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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DA ALDEIA À CIDADE:
O COTIDIANO DE ESTUDANTES PARESI
EM ESCOLAS URBANAS DE TANGARÁ DA SERRA -MT
SÉRGIO JOSÉ BOTH
Cuiabá MT
2006
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1
DA ALDEIA À CIDADE:
O COTIDIANO DE ESTUDANTES PARESI
EM ESCOLAS URBANAS DE TANGARÁ DA SERRA -MT
SÉRGIO JOSÉ BOTH
Dissertação apresentada à Banca de Defesa do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação, na área de concentração
em Educação, Cultura e Sociedade, na linha de
pesquisa Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular.
Orientador: Prof. Dr. Darci Secchi.
Cuiabá MT
2006
i
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2
Both, Sérgio José
Da aldeia à cidade: O Cotidiano de Estudantes Paresi
em Escolas Urbanas de Tangará da Serra MT/ Sérgio José
Both, Cuiabá:UFMT/IE,2006.
x, 150 p: il. Color.
Dissertação apresentada à Banca de Defesa do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Educação, na área de concentração em Educação, Cultura e
Sociedade, na linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular.
Orientador: Prof. Dr. Darci Secchi
Bibliografia: p. 138 -143
Anexos: p. 144 -150
CDU 376.74(=87)
Índice para catálogo sistemático
1. Educação indígena
2. Índio Paresi
3. Índios na Escola Pública
4. Cultura.
3
DEDICATÓRIA
À esposa Glória Inês, às filhas Carol Glória e Gládis Runeli, pela força,
estímulo e paciência, durante os estudos acadêmicos. Também à Universidade
Federal de Mato Grosso UFMT e aos professores e funcionários do
Programa de Pós-Graduação em Educação.
iii
4
AGRADECIMENTOS
Ao Orientador Prof. Dr. Darci Secchi, que não mediu esforços nas
orientações.
À Profª Drª. Maria de Lourdes Bandeira De Lamônica Freire, pelas
palavras de conforto e ânimo que me conduziu ao segundo Mestrado em
Educação, mostrando caminhos metodológicos.
À FUNAI - Fundação Nacional do Índio e aos dirigentes gestores que
esta representa, principalmente a Daniel Cabixi, pelas informações culturais
para fomentar e fundamentar esta dissertação com ricas citações.
Em especial, à Escola Estadual Emanuel Pinheiro de Tangará da
Serra, ao Diretor da escola, a todos os professores, coordenadores, agentes
administrativos da escola e aos estudantes não-índios que forneceram dados
importantes e, em especial, aos alunos índios que ajudaram na coleta de
dados, não medindo esforços para concluir a pesquisa.
Às pessoas que de uma ou de outra forma ajudaram na pesquisa, um
agradecimento especial.
A todos os leitores que venham a estudar nesta pesquisa, meu
agradecimento antecipado.
iv
5
LISTA DE MAPAS
MAPAS
Mapa de localização de aldeias no município de Tangará da Serra.......... 55
Mapa do Estado de Mato Grosso ........................................................ 63
Mapa do itinerário dos estudantes índios da aldeia à cidade................... 104
Mapa da localização das escolas com alunos índios............................... 107
Mapa do itinerário dos estudantes Paresi da casa à escola ...................... 117
TABELAS
Localização original dos sub-grupos Haliti........................................... 56
Os alunos índios: idade, série, repetência........................................... 96
Síntese da situação escolar dos estudantes Paresi no final do ano letivo
1999................................................................................................. 100
v
6
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informações
CEI/MT Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CPI Comissão Pró-Índio de São Paulo
DSEI Distrito de Saúde Especial Indígena
FUNAI Fundação Nacional do Índio
IBGE Instituto Brasileiro Geografia e Estatística
IEF Instituto Estadual de Florestas
LDB Leis de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação
ONGs Organizações Não-Governamentais
OPAN Operação Amazônia Nativa
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
RCNEI Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
SEDUC - Secretaria de Educação e Cultura
SEMEC Secretaria Municipal de Educação e Cultura
SIL Summer Institute of Linguistics
SITA Sociedade Imobiliária Tupã para Agricultura
SPI Serviço de Proteção ao Índio
SPILTN Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais
SUS Sistema Único de Saúde
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNEMAT Universidade do Estado do Mato Grosso
vi
7
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA.......................................................................... iii
AGRADECIMENTOS.................................................................. iv
LISTA DE MAPAS...................................................................... v
TABELAS................................................................................... v
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS....................................... vi
RESUMO................................................................................... ix
ABSTRACT.............................................................................. x
INTRODUÇÃO.......................................................................... 11
1- A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL................... 22
1.1- Considerações acerca do percurso da educação escolar indígena
no Brasil................................................................................. 24
1.2- O movimento indígena e a demanda por educação....................... 37
1.3- Educação escolar indígena: um dever do Estado......................... 42
2- OS ÍNDIOS PARESI EM TANGARÁ DA SERRA...................... 53
2.1- Breve caracterização sobre a sociedade Paresi............................. 53
2.2- O processo de contato................................................................ 58
2.3- A questão da Terra Paresi no município de Tangará da Serra......... 61
3- EDUCAÇÃO DE EDUCAÇÃO ESCOLAR ENTRE OS PARESI.... 66
3.1- As escolas nas aldeias............................................................... 66
vii
8
3.2- Estudantes Paresi saem das aldeias para estudar na cidade........... 70
3.3 - Uma escola como foco de pesquisa.............................................. 80
3.4- Os professores frente à diversidade da escola................................ 91
4- OS ESTUDANTES INDÍGENAS CONTRIBUINDO NA PESQUISA. 95
4.1- Apresentação dos estudantes Paresi.............................................. 95
4.2- A educação para os estudantes índios na cidade........................... 102
4.3- A organização das escolas da cidade........................................... 106
4.4- O índio no livro didático............................................................ 110
4.5- O cotidiano dos estudantes Paresi na cidade.................................. 116
4.6- A avaliação do contexto pedagógico............................................. 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 138
ANEXO I (Fotografias de estudantes indígenas e não- índios)............... 144
ANEXO II (Cópias de páginas de Diários dos alunos)........................... 146
viii
9
RESUMO
Vivem atualmente em Mato Grosso aproximadamente 30.000 índios de
38 diferentes etnias, em variadas situações de contato com a sociedade
nacional. São atendidos por diversas agências governamentais e vivem
diferentes cotidianos que caracterizam as relações estabelecidas entre as
aldeias e as cidades. Esta dissertação trata da trajetória e do cotidiano vivido
por estudantes indígenas do povo Paresi que procuram as escolas urbanas de
Tangará da Serra MT para darem continuidade aos estudos iniciados em
suas aldeias de origem. A pesquisa foi realizada por meio da observação
participante, do diálogo com lideranças indígenas locais, com estudantes
indígenas e não-indígenas, com professores e com funcionários da
administração de uma escola. Teve como foco a tentativa de identificar e
analisar as dificuldades e tensões que a comunidade educativa escolar
enfrenta no convívio com a diversidade étnica caracterizada pela presença de
estudantes Paresi nas escolas urbanas. A procura por escolas urbanas por
parte dos estudantes indígenas não é um fato novo, mas requer uma reflexão
mais sistemática na medida em que a oferta do ensino nas séries iniciais nas
escolas das aldeias ampliou consideravelmente a demanda pelas séries finais
nas escolas urbanas. Os Paresi procuram as escolas da cidade em busca de
saberes necessários ao convívio intercultural, a um melhor entendimento do
mundo dos brancos e a uma capacitação para uma profissão ou ao
atendimento dos serviços disponíveis nas aldeias. Como as escolas urbanas
desenvolvem práticas pedagógicas monoculturalistas, os estudantes Paresi não
se reconhecem nelas e o seu rendimento escolar é prejudicado. É necessário
implementar nas escolas urbanas (e também nas escolas das aldeias) uma
política multiculturalista de educação escolar que confira maior visibilidade
aos membros dos diferentes grupos sociais e lhes garanta o exercício da
cidadania plena. A oferta do ensino fundamental completo nas escolas das
aldeias pode ser um importante passo para suprir a busca indiscriminada de
formação nas cidades.
ix
10
ABSTRACT
Nowadays live in Mato Grosso approximated 30.000 Indians of 38 different
generations, in varied situations of contact with the national society. They are taken care of by
diverse governmental agencies and you share different quotidian that characterize the
relations established between the villages and the cities. This dissertation deals with to the
trajectory and the quotidian lived by native students of the Paresi pogo who look the urban
schools of Tangará da Serra MT, to give continuity to the studies initiated in its villages of
origin. The research was carried through by means of the participant comment, of the
dialogue with local native leaderships, native students and not-indigents, teachers and
employees of the administration of a school. The attempt to identify and to analyze the
difficulties and tensions had as focus that the pertaining to school educative community faces
in the conviviality with the ethnic diversity characterized by the presence of student’s paresi
in the urban schools. The search for urban schools on the part of the native students is not a
new fact, but it requires a more systematic reflection in the measure where it offers of
education in the initial series in the schools of the villages considerate extended the demand
for the final series in the schools urban ones. The Paresi looks the school in the city in search
to know necessary to the intercultural conviviality, one better agreement of the "world of the
whites" and to a qualification for a profession or the attendance of the available services in the
villages. As the urban schools develop practical pedagogical monoculture, the students paresi
if do not recognize in this school and the school income is prejudiced. It is necessary to
implement in the urban schools (and also in the schools of the villages) one multiculture
politics of pertaining to school education that confers greater visibility to the members of the
different social groups and it guarantees the exercise to them of the full citizenship. It offers
of complete basic education in the schools of the villages can be an important step to sprier
the indiscriminate search of formation in the cities.
x
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como foco de estudo a escolarização indígena em
contextos de alteridade, problematizando o processo de escolarização de
estudantes Paresi em escolas públicas urbanas do município de Tangará da
Serra, em Mato Grosso.
