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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA E CONSERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO
AS PINTURAS RUPESTRES DA ÁREA ARQUEOLÓGICA VALE DO
CATIMBAU – BUÍQUE, PERNAMBUCO: ESTUDO DAS FRONTEIRAS
GRÁFICAS DE PASSAGEM
RICARDO JOSÉ NEVES BARBOSA
ORIENTADOR: PROFª. DRª. MARIA GABRIELA MARTIN ÁVILA
RECIFE
2007
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA E CONSERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO
RICARDO JOSÉ NEVES BARBOSA
AS PINTURAS RUPESTRES DA ÁREA ARQUEOLÓGICA VALE DO
CATIMBAU – BUÍQUE, PERNAMBUCO: ESTUDO DAS FRONTEIRAS
GRÁFICAS DE PASSAGEM
RECIFE
2007
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Arqueologia /
Conservação do Patrimônio da
Universidade Federal de Pernambuco
como requisito para obtenção do grau
de Mestre em Arqueologia.
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Barbosa, Ricardo José Neves
As pinturas rupestres da área arqueológica Vale do Catimbau
– Buíque, Pernambuco: estudo das fronteiras gráficas de
passagem .-- Recife: O Autor, 2007.
174 folhas : Il ., Graf.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. Arqueologia.—Recife, 2007.
Inclui: bibliografia e anexos.
1. Pinturas rupestres – Buíque-PE. 2. Fronteira gráfica
de passagem – estudo. 3. Pintura rupestre. 4. Vale do Catimbau.
I. Título.
902 CDU (2. ed) UFPE
930.1 CDD (22. Ed) BCFCH2008/07
2
AGRADECIMENTOS
Aos Professores
Albérico Nogueira de Queiroz
Alcina Magnólia Franca Barreto
Anne-Marie Pessis
Cláudia Alves de Oliveira
Marcos Antônio Gomes de Mattos de Albuquerque
Maria Gabriela Martin Ávila
Maria de Betânia Cavalcanti Brendle
Niède Guidon
Paulo Martin Souto Maior
Ricardo Pinto de Medeiros
À Secretária do Departamento:
Luciane Costa Borba
Ao grupo de apoio logístico:
Edgar Leal Barbosa
Elza Barbosa Leal
Henriqueta Veloso Regis de Moura
José de Anchieta Leal
Agradecimentos especiais:
Anne-Marie Pessis
Maria Gabriela Martin Ávila (Orientadora)
Niède Guidon
Pleito de Gratidão:
Anne-Marie Pessis
3
“A freqüentação do território implica a
existência de trajetos percorridos
periodicamente. O grupo primitivo é
normalmente nômade, isto é, desloca-se
segundo o ritmo de aparição dos recursos,
explorando o seu território num ciclo que
depende, o mais profundamente, das
estações. Há, pois, uma relação complexa
entre a densidade dos recursos alimentares, a
superfície diária das deslocações de aquisição
em torno de pontos de fixação temporária, a
superfície total do território, que é função do
conhecimento suficiente dos pontos
alimentares sazonais, equilíbrio entre a
alimentação, o sentimento de segurança no
habitat, as fronteiras de contacto com os
territórios dos outros grupos”.
André Leroi-Gourhan
4
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo confirmar a presença das fronteiras gráficas
de passagem no Vale do Catimbau, unidade de conservação do Parque Nacional do
Catimbau, Buíque – PE., bem como vincular as pinturas rupestres contidas na face oeste
da Serra do Coqueiro aos grupos migrantes, originários da Serra da Capivara.O Vale do
Catimbau situa-se a meio caminho de duas importantes áreas arqueológicas: distante
576 km, a vôo de pássaro, do Parque Nacional Serra da Capivara – PI, pólo da dispersão
da Tradição Nordeste; e a 210 km do Seridó – RN / PB. O presente estudo pode
contribuir para esclarecer de que forma os grupos migrantes, pertencentes à Tradição
Nordeste de pintura rupestre, se deslocaram para a região do Seridó, utilizando o vale do
Moxotó, tributário esquerdo do Rio São Francisco, como via de acesso.A área
pesquisada situa-se numa zona de brejo que apresenta condições geoambientais mais
favoráveis à sobrevivência humana que as do entorno semi-árido. Provavelmente, o
micro clima serrano favoreceu a convergência étnica pré-histórica para a região,
redundando na diversidade gráfica local. Nesse contexto, o trabalho consistiu em
segregar as diferentes identidades gráficas num universo pictural muito heterogêneo.
Essas pinturas apresentam-se como um produto final fragmentário, realizadas ao longo
de um período não determinado; por esta razão, os resultados são apresentados sem
qualquer referência cronológica, ou seja, de forma atemporal.Como recurso
metodológico para demonstrar a existência das fronteiras gráficas de passagem bem
como dimensionar as áreas gráficas dos respectivos grupos optou-se pelo estudo da
distribuição espacial dos sítios arqueológicos com pinturas pertencentes às Tradições
Nordeste e Agreste. Num segundo momento, para estabelecer a correlação cultural
pretendida, foram feitas analogias entre os acervos gráficos da Serra da Capivara e da
porção oeste da Serra do Coqueiro, particularmente das representações humanas em
suas dimensões: material, temática e apresentação gráfica. A área nuclear da pesquisa
compreende as duas faces da Serra do Coqueiro, os estudos realizados nessas áreas
confirmaram a hipótese: a porção leste da serra corresponde à área gráfica da Tradição
Agreste; a face oeste corresponde à área gráfica da Tradição Nordeste. Os estudos
também indicaram as áreas ampliadas de atuação gráfica (hipotética área gráfica) dos
respectivos grupos autores.A verificação da ocorrência de sítios que compartilham o
mesmo horizonte gráfico em zonas muito mais amplas que a área nuclear do estudo
levou a incluir essas zonas como hipotéticas áreas gráficas. A hipotética área gráfica dos
grupos da Tradição Agreste se estende da face leste da Serra do Coqueiro até o Vale do
Ipanema. Na direção norte, esses grupos alcançaram a porção nordeste da Serra dos
Cariris Velhos, ocupando parte da região Agreste do atual Estado da Paraíba. Da porção
oeste da Serra do Coqueiro até o Vale do Moxotó, compreende a hipotética área gráfica
dos grupos da Tradição Nordeste. No sentido norte, esses grupos alcançaram a porção
noroeste da Serra dos Cariris Velhos, ocupando um páleo vale retrabalhado pelas águas
dos rios Piancó e Açu-Piranhas. No alto curso do Açu-Piranhas, do qual o rio Seridó é
tributário, foram identificadas pinturas típicas dessa tradição.
Palavra chave: fronteira gráfica de passagem; área gráfica; registro rupestre; Vale do
Catimbau.
5
ABSTRACT
This work aims to confirm the presence graphical borders in the Vale do Catimbau, unit
of conservation of the Parque Nacional do Catimbau, Buíque - PE., as well as
connecting the rupestres paintings contained in the west face of the Serra do Coqueiro
to the migrantes, originary groups of the Serra da Capivara. The Vale do Catimbau is
situated half way of two important archaeological areas: distant 576 km, (measured by a
bird flight), the Parque Nacional Serra da Capivara - PI, polar region of the dispersion
of the Northeast Tradition; and 210 km far from Seridó - RN/PB. The present study will
contribute to clarify in what ways the migrantes groups from the Northeast rupestre
painting Tradition moved to the region of the Seridó, using the valley of the Moxotó,
left tributary of the River São Francisco, as a leading way. A searched area is placed in
a heath zone that presents geoambientais conditions more favorable to the survival
human being who of entorno half-barren. Probably, the micro Serrano climate favored
the prehistoric ethnic convergence for the region, resulting in the local graphical
diversity. In this context, the work consisted of segregating the different graphical
identities in very heterogeneous to a pictural universe. These paintings are presented as
a fragmentary end item, carried throughout a non determined period. For this reason, the
results are presented without any chronological reference. As a methodological resource
to demonstrate the existence of the graphical borders of ticket as well as to measure the
graphical areas of the respective groups, we chose the study of the space distribution of
the archaeological small farms which held paintings of the northeastern Traditions.
Afterwards, to establish the intended cultural correlation, analogies between the
graphical quantities of the Serra da Capivara and the portion had been made on the west
of the Serra do Coqueiro, particularly of the representations of human beings in its
dimensions: material, thematic and graphical presentation. The nuclear area of the
research understands the two faces of the Serra do Coqueiro, the studies carried through
these areas had confirmed the hypothesis: the portion east of the mountain range
corresponds to the graphical area of the Tradition Wasteland; the face west corresponds
to the graphical area of the Northeastern Tradition. The studies had also indicated the
extended areas of graphical performance (hypothetical graphical area) of the respective
groups authors. The verification of the occurrence of small farms that the same share
graphical horizon in much more ample zones that the nuclear area of the study led to
include these zones as hypothetical graphical areas. The hypothetical graphical area of
the groups of the Tradition Wasteland if extends of the face east of the Serra do
Coqueiro until the Vale do Ipanema. In the direction north, these groups had reached the
northeastern portion of the Serra dos Cariris Velhos, occupying part of the region
Wasteland of the current State of the Paraíba. From the portion west of the Serra do
Coqueiro until the Valley of the Moxotó, it understands the hypothetical graphical area
of the groups of the Northeastern Tradition. In the north direction, these groups had
reached the portion the northwest of the Serra dos Cariris Velhos, occupying a páleo
valley retrabalhado for waters of the rivers Piancó and Açu-Piranhas. In the high course
of the Açu-Piranhas, of which the river Seridó is tributary, had been identified typical
paintings of this tradition.
Key word: graphical border of ticket; graphical area; rupestre register; Valley of the
Catimbau.
6
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO
1. 1 – O objeto de estudo e sua abordagem sob o ponto de vista da Semiótica-----------10
1. 2 – A inserção do estudo do Vale do Catimbau no contexto das pesquisas
arqueológicas do Nordeste brasileiro---------------------------------------------------17
1. 2. 1 – As pesquisas no Nordeste brasileiro-------------------------------------------------17
1. 2. 2 – O estudo no Vale do Catimbau-------------------------------------------------------23
1. 3 – O problema---------------------------------------------------------------------------------32
1.3.1 – A difícil segregação dos grafismos puros atribuíveis à Tradição Agreste--------33
1. 4 – Reflexões acerca do conceito de fronteiras gráficas de passagem------------------35
1. 5 – O método-----------------------------------------------------------------------------------36
1. 5. 1 – Quanto à distribuição espacial--------------------------------------------------------36
1. 5. 2 – Quanto aos procedimentos analíticos------------------------------------------------37
1. 5. 3 – Quanto ao registro fotográfico--------------------------------------------------------39
1. 6 – A estrutura da dissertação----------------------------------------------------------------40
2 – ANTECEDENTES HISÓRICOS
2. 1 – Dos estudos das representações humanas----------------------------------------------42
2. 1. 1 – Do estilo Serra da Capivara-----------------------------------------------------------42
2. 1. 2 – Do complexo estilístico Serra Talhada----------------------------------------------49
2. 1. 3 – Do estilo Serra Branca-----------------------------------------------------------------53
2. 2 – Do sítio referência-------------------------------------------------------------------------55
2. 3 – Das pesquisas no Vale do Catimbau----------------------------------------------------57
2. 3. 1 – Período histórico------------------------------------------------------------------------57
2. 3. 2 – As pesquisas arqueológicas-----------------------------------------------------------58
3 – O CONTEXTO
3. 1 – Localização geográfica-------------------------------------------------------------------60
3. 2Aspectos geológicos e geomorfológicos-----------------------------------------------60
3. 2. 1 – A Formação Tacaratu------------------------------------------------------------------65
3. 3Aspectos paleoambientais e paleoclimáticos do Nordeste---------------------------67
3. 3. 1 – Origem da vegetação nordestina------------------------------------------------------71
3. 3. 1. 1 – Floresta atlântica e floresta serrana------------------------------------------------72
3. 3. 1. 2 – Caatinga-------------------------------------------------------------------------------74
3. 3. 1. 3 – Cerrado--------------------------------------------------------------------------------75
7
3. 4 – Ambiência da área nuclear da pesquisa------------------------------------------------76
3. 4. 1 – Clima, relevo e hidrografia-----------------------------------------------------------76
3. 4. 1. 1 – Zona de transição-------------------------------------------------------------------77
3. 4. 1. 2 – Divisor de águas--------------------------------------------------------------------80
3. 4. 2 – Solo e vegetação-----------------------------------------------------------------------82
3. 5 – Antropização e processos intempéricos do meio ambiente -------------------------85
4 – ANÁLISE
4. 1 – Considerações iniciais--------------------------------------------------------------------91
4. 2 – Da distribuição espacial------------------------------------------------------------------91
4. 3 – Do registro fotográfico-------------------------------------------------------------------92
4. 4 – Ficha cadastral e analítica----------------------------------------------------------------92
4. 4. 1 – Ficha nº 1: Sítio Alcobaça---------- --------------------------------------------------92
4. 4. 2 – Ficha nº 2: Sítio Dedos de Deus ----------------------------------------------------108
4. 4. 3 – Ficha nº 3: Sítio Pedra da Concha --------------------------------------------------134
4. 4. 4 – Ficha nº 4: Sítio Homem Sem Cabeça ---------------------------------------------151
5 – RESULTADOS -----------------------------------------------------------------------------166
7 – BIBLIOGRAFIA---------------------------------------------------------------------------168
8 – ANEXOS
8
LISTA DE IMAGENS
MAPAS:
Mapa 1 – Localização de Buíque e área nuclear de estudo----------------------------------61
Mapa 2 – Localização dos sítios arqueológicos segundo plano de curva de nível-------62
Mapa 3 – Localização das áreas arqueológicas-----------------------------------------------63
Mapa 4 – Áreas arqueológicas segundo os planos altimétricos-----------------------------64
Mapa 5 – Localização dos sítios sobre base geológica---------------------------------------68
Mapa 6 – Rede hidrográfica de Buíque--------------------------------------------------------81
Mapa 7 - Área gráfica da Tradição Nordeste e da Tradição Agreste---------------------167
LISTA DE TABELAS:
Tabela 1 – Dados pluviométricos de Buíque, PE. - 1997------------------------------------78
Tabela 2 – Listagens de plantas lenhosas presentes na Serra do Catimbau e sua
ocorrência em outros habitats------------------------------------------------------82
Tabela 3 – Listagens de plantas do estrato herbáceo – arbustivo e de regeneração na
mata atlântica Serra do Catimbau -------------------------------------------------84
FIGURA:
Figura 1 – Perfil Esquemático dos brejos geográficos de altitude no Nordeste do
Brasil-----------------------------------------------------------------------------------79
PRANCHAS:
Pranchas nº 1 – Toca do Baixão das Mulheres I, Serra da Capivara-PI-------------------45
Prancha nº 2 – Toca da Entrada do Pajaú, Serra da Capivara-PI---------------------------45
Prancha nº 3 – Sítio Pedra da Concha, Buíque-PE-------------------------------------------45
Prancha nº 4 – Carnaúba dos Dantas-RN------------------------------------------------------46
Prancha nº 5 - Sítio Pedra da Concha, Buíque-PE--------------------------------------------47
Prancha nº 6 – Toca do Caldeirão dos Rodrigues, Serra da Capivara-PI------------------50
9
Prancha nº 7 – Toca de João Arsena, Serra da Capivara -PI--------------------------------51
Prancha nº 8 – Toca do Conflito, Serra da Capivara-PI--------------------------------------51
Prancha nº 9 – Sítio Homem Sem Cabeça, Buíque-PE--------------------------------------51
Prancha nº 10 – Sítio Xique-Xique II, Seridó-RN--------------------------------------------52
Prancha nº11 – Sítio Homem Sem cabeça, Buíque-PE--------------------------------------52
Prancha nº 12 – Sítio Pedra da Concha, Buíque-PE------------------------------------------52
Pranchas de 13 a 20 – Aspectos geológicos e vegetacionais--------------------------------87
Pranchas de 21 a 39 – Sítio Alcobaça----------------------------------------------------------93
Pranchas de 40 a 75 – Sítio Dedos de Deus--------------------------------------------------108
Pranchas de 76 a 95 – Sítio Pedra da Concha------------------------------------------------134
Pranchas de 96 a 113 – Sítio Homem Sem Cabeça-----------------------------------------151
l-INTRODUÇÃO
1.1 — O objeto de estudo e sua abordagem sob o ponto de vista da semiótica
O presente trabalho tem como objeto de estudo o conjunto de registros rupestres
pintados contidos em quatro sítios arqueológicos pré-históricos (Alcobaça, Dedos de
Deus, Pedra da Concha e Homem Sem Cabeça), localizados no Vale do Catimbau,
Unidade de Conservação do Parque Nacional do Catimbau, município de Buíque - PE.
O conjunto dos registros rupestres é considerado, na moderna literatura
arqueológica, como o primórdio da sistematização da escrita, ou seja, aos registros
rupestres é atribuído o status de uma pré-escrita, mais especificamente, vistos como
sinais protolingüísticos. Sob este prisma, as gravuras e as pinturas rupestres representam
uma das primeiras manifestações gráficas da humanidade, que veiculam informações
importantes sobre os valores culturais e as formas pelas quais são fixados na memória
coletiva dos grupos humanos, bem como sobre os processos de transformações sociais
experimentados por esses grupos, operadas durante milénios, no seio das culturas
1
pré-históricas.
-----------------------------------------
¹ Para este trabalho, optamos pela definição estruturalista do termo cultura, por seu caráter estritamente
pragmático para a abordagem semiótica dos registros rupestres, portanto, compatível com a metodologia
definida para esta pesquisa. Conforme defende Aldo Bizzocchi, 'num sentido amplo, cultura é tudo aquilo que,
no homem, não é produto exclusivo do instinto biológico e da herança genética; é tudo aquilo que o homem
aprende, todo acervo de conhecimentos transmissíveis de um indivíduo à outro e de geração a geração,
por meio da linguagem'. 'É o acervo de bens materiais e espirituais acumulado pela espécie humana no
decorrer do tempo, mediante um processo intencional ou não de realização de valores'. Nesse sentido,
excetuando os comportamentos exclusivamente instintivos, todas as demais atividades humanas (a caça, a
pesca, a agricultura, o artesanato, a indústria, o comércio, as comunicações, os transportes, a potica, a
guerra, etc.) são atividades eminentemente culturais. Podemos então avaliar o grau de civilização de
uma sociedade, num determinado momento de sua história, pelo testemunho de suas manifestações
culturais, representadas por todas essas atividades. É oportuno ressaltar que todos os estudos semióticos
até agora realizados partem dessa acepção antropológica de cultura, que chamamos aqui de cultura lato
sensu (BIZZOCCHI, 2003, p. 21-21). O autor, assim como a maioria dos semioticistas, utiliza o
conceito estruturalista de cultura, cunhado por Claude Léve-Strauss; segundo Strauss, 'pertence ao
universo da cultura tudo o que o homem acrescentou à natureza, assim como tudo o que não é hereditário,
mas apreendido pelo homem' (originalmente citado por Edward Lopes in: Fundamento da Linguística
Contemporânea). Todavia, o antropólogo semioticista Clifford Geertz in: Interpretação das Culturas,
acrescenta a dimensão cultural ao instinto 'antes puramente biológico' quando, por exemplo, uma
pessoa contrai a pálpebra de apenas um olho, de forma voluntária, com o propósito de encaminhar a
alguém, numa relão binária, uma mensagem secreta ou 'conspiratória', assim, esta 'piscada' torna-se,
portanto, uma atividade essencialmente semiótica (GEERTZ, 1989, p. 17).
Por certo, os semioticistas não ignoram as contribuições dos estudos etológicos sobre o processo de
comunicação entre os primatas não-humanos, sobremaneira entre os chimpanzés; contudo, cautelosos,
esperam, com o avanço das pesquisas, poder identificar, com precisão, o 'signifícante', o 'significado',
assim como a 'relação de significação' na comunicação entre os primatas não-humanos.
Contudo, os dados da pesquisa desenvolvida pela USP / FUMDHAM com macacos pregos em
ambientes naturais, no PARNA Serra da Capivara, ao nosso ver, respondem parcialmente as inquietações
10
Assim, as pinturas rupestres, enquanto produto de uma prática cultural e
operando como parte do sistema de comunicação, dependem também da forma verbal
para que seu significado seja transmitido de um indivíduo a outro e de uma geração a
outra. Então, dada a estreita ligação entre essa prática cultural (ato de realizar as
pinturas rupestres) e a palavra, temos duas atividades culturais semióticas interligadas
que se realizam no campo da comunicação. Pela sua natureza precípua, são, portanto,
atividades produtoras de discursos sociais
2
, que evocam, sempre, a existência de
processos interativos entre um emissor e um receptor que são, invariavelmente,
coletivos
3
.
Desta maneira, a concepção de linguagem aqui aplicada - paralela ao conceito de
língua e do ponto de vista da Semiótica
4
- requer, necessariamente, uma conceituação
mais ampla, que seja capaz de abranger todas as formas de linguagens. Segundo
Bizzocchi
5
, 'a linguagem se realiza de múltiplas formas: a verbal (o latim, o
dos semioticistas. Pessis adverte que: 'as pesquisas etológicas fornecem, hoje, resultados seguros que
fundamentam a comunicação entre os primatas. Semelhanças biológicas, sociais e culturais manifestam-se
através de encenações ou comportamentos rituali/ados, utilizados para se apresentar socialmente.
Ambos os grupos (humanos e não-humanos) partilham atividades estreitamente ligadas à imagem: a
observação, como forma de conhecimento que permite identificar e avaliar o entorno, detectando
problemas; e a apresentação que é uma estrutura do comportamento composta por gestos, posturas,
ornamentos e sons, com a qual o indivíduo se situa em um contexto dado, transmitindo uma imagem de si
próprio. Essas duas operações (observação e apresentação), utilizadas por todas as espécies no seu
relacionamento, são essenciais para o aperfeiçoamento das técnicas de sobrevivência. São, pois, os dois
aspectos do sistema de comunicação que funcionam entre indivíduos de todas as espécies quando eles se
encontram' (PESSIS, 2003, p. 59).
Espera-se, com os avanços dos estudos etológicos, que no futuro próximo, possamos segregar elementos do
comportamento animal que indiquem o signifícante, o significado e daí depreender a relação de
significação na comunicação entre as espécies não-humanas.
2
Diz-se do discurso (do lat. discursu), série de palavras usadas para manifestar o que sentimos ou
pensamos (MENDES, 1986). Peça. Oratória proferida em público. Exposição metódica sobre um certo
assunto. Raciocínio, discernimento (FERREIRA, 1988). Social - Diz-se (do lat. sociale) pertencente ou
relativo à sociedade ou às lutas entre uma classe e outra (MENDES, 1986). Da sociedade ou relativo a ela;
que convém à sociedade (SILVEIRA BUENO, 2000).
3
Sobre o discurso social ser, por natureza, 'sempre coletivo', Bizzocchi argumenta que, na maioria dos
casos, o emissor de um discurso (pintura rupestre, jornal, discurso político, etc.) é proferido por um único
indivíduo. No entanto, esse emissor-ator representa o papel (que chamamos actante) de todo um segmento
social ou mesmo de uma sociedade. No caso de um indivíduo isolado, autor de pinturas rupestres que,
com diversos procedimentos, manipula o ocre e, aplicando-o sobre um suporte rochoso com intenção de
emitir mensagens, o emissor-actante desse discurso é o próprio grupo a que pertence o autor. Por outro
hdo, complementa Bizzocchi, ter um receptor coletivo significa que o destinatário desse discurso não é •n
indivíduo isolado, mas um grupo aberto e de indeterminado número de indivíduos, que chamamos de
público ou massa (2003, p. 24-25).
4
A Semiótica é uma disciplina científica derivada da 'Semiologia' de Saussure, que propõe a utilização do
conceito 'signo', sendo este composto por um significado e um signifícante; o signo, necessariamente
presente na relação de comunicação, verifica-se entre um 'remetente' e um 'destinatário'. Em síntese, a
Semiótica é uma disciplina que estuda todos os fenómenos culturais como processos da comunicação
(HEGENBERG; MOTA, 1975).
s
Aldo Bizzocchi é linguista, membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Fundação •
Libero e do Programa de Pós-Graduação em Linguística do UNIFIEO.
11
ianomâmi e o tupi), a visual (as pinturas rupestres, as fotografias e as esculturas), a
sonora (as músicas, os apitos e os cânticos), a gestual (as mímicas e os acenos), além
das linguagens sincréticas, aquelas resultantes da combinação de duas ou mais
linguagens, como a dança (gestos + músicas), as histórias em quadrinhos (imagens +
palavras), o teatro e o cinema (imagens + sons + palavras + gestos), dentre outras. De
maneira mais ampla, constituem linguagem todas as formas de representação da
realidade através do filtro de uma particular visão de mundo" (BIZZOCCHI, 2003, p.
22-23). Assim, os mitos, as religiões, as relações de parentesco, as vestimentas, as
práticas cinegéticas ou de caça, etc., são formas de linguagem.
O conceito de linguagem, de acordo com o autor mencionado, tem variado ao
longo do tempo, porém, remetendo sempre a uma noção básica: de representação. Isto é, a
linguagem é geralmente definida como o instrumento da comunicação e do
pensamento, como um sistema simbólico por meio do qual o homem substitui a
realidade por entidades mentais chamadas signos.
Desta forma, toda linguagem seria um sistema de signos, entendidos estes como
elementos constituídos de uma parte material, denominada 'significante', cuja
percepção dá-se pêlos sentidos que evocam, na mente do homem, uma determinada
ideia ou um conceito, tal ideia ou conceito torna-se, justamente, a parte não-material do
signo, o 'significado'.
Segundo Saussure
6
, o signo é uma entidade de duas faces: um significante, que é a
parte perceptível pêlos sentidos, e um significado, que é um conceito, uma imagem
mental associada a esse signifícante. Assim, o signo possui um valor, socialmente
determinado, que se define pelas relações que se estabelecem com os demais signos do
sistema.
Já o signo, para Peirce
7
, é alguma coisa que representa algo para alguém, sob
algum prisma (HEGENBERG; MOTA, 1975, p. 26). Desta forma, o signo, para Peirce,
6
Ferdinand de Saussure, linguista genebrino, fundamentou a Linguística como uma disciplina científica
autónoma, separada dos estudos históricos, da Psicologia, da Filologia e da Literatura. Os principais
pressupostos saussurianos foram reunidos na obra 'Curso de Linguistica Geral', entre 1911 e 1913,
publicada postumamente em 1916, por seus alunos.
7
Charles Sanders Peirce, semioticista e filósofo pragmatista norte-americano. Na filosofia peirciana o
pragmatismo é concebido como método para determinação dos significados do símbolo, tendo como
função a 'máxima pragmática', "todo o propósito intelectual de qualquer símbolo consiste na totalidade
dos modos gerais de conduta racional que, na dependência de todas as possíveis e diversas circunstâncias e
desejos, assegurariam a aceitação do símbolo" (PEIRCE, 1905). A grande contribuição desse pensador foi,
para a Semiótica, a reformulação do conceito de signo, para ele a palavra SIGNO será sempre usada para
denotar um objeto perceptível, apenas imaginável ou mesmo insuscetível de ser imaginado em um
determinado sentido. Um signo, ou 'representamem', é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo,
12
tem um significado mais amplo, não precisa ser uma palavra, pode ser uma ação, um
pensamento ou qualquer coisa que admita um interpretante, isto é, que seja capaz de dar
origem a outros signos.
Admitindo-se a amplitude do conceito peirciano de signo, que evoca a ideia de
que um signo seja 'qualquer coisa que admita um interpretante'. Sob este prisma,
tanto os registros rupestres figurativos (portadores de uma linguagem gráfica
reconhecível, ou seja, cognitivamente identificados), como os registros gráficos
não-figurativos, tornam-se signos. Os registros rupestres não-figurativos,
convencionalmente denominados de 'grafismos puros', 'grafismos não-reconhecíveis' ou
'abstratos', segundo Guidon
8
, são 'formas abstratas que não mantêm nenhuma relação
aparente com os elementos presentes no mundo sensível' (2004, p. 140). Estes grafismos,
apesar do caráter hermético no seu significado para os observadores modernos ou
atuais, situados em outro tempo e sociedade, tiveram um sentido para as sociedades
autoras, portanto, são necessariamente signos.
Assim, para os pesquisadores que estudam os registros rupestres sob o ponto de
vista da Semiótica, as pinturas parietais são, por excelência, signos; por serem
portadores de um signiflcante, expresso por sua materialidade, projetada no suporte
rochoso com o intermeio do ocre
9
, adicionado aos aglutinantes
10
, como também de um
significado, cujo acesso ao conteúdo é restrito aos membros da sociedade pintora.
representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente desta pessoa um signo
equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. O signo, assim criado, denomina de 'innterpreíante'
quem o percebe (HEGENBERG; MOTA, 1975). Assim, para Peirce, o signo pode ser um gesto, uma
palavra, um aceno ou qualquer "coisa" que possa evocar uma ideia.
8
Niède Guidon é Presidente da Fundação Museu do Homem do Nordeste (FUMDHAM) e membro do
corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e Conservação do Património da
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
9
Corpo areno-argiloso de frágil cimentação ou pouco compactado, quando intemperizado ou
contaminado por óxido de ferro, denomina-se ocre. Consensualmente, os arqueólogos o classificam em
duas categorias básicas, segundo o critério de apresentação colorimétrica desse mineral: hematita, quando na
cor vermelha (roxo- terra, na literatura franco-espanhola); e goetíta, quando amarela ou alaranjada.
