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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sheila Cristina Santos
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos e a reparação do Estado às vítimas da ditadura
militar no Brasil
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sheila Cristina Santos
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a
reparação do Estado às vítimas da ditadura militar no Brasil
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra.
Vera Lúcia Michalany Chaia
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
......................................................
......................................................
......................................................
.....................
A meus pais, Saulo e Maria Aldeir,
meus irmãos, Saulo Jr. e Vanessa,
meu esposo Alexandre e ao meu
filho João Pedro.
AGRADECIMENTOS
A Vera Chaia, pela oportunidade, apoio e dedicação.
Aos professores Ana Amélia e Paulo Cunha, pelas sugestões
apresentadas no momento da qualificação.
Meus sinceros agradecimentos aos representantes da Comissão de
Familiares pelos valiosos depoimentos, entre eles, Maria Amélia de
Almeida Teles, Ivan Seixas, Criméia Alice Scmidt, Laura Petit da Silva,
Helena Pereira dos Santos (in memorian), Suzana Lisboa, Yara Lobo e
Samuel Iavelberg.
A Nilmário Miranda, pela importante entrevista que me concedeu em
Brasília.
A Marco Antônio Rodrigues Barbosa, pelos esclarecimentos prestados.
A João Paulo e Nair, pelo carinho e por me ceder, por várias vezes, o
refúgio em Boituva para que eu pudesse escrever este trabalho.
A meu grande amigo Silvio , pelo incentivo e apoio nos momentos mais
difíceis.
A Salvine Maciel, pelo apoio na finalização deste trabalho.
Às pessoas especiais, que fazem parte da minha e que, de uma forma ou
de outra , sempre me apoiaram: Ana Paula, Natacha, Josevan, Mariana,
Suzie, Patrícia Assaf, Sandra, Roseleide, Monalisa, Surama, Márcia e
Elisabeth.
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... 8
INTRODUÇÃO........................................................................................ 9
CAPÍTULO I O GOLPE DE 64 E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PODER MILITAR
NO PAÍS: EMBATES E RESISTÊNCIAS ...................................... 15
1.1 Contexto geral................................................................... 15
1.2 A articulação da esquerda nos governos militares e o
surgimento dos grupos de resistência armada.................... 39
1.3 A guerrilha rural e as lutas travadas no Araguaia ............ 50
1.4 De Geisel a Figueiredo: rumo à Abertura ......................... 59
CAPÍTULO II HISTÓRICO DAS REIVINDICAÇÕES E LUTAS DA COMISSÃO
DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS ...... 77
2.1 Conquistas e contradições rumo ao processo de reparação às
vítimas da ditadura militar................................................ 77
2.2 A descoberta da Vala Perus e a criação da CPI na Câmara
Municipal de São Paulo: informações sobre desaparecidos. 93
2.3 Região do Araguaia: familiares buscam notícias sobre os
desaparecidos da guerrilha............................................... 106
2.4 Os arquivos do DOPS: novas informações contribuem para a
reconstrução da história .................................................. 115
C
APÍTULO III A COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS
POLÍTICOS (CEMDP): REPARAÇÃO ÀS VÍTIMAS DA DITADURA
MILITAR
......................................................................... 124
3.1 A conquista da Lei 9 140 e a formação da CEMDP............ 124
3.2 A atuação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos........................................................................... 140
3.3 As mudanças na Lei 9 140/95 e o direito de acesso aos
arquivos das Forças Armadas ....................................... 155
CAPÍTULO IV ESTUDO DE CASOS: CARLOS LAMARCA E CARLOS MARIGHELLA. 169
4.1 A trajetória política de Carlos Lamarca e processo
Indenizatório............................................................... 169
4.1.1 História de vida e engajamento político............... 169
4.1.2 O processo indenizatório no caso Lamarca......... 177
4.2 Trajetória política de Carlos Marighella e o processo
Indenizatório.............................................................. 185
4.2.1 História de vida e engajamento político: a
fundação da ALN............................................... 185
4.2.2 O processo indenizatório no caso Marighella...... 194
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 200
SIGLAS............................................................................................ 205
BIBLIOGRAFIA.................................................................................. 207
A
NEXOS
RESUMO
Em 1995, o governo brasileiro promulgou a Lei 9 140 que visa à
reparação moral às vítimas da ditadura militar no país por meio de
indenização as suas famílias. Essa Lei estabeleceu ainda a criação da
Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), com o
objetivo de promover o reconhecimento Estado mediante a
responsabilidade dos crimes cometidos durante o período da repressão
política.
No momento imediato à promulgação dessa Lei, o Estado
reconheceu 136 pessoas como desaparecidas, conforme Dossiê de
mortos e desaparecidos políticos, elaborado pela Comissão de
Familiares. Os demais casos foram encaminhados para a CEMDP, cuja
tarefa foi analisar, investigar e julgar os processos relacionados às
vítimas. Durante o processo de apreciação dos casos, ficou sob
responsabilidade de cada familiar o levantamento de provas suficientes
para responsabilizar o Estado nos crimes.
Durante os 11 anos de atuação (1996-2007), a CEMDP recebeu
processos referentes a 475 vítimas. Desse total, 136 nomes já
constavam no Anexo I da Lei 9 140/95, relacionado aos desaparecidos.
Os outros 339 casos foram objeto de análise da Comissão. Desse
número, 221 casos foram deferidos e as famílias puderam ser
indenizadas, e 118 casos foram indeferidos.
Embora tenha sido ampliada nos anos de 2002 e 2004, a Lei 9
140/95 não soluciona o caso dos desaparecidos políticos, não permite a
localização de seus restos mortais e não garante punição aos que
praticaram crimes na época. Ainda hoje, é uma lei de caráter restrito.
ABSTRACT
In 1995, the Brazilian government promulgated the Law 9,140
that aims at the moral reparation to the victims of the military
dictatorship in the country and reparation through indemnity to their
families. This law also established the creation of the Special Committee
of Killed and Political Missing (CEMDP) with the objective of promoting
the recognition of the State through the responsibility of crimes
committed during the period of political repression.
Currently to the immediate enactment of this law, the State
recognized 136 people as missing, according to the Dossier of killed
and political missing, prepared by the Committee of Relatives. The other
cases were referred to CEMDP, whose task was to analyze, investigate
and judge the cases related to the victims. During the process of
assessment of the cases, it was under the responsibility of each family
the lifting of sufficient evidence to blame the State in the crimes.
During the 11 years of action (1996-2007) to CEMDP received
files relating to 475 victims. Of this total, 136 names were already listed
in Annex I of Law 9.140/95, related to the missing. The other 339 cases
were subject to review by the Committee. Of this number, 221 cases
were accepted and families could be indemnified, and 118 cases were
dismissed.
Although it has been expanded in the years of 2002 and 2004, the Law 9.140/95
does not solve the case of the political missing, it does not allow the location of their
remains and it does not guarantee punishment for those who practiced crimes at the
time. Even today, it is a law of restricted nature.
INTRODUÇÃO
Em 31 de março de 1964, o país sofre um golpe de Estado que
depõe o presidente João Goulart, instituindo uma nova fase da política
brasileira sob o comando dos militares. Esse fato irá mudar os rumos
dos acontecimentos políticos no Brasil durante os próximos 21 anos.
A consolidação do poder militar causou resistências entre vários
setores da sociedade, sobretudo entre as camadas mais politizadas.
Para parte da juventude da época que vislumbrava percorrer os
caminhos da revolução socialista, assim como ocorreu em Cuba, em
1959, a inferência militar representou um duro golpe contra os ideais
de transformação política do país.
Nesse sentido, os movimentos oposicionistas – grande parte deles
dissidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – passaram a articular
formas de derrubar o governo, travando um embate direto com as
forças de repressão. Surgiram, então, as organizações de esquerda, que
passaram a atuar estrategicamente nos centros urbanos, como, por
exemplo, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-
8), entre outras. Segundo D’Araújo, “(...) várias organizações de
esquerda foram surgindo para atender as demandas de participação
contestatórias (...)”
1
. Assim, a esquerda também se articulou no interior
do país, como no caso da guerrilha do Araguaia.
Com o intuito de conter a expansão da esquerda organizada, a
ditadura militar intensificou cada vez mais seu poder de ação e adotou
uma série de medidas que consolida o novo regime, a principal delas
ocorreu em dezembro de 1968 com a edição do Ato Institucional nº 5,
que aprofundou as divergências políticas entre o governo e a oposição.
Com o acirramento da ditadura militar, o Estado promoveu uma
série de ações violentas por meio dos órgãos de segurança, o que
1
D´ARAÚJO, M. C.; SOARES, G. A. D.; CASTRO, C. Os anos de chumbo: a memória
militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 21.
resultou em dezenas de crimes praticados contra opositores políticos.
Foram vários os setores atingidos, em especial os que aderiram à luta
armada. Muitos membros das organizações esquerdistas foram
perseguidos, presos, torturados e eliminados por conta da
arbitrariedade do regime militar, principalmente no período
compreendido entre 1968-1974.
Considerando-se o fim da ameaça oposicionista em meados dos
anos 70, os militares passam a articular o processo de distensão
política e, em 1979, a Lei da Anistia promoveu, entre outras ações, o
retorno dos exilados ao país e a liberdade para presos políticos.
Somente em 1995, com a promulgação da Lei 9 140/95, o Estado
brasileiro criou condições de reparação aos crimes cometidos durante a
ditadura militar, quando, pela primeira vez na história da Nova
República, os fatos que envolveram esse período vieram à tona e,
conseqüentemente, puderam ser amplamente discutidos.
A primeira iniciativa na realização dessa pesquisa foi buscar os
arquivos de jornais e publicações com artigos correspondentes ao
período militar que permitiram, juntamente com a bibliografia indicada,
contextualizar esse período. Durante o ano de 1996, ano que foram
iniciados os trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP), os jornais deram considerável destaque para o
julgamento dos casos. Nesse mesmo ano, o governo reconheceu a
responsabilidade pelas mortes de dois líderes das organizações
esquerdistas da época: Carlos Marighella e Carlos Lamarca. Por conta
disso, os veículos de comunicação deram ampla cobertura jornalística a
esses casos facilitando o acesso às informações.
As pesquisas aos jornais foram feitas através do Arquivo do
Estado de São Paulo, onde há desde registros mais recentes até
publicações das décadas de 1960 e 1970 e foi possível manipular os
arquivos do extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS),
pesquisar prontuários de membros de organizações políticas que
estiveram sob custódia do Estado nos anos de repressão. Foi possível
acessar os prontuários das seguintes pessoas: Sonia Maria de Moraes
Angel Jones, Antônio Carlos Bicalho Lana, Devanir José de Carvalho,
Dimas Antônio Casemiro, Eduardo Collen Leite, entre outros. Nesses
prontuários constam: histórico dos militantes políticos (mediante a
investigação dos órgãos de segurança na época), fotos dos presos, dados
pessoais através de dados cadastrais, entre outras informações.
Ainda no que se refere aos documentos, foi realizada pesquisa no
acervo do Grupo Tortura Nunca Mais/SP, onde se encontram fotos,
reportagens relacionadas à luta dos familiares, informações sobre
presos políticos e bibliografia referente ao período.
Na Câmara Municipal de São Paulo, foi possível obter uma cópia
do relatório sobre a CPI da Vala de Perus por intermédio de Ivan Seixas,
membro da Comissão de Familiares. Embora confuso em alguns
momentos no que diz respeito às informações, o relatório é detalhado e
foi importante para elucidar o episódio da vala comum do cemitério de
Perus.
Além desses documentos, uma rica fonte de informações para a
construção deste trabalho partiu do depoimento prestados por
militantes da causa dos mortos e desaparecidos. Foram realizadas
entrevistas com as seguintes pessoas: Helena Pereira dos Santos (ex-
presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP), Carlos Tíbúrcio (ex-preso
político), Marco Antônio Rodrigues Barbosa (atual presidente da
CEMDP), Yara Lobo (perdeu pai e mãe na repressão política), Samuel
Iavelberg (irmão de Iara Iavelberg), Nilmário Miranda (ex-integrante da
CEMDP) e representantes da Comissão de Familiares: Maria Amélia de
Almeida Teles, Criméia Alice Schmidt, Suzana Lisboa, Ivan Seixas e
Laura Petit.
Em 2000, em Brasília foi realizada, também, entrevista com o
presidente da Comissão de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, na
época, também membro da CEMDP. Essa entrevista foi importantíssima
para reconstruir a história da Comissão, inclusive porque foi-nos
concedida autorização para acessar seu acervo.
Ao solicitar ao assessor da CEMDP Francisco Helder Macedo
Pereira os Dossiês de Carlos Lamarca, Carlos Marighella e Iara
Iavelberg, fui prontamente atendida: foram duas tardes nas quais pude
pesquisar vários documentos da CEMDP, entre eles processos referente
às pessoas mortas durante a repressão política, dossiês, atas das
reuniões da Comissão, publicações do Diário Oficial com os nomes das
famílias indenizadas pelo governo, relatórios referente aos casos
julgados pela Comissão, fotos e dados com valores e números dos
trabalhos da CEMDP. Além da pesquisa realizada, ainda foi possível
fazer cópia de alguns documentos para fim de pesquisa.
Inicialmente, a idéia era estudar os movimentos guerrilheiros no
país durante nas décadas de 1960 e 1970; depois de ter acesso às
primeiras informações, tema da pesquisa voltou-se para os trabalhos da
CEMDP, pois ficou em evidência a sua relevância histórica, em uma
história de discussão bastante atual. Assim, este trabalho tem por
objetivo central demonstrar como o Estado reconheceu sua
responsabilidade no assassinato de opositores políticos durante a
ditadura militar, fato que ocorreu principalmente com a instituição da
CEMDP, a partir da Lei 9 140/95, com o intuito de investigar e julgar
cada caso.
A dissertação foi estrutura em quatro capítulos. No primeiro
capítulo do trabalho, há a contextualização dos principais
acontecimentos desde o golpe militar em 1964 até a concessão da
Anistia em 1979, enfatizando a movimentação da esquerda durante
esse período, traçando alguns dos embates e resistências ao regime
repressor.
No segundo capítulo, foi delineada a trajetória da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos durante os anos de luta. Para
isso, foi de particular relevância coletar depoimentos das famílias. Esses
depoimentos são valiosos, dois dos quais chamam a atenção: o de
Helena Pereira dos Santos e o de Laura Petit.
O terceiro capítulo trata do nosso objeto de estudo: demonstrar
como o Estado reconheceu sua responsabilidade no assassinato de
opositores políticos durante a ditadura militar, apresentando como foi
instituída a CEMDP e como desenrolaram seus trabalhos.
No quarto e último capítulo, há um breve estudo de casos no qual
foram analisados os processos de Carlos Marighella e Carlos Lamarca.
Para a elaboração deste capítulo, foram utilizados os documentos
cedidos durante a viagem à Brasília referente aos dois líderes
esquerdistas.
Julgamos necessário também incluir alguns anexos ao trabalho,
tais como: a Lei 9 140/95, a Lei 10 536/02, a Lei 10 875/04
(decorrentes da Lei dos Desaparecidos); a listagem dos casos deferidos e
indeferidos pela CEMDP e os nomes dos integrantes que fizeram parte
da Comissão desde sua origem, em 1995, até 2007.
A CEMDP, que iniciou seus trabalhos em 1996, encontra-se em
uma nova fase. Além do processo de construção do banco de DNA, o
acervo da Comissão será digitalizado com o intuito de facilitar o acesso
à pesquisa.
Atualmente, seus trabalhos seguem com o objetivo de localização
dos restos mortais de desaparecidos políticos. Portanto, os esforços
estão concentrados para solucionar onde ainda há uma lacuna a ser
preenchida nessa história: onde estão os mais de cem desaparecidos
políticos?
Há mais de 40 anos, famílias aguardam uma resposta do Estado.
Hoje, essa luta transcende as reivindicações do movimento de familiares
e passa a ser também uma causa de toda a sociedade.
INTRODUÇÃO
Em 31 de março de 1964, o país sofre um golpe de Estado que
depõe o presidente João Goulart, instituindo uma nova fase da política
brasileira sob o comando dos militares. Esse fato irá mudar os rumos
dos acontecimentos políticos no Brasil durante os próximos 21 anos.
A consolidação do poder militar causou resistências entre vários
setores da sociedade, sobretudo entre as camadas mais politizadas.
Para parte da juventude da época que vislumbrava percorrer os
caminhos da revolução socialista, assim como ocorreu em Cuba, em
1959, a inferência militar representou um duro golpe contra os ideais
de transformação política do país.
Nesse sentido, os movimentos oposicionistas – grande parte deles
dissidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – passaram a articular
formas de derrubar o governo, travando um embate direto com as
forças de repressão. Surgiram, então, as organizações de esquerda, que
passaram a atuar estrategicamente nos centros urbanos, como, por
exemplo, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-
8), entre outras. Segundo D’Araújo, “(...) várias organizações de
esquerda foram surgindo para atender as demandas de participação
contestatórias (...)”
2
. Assim, a esquerda também se articulou no interior
do país, como no caso da guerrilha do Araguaia.
Com o intuito de conter a expansão da esquerda organizada, a
ditadura militar intensificou cada vez mais seu poder de ação e adotou
uma série de medidas que consolida o novo regime, a principal delas
ocorreu em dezembro de 1968 com a edição do Ato Institucional nº 5,
que aprofundou as divergências políticas entre o governo e a oposição.
Com o acirramento da ditadura militar, o Estado promoveu uma
série de ações violentas por meio dos órgãos de segurança, o que
2
D´ARAÚJO, M. C.; SOARES, G. A. D.; CASTRO, C. Os anos de chumbo: a memória
militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 21.
resultou em dezenas de crimes praticados contra opositores políticos.
Foram vários os setores atingidos, em especial os que aderiram à luta
armada. Muitos membros das organizações esquerdistas foram
perseguidos, presos, torturados e eliminados por conta da
arbitrariedade do regime militar, principalmente no período
compreendido entre 1968-1974.
Considerando-se o fim da ameaça oposicionista em meados dos
anos 70, os militares passam a articular o processo de distensão
política e, em 1979, a Lei da Anistia promoveu, entre outras ações, o
retorno dos exilados ao país e a liberdade para presos políticos.
Somente em 1995, com a promulgação da Lei 9 140/95, o Estado
brasileiro criou condições de reparação aos crimes cometidos durante a
ditadura militar, quando, pela primeira vez na história da Nova
República, os fatos que envolveram esse período vieram à tona e,
conseqüentemente, puderam ser amplamente discutidos.
A primeira iniciativa na realização dessa pesquisa foi buscar os
arquivos de jornais e publicações com artigos correspondentes ao
período militar que permitiram, juntamente com a bibliografia indicada,
contextualizar esse período. Durante o ano de 1996, ano que foram
iniciados os trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP), os jornais deram considerável destaque para o
julgamento dos casos. Nesse mesmo ano, o governo reconheceu a
responsabilidade pelas mortes de dois líderes das organizações
esquerdistas da época: Carlos Marighella e Carlos Lamarca. Por conta
disso, os veículos de comunicação deram ampla cobertura jornalística a
esses casos facilitando o acesso às informações.
As pesquisas aos jornais foram feitas através do Arquivo do
Estado de São Paulo, onde há desde registros mais recentes até
publicações das décadas de 1960 e 1970 e foi possível manipular os
arquivos do extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS),
pesquisar prontuários de membros de organizações políticas que
estiveram sob custódia do Estado nos anos de repressão. Foi possível
acessar os prontuários das seguintes pessoas: Sonia Maria de Moraes
Angel Jones, Antônio Carlos Bicalho Lana, Devanir José de Carvalho,
Dimas Antônio Casemiro, Eduardo Collen Leite, entre outros. Nesses
prontuários constam: histórico dos militantes políticos (mediante a
investigação dos órgãos de segurança na época), fotos dos presos, dados
pessoais através de dados cadastrais, entre outras informações.
Ainda no que se refere aos documentos, foi realizada pesquisa no
acervo do Grupo Tortura Nunca Mais/SP, onde se encontram fotos,
reportagens relacionadas à luta dos familiares, informações sobre
presos políticos e bibliografia referente ao período.
Na Câmara Municipal de São Paulo, foi possível obter uma cópia
do relatório sobre a CPI da Vala de Perus por intermédio de Ivan Seixas,
membro da Comissão de Familiares. Embora confuso em alguns
momentos no que diz respeito às informações, o relatório é detalhado e
foi importante para elucidar o episódio da vala comum do cemitério de
Perus.
Além desses documentos, uma rica fonte de informações para a
construção deste trabalho partiu do depoimento prestados por
militantes da causa dos mortos e desaparecidos. Foram realizadas
entrevistas com as seguintes pessoas: Helena Pereira dos Santos (ex-
presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP), Carlos Tíbúrcio (ex-preso
político), Marco Antônio Rodrigues Barbosa (atual presidente da
CEMDP), Yara Lobo (perdeu pai e mãe na repressão política), Samuel
Iavelberg (irmão de Iara Iavelberg), Nilmário Miranda (ex-integrante da
CEMDP) e representantes da Comissão de Familiares: Maria Amélia de
Almeida Teles, Criméia Alice Schmidt, Suzana Lisboa, Ivan Seixas e
Laura Petit.
Em 2000, em Brasília foi realizada, também, entrevista com o
presidente da Comissão de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, na
época, também membro da CEMDP. Essa entrevista foi importantíssima
para reconstruir a história da Comissão, inclusive porque foi-nos
concedida autorização para acessar seu acervo.
Ao solicitar ao assessor da CEMDP Francisco Helder Macedo
Pereira os Dossiês de Carlos Lamarca, Carlos Marighella e Iara
Iavelberg, fui prontamente atendida: foram duas tardes nas quais pude
pesquisar vários documentos da CEMDP, entre eles processos referente
às pessoas mortas durante a repressão política, dossiês, atas das
reuniões da Comissão, publicações do Diário Oficial com os nomes das
famílias indenizadas pelo governo, relatórios referente aos casos
julgados pela Comissão, fotos e dados com valores e números dos
trabalhos da CEMDP. Além da pesquisa realizada, ainda foi possível
fazer cópia de alguns documentos para fim de pesquisa.
Inicialmente, a idéia era estudar os movimentos guerrilheiros no
país durante nas décadas de 1960 e 1970; depois de ter acesso às
primeiras informações, tema da pesquisa voltou-se para os trabalhos da
CEMDP, pois ficou em evidência a sua relevância histórica, em uma
história de discussão bastante atual. Assim, este trabalho tem por
objetivo central demonstrar como o Estado reconheceu sua
responsabilidade no assassinato de opositores políticos durante a
ditadura militar, fato que ocorreu principalmente com a instituição da
CEMDP, a partir da Lei 9 140/95, com o intuito de investigar e julgar
cada caso.
A dissertação foi estrutura em quatro capítulos. No primeiro
capítulo do trabalho, há a contextualização dos principais
acontecimentos desde o golpe militar em 1964 até a concessão da
Anistia em 1979, enfatizando a movimentação da esquerda durante
esse período, traçando alguns dos embates e resistências ao regime
repressor.
No segundo capítulo, foi delineada a trajetória da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos durante os anos de luta. Para
isso, foi de particular relevância coletar depoimentos das famílias. Esses
depoimentos são valiosos, dois dos quais chamam a atenção: o de
Helena Pereira dos Santos e o de Laura Petit.
O terceiro capítulo trata do nosso objeto de estudo: demonstrar
como o Estado reconheceu sua responsabilidade no assassinato de
opositores políticos durante a ditadura militar, apresentando como foi
instituída a CEMDP e como desenrolaram seus trabalhos.
No quarto e último capítulo, há um breve estudo de casos no qual
foram analisados os processos de Carlos Marighella e Carlos Lamarca.
Para a elaboração deste capítulo, foram utilizados os documentos
cedidos durante a viagem à Brasília referente aos dois líderes
esquerdistas.
Julgamos necessário também incluir alguns anexos ao trabalho,
tais como: a Lei 9 140/95, a Lei 10 536/02, a Lei 10 875/04
(decorrentes da Lei dos Desaparecidos); a listagem dos casos deferidos e
indeferidos pela CEMDP e os nomes dos integrantes que fizeram parte
da Comissão desde sua origem, em 1995, até 2007.
A CEMDP, que iniciou seus trabalhos em 1996, encontra-se em
uma nova fase. Além do processo de construção do banco de DNA, o
acervo da Comissão será digitalizado com o intuito de facilitar o acesso
à pesquisa.
Atualmente, seus trabalhos seguem com o objetivo de localização
dos restos mortais de desaparecidos políticos. Portanto, os esforços
estão concentrados para solucionar onde ainda há uma lacuna a ser
preenchida nessa história: onde estão os mais de cem desaparecidos
políticos?
Há mais de 40 anos, famílias aguardam uma resposta do Estado.
Hoje, essa luta transcende as reivindicações do movimento de familiares
e passa a ser também uma causa de toda a sociedade.
CAPÍTULO I O GOLPE DE 64 E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
PODER MILITAR NO PAÍS
: EMBATES E
RESISTÊNCIAS
1.1 C
ONTEXTO GERAL
As raízes estruturais da crise social que culminou com a
deposição de João Goulart em 31 de março de 1964, em uma análise
simplista, estão calcadas na aparente quebra da hierarquia militar, na
imagem desgastada do presidente Goulart diante de diferentes facções
do poder, na movimentação da esquerda nas camadas populares e a
disseminação do anticomunismo pelas corporações militares.
Segmentos mais conservadores das Forças Armadas já haviam
articulado um golpe impedindo a posse do presidente Goulart ainda em
1961, com a renúncia de Jânio Quadros. Para Caio Navarro Toledo, o
governo Goulart “nasceu, conviveu e morreu sob o signo do golpe, pois
Goulart já não conseguia o pleno respaldo das forças populares e
trabalhadoras nem se legitimava face ao conjunto das classes
dominantes que (...) continuam acusando o tempo de Jango de ser
subversivo, corrupto, amoralista, caótico (...).”
3
. Toledo considera “a
instituição de um regime autoritário no Brasil em 1964 decorrente de
fatores conjunturais, como a crise econômico-financeira, a ampla
mobilização política das massas populares, o fortalecimento dos
movimentos operário e camponês, crise do sistema partidário e inédita
luta de classes em razão de projetos divergentes para o Brasil.”
4
Os últimos meses da gestão Goulart foram marcados por
desajustes no cenário político-democrático do país. O plano de ação do
governo baseava-se em uma série de alianças com a esquerda, fato que
3
REIS, D. A.; RIDENTI, M.; MOTTA, R. P. S. (orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40
anos depois (1964-2004). Bauru: EDUSC, 2004. p. 20.
4
Idem, p. 20-21.
gerou descontentamentos de componentes do bloco do poder militar.
Em 13 de março de 1964, um grande comício na praça em frente à
Central do Brasil “anunciou disposição de lançar o governo na campanha
pelas reformas de base”.
5
Em uma análise que privilegia a versão conspiratória do golpe de
1964, Lucilia de Almeida Neves Delgado aponta “a ruptura da ordem
política como decorrente de uma ação conspiratória levada adiante pela
aliança dos setores anticomunistas, sendo alguns deles vinculados à
Escola Superior de Guerra, parte expressiva do empresariado nacional,
latifundiários e demais proprietários rurais, setores conservadores da
igreja católica, capital internacional que tinha interesses econômicos no
Brasil e entre os partidos políticos, principalmente a UDN (...).”.
6
No jogo político, a articulação entre esses setores organizados da
sociedade converge para sustentação da idéia de derrubar o governo
Goulart. O fator anti-comunismo, amplamente divulgado dentro e fora
das Forças Armadas e, sobretudo, o requisito segurança nacional, irão
promover uma aparente legitimidade para o golpe.
Segmentos conservadores da sociedade, representados pela classe
média organizada, realizam a “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”, em resposta ao Comício da Central do Brasil.
Em contrapartida, a movimentação da esquerda será deflagrada
nos setores mais populares da sociedade, nos meios sindicais e também
entre os militares, sobretudo, os de baixa patente. O episódio da
Rebelião dos Marinheiros em 25 de março de 1964
7
pode configurar a
5
GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.
48.
6
REIS et al. 2004. p. 22.
7
“Na noite 25 de março, a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais comemorou o
segundo aniversário com uma solenidade no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio (...)
discursou o presidente da Associação, marinheiro de primeira classe José Anselmo dos
Santos, que a imprensa promoveu a Cabo Anselmo. O ambiente estava agitado porque a
maioria dos membros da diretoria da Associação tinha sido presa e outros marinheiros,
como o próprio Anselmo, sofreram punições que deviam culminar na expulsão.
Terminada a solenidade, um dos marinheiros propôs que se dirigissem todos ao
Ministério da Marinha a fim de exigir do almirante Sílvio Mota a libertação dos
companheiros presos e a anulação das punições. Prevaleceu a proposta menos
agressiva de permanecerem reunidos no Sindicato até que suas reivindicações fossem
atendidas. O almirante Sílvio Mota ordenou a um contingente de cem fuzileiros navais
que invadisse a assembléia e prendesse os insubordinados. Um terço do contingente
ação de resistência de marinheiros e fuzileiros navais, representando
uma ameaça à instabilidade da hierarquia militar.
Para Elio Gaspari, havia dois golpes em marcha: o de Jango, que
“viria amparado no dispositivo militar e nas bases sindicais, que cairiam
sobre o Congresso, obrigando-o a aprovar um pacote de reformas e
mudanças das regras do jogo da sucessão presidencial (...)”
8
, e o dos
militares, que irá se consolidar na noite do dia 31 de março. O levante
iniciou-se em Minas Gerais, onde tropas sob comando do general
Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, na cidade Juiz
de Fora, marcham em direção ao Rio de Janeiro e Brasília. Ao mesmo
tempo, golpistas conseguiam a adesão do comandante do Exército,
general Amaury Kruel, ao movimento.
Segundo René Dreifuss, “a mobilização popular autônoma começou
a exercer pressão sobre as estruturas ideológicas dominantes (...)”
9
, o
que levou à articulação de uma conspiração internacional direitista
aliada às elites orgânicas, técnico-empresariais e aos militares
brasileiros.
O processo que deflagrou a intervenção militar de 1964 trouxe
características próprias, como, por exemplo, uma nova concepção no
papel exercido pelos militares na política brasileira. A instauração do
regime socialista em Cuba despertou para os militares a importância de
reunir mecanismos de defesa contra a oposição cada vez mais crescente
dentro do sistema democrático.
A partir de 1° de abril de 1964, o país passa por um processo que
Jacob Gorender vai chamar de “militarização do Estado”: “(...) Com
efeito, talvez em nenhum outro momento, a sociedade brasileira pareceu
tão subordinada a um estamento burocrático senhor do Estado (...) a
militarização do Estado serviu aos interesses da burguesia brasileira. Por
abandonou as armas na rua e aderiu à rebelião (...).” GORENDER, Jacob. Combate nas
trevas. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1998. p. 69
8
GASPARI. 2002. p.132.
9
DREIFUSS, R. A. A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 1987. p. 135.
sua vez, a burguesia aceitou as exigências corporativas de
autopreservação institucional das Forças Armadas (...)”
10
Nesse contexto, as Forças Armadas despontaram na perspectiva
da ação, tendo como maior missão “derrotar o inimigo”, apoiando-se no
binômio segurança e desenvolvimento. Portanto, o mandato do
presidente Goulart foi interrompido mediante uma conjuntura política
que favorecia o golpe como alternativa viável para “estabelecer a ordem
no país”. Na análise de Aarão: “As direitas no poder, enquanto durou a
ditadura militar, esmeraram-se em cultivar a meria do golpe como
intervenção salvadora, em defesa da democracia e da civilização cristã,
contra o comunismo ateu, a baderna e a corrupção.”
11
O presidente Goulart abandonou o cenário político após a
intervenção militar, seguindo para a cidade de São Borja, no estado do
Rio Grande do Sul, onde posteriormente seguiu para o exílio.
Mediante as circunstâncias, o presidente do Senado, Auro Moura
Andrade, declarou vacante a presidência da República sem qualquer
amparo legal. Na linha da sucessão, Ranieri Mazzilli, então presidente
da Câmara dos Deputados, é o substituto de Goulart por um prazo
máximo de 30 dias até que fosse eleito o novo presidente, porém “(...) A
posse do deputado Ranieri Mazzilli na Presidência era inconstitucional,
visto que João Goulart ainda se encontrava no Brasil (...). A Constituição
determinava que, em caso de vacância da Presidência na segunda
metade do mandato do seu titular, a vaga deveria ser preenchida pelo
Congresso (...)”.
12
Em um primeiro momento após o golpe, o governo militar apoiou
suas ações nos decretos e Atos Institucionais, que foram mecanismos
adotados para legalizar ações políticas não previstas e contrárias à
Constituição. Para David Maciel, “(...) no momento do golpe, a chamada
‘ação saneadora’ abrangeu desde prisões e cassações dos opositores
mais variados – sindicalistas, parlamentares, governadores estaduais,
10
GORENDER, 1998. p. 79.
11
REIS et al. 2004. p. 39.
12
GASPARI, 2002. p. 112.
militantes de esquerda e militares – só foi posvel mediante a edão do
Ato Institucional 1 (AI-1)”.
13
A proposta de uma intervenção militar de caráter moderador
determinou a indicação do marechal Humberto de Alencar Castello
Branco para ocupar a Presidência da República, tendo José Maria
Alkimin, do PSD, como vice-presidente.
No dia 15 de abril, portanto, Castello Branco foi empossado
presidente e “Após o Ato Institucional e a eleição indireta de Castelo
Branco, foi ficando claro o que realmente sucedia: o país estava entregue
a um novo comando, a uma nova liderança, cujos objetivos eram
consideravelmente mais amplos do que a simples limpeza da área e a
preparação do terreno para as eleições de 1965 (...)”.
14
Esse pensamento pode ser elucidado após o Congresso promulgar
a Emenda Constitucional número 9, que prorrogou o mandato de
Castelo Branco até 15 de março de 1967, adiando, portanto, as eleições
presidenciais de 1966.
Embora princípios básicos da democracia tenham sido violados, o
novo regime manteve o funcionamento do Congresso Nacional. O Ato
Institucional número 1 previa “amenizar” o campo de atuação do
Congresso, reforçando o poder do Executivo e favoreceu a instalação
dos Inquéritos Policial-Militares (IMPs), com o objetivo de identificar
cidadãos envolvidos com atividades consideradas subversivas dentro
dos órgãos públicos e nas universidades.
Segundo dados apresentados por Elio Gaspari, “Entre 1964 e
1966, cerca de 2 mil funcionários públicos foram demitidos ou
aposentados compulsoriamente, e 386 pessoas tiveram seus mandatos
cassados e/ou viram-se com os direitos políticos suspensos por dez
anos”
15
. O cerco fechava-se em relação aos diversos setores da
sociedade e os movimentos de esquerda, como esperado, foram os mais
perseguidos.
13
MACIEL, D. A argamassa da ordem. São Paulo: Xamã, 2004. p. 42.
14
SINTONI, E. Em busca do inimigo perdido. São Paulo: Cultura Acadêmica, 1999. p.
171.
15
GASPARI, 2002. p. 137.
O episódio envolvendo Gregório Bezerra, dirigente comunista, em
2 de abril, aponta uma tendência de postura da ditadura em relação à
oposição, sobretudo sobre os membros do Partido Comunista: ele foi
“(...) amarrado seminu à traseira de um jipe e puxado pelos bairros
populares da cidade. No fim da viagem, fora espancado por um oficial do
Exército, com uma barra de ferro, em praça pública (...)”
16
.
As ações violentas desencadeadas em 64 pelo Estado, que irão
estender-se durante os 21 anos de ditadura no país, foram praticadas e
sustentadas de acordo com uma ideologia de “segurança nacional”,
difundida nas escolas militares, sobretudo na Escola Superior de
Guerra. As justificativas para os excessos cometidos contra a oposição
baseavam-se na lógica da manutenção da ordem e de conter a ação da
esquerda junto às camadas populares da sociedade. Segundo D’Araújo:
“(...) No imediato, pós-64, antes, portanto, do início da luta armada, os
relatos sobre violência policial e militar durante as prisões nos presídios
era algo alarmante (...)”
17
Desde o início do seu governo, Castello Branco buscou adotar um
caráter conciliatório para tratar as questões de indisciplina e de
violência política. A linha-dura era contrária à vocação do presidente de
limitar os poderes excepcionais de que dispunha, para normalizar o
quadro político nacional.
O processo de ruptura democrática teve propósitos definidos e
intenções políticas temporárias. Castello Branco idealizou um ato
institucional que durasse apenas três meses e acabou assinando três
atos na sua gestão (1964-1967).
Alguns fatores foram relevantes nesse processo. A linha-dura
articulava-se constantemente no sentido de promover a autonomia do
poder Executivo, conseqüentemente propagando a implantação de um
governo mais severo e menos complacente com a oposição. Para os
militares mais radicais, o governo deveria agir de maneira
16
Id., Ibid. p. 132.
17
D’ARAÚJO, M. C.; SOARES, G. A.; CASTRO, C. (orgs.). Visões do golpe. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 2.
centralizadora, inibindo à ação de grupos oposicionistas, sobretudo
dentro dos partidos políticos. Portanto, as eleições diretas para os
governos dos estados, em outubro de 1965, causaram alarme no
segmento mais conservador das Forças Armadas. A oposição venceu em
Minas Gerais e na Guanabara. Na interpretação de SINTONI: “(...)
Inconformados com essa vitória, os militares sediados na Vila Militar (Rio
de Janeiro) deflagraram movimento de revolta, cuja liderança foi
atribuída ao general Albuquerque Lima, chefe do Estado-maior do I
Exército. O ministro da Guerra, Costa e Silva, vai pessoalmente à Vila
Militar, assumindo o papel de intermediário entre os partidários de
Castelo Branco e os oficiais da linha-dura (...)”.
18
Em outubro de 1965, após as eleições estaduais, Castelo Branco
promulgou o Ato Institucional número 2, que, de certa forma, favoreceu
os interesses dos representantes da linha-dura. Para David Maciel, “A
edição do segundo Ato Institucional (...) foi conseqüência direta do embate
entre as duas formas de representação, expresso pelas eleições
estaduais (...). A recomposição da coeo militar se deu com base em
uma barganha que pagou a realizão das eleições estaduais e a posse
dos eleitos, com o cancelamento das eleições diretas para presidente em
1966 (...)”.
19
O AI-2 (e os posteriores atos complementares) fortaleceu os
poderes do Executivo, simbolizando um segundo momento da ditadura
militar, que se inclinou cada vez mais para o autoritarismo, acentuando
medidas de cunho anti-democrático. Os militares acreditavam que o
multipartidarismo favorecia as divergências no Congresso, restringindo
às ações do presidente. Esse ato institucional, além de proporcionar um
maior controle do governo em relação às resistências políticas no
Congresso Nacional e de estabelecer eleições presidenciais indiretas
com caráter anti-democrático para o governo dos Estados, voltou a
autorizar a cassação de mandatos de parlamentares, a suspensão de
18
SINTONI, 1999. p. 171.
19
MACIEL, 2004. p. 47
direitos políticos e a extinção dos partidos da arena política, facilitando
a intervenção federal nos estados.
A extinção dos partidos políticos significou uma severa
intervenção do governo militar sobre uma organização autônoma da
sociedade civil e que atingiu especialmente setores ligados às
mobilizações populares. Essa ação do governo representou a ascensão
de uma nova composição autoritária no poder.
Paulatinamente, o governo militar adota medidas que estabelecem
bases sólidas para a continuidade da linha-dura no poder, e a
promulgação dos atos institucionais posteriores ao AI-2 reafirmam a
crescente postura centralizadora do governo. Com a extinção do
pluripartidarismo, onde foram desativados todos os partidos políticos, a
ditadura estabeleceu a criação de apenas dois partidos: a Aliança
Renovadora Nacional (Arena), partido de representação do governo, e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que exercia a função de
oposição.
Na composição desses dois partidos em suas bases, a Arena
obteve mais êxito em relação aos egressos de outros partidos. O partido
do governo obteve adesão de membros da UDN, PSD, PSP e até setores
do PTB. O MDB, embora formado com participação majoritária do PTB e
em menor escala do PSD, foi o partido minoritário no Congresso
Nacional. Para Maciel: “A Arena é um partido institucional: ao invés de
ser um aparelho privado de hegemonia, localizado na sociedade civil, com
vistas à ocupão do Estado, era, ao contrário, um aparelho do Estado,
com vistas a obter legitimidade junto à sociedade para o reforço de seu
caráter autoritário e da institucionalidade vigente (...).”
20
Em contrapartida, o papel do MDB dentro do quadro político
seguiu a lógica da “passividade”, sua função assemelhava-se à de uma
figura “decorativa” e de pouca representatividade na arena política:
“Sua sobrevivência dependia de sua resignação em comportar-se
conforme a perspectiva autocrática da ditadura, ou seja, aceitar a
20
MACIEL, 2004. p. 49.
participação subalterna que lhe cabia no Congresso e renunciar a
qualquer perspectiva de mobilização popular mais conseqüente(...)”
21
.
Em fevereiro de 1966, a ditadura ampliou seu campo de domínio
com a publicação do AI-3. Dessa vez, os militares determinaram que as
eleições de governadores e vice-governadores seriam realizadas de forma
indireta e executada por Colégio Eleitoral. Já os prefeitos das capitais e
das cidades não seriam mais eleitos e sim indicados pelos governadores.
Dando continuidade à preparação da linha-dura para firmar-se
no poder, no final de 1966, segmentos de maior influência política
indicam, na convenção da Arena, o nome de Costa e Silva para suceder
Castello Branco na presidência. Sua indicação para o comando do
Executivo foi um fato marcante, pois além de consolidar a presença dos
militares no poder, representou uma segunda fase na ditadura,
marcada pela institucionalização de uma ordem política autoritária.
Em declarações dadas à imprensa ainda na condição de
candidato, Costa e Silva afirmava que manteria as medidas de exceção
em seu governo e adotaria outras, caso “fossem necessárias”
22
.
Em janeiro de 1967, é promulgada uma nova Constituição que
sinaliza a nova estrutura do Estado e composição do poder. Essa
Constituição propicia a institucionalização jurídica do movimento
político-militar de 1964. Já sob égide dessa nova constituição, o
ministro da guerra, o marechal Arthur da Costa e Silva, foi eleito de
forma indireta para assumir a presidência da República em 15 de
março.
A gestão do presidente Costa e Silva (1967-1969) iniciou-se com
amplo apoio da média oficialidade da linha-dura que projetou no novo
presidente a expectativa de um governo menos moderado e mais severo
quanto às questões da oposição política. Entre os comandantes
militares que apoiaram a candidatura de Costa e Silva, destacam-se:
Amauri Kruel (II Exército), Justino Alves Bastos (III Exército) e
Damasceno Portugal (IV Exército). Sabe-se que a linha-dura
21
Idem. p. 50.
22
Idem, p. 54.
demonstrava insatisfação com a política castellista e buscava caminhos
para recrudescer o regime.
Embora os “castellistas” tivessem estabelecido certo grau de
comprometimento com o presidente eleito no que se refere à
continuidade política, a possibilidade de concretização de um governo
com características similares à gestão anterior era remota. A indicação
dos nomes à presidência era discutida exclusivamente no âmbito
militar.
A gestão de Costa e Silva foi marcada pela presença de militares
na composição do Executivo, o que denota o comprometimento das
Forças Armadas como poder político, principalmente nessa gestão,
quando essa relação passou a ser mais estreita.
Sabe-se que a linha-dura demonstrava insatisfação com a política
castellista e buscava caminhos para recrudescer o regime.
O novo governo apresentava um número considerável de militares
no poder, sobretudo ocupando pastas importantes, que normalmente
eram entregues a civis, como Trabalho e Previdência Social, Interior,
Transportes, Minas e Energia e Indústria e Comércio.
O segundo governo militar institucionalizou-se com outros
propósitos no poder – não se tratava mais de um governo de transição,
como ocorrera com Castello Branco, mas de um mandato que
solidificou suas bases no autoritarismo. Em contrapartida, o novo
governo também gerou expectativas quanto ao retorno à democracia,
possibilidade que se tornou remota diante da crescente mobilização dos
movimentos de oposição ao regime militar, sobretudo, nos anos de 1968
e 1969. Para Sorj: “Em termos de regime, o período que então começava
caracterizava-se por aquilo que hoje se chama de abertura política. Ao
mesmo tempo, o slogan da humanizão coloria as diretrizes da ação
governamental. Estavam de volta, no âmbito da política interna, o
desenvolvimentismo e as metas de integração nacional e promoção social,
enquanto na externa retomava-se o fio do nacionalismo terceiro-mundista
(...).”
23
Na esteira dessas intenções, nomes conhecidos como Carlos
Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek fundaram a Frente
Ampla
24
, que propunha a luta pela redemocratização, anistia, eleições
diretas para presidente e uma nova constituinte: “Em seu programa, a
Frente reclamava, entre outros objetivos a serem perseguidos, a
retomada do desenvolvimento econômico, a preservação da soberania
nacional e a restauração do poder civil”.
25
De caráter oposicionista, a Frente Ampla buscou encontrar um
espaço para expor suas idéias, dentro de um cenário político que
desfavorecia qualquer tipo de oposição. Os militares da linha-dura
ameaçaram retirar o apoio a Carlos Lacerda, caso ele continuasse os
entendimentos com os dois inimigos do golpe. Ainda assim, em 28 de
outubro de 1966, a Frente Ampla foi lançada com um manifesto
assinado somente por Lacerda, publicado em um jornal editado por ele,
o Tribuna da Imprensa. O manifesto pleiteava eleições diretas, reforma
partidária, desenvolvimento econômico e adoção de política externa
soberana e teve boa aceitação pelo MDB.
A Frente começou a se aproximar do movimento estudantil e
trabalhista, enfatizando a luta contra política salarial criando: “(...) o
que poderíamos chamar de dualidade no campo das oposições
(particularmente da oposição burguesa) com representação na sociedade
política, pois a frente não era um partido institucional como o MDB; ao
contrário, assemelhava-se muito mais a uma partido propriamente dito,
articulado na sociedade civil e orientado para ocupar o Estado. Sua ação
chocava-se com o enquadramento partidário das demandas políticas pela
23
SORJ, B.; ALMEIDA, M. H. (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo:
Brasiliense, 1983. p. 31.
24
“A Frente Ampla surgiu no final de 1966 a partir de um acordo político estabelecido
entre Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, para a criação de uma frente política
voltada para o restabelecimento da democracia. (...) O programa de Frente Ampla
possuía uma evidente preocupação eleitoral, apresentando um projeto político moldado
para conquistar solidariedade nos mais variados segmentos sociais, cujo eixo central de
ação era o restabelecimento da institucionalidade liberal-democrática (...).” MACIEL,
2004, p. 57.
25
SORJ; ALMEIDA, 1983. p. 32.
institucionalidade autoritária, e chocava-se com o MDB como partido
legal.”.
26
Apesar da tentativa dos membros da Frente Ampla em estabelecer
uma oposição estruturada em alianças com setores da sociedade,
colocando em evidência seus ideais políticos, sobretudo de
redemocratização do país, não houve espaço para a continuidade da
Frente, tendo em vista que seus objetivos eram incompatíveis com o
autoritarismo vigente naquela conjuntura.
Vale ressaltar que a Frente “consistia na busca de uma alternativa
política construída por fora da ordem legal e do quadro constitucional
vigentes: por um lado ela ignorava a proscrição das lideranças afastadas
da revolução; por outro, ela utrapassa as instituições representativas,
dando as costas para o Congresso e, especialmente, para o MDB”.
27
A oposição esteve representada não somente pela Frente Ampla,
mas por diversos setores sociais, mas teve papel de relevo nos
movimentos sindicais e, principalmente, no movimento estudantil. Os
dois primeiros anos do governo Costa e Silva foram de intensa atividade
política, pois a esquerda não só desaprovava as medidas autoritárias
impostas pelo governo, como articulava formas de manipulação da
opinião pública e a conseqüente queda da ditadura.
É fato que a mobilização e a resistência dos estudantes
representou desde o golpe de 64 uma ameaça para os militares,
sobretudo, da linha-dura. Dentre as reivindicações propostas pelos
estudantes constavam melhorias na qualidade do ensino público e
aumento de verbas para o setor.
Durante os anos de 1965 e 1966, os estudantes não se
intimidavam com a crescente atuação da repressão política. Nas
universidades, eles organizavam protestos contra expurgos de
professores – como na Universidade de Brasília –, contra a violência nos
encontros da UNE – já clandestina – e contra a proposta do governo de
cobrar mensalidade nas universidades públicas. No entanto, os
26
MACIEL, 2004. p. 58-59.
27
SORJ; ALMEIDA, 1983. p. 32.
estudantes passaram a ter dificuldades de atuação mediante ações
arbitrárias do governo.
Uma considerável parcela dos estudantes universitários do país
se mobilizaram, exigindo efetiva reforma no ensino e oportunidade de
acesso às universidades públicas, o que era também reivindicação da
população mais carente. Segundo Skidmore: “O governo Castello Branco
propusera reformas ambiciosas (para todos os níveis de ensino) a serem
planejadas e executadas pelo Ministério da Educação (MEC) em conjunto
com a USAID [agência cultural do governo americano]. O programa foi
imediatamente atacado pelos nacionalistas, especialmente os
estudantes, que o denunciaram como “infiltração imperialista na
educação brasileira (...)”.
28
Os acordos MEC-USAID firmados ainda na gestão anterior foram
alvo de contestação em todo o país, pois declarava a intervenção dos
EUA na elaboração de políticas educacionais brasileiras. Os militares
que sempre se apresentaram como nacionalistas foram obrigados a
recuar e rever vários pontos do acordo.
O movimento de protesto dos estudantes foi tão intenso nesse
momento, que obrigou a ditadura a agir de forma mais radical com
relação à oposição. Em 1967, radicalizava-se a aplicação da Lei
Suplicy
29
de Lacerda, que já em 1964 colocara a UNE na ilegalidade. Por
conta da crescente oposição dos estudantes, no mês de dezembro,
Costa e Silva indicou o então general Meira Mattos para presidir uma
comissão que investigasse irregularidades no sistema de ensino no país,
principalmente o universitário e, que, conseqüentemente, fizesse as
28
“Os acordos entre o MEC e a USAID no governo Castello Branco tiveram objetivo
declarado de agilizar e melhorar o ensino universitário. Envolvia recursos financeiros,
material de ensino e também a mudança da concepção vigente de ensino universitário.
A idéia-chave é a universidade-empresa, a abordagem de que o objetivo do ensino
superior e formar técnicos para o desenvolvimento (...).” SKIDMORE, T. Brasil de
Castelo a Tancredo. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 154.
29
“Em 6 de novembro de 1966 começa a vigorar a Lei 4.464, conhecida como Lei
Suplicy, sobrenome do ministro da Educação, que proíbe entidades estudantis de
exercer atividades políticas. Os estudantes não se conformam. Vão às ruas, em
passeatas, nas grandes cidades, em protesto. Reivindicam o renascimento da União
Nacional dos Estudantes – UNE, criticam o nível de ensino, atacam o governo militar. Há
uma forte carga ideológica bi meio estudantil, polarizado entre esquerda e direita (...)”.
COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil: 1964-
1985. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 68.
devidas recomendações. Seu parecer de ordem confidencial indicou
reformas no sistema e alertou o presidente a tomar medidas para
impedir o avanço do movimento estudantil.
No entanto, as manifestações por parte dos estudantes não
cessaram em todo o país; ao contrário, se intensificaram. O ano de
1968 foi marcado por inúmeras greves estudantis. As passeatas e os
movimentos de oposição direta ao regime tornaram-se constantes e
houve forte repercussão desses acontecimentos na mídia e também no
meio político. O governo reagiu com violência, marcando um período de
forte presença policial nas ruas a fim de conter os movimentos de
resistência.
Em 28 de março, o estudante secundarista Edson Luís de Lima
Souto foi morto no confronto entre estudantes e policiais no restaurante
Calabouço, no Rio de Janeiro. Esse fato irá impulsionar a luta desses
jovens no país. Cerca de 50 mil pessoas acompanharam o enterro do
estudante, mobilizando a opinião pública com relação às medidas
arbitrárias adotada pela ditadura militar.
Sabe-se que a maneira como a juventude de classe média e
universitária se articulava, sobretudo a fração mais politizada,
preocupava o regime. O recrudescimento progressivo da ação policial
nas ruas, especialmente em 1968, desencadeou inúmeras
manifestações de protestos, algumas mais pacíficas, outras marcadas
pela violência.
Uma semana após o episódio no Calabouço, durante a missa de
sétimo dia da morte do estudante Edson Luís, houve um protesto de
estudantes e a polícia agiu com violência, utilizando a cavalaria para
intimidá-los. Esse fato suscitou ainda mais manifestações em todo o
país. Em Recife, cerca de dois mil estudantes universitários realizaram
passeata no centro da cidade; em Belém, os estudantes foram retirados
à força da Universidade; no estado da Bahia, um estudante foi ferido
pela polícia, causando revolta na população; na Universidade de
Brasília, foi montado cerco policial após ocupação de estudantes; dois
estudantes foram baleados em Goiânia, e três em Minas Gerais, após
confronto com policiais.
Em 26 de junho, no Rio de Janeiro, diversos setores da sociedade
uniram-se em resposta à violência da ditadura, organizando a Passeata
dos Cem Mil, que constituiu o ponto mais alto do processo de luta de
massas, entre os vários movimentos que se aprofundaram em 1968: “As
manifestações de rua indicavam que o regime perdera o apoio da classe
média e até de uma parcela da elite”.
30
O movimento estudantil em particular constituiu uma parcela da
sociedade mobilizadora dos demais setores sociais, ou seja, a sua ação
política incentivou a manifestação de outros movimentos organizados,
entre eles, o movimento operário. Portanto, o movimento estudantil,
exerceu uma função dirigente entre os movimentos de massas naquele
ano. Para Reis: “A grande maioria dos estudantes secundaristas de
esquerda foi vítima da violência política dos militares porque se
politizaram enormemente, chegando a constituir um fator de resistência à
ditadura.”
31
Não por acaso, dessa vanguarda saem, em grande parte, os
membros das organizações revolucionárias clandestinas que partiram
para o combate direto com a ditadura militar e a dominação de classes
por ela apoiada.
Mas a oposição ao sistema político imposto em 1964 não esteve
sustentada somente nos movimentos estudantis. Desde o início de 1968
até a promulgação do Ato Institucional número 5, em dezembro desse
mesmo ano, o país foi cenário de diversos movimentos de oposição que
contribuíram para o acirramento do autoritarismo. Segundo SORJ: “Os
estudantes (universitários e secundários) constituíram sem dúvida a
vanguarda do movimento de contestação que se manifestou na forma de
greves (localizadas e nacionais), comícios (organizados ou relâmpagos),
30
GASPARI, 2002. p. 309.
31
REIS et al. 2004. p. 307.
passeatas (isoladas ou apoiadas pela população), choques violentos com
as forças repressivas (em conflitos de rua ou invasões de escolas).”
32
O Partido Comunista, por sua vez, exerceu sua influência dentro
dessas organizações sociais, sobretudo nos planos político, sindical e
cultural. No meio operário, membros da esquerda começaram a acoplar-
se à velha organização sindical oficial, ampliando as reivindicações do
setor. Portanto, além das lutas comuns da classe, a exemplo do
combate ao arrocho salarial, os operários também se posicionaram
contra a política reacionária do governo, revelando-se uma força de
oposição de destaque no pós-64: “A simpatia da população, o apoio da
Igreja, da intelectualidade e do MDB (...) a revolta gerada pela truculência
das ações policiais, tudo contribuía para que a agitação estudantil
batesse às portas do mundo do trabalho.”.
33
Simultaneamente aos protestos dos estudantes, os operários
organizaram duas greves significativas no ano de 1968. A primeira delas
ocorreu em 22 de abril, em Contagem, Minas Gerais, onde os
metalúrgicos ocuparam a fábrica em que trabalhavam, protestando
contra a constante queda de salários e reivindicando 25% de aumento
para a classe.
Dois meses depois, uma greve semelhante eclodiu em Osasco, em
São Paulo. Os operários pleitearam 35% de aumento salarial, contrato
de trabalho de dois anos e reajustes trimestrais. O governo não teve
particular interesse de negociação com os trabalhadores e utilizou a
força policial e militar para intimidar os manifestantes.
O episódio de Osasco alertou o governo para o caráter político do
movimento, que poderia influenciar e provocar manifestações nos
demais pólos industriais do país, como o do grande ABC. Em realidade,
as greves em Contagem e Osasco foram surpreendidas pela ação da
repressão política, promovendo prisões em massa de trabalhadores,
alguns dos quais levados diretamente para sessões de tortura.
32
MARTINS; CRUZ. In: Sociedade e política no Brasil pós-64, 1983. p. 33.
33
Idem, ibid.
Esse ativismo sindical representou uma importante parcela diante
do crescente afrontamento entre a oposição e o governo Costa e Silva.
Foi exatamente nesse momento que o governo intensificou a ofensiva. A
exemplo disso, em outubro de 1968, a polícia invadiu o XXX Congresso
da Une, em Ibiúna, interior de São Paulo, prendendo vários estudantes,
sobretudo, suas lideranças.
No segundo semestre desse mesmo ano, a situação agravou-se
com o discurso do deputado do MDB Márcio Moreira Alves na Câmara
dos Deputados, em protesto à violência desencadeada no país,
conclamando o povo a não comparecer às comemorações do Dia da
Independência. Os militares consideraram seu discurso ofensivo à
honra das Forças Armadas. Em resposta aos “insultos”, ministros
militares exigiram do Congresso Nacional a suspensão das imunidades
parlamentares do deputado. O pedido do Executivo seguiu para
apreciação da Comissão de Justiça da Câmara, onde a Arena era a
maioria. O deputado Moreira Alves era integrante da ala de oposição ao
governo o que gerou impasses e descontentamentos tanto no Congresso
Nacional como entre os membros da cúpula militar, uma vez que era
um dos nomes de maior representatividade.
A linha-dura articulava-se constantemente para eliminar o grupo
de parlamentares oposicionistas do governo e como nesse caso o
prestígio do presidente Costa e Silva estava em jogo, a resposta do
governo foi imediata: membros da Comissão de Justiça contrários à
suspensão das imunidades do deputado foram imediatamente
substituídos por outros a fim de reverter o processo: “Nesse clima é que
se chegou à etapa final do caso Márcio Moreira Alves. Em novembro, nove
representantes da Arena tiveram de ser substituídos a fim de que a
autorização para processar o deputado pudesse passar na Comissão de
Justiça. A rebeldia instalara-se também no Congresso e no partido do
governo. A 13 de dezembro o Executivo foi derrotado em plenário pela
diferença de 75 votos.”
34
34
MARTINS; CRUZ. In: Sociedade e política no Brasil pós-64, 1983. p. 34.
Na seqüência dos acontecimentos, o presidente Costa e Silva
levou o projeto do Ato Institucional número 5 à votação extraordinária.
Em 13 de dezembro, o AI-5
35
estava editado e a Constituição de 1967,
suspensa. Esse Ato contemplou às necessidades da linha-dura que
pressionavam o Executivo com relação ao recrudescimento do regime e
foi visto “como instrumento necessário no combate ao avanço
incontrolável da subversão. Era o motor original da intervenção militar e
da coesão das Forças Armadas vitoriosas em 1964.”.
36
A promulgação do AI-5 não visou essencialmente o combate à
crescente atuação da esquerda, “o que atemorizava o governo era a
desestabilizão, a incapacidade de se manter face ao alastramento do
clima de sublevação”.
37
Com o AI-5, foram eliminadas quaisquer
chances de uma sucessão presidencial política, civil e partidária,
mesmo indireta, como estabelecia a Constituição e foram instituídos o
fechamento do Congresso por tempo indeterminado, a censura à
imprensa, as cassações e as prisões em massa. Iniciou-se assim uma
nova fase no processo de institucionalização da ditadura, com aumento
da repressão aos setores de oposição ao governo, principalmente, com o
surgimento das guerrilhas urbanas.
A presença da oposição no campo político e o aparecimento das
guerrilhas nas cidades foram fatores cruciais para o aprofundamento da
repressão policial e do abandono pelo presidente da sua promessa de
humanizar o regime. Em contrapartida, “é um equívoco supor que a luta
armada foi suscitada pelo AI-5, como simples reão a uma ão. Bem
antes do AI-5, a repulsa frontal à ordem de coisas vigentes já tinha se
difundido nos círculos oposicionistas de esquerda. Quanto mais a
35
“Entre as principais medidas, o AI-5 concedia ao presidente da República o poder de
decretar o recesso do Legislativo em todos os seus níveis (federal, estadual e municipal),
de decretar intervenção federal nos governos estaduais e municipais, de cassar
mandatos e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos, além de
abolir o direito de habeas-corpus para os acusados de crime contra a segurança
nacional (...).” MACIEL, 2004. p. 64.
36
Idem, ibid.
37
MARTINS; CRUZ. In: Sociedade e política no Brasil pós-64, 1983. p. 36.
passagem dos anos foi patenteando a persisncia da intervenção militar,
tanto mais a idéia de contestão se tornava a única a fazer sentido”.
38
As ações políticas do governo posteriores à edição do AI-5 visavam
o aumento do controle executivo e militar sobre as instituições e os
cidadãos. O Congresso Nacional sofreu expurgo, onde vários
parlamentares tiveram seus mandatos cassados. Vários atos
institucionais e decretos foram baixados, reafirmando a centralização
do poder político por parte dos militares.
Em fevereiro de 1969, a edição do AI-6 atingiu o Poder Judiciário.