A motivação principal para o aprofundamento dessa temática deve-se a
fatos ocorridos no ano de 1991 e que marcaram profundamente a minha
atitude e prática docente numa escola da rede estadual de ensino. Só mais
tarde pude perceber que aquelas situações tidas como inusitadas no
imaginário de um professor sulista, há anos estão fazendo parte do
cotidiano
1
escolar em dezenas de municípios mato-grossenses.
No meu primeiro dia de trabalho fui surpreendido pela presença de
estudantes indígenas na sala de aula. Numa reação e atitude etnocêntrica,
considerei que aquilo não poderia ser correto, pois na minha formação
docente não havia me preparado para lidar com tal clientela. Depois da
perplexidade do primeiro impacto, refleti criticamente sobre a situação como
um problema a ser equacionado profissionalmente. Rememorei o que havia
estudado até então e verifiquei que as disciplinas curriculares, mesmo as do
curso superior, desconsideravam o índio como membro da nossa sociedade,
como cidadão brasileiro com todos os direitos constitucionais, dentre os quais
o da educação escolar. Verifiquei também que os conteúdos de disciplinas
como História e Geografia continuavam a reproduzir em sala de aula uma
representação do índio como coisa do passado ou, quando referido no
presente, como membro da população brasileira, desde que mantidos longe do
convívio civilizado.
Balizado pela razão sensível (Maffesoli, 1998) e pela lógica intuitiva,
passei a perceber a amplitude da diversidade étnico-cultural que se
expressava cotidianamente em minha sala de aula pela presença de estudantes
1
Utilizo aqui cotidiano na acepção proposta por Heller (1972), isso é, comoa vida do
homem inteiro; a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a
atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação.
12
índios, negros, brancos dos mais diversos segmentos sociais e culturais do
país.
A diferença mais marcante, quer na relação professor-aluno, quer na
relação entre os discentes, era a diferença étnica e lingüística, razão pela qual
ela se tornou o principal foco de atenção.
Estrategicamente, incentivei os estudantes a desenvolverem trabalhos
em grupos e, uma vez concluídos, a sua apresentação aos demais colegas da
sala.
Numa dessas ocasiões, o tema tratava do descobrimento do Brasil e da
colonização, a hora da apresentação do grupo do qual participava Mário
2
, os
outros membros falaram que o colega não queria ir à frente porque era tímido
e estava com vergonha. O grupo apresentou o trabalho sem a participação do
estudante indígena. Quando terminou, convidei o estudante a falar sobre o seu
povo. Disse-lhe que talvez os seus colegas gostariam de saber algo sobre o
povo Paresi
3
e sobre a vida na aldeia. Posso falar sobre a minha aldeia
perguntou. Sim, pode, venha aqui pra frente, convidei. Ele titubeou por uns
instantes e em seguida passou a relatar sobre variados aspectos da vida da
aldeia como: alimentação, caça, pesca, banho, casa, escola, dança, cacique,
funerais, terra, produção etc. Ocupou o restante da aula e ainda faltou tempo.
Os outros estudantes aplaudiram, ficaram interessados e queriam mais
informações. Infelizmente os nossos livros didáticos tratam dos índios como
assunto do passado, da época em que os portugueses descobriram o Brasil.
Passam a idéia de que são seres parados no tempo, primitivos
4
.
Ao ouvirem seu colega índio falando da vida presente, como sujeito da
história do seu município, como sujeito da ação educativa, os estudantes
perceberam-no como uma pessoa ancorada em uma cultura viva e atual,
apenas que diferente do modo de vida predominante nas cidades. Todos eram
2
Nome fictício, para garantir o anonimato recomendável em contextos em que a pessoa
discriminada possa ser identificada e novamente vítima de novas possibilidades de
constrangimento.
3
A denominação Paresi foi atribuída indiscriminadamente a partir do século XIX a
diversos grupos que falam dialetos da língua Aruak. Os chamados Paresi se
autodenominam HALITÍ, o termo tanto pode significar gente, numa referência explicita
ao gênero humano, quanto designar povo, para indicar uma identidade mais inclusiva de
grupo. (RAMOS COSTA, p. 1985).
4
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. Índios: passado, presente e futuro. In: Índios no
Brasil 1, Cadernos da TV escola. Brasília: MEC/SEED, 2001
.
13
colegas de classe, porém detinham determinados conhecimentos específicos, o
que não lhes impedia de falar, de aprender, de pensar.
Passados alguns dias, elaborei uma prova sobre conteúdos dos estudos
realizados até então. O estudante Paresi novamente me surpreendeu, desta
feita por ignorar uma das exigências das provas sem consulta e utilizar
abertamente um texto do livro. Diante de tamanha transgressão solicitei que
guardasse o livro pois era hora da prova. Ele simplesmente guardou o livro e
esperou até o fim da aula, quando entregou a prova sem respostas,
apresentando apenas o que havia copiado do livro. Só então percebi que ele
não havia entendido um dos códigos utilizados pela escola. Para ele, prova
era copiar um determinado texto do livro didático, ou, em última instância, o
ato de reproduzir algo já escrito.
Na aula seguinte conversei com Mário. O estudante relatou que nunca
havia feito uma prova escrita sem auxílio do texto porque na escola da aldeia
eles só copiavam os textos e ganhavam nota. A conversa abriu a
oportunidade para que ele expusesse as dificuldades que sentia no cotidiano
escolar. Disse que estava entendendo muito pouco na sala de aula, porque os
professores estavam falando muito rápido em português. Na sala de aula da
aldeia eles falam devagar e quando não entendem explicam na língua Paresi.
Tudo que o professor fala em português eu tenho que pensar na minha
língua para poder entender e gravar alguma coisa". Segundo Mário, enquanto
o professor falava dez palavras ele entendia três e, conforme o assunto, não
conseguia assimilar nada.
A rememoração dessas experiências vividas fornece elementos para
melhor compreender a relação entre diversidade cultural e educação. É
preciso ter claro que a diversidade é um problema na educação porque a
educação escolar, a priori, não a incorpora, uma vez que está impregnada de
uma visão monoculturalista. A falta de sensibilidade para a diversidade étnica
e cultural constitui-se num dos problemas mais latentes da educação escolar
democrática que preconiza o direito à escolarização de qualidade aos
diferentes grupos sociais e grupos étnicos que compõem a sociedade,
respeitando o direito específico à diferença (Cf. Bandeira, 1995, p.52).
Sabemos que o espaço institucional de transmissão, aquisição e
produção de saber configurado pela escola surge nas sociedades como um
14
espaço marcado por uma rigorosa divisão social do trabalho entre classes. O
poder do Estado é exercido por meio de um ensino carregado de intenções,
socialmente formatado e orientado a reproduzir as desigualdades, tendo em
vista o interesse dominante de oferta desigual do saber, como instrumento de
seletividade. Desse modo, o acesso aos saberes socialmente definidos como
conteúdos curriculares contribuem para a transformação das diferenças em
desigualdades, num contexto político e social em que os saberes oficiais são
os saberes demarcados como certos, de acordo com o paradigma da ciência
dominante.
De acordo com as teorias reprodutivistas
5
, o papel da escola em uma
sociedade marcada pela luta de classes, não é outro senão o de perpetuar o
sistema e garantir a reprodução das condições para a manutenção das
desigualdades sociais.
Apesar de toda inovação tecnológica no campo das informações,
comunicações e conhecimentos, a escola ainda exerce uma função
massificadora e transmissora da ideologia hegemônica. Desconsidera o
conhecimento e as experiências dos educandos e reproduz a sua própria
ideologia como ideal. Assim, a escola se aliena do vivido.