Segundo Bettencourt e Moreschi, as hematitas (Fe
2
O
3
) apresentam as seguintes propriedades físicas
-brilho: metálico; clivagem: ausente; cor: cinza/grafite/vermelho-ocre; transparência: opaco; dureza: 6,5 na
escala Mohs; densidade: 5,3 por cm cúbico; hábito: maciço/placóide/terroso; traço: vermelho ocre ou
sangue. As propriedades óticas e cristalografia desta substância são: sistema cristalino/trigonal; sob luz
polarizada/unicial negativo e as propriedades químicas são pertinentes à classe do óxido. Conforme os
autores, as goetitas [Fe
2
O
2
O
3
. 0,1(H
2
O)], ocre reidratado ou recontaminado, suas propriedades físicas são
cristalografia: ortorrômbico; classe: bipiramidal; hábito: prismático/fíbroso/maciço/radial/estalactíticó;
dureza: 5 a 5,5 na escala Mohs; densidade relativa: 3,3 a 4,5; fratura: ausente; brilho: adamantino a
submetálico.
10
Qualquer substância de origem animal, mineral ou vegetal (gordura, mel ou cera de abelha, sangue,
saliva, água, seiva, etc.) adicionada, uma ou combinações destas, ao ocre, na preparação do pigmento.
13
Como lembra Pessis
11
(2003), 'as pinturas rupestres, enquanto registros com uma
linguagem específica de um determinado grupo social, não podem mais ser decodificadas
à luz da época em que foram realizadas, pois não é mais possível resgatar esse contexto
em sua plenitude; mesmo quando temos em mãos registros escritos minuciosos sobre
uma determinada sociedade, não podemos ter de volta a sociedade que os escreveu;
quem escreve, registra o que é pertinente documentar, de acordo com o conhecimento que
possui e com a interpretação que tem do mundo e da sociedade que o cerca'.
Outro aspecto a ser considerado é o caráter vestigial das pinturas rupestres,
resultante de intensos processos de intemperismo
12
, associado a outros fatores de ordem
cultural corno, por exemplo, a reutilização do suporte rochoso, durante milénios, por
inúmeros autores pertencentes a diversas etnias
13
, com histórias e experiências
particulares. Desta forma, as pinturas que apresentam a mesma configuração morfológica
experimentam significados diferentes, segundo a visão de mundo de cada grupo étnico.
Tais problemas agem de forma proibitiva ao acesso destes significados.
Todavia, o fenómeno gráfico pintado ou gravado, enquanto parte integrante do
registro arqueológico, para a pré-história, possui, segundo Pessis, duplo valor: 'tem a
materialidade constituída pêlos desenhos que são os primeiros experimentos gráficos da
cultura humana e que fornecem informações sobre como se resolviam os problemas
técnicos para atingir um produto final. Os registros gráficos, também, são suporte da
dimensão imaterial da cultura, constituída pela temática tratada, pelo que as figuras
representam e pêlos múltiplos significados que estes registros tiveram para seus autores ao
longo de um tempo remoto' (2003, p. 55).
Os estudiosos da Semiótica, durante o transcurso da década de 70, na
denominada fase pós-estruturalista
14
, discutiram a necessidade de se reformular o
11
Anne-Marie Pessis é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e Conservação do
Património da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Curadora da Universidade Federal do Vale do
São Francisco - UNIVASF, Diretora Científica da Fundação Museu do Homem Americano
-FUMDHAM.
12
Por intemperismo, entende-se o conjunto de fatores ambientais interatuantes no estado de conservação da
paisagem (solos, rochas, fontes e espelhos d'água, vegetação, etc.). Os principais agentes intempéricos são a
água, o vento e o sol, que agem física e quimicamente na desagregação de estruturas naturais. O principal
processo relacionado ao intemperismo é a erosão dos solos e dos corpos rochosos.
13
Conforme definição de Jean-Loup Amselle, in Ethnies et espaces: pour une anthropologie topologique,
etnia é 'a língua, um espaço, costumes, valores, o nome (tupi, por exemplo), uma mesma descendência e a
consciência que têm os atores sociais de pertencerem ao mesmo grupo'.
14
Diz-se do período, sobretudo no final da década de 70, quando, "os semioticistas pós-estruturalistas
buscaram elaborar uma teoria da linguagem que explicasse ao mesmo tempo sua evolução e seu
funcionamento" (BIZZOCCHI, 2003, p. 49). Esses tentaram superar as limitações saussurianas, pois, a
14
conceito de linguagem, para que esta possa, assim, contemplar todas as formas de
linguagens existentes no universo cultural. Pois, a linguagem tem sido sempre definida
como um sistema de signos, sendo este 'sistema' constituído por um conjunto de regras
para a combinação dos signos. Desta maneira, qualquer fornia de linguagem seria,
necessariamente, composta por um vocabulário e por uma gramática. Assim como os
registros rupestres existem outras formas de linguagem que não são compostas por
vocábulos, portanto, arredias às regras gramaticais e ao antigo conceito de linguagem
formulado a partir dos parâmetros fornecidos pelo vernáculo.
Com base nessas primícias, dá-se início à sistematização de uma teoria geral da
linguagem que procura explicar, ao mesmo tempo, sua evolução (que é a garantia de
que a linguagem continue a ser um instrumento eficiente de comunicação, a despeito
dos constantes processos de mudanças aos quais a sociedade está sujeita) e seu
funcionamento; buscando-se, desta forma, superar as limitações dos estudos linguísticos
saussurianos que, em função de uma metodologia adaptada ao seu campo de pesquisa e
delimitação do tema, fizeram uma redução sensível da importância do sujeito, da
sociedade, da cognição e dos estudos do funcionamento discursivo da língua, a fim de
chegar a um objeto criado pelo ponto de vista sincrônico
15
e formal
16
.
O princípio básico dessa nova teoria geral é considerar a linguagem bem mais
que um simples sistema de signos. Pois, a linguagem viva, além de conter um repertório de
signos e regras combinatórias destes signos, deve também permitir a criação de
novos signos (e, numa velocidade menor, novas regras combinatórias), estabelecendo
assim novas associações entre significantes, podendo introduzir novos significados, até
mesmo metafóricos. Esta nova e estável associação que se estabelece entre um
visão do genebrino Ferdinand sobre língua dava-se a partir de um 'sistema de signo' em um recorte
sincrônico e com base nas unidades abaixo do nível da frase (fonema, morfema e lexema). Apesar de
concebê-la como um fenómeno social, não havia atenção para o uso corrente da língua.
15
Sincrônico (do lat.
synchronu). Diz-se das coisas que ocorrem ao mesmo tempo (MENDES, 1986). Relativo aos fatos
concomitantes ou contemporâneos (FERREIRA, 1988).
Relativo às leis, às regras ou às linguagens próprias de determinado domínio do conhecimento, que se
consideram independentes do conteúdo, da matéria ou da situação concreta a que se aplicam. Implica na
negação da importância dos elementos materiais (FERREIRA, 1986). O final do século XIX foi marcado por
intensas discussões sobre a natureza da ciência e sobre os fundamentos epistemológicos da
investigação científica. Discutia-se, também, a definição do objeto da ciência e o caráter particular ou
universal da mesma. Instaurando, assim, por um lado, uma postura formalista, com a imposição de um a
priori, e por outro, a perspectiva empirista, tribunal da experiência (SIMON BOUQUET, 1997). Neste
contexto inseriram-se as preocupações de Saussere em definir o objeto da linguística; verificando-se a
dicotomia entre langue versus parole. A parole é a visão da língua no plano das realizações individuais de
caráter não-social, de difícil estudo sistemático, por sua dispersão e variação. A langue é a visão da língua
no plano social, convencional, formal e do sistema autónomo. Ferdinand de Saussure fez opção pela
langue.
15
significante e um significado denomina-se 'relação de significação'. Por esse prisma, a
inguagem passou a ser considerada não apenas um sistema de signos, mas um sistema de
significação.
Assim concebida, a linguagem passa a ser composta por um repertório de signos
efetívos, por um conjunto de regras de combinação desses signos e por uma espécie de
'catalisador semiótico'; por meio deles, a linguagem está permanentemente se
adaptando à realidade social que nunca cessa de mudar. É dessa maneira que a
linguagem evolui à medida que funciona e continua a funcionar à medida que evolui.
Nesse contexto, o conceito de linguagem delineado por Bizzocchi é utilizado,
nesta dissertação, como referência para a análise da singular linguagem das 'pinturas
rupestres'. O autor define a linguagem como: 'um conjunto de elementos que mantêm
entre si relações funcionais; pois a linguagem foi concebida para ser percebida pêlos
sentidos e produzir no observador alguma reação racional ou emocional. Assim, todas as
linguagens são, por natureza, combinações de elementos que, numa certa ordem,
produzem mensagens capazes de impressionar a mente humana pêlos sentidos' (2003, p.
52). Tomando como parâmetro esse universo conceituai semiótico, os registros
rupestres tomam-se, por definitivo, uma linguagem.
Quanto ao signo, é definido como um elemento da cultura material, perceptível
pêlos sentidos, ao qual está associado um conteúdo (conceito, ideia, função ou
impressão). O signo, em sua concretude material, torna-se um elemento cuja percepção
provoca uma reação emocional ou intelectual nos indivíduos. Assim, a concepção de
signo assimila os traços básicos dos conceitos saussuriano e peirceano, para se chegar a
um modelo mais abrangente, capaz de englobar todas as formas de linguagens efetivas ou
potencialmente existentes no universo cultural.
Dessa forma, os pressupostos teóricos defendidos por Pessis (2003),
'essasfigurações (pinturas rupestres), realizadas segundo convenções e códigos
específicosdos diferentes grupos, teriam a função cultural de evocar acontecimentos,
reais oumíticos, em torno dos quais a palavra, dita em condições rituais, completaria
amensagem, lembrada tanto em termos descritivos quanto interpretativos. Assim, os
registros gráficos cumpriram uma função social, contribuindo para registrar os
conteúdos da memória grupai, tornando-se um sistema de comunicação social essencial à
sobrevivência' e por Bizzocchi (2003) que redefine o conceito de linguagem,
forneceram os elementos necessários para o estudo das pinturas rupestres do Vale do
Catimbau.
16
1. 2 - A inserção do estudo do Vale do Catimbau no contexto das pesquisas
arqueológicas do Nordeste brasileiro
1.2. l - As pesquisas no Nordeste brasileiro
Ao longo das últimas três décadas, a área arqueológica
17
Serra da Capivara,
sudeste do Estado do Piauí, tem sido objeto de pesquisas sistemáticas, baseadas em
prospecções intensivas, estudos geológicos e paleoclimáticos, com o propósito de se
obter um quadro regional do paleoambiente e do homem pré-histórico que nele
habitava. Tais estudos, realizados em sincronia com o desenvolvimento das escavações
dos sítios arqueológicos concentrados em áreas previamente determinadas nos planos de
pesquisa da Fundação do Museu do Homem Americano (FUMDHAM), sediada no
município de São Raimundo Nonato, possibilitaram acumular conhecimentos científicos
suficientes para a construção de um quadro teórico e metodológico, a partir das últimas
três décadas até a presente data, vem servindo como referência regional e parâmetro
para a realização de estudos arqueológicos em todo o semi-árido do Nordeste brasileiro.
O projeto de pesquisa, intitulado 'O povoamento do sudeste do Piauí: a interação
homem-meio, da pré-história aos dias atuais' foi delineado por Guidon e Pessis, da
FUMDHAM, inicialmente para ser executado no PARNA Serra da Capivara.
Posteriormente, passou a abranger as áreas circunvizinhas. Em todas as etapas de
desenvolvimento o projeto contou com a participação de uma equipe multidisciplinar,
pertencente aos quadros de diversas instituições de pesquisa nacionais e internacionais .
Tais especialistas, de diversas áreas do conhecimento científico, desde então vêm
interagindo para alcançar os objetivos previstos no macro-projeto.
17
Entende-se por área arqueológica, conforme Martin, 'uma categoria de entrada para o início e
continuidade sistemática de uma pesquisa, deve ter limites flexíveis dentro de uma unidade ecológica que
participe das mesmas características geo-ambientais. Com o andamento das pesquisas e o estudo
sistemático dos sítios arqueológicos, podem se obter crono-estratigrafias factíveis de determinarem
ocupações humanas espaço-temporais, demonstrativas da permanência humana em toda ou parte dessa
área. Podemos também chegar a conhecer os processos de adaptação humana e o aproveitamento dos
recursos' (MARTIN, 2003, p. 13).
18
A missão arqueológica franco-brasileira, dirigida por Niède Guidon, da L'Ecole de Hautes Études en
Sciences Sociales, a partir de 1970, desenyolveu projetos de pesquisas continuadas no sudeste do Piauí,
com o apoio financeiro de diversas instituições francesas e equipe interdisciplinar financiada pelo
Governo Francês. Com a criação da FUMDHAM, foi celebrado convénio com diversas universidades e
instituições de pesquisa como, por exemplo, CNPQ, Université de Lyon, UFPE, UNICAMP, UNESP,
USP, UFPI, FIOCRUZ, etc.
17
De acordo com Martin
19
(1999), 'desde o seu início, em 1970, o projeto contou
com um expressivo número de colaboradores nacionais e estrangeiros, de forma que foi
possível a manutenção de equipes permanentes para as diversas atividades nele
integradas: pré-história, etno-história, antropologia, geografia, paleontologia, zoologia,
botânica e educação'.
Desde o início do projeto foram incluídos os registros rupestres corno uma
variável do contexto arqueológico, buscando-se sempre a relação entre os registros
gráficos e os demais registros arqueológicos (lítico e cerâmico), para responder às
indagações: quando, por quem e sob que contexto cultural as pinturas foram realizadas.
Tratar as pinturas rupestres como um registro arqueológico de igual valor aos
testemunhos cerâmico e lítico tem sido a tónica dos estudos realizados pêlos
pesquisadores da FUMDHAM e do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da
UFPE.
Com base neste princípio, foram conduzidas as escavações, tanto na Serra da
Capivara como na área arqueológica do Seridó, prevalentemente realizadas em abrigos
sob rocha que apresentavam pacotes sedimentares profundos, permitindo o
estabelecimento de sequências crono-estratigráficas
20
suficientemente longas que
possibilitaram a contextualização das pinturas rupestres em balizas crono-culturais.
A contextualização das pinturas rupestres do sudeste piauiense foi em parte
favorecida pela alta concentração local de sítios com registros gráficos (700 sítios
cadastrados, dos quais 590 apresentam pinturas rupestres) (GUIDON, 2004, p. 133),
mas, fundamentalmente, pelo conjunto de procedimentos metodológicos aplicados na
região, denominado arqueologia de área que, segundo Martin (1999), compreende o
estudo intensivo da totalidade de sítios circunscritos em um determinado espaço
geográfico.
O estudo sincronizado dos registros gráficos e das camadas sedimentares,
buscando-se sempre dados relacionais entre os refugos arqueológicos e os registros
gráficos, como forma, por excelência, de se identificar os estágios crono-culturais
19
Gabriela Martin é Presidente da Fundação Seridó, membro da Comissão Científica da FUMDHAM e
membro do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da UFPE.
20
Por crono-estratigrafia entende-se 'uma sequência cronológica, absolutamente datada ou não,
assinalada em estratigrafla arqueológica. Fragmentos de parede pintados ou gravados e restos de ocre
situados na estratigrafla, em níveis de ocupação, com estruturas datáveis, podem servir como indicativos
cronológicos para os registros rupestres de um sítio' (PESSIS, 1992).
18
possibilitaram situar temporalmente, de forma indireta
21
, os painéis de pinturas
rupestres que se encontravam encobertos por camadas sedimentares. Estes painéis, que
vieram à luz durante o curso das escavações, do ponto de vista cronológico são
verdadeiras cápsulas do tempo, vedados no momento da deposição sedimentar.
Conforme Pessis (2003, p. 96), 'possibilita a datação da camada de sedimento e,
conseqüentemente, dos vestígios da cultura material que nela se encontravam, a qual
corresponde à idade mínima das pinturas, sem, portanto, inferir com exatidão, a data de
realização das pinturas'. Este tipo de datação, no conjunto dos procedimentos para situar
temporalmente os registros gráficos, quando é possível realizá-lo, torna-se uma
referência cronológica para a região, permitindo relacionar às pinturas análogas.
Com menor frequência que o método descrito anteriormente, os painéis de
pinturas que se encontram posicionados acima do solo podem, também, ser temporalmente
posicionados.
Durante as escavações podem ser encontrados, nas camadas sedimentares,
fragmentos do suporte parietal com vestígios de pinturas ou serem resgatadas sobras de
pigmentos ou ocre com marcas de uso, associados a restos de combustão, provenientes de
fogueiras estruturadas; em ambos os casos, os fragmentos resgatados permitem que se
proceda às datações radiocarbônicas
22
dos estratos deposicionais, obtendo-se, assim, as
datações indiretas para estes painéis.
21
Datações Indiretas. De acordo com Martin (2003, p. 14), 'é sabido a dificuldade de se relacionar a arte
rupestre com o registro arqueológico. Mesmo em sítios rupestres escavados extensivamente, somente um
golpe de sorte nos proporciona evidências arqueológicas do registro pictural, quando restos de pinturas ou
gravuras sobre fragmentos desprendidos de rocha depositam-se no sedimento e foi possível relacioná-lo
com o material arqueológico e ser datado por cronologias relativas ou indiretas'.
22
Datação radiocarbônica. Na natureza, o carbono ocorre em três formas isotópicas: C
12
(com 6 prótons e 6
nêutrons no núcleo do átomo); C
13
(com 6 prótons e 7 nêutrons no núcleo do átomo) e C
14
(com 6 prótons
e 8 nêutrons no núcleo do átomo). Em qualquer amostra de carvão 98,9% dos átomos são do tipo C
12
e 1,1%
são do tipo C
13
. Somente um em milhão de átomos de carbono é do tipo C
14
. Estes átomos de carbono são
produzidos na alta atmosfera, pelo bombardeio de átomos de nitrogénio pêlos raios cósmicos, e o excesso de
nêutrons que possuem no núcleo os tornam instáveis. Eles perdem sua radioatividade, voltando ao estado
de nitrogénio e este processo se dá segundo uma taxa constante, independentemente do ambiente. O
tempo durante o qual a metade dos átomos de um isótopo radioativo perde sua radioatividade
chama-se meia-vida e, no caso do C
14
, a meia-vida é de 5.730 anos. As plantas, através do dióxido de
carbono, absorvido durante o processo da fotossíntese, adquirem o C
14
e os animais, que se nutrem de
vegetais ou de animais herbívoros, o absorvem por sua vez. Esse processo é contínuo e produz efeito inverso
ao da meia-vida: ao mesmo tempo em que alguns átomos perdem a radioatividade, entram no corpo átomos
com radioatividade. Quando ocorre a morte, cessa a aquisição de novos átomos de C
14
e o processo de perda
de radioatividade produz seus efeitos. Assim sendo, medindo a radioatividade que resta em um carvão
vegetal, em um osso ou em qualquer vestígio proveniente de ser vivo, pode-se conhecer a data de sua
morte. O método tem seus limites: quando a radioatividade que resta é muito baixa, o que acontece
depeís de 50.000 anos da morte do ser que originou a amostra, não mais é possível medi-la (GUIDON e
PESSIS, 1989, p. 49).
19
Dessa forma, foram posicionadas em uma baliza temporal, na década de 80, duas
classes de pinturas rupestres pré-históricas no Parque Nacional Serra da Capivara,
designadas Tradição Nordeste
23
e Tradição Agreste
24
. As citadas macro-categorias de
pinturas já haviam sido identificadas no interior do Parque Nacional na década anterior.
As tradições
25
, enquanto macro-categorias de análise, fixadas para se dar início à
sistematização do estudo dos registros rupestres, conforme Pessis (2003, p. 82-83),
foram definidas a partir da identificação de tipos de figura, procurando-se, então,
segregar conjuntos destas figuras, segundo suas características gerais e morfológicas; a
princípio, não se pretendia associar a estas classes iniciais nenhum ordenamento étnico,
apenas designar grandes troncos culturais a partir dos quais teriam derivado grupos
étnicos.
Uma dessas classes de pintura aparece como dominante na Serra da Capivara: a
Tradição Nordeste. Para essa classe de pintura, de acordo com os dados arqueológicos
reunidos, foi possível estabelecer uma cronologia significativa. Essa prática gráfica foi
iniciada em torno de 12.000 anos antes do presente (AP) e desapareceu por volta de
6.000 anos AP, o que a situa como a mais antiga e duradoura tradição de pintura
rupestre do Nordeste brasileiro.
A Tradição Nordeste evoluiu localmente, durante seis milénios, segundo uma
dinâmica própria. Em torno de 9.000 anos AP surgem, então, evidências da migração
23
Tradição Nordeste: definida no sudeste de Piauí a partir das pesquisas iniciadas pela Missão
Arqueológica Franco-brasileira. Esta classe de pinturas, segundo Pessis, 'é composta por um grande
número de figuras reconhecíveis, sendo frequente as representações humanas (antropomorfos) e de
animais (zoomorfos); a frequência em que aparecem as figuras humanas e de animais é em geral
equilibrada, sofrendo alterações locais. Existem também representações de plantas (fitomorfos),
ornamentos, armas e outros objetos, mas são minoritários no conjunto. As figuras são dinâmicas em sua
maioria, representando ações, através de posturas e gestos, indicando uma das fases do movimento ou da
ação, com grande variedade de temas representados, dentre os quais figuram a luta, a caça, a dança e o
sexo' (2003, p. 83-84).
24
Tradição Agreste: localizada inicialmente na região do Agreste pernambucano e áreas contíguas
meridionais paraibanas. 'Desta tradição fazem parte pinturas de dimensões geralmente maiores do que as
figuras da Tradição Nordeste e representam figuras reconhecíveis e isoladas. Dominam as figuras
humanas, sendo raros os animais. Não têm sido encontradas representações de objetos nem figuras
fitomorfas. As pinturas raramente representam cenas narrativas; excepcionalmente retratam caçadas. No
plano técnico, as pinturas são neglicenciadas, optando pela procura de efeitos óticos através de grandes
superfícies pintadas e preenchidas sem utilizar procedimentos cuidadosos de acabamento, chamando de
imediato a atenção pelas dimensões da mancha pictural. Existe uma escolha clara de não representar o
movimento e, assim, todas as figuras são manifestamente estáticas. Os grafísmos não-reconhecíveis que
aparecem, coexistindo com as figuras da Tradição AgreSte7"são numerosos e apresentam grande variedade
morfológica' (PESSIS, 2003, p. 86).
25
O termo tradição rupestre, sinónimo antropológico e arqueológico de horizonte cultural, foi cunhado para
designar a classe taxonômica mais geral para classificação dos registros rupestres nordestinos.
Conforme Pessis (1992), 'a classe inicial conhecida como tradição ordena os registros rupestres por
grupos que representam identidades culturais de caráter mais geral'.
20
parcial desses grupos autores, impelidos pelas mudanças climáticas e ambientais
ocorridas no Holoceno
26
, em direção a outras áreas do Nordeste.
A outra classe de pintura presente na Serra da Capivara, a Tradição Agreste, que
antes aparecia apenas de forma discreta e intrusiva, passa a ser a única expressão gráfica na
região após o desaparecimento da Tradição Nordeste. A Tradição Agreste domina o
cenário local entre 6.000 anos AP e 2.000 anos AP, quando, também, torna-se extinta
naquela área.
A partir da identificação de outras áreas arqueológicas com pinturas, cujas
autorias são atribuídas aos grupos originários do sudeste do Piauí, vinculado ao critério de
posicionamento geográfico foram, então, estabelecidas as subtradições
27
: a subíradição
Várzea Grande
28
, correspondente ao conjunto gráfico localizado no PARNA Serra da
Capivara e a Subíradição Seridó
9
, equivalente ao acervo de pinturas do Seridó - RN / PB.
No estágio atual do conhecimento, apenas a rota migratória em direção às
planícies do vale do São Francisco pôde ser demonstrada, conforme os estudos de
Guidon (1998), Martin (1999), Schmitz (1996) e Silva (2000). Segundo Martin (1999),
três áreas de expansão desse horizonte gráfico podem ser admitidas: a) o vale do São
Francisco; b) a Chapada Diamantina e a área do Projeto Central, na depressão
sanfranciscana, Estado da Bahia; c) a região do Seridó, de onde posteriormente se
expandiu em direção ao Estado da Paraíba.
26
Holoceno: período geológico atual, iniciado aproximadamente a partir de 11.700 anos AP, por ocasião do
final da última glaciação (Ab'SABER, 1991).
27
Subtradições. 'Considera-se uma subtradição um grupo desvinculado de uma tradição e estabelecido
noutra área geográfica em condições ecológicas diferentes, que implica a presença de elementos gráficos
novos" (MARTIN, 2003, p. 14). 'As subtradições ordenam as tradições pelo posicionamento geográfico e
pêlos elementos típicos da região, utilizando os critérios temático, técnico e de apresentação gráfica'
(PESSIS, 1992).
28
A subtradição Várzea Grande corresponde à manifestação regional da Tradição Nordeste no sudeste do
Piauí, abrange uma área de aproximadamente 40.000 km
2
, compreendendo parte dos municípios de São
Raimundo Nonato, São João do Piauí, Canto do Buriti, Anísio de Abreu e Caracol. A área arqueológica
correspondente a esta subtradição situa-se na fronteira geológica de duas formações: a Bacia Sedimentar
Piauí-Maranhão e a Depressão Sedimentar do São Francisco (FUMDHAM, 1998).
29
A subtradição Seridó corresponde à manifestação regional da Tradição Nordeste na microrregião
sertaneja do Seridó, abrange parte de vinte municípios do Estado do Rio Grande do Norte, além de Picuí e
Pedra Lavrada, na Paraíba (MARTIN, 1999, p. 109). A área arqueológica correspondente a esta
subtradição situa-se na fronteira geológica de duas formaçõesí a Depressão Sertaneja e o Planalto da
Borborema. Nesta subtradição, as representações humanas são mais frequentes que as outras figuras,
diferente da subtradição Várzea Grande, onde existe um certo equilíbrio numérico em que aparecem as
figuras humanas e de animais.
21
Conforme Pessis (2003, p. 106), 'a dispersão da Tradição Nordeste foi muito
importante em todo o Nordeste do Brasil. Na maior parte dos estados dessa região,
foram descobertos sítios com pinturas rupestres pertencentes a esta classe de pinturas,
mas com especificidades próprias de cada região. Existem concentrações de sítios que
apresentam suas próprias características, permitindo identificar verdadeiras subtradições da
Tradição Nordeste. É o caso da subtradição Seridó, localizada na região fronteiriça dos
estados do Rio Grande do Norte (Seridó Potiguar) e da Paraíba (Seridó Paraibana). As
representações gráficas dos sítios dessa subtradição têm uma temática ligada aos
ecossistemas nos quais viviam as populações que as desenharam. Existem sítios nos
quais as figuras da subtradição Seridó apresentam traços específicos das pinturas da
Tradição Nordeste, do período em que se iniciou o movimento migratório em direção à
bacia do rio São Francisco. Essas pinturas da subtradição Seridó evoluíram de forma
diferente, própria de adaptações ao novo habitat'.
As pesquisas na região do Seridó tiveram início no ano de 1980, de princípio,
foram realizadas prospecções buscando-se verificar a vinculação das pinturas ali
existentes à Tradição Nordeste, 1200 Km distante do seu local de origem. Na medida em
que os estudos avançavam em amplas áreas, tanto no Rio Grande do Norte como na
Paraíba, tornava-se mais clara a vinculação entre a subtradição Várzea Grande,
sobremaneira, o estilo inicial Serra da Capivara
30
e os grafïsmos produzidos no
momento da chegada dos migrantes na região potiguar. Em seus primórdios, essa
cultura gráfica na região do Seridó foi denominada Estilo Serra da Capivara II
31
.
Todavia, faltava apenas identificar os vestígios arqueológicos deixados ao longo do
percurso trilhado pêlos grupos emigrantes. Em outras palavras, faltavam os testemunhos
30
Os estilos, de acordo com Pessis, 'são particularidades que se manifestam no plano da técnica de
manufatura e da apresentação gráfica. Não têm significado maior se não estão inseridos num contexto
arqueológico, portanto, posicionados cronologicamente' (1992, p. 53). 'A sucessão de estilos não
representa unidades estilísticas perfeitamente distintas e segregáveis, mas reflete uma evolução lenta e
contínua que, durante cerca de 6.000 anos, introduziu micromodifïcações no estilo básico Serra da
Capivara. Isto levou a um desenvolvimento contínuo da subtradição Várzea Grande, sendo o Complexo
Serra Talhada resultado desse processo evolutivo que acumulou microdiferenças, as quais redundaram no
estilo final, Serra Branca' (PESSIS, 1998, p. 63-64). O maior caracterizador do estilo Serra da Capivara é a
maneira vital e dinâmica com que foram realizadas as figuras e as cenas representadas. Eclodem o
movimento e o ludismo (PESSIS, 2003, p. 113).
Estilo Serra da Capivara II. Partindo do conceito de subtradição, considera-se como pertencentes a esse
estilo as primeiras manifestações gráficas pintadas surgidas na região do Seridó. Conforme Martin,
'levantamos a hipótese de uma primeira leva migratória quando as pinturas apresentam características
muito semelhantes ao estilo Serra da Capivara do Parque Nacional, no Piauí. Estabelecemos, assim, o
estilo Serra da Capivara II, para o momento inicial das pinturas da subtradição Seridó' (MARTIN, 2003, p.