O presidente Costa e Silva alterou a composição do Supremo Tribunal
Federal, impossibilitando o julgamento dos casos de crime contra a
segurança nacional no órgão e transferindo a responsabilidade para o
Supremo Tribunal Militar. Na seqüência, o governo decretou a
aposentadoria do general Pery Bevilacqua, ministro do Supremo
Tribunal Militar por julgá-lo complacente com os réus. O setor da
educação também sofreu ação do regime arbitrário: setenta professores
da Universidade de São Paulo (USP) e outros de várias outras
universidades foram involuntariamente aposentados em maio do
mesmo ano.
O governo Costa e Silva utilizou os atos institucionais e decretos
como instrumentos para consolidar suas bases em uma nova ordem
autoritária do governo, em consenso com a linha-dura. Baseado nesses
atos, os poderes que o Executivo assumiu foram consideravelmente
ampliados. No decorrer do exercício desses poderes e com o Congresso
em recesso desde dezembro de 1968, o presidente elaborou, juntamente
com a sua assessoria política, medidas para a implantação de uma nova
Constituição e a conseqüente reabertura do Legislativo. No entanto,
durante o processo, o presidente foi surpreendido por uma doença
grave e afastado do comando do Executivo.
Esse período (1969-1974), considerado o auge da repressão
política, foi marcado por embates dentro das Forças Armadas. O
afastamento de Costa e Silva proporcionou o acirramento da crise
38
Idem, ibid.
política com o veto militar à ascensão do vice-presidente Pedro Aleixo,
até então tido como representante do setor moderado do governo.
Tal manobra política foi exercida sob influência do general Jaime
Portella, chefe da Casa Militar, com respaldo do Alto Comando das
Forças Armadas e de ministros militares, e revelou a coesão por parte
da alta oficialidade: “(...) considerando a atividade subversiva que
perturbava a vida nas grandes cidades brasileiras, os ministros militares
consideraram imprudente a substituição formal prevista do presidente
Costa e Silva pelo vice-presidente Pedro Aleixo, e se investiram da
autoridade detida por aquele (...)”.
39
O poder Executivo passou, portanto, a ser exercido
provisoriamente por uma Junta Militar, caracterizando um governo
militar transitório, desconsiderando o caráter da Constituição de 1967,
que determinava a posse do vice-presidente Pedro Aleixo.
Um artigo publicado pela revista Veja na época retrata esse
episódio:
“O vice Pedro Aleixo teria conversado com o ministro do Supremo Tribunal,
Adauto Lúcio Cardoso, e ambos já então reconheceriam a inviabilidade de
ascensão do vice-presidente à presidência interina. Os políticos também já
tinham certeza de que o anúncio da reabertura do Congresso estava
automaticamente adiado.”
40
Nesse momento, a Junta Militar acelerou a edição dos Atos
Institucionais de números 12 a 17, realçando a versão definitiva da Lei
de Segurança Nacional e a Emenda Constitucional n° 01, que alterava a
Constituição de 1967 com as modificações introduzidas a partir do AI-5.
Com a piora do estado de saúde do presidente Costa e Silva, o
processo sucessório se acelerou, despertando o interesse de alguns
chefes militares. Nesse contexto, despontaram as candidaturas de
Afonso Albuquerque Lima e Sizeno Sarmento, ambos do Exército. A
indicação de Albuquerque e Lima causou descontentamentos entre os
39
SODRÉ, N. W. Vida e morte da ditadura. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 116.
40
Veja, n. 52, 03 set. 1969.
oficiais, provocando uma cisão nas Forças Armadas. A Junta Militar
não só discordava das idéias do oficial, como estabelecia que o novo
presidente da República deveria ser um general de quatro estrelas: “No
processo de escolha do sucessor, só participaram os oficiais de alta
patente das três armas (generais, almirantes e brigadeiros), excluindo o
restante os oficiais, num movimento de clara subordinão da
oficialidade intermediária, tão voluntariosa e agitada naquele período
(...)”.
41
Após processo de análise por parte do Alto Comando do Exército,
o nome de consenso foi o do general Emílio Garrastazu Médici.
42
Sua
indicação atendeu aos interesses dos militares, sobretudo a linha-dura:
“(...) Com a posse de Médici completa-se o processo de rearticulação
interna da coalizão dominante, processo que se iniciara em fins de 65
com a edição do AI-2 (...)”.
43
A indicação de Médici como sucessor de Costa e Silva simbolizou
a vitória da ala mais radical do governo que pretendia exercer o poder
sem moderação e complacência com os setores de oposição política,
sobretudo os movimentos de resistência armada. Manter a coesão das
Forças Armadas, eliminando a ameaça da esquerda organizada, foi a
medida de caráter emergenciais defendidas pelos militares até mesmo
antes do golpe de 64.
O general Médici assume o governo em 30 de outubro de 1969,
prometendo redemocratizar o país até o término do seu mandato. No
entanto, o país passou por uma profunda crise no campo político-social.
A repressão policial, instaurada em todo território nacional, buscou
silenciar os movimentos oposicionistas, que já haviam partido para a
clandestinidade. O fechamento dos canais de participação política levou
41
MACIEL, 2004. p. 69.
42
“Cada ‘força’ deveria lançar uma lista com os possíveis candidatos à sucessão de
Costa e Silva. Curiosamente, todas apresentaram a mesma ordem de preferência: (1)
Garrastazu Médici – ministro do Exército; (2) Orlando Geisel – Chefe do Estado-Maior do
Exército; (3) Antônio Carlos Muricy – Comandante do Primeiro Exército; (4) Syzeno
Sarmento – Comandante do Terceiro Exército Lyra Tavares e o general Albuquerque
Lima.” SKIDMORE, 1988. p. 200
43
MARTINS; CRUZ. In: Sociedade e política no Brasil pós-64, 1983. p. 39.
a esquerda a optar pela luta armada, deflagrando um embate direto
com o governo.
Foi durante a gestão Médici (1969-1974) que o país passou a viver
sob ameaça da tortura e da violência, praticada pelo Estado através dos
órgãos de repressão política. A situação tornou-se crítica quando os
desaparecimentos tornaram-se freqüentes, denunciando o nível de
deterioração do regime, com a adoção da prática de seqüestros e
assassinatos.
As inúmeras ações de violência praticadas pela repressão
atingiram a esfera internacional, causando prejuízo à imagem do país
por conta das denúncias a respeito do emprego da tortura com política
de Estado. Para Maciel: “A ascensão de Médici encerrou uma etapa em
que a institucionalidade autoritária já havia se estabelecido, mas em que
ainda convivia com dificuldades para se consolidar. Essas dificuldades
foram em grande parte superadas, e a institucionalidade autoritária não
só se consolidou como se aperfeiçoou (...).”
44
Durante esse período não houve mobilização estudantil, e as
poucas greves não foram noticiadas pela imprensa devido à censura
estabelecida aos meios de comunicação de massa.
Em outubro de 1969, a Constituição de 1967 sofreu alterações
decorrentes de nova emenda constitucional, por meio da qual o poder
Executivo tornou-se ainda mais forte. A Lei de Segurança Nacional foi
fortalecida visando conter a ameaça dos grupos de oposição armados.
As assembléias legislativas também foram afetadas pelas mudanças da
nova Constituição com redução no número de cadeiras na Câmara dos
Deputados. O Congresso Nacional, que havia sido aberto para a posse
de Médici e seu vice, entrou novamente em recesso.
A censura e o autoritarismo não pouparam nem mesmo 0s
oficiais das Forças Armadas. Após eleito, Médici promulgou o Ato
Institucional n° 17 e, por meio dele, o chefe do governo passou a ter o
poder de transferir para a reserva qualquer oficial que ameaçasse
cometer delitos contra as Forças Armadas. Desde o início, a gestão
44
MACIEL, 2004. p. 70.
Médici deu indícios de que seria o mais repressivo dos governos
militares, utilizando a violência como instrumento de controle social,
justificando os crimes desencadeados contra a população.
Em contrapartida e como propaganda ideológica do governo, o
país viveu a euforia momentânea do “Milagre Econômico”, incentivando
o consumo da população por meio da concessão de créditos e a busca
da qualidade de vida. Os favoráveis índices da economia fortaleceram a
imagem do governo principalmente entre a classe média. Os diversos
setores da oposição, sobretudo a resistência armada, foram silenciados
pelo forte aparato repressivo dando a falsa impressão de normalidade
nas ruas.
Em um contexto geral, o governo Médici apresentou sinais de
controle tantos nas instituições do país como no próprio governo. A
repressão agiu de maneira “eficiente” e a prática da censura permitiu
que grande parte da população se mantivesse à margem dos
acontecimentos políticos.
No âmbito político, o presidente Médici precisou estabelecer uma
maneira de conviver com a Arena. O episódio com o deputado Márcio
Moreira Alves, em que o partido não obteve os votos necessários para
suspender suas imunidades, causou certa descrença por parte dos
militares no que se referia ao apoio efetivo do partido do governo. Foi de
responsabilidade do presidente, portanto, as indicações para o governo
dos estados nas eleições de 1970. Dessa forma, 21 dos 22 governadores
eleitos pertenciam ao partido do governo e apenas um representava a
oposição.
O MDB, por sua vez, viveu um período de intensa crise ideológica.
Após 1968, perdeu parte de sua bancada de deputados e “viu rompida a
tênue relação de legitimidade que começava a construir junto ao
movimento de oposição”
45
. Membros do partido manifestaram-se a favor
de sua dissolução, pois o ideário democrático tornou-se cada vez mais
distante e manter um partido de oposição dentro de um sistema
autoritário e repressivo tornou-se inviável.
45
MACIEL, 2004. p. 81.
O reflexo dessa crise eclodiu na bipartição do partido em
autênticos e moderados: os autênticos adotaram uma postura mais
agressiva mediante os excessos e a ilegalidade do governo, e os
moderados defendiam a lógica da cautela para tratar dos assuntos de
abuso de poder do Executivo. De acordo com Sorj: “Poupado também foi
o ‘partido de oposição’: embora severamente desfalcado pelos sucessivos
expurgos, quase esmagado pelas restrições impostas pela censura e todo
o peso da máquina publicitária do governo, o MDB sobreviveu às
propostas de autodissolução que intermitentemente brotavam em seu solo
e, sob a impulsão de seus setores mais avançados, pouco a pouco foi
definida uma fisionomia própria e ganhando alguma credibilidade”.
46
Amparado pelo AI-5 e os posteriores atos institucionais que
intensificaram o poder da ditadura, o presidente Médici governou com o
respaldo de poderosos mecanismos de repressão política que
contribuíram para eliminar a ação da esquerda armada.
Ainda no ano de 1970 “foram criados os Centros de Operações de
Defesa Interna, os CODIs, que tinha como área deão a jurisdição de
cada Exército. Entidade composta por representantes de todas as forças
militares, bem como a Polícia e do próprio governo”.
47
Subordinados ao
CODIs, surgiram os DOIs, compostos pelos membros das três Forças,
por policiais civis e militares: “Enquanto os centros de informações de
cada Força se ligavam diretamente ao respectivo ministro, o CODI e o DOI
estavam subordinados, técnica e hierarquicamente, ao comando de cada
Exército”.
48
Portanto, ficaram sob a responsabilidade do Exército as
ações de segurança nacional.
Da sociedade civil também surgiram organismos que atuaram no
combate à subversão. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o
Movimento Anticomunista (MAC) “foram responsáveis por grande
número de atentados e por várias ações de terror”.
49
Essas organizações,
46
MARTINS; CRUZ. In: Sociedade e política no Brasil pós-64, 1983. p. 43.
47
D´ARAÚJO; SOARES; CASTRO, 1994. p. 17.
48
Idem. p. 18.
49
Idem. p. 20.
que muitas vezes atuavam de maneira clandestina, acirraram a
violência no país em um ritmo incontrolável.
1.2 A ARTICULAÇÃO DA ESQUERDA NOS GOVERNOS MILITARES E O
SURGIMENTO DOS GRUPOS DE RESISTÊNCIA ARMADA
Os movimentos de esquerda no Brasil passaram por um processo
de redefinição no campo ideológico, principalmente no que se refere às
formas de atuação após os acontecimentos de 1964. O maior exemplo
disso é o Partido Comunista do Brasil, o PC do B.
Historicamente, o PC do B só viveu três períodos de legalidade no
cenário político: duas fases brevíssimas na década de 1920 e outra fase
no final da Segunda Guerra Mundial, que coincidiu com a queda do
Estado Novo (1945). Com exceção desses períodos, permaneceu
clandestino durante todo tempo de sua existência, sofrendo disputas
internas cisões e vários afastamentos, principalmente no pós-64.
Não há como desconsiderar a importância das experiências
internacionais na formação ideológica de intelectuais e da juventude
politizada da década de 1960, como as influências das transformações
ocorridas no mundo pós-guerra, sobretudo, vindas da Europa. Ao
mesmo tempo em que países como a França influenciaram a juventude
brasileira com relação às questões de mudança e costumes, Cuba, a
partir de 1959, com a Revolução Socialista, simbolizou o desejo de
igualdade social e, para isso, era condição fundamental a
transformação política no país.
Sob influência dessas transformações no campo político-social, a
esquerda brasileira buscou formar sua identidade e delinear sua
atuação no embate com a ditadura. Nesse sentido, observou-se durante
todo o processo (até mesmo no pré-64) que a esquerda, principalmente
dentro da organização partidária, a exemplo do PC do B, teve
dificuldades de definir uma linha única de atuação e, a partir dela,
manter a coesão ideológica entre os membros do partido.
Mesmo durante o período do governo Goulart, o PC do B
“defrontou-se com uma esquerda diversificada, com novas correntes que
disputavam a referência dos movimentos de massa e desafiavam o
partido no próprio campo do marxismo”.
50
Na prática, o fato que gerou
descontentamentos entre os membros do partido e posteriormente
ocasionou uma cisão nas suas bases foram as diferentes opiniões com
relação às alternativas viáveis para estruturação do socialismo no
Brasil.
Para tanto, tais divergências políticas dentro da esquerda,
sobretudo no PC do B, estiveram calcadas em uma questão central:
aderir à luta armada, travando um confronto direto com a ditadura ou
buscar uma alternativa política pacífica e de longo prazo para alcançar
seus objetivos.
O ano de 1961 foi histórico para o Partido Comunista. Há uma
significativa mudança em sua sigla: ao substituir “do Brasil” por
“Brasileiro”, almejava-se a legalização de uma organização política que
estava atuando de forma clandestina desde 1947. Apesar da manobra
política, o partido permaneceu com registro cassado segundo o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), embora reformulado na sua concepção
ideológica. O “novo” PCB, propunha a revolução socialista por etapas e
de forma pacífica. Na primeira etapa, previa-se um crescente movimento
pelas Reformas de Base (estruturais), seguindo as intenções políticas do
presidente Goulart, pois durante as reformas de base, havia um terreno
fértil para o debate em torno dos problemas sociais, políticos e
econômicos. Nesse contexto, seria então formulado um projeto
revolucionário para o país.
O PCB, a exemplo dos PCs de vários países da América Latina,
seguiu as diretrizes do modelo soviético, principalmente no campo da
ação, ou seja, propôs estrategicamente uma transição pacífica para o
Socialismo, contrariando a ala mais radical da esquerda que buscava
uma ruptura imediata do sistema político vigente e a conseqüente
implantação do regime socialista.
A lógica de promover a revolução socialista em território nacional
simbolizava a superação ao quadro de submissão econômica, social e
50
GORENDER, 1998. p. 36.
política do país, tendo como referência experiências bem-sucedidas, a
exemplo da revolução cubana e da revolução cultural chinesa.
A postura mais pacífica do PCB foi um fator decisivo que acelerou
a fragmentação da esquerda, principalmente a partir de 1968 com a
virada autoritária e a edição do AI-5. O excesso de cautela do PCB no
que diz respeito às questões essencialmente políticas, após os
acontecimentos de 64 ocasionaram sérias divergências com a ala mais
radical do partido. Considerando-se as diferenças ideológicas no seio da
esquerda brasileira, esse segmento mais imediatista da esquerda
decidiu, por meio de uma Conferência Extraordinária no ano de 1962,
uma nova formulação para o partido comunista.
Dessa forma, consumou-se a cisão e a coexistência de dois PCs. O
PC do B, embora reorganizado, manteve suas convicções políticas desde
sua fundação em 1922: “Como objetivo principal, colocou a conquista de
um governo revolucionário e repeliu a luta pelas reformas de base. Tarefa
imediata devia ser a implantação do novo regime antiimperialista,
antilatifundiário e antimonopolista. O que não se daria pelo inviável
caminho pacífico, porém pela violência revolucionária.”.
51
Podemos
apontar, portanto, o PC do B como uma dissidência do próprio PCB,
criado no início da década de 1960.
A despeito da atuação do PC do B e do PCB, surgiram
dissidências expressivas, das quais posteriormente se destacaram
organizações políticas de extrema-esquerda, que tiveram atuações
representativas no cenário da política nacional.
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por uma intensa
movimentação política dessas organizações de esquerda. O golpe de 64
e o recrudescimento do regime como reação à ofensiva dos movimentos
de rua precipitaram o desenvolvimento da preparação da luta armada
nas cidades e nos campos, idealizando-se, assim, a guerrilha rural e
urbana.
No período de 1960 e 1975, diversas organizações e partidos com
diferentes perspectivas estratégicas mobilizaram militantes políticos,
51
GORENDER, 1998. p. 38.
objetivando estabelecer em solo brasileiro uma nação nos moldes
socialistas. Essas organizações e partidos que surgiram como resultado
de embates políticos e da impossibilidade de conviver com a tradição
comunista, ou seja,
a autocrítica sobre a ausência de uma resistência organizada aos
golpistas, passaram a buscar alternativas de sobrevivência, algumas
delas optando por imergir na luta armada, como o PC do B, a Aliança
Nacional Libertadora (ALN), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro
(MR-8), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Vanguarda
Armada Revolucionária de Palmares (VAR-PALMARES), o Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e o Comando de Libertação
Nacional (Colina), entre outras.
Essa pulverização de organizações surgiu em decorrência das
estratégias adotadas pelos setores da esquerda em especial do PCB e
leituras que os militantes tinham de como enfrentar o regime
autoritário de 1964.
O fato é que grande parte desses grupos guerrilheiros migrou do
PC do B, que era a referência política para a juventude brasileira na
época. A atuação da esquerda no pós-64 e suas influências sobre a
população brasileira desequilibraram muitas das ações previstas pelo
governo militar. “(...) a construção do Estado de Seguraa Nacional,
tentativa de engenharia política dos governos militares para combater
fundamentalmente o que percebiam como o perigo interno representado
pela ameaça comunista. Repressão política e segurança nacional foram
assim, por alguns anos, lados complementares de um mesmo processo
que tanto marcou essa história recente (...)”
52
.
A esquerda brasileira articulava-se antes mesmo dos militares
assumirem o comando do Poder Executivo. Sabe-se que o projeto de
uma revolução socialista no país antecede 1964. No início da década de
1960, surgiram no cenário nacional importantes organizações políticas,
dentre elas, a Política Operária (POLOP), que “se especializou na crítica
52
D’ARAÚJO, 1994. p. 7.
ao reformismo e ao nacionalismo, porém se mostrou incapaz de elaborar
uma alternativa tática viável. Imponcia prática que resultara da recusa
de participar no movimento pelas reformas de base e da proposição de
uma frente de esquerda que não admitia senão representantes da classe
operária.”.
53
Vale ressaltar que a esquerda buscou o caminho inverso da
política realizada pela classe de trabalhadores, conhecida como a
“política das massas”, fortalecida pelo populismo e pelas propostas de
reforma do capitalismo desenvolvido. Organizações como a Política
Operária e a Ação Popular (AP) combateram os interesses da burguesia
associada ao capital estrangeiro e tentaram encontrar a fórmula da
transparência dos ideais esquerdistas, o que revelou a luta pelo
socialismo.
Ao passo que a POLOP desconsiderava a importância dos
movimentos de massa na luta política, outra facção da esquerda
representada pelos estudantes católicos da AP vislumbrava a
implantação do socialismo com a participação dos movimentos de
massa, dentre elas, a classe trabalhadora.
O aparecimento dessa organização resultou de modificações
ocorridas dentro da Igreja católica, a partir do pontificado do João XXIII,
e da intensificação das lutas operárias. O surgimento da AP esteve
ligado a uma nova concepção política dentro da igreja. A Juventude
Universitária Católica (JUC) possuía relações estreitas com a Igreja, fato
que limitava suas ações. Portanto, a AP representou um novo veículo de
ação política, com mais liberdade de ação e que, por sua vez, buscava
agir de maneira independente, sem vínculos com membros da igreja
oficial.
No campo ideológico, as organizações esquerdistas buscavam um
alinhamento. O PCB era pró-soviético; o PC do B, pró-China, e alguns
grupos, como a AP, ficaram entre as posições chinesas e cubanas. A AP
aprofundava suas relações com o marxismo enviando missões a Cuba e
à China. Havia na própria esquerda, em especial no PCB, a posição de
53
GORENDER, 1998. p. 40.
que o caminho para a luta seria o de pequenas conquistas, com o
aproveitamento das brechas dadas pelos setores menos conservadores
das classes dominantes.
Já no período pós-64, foram inúmeras as ações da esquerda no
país. No entanto, essas ações passaram a ser mais efetivas à medida
que houve o acirramento da repressão por parte dos militares.
Oficialmente, a primeira ação de grande repercussão contra o governo
militar ocorreu em novembro de 1966. Foi uma tentativa de guerrilha
rural ligada a Leonel Brizola. O local escolhido foi a Serra do Caparaó,
onde se localiza o Pico da Bandeira, que fica entre os municípios de
Manhuaçu e Carangola, na área na Serra do Mar, entre os estados de
Minas Gerais e Espírito Santo. Esse local estava de acordo com a
estratégia de guerra revolucionária, segundo a qual a base de ação
armada deve se firmar em regiões de difícil acesso.
Muitas das organizações de esquerda foram fortemente
influenciadas pela “teoria do foco”
54
, difundida em toda América Latina
através do ideais da revolução cubana. Segundo seus ensinamentos,
um grupo de homens determinados era capaz de realizar a revolução
independente dos partidos tradicionais, fazendo que os ortodoxos
partidos comunistas do continente ficassem desfalcados mediante o
elevado número de militantes que aderiam à opção armada. Para
Gorender: “O foco se iniciava com um punhado de homens e se punha a
atuar entre os camponeses de uma região cujas condições naturais
favorecessem a defesa contra ataques do exército (a predileção pelas
montanhas denunciava um fácil geografismo). Numa segunda etapa,
colunas guerrilheiras se deslocavam da região inicial, levavam a luta
armada a outras regiões e confluíam afinal para o exército rebelde capaz
de infligir ao inimigo a derrota definitiva.”
55
54
“A esquerda brasileira tomou conhecimento da teoria do foco através dos escritos de
Ernesto Che Guevara, desde A guerra de guerrilhas, de 1960, e de Régis Debray em
Revolução na revolução?, folheto de 1967 (...) O ponto de partida da teoria do foco
consistia na afirmação da existência de condições objetivas amadurecidas para o triunfo
revolucionário em todos os países latino-americanos (...)”. GORENDER, 1998. p. 88.
55
GORENDER, 1998. p. 89.
Dentro da lógica da esquerda organizada no país no período de
1968 a 1975, destacavam-se as intenções de sensibilizar a opinião
pública com relação à política autoritária implantada pelos militares.
Nesse contexto, as ações armadas urbanas planejadas pelas guerrilhas
conseguiram em parte chamar a atenção da população, embora jamais
tenham conseguido atrair sua adesão para a causa revolucionária.
Tratando-se dos grandes centros urbanos, a guerrilha muitas
vezes obteve êxito porque surpreendeu os militares, até então
despreparados para combatê-la. Os próprios militares tinham
consciência desse fato: “As Forças Armadas, como a Polícia, não tinham
preparo para combater a guerra de guerrilha. Nenhum. Eu não tenho
qualquer escrúpulo em dizer isso: as Forças Armadas não estavam
preparadas para aquele combate.”.
56
No campo da ação, essas guerrilhas urbanas passaram
efetivamente a atuar no ano de 1968. Dada as diferenças de
pensamento na política, as guerrilhas não conseguiram manter a
coesão do grupo, e as rivalidades pessoais e ideológicas contribuíram
para sua desintegração.
Dentre as técnicas utilizadas pela guerrilha urbana estavam as
expropriações de instituições financeiras: a partir de 1968, os militantes
passaram a acumular muito dinheiro por meio de assalto a bancos nos
centros urbanos, sobretudo no eixo Rio–São Paulo. Na concepção da
guerrilha, o capitalismo era o principal responsável pelas desigualdades
sociais e por isso os bancos foram os primeiros locais a serem invadidos
pelos militantes de esquerda.
Com o dinheiro desses assaltos, organizações como a VPR e o MR-
8 conseguiram manter os militantes que estavam clandestinos e
procurados no país. O custo dessa dinâmica, porém, era muito alto: na
maioria das vezes era preciso manter não somente os militantes nos
chamados “aparelhos”, mas também seus familiares.
Nesse mesmo período, a movimentação dos estudantes nas ruas e
as greves dos trabalhadores em Contagem e Osasco encorajou a ação
56
D’ARAÚJO, 1994. p. 84.
dos guerrilheiros, que objetivava a adesão das massas para a
conseqüente revolução socialista no país.
Vale ressaltar que com o crescimento dos movimentos sociais e
oposição ao governo, houve também um processo de radicalização da
ditadura e uma intensificação da repressão. Com isso muitos militantes
passaram a não acreditar mais na viabilidade da ruptura do regime
autoritário no país.
A ação das guerrilhas urbanas nos anos de 1968 e 1969
representou uma afronta ao regime e também muita coragem e
desprendimento dos guerrilheiros que pretendiam mudar o rumo da
política no país. Grande parte dos militantes das organizações de
esquerda eram muitos jovens, vinham de movimentos estudantis e
depois partiam para alguma dissidência do Partido Comunista. Esses
militantes de esquerda foram movidos pelo forte sentimento de que era
imperativo defender a sociedade do regime de exceção e,
principalmente, transformá-la.
Carlos Marighella, experiente político do Partido Comunista,
fundou, no final de 1968, a Aliança Libertadora Nacional (ALN),
organização de extrema-esquerda urbana. Influenciado pelos ideais
cubanos, tornou-se protagonista da guerrilha urbana no país,
redigindo, inclusive, em meados de 69, o Minimanual do guerrilheiro
urbano, dirigido àqueles que pretendiam aderir à luta armada no país.
No primeiro capítulo desse manual, afirmava: “A crise crônica da
estrutura que caracteriza a situação brasileira ou que provoca sua
instabilidade política determinou o aparecimento no país da guerra
revolucionária. A guerra revolucionária manifesta-se através da guerrilha
urbana, a guerra psicológica ou guerrilha rural. O instrumento da
guerrilha urbana ou da guerra psicológica na cidade é o guerrilheiro
urbano.”.
57
O manual serviu de orientação para muitos guerrilheiros, que se
espelhavam em suas ações. Nele, constavam as características e as
57
SAUTCHUK, Jaime. Luta Armada no Brasil dos anos 60 e 70. São Paulo: Anita
Garibaldi, 1995. p. 61.
qualidades básicas de um guerrilheiro, informações de segurança e as
dificuldades a serem enfrentadas quando se vive na clandestinidade. E
orientava: “O primeiríssimo princípio é o da ação. É a ação que faz a
organização e a desenvolve. Ação significa violência revolucionária, luta
armada, guerrilha (...).”.
58
A partir desses ensinamentos, grupos guerrilheiros passaram a
coordenar suas ações. No final de 1967, a esquerda, sob o comando de
Marighella, interceptou um carro forte, no bairro de Santo Amaro e
recolheu todo do dinheiro destinado à guerrilha. Outras ações sob seu
comando se destacam, entre elas, o assalto ao trem-pagador da estrada
de ferro Santos–Jundiaí, em agosto de 1968.
No ano de 1969, o capitão do Exército Carlos Lamarca ingressou
na guerrilha e passou a contribuir com suas experiências, inclusive
como exímio atirador. Uma de suas mais importantes contribuições foi
o comando de uma ação minuciosamente estudada e executada por
treze militantes da VPR: o assalto à mansão da socialite carioca Ana
Capiglione
59
, em 18 de julho de 1969, de onde retiraram um cofre
contendo cerca de dois milhões de dólares. Esse valor custeou durante
muito tempo as atividades da guerrilha. Segundo D’Araújo: “A partir de
68, o surto das atividades clandestinas e os mais expressivos e violentos
atentados a bomba, assaltos a bancos, a guerrilha de Caparaó,
seqüestros de aviões e de embaixadores, assassinatos de oficiais
estrangeiros, tudo isso gerou um compreensivo inconformismo na área
radical das Forças Armadas, estimulada por políticos também radicais
(...).”
60
58
GORENDER, 1998. p. 105.
59
Ana Capiglione era amante do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e o
dinheiro contido no cofre de sua casa, segundo informações da guerrilha, advinha de
corrupção. Ver detalhes da ação em: SKIDMORE, 1988. p. 178-179.
60
Depoimento do coronel do Exército Gustavo Moraes Rego Reis a Maria Celina D’
Araújo em julho de 1992. Dentre importantes funções exercidas nas Forças Armadas,
foi assistente do general Ernesto Geisel, que ocupava a chefia do Gabinete Militar da
Presidência durante o governo Castello Branco (1964-1967). Ver: D´ARAÚJO;
SOARES; CASTRO, 1994. p. 151.
Outras importantes ações da guerrilha foram desencadeadas
neste período e ganharam notoriedade da opinião pública. Inúmeros
desses atentados tinham como objetivo chamar a atenção da sociedade
para a questão da repressão política, mas a ditadura, por sua vez,
difundia, por meio da imprensa, informações sobre esses atos como
terroristas, provocando na população o temor a esses grupos.
No que se refere à repercussão, ação que mais se destaca da
guerrilha urbana foi o seqüestro do embaixador norte-americano
Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Vários fatores que
contribuíram para o sucesso da operação; um deles foi a leitura de um
manifesto publicado em jornais e divulgado em rede nacional de rádio e
TV, que denunciava as ações arbitrárias do governo, como a prática da
tortura e assassinatos. O governo brasileiro agiu conforme as exigências
dos seqüestradores e libertou 15 presos políticos em troca do
embaixador.
61
O general Adyr Fiúza de Castro foi um dos criadores do Centro de
Informações do Exército (CIE), participando ativamente desse
organismo. Segue trecho de seu depoimento sobre esse episódio:
“Ataco e faço o possível para salvar o embaixador, mas, na minha opinião,
será morto. Eu disse isso ao general Lira Tavares. Eu estou em condições de
invadir e matar todos os seqüestradores – e nunca mais haverá seqüestro no
Brasil. Agora o senhor tem motivos políticos e diplomáticos para da outra
solução (...).”
62
61
O seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi idealizado por uma
ação conjunta entre a ALN e o MR-8. Os envolvidos na da ação foram: Carlos
Marighella, Cid de Queiroz Benjamin (Billi), Cláudio Torres da Silva, Daniel Aarão Reis
(Djalma), Fernando Gabeira, Franklin Martins (Valdir), João Lopes Salgado (Dino),
Joaquim Câmara Ferreira (Toledo), José Sebastião Rios de Moura (Aníbal), Manoel
Cirilo de Oliveira (Antônio), Paulo de Tarso Wenceslau (Geraldo), Sérgio Rubens, Vera
Sílvia de Araújo Magalhães (Marta), Virgílio Gomes da Silva (Jonas), Argonauta
Pacheco, Flávio Tavares, Gregório Bezerra, Ivens Marchetti, João Leonardo Rocha,
José Dirceu, José Ilbrahim, José Roberto Spiegner, Luís Travassos, Maria Augusta
Carneiro, Onofre Pinto, Ricardo Villas-Boas Rego, Ricardo Zaratini, Mário Roberto
Galhardo Zanconato, Rolando Fratti e Wladimir Palmeira.
62
Depoimento prestado à Maria Celina D’ Araújo em julho de 1992. D´ARAÚJO;
SOARES; CASTRO. 1994. p. 54.
O trecho do manifesto redigido pelos guerrilheiros reafirmava
suas intenções:
“Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a
ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos.
Aparecemos onde o inimigo menos nos espera e desaparecemos em
seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os
exploradores, a esperança e a certeza da vitória para o meio dos
explorados. (...) O sr. Burker Elbrick representa em nosso país os
interesses do imperialistas, que, aliados aos patrões, aos grandes
fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de
opressão e exploração(...).”
63
Ações dessa natureza, como os seqüestros de outras autoridades
diplomáticas estrangeiras – o cônsul do Japão em São Paulo e o
embaixador da Suíça
64
– durante o período da luta armada no país
(1968-1975), demonstraram, em várias ocasiões, ser uma forma
eficiente de libertar militantes presos. Com a repercussão desses
seqüestros, denunciou-se a situação política do país também na esfera
internacional, os assassinatos e torturas cometidos contra cidadãos
brasileiros, dando visibilidade para a causa da repressão política em
vigor desde 1964.
63
BERQUÓ, Alberto. O seqüestro dia a dia: a verdadeira história do embaixador
americano Charles Burke Elbrick. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. p. 66.
64
Em 08 de dezembro de 1970, o embaixador da Suíça Giovanni Enrico Bucher foi
seqüestrado no Rio de Janeiro pela VPR, sob o comando de Carlos Lamarca, mas não
teve a mesma repercussão do seqüestro do embaixador norte-americano: a ditadura
não cedeu a todas reivindicações e as lista de militantes presos foi refeita.
1.3 A GUERRILHA RURAL E AS LUTAS TRAVADAS NO ARAGUAIA
“A guerrilha do Araguaia contou com o espírito de luta, combate,
de altivez, de jovens que, mesmo perseguidos, ajudaram a enfrentar
uma situação difícil para o Partido e para o povo brasileiro.
A grandeza humana está aí.”
(João Amazonas)
De todas as organizações esquerdistas estruturadas no país no
período de praticamente dez anos, a mais preparada no campo da ação
foi a guerrilha do Araguaia. O movimento começou a ser idealizado em
meados da década de 1960, pelo PC do B, dado alinhamento de
membros do partido pela revolução através das regiões rurais do país.
Tais influências partiram do modelo maoísta
65
, seguindo a proposta da
guerra popular prolongada, e teve por objetivo iniciar a guerrilha no
campo de forma paulatina e estruturada. O PC do B foi a única
organização de esquerda que conseguiu efetuar a guerrilha rural,
adotando um outro viés com relação à logística da esquerda armada no
país.
Diferente das guerrilhas urbanas que estavam evidentes e
fortemente perseguidas pela repressão política, a concepção da
guerrilha rural, até então pouco explorada, apresentou vantagens pelo
fato de propor a derrubada da ditadura militar a partir do interior do
país com adesão das camadas populares. Dessa forma, o movimento
ganharia força e espaço, alastrando-se para as cidades, onde a
esquerda estaria atingindo o objetivo final, ou seja, implantar um
governo popular revolucionário.
65
Desde o primeiro momento, o PC do B dirigiu uma forte crítica ao que considerava
“linha pacífica” e, aos poucos, foi sistematizando um processo global a respeito de
como deveria se densenrolar a chamada luta revolucionária no país. Esse pensamento
apareceu formulado em janeiro de 1969, sob o título Guerra popular: caminho da luta
armada no Brasil, documento que revela uma forte influência do processo
revolucionário vivido pelo povo chinês entre 1927 e 1949 e de todo pensamento de
Mao Tsé Tung. Ver: MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. Dos filhos deste solo. São Paulo:
Boitempo, 1999. p. 167-168.
Em junho de 1966, o PC do B realizou a VI Conferência Nacional.
O documento final do encontro define a primazia para o trabalho no
interior do país, julgando a zona rural o ambiente perfeito para a
realização da revolução: “Nela (VI Conferência Nacional) discutimos a
problemática do enfretamento ao regime militar, de como mobilizar o povo
e organizar os preparativos para a luta mesmo em condições adversas
(...). Na continuidade dessa abordagem é que amadureceu a decisão para
empreendermos um movimento de resistência popular na região do
Araguaia – dando origem a guerrilha (...).”.
66
Em contrapartida, o PC do B criticava a atuação da guerrilha
urbana, sobretudo, os métodos utilizados para combater a repressão
policial. A única organização poupada pelo partido foi a AP, dada sua
tendência para as teses de luta armada prolongada.
No período de 1968-1971, quando houve forte presença das
guerrilhas urbanas no combate à repressão política, o PC do B
paralelamente planeja sua atuação no campo: “Nas discussões sobre as
formas de luta para enfrentar aquele regime bárbaro, surgiu o problema
de termos de ir para o campo, para a luta armada, porque na cidade não
havia mais condições – todos que lutavam corriam risco de vida; mesmo
uma reunião, ou um encontro, podia significar a prisão, a tortura e a
morte.”
67
A estratégia da guerrilha rural no Brasil foi estudada e organizada
durante praticamente seis anos e partiu da consideração de algumas
etapas. De acordo com Miranda e Tibúrcio: “No campo da estratégia, o
PC do B considerava que a luta revolucionária teria na área rural
brasileira seu mais importante palco, por meio de uma guerra
sustentada, desde o seu início, por fortes contingentes populares
especialmente os camponeses.”
68
Primeiramente, para iniciar uma revolução em um país com a
dimensão territorial do Brasil era preciso obedecer ao comando
66
Artigo de João Amazonas, um dos dirigentes da guerrilha do Araguaia, a partir de
seu depoimento na sede do PC do B, em São Paulo, em agosto de 2001.
67
Idem.
68
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 167-168.
revolucionário do partido, devidamente orientado acerca das normas e
procedimentos de sobrevivência na selva. Tratava-se das Forças
Guerrilheiras do Araguaia (FGA), comandadas por uma Comissão
Militar (CM), formada inicialmente por Ângelo Arroyo, Maurício Grabois
e João Carlos Haas Sobrinho, dirigentes do PC do B.
O preparo para a formação da FGA envolveu grupos de militantes
do partido que se revezavam em viagens à China e a Cuba para estudar
sobre a guerra revolucionária e receber treinamento militar. No entanto,
quem iniciou os preparativos para a guerra no Araguaia foi Osvaldo
Orlando Costa
69
, ainda no segundo semestre de 1967. Esse guerrilheiro,
designado a dar início a guerrilha, chegou à região de baixo do rio
Araguaia, próximo a sua confluência com o Tocantins, no sul do Pará, e
passou a viver como garimpeiro e mariscador, fixando-se em uma posse
de terra junto ao rio Gameleira, afluente da margem esquerda do
Araguaia.
A região foi escolhida com base em vários estudos dentro do PC
do B. As ações deveriam ser desencadeadas, em princípio, dentro de
uma área conhecida como um grande triângulo, formado pelas cidades
de Araguaína (TO), Imperatriz (MA) e Marabá (PA), cortada, na época,
pelas rodovias federais Belém–Brasília, no sentido Sul–Norte, e a
Transamazônica, no sentido Leste–Oeste.
No início, o papel da guerrilha destinava-se a um detalhado
levantamento de toda área compreendida nesse triângulo. Era preciso
ter domínio do local, para poder traçar as estratégias de combate.
Paulatinamente, outros integrantes seguiam para a região, totalizando,
em 1971, um número de 69 combatentes.
70
69
Primeiro militante destacado pelo PC do B a chegar à região, em 1967, era um negro
de quase dois metros de altura, também conhecido como “Osvaldão” ou “Mineirão”.
Cursava Engenharia na antiga Tchecoslováquia e chegou a ser campeão de boxe pelo
Botafogo do Rio de Janeiro. Foi executado em abril de 1974. MIRANDA; TIBÚRCIO.
1999. p. 194.
70
Após Osvaldão, seguiram para o Araguaia: João Carlos Haas Sobrinho, Elza de Lima
Monnerat, Líbero Giancarlo Castiglia e Maurício Grabois. Em 1968, foi a vez de João
Amazonas e Ângelo Arroyo, completando o núcleo de dirigentes da guerrilha. Em
1969, foram para região: José Humberto Bronca, que se tornou vice-comandante do
Destacamento B; Gilberto Olímpio Maria, que se tornou comandante do Destacamento
C; Paulo Mendes Rodrigues, que pertenceu ao destacamento C; e Paulo Roberto
Os militantes da guerrilha rural apostaram na construção de
bases de apoio no campo para garantir o sucesso da guerra popular,
tendo por objetivo operar em áreas determinadas a fim de elaborarem
estratégias de combate na região. Considerando o fato de a revolução no
campo ser um processo demorado, coube aos integrantes da guerrilha
estabelecer relações de proximidade com os camponeses a fim de atrair
a confiança e a simpatia desses moradores, ocorrendo, assim, houve
um período inicial de adaptação junto a essas comunidades, onde os
guerrilheiros passaram a desenvolver atividades profissionais de acordo
com as necessidades levantadas na região, realizando, também, um
trabalho de conscientização e politização junto à população local.
Um manifesto publicado em junho de 1970 descreve as intenções
da guerrilha e a insurreição de um governo popular: “Só a guerrilha
revolucionária, as ações guerrilheiras e a guerrilha rural levarão o povo
brasileiro a libertar-se. A guerra visa: anular todos os atos e decretos da
ditadura; expropriar e encampar as grandes empresas estrangeiras;
expropriar os latifúndios promovendo a revolução agrária; assegurar o
direito à vida e a cultura para todos; garantir as mais amplas liberdades
de organização e manifestação de pensamento ao povo brasileiro (...).”
71
Embora a guerrilha tenha traçado seu plano de ação com o
intuito de não deixar vestígios, logo a movimentação desses
combatentes foi descoberta. Em 1971, foi decretada a prisão de
remanescentes do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), na
cidade de Wanderlândia, em Tocantins, fato que deixou de prontidão os
destacamentos da Polícia Militar da região. As ações da guerrilha ainda
não haviam sido detectadas, mas, a partir deste momento, o Exército
passou a vasculhar a área de maneira a não chamar atenção. Foi criada
a Ação Cívico-Social (Aciso), para a qual tropas regulares foram
utilizadas em tarefas assistenciais, como vacinação em massa, serviços
odontológicos, distribuição de material escolar e alimentos. Assim, o
Pereira Marques, que combateu pelo Destacamento B. Aos poucos, entre 1970 e 1972,
chegaram os demais guerrilheiros. Ver: MIRANDA; TIBÚRCIO. 1999. p. 194.
71
Manifesto publicado pelo jornal Correio da Manhã, em 13 de junho de 1970.
Exército teve acesso às informações da guerrilha desenvolvendo ações
comunitárias na região.
Oficialmente, a preparação do Exército para combater a guerrilha
teve início em abril de 1972. Durante o período de três anos, de 1972 a
1975,
foram mobilizados cerca de sete mil homens das Forças Armadas e da
Polícia Militar para a região do Araguaia.
As primeiras tropas chegaram à região e alojaram-se nas cidades
de Xambioá, São Geraldo e São Domingos das Latas.
Ao todo, o Exército deflagrou três campanhas na região,
envolvendo desde agentes especializados da inteligência do Centro de
Informações do Exército (CIE), informantes atuando junto às
comunidades a fim de descobrir o paradeiro de cada guerrilheiro e
modernos equipamentos em termos de armamentos e logística. Na
Primeira Campanha,as forças oficiais promoveram uma manobra de
reconhecimento da área, integrada basicamente por recrutas de 18 e 19
anos, na qual quase tudo deu errado. Mobilizaram 170 homens e foram
embora em 40 dias.”
72
Embora os guerrilheiros tenham sido
surpreendidos pela ofensiva dos militares, nesse primeiro momento o
Exército ainda não dispunha de total domínio da área para efetivamente
travar combate com os militantes do PC do B.
Após os primeiros embates
73
, o Exército recuou e elaborou
estratégias para uma segunda atuação no Araguaia. Ao norte da região
do Araguaia, várias barreiras foram montadas na Transamazônica,
entre as cidades de Estreito (MA), onde esta rodovia cruza Belém–
72
STUART, Hugo. Os documentos do Araguaia. Istoé, n. 1 830, nov. 2004.
73
O primeiro combate ocorreu em 12 de abril de 1972, quando as Forças Armadas
invadiram os Destacamentos A e C da guerrilha. Os militantes foram surpreendidos e,
a partir de então, passaram a travar uma luta desigual com um enorme contingente
de soldados do Exército e das polícias militares dos estados de Goiás, Pará, Maranhão
e Mato Grosso. No momento da ofensiva, os militantes posicionavam-se da seguinte
forma: o destacamento A contava com 22 guerrilheiros e foi comandado por André
Grabois e Antônio de Pádua Costa; o B, contava com 21 combatentes e foi liderado por
Osvaldo da Costa e José Humberto Bronca; e o C, contava com 20 guerrilheiros sob
comando de Paulo Mendes Rodrigues e José Toledo de Oliveira. Ver: MIRANDA;
TIBÚRCIO. 1999. p. 172.
Brasília, e Marabá (PA). Desde o início, as tropas do Exército, deixaram
claro quais eram as intenções, ou seja, lutar contra a forte oposição
armada.
Concomitantemente, a estrutura da guerrilha já estava montada.
Os 73 combatentes que estavam organizados em três destacamentos (A,
B e C) encontravam-se em grande desvantagem em relação às tropas do
Exército em termos numéricos e principalmente de armamentos. Por
conta dessa disparidade, entre os meses de abril e maio de 1972, os
guerrilheiros sofreram grandes baixas durante as emboscadas. Uma
das primeiras vítimas foi Maria Lúcia Petit da Silva
74
, executada por
tropas do Exército em junho de 1972, ao sair da casa de um camponês,
acompanhada de Miguel Pereira dos Santos.
A partir de setembro de 1972, na segunda campanha do Exército,
milhares de soldados foram enviados à região do Araguaia
caracterizando um intenso período de combates com as forças de
oposição. O Exército ergueu alojamentos na região, utilizando métodos
de intimidação à população local, submetendo os camponeses a
interrogatórios e sessões de tortura: “Os moradores eram obrigados a
portar documentos de identidade em qualquer ocasião. (...) Toda área foi
declarada zona de segurança nacional, sujeita a poderes especiais,
policiais e militares (...).”
75
.
A partir deste momento, o Exército constituiu uma intensa
operação de guerra, construindo aeroporto, heliporto e diversos
alojamentos na selva para disseminar a guerrilha. Com essa segunda
investida, as tropas do Exército conseguiram abater a guerrilha,
executando vários militantes do PC do B.
76
74
Em 1991, familiares de mortos e desaparecidos políticos, juntamente com a equipe
de médicos-legistas da Unicamp, estiveram no cemitério da cidade de Xambioá e
exumaram duas ossadas no local, uma delas de uma mulher jovem, que estava
enrolada em tecido de pára-quedas. A Unicamp confirmou tratar-se da ossada de
Maria Lúcia, portanto, a primeira guerrilheira localizada no Araguaia após anos de
procura por parte das famílias.
75
SKIDMORE. 1988. p. 245.
76
Dos guerrilheiros mortos durante a segunda campanha, a maioria morreu em
combate direto com as Forças Armadas. Os que morreram entre 20 e 21 de setembro
de 1972 foram: Miguel Pereira dos Santos, José Toledo de Oliveira, Francisco Manuel
Chaves e Antônio Carlos Monteiro Teixeira. A segunda campanha foi caracterizada por
Após a dura ofensiva nessa segunda campanha, o Exército
estrategicamente retirou suas tropa da área para reavaliar novas formas
de combate, surpreender os guerrilheiros com novas táticas e não
cometer mais falhas. A ordem nesse momento era estabelecer plenas
condições de eliminação da guerrilha. A trégua durou um ano, do final
de outubro de 1972 a outubro de 1973, quando a terceira campanha foi
iniciada.
Nesse período, a repressão atingiu os dirigentes do PC do B, que
se encontravam nas cidades, impossibilitando a comunicação com os
combatentes do Araguaia. Em dezembro de 1973, a guerrilha sofreu
perdas consideráveis, entre elas, a de Lúcia Maria de Souza, citada no
Dossiê Araguaia pela coragem apresentada em combate: “Quando
chegamos, ela estava deitada de costas, com o 38 ainda na mão. Tinha
mais de dez tiros de nove milímetros no corpo. Ela quis levantar a arma,
eu pisei em seu braço e perguntei seu nome. ‘Guerrilheiro não tem nome’,
ela disse. ‘Nem nome nem vida’, respondi. Foi só isso. Segurei o gatilho
da metralhadora e dei os tiros de misericórdia. Ela ficou com mais de 80
furos. Era uma grande guerreira.”
77
Um dos dirigentes do PC do B, Ângelo Arroyo, elaborou o Relatório
Arroyo, no qual descreveu as circunstâncias dos embates no Araguaia.
As informações seguem até janeiro de 1974, quando o guerrilheiro
conseguiu escapar do cerco do Exército, atravessando as fronteiras dos
estados do Pará e Goiás. O relatório traz detalhes da ação montada em
25 de dezembro de 1973, na qual a repressão executou cerca de quinze
guerrilheiros, caracterizando um massacre na região.
Em novembro de 2004, a revista Istoé publicou a matéria “Os
documentos do Araguaia
78
, apresentando novas informações à respeito
da guerrilha e trazendo depoimentos de militares, todos ex-integrantes
um período mais violento, principalmente entre os meses de setembro e outubro. Ver:
MIRANDA; TIBÚRCIO. 1999. p. 176.
77
Depoimento do major Sebastião de Moura, o Major Curió, que ajudou a elaborar o
Dossiê Araguaia. Antes de ser eliminada, Lúcia atingiu, de uma só vez o major Lício
Augusto Maciel no rosto e o capitão Sebastião de Moura no braço. (Ver: STUART, H.
Os documentos do Araguaia. Istoé, n. 1 830, nov. 2004.)
78
STUART. Istoé, n. 1 830, nov. 2004.
dos órgãos de inteligência que atuaram a serviço da repressão política.
Até 1978, não havia registros sobre a guerrilha rural ocorrida no
interior do país. Os acontecimentos que envolveram o episódio do
Araguaia foram totalmente censurados durante muito tempo: “Os
governos militares decidiram extirpá-la da história, a guerrilha não
deveria produzir nem mesmo efeitos judiciais. Os processos dos
sobreviventes não fizeram qualquer menção ao fato – não houve
guerrilha, tampouco guerrilheiros, portanto, não houve réus (...).”.
79
Segundo informações contidas na revista IstoÉ, os militares
elaboraram um dossiê contendo 37 documentos secretos e confidenciais
acerca da guerrilha, coletaram entrevistas e depoimentos gravados de
27 militares que participaram do combate. De acordo com esse dossiê,
dos 107 guerrilheiros, 64 morreram em conflito com as tropas do
Exército, 18 estariam desaparecidos, 15 teriam sido presos e
sobreviveram, sete teriam desertado e dois cometeram suicídio,
números que contradizem dados do PC do B, segundo os quais os
nomes de vítimas do Araguaia totalizaram 75 pessoas, sendo 58
guerrilheiros e 17 camponeses.
O presidente Ernesto Geisel, após assumir o comando do
Executivo em 1974, mandou censurar todos os documentos que
comprovassem a existência da guerrilha, ficando a população brasileira,
desta forma, à margem dos acontecimentos do Araguaia.
A ditadura temia que, após retiradas as tropas do governo da
região, ficassem vestígios da guerra travada na selva durante três anos.
Dessa forma, realizou a chamada “Operação Limpeza”, em que agentes
da repressão faziam desaparecer os corpos dos guerrilheiros executados
durante todo período de combate.
Os arquivos das Forças Armadas ainda não foram abertos,
portanto, não se sabe exatamente qual o número exato de vítimas no
Araguaia e, principalmente, onde se encontram esses corpos. A
reconstrução desse episódio tem sido feita através do trabalho de
79
TELES, J. A. Os herdeiros da memória: luta dos familiares de mortos e
desaparecidos políticos no Brasil. São Paulo: USP, 2005. p. 196. (Dissertação de
Mestrado)
pesquisadores
80
, pela memória de militares que participaram dos
combates e que recentemente têm fornecido informações a respeito da
guerrilha, além dos depoimentos de sobreviventes
81
que relatam o terror
vivido na selva Amazônica.
80
Sobre a Guerrilha do Araguaia, ver: MORAIS, Taís; SILVA, Emano. Operação
Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha. São Paulo: Geração Editorial, 2005; e
PORTELA, Fernando. A Guerra da guerrilha no Brasil: a saga do Araguaia. São Paulo:
Terceiro Nome, 2002.
81
Os sobreviventes da Guerrilha do Araguaia foram: José Genoíno Neto, Criméia Alice
Schmidt, Michéas Gomes de Almeida, Luzia Reis Ribeiro, Lúcia Regina Martins de
Souza (ou Silva), João Carlos Borgheth Wisnesky, Pedro Albuquerque, Teresa
Albuquerque, Regilena da Silva Carvalho, Danilo Carneiro, Dagoberto Alves da Costa,
Dower Moraes Cavalcanti (falecido) e Glênio Fernandes de Sá (falecido). Elza Monnerat
e João Amazonas, já falecidos, moraram na região, mas não fizeram preparação como
guerrilheiros.
1.4 DE GEISEL A FIGUEIREDO: RUMO À ABERTURA
Após tumultuado período de repressão política no país desde o
golpe de 64, a ascensão de Ernesto Geisel em março de 1974 deu-se em
um momento em que a imagem do governo estava totalmente
desgastada perante a sociedade civil com relação aos fatos que
envolviam crimes e torturas no país.
Depois da vitória dos castellistas, Geisel assumiu o poder com
intenções “de abrir, em algum grau, o regime”
82
. É certo, que em algum
momento, os militares deixariam o poder, no entanto, isso só poderia
ocorrer em condições propícias para a Corporação. Para Bernardo
Kucinski, “com a escolha do general Ernesto Geisel para suceder o
general Emílio Garrastazu Médici na presidência da República, a
proposta de institucionalização do regime ganha um impulso decisivo”
83
.
Nessa esfera, era preciso estabelecer diálogo com outros setores do
poder, sobretudo a linha-dura: “A oposição era mais forte naqueles
setores das forças armadas ligados ao aparelho de segurança,
especialmente aqueles envolvidos ativamente na campanha antiguerrilha
(...).”
84
Por conta disso, qualquer discussão sobre a possibilidade de
iniciar um processo de transição política deveria ser cuidadosamente
acordado entre as bases militares. Tornou-se, portanto, condição
essencial o planejamento de condições seguras para o abandono do
cenário político e conter quaisquer focos de oposição, a fim de efetuar a
transição para a democracia de forma a não abdicar dos interesses dos
militares, interesses, por sua vez, calcados na transferência de poder
para os civis, de forma controlada, sob égide permanente do Alto
Comando da Corporação.
82
SORJ; ALMEIDA, 1983. p. 47.
83
KUCINSKI, B. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. p. 10-11.
84
STEPAN, A. Os militares: da Abertura à nova República. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra Política, 1986. p. 52.
Para isso, era preciso, entre outras medidas, estabelecer diálogo
com os grupos das Forças Armadas que eram contrários à Abertura, e
os setores
da oposição representados pelo MDB, à medida que buscavam espaço
para atuação no campo político.
O processo rumo à Abertura iniciou-se iniciado em 1974 e se
estendeu até 1985, efetivamente, com a redemocratização do país.
Segundo David Maciel, “a primeira etapa da transição inicia-se com o
desencadeamento do projeto distensionista pelo governo Geisel, e se
encerra com a edição do Pacote de Abril em 1977.”
85
. Esse período foi
marcado essencialmente pela afirmação de um poder instituído pela
força desde 1964 e pela utilização de mecanismos que legitimavam esse
poder, a exemplo do AI-5, instrumento utilizado pelo governo até o final
de 1978, para consolidar o caráter autoritário do regime.
As intenções políticas do mandato de Geisel supriram a
necessidade de realizar reformas políticas emergenciais com o intuito de
garantir a credibilidade dos militares juntos aos diversos setores da
sociedade. A ação repressiva do Estado, sobretudo, entre os anos de
1968 a 1974 contribuiu para isso: “Os extremistas da comunidade de
segurança, temendo perder a autonomia, empreenderam um novo round
no combate às organizações esquerdistas, tanto para eliminá-las como
para convencer os ‘militares enquanto instituição’ de que a ameaça
subversiva era real e a distensão, um perigo equívoco (...).”.
86
A questão da segurança nacional sempre foi prioridade na agenda
dos militares. A essa altura, grande parte das organizações de esquerda,
principalmente nos centros urbanos, já havia sido desarticulada. No
entanto, o controle à subversão foi a tônica dos governos militares. Em
princípio, “A normalização que se pretende é da ordem revolucionária.
Mais que um programa de transição, o que se esboça nas palavras de
Geisel é um projeto de institucionalização do regime autoritário, que prevê
85
MACIEL, 2004. p. 83.
86
STEPAN, 1986. p. 52.
medidas liberalizantes, mas apenas na medida em que sirvam a esse
propósito.”
87
O quarto general-presidente deparou-se desde o início da sua
gestão com uma forte oposição dentro e fora da instituição militar.
O grande desafio do seu governo foi realizar o manutenção dos
órgãos de repressão política que atuavam de maneira clandestina e
incontrolável, impossibilitando qualquer chance de normalização
institucional. Por conta disso, Geisel buscou aplicar em seu mandato
uma “política que tem como linha básica a revigoração do prestígio do
regime, a reativão da vida partidária, a reabertura do diálogo com
setores marginalizados das elites e a contenção da dinâmica
oposicionista dentro de limites que não ameaçassem a chamada
Segurança Nacional.”
88
.
Mesmo com as intenções de liberalizar o regime, o Estado ainda
promoveu, e muito, a repressão aos opositores políticos. Os atos de
violência praticados contra cidadãos dentro do país distanciaram o
governo de realizar a manutenção do sistema instaurado em 1964. Os
crimes de tortura, mortes e desaparecimentos persistiram como prática
exercida pela “comunidade de segurança”, em proporções ainda
maiores, pois os algozes da repressão, visando à Abertura, deram início
a um período em que se empenhavam em fazer desaparecer cidadãos
com o intuito de não deixar vestígios de suas práticas ilegais. Para
Couto: “A repressão política criara um poder militar paralelo,
praticamente autônomo, enfraquecendo os comandos, prejudicando a
hierarquia e a disciplina, ameaçando a ordem dentro das próprias Forças
Armadas.”
89
A oposição também esteve presente nos partidos de representação
política no Congresso Nacional (MDB) denunciando crimes cometidos
contra os Direitos Humanos no país. Essa oposição tornou-se
prejudicial ao governo, pois, fortalecendo-se com a proposta de
87
Idem, ibid.
88
ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil nunca mais. 35. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p.
64.
89
COUTO, R. C. História indiscreta da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 1998.
p. 151.
Abertura, promoveu embate direto com a ditadura: “À oposição não
cabia aderir, sob pena de deixar de ser oposição. Seu papel, nem sempre
compreendido pelo governo militar, era principalmente o de fiscalizar e
criticar. E no caso da liberalização política, o de tentar acelerar o
processo.
90
No contexto social, o fim do “milagre” e a conseqüente crise
econômica aprofundaram as contradições sociais e políticas geradas
pelo sistema capitalista e pela ditadura. Garantir a continuidade do
regime diante da situação de crise exigiu algumas iniciativas políticas
por parte dos militares e da burguesia que lhes permitissem
administrar a crise, os interesses da burguesia, o desgaste do governo,
que se mantinha à base da repressão e da censura, e a iminente
oposição, que se reorganizava no país paulatinamente.
Para Maria José de Rezende ficou “patente que os ‘estratos
burgueses’, insatisfeitos com os resultados da política econômica do
governo e com o seu esmagamento pelo capital financeiro imperialista,
interpretavam corretamente a situação: ruim com a ditadura, pior sem
ela!”
91
As políticas de distensão e de abertura atendiam a essa
necessidade, “suscitavam uma nova estratégia militar pela qual o
desengajamento do braço armado da burguesia seria gradual (...) e
permitiria o controle pelo topo de qualquer processo político que
envolvesse uma ameaça à estabilidade da ordem (...).”
92
As chances de uma transição controlada de cima para baixo
foram sendo questionadas devido à perda de legitimidade do regime
militar no transcurso da década de 1970, ao passo que as bases de
expansão econômica se revelavam frágeis, e a crise social voltava a se
expandir. Paralelamente, o governo sinalizava para a possibilidade de
abertura “lenta, gradual e segura”, e, principalmente, sob controle.
É no governo Geisel que a ditadura dá sinais de “afrouxamento”,
iniciando, paulatinamente, um movimento que mais tarde representou
90
Idem, ibid.
91
REZENDE, M. J. A transição como forma de dominação política. São Paulo: PUCSP,
1991. p. 73.
92
Idem, ibid.
a volta dos militares aos quartéis, quando as Forças Armadas deixam
de exercer seu papel de governo e retomam suas funções dentro das
instituições militares, em meados da década de 1980.
A todo instante, o regime demonstrava que a liberalização política
se dava a passos lentos, sob cuidados, e realizada mediante as
constantes negociações com a oposição parlamentar e setores de
representatividade da sociedade civil.
A crise deflagrada no país em virtude do desaparecimento de
militantes políticos atingiu seriamente o governo. No ano de 1974, auge
dos desaparecimentos no país
93
, o arcebispo de São Paulo, Dom
Evaristo Arns, entregou ao governo uma relação inicial com os nomes
de 22 desaparecidos, solicitando esclarecimento sobre o destino dessas
pessoas.
94
A negligência, no entanto, dos órgãos de segurança
impossibilitou o acesso a qualquer tipo de informação sobre os presos.
No ano seguinte, 1975, a morte do jornalista Wladmir Herzog nas
dependências do DOI-CODI em São Paulo suscitou outra crise no
governo, pois sua execução comoveu à opinião pública e mobilizou a
sociedade para um culto ecumênico uma semana depois, na Catedral
da Sé, com a presença do arcebispo Arns. A manifestação, com a
presença de oito mil pessoas, “marca a grande virada da classe média e
dos profissionais liberais contra o regime”.
