). Valtonen (1998) fala que os
lotes foram projetados para ter água, rio, canal ou valeta d água,
e teriam as medidas de 250 a 350 m de extensão por 60 a 80 m
de largura. Na prática verifica-se que algumas pessoas tinham
mais de um lote, como Kuusisto, com seis hectares, equivalente a
três lotes, e Jämsä que acabou com trinta hectares, equivalendo
a quinze lotes, ao comprar as terras de Lalla (VALTONEN, 1998).
Esse tamanho, de dois hectares, seria resultado de muitos
cálculos realizados por Uuskallio, ainda na Finlândia, e seria o
tamanho mínimo de lote para que uma família pudesse plantar
frutas e legumes, e viver disso (MELKAS, 1999).
4.4 PROJETO DE SANATÓRIO NATURALISTA
Uma das principais idéias do grupo na Finlândia,
responsável junto com Uuskallio pela criação de Penedo, era a
perspectiva de se aplicar aqui os ideais seguidos em Kirvu,
Suoniemi e em outros lugares onde se utilizavam métodos
naturais de tratamentos de saúde, o que poderia ser chamado de
Spa, como fala Valtonen (1998).
No questionário feito por Pennanen, em seu livro para
divulgar a colônia e selecionar os interessados, aparece
referência ao sanatório de Penedo (PENNANEN, 1929). Era
oferecida a estadia no futuro estabelecimento para quem
quisesse fazer uma viagem experimental à colônia, passando ali
três meses. Seria uma maneira de divulgar o empreendimento,
mesmo para aqueles que ainda tivessem dúvidas em permanecer
para sempre nele. Ele fala que o sanatório estava para ser
construído, com as negociações em andamento.
111
Uma das pessoas responsáveis pelo movimento de
sanatórios naturais na Finlândia, Maalin Bergström, veio para
Penedo com esse intuito (VALTONEN, 1998). Após a experiência
mal sucedida no sul da França, com a Sociedade Paradiso, seria
uma nova oportunidade de aplicação dos ideais de Louis Kuhne,
e de toda a corrente naturalista finlandesa, do qual ela fazia parte.
Hildén fala que a clínica naturalista seria um lugar para a prática
de vida ao ar livre, com exercícios de respiração adequados,
prática de ginástica, banhos de sol e de ar, tratamentos termais,
massagens, dietas vegetarianas, cura com argila e sauna
(HILDÉN, 1989). Frederika (Rauha) Lukkala, outra importante
participante do movimento naturalista na Finlândia e diretora de
Sanatório de Suoniemi, também veio com Bergström para
analisar a possibilidade da implantação de casa de repouso
semelhante em Penedo. Essa seria uma das principais atividades
da colônia, aproveitando sua localização e possibilidade de
acesso, entre Rio e São Paulo, onde se buscariam clientes,
divulgando o movimento naturalista e possibilitando a
manutenção da colônia vegetariana (MELKAS, 1999).
O local que Uuskallio destinava ao sanatório era situado a
um quilômetro acima do casarão, junto ao rio das Pedras, mas
Bergström queria local mais alto, em cima dos morros. As
dificuldades de acesso eram evidentes, mas o maior impecilho
seria a falta de dinheiro. Não conseguindo capital para montar o
negócio, ela e sua filha resolveram retornar para a Finlândia, após
um período de permanência na colônia (VALTONEN, 1998).
Durante o tempo em que ela esteve em Penedo os
moradores da colônia foram seus pacientes no uso desses
tratamentos, pois ela era bastante experiente em kuhnir e
tratamentos a vapor, devido aos anos de prática em Kirvu. Eram
feitos tratamentos com vapores, inclusive com relação às feridas
de mosquitos e outros insetos, além de serem utilizados para a
cura de diversas outras doenças (VALTONEN, 1998).
Valtonen (1998) fala que havia na sauna três cubas para
se fazer kuhnir, e lá estavam sempre algumas pessoas sentadas,
durante o uso da sauna. Mesmo em horários em que não se fazia
sauna as pessoas sentavam nas cubas. Outra maneira de se
fazer o tratamento era ir ao rio, onde se sentava sobre as pedras.
Alguns estavam convencidos que a água corrente era melhor
para a saúde, enquanto outros achavam que a correnteza forte
atrapalhava, pois poderia enfraquecer o usuário, retirando sua
energia.
Apesar de nunca ter sido construído o sanatório, Valtonen
(1998) fala que os penedenses trataram o lugar como vargem do
sanatório durante anos, e segundo Hildén (1989), esse vale é
onde mais tarde ela construiria sua casa. Na escritura do Grupo
Kaleva aparece descrição desse lugar, como o Vale do Sanatório
(FAGERLANDE, 1998b).
112
4.5 O DIA A DIA DE PENEDO ENTRE 1930 E 1935
Em 1930 ainda chegaram algumas pessoas, pois havia
muita propaganda de Penedo nos jornais e revistas da Finlândia,
e o interesse ainda persistia, mas segundo Fagerlande (1998a)
vieram somente 24 pessoas, bem menos do que no primeiro
ano
56
. As dificuldades apareciam, e a vida se mostrava menos
paradisíaca do que se pensava inicialmente. O ano de 1929
chegou ao seu final com a eclosão da crise na bolsa de Nova
York, em 24 de outubro daquele ano, e isso afetou a Finlândia,
assim como ao Brasil e a todo o mundo. Logo mais o Brasil
também passaria pela Revolução de 1930, com mudanças na
política nacional e a subida de Getúlio Vargas ao poder. Era um
quadro bem diferente do existente na chegada de Uuskallio e seu
grupo ao Rio de Janeiro, em 1927. Mesmo assim, o movimento
de vinda de finlandeses, ainda animados pelos ideais da colônia,
foi contínuo, diminuindo um pouco no final da década de 1930.
Nesse ano de 1930 vieram alguns dos organizadores da
colônia na Finlândia, como Simo Aukusti Kuusisto (PENNANEN,
1929) e Väino Nurmi. Kuusisto era professor em Turku, e Nurmi
era ourives. Ambos estavam entre os proprietários das seis
primeiras casas da colônia, apesar da casa de Kuusisto não ter
56
Melkas (1999) fala da chegada de 40 pessoas em 1930. Os meros
divergentes se referem a fontes diferentes, pesquisadas por Fagerlande (1996)
e por Melkas. As fontes de Fagerlande descrevem cada nome encontrado,
diferente das de Melkas, que colocam o número como entrada no Brasil, sem
discriminar os que realmente foram para Penedo.
sido concluída para ele, e a de Nurmi ter sido utilizada por
Uuskallio, mais tarde. Muitas pessoas retornavam à Finlândia,
alguns num movimento de ir e vir, como Toivo Suni, proprietário
da primeira casa a ser construída, e que acabou sendo ocupada
por temporadas por outras pessoas (HILDÉN, 1989).
Diversas pessoas que se destacaram na comunidade
chegaram nesse ano, como Toivo Armas Sipilä. Natural de
Vesivehmaa, perto da cidade de Lahti, no sul da Finlândia, havia
estudado na escola dos adventistas, próximo a Turku. Ele
trabalhou nessa escola com plantações de hortaliças, além de
aprender sueco e inglês, e continuou a trabalhar com agricultura
em Karimaa, onde coordenava os serviços. Mais tarde foi
vendedor de verduras em Pori e Vaasa, onde conheceu ino
Nurmi e Eino Valtonen, pai de Niilo Valtonen. Foi com eles, que
Sipilä ficou sabendo das idéias de Toivo Uuskallio, na primavera
de 1930 (VALTONEN, apud FAGERLANDE, 1999b).
Peltoniemi (1986) conta que Sipilä assistiu à palestra de
Pennanen na casa de repouso de Suonenjoki, onde conversaram
bastante a respeito de Penedo, e que em novembro de 1930 ele
recebeu uma carta de Pennanen sobre sua viagem para a
colônia. Antes disso Sipilä tinha a intenção de emigrar para a
Califórnia, onde cultivaria frutas, mas foi convencido a participar
do empreendimento, pegando dinheiro emprestado para vir para
Penedo (VALTONEN, 1998). Ao chegar à colônia, logo se tornou
muito amigo de Uuskallio, e participava do que Valtonen chamou
113
de circulo central, que estava certo do progresso da colônia.
Valtonen (1998) conta que Uuskallio disse certa vez que Sipilä
era a pilastra de Penedo que segurava o desenvolvimento”. Ele
foi uma importante figura de Penedo, e um dos responsáveis pela
construção do Clube Finlândia, em 1943, que seria a sede da
mais importante associação finlandesa de Penedo até os dias de
hoje.
No mesmo navio em que veio Sipilä chegou Usko Lindgren.
Ele era trabalhador na brica Tambela de fios na Finlândia, no
setor de tingimento, e devido a esse trabalho tinha se intoxicado,
e veio em busca de uma vida mais saudável. Gostava de
excursões pelas matas (VALTONEN, 1998) e após três meses na
colônia foi conhecer a serra, onde descobriu que o perfil das
montanhas lembrava um perfil de mulher, como uma índia.
Penedo seria o nariz desse perfil, daí veio o nome Nariz da Índia,
nome muito utilizado na região para chamar a serra que é o pano
de fundo de Penedo, na realidade o maciço de Itatiaia
57
. Lindgren
era o responsável pelo controle dos horários, e batia em um trilho,
avisando a hora de início e final dos trabalhos, quando todos
poderiam ir para suas casas (VALTONEN, 1998), o que Sipilä
(1979) descreve como sendo feito, mais tarde, por Tilda
Lehtovaara. Esses horários eram bastante rígidos, sendo os
colonos acordados cedo para o início dos trabalhos às 7:00 H,
que terminavam às 17:00 H (MELKAS, 1999).
57
O jornal de Penedo tem esse nome, nos dias de hoje.
Jaakko msä foi mais um a chegar com esse grupo.
Trabalhara em uma serraria na Finlândia, era vegetariano, não
fumava nem bebia. (VALTONEN, 1998), e em Penedo participou
ativamente dos trabalhos comunitários, além das atividades como
passeios, piqueniques e subidas às Agulhas Negras.
Essas atividades ligadas aos ideais de vida natural, à
natureza e à importância da vida ao ar livre, como os passeios
pelas montanhas e cachoeiras, eram fundamentais na colônia,
pois além de servirem como lazer, estavam voltadas ao bem-
estar coletivo. As fotografias mostram passeios de grupos por
diversas áreas da fazenda, como Três Cachoeiras e Fazendinha
(Figura 37), além de excursões pelas montanhas de Itatiaia, onde
mais tarde se estabeleceria o Parque Nacional de Itatiaia, em
1937.
Outro participante da colônia a vir na mesma viagem foi
Toivo Antti Asikainen, natural de Liperi
58
. (FAGERLANDE, 1998a),
e professor de escola (VALTONEN, 1998). Foi um dos pioneiros
no artesanato de bucha (Figura 36), sendo de acordo com
Fagerlande, o responsável pelos chapéus que aparecem em fotos
de casamento em 1932 (Figura 42). A construção de sua casa de
pedras também foi um marco da formação urbana de Penedo,
além de seus álbuns fotográficos serem importantes relatos da
história da colônia nesse período.
58
Valtonen (1998) fala que ele era natural de Ilomantsu .
114
Figura 36 - Appelgreen, Kaarina, Ulla e Asikainen, no meio da plantação,
com uma bucha na mão [1931].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 37 - Passeio à Fazendinha [1931].
Fonte: Álbum Asikainen
O uso de chapéus de bucha é um dos itens de vestuário
que denotam as mudanças causadas pelos ares tropicais nos
finlandeses. Nas fotos dos primeiros anos aparecem as pessoas
trabalhando com roupas simples, e grandes chapéus, para
proteção do sol, e muitas vezes esses chapéus eram feitos de
bucha em Penedo, por Asikainen (FAGERLANDE, 1998a).
Outro hábito novo criado pela necessidade, na colônia, foi o
uso de sacos de farinha para a execução de roupas de trabalho.
Segundo Ampula (1997) esses sacos serviam para fazer todo tipo
de roupa, pois as roupas trazidas da Finlândia eram utilizadas
somente em festas ou ocasiões especiais, sendo inadequadas ao
trabalho e ao clima tropical. Além disso, poderiam se desgastar
com o uso, e não haveria facilidade de reposição. Fagerlande
(1996) fala que sua tia, Kaisa Bertell, lembrava de fazer camisas
de sacos de farinha nos tempos difíceis, e que eram muito boas,
em sua opinião. Ampula (1997) conta que quando se conseguia
outros tecidos, quem os costurava era Hilda Walve, e que sua
mãe levou corte de tecido para ela fazer tailleur, mas que de
maneira geral ela costurava roupas com os sacos de farinha.
115
Figura 38 - Grupo de Ginástica, em frente ao Casarão [1931].
Fonte: Álbum Asikainen
As mulheres que trabalhavam na horta começaram a ir para
o campo sem roupa, de acordo com a idéia de volta à natureza
que guiou a colônia em seus primeiros tempos, e os ideais de
nudismo que se verificavam em Kirvu
59
. Elas ficavam nuas,
com chapéu de palha, sentadas em banquinhos, mas segundo
Ampula (1997), esses hábitos logo foram postos de lado, devido
ao sol excessivo e aos insetos em profusão. Fagerlande (1998a)
também fala que durante algum tempo se praticou o nudismo,
59
Ver fotos de nudismo (figuras 13 e 14) referentes ao Sanatório de Kirvu, Álbum
Armas Parno.
mas o sol inclemente nas peles brancas dos finlandeses fez com
que esse hábito fosse abandonado.
Desde o início da Colônia, Penedo foi objeto de divulgação
na Finlândia. A campanha financeira que foi feita para o
pagamento das dívidas para a compra da Fazenda e o interesse
nas idéias ali em implantação sempre era assunto em jornais.
Devido às dificuldades de adaptação encontradas, muitos
viajantes voltavam logo para a Finlândia, por vezes
decepcionados com o que encontravam. Por isso, Uuskallio e
Pennanen iniciaram um trabalho de divulgação do
empreendimento. Os dois escreveram livros a respeito tanto da
116
viagem realizada ao Brasil e sobre o país, caso de Uuskallio o
livro Na viagem em direção à magia do trópico, e no caso de
Pennanen o livro Fazenda Penedo: Um estabelecimento agcola
finlandês no Brasil, sobre a implantação inicial da colônia
(UUSKALLIO, 1929; PENNANEN, 1929).
4.5.1 MANIFESTO DE PENEDO 1930 CRÍTICAS
EXTERNAS
Como uma resposta mais contundente às críticas recebidas
pela colônia, na Finlândia, Uuskallio e Pennanen escreveram um
manifesto no início de 1930, chamado a Saudação de Penedo,
onde todos seus moradores assinavam em conjunto uma carta.
Pedimos enviar essa saudação coletiva para os nossos
patrícios que estão na Finlândia, deste nosso novo lar em
Penedo. Trabalhamos aqui na esperança do sucesso do nosso
empreendimento, pois vemos que ao conseguirmos nos esforçar
e vencer as inesperadas dificuldades iniciais, o nosso trabalho
resultados, pois n aterra cresce o ano todo e o clima é excelente.
bastante chuva e sol tamm. Se nos ajustamos com
compreensão à nossa empreitada, trabalhando em uníssono, em
harmonia, nada nos falta. Aqui há grande paz. O ambiente reage
abençoando nossa ocupação.
Temos que agradecer a Deus por ter nos encaminhado para cá,
assim como aos nossos irmãos Uuskallio e Pennanen, que sem
poupar esforços nos abriram o caminho.
Desejamos a Vocês, conhecidos e desconhecidos, na querida
terra natal, um feliz e abençoado ano novo!
Em Penedo, aos 18 de janeiro de 1930 (apud FAGERLANDE,
1998a).
Em seguida aparecem 56 nomes dos que assinam a carta,
pessoas que estavam na colônia naquele momento. Muitos iriam
voltar para a Finlândia naquele mesmo ano, e outros
permaneceriam durante todas suas vidas em Penedo
(FAGERLANDE, 1998a).
Foram tiradas também diversas fotos do grupo nessa
época, mostrando que todos estavam bem de saúde, o que era
uma grande preocupação na Finlândia. As fotos de grupos de
ginástica também foram importantes para demonstrar a saúde
dos penedenses.
Hildén (1989) fala de importante escritor finlandês da época,
Santeri Ivalo
60
e sua esposa Ellinor, que visitaram Penedo em
1930. Ivalo (apud HILDÈN, 1989) cita haver em torno de quarenta
finlandeses na colônia, e que mais de cem haviam retornado para
seu país. Segundo ele, a causa desse retorno era a falta de
engajamento nos ideais vegetarianos e de vida simples e natural.
Fala ainda do trabalho árduo, mas elogia a alimentação, citando
ainda que já existia uma avicultura em pequena escala, e que as
crianças tomavam leite. Menciona que as terras de Penedo eram
pobres e, portanto, a agricultura tinha dificuldades, mas que a
produção de enxertos de laranja era promissora naquele
momento, e que essa atividade poderia sustentar a nascente
colônia.
60
Melkas (1999) conta que Ivalo era repórter do jornal Helsingin Sanomat, da
capital Helsinki.
117
Ao falar dos costumes dos colonos, Ivalo (apud HILDÉN,
1989) diz que o empreendimento tinha um caráter religioso, mas
sem fanatismo, fala das festas, com música tradicional, coral,
kantele e danças folclóricas.
Ao mencionar as casas, Ivalo (apud HILDÉN, 1989) fala que
muitos tinham suas próprias residências, outras estavam em
execução e que os finlandeses estavam construindo uma nova
estrada para ligar a fazenda à velha estação de trem. Ao retornar
à Finlândia, seus artigos certamente serviram como propaganda
a favor de Penedo. Pennanen fazia um trabalho nesse sentido,
rebatendo as críticas que existiam nos meios de comunicação
finlandeses, de pessoas insatisfeitas que escreviam para
parentes, ou que retornavam para a terra natal. Em certo
momento Uuskallio pediu aos que escreviam para casa que
tomassem cuidado com as críticas, que estavam prejudicando a
colônia (MELKAS, 1999).
4.5.2 NATAL DE 1930
Ainda no ano de 1930, em dezembro, vieram outros
imigrantes, entre os quais algumas pessoas muito ligadas à área
de saúde, como Tyynne Wessman, depois Hayman. Vizinha dos
Bertell na Finlândia, ela trabalhava também no sanatório da
cidade (FAGERLANDE, 1999b). Outras importantes personagens
da colônia a chegar nesse momento foram Lyyli Jouskari (Lydia
Wilhelmina Karlsson) e sua irmã Tyyne Hilma Keihänen (Tyyne
Sarva). Elas vinham de Pori e inicialmente pretendiam ir para o
Canadá ou os Estados Unidos, mas devido às dificuldades de
visto, resolveram vir para o Brasil. Não conheciam Uuskallio ou o
projeto de Penedo, e Jouskari (apud FAGERLANDE, 1999b)
conta em seu livro que o encontrou em uma festa de natal na
casa de uma outra finlandesa, Lena Jenkel, que tinha um instituto
de massagem no Rio, e juntou-se ao grupo que foi de trem para
Penedo. Lá passou a ser importante figura da colônia, devido a
sua experiência como parteira e enfermeira. Ela relata em seu
livro como foi sua chegada em Penedo:
Quando a gente se aproxima de Penedo em dia claro, a serra
de Itatiaia apresenta uma forma curiosa. A silhueta é como uma
mulher reclinada; cabelos compridos, nariz arrebitado, pescoço,
peitos empinados. No seio desse gigante fica a Fazenda Penedo
(apud FAGERLANDE, 1999b).
Hildén (1989) conta que Uuskallio viajou para a Finlândia
em setembro de 1930, para a Finlândia, para conversar com os
organizadores de Penedo de lá, e nesse exato momento eclodiu a
Revolução de Vargas, o que preocupou muito os amigos de
Penedo. o houve nenhum problema com a colônia, e Uuskallio
convenceu a todos da viabilidade de Penedo, retornando ao
Brasil em dezembro de 1930, chegando em 24 desse mês,
quando se juntou ao grupo que estava no Rio e foram todos para
a Fazenda Penedo.
118
Figura 39 - Foto de Ceia de Natal em Penedo [194-]. A árvore com velas é
similar àquela descrita por Jouskari, trazida em 1930 da Finlândia.
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 01
Muitas atividades eram feitas em conjunto, dentro da idéia
de comunidade, e o coral era parte importante da vida social da
colônia. Jouskari conta (apud FAGERLANDE, 1999b) que, ao
chegar em pleno dia de Natal, em 1930, o coral regido por
Lehtonen cantava músicas tradicionais finlandesas, causando
forte impressão aos viajantes. Mesmo tendo aderido à colônia
sem um conhecimento prévio de seus ideais, a chegada a
Penedo causou um forte impacto em Lyyli Jouskari.
No dia de Natal de 1930 chegou a nossa caravana à frente da
Casa Grande de Penedo. Éramos seis pessoas, além da carroça
de burro com seu condutor. Estávamos descalços, as pernas
enlameadas a os joelhos com barro vermelho. Na nossa frente
estava a Casa Grande de Penedo caiada de branco, no meio de
vegetação exuberante. A recepção era mais que cordial. Tinham
aguardado e esperado por Toivo Uuskallio, isso se via por tudo.
Junto à porta principal estava um coral vestido de branco, que sob
o comando de seu mestre-capela fez soar, a quatro vozes, a
canção Laula, matkalainen korppiman (Canta, viajante do
deserto). O ambiente era sensível e comovente. Até eu, que vinha
como estranha e o tinha chegado impulsionada pelo ideal de
Penedo, recebi minha parcela de cordialidade e atenção, o que de
parte dos patrícios em terras estrangeiras é tão comovente. (apud
FAGERLANDE, 1999b).
119
As festas na colônia tentavam seguir as tradições
finlandesas, e nesse natal Uuskallio e o grupo que chegava
trouxeram para Penedo uma árvore de natal que foi colocada no
centro da sala do casarão, decorada com velas acesas, como é
hábito na Finlândia. Todos ficaram comovidos, passando o
primeiro natal na nova terra, mas com a lembrança da terra natal
(HILDÉN, 1989).
Ao mencionar a chegada do grupo no dia de Natal de 1930,
Jouskari (apud FAGERLANDE, 1999b) fala que a Casa Grande
havia sido caiada, provavelmente em uma tentativa de recuperar
o antigo casarão, que estava em estado de conservação bastante
ruim, como se vê nas fotos de 1929.
4.5.3 ALIMENTAÇÃO E VIDA NATURAL
A alimentação inicial de Uuskallio e Suni era composta
basicamente de feijão e arroz, depois acrescentando legumes e
verduras cozidas. Não se comia carne em hipótese alguma, e os
finlandeses sentiam falta de batatas, tão comuns naquele país.
Em seu lugar comiam às vezes batata doce, milho, aipim, tomates
e as verduras que vinham da horta, como alface, repolho,
cenoura, sem temperos, como limão ou azeite (VALTONEN,
1998). Segundo Melkas (1999) havia sempre feijão, arroz,
gordura de coco e mingau de milho. Faziam pão de milho, na falta
de outra coisa, e as frutas disponíveis eram bananas, pois as
demais ainda não eram cultivadas na fazenda, e muito caras para
serem compradas. Um dos alimentos de que os finlandeses mais
sentiam falta era de café, proibido por Uuskallio. Essa rigidez foi
aos poucos sendo rompida, pois muitos acabaram tomando café
às escondidas, burlando a vigilância e o acordo feito
(FAGERLANDE, 1998a).
A cozinha era coletiva, com três mesas cobertas de zinco,
sem toalhas. Todos sentiam falta de frutas e pão, e mesmo sendo
vegetarianos, de manteiga, queijo ou leite. O leite e seus
derivados não existiam devido à rigidez de Uuskallio, que tinha
mandado embora as vacas na compra da fazenda, pois segundo
ele, leite não fazia bem à saúde dos seres humanos. Após algum
tempo este passou a ser comprado nas fazendas vizinhas, além
de outros produtos necessários, pois as es das crianças que
nasciam fizeram-no abrir o dessa posição, especialmente sua
mulher, que precisou de leite para sua filha recém nascida
(FAGERLANDE, 1998a).
Valtonen (1998) fala de palestra feita por Uuskallio sobre
nutrição do homem em que ele dizia que na Bíblia se falava da
necessidade de se comer comida vegetariana, pois seriam os
alimentos vindo diretamente da natureza, não havendo
necessidade de se matar nenhum ser vivo. Mais uma vez ele cita
que o homem precisava viver em contato com a natureza, tendo
Deus criado o homem para isso.
120
Figura 40 - Grupo no rio [1930].
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
Havia nesse início sérias dificuldades para se conseguir a
alimentação indicada por Uuskallio, pois não havia muitas árvores
frutíferas na fazenda, e elas eram caras para se comprar. Logo se
iniciou o plantio de bananeiras, mais rápidas para se conseguir
frutas (VALTONEN, 1998), e, além disso, as bananas poderiam
ser secadas e transformadas em banana-passa em forno
construído no antigo estábulo, que seriam mandadas para a
Finlândia. Existiam algumas mangueiras e jabuticabeira em volta
do casarão, e as jabuticabas eram utilizadas para se fazerem
doces e geléias.
Ao lado da alimentação, Uuskallio incentivava a vida
saudável, com exercícios, caminhadas, banhos de rio e escaladas
pelas montanhas. Depois da chegada da terceira leva havia mais
de 100 pessoas na colônia (VALTONEN, 1998), e Akseli Lehtola
dirigia o grupo de ginástica da colônia, pois ele havia participado
de um clube de ginástica na Finlândia, e também era mais velho
que os demais (AMPULA, 1997). Eles praticavam a ginástica aos
domingos, no cimentado em frente ao casarão, antigo pátio de
secagem de café, e as fotos tiradas em 1930 mostram essas
atividades. As fotos serviram também como propaganda de
121
Penedo, mostrando como a colônia incentivava a saúde e o bem
estar de todos (Figura 38). Mens sana in corpore sano (mente
saudável em corpo saudável) era um dos lemas de Uuskallio e
seus seguidores, pois a ginástica era um elemento muito
importante dentro de suas idéias e de seu círculo naturalista na
Finlândia, e a divulgação dessa atividade era importante para
demonstrar as aplicações dessa idéias na colônia
(FAGERLANDE, 1998a).
Os banhos de rio e cachoeiras eram muito comuns, e todos
apreciavam bastante, sendo também momentos de
confraternização e descanso, em meio à vida de trabalho intenso
da colônia. Dessa maneira, além de estarem junto à natureza,
lembravam a terra natal, com seus rios e lagos (Figura 40).
4.5.4 NOVOS GRUPOS CHEGANDO
No ano de 1931 ainda chegou a Penedo um grupo
considerável, com 25 pessoas
61
. Algumas, como Lilli Bertell,
vinham se juntar às suas famílias que aqui estavam, e por outro
lado chegavam famílias inteiras, como era o caso dos Tammela e
dos Savón. Outras famílias vieram nesse peodo, como os Lalla,
os Kurkki, as irmãs Skarp, os Braf e o retorno para Penedo dos
Suni, que foram e voltaram diversas vezes (FAGERLANDE,
1998a).
61
Melkas (1999) fala da chegada de 27 pessoas em 1931.
Em 1932 chegaram poucas pessoas da Finlândia,
constando das listas de chegada apenas quatro pessoas
62
(FAGERLANDE, 1998a). Valtonen (1998) conta que viriam
quarenta pessoas para Penedo, mas o consulado brasileiro na
Finlândia autorizou a vinda de onze pessoas por ano. Dessa
maneira, a mão de obra na colônia ficou escassa, preocupando
Uuskallio e agravando a situação econômica da colônia (HILDÉN,
1989). O número de emigrantes saídos da Finlândia entre os
anos de 1931 e 1939 foi bastante restrito, mesmo para outros
países como os Estados Unidos e Canadá (ENGELBERG, 1942).
Entre as pessoas que chegaram estava Niilo Valtonen, filho
de Eino Valtonen, um dos Amigos de Penedo na Finlândia, e
investidor no empreendimento. Ele conta que seu pai o havia
mandado para verificar como seu dinheiro estava sendo aplicado
em Penedo, e ele chegou ao Brasil em 08 de maio de 1932, no
navio Mercator (VALTONEN, 1998; LAHTEENMÄKI, 1979). Ao
chegar participou das atividades normais, tanto dos trabalhos
como das atividades sociais, mas por não ser vegetariano
convicto era bastante crítico em relação às regras de Uuskallio,
como se percebe em seus textos.
Participou de atividades que fugiam às normas, como o
“Café da Meia Noite”, nome dado quando, proibidos de beber
café, os jovens iam para o estábulo, escondido, e faziam café
para tomarem juntos (VALTONEN, 1998). Niilo Valtonen
62
Idem (1999) fala da chegada de 7 pessoas em 1932.
122
participou da colônia a sua morte e deixou importante registro
através de seus textos e conversas, fundamentais para a
construção da memória coletiva de Penedo. Escreveu também
sobre acontecimentos ocorridos antes de sua chegada, pois seus
amigos que tinham estado aqui no começo do empreendimento,
como Frans Armas Fagerlund, tinham confiado a ele suas
histórias.
No decorrer do ano de 1933 chegaram somente 10
pessoas, devido às limitações do consulado brasileiro na
Finlândia (VALTONEN, 1998). Entre esses imigrantes estava a
Família Nurmi. Väinö Nurmi era um dos Amigos de Penedo, tinha
estado na colônia em 1930, e estava voltando com sua família.
Devem ter estado em Penedo por pouco tempo, pois no ano
seguinte Nurmi estava novamente viajando da Finlândia para o
Brasil. Valtonen (1998) diz que Nurmi trouxe para ele uma
chocadeira para ovos, a pedido de seu pai, pois ele estava
começando a criar galinhas.
4.5.5 CASAMENTOS, NASCIMENTOS E ENTERROS
A partir dos casamentos realizados na colônia ainda em
1929, começaram a nascer as primeiras crianças na conia. De
acordo com Fagerlande (1996), a primeira criança finlandesa a
nascer nas terras da colônia foi ele próprio, Alva Athos Francisco
Fagerlund
63
, filho de Ethel Bertell Fagerlund e Frans Armas
Fagerlund, em 02 de março de 1931. O parto foi no antigo
casarão, no quarto identificado como a segunda janela à
esquerda, no segundo andar da fachada que para as
montanhas (FAGERLANDE, 1996). Segundo Ampula (1997)
nesse ano também nasceu Aimo, o segundo filho de Uuskallio, e
outras crianças vieram ao mundo, iniciando o povoamento de
Penedo. Melkas (1999) fala de outros bebês na colônia,
provavelmente incluindo Taimi Uuskallio, nascida em 1929, no
Rio de Janeiro.