16-17).
22
arqueológicos produzidos no transcurso do deslocamento, dados concretos
que interligassem as duas áreas.
Então, dá-se início às buscas dessas evidências arqueológicas para responder às
perguntas: como ocorreu e quais caminhos foram utilizados para se atingir o vale do
Seridó. Em função dessas inquietações foi criada uma linha de pesquisa específica, "A
dispersão da Tradição Nordeste: da Serra da Capivara (PI) ao vale do Seridó
(RN/PB)", sob a coordenação de Pessis.
1. 2. 2 - O estudo no Vale do Catimbau
Considera-se que a prática gráfica da Tradição Nordeste teria se originado na
região do Parque Nacional Serra da Capivara (PI), sendo introduzida, posteriormente, no
vale do Seridó (RN/PB); vinculado à linha de pesquisa que investiga 'os movimentos
migratórios dos povos de Tradição Nordeste' são iniciadas as prospecções
arqueológicas em busca dos vestígios picturais deixados nas possíveis rotas entre as
regiões que concentram manifestações dessa tradição. Resultantes das intensivas
prospecções começaram os espaços físicos, antes vazios, a ser preenchidos com dados
obtidos nas buscas em áreas cada vez mais extensas.
Sistemáticas prospecções têm se realizado na margem direita do médio São
Francisco, tomando como epicentro a área arqueológica de Sobradinho (BA). Na
margem esquerda, atualmente, contínuas buscas têm se realizado na região da Chapada do
Araripe, sobretudo nos municípios de Simões e Francisco Macedo (PI), Araripina,
Ouricuri, Santa Filomena, Exu, e Moreilândia (PE). Até o presente momento, nos
municípios que integram essa chapada, foram identificadas, unicamente, pinturas
análogas às descritas na Tradição Agreste.
Em Pernambuco, os vestígios da Tradição Nordeste concentram-se nos
municípios de Buíque e Afogados da Ingazeira. Recentemente, durante a realização
deste estudo, foram descobertos painéis de pinturas na Serra do Toa, município de
Ibimirim. Assim, no estágio atual do conhecimento arqueológico, pode-se inferir que
todos os vestígios da Tradição Nordeste, até então identificados neste Estado,
encontram-se dispostos ao longo do vale do rio Moxotó e seus afluentes, sobremaneira,
nos contrafortes das serras que os margeiam.
23
É neste contexto, atrelado à linha de pesquisa que investiga os processos de
migrações pré-históricas no Nordeste brasileiro, que se insere a realização dos estudos
das pinturas rupestres do Vale do Catimbau.
Do ponto de vista da dispersão espacial da Tradição Nordeste, o Vale do
Catimbau é duplamente importante para a composição parcial do quadro das migrações
pré-históricas nordestinas. No plano macro, permite visualizar a região como área de
passagem ou ponto de passo
32
, aceitando-se então, como factível, o deslocamento de
grupos humanos da calha do São Francisco para o Seridó, utilizando o vale do rio
Moxotó como via de acesso. Nop/awo micro, possibilita a identificação das 'fronteiras
gráficas de passagem', resultantes do fluxo de grupos culturalmente distintos para a
região, possivelmente atraídos pelas favoráveis condições climáticas serranas. Os
diferentes grupos ali instalados, racionalmente, demarcaram áreas de domínios étnicos
que apresentam as características de 'fronteiras gráficas'.
O fenómeno fronteiras gráficas pressupõe a co-existência de culturas distintas e
implica no desenvolvimento sincrônico de práticas gráficas em áreas específicas no
interior de uma mesma região. Portanto, a contextualização dos registros gráfico, lítico e
cerâmico torna-se pré-requisito para a demonstração desse fenómeno. Porém, a região
estudada não dispõe de dados contextuais suficientes para apoiar a demonstração desse
fenómeno. Por essa razão, estudamos os registros gráficos regionais de forma
atemporal, sem referências cronológicas. Assim, iniciamos os estudos das fronteiras
gráficas, apenas como uma categoria de entrada, mas obtivemos, como produto final,
categoria de saída, as 'fronteiras gráficas de passagem'.
Os estudos das variáveis geo-ambientais (altimetria, geomorfologia, clima, solo e
vegetação), desenvolvidos em consonância com as análises da distribuição espacial dos
sítios atribuídos às Tradições Nordeste e Agreste, os seus resultados apoiam os
argumentos explicitados anteriormente. Em tais estudos, buscou-se o entendimento da
complexa relação: o homem, o meio ambiente e a hipotética co-habitação de culturas
dispares, em meio a um ecossistema serrano que, ao nosso ver, favoreceu a confluência
étnica local, conforme as seguintes proposições:
32
Entende-se por área de passagem uma zona de trânsito entre áreas arqueológicas, utilizada por grupos
humanos que se deslocam de um ponto a outro, em períodos ainda não conhecidos. A identificação de
sítios pertencentes à Tradição Nordeste ao longo dos vales dos rios Moxotó, Piancó e Açu-Piranhas que
interligam o rio São Francisco e a região do Seridó, leva-nos a situá-los como um hipotético ponto de
passo.
24
a) Posição geográfica - o Vale do Catimbau encontra-se entreposto a
duas importantes áreas arqueológicas pertencentes à Tradição Nordeste:
a Serra da Capivara (PI) e o Seridó (RN/PB). Outro aspecto relevante do
posicionamento geográfico da região estudada, do ponto de vista da
dispersão espacial da tradição, é sua interposição entre a calha
sanfranciscana e a região do Seridó. Conforme alguns estudos
(GUIDON, 1998; MARTIN, 1999; SCHMITZ, 1994; SILVA, 2000)
estabeleceram datações precisas que demonstram a ocupação humana
das planícies e terraços fluviais do médio São Francisco em torno de
10.000 anos AP. De acordo com Martin (1999), 'o rio, como imã,
atraiu para suas margens, diferentes grupos humanos pré-históricos,
notoriamente, durante os períodos das severas estiagens, servindo,
também, de caminho natural para a dispersão dos mesmos'. Conforme
essa pesquisadora, a hipótese de que a calha do São Francisco serviu de
rota dispersora de culturas, desde o início do Holoceno (ver nota n° 26)
parte do pressuposto de que os homens pré-históricos, nos momentos
de secas prolongadas, optaram por caminhar junto aos veios d'água ou
mesmo nos vales destes que, certamente, exibiam níveis mais
elevados de umidade e temperaturas amenas. As planícies
sanfranciscanas e a área arqueológica do Seridó estão culturalmente
interligadas pêlos vales dos rios Moxotó, Piancó e Açu-Piranhas,
mesmo que esses vales se encontrem separados geografícamente pela
Serra dos Cariris Velhos que divide águas entre as bacias hidrográficas
pernambucanas e paraibanas. Sob a influência da bacia hidrográfica do
Moxotó, na porção meridional da serra, no lado pernambucano, há
vestígios da Tradição Nordeste nos municípios de Buíque, Ibimirim e
Afogados da Ingazeira. Na porção setentrional, no território paraibano,
onde a transposição da cadeia montanhosa não se torna um grande
obstáculo, devido às brandas altitudes, há também registros dessa
tradição, ao longo dos vales dos rios Piancó e Açu-Piranhas, do qual o
Seridó é tributário (mapa n° 4). Os caminhos percorridos por esses
grupos, portadores de uma cultura gráfica específica, 1.200 Km
distante do local de sua origem, até chegarem na região do Seridó são,
por enquanto, incertos. Porém, a existência de vestígios em ambos os
25
lados da serra sugere-nos a formalização de uma primeira hipótese de
trabalho: os vales dos rios Moxotó, Piancó e Açu-Piranhas serviram de
caminho natural, rota de deslocamento desses grupos, entre o rio São
Francisco e a região do Seridó. Tal proposição apóia-se em duas
hipóteses anteriormente estabelecidas: a primeira, formulada por
Pessis e Guidon (2003), segundo a qual 'as migrações ocorridas na
região que atualmente corresponde ao Parque Nacional Serra da
Capivara, em direção às planícies do São Francisco, têm início a partir
9.000 mil anos AP'. Os estudos realizados por Martin, na década de
80, no curso do médio São Francisco, confirmam esta proposição; a
segunda, em fase de reunião de provas mais definitivas, formulada por
Martin (2003), indica o vale do Açu-Piranhas como via de acesso à
região do Seridó. Conforme a autora, 'no vale do alto Açu-Piranhas, do
qual o Seridó é tributário, foram assinalados grafismos de ação
emblemáticos da subtradição Seridó, fato que nos leva a situar uma
possível rota nessa região'.
O caráter efémero ou residual das pinturas dispostas no vale do rio Moxotó, no
qual o Vale do Catimbau (Buíque), a Serra do Toa (Ibimirim) e a Serra do Giz
(Afogados da Ingazeira) estão inseridos, reforçam os argumentos que apontam a
utilização desse vale como 'ponto de passo' (ver nota 32).
Entendemos por caráter efémero ou residual uma área com poucos indícios
arqueológicos; a existência de reduzido número de testemunhos arqueológicos uma
determinada região pode indicar que o local foi utilizado como acampamento
temporário, que os grupos estavam apenas de passagem. Assim, o reduzido número de
sítios atribuíveis à Tradição Nordeste no Vale do Moxotó apoiam os argumentos de que o
local foi utilizado como ponto de passo.
b) Geo-ambiental - o Vale do Catimbau está situado em uma região
serrana ou de brejo , com um micro-clima diferenciado, mais
úniido e mais frio que o verificado no pediplano, incrustado no
domínio morfoclimático da caatinga, com ambientes naturais cujas
33
Entende-se por 'brejo', qualquer setor úmido existente no domínio do semi-árido (Ab'SABER, 1991).
26
características são de um átimo ecológico
34
. Esses ambientes
geo-ecológicos de brejo são dotados de fragmentos de florestas
serranas
35
e potencial hídrico, capazes de assegurar recursos
alimentares a grupos humanos neles refugiados, sobremaneira,
durante o período denominado ótímo climático
36
. O conjunto
desses condicionantes geo-ambientais favoreceu a confluência
étnica para a região, contribuindo, assim, para a formação da
diversidade cultural na área, se expressa no acervo gráfico local.
Os estudos de campo que originaram esta dissertação foram iniciados pelo
exame das pinturas rupestres regionais, realizados, desde sua fase inicial, conforme os
enunciados da semiótica e dos princípios metodológicos propostos por Pessis
37
para a
análise do fenómeno gráfico. Com base nestes dispositivos teórico-metodológicos
buscamos, na primeira etapa de trabalho, selecionar os sítios para estudo. De início,
34
Ótimo Ecológico. Termo usado por Silva (1991), para designar as favoráveis condições climáticas dos
brejos de altitudes que, por milénios, foram ponto de confluência humana.
35
Florestas serranas são fragmentos da mata atlântica isolados sobre os brejos de altitude. De acordo com
Sales, as florestas serranas são encontradas sobre blocos residuais ou cristalinos, que foram modelados a
partir de sucessivos aplainamentos que se iniciaram na Era Cenozóica. Algumas florestas também podem ser
registradas sobre formações rochosas sedimentares, densamente desgastadas no período de transição do
Cretáceo ou Terciário para o período subsequente. Conforme a autora, as florestas serranas parecem ser o
resultado de um longo período de perda de diversidade, devido ao intenso processo de fragmentação e do seu
isolamento de outros corpos florestais maiores, como a floresta amazônica e a mata atlântica. Esses nichos
florestados não cobrem áreas contínuas dentro do semi-árido, uma .vez que estão restritos aos topos e
encostas de complexos de serras que apresentam condições ambientais especiais; nem se mostram
contínuos nas suas próprias áreas de ocorrência. Apresentam-se bastante fragmentários, equilibrados
apenas na linha ténue do ecossistema (SALES, 2002).
36
Ótimo Climático. Conforme Ab'Saber (1991), o processo de aquecimento global iniciado mais ou
menos há 11 mil anos AP, teve uma intensificação desse quadro entre 6 e 5 mil anos AP, no período
denominado Ótimo Climático. 'O máximo da transgressão marinha, deu-se no Ótimo Climático entre seis e
cinco mil anos AP (BIGARELLA, 1971, p. 157) o nível do mar atinge uma posição entre 4 a 3 metros
acima do nível atual e durante o período regressivo que sucedeu ao Ótimo Climático, um nível do mar
ligeiramente mais baixo que o atual foi datado em 4.130 anos AP; e há 3.800 anos AP ocorre mais uma fase
transgressiva, em que o mar chega a 1,5 m mais alto que o seu nível atual' (AMADOR, 1992).
Pessis propõe três categorias analíticas para se estudar o fenómeno gráfico: a dimensão técnica,
prende-se ao exame das técnicas da execução gráfica, 'trata dos aspectos relativos ao processo de
realização das pinturas que constituem o suporte, as matérias-primas, os instrumentos e os procedimentos de
realização'; a dimensão temática, analisa o tema representado, "escolhas feitas pêlos autores dos
grafísmos rupestres sobre a morfologia e os padrões gráficos suscetíveis, de serem reconhecidos; e a
dimensão apresentação gráfica, examina a escolha do tema e como ele é representado (1992, p. 47). De
acordo com a pesquisadora (2003), a apresentação gráfica é uma manifestação do sistema de apresentação
social ao qual o autor pertence. Aceitando-se que cada grupo cultural e cada segmento da sociedade tem
procedimentos próprios para se apresentar à observação de outrem; tais procedimentos estão presentes nas
representações de um grupo cultural. A análise da obra gráfica do homem pré-histórico, procurando
identificar os padrões da apresentação das pinturas rupestres, constitui um modo para entender sua
cultura.
27
foram escolhidos aqueles que reuniam as condições mínimas necessárias ao exame do
fenómeno gráfico em suas dimensões: a material, a temática e a apresentação gráfica.
Num momento posterior, com os sítios já pré-selecionados, foi então adotado um
segundo critério seletivo: os sítios teriam que conter, pelo menos, um elemento gráfico
comum entre si, que pudesse servir como unidade de análise.
Por unidade de análise, entendemos o elemento gráfico particular escolhido
para exame minucioso, ponto focal da análise gráfica. Neste caso específico, a unidade de
análise teria, necessariamente, que cumprir ambivalentes funções: conferir grau de
confiabilidade à análise do conjunto gráfico e servir como elemento facilitador da
classificação taxonômica das figuras dentro das classes de pinturas já definidas para o
nordeste brasileiro.
A partir dos critérios definidos nos parágrafos anteriores, foram então
selecionados os sítios Alcobaça, Dedos de Deus, Pedra da Concha e Homem Sem
Cabeça, por constarem, entre suas pinturas parietais, 'representações humanas',
atendendo assim os pré-requisitos de uma unidade de análise e considerando que os
estudos da morfologia e da apresentação gráfica dessas figuras reduzem o grau de
ambiguidade na segregação das mesmas em tradições.
A evocada facilidade taxonômica prende-se ao campo operacional,
sobremaneira, por dispormos dos estudos realizados por Pessis na Serra da Capivara,
que abordam essa temática. De acordo com a autora, levando em consideração os
componentes básicos da apresentação gráfica (traços essenciais e secundários da
identidade humana, atributos físicos e culturais, postura e gestos), as diferenças entre as
classes de pinturas são significativas e marcadas pela oposição: o dinamismo e acuidade
técnica caracterizam os antropomorfos da Tradição Nordeste; a estaticidade, o impacto
ótico de suas formas "grotescas" e a técnica de realização descuidada, caracterizam as
representações humanas da Tradição Agreste.
Contudo, a análise gráfica não se restringiu às representações humanas, foi
realizada de forma extensiva em todo o corpus gráfico. Em outras palavras, para efeito da
análise gráfica foi considerado o conjunto de pinturas de cada sítio.
Na etapa seguinte do trabalho, consideramos os sítios selecionados como
pertencentes à mesma unidade geológica (Formação Tacaratu) e ambiental (clima
serrano, provavelmente importante condicionante da convergência étnica para o local).
Nesse contexto, buscamos verificar a complexa relação: sítio pertencente a determinada
28
classe de pintura versus distribuição espacial nos habitais. Desta maneira, os estudos
geoambientais foram acatados como uma categoria auxiliar na demonstração das
fronteiras gráficas de passagem. Ao nosso ver, a escolha do local para assentamento dos
sítios obedece a critérios culturais (ecológicos) que garantam a sobrevivência dos
grupos. Assim, a altimetria e a proximidade dos corpos d'água e jazidas minerais foram
tomadas como condicionantes da escolha dos locais de ocupação.
Dessa forma, os testemunhos arqueológicos foram analisados segundo a ordem
sequencial: o sítio* através do exame das condições físicas intra-sítio, topografia das
paredes e solo, abertura, orientação, drenagem, possibilidades de habitação de longa ou
curta duração, luminosidade, incidência do sol, da chuva e dos ventos; os registros
rupestres, a partir dos estudos das dimensões técnica, temática e apresentação gráfica
(ver nota n° 37); o entorno, através do exame das condições físicas extra-sítio, relevo,
curva de nível, altimetria, proximidade dos corpos d'água e jazidas de ocre, cobertura
vegetal e solo.
Concomitante à etapa descrita foram realizados os estudos da distribuição
espacial dos sítios, buscando-se identificar as regularidades na escolha do local de
ocupação com vestígios gráficos das diferentes tradições. Assim, foram atentamente
observadas: a distância inter sítios, a posição no relevo (alta, média ou baixa vertente) e a
morfologia dos vales (aberto ou fechado) em que os sítios estão inseridos.
O conjunto de procedimentos analíticos aplicados na região revelou a
existência de distintas áreas gráficas: uma, com prevalência de pinturas da Tradição
Nordeste; a outra, exclusivamente com pinturas da Tradição Agreste. Foi observado que a
Serra do Coqueiro, com pontos altimétricos pouco acima de 1000 metros, serviu de
fronteira cultural: na porção leste da serra, sob a influência da bacia hidrográfica do
Ipanema, situaram-se os grupos gráficos da Tradição Agreste; a oeste da serra, sob a
influência da bacia hidrográfica do rio Moxotó, posicionaram-se os grupos gráficos da
Tradição Nordeste.
Desta maneira, a Serra do Coqueiro assume ambivalentes funções: do ponto de
vista hidrográfico, divide águas entre duas bacias; do ponto de vista
arqueo-antropológico, torna-se fronteira cultural. Mas, a própria serra que entremeia as
áreas de domínios étnicos constitui uma zona neutra, livre de qualquer indício de pintura.
Contudo, esses grupos gráficos podem ter se instalado na região em período
paralelo, partilhando o mesmo ambiente serrano, numa relação sincrônica ou mesmo em
momentos sucessivos, com intervalo de tempo entre si, numa relação nitidamente
29
diacrônica. Esta última possibilidade, caso venha a ser confirmada em pesquisas futuras,
agiria como fator proibitivo da demonstração das fronteiras gráficas, mas, não
invalidaria a hipótese da região ter sido utilizada como ponto de passo ou área de
passagem.
A segunda hipótese de trabalho definida para esta pesquisa situa as 'fronteiras
gráficas de passagem na área arqueológica Vale do Catimbau' e se apoia em três
pressupostos de forte significado para a depreensão desse fenómeno, como segue:
a) o conceito de território, cunhado por Meillassoux (1978, p.
95-96) que o define como uni 'local de identidade grupai, de
práticas particulares de algumas atividades e de fonte de
recursos compartilhados';
b) a concepção de domínio étnico territorial de Leroi-Gourhan
(1987, p. 152), 'a frequentação do território implica a
existência de trajetos percorridos periodicamente. O grupo
primitivo é normalmente nómade, isto é, desloca-se segundo
o ritmo de aparição dos recursos, explorando o seu território
num ciclo que depende, o mais profundamente, das estações.
Há, pois, uma relação complexa entre a densidade dos
recursos alimentares, a superfície diária das deslocações de
aquisição em torno de pontos de fixação temporária, a
superfície total do território, que se dá em função do
conhecimento suficiente dos pontos alimentares sazonais, o
equilíbrio entre as fontes de alimentação, o sentimento de
segurança do habitat e as fronteiras de contato com território
dos outros grupos';
c) a admissão das pinturas rupestres como elemento
componencial do sistema de comunicação, como defende
Pessis (2003, p. 66-71), 'os registros rupestres são realizados
segundo regras que refletem formas de expressão com as
quais se participa da rede de comunicação social que implica
numa intencionalidade difusa'.
30
Dessa forma, as pinturas rupestres, como partes integrantes do sistema de
comunicação expressam, neste caso específico, a intenção de demarcar território. Assim
percebidas, as pinturas parietais atestam a identidade coletiva de um determinado grupo
sobre um dado território, no qual desenvolve atividades ligadas a todos os campos da
cultura (caça, coleta, rituais).
Em outras palavras, as pinturas presentes em ambos os lados da Serra do
Coqueiro encerram a intenção dos grupos proclamarem o domínio territorial, têm o
sentido de comunicar territorialidade.
A proposição das fronteiras gráficas de passagem respalda-se, também, nos
estudos de Martin (2005), realizados na região. Segundo a autora, 'nessas duas regiões, a
do São Francisco e a do Vale do Catimbau, identificaram-se possíveis áreas de contato de
diferentes etnias que deixaram registros rupestres díspares e que poderiam indicar
áreas de passo e de fronteiras de diversos grupos humanos'. De acordo com Martin
(2005), a noção az fronteiras pressupõe que grupos pertencentes a diferentes troncos
culturais não partilhem território de forma amistosa, pois, há sempre uma 'certa'
competição por recursos alimentares que coloca os grupos envolvidos em permanente
'estado de alerta'. Um certo equilíbrio de forças entre esses grupos leva-os a
estabelecerem fronteiras entre si.
Por este prisma, a concepção de 'fronteiras' implica na ideia da coexistência de
diferentes grupos, necessariamente envolvidos numa relação binária-opositiva, impelidos
pela competição dos recursos alimentares, sobremaneira, os cinegéticos.
Dessa forma, o tempo constitui-se num dos principais eixos em torno do qual se
desenvolve parte dos argumentos que fundamentam as 'fronteiras gráficas'. Como já
mencionado anteriormente, a ausência de dados contextuais obrigou-nos a realizar uma
livre adaptação do conceito original, razão pela qual optamos pela nomenclatura
'fronteiras gráficas de passagem', que implica na configuração do fenómeno, mas, sem a
utilização de referências cronológicas.
Contudo, a inexistência de áreas de sobreposições das pinturas pertencentes às
Tradições Nordeste e Agreste pode ser um indicador da sincronia temporal desses
grupos na região.
A exceção foi o Sítio Alcobaça, escavado parcialmente por Ana Nascimento
(2001), sob a orientação de Martin, que apresentou uma coluna crono-estratigráfica para a
ocupação humana, balizada entre 4.851 + 30 anos AP e 888 ± 25 anos AP, contudo,
31
sem significativa relação com as pinturas. Apenas duas datações relativas, de l .785 ± 49
anos AP e l .766 ± 24 anos AP, estão relacionadas com as pinturas, obtidas a partir de
carvões depositados em sedimentos que encobriam parte de um dos painéis. Nessa
camada sedimentar foram coletados fragmentos de ocre com marcas de uso. Os demais
sítios estudados (Dedos de Deus, Pedra da Concha e Homem sem Cabeça), não dispõem de
qualquer referência cronológica.
13 - O problema
O vale do Catimbau, provavelmente devido à sua peculiar posição quanto ao
relevo, localizado numa região serrana, com cotas altimétricas variando, em números
redondos, entre 800 e 1.000 metros, fronteira entre as mesorregiões do Sertão e Agreste
pernambucano, tornou-se uma zona de confluência pré-histórica holocênica.
As razões para a escolha da região para assentamento por populações
pré-históricas podem ter sido idênticas para todas as áreas serranas do Nordeste
brasileiro, como lembra Martin (2003): a existência de uma rede hídrica perene numa
região de brejo, com características ambientais plenamente favoráveis à fixação humana,
reunindo melhores condições para a sobrevivência, numa zona semi-árida. Essa pluralidade
étnica regional se expressa na diversidade do acervo gráfico.
A diversidade cultural assinalada nos painéis de pinturas rupestres confirma a
existência de um quadro paleoambiental favorável à ocupação humana, diferente do
entorno semi-árido, no pediplano. A convergência populacional impeliu os diversos
grupos a seccionarem a região em áreas étnicas, configurando assim as fronteiras
gráficas de passagem.
Na moderna literatura arqueológica que trata das áreas de contato ou de fricção e
das fronteiras gráficas são observadas diversas menções cronológicas referentes a esses
fenómenos. Assim, o fator 'tempo' torna-se primordial na abordagem dos temas.
Clark (1992, p. 14-59) observa que os fatores 'o tempo', 'o espaço' e 'o homem'
são fundamentais em qualquer pesquisa arqueológica. Cabe ao pesquisador, face ao seu
objeto de estudo, responder três questões básicas: Onde? Quando? Que sociedade?
Outras questões, diretamente relacionadas com os objetivos dessa pesquisa,
podem ser formuladas: Onde se situa a linha fronteiriça? Em que área específica cada
grupo se fixou?
32
Considerando a linha de pesquisa proposta, adotamos um conjunto de
procedimentos metodológicos, buscando subsidiar empiricamente tanto a demonstração do
fenómeno estudado, como também responder às questões formuladas no parágrafo
anterior.
Para tanto, tivemos que encontrar soluções para dois importantes problemas: o
primeiro diz respeito à dimensão temporal, ausência de dados contextuais para o acervo
gráfico local; o segundo, às ambiguidades dos caracterizadores regionais da Tradição
Agreste, ausência de critérios seguros para segregar os grafismos puros atribuíveis a
essa classe de pintura. Tais ambiguidades agem como fator proibitivo da delimitação
precisa da área gráfica desses grupos.
Como já referido, diante das limitações cronológicas, o trabalho se propõe
analisar atemporalmente o acervo gráfico regional. Em relação às ambiguidades
evocadas, vale destacar sobremaneira as que se referem à ausência de critérios seguros
para se classificar taxonomicamente os grafismos puros que aparecem associados às
representações humanas típicas da Tradição Agreste. Não raramente, esses grafismos
aparecem como temática única em determinados sítios da região; são comuns tanto no
vale do Ipanema como no vale do médio São Francisco. Diante deste fato, para efeito da
delimitação da área gráfica propôs-se: a) utilizar a nomenclatura 'área gráfica' (AG)
para designar o campo de práticas gráficas dos grupos agrestes no perímetro da área
nuclear de estudo (Vale do Catimbau); b) utilizar o termo 'hipotética área gráfica'
(HAG) para designar a zona ampliada de realização gráfica além da área nuclear de
estudo; c) incluir no perímetro da HAG as regiões que disponham de, pelo menos, um
sítio com representações humanas que claramente pertençam à Tradição Agreste; d)
restringir o estudo da HAG dos grupos agrestes ao vale do Ipanema.
Assim, para garantir a uniformidade na utilização de nomenclaturas e unidade no
tratamento metodológico, resolvemos acatar a sigla HAG para designar os campos de
práticas gráficas das Tradições Nordeste e Agreste não circunscritos na área nuclear da
pesquisa, mas posicionados nos vales dos rios Moxotó e Ipanema.
1. 3. l - A difícil segregação dos grafismos puros atribuíveis à Tradição Agreste
Dentre as categorias gerais de pinturas formuladas para classificação preliminar
dos registros rupestres pré-históricos do Nordeste do Brasil, foi definida a Tradição
Agreste, a partir, principalmente, dos sítios rupestres levantados em áreas do Agreste e
33
do Sertão pernambucano. Esse horizonte gráfico foi identificado em quase todo o
Nordeste brasileiro.
Conforme afirma Martin (2005, p. 29-31), 'evidentemente que um horizonte
rupestre difuso em áreas tão amplas teria características diversas, com elementos locais,
produto da representação subjetiva dos grafismos, mudanças técnicas são observadas,
dependentes do suporte e das tintas aplicadas e, muito especialmente, das distâncias
cronológicas'.
De acordo com a pesquisadora, as diferenças na apresentação dos grafismos
relacionados à Tradição Agreste devem-se, fundamentalmente, ao distanciamento
cronológico de sua execução, à adaptação aos recursos materiais disponíveis e à sua
grande dispersão geográfica. O que nos leva a definir novos critérios para sua
classificação inicial, como também para identificar as possíveis subtradições dentro
desse horizonte gráfico. Martin chama a atenção para a necessidade de se estudar áreas
menores, restritas a grupos de sítios com caracteres comuns que permitam conclusões
crono-espaciais seguras.
Estudos minuciosos em áreas previamente planejadas, nas quais possam ser
identificados os caracterizadores das possíveis subtradições, bem como dos suportes e
das estruturas arqueológicas que compõem o conjunto de sítios circunscritos nessas
áreas poderão determinar, no futuro, quais grupos humanos foram autores das pinturas
sob a designação Tradição Agreste.
Também, a ausência de unidade, entre os autores, sobre as nomenclaturas
utilizadas para designar as tradições rupestres, cujos caracterizadores são praticamente os
mesmos descritos para a Tradição Agreste, amplia o quadro de dificuldades de
classificação dos grafismos puros presentes nos vales do Ipanema e do médio São
Francisco. Esses grafismos, a priori, atribuíveis à Tradição Agreste são classificados por
outros pesquisadores como pertencentes às tradições: Simbolista
38
, São Francisco
39
e
Astronómica
40
.
