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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cristiane Corsini Prizanteli
Coração Partido:
o luto pela perda do cônjuge
Mestrado em Psicologia Clínica
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cristiane Corsini Prizanteli
Coração Partido:
o luto pela perda do cônjuge
SÃO PAULO
2008
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica, sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.
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Prizanteli, Cristiane
Coração Partido: o luto pela perda do cônjuge.
123 p.
Tese (mestrado). São Paulo. 2008. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
“Broken Heart: grief due to the loss of a spouse”.
Luto; cônjuge; viuvez; saúde; sintomas cardíacos;
Coração Partido.
Comissão Julgadora
Sempre no meu coração
Perto ou longe estarás
E ao ouvir esta canção
Sei que jamais me esquecerás
Sempre no meu coração
Na alegria ou na dor
Lembrarei com emoção
Que um dia tive o teu amor
Sempre no meu coração
O teu nome guardarei
E na minha solidão
Em minhas preces rezarei
E se nunca mais voltares
Pra ter fim os meus pesares
Guardarei teu vulto então
Sempre no meu coração.
(Always in my heart, de Ernesto
Lecuona,versão de Mário Mendes)
Dedico este trabalho à minha querida e amada avozinha,
que me ensinou a olhar a vida de forma amorosa.
Tenho muita gratidão e carinho pela senhora. (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me iluminado a cada dia.
À minha querida orientadora, Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, pela paciência
e compreensão, acompanhando-me nesse longo trajeto. Agradeço pela pessoa
encantadora que é, mostrando e me ensinando o que é uma pesquisa. Minha eterna
gratidão!
À Profa. Dra. Sandra Regina Borges dos Santos, pelos conselhos oferecidos no momento
da qualificação, contribuindo muito para a elaboração deste trabalho.
À Profa. Dra. Ana Laura Schliemann, pela colaboração e disponibilidade no momento
da qualificação, enriquecendo sobremaneira esta pesquisa.
Ao meu querido pai, Gésio, pelo apoio e tanto sacrifício, sem você não poderia ter
trilhado esse caminho, por acreditar no meu sonho e fazer deste uma realidade. Agradeço
esta conquista com a mais profunda admiração, respeito e amor.
À minha mãe, Carmen, pelos ensinamentos durante toda a minha vida.
Ao meu querido irmão Juninho, que sempre esteve presente, incentivando, dando força
e coragem, para que eu fosse sempre em frente, com muito amor.
Ao meu irmão Rodrigo, que torce pela minha vitória.
Aos meus queridos tios, Beginho e Nenê, pelo carinho de estar comigo em todos os
momentos.
Ao meu querido Adriano Pinhas, por tudo que me ajudou e por compartilhar momentos
tão importantes desta caminhada, que vão me acompanhar enquanto eu viver. Obrigada
pelas lições de vida e por me fazer uma pessoa melhor.
À minha grande amiga, Cristiana Quirino, de todas as horas, pelos aconselhamentos e
pelo carinho de ficar ao meu lado nos momentos mais difíceis. Meu eterno agradecimento
por ter abdicado de tantas coisas, amparando-me sempre.
À minha eterna inspiradora e grande amiga, Sonia Casarin, por todos os ensinamentos,
pelo desvelo de estar comigo, ajudando-me a seguir em frente naqueles momentos em
que a vontade era desistir.
À minha querida amiga, Sandra Borges, pela qual tenho imensa admiração e carinho.
Obrigada pela força que me deu a cada dia. Serei grata por toda a vida.
Às minhas amigas Adriana, Aline e Karina, por tantos conselhos durante a minha
caminhada, acolhendo-me em vários momentos.
Ao Dr. José Washington dos Santos Júnior, pessoa maravilhosa e talentosa, que me
ajudou a encontrar o caminho do mestrado.
À Dona Valdélia, que me apoiou e ensinou a lidar com as dificuldades quando estava
longe de casa.
Aos meus colegas do Mestrado, pelas longas conversas esclarecedoras e acolhedoras.
A Marcos Alves, pela paciência e gentileza na finalização deste trabalho.
À participante deste trabalho, pela imprescindível e valiosa colaboração e total
disponibilidade.
RESUMO
A perda por morte é considerada situação de crise e a morte do cônjuge uma das
perdas mais significativas da vida. Há aumento no risco de mortalidade em pacientes
enlutados, quando comparados a indivíduos não enlutados, além de aumento na
utilização dos serviços de saúde. Tem-se investigado variáveis individuais e/ou
situacionais que expliquem por que proporção significativa de pessoas enlutadas pela
perda do cônjuge têm a saúde afetada. O estresse parece estar associado a um tipo de
cardiopatia denominado Síndrome do Coração Partido. Essa Síndrome pode ser
considerada como metáfora que tem precedência imediata após um episódio de estresse
físico ou psicológico intenso, que pode propiciar ao indivíduo reação semelhante à de
um ataque cardíaco. O objetivo do estudo foi compreender o processo do luto por
viuvez com apresentação de sintomas cardíacos sem causa orgânica. A pesquisa foi
realizada um ano e cinco meses após a morte do cônjuge. Os resultados indicaram que
a viúva mostrou dor psicológica intensa, desencadeando sintomas cardíacos
caracterizados como Síndrome do Coração Partido. O sofrimento psicológico intenso
leva à dor no peito que se assemelha a ataque cardíaco. A participante relata não ter
encontrado acolhimento nos profissionais de saúde com relação à sua dor psíquica.
Além disso, foi possível observar que a perda trouxe desdobramentos que aparecem
em todo o grupo familiar.
Palavras chave: luto, cônjuge, viuvez, saúde, sintomas cardíacos, Coração Partido.
ABSTRACT
Loss resulting from death is a critical situation, and the death of a spouse often represents
one of the greatest losses in life. There is an increased risk of mortality among patients
in grief, when compared to those not thrown into mourning, besides an increased use of
health services. There have been investigations on individual and/or situational variables
which might explain why a significant proportion of people in grief resulting from the
death of a spouse have their health affected. Stress seems to be associated to a kind of
cardiopathy called Broken Heart Syndrome. Such Syndrome may be considered as
metaphor, which take place immediately after a severe physical or psychological stressful
episode, to which an individual responds much the same way as to a heart attack. The
aim of the present study was to figure out how mourning affected widowhood with
presentation cardiac symptoms without physical causes. The study was conducted one
year and five months after the death of her spouse. Our results indicated that the widow
sustained severe psychological pain, which triggered the cardiac symptoms characterized
as the Broken Heart Syndrome. Such severe psychological suffering leads to chest pain
that is similar to a heart attack. The subject reported that her health care professionals
did not sympathize with her psychological suffering. Furthermore, it was clear that the
loss brought about consequences that can be seem in the whole family.
Key words: Grief, spouse, widowhood, health, cardiac symptoms, Broken Heart.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. TEORIA DO APEGO
1.1. Apego adulto
2. PERDA
2.1
Apego e perda
2.2. Perda na vida adulta
2.3. Família e luto
2.4. Viuvez
2.5. Perda e saúde cardíaca
2.6. Simbologia do coração
2.7. Síndrome do Coração Partido
3. OBJETIVO
4. MÉTODO
4.1 Considerações éticas
4.2 Pesquisa qualitativa
4.3 Participante
4.4 Procedimento de coleta de dados
4.5 Análise dos dados
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Luto
Saúde
Família
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Anexo B - Ficha de informação do entrevistado
Anexo C - Entrevista
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18
25
33
33
39
47
51
58
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73
75
75
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109
109
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65
79
82
89
111
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Introdução
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Introdução
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O interesse para investigar o processo do luto na viuvez quando o enlutado
apresenta sintomas cardíacos sem causa orgânica surgiu por meio de observações
clínicas e da leitura de estudos clássicos. Os estudos de Parkes (1998) e de Stroebe e
Stroebe (1987) sobre o luto me chamaram a atenção, especificamente, por suas
pesquisas a respeito de viúvos e viúvas, e de como a saúde cardíaca dessa população
era afetada no enlutamento.
Além disso, o fato de as pessoas serem tão apegadas e muitas vezes adoecerem
física e psicologicamente, ou até mesmo não sobreviverem diante da morte de um ente
querido, trazendo repercussões emocionais e fisiológicas me despertou o interesse para
conhecer mais sobre o assunto.
A partir daí, passei a refletir sobre o processo de luto naqueles viúvos e viúvas que
apresentavam sintomas cardíacos, o que é denominado Síndrome do Coração Partido.
O coração é considerado como o centro da vida, a sede das emoções, símbolo do amor,
tanto na cultura ocidental como oriental, desde o início da história da humanidade. Além
do amor e das emoções, o coração também simboliza a alma e o centro da consciência
(RAMOS, 1990).
A Síndrome do Coração Partido pode ser considerada metáfora para expressar
a dor psicológica das emoções desencadeadas, após um estresse psicológico intenso,
que pode estar relacionado com a perda de um ente querido ou de um amigo, a separação,
dentre outras causas. Essa Síndrome pode ser diagnosticada erroneamente pelos clínicos
como infarto agudo do miocárdio, pois produz sintomas similares ao infarto, incluindo
dor no peito, falta de ar, fluido nos pulmões e falha cardíaca. Uma das diferenças marcantes
é que, na Síndrome do Coração Partido, há melhora em poucos dias nos batimentos
cardíacos e ocorre recuperação completa do órgão em aproximadamente duas semanas.
INTRODUÇÃO
Introdução
13
Em contraste, após infarto do miocárdio, a recuperação pode levar semanas ou meses
e, em geral, o dano no músculo cardíaco é permanente (WITTSTEIN, 2005).
Por outro lado, quando o paciente enlutado é diagnosticado como tendo doença
cardíaca, não é possível afirmar se o luto pode provocar essa doença ou agravar um
estado pré-existente. Pode ser que os viúvos ou viúvas tenham vida mais nociva em
relação à saúde se comparados com indivíduos casados da mesma idade como, por
exemplo: ter hábitos alimentares prejudiciais, fumar e beber mais e ficar com nível de
estresse mais acentuado (PARKES, 1998).
Com relação à minha experiência clínica, alguns viúvos e viúvas, que atendi,
demonstraram insatisfação com os profissionais de saúde, especificamente com os
médicos que os atenderam; alguns enlutados relataram que buscavam nas consultas
médicas aliviar a sua dor, encontrar conforto no seu sofrimento, e verificar se estavam
com alguma doença, já que apresentavam sintomas físicos. Porém, não se sentiam
acolhidos durante os atendimentos médicos, apresentando ou não sintomas físicos.
Há número considerável de indivíduos enlutados que buscam ajuda profissional
durante os meses seguintes à morte do cônjuge, e relatam declínio na saúde, ainda,
freqüentemente, apresentam os mesmos sintomas demonstrados pelo cônjuge (PARKES,
idem; KHIN; SUNDERLAND, 2000). Apesar da freqüência com que esses profissionais
se deparam com pacientes enlutados, seu treinamento oferece pouca orientação no
cuidado após a perda. Em geral, os médicos não conseguem distinguir as reações do
luto normal e do luto complicado nos pacientes enlutados e apresentam dificuldades no
manejo dos seus cuidados com relação à saúde (PRIGERSON; JACOBS, 2001).
Em alguns casos, a perda pode levar ao processo de enlutamento prolongado, à
depressão ou colapso e à inabilidade do enlutado para retomar à própria vida (PINCUS,
1974-1989). Desse modo, o enlutamento não está associado somente ao sofrimento
Introdução
14
intenso por um período prolongado de tempo, mas também ao risco ampliado de sucumbir
para uma variedade de doenças e queixas psicológicas e físicas.
As taxas de depressão são maiores para viúvos do que para não viúvos,
acarretando maior incidência de visitas a consultórios médicos e elevando as taxas de
doenças físicas das pessoas enlutadas. Nesse sentido, o conhecimento dos efeitos do
luto pode ajudar os profissionais nos seus atendimentos com as pessoas enlutadas,
encaminhando-as, se necessário, para um profissional especializado em luto.
Neste trabalho, o luto é compreendido como reação normal à perda por morte,
devido ao rompimento de uma relação significativa. De acordo com Bromberg (1996),
só existe luto quando tiver existido um vínculo que tenha sido rompido”, (p. 101). Desse
modo, quanto maior o vínculo, maior a dor do rompimento, do desligamento, da separação,
seja ela entre vivos ou com alguém que já morreu (BROMBERG, idem; BOWLBY, 1973-
2004).
Os recursos que o indivíduo vai encontrar para elaborar o luto vão depender da
qualidade do vínculo que foi estabelecido com as figuras de apego primárias do indivíduo
que, por sua vez, também vai determinar os vínculos futuros e os recursos disponíveis
para o enfrentamento e a elaboração de rompimentos e perdas (FRANCO, 2002;
BOWLBY, idem).
Na idade adulta, entretanto, as figuras de apego também vão exercer papel
importante para o indivíduo e podem abranger os pais, os amigos e as relações amorosas.
O relacionamento afetivo, por exemplo, é vivenciado de diversas formas, dependendo
da história de apego de cada indivíduo e a maneira como cada casal se vincula pode
influenciar consideravelmente o enfrentamento das perdas. Assim, o relacionamento de
apego continua tendo papel crucial ao longo do ciclo vital (HAZAN; SHAVER, 1987).
O vínculo estabelecido na tenra idade reflete de forma direta no decorrer da vida,
Introdução
servindo de base para o desenvolvimento emocional do indivíduo, inclusive no que tange
ao modo que este irá vivenciar as diversas perdas.
O sistema familiar do enlutado também pode exercer influência sobre o processo
de luto. A morte exige reestruturação e readaptação das relações sociais e familiares na
tentativa de superar os desafios adaptativos comuns (WALSH; McGOLDRICK, 1998).
Nesse sentido, a perda desencadeia uma crise familiar que vem da necessidade de
continuar exercendo os papéis sociais, anteriormente estabelecidos, com a sobrecarga
do luto dos demais membros da família (BROMBERG, 1996).
No presente estudo, investigou-se o processo de luto em uma viúva que apresentou
sintomas cardíacos, sem a presença de causa orgânica, no período de um ano e cinco
meses após a perda do cônjuge. Esse período de tempo se justifica porque a pessoa
está vivenciando, além das datas comemorativas, a ausência do parceiro em todo o
espaço que ele ocupava. O referencial teórico que fundamenta esse trabalho é a Teoria
do Apego.
A literatura do tema tem relevância social na medida em que o luto pode atingir
proporções significativas na vida do enlutado, causando ou agravando problemas
psicológicos, psiquiátricos e físicos, como se verá na parte teórica deste trabalho, dada
a importância de se conhecer os aspectos psicológicos da viuvez, pois se a pessoa
enlutada fosse compreendida em seu sofrimento emocional talvez não recorresse tanto
a profissionais médicos.
O primeiro capítulo deste trabalho abrange a teoria do apego. A seguir, essa teoria
é relacionada à perda e, especificamente a perda do cônjuge ou parceiro, tendo em
vista que o apego, inicialmente, é voltado para o cuidador, ampliando-se no decorrer do
ciclo vital para outras figuras de vinculação. Esse capítulo abrange apego e perda, perda
na vida adulta, família e luto, e viuvez. Dentro desse espectro é discutida a perda e a
15
Introdução
saúde cardíaca, a simbologia do coração e a Síndrome do Coração Partido.
Nas considerações éticas os detalhes do procedimento ético foram mencionados
de modo que os cuidados referentes à participante ficassem explícitos, além de serem
colocados minuciosamente os procedimentos que foram adotados para preservar à
participante de danos emocionais.
16
Teoria do Apego
Capítulo 1
TEORIA DO APEGO
Capítulo 1
TEORIA DO APEGO
Teoria do Apego
18
CAPÍTULO 1 - TEORIA DO APEGO
O interesse de John Bowlby, psiquiatra e psicanalista, sobre os vínculos humanos
começou no final da década de 1950 e teve início marcado por pesquisa sobre as origens
do desenvolvimento psicopatológico, na infância e na vida adulta, realizada por ele na
Clínica Tavistock (Inglaterra). Esse estudo representou rompimento com a psicanálise,
pois sua hipótese contrariou os princípios de que o vínculo da criança com sua mãe é
movido pela busca da satisfação de um desejo (BOWLBY, 1973-2004).
O autor postulou que o vínculo é mediado por um sistema comportamental com
função biológica, a fim de regular os comportamentos de busca por proximidade e
manutenção de contato da criança com a figura de apego que venha fornecer segurança
física e psicológica, presente durante todo o ciclo vital (BOWLBY, 1969-2002; BOWLBY,
idem; PARKES, 2006).
Desse modo, todas as formas de comportamento de apego tendem a ser dirigidas
para um determinado espaço, no caso, para a figura de apego. No primeiro ano de vida,
o apego é mediado por diversos tipos de comportamento, como chorar e sorrir, o que
permite a aproximação da mãe ao bebê, mantendo-o junto dela. Há também o
comportamento de seguir e agarrar-se com o efeito de levar o bebê até a mãe e retê-lo
junto dela, preservando a proximidade e restaurando a segurança. A sucção tem função
mais complexa: visa promover a ingestão de alimentos e muito precocemente sofre
alterações decorrentes do desenvolvimento do bebê. Outro comportamento importante
Acumulam-se evidências de que seres humanos de todas as
idades são mais felizes e mais capazes de desenvolver melhor
seus talentos quando estão seguros de que, por trás deles, existem
uma ou mais pessoas que virão em sua ajuda caso surjam
dificuldades.
BOWLBY, 1982-2006, p. 139
Teoria do Apego
19
é o de chamar, a qualquer momento, após os quatro meses, o bebê clamará por sua mãe
com apelos breves e agudos e, mais tarde, gritando o seu nome. Desde os primórdios
do desenvolvimento, cada um desses comportamentos permite à proximidade com a
mãe (BOWLBY, 1969-2002; ABREU, 2005).
O padrão das relações familiares experimentados por uma pessoa, durante sua
infância, terá importância decisiva para o desenvolvimento de sua personalidade, tendo
em vista que cada indivíduo vai interpretar a situação à sua maneira, construindo os
significados de ter sido ou não amado, ter sido ou não apoiado. O comportamento de
apego estuda as possíveis influências adversas no desenvolvimento da personalidade
atribuídos à falta de cuidados maternos na primeira infância (BOWLBY, idem; ABREU,
idem; DALBEM; DELL’AGLIO, 2005).
A presença ou a ausência de uma figura de apego pode determinar a maneira
pela qual uma pessoa irá responder às situações de sua vida futura. Pessoas com apoio
e segurança em períodos de desenvolvimento terão mais possibilidades de se tornarem
adultos seguros e autoconfiantes refletindo em relações afetivas mais saudáveis
(BOWLBY, 1982- 2006; ABREU, idem).
O comportamento de apego apresenta três características que são distintas de
outros vínculos relacionais (WEISS, 1991):
1. busca de proximidade com a sua figura de apego, podendo tolerar afastamentos
temporários;
2. estabelecimento de base segura favorecendo a segurança para a criança;
3.
reação de protesto pela separação ou perda e conseqüente busca de
recuperação da figura de apego.
Assim, não há comportamento acompanhado por sentimento mais forte do que o
comportamento de apego. As figuras para as quais esse comportamento é dirigido são
Teoria do Apego
amadas e a chegada delas é recebida com alegria. Quando a criança está na presença
incontestada da sua figura de apego, sente-se segura, tranqüila e disposta a realizar
explorações; na ausência dela, mostra-se muito mais tímida e, em geral, entrega-se a
profunda aflição (BOWLBY, 1982-2006).
Na criança, o comportamento de apego pode ser considerado como traço
dominante em sua vida. Durante o período da adolescência e na vida adulta, ocorrem
mudanças das pessoas centrais para quem o apego é dirigido: o comportamento de
apego pode ser direcionado para outros adultos tendo importância igual ou maior do
que a dos pais, e a atração sexual por indivíduos da mesma idade começa a aparecer. A
grande maioria mantém o apego aos pais, especialmente das meninas para com as
mães, mas os vínculos com outras pessoas assumem maior importância (BOWLBY, idem).
Dessa maneira, a partir da adolescência, parcela do comportamento de apego
passa a se voltar para indivíduos fora da família, dirigindo-se a colegas, professores,
atividades sociais e esportivas. Isso pode significar também a ligação com grupos e
instituições como: escolas, grupos de trabalho religiosos ou políticos (ABREU, 2005).
Esses vínculos primários com pais e figuras de apego secundárias permitem a
formação de modelo operativo interno ou representações internas de si mesmo.
Posteriormente, esse modelo internalizado permite à criança, quando o sentimento é de
segurança em relação aos cuidadores, acreditar em si própria, tornar-se independente e
ser capaz de aceitar ajuda, caso surjam dificuldades. Desse modo, cada indivíduo forma
um projeto interno a partir das primeiras experiências com as figuras de apego, sendo
considerada a base para todos os relacionamentos íntimos futuros (BOWLBY, 1989;
BOWLBY, 1969-2002; BOWLBY, idem).
Como afirma Bowlby (1969-2002), o comportamento de apego na vida adulta é
continuação direta do apego na infância e isso é demonstrado pela forma como, no
20
Teoria do Apego
adulto, as mesmas respostas reaparecem quando se vêem expostos a perigos, desastres,
doenças. Essas situações promovem recrudescimento do comportamento de apego e
da busca por pessoas conhecidas, confiáveis e acolhedoras.
Bowlby (1982-2006) enfatiza sete características para o comportamento de apego,
como mostrado a seguir.
1. Especificidade: o comportamento de apego é dirigido para um ou mais
indivíduos específicos, em ordem de preferência.
2. Duração: o apego persiste, geralmente, por grande parte do ciclo vital.
3. Envolvimento emocional: muitas das emoções mais intensas surgem durante a
formação, manutenção, rompimento e renovação de relações de apego.
4. Ontogenia: o comportamento de apego desenvolve-se durante os primeiros
nove meses de vida na maioria dos bebês humanos, e mantém-se ativo até o final do
terceiro ano de vida, no desenvolvimento saudável torna-se cada vez menos ativado.
5. Aprendizagem: as recompensas e punições desempenham apenas papel
secundário. De fato, o apego pode se desenvolver apesar de repetidas punições pela
figura de apego.
6. Organização: inicialmente, o comportamento de apego é organizado de forma
bastante simples. A partir do final do primeiro ano, passa a ser mediado por sistemas
comportamentais cada vez mais complexos. Entre as condições ativadoras estão o
estranhamento, a fome, o cansaço e qualquer coisa que amedronta. As condições que
desativam esses sistemas comportamentais incluem a visão ou som da figura materna e
a interação com ela. Quando o comportamento de apego é fortemente despertado, o
desativamento do apego poderá requerer o contato físico ou o agarramento à figura
materna e/ou ser acariciado por ela.
7. Função biológica: o comportamento de apego ocorre em quase todas as
21
Teoria do Apego
espécies de mamíferos e em certas espécies persiste durante toda a vida adulta.
O comportamento do cuidar pode ser considerado como complementar ao
comportamento de apego e exerce função protetora para o indivíduo apegado. É
geralmente manifestado por um dos pais ou outro adulto em relação à criança ou
adolescente, mas o é também por um adulto em relação a outro, especialmente em
momentos de doença, tensão ou velhice (BOWLBY, 1973-2004).
Ainsworth et al. (1978), desenvolveram o procedimento experimental denominado
Situação Estranha, em que as reações da criança na interação com seu cuidador são
observadas em um processo de separação e união. Esse estudo sobre o desenvolvimento
socioemocional da criança, durante os primeiros anos de vida, evidenciou que o modelo
de apego que um indivíduo desenvolve, durante a primeira infância, é profundamente
influenciado pelo tipo de cuidado materno e pelos aspectos genéticos.
