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pintores, Aletti chama atenção para a originalidade do trabalho do artista:
A representação clássica expressa a certeza do não imaginário dos
discípulos, e conseqüentemente da comunidade de crentes e do
artista. A pintura de Jan Steen, entretanto, apresenta uma situação
completamente diferente e altamente incomum; o pintor tem uma
abordagem provocativa em relação á exegese e ainda ao texto do
Novo Testamento. Os dois discípulos parecem estar em um estado de
consciência obscura: superados por uma exaustão física, sonolência,
e vinho, eles afundam em um tipo de embriaguez como a da
companhia misteriosa desbotada ao fundo, tendo já perdido o
contorno distinto da figura real. Ao mesmo tempo em que os
empregados da taverna continuam a fazer as suas tarefas com
completa indiferença. Como se eles já tivessem perdido a habilidade
de admirar qualquer coisa. A impressão dada é que uma vez
acordados, os viajantes poderiam perguntar a si mesmos quem era
aquela companhia, mas também se era realmente real, ou meramente
um sonho, uma visão, ou simplesmente uma ilusão. O artista separa
a aparição de Cristo, do brilho suave da verdadeira experiência, e
muda para as sombras da convicção subjetiva, onde a fé (ou dúvida)
realmente repousam. Desejo, projeção e ilusão, são mostrados como
rotas que levam ao reconhecimento que constitui a base da fé, com
uma acentuação do componente subjetivo; isto poderia ser um tanto
incomum para este tipo de expressão artístico que ocorreu no mundo
Romano Católico durante aquele período.
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Aletti mostra, com esse exemplo, a possibilidade de se pensar a ilusão, o subjetivo
e a religiosidade em outro contexto. Nesse contexto, a clareza e a certeza da
objetividade são trocadas por um outro tipo de vivência.
Nesse trecho em questão, Jesus aparece sem permitir que seja reconhecido.
Posteriormente, após um gesto seu (partindo um pão), é reconhecido e se torna
invisível. Ao se tornar invisível, os discípulos acreditam na ressurreição e partem para
anunciá-la.
Aqui a vivência religiosa acontece em um espaço que não pode ser objetivado e
também não pode ser meramente subjetivo. O Cristo já estava presente para ser visto,
mas só é visto através de um gesto. Ao ser visto, contudo e paradoxalmente, se torna
invisível.
O Cristo encontrado, na fé dos discípulos, já estava lá para ser encontrado. Ao
Entrou então para ficar com eles. E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o
e deu a eles. Então seus olhos se abriram e o reconheceram; ele, porém ficou invisível diante deles. E
disseram um ao outro: Não ardia nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos
explicava as escrituras?”
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ALETTI, M. “Arte, cultura e religião na vida adulta: rabiscos Winnicottianos”. In: IRENE, G. A. &
ANCONA-LOPEZ, M. Temas em Psicologia da religião. São Paulo: Ed Vetor, 2007.