A cultura escolar mata ou fossiliza a vida, porque deixa
do lado de fora dos seus muros a prática, que faz a vida e as
trocas, que fazem naturalmente esta prática. Ela destrói a vida
para transformá-la em lição. Ela reduz as normas e formas sem
sentido e sem contexto os fragmentos de cultura, com que
procura incutir a idéia absurda da realidade (BRANDÃO,
1995, p.43).
A sociedade ocidental vive atualmente a chamada crise de
paradigmas.
6
De um lado, uma visão mecanicista e reducionista e, de outro,
todo um processo de luta, de discussão crítica de novos protagonistas,
sujeitos sociais e intelectuais democráticos que idealizam um novo modelo de
escola para sociedades plurais. É com esses atores sociais que se configura
5
Para Althusser (1983) a escola é um aparelho ideológico do Estado, para Bourdieu e
Passeron (1975) a educação escolar é o espaço de transformação política.
6
Utilizo aqui a palavra Paradigma na acepção de Kuhn, como um conjunto de ilustrações
recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais,
instrumentais e na observação. Esses são os paradigmas da comunidade reveladas nos seus
manuais, conferências e exercícios de laboratório. Ao estudá-los e utilizá-los na prática,
os membros da comunidade considerada aprendem seu ofício.(KUHN, 1986, p.67-68).
15
um novo espaço de construção e sistematização coletiva de conhecimentos
que acompanham os avanços tecnológicos e que buscam trabalhá-los
criticamente, transformando o contexto de massificação e de estigmatização
das classes menos favorecidas.
O educador Paulo Freire (1988), ao postular uma pedagogia para a
libertação da opressão, propõe uma nova linha de pensamento da educação
como ação transformadora (e, porquanto, não mais a reprodutivista).
A educação libertadora é incompatível com uma pedagogia que, de
maneira consciente ou mistificada, tem sido o palco da dominação. A prática
da liberdade só encontrará adequada expressão numa pedagogia em que o
oprimido tenha condições de descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua
própria destinação histórica.
A práxis da pedagogia da libertação e da chamada pedagogia radical de
Freire (1988), Apple (1997) e Giroux (1988) concebem o trabalho docente na
sala de aula como uma possibilidade de ruptura da reprodução. Busca romper
com o modo dominante de produção, distribuição o consumo do
conhecimento, com os critérios e modos de avaliação empregados para aferir
o sucesso escolar, com controle social e cultural, propondo uma pedagogia
crítica que possibilite ao estudante refletir sobre a quem interessa o
conhecimento ensinado, quem o selecionou, a que grupo beneficia. Os autores
criticam a teoria reprodutivista, pois consideram a escola não apenas como
espaço de reprodução, mas como um espaço de transformação; não apenas
homogenizante mas viabilizador da diversidade.
Para Apple e Giroux as escolas não são meramente instituições de
reprodução, instituições em que o conhecimento explícito e implícito
ensinado molda os estudantes como seres passivos que estarão então aptos e
ansiosos para adaptar a uma sociedade incorreta e injusta. Ainda assim,
devemos enfrentar a crise estrutural honestamente e ver como ela se
desenvolve em uma de nossas principais instituições de reprodução, a escola.
Precisamos criticar algumas formas básicas pelas quais nossas instituições
operam atualmente. Para fazer isso, entretanto, precisamos entender a relação
e as conexões entre a educação e as esferas ideológica, política e econômica
da sociedade e qual a presença da escola em cada uma delas.
16
Para Apple (1997), os conhecimentos oficiais trabalhados nas escolas
são:
... uma forma de capital cultural que provem de alguma parte,
em geral reflete as perspectivas e crenças de poderosos
segmentos de nossa coletividade social. (...) vêem desde sua
produção e propagação como mercadoria econômica e pública,
na forma de livros, filmes, materiais e assim por diante (1997,
p.19).
Os estudantes Paresi, além da violência simbólica
7
do cotidiano,
enfrentam ainda dificuldades múltiplas de ordem afetiva, lingüística e social
próprias de quem vive fora do seu meio cultural.
Considerando-se relevante as abordagens dos teóricos críticos para esta
pesquisa, procuramos articular esse debate de natureza teórico com
informação de natureza práticas colhidas ao longo do trabalho.
As situações escolares observadas por meio da observação participante,
permitem identificar, descrever e analisar formas concretas dessas
dificuldades e oferecem materiais para reflexão acerca da pluralidade em sala
de aula.
Para investigar essa problemática nas escolas públicas de Tangará da
Serra, adotei os procedimentos metodológicos alinhados à abordagem
interpretativista. Primeiramente fiz um levantamento das escolas públicas de
ensino fundamental para identificar aquelas que tinham estudantes indígenas.
Verifiquei que em sua totalidade os estudantes matriculados pertenciam ao
povo Paresi. Posteriormente, escolhi a escola em que realizaria de forma mais
sistemática o trabalho de campo, utilizando como critério de escolha a
presença de maior número de índios matriculados.
Em seguida procurei colher dados relativos aos Paresi para direcionar a
pesquisa bibliográfica sobre esse povo, de modo a construir uma base de
conhecimentos acerca de sua cultura e de sua situação atual no contexto
regional.
Além da leitura dos principais estudos antropológicos sobre os Paresi
(Ramos Costa, 1985; Costa Filho, 1996), tomei como referência básica o
7
Violência simbólica conforme Bourdieu e Passeron (1975), é todo poder que chega a
impor significações e a impô-los como legítimas. É o processo de imposição dissimulada
de um arbitrário cultural.
17
trabalho de Souza (1997) sobre educação escolar Paresi e os trabalhos de Leal
Ferreira (1992, 1998), Oliveira Leite (1994), Lopes (1981), Martinez e
Burbano (1994), Souza (1999), Taukane (1998), Ângelo (2005) sobre
educação escolar indígena.
A pesquisa desdobrou-se em quatro direções ou frentes de trabalho:
Pesquisa bibliográfica para situar-me em relação ao estado atual de reflexão
sobre a educação indígena; levantamento de títulos de pesquisa antropológica
sobre os Paresi para construir referência sobre esse grupo enquanto
diversidade étnica cultural; pesquisa documental nas escolas para, a partir dos
registros escolares, identificar a presença de estudantes índios; pesquisa de
campo na escola escolhida para, foco de investigação através da observação
participante, perceber como se davam as relações entre estudante índio e
estudante não-índio, professor e estudante índio, administração e estudante
índio.
Na pesquisa de campo, além da observação participante, foram usados
alguns instrumentos de coleta: diário de campo, entrevista, diário dos
estudantes
8
, registros escolares. Nos registros escolares colhi dados
relacionados à identificação do estudante e à sua trajetória escolar. Os diários
dos estudantes foram um rico instrumento de pesquisa, pois neles estudantes
índios e estudantes não-índios registraram seus trabalhos, estudos, encontros,
relações familiares, relações com os pares, conflitos e outros detalhes das
vivências e experiências realizadas no dia-a-dia. Nas entrevistas dos
estudantes utilizei um roteiro com questões que pareceram importantes
investigar. Esse roteiro, no entanto, não tinha caráter estruturador, pois era
temático e servia apenas de apoio para introduzir, retomar, ampliar ou
aprofundar informações sobre temas de interesse da investigação.
Interrogados sobre questões didático-metodológicas, o diretor e colegas
professores relataram em entrevistas vários acontecimentos envolvendo
estudantes índios no cotidiano da escola nos últimos anos. Registraram seus
pontos de vista sobre esses acontecimentos, contribuíram com dados relativos
às facilidades/dificuldades que esses estudantes demonstraram em sala de aula
8
Os diários dos estudantes eram cadernos onde os alunos escreveram os itinerários de
cada dia. Os afazeres, tarefas de aula e de casa, brincadeiras etc. A cada dia usavam uma
folha conforme as atividades de cada aluno índio e não-índio. Ver modelo no anexo II.
18
com dados que evidenciam o preparo/despreparo, perplexidade/reflexibilidade
no enfrentamento do desafio da diversidade étnico-cultural em sala de aula.
Esta dissertação apresenta os resultados do trabalho desenvolvido na
escola, em salas de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, com os estudantes
índios e estudantes não-índios, buscando apreender implicações pedagógicas
da diferença étnica e cultural. Ao descrevê-las e analisá-las pretendo oferecer
subsídios para reflexão e transformação da ação educativa sob o enfoque da
multiculturalidade.
Durante os primeiros dias de trabalho de campo conversei com duas
mães de estudantes Paresi que procuraram a escola para resolver questão de
horário de seus filhos e foram atendidas pela coordenadora. Foi a
coordenadora que mostrou a escola, seu espaço físico, a quadra onde os
estudantes praticam Educação Física e outros jogos e me apresentou aos
professores e professoras.