As respostas dos bebês, observadas no experimento supracitado, possibilitaram
a classificação do apego nos seguintes padrões de comportamento:
- padrão seguro: corresponde ao relacionamento da mãe com a criança,
constituindo base segura na qual a criança explora e conhece o ambiente, pois sabe que
a figura de apego estará disponível. Isso significa que, no caso de situação adversa, ela
se mostra confiante para obter cuidado e proteção das figuras de apego que agem com
responsividade;
- padrão inseguro-evitativo: essas crianças mantêm distância do cuidador e não
os procuram para obter conforto, pois possuem como experiência terem sido rejeitadas
pela figura de apego;
- padrão ansioso-ambivalente: caracteriza-se por comportamentos alternados de
busca de proximidade e de hostilidade na interação com a mãe. As crianças respondem
com comportamentos ansiosos, tais como chorar e abraçar, pois não sabem se seu
22
Teoria do Apego
cuidador estará disponível e tendem a apresentar ansiedade de separação, ou seja,
ansiedade pela perda ou separação de alguém amado e se mostram ansiosas diante
do mundo. É possível que essas crianças tenham sofrido algumas interrupções da
assistência materna e que essa rejeição não tenha sido total, mas parcial e intermitente.
Como corrobora Abreu (2005), um anseio persistente de uma criança por sua
mãe, em geral, vem acompanhado de hostilidade intensa e generalizada, devido à não
aceitação da separação materna. Em geral, essa criança pode estabelecer
relacionamentos superficiais e passageiros. A separação vivida pela criança pode
manifestar-se pelo comportamento de desapego e até mesmo da experimentação
concreta do luto, tendendo a aparecer tanto na fase da adolescência como na fase adulta.
Além disso, as ameaças de abandono não só geram intensa ansiedade como
também podem causar raiva, freqüentemente, em crianças mais velhas e adolescentes.
Essa raiva age como forma de dissuadir a figura de apego para continuar a ameaça
(BOWLBY, 1989).
O comportamento de apego pode levar ao desenvolvimento de laços afetivos ou
apego entre a criança e a mãe e, posteriormente, entre adultos, em se tratando de um
desenvolvimento saudável. Quando o comportamento de apego segue padrões
perturbados, o desenvolvimento da pessoa segue curso anormal que pode ocorrer em
qualquer idade (BOWLBY, 1982-2006; BOWLBY,1973-2004).
No caso de um desenvolvimento saudável, o comportamento de apego busca a
construção de laços afetivos. Assim, a forma como o indivíduo vai estabelecer vínculos
afetivos no decorrer da vida dependerá de como esse apego foi estabelecido nas etapas
precedentes. Se o apego aos cuidadores foi determinado de modo seguro, contribuirá
para a formação de relacionamentos seguros.
Nos indivíduos que apresentam apego ansioso, os eventos da vida atuam como
23
Teoria do Apego
fatores de estresse e a morte de um ente querido pode levar a pessoa ao desespero e à
angústia. Em geral, o luto se caracterizará por raiva intensa e/ou auto-recriminação,
acompanhada de depressão, e permanecerá por tempo maior que o esperado (BOWLBY,
1982-2006).
Main e Solomon (1986, apud ABREU, 2005) descreveram novo padrão inseguro
denominado desorganizado. Refere-se a crianças que, na Situação Estranha,
apresentavam comportamento contraditório e/ou estratégias de enfrentamento
incoerentes para lidarem com a situação de separação. Tais crianças vivenciavam conflito
sem ter condições de lidar com a situação que as amedrontava. Esse padrão é associado
a fatores de risco e maus-tratos infantis.
Deve-se levar em consideração que o comportamento de apego, manifestado
pelo indivíduo, vai depender da sua idade atual, sexo e circunstâncias e, ainda, das
experiências que a pessoa teve com as figuras de apego nos primeiros anos de sua
vida. Como se pode ver, no caso de padrão seguro, a mãe fornece a base segura e a
criança fará suas explorações retornando quando se cansar. No decorrer da vida, a pessoa
pode seguir esse mesmo padrão de comportamento, afastando-se cada vez mais e por
períodos cada vez maiores das pessoas que ama, retornando quando necessário
(BOWLBY, idem).
Bowlby postulou a existência de um sistema comportamental inato que visa
proteger os bebês do perigo e maximizar a exploração segura, regulando a proximidade
do cuidador. De acordo com esse modelo de sistemas de controle, o bebê tem
necessidade de proximidade do cuidador e é a discrepância entre a necessidade e a
proximidade que ativa o sistema. Enfatizou que esses vários sistemas comportamentais
inatos ajudam a assegurar que necessidades importantes sejam conhecidas e
desenvolvam-se como resultado da premência da pessoa sobre o curso da evolução
24
Teoria do Apego
humana (HAZAN; ZEIFMAN, 1994).
Desse modo, o sistema inato de comportamento tem como objetivo manter a
criança próxima do cuidador e protegê-la durante os seus primeiros anos de vida. A
experiência de apego da criança com seu cuidador primário é tão intensa que a criança
desenvolve Modelos Operativos Internos de apego, representações mentais de si e do
modo como os outros se relacionam com ela, que vão guiar suas expectativas e seu
comportamento nos relacionamentos ao longo da vida e de como se posicionar no mundo
frente aos relacionamentos afetivos. Esses modelos de relacionamento vão edificar a
base de todas as relações que se desenvolvem ao longo da vida adulta. As respostas
construídas na infância reaparecem quando o indivíduo se vê exposto a situações de
risco nas diversas fases da vida.
Modelos Operativos Internos são construídos na infância e refletem as expectativas
sobre si e sobre o relacionamento próximo com as pessoas. É a partir dessa base que
se definem as amizades, o envolvimento amoroso.
Tendo em vista o estudo apresentado adotou-se a teoria do apego como sendo
a base sedimentar dessa dissertação, haja vista a necessidade de compreensão da
relação que existe entre o vínculo afetivo construído na infância entre a criança e seu
cuidador e seu reflexo nos relacionamentos posteriores. A teoria apresentada esclarece
a relação desses vínculos, possibilitando um maior entendimento do indivíduo na forma
de vivenciar a perda na vida adulta. Dessa forma, o laço emocional formado entre as
crianças e seus cuidadores é evidentemente fundamental para a sobrevivência da espécie
e possui um caráter universal.
1.1 Apego adulto
Apesar de Bowlby (1973-2004), ter proposto inicialmente a Teoria do Apego para
25
Teoria do Apego
explicar o vínculo existente entre as crianças e seus cuidadores, ele acreditava que o
apego é importante ao longo do ciclo vital. Desse modo, o relacionamento de apego
continua tendo papel fundamental na idade adulta.
De acordo com Hazan e Shaver (1987), o amor romântico é concebido como
processo biossocial e de apego, visando investigar a possibilidade de que a teoria do
apego primeiramente realizada com bebês ofereça perspectiva valorosa para o amor
romântico adulto, inserindo-o num contexto evolucionário. Os vínculos afetivos são
formados entre casais de forma semelhante aos vínculos formados entre os bebês e
seus pais. O amor romântico é experienciado de diversas formas pelas pessoas, como
decorrência das diferentes histórias de apego.
No estudo realizado por Hazan e Shaver (idem), foi aplicado um questionário que
pretendia testar o impacto da qualidade do apego no amor romântico. Nesse questionário,
as pessoas tinham que classificar quais dos estilos de apego: seguro, evitativo e ansioso/
ambivalente mais se identificavam com cada uma delas na vida adulta e apontar os
modelos mentais de si mesmo e da vida social. Havia 620 perguntas, sendo que 205
foram respondidas por homens e 415 por mulheres. Os resultados obtidos indicaram
que 56% dos sujeitos classificaram-se como seguros, 25% como evitativos e 19% como
ansiosos/ambivalentes. Do total de sujeitos, 21 pessoas não conseguiram responder à
pergunta do questionário e 25 pessoas escolheram mais de uma alternativa.
A seguir, foi aplicado o mesmo questionário como exercício de classe para 108
universitários, sendo 38 homens e 70 mulheres, os quais estavam matriculados num curso
intitulado Entendendo o conflito humano. Aproximadamente 3/4 dos estudantes eram
calouros do primeiro ano, com idade média de 18 anos.
Os dois estudos de questionário, realizados por Hazan e Shaver (idem),
demonstraram prevalência dos três estilos de apego adulto similares aos encontrados
26
Teoria do Apego
na infância. Indicaram que a experiência de amar para as pessoas pertencentes aos três
estilos de apego eram consistentes com as expectativas baseadas na teoria. Apontaram
que o estilo de apego está relacionado aos modelos operacionais internos e de
relacionamentos sociais, e que os relatos das experiências dos relacionamentos com os
pais estavam significativamente associados ao padrão de relacionamento adulto dos
indivíduos.
Os apegos adultos apresentam similaridades e diferenças com relação aos
apegos da infância. Há duas diferenças fundamentais: a primeira é que o relacionamento
de apego existente entre uma criança e seu cuidador caracteriza-se por via única, no
qual o cuidador primariamente preenche as necessidades da criança. Enquanto nos
relacionamentos adultos as necessidades são preenchidas por ambos os membros do
casal, caracterizando-se como relacionamento mais recíproco. A segunda diferença é
que no apego adulto, em geral, existe um componente sexual envolvido (HAZAN; SHAVER,
1987).
Com relação às semelhanças entre o relacionamento da criança com o seu
cuidador e o relacionamento do adulto com um parceiro, pode-se verificar que ambos
têm contato físico íntimo, sentem-se seguros quando o outro se mostra disponível e
responsivo, apresentam preocupação mútua e sentem-se inseguros quando o outro não
está acessível (HAZAN; SHAVER, idem).
Além disso, o amor romântico adulto envolve a integração de três sistemas
comportamentais distintos: o sistema de apego, que ajuda a manter a proximidade com
o cuidador; o sistema de prover carinho, que permite ao cuidador atender e responder
as demandas da pessoa apegada e o sistema reprodutivo, que encoraja e permite a
reprodução (HAZAN; SHAVER, idem).
De acordo com os pesquisadores da Teoria do Apego, as experiências da infância
27
Teoria do Apego
são consideradas como influentes ao longo do ciclo vital, embora sejam ajustadas como
resposta a experiências novas no decorrer da vida adulta. Entretanto, foi a partir dos
trabalhos de Hazan e Shaver (1987), sobre o amor romântico adulto, que a perspectiva
do apego nos relacionamentos adultos começou a ser estabelecida. Pesquisadores
passaram a realizar estudos visando replicar e aperfeiçoar seus instrumentos e conceitos,
relacionando a Teoria do Apego com os relacionamentos adultos.
O amor romântico adulto está intrinsecamente relacionado à Teoria do Apego,
uma vez que os sistemas comportamentais que o integram compreendem a relação entre
a pessoa do cuidador e o indivíduo a ser cuidado juntamente com todo o arcabouço que
envolve o modo de relacionamento que o indivíduo terá com seu parceiro na vida adulta.
Nesse diapasão, pode-se afirmar que o amor romântico é desdobramento do
que fora proposto na Teoria do Apego e conseqüentemente alicerce para o
desenvolvimento do relacionamento adulto e dos processos de perda.
Pesquisas subseqüentes confirmaram a relação entre estilo de apego e vários
aspectos da qualidade de relacionamentos românticos. O estudo de Feeney, Noller e
Callan (1994) foi realizado para ampliar o trabalho sobre apego adulto, examinando as
relações entre apego, comunicação e satisfação com o relacionamento durante os dois
primeiros anos de casamento. Trinta e cinco casais foram avaliados em dois momentos,
durante os dois primeiros anos do casamento, respondendo sobre medidas de apego,
satisfação com o relacionamento e comunicação. Seis meses após o casamento, os
cônjuges responderam relatos baseados em seu cotidiano sobre a qualidade de suas
interações no período de uma semana.
Os resultados do estudo de Feeney, Noller e Callan (idem) destacaram a influência
da Teoria do Apego para o entendimento da comunicação e da satisfação no
relacionamento. Comprovaram que as variáveis, associadas com os relacionamentos
28
Teoria do Apego
29
na infância, estavam intimamente ligadas aos estilos de apego dos relacionamentos
adultos, exercendo influência direta sobre a satisfação do relacionamento, o que independe
da comunicação do casal. Além disso, observaram que, em geral, as pessoas com estilo
de apego seguro apresentam características positivas de relacionamento e possuem
alta contagem no que se refere à autoconfiança e baixa contagem em relação ao amor
neurótico e à evitação de intimidade.
Do ponto de vista da comunicação e satisfação no relacionamento adulto, os
vínculos afetivos adquiridos na infância exercem um papel significativo na maneira como
nos relacionamos. Porém, a comunicação do casal pode reconstruir esses estilos de
apegos adquiridos, uma vez que há troca profunda de experiências, interesses e
peculiaridades entre os indivíduos trazendo para esse relacionamento modelos diferentes
dos vínculos adquiridos na infância.
Entende-se que a soma das experiências vivenciadas pelo casal contribuem no
desenvolvimento do relacionamento e ainda que a comunicação pode favorecer a
construção de novos vínculos afetivos.
Desse modo, Collins e Read (1994) destacaram que os indivíduos não entram
em relacionamentos desprovidos de representações, eles trazem consigo uma rede de
significados que moldam como constroem suas vidas e como acham sentido em suas
experiências pessoais e interpessoais. As características do ambiente e as qualidades
de interação dos parceiros também vão contribuir de maneira importante para a
experiência social. Os autores sugerem que os indivíduos desenvolvem modelos
operativos que atuam como parte de amplo sistema de processos cognitivos, emocionais
e comportamentais que ajudam as pessoas a entenderem seu mundo e se comportarem
de modo que satisfaçam suas necessidades pessoais.
Reite e Boccia (1994) destacam que a reação fisiológica e comportamental do
Teoria do Apego
30
indivíduo em relação à separação da figura de apego pode estar relacionada à natureza
e força do vínculo de apego estabelecido na infância. Esses autores enfatizam que seus
dados são diretamente relevantes para testar as hipóteses articuladas por Bowlby
(1988, p. 8)
A função do apego é de promover a regulação harmoniosa dos sistemas fisiológico
e comportamental. A perda provoca o rompimento do apego, o que gera desarmonia
entre os sistemas fisiológico e comportamental (REITE; BOCCIA, 1994).
Relacionamentos entre casais e entre pais e filhos são protótipos de
relacionamentos próximos e ambos são construídos em contatos físicos repetidos e
íntimos. As experiências de apego, durante a infância, podem ter efeito vital no
comportamento e na função sexual adulta. Apegos promovem funcionamento saudável
em pessoas de todas as idades e servem para diminuir o impacto dos indivíduos contra
os estressores da vida. O vínculo de apego que se forma entre adultos, também provê
importante contribuição ao próprio bem-estar e ajustamento (HAZAN; ZEIFMAN, 1994).
Os mesmos autores enfatizam o papel do sexo na formação e manutenção de
relacionamentos de apego adulto e a influência de diferenças individuais no
comportamento sexual em relacionamentos. Um modelo de apego não ajuda apenas a
predizer como as diferenças individuais podem influenciar a natureza e o curso dos
relacionamentos, mas também os períodos críticos quando os relacionamentos são mais
vulneráveis ao rompimento.
Na Teoria do Apego, o sexo é visto como parte integrante dos relacionamentos
[...] que a resistência ou a vulnerabilidade de cada pessoa a
eventos estressantes da vida é determinada em um grau muito
significativo pelos padrões de apego que ele
ou ela desenvolve
durante os primeiros anos.
Teoria do Apego
românticos adultos. Contudo, assuntos referentes às múltiplas funções do sexo dentro do
relacionamento, sua essência variável e importância sobre o curso do relacionamento
não têm sido sistematicamente ligados à Teoria do Apego. Os pesquisadores têm
ignorado os aspectos sexuais dos relacionamentos, especialmente relativos aos
fenômenos como intimidade, confiança, ciúmes, eqüidade, comunicação e
comprometimento (HAZAN; ZEIFMAN, 1994).
A Teoria do Apego enfatiza que os relacionamentos íntimos na vida adulta não
podem ser completamente entendidos sem a referência às experiências sociais e
emocionais advindas da infância (COLLINS; READ, 1994). De acordo com Santos (2000,
2005), os relacionamentos íntimos têm o potencial para influenciar profundamente a vida
das pessoas, pois podem ajudar os indivíduos a moldar a visão que têm de si e dos
outros e o modo como se relacionam com os amigos e familiares.
Diante do exposto, pode-se seguir o entendimento que a natureza do vínculo de
apego estabelecida na tenra idade tem conseqüência no comportamento apresentado
na idade adulta. A partir de como o vínculo fora estabelecido vislumbra-se diversas
conseqüências na fase adulta, especificamente como esse indivíduo irá se relacionar
com seu parceiro.
Ademais, ressalta-se que além do referencial obtido na infância as experiências
adquiridas no decorrer da vida adulta exercem influência na qualidade do relacionamento
do casal. Assim, as características que cada indivíduo traz consigo da sua infância
agregada a vivência cotidiana de cada qual, caracteriza o ponto fundamental do
desenvolvimento do vínculo de apego na fase adulta.
31
Perda
Capítulo 2
PERDA
Capítulo 2
PERDA
Perda
33
CAPÍTULO 2 – PERDA
2.1 Apego e perda
Os vínculos primários construídos durante a infância têm um papel primordial na
capacidade posterior para um indivíduo estabelecer vínculos afetivos no decorrer do ciclo
vital. O modo como cada pessoa aprende a se vincular emocionalmente com os primeiros
cuidadores cria um modelo que serve de base para os vínculos emocionais posteriores,
para o significado da vida no futuro e para o modo como enfrentará as mortes de pessoas
queridas ao longo da vida.
O estabelecimento de vínculos afetivos, em cada fase do ciclo vital, constitui
peculiaridade da espécie dos mamíferos, assim como a capacidade de ver, ouvir, comer
e digerir. A vinculação afetiva é o resultado do comportamento social de cada indivíduo,
diferindo de acordo com o outro indivíduo com quem ele esteja tratando (BOWLBY, 1982-
2006).
A característica primordial da vinculação afetiva é que as duas pessoas tendem a
se manter próximas uma da outra. Sabe-se que não há amor e nem pesar por um ser
humano qualquer, mas apenas por um ser humano em particular (BOWLBY, idem). Dessa
maneira, como se deve categorizar o vínculo com um cônjuge?
Pode-se afirmar que os padrões de apego são estabelecidos na infância e
influenciam os apegos na idade adulta, mas a influência não é tão simples. Padrões de
apegos inseguros na infância podem levar ao apego conjugal inseguro na idade adulta,
mas não há garantia de que essa relação seja confiantemente descrita (PARKES, 2006).
A perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais
intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer.
BOWLBY, 1985-2004, p. 4
Perda
34
De acordo com Bowlby (1973-2004), quanto mais a pessoa enlutada tiver uma
relação de dependência com o falecido, maior é o dano que a perda traz à sua vida e ela
vai precisar reorganizar os seus papéis sociais. Como as reações emocionais à perda
são habitualmente intensas e prolongadas, em muitos casos acompanhadas de raiva e
auto-acusação, com notável ausência de pesar, se essas reações persistem, a pessoa
enlutada pode não conseguir reorganizar sua vida. Contudo, até que a reorganização
ocorra, não é possível fazer planos para o futuro.
Todavia, pode-se compreender que quanto maior o grau de dependência do
indivíduo com o ente falecido, maior será o sofrimento e a dificuldade de superação
dessa perda, tendo em vista que a perda de um ente querido é intrínseca de cada indivíduo,
ou seja, cada qual sente de forma diversa a situação.
Ter-se-á um recomeço, uma reorganização de todo o núcleo familiar, podendo
variar muito em relação ao tempo para essa readaptação. É importante salientar o
indubitável sentimento de tristeza, dor e luto, que a perda gera no indivíduo. Todo aquele
ambiente que antes era seguro torna-se um universo completamente desconhecido e
vazio.
Nos processos psicológicos envolvidos no luto saudável ocorre retirada do
investimento emocional sobre a pessoa perdida e pode haver o preparo para uma relação
com nova situação; a premência para buscar e recuperar a pessoa diminui gradativamente
com o tempo, dando espaço a um novo processo. Observou-se que muitas das formas
patológicas de luto podem ser devidas à persistência dessa premência, que pode
aparecer de forma distorcida e disfarçada (BOWLBY, idem).
Como a função do comportamento de apego é manter os laços afetivos, qualquer
situação que o coloque em risco provoca reação para evitar a perda. Nesse momento,
todas as formas de comportamento de apego são ativadas: agarramento, choro. Quando
Perda
35
o laço afetivo é restabelecido, as atividades cessam e os estados de tensão e aflição
são aliviados (BOWLBY, 1973-2004).
No caso do luto, talvez em intervalos cada vez mais longos, o esforço para
restabelecer o laço é renovado: o pesar e a premência são novamente experimentados.
Dessa forma, nos processos de enlutamento pode ocorrer a renovação da capacidade
de estabelecer e manter relações de amor, ou pode seguir um curso que enfraquece
esse restabelecimento em maior ou menor grau (BOWLBY, idem).
De acordo com Bowlby (idem, p. 39)
A ameaça de perda, analogamente, provoca ansiedade e a perda real dá origem
à tristeza; ambas as situações podem provocar a raiva e a pessoa amada desperta a
raiva como decorrência de sua partida. A manutenção de vínculo é experimentada como
fonte de segurança e a renovação de um vínculo como fonte de contentamento (BOWLBY,
1969-2002; BOWLBY,idem; BOWLBY,1982-2006).
Freud (1917-1976) afirma que, quando se acredita que a figura amada está
temporariamente ausente, a reação é de ansiedade, quando se acredita que ela está
permanentemente ausente, a reação é de dor e luto.
Os relacionamentos na vida adulta parecem tomar intensidade maior quando o
adulto que perdeu o cônjuge tinha necessidade de amor, que era almejada, mas não era
encontrada na infância. Quando esse tipo de relacionamento é desfeito pelo luto ele não
chega a um fim, mas se torna o foco do enlutado o permanente desejo de cuidar e ser
Muitas das emoções mais intensas surgem durante a formação,
manutenção, ruptura e renovação das relações de apego. A
formação de um laço é descrita como apaixonar-se por alguém,
a manutenção do laço como amar alguém e a perda de uma pessoa
querida como sofrer por alguém.
Perda
36
cuidado pela pessoa que morreu. Isso leva a severa e duradoura solidão, a qual não
pode facilmente ser aliviada pela família, amigos e conselheiros (PARKES, 2006).
Desse modo, quanto maior a carência vivenciada na infância mais difícil pode ser
administrar a perda do ente querido, haja vista que há uma transposição de papéis, ou
seja, a ausência de afeto na infância é, em grande parte, depositada no relacionamento
adulto e com a perda, o luto pode tornar-se infindável, gerando solidão.
Como enfatiza Bowlby (1973-2004), a pessoa enlutada sente muita solidão
emocional e as suas amizades não contribuem muito para atenuá-la. Essa solidão pode
ser definida como aquela que só pode ser remediada pelo envolvimento numa relação
de dedicação mútua. A característica primordial do termo solidão, no luto, denota o desejo
da companhia de uma pessoa em particular que era o cônjuge, porém, ele não estava
mais presente (PARKES, 1998).
Dessa maneira, o fato de os indivíduos enlutados morarem sozinhos, ou com outras
pessoas na casa, não reduz substancialmente a solidão relatada por aqueles que
perderam o cônjuge, e ter alguém com quem pudessem confiar também não alivia a
solidão dos enlutados (PARKES, idem). Esse sentimento, muitas vezes, não é amenizado
pela companhia das demais pessoas, ou seja, da rede de apoio social, porque o individuo
enlutado se vê completo apenas com a presença da pessoa que se foi.
Em geral, a falta de suporte social comumente ocorre em idosos no período em
que os filhos deixaram a casa e é mais difícil manterem relacionamento social fora de
casa. Parkes (2006) cita a pesquisa de Fulton e Owen (1977), que compararam as
reações da morte de um cônjuge e dos pais de crianças e encontraram que, embora as
pessoas que perderam um filho estivessem mais pesarosas e preocupadas com relação
à perda, os que tinham perdido o cônjuge estavam mais solitários.
O estudo supracitado demonstra que viúvos e viúvas estavam vivendo mais
Perda
37
sozinhos do que as pessoas que tinham perdido um filho. Contudo, não é possível
generalizar esse fato, pois cada indivíduo enlutado vai reagir à perda de diferentes
maneiras, dependendo de diversos fatores inter-relacionados no processo de
enfrentamento, isso independe de qual é o tipo da perda.
