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9. PRENÚNCIOS SIMBOLISTAS
Algumas propostas parnasianas inspiraram até mesmo o Simbolismo brasileiro,
provando seu vigor. Sobre essa questão, “Antífona” (Broquéis, 1893), de Cruz e Souza, serve
de exemplo — logo a profissão de fé de quase todo o Simbolismo brasileiro. Porque não se
destacou, ainda, o diálogo, com ela, de “Prelúdio”, poema que abre as famosas Meridionais
(1884), de Alberto de Oliveira. A semelhança se vê desde o temário e o universo poético: há
muitas enumerações de seres fantásticos e ilusórios que se misturam às sugestões do invisível
e às “diafaneidades”, até então associadas, quase exclusivamente, à poesia cruz-e-souzana:
PRELÚDIO
ANTÍFONA
Resplandecentes crianças,
Rimas dispersas em danças,
A volatearem suaves,
Como aves;
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves e de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Sonhos que a mirra perfuma,
Quimeras brancas de espuma,
Do aljôfar das alvoradas
Coroadas;
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Wilis, sereias e nixes,
Turquesas, rubins, onixes,
Granadas, berilos, prásios,
Topázios
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Bandos de fadas errantes,
Chusmas de gênios brilhantes,
Sombras de ignotas Ilírias
Valquírias;
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Voltai nas asas do Idílio!
Rasgai as nuvens do exílio,
Abri as asas cheirosas
De rosas!
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Dos verdes bosques sombrios,
Dos claros, límpidos rios
Trazei, sagradas redomas,
Aromas!
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
E os sons das lúbricas festas
Que vão troando as florestas,
Onde andam à luz, em bando,
Cantando,
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Náiades, faunos, assombros,
Ninfas de esplêndidos ombros,
Molhando d’água nos veios
Os seios!
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Corda por corda de flores,
Nota por nota de amores,
A lira enfeitai-me, há tanto
Sem canto!
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...