95
Esse fato revelou ainda “o
choque entre diferentes grupos militares acerca da necessidade de os
organismos de segurança se adaptarem aos novos tempos ficou bastante
evidente com os assassinatos ocorridos dentro do DOI-CODI”.
96
Na seqüência das arbitrariedades cometidas pela repressão, o
caso do operário Manoel Fiel Filho também ganhou notoriedade pela
brutalidade da ação do DOI-CODI: em janeiro de 1976, o trabalhador foi
morto nas mesmas condições, em mais uma ação que fugiu do controle
93
Segundo dados contidos no Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de
64, no ano de 1974, todos os nomes de opositores que consta na listagem feitas pelos
familiares, são desaparecidos, ou seja, o Estado não reconhece o paradeiro das
vítimas.
94
KUCINSKI, 2001. p. 32.
95
KUCINSKI, 2001. p. 36.
96
ARQUIDIOCESE de São Paulo, 2007. p. 66.
do Estado. Esses dois casos, de grande repercussão na época,
exerceram considerável influência para que fossem desencadeadas
ações de enquadramento desses órgãos de segurança, que praticavam
crimes hediondos.
A ação imediata por parte do governo foi a demissão do
comandante do II Exército, o general Ednardo D’Àvila Melo, que há
muito tempo concedia autonomia ao DOI-CODI local. Em seguida, o
general Confúcio Danton de Paula Avelino, chefe do CIE e figura central
na resistência à Abertura na linha-dura, foi removido.
Nesses dois casos, o presidente Geisel adotou medidas
emergenciais, sem respaldo imediato do Comando Militar, atendendo,
de certa forma, às pressões da população: “(...) a reação da sociedade
civil – e a habilidade de Geisel para se associar com ela – fortaleceu
imensamente o peso do governo contra seus mais perigosos adversários
no aparelho de segurança (...).”
97
Tais medidas não foram, porém,
suficientes para que outras ações abusivas da chamada “comunidade
de segurança” fossem deflagradas no país.
No final do ano de 1976, a exemplo da repressão sem limites
praticada na gestão Médici, dois membros da Executiva do PC do B
foram executados por agentes do DOIC-CODI
98
, em uma casa no bairro
da Lapa, em São Paulo, onde eram realizados encontros com membros
do Comitê Central. Esse episódio, que ficou conhecido como a “Chacina
da Lapa”, foi mais um caso de impunidade daqueles anos de ditadura:
“A Lapa teve particularidade de ocorrer já na era da distensão,
ascendente direta da abertura e da ‘Nova República’.”
99
O comandante
da operação, o general do II Exército Dilermano Gomes Monteiro, que
assumiu o posto após a demissão de Ednardo D’Ávila, foi inocentado
97
STEPAN, 1986. p. 50.
98
O Partido Comunista do Brasil era a única organização ainda estruturada àquela
altura e teve sua direção destroçada pela delação de um veterano comunista. Foram
executados, em 16 de dezembro de 1976, em decorrência da ação repressiva do
Estado Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e, posteriormente, João Batista Franco
Drummond, todos membros da Executiva. Para outras informações sobre o episódio,
ver POMAR, P. E. R. Massacre na Lapa. 3. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2006. p. 10.
99
POMAR, 2006. p. 9.
por não ser considerado propriamente da linha-dura. A autoria da ação
foi considerada dos órgãos de segurança: “Sempre foi de total
impunidade o sentimento dominante entre os agentes de segurança o
regime militar brasileiro”
100
, o que contribuiu para a repressão agisse
continuamente.
Em decorrência das inúmeras ações arbitrárias do governo, a
segunda metade da década de 1970 apontou para uma série de
acontecimentos que aceleram o caminho para a abertura. Foram
deflagrados vários atos de contestação no país, revelando a crescente
insatisfação da opinião pública com relação à permanência dos
militares no poder. A sociedade almejava mudanças no quadro político e
na pauta das reivindicações estava o fim da censura prévia no país,
sobretudo, na imprensa e nas organizações sociais que emergiram no
universo da política, a exemplo do movimento estudantil e operário, já
em processo de reorganização. A revogação do AI-5, a realização de
eleições livres e a concessão da Anistia aos presos políticos também
fizeram parte desse conjunto de interesses que envolveram diversos
setores da sociedade civil.
No campo da política, as eleições diretas para o governo dos
estados, previstas para o ano de 1978, geravam especulações na cúpula
do poder sobre a possibilidade de vitória do partido de oposição.
Considerando-se que a oposição avançara e passara a ocupar espaço
com reais chances de vitória nas eleições, Geisel utilizou o instrumento
do AI-5, ainda em vigor, para intimidar a oposição.
Com o intuito de fortalecer o partido do governo, a Arena, e
garantir a hegemonia no Congresso para realização de seus ideais
políticos, o presidente adotou uma medida arbitrária, que contradizia
qualquer intenção liberalizante do regime. No mês de abril de 1977, o
Congresso Nacional fechou e anunciou uma série de medidas
extraordinárias, conhecidas como o Pacote de Abril. A partir disso, as
regras eleitorais foram modificadas de modo a garantir a maioria
parlamentar à Arena, o mandato presidencial passou de cinco para seis
100
POMAR, 2006. p. 29.
anos e foi criada a figura do “senador biônico”, eleito indiretamente
pelas Assembléias Legislativas de seus estados. Essa ação do governo
revelou a forma controladora de Geisel promover a transição política.
Tal medida “teve duro impacto nos ânimos de setores oposicionistas
entusiasmados com as promessas de reabertura democrática (...).”
101
O governo, por sua vez, recebeu severas críticas decorrentes do
anúncio do Pacote de Abril: “A intensidade da reação provocada por
mais esse ato de força, que por sua brutalidade rivalizava com as
medidas mais duras até então impostas pelo regime e que se chocava tão
frontalmente com os proclamados intuitos de distensão e de normalização
institucional (...).”
102
Para Maciel, “comparando com os outros governos militares, o uso
dos atos de exceção pelo governo foi mais regular, pois não ocorreu
somente em momentos críticos – em que a ordem autoritária era
ameaçada por grave crise política ou por ações consideradas
‘subversivas’, como nos anos de 1968/69, e no combate à esquerda
armada –, mas como uma espécie de medida administrativa corriqueira”.
103
E, embora não fossem utilizados com as mesmas justificativas, esses
atos de exceção não deixaram de ser aplicados em momentos que se
visava o restabelecimento de uma ordem vigente e de um governo
caracterizado pelo controle de suas ações. No governo Geisel, houve
“repressão, sim, e dura, mas temperada com medidas de abertura,
mesclada com gestos de abrandamento, tudo visando, em última
instância, a manutenção do sistema instaurado em 1964.”.
104
Sabia-se que o projeto de descompressão do regime seria algo
difícil de se concretizar a curto e médio prazo, em um processo repleto
de avanços e recuos por parte do governo, e, principalmente, denotando
uma constante relação de equilíbrio entre Geisel, seus assessores e os
representantes da linha-dura.
101
ARQUIDIOCESE de São Paulo, 2007. p. 65.
102
SORJ; ALMEIDA, 1983. p.55.
103
MACIEL. 2004, p. 87.
104
ARQUIDIOCESE de São Paulo, 2007. p. 64
A partir de 1977, o país acompanhou um paulatino processo de
reorganização da sociedade. Nesse momento, iniciou-se uma nova
fermentação do movimento estudantil, marcada por inúmeras
manifestações contra o regime militar, que se intensificou e suas ações
de luta se ampliaram.
Juntamente com os estudantes, o movimento operário também
sinalizou para um processo de rearticulação política. Em 1978, os
operários da fábrica Scania, em São Bernardo do Campo, no estado de
São Paulo, entraram em greve a partir de 12 de maio. O movimento
repercutiu em todo o país, reacendendo a luz do movimento operário,
fato que não era visto desde as manifestações de 1968.
Tendo em vista que “a consolidação do regime militar no início da
década se fazia sobre a pulverização e o silêncio dos movimentos sociais”
105
, o retorno desses movimentos organizados contribuiu para a fase de
descompressão do regime e sua rearticulação foi um fator decisivo no
percurso da Abertura, no entanto, apontando um movimento
essencialmente caracterizado pelo surgimento de “novos atores sociais
no cenário político”
106
.
A emergência do novo sindicalismo revelou o aparecimento de
novas lideranças políticas e também o engajamento de outros setores da
sociedade na luta contra a ditadura e em prol a abertura política. Nesse
instante, “movidos pela solidariedade à greve formaram-se comitês de
apoio embricas e bairros da Grande São Paulo. Pastorais da igreja,
parlamentares da oposição, Ordem dos Advogados, sindicatos, artistas,
estudantes, jornalistas e professores assumiram a greve do ABC como
expressão da luta democrática em curso”
107
. Era um passo importante
de mobilização nacional, que se refletiu em ações posteriores do governo
no que diz respeito aos rumos da democracia, tendo em vista que “o fim
105
SADER, Éder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e
lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970–80). Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988. p. 32.
106
Idem, ibid. p. 26.
107
Idem , Ibid. p. 27.
dos anos 70 assistia à emergência de uma nova configuração de
classes”.
108
A Igreja teve atuação destacada nesse período, denunciando a
violência e assassinatos contra presos políticos e defendendo os direitos
humanos, em campanha organizada pela Comissão de Justiça e Paz e
pela OAB. Era representada pela Conferência Nacional de Bispos do
Brasil (CNBB), que, em 1964, havia atendido a uma das necessidades
básicas dos organizadores do golpe militar, mobilizando a classedia
contra o governo por meio da Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”
109
, e, até o ano de 1968, manteve uma posição política
relativamente passiva, absorvendo as reivindicações e lutas sociais em
torno do fim do regime, opondo-se à situação de repressão permanente
no país.
Nesse segmento, destaca-se a atuação das Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs), que propagaram durante toda a década de 1970,
atraindo para a Igreja pessoas mobilizadas para ação, fato que
preocupou os militares mais conservadores: “A CEB preenchia uma
necessidade associativa dos trabalhadores e suas famílias, muitos deles
deslocados de suas regiões de origem. Centenas de comunidades
surgiram nos bairros periféricos das grandes cidades”.
110
A Igreja intensificou sua oposição à ditadura à medida que
pessoas dentro e fora da instituição se tornaram vítimas da violenta
repressão política, prevalecendo, portanto, um foco de tensão entre
Igreja e Estado. “O Estado adota poticas contrárias aos interesses da
população; a Igreja descobriu na aproximação com esses interesses a
fórmula da sobrevivência em uma sociedade em violenta
transformação.”.
111
Esse conflito ideológico deflagrado entre as duas instituições
tornou-se latente quando a Igreja passa a adotar em seu discurso
questões políticas e de interesses sociais: “No plano dos movimentos
108
Idem, ibid. p. 36
109
KUCINSKI, 2001. p. 75.
110
KUCINSKI, 2001. p. 76.
111
KUCINSKI, 2001. p. 76.
sociais, a intervenção da Igreja Católica tornou-se decisiva no processo
de avanço político e organizativo vivido no período, particularmente no
movimento popular e das comunidades eclesiais de base e no movimento
de luta pela terra..
112
A presença da Igreja no campo das lutas populares promoveu
descontentamentos no meio militar: “A emergência do protesto popular
nessa etapa foi resultado desse processo e das próprias contradições do
processo distensionista sob cesarismo militar, o que levou às classes
subalternas a transporem os limites econômicos-corporativos de sua ação
e assumirem uma perspectiva ético-política claramente definida..
113
Na seqüência das articulações e posicionamentos políticos
deflagrados pelos movimentos populares no final de década de 1970,
surgiu, a partir das CEBs, o Movimento Custo de Vida
114
como
resultado também da insatisfação das camadas populares com a
política do regime militar, insatisfação essa que se estendeu a outros
setores da sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi outra
instituição que, na segunda metade dessa década, decidiu contestar a
legitimidade da ditadura militar e, dentre suas reivindicações,
constavam o restabelecimento do habeas-corpus e a revogação do AI-5,
atos e decretos que fortaleceram o “estado de exceção”.
A OAB conduziu seus esforços em defesa dos presos políticos
torturados em dependências policias, denunciando as brutalidades que
ocorriam nesses locais. Assim como a Igreja, suas ações exerciam
grande reflexo no país por ser uma instituição de grande
representatividade junto à sociedade e estabelecer seu próprio canal de
112
MACIEL, 2004. p. 178.
113
MACIEL, 2004. p. 178.
114
“A partir das Comunidades Eclesiais de Base nasceu, em 1973, o primeiro
movimento reivindicatório com apelo das massas e de caráter nacional, que ocupou
imediatamente um espaço importante no cenário político: o Movimento Custo de Vida.
Formado por famílias pobres da periferia das grandes capitais, mobilizava milhares de
pessoas em comícios e campanhas de arrecadação de assinaturas e protestos. Dentre
as reivindicações básicas do Movimento: um abono de emergência de 30% para todos os
trabalhadores, congelamento dos preços de gêneros de primeira necessidade e aumento
do salário de acordo com a dignidade humana do trabalhador e sua família (...)”.
KUCINSKI, 2001. p. 78.
comunicação, tendo em vista que a imprensa ainda estava sob a égide
da censura.
115
Vale ressaltar o que diz Eder Sader sobre a atuação de novos
agentes políticos no final da década de 1970: “Era o ‘novo sindicalismo’,
que se pretendeu independente do Estado e dos partidos; eram os ‘novos
movimentos de bairro’, que se constituíram num processo de auto-
organização, reivindicando direitos e não trocando favores com os do
passado; era o surgimento de uma ‘nova sociabilidade’ em associações
comunitárias onde a solidariedade e a auto-ajuda se contrapunham aos
valores da sociedade inclusiva; eram os ‘novos movimentos sociais’, que
politizavam espaços antes silenciados na esfera privada (...).”.
116
No ano de 1978, tanto o governo quanto a sociedade atuaram no
novo quadro político-social do país. Nesse período, o governo considerou
que tinha condições de revogar todos os atos institucionais e
complementares que contribuíram para o acirramento da ditadura,
entre eles o AI-5. Portanto, esse ato institucional foi revogado em
dezembro de 1978 por meio da emenda constitucional n° 11, aprovada
pelo Congresso Nacional em 13 de outubro desse mesmo ano. A partir
da abolição do AI-5, o presidente ficou impedido de declarar recesso ao
Congresso Nacional, cassar parlamentares ou privar cidadãos de seus
direitos políticos. O habeas-corpus foi restabelecido para pessoas
detidas por motivações políticas, as penas de morte e prisão perpétuas
foram extintas e a censura prévia para rádio e televisão foi parcialmente
suspensa. De certo modo, o fim do AI-5 sinalizou para o surgimento de
novas “brechas” no processo de abertura política. Como estratégia
política do governo, foi necessário “abdicar” de alguns poderes, para
poder ainda se assegurar do controle das questões políticas e do
andamento da transição democrática.
115
“O Brasil possuía uma antiga e ilustre tradição jornalística, embora na seqüência do
AI-5 os censores tivessem praticamente anulado a vinculação de informação. Os
principais jornais eram o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, o Estado de S.Paulo e o
Jornal da Tarde.” No entanto, “a rigorosa censura à imprensa estimulou a criação de
um novo gênero de publicações, o semanário político. Os mais conhecidos eram: Opinião
e Movimento, o primeiro pertencendo à centro-esquerda e o segundo, à esquerda
radical.”. SKIDMORE, 1988. p. 368.
116
SADER, 1988. p. 36.
Nesse contexto, intensificou-se no país o movimento pró-anistia,
movimento que foi agindo de forma paulatina e se alastrando por meio
da interferência dos movimentos democráticos e populares.
Concomitantemente, os adeptos da anistia criaram, em todo o país, os
comitês brasileiros pela anistia (CBAs), unificando a luta entre as
diferentes correntes oposicionistas. Além das CBAs, a luta pela Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita foi articulada pelo Movimento Feminino pela
Anistia (MFPA), contando com o apoio de várias correntes da esquerda,
a Igreja e entidades de profissionais, como a Associação Brasileira de
Imprensa e a OAB. Segundo Kucinski: “A campanha pela anistia
respondia a uma necessidade objetiva de diversas correntes políticas de
oposição, todas elas desfalcadas de quadros de militantes presos ou
exilados.”
117
O movimento pela anistia no país representou a união de
interesses de cidadãos brasileiros, que embora tivessem adotado
estratégias variáveis, vislumbravam a anistia e a redemocratização do
país. Os atos políticos pela Anistia aconteciam nas escolas, nas ruas, na
imprensa alternativa, mesmo com a censura, e também nos espaços da
periferia. Para Maciel: “(...) apesar da unidade em torno dessa proposta,
as posições do movimento pela anistia variavam quanto ao grau de
pressão a ser exercido sobre o governo (...).”
118
O movimento pró-anistia que atingiu as classes populares –
principalmente após os trabalhos das comunidades eclesiais de base –
também irá atingir a classe alta. Militantes esquerdistas pertencentes
às elites foram vítimas da repressão política, justificando, portanto, a
adesão de sua classe às pressões em torno da Anistia, cobrando do
governo militar uma solução para os casos de presos políticos e de
desaparecidos. Ainda segundo Kucinski: “(...) os quadros das esquerdas
e as guerrilhas incluíam muitos filhos diletos da burguesia, a cobrança
pelos crimes da repressão começa a ser feita no interior das próprias
classes dominantes (...) os crimes da repressão passam a ser
117
KUCINSKI, 2001. p. 82.
118
MACIEL, 2004. p. 203.
abominados de alto a baixo na sociedade e sua denúncia ou repúdio
ganha status de valor dominante (...).”
119
As pressões exercidas pelos diferentes setores da sociedade
resultaram na elaboração de uma carta apresentada no I Congresso
Nacional pela Anistia, realizado em São Paulo, em novembro de 1978,
da qual se pode destacar:
“A Anistia pela qual lutamos deve ser Ampla – para todas as
manifestações de oposição ao regime; Geral – para todas as vítimas da
repressão; e Irrestrita – sem discriminações e restrições. Não aceitamos a
anistia parcial e repudiamos a anistia recíproca. Exigimos o fim das
torturas e do aparelho repressivo e a responsabilização judicial dos
agentes da repressão e do regime que eles servem (...).”
120
Apesar das manifestações e de articulações feitas em torno da
Anistia, setores expressivos do governo militar não mantiveram
disposição para promover a anistia ampla, geral e irrestrita, conforme
reivindicações da sociedade. Durante todo o período de exceção, vários
projetos foram apresentados e, depois, esquecidos. No entanto, o projeto
de anistia proposto pelo regime militar, em nenhum momento atendeu
aos anseios da sociedade civil. Nesse sentido, o governo propôs a anistia
parcial e restrita a todos os que cometeram crimes políticos e a todos
tiveram punição pelos AIs, pelos Atos Complementares e pela Lei de
Segurança Nacional. Porém, “ficaram excluídos da anistia todos os que
cometeram “crimes de sangue” (condenados pela LSN por terrorismo,
assalto, seqüestro ou atentado pessoal); os militares afastados não
seriam reintegrados; só os civis seriam readmitidos nos cargos e funções
que ocupavam, mediante aprecião de cada caso pela autoridade e
órgãos competentes”.
121
Em contrapartida ao projeto de Anistia apresentado pelo governo,
os CBAs articulavam continuamente questões de suma importância
para futuros desdobramentos em torno da Anistia e da
119
KUCINSKI, 2001. p. 84.
120
GRECO, 2005. p. 85-111.
121
MACIEL, 2004. p. 204.
redemocratização do país. Dentre os principais pontos de discussão,
segundo o Programa Mínimo de Ação do CBA, foram apresentados:
“Fim radical e absoluto das torturas – denunciar as torturas e contra elas
protestar, por todos os meios possíveis. Denunciar à execração pública os
torturadores e lutar pela sua responsabilização criminal. Investigar e
denunciar publicamente a existência de organismos, repartições,
aparelhos e instrumentos de tortura e lutar pela sua erradicação total e
absoluta. Libertação dos Presos Políticos e volta dos cassados,
aposentados, banidos, exilados e perseguidos políticos – Levantar a
identidade, a localização e a situação de todos os presos, cassados,
banidos, aposentados, exilados e perseguidos políticos. Lutar pela sua
libertação, pela sua volta ao país e pela retomada de sua existência civil,
profissional e política. Elucidação da situação dos desaparecidos – Apoiar
a luta dos familiares de demais setores interessados na elucidação do
paradeiro dos cidadãos que se encontram desaparecidos por motivação
política. Reconquista do Habeas-Corpus – Lutar pela reintrodução do
habeas-corpus para todos os presos políticos; denunciar todas as
tentativas de anulação ou obstrução desse direito e contra elas protestar
por todos os meios. Fim do tratamento arbitrário e desumano contra os
presos políticos – Investigar as condições a que estão submetidos todos os
presos políticos. Denunciar as arbitrariedades que contra eles se cometem
e manifestar, por todos os meios, os seu protesto e o seu repúdio. Exigir a
liberalizão da legislação carcerária. Lutar contra a incomunicabilidade
dos presos políticos. Revogar a Lei de Segurança Nacional e fim da
repressão e das normas punitivas contra a atividade política – Lutar, por
meios jurídicos e políticos, contra todas as normas coercivas e punitivas,
excepcionais ou não, que impeçam o livre exercício do direito da palavra,
reunião, associação, manifestação e atuação política partidária. Denunciar
contra elas e manifestar seu protesto e seu repúdio a todas as formas de
repressão, legais ou não, que visem a intimidar, ameaçar, coibir ou punir
os que pretendem exercer aqueles direitos. Lutar pela revogação da Lei de
Segurança Nacional. Apoio às Lutas pelas liberdades democráticas –
Apoiar os pronunciamentos, as manifestações, as campanhas e as lutas
de outros setores sociais, organismos e entidades, que colimem os mesmos
fins expostos nesta Carta de Princípios e neste Programa Mínimo de Ação.
Apoiar as lutas dos familiares dos presos, cassados, aposentados,
banidos, exilados e perseguidos políticos pela sua imediata libertação ou
volta, pela recuperação de memória de suas existências, pelo repúdio às
torturas e ao tratamento carcerário arbitrário e desumano de que foram,
são ou venham a ser vítimas. Apoiar as lutas dos sindicatos operários, dos
sindicatos e das associações profissionais de assalariados e de
trabalhadores em geral contra a exploração econômica e a dominação
política a que estão submetidos, pela liberdade e pela autonomia sindicais,
pelo direito à livre organização nos locais de trabalho, pelo direito de
reunião, associação, manifestação e greve. Apoiar as lutas contra todas as
formas de censura e cerceamento à imprensa, ao teatro, ao cinema, à
música, às expressões artísticas, à produção e à divulgação da Cultura e
da Ciência, em defesa da ampla liberdade de informar-se e de ser
informado, de manifestar o pensamento, as opiniões e as reivindicações,
de adquirir e utilizar o conhecimento. Apoiar as lutas dos estudantes por
melhores condições de ensino, pelo direito de se manifestarem e pela
liberdade de criarem e conduzirem as suas entidades representativas.
Apoiar as lutas de todo o povo por melhores condições de vida e de
trabalho, por melhores salários, contra o aumento do custo de vida, por
melhores condições de alimentação, habitação, transporte, educação e
saúde. Apoiar atuação dos partidos e dos parlamentares que endossem
essas mesmas lutas. E denunciar e repudiar todas as tentativas de
impedir, distorcer, obstruir, descaracterizar e sufocar as lutas do CBA/SP
e dos demais setores, organismos e entidades que se identifiquem com os
princípios e objetivos aqui proclamados (...).”
122
Essas questões, idealizadas e articuladas em meados da década
de 1970, ganharam impulso nos anos de 1978 e 1979. O debate a
respeito da natureza e alcance da anistia representou, no final da
década, todas as tensões e divergências decorrentes do processo de
abertura política.
No jogo político, houve a intenção pacificadora por parte do
governo em torno da concessão da anistia: as medidas arbitrárias
adotadas pelo regime e a aprovação da Lei da Anistia pelo Congresso
Nacional vieram a reforçar a idéia de que o Estado deveria ser
preservado da responsabilidade dos crimes cometidos durante todo o
período da ditadura.
122
COMISSÃO Extraordinária e Permanente de Direitos Humanos e Cidadania.
Anistia: 20 anos de luta! São Paulo: Câmara Municipal de São Paulo, 1999.
Segundo a historiadora Heloisa Greco, há dois conceitos opostos e
excludentes nesse sentido: o primeiro refere-se ao projeto do movimento
pela anistia – “anistia como resgate da memória e direito à verdade:
reparação histórica, luta contra o esquecimento e recuperação das
lembranças”; e o segundo refere-se ao próprio projeto da Anistia do
governo, “anistia como esquecimento e pacificação: conciliação nacional,
compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”.
123
Portanto, para a historiadora, a Lei 6 683, de 28 de agosto de 1979
124
a Lei da Anistia Parcial – é a representação positivada da anistia, da
estratégia do esquecimento. Nesse sentido, ressaltamos a questão dos
desaparecidos políticos: não pode haver conciliação com a sociedade
sem que sejam apurados os crimes de mortes de opositores ao regime
em virtude de ações repressivas do Estado.
Essa foi uma séria questão levantada durante o processo de
negociação em torno da anistia, que perpetuou mesmo após a
promulgação da lei, pelo fato de não ter resolvido questões latentes
como a punição aos crimes cometidos contra ativistas políticos
desaparecidos. A Lei 6 683/79 possibilitou o entendimento de que a
Anistia representava um perdão de “mão dupla”: assim como eram
anistiados os que tinham sido punidos por crimes políticos, também
estavam perdoados os representantes do Estado que haviam cometido
qualquer espécie de violência política. Essa“reciprocidade constitui balão
de ensaio que acabou se tornando senso comum: a anistia – parcial e
condicional para os opositores do regime – foi total para os torturadores e
agentes da repressão antes mesmo de qualquer julgamento, apesar de
evidente aberração histórica e jurídica aí contida; a cultura da
123
GRECO, 2005. p. 85-111.
124
Lei 6 683 de 28 de agosto de 1979 que concede Anistia e outras providências,
promulgada na gestão do presidente João Batista Figueiredo (1979-1984), último
presidente militar. Foram beneficiados com a medida todos os presos e exilados por
crimes políticos de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e foram excluídos
dos benefícios da lei os culpados por atos de “terrorismo” e de resistência armada ao
governo. Essa Lei também restabeleceu os direitos políticos daqueles que os haviam
perdido nos termos dos atos de institucionalidade. Ver: SKIDMORE, 1988. p. 423.
impunidade e a consolidação da tortura como instituição são seus
subprodutos mais importantes”.
125
A Lei da Anistia possibilitou certo avanço democrático no período,
uma vez que o governo avança significativamente para a abertura
política, mantendo, porém, o caráter centralizador da transição, ou seja,
os militares permaneceram no controle contínuo do processo. A própria
concessão da anistia foi acordada entre a cúpula militar e as bases de
apoio no Congresso. No que se refere à manipulação do governo na
transição política, o historiador David Maciel salienta: “sua estratégia
de transição à democracia continuava informada por uma perspectiva
autocrática, além das limitações impostas à ação política de inúmeros
ativistas vinculados à oposição antiautocrática”.
126
A Lei da Anistia,
portanto, ainda na análise do historiador, “(...) garante a preservação do
aparelho repressivo e de informações e a sobrevivência política dos
setores duros do governo e das Forças Armadas (...)”.
127
Por conta dessa reflexão, vale ressaltar que a Anistia e os
acontecimentos que sucederam esse momento reafirmaram o caráter
inacabado de um processo que pretendia reparar danos causados
durante todo um período de exceção. A Anistia, na recente história do
país, não representou tão somente a permissão para que exilados
retornassem e cidadãos restabelecessem seus direitos civis e políticos
cassados, mas refletiu essencialmente a necessidade da sociedade no
reencontro com os fatos do passado. Na interpretação de Janaína Teles
sobre esse processo, “a lei instituiu um ‘atestado de morte presumida’
para os familiares dos desaparecidos políticos introduzindo outra lacuna
na narrativa da nação reconciliada, ‘presumindo’ mortes sem qualquer
explicação ou investigação”.
128
Em contrapartida, os setores mais moderados da oposição
acreditavam não haver abertura política colocando os militares no
banco dos réus, e a Anistia, portanto, foi concedida a partir do
125
GRECO, 2005. p. 91
126
MACIEL, 2004. p. 205.
127
MACIEL, 2004. p. 205
128
TELES, 2005. p. 22
esquecimento dos fatos que comprometeram a imagem da Corporação
Militar.
Na concepção dos grupos mais conservadores, “o passado
ressurge como um fantasma que por si só, mesmo que não existissem
outros fatores, impede, bloqueia o processo de mudança”.
129
No entanto,
associa-se o fato de que a Anistia realizada pelos militares deixou um
vácuo na história por não permitir o acesso à verdade. Na análise desse
período feita por Heloisa Greco, “A produção de esquecimento e a
conseqüente manifestação da memória coletiva são levadas às máximas
conseqüências nos 21 longos anos de ditadura militar e têm sido
devidamente sedimentadas nestes longos 20 anos de transição
controlada. (...) Sua efetivação é a estratégia do esquecimento, dispositivo
de denominação adotado pela ditadura (...)”.
130
129
KUCINSKI, 2001. p. 88
130
GRECO, 2005. p. 91
CAPÍTULO II HISTÓRICO DAS REIVINDICAÇÕES E LUTAS DA
COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLÍTICOS
2.1 CONQUISTAS E CONTRADIÇÕES RUMO AO PROCESSO DE REPARAÇÃO ÀS
VÍTIMAS DA DITADURA MILITAR
“Fomos atrás de coisas que foram muito difíceis, tanto para mim, quanto
para minha irmã”. Comprovar que foram mortos estava sob guarda do
Estado (...) Eu passei por um processo de depressão muito forte. É meio
covardia do Estado falar (...) esses são desaparecidos e os outros têm que
provar (...) Eu tive muita raiva. Eu achava que eu estava mexendo em
coisas que não teria que mexer. Foram seis meses de pesadelo. Eu acho
que poderia ter sido menos dolorido. Não teve amparo (...) Se a intenção
era indenizar de fato, era reconhecer o erro, porque fazer isso, porque
machucar ainda mais? (...) Quem teve que correr atrás, quem teve que lê
todo o arquivo do DOPS fui eu.Quem teve que digitar tudo e ver as fotos do
meu pai todo (...) fui eu. Quer dizer, nós é que temos que provar para o
Estado? Mas, não foi o Estado que matou?”
131
Esse depoimento serve de base para a compreensão da história
recente do país, em que familiares de mortos e desaparecidos políticos
durante a ditadura militar recorreram a um árduo trabalho de
pesquisa, a fim de comprovar as responsabilidades do Estado em
atrocidades cometidas no Brasil durante este período.
131
Depoimento de Yara Lobo, obtido em Brasília, em 30/06/2000, no Anexo II do
Ministério da Justiça. Yara é filha de Maria Regina Lobo Leite Figueiredo e Raimundo
Gonçalves de Figueiredo, mortos durante a ditadura militar. Maria Regina foi
capturada no episódio conhecido como “Chacina do Quintino”, com outros três
guerrilheiros: Antônio Marcos Pinto de Oliveira, Lígia Maria Salgado Nóbrega e Wilton
Ferreira. A respeito disso, em 06/04/1972, foi publicada a notícia com o seguinte
título: “Terroristas morrem em tiroteio: Quintino”. Comprovou-se depois, porém, que a
guerrilheira havia sido executada nas dependências dos órgãos de repressão dias
depois de ser capturada. Raimundo Figueiredo era dirigente da VAR-Palmares. Após
cerco policial, foi ferido e preso em 27/04/1971, no Município de Jaboatão dos
Guararapes (PE). Segundo versão oficial, Raimundo havia morrido em tiroteio, no
momento em que reagia à prisão, juntamente com Áurea Bezerra. No entanto,
comprovou-se que também foi executado em dependências policias após sua prisão.
Para uma maior compreensão, ver: MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. 1999. p. 443-444;
448-451.
Décadas após o golpe de 1964 e das arbitrárias ações decorrentes
desse regime, o governo brasileiro possibilitou um reencontro parcial
132
com os fatos que envolveram as mortes e os desaparecimentos de
opositores durante os 21 anos de ditadura no país, promulgando a Lei 9
140/95, que visa à reparação financeira às famílias das vítimas e
também moral a todos aqueles que foram atingidos pela violência do
Estado na época.
Cabe-nos apontar que a promulgação desta lei, conhecida com
“Lei dos Desaparecidos”, está diretamente associada a uma importante
luta das famílias durante um longo período, sobretudo, na década de
1970, após a concessão da Anistia aos exilados políticos. Segundo
Kucinski: “Lentamente, as buscas isoladas de familiares, amigos e
companheiros dos desaparecidos foram convergindo e assumindo a
forma de luta coletiva”.
133
Essa luta tomou formas e proporções cada vez
mais acentuadas, à medida que o Estado impossibilitou o acesso às
informações.
Com o instrumento do AI-5 e o conseqüente acirramento da
repressão política, o Estado favoreceu a ação dos órgãos de repressão
policiais em crimes de torturas e outras práticas hediondas, entre elas,
o desaparecimento de militantes políticos. Somente na região do
Araguaia – como já mencionado no capítulo anterior –, entre 1972 e
1975, desapareceram cerca de 70 participantes da guerrilha. Nesse
mesmo período, a repressão fez desaparecer, também nos centros
urbanos, vários militantes presos. O Estado divulgou várias versões
para esses crimes, grande parte delas, citando a morte de militantes
como resultado de confronto com agentes policiais e, dessa maneira,
intensificou ações de desaparecimentos em todo o país, com o objetivo
de isentar sua responsabilidade por esses crimes.
132
Grifo nosso: a Lei 9 140/95 é parcial porque não oferece solução para o caso dos
desaparecidos. Na continuidade deste trabalho, mais detalhes sobre esse assunto
serão apresentados.
133
KUCINSKI, 2001. p. 31
A representante da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Ana Amélia de Almeida Teles relatou, em entrevista, a
angústia vivida pelos familiares durante esse período:
“(...) Nós vivemos dramas terríveis, porque não tinha nem a certeza da
morte. Porque naquela vontade de ver a pessoa viva, ou não querer
acreditar que a pessoa morreu ou está sob tortura, você sempre imagina a
pessoa viva. (...). Às vezes, saía a foto no jornal (...) ‘Terrorista morto em
tiroteio’. E aí colocavam a foto, e você via a foto do seu amigo no jornal e
ficava sentida, mas, você estava vendo ali.”
134
A organização dos familiares dos desaparecidos políticos ocorreu
de forma mais concreta em meados da década de 70, principalmente no
ano de 1974, quando houve um registro maior de pessoas
desaparecidas no país decorrente de atividades políticas
135
. Esse
momento coincide com os primeiros pronunciamentos do presidente
Geisel quanto ao projeto de Abertura política. Kucinski afirma que “Os
militares que comandavam os aparelhos de repressão política temiam
que em longo prazo a distensão levasse à revelação de suas práticas
ilegais (...)”
136
. Dessa forma, a ditadura buscou solucionar a questão das
oposições clandestinas no país, em um processo que contribuiu para
retardar o plano de abertura, tendo em vista que esta não poderia
ocorrer sem uma resposta para a causa dos desaparecidos.
Os principais jornais no final de década de 70 denunciavam essa
questão:
“Uma das maiores tragédias ainda vivas nesta fase histórica da vida
brasileira é o desaparecimento de pessoas que faziam oposição aos
governos militares. Em vários casos essas pessoas foram presas e depois
disso nunca mais foram vistas, limitando-se os órgãos de segurança a
134
Trecho da entrevista concedida por Ana Amélia de Almeida Teles, representante da
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, no Gabinete do então vereador
Ítalo Cardoso, do PT, na Assembléia Legislativa de São Paulo, em 13/06/2000.
135
Segundo o Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964, de 1974, foi
registrado o maior número de pessoas desaparecidas no país e nesse ano o Estado
legitima essa prática.
136
KUCINSKI, 2001. p. 29.
distribuir uma nota à imprensa, dando breves explicações para o
desaparecimento. As explicações dadas foram sempre tão superficiais e
apesar disso. tão absurdas, que ninguém acreditou nelas, mas o rigor da
censura e a violência da repressão impediram até agora o debate público
do problema e a apuração dos fatos. (...) Seres humanos desapareceram e
existem fortes indícios de que foram agentes da repressão política que
promoveram seu desaparecimento. (...) Os desaparecimentos de pessoas
por motivos políticos, que já não podem ser negados, constituem uma das
páginas mais negra da história brasileira e enquanto não se demonstrar
que tudo foi feito para esclarecê-los não haverá como impedir que
inúmeras pessoas e instituições fiquem sob suspeita. Não se pode negar
que a suspeita generalizada é injusta, mas, do mesmo modo, não se pode
negar que o silêncio, a omissão, o acobertamento, dificultando ou
impedindo a apuração das circunstâncias em que aquelas pessoas
desapareceram, justificam que sejam considerados cúmplices os
protetores e omissos.”
137
Em nenhum momento durante a ditadura militar e mesmo após
seu término, autoridades militares reconheceram oficialmente a
responsabilidade pelos desaparecimentos, praticando a omissão ou a
deturpação de informações sobre os presos políticos.
Em um período em que a articulação política era muito restrita, a
liderança do movimento de familiares encontrou respaldo nas
Comissões de Justiça e Paz, formadas pela Igreja católica, que durante
muito tempo, divulgou listas com os nomes dos desaparecidos,
auxiliando os familiares. Segundo Gaspari: “No final de 1973, D. Paulo
Evaristo Arns começou a colecionar nomes e vestígios que
documentassem uma lista de ‘desaparecidos’. (...) Englobava todos os
cidadãos capturados cujos cadáveres sumiam sem deixar vestígios”
138
No ano de 1974, o arcebispo de São Paulo destacou-se pelas
denúncias acerca dos desaparecidos e, como membro-representante da
Igreja católica, estabeleceu diálogo direto com Ernesto Geisel e Golbery
do Couto e Silva em busca de soluções mais concretas para o problema.
137
DALLARI, Dalmo A. Vivos ou Mortos?. São Paulo, Arquivo do Grupo Tortura Nunca
Mais, Folha de S.Paulo, 11 ago. 1979.
138
GASPARI, E. A ditadura derrotada: o sacerdote e o feiticeiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 2003. p. 388.
Geisel “enquadrava a questão da Igreja no seu universo de hierarquias e
preferências”.
139
Golbery, por sua vez, estreitava ao máximo as relações
do governo com os seus representantes em todo o país, principalmente
com Dom Evaristo Arns, contatos esses que possibilitaram de certa
forma “manter sob controle do governo as denúncias encaminhadas pela
Igreja”.
140
O presidente Geisel, ao assumir o poder herdando de seu
antecessor Médici a crise dos desaparecidos, tinha conhecimento da
política de extermínio praticada pelos órgãos de segurança e, embora
tivesse mencionado atenção com relação aos direitos humanos no
discurso de posse, de certo modo compactuou com as irregularidades
praticadas pelos órgãos de segurança. Em conversa com o General Dale
Coutinho, um mês antes da posse, referiu-se acerca da subversão no
país da seguinte forma:
“Agora vamos ver (...) o problema da subversão nossa. Bom, eu acho que a
subversão continua. Esse negócio não se acabou. Isto é um vírus danado
que não há antibiótico que liquide com facilidade. Está amainado. Está
resolvido. Você vê, de vez em quando há uma desarticulação, morre gente,
ou gente é presa, ele continua a se movimentar. (...) E fazem uma
propaganda externa tremenda contra o Brasil (...) Porque antigamente você
prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora. (...) esse troço de matar é uma
barbaridade, mas eu acho que tem que ser (...).”
141
A ditadura, assim, agia com cuidado: para os casos de mortes de
opositores políticos praticadas em dependências policiais, por exemplo,
criava versões oficiais
142
e procurava divulgá-las por meio de órgãos de
139
Idem. p. 375.
140
Idem. p. 379.
141
GASPARI, 2003. p. 324.
142
A ditadura criou versões para as mortes de opositores em todo o país. Caso a caso,
as farsas foram, aos poucos, desnudadas. As versões divulgadas pela imprensa na
época, baseadas em notas oficiais dos próprios órgãos de repressão, foram sendo
desmentidas por médicos-legistas e peritos respeitados que analisaram laudos de
necropsia, fotos cadavéricas e perícias de local, entre outros documentos. Assim,
constatou-se: em vez de “suicídios” e “mortes por atropelamento”, tratavam-se de
assassinatos sob tortura; em vez de “fugas de prisão”, desaparecimentos forçados; em
vez de “tiroteios” – quase todos simulados –, execuções à queima-roupa. Em vários
casos, a ampliação de fotos cadavéricas permitiu a observação de marcas de algemas e
segurança e da imprensa. Com a adoção dessa prática, eliminou em um
período inferior a dez anos, mais de trezentos cidadãos em todo o país.
Em 21 de agosto de 1970, o militante político Eduardo Collen
Leite, conhecido como Bacuri, foi preso no Rio de Janeiro pela equipe do
delegado Sérgio Fleury e encaminhado para o centro clandestino de
torturas em São Conrado, onde foi visto por Ottoni Fernandes, preso no
mesmo dia, e submetido a torturas. Segundo informações apuradas
pela Comissão de Familiares, anos mais tarde, e registradas no Dossiê
de mortos e desaparecidos a partir de 64, Eduardo Leite foi
barbaramente torturado em vários locais do Rio de Janeiro e em São
Paulo (Cenimar/RJ, DOI-CODI/RJ, QG do I Exército/RJ, 41. DP-SP,
DOI-CODI/SP e Deops/SP) e posteriormente executado por agentes de
segurança, 109 dias depois de sua prisão.
“Vinte e quatro de outubro de 1970, solitária do fundão no Deops/SP: o
tenente Chiari da PM informa a Eduardo Collen Leite, o Bacuri, que o
jornal daquele sábado estava noticiando a sua fuga, ocorrida no dia
anterior (...) O tenente fez questão de mostrar o jornal com a notícia ao
próprio Bacuri. No dia seguinte, Vinícius Caldeira Brant avisou ao
delegado Josecyr Cuoco, do mesmo Deops/SP, que nada menos que 50
presos políticos eram testemunhas da presença do ‘fugitivo’ Bacuri na cela
F-1 do ‘fundão’, uma das solitárias da delegacia. Havia um clima de
apreensão e de forte indignação dos presos políticos diante do que parecia
ser a decretação de morte de Bacuri. (...) No ‘fundão’, Bacuri na F-1 disse
a Vinícius na F-4: ‘A única esperança que me resta é que a decretação da
minha morte chegue a novo arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo
Arns. Ele lutou de fato pelos direitos humanos.’.”
143
Bacuri havia se destacado destacou-se como um dos principais
membros da guerrilha urbana. Desde sua prisão, esteve durante sob a
custódia de agentes policias e militares, que buscaram manipular as
informações apontando para sua fuga. No entanto, outros presos
de torturas. Novas provas demonstraram que casos reconhecidos pelo Dossiê de
mortos e desaparecidos a partir de 64 como de morte em tiroteio não ocorreram desse
modo: após confronto, foram presos, levados para dependências policiais e torturados
até a morte. Ver: MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. 1999. p. 17-18.
143
Relato do caso Eduardo Collen Leite. Para uma análise mais detalhada, ver:
MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. 1999. p. 56-58.
políticos
144
foram testemunhas de que Eduardo Collen Leite teve
passagem pelo Deops/SP e fora transferido da cela F-1 para a cela X-1
(xadrez localizado em frente à sala dos carcereiros), visivelmente abatido
devido às sessões de tortura. Da X-1, nunca mais foi visto por esses
presos políticos, e os agentes policiais passaram a negar a prisão de
Bacuri e a afirmar desconhecer o seu paradeiro.
A imprensa destacou, em 1971, a fuga e a morte de alguns
opositores do regime militar, entre eles, Joaquim Câmara Ferreira,
Yoshitane Fugimori e Carlos Marighella. Sobre Eduardo Collen Leite,
noticiou:
“Eduardo Leite, o Bacuri, era acusado de assaltos a bancos, assassinatos e
seqüestros. Participou da VPR até julho de 69, quando fundou a Rede
(obrigado a unir-se a outros grupos para sobreviver). Foi descoberto em São
Sebastião, tentou fugir numa kombi, trocou tiros com a polícia e morreu em
oito de dezembro de 1970 (...).”
145
Nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS),
não há muitos registros sobre Collen Leite. No prontuário de número 3
477, consta a participação do militante da VPR no caso que resultou na
morte de soldado Abelardo Rosa da Silva, no bairro paulista de Santo
Amaro, durante uma ação no mercado Peg-Pag. No documento consta
também que o dirigente da VPR “providenciava documentos falsos aos
integrantes da organização (...) Autor intelectual e atuante no seqüestro
do Cônsul do Japão, tendo escondido o seqüestrado em sua casa (...).”.
146
144
São eles: Vinícius Caldeira Brant e Viriato Xavier, que não constam na lista de
mortos e desaparecidos.
145
Pesquisa realizada nos arquivos do Grupo Tortura Nunca Mais/SP, publicada no
Jornal da Tarde, em 10/09/1971. Os militantes políticos citados na matéria são:
Carlos Marighella (líder da ALN, morto em 04/11/1969), Joaquim Câmara Ferreira, o
Velho (substituto de Marighella na ALN, morto em 23/04/1970) e Yoshitane Fugimore
(um dos líderes da VPR, morto em 05/12/1970). Ver Dossiê de mortos e desaparecidos
políticos a partir de 64. Recife: Companhia Editora de Pernambuco (CEPE), 1995-1996.
Ver também MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. 1999. p. 39-47, 54-56 e 257-260.
146
DOCUMENTAÇÃO do antigo DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Prontuário n°
3 477, v. 15, p. 164-165, no qual constam informações sobre o militante político
Devanir José de Carvalho.
Segundo apuração da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos, comprovou-se o total envolvimento do Estado
em sua morte. Seu corpo foi encontrado em São Sebastião, litoral norte
de São Paulo, em 08 de dezembro de 1970, mesma data que os jornais
registraram sua morte como resultado de confronto com a polícia.
O Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 64
resultou de um trabalho de pesquisa que durou alguns anos, elaborado
por meio de ação coletiva dos familiares das vítimas da ditadura e
calcado em detalhes nas informações prestadas. Por meio dessa
pesquisa, pode-se comprovar com documentos como a repressão agiu e
praticou os homicídios.
Segundo informações de Ana Amélia de Almeida Teles, este
trabalho serviu para derrubar as versões oficiais até então difundidas
pelos órgãos oficiais. Segunda ela, as informações foram produzidas de
várias formas e com o auxílio de muitas pessoas: “(...) é um trabalho de
pesquisa que nós fazemos que envolva não só nós, como ex-presos
políticos, exilados levantaram informações no exílio, o pessoal do
Araguaia, já fomos várias vezes buscar informações (...) enfim, um
busca aqui, outro ali, o que nós temos é mérito nosso é de manter reunido
isso aqui [no Dossiê] e não abrir mão disso (...).”.
147
Foram reunidas várias informações por meio do depoimento de
cidadãos que tiveram passagem pelos órgãos de repressão na época. A
partir desses depoimentos, comprovou-se que vários militantes foram
mantidos sob a guarda do Estado e passou-se a cobrar as efetivas
responsabilidades e informações sobre paradeiro dos desaparecidos.
Um aspecto fundamental para a preservação da memória e
reconstituição da recente história do país baseou-se nas informações
guardadas dentro dos presídios por presos políticos e transmitidas aos
familiares.
147
Trecho da entrevista concedida por Maria Amélia de Almeida Teles, representante
da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, no Gabinete do então vereador
Ítalo Cardoso, do PT, na Assembléia Legislativa de São Paulo, em 13/06/2000.
O ex-deputado federal Nilmário Miranda, na condição de ex-preso
político, ressalta a importância da organização dessas informações:
“Tanto de mortos quanto de desaparecidos, sempre houve um cuidado
muito grande em guardar e reunir informações, fragmentos (...) todo
mundo queria saber alguma coisa, registrava-se essas informações e
ficavam escritas em algum lugar. Informações a respeito de tortura de
sobreviventes, dos mortos e desaparecidos, quem foi preso (...)
Isso foi essencial, sem isso não teria a luta dos desaparecidos (...) Eu me
recordo que durante certo período nós chegávamos ao presídio e pessoas
que estavam lá pediam para gente falar tudo que sabíamos, e essas
informações eram escondidas lá dentro e eram transmitidas para fora,
para os familiares de forma clandestina obviamente e remetidas ao
exterior para também preservar essas informações (...).”
148
Parte desses registros de informações viabilizou o trabalho de
pesquisa das famílias e apuração das circunstâncias das mortes. A
comprovação de prisão era forte indício para as famílias de que o
Estado tinha sido responsável pelas mortes e desaparecimentos. Para
não reconhecer os crimes até então praticados, os órgãos de segurança
omitiam a prisão dos opositores políticos, criando um universo de
divergentes informações: “A gente ficava sabendo que houve prisão,
porque a família viu sendo preso ou um ex-preso ou uma pessoa que
estivesse na prisão viu aquela pessoa lá dentro (...) porque a polícia
jamais admitiu (...).”.
149
A busca de familiares em torno de notícias de seus parentes foi
recentemente retratada no filme Zuzu Angel
150
. A obra de ficção,
baseada em fatos reais, narra à trajetória da estilista carioca Zuleika
Angel Jones na busca por informações sobre o seu filho, o militante de
esquerda Stuart Edgar Angel Jones, morto em 1971 pela repressão
política.
148
Entrevista cedida em agosto de 2000, em Brasília.
149
Idem nota 147.
150
Zuzu Angel, 2006. Direção e roteiro: Sergio Resende. Elenco: Patrícia Pillar, Daniel
Oliveira, Leandra Leal, Alexandre Borges, entre outros.
Algumas cenas do filme relatam a maneira como os agentes da
repressão manipulavam as informações sobre os presos políticos. Em
nenhum momento do filme a personagem central teve informações
precisas sobre o filho.
Em busca de informações sobre os desaparecidos e dados que
comprovassem as circunstâncias das mortes de militantes, membros da
Comissão de Familiares percorreram arquivos públicos, sobretudo os
arquivos do DOPS, onde foram oficializadas muitas das prisões de
militantes políticos. Os dados que constam no DOPS, porém, não
contribuem para um esclarecimento mais preciso sobre as mortes de
opositores. No local, eram feitos alguns registros sobre os presos, a
exemplo de suas participações em organizações políticas
151
, mas não
indicavam o paradeiro das vítimas.
Maria Amélia de Almeida Teles refere-se da seguinte forma sobre
os arquivos do DOPS: “É claro que tem muita coisa interessante. (...)
Muita coisa que tem no DOPS é história oficial. (...) Nós queremos os
arquivos das Forças Armadas.”.
152
Embora o intenso trabalho de buscas realizadas pelos familiares
tenha sido de relevância para os esclarecimentos das mortes e
desaparecimentos, uma série de perguntas ainda permanece sem
resposta: Onde estão os desaparecidos? Quem foram os responsáveis
pelas execuções? Por que nunca houve punição para os responsáveis
pelos crimes de tortura e morte?
Durante os vários momentos a procura de dados concretos a
respeito das vítimas da ditadura, a organização de familiares exerceu
papel político, contribuindo com informações para o próprio governo,
como o Dossiê de mortos e desaparecidos a partir de 64, que serviu de
151
Na documentação do DOPS, que consta no Arquivo do Estado de São Paulo,
constam dados de opositores no que se refere às suas atividades políticas. No
Prontuário de nº 3 477, v. 9, p. 49, em nome de Ângelo Arroyo, consta: “Acusado de
atividade subversiva, elemento comunista, agitador perigoso, cujo método é agitar por
violência. Filiado ao Partido Comunista do Brasil, com funções de diretor, também atua
nos sindicatos (...)”.
152
Idem nota 147.
base para os futuros trabalhos da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos.
A trajetória dessas famílias está repleta de angústias, decepções e
pequenos avanços com relação à verdade dos fatos que envolveram os
crimes. Helena Pereira dos Santos foi, durante alguns anos, presidente
do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Sua luta iniciou-se quando
seu filho Miguel Pereira dos Santos desapareceu ao engajar-se no
movimento de guerrilha na região do Araguaia. Ela foi a primeira pessoa
a nos conceder entrevista abordando o assunto dos mortos e
desaparecidos políticos
153
. Seu depoimento, inédito e comovente, narra
a militância política do filho Miguel, seu desaparecimento e sua própria
história de luta para reunir informações sobre o paradeiro do filho. Sua
coragem e determinação são surpreendentes, e sua busca foi registrada
nos principais jornais do país:
“Miguel, meu filho mais velho, foi um dos primeiros a chegar ao Araguaia, com
outros militantes do PC do B, foi o João Amazonas que me contou. Não podia
estar assaltando bancos no Recife, quando os jornais de lá estamparam o
retrato dele e do irmão. Imaginem, meus dois filhos eram terroristas! (...)
Miguel morto? Certeza, não tem até hoje. Em 67, prenderam meu filho, que
passou dias incomunicáveis. Tive de depor. Vasculharam minha casa. Aquilo
era uma tortura (...) Quando veio a anistia, em 79, iniciei a busca de meu filho.
(...) Cada vez que tocava a campainha, eu estremecia, pensando que era ele
(...).”
154
No governo de João Baptista Figueiredo, em 1979, a concessão da
anistia política foi um momento muito importante para o movimento de
familiares de mortos e desaparecidos. Os exilados que retornaram para
o país puderam auxiliar com informações sobre os presos políticos. Este
momento, no entanto, coincide com uma crise no governo militar que
irá se estender até período de redemocratização no país. Como
153
Helena Pereira dos Santos concedeu-nos entrevista no final dos anos 1990, na sede
do Grupo Tortura Nunca Mais/SP, da qual foi presidente de honra.
154
Desaparecidos, a ferida difícil de cicatrizar: parentes que ainda buscam corpos
sentem alívio pelo fim da peregrinação, após revelações de ex-sargento, mas revivem
dor. Rio de Janeiro, Jornal da Tarde, São Paulo, 29 nov. 1992. p. 17.
promover um retorno à democracia, sem ter de mencionar a questão
dos desaparecidos?: “(...) a própria duração da transição brasileira, uma
das mais longas que se tem notícia, concorre para o esquecimento dos
abusos perpetrados no regime militar (...) concorre para o esquecimento
ou diluição, na memória coletiva, do terror implantado pela ditadura
militar e, de outro, a imposição do esquecimento, que toma forma no
processo de anistia, interdita a investigação do passado e produz a
necessidade do recalque da situação extrema de repressão (...).”.
155
Para a corporação militar, sobretudo a linha-dura, que
compactuou efetivamente com a repressão política, havia um consenso:
era preciso promover um “esquecimento” desses fatos. Foi através do
“perdão” consentido aos exilados e aos que praticaram crimes políticos e
na conseqüente euforia causada com o retorno dessas pessoas que a
ditadura buscou “brechas” para encobrir os assassinatos cometidos
pelos agentes dos órgãos de segurança do governo.
O projeto da Anistia, aprovado pelo Congresso Nacional,
favoreceu, portanto, a ação da máquina da repressão, deixando um
grande vácuo de impunidade na história. O ex-deputado Nilmário
Miranda, reforça essa questão do esquecimento da causa dos
desaparecidos como uma condição essencial para o processo de
abertura:
“Geisel, por exemplo, para fazer a abertura, recrudesceu a repressão em torno
dos desaparecidos. A lógica da abertura era essa. (...) Para eles, a condição
para a anistia foi de que não se falasse em morto e em desaparecido político,
em tortura e em punição a torturadores (...) Senão o núcleo do poder iria ser
atingido fatalmente. Admitir que exista/existiu morto, a nação iria querer
saber que os matou? Onde morreu? Por que matou? Quem são os
responsáveis? E os desaparecidos... pior ainda. (...) Onde estão? (...) Iria
implicar não só responsabilização civil do Estado, mas, também criminal dos
agentes que fizeram as violações dos direitos humanos (...).”
156
155
TELES, 2005. p. 117.
156
Idem nota 147.
O último governo militar prosseguiu com os ideais de liberalização
da mesma forma que o governo anterior, sem tomar decisões mais
efetivas para o caso dos desaparecidos: “(...) o acordo não escrito entre
as diversas facções do estabelecimento militar, de que a abertura não
levará à investigação do passado, de que o aparelho de repressão não
será investigado e julgado, de que o passado não será exumado (...)”.
157
A luta em torno dos desaparecidos intensificou-se no país durante
toda a década de 1970, e tomou maiores proporções:
“(...) Uma campanha pelo esclarecimento da situação de pessoas
desaparecidas será lançada pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (...) Esta
foi uma decisão tomada no I Congresso Brasileiro pela Anistia, realizado
em São Paulo. O movimento será colocado em prática visando forçar o
governo a assumir a responsabilidade daqueles que, envolvidos em
atividades políticas, desapareceram, e não tiveram sua prisão reconhecida
pelas autoridades policiais (...) A campanha pretende ainda popularizar a
luta em todos os setores sociais do país. Dos 47 casos relacionados pela
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 28 foram
selecionados para figurar num cartaz em função da existência de provas
de que tais pessoas, estiveram presas em alguma dependência policial,
apesar dos desmentidos do governo (...).”.
158
Concomitantemente, o Comitê Brasileiro pela Anistia produziu,
juntamente com os familiares, listas com os nomes de mortos e
desaparecidos. Estas listas eram refeitas continuamente, de maneira
muito rigorosa e a partir de denúncias feitas pelas famílias: “(...) o
critério final de credibilidade da informação sobre o desaparecido era o
157
KUCINSKI, 2001. p. 107.
158
A campanha “Procuram-se: Vivos ou Mortos”, divulgada em âmbito nacional, pedia
ao governo que esclarecesse o paradeiro das pessoas desaparecidas detidas pelos
órgãos de segurança por motivos políticos. Diário de S. Paulo, São Paulo, 04 jan. 1979.
Em: Arquivos do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Na capa desse mesmo
jornal, há a foto de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, que buscava de informações
ou mesmo atestado de óbito do marido.
critério da família. Se a família afirmasse o indivíduo entrava na lista
(...).”.
159
O primeiro militante político a desaparecer durante a ditadura foi
Virgílio Gomes da Silva.
160
Virgílio, conhecido como Jonas, foi baleado
em 28 de setembro de 1969 e morto no dia seguinte após sessões de
tortura na Operação Bandeirantes (OBAN, precursora do Destacamento
de Operações de Informações, Centro de Operações de Defesa Interna, o
DOI-CODI). Segundo informações do Relatório da Marinha, obtidas em
1993: “Virgílio Gomes da Silva morreu em 29 de setembro de 1969, ao
reagir à bala quando de sua prisão em um aparelho (...)”.
161
. Sua prisão
foi negada na época e seu nome encontra-se até os dias atuais na lista
dos desaparecidos.
159
Idem nota 18.
160
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 38-39.
161
Segundo levantamento da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos, em 1970 desapareceram: Antônio dos Três Reis Oliveira, José Maria Ferreira
de Araújo,Celso Gilberto de Oliveira, Jorge Leal Gonçalves Pereira, Marco Antônio Dias
Batista; em 1971: Aluísio Palhano Ferreira Pedreira, Denis Casemiro, Luiz Almeida
Araújo, Aylton Adalberto Mortati, Stuart Edgar Angel Jones, Carlos Alberto Soares
Freitas, Walter Ribeiro Novaes, Antônio Joaquim Machado, Eleni Telles Pereira
Guariba, Felipe Escobar, Ivan Motta Dias, Joel Vasconcelos Santos, Mariano Joaquim
Machado, Mario Alves de Souza Vieira, Paulo de Tarso Celestino da Silva, Rubens
Beirodt Paiva,Ruy Castro Vieira Berbert; em 1972: Isís Dias de Oliveira, Paulo César
Botelho Massa, Paulo Costa Ribeiro Bastos, Sérgio Lanjulfo Furtado, Ezequias Bezerra
da Rocha, Luiz Eurico Tejera Lisboa. Em 1973: Márcio Beck Machado, Maria Augusta
Thomas, Durvalino de Souza, Paulo Stuart Wright, Edgar de Aquino Duarte, Ramires
Maranhão do Vale, Vitorino Alves Moitinho, Honestino Monteiro Guimarães, Humberto
Albuquerque Câmara Neto, Caiuby Alves de Castro, José Porfírio de Souza; em 1974:
Ieda Santos Delgado, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva, Walter de Souza Ribeiro,
Issami Nakamura Okano, João Massena Melo, Luiz Inácio Maranhão Filho, David
Capistrano da Costa, José Roman, Thomas Antônio Meirelles Neto, Eduardo Collier
Filho, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Rui Frazão Soares; em 1975: Élson
Costa, Hiran de Lima Pereira, Armando Teixeira Frutuoso, Itair José Velloso, Jaime
Amorin de Miranda, José Montenegro, Orlando Rosa Bonfim Júnior, João Leonardo da
Silva Rocha, Nestor Veras; em 1978: Norberto Armando Habeger; em 1980: Jorge
Oscar Adur. Desapareceram em 1973 na Argentina, em ações decorrentes da
Operação Condor: João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, Edmur Péricles de
Camargo; em 1974: Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavecchia,
Onofre Pinto, desapareceram quando retornavam ao país; em 1976: Jorge Alberto
Basso, Maria Regina Marcondes Pinto, Walter Kenneth Nelson Fleury,Sidney Fix
Marques dos Santos; em 1980: Luiz Renato do Lago Faria. Desapareceram no Chile
em 1973: Luiz Carlos Almeida, Nelson de Souza Kohl, Jane Vaninni, Túlio Roberto
Cardoso Quintiliano e Vânio José de Mattos. Em: Documento da Comissão
Extraordinária Permanente de Direitos Humanos e Cidadania. Fórum Municipal de
Entidades de Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Humana. São Paulo, 1999. p.