De acordo com Bowlby (1973-2004), embora as pessoas reajam à perda de um
ente querido de maneiras diferentes, a intensidade e a duração do pesar varie
consideravelmente de indivíduo para indivíduo, existe um padrão geral básico. As quatro
fases do curso do luto podem seguir o mostrado abaixo.
1. Fase de entorpecimento: em geral dura de algumas horas a uma semana e
pode apresentar intercorrências de raiva extremamente intensas.
A reação imediata à morte do marido varia muito de época para época, de pessoa
para pessoa. A maior parte das viúvas sente-se chocada e incapaz de aceitar a notícia e,
em alguns momentos, provavelmente se sentirá tensa e apreensiva. Com o passar do
tempo, elas podem continuar sua vida normal quase que automaticamente.
2. Fase de anseio e busca da figura perdida
Após algumas horas ou alguns dias da perda, o enlutado passa a vivenciar a
realidade da perda, isso leva a crises de desânimo e de aflição. Pode ocorrer também
inquietação, insônia, preocupação com lembranças do marido perdido, juntamente com
sentimento de que seu marido está presente concretamente.
O enlutado, em geral, está envolvido pela premência de chamar, procurar e
recuperar a pessoa perdida e, muitas vezes, age de acordo com essa premência. A
busca da pessoa perdida é parte integrante do luto do adulto.
No início do processo do luto é comum que a pessoa enlutada, de um lado, tenha
a crença de que a morte ocorreu, provocando dor e anseio e, do outro, ocorra a descrença
de que ela tenha ocorrido, pois a pessoa acredita na premência de buscar e recuperar a
Perda
38
pessoa perdida. Esses estados podem variar no decorrer do processo de enlutamento.
A raiva surge na medida em que a pessoa passa a se frustrar com essa busca infrutífera,
para restabelecer o elo que foi rompido (BOWLBY, 1973-2004).
3. Fase de desorganização e desespero e fase de reorganização
Enquanto a pessoa não acredita que a sua perda é irrecuperável, ela pode sentir
esperanças e ser impelida à ação. Isso pode provocar ansiedade pelo esforço frustrado
na busca da pessoa morta.
Em geral, a pessoa enlutada aceita e reconhece, gradualmente, que a perda é
irreparável. A reconstrução da sua vida pode iniciar quando o enlutado conseguir tolerar
que a perda ocorreu e suportar a raiva em relação a qualquer pessoa que possa ter tido
responsabilidade pela morte, até mesmo a pessoa morta. Isso leva a pensar como é
importante que o enlutado supere antigos padrões de comportamento, de pensamento,
de sentimento e de ação antes de surgirem outros novos (BOWLBY, idem).
O enlutado pode se sentir desesperado em perceber que as coisas não vão voltar
a ser como eram antes e, conseqüentemente, pode se tornar deprimido e apático. Porém,
se a pessoa consegue superar essa fase, pode surgir nova situação. Isso implica na
redefinição do eu e da situação, ainda que signifique abrir mão de qualquer esperança
de recuperar a pessoa perdida e restabelecer a situação e, a partir daí, fazer planos
futuros. Após essa etapa, a pessoa pode reconhecer que é necessário adotar alguns
papéis aos quais não está habituada e adquirir novas habilidades (BOWLBY, idem).
Nas culturas ocidentais, é muito difícil retomar a vida social, mesmo que de modo
superficial. Para alguns enlutados as situações sociais que vivenciaram junto com o
cônjuge são dolorosas, porque remetem a muitas lembranças do companheiro. Em geral,
tanto viúvos como viúvas preferem se encontrar com pessoas do mesmo sexo. Para o
homem, essa situação pode ser mais fácil quando já há um grupo de companheiros
Perda
39
constituído, enquanto, que para a mulher, os grupos de igreja podem ser valiosos
(BOWLBY, 1973-2004).
Desse modo, homens e mulheres divergem na maneira como irão buscar a rede
de apoio social, sendo que geralmente procuram pessoas do mesmo sexo e, ainda,
mulheres têm naturalmente maior apoio social do que os homens até porque elas solicitam
mais ajuda.
A Teoria do Apego contribui de forma significativa para motivar o indivíduo a
procurar pela pessoa, obter sua presença e seu cuidado quando se vê ausente da figura
de apego. Traz subsídios fundamentais para compreender as diversas reações
comportamentais e emocionais oriundas da perda da figura de apego e do entendimento
do luto.
2.2 Perda na vida adulta
Os indivíduos aprendem a padronizar e regular suas funções mais básicas, tais
como alterações emocionais, pensamentos, ações, apetite e sono, ao se relacionar com
os outros. Quando esses padrões reacionais de auto-regulação são rompidos pela morte,
há que se aprender a restabelecer essas funções sob circunstâncias radicalmente
diferentes. A própria capacidade de funcionamento do indivíduo, a rede de apoio social
e a imagem internalizada transformada do ente querido são essenciais para o
É impossível pensar que eu nunca mais me sentarei com você e
ouvirei seu riso. Que todos os dias pelo resto de minha vida você
estará distante. Não terei ninguém para falar de meus prazeres.
Ninguém para me convidar a caminhar, para ir “ao terraço”. Escrevo
num livro vazio. Choro num quarto vazio. E jamais poderá haver
qualquer consolo.
CARRINGTON, apud BOWLBY, 1973-2004, p. 261
Perda
40
restabelecimento da auto-regulação (SHAPIRO, 1994). Nesse sentido, a perda na idade
adulta exige uma adaptação do indivíduo.
As sensações iniciais do luto na vida adulta são profundas e podem afetar os
aspectos físicos e psicológicos. Em geral, o enlutado tipicamente descreve dor crônica
no peito, apresenta dificuldade de respiração e algumas vezes para engolir, esses
sintomas sugerem a sensação de Coração Partido (SHAPIRO, idem).
As experiências de perda são acompanhadas por mudanças comportamentais e
fisiológicas que podem afetar o indivíduo e podem ter implicações adversas na saúde
pública. O tratamento farmacológico do luto tem sido aplicado para melhorar ou prevenir
certas conseqüências afetivas e médicas adversas. Porém, um estudo envolvendo o
tratamento de um grupo de indivíduos idosos recém-enlutados, consumidores do
antidepressivo tricíclico Nortriplyne, descobriu evidência de melhora dos sintomas de
depressão, qualidade do sono e nível geral de funcionamento orgânico, mas os sintomas
de luto não obtiveram melhora (PASTERNAK et al., 1991 apud REITE; BOCCIA, 1994).
Desse modo, o enlutamento pode ser pensado como evento que pode, em alguns
casos, ser auxiliado pelo tratamento farmacológico a fim de prevenir ou melhorar
conseqüências fisiológicas adversas. Entretanto, se faz necessário avaliação de quais
indivíduos se beneficiariam do tratamento e qual dose aplicada seria necessária (REITE;
BOCCIA, idem).
Insta afirmar que, o uso de medicamentos pode melhorar os sintomas fisiológicos
do enlutado, mas não interfere no processo psicológico de enlutamento. Contrariamente,
o uso de medicamentos alivia o sofrimento momentaneamente, porém, pode postergar
o tempo do luto.
O pesar do luto pode ser forte ou fraco, breve ou prolongado, imediato ou adiado.
Seus aspectos peculiares podem ser distorcidos e os sintomas, em geral, tornam-se
Perda
41
grandes fontes de sofrimento (PARKES, 1998). Assim, muitos fatores devem ser
considerados quando se tenta explicar as diferenças entre as respostas das pessoas ao
luto.
Cada indivíduo reage diferentemente à perda de uma pessoa amada. Enquanto
muitos podem parecer tristes ou chorosos, outros podem apresentar dificuldades
relacionadas ao trabalho, distúrbios do sono e mudanças no comportamento, além de
mudanças no apetite e no peso, problemas de memória, aumento do risco de suicídio e
aumento do uso de álcool, tabaco e tranqüilizantes (PARKES, idem; MADDISON; VIOLA,
1968).
As reações do luto normal são aquelas em que o enlutado caminha em direção à
aceitação da perda e apresenta capacidade para continuar cuidando da sua vida. Alguns
indicadores de êxito na elaboração do luto incluem a capacidade para sentir que a vida
continua, para reinvestir no relacionamento interpessoal e em atividades cotidianas
(PRIGERSON; JACOBS, 2001; FRANCO, 2002).
Nesse diapasão, a aceitação da perda é o precursor para a elaboração do luto,
entretanto, como já fora salientado esse fato irá ocorrer de acordo com o tempo de cada
indivíduo, de sua necessidade de sentir-se ainda vivo, mesmo que em muitos casos,
sente-se mutilado, pelo fato de que sua maior companhia, a razão de sua vida, não está
mais presente.
Contudo, por se tratar de seres humanos providos de sentimentos peculiares, nem
sempre ocorre a elaboração, podendo o enlutado vivenciar o luto complicado, onde há o
desencadeamento de complicações físicas e psicológicas. Nesses casos, há maior
dificuldade na aceitação e, por conseqüência, na reestruturação da vida.
O luto pode ser considerado como reação normal e esperada diante do
rompimento de uma relação significativa, que pode abranger morte, divórcio,
Perda
42
aposentadoria, mudanças forçadas e que têm impacto sobre o indivíduo e a família
(BROMBERG, 1996). O sofrimento é reação universal à perda de uma figura de vínculo,
mesmo que se manifeste de diferentes maneiras de acordo com cada cultura (BOWLBY,
1969-2002).
Para Parkes (1998, p. 22-23)
O luto pode ser denominado como complicado quando ocorre desvio do processo
normal de luto, caracterizado por enfrentamento mal adaptativo que interfere nos aspectos
cognitivos, afetivos e sociais e que pode levar a complicações físicas e psicológicas
(CATALDO; MAJOLA, 1997).
Franco (2002) considera quatro principais fatores de risco para o luto complicado:
fatores predisponentes no enlutado (ser jovem, baixa auto-estima, perdas anteriores),
fatores da relação com o morto (cônjuge, enlutado ambivalente ou dependente), tipos de
morte (inesperada, após um longo período de adoecimento, suicídio, assassinato) e
suporte social (família considerada inútil como suporte ou ausência de familiares
próximos).
Há consenso entre os estudos de que o choque é a primeira resposta diante da
morte de um ente querido e que, no caso de morte súbita e inesperada, essa reação
será acentuada. A pessoa enlutada experimenta um estado de choque e confusão e,
posteriormente, surge a vergonha e a ansiedade do enlutado devido ao seu
comportamento irracional; esse fato pode ser atenuado pela clareza de que ele pode
A dor do luto é tanto parte da vida quanto a alegria de viver; é,
talvez, o preço que pagamos pelo amor, o preço do compromisso.
Ignorar este fato ou fingir que não é bem assim é cegar-se
emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as perdas
que irão inevitavelmente ocorrer em nossa vida, e também para
ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas.
Perda
43
expressar seus sentimentos. Os problemas da perda imediata tornam-se acentuados
em decorrência de respostas perplexas e incompreensíveis de outros indivíduos
(PINCUS, 1974-1989).
Na reação inicial da perda, os enlutados têm dificuldade para mudar sua
autopercepção do mundo, caracterizada pelos hábitos de pensamento, sentimento e
interação, que foram construídos ao longo das suas vidas. Os enlutados, em geral,
apresentam consciência dividida em suas respostas iniciais à notícia da morte do ente
querido. Uma parte deles reconhece a realidade vivida, ao mesmo tempo em que a
rejeita em trabalhos, experiências e conhecimento. Esse mecanismo emocional e
perceptivo que os enlutados muitas vezes descrevem se aproxima do que se chama de
dissociação (SHAPIRO, 1994).
Algumas pesquisas vêm descobrindo que o processo de recuperação, advindo
da morte de um membro próximo da família, é um pouco mais prolongado do que se
supunha e que, de fato, em muitas instâncias é vitalício. Muitos adultos retornam a razoável
nível de funcionamento externo bem-sucedido, dois ou três anos após a morte,
particularmente na morte do cônjuge (WEISS, 1991; OSTERWEIS et al., 1984).
Os enlutados podem demorar muitos anos para reconstruir a vida adulta e
reorganizar a percepção de si mesmo como pessoa, sem a presença do ente querido. O
campo de saúde mental está começando a perceber a natureza do luto e do processo de
recuperação. Ainda há clínicos com posturas rígidas acerca da recuperação do luto,
acreditando que todos os seus processos seriam possíveis pela recuperação num período
de tempo limitado, sem levar em conta a peculiaridade de cada indivíduo (SHAPIRO,
idem).
Relacionamentos familiares podem ser importantes fontes de apoio para a
recuperação no luto adulto. Contudo, as exigências da vida familiar propiciam, nos
Perda
44
relacionamentos, fonte de aumento no nível de estresse. Todavia, a recuperação do luto
não deve significar que os enlutados retornem imutáveis da forma como eram antes da
perda (SHAPIRO, 1994).
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV – TR (2002), alguns elementos que servem
para diferenciar a natureza do luto e o transtorno depressivo maior incluem: culpa pelas
coisas recebidas após a morte da pessoa querida, pensamento de morte maior do que
a vontade de viver, sentimento de que deveria ter morrido com o falecido, preocupação
mórbida com sentimento de inutilidade, lentidão psicomotora acentuada, deterioração
funcional acentuada e prolongada e experiências alucinatórias variadas.
O diagnóstico de transtorno depressivo maior geralmente é dado se esses
sintomas persistirem por dois meses após a perda. O indivíduo enlutado, tipicamente,
considera seu humor deprimido como normal, embora possa buscar auxílio profissional
para o alívio dos sintomas associados (DSM-IV – TR, idem).
Shear et al. (2005) incluem outros aspectos: senso de descrença, de ansiedade e
desespero a respeito da morte, angústias recorrentes de emoções dolorosas com intensa
saudade do falecido, preocupação com pensamentos a respeito da pessoa amada,
incluindo pensamentos intrusivos e aflitivos relacionados à morte.
As circunstâncias individuais contribuem para a natureza da reação ao luto. Fatores
como histórico familiar e relacionamentos internalizados da família de origem, histórico
de perdas prévias, estilo de personalidade e capacidade de fazer uso de apoios sociais
existentes, assim como a natureza do relacionamento pessoal com o falecido e a
disponibilidade de suporte social contribuem significantemente para a profundidade e
duração da experiência de luto (BOWLBY, 1973-2004; OSTERWEIS et al., 1984;
PARKES, 1998; STROEBE; STROEBE, 1987).
Perda
45
Além das circunstâncias efetivas de morte, o grau no qual essa é experimentada
como traumática e o grau que o adulto se sente responsável pela ocorrência de um
acidente fatal, ou de uma doença, também podem prolongar a duração do luto adulto
(BOWLBY, 1973-2004; OSTERWEIS et al., 1984).
A idade é um dos fatores que também pode afetar a magnitude da reação ao luto.
Há controvérsias em relação à idade na recuperação de indivíduos enlutados. Bowlby
(idem) afirma que a dificuldade de recuperação tende a ser maior nos indivíduos mais
jovens. A razão disso, é que a idade em que a pessoa sofre a perda de um cônjuge está
relacionada com o grau em que a morte é considerada como extemporânea, é como se
tivesse cortado precocemente uma vida antes de sua realização. É muito diferente uma
“morte tranqüila como um se apagar da pessoa idosa e o corte trágico e repentino do
jovem, em seu desabrochar...” (PARKES, 1998, p.153). Isso pode resultar nas reações
de luto do sobrevivente (STROEBE, 2000; PRIGERSON; JACOBS, 2001; FRANCO,
2002).
Nem todos os estudos chegam a esses mesmos resultados e a relação entre
idade e resultado do luto não foi confirmada na pesquisa feita por Sable (1991), na qual
as viúvas mais velhas apresentavam graus mais elevados de sofrimento de um a três
anos após a perda, comparadas a viúvas mais novas. Uma das explicações possíveis, é
que, na idade avançada, além do luto da viuvez, ocorre multiplicidade de perdas (PARKES,
idem).
Na verdade, ainda há poucos estudos acerca das correlações entre a idade e o
sexo da pessoa enlutada e sobre tendência do pesar seguir curso patológico (BOWLBY,
idem).
No que tange a fatores como idade e sexo do enlutado no processo de superação
do luto, os autores mencionados divergem quanto a posição adotada, porém o
Perda
46
entendimento deve ser ampliado através da análise de todos os fatores que o circundam
e não tão somente por esses em específico.
As causas e as circunstâncias em que ocorre a perda variam muito e podem
facilitar ou dificultar o luto sadio. Quando a perda é súbita e inesperada, parece haver
maior choque inicial do que se a morte fosse prevista (PARKES, 1998; BOWLBY, 1973-
2004). No seu estudo de Harvard sobre viúvos e viúvas, Parkes (idem) demonstra que,
depois de morte súbita, há um grau de perturbação emocional maior, com sintomas de
angústia, auto-acusação, depressão, que persiste durante os primeiros anos de
enlutamento. A pessoa enlutada pode sentir pesar profundo e talvez experimentar muita
raiva. Porém, se as causas e as circunstâncias da morte não são adversas, o luto pode
ser amenizado. A pessoa provavelmente vivenciará sentimento de ter sido abandonada
e, aos poucos, a expressão do anseio vai diminuindo (BOWLBY, idem).
De acordo com Bowlby (idem), as circunstâncias sociais e psicológicas também
devem ser levadas em conta. Essas podem afetar o enlutado durante o primeiro ano da
perda e podem influenciar o processo de luto em proporções significativas. Há três
variáveis que devem ser consideradas:
1. disposições residenciais - se a pessoa mora sozinha ou com parentes adultos
e se é responsável por crianças ou adolescentes;
2. condições e oportunidades socioeconômicas - como são as circunstâncias
econômicas, a sua habitação e como estão as oportunidades para organizar
um novo modo de vida social e econômico;
3. crenças e práticas que facilitam ou impedem o luto sadio - se essas facilitam
ou impedem o luto sadio e se parentes e amigos ajudam ou impedem no
processo de luto. Essa variável é importante na determinação do resultado do
luto.
Perda
47
Como corrobora Bowlby (1973-2004), há tendência a se subestimar os efeitos da
perda, em adultos ou em crianças, o quão aflitiva e desnorteante é a perda e quanto
tempo ela dura, supondo-se que uma pessoa normal e sadia pode e deve superar o luto
não só de maneira rápida, como também de maneira total.
Apesar de uma adaptação externa bem-sucedida diante das circunstâncias de
uma nova vida, muitos adultos, os quais perderam um membro próximo da família,
descrevem suas vidas, seus relacionamentos familiares e sua noção de si mesmos ainda
com certa dificuldade. Adultos enlutados podem mudar não somente pela morte, mas
também pelas experiências subseqüentes dos padrões de suas vidas diárias, suas
emoções internas, e seus relacionamentos com os membros sobreviventes da família.
Os enlutados freqüentemente continuam com envolvimento significativo, com memórias
pungentes do falecido (SHAPIRO, 1994).
O lapso temporal entre a morte do ente querido e a readaptação do enlutado à
sua vida cotidiana pode durar muito tempo, possuindo variáveis consideráveis no que se
refere a todas as circunstâncias decorrentes dessa perda. As emoções, relacionamentos
com as demais pessoas do grupo social, dentre outros, são fatores que refletem em todo
o processo de luto.
2.3 Família e luto
A perda acometida no núcleo familiar é um processo que acarreta devastadora
modificação no comportamento dos indivíduos. Em muitos casos, a estrutura familiar,
além do luto em si, passa por momentos intermitentes de crise, pois a transformação
que essa perda traz na vida do enlutado, têm parâmetros imensuráveis. Nesse espectro,
deve ser avaliada toda estrutura emocional que o indivíduo enlutado traz desde a infância,
o que demonstra a aplicação da Teoria do Apego de forma direta nesse processo.
Perda
48
Para Cerveny (1994), a família é um grupo específico que constrói sua identidade
fundamentada na vivência participativa de seus membros. Esses são reciprocamente
influenciados pelos demais e por si mesmos. O grupo familiar é considerado o precursor
da identidade de cada indivíduo, legitimando e delimitando o seu espaço social.
A relação entre os indivíduos do grupo familiar, via de regra, inicia-se muito cedo,
perdurando por grande lapso temporal, podendo, dessa forma, ser considerada a inter-
relação mais importante na vida dos indivíduos (CERVENY; BERTHOUD, 2002-2004).
Porém, em detrimento do processo de luto, pode-se considerar que esse apoio familiar
e social dura menos do que a vivência de luto (BROMBERG, 2000).
O sistema familiar opera de acordo com certos princípios da homeostase, como
as rotinas, regras, rituais, segredos, dentre outros padrões interativos, integrando o
cotidiano que os protege (CERVENY, idem).
O processo de perda implica em situação muito dolorosa em relação ao núcleo
familiar sobrevivente, haja vista que essa modificação acarreta a transformação em todos
os padrões de interação do ciclo vital inicialmente estabelecido, além de implicar na
integral reestruturação e readaptação do núcleo social e familiar e, ainda, na superação
de desafios que até então não foram vivenciados pelos mesmos (WALSH; McGOLDRICK,
1998).
Nesse sentido, mormente, pode-se vislumbrar crise familiar em decorrência da
perda. Isso ocorre da necessidade de prosseguir no desempenho de atividades que
podem ser rotineiras ou contemporâneas, contudo, há que se verificar o fator agravante
do luto individual e, ainda, aquele de cada membro do grupo, tendo-se em mente que
cada pessoa reage a essa situação de maneira própria e una (BROMBERG, 1996).
O processo de reestruturação tem início somente após a superação dessa crise
familiar, pois, nesse período, os indivíduos ficam estagnados, o que impede a criação de
Perda
49
nova identidade familiar, fato gerador do equilíbrio necessário para a possibilidade da
reestruturação familiar (BROMBERG, 1996).
Nesse período de enlutamento, uma das dificuldades apresentadas se refere à
falta de oportunidade e até mesmo de condições emocionais para expressar sentimentos
que, invariavelmente, seriam feitos de maneira natural tais como a raiva, a culpa, dentre
outros. Essa ausência de espaço para a demonstração dessas manifestações dificulta
a reorganização da entidade familiar (BROMBERG, idem).
No caso da perda do cônjuge, além da perda de sua pessoa física ocorre também
a perda da condição civil, tendo o sobrevivente que adotar novamente sua identidade
autônoma e individual. Essa mudança, que pode parecer insignificante, tem relevância
absoluta no processo de recuperação do indivíduo enlutado, uma vez que toda a história
construída e sonhada se vê rompida pela quebra do laço afetivo decorrente da morte. Os
vínculos construídos no decorrer da vida do casal são fatores que geram a estabilidade
de cada indivíduo, sendo aspectos muito especiais de parceria. A retomada na vida com
um sentimento de solidão e vazio intensos, variando caso a caso, pode ser dura e intensa
(OLIVEIRA, 2002).
Acima de muitos fatores, a quebra do vínculo afetivo, do laço de união que existia
entre os cônjuges denota sentimento de dor e solidão. Há o rompimento do mundo real
vivenciado até aquele momento na presença do indivíduo que acabara de morrer, e o
surgimento de um mundo onde as experiências novas são amedrontadoras. Existe nessa
fase dúvidas, angústias e receios acerca do desconhecido que está por vir.
Em geral, a dor do enlutado não é dividida e compartilhada pela família, ou seja,
em muitos casos esse não consegue visualizar que a rede familiar também está
vivenciando o luto, o que desencadeia uma confusão de sentimentos que são, em
determinados casos, precursores da crise familiar. O diálogo e o compartilhamento de
Perda
50
idéias no núcleo familiar transforma-se em base de apoio para o início da aceitação do
luto.
Todos os membros da família, como anteriormente elencado, vivenciam o processo
de luto. Entretanto, os filhos podem passar por dificuldade maior na aceitação dessa
perda, necessitando de amparo do ente mais próximo que sobreviveu. Geralmente ocorre
grande dificuldade para administrar esses sentimentos decorrentes do luto, o que ocasiona
alteração no padrão de comunicação e vivência familiar, impedindo a percepção do luto
dos demais. De certa maneira, cada qual consegue apenas vislumbrar e entender seu
próprio momento e não o dos demais familiares. A dificuldade de aceitação da perda e
seu conseqüente luto podem ser ainda maiores em decorrência de como e qual foi a
causa da morte (OLIVEIRA, 2002).