No decorrer da pesquisa documental dos registros escolares, ajudei a
organizar as fichas individuais dos estudantes da 5ª a 8ª séries. Nessas fichas
constam dados sobre o desenvolvimento do estudante, conduta disciplinar na
sala de aula, notas, avaliação de interesse pelo aprendizado, comportamento
com os outros colegas, professores e demais funcionários. Nessa oportunidade
identifiquei e separei as fichas de estudantes índios matriculados, colhendo
elementos para orientar o contato com eles.
Depois de colhidos, os dados foram sistematizados para consolidarem
uma base empírica de discussão e análise.
Os diários dos estudantes foram mapeados e classificados em temas
como: família, rotina, incidentes fora da rotina, lazer, identificação, igreja,
namoro, relação com os pares, comentários de cunho ético, jogos insatisfação
da rotina, relações interétnicas e outros.
A observação participante guiou-se pelos procedimentos etnográficos.
Embora a pesquisa não possa ser identificada como uma etnografia na acepção
antropológica, uma vez que a participação na sala de aula não se deu por
inteiro, mas sim de forma parcial de observação, ela é certamente de
inspiração etnográfica. Marli André (1995, p.41), percebe a Etnografia como
a descrição de um sistema de significados culturais de um determinado
grupo". Para isso é necessário observação participante, porém não
19
necessariamente por um período contínuo e longo, pois se trabalha no
contexto da própria cultura
9
.
No desenvolvimento da dissertação, os estudantes são tratados enquanto
sujeitos que influenciam a sociedade, o poder público, a família e a
necessidade de apreender.
Conforme Penin Souza:
... dirigem-se à escola em busca de conhecimentos e de
melhorias às suas próprias condições de vida, podendo se
inserir no mercado de trabalho altamente exigente de mão - de
- obra qualificada de forma a competir em pé de igualdade com
indivíduos pertencentes a classe dominante (SOUZA, 1994, p.
70).
Durante a realização da pesquisa notei que a escola é o local de acesso
e de relações sociais de estudantes índios e não índios, enquanto tal ela deve
superar as contradições, não negando que elas existam, mas sim, buscando a
possibilidade de construção de uma escola, que vai ao encontro do homem,
vivenciando as diferenças. Observou-se que preconceitos, discriminação,
rejeição e estigmas estão presentes, por isso, exige-se uma ampliação dos
horizontes tanto do professor como do estudante, de ambas as partes, uma
abertura de consciência de realidade em que vivem e que compõem um mundo
complexo.
A observação participante, as entrevistas e os diários dos estudantes
permitiram colher dados de cunho etnográfico na direção a que Geertz (1989)
denomina "etnografia densa". Para ele, etnografia densa é como tentar ler o
que os informantes escrevem, no sentido de construir uma leitura de um
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas
suspeitas e comentários tendenciosos. O etnógrafo enfrenta uma
multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas
e interrelacionadas (Cf. Geertz, 1989, p.14).
9
Tudo o que existe transformado da natureza pelo trabalho do homem e significado pela
sua consciência é uma parte de sua cultura: o pote de barro, as palavras da tribo,
tecnologia da agricultura, da caça ou da pesca..., história que explica quem aquela gente é
e de onde veio, as técnicas e situações de transmissão do saber. Todo o que existe
disponível e criado... como conhecimento que se adquire através da experiência pessoal
com o mundo ou com o outro. (BRANDÃO, 1995, p. 25).
20
O conceito de cultura associado ao conceito de educação como prática
social é central neste trabalho. Para Paulo Freire (1988, p.139), cultura ... é
todo o resultado da atividade humana do esforço criador e recriador do
homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com
outros homens.
Geertz (1989, p.15), lembra que o homem é um animal amarrado à teia
de significados que ele mesmo teceu". Tomando Weber como referência
Geertz, assume, "a cultura como sendo estas teias. Tanto o conceito de
Geertz quanto de Freire nos levam a pensar a cultura como significados,
significações, isto é, como um sistema simbólico.
Sob o enfoque da cultura como sistema simbólico, a sala de aula é vista
como espaço de cultura e, no caso em estudo, como espaço multicultural,
pluriétnico. Orientando a pesquisa de campo sob esse ponto de vista, ao longo
da investigação cada dado novo observado foi inquirido sobre o significado
que assumia para o estudante índio e para os outros atores. Perguntava-me
também sobre o que esses dados mostravam em termos da problemática
central do trabalho: a diversidade como fator de vantagem e desvantagem.
Para isso era necessário sempre inscrever o particular no geral, ou seja,
pensar os dados relativos à situação vivida pelo estudante Paresi numa escola
pública urbana de Tangará da Serra, procurando ter presente que a escola
reflete o social. Entendo que a escola pesquisada é expressão da sociedade de
Tangará da Serra que, por sua vez, é também expressão da brasileira.
O resultado do trabalho está organizado numa introdução, quatro
capítulos e pelas considerações finais.
No primeiro capítulo aborda-se a educação escolar indígena no Brasil.
Os Jesuítas mantinham a educação confessional com objetivo de catequizar os
índios numa ação assimilacionista. Abordei as missões como agências de
integração, assim como a ação do SPI e a passagem para a FUNAI. Também
foram tangenciados estudos sobre movimentos indígenas e a sua agenda de
demandas, nas quais se inclui a Educação Escolar Indígena e as ações do
Estado para a formação de professores índios.
No segundo capítulo procuro contextualizar o objeto estudado
descrevendo sumariamente o processo político - administrativo de formação
do município de Tangará da Serra, buscando pontuar os impactos sofridos
21
pelos Paresi nesse processo. Ainda nesse capítulo apresento um quadro
descritivo da rede de escolas públicas do município, com ênfase nas escolas
situadas em área indígena Paresi. Também trato a questão da terra dos Paresi,
pela importância central que ela assume para os povos indígenas.
No terceiro capítulo trato da visão oficial da educação escolar indígena.
O real observado de como uma escola concreta vê os estudantes índios e como
eles e suas famílias vêem a escola. Por meio de situações dialógicas e de
acontecimentos do dia-a-dia mostro a importância atribuída à escola e o lugar
da diversidade no projeto-político-pedagógico.
No quarto capítulo, procuro passar uma visão da escola como espaço
social em que ocorrem movimentos de aproximação e de afastamento, onde se
criam e recriam conhecimentos, valores e significados. Busco, a partir das
falas dos estudantes índios, recuperar o trajeto da aldeia para a cidade até a
escola, discutindo o papel da escola em formar o estudante para a cidadania,
num contexto de multiculturalidade, enfatizando a abordagem de avaliação.
Como nós educadores avaliamos nossos estudantes e os estudantes índios?
Será que esta avaliação tradicional de fazer provas, dar notas é a mais
correta?
No decorrer dos quatro capítulos procuro explicitar as contribuições da
pesquisa para a melhoria das relações e interações que constituem o cotidiano
escolar. Procuro identificar também as forças que a impulsionam ou que a
retém, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do
trabalho escolar. Trato, portanto, de compreender o papel e a atuação de cada
sujeito no contexto das relações construídas, negadas, silenciadas ou
modificadas no interior da escola em foco.
A título de considerações finais apresento uma síntese dos principais
elementos constitutivos do cotidiano escolar dos estudantes Paresi que vivem
na cidade.
22
CAPÍTULO I
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
A primeira educação é na família e com os outros
parentes. A segunda é da escrita, do aprendizado na
escola para complementar. Essa se fala também
educação. O mundo evolui. Hoje fazemos parte da
sociedade nacional e temos que estar competindo para
o benefício da comunidade. Nós, jovens, temos lutado
muito pela escola.
A escola é como a água. Sem a água não podemos
viver. A água é a fonte, a vida. Passou pela água,
tomou, você gasta quando anda, quando trabalha.
Aí precisa tomar mais. Continua precisando tomar
mais...
Paulinho Rikbaktsa, membro do Conselho de
Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, 1997.
Quando se fala de educação escolar indígena, pode passar-se a
impressão de que os índios não tenham educação.
Todas as sociedades possuem sistemas próprios (ou apropriados) de
educação de seus membros. As sociedades indígenas também têm suas
concepções de mundo, seus valores, conhecimentos e técnicas que são
transmitidas e aperfeiçoadas ao longo dos tempos e que servem como base
para a construção da pessoa idealizada por cada sociedade.
O professor Paulinho Rikbaktsa (1997, p.18) expõe o seu pensamento
político - pedagógico acerca da educação escolar indígena: a escolarização é
uma contingência do contexto multicultural assimétrico; a escola acessa
saberes necessários ao enfrentamento da luta pela cidadania, pelo direito à
diferença com todas as prerrogativas constitucionais do cidadão.
A água que o índio bebe na fonte da escola é a água de
conhecimentos que lhe permite orientar-se na areia movediça do pluralismo
étnico e cultural de orientação hegemônica. Mas, se da escola só brotar
23
água monoculturalista, como historicamente vem acontecendo, essa água
não hidrata a cultura, não vivifica.