A vida em Penedo, apesar das dificuldades, continuava,
com casamentos sendo festejados, como o de Lilli Bertell com
Iivari Munne em Penedo, em 01 de outubro de 1932. As fotos das
bodas mostram o casal usando chapéus de bucha,
provavelmente feitos por Asikainen, que foi padrinho, e as
mulheres a cavalo e os homens a (Figura 42). Os noivos e
padrinhos foram a Resende de cavalo para a cerimônia civil, pois
não havia ainda estrada ligando à cidade (FAGERLANDE, 1996).
No ano de 1933 ocorreu o casamento de Eino Brusi e Hulda
(Ulla) Knuutila, em 26 de agosto, como mostra a foto (Figura 43)
sob a mangueira do pátio do casarão com a presença de
quarenta e cinco pessoas (FAGERLANDE, 1996). Ampula (1997)
conta que estava trabalhando em Santana, perto de
63
O nome Fagerlund foi registrado errado, como Fagerlande, o que foi
descoberto anos mais tarde, não podendo ser modificado facilmente.
123
Figura 41 - Foto de enterro, Cemitério de Resende [1929].
Fonte: FAGERLANDE, 1998a
Figura 42 - Foto do dia do casamento de Lilli Bertell e Iivari Munne [1931].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Barra do Piraí, junto com Linnea Kiukkas, e que não conseguiram
chegar a tempo ao casamento, pois as condições de transporte
eram muito difíceis. Tinham pegado um táxi até Barra do Piraí, e
de lá um trem que levava quatro horas até Marechal Jardim, fora
os atrasos. Da estação de trem, de noite e chovendo, indo a
pé, erraram o caminho e tiveram que se abrigar em casa de
colonos, na fazenda vizinha, e ao chegarem no dia seguinte,
através dos pastos, lhes disseram que a festa tinha sido muito
boa.
Entre as fotos da colônia pode-se encontrar não somente
casamentos, mas também fotos de enterros, de acordo com o
hábito finlandês de registrar esses momentos
64
. Melkas (1999)
fala que no primeiro ano ocorreram duas mortes na colônia,
sendo de um dos falecidos o funeral no cemitério de Resende que
aparece na fotografia de 1929, com a presença de muitos
finlandeses
65
(Figura 41).
64
Além de existirem muitas fotos de enterros na época, ainda hoje é comum se
registrar os funerais, para mandar os registros para parentes na Finlândia.
65
Os enterros eram realizados em Resende, no cemitério tradicional da cidade.
Somente no final dos anos 1960 foi construído um cemitério para os finlandeses,
124
4.5.6 ATIVIDADES CULTURAIS
Desde os primeiros tempos havia um coral na colônia, com
Aino Suova como primeira regente. Ela chegou com a primeira
leva e logo voltou para Finlândia, deixando em seu lugar Hugo
Israel Lehtonen, que era formado como diretor de canto pela
escola de música. O coral ensaiava cada domingo de manhã, no
andar de cima do casarão (VALTONEN, 1998).
Hildén (1989) fala de festas ocasionais no salão grande do
casarão, junto com palestras de encorajamento de Uuskallio.
Cantavam-se muitas canções finlandesas, em solos, duos, ou no
coral. O acompanhamento era com violino (Fagerlande fala de
violino de Markkula) ou órgão. Muitas vezes Uuskallio tocava o
kantele, instrumento tradicional finlandês parecido com uma
pequena harpa
66
. Uuskallio e Suni cantavam para todos,
encantando os companheiros, além de Liisa Uuskallio, que era
considerada muito boa cantora (FAGERLANDE, 1999b). Diversas
fotos mostram grupos com instrumentos, inclusive violinos e
kantele (Figura 44).
Algumas vezes se faziam pequenas peças de teatro, e
formou-se um grupo de danças folclóricas com as roupas
também em Resende, mas seguindo os preceitos dos protestantes, maioria
entre os finlandeses. Localizado junto ao antigo cemitério católico, forma uma
ala em separado, com a disposição tradicional dos cemitérios finlandeses, com
gramados e árvores, sem estátuas, somente lápides em mármore branco,
conforme projeto de Alva Fagerlande. foram enterrados, desde então, os
finlandeses e seus familiares, e O Clube Finlândia é o responsável pela sua
manutenção, através de trabalho voluntário.
66
O kantele de Uuskallio encontra-se atualmente no Museu do Clube Finlândia.
tradicionais
67
que as pessoas tinham trazido, dirigido por Laura
Suni, e com o violino tocado por Toivo Suni (FAGERLANDE,
1999b). Laura dava aulas de danças folclóricas finlandesas, com
quase todos participando. Havia apresentações, como a descrita
por Bopp (apud Fagerlande, 1998a), que fala que os finlandeses
apresentaram um festival pico em festa beneficente no teatro de
Resende, apresentando bailados e cânticos de sua terra, com
sucesso de público.
Em 1932 eram freqüentes as festas no Casarão,
(PELTONIEMI, 1986) inclusive bailes de Carnaval. Jouskari e
Martti Kurkki contam sobre bailes aos sábados à noite, quando se
dançavam polkkas e jenkkas, além de danças mais modernas,
contando com a presença de brasileiros, que achavam tudo muito
engraçado (JOUSKARI, apud PELTONIEMI, 1986). Nesse ano
Sipilä fala que Valtonen, Nordman e ele mesmo organizaram um
baile, com a eleição de uma Miss Penedo, Raisa Aapro, filha do
cônsul da Finlândia que passava férias na colônia, na Pensão dos
Reiman (SIPILÄ, 1979).
As atividades culturais no período entre 1931 e 1933,
mencionando as aulas de português, ministradas pelo holandês
Sr. Lourenço, além das aulas que Pesonen dava de ngua
67
Os grupos de danças folclóricas utilizam os chamados trajes nacionais, que
são as roupas e adereços que representam as diversas regiões da Finlândia.
125
Figura 43 - Foto Casamento Brusi, em agosto de 1933. Grupo sob mangueira no
jardim da Casa Grande
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Figura 44 - Grupo com instrumentos musicais, sob palmeira, no Jardim da Casa
Grande [ca. 1930].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
inglesa. As lições aconteciam após os trabalhos diários, e era
uma tarefa muito difícil para todos (SIPILÄ, 1979). Ampula (1997)
fala que Laura Suni dava aulas para as crianças, pois não havia
escola na colônia, e ela era professora. À noite liam-se livros e
revistas finlandeses, de uma pequena biblioteca da colônia, e
alguns aproveitavam o tempo para escrever para sua terra natal
(HILDÉN, 1989).
Outra atividade comum no casarão eram os cultos. Hildén
(1989) fala de cultos aos domingos, em que se lia a bíblia,
cantavam-se hinos religiosos e Uuskallio discursava. Havia
sempre debates, muitas vezes acalorados, e de fundo ideológico
ou religioso.
Todas as atividades eram centradas no casarão, fossem
nos salões internos ou no pátio externo. era o centro da
colônia, até mesmo por ser a única edificação em condições de
exercer tais funções. A vida comunitária de Penedo suscitou
boatos na Finlândia (PELTONIEMI, 1986) de que o assentamento
era um kolkhoz, onde tudo era coletivo, inclusive as mulheres.
Assim era importante a divulgação de fotos e relatos positivos,
para mostrar as intenções sociais e religiosas da colônia. Essa
diferenciação entre o coletivismo comunista e uma sociedade
126
comunitária era importante naquele momento, em que o
comunismo soviético tinha muita força, e a União Soviética era
vizinha da Finlândia. Além disso, as idéias iniciais da colônia
eram bastante próximas de ideais religiosos, longe dessas idéias
políticas.
Ao divulgar Penedo, em resposta aos descontentes na
Finlândia, Uuskallio fez questão de mencionar que os imigrantes
eram devotos crentes, explicando que não era uma seita
qualquer, mas que a Colônia Penedo tinha sua marca de
religiosidade (VALTONEN, 1998), com festas alegres e danças,
além de falar da natureza e mencionar o ribeirão como uma
dádiva de Deus.
4.6 TRABALHO: INFRAESTRUTURA, PLANTAÇÕES E
COMÉRCIO
Nos primeiros momentos da colônia Suni dirigia os
trabalhos, enquanto Uuskallio viajava para a Finlândia, em busca
de patrocinadores (VALTONEN, 1998). Frans Fagerlund tomava
conta da oficina, onde havia ferramentas de carpinteiro e ferreiro,
e Ole Aartelo tomava conta da horta, que seria feita no terraço
defronte à casa.
Ampula (1997) fala que os primeiros anos havia muito
trabalho, com os homens trabalhando na lavoura, construindo
casas e estradas, e as mulheres na horta, na cozinha e na
lavanderia. Para elas havia um revezamento nas funções,
trocando a cada semana de trabalho, entre as atividades na
cozinha e na plantação. As fotos mostram as mulheres com
uniformes, trabalhando na cozinha. Nota-se a organização, com
uniformes, todos brancos (Figura 45).
Dentro do projeto vegetariano, a idéia era plantar hortaliças,
além de criar pomares, com frutas comestíveis. As hortas eram
plantadas nas áreas planas, em grande quantidade, nos trechos
junto à Casa Grande, como mostram as fotos da época. Produtos
como espinafre e morangos eram bastante comuns. Valtonen
(1998) fala de horta em frente ao casarão, e as fotos mostram
plantação de tomates e cenouras, em uma grande horta (Figura
46).
Outra atividade que teve êxito nesse início foi a plantação
de bananas (VALTONEN, 1998), o que ocasionou o início da
produção de bananas-passas, sendo feito um forno no antigo
estábulo para secá-las. A produção foi bastante satisfatória,
sendo mandado o produto até para a Finlândia (Figura 48). Essa
idéia de enviar produtos para a terra natal era uma constante,
mas sempre esbarrava nas dificuldades de transportes. A maior
parte das atividades agrícolas, como a plantação de feijão, arroz,
milho, batata doce e amendoim eram destinadas ao consumo
próprio na colônia, como atividades de subsistência.
Com relação às plantações, Suni dirigia os trabalhos com
arado manual, pois a terra tinha muitas pedras, impossibilitando o
trabalho de trator. Melkas (1999) fala das dificuldades de se
127
Figura 45 - Trabalhadoras na cozinha comunitária [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 46 - Plantação de tomates em frente ao Casarão [1929].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
trabalhar na fazenda, pois não havia ferramentas, e se verificou
que elas eram mais caras no Brasil do que na Finlândia. Dessa
maneira foi solicitado a quem viesse trouxesse seu material de
trabalho (PENNANEN, 1929).
Algumas fotos mostram Asikainen também arando a terra
com esse método manual, que certamente era o mais comum
(Figuras 49 e 50). No final do ano de 1929 foi comprado um trator,
para auxiliar nos trabalhos do campo (MELKAS, 1999). A área
plana arável da fazenda, segundo Valtonen (1998), era de 200
hectares, e fora essa área se podia plantar árvores, pois eram
morros. Ao se comparar as fotos mais antigas da fazenda com
outras posteriores, pode-se verificar que algumas áreas era
utilizadas também para o plantio de árvores, especialmente junto
às novas casas que iam sendo construídas.
Em 1931 a principal atividade da colônia era a enxertia de
mudas de laranjas (VALTONEN, 1998). Além disso, o plantio de
bananas tinha sido o primeiro a ser iniciado, com o plantio de
20.000 mudas, e uma plantação mais antiga dava resultados.
Junto ao rio, havia plantação de feijão, arroz, milho, batata-doce e
128
Figura 47 - Plantação de laranjais [1937].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 48 - Trabalhadores junto à Casa Grande [193-].
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
amendoim, árvores frutíferas, como pereiras, além de bosques de
eucaliptos. Em 1932, havia 200.000 mudas de limoeiros para
serem enxertadas nas laranjeiras (VALTONEN, 1998), que
ficavam perto da olaria. Faziam-se enxertos nos limoeiros, para
fazer as mudas de laranjeiras que eram destinadas ao mercado
da Baixada Fluminense (Figura 50).
Essa era a principal atividade econômica da colônia, e que
auferia os rendimentos para a fazenda. Melkas (1999) fala que
Uuskallio teve contato com pessoal do governo brasileiro, ainda
no tempo em que estava na Pensão Walter, e que foram enviados
dois funcionários para avaliarem as condições da Fazenda
Penedo visando atender a solicitação por ajuda. Ela fala de
relatório realizado por esses servidores brasileiros, elogiando a
postura dos finlandeses por serem trabalhadores e não
consumidores de álcool sendo, portanto, bons exemplos para a
região. Sugeriam ajuda à colônia, com o envio de máquinas e
mudas, além de isenção de impostos de importação de insumos
para a fazenda, além de contatos para o plantio de mudas de
laranjas. Valtonen (1998) também fala que eles estavam sempre
esperando as sementes, que nunca chegavam. Mesmo com a
demora, foram enviadas mudas de laranjas que deram início ao
plantio de laranjais em Penedo (MELKAS, 1999).
129
Figuras 49 e 50 - Fotos de Asikainen trabalhando na plantação [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
As demais plantações eram, na maioria, destinadas ao
próprio uso, como a horta. O negócio de mudas de laranjas era
um dos melhores em Penedo, e quase todos faziam mudas para
Uuskallio vender, ganhando algum dinheiro com isso
(VALTONEN, 1998).
Em 1932, além das mudas de laranjeiras foi experimentada
a cultura de morangos, com sucesso, e as frutas eram enviadas
inicialmente in natura para o Rio, mas logo que começou a
Revolução em São Paulo o transporte por trens teve que ser
suspenso (VALTONEN, 1998). Por estar bastante próxima à
divisa com o estado de São Paulo, a revolução constitucionalista
de 1932 teve reflexos em Penedo, e ali se ouviam os aviões e
tiros das lutas. Por causa disso, as mulheres e crianças foram
evacuadas para uma parte mais isolada da fazenda, chamada de
Fazendinha, atualmente também chamada de Alto Penedo, onde
existia uma antiga casa de colono, pequena e simples, de pau-a-
pique e cobertura de sapé, onde se abrigaram. Alva Fagerlande
contava que sempre ouviu essa história, de que foi levado quando
era bebê para a Fazendinha (Figura 51).
Com o excesso de frutas armazenadas Hildén (1989) fala
que alguém teve a idéia de se fazer geléias, que fizeram grande
sucesso junto a famílias estrangeiras no Rio de Janeiro, para
130
Figura 51 - Casa na Fazendinha, [193-].
Fonte: Álbum Tuulikki Tikkinen Arany
onde foram levadas, quando foi possível. Usko Lindgren era o
responsável pelo serviço, e também fazia licor de morango,
apesar da proibição de álcool na colônia. A marca da geléia se
chamava Deliciosa, mas após algum tempo, com a continuação
dos conflitos em São Paulo, houve escassez de produtos como o
açúcar, e não se pode mais fazer as geléias (HILDÉN, 1989).
As vendas eram de responsabilidade de um holandês, Van
der Bilt, e que, segundo Valtonen (1998), sumiu com o dinheiro
das vendas. Assim acabou o negócio dos morangos naquele
período, mas serviu para mostrar um caminho para os moradores
da colônia, sendo o início de uma das atividades que seriam
promissoras no futuro, a produção de geléias, licores e doces
caseiros. Essas atividades foram importantes para a implantação
da atividade turística de Penedo até os dias de hoje.
Além das plantações, os trabalhos iniciais da colônia eram
bastante voltados para a implantação da infra-estrutura básica,
como a abertura de uma estrada para automóveis, a construção
de pontes, e as atividades produtivas. No meio da horta passava
a estrada de doze metros de largura, que iria numa linha reta até
a estação de trem, atravessando o rio diversas vezes. Valtonen
(1998) diz que essa idéia de uma reta que seria o grande eixo da
fazenda era de Uuskallio.
131
A obra dessa estrada era importante para a colônia, pois o
antigo caminho de acesso da fazenda era por cima do morro,
perfeito para carroças e cavalos, mas inadequado para o uso de
caminhões e carros. Frans Fagerlund era o responsável pelas
obras, que ao beirar o rio precisava destruir grandes pedras ali
existentes. O trabalho vinha sendo executado por uma dezena
homens, incluindo Ketola e Koskinen, e era realizado à base de
picaretas, não conseguindo romper as enormes pedras
encontradas, sendo necessário o uso de dinamite para explodi-las
(VALTONEN, 1998). A mesma estrada continuava beirando o rio
em direção às Três Cachoeiras, pelo vale acima da Casa Grande,
até o Rio Palmital.
Uuskallio comprou um caminhão Ford e um trator Fordson
após a compra da fazenda (VALTONEN, 1998). Fagerlande
(1996) fala que esse mesmo caminhão foi reformado mais tarde
por Harry Bertell, sendo utilizado até os anos 1940, e que ele era
utilizado para o transporte dos produtos da colônia, além de servir
para buscar as pessoas na estação de trem.
Ao lado da produção agrícola, havia a necessidade de se
pensar no abastecimento e no escoamento da produção da
colônia. Na Casa Grande existia um armazém, onde eram
encontrados os produtos pessoais, e Markkula era o responsável
por esse setor, que de acordo com Valtonen (1998) estava
sempre vazio, sem produtos. Mais tarde o armazém se mudou
para uma casa em rua chamada do Comércio, e então Hugo
Israel Lehtonen passou a tomar conta do lugar. Segundo
Fagerlande (1998a) o armazém era onde existe até hoje
comércio, no atual Largo Finlândia.
Uuskallio pretendia vender o excedente da produção de
Penedo no Rio de Janeiro, mas ele não contava com os
problemas de transporte, pois seria inviável transportar produtos
como hortaliças por trem, que demorava tantas horas. A tentativa
de enviar produtos como geléias e bananas-passas também se
mostraram problemáticas, devido ao desconhecimento do
mercado e de suas peculiaridades.
Dessa maneira a solução encontrada foi tentar vender os
produtos na própria região. Em 1931 foi criada uma casa
comercial, a Casa Penedo, em Resende, sede do município, e
maior cidade da região, onde se vendiam verduras e legumes,
frutas, geléias, pães caseiros (HILDÉN, 1989). Fagerlande
(1998a) diz que a Casa Penedo se situava na Rua Albino de
Almeida, em Resende. Bopp (apud FAGERLANDE, 1998a) conta
que os finlandeses que cultivavam a Fazenda Penedo traziam ao
mercado urbano seus produtos agrícolas, como morangos,
pêssegos, laranjas, cajus e outros frutos.
Toivo Asikainen trabalhava , e entre os produtos da
colônia havia as geléias de morango feitas em Penedo
(VALTONEN, 1998). Ele vinha para a colônia aos sábados fazer
sauna, e trazia produtos, como manteiga produzida em Resende
e batatas.
132
Algumas outras iniciativas foram feitas para se conseguir
produtos que ajudassem a sustentar a colônia. Harry e Gotte
Bertell, juntamente com Akseli Lehtola, resolveram fabricar
bengalas e veis, aproveitando moirões antigos que existiam na
fazenda. Parte desses produtos, especialmente as bengalas, foi
levada por Nurmi para serem vendidas na Finlândia, mas
iniciativas como essas eram quase sempre mal sucedidas
(VALTONEN, 1998).
Valtonen (1998) fala que ele e Aartelo começaram a vender
ovos em 1932, ganhando algum dinheiro, e com esse dinheiro
compraram quatro éguas para montaria. Uuskallio não achava
adequado criar coelhos e galinhas, mas aceitou, pois os demais
serviços estavam sendo feitos a contento.
Muitos dos integrantes da colônia começavam a trabalhar
por sua conta, como conta Valtonen (1998), que fala dele e Kalle
(Pekkala) terem oito homens trabalhando para eles nesse
período, quando ele limpava em volta das jabuticabeiras, junto à
casa de Lehtola, onde eles estavam morando, para o cultivo de
mudas, e que Suni também estava fazendo seu viveiro de mudas.
Em 1934 Iivari Munne e falia se mudaram para Austin, na
Baixada Fluminense, onde foram cuidar de um laranjal do cônsul
sueco Olsson, e mais tarde foram para Queimados, onde tiveram
seu próprio sítio de plantação de laranjas, ali ficando a a crise
da laranja, na época da guerra. Munne ia a Penedo em seu
caminhão buscar enxertos para vender, criando um dos negócios
que sustentou a colônia durante muitos anos (FAGERLANDE,
1996). Valtonen (1998) fala que Sipilä também passou a ser
vendedor das mudas de laranjeiras, com sucesso, e que levava
as mudas para um depósito em Queimados, onde realizava suas
vendas. Era um momento em que a Baixada Fluminense era um
grande pólo produtor de laranjas, e necessitava de mudas, que
eram produzidas em outros locais, como Penedo.
4.7 DIFICULDADES DE IMIGRAÇÃO
Nos anos 1930 a imigração estava sendo muito dificultada
em todo o mundo, inclusive no Brasil. Era cada vez mais difícil
para finlandeses virem para a colônia, com as dificuldades
impostas pelo governo brasileiro. Além disso, a situação
financeira de Penedo se agravava, e no ano de 1934 quase não
chegaram imigrantes para a colônia. Vieram apenas oito pessoas,
sendo quatro componentes da organização da colônia na
Finlândia, Mustonen, Suova, Lalla e Nurmi, além de Toivo Suni
que mais uma vez retornava ao Brasil, Siiri Silfver, que vinha
isoladamente para Penedo, e mais dois irmãos, Heikki e Toivo
Rautiainen.
Quatro integrantes da organização Amigos de Penedo
vieram juntos no navio Mercator, de Helsinki, chegando em 21 de
agosto de 1934. Yrjö Mustonen, que voltava a Penedo; Isak A.
Suova, com 53 anos, que era professor; Alfred Lalla, que tinha 59
anos e se declarara lavrador, além de Väinö Nurmi, que estava
133
com 39 anos, e voltava para Penedo pela terceira vez. Outra
personagem a vir nesse ano foi Siiri Silfver, que mais tarde seria a
proprietária de uma das primeiras pensões de Penedo, depois
Hotel Bertell (FAGERLANDE, 1998a).
No ano de 1935 aparece o registro de chegada de somente
um imigrante para Penedo, e 1936 viu chegarem poucos
finlandeses destinados a Penedo, somente seis, sendo que quase
todos retornavam como Suni e Asikainen (FAGERLANDE,
1998a).
4.8 PROBLEMAS NO PARAÍSO - QUESTÕES
FINANCEIRAS
As dificuldades financeiras da Fazenda Penedo eram
freqüentes desde o início da colônia, pois a compra da
propriedade tinha sido realizada com uma grande dívida a ser
paga, que venceria em 28 de julho de 1929 (HILDÉN, 1989).
Mesmo com a ajuda dos Amigos de Penedo na Finlândia, ainda
faltava uma parte do valor total, que Pennanen acabou
conseguindo e enviando para o pagamento.
A estrutura financeira da colônia sempre foi um de seus
principais problemas, pois a compra da fazenda dependeu de
campanhas de arrecadação de fundos na Finlândia, além de
recursos dos pprios imigrantes. Mesmo assim, a capacidade de
manutenção da colônia foi abaixo da expectativa de seus
idealizadores, e Uuskallio fez inúmeras tentativas de buscar
auxílio, indo à Finlândia e aos Estados Unidos. Ele foi à Finlândia,
chegando em 01 de outubro de 1930, e voltou ao Brasil em 06 de
dezembro de 1930 sem, no entanto conseguir a ajuda desejada
(MELKAS, 1999), e depois foi aos EUA em abril de 1932,
passando por Nova York, Detroit e Chicago. Ele buscava dinheiro
junto aos finlandeses que viviam , e que ele achava que
poderiam colaborar, por terem mais recursos que os
companheiros na Finlândia (VALTONEN, 1998). conseguiu
criar um comitê de apoio a Penedo, dirigido por Victor Syren, mas
as notícias sobre a guerra civil no Brasil, naquele ano, fizeram
esse apoio não resultar em ajuda financeira, por medo dos
investidorea em colocar dinheiro num país em conflito (MELKAS,
1999; HILDÉN, 1989).
Uuskallio estava quase sempre fora de Penedo, buscando
auxílio para a colônia, e passava muito tempo no Rio de Janeiro,
onde buscou ajuda do governo de Getúlio Vargas
68
. Em uma de
suas passagens pela cidade ele conheceu um americano de
origem alemã, e o convenceu a emprestar dinheiro para o
empreendimento, empenhando novamente a fazenda. Em 15 de
dezembro de 1932 foi feita por Uuskallio uma escritura de
hipoteca da Fazenda Penedo, para Henry Herman Lichtwardt
(FAGERLANDE, 1998b). Hildén (1989) o descreve como um
68
Muitas finlandesas trabalharam no Palácio, em cargos como governanta,
massagista, babá empregada de modo geral. Uuskallio dessa maneira teve
acesso ao governo, embora Jouskari, a mais graduada junto à família Vargas,
não tenha querido usar seu prestigio pessoal em favor da colônia, com medo de
ser mal interpretada (JOUSKARI, apud FAGERLANDE,1999b)
134
capitalista americano, residente no Rio de Janeiro, descendente
de alemães e diretor da Associação Cristã de Moços.
A partir de 1932, sem dinheiro para rolar a dívida, graves
problemas financeiros passaram a atingir a colônia. O empréstimo
vencia, a Colônia não podia pagar seus credores, e por isso foi
formada uma comissão para administrar a colônia, composta por
Väino Nurmi, Toivo Asikainen, Erkki Lalla e Lauri Tammela.
Segundo Melkas, esse conselho foi criado no final de 1932, como
mostra carta de Pennanen de 22 de fevereiro de 1932, e atas de
reunião desse conselho (MELKAS, 1999).
Devido à experiência adquirida por anos na colônia,
perceberam ser impossível manter as atividades voltadas
somente para a produção de enxertos de laranjeiras e resolveram
diversificar. Deixando de lado a questão puramente ideológica,
resolveram criar animais, como bois e vacas, suínos e avicultura.
Além disso, resolveram explorar a floresta, com extração de
lenha, carvão vegetal e madeira de lei. Foi nesse período que
teve início o movimento de hospedagem, com o aproveitamento
da Casa Grande como pousada a partir de 1932 (MELKAS,
1999).
Era uma época em que quase todos os imigrantes tinham
construído suas casas, e o velho casarão estava praticamente
vazio (HILDÉN, 1989). Aura e Erkki Lalla, tendo experiência no
ramo na Finlândia, ficaram sendo os responsáveis pela
hospedaria, e mais tarde Toivo Uuskallio e Liisa, sua esposa,
ficariam à frente do negócio.
Apesar de mudanças de pensamento, resultando em ações
mais pragmáticas, a situação não melhorou muito, pois a fazenda
não tinha dinheiro nem para comprar galinhas, quanto mais vacas
(MELKAS, 1999).
4.9 GRUPO KALEVA ESCRITURA COM DIVISÃO DE
TERRENOS EM 1935
Finalmente ao chegar o ano de 1935 os problemas da
colônia tornaram-se bastante grandes. Alguns participantes
exigiram seus lotes, onde pudessem fazer suas casas e
plantações de maneira individual, sem o controle de Uuskallio e
de seu grupo mais chegado. Outros, como os Bertell conseguiram
receber dinheiro, com o qual compraram terras perto de Penedo,
e um grupo foi procurar a Legação da Finlândia para fazer valer
seus direitos (FAGERLANDE, 1996).
A Fazenda Penedo havia pertencido a diversos
proprietários, como demonstram as escrituras encontradas, e em
1929 Uuskallio a tinha comprado em seu nome, utilizando seu
próprio dinheiro e também o de outros participantes do projeto,
investidores em Penedo.
Após uma tentativa de mudanças nos rumos da colônia, um
grupo de participantes do empreendimento na Finlândia, que se
135
denominou Grupo Kaleva
69
, exigiu que Uuskallio demarcasse
suas terras, e foram à Legação Finlandesa, o equivalente à
Embaixada nos dias de hoje, exigindo uma posição do Cônsul.
Cedendo às pressões, Uuskallio fez a demarcação das terras
desse grupo, e uma escritura foi registrada na própria Legação.
Esse documento não tinha valor judico no Brasil por não ter sido
registrada em cartório no país, e, além disso, devido à hipoteca
existente junto a Henri Lichtwardt, ela nem poderia ter sido
realizada e, portanto, seu valor era mais moral que jurídico, pois a
Fazenda Penedo não poderia ser alienada, mesmo parcialmente.
Uuskallio sempre havia demonstrado não ter vontade de
dividir a propriedade, alegando problemas referentes a impostos,
mas posivelmente tinha medo de ver seu projeto comunitário
desandar se as terras fossem divididas e cada um pudesse se
desfazer delas, sem levar em conta o projeto comunitário. Essas
pessoas eram proprietários e investidores, muitos deles fazendo
parte inclusive da organização inicial da colônia, o grupo de
amigos de Penedo, que haviam feito muito pela colônia, na
Finlândia. Alguns integrantes desse grupo tinham vindo ao
Brasil no ano anterior buscando uma nova maneira de se
69
O nome Kaleva tem relação com o livro mitológico finlandês, o Kalevala,
símbolo nacional, e que aparece em outras situações, como o nome de cidade
criada nos Estados Unidos, destinada a colonos finlandeses, em 1900, no
estado do Michigan (KERO, 1985). Segundo Asplund e Mettomäki (1998),
nomes derivados do Kalevala, como Kaleva e Sampo eram muito utilizados no
final do sécul XIX e início do XX.
administrar a colônia, mas decepcionados com os resultados,
resolveram agir de maneira mais incisiva.
O fato de procurar o representante do governo finlandês,
apesar de ter somente efeito moral, forçava Uuskallio a resolver a
questão, pois ele não pretendia criar mais problemas na
Finlândia, onde sempre buscava ajuda para seu projeto, e
também respeitava a representação no Brasil.
A escritura de compra e venda de parte da Fazenda Penedo
foi feita na Legação da Finlândia no Rio de Janeiro, em 29 de
março de 1935. De um lado estavam Toivo Uuskallio, e de outro
lado I.A. Suova, August Kuusisto, Rauha Lukkala, Anton Runman,
Petter Uusitalo, Eino Valtonen, Alfred Lalla, Eemeli Markkula e
Laila Suova. A escritura fala dos lotes demarcados no projeto
habitacional de Penedo n°s 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 11; 12; 13; 14;
15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 31, 34, 35, 36, 37,
38, 76, 77, 78, 79, 80, 90, 91 e também as áreas de terra ligadas
a estes lotes. Estavam presentes Toivo Uuskallio, Isak. A. Suova,
Alfred Lalla, Eemeli Markkula, Yrjö Murtonen Niilo Valtonen e
E.A.Lalla, e os demais foram representados na assinatura da
escritura na Legação do Rio de Janeiro. Ao assinarem a escritura,
todos reconhecem a existência da hipoteca da Fazenda
(FAGERLANDE, 1998b).
Mesmo assim, o Grupo Kaleva tomou posse das terras
descritas na escritura, iniciando um processo de ocupação mais
independente na colônia. A mesma escritura fala de lote de Brusi,
136
de estrada principal reta marcada na planta de situação, e de
estrada reta ligada a esta, e passando por lote de Asikainen. A
escritura diz ainda que o nome comercial Colônia Finlandesa de
Rezende Penedo não poderia ser utilizado pelos compradores e
cita que Penedo tinha telefone, que estaria à disposição de todos.