A situação impactante da morte, sua natureza, o momento da perda no ciclo da
vida, o contexto sociocultural e o funcionamento da rede familiar são fatores relevantes
no processo de enlutamento e geradores de conseqüências positivas ou adversas de
qualquer perda. Cada tipo de morte demanda mecanismos de enfrentamento diversos
pelo indivíduo sobrevivente. Quando ocorre morte de maneira repentina, a família precisa
de mais tempo para a aceitação da perda e também para concluir atos e fatos que
ficaram pendentes; no caso de uma perda ambígua, ocorre incerteza quanto à morte,
provocando agonia para a família. Por exemplo, no caso de desaparecimento. A morte
violenta também pode causar impacto devastador para a família (WALSH; McGOLDRICK,
1998).
Destarte, as circunstâncias como a morte ocorreu, bem como, o modo e toda a
relação desses eventos com a estrutura familiar demanda a forma como cada indivíduo
irá enfrentar e vivenciar esse luto. Porém, não há regra que admita que em determinado
tipo de morte, o luto será mais ou menos intenso, existem fatores internos e externos que
Perda
51
fazem com que essa vivência ocorra de forma diversa em cada indivíduo que está enlutado.
Dessa forma, o diálogo familiar tem suma importância no processo da perda,
uma vez que há troca recíproca de sentimentos, perspectivas e expectativas em relação
às experiências que terão obrigatoriamente que serem vividas. Com isso, haverá conexão
entre os membros da família, inclusive no que tange às implicações negativas como, por
exemplo, a construção do futuro na ausência daquele que se foi (WALSH; McGOLDRICK,
1998).
As famílias podem vivenciar emoções intensas, transparecendo em momentos,
situações e formas diversas, de modo que sentimentos ambivalentes podem aflorar de
maneira natural, porém, muitas vezes, inesperada. Raiva, desamparo, alívio, culpa,
abandono, dentre outros, são sentimentos plausíveis de ser vivenciados nas relações
familiares (WALSH; McGOLDRICK, idem).
2.4 Viuvez
A perda por morte é considerada situação de crise e a morte do cônjuge,
especificamente, tem sido reconhecida como uma das mais estressantes e dolorosas
experiências em termos de intensidade e duração do processo de enlutamento,
abrangendo todas as idades e contextos culturais (HOLMES; RAHE, 1967; WINDHOLZ,
MARMAR; HOROWITZ, 1985; DEMI, 1989; PARKES, 1998; PRIGERSON; JACOBS,
2001; UNGAR; FLORIAN, 2004).
A morte do cônjuge está relacionada ao aumento das taxas de mortalidade e de
morbidade nos pacientes enlutados (STROEBE ; STROEBE, 1987; DEMI, idem; PARKES,
idem; JONES, 1987). É o tipo mais freqüente de luto que precede problemas psiquiátricos,
caracterizado como expressão de luto patológico (BOWLBY, 1973-2004; PARKES, idem;
PARKES, 2006).
Perda
A viuvez têm demonstrado ser experiência com maior grau de dificuldade de
superação para o cônjuge enlutado. Desse luto, pode desencadear problemas
psiquiátricos, e até mesmo levar a morte. Há relação direta na saúde do cônjuge
sobrevivente, especialmente, para aqueles que não têm uma rede de apoio social mais
próxima.
Bowlby (1973-2004) enfatiza que a maioria das mulheres leva muito tempo para
superar a morte do marido e que, qualquer que seja a avaliação psiquiátrica à qual foram
submetidas, menos da metade apresentou recuperação ao final do primeiro ano. Quase
sempre a saúde é afetada. As pessoas enlutadas, em geral, apresentam insônia, dores
de cabeça, ansiedade, tensão e cansaço. A maioria das viúvas se recupera de seu estado
original de saúde e bem-estar de dois a três anos, porém, minoria substancial de viúvas
não recupera totalmente seu estado original de saúde e bem-estar.
Devido ao fato de o enlutamento conjugal se apresentar usualmente em censos e
registros de saúde, vários dados estão disponíveis, o que permite a análise de risco
excessivo em termos de doenças específicas e até mortalidade. Desse modo, enquanto
muitos eventos de vida como divórcio ou separação poderiam ser conseqüência ao invés
de serem a causa de problemas de personalidade ou depressão, isso não ocorre no
caso do enlutamento (STROEBE, 2000).
A perda do cônjuge, devido à morte, pode realmente afetar adversamente a saúde
do parceiro sobrevivente. Isso tem sido demonstrado em avaliações epidemiológicas,
comparando grupos casados em várias medidas de saúde e em estudos de grupo
longitudinal, examinando o estado de saúde de pessoas enlutadas em comparação com
o de pessoas não enlutadas por período de tempo subseqüente à perda (OSTERWEIS
et al., 1984; STROEBE; STROEBE, 1987).
Existe forte evidência de que as conseqüências à saúde são afetadas por fatores
52
Perda
tais como a forma, ou seja, conseqüências mais severas após perda repentina do que
em perdas esperadas; o gênero, sendo constatado que homens sofrem conseqüências
mais severas e o grau de apoio social que o indivíduo recebe, após a perda, diverge de
acordo com o apoio recebido. As conseqüências são mais severas para pessoas que
não recebem relevante apoio social (STROEBE, 2000).
A incidência de morte de cônjuges tem sido estimada em 1,6% a cada ano para
homens idosos e 3% para mulheres idosas e afeta aproximadamente 7,5% da população
adulta (MURREL et al., 1984). Os estudos revisados demonstraram que 20% dos
enlutados sofrem doenças (MURRELL et al.,idem; NORRIS; HUTCHINGS, 1984;
WINDHOLZ; MARMAR; HOROWITZ, 1985). Assim, a saúde da pessoa enlutada, no geral,
está em risco quando comparado aos indivíduos não enlutados (STROEBE et al., 1993-
2001; STROEBE, idem; STROEBE; STROEBE, 1987; WINDHOLZ; MARMAR;
HOROWITZ, idem). Esses estudos trazem algumas evidências de que o luto pode afetar
a saúde da pessoa enlutada, pode aumentar as taxas de mortalidade e de morbidade e
apresentar maior índice de doenças.
Os custos do luto, em termos de saúde, podem ser extremos. O luto está associado
ao declínio da saúde, ao uso inapropriado do serviço de saúde, ao aumento para o risco
de morte e à maior procura pelos profissionais da área médica. Identificar e intervir junto
aos pacientes enlutados ajudaria a prevenir esses riscos (SHEAR et al., 2005; STROEBE
et al., idem; PRIGERSON; JACOBS, 2001; STROEBE, idem; KHIN; SUNDERLAND,
2000; PARKES, 1998; STROEBE; STROEBE, idem; WINDHOLZ; MARMAR; HOROWITZ,
idem).
Pesquisa realizada com 22 viúvas londrinas (PARKES, 1970), verificou que as
viúvas com menos de 65 anos de idade consultavam com mais freqüência o clínico geral
em busca de ajuda para problemas emocionais durante os seis primeiros meses após a
53
Perda
perda, e apresentaram consumo de sedativo sete vezes maior, porém, o mesmo não
ocorria com viúvas mais idosas.
Parkes (1998) constatou que há taxa de mortalidade mais significativa entre
pessoas viúvas do que entre pessoas casadas da mesma idade. Pesquisa realizada
por Maddison e Viola (1968) demonstrou que 32% das viúvas apresentam deterioração
da saúde no primeiro ano do luto contra 2% das mulheres casadas. As causas de morte
nos pacientes enlutados têm sido atribuídas a doenças cardiovasculares, alcoolismo e
suicídio, e os sintomas físicos incluem taquicardia, indigestão, dor no peito, palpitações,
dor de cabeça e doenças psicossomáticas (PARKES, idem; WINDHOLZ, MARMAR;
HOROWITZ, 1985; DEMI, 1989; KHIN; SUNDERLAND, 2000).
Windholz, Marmar e Horowitz (idem), realizaram pesquisa com viúvas e viúvos
utilizando um questionário sobre a saúde geral. O estudo identificou maior consumo de
drogas psicotrópicas (sedativos, hipnóticos e tranqüilizantes) e saúde física mais frágil,
em ambos os sexos. Em relação à mortalidade, os viúvos idosos apresentaram risco
maior quando comparados aos viúvos mais jovens, as viúvas manifestaram sintomas
somáticos e psicossomáticos no período pós-enlutamento, especialmente se os seus
cônjuges haviam sofrido doenças crônicas.
A saúde torna-se fragilizada em decorrência do luto. Há grande consumo de drogas
psicotrópicas que apenas amenizam e retardam o processo vivido, porém, prolongam o
sofrimento. Dessa forma, a utilização de mecanismos de prevenção e acompanhamento
para o enlutado se faz mister nesse momento.
Com relação às diferenças de gênero, no que diz respeito à mortalidade na
experiência de luto, existem fatores culturais e variação no modo como homens e mulheres
solicitam ajuda (PARKES, 2006). Revisões recentes acerca das diferenças de gênero,
realizadas por Stroebe et al. (1993-2001), concluíram que em todas as épocas as mulheres
apresentam mais distúrbios emocionais, sintomas psicológicos e comportamento de
54
Perda
pedir ajuda.
Os estudos mostraram que os homens apresentam taxas de mortalidade maiores
que as mulheres, sendo mais vulneráveis (STROEBE et al., 1993-2001; PARKES, 1998;
JONES, 1987; WINDHOLZ; MARMAR; HOROWITZ, 1985). As mulheres, em geral, saem
da experiência de luto com mais problemas psicológicos do que os homens e tem maior
probabilidade de procurarem ajuda psiquiátrica após o luto. Isso pode estar relacionado
com os fatores culturais ou características biológicas. Por contraste, são os homens que
apresentam maior tendência para morrer de problemas cardíacos, caracterizando a
Síndrome do Coração Partido depois da morte do cônjuge e depressão significativamente
maior de dois a quatro anos após o enlutamento, quando comparados a pessoas casadas
do mesmo sexo (PARKES, 2006).
Apesar de ficar constatado que as mulheres apresentam maiores taxas de
distúrbios emocionais e comportamentais se comparadas aos homens, há que se
ressaltar que estas buscam o apoio da rede social com maior freqüência e o índice de
mortalidade dos homens é mais elevado. O desencadeamento da depressão em
indivíduos do sexo masculino, em decorrência do luto, tem se mostrado muito mais comum
do que em mulheres. Esses distúrbios têm reflexo direto em todo âmbito social desse
indivíduo, prejudicando o convívio e a vivência em comunidade.
Além disso, esse fato pode ser atribuído às diferenças existentes na expressão
da dor e do choro no luto encontradas na sociedade ocidental. A tendência masculina de
inibir os sentimentos e a relutância em pedir ajuda, torna-se mais difícil para os homens
do que para as mulheres serem amparados nas suas emoções pela família e pelo grupo
social, após o enlutamento. Isso pode interferir no processo de luto e agravar as
conseqüências da doença cardíaca pré-existente. Entretanto, os homens podem evitar
falar dos seus sentimentos, mas administram bem as questões práticas que vivenciam
55
Perda
após o luto (PARKES, 1998; PARKES, 2006).
Após revisão detalhada da literatura de luto existente para a viuvez, Stroebe e
Stroebe (1987) concluíram que, mesmo considerando as limitações metodológicas, os
viúvos e viúvas apresentam maiores riscos que os casados no que diz respeito às
desordens psiquiátricas, problemas físicos ou mortalidade.
O luto tem sido tema proeminente em muitos modelos de psicopatologia e pode
ser um dos fatores de vulnerabilidade para a doença mental, tanto na infância quanto na
vida adulta (BOWLBY, 1969-2002; BOWLBY, 1973-2004; PARKES, 1998; KHIN;
SUNDERLAND, 2000; OTT, 2003). Os seus efeitos podem ser severos e o luto não
resolvido tem sido relacionado à depressão, doenças crônicas, culpa e distúrbios
significativos na auto-estima. Tais complicações não se refletem somente em termos do
sofrimento pessoal, mas também na família, trabalho, ambiente social, sistema de cuidado
da saúde e na comunidade (OTT, idem).
A depressão está associada a fatores de risco para o desenvolvimento de doenças
das artérias coronárias, incluindo arritmia, infarto do miocárdio, ataque do coração e
morte súbita (GRIPPO; JOHNSON, 2002; MUSSELMAN et al., 1998). Desse modo, se o
luto pode causar depressão, o enlutado corre riscos para desenvolver doenças
coronarianas.
Um dos fatores que tem sido considerado para predizer reações problemáticas,
diante da morte de um cônjuge é o relacionamento ambivalente ou dependente. A perda
do cônjuge aponta para subseqüente isolamento social, luto e solidão, quando o
relacionamento do casal apresentava altas taxas de divergências conjugais e/ou
dependência. Apegos ansiosos/ambivalentes aos pais na infância podem ter precipitado
relacionamento de dependência na vida adulta e propagado as raízes do luto crônico
após a perda do cônjuge. Alguns estudos corroboram essa afirmação de que o luto do
56
Perda
cônjuge ocorre de forma mais severa e prolongada, com intensa solidão, se comparado
a outros enlutamentos (PARKES, 2006).
Esse fato pode ser ilustrado no estudo de Harvard, no qual foi realizada pesquisa
longitudinal de viúvos e viúvas jovens (PARKES, 1998), os relatos de altos níveis de conflito
marital foram associados com pouco pesar, durante as primeiras semanas de luto, mas,
depois do primeiro mês, no luto do grupo que apresentava conflito, houve tendência para
tornar-se severo e prolongado e, de dois a quatro anos depois, esses viúvos e viúvas
ainda expressam surpreendente pesar contínuo pela perda do seu parceiro. O
relacionamento dependente também está associado com luto prolongado, mas, nesse
caso, o luto pode ser intenso desde o início.
Os viúvos e viúvas tentam preservar o senso de identidade como forma de manter
os sentimentos de apego em relação ao cônjuge morto e reorganizar suas vidas dentro
desse aspecto que lhes parece significativo (BOWLBY, 1973-2004).
Em alguns casos, a pessoa enlutada percebe o cônjuge morto por toda parte e,
em outros, ele parece estar num lugar específico e adequado (BOWLBY, idem). Alguns
enlutados experimentam conforto ao sonhar com o ente querido e os sonhos podem
indicar que o luto está tomando curso favorável quando essa vivência é confortadora. Por
outro lado, para alguns enlutados, pode ser sinal de que alguma coisa não está bem
(PARKES, idem).
Entretanto, a capacidade de um viúvo ou viúva para enfrentar os novos papéis e
responsabilidades, desencadeadas com a perda do cônjuge, vai depender da
personalidade e da experiência anterior do enlutado e, em parte, das exigências feitas
pelo contexto familiar e referências de apoio. Os filhos pequenos podem ser considerados
como fardo ou bênção, bem como os parentes do cônjuge falecido (BOWLBY, 1982-
2006).
57
Perda
A aceitação da morte do cônjuge pelo enlutado pode ocorrer de forma muito
complexa, pois em diversos casos a presença fictícia do ente que morreu parece real.
Sonhos, percepções da sua presença física, podem ser fatores complicadores ou
amenizantes da dor do luto. Cada qual irá desempenhar o papel de viúvo assumindo
suas responsabilidades de forma diversa, e ainda, tendo como base o apego
desenvolvido na infância, o contexto familiar que está inserido e demais referências de
apoio.
Todos os fatores, pessoas e circunstâncias que envolvem a vida do enlutado será
vivenciado por ele de acordo com seu estado emocional e suas experiências anteriores.
2.5 Perda e saúde cardíaca
O desenvolvimento de doenças cardíacas pode ser desencadeado devido à
inúmeras circunstâncias. No caso específico, constatou-se que o luto, juntamente com
toda dor e solidão que provoca, pode ser afetado pelas mesmas. Em alguns casos que
o indivíduo já possuía tais enfermidades a sua saúde pode ser agravada em razão do
luto. O que antes era meramente poético vem tendo expressão científica.
As estatísticas americanas apontam que a falta de companhia humana, a morte
súbita de um ente querido e a solidão crônica são fatores consideráveis na aparição de
doenças cardiovasculares. As disfunções cardíacas estão relacionadas ao estresse e à
dificuldade para lidar com ele, aos sentimentos de solidão, depressão, abandono e
isolamento e a traços de personalidade hostis e ansiosos (RAMOS, 1990). Desse modo,
a solidão e o isolamento podem levar à depressão e à sensação de abandono, sendo
referidos como fatores de alto risco no desenvolvimento de doenças cardíacas (LINCH,
1979 apud RAMOS, idem).
Doenças na vida adulta podem influenciar e ser influenciadas pela reação ao luto.
58
Perda
Muitas pesquisas têm abordado os efeitos do luto sobre a saúde e como podem afetar a
saúde física, provocando doenças e danos na vida adulta (PARKES, 2006; STROEBE;
STROEBE, 1987).
Pesquisas sobre os efeitos do luto na saúde física têm demonstrado que a causa
mais freqüente de doenças em pacientes enlutados está relacionada aos problemas
cardíacos (PARKES, 1998; STROEBE et al., 1993-2001; O’CONNOR, ALLEN;
KASZNIAK, 2002; STROEBE; STROEBE, idem).
No estudo realizado por Parkes, Benjamin e Fitzgerald (1969) sobre as causas
da morte de viúvos, ficou evidenciado que 3/4 das mortes nos primeiros seis meses de
viuvez eram decorrentes de problemas cardíacos, principalmente trombose da coronária
e doença coronariana arteriosclerótica. Em alguns casos, parece que certas doenças
são precipitadas ou agravadas por perdas importantes (PARKES, idem).
Windholz, Marmar e Horowitz (1985) apontaram três considerações sobre a saúde
dos enlutados que perderam seus cônjuges: aproximadamente 30% dos viúvos e viúvas
demonstraram pouco ou nenhum distúrbio sintomático em algum período após a perda,
cerca de 50% apresentaram níveis moderados de pesar nos primeiros meses, com
gradual recuperação de quatro meses a um ano após o evento e, aproximadamente,
20% sobreviveram com morbidade psicossocial por vários anos após a morte do cônjuge.
Para esse grupo, os fatores de risco incluíram sintomas físicos relativos à perda, falta de
apoio social percebido, mortes repentinas que interfere com a capacidade de assimilação
gradual das implicações da perda e a presença de múltiplos eventos estressantes
simultâneos.
A convicção de que o luto pode matar não tem sido expressa apenas por poetas,
mas também por cientistas. Parkes (idem) relata que, em 1657, o luto era classificado
como a quinta causa de morte na Inglaterra e que, em 1835, Benjamin Rush, médico
59
Perda
americano, afirmou que as autópsias dos indivíduos enlutados demonstravam:
Mesmo havendo evidências de que alguém morreu abruptamente de doença
cardíaca, após a perda do cônjuge, não há provas de que o luto, em si, tenha sido a
causa da morte. Não se pode afirmar que a pessoa teria morrido da mesma causa se
não tivesse passado pela experiência da perda (STROEBE; STROEBE, 1987; PARKES,
1998).
Estudo realizado por O’Connor, Allen e Kaszniak (2002) investigou a psicofisiologia
dos indivíduos enlutados, dos deprimidos e dos indivíduos controle. Demonstrou que os
indivíduos enlutados são caracterizados por aumento significativo da freqüência cardíaca,
quando comparados com os deprimidos ou com os participantes-controle. Porém, no
grupo dos enlutados, os indivíduos com maior nível de depressão demonstraram menor
variação do batimento cardíaco.
Esse estudo sugeriu que diferenças na freqüência cardíaca e na sua variação
poderiam estar associadas ao aumento de mortes por problemas cardiovasculares em
indivíduos enlutados, conhecido como Síndrome do Coração Partido. Essas diferenças
fisiológicas têm implicações potenciais tanto para a saúde mental quanto para a saúde
física do enlutado. Esse foi o primeiro estudo que examinou as diferenças da
psicofisiologia
1
autonômica
2
entre os indivíduos deprimidos e enlutados. Os resultados
demonstraram que os indivíduos enlutados apresentaram significativo aumento na
60
[...] congestão e inflamação do coração, com ruptura dos aurículos
e ventrículos. A ruptura do coração é uma situação muito rara
mas, quando ocorre, é causada por trombose coronária, (apud
PARKES, idem, p. 34).
1
Psicofisiologia: S.f. Estudo científico das relações entre a atividade fisiológica e o psiquismo. Novo Dicionário Aurélio
Buarque de Holanda: Ferreira, 2004, p.1653.
2
Autonômica: Adj. P. us. Autônomo.
Autônomo: Adj.1. Que goza de autonomia; autonômico. 2. Diz-se de qualquer ato vital, o movimento, que se realiza sem
intervenção de forças ou agentes externos. ~V. guiamento -, sistema nervoso -, trabalhador – e veículo -. S. M. 3. Trabalhador
autônomo. Novo Dicionário Aurélio Buarque de Holanda: Ferreira, 2004, p. 233.
Perda
freqüência cardíaca quando comparados com os deprimidos ou com os participantes-
controle, enquanto que não houve tais diferenças na variação da freqüência cardíaca
(O’CONNOR, ALLEN; KASZNIAK, 2002).
Os indivíduos que apresentam estresse emocional tornam-se mais suscetíveis
aos efeitos farmacológicos da adrenalina (aumento no batimento cardíaco, aumento da
pressão arterial, sudorese fria, palidez, aumento da respiração, etc.). O estresse
emocional recorrente torna esses indivíduos mais predispostos ao aumento do batimento
cardíaco. Quando comparados aos indivíduos deprimidos (apresentam baixas
quantidades de serotonina, devido à depressão) ocorre diminuição das ações da
adrenalina no sistema cardiovascular, tornando-os menos suscetíveis a variações do
batimento cardíaco (BUSH; MAYER, 1941-1996).
Dessa forma, o grupo dos indivíduos enlutados que apresentou estresse emocional
teria maiores variações que o grupo dos deprimidos, com base no perfil dos seus próprios
sintomas. Parece haver aumento para o risco de doenças cardíacas no grupo dos
enlutados.
O conjunto de fatores resultantes de experiência diária estressante vêm acarretando
a incidência de problemas cardíacos, pois indivíduos que passam por esses eventos
estão mais vulneráveis à desencadearem tal problema. Pode-se afirmar que o luto é
fator estressante de grande relevância na vida do enlutado.
Muitos estudos vêm sugerindo o risco elevado de infarto do miocárdio, acidentes
e outras doenças após a experiência de eventos de vida estressantes (JONES, 1987).
De acordo com Stroebe (2000), o estresse, associado ao número de práticas de
saúde empobrecidas, aumenta o risco de doença coronária. É que indivíduos sob estresse
são mais vulneráveis ao consumo de cigarros e álcool, adotam hábitos de dietas irregulares
e praticam pouco exercício físico. Desse modo, os eventos estressantes ocorridos no
61
Perda
62
cotidiano ou o estresse cumulativo, podem ser danosos para a saúde psicológica e física
e estão associados comumente ao risco aumentado para patologias ou até para a
mortalidade. Dada pesquisa relacionou eventos de vida estressantes à incidência de
doenças, mas não conseguiu responder à questão porquê certas experiências
psicológicas são estressantes e como o organismo distingue eventos positivos de eventos
estressantes.
O impacto do estresse psicossocial pode ser vislumbrado através de duas
vertentes: uma via direta, que é o corpo fisiológico, e uma via indireta, que é o
comportamento da pessoa. A junção dessas reações do indivíduo sob estresse contribui
para o desenvolvimento de saúde prejudicada, associada a outras causas de doença ou
afetando a capacidade de resistência do corpo (STROEBE, 2000).
Durante as últimas décadas, houve mudanças significativas nas concepções de
saúde e doença acarretadas pela alteração física, mental e social. Nesse diapasão, a
saúde psicológica tornou-se força dominante dentro da ciência da saúde, sendo muito
influenciada pela teoria psicológica social (STROEBE, idem).
