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ficha”. Porque eu me lembro que a gente tinha aula que falava da questão da
prevenção e promoção da saúde e eu ouvia aquelas aulas e pensava nas razões
pelas quais as pessoas não faziam a prevenção. È tão fácil, é só ir todos os
meses, não digo tanto, estou exagerando, ir de em seis em seis meses ao
médico e fazer a prevenção. Eu pensava assim: “porque as pessoas não fazem
isso?”. Hoje em 2006, eu mesma não ia a dentista a um tempão, não é bem
assim a coisa, tem a ver com a maturidade, naquela época eu achava tudo lindo
e maravilhoso. Mas saúde pra mim naquela época era assim algo que as
pessoas tinham o direito a ter e era fácil de ter, não chegava a ser um problema.
Depois a minha visão foi mudando eu vi que não é bem assim, que as pessoas
também não são saudáveis só porque elas não querem, elas não conseguem
ser. O curso contribuiu para eu começar a pensar assim.
O Brasil é um dos países que mais evoluiu em termos de elaboração leis
sobre áreas essenciais da vida. Temos a Lei referente ao SUS, que na avaliação
mundial, é considerada uma das leis mais avançadas do planeta e condizente com
o melhor exemplo de democracia. No entanto, essa forma ornitorrinca
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de ser,
como diz Oliveira, torna o nosso Estado, o país encantado, que tanto avança no
sentido legal sem, no entanto, avançar no sentido real, da aplicabilidade prática do
que é colocado na letra da lei, que antes mesmo de sua vigência, morre por falta
de condições materiais que possam mantê-la viva. Por outro lado, apesar dos
pesares das formas ornitorrincas, da formação, ora conservadora, positivista,
tecnicista, acrítica, há a percepção de que foi trabalhado o desvelamento das
contradições, mesmo que de forma ainda incipiente. Fica explícito isso, quando a
aluna refere que o curso deu para ela começar a pensar de uma forma mais crítica
sobre as condições do povo brasileiro fazer a prevenção da doença. No horizonte
da fala abaixo, confirmo essa perspectiva.
Profª Enfª 3 - Na graduação alguns professores oportunizavam que falássemos
sobre os conhecimentos que nós tínhamos, outros não. As aulas eram muito
expositivas, preocupadas com a enfermagem em si. Lembro-me que tive um
choque quando cheguei à universidade, pois vinha de um colégio que fazia a
gente pensar bastante. Quando cheguei à faculdade, com alguns professores,
não todos, eram umas aulas que “Meu Deus do céu”, era só conteúdo, conteúdo,
conteúdo. Isso me assustou, mas alguns compensavam então, meio que
equilibrava. A idéia era uma aula mais expositiva e quanto menos perguntar
melhor. Era mais ou menos uma aula bem quadradinha. Foi muito fantasioso, foi
muito fora da realidade, a gente não tinha uma visão real de como eram as
coisas, pois qualquer aula que tu vais dar, tu tens que relacionar com o que está
acontecendo no mundo, na hora, se tu não fazes isso...
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Metáfora utilizada por Francisco de Oliveira, em seu livro Crítica à Razão Dualista – O Ornitorrinco
(publicado pela editora Boitempo, 2003) para designar uma peculiaridade estrutural da formação
econômica, social, política e cultural brasileira que lhe confere uma imagem de um monstrengo em
que o incomum se constitui a regra, como modo de manutenção dos privilégios de minorias.