50-51
No total, segundo registros da Comissão de Familiares de Mortos
e Desaparecidos, a ditadura fez desaparecer 136 pessoas envolvidas em
atividades políticas.
162
Informações sobre o paradeiro dessas pessoas
ainda não foram dadas por nenhum governo, mesmo após o retorno à
democracia. Tanto a Lei da Anistia quanto a Lei dos Desaparecidos são
falhas por não apresentarem solução para esse problema. A Lei 9
140
163
, art. 4º, parágrafo II determina: “(...) envidar esforços para a
localização dos corpos de pessoas desaparecidas, no caso da existência
de indícios quanto ao local em que possam estar depositados”.
Nesse ponto específico, a lei estabelece estar sob a
responsabilidade dos familiares a indicação de possíveis locais a serem
investigados e “Reconhecida sua responsabilidade pelos atos praticados,
caberia ao Estado diligenciar para a localização dos restos mortais e não,
como diz a lei, agir perante a apresentação de indícios dos familiares
(...).”.
164
Em 22 de outubro de 1980, uma comissão de parentes dos
desaparecidos dirigiu-se à região da Guerrilha do Araguaia: “A viagem,
com o objetivo de redescobrir a guerrilha, se constituiu em uma das mais
corajosas ações visando recompor a história política dos seus parentes e
do país.”.
165
Essa ação dos familiares encontrou resistência entre os próprios
colegas de luta, por causar, de certa forma, um embate com militares
que ainda se encontravam no poder e visavam realizar a abertura
política.
Essa viagem foi organizada a partir de um planejamento feito
pelos familiares, com relação aos locais a serem visitados e com
objetivos bem definidos, o principal deles, dar uma nova versão para os
fatos que envolveram a execução de mais de setenta guerrilheiros na
162
Idem, ibid.
163
Lei 9 140/95, conhecida como Lei dos Desaparecidos, promulgada em 04/12/1995
e sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
164
TELES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? – a
verdade histórica. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2000. p. 78-79.
165
TELES, 2005. p. 189.
região, tendo em vista que as únicas notícias fornecidas sobre o
episódio partiram das Forças Armadas.
166
Esses familiares percorreram a região do Araguaia durante 15
dias em busca de informações que levassem ao paradeiro dos militantes
da guerrilha: “Remexeram em muitas cicatrizes, não apenas as suas,
mas as dos moradores ainda traumatizados com a violência da
repressão à guerrilha e as dos colaboradores das Forças Armadas.”.
167
A
violência praticada no Araguaia não atingiu somente os membros do PC
do B, mas também muitos moradores da região que também se
encontram desaparecidos; por isso, durante todo o tempo em que os
familiares estiveram na região notou-se que o sentimento que marcou a
população foi o de medo.
Com o intuito de reunir o maior número de informações sobre os
desaparecidos e, conseqüentemente, obter apoio da população local, os
familiares distribuíram panfletos pelas cidades que percorreram, que
diziam o seguinte:
“Como é de conhecimento de todos, durante os anos de 1972 a 1975, houve
uma verdadeira guerra nessa região. Depois de uma enorme campanha
militar, dezenas de guerrilheiros e moradores da região foram mortos. Até
hoje, passados tantos anos, não conseguimos uma notícia oficial sobre estas
pessoas.
Agora, nós familiares dessas pessoas, estamos aqui para saber o que
aconteceu e encontrar os corpos dos que foram mortos. Pedimos apoio aos
moradores para localizar os nossos parentes. Qualquer indicação, qualquer
notícia poder ser importante. Abaixo, a relação dos nomes pelos quais os
nossos parentes eram conhecidos na região (...) As famílias agradecem.”
168
Apesar dos esforços da iniciativa da caravana rumo ao Araguaia,
os familiares retornaram sem grandes avanços no que se refere à
localização dos corpos. Ouviram histórias envolvendo o nome de seus
166
Idem, ibid. p. 192.
167
Idem, ibid. p. 193.
168
Panfleto Apelo ao povo. Arquivo da Comissão Especial de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos.
entes queridos, porém nada que permitisse uma indicação mais precisa
sobre seu paradeiro. Helena Pereira dos Santos relata:
“Viajei com outras mães ao Araguaia. Foi uma surpresa terrível: os moradores
contaram que todos foram exterminados. Elogiavam os paulistas (como eram
conhecidos na região) com lágrimas nos olhos. Eram pessoas queridas. Diziam
que os guerrilheiros eram alegres, animados, de alto astral. Voltei com a
mesma desilusão.”
169
169
Idem nota 154.
2.2 A DESCOBERTA DA VALA PERUS E A CRIAÇÃO DA CPI NA CÂMARA
MUNICIPAL DE SÃO PAULO: INFORMAÇÕES SOBRE DESAPARECIDOS
As suspeitas de familiares com relação à origem de uma vala
clandestina localizada no Cemitério Dom Bosco, em Perus, periferia de
São Paulo, foram confirmadas em 4 de setembro de 1990. A descoberta
dessa vala proporcionou ampla discussão sobre a questão dos mortos e
desaparecidos no país, reacendendo a luta do movimento de familiares
e chamando a atenção da sociedade civil para esta causa.
No ano de 1979, o engenheiro Gilberto Molina, irmão do militante
político Flávio Carvalho Molina
170
, esteve no Cemitério de Perus, a fim
de comprovar a existência de ossadas enterradas no local. A iniciativa
não teve apoio político nem auxílio técnico. Gilberto Molina juntamente
com o Antônio Eustáquio, administrador do cemitério na época,
abriram o local com o auxílio de uma retro-escavadeira e, puderam
localizar sacos com ossadas não identificadas.
171
O fato desses sacos
não terem nenhum tipo de identificação, de certa forma, desestimulou o
trabalho de investigação de Gilberto Molina com relação às buscas dos
desaparecidos naquele momento: “Naquele momento, tendo nas mãos
sacos de ossos, pude sentir a extensão e a amplitude da violência de sua
morte, sem imaginar que esta angústia perduraria em nossos corações
até hoje, não mostrando sinais de estar chegando ao fim (...).”
172
Cerca de dez anos após esse episódio, o pretexto de uma
reportagem policial foi caminho para redescobrir a vala. O jornalista da
Rede Globo Caco Barcellos desenvolveu, em 1990, um trabalho de
investigação nos arquivos do Instituto Médico Legal (IML) com um grupo
de estudantes de jornalismo, com o objetivo de reunir informações para
a elaboração do livro Rota 66: a história da polícia que mata, que
170
O militante político Flávio Carvalho Molina foi executado pelos órgãos de repressão
policial em 07/11/1971 e foi enterrado no Cemitério de Perus com o nome de Álvares
Lopes Peralta. Ver: MIRANDA, N.; TIBÚRCIO, C. 1999. p. 135-137.
171
Globo Repórter: a vala de Perus, reportagem de Caco Barcellos. Ver também:
TELES, 2000. p. 195-208.
172
Depoimento de Gilberto Molina sobre seu irmão, Flávio Molina. Ver: CHAIA, Vera
Lúcia Michalany. Jornalismo e política. São Paulo: Hacker Editores, 2004. p. 121-125.
descreve casos de violência praticados pela Política Militar do Estado de
São Paulo.
Para Vera Chaia, o jornalismo investigativo tem seus resultados
no desvendamento de abusos, irregularidades e desvios das autoridades
públicas se houver um encaminhamento destas averiguações para outras
instituições públicas, como a Justiça, o Ministério Público e as
autoridades policiais..
173
Na seqüência das investigações, Caco Barcellos chegou ao
Cemitério de Perus. Em 27 de julho de 1990, uma denúncia feita pelo
próprio administrador do cemitério sobre a origem de uma vala
clandestina construída nos anos 70 foi o primeiro passo para que
fossem apuradas irregularidades no local.
Segundo informações contidas no Relatório da CPI que investiga a
origem e a responsabilidade sobre as ossadas encontradas em Perus,
em 1976, foi construída uma vala no Cemitério Dom Bosco e nesse local
foram depositadas cerca de 1 500 ossadas sem absolutamente nenhum
tipo de registro oficial, que, a princípio, deveriam ter sido destinadas ao
crematório desse cemitério. Segundo dados contidos no mesmo relatório
do processo nº 180 991/1969, foram constatadas irregularidades no
trâmite dessa obra, que acabou sendo realizada no Cemitério de Vila
Alpina, em São Paulo. Ainda segundo informações desse relatório, essa
construção teve, entre outros objetivos, eliminar vítimas da ditadura
militar: “Assim, a condição artificial de indigência imposta às vítimas
fatais dos organismos de repressão remetia em lugar de um alerta à
sociedade, à exclusão da cidadania e ao ocultamento de corpos com o
auxílio de poderes instituídos no caso da Prefeitura Municipal.”
174
No ano de 1975, foram realizadas exumações em massa nas
quadras 1 e 2 do Cemitério de Perus e, na impossibilidade de cremação
dessas ossadas, a alternativa encontrada foi a construção da vala no
ano seguinte: “A abertura da vala comum foi feita para depósito dos
173
CHAIA, 2004. p. 22.
174
Relatório da CPI, que investiga a origem e responsabilidade sobre as ossadas
encontradas no Cemitério Dom Bosco, em Perus, e a situação dos demais cemitérios
de São Paulo, apresentado em 15/5/1991, pela então vereadora Tereza Cristina de
Souza Lajolo do PT. Folha 5 419, nº 2 450, 1990.
restos mortais exumados das duas quadras, o que provocou o
ocultamento daquelas ossadas até 1990, quando foi aberta por
determinação de Luiza Erundina.”.
175
Para maior compreensão dos fatos, devemos partir das
considerações de que a ditadura possibilitou a estruturação de
mecanismos de informações junto aos principais órgãos públicos, a
exemplo do DOI-CODI e do IML, que favoreceram a ação criminosa
contra opositores políticos. Através da ligação entre o DOI-CODI e o IML
de São Paulo, vários presos políticos desapareceram no país. Esse
“esquema”, no entanto, contou com a colaboração de alguns algozes,
entre eles, os médicos legistas, Harry Shibata e Isaac Abramovitcz,
ambos colaboradores da repressão. De acordo com o relatório da CPI da
Câmara Municipal: “o Sr. Shibata era pessoa de confiança dos
organismos de repressão para o atendimento aos casos de presos
políticos mortos no DOPS e no DOI-CODI e encaminhados para
autopsia..
176
Após a realização das autópsias, presos políticos eram
encaminhados para cemitérios da capital, sobretudo o de Perus.
Ainda de acordo com dados apurados pela CPI que investigou a
origem das ossadas de Perus, dentro do Instituto Médico Legal, “um
grupo de legistas afinados com o regime era destacado para as
necropsias de presos políticos (...) sempre acompanhados pelo auxiliar
Jair Romeu, designado pelos órgãos de repressão.”.
177
Nesse contexto, o IML teve participação direta nos crimes
praticados contra militantes políticos durante a ditadura militar,
emitindo laudos sempre seguindo as versões oficiais divulgadas pelos
órgãos de repressão: “A preocupação em não contrariar a versão policial
pode ser creditada à ligação orgânica com a polícia a que se viu forçado o
IML a partir de 1965, mesmo ano de entrada em operação do SNI (...)
Todo o aparato de perícia técnica (IML e Polícia Científica), ficou atrelado
e subordinado ao sistema de represo policial (...) Com o endurecimento
175
Idem nota 174.
176
Idem nota 174.
177
Fonte: http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh e
www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/5html
.
da repressão política, a pressão passou a ser diretamente do DOPS e do
DOI-CODI.”.
178
Por conta disso, tornou-se patente a manipulação de informações
mediante a um esquema que, certamente, obedeceu a uma sólida
hierarquia do poder. Familiares das vítimas da repressão política
percorreram os arquivos do IML com o objetivo de buscar informações
sobre os desaparecidos. Sobre o material encontrado no IML, foram
verificados laudos necroscópicos, onde a polícia apresentava um breve
histórico da morte, laudos cadavéricos e fotos correspondente às
vítimas, embora poucas tenham sido encontradas.
O jornalista Caco Barcellos também realizou pesquisa junto à
documentação do IML, ao lado de com Suzana Lisboa, representante da
Comissão de Familiares. Durante a pesquisa, diante de uma
documentação bastante específica, foram localizados laudos de exame
de necroscópico de vítimas da ditadura. Em alguns desses laudos,
constava a letra “T”, de “terrorista”, em vermelho, em uma referência
aos opositores do regime.
179
De acordo com o levantamento realizado pelo jornalista, havia
também indícios de ossadas nos livros da administração do cemitério de
Perus, por isso o interesse em descobrir os nomes das pessoas
enterradas naquele local. Com o auxílio do também jornalista Maurício
Maia foi possível verificar os livros de entrada do cemitério, juntamente
com a busca das fotos dos militantes no IML. Após realização da
pesquisa, constatou-se que vinte e oito pessoas mortas pela polícia no
período de (1971-1976) foram encaminhadas para o cemitério Dom
Bosco, em Perus, e outras encaminhadas para os cemitérios de Campo
Grande e Cachoeirinha, entre outros.
Comprovou-se, portanto, “que presos políticos eram enterrados no
Cemitério de Perus, com nomes falsos e com a identificação adulterada.
Além disso, descobriu-se pelos registros incompletos dos livros do
178
Idem nota 174.
179
TELES, 2000. p. 205.
cemitério que houve exumação, sem ser apontado o destino dados aos
corpos das pessoas.”.
180
A partir da descoberta da vala e da localização das ossadas, foi
possível apurar, através de um trabalho de investigação realizado pelos
familiares das vítimas, que do IML seguiram para o cemitério de Perus
os seguintes presos políticos
181
: Dimas Antônio Casemiro, Denis
Casemiro e Grenaldo Jesus da Silva, Frederico Eduardo Mayr, Flávio
Carvalho Molina, a e Francisco José de Oliveira.
182
Além das ossadas encontradas no cemitério Dom Bosco, em
Perus, o trabalho de busca da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos possibilitou a obtenção de informações sobre o paradeiro
de outros presos políticos desaparecidos, como José Maria Ferreira de
180
SEIXAS, Ivan. Desaparecidos políticos: a falta de vontade política de FHC. Revista
Adusp, São Paulo, jul. 1995, p. 12-15.
181
Após confirmação da existência da vala no cemitério de Perus, os familiares
empenharam-se na pesquisa nos arquivos, sobretudo do IML, e em informações do
Banco de Dados do Cemitério de Perus. Na época, contaram com a colaboração do
jornalista Caco Barcellos e de sua equipe. Conforme descrito pelo jornalista:
“Percebemos que havia coincidência entre as informações do IML e as do livro de
registro de entrada do cemitério Dom Bosco. Eu procurava saber sempre a data de
saída do corpo do Instituto Médico Legal. Nas fichas há a data de saída, nome do legista
e com essas informações fomos consultar o livro do cemitério e lá constavam as mesmas
datas de entrada. Tentamos reproduzir qual era o caminho que faziam os órgãos de
repressão da época, como levavam os corpos das pessoas mortas. Eles saíam do IML e
seguiam diretamente para o cemitério, era comum, rotineiro. Como os horários são muito
próximos, podemos supor que eles não passavam em outro lugar.”. Globo Repórter: a
vala de Perus. Ver detalhes em: TELES, 2000. p. 195-208.
182
Dimas Antônio Casemiro foi morto em São Paulo, entre 17 e 19/04/71, e
enterrado como indigente. Seus restos mortais estão à espera de identificação
confirmatória. Dênis Casemiro, irmão de Dimas Casemiro, também enterrado como
indigente. Teve os dados pessoais alterados: no livro de registro de sepultamentos,
teria 40 anos e os demais dados de identificação ignorados; Grenaldo Jesus da Silva,
morto em 30/5/1972, no Aeroporto de Congonhas (SP), também enterrado como
indigente; Frederico Eduardo Mayr foi baleado em 23/02/72, em São Paulo, mesma
data em que teria dado entrada no IML/SP, com o nome falso de Eugênio Magalhães
Sardinha. Em 1992, sua ossada foi identificada pelo Departamento de Medicina Legal
da Unicamp e, em 13/7/1992, foi transladada para o jazigo da família, no Rio de
Janeiro; Flávio Carvalho Molina, preso pelo DOI-CODI no dia 06/11/71, foi morto
em decorrência de torturas e foi enterrado com o nome falso de Álvaro Lopes Peralta;
Francisco José de Oliveira morreu em São Paulo, em 05/11/71, e enterrado com o
nome de Dario Marcondes. Existe a possibilidade de que corresponda a ele uma das
ossadas que aguardam identificação científica a partir dos exames de DNA sob
cuidados da Comissão Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Detalhes desses e outros casos em: COMISSÃO de Especial de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos. Direito à memória e à verdade. Brasília: Secretaria Especial
dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2007.
Araújo, supostamente enterrado com identidade adulterada, no
cemitério de Vila Formosa, em São Paulo.
As circunstâncias da morte que envolveu a execução desse
militante político não foi diferente a de muitos cidadãos que se
opunham à ditadura militar naquele período: segundo documentos
oficiais dos órgãos de segurança do regime militar, José Maria foi morto
em 23 de setembro de 1970, em um terminal de ônibus do Vale do
Anhangabaú. Apurou-se, porém, a partir dos desdobramentos da vala
de Perus e do acesso aos arquivos do IML/SP, que, após ter sido preso
por agentes do DOI-CODI/SP, faleceu neste mesmo local, depois
sessões de tortura. Apurou-se ainda que, o militante foi enterrado como
o nome falso de Edson Cabral Sardinha, na quadra 11, sepultura 119
do cemitério de Vila Formosa. No laudo necroscópico que consta nos
arquivos, ao lado do nome, há um “T” em vermelho. Segundo consta na
documentação do DOPS/SP, o militante faleceu devido de “mal súbito”.
No mesmo arquivo foram encontradas fichas como os nomes de
Edson Cabral Sardinha e José Maria Ferreira de Araújo, ambos com o
apelido de Aribóia. Apesar dos esforços, “seus restos mortais jamais
puderam ser encontrados, apesar das inúmeras tentativas feitas durante
o governo da prefeita Luiza Erundina, em função das transformações
introduzidas nas quadras do cemitério, sem o devido registro documental
das mudanças.”.
183
A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
obteve apoio da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, para
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara
Municipal de São Paulo, com o objetivo de apurar as responsabilidades
quanto às ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco e também
averiguar a situação dos demais cemitérios da capital para ocultamento
de corpos das vítimas da repressão no país. Esta CPI, aprovada em 5 de
outubro de 1990, pouco depois da descoberta da vala clandestina, foi
composta pelos seguintes membros: Julio César Caligiuri Filho
183
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
132-133.
(presidente da Comissão – PDT), Tereza Cristina de Souza Lajolo
(relatora – PT), Ítalo Cardoso (PT), Aldo Rebelo (PC do B), Antônio Carlos
Caruso (PMDB) e Osvaldo Giannotti (PPB).
Esta CPI permaneceu na Câmara Municipal de São Paulo de 17
de setembro de 1990 a maio de 1991 com os trabalhos de investigação
e, após determinação da prefeita Luiza Erundina, foi firmado um
convênio entre o governo do Estado e a Universidade de Campinas
(Unicamp), para que fossem realizadas as devidas identificações das
ossadas encontradas em Perus. “O trabalho da Comissão de Familiares
de Desaparecidos teve um importante impulso quando a prefeita, Luiza
Erundina, garantiu a abertura da vala clandestina e a participão de
familiares de desaparecidos na Comissão de Acompanhamento das
Investigações da Prefeitura no caso das ossadas humanas encontrada
em valas clandestinas em cemitérios da capital.”
184
Neste momento, iniciou-se um longo período marcado por
incertezas e falta de vontade política das autoridades. As esperanças
dos familiares de encontrar informações sobre seus parentes
desaparecidos esbarrou em um processo burocrático e lento que
inviabilizou grande parte das identificações.
Por solicitação da Comissão de Familiares, em dezembro de 1990,
foram iniciados os trabalhos de identificação na Unicamp, sob o
comando da equipe do médico-legista Fortunato Badan Palhares. Ao
todo foram encaminhadas 1 049 ossadas para análise. Esse trabalho
contou com a colaboração de outras equipes, entre elas, a Equipe
Argentina de Antropologia Forense na catalogação e identificação do
material encontrado em Perus. Os membros da Comissão de Familiares
acompanharam os trabalhos de investigação durante todo o período.
A descoberta da vala clandestina em Perus e todo o processo
desencadeado a partir de então gerou uma imensa expectativa para as
famílias dos desaparecidos. Para essas pessoas, a identificação e a
possibilidade de sepultar seus parentes, representava o final de um
184
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
13.
ciclo de espera e angústias. Após o anúncio dessa descoberta pela
imprensa para todo o país, o jornalista Caco Barcellos acompanhou a
busca dos familiares das vítimas em alguns estados brasileiros: “Vocês
não podem imaginar o que significou essa descoberta para essa gente
(...).”.
185
Iara Xavier Pereira, atuante membro da Comissão de Familiares
de Mortos e Desaparecidos, descobriu ainda na década de 1970, que
seu irmão Alex, havia sido enterrado no cemitério de Perus como o
nome de José Maria de Freitas, nome que adotou na clandestinidade.
Essa descoberta partiu da consulta aos livros de registros dos
cemitérios, após várias buscas. Seu outro irmão, Iuri, também foi
enterrado em Perus. Ambos atuaram na ALN e atuaram
clandestinamente no país.
No início do ano de 1972, os jornais publicavam as mortes de Alex
de Paula Pereira Xavier e Gelson Reicher, seguindo nota oficial
distribuída pelos órgãos de repressão
186
:
“O volks de placa CK 4848 corre pela Avenida República do Líbano. Em um
cruzamento, o motorista não respeita o sinal vermelho e quase atropela uma
senhora que levava uma criança no colo. Pouco depois, o cabo Silas Bispo
Feche da PM, que participa de uma patrulha, manda o carro parar. Quando o
volks pára, saem do carro o motorista e seu acompanhante atirando contra o
cabo e seus companheiros; os policiais também atiram. Depois de alguns
minutos três pessoas estão mortas, uma outra ferida. Os mortos são os cabos
da Polícia Militar e os ocupantes do volks, terroristas Alex de Paula Xavier e
Gelson Reicher.”
187
Essa mesma nota divulgada pela imprensa da época, indicava os
nomes falsos dos militantes, fato que contribuiu para futuras
investigações realizada pelos próprios familiares. No ano de 1979, Iara
185
Globo Repórter: a vala de Perus. Ver detalhes em: TELES, 2000. p. 195-208.
186
Essa versão oficial, divulgada por órgãos de repressão do governo, foi derrubada
após investigação da Comissão de Familiares: “A prova de que Alex e Gerson teriam
sido levados a outro local após tiroteio foi trazida pelos documentos do IML/SP (...)”.
Para outros detalhes ver: COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos. 2007. p. 276-278.
187
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. 2007. p.
247.
Xavier pôde relatar essas informações para outros familiares no III
Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, na cidade do Rio de
Janeiro. Esses indícios viabilizaram o acesso às informações para as
famílias de presos políticos encaminhados para Perus, entre eles, a de
Gelson Reicher, enterrado com o nome de Emiliano Sessa, e Luís Tejera
Lisboa, com o nome de Nelson Bueno.
Considerando o andamento dos trabalhos de identificação sobre o
material localizado na vala clandestina em Perus, no final do ano de
1992, a equipe liderada pelo Dr. Badan Palhares da Unicamp
identificou dois presos políticos desaparecidos no país: Denis Casemiro
e Frederico Mayr. Esse trabalho também foi estendido para outros
cemitérios da capital, possibilitando a obtenção de novas informações.
Ainda com relação ao cemitério Dom Bosco, foram localizadas
covas individuais, onde foram enterrados os militantes Hélder José
Gomes Goulart, Antônio Carlos Bicalho e Sônia Maria Lopes de Moraes
Angel Jones.
188
Ao tomarem conhecimento da morte de Sônia Maria na cidade de
São Vicente, litoral de São Paulo, os pais João e Cléa Moraes saíram
imediatamente do Rio de Janeiro em busca de informações. João
Moraes engajou-se, então, na luta pelos mortos e desaparecidos da
ditadura militar juntamente com outros familiares e posteriormente
relatou sua experiência no livro O calvário de Sônia: uma história de
terror nos porões da ditadura.
189
Nos arquivos do DOPS/SP, foi encontrada a ficha de Sônia Maria
Lopes de Moraes, com nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. No
prontuário de número 39 108, estão registradas informações de que a
188
Também foram encontrados no cemitério Dom Bosco os restos mortais de Hiroaki
Torigoe e Luís José da Cunha, que foram enviados para análise na Unicamp. Até hoje,
nenhum resultado da investigação foi divulgado. No cemitério de Campo Grande, em
São Paulo, foram localizados os restos mortais de Emanuel Bezerra dos Santos e
Manuel Lisboa de Moura. Ver outros detalhes nos sites:
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh
e
www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/5html
.
189
João Luiz de Moraes foi presidente do GTNM/RJ (Grupo Tortura Nunca Mais do
Rio de Janeiro), juntamente com sua esposa, Cléa, durante muitos anos, mas faleceu
em 1996, antes de acompanhar o processo de reconhecimento da responsabilidade do
Estado pela morte de sua filha.
militante foi vitimada em confronto com a polícia: “Durante ronda
realizada em 30/11/73 pelo DOI/CODI/II do Exército, nas regiões de
Santo Amaro, Socorro e Interlagos, foi verificada a presença de um casal
suspeito que perambulava pela Avenida Pinedo, tal fato ocorreu por volta
das 15h20, nas proximidades do número 1.100, sendo que o elemento
masculino apresentava grande semelhaa com Antônio Carlos de
Bicalho Lana (Bruno) integrante da ALN. (...) Ao dar voz de prisão para o
casal, reagiu com tiros. Travou-se então, um rápido tiroteio, tendo o casal
tombado bastante ferido. Ambos faleceram quando eram conduzidos
para um hospital próximo (...).”.
190
O caminho percorrido por Sônia nos seus últimos dias de vida foi
bem diferente das informações contidas nos arquivos do DOPS/SP: no
ano de 1973, a militante alugou um apartamento na cidade de São
Vicente, em São
Paulo, a militante alugou um apartamento na cidade de São Vicente,
em São Paulo, juntamente com seu companheiro Antônio Carlos onde
passaram a passaram a viver clandestinamente.
A data exata de sua prisão nunca foi esclarecida. Uma emboscada
foi montada pelos policiais dos órgãos de repressão com o intuito de
capturar Sônia e Carlos no litoral paulista. Os dados registrados mais
precisos revelam que os militantes foram capturados quando pegavam
um ônibus da Empresa Zefir, com destino a São Paulo. No final de
1979, na presença dos pais de Sônia, o bilheteiro do ônibus, relatou
detalhes da operação:
“Quando lá chegaram, Lana desceu do ônibus e Sônia ficou. Cinco agentes
esperavam dentro da agência e outros chegaram em vários carros. No guichê,
Lana entrou em luta corporal com os policiais. Foi dominado a socos e
pontapés, levando uma coronhada de fuzil na boca. Sônia, ao levantar-se do
banco, foi agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada
190
Arquivo do Estado de São Paulo. Documentação do extingo DOPS (arquivos).
Prontuário número 39 108. Consulta realizada no mês de maio de 2007.
pelos pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para
outro carro (...)”
191
Após esse episódio, ambos foram encaminhados para as
dependências do DOI/COI/SP e nunca mais foram vistos por amigos e
familiares. Em 8 de julho de 1991, a equipe da Unicamp apresentou o
resultado da identificação de três presos políticos: “Denis Casemiro (da
vala de Perus), Hélber José Gomes (enterrado em Perus), Carlos Bicalho
Lana (enterrado no cemitério de Perus) e Sônia Maria de Moraes Angel
Jones (enterrada em Perus)”
192
, os dois últimos mortos em 30/11/73.
No mês de agosto, uma missa foi realizada por D. Paulo Evaristo Arns
para celebrar entrega dos restos mortais desses três militantes políticos.
Durante praticamente dois anos de investigações, desde a
descoberta da vala clandestina, outros avanços significativos foram
realizados. No período de atuação da CPI que investigou as origens das
ossadas de Perus, prestaram depoimentos ex-funcionários dos
cemitérios, dos IMLs, funcionários das polícias estaduais e federais, ex-
presos políticos, familiares de desaparecidos, membros dos Comitês de
Direitos Humanos, entre outras testemunhas.
193
Na tentativa de encontrar uma explicação para a origem da vala
clandestina, membros da CPI e familiares utilizaram todas as fontes de
informações possíveis dentro das possibilidades oferecidas pelo governo
de São Paulo e da Prefeitura. Em seis meses, foram registradas mais de
quarenta sessões ordinárias na Câmara Municipal de São Paulo, uma
diligência ao Sítio 31 de Março de 1964, em Parelheiros, três visitas a
Secretaria de Segurança Pública, cinco à Prefeitura Municipal, duas ao
191
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
363-366.
192
Ver detalhes em Decorrência das buscas: fatos ocorridos a partir da abertura da
vala. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh
e
www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/5html
.
193
Vários funcionários prestaram depoimento à CPI da Câmara Municipal de São
Paulo, entre eles, Antônio Pires Eustáquio, auxiliar de administração do cemitério de
Perus, e Fabio Pereira Bueno, diretor do Departamento de Cemitérios até abril de
1974. Ao todo foram ouvidas 82 pessoas e centenas de documentos foram reunidos,
entre decretos, leis municipais, convênios e duas fitas de videocassete – uma do
programa Globo Repórter, com reportagem realizada por Caco Barcellos, e outra sobre
a região do Araguaia. Informações contidas no relatório final da CPI da Câmara
Municipal de São Paulo.
Departamento de Comunicação Social da Secretaria de Segurança
Pública, duas à Polícia Federal, duas ao Instituto Médico Legal, duas ao
Cemitério de Perus e duas a Unicamp.
A conclusão dos trabalhos apontou para uma série de
irregularidades, entre elas, a falta de registro da criação da vala
clandestina e a forma inadequada como foi construída no cemitério
Dom Bosco. Detalhes de informações acerca dessas investigações
encontram-se no relatório apresentado à Câmara de São Paulo,
realizado em 1992
194
. Além da conclusão do que foi apurado
195
, o
documento ainda oferece informações sobre a ação clandestina dos
órgãos de repressão política e a maneira de como agiram para encobrir
os crimes cometidos.
No ano de 1993, no final do governo de Luiza Erundina, as
pesquisas foram interrompidas e não houve interesse da administração
seguinte, do prefeito Paulo Maluf, em dar continuidade às investigações.
Para os familiares dos desaparecidos, esse foi um grande desalento:
“Depois que ela [Luiza Erundina] saiu da chefia da cidade, o chefe do
Departamento de Medicina Legal da Unicamp, Fortunato Palhareso
moveu uma palha sequer, não escondendo sua má vontade com relação a
esse trabalho e se sente em condições de barrar a solução do caso”.
196
194
Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a origem e
responsabilidade sobre as ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco, em Perus, e
a situação dos demais Cemitérios de São Paulo.
195
De todas as provas, documentos e depoimentos colhidos e analisados pela CPI
instalada na Câmara Municipal, entre outras conclusões, constatou-se: “Que a vala
encontrada no Cemitério Dom Bosco é clandestina, irregular e ilegal e nela foram
enterrados corpos de indigentes, somando-se a estes, corpos de presos políticos mortos
pelos órgãos incumbidos da repressão aos oponentes do regime instaurado em 1964;
Que as exumações que deram origem à vala ocorreram em frontal desrespeito às
normas e leis do Município e não houve registro do destino dados aos corpos; Que se
formou um esquema para acobertamento das mortes nos órgãos de repressão, que
incluía funcionários do IML e do Serviço Funerário de São Paulo; Que laudos falsos
foram produzidos no IML, para acobertar mortes e dificultar a identificação de pessoas,
sendo que os laudos, ainda confirmavam sempre a versão policial das mortes,
constantes das requisições vindas do DOPS ou da 36. Delegacia; Que vários corpos
saídos do IML foram sepultados com nomes falsos; Que sítios clandestinos também
foram usados pela repressão e se relacionam com o desaparecimento de pessoas,
conforme depoimento de ex-presos, entre eles, o Sítio 31 de Março.”. No relatório
conclusivo também seguem informações de irregularidades registradas nos cemitérios
de Vila Formosa. Relatório da CPI sobre a vala clandestina em Perus e a situação dos
demais cemitérios. Processo nº 2 450.
196
SEIXAS, 1995. p. 12-15.
Portanto, a identificação dessas ossadas seguiu a passos lentos,
obedecendo uma imensa burocracia junto aos setores responsáveis pelo
trabalho.
Devido à morosidade do caso e à dificuldade para que o trabalho
fosse concluído, no ano de 1998, após solicitação da Comissão de
Familiares, as ossadas foram transferidas para o Instituto Oscar Freire
do Departamento de Medicina Legal da USP. Apesar da iniciativa,
grande parte continua sem identificação.
No mês de setembro de 2005, a família de Flávio Molina venceu
uma batalha que se estendeu por 15 anos
197
, desde a descoberta da
vala clandestina. Os restos mortais do militante político foram
identificados somente neste ano pelo Laboratório Genomic, de São
Paulo.
No dia 10 de outubro do mesmo ano, um ato público no auditório
da Procuradoria da República, em São Paulo, marcou a entrega de uma
urna contendo os restos mortais de Flávio ao seu irmão, Gilberto,
motivando outras famílias de desaparecidos a buscarem soluções para o
problema da demora na identificação dos desaparecidos.
Assim com a família Molina, outras famílias aguardam resultado
das perícias das ossadas encontradas em Perus.
Nos anos de luta dessas famílias e nos encontros realizados, elas
puderam compartilhar a indignação diante da ineficiência do Estado
para solucionar o caso dos desaparecidos políticos. Para os que tiveram
notícias de seus parentes, um “alívio” por ter encerrado uma longa
197
Gilberto Molina, irmão de Flávio, teve conhecimento de que seu irmão estava
enterrado em Perus desde a década de 1970, conforme já mencionado nessa
dissertação, e a partir de então iniciou um trabalho de investigação rumo à verdade
dos acontecimentos. Em outubro de 1979, a família abriu processo exigindo
retificação de assentamento de óbito e a reconstituição de identidade, ganhando a
causa em 1981. Após a descoberta de que seus restos mortais foram depositados na
vala clandestina, seus familiares passaram a exigir a identificação do militante junto
ao material localizado. Os trabalhos de perícia nas ossadas encontradas em Perus
foram duramente criticados pelos familiares devido à demora na apresentação dos
resultados. Gilberto Molina pronunciou-se diversas vezes sobre o caso: “Eu quando
soube que o Flávio estava na vala de Perus, eu nunca poderia imaginar que hoje, 20
anos depois, estaria passando por esta mesma agonia”. Esse e outros depoimentos de
familiares podem ser encontrados nos sites:
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh
e
www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/5html
.
trajetória de buscas. “Me senti gratificada ao vê-lo identificado”,
desabafa Gertrud Mayr.
198
198
Mãe de Frederico Mayr, um dos primeiros desaparecidos identificados pela equipe
do Dr. Badan Palhares da Unicamp.
2.3 REGIÃO DO ARAGUAIA: FAMILIARES BUSCAM NOTÍCIAS SOBRE OS
DESAPARECIDOS DA GUERRILHA
Nenhum dos familiares dos cerca de 70 guerrilheiros da Guerrilha
do Araguaia (1972-1975) tinham esperança de encontrar sobreviventes
quando fizeram a primeira investida de busca dos desaparecidos no sul
do Pará, em outubro de 1980. Seis anos após o término do conflito
deflagrado na região do Araguaia, onde foram vitimados vários
militantes do PC do B, foi feira essa viagem, cujos principais objetivos
eram a reconstrução dos fatos junto à população local: “Um grupo de
familiares dos desaparecidos no Araguaia percorreu a região em busca
de informações a respeito de possíveis locais de sepultamento dos restos
mortais de seus parentes (...).”.
199
Essa caravana organizada pelos familiares foi a primeira de
muitas que foram realizadas para obtenção de notícias dos
desaparecidos da guerrilha. Durante os quinze dias em que estiveram
na região, puderam ouvir o testemunho de moradores sobre o ocorrido
durante o confronto dos guerrilheiros com as tropas do Exército e várias
foram as histórias contadas como relato de suas memórias. Para muitos
que acompanharam de perto a brutalidade da ação das Forças Armadas
naquele período, uma série de perguntas continua sem resposta,
principalmente as razões de tanta violência: “Não sei por que mataram
esses coitados. Não eram brasileiros que nem nós? Tratavam mal
demais. Eles eram os terroristas. Mas eles davam assistência para nós,
davam remédios, arrancavam dentes e fizeram até parto na floresta
(...)”
200
, lembra um morador da região do Araguaia anos após o conflito
armado.
199
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à
memória e à verdade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, 2007. p. 200-270.
200
Depoimento do morador Manoel Turiba sobre as lembranças dos guerrilheiros do
Araguaia, em ZAGHETTO, Sônia. Guerrilha ainda tortura lembranças. O Liberal, 06
jun. 2001.
Na memória dos moradores do sul do Pará, ficou o registro de um
período marcado por torturas, prisões e seqüestros, um período de
guerra.
Poucas pessoas se dispuseram a falar sobre o assunto por temer
uma
represália, principalmente, os que foram informantes do Exército, pois a
repressão naquele momento estendeu-se aos moradores da região
201
e
há registros de prisões e torturas realizadas por agentes das Forças
Armadas também a essas pessoas, com o intuito era buscar
informações sobre os guerrilheiros. Depois de tantos anos, aqueles
acontecimentos ainda estão presentes no cotidiano das pessoas que
viveram aquele período de violência.
No livro Operão Araguaia, há vários relatos sobre os fatos que
envolveram a guerrilha e seus desdobramentos. Grande parte dos
depoimentos narra a ação dos militantes durante o tempo em que viveu
na região, a adaptação ao meio, os serviços prestados à comunidade, a
maneira de como se relacionavam com moradores nos locais e, a forma
violenta de como foram executados pelo Exército. Em meio a uma
extensa bibliografia, encontramos a narrativa dos últimos momentos de
vida de Miguel Pereira dos Santos, conforme trecho a seguir:
“Os guerrilheiros montaram acampamento e alguns saíram para tentar contato
ou procurar comida. Pegaram redes e desapareceram na mata. Ficaram Miguel,
Baianinha e Domingos. Por alguns momentos, Miguel ficou sozinho. De repente,
viu um incêndio na mata. Teve medo. Os militares tinham percebido a presença
dos comunistas e tocaram fogo para que saíssem do esconderijo. O guerrilheiro
viu os inimigos de perto. Deu um salto, pulou um riacho e fugiu entre as árvores.
(...) Desce por um riozinho até anoitecer. Pára, colhe alguns cocos e vê neles
alguns bichinhos. Espeta-os e engole. Sobe em uma árvore para dormir.
Sobrevivem quatro dias dessa maneira. Continua pela margem do riacho até
avistar a casa de um camponês. O tempo que passou percorrendo na mata, o
desespero de encontrar os inimigos, a fome e o medo deixou Miguel em estado
deplorável. As calças caem, mesmo com o cinto apertado até o último furo.
201
Foram vítimas da repressão das Forças Armadas moradores das regiões: Palestina
do Pará, Xambioá, São Domingos, Marabá, São Geraldo do Araguaia, entre outros.
Perdeu pelo menos 30 quilos nas andanças sem destino. Quando olha, vê o dona
da casa comer alguma coisa O estômago do guerrilheiro fala mais alto que a
precaução.
‘Rapaz me dá o que comer. Estou com fome’, implora Miguel. Em seguida,
pergunta se o caboclo conhece Pedro da Onça. ‘Senta aí’, responde a dona da
casa, depois de observar o recém-chegado de cima abaixo.
Levanta-se, entra na casa e volta com um prato branco, aquele de estanho
esmaltado, cheio de leite com farinha. Os olhos de Miguel se arregalaram. O
jovem militante sorve a primeira colherada com voracidade. Nem chega a
completar a segunda e a bota de um soldado chuta o prato para longe. Cerca de
oito homens apareceram de repente. Um deles encosta o cano de uma FAL na
cabeça do guerrilheiro. Sua trajetória de combatente durou 52 dias.”
202
Naqueles anos de intensa repressão policial, alguns moradores
tornaram-se colaboradores do Exército. Pelos menos cinco guerrilheiros
foram entregues à repressão através do trabalho dos informantes, entre
eles: Rosinha (Maria Célia), Pedro Carretel, Maria Lúcia Petit e Antônio
de Pádua e Piauhy. A relação de amizade entre os guerrilheiros e
moradores envolveu riscos. Ameaçados pelo Exército, alguns moradores
foram pressionados a denunciar seus colegas, conforme confessou
Raimundo Gomes
203
aos familiares durante visita às comunidades do
Araguaia.
Para Criméia de Almeida, da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos, o resultado da primeira viagem ao Araguaia foi positivo.
Durante o período de 22 de outubro a 4 de novembro de 1980
204
,
202
MORAIS, Taís; SILVA, Emano. Operação Araguaia: os arquivos secretos da
guerrilha. 2. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2005. p. 193-196.
203
Raimundo Gomes confessou ter sido obrigado a colaborar com o Exército durante o
período de repressão na região do Araguaia, dando informações sobre os guerrilheiros.
Outras informações sobre as caravanas dos familiares ao Araguaia em
www.desaparecidospoliticos.org.br/araguaia
.
204
Durante este período, fizeram parte dessa caravana: Cirene Moroni Barroso (mãe
de Jana/Cristina), Djalma Conceição de Oliveira (irmão de Dinalva Oliveira
Teixeira/Dina e cunhado de Antônio Teixeira/Antônio da Dina), Helena Pereira dos
Santos (mãe de Miguel Pereira dos Santos/Cazuza), Júlia Gomes Lund (mãe de
Guilherme Lund/Luís), Diva Lopes Santana (irmã de Dinaelza Coqueiro/Mariadina e
cunhada de Wandick Coqueiro/João do B), Consueto Callado (pai de Daniel
Callado/Doca), deputado Roberto Valadão (irmão de Arildo/Ari e cunhado de Áurea
Valadão), Alzira Grabois (esposa de Maurício Grabois, mãe de André Grabois e sogra
de Gilberto Olímpio Maria, Vitória Lavínia Grabois (filha de Maurício, irmã de André e
esposa de Gilberto), Edgar e Irene Corrêa (pais de Elmo Corrêa/Lourival, Maria Célia
Corrêa/Rosa e sogros de Telma Corrêa/Lia), Rita de Araújo Marques (tia de Bergson
familiares puderam realizar o levantamento de alguns pontos
importantes para um maior entendimento acerca dos fatos da guerrilha:
“(...) a) foi realmente fora de qualquer limite a repressão desencadeada
pelas Forças Armada contra os guerrilheiros e contra o povo; em vários
casos, chegou-se ao mais extremado sadismo; b) foi muito grande o
carinho e respeito que os guerrilheiros granjearam em imensas faixas da
população, não se ouviu, em nenhuma ocasião, qualquer referência que
não fosse de elogio; c) boa parte dos combatentes foi presa ainda viva pelo
Exército; d) o povo participou ativamente da guerrilha e o combate das
Forças Armadas foi em função de combater os guerrilheiros e o povo.”
205
A principal dificuldade encontrada pelos familiares no Araguaia
foi à ausência de documentos e indícios que levassem à localização dos
restos mortais dos guerrilheiros: “(...) constataram indícios de corpos
enterrados no cemitério de Xambioá e da existência de uma vala
clandestina numa área denominada Vietnã, próxima àquela cidade.
Colheram depoimento também sobre a existência de cemitérios
clandestinos em Bacaba, São Raimundo, São Geraldo, Santa Isabel,
Caçador e Oito Barracas (...). Apesar das buscas nada foi
encontrado.”.
206
No entanto, esse primeiro momento de buscas na região
onde ocorreu a guerrilha, serviu para dar visibilidade à causa dos
desaparecidos e mudar a imagem negativa que as Forças Armadas
difundiram sobre os guerrilheiros. Através dos depoimentos dos
próprios moradores, comprovou-se que os “paulistas”, como eram
chamados, eram pessoas queridas nas comunidades.
No ano de 1982, os familiares entraram com ação judicial contra
o Estado exigindo esclarecimentos sobre a execução dos guerrilheiros
no Araguaia e o conseqüente desaparecimento dos corpos. Até então, as
Gurjão Farias/Jorge), Rosa Batista (irmã de Uiraçu de Assis Batista/Valdir)e mais o
irmão de Paulo Marques/Amauri. Ver www.desaparecidospoliticos.org.br/araguaia
.
205
Ver site: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/araguaia.
206
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à
memória e à verdade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, 2007. p. 200.
maiores informações sobre o episódio do Araguaia partiram do Relatório
Arroyo (conforme já mencionado nesse capítulo).
No mês de abril de 1991, os familiares dos mortos e
desaparecidos, com o apoio da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese
de São Paulo e representantes da Câmara dos Deputados, retornaram à
região do Araguaia: “Promoveram escavações no cemitério de Xambioá,
onde encontraram duas ossadas, entre elas, de uma mulher jovem
envolta em tecido de pára-quedas (...).”
207
. Na ocasião, a equipe do Dr.
Badan Palhares acompanhou as escavações e encaminhou as ossadas
para perícia no Departamento de Medicina Legal da Unicamp. O laudo
de identificação, no entanto, foi entregue à família somente cinco anos
depois, em 14 de maio de 1996.
Maria Lúcia Petit foi a única guerrilheira do Araguaia que teve
seus restos mortais resgatados pela família. Sua trajetória política
começou cedo: influenciada pelo irmão Jaime e Lúcia – ambos também
combatentes da Guerrilha do Araguaia –, logo seguiu rumo ao interior
do país para engajar-se na luta juntamente com os outros membros do
PC do B. Após uma armadilha feita por um companheiro da
comunidade, chamado João Coioió, foi executada pelas forças da
repressão:
“(...) as primeiras horas do dia 16 de junho de 1972, a menos de 2 km da casa
do João Coioió, Jaime, Daniel e eu, fomos acordados com disparos de um tiro ao
longe e um outro tiro em seguida. Da mesma direção dos sons dos disparos,
metralhadoras foram acionadas, quando o ruído distante de um helicóptero em
movimento tornava-se próximo das imediações. Estávamos acampados na
retaguarda para aguardar Maria (Maria Lúcia Petit da Silva), Cazuza (Miguel
Pereira dos Santos) e Mundico (Rosalino de Souza) para ajudá-los no transporte
dos mantimentos encomendados por ‘João Coioió’. Retiramo-nos imediatamente
e, ao final da tarde, acampamos nas cabeceiras da chamada Grota da Cigana.
Momentos mais tarde, enquanto preparávamos o jantar, milho maduro em água
e sal, cozido a fogo brando, para esperar os três companheiros ausentes,
207
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. 2007. p.
200.
surgiram Cazuza e Mundico, ensopados de suor e aflição. Perguntei por Maria e
a resposta de Cazuza foi direta e crua: ‘a reação a matou’.”
208
Após a apuração dos fatos da Guerrilha do Araguaia e da falta de
respaldo do Estado com relação às devidas providências sobre o caso os
familiares das vítimas enviaram à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, em agosto de 1996, uma petição referindo-se ao
desaparecimento, entre 1972-1975, de membros da guerrilha:
“Assinada pelas entidades Human Rights Watch/Americans
209
, Grupo
Tortura Nunca Mais/RJ, Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos de São Paulo e Centro de Justiça e pelo Direito
Internacional-Cejil, o documento alega violões aos artigos 3. (direito à
personalidade jurídica), 4. (direito à vida), 5.(integridade física), 7. (direito
à liberdade pessoal), 8. (direito de acesso à justiça), 12. (liberdade de
consciência e de religião), 13. (Liberdade de pensamento e de expressão),
e 25. (direito a ser ouvido em prazo razoável), da Convenção Americana
sobre os Direitos Humanos.”
210
Nesse momento, o debate sobre a questão dos mortos e
desaparecidos durante a ditadura militar no país atinge esfera
internacional no que se refere à guerrilha do Araguaia. Desde o início da
década de 1980, a Human Rights Watch demonstrou preocupação em
relação aos crimes cometidos pelas ditaduras militares nos países
latino-americanos. No Brasil, a entidade representa especificamente os
familiares no caso do Araguaia.
208
Depoimento de Regilena Carvalho Leão de Aquino, uma das poucas sobreviventes
da Guerrilha do Araguaia, esposa de Jaime Petit, irmão de Maria Lúcia. COMISSÃO
Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. p. 205.
209
A Human Rights Watch é uma organização internacional não-governamental de
defesa dos Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos. Trabalha na
documentação e fiscalização dos abusos contra os direitos humanos através de
representações nos cinco continentes. No Brasil, tem trabalhado com diversas
entidades nacionais, dentre as quais: a Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos e os Grupos Tortura Nunca Mais. Ver: TELES, 2000. p. 181-
186.
210
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
201.
Sobre o caso, o governo brasileiro contra-argumentou à Corte
Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA) que no país já havia uma lei de reparação aos
familiares das vítimas e o reconhecimento e responsabilidade do Estado
pelas mortes e desaparecimentos no país, referindo-se à Lei dos
Desaparecidos. Na interpretação dos membros da Corte Americana, “a
reparação não podia se restringir ao pagamento em dinheiro, mas
envolvia necessariamente a prestação de informações sobre as
circunstâncias dos desaparecimentos e mortes, bem como a localização
dos corpos e a responsabilização cabível aos perpetradores de todas
aquelas violações de Direitos Humanos.”.
211
Segundo afirmativa da Corte Americana de Direitos Humanos
sobre os desaparecimentos e a conseqüente lei de indenização às
vítimas, “primeiro se investiga, depois determina-se as responsabilidades
e punições, e, por último se paga uma indenização (...) e que haja
investigação em casos de desaparecimentos forçados”.
212
Em maio de 1996, novas investigações foram realizadas no
Araguaia.
213
Dessa vez, baseando em uma série de reportagens
publicadas pelo jornal O Globo
214
, no mês de abril desse mesmo ano, e
também, do Relatório sobre os Cemitérios da Região do Araguaia,
elaborado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
211
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
201.
212
COMPARATO, Fábio Konder. A responsabilidade do Estado brasileiro na questão
dos desaparecidos durante o regime militar. TELES, 2000. p. 47-55.
213
A Primeira Missão de Buscas de Restos Mortais foi realizada entre os dias 7 e 11 de
maio de 1996, promovida pela Comissão Especial do Ministério da Justiça. Estiveram
presentes na viagem: o antropólogo forense Luis Fondebrider, da Equipe Argentina de
Antropologia Forense; Cristiano Morini, assistente da Comissão Especial e Criméia de
Almeida, assessora de Suzana Lisboa na Comissão Especial. Ver mais informações no
site:
www.desaparecidospoliticos.org.br/araguaia
.
214
A partir de 28/04/1996, o jornal O Globo publicou uma série de reportagens sobre
o conflito do Araguaia. As matérias trouxeram fotos inéditas de guerrilheiros presos e
mortos, informando ainda sobre a localização de sete cemitérios clandestinos. Com
base nisso, os familiares solicitaram à Comissão Especial do Ministério da Justiça
uma investigação mais abrangente sobre o caso. COMISSÃO Especial de Familiares de
Mortos e Desaparecidos Políticos. 2007. p. 200.
Políticos. Durante a viagem a equipe localizou e preservou três áreas
com cemitérios clandestinos: no cemitério municipal de Xambioá, no
Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) de Marabá e na
fazenda Fortaleza, próxima à cidade de São Domingos do Araguaia.
Mais tarde, a equipe retornou ao local para realizar escavações
nos sítios demarcados no mês de maio. Em Xambioá foram encontradas
ossadas, no entanto, somente uma, apresentava indícios de pertencer a
um guerrilheiro. Em São Raimundo, na reserva indígena dos Suruis,
foram recuperados restos de duas ossadas de prováveis guerrilheiros. O
local já havia sido violado pela população local e, por conta disso, os
fragmentos encontrava-se em difíceis condições de identificação. Na
continuidade das investigações, a equipe percorreu as seguintes áreas:
São Geraldo, Caçador, Oito Barracas, Serra das Andorinhas, DNER e
Fazenda Brasil-Espanha, onde nenhuma ossada foi encontrada. Sobre a
ossada encontrada no cemitério de Xambioá, apesar de estar sob
investigação da Polícia Civil de Brasília, nenhum parecer foi divulgado.
E, apesar dos esforços da equipe deslocada para a região e,
principalmente, do trabalho de investigação realizado pelos familiares,
não houve avanço com relação aos resultados.
Podemos dizer que, desde a primeira iniciativa da Comissão de
Familiares, em 1980, nas buscas aos membros da Guerrilha do
Araguaia, até os dias atuais, somente os restos mortais de Maria Lúcia
Petit foram localizados e identificados, o que de certa forma, causa um
imenso desgaste para os parentes das vítimas.
No ano de 2001, foram abertos os seguintes inquéritos civis
públicos para tratar sobre as responsabilidades do caso dos
desaparecidos do Araguaia: (pelo Ministério Público Federal de São
Paulo, o inquérito nº 03/2001; pelo Ministério Público do Pará, o
inquérito nº 01/2001 e, pelo Ministério Público do Distrito Federal, o
inquérito nº 05/2001). Esses inquéritos refletem um trabalho de ação
conjunta entre os órgãos do Ministério Público Federal a fim de reunir o
maior número de dados sobre a Guerrilha do Araguaia. O objetivo “era
reunir informações que permitissem identificar eventuais locais de
sepultamento das pessoas mortas durante os combates e produzir
documentos oficiais sobre o episódio recente da história brasileira,
perseguindo a ‘concretizão dos direitos fundamentais à informão e à
verdade’.”.
215
Em mais uma ação que envolve a questão do Araguaia, a juíza
federal Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal proferiu
sentença referindo-se à causa movida por 22 familiares iniciada em
1982, determinando a quebra de sigilo de todas as informações oficiais
sobre o episódio e o prazo de 120 dias para que a União fornecesse
informações a respeito dos locais onde foram sepultados os militantes
da guerrilha, estabelecendo a multa diária de R$ 10 mil, caso o Estado
descumprisse essa determinação. O Estado, por sua vez, recorreu da
sentença, e a mesma continua tramitando na justiça federal.
215
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
200-270.
2.4 OS ARQUIVOS DO DOPS: NOVAS INFORMAÇÕES CONTRIBUEM PARA A
RECONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA
A descoberta da vala clandestina em Perus e a repercussão sobre
os trabalhos da CPI da Câmara Municipal de São Paulo que investigou
irregularidades nos cemitérios da capital e de outros cemitérios
incentivaram as buscas dos familiares com relação a outras fontes de
informações. Na pauta das solicitações, havia uma já antiga: os
arquivos da Forças Armadas e do DOPS.
Para os membros da Comissão de Familiares, nesses arquivos
existem informações que podem indicar eventuais locais onde possam
estar enterrados os desaparecidos e até mesmo fornecer dados sobre as
circunstâncias das mortes de presos políticos. A possibilidade de
encontrar registros dos desaparecidos nesses arquivos indica que
militantes políticos estiveram em poder dos órgãos de repressão e,
conseqüentemente, houve um destino a essas pessoas, fato que
responsabiliza o Estado em possíveis crimes praticados.
A estrutura do poder militar passou a contar com um sistema
organizado dentro dos estados. Cabe-nos apontar as diferentes formas
de articulação desse poder, sobretudo, contando com a conivência dos
militares, a exemplo da OBAN
216
. Fundada em meados de 1969, esse
grupo de operações reuniu membros das Forças Armadas, Polícia
Política Estadual, Departamento de Polícia Federal, Polícia Civil, Força
Pública, Guarda Civil – todos os tipos, enfim, de organismos de
segurança e policiamento para o combate à subversão no país. Há
registros de que sua atuação contou com investimentos estaduais e
também de multinacionais com a Ford, General Motors e Grupo Ultra.
Do grupo de financiadores da OBAN “fazia destacadamente Henning
216
A OBAN foi instalada na sede da Polícia do Exército e posteriormente na 36ª
Delegacia de Polícia, na rua Tutóia, em São Paulo. Ver : ARQUIDIOCESE de São
Paulo. Brasil nunca mais. 35. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 69-76.
Albert Boilesen, um dinamarquês naturalizado brasileiro que presidia a
Ultragás, próspera companhia de gás liquefeito (...) Firmas brasileiras
também foram pressionadas a contribuir com dinheiro, carros, caminhões
e outras formas de ajuda em espécie para a OBAN.”.
217
Através da OBAN foi possível ampliar a estrutura dos organismos
de repressão no país: “A inexistência de estrutura legal conferiu ao novo
organismo uma mobilidade – e impunidade, quanto aos métodos – que
garantiu importantes virias na chamada ‘luta contra a subversão’ o tipo
de estrutura da OBAN serviu de inspiração para a implantação, em
escala nacional, de organismos oficiais que receberam a sigla DOI-
CODI.”.
218
O Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) surgiu em janeiro de 1970 e
atuou sob comando dos militares com respaldo financeiro das Polícias
Estaduais. Somente no estado de São Paulo, o departamento contou
com cerca de 250 agentes, com parte desse efetivo composto por
militares. Normalmente, militantes políticos, após serem capturados
pelas forças de repressão, seguiam para esse local, onde sofriam
sessões de tortura durante interrogatório: “Em cada jurisdição territorial,
os DOI-CODIs passavam a dispor do comando efetivo sobre todos os
organismos de segurança existentes na área, sejam as Forças Armadas,
sejam das polícias estaduais e federal.”.
219
Além do DOI-CODI, a repressão política contou também na sua
estrutura com o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). A
partir de 1968, com o AI-5, ficou vedada a impetração de habeas-corpus
para todos os cidadãos enquadrados nos chamados crimes políticos
contra a Segurança Nacional. Normalmente, os inquéritos policiais eram
217
SKIDMORE, 1988. p. 254.
218
ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil nunca mais. 35. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
p. 73.
219
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. 2007. p.
74.
feitos em duas etapas: a fase do DOI-CODI ou dos organismos de
segurança das Forças Armadas, onde os presos passavam por
interrogatórios por agentes de segurança e, a do DOPS, onde esses
depoimentos eram “formalizados” e, durante todo o tempo eram
mantidos incomunicáveis com suas famílias. Todas as informações
obtidas no DOI-CODI através dos “interrogatórios preliminares” eram
remetidas ao DOPS
220
: “Ao DOPS e à Polícia Federal era reservado o
trabalho de resumir aqueles interrogatórios, desaparecendo dos
inquéritos, eno, os volumosos depoimentos extraídos no DOI-CODI.”.
221
Muitos presos políticos puderam testemunhar a forma criminosa
de como agiam esses órgãos. Nas páginas do livro Brasil nunca mais,
relatos de vários casos de presos que foram torturados após serem
capturados por agentes policiais. O técnico em contabilidade, João
Manoel Fernandes, na época com 22 anos, forneceu depoimento à
Justiça Militar, em 1970:
“(...) no DOPS do Paraná, onde submetido a espancamento na face, no
abdômen, chutes na perna, palmatória, não sendo levado para o pau-de-
arara porque estava convalescendo de um tiro que levou quando da sua
prisão; (...) que quer, agora, esclarecer como fora preso: que, na ocasião, de
sua prisão, se encontrava no apartamento da Rua Presidente Farias Lima,
(...) número 1.350, em Curitiba. Eram aproximadamente vinte e (ilegível)
horas, quando a porta da sala foi escancarada, sendo que vários policiais
invadiram, com armas na mão, a sala, atirando; que um dos projéteis
atingiu o depoente na garganta e saiu no homoplata esquerdo; a partir daí,
220
No DOPS era feita uma espécie de “cartório”. Consta nos seus arquivos, álbuns
com fotos de militantes políticos envolvidos em manifestações públicas, a exemplo, do
Movimento de Ibiúna em 1968. O álbum contém fotos dos estudantes que
participaram do evento. Há também registros de membros das organizações de
extrema-esquerda, sob o título Terroristas e Subversivos. Nos arquivos, encontram-se
fichas de ex-presos políticos com as seguintes informações: Nome completo, Filiação,
Nacionalidade, Estado Civil, Profissão, Idade, Local de Trabalho, Ordenado, Endereço
Residencial, e se o cidadão era ou não sindicalizado. Na maioria das vezes, eram
acrescentadas informações sobre os presos, como “terrorista”, “assaltante de banco”
ou “subversivo”. O DOPS ainda, era o departamento competente de divulgar as
“versões oficiais”. – Dados obtidos através de pesquisa realizada aos arquivos do
extinto DOPS.
221
ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil nunca mais, 2007. p. 173-174.
foi levado a pontapé até o Pronto Socorro do Hospital Cajuru, em Curitiba,
onde lhe foram ministrados dos primeiros socorros (...).”
222
A tortura foi uma prática utilizada por membros dos órgãos de
segurança que visava à intimidação dos presos políticos: “O emprego
sistemático da tortura foi peça essencial da engrenagem repressiva posta
em movimento pelo Regime Militar que se implantou em 1964.”.
223
Para
os que vivenciaram essa prática ilegal, uma amarga lembrança e uma
eterna sensação de impunidade. Ivan Seixas
224
é um desses casos:
preso aos 16 anos, juntamente com seu pai, Joaquim Alencar Seixas,
foi barbaramente torturados no DOI-CODI por mais de 30 policiais:
“No dia em que foi preso – 16/04/1971 – Seixas estava acompanhado do filho
adolescente, Ivan, também militante do MRT. A detenção aconteceu na Rua
Vergueiro, perto do número 9 000 e ambos foram levados para a 37. DP,
localizada na mesma rua, na altura do número 6 000. No pátio do
estacionamento, pai e filho foram espancados, enquanto os policiais trocavam
os veículos utilizados para efetuar as prisões. Postos na nova viatura, os dois
foram conduzidos às dependências do DOI-CODI/SP, na Rua Tutóia, antiga
Operação Bandeirantes. No pátio de manobras daquela unidade, a violência
dos espancamentos chegou ao ponto de partir a corrente das algemas que os
uniram. Pouco depois, na sala do interrogatório, um foi torturado na frente do
outro (...).”