A Síndrome do Coração Partido ou o aumento na taxa de morte súbita, devido a
problemas cardíacos nos cônjuges enlutados, sugere que a saúde cardíaca é afetada no
enlutamento, mas não se sabe se o luto pode provocar a doença ou mesmo agravar uma
condição pré-existente. Pode ser que os viúvos ou viúvas tenham hábitos alimentares
prejudiciais, fumem mais e isso pode aumentar o risco de trombose da coronária e sabe-
se que o estresse altera os batimentos cardíacos, a pressão arterial, o fluxo do sangue
pelas artérias coronárias e os constituintes químicos do coração. Qualquer uma dessas
alterações pode provocar a instalação de um coágulo em uma artéria coronária já doente
e, a partir daí, desencadear trombose coronariana (STROEBE; STROEBE, 1987;
PARKES, 1998).
Perda
No que tange a Síndrome do Coração Partido não há como constatar
indubitavelmente, se o luto é o fator desencadeador de mortes súbitas ou agrava doenças
pré-existentes. O que se pode afirmar é que o indivíduo enlutado certamente está mais
vulnerável a desencadear alteração cardíaca em decorrência de todo processo
estressante que está vivenciando.
2.6 Simbologia do coração
O significado simbólico do coração não pode ser desconsiderado, pois ele está
presente nos aspectos emocionais e culturais das doenças cardiovasculares (PORTO,
1998).
O símbolo do coração surgiu há cerca de 6 000 anos na Índia, representado por
uma seta transpassando um coração, ilustrado por uma jovem lançando uma seta nos
corações de Shiva (Deus Masculino) e de Shakti (Deusa do Amor). Na Grécia, 4 000
anos depois, esse mesmo símbolo apareceu com o nome de Cupido e permanece até
os dias de hoje, designado por muitas culturas como a sede do amor. Esse símbolo é
demonstrado nos cadernos juvenis, nos cartões postais, nos troncos de árvores (PORTO,
idem).
Nas mais diversas culturas e ao longo de diferentes momentos históricos, o coração
tem sido expressado de diversas formas como símbolo importante para o homem. Na
antropologia judaica, por exemplo, o coração simboliza o interior do ser humano (RAMOS,
1990).
No Egito Antigo é considerado o órgão da consciência, isto é, se o morto fosse
um homem de bem, o coração estaria leve e seria levado para o mundo dos deuses,
contrariamente, ele iria para o mundo das trevas, conforme mencionado no Livro dos
63
Perda
Mortos, onde pode ser encontrada a primeira representação gráfica do coração. Para
os egípcios, é no coração humano que o homem pode encontrar o divino, tanto na vida
como na morte, é visto como fonte de vida e criação. No induísmo, o coração é o lugar da
consciência, isto é, o centro daquilo que o homem realmente é. No Alcorão, o livro sagrado
islâmico, a combinação do amor e da inteligência origina a inteligência do coração
(RAMOS, 1990).
Na Idade Média, entre os anos 1100 e 1250, surgiu o culto ao coração de Jesus e
de Maria, transpondo para esse órgão o local onde nasce e vive a fé em Deus (RAMOS,
idem; PORTO, 1998). O culto ao Sagrado Coração difundiu-se pelo mundo cristão e
transcorre até os dias de hoje. Aspecto significativo do culto é a representação do coração
de Maria rodeado por rosas e o de Cristo por uma coroa de espinhos, retratando o mito
do herói sacrificado que, através de seu centro ardente e irradiante, denota o caminho
do coração como meio para o amor e o conhecimento de si mesmo (RAMOS, idem).
O coração é um centro vital e essencial, é o primeiro órgão que nasce e o último
que morre; ele tem sido pouco considerado em relação à estruturação da consciência e
às teorias do desenvolvimento psicológico. O funcionamento do coração expressa no
indivíduo o primeiro sinal de autonomia, na relação do feto com a mãe. A vida é pulsação,
movimento, emoção, sentidos primeiramente no coração; pode ser considerado como o
símbolo da vinculação com a vida e simboliza universalmente o amor desde o início da
história da humanidade (RAMOS, idem).
Desse modo, pode-se vislumbrar que o coração não é meramente um órgão de
função vital, há todo simbolismo de vinculação com a vida, relacionado intrínseca e
popularmente, com o amor e centro da consciência.
64
Perda
2.7 Síndrome do Coração Partido
O comportamento de fuga e o comportamento de luta são fundamentais para a
sobrevivência do indivíduo; sincronicamente, o coração acelera e aumenta de volume
para sustentar um ou outro tipo de resposta. As reações desencadeadas terão ciclo
normal de realização, sendo que, após um certo período, o organismo retomará o seu
estado de equilíbrio. Entretanto, se o medo ou outro fator impedir a ação, as alterações
cardiológicas serão reprimidas e permanecerão por certo tempo desencadeando
estresse para o organismo (RAMOS, 1990).
O estresse parece estar associado a um tipo de cardiopatia, que vem sendo
denominada Síndrome do Coração Partido, conhecida cientificamente como acinesia
apical transitória. Foi descrita primeiramente pelos japoneses no início dos anos 90 como
a Síndrome de Takotsubo, ou Síndrome da armadilha de polvo, devido às suas imagens
no cateterismo cardíaco se assemelharem às armadilhas usadas pelos pescadores para
apanhar polvos (BOZZA, 2005; MIRANDA, 2007; RAMOS, idem).
Em 2001, foi realizado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o
primeiro estudo avaliando 88 pacientes. Os especialistas concluíram que o estresse
emocional repentino pode resultar em severo, porém reversível, enfraquecimento do
músculo cardíaco que se assemelha a um ataque cardíaco clássico, denominado
cardiomiopatia, conhecida de modo coloquial como Síndrome do Coração Partido.
Revelaram que choques emocionais, como a descoberta da morte de um ente querido
ou a necessidade de falar em público, podem causar reação parecida com ataque
cardíaco. Esse estudo foi divulgado pela Revista Americana de Cardiologia e, após essa
primeira publicação, novos casos foram relatados em países do ocidente (WITTSTEIN,
2005).
De acordo com Murray et al. (1933), o adjetivo Coração Partido (adj. Broken
65
Perda
Hearted) signifca “ter um Coração Partido, ter o espírito aniquilado pelo luto ou pelo
desespero”, p. 1124. Wehmeier (2000) descreve a seguinte frase para definir esse termo:
Ele estava com o Coração Partido quando a esposa dele morreu”, p.159. No caso do
conceito de Coração Partido, definido como um substantivo (nome Broken Heart) pode
ser considerado “um sentimento de muita tristeza, especialmente quando você amou
quem morreu ou deixou você”, p. 159.
A Síndrome do Coração Partido é marcada por dor no peito, dificuldade para
respirar e fluidos no pulmão. Os pacientes são, em geral, diagnosticados de forma errônea
como tendo ataque cardíaco, quando, na verdade, sofreram aumento repentino de
adrenalina e outros hormônios do estresse que afetaram o coração. Esse fato deve ajudar
os clínicos a distinguir entre Síndrome do Coração Partido e ataques cardíacos
(WITTSTEIN, 2005).
O diagnóstico da Síndrome do Coração Partido está relacionado principalmente
ao quadro orgânico e à característica morfológica do ventrículo, caracterizado por
disfunção ventricular esquerda transitória (MIRANDA, 2007; MESQUITA; NÓBREGA,
2005). De acordo com Miranda (idem), a possibilidade de reversão do quadro varia de
acordo com o tempo de contração do vaso.
Os pesquisadores da Universidade Johns Hopkins observaram, em vários casos
de Síndrome do Coração Partido, prevalência em mulheres de meia-idade ou idade
avançada e que essas pacientes tinham traços relativamente diferentes dos casos típicos
de ataque cardíaco. Apesar de existirem várias controvérsias a respeito das causas, há
consenso entre alguns autores no que diz respeito à recuperação, onde os pacientes
que apresentam estresse mostram drástica melhora em seus batimentos cardíacos em
poucos dias e têm recuperação completa em duas semanas. Em contraste, a recuperação
parcial após ataque cardíaco pode levar semanas ou meses e, freqüentemente, o dano
66
Perda
ao músculo cardíaco é permanente (WITTSTEIN, 2005; MESQUITA; NÓBREGA, 2005;
BOZZA, 2005; MIRANDA, 2007).
Vale ressaltar que o lapso temporal para a recuperação completa do coração,
citado pelos autores acima mencionados, não possui o condão de refletir
inquestionavelmente que esse seja o tempo exato da recuperação, haja vista que em se
tratando de sentimentos cada indivíduo reage à perda de maneira única e de acordo
com seu próprio tempo.
Apesar de serem raros os casos de mortalidade, a Síndrome causa muito
transtorno se não for reconhecida e tratada adequadamente, sobretudo porque a mulher
que chega à emergência, tem sinais evidentes de infarto (BOZZA, idem).
A despeito da etiologia não estar definida, várias teorias apontam a hipótese da
liberação de hormônios adrenalina e noradrenalina nos casos de estresse, que atuariam
sobre a inervação da ponta do coração, impedindo sua contração (BOZZA, idem).
A Síndrome do Coração Partido tem precedência imediata a episódio de estresse
físico ou psicológico intenso no qual, de qualquer forma existe um forte quadro emocional
antes da aparição dos sintomas clínicos. Os fatores que podem desencadear a Síndrome
é a ocorrência de perdas em geral: perda inesperada de um ente querido ou amigo,
abuso doméstico, diagnósticos médicos catastróficos, perdas financeiras e situações
de extrema angústia (MESQUITA; NÓBREGA, idem; WITTSTEIN, idem; MIRANDA, idem;
BOZZA, idem).
A pesquisa, realizada por cientistas britânicos do Welcome Trust Centre for
Neuroimaging, descobriu que os responsáveis pelo Coração Partido são áreas mais
evoluídas do cérebro, voltadas para o aprendizado, memória e emoções. O estresse
pode causar morte devido à parada cardíaca e pode desestabilizar as áreas do cérebro
que regulam o ritmo do coração. A pesquisa sugere que o córtex cerebral pode também
67
Perda
ter papel significativo em todo esse processo participando de um círculo vicioso que
provoca instabilidade à sua volta (BRIGHTON, 2007).
Como aponta Almeida (2007), o amor e os relacionamentos amorosos são
temáticas presentes em nossas vidas e o fim de um romance pode fazer o coração
sofrer e debilitá-lo de tal forma que pode ser confundido com ataque cardíaco.
A sensação de pontada no coração pode ser considerada como manifestação
amorosa ou infarto. Ambos podem ocorrer de forma simultânea no organismo. Os
sintomas podem ser exacerbados em determinadas situações como conseqüência de
evento estressante, solidão, perda de um ente querido ou dificuldades financeiras
(RAMOS, 1990).
O termo Coração Partido pode ser considerado metáfora para caracterizar a
sensação de decepção amorosa, perda do ente querido, situações de extrema angústia,
diagnósticos médicos catastróficos, também sendo seus possíveis desencadeadores.
Pode surgir do súbito estresse provocado pela perda juntamente com a incapacidade
de elaborar o luto (MESQUITA; NÓBREGA, 2005; WITTSTEIN, 2005).
De modo geral, a Síndrome do Coração Partido ocorre em razão de perdas, e
está intrinsecamente ligada a áreas do cérebro mais evoluídas. O sofrimento decorrente
de rompimentos de relacionamentos amorosos, que antes exercia função meramente
poética, pode ser considerado como a Síndrome e a ausência do ente querido pode ser
fator desencadeante.
Sustenta-se a hipótese de que o luto pode afetar a saúde física e que a perda da
pessoa amada pode ocasionar a morte do enlutado como resultado da tristeza e angústia
provindas da perda (STROEBE; STROEBE, 1987).
No decorrer dos séculos, houve insinuações de que o luto seria fator causal de
enfermidade e morte, advindas de fontes diversas. No início do século VIII d.C., nas escritas
68
Perda
do legendário poeta épico Homero, encontra-se a noção de que o luto solitário pode
matar. Homero descreveu a visita do viajante Odysseus ao Reino da Morte e o curto
encontro com a sua mãe falecida, a qual descreveu a ele o seguinte relato sobre sua
própria morte:
Quando se afirma que as questões emocionais estão relacionadas a uma patologia,
refere-se que essas emoções podem acompanhar as doenças quer como causa, como
agravante ou como conseqüência (BALLONE, 2003).
Apesar de alguns estudos controversos, é cada vez mais consensual que os eventos
psíquicos podem modificar a história natural da doença coronariana. Atualmente, sabe-
se que os fatores psicológicos podem predispor e precipitar os seguintes distúrbios:
transtornos do ritmo, arritmias cardíacas, arteriopatia coronariana, estresse que pode
influenciar no surgimento de arteriosclerose, hipertensão arterial, e ainda o papel dos
fatores psicossociais ou do estresse no desenvolvimento da hipertensão, infarto do
miocárdio e/ou a morte súbita (BALLONE, idem).
Pode-se afirmar distúrbios emocionais como geradores ou agravantes de
patologias cardíacas, fatos estes que historicamente eram apenas insinuações e relatos,
atualmente são pesquisados e apontados nos estudos de diversos autores, conforme já
fora demonstrado. Diante disso, é indubitável a necessidade de profissionais de saúde
avaliarem de maneira cada vez mais peculiar todo o histórico emocional do paciente.
69
Não foram os arqueiros de olhos afiados procurando-me em nossa
casa e matando-me com suas flechas gentis. Também não fui
atacada por qualquer uma das doenças malignas que fazem o
corpo se esvair e morrer. Não, foi minha dor no coração por você,
meu glorioso Odysseus, e por seus sábios e gentis modos que
trouxeram minha vida e toda a doçura a um fim, (A Odisséia, livro
XI, O livro da morte, p. 1 apud Stroebe e Stroebe, idem).
Perda
Tendo em vista que os cardiologistas e clínicos, em geral, são os profissionais
que têm o primeiro contato com os pacientes que apresentam queixa emocional e psíquica,
e somatizam para o sistema cardiocirculatório, faz-se necessário mudança de postura, a
fim de se realizar tratamento ou encaminhamento adequado, caso seja necessário,
evitando, por exemplo, que o paciente faça exames desnecessários (BALLONE, 2003).
De um modo geral e em graus variáveis, o sistema cardiovascular sofre influências
das situações de estresse. Assim sendo, o sistema cardiovascular é sensível às emoções.
A vulnerabilidade, que têm alguns indivíduos ao comprometimento patológico das emoções
sobre o coração, denota existência prévia de fatores constitucionais. De modo inverso,
pode ocorrer também de a pessoa apresentar um distúrbio orgânico cardíaco instaurado
e as emoções atuarem como agravantes no caso de paciente psicossomático
(BALLONE, idem).
Pode-se afirmar que há emoções que geram experiência agradável tais como a
alegria, a felicidade ou o amor que potencializam a saúde, enquanto que há emoções
que produzem experiência emocional desagradável tais como a ansiedade, raiva e
tristeza que tendem a comprometer a saúde (BALLONE, idem; RAMOS, 1990). No caso
do luto, a emoção, para a maioria dos viúvos, segue um curso angustiante, porém, normal;
para outros, os efeitos podem de fato ser devastadores (STROEBE; STROEBE, 1987).
Dahlke (1996), em seu livro As Doenças Cardíacas e a Psicologia do Coração
Partido, descreve o significado simbólico e espiritual subjacente às diversas condições
cardíacas. Observa que Coração Partido pode afetar a gênese de muitos problemas
físicos do coração, isto é, a dificuldade de lidar com os sentimentos pode interferir
significativamente no funcionamento saudável do coração.
É imprescindível que os profissionais tenham conhecimento das reações e dos
sintomas característicos do processo de luto, uma vez que a utilização de medicamentos
70
Perda
71
desnecessários podem causar danos aos pacientes e, postergar sofrimento indubitável.
Por isso, torna-se relevante que os médicos tenham conhecimento dessa Síndrome,
especialmente cardiologistas e emergencistas para que considerem, na sua prática
cotidiana, que os processos emocionais podem participar dos complexos mecanismos
envolvidos na fisiopatologia das doenças cardiovasculares (MESQUITA; NÓBREGA,
2005; BOZZA, 2005; MIRANDA, 2007).
Resta-nos salientar a importância de orientar cardiologistas e demais profissionais
da área de saúde sobre a existência da Síndrome do Coração Partido e dos sintomas
decorrentes da mesma, uma vez que esta pode afetar a vida do enlutado. O profissional
de saúde especialista em luto é o mais indicado, tanto para orientação dos profissionais
quanto para avaliação efetiva do paciente.
Objetivo
Capítulo 3
OBJETIVO
Capítulo 3
OBJETIVO
Objetivo
73
3 OBJETIVO
Este estudo teve por objetivo compreender o processo do luto em uma viúva que
apresentou sintomas cardíacos, sem a presença de causa orgânica, no período de um
ano e seis meses após a perda do cônjuge.
Método
Capítulo 4
MÉTODO
Capítulo 4
MÉTODO
Método
75
4 MÉTODO
4.1 Considerações éticas
A presente pesquisa atende a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde do Ministério da Saúde que está pautada na Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos. Esta pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Resolução n° 043/2007.
Pode-se destacar como os principais aspectos éticos da pesquisa: o
Consentimento Livre e Esclarecido dos indivíduos em estudo (autonomia), garantia de
que danos físicos, emocionais, ou de qualquer outro tipo serão, evitados (não
maleficência), procedimentos que asseguram a confidencialidade e a privacidade
(protegendo a identidade) dos envolvidos, liberdade dos sujeitos de se recusarem a
participar em qualquer momento do estudo e respeito aos valores culturais, sociais,
morais, religiosos e éticos bem como aos hábitos e costumes dos envolvidos.
Informou-se à participante que o procedimento seria gravado em áudio,
garantindo-se o sigilo sobre as informações obtidas e que sua privacidade seria
preservada. O procedimento para obtenção de informação foi organizado de forma a
não causar desconforto físico ou psicológico, sendo assegurada à participante a
possibilidade de retirar-se da pesquisa a qualquer momento, se isso fosse de sua
vontade. Além disso, foi esclarecido que as informações seriam utilizadas para a
elaboração de dissertação de mestrado e apresentação em publicações e/ou eventos
científicos. Caso fosse necessário, seria oferecido atendimento psicológico sem qualquer
ônus à participante.
A participante foi solicitada a assinar o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo A).
Método
4.2 Pesquisa qualitativa
O estudo se caracterizou como pesquisa qualitativa, de forma que esse
procedimento permitiu a análise das características das pessoas e grupos, e que a
singularidade de cada elemento fosse conhecida.
A pesquisa qualitativa busca a compreensão do fenômeno, ou seja, aquilo que
se mostra e que se situa num determinado tempo para alguém. Assim, o significado foi
atribuído pela pessoa que vivencia o fenômeno e cada elemento constrói significados
para suas experiências. A maneira como a pessoa vivencia e se adapta aos eventos
que ocorrem é única e particular (MARTINS; BICUDO, 1994). Neste estudo sobre viuvez,
buscou-se conhecer os significados que a participante construiu para sua experiência e
como esses significados se relacionaram com sua condição orgânica.
Nessa abordagem, o pesquisador deve, preliminarmente, despojar-se de
preconceitos e predisposições para assumir atitude aberta naquilo que observa, sem
adiantar explicações nem se conduzir pelas aparências imediatas, com o objetivo de
compreender, de forma global, os fenômenos observados (CHIZZOTTI, 1991-2005).
Essa compreensão é importante para captar as percepções, emoções e interpretações
dos participantes em seu contexto, uma vez que busca o sentido e o significado da
experiência vivida pelos mesmos. O pesquisador deve manter conduta atuante,
experienciar o espaço e o tempo vivido pelos participantes, objetivando reconstituir o
sentido para a experiência, fazendo novas articulações dos dados colhidos e dos
conhecimentos produzidos (CHIZZOTTI, idem).
4.3 Participante
O critério utilizado para a inclusão da participante nesta pesquisa foi ter perdido
o cônjuge por morte no período de um ano e seis meses, e que, após a sua morte,
76
Método
passou a apresentar alguns sintomas cardíacos, tais como angina (dor no peito),
palpitações (coração disparado), dispnéia (falta de ar), pressão alta, tremores. Os
sintomas cardíacos
3
apresentados pela participante não foram relacionados a
Cardiopatia
4
, uma vez que o exame clínico não apresentava doença fisiopatológica.
A participante, identificada no trabalho como M, para preservar o anonimato,
tem 53 anos, estudou até a 4ª série do ensino fundamental, freqüenta a Igreja Evangélica
da Comunidade Cristã Pentecostal. Tem três filhos, sendo um filho de 28 anos que está
casado, uma filha de 32 anos e um filho de 22 anos, ambos moram com a participante.
Perdeu o cônjuge há um ano e cinco meses de infarto do miocárdio, na época ele
estava com 52 anos.
A participante tinha relacionamento heterossexual estável com seu cônjuge de,
no mínimo, dois anos de duração, período necessário para se formar o vínculo de
apego adulto (BOWLBY, 1969-2002; HAZAN; ZEIFMAN, 1994). A formação do vínculo
de apego é importante, pois, como foi ressaltado, o luto existe apenas quando houver
um vínculo que tenha sido rompido (BROMBERG, 1996). Assim, quanto maior o vínculo,
maior a dor do rompimento (BROMBERG, 1996; BOWLBY, 1973-2004).
O fato de os filhos começarem a sair de casa, demarca, de forma geral, a
passagem da família para a fase madura do ciclo vital, apontando a necessidade de
pais e filhos darem novos significados às relações. A família adquire novos significados,
desafios e expectativas. Portanto, esse é o momento favorável para a reflexão e a
avaliação do que foi sua história conjugal e qual o significado que essa possui nas suas
vidas (OLIVEIRA; CERVENY, 2002).
Viúvas e viúvos idosos foram excluídos, pois o luto é considerado, nessa idade,
fenômeno muito diferente do luto de pessoas mais jovens, uma vez que, na idade
avançada, além do luto em si, ocorre multiplicidade de perdas (PARKES, 1998). Foram
77
3
Os sintomas cardíacos são considerados segundo os critérios da prática médica.
4
Cardiopatia: qualquer processo ou doença do coração. Dicionário Médico: Blakiston, 1990, p.187.
Método
excluídas também pessoas que perderam seus cônjuges por homicídio ou suicídio. A
própria violência desse tipo de morte pode causar impacto suficientemente forte no
enlutado. Nesse caso, seria difícil distinguir um possível sintoma cardíaco pelo impacto
da violência ou pelo impacto da morte em si.
A participante deste estudo foi previamente selecionada por médico cardiologista,
no consultório, pois satisfez os critérios propostos para a escolha da amostra e mostrou
disposição para participar, então, foi solicitado, pelo médico, que deixasse número de
telefone para que fosse contatada.
A partir de então, a pesquisadora realizou o primeiro contato com a participante,
via telefone, quando foi explicado sobre a entrevista e sugerida a possibilidade de agendá-
la. A mesma foi bastante solícita, oferecendo sua residência para um primeiro encontro.
No dia anterior à entrevista, a participante ligou e pediu para desmarcar, pois receberia
visitas em sua casa. Foi marcado um segundo encontro. Nesse, a participante não
compareceu e não comunicou o motivo. O contato foi retornado e ela disse que sua
sogra havia morrido no dia combinado e, por isso, não pôde comparecer. Foi marcado
um novo encontro, sendo que, nesse a participante preferiu agendar no consultório da
pesquisadora, onde foi realizada a entrevista.
4.4 Procedimento de coleta de dados
O médico cardiologista encaminhou somente essa participante que foi atendida
no seu consultório por meio de um convênio para pessoas com baixo poder aquisitivo.
Num período curto de consulta, o médico percebeu que a participante preenchia todos
os critérios para a pesquisa, talvez porque ela realmente tenha chamado a atenção.
No presente estudo, foi adotado como principal instrumento de coleta de dados,
a entrevista semi-estruturada, direcionada fundamentalmente ao processo de luto da
78
Método
viúva.
Em ambiente reservado de consultório, solicitou-se à participante que
preenchesse uma ficha que incluía seus dados pessoais (ficha de identificação do
entrevistado, Anexo B). Em seguida, a participante respondeu roteiro semidirigido, sobre
como estava vivenciando seu processo de luto. Assim, sintomas psicológicos e/ou físicos,
condições de saúde antes da morte do cônjuge, construções de redes de apoio social,
religiosidade e perspectivas traçadas para a sua vida foram as questões norteadoras
da entrevista que durou aproximadamente uma hora e quinze minutos.