38
Tradição Simbolista. Nomenclatura atribuída por alguns pesquisadores ao conjunto de pinturas ou
gravuras cujas representações não mantém, aparentemente, nenhuma relação com os elementos do mundo
sensível.
39
Tradição São Francisco. André Prous (1992, p. 525) a define como sendo a 'tradição onde os grafísmos
abstratos sobrepujam amplamente em quantidade os zoomorfos e antropomorfos, perfazendo entre 80% e
100% das sinalizações. Na quase totalidade dos casos, excluindo-se o estilo mais antigo, a utilização da
bicromia é intensa nas figuras pintadas. Os raros zoomorfos são quase que exclusivamente peixes,
pássaros , cobras, sáurios e talvez tartarugas. Notável é a ausência dos cervídios; não existe nenhuma
cena, mesmo de tipo implícito, mas existem, por vezes, trocadilhos entre biomorfos e sinais na região de
Montalvânia'.
34
Martin (1999, p. 287) considera os sítios da Tradição Agreste, na microrregião de
Arcoverde - PE, morfologicamente bem característicos, aparentemente sem intrusão de outras
tradições nos mesmos abrigos. Segundo a autora, as pinturas análogas, encontradas em
quase toda a bacia do rio São Francisco podem ser consideradas como possíveis 'províncias
agrestes'. No futuro, poderá ser fixada a subtradição Sobradinho, abrangendo as áreas que se
estendem desde as nascentes do rio até a região de Xingo.
1. 4 — Reflexões acerca do conceito de fronteiras gráficas de passagem
O conceito de fronteiras gráficas encontra-se em processo de construção,
particularmente desenvolvido pêlos pesquisadores do Departamento de Arqueologia da UFPE /
FUMDHAM. Porém, o conceito de 'fronteiras gráficas de passagem' constitui uma livre
adaptação do termo original, que subtrai qualquer referência temporal.
O significado de fronteiras gráficas de passagem prende-se, indubitavelmente, ao mundo
da cultura, das etnias, da comunicação; talvez o sentido mais definitivo seja o que
imediatamente conduz à ideia de limite, pois o limite se interpõe entre dois mundos, buscando
sua divisão, procurando anunciar as diferenças e separar o que não pode permanecer ligado.
O limite divide algo em partes, para que seu todo possa ser avaliado. Ou ainda,
delimita o todo, para que cada uma de suas partes seja reconhecida em sua especificidade,
buscando compreender o significado da parte e do todo, assim como de suas relões.
O limite evidencia a diferença e sugere a necessidade da separação; dessa forma, o limite
é apresentado como obstáculo ao trânsito livre entre domínios territoriais. Neste sentido, o limite
é reconhecido como zona de sentinela, de guarda do território. Por este ângulo, a reflexão
chama a atenção para a noção de posse, mas, sobretudo, para a conscncia da exisncia de
um 'outro' e de um 'eu', vigiando-se mutuamente.
Assim, o conceito de 'fronteiras gráficas de passagem' reivindica para si o caráter
visual de limite entre áreas gráficas, enquanto produto da segregação de diferentes
unidades gráficas dentro de um universo pictural muito diversificado. Compreende um
espaço limitado pela coexistência equilibrada entre grupos gráficos,
40 Tradição Astronómica. Conjunto de pinturas ou gravuras rupestres com predominância de grafísmos puros,
conforme Martin (1999), esse conjunto de pinturas é classificado como pertencente à Tradição Astronómica
por pesquisadores que as interpretam como representações de corpos celestes.
35
sobre os quais não dispomos de qualquer referência cronológica. Configura-se na
apresentação de áreas gráficas pertencentes a diferentes tradições; uma zona de
transição entre esses universos gráficos, com limites flexíveis que se interpenetram; e
uma área neutra, livre de qualquer indício de pintura, entremeando as áreas gráficas.
Desta forma, a irredutível natureza física da Serra do Coqueiro, que se ergue no
relevo como um divisor de águas entre bacias hidrográficas, também adquire um
significado cultural, na medida em que sua topografia segrega o espaço em áreas
gráficas, fornecendo os elementos para uma leitura semiótica desse fenómeno.
1. 5 - O método
1.5.1 - Quanto à distribuição espacial
O primeiro dispositivo metodológico foi trabalhar com uma amostra de sítios
circunscritos em uma mesma unidade ecológico-ambiental serrana (ver nota 33) que,
segundo definição de Aziz Ab' Saber são 'ilhas de umidade' ou ainda 'ilhas verdes' em
meio às regiões semi-áridas com grandes deficiências hídricas. O conjunto de sítios
pesquisados também estaria disposto em uma mesma unidade geológica da Formação
Tacaratu (mapa n° 5).
Consideramos, neste trabalho, o elemento ecológico como um condicionante
importante na escolha do habitat, refietindo nas estratégias de sobrevivência e adaptação do
homem ao meio ambiente. Assim, a localização do sítio é percebida como o
resultado de uma escolha cultural relacionada diretamente com a sobrevivência dos
grupos humanos.
Sem intenção de proclamar a predominância da dimensão económica em
detrimento de outros domínios da cultura, mas, com efeito, para a análise das fronteiras
gráficas de passagem, considera-se que o princípio da racionalidade intrínseca na
escolha do local de um sítio desempenha um papel preponderante no que se refere à
sobrevivência do grupo. Conforme Leroi-Gourhan (1987, p. 152), 'a alimentação está
ligada ao conhecimento aprofundado dos habitais animais e vegetais e a velha imagem da
horda primitiva errante é, certamente, falsa: um certo deslizar progressivo do
território do grupo é possível, a emigração acidental e brutal é também possível, mas a
situação normal é a frequentação prolongada de um território conhecido nas suas
menores possibilidades alimentares.
36
Deste prisma, o sítio passa a ser percebido como local importante para o
processo de manutenção dos grupos e de acordo com as possibilidades de sobrevivência
que o habitat em que ele está imerso possa oferecer.
Assim, o estudo da distribuição espacial dos sítios permitiu identificar as áreas
gráficas de pelo menos duas classes de pinturas no Vale do Catimbau: a Tradição
Nordeste e a Tradição Agreste (mapa n° 7).
A ocorrência de testemunhos arqueológicos que compartilham o mesmo padrão
de assentamento da Tradição Agreste
41
em áreas muito mais amplas que a delimitada
para estudo atesta a influência desses grupos sobre um extenso território, ainda não
plenamente conhecido, porém, o estudo da distribuição espacial dos sítios cadastrados
por Martin e colaboradores, dado a concentração desse tipo de sítio no vale do rio
Ipanema e seus afluentes, possibilitou situar essa zona como a HAG desse grupo
específico. Em relação à Tradição Nordeste, com número inferior de sítios em relação
aos grupos 'agrestes', possivelmente essa situação decorre da ausência de sistemáticas
prospecções na região ou mesmo do caráter residual pertinente às zonas de passo;
contudo, podemos situar o vale do Moxotó como a hipotética área gráfica desses
grupos; tal hipótese apóia-se na constatação de que todos os vestígios gráficos da
Tradição Nordeste, até agora identificados em Pernambuco, encontram-se nesse vale.
Em síntese, situamos a HAG dos grupos 'agrestes' no leste da Serra do
Coqueiro, abrangendo o vale do Ipanema (PE) e a porção nordeste da Serra dos Cariris
Velhos (PB); no oeste da Serra do Coqueiro, abrangendo o vale do Moxotó (PE) e na
porção noroeste da Serra dos Cariris Velhos situamos a HAG dos grupos pertencentes à
Tradição Nordeste.
1.5.2- Quanto aos procedimentos analíticos
41
Padrão de Assentamento Agreste. De acordo com Martin (1999, p. 281), os grafísmos típicos da
Tradição Agreste se estendem numa ampla área ao sul da Paraíba até o nordeste de Pernambuco, na
região onde um arco de serras marca a divisa entre os dois Estados, ou seja, entre os paralelos 36° e 37°,
limitados pêlos municípios de Campina Grande ao norte e Arcoverde ao sul. Esses grafísmos nunca
aparecem em abrigos e paredões no alto das serras e, tanto na Paraíba como em Pernambuco, os lugares
preferidos são os matacões arredondados de granito que emergem da erosão, nas rochas mais brandas, nos
vales e nas encostas das serras, destacando-se na paisagem. Aparecem também sobre arenito, em várzeas e
'brejos'. Os sítios 'agrestes' dessa região que apresentam indícios de ocupação formam estruturas bem
definidas, que consideramos como habitat típico dos caçadores. São conjuntos formados por abrigos com
pinturas rupestres, permanente ou temporariamente ocupados como acampamento ou habitação, com um
cemitério nas proximidades, e sempre perto de fonte d'água, tais como caldeirões, olho d'água ou
pequenos riachos, ou seja, sítios com pinturas, cemitério e água, em um pé de serra, elementos que
caracterizam basicamente os sítios arqueológicos dessa tradição.
37
O propósito desta dissertação é demonstrar a ocorrência das fronteiras gráficas
de passagem no Vale do Catimbau. Neste intuito, foi utilizado um conjunto de
procedimentos metodológicos para o registro e análise das pinturas contidas no conjunto
de sítios selecionados para a pesquisa. Tais procedimentos foram estruturados de forma a
subsidiar empiricamente a visualização do fenómeno investigado e responder, quando
possível, às questões formuladas no item 1.3.
Assim, os estudos das pinturas, inicialmente, convergiram para o exame dos
painéis do Sítio Pedra da Concha, único testemunho arqueológico posicionado na zona
de transição entre os domínios étnico-territoriais e, também, o único a ter o suporte
partilhado pelas duas tradições estudadas. Nesse sítio buscou-se precisar as áreas de
sobreposições gráficas e, dentro dessas, os setores que não geravam ambiguidades em
relação aos vestígios gráficos atribuíveis a outros horizontes culturais. Desta forma, as
áreas sobrepostas e não sobrepostas constituíram o primeiro critério de segregação das
pinturas. Em outro momento, agregando um segundo critério de segregação das
pinturas, verificou-se sua distribuição no espaço pictural, a partir da observação da
continuidade ou não dos grafismos, identificando, quando possível, os limites de cada
setor ou painel. Em cada painel, buscou-se visualizar os detalhes das representações
humanas, visando subsidiar o estudo da apresentação gráfica.
Além do exame das áreas de sobreposições, o estudo da espacialidade
(distribuição dos grafismos no suporte rochoso) mostrou-se particularmente importante
no Sítio Pedra da Concha, por revelar preferências étnicas por determinados espaços do
suporte: as pinturas que claramente pertencem à Tradição Nordeste situam-se,
majoritariamente, no lado esquerdo, espaço mais abrigado da incidência do sol e da
chuva; enquanto as pinturas concernentes à Tradição Agreste posicionam-se,
prevalentemente, no lado direito e, conseqüentemente, na área mais exposta à ação dos
fatores intempéricos.
Por definitivo, o estudo das dimensões do fenómeno gráfico, enquanto categorias
analíticas, mostraram-se especialmente úteis na vinculação das pinturas rupestres
existentes no Vale do Catimbau aos grupos humanos, originários do sudeste do Piauí,
em processo de migração para a região do Seridó. Em outras palavras, a dimensão
material (morfologia, tamanho e técnica de preenchimento), a temática (quando
possível identificá-la) e a apresentação sráfïca (identificação de traços
38
essenciais e secundários da identidade humana, atributos físicos e culturais, posturas Q
gestos) tornaram-se recursos valorosos para a correlação cultural pretendida.
Os demais sítios (Homem Sem Cabeça, Alcobaça e Dedos de Deus) foram
analisados de forma a complementar a analogia e demonstrar a existência das fronteiras
gráficas de passagem.
1. 5. 3 - Quanto ao registro fotográfico
O levantamento fotográfico foi realizado em duas campanhas oficiais e outras
três complementares, de acordo com um roteiro pré-estabelecido. O primeiro
procedimento foi fotografar o (s) sítio (s), seguido do registro do entorno, do painel de
levantamento, dos painéis de análise e dos grafismos rupestres, particularmente, das
ireas de sobreposição e das representações humanas.
Por painel de levantamento, entendemos o resultado de um ordenamento das
pinturas para que sejam fotografadas de tal forma que forneçam, ao pesquisador, a
maior quantidade possível de informações para o estudo em laboratório. Por painel de
análise, entendemos a segregação de áreas menores do conjunto gráfico no interior dos
painéis de levantamento, para fornecer, ao pesquisador, elementos que atendam aos
objetivos do estudo.
Para o registro dos grafismos foi utilizada a escala numérica e colorimétrica do
IFRAU (10 cm), na primeira foto de cada painel de análise e dos detalhes que
estivessem diretamente relacionados com os objetivos específicos da pesquisa, com
máquina e filme analógico (ASA 100), como também, máquina digital. Todos os dados
referentes às fotografias foram anotados em um protocolo específico, criado com esta
finalidade (Anexo 1).
Os registros fotográficos foram precedidos por estudos fotométricos,
particularmente para observar a incidência do sol sobre o piso e o suporte rochoso,
assim como a luminosidade nos diversos nichos e reentrâncias de rocha, estabelecendo o
melhor momento e condição de luz para fotografar.
Para o registro fotográfico do (s) sítio (s), relativo à parte central, lateral
esquerda e lateral direita, foi utilizada uma escala numérica de 2m, também acionada
sempre que houvesse necessidade de se mensurar as dimensões dos nichos. Na foto
central de cada sítio, além da escala numérica, utilizou-se o indicativo visual do norte
magnético. Também, nessa parte central, registrou-se o ponto do geoposicionamento
39
(GPS) e a partir dele, foi fixado, no suporte parietal, o ponto zero. Em seguida, foram
registradas as condições topográficas intra-sítio.
O registro do entorno foi efetuado com a máquina fotográfica posicionada na
linha de chuva e diante do ponto zero, com tomadas de 45° até completar o périplo de
360°.
Todo o registro parietal foi realizado da esquerda para a direita e em três níveis
de aproximação: o primeiro nível, a partir da linha de chuva de cada sítio; o nível
intermediário, entre a linha de chuva e o suporte pictural; o terceiro nível, a menos de l
m, focalizando, sobremaneira, as representações humanas e as zonas de sobreposições.
Para o estabelecimento dos níveis de aproximação foram utilizados: trenas, escalas,
barbantes e piquetes. Utilizou-se, também tripé para as câmaras fotográficas, dotados
de pêndulo (prumo) e nível de bolha.
Na etapa posterior ao registro, parte do material fotográfico, principalmente
aquele referente às áreas de sobreposição, foi examinado com o auxílio do Programa
Photoshop, resultando em um recurso técnico valoroso para a visualização de detalhes
importantes que mantinham relação direta com o objetivo da pesquisa.
1. 6 - A estrutura da dissertação
A presente dissertação estrutura-se em uma introdução, três capítulos e os
resultado da pesquisa.
A introdução apresenta o objeto de estudo e faz uma análise sob o ponto de vista da
Semiótica e a validade das proposições teóricas e metodológicas de Pessis e Bizzocchi
para o desenvolvimento da pesquisa proposta. Também discute outros tópicos: a
inserção do estudo do Vale do Catimbau no contexto das pesquisas arqueogicas do
Nordeste brasileiro; o problema referente à questão temporal relativa ao tema e as
ambiguidades dos caracterizadores regionais da Tradição Agreste; faz uma reflexão acerca
do conceito de 'fronteiras gráficas de passagem'; o método, que expressa o conjunto de
procedimentos metodológicos adotados tanto na pesquisa de campo como na realização da
análise do material fotográfico e no desenvolvimento dos demais pontos que compõem a
dissertação.
O segundo capítulo resgata o conhecimento acumulado sobre as representações
humanas típicas das tradições Nordeste e Agreste. Apresenta também um histórico das
40
pesquisas arqueológicas realizadas no Vale do Catimbau e do sítio referência (Sítio
Boqueirão da Pedra Furada).
O terceiro capítulo faz uma abordagem acerca do conhecimento científico
sobre o paleoambiente do sudeste do Piauí produzido pela FUMDHAM, como também
sobre os processos paleodinânicos da vegetação do Nordeste, estudados por
pesquisadores de múltiplas instituições. Inclui também considerações sobre o contexto do
Vale do Catimbau e o impacto da degradação ambiental sobre as pinturas rupestres.
O quarto capítulo corresponde à análise do conjunto gráfico de cada sítio e, em
particular, das representações humanas. Por fim, apresenta o resultado da pesquisa
realizada.
Por fim, no quinto capítulo são apresentados os resultados da pesquisa.
41
42
2 - ANTECEDENTES HISTÓRICOS
2 . 1 – Dos estudos das representações humanas
O universo conceitual da Antropologia Visual e os pressupostos teóricos da
Semiótica são o fio condutor dos estudos de Pessis sobre o fenômeno gráfico pré-
histórico. A autora aborda os registros rupestres enquanto partes integrantes do sistema
de comunicação. Dentro desse quadro teórico explica os grafismos, através do exame
dos temas neles representados; das técnicas empregadas na manufatura das figuras e as
limitações destas; e da apresentação gráfica, enfatizando os traços essenciais e
secundários da identificação das figuras, os atributos culturais e físicos nelas
reconhecidos, a disposição das mesmas no espaço pictural, o movimento e o tempo
representado na ação e a noção de perspectiva ou profundidade.
Conforme Martin (1999, p. 237), ‘a grande preocupação de Pessis na obra Art
rupestres préhistorique: premièrs registres de la mise en scene de 1987, foi estabelecer
formas que permitissem ultrapassar os limites dos estudos descritivos e se considerasse
os registros gráficos da arte parietal pré-histórica como uma fonte de informação
antropológica”. O trabalho mencionado prende-se à análise, principalmente dos
grafismos contidos no sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada (TBPF) que, em função
da cronologia e das informações arqueo-antropológicas reunidas, torna-o expressivo no
Parque Nacional Serra da Capivara.
Tanto na obra citada no parágrafo anterior como em Imagem da Pré-história
(PESSIS, 2003) os estudos das representações humanas serviram de parâmetro para a
comparação e vinculação das pinturas do Vale do Catimbau aos grupos de migrantes
originários da Serra da Capivara.
2 . 1 . 1 – Do estilo Serra da Capivara
De acordo com Pessis (2003, p. 111-131), as pinturas atribuídas à classe
estilística inicial denominada Serra da Capivara são simples e precisas, com qualidades
43
técnicas aprimoradas. As figuras humanas que fazem parte desse estilo são, na sua
maioria, constituídas apenas pelos traços de identificação essenciais que permitem o
reconhecimento da condição humana. Aparecem freqüentemente isoladas, sem relação
aparente entre elas, evocando apenas a condição humana, desprovidas de elementos
complementares e diferenciadores.
Existem também figuras com atributos culturais que contrastam com a
simplicidade generalizada das representações humanas. Cocares ornados, agregados às
figuras humanas simples, introduzem complexidade, sem perda de identidade. A
encenação de atributos toma outras formas, figuras antropomorfas com vestimentas que,
evocando uma máscara, cobrem até a metade da perna; e o cocar ornado substitui a
representação da cabeça. A máscara, às vezes, está preenchida totalmente, com tinta
vermelha. Esse tipo de figura é a representação humana ornamentada mais freqüente no
contexto da Tradição Nordeste. O conjunto dos atributos substitui os traços essenciais
de identificação da figura humana, ou seja, os traços humanos são substituídos por
outros componentes culturais. Às vezes, as figuras desenhadas de perfil mostram uma
deformação na parte superior do dorso.
A definição do gênero aparece nas figuras particularmente vinculadas ao
estabelecimento das identidades. Existem três tipos de figuras portadoras de traços de
identificação sexual. Aquelas que, sendo simples ou com atributos culturais, apresentam
o falo. Outras que possuem traços que permitem identificar o sexo feminino. A presença
desse traço diferenciador é observada apenas nas cenas sexuais, em que existe a
intenção de mostrar explicitamente uma ação sexual ou vinculada à temática da
reprodução. Não foram identificadas figuras isoladas desse diferenciador sexual. A
característica sexual feminina é identificada pela exteriorização da cavidade vaginal.
Aparece como um complemento da zona genital, que não corresponde às características
morfológicas externas do sexo feminino. Não é o sexo feminino que é representado,
mas sua função de receptor do falo. No conjunto das figuras da Tradição Nordeste
existe total ausência da representação do sexo feminino, tal como ele é
morfologicamente. A escolha da encenação é clara: o que deve ser salientado é a
função, descrita tão detalhadamente, que contrasta com a ausência geral de outros
pormenores nas figuras humanas.
Finalmente, existe um terceiro tipo de figura humana, que não apresenta
qualquer indicador de gênero, pela ausência de todo caráter diferenciador sexual. Esta
44
falta de precisão é muito freqüente, tanto para as figuras isoladas quanto para as que
integram cenas de ação. Pretender que se trate de figuras femininas, em razão da
ausência do falo, e seria ambíguo, pois a indicação do sexo feminino, quando se trata de
salientar sua função, é feita sem restrição, apesar da distorção aparente da morfologia
genital feminina.
As atividades de caça aparecem associadas a uma série de objetos para o
desempenho dessa atividade. As figuras que representam ações, nas cenas do estilo
Serra da Capivara, estão dispostas de maneira que distingam, em geral, dois setores da
ação. Uma zona nuclear, onde o autor coloca as figuras que desenvolvem o essencial da
temática representada, e uma zona periférica secundária, que valoriza elementos
importantes do primeiro setor. No setor nuclear, onde acontece a parte essencial da
ação, as figuras são trabalhadas de maneira aprimorada, com cada componente
primorosamente cuidado, ao passo que as da zona periférica são negligenciadas em seus
detalhes e, até, às vezes, apenas esboçadas.
São freqüentes as cenas de dança, tanto lúdicas como cerimoniais. A diferença
entre ambas manifesta-se nos gestos e nos atributos culturais das figuras envolvidas. Na
dança lúdica, as figuras são simples, os gestos correspondem ao momento máximo da
postura em relação à posição de repouso. O que foi representado é o momento
culminante da dança, dando ao conjunto grande força dinâmica. Nas danças lúdicas, o
número de participantes é reduzido, não passando de quatro figuras. Quando se trata de
dança cerimonial, uma parte das figuras humanas porta vestimentas e ornamentos,
como, por exemplo, cocares. Apesar do tema estar presente em toda a Tradição
Nordeste, no estilo Serra da Capivara ele aparece na forma mais dinâmica e lúdica.
O tema da sexualidade apresenta seu maior número de cenas nesse estilo, com
características particulares. O caráter explícito das cópulas e dos genitais de ambos os
sexos permite, como em todas as cenas do estilo, identificar o momento culminante do
ato representado. As figuras, freqüentemente, parecem retratadas vistas de um posto de
observação acima delas, ambas representadas de face. As figuras participantes são
simples, às vezes, uma delas porta um cocar que não substitui a cabeça, como no caso
das vestimentas que escondem a identidade.
Observam-se composições de figuras humanas colocadas umas sobre os ombros
das outras, formando uma corrente humana com número variável de indivíduos. Às
vezes, os pés de uma figura estão apoiados nas mãos de outra. Essa cadeia humana pode
45
ser observada sob dois pontos de vista: o primeiro, considerando a perspectiva plana e
achatada utilizada no estilo Serra da Capivara, caso em que as figuras estariam se
segurando no ar, com requintes de acrobacia; a outra maneira de olhar seria do alto,
considerando que as figuras estariam deitadas no solo, como parte de uma cerimônia
ritual.
46
No Vale do Catimbau, no Sítio Pedra da Concha, situado na zona de transição,
onde os limites entre as fronteiras étnico-territoriais tornam-se flexíveis, estão presentes,
no suporte rochoso, as duas classes de pinturas rupestres definidas no Nordeste do
Brasil. Nesse sítio, particularmente, dois painéis podem ser vinculados ao estilo Serra da
Capivara e outro ao estilo Carnaúba. Tal vinculação foi estabelecida considerando a
morfologia das figuras, a técnica de preenchimento das mesmas e a apresentação gráfica
como parâmetros para a analogia. Uma cena de dança cerimonial pode ser observada.
Os participantes desse ritual, ao que parece, são conduzidos por um chefe de cerimonial,
portando um cocar finamente ornado, que se põe na retaguarda de uma fila indiana de
antropomorfos que usam cocares mais simples. Outra cena, uma corrente humana,
lembrando equilibristas, com características similares à descrita no parágrafo anterior
pode ser identificada. Em justaposição a essa ‘corrente humana’ pode ser observada sua
reprodução (cópia), realizada segundo os critérios técnicos da Tradição Agreste. Um
grafismo de composição
42
(piroga ou rede), típico do estilo Carnaúba, pode ser também
identificado, além de fileiras de antropomorfos, bastante esquematizados, análogos aos
encontrados no município de Cerro Corá.
42
Conforme Martin (1999), denomina-se grafismos de composição quando, numa ação, o tema ligado a
este não pode ser identificado.
47
O estilo Serra da Capivara fornece as primeiras informações sobre o tratamento
do espaço. Constata-se a existência de conjuntos de grafismos dispostos sobre planos
horizontais, verticais e oblíquos, apresentando uma alternância que parece segregar
unidades gráficas. As superfícies recobertas de grafismos tomam formas de conjuntos
circulares. As figuras mantêm entre si distâncias reduzidas, mas regulares, que agregam
à alternância dos planos, formas de separar as unidades.
A utilização do espaço nesse primeiro estilo teve como ponto de partida um
espaço rupestre sem intervenção gráfica.
Para os que chegam depois, o espaço material, de início, é uma superfície pintada, e a
delimitação do novo espaço pictural será feita sobre um espaço já utilizado.
Diferentes soluções foram utilizadas para indicar, na Tradição Nordeste, as
relações de distância em profundidade ou perspectiva, entre as figuras que compõem
uma cena. No estilo Serra da Capivara, a impressão de profundidade é representada por
48
uma sucessão de planos horizontais. Cada um corresponde a uma relação de
profundidade com o plano anterior. Esse procedimento contribui para produzir o efeito
de densidade pictural, específica desse estilo. Tudo se passa como se a ação se
desenvolvesse em diferentes planos: as figuras estão equilibradas sobre um plano que se
manifesta em camadas horizontais sucessivas e os espaços de separação entre as figuras
são mínimos.
A reprodução do movimento no estilo Serra da Capivara é uma das
características mais marcantes das primeiras manifestações figurativas. Os animais são
representados em pleno movimento e segundo todas as suas possibilidades dinâmicas.
São conjuntos de figuras em que cada indivíduo manifesta dinamismo próprio. A ação
representada corresponde a um momento do seu desenvolvimento que não tem mais
retorno, permitindo facilmente ao observador completar as fases não mostradas na ação.
Vêm-se quadrúpedes, tais como cervídeos, representados em posição vertical, apoiados
unicamente nas patas posteriores, o que os situa no limite da posição forçada, em
relação à posição natural de repouso.
Quando se trata de cena na qual participam várias figuras, a situação pode se
tornar mais complexa. As ações de certas figuras completam-se com as de outras,
compondo uma apresentação única cujo sentido se depreende das relações de
cooperação existentes entre os movimentos fixados pelo desenho. Essas relações de
cooperação que se completam não dependem de uma interpretação, mas de uma
constatação baseada no acordo que existe entre os movimentos fixados e seu ponto de
partida. Uma composição dinâmica apenas terá sucesso se cada componente, detalhe,
gesto, orientação e posição, se concilia com o movimento geral do conjunto.
outra modalidade de dispor as figuras e de representar o movimento que não
depende das fases da ação. As figuras aparecem organizadas em séries que são
sucessões de unidades, ordenadas segundo um parâmetro variável que pode ser a
distância, o tamanho ou os atributos da apresentação.
Portanto, nesse estilo, o tratamento do tempo utiliza duas estratégias, a primeira
estruturada em torno da representação da profundidade, com a relação de contigüidade
no espaço em concordância com a contigüidade no tempo; a segunda refere-se à
representação da fase dos tempos culminantes, fixada no desenho.
49
2 . 1 . 2 – Do complexo estilístico Serra Talhada
Em torno de 9000 anos AP, o estilo Serra da Capivara no seio da Tradição
Nordeste experimenta mudanças significativas. Tais mudanças decorrem das
transformações operadas no meio ambiente e do aumento do contingente populacional
residente.
Conforme Pessis (2003, p. 134-148), são transformações que se traduzem em
aperfeiçoamento técnico, introdução de novas temáticas e modalidades de apresentar
temas tradicionais. Esses aspectos não mudam de forma simultânea, vão se
manifestando de maneira isolada e gradativa. Algumas modificações não seriam bem-
sucedidas nem aceitas socialmente, dando a impressão de desenhos realizados com
toques de fantasia individual, pois a originalidade na composição é observada apenas
em número reduzido de pinturas. Assim, aparecem figuras humanas e representações de
veados e lhamas, preenchidas parcialmente com tinta vermelha apenas em setores
reservados do interior da imagem. Essas pinturas se destacam no conjunto da encenação
tradicional da Tradição Nordeste, mas o número de casos está limitado a uma dúzia de
figuras. Recursos pictóricos desse tipo se multiplicam, criando inovações e
diversificando o corpus de figuras dessa tradição.
O mais antigo estilo, o Serra da Capivara, concentra-se nos tios da trilha do
Desfiladeiro da Capivara, ao passo que aqueles que apresentam evidências de mudanças
gráficas parecem concentrar-se num setor do Parque Nacional, conhecido como Serra
Talhada.
