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Bem que Sete-de-Ouros se inventa, sempre no seu. Não a praça larga do
claro, nem o cavouco do sono: só um remanso, pouso de pausa, com as
pestanas meando os olhos, o mundo de fora feito um sossego, coado na
quase-sombra, e, de dentro, funda certeza viva, subida de raiz; com as
orelhas – espelhos da alma – tremulando, tais ponteiros de quadrante, aos
episódios para a estrada, pela ponte nebulosa por onde os burrinhos sabem
ir, qual a qual, sem conversa, sem perguntas, cada um no seu lugar, devagar,
por todos os séculos e seculórios, mansamente amém. (ROSA, 1951, 34)
Vê-se, portanto que a primeira dessas características é a calma, a paciência; a segunda é
a “certeza viva”, a força interior e a terceira é a aceitação do que lhes é imposta pela vida “sem
perguntas, cada um no seu lugar, devagar.”. É dessa maneira que a narrativa é encaminhada
para o fim, quando o burrinho pedrês, que no início do conto era visto como velho e incapaz,
salva os dois vaqueiros da enchente, fazendo uso da tranqüilidade e da sabedoria
Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo,
e faz medo, ao é novo: tudo é ruim e uma só coisa, no caminho: como os
homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como
sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da
água, bem com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada
mais, nada de graça; nem um arranco, fora de hora. Assim. (ROSA, 1951,
p.63).
Segundo Maria Célia Leonel em Guimarães Rosa: Magma e gênese da obra (2000,
p.78) “nenhum leitor interessado na obra rosiana ignora a presença fundamental dos animais
nos seus textos e o modo eufórico como são tratados – o burrinho pedrês é apenas a súmula
desse tratamento”. Em seu livro, Leonel (2000, p. 239) mostra que “o interesse de Guimarães
Rosa pelo retrato – sempre empático – dos animais, esmerando-se na escolha de nomes,
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