No final da entrevista a participante poderia tecer algum comentário, acrescentar
algo que considerasse importante relatar naquele momento. O procedimento aplicado
foi selecionado de forma a possibilitar um diálogo mais livre e dinâmico, permitindo
assim novos questionamentos. A entrevista (Anexo C) mostra o conteúdo abordado
durante a mesma.
A entrevista foi gravada em fita de áudiocassete, após autorização por escrito da
entrevistada (Anexo A, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), de modo a cumprir
as normas éticas previstas na Resolução n° 196/96 do Ministério da Saúde - Conselho
Nacional de Saúde, sobre Pesquisa envolvendo seres humanos. Após a gravação, a
entrevista foi transcrita na íntegra, uma vez que todas as palavras, lapsos, hesitações,
expressões, gestos, foram centrais para a análise do estudo.
4.5 Análise dos dados
Após a transcrição da entrevista, foi realizada análise de conteúdo dos dados
coletados. De acordo com Bardin (1970-1995), análise de conteúdo é definida como:
79
Método
A análise de conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se
aplica a discursos extremamente diversificados. Seu objetivo consiste na manipulação
de mensagens (expressão desse conteúdo) para evidenciar os indicadores que permitam
inferir sobre outra realidade que não a da mensagem (BARDIN, 1970-1995). Divide-se
em dois tipos: qualitativa e quantitativa. A característica da análise qualitativa é a
inferência ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem etc.) e, com
base nisso, descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, enquanto
que, na análise quantitativa, o determinante é a freqüência com que o índice se apresenta
no discurso.
A análise dos materiais qualitativos começa com busca dos temas. Essa análise
temática procura por conteúdos que emergem em relação a outras variáveis. É dessa
forma que as categorizações serão construídas, de modo que a comunicação do
indivíduo enlutado possa ser cuidadosamente interpretada. A análise do conteúdo foi
direcionada fundamentalmente ao processo de luto da viúva.
80
[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens (p. 42).
Apresentação e análise de dados
Capítulo 5
APRESENTAÇÃO DE DADOS
Capítulo 5
APRESENTAÇÃO DE DADOS
Apresentação e análise de dados
82
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
O marido de M morreu há um ano e cinco meses, aos 52 anos, vítima de infarto
do miocárdio. Desde então, ela resolveu parar de trabalhar como empregada doméstica
e começou a cuidar apenas dos afazeres domésticos. Após oito meses da perda, M e
seu filho caçula passaram a freqüentar a Igreja Evangélica da Comunidade Cristã
Pentecostal, da qual seu filho apenas participa esporadicamente.
O contato inicial que M teve com o sistema de saúde foi pelo serviço de emergência
do convênio, após um ano e um mês da perda, pelo fato de apresentar dores no peito.
Foi atendida pelo médico cardiologista que, desde então, verificou a necessidade de
encaminhamento ao consultório para a realização de exames mais específicos. Nos
exames de sangue, diabetes e eletrocardiograma, aos quais ela se submeteu, foram
identificados diabetes e infecção de urina. Após dois meses, a mesma retornou ao
consultório médico devido às dores no peito, foram realizados novamente os exames
iniciais e os resultados não apontaram alteração orgânica.
A seguir, a apresentação e a análise de dados é descrita pelos seguintes temas:
luto, saúde e família. Esses temas abrangem os aspectos primordiais do processo de
luto da viúva estudada.
Luto
A entrevista teve início com a participante relatando que vivenciar a perda do
seu marido tem sido muito difícil e que sente muito sua falta. Porém, não vê relação
entre a morte dele e o fato dela não estar bem: “eu estou me sentindo muito mal, eu não
estou bem, não é pela perda dele”. Relaciona o seu momento aflitivo ao seu filho de 22
anos, o qual tem gerado vários transtornos em decorrência de atualmente ser usuário
de entorpecentes. Entretanto, no decorrer da entrevista, o modo como se apresenta
Apresentação e análise de dados
83
indica que o seu sofrimento se dá em razão da perda do cônjuge e da importância
exercida pelo mesmo em sua vida.
O cônjuge exercia a função de químico, trabalhando em um sindicato e viajando
praticamente toda semana. Tinha grande relação com o uso de bebidas alcoólicas.
Costumava voltar para sua residência normalmente pela madrugada, pois ficava na
companhia de sua amante, a qual era de notório conhecimento da família. Outra
característica que pode ser observada pela maneira que M descreve o marido era de
ele ser pessoa que gostava muito de comemorar datas, por meio de festas e que tinha
relações familiares intensas. Em seu velório, houve muitas manifestações e mobilizações
de pessoas pertencentes à mesma categoria profissional, inclusive de cidades diferentes.
Ele tinha rede social ampla, uma vez que se pode observar que sua morte gerou grande
repercussão na sua categoria profissional. As demonstrações de carinho e respeito
pelo marido de M foram ainda mais visíveis para a mesma diante do número exacerbado
de coroas de flores recebidas, o que gerou ainda mais sentimentos desconexos dentro
dela, pela aparente dúvida apresentada de vingança e carinho.
M conta que seu marido convivia com outra mulher há oito anos e que chegava
em casa por volta das duas, três horas da manhã por causa de sua amante. A participante
diz que se esforça para esquecer: “ele aprontou comigo ... tem vez que eu quero tirar,
mas eu não consigo tirar, porque ele aprontou muito”, acrescenta, ainda, “mas eu quero,
eu vou esquecer”. Ela comenta que ele jamais admitiu a traição e alegava veemente:
“você é louca, não têm ninguém lá fora, mas a gente sabia”. Em relação ao adultério, M
demonstra muita raiva e ressentimento e, em contrapartida, sente-se culpada por nutrir
esses sentimentos.
M vivencia pesar profundo pelo adultério e, concomitantemente, pela perda do
marido. O sentimento vivido é de abandono, porém, espera que, aos poucos, essa
Apresentação e análise de dados
84
angústia diminua.
Enfatiza que as internações de seu marido consistiam em verdadeiro tormento
para ela: “eu tinha que ficar de plantão no hospital porque ela (amante) rodeava para
entrar lá ... mas ela ficava para ver se ela conseguia entrar lá dentro, até isso ela fez,
fez muita coisa”. Diante dos fatos, fica evidente o intuito dela firmar sua posição de
esposa.
A participante demonstrou, em vários momentos da entrevista, a dor que gera a
ausência do seu marido: “está sendo duro sim, sem ele”, “eu sinto muita falta dele”,
“agora que está sendo duro sem ele, tá”, “não está fácil, não”, “aí acaba sentindo mais
a ausência dele”. Nessa passagem, pode-se visualizar, de maneira concreta e indubitável,
o forte elo existente entre M e o marido, característico do vínculo de apego.
O vínculo entre a participante e o marido se torna muito nítido quando ela diz: “tá
muito difícil”. Em diversos momentos da entrevista a participante afirma a dificuldade
para administrar a perda e sua conseqüente ausência e, como se pode verificar, conforme
já citado na teoria, somente existe a perda quando existe vínculo. Dessa forma, o
marido era a figura de apego na qual apresentava segurança, porém, ela tinha a
percepção de algumas ausências nessa relação de apego, fato caracterizador do apego
ansioso. Essa é a figura internalizada, a representação que ela fazia do marido era de
pessoa presente e apoiadora, em contrapartida com sentimentos ambivalentes.
Ela relata: “mas ele tava aí para me ajudar”. Embora ele desse segurança a ela,
também havia a clara percepção das ausências. De um lado, ela percebia que ele
cumpria o seu papel de patriarca, exercendo todas as suas funções de “chefe de família”;
por outro, ele bebia, voltava muito tarde para casa, tinha amante. Pode-se supor, de
acordo com a literatura estudada, que ela deve ter tido, como base, na infância, padrão
de apego ansioso. Contudo, os dados dessa pesquisa não permitem afirmar o padrão
Apresentação e análise de dados
de apego da infância. Supõe-se também que esse tipo de reciprocidade estabelecido
com o marido não a ajudava na formação de padrão de apego seguro.
M sente-se desamparada diante da ausência do marido, preocupava-se
consideravelmente com o seu relacionamento, temia a rejeição e o abandono por parte
dele, tanto que relata: “... então ela (a amante) fazia chantagem com ele, agora não sei
o tipo de chantagem, né, porque ele tinha que sair correndo”. Ficava grande parte de
seu tempo requerendo toda atenção e, para isso, tornou-se muito submissa e solícita a
ele, deixando de lado suas necessidades em função disso. Ao mesmo tempo que ela
almejava relacionamento de confiabilidade havia demonstração de hostilidade, quando
ela diz: “ele aprontou muito”. Esse padrão ansioso/ambivalente caracteriza-se por
comportamentos alternados de busca de proximidade e de hostilidade. Como apontado
na doutrina, o relacionamento ambivalente mostra-se como fator previsor de reações
problemáticas ao enfrentamento do luto do cônjuge. No caso de M, ela apresenta
dificuldades diante do processo da perda. M diz: “agora está sendo duro sem ele, tá,
porque é muito difícil...ele estava sempre ali, presente”.
Como visto aqui, na parte teórica, no caso do apego ansioso, o luto de M se
caracteriza por raiva intensa e auto-recriminação, e permanece por tempo maior que o
esperado. Além disso, a perda do cônjuge é considerada situação de crise e tem sido
reconhecida como uma das mais estressantes e dolorosas experiências da vida.
M demonstra o quanto ainda sofre as dores do luto, sentindo que não pode
suportar a ausência do marido em decorrência da morte. Dessa forma, essa dor
vivenciada necessita ser deslocada e, como conseqüência, passou a sentir dor no
peito: “me deu essa dor no peito ... eu acho que é tudo através do nervoso, tudo da
emoção que deu, porque eu não tinha”. Isso significa que ela não estava suportando
emocionalmente a dor da perda, transpondo para a parte física; aparenta que ainda
85
Apresentação e análise de dados
está vivenciando processo de elaboração da perda. A participante relata que essa dor
começou há 4 meses, um mês após o primeiro aniversário do marido, e depois de um
ano e um mês que ela estava enlutada.
Pode-se refletir acerca do sintoma como sendo mecanismo de deslocamento,
como forma de negação à dor da perda pela viuvez, quando ela direciona o seu
sofrimento ao problema com o filho. Esse estresse da participante demonstra
vulnerabilidade que pode estar associada ao vínculo de apego estabelecido na infância.
É provável que ela tenha tido padrão ansioso na infância. Isso também pode ser traduzido
ao se observar a vulnerabilidade psicológica e emocional de M, quando a mesma
apresenta sintoma cardíaco sem causa orgânica. Essa vulnerabilidade é determinada,
como foi visto na teoria, em grau muito significativo pelos padrões de apego construídos
nos primeiros anos de vida.
M conta que o primeiro ano da perda foi muito difícil, mas que, o segundo ano
está sendo bem mais complicado: “no primeiro ano ainda estava em choque, agora
sinto falta, sinto solidão mesmo”. Havia rede de apoio mais próxima no primeiro ano e
a partir do segundo ano do luto as pessoas começaram a se afastar e ela foi se sentindo
cada vez mais sozinha. Relata que, no primeiro ano do luto, ela teve muito apoio das
pessoas: “o primeiro ano era aquele mundo de gente em casa” e agora as pessoas se
afastaram: “agora todo mundo se afastou”. Comenta acerca da solidão que passou a
sentir: “sabe, eu estou mais sozinha, então agora que estou sentindo solidão em casa”.
M deixa evidenciado que o segundo ano do luto está sendo muito pior, acarretando
ainda mais o sentimento de solidão: “o segundo ano que está sendo mais pior”. “Aí, dá
uma tristeza, bate uma tristeza, é duro o dia que eu estou sozinha”.
Salienta que teve rede de apoio bem satisfatória no primeiro ano da perda: “eu
tive muito apoio, tive apoio da minha advogada, o pessoal que ele trabalhava, eles me
86
Apresentação e análise de dados
apoiaram muito, as minhas irmãs me apoiaram muito, eu tive um irmão que ficou comigo
um ano...então eu tive muito apoio das pessoas”. Passou a freqüentar a Igreja Evangélica
há oito meses, onde encontra conforto: “foi muito bom”, “eu estou forte, tem um Deus
que fortalece”, o que a tem ajudado consideravelmente. De acordo com o ilustrado na
teoria do trabalho, a religião também atua como rede de apoio social favorável para o
processo de luto.
De acordo com Bowlby (1973-2004), a maioria das mulheres leva muito tempo
para superar a morte do marido e menos da metade apresenta recuperação ao final do
primeiro ano. Em geral, a recuperação do bem-estar acontece aproximadamente de
dois a três anos após a morte do cônjuge.
A participante relatou que sonha muito com o marido e que na noite anterior à
entrevista, teve o seguinte sonho: “eu tive um sonho tão esquisito com ele, só que ele
não morava com nós, ele chegou na minha casa e levou todas as minhas coisas, e
deixou um bilhete: estive aqui, isso no sonho e daí eu acordei assustada”. Ela acrescenta:
“Agora eu não sei o significado disso”. O sonho pode ser entendido como um simbolismo,
quando ela diz que ele levou todas as suas coisas, demonstrando que o sonho representa
para ela que sua vida tornou-se vazia com a perda do marido, talvez por ela acreditar
ser ele quem dava razão à sua vida. Pode-se entender como se tudo que ele preenchesse
fosse dela e que essa dependência faz com que ela não perceba a diferença de como
ela poderia ser sem ele. Talvez ainda vivencie momentos de negação do luto.
Como aponta Parkes (1998), os sonhos em que o cônjuge aparece vivo
representam a percepção da sua presença e, na maioria dos casos, proporcionam
sensação de consolo. Parece que é uma forma de chamar, procurar e recuperar a
pessoa perdida.
No discorrer da entrevista, M apresentou discurso ambíguo em relação ao seu
87
Apresentação e análise de dados
estado emocional atual: “é muito difícil, ele fazia tudo, ele viajava, mas ele estava sempre
ali, presente, porque ele viajava muito, porque ele era sindicalista, ele era químico”.
Apesar da ambigüidade encontrada em alguns trechos da entrevista ela está vivenciando
um processo de aceitação da perda, pois se vê com a perspectiva de vida: “agora eu
falo, deixa eu levantar, mas não é fácil, não”.
Dessa forma, não é apenas pela perda do cônjuge, mas aparentemente ela parece
negar a dimensão da sua presença dando poder a ele quando diz: “ele fazia tudo”,
concede valor a ele e, ao mesmo tempo nega esse valor.
M afirma: “eu quero viver de agora pra frente”, “eu quero assim, pôr tudo as
coisas em ordem”, embora demonstre um certo medo de não conseguir suportar a
perda: “ter bastante força para a gente sobreviver, porque se cair...desistir de tudo,
desistir da minha religião, não preocupar mais com nada, não se preocupar mais com
ele, é isso aí, não se preocupar com a casa, deixar dívida...”. A ansiedade vivenciada
por M é o medo de não ser capaz de cuidar de si mesma e da sua família. Sente que a
vida está sendo muito mais complicada e pesarosa com a ausência do marido e ainda
se sente muito abandonada. A sensação de desamparo provoca muita angústia.
M diz: “a fisionomia dele não sai, a gente procura, fala dele, mas esquecer a
gente não esquece, né”. Parece que ela ainda não elaborou o luto, mas apesar disso
se vê dando continuidade à sua vida: “a gente tem que tocar, né, sem ele, porque não
é fácil, não”. Isso demonstra o modo como a participante está enfrentando o processo
de luto, ela está caminhando para a elaboração, pois, apesar de o marido ter morrido,
ela diz que a vida continua e que a sua opção foi continuar a viver. A fala de M demonstra
dissociação, quando ela diz que a vida continua, mas a saúde diz que ela não está
administrando a ausência do marido.
88
Apresentação e análise de dados
Saúde
Parece que a aparição do sintoma cardíaco foi a maneira que ela encontrou de
“vestir” esse sintoma. Ela aparece com “roupagens”, significando problemas cardíacos,
sugerindo a sensação de Coração Partido.
M relata “me deu essa dor no peito...eu fiz exame de sangue, deu diabetes, eu
acho que é tudo através do nervoso, tudo da emoção que deu, porque eu não tinha”. A
Síndrome do Coração Partido precedeu episódio de estresse físico e psicológico intenso,
de qualquer forma existia um quadro emocional antes da aparição dos sintomas clínicos.
Nesse caso, o estresse de M foi a perda do cônjuge.
M experiencia sofrimento intenso e atribui o estresse e a dor no peito ao fato de
o filho estar usando entorpecentes. Isso está agravando ainda mais, porque ela não
consegue lidar com essa situação de perda. Ela afirma “eu não estou bem, não é pela
perda dele...mas o que tá dando trabalho é o meu filho caçula”. A ausência do marido
torna a questão das drogas mais grave e intensifica a dor da perda, quando ela diz: “ele
tava aí para me ajudar, porque o pai ele respeita mais, aí acaba sentindo mais a ausência
dele”.
Esse episódio pode ter sido causado devido ao luto do filho. Seria uma hipótese
o filho estar usando drogas em razão dessa desestrutura familiar, após a perda do pai.
Para a mãe, esse é mais um episódio de estresse que ela isola, mas que, em decorrência
de pesquisas realizadas na literatura, pode estar associado com a morte do marido.
Para ampliar esse foco, pode-se considerar que a morte do marido está apresentando
desdobramentos na situação familiar e provocando sofrimento em cada um dos membros
da família. Além disso, a participante não funciona como base segura para os filhos.
Com relação ao sono, M diz: “eu estou muito ruim para dormir mesmo, chega
duas, três horas eu estou acordada”. No que diz respeito à alimentação, M relata: “eu já
89
Apresentação e análise de dados
era de comer pouco e agora eu estou comendo bem mais pouco...alterou mais”. M
também tem sentido muitas dores de cabeça: “eu tenho muita dor de cabeça...ela voltou
a doer sem parar”. Como mencionado na teoria, a viúva pode apresentar alterações
nos mecanismos fisiológicos, sendo que, no caso de M, vem apresentando insônia,
alteração de apetite, dores de cabeça e sintomas cardíacos.
Família
M relata o quanto está sendo difícil ter que organizar a casa: “agora eu sou o
homem e a mulher”, “eu tenho que fazer tudo o que ele fazia”. No caso da criação dos
seus filhos, relata que o marido está fazendo muita falta, acredita que ela estaria tendo
menos problemas com o seu filho: “o pai, ele respeita mais”. M diz que precisou reconstruir
sua vida: “eu comecei minha vida de novo”, “tive que reorganizar tudo, tive que fazer”.
M enfatiza como se sente na sua casa: “aí, dá uma tristeza, bate uma tristeza,
bate, bate, é duro, principalmente o dia que eu estou sozinha, eu estou sozinha, aí eu
choro, choro, não é fácil, não”. Ela relata o seu sentimento quando está em casa: “bate
uma tristeza”. Como descrito na parte teórica deste trabalho, o fato da enlutada morar
com os filhos não ameniza substancialmente a sua solidão.
A participante comenta sobre a dificuldade para lidar com a nova configuração
familiar: “agora esse ano eu não sei como vai ser, a gente está pensando como vai ser,
porque não vai ser fácil”, “não tem mais aquele ânimo”.
O marido desempenhava o papel de mantenedor da casa: “é muito difícil, ele
fazia tudo”. M descreveu como a presença do seu marido lhe dava sensação de
segurança e conforto no trato com o seu filho e que, com a sua morte, passou a ter
problemas com a sua educação, pois não tinha o marido para ajudá-la nas dificuldades
do cotidiano e na educação do seu filho.
90
Apresentação e análise de dados
A perda trouxe desorganização familiar, mudou a configuração da família, o pai
era quem supria a autoridade hierárquica, esse lugar parece que ficou vago como regra
de organização familiar, talvez ele fosse a pessoa que postulava o que era certo e
errado. Porém, como descrito na literatura estudada, é a partir dessa fase de
desorganização e desespero que pode ter início a fase de organização, sendo necessário
adotar alguns papéis aos quais a enlutada não estava habituada e adquirir novas
habilidades, pois é muito difícil para ela retomar a vida social, mesmo em nível superficial.
Houve mudança na rotina de vida da participante após a perda do marido. Ela
deixou seu emprego e passou a trabalhar em casa: “eu estou trabalhando em casa, eu
parei de trabalhar, aí eu comecei a receber a pensão dele”. O fato dela não precisar
mais trabalhar porque passou a receber pensão do marido, é mudança importante na
medida em que a necessidade do trabalho, por questões financeiras, cessou e por
outro lado gera tempo ocioso que, eventualmente, pode causar dificuldades no sentido
de preencher esse tempo, dá margem à acentuação de sensação de vazio e de
isolamento. Ela teve que se reorganizar de acordo com as circunstâncias da perda.
Com relação às questões financeiras referentes à morte do marido, M teve apoio
considerável do sindicato no qual o seu marido trabalhava: “o pessoal do sindicato,
então tomou providência de tudo, pagou tudo”. Assim, ela não precisou se preocupar
com questões burocráticas e práticas.
M relata que a sua filha se referiu à experiência da notícia da morte do pai como
um choque: “aí ela falou, o que aconteceu foi que meu pai morreu, aí foi um choque né”.
M também se sentiu chocada e incapaz de aceitar a notícia, ficando tensa e apreensiva:
“sei que eu não vi mais nada só sei que quando eu vi eu estava na minha casa já”,
representa esse estado de choque e confusão. A literatura aponta que há consenso
entre os estudos de que o choque é a primeira reação diante da notícia da morte de um
91
Apresentação e análise de dados
ente querido e que, no caso da morte súbita e inesperada, essa reação será acentuada.
De acordo com M o filho de 22 anos está fazendo uso de droga e está em
companhia com pessoas que utilizam da mesma substância, isso começou
aproximadamente um ano após a morte do pai. Ademais, não consegue emprego e sai
praticamente todas as noites, retornando à sua casa somente pela madrugada. Por
outro lado, a filha fica exigindo uma atitude de M em relação ao seu irmão parar com o
uso de drogas. O filho de 28 anos não conversava com o pai há 3 anos, pois presenciou
o pai com a amante. M diz que ele se arrepende muito por não estar conversando com
o pai na época que ele morreu.
Quando M comenta que seu filho não se relacionava com o pai há três anos,
pode-se vislumbrar o sentimento de culpa desse filho e colocar a possibilidade de que
esse pai morreu numa época de rompimento, durante o conflito. Portanto, ele perdeu o
pai num momento em que não conversavam e agora não há como reparar essa situação.
No que tange às datas comemorativas, M diz: “é pesado”, “esse ano o aniversário
dele....foi aquela choradeira”. Enfatiza que foi o primeiro aniversário em que ele estava
ausente e que ele gostava de comemorar: “ele adorava comemorar”. Outra data marcante
para essa família é o Ano Novo, sendo que era o marido que unia a família: “ele fazia
questão de estar todo mundo junto, era só nós em casa, era eu, ele, os três e ultimamente
nos últimos 6 anos, a minha neta e a minha nora, e era só nós”, dessa forma, esse Ano
Novo foi muito difícil: “esse ano que passou foi pesado, pesado mesmo”. Como o marido
era uma pessoa sociável, as celebrações nessa família tinham papel importante.
A participante diz ainda que o seu marido desempenhava o papel de unir a família
em todas as datas comemorativas, sendo ele o responsável por esses encontros
familiares, além de promover a descontração do ambiente, propiciando alegria e prazer:
“porque ele gostava, era a noite inteira fazendo bagunça”. Com a morte do marido,
92
Apresentação e análise de dados
nota-se que a família se desestruturou, não há sentido nas comemorações. A família
tinha certos rituais que a unia e ficou fragilizada pela falta desses rituais que se davam
com a presença do marido. Este desempenhava papel sedutor na união familiar. A
festa de final de ano, por exemplo, foi diferente sem o marido porque era ele quem a
promovia. O Ano Novo é data social culturalmente reconhecida. Assim, as primeiras
vivências das datas comemorativas sem a presença do cônjuge promoveram processo
muito doloroso para a enlutada e para sua família.
