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tributo pela frustração da causa, pelo desvio de finalidade, pelo abuso do poder de
legislar
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.
A pertinência da análise dessa dualidade causa/função, portanto, é dada
pelas circunstâncias de que ela condiciona o ato de conhecer o Direito Tributário
cientificamente
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. Também dá margem ao controle administrativo e jurisdicional da
validade das normas tributárias e do ato de aplicação do Direito tributário, o que se faz
mediante a análise do seu fundamento, a ser investigado por meio da observação de
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O temário do abuso do poder de legislar foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
ADI/MC nº 162-1/DF (STF-Plenário, Min. Moreira Alves, j. 14/12/1989, indeferiram a medida cautelar,
por maioria, DJ 19/09/1997), em que se tratou do caráter político da determinação, pelo Presidente da
República, da relevância e da urgência necessárias para a edição de medidas provisórias. Nesse julgado,
consignou-se que esses conceitos de que trata o artigo 62 da CF/88 “decorrem, em princípio, do Juízo
discricionário de oportunidade e de valor do Presidente da República, mas admitem o controle judiciário
[quanto] ao excesso do poder de legislar” (ementa). A faculdade do exercício de uma competência
legislativa encontra, como sói acontecer na outorga de qualquer poder normativo, limites relativos ao
conteúdo e à forma (BOBBIO, 1994, p. 54), aos quais, ainda, deve-se acrescer os limites relativos à causa
e à função. É nessa dimensão causalista e funcional que se rejeita a concepção de que o Estado pode
arrogar-se poder ilimitado sob o manto da discricionariedade da análise política ou da facultatividade do
exercício de uma competência legislativa qualquer. A esses abusos não se presta a Constituição de um
Estado de Direito.
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No Brasil, o temário da causa e da função do tributo não logrou desenvolvimento doutrinário por largo
tempo. Desde Gilberto de Ulhôa Canto (CANTO, [1947?]), Aliomar Baleeiro (1951), Rubens Gomes de
Sousa (SOUSA, 1975) e dos trabalhos da Comissão Especial do CTN (MINISTÉRIO DA FAZENDA,
1954) não se tangencia essas questões. Muito pouco se dizia quanto à função antes da CF/88, mas o tema
indiretamente era tratado pela perspectiva da causa e quando se dizia a respeito da destinação do produto
da arrecadação dos tributos. A explicação para o abandono desses estudos funda-se provavelmente, como
adverte Marco Aurélio Greco (2005, p. 178-179), na derrogação, operada pela EC 18/65, do artigo 202 da
CF/46, que tratava da pessoalidade dos tributos e da capacidade econômica dos contribuintes. Mais um
fato soma-se a esse: No julgamento do RE 86.595/BA (rel. Min. Xavier de Albuquerque, j. 17/05/1978,
recurso não conhecido, v.u., DJ 30/06/1978, p. 04849) e do RE 100.790/SP (rel. Min. Francisco Rezek, j.
15/08/1984, não conheceram do recurso, v.u., DJ 13/03/1987, p. 03882), o Plenário do Supremo Tribunal
Federal manifestou o entendimento de que a natureza tributária das contribuições sociais fôra suprimida
com a edição da EC 8/77, que alterou a EC nº 1/69 no seu artigo 21, parágrafo 2º, inciso I, e no artigo 43.
As contribuições, por terem causa e função específicas, favorecem o debate acerca desses fenômenos, de
modo que esses julgados do Supremo Tribunal Federal colaboraram para suprimir tais discussões no
domínio do Direito Tributário. Com a CF/88, o debate da causa e da função foi retomado, pois a
Constituição vigente promoveu a reinserção do princípio da capacidade contributiva no plano das normas
constitucionais, assim como tratou das contribuições no artigo 149 da CF/88 dentro do capítulo do
Sistema Tributário Nacional, de modo que levou a doutrina e a jurisprudência predominantemente a
reatribuir a natureza tributária a tais exações, trazendo novamente para a seara do Direito Tributário as
cogitações acerca da destinação e da finalidade constitucionalmente afirmada nessas exações. Até então,
na vigência da EC 18/65, da CF/67 e da EC 1/69, a produção científica brasileira do Direito Tributário
concentrou seus pressupostos na obra de Hans Kelsen, que privilegia a análise estrutural das normas
jurídicas e do sistema jurídico em detrimento da função (BOBBIO, 2007, p. 204-210).