Uma evolução gráfica as que parece corresponder, na origem, a uma mudança
social, mas não necessariamente cultural. As transformações na pintura não alteram a
identidade gráfica de origem. São leves alterações que, às vezes, atingem apenas um
aspecto do estilo Serra da Capivara, conservando todas as características restantes. Pode
tratar-se de variações de tamanho, associadas às técnicas gráficas que permitem realizar
traços curvilíneos. Esse procedimento permite o desenho de figuras de tamanho
reduzido, com ângulos arredondados, mas que desenvolvem sempre a temática central
do estilo de origem; também existem figuras humanas feitas com distorções
morfológicas tornando-se filiformes ou completamente redondas.
50
Durante o período de transição gráfica, as alterações demográficas e o
estabelecimento de novas identidades grupais parecem ter gerado situações de confronto
e divergências, prévias ao restabelecimento de um novo equilíbrio social, territorial e
ecológico. A multiplicação e a diversificação de grupos provocaram a coabitação no
interior de um território que era apenas partilhado por número limitado de pessoas. A
ocupação do território e a diferenciação cultural provocam rivalidades, dando lugar a
constrangimentos testemunhados com o aparecimento de novos temas nas pinturas
rupestres. Os temas vinculados à violência são uma característica dessa transição.
No tio Homem Sem Cabeça, situado no oeste da Serra do Coqueiro Vale do
Catimbau, são constatadas pinturas análogas ao período de transição descrito
anteriormente. Nesse sítio, os autores das pinturas conservaram todas as características
do estilo inicial Serra da Capivara, mas, incorporaram temática e soluções técnicas
próprias do complexo estilístico Serra Talhada. Todos os painéis apresentam temática
única, ligada à posse de armas (possivelmente bordunas) e à apresentação das mesmas.
O painel central encena uma forte relação binária-opositiva entre distintos grupos de
figuras, a dinâmica gestual de cada figura indica uma postura agressiva em relação à
outra figura agenciada no grupo opositor. Nesse painel, o aprimoramento técnico é
evidente, percebido nos traços curvilíneos bem definidos dos atributos físicos e culturais
dos antropomorfos.
51
52
Conforme Pessis (2003), o tamanho das figuras, que no estilo Serra da Capivara é, em
média, de 30 cm, no complexo Serra Talhada apresenta possibilidades mais amplas,
desde figuras de tamanho superior até composições com figuras de 4 cm. A morfologia
da figura humana aparece também distorcida em relação ao primeiro estilo, desde
composições filiformes até figuras volumosas. A técnica de realização das figuras torna-
se muito aperfeiçoada no período de desenvolvimento do complexo estilístico Serra
Talhada. O suporte parece não ter recebido nenhum tratamento prévio. As tintas
atingiram um grau de consistência tal que, associado ao aprimoramento dos
instrumentos gráficos, permitem desenhar com precisão sobre o suporte, que mantém
suas características de irregularidade e porosidade.
53
2 . 1 . 3 – Do estilo Serra Branca
Segundo Pessis (2003, p. 147-152), na fase final do processo da transição
gráfica, configura-se nova modalidade de apresentação, o estilo Serra Branca. Surge a
partir de uma diferenciação gráfica de sucesso que acontece no seio do tronco cultural
de origem e que se configura com a adoção de um novo sistema de apresentação gráfica.
Nele se privilegiam os componentes ornamentais, as vestimentas, os cocares e o
desenvolvimento de uma decoração gráfica muito particular das figuras, que persiste nas
composições e contrasta com as características do estilo inicial. Existe uma escolha
clara de formas de tipo retangular, muito decoradas, utilizadas como parâmetro gráfico
na realização de figuras humanas e animais. Mas esta escolha não exclui a continuidade
do uso de figuras com as características originais do estilo Serra da Capivara. É como se
a utilização do padrão morfológico retangular para representar as figuras fosse um
recurso destinado a identificar personalidades culturais, mas não para descrever eventos,
ações ou representações temáticas. Os componentes decorativos são dominantes, para
acentuar as individualidades nas encenações.
Para fins de narratividade, de marcadores de memória, continua-se a recorrer aos
recursos clássicos, incrementados por tratamentos técnicos muito mais desenvolvidos
que no anterior estilo Serra da Capivara. Os autores do estilo Serra Branca escolhem o
caráter ornamental como seu traço diferenciador de identidade étnica. A decoração da
figura torna-se o suporte de um símbolo de identificação cultural que se faz acompanhar
por uma encenação das figuras humanas, cuja função principal é servir de suporte dessa
decoração simbólica. Consegue-se salientar a individualidade em relação ao conjunto
utilizando-se o mesmo suporte até então usado pelo estilo Serra da Capivara.
A autodiferenciação se manifesta também por intermédio da mudança do
comportamento da comunidade, particularmente no plano das modificações formais dos
ritos cerimoniais. Impor uma personalidade grupal requer especificidades que não são
evidentes quando a identidade cultural de origem é partilhada por outros. As
necessidades se fazem também sentir na introdução de diferenças no comportamento, na
modificação de regras, as quais, para se tornarem costume, são impostas inicialmente
por uma disciplina estrita. A mudança tem um custo que pode incidir na permissividade
da organização social da comunidade.
54
O aumento das representações de cenas de violência torna-se característico nos
registros gráficos dessa comunidade, e a diminuição dos agrupamentos temáticos
corresponde a um aumento do número de grafismos formalizados e isolados.
A utilização do espaço evolui, pois aparece claramente a dinâmica da disposição
das figuras em planos horizontais.
Acontece também uma transformação no que se refere à representação do espaço
gráfico e na relação de perspectiva. Surgem soluções privilegiadas durante a evolução
estilística. Uma utiliza planos horizontais, estruturados em torno de um eixo oblíquo,
que contribui para produzir uma verdadeira impressão de profundidade. Na Toca da
Extrema II aparece um dos exemplos mais significativos desse recurso cenográfico.
Trata-se de uma cena de luta entre dois grupos de guerreiros que utilizam diferentes
objetos de agressão, como propulsores, lanças e bordunas. Na parte central do eixo
oblíquo são reproduzidos os componentes essenciais que permitem identificar a ação:
duas figuras humanas estão empenhadas em luta corpo a corpo. Uma das figuras segura
a outra e a mantém no ar. Entre essas duas figuras é possível traçar a linha oblíqua
imaginária que divide dois setores, claramente delimitados por um espaço no interior do
qual apenas se encontram antagonistas que participam do combate. Os lutadores de cada
grupo estão sobre planos paralelos, situados de ambos os lados da linha oblíqua, o que
uma sensação de profundidade ao espaço que os separa e permite mostrar cada
individualidade participando dessa ação. As figuras da direita estão situadas em planos
horizontais; as do outro lado estão dispostas sobre um eixo oblíquo, em uma sucessão
de planos. A utilização de procedimentos técnicos supõe o domínio da utilização do
espaço e das técnicas de composição cenográfica.
Outro procedimento utilizado para representar a profundidade consiste em
colocar as figuras sobre planos superpostos, formando grupos dispostos alternadamente
sobre eixos horizontais e oblíquos. Esse recurso é muito bem sucedido para contornar o
objeto principal, mantendo uma relação espacial de profundidade.
O estilo Serra Branca apresenta duas características aparentemente
contraditórias. Evidencia a clara escolha cenográfica para o hermetismo estático,
manifestado pela abundância de figuras densamente ornamentadas e geometricamente
enquadradas. Mas apresenta também as cenas de maior narratividade, complexidade
temática e cenográfica em torno do tema da violência, temática que aparece tardiamente
na tradição, mas que constitui uma composição de equilíbrio entre os componentes e os
55
recursos cenográficos. Torna-se manifesta a continuidade estilística do complexo Serra
Talhada, sobretudo no tratamento do espaço e do tempo nas cenas apresentadas. O estilo
Serra Branca recupera do complexo Serra Talhada as soluções técnicas e cenográficas
que melhor se adaptam às suas necessidades, e as diversifica.
A partir de seis mil anos antes do presente desaparece a Tradição Nordeste na
Serra da Capivara e não foram descobertos indícios que permitam propor alguma
explicação. Não existem evidências de que novos grupos culturais tenham chegado e
forçado o deslocamento dos seus autores. Apenas, até dois mil anos antes do presente,
aparecem ainda algumas figuras isoladas da Tradição Agreste.
2 . 2 – Do sítio referência
O abrigo sob rocha Toca do Boqueirão da Pedra Furada (TBPF), dado sua
complexidade gráfica que testemunha toda a evolução estilística operada no seio da
Tradição Nordeste, foi tomado como referência para o processo de comparação e
vinculação das pinturas do Vale do Catimbau às hordas migrantes, originárias da Serra
da Capivara. O Sítio TBPF encontra-se encaixado no sopé da cuesta, zona de contato
entre a Bacia Sedimentar Piauí-Maranhão e o Escudo Metafórfico, posicionado nas
coordenadas Latitude Sul 50’04.593” e Longitude Oeste 42º 33’17.038”. Formado
por paredões areníticos de aproximadamente 70 m de comprimento e 75 m de altura,
com diversos graus de cimentação (compactação), de granulometria variada e lentes de
conglomerado.
A área pictural é de aproximadamente 210 metros quadrados (70 x 3), tendo sido
densamente utilizada como suporte ao longo de 6.000 anos, resultando em múltiplas
áreas de sobreposições que auxiliaram no estabelecimento das fases evolutivas da
Tradição Nordeste.
O sítio TBPF foi estudado intensamente por mais de três cadas, com um
preenchimento sedimentar de quase 5 metros que resultou em uma área escavada de
aproximadamente 400 metros quadrados; apresentou uma seqüência crono-estratigráfica
que permitiu contextualizar a contínua ocupação humana no local, iniciada em datas
pleistocênicas até a colonização européia. Na primeira metade do século XX, extratores
do látex da maniçoba (Manihot caerulescens ssp caerulescens; Manihot catingae;
56
Manihot glaziovi; Manihot heptaphylla; Manihot spp. e Manihot dichotoma)
desenvolveram atividade de coleta na região, que se estendeu por mais de seis décadas,
no perímetro do Parque Nacional.
Em 1986, Guidon apresenta, na revista Nature (vol. 321, 6072), o artigo
“Carbon 14, dates point to man in the América 32.000 years ago”, os resultados da
primeira fase das escavações, com informações que antecedem 30.000 anos AP para a
ocupação da TBPF. Fábio Parenti, sob a orientação de Guidon, em 1993, apresentou em
sua tese de doutorado “Le Gisement Quaternaire de la Toca do Boqueirão da Pedra
Furada (Piauí, Brésil) dans le Contexto da la Préhistoire Américaine Fouilles
Stratigraphie, Chronologie, Évolution Culturele”, na Ècole dês Hautes Ètudes em
Sciences (Paris), os resultados da segunda fase das escavações, confirmando a
cronologia anterior e recuando para 50 mil AP a ocupação humana.
Segundo Parenti (1996), as escavações forneceram milhares de fragmentos de
carvão provenientes de fogueiras estruturadas, como também restos de sementes, folhas,
coprólitos humanos e animais, cerca de 8.000 peças líticas (das quais mais de 600 nos
níveis pleistocênicos) e 156 estruturas arqueológicas. Alguns blocos de arenito com
traços de ocre e pinturas foram recolhidos principalmente nas camadas holocênicas.
Com base nas datações radiocarbônicas, foi possível estabelecer cronologias
para os depósitos sedimentares, as datações foram agrupadas em seis níveis culturais:
Pedra Furada 1, 2 e 3 para o Pleistoceno; Serra Talhada 1 e 2; e o nível Agreste para o
Holoceno.
Os critérios utilizados para agrupar os níveis culturais foram baseados nos tipos
de estruturas de combustão (fogueiras) e nas indústrias líticas, resultando nas seguintes
fases:
a) – Pedra Furada 1: situa-se entre 50.000 AP e 35.000 AP;
b) – Pedra Furada 2: de 32.160 ± 1.000 AP a 25.000 AP;
c) – Pedra Furada 3: entre 21.400 ± 400 AP e 14.300 ± 210 AP;
d) – Serra Talhada 1: entre 10.400 ± 180 AP e 8.050 ± 170 AP;
e) – Serra Talhada 2: de 7.750 ± 80 AP a 7.220 ± 80 AP;
f) – Agreste, para as ocupações posteriores a 6.150 ± 60 AP.
57
conforme afirmação de Felice (2002), nos estudos de Parenti foram reconhecidas
86 estruturas nas unidades do Pleistoceno e 70 estruturas no Holoceno, essas 156
estruturas foram definidas pela contigüidade (distância entre os elementos e a máxima
dimensão deles) das estruturas e pela formação de conjunto de blocos de arenito. Os
critérios morfológicos, sedimentológicos e litológicos foram utilizados para estabelecer
a classificação das estruturas de combustão. A classificação dessas estruturas foi
fundamentada na presença de restos de combustão (cinzas e carvões) e de seixos
avermelhados ou com fraturas térmicas.
2 . 3 – Das pesquisas no Vale do Catimbau
2 . 3 . 1 – Período histórico
A região que atualmente corresponde ao município de Buíque teve o início do
seu povoamento em 1753 e foi denominada, por Félix Paes de Azevedo, seu fundador,
de Campos de Buíque, onde edificou uma capela, em homenagem a São Félix de
Cantalice.
Campos de Buíque foi desmembrado do município de Garanhuns, em 1854, e
elevado à condição de vila, sob a denominação de Vila Nova do Buíque.
Do período inicial do seu povoamento até o final do Segundo Império, os
habitantes de Buíque o se envolveram em nenhum dos muitos movimentos sociais e
políticos verificados no período; exceto quando participantes da revolta Quebra-Quilos
invadiram a região, em 1874.
A revolta Quebra-Quilos, por envolver considerável número de pessoas do
segmento popular, preocupou as autoridades provinciais. Afinal, vilas inteiras do
Nordeste engajaram-se na luta contra a implantação do novo sistema de pesos e
medidas. Os revoltosos saquearam feiras e pontos comerciais, destruindo as balanças.
O tributo que mais provocou a ira dos populares foi o chamado ‘imposto do
chão’, cobrado daqueles que expunham suas mercadorias no chão das feiras. Pequenos
agricultores e os consumidores, afetados pela elevação dos preços dos produtos,
juntaram-se aos revoltosos na contestação das medidas decretadas pelo Estado Imperial.
58
2 . 3. 2 – As pesquisas arqueológicas
No Núcleo de Estudos Arqueológicos (NEA) da UFPE, sob a coordenação de
Martin, nos fins dos anos 70 foi desenvolvido o Projeto Agreste, que instituiu a
microrregião de Arcoverde como área nuclear de estudo. De acordo com a citada
pesquisadora (1999), foi cadastrado uma centena de sítios com pinturas e gravuras
rupestres, entre abrigos factíveis de serem escavados e simples blocos de granito e de
arenito gravados ou pintados ao longo de cursos d’água distribuídos, irregularmente,
entre os municípios de Taguaritinga do Norte, Brejo da Madre de Deus, Alagoinha,
Venturosa, Pedra, Buíque, Brejinho, Passira e Paranatama.
O que se pretendia com o mencionado projeto, a longo prazo, era o
conhecimento dos grupos étnicos autores das pinturas rupestres e do seu habitat. Além
do levantamento dos registros rupestres procedeu-se o estudo do entorno dos sítios, do
seu posicionamento topográfico e caracterização geomorfológica. Realizaram-se
também sondagens e escavações arqueológicas em sítios previamente escolhidos.
É nesse período que se inicia as pesquisas no Sítio Alcobaça, posicionado a meia
vertente de uma escarpa de recuo da Formação Tacaratu. As paredes do abrigo sob
rocha serviram de suporte para uma incomensurável quantidade de grafismos puros,
alguns zoomorfos (quadrúpede, serpente, ave e lagarto) e raros antropomorfos típicos da
Tradição Agreste.
As pinturas contidas nesse sítio foram manufaturadas em diferentes momentos.
As técnicas utilizadas e os materiais empregados na execução dos grafismos foram
diversos: pincéis, bastões de ocre, espátulas ou simplesmente os dedos (digital) na
produção de seqüência de pontos. Além do pigmento vermelho predominante, foram
usados, com menor freqüência, pigmentos pretos, amarelos e brancos.
De acordo com Martin (2003), o tamanho do abrigo e as grandes quedas de
blocos dificultaram a escavação, que se tornou demorada e complexa. Durante o
levantamento topográfico do sítio, que antecedeu a escavação, realizou-se uma
sondagem no ponto onde as pinturas penetram no sedimento arqueológico,
evidenciando a presença de enterramentos secundários com ossos humanos calcinados e
restos de cestaria finamente trançada. Os ossos apresentavam restos de pigmento
vermelho e acompanhavam o conjunto fúnebre, cascas de coco, coquinhos, ocre com
59
marcas de uso, um fragmento de cerâmica e um pilão de rocha. Do carvão vegetal,
coletado nessa primeira sondagem, obtiveram-se duas datações radiocarbônicas, de
1785 ± 49 e 1766 ± 24 anos AP.
Nas sucessivas campanhas foram evidenciados três níveis arqueológicos que
indicaram intensa ocupação do abrigo, a princípio como necrópole, com prevalência de
enterramentos secundários e rituais de incineração, depois, com ocupação mais
prolongada.
Nascimento (2001), em sua tese de doutorado, orientada por Martin, apresentou
uma coluna crono-estratigráfica para a ocupação humana, balizada entre 4.851 ± 30
anos AP e 888 ± 25 anos AP. Contudo, a datação mais recuada para a ocupação humana
no Vale do Catimbau é de 6.640 ± 95 anos AP, obtida através do exame radiocarbônico
em restos esqueletais provenientes do Sítio PE 91 – Mxa, situado na atual reserva
particular ‘Paraíso Selvagem’, escavado por Marcos Albuquerque.
60
3 – O CONTEXTO
3. 1 – Localização geográfica
O Vale do Catimbau, Unidade de Conservação do Parque Nacional do
Catimbau, área nuclear desta pesquisa, está localizado na porção noroeste do município
de Buíque PE. O Parque Nacional estende-se por uma área total de 62.300 hectares,
abrangendo parte dos municípios de Buíque, Ibimirim e Tupanatinga, com limites
definidos a partir das cartas topográficas da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército
Brasileiro, conforme memorial descritivo (anexo nº 2).
Conforme relatórios da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM
(1997; 2001), Buíque se localiza na mesorregião do Agreste pernambucano, mais
precisamente, na microrregião do Vale do Ipanema. O município abrange uma área total
de 1.278 km², limitando-se, ao norte, com Arcoverde e Sertânia; ao sul, com Águas
Belas e Tupanatinga; a leste, com o município de Pedra; a oeste, com Tupanatinga. A
sede municipal está posicionada nas coordenadas UTM 703.026 E e 9.038.522 N,
distante 285 km do Recife. De fácil acesso e por vias asfaltadas, percorre-se 252 km
pela rodovia BR 232, até a cidade de Arcoverde e, a partir daí, trafega-se mais 33 km
pela PE – 270, até se atingir a sede do município (mapas 1 e 2).
O Vale do Catimbau encontra-se a meio caminho de importantes áreas
arqueológicas com prevalência da Tradição Nordeste de pintura rupestre: distante 576
km, a vôo de pássaro, do Parque Nacional Serra da Capivara, pólo da dispersão desse
horizonte gráfico; 210 km do município de Seridó e 220 km de Parelhas, ambos no Rio
Grande do Norte. Dista 135 km da calha do rio São Francisco, considerando o vale do
Moxotó como via de acesso ao grande rio (mapas 3 e 4).
3.2 – Aspectos geológicos e geomorfológicos
De acordo com o mapa geológico da Companhia de Pesquisa de Recursos
Minerais - CPRM (1997; 2001), a área pesquisada está situada na Bacia Sedimentar do
Jatobá. Mais especificamente, os sítios arqueológicos Alcobaça, Dedos de Deus, Pedra
da Concha e Homem Sem Cabeça, objeto deste estudo, estão dispostos sobre as rochas
sedimentares constituintes da Formação Tacaratu (mapa nº 5).
61
Mapa 1
Localização geográfica de Buíque e da área nuclear de estudo.
Fonte: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM
Adaptação: Ricardo Barbosa
62
Mapa 2
Localização dos sítios arqueológicos segundo plano curva de nível: 1- Dedos de Deus;
2- Alcobaça; 3 - Pedra da Concha; 4 -Homem Sem Cabeça
Fonte: SUDENE. FOLHA SC. 24-X-B-IV. BUÍQUE - PE
63
Mapa 3
Localização das áreas arqueológicas: 1 - São Raimundo Nonato; 2 - Central; 3 - Buíque;
4 - Serra do Toá; 5 - Afogados da Ingazeira; 6 - Seridó.
Fonte: IBGE
Adaptação: Ricardo Barbosa
64
Mapa 4
Áreas arqueológicas segundo planos altimétricos: 1- Buíque; 2 - Serra do Toa;
3 - Afogados da Ingazeira; 4 - Piancó; 5 - Seridó.
Fonte: SUDENE. FOLHA: SB-24 (Jaguaribe); FOLHA: SC-24 (Aracaju)
Adaptação: Ricardo Barbosa
65
A Bacia Sedimentar do Jatobá apresenta-se de forma ovalada, com eixo maior na
direção nordeste-sudoeste, representa a inflexão da direção geral do rifle
intracontinental abortado do Sistema Tucano/Jatobá, cuja origem está relacionada aos
processos geodinâmicos geradores da abertura do Atlântico Sul.
A bacia constitui um meio graben formado por blocos escalonados de direção
nordeste, que se aprofunda no sentido noroeste, preenchido por seqüências
estratigráficas sedimentares de idades que variam do Siluriano-Devoniano até o
Cretácio Superior, por vezes capeadas por coberturas residuais Tércio-Quaternárias.
De modo geral, essa bacia apresenta distintas feições morfológicas: uma,
de domínio sedimentar; na outra, predominam as rochas cristalinas.
Na porção sedimentar observam-se duas seções: uma, de relevo plano e pouco
ondulado, arrasado, onde se situa a parte mais basal da bacia; a outra, de relevo alto e
plano, escarpado, alcançando pontos altimétricos da ordem de 1.040 m (Serra do
Jerusalém). No contorno mais baixo, as cotas altimétricas se aproximam de 600 metros.
Na porção cristalina, também se observam duas feições: uma, de relevo
ondulado e pouco escarpado (sede municipal), com bastante cobertura coluvial, rico em
solos; a outra, com uma superfície arrasada de pouco colúvio, solos pobres e
pedregosos, em que as cotas altitudinais chegam a 400 metros.
3. 2. 1 – A Formação Tacaratu
De acordo com o CPRM (2001), genericamente, a Formação Tacaratu é
caracterizada por uma seqüência predominante psamítica-psefítica, com intercalações
pelíticas subordinadas, com faixas parcialmente silicificadas.
Segundo Barreto (1968), ‘a Formação Tacaratu é constituída por um conjunto de
formas areníticas e chapadões silurianos que, dispostos perpendicularmente na direção
dos ventos úmidos do sudeste (alísios), determinam condições climáticas peculiares’.
Nos testemunhos sedimentares dessa formação existem numerosos abrigos sobre rocha,
provavelmente formados pela ação eólica e pela desagregação físico-química, muitos
dos quais serviram de habitat a grupos humanos pré-históricos.
66
Litologicamente predominam os arenitos grosseiros a conglomeráticos, mal
selecionados, de coloração avermelhada; contém lentes de conglomerados com
estratificações cruzadas acanaladas de médio a grande porte, apresentando
características típicas de um sistema fluvial entrelaçado.
Entretanto, algumas particularidades dessa formação podem ser apontadas como,
por exemplo, a Serra do Jerusalém (também denominada Serra do Catimbau),
caracterizada por um espesso pacote de arenitos avermelhados grosseiros, de diagênese
média a forte, por vezes silicificados, extremamente fraturados, com estratificações
cruzadas acanaladas de grande porte, onde são freqüentes grutas e formas erosionais.
Nos contrafortes da face oeste dessa serra, na reserva particular denominada
‘Paraíso Selvagem’, é freqüente a ocorrência de grutas ou abrigos de pequenas
dimensões, posicionados na meia e alta vertente. Parte desses abrigos foi utilizada como
necrópoles, em período ainda não conhecido, predominando os enterramentos
secundários. Nessa mesma área, próxima à reserva particular, o Professor Marcos
Albuquerque exumou um esqueleto humano com datação radiocarbônica de 6.640 ± 95
AP.
Na região onde a fazenda São José está situada, observam-se os mesmos arenitos
avermelhados intercalados por espessos pacotes de arenitos esbranquiçados e cinza-
claros, de granulometria variando de média a muito fina, onde são freqüentes
estratificações cruzadas de grande porte, que sugerem uma origem flúvio-eólica para
essa formação.
A oeste do povoado Catimbau, nas localidades de Caldeirão, Carnaúba e Ponta
da Várzea, porção que abrange os vales dos riachos Catimbau e Brejinho, afloram
arenitos esbranquiçados, de finos a muito finos, sacaroidais, de boa porosidade, também
apresentando estratificações cruzadas acanaladas de médio a grande porte, indicando
paleocorrentes em várias direções, que sugerem um retrabalhamento eólico desses
sedimentos. Este tipo de arenito também aflora nas localidades da Baixa da Palmeira e
Brejinho de Cima, onde sua ocorrência é intercalada por siltitos e argilitos de coloração
variando de creme a esbranquiçado, com níveis de arenitos finos de forte diagênese, por
vezes ferríferos, com marcas das antigas explorações de material caulínico.
Na face leste da Serra do Coqueiro, onde se localiza a fazenda Serrote Preto, de
propriedade do Sr. José Maria dos Santos, os vales apresentam-se abertos, onde se
erguem serras com ocorrência de abrigos sob rocha nas escarpas de recuo, parte dos
quais serviu de assentamento para grupos humanos pré-históricos. Dentre os abrigos
67
existentes, pelo menos dois foram ocupados por grupos ‘agrestes’, porém, apenas o
Sítio Alcobaça apresenta condições físicas e ambientais compatíveis com o padrão de
assentamento dessa tradição no vale do Ipanema (ver nota 41).
O Sítio Alcobaça está situado no fundo de um vale em forma de ferradura,
bastante arenoso (solo formado predominantemente de areias quartizosas distróficas,
resultante de processos erosionais do arenito siluro-devoniano da Formação Tacaratu).
O sítio apresenta configuração de anfiteatro, que permite uma visão privilegiada do
vale. Nessa mesma paisagem, destaca-se um maciço isolado, dotado de três torres em
tamanhos gradientes que, pela sua morfologia análoga à mão humana, denomina-se
‘Dedos de Deus’. Esse sítio difere do padrão de assentamento agreste do vale do
Ipanema. Encontra-se posicionado na alta vertente da formação e o apresenta
grafismos puros associados aos antropomorfos.
Geologicamente, o Sítio Dedos de Deus apresenta algumas especificidades,
razão pela qual foram coletadas pequenas amostras do paredão (distante dos painéis) e
do sedimento proveniente das rochas inconsolidadas. Posteriormente, essas amostras
foram analisadas pela Professora Alcina Magnólia Franca Barreto, do Departamento de
Geologia da UFPE. Os grânulos das paredes do abrigo são bastante heterogêneos,
variam de fino a muito grosso. As paredes apresentam diversos graus de cimentação ou
compactação. Aparecem finas camadas de siltes e argilitos, segregando veis de
arenitos ferríferos (vermelho escuro, por vezes, roxo-terra), intercalando lentes de
arenitos esbranquiçados e vermelho-claros (alaranjados). ocorrência de bolsões de
argilas bastante friáveis, de grânulos muito finos (jazidas de toá), encaixados na base do
paredão, nas cores branca, cinza-claro e vermelho-claro (Ver mapa n° 5).
3. 3 – Aspectos paleoambientais e paleoclimáticos do Nordeste
Desde a década de 50 os botânicos haviam relatado as distribuições florísticas e
o aparecimento de vegetações discrepantes com o clima atual na Amazônia e no
Nordeste brasileiro. A partir dos anos 70, estudos palinológicos, faunísticos e de feições
geomorfológicas relacionaram essas divergências às mudanças paleoclimáticas
ocorridas nas duas regiões (RIBEIRO, 2002).
68
Mapa 5.
Localização dos sítios sobre base geológica (Formação Tacaratu): 1- Dedos de
Deus; 2 - Alcobaça; 3 - Pedra da Concha; 4 - Homem Sem Cabeça.
Fonte: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM
Adaptação: Ricardo Barbosa
69
As pesquisas sedimentológicas, antracológicas e paleontológicas desenvolvidas
pela FUMDHAM, como forma de obter informações sobre o paleoambiente da região
onde se encontra inserido o PARNA Serra da Capivara confirmaram ocorrências de
paleomudanças climáticas e ambientais na região, durante a transição do Pleistoceno
para o Holoceno. Segundo Guidon (2004), a Serra da Capivara situa-se em uma zona de
fronteira entre duas formações geológicas: a Depressão Periférica Sanfranciscana, do
Pré-Cambriano, e a Bacia Sedimentar Piauí-Maranhão, do Devoniano-Permiano. Essa
zona de fronteira geológica tem como característica a multiplicidade de biomas e
ecossistemas.