Pode-se considerar que houve perdas secundárias nessa família, além da perda
afetiva. Perdas essas que estão se somando e que podem estar contribuindo para o
aparecimento do sintoma cardíaco de M. Ela comenta, por exemplo, a intenção de sua
filha mudar de residência, saindo da casa que sempre morou com a família. Houve
perda de significados, simbolizando a situação da família após a morte do marido e pai.
É importante observar que a participante começou a apresentar sintomas físicos
após um ano e um mês da perda, quando passou a não receber mais tanta visita, a
rede de apoio ficou mais enfraquecida e a vivência das datas comemorativas passou a
ocorrer, o que intensificou suas emoções. Portanto, não é o tempo cronológico que
prevalece, mas quando a pessoa se depara com as datas importantes, e como, no
primeiro ano, a participante não vivenciou tantas datas comemorativas, isso pode ter
minimizado o impacto inicial da perda.
A tendência é que a dor do luto tende a diminuir com o passar do tempo e que,
de certa forma, há um Coração Partido agora pelo esvaziamento das relações: ela está
perdendo esse apoio mais próximo e a sociedade também exige do enlutado a sua
melhora. Fica evidenciado que o luto sobressaiu mais a partir do segundo ano em
decorrência dos fatos apontados na entrevista.
De maneira geral, as reações de luto de M indicam que ela está em processo de
93
Apresentação e análise de dados
transformação, há esforço em direção da aceitação da perda e reconhecimento da
capacidade de cuidar da sua própria vida, apesar da dor e sofrimento que sente pela
perda do cônjuge. Ela relata que a sua vida tem que continuar e tenta investir no
relacionamento interpessoal e nas atividades cotidianas.
94
Considerações finais
Capítulo 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Capítulo 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações finais
96
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa foi compreender o processo do luto em uma viúva que
apresentou sintomas cardíacos sem causa orgânica, após a perda do cônjuge. Ao
longo do processo de luto dessa viúva, pode-se observar as diversas manifestações
psicológicas e físicas expressadas devido à dor emocional que afetaram sua saúde
física e mental, dentre elas solidão, tensão, ansiedade, tristeza, crises de choro, culpa,
raiva, hostilidade, dificuldade em reorganizar as questões práticas, distúrbios do sono
e do apetite, dores de cabeça e sintomas cardíacos.
O estudo mostrou que a viúva experienciou dor psicológica muito intensa,
desencadeada após a perda do cônjuge, que pode ser caracterizada como Síndrome
do Coração Partido. O sofrimento psíquico levou a participante a apresentar sintomas
cardíacos que se assemelham ao infarto do miocárdio. Além disso, a perda propiciou
desdobramentos em sua estrutura familiar.
O coração é considerado centro da vida. Com base nas observações dessa
participante, os sintomas cardíacos apresentado pela mesma, indicam que o marido
era a figura central de sua vida.
A Síndrome do Coração Partido é apontada nesse trabalho como metáfora, uma
vez que a participante não apresenta alterações orgânicas, e sim sintomatologia cardíaca
que pode ser percebida como simbologia do sofrimento psicológico desencadeado pelos
fatores inter-relacionados à viuvez.
Conforme foi observado na entrevista, pode-se afirmar que o interesse na busca
de ajuda profissional surgiu da necessidade vislumbrada pela própria participante, o
que somente faz reafirmar o que fora observado na literatura apontada. Ademais, mister
se faz ressaltar que os profissionais os quais atenderam a participante apenas atentaram
para a sintomatologia física, ignorando os aspectos emocionais que envolviam a mesma.
Considerações finais
97
O profissional não conseguiu visualizar a relação causal entre o sintoma cardíaco
apresentado e o fato de a participante estar inserida no processo de luto e, em
conseqüência disso, não houve respaldo para a sua dor, intensificando a solidão.
Portanto, a participante relata não ter encontrado acolhimento nos profissionais
de saúde com relação ao seu sofrimento. Os profissionais devem ficar atentos para
distinguir entre um quadro orgânico e a Síndrome do Coração Partido que acomete
indivíduos enlutados, no sentido de direcionar esse enlutado para profissional
especializado em luto, caso seja necessário.
A participante não traz apenas a constatação de que não há alteração orgânica,
apesar dos sintomas aparentes, mas traz conjuntamente a vivência da dor em
decorrência do processo de enlutamento, ao qual deveria ser dada maior atenção e
importância. Talvez o fato de ela demonstrar a sua dor como linguagem indireta, também
dificulte a análise do profissional da área médica. A tendência do médico é ter uma
escuta direta, focada nos aspectos clínicos apresentados pelo paciente, porém, se
houvesse escuta indireta e um maior preparo com relação aos efeitos do luto por parte
desse profissional, indubitavelmente, observaria o enlutamento. Nesse caso, o
profissional de saúde teria papel imprescindível para atentar aos detalhes do discurso
do enlutado, associando diversamente ao que está ocorrendo, como é o caso da
participante, quando ela relata que não está bem em decorrência dos problemas que o
filho vem apresentando, descartando, assim, a relação com a perda do marido.
A condição de enfrentamento da participante salienta emoções que ainda trazem
dores emocionais, bem como grau muito elevado de insegurança/ambivalência quando
da necessidade de realizar escolhas, mesmo que essas sejam de menor importância.
As decisões tomadas entram em confronto com a realidade da perda e há, ainda, maior
dificuldade, pois se distancia efetivamente do papel que a viúva representava. Aos
Considerações finais
98
poucos parece estar ocorrendo a desassociação da figura do cônjuge falecido.
Os papéis sociais de M tiveram que ser reorganizados em função da perda. A
enlutada apresentou dificuldades para lidar com as questões financeiras, familiares,
status social e rede de apoio. Ressaltou a alteração da condição civil, perdeu-se o
companheiro para as mais diversas atividades cotidianas, a autoridade familiar e ainda
todo vínculo construído como casal. Como visto na literatura, a participante ainda estava
vivenciando intensamente o processo de luto quando a sua rede de apoio tornou-se
enfraquecida, fatores esses que ocasionaram a ausência do sentido da vida e ainda o
vazio que fora gerado. A perda alterou bruscamente os padrões interativos que faziam
parte do seu cotidiano, implicando na reorganização familiar e em desafios que foram
vivenciados como forma de adaptação dos membros familiares.
A crise familiar que fora gerada advém da necessidade de permanecer realizando
alguns papéis anteriormente assumidos, com o agravante do luto de todos os membros
da família e do seu específico. Porém, apenas consegue-se vislumbrar melhora relativa
em relação à reorganização familiar a partir do momento em que haja a construção de
nova identidade, em decorrência da situação vivenciada, identidade particular de cada
indivíduo, tendo em vista que as situações necessariamente precisam ser enfrentadas
para que ocorra o recomeço da vida dos entes sobreviventes.
Se o sistema familiar do enlutado pode exercer influência sobre o processo de
luto a participante mostrou os desdobramentos da perda por meio do realinhamento
familiar, por exemplo: pela possibilidade da filha sair de casa, pelo uso de drogas do
filho. Enfim, a família está passando por modificações, o que revela dimensão mais
ampla envolvendo o contexto familiar.
A rede de apoio social de M tornou-se enfraquecida a partir do segundo ano do
luto e foi a partir daí que a participante começou a apresentar sintomas cardíacos. Isso
Considerações finais
leva a supor que um dos fatores causadores desses sintomas é justamente o sentimento
e a sensação de solidão.
É importante ressaltar que a viuvez deve ser considerada como condição de
sofrimento vivenciada no luto e não como patologia. Entretanto, por meio de estudos,
fica evidenciado que o processo de enlutamento pode ser fator desencadeador ou
agravante de patologias físicas e psíquicas.
O luto conjugal pode ser considerado como um dos eventos de vida mais
estressante e perturbador, haja vista que a viuvez acarretou sobrecarga para a enlutada
e trouxe desafios adaptativos dolorosos para essa família.
Todavia, o presente trabalho ressalta sua importância quando se vislumbra a
possibilidade de oferecer as diretrizes ao profissional da saúde, para que esse possa
exercer atendimento mais adequado ao indivíduo enlutado, haja vista a delicadeza
peculiar da situação vivenciada pelo mesmo. Espera-se que o profissional encontre
nesse estudo a base para conseguir verificar algumas características da viuvez que
podem ser cruciais em se tratando de pacientes enlutados.
99
Referências bibliográficas
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Referências bibliográficas
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107
Anexos
ANEXOS
ANEXOS
Anexos
109
Anexo A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu..........................................................RG.........................................residente
à...............................................................................telefone.............................autorizo a
psicóloga Cristiane Corsini Prizanteli, CRP 63013, a realizar entrevistas gravadas em
áudio dos encontros realizados no consultório da pesquisadora para obtenção de
informações que fazem parte da pesquisa: Coração Partido: o luto pela perda do cônjuge.
Autorizo também que os resultados deste trabalho sejam utilizados como instrumento de
pesquisa de Mestrado, realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/
SP) em Psicologia Clínica – Núcleo de Família e Comunidade, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria Helena Pereira Franco.
As informações obtidas serão utilizadas com ética na elaboração de trabalho científico,
e poderão ser utilizadas para publicação em meios acadêmicos e científicos. Meu nome
não será utilizado nos documentos pertencentes a este estudo e a confidencialidade dos
meus registros será garantida.
Se, em qualquer momento, não for de meu interesse continuar participando da pesquisa,
esta autorização perde a validade.
Desse modo, concordo em participar do estudo e cooperar com a pesquisadora.
Ribeirão Preto,......................./........................./...................
Participante Pesquisadora
Nome:_______________________
RG:_________
____________
__
__
Assinatura:____________________
Nome:_______________________
RG:_________________________
Assinatura:____________________
Cristiane Corsini Prizanteli
Psicóloga - CRP 63013
Tel.: (16) 3931 - 4989
Anexos
110
Anexo B
Ficha de informação do entrevistado
Dados pessoais de identificação do entrevistado
- Nome completo: MFA
- Sexo: feminino
- Data de nascimento: 24.10.1954
- Idade em anos completos: 53
- Naturalidade: brasileira
- Grau de escolaridade: 4ª série
- Profissão: do lar
- Atividades de lazer: ir à Igreja Evangélica da Comunidade Cristã Pentecostal
- Religião: evangélica
- Com quem mora: filha 32 anos e filho 22 anos e tem um filho casado de 28 anos
que não mora com a participante.
- Há quanto tempo o cônjuge faleceu? 1 ano e 5 meses
- Natureza/tipo de morte: infarto
- Idade do cônjuge quando faleceu: 52 anos
Anexos
111
Anexo C
Entrevista
E: Entrevistadora
P: Participante
E: Como você está se sentindo atualmente?
P: Na verdade eu estou me sentindo muito mal, eu não estou bem, não é pela perda
dele, pra ser sincera para você, assim eu senti, tá sendo duro sim, sem ele, mas o que
tá me dando trabalho é o meu filho caçula, ele não arruma emprego, ele anda com
umas pessoas que não são pessoas direitas, sabe e a gente tá com medo dele tá
envolvendo com essas pessoas, essas pessoas mexe com droga, então o que está me
machucando é isso, então a gente fica assim sabe, a menina do meio que é a mais
velha ela me cobra muito e isso daí está acabando comigo pra ser bastante sincera.
E: E isso tá acontecendo...
P: Isso tá acontecendo desde o começo do ano, a gente achou nas coisas dele droga,
a gente acha que ele tá fumando, a minha filha acha que ele tá vendendo, mas a gente
procura, procura, não acha, ele sai muito para rua, só volta no outro dia, então tá assim
a situação, eu passo muito mal nessa situação, que aí eu sinto muita falta dele, porque
se ele tivesse presente não tava acontecendo isso aí, poderia até acontecer, mas ele
tava aí para me ajudar, porque o pai ele respeita mais, então estou assim nessa situação,
aí acaba sentindo mais a ausência dele, aí eu fico sem dormir, aí eu sonho muito com
ele, eu sonho vejo ele, aí ele some, que nem para amanhecer ontem eu tive um sonho
tão esquisito com ele, só que ele não morava com nós, ele chegou na minha casa e
levou todas as minhas coisas, e deixou um bilhete: estive aqui, isso no sonho e daí eu
acordei assustada, levantei, era quatro horas da manhã para amanhecer ontem, então
eu estou assim. Agora eu não sei se é alguma coisa que ele veio para me avisar,
alguma coisa ele veio no sonho para me avisar, agora eu não sei, o significado disso,
agora que está sente duro sem ele tá, porque é muito difícil, é muito difícil, ele fazia
tudo, ele viajava, mas ele estava sempre ali, presente, porque ele viajava muito, porque
ele era sindicalista o meu marido, ele era químico meu marido, então ele fazia parte do
sindicato dos químicos, então ele viajava muito, ele ia para (cidades do interior do
Estado de São Paulo), inclusive ele não morreu aqui em Ribeirão, ele estava (numa
cidade do interior de São Paulo).
E: Como que foi?
P: Ele tinha ido, ia ter um seminário lá, o seminário ia abrir na terça-feira às oito horas
da manhã, ele saiu daqui na segunda, era seis horas da tarde, e foi para (uma cidade
do interior de São Paulo), chegou lá teve um coquetel de abertura, eles ficaram lá no
coquetel até duas horas da manhã e foram para o hotel dormir, ele deitou e dormiu, o
Anexos
companheiro dele estava no quarto, chegou seis e meia chamou ele, ele não levantou,
foi tomou banho, e voltou mas o amigo não levantou, foi, mexeu com ele, aí sentiu que
ele estava gelado, aí foi aquela correria, aí virou ele e viu que ele estava morto, era seis
e meia da manhã.
E: Ele morreu do que?
P: Ele morreu na cama, dormindo, ele não sentiu nada, ele deitou e dormiu, era duas
horas da manhã quando eles foram dormir, aí eles foram chamar eles de manhã cedo
e ele não respondia, o moço que estava dormindo com ele no quarto, aí chamou, chamou
ele não levantou, falou, mas não pode, porque o amigo não levanta, aí pegou e chamou
de novo, ele não levantou, aí ele pegou e foi mexer nele, mexeu e ele estava morto já,
ele nem sentiu, foi fulminante.
E: E como você recebeu a notícia?
P: A notícia foi assim, aí eles ligaram de lá, o companheiro dele que estava com ele, o
outro diretor, porque eles tinham ido em dois diretores, ele e outro diretor, aí aquele
sufoco, o diretor já pegou o celular e ligou no sindicato, aí quem atendeu foi a secretária,
aí foi aquele sufoco, aí meus filhos estavam em casa, a mais velha e o caçula, como o
casado também mora do lado, aí já ligou para o casado e falou para ele, nós estamos
indo aí, que temos uma notícia para dar para vocês, você atravessa e vai para a casa
da sua mãe que a gente tem uma notícia que não é muito boa não, aí o LH, que é o do
meio se trocou e atravessou, aí a minha nora já ficou apavorada também, aí veio,
chegou, ficou lá, daí um pouquinho, chamou a L e chamou o D, mas o que está
acontecendo LH, o pessoal do sindicato ligou e falou que está subindo aqui, daí um
pouquinho o telefone tocou e quis falar com meu irmão, aí falou com meu irmão e
passou a notícia para o meu irmão, meu irmão já ficou apavorado mas disfarçou para
os meninos não perceberem, daí um pouquinho já chegou um diretor e a esposa dele,
eu tinha ido trabalhar, eu não estava em casa, aí chegou em casa entrou, tudo, aí
chegaram, aí já perceberam aconteceu alguma coisa com meu pai, aí a L falou P pode
falar, não esconde nada, sente aí que eu quero conversar, o P chefe do meu marido, aí
o P falou aconteceu isso com o seu pai, seu pai faleceu, a gente precisa ir lá avisar sua
mãe, aí eles ficaram tudo desesperados em casa, aí acalmaram eles, aí a L falou não
liga lá na minha mãe, não liga no serviço dela, nós vamos sair daqui e vamos buscar
ela e foi o que fizeram, aí saíram lá de casa e foram lá me pegar, mas na hora que eles
entraram, que ele chegou, que ela apertou a campainha, que eu atendi o telefone, eu
falei L, aí eu já fiquei apavorada, que ele corria muito, eu tinha medo de acontecer
alguma coisa.
E: Do que você tinha medo de acontecer?
P: Acidente, aí já logo na hora veio, foi acidente, alguma coisa aconteceu com ele, que
ela já entrou chorando, eu o que aconteceu, não me esconde nada, A, esposa do P
falou senta aqui, a L chorando, não saía a voz também, aí ela falou, o que aconteceu foi
que o pai morreu, aí foi um choque né, sei que eu não vi mais nada, só sei que quando
eu vi eu estava na minha casa já, aí foi aquela loucura e para liberar o corpo, não tinha
112
Anexos
quem fazia autópsia, aí foi ver ele era assegurado, não tinha quem fizesse porque ele
era assegurado, aí tinha que esperar o plantão da noite entrar para fazer, aí liberou o
corpo nove horas da noite, chegou aqui duas horas da manhã, uma loucura né, então
foi uma angústia o dia todo, nossa até chegar aqui, foi uma loucura, uma loucura mesmo.
E: Quem tomou as providências?
P: Eles todos, sabe, eles lá são muito legais, o pessoal do sindicato, então tomou
providência de tudo, pagou tudo, não deixou eu pagar nada, sabe eu tinha funerária,
então de lá porque a funerária daqui não buscava, aí trouxe de lá eles pagaram tudo, já
daqui eles que tomaram providência, aí eu levei para (uma cidade do interior de São
Paulo), que a família dele é de lá, eu também era de lá, aí eu quis pôr ele lá junto com
o pai dele, agora a mãe dele também está lá junto, aí eu levei ele para lá, mas foi uma
loucura.
E: E durante o dia?
P: Durante o dia, nossa doutora do céu, o dia inteiro, aí eu fui embora para casa,
cheguei em casa era dez horas porque quando eles foram me avisar já era nove horas,
aí me levaram para casa, aí a minha casa foi assim o dia inteiro, aí o pessoal de São
Paulo veio, começou vir todo mundo, os amigos porque era muito sindicato e avisaram
todo sindicato e amava ele, adora ele, porque tinha muita gente lá (na cidade do interior
de São Paulo), o pessoal de Marília estava, o de Presidente Prudente estava lá, o de
Guaíra, o pessoal de Araraquara estava lá, tinha o pessoal de Jundiaí que estava,
Campinas, São Paulo mesmo e eles vieram tudo para cá, acertaram tudo lá, deixaram
tudo pronto para o corpo vir e eles vieram tudo na frente, chegaram aqui três horas da
tarde, aí veio meu pai, minha mãe, meus irmãos, que eles moram aqui em Mogi Mirim,
meus pais né, minha casa ficou, nossa, olha, aquela fisionomia não acaba, do dia todo,
do pessoal o dia todo na minha casa, eu vejo o dia inteiro, eu acordo e eu vejo o dia
todo aquela fisionomia do pessoal o dia inteiro na minha casa.
E: E como que fica?
P: Aí, dá uma tristeza, bate uma tristeza, bate, bate, é duro, principalmente o dia que eu
estou sozinha, eu estou sozinha, aí eu choro, choro, não é fácil, não.
E: Como que foi a despedida?
P: Foi até engraçado doutora, que a gente viajava muito, eu ia muito com ele,
principalmente para São Paulo, para Santos, para Araçatuba várias vezes, para
Presidente Prudente, Bauru, eu ia muito, então nunca, foi até engraçado, eu nunca,
que eu sempre faço a minha e faço a dele, a minha mala e a mala dele, e ele que pega
a dele, e aquele dia eu pus, foi tão engraçado, eu faço sempre, só que eu não ponho
dentro do porta-mala, eu nunca pus, todas as vezes que a gente viajava ele pega,
pegava a dele e punha a dele e eu pegava a minha e punha a minha e aquele dia eu
pus, peguei a mala dele e pus dentro do porta mala, engraçado, ainda meu filho passou
e ficou olhando assim né, aí ele falou onde meu pai vai, que o meu filho não conversava
113
Anexos
com ele, o do meio não conversava com ele, aí ele olhou assim, depois que o pai dele
viajou, ele falou assim para onde o meu pai foi, foi para (cidade do interior de São
Paulo), ele baixou a cabeça e não falou nada, foi tipo de uma despedida, né.
E: Como que foi sua despedida?
P: Ele falou tchau, eu falei tchau, ele me deu um abraço, aí eu falei assim, você vem só
sexta-feira, ele falou não amanhã eu estou de volta, eu não vou ficar até sexta porque
o seminário ia abrir na terça, ia terminar na sexta, só que ele falou assim, não vai abrir
amanhã de manhã, à tarde às duas vai abrir a feira, e eu vou vir embora, amanhã lá
pelas onze horas eu já estou aqui, ele saiu mesmo onze horas da noite, chegou aqui às
duas e meia da manhã, no caixão, foi assim, engraçado, né, a vida é essa.
E: Como vocês estavam?
P: Estava bem, a gente tinha passado uma fase meia, entre uns quatro, cinco anos
atrás, a gente tinha passado uma fase, a gente estava brigando muito, mas ultimamente
a gente estava bem, foi uma fase de casal mesmo, mas graças a Deus a gente estava
bem, só ele com o meu filho que os dois estavam sem conversar, ele faleceu sem os
dois conversarem, mas eu acho que isso estava magoando muito ele também, só que
o meu filho arrepende, só que agora filho não adianta você arrepender, só que agora,
ele não está aqui para ele te perdoar, né, agora é tarde, ele entra lá dentro de casa, ele
olha, ele olha as fotos dele, ele vai no meu quarto, ele olha, ele gostava muito de entrar
lá no quarto quando meu marido estava dormindo, ele entrava no quarto devagarzinho,
ia lá e fazia cocequinha no meu marido, é, ele gostava, agora ele entra lá, fica olhando:
o pai não está mais aqui para fazer cocequinha, é isso aí né doutora.
E: É...
E: Como está sendo essa vivência da perda dele?
P: Tá difícil, né. Eu perdi toda a vontade de sair, não tenho vontade de sair, porque
você vai nos lugares, você só fica lembrando dele, então eu prefiro ficar mais dentro de
casa, fácil não é, porque você tem que fazer o que ele fazia, eu tenho que fazer tudo
que ele fazia, então não está fácil, fácil, fácil, não.
E: O que ele fazia que a senhora teve que começar a fazer?
P: Água, luz, telefone, tudo é ele que fazia essa parte, clube era ele que pagava, telefone,
água, tudo era ele que ia atrás, ele tinha o serviço de banco que era ele que fazia o
serviço de banco do sindicato, então ele já pegava tudo aquilo e ia atrás, agora é tudo
eu, eu comecei minha vida de novo, fazer tudo que ele fazia, eu tenho que fazer, que é
pagar água, pagar luz, tudo né, tudo isso, ir nos lugares, aparece alguma coisa eu
tenho que resolver, ele que resolvia, então não é fácil, agora eu sou o homem e a
mulher, mas a gente toca, com força de vontade mas toca, dá para tocar (risos).
E: A senhora começou a reorganizar as coisas....
114
Anexos
P: Tive que reorganizar tudo, tive que fazer, deixar não pode deixar porque voltar ele
não vai voltar mesmo, é isso aí.
E: Como foi no primeiro ano?
P: Primeiro ano até que não foi muito difícil, eu estou achando agora o segundo mais
difícil, é que no primeiro ano ainda eu estava em choque, agora você sente falta mesmo,
você está sentindo solidão mesmo, o primeiro ano está aquela coisa, o primeiro ano era
aquele mundo de gente em casa, agora todo mundo afastou, então sabe eu estou mais
sozinha, então agora que estou sentindo solidão em casa, o segundo ano que está
sendo mais pior.
E: E com relação às datas?
P: As datas é, é pesado, chega dia do aniversário, esse ano o aniversário dele, nossa,
o da minha neta porque a minha data faz dia 2 e ele dia 10 de março, então foi aquela
choradeira, né, ela, nossa, ela chorou o tempo todo na festinha dela, que a gente fez
uma festinha para ela, então ela chorou o tempo todo.
E: E a senhora?