Muito importante também é a referência aos lotes do Plano
Habitacional, descrevendo uma planta que nunca foi encontrada,
e que seria importante para se estudar como era esse projeto de
implantação da colônia. Outro fato importante é que estão na
escritura os limites da Fazenda Penedo, com descrição de
pontos, como a Pedra do Penedo, o Vale do Sanatório, o Lote de
Mikkonen, Kylmä Koski
70
, e outros limites conhecidos, como
fazendas vizinhas. Isso mostra como esses lotes (ex: Lote do
Suova) estavam mais ou menos definidos, mesmo sem uma
escrituração legal. A inclusão do lote de Brusi nessa escritura,
mesmo ele não fazendo parte do grupo, reforça essa idéia, assim
como a menção a Asikainen.
A escritura ainda fala da estrada reta marcada em planta de
situação, e que daria livre acesso á área a ser desmembrada, e
que para fazer a estrada de ligação, em direção ao lote de
Asikainen, também seria traçada uma reta. Fica assim reforçada
a idéia das retas para a colônia. De qualquer maneira, essa
demarcação inicial ficou registrada e, com efeito, as pessoas
receberam as terras, que posteriormente foram legalizadas. Eram
70
Kylmä Koski significa Cachoeira Fria, em finlandês – tradução nossa.
lotes em área bastante valorizada então, no local por onde se
chega atualmente a Penedo, e junto ao rio.
Valtonen (1998) fala que foi feita a medição da fazenda
por um agrimensor de Resende, contratado por ele e Markkula,
provavelmente a planta de 1941 feita por José Garcia da Silveira,
e que marcava as propriedades do Grupo Kaleva. Nela aparecem
terras de Jaako Jämsä, e não mais as de Lalla. Ainda estão
marcados os lotes de Asikainen, Brusi, Toro e lotes atrás do
Penedo.
4.10 NOVAS ATIVIDADES EM PENEDO, DE 1935 A
1942
Após a ação do Grupo Kaleva, muitos integrantes do grupo
passaram a construir suas casas nos lotes recebidos. Além disso,
não se seguia as orientações de Uuskallio tão rigidamente,
somente aqueles que acreditavam realmente nos ideais
vegetarianos, mas outros menos imbuídos das idéias naturais não
o faziam.
Lindgren fazia geléias e licores de morango, bebendo-os
sem a aprovação de Uuskallio (VALTONEN, 1998). Ele ainda
morava no casarão, em um quarto individual, e para resolver o
problema da bebida, Uuskallio deu a ele nove contos de réis, que
com esse dinheiro comprou uma propriedade onde é hoje a
137
entrada da AMAN
71
, em Resende. Como não entendia de
plantações, chamou Valtonen para trabalhar com ele, e
plantaram laranjeiras, abacaxis e morangos, além de verduras e
tomates (VALTONEN, 1998).
Nesse ano de 1937 chegam ao porto do Rio de Janeiro
nove imigrantes para Penedo, entre ele alguns antigos moradores
que retornavam, como era o caso de Lehtola, Suni, Ethel Bertell
Fagerlund e Hulda Brusi.
Valtonen (1998) fala que ficou doente nesse período, e foi
se tratar na pensão, onde passou a ser cuidado por uma
finlandesa que tinha acabado de chegar. Ela fazia o serviço da
casa, cozinhava, lavava, arrumava e punha a mesa. Eles se
casaram na Páscoa daquele ano, e como havia na colônia onze
solteiros, e somente uma mulher solteira, ele foi considerado
como uma pessoa sortuda. A noiva, Maija, era viúva e mais velha
que Niilo. Nascida em Haukivuori, tinha um armazém na
Finlândia, tornando-se depois costureira, trabalho com o qual
juntou dinheiro em Viipuri para vir para o Rio de Janeiro.
O casamento teve vinho, carne de porco, pão e carne, e
mesmo não sendo uma grande festa, foi motivo de grande
comemoração na colônia (VALTONEN, 1998). Depois do
casamento eles foram morar na casa que era de Lehtola, onde
71
Segundo BOPP (apud FAGERLANDE, 1998a) em 29 de junho de 1938 houve
o lançamento da pedra fundamental da Universidade Militar de Agulhas Negras,
que somente seria inaugurada em 11 de março de 1944, como Academia Militar
de Agulhas Negras.
começaram a criar galinhas. Valtonen (1998) conta que nesse
momento escolheu um lote junto a Asikainen, onde mais tarde
construiria sua casa.
Outra falia a chegar nesse período foi a dos Rouhe
(FAGERLANDE, 1998b). Logo compraram a antiga propriedade
de Albert Käriä em Marechal Jardim, onde foram morar, no
terreno vizinho aos Bertell. Ali ergueram sua casa, com sala, dois
quartos e cozinha, além de uma sauna em edificação separada.
Compraram logo um automóvel, que acabou confiscado pelo
governo na ocasião do início da guerra
72
.
Nesse movimento entre os dois países, Lehtola voltou da
Finlândia em 15 de novembro de 1937 (FAGERLANDE, 1996), e
de acordo com Valtonen (1998) trouxe muitos discos e um
gramofone. Assim, aos sábados se faziam bailes no terreiro de
café em frente ao casarão. As danças eram comentadas na
colônia durante toda a semana, uns a favor e outros contra, mas
sempre com a presença de muitas pessoas.
Quando começou a temporada das chuvas, o baile passou
a ser no salão do pavimento inferior do casarão, onde havia a
mesa de bilhar. Sanni, esposa de Lehtola, passou a levar
bebidas, o que foi mais um problema na colônia. Uuskallio
aprovou as danças, pois Lehtola o convenceu de que era
saudável, mesmo condenando o álcool (VALTONEN, 1998).
72
A Finlândia entrou na Segunda Guerra como aliada dos alemães e, portanto,
do lado oposto do Brasil. Dessa maneira os finlandeses tiveram alguns
problemas, e estiveram sob vigilância durante esse período.
138
Nesse ano de 1938, prenunciando a Grande Guerra que
logo eclodiria na Europa, chegaram mais imigrantes do que em
anos anteriores. Foram dezenove pessoas, muitas retornando, e
outras novas em Penedo. Entre aqueles que retornavam estava
Toivo Sipilä e Eino Hannonen, que tinha estado na colônia em
seu primeiro ano, e agora retornava com sua família. Mais tarde
construiria sua casa atrás do Clube Finlândia, ainda hoje de
propriedade de seus descendentes (FAGERLANDE, 1998b).
Em 1939 vieram poucos finlandeses para Penedo, somente
quatro imigrantes, sendo dois novos e dois retornando. As
dificuldades impostas pelo governo brasileiro tinham aumentado,
com a lei de 4 de maio de 1938, em que Vargas criava um
Conselho de Imigração e colonização, que restringia as novas
entradas de imigrantes a 2% do número de entradas de 1931
(BASTO, [198-]). Para dificultar mais ainda, nesse ano a Finlândia
entrou em guerra com a União Soviética, que durou até 1940, a
chamada guerra de inverno. Dessa maneira aumentavam as
dificuldades de se conseguir mais dinheiro e rolar as dívidas de
Uuskallio, pois a Finlândia em guerra era mais um impedimento
para as solicitações da colônia.
Em 1939, embaixador finlandês Ministro Valikangas foi a
Penedo para um encontro com os moradores, a respeito da
propriedade das terras (VALTONEN, 1998). O encontro foi no
salão de cima do Casarão, e ele chamou a atenção a todos do
problema de não terem suas terras demarcadas, sem limites
estabelecidos, e os problemas que isso poderia causar a todos.
Apesar de citada por Valtonen, não se m notícias dos
resultados dessas conversações.
Valtonen (1998) conta que no dia da inauguração de sua
casa, 06 de dezembro de 1939, um grupo de criadores de aves
resolveu fundar uma cooperativa, para compra e venda de rações
e ovos, com o nome de munamiehet
73
, pois todos eram
produtores de ovos e galinhas.
As rações tinham que ser compradas no Moinho de Barra
Mansa, e farinha de osso e carne no Rio de Janeiro ou em
Mendes, e com o trabalho conjunto a idéia prosperou, e
resolveram construir uma sede para a cooperativa. Fagerlande
(1998b) fala que essa associação, criada inicialmente somente
pelos criadores familiares de ovos, tinha se organizado para
compras por atacado de farinha de trigo e farelo em Barra Mansa,
e sabão, óleo e querosene em Resende. Os ovos eram vendidos
em Resende ou remetidos à Cooperativa do Rio, duas vezes por
semana.
A inauguração da sociedade foi feita em um antigo estábulo
de Jaakko Jämsä, ao lado da ponte, com uma Festa de São João,
mas logo a necessidade de uma sede fez com que essa fosse
construída mais tarde, em 1943, dando início ao Clube Finlândia,
existente até os dias de hoje (VALTONEN, 1998).
73
Munamiehet significa homens de ovos, em finlandês (FAGERLANDE, 1998b).
139
Fagerlande (1998b) fala que além dos criadores de
galinhas, a associação foi depois estendida a todos os
participantes da colônia, especialmente aqueles que faziam
artesanato, como Asikainen, que fazia chinelos de bucha, e Brusi
e Ulla, que faziam passadeiras de retalhos, em tear. Algumas
famílias, como os Savón, participaram da Associação Finlandesa
enquanto era um entreposto agrícola, mas ao se tornar um clube
social, com danças e bebidas, os mais religiosos não mais
apareceram.
Nos últimos anos do período utópico vieram poucas
pessoas, e em 1940 não veio nenhum imigrante para a colônia, e
no último ano, em 1941, chegaram somente quatro pessoas,
sendo duas de volta, Laura e Eva Suni. As dificuldades levavam
as pessoas para longe da colônia, e não em sua direção
(FAGERLANDE, 1998b).
Hildén (1989) conta que quando retornou da Finlândia, em
1941, as casas eram simples, mas decoradas com tapetes de
tear manual e artesanato, o que os turistas gostavam bastante.
Alguns faziam artesanato de bucha, como chapéus, chinelos,
bolsas e tapetes, e a presença de turistas era grande, com todos
aumentando suas casas para recebê-los, na forma de pensões e
pequenos hotéis.
Outros como Sipilä e Suni continuavam vegetarianos,
plantando e vendendo seus produtos em Resende e Volta
Redonda, que estava sendo construída, apesar da ausência de
boas estradas. Sipilä ouvia rádio e lia os jornais na Pousada da
Casa Grande, e ali ficava a par das notícias sobre a Finlândia.
Desde o início da guerra não havia correio para lá, que estava
aliada aos alemães, e não havia muito a fazer na colônia, pois o
Clube ainda não existia, pois seria fundado em 1943 (HILDÉN,
1989).
Entre as casas que funcionavam como pensões, estava o
velho casarão, que de acordo com Fagerlande estava alugado
para serviços de hospedagem em 1941. Outras pensões, como a
dos Reiman e a de Siiri Jämsä (Bertell), continuavam a funcionar,
e sempre se expandiam, com a construção de novos quartos
(FAGERLANDE, 1998b).
4.11 SAÍDA DA COLÔNIA
A vida na colônia nunca foi fácil, e as dificuldades materiais
eram intensas, além de haver, desde o início, algumas
discordâncias ideológicas. Muitos dos que vieram não estavam
convencidos a mudar tão radicalmente de vida, abandonando
hábitos que tinham, mesmo que em um primeiro momento, ao
decidirem cruzar o oceano, pensassem que poderiam assim o
fazer.
Desde o primeiro ano, 1929, foi grande o número dos que
voltaram para a Finlândia. Hildén (1989) fala que sua falia,
inclusive com seu pai, um dos maiores incentivadores da colônia
e grande amigo de Uuskallio, Toivo Suni, voltou para a Finlândia
140
em 9 de dezembro de 1929, pois sua esposa, Laura, não se
acostumava com a vida em Penedo. Muitos outros
acompanharam os Suni nessa volta no primeiro ano.
De um total de 134 pessoas, 76 voltaram para a Finlândia
no primeiro ano da colônia. Desses, alguns retornaram a Penedo
mais tarde, num movimento entre Brasil e Finlândia
(FAGERLANDE, 1998b).
Havia problemas com relação à rigidez imposta pelos idéiais
de Uuskallio, que ditava regras como o consumo vegetariano
radical. Mesmo não sendo permitido o consumo de álcool e
mesmo de café ou chá, muitos finlandeses sentiam falta desses
produtos. Valtonen (1998) conta de que algumas pessoas bebiam
café e cachaça e vinho, apesar da promessa feita a Uuskallio.
Essas pessoas certamente não se adaptaram à vida comunitária,
e muitos voltaram para a Finlândia. Entre os que voltaram está
Sylvie Simola, que tinha chegado em 1930. Fagerlande (1999b)
fala de foto de Asikainen, da despedida da Sra Simola, quando
esta retorna à Finlândia (Figura 52).
Ao voltarem para a Finlândia, muitos desses descontentes
fizeram propaganda negativa de Penedo, inclusive em artigos de
jornais. Para rebater isso, Uuskallio preparou fotografias das
casas, pomares e culturas, além de documentos, para demonstrar
que Penedo era um sucesso (VALTONEN, 1998).
Peltoniemi (1986) mostra artigo que saiu na revista Terveys
em 1931, de uma pessoa que havia estado em Penedo e,
desiludida, voltara para a Finlândia, dizendo que deveria ter
acontecido uma sugestão em massa para pessoas de meia idade
terem vendido tudo que tinham e ido para um lugar como aquele.
A minha sincera conviccção é que a compra de Penedo foi um
engano funesto, pois nem com a minha maior vontade consigo
acreditar no seu futuro”
Após essa manifestação a Revista Terveys, antiga
divulgadora do empreendimento, passou a ter cuidado em
divulgar assuntos sobre Penedo, preocupada com o que
acontecia na colônia. Jouskari (apud FAGERLANDE, 1998a)
conta que muitos em Penedo achavam que os problemas
existentes eram uma provação divina, e que seria necessário
sofrimento, para se alcançar os objetivos. Dessa maneira,
justificavam-se os problemas e criavam-se condições de
permanecer ali.
As dificuldades financeiras da colônia, onde o dinheiro era
escasso, fez com que mesmo quem pretendesse ficar em Penedo
tivesse dificuldades. Eila Ampula (1997) fala que seu pai, Lehtola,
pediu a Uuskallio para arranjar emprego para ela, para que
aprendesse português e pudesse ganhar algum dinheiro, e então
ela foi trabalhar no Rio de Janeiro, como empregada doméstica.
Ela conta que em uma de suas viagens, ao pretender voltar para
casa em 1932, conseguiu retornar no último trem antes de eclodir
a Revolução Constitucionalista em São Paulo, pouco antes das
comunicações serem interrompidas.
141
Figura 52 - Despedida da Sra Simola, de volta para a Finlândia [1931].
Fonte: Álbum Asikainen
Essa falta de perspectivas na colônia levou outros
imigrantes a sairem de Penedo. Iivari Munne, que era o contador
da colônia, decidiu ir trabalhar no Rio, onde havia finlandeses
trabalhando e morando. Lá outra finlandesa, Tynne Sarva, tinha
uma escola de massagens, e dava aulas para diversos
estrangeiros, interessados nesse mercado (VALTONEN, 1998).
Fagerlande (1999b) fala que Lyyli Jouskari estava cansada
da vida na colônia, e ao receber convite de sua irmã.oferecendo
um trabalho no Rio, prontamente foi para lá, no último trem que
saiu de Marechal Jardim, antes da eclosão da Revolução
Constitucionalista de São Paulo, em 1932. O emprego era como
dama de companhia da primeira Dama, D. Darcy Vargas. Sua
irmã estava trabalhando no Hospital da Cruz Vermelha, e o diretor
do hospital a tinha recomendado ao presidente e à primeira
dama. Jouskari ficou no Palácio a 1938, mas após estudar e se
formar como uma das primeiras assistentes sociais no Brasil, ela
continuou trabalhando para o governo, mantendo amizade com a
família Vargas. Após alguns anos no Rio de Janeiro, Jouskari
mudou-se para Penedo em 1953, onde construiu pequena casa, e
finalmente voltou para a Finlândia em 1955.
142
Com o início da guerra em 1939, as dificuldades
aumentaram. O negócio de venda de mudas de laranjeiras teve
fim, e muitos finlandeses resolveram sair de Penedo e ir tentar a
vida no Rio de Janeiro. Havia um pequeno núcleo na cidade,
onde algumas finlandesas trabalhavam como empregadas em
casas de pessoas ricas e no palácio do governo, como era o caso
de Lyyli Jouskari, Siiri Silfver, depois Bertell, e também de Tuulikki
Tikkinen, que trabalharam no Palácio Guanabara, residência de
Getúlio Vargas. Os demais trabalhavam com massagens, depois
de fazerem curso com Tyyne Sarva (FAGERLANDE, 1998a).
Alguns tiveram bastante sucesso nessa ocupação, como Gotte
Bertell que chegou a fazer massagens no presidente Getúlio
Vargas, e depois ao voltar para Penedo manteve uma clientela
junto à sauna do Hotel Bertell, segundo contava o próprio.
4.12 FIM DO SONHO DA COLÔNIA - A VENDA DA
FAZENDA
Com o início da segunda grande guerra, a venda de
laranjas para a Europa foi interrompida. Dessa maneira, a
principal atividade econômica de Penedo, a venda de mudas de
laranjeiras, teve uma queda muito grande. Foi um momento onde
a atividade de recepção de hóspedes teve um maior
desenvolvimento, especialmente devido à chegada ao Brasil de
estrangeiros, vindo do norte da Europa, sendo muitos deles
judeus de fala alemã.
Mesmo essas outras atividades não conseguiram resolver a
difícil situação financeira em que se encontrava a colônia.
Valtonen (1998) conta que a situação financeira era terrível, e que
Uuskallio falou para os homens da colônia sobre possível venda
de parte da fazenda, e que toda a parte à direita do rio seria
vendida para o pagamento da hipoteca.
Essa foi a única solução encontrada por Uuskallio para sair
do atoleiro financeiro em que havia entrado. Vendeu grande parte
da fazenda para um grupo suíço, a Geigy do Brasil, que ali criou
uma nova empresa, a Plamed Plantas Medicinais do Brasil, em
1942, e segundo Hildén (1989) essa empresa foi criada
justamente por suíços que conheciam Penedo. Com a nova
atividade, muitos finlandeses tiveram que abandonar suas
residências, que se situavam na parte vendida à Plamed. Reiman,
Suni, Tammela e Savón tiveram seus lotes incluídos na área
vendida, e tiveram que reconstruir suas casas. Nesse momento
houve finalmente a distribuição das terras, e formalização de
escrituras, deixando de existir a Fazenda Penedo, de propriedade
de Toivo Uuskallio (VALTONEN, 1998). Analisando-se os mapas
da época, percebe-se que continuou existindo a Fazenda
Penedo, em parte das terras que não foram vendidas, nem
entregues nesse período aos colonos. Essas terras ficaram em
nome de Uuskallio, e não se sabe como foi feita a repartição
delas, posteriormente.
143
Todos receberam dinheiro por conta dessa venda, e dessa
maneira puderam construir casas melhores em outros lugares.
Houve uma grande ocupação na área chamada de península dos
Toivos, onde Toivo Uuskallio tinha sua casa
74
, Toivo Suni
construiu sua segunda casa, Toivo Sipilä fez a sua e onde foi
construído o Clube Finlândia, em 1943. Este passou a ser o local
de encontros da comunidade, onde eram realizadas festas,
casamentos, em substituição ao velho casarão, que tinha sido
vendida junto com as terras. Apesar de vendida aos suíços, a
Casa Grande manteria seu uso como pousada, atividade ali
exercida na edificação até os dias de hoje.
Nesse momento surgiu o Clube Finlândia, originado da
cooperativa de produtores avícolas que se reuniam para tratar de
assuntos comuns, e que a partir de 1942 resolveram fundar um
clube da comunidade. Como se vivia o período da guerra, não era
permitido aos finlandeses se reunirem, e para isso eram sempre
convidados brasileiros, inclusive para representar legalmente a
agremiação, como seus dirigentes. A construção da sede foi feita
com doações, bingos e festa beneficentes, além de mutirão para
as obras, e era o ponto de encontro não somente dos finlandeses,
mas de todos da região, pois os brasileiros eram sempre bem
vindos (HILDÉN, 1989). Dançavam-se antigas danças finlandesas
como polka, jenka, humppa e também valsas e tangos. Mais tarde
74
Uuskallio ocupou a casa que seria de Nurmi, uma das seis primeiras
construções do Projeto Habitacional, e construiu uma outra residência maior ao
lado, criando a Pousada Penedo, existente até os dias de hoje.
ali foi criado um grupo de danças folclóricas, e dessa maneira o
Clube foi um dos responsáveis pela transformação de Penedo em
destino turístico, pois os turistas que estavam nas pousadas e
pensões locais eram sempre levados para os bailes de sábado à
noite.
O Clube como instituição dos finlandeses mantém sua
importância até hoje, e mais tarde, em 1989, foi construída uma
nova sede com museu e biblioteca juntos, onde antes era a Casa
Branca, uma das seis primeiras casas construídas em 1929 pelos
finlandeses. O Clube ainda foi responsável pela construção de
cemitério dos finlandeses em Resende, que é mantido por ele até
os nossos dias, mantendo dessa maneira as tradições
finlandesas, além de prestar auxílio à comunidade. A centralidade
da colônia deixou os arredores do velho casarão, passando a ser
exercida pela área em torno do Clube, onde a grande maioria dos
finlandeses estabeleceu suas residências.
Muitos finlandeses foram contratados pela Plamed para
trabalhar no plantio das plantas que seriam utilizadas para
remédios, inclusive eucaliptos, que eram plantadas
anteriormente, e que tiveram grande sucesso, fazendo parte
importante na paisagem de Penedo atual. Para os finlandeses,
aquelas florestas lembravam sua terra natal, país com muitas
florestas (VALTONEN, 1998).
A Plamed não teve longa vida, e revendeu suas terras em
1948, quando foi feito novo empreendimento loteando as terras e
144
as vendendo preferencialmente para funcionários do Banco do
Brasil. Com o nome de Cidade de Férias Itatiaia teve lotes
vendidos a partir de 1950, mas o nome não foi bem aceito, e
continuaram a chamar a área de Penedo. O loteamento seguiu
um projeto tradicional, com ruas em grid, sempre que possível,
respeitando a topografia, mas a grande avenida em reta
permaneceu, sendo alargada, com o nome de Avenida das
Mangueiras, devido às árvores ali plantadas pelos finlandeses.
Os finlandeses passaram a exercer outras atividades,
ligadas ao turismo, artesanato, fabricação de fornos de sauna ou
teares manuais (VALTONEN, 1998), e a partir de 1951, com a
chegada da Dutra, houve novo incremento ao desenvolvimento
de Penedo, com as pequenas pensões se desenvolvendo e
recebendo cada vez mais hóspedes, tornando-se Pousadas e
Hotéis.
Penedo passou a receber artistas, que vinham se hospedar
nas pensões caseiras. Eram muitos deles europeus, de fala
alemã, sendo comum chegarem judeus alemães e europeus do
leste, pois muitos finlandeses falavam a língua alemã, facilitando
o contato. Com essa convivência alguns finlandeses tornaram-se
artistas, como Suni e Eila. Segundo Helena Hildén de Souza (filha
de Eva Hildén e neta de Suni), além de terem algum
conhecimento da língua alemã, os visitantes estrangeiros
encontravam alguns costumes europeus, como a comida e
danças típicas do norte europeu.
Mais tarde, nos anos 70, Penedo viu o movimento turístico
aumentar em Visconde de Mauá, onde os hippies e demais
interessados em uma vida alternativa, mais natural,
estabeleceram um local de convivência. Algumas dessas pessoas
também foram para Penedo, ajudando a desenvolver o
artesanato local, que existia feito pelos finlandeses desde os
anos 30. Também os ideais de vida alternativa e saudável foram
de encontro com os ideais dos antigos finlandeses.
Atualmente Penedo é parte do município de Itatiaia,
emancipado em 1988 de Resende. Foi feito um plano diretor com
ênfase à questão da ecologia e turismo, sendo Penedo hoje
considerado Parque Ecológico. A proteção às tradições
finlandesas também foi incluída no Plano, mostrando a
importância dos finlandeses ainda hoje para Penedo. A
manutenção de tradições culturais, especialmente no Clube
Finlândia e suas danças, além da arquitetura mais voltada para o
turismo, com influência de cores e formas da Finlândia, marcam
Penedo como um recanto voltado ao turismo especialmente
ecológico, mas com um forte apelo da presença antiga dos
finlandeses.
145
Figura 53 - Morro com estrada de acesso à fazenda, antes de 1929.
Fonte: AICHINGER, 1979.
A conia nasceu da antiga fazenda e, por conseguinte, recebeu
desta a parca estrutura existente. A Fazenda Penedo estava situada
em uma grande planície cercada por morros, que iam se afunilando e
criando um vale, até chegar às montanhas que formam a base do
maciço de Itatiaia. A sede se localizava ao fundo dessa planície,
quase no início desse vale. No início da ocupação, as partes planas
serviam de pasto, atividade exercida após o término do período
cafeeiro do vale do Paraíba. Esse uso havia devastado a terra, que
se encontrava bastante empobrecida.
5. O DESENVOLVIMENTO URBANO DE
PENEDO
146
Mapa 11 - Aero da Região com marcação dos limites da Fazenda
Penedo e as primeiras vias
1 – Antiga estrada de acesso (caminho de terra)
2 – Casa Grande (Sede da Fazenda Penedo)
3 Reta projetada por Uuskallio (parte é a atual Avenida
Finlândia e parte da Avenida das Mangueiras)
4 – Estrada das Três Cachoeiras
5 Reta dos lotes do Grupo Kaleva (atual Avenida Casa das
Pedras)
A – Estação da EFCB de Marechal Jardim
B – Limites da Fazenda Penedo
C – Maciço de Itatiaia
D – Rio das Pedras
147
As construções existentes eram as encontradas junto à
sede e outras de apoio, distribuídas pela planície. Além dessas
existiam alguns casebres de pau a pique espalhados pela
propriedade, de maneira geral ocupados por antigos moradores,
negros, possivelmente remanescentes de escravos que
permaneceram na fazenda após o final da escravidão no país. As
fotografias encontradas mostram os campos e morros sem
árvores, além do antigo caminho de acesso pelos morros e o rio
na planície, sem nenhuma mata ao redor (Figura 53).
Através do estudo sobre as vias, casas e plantações, pode-
se verificar como foi o desenvolvimento urbano da colônia.
Tomando como base os relatos e descrições sobre onde eram as
casas, alguns mapas antigos e muitas fotografias, foi possível
criar novos mapas que tornaram possível o estudo da
implantação das casas, permitindo o entendimento da ocupação
do território. Junto a isso, muitas fotografias complementam
relatos, a propósito dos locais utilizados, como plantações, rios,
pequenas praias de rios e saunas, além de lugares utilizados para
passeios e excursões.
O modelo de implantação, baseado nas idéias de Uuskallio,
nos remete ao planejamento de algumas cidades utópicas, onde
a reta aparece em diversas situações. O próprio modelo de utopia
de More (1999) fala de uma cidade de forma quase quadrangular.
O ponto inicial dessa via, o Casarão, parece manter alguma
semelhança com o Falanstério de Fourier e as idéias de Owen,
onde a grande construção era o centro do empreendimento, com
pequenas casas em volta, bastante semelhante a implantação de
Penedo.
Pouco se sabe da implantação urbana das demais colônias
utópicas no Brasil, como Colônia Celia ou Falanstério do Saí,
talvez as duas mais importantes experiências do gênero no Brasil.
As descrições de Mello Neto (1998) mostram que Penedo
segue um modelo bastante diferente da Colônia Cecília, que
parece ter tido uma implantação tradicional, como as demais
colônias agrícolas estrangeiras do sul do Brasil. Sua descrição
fala de cerca de vinte casas de madeira alinhadas ao longo de
uma rua e uma ampla praça, com as casas próximas umas das
outras, e os campos de plantações ao redor.
Aparentemente, a semelhança entre as duas colônias seria
o refeitório coletivo, num edifício onde também estariam
estábulos, depósitos e carpintaria, e que no caso de Penedo seria
o conjunto da Casa Grande, onde esses elementos estavam
concentrados. A relação de trabalho, com ampla liberdade, e as
decisões coletivas, também seriam exemplos de proximidades
ideológicas entre os projetos. A maior diferença seria a presença
em Penedo de lotes agcolas incluindo as residências, que
estariam bastante longe uma das outras.
Algumas das características da implantação de Penedo
parecem juntar as idéias de liberdade e de agricultura, com cultivo
de pomares e horticultura, como preconizava Uuskallio, com
148
algumas características finlandesas, onde as cidades mantinham
muita área verde, e as casas não eram necessariamente coladas
umas nas outras, salvo nos maiores centro urbanos.
No caso do Falanstério do Saí, a experiência estava muito
mais voltada para um projeto colonizatório vinculado ao governo
imperial, onde a vinda de estrangeiros “desenvolveria” o país, do
que somente os ideais de um agrupamento utópico, apesar de
incluir muitos elementos das idéias de Fourier (S.THIAGO, 1995).
Da mesma maneira que na experiência anarquista, pouco se
sabe a respeito da implantação urbana desse projeto fourierista
no Brasil, pois somente existem ruínas no local, e as descrições,
falando de edifícios que seriam como um falanstério, parecem um
pouco imaginativas.
5.1 AS PRIMEIRAS VIAS
As primeiras vias de Penedo foram as encontradas pelos
finlandeses ao chegarem, em 1929. Havia um pequeno caminho
de terra, carroçável, que saia da estação de trem Marechal
Jardim e, passando por outras fazendas, se chegava à porteira da
Fazenda Penedo e dali até a sede, por cima do morro.
No início da colônia os trabalhos mais importantes foram
aqueles que serviram para criar uma infra-estrutura que trouxesse
condições para o estabelecimento dos colonos. Dessa maneira a
abertura de vias era uma das prioridades, ao lado das plantações
e a construção de moradias. Havia ainda antigos caminhos pela
fazenda, como aquele que seguia rio acima, até chegar ao local
chamado de fazendinha, e outros que atravessavam os pastos,
sem a possibilidade do uso de veículos.
A idéia inicial de Uuskallio era construir uma via reta ligando
a sede da fazenda à estação de trem de Marechal Jardim, e isso
foi realizado, em parte, criando a atual Avenida das Mangueiras,
principal artéria de Penedo, e a Avenida Finlândia (VALTONEN,
1998). Essas duas avenidas faziam parte dessa mesma reta,
interrompida pelo rio. Esse foi o maior problema, pois teria que
ser transposto diversas vezes para permitir a construção dessa
longa via. Havia ainda a impossibilidade física de se alcançar a
estrada de ferro com uma reta, pois em algum lugar teria que ser
feita uma curva, devido à posição dos morros, que impediriam
essa reta. Houve então a necessidade de adaptação desse plano,
evitando ao máximo as pontes, fazendo-as somente quando
absolutamente necessário e de madeira (Figura 54). De qualquer
maneira, a nova estrada seria somente dentro da Fazenda
Penedo, e nos trechos entre a fazenda e a estação, através de
outras propriedades, certamente o acesso continuaria precário.