Paulinho mostra, também, que a educação escolar é uma estratégia de
existência grupal da comunidade indígena na sociedade nacional. Noutros
termos, é uma estratégia de inserção cidadã do índio na sociedade nacional.
É necessário ter claro que a educação do índio, todavia, é uma educação
da sociedade e da cultura de seu povo. Todos os povos indígenas educam suas
crianças, eles as ensinam e formam.
Aprender a escrita é considerado uma arte, um desenvolvimento de
habilidade para poder se comunicar melhor no mundo da cultura dominante.
Com a criação de escolas nas aldeias Paresi, a escrita e a leitura, antes
restrita às pessoas escolarizadas em missões religiosas, estão se tornando um
saber disponível à maioria das pessoas.
Entre as sociedades indígenas, contudo, a educação escolar de cunho
integracionista não é percebida como algo fundamental, ao contrário,
consideram-na estranha e desprovida de sentido.
Observe o que disse o professor Evaristo Kiga, membro do Conselho de
Educação Escolar Indígena do Estado de Mato Grosso:
A educação vem da comunidade, vem desde que o filho
nasce. Na minha etnia a gente dá educação como respeitar os
outros e também como os outros respeitar ela. Então a educação
na etnia Bororo respeita a natureza, ensina o que é vida, o que é
ruim, o que é bem. Tem as várias educações: a educação de
como fazer uma coisa, como trabalhar, como fazer artesanato
ensina da terra, da água, da natureza.
A educação não é só de casa, do pai, da mãe. Educação
também tem a da escola. Só que esta ensina a educação do
branco, de como se desenvolver com a lei do branco, como lutar
pela comunidade. Se chega uma pessoa estranha, como falar
com ela. Não se compara a aldeia com a cidade. Tem que ter a
educação da aldeia e a educação para a cidade, para tratar com
as autoridades, saber como andar no meio deles. Tem que
respeitar a própria cultura.
A educação é como uma árvore na natureza. Depois que
ela nasce tem raiz cresce e se abre. Assim é a educação. O filho
da gente, como ele pode ter uma educação: tendo a raiz como a
da gente mesmo. Como a árvore, ela cresce, começa brotar, fica
cheia, mais aberta, dá fruto, dá futuro... (KIGA, 1997, p.11-12).
24
Como afirma o professor, a educação adquirida na família é a educação
da cultura, isto é, passa de pai para filho ou de geração em geração; a
educação escolar é formal e mediada por outros autores. Ela tende a ser vista
como uma espécie de estatuto constitutivo de ideários e de demandas dos
brancos a serem inculcados nas culturas indígenas.
A educação escolar, sob esta visão se tipifica como instrumento de
fragmentação da consciência étnica, como instrumento de dominação
aquiescente, como instrumento de progressiva integração.
Essa não é a matriz desejada pelas sociedades indígenas. Atualmente,
elas buscam a escola como um caminho, como uma estratégia que lhes
assegurem cidadania plena.
Historicamente a educação escolar indígena foi dirigida com objetivos
assimilacionistas. Atualmente, a política da educação escolar cidadã vem
sendo definida pelo movimento indígena e por suas organizações como mais
uma ferramenta voltada para o atendimento de suas necessidades e aspirações.
Para melhor situar o percurso da educação escolar indígena no Brasil e
em Mato Grosso, procurei alinhavar a seguir um esboço histórico dos
caminhos percorridos, evidenciando neles o predomínio dos interesses da
sociedade urbana.
1.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PERCURSO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
Ao iniciar uma pesquisa bibliográfica sobre educação escolar indígena
no Brasil, coloca-se como mister a leitura de Fernando Azevedo (1996) e a do
padre Serafim Leite (1937), dois autores tidos como conservadores nos dias
atuais, porém, referências incontestáveis em seu tempo.
Fernando Azevedo, em sua obra sobre a Cultura Brasileira, ao tratar da
transmissão da cultura escreve, talvez, o primeiro e mais fundamentado texto
de História da Educação Brasileira.
Para além das limitações impostas pelo seu tempo, Fernando Azevedo
continua sendo uma leitura rica e proveitosa, especialmente no que trata da
25
transmissão da cultura, perspectiva que é revisitada como fonte
significativa da História da Educação Brasileira.
O padre Serafim Leite, por seu turno, escreveu a História da Companhia
de Jesus no afã de revalorizar a obra jesuítica na colonização brasileira.
Coloca em questão a política pombalina, tendo por base um farto material de
fontes primárias e secundárias e depoimentos orais. Seu trabalho, conquanto
explicitamente parcial e laudatório, oferece muitos dados, sendo a principal
referência da ação educativa dos Jesuítas no Brasil. Mas é - todavia - muito
lacônico no que diz respeito a Mato Grosso uma vez que a sua chegada na
região deu-se apenas em meados do século passado.
Com base nesses autores podemos apreender a visão conservadora dos
primeiros estudos acerca da educação escolar indígena.
Em 1549, os jesuítas iniciam a primeira ação educacional formal no
Brasil, com seis padres Jesuítas que aportaram na Bahia (Azevedo, 1996, p.
496). Na ocasião, a Companhia de Jesus tinha apenas nove anos de existência
canônica na Europa. Esses Jesuítas chegaram ao Brasil com objetivo de
propagar a fé, promover a catequese e propiciar a educação formal aos índios
reunidos em aldeamentos ou reduções religiosas
10
.
Fundaram as suas residências e "colégios"; instalando centros de
abastecimento e de controle de forma a facilitar a conquista dos corpos e das
almas. Partiam dos arraiais e penetravam nas aldeias, multiplicando os pontos
de irradiação ao longo de toda a costa e posteriormente para o interior do
país.
Ao tratar das primeiras escolas do Brasil, Pe. Serafim Leite, numa
visão triunfalista da obra jesuítica, escreve:
...evocar a epopéia dos Jesuítas do século XVI, em que
lançaram, entre perigos e povoações, os fundamentos de todo
um vasto sistema de educação que se foi ampliando
progressivamente com a expansão territorial do domínio
português (...) enquanto se funda a cidade de Salvador, quinze
dias depois de chegarem os Jesuítas, já funcionava uma escola
de ler e escrever, início daquela sua política de instrução que
eles haviam de manter inalterável através dos séculos, abrir
10
As principais reduções jesuíticas estavam localizadas no sul do país e em territórios
atualmente pertencentes à Argentina e ao Paraguai.
26
sempre uma escola onde quer que exista uma igreja (1937, p.
23).
Um desses mestres foi Vicente Rijo ou Rodrigues, historicamente o
primeiro mestre-escola do Brasil, que consagrou à educação escolar mais de
50 anos de vida.
De acordo com o padre Serafim Leite, o padre Manuel da Nóbrega foi o
grande mentor da ação Jesuítica. Levantou os alicerces do ensino, de toda
obra de catequese e de colonização, empenhando-se com todas as forças em
realizar esse trabalho.
Os cuidados da catequese no século XVII eram da responsabilidade do
Padre José de Anchieta. Desde a sua chegada até a sua morte, desenvolveu um
trabalho apostólico de proporções tão vastas e com tal intensidade que se
tornou, no imaginário social, a figura central desse movimento enorme de
propagação da fé católica entre os gentios. Não por acaso ganhou
notoriedade, pois entre missionários foi talvez o primeiro a relativizar a
relação cultural de poder, buscando aprender a língua dos índios e a traduzir
os hinos religiosos, as orações, as lições.
Em 1555, um ano depois da fundação do colégio na
Aldeia Piratininga que era o ponto mais avançado na ofensiva
da catequese e da colonização sobre o planalto, podia-se se
orgulhar Anchieta de terem ali os Jesuítas uma grande escola
de meninos índios bem instruídos na leitura, escrita e bons
costumes. Para esse ensino, em que todos participavam, mas a
que faltavam livros e material, era ele que compunha canções,
escrevia pequenas peças de teatro compêndios que, copiados,
se tornaram de uso corrente em que quase todos os colégios
(AZEVEDO, 1996, p. 498).
Anchieta foi autor da primeira gramática de língua indígena. Como
educador buscou desenvolver a arte de ensinar, utilizando tudo o que fosse
útil ou suscetível de exercer sugestão: teatro, música, cânticos e até as
danças, multiplicando os recursos para estimular a inteligência das crianças e
orientá-las no caminho da educação escolar.
O objetivo dos jesuítas era atrair os meninos índios às suas casas ou
indo-lhes ao encontro nas aldeias, trazê-los e escolarizá-los associando, na
mesma comunidade escolar, filhos de nativos, de portugueses, índios e
27
mestiços. Procuravam com a educação dos filhos, conquistar e reeducar os
pais.
Dado que a sociedade brasileira na época ser caracterizada por uma
minoria de donos de terra e senhores de engenho e da massa de agregados e
escravos, a estratégia educativa dos padres jesuítas estava baseada em duas
preocupações.
