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Nesta definição de Schechner, encontrei elementos que considero confluentes em
relação ao modo como o Ói Nóis considera sua relação com o espaço. A Terreira, além de
um espaço de criação e convívio entre seus integrantes, é ela própria, do ponto de vista de
seu espaço físico, uma parte integrante da peça. A cenografia de “Kassandra”, por exemplo,
não foi trazida pronta de outro lugar e colocada naquele espaço. Ao contrário, ela é
construída ao longo de todo espaço disponível, e possui uma relação estreita não apenas
com ele como com todo o ambiente que o cerca. Carla Moura, a seguir, destaca como
percebe essa relação:
Eu acho interessante de pensar sobre essa relação que se tem com o
espaço, a força que tem o espaço onde uma peça acontece. Porque a
“Kassandra” é a cara do bairro Navegantes. Se a gente for pensar na
“Kassandra”, a gente vai achar elementos do bairro Navegantes em
cada detalhe da peça. Ela é uma peça extremamente industrial, então a
gente olha para o cenário, a gente percebe a questão da indústria super
forte, dos latões, batidas de latões, no cenário, o cavalo. A gente pensa
que tem uma escola de samba ali do outro lado da rua, e a gente às vezes
estava ensaiando e aquele “tum-di-dum, tum-di-dum”... E tá lá aquele
esplendor de escola de samba. Teve uma crítica que foi feita uma vez se
eu não me engano em Curitiba que colocava o quanto a “Kassandra” era
carnavalesca. Repara no olhar, esse olhar diferente que não é o olhar de
Porto Alegre pra peça. Conseguia ver todas as alegorias, as grandes
alegorias, os blocos mesmo de pessoas. A Terreira é cercada de
churrascarias, fica num bairro cheio de churrascarias, e tá ali a questão
da carne pendurada, do que é isso...
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Então, na verdade a gente começa
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Carla, aqui, faz referência à cena do “Banquete de Negociação Entre Príamo e Menelau”, onde há um
carneiro pendurado, cru, em frente ao trono. Embaixo do carneiro encontra-se uma bacia cheia de moedas. Na
cena estão presentes Príamo, rei de Tróia, Menelau, rei de Esparta, e Páris, filho de Príamo responsável pelo
rapto de Helena, que fora o estopim da guerra. Príamo e Menelau, enquanto buscam fazer uma negociação
sobre a rota da Ásia, importante rota comercial que pertence aos troianos e é apontada como o verdadeiro
motivo da invasão de Tróia, cortam com seus facões pedaços do carneiro cru e os mastigam avidamente,
causando nojo na platéia. Em meio à negociação, Páris se refere ao rapto de Helena, e ao desejo de raptar
todas as mulheres que pudesse, como se fossem mercadorias. Cito aqui um trecho do diálogo que demonstra a
relação que é estabelecida, na cena, entre os interesses comerciais que impulsionam as guerras e o papel,
nessa estrutura, da mulher como mercadoria: “Páris: É claro que se todos pudéssemos roubar as mulheres e
não só os gregos... /Menelau: Isto não favoreceria as relações comerciais entre os dois continentes. / Príamo:
Inclusive, se me permite, penso que, numa negociação, sejam necessárias vantagens para ambas as partes e,
nesse caso, eu não percebo onde estaria o nosso interesse em lhes conceder o privilégio de entrarem na rota da
Ásia que, até hoje, nos pertence como direito. (...) / Páris: Foi o que pensei. Quando não se tem a mínima