Esta grande via foi o eixo principal da nova colônia, e a
partir dali surgiram a vias secundárias. O próprio traçado da
estrada também acompanhou o rio, fazendo uma curva, apesar
de ser mantida a reta através da península onde se construíram
149
Figura 54 - Caminhão da fazenda, sobre ponte de madeira [193?].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Figura 55 - Antiga ponte sobre Rio das Pedras [194-].
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 01
depois as casas dos Toivos
75
e o Clube Finlândia
76
.
As transposições de rios sempre foram problemas, devido
às enxurradas freqüentes que chegaram a destruir pontes de
pedra construídas pelos finlandeses. Dessa maneira, a reta
acabou ganhando algumas curvas, para não passar sobre o rio
em lugares difíceis, e se transformava em uma estrada sinuosa,
75
Mais tarde ali seriam construídas as casas de Toivo Uuskallio, Toivo Suni e
Toivo Sipilä, todos pioneiros e importantes personagens da história de Penedo.
Nota-se também o duplo sentido da expressão, pois Toivo quer dizer esperança,
em finlandês.
76
O Clube Finlândia foi criado em 1943, após o término da fase utópica. Mais
tarde foi feita nova sede, ampliando a Casa Branca, uma das primeiras casas de
1929. Essa sede, junto com o Museu, existe até hoje.
acompanhando o relevo pelo vale acima, em direção às
montanhas, onde mais uma vez o relevo impedia o princípio da
linha reta.
Valtonen (1998) fala da construção de uma ponte de pedras
de rio, feita pelos Bertell
77
logo nos primeiros tempos da colônia.
Ela teve que ser refeita em madeira, pois após a primeira
enxurrada foi levada pela correnteza. Os finlandeses tiveram
muitos problemas nessa adaptação às condições locais de clima,
77
Os Bertell eram parte do grupo inicial, sendo a família mais numerosa a vir
para Penedo.
150
pois o regime de chuvas no Brasil é muito diferente do encontrado
em seu país. Fagerlande (1998a) fala que a antiga ponte de
madeira com a base de pedras ficava onde hoje é o Bairro
Formigueiro, como mostra fotografia, e que a ponte de concreto
existente atualmente como prosseguimento da Avenida das
Mangueiras foi feita no local atual somente em 1959/60 (Figura
55).
A ligação com a parte superior da fazenda, chamada de
Fazendinha, também foi feita com abertura de uma estrada,
dessa vez sinuosa, acompanhando o Rio das Pedras. De acordo
com Melkas (1999), essa via foi aberta para ligar a sede ao local
onde seria construído o futuro sanatório naturalista, localizado
próximo às Três Cachoeiras.
Os antigos caminhos da fazenda foram aproveitados, como
aquele que deu origem à Avenida Casa das Pedras, paralelo à
margem do rio, e onde se demarcaram, mais tarde, os lotes do
Grupo Kaleva. Essa via seguiu a forma reta por determinação
também de Uuskallio, que estabeleceu na própria escritura do
Grupo a exigência de que assim fosse realizado, demonstrando
mais uma vez sua preocupação com o estabelecimento de vias
retas nos locais mais importantes de implantação da colônia. É
importante salientar que, apesar de ser atualmente a entrada de
Penedo, não o era à época, pois o acesso principal da fazenda
era por onde atualmente está o Formigueiro e o Jardim Martinelli.
O caminho para as residências também fez surgir vias
secundárias, e para chegar à casa de Suni e também à casa que
seria de Matts Bertell, foi feita pequena estrada que atravessava o
rio, com uma pequena ponte, próximo de onde havia a primeira
sauna de Penedo. Hildén (1989) fala que essa ponte ligava sua
casa ao casarão, e depois de sua derrubada uma árvore caída
passou a ter essa função, e ser o local de travessia.
Valtonen (1998) cita casa de Ole Aartelo na Rua dos
Operários, sem dizer onde é essa rua, apenas mencionando que
moravam na traseira dessa rua, e que havia um canal, em que a
água ia para a Olaria. Na realidade deve ser um estábulo, metade
ocupada por máquinas agrícolas, e onde também havia uma
costureira morando, entre os anos 1935/36. Havia um bosque de
eucaliptos perto dessa rua, e pela descrição deve ser onde está a
olaria, próximo ao local do atual campo de esportes do Clube
Finlândia (VALTONEN, 1998).
A ocupação das terras com as primeiras casas seguiu os
traçados das principais vias, com as residências próximas ao rio e
às estradas. Apesar dessa grande reta proposta, as casas não
acompanhavam esse traçado de maneira rígida, pois elas se
espalhavam sem a preocupação de formarem blocos ou
alinhamentos. Não formavam também quarteirões, nem se
alinhavam junto às ruas. Como os lotes eram grandes, não havia
a preocupação com uma ocupação intensiva dos espaços, e as
casas poderiam estar distantes umas das outras, seguindo não
151
somente os interesses de formação de uma colônia agrícola, mas
também tradões finlandesas de urbanismo, onde as casas,
quando possível, eram distantes entre si.
De qualquer maneira, o centro da colônia continuaria sendo
a Casa Grande e o pátio junto a ela, onde se faziam as
cerimônias mais importantes, como aparece em fotografias de
casamentos, as apresentações de dança, ginástica, coral, além
das atividades comerciais e produtivas. Este centro durou até o
fim da colônia, em 1942, quando foi construído o Clube Finlândia,
que passaria a centralizar as atividades comunitárias e
comerciais. Pode-se pensar esse espaço como um pólo
comunitário, onde o grupo exercia suas atividades sociais mais
importantes, como o edifício central de um falanstério dos
projetos de Fourier.
A construção dessas vias orientou a construção das casas
previstas no projeto habitacional, especialmente das seis
primeiras junto à reta planejada. Para cima, em direção às Três
Cachoeiras, foram sendo feitas outras casas seguindo as
margens do rio, como a segunda casa dos Toro, a de Saarela e a
primeira dos Reiman.
A partir de 1935, com a delimitação dos terrenos destinados
aos integrantes do Grupo Kaleva, o caminho junto ao rio, que
existia para a plantação, passou a funcionar como acesso para as
casas que ali foram aparecendo, como a de Nilo Valtonen, a de
Brusi, a de Asikainen, a de Jaakko Jämsä e a de Lehtonen. Na
escritura do Grupo Kaleva aparecem os lotes de Brusi e
Asikainen, não incluídos no Grupo, como existentes. Na
realidade suas casas estavam sendo construídas, mesmo sem
a escritura de seus lotes (Figura 56).
Nesse ano de 1935 também tiveram início grandes
transformações nas alternativas de acesso a Penedo. Bopp (apud
FAGERLANDE, 1998a) diz que em 4 de maio de 1935 iniciaram-
se os trabalhos de construção de estrada de rodagem Resende-
Campo Belo
78
e Engenheiro Passos-Caxambú, dentro de um
plano estadual de melhoramentos do secretário de Agricultura do
Estado do Rio, Dr. Roberto Cotrim. A abertura dessa modesta
estrada, construída a picareta e galeota
79
, representava uma
grande melhoria para toda a região, pois permitiria a ligação com
o Rio de Janeiro através da antiga estrada Rio-São Paulo, que
existia desde 1928, e fazia a ligação com Resende através de
São José do Barreiro
80
. Dessa maneira Penedo se interligava a
essas estradas, e por meio destas vias se ia tanto para Campo
Belo como se alcançava a Baixada Fluminense e o Rio de
78
Campo Belo era o antigo nome de Itatiaia, na época distrito de Resende.
79
Antigos instrumentos de trabalho manual, para abertura de estradas. Galeota
é um ¨carrocim constituído de uma caixa inclinável para carga e descarga, duas
rodas e um varal central, e que se usa, puxado a braço, em trabalhos de
terraplenagem manual, para transportar o material escavado¨ (FERREIRA,
1975).
80
A nova Dutra, passando por Resende seria inaugurada em 1951.
Disponível em
<http://www.novadutra.com.br/concessionaria/sobrea/historico.cfm> . Acesso
em: 14 de setembro de 2006.
152
Figura 56 - Foto caminho junto Casa Asikainen e Niilo Valtonen, futura Avenida
Casa das Pedras [193?].
Fonte: Álbum Asikainen
Janeiro, podendo escoar seus produtos para esses lugares.
Fagerlande (1996) diz que Iivari Munne e outros iam de caminhão
buscar mudas de laranjeiras em Penedo, melhorando as
condições econômicas da fazenda, ao venderem a produção para
a área de cultivo de laranjas da Baixada Fluminense.
Por serem estradas bastante toscas, os transportes pelo Rio
Paraíba continuavam sendo importantes. Os moradores da região
utilizavam o rio para escoar sua produção de rapadura, açúcar
mascavo e frutas através de canoas, além de utilizar o rio como
sua via mais usual de transporte. Conta Fagerlande (1998a) que
em 1936 o cortejo fúnebre de seu avô, Matts Bertell, que havia
falecido em Marechal Jardim, chegou perto do cemitério de
Resende de canoa, indo pelo Rio Paraíba do Sul e entrando no
Rio Manejo, de onde o cortejo completou o caminho a pé até o
jazigo no Cemitério Municipal.
Bopp (apud FAGERLANDE, 1998a) diz que o Ministério da
Viação orçou, em 1940, a construção da rodovia Rio-Caxambú,
passando por Resende, e que esse seria o embrião da nova
estrada Rio-São Paulo, já construída com moderno equipamento
de terraplanagem, permitindo um novo traçado que depois pode
ser utilizado pela Via Dutra, substituindo-se o piso de saibro por
outro de asfalto.
153
Além das estradas, outro importante elemento na formação
de Penedo é o rio que corta a Fazenda Penedo, chamado de Rio
das Pedras. Sua nascente fica no alto das montanhas, onde hoje
é o Parque Nacional de Itatiaia. Vários afluentes o alimentam,
especialmente descendo por pequenos vales perpendiculares a
ele. No trecho acima da Casa Grande da fazenda ele forma um
vale estreito, onde uma pequena estrada o acompanha. Abaixo
do Casarão ele se torna um rio de planície, sempre com muitas
pedras, formando eventualmente pequenos poços, chamados
pelos finlandeses de praias (ranta). Ele forma algumas
cachoeiras, sendo a mais conhecida até hoje a que forma o
conjunto chamado de Três Cachoeiras (Kolmekoski), bastante
usada pelos pioneiros, como mostram fotgrafias de época.
Uuskallio menciona a presença do rio ao falar da fazenda,
destacando seu valor para os finlandeses. Além das cachoeiras,
ele fala dos poços que eram utilizados para banhos, sendo
considerados por ele como um tesouro de Penedo (VALTONEN,
1998).
O rio era muito importante para os imigrantes, pois a
Finlândia é um país de muitos lagos e florestas, e a relação com a
água sempre foi uma constante para sua cultura. Fazer sauna e
mergulhar no lago é algo extremamente importante para todo
finlandês.
Além desse aspecto cultural, certamente a água é
fundamental para a vida humana, especialmente em uma
propriedade utilizada para a agricultura. Naquela época as áreas
junto ao rio sofriam com enchentes, pois como as terras estavam
devastadas, com morros desnudados de vegetação que não
retiam as chuvas, a vazão do rio aumentava muito após as
tempestades. Dessa maneira, segundo Valtonen (1998), Uuskallio
fala de enchentes do rio, que estavam sendo cuidadas, pois
prejudicavam as lavouras, mas citava como vantajoso o rio
fornecer eletricidade para a fazenda e água para as casas e
sauna.
Na escritura da fazenda é citada a existência de um moinho,
e no Projeto Habitacional é mencionada a hidrelétrica como parte
da infra-estrutura da fazenda. O canal que direcionava água para
esse moinho sempre foi um local escolhido para banhos,
especialmente pelas crianças (HILDÉN, 1989). Em outro item do
Projeto Habitacional é falada da importância de se ter acesso ao
rio, e de mantê-lo limpo das indústrias poluidoras.
5.2 AS CONSTRUÇÕES DA COLÔNIA
Como vimos anteriormente, a construção mais importante
era a Casa Grande, sede da fazenda. O acesso era feito por meio
de um pequeno caminho, que vinha da estação de Marechal
Jardim, atravessando outras fazendas e alcançava a sede da
propriedade por cima dos morros. A necessidade de moradia para
os que chegassem
154
Figura 57 - Vista geral da fazenda [ca. 1930], tirada da antiga estrada de acesso.
Á esquerda está a olaria e a Avenida das Mangueiras, indo até a direita da foto.
Ao fundo o Casarão e demais construções.
Fonte: Álbum Jaakko Jäm
fez com que fosse colocado em prática o Projeto Habitacional de
Uuskallio, em que estava prevista a construção de casas para os
colonos.
Eram casas planejadas por Uuskallio, e todas deveriam ser
iguais, modelos para uma nova sociedade ideal que surgia.
Dessa maneira, as casas das pessoas eram elementos
importantes dentro desse processo de criação da nova
comunidade utópica.
5.2.1 O QUE EXISTIA ANTES DOS FINLANDESES
CHEGAREM
A sede ficava no fundo da planície, junto ao Rio das Pedras,
e em frente a ela estava o antigo terreiro de secagem de café,
além de outras construções como a antiga senzala, depósitos e
estábulos para os animais. Ali perto estava a casa da
administração, e junto ao Casarão se erguia o edifício da cozinha,
em construção separada da Casa Grande.
Como mostram as fotografias da época, os morros se
encontravam devastados, e havia somente a criação de gado,
155
que ficava disperso na fazenda (Figura 57). Algumas pequenas
casas foram encontradas, sendo que a do antigo administrador,
Alfredo Leal, foi aproveitada mais tarde, por Lalla e depois por
Jämsä, como moradia.
5.2.2 AS PRIMEIRAS CASAS DO PROJETO
HABITACIONAL
a partir de 1929 os finlandeses começaram a colocar em
prática o plano habitacional, e junto com a construção das
primeiras vias foi iniciada a construção das seis casas planejadas.
O responsável pela condução das obras das residências era
Akseli Lehtola, que havia estudado para mestre de obras em
Tampere, Finlândia. O projeto das casas era de Uuskallio
(VALTONEN, 1998), como tudo mais na colônia, sendo o
desenho delas provavelmente de execução de Lehtola, que
também era desenhista
81
.
Foi construída uma olaria, ainda em 1929, para o
fornecimento de tijolos para a construção das casas, de onde
seriam tirados os tijolos de adobe para todas as construções da
colônia. Era localizada junto a onde está atualmente o Hotel
Citypark, sendo depois chamada de Rua da Olaria. Alguns
imigrantes, ao chegarem, não encontraram lugar no casarão, e
81
Não se encontrou ainda nenhum desenho de projeto das casas iniciais de
Penedo, mas existe projeto feito por Lehtola para sua casa em Resende,
construída em 1947 (Acervo do autor).
tiveram que se instalar temporariamente na olaria, como foi o
caso da falia Tammela, que ficou por pouco tempo assim
alojada (FAGERLANDE, 1999c).
Apesar da construção de casas na Finlândia utilizar
basicamente madeira, alguns fatores foram de cisivos para que
aqui não fosse levado em conta esse dado, como a questão da
adaptação ao meio natural. Na Finlândia, a madeira é o material
mais encontrado na natureza, o que não era o caso de Penedo,
onde praticamente não havia árvores na parte baixa, somente nas
matas longe das áreas a serem ocupadas, e as encontradas eram
muito diferentes das existentes na Finlândia. Além disso, não
havia serrarias para o corte da madeira, nem equipamento
adequado para isso. Como o barro era abundante, isso facilitaria
e baratearia a construção, diminuindo o tempo das obras, o que
possibilitaria atender mais rapidamente as necessidades
habitacionais da colônia (MELKAS, 1999). A utilização das pedras
de rio também teve seu lugar, especialmente nas fundações, e
em pavimentação, e quase nunca na totalidade das residências.
As exceções foram a casa de Asikainen, toda ela feita com
pedras de rio, e a casa de Hieta, mais elaborada e também
construída com alvenaria de pedras
82
.
Das seis primeiras casas do projeto habitacional foram
construídas as fundações em pedras de todas de uma vez, mas
82
As contruções de pedras são encontradas na Finlândia. As mais antigas eram,
de maneira geral, castelos ou casas nobres, de alto padrão construtivo.
156
somente quatro tiveram suas obras levadas a cabo. A primeira
casa a ser construída e finalizada foi a de Toivo Suni, a segunda
a de Akseli Lehtola, a terceira a Casa Branca e finalmente a que
depois seria inicialmente de Väino Nurmi e depois seria ocupada
por Toivo Uuskallio.
Segundo Valtonen (1998), a escolha dos moradores das
primeiras casas foi feita por Uuskallio, sendo seu critério de
escolha a primazia na chegada à colônia. Dessa maneira, Suni
era considerado um dos fundadores, tendo chegado em 1927
com Uuskallio e, portanto, devia ter a primeira casa. Tanto Nurmi
como Kuusisto eram organizadores do empreendimento na
Finlândia, e provavelmente financiadores do projeto, Matts Bertell
e seus filhos eram dos maiores investidores na colônia
(FAGERLANDE, 1996), e Lehtola era um importante personagem,
por ser o responsável pela construção das casas. Apesar de
Frans Fagerlund também ter chegado em 1927, ele não foi
contemplado com uma residência, como seria adequado pelo
critério utilizado para a escolha de Suni, já que ambos vieram no
mesmo ano, e Fagerlund chegou ainda antes, junto com
Uuskallio.
Essas casas se localizavam próximas da Casa Grande,
perto da estrada e do rio. A Casa Branca estava junto à via
principal, no início da estrada das Três Cachoeiras e as casas de
Lehtola e de Nurmi/Uuskallio estavam na reta que saia da Casa
Grande, sendo atualmente a Avenida Finlândia. A casa de
Kuusisto, que não foi completada, ficaria em trecho da reta
bastante distante do Casarão, próxima à atual Avenida das
Mangueiras, quase no início da fazenda
83
, e a casa de Matts
Bertell seria próxima à de Suni, ambas junto ao rio, não distantes
do Casarão.
Um aspecto interessante das casas é a relação com o rio.
Apesar de próximas a ele, elas não possuíam banheiros
84
.
Valtonen (1998) fala do uso de W.C. seco em casa de Uuskallio,
onde os dejetos seriam jogados diretamente na terra, como as
antigas “casinhas" do interior do Brasil, e dessa maneira, as
águas não seriam contaminadas. Esse princípio ecológico
possivelmente era precursor de hábitos utilizados atualmente em
locais preocupados com o meio ambiente. Em vários lugares da
Finlândia, hoje em dia, a preocupação com a conservação do
meio ambiente e das águas faz casas junto a lagos terem esse
mesmo sistema para tratar resíduos sólidos.
Todas as casas ficavam em localizadas próximas, e podem
ajudar a imaginar o planejamento urbano da colônia. Em primeiro
lugar existia a grande reta, saindo de frente do casao, em um
eixo em que estavam tanto as residências de Lehtola
85
como a
83
Mapa dos anos 1940 (anexo 10) mostra onde eram as terras de Kuusisto,
do outro lado do Rio das Pedras, em frente à Avenida Casa de Pedras.
84
No levantamento de 1969 da Casa Branca aparece banheiro, certamente
posterior à construção inicial da casa.
85
Lehtola tamm era personagem importante na colônia. Foi construtor de
diversas casas, e sua filha Eila Ampula é artista plástica e tapeceira, com
destaque na cena cultural de Penedo.
157
de Nurmi/Uuskallio, e ainda a de Kuusisto. As casas seriam
sempre em centro de terreno, dentro da tradição finlandesa de
não colar construções, e haveria espaço entre elas, pois os lotes
propostos eram agrícolas, e a produção seria feita junto à área de
residência, como demonstram fotografias das primeiras casas
(Figuras 58 e 60). A ocupação seria também seguindo o rio em
direção às montanhas, que seria um prosseguimento da antiga
estrada de acesso, que prosseguia em direção à fazendinha,
atual estrada das Três Cachoeiras, que também seria o acesso
ao futuro Sanatório Naturalista que seria construído. A Casa
Branca se situa nesse eixo, além de outras casas que seriam
construídas na área, e fosse em direção do rio acima ou do rio
abaixo, esse seria o eixo condutor da colônia.
A primeira casa a ficar pronta, a de Suni, mostra como era a
relação entre a propriedade e o uso das casas. Como havia
grande movimento de finlandeses entre Brasil e Finlândia, pois
muitos não se adaptavam, ou tinham planos de passarem
somente algum tempo por aqui, essa primeira casa teve logo
outros habitantes.
Hildén (1989) fala que logo ao chegar a Penedo em 1929
seu pai
86
a levou para o local onde iria construir sua casa, onde já
existia uma plantação de hortaliças e frutas. Foi a primeira casa
86
Sua filha Eva Hildén foi personagem importante na manutenção das tradições
finlandesas, e criou um museu que leva seu nome. A neta de Suni, Helena
Hildén de Souza ainda é atuante em Penedo, tanto no Clube e Museu como em
diversas atividades culturais ligadas à Finlândia.
construída pelos finlandeses em Penedo, iniciada ainda naquele
ano, e que Hildén (1989) fala que ficou sendo chamada por eles
de Kesämaja, ou Vila de verão (Figura 59).
Essa primeira casa construída pode ser considerada como
o protótipo das casas que Uuskallio queria construir na colônia. A
planta era um quadrado perfeito dividido em quatro partes, com
sua localização perto do rio e junto aos morros, com espaço para
plantação. Toivo Suni era personagem importante na colônia,
muito próximo a Uuskallio, e sua escolha para ser o ocupante da
primeira casa certamente foi influenciada por isso. Mais tarde ele
se tornaria artista plástico, e sua família se mantêm presente em
Penedo até os dias de hoje.
Nesse mesmo ano de 1929, em 9 de dezembro, eles
voltaram para a Finlândia. A casa ainda não estava totalmente
pronta, como aparece em fotos de 1930. A idéia inicial de
Uuskallio era a casa não ter telhado, somente uma laje
impermeabilizada com piche (VALTONEN, 1998). Valtonen conta
que após as primeiras chuvas a água escorria pelas paredes, e
logo se viu que era necessária a construção de telhados, com a
compra de telhas de zinco em Resende para cobrir a casa
(VALTONEN, 1998).
Foi feito um sótão habitável, com uma escada externa para
a entrada independente, como aparece em fotografia de 1930,
quando a casa estava pronta, com telhado. Não havia
158
Figura 58 - Casa Suni em obras, com plantação à frente [ca.1930].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Figura 59 - Casa Suni pronta [1930].
Fonte: FAGERLANDE, 1998a
banheiros, que eram pequenas “casinhas” fora da casa, pois
também não havia água corrente na casa.
Helena Hildén de Souza, neta de Suni, fala de uma sauna
junto ao rio, confirmado por Valtonen, ao contar que essa sauna
foi feita em 1935, e que passou a ser mais usada que a mais
antiga, do casarão (VALTONEN, 1979c). Atualmente a casa ainda
existe bastante modificada, e é parte do Hotel Vivenda Penedo.
Com a ida de Suni para a Finlândia, a casa foi ocupada por
outros moradores, como Ethel Bertell Fagerlund, que se mudou
com Maalin Bergstöm para em 1932. Como havia grande
movimento de finlandeses entre Brasil e Finndia, especialmente
daqueles que não se adaptavam à vida na colônia, ou tinham
planos de passar somente algum tempo por aqui, essa primeira
casa teve logo outros habitantes. Ali nasceu em 19 de junho de
1932 a segunda filha de Ethel, Inga Ethel Margareta Fagerlund
(FAGERLANDE, 1996).
Essa mobilidade de habitantes das casas era uma
constante, e diversas casas têm registro de mudança de
habitantes nesse período. Parece que o uso era devido às
necessidades do momento, não somente relativo a um direito de
posse absoluto. A mudança freqüente de moradores dessa
primeira casa mostra como era a relação entre a propriedade e o
159
uso das casas, onde vemos uma relação entre uso e posse
bastante diferente do tradicional.
Hildén (1989) fala de mais um retorno seu a Penedo em
1936, quando encontrou a casa coberta de hera verde, com
muitas flores no jardim, e duas palmeiras imperiais plantadas na
frente da casa. Havia um bosque de eucaliptos e um pomar em
volta da residência, além dos enxertos de laranjas que era o que
dava rendimentos à fazenda. Ela conta que muitos finlandeses
tinham suas casas, ou tinham deixado a colônia. Muitos deles
não eram mais vegetarianos, criando animais domésticos como
galinhas, vacas e porcos.
A segunda casa a ser construída foi a de Lehtola, que ficava
próxima à Casa Grande, feita pelo próprio para ele e sua família
(FAGERLANDE, 1999b). Da mesma maneira que a casa de Suni,
ela era construída com tijolos de adobe, sobre fundação de
pedras, e embora muito similar em planta, apresenta um segundo
pavimento mais alto, não como sótão, mas praticamente como
um outro pavimento (Figura 60 e 61). Foi a segunda casa a ter a
construção iniciada na colônia, mas demorou aproximadamente
dez anos para ficar pronta, de acordo com Valtonen (1998). Ali
moraram durante anos os Lehtola e muitos outros habitantes de
Penedo. Eila Ampula (1997) conta que sua mãe, Sanni, quando
morava nessa casa, fornecia refeições para um grupo de 10
rapazes, no intuito de ganhar seu próprio sustento, pois seu pai
havia voltado para a Finlândia, e ela e sua mãe não quiseram
voltar, permanecendo no Brasil.
Valtonen (1998) diz que ao retornar da Finlândia, em 1937,
Lehtola e sua mulher passaram a viver no sótão de sua própria
casa, e que ele e Ole Aartelo moravam na parte de baixo
daresidência. Os dois criavam galinhas e coelhos no quintal da
propriedade. A construção, mesmo com muitas modificações,
ainda existe como residência particular, mantendo vasta área em
seu entorno como uma pequena fazenda.
Ampula (1997) diz que seu pai comprou uma nova casa em
Campo Belo, atualmente Itatiaia, para onde a família foi em 1938.
Ela conta que sua mãe fazia pulla (pão tradicional finlandês) e ela
vendia de porta em porta. Somente em 1947 eles voltaram a
Penedo, para morar no local onde seria até os dias de hoje o
atelier de sua filha, Eila, que se tornou artista plástica e tapeceira,
com reconhecimento e obras expostas em diversos lugares do
Brasil e da Finlândia (FAGERLANDE, 1999b).
A terceira casa feita por Lehtola dentro do conjunto de seis
casas iniciais em 1929, segundo Fagerlande (1999b) ficou
conhecida mais tarde como Casa Branca. Seguia o mesmo
modelo, tanto em planta como em método construtivo, das
demais, sendo feita com tijolos de adobe, sobre fundação de
pedras. Da mesma maneira que a casa de Lehtola, esta se
diferencia um pouco da casa de Suni pelo
160
Figura 60 - Casa Lehtola [1929].
Fonte Álbum Asikainen
Figura 61 - Casa Lehtola [1930].
Álbum Ethel B. Fagerlund
segundo pavimento, conforme aparece em fotos dos anos 1940 e
1950 (Figuras 62 e 63).
De acordo com Fagerlande (1996) Uuskallio mandou
construir a chamada Casa das Associações como uma sede para
o grupo. Foram designados dez homens, e funcionava a
Sociedade Sampo
87
, fundada naquele ano de 1929, o que é
confirmado por Peltoniemi (1986). Essa casa tinha dois
87
O nome Sampo é muito significativo para os finlandeses. Trata-se de termo
utilizado no livro que descreve a mitologia finlandesa, o Kalevala, e é o
instrumento de trazer felicidade.
pavimentos completos, e não um sótão, como foi feito na casa de
Suni.
A casa ainda existe bastante modificada, incorporada à
sede do atual Clube Finlândia, cuja nova sede foi construída em
volta da antiga Casa Branca, desfigurando a antiga edificação,
mas preservando algumas paredes e parte do telhado da
construção primitiva.
Outra casa construída em 1929 foi a de Väino Nurmi. Ele
fazia parte do grupo organizador da vinda dos finlandeses,
juntamente com Pennanen, baseado na Finlândia (PENNANEN,
1929), e certamente era seu plano vir morar em Penedo,
161
Figura 62 - Casa Branca [195?].
Fonte: Álbum Ethel B. Fagerlund
Figura 63 - Vista Geral – Casa Branca à esquerda [194?] (detalhe)
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 01
aonde chegou em sete de agosto de 1930, e dessa maneira
Uuskallio fez uma das primeiras casas para ele (FAGERLANDE,
1999b). Como as demais, foi feita por Lehtola, com tijolos de
adobe e base em pedra, além de telhado de zinco.
Ela aparece em fotos dos anos 1930 e 1940 (Figuras 64 e
65), e Fagerlande (1999b) fala que ela foi utilizada como parte da
pensão de Uuskallio. Foi demolida nos anos 1940, quando
Uuskallio ampliou seu hotel. Atualmente no local está o hotel feito
por Uuskallio e Liisa a partir de 1942, a Pousada Penedo.
As casas de Kuusisto e de Matts Bertell seriam as duas
ultimas das seis casas iniciais de 1929 a ficarem prontas, mas
não chegaram a ser completadas, sendo feitas somente as
fundações. Kuusisto também era um dos investidores na colônia,
e veio ao Brasil em 19 de fevereiro de 1930, e de acordo com
Valtonen (1998) sua casa ficaria no trecho da reta quase na divisa
com a fazenda vizinha, próxima da entrada da fazenda. Foram
nessas terras, que mediam seis hectares que, segundo Valtonen,
Lehtola fez depois uma casa para Kalle (Carlos Pekkala Rae),
sem reboco, quadrada e coberta de sapê. A construção ficava
perto da antiga casa de Alfredo Leal, junto à divisa com a
Fazenda Barbosa, perto do rio.
A última das seis casas do plano original a ser construída
seria a de Mats Bertell, que não chegou a ser concluída. Também
foi feita somente a fundação da casa, que ficaria
162
Figura 64 - Casa Nurmi [193-].
Fonte: AICHINGER, 1979.
Figura 65 - Casa Uuskallio (antiga Casa Nurmi), [194?]
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 03
próxima à casa de Suni, junto ao Rio das Pedras e próxima ao
velho casarão.