A primeira era a da oferta de educação formal a um número restrito de
filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios
paternos. Mais tarde a escola se estendeu a todos os filhos homens e não só
aos primogênitos. Esses, todavia, recebiam, além de uma educação escolar
rudimentar, a preparação para assumir no futuro a direção do clã, da família e
dos negócios. A educação escolar, portanto, atenderia a um limitado grupo de
pessoas pertencentes à classe dominante.
A segunda preocupação consistia em esmero cultural dos próprios
padres. O conteúdo formativo estava voltado para a materialização do próprio
espírito da Contra-Reforma que se caracterizava, sobretudo, por uma enérgica
reação contra o pensamento crítico que despertava na Europa, por um apego
às formas dogmáticas de pensamento, pela revalorização da escolástica como
método, como filosofia e como reafirmação da autoridade da igreja. Sobre
essa característica dos jesuítas assim se referiu Romanelli:
... Humanistas por excelência e os maiores educadores naquele
tempo, concentravam todo seu esforço, do ponto de vista
intelectual, em desenvolver nos seus discípulos, as atividades
literárias e acadêmicas, que correspondiam, de resto, as idéias
de "homem culto" em Portugal, onde, como em toda península
Ibérica, (Portugal), se encastelara o espírito da Idade Média e
a educação dominada pelo clero, não visava por essa época
senão formar letrados eruditos (ROMANELLI, 1990, p. 34).
O apego dos padres jesuítas ao dogma, e à autoridade e a sua tradição
escolástica e literária, contrastavam com o desinteresse quase total pela
ciência. A repugnância com que tratavam as atividades técnicas e artísticas
tinha raízes no modelo educacional vigente na metrópole, que se mantinha
fechado e irredutível ao espírito de análise, à pesquisa e à experimentação.
De acordo com Romanelli (1990), o ensino que os padres jesuítas
ministravam era completamente fora da realidade da colônia. A instrução em
28
si não representava grande valor na construção da sociedade nascente, cujas
atividades de produção não exigiam maior preparo de mão-de-obra e de
administradores.
A religião católica no Brasil, oficialmente trazida pelos colonizadores e
difundida pelos padres jesuítas, tinha um cunho explorador. Ensinava aos
índios falar, ler, escrever e contar em língua portuguesa. Com isso, facilitava
a dominação das pessoas e das suas terra, especialmente das riquezas minerais
disponíveis. Nas escolas jesuíticas, os índios passaram a assimilar os
conteúdos disciplinados, dirigidos e orientados, relacionado a um currículo
autoritário, imposto pelos padres e pela igreja.
A Companhia de Jesus acabou ministrando, em princípio, a educação
elementar para a população índia e branca em geral (salvo às mulheres),
educação média para os homens da classe dominante, parte da qual teve
representação nos colégios, preparando-se para a ordem sacerdotal.
Uma outra parcela da elite era encaminhada para a Europa para seguir a
carreira eclesiástica ou para completar os estudos, principalmente na
Universidade de Coimbra, de onde retornavam bacharéis.
Após a saída dos jesuítas, a educação escolar indígena, tanto de
iniciativa religiosa quanto laica, continuou a perseguir o mesmo objetivo
assimilacionista.
Outras ordens religiosas instalaram suas missões, dentre elas os
capuchinhos, franciscanos, dominicanos e, mais tarde, os salesianos
11
.
No período colonial os jesuítas não conseguiram se consolidar em Mato
Grosso, uma vez que logo após a sua chegada sobreveio a expulsão promovida
por Pombal.
No século XIX missionários católicos voltaram a atuar em meio a povos
indígenas do estado. Em meados do século XX os jesuítas voltaram a instalar
missões indígenas no Médio-Norte de Mato Grosso.
Os salesianos instalaram suas primeiras missões em Mato Grosso no
final da década de 1890 entre os Bororo. Mais tarde, estenderam a sua ação
11
No Rio Negro os missionários salesianos tiveram internatos indígenas onde preparavam
jovens indígenas para o trabalho como empregadas domésticas nas cidades, especialmente
em Manaus-AM.
29
também para os Xavante, em Sangradouro, local onde já funcionava a Escola
São José, destinada à população não-índia e aos Bororo (Leite, 1994, p.34).
Logo após a chegada dos Xavante a Sangradouro, os Salesianos deram
início a uma experiência educativa de atendimento escolar aos meninos
Xavante, que a pedido dos pais começaram a freqüentar o internato para que
tivessem comida, roupas e aprendessem as coisas do branco (ler, escrever e
contar). No internato a pedagogia adotada pelos salesianos era baseada no
sistema educativo proposto por Dom Bosco.
O ano de 1974 marca o fim do internato indígena masculino em
Sangradouro. Porém, as meninas ainda ficaram sujeitas ao regime de internato
por mais quatro anos. Desde então, a sua formação voltou a ser exercida pelos
pais, padrinhos e anciões.
Na segunda metade do século, missionários de outras confissões
religiosas e do Summer Institute of Linguistics- SIL também passaram a atuar
entre povos indígenas de Mato Grosso.
No início dos anos 60, um casal de missionários da South American
Mission, tentaram se instalar nas proximidades de Utiariti onde fundou a
aldeia Sacre I, a escola Evangélica de Waiaká. Segundo Cabixi (2002), nessa
escola uma professora brasileira ensinava Português, Matemática, Geografia e
História.
Todas as atividades eram desenvolvidas em língua portuguesa e a escola
funcionava em regime de internato. A experiência de alfabetização na língua
materna promovida pelo SIL foi a única vivenciada pelos Paresi. O uso da
língua indígena e a localização de escola na própria aldeia foram tidos como
sinais de progresso comparados com a experiência de internato das missões
católicas (Cabixi, 2002)
12
.
Em 1970, as Irmãzinhas da Imaculada Conceição fundaram a escola em
Rio Verde. Mais tarde as Irmãzinhas saíram e a escola passou à
responsabilidade de dois estudantes-professores, mas logo fechou suas portas.
A partir dos anos 80, muitos estudos sobre educação indígena
começaram a ser realizado no país, trazendo novas contribuições para uma
12
Daniel Cabixi é indígena Paresi e coordenador dos estudantes Paresi que estudam nas
escolas urbanas. Contribuiu com várias comunicações orais que se transformaram em
citações.
30
visão mais crítica da educação indígena, cujas práticas começaram a ser
objetos de estudo e de pesquisa. Nesse contexto destacam-se:
a) A dissertação,Da origem dos homens à conquista da escrita: um
estudo sobre povo indígena e educação escolar no Brasil, de Mariana
Kawall Leal Ferreira (1992), mostra que o processo de Educação escolar é
interpretado e remanejado pelas sociedades indígenas, apresentando uma nova
compreensão da relação entre escola e povos indígenas. Eles são considerados
sujeitos capazes de ressignificar a escola e colocá-la a serviço de seus
próprios interesses. Na pesquisa de Mariana Kawall a educação é definida
como uma prática social e cultural em que a construção e a socialização do
conhecimento seguem as lógicas distintas, próprias e específicas em cada
grupo.
A autora detalha com inúmeros exemplos, os conflitos conceituais que
resultam da introdução da Matemática no contexto indígena, que se
manifestam, sobretudo na formulação e evolução de problemas de aritmética
muito simples. A pesquisa foi realizada entre os Xavante, Suya, Kayabi e
Juruna, e identifica muitos desafios no processo da educação escolar indígena
em relação à Matemática.
b) Arlindo Gilberto de Oliveira Leite (1994) pesquisou sobre A
Educação indígena Ticuna: livro didático e identidade étnica. O foco do
trabalho realizado incide sobre a produção de um livro didático pelos
professores do povo indígena Ticuna no ano de 1987.
Nessa dissertação, Leite procurou resgatar o processo de produção do
livro Ticuna, reconstituindo as diversas etapas de sua elaboração, analisou e
descobriu o significado de tal experiência (produção do livro didático Ticuna)
para os professores e demais que dela participaram.
No processo de escolarização pelo qual passaram os Ticuna, a educação
escolar foi concebida numa dimensão integracionista, pela imposição de
valores e padrões de comportamento da sociedade envolvente, implicando na
desestruturação do modo de ser Ticuna e o fortalecimento do seu processo de
caboclização.
As escolas na área Ticuna se caracterizam por uma clara ambigüidade.
Com sua ação educativa por um lado abriram-se espaços para manifestações
31
do mundo do próprio grupo indígena e, por outro, atendeu aos interesses do
meio regional não-indígena.