225
No mesmo dia da prisão de Ivan e seu pai, sua mãe, Fanny, e
suas irmãs, Ieda e Iara, também foram detidas por agentes do DOI-
222
ARQUIDIOCESE de São Paulo, 2007. p. 205.
223
ARQUIDIOCESE de São Paulo, 2007. p. 203
224
Ivan Seixas é jornalista, ex-preso político e ativo membro da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. É um dos responsáveis pela
elaboração e manutenção do site www.desaparecidospoliticos.org.br
. Forneceu-me
pessoalmente uma cópia do Relatório da CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre
Perus, para fins de pesquisa.
225
O caso do militante político Joaquim Alencar Seixas consta no livro-relatório
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à
memória e à verdade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, 2007. p. 157-158.
CODI. Naqueles anos de repressão acirrada, prisões e torturas
estendiam-se aos familiares dos militantes e ativistas políticos.
226
Parte dos registros dos presos políticos e de pessoas que tiveram
passagem pelos órgãos de repressão na época, podem ser consultados
no acervo do Arquivo do Estado de São Paulo. Sabe-se que esses
documentos foram manipulados, no entanto, dados que foram
encontrados pelos familiares a respeito de alguns militantes políticos,
puderam esclarecer as circunstâncias de suas mortes. O caminho
percorrido pelas famílias até o acesso a esses arquivos foi longo.
Durante muito tempo, membros da Comissão de Familiares
reivindicavam o direito de acesso aos arquivos das Forças Armadas e do
DEOPS.
Somente em 1992, após as discussões travadas em torno do
episódio de Perus, ocorreram as primeiras iniciativas com relação aos
arquivos públicos da ditadura militar. Esses arquivos foram
transferidos para a Polícia Federal, em Brasília, no ano de 1982,
durante período da campanha eleitoral para o governo do Estado de São
Paulo. Na época, o candidato do PMDB ao governo do estado, Franco
Montoro, comprometeu-se com membros da Comissão de Familiares de
extinguir o DOPS
227
caso fosse eleito. Antes que o fato se concretizasse,
uma manobra do então governador Paulo Maluf e do superintendente
da Polícia Federal, Romeu Tuma, permitiu que todo arquivo fosse
encaminhado para Brasília. Portanto, não houve tempo para que
nenhuma medida que pudesse favorecer os familiares fosse tomada.
226
Os depoimentos de pessoas que sobreviveram às prisões e torturas deixam claro
essa afirmação. Maria Amélia de Almeida Teles informou que, na ocasião de sua
prisão, seus dois filhos menores, de 4 e 5 anos, foram detidos, também pelos agentes
do DOI-CODI. Antônio Carlos Fon, preso pelos agentes que buscavam seu irmão,
relatou que na mesma operação, foi presa toda sua família, com exceção da irmã, de 2
anos de idade, deixada sozinha em casa. Outros dados constam em:
www.deparecidospoliticos.org.br
.
227
O DOPS foi extinto por decreto publicado no Diário Oficial do Estado em 05 de
março de 1983, assinado pelo governador em exercício José Maria Marin, vice de
Paulo Maluf no governo que antecedeu o governador eleito Franco Montoro.
Cerca de dez anos após esse acontecimento, o então Presidente da
República, Fernando Collor de Mello (1990-1992), sancionou a Lei 8
159
228
. A partir da promulgação dessa lei, os arquivos que estavam sob
responsabilidade federal passaram a pertencer aos Estados, o que veio
a ser uma nova contribuição na busca de informações: “Pesquisas
realizadas em todos esses arquivos constataram evidências de que
teriam sido “trabalhadosantes da abertura, uma vez que páginas foram
eliminadas e seqüências inteiras foram puladas, muitas vezes
coincidindo exatamente com datas e ocorrências relatadas no dossiê
original dos familiares..
229
Na seqüência da promulgação dessa lei, que viabilizou a liberação
dos arquivos aos estados, o acervo do Pernambuco foi o primeiro que
esteve à disposição dos familiares para pesquisa. Essa ação possibilitou
maior esclarecimento acerca das mortes de pelo menos oito militantes
políticos
230
, o que representou um grande avanço para os familiares. Na
seqüência foram liberados os arquivos dos estados do Paraná
231
, Rio de
Janeiro e São Paulo, que favoreceu a complementação de informações
preexistentes e a obtenção de novas.
228
A Lei 8 159 de 08 de janeiro de 1991 dispõe sobre a política nacional de arquivos
públicos e privados e dá outras providências. Segundo dispositivo da lei, no Capítulo I,
Art. 4: “Todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de artigos.”.
229
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. 2007. p.
30-34.
230
Através dos Arquivos do DOPS/PE, familiares puderam obter informações sobre os
seguintes militantes: Ezequias Bezerra da Rocha, preso com sua esposa, Guilhermina
Bezerra da Rocha, em Recife, e que, desde março de 1972, se encontrava
desaparecido; Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira, Jarbas Pereira Marques,
Soledad Barret Viedma, José Manoel da Silva e Euldaldo Gomes da Silva. Os seis
últimos foram vítimas do episódio da Chácara São Bento, no município de Paulista
(PE), em janeiro de 1973, onde se encontravam os militantes da VPR. Essas
informações constam no Relatório da CPI da Câmara de São Paulo sobre Perus. Ver
também: COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
2007. p. 326-327.
231
Com a abertura dos Arquivos do DOPS do estado do Paraná, em julho de 1991,
familiares tiveram acesso a informações dos seguintes militantes políticos: Paulo
Stuart Wright (desaparecido em 1972), Maria Augusta Thomaz (desaparecido em 1973)
e Virgílio Gomes da Silva (morto na OBAN/SP). Ver:
http://www.desaparecidospoliticos.org.br/principal
.
Essa medida do governo favoreceu o trabalho de pesquisa dos
familiares, que já reivindicavam acesso a esses arquivos durante algum
tempo e, através dela, foi possível obter novas informações. A
promulgação dessa lei foi também, conseqüência das discussões
ocasionadas a partir do descobrimento da vala de Perus e todo o
processo de investigação realizado na época sobre os desaparecidos. Foi
resultado ainda, de muito trabalho e persistência dos familiares. Maria
Amélia Teles recorda as dificuldades de acesso às informações:
“Eles tiraram todo o arquivo e levaram para a Polícia Federal, esconderam.
O arquivo de mais de dois milhões de fichas que tem ali e eles tiraram e
mandaram tudo para a Polícia Federal. Então, você vai ver que isso eles
ficaram anos na Polícia Federal e fazendo que não tinha nada lá. Até que
nós brigamos, era Collor, Quércia, depois Fleury (...) mas quem mandou
abrir mesmo os arquivos do DOPS foi o Fernando Collor, por incrível que
pareça. Então ele mandou abrir, fez um decreto, fez uma nova lei e nós
fomos à Polícia Federal de novo para abrir os arquivos e eles falaram que
não tinha nada. Até que um dia eles tiveram que falar que tinha, quer
dizer, era tanto material que tinha lá, que o quinto andar era todo de
arquivo. Se fosse um papelzinho você poderia dizer... não sei, acho que
não está aqui (...) Os arquivos são maquiados,são manipulados, os
comprometedores foram excluídos, se é que tinham foram excluídos.
Porque geralmente ninguém escreve que torturou alguém, isso é praxe da
humanidade, ninguém confessa isso por escrito. Então, não tem esse tipo
de documento, mas, por exemplo, tinha uma gaveta que era dos
colaboradores, informantes da ditadura (....) essa gaveta é vazia, não tem
ficha, eles tiraram todas (...) Então é esse documento que nós tivemos
acesso. Mesmo sendo esses documentos, nós descobrimos, localizamos
corpos de desaparecidos com esses documentos (...).
”232
Os arquivos do DOPS de São Paulo contribuíram para a
reconstituição de muitos fatos, pois mantiveram documentos de suma,
232
Depoimento de Maria Amélia Teles, ver nota 147.
forma que foi possível realizar levantamento de dados sobre vários
presos políticos
233
.
No decorrer das pesquisas, familiares também tiveram acesso a
um relatório do Serviço Nacional de Informações (SNI), do ano de 1978,
onde constam informações de outros opositores da ditadura militar,
entre eles, Ruy Berbet (desaparecido), Márcio Beck Machado e Maria
Augusta Thomás, mortos no estado de Goiás.
Coube à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos a ampla pesquisa nos documentos encontrados nos acervos e,
principalmente, a organização de todas as informações reunidas sobre
as vítimas. O resultado desse trabalho foi publicado em 1996, com o
título Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 64”
234
,
citado neste capítulo. Com o apoio dos governos dos estados de
Pernambuco e São Paulo, o Dossiê contribui para uma série de novas
informações sobre os opositores do regime militar. Nesse documento
foram relacionados 358 casos separadamente, classificados como:
“Mortes Oficiais”, “Desaparecidos no Brasil”, “Desaparecidos no
Exterior”, “Mortes no Exílio” e “Outras Mortes”, além da lista de 152
pessoas desaparecidas no país devido à ação dos órgãos de segurança.
A militante da ALN, Isís Dias de Oliveira
235
foi presa no dia 30 de
janeiro de 1972 por agentes do DOI-CODI/RJ juntamente com Paulo
233
Por meio das pesquisas realizadas nos Arquivos do DOPS de São Paulo foi possível
confirmar prisão e as circunstâncias da morte de Carlos Alberto Soares Freitas,
Maurício Grabois (desaparecido do Araguaia), Ana Rosa Kucinsky, Wilson Silva;
Fernando Santa Cruz de Oliveira, Isís Dias de Oliveira (desaparecida), Edgard Aquino
Duarte (desaparecido), Hiram Pereira de Lima (desaparecido), Rui Carlos Vieira Berbet
(desaparecido), Ramires Maranhão do Vale (desaparecida), Vitorino Alves Moitinho
(desaparecido).
234
Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 64. Recife: Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE), 1995, posteriormente publicado também pelo governo
do Estado de São Paulo, em 1996. Todas as informações contidas neste dossiê é
resultado de pesquisas da Comissão de Familiares nos seguintes locais: Arquivos do
IML em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco; nos arquivos do DOPS de
Pernambuco, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro; nos Arquivos de Criminalística
Carlos Éboli; nos documentos do Projeto BRASIL NUNCA MAIS e documentos da
imprensa.
235
Isís Dias de Oliveira e Paulo César Botelho Massa integram a lista de desaparecidos
políticos anexa à Lei 9 140/95.
César Botelho Massa, pertencente à mesma organização política.
Poucos dias depois, uma colega da USP e também companheira de luta,
Aurora Maria Nascimento Furtado, comunicou por telefone à família de
Isís sobre sua prisão. Segundo relato de seu pai, Edmundo Dias de
Oliveira, Aurora informou que a amiga corria perigo e disse-lhes na
época: “tratem de localizá-la.”
236
. Esse telefonema foi o ponto de partida
de vários anos de buscas. A família de Isís entrou com cinco beas
corpus na justiça, através da advogada Eny Raimundo Moreira, todos
negados na ocasião: “Percorreram as unidades do Exército, Marinha e
Aeronáutica do Rio de Janeiro e São Paulo onde imaginassem poder ter
notícias de Isís”. Vasculharam os arquivos dos cemitérios do Rio de
Janeiro, Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu, São
Gonçalo.”.
237
A família organizou várias pastas onde guarda os
documentos adquiridos durante todo esse tempo. Felícia Mardini de
Oliveira, mãe da Isís, hoje com 90 anos, já encaminhou várias cartas às
autoridades públicas, civis e religiosas com a esperança de obter
informações da filha. Durante trinta anos de luta, prestou vários
depoimentos:
“Minha filha foi presa mais ou menos no dia 30 de janeiro de 1972, não tenho
a data exata. Eu voltava de uma excursão ao Uruguai e estranhei que ela não
tivesse se comunicado com o pai na minha ausência (...). Foi em junho de
1970 que ela se envolveu na ALN. Não falava sobre o que fazia. Na última vez
que nos encontramos, em novembro de 1971, me aconselhou a tomar cuidado
para não ser seguida. Em quatro de fevereiro de 1972, recebemos um
telefonema de Aurora Furtado, que foi morta meses depois. Ela informava que
Isís estava presa no I Exército e corria risco de vida. Entramos com cinco
hábeas corpus e todos tiveram a mesma resposta: foragida. (...) Segui o
mesmo caminho das outras famílias. Percorria hospitais, cemitérios e prisões.
Eu pegava ônibus em São Paulo e amanhecia no Rio (...).”
238
236
COMISSÃO Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.
281-283.
237
Idem, ibid.
238
Depoimento de Felícia Mardini de Oliveira. Ver: Desaparecidos, a difícil de
cicatrizar: parentes que ainda buscam corpos sentem alívio pelo fim da peregrinação,
após revelações de ex-sargento, mas revivem dor. São Paulo, Jornal da Tarde, 29 nov.
1992.
CAPÍTULO III A COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLÍTICOS (CEMDP): REPARAÇÃO
ÀS VÍTIMAS DA DITADURA MILITAR
3.1 A CONQUISTA DA LEI 9 140 E A FORMAÇÃO DA CEMDP
Após a concessão da Anistia no ano de 1979 e os desdobramentos
por ela causados, como a abertura política, os movimentos sociais e de
direitos humanos passaram por um momento de reorganização no
campo político que promoveu o fortalecimento da sociedade em relação a
importantes conquistas para a democracia.
No transcurso da década de 1980, o movimento pelas “Diretas”
(eleições diretas) e a posse de um presidente civil, mesmo que eleito de
forma indireta, compôs um cenário favorável para a atuação desses
grupos com o fim da ditadura militar: “A campanha das Diretas já
consolidou o processo de crise do cesarismo militar e eliminou qualquer
possibilidade de o campo governista preservar sua unidade e conquistar
legitimidade, entre as diversas frações do bloco do poder, para mais um
governo militar (...) O caráter das massas da campanha, com a
participação de milhões de pessoas nos comícios e manifestações,
mobilizou diversos setores sociais ainda ausentes da disputa política,
atraindo as massas populares, principalmente urbanas, para uma posição
anticesarista explícita.”.
239
De certo modo, a partir da redemocratização foi possível
estabelecer canais de comunicação com a sociedade que permitiram a
discussão sobre o tema dos mortos e desaparecidos políticos, trazendo à
tona fatos amplamente censurados durante a gestão dos militares. A
década de 1990 foi um marco nesse processo. Nesse período, a luta dos
familiares ganhou notoriedade a partir da descoberta da vala de Perus,
da conseqüente CPI da Câmara Municipal de São Paulo e da liberação
239
MACIEL, 2004. p. 298-299.
dos arquivos do DOPS, através da promulgação da Lei 8 159/91, no
governo do presidente Fernando Collor de Mello, conforme mencionado
no capítulo anterior.
Tais medidas favoreceram a busca de informações pelos familiares,
mas não solucionaram totalmente o problema. Todavia, nenhuma
possibilidade de negociação com o governo foi descartada e quando havia
um espaço para discussão sobre o tema, os interessados sempre
procuravam formas de chamar a atenção da opinião pública e difundir a
causa.
O dia 28 de agosto de 1991, data de comemoração dos 12 anos de
Anistia, representou um momento de muita importância na caminhada
de luta dos familiares. O encontro realizado na Câmara Federal foi o
cenário apropriado para consolidar futuros acordos com o governo. O
discurso do deputado federal, Haroldo Lima, na época líder do PC do B
na Câmara, relembrou parte das conquistas realizadas após a Anistia e
prestou a devida homenagem aos parentes e vítimas da ditadura militar.
A seguir, um trecho de seu pronunciamento:
“Vemos aqui familiares de mortos e desaparecidos. Temos que realçar que
um dos efeitos dessa luta foi ter trazido à tona um grupo de pessoas que
demonstrou uma audácia, uma determinão, uma clarividência e uma
perseverança que não podem ser obscurecidas. O Brasil não tem as mães
da Praça de Maio, porque não estamos em Buenos Aires, na Argentina,
mas tem as mães da Pátria brasileira, senhoras que estão lutando para
saber onde estão enterrados seu filhos, sua filha, seu marido, onde estão
os mortos e desaparecidos de uma resistência gloriosa (...) E temos a
responsabilidade de apoiar essa luta e fazer todos os esforços para que a
Pátria esclareça, afinal, onde estão aquelas pessoas que resistiram ao
arbítrio. Onde estão?”
240
240
Trecho do pronunciamento de Haroldo Lima (PC do B) em 21 de Agosto de 1991, em
sessão solene em comemoração aos 12 anos de Anistia, onde estiveram presentes
representativas lideranças do Movimento em Defesa dos Direitos Humanos, a prefeita
de São Paulo, Luiza Erundina, congressistas e membros da Comissão de Familiares de
Mortos e Desaparecidos. Nesse dia foram homenageados: Irene Correa e Cirene Moroni
Barroso (mães de desaparecidos), Oswaldo Orlando Costa (líder da guerrilha do
Araguaia), Maurício Grabois (dirigente político e guerrilheiro do Araguaia), entre
outros.
Nessa ocasião, representantes da Comissão de Familiares
solicitaram, por meio de uma reunião com os deputados Nilmário
Miranda (PT-MG) e Sigmaringa Seixas (PSDB-DF), uma ação que
mobilizasse a causa em pró dos mortos e desaparecidos políticos no
país. Em resposta às reivindicações, o deputado Nilmário Miranda
elaborou um requerimento ao presidente da Câmara Federal, Ibsen
Pinheiro, propondo a criação de uma Comissão Externa para os
desaparecidos políticos. Sobre esse momento, deputado cita:
“O que é uma Comissão Externa? Ela é formada com um objetivo concreto,
a comissão sai daqui digamos, para o Pará investigar Eldorado dos
Carajás, uma chacina, foi lá, volta faz um relatório, dissolve um tema
específico (...) Eu pedi uma comissão para auxiliar as famílias dos mortos e
desaparecidos políticos que estavam trabalhando, já tinham informações,
ou seja, não tinha um objetivo concreto, determinado, mas o Ibsen Pinheiro
aceitou, era uma coisa estranha, a única comissão externa da história da
Câmara que durou 3 anos, em geral, dura 2 semanas, 3 semanas. Ela não
tinha um objetivo de ir ali, fazer uma determinada ação e voltar (...) ela
ficou ali para apoiar as famílias (...).”
241
Essa Comissão de Representação Externa da Câmara Federal
242
desenvolveu um trabalho de apoio às famílias durante três anos (1991-
1994), acompanhou as buscas no cemitério de Perus, contribuiu no
esclarecimento de casos de desaparecidos brasileiros no Chile e na
Argentina, realizou audiências públicas nos Estados, analisou
documentos sobre as vítimas da repressão e entrevistou familiares e ex-
presos políticos. Vale ressaltar que a Comissão Externa foi o primeiro
apoio efetivo aos familiares no que se refere às ações do governo federal.
241
Entrevista cedida pelo deputado federal Nilmário Miranda, em agosto de 2000, que,
na ocasião, era presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados. Ex-preso político, foi eleito deputado federal pelo PT-MG e reeleito em
1994 e 1998. Foi autor do projeto de lei que criou a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara Federal e atuou como membro da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, no período de 1995 a 2002. Em 2003, foi eleito Ministro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República entre
02/01/2003 e 21/07/2005. Foi candidato ao governo do Estado de Minas Gerais, em
2006, mas perdeu para Aécio Neves.
242
Entre os deputados que integraram a Comissão Externa, destacaram-se: Nilmário
Miranda (PT-MG), Roberto Valadão (PMDB) e Sigmaringa Seixas (PSDB-DF).
Na condição de comissão institucional, foi composta por representantes
de vários partidos políticos, entre eles o PT, o PC do B, o PSDB e o
PMDB. Atuou em uma sala fixa na Câmara Federal, fornecendo
assistência às famílias durante todo o período, até a finalização dos
seus trabalhos no final da gestão do presidente Itamar Franco (1992-
1994): “Apesar de não ter o poder de uma CPI, a Comissão Externa
funcionou durante três anos, valendo como espaço de debate em torno
da questão e contribuindo para que o assunto ganhasse ainda mais
divulgação.”.
243
O fato de ter permanecido na Câmara durante três anos
possibilitou um espaço para futuras reivindicações por parte dos
familiares.
Mediante a repercussão dos trabalhos da Comissão Externa, em
1993, pela primeira vez foi possível realizar discussões mais concretas
em torno de uma lei de reparação às famílias e, principalmente, sobre o
reconhecimento do Estado brasileiro de sua responsabilidade durante
os crimes cometidos na ditadura militar. Na ocasião, o deputado
Nilmário Miranda realizou uma viagem ao Chile e à Argentina como
membro da Comissão Externa, em busca de conhecimento sobre as leis
de reparação do Chile para trazer essa experiência ao Brasil.
O Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, em audiências realizadas
com membros da Comissão Externa, comprometeu-se a estudar uma
lei de reparação às vítimas. Durante esse processo, o ministro solicitou
a lista dos familiares com os nomes de mortos e desaparecidos políticos
e enviou à Marinha, à Aeronáutica e ao Exército, a fim de obter indícios
sobre a localização dessas pessoas.
De acordo com Nilmário Miranda, a solicitação do ministro foi
atendida através de um documento de caráter confidencial e houve um
consenso entre os membros da Comissão Externa em romper com
essas informações confidenciais e torná-las públicas. No que diz
respeito aos documentos, “eles traziam informações, sobretudo, da
guerrilha do Araguaia, e muitas informações permitiram ver que vários,
dezenas e dezenas do pessoal do Araguaia, foram presos vivos e depois
243
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 32.
foi mortos, pelos documentos da Marinha, nos arquivos da Marinha,
mostravam que eles foram presos vivos e depois que morrem. E mostrava
também que eles tinham informações apesar que negavam que tinham
informações, mas eles tinham, tinham, não, eles têm informações, o
Exército, a Marinha e a Aeronáutica.”.
244
Nesse momento, após inúmeras tentativas, foi possível
estabelecer um acordo entre o Ministério da Justiça e a Comissão
Externa em relação a uma minuta de um projeto de lei de reparação às
vítimas da ditadura. Esse projeto de lei foi elaborado por membros da
Comissão de Familiares, Grupo Tortura Nunca Mais, entidades
defensoras dos direitos humanos e representantes da Comissão
Externa. Além da proposta de uma lei de reparação às vítimas, os
familiares também reivindicaram a formação de uma comissão com
representantes da sociedade civil para apurar os casos de mortes e
desaparecimentos ocorridos no período de 1964 a 1985.
Embora esse período tenha sido muito importante para a luta dos
familiares, as discussões em torno da lei, o apoio efetivo de
representantes da Comissão Externa e a tentativa do Ministro da
Justiça Maurício Corrêa em dar andamento a esse projeto, as
negociações não prosperaram com o governo. Ainda não foi na gestão
do presidente Itamar Franco que os familiares tiveram suas
reivindicações atendidas.
Segundo Nilmário Miranda:
“Houve uma divisão dentro do governo Itamar Franco, pelo que fomos
informados, o José de Castro, que era o advogado geral da União, era um
conselheiro muito próximo do Itamar e a assessoria militar do Itamar
desaconselhou a tocar para frente esse projeto, então, ele tirou o respaldo do
Maurício Correia. Foi um desalento muito grande para os familiares (...).”
245
Nas eleições presidenciais de 1994, os candidatos Fernando
Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva firmaram um
244
Entrevista cedida pelo deputado, em agosto de 2000.
245
Idem.
compromisso com representantes da Comissão de Familiares. Caso
eleitos, reconheceriam os mortos e os desaparecidos políticos e
tomariam providências em torno dessa questão. Esta carta-
compromisso foi divulgada durante o período de campanha
presidencial, conforme segue:
1. “Reconhecimento público formal do Estado brasileiro de sua
responsabilidade plena na prisão, na tortura, na morte e no
desaparecimento de opositores políticos entre 1964 e 1985.
2. Imediata formação de uma Comissão Especial de Investigação e
Reparação, no âmbito do Poder Executivo Federal, Integrada por
Ministério Público, Poder Legislativo, Ordem dos Advogados do Brasil,
representantes de familiares e dos grupos Tortura Nunca Mais, com
poderes amplos para investigar, convocar testemunhas, requisitar
arquivos e documentos, exumar cadáveres, coma finalidade de
esclarecer cada um dos casos de mortos e desaparecidos políticos
ocorridos, determinando-os as devidas reparações.
3. Compromisso de não indicar para cargos de confiança pessoas
implicadas nos crimes da ditadura militar e de afastá-los do serviço
público.
4. Compromisso de abrir irrestritamente os arquivos da repressão política
sob sua jurisdição.
5. Compromisso de anistiar plenamente cidadãos vítimas da ditadura e
reparar os danos causados a ele e seus familiares.
6. Edição de lei incriminadora assegurando o cumprimento do artigo 5.,
parágrafo III da Constituição Federal, que proíbe a tortura e o tratamento
desumano e degradante.
7. Desmilitarização das Polícias Militares estaduais e sua desvinculação do
Exército.
8. Aprovação do projeto Hélio Bicudo, que retirava da Justiça Militar a
competência para julgar crimes praticados contra civis.
9. Desmantelamento de todos os órgãos de repressão política.
10. Revogação da chamada Doutrina de Segurança Nacional.”
246
246
“Em encontro realizado em São Paulo em maio de 1994, os familiares lançaram uma
‘Carta Compromisso’ aos candidatos à Presidência da República insistindo na proposta
apresentada ao presidente Itamar Franco. Em agosto, para lembrar os 15 anos da Lei
da Anistia, a Comissão de Familiares organizou um ato de entrega da carta aos
representantes dos principais candidatos à Presidência.” TELES, 2000. p. 162.
No ano seguinte, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) para a presidência da República e a conseqüente
renovação do Congresso Nacional, foi instituída uma Comissão
Permanente de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Nilmário
Miranda. Essa comissão, de certo modo, deu continuidade aos
trabalhos da Comissão Especial que foram concluídos com o final do
mandato do presidente Itamar Franco.
A Comissão Permanente de Direitos Humanos da Câmara Federal
representou a possibilidade de firmar canais de comunicação com o
governo, sobretudo, o Ministério da Justiça, para elaboração de uma lei
de reparação às vítimas da ditadura. E, por conta disso, “assumiria
como primeira bandeira o reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua
responsabilidade quanto às torturas e assassinatos de opositores do
regime de 1964”.
247
De acordo com Nilmário Miranda, em março de 1995, o Ministro
da Justiça, Nelson Jobim, declarou que o governo iria reconhecer a
causa os desaparecidos políticos e alguns fatos contribuíram para essa
decisão do governo. Além do comprometimento do presidente Fernando
Henrique Cardoso com as famílias durante campanha presidencial,
houve também cobranças internacionais sobre o assunto.
Durante passagem pelo Brasil, o secretário-geral da Anistia
Internacional, Pierre Sane, pressionou o governo acerca de soluções
para o problema dos desaparecidos políticos. No mesmo ano, durante
coletiva de imprensa em Washington, nos Estados Unidos, o presidente
Fernando Henrique foi questionado por uma jornalista brasileira, irmã
de Pedro Alexandrino de Oliveira, desaparecido no Araguaia, sobre os
desaparecidos, o que fez o presidente comprometer-se diante da
imprensa brasileira e internacional a resolver o problema. Teles relata
que, “A partir da pressão da Anistia Internacional, da Human Rights
Watchs, da Fedebam (Federação de Familiares de Desaparecidos da
América Latina), das entidades nacionais em defesa dos direitos
humanos, da Comissão Permanente de Direitos Humanos da Câmara
247
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 32.
Federal e dos familiares, o Ministro da Justiça, Nelson Jobim, marcou
uma audiência durante a Semana Mundial do Preso Desaparecido.”
248
Através desses encontros, passaram a ser fixadas as bases da lei
dos desaparecidos. Familiares puderam entregar pessoalmente ao
Ministro Nelson Jobim, o Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos. A
partir desse momento, o chefe do gabinete do Ministério da Justiça,
José Gregori, foi encarregado de preparar um projeto de lei que
atendesse às solicitações dos familiares.
O processo de negociação em torno dessa lei foi marcado por
descontentamentos por parte dos representantes da Comissão de
Familiares. O projeto apresentado inicialmente por José Gregori
249
foi
insatisfatório e desagradou as famílias (ver depoimento de Maria Amélia
Teles a seguir), que exerceram uma influência muito grande em torno
dessas negociações.
A representante da Comissão de Familiares, Maria Amélia de
Almeida Teles, recorda o momento de entendimento entre familiares e
representantes do governo:
“Por que nós aceitamos? Porque a gente podia não ter aceitado. Existia
dúvidas quanto a aceitação desta lei ou não. E eu fui uma das pessoas
que defendi e dependia muito de nós. Porque nós temos autoridade nesse
assunto, o que nós falamos acaba repercutindo; a gente tem até que tomar
cuidado com que fala, porque se for coisa boa repercute bem, se for mal
prejudica também (...). Então por isso, nós pensamos, discutimos,
choramos e sofremos juntos até ser aprovada da lei. Nós tentamos até o
fim negociar alguns pontos, entregamos esses documentos para todas as
lideranças de partidos no Congresso Nacional, no Senado. Nós fomos de
porta em porta, nós conversamos não sei com tantos deputados e
senadores explicando porque nós queríamos as mudanças (...).”
250
248
TELES, 2000. p. 163.
249
José Gregori contribuiu na elaboração da Lei 9 140/95 a pedido do então Ministro
da Justiça Nelson Jobim. Entre 1997 e 2000, exerceu o cargo de Secretário Nacional
de Direitos Humanos e também de Ministro da Justiça, entre 2000 e 2001.
250
Entrevista com Maria Amélia de Almeida Teles, representante da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos no ano de 2000, no gabinete do então
vereador Ítalo Cardoso-PT, na Câmara Municipal de São Paulo.
O ano de 1995 foi decisivo para o movimento de familiares. Do
início das negociações até a promulgação da Lei dos Desaparecidos, no
mês de dezembro, essas pessoas travaram uma batalha muito grande
com o governo para que mudanças fossem feitas em relação ao projeto
de lei: “Os familiares do mortos e desaparecidos políticos, os ex-presos
políticos, os movimentos de direitos humanos em níveis nacional e
internacional, muitos juristas, vários parlamentares e outros
representantes de setores organizados da sociedade queriam uma lei
abrangente”.
251
O caráter restrito da lei incomodou os familiares, pois
desconsiderava questões fundamentais no que se refere às
responsabilidades do Estado em relação aos crimes cometidos aos
opositores políticos da ditadura militar. A expectativa era de uma lei
que possibilitasse um maior esclarecimento sobre os fatos ocorridos
naqueles anos, que promovesse um maior comprometimento do governo
em relação à apuração das circunstâncias das mortes e dos
desaparecimentos e, sobretudo, que as pessoas que praticaram esses
crimes fossem julgadas e não beneficiadas pela Lei da Anistia.
O projeto de lei apresentado pelo governo em 1995 não atendeu
às famílias, pois excluía os casos de pessoas mortas em manifestações
de rua, casos de suicídio, brasileiros mortos fora do país, como na
Argentina, no Chile e na Bolívia, devido à repressão articulada na
Operação Condor, entre outros tópicos reivindicados pelos
representantes dos familiares.
No final de agosto, o projeto foi enviado à Câmara Federal, com a
recomendação de que nenhuma alteração fosse feita em torno desse
projeto. Apesar das tentativas de negociação com o governo e das
emendas apresentadas por membros da Comissão Permanente de
Direitos Humanos e, principalmente, diante da interferência dos
familiares, o Projeto de Lei 869, que resultaria na Lei 9 140, seguiu para
aprovação dos deputados sem modificações.
251
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 14.
Segundo Nilmário Miranda, “eles concordavam com as nossas
emendas, mas depois veio a orientação de que não podia mexer, que
tinha um acordo com os militares, onde a lei não poderia ser mexida”.
252
Durante esse processo, os familiares redigiram um documento
onde afirmavam que é “direito de toda a sociedade brasileira, e não
exclusivamente das famílias, resgatar a verdade histórica. Essa não é
uma questão humanitária entre os familiares e o governo, é uma
exigência e um direito da sociedade.”.
253
De acordo com os principais
tópicos abordados pelos familiares nesse documento, foram
apresentadas as seguintes críticas ao projeto de lei:
1. “Esclarecimento detalhado (como, onde, porque e por quem) das mortes e
dos desaparecimentos ocorridos.
2. Reconhecimento público e inequívoco pelo Estado de sua
responsabilidade em relação aos crimes cometidos.
3. Direito de as famílias enterrarem condignamente seus entes queridos,
visto caber ao Estado, e não a elas, a responsabilidade pela localização
e identificação dos corpos.
4. Inversão do ônus da prova: é dever do Estado, e não dos familiares,
diligenciar as investigações cabíveis, buscando provar não ser ele o
responsável direto pelos assassinatos.
5. Abertura incondicional de todos os arquivos da repressão sob jurisdição
da União.
6. Compromisso de não nomear e de demitir de cargos públicos todos os
envolvidos nos crimes da ditadura.
7. Inclusão de todos os militantes assassinados por agentes do Estado no
período de 1964 a 1985.
8. Indenização como direito e, principalmente, efeito de todo o processo de
luta.”
254
Apesar das resistências, a Lei 9 140, também chamada de Lei dos
Desaparecidos, foi aprovada pelo Congresso Nacional em caráter ultra
urgente, sem nenhuma emenda, em 4 de dezembro de 1995, na qual
foram estabelecidas desde então condições para reparação moral dos
252
Entrevista cedida pelo deputado, em agosto de 2000.
253
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007, p. 37.
254
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p.37
opositores mortos por motivos políticos, bem como a reparação
financeira a seus familiares.
No momento imediato à promulgação dessa lei, o governo
brasileiro reconheceu (em seu Anexo I) como mortos 136 desaparecidos
políticos
255
de acordo com lista fornecida pelos familiares. Estabeleceu
também a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos,
vinculada ao Ministério da Justiça.
Para os representantes da Comissão de Familiares, a Lei 9 140,
sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentava
inúmeros problemas e, assim, redigiram documento com críticas à
referida Lei dos Desaparecidos, conforme segue:
1. “Eximir o Estado da obrigação de identificar e responsabilizar os
agentes que estiveram ilegalmente envolvidos com a prática da tortura,
morte e desaparecimento de opositores ao regime ditatorial. A
impunidade aos crimes cometidos no passado em nome do Estado é um
passaporte para a impunidade no presente.
2. O Estado não assumiu a responsabilidade pela apuração das
circunstâncias das mortes e desaparecimentos, cabendo aos familiares
o ônus da comprovação das denúncias apresentadas. Isto significa que
os atestados dos desaparecidos são vagos, não contendo data, local e
causa mortis, e apenas declaram que o desaparecido morreu no ano
mencionado no anexo I da Lei 9.140/95.
3. Não promoveu a localização dos corpos de desaparecidos, somente
agindo a partir dos indícios apresentados pelos familiares. Se o Estado
assume a responsabilidade pela morte dessas pessoas e indeniza os
familiares, deveria localizar, identificar e entregar os corpos, direito e a
principal reivindicação dos familiares. Bastaria para isso, que os
principais arquivos da repressão, os do Exército, Marinha, Aeronáutica,
SNI e Polícia Federal fossem abertos,
4. A lei exclui brasileiros que morreram após 1979, restringindo-se à
mesma abrangência da Lei de Anistia. Excluiu também os brasileiros
que, forçados à clandestinidade e ao exílio, foram assassinados em
ações conjuntas das ditaduras do Cone Sul.
255
O Dossiê de mortos e desaparecidos políticos listava 152 nomes de desaparecidos,
mas, nesse primeiro momento, não estavam incluídos os que desapareceram em
outros países, como Argentina, Chile e Bolívia, e três pessoas, referidas apenas por
apelidos. MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 35.
5. A exigência de que o requerimento de reconhecimento da
responsabilidade do Estado pelas mortes à Comissão Especial seja
apresentada somente pelos familiares, tratando a questão dos mortos e
desaparecidos unicamente como uma “questão familiar” e não uma
exigência e um direito de toda a sociedade.”
256
Assim como a Lei da Anistia
257
, a Lei dos Desaparecidos
apresentou deficiências diante da possibilidade de promover um “ajuste
de contas” com a sociedade, sobretudo com aqueles que sofreram direta
ou indiretamente a ação da repressão política.
Um aspecto que merece ser destacado diz respeito à punição das
pessoas que praticaram crimes de torturas e assassinatos dentro dos
órgãos de segurança: elas foram, na verdade, beneficiadas pela anistia
que se constituiu no Brasil.
De acordo com a referida Lei 6 683/79, art. 1, “É concedida
anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de
1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com
estes, crimes eleitorais (...)”. Dessa forma, prevaleceu a idéia de
impunidade aos crimes cometidos por militares ou civis que atuaram
nos órgãos de segurança.
A Lei dos Desaparecidos, por sua vez, também não garantiu
punição aos responsáveis por esses crimes: “Os parlamentares que
participaram das discussões na Comissão Especial que analisou o Projeto
de Lei 869 se recordam das fortes resistências apresentadas pelos
segmentos que entendiam a exigência de apuração e punição como
revanchismo. Para estes, só seria possível apontar culpados se fosse
revogada, antes, a parte da Lei da Anistia que oferecia cobertura aos que
violaram Direitos Humanos no exercício da repressão política (...) Nunca
256
TELES, 2000. p. 163-164.
257
Lei 6 683, de 28 de agosto de 1979, que concede Anistia e outras providências,
sancionada pelo Presidente João Baptista de Figueiredo (1979-1984).
houve consenso ou maioria no Congresso Nacional para introduzir
mudanças desse teor.”.
258
Para Miguel Reale Jr., o fato da Lei 9 140/95 não estabelecer as
devidas apurações dos fatos e promover a responsabilização penal dos
autores dos assassinatos, está diretamente associada a um
impedimento efetivo que é a Lei da Anistia. “A Lei da Anistia estabelece
extinção da punibilidade como direito adquirido. Há uma dificuldade de
ordem técnica e jurídica decorrente da Lei da Anistia. Portanto, a única
forma de ser aproximar da responsabilização do Estado por esses crimes
é com a publicação de todos os processos, nos quais constam, na sua
maioria, os nomes dos torturadores, os nomes daqueles responsáveis
pelas mortes”.
259
A discussão desse tema é vista até os dias atuais como tabu entre
alguns setores do meio militar. No período de elaboração da Lei 9
140/95, o presidente Fernando Henrique e o Ministro Nelson Jobim
reuniram-se com representantes das Forças Armadas para anunciar a
decisão de criar uma lei de caráter indenizatório, por meio do qual o
Estado brasileiro assumiria a culpa pelos crimes cometidos durante o
regime militar.
De acordo com o José Gregori, dois militares considerados
importantes no processo na ocasião apoiaram a decisão do governo: o
ministro da Aeronáutica, brigadeiro Mauro Granda, e o general-de-
divisão, Tamoyo Pereira das Neves, ex-chefe de gabinete do Ministro da
Segurança Institucional (general Alberto Cardoso).
Nesse momento, o governo procurou esclarecer que o motivo de
criação dessa lei “tratava-se de uma obrigação do Estado Democrático de
Direito (...) Não era um ataque ao governo A ou B”
260
. Mesmo assim, para
258
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 36.
259
REALE JR., Miguel. A Comissão Especial de Reconhecimento dos Mortos e
Desaparecidos Políticos. In: TELES, 2000. p. 187-192.
260
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p. 37.
que essa lei pudesse de fato ser sancionada, “nenhum parágrafo ou
inciso poderia propiciar acusões particulares.
261
Na concepção dos representantes do governo que formularam a
Lei dos Desaparecidos, entre eles, José Gregori, esse momento
representou um grande ganho para a democracia. Segundo ele, “havia
feridas profundas, de ambos os lados. Precisávamos encontrar uma
saída favorável para todos”.
262
O governo brasileiro buscou, com a promulgação da Lei 9 10/95,
atender a uma reivindicação da sociedade que aguardava soluções há
anos, o que, inevitavelmente, deveria ser discutido amplamente dentro
do regime democrático. Além disso, procurou não criar embate com as
Forças Armadas, garantindo uma relação de equilíbrio em torno das
negociações e buscando mediar eventuais conflitos com os militares.
Esta base de equilíbrio foi fundamental para o andamento do
processo no Congresso Nacional. Por outro lado, o governo deixou à
margem questões cruciais para o avanço da democracia: reconheceu a
culpa pelas mortes de todos os desaparecidos políticos apontados pelos
familiares (conforme Anexo I), mas não forneceu meios para a
localização dessas pessoas. Uma das atribuições da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) previa um trabalho de
investigação de pessoas desaparecidas mediante a indicação dos
próprios familiares. Nos termos dessa lei, coube à Comissão “envidar
esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas no caso
de existência de indícios quanto ao local em que possam estar
depositados”.
263
De acordo com o movimento de familiares, cabia ao governo,
naquele momento, indicar o paradeiro dos desaparecidos políticos no
período da ditadura militar, tendo em vista sua responsabilidade
quanto a tais desaparecimentos. Para isso, uma das medidas
necessárias do governo seria viabilizar o acesso aos arquivos das Forças
261
Idem, Ibid.
262
Idem, p. 35.
263
Trecho do art. 4. Inciso II, da Lei 9 140/95.
Armadas, pois nesses arquivos constam informações de interesse às
famílias, principalmente, os arquivos do Exército.
Outra questão intrigante trata-se do ônus da prova: mesmo com
acesso impossibilitado aos arquivos das Forças Armadas, ficou a cargo
das famílias a construção de provas para que os casos pudessem ser
julgados pela CEMDP. Este foi um ponto extremamente debatido pelos
familiares, mesmo antes da aprovação da Lei, pois condicionou todo o
trabalho de investigação, uma difícil tarefa, às famílias, considerando-se
também o fato de que muitas fontes de informações já tinham sido
esgotadas, como os arquivos do DOPS.
Apesar das dificuldades de acesso às informações, foi papel de
cada família apresentar provas suficientes para a CEMDP, a fim de
comprovar a responsabilidade do Estado nas mortes: “Ficava para eles
a tarefa de convencer a Comissão Especial de que as versões de suicídios
e tiroteios encobriam assassinatos por tortura”.
264
Esse fato, inclusive,
gerou desconforto para as famílias.
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso possibilitou,
por meio da Lei dos Desaparecidos e de seus desdobramentos, que a
discussão sobre a causa dos mortos e desaparecidos fosse realizada em
todo país, principalmente após a cobertura da mídia com relação aos
trabalhos da CEMDP. Esse fato, importante sobretudo por fortalecer o
movimento dos familiares, não isentou, no entanto, o governo de ter
elaborado um lei limitada, ou seja, de caráter restrito e inacabado.
Nilmário Miranda recorda que José Gregori teve um papel muito
importante nesse processo e que acreditava que as mudanças em torno
dessa lei deveriam ocorrer de forma gradativa, mas, por outro lado, esse
longo tempo de espera era inviável para as famílias. Um dos reflexos
mais importantes causado pela Lei 9 140/95 reside no fato de tornar o
debate público. Maria Amélia Teles aponta outras questões:
“Quando discutimos sobre aceitar ou não essa lei e resolvemos aceitar, foi
justamente para divulgar, para dar visibilidade à questão dos desaparecidos.
264
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 35.
Nós achamos que era importante. Além do que era um conforto, havia famílias
que se sentiam confortáveis pelo fato de verem o nome de seus filhos
reconhecidos pelo Estado. Isso era um conforto para eles (...) Porque a
importância dessa lei para nós é o resgate histórico. (...) A importância política
para nós deixou muito a desejar, porque o Estado reconheceu 136 pessoas, as
outras nós tivemos que provar.”
265
Foram freqüentes os debates em relação ao conteúdo da Lei 9
140/95, que sofreu emendas nos respectivos anos de 2002 e 2004
266
,
em que novos casos puderam ser reconhecidos pelo Estado. No
entanto, ainda há problemas no tratamento dado à causa dos
desaparecidos pelo Estado: da listagem fornecida ao governo brasileiro
pelos familiares, um número ínfimo de vítimas foram localizados em
conseqüência da ação dos familiares.
A CEMDP, criada a partir da Lei dos Desaparecidos, vem
realizando debates importantes durante seus 11 anos de atuação no
Ministério da Justiça. A seguir, serão destacados os principais
momentos dos trabalhos realizados por essa comissão.
265
Entrevista cedida por Maria Amélia Teles. Ver nota 12.
266
Essa questão será abordada na continuidade deste capítulo.
3.2 A ATUAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS
POLÍTICOS
Pela primeira vez, após dez anos de retorno à democracia no país,
o Estado brasileiro estabeleceu condições de reparação pelos danos
causados pela ditadura militar, dando início a um longo período de
discussões, vitórias, descontentamentos e, sobretudo, de resgate
histórico. A formação da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP), instituída pela Lei 9 140/95,
representou o ponto de partida para a reconstrução de fatos recentes
da nossa história e, apesar dos limites impostos por ela, foi possível
identificar as falhas, investigar os crimes, apurar irregularidades e,
dessa forma, provar a responsabilidade do Estado nos assassinatos dos
opositores políticos.
A CEMDP iniciou suas atividades logo após a edição dessa Lei,
em 9 de janeiro de 1996
267
. Para compor essa Comissão, o presidente
Fernando Henrique Cardoso designou três nomes: Eunice Paiva (viúva
do desaparecido político Rubens Paiva), Miguel Reale Jr. (advogado,
professor titular da Faculdade de Direito da USP) e João Grandino
Rodas (consultor jurídico do Itamaraty). A Comissão de Direitos
Humanos da Câmara indicou Nilmário Miranda; das Forças Armadas,
seguiu a indicação do general Oswaldo Gomes; do Ministério Público
Federal, foi indicado Paulo Gustavo Gonet Branco e da Comissão de
Familiares foi indicado Suzana Keniger Lisboa
268
. De acordo com a Ata
de reunião de instalação sobre esta comissão:
267
Durante todo o período, a CEMDP realizou seus trabalhos na sala 621 do prédio
anexo ao Ministério da Justiça.
268
Essa composição da CEMDP seguiu os termos da Lei 9 140/95, conforme Art. 5.:
“Dos sete membros da Comissão, quatro serão escolhidos: I – dentre os membros da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; II - dentre as pessoas com
vínculo com os familiares das pessoas referidas na lista constante do Anexo I; dentre os
membros do Ministério Público Federal; e IV- dentre os integrantes das Forças Armadas.
2. A Comissão Especial poderá ser assessorada por funcionários públicos federais,
designados pelo Presidente da República, podendo, ainda, solicitar o auxílio das
Secretarias de Justiça dos Estados, mediante convênio com o Ministério da Justiça, se
“Às quinze horas do dia nove de janeiro de 1996, na Sala de Reuniões do 2.
andar do Edifício Sede do Ministério da Justiça, reuniu-se a COMISSÃO
ESPECIAL, criada pela Lei 9.140 de 04 de dezembro de 1995 que reconhece
como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação
de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961
a 15 de agosto de 1979, com a finalidade de proceder o reconhecimento de
pessoas não relacionadas no anexo I da citada lei, e de pessoas que, face à
situação política, tenham falecido por causa não natural, em dependências
policiais ou assemelhadas; esforços de localização de corpos de pessoas
desaparecidas e emissão de provas sobre requerimento relativos a
indenizações previstas na referida lei.”
269
A partir desse momento, coube aos membros da CEMDP
examinar caso a caso os processos e decidir sobre a responsabilidade
do Estado mediante as denúncias apresentadas pelas famílias por meio
dos requerimentos, que “foram distribuídos entre os integrantes que
tinham a missão de montar os processos, anexando documentos e um
relatório com explicações sobre as circunstâncias da morte”.
270
O
primeiro passo, portanto, para que uma pessoa solicitasse indenização
ao Estado no caso de ter um perdido um familiar em decorrência da
ação repressiva do Estado, era a elaboração de um requerimento.
Nesses documentos constavam um histórico de vida das vítimas,
normalmente relacionado à militância política e às circunstâncias de
sua morte ou desaparecimento. Além disso, as famílias deviam anexar,
sempre que possível, arquivos de jornais, laudos periciais, depoimentos
ou qualquer tipo de prova que pudesse responsabilizar o Estado nos
crimes. Há uma orientação sobre esses requerimentos na ata de
reunião de instalação da CEMDP: “Decidiu-se que os requerimentos
deverão conter provas mínimas que confirmem ou dêem mecanismos
para que as diligências possam ser efetuadas.”.
271
necessário.”. Nessa primeira formação da CEMDP, a advogada Eunice Paiva foi
substituída por Luís Francisco da Silva Carvalho Filho.
269
ATA de reunião de instalação, Ministério da Justiça, Gabinete do Ministro, cujo
assistente da Comissão Especial foi Cristiano Morini.
270
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 38.
271
Idem nota 31.
Após a reunião de instalação da CEMDP, o governo estabeleceu o
prazo de 120 dias para que os familiares apresentassem os
requerimentos, portanto, em 15 de maio de 1996
272
. Os requerimentos
apresentados a partir dessa data automaticamente eram indeferidos
pela Comissão e não chegaram a ser apreciados
273
, fato atribuído à
falha do governo brasileiro no esquema de divulgação sobre a existência
da Comissão Especial no Ministério da Justiça. Não houve nenhuma
campanha do governo para localizar famílias ou divulgar as
informações através dos principais meios de comunicação, como o
rádio e a televisão. Isso dificultou muito o acesso às famílias, ficando
mais uma vez sob responsabilidade dos representantes da Comissão de
Familiares esta difícil tarefa.
Para o auxílio no trabalho de montagem dos processos, os
familiares contaram com a orientação de Criméia de Almeida, Suzana
Lisboa e principalmente, Iara Xavier Pereira, que forneceu assistência
permanente aos familiares durante todo o período de elaboração dos
processos, participando inclusive, de exumações e análise de laudos
cadavéricos.
Além dos processos que não puderam ser examinados pela
CEMDP em virtude do prazo estipulado pelo governo, também ficaram
sem apreciação pela comissão os processos de pessoas mortas ou
desaparecidas após o ano de 1979; isso significa que ficaram fora do
período de abrangência da Lei 9 140/95 os casos de pessoas mortas em
manifestações de rua ou fora do país, casos de suicídio e também de
272
Este prazo foi estipulado pela Lei 9 140/95, Art. 7, “Para fins de reconhecimento de
pessoas desaparecidas, não relacionadas no Anexo I desta Lei, os requerimentos, por
qualquer das pessoas mencionadas no art. 3., serão apresentados perante a Comissão
Especial, no prazo de cento e vinte dias, contado a partir da data da publicação desta
Lei, e serão instruídos com informações e documentos que possam comprovar a
pretensão”. As provas do requerimento poderiam ser anexadas posteriormente.
273
Na ocasião, nove processos foram protocolados fora do prazo, ficando excluídos do
exame da CEMDP, são eles: Mirian Lopes Verbena, Manoel José M. N. de Abreu,
Gerson Theodoro de Oliveira, Raimundo Nonato da Fonseca, João Roberto Borges de
Souza, Nilda Carvalho Cunha, Raul Amaro Nin, David de Souza Meira, Jonas José de
Abreu Barros. Para maiores informações, ver: MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 634.
pessoas que foram mortas em locais diferentes das dependências
policiais.
274
Um dos aspectos mais polêmicos da Lei dos Desaparecidos diz
respeito à expressão “dependências assemelhadas”
275
. Na época em que
o projeto de lei foi discutido com as famílias, houve uma batalha muito
grande para que essa expressão fosse incorporada à Lei, no entanto,
gerou diversas controvérsias durante o período de análise dos
processos na CEMDP.
A Lei 9.140/95 prevê, por exemplo, indenização para os casos de
pessoas que “tenham falecido, por causas não naturais, em
dependências policiais ou assemelhadas”
276
. A Comissão esteve dividida
durante vários momentos devido às diferentes interpretações desse
Inciso, o que desencadeou a primeira crise na CEMDP no julgamento
da Chacina da Lapa com os dirigentes do PC do B.
Em dezembro de 1976, policiais do DOPS invadiram uma casa no
bairro da Lapa, em São Paulo, local onde aconteciam freqüentemente
reuniões com os integrantes da Executiva do partido. O resultado da
ação foi a execução de Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. Um terceiro
integrante, João Baptista Drummond, foi capturado e morto nas
dependências do DOI-CODI. Conforme versão oficial divulgada pelos
órgãos de segurança sobre o episódio: “Morreram ontem pela manhã,
após violento tiroteio com agentes do Departamento de Operações
Internas (DOI) do II Exército, nesta capital. A operação de cerca à casa,
274
Dos processos indeferidos pela CEMDP: mortos em passeatas – Ivan da Rocha
Aguiar, Labid Abduch, Cloves Dias Amorin, Jorge Aprígio de Paula, José Carlos
Guimarães, Manoel Rodrigues Ferreira, Orcílio Martins Gonçalves, Benedito
Gonçalves; mortos em confronto com a polícia – Arno Preis, Mario de Souza Prata,
Antônio de Sérgio Matos, Carlos Schirmer, Antônio Raymundo Lucena; casos de
suicídio – Luiz Antônio Santa Bárbara, Iara Iavelberg, Edu Barreto Leite, Antogildo
Pascoal Viana; mortos fora do país – Jane Vanini, Túlio Roberto C. Quintilano, Wanio
José de Matos, Jorge Alberto Basso; fora do período de abrangência da lei – Lydia
Monteiro. Tais processos indeferidos constam no Dossiê dos familiares de mortos e
desaparecidos políticos. MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 634.
275
Após inúmeras discussões entre juristas, determinou que “dependência
assemelhada” não é um conceito territorial, físico, referente a determinado local, mas
sim um conceito jurídico-político. Mesmo em caso de guerra, sempre há regras que
obrigam o respeito à integridade física dos prisioneiros. Mesmo em um regime
ditatorial, os agentes públicos têm o dever de guardar quem está sob sua
responsabilidade. Idem, Ibidem, p. 17.
276
Lei 9 140/95, Art. 4, Inciso I, b.
iniciada às 6h50, e o tiroteio duraram 20 minutos, conforme informações
dos moradores da movimentada Rua da Lapa. Os agentes de segurança
apreenderam no ‘aparelho subversivo’ armas e material de propaganda
política (...).”.
277
Essa versão foi contestada pelos membros da CEMDP durante o
período de análise dos processos que o conteúdo dessas informações
não correspondiam à realidade dos fatos: Ângelo Arroyo e Pedro Pomar,
por exemplo, foram mortos em ação repressiva dos órgãos de segurança
sem chances de defesa. Segundo Pomar: “Num primeiro momento eles
não entendem o que acontece, o estrondo, o reboco caindo. A Arroyo não
lhe dão sequer esta chance. Sai do banheiro, “Que é isso?”, e então é
atingido pelas costas com tal impacto que o corpo parece saltar para a
frente. “Que desgraça! Nos pegaram”, grita Pomar.
278
Os casos de Ângelo Arroyo, Pedro Pomar e João Baptista
Drummond foram examinados pela CEMDP mediante relatório
apresentado por Nilmário Miranda. O processo de João Baptista
Drummond foi julgado de forma unânime pela Comissão, pois ficou
clara a condição de que foi executado nas dependências do DOI-
CODI
279
: “Todos os elementos dos autos, bem analisados, levam à
conclusão de que (...) faleceu nas dependências da prisão onde se
encontrava sendo torturado, após sua detenção, na oportunidade em que
realizou operação determinada.”
280
. Já os casos de Ângelo Arroyo e
Pedro Pomar foram aprovados com dificuldades devido às diferentes
opiniões sobre o conceito “dependências assemelhadas”
281
.
277
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 206.
278
POMAR, 2006. p. 18.
279
De acordo com a versão oficial, João Baptista Drummond “teria morrido como
resultado de atropelamento por um veículo não identificado. Esta versão fora derrubada
posteriormente, onde se comprovou que o militante do PC do B morreu sob torturas no
DOI-CODI. COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 424.
280
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 207-208.
281
Na conclusão dos trabalhos da CEMDP, o processo de Pedro Pomar foi aprovado
por 5 contra 2, sendo que os dois votos contra foram de Oswaldo Pereira Gomes e
Miguel Reale Jr. No caso de Ângelo Arroyo, o resultado final foi de 4 contra 3, sendo
que Oswaldo Gomes Pereira, Eunice Paiva e Miguel Reale Jr., apresentaram voto
contra. Ver: COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 421-426; e
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 205-211.
Para Eunice Paiva, o general Oswaldo Gomes Pereira e o
presidente da Comissão, Miguel Reale Jr, a casa no bairro da Lapa não
parecia com uma dependência policial, fato que afetou o
reconhecimento do caso.
Nilmário Miranda recorda este momento: “Dona Eunice votou
contra o reconhecimento do caso de Ângelo Arroyo considerando que lá
não era uma dependência assemelhada ou policial (...) Houve uma
desavença com os familiares (...) Ela sabia que as pessoas foram mortas
por agentes do Estado, mas achava que ali não era dependência policial
ou assemelhada (....) Ela tinha uma posição jurídica e por honestidade
intelectual e pessoal ela revolveu sair da comissão.”
282
.
A expressão “dependência assemelhada” foi motivo de polêmica
durante todo o período de análise dos processos na CEMDP. Sempre
que uma vítima era morta por agentes da repressão fora das
dependências policiais ou dos órgãos de segurança gerava-se
automaticamente discussão. Ao término da apreciação de cada
processo, os membros da CEMDP votavam, mas como regra geral, o
veredicto final não era decidido por consenso, mas por votação dos
representantes da Comissão.
O segundo momento de crise da CEMDP foi pela mesma razão do
caso da Chacina da Lapa, ou seja, quanto ao local onde as vítimas
foram mortas pelos agentes do Estado. O caso de Lamarca e Marighella
chamam atenção: “Os envolvidos na criação da CEMDP e seus
integrantes são unânimes em afirmar que o momento de maior
exasperação foi quando se decidiu acatar os pedidos das famílias de
Carlos Lamarca e Carlos Marighella.
283
.
Por conta da formação mista da Comissão, sobretudo, com
representação das Forças Armadas, o processo de Carlos Lamarca,
examinado juntamente com o de Carlos Marighella, foi alvo de muitas
críticas e teve uma grande repercussão na época, conforme segue:
282
Eunice Paiva foi representante da sociedade civil na CEMDP, onde permaneceu até
03/04/1996. Em seu lugar entrou o também advogado Luís Francisco Carvalho Filho.
283
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 40.
“O Exército reagiu ontem à possibilidade de o Estado reconhecer a
responsabilidade pela morte do capitão Carlos Lamarca. Nota oficial do
Ministério do Exército refere-se a Lamarca como ‘terrorista’, acusa-o de
‘traição’ e rejeita discutir uma nova versão para a morte, ocorrida em 1971
(...). O representante das Forças Armadas na comissão, general Oswaldo
Gomes, disse haver intranqüilidade quando à possibilidade de a família de
Lamarca receber a indenização do Estado (...): ‘Os militares estão
acompanhando. Eles não se manifestam porque não podem, mas certamente
não gostarão de uma medida neste sentido.’ (...) Gomes disse que os
defensores do reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte ‘têm
finalidade ideológica de desmoralizar as Forças Armadas’.”
284
O julgamento desses dois processos foi marcado por um
importante debate nacional sobre o assunto e, a partir desse momento,
a CEMDP esteve dividida: para quatro ou cinco de seus membros
285
, a
expressão “dependências assemelhadas” tratava-se de qualquer forma
de custódia do Estado, ou seja, se o Estado estabeleceu domínio sobre
a vítima e ela veio a falecer em decorrência de sua ação, cabia a ele a
responsabilidade sobre essa morte, mesmo em caso de suicídio. O
representante do Ministério Público Federal, Paulo Gonet Branco, e o
general Oswaldo Gomes Pereira discordaram desse entendimento da Lei
e votaram a favor da reparação do Estado somente quando o local
assemelhava-se a um distrito policial.
Apesar das resistências, os processos de Lamarca e Marighella
foram aprovados pela CEMDP
286
, cedendo espaço para novas
discussões sobre o tema dos mortos e desaparecidos políticos no país.
O assessor administrativo da Comissão, Francisco Helder Macedo
Pereira, que atuou na Comissão entre 1996 e 2004, apontou entre as
principais dificuldades enfrentadas a ausência de documentos, devido à
284
MOSSRI, Sônia. Exército reage à indenização por Lamarca. São Paulo, Folha de
S.Paulo, Caderno 1, 9 jul. 1996. p. 9.
285
Votaram favoravelmente à indenização nesses casos: Suzana Keniger Lisboa
(representante dos familiares), Nilmário Miranda (representante da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara), Luís Francisco da Silva Carvalho Filho (advogado e
representante da sociedade civil), Miguel Reale Jr. (presidente da CEMDP, em grande
parte das vezes votou favoravelmente a este conceito) e João Grandino Rodas (Ministro
das Relações Exteriores) em alguns casos votou a favor e em outros contra).
286
Ver detalhes no capítulo 4.
impossibilidade de acesso aos arquivos das Forças Armadas e da
Polícia Federal e também o curto prazo para o exame dos processos, o
que causou muita tensão durante a execução dos trabalhos.
Os primeiros casos a serem indenizados pela CEMDP foram dos
desaparecidos políticos que constavam no Anexo I da Lei 9 140/95
287
.
“A Comissão prevista na lei não recebeu instrumentos ou plenos poderes para
apuração das circunstâncias dos óbitos, embora adquirisse autoridade para
realizar diligências em busca dos corpos, desde que fossem apresentados
indícios pelos parentes.”