De acordo com a pesquisadora, no período pré-histórico as condições ambientais
na região eram muito diferentes. As escavações arqueológicas demonstraram que, até
cerca de 9.000 8.000 anos AP, grandes rios corriam na região, coberta por florestas
tropicais úmidas. Uma vegetação abundante, perenifólia, assegurava a alimentação para
a fauna, majoritariamente herbívora e de grande porte. Durante milênios, espécies da
megafauna existiram na região e coabitaram com os grupos humanos que também a
povoaram.
A partir da época em que as chuvas diminuíram, começa a se instalar, em torno
de 6.000 AP, o clima atual. A vegetação também diminui, as fontes de alimentação se
tornam escassas e a megafauna desaparece totalmente da região, junto com as espécies
dos ecossistemas úmidos. As transformações da vegetação e a extinção de uma parte da
fauna não afetaram a sobrevivência dos grupos humanos, para os quais as fontes de
alimentação eram as espécies de médio e pequeno porte que sobreviveram às alterações
climáticas (GUIDON, 2004, p. 133-142).
Os estudos dos registros paleontológicos contidos em afloramentos calcários da
região confirmaram os resultados obtidos nas pesquisas sedimentológicas e
antracológicas. Segundo o pesquisador Claude Guérin, membro da Université Claude
Bernard Lyon e da FUMDHAM, a maioria dos sítios arqueológicos dessa região se
encontra no sopé das falésias de arenito, onde a natureza química do solo não permite a
conservação de restos ósseos. Mesmo assim, desde 1986, várias jazidas foram
descobertas nas proximidades, num contexto totalmente diferente (afloramento de
calcário), que permitiu a conservação da estrutura óssea de uma fauna rica,
desconhecida, até agora, nessa área arqueológica. Foi escavada uma dezena desses sítios
paleoarqueológicos. O estudo dessa fauna forneceu indicações paleoecológicas que nos
dão uma visão do meio ambiente no Pleistoceno e no começo do Holoceno no Nordeste
70
brasileiro, e provam que o clima era muito mais úmido que o atual (GUÉRIN; FAURE,
2004).
Adauto de Souza Ribeiro (2002), em sua tese de doutorado apresentou
resultados compatíveis com os dados obtidos pelos pesquisadores da FUMDHAM. Os
estudos basearam-se em exames isotópicos da matéria orgânica sobre o solo (MOS)
coletada em níveis estratigráficos, associada a datações radiocarbônicas de restos de
combustão (originados por paleoincêndios) dos respectivos veis deposicionais. No
Estado de Pernambuco foi estudada a MOS da Serra do Jerusalém (Buíque), da Serra
dos Cavalos (Caruaru) e de um enclave de transição floresta-cerrado (Tamandaré).
Também foi estudada a mata de restinga-cerrado e a mata mesófila ciliar e de galeria na
região da Lagoa do Caçó, município de Urbano Santos, no Estado do Maranhão.
De acordo com o autor, as pesquisas paleoclimáticas realizadas no Nordeste são
raras, devido à dificuldade de se encontrar lagos estáveis e perenes na região. Contudo,
os estudos palinológicos em turfeiras encobertas por areias das paleodunas do vale do
Icatu (BA), sugerem mudanças na vegetação e no clima durante os últimos 11.000 anos
AP. No Pleistoceno tardio e início do Holoceno, os dados polínicos indicaram uma alta
biodiversidade dos elementos das florestas amazônica e atlântica, bem como a presença
de elementos das florestas serranas, sugerindo a ocorrência de condições climáticas bem
úmidas. Entre 10.540 e 6.790 anos AP o espectro polínico indicou o predomínio de
Mauritia, uma palmeira das matas de galeria e ciliar do cerrado, sugerindo um
progressivo aumento da temperatura, com altos veis de umidade. No período entre
8.920 e 8.910 anos AP ocorreu aumento na taxa de sedimentação e de pólen de Mauritia
e llex, sugerindo um clima mais úmido. Entre 8.910 e 6.790 anos AP houve um
progressivo declínio de elementos do cerrado e um gradual aumento de elementos da
caatinga. Entre 6.790 e 4.535 anos AP verificou-se uma transição do cerrado para a
caatinga, com várias alternâncias de vegetação. A partir de 4.535 anos AP se estabelece
a atual vegetação.
Os estudos realizados por Auler e Smart em depósitos de calcário travertino
fóssil e espeleotemas subaqüíferos, atualmente secos, na região de Lage dos Negros e
Abreus (noroeste da Bahia), demonstraram elevação no nível da água subterrânea,
durante o Quaternário. Os travertinos foram depositados em fases distintas, uma fase
datada de 400.000 anos AP, a outra, entre 21.400 anos AP até o início do Holoceno.
Nessa região, também foram examinados depósitos de calcita em diferentes
espeleotemas, que indicaram dois momentos de deposição: um, com datação de 145.000
71
anos AP, que foi associado ao penúltimo período glacial; o outro, com deposição entre
21.000 e 17.300 anos AP, relacionado ao Último Máximo Glacial. O processo de
deposição da calcita foi interpretado como decorrente da umidade excessiva no
ambiente.
De acordo com Bigarella (1994), os estudos palinológicos em depósitos
sedimentares glaciais da costa atlântica indicam predominância de vegetação aberta
(campos e cerrados) e não de florestas tropicais e subtropicais. Com base nesses dados,
concluiu-se que, durante os avanços das geleiras, o clima, anteriormente úmido, tornou-
se árido e semi-árido; alternando-se, úmido nos períodos interglaciais e semi-árido nos
glaciais. As pesquisas realizadas no domínio morfoclimático da caatinga (Piauí, Bahia e
Pernambuco) confirmam a inversão na ordem desse fenômeno. Em outras palavras,
durante os períodos de expansão dos mantos glaciais, a região onde hoje predominam o
cerrado e a caatinga esteve coberta por densas florestas perenifólias, resultantes de um
clima mais úmido e, nos momentos interglaciais, quando ocorreu a retração dos mantos
glaciais, instalaram-se as condições fitoclimáticas atuais.
3. 3. 1 – Origem da vegetação nordestina
Segundo Ribeiro (2002), a hipótese de uma dinâmica da paleovegetação sob a
influência do semi-árido, das florestas atlânticas e amazônicas necessita de melhor
compreensão, uma vez que a região central do Nordeste, dominada pela caatinga,
caracteriza-se por apresentar uma grande diversidade de espécies adaptadas à semi-
aridez e ao relevo. O domínio do semi-árido, aproximadamente 1.000.000 km², forma
um polígono de aridez que separa duas florestas úmidas tropicais, a atlântica e a
amazônica. Na transição da caatinga para a floresta amazônica ocorrem várias
subformações vegetacionais de cerrado e caatinga, provavelmente associadas às
mudanças climáticas passadas.
De acordo com o autor, a hipótese de origem pleistocênica da vegetação
nordestina foi apresentada por Rizzini (1979). Durante as fases úmidas e frias (glaciais),
devido ao clima fresco e úmido nos planaltos, tanto as florestas quanto os campos de
altitude (vegetação) migraram para o Nordeste. O solo úmido favoreceu a dispersão das
plantas a longas distâncias, impelindo a floresta atlântica a chegar ao Acre e ao
Maranhão, formando um manto verde desde a Cordilheira dos Andes até as bordas da
Amazônia. A prova disso é a flora mista acreana onde aparece o Podocarpus sellowii
72
entre as plantas amazônicas e junto ao Maranhão, como também as áreas disjuntas de
vegetais típicos da Serra do Mar, que aparecem no centro de Goiás e o Podocarpus
lambertii nos campos de Minas Gerais. Por outro lado, a floresta amazônica deve ter se
expandido para o Nordeste e o Sudeste e, nessa ocasião, as espécies como Hancornia
speciosa e Curatella americana alcançaram o litoral, chegando até o Rio de Janeiro,
estando hoje reclusas no litoral do Nordeste e região central do Brasil. Muitas espécies
amazônicas dispersaram-se pelo Nordeste, influenciando a flora da Bahia e do Espírito
Santo.
A vasta extensão territorial da região Nordeste (1.540.827 km²) apresenta
grandes variações de relevo, predominando altitudes de 500 m na depressão sertaneja,
de 900 a 1.000 m no Planalto da Borborema e nas chapadas de Ibiapaba e Araripe, e até
1.200 m na Chapada Diamantina. As condições climáticas são complexas na região,
onde os diversos sistemas de circulação atmosférica se sobrepõem e ocasionam
diferenças de continentalidade e oceanicidade, que vão refletir nos tipos vegetacionais,
no ritmo biológico e na dinâmica das plantas (ANDRADE-LIMA, 1981).
Entre as principais feições básicas da vegetação do Nordeste, de leste para oeste,
aparecem: a floresta atlântica e suas disjunções (floresta serrana) em meio ao semi-
árido; a caatinga; e o cerrado.
3. 3. 1. 1 - Floresta atlântica e floresta serrana
A floresta atlântica estende-se do Cabo de São Roque (RN) até o município de
Osório (RS). Apresenta-se bastante larga em alguns trechos, enquanto que em outros se
reduz às escarpas. De um modo geral, a floresta atlântica encontra-se em toda a costa
brasileira. No Nordeste, essa floresta se estende até aproximadamente 70 km da costa.
Atualmente, encontra-se fragmentada pela ação antrópica, principalmente pelo uso da
terra para cultura da cana-de-açúcar.
A característica principal da formação atlântica diz respeito à grande umidade do
ar trazida pelos ventos marítimos. Segundo a classificação de Köppen, verifica-se que o
clima abrange os tipos AW (tropical), CWa (tropical de altitude) e CF (subtropical),
com temperaturas que variam de 17°C a 28°C e pluviosidade média entre 1500 mm/ano
e 2200/ano. O relevo apresenta contrastes de superfícies cristalinas e sedimentares
muito altas ao lado de áreas rebaixadas. Esse caráter topográfico favorece as altas
precipitações (NIMER, 1977).
73
Como já referido, a floresta atlântica perenifólia, ao retroceder em direção à
costa, durante o período de transição do Pleistoceno para o Holoceno, deixou vestígios
vegetacionais sobre as serras, que se adaptaram às novas condições climáticas, em
contraste com os pediplanos, onde se desenvolveu a caatinga caducifólia.
De acordo com Tabarelli e Santos (2004), a hipótese mais aceita sobre a origem
da vegetação dos brejos de altitude está associada às variações climáticas ocorridas
durante o Pleistoceno (dos últimos dois milhões a dez mil anos antes do presente), as
quais permitiram que a floresta atlântica penetrasse nos domínios da caatinga. Ao
retornar à sua distribuição original, após os períodos interglaciais, ilhas de florestas
atlânticas permaneceram em locais de microclima favorável (ANDRADE-LIMA, 1982).
O autor considera os brejos como ‘refúgios’ para as espécies da floresta atlântica
nordestina dentro dos domínios da caatinga. Os brejos também abrigam plantas com
distribuição amazônica (Apeiba tibourbou Aubl.) e algumas espécies típicas das
florestas serranas do sul e sudeste do Brasil (Phytolacca dióica L.).
As florestas serranas (perenifólia disjuntas da mata do litoral) dos brejos de
altitude, que ocorrem, na maioria das vezes, no domínio da caatinga, constituem
conjuntos florísticos únicos e com alta diversidade, resultantes tanto do isolamento dos
grandes blocos orográficos entre si, quanto da área primitiva da mata atlântica,
associados ao paleoclima e à geomorfologia (ANDRADE-LIMA, 1982). A
biodiversidade desse ecossistema constitui um patrimônio genético de valor
incomensurável (SALES, 1998).
A hipótese de Andrade-Lima (1982) sobre a origem da vegetação dos brejos foi
reforçada por Santos (2002), ao analisar o padrão de distribuição das plantas lenhosas
amazônicas e de doze localidades da floresta atlântica nordestina. Esse autor identificou
um padrão de distribuição da flora de plantas lenhosas que se enquadra em um modelo
de separação seqüencial e gradativa de um contínuo preexistente (cf. divergência em
cladística), condição que teria se fixado durante o processo de retração da floresta
úmida.
Atualmente, no Nordeste, estão em desenvolvimento estudos comparativos entre
as florestas atlânticas e serranas, com a finalidade de se estabelecer as conexões entre
elas, como também analisar a evolução da vegetação atual. Os resultados preliminares
demonstraram a existência de uma forte diversidade e similaridade das espécies
existentes nos diferentes fragmentos de floresta.
74
Segundo Sales (1998), a partir do levantamento da flora em nove brejos de
altitude em Pernambuco, com um total de 7.200 coletas, foram registradas 120 famílias,
433 gêneros e 956 espécies. Com base nesses dados, pode-se inferir que a composição
florística dos brejos pesquisados é bastante diversificada e as diferenças da vegetação
inter-brejos são decorrentes das distâncias físicas entre as formações.
3. 3. 1. 2 – Caatinga
Como mencionado, entre as principais feições básicas da vegetação do
Nordeste, de leste para o oeste aparecem a floresta atlântica e suas disjunções, a
caatinga e o cerrado. No domínio do semi-árido a vegetação característica é a caatinga.
Segundo Jacomine (1996), baseado nas feições do solo, a caatinga ocupa 748.600 km²;
se a mesma fosse associada aos aspectos geográficos, geológicos e climáticos, a área
seria de 834.666 km² (ANDRADE-LIMA, 1981); do ponto de vista da paisagem e
distribuição macro-ecológica, poderia alcançar aproximadamente 1.000.000 km²
(FERRI, 1974; RIZZINI, 1979).
A caatinga se estende pela região seca do Nordeste e é conhecida como
província fitogeográfica totalmente superposta por um domínio climático semi-árido
(Ab’SABER, 1977). Segundo Jatobá (1983), o clima predominante na área da caatinga
é do tipo BSh de Köppen (clima semi-árido com temperatura média anual maior a 18º
C), sendo caracterizado por insolações, precipitações baixas e irregulares, bem como
elevadas médias térmicas. As chuvas são, em geral, de caráter convectivo,
tempestuosas, constituindo-se em pesados aguaceiros de pequena duração e bem
localizadas. A evapotranspiração anual é sempre maior que a precipitação, sobremaneira
na estação seca, quando a temperatura média fica entre 26° e 28° C.
As caatingas (considerando a diversificação setorial) caracterizam-se por serem
formações xerófilas, lenhosas, deciduais, em geral espinhosas, com presença de plantas
suculentas, variando do padrão arbóreo ao arbustivo e com estrato herbáceo estacional.
De acordo com Emperaire (1991), a caducifolia é um comportamento fisiológico de
cautela às condições desfavoráveis e à perda de água. Com relação à flora, predominam
as cactaceae, bromeliaceae e leguminosae, especialmente as mimosoideae. As
cactaceae dão uma fisionomia específica a certos tipos de caatinga (ANDRADE-LIMA,
1981).
75
3. 3. 1. 3 – Cerrado
De acordo com a hipótese sobre a origem do cerrado, de Salgado-Labouriau
(1998), sua formação ocorreu dentro das pulsações climáticas do Quaternário. As
florestas úmidas expandiram-se durante os períodos glaciais e retraíram-se durante os
interglaciais, originando, como subproduto dessa dinâmica paleo-vegetacional, o bioma
que hoje denominamos de cerrado. Prado e Gibbs (1993), afirmam que as florestas
semidecíduas da América do Sul teriam alcançado sua máxima extensão no final da
última glaciação, logo em seguida -se a contração das mesmas; as evidências dessa
dinâmica são as espécies típicas das florestas dentro do bioma cerrado.
Os registros polínicos do Quaternário tardio, na borda sul da Amazônia, indicam
que a floresta úmida expandiu-se pelo menos a 3.000 anos AP, e que o limite dessa
borda já esteve mais ao sul, pelo menos 50.000 anos AP. Essa expansão foi atribuída
a um aumento sazonal na migração latitudinal da Zona de Convergência Intertropical
que leva umidade para o sul.
Segundo Ribeiro (2002), os dados obtidos a partir do exame dos pólens
permitiram a reinterpretação paleoecológica e climática da bacia amazônica durante o
Último Máximo Glacial - UMG (período compreendido entre 20.000 anos AP e 18.000
anos AP). Os dados palinológicos possibilitam concluir: a) – houve uma contínua
ocupação da região amazônica por uma densa floresta, permanecendo intacta durante o
UMG; b) as estruturas paleovegetacionais permaneceram as mesmas, pelo menos nos
últimos 21.000 anos AP; c) no período compreendido entre 21.000 anos AP e 16.000
anos AP, tanto a parte ocidental como a oriental foi coberta por uma floresta fechada.
Na região entre Porto Velho (RO) e Humaitá (AM) encontra-se uma vegetação
de floresta que circunda enclaves de cerrado. Pesquisas realizadas nessa área, utilizando
técnicas isotópicas da MOS, possibilitou determinar a dinâmica do ecossistema floresta-
cerrado no Quaternário recente. Os dados indicaram que, no final do Pleistoceno e
início do Holoceno (17.000 anos AP e 9.000 anos AP), essa área foi totalmente coberta
por vegetação de floresta úmida. Entre 9.000 anos AP e 3.000 anos AP ocorreu a
expansão do cerrado, provavelmente em resposta às condições climáticas mais secas. Os
dados isotópicos também revelaram que as mudanças na paleovegetação não ocorreram
com a mesma intensidade em toda área pesquisada. A partir de 3.000 anos AP, os dados
sugerem uma expansão da floresta sobre o cerrado (RIBEIRO, 2002, p. 23).
76
3. 4 – Ambiência da área nuclear da pesquisa
3. 4. 1 – Clima, relevo e hidrografia
A região onde está situado o Vale do Catimbau, em função da sua altitude em
relação ao nível do mar, variando entre 800 e 1040 m, exibe uma cobertura vegetal
majoritariamente de porte arbóreo-arbustivo (até 5 m de altura), enquadrando-se na
categoria ‘brejo de altitude’. De acordo com Andrade e Lins (1986), considera-se o
brejo de altitude ou a serra úmida como uma disjunção da mata atlântica encravada na
região semi-árida, sempre que as cotas altitudinais ultrapassam 600 m e expõem as
encostas e os morros aos ventos úmidos do sudeste. Para Cabral et al. (2004), os brejos
de altitude localizados na região Agreste de Pernambuco e da Paraíba, são formações
com microclima diferenciado, onde, por efeito orográfico (relevo), a pluviosidade é
bastante superior à do entorno, caracterizando o chamado ‘Agreste subúmido’.
Estende-se o Agreste subúmido ao longo das encostas oriental e sul-oriental do
maciço da Borborema, que se amplia para o interior, ocupando também as partes mais
elevadas do maciço, situadas nos limites ocidentais da região (MELO; ANDRADE,
1961).
O maciço da Borborema é constituído por um elevado bloco contínuo, de
importância fundamental para o relevo da região Nordeste. Em Pernambuco e na
Paraíba exerce um papel de particular importância na diversificação do clima. Nas
bordas desse maciço nascem as principais redes de drenagem desses estados. Em outras
palavras, importantes rios dos estados de Pernambuco e da Paraíba nascem nas zonas de
brejo ou tornam-se perenes ao receber a contribuição dos vários córregos e riachos
dessas áreas.
No Nordeste as precipitações pluviométricas são mais intensas e regulares na
Zona Litorânea e na Zona da Mata, com cerca de 2.000 mm anuais; gradativamente,
esses totais pluviométricos vão decrescendo na medida em que se aproximam do
Agreste e do Sertão. No Agreste e no Sertão, os totais anuais são bem reduzidos em
relação à faixa litorânea, seus índices ficam entre 500 mm e 800 mm; sua distribuição
apresenta grande variabilidade espacial e temporal.
Nessas regiões, o período de chuvas dura poucos meses, ficando o restante do
ano sem nenhuma precipitação. A escassez dos recursos hídricos agrava-se devido às
pequenas espessuras do solo, o embasamento cristalino a pouca profundidade
77
compromete o armazenamento da umidade no solo e, com efeito, a vazão na maior parte
dos rios torna-se efêmera ou intermitente.
Do ponto de vista climático, pluviométrico e hidrográfico, o Vale do Catimbau
apresenta algumas particularidades, explicitadas a seguir.
3.4. 1. 1 – Zona de transição
O Vale do Catimbau está situado entre as mesorregiões do Agreste e Sertão,
portanto, sob a influência de distintos sistemas climáticos. O Agreste, enquanto região
intermediária entre as áreas de clima úmido (Zona da Mata) e seco (Sertão), apresenta
período chuvoso superior a 120 dias anuais. Porém, nas áreas mais próximas do Sertão,
a contribuição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) é mais ativa que o Sistema
de Leste (alísio), com período chuvoso de até 90 dias e o mês de março concentra a
maior parte da chuva. Nas áreas mais próximas da Zona da Mata, onde o sistema de
Leste é mais ativo, o mês de junho concentra a maior parte da precipitação. Assim, em
função de sua localização, o Vale do Catimbau recebe influência tanto da ZCIT como
do Sistema Leste.
Outros dois fatores, relacionados entre si, também condicionam o micro-clima
local: a altitude e as correntes de massas de ar.
O primeiro fator, a altitude, influencia a distribuição das chuvas entre os distritos
municipais, conforme sua cota altitudinal (tabela 1).
A análise dos índices permite observar a existência de áreas com maior e menor
precipitação. A princípio, os distritos posicionados em elevadas cotas altitudinais
apresentam totais anuais superiores (sede municipal 1000m), em contraposição,
àqueles posicionados em altitudes inferiores (Amaro 400m) apresentam índices
pluviométricos menores, corroborando a tese da variação da pressão atmosférica.
78
79
O segundo fator condicionante do clima local é a exposição às correntes de
massas de ar. Segundo Cabral et al. (2004), é fundamental para a formação dos micro-
climas serranos a exposição das encostas às massas advectivas úmidas, bem como a
direção dos vales que formam caminhos naturais para as correntes de ar carregadas de
vapores d’água (figura 1).
Figura 1. Perfil esquemático dos brejos geográficos de altitude no Nordeste do Brasil.
Fonte: Tabarelli & Santos, 2004)
De acordo com a classificação de Köppen, Buíque encontra-se sob a influência
dos climas: As’ e BSh. As’ apresenta um clima quente com chuvas de outono-inverno,
enquanto o BSh é caracterizado por um clima seco de estepes, de baixas temperaturas,
baixa precipitação e chuvas de verão-outono. Considerando os dois climas, a
temperatura na região é sempre alta durante o ano, com médias anuais em torno de 23,1
ºC para as nimas e 28,9 °C para as máximas; a diferença média entre a mínima e a
máxima é de aproximadamente 5 °C (NASCIMENTO: 2001). A precipitação média no
Vale do Catimbau é de 1095,5 mm, todavia, a taxa anual de evapotranspiração é sempre
superior à de precipitação, o que ocasiona forte insolação do solo, conferindo-lhe um
aspecto de semi-aridez típico do Nordeste brasileiro.
80
3. 4. 1. 2 – Divisor de águas
Em função da geomorfologia local e seu geoposicionamento em cotas
altitudinais elevadas, Buíque é um divisor de águas entre duas bacias hidrográficas: as
chuvas que caem nas porções nordeste e sudeste do município são drenadas para o vale
do rio Ipanema e as que caem no noroeste e sudoeste são escoadas para o vale do rio
Moxotó (mapa 6).
A drenagem da região é realizada rapidamente (sem formação de áreas
alagadas), devido à configuração topográfica do terreno com inclinação acentuada. Os
talvegues (riachos) apresentam morfologia radial-dentrítica. Nos terrenos sedimentares
(Formação Tacaratu), a rede hidrográfica é mais discreta que no domínio cristalino,
talvez, em virtude das altas taxas de infiltração nos solos de composição
predominantemente arenosa. Todos os rios da região são intermitentes, inclusive
aqueles que denominam as bacias hidrográficas (Moxotó e Ipanema).
81
Mapa 6.
Rede hidrográfica de Buíque.
Localização dos sítios: 1- Dedos de Deus; 2 - Alcobaça; 3 - Pedra da Concha;
4 - Homem Sem Cabeça.
Fonte: Governo do Estado de Pernambuco
Adaptação: Ricardo Barbosa
82
3.4.2 - Solo e vegetação
Os estudos isotópicos da matéria orgânica sobre o solo (MOS), associados às
datações radiocarbônicas dos carvões originados por paleoincêndios, coletados em
diferentes níveis estratigráficos da Serra do Catimbau (ou Serra do Jerusalém), foram
realizadas em distintos pontos altimétricos de 800 m e 900 m, respectivamente, fundo
de vale e topo da serra. O estudo da MOS demonstrou que a cobertura vegetal atual
(caatinga hiperxerófila) sofreu reduzida alteração nos últimos oito milênios.
De acordo com Ribeiro (2002, p. 170), a caatinga da Serra do Catimbau
apresenta uma riqueza maior de espécies arbóreas-arbustivas. Os valores isotópicos da
MOS e as datações por C14 dos fragmentos de carvões coletados em níveis
estratigráficos, indicaram que não houve mudanças significativas na vegetação, pelo
menos nos últimos 8.000 anos AP, sendo mantido por todo o período, o predomínio de
plantas arbóreas.
Confirmando a teoria sobre a origem da vegetação dos brejos de altitude como
resultante de processos paleodinâmicos das florestas úmidas, o autor apresentou um
inventário das plantas lenhosas presentes na Serra do Catimbau, indicando sua
ocorrência em outros habitats (tabela 2).
Tabela 2
Listagem das plantas lenhosas presentes na Serra do Catimbau e sua ocorrência em
outros habitats: (A) mata atlântica do Nordeste; (1) matas de altitude do Nordeste; (2)
restinga do Nordeste; (3) caatinga; (4) mata mesófita e cerrado do Brasil Central e (5)
floresta amazônica – AM, PA, MA, RO.
Família
Gênero e Espécie Distribuição
Anacardiaceae
Acacardium occidentale L. 3 - 1 - 2 - 4
Schinopsis brasiliensis Engl. 3 - 2
Spondias tuberosa Arruda 3 - 2
Arecaceae
Attalea speciosa Mart 4 – 5
Syagrus coronata (Mart) Becc. 3 - 4
Syagrus coronata (Mart) Becc. 3 - 4
Bombacaceae
Cmmiphora leptophleos (Mart) Guillet 3 - 1 - 4
Cactaceae
Cereus jamacaru A. DC. 3
83
Tabela 2 (continuação)
Listagem das plantas lenhosas presentes na Serra do Catimbau e sua ocorrência em
outros habitats: (A) mata atlântica do Nordeste; (1) matas de altitude do Nordeste; (2)
restinga do Nordeste; (3) caatinga; (4) mata mesófita e cerrado do Brasil Central e (5)
floresta amazônica – AM, PA, MA, RO.
Família
Gênero e Espécie Distribuição
Melocactus sp
Opuntia palmadora Britton & Rose 3 - 1
Opuntia sp 3
Pilosocereus spp 3 - 2
Caesalpiniaceae
Caesalpinia pyramidalis Tul. 3 - 1
Chamaecrista sp 2 3
Copaifera sp 3 - 1 - 2
Combrataceae
Cumbretum sp 3 - 4
Croton macrocalyx Mar. ex. Baill 3 - 2
Cróton campestris A. St. Hill. 3 - 4
Jatropa sp 3 - 4
Erythrina sp 3
Mimosaceae
Mimosa sp
Eugenia citrifolia A5 - 2 - 1 - 4 - 3
Rhamaceae
Ziziphus joazeiro Mart. 3 - 4 - 1?
Solanaceae
Solanum sp
Fonte: Ribeiro - 2002
Adaptação: Ricardo Barbosa
Na caatinga da Serra do Catimbau observa-se que o estrato arbóreo alcança até 5
m de altura. Apresenta 27 espécies, 25 neros e 11 famílias, com o predomínio
significativo das espécies Caesalpinia pyramidali (catingueira), Mimosa sp,
Commiphora leptophloeos (imburana) e Anacardium occidentale.
84
Tabela 3
Listagem de plantas do estrato herbáceo-arbustivo e de regeneração na mata atlântica da
Serra do Catimbau. Hábito: (A-Reg) arbóreo e regeneração; (Arb) arbustiva; (E) erva;
(EP) epífila; (L) liana; (HP) hemiepífila-parasita; (RUD) rudeal; (INV) invasora e
(EXO) exótica.
Família Hábito
Gênero e Espécie
Euphorbiaceae
Croton Arb
Euphorbia gymnoclada Biiss Arb
Jathropha urens L. M. Arg. E-Rud
Jathropha gossypiifolia L E-Rud
Fabaceae
Acacia sp E
Malvaceae
Sida sp1 E-Rud
Mimosaceae
Mimosa sp3 A-Reg
Passifloraceae
Passiflora cf foetida L. L
Poaceae
Panicum paniculatum Sw. E-Rud
Trichachne insularis Ness. E-Rud
Rublaceae
Spermacoce capitata A. DC E-Rud
Sapotaceae
Manilkara sp A-Reg
Solanaceae
Solanum sp Arb
Tumeraceae
Tumera sp E-Rud
Verbanaceae
Lantana sp E-Rud
Fonte: Ribeiro, 2002
Adaptação: Ricardo Barbosa
O estrato arbustivo da Serra do Catimbau demonstrou-se pouco regenerado.
Foram identificadas 26 espécies, 20 gêneros e 13 famílias, entretanto, as espécies
Syagus coronata e Caesalpinia pyramidalis vêm se regenerando significativamente. De
acordo com o autor, o clima na Serra do Catimbau é um dos mais áridos do nordeste,
contudo, a vegetação arbórea e arbustiva apresenta-se mais rica em espécies, tanto no
platô como no fundo do vale, onde ocorre a presença do babaçu.
