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necessidade – de se remeter a si que reside o que Derrida aponta como o
fundamento mítico da autoridade (e da lei). “As leis não são justas enquanto leis. Não
se obedece porque sejam justas senão porque têm autoridade.”
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Uma das importantes conclusões para as quais aponta Derrida é a de que,
para além do respeito às regras estabelecidas, a justiça reside na responsabilidade de
nossas ações e decisões, sejam elas concordantes ou não com a norma. E como
recurso de responsabilidade, é fundamental fazer uso de um vasto processo de
desconstrução do direito: ele é essencialmente desconstruível, pois está alicerçado
em um amalgama de sedimentos e interpretações. A busca por justiça deve estar
amparada por este processo, ainda que ela – a justiça – não seja desconstruível; ela é
a própria desconstrução. “(...) de um lado a justiça (infinita, incalculável, rebelde à
regra, estranha à simetria, heterogênea e heterótropa) e de outro, o exercício da
justiça como direito, legitimidade ou legalidade, dispositivo estabilizante, estatutário e
calculável, sistema de prescrições reguladas e codificadas”.
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Derrida aponta
igualmente um sério limite prático para sua digressão, já que o direito, em sua
justificativa, se pretende exercer em nome da justiça, ao passo que desta última, para
sua inteligibilidade, exige-se que seja instalada no seio de um ordenamento jurídico a
ser posto em prática, inevitavelmente, com o uso da força... E mais uma vez voltamos
à estaca da arbitrariedade e da violência!
A fragilidade da política no mundo ocidental é também esboçada por Hannah
Arendt, preocupada com as nefastas conseqüências de um regime totalitário.
Em A Condição humana, Arendt traça uma genealogia da vida pública desde a
fundação da polis grega
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, reconhecendo aí a inauguração da tradição ocidental. Para
tanto, designa a expressão Vita Activa, compreendida por três atividades humanas
fundamentais: labor (processo biológico do corpo humano), trabalho (artificialismo da
existência humana) e ação (capacidade de modificar o curso da história humana por
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Idem, p. 29.
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Idem, ibidem; p. 50 – “(...) de un lado la justicia (infinita, incalculable, rebelde a la regla, extrãna a
la simetria, heterogênea y heterótropa), y de otro, el ejercicio de la justicia como derecho,
legitimidad o legalidad, dispositivo estabilizante, estatutorio y calculable, sistema de prescripciones
reguladas y codificadas.”
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A política é exercida em sociedade e identificada na Grécia Antiga com os assuntos da Polis, os
quais surgem em oposição ao modelo organizacional das gens (pré-Polis), que por sua vez tinham
por base as relações de parentesco. É, portanto, o surgimento da estrutura da Polis grega, um
divisor das responsabilidades e atribuições das esferas pública e privada.