288
Na seqüência, a Lei previa reparação indenizatória às famílias,
mediante a apresentação de requerimento ou atestado de óbito. Uma
séria questão a ser resolvida, partindo da lógica de que as famílias não
dispunham de informações devido à total indisponibilidade de acesso
aos principais arquivos e pelo fato de não haver registro oficial das
mortes. Nesses casos, o Ministério da Justiça precisou intervir,
solicitando que os atestados de óbito fossem encaminhados conforme
os “termos da lei, a morte presumida da pessoa em questão”
289
. O
Estado, portanto, reconheceu todos os nomes citados no Anexo I da Lei
eram de pessoas foram mortas em determinadas circunstâncias
mediante ação repressiva e buscou fornecer atestado de óbito às
famílias. Esse fato contribuiu para que muitos familiares pudessem
recorrer, por exemplo, a problemas de heranças e também
previdenciários.
É de consenso do movimento de familiares e dos representantes
da CEMDP a denominação “desaparecido político”, tratando-se,
portanto, daquele cujo o Estado nega a prisão ou a responsabilidade
pela morte e, em conseqüência, de informar sobre seu paradeiro.
Portanto, o termo “desaparecido é usado para definir a condição
daquelas pessoas que, apesar de terem sido seqüestradas, torturadas e
287
Ver Anexo II deste trabalho.
288
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 35.
289
Idem, ibid.
assassinadas pelos órgãos de represo, as autoridades
governamentais jamais assumiram ou divulgaram suas prisões e mortes.
Foram consideradas pelo Estado pessoas foragidas a a publicão da
Lei 9.140/95”.
290
O primeiro pagamento indenizatório foi feito em maio de 1996, à
família de José Huberto Bronca, desaparecido do Araguaia. De acordo
com a Lei 9 140/95, as indenizações não ocorriam automaticamente.
Os familiares deveriam solicitá-las através de requerimentos. Na lei,
consta “O pedido de indenização poderá ser formulado até cento e vinte
dias a contar da publicação desta Lei. No caso de reconhecimento pela
Comiso Especial, o prazo se conta a partir da data do
reconhecimento.”
291
.
Vale ressaltar que a Comissão pôde examinar e julgar somente os
processos das pessoas mortas pela ação do Estado, aqueles casos em
que foram criadas as versões oficiais e coube às famílias apresentar
documentos probatórios – aqueles que comprovam responsabilidade do
Estado nos crimes. E os casos dos desaparecidos foram
automaticamente reconhecidos pelo Estado, sem que fossem apuradas
as circunstâncias das mortes, portanto, não havia a necessidade de
elaboração de processos por parte das famílias.
Durante o período de apreciação dos processos, houve situações
mais difíceis para a CEMDP, como, por exemplo, o julgamento do caso
da estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel: sua
morte ocorreu em um acidente automobilístico à saída do túnel Dois
Irmãos, em 14 de abril de 1976, no Rio de Janeiro, e ficou a cargo dos
familiares a difícil tarefa de comprovar a responsabilidade do Estado
nesse crime.
Desde a morte do filho, Stuart Edgard Angel Jones, em 1971, a
estilista sempre procurou buscar maneiras de denunciar os crimes
ocorridos no país durante o regime militar, atingindo inclusive a esfera
internacional, que muito incomodou os setores mais conservadores do
290
TELES, 2000. p.140
291
Lei 9.140/95, Art. 10, Parágrafo 1. No caso dos desaparecidos políticos, a partir da
data publicação da Lei, os familiares poderiam solicitar indenização ao Estado.
poder. Zuzu Angel passou a receber ameaças de morte por telefone, a
ponto de ela dizer aos amigos com freqüência: “Se algo acontecer
comigo, seu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro
meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.”
292
.
Há várias versões para o acidente. Segundo o laudo pericial, “o
carro de Zuzu Angel vinha na pista certa, a uma velocidade de cerca de
100 km/h, ao se aproximar do Viaduto Mestre Manuel,
inexplicavelmente, teria sofrido um desvio à esquerda (...) e percorrido
mais de 9 metros até o choque da parte esquerda da frente do carro com
a mureta do viaduto e o capotado sucessivas vezes até a parada 6, 40
metros abaixo, na Estrada da Gávea.
293
.
Seu processo foi aprovado pela CEMDP em 25 de março de 1998,
mas em um primeiro momento o relator do caso, Luís Francisco
Carvalho Filho, recomendou o indeferimento. Na ocasião, houve apenas
dois votos a favor, o que obrigou a família a pedir revisão do processo,
para que novas provas fossem incorporadas
294
. A partir de então foram
anexados novos dados, tais como, depoimentos e a exumação dos
restos mortais, realizada pela Equipe Argentina de Antropologia
Forense
295
.
O exame do caso de Zuzu Angel foi marcado por inúmeras
contradições nas informações levantadas e mesmo em relação aos
depoimentos prestados. Em fevereiro de 1998, iniciou-se uma nova fase
de apreciação do processo. O testemunho de Marcos Pires, por
exemplo, contradizia as informações do laudo pericial da polícia e
apresentou uma nova versão para o caso: “Estava à janela do seu
apartamento no Edifício Tiberius quando viu um carro, em alta
velocidade, ultrapassar pela esquerda e forçar o carro, que depois soube
292
Trecho da carta escrita por Zuzu Angel a Chico Buarque em 23/04/1975. Consta
em: COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 35.
293
Ver detalhes em: MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 591-597.
294
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 592.
295
Prestaram depoimento à CEMDP nesse segundo momento de investigação do caso
Zuzu Angel: Carlos Machado Medeiros (testemunhou que dois carros colidiram com o
carro de Zuzu na estrada), da psiquiatra Germana Lamare (a quem Zuzu confidenciou
estar sendo ameaçada) e Marcos Pires (também testemunha do acidente). Dois peritos
de trânsito, Valdir Florenzo e Ventura Raphael Martello, analisaram os documentos
policiais.
ser, de Zuzu Angel, ao sair da estrada, tombando na Estrada da
vea.
296
.
O laudo técnico dos peritos Valdir Florenzo e Raphael Martello
Filho também contesta a versão da polícia: ‘o carro, ao chocar-se com o
meio-fio, se projetaria dali e não a 9 metros depois de bater na mureta do
Viaduto Mestre Manuel (conforme versão oficial). Ainda que desviasse,
apenas para efeito de raciocínio, para que o carro chocasse seu lado
dianteiro esquerdo contra a mureta do viaduto, teria de ir com as rodas
do lado direito no ar.”.
297
A CEMDP esteve prestes a arquivar o recurso da família devido
aos intensos debates no exame do processo. As dificuldades em
derrubar as versões oficiais e o fato da estilista ter morrido dirigindo
seu próprio carro em uma estrada, ou seja, em um local que não se
assemelha a uma dependência policial, favoreceram os votos contrários
de Oswaldo Gomes Pereira, Paulo Grandino Rodas e Paulo Gonet
Branco. Nesse caso, a hipótese de atentado não foi descartada pelos
representantes da Comissão, mas não pôde ser enquadrada nos
parâmetros da Lei 9 140/95.
O relator Luís Francisco da Silva Carvalho Filho pôde reavaliar
sua posição mediante a apresentação de novos dados e votou a favor da
indenização: “Não estava detida em estabelecimento prisional, contudo,
a rede de indícios demonstrava que seu veículo foi interceptado e ela, em
conseqüência, eliminada (...). Zuzu Angel estava na esfera de domínio
dos autores do delito.”
298
Suzana Lisboa e Nilmário Miranda também
votaram favoravelmente. Estabelecido o empate, o presidente da
CEMDP, Miguel Reale Jr., decidiu pôr fim ao caso, votando a favor do
reconhecimento do Estado na morte de Zuzu Angel, que representou
uma grande vitória para as famílias. A Ata da XXV Reunião Ordinária
descreve o julgamento desse caso:
296
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 594.
297
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 591-597.
298
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 591-597.
“Dando prosseguimento à sessão, o conselheiro LUÍS FRANCISCO
CARVALHO FILHO solicitou para análise de pedido de reconsideração do
caso ZULEIKA ANGEL JONES, a leitura de parecer técnico elaborado pelos
peritos (...) bem como a exibição de vídeo demonstrativo da dinâmica do
acidente que causou a morte de Zuleika, feita a partir do parecer dos
peritos, pelo especialista em vídeo animação DANILO N. NUNES. Com base
nos fatos trazidos pelo parecer dos peritos, os conselheiros LUÍS
FRANCISCO CARVALHO FILHO, votou pelo deferimento do pedido de
reconsideração (...) A pedido do conselheiro OSWALDO PEREIRA GOMES,
faço constar em ata seu voto pelo indeferimento do pedido de
reconsideração: ‘não havia cerco, nem tampouco domínio. A Constituição
Federal assegura a integridade física e moral do preso, que é a base da
Lei 9.140/95. Como não houve prisão, nem cerco, acredito não ser
competência desta Comissão o julgamento do caso em tela’ (...) Passada a
palavra ao conselheiro NILMÁRIO MIRANDA, o mesmo acompanhou o voto
do relator pelo deferimento do pedido de reconsideração (...) A pedido do
conselheiro JOÃO GRANDINO RODAS, faço constar em ata sua
manifestação de voto: ‘Voto contrariamente ao relator por considerar que a
estrita tipificação da Lei, não permite que se considere as possíveis
circunstâncias desse abalroamento como dependência policial ou
assemelhada’. Em obediência ao artigo 5. da Lei 9.140/95, o presidente
MIGUEL REALE JÚNIOR votou pelo deferimento do pedido de
reconsideração (...) acreditando se tratar de atentado a pessoa de
ZULEIKA ANGEL JONES, que vinha sendo perseguida, estando portanto
sob domínio (...).”
299
Em grande parte das vezes, a CEMDP atuou a favor do
reconhecimento do Estado no que diz respeito aos processos
apresentados pelas famílias que, inclusive, já constavam no Dossiê dos
familiares de mortos e desaparecidos a partir de 64. Mas, também
tiveram muitos casos indeferidos, conforme Anexo III. Geralmente esses
processos não eram aprovados pela Comissão quando a família não
conseguia reunir provas em tempo hábil para que fossem julgados. O
prazo de 120 dias estipulado pelo governo após a promulgação da Lei
299
Trecho da ATA DA XXV Reunião Ordinária da CEMDP, de 25 de março de 1998,
cujo assistente foi Rodrigo Mazoni Cúrcio Ribeiro.
contribuiu muitas vezes para isso, além dos casos de pessoas mortas
em manifestações públicas e suicídio decorrente da ação repressiva do
Estado, conforme já citado nesse capítulo.
Para esses processos houve a possibilidade de uma nova
apreciação pela CEMDP, a partir do ano de 2002, quando ocorreram
mudanças na Lei 9 140/95 que permitiram que os casos até então
indeferidos fossem mais uma vez examinados. Na fase inicial dos
trabalhos, foram protocolados pela CEMDP, 373 processos,
relacionados a 366 pessoas
300
, sendo 132 desaparecidos políticos de
acordo com Anexo I
301
. Dos 234 restantes a serem analisados, 166 já
constavam no Dossiê dos familiares e 68 casos eram novos. Até a
reunião do dia 05 de maio de 1998, dos 166 processos de vítimas
relacionadas no Dossiê, 130 foram aprovados e 16 indeferidos. Dos 68
novos casos, 18 foram aprovados e 50 indeferidos
302
.
O quadro a seguir representa esses resultados:
QUADRO DEMONSTRATIVO
Situação dos
processos
Processo do
Dossiê
Processos novos
constam do
Dossiê
Total
Aprovados 130 18 148
Indeferidos 36 50 86
Total 166 68 234
Fonte: MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. Anexo II. p. 633.
Conforme previsto na Lei, as indenizações às famílias foram
concedidas após parecer favorável da CEMDP e decreto do Presidente
da República publicado no Diário Oficial da União. Em todas as
publicações constavam o número do decreto, a data e a lista dos nomes
dos mortos ou desaparecidos juntamente com o nome dos familiares
beneficiários e os respectivos valores a serem pagos pelo governo com o
300
“A diferença numérica ocorreu pela duplicidade de pedidos ou pela existência de
processos repetidos, quando duas pessoas solicitavam indenização pela mesma vítima
ou uma única pessoa solicitava duas ou mais indenizações porque em sua família havia
mais de uma vítima. COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 40.
301
De acordo com o Dossiê de familiares de mortos e desaparecidos, dos 136
desaparecidos políticos Joaquinzão, Pedro Carretel e Antônio Alfaiate não foram
incluídos no Anexo I da Lei 9 140/95, pois seus verdadeiros nomes não eram
conhecidos, e Manoel Alexandrino teve morte natural.
302
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. Anexo II. p. 633.
seguinte registro: “Concede indenização à família de pessoa
desaparecida ou morta em razão de participação ou acusão de
participação em atividades políticas no período de setembro de 1961 a 15
de agosto de 1979”.
303
O valor dessas indenizações foi calculado mediante a expectativa
de vida de cada um dos mortos e desaparecidos políticos
304
, conforme
quadro a seguir:
TABELA DE CÁLCULO DE INDENIZAÇÃO (Art. 5.)
Expectativa Média de Sobrevivência
Idade na data do
desaparecimento
Homens Mulheres
16-20 45,74 50,75
21-25 41,37 46,1
26-30 37,12 41,53
31-35 32,96 37,06
36-40 28,93 32,7
41-45 25,06 28,48
46-50 21,37 24,38
51-55 17,9 20,45
56-60 14,66 16,73
61-65 11,67 13,27
Fonte: Anexo II da Lei 9 140/95.
As indenizações concedidas às famílias pelo governo não foi o
aspecto mais importante do processo de reparação do Estado. Segundo
Miguel Reale Jr.: “o pagamento da indenização é a fase final, no entanto,
mais importante do que o pagamento da indenização, mais importante
para as famílias (...) é verificar que há um refazimento da verdade”.
A CEMDP concluiu no final de 2006 um longo período de atuação
de 11 anos, no qual puderam ser analisados vários processos. Durante
303
Diário Oficial de 16/10/1996, no qual foram publicados os nomes dos familiares
que receberam indenização do Estado.
304
De acordo com a Lei 9 140/95 Art. 11, “A indenizão, a tulo reparario,
consistirá no pagamento de valor único igual a R$ 3.000,00 (três mil reais) multiplicado
pelo número de anos correspondente à expectativa de sobrevivência do desaparecido,
levando-se em consideração a idade na época do desaparecimento e os critérios e
valores traduzidos na tabela constante do Anexo II da Lei”.O piso para o pagamento
das indenizações foi fixado de acordo com a Lei em R$ 100.000,00 (cem mil reais). A
maior indenização paga pelo governo brasileiro foi de R$ 152.250,00, aos
familiares de Nilda Carvalho Cunha, assassinada em 14/11/1971 com 17 anos de
idade.
esse tempo, foram realizadas investigações que permitiram apurar as
circunstâncias das mortes de muitas vítimas da ditadura militar,
possibilitando a descoberta de fatos reais e, ainda, o Estado reconhecer a
responsabilidade pelos seus atos criminosos durante a ditadura militar.
Para os familiares, essa foi a principal reparação.
A partir de 2002, a Lei 9 140/95 passou por alterações que
permitiram a ampliação dos trabalhos da CEMDP e, conseqüentemente,
facilitar o acesso de outras famílias às indenizações do governo.
3.3 AS MUDANÇAS NA LEI 9 140/95 E O DIREITO DE ACESSO AOS ARQUIVOS
DAS
FORÇAS ARMADAS
A Lei 9 140/95 e a atuação da CEMDP do Ministério da Justiça
tiveram um papel importante para democracia no país, pois permitiram
que os acontecimentos durante os 21 anos de ditadura militar pudessem
ser amplamente debatidos por diversos setores da sociedade civil, e a
história pudesse ser revista com o esclarecimento dos crimes realizados
pelos órgãos de repressão política.
O atual presidente da CEMDP, Marco Antônio Rodrigues
Barbosa
305
, considera a importância dessa Lei:
“A Lei n. 9140, de 4 de dezembro de 1995, foi um passo fundamental para
a história dos direitos humanos no Brasil. Tão importante como a Lei da
Anistia, de 1979. Em certo sentido, constituiu passo mais à frente (...) A Lei
n. 9 140 reconheceu os crimes praticados pela ditadura militar e seus
métodos. É a primeira lei a falar em desaparecidos políticos. Pela primeira
vez, o Estado curvou-se ao trabalho feito pelos Familiares de Mortos e
Desaparecidos, e transformou o Dossiê dos Familiares no Anexo 1 da Lei.
Ou seja, o Estado reconheceu como mortos todos os desaparecidos
políticos arrolados pelos familiares. É o reconhecimento de que a
administração anterior do Estado havia procedido com violação à lei e à
Constituição. Daí o pagamento das indenizações, pelo reconhecimento da
responsabilidade (...) A lei era suficientemente ampla para permitir - como
permitiu - reconhecer a responsabilidade do Estado em mortes em
enfrentamentos forjados ou atropelamentos inventados (...).”
306
Mesmo após o avanço que essa Lei permitiu, os familiares
permaneceram na luta para que outras questões essenciais fossem
esclarecidas pelo governo brasileiro, entre elas, as informações sobre os
desaparecidos. Ainda não foram esclarecidas, por exemplo, as
305
Marco Antônio Rodrigues Barbosa é o atual presidente da CEMDP. Presidiu a
Comissão de Justiça e Paz em São Paulo e o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa
Humana (CONDEP). Foi um dos responsáveis pela elaboração do processo de Carlos
Marighella, muito antes de se tornar presidente da Comissão. Concedeu-nos
entrevista em fevereiro de 2008.
306
Entrevista do Marco Antônio Rodrigues Barbosa em fevereiro de 2008.
condições em que foram mortos os guerrilheiros do Araguaia, todos
desaparecidos. Seus restos mortais ainda não foram devolvidos às
famílias, o dificulta a proposta de reconciliação com a sociedade
prevista desde a Lei da Anistia. Segundo Marco Antônio Rodrigues é
“difícil falar em pacificação, quando a verdade e a justiça sobre o período
da ditadura militar ainda não foram suficientemente restabelecidas.”
307
.
Somente em 2002, ainda não gestão do presidente Fernando
Henrique Cardoso, ocorreu a primeira alteração na Lei dos
Desaparecidos, após uma série de reivindicações da Comissão de
Familiares. Mudanças necessárias e previstas desde a elaboração do
projeto anterior a essa Lei. Portanto, a Lei 10 536/02
308
alterou os
dispositivos da Lei 9 140/95, ampliando o período de abrangência de 15
de agosto de 1979 para 05 de outubro de 1988 e permitiu, ainda,
reabrir o prazo para a apresentação dos requerimentos das famílias em
120 dias a partir da data de sua publicação no Diário Oficial,
possibilitando o reconhecimento da responsabilidade do Estado em
casos que foram indeferidos anteriormente.
A posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003,
reacendeu as esperanças dos familiares: “A expectativa em torno do
tema é grande. Muitos dos desaparecidos eram pessoas próximas a Lula
e a outros petistas que hoje estão no primeiro escalão do governo”.
309
Ao
mesmo tempo, houve uma efetiva cobrança por parte do movimento das
famílias para que fossem feitas mudanças imediatas na Lei dos
Desaparecidos.
A primeira ação de repercussão de Lula referente às vítimas da
ditadura militar foi anunciada no primeiro ano de seu governo com a
formação de uma Comissão Interministerial para apurar as mortes na
Guerrilha do Araguaia. Essa Comissão foi criada para responder aos
307
Marco Antônio Rodrigues Barbosa, advogado e atual presidente da CEMDP,
concedeu-nos entrevista em fevereiro de 2008.
308
Lei nº 10 536, de 14 de agosto de 2002, decretada pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso.
309
CHRISTOFOLETTI, Lílian; DANTASGO, Iuri. “Lula sofre pressão por lei dos
desaparecidos – Lei atual só considera vítima quem morreu em dependências policiais
no regime militar; famílias querem ampliá-la”. Folha de S.Paulo, Caderno A-6, 24 mar.
2003.
protestos que se seguiram ao recurso impetrado pelo governo contra a
determinação da juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal,
de quebrar o sigilo dos arquivos militares e a imediata localização dos
desaparecidos no conflito do Araguaia. Essa ação movida pelos
familiares para a União tramitava desde 1982 – conforme já citado no
capítulo 2 – onde foram apresentadas provas de que os militantes do PC
do B haviam desaparecido naquela região
310
.
A representante da Comissão de Familiares, Laura Petit da Silva,
descreve a importância dessa ação para os parentes:
“Em 20 de junho, passados 21 anos, a juíza deu a sentença de que a
União deveria localizar os corpos e devolver às famílias para que houvesse
sepultamento digno, chamar para depor pessoas que estivessem
envolvidas (...) Porque nós ficamos muito contentes, a primeira juíza da
história, um fato histórico. Uma juíza diz 120 dias para o governo ter que
dar conta, uma satisfão para essa ação – é direito das famílias, eles tem
o direito de saber (...).”
311
O governo brasileiro, no entanto, recorreu da sentença: a União
entrou com um recurso parcial contra a ação dos familiares alegando
que a juíza Solange Salgado extrapolou as solicitações feitas pelos
familiares na época da ditadura militar
312
. Laura Petit da Silva, porém,
explica: “Porque na época nós não pedimos que ouvissem os
responsáveis. Seria colocar os militares para dar esclarecimentos, abrir
os arquivos para saber o que realmente aconteceu (...). A própria
evolução histórica não tinha apontado esse caminho que se faz
310
Foram autores dessa ação para a União na época: Sra. Helena Pereira dos Santos
(mãe de Miguel Pereira dos Santos), Sra. Alzira Costa Reis (mãe de André Grabois e
esposa de Maurício Grabois), a Sra. Cyrene Moroni Barroso (mãe de Jana Moroni
Barroso), entre outros, em um total de 22 famílias. Essas três mães já faleceram.
Laura Petit da Silva, representante da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos, concedeu-nos entrevista em fevereiro de 2008.
311
Laura Petit da Silva é representante da Comissão de Familiares, irmã de Maria
Lúcia Petit, Jaime Petit da Silva e Lúcio Petit da Silva, que estiveram no conflito na
região do Araguaia e constam na lista do Anexo I da Lei 9 140/95. Somente Maria
Lúcia teve seus restos mortais localizados e identificados, enquanto Lúcio e Jaime
permanecem desaparecidos.
312
O objetivo da ação movida pelos familiares em 1982 era a localização dos
guerrilheiros mortos na Guerrilha do Araguaia. Ver: COMISSÃO Especial sobre Mortos
e Desaparecidos, 2007. p. 43.
necessário (...). Para nós foi uma decepção. Nós estávamos esperando
que este governo não colocasse nenhum empecilho para que a ação dos
familiares tivesse sucesso (...).”.
313
Em seguida a essa ação do governo, foi criada a Comissão
Interministerial, instituída pelo decreto nº 4850, de 2 de outubro de
2003, com a função de buscar informações que levem à localização dos
restos mortais dos participantes da guerrilha. Essa Comissão foi
composta dos seguintes membros: os ministros Márcio Thomas Bastos
(Justiça), José Viegas (Defesa) e José Dirceu (Casa Civil); do advogado-
geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro Costa e do ministro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Os
trabalhos dessa Comissão foram acompanhados pelos representantes
das Forças Armadas: o almirante Roberto de Guimarães Carvalho, o
general do Exército Francisco Roberto de Albuquerque e o tenente-
brigadeiro, Luiz Carlos da Silva Bueno.
Na ocasião, representantes dos familiares acusaram o governo de
tirar poderes da CEMDP por ter criado a Comissão Interministerial e de
não cumprirem a promessa de abrir os arquivos pertencentes às Forças
Armadas. Esse fato ocasionou a saída de Suzana Lisboa da CEMDP
314
,
representante dos familiares, para quem “o governo Lula esvaziou a
comissão. O pouco que tínhamos foi tirado. Dessa forma o governo tirou
os poderes da CEMDP, que ficou capenga. O grupo interministerial
procedeu as buscas das ossadas e nós nem ficamos sabendo o resultado
disso. Nós não tivemos acesso a nenhuma informação que eles
produziram, o relatório sobre as buscas no Araguaia”
315
.
Ainda em 2003, com a saída de Nilmário Miranda para assumir a
pasta da Secretaria de Direitos Humanos do governo de Lula, a
deputada federal pelo Rio Grande do Sul Maria do Rosário passa a
313
Entrevista com Laura Petit da Silva em fevereiro de 2008.
314
Suzana Lisboa permaneceu na CEMDP durante praticamente 10 anos (1996-2005).
Sua saída foi anunciada em 02/08/2005, após 2 anos da criação da Comissão
Interministerial do governo Lula.
315
Entrevista da representante dos familiares na CEMDP, Suzana Lisboa. Ver:
“Suzana Lisboa decide abandonar a Comissão de Mortos e Desaparecidos”.
http://oglobo.globo.com/jornal/pais
. Acesso em: 03/05/2006.
integrar a CEMDP como a representante da Câmara Federal. Com sua
entrada houve um trabalho de articulação realizado para que novas
mudanças fossem feitas na Lei 9 140/95. Essas articulações
resultaram na Medida Provisória 176/2004, que antecedeu a Lei 10
875/2004
316
, que estabeleceu condições para o reconhecimento de
responsabilidade do Estado nos casos de pessoas mortas em “represo
policial sofrida em manifestações públicas ou conflitos armados com
agentes do poder público (...) e os suicídios cometidos na iminência de
serem presas ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de
atos de tortura praticados por agentes do poder público”.
Dessa forma, ampliou-se a possibilidade de novos casos serem
examinados pela CEMDP e, ainda, aqueles que foram em um primeiro
momento indeferidos, fossem novamente apreciados. Um desses casos
foi o processo de Iara Iavelberg.
De acordo com a versão oficial divulgada pelos órgãos de
repressão da época, Iara Iavelberg suicidou-se após cerco policial no
apartamento onde morava em Salvador, na Bahia. Há várias
contradições em relação às circunstâncias de sua morte: “O Relatório
do Minisrio da Marinha diz que ela foi morta em Salvador/BA, emão
de segurança, o relatório do Ministério da Aeronáutica diz que ‘suicidou-
se’ em Salvador/BA, em 6 de agosto de 1971, no interior de uma
residência, quando foi cercada pela polícia”
317
. Durante os trabalhos da
CEMDP, muito se pesquisou para obter informações concretas relativas
à morte de Iara e provas para responsabilizar. No relatório apresentado,
porém, consta que não há registros de documentos referentes à Iara no
IML de Salvador
318
. O processo referente a seu caso foi julgado na
316
Lei nº 10 875, de 1º de junho de 2004, decretada pelo Senador José Sarney, então
Presidente da Mesa do Congresso Nacional.
317
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 405.
318
Segundo Parecer Criminalístico da Polícia do Distrito Federal – Coordenação de
Polícia Técnica do Instituto de Criminalística, Folha 2/8, assinado por Celso Menevê
(perito criminal e assessor da CEMDP), “no processo de Iara Iavelberg, não consta o
Laudo de necropsia e sim cópias reprográficas de anotações manuscritas, em
formulários do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues da Secretaria de Segurança do
Estado da Bahia.”.
última reunião, em 05 de maio de 1998, para que fossem reunidas
provas suficientes para garantir sua aprovação.
A morte de Iara é mencionada no Relatório da Operação
Pajussara, elaborado pelo Exército – operação cujo principal objetivo
era capturar Carlos Lamarca –, conforme trecho a seguir:
“Fruto de intensas buscas de informe e após várias tentativas sem sucesso,
graças à persistência e ao trabalho meticuloso realizado, foi levantado o
endereço do apartamento da Rua Minas Gerais, n. 125/201 –- Pituba (...). No
dia 19 de agosto de 1971, foi montada uma operação pelo CODI/6 para
estourar este aparelho, o que acorreu ao amanhecer do dia 20, resultando na
prisão de Jaileno Samapaio Filho, Raimundo, Orlando e de Nilda Carvalho
Cunha, Adriana. Iara Iavelberg a fim de evitar sua prisão e sofrendo a ação
dos gases lacrimogêneos, suicidou-se (...).”
319
No ano de 1998, durante o período dos trabalhos da CEMDP, o
jornal Correio Brasiliense publicou reportagem com o título “As mortes
de Iara”
320
, na qual há depoimentos de moradores que testemunharam
o cerco policial realizado no prédio onde Iara morava. Através desses
depoimentos constatou-se que foram disparados vários disparos no
local onde foi capturada, contradizendo a versão oficial sobre o caso,
que menciona apenas um disparo.
A versão do suicídio permaneceu durante muito tempo como
verdadeira e ainda hoje não foi totalmente esclarecida. Nilmário
Miranda também ouviu os moradores daquele prédio e sobre isso
comenta: “Após minha viagem a Salvador e do trabalho de reportagem
de Ana Julia Pinheiro para o Correio Brasiliense, vários fatos novos
obrigam-nos a questionar a versão do suicídio. (...) Não é possível saber o
que realmente aconteceu. Os documentos relativos à morte de Iara –
319
MINISTÉRIO do Exército. Suicídio de Iara Iavelberg. Relatório Da Operação
Pajussara. Brasília, IV Exército, 6ª Região Militar, 2ª Seção, 1971. p. 2.
320
PINHEIRO, Ana Júlia.“As mortes de Iara. A guerrilheira do MR-8 cometeu suicídio ou
foi assassinada? Novos depoimentos e exames dos restos mortais podem esclarecer o
caso.” Brasília, Correio Brasiliense, 1998. 18 mar. 1998. p. 10.
sobretudo o laudo necroscópico – não foram entregues a família e à
Comissão Especial..
321
Pela ausência de provas concretas, o processo de Iara foi
indeferido naquele momento pela CEMDP em 05 de maio de 1998.
Suzana Lisboa apresentou voto favorável juntamente com Nilmário
Miranda. O general Oswaldo Gomes manifestou por escrito o
indeferimento processo. João Grandino Rodas, Paulo Gonet Branco e
Luís Francisco da Silva Carvalho Filho também votaram pelo
indeferimento do processo. O presidente da CEMDP, Miguel Reale Jr,
votou a favor e usou como argumento que “não havia cerco, existiam
policiais jogando bombas, há testemunhas de que Iara teria se rendido,
não houve confronto e ela pode ter sido induzida ao suicídio”
322
. Na
ocasião, o processo foi indeferido por 4x3
323
.
No segundo o relatório sobre o caso de Iara, elaborado por Suzana
Lisboa, consta:
“A Lei 9.140/95 foi promulgada na busca da pacificação, na busca de corrigir
os desmandos do Estado. E esta Comissão Especial já examinou mais de 100
casos de versões oficiais falsas, muitos deles de suicídios. Falsa pode ser
também essa versão, mas se provas não há, por ora, é inegável que a morte
de Iara está perfeitamente enquadrada dentre os preceitos da Lei 9.140/95,
morta que foi sob a guarda do Estado, em cerco indiscutível, e por causa não
natural (...).”
324
Com a ampliação da Lei dos Desaparecidos, o caso de Iara pôde
ser novamente examinado. Seu processo foi aprovado pela CEMDP em
1º de dezembro de 2004, após ter sido enquadrado nos critérios da lei
que prevê indenização para os casos de suicídio
325
. Durante a
321
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 406.
322
Idem, ibid.
323
O requerimento apresentado pela família à CEMDP está em nome de Raul
Iavelberg.
324
Relatório sobre o caso Iara Iavelberg, apresentado à CEMDP, em 02 de dezembro de
1997, lavrado por Suzana Lisboa.
325
Outros casos de suicídio foram acatados pela CEMDP após ampliação da Lei 9
140/95, como os de Luís Antônio Santa Barba, Frei Tito de Alencar Lima e Gustavo
Buarque Schiller.
reapresentação desse caso, seus familiares tentaram derrubar a versão
de suicídio e, após várias ações judiciais, em setembro de 2003,
conseguiram, com o apoio do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que
fosse realizada a exumação do corpo da militante: “Na medida em que o
Poder Judiciário curvou-se aos argumentos jurídicos ressaltando as
inúmeras contradições presentes na versão oficial dos órgãos de
segurança, bem como no suspeito desaparecimento de laudos referentes
a sua morte.
326
.
Apesar dos esforços dos familiares e da tentativa de alguns
membros da CEMDP, as circunstâncias da morte de Iara continuam
indefinidas. A CEMDP aprovou, na segunda votação realizada em 2004,
por unanimidade, a responsabilidade do Estado pela sua morte, no
entanto, a versão de suicídio permanece.
As ações do governo Lula para dar solução à questão dos mortos
e desaparecidos no país, mesmo após a ampliação da Lei dos
Desaparecidos, não foram suficientes para estabelecer um clima
favorável com os familiares. As queixas são muitas e a discussão mais
recente trata-se da liberação dos arquivos das Forças Armadas. Há
expectativas de que nesses arquivos constem informações sobre os
desaparecidos, sobretudo, os da Guerrilha do Araguaia.
No mês de maio de 2005, o presidente Lula sancionou a Lei nº 11
111, decorrente da Medida Provisória 228/2004, estabelecendo que os
documentos cujo sigilo é ‘imprescindível” à “segurança da sociedade e
do Estado” possam ficar indefinidamente vetados à consulta e atribui,
ainda, “ainda, a formão de uma Comissão de Averiguão e Análise de
Informações Sigilosas, o poder de administrar os documentos ultra-
secretos”
327
.
Essa ação do governo suscitou diversas reações na sociedade,
principalmente, para os movimentos organizados interessados na
questão. Com amparo da Lei 11 111/05, o governo brasileiro passou a
326
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 174.
327
Idem, p. 44
determinar quando e quais documentos podem ser liberados para a
consulta, garantindo, portanto, o sigilo eterno desses documentos.
A polêmica sobre a abertura dos arquivos das Forças Armadas
teve início em 17 de outubro de 2004, quando o jornal Correio
Brasiliense publicou fotos que seriam do jornalista Wladimir Herzog
durante sua passagem no DOI-CODI no dia em que teria sido
assassinado
328
. A única foto divulgada mostrava o jornalista pendurado
pelo pescoço por uma corda em uma cela, fotografia essa suspeita de
forjar um suicídio e acobertar a morte causada por torturas nas
dependências do órgão de segurança. Embora não tenha tido a
confirmação de que as fotos sejam realmente de Herzog, esse fato serviu
de alerta sobre a existência de arquivos do período militar.
Cerca de um mês após a publicação das supostas fotos de
Wladimir Herzog na imprensa, o juiz federal Paulo Alberto Jorge
destacou a importância de abertura desses arquivos para a sociedade.
Para ele, essa ação “não fere ou põe em risco a sociedade e o Estado e,
por isso, os arquivos não estariam sujeitos ao sigilo legal.”.
329
A primeira grande manifestação organizada nesse período ocorreu
no dia 28 de abril de 2005 na PUC-SP, menos de um mês antes de a Lei
ser sancionada pelo presidente Lula. O Ato “Desarquivando o Brasil” foi
realizado no Tuca Arena, onde mais de 350 pessoas puderam
acompanhar a discussão sobre o assunto
330
: “O grande objetivo do
debate era trazer a público a discussão sobre a manutenção do ‘sigilo
eterno’ referente aos documentos dos arquivos da ditadura militar em
328
“As fotografias estavam em posse do cabo José Alves Firmino, ex-araponga do
serviço do Exército, que disse ter tido acesso a documentos reservados do Exército – que
em geral sempre negou a existência de arquivos secretos”. MOREIRA, João Carlos. Os
arquivos da ditadura devem ser abertos – fotos reviveram a polêmica. São Paulo,
Diário de S.Paulo, 21 nov. 2004. p. A-11.
329
Idem, ibid.
330
O evento aconteceu sob coordenação do Prof. Dr. Maurício Broinizi Pereira
(História/PUC-SP), com a participação de Criméia de Almeida, ex-guerrilheira e
membro da Comissão de Familiares; Jacob Gorender, historiador; Hélio Bicudo,
jurista; Marlon Weichert, Procurador Regional da República; e do Prof. Dr. Marcelo
Ridenti, sociólogo da Unicamp.
todas as suas dimensões, sob o ponto de vista jurídico, histórico, dos
familiares, entre outros.”
331
.
Em dezembro de 2005, a então ministra-chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, anunciou por determinação do governo federal, a
transferência dos arquivos, então em poder da Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN) para o Arquivo Nacional, na sede de Brasília.
“O material pertencia ao Serviço Nacional (SNI), pelo Conselho de
Segurança Nacional (CSN) e pela Comissão Geral de Investigação (CGI), no
período de 1964 e 1990. Foram transportados 13 arquivos de aço, com
fotos, cartazes, filmes, livros, panfletos e revistas, 220 mil microfichas,
além de 1.259 caixas-arquivo.”
332
Mediante a criação da Comissão de Averiguação e Análise de
Informações Sigilosas
333
, as decisões sobre os arquivos públicos foram
concentradas “nas mãos” do poder Executivo e dessa forma, a
manutenção do sigilo ficou sob a tutela exclusiva dos representantes do
governo. Cabe a essa Comissão, o poder de administrar os documentos
ultra-secretos e, ainda, determinar o prazo para sua liberação.
334
331
O debate e a reflexão sobre o sigilo. Movimento Desarquivando o Brasil, Boletim n.
1, jul. 2005. ver:
http://www.desaparecidospoliticos.org.br/noticias/nt_desarquivando.html
Acesso em:
03/05/2006.
332
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 44.
333
A Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas é composta pelos
seguintes representantes: Chefe da Casa Civil e do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, Ministros da Defesa e das Relações
Exteriores, Advogado-Geral da União e Secretário Especial de Direitos Humanos. Pela
Abertura dos arquivos públicos. Moção da Associação Nacional de História – ANPUH,
21 jul 2005. ver:
http://www.cfh.ufsc.br/lastro/sociologia/memorial/serieaber.htm
334
“Com a Lei dos Arquivos (Lei n. 8 159/91), que ratificou os dispositivos
constitucionais relacionados com o direito de acesso pleno aos documentos, ficaram
estabelecidas as categorias e fixados os prazos máximos de sigilo aplicáveis aos órgãos
públicos: 30 anos, prorrogáveis uma única vez por igual período, para os documentos
que afetam a segurança da sociedade e do Estado; e 100 anos, para aqueles que
afetam a intimidade da pessoa (...) A responsabilidade pela política nacional de
arquivos foi atribuída a um Conselho vinculado ao Arquivo Nacional (...) Onze anos
depois, o Decreto n.4533, de 27 de dezembro de 2002, disciplinou a tramitação, a
guarda e a publicidade de documentos sigilosos de interesse da segurança da
sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública federal, fixando gradações
(ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados) e prazos de classificação para cada
categoria (50, 30, 20 e 10 anos respectivamente) (...) A medida provisória n. 228 do
presidente Lula em 2004, anunciou algumas modificações em relação ao direito de
acesso a esses documentos (...) os prazos de restrição dos documentos ultra-secretos,
secretos, confidenciais e reservados baixaram para 30, 20, 10 e 5 anos
Ao inviabilizar o acesso aos arquivos, o governo brasileiro
impossibilitou o direito de acesso à informação, previstos na
Constituição Federal
335
. A atual presidente da Comissão de Familiares e
Mortos e Desaparecidos Políticos, Diva Santana, acredita que
informações de interesse dos familiares possam estar na ABIN,
conforme trecho a seguir:
“A grande dificuldade é saber a verdade. Continuamos batalhando pela
abertura dos arquivos das Forças Armadas. Na minha opinião, pouca coisa
dos arquivos que foram gerados em todo o período do regime militar estava na
Abin. Ali estavam arquivos de informações. Não são os processos nem os
inquéritos, nos quais se descrevem as prisões, torturas e mortes. Para
esclarecer os casos, se faz necessário abrir todos os arquivos das Forças
Armadas. E esses arquivos estão aí. Volta e meia nos deparamos com
declarações públicas e com livros feitos com informações de militares.
Portanto, os arquivos das Forças Armadas existem (...).”
336
Além dos arquivos das Forças Armadas, familiares dos
desaparecidos políticos alimentam a esperança de que arquivos
“pessoais” de militares possam contribuir com informações. No ano de
1996, um militar que preferiu manter sua identidade sob sigilo,
entregou à redação do jornal O Globo, um Dossiê com registros feitos
durante as campanhas deflagradas durante o conflito do Araguaia. O
jornal publicou uma série de reportagens entre os dias 28 de abril e 03
de maio com informações e fotos dos guerrilheiros e, através dessas
fotos publicadas, os familiares puderam identificar Maria Lúcia Petit.
respectivamente, com um única prorrogação por idêntico período (...)”.Pela Abertura dos
arquivos públicos. Moção da Associação Nacional de História – ANPUH, 21 jul 2005.
ver:
http://www.cfh.ufsc.br/lastro/sociologia/memorial/serieaber.htm .
335
Conforme Constituição Federal de 1988, art. 5, incisos XIV e XXXIII.
336
Trecho da entrevista concedida por Diva Santana para Carta Maior, 2 fev. 2006.
Ver: “Pouca coisa dos arquivos da ditadura estava na Abin”.
http://www.cfh.ufsc.br/lastro/sociologia/memorial/entrev.htm
. Diva Santana é vice-
presidente do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia e atual representante dos
familiares na CEMDP desde 06/05/2005. Sua irmã Dinaelza Santana Coqueiro e a
cunhada Vandick Coqueiro são desaparecidas da Guerrilha do Araguaia.
Para os familiares, a luta para resgatar a verdade é contínua. No
entendimento de Belisário dos Santos Jr., que já atuou como presidente
da CEMDP, “os trabalhos e as manifestações da Comissão Especial
contribuíram para amenizar, em certa medida, a dor das famílias que
tiveram membros mortos e desaparecidos (...) A família vê justificado todo
o período de busca, sente a resposta do Estado, que vale como se fosse
um pedido formal de desculpas.”
337
Em 2007 foi lançado o livro-relatório Direito à meria e à
verdade, onde há registros dos 11 anos de atuação na CEMDP no
Ministério da Justiça. Esse livro, que serviu de base para realização
desta pesquisa, descreve todos os casos apreciados pela CEMDP
durante seu período de atuação e atualiza, inclusive, informações do
livro Dos filhos deste Solo
338
, primeiro livro lançado sobre os trabalhos
da Comissão Especial no ano de 1999.
Nessa ocasião, o presidente Lula firmou em reunião com
representantes dos familiares o compromisso de criar uma comissão
para obter dos militares informações sobre os restos mortais de
opositores da ditadura militar. Em entrevista coletiva após o
lançamento do livro-relatório o presidente declarou:
“Queremos colaborar e contribuir para que a sociedade feche a vire a página
desta história de uma vez por todas. Há disposição para isso (...) A Comissão
vai ser ampliada, vai colocar mais gente. É debate que precisa ser feito pela
sociedade, e vamos fazê-lo.”
339
Por outro lado, ainda há uma grande insatisfação por parte das
famílias em relação à forma como o governo resolveu e tratou a causa. A
Lei 9 140/95 não reparou os danos completamente. Há uma lacuna e
337
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 45.
338
Dos filhos deste Solo, publicado em 1999, por Nilmário Miranda e o jornalista
Carlos Tibúrcio como o resultado dos trabalhos realizados pela CEMDP até aquele
momento. Embora detalhe os trabalhos da Comissão Especial, foi lançado pela editora
Boitempo, e não pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República, como o livro-relatório lançado em 2007.
339
“Lula promete a famílias que Comissão vai ouvir militares”. São Paulo, Folha de
S.Paulo, Caderno A-12, 30 ago. 2007. p. 12. (Da sucursal de Brasília)
uma sensação de impunidade sobre essas questões, principalmente, no
caso dos desaparecidos. Quando a isso, Laura Petit da Silva comenta:
“A grande mágoa, aquilo que os familiares vem buscando há tanto tempo, o
objetivo da nossa luta de tantos anos, até hoje não foi concretizado. Desde
1970, para mim, no meu caso que soube das mortes dos meus irmãos (...) já são
mais de 35 anos. Eu ainda estou procurando saber onde estão os meus irmãos,
o que foi feito deles, como eles morreram, existe esse desejo. Minha mãe morreu
e ela queria sepultar os filhos. Eles saíram de casa com uma mãe que fica
esperando (...) Minha mãe todo o Natal ela lembrava e chorava pelos filhos (...)
ela não teve resposta de governo nenhum. Ela morreu sem que nenhum arquivo
foi aberto, essa é a grande mágoa. Esse país podia ser bem melhor depois que
estas questões fossem resolvidas, nós teríamos mais confiança no país, a
certeza de que isso não aconteça mais (...) Eram brasileiros, tinham histórias,
histórias bonitas (...) Esse país podia ser mais rico – tenho a certeza, se eles
tivessem vivos.”
340
Atualmente a CEMDP iniciou uma segunda fase de atuação com a
finalização do exame dos processos. No total foram apreciados 475
casos, onde 136 já constavam no Anexo I da Lei 9 140/95. Segundo o
atual presidente da Comissão, Marco Antônio Rodrigues Barbosa, as
reuniões da CEMDP serão mensais com o intuito de dar continuidade
aos trabalhos: “Independentemente, continuaremos a luta pela abertura
total dos arquivos de ditadura militar, assim como continuaremos a
busca dos restos mortais de pessoas desaparecidas.”.
341
Em 2006, foi criado o projeto de construir um banco de DNA com
o objetivo de agilizar as identificações de pessoas desaparecidas no
período da ditadura militar
342
. Para tanto, foi firmado um contrato com
a empresa Genomic – Engenharia Molecular. Esse trabalho teve início
340
Laura Petit da Silva, representante da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos, concedeu-nos entrevista em fevereiro de 2008.
341
Marco Antônio Rodrigues Barbosa, em entrevista a nos concedida em fevereiro de
2008.
342
“O material colhido de pessoas com parentesco próximo e consangüíneo permitirá
gerar um perfil genético dos desaparecidos, que ficará disponível para comparações.
Cada perfil genético é distinto, praticamente individual, como se fosse uma impressão
digital. Extraindo-se DNA dos restos mortais encontrados sem identificação, é possível
fazer a comparação com as informações do banco e excluir ou encontrar o vínculo
genético”. COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 2007. p. 47.
em 25 de setembro com a coleta de sangue dos familiares, em um
evento realizado na antiga Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria
Antônia, em São Paulo. Estiveram presentes membros da Comissão de
Familiares, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Secretaria Especial de
Direitos Humanos.
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de Pernambuco,
Amparo Araújo, foi uma das primeiras pessoas a recolher material para
o banco de DNA: ela é irmã de Luiz Almeida Araújo, morto pela
repressão política em 1971 e um dos prováveis casos a serem
identificados pelo Instituto Oscar Freire, na USP, onde atualmente, se
encontram as ossadas da Vala de Perus.
Esse trabalho já começou a surtir os primeiros resultados. Em
2006, os testes de DNA conseguiram identificar os restos mortais de
Luiz José da Cunha. Sua a família aguardava a identificação há anos e
tal processo de identificação até então fora muito lento. O ex-dirigente
da ALN “teve seu traslado de São Paulo e Recife e sepultamento
realizado em 1º e 2 de setembro”
343
. Para as famílias, esse é um
momento importante “considerando que alguns dos familiares dos
desaparecidos já morreram e muitos ultrapassam os 80 anos de
idade
344
. Os trabalhos da CEMP só estarão concluídos, portanto, após a
identificação do último desaparecido.
Em 2007, foi estabelecida como prioridade da CEMDP
sistematizar todo o conteúdo de seu arquivo, como depoimentos de
familiares, publicações sobre os casos investigados, pesquisas que
tenham sido realizadas sobre os mortos e desaparecidos e os processos
apreciados, ou seja, toda documentação acerca dos trabalhos desta
Comissão.
343
Idem, ibid. Essa informação consta também no site do movimento oficial dos
familiares: www.desaparecidospoliticos.org.br/principal.
344
Idem, ibid.
O atual presidente da Comissão comenta sobre esse momento:
“Pretendemos digitalizar todo o arquivo da Comissão, como forma
também de preservação da memória.”
345
.
345
Marco Antônio Rodrigues Barbosa, em entrevista a nos concedida em fevereiro de
2008.
CAPÍTULO IV ESTUDO DE CASOS: CARLOS LAMARCA E CARLOS
MARIGHELLA
4.1 A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE CARLOS LAMARCA E PROCESSO
INDENIZATÓRIO
4.1.1 História de vida e engajamento político
“Estejamos onde estivermos, haverá sempre uma realidade a transformar,
agora e sempre, criar as condições para isso é a nossa tarefa de
revolucionários (...) Entre existir ou não condições para a prática
revolucionária, eu fico com a luta pela criação dessas condições na prática,,
o que não é um processo curto nem indolor – é longo, violento e cheio de
humanismo (...)”
346
O trecho acima revela o sentimento de um dos mais perseguidos
opositores da ditadura militar: Carlos Lamarca. Fiel às suas convicções
políticas até os últimos momentos de sua vida, idealista, como muitos
jovens de sua geração, Lamarca engajou-se na luta armada e acreditou
ser esse o melhor caminho para a transformação política no país. Por
conta disso, desertou do Exército em 1969, dando início a uma grande
perseguição política por parte dos militares que culminou com sua morte
dois anos depois, no sertão da Bahia.
Nascido no Rio de Janeiro no ano de 1937, ingressou nas Forças
Armadas em 1954, ao prestar para a Escola Preparatória de Cadetes na
cidade de Porto Alegre. Desde então, seguiu uma carreira promissora
dentro do Exército. Do início da carreira militar até a deserção, foram
346
Trecho da carta-diário de Carlos Lamarca para Iara Iavelberg, cujo portador foi
César Queiroz Benjamin, com data de julho de 1971, assinada por Cirilo, um dos
codinomes adotados por Lamarca na clandestinidade). Esse documento foi obtido no
Ministério da Justiça, em Brasília, em agosto de 2000, juntamente com o Processo de
Carlos Lamarca apresentado à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. Na
vida clandestina, Lamarca adotou os nomes de João, Renato, Cláudio, César, Cid e
Cirilo. Ver: MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 415-424.
anos de conflitos pessoais. “Eu vim servir o Exército pensando que o
Exército estava servindo ao povo, mas quando o povo grita por seus
direitos é reprimido. Aqui o Exército defende os monopólios, os
latifundiários, a burguesia. O povo é sempre reprimido”
347
, declarou à sua
esposa Maria Pavan, no ano de 1966, três anos antes de abandonar as
funções de militar.
A política esteve presente na sua vida desde cedo. Aos 16 anos,
atuou em manifestações de rua da campanha nacionalista “O petróleo é
nosso”, a luta contra a invasão do capital estrangeiro no país. Em 1957,
quando chegou à Academia Militar de Agulhas Negras, na cidade de
Resende, no Rio de Janeiro, já tinha sido influenciado pelas
movimentações políticas no país. Na época, “acompanhou durante todo o
tempo de academia militar, através de panfletos e documentos deixados
debaixo do seu lençol, o trabalho de propaganda do Partido Comunista
Brasileiro (...) Lá, uma célula do PCB se encarregava de distribuir o jornal
Voz Operária (...)”
348
, acentuando, portanto, suas futuras convicções
políticas.
Embora influenciado pelos ideais do Partido Comunista, foi a
carreira militar que abraçou naquele momento. Formou-se pela Escola
Militar de Agulhas Negras, em 1960, e nomeado oficial-aspirante. A
partir de então, passou a servir em São Paulo, no 4º Regimento de
Infantaria, em Quitaúna, na cidade de Osasco.
Em setembro de 1962, Lamarca foi recrutado para integrar o
contingente militar da Organização das Nações Unidas. Seu
destacamento permaneceu na zona de Gaza, no Egito, próximo ao canal
Suez, durante 13 meses. No retorno dessa missão, comentou várias vezes
com a esposa e amigos sobre a realidade do povo árabe: “foi ali que tomei
maior consciência da pobreza”
349
, dizia.
A experiência de Suez acentuou seu interesse pelos temas políticos
e sociais. Segundo informações contidas em sua biografia, Lamarca: o
347
JOSÉ, E.; MIRANDA, O. Lamarca: o capitão da guerrilha. 15. ed. rev e ampl. São
Paulo: Global Editora, 2000. p. 34.
348
Idem, p. 36.
349
Idem, ibid.
capitão da Guerrilha, até 1965, ano em que pediu transferência de Porto
Alegre para Quitaúna, ele não havia exercido ainda militância em partido
político: “Um pedido seu, em 1964, de filiação ao Partido Comunista
Brasileiro, não chegou a se efetivar, por conselhos de companheiros (...)
‘Eles acabam te entregando’, diziam.”
350
Embora simpatizante dos ideais comunistas, sua iniciação na
política ocorreu de forma discreta, sem deixar transparecer durante todo
tempo em que esteve servindo às Forças Armadas, na condição de
capitão do Exército. Para isso, contou com colaboradores dentro da
Corporação. O sargento Darcy Rodrigues, o cabo José Mariane e o
soldado Carlos Zanirato
351
, são pessoas fundamentais para futuras
articulações de Lamarca junto à esquerda organizada. Em Quitaúna,
Lamarca passa a desenvolver trabalho político com habilidade, através de
um “clube de amigos”, onde passam a delinear formas de estruturar o
foco guerrilheiro.
A essa altura, a guerrilha rural já fazia parte de seus planos
políticos. Na lógica, a intenção era “reunir um pequeno grupo de homens
armados, fazendo a guerrilha numa área rural, servindo de exemplo para
as massas, como um catalisador das lutas do povo até a deflagração da
guerra total pela tomada do poder
352
. Para colocar em prática sua
intenção de promover a revolução socialista no país através da guerrilha
rural foi preciso abandonar a carreira militar.
Portanto, em 24 de janeiro de 1969, Lamarca decidiu desertar do
Exército e assumir a condição de opositor do regime militar, engajando-
se na luta armada junto às organizações de extrema-esquerda. Saiu de
Quitaúna, em uma ação de expropriação de armas e munições, deixou o
350
Idem, p. 39.
351
O soldado Carlos Roberto Zanirato foi preso por agentes do DOPS/SP em
23/06/1969, meses após ter desertado do Exército com seu superior hierárquico
Carlos Lamarca para seguir as atividades da VPR. De acordo com a versão oficial
divulgada na época, Zanirato teria se suicidado após cerco policial. No entanto,
documentos do DOPS informam que ele teria sido preso por militares do 4. Regimento
de Infantaria de Osasco, a mesma unidade de onde desertara em janeiro do mesmo
ano. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu a
responsabilidade do Estado em sua morte:O pedido foi acolhido por unanimidade,
tendo sido aprovada a tese de prisão e morte não-natural”, em 27/08/1996.
COMISSÃO Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p. 97-98.
352
Idem, p. 40.
4. Regimento de Infantaria de Quitaúna, dirigindo uma kombi com 60
fuzis automáticos leves (FAL), 2 morteiros de 60 mm com todos os
acessórios, mais metralhadoras e armas curtas ao alcance de mão. Na
ocasião, dois sargentos acompanham a movimentação no quartel e
perguntam ao capitão o que está acontecendo e Lamarca responde que
trata-se apenas de um ‘treinamento de tiro’.
353
Do quartel de Quitaúna, Lamarca engajou-se na “guerra
revolucionária” durante aproximadamente dois anos e meio. A certeza da
vitória impulsionava a luta e o fazia enfrentar as péssimas condições de
vida na clandestinidade: após a deserção, Lamarca passou 10 meses
trancado em aparelhos na cidade de São Paulo, amparado por membros
da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), até seguir para região do
Vale do Ribeira, onde realizou os primeiros treinamentos de guerrilha
para militantes políticos.
No filme Lamarca – o capitão do Exército
354
, há cenas em que o
protagonista realiza alguns desses treinamentos: as dificuldades físicas e
emocionais, inclusive de relacionamento entre os guerrilheiros. A
proposta foi de preparar militantes para atuação no campo: desde o
início, Lamarca pretendia realizar um trabalho na região rural, fato que
não ocorrera imediatamente após a saída de Quitaúna.
Em seus escritos, o ex-capitão do Exército descreve suas intenções
no campo:
“Aqui iniciamos a dinamização do processo de educação dos camponeses e
discussões internas – estou atuando transformadoramente no grupo e parece
que vai bem. Estou sempre propondo cuidadosamente na
prática, isto está
impressionando, agora esperam o teórico
com conhecimento e prática militar,
mas quero ser o político na prática – está indo bem. (...) Planejamos a divisão,
nos diversos setores de contato com a massa, de liderança dos companheiros
– cada um assumirá o setor que tiver mais condições e os demais contribuirão
(...) Só sinto a frustração de não estar em contato físico com a massa,
353
JOSÉ; MIRANDA, 2000, p. 39.
354
Lamarca – o capitão da guerrilha, longa-metragem, 1994. Direção Sérgio Resende.
Elenco: Paulo Betti, Carla Camuratti, José de Abreu, Deborah Evelin, Eliezer de
Almeida, Ernani Moraes, Roberto Bontempo, entre outros atores. Roteiro: Sérgio
Resende e Alfredo Oróz.
trabalhando junto, sofrendo junto e transformando (...) Mas uma revolução
gradual, como aquela prevista por Mao, teria obrigatoriamente que construir
durante o próprio processo de destruição, caso contrário não sobreviverá
(...).”
355
No período que antecedeu a vida no campo, Lamarca participou
diretamente de ações armadas na cidade. Muitas dessas ações tinham
por objetivo garantir recursos para a sobrevivência de guerrilheiros nos
aparelhos, resgatar prisioneiros políticos e financiar a esquerda armada
no país. Manter um guerrilheiro era um custo, principalmente como
Lamarca, que se deslocava constantemente dos aparelhos devido às
perseguições políticas.
Como líder da VPR, uma ação que marcou sua atuação na
guerrilha urbana foi o seqüestro do embaixador suíço, Giovanni Enrico
Bücher, em 07 de dezembro de 1970. Os seqüestros realizados pelas
organizações de esquerda pretendiam chamar a atenção da opinião
pública sobre os abusos cometidos pela ditadura militar e difundir os
ideais da revolução socialista no país. No entanto, o trabalho de
propagação desses ideais socialistas não repercutiu junto à população.
O seqüestro do embaixador suíço foi uma tentativa da guerrilha
urbana de atrair a atenção para a causa revolucionário em um momento
em que se estreitavam os espaços de atuação da esquerda no país. Na
época, a VPR solicitou ao governo brasileiro a libertação de setenta
presos políticos e a publicação de manifesto na mídia. Essa ação não
obteve o mesmo êxito do seqüestro do embaixador norte-americano
Charles Elbrick. Nesse caso, a ditadura não atendeu todas as solicitações
impostas pelos guerrilheiros: aceitou libertar presos políticos, mas não
divulgou o manifesto nos veículos de comunicação.
Há uma passagem do filme Lamarca em que membros da VPR e o
comandante Lamarca discutem o desfecho da operação que envolveu o
seqüestro do embaixador. O longa-metragem relata a posição da ditadura
355
Carta-diário escrita por Carlos Lamarca.
militar de não libertar alguns presos políticos, fato que obrigou a VPR a
incluir outros nomes na lista de presos
356
.
Em abril de 1971, Lamarca decidiu ingressar no Movimento
Revolucionário Oito de Outubro (MR-8)
357
, cerca de três meses depois
seguiu para a região de Brotas de Macaúbas, no sertão da Bahia, com a
finalidade de implantar a guerrilha rural. No sertão, passou a planejar as
ações no campo juntamente com os companheiros da organização,
obtendo apoio de José Campos Barreto, o Zequinha, já conhecido por
coordenar greves operárias em Osasco, São Paulo.
Na concepção de Lamarca: “a guerrilha rural é tão viável quanto a
urbana. Necessita de maior e mais eficiente infra-estrutura, com maior
capacidade de duração (já que não pode ser mudada como se muda de
aparelho de cidade), logística, de inteligência e de base social. A guerrilha
rural, em diversos pontos do país, conflagrará o campo”.
358
Durante o período de convívio no sertão, Lamarca dedicava seu
tempo à leitura e à escrita, como as cartas enviadas à companheira Iara
Iavelberg
359
. Lamarca e Iara se conheceram na luta revolucionária e
protagonizaram um romance repleto de desencontros. Iara seguiu com
Lamarca para a Bahia, mas se separam em junho de 1971, quando ele
decidiu seguir sozinho para a região rural.
356
Um dos presos políticos libertados em troca da liberdade do embaixador suíço, em
16 de janeiro de 1970, foi Frei Tito de Alencar. No exílio, Frei Tito seguiu para a
França onde se suicidou no ano de 1974, como provavelmente em um transtorno
mental decorrente das torturas sofridas pelos órgãos de repressão políticas no país.
357
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, o ex-companheiro de
Lamarca na luta armada, Darcy Rodrigues comenta o ingresso de Lamarca no MR-8:
“Dado sua evolução política, Lamarca começou inicialmente a negar a teoria foquista,
que havia sido um princípio na linha política da VPR. Sua concepção de guerra popular
prolongada levou-o a aproximar-se do MR-8, ao qual veio se integrar.” EMEDIATO, Luiz
Fernando. O mito Lamarca: um “Messias” sem Deus. São Paulo, O Estado de S.Paulo,
12 abr. 1980. p. 14.
358
JOSÉ; MIRANDA, 2000. p. 89.
359
Iara Iavelberg foi morta em 20 de agosto de 1971, em Salvador (BA), em
circunstâncias até hoje não esclarecidas. De acordo com a versão oficial divulgada
pelos órgãos de segurança, “Iara teria sido morta após rápido tiroteio com policiais do
DOI-CODI/RJ, deslocados a Salvador para prendê-la. Consta que Iara teria se refugiado
no banheiro de uma casa vizinha à sua, na tentativa de escapar à perseguição dos
policiais, ocasião em que teria sido localizada (...)”. Segundo relatório do Ministério da
Aeronáutica, “suicidou-se em Salvador/BA, em 06 de agosto de 1971, no interior de
uma residência, quando esta foi cercada pela polícia”. MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p.