Matts Bertell
88
e sua falia não concordavam com algumas
posições de Uuskallio e, em 1935, receberam o dinheiro que
haviam investido no empreendimento, possibilitando a compra de
terras junto ao Rio Paraíba e a Estação de Trem de Marechal
Jardim. A família voltou para Penedo mais tarde, quando Harri
Bertell casou com Siri Jämsä, que havia herdado terras de Jaakko
88
Matts Bertell e sua família brigaram com Uuskallio e em 1935 receberam o
dinheiro que haviam investido e compraram terras junto ao Rio Paraíba e a
Estação de Trem de Marechal Jardim. A família voltou para Penedo mais
tarde,quando Harri Bertell casou com Siri msä, que havia herdado terras de
Jaakko Jäm. Ali criaram o Hotel Bertell, existente até hoje.
Jämsä, e ali criaram o Hotel Bertell, existente até hoje
(FAGERLANDE, 1996).
Como não poderia deixar de acontecer, os finlandeses logo
construíram uma sauna junto ao velho casarão, ainda em 1929,
provavelmente de madeira, não restando vestígio dela. Outras
saunas foram construídas depois, e somente a de Asikainen foi
construída com pedras de rio. Valtonen (1979c) fala que a
primeira sauna de Penedo foi criada em 1929, perto do Casarão,
junto ao rio, e que todos os sábados, em torno de 17:00 horas, as
mulheres tomavam sauna, sendo depois a vez dos homens. Essa
163
Figura 66 - Praia de rio, junto à sauna de Asikainen [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 67 - Interior sauna dos Bertell [195-].
Fonte: Album Martti Alltonen 01
sauna durou cinco anos, até Suni fazer a sua, considerada por
todos melhor (VALTONEN, 1979a). No entanto, essa antiga
sauna do casarão pode ser considerada a primeira do Brasil, pois
foram os finlandeses que trouxeram a sauna para , inclusive
essa sendo a única palavra do português vinda do idioma
finlandês. Era um espaço de lazer e convívio, e Valtonen (1998)
se lembra de ir comer banana na sauna. Outras saunas foram
construídas depois, como a de Asikainen, junto ao rio próximo,
onde as pessoas também iam comer bananas, como mostra
fotografia de grupo com um cacho das frutas na chamada praia
de rio (Figura 66). Com o fim da sauna do casarão, essa foi
substituida pela da casa de Suni (VALTONEN, 1979c).
Das casas originais do projeto de Uuskallio, sobrevivem,
apesar de muito modificadas, a de Suni, a Casa Branca e a de
Lehtola. Da segunda leva, sobreviveu a casa de pedras de
Asikainen, chamada por ele de Satulinna
89
. Outras casas foram
sendo modificadas, e transformadas especialmente em pensões e
depois pousadas e hotéis.
89
Satulinna
89
significa castelo das fadas, em finlandês (FAGERLANDE, 1999c).
164
5.2.3 CASAS FORA DO PROJETO INICIAL
O Projeto de Uuskallio não foi seguido à risca, pois
começaram a construir casas sem a autorização dele, sendo
várias as explicações possíveis para essa situação. O
responsável pela construção das primeiras casas foi Lehtola, que
retornou para a Finlândia nesse momento, ficando assim a
colônia sem alguém tecnicamente capaz de construir dentro do
mesmo padrão de acabamento. Além disso, as condições
financeiras dos moradores eram bastante precárias, e então
foram surgindo novas casas construídas de maneira mais
simples, com uso de técnicas e materiais encontrados no local.
Eram residências de pau a pique, bambu ou de pau de mato,
todas elas bastante rudimentares e provisórias. Os locais de
construção das casas também tinham que ser autorizados por
Uuskallio, o que muitas vezes não acontecia, como foi o caso da
primeira residência de Toro.
Algumas dessas construções, apesar de mais simples que
as denominadas “casas oficiais”, também eram de tijolos de
adobe, como foi o caso da segunda residência de Toro, e também
se encontra uma casa totalmente em alvenaria de pedras do rio,
como é o caso de Satulinna feita por Asikainen, hoje chamada de
Casa das Pedras.
Algumas dessas construções foram implantadas rio acima,
como a segunda de Toro, dos Reiman e dos Saarela. A primeira
dessas casas não oficiais foi primeira casa de Matti Toro. Logo
que chegou a Penedo, ainda em 1929, ele começou a trabalhar
na abertura de estradas, e junto com outros participantes, Ikkelä e
Hannonen, achavam que cada um deveria fazer sua própria
estrada, e não em conjunto, e foram juntos olhar um terreno que
se situava numa pequena vargem, com água que corria da
montanha e onde havia mata, junto ao limite da Fazenda
Barbosa. O local tinha três lotes, e era bastante isolado. Logo
iniciaram a abertura de um pequeno caminho para chegar ao
vale, atualmente uma pequena rua junto à entrada de Penedo,
sendo o trabalho realizado em um mês (VALTONEN, 1998).
Segundo Fagerlande (1999c) este local chamava-se Pikku
Laakso
90
.
De acordo com Valtonen (1998) a casa foi construída para a
chegada da esposa de Matti, Elli Toro, ocorrida em 05 de julho de
1929 (FAGERLANDE, 1999c), e ele foi auxiliado por muitas
pessoas, como Reiman, Ikkelä e Hannonen. A casa tinha
esqueleto de madeiras retiradas do mato, telhado de zinco,
paredes de pau a pique e bambu. O assoalho era de tábuas de
peroba que foram compradas na cidade, o fogão e a chaminé
eram de tijolos trazidos de carroça de mula, e o forro do teto era
de pano de algodão (Figura 68). O casal se estabeleceu ali, com
a chegada de Elli, e começou a plantar bananas, batata-doce e
feijão. A dificuldade de se adaptar à nova comida era grande, pois
sentiam falta dos alimentos de sua terra (VALTONEN, 1998).
90
Pikku Laakso significa vale pequeno, em finlandês (FAGERLANDE, 1999c).
165
Figura 68 - Casa Toro, em Pikku Laakso [1929].
Fonte: FAGERLANDE, 1999c.
Figura 69 - Casa Jussi Saarela, atrás da AMAN [ca. 1937].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
A fome era muita, e resolveram pescar no Rio Paraíba,
fazendo para isso varas de bambu, conseguindo capturar um bom
peixe. Com ele, Lydia e Emil Reiman, Matti e Elli Toro fizeram
uma sopa, para comer com batatas-doces.
Isso não estava de acordo com as regras de Penedo, pois
era proibido comer peixes, mas mesmo com todos sabendo a
comunidade era uma pequena aldeia ninguém criou problemas
com o fato. Ao contrário, muitos ficaram com inveja, saudosos do
arenque da terra natal, impossível de se conseguir no Brasil
daquele tempo (VALTONEN, 1998).
Valtonen (1998) fala que Uuskallio não estava em Penedo
no momento em que Toro iniciou a construção da casa, e ao
retornar à fazenda o proibiu de morar ali, pois a área era
destinada aos participantes com dinheiro. Esse o era o seu
caso, que participava da conia com seu trabalho somente.
Uuskallio mandou Toro ir procurar outro terreno na direção da
Fazendinha, local onde mais tarde construiu sua segunda casa
(VALTONEN, 1998). Os ajudantes da empreitada, Ossi Ikkelä e
Eino Hannonen, também pretendiam construir suas casas no
mesmo vale, e diante da postura de Uuskallio ficaram
decepcionados com a colônia e decidiram voltar para a Finlândia
(FAGERLANDE, 1999b).
Com as dificuldades para a construção das casas dentro do
projeto inicial, e talvez esperando que esses lotes na parte plana
166
pudessem ser negociados para arregimentar recursos para a
colônia, Uuskallio permitiu a ocupação inicial de lotes somente em
áreas menos valorizadas, que estavam acima do Casarão. Uma
das primeiras a serem construídas foi a da família Saarela.
Segundo Fagerlande (1999b), eles se estabeleceram por volta de
1930 em sítio próximo às Três Cachoeiras, onde além de
agricultura praticavam apicultura. Essa casa foi depois demolida,
e eles saíram da colônia, indo para sítio que tinha sido de Usko
Lindgren, em Resende.
Fagerlande (1999b) fala que a Família Saarela foi morar no
sítio que era de Lindgren em 1937, onde atualmente é a AMAN, e
que certa vez foi visitá-los. A chegada ao sítio era através de uma
estradinha cercada por eucaliptos. Valtonen (1998) fala que Jussi
Saarela cuidava de abelhas, e que como naquela área havia
matas com eucaliptos, e nos barrancos do Rio Alambari nasciam
ingazeiros, havia grande quantidade de flores que as abelhas
apreciavam bastante.
Muitas pessoas tinham saído da Casa Grande em 1930,
e algumas casas que estavam prontas, como a de Suni e a de
Lehtola, passaram a ser utilizadas por outras famílias também.
Outro casal a buscar seu lote no vale acima do Casarão foi
Emil e Lydia Reiman, que escolheram terreno perto de Três
Cachoeiras, no encontro dos rios Palmital e Ribeirão das Pedras,
em 1932. De acordo com Valtonen (1998) Emil esteve
observando esse lugar por três anos, antes de conseguir a
autorização de Uuskallio para construir no local.
Era uma construção rudimentar feita parcialmente de
bambu, com dois quartos e cozinha, piso de buas, em que até o
vaso sanitário era exterior à residência
91
. Havia uma sauna, na
beira do rio, que formava uma piscina natural, bem ao gosto dos
finlandeses. Fotografia do álbum de Asikainen, de 1932, mostra
um grupo de pessoas em frente à casa dos Reiman, conferindo
com a descrição de Valtonen (1998) da casa, como sendo feita de
paredes de bambu e cortinas nas janelas. O grupo usa ainda
chapéus de bucha, talvez feitos por Asikainen (Figura 70).
Logo começaram a receber hóspedes, sendo o primeiro o
cônsul finlandês, Kalle Aapro, e também suas filhas, que vinham
passar férias na casa dos Reiman. Os hóspedes apreciavam a
natureza e a comida de Lydia Reiman, e logo indicavam a pensão
a outros. Após hospedar as filhas do cônsul, que ficaram três
meses, veio o motorista, e depois chegaram as filhas de uma
irmã, e assim foi seguindo a pensão, na descrição de Valtonen
(1998). Alguns hóspedes ficavam ali por muito tempo, e isso criou
um movimento que os incentivou a irem aos poucos aumentando
o negócio, com a construção de mais quartos.
91
O hábito da “casinha”, o comum no interior do Brasil, foi utilizado pelos
finlandeses, que em seu país o utilizam como maneira de não poluir a natureza,
lagos e rios perto se suas casas.
167
Figura 70 - Grupo em frente à casa dos Reiman [1932].
Fonte: Álbum Asikainen
Mais tarde, com a venda de parte da Fazenda Penedo para
a Plamed em 1942 a casa dos Reiman foi demolida (VALTONEN,
1998) e eles deslocaram-se para o outro lado do rio, construindo
uma nova casa e continuando a receber hóspedes em hotel que
existe até os dias de hoje, com o nome de Hotel Arboretum.
Aos poucos Uuskallio foi permitindo a ocupação também da
parte baixa da fazenda, e Toivo Asikainen foi um dos primeiros a
conseguir isso. Valtonen (1998) fala que Asikainen escolheu seu
lote em 1932, após dois anos na colônia, quando começou a
fazer valetas para drenar o terreno, e fez uma casinha coberta de
bambus onde passou a morar (Figura 71). Após terminar a
construção de valas, que serviam para secar o brejo, plantou
bambus e bucha. Bucha é uma trepadeira, como o pepino, e com
ela seca se faziam chapéus, chinelos e fundos de sapatos, além
se servir como esfregão e para lavar louças, numa época em que
não existia o plástico. Ele foi o pioneiro nessa plantação, que
seria o início de uma cultura importante para o artesanato de
Penedo, pois além de plantar a bucha Asikainen começou a fazer
bonés e outros produtos para vender.
Não satisfeito com sua pequena habitação, mais tarde fez
uma casa melhor, de madeira, e deu a ela o nome de Tuulentupa,
ou Lar do Vento, em finlandês (FAGERLANDE, 1998a) (Figura
168
72). Toivo Asikainen foi um personagem muito interessante da
história de Penedo. Presente desde o início, ele tirou muitas fotos
da colônia, importantes testemunhos de seu desenvolvimente.
Mesmo sem ter sido participante do Grupo Kaleva, teve suas
terras demarcadas naquele momento, e seu lote, junto ao que é
hoje a entrada de Penedo, chegava até o rio. Era um personagem
poético, que dava nomes às suas casas, como mostram as
muitas fotografias tiradas e legendadas por ele.
As imagens registradas por ele mostram a evolução da
construção de sua casa, inicialmente um barraco muito simples,
de madeira, que logo foi sendo ampliado e transformado em uma
casa de pedras. Valtonen (1998) fala que ele usava o dinheiro
ganho com o plantio e artesanato de bucha para comprar cimento
para fazer sua casa (Figuras 73 e 74).
Após sua volta da Finlândia, em 1938, ele iniciou a
construção de uma nova casa. No começo ela era quadrada, com
uma sauna no primeiro pavimento, uma varanda no segundo e
depósito de buchas e seu quarto de dormir no terceiro andar. Era
uma casa de pedras, como uma torre quadrada, mas a sauna, no
entanto, não funcionou bem (VALTONEN, 1998), pois era muito
difícil de esquentar. Dessa maneira, Asikainen resolveu iniciar
uma nova construção, dessa vez do outro lado da estrada,
próximo do rio. No primeiro pavimento ficava a nova sauna, de
onde se podia sair e mergulhar no rio. No pavimento acima ele
fez um quarto com varanda, que logo alugou, recebendo por
algum tempo um diplomata e pintor tcheco, Jan Zach. Esse artista
fez para Asikainen o desenho de um castelo, pois era assim que
ele queria a aparência de sua casa, chamado por ele de
Satulinna, Castelo de Fadas, em finlandês. Fagerlande (1999b)
diz que a casa estava sendo construída para sua noiva, e que ela
teria exigido um castelo, daí seus planos.
Essa construção demorou dezoito anos para terminar, e foi
sendo transformada, do que antes era uma casa de madeira, em
uma casa de pedras de rio. Fagerlande conta que cada pessoa
que ia fazer sauna com ele tinha que levar algumas pedras para
sua construção, e dessa maneira um mutirão permanente ajudava
a obra. Essa construção, ainda existente embora bastante
modificada, dá nome à avenida de entrada de Penedo, a Avenida
Casa das Pedras (FAGERLANDE, 1999b).
A sauna de Asikainen parece ter sido a única construída em
pedra, diferente das demais na colônia, que eram provavelmente
em madeira, como na Finlândia. Podemos ver isso na sauna do
Hotel Bertell, construída alguns anos depois, também em
madeira. De acordo com Fagerlande (1996) ele vendeu sua casa
de pedras em 1952, para a Igreja dos adventistas, que ali criaram
seu acampamento e um Templo junto a onde era a sauna, da
qual restam apenas as ruínas, junto ao rio.
169
Figura 71 - Foto primeira casa [193-].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 72 Tuulentuppa [1936]. Nesse mesmo lugar Asikainen construiu a sua
Satulinna, atual Casa de Pedras. Ao lado, caminho que se transformou na atual
Avenida Casa das Pedras.
Fonte: Álbum Asikainen
Outro vale que começou a ser ocupado naquele momento
foi aquele situado atrás do pico chamado de Penedo, onde
atualmente está a Rua Harry Bertell. Valtonen (1998) fala de três
pessoas como tendo lotes atrás do pico, em torno de 1932. Um
era ex-delegado de polícia, outro ex-coronel aviador e o terceiro
agrimensor. O coronel parece ser Edvard-Gabriel Kumlin,
Tenente Coronel, de acordo com Fagerlande (1999b), e o agente
da polícia parece ter sido Eero Suikko, comissário de polícia rural
(MELKAS, 1999).
A ocupação de diversos locais da fazenda, mesmo
anteriormente proibida por Uuskallio, foi sendo aceita. Em 1933,
após seu casamento, Eino Brusi resolveu ocupar a antiga casa
que fora de Matti Toro (VALTONEN, 1998). O terreno era no
Pikku Laakso, vale junto à fazenda Barbosa, na atual entrada de
Penedo, e o lote de Brusi aparece na planta feita em 1941, e na
escritura do Grupo Kaleva, de 1935, embora ele não fizesse parte
do movimento.
170
Figuras 73 e 74 - Satulinna em construção [193?]
Fonte Álbum Asikainen
Eino e Ulla Brusi casaram-se em 26 de agosto de 1933,
como mostra fotografia tirada sob grande mangueira que existia
aos fundos da Casa Grande, com a presença de 45 pessoas
(Figura 43). Depois da morte da esposa Brusi foi morar com
Asikainen, trabalhando com artesanato, em um tear manual
(FAGERLANDE, 1999b).
Nesse ano de 1933 em que quase todos os imigrantes já
tinham construído suas casas, o velho casarão estava
praticamente vazio (HILDÉN, 1989). Aura e Erkki Lalla, por terem
experiência no ramo na Finlândia, foram designados como
responsáveis pela abertura de uma pousada no antigo casarão.
O casarão vazio tinha disponível dez quartos. Erkki Lalla ia
buscar os hóspedes com a charrete, na Estação de Trem, e para
oferecer boa comida aos hóspedes, além da horta, começaram a
criar galinhas, para obter ovos, e também leitões, que ficavam no
antigo estábulo. Inicialmente houve sucesso, e em certos
períodos, como o carnaval, a pensão ficava repleta (VALTONEN,
1998).
De acordo com Valtonen (1998) a pensão tinha épocas de
grande movimento alternadas de outros de poucos hóspedes.
Após algum tempo, Lalla desistiu de tocar a pensão, que não
dava muito dinheiro, e resolveu plantar mudas de laranjeiras. Liisa
171
Uuskallio passou então a dirigir a pensão, e Usko Niemimaa a
ajudava na administração, além das pessoas que a ajudavam nas
compras e na cozinha. Durante um ano Uuskallio alugou a
pensão para uma senhora alemã, mas como era muito longe da
estação de trem, e isso prejudicava os negócios, ela desistiu
(VALTONEN, 1998).
Hildén fala de carta de Uuskallio (apud HILDÉN, 1989) para
Pennanen, de 1934, onde cita a abertura da Pensão em 1933.
Nessa carta ele fala dos problemas da colônia, mas menciona o
sucesso da pensão, e ainda fala da falta de mão de obra para o
trabalho em Penedo.
Nesse momento ainda se continuava a construir novas
casas. Markkula construiu a sua em 1934, do outro lado do rio, do
lado oposto a onde se encontrava a via de acesso à colônia,
próxima à de Lalla e Jaakko Jämsä. A construção era sobre
pilotis, onde ele guardava seus instrumentos de trabalho e
ferramentas para as plantações, e no pavimento superior ficava
seu quarto. Essas terras foram demarcadas em 1935, quando ele
participou do Grupo Kaleva (FAGERLANDE, 1999b).
Valtonen (1998) fala que foi Lehtola quem construiu a casa,
e fez também um quarto embaixo que seria a sauna, mas como
esta não funcionou a contento, Markkula resolveu que seria mais
econômico ir às saunas de amigos.
Mais uma casa construída em 1934 foi a de Henrik Yrjö
Hieta (Figura 75). Ele tinha se casado com Gunnel Skarp em
Penedo, em 1933, com grande festa, e mandou Lehtola fazer
uma casa com pedras de rio, com sala, quarto, e cozinha, perto
da casa dos Reiman. Após três anos resolveu vender tudo e
voltar para a Finlândia, ficando Toro morando na casa deles no
ano de 1937, antes de sua segunda casa ficar pronta
(VALTONEN, 1998).
A casa de Hieta era longe do casarão, e nessa época
Valtonen (1998) conta que ainda morava com Ole Aartelo, pois
não havia se casado, e ia trabalhar para Hieta, plantando mudas
de laranjas junto à sua casa.
O movimento de crescimento da colônia, com as famílias
querendo ter suas próprias casas, fez com que alguns de seus
integrantes acabassem expandindo os próprios limites de
Penedo. A família Bertell, uma das pioneiras, sendo a maior
acionista individual do empreendimento e não estando satisfeita
com o rumo das decisões, conseguiu receber de Uuskallio parte
de seu dinheiro investido e resolveu sair da colônia, em 1935.
Conta Valtonen (1998) que a família era muito unida, e eram os
maiores investidores em Penedo.
De acordo com Fagerlande (1996) os Bertell, tendo vendido
todo seu patrimônio na Finlândia ao vir para Penedo, receberam
seu dinheiro de volta de Uuskallio, e assim compraram as terras
de Marechal Jardim, local fora de Penedo, em área que na época
era muito valorizada, pois estava próxima ao principal meio de
172
Figura 75 - Casa Hieta [193-].
Fonte: Coleção do autor
transporte, o trem, e junto ao Rio Paraíba, outra importante via de
comunicação com Resende
A gleba de terras era denominada Campo Bello, com 8 a 9
alqueires, situada entre o leito da Estrada de Ferro Central do
Brasil, junto à Estação Marechal Jardim, até o Ribeirão Benfica e
o Rio Paraíba. É importante lembrar que o Rio Paraíba na época
além de navegável não era poluído, e dessa maneira as
condições de acessibilidade e terras mais férteis para a plantação
foram atendidas.
Em 3 de abril de 1935 foi registrada a Escritura de Compra
e Venda de terras entre a Empreza Agro Pecuária, de Roberto
Bernardes Cotrim, e Harry Bertell e Albert Vilho Kääriä. As terras
foram divididas entre os Bertell, com 2/3 da fazenda, e 1/3 para
Kääriä. Fagerlande (1996) diz que Harry Bertell adquiriu as terras
de Marechal Jardim, pois elas eram mais férteis, e assim poderia
prosperar com a atividade agrícola, sem deixar a colônia de todo.
Em 1935 construíram uma primeira casa, junto ao rio
Paraíba. Um pouco mais tarde, em 1937, construíram a segunda
casa, chamada de casa de cima, pois ficava um pouco mais alta.
Certamente a anterior ficava em área inundável, pois como
vemos em fotografias da época, o rio enchia muitas vezes,
alagando diversas áreas da propriedade (Figuras 76 e 77).
Fagerlande (1996) conta que quando o Rio Paraíba enchia, o
acesso da casa da família até a estação de trem tinha que ser
173
Figura 76 - Casa Bertell,[1938].
Fonte: Álbum Kaisa Bertell
Figura 77 - Cheias no Rio Paraíba, [1936 ou 1937].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
feito de canoa, e que com o aumento da família, com a volta de
Ethel da Finlândia e a vinda de Iivari de Queimados, os Bertell
fizeram nova casa em 1937, acima da antiga casa de 1935,
dentro da mesma área. Ali nasceu o filho de Gotte e Katri, Raul
Bertell, em 1938. Certamente o problema das cheias do Rio
Paraíba foi importante para que se abandonasse a antiga casa
somente dois anos após sua construção.
A casa tinha sala, três quartos, cozinha e varanda, e não
tinha banheiro, mas se usava a “casinha”, pois também não tinha
água encanada, sendo utilizada a água do Rio Paraíba
(FAGERLANDE, 1996).
Em 1941 Gotte, Kaisa e Ethel foram para o Rio de Janeiro,
para trabalhar com Tyyne Sarva, em massagens. Kaisa e Gotte
mais tarde voltaram para Penedo, após casamento de Siiri e
Harry, em 1949, quando passaram a ajudar a tomar conta do
Hotel Bertell, e assim a antiga casa dos Bertell, em alvenaria de
adobe, nunca mais foi usada, permanecendo abandonada.
O vizinho dos Bertell em Marechal Jardim foi outro
finlandês, que não era participante da colônia de Penedo. Albert
Kääriä era um aventureiro, tendo vindo para o Brasil sozinho,
atravessando o Atlântico em um veleiro de cinco metros de
comprimento, segundo contou a Alva Fagerlande sua avó, Maria
174
Gustava Bertell (FAGERLANDE, 1999c). Ele ficou por pouco
tempo em Marechal, vendendo sua propriedade para outros
finlandeses, a familia Rouhe, em 1937.
A vida em Penedo continuava, e nesse período, em torno
de 1935, foram sendo ocupados outros terrenos na parte baixa da
fazenda. A família Tammela, que inicialmente havia morado na
olaria da fazenda, ao chegarem em 1931 (FAGERLANDE,
1999b), se estabeleceu depois em um lote na Avenida das
Mangueiras, do outro lado do Rio das Pedras, defronte ao terreno
de Jämsä, depois Bertell. Após 1942 saíram de Penedo, indo
morar em Resende junto aos Saarela.
Apesar de ser uma colônia finlandesa, havia um intercâmbio
com os brasileiros, e Uuskallio fez muitos amigos em suas
andanças em busca de recursos para financiar a colônia. Hildén
(1986) fala de um amigo brasileiro de Uuskallio, Álvaro da Cunha,
que tinha se estabelecido em Penedo em 1935 e que, sendo rico,
tinha emprestado dinheiro a ele. Ele ficou morando em Penedo
durante algum tempo, e depois foi embora com a família.
A necessidade de moradias fazia com que os finlandeses
continuassem a construir pequenas habitações. Mais um que
construiu uma casa de maneira precária no ano de 1935 foi
Leskinen (Figura 78). Segundo Valtonen (1998) ele fez sua casa
com um quarto, em lote situado acima do casarão. Em álbum de
Asikainen aparece fotografia de Leskinen em frente a essa casa,
de bambu, com data de 1935, sendo parecida com a dos Reiman.
Nessa expansão para fora dos limites da fazenda, outro a
adquirir terras em Resende foi Usko Lindgren. Valtonen (1998)
conta que morou por algum tempo junto com ele em seu sítio em
Resende, onde partilhavam as plantações. Após Lindgren ter
vendido suas terras para Saarela em 1937, Valtonen saiu de sua
casa e foi morar em um barraco construído e habitado por Ole
Aartelo, em Penedo. Era uma casa de sapé, perto do bambuzal,
feita com bambus e bastante simples. O fogão era no chão, e
havia um tomateiro em frente à casa. Por ser perto do rio, eles
pescavam e caçavam para se alimentar (VALTONEN, 1998).
Outra casa que ficava na parte baixa da fazenda, construída
em torno de 1937, era a residência da família Savón. Fagerlande
(1999b) fala de memórias de sua infância, quando ia com sua avó
visitar a casa deles, que ficava onde é atualmente o posto de
saúde de Penedo, junto ao Rio das Pedras. Com a venda da
fazenda tiveram que se deslocar para outra área, construindo
nova casa em lote junto à Casa das Pedras, cujo endereço atual
é Travessa 2 da Avenida Casa das Pedras.
As casas podiam ter diferentes moradores, sempre com a
interferência de Uuskallio. Quando Saarela saiu de Penedo, em
1937, sua residência foi entregue a Antônio Coimbra, amigo de
Uuskallio, que levou para Penedo outros vegetarianos do Rio,
inclusive alguns médicos. Eram também naturistas, e segundo
Valtonen (1998), andavam nus pela fazenda, colaborando para
criar a fama de que Penedo era uma colônia de
175
Figura 78 - Leskinen em frente a sua casa [1935].
Fonte: Álbum Asikainen
Figura 79 - Casa de Mathias Barbosa da Silva Cunha Bueno, perto do casarão
[193?].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
nudismo, o que não era verdadeiro. Uuskallio queria divulgar a
colônia nos meios ligados ao vegetarianismo no Brasil, buscando
também apoio financeiro.
Valtonen (1998) conta também que Uuskallio chamou
Mathias Barbosa da Silva Cunha Bueno, mais um amigo
brasileiro, para morar na Casa de Suni, pois ele era rico, e
poderia ajudar Penedo. Em 1937 ele mandou Lehtola e Braf
construírem uma casa de pedras sobre o morro, de forma
retangular, com portas nas extremidades, lados cheios de janelas,
e com terraços, onde depois se plantaram árvores frutíferas
(Figura 79).
Depois da experiência ruim com sua primeira casa, Toro foi
autorizado a ocupar lote em vale acima da Casa Grande, em
lugar que ficava perto de “Custódio”
92
, a 3 km do sobrado
(VALTONEN, 1998). Tinha paredes de tijolos de adobe, como
demonstra fotografia recente de parede da casa
93
(Figura 80 e
92
Trata-se de referência a proprietário de terras vizinhas, chamado de Custódio,
e que aparece em planta de 1941.
93
A casa ainda existia em 1996, quando foi feito levantamento da construção,
quase em ruínas, e tiradas diversas fotografias.
176
88), e que isso oorreu depois do nascimento do primogênito,
ocorrido no final de 1931. Aparentemente, a construção foi
iniciada em 1937, e foi feita escritura do terreno em 14 de
setembro de 1938. Antes de ela ficar pronta eles moraram na
casa que Lehtola havia feito para Yriö e Gunnel Hieta, pois esses
tinham ido embora da colônia.
Após 1935 a Fazenda Penedo passava por mudanças, pois
as terras começaram a ser demarcadas, com a propriedade
individual dos lotes passando a ser reconhecida. O Grupo Kaleva
pode não ter conseguido escrituras de suas terras, mas houve um
reconhecimento por parte de Uuskallio de que aquelas pessoas
tinham direito a seus lotes, e elas inclusive puderam negociar os
terrenos.
A casa que foi do antigo administrador da Fazenda Penedo,
Alfredo Leal, foi depois ocupada por Lalla (Figura 81). Ela
aparece como casa de Lalla, em album de Asikainen, com data
de 1937, e mais tarde seria vendida para Jaakko msä, sendo
posteriormente ampliada.
Tendo chegado a Penedo em 1930, Jaakko Jämsä vinha
participando das atividades da colônia, como mostram as
fotografias do álbum deixado por ele. Valtonen fala de sua
participação na Associação dos Homens dos Ovos (VALTONEN,
1998) e de seu rancho, coberto de sapé e com paredes de bambu
rachado como primeira sede da Associação, em 1939.
Jämsä comprou as terras de Lalla, ficando com mais de 30
hectares, e a data dessa compra foi após 1938, pois Lalla ainda
aparece como proprietário da futura casa de Jäm em foto de
álbum de Asikainen nessa data (VALTONEN, 1998). Em mapa de
1941 não aparece mais o nome Lalla, e sim o de Jaakko Jämsä
como proprietário dos lotes. Fagerlande (1999b) fala que ele se
estabeleceu na casa de Alfred Lalla, antiga casa de Alfredo Leal,
pois havia comprado de Lalla a propriedade.
Jaakko Jämsa se casou com Siiri Hilfver em 12 de fevereiro
de 1941 (FAGERLANDE, 1996), e o casal ficou morando na
antiga casa de Alfredo Leal, antigo administrador da fazenda no
período anterior aos finlandeses, e usada também por Lalla, antes
da venda de suas terras para Jämsä (Figura 82).
Era uma casa de caboclo, de pau-a-pique, com três
comodos, que foi ampliada na frente para formar nova sala e
cozinha, deixando a antiga cozinha e sala como quartos de
hóspedes. Nesse período teve início uma pensão, que mais tarde
seria o Hotel Bertell
94
. Siiri era excelente cozinheira, e fazia de
sua comida caseira o segredo do sucesso da pensão. O café da
manhã consistia em pão integral, geléia de manga, ricota,
coalhada, pulla, café com leite, tudo produzido em casa. O
almoço também era simples, mas com os produtos caseiros
também.
