No caso da obra de Baudelaire, o flâneur percorria uma Paris em transformação com as
modificações implementadas por Haussman através de demolições e construções de novos
edifícios, numa tentativa de ordenar o espaço urbano. O flâneur ia de encontro a essa ordem e
desenhava sua própria organização do espaço. Através desse andarilho, Benjamin tenta recompor
uma outra História que se atém a pequenas histórias, a fragmentos que ao todo conferem à cidade
um rosto, sua fisiognomia, constituindo-se como um modo específico de representação que
lembra a linguagem do vídeo clip entrecortado e montado de maneira não linear, mas que acaba
por constituir um todo que apresenta sentido. Como afirma Willi Bolle:
“De Baudelaire, ele aprendeu a ver a cidade como um corpo humano e a
usar a técnica de superposição que faz com que, miticamente, a percepção
da cidade e a do próprio corpo se confundam...Baudelaire e Benjamin,
cada um à sua maneira, tentaram flagrar esse momento em que o sujeito
se inteira da fisionomia da cidade e ao mesmo tempo de si mesmo, em que
rosto e corpo se assemelham miméticamente à cidade que ele habita,
como se ela fosse a constelação que define sua identidade, a estrela de sua
vida inteira” (BOLLE, 2000:43).
Neste sentido, por ser uma representação dessa classe econômica, o flâneur encarna
outros tipos urbanos como o colecionador e o jogador, que constituem outras possibilidades
representativas que atuam como desdobramentos. O colecionador, ao trazer para o interior de sua
casa pequenos souvenirs, contemplava o mundo como imagem, em sua imobilidade; e o Jogador,
representava o ócio e a falta de preocupação com o risco. Essa multiplicação da personagem
ocorre por montagem, em que um não anula o outro, mas ambos se sobrepõem.
Além de ser objeto do fabular, o flâneur traçava sua própria fabulação da cidade, porque
ao caminhar passava a estabelecer com ela sua própria experiência e história. O espaço público é
seu lugar e, nas passagens parisienses, vivia a comunicação face-a-face, proporcionada, em
especial, pelo comércio em que há negociação e esta se dá sem intermediários. Percebe-se, desta
forma, que além de criar imagens da cidade, o ato de andar pelas ruas molda também o corpo
num processo de tradução sígnica e construção simbólica. O conceito de tradução em Walter
Benjamin, segundo Jeane Marie Gagnebin, normalmente voltado para o estudo da linguagem no
sentido de uma língua original, pode ser trazido para a análise da relação que o flâneur construía
ao caminhar pela cidade. Neste sentido, a tradução se faz a partir dos signos da cidade, uma
linguagem não-verbal, transformando-os em elementos apreensíveis cognitivamente, ou seja, o