405-406. A trajetória de Iara Iavelberg também é retratada no filme Lamarca: o capitão
da guerrilha. Ver nota 354.
Em 17 de julho de 1971, entre reflexões políticas, Lamarca
escreveu sobre Iara:
“Neguinha, a foa da coletivizão é espantosa! Fico de imaginar uma
fazenda coletiva – e me babo só de pensar. Você está presente neste
pensamento, não que esteja ausente de outros (...) Você é para mim, antes
de tudo uma necessidade: revolucionária, educadora, existencial, total
(...).”
360
Simultaneamente às ações desenvolvidas no campo, membros do
MR-8 atuaram nas cidades. Em 06 de agosto de 1971, um militante,
José Carlos da Souza, conhecido como Rocha, é preso e, sob torturas,
indica para agentes dos órgãos de repressão o paradeiro de Lamarca e
Iara na Bahia. O Relatório da Operação Pajussara
361
diz o seguinte sobre
essa prisão:
“Em 06 de agosto de 1971, em conseqüência das diligências efetuadas
pelo CODI/6, foi preso ‘Rocha’, que na ocasião estava acompanhado por
um outro elemento, identificado posteriormente como sendo César Queiroz
Benjamim, ‘Menininho’, que reagiu à prisão, utilizando uma arma de fogo,
disparando-a contra os agentes (...) Tal fato ocorreu na principal artéria de
Salvador, Avenida 07 de setembro, em hora de grande movimento,
felizmente sem qualquer conseqüência para os transeuntes e agentes
(...)”.
362
As informações obtidas de José Carlos da Souza conduziram os
membros da Forças Armadas à região de Brotas de Macaúbas e a ação
do Exército, denominada Operação Pajussara, foi deflagrada no sertão
da Bahia para localizar o paradeiro de Carlos Lamarca e membros do
360
Ver nota 346.
361
A Operação Pajussara, comandada pelo Exército, teve por finalidade capturar
Carlos Lamarca e seus companheiros no sertão da Bahia. A operação contou ainda
com a participação de equipes do Centro de Informações Secretas da Aeronáutica
(CISA), Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), SSP/SP, CODI/II Exército,
PMGB e SSP/GB. As equipes realizaram levantamento de toda região, considerando os
seguintes aspectos: estrutura econômica do local, área povoada, terreno, vegetação,
natureza do solo, obras e instalações, condições climáticas e meteorológicas, tal como
comunicação e transporte. Consta em: MINISTÉRIO do Exército. Relatório da Operação
Pajussara (1971). Brasília: IV Exército 6ª Região Militar, 2ª Seção, 1971.
362
Idem nota 361.
MR-8
363
. Conforme consta nesse relatório, “Na tarde de 21 de agosto,
com a apreensão da documentação que ‘Menininho’ [César Queiroz
Benjamim] transportava, na Guanabara, inclusive as cartas de Lamarca
para Iara, confirmou-se a probabilidade dele ainda se encontrar naquela
região, pois a data de seu último assentamento era de 16 de agosto,
portanto, onze dias após a prisão de Rocha [José Carlos da Souza], a
qual Lamarca já tinha conhecimento.”.
364
O cerco policial-militar montado em Brotas de Macaúbas teve fim
em 17 de setembro, quando Lamarca e Zequinha foram vítimas de uma
emboscada no local denominado “Pintada”, após vários dias
percorrendo o sertão nordestino. Ainda de acordo com o relatório da
Operação Pajussara: “Quando se aproximava das viaturas cerca de 500
metros, o motorista Fumanchu, aos gritos, ofegante, chamou: – ‘Major!
Tem dois homens deitados debaixo da árvore’. Mais calmo, disse haver
um rapaz informando que vira um homem deitado, e ele resolvera
verificar, quando observou não um, mas, dois homens, com sacos,
apresentando todas as características dos terroristas (...).”
365
Após identificarem Lamarca e Zequinha, agentes da operação,
executaram os guerrilheiros no local. Na biografia Lamarca: o capitão
da guerrilha, consta o seguinte diálogo entre Lamarca e um
comandante do DOI/CODI:
“– Você é o Lamarca? – nenhuma resposta foi obtida retirando então do bolso
o retrato e fazendo a comparação repetiu a pergunta, obtendo como resposta:
– Sim, sou Lamarca.
– Como é o nome da sua amante?
– Iara – respondeu.
– Sabe o que aconteceu com ela?
– Suicidou-se, não é?
– Morreu. Onde está sua família?
363
Membros do MR-8, localizados por agentes dos órgãos de repressão na Bahia:
Solange Lourenço Gomes (Emília), José Carlos de Souza (Rocha), Jaileno Sampaio
Filho (Raimundo/Orlando), Milton Mendes Filho (Dico), Diogo Assunção (Tuca), Luiz
Antônio de Santa Bárbara (Merenda/Ramos) e Nilda Carvalho Cunha (Adriana).
MINISTÉRIO do Exército. Relatório da Operação Pajussara (1971). Salvador/BA: IV
Exército 6ª Região Militar, 2ª Seção, 1971. p. 1-2.
364
Idem, p. 3.
365
Idem, p. 40
– Em Cuba.
– O que acha disso?
– Sei quando perco.
– Você é um traidor do Exército Brasileiro. – não foi obtida resposta
.”
366
A execução de Carlos Lamarca por agentes da repressão política
foi noticiada em todo o país através dos veículos de comunicação
impressos, nas rádios e na televisão. Na revista Veja, por exemplo, foi
publicado o seguinte sobre sua morte: “Era a cena final de um terrorista
vencido e o resultado de um cerco policial que mobilizou, durante
semanas, mais de seiscentos homens”.
367
Sua morte repercutiu muito entre as organizações armadas no
país por se tratar de uma figura de grande representatividade de
oposição política. O filme Cabra Cega
368
reproduz uma cena onde o
personagem central acompanha pelo noticiário da TV a morte de
Lamarca. Sua reação perplexa demonstra a sensação de impotência e
fracasso diante da perda de um importante nome da esquerda
organizada no país.
Após 25 anos de sua morte, a partir da Lei 9 140/95, o Estado
brasileiro reconhece a responsabilidade pela execução de uma dos mais
importantes membros da oposição armada da ditadura militar.
366
JOSÉ; MIRANDA, 2000, p. 46.
367
A cena final de um terrorista: No sertão da Bahia terminou a longa perseguição a
Carlos Lamarca”. São Paulo, Veja, 22 set. 1971. p. 23.
368
Cabra Cega, 2006. Direção: Toni Venturi. Elenco: Leonardo Medeiros, Débora
Duboc, Jonas Bloch, Michel Bercovitch, Odara Carvalho, Walter Breda, entre outros.
Roteiro: Di Moretti.
4.1.2 O processo indenizatório no caso Lamarca
No dia 12 de setembro de 1996, o jornal Folha de S.Paulo,
destacou a seguinte notícia:
“Em reunião tensa, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos,
do Ministério da Justiça, aprovou ontem o pagamento de indenização às
famílias dos guerrilheiros Carlos Lamarca e Carlos Marighella, por 5 votos a 2.
Pelo mesmo placar, a comissão decidiu indenizar a família de José Campos
Barreto, o Zequinha, que foi morto com Lamarca, em 1971. Agora são cem o
número de indenizações concedidas, além os 132 casos previstos pela lei
9.140/95 (...).”
369
O caminho para que ocorresse o pagamento da indenização à
família de Carlos Lamarca, assim como o reconhecimento do Estado por
sua morte, foi norteado de controvérsias e resistências. No momento
que a família do guerrilheiro pronunciou-se a despeito da indenização,
membros das Forças Armadas, sobretudo do Exército, passaram a
articular uma maneira de impedir o andamento do processo, pelo fato
de tratar-se de um desertor militar.
Esse processo rumo à indenização do Estado iniciou-se com a
elaboração de um dossiê, redigido pelos próprios familiares, em que
uma série de documentos foi reunida com o intuito de comprovar a
responsabilidade da ditadura militar na execução de Lamarca. Para
isso, a Comissão de Familiares realizou um trabalho de apoio às
famílias, auxiliando no levantamento de provas a serem incorporadas
ao dossiê. Em documento com data de 09 de maio de 1996, a Comissão
de Familiares produziu um relatório sobre as circunstâncias da morte
do guerrilheiro:
“A Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos esgotou,
na medida de suas possibilidades, todos os recursos disponíveis para
obter os documentos completos que permitissem esclarecer as reais
369
FRANÇA, William; FALCÃO, Daniela. Passa indenização a Lamarca e Marighella.
São Paulo: Folha de S.Paulo, Caderno 1, 12 out. 1996. p. 12.
circunstâncias da morte Carlos Lamarca (...) Em função disto, os familiares
de Carlos Lamarca e a Comissão de Familiares consideram necessário
solicitar a exumação dos restos mortais, esperando desta forma dirimir as
dúvidas que permanecem. Entretanto, isto não implica a suspensão das
pesquisas para localização do Laudo de Necrópsia e das fotos.
Requeremos à CEMDP que cumpra o papel que lhe foi conferido pela Lei
9.140/95, artigo 9, envidando esforços para oficial e legalmente, obter
junto aos órgãos competentes a referida documentação, vital para o
esclarecimento definitivo das verdadeiras circunstâncias da morte de
Carlos Lamarca
(...).”
370
Os esforços das famílias durante o trabalho de elaboração dos
dossiês a serem apresentados à CEMDP do Ministério da Justiça
baseou-se no levantamento de provas concretas que derrubassem as
versões oficiais divulgadas pelos órgãos de repressão durante o período,
no caso, derrubar, especificamente, a versão apresentada no Relatório
da Operação Pajussara e, sobretudo, provar que o guerrilheiro foi
sumariamente executado: “Provar que o capitão Carlos Lamarca foi
morto quando já estava sob guarda do Exército é a próxima meta da
Comissão de Familiares.”
371
.
Segundo informações contidas nesse relatório, Lamarca e
Zequinha teriam tentado fugir após serem surpreendidos por policiais:
“Cerca de 10 metros dos mesmos, em virtude de dois elementos da equipe
terem se
lançado através da caatinga, para encurtar o caminho,
provocando ruído no mato quebrado, que despertou um dos terroristas, o
qual exclamou:Capitão! Os homens estão aí!’ Toda a equipe a essa
altura, já estava em linha. O elemento que falou começou a correr,
iniciando-se então o tiroteio. O segundo levantou-se, tentando correr,
carregando um saco (...) Esse foi abatido 15 metros à frente, caindo ao
370
Relatório das circunstâncias da morte de Carlos Lamarca, incorporado ao dossiê do
guerrilheiro, apresentado à Comissão Especial do Ministério da Justiça. O documento
foi elaborado por Iara Xavier (assistente dos familiares na elaboração dos processos) e
Criméia Alice Schmidt de Almeida da Comissão de Familiares.
371
GRILLO, Cristina. Famílias preparam dossiê sobre Lamarca. Comissão quer provar
que o líder guerrilheiro foi morto quando já estava sob guarda do Exército. São Paulo,
Folha de S.Paulo, 13 maio 1996. p. 1-9.
solo, enquanto o que dera o alarme, apesar de ferido, prosseguiu na
fuga.”
372
Considerando esses dados e através do relato oficial, Lamarca foi
executado com tiros pelas costa à distância de 25 metros. Antes disso,
porém, teria travado diálogo com o comandante do DOI/CODI. Todas
as informações descritas no Relatório da Operação Pajussara foram
contestadas pelos familiares mediante um processo investigativo sobre
o caso.
No mês de junho de 1996, Iara Xavier e Togo Meireles,
representantes dos familiares e Nilmário Miranda, da CEMDP do
Ministério da Justiça, foram encontrar a família de Lamarca na cidade
do Rio de Janeiro e solicitar ao diretor da Santa Casa de Misericórdia, o
Sr. Dahas Zarur, a exumação dos restos mortais do ex-capitão do
Exército.
Sob responsabilidade do Dr. Nelson Massini, o exame da ossada
pelo IML de Brasília, aponta que Lamarca foi executado sem condições
de reagir. Segundo consta, “Pela análise do conjunto de lesões
observadas no esqueleto, bem como nas fotografias, a dinâmica mais
provável é aquela em que a vítima se encontra deitada, em decúbito
dorsal; já o(s) atiradores estavam postados à sua direita, mais próximo
dos pés que da cabeça, e pela angulação das trajetórias, em posição
acima e próximos à vítima”.
373
Ainda no mês de junho, o ministro da Justiça Nelson Jobim
entregou ao jornalista Bernardino Furtado, do jornal O Globo,
documentos que estavam em poder da Polícia Federal há 25 anos.
Todas as informações foram transmitidas à Comissão Especial do
Ministério da Justiça. Dentre os principais documentos, estava o laudo
necroscópico assinado pelo Dr. Charles Pittex, um álbum de fotos de
necropsia e de identificação, o Relatório da Operação Pajussara, cartas
372
MINISTÉRIO do Exército. Relatório da Operação Pajussara (1971). Brasília: IV
Exército 6ª Região Militar, 2ª Seção, 1971. p. 29.
373
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p. 421.
trocadas por Lamarca e Iara Iavelberg e um álbum com impressões
digitais.
374
Esses documentos serviram de base para elaboração do
dossiê sobre o caso Lamarca e foram incorporados ao seu processo,
que, em seguida, foi encaminhado à Comissão Especial.
É de particular relevância o fato de que Lamarca esteve sob
custódia de agentes do Estado nas circunstâncias que envolveram sua
morte, caracterizando, portanto, uma situação de “dependência policial
ou assemelhada”, ou seja, embora estivesse encostado em uma árvore,
em uma região de mata, o guerrilheiro foi localizado por órgãos de
segurança. Portanto, “o Estado autoritário, por seus agentes, o vigiou, o
subjugou, o deteve e já sem margem para qualquer ação o executou.”.
375
Conforme já mencionado neste trabalho, o que caracteriza o
conceito “dependência assemelhada” não é o espaço físico e territorial
no qual foram capturadas as vítimas, mas as circunstâncias,
principalmente, se estiveram sob a guarda de agentes do Estado. Esse
conceito foi amplamente discutido durante todo o período de atuação
da CEMDP, sobretudo nos casos Lamarca e Marighella.
No requerimento apresentado pela família de Lamarca, de autoria
do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, com data de 31 de março de
1996, entre as justificativas apresentadas a favor do deferimento do
processo, foi feito um comparativo entre a situação da morte de
Lamarca e dos guerrilheiros da região do Araguaia, considerando-se a
semelhança do local onde as vítimas foram executadas: “Que diferença
pode haver em relação às circunstâncias de morte do marido da
requerente e as dos familiares do Araguaia?”
376
.
Vale ressaltar (conforme citado no capítulo anterior) que o
governo brasileiro indenizou todos os familiares das vítimas do conflito
do Araguaia, conforme Anexo I da Lei 9 140/95. Da mesma forma que
os militantes do PC do B, Lamarca também se encontrava em “campo
374
Idem. p. 442.
375
MINISTÉRIO do Exército. Relatório da Operação Pajussara (1971). Brasília: IV
Exército 6ª Região Militar, 2ª Seção, 1971. p. 405-406.
376
Requerimento apresentado à CEMDP, em nome de Maria Pavan Lamarca, para
requerer nos termos da lei 9.140/95, a INDENIZAÇÃO A TÍTULO REPARATÓRIO”, ao
Estado sobre a morte de Carlos Lamarca, Folha 16.
aberto” quando foi abatido por policiais militares. De acordo com esse
fundamento, o requerimento apresentado por sua família endossa que,
se fosse “o objetivo da ‘Operão Pajussara’ capturar o marido da
requerente (e não executá-lo, simplesmente), a ele teria sido dada voz de
prisão, pois na situação em que se encontrava Lamarca não poderia
esboçar reação, diante da enorme superioridade militar, da surpresa do
cerco repressivo e das próprias condições de debilidade física que ele e
seu companheiro ostentavam (...).”.
377
O exame do caso Lamarca pela CEMDP no Ministério da Justiça,
foi alvo de muitas discussões. Além do conceito de dependências
policiais ou assemelhadas, foram levantadas várias hipóteses sobre a
morte do guerrilheiro, tendo em vista que a versão oficial afirmava que
Lamarca teria sido morto em combate.
Os trabalhos de apreciação dos processos encaminhados à
CEMDP foram acompanhados pela imprensa de todo o país. Durante o
período de análise desse processo, os jornais noticiaram durante
semanas os desdobramentos do caso, fato que gerou grande
repercussão na época. Um aspecto importante a ser considerado, foram
as declarações de membros das Forças Armadas contrários à
indenização, conforme matéria de 31 de julho de 1996, do jornal Folha
de S.Paulo:
“Os chefes das Forças Armadas esperam reação dos militares da ativa de
alta patente a uma eventual indenização à família do guerrilheiro Carlos
Lamarca. Os ministros militares são contra a indenização e disseram isso
ao presidente da República (...) Os militares não sabem se o presidente
Fernando Henrique Cardoso vai assinar o decreto que autoriza a
indenização à família de Lamarca caso ela seja aprovada (...).”
378
Na ocasião, houve forte pressão dos militares para impedir que o
processo de Lamarca fosse acatado pela CEMDP e, conseqüentemente,
377
Idem, Folha 25.
378
NOGUEIRA, R.; FRANÇA, W. Exército espera reação no caso Lamarca: chefes das
Forças Armadas prevêem que eventual indenização à família do guerrilheiro causará
mal-estar). São Paulo, Folha de S.Paulo, 31 jul. 1996. p. 1-10.
a responsabilidade de sua morte fosse atribuída ao Estado. Dos
representantes da CEMDP, o general Oswaldo Pereira Gomes manteve-
se contra o pagamento da indenização à família durante todo o tempo
de discussão no Mistério da Justiça. Apresentou parecer à CEMDP
justificando as razões de seu voto:
“A morte de Carlos Lamarca deu-se em uma situação de guerra interna,
em uma operação de combate em plena caatinga, no sertão da Bahia.
Como ocorre em combate, outro poderia ser o desfecho se o guerrilheiro
emboscasse a pequena Patrulha que o perseguia, em vez de ser
surpreendido; em outras situações levaria a melhor. A versão que
apresentamos foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação, em
livros e até filmes e o laudo confirma a veracidade de tudo que foi dito por
nós. Lamarca, como no Vale do Ribeira, jamais se entregaria, estava
armado e pronto para fuzilar os seus perseguidores, caso tivesse essa
chance. A ação dos militares foi, rigorosamente, no estrito cumprimento do
dever legal, correta do ponto de vista do combate e da Guerra Interna que
se tratava então no território nacional (...) Aos argumentos apresentados
deve ser acrescido o fato de que o parecer favorável ao pedido de
indenização à viúva de Lamarca também foge ao espírito da Lei, no
tocante ao seu Art. 11, que trata da indenizão atulo reparario (...)
Não devemos amesquinhar a sua memória com esta indenização ilegal.
Voto pelo indeferimento do pedido, Senhor Presidente (...).”
379
O procurador federal Paulo Gonet Branco foi outro membro da
CEMDP que se opôs à indenização no caso Lamarca. Durante análise do
processo, o procurador considerou o conceito “dependências
assemelhadas”, como uma prisão fechada: “Não basta que tenha havido
morte em seguida à detenção: é preciso que ela tenha ocorrido em lugar
com características que o assemelham a uma dependência policial”
380
.
Nesse contexto, as divergências de opiniões e diferentes interpretações
da Lei 9 140/95 ajudaram a compor os trabalhos da CEMDP, que
sinalizou seu caráter democrático no decorrer de suas atividades.
379
Parecer apresentado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos por
Oswaldo Pereira Gomes, representante das Forças Armadas na Comissão, com data de
01/08/1996, p. 06.
380
Declaração do Procurador Paulo Gonet Branco. MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999. p.
415-424.
O parecer do advogado Luís Francisco da Silva Carvalho Filho,
também membro dessa Comissão, reafirmou essas contradições: “Após
voto do Procurador Paulo Gonet Branco, do Deputado Nilmário Miranda e
do General Oswaldo Pereira Gomes, estabelecendo o resultado parcial de
dois votos contra um, no sentido de se negar o reconhecimento do nome
de Carlos Lamarca par aos fins de Lei 9.140/95, Suzana Lisboa, solicitou
vista dos autos”
381
. E acrescenta na conclusão do parecer:
“Por tudo isso, pela desnutrição do perseguido, pelo nítido sentimento de repulsa
dos perseguidores em relação ao traidor do Exército Brasileiro, pela
desproporção de forças, pela inexistência de reação armada, pela quantidade e
pela direção dos tiros desferidos, pelo fato de o próprio comando admitir a sua
destruição como objetivo da operação, pelas evidências de que existiam
condições para a tentativa de prisão, voto pelo reconhecimento do nome de
Carlos Lamarca para fins do artigo 4., inciso I, letra b, da Lei 9.140/95, com o
pagamento da indenização à requerente (...).”
382
Após inúmeras discussões, o processo de Lamarca foi apreciado
pela CEMDP juntamente com o processo de Carlos Marighella, em 11 de
setembro de 1996. Assim, a responsabilidade do Estado pela morte de
ambos foi reconhecida com o mesmo resultado: 5 votos contra 2, com
Suzana Lisboa, exercendo a função de relatora do caso. Como já
esperado, apresentaram votos contrários à indenização Oswaldo Gomes
e Paulo Gonet Branco.
Na ocasião, o deputado Nilmário Miranda também apresentou
parecer questionando os argumentos dos votos contrários e
fundamentando seu voto favorável. Conforme sua avaliação, a aplicação
da Lei 9 140/95 “e todos seus efeitos, orientar-se-ão pelo princípio da
reconciliação e pacificação racional expresso pela Lei 6.683 de 28 de
agosto de 1979, a Lei da Anistia”
383
. O deputado realizou ainda
explicação sobre a polêmica expressão “dependências assemelhadas”,
381
Parecer apresentado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos por
Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, membro da Comissão Especial, incorporado ao
processo de Lamarca de número 038/96, p. 08.
382
Idem, ibid.
383
Idem 27, p. 418.
recordando outros casos de militantes políticos mortos pelos órgãos de
repressão em situações adversas, fora dos distritos policiais. Para isso,
citou os casos da chacina da Lapa e da casa do Quintino
384
.
Em 8 de setembro de 1997, em nota do Diário Oficial, assinada
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foram publicados os
nomes dos mortos e desaparecidos políticos, o valor da indenização e
seus respectivos beneficiários. O documento traz o nome de Carlos
Lamarca e da sua esposa, Maria Pavan Lamarca na condição de
beneficiária.
384
O episódio da Chacina da Lapa e da casa Quintino já foram citados neste trabalho,
respectivamente nos capítulos 1 e 2.
4.2 TRAJETÓRIA POLÍTICA DE CARLOS MARIGHELLA E O
PROCESSO INDENIZATÓRIO
4.2.1 História de vida e engajamento político: a fundação da
ALN
A linha “pacífica” adotada pelo Partido Comunista após o golpe
militar em 1964, além de causar descontentamentos entre membros do
partido, deu margem para a formação de grupos políticos armados que
atuaram em combate direto à ditadura, entre eles, destacou-se a
Aliança Libertadora Nacional (ALN), cujo líder e responsável pela sua
fundação foi Carlos Marighella. Segundo Betto: “A deteriorão das
relações de Marighella com o seu partido acelera-se na medida em que o
novo regime militar se arma de recursos arbitrários assegurados por leis
emanadas do Executivo.”
385
Eleito deputado na Assembléia Nacional Constituinte pelo Partido
Comunista, em 1946, pelo Estado da Bahia, Marighella, há algum
tempo discordava de algumas teses do partido, sobretudo, em relação à
forma de resistência à ditadura. Em 1966, escreveu A Crise Brasileira,
onde formalizou suas críticas ao partido, “destacando a importância do
trabalho junto dos operários e camponeses e a necessidade da luta
armada popular como o caminho da ditadura e para a instalação de um
Governo Popular Revolucionário”
386
.
Desta forma, foi paulatinamente voltando suas intenções para
um trabalho desenvolvido no campo. De acordo com Gorender, “o que
há de mais novo em A crise Brasileira é um esboço de proposta de luta
de guerrilhas acopladas ao movimento camponês. Contudo, a guerrilha
385
FREI BETTO. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982. p. 22.
386
MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999, p. 39-47.
rural é declarada segunda frente, forma de luta complementar destinada
a viabilizar a luta nas cidades.”
387
.
Nas críticas à Executiva do Partido Comunista, Marighella
denunciou a falta de ações diretas com os camponeses. E, segundo sua
avaliação na época, “o PCB abandonou o caminho revolucionário e, por
isso, perdeu a confiança do proletariado e transformou-se em ‘auxiliar da
burguesia.’”.
388
Mediante tais divergências políticas, em dezembro de
1966, Marighella decidiu romper relações com o partido
389
por acreditar
em uma diferente alternativa de transformação política no país: “Diante
da indefinição do partido quanto à maneira de por fim ao regime militar,
Marighella propugna com insistência a tese de um novo caminho para a
revolução, caminho da saída pacífica, esta sim irrealizável e ilusória”.
390
E, dessa forma, Marighella passou a idealizar a luta armada no país.
No mês de agosto de 1967, participa da I Conferência da
Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS)
391
, em Havana,
com participação de revolucionários de todo o continente. Esse
encontro reafirmou suas propostas políticas para o Brasil. Sua intenção
era promover a revolução no país imediatamente. Durante o período de
permanência em Cuba, escreveu Algumas questões sobre a Guerrilha no
Brasil
392
, difundido posteriormente entre os dissidentes do PCB que
aderem sua posição política, formando o Agrupamento Comunista de
São Paulo.
387
GORENDER, 1998. p. 104.
388
FREI BETTO, 1982. p. 25.
389
“Sua carta à Executiva, escrita no Rio, é datada de 1º de dezembro de 1966, e vai
direto ao assunto que o levara a escrevê-la: ‘Prezados Camaradas: escrevo-lhes para
pedir demissão da atual Executiva. O contraste de nossas posições políticas e
ideológicas é demasiado grande e existe entre nós uma situação insustentável (...)’.”
Idem, p. 24.
390
Idem, p. 27.
391
“A I Conferência da OLAS se tratava de um ‘congresso’ promovido pelo Partido
Comunista Cubano que havia sido reorganizado após a Revolução. O objetivo da OLAS
era impulsionara luta revolucionária na América Latina”. NOVA, Cristiane; NÓVOA,
Jorge (orgs.). Carlos Marighella: um homem por trás do mito. São Paulo: Editora
Unesp, 1999. p. 129.
392
“Algumas questões sobre guerrilha no Brasil, Pronunciamento do Agrupamento
Comunista de São Paulo”. Carlos Marighella Chamamento ao povo brasileiro, 1969.
Coletânea de documentos.,. Ver em GORENDER, 1998. p. 110.
Em Algumas questões sobre a Guerrilha no Brasil, Marighella
define a guerrilha como “caminho fundamental e mesmo único, para
expulsar o imperialismo e destruir as oligarquias, levando as massas ao
poder e não mais uma das possíveis formas de luta
393
.
No que se refere às estratégias para implantação da guerrilha, o
campo e não os centros urbanos foram escolhidos como palco de
atuação política. Na concepção do líder revolucionário, o trabalho
realizado nas cidades deveria ser complementar à guerrilha rural: “Ele
antevia assim, três fases para que esse projeto fosse vitorioso: um –
‘planejamento e preparação da guerrilha’; dois – ‘lançamento e
sobrevivência da guerrilha’, três – ‘crescimento da guerrilha e sua
transformação em guerra de manobras’”
394
. Para tanto, esse movimento
deveria começar isoladamente, através de pequenos grupos até atingir o
apoio político das massas.
Do Agrupamento Comunista de São Paulo, será constituída a
ALN, grupo de atuação política de extrema-esquerda. Segundo
orientações definidas em seu Pronunciamento
395
, em fevereiro de 1968,
também divulgadas no Jornal do Brasil:
“O Brasil é um país de área continental e, por conseguinte, apropriado
para a ofensiva estratégica da guerrilha, que precisa de espaço para
mover-se. A guerrilha brasileira tem que estar educada para operações
móveis, desde as mais elementares às mais complexas, pois uma guerra
revolucionária prolongada no Brasil será uma guerra de movimento. A
ofensiva estratégica, como método principal de conduzir a luta armada,
proporciona o máximo de iniciativa à guerrilha, e uma liberdade de
movimentos que não é permitida ao inimigo, lançado aos azares de uma
perseguição interminável em áreas rurais (...) Deve ser exposto às massas
393
NOVA; NÓVOA, 1999. p. 131.
394
Idem, ibid.
395
“O Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo esboça um tipo de
organização moldado para tarefas da luta armada e oposto à estrutura tradicional do
partido comunista (...) O Pronunciamento afirma que a reorganização de um partido
político implicaria o retorno à rotina burocrática e serviria de emperramento à luta
revolucionária”. Ver GORENDER, 1998. p. 105.
com muita clareza e objetivo político da guerrilha, ou seja, a expulsão do
imperialismo dos Estados Unidos e a destruição total da ditadura e suas
forças militares, para, em conseqüência, estabelecer-se o poder do povo
(...).”
396
Fundada ainda o ano de 1968, a ALN destacou-se como uma das
principais organizações de esquerda no país, cuja atuação ganhou
destaque devido às sucessivas ações armadas nas cidades. Para que
fosse estruturada, a ALN contou com uma rede nacional de apoio, na
qual o próprio Marighella desempenhou a função de interlocutor. No
quadro da organização estavam muitos jovens oriundos do movimento
estudantil.
As ações armadas deflagradas nos centros urbanos tinham por
objetivo a captação de recursos e garantir infra-estrutura para a
implantação da guerrilha rural. Os militantes que formaram os Grupos
Táticos Armados (GTAs) realizavam assaltos a bancos, roubo de armas
e carros, entre outras ações que garantiam a sobrevivência da
organização durante um determinado período.
As funções dos militantes dentro da organização eram
determinadas conforme o desempenho e habilidade de cada um. Nos
respectivos anos de 1967, 1968 e 1969, seguiram para Cuba, turmas
de jovens adeptos à luta armada para realização de treinamentos de
guerrilha. Portanto, a organização dispunha de membros preparados
para realização de ações armadas no país e também de pessoas sem
nenhum preparo político, movidos apenas por ideais revolucionários.
De acordo com Betto: A prática revolucionária restringia-se quase que
exclusivamente às ações armadas que, sem apoio popular, tornavam-se
cada vez mais vulneráveis à ofensiva da repressão.”
397
Para fins de realização da guerrilha rural, a ALN apontou
estrategicamente áreas de atuação, entre elas destacou-se a “frente de
396
Marighella apresenta guerrilha rural como tática certa de luta. Rio de Janeiro,
Jornal do Brasil, Caderno 1, 15 set. 1968. p. 20.
397
FREI BETTO, 1982. p. 42).
massas”
398
, responsável em ganhar o apoio da população à causa
revolucionária e, por conseguinte, a adesão de novos quadros para a
organização.
Em 1968, a repressão política agiu com violência contra os
movimentos de oposição e as organizações estudantis foram alvo fácil
de perseguições. O fracasso do Congresso da UNE, em Ibiúna, em
outubro de 1968, sinalizava as dificuldades de organização desses
movimentos sociais, onde os espaços de mobilizações políticas ficaram
cada vez mais restritos. Muitos desses jovens, na impossibilidade da
ação, partiram para a luta armada e para clandestinidade.
No final desse mesmo ano, a prisão de um militante da ALN foi o
caminho para que a ditadura chegasse à Marighella. Submetido a
torturas, o jovem informou sobre a organização e apontou o nome do
líder da ALN como mentor das ações de assaltos no país. A partir de
então, jornais e revistas publicaram longas matérias a respeito do líder
comunista, chefe dos assaltos até então indecifráveis (...) Os órgãos de
repressão policial fazem dele o inimigo público número um”.
399
As intensificações das ações urbanas no ano de 1969 levaram
Marighella a redigir o Minimanual do guerrilheiro urbano
400
, no qual o
líder comunista informa, em detalhes, o comportamento e os cuidados
que cada guerrilheiro deve adotar nas grandes cidades. Por conta dessa
exposição, esse ano também marcou o declínio das organizações
armadas, onde as forças de repressão irão agir rapidamente no
combate à chamada subversão. As constantes prisões e os mecanismos
de tortura cada vez mais sofisticados facilitaram o acesso dos órgãos de
segurança aos principais nomes das organizações
401
, sobretudo, a ALN.
398
“A ALN apontava como três as suas principais áreas de atuação, ainda concentradas
no perímetro urbano: 1. a frente de guerrilha urbana, que ocupava das ações armadas;
2. a frente de massas (já mencionado); 3. a frente de sustentação, que realizava
serviços práticos co-administrativos de organização da infra-estrutura conseguida pela
organização”. NOVA; NÓVOA, 1999. p. 141.
399
GORENDER, 1998. p. 109.
400
MARIGHELLA, Carlos. Minimanual do guerrilheiro urbano. In: LOPES, Adérito.
(org.) Minimanual do guerrilheiro urbano e outros textos. Lisboa: Assírio e Alvim, [s.d.].
401
“Em 24 de setembro, os membros da GTA (Grupo Tático Armado) da ALN, Manoel
Cyrillo e Luís Baboni foram pegar um carro frio que haviam deixado estacionado na
Alameda Campinas, mas, ao perceberem que se encontravam observados pela polícia,
A sobrevivência das organizações clandestinas nas cidades estava
cada dia mais ameaçada. Na ocasião, os frades dominicanos de São
Paulo faziam parte do grupo de colaboradores de Marighella. Embora
não atuassem em ações armadas, os dominicanos ofereciam suporte à
ALN, transportando militantes, realizando contatos e ajudando a
viabilizar a comunicação.
A ligação de Marighella com os membros da Igreja católica foi
recentemente retratada no filme Batismo de Sangue
402
, baseado no livro
homônimo de Frei Betto
403
, utilizado como fonte de pesquisa para a
elaboração deste trabalho. O longa-metragem reproduz várias cenas do
livro, no qual, a partir da prisão dos freis Ivo e Fernando, foi armada a
emboscada na Alameda Casa Branca que vitimou Marighella.
Essa emboscada começou a ser montada no dia primeiro de
novembro de 1969. Conforme Gorender, “Fernando e Ivo tomaram um
ônibus para o Rio, onde iam falar com Sinval Itacarambi Leão.
Combinação feita pelo telefone do Convento dos Dominicanos na rua
Caiubi, bairro de Perdizes (...) o telefone estava submetido à escuta do
DEOPS e as entradas e saídas de pessoas eram fixadas por fotógrafos
ocultos nas casas fronteiras”
404
. A essa altura, os religiosos já estavam
sendo perseguidos pela equipe do delegado Sérgio Fleury. No dia
seguinte, os freis foram capturados e encaminhados ao Ministério da
Marinha. Em seu depoimento à CEMDP, Frei Ivo relata:
“Eu, Yves do Amaral Lesbaupim, na época Frei Ivo, frade dominicano, fui
preso no dia 02 de novembro de 1969, juntamente com Frei Fernando de
decidiram fugir a pé. O primeiro conseguiu escapar, mas o segundo acabou sendo
baleado. No dia seguinte, outros dois membros do GTA foram pegar um outro carro, na
mesma alameda e forma presos pela polícia: Takao Amano e Carlos Lichszjm. Em 29 do
mesmo mês, outro importante membro do GTA de São Paulo seria preso e logo depois
morto sob torturas: Virgilio Gomes da Silva”. NOVA; NÓVOA, 1999. p. 154-155. Ver
também: GORENDER, 1998. p. 190-199.
402
Batismo de Sangue, 2006. Direção: Helvécio Ratton. Elenco: Caio Blat, Daniel de
Oliveira, Cássio Gabus Mendes, Ângelo Antônio, entre outros. Roteiro; Dani Patarra e
Helvécio Ratton.
403
FREI BETTO. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982.
404
GORENDER, 1998. p. 190.
Brito, no Rio de Janeiro. Fomos presos pela equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, do DOPS e levados para o CENIMAR, onde fomos
interrogados sob tortura. No dia 03 de novembro fomos levados ao DOPS
em São Paulo.”
405
No dia anterior à morte de Marighella, além das prisões dos freis
Ivo e Fernando no Rio, o convento dos dominicanos foi invadido pela
equipe de Fleury e Frei Tito de Alencar
406
também foi preso:
“No dia 04 de novembro, ao fim do dia, fui levado da cela onde estava no
DOPS para um andar onde havia intensa mobilização de policiais. Frei
Fernando e eu fomos levados pelos policiais à Alameda Casa Branca,
colocados dentro de um carro, marca Wolkswagen, tipo Fusca e os
policiais se afastaram, escondendo-se nas proximidades. Algum tempo
depois vi quando Marighella veio se aproximando de nosso carro vindo do
outro lado da rua, sozinho. Fomos retirados do carro por policiais e
jogados no chão e os policiais abriram fogo sobre Marighella. Ele não teve
tempo de reagir. Ao final da fuzilaria, estava morto. Frei Fernando e eu
fomos colocados num camburão e levados de volta ao DOPS (...).”
407
A narrativa de Frei Ivo traz detalhes da morte de Marighella e não
deixa dúvidas quanto às intenções dos agentes dos órgãos de segurança
em eliminar o principal nome da ALN. Sua morte foi noticiada na
405
Depoimento de Yves do Amaral Lesbaupin a Nilmário Miranda (CEMDP) e Iara
Xavier (Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos), em 09/03/1996, Folha
198. Esse depoimento foi incorporado ao Relatório do caso Marighella apresentado à
CEMDP e serviu de base para as investigações e para os trabalhos da Comissão
Especial.
406
Frei Tito de Alencar Lima foi dirigente regional e nacional da Juventude Estudantil
Católica (JEC). Em 1965, ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo ordenado
sacerdote em 1967. Preso em 04 de novembro de 1969, em companhia de outros
padres dominicanos, acusados de ter ligações com a ALN e Carlos Marighella. Foi
torturado durante 40 dias pela equipe do delegado Fleury. Após ser banido do país em
janeiro de 1971, viajou para o Chile, Itália e França. Suicidou-se em agosto de 1974,
na França, devido a transtornos mentais decorrentes das torturas sofridas no Brasil
que o atormentaram durante todo o período do exílio. COMISSÃO Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. p. 392.
407
Depoimento de Yves do Amaral Lesbaupin, o frei Ivo, à CEMDP, em 09/0/1996,
anexado ao processo de Carlos Marighella. p. 98.
imprensa de todo o país e, embora tenha representado uma grande
perda para a organização, não representou o fim das ações armadas no
país. Joaquim Câmara Ferreira
408
, conhecido como Toledo, assumiu o
comando da ALN. Após a morte de Marighella, todos os movimentos de
esquerda armada no país foram totalmente reprimidos pelos órgãos de
segurança em pouco mais de um ano.
408
Joaquim Câmara Ferreira foi considerado o principal dirigente da esquerda armada
no país. “Foi uma das lideranças que encabeçaram o Manifesto do Agrupamento
Comunista de São Paulo, em 1967, dissidência do PCB. Por razões de segurança
decorrentes do seqüestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, do
qual participara, Toledo estava realizando missões na Europa quando ocorreu a morte
de Marighella. Voltou então ao Brasil para assumir o posto de Marighella. Após ser
capturado por agentes do DOPS, morreu em 23/10/1970.” MIRANDA; TIBÚRCIO,
1999. p. 54-56.
4.2.2 O processo indenizatório no caso Marighella
Em 25 de março de 1996, foi entregue à Comissão Especial de
Mortos e Desaparecidos um abaixo-assinado em nome de ex-presos
políticos que se encontravam no DOPS no dia 04 de novembro de 1969,
dia da morte de Marighella. Esse documento foi anexado ao processo
indenizatório do caso Marighella, como testemunho do ocorrido nessa
data. Veja trecho a seguir:
“Estávamos todos detidos nas celas do extinto DOPS na tarde de 04 de
novembro de 1969. Em maior ou menor grau, todos presenciamos a forma
como os policiais se prepararam para o suposto encontro com Carlos
Marighella. O clima entre esses policiais era de júbilo porque eles tinham
como certo que iriam “pegar” o líder e, por conseqüência, deixar
‘desamparados’, a todos nós que estávamos presos. Com efeito, por volta
das seis da tarde, se fez um profundo e desconhecido silêncio nas
dependências do DOPS. A explicação óbvia foi logo depois encontrada:
todos os policiais tinham sido mobilizados para o tal encontro, o que por
algumas horas deixou o DOPS sob comando apenas de funcionários
administrativos. Por volta das oito horas da noite, todos voltaram
eufóricos: haviam dado cabo do líder, e apenas mostravam certa
ansiedade pelo tratamento que a imprensa daria ao assunto. Quando
viram que a imprensa, principalmente o Jornal Nacional, da TV Globo,
tinha restringido o noticiário à versão oficial, iniciaram uma desbragada
comemoração. Foram de cela em cela, nas quais nos encontrávamos,
alardear o seu efeito e deixando transparecer que não haviam corrido
riscos: tinham sido muito bem preparados. Diante dessa sucessão de fatos
ficamos então com a plena convicção de que, longe de morrer em combate,
Carlos Marighella foi friamente assassinado, sem nenhuma oportunidade
de defesa. Assim sendo, defendemos a inclusão de Carlos Marighella na
lista de brasileiros que o governo está reconhecendo como assassinados e
nos colocamos à disposição para qualquer esclarecimento (...).”
409
409
No abaixo-assinado constam assinaturas dos seguintes presos políticos: Rosemery
Nogueira, Roberto de Barros Pereira, Alípio Freire, Nair Benedicto, Renato Carvalho
Tapajós, Luiz Roberto Clauset, entre outros nomes com assinaturas ilegíveis. Esse
abaixo-assinado foi encaminhado à CEMDP em 25/3/1996 e também foi anexado ao
processo de Carlos Marighella.
Segundo uma das versões apresentadas pelos órgãos oficiais de
segurança, nas circunstâncias de sua morte, Marighella havia resistido
à voz de prisão e teria trocado tiros com agentes do DOPS, morrendo na
Alameda Casa Branca, em São Paulo, por volta da 20h29. Essa versão
que foi difundida também através da imprensa de todo o país,
sustentou a tese de que, por ter tentado reagir ao cerco policial, obrigou
uma reação dos agentes de segurança. De acordo com o Relatório do
DOPS:
“(...) por volta das 20:00 horas, surgiu CARLOS MARIGHELLA, com seu disfarce,
de peruca preta, a pé, em sentido oposto ao do seu capanga, pela calçada
fronteiriça ao carro dos religiosos, caminhando até atingir a altura desse
veículo, ocasião em que cruzou a via pública e entrou no Volkswagen, sentando
no banco traseiro. Trajava roupa esporte e portava uma pasta preta, onde,
segundo informações, sempre conduzia o revólver e granadas de mão. Nesse
momento, pelos aparelhos monitores de transmissão, o Del. SÉRGIO
FERNANDO PARANHOS FLEURY transmitiu a ordem para que todas as viaturas
ocupassem suas posições e, concomitantemente, deu voz de prisão a CARLOS
MARIGHELLA, determinando-lhes que saísse do veículo com as mãos para
cima. De acordo com entendimentos prévios, freis Fernando e Ivo deixaram o
Volkswagen, mas CARLOS MARIGHELLA, vendo-se cercado pelos policiais,
tentou resistir procurando abrir à pasta, ocasião em que foram feitos disparos,
principalmente contra sua mão esquerda, dois dos quais o atingiram em região
mortal (...).”
410
Os relatos apresentados na época em relação às circunstâncias
da morte de Marighella apresentam contradições. Utilizamos para
análise dois desses documentos que trazem versões diferentes acerca do
episódio e foram incorporados ao processo do caso de Marighella para
apreciação da CEMDP do Ministério da Justiça. Tanto o documento do
DOPS quanto o do Instituto de Polícia Técnica omitem fatos e
informações sobre as circunstâncias da morte e em nenhum dos dois
documentos há indícios de que Marighella teria sido executado por
410
Relatório do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS. São Paulo,
Secretaria de Segurança Pública, documento 30Z160, de 09/11/1969. Fls. 166-167.
agentes da repressão sem chances de defesa, como de fato foi
comprovado posteriormente.
O Relatório do Instituto de Polícia Técnica ainda traz informações
desencontradas no que se refere à chegada do guerrilheiro ao local.
De acordo com esse relatório, Marighella teria estacionado um
carro para encontrar os dominicanos, veja trecho a seguir:
“Apurou-se no local que, por volta das 20 horas e 05 minutos de 4 de
novembro do ano em curso, o líder terrorista CARLOS MARIGHELLA havia
sido morto, em tiroteio com a polícia, na Alameda Casa Branca, defronte ao
prédio de número 806. Soube-se, ainda, que Marighella foi atraído ao local por
dois terroristas, seus amigos, que haviam sido presos há alguns dias e
resolveram colaborar com a polícia. CARLOS MARIGHELLA chegou ao local
numa camionete, o qual após estacioná-la junto ao meio-fio (...) desceu do
veículo e passou a caminhar em direção ao Volkswagen azul, estacionado
junto à calçada oposta, onde os dois frades o esperavam. Marighella entra no
Volkswagen e senta-se no banco de trás do lado direito, onde também estava
sentado frei Fernando, porém do lado esquerdo, enquanto que sentado no
banco dianteiro, junto ao volante, achava-se Frei Ivo. Nesta ocasião, o
Delegado SÉRGIO FLEURY da voz de prisão a Marighella, enquanto o Frei Ivo
sai do Volkswagen azul e o Frei Fernando se esconde no chão do carro.
Sucede, entretanto, que CARLOS MARIGHELLA tenta abrir uma pasta preta
onde havia uma arma, porém já não havia mais tempo disponível, porquanto
os primeiros tiros já o haviam atingido. Ainda neste ínterim, os elementos da
segurança de MARIGHELLA começaram a atirar contra os policiais (...).”
411
Todas essas versões foram devidamente investigadas por
membros da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos para fins de julgamento da CEMDP no ano de 1996. A grande
dificuldade em torno da apreciação do caso de Marighella para os
familiares foi “derrubar” os relatos oficiais veiculados na época e
apresentar novas versões para o fato, a partir do levantamento de
outras fontes de informações.
411
Relatório do Instituto de Polícia Técnica. São Paulo, Secretaria de Segurança
Pública, número 26379, de 11 de novembro de 1969. Fls. 93-94.
O depoimento de Frei Ivo à CEMDP, já mencionado neste
capítulo, foi uma importante contribuição para elucidação dos fatos.
Segundo seu relato os policiais: “abriram fogo sobre Marighella. Ele não
teve tempo de reagir.”
412
.
Com o intuito de comprovar essa versão, no dia 12 de junho de
1996, Clara Charf, esposa do líder guerrilheiro, e Carlos Augusto
Marighella, filho de ambos, entraram com requerimento junto à CEMDP
solicitando indenização ao Estado a fim de que esse reconhecesse sua
responsabilidade pela morte de Marighella. De acordo com esse
requerimento, “os requerentes manifestaram a sua disposição de lutar
pela reparação da memória de Carlos Marighella (...)”
413
.
Na ocasião, uma série de reportagens foi publicada pelos
principais veículos de comunicação no país dando cobertura para o
caso. No jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, foi publicado: A família
Marighella busca enquadrar o caso na lei 9 140, pela qual descendentes
ou ascendentes podem pedir indenização ao Estado se ficar provado que
a morte ocorreu em dependências policiais, militares ou
assemelhadas.
414
.
O processo de Marighella foi instituído mediante uma série de
documentos, entre eles, diversas reportagens sobre a trajetória política
do guerrilheiro, Laudo Pericial, Laudo de Exame Necroscópico,
Relatório do DOPS, bibliografias, além do acervo fotográfico e outras
fontes de informações.
As representantes da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos Iara Xavier e Criméia de Almeida também
elaboraram parecer sobre as circunstâncias da morte de Marighella,
412
Idem nota 405.
413
Requerimento apresentado à CEMDP por Clara Charf e Carlos Augusto Marighella,
em de 14/06/1996. O processo foi elaborado pelo advogado Marco Antônio Rodrigues
Barbosa e relatado por Luís Francisco de Carvalho Filho, p. 4-5.
414
ALONSO, George. Laudo afirma que Marighella não reagiu. São Paulo, Folha de
S.Paulo, Caderno 1, 13 maio 1996. p. 8.
conforme trecho a seguir: “Fica claro que nessa ocasião os agentes do
Estado não pretenderam prender Marighella e que tinham como objetivo
primordial eliminá-lo. A prisão de Marighella, um militante já conhecido
por sua oposão contra a ditadura no Brasil, representaria um custo
político muito grande para o regime militar e poderia, inclusive,
desencadear campanhas internacionais para garantir sua integridade
física. Dessa forma, a decisão de eliminá-lo foi uma decisão política,
tomada a partir de uma análise acurada da situação, e não e uma mera
decisão policial.”.
415
O exame do processo do caso de Marighella, da mesma forma que
o de Lamarca, dividiu opiniões dentro da CEMDP. Além das discussões
geradas em torno das contradições apresentadas sobre as
circunstâncias de sua morte, o local onde ocorreu a execução do
guerrilheiro mais uma vez foi alvo de intensas discussões: “O fato de
Carlos Marighella ter morrido a céu aberto, numa via pública e, segundo
versão oficial, durante enfrentamento armado com agentes da polícia
política”
416
, favoreceu o parecer contrário do general Oswaldo Pereira
Gomes, representante das Forças Armadas, da mesma forma que se
opôs ao processo de Lamarca.
O fato de Marighella não se encontrar necessariamente em um
local similar ao de uma dependência policial exigiu dos requerentes e
dos membros da CEMDP uma maior defesa para atribuir a
responsabilidade do Estado em sua morte. No requerimento
apresentado pela família, consta: “Tenha sido Carlos Marighella morto
dentro ou fora de um automóvel – como se discute –, tivesse ele, ou não,
reagido à ação policial por estar acuado – e sequer a versão oficial da
ocorrência sustenta, como se demonstrará, que travou qualquer tiroteio
com os policiais –, o fato é que a sua morte ocorreu em circunstâncias que
415
Relatório das circunstâncias da morte de Carlos Marighella. Elaborado a partir das
pesquisas realizadas e das contribuições oferecidas pelo Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ e Recife/PE, Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Elaborado por Criméia Alice Schidmt de Almeida e Iara Xavier Pereira, com data de
09/05/1996.
416
TELES, 2000. p. 299.
caracterizam a responsabilidade do Estado pelo dano causado, inclusive,
senão, para os efeitos da Lei 9.140/95.”
417
.
Durante o período de exames dos processos, membros da CEMDP
reconheceram a responsabilidade do Estado para os casos de morte de
militantes políticos em virtude da ação violenta dos agentes de
segurança, independente de estarem ou não em dependências policiais:
“Com efeito, não faria sentido, tendo em vista os objetivos que motivaram
a edição da Lei 9.140/95, recusar a indenização, desde que presentes os
outros requisitos, no caso hipotético de alguém dominado pelos agentes
do poder público e covardemente executado, sem julgamento e em praça
pública, só porque os policiais optaram por eliminar a pessoa e não
conduzi-la para o espaço de uma base física fechada, como uma
delegacia ou um quartel.”.
418
Esse fato favoreceu o reconhecimento do
Estado pela morte de Marighella.
Ainda em relação à apreciação do seu processo, acrescentou-se,
ainda, parecer do médico legista Nelson Massini, solicitado pelos
representantes da CEMDP, para fins de esclarecimento de sua morte. O
documento afasta a possibilidade de Marighella ter trocado tiros com
policiais, pois, de acordo com o laudo, “um disparo fatal no tórax
esquerdo dado com uma arma à curtíssima distância”
419
, atingiu
Marighella. E ainda conforme análise do perito, “A posição do cadáver
não é natural e sim forçada, revelando claramente que o corpo foi
colocado no banco traseiro do veículo”
420
.
Mediante as contradições detectadas no período de exame do
processo e do parecer de Nelson Massini, a CEMDP julgou em 11 de
setembro de 1996, por 5 x 2, o reconhecimento do Estado pela morte de
Carlos Marighella através do pagamento de indenização a seus
familiares. E, segundo voto favorável do relator do processo na CEMDP,
“A morte de Carlos Marighella não corresponde à versão oficial divulgada
417
Requerimento apresentado à CEMDP por Clara Charf e Carlos Augusto Marighella
com data de 14/06/1996. O processo foi elaborado pelo advogado Marco Antônio
Rodrigues Barbosa e relatado foi Luís Francisco de Carvalho Filho, p. 12.
418
TELES, 2000. p. 302.
419
TELES, 2000, p. 322-323
420
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007, p. 108-109.
pelos agentes policiais. Os indícios apontam para a não ocorrência do
tiroteio entre a polícia e seus supostos seguranças (...) Confirma-se,
assim (...), que a operação policial extrapolou o objetivo legítimo de
prendê-lo.”
421
.
421
Idem, ibid.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após dez anos do fim do regime militar no país (1964-1985), o
governo brasileiro viabilizou, com a promulgação da Lei 9 140/95, a
primeira ação de reparação aqueles que foram vítimas da violência do
Estado durante os anos de repressão política.
A Lei 9 140/95, também conhecida como “Lei dos Desaparecidos”,
possibilitou o reconhecimento da responsabilidade do Estado nos
assassinatos praticados contra opositores políticos durante a ditadura
militar por meio de indenização moral às vítimas e financeira a seus
familiares por meio dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP). Mas há pontos importantes a serem
considerados durante o processo que antecedeu a promulgação dessa
Lei.
Durante muitos anos, os familiares dos mortos e desaparecidos
políticos cobraram das autoridades brasileiras medidas que pudessem
esclarecer as reais circunstâncias das mortes de militantes políticos,
assim como a indicação de possíveis locais onde foram depositados os
restos mortais de pessoas desaparecidas por motivação política.
Concomitantemente, esses familiares conseguiram reunir, através
de muitas buscas, informações importantes que indicavam a
participação do Estado em ações criminosas. O resultado desse longo
trabalho de apuração resultou na publicação do Dossiê de mortos e
desaparecidos políticos a partir de 1964, no ano de 1996. Esse
documento foi referência durante a atuação da Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça e a lista feita
pelos familiares que consta nesse dossiê foi automaticamente
incorporada à Lei 9 140/95, por meio do Anexo I.
Vale ressaltar a importância do papel exercido por esses
representantes de familiares que percorreram todo o país na busca de
informações ou qualquer tipo de indícios que pudessem reconstituir a
história. Sem a persistência dessas pessoas, dificilmente haveria
reparação às vítimas.
A Lei 9 140/95 foi aprovada pelo Congresso Nacional
contrariando as necessidades da Comissão de Familiares, sem atender
a questões fundamentais como: Onde estão os desaparecidos políticos?
Quais foram os responsáveis pelos crimes praticados? Essa Lei não
favorece o acesso a essas informações e não prevê, ainda, a punição
para torturadores e pessoas que violaram os direitos constitucionais.
Durante o período de discussão sobre o projeto anterior à Lei, a
expectativa por parte dos familiares e da própria sociedade,
representada por grupos de Direitos Humanos envolvidos na causa, era
de que viesse reparar eventuais injustiças promovidas pela Lei da
Anistia, como, por exemplo, garantir a punição aos torturadores.
Nesse sentido, assim com a Lei da Anistia, a Lei dos
Desaparecidos, deixa uma brecha na história por não realizar a
chamada “reconciliação com a sociedade”, prevista desde o momento a
Anistia. É difícil falar em reconciliação quando ainda há 136
desaparecidos políticos na história do país.
Embora a Lei 9 140/95 tenha representado um avanço por tratar,
pela primeira vez após a redemocratização do país, sobre as vítimas da
ditadura militar – o que representa uma conquista para o movimento de
familiares – essa Lei possui um aspecto inacabado e restrito, pois não
proporciona plenamente o reencontro com verdade dos acontecimentos
do período, como o desaparecimento de militantes políticos.
Por outro lado, a Lei 9 140/95 representou um passo importante
na luta dos direitos humanos pelo fato de dar visibilidade ao tema
mortos e desaparecidos e reacender a luta dos familiares.
Outra questão a ser considerada foi a repercussão dos trabalhos
da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Com base
nos termos dessa Lei, membros da CEMDP puderam julgar processos
referentes às pessoas mortas em conseqüência da ação do Estado,
sendo possível desmontar versões oficiais divulgadas pelos órgãos de
repressão na época.
Dessa forma, foi possível esclarecer como a ditadura militar agiu,
encobrindo os crimes praticados contra os opositores. Embora o ônus
da prova tenha ficado por conta das famílias – e esse foi um dos pontos
amplamente debatidos entre os representantes da Comissão de
Familiares – ao “derrubar” as versões oficiais, o Estado permitiu a
reparação moral às famílias. A história oficial passou a ser delineada de
uma outra forma – não resta dúvida de que essa foi a principal
reparação para os familiares.
Para tanto, a CEMDP desempenhou seu papel de forma
democrática, apesar das resistências e contradições apresentadas na
apreciação de alguns casos. Tais divergências partiram da interpretação
da Lei 9 140/95 e do conceito “dependência assemelhada”, que se
referia ao local onde foram executadas as vítimas. Para alguns dos
membros da Comissão esse local deveria assemelhar-se a uma
dependência policial e esse fato dividiu a Comissão em vários
momentos, inclusive, provocando a saída de Eunice Paiva já no início
dos trabalhos em 1996.
Mesmo com a impossibilidade de responsabilizar criminalmente
pessoas que praticaram abusos durante a ditadura militar e lesaram
muitos cidadãos, a CEMDP contribuiu para que a história pudesse ser
revista e a verdade restabelecida, ainda que não suficientemente.
Para que isso ocorra, tornou-se necessário a liberação dos
principais arquivos da ditadura militar, entre eles: o das Forças
Armadas e o da Polícia Militar. Essa tem sido uma das mais recentes
lutas da Comissão de Familiares e da sociedade.
O governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva preferiu manter
a medida adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso que
estabelece restrição aos documentos tidos como sigilosos em relação à
segurança da sociedade e do Estado
422
. Instituiu, ainda, a formação de
uma Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas – que
422
Decreto 4 553, de 27 de dezembro de 2002, “que torna permanente o sigilo dos
documentos classificados como ultra-secretos: 50 anos com renovação por tempo
indeterminado”. Ver: GRECO, H. B. A dimensão trágica da luta pela Anistia. Cad. Esc.
Legislativo, Belo Horizonte, v. 8, n.13, jan.-dez. 2005
inclui representação das Forças Armadas – para administrar a
acessibilidade de tais documentos sigilosos, tendo essa Comissão,
portanto, o poder de decisão sobre o prazo de liberação desses arquivos
para consulta e também autonomia para vetá-la, caso julgue que isso
possa representar uma ameaça para o Estado, reforçando a política de
sigilo do governo anterior.
Em dezembro de 2005, a ministra-chefe da Casa Civil do governo
Lula, Dilma Rousseff, anunciou a transferência de uma documentação
referente ao governo militar que estava na Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) para o Arquivo Nacional. De acordo com o atual
presidente da CEMDP, “as informações que foram liberadas só dão conta
de depoimentos prestados em situação de prisão ou de informações sobre
a participação de pessoas em atividades tidas como subversivas.”
423
.
Não há, por exemplo, informações sobre desaparecidos políticos ou de
pessoas que tiveram envolvimento em atrocidades e crimes praticados
no período.
Portanto, as principais informações, aquelas que podem
esclarecer o destino dos desaparecidos, por exemplo, permanecem sob
sigilo e sem prazo para serem liberadas.
Cabe ao Estado brasileiro esse acerto de contas com a sociedade e
principalmente com os familiares. Essa batalha segue nos dias atuais
com o objetivo de solucionar o problema dos desaparecidos e para que
seja feita a justiça através da punição aos que cometeram atos abusivos
durante a ditadura militar, tirando a vida de muitos cidadãos. Essa é a
única maneira de se estabelecer de fato a pacificação nacional.
As últimas ações do governo Lula têm viabilizado, de certo modo,
a discussão e o esclarecimento sobre os fatos que envolveram a
ditadura militar por meio da Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça.
Em fevereiro de 2008, a Comissão de Anistia – que tem por
objetivo reparar danos aos perseguidos durante a ditadura militar –
lançou o projeto Anistia Cultural, com a presença de Frei Betto. A
423
Em entrevista cedida em fevereiro de 1998.
iniciativa visa o trabalho de informação e conscientização para as novas
gerações a respeito de o que foi a ditadura militar. O projeto prevê a
inauguração de um Memorial e a organização de caravanas que irão
percorrer os estados, realizando semanários culturais e sessões reais de
julgamentos dos pedidos de indenizações de perseguidos políticos.
O projeto Anistia Cultural irá proporcionar que os trabalhos da
Comissão de Anistia ultrapassem a esfera burocrática e sejam
difundidos pelo país, com a intenção de realizar a cada mês palestras
sobre temas de interesse nacional.
Em março de 2008, o tema escolhido foi “As mulheres que
atuaram na resistência à ditadura militar”. A viúva de Carlos
Marighella, Clara Charf
424
, foi uma das sete mulheres indenizadas pelo
Estado por terem sido perseguidas e prejudicadas em suas funções
profissionais durante a ditadura militar. Esses casos analisados devido
às homenagens do Dia Internacional da Mulher fazem parte de um
universo de 60 mil processos a serem apreciados pela Comissão de
Anistia.
Cabe à Comissão de Anistia nesse momento o papel de resgatar a
história e principalmente de preservar a memória, principalmente para
que os fatos da ditadura militar não mais aconteçam.
424
Clara Charf irá receber do governo brasileiro uma indenização vitalícia no valor de
R$ 2.520,00.