94
Em 1945 morre Jaakko Jämsä, e Siiri se casa com Harri Bertell, dando seu
nome ao Hotel.
177
Figura 80 - Foto da casa Toro [1996]. Foto de Alva Fagerlande
Fonte: Coleção do autor
Figura 81 - Casa Lalla, antiga Casa de Alfredo Leal [1937]. Lalla e família
Nousiainen em frente a sua casa
Fonte: Álbum Asikainen
Era uma época em que os hóspedes ficavam duas semanas
nos locais de descanso, pois as dificuldades de transportes, com
oacesso somente por trens, eram enormes. As pessoas
combinavam por carta o dia de chegada e o tempo de estadia, e
eram esperadas na Estação de Marechal Jardim para serem
levadas de charrete até a pensão (FAGERLANDE, 1996).
Nessa área demarcada como do Grupo Kaleva, outras
casas começaram a ser construídas, criando um trecho mais
densamente construído na colônia. Fagerlande (1999b) diz que
Hugo Israel Lehtonen adquiriu o lote 24 da Granja Finlandesa, de
propriedade de Jaakko Jämsä, onde atualmente é a Casa do
Chocolate, na esquina da Avenida Casa das Pedras e Rua Harry
Bertell, e em 1938 iniciou a construção de sua residência. Ele
tinha chegado junto com a primeira grande leva de 1929, no
Desiderade, e se casou em Penedo.
Lehtonen começou a fazer tijolos para levantar a casa, com
a mesma forma usada por Saarela, Reiman e Toro. Em seis
meses sua famíla se mudou para a nova casa, onde passaram a
criar galinhas e cabras, além de plantar bananeiras, laranjeiras,
mandioca e amendoim (Figura 83).
178
Figura 82 - Antiga casa de Alfredo Leal, [193-], mais tarde Hotel Bertell
Fonte: Álbum Siiri Silfver Bertell
Figura 83 - Casa Hugo Lehtonen [194-].
Fonte: Álbum Siiri Silfver Bertell
Outro a conseguir seu lote juntamente com a escritura do
Grupo Kaleva foi Niilo Valtonen, pois seu pai foi um dos que
reclamaram seus direitos, através desse movimento. Após seu
casamento, Maija e Niilo Valtonen começaram a se interessar em
construir uma casa para o casal, e depois de morar na casa de
Lehtola durante algum tempo, eles começaram a fazer a casa em
seu terreno, junto ao lote de Asikainen. Valtonen (1998) diz que a
casa começou a ser construída no dia de início da guerra de
1939, após ele ter combinado com Uuskallio sobre o uso do
terreno.
Reiman o ajudou a fazer as paredes da casa, com tijolos de
adobe (VALTONEN, 1998), e era uma construção muito simples,
que mais tarde foi demolida para a ampliação do Hotel Girassol.
Essa pode ser considerada a última casa a ser construída ainda
dentro da colônia utópica (Figura 84).
.
179
Figura 84 Reta do Grupo Kaleva (atual Av. Casa das Pedras), com a casa de
Valtonen á esquerda. Ao fundo a Serra, com as Agulhas Negras [194-].
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 01
5.3 A ESTRUTURA FUNDIÁRIA – A POSSE DA TERRA
Durante o século XIX a Fazenda Penedo pertenceu a
diversos proprietários, como demonstram as escrituras
encontradas (FAGERLANDE, 1998b). A Fazenda Penedo se
localizava a aproximadamente 6 km da Estação de Marechal
Jardim, da EFCB que ficava junto ao Rio Paraíba do Sul, e para
acessá-la era necessário passar por outras fazendas, inclusive a
Fazenda Barbosa, vizinha de Penedo. Em 1929 Uuskallio
comprou a propriedade em seu nome, utilizando seu próprio
dinheiro e também capital dos participantes do projeto, e como
não foi possível pagar o valor total, restou uma dívida a ser
quitada em etapas posteriores, dando como garantia a hipoteca
do imóvel. Dessa maneira, apesar de obter a propriedade da
fazenda através de ajuda e investimento de muitas pessoas que
continuavam na Finlândia ou que tinham vindo para Penedo, a
situação legal era bastante peculiar. Uuskallio dizia que seria
mais fácil manter em seu nome a fazenda, por questões de
180
Mapa 12 - Aero da Região com marcação limites Fazenda Penedo
- 1929
1 – Limites Fazenda Penedo – 1929
A – Antiga Estrada de acesso (caminho de terra)
B – Rio das Pedras
C – Maciço de Itatiaia
181
Figura 85 - Planície da fazenda, sem plantações. As árvores no meio da
planície são as mangueiras, plantadas junto à via que levou seu nome, Av
das Mangueiras. [194-]
Fonte: Álbum Martti Aaltonen 01
impostos e para não dividir a comunidade (VALTONEN, 1998).
No Projeto Habitacional estava incluído item que dizia que
os lotes seriam individuais, e que quem quisesse vendê-los daria
a preferência à administração da colônia. Mas na prática, pela
relutância de Uuskallio em oficializar a divisão da propriedade,
isso foi sempre uma questão difícil.
Foram muitas as dificuldades da colônia desde o início,
quase todos referentes às questões financeiras, especialmente
com relação à quitação das parcelas finais de compra da
propriedade. A falta de dinheiro para efetuar esses pagamentos
foi um dos grandes problemas de Penedo em seus primeiros
tempos, pois novos empréstimos tiveram que ser feitos para
conseguir rolar a hipoteca inicial. Além do pagamento pelas.
182
Mapa 13 - Aero da Região com marcação de limites da
Fazenda Penedo após 1935
1 – Fazenda Penedo, de Toivo Uuskallio
2 – Limites da escritura do Grupo Kaleva
3 – Limites terras de Matti Toro
A – Antiga Estrada de acesso (caminho de terra)
B – Rio das Pedras
C – Maciço de Itatiaia
183
Mapa 14 - Aero da Região com marcação de limites da
Fazenda Penedo em 1942
1 – Fazenda Penedo, de Toivo Uuskallio
2 – Limites da escritura do Grupo Kaleva
3 – Limites terras de Matti Toro
4 – Plamed
A – Antiga Estrada de acesso (caminho de terra)
B – Rio das Pedras
C – Maciço de Itatiaia
184
terras, faltava a Uuskallio recursos para gerenciar o
desenvolvimento da colônia. Diversas campanhas financeiras
foram efetuadas na Finlândia, e ele foi também aos EUA na
tentativa de buscar novos financiamentos, sem sucesso. No ano
de 1932 ele conseguiu um novo empréstimo, junto a Henri
Lichtwardt, colocando novamente as terras da Fazenda Penedo
como garantia, em nova hipoteca. Dessa maneira a fazenda vivia
rolando suas dívidas, pois não se mostrou capaz de sustentar
seus habitantes e ainda ter lucro, para quitar as dívidas
(FAGERLANDE, 1998a).
No ano de 1935 diversos moradores e investidores da
colônia exigiram que Uuskallio demarcasse suas terras, criando o
chamado Grupo Kaleva. Eles foram à representação finlandesa
no Rio de Janeiro, e ali registraram uma escritura com a
demarcação de seuslotes, obrigando Uuskallio a finalmente ceder
em sua posição de único proprietário oficial das terras. Era uma
atitude muito mais de efeito moral que legal, pois a hipoteca da
fazenda impedia de se fazer uma escritura em cartório no Brasil,
mas de qualquer maneira, essa demarcação inicial ficou
registrada e, com efeito, as pessoas receberam as terras, que
posteriormente foram legalizadas junto aos órgãos brasileiros.
Eram lotes em área bastante valorizada então, no local por aonde
se chega atualmente a Penedo. É interessante notar que o
documento registrado cita uma numeração dos lotes, fazendo
referência ao Projeto Habitacional de Penedo. Ainda na Escritura
do Grupo Kaleva aparecem lotes que já estavam ocupados, como
o de Brusi, Asikainen e Toro (FAGERLANDE, 1998a).
Com relação ao lote de Matti Toro, ao contrário do Grupo
Kaleva, ele conseguiu obter de Uuskallio a escritura de suas
terras, conforme prova documento de 14 de setembro de 1938
95
,
em que aparecem os limites de 14 hectares de suas terras, e a
transferência para o seu nome das terras que ele já ocupava. Isso
vai contra as demais informações, de que não era possível
transferir a propriedade da terra para os colonos, e parece ser um
caso atípico dentro da distribuição e legalização das terras em
Penedo no período.
Somente no ano de 1942, com a situação financeira
chegando a um impasse devido às dívidas, foi finalmente
realizada a venda da maior parte da Fazenda Penedo para a
Plamed
96
, com o fim da colônia utópica. Com o dinheiro da
compra pelo grupo suíço, Uuskallio pode pagar a todos o que lhes
devia, entregando lotes e regularizando as terras dos finlandeses,
que ficaram com parte da antiga fazenda. Outro grupo de
colonos, que ocupavam terras que foram vendidas, teve que sair
dessas terras, e construir novas casas em outros terrenos. Alguns
lotes permaneceram em o de Uuskallio, que fez uma
distribuição entre alguns integrantes, como Toivo Suni,
95
Cópia do documento encontra-se com o autor, sendo sido entregue pela filha de
Matti Toro, Irja Toro, a Alva Fagerlande.
96
A Plamed era uma empresa de plantas medicinais, destinadas ao uso
farmacêutico, de propriedade de um grupo suíço. Muitos de seus diretores
tinham freqüentado a colônia e suas pensões.
185
Figura 86 - Planície da fazenda, ocupada pelas plantações. À esquerda aparece
o rio, e a reta construída pelos finlandeses [1929].
Fonte: Álbum Asikainen
Toivo Sipilä e outros. Alguns finlandeses foram contratados pela
nova empresa para plantarem eucaliptos e outras plantas
(FAGERLANDE, 1996).
As atividades da Plamed não foram bem sucedidas, e logo
as terras foram loteadas, criando-se a Cidade de rias Itatiaia,
que tinha a participação de funcionários do Banco do Brasil,
implantando-se a estrutura de loteamento tradicional, que forma a
maior parte do atual Penedo. De qualquer maneira foram
mantidas as vias construídas pelos finlandeses, como a Avenida
das Mangueiras, Avenida Finlândia, Estrada das Três Cachoeiras
e Avenida Casa das Pedras, entre as mais importantes.
5.4 ANÁLISE DA FORMAÇÃO INICIAL, E DE SEU
DESENVOLVIMENTO
A localização da Fazenda Penedo, parte em uma planície,
com sua sede próxima ao início do vale criado pelo Rio das
Pedras, e parte em morros e montanhas nas encostas do maciço
de Itatiaia foi um dos motivos que fizeram Uuskallo escolher o
186
local. Grande parte da propriedade se estendia por essa planície,
e o restante sobre pequenos morros até a base da serra, onde
nascem pequenos rregos, como o Rio Palmital e o Córrego
Frio, que formam o Rio das Pedras. Após passar por diversas
propriedades, correndo pela vasta planície, ele vai desaguar no
Rio Paraíba do Sul, próximo à cidade de Resende.
Ao ser comprada, em 1929, a fazenda tinha uma estrutura
física de produtora de café tradicional, com um casao como
sede, um terreiro de secagem de café em sua parte frontal,
algumas construções como depósitos, antiga senzala e estrebaria
em torno desse terreiro. A cozinha era externa ao casarão, em
prédio de construção provavelmente posterior ao original, e mais
adiante um edifício que servia de administração. Os trabalhadores
da fazenda viviam em casas bastante precárias, dispostas de
maneira livre pelo terreno. Dessas, somente a casa do antigo
administrador Alfredo Leal sobreviveu, servindo mais tarde como
base para o Hotel Bertell.
Os caminhos a a fazenda eram bastante precários, sendo
possível o acesso somente por meio de carro de boi, cavalos ou
carroças, e assim a única maneira de se chegar ao casarão era
por cima dos morros, desde a estação de Trem de Marechal
Jardim.
A ocupação da fazenda sempre atendeu a interesses
agrícolas, sendo preferidas as áreas baixas para o plantio e
pasto, sendo as áreas do vale e das montanhas pouco utilizadas.
Seus morros mais baixos eram nus, sem vestígios de mata, e
somente as áreas mais altas ainda mantinham as florestas
originais.
Após a instalação dos finlandeses na fazenda teve início
uma nova fase de produção agrícola, não mais baseada em um
produto único, mas na diversidade, inicialmente voltada para a
auto-suficiência da colônia. Uma das primeiras plantações foi uma
horta, no lugar do antigo terreiro de secagem de café. Em volta da
sede, onde havia apenas poucas mangueiras e jabuticabeiras,
foram plantadas diversas árvores frutíferas, para se criar um
pomar.
A partir dessa ocupação inicial utilizando o casarão como
centro, tentou-se colocar em prática o Projeto Habitacional de
Uuskallio, que previa 250 lotes se espalhando pelos vales, sendo
parte na área plana e o restante em floresta, nas montanhas, com
todos os lotes acessíveis por estradas e tendo acesso ao rio
97i
A implantação de Penedo foi desenvolvida tendo como base a
idéia inicial de Uuskallio, de criação da principal via de ligação
entre a sede da fazenda e a estação de trens, fora da fazenda e
junto ao Rio Paraíba. Foram dois os seus principais elementos: a
construção dessa estrada reta e o rio, sinuoso, cortando o vale e
a planície.
97
Como o rio é somente um, e a largura da fazenda bastante grande, isso é
certamente uma intenção, que na prárica seria a idéia de que todos teriam
direito ao uso do rio. Na realidade, muitos lotes não teriam como estar às
margens do rio.
187
ANTES DE 1929
Mapa 15 - Mapa de Penedo antes de
1929
1 Casa Grande / Sede da Fazenda
Penedo
2 – Cozinha da Casa Grande
3 – Senzala / Depósitos
4 – Administração da Fazenda
5 – Casa do administrador / Alfredo Leal
A – Rio das Pedras
B – Pico Penedo
C – Córrego Frio
D – Rio Palmital
E - Antiga Estrada de Acesso
188
Pode-se dividir a fazenda em duas partes, a plana, onde se
deu início tanto ao projeto habitacional, com as primeiras casas, e
onde se desenvolveram as plantações e pomares iniciais, e as
partes superiores da fazenda, inicialmente pensadas como uma
grande reserva florestal, como fala o Projeto Habitacional. Nele se
verifica que do total da fazenda a proporção entre área habitada e
plantada com relação à área florestal é de 2 para 12, somando
cada lote 14 hectares, sendo 2 hectares de plantações e moradia
e 12 hectares de florestas.
As descrições e antigas fotografias também nos levam a
conhecer o desenvolvimento das principais rotas. A primeira via,
anterior à chegada dos finlandeses, foi uma estradinha que ligava
a sede à porteira da fazenda e dali à Estação de Trem de
Marechal Jardim. Era um pequeno caminho sobre os morros, feito
para cavalos e carros de bois. Percebe-se nas primeiras imagens
do lugar que esse caminho ainda existe, tendo sido por muito
tempo chamado de estrada velha da fazenda e transformada em
estrada de rodagem, como aparece nas primeiras plantas de
1941.
Os finlandeses pretenderam criar uma nova estrada, mais
adequada aos automóveis e caminhões, em linha reta da sede da
fazenda em direção ao final do vale. A idéia inicial seria ir assim
até a estação, mas fisicamente percebe-se que isso seria
impossível, pois ela teria que fazer uma curva e dali prosseguiria
em reta até a Estação de Trem. Na realidade, devido a problemas
com pontes sobre os rios, a reta foi interrompida depois da
segunda ponte, e retomada novamente após esta. De maneira
geral, esse era o projeto, com retas na parte baixa. Ela acabou
sendo construída parcialmente, e atualmente é a Avenida das
Mangueiras, a principal de Penedo, e a Avenida Finlândia que foi
durante muito tempo também uma importante via, junto ao antigo
Clube Finlândia e muitas residências, na então chamada
Península dos Toivos.
Somente na parte superior, entre o casarão e a fazendinha,
devido ao relevo sinuoso, a estrada feita pelos finlandeses
acompanhava o rio, num trajeto que é hoje a estrada das Três
Cachoeiras. No período inicial essa estrada ia somente até o Rio
Palmital, de acordo com os mapas encontrados. Ela também
seria o caminho até o Sanatório Naturalista, que seria construído
junto ao Córrego Frio.
A construção das residências também foi iniciada logo no
primeiro ano da colônia. Eram casas isoladas umas das outras,
provavelmente devido não somente à tradição finlandesa de
construções distantes entre sim, mas também por conta da
questão dos lotes serem destinados ao cultivo, e não somente
moradia. Cada unidade representava também uma pequena
propriedade produtora de alimentos. As idéias de liberdade
através da individualidade vão ao encontro da idéia de difusão de
pequenas residências, e não casas próximas umas das outras.
189
1929
Mapa 16 - Mapa de Penedo – 1929
1 – Casa Grande / Sede da Fazenda
Penedo
2 – Cozinha da Casa Grande
3 – Senzala / Depósitos
4 – Administração da Fazenda
5 – Casa do administrador / Alfredo
Leal
6 – Olaria
7 – Casa Suni / atual Hotel Vivenda Penedo
8 – Casa Lehtola / atual residência
9 – Casa Branca / atual Clube Finlândia
10 Casa Nurmi (depois Casa Uuskallio)
demolida
11 – Casa Kuusisto
12 – Sauna da Casa Grande
13 – 1° Casa Toro
A – Rio das Pedras
B – Pico Penedo
C – Córrego Frio
D – Rio Palmital
E - Antiga Estrada de Acesso
F – Nova Estrada / Reta
G – Estrada das Três Cachoeiras
190
Outra edificação que era muito importante para a vida social
da colônia era a sauna, que foi construída nesse momento,
próxima ao casarão e ao rio. Esse era o núcleo central da colônia,
com o casarão, o pátio, a cozinha coletiva, a sauna e o rio.
Nesse momento ainda houve algumas tentativas de
ocupação de áreas da fazenda que não foram autorizadas por
Uuskallio. Matti Toro iniciou a construção de uma casa no Pikku
Laakso, logo na atual entrada de Penedo, e que era área não
permitida por Uuskallio, que o sugeriu ocupar área mais acima do
casarão, pois ele pretendia manter áreas baixas e de mais cil
acesso aos investidores, o que não era o caso de Toro.
As dificuldades da colônia impediram a construção de
outras casas dentro do planejamento inicialmente proposto por
Uuskallio. Mesmo querendo controlar a colônia, ele permitiu aos
poucos a ocupação de lotes em áreas que ele considerava menos
atraente para possíveis investidores. Eram lotes em vales
situados principalmente acima do casarão, onde o acesso era
mais difícil, e não se plantava com a mesma facilidade da
planície.
Essas casas eram mais simples que as iniciais. Algumas
delas, como a de Toro, ainda eram de tijolos de adobe, mas a
maioria passou a ser de taipa, com materiais como bambu sendo
muito utilizados. Eram casas certamente inspiradas pelas antigas
casas de colonos existentes na antiga fazenda, mas todas tinham
um acabamento melhor, como telhados de zinco ou telhas de
barro.
Diversas casas foram construídas nesse momento, com
esses materiais mais toscos. Acima do casarão, em locais mais
dentro da mata, ficavam as casas de Saarela, dos Reiman, a
segunda casa de Toro e a dos Hieta, essa com melhor
acabamento, em pedra. Mais abaixo, junto ao rio, estava a de
Markkula, e depois a de Asikainen. Algumas pessoas tentaram
demarcar seus lotes, como os localizados atrás do Penedo, e
houve o caso de Brusi, que aproveitou a precária casa que Toro
havia iniciado, no Pikku Laakso, para resolver seu problema de
moradia.
Após os primeiros anos, em torno de 1935/36, algumas
pessoas saíram da colônia, expandindo a área onde moravam os
finlandeses. Houve quem fosse para outras cidades, como
Campo Belo, atual Itatiaia, ou Rio e São Paulo, mas também
houve casos de compras de sítios nas proximidades, em
Marechal Jardim, no caso dos Bertell, ou em Resende mais tarde,
como no caso de Lindgren e Saarela.
Nesse período, a questão colocada por alguns, de que
havia a necessidade de se desmembrar os lotes em propriedades
individuais, fez com que houvesse um movimento de cobrança
junto a Uuskallio, capitalizado pelo Grupo Kaleva. O resultado
dessas demandas foi um grande impulso na formação urbana de
Penedo, viabilizando a possibilidade de se construir em áreas
191
1934
Mapa 17 - Mapa de Penedo – 1934
1 Casa Grande / Sede da Fazenda
Penedo
2 – Cozinha da Casa Grande
3 – Senzala / Depósitos
4 – Administração da Fazenda
5 – Casa do administrador / Alfredo Leal
6 – Olaria
7 Casa Suni / atual Hotel Vivenda
Penedo
8 – Casa Lehtola / atual residência
9 – Casa Branca / atual Clube Finlândia
10 Casa Nurmi (depois Casa Uuskallio)
demolida
11 – Casa Kuusisto
12 – Sauna Casa Grande
13 - 1° Casa Toro / depois Brusi
14 – Casa Saarela
15 – 1°Casa Reiman
16 – Casa Asikainen
17 – Lotes atrás Penedo
18 – Casa Markkula
19 – Casa Hieta
A – Rio das Pedras
B – Pico Penedo
C – Córrego Frio
D – Rio Palmital
E - Antiga Estrada de Acesso
F – Avenida das Mangueiras
G – Avenida Finlândia
H – Estr. das Três Cachoeiras
I – Avenida Casa das Pdras
J – atual Rua Harri Bertell
K – caminho do Pikku Laakso
192
antes impedida por Uuskallio, na planície, e perto do rio, junto à
entrada atual de Penedo. Várias casas foram ali construídas,
junto às suas plantações, e com outras atividades logo
aparecendo, como artesanato e saunas.
Na escritura do grupo Kaleva, em 1935, aparece referência
ao Projeto Habitacional, destacando inclusive os meros dos
lotes designados para os autores da ação judicial, e de que a
estrada que ligava os lotes deveria ser reta, o que chama a
atenção. Atualmente essa via é a Avenida Casa de Pedras,
principal acesso de Penedo. Ela segue mais ou menos paralela
ao rio, ocupando o que foi um antigo caminho da fazenda, como
se vê em fotografias da época.
Após a escritura de 1935, alguns dos participantes do
grupo, como Niilo Valtonen, construíram ali suas casas. Outros
tiveram seus lotes reconhecidos, como Asikainen e Brusi, que
tinham iniciado a construção de suas residências. Alguns
repassaram suas partes a terceiros, que ali construíram ou
ampliaram as casas existentes, como foi o caso de Jaakko Jämsä
e de Hugo Lehtonen, que construíram suas casas em terrenos
que eram de Lalla, como aparece na escritura do Grupo Kaleva.
Jaakko Jämsä aproveitou a antiga casa de Alfredo Leal, depois
utilizada por Lalla, e fez ali sua residência e, com diversos
acréscimos, o transformou em pensão que mais tarde se tornou o
Hotel Bertell.
Mais tarde foram sendo construídas novas casas no eixo da
Avenida das Mangueiras como a dos Tammela, Savón e Aartelo,
e outras acima da Casa Grande, como as de Leskinen, Mathias
Barbosa da Silva e Álvaro da Cunha, mas a grande planície
permanecia preservada, sendo ocupada somente pelas
plantações e por poucas casas. Dessa maneira, Uuskallio ia
permitindo o desenvolvimento da colônia, com a construção de
algumas residências, mas sempre tentando manter as grandes
áreas livres. Nesse momento as atividades agrícolas eram menos
importantes, com o início da criação avícola e o desenvolvimento
das pensões de turismo receptivo.
Outro aspecto importante que se percebe na análise urbana
é a centralidade. As pequenas cidades tradicionais brasileiras
possuíam geralmente um centro, com pequena praça e igreja
(COUTINHO M. DA SILVA, 2003). No caso de Penedo, nunca
existiu um centro urbano ao estilo das tradicionais cidades
pequenas brasileiras, pois o havia uma praça central ou igreja.
Os finlandeses não construíram templos devido às idéias de
igualdade e liberdade de Uuskallio, para quem não deveria se
impor nenhuma religião aos penedenses. Mesmo a ausência de
escolas segue esse princípio, pois ele achava que as crianças
deveriam ter liberdade de escolha, e buscariam livros na
biblioteca da colônia para aprender, e não professores
tradicionais. Dessa maneira, pode ser considerado como o centro
de Penedo seu Centro Comunitário, que era inicialmente o
193
1939
Mapa 18 - Mapa de Penedo – 1939
1 Casa Grande/Sede da Fazenda
Penedo
2 – Cozinha da Casa Grande
3 – Senzala / Depósitos
4 – Administração da Fazenda
5 – Casa do administrador / Alfredo Leal
6 – Olaria
7 Casa Suni/atual Hotel Vivenda
Penedo
8 – Casa Lehtola / atual residência
9 – Casa Branca / atual Clube Finlândia
10 Casa Nurmi (depois Casa Uuskallio)
demolida
11 – Casa Kuusisto (depois Pekkala)
12 – Sauna Casa Grande
13 - 1° Casa Toro / depois Brusi
14 – Casa Saarela
15 – 1°Casa Reiman
16 – Casa Asikainen
17 – Lotes atrás Penedo
18 – Casa Markkula
19 – Casa Hieta
20 – Casa Bertell – Mal Jardim
21 – Casa Kääriä – Mal. Jardim
22 – Casa Tammela
23 – Casa Álvaro da Cunha
24 – Casa Leskinen
25 – Casa Lindgrén - Resende
26 – Casa Artelo
27 – Casa Savón
28 – Casa Mathias Barbosa
29 – 2°Casa Toro
30 – Casa Lehtonen
31 – Casa Valtonen
A – Rio das Pedras
B – Pico Penedo
C – Córrego Frio
D – Rio Palmital
E - Antiga Estrada de Acesso
F – Avenida das Mangueiras
G – Estrada das Três Cachoeiras
H – Avenida Casa das Pdras
I – atual Rua Harri Bertell
J – caminho do Pikku Laakso
194
Casarão, antiga sede da fazenda. Ali, em seu terreiro frontal, se
desenvolviam as atividades comunitárias, como casamentos e
festas, e no seu salão interno se faziam bailes, inclusive de
carnaval. Nesse salão se faziam também os cultos e palestras,
importantes encontros da colônia e as reuniões para as decisões
comunitárias. Após a venda da fazenda, em 1942, pode ser
considerado que o centro passou a ser o Clube Finlândia,
fundado em 1943, local onde as pessoas se reuniam, e o
comércio se desenvolvia pelas suas redondezas.
A questão de como foi planejada a forma de Penedo, a
partir de uma grande reta, parece ser uma atitude disciplinadora,
para obter uma área com mais controle, a ser dividida em lotes
iguais e perpendiculares a essa reta. Esse princípio de equidade
pode ser pensado também como aquilo que Sennett (1992) fala
sobre a importância dessa igualdade entre os protestantes,
resultando numa forma mais simplificada, em que todos fossem
iguais.
Dentro do Projeto Habitacional havia uma grande
preocupação com as áreas florestais. Os finlandeses vieram de
um país de florestas e lagos, abundantes naquele país, e sua
economia e cultura são diretamente vinculadas a esses
elementos. Dessa maneira, era natural a preocupação dos
penedenses com eles aqui. O rio e as florestas eram objetos de
preocupação de Uuskallio, tanto com relação à manutenção das
matas como a idéia de não se poluir o rio. Também influiu nesse
aspecto a própria preocupação alimentar do grupo, pois como os
colonos eram vegetarianos, a plantação de árvores frutíferas era
parte importante da vida da colônia.
Dessa maneira, a preservação da natureza e das florestas
estava prevista no projeto habitacional, pois esse é um hábito
cultural finlandês, onde são comuns lotes de floresta que o
podem ser uilizados para construções. Isso fez com que as
florestas da região fossem recompostas, e onde antes eram
morros pelados hoje se encontram matas vigorosas. A ligação
com a natureza era parte importante do projeto ideológico do
grupo, e certamente influiu na conformação da comunidade. Ao
se observar fotografias aéreas se percebe a presença de mais
árvores no lado que foi mantido pelos finlandeses do que no
restante da antiga fazenda, mesmo depois do final da colônia
finlandesa.
Com o final da colônia, a parte vendida teve que ser
desocupada, e algumas famílias saíram de suas casas, como os
Savón, os Tammela, os Reiman. Em termos gerais, o lado
esquerdo da Fazenda Penedo foi entregue à Plamed, o lado
direito tinha sido entregue ao Grupo Kaleva, e algumas áreas
centrais e acima seriam divididas e entregues aos finlandeses,
como Sipilä, Suni, o próprio Uuskallio, entre outros.
As atividades econômicas foram se transformando durante
a existência da colônia. Em primeiro lugar existia a agricultura, e o
comércio era inicialmente feito dentro da própria Casa Grande,
195
para atender a comunidade. Em seguida, iniciou-se a atividade do
turismo receptivo, com as primeiras pensões nas casas das
famílias. Em um terceiro momento, passou a ser importante não
somente a atividade hoteleira, nesse momento mais profissional,
e também atividades ligadas ao turismo, como produção e venda
de artesanato.
Nesse momento final da colônia, em 1941, existiam as
pensões de Lídia Reiman, de Siiri msä (depois Bertell), e de
Liisa Uuskallio no Casarão. Após a venda, em 1942, todas
permaneceram em suas atividades, com a pensão de Liisa
Uuskallio sendo transferida para sua nova casa, e a de Lídia
Reiman também. Houve um crescimento das novas construções,
pois passou a haver dinheiro na colônia, e todos puderam
melhorar suas casas ou construir outras com um melhor
acabamento.
Com o crescimento da colônia, e a venda da fazenda em
1942, o principal centro da colônia passou a ser o Clube Finlândia
(antiga sede), inaugurado em 1943, em terreno junto à reta inicial
prevista por Uuskallio, no trecho da fazenda que não foi vendido,
e que ficou para os finlandeses. Ali foram também construídas
diversas casas, gerando o lugar mais densamente ocupado em
Penedo, passando a ser seu centro.
A Plamed logo repassou a área, com a nova companhia
criando um loteamento, que viria a dar a cara atual a Penedo.
Nesse loteamento foram aproveitadas as antigas vias criadas
pelos finlandeses, além de novas que foram criadas. Essa nova
ocupação criou uma grande diferenciação em termos de
vegetação, como podemos ver em mapas atuais, com as partes
ocupadas por mais tempo pelos finlandeses apresentando maior
recobrimento vegetal do que a que foi loteada pela Cidade de
Férias Itatiaia. Dessa maneira, mesmo sendo um bairro de
Itatiaia, Penedo também é Parque Municipal Ecológico, devido às
suas características de preservação da natureza (FEIJÓ, 1999).