85
A vegetação no entorno dos sítios arqueológicos pesquisados (Alcobaça, Dedos
de Deus e Homem Sem Cabeça) é prevalentemente arbustiva, todavia, ocorrem esparsas
concentrações de elementos arbóreos distribuídas irregularmente na paisagem. Exceto
no Sítio Pedra da Concha que apresenta uma vegetação eminentemente arbustiva.
Segundo Ribeiro (2002), os solos da região apresentam teores superiores a 88%
de areia em todo o perfil estratigráfico, mantendo-se arenosos até a profundidade de 4
metros.
Conforme o relatório “Levantamento Exploratório-Reconhecimento de Solos do
Estado de Pernambuco 1973”, o solo predominante em quase toda a Bacia do Jatobá
corresponde a areias quartzosas distróficas, possuindo baixa capacidade de retenção de
umidade e nutrientes, apresenta-se ácido e de baixa fertilidade natural, sendo esse solo
originário dos arenitos siluro-devonianos da Formação Tacaratu.
3. 5 – Antropização e processos intempéricos do meio ambiente
Estudos realizados por Tabarelli e Santos (2004) sobre os brejos de altitudes de
Pernambuco e da Paraíba demonstraram que, historicamente, as condições ambientais
privilegiadas das serras têm atraído pecuaristas e agricultores. A criação de animais e o
desenvolvimento de lavouras permanentes ou temporárias constituem a base da
estrutura socioeconômica desse setor da floresta atlântica. A população dos brejos é
distribuída de forma desproporcional entre proprietários, arrendatários, parceiros e
ocupantes, sendo, na sua maioria, constituída por analfabetos ou analfabetos funcionais
(lê, porém não compreende a mensagem), que manejam a terra por meio de técnicas
tradicionais, reduzindo a produtividade. Segundo os autores, boa parte dessa população
é subnutrida, enfrenta desemprego sazonal e tem difícil acesso aos principais serviços
básicos.
Em parte, decorrente das questões abordadas no parágrafo anterior, foram
identificados, no Vale do Catimbau, processos de antropização modernos, de forte
significado para a conservação do patrimônio natural, dos suportes e das pinturas
parietais. Dentre os problemas identificados, destacam-se:
a) parte significativa das áreas ocupadas pela vegetação serrana foi convertida
em terras agricultáveis e o que restou da floresta encontra-se fragmentada, disjunta,
confinada no Brejo de São José, nas coordenadas 37. 378’. Segundo Porto et al.
(2004), atualmente o complexo vegetacional do Brejo de São José encontra-se quase
86
totalmente devastado e entremeado por vegetação do cerrado e campo rupestre; b) a
prática da caça de subsistência de forma generalizada provocou a extinção de parte dos
predadores naturais de insetos e dos disseminadores de sementes; c) a coleta seletiva
de pássaros e plantas ornamentais ou vegetais que supostamente apresentam ação
fitoterápica agudizam o processo em curso de degradação ambiental.
Assim, a conversão de terras incultas em áreas agricultáveis, a caça sistemática,
a coleta de plantas ornamentais e animais exóticos, a extração seletiva de madeira para
servir como material construtivo, além do indiscriminado corte da vegetação lenhosa
para servir de combustível, provocam perda dos habitats e aceleram a fragmentação da
floresta serrana.
Segundo Cabral (2004), o impacto do desmatamento de uma região florestada se
traduz em:
a) alteração na qualidade da água, através da turbidez, da eutrofização e do
assoreamento dos corpos d’água; b) alteração do deflúvio, com enchentes nos
períodos de chuva; c) mudanças micro e mesoclimáticas, essa última ocorre quando
são alteradas grandes extensões de florestas; d) mudanças na qualidade do ar, em
função da redução da fotossíntese e do aumento da erosão eólica; e) redução da
biodiversidade, em decorrência da supressão da flora e da fauna; f) poluição hídrica,
devido à destruição das áreas de floresta para ocupá-las com atividades agropastoris.
O processo de degradação ambiental verificado no interior do Vale do Catimbau
compromete todo o patrimônio natural e cultural, porém os efeitos mais agudos desse
processo podem ser observados nos sítios Alcobaça e Pedra da Concha. Dentre os
problemas identificados, merecem destaque: a) – micro desplacamento do suporte,
causado pelas diferenças térmicas (noite versus dia) em que as rochas estão expostas
cotidianamente; b) formação de depósitos minerais sobre o suporte, resultante do
aumento da temperatura que provoca forte transpiração da rocha, conduzindo sais do
interior para a superfície dos corpos rochosos; c) formação de pátinas branca e negra
sobre o suporte, essa última, por vezes, apresenta coloração azulada, problema resulta
que da umidade excessiva sobre a rocha, diretamente relacionada ao rareamento da
vegetação no platô (Serra do Coqueiro) e do estrato herbáceo. Este rareamento é
responsável pela dissipação das gotas da chuva, cujo impacto na superfície do solo
contribui para a erosão e a infiltração nas fissuras da rocha; d) aumento do número de
ninhos de insetos (marimbondo, abelha, maria-pobre) sobre o suporte e, por vezes,
sobre as pinturas.
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PRANCHAS DE 13 A 20
Aspectos geológicos e vegetacionais do Vale do Catimbau
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91
4 – ANÁLISE
4. 1 – Considerações iniciais
No presente capítulo estão contidas as informações decorrentes da análise da
distribuição espacial dos sítios estudados e os procedimentos técnicos utilizados para a
identificação das fronteiras gráficas de passagem no Vale do Catimbau, como também
da vinculação do acervo gráfico da face oeste da Serra do Coqueiro aos grupos
migrantes originários da Serra da Capivara.
Dentro do quadro do estudo proposto foram considerados dois pressupostos
importantes para a demonstração do fenômeno pesquisado:
a) parte-se do princípio de que as ‘fronteiras gráficas de passagem’ pertencem
ao mundo da cultura, da etnia, e da comunicação, portanto, passíveis à análise do ponto
de vista da semiótica;
b) considera-se que a prática gráfica da Tradição Nordeste teria se originado
no Parque Nacional Serra da Capivara, sendo introduzida, posteriormente, no o vale do
Seridó e de lá se expandido para a Paraíba.
O estudo proposto vincula-se, diretamente, ao macro-projeto “A dispersão da
Tradição Nordeste: da Serra da Capivara (PI) ao vale do Seridó (RN/PB)”.
4. 2 – Da distribuição espacial
Foi considerado relevante o estudo da distribuição espacial dos sítios
arqueológicos pertencentes às classes de pinturas Tradição Nordeste e Tradição Agreste
presentes no Vale do Catimbau, de princípio, por se constituir um recurso metodológico
importante para a confirmação das fronteiras gráficas de passagem e também por
permitir inferências sobre as áreas gráficas (AG) e as hipotéticas áreas gráficas (HAG)
dos grupos que, na pré-história, ocuparam as faces leste e oeste da Serra do Coqueiro.
Durante o estudo da distribuição espacial buscou-se identificar os fatores que
explicavam as regularidades na escolha dos locais para assentamento dos sítios; para
tanto, foram utilizadas as variáveis: altimetria; distância entre os sítios, localização no
relevo (alta, média e baixa vertente); forma do vale em que os sítios encontram-se
inseridos (aberto ou fechado); o ponto de georeferenciamento (GPS). Tal estudo não se
limitou às observações de campo, também foram analisados os mapas que se
relacionavam diretamente com os objetivos da pesquisa: folha cartográfica de Buíque
92
(SC. 24-X-B-IV), de Aracaju (SC-24) e de Jaguaribe (SB-24) na escala de 1:100.000
(SUDENE); mapa geológico (CPRM) e mapa hidrográfico (PERNAMBUCO).
4. 3 – Do registro fotográfico
O registro fotográfico foi realizado com ambivalente propósito: a) reunir
subsídios empíricos para confirmar a existência das fronteiras gráficas de passagem; b)
reunir condições objetivas que possibilitem analogias entre os registros gráficos da face
oeste da Serra do Coqueiro e da Serra da Capivara.
Contudo, nos painéis de análise buscou-se registrar, enfaticamente, os detalhes
físicos e culturais das representações humanas, visando subsidiar o estudo da
apresentação gráfica, categoria analítica fundamental para a vinculação cultural
pretendida.
4. 4 – Ficha cadastral e analítica
4. 4. 1 – Ficha nº 1
Identificação e localização do sítio
a) Denominação: Sítio Alcobaça (Pranchas 21 a 39).
b) Localização: Buíque – PE, distrito de Carneiro.
c) Geoposicionamento (G.P.S): Latitude Sul 32. 411’; Longitude Oeste 37º.
634’.
d) Logradouro: Fazenda Serrote Preto.
e) Acesso: fácil; a partir da sede da fazenda, situada no perímetro do Parque
Nacional, caminha-se por 2 km em trilhas largas nos vales abertos e arenosos até
atingir o sítio, posicionado a meia vertente em uma escarpa de recuo da Serra do
Coqueiro.
f) Proprietário: Sr. José Maria dos Santos.
g) Situação: em processo de desapropriação pelo Governo Federal.
93
O sítio
a) Tipo de sítio: abrigo sob rocha em forma de anfiteatro.
b) Abertura: Leste, voltado para o vale, com ampla vista do mesmo.
c) Orientação: Norte / Sul.
d) Dimensões: aproximadamente 70 m de comprimento por 11 m de largura
(considerando o ponto de vista do homem moderno, foi mensurado, apenas, a
atual área útil do sítio, procedimento que foi estendido aos demais sítios).
e) Tipo de suporte: arenito, de granulometria variando de fino a grosseiro, de
coloração cinza-claro (esbranquiçado) a amarelo-claro, com camadas irregulares
de arenitos estratificados por lentes de siltito.
f) Feições e estado de conservação do suporte: o paredão apresenta-se fraturado
com múltiplas concavidades de variadas profundidades e alturas, com
sobreposições de blocos nos pisos das concavidades, indicando momentos
distintos de desplacamento. As faces lisas compõem, aproximadamente, 40% do
94
paredão que serviu como suporte. De modo geral, o suporte encontra-se em bom
estado de conservação, todavia, apresenta áreas de concentração de pátenas
negras (possivelmente algas) e depósitos de minerais nos lugares onde a
umidade é mais intensa. áreas de descamação da rocha, sobremaneira na
parte mais central do sítio, que compromete a conservação da imagem de um
quadrúpede com técnica e apresentação gráfica compatível com a Tradição
Agreste. ninhos de insetos (vespas, marimbondos, abelhas e maria-pobre) e
excrementos de animais noturnos sobre o suporte que, às vezes, encobrem parte
das pinturas.
g) Estrutura morfológica: configuração em forma de anfiteatro, piso com
múltiplos blocos de grandes dimensões desprendidos do teto que, até certo
ponto, protegem da incidência direta da chuva e do vento determinadas áreas do
sítio.
h) Vestígios arqueológicos: pintura e gravura. A escavação resultou na obtenção
de importante acervo de material lítico e cerâmico, além de fragmentos de ossos
humanos calcinados, provenientes de enterramentos secundários, restos
arqueofaunísticos e de fibras vegetais.
i) Possibilidade de escavação ou sondagem: sim; em uma concavidade do
paredão foram recolhidos, na camada superficial, fragmentos de ossos humanos
o que torna imperativo a continuidade das escavações.
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Geomorfologia
a) Entorno: vale aberto, em forma de ferradura, com escarpas areníticas
acentuadas e paredões formados por cuestas.
b) Situação do sítio: fundo de vale, posicionado a meia vertente de um
contraforte da Serra do Coqueiro, com elevação de 42,57 m em relação ao fundo
do vale.
c) Altimetria: 2412 Ft (795,96 m). Entre as cotas 750 e 850 metros.
d) Fonte d’água: há uma fonte d’água perene, de pequenas dimensões, situada no
fundo do vale, nas coordenadas: Latitude Sul 32. 482’ e Longitude Oeste 37°
11. 694’.
e) Jazidas de minerais: ocorrência de vários depósitos de ocre (ver nota n° 9) nas
redondezas.
f) Solo: arenoso (predominam areias finas quartzosas distróficas). Foi realizada,
no vale (G.P.S: Latitude Sul 32. 081’; Longitude Oeste 37° 11. 805’), uma
tradagem de 1 metro (trado de 4 polegadas), constatando-se que a composição e
a granulometria do material colhido mantiveram-se inalteradas até a
profundidade indicada.
g) Vegetação: predominância da caatinga xerófila (arbustiva) com ocorrência de
espécimes hiperxerólila (arbórea) no sopé da escarpa de recuo onde está situado
o sítio.
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As pinturas
a) Dimensões do espaço pictural: espaço gráfico com aproximadamente 30 m de
extensão por 3 m de altura (90 m quadrados). Este espaço é ocupado por duas
áreas de concentração de pinturas, ocupando o lado esquerdo e central do sítio.
As áreas estão separadas por antigas marcas de escorrimento d’água. No lado
direito encontram-se diversos painéis de pequenas dimensões e grafismos puros
isolados, distribuídos irregularmente no espaço pictural.
b) Estado de conservação: de modo geral, as pinturas encontram-se em bom
estado de conservação, porém, as marcas de escorrimento d’água com erosão do
suporte e formação de pátenas negras que separam as duas áreas de concentração
de pinturas tendem a se acentuar. As áreas picturais, hoje separadas,
possivelmente eram contíguas em tempos pretéritos. Na parte central há zonas de
esfoliação da rocha, e que compromete parte da imagem de um quadrúpede,
mas, não impede a visão do todo.
c) Observação fotométrica: o melhor horário para realização do registro
fotográfico situa-se entre 8: 00 e 12: 00 h, período em que as condições de luz
permanecem favoráveis. Ao meio dia, o sol se sobrepõe à linha de chuva que, na
parte mais larga, está situada a 11 m do paredão. A partir das 13: 00 h, o sol
passa a incidir diretamente sobre parte do suporte.
d) Dimensão Técnica: os painéis são compostos, na sua maioria, por grafismos
puros em justaposição (associados), com múltiplas áreas de contato, dando a
impressão de contigüidade. No lado esquerdo do sítio chegam a formar áreas de
palimpsestos (mancha pictórica compacta resultante da intensiva reutilização do
suporte). Os materiais mais utilizados na execução dos grafismos foram pincéis,
bastões de ocre e os próprios dedos, utilizando-se a técnica digital na manufatura
de pontilhados (seqüência de pontos). Possivelmente, formas conjugadas de
equilíbrio nas saliências da rocha e andaimes foram utilizadas na execução dos
grafismos isolados, posicionados nas partes mais altas do paredão, a cerca de 8
metros de altura. Os matizes da cor vermelha são majoritários na execução do
conjunto gráfico; contudo, são identificadas, de forma discreta, as cores laranja,
101
amarela, branca e preta. Não foi identificado nenhum tipo de preparação prévia
do suporte como o raspado ou o alisamento (polimento). Os interiores dos
antropomorfos foram preenchidos totalmente com tinta vermelho-escura de fina
consistência, apresentando sinais de escorrimento.
e) Dimensão Temática: indeterminada aos olhos do observador moderno.
f) Apresentação Gráfica: dentre o conjunto de sítios estudados, esse é o que
apresenta maior densidade gráfica e áreas de sobreposições, chegando a formar
palimpsestos, o que torna a segregação dos painéis de análise extremamente
difícil; todavia, foram segregados três painéis, contendo representações humanas
típicas da Tradição Agreste.
Painel nº 1
Posicionado no lado esquerdo do abrigo, apresenta um antropomorfo estático de
braços e pernas estendidos, de efetivo impacto ótico, devido à magnitude de seu
tamanho (1,15 m) e cor berrante. Representado de face, com o interior
completamente preenchido em duas tonalidades de tinta vermelha: escura e
clara. O contraste das tonalidades no interior da figura, a partir da observação
detalhada, remete a duas possibilidades de execução técnica: a) a remoção
proposital de parte da tinta pelo autor, provocando efeito de clareamento em
zonas específicas; b) a aplicação irregular de uma grossa camada de tinta sobre
uma base previamente pintada. A identidade humana dessa figura é reconhecida
apenas pela silhueta, pois, o grafismo é desprovido de detalhes físicos da cabeça
(olhos, boca, nariz e orelhas), do gênero (sexo) e das extremidades dos membros
inferiores e superiores (pés e mãos). Nenhum tipo de adorno cultural foi
identificado.
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Painel nº 2
O painel encontra-se a aproximadamente cinco metros de distância do primeiro.
Exibe um antropomorfo de 70 cm, análogo na apresentação gráfica (postura
estática) ao primeiro painel, porém, distinto na morfologia e preenchimento.
Apresenta distorções anatômicas como, por exemplo, corpo ovalado e apenas
três dedos em cada extremidade inferior. A imagem do na sua totalidade foi
suprimida. Dos membros superiores, é representado unicamente o antebraço
direito. O preenchimento da figura é homogêneo, em vermelho-escuro.
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Painel nº 3
O painel apresenta uma figura humana com 17 cm de tamanho, com braços e
pernas estendidos, as extremidades representadas apenas por um traço em
diagonal, que sugere a presença de três dedos em cada membro.
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Perfil do sítio
De modo geral, as pinturas encontram-se em bom estado de conservação. Apesar
da identificação de áreas de esfoliação no interior de algumas figuras ou próximas a
elas, não estão severamente comprometidas. Os processos intempéricos que agem sobre
o suporte e parte das pinturas (esfoliação, micro desplacamento, formação de pátina,
depósito de minerais e marcas de escorrimento d’água) são causados, principalmente,
pela infiltração e pela variação térmica diária podendo, no futuro, comprometer a
visualização do conjunto gráfico.
Dentre os fatores intempéricos identificados, a infiltração é o que provoca mais
danos ao corpus gráfico que, em parte, pode ser explicada pela ausência de solos no
platô, o que inibe o crescimento de estratos herbáceos e de uma vegetação vigorosa
capaz de dispersar a energia da chuva que cai diretamente no solo, infiltrando-se nas
fendas da rocha.
Em relação às pinturas, num primeiro momento tem-se a impressão de
contigüidade do painel e que foi realizado num mesmo espaço de tempo. Contudo, após
uma observação minuciosa, são percebidos os diferentes momentos de realização dos
grafismos, tanto pelas inúmeras sobreposições como pelas reconstituições dos mesmos.
Os painéis são compostos unicamente por grafismos pintados (as itacoatiaras
restringem-se aos blocos caídos sobre o piso), com prevalência de grafismos puros,
análogos aos encontrados nos vales do Ipanema e médio São Francisco. Os
antropomorfos, do ponto de vista da percepção humana, estão posicionados em lugares
privilegiados do suporte.
Tomando como parâmetro as descrições gerais da Tradição Agreste (efeito ótico
impactante, técnica de preenchimento e manufatura descuidada, apresentação gráfica
unicamente de face, postura ereta e estática), conclui-se que as representações humanas
contidas no Sítio Alcobaça pertencem a essa classe de pintura.
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4. 4. 2 – Ficha nº 2
Identificação e localização do sítio
a) Denominação: Sítio Dedos de Deus (Panchas 40 a 75 ).
b) Localização: Buíque – PE, distrito de Carneiro.
c) Geoposicionamennto (G.P.S): Latitude Sul 32. 233’; Longitude Oeste
11. 518’.
d) Logradouro: Fazenda Serrote Preto.
e) Acesso: difícil; a partir da sede da fazenda, caminha-se por 1 km em trilhas
largas, em vales abertos e arenosos até atingir o sopé da serra. A partir desse
ponto, no primeiro trecho do percurso, caminha-se por trilhas íngremes e
estreitas, em meio a uma vegetação densa, espinhosa e, às vezes, urticante. No
segundo trecho, as trilhas são pedregosas e à beira de precipícios, completando
uma escalada de 61 m em relação ao vale, até se chegar ao sítio.
f) Proprietário: Sr. José Maria dos Santos.
g) Situação: em processo de desapropriação pelo Governo Federal.
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O sítio
a) Tipo de sítio: abrigo sob rocha em forma de concha, posicionado na alta
vertente de uma formação isolada, localmente denominada Dedos de Deus.
b) Abertura: Leste
c) Orientação: Norte / Sul
d) Dimensões: aproximadamente 20 m de comprimento por 7 m de largura (140
m²).
e) Tipo de suporte: arenito, de granulometria variando de fino a grosseiro, com
diversas lentes de siltito que estratificam camadas areníticas de coloração nos
diversos matizes da cor vermelha (variando do vermelho-escuro ou roxo-terra ao
vermelho-claro) e amarela (do amarelo-terra ao amarelo-alaranjado). Encaixado
na base do suporte há uma concavidade de 18, 35 m de comprimento
(profundidade: mínima, 0,90 m; xima, 3 m / altura: mínima, 1,34 m;
máxima, 1,75 m), que constitui uma zona de baixa compactação do arenito,
apresentando depósitos de t(argila friável, nas cores branca, cinza e amarela)
e areias provenientes da fragmentação do suporte.
f) Feições e estado de conservação do suporte: os paredões formadores da
cavidade em forma de concha apresentam-se bastante irregulares, com áreas de
baixa cimentação. Apesar de não serem identificados processos antrópicos
modernos, contudo, os intempéricos (físico-químicos) agem com muita energia
na erosão da rocha, formando camadas deposicionais no solo. O piso é formado
exclusivamente por sedimentos originários da desagregação dos paredões. O
fenômeno descrito está associado à umidade excessiva e à baixa compactação do
arenito que comprometem a conservação do suporte e das pinturas. Ninhos de
insetos foram identificados unicamente nas reentrâncias mais acentuadas da
rocha, longe das pinturas, não comprometendo a conservação das mesmas.
g) Estrutura morfológica: sítio em forma de concha, com piso plano e múltiplos
blocos de arenito desprendidos do teto, posicionados nas extremidades do
abrigo.
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h) Vestígios arqueológicos: pinturas e raras itacoatiaras (gravuras) isoladas.
i) Possibilidade de escavação ou sondagem: sim. O sítio foi descoberto durante o
curso deste trabalho. É necessária a realização de sondagens em regime de
urgência, para verificar a viabilidade ou não de se proceder as escavações. Foi
observada uma sutil evolução na forma de preenchimento de alguns
antropomorfos, por essa razão, faz-se necessário mensurar seu distanciamento
cronológico do Sítio Alcobaça.
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Geomorfologia
a) Entorno: amplo, vale aberto.
b) Situação do sítio: posicionado na alta vertente de uma formação isolada, com
três torres em gradiente.
c) Altimetria: 2468 Ft (814,44 m). Entre as cotas de 750 e 850 metros.
d) Fonte d’água: não conhecida atualmente.
e) Jazidas de minerais: ocorrência, intra-sítio, de depósitos de óxido de ferro
estratificado por placas de siltito e de toá; com abundância, são encontrados
pequenos blocos de ocre no entorno imediato do sítio.
f) Solo: intra-sítio, composto por areias finas, originárias da intemperização do
suporte; intersítio (vale), composto por areias finas quartzosas distróficas.
g) Vegetação: densa, com prevalência das espécies da caatinga hiperxerófila
(arbórea), capaz de inibir a passagem da luz para o interior do sítio.
As pinturas
a) Dimensões do espaço pictural: espaço gráfico com aproximadamente 45
metros quadrados (15 m de comprimento por 3 m de altura). Nesse espaço são
identificadas duas áreas de concentração de grafismos, uma no lado esquerdo, a
outra na parte central do sítio. Observam-se figuras humanas isoladas,
distribuídas irregularmente por todo o espaço pictural, exceto no lado direito
onde há ocorrência de jazidas de óxido de ferro e pronunciados depósitos de toá.
b) Estado de conservação: de modo geral, as pinturas se encontram em bom
estado de conservação; contudo, observam-se áreas de esfoliação da rocha,
comprometendo a conservação de algumas figuras e áreas de micro
desplacamento, que tornam algumas figuras incompletas (Prancha 38). Mesmo
117
havendo ocorrência de ninhos de insetos (marimbondo), não comprometem a
conservação das pinturas, pois, os mesmos demonstram preferência, nesse sítio
específico, pelas reentrâncias mais estreitas e profundas da rocha, portanto,
longe das pinturas. Dentre os fatores intempéricos, a umidade é a que mais
contribui para o desgaste das figuras. Relacionado à forte umidade e à presença
do óxido de ferro no suporte, algumas figuras tornam-se quase imperceptíveis
durante o período chuvoso. Vale a pena ressaltar que o suporte fica resguardado
inteiramente da incidência do sol e da chuva, portanto, a umidade é produto da
infiltração.
c) Observação fotométrica: como afirmado anteriormente, devido à elevada
densidade da vegetação hiperxerófila no entorno imediato do sítio, com
ocorrência logo após a linha de chuva situada a apenas 5 m do suporte, o interior
do sítio é escuro. Assim, o melhor período para se realizar o registro fotográfico
é ao meio dia, com o sol a pino, momento em que a luz rompe a densa
vegetação. Durante o período chuvoso, tanto pela redução da luminosidade como
pelo aumento da umidade sobre o suporte de natureza ferruginoso, algumas
figuras tornam-se quase imperceptíveis, sobretudo as de menores dimensões e
cores mais claras.
d) Dimensão Técnica: pinturas realizadas prevalentemente nos matizes da cor
vermelha, variando do vermelho-escuro ao vermelho-alaranjado. Pincéis finos e
grossos foram utilizados na manufatura dos grafismos. Os dedos, em alguns
casos, substituíram os pincéis na execução das figuras. Em raros momentos,
foram utilizados bastões ou plaquetas de ocre. Os membros inferiores e
superiores de algumas figuras foram representados por traços finos, longos e
sinuosos que demonstram a precisão na escolha dos instrumentos usados na
execução como, também, o domínio da técnica de preparação das tintas, com a
quantidade de aglutinantes adequada ao uso, fato observado pela ausência de
escorrimento de tinta.
e) Dimensão Temática: não determinada.
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f) Apresentação Gráfica: nesse sítio, os painéis são compostos unicamente por
representações humanas. Diante da impossibilidade de se realizar um inventário
completo dos grafismos, decorrente das particularidades geológicas e
intempéricas já mencionadas, foram selecionadas trinta e duas figuras que
reuniam os elementos necessários ao reconhecimento da identidade humana e
que estivessem visíveis em todas as estações do ano. Os grafismos escolhidos
estão distribuídos irregularmente em duas áreas de concentração. A primeira
área compreende todo lado o esquerdo e a parte central do sítio; nela, as
representações humanas foram segregadas em quatro painéis, dispostos sobre as
bordas superiores das concavidades existentes. A segunda área, com menor
densidade gráfica, localiza-se no lado direito do abrigo, distante cinco metros,
aproximadamente, da primeira área de concentração. Tem apenas um painel,
disposto entre duas jazidas de toá, encaixadas na base do suporte. As duas áreas
de concentração encontram-se separadas por uma zona de densa rugosidade da
rocha. Em todo o espaço pictural, não sinais de tratamento prévio da rocha,
mas, é notória a preferência dos autores pelas superfícies mais lisas e pelas áreas
de desplacamento, que apresentam maior regularidade da superfície.
Painel nº 1
No painel em apreço foram identificados seis antropomorfos, com tamanho entre
4 e 8 cm; cinco foram pintados na cor vermelha e apenas um em grafite,
possivelmente pintado na cor preta, posteriormente alterada por uma reação
química. A representação da cabeça foi suprimida em todas as figuras; contudo,
dois grafismos foram ornados com penacho (duas penas); as penas do adorno, ao
que parece, estão presas aos ombros das figuras. Todas as figuras apresentam os
membros superiores e inferiores estendidos rigidamente; as extremidades foram
representadas por um traço em diagonal, que sugere a presença de três dedos.
Um antropomorfo tem os antebraços e os braços representados
morfologicamente diferente dos demais; os membros superiores foram
representados em forma de arco voltado para baixo, mas, conservam a rigidez
típica da Tradição Agreste. De modo geral, as figuras não interagem entre si; não
formam cenas e não há indicação da temática tratada.
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Painel nº 2
O espaçamento entre o painel 1 e o 2 é inferior a um metro. A borda
superior da concavidade em que se estende o painel apresenta uma mancha
natural (discreta) de óxido de ferro, sobre a qual quatro grafismos foram
executados. Há uma figura filiforme com 38 cm de tamanho, executada em
vermelho-escuro, portando penacho e com indicação pronunciada do gênero
(falo); essa figura ocupa a parte central do painel. Sobre a figura central estão
dispostos três antropomorfos com tamanho médio de 10 cm, portando adorno de
cabeça (penacho), manufaturados em vermelho-alaranjado e interiores
completamente preenchidos. Exceto uma figura, posicionada no lado direito do
painel, com preenchimento e morfologia diferenciada, apresenta forma ovalada e
pintura corporal (listras verticais). Essa técnica de preenchimento, que sugere
ornamentação corporal, é recorrente intra-sítio, porém, com baixa freqüência
(cerca de 10 %), mas singular em toda a área nuclear de estudo.
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Painel nº 3
O distanciamento entre o painel anterior e o painel 3 é inferior a um metro. O
painel apresenta uma figura central maior (18 cm), ladeada por três figuras
menores (entre 5 e 10 cm). Esse tipo de composição cênica, figuras menores em
torno de uma maior, é recorrente na maioria dos conjuntos segregados para
estudo. O painel, ora analisado, encontra-se em processo acelerado de
intemperização (esfoliação do suporte), mas, ainda é possível visualizar o
conjunto gráfico. Os membros superiores e inferiores das figuras foram
representados de forma estendida, com simplificação anatômica, sem a imagem
dos pés e das mãos, contudo, traços em diagonal representam as extremidades.