SIGLAS
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
Aciso – Ação Cívico-Social
ALN – Aliança Libertadora Nacional
CBAs – Comitês Brasileiros pela Anistia
CCC – Comando de Caça aos Comunistas
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEMDP – Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
CENIMAR – Centro de Informações da Marinha
CIE – Centro de Informações do Exército
CISA – Centro de Informações Secretas da Aeronáutica
CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil
Colina – Comando de Libertação Nacional
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagens
DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações/Centro de
Operações de Defesa Interna
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
Fedebam – Federação de Familiares de Desaparecidos da América
Latina
GTAs – Grupos Táticos Armados
GTNM/RJ – Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
JEC – Juventude Estudantil Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
MAC – Movimento Anticomunista (
MFPA – Movimento Feminino pela Anistia
MR-8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro
OEA – Organização dos Estados Americanos
OLAS – Organização Latino-Americana de Solidariedade
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
POLOP – Política Operária
SNI – Serviço Nacional de Informações
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
VAR-PALMARES – Vanguarda Armada Revolucionária de Palmares
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária
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Elenco: Norton Nascimento, entre outros.
Batismo de Sangue, 2006. Direção: Helvécio Ratton. Elenco: Caio Blat,
Daniel de Oliveira, Cássio Gabus Mendes, Ângelo Antônio, entre outros.
Roteiro: Dani Patarra e Helvécio Ratton.
Cabra Cega, 2006. Direção: Toni Venturi. Elenco: Leonardo Medeiros,
Débora Duboc, Jonas Bloch, Michel Bercovitch, Odara Carvalho, Walter
Breda, entre outros. Roteiro: Di Moretti.
Lamarca, o capitão da guerrilha, 1994. Direção: Sérgio Resende. Elenco:
Paulo Betti, Carla Camuratti, José de Abreu, Deborah Evelin, Eliezer de
Almeida, Ernani Moraes, Roberto Bontempo, entre outros atores.
Roteiro: Sérgio Resende e Alfredo Oróz.
Pra frente Brasil, 1983. Direção: Roberto Farias. Elenco: Reginaldo
Faria, Elizabeth Savalla, entre outros.
15 filhos, 1996. Direção: Marta Nehring. Documentário com parentes de
mortos e desaparecidos políticos.
Zuzu Angel, 2006. Direção e roteiro: Sergio Resende. Elenco: Patrícia
Pillar, Daniel Oliveira, Leandra Leal, Alexandre Borges, entre outros.
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ANEXOS
Anexo I
LEI N° 9.140, DE 4 DE DEZEMBRO DE 1995
Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou
acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro
de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências,
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º São reconhecidas como mortas, para todos os efeitos legais, as
pessoas relacionadas no Anexo I desta Lei, por terem participado, ou terem
sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de
setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e que, por este motivo, tenham sido
detidas por agentes públicos, achando-se, desde então, desaparecidas, sem
que delas haja notícias.
Art 2º A aplicação das disposições desta Lei e todos os seus efeitos orientar-
se-ão pelo principio de reconciliação e de pacificação nacional, expresso na Lei
nº 6.683 de 28 de agosto de 1979 - Lei de Anistia.
Art 3º O cônjuge, o companheiro ou a companheira, descendente, ascendente
ou colateral até quarto grau, das pessoas denominadas na lista referida no art.
1º, comprovando essa condição, poderão requerer a oficial de registro civil das
pessoas naturais de seu domicilio a lavratura do assento de óbito, instruindo o
pedido com original ou cópia da publicação desta Lei e de seus anexos.
Parágrafo único. Em caso de dúvida, será admitida justificação judicial.
Art. 4º Fica criada Comissão Especial que, face à situação política mencionada
no art. 1º e, em conformidade com este, tem as seguintes atribuições:
I - proceder ao reconhecimento de pessoas:
a) desaparecidas, não relacionadas no Anexo I desta Lei;
b) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em
atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de
1979, tenham falecido, por causas não naturais, em dependências policiais ou
assemelhadas;
11 - envidar esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas
no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar
depositados; e 111 - emitir parecer sobre os requerimentos relativos à
indenização que venham a ser formulados pelas pessoas mencionadas no art.
10 desta Lei.
Art 5º A Comissão Especial será composta por sete membros, de livre escolha
e designação do Presidente da República, que indicará, dentre eles, quem irá
presidi-la, com voto de qualidade.
§ 1º Dos sete membros da Comissão, quatro serão escolhidos:
I - dentre os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados;
II- dentre as pessoas com vínculo com os familiares das pessoas referidas na
lista constante do Anexo I;
III - dentre os membros do Ministério Público Federal; e IV - dentre os
integrantes das Forças Armadas.
§ 2º A Comissão Especial poderá ser assessorada por funcionários públicos
federais, designados pelo Presidente da República, podendo, ainda, solicitar o
auxílio das Secretarias de Justiça dos Estados, mediante convênio com o
Ministério da Justiça, se necessário.
Art. 6º A Comissão Especial funcionará junto ao Ministério da Justiça, que lhe
dará o apoio necessário.
Art 7º Para fins de reconhecimento de pessoas desaparecidas não
relacionadas no Anexo I desta Lei, os requerimentos, por qualquer das pessoas
mencionadas no art. 3º, serão apresentados perante a Comissão Especial, no
prazo de cento e vinte dias, contado a partir da data da publicação desta Lei, e
serão instruídos com informações e documentos que possam comprovar a
pretensão.
§ 1º Idêntico procedimento deverá ser observado nos casos baseados na
alínea b do inciso I do art. 4º
§ 2º Os deferimentos, pela Comissão Especial, dos pedidos de reconhecimento
de pessoas não mencionadas no Anexo I desta Lei instruirão os pedidos de
assento de óbito de que trata o art 3º, contado o prazo de cento e vinte dias, a
partir da ciência da decisão deferitória.
Art 8º A Comissão Especial, no prazo de cento e vinte dias de sua instalação,
mediante solicitação expressa de qualquer das pessoas mencionadas no art 3º,
e concluindo pela existência de indícios suficientes, poderá diligenciar no
sentido da localização dos restos mortais desaparecido.
Art 9º Para os fins previstos nos arts. 4º e 7º, a Comissão Especial poderá
solicitar:
I - documentos de qualquer órgão público; 11 - a realização de perícias;
111 - a colaboração de testemunhas; e
IV - a intermediação do Ministério das Relações Exteriores para a obtenção de
informações junto a governos e a entidades estrangeiras. ,
Art. 10º A indenização prevista nesta Lei é deferida às pessoas abaixo das, na
seguinte ordem:
I - ao cônjuge; 11 - ao companheiro ou companheira, definidos pela Lei no.
8.971, de 2 dezembro de 1994; 111 - aos descendentes; IV - aos ascendentes;
V - aos colaterais, até o quarto grau. § 1º O pedido de indenização poderá ser
formulado até cento e vinte dia contar da publicação desta Lei. No caso de
reconhecimento pela Comissão Espec o prazo se conta da data do
reconhecimento. § 2º Havendo acordo entre as pessoas denominadas
no caput deste artigo, a indenização poderá ser requerida independentemente
da ordem nele prevista. § 3º Reconhecida a morte, nos termos da alinea b do
inciso I do Art. 40º, poderão as pessoas mencionadas no caput, na mesma
ordem e condições, requerer Comissão Especial a indenização.
Art. 11º A indenização, a título reparatório, consistirá no pagamento de valor
único igual a R$ 3.000,00 (três mil reais) multiplicado pelo número de ano
correspondentes à expectativa de sobrevivência do desaparecido levando-se e
consideração a idade à época do desaparecimento e os critérios e valores
traduzidos na tabela constante do Anexo II desta Lei.
§ 1º Em nenhuma hipótese o valor da indenização será inferior a R$
100.000,00 (cem mil reais). § 2º A indenização será concedida mediante
decreto do Presidente da República, após parecer favorável da Comissão
Especial criada por esta Lei. ;
Art. 12º No caso de localização, com vida de pessoa desaparecida, ou de
existência de provas contrárias às apresentadas, serão revogados os
respectivos atos decorrentes da aplicação desta Lei, não cabendo ação
regressiva para o ressarcimento do pagamento já efetuado, salvo na hipótese
de comprovada má-fé.
Art. 13º Finda a apreciação dos requerimentos, a Comissão Especial elaborará
relatório circunstanciado, que encaminhará, para publicação, ao Presidente da
República, e encerrará seus trabalhos.
Parágrafo único. Enquanto durarem seus trabalhos, a Comissão Especial
deverá apresentar trimestralmente relatórios de avaliação.
Art. 14º Nas ações judiciais indenizatórias fundadas em fatos decorrentes dá
situação política mencionada no art. 1º, s recursos das sentenças
condenatórias serão recebidos somente com efetivo devolutivo.
Art. 15º As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão à conta
dotações consignadas no orçamento da União pela Lei Orçamentária.
Art. 16º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 4 de dezembro de 1995, 174º da Independência e 107º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – Presidente da República
NELSON A. JOBIM
ANEXO I da Lei 9140/95
I - Nomes de Pessoas Desaparecidas (com a época do desaparecimento)
1- Adriano Fonseca Filho, brasileiro, solteiro, nascido em 18 de dezembro de 1945 Ponte
Nova, Minas Gerais, filho de Adriano Fonseca e Zely Eustáquio Fonseca. (1973)
2 - Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, brasileiro, casado, nascido em 5 de setembro de
1922 em Pirujuí, filho de Henrique Palhano Pedreira Ferreira e Henise Palhano Pedreira
Ferreira. (1971)
3 - Ana Rosa Kucinski Silva, brasileira, casada, nascida em 12 de janeiro de 1942, São Paulo,
SP, filha de Majer Kucinski e Ester Kucinski. (1974)
4 - André Grabois, brasileiro, nascido em 3 de julho de 1946 no Rio de Janeiro – RJ, filho de
Maurício Grabois e de Alzira da Costa Reis. (1973)
5 - Antonio Alfredo Campos, brasileiro, casado. (1973)
6 - Antônio Carlos Monteiro Teixeira, brasileiro, casado, nascido em 22 de agosto de 1944 em
Ilhéus - BA, filho de Gessori da Silva Teixeira e de Maria Luíza Monteiro Teixeira. (1972)
7 - Antonio de Padua Costa, brasileiro, solteiro, nascido em 12 de junho de 1943 no Piauí, filho
de João Lino da Costa e de Maria Jardililna da Costa. (1974)
8 - Antonio dos Treis Reis de Oliveira, brasileiro, solteiro, nascido em 19 de novembro
De 1948 em Tiros – MG, filho de Argum de Oliveira e de Gláucia Maria de Oliveira. (1970)
9 - Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, brasileiro, solteiro, nascido em 20 de setembro de 1946
em São Paulo – SP, filho de Walter Pinto Ribas e de Benedita de Araújo Ribas. (1973)
10- Antônio Joaquim de Souza Machado, brasileiro, solteiro, nascido em 13 de setembro de
1939 em Papagaios - MG, filho de Joaquim Maria de Souza Machado e de Maria de Oliveira
Campos, morador do Rio de Janeiro. (1971)
11 - Antonio Teodoro de Castro, brasileiro, solteiro, nascido em 12 de abril de 1945 em
Itapipoca - CE, filho de Raimundo de Castro Sobrinho e de Benedita Pinto de Castro. (1973)
12 - Arildo Valadão, brasileiro, casado, nascido em 28 de dezembro de 1948 em Itaici - ES,
filho de Altivo Valadão de Andrade e de Helena Almochidice Valadão. (1973)
13 - Armando Teixeira Frutuoso, brasileiro, casado, nascido em 20 de maio de 1921 na cidade
do Rio de Janeiro - RJ, filho de Aníbal Teixeira Frutuoso e de Maria da Glória Frutuoso. (1975)
14 - Áurea Eliza Pereira, brasileira, casada, nascida em 6 de abril de 1950 em Monte Belo -
MG, filha de José Pereira e de Odila Mendes Pereira. (1974)
15 - Aylton Adalberto Mortati, brasileiro, solteiro, nascido em 13 de janeiro de 1946 em
Catanduva - SP, filho de Umberto Mortati e de Carmem Sobrinho Martins. (1971)
16 - Bergson Gurjão Farias, brasileiro, solteiro, nascido em 17 de maio de 1947 em Fortaleza -
CE, filho de Gessiner Farias e de Luiza Gurjão Farias. (1972)
17 - Caiuby Alves de Castro, brasileiro, nascido em 16 de agosto de 1928, filho de Mariano
Alves de Castro e Leopoldina Ribeiro de Castro. (1973)
18 - Carlos Alberto Soares de Freitas, brasileiro, solteiro, nascido em 12 de agosto de 1939,
filho de Jayme Martins de Freitas e de Alice Soares de Freitas. (1971)
19 – Celso Gilberto de Oliveira, brasileiro, solteiro, nascido em 26 de dezembro de 1945, filho
de João Adelino de Oliveira e de Julieta Pedroso de Oliveira. (1970)
20 - Cilon Cunha Brun, brasileiro, solteiro, nascido em 3 de fevereiro de 1946 em São Sepé -
RS, filho de Lino Brun e de Eloá Cunha Brun. (1970)
21 - Ciro Flavio Salazar Oliveira, brasileiro, solteiro, nascido em 26 de setembro de 1943 em
Araguari - MG, filho de Arédio Oliveira e de Maria de Lourdes Oliveira. (1972)
22 - Custódio Saraiva Neto, brasileiro, nascido em 5 de abril de 1952 no Ceará, filho de Dario
Saraiva Leão e de Hilda Quaresma Saraiva Leão. (1974)
23 - Daniel José Carvalho, brasileiro. (1974)
24 - Daniel Ribeiro Callado, brasileiro, nascido em 16 de outubro de 1940 em São Gonçalo –
RJ, filho de Consuelo Ribeiro Callado e de América Ribeiro Callado. (1974)
25 - David Capistrano da Costa, brasileiro, casado, nascido em 16 de novembro de 1913 em
Boa Viagem - CE, filho de José Capistrano da Costa e de Cristina Cirila de Araújo. (1974)
26 - Dênis Casemiro, brasileiro, solteiro, nascido em 9 de dezembro de 1942 em Votuporanga -
SP, filho de Antonio Casemiro e de Maria Casemiro. (1971)
27 - Dermeval da Silva Pereira, brasileiro, solteiro, nascido em 16 de fevereiro de 1945 em
Salvador - BA, filho de Carlos Gentil Pereira e de Francisca das Chagas Pereira. (1974)
28 - Dinaelza Santana Coqueiro, brasileira, casada, nascida em 22 de março de 1949 em
Vitória da Conquista - BA, filha de Antonio Pereira de Santana e de Jumilia Soares Santana.
(1973)
29 - Dinalva Oliveira Teixeira, brasileira, casada, nascida em 16 de maio de 1945 em Castro
Alves - BA, filha de Viriato Augusto Oliveira e de Elza Conceição Bastos. (1973)
30 - Divino Ferreira de Souza, brasileiro, solteiro, nascido em 12 de setembro de 1942 em
Caldas Novas - GO (registrado em Mossamedes - GO) filho de José Ferreira de Souza e de
Maria Gomes de Souza. (1973)
31 - Durvalino de Souza, brasileiro, filho de José Porfírio de Souza. (1973)
32 - Edgar de Aquino Duarte, brasileiro, solteiro, nascido em 28 de fevereiro de 1941 em Bom
Jardim - PE, filho de José Geraldo Duarte e de Maria Francisca Duarte. (1973)
33 - Edimir Péricles Camargo, brasileiro, solteiro, nascido em 4 de setembro de 1914 em São
Paulo - SP, filho de Tomás Benedito Moura Camargo e de Maria da Penha Amaral Vilaça.
(1975)
34 - Eduardo Collier Filho, brasileiro, solteiro, nascido em 5 de dezembro de 1948 em Recife -
PE, filho de Eduardo Collier e de Rizoleta Meira. (1974)
35 - Eleni Telles Pereira Guariba, brasileira, casada, nascida em 13 de março de 1941 em
Bebedouro - SP, filha de Isaac Ferreira Caetano e de Pascoalina Alves Ferreira. (1971)
36 -Elmo Corrêa, brasileiro, solteiro, nascido em 16 de abril de 1946 no Rio de Janeiro – RJ,
filho de Edgar Correa e de Irene Guedes Correa. (1974)
37 - Elson Costa, brasileiro, casado, nascido em 26 de agosto de 1913 em Prata-MG, filho de
João Soares da Costa e de Maria Novais Costa. (1975)
38 -Enrique Ernesto Ruggia, argentino, nascido em 25 de julho de 1955, em
Corrientes/Argentina, filho de Atílio Carlos Ruggia e de Ana Violeta Bambula Ruggia. (1974)
39 - Ezequias Bezerra da Rocha, brasileiro, casado, nascido em 24 de dezembro de 1944 em
João Pessoa-PB, filho de Simplício Bezerra da Rocha e de Antonia Bulhões Bezerra. (1972)
40 - Félix Escobar Sobrinho, brasileiro, nascido em 23 de março de 1923 em Miracema-RJ,
filho de José Escobar Sobrinho e de Emilici Gomes Escobar. (1971)
41 - Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, brasileiro, casado, nascido em 20 de fevereiro de
1948 em Recife-PE, filho de Lincoln de Santa Cruz Oliveira e de Elzita Santos de Santa Cruz
Oliveira. (1974)
42 - Francisco Manoel Chaves (ou José Francisco Chaves), brasileiro, morou na região de
Caianos na região do Araguaia. (1972)
43 - Gilberto Olímpio Maria, brasileiro, casado, nascido em 11 de março de 1942 em Mirassol-
SP, filho de Antonio Olímpio Maria e de Rosa Cabello Maria. (1973)
44 - Guilherme Gomes Lund, brasileiro, solteiro, nascido em 11 de julho de 1947 no Rio de
Janeiro-RJ, filho de João Carlos Lund e de Júlia Gomes Lund. (1973)
45 - Helenira Rezende de Souza Nazareth, brasileira, solteira, nascida em 19 de janeiro de
1944 em Cerqueira César-SP, filha de Adalberto de Assis Nazareth e de Euthalia Rezende de
Souza Nazareth. (1972)
46 – Hélio Luiz Navarro de Magalhães, brasileiro, solteiro, nascido em 23 de novembro de 1949
no Rio de Janeiro-RJ, filho de Gerson Menezes Magalhães e de Carmem Maria Navarro de
Magalhães. (1974)
47 - Hiran de Lima Pereira, brasileiro, casado, nascido em 3 de outubro de 1913 em Caicó-RN,
filho de Hilário Amancio Pereira e de Maria Marieta de Lima Pereira. (1975)
48 - Honestino Monteiro Guimarães, brasileiro, casado, nascido em 28 de março de 1947 em
itaberaí-GO, filho de Benedito Guimarães e de Maria Rosa Leite Guimarães. (1973)
49 - Humberto Albuquerque Câmara Neto, brasileiro, solteiro, nascido em 28 de maio de 1947
em Campina Grande-PB, filho de Roberto Alves Câmara e de Marilene de Sã Leitão Câmara.
(1973)
50 - Idalísio Soares Aranha Filho, brasileiro, casado, nascido em 27 de agosto de 1947 em
Rubim-MG, filho de Idalísio Soares Aranha e de Aminthas Rodrigues Pereira. (1972)
51 -Ieda Santos Delgado, brasileira, solteira, nascida em 9 de julho de 1945 no Rio de Janeiro-
RJ, filha de Odorico Arthur Delgado e de Eunice Santos Delgado. (1974)
52 - Isis Dias de Oliveira, brasileira, casada, nascida em 29 de agosto de 1941 em São Paulo-
SP, filha de Edmundo Dias de Oliveira e de Felícia Mardim de Oliveira. (1972)
53 - Issami Nakamura Okano, brasileiro, nascido em 23 de novembro de 1945 em Cravinhos-
SP, filho de Hideo Okano e de Sadac Nalçamura. (1974)
54 - ltair José Veloso, brasileiro, casado, nascido em 10 de junho de 1930 em Minas Gerais,
filho de Sebastião Veloso e de Zulmira Veloso. (1975)
55 - Ivan Mota Dias, brasileiro, solteiro, nascido em 29 de outubro de 1942 em Passa Quatro-
MG, filho de Lucas de Souza Dias e de Nair Mota Dias. (1971)
56 - Jaime Amorim Miranda, brasileiro, casado, nascido em 18 de julho de 1926 em Maceió-AL,
filho de Manoel Simplício de Miranda e de Hermé Amorim de Miranda. (1973)
57 - Jaime Petit da Silva, brasileiro, casado, nascido em 18 de junho de 1945 em Lacanga-SP,
filho de José Bernardino da Silva e de Julieta Petit da Silva. (1973)
58 - Jana Moroni Barroso, brasileira, solteira, nascida em 10 de junho de 1948 em Fortaleza-
CE, filha de Benigno Girão Barroso e de Cirene Moroni Barroso. (1974)
59 - João Alfredo Dias, brasileiro, nascido em 23 de junho de 1932 em Sapé-PB, filho de
Alfredo Ulisses Gonçalo e de Amélia Gonçalo Dias, sapateiro e trabalhador do campo. (1964)
60 - João Batista Rita, brasileiro, casado, nascido em 24 de junho de 1948 em Braço Norte-SC,
filho de Graciliano Miguel Rita e de Aracy Pereira Rita. (1973)
61 - João Carlos Haas Sobrinho, brasileiro, nascido em 24 de junho de 1941 em São Leopoldo-
RS, filho de Idelfonso Haas e de Ilma Haas. (1972)
62 - João Gualberto Calatrone, brasileiro, nascido em 7 de janeiro de 1951 em Nova Venecia-
ES, filho de Clotildio Calatrone e de Osoria Calatrone. (1974)
63 - João Leonardo da Silva Rocha, brasileiro, nascido em Salvador-BA, filho de Mario Rocha e
de Maria Natalia da Silva Rocha. (1974)
64 - João Massena Melo, brasileiro, casado, nascido em 18 de agosto de 1919 em Palmares-
PE, filho de Sebastião Massena Melo e de Olímpia Melo Maciel. (1974)
65 - Joaquim Pires Cerveira, brasileiro, casado, nascido em 14 de dezembro de 1923, em
Santa Maria-RS, filho de Marcelo Pires e de Aurícela Goulart Cerveira. (1973)
66 – Joel José de Carvalho, brasileiro, solteiro, nascido em 13 de julho de 1948 em Muriaé-MG,
filho de Ely José de Carvalho e de Esther José de Carvalho. (1974)
67 – Joel Vasconcelos Santos, brasileiro, solteiro, nascido em 9 de agosto de 1949 em Nazaré-
BA, filho de João Vicente Vasconcelos Santos e de Elza Joana dos Santos. (1973)
68 - Jorge Leal Gonçalves Pereira, brasileiro, nascido em 25 de dezembro de 1938 em
Salvador-BA, filho de Enéas Gonçalves Pereira e de Rosa Leal Gonçalves Pereira. (1970)
69 - Jorge Oscar Adur, (padre) argentino, nascido em Nogoya, província de Entreiros. (1978)
70 - José Huberto Bronca, brasileiro, nascido em 8 de setembro de 1934 em Porto Alegre-RS,
filho de Huberto Atteo Branco e de Ermelinda Mazaferro Bronca. (1974)
71 - José Lavechia, brasileiro, nascido em 25 de maio de 1919 em São Paulo-SP, filho de Leo
Lavechia e de Felícia Mateus Lavechia. (1974)
72 - José Lima Piauhy Dourado, brasileiro, nascido em 24 de março de 1946 em Barreiras-BA,
filho de Pedro Piauhy Dourado e de Anita Lima Piauhy Dourado. (1974)
73 - José Maria Ferreira Araújo, brasileiro, casado, nascido em 6 de junho de 1941 no Ceará,
filho de José Alexandre de Araújo e de Maria da Conceição Ferreira de Araújo. (1970)
74 - José Maurílio Patrício, brasileiro, nascido em 1943 em Santa Tereza-ES, filho de Joaquim
Patrício e de Isaura de Souza Patrício. (1974)
75 - José Montenegro de Lima, brasileiro, solteiro, nascido em 1948 no Ceará. (1975)
76 - José Porfírio de Souza, brasileiro, casado, nascido em 27 de julho de 1912 em Pedro
Afonso-GO. (1973)
77 - José Roman, brasileiro. nascido em 4 de outubro de 1926 em São Paulo-SP. (1974)
78- José Toledo de Oliveira, brasileiro, nascido em 17 de julho de 1941 em Uberlândia-MG,
filho de José Sebastião de Oliveira e de Adaíde de Toledo de Oliveira. (1972)
79 - Kleber Lemos da Silva, brasileiro, nascido em 21 de maio de 1942 no Rio de Janeiro-RJ,
filho de Norival Euphrosino da Silva e de Karitza Lemos da Silva. (1972)
80 - Libero Giancarlo Castíglia, italiano, nascido em 4 de julho de 1944 em Cocenza, filho de
Luigi Castíglia e de Elena Gibertini Castíglia. (1973)
81 - Lourival de Moura Paulino, brasileiro, nascido em Xambioá-PA, filho de Joaquim Moura
Cambino e de Jardilina Santos Moura. (1974)
82 - Lucia Maria de Souza, brasileira, solteira. nascida em 22 de junho de 1944 em São
Gonçalo-RJ, filha de José Augusto de Souza e de Jovina Ferreira. (1973)
83 -Lúcio Petit da Silva, brasileiro, nascido em 1º de dezembro de 1941 em Piratininga-SP, filho
de José Bernardino da Silva Júnior e de Julieta Petit da Silva. 1973)
84 - Luís Eurico Tejera Lisbôa. brasíleiro, casado, nascido em 29 de janeiro de 1948 em Porto
União-SC, filho de Eurico Siqueira Lisbôa e de Clélia Tejera Lisbôa. (1972)
85 - Luís Inácio Maranhão Filho, brasileiro, casado, nascido em 25 de janeiro de 1921 em
Natal-RN, filho de Luis Inácio Maranhão e de Maria Salmé Maranhão. (1974)
86 - Luiz Almeida Araújo, brasileiro. nascido em 27 de agosto de 1943 em Anadia-AL, filho de
João Rodrigues de Araújo e de Maria José Mendes de Almeida. (1971)
87 - Luiz Renê Silveira e Silva, brasileiro, solteiro, nascido em 15 de julho de 1951 no Rio de
Janeiro-RJ, filho de René de Oliveira e Silva e de Lufita Silve ira e Silva. (1974)
88 - Luiz Vieira de Almeida, brasileiro, casado, com um filho, morava em Bacaba. (1973)
89 - Luiza Augusta Garlippe, brasileira. solteira, nascida em 16 de outubro de 1941 em
Araraquara-SP, filha de Armando Garlippe e de Durvalina Santomo. (1974)
90 - Manoel Alexandrino, brasileiro, nascido na Paraíba, morava no Engenho de Maraú. (1974)
91 - Manuel José Nurchis, brasileiro, nascido em 19 de dezembro de 1940 em São Paulo-SP,
filho de José Francisco Nurchis e de Rosalina Carvalho Nurchis. (1972)
92 - Márcio Beck Machado, brasileiro, nascido em 14 de dezembro de 1943 em São Paulo-SP,
filho de Otávio Menezes Machado e de Edria Beck Machado. (1973)
93 - Marco Antônio Dias Batista, brasileiro, solteiro, nascido em 7 de agosto de 1954 em
Sorocaba-SP, filho de Waldomiro Dias Batista e de Maria de Campos Batista. (1970)
94 - Marcos José de Lima, brasileiro, nascido no Espírito Santo, ferreiro. (1973)
95 - Maria Augusta Thomaz, brasileira, solteira, nascida em 14 de novembro de 1947 em
Leme-SP, filha de Aniz Thomaz e de Olga Michael Thomaz. (1973)
96 - Maria Célia Corrêa, brasileira, nascida em 30 de abril de 1945 no Rio de Janeiro-RJ, filha
de Edgar Corrê a e de Irene Corrêa. (1974)
97 - Maria Lúcia Petit da Silva, brasileira, solteira, nascida em 20 de março de 1950 em
Agudos-SP, filha de José Bernardino da Silva Júnior e de Julieta Petit da Silva. (1972)
98 - Mariano Joaquim da Silva, brasileiro, casado, nascido em 2 de maio de 1930 em
Timbaúba-PE, filho de Antonio Joaquim da Silva e de Maria Joana Conceição. (1970)
99 - Mário Alves de Souza Vieira, brasileiro, casado, nascido em 14 de fevereiro de 1923 em
Santa Fé-BA, filho de Romualdo Leal Vieira e de Julieta Alves de Souza Vieira. (1970)
100 - Mauricio Grabois, brasileiro, casado, nascido em 2 de outubro de 1912 em Salvador-BA,
filho de Agostim Grabois e de Dora Grabois. (1973)
101 - Miguel Pereira dos Santos, brasileiro, nascido em 12 de julho de 1943, em Recife-PE,
filho de Pedro Francisco dos Santos e Helena Pereira dos Santos. (1972)
102 - Nelson de Lima Piauhy Dourado, brasileiro, nascido em 3 de maio de 1941 em Jacobina-
BA, filho de Pedro Piauhy Dourado e Anita Lima Piauhy Dourado. (1974)
103 - Nestor Veras, brasileiro, nascido em 19 de maio de 1915 em Ribeirão Preto-SP, filho de
Manoel Veras e Pilar Velasques. (1975)
104 - Noberto Armando Habeger, argentino, jornalista, passaporte com nome de Hector
Estevan Cuello. (1978)
105 - Onofre Pinto, brasileiro, nascido em 26 de janeiro de 1937 em Jacupiranga-SP, filho de
Júlio Rosário e Maria Pinto Rosário. (1974)
106 - Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior, brasileiro, casado, nascido em 14 de janeiro de
1915 em Santa Tereza-ES, filho de Orlando da Silva Rosa Bonfim e Maria Gasparini Bonfim.
(1974)
107 - Orlando Momente, brasileiro, casado, nascido em 10 de outubro de 1933 em Rio Claro-
SP, filho de Álvaro Momente e Antonia Rivelino Momente. (1973)
108 - Osvaldo Orlando da Costa, brasileiro, nascido em 27 de abril de 1938 em Passa Quatro-
MG, filho de José Orlando da Costa e Rita Orlando dos Santos. (1974)
109 - Paulo César Botelho Massa, brasileiro, solteiro, nascido em 5 de outubro de 1945 no Rio
de Janeiro-RJ, filho de Cristovam Sanches Massa e Lais Maria Botelho Massa. (1972)
110- Paulo Costa Ribeiro Bastos, brasileiro, nascido em 16 de fevereiro de 1945 em Juiz de
Fora-MG, filho de Othon Ribeiro Bastos e Maria do Carmo Costa Bastos. (1972)
111 - Paulo de Tarso Celestino da Silva, brasileiro, nascido em 26 de maio de 1944 em
Morrinhos-GO, filho de Pedro Celestino da Silva Filho e Zuleika Borges Pereira Celestino.
(1971)
112 - Paulo Mendes Rodrigues, brasileiro, nascido em 25 de setembro de 1931 em Cruz Alta-
RS, filho de Francisco Alves Rodrigues e Otilia Mendes Rodrigues. (1973)
113 - Paulo Roberto Pereira Marques, brasileiro, nascido em 14 de maio de 1949, em Pains-
MG, filho de Silvio Marques Carrilho e Maria Leonor Pereira Marques. (1973)
114 - Paulo Stuart Wright, brasileiro, casado, nascido em 2 de julho de 1933 em Herval
D'Oeste-SC, filho de Lathan Ephraim Wright e Maggie Belle Wrigth. (1973)
115 - Pedro Alexandrino de Oliveira Filho, brasileiro, solteiro, nascido em 19 de março de 1947
em Belo Horizonte-MG, filho de Pedro Alexandrino de Oliveira e Diana Piló de Oliveira. (1974)
116 - Pedro Inácio de Araújo, brasileiro, morava em Miriri-PB. (1974)
117 - Ramires Maranhão do Valle, brasileiro, nascido em 2 de novembro de 1950 em Recife-
PE, filho de Francisco Clóvis Marques do Valle e Agrícola Maranhão do Valle. (1973)
118 - Rodolfo de Carvalho Troiano, brasileiro, nascido em 1950 em Juiz de Fora-MG, filho de
Rodolfo Troiano e Geny de Carvalho Troiano. (1974)
119 - Rosalindo Souza, brasileiro, nascido em 2 de janeiro de 1940 em Caldeirão Grande-BA,
filho de Rosalvo Cypriano Souza e Lindaura Correia de Souza. (1973)
120 - Rubens Beirodt Paiva, brasileiro, casado, nascido em 26 de setembro de 1929 em
Santos-SP, filho de Jaime de Almeida Paiva e Aracy Beirodt Paiva. (1971)
121 - Ruy Frazão Soares, brasileiro, casado, nascido em 4 de outubro de 1941 em São Luís-
MA, filho de Mario da Silva Soares e Alice Frazão Soares. (1974)
122 - Ruy Carlos Vieira Berbert, brasileiro, solteiro, nascido em 16 de dezembro de 1947 em
Regente Feijó-SP, filho de Ruy Thales Jaccoud Berbert e Otília Vieira Berbert. (1972)
123 - Sérgio Landulfo Furtado, brasileiro, solteiro, nascido em 24 de maio de 1951 em
Serrinha-BA, filho de George Furtado e Diva Furtado. (1972)
124 - Stuart Edgar Angel Jones, brasileiro, casado, nascido em 11 de janeiro de 1946 em
Salvador-BA, filho de Norman Angel Jones e Zuleika Angel Jones. (1971)
125- Suely Yumiko Kamayana, brasileira, solteira, nascida em 25 de maio de 1948 em Coronel
Macedo-SP. (1973)
126 - Telma Regina Cordeiro Corrêa, brasileira, casada, nascida em 23 de julho de 1947 no
Rio de Janeiro-RJ, filha 'de Luiz Durval Cordeiro e Celeste Durval Cordeiro. (1974)
127 - Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, brasileiro, casado, nascido em 1937 em
Patintins- AM, filho de Togo Meirelles e Maria Garcia Meirelles. (1974),
128 - Tobias Pereira Júnior, brasileiro, nascido em 16 de novembro de 1949 no Rio de Janeiro-
RJ, filho de Tobias Pereira e Emília Barreto Pereira. (1974)
129 - Uirassu de Assis Batista, brasileiro, solteiro, nascido em 5 de abril de 1952 em Itapicuru-
BA, filho de Francisco de Assis Batista e Adinalva Dantas Batista. (1974)
130 - Vandick Reidner Pereira Coqueiro, brasileiro, casado, nascido em 9 de dezembro de
1949 em Boa Nova-/BA, filho de Arnóbio Santos Coqueiro e Elza Pereira Coqueiro. (1974)
131 - Virgílio Gomes da Silva, brasileiro, casado, nascido em 15 de agosto de 1933 em Sitio
Novo (Santa Cruz)-RN, filho de .. ?????? (1969)
132 - Vitorino Alves Moitinho, brasileiro, solteiro, nascido em 3 de janeiro de 1949 na Bahia,
filho de Isaú Lopes Moitinho e Yolinda Alves Moitinho. (1973)
133 - Walquíria Afonso Costa, brasileira, casada, nascida em 2 de agosto de 1947, filha de
Edwin Costa e Odete Afonso Costa. (1974)
134 - Wálter de Souza Ribeiro, brasileiro, casado, nascido em 24 de setembro 1924 em Teófilo
Otoni-MG, filho de Benedito Ribeiro e Maria Natalícia de Souza Ribeiro. (1974)
135 - Wálter Ribeiro Novaes, brasileiro, casado, nascido na Bahia, filho de Arlindo Ribeiro e
Maria Rosalinda Ribeiro. (1971)
Anexo II
Lei 10.536, de 14 de AGOSTO DE 2002
Altera dispositivos da Lei n. 9.140/95, de 4 de dezembro de 1995, que
reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou
de acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de
setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências,
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art 1º Os arts. 1º e 4º da Lei 9140, de 4 de dezembro de 1995, passam a
vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1 São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas
que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em
atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de
1988, e que, por esse motivo, tenham sido detidas por agentes públicos,
achando-se, desde então, desaparecidas, sem que delas haja notícias” (NR)
“Art 4”.
b) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em
atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de
1988, tenham falecido por causas não-naturais, em dependências policiais ou
assemelhadas;
..........................(NR)
Art. 2 Os prazos previstos nos arts. 7 e 10 da Lei n. 9.140, de 4 de dezembro
de 1995, serão reabertos, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da
publicação desta Lei.
Art. 3 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 14 de agosto de 2002, 181º da Independência e 114º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – Presidente da República
PAULO DE TARSO RAMOS RIBEIRO
Anexo III
LEI Nº 10.875, DE 1º DE JUNHO DE 2004.
Altera dispositivos da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995, que reconhece
como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação
de participação, em atividades políticas.
Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória nº 176,
de 2004, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, José Sarney, Presidente da
Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32,
combinado com o art. 12 da Resolução nº 1, de 2002-CN, promulgo a seguinte
Lei:
Art. 1º Os arts. 4º, 5º, 6º e 10 da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995,
passam a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 4º Fica criada Comissão Especial que, face às circunstâncias descritas no
art. 1º desta Lei, assim como diante da situação política nacional compreendida
no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, tem as
seguintes atribuições:
I - b) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação,
em atividades políticas, tenham falecido por causas não-naturais, em
dependências policiais ou assemelhadas;
c) que tenham falecido em virtude de repressão policial sofrida em
manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder
público;
d) que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de
serem presas ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de atos
de tortura praticados por agentes do poder público;
" (NR)"Art. 5º
IV - dentre os integrantes do Ministério da Defesa.
§ 2º A Comissão Especial poderá ser assessorada por funcionários públicos
federais, designados pelo Presidente da República, podendo, ainda, solicitar o
auxílio das Secretarias de Justiça dos Estados, mediante convênio com a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, se
necessário." (NR)
"Art. 6º A Comissão Especial funcionará junto à Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República, que lhe dará o apoio
necessário." (NR)
"Art. 10º § 3º Reconhecida a morte nas situações previstas nas alíneas b a d
do inciso I do art. 4º desta Lei, as pessoas mencionadas no caput poderão, na
mesma ordem e condições, requerer indenização à Comissão Especial."(NR)
Art. 2º Para o fim de se proceder ao reconhecimento de pessoas que tenham
falecido nas situações previstas nas alíneas c e d do inciso I do art. 4º da Lei nº
9.140, de 1995, os legitimados de que trata o seu art. 10 poderão apresentar
requerimento perante a Comissão Especial, instruído com informações e
documentos que possam comprovar a pretensão, no prazo de 120 (cento e
vinte) dias, contados a partir da data de publicação desta Lei.
Art. 3º Os recursos necessários ao cumprimento do disposto nesta Lei advirão
de dotações consignadas no orçamento da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, observadas as normas pertinentes da Lei Complementar no 101, de
4 de maio de 2000.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Congresso Nacional, em 1º de junho de 2004; 183º da Independência e 116º
da República
Senador JOSÉ SARNEY
Presidente da Mesa do Congresso Nacional
Anexo IV
Integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP)
1995/2000
Miguel Reale Júnior - Presidente
Nilmário Miranda - Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados
Eunice Paiva - Representante da sociedade civil até 03/04/1996,
quando foi substituída por Luís Francisco Carvalho Filho Suzana
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares
Oswaldo Pereira Gomes - Representante das Forças Armadas
Paulo Gustavo Gonet Branco - Representante do Ministério
Público Federal
João Grandino Rodas - Ministério das Relações Exteriores
2001
Miguel Reale Júnior - Presidente até 27/12/2001
Luís Francisco Carvalho Filho - Presidente a partir de
27/12/2001
Nilmário Miranda - Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil a
partir de 27/12/2001
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares
Oswaldo Pereira Gomes - Representante das Forças Armadas
Paulo Gustavo Gonet Branco - Representante do Ministério
Público Federal João Grandino Rodas - Ministério das Relações
Exteriores
2002
Luís Francisco Carvalho Filho - Presidente
Nilmário Miranda - Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares
Oswaldo Pereira Gomes - Representante das Forças Armadas
Paulo Gustavo Gonet Branco - Representante do Ministério
Público Federal
João Grandino Rodas - Ministério das Relações Exteriores
2003
Luís Francisco Carvalho Filho - Presidente
Maria do Rosário Nunes - Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, a partir de 14/08/2003
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares
João Batista Fagundes - Representante das Forças Amadas, a
partir de 14/08/2003
Maria Eliane Menezes de Farias - Representante do Ministério
Público Federal, a partir de 14/08/2003
André Sabóia Martins - Ministério das Relações Exteriores, a
partir de 14/08/2003
2004
Luís Francisco Carvalho Filho - Presidente
João Luiz Duboc Pinaud - Presidente a partir de 29/06/2004
Augustino Veit - Presidente a partir de 17/11/2004
Maria do Rosário Nunes - Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares
João Batista Fagundes - Representante das Forças Armadas
Maria Eliane Menezes de Farias - Representante do Ministério
Público Federal
André Sabóia Martins - Ministério das Relações Exteriores
2005
Augustino Veit - Presidente
Maria do Rosário Nunes - Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Suzana Keniger Lisbôa - Representante dos familiares até
02/08/2005
Diva Soares Santana - Representante dos familiares a partir de
06/12/2005
João Batista Fagundes - Representante das Forças Armadas
Maria Eliane Menezes de Farias - Representante do Ministério
Público Federal
André Sabóia Martins - Ministério das Relações Exteriores, até
18/10/2005, quando é substituído por Márcia Adorno -
Ministério das Relações Exteriores
2006
Augustino Veit - Presidente até 25/04/2006
Marco Antônio Rodrigues Barbosa - Presidente a partir de
25/04/2006
Maria do Rosário Nunes - Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados até 03/08/2006
Luís Eduardo Greenhalgh - Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, a partir de 03/08/2006
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Diva Soares Santana - Representante dos familiares
Coronel João Batista Fagundes - Representante das Forças
Armadas
Maria Eliane Menezes de Farias - Representante do Ministério
Público Federal
Márcia Adorno - Ministério das Relações Exteriores, substituída
por Augustino Veit em 25/04/2006
2007
Marco Antônio Rodrigues Barbosa - Presidente
Pedro Wilson - Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, a partir de 06/03/2007
Belisário dos Santos Junior - Representante da sociedade civil
Diva Soares Santana - Representante dos familiares
Maria Eliane Menezes de Farias - Representante do Ministério
Público Federal
Coronel João Batista Fagundes - Representante das Forças
Armadas Augustino Veit
Titulares dos Direitos Humanos entre 1995 e 2007
José Gregori (Secretário Nacional dos Direitos Humanos do
Ministério da Justiça - 07/04/1994 a 14/04/2000)
Gilberto Sabóia (Secretário Nacional dos Direitos Humanos do
Ministério da Justiça - 20/06/2000 a 14/11/2001
Paulo Sérgio Pinheiro (Secretário de Estado dos Direitos
Humanos (Ministério da Justiça)- 16/11/2001 a 31/12/2002)
Nilmário Miranda (Ministro da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República - 02/01/2003
a 21/07/2005
Mário Mamede Filho (Subsecretário de Direitos Humanos da
Secretaria Geral da Presidência da República - 29/07/2005 a
05/12/2005 e Ministro da Secretaria Especial de Direito
Humanos da Presidência da República - 06/12/2005 a
20/12/2005)
Mário Mamede Filho (Subsecretário de Direitos Humanos da
Secretaria Geral da Presidência da República - 29/07/2005 a
05/12/2005 e Ministro da Secretaria Especial de Direito
Humanos da Presidência da República - 06/12/2005 a
20/12/2005)
Paulo Vannuchi (Ministro da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República desde 21/12/2005)
Anexo V
Casos analisados pela CEMDP (1996-2007)
(Nome) (Situação dos processos)
Abdon da Silva Santos Indeferido por ausência de provas
Abelardo Costa Indeferido por ausência de provas
Abelardo Rausch de Alcântara Aprovação unânime
Abílio Clemente Filho Aprovação unânime
Acediro Ribeiro Maciel Indeferido por ausência de provas
Adauto Freire da Cruz Indeferimento unânime
Aderval Alves Coqueiro Aprovação unânime
Agrício Barreto de Queiroz Indeferido por ausência de provas
Alberi Vieira dos Santos Indeferimento unânime
Alberto Aleixo Aprovação unânime
A1ceri Maria Gomes da Silva Aprovado 5 x 2
Alcides João da Silva Indeferido por ausência de provas
Aldo de Sá Brito Souza Neto Aprovado 6 x 1
Alex de Paula Xavier Pereira Aprovação unânime
Alexandre Soares de Oliveira Indeferimento unânime
Alexandre Vannucchi Leme Aprovação unânime
Alexandre Von Baumgarten Indeferido por ausência de provas
Alfeu de Alcântara Monteiro Aprovação unânime
Almir Custódio de Lima Aprovado 5 x 2
Alvino Ferreira Felipe Aprovação unânime
Alvino Hagel Indeferido por ausência de provas
Amaro Felix Pereira Aprovação unânime
Amaro Luiz de Carvalho Aprovação unânime
Ana Maria Nacinovic Correa Aprovada 6 x 1
Anatália de Souza Melo Alves Aprovação unânime
Angelina Gonçalves Indeferimento unânime
Ângelo Arroyo Aprovado 4 x 3
Ângelo Cardoso da Silva Aprovação unânime
Antogildo Pascoal Viana Aprovação unânime
Antoniel Queiroz Indeferido por ausência de provas
Antônio Bem Cardoso Aprovação unânime
Antônio Benedito Cordeiro Indeferimento unânime
Antônio Benetazzo Aprovação unânime
Antônio Borges dos Santos Indeferimento unânime
Antônio Carlos Bicalho Lana Aprovação unânime
Antônio Carlos Nogueira Cabral Aprovação unânime
Antônio Expedito Carvalho Perera Indeferimento unânime
Antônio Ferreira Pinto Aprovado 4 x 2
Antônio Hernandes Indeferido por ausência de provas
Antônio José dos Reis Aprovação unânime
Antônio Marcos Pinto de Oliveira Aprovação unânime
Antônio Raymundo de Lucena Aprovação unânime
Antônio Sérgio de Mattos Aprovação unânime
Ari Lopes de Macedo Indeferido por ausência de provas
Arnaldo Cardoso Rocha Aprovado 6 x 1
Arno Preis Aprovação unânime
Ary Abreu Lima da Rosa Aprovação unânime
Augusto Soares da Cunha Aprovado 4 x 3
Aurora Maria Nascimento Furtado Aprovação unânime
Avelmar Moreira de Barros Aprovação unânime
Benedito Ferreira Alves Indeferimento unânime
Benedito Pereira Serra Aprovação unânime
Boanerges de Souza Massa Aprovação unânime
Carlos Alberto Maciel Cardoso Indeferimento unânime
Carlos Antunes da Silva Aprovação unânime
Carlos Eduardo Pires Fleury Aprovação unânime
Carlos Lamarca Aprovado 5 x 2
Carlos Lima Aveline Indeferido por ausência de provas
Carlos Marighella Aprovado 5 x 2
Carlos Nicolau Danielli Aprovação unânime
Carlos Roberto Zanirato Aprovação unânime
Carlos Schirmer Aprovação unânime
Cassimiro Luiz de Freitas Aprovação unânime
Catarina Helena Abi Eçab Aprovação unânime
Célio Augusto Guedes Aprovação unânime
Chael Charles Schreier Aprovação unânime
Cícero Costa Nunes Indeferido por ausência de provas
Claudio Paredes Indeferido por ausência de provas
Cleide Maria Ferreira Nogueira Indeferido por ausência de provas
Cloves Dias Amorim Aprovação unânime
Clóvis Ribeiro dos Santos Indeferimento unânime
Darcy Jose dos Santos Mariante Aprovação unânime
Dario Gilberto Goni Martinez Indeferimento unânime
David de Souza Meira Aprovação unânime
Devanir Jose de Carvalho Aprovação unânime
Dilermano Mello do Nascimento Aprovação unânime
Dimas Antônio Casemiro Aprovação unânime
Divo Fernandes de Oliveira Aprovação unânime
Doralice Ferreira Indeferido por ausência de provas
Dorival Ferreira Aprovação unânime
Edson Luiz Lima Souto Aprovado 4 x 3
Edson Neves Quaresma Aprovado 4 x 3
Edu Barreto Leite Aprovação unânime
Eduardo Antonio da Fonseca Aprovado 6 x 1
Eduardo Collen Leite Aprovação unânime
Eduardo Gonzalo Escabosa Indeferimento unânime
Eiraldo de Palha Freire Aprovado 5 x 2
Elíane Canedo Guimarães dos Santos Indeferido por ausência de provas
Elvaristo Alves da Silva Aprovação unânime
Emmanuel Bezerra dos Santos Aprovação unânime
Epaminondas Gomes de Oliveira Aprovação unânime
Eremias Delizoicov Aprovado 4 x 2
Esmeraldina Carvalho Cunha Aprovação unânime
Eudaldo Gomes da Silva Aprovação unânime
Evaldo Luiz Ferreira de Souza Aprovação unânime
Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira Aprovação unânime
Fernando Augusto da Fonseca Aprovação unânime
Fernando Borges de Paula Ferreira Não analisado
Fernando da Silva Lembo Aprovação unânime
Flavio Carvalho Molina Aprovação unânime
Flávio Ferreira da Silva Indeferido por ausência de provas
Francisco Alves Cabral Indeferimento unânime
Francisco das Chagas Pereira Aprovação unânime
Francisco Emmanuel Penteado Aprovado 6 x 1
Francisco José de Oliveira Aprovado 6 x 1
Francisco Seiko Okama Aprovado 6 x 1
Francisco Tenório Cerqueira Junior Aprovação unânime
Frederico Eduardo Mayr Aprovação unânime
Frei Tito de Alencar Lima Aprovação unânime
Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão Aprovação unânime
Gelson Reicher Aprovado 6 x 1
Geraldo Bernardo da Silva Aprovação unânime
Geraldo da Rocha Gualberto Aprovação unânime
Geraldo Silveira Rodrigues Indeferimento unânime
Gérson Bezerra Lima Indeferido por ausência de provas
Gerson Theodoro de Oliveira Aprovação unânime
Getúlio de Oliveira Cabral Aprovação unânime
Gildo Macedo Lacerda Aprovação unânime
Grenaldo de Jesus Da Silva Aprovação unânime
Gustavo Buarque Schiller Aprovação unânime
Hamilton Fernando Cunha Aprovado 6 x 1
Hamilton Pereira Damasceno Aprovação unânime
Hanseclever de Souza Indeferido por ausência de provas
Helber José Gomes Goulart Aprovação unânime
Hélcio Pereira Fortes Aprovação unânime
Henrique Cintra Ferreira de Ornellas Aprovação unânime
Hércules de Oliveira Soare Indeferimento unânime
Higino João Pio Aprovação unânime
Hiroaki Torigoe Aprovação unânime
Hiroshi Yamaguishi Indeferido por ausência de provas
Horácio Domingos Campiglia Aprovação unânime
lara lavelberg Aprovação unânime
Iguatemi Zuchi Teixeira Indeferimento unânime
Inocêncio Pereira Alves Indeferido por ausência de provas
Ishiro Nagami Indeferimento unânime
Ismael Silva de Jesus Aprovação unânime
Israel Tavares Roque Aprovação unânime
luri Xavier Pereira Aprovado 6 x 1
Ivan Gomes Indeferimento por ausência de provas
Ivan Rocha Aguiar Aprovação unânime
James Allen da Luz Indeferimento unânime
Jane Vanini Indeferimento unânime
Jarbas Pereira Marques Aprovação unânime
Jeová Assis Gomes Aprovado 4 x 3
Joana Lúcia Silva Santos Indeferimento por ausência de provas
João Alfredo Dias Aprovação unânime
João Antonio Santos Abi-Eçab Aprovação unânime
João Batista Franco Drumond Aprovação unânime
João Batista Nunes Machado Indeferimento unânime
João Bispo de Jesus Indeferido por ausência de provas
João Bosco Penido Burnier Indeferido 5 x 2
João Carlos Cavalcanti Reis Aprovado 6 x 1
João de Carvalho Barros I Indeferimento por ausência de provas
João Domingues da Silva Aprovado 6 x 1
João Ferreira de Macedo Sobrinho Indeferido por ausência de provas
João Fortunato Vidigal Indeferido por ausência de provas
João Gomes da Silva Indeferido por ausência de provas
João Jose Rodrigues Indeferido por ausência de provas
João Lucas Alves Aprovação unânime
João Pedro Teixeira Indeferimento unânime
João Pereira da Silva Indeferimento unânime
João Roberto Borges de Souza Aprovação unânime
Joaquim Alencar de Seixas Aprovação unânime
Joaquim Câmara Ferreira Aprovação unânime
Joaquim de Oliveira dos Santos Indeferido por unanimidade
Joaquim de Sousa Indeferimento unânime
Joelson Crispim Aprovação unânime
Jonas José de Albuquerque Barros Aprovação unânime
Jones Borges do Nascimento Indeferimento unânime
Jorge Aprígio de Paula Aprovação unânime
José Alves da Rocha Indeferimento unânime
José Antônio da Conceição Indeferimento unânime
José Armando Rodrigues Indeferimento unânime
José Arruda Alencar Indeferimento unânime
José Bartolomeu Rodrigues de Souza Aprovação unânime
José Campos Barreto Aprovado 5 x 2
José Carlos da Costa Indeferimento unânime
José Carlos Guimarães Aprovação unânime
José Carlos Novaes da Mata Machado Aprovação unânime
José Dalmo Guimarães Lins Aprovação unânime
José de Souza Aprovação unânime
José Feliciano da Silva Indeferido por ausência de provas
José Fernandes de Menezes Indeferido por ausência de provas
José Ferreira de Almeida Indeferido *
José Gomes Teixeira Aprovação unânime
José Idésio Brianezi Aprovado 6 x 1
José Inocêncio Barreto Aprovação unânime
José Isabel do Nascimento Aprovação unânime
José Julio de Araújo Aprovação unânime
José Luciano Franco Tibúrcio Indeferido por ausência de provas
José Machado da Silva Indeferimento unânime
José Manoel da Silva Aprovação unânime
José Maximino de Andrade Netto Aprovado 6 x 1
José Mendes de Sá Roriz Aprovação unânime
José Milton Barbosa Aprovado 6 x 1
osé Raimundo da Costa Aprovação unânime
José Ribeiro Dourado Indeferimento unânime
José Roberto Arantes de Almeida Aprovado 6 x 1
José Roberto Spiegner Aprovação unânime
José Silton Pinheiro Aprovação unânime
José Wilson Lessa Sabbag Aprovação unânime
Juan Antônio Carrasco Forrastal Aprovação unânime
Juarez Guimarães De Brito Aprovação unânime
Juarez Monção Virotte Indeferido por ausência de provas
Kurt Krieger Indeferido por ausência de provas
Labibe Elias Abduch Aprovação unânime
Lauriberto José Reyes Aprovado 6 x 1
Lázaro Peres Nunes Indeferimento unânime
Leopoldo Chiapetti Aprovação unânime
Ligia Maria Salgado Nóbrega Aprovação unânime
Liliana Inês Goldemberg Indeferimento unânime
Líncoln Bicalho Roque Aprovação unânime
Lincoln Cordeiro Oest Aprovação unânime
Lorenzo Ismael Viñas Aprovação unânime
Lourdes Maria Wanderley Pontes Aprovação unânime
Lourenço Camelo de Mesquita Aprovação unânime
Lucimar Brandão Guimarães Aprovado 4 x 2
Lucindo Costa Aprovação unânime
Luís Alberto Andrade de Sá e Benevides Indeferimento por unanimidade
Luis Dias de Andrade Indeferido por ausência de provas
Luis dos Santos Indeferido por ausência de provas
Luiz Alberto Pinto Arébalo Indeferimento fora do prazo
Luiz Antônio Ferreira Nogueira Indeferido por ausência de provas
Luiz Antonio Santa Bárbara Aprovação unânime
Luiz Carlos Augusto Aprovação unânime
Luiz Eduardo da Rocha Merlino Aprovação unânime
Luiz Fogaça Balboni Aprovado 6 x 1
Luiz Gonzaga dos Santos Aprovação unânime
Luiz Ghilardini Aprovação unânime
Luiz Hirata Aprovação unânime
Luiz José da Cunha Aprovado 6 x 1
Luiz Mário Reynolds Indeferido por ausência de provas
Luiz Paulo da Cruz Nunes Aprovação unânime
Lyda Monteiro da Silva Aprovação unânime
Manoel Aleixo da Silva Aprovação unânime
Manoel Bezerra Sobrinho Indeferido por ausência de provas
Manoel Fiel Filho Aprovação unânime
Manoel Gomes da Silva Indeferimento unânime
Manoel Lisboa de Moura Aprovação unânime
Manoel Pereira Marinho Indeferimento unânime
Manoel Raimundo Soares Aprovação unânime
Manoel Rodrigues Ferreira Aprovação unânime
Manuel Alves de Oliveira Aprovação unânime
Manuel José Nunes Mendes de Abreu Aprovação unânime
Marcos Antônio Bráz de Carvalho Aprovação unânime
Marcos Antônio da Silva Lima Aprovado 4 x 3
Marcos Nonato da Fonseca Aprovado 6 x 1
Maria Auxiliadora Lara Barcellos Aprovação unânime
Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo Aprovação unânime
Marilena Villas Boas Pinto Aprovação unânime
Mario Cosel Rodrigues Indeferido por ausência de provas
Mário de Souza Prata Aprovação unânime
Mário Renniê Entrala Indeferido por ausência de provas
Maurício Guilherme da Silveira Aprovado 6 x 1
Merival Araújo Aprovação unânime
Miguel Joaquim Carvalho Indeferido por ausência de provas
Miguel Sabat Nuet Indeferimento unânime
Milton Soares de Castro Aprovação unânime
Miriam Lopes Verbena Indeferimento unânime
Monica Susana Pinus de Binstock Aprovação unânime
Nativo Natividade de Oliveira Indeferimento unânime
Neide Alves dos Santos Aprovação unânime
Nelson Corrêa de Oliveira Indeferimento unânime
Nelson José de Almeida Aprovação unânime
Nilda Carvalho Cunha Aprovação unânime
Nilton Viggiano Indeferido por ausência de provas
Norberto Nehring Aprovação unânime
Odair José Brunocilla Indeferido por ausência de provas
Odijas Carvalho de Souza Aprovação unânime
Olavo Hansen Aprovação unânime
Oltimar Outra da Rosa Indeferimento unânime
Ornalino Cândido da Silva Aprovado 4 x 3
Orocílio Martins Gonçalves Aprovação unânime
Otávio Soares Ferreira da Cunha Aprovado 4 x 3
Otoniel Campos Barreto Aprovado 4 x 2
Padre Antônio Henrique Pereira Neto Aprovação unânime
Pauline Philipe Reichstul Aprovação unânime
Paulo Costa Ribeiro Bastos Aprovação unânime
Paulo Guerra Tavares Aprovação unânime
Paulo Torres Gonçalves Aprovação unânime
Paulo Ventura Indeferido por ausência de provas
Pedro Domiense de Oliveira Aprovado 6 x 1
Pedro Inácio de Araújo Aprovação unânime
Pedro Jerônimo de Sousa Aprovação unânime
Pedro Paulo Bretãs Indeferimento unânime
Pedro Souza Milhomem Indeferimento por unanimidade
Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar Aprovado 5 x 2
Péricles Gusmão Régis Aprovação unânime
Raimundo de Santana Machado Indeferido por ausência de provas
Raimundo Eduardo da Silva Aprovação unânime
Raimundo Fernardes do Carmo Indeferido por ausência de provas
Raimundo Gonçalves de Figueiredo Aprovação unânime
Raimundo Nonato de Araújo Indeferimento unânime
Raimundo Nonato Paz Indeferimento unânime
Ranúsia Alves Rodrigues Aprovação unânime
Raul Amaro Nin Ferreira Aprovação unânime
Reinaldo Silveira Pimenta Aprovação unânime
Roberto Cietto Aprovação unânime
Roberto Macarini Aprovação unânime
Roberto Ribeiro de Souza Indeferido por ausência de provas
Robson Antônio Gomes Viana Indeferido por ausência de provas
Rodolfo Soares Pinheiro Indeferido por ausência de provas
Ronaldo Mouth Queiroz Aprovado 5 x 2
Rubem Brandão da Silva Indeferido por ausência de provas
Rui Osvaldo Aguiar Pfutzenreuter Aprovação unânime
Sebastião Gomes dos Santos Indeferido por ausência de provas
Sebastião Tomé da Silva Aprovação unânime
Sebastião Vieira Gama (ou Sebastião Vieira Silva) Indeferido por unanimidade
Severino Elias de Mello Aprovação unânime
Severino Viana Colou Aprovação unânime
Silvano Soares dos Santos Indeferimento unânime
Simão Pereira da Silva Indeferimento unânime
Solange Lourenço Gomes Aprovação unânime
Soledad Barret Viedma Aprovação unânime
Sônia Maria de Moraes Angel Jones Aprovação unânime
Taudelino da Rocha Correa Indeferido por ausência de provas
Tércio Tavares de Meio Indeferimento unânime
Terezino Lopes dos Santos Indeferido por ausência de provas
Therezinha Viana de Assis Aprovação unânime
Túlio Roberto Cardoso Quintiliano Indeferimento unânime
Valdir Sales Sabóia Aprovação unânime
Venceslau Ramalho Leite Indeferido por ausência de provas
Vitor Carlos Ramos Aprovação unânime
Vitor Luis Papandreu Indeferido por ausência de provas
Vladimir Herzog Aprovação unânime
Walter Diniz Indeferido por ausência de provas
Wanderlei de Oliveira Indeferido por ausência de provas
Wilton Ferreira Indeferimento unânime
Wlademiro Jorge Filho Aprovação unânime
Yoshitane Fujimori Aprovado 6 x 1
Zil Diniz Webster Indeferido por ausência de provas
Zuleika Angel Jones Aprovado 4 x 3
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