5.5 ANÁLISE DO PROJETO HABITACIONAL E DE SUA
IMPLANTAÇÃO
Como geralmente acontece em utopias que se pretendem
realizar, Uuskallio tinha um entendimento de que tudo podia ser
controlado com relação à vida das pessoas. A sociedade ideal
viria de uma vida natural, no sul, com alimentação vegetariana e
hábitos saudáveis, como banhos de rio, passeios e ginástica, mas
também viriam da distribuição dos espaços, não somente de
cultivo, mas também de moradia e convivência comunitária.
Para isso era importante seu Projeto Habitacional,
composto de 20 itens, onde aparecem diversos aspectos da
organização espacial proposta por Uuskallio para a colônia. A
descrição do Projeto aparece em livro de Alva Fagerlande,
“Fazenda Penedo: Uma Colônia Finlandesa no Brasil”
196
(FAGERLANDE, 1998a) e no livro de Melkas (1999), como
anexo
98
.
Inicialmente, aparece a descrição da divisão dos lotes, num
total de 250 unidades, e do tamanho de cada um, 14 hectares. O
Projeto indica ainda a divisão entre lotes de cultivo e de
habitação, além de lote de floresta. É importante salientar que é
comum ainda hoje na Finlândia existirem lotes de florestas, sem a
possibilidade de construção neles. A habitação está vinculada ao
cultivo, dentro de um mesmo lote. Outro item fala que os lotes
deveriam ser na parte dos vales e colinas, e não na serra, onde
estão as florestas. Fala ainda que por ser uma comunidade
vegetariana, não haveria a necessidade de cercas, pois não
haveria presença de animais.
O segundo item fala da questão da propriedade, citando a
presença da usina elétrica e dizendo que essa usina e demais
construções permaneceriam coletivas. Provavelmente seriam as
construções existentes da fazenda. Em outro item fala que os
recursos hídricos também permaneceriam coletivos, sendo seu
uso decidido em benefício de toda a coletividade, e mais adiante
fala que as máquinas e veículos serão de propriedade coletiva.
98
A tradução de Fagerlande foi feita diretamente de documento original
datilografado, de sua propriedade, e o documento de Melkas encontra-se em
arquivo na Finlândia, e trata-se de impresso da época. Os dois o praticamente
idênticos, com a troca da ordem de alguns itens e com o de Melkas com mais
um ítem, o vigésimo. Preferimos trabalhar com o impresso que se encontra na
Finlândia, por ter mais certeza de sua origem, e ser completo.
Um item importante era o do preço dos lotes, que aparece
em seguida, pois explica a situação de cada colono, pois alguns
vieram para a colônia tendo comprado seu lote com dinheiro, e
outros viriam para trabalhar, e assim adquirir suas terras. Em
outro trecho do documento aparece a vinculação dos lotes à
coletividade, pois fala que a administração da colônia terá
preferência na aquisição destes. Esse item serviu para
integrantes como Matti Toro comprarem suas terras, de acordo
com sua filha Irja Toro (apud FAGERLANDE, 1999b).
Novo item que fala das florestas menciona as decisões em
assembléia para assuntos comunitários, e de que o uso da
madeira seria coletivo, vindo de áreas comuns de florestas.
Dessa maneira, fica confusa a questão da propriedade das terras
de floresta, que nesse item 5 aparecem como coletivas. Não se
consegue precisar até que ponto esses lotes seriam
individualizados.
Em diversos trechos aparece a descrição de estradas e
pontes, e que os lotes melhores seriam aqueles junto às estradas
e rios. A preocupação com a infra-estrutura é bastante clara, pois
na Finlândia tinha-se como ponto importante do empreendimento
a facilidade de acesso à colônia. Essa seria uma das vantagens
da compra da Fazenda Penedo. Havia o cuidado de mostrar que,
mesmo ainda em execução, a fazenda contaria com facilidades
importantes para a vida dos finlandeses que ali se instalassem.
197
Ao falar da sede, menciona que esta deveria servir como
abrigo e casa de recepção, até a construção das casas. No
entanto, cita a dificuldade de se abrigar número além do possível,
advertindo para a vinda de pessoas sem aviso. Esta situação
ocorreu ao chegar a família Tammela, que não conseguiu se
abrigar na Casa Grande, tendo que ocupar temporariamente
espaço na olaria da fazenda. Essa era uma das maiores
preocupações de Uuskallio, e foi o que restringiu a chegada de
mais finlandeses no primeiro ano, quando havia grande
entusiasmo na Finlândia pelo projeto, mas ainda não existiam
moradias nem capacidade de alimentar grande número de
moradores (MELKAS, 1999).
A construção das casas consta do Projeto, onde é
mencionado como isso ser de responsabilidade da organização
da colônia. De fato, era interesse de Uuskallio ele mesmo dirigir
as construções, fazendo o projeto e indicando a localização da
casa de cada colono. Dessa maneira ele controlava a formação
da colônia, dentro de seus ideais e dentro de seu planejamento
econômico para a colônia. Ele poderia dar lotes melhores para os
principais financiadores do empreendimento, e os de mais difícil
localização aos que somente colaboravam com trabalho.
Outro item que chama a atenção é a preocupação com a
natureza e a poluição. O item 17 fala não ser possível presença
de instalações industriais, especialmente por conta de os dejetos
não poluírem os rios. Essa parece ser uma das preocupações
mais ligadas às questões da profunda ligação à natureza, sempre
expressa por Uuskallio. Seus textos mostram que ele queria
preservar as matas, fazer uma agricultura que não destruísse a
natureza, e voltada para o bem estar dos homens, especialmente
daqueles envolvidos no projeto. Seu plano era de que o homem
não precisasse de indústrias, somente atividades como
artesanato, diretamente ligadas ao ser humano e não à sociedade
industrial que para ele era a responsável pela ruína do mundo de
onde ele vinha.
Não existe nenhum desenho desse projeto habitacional que
se tenha notícia, em Penedo ou na Finlândia. As plantas mais
antigas que se tem notícia são de 1941, e existe também a
escritura do grupo Kaleva onde aparece descrição de números de
lotes, comprovando a existência de uma planta desse projeto.
É interessante observar alguns pontos que constam do
Projeto, como nos que ele fala dos lotes, de sua distribuição e
localização, das condições dos equipamentos coletivos, como
ruas, estradas, pontes, usinas de eletricidade, sede da fazenda e
outros equipamentos, e de que isso tudo deveria permanecer de
uso coletivo. Questões como o vegetarianismo transparece em
relação ao não cercamento das propriedades. Outro item
demonstra a importância das decisões coletivas, em algumas
questões que aparecem no plano.
A questão da ecologia e da preocupação com a natureza
aparece em relação às florestas e também com relação aos
198
efluentes de instalações industriais. O fato de a colônia ser
vegetariana aparece como justificativa para os lotes não serem
muito grandes, e que a ausência de animais libera os colonos da
construção de cercas, como um ônus a menos para seus
moradores. O texto fala que, caso se tenham animais domésticos,
cada um te que cuidar da guarda do animal, para não perturbar
os vizinhos.
Essas são questões iniciais, que no decorrer da história da
colônia foram sendo colocadas em prova, quando defrontadas
com a realidade e as dificuldades encontradas, mas demonstram
as intenções de se preservar a natureza, as florestas e rios, e
alguns itens são importantes para demonstrar a importância das
idéias de comunidade e vegetarianismo.
5.6 A MORFOLOGIA E A TIPOLOGIA URBANA: COMO
ERAM AS CONSTRUÇÕES DOS IMIGRANTES
A construção de casas na colônia estava prevista no Projeto
Habitacional de Uuskallio, pois dentro da idéia de uma sociedade
ideal, as casas eram partes importantes desse plano geral.
Uuskallio queria fazer as casas todas iguais, e logo no primeiro
ano da conia teve início a construção das seis primeiras
unidades (VALTONEN, 1998). O problema habitacional era um
entrave ao crescimento da colônia, pois não havendo instalações
para todos os que pretendiam morar em Penedo, não se poderia
receber mais imigrantes (MELKAS, 1999).
O projeto das casas, assim como tudo na colônia, seguia as
idéias de Toivo Uuskallio. Não se conhecem textos de suas idéias
a respeito da habitação das pessoas, somente a sua aplicação
prática, ao se analisar as casas, especialmente as que
sobreviveram mesmo bastante modificadas, e as que foram
bastante fotografadas e descritas.
A escolha dos imigrantes por Pennanen e Uuskallio incluia o
interesse em saber das habilidades em áreas como construção
de residências (MELKAS, 1999). Akseli Lehtola, de Tampere, que
tinha experiência com construção, foi o responsável pelos
desenhos das casas e pelas obras. (VALTONEN, 1998).
A contrução das casas foi planejada em conjunto, seis de
uma vez, mostrando a preocupação com a idéia de que todos
teriam construções semelhantes. Eram casas distribuídas dentro
dos lotes do Projeto Habitacional e, portanto, distantes umas das
outras. As casas construídas dentro do projeto inicial eram todas
bastante parecidas entre si. Tinham uma planta quadrada, ou
retangular, divididas em quatro partes. Na parte superior ainda
ficava outro cômodo, às vezes utilizado para guarda de material,
ou como residência de outras famílias, e as construções eram
feitas com tijolos de adobe e cobertas de telhas de zinco, sendo
as fundações construídas com pedras do rio. Mais tarde as telhas
passaram a ser substituídas por telhas de barro, do tipo
francesas.
199
Figura 87 - Ethel Bertell Fagerlund, Frans Fagerlund e Mats Bertel, na varanda da Casa de
Suni [1929 ou 1930].
Fonte: Álbum Ethel Bertell Fagerlund
Figura 88 - Casa de Asikianen, em construção. A parte à direita, ainda
de madeira, e a parte da direita, já em pedras do rio [194-].
Fonte: Álbum Asikainen
Para se construir as primeiras casas foi feita uma olaria, que
fornecia os tijolos para todas as casas, e as telhas de zinco eram
compradas em Resende, assim como a madeira para piso
(VALTONEN, 1998). O revestimento externo era bastante
simples, com pintura somente na cor branca, provavelmente com
caiação, sistema mais barato e tecnicamente simples.
Valtonen (1998) descreve a casa de Suni, a primeira
idealizada por Uuskallio, e modelo para as demais como uma
casa de forma quadrada, dividida em quatro partes iguais, com
varanda, cozinha, quarto e sala, todos interligados. Cada cômodo
tinha uma janela larga e baixa, e não havia armários embutidos,
nem forno, água corrente, esgoto ou banheiro, pois as pessoas
usavam o rio e a casinha próxima. A casa de Suni teve uma maior
preocupação com detalhes de arremates, como se percebe nas
fotos da época (Figura 87). Após a construção do primeiro
pavimento, foram feitos um sótão habitável e uma escada externa
200
para acesso. Isso aconteceu somente nessa casa, pois nas
demais as escadas eram internas. A varanda era arrematada com
um arco pleno para uma fachada e dois para a outra.
Após a construção da casa de Suni, foram feitas, no mesmo
período de 1929, as casas de Lehtola, a casa de Nurmi, a Casa
Branca e as fundações das casas de Kuusisto e Bertell. Os
projetos eram semelhantes ao de Suni, com algumas pequenas
diferenças.
Todas eram ou quadradas, com telhados em duas águas, e
marcação dos pilares externos nas fachadas. A partir da segunda
casa construída, a de Lehtola, elas passaram a ter dois
pavimentos, com escada interna.
A Casa Branca, terceira dessas casas, foi construída como
sede de uma associação. Ela tinha uma grande sala e cozinha no
pavimento térreo, e os quartos no pavimento superior, interligados
por escada interna, de madeira, em caracol. A planta desenhada
em 1969 mostra um banheiro no pavimento superior,
provavelmente acréscimo posterior à construção inicial (Plantas
01 e 02). Essa casa ainda existe bastante modificada, como parte
do atual Clube Finlândia. O seu uso aparece como sendo
destinado à Sociedade Sampo, mas não há registro de
moradores da casa durante um grande período, inclusive no
período utópico.
A construção de outras residências sofreu com as
dificuldades financeiras da colônia, e não foi posvel continuar o
processo de edificação de novas casas individuais como era
pensado inicialmente, inclusive como consta do Projeto
Habitacional, onde está escrito que as casas serão construídas
pela colônia, de maneira coletiva. As necessidades individuais de
habitação ultrapassaram a questão coletiva e dessa maneira
diversos moradores começaram a construir suas casas,
especialmente aqueles que eram casados, e não pretendiam
continuar morando em situação coletiva na sede da fazenda. Uma
das primeiras casas construídas fora do Projeto Habitacional, a
de Matti Toro, ainda seguiu a planta sica de Uuskallio, e foi
feita com tijolos de adobe, como prova a fotografia tirada por Alva
Fagerlande em 1996 (Figura 88), ao fazer levantamento da
construção antes de sua demolição. O levantamento mostra que
a casa sofreu modificações posteriores, com os usuais
acréscimos decorrentes das necessidades de seus moradores
durante sua existência. A planta básica, depois ampliada, seguia
o partido da planta da Casa de Suni, com quatro partes, sendo
uma varanda, uma sala, um quarto e a cozinha (Planta 03).
As casas seguintes foram sendo construídas então de
maneira mais precária, com uso de técnicas e materiais nativos.
Foram construídas casas de pau a pique, de bambu e de
madeira, todas elas bastante rudimentares e provisórias. Algumas
dessas casas, como foi o caso da de Asikainen, foi sendo
transformada, e durante anos ele foi construindo uma casa de
201
Plantas 01 e 02 - Planta Baixa Casa Branca Pav. Térreo e Pav. Superior /
Desenho realizado sobre levantamento feito por Alva Fagerlande em 1969.
Fonte: Coleção do autor
pedras de rio no lugar de sua primitiva casa de madeira (Figura
89).
Casas como a dos Reiman eram inicialmente de bambu, e
foram sendo modificadas durante sua ocupação, com a
construção de novos cômodos, especialmente a partir do
momento que virou pensão. Poucas casas tinham melhor nível de
construção, como a casa de Hieta, que teve acabamento de mais
qualidade, toda revestida de pedras, com varanda, e telhado com
quatro águas.
202
Figura 89 - Detalhe da parede, em tijolos de adobe, da Casa Toro. Foto de
Alva Fagerlande [1996].
Fonte: Coleção do autor
Planta 03- Planta e fachada da Casa Toro. Levantamento realizado por Alva e
Sergio Fagerlande [1996].
Fonte: Coleção do autor
203
A partir da venda da fazenda para a Plamed, as casas
passaram a ser construídas seguindo os métodos construtivos
mais usuais no Brasil. Ainda assim, com a experiência acumulada
na construção de casas em Penedo, alguns finlandeses
trabalharam com construção não somente em Penedo, mas em
toda a região.
Outro aspecto importante ligado à construção em Penedo
é o hábito da sauna. Tradicional banho finlandês, a primeira
sauna do Brasil foi construída em Penedo, junto ao rio e à antiga
sede da fazenda. A partir daí, diversos finlandeses construíram
saunas individuais em suas casas, isoladas do corpo principal da
casa, e perto do rio. Era usual o banho de rio após a sauna, como
se faz na Finlândia. Todos os hotéis e pensões de Penedo tinham
suas saunas, ajudando a difundir o hábito da sauna no Brasil.
Com o conhecimento da tecnologia de construção de fornos e de
saunas, alguns finlandeses tornaram essa atividade sua principal
ocupação, após o término da colônia utópica, passando a
construir saunas pela região e também no Rio e São Paulo.
204
Penedo foi o resultado de um projeto formulado em
momento de grandes transformações no urbanismo mundial,
numa época em que a industrialização e novos modelos de
cidades iam sendo desenvolvidos, e a idéia de criação da colônia
finlandesa parece ter ido em outra direção, não a da modernidade
como conhecemos, mas de caminhos que poderiam ser
chamados de alternativos. Não foi um espaço que privilegiasse a
indústria, ou os automóveis, mas a simplicidade e a vida natural
do campo.
Aparentemente ligada às experimentações da Cidade-
Jardim de Howard, de volta à natureza, a colônia vegetariana se
diferenciou desse modelo pela presença de um forte componente
religioso em sua formação. Nesse aspecto ela parece ter tido
maior relação com as experiências utópicas americanas, onde a
questão da livre escolha, no caso religiosa, era o mais importante.
Em Penedo a liberdade era, aparentemente, o ponto mais
importante do projeto, mas não somente de religião, mas também
de hábitos sociais. Apesar de muitos de seus habitantes
mencionarem essa liberdade nos primeiros momentos, em que o
trabalho não era obrigatório e não havia diferenças sociais, com
exemplos como a descrição de momentos de que todos se
alimentavam juntos, na mesma mesa de um refeitório comum, a
livre escolha poderia ser questionada ao se perceber a grande
força e o controle exercidos pela liderança de Toivo Uuskalio.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
205
Dessa maneira, mais uma vez, podemos perceber a
dificuldade de se implantar uma utopia real, com os problemas da
relação entre o controle e a liberdade de escolhas, como fala
Harvey (2000) ao se referir à possibilidade de se viver de maneira
livre, em situação semelhante.
A caracterização de Penedo como colônia vegetariana
refletiu não somente ideais de mudança de sociedade, da antiga
Europa rumo ao Novo Mundo nos tpicos, mas também de uma
tentativa milenarista de volta às origens humanas, alcançando
Deus através da vida natural. Resultado de uma conjunção de
pensamentos, incluindo a Igreja Livre de Skutnabbin, as idéias
vegetarianas e os tratamentos naturalistas, disseminados através
de Sanatórios como o de Kirvu e Suoniemi, além de outras
influências na Finlândia, foram importantes também os ideais de
Toivo Uuskallio, com relação à livre escolha, alimentação, a volta
à natureza e a uma vida nos trópicos.
Parece estar presente em Penedo a intenção de que se
mantivesse o ambiente natural, através da preservação dos rios,
das florestas e de atividades chamadas de naturais, como a
alimentação vegetariana, passeios pelas montanhas e os
tratamentos naturalistas, manifestadas no Projeto Habitacional e
seguidos pelos finlandeses.
A preocupação com a densidade urbana também mostra a
aplicação de idéias de Uuskallio, contrário às grandes cidades e a
tudo que se relacionasse ao ambiente “civilizado”. O homem
deveria morar e trabalhar em seu pedaço de chão, sem destruir a
natureza, e resolvendo seus problemas em conjunto com seus
iguais, em associações comunitárias. Essa era a liberdade
buscada por Uuskallio e seus pares, ao vir para o Brasil, que para
ele era um lugar de natureza grandiosa, com suas frutas e grãos
adequados para uma alimentação natural.
Ao se estudar a formação inicial de Penedo percebe-se que
vários de seus aspectos são relacionados à sua criação como
colônia utópica, vegetariana, naturalista e finlandesa. A idéia de
ser um lugar isolado, mesmo não sendo uma ilha nos mares do
sul, como Uuskallio certa vez pensou, nem estando em lugar tão
ermo como Liisa Uuskallio (1979) disse que ele imaginava sua
colônia, era certamente local bastante isolado na época. Isso
garantiria a liberdade individual, longe de preconceitos. Talvez
isso fosse relacionado às idéias de naturismo, no sentido de
nudismo, como existia em Kirvu, como vemos em fotos de época
que ficaram bastante escondidas em álbuns familiares por
décadas. Muitos relatos de Penedo mencionam a idéia do
nudismo na colônia, mas o preconceito de muitos, inclusive dos
vizinhos, que mesmo distantes poderiam prejudicar a convivência
dos finlandeses no Brasil, além da inclemência do sol tropical,
fizeram Uuskallio proibir essa prática.
Não se pode pensar em Penedo como um lugar semelhante
às demais colônias européias no Brasil. Seus habitantes eram
diferentes dos tradicionais imigrantes, pois muitos tinham
206
formação escolar, poucos sendo realmente agricultores, e a
motivação para participar do projeto era mais de cunho ideológico
do que de ordem econômica. Mesmo havendo os que buscavam
a fortuna, a grande maioria tinha um ideal, de vida comunitária e
natural.
Pode-se perceber que a implantação da colônia, tanto em
seu aspecto físico como em seus hábitos sociais e econômicos,
seguiu no início, as idéias de Uuskallio, que eram bastante
detalhadas, especialmente em relação aos hábitos alimentares e
de comportamento. Esse interesse em regrar a vida, em aparente
contradição com seus ideais de liberdade, parece ter ligação com
a maneira dos socialistas utópicos, especialmente Fourier, em
lidar com a sociedade. Mesmo sem se saber ao certo do
conhecimento de Uuskallio e seus companheiros a respeito
dessas experiências do século XIX, a presença de círculos
fourieristas na Rússia e o contato com Matti Kurikka, criador da
colônia de Sointula, no Canadá, que parece ter sido influenciado
pelas idéias de Fourier, mostra como os ideais que geraram
Penedo não estavam distantes do pensamento dos socialistas
utópicos.
O sentido de comunidade era muito importante em Penedo.
As decisões coletivas, além das atividades feitas em conjunto,
sempre foram partes importantes desse período da colônia. No
início as plantações eram comuns, como eram as benfeitorias e a
inf raestrutura construídas comunitariamente. Esse aspecto da
comunidade parece bastante ligado às idéias do Falanstério de
Fourier, seguindo o exemplo de outras experiências utópicas
finlandesas, como Sointula, no Canadá, onde também se
encontrava uma edificação para atividades comunitárias.
A influência dos socialistas utópicos sobre a criação das
chamadas colônias utópicas finlandesas parece ter sido
importante, e inclusive o nome da experiência canadense,
Sointula, significa harmonia em língua finlandesa, o mesmo nome
dado às experiências utópicas de Owen e Fourier. Mais tarde,
mesmo nos momentos de individualização das propriedades, as
soluções cooperativadas sustentaram Penedo, como a criação de
cooperativa dos produtores de ovos, que se tornou uma
agremiação de toda a colônia, demonstrando que havia um
histórico de decisões colegiadas, que se manteve, mesmo em
outro período.
O sentido de saúde e bem-estar, por estar próximo à
natureza era muito forte, e influenciou não somente a implantação
das casas, como a preservação e ampliação das áreas de floresta
encontradas inicialmente. Essa visão de que o homem deveria
estar sempre em contato com a natureza, preservando-a e
utilizando-a da melhor maneira possível certamente foi uma parte
importante das idéias de Uuskallio que se mantiveram na colônia,
mesmo em seu desenvolvimento como cidade.
O desenho urbano de Penedo mostra como havia uma
intenção de controle de território. A primeira via idealizada por
207
Uuskallio foi uma reta, forma emblemática de mostrar a direção, e
de ordenar a área. Mais uma vez, a intenção de controle, mesmo
com o discurso de liberdade, se impõe na forma urbana. Mesmo
depois, com a divisão provocada pelo Grupo Kaleva, a idéia da
reta permaneceu, e mais uma vez Uuskallio impôs suas idéias,
obrigando a se constituir de forma reta o novo caminho criado a
partir da escritura de divisão das terras.
Aparentemente a idéia dessa forma retilínea nunca foi
suficientemente explicada por Uuskallio, podendo ser entendida
como algo que pressupõe uma melhor organização espacial.
Como os lotes deveriam ser regulares, de formas retangulares e
iguais, isso seria facilitado com o estabelecimento de ruas
retilíneas, para uma melhor disposição desses lotes, lado a lado,
para facilitar a sua demarcação. Mas a idéia de Uuskallio de que
a reta deveria ligar a sede da fazenda, o antigo Casarão, à
estação de trem de Marechal Jardim, acesso primordial para
todos que chegassem, faz pensar também na questão simbólica
dessa marcação do acesso.
Na Finlândia, ao lado das antigas cidades com casas de
madeira, que tinham suas ruas tortuosas, de maneira mais
orgânica, algumas cidades, como Helsinki e Hamina, tinham ruas
com traçados retilíneos, aparentando uma maior organização das
cidades daquele país, que foi surgindo no século XVII e XIX.
Hamina, onde a forma radial faz todas as vias levarem a um
centro, pode ter sido uma influência sobre Uuskallio, pois se
tratava de cidade de sua região natal, junto à fronteira com a
Rússia. Assim, as experiências locais podem ter tido influência no
pensamento de Uuskallio sobre a forma urbana.
Apesar de Uuskallio ter prertendido estabelecer vias com
formas retas em Penedo, esse direcionamento na implantação de
vias e dos lotes foi dificultado pelo próprio relevo da fazenda e
pelo rio, que mesmo sendo considerado parte importante no
Projeto Habitacional, foi posto de lado quando se quis implantar a
malha viária. O rio sempre foi pensado para os tratamentos de
saúde e o abastecimento das residências e plantações, mas não
como direcionador das ruas projetadas. Essa idéia da reta parece
estar presente em diversos modelos de utopias urbanas, onde o
controle e organização espaciais são elementos fundamentais
dentro da cidade.
Ao se criar uma implantação não somente a partir de idéias,
mas tendo um terreno concreto para isso, Uuskallio teve que
considerar as demandas do sítio, e as estradas sinuosas,
especialmente a de Três Cachoeiras, refletem essas
necessidades de adaptação de suas idéias à realidade.
Ao se analisar a forma resultante, podemos verificar que
havia a intenção de ter um centro, como um Falanstério de
Fourier, que seria o antigo Casarão, e de onde partiria o grande
eixo focal da colônia, a reta projetada e que hoje é, em parte, o
principal eixo de Penedo. A impossibilidade de se implantar esse
modelo fez surgir um traçado urbano muito mais flevel, e de
208
acordo com a natureza do local, acompanhando o rio e os
morros.
Um dos itens mais importantes para o estudo da colônia
foram suas residências, não somente pela implantação, mas pelo
modelo construtivo. A idéia de uma casa padrão, como
demonstram as seis primeiras residências projetadas, sugere
mais um dos princípios da utopia igualitária. Todos seriam iguais,
assim como suas casas. Provavelmente a Casa Suni, a primeira a
ser edificada, seria o protótipo da casa ideal para Uuskallio, e sua
planta refletiria a forma perfeita para ele, o quadrado. A planta
quadrada com as quatro partes iguais nos parece uma forma
simbólica, não somente pela igualdade, como pela possibilidade
de reprodução do modelo. Dessa maneira, poderiam ser feitas
casas iguais para todos na colônia, dentro do conceito de
igualdade entre os homens.
A idéia de ter controle sobre as construções remete mais
uma vez às idéias dos socialistas upicos, como Fourier e Owen.
Em suas cidades ideais também aparecem descrições de como
deveriam ser as habitações, inclusive no livro de More (2001),
com descrições precisas das habitações nas cidades da ilha de
Utopia.
A implantação das casas não foi feita de maneira rígida,
mas ainda assim havia certa preocupação com uma distribuição
espacial organizada, pois a posição das casas seguiu sempre a
localização próxima do rio, por questões de agricultura e acesso à
água para as moradias. Apesar de não se ter conhecimento mais
exato de como foram escolhidos os locais das primeiras casas,
Uuskallio foi o responsável pela escoha dos que teriam as
primeiras residências, e também era ele quem escolhia os
terrenos para essas construções. De qualquer maneira, não foi
possível seguir as idéias iniciais de implantação urbana do
Projeto Habitacional de Toivo Uuskallio, pois o processo de
edificação das residências foi interrompido na construção da
quarta casa, e as demais acabaram sendo construídas de
maneira mais espontânea, acompanhando a necessidade dos
habitantes da colônia.
Mais uma vez a utopia teve que se render à realidade, e as
condições econômicas prevaleceram. Não se podia mais construir
da maneira sonhada, mas sim como foi possível, com adaptações
e observando a própria tradição brasileira tradicional de se
construir, com pau a pique, muitas vezes até com bambu. O
resultado foi a construção de casas muito simples, mas que
permitiram que os primeiros habitantes estabelecessem a
ocupação sobre seus lotes, e muitas vezes iniciassem atividades
que seriam importantes para a colônia, como foi o caso da casa
dos Reiman, que se tornaria um dos primeiros locais a receber
hóspedes em Penedo, e que se tornaria um hotel existente até os
dias de hoje.
A opção por uma alimentação vegetariana pressupôs a falta
de barreiras entre os terrenos, como o próprio Uuskallio
209
determinava no Projeto Habitacional, dizendo que como não
haveria animais, não se necessitava de cercas. Isso também
induziu simbolicamente à falta de divisões numa comunidade,
onde todos deveriam tomar decisões de maneira coletiva. Assim
mais uma vez fica demonstrada a influência das idéias utópicas e
vegetarianas sobre a forma urbana a ser implantada.
Com relação às terras, a previsão inicial de se manter a
floresta foi fundamental para a preservação da natureza, além do
grande trabalho feito pelos finlandeses plantando pomares,
resultando numa paisagem totalmente diferente da encontrada
em 1929, quando os campos nus eram a única paisagem
existente. A proporção de 2 hectares de terra ocupada com as
casas e plantações para as 12 de terras a serem mantidas com
florestas, para cada família, era um sinal bastante forte da
intenção ecológica de Uuskallio.
Assim a antiga fazenda arruinada de ca e gado
transformou-se, mesmo sendo cidade, em Parque Municipal
Ecológico. Essa marca dos finlandeses, de manter a floresta e de
refazer as áreas que tinham sido devastadas tanto na época do
plantio de café quanto na da criação de gado, ajudaram a fazer
de Penedo um destino turístico. Colaboraram não somente a
manter essa vegetação como a criar uma imagem de lugar de
natureza.
Essa visão ecológica de uma comunidade onde a natureza
e a floresta eram tão importantes parece ter sido algo novo, e
talvez tenha sido uma das maiores heranças deixadas após o
final da colônia utópica. A ecologia para os finlandeses era algo
bastante presente, pois a preservação de suas terras e águas
eram fatores determinantes para a sobrevivência em sua terra
natal, um país onde a vida era extremamente dificultada pelas
condições climáticas tão adversas. Em Penedo, ao lado dessa
tradição de respeito à natureza, os pioneiros tinham a questão
religiosa como outro componente nessa questão da ecologia.
Como o projeto era de estar junto a Deus vivendo junto à
natureza, preservá-la seria a melhor maneira de manter essa
relação com Deus, que para eles estava nas coisas da Terra.
Por seu projeto inicial, Penedo deveria ser um lugar de
cultivo e natureza. A utopia, prevista por Uuskallio e seus
companheiros, pretendia ser um paraíso nos tpicos. Para isso,
deveria se seguir uma alimentação natural, ter a natureza
preservada e o trabalho da colônia deveria ser voltado para isso.
A idéia prevista no Projeto Habitacional era evitar as fábricas
poluentes, como de fato foram evitadas, e ter atividades não
poluidoras.
