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significativos para cumpri-las. No momento, ela estava mais preocupada com o tratamento de
esgoto do DF e com as indenizações e negociações de valores de terras com os atingidos.
Emitida a LI, a obra finalmente começa a ser construída. O fluxo de operários,
caminhões e máquinas foi muito grande e a CCSA não havia dotado os municípios a serem
atingidos de infra-estrutura para recebê-los. Assim, as populações atingidas passaram a ter que
arcar com os custos, literalmente. Moradores das comunidades atingidas de Silvânia relatam que
os peões de obra entravam livremente nas casas. Contrariando o discurso desenvolvimentista de
que o “empreendimento” traria empregos para a região onde seria instalada, os operários
advinham de longe, do município de Anápolis, um lugar chamado “Pau Terra”.
os peões fecharam contrato com a Corumbá, aí eu ainda perguntei lá como que ia ficar as estradas, aí
eles falaram que não, que ia fazer as estradas e arrumar tudo direitinho, ia por os mata-burros, tudo,
sabe, mas isso não aconteceu, as estradas não foram feitas, mas as represas tão aí feitas porque precisava
fazer represa para arrumar estrada né? Só que está sem “encabeçar” até hoje, os mata-burros quem fez
foi o prefeito de Silvânia, não foi a Corumbá. Eles pagaram um pedreiro e ele veio pra cá fazer, os mata-
burro a gente já tinha então o prefeito de Silvânia que deu a mão-de-obra, o B. que é o vereador ajudou
com a areia, cimento, tudo, então foi o B. junto com o prefeito que fez os mata-burros, não foi Corumbá
IV, agora as estradas eles arrumaram, eles controlaram, eles abriram novas estradas, mas aqui as
represas tão tudo sem encabeçar, eles não fizeram encabeçamento, tá tudo abrindo buraco, é só cair uma
chuva que o problema tá sério, então, isso aí... Então, se o prefeito não tem a boa vontade de fazer esse
mata-burro aqui pra gente, ou a gente tirava do bolso ou a gente tava sem até hoje.
E sem falar que, quando eles foi fazer aqui as estradas aqui de casa, nós cozinhamos com a nossa despesa
um mês mais ou menos, 8 homens, 9, 10, era essa turma. O V. disse aqui: ou a gente enchia o tanque das
máquinas de óleo ou a gente dava despesa. O V., como é conhecido, mora na Gameleira. Ele era, acho
que era o mestre-de-obras, ou fiscal de obra, sei lá o que era, ele era o chefe dessa turma que estava
fazendo... Nós demos a despesa toda. Na época, eu tava ralando mandioca, era cozinhando pra esses
homens, ralando mandioca. A alimentação foi toda daqui e não teve esse negócio de eles comerem arroz
e feijão aqui em casa não, é a alimentação que nós fazemos, aqui é sempre do mesmo jeito, tando gente
ou não tando, então a gente tratou eles bem. Comia, a mesma coisa, e eu, como se diz, eu estou falando
isso, às vezes um pode até contestar contra mim, mas eu tenho provas, a minha casa sempre cheia de
gente, então quando eles tava aí tinha muita gente aqui então, aconteceu aqui. Inclusive eu falei isso para
o [negociador da CCSA] a última vez que ele teve aqui, ele falou, mas vocês não podiam ter aceitado isso
aí, eu falei, mas pera aí, eu acho que a pessoa que tinha que vir aqui, negociar, tinha que ter consciência
né, mas não, eles veio para explorar mesmo...
Ele falou com o meu esposo se ele aceitava, ele não falou só aqui não, ele falou com os meus cunhados
tudo também. Mas aí a despesa caiu aqui em casa, porque igual o meu cunhado, a esposa dele mora na
cidade com as crianças estudando, tudo pequenininho, e aí outro de lá não tinha serviço para eles lá, só
uma estradinha, 6 horas e pouquinho, lá no outro cunhado meu, o A. ele já deu despesa pra eles um dia,
mas a maior ficou aqui em casa, e isso aqui, todo mundo pra trás, O., todo mundo tratou deles aí, então
não foi só nós aqui não, mas aqui em casa ele ficou mais tempo, porque aqui nós tivemos que abrir tudo
[as estradas], geral, não tinha nem um pedaço pronto, então aqui em casa ficou mais. É como se eles
tivesse fazendo um favor. É o que eu falei para eles: não é tudo por conta da Corumbá? (Moradora
atingida da Comunidade Fazenda São Roque em entrevista a Ivanise Rodrigues dos Santos).
Relatos impressionantes como esses se multiplicaram ao longo da pesquisa de elaboração
do Diagnóstico por todas as comunidades no entorno do lago. Enquanto os operários ofendiam
moralmente a dignidade dos atingidos, por meio dos diversos “puteiros” que foram criados, do
assédio das mulheres adolescentes da região, das despesas que tinham que pagar do próprio bolso,