As figuras encontram-se dispostas em dois planos horizontais: a figura maior
está posicionada no primeiro plano e no centro da composição gráfica; duas
figuras menores ladeiam o grafismo central e estão posicionadas no segundo
plano. A terceira figura miniaturizada, cuja posição sugere que está agachada ou
sentada no chão, posicionada no lado esquerdo da figura central, está situada no
primeiro plano. Acima do painel, encontra-se um grafismo isolado, com forma
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de preenchimento vazada (listras horizontais); na execução das listras, o autor
aproveitou as linhas naturais da rocha, pintando-as com intervalos regulares.
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Painel nº 4
Situado na parte mais central do sítio, o painel encontra-se separado do anterior,
posicionado à esquerda, por um espaço não inferior a três metros. Nesse
intervalo, observam-se pronunciadas marcas de escorrimento d’água, segregando
o conjunto gráfico em duas áreas de concentração. O painel é formado por uma
junção de três figuras humanas, sendo duas maiores, com aproximadamente 45
cm de comprimento (dos ombros aos pés) e uma figura miniaturizada (9 cm),
representada inteiramente. A figura de maior volume corporal (globular)
apresenta falo, enquanto que na de menor volume corporal (tubular) não
indicação do gênero; nessas figuras, não estão visíveis as representações das
cabeças, contudo, não sinais de esfoliação do suporte, nem a intenção
explícita de suprimí-las. A observação com o auxílio de instrumento ótico (lupa)
revelou a existência de pigmentos nos poros da rocha. As partes não visíveis das
figuras foram pintadas numa zona mais susceptível aos processos intempéricos,
em uma curvatura da rocha, sujeita ao escorrimento d’água.
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Painel nº 5
O painel está situado numa zona de acentuada rugosidade da rocha e de maior
contaminação pelo óxido de ferro. Contudo, neste espaço foi utilizada como
suporte a área de superfície mais lisa e com menor grau de contaminação. O
painel é formado por sete figuras humanas, das quais, seis não têm as cabeças
representadas, todavia, a maioria tem adorno de “cabeça” (penacho), preso aos
ombros. Nessa composição gráfica uma figura se destaca, pelo uso de um
penacho com penas muito longas e falo magnificado; entre as penas (ou fibras
vegetais) situam-se duas figuras humanas diminutas (4 cm). Todas as
representações humanas foram executadas nos matizes da cor vermelha, com os
interiores completamente preenchidos.
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Painel nº 6
O painel é formado por um conjunto de cinco antropomorfos, dentre os quais um
se destaca, um com morfologia globular e forma de preenchimento vazada
(listras horizontais). Numa outra área, contígua ao lado esquerdo do sítio, de
acesso muito difícil, encontram-se dois antropomorfos isolados. Um com 30 cm
de tamanho, de forma tubular e adornado com penacho, executado em vermelho-
escuro e forma de preenchimento com área reservada no interior da figura, única
em todo o Parque (Prancha 39). Outra figura menor (10 cm), bastante
simplificada, separada da primeira por um espaço superior a 3 metros, não
apresenta os membros superiores.
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Perfil do sítio
Do ponto de vista geológico, o sítio apresenta-se bastante fraturado, com jazidas
de óxido de ferro distribuídas irregularmente por todo o paredão rochoso e depósitos de
toá encaixados na base do suporte. O paredão apresenta superfície com alto grau de
rugosidade e poucas áreas lisas e livres da contaminação intensa do óxido de ferro
(cerca de 40 % do paredão). Parte dessa área lisa foi utilizada como suporte. De modo
geral, as pinturas encontram-se em bom estado de conservação. Contudo, zonas com
esfoliação da rocha, afetando algumas figuras, o que o chega a comprometer a
visualização do conjunto gráfico. Observa-se também zona de severo escorrimento
d’água. Nos períodos chuvosos, quando a umidade intra-sítio torna-se maior e a
luminosidade menor, algumas figuras tornam-se imperceptíveis. O fato se explica, em
parte, pela alta concentração de óxido de ferro no suporte, que, uma vez umedecido,
escurece a rocha-suporte. Diante dessa limitação, segregamos seis painéis de análise,
perfazendo um total de 32 figuras, visíveis tanto no período de sol como no de chuva.
No conjunto de figuras analisadas, típicas da Tradição Agreste, observa-se, em
alguns grafismos, uma certa singularidade na maneira como foram preenchidos
(utilização de listras verticais, horizontais e área reservada no interior da figura), que
pode ser interpretada como uma evolução ou experimentação técnica intra-sítio, sem
recorrência na área nuclear deste estudo.
134
4. 4. 3 – Ficha nº 3
Identificação e localização do sítio
a) Denominação: Sítio Pedra da Concha (Pranchas 76 a 95).
b) Localização: Buíque – PE, distrito de Catimbau.
c) Geoposicionamento (G.P.S): Latitude Sul 33. 412’; Longitude Oeste 37°
14. 894’.
d) Logradouro: Fazenda Pedra Pintada.
e) Acesso: fácil; a partir do centro do distrito, trafegam-se sete km por uma
vicinal não asfaltada. Desse ponto em diante, caminha-se 1 km por trilhas largas
em uma ampla chapada arenosa até atingir o sítio.
f) Proprietário: Sr. José Bezerra Cavalcanti.
g) Situação: em processo de desapropriação pelo Governo Federal.
135
O sítio
a) Tipo de sítio: abrigo sob rocha em formato de concha.
b) Abertura: Oeste
c) Orientação: Sudeste / Noroeste
d) Dimensões: cavidade com 3,5 m de comprimento por 2,7 m de altura,
incrustada num bloco arenítico isolado com aproximadamente 10 m de altura.
e) Tipo de suporte: arenito, de coloração amarelada e granulometria variando de
fino a médio, com ocorrência de discretas áreas de baixa compactação.
f) Feições e estado de conservação do suporte: cavidade de pequenas dimensões,
com elevado grau de irregularidade da rocha. De modo geral, o suporte
apresenta-se em bom estado de conservação e bem consolidado, contudo, notam-
se discretos depósitos de minerais e pronunciados ninhos de insetos
(marimbondo). Há evidências de queima do suporte.
g) Estrutura morfológica: cavidade em forma de concha pouco profunda (acerca
de 1m), posicionada a 0,80 m do solo atual.
h) Vestígios arqueológicos: unicamente pinturas.
i) Possibilidade de escavação ou sondagem: sim, o solo atual é formado por um
espesso depósito sedimentar arenoso que favorece a realização de escavações e,
dependendo da fertilidade das camadas arqueológicas, o conseqüente
posicionamento cronológico para a ocupação humana do sítio.
136
137
Geomorfologia
a) Entorno: platô.
b) Posição do sítio: situado na baixa vertente de uma formação isolada.
c) Altimetria: 2848 Ft (939,84 m). Entre as cotas 900 e 1000 metros.
d) Fonte d’água: não conhecida atualmente.
e) Jazidas de minerais: óxido de ferro, situada a aproximadamente 1 km do sítio.
f) Solo: Arenoso (areias finas quartzosas distróficas, ricas em mica). Foi
realizada uma tradagem de 1 m nas proximidades do sítio (60 m de distância),
demonstrando que tanto a composição como a granulometria do material colhido
mantiveram-se inalteradas até a profundidade indicada.
g) Vegetação: prevalência da caatinga xerófila (arbustiva), com ocorrência
isolada de espécimes hiperxerófila (arbórea) e número reduzido de palmaceae
(Cocos coronata Mart. - ouricuri; Cocos schizophylla Mart. - ouricuri; Orbinia
martiana B. Rodr. - babaçu), distribuída irregularmente em todo platô.
138
139
140
As pinturas
a) Dimensões do espaço pictural: cavidade de pequenas dimensões (3,5 m por
2,7 m), aproximadamente 9,5 metros quadrados. Desse espaço, apenas 40% foi
utilizado como suporte.
b) Estado de conservação: de modo geral, as pinturas encontram-se em bom
estado de conservação, porém, há comprometimento de alguns grafismos, devido
à queima do suporte para eliminar insetos. Os agentes biológicos (marimbondo,
maria-pobre e cupim) repetidamente fazem ninhos muito próximos aos
grafismos e as tentativas de remoção desses, por populares, têm se mostrado
mais prejudiciais à conservação das pinturas do que a ocorrência dos insetos. O
uso do fogo provocou o escurecimento de parte do suporte, a alteração da cor de
algumas figuras e deposição de fuligem sobre o conjunto de pinturas.
c) Observação fotométrica: o melhor horário para se realizar o registro
fotográfico situa-se entre 7 e 11 horas. Durante esse período, as condições de
141
luminosidade permanecem inalteradas no interior da cavidade. A partir desse
horário, o sol incide diretamente no piso e o contraste luz e sombra torna-se
agudo.
d) Dimensão cnica: observa-se acentuada diferença na escolha do material
empregado na execução dos grafismos atribuídos às distintas tradições rupestres.
a) Instrumentos de pontas muito finas foram utilizados na manufatura das
pinturas atribuídas à Tradição Nordeste, sobretudo na execução dos atributos
culturais (adornos de cabeça e de pélvis); tais instrumentos permitiram
representar as cerdas da plumagem ou dos ramos ornamentais, usados por alguns
indivíduos que participam de uma dança ritual (Prancha 86). Em outro painel
uma cena em que consecutivas figuras humanas se equilibram, uma apoiada nas
mãos da outra, sugerindo uma encenação de equilibristas em ação. Nesta cena
foram reproduzidos detalhes físicos (área de contato entre os indivíduos),
somente possíveis com a utilização de materiais de pontas muito finas e precisão
no uso dos mesmos, além do domínio da técnica de preparação das tintas com a
consistência adequada ao uso. b) Em contraposição, na execução das pinturas
atribuídas à Tradição Agreste foram utilizados instrumentos de pontas grossas,
tecnicamente inadequados à realização de finos traços. A opção por esse tipo de
instrumento, que resulta em aparente imprecisão ou imperícia técnica, capaz de
causar efetivo impacto ótico no observador moderno, pode ser interpretada como
uma escolha cultural.
e) Dimensão Temática: dentre os painéis analisados, em apenas um é possível
identificar a dança ritual como a temática tratada (Painel nº 1).
f) Apresentação Gráfica: duas áreas de concentração gráfica podem ser
observadas; uma no lado esquerdo, com maior densidade gráfica e prevalência
de grafismos típicos da Tradição Nordeste; a outra área, posicionada no lado
esquerdo do abrigo, apresenta menor densidade gráfica e concentração de
pinturas da Tradição Agreste. Nesse espaço pictural foram segregados quatro
painéis de análise.
142
Painel nº 1
Posicionado no canto superior esquerdo do suporte, o painel é composto por
cinco figuras humanas miniaturizadas (média de 10 cm), representadas de perfil
direito e dispostas em fila indiana. Das cinco representações humanas, apenas
uma não porta atributo cultural. Dispostas em um plano levemente oblíquo
(ascendente) em relação à linha natural da rocha, que evoca a existência de um
suposto piso, sobre o qual as figuras foram desenhadas, tal situação sugere a
representação de uma sutil perspectiva. Os gestos coletivos (braços estendidos
em direção aos ombros da figura à frente) sugerem movimentos sincronizados,
próprios das danças rituais tribais. A qualidade do trabalho é tecnicamente
aprimorada, claramente perceptível nas figuras que portam adornos com requinte
de detalhes, pois, são visíveis as cerdas da plumagem ou dos pequenos ramos
cerimoniais usados na composição da cena. Considerando os aspectos técnicos
empregados na manufatura do painel em questão, pode-se inferir que os
instrumentos e a tinta utilizada foram extremamente adequados à função. As
características gerais das figuras, a temática tratada e os recursos técnicos
reunidos para representar a temática são compatíveis com os descritas para o
estilo Serra da Capivara.
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Painel nº 2.
O painel encontra-se à direita da composição gráfica analisada anteriormente,
com distância inferior a 30 cm. Nesse painel observa-se uma composição de
quatro figuras humanas colocadas umas sobre as outras, equilibradas sobre as
mãos da figura posicionada logo abaixo, formando uma espécie de escada
humana. Das quatro figuras representadas, apenas três são plenamente visíveis,
uma encontra-se muito desbotada ou foi projetada com a intenção de ser
percebida a curta distância; foi pintada em cor alaranjada muito clara, enquanto
que as demais o foram executadas em vermelho-escuro. Em justaposição a essa
corrente humana, típica da Tradição Nordeste, executada com requinte de
acrobacia, observa-se a mesma composição gráfica (cópia), com duas figuras
nítidas e outra desbotada, pertencentes à Tradição Agreste. A dicotomia das
técnicas de realização das duas composições é observada no contraste: acuidade
dos traços versus negligência; flexibilidade dos membros superiores e inferiores
dos indivíduos envolvidos versus rigidez. Um grafismo de ação pode ser
observado na parte inferior do painel; a interação entre duas figuras humanas,
cuja temática e o significado não podemos perceber, uma figura é representada
de face, usando indumentária volumosa que se inicia na região peitoral da figura
e se estende até os pés, a outra figura, hitifálica, representada de perfil, não porta
nenhum tipo de atributo cultural.
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Painel nº 3
Com distância aproximada de 1,4 m do painel nº 2, encontra-se uma composição
gráfica tendo um grafismo puro como figura central (piroga com remo ou rede),
típico da subtradição Seridó. A parte inferior desse grafismo encontra-se
bastante intemperizada, o que dificulta sua completa visualização. Posicionado
na parte superior direta do grafismo em apreço, encontra-se um par de
antropomorfos, ambos com indicação do gênero (falo) e representados de perfil.
Nessa composição, uma figura maior segura outra de menor tamanho; pelas
axilas, cuja postura e gesto sugerem um adulto apresentando ou entregando uma
criança a uma terceira pessoa imaginária, o representada na cena. Tal
composição pode ser interpretada como uma variável regional de um grafismo
de ação, envolvendo dois adultos e uma criança, não raramente encontrado na
região do Seridó. Ladeando a figura central (piroga ou rede) aparecem, de forma
intrusiva, duas representações humanas picas da Tradição Agreste, sem
nenhuma relação, aparente, entre si.
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148
Painel nº 4 .
Com distância inferior a 50 cm do painel 3, encontra-se um conjunto de três
antropomorfos pertencentes à classe de pintura Tradição Agreste (média de 8 cm),
dispostos em fileira, no mesmo plano e bastante simplificados. Apenas uma das figuras
pode ser visualizada inteiramente, as demais se encontram intemperizadas. Contudo, as
partes faltantes, resultantes do processo de esfoliação da rocha, não impedem o
reconhecimento da condição humana nem sua autoria gráfica.
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150
Perfil do sítio
O sítio em apreço é o único, dentre os testemunhos selecionados para estudo,
posicionado na área de transição territorial. Como afirmado, na zona de transição os
limites tornam-se flexíveis, com áreas de interpenetração das linhas de fronteiras;
também é o único sítio, na região, que reúne as duas classes de pinturas no mesmo
suporte. Em outras palavras, os grupos pintores pertencentes às Tradições Nordeste e
Agreste partilharam, na região estudada unicamente, o suporte do Sítio Pedra da
Concha.
Contudo, não foram identificadas áreas de sobreposições dessas tradições. No
entanto, há um antropomorfo típico da Tradição Agreste sobreposto a um grafismo puro
análogo aos encontrados nos vales do Ipanema e do médio São Francisco.
Os estudos da distribuição dos grafismos no espaço pictural revelaram
preferências étnicas por determinados espaços do suporte: os antropomorfos
pertencentes à Tradição Nordeste estão, prevalentemente, posicionados no lado
esquerdo do abrigo, enquanto as representações humanas típicas da Tradição Agreste
estão dispostas, majoritariamente, no lado direito do abrigo. Representações de mãos
humanas em positivo (pigmentos aplicados sobre as mãos, pressionadas diretamente no
suporte) são observadas em todo o teto do abrigo. Vale ressaltar que as pinturas situadas
no lado direito do abrigo ficam mais expostas aos fatores intempéricos (sol e chuva).
Parte das pinturas atribuídas à Tradição Nordeste apresenta características
gerais, morfológicas e técnicas de realização compatíveis com as descritas para o estilo
Serra da Capivara; a outra parte demonstra compatibilidade com o estilo inicial da
subtradição Seridó, denominado estilo Serra da Capivara II.
Dentre os sítios estudados, este é o que apresenta agudos sinais antrópicos do
homem moderno (queima do suporte), que provocou o escurecimento de parte da
superfície da rocha e conseqüente acumulação de patena negra (fuligem) sobre algumas
pinturas. Os registros fotográficos realizados em distintas campanhas, com intervalo de
seis meses entre si, revelaram os severos danos causados às pinturas (Prancha 93).
151
4. 4. 4 – Ficha nº 4
Identificação e localização do sítio
a) Denominação: Sítio Homem Sem Cabeça (Prancha 96 a 113).
b) Localização: Buíque – PE, distrito do Catimbau.
c) Geoposicionamento (G.P.S): Latitude Sul 31. 513’; Longitude Oeste 37°
14. 684’.
d) Logradouro: Fazenda Serrinha.
e) Acesso: difícil; após a entrada de acesso ao Sítio Pedra da Concha, trafega-se
por mais 4 km na mesma vicinal, entra à direita e segue por mais 2 km por uma
estrada estreita e arenosa até atingir a sede da fazenda. A partir desse ponto,
segue-se por mais 2 km, em trilhas estreitas em declive e aclive, por vezes
escorregadias e próximas a precipícios, ladeadas por caatinga xerófila, até o sopé
da formação que contém os testemunhos arqueológicos.
f) Proprietário: Sr. Lourenço Bezerra Cavalcanti.
g) Situação: em processo de desapropriação pelo Governo Federal.
152
O sítio
a) Tipo de sítio: a céu aberto.
b) Abertura: Sudeste
c) Orientação: Nordeste / Sudoeste
d) Dimensões: formação rochosa, com aproximadamente 15 m de comprimento
por 10 m de altura e feições muito irregulares (ruiniformes), com áreas de
desplacamentos que, por vezes, foram utilizados como suporte.
e) Tipo de suporte: arenito, de grânulos variando de fino a médio, de coloração
amarelada, posicionado a 4,3 m de altura do solo atual.
f) Feições e estado de conservação do suporte: área de desplacamento em forma
de lousa, com baixo grau de rugosidade. De modo geral, as pinturas encontram-
se em bom estado de conservação, apesar de permanentemente expostas à ação
do sol e da chuva. Todavia, no segundo painel as figuras têm sinais de
intemperismo, devido à erosão do arenito pouco compactado sobre o qual foram
realizadas.
g) Estrutura morfológica: área de desplacamento em uma formação de aspecto
ruiniforme.
h) Vestígios arqueológicos: unicamente pinturas.
i) Possibilidade de escavação ou sondagem: não depósitos sedimentares
próximos aos painéis, pois a rocha matriz encontra-se exposta,
inviabilizando a realização de sondagens.
153
Geomorfologia
a) Entorno: platô com múltiplos corpos rochosos isolados, por vezes
silicificados.
b) Situação do sítio: posicionado a meia vertente da formação, próximo à borda
de um canyon coberto com espécimes da caatinga hiperxérofila.
c) Altimetria: 2939 Ft (969,87 m). Entre as cotas 900 e 1000 metros.
d) Fonte d’água: situada no leito do canyon, a cerca de 1 km do tio. Não foi
possível georeferenciar o olho d’água (G.P.S), por ausência de contato com o
satélite, possivelmente, impedido pelas condições físicas do canyon: estreito,
profundo e coberto por densa vegetação.
e) Jazidas de minerais: não conhecidas atualmente.
154
f) Solo: arenoso, composto por areias finas quartzosas distróficas. Foi realizada
uma tradagem de 1 m nas proximidades do sítio (G.P.S: Latitude Sul 31.
571’; Longitude Oeste 37° 14. 772’), verificando-se que a granulometria e a
composição do material colhido permaneceram inalteradas até a profundidade
indicada.
g) Vegetação: no platô predomina a vegetação xerófila, com ocorrência de
espécimes da caatinga hirerxérofila e de palmáceas (babaçu), distribuídas
irregularmente na paisagem; nas depressões e no canyon, a caatinga
hiperxerófila torna-se prevalente.
155
156
157
As pinturas
a) Dimensões do espaço pictural: 1,3 m de comprimento por 0,90 m de altura.
b) Estado de conservação: o painel 1 encontra-se em bom estado de
conservação, apesar de sua exposição ao sol e à chuva, porém no segundo
painel, de menor densidade gráfica, com distância superior a três metros do
painel anterior, figuras manufaturadas sobre suporte de baixa compactação;
por esta razão, as figuras apresentam fortes sinais intempéricos.
c) Observação fotométrica: o período que se situa entre 7:00 e 16:00 horas
apresenta condições favoráveis à realização do registro fotográfico, desde que
sejam aproveitados os momentos em que o sol é encoberto pelas nuvens.
d) Dimensão Técnica: as figuras foram realizadas com elevado grau de
aprimoramento técnico, percebido pela precisão com que foram realizadas as
formas curvilíneas dos atributos físicos e culturais dos antropomorfos,
demonstrando a adequação dos instrumentos utilizados e o domínio das técnicas
de preparação dos pigmentos, com a consistência adequada aos fins planejados,
158
pois não sinais de escorrimento das tintas. A maioria das figuras foi realizada
nos matizes da cor vermelha; todavia, observam-se representações humanas
isoladas, posicionadas no lado esquerdo do painel central, manufaturadas na cor
laranja. Não foi identificado nenhum tipo de preparação prévia do suporte, mas,
é notória a escolha dos locais de desplacamento para este fim. Nessas cicatrizes
da rocha, a superfície costuma ser mais lisa e com maior grau de regularidade
que as feições naturais da formação, ruiniforme e bastante enrugada.
e) Dimensão Temática: conflito entre grupos rivais.
f) Apresentação Gráfica: sítio específico (epônimo) da Tradição Nordeste e
temática dominante ‘representações humanas’. Os antropomorfos estão
distribuídos irregularmente em dois painéis. Observam-se também grafismos
isolados nas proximidades dos painéis.
Painel nº 1
Painel com 31 figuras miniaturizadas (entre 10,4 cm e 3,5 cm), compondo uma
cena de rivalidade entre dois grupos. A rivalidade é percebida pela presença de
armas (possivelmente bordunas), esgrimidas em posição de ataque, e pela
postura ameaçadora de um grupo, que coage outro que não porta qualquer tipo
de instrumento que possa ser identificado como arma. Os grupos estão dispostos
em dois conjuntos, separados por um espaço vazio irregular. A relação entre os
grupos é observada pela postura e gestos dos indivíduos. No grupo armado,
posicionado no setor esquerdo, as figuras estão colocadas tanto de perfil como
de face, formando uma distribuição elíptica, ocupando cerca de 70% do suporte,
enquanto que, no grupo coagido, situado no setor direito, também representado
de perfil e de face, as figuras têm uma distribuição arredondada, ocupando a
parte restante do suporte. Os dois grupos estão distribuídos em sucessivos planos
horizontais e verticais, dando a impressão de que o autor adotou este recurso
para colocar a cena em perspectiva (profundidade). Observam-se, no lado
esquerdo, dois setores de ação. No primeiro setor, área nuclear, foi desenhada
uma figura de maior tamanho, única a usar adorno (tipo rabo de galo, preso à
região pélvica), que parece comandar a ação. Em volta dessa figura estão
159
dispostos nove grafismos menores, dos quais oito apresentam falo. No segundo
setor, área periférica, estão dispostas figuras com armas esgrimidas,
complementando o sentido da ação, de coagir o grupo desarmado. Todas as
figuras têm a representação da cabeça suprimida. A cena representada conserva a
dinâmica do estilo original, porém, o aprimoramento técnico (traços curvilíneos)
e a temática tratada são compatíveis com os descritos para o Complexo
Estilístico Serra Talhada. Do lado esquerdo do painel, com distância superior a
três metros, encontra-se um grafismo de ação isolado, com recorrência no Sítio
Pedra da Concha. Esse grafismo é composto por duas figuras representadas de
perfil direito, a figura maior segura a de menor tamanho, pela região da axila,
como se estivesse apresentando-a ou entregando-a a uma pessoa imaginária, não
representada na cena. Esse grafismo, executado na cor laranja, fica quase
imperceptível no período de seca.
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Painel nº 2
Com distância superior a três metros do anterior, o painel 2 está posicionado
logo após uma pronunciada curvatura da rocha, é composto por um conjunto de
três representações humanas. As figuras conservam as características básicas do
painel 1, mas apresentam morfologia e tamanho diferentes (entre 35 cm e 15
cm) e notória simplificação das formas, que pode significar uma evolução
gráfica intra-sítio. Os troncos (corpo) aparecem com formas ovaladas e ausência
de alguns membros, ora superiores, ora inferiores. Apesar da ausência de parte
dos membros, uma das figuras parece entregar ou mostrar uma borduna a outra
figura, que também não tem os braços representados. Nessa cena, apenas os
traços essenciais para a compreensão da ação foram pintados, portanto, a
economia de traços não representou um grande obstáculo ao desenvolvimento da
ação. Uma figura isolada, posicionada no lado esquerdo do painel, separada por
uma distância superior a um metro, com as mesmas características técnicas e
163
morfológicas das anteriores, segura uma borduna com o braço direito, enquanto
o esquerdo não foi representado.
164
165
Perfil do sítio
As feições geomorfológicas da formação em que o sítio está localizado
apresentam-se fortemente fraturadas e bastante enrugadas. Diante dessa
limitação, os autores das pinturas rupestres escolheram as áreas de
desplacamento como suporte. Naturalmente, as zonas de desplacamento
apresentam planos mais regulares.
De modo geral, as pinturas encontram-se em bom estado de conservação,
contudo, o painel 2 foi realizado sobre arenito com baixo grau de
compactação, que resultou na lenta erosão do suporte e conseqüente
intemperização das figuras. Os grafismos deste painel foram realizados na cor
laranja-claro; por essa razão, tornam-se menos nítidos nos períodos mais secos.
As pinturas do segundo painel conservam as características gerais do
primeiro, porém, apresentam morfologia, tamanho e cor diferentes. Observa-se
também uma acentuada economia de traços, pois a ação é representada apenas
com os elementos essenciais para sua compreensão. A economia evocada pode
ser interpretada como uma evolução intra-sítio.
166
5 – RESULTADOS
Considerando o conceito de fronteiras gráficas de passagem, optamos pela
distribuição espacial dos sítios arqueológicos, enquanto método, para demonstrar a
ocorrência desse fenômeno no Vale do Catimbau. O resultado da pesquisa permitiu
depreender a existência de distintos territórios gráficos, também possibilitou inferir
sobre a área gráfica dos grupos pintores. As fronteiras gráficas de passagem foram
estabelecidas a partir da identificação e classificação taxonômica dos grafismos
pertencentes às classes de pintura Tradição Nordeste e Tradição Agreste.
A região estudada compreende as duas faces da Serra do Coqueiro, que constitui
a linha divisória entre as bacias hidrográficas do Moxotó e do Ipanema. O resultado do
estudo confirmou a hipótese: a) a leste da serra, na bacia do Ipanema, nas cotas
altimétricas mais inferiores (entre 750 e 850 m) situa-se a área gráfica dos grupos da
Tradição Agreste; b) a oeste da serra, na bacia do Moxotó, nas cotas altitudinais mais
elevadas (entre 900 e 1000 m) situa-se a área gráfica dos grupos da Tradição Nordeste.
A constatação da existência de sítios rupestres que compartilham o mesmo
horizonte cultural em zonas muito mais amplas que a área nuclear do estudo levou-nos a
incluir essas zonas como campo ampliado de atuação dos grupos pintores, a que
denominamos de hipotética área gráfica.
A hipotética área gráfica da Tradição Agreste se estende da face leste da Serra
do Coqueiro até o Vale do Ipanema. Em direção ao norte, esta tradição ultrapassou a
Serra dos Cariris Velhos, situando-se no nordeste dessa serra, no Agreste paraibano.
A hipotética área gráfica da Tradição Nordeste se estende da porção oeste da
Serra do Coqueiro até o Vale do Moxotó. No sentido norte, esta tradição também
ultrapassou a Serra dos Cariris Velhos, situando-se no noroeste dessa serra. Ocupando,
naquela região, um páleo vale que foi retrabalhado pelas águas dos rios Piancó e Açu-
Piranhas. No alto curso do Açu-Piranhas, do qual o rio Seridó é tributário, foram
identificados grafismos emblemáticos dessa tradição (Mapa nº 7).
A hipótese de que o Vale do Moxotó foi utilizado por grupos migrantes,
originários do sudeste do Piauí, para atingir a região do Seridó RN / PB, apóia-se na
constatação de que todo o acervo gráfico da Tradição Nordeste, até o presente momento
identificado no Estado de Pernambuco (Serra do Toá, Vale do Catimbau e Afogados da
Ingazeira), localiza-se nos afluentes desse rio, tributário esquerdo do São Francisco.
Contudo, no atual estágio do conhecimento arqueológico, tanto do Vale do
Moxotó como da porção noroeste da Serra dos Cariris Velhos, para a definitiva
comprovação dessa hipótese é necessário reunir maior número de provas.
Todavia, uma nova etapa de trabalho encontra-se em fase de planejamento, com
previsão de sistemáticas prospecções nos vales dos rios Moxotó, Piancó e Açu-Piranhas.
167
168
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