A história recente da educação escolar entre os Ticuna leva a marca de
uma notável autonomização, que vem se firmando nos últimos anos. No
interior do processo de mudança acelerada de relações entre atores sociais no
Alto Solimões-AM e de posicionamento dos Ticuna em meio a tais relações,
estes descobriram a importância de assumir o gerenciamento do processo
escolar e passaram a ensaiar persistentes passos nessa direção.
c) A dissertação de Hellen Cristina Souza (1997) tem como temática:
A educação escolar entre os Paresi do município de Tangará da Serra
MT. Esse estudo se distingue dos demais trabalhos e pesquisas sobre o tema
por incorporar uma reflexão dos estudantes que se mudam e se transferem das
escolas indígenas para as escolas urbanas. É interessante por acrescentar à
caracterização das escolas nas áreas indígenas informações quantitativas e
relacioná-las com a expectativa dos Paresi para com a educação escolar,
mostrando que hoje, no município de Tangará da Serra, não é possível
compreender a educação escolar Paresi sem considerar a relação de
dinamicidade entre a aldeia e a cidade.
A pesquisa caminhou no sentido de compreender os processos
migratórios dos Paresi e as suas influências educacionais da aldeia. A partir
de um levantamento de dados dos grupos domésticos que vivem em Tangará
da Serra, mostrou que eles serviram de apoio aos estudantes, cuja migração é
temporária e com objetivo definido de acessar novos níveis de educação
escolar.
Portanto, Souza acrescenta elementos novos e importantes à reflexão
sobre educação escolar indígena, na medida em que considerou a dinâmica
existente entre as aldeias e a cidade na construção das trajetórias dos
estudantes índios.
d) Darlene Taukane (1998), mostrou em seu estudo sobre A educação
entre os Bakairi, as profundas transformações que afetam a sociedade e a
cultura a partir do convívio interétnico, ao tempo que apresenta subsídios
importantes à organização social e à educação tradicional Bakairi.
A dissertação descreve e analisa o modo pelo qual os Bakairi vêm se
apropriando da educação escolar nas últimas décadas. A descrição é densa e
32
dramática, e toca profundamente os pesquisadores sensíveis ao sofrimento e
às lutas dos povos indígenas por sua autonomia cultural e política.
Darlene Taukane é índia e pesquisadora do povo Kurã-Bakairi. Foi a
primeira mulher indígena no Brasil a pesquisar no âmbito de um programa de
pós-graduação os processos educacionais do seu próprio povo. Ao analisar as
experiências educacionais Bakairi, a autora foi ao mesmo tempo sujeito e
objeto, o que acrescentou uma nova dimensão, um novo olhar ao campo das
pesquisas que trabalham com a questão Indígena, todos produzidos por quem
vêm de fora, ou pelo olhar do outro.
e) Francisca Novantino Pinto de Ângelo também é indígena e o seu
estudo de mestrado recentemente concluído versou sobre: O processo de
inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de mato grosso:
protagonismo indígena. Na dissertação de Francisca Novantino entende-se
que a consolidação de uma política de educação escolar indígena específica e
diferenciada, voltada para a realidade das comunidades e para o
reconhecimento cultural é um movimento contínuo. A pesquisa ressalta os
produtivos debates entre as instituições públicas, organizações não-
governamentais, professores indígenas, especialistas e diferentes segmentos
da sociedade nacional na busca da construção de novos caminhos que venham
a atender os reais interesses dos povos indígenas por meio de novos
processos educacionais.
Como membro do povo Paresi, participa das ações de reconhecimento
da valorização da cultura indígena e na inclusão dos índios nas escolas do
Estado do Mato Grosso. Verifica que, não obstante as escolas indígenas
terem sido incluídas no sistema oficial de ensino, ainda assim, não foi
suficiente para cumprir e atender a realidade desses povos. A escola só trará
bons resultados se for ressignificada em cada uma das diferentes realidades.
Será, pois, num contexto de diferentes resistências, impasses e expectativas
que os povos indígenas e as instituições terão o desafio de construir em cada
comunidade a modalidade de ensino.
Para os propósitos desta dissertação, utilizo também como fontes de
análise e informações os fascículos produzidos pela professora Maria de
Lourdes Bandeira De Lamônica Freire (1995) sobre a Educação e
Diversidade, onde é apresentada uma síntese didática das contribuições
33
destacadas acima e proposto um sumário dos diferentes períodos de
desenvolvimento histórico da educação escolar indígena no Brasil.
Bandeira propõe a organização desse percurso em quatro fases da
história: fase colonial; fase do SPI; fase das ONGs indigenistas e fase de
autogestão.
A primeira fase está relacionada, como já se evidenciou
anteriormente à história da igreja no Brasil e a educação foi
formulada e desenvolvida pelos missionários, particularmente
os Jesuítas, como parte da estratégia de evangelização, de
"civilização" dos índios, com o objetivo de torná-los dóceis,
submissos, servos do Senhor Deus, do senhor Rei, da senhora
missão e dos senhores coloniais que os escravizavam.
A fase da escola, da missão, da disciplinação do corpo e
da mente, orientando seus esforços no sentido da destruição da
cultura indígena, como a língua; o sistema de crenças e suas
práticas todas consideradas heréticas, pecaminosas e o sistema
de parentesco, cujas relações eram geralmente enfocadas pela
moral cristã, como hediondas, licenciosas, pecaminosas
(BANDEIRA, 1995, p. 54).
Nessa primeira fase as missões religiosas desenvolveram uma educação
escolar entre as sociedades indígenas, que promoveram um processo de
desorganização social. O modelo desse processo era o aldeamento ou redução,
a catequese e a educação. Do ponto de vista educacional, esse modelo se
caracterizava por uma pedagogia da submissão implementada por meio da
imposição conflitual da mudança cultural.
A segunda fase foi inaugurada em 1910 com a criação do SPI (Serviço
de Proteção ao Índio) e posteriormente secundado pela FUNAI (Fundação
Nacional do Índio), criada pela lei 5.371 no dia 05 de dezembro de 1967.
A política oficial de proteção aos índios vem sendo
formulada deste o Império que organizou a Diretoria de Índio
com Inspetoras diversas. Em 1910, no bojo do projeto
governamental de integração territorial, sob a égide positiva
foi criado Serviço de Proteção aos Índios - SPI, graças aos
esforços do Marechal Rondon, seu primeiro dirigente
(BANDEIRA, 1995, p. 57).
O SPI era encarregado da política oficial de proteção norteada pelo
propósito de integração.
34
Algumas décadas após a morte de Rondon o SPI tornou-se um órgão
falido, desmoralizado e enfraquecido pela corrupção e pelos escândalos.
No período do governo militar, especialmente no final da década de
1960 quando os conflitos de terra emergiam em todo o território nacional, o
SPI foi extinto, criando-se a Fundação Nacional do ÍndioFUNAI, que tinha
como objetivo, dentre outros, a legalização das Terras Indígenas.
Com a criação da FUNAI, o governo brasileiro pretendeu tratar de
forma mais técnica e científica as questões indígenas, proporcionando
melhoramentos para os grupos indígenas em suas aldeias. À época, a mudança
representou um avanço significativo no trato da questão indígena, sobretudo
por estabelecer novos referenciais para a definição das terras ocupadas pelos
índios e fixar o prazo de cinco anos (que não foi cumprido), para que todas as
Terras Indígenas do país fossem demarcadas.
Na medida em que a fronteira econômica avançava integrando novas
áreas, os grupos indígenas eram deslocados compulsoriamente dos espaços
que ocupavam tradicionalmente. A demarcação das Terras Indígenas
assegurar-lhes-ia a posse e o domínio do território tribal, garantia de meios de
produção da vida, de reprodução social e cultural.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro
que estabelece e executa a política indigenista, dando cumprimento ao que
determina a Constituição de 1988.
Na prática significa que compete à FUNAI proteger as terras
tradicionalmente ocupadas, demarcando-as e estimulando o desenvolvimento
o seu usufruto sustentado. A educação Escolar Indígena e as Bases Legais, a
partir da promulgação da Constituição Federal, surgem instrumentos jurídicos
e administrativos que tem balizado o cenário nacional quanto à educação
escolar indígena. Pelo Decreto n° 26/1991, que transferiu da FUNAI para o
Ministério da Educação e do Desporto - MEC a responsabilidade de coordenar
as ações de educação escolar indígena, e aos estados e municípios a sua
execução.
A Fundação tem ainda a responsabilidade de defender as comunidades
indígenas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras, impedindo as
ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras
ações que ocorram dentro de seus limites que representem um risco à vida e à
35
preservação desses povos. Essas práticas, entretanto, não chegaram à plena
concretude, permanecendo como idealizações, como discurso oficial
meramente formal.
Atualmente a FUNAI firmou parcerias com prefeituras municipais em
diversos estados com a finalidade de melhorar a vida dos índios.
No campo da educação, o MEC está autorizando repasses financeiros às
Secretarias Municipais para atender aos estudantes índios. No campo da saúde
os índios são atendidos pelo Distrito de Saúde Especial Indígena (DSEI) que,
por meio do Sistema Único da Saúde (SUS), oferece a manutenção dos
serviços nas aldeias e na rede ambulatorial e hospitalar.