P: Ah, eu também né, principalmente a minha menina, o meu caçula não quis nem ir, o
caçula não foi, porque para o caçula está sendo, porque ele era muito apegado, ele era
muito apegado ao meu marido, ele saía muito com o meu marido, meu marido ia para
os lugares, e para ele está difícil, ele não tem vontade das coisas, está passando
muitas coisas pela cabeça dele, passa sabe, então a gente fica assim em cima dele,
conversando, medo dele fazer alguma coisa, porque ele está com 22 anos, foi o primeiro
aniversário dele, porque os dois, o caçula e o do meio fazem, o caçula faz dia 16, a
minha nora dia 20 e o marido dela dia 30, que é o do meio, então são três datas assim
tudo perto, sabe, aí quando é dia 2 de março é a minha neta e o dia 10 era ele, então
são umas datas muito perto, que ele adorava comemorar, então fica, já da menina já é
mais longe, que ela é de junho, esse ano também ela não quis nada, não não vai fazer
nada, fazia questão de fazer mas ela não quis, ah, não, não tem graça meu pai não
está aqui.
E: Teve alguma outra data que também foi difícil para vocês?
P: O Ano Novo porque o Ano Novo ele fazia questão de estar todo mundo juntos, era só
nós em casa, era eu, ele, os três e ultimamente os últimos 6 anos a minha neta e a
minha nora e era só nós, às vezes vinha algum parente mais dia de ano ele não viajava,
Natal ele fazia questão de ir para mãe dele e dia de ano era em casa, às vezes a gente
se reunia na minha mãe, mas ele gostava de passear em casa, reunir em casa, então
esse ano que passou foi pesado, pesado mesmo.
E: Foi o primeiro Ano Novo....
P: Foi o primeiro Ano Novo. Agora esse ano eu não sei como vai ser, a gente está
115
Anexos
pensando como vai ser, porque não vai ser fácil. Ainda porque esse que passou agora
meu irmão de Barretos veio passar com a gente, pra gente não passar sozinha, que aí
a minha mãe, eles não quiseram vir, porque também estavam muito machucados, né,
aí meu irmão de Barretos falou não eu vou para aí e vou passar com você, aí veio e
passou comigo, mas não é a mesma coisa, não tem mais aquele ânimo, né, é não tem
mais, porque ele gostava, era a noite inteira fazendo bagunça, era o dia inteiro, então
ficou muito chato mesmo. Ai, ai. Lá na minha sogra também acabou, agora com a perda
dela também, nossa, tô muito triste, tô muito triste mesmo.
E: E com relação às rotinas, como que foi, como está sendo?
P: É, a gente tenta alegrar, a gente tenta, mas a fisionomia dele não sai, a gente procura,
fala dele, mas esquece a gente não vai esquecer, né, mas a gente toca, né, fazer o que,
a gente tem que tocar sem ele, porque ele foi, a gente tem que tocar, né, sem ele,
porque não é fácil, não.
E: Você teve alguma alteração da saúde depois da morte dele?
P: Então, daí apareceu esse, não sei se foi por causa do nervoso, que me deu essa dor
no peito, que eu passei com o doutor (cardiologista), eu fiz exame de sangue, deu
diabetes, eu acho que é tudo através do nervoso, tudo da emoção que deu, porque eu
não tinha diabetes, deu infecção de urina também.
E: E como era essa dor no peito que você tinha?
P: Ah era assim, ela me deu duas vezes já, né, deu a primeira vez que foi ele que me
atendeu, depois daí tornou dá.
E: Quando que foi a primeira vez?
P: Da primeira vez está com 4 meses, é está com 4 meses, né, que eu até tive sorte
que foi ele que estava de plantão, foi aonde que ele me encaminhou para o consultório
dele, daí depois tornou dá e eu fui lá, aí eu voltei lá com ele, daí ele tornou a pedir todos
os exames de novo, né, fazer um outro eletro, mas não deu nada, acho que é muita
ansiedade, muito nervoso, então por isso é que dá. É que eu passo muita raiva com o
meu caçula, não vou mentir, passo mesmo, ele sai para noite, só chega no outro dia, eu
fico com medo dele está mexendo com droga, sabe, tudo isso, então a gente fica
supernervosa, então enquanto ele não entra dentro de casa eu fico supernervosa.
E: E antes da morte do seu marido você tinha essas dores no peito?
P: Não, nunca me deu, nunca me deu, já me deu stress, uma vez eu já entrei em
depressão, mas foi controlado e tudo, mas essas dores não, foi a primeira vez que me
deu essa dor.
E: E teve mais alguma coisa que te deu com relação à saúde depois da morte dele?
116
Anexos
P: Não
E: E com relação à alimentação, sono?
P: O sono é pouco, eu sempre fui ruim mesmo para dormir, eu sempre não dormi,
porque ele era boêmio, ele praticamente e o filho está a mesma coisa, né, o filho é a
mesma coisa, então acho que é isso, então o marido foi e o filho está entrando também,
vai e fica pra rua, a noite toda, sabe e aquilo me incomoda, então eu perco o sono e fico
sem dormir, acho que é isso que me dá esse agito de nervoso, que eu fico muito sem
dormir.
E: E logo após a perda do seu marido?
P: Também, teve sim, por aí o menino também faz a mesma coisa, sai para a rua, até
que agora de uns tempos ele tem dado uma maneirada, de fevereiro para cá ele deu
uma boa maneirada de sair à noite, porque ele não tinha dia, era de segunda a segunda,
ele saía, era duas três da manhã, isso era todos dias, não trabalha né doutora, então
fica na rua, aí a gente foi controlando daí ele deu uma parada, ele está bem controlado,
mas chega sábado e domingo, sábado principalmente sábado, hoje é dia, né, hoje ele
sai, chega sexta e sábado é dia dele sair, e voltar cinco, cinco e meia da manhã e eu
não durmo que eu fico com medo de acontecer alguma coisa, aí eu fico com aquela
tensão, aquela tensão e eu não durmo, que eu morro de medo, né, que lá é um bairro
que eu vou falar, viu, (bairro da periferia) é um bairro muito carregado, aliás está todo
bairro, o duro é que está todo bairro, todo bairro está, então você fica assim naquela
coisa, né, enquanto não entra dentro de casa você não dorme, dormir, aí não dorme
depois amanhã o dia, não dorme, não dorme porque o sono da noite é o sono da noite,
de dia não dorme.
E: E a sua alimentação?
P: Ah, eu como muito pouco.
E: Mas já era assim antes da perda do seu marido?
P: Já, muito pouco mesmo, eu já era de comer pouco e agora eu estou comendo bem
mais pouco.
E: Então você já era de comer pouco e dormir pouco, mas você acha que a perda
alterou mais?
P: Alterou mais, é, essa complicação com o garoto, que é sair para a rua, então aquilo
já vai colocando coisa na cabeça, porque está andando com esses meninos já está
usando droga, então a minha filha fica lá tá vendo ele vai atrás dos vagabundos porque
vai fumar drogas, então aquilo você fica com alguma coisa na cabeça, né, fica tudo
assim, então você tem que trabalhar de um jeito que...
E: A senhora está trabalhando?
117
Anexos
P: Não, eu estou trabalhando em casa, eu parei de trabalhar, aí eu comecei a receber
a pensão dele eu parei de trabalhar, eu trabalhava de doméstica, era de doméstica.
E: E você fuma, bebe, toma algum medicamento?
P: Não. Ah, o doutor (neurologista) passou, eu nem comprei, passou para mim dormir,
porque eu fui lá no doutor faz uns quinze dias atrás, a mas eu nem comprei para mim
dormir, ele passou um calmante para mim dormir mas eu não comprou não, está aqui a
receita, eu nem comprei, falei eu não vou comprar não, tenho que dormir por dormir,
Jesus, através de calmante, eu não quero dormir através de calmante, eu quero deitar,
por minha cabeça no travesseiro e dormir normal, meu sono vir normal dormindo,
tranqüila.
E: E depois da perda do seu marido você procurou algum médico?
P: Não, não procurei não.
E: Você foi procurar o doutor (cardiologista) há uns 4 meses?
P: É, por causa da dor no peito, né. Até eu estava querendo fazer uns exames, porque
o que deu nos exames dele deu hepatite crônica, deu um problema no rim, sabe, o
coração dele alterado, deu tudo isso, aí eu estava pensando passar no clínico geral e
fazer todos esses tipos de exames, porque eu colhi sangue deu diabetes, eu não sei,
diabetes dele não deu, só sei que ele tinha pressão alta porque ele tomava remédio
para controlar, aí quando ele morreu fizeram todos os exames, deu hepatite crônica,
deu um problema no rim.
E: E além de dor no peito você sentiu mais alguma coisa?
P: Não, não, eu não senti mais não, eu tenho muita dor de cabeça, que eu vou no
doutor (neurologista) por causa disso mesmo, por causa da dor de cabeça, foi aonde
que agora eu tornei, fazia tempo que eu não ia, aí ela voltou a doer sem parar, aí eu
falei deixa eu ir lá, aí ele passou esse remédio, eu falei ai meu Deus eu não quero tomar
esse remédio para dormir, eu não quero, mas eu estou muito ruim para dormir mesmo,
chega duas, três horas eu estou acordada.
E: Faz quanto tempo?
P: Isso já vem de anos, anos, anos, às vezes eu deito de dia um pouquinho, aí passa
aquele soninho de vinte, meia hora, mas à noite é complicado para dormir, bate aquele
sono, aí eu deito durmo, daí eu acordo uma e meia, duas horas, aí acabou, não vai
mais, aí eu fico até amanhecer, aí eu levanto, aí os ônibus começam a correr, o guarda
para de apitar cinco horas da manhã na rua de casa que a gente tem guarda, a padaria
abre seis horas que é na esquina de casa, então eu escuto tudo, o pessoal começa a
levantar e ir trabalhar, agora eu falo deixa eu levantar, mas não é fácil, não, né doutora.
E: Você acha que teve alguma coisa que te ajudou? Você teve algum apoio?
118
Anexos
P: Eu tive muito apoio, tive apoio da minha advogada, que tudo que ela foi fazer ela fez
tudo pra mim, o pessoal que ele trabalhava eles me apoiaram muito, as minhas irmãs
me apoiaram muito, que moram aqui, eu tive um irmão ficou comigo um ano, ele não foi
embora, aí ele ficou aqui, quando ele viu que as coisas estavam todas encaminhadas,
aí depois que ele foi embora, então eu tive muito apoio das pessoas, e vem todas as
pessoas que era amigo dele, vai e liga para perguntar como que eu estou, o pessoal da
federal liga, a cada quinze dias eles ligam porque são de São Paulo, né, porque o
sindicato era filiado à federação então ele era diretor aqui e diretor da federação, então
por isso que ele ia muito para lá porque ele era diretor lá também, aí ele ia ficava dois,
três dias porque tinha muita papelada para assinar, e eles me deram muita coisa, tudo
que foi feito eles fizeram, eu tive muita coisa, e eles ligam, o pessoal de Rio Claro liga,
de Bauru liga, o sindicato liga, pergunta como está, você está precisando de alguma
coisa, então eu tive muito apoio, sabe, muito apoio mesmo, então graças a Deus.
E: Você me falou que tem ficado mais em casa, como que foi a vivência dessas coisas?
P: Eu tenho que sair de um jeito estranho, que nem em fevereiro mesmo eu viajei, aí eu
viajei com outro pessoal, aí não tinha nada a ver com ele, só conhecia ele, então já foi
outra coisa, a única pessoa que conhecia ele era a sogra da minha irmã, ela levou eu
mesmo para mim, aí já foi outra coisa, aí eu me diverti, não lembrei dele, foi maravilhoso,
foram cinco dias muito bons, mas se eu saio na cidade vejo alguém, ela já pergunta, se
eu vou numa festinha já perguntam, aí começa a contar, eu fui numa festa em São José
do Rio Preto do sindicato, ah foi uma choradeira, cheguei lá vieram tudo me abraçar e
lembrar dele, aí começaram a chorar também, aí eu chorei, comecei a chorar, a festa
foi em julho, aí eu falei não dá para mim vir nesses eventos de vocês porque vocês
começam a lembrar, então não dá, não vou mais, vocês podem me convidar me mandar
o convite mas eu não venho mais, foi muito bom, mas, aí eles começam e ele era uma
pessoa que não deixava ninguém em paz, ele inventava cada uma, aí eles começam
lembrar das coisas que ele inventava e dá risada e na mesma hora que eles estão
dando risada, eles começam a chorar, aí eu abro a boca a chorar também, aí vai eu não
venho mais não.
E: E a senhora pratica alguma religião?
P: Pratico.
E: Qual?
P: Eu sou evangélica, faz 8 meses. Foi muito bom, para mim, para o meu filho, eu tirei
ele dá rua, pra ele também foi muito bom, porque ele era assim, ele vivia na rua, ele
saía esse horário três horas e ele só aparecia no outro dia, aí ele dormia, nem na
escola ele estava indo, aí depois que eu comecei ir, aí ele começou a participar também,
sabe, ele vai, mas ele não está assim aquela pessoa, agora eu não, eu vou mesmo
sabe, que eu já batizei na igreja, ele ainda a gente está assim uma luta, está na luta.
E: Qual é a freqüência que você vai à igreja?
119
Anexos
P: Eu vou toda terça, quinta e domingo. Às vezes, ao domingo, terça e quinta ele não
vai, às vezes ele vai, tem um domingo que toca e ele toca no louvor, aí ele vai, mas ele
vai todo sábado ensaiar, ele vai, ele ensaia tudo com aquela empolgação só, mas
chega no domingo ele não vai.
E: E antes desses 8 meses, você freqüentava alguma igreja?
P: Não. Na verdade eu freqüentava, é que eu não gosto nem de lembrar, aquilo lá
acabou com a minha vida, eu era espírita, nossa acabou, acabou com a minha vida,
nossa, era uma brigaiada dentro da minha casa, nossa, aí depois que eu parei de ir lá,
eu fiquei bastante tempo sem ir lá, aí uma amiga me chamou, aliás, quem começou
isso foi o meu filho, que começou ir na igreja, meu filho começou ir, ele começou tocar,
participar do grupo de louvor, aí um sábado, um domingo era o dia da Santa Ceia, aí ele
falou vamos mamãe ver eu tocar, aí eu fui, ele tocou, tudo, aí na terça-feira bateu no
meu coração, falei ah eu vou na igreja hoje, aí eu fui, fui na segunda, fui na terça, fui na
quinta, no domingo eu fui, aí no domingo ele foi também, aí eu não parei mais, aí estou
indo já faz oito meses, está sendo assim uma benção na minha vida, tem me dado
muita força sabe, porque tudo que você precisa você conversa, eles vêm na sua casa,
eles fazem reunião, conversa com a gente, é assim, pra mim está sendo muito bom,
então graças a Deus. Meu filho participou do seminário, do congresso de jovem, estava
muito bonito, agora vamos ver o que ele vai decidir de agora pra frente, espero que ele
tome a decisão certa, porque não é fácil, não, não é fácil.
E: Na época que seu marido morreu você não freqüentava essa igreja?
P: Não, não freqüentava não, ia nesse lugar, ia escondido dele, ele não podia nem
sonhar que eu ia nesse lugar.
E: Por quê?
P: Porque ele não gostava, ele não aceitava essas coisas, aí eu ia, ia eu e a minha
filha, aí a gente ia, eu já saia do serviço e ia, chegava lá, pegava a ficha, porque era por
ficha, aí nós era as primeiras a atender, aí já atendia e vinha embora, pra gente chegar
antes dele, ele também não tinha horário para chegar em casa, o horário dele sempre
era depois da uma hora, mas ele não sabia que a gente freqüentava esse lugar, não
sabia de jeito nenhum. É, mas é assim, né.
E: E hoje em dia como você se vê?
P: Ah, eu me vejo bem, agora eu estou bem, assim sofri muito, mas agora estou bem,
sabe, eu procuro esquecer tudo o que foi no passado, então eu estou procurando
esquecer, não quero lembrar tudo que já passou, eu quero viver de agora pra frente,
sabe, que é a minha solução, que eu quero viver de agora pra frente, bem, viver só eu
e ele, porque a minha do meio, a mais velha está mudando, ela vai morar sozinha, que
ela não quer morar mais, então assim eu quero viver só eu e ele, porque ele é o caçula,
né, porque ela estava morando comigo, agora ela não quer mais morar comigo, ela
está mudando, então eu estou assim: Deus me dá força para mim e para o Diego que
120
Anexos
é o que eu quero e viver bem, ter bastante força para gente sobreviver, porque se
cair....
E: O que seria cair?
P: Desistir de tudo, desistir da minha religião, não preocupar mais com nada, não se
preocupar mais com ele, é isso aí, não se preocupar com a casa, deixar em dívida,
então não né, eu quero assim, por tudo as coisas em ordem e tocar a minha vida com
ele e lutar para ele poder arrumar um serviço, um futuro para ele.
E: Quando você me falou deixar as coisas do passado, o que seria?
P: O que ele aprontou comigo, o meu marido e está difícil, tem vez que eu quero tirar,
mas eu não consigo tirar porque ele aprontou muito, quando eu falei para você que ele
só chegava às três, duas da manhã, é que ele tinha outra pessoa, foi oito anos que ele
conviveu com essa pessoa lá fora, então eu procuro, mas tem hora que eu não consigo,
mas eu quero, eu vou esquecer, mas eu vou esquecer, é aonde que eu saio muito e as
pessoas lembram isso, sabe, porque as pessoas sabiam, só que ele era assim, ele não
admitia, eu comentava com ele, ele não imagina você é louca, não tem ninguém lá fora,
mas a gente sabia, a gente pegou várias vezes, não deixou ele vê, mas eu e a minha
filha pegou várias vezes ele com ela, meu filho mesmo casado chegou a pegar, porque
o meu filho quando namorava a minha nora era perto da casa dela, é por isso que eles
não se conversavam por causa disso. Aí meu filho foi falar com ele, que o meu filho viu
ele deixando ela na porta da casa dela, meu filho ia indo para a casa da namorada
porque era (rua próxima) e a minha nora morava (rua próxima), ele ia atravessando
naquela pracinha do Pronto-Socorro e ela mora bem ali no comecinho, no sinaleiro e o
meu filho viu, nossa aquilo foi uma morte para o meu filho, quando ele morreu fazia três
anos que ele tinha visto, então eu procuro, mas tem hora que bate sabe aquela coisa,
mas eu vou esquecer, se Deus quiser, eu vou esquecer.
E: É difícil falar disso
P: É difícil
E: E o velório, como foi?
P: Nossa foi uma loucura, a minha neta em cima dele, porque a minha neta era
apaixonada, porque de todos que ele aprontou a minha neta não sabia, só a gente que
sabia das coisas, mas ela era apaixonada por ele, ela era muito apaixonada por ele, ela
deu um trabalho, até uma semana, foi assim dando febre, foi assim mais de uma semana,
ela deu bastante febre e trabalho. O meu filho doutora, deu bastante trabalho na hora
de enterrar; minha sogra, nossa, deu muito trabalho também. Mas a gente vai superar,
a gente tem que entender que ele foi, mas a gente tem que tocar, que à toa ele não foi,
a hora dele chegou, chegou, também ele não se cuidava, a pressão alta, ele sabia
desse problema dele, só que a gente não sabia, ele fazia as coisas tudo escondido, ele
bebia demais e ultimamente doutora ele estava tomando muita bebida destilada, uísque,
mas ele estava assim, ele chegava em casa ele tomava de três, quatro doses,
121
Anexos
principalmente no domingo de manhã antes de sair, ele já ia lá e tomava umas três,
quatro doses e saía, aí chegava ia para o clube, ficava lá no clube a tarde toda só
bebendo, então ele bebia muito e fumava desesperadamente, às vezes quando a gente
estava perto dele a gente controlava, mas quando a gente não estava, não dava para
controlar, ele fumava demais, fumava muito e já tinha dado quatro vezes pneumonia
nele, tinha dado três vezes parada cardíaca nele, ele ficou três vezes internado no
hospital das clínicas, no São Francisco com parada cardíaca, ele já tinha tido três
vezes parada cardíaca que ele ficou internado, de cinco dias a seis dias que ele ficava,
quem fazia acompanhamento com ele era o doutor (cardiologista), tomava os remédios,
mas bebia.
E: Tem mais alguma coisa que você acha importante de falar?
P: Não, acho que é isso mesmo, tipo de um desabafo, mas que mexe, né.
E: Você tinha me falado no começo que vocês tinham discutido por um tempo, mas que
vocês estavam ultimamente...
P: É ultimamente a gente estava bem, a gente estava viajando, estava bem, mas foi
assim uns seis anos foi assim, tudo o que eu não queria, eu entrei em depressão, foi
essa época que eu entrei em depressão, daí foi indo, foi indo, foi melhorando, daí
graças a Deus deu, acho que sentiu no coração que ele estava errado, foi a convivência
que ele teve com ela, ela fazia muita chantagem, ela não deixava ele em paz, eles
mesmo lá no serviço dele comentou muito comigo sobre isso, que às vezes ele estava
lá o telefone tocava, podia saber que era ela, tinha que sair correndo, porque era ela,
então ela fazia chantagem com ele, agora eu não sei o tipo de chantagem, né, porque
ele tinha que sair correndo.
E: E como foi ouvir tudo isso?
P: Foi horrível, quando ele ficava internado, eu tinha que ficar de plantão no hospital
porque ela rodeava para entrar lá, então eu ficava, aí ela me via, ela ia embora, mas
terminava as visitas, as visitas terminavam e ela ficava lá, aí ela me via, aí eu ficava,
porque eu não ia embora, ela ficava lá na porta do hospital, aí ela ficava até dá um
determinado horário, nove horas da noite, né, aí ela ia embora, mas ela ficava para ver
se ela conseguia entrar lá dentro, até isso ela fez, fez muita coisa.
E: Teve alguma situação no velório?
P: Não, ela não foi, inclusive ela mandou dois sobrinhos dela, os dois sobrinhos foram,
mas ela não, nem ela nem a filha, mas os sobrinhos foram, inclusive eu não conheci, eu
vi aqueles dois moços mas não me veio na cabeça, aí depois de dois dias passados,
eles dão aquela pasta que assina, eu sentei e comecei a olhar, daí eu olhei lá embaixo
fulano e o nome da cidade, aí que eu fui me ligar que era os dois sobrinhos dela, mas
eu não vi, aí eu estava passada, meus filhos também, aí depois de uns dias eu fui lá no
sindicato, cheguei lá no sindicato estava conversando com eles, daí eles me contaram,
você viu quem estava lá, falei não, quem? Os sobrinhos da fulana, falei ah tá, tá bom,
122
Anexos
falei já foi né, gente, também não tinha condições de fazer, era aquela hora, então eu
não queria nem saber não, foi, foi, deixa para lá, já foi, já foi passado, se foi vontade
deles, agora não sei se foi ela que mandou ou se foi vontade deles, então eu não posso
julgar nada, né doutora. Porque ele tinha muito amigo, ele tinha uma amizade tremenda,
nossa, as pessoas consideravam ele demais, tinha um amigo, que ele era do sindicato
dos motoristas, ele estava lá na junta, ele largou tudo lá, o outro amigo porque ligaram
do sindicato lá, o outro amigo ligou para ele, ele estava lá na junta, ele falou cancela
tudo saiu e foi bater lá na minha casa, ele ainda chegou junto comigo, que ele saiu lá da
junta, eu estava chegando, ele chegou comigo, nossa, ele ficou doido, falou não, não
pode, é mentira, é mentira, ele não se conformava, é coisa que ninguém acredita mas
ele recebeu 42 coroas, doutora foi dois forgões cheios e o caixão dele na frente num
outro forgão, foi três forgões, um forgão com um caixão dele e dois só com coroas,
chegou lá no cemitério pôs em cima das outras covas, porque não tinha jeito, de tanta
coroa que tinha, até na hora de sair o caixão e o velório daqui chegou a coroa, muito,
muito, muito, é demais, mas está bom, né, tem que conformar, o que Deus prepara
para nós, né doutora. Mas eu estou forte doutora, graças a Deus, eu estou forte, tem
um Deus que fortalece.
E: Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
P: Não. Não.
E: Eu gostaria de te agradecer.
123
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