Entre essas atividades estava certamente a idéia do grupo
do Sanatório de Kirvu, com Maalin Bergström a frente, que
tencionava fazer em Penedo um spa naturalista, para o
estabelecimento dos tratamentos naturalistas, da mesma maneira
como eram aplicados na Finlândia. Isso não foi conseguido à
época, mas de certa forma veio a ser tentado com a
210
hospedagem, iniciada ainda no período utópico, e que hoje em
dia está presente, pelos diversos locais que oferecem serviços
semelhantes, como spas e um turismo voltado para a
contemplação da natureza. Para isso existe grande quantidade de
pequenos hotéis e pousadas, que mantem a estrutura de casas
isoladas, como era o projeto inicial de Penedo, com as
construções distantes umas das outras. Além disso, a sauna,
elemento importante nesses tratamentos naturais, e trazida para
o Brasil pelos finlandeses de Penedo, teve seu uso disseminado,
e deixou de ser apenas mais um hábito coletivo dos finlandeses,
passando a estar presente em casas, clubes e academias de todo
o país.
A imagem de paraíso ecológico, presente desde a colônia
utópica, continua existindo no imaginário do local, e as atividades
culturais dos finlandeses ajudaram a criar os atuais atrativos
turísticos, como o artesanato, restaurantes, bailes do Clube
Finlândia e danças típicas, mantendo a imagem da presença
finlandesa.
Uma utopia deveria ser um espaço de liberdade de idéias,
pelo menos no entender de Uuskallio. A influência dessa
liberdade na formação urbana de Penedo pode ser verificada ao
se perceber que, apesar de terem um vinculo religioso, num
sentido mais amplo e filosófico, não fazia parte do plano urbano
de Penedo a construção de templos. Dessa maneira, com os
cultos sendo feitos em locais de encontros comunitários,
inicialmente no Casarão sede da fazenda, e depois no Clube
Finlândia, se mantinha a idéia de liberdade, onde cada um
poderia ter sua própria religião, ou mesmo nenhuma. Havia uma
ênfase na implantação de uma sociedade vegetariana, que
inclusive fazia parte das questões colocadas no Projeto
Habitacional, mas com respeito às convicções individuais, com
amplos debates sobre todos os assuntos, inclusive sobre religião
e questões filosóficas. Somente assuntos como a alimentação
vegetariana radical e o absenteísmo eram inicialmente pontos
indiscutíveis do projeto de Penedo, mas que com o tempo foram
se relativizando.
Com relação à propriedade da terra, no caso de Penedo,
efetivamente houve a propriedade comunitária da fazenda entre
os anos de 1929 e 1942. As casas também começaram a ser
construídas para cada uma das falias dos participantes, mas
seu uso era sempre com um sentido de coletividade. Assim,
quando alguma casa ficava desocupada por motivo de viagem do
morador, fato comum devido ao hábito comum de as pessoas
voltarem para a Finlândia por períodos longos, outros colonos
eram autorizados a habitarem a casa vazia.
Parecia natural a utilização de casas disponíveis por
pessoas neessitadas. Essa convivência coletiva era usual, pois
ao chegar a Penedo as pessoas moravam durante bastante
tempo na Casa Grande, antiga sede da fazenda. Ali eram
realizadas as atividades sociais, refeições, comemorações e
211
festas, como se fosse um grande Falanstério. Até mesmo as
atividades econômicas estavam centradas na sede da fazenda.
Realmente, a idéia de um grande Falanstério, com um “palácio“
central cercado de residências de camponeses é uma imagem
que parece se aplicar no caso de Penedo.
O desenvolvimento de Penedo em seus primeiros anos,
como uma conia utópica, criou um local onde a implantação
urbana, com as casas isoladas, árvores plantadas entre elas, e
certa descentralização das atividades foi mantida durante algum
tempo, e serviu como base para a estrutura atual, apesar de estar
muito longe da utopia procurada por Uuskallio e seus pioneiros. O
traçado atual, mesmo mantendo a grande reta idealizada por
Uuskallio, foi bastante modificado pelos loteamentos por que
Penedo passou depois de 1942.
A utopia é algo que não existe na realidade, pelo menos é
essa a idéia principal do termo criado por More. Mas é também a
possibilidade de existir esse lugar, inicialmente em sonhos e
depois, num futuro a ser construído. Penedo parece se encaixar
nessa descrição, pois partiu de um sonho, de vida comunitária, de
criação de uma nova sociedade nos trópicos, e acabou sendo um
lugar onde, apesar do fracasso desse sonho inicial, os
finlandeses utópicos conseguiram deixar sua marca. O respeito à
natureza, de um melhor convívio com ela, e de como a sociedade
pode ter novas perspectivas de vida com essa natureza, de
maneira mais harmônica e sensível, certamente aconteceu em
Penedo durante seu período utópico. Abriram com seu esforço e
trabalho um caminho que pode ser seguido pelas novas
gerações, com o desenvolvimento do turismo e a tentativa de
preservação da natureza.
O crescimento de Penedo, com a vinda cada vez maior de
novos brasileiros que quiseram viver em um ambiente mais
natural longe das grandes cidades, contém a marca inicial do
sonho dos antigos imigrantes. Essa história, conhecida por
poucos, merece ser mais divulgada, em um país onde os sonhos
parecem ser cada vez mais desprezados. Assim sugerem
diversos autores, como Harvey (2000), Reps (1980) e Sorkin
(1992), entre outros, que as utopias deveriam ser cada vez mais
pensadas como instrumentos para abrir caminhos a novas
alternativas para as cidades, em um mundo que se torna cada
vez menos voltado para o bem-estar das pessoas.
212
AICHINGER, T. (org). 50 anos de Penedo: a Colônia Finlandesa
1929-1979. Gfica Escola Profissional Lar dos Meninos:
Penedo, 1979.
AMPULA, E. Memórias. Fortaleza, mimeo, 1997.
ARANY, T. A menina que veio do gelo. Mimeo, 1996.
ASPLUND, A. e METTOMÄKI, S. Kalevala: a epopéia nacional
da Finlândia. Helsinki: Associação da Literatura Finlandesa e
Associação Kalevala, 1998.
BALTZER, E.. Kasvis-Keittökirja: Luonnolisen elintavan ystäville.
(Livro de receitas para vegetarianos - Para os amigos do modo de
vida natural). Reformulado por LENTZE, K. e traduzido por Anna
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221
8.1 ANEXO1 / O PROJETO HABITACIONAL DE PENEDO
8.1 ANEXO / O PROJETO HABITACIONAL
Fagerlande (1998a) incluiu sua tradução de documento
original datilografado sobre papel quadriculado, encontrado em
arquivos pessoais, nele faltando um item (o projeto traduzido por
Fagerlande tem 19 itens) em relação ao Projeto Habitacional que
aparece no livro de Melkas (MELKAS, 1999), onde o presente
documento aparece como existente no arquivo do Instituto de
História da Imigração da Universidade de Turku (TYYH).
O PROJETO HABITACIONAL
01 A propriedade será dividida em duzentos e cinqüenta lotes,
cada um com 14 hectares, de forma que o lote de cultivo e o de
habitação tenha a área de 02 hectares, cabendo a cada lote a
parcela de 12 hectares na serra e nos morros.
02 A usina elétrica e as construções permanecem como
propriedade comum.
03 O preço dio de cada lote será de 10.000,00 marcos
finlandeses, ou seja, 10,00 marcos finlandeses por hectare,
variando de 6.000,00 a 30.000,00 marcos finlandeses. Conforme
o valor e a situação de cada um. A este preço acresce os juros
pagos para a compra da propriedade, contados do dia que foi
comprada a propriedade, até o dia em que ocorrer a compra do
8. ANEXOS
222
lote; sendo que o preço corresponde apenas ao terreno, sem
construções individuais e plantações. As que existirem em algum
lote ou as que forem feitas a pedido do comprador, serão
cobradas em separado, conforme seu valor.
04 Os recursos hídricos encontrados na propriedade ficam para
o uso comum, e serão utilizados para o bem da comunidade.
Conforme as necessidades e possibilidades.
05 Quanto à madeira da floresta comum, lotes residenciais, ou
outros valores, cabe o seu gozo todos os residentes, ou se
dividindo entre eles ou se utilizando em obras de estradas,
pontes, instalações elétricas, instalações de água, de maneira
geral em instalações e construções comunitárias, conforme
decidido em assembléia.
06 Todos os lotes residenciais serão localizados à beira de
estradas para automóveis pelas quais possam chegar às vias
públicas.
07 São mais caros os lotes à beira do rio, perto do centro
habitacional, e os que pela natureza são mais belos e têm solo
melhor. Preços menores têm os lotes insignificantes, que no
entanto sirvam seu propósito.
08 Os lotes podem ser adquiridos com dinheiro ou com
trabalho, que é feito em trabalhos comunitários na sede, que
fornece aos trabalhadores pensão completa vegetariana e
alojamento. A obtenção de um lote com trabalho dura em média
um ano e meio, dependendo o prazo das condições do
trabalhador e sua habilitação profissional e também do valor do
lote.
09 O lote ou quota de terreno adquirido com dinheiro ou
trabalho gozará de todas as prerrogativas e vantagens para efeito
de direito de sucessão.
10 Se alguém desejar vender sua quota de terreno, a
administração terá preferência ma compra, ao preço ofertado por
estranhos ou na falta deles, conforme acertado.
11 Se alguém que se propôs a adquirir uma quota de terreno
com seu trabalho desistir, será pago a ele por seu trabalho o valor
combinado em cada caso.
12 A Sede funciona como casa de recepção e abrigo
temporário para que os que contratarem a aquisição de lotes,
dando-lhes o apoio necessário até que possam construir suas
próprias casas em seus terrenos.
223
13 Aos que cheguem sem serem convidados será dado abrigo
conforme as possibilidades, que são no entanto limitadas. Por
isso ninguém deve sair de seu local de origem para se instalar
aqui, sem ter combinado de antemão a sua vinda, de modo a não
causar perturbação na ordem e evitar decepções.
14 As máquinas e os veículos de passeio e carga serão de uso
da comunidade, podendo, conforme as necessidades e
possibilidades serem utilizados particularmente.
15 A propriedade executa para os que necessitam serviços de
construção, adquire por meio de compras conjuntas mudas e
sementes para o estabelecimento de plantações.
16 A divisão e habitação da propriedade se baseia em
alimentação vegetariana, o que libera da necessidade de possuir
grandes áreas de terra, do ônus de construir cercas e
dependências, desnecessárias para os que não tem animais
domésticos. Presume-se que os adquirentes de lotes conhecem e
adotam a alimentação vegetariana. Se no entanto algum
habitante queira manter para si algum animal doméstico, terá que
cuidar para que não incomode as propriedades dos vizinhos.
17 Instalações industriais, cujos efluentes poluam as águas do
rio, de uso comum, não poderão ser instaladas nos lotes
individuais.
18 Na divisão dos lotes habitáveis da propriedade pesou
significativamente o fato que a floresta da propriedade se localiza
na serra, à qual se liga uma área de vale e colinas, antigamente
cultivada, e que foi parcelada em lotes habitáveis, que para
serem todos contíguos à floresta teriam que ser
desproporcionalmente grandes.
19 Conforme forem requeridos lotes avulsos sem a cota da
floresta, ou embaixo no vale, ou no alto, nas montanhas, eles
serão vendidos maiores ou menores, com as restrições
anteriormente mencionadas e com a condição de que seja
preservada a parte acordada com os compradores dos lotes
mencionados no § I da área florestal comum.
20 Estes itens relacionados constituem um projeto, ao qual o
crescimento habitacional poderá exigir algumas mudanças e
acréscimos, mas cujos princípios procuraremos manter
inalteráveis.
224
8.2 ANEXO 2 / O FORMULÁRIO DE PENNANEN
Questionário feito pelo Pastor H.D. Pennanen e Prof. Antii J.
Pietilän, e que consta do livro de Pennanen sobre a colônia
(PENNANEN, 1929). Tradução feita por Alva Fagerlande (1998a).
Original aparece em livro de Pennanen e também no livro de
Melkas (1999).
PERGUNTAS
que amavelmente pedimos a todos que pretendem ir a Penedo
responder.
1 Nome completo, importância e edndereço do candidato?
2 Data e local de nascimento?
3 Em que paróquia ou registro civil?
4 Lingua materna? Que línguas estrangeiras fala?
5 Nacionalidade e naturalidade?
6 Religião? O que pensa da religião em geral? Pertence a
que paróquia ou comunidade diferente?
7 Habilidade de ler e escrever. Produção literária?
8 Estudos? Freqüentou quais escolas, educandários e
cursos?Quais os estudos realizados?
9 Fez o serviço militar? O que achou da vida no exército?
Com que graduação ou patente saiu?
10 Qual o seu conceito sobre a tria e as obrigações a ela
relativas?
11 Como poderá melhor ser salva a pátria das ameaças
éticas e econômicas, internas e externas que a ameaçam?
12 Trabalhou em que profissões e cargos?
13 Local de trabalho ou de atividade atual?
14 Relações familiares? Nomes completos de esposa e filhos,
datas e locais de nascimento?
15 Estado de saúde atual?
16 sofreu alguma doença? Quais?
17 Quanto tempo se absteve de álcool, fumo e café?
18 Acha que pode constinuar abstêmio em relação aos
mencionados e outros estimulantes?
19 Há quanto tempo é vegetariano? Porque?
20 Acha que pode viver com a alimentação vegetariana
saudável?
21 Participou de que movimentos cívicos abstêmios e
cristãos?
22 Pertence ou pertenceu a que associações?
23 Tem participado ativamente da nobre batalha do povo
finlandês a favor da abstenção, da saúde e da moralidade? De
que maneira?
24 Conhece o movimento escoteiro? Já participou dele?
25 Pratica a ginástica e o esporte? Quais os resultados?
26 Pertence a algum grupo de canto ou instrumental? Canta
em que naipe? Qual o instrumento que toca?
225
27 De que forma participou da vida comunitária, municipal e
estadual? Qual o seu partido atual?
28 Acha possível vida em comum em que não sejam levadas
em consideração rixas de língua ou de partido, níveis sociais ou
brigas sectárias entre as diversas denominações religiosas?
29 Conhece as obras de Toivo Uuskallio? Quais?
30 O que poensa delas?
31 Conhece Toivo Uuskallio em pessoa?
32 foi estagiário em Toimela ou companheiro de trabalho
de Toivo Uuskallio de outra forma?
33 Porque deseja trabalhar com ele?
34 Quanto tempo foi assinante de Työkansa?
35 O que acha de seus artigos?
36 Divulgou os já mencionados livros e jornais? Quanto?
37 De que forma se associou ao projeto Penedo?
38 Quanto dinheiro investiu na sua compra?
39 Em que condições?
40 Você investiria agora, ou mais tarde, recursos para
construção e trabalhos de plantio para a compra das fazendas
vizinhas? Quando e com que condições?
41 Dados sobre a condição econômica do candidato?
42 Quando gostaria de se mudar para Penedo?
43 Porque iria para lá?
44 Gostaria de viajar com passaporte coletivo ou adquiriu
seu passaporte individual?
45 Gostaria de ser liberado da vacinação, que é obrigatória
pelas leis em vigor no Brasil?
46 Está familiarizado com os métodos de tratamentos
naturais, jejum tratamento pela água, etc.?
47 Você viajaria na III classem onde à nossa disposição estão
das melhores e bem lipas cabines de 2-4-6 pessoas, ou gostaria
de viajar em classe mais alta?
48 Gostaria, no navio, de utilizar alimentação vegetariana ou
carnívora? Se vegetariana de que espécie? Ou gostaria se levar
sua própria alimentação?
49 esteve no exterior? Quando, onde e por quanto tempo?
Foi incomodado pela saudade de casa?
50 Está acostumado a viajar?
51 Acha que poderá suportar valentemente e com alegria lá
no longínquo Sul a saudade da pátria e talvez outro sobstáculos e
carências dos primeiros tempos?
52 Está muito sujeito a enjôo no mar e doenças com febre?
53 Contenta-se a morar em Penedo, agora no início, nas
futuras habitações coletivas, até que as residências individuais
possam ser construídas?
54 Tem condições para o trabalho braçal de plantio,
construção e dos trabalhos da comunidade que o esperam?
55 Que outras tarefas teria condições de fazer?
56 Iria sozinho? Quais os parentes e conhecidos o
acompanham?
226
57 depositou na conta do Kansallis-Osake Pankki pelo
menos 5.000 marcos par ao preço da passagem e a entrada do
preço do lote? Se inda não, quando o poderá fazer?
58 Cantinuará como amigo e trabaçhador pró Penedo mesmo
na hipótese que não possa viajar no primeiro ou mesmo no
segundo grupo?
59 Tem propósit sério de daque para diante, de qualquer
maneira. Pesquisar, praticar e divulgar uma vida simples com
hábitos de vida saudáveis?
60 De que maneira gostaria de começar a trabalhar pela
construção de Penedo e pela realização de sua meta de uma vida
saudável?
61 Que projetos e proposições teria para apersentar em
relação ao trabalho na Finlândia?
62 De que forma podíamos melhor trabalhar em prol das
crianças, dos fracos, dos doentes, dos velhos e orpimidos e lhes
obter melhores condições de vida?
63 Gostaria que o nosso porta-voz e nosso laço de união, o
Työkansa, aparecesse com mais freqüência? O que gostaria a
esse respeito?
64 Quando gostaria que os parentes que aqui ficam
pudessem viajar para encontrá-lo em Penedo?
65 Quando gostaria de fazer uma viagem de visita a Penedo,
daquelas que muitos já planejaram?
66 Teria vontade e condões de agora depositar, para os
juros, 30.000 marcos na conta do KOPankki, ganhando com isso
uma viagem ,grátis de ida e volta em I ou II classe até Penedo,
tendo 3 meses de estadia no Sanatório a ser construído, cujas
negociações já estão em andamento?
67 Quando gostaria de poder fazer uma viagem de ida e volta
de Penedo à Finlândia se for possível organizá-la com boas
condições?
68 Outros dados que possam influir no assunto?
69 Como novos amigos recentemente em muinhas viagens
me apresentaram pessoalmente seus desejos, peço mencionar
em eu ocasião isso aconteceu?
70 Garantia da veracidade dos dados.
71 Data e assinatura.
As respostas a estas perguntas seo escritas a tinta sobre
papel ofício com quadriculado em azul, numerando-as na ordem
em que as pergunta foram feitas. Se não houver resposta a
alguma pergunta, marca-se o número e traça-se uma linha no
lugar. Cada um que as informações, escreve no final uma
declaração de que elas são inteiramente verdadeiras e corretas,
registrando-se em seguida local e data onde as forneceu e
confirmando tudo com sua assinatura.
As respostas devem ser acompanhadas por uma fotografia a
mais recente possível e de uma recomendação de algum amigo
227
de Penedo, ou de algum cidadão de confiança, devendo a
recomendação tornar claro que o candidato é adequado para se
mudar Penedo. Se uma recomendação ainda puder ter várias
assinaturas, tanto melhor. Os amigos de Penedo a cujas
recomendações é dado um grande valor são a Senhora Maalin
Brgström e o chefe do escritório Adolf Wolzenburg de Kirvu, o
relojoeiro Toivo E. Louhimo de Viipuri, o jardineiro Matti Mikkonen
de Leinaj6arvi, jardineiro Niilo uuskallio d antrea, diretor Kalle
Vidgren de Lahti, snehora Siiri Manninen e professor Jalmari
Kauppala de Helsinki (o endereço da primeira é Vallila,
Pakkankatu 28 B.31 e do último Etelä-Hesperiankatu 28, porras
A), professor August Kuusisto de Turku (Sairashuonenk. 24),
agricultor Alfred Lalla de Kodjala em Laitila e diretor-professor I A
Suova da paróquia de Laitila ourives Väinö Nurmi e chefe de
estação Eino Valtonen de Pori, diretora Rauha Lukkala de
Suoniemi, adminitrador Heikki Vartiainen de Tampere e senhora
Tyyni Pennanen de Orivesi.
Com tais cidadãos de confiança, cujas recomendações
representam muito trabalho na seleção, pensamos principalmente
no movimento operário cristão, seu movimento jovem, assim
como pessoas de confiança da S.V.Y., padres e professores de
associações, presidentes de comissões de temperança, de
trabalhadores, pessoas de confiança dos municípios e do
governo, funcionários da polícia, médicos e outros a quem
possamos recorrer em localidades em que não haja funcionários
nem amigos de Penedo.
As respostas com fotografias e recomendações
remeteremos o mais cedo possível para Orivesi, e as
examinaremos na ordem em que forem chegando. Seria bom a
anexar selos de corrio tendo a possibilidade de informações
adicionais.
Por último, peço desculpas por termos sido obrigados a
fazer tão grande número de perguntas. Mas não temos outro
meio a nosso dispor para cumprirmos o mais rapidamente
possível a difícil e delecada tarefa que agora temos a difícil tarefa
que agora temos à nossa frente, agora que temos de escolher da
grande multidão com mais de centenas, os primeiros que partirão
para Penedo. Aqueles candidatos que não possam ser incluídos
no primeiro grupo, apesar de terem suas respostas aprovadas,
tem a preferência à admissão ao segundo grupo, que também
partirá tão logo seja possível, dependendo apenas dos
alojamentos.
No mais, ao que se refere às respostas, serão elas
guardadas, permanecerão em sigilo, conhecido o seu conteúdo
apenas pela comissão de exame e os próprios candidatos, pelo
que cada um pode confiantemente informar os seus dados
pessoais, de sua vida e de suas opiniões que agora necessitamos
e pedimos. Nenhuma pergunta é feita sem propósito e sem
madura reflexão.
228
Orando ardentemente pela bênção de Deus aos nossos
trabalhos, envio minhas cordiais saudações a todos.
H.D.Penannen.
8.3 REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS
8.3.1 FOTOGRAFIAS
01 Álbum Armas Parno 01 - Coleção de Marja Parno
02 Álbum Armas Parno 02 – Coleção de Marja Parno
Armas Parno (antes chamado de Frans Armas Fagerlund) foi um
dos primeiros a chegar à Fazenda Penedo, vindo ao Brasil com
Uuskaallio em 1927.
03 Álbum Asikainen – Coleção do autor
04 Álbum Ethel Bertell Fagerlund – Coleção do autor
05 Álbum Jaakko Jämsä – Coleção do autor
06 Álbum Siiri Silfver Jämsä Bertell – Coleção do autor
07 Álbum Katri Bertell – Coleção do autor
Toivo Armas Asikainen Ethel Bertell Fagerlund, Jaakko Jämsa,
Siiri Silfver Jämsä Bertell e Katri Bertell foram pioneiras da
colônia.
08 Álbum Martti Aaltonen 01 – Coleção do autor
09 Álbum Martti Aaltonen 02 – Coleção do autor
10 Álbum Martti Aaltonen 03 – Coleção do autor
Martti Aaltonen era fotógrafo profissional, e chegou ao Brasil nos
anos 1940.
8.3.2 PLANTAS
01 Planta Baixa Casa Branca Pav. Térreo e Pav. Superior /
Desenho realizado pelo autor sobre levantamento feito por Alva
Fagerlande em 1969. Coleção do autor
02 Planta e fachada da Casa Toro. Levantamento realizado por
Alva e Sergio Fagerlande, em 1996. Coleção do autor
8.3.3 MAPAS
01 Planta Parcial da Fazenda Penedo - Propriedade de Diversos,
Município de Rezende Dist. - Estado do Rio, 1941, Escala
1:5.000
Cópia em papel, com original datado de 21 de outubro de 1941,
feito por José Garcia da Silveira - eng° civil, feito em Rezende.
Marca área de 348,58 hectares, de parte inferior da fazenda, até
terreno Toro, mostrando limites com terreno Toivo Uuskallio
(antes Fazenda Penedo), Sebastião Américo Siqueira, Custódio,
Antônio Bento, João Barbosa da Silva.
Aparecem lotes de Toivo Asikainen, Jaakko Jämsä, Eino Brusi,
Lotes demarcados acima Jaakko msä, Matti Toro. Aparece
229
marcada estrada de rodagem, em terrenos da Plamed, caminho
(atual Av das Mangueiras), caminho (atual Av Casa das Pedras),
caminho (atual Rua Harri Bertell), parte auatl estrada Três
Cachoeiras, estrada Matti Toro.
Aparece marcado à lápis, por Alva Fagerlande, lotes da atual Av
Casa das Pedras, o n°19, n°20 de Toivo Asikainen, n°21 e 22 de
Niilo Valtonen, n° 23 de Jaakko Jamsä.Aparecem lotes no fundo
Rua Harri bertell, de jaakko Jämsä, e n° 140 e 143.
Papel anexo assinado por José Garcia Silveira fala de área
desmembrada, de131 hectares.
02 Planta Parcial da Fazenda Penedo - Propriedade de Diversos,
Município de Rezende Dist. - Estado do Rio, 1941, Escala
1:5.000
Cópia em papel, com original datado de 21 de outubro de
1941, feito por José Garcia da Silveira- eng° civil, feito em
Rezende.
Marca área de 348,58 hectares, de parte inferior da fazenda, até
terreno Toro, mostrando limites com terreno Toivo Uuskallio
(antes Fazenda Penedo), Sebastião Américo Siqueira, Custódio,
Antônio Bento, João Barbosa da Silva
Aparecem lotes de Toivo Asikainen, Jaakko Jämsä, Eino Brusi,
Lotes demarcados acima Jaakko msä, Matti Toro. Aparece
marcada estrada de rodagem, em terrenos da Plamed, caminho
(atual Av das Mangueiras), caminho (atual Av Casa das Pedras),
caminho (atual Rua Harri Bertell), parte atual estrada Três
Cachoeiras, estrada Matti Toro.
Aparece marcado à pis, por Alva Fagerlande, lote de Savón,
Toivo Asikainen, Niilo Valtonen, e de Jaakko Jamsä.
Cópia com texto de Fayal:
Da verificação efetuada nas terras da Fazenda Penedo, de
propriedade do Sr Toivo Uuskallio e outros, na qual fui designado
pelo Ministério da Agricultura, como assistente, certifico, para os
devidos fins, a exatidão da presente planta
Rio, 8 de outubro de 1947, Antônio E. Fayal, eng° carteira 407-D
da 5° região do CREA”
03 Planta Parcial da Fazenda Penedo - Propriedade de
Diversos,Município de Rezende Dist. - Estado do Rio, 1942,
Escala 1:5.000
Desenho em papel vegetal de 16/06/42, feito por José Garcia da
Silveira - eng° civil, feito em Rezende.
230
Marca área de 298 hectares, de parte superior da fazenda, acima
terreno Toro, mostrando limites com Fazenda do Penedo (depois
Plamed), Sebastião Américo Siqueira, Mário Rodrigues Pontes,
Francisco Maurício da Fonseca, Herdeiros de Belisario Vitalino
Correia Jr.
Marca estrada de Três cachoeiras até quase rio (Palmital?), e
estrada Casa Mati Toro
04 Planta da Fazenda Penedo - Propriedade de Toivo Uuskallio,
Município de Rezende Dist. - Estado do Rio, 1947, Escala
1:5.000
Desenho em vegetal, (falta trecho onde normalmente aparece a
assinatura do responsável pela execução da planta, talvez José
Garcia da Silveira) com texto de Fayal:
Da verificação efetuada nas terras da Fazenda Penedo, de
propriedade do Sr Toivo Uuskallio e outros, na qual fui designado
pelo Ministério da Agricultura, como assistente, certifico, para os
devidos fins, a exatidão da presente planta
Rio, 8 de outubro de 1947, Antônio E. Fayal, eng° carteira 407-D
da 5° região do CREA”
Marca área de 646,69 hectares, e aparece no desenho a
totalidade da Fazenda Penedo, as divisas com a Plamed,
Francisco Maurício da Fonseca, Herdeiros de Belisario Vitalino
Correia Jr., Mário Rodrigues Pontes Sebastião Américo Siqueira,
Sebastião Custódio, Antônio Bento, João Barbosa da Silva.
Aparecem lotes de R.B.Savón, Toivo Asikainen, Niilo Valtonen,
Jaakko Jämsä, Eino Brusi, Lotes demarcados acima Jaakko
Jämsä, Matti Toro. Aparece marcada estrada de rodagem, em
terrenos da Plamed, caminho (atual Av das Mangueiras), caminho
(atual Av Casa das Pedras), caminho (atual Rua Harri Bertell),
parte atual da estrada Três Cachoeiras e estrada para lote de
Matti Toro.
05 Planta da Fazenda Penedo - Propriedade de Toivo Uuskallio,
Município de Rezende Dist. - Estado do Rio, 1947, Escala
1:5.000
Cópia em papel, com texto de Fayal:
Da verificação efetuada nas terras da Fazenda Penedo, de
propriedade do Sr Toivo Uuskallio e outros, na qual fui designado
pelo Ministério da Agricultura, como assistente, certifico, para os
devidos fins, a exatidão da presente planta
Rio, 8 de outubro de 1947, Antônio E. Fayal, eng° carteira 407-D
da 5° região do CREA”
Marca área de 646,69 hectares, e aparece no desenho a
totalidade da Fazenda Penedo, as divisas com a Plamed,
Francisco Maurício da Fonseca, Herdeiros de Belisario Vitalino
Correia Jr., Mário Rodrigues Pontes Sebastião Américo Siqueira,
231
Sebastião Custódio, Antônio Bento, João Barbosa da Silva.
Aparecem lotes de R.B.Savón, Toivo Asikainen, Niilo Valtonen,
Jaakko msä, Eino Brusi, Lotes demarcados acima Jaakko
Jämsä, Matti Toro. Aparece marcada estrada de rodagem, em
terrenos da Plamed, caminho (atual Av das Mangueiras), caminho
(atual Av Casa das Pedras), caminho (atual Rua Harri Bertell),
parte atual estrada Três Cachoeiras, estrada Matti Toro.
Alva Fagerlande marcou à lápis, os lotes de Savón, Asikainen,
Valtonen, Jaako Jämsä, lotes acima Rua Harri Bertell,
06 Cidade de rias Itatiaia, Fazenda do Penedo distrito do
Município de Resende, Est. do Rio de Janeiro, Propriedade da
Companhia Agrícola Plamed, [194-], Escala 1:2.000
Área total da fazenda 343,97 hectares
07 Planta sem título, 1954, Lotes atrás do Penedo
08 Levantamento e Cadastramento das áreas vendidas e
inventariadas na Granja Finlandesa, propriedade de Siiri Jämsä
Bertell e Harry Bertell, situada em Penedo, distrito Est do Rio
de Janeiro, 1976, Escala 1:1.000.
09 Levantamento Aerofotogramétrico de Itatiaia, Serviço
Geográfico do Exército Brasileiro, [197?], Escala de 1:10.000
10 Mapa de Penedo – cópia [1943 ou 1944]
Aparecem marcadas diversas casas, entre elas as de Asikainen,
Ikonen, Savon, Peltonen, Satulinna, Valtonenm Jordan, Toivanen,
terras de Simo Kuusisto, Mänty, Bertell, Markkula, Virkilä, Kallio,
Suni, Lehtola, Rae, Clube, Ampula, Jarne, Uuskallio, Hotel (Casa
Grande), Sipilä, Palissy, Reiman.
Obs.: Os mapas são do acervo do autor.
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