Da histórica postura etnocêntrica de concepção evolucionista,
permanece ainda a figura jurídica da tutela, que vem reforçar a relação
paternalista entre o Estado e as populações indígenas. A denominada
"integração harmoniosa", leva em consideração a diversidade cultural dos
índios, mas, paralelamente, propõe medidas visando a sua integração à
sociedade nacional o que, na prática, implica inadmissão da diferença. A sua
filosofia e postura em relação aos povos indígenas baseia-se no entendimento
de que a existência das sociedades indígenas estaria condicionada ao percurso
dos estágios de desenvolvimento que os elevaria da barbárie à civilização.
A terceira fase de educação escolar, em áreas indígenas, caracteriza-se
pela formulação de projetos alternativos de educação indígena, com o apoio
de Organizações Não-Governamentais (ONGs), notadamente a Operação
Amazônia Nativa (OPAN), a Comissão Pró - Índio de São Paulo (CPI), o
Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), a Associação
Nacional de Apoio ao Índio, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI):
Essas organizações deram apoio significativo à realização
de assembléias indígenas, oportunizando articulação entre as
lideranças indígenas. O surgimento de organizações indígenas
intercomunicativas, articuladas às organizações não -
governamentais, possibilitou a emergência de política e prática
indigenista paralelas. Com o apoio das universidades,
começaram a se desenvolver projetos específicos de educação
indígena, alinhada com os interesses da sociedade indígena em
que se desenvolviam (BANDEIRA, 1995, p.59).
36
A partir da década de 80, surgiu a organização do movimento indígena
e começou a quarta fase em que se consolidaram os encontros de professores
índios. Esses encontros foram realizados para estudar, entender o passado,
presente e projetar o futuro das culturas indígenas.
A formulação educação indígena, nessa fase, se articula a
idéia de autodeterminação, perspectivando-se como processos
pedagógicos próprios autogestionados. A autodeterminação da
escola emerge como dimensão do processo de
autodeterminação dos povos indígenas, articulando-se com a
luta pela terra, que envolve demarcação, defesa, conservação,
preservação e proteção de seus territórios (BANDEIRA, 1995,
p. 59).
A grande mudança sócio-educacional foi a de que os professores índios
passaram a assumir responsabilidades políticas, com direito a voto,
concorrendo em eleições nos vários estados do Brasil, tornando-se autores,
junto com seu povo, de um modelo de educação diferenciada, referenciado na
cultura, na tradição e nos interesses de cada sociedade indígena, exercendo a
sua cidadania.
Em 1991, o setor de educação foi desvinculado da FUNAI. O MEC
criou o Comitê de Educação Escolar Indígena, com 35% de participação de
professores índios e 65% de participação de pessoas relacionadas com a
questão da educação indígena. Esse Comitê foi encarregado da discussão da
educação escolar indígena, como educação diferenciada, em conformidade
com o princípio constitucional.
A educação indígena passou a ser tratada como especificidade.
Elaboraram diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena
em quase todos os estados do Brasil, repercutindo as reflexões e práticas dos
movimentos indigenistas, dos movimentos indígenas e dos professores índios.
Pretendeu-se construir uma política educacional que ia ao encontro dos
interesses indígenas e que proporcionasse uma educação mais democrática
com a participação de todos. Uma educação voltada para a formação e não
apenas para a instrução.
Nesta fase de elaboração de políticas, os representantes indígenas
tiveram acesso aos meios de comunicação, sendo-lhes possível exercitar o
direito de expor na mídia falada, escrita e televisiva as suas reivindicações.
37
Essa forma de obter maior visibilidade foi importante também para que a
população pudesse perceber a realidade indígena sob um novo enfoque,
desmistificando a imagem generalista e preconceituosa apresentada no
passado por meio dos livros didáticos.
O índio citado em jornais, em manchete, muitas vezes como vítima ou
herói da sociedade ganhou visibilidade como ator social que estuda e conhece
os seus direitos e deveres. Formou-se uma nova imagem que dissipou muitos
preconceitos, especialmente o de que os índios eram atrasados, selvagens e
que não possuíam cultura.
Os professores indígenas muitas vezes discriminados nas relações
interpessoais, no interior da escola e fora dela também passaram a perceber
que os livros didáticos nos quais estudaram são preconceituosos e as ações
educativas nas escolas não-indígenas traziam conteúdos e imagens não
condizentes com a realidade sócio cultural e histórica dos seus povos
(Cf.Côrtes, 2001, p.12).
1.2 O MOVIMENTO INDÍGENA E A DEMANDA POR EDUCAÇÃO
O sítio oficial da FUNAI na internet (www.funai.gov.br) acessado em
07 de abril de 2002, informava que na ocasião encontrava-se em andamento
diversos projetos de educação escolar dirigidos à formação indígena em todo
o país. Os projetos abaixo citados, são referências em âmbito nacional:
1- Projeto TUCUM: iniciativa da Secretaria do Estado da Educação-MT,
com o objetivo da formação de professores indígenas em nível do Magistério-
2º Grau; articulação interinstitucional definida em Convênio 001/95 (Governo
de MT/ SEDUC, UFMT, FUNAI, Prefeituras Municipais). Formaram-se 205
professores indígenas de várias etnias;
2- Projeto de Criação e Implantação de Escolas Indígenas de Minas
Gerais: de iniciativa da UFMG; articulação interinstitucional (UFMG/
Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa, Governo de Minas Gerais/
SEDUC, FUNAI, IEF -Instituto Estadual de Florestas). Foi formalizada,
através de Convênio 3607/95, proposta de formação professores indígenas em
38
nível de magistério 2º grau. Concluíram o projeto 55 professores das
sociedades Xacriabá, Pataxó, Maxakali e Krenak.
3- Projeto de Formação de Professores Indígenas - Maranhão. Esta
proposta resultou da articulação entre SEDUC-MA, FUNAI, UFMA. O
Departamento de Educação consolidou uma proposta de Curso de Formação de
55 professores Guajajara, Gavião e Krik.
4- Projeto de Capacitação de Professores das Escolas Indígenas-Rio
Grande do Sul: de iniciativa da Secretaria de Estado da Educação-R/S,
capacitou cerca de 60 professores Kaingáng e 02 Guarani e cerca de 50 não-
índios. Relação interinstitucional formalizada através do Convênio 014/95
(Governo de R/S e FUNAI).
5- Projeto de Formação de Professores Indígenas-Parque Indígena do
Xingu. Proposto e executado pelo Instituto Sócio-ambiental de São Paulo. Já
se formaram cerca de 55 professores para o Magistério indígena/ 2º grau, das
sociedades Xinguanas. A FUNAI participa com especialista em educação
intercultural para docência nos cursos e na definição da Proposta Curricular
do Curso de Formação.
6- Projeto de Formação de Professores Ticuna. Executado pela OGPTB
(Organização Geral de Professores Ticuna Bilíngüe), capacita cerca de 220
professores Ticuna para o Magistério 2º grau.
7- Capacitação de Professores Munduruku. De iniciativa e execução da
FUNAI, envolvendo, cerca de 50 professores índios.
8- Projeto de Educação e Cultura Maurehi: de iniciativa e execução da
FUNAI, coordenado por educadora especialista em educação intercultural.
Envolve a comunidade Karajá de Aruanã no estado de Goiás, com objetivo de
resgatar o uso oral da língua indígena e das práticas sócio-culturais
tradicionais, em parceria com UFGO e Secretaria Estadual de Educação.
9- Projeto de Formação de Professores Kayapó. De iniciativa e
formulação da FUNAI, recebeu aprovação pela Subcomissão de Avaliação de
Projetos/MEC para financiamento, com sua primeira fase de execução em
setembro de 1997.
10- Projeto 3º Grau Indígena, pela Universidade do Estado do Mato
Grosso-UNEMAT de Barra do Bugres, formando professores indígenas do
Brasil inteiro. O 3º Grau Indígena, tornou-se referência Nacional pela
39
originalidade do projeto pelas experiências, trabalhos e ações desenvolvidos
pelos professores que atuam no curso Os acadêmicos índios chegam à cidade
de Barra do Bugres em média dois dias antes de cada etapa de ensino.
13
Conforme posto, estes dez projetos são os mais importantes em
desenvolvimento no Brasil, sendo 25% deles em Mato Grosso. Mas tem-se
notícia da existência de outros, com relevância educativa, em execução em
diferentes quadrantes do país, dos quais não se teve acesso a fontes formais.
Têm-se informações de outros projetos na Bahia, Acre e Amazonas, por
exemplo, não incluídos na relação anteriormente apresentada.
Esses projetos proporcionam diretrizes para educação escolar indígena,
e caracterizam um novo discