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Coordenador: Tinha consciência disso (da necessidade de parada)? Tinha consciência
de que o físico ficava debilitado, que o convívio em casa ficava debilitado?
Bento: Eu te digo que tinha (...). Porque eu tinha consciência que tava prejudicando, que
tava me fazendo mal, mas eu não procurava, não me esforçava tanto para parar e
continuava bebendo. A bebida era mais forte do que eu! Quando eu tava mais ou menos
sóbrio, ou sóbrio, eu via a besteira que eu tava fazendo. Eu pensava que uma hora eu
podia apagar e não voltar mais. Mas a compulsão começava a caminhar de lado comigo,
e eu insistia no mal que tava me fazendo. (...) Quando eu saía, eu falava “vou tomar uma
só, eu não posso continuar bebendo desse jeito”. Aí a compulsão era brava, era uma, era
duas, era três... (Longa pausa) Eu sabia, eu tinha certeza, lá no Grupo eles falavam, eu
via o depoimento de diversos, que perderam tudo, que isso, que aquilo... cada um
contava um caso mais trágico, e eu ouvindo aquilo, e entendendo aquilo, e não me
servia. Não me fazia, eu não me ligava com aquilo não. Eu achava que eu estava longe
daquilo, que eles tivessem exagerando talvez, um pouco. E não parava mesmo! (Senhor
Bento, alcoolista, membro do grupo de dependentes, 50 anos).
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No grupo de apoio procurado (o “Família Caná” do Bairro Eldorado) e no atendimento
psicoterápico individual que recebia na Pastoral da Saúde Nossa Senhora do Rosário (instituição
anterior ao grupo de apoio pesquisado), Bento foi aconselhado a procurar uma fazenda de
recuperação. Resistente, em um primeiro momento, ingressou na “Fazenda de Caná” próximo das
festas de fim de ano, em 2000.
Bento: Eu não queria assumir o tratamento. Depois, eu mesmo, fui analisando,
analisando, vendo que cada vez mais eu ficava só, só complicando a minha vida, foi
quando eu cheguei naquela “gente, se eu não internar, eu não consigo parar.” Aquilo
ficou martelando na minha cabeça. Eu não dava conta de não passar na frente de um bar,
sem não entrar e não beber. Lá na fazenda, sem ter a bebida, eu vou desacostumar desse
hábito. Eu vou passar mal uns dias, fissura uns dias, mas no decorrer do tempo... e lá é
um lugar especializado para se cuidar dessas coisas... Eu lá, e cumprindo um processo,
com fé em Deus... Eu toda vida fui muito responsável com as coisas que eu pego. Eu
assumiria esse processo com toda a seriedade e responsabilidade possível. Eu ainda adiei
dar a notícia para a minha família mais uma semana. Depois chegou um ponto que eu
falei “gente, não tem outra alternativa, eu vou me internar mesmo!” As pessoas também
forçaram, que só o internamento iria me ajudar. (O discurso é exemplo do
comportamento relutante e ambíguo dessa época.) Então aquilo foi entrando na minha
cabeça, que essa seria a única condição de eu me abster do álcool. Aqui fora eu tinha
facilidade de encontrar a bebida, o que era um problema e que, lá na fazenda, longe da
bebida, eu ia me acostumar a viver (pausa) sóbrio. E assim eu fiz.
Coordenador: Como foi despedir de todos? Quando a porta da fazenda fechou, como foi
despedir de todos?
Bento: (Longa pausa) Muito triste, muito contrariado. Porque eu fui contrariado! Eu não
queria ir. Eu fui mesmo como último recurso.
Coordenador: O senhor chegou a pensar em desistir?
Bento: Não! (...) Foi chato, ter que despedir dos meus filhos. Foi chato! De cara, eu teria
que ficar seis meses sem vir aqui. Embora eu soubesse que a minha família poderia ir lá
me ver. Me despedi deles um pouco envergonhado. (Fala severa consigo próprio) Um
pai de família ter que se internar por conta de cachaça?! Eu me senti mais baixo que uma
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Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada nas dependências da Pastoral da Saúde Nossa Senhora do
Rosário, no consultório particular do pesquisador, em Contagem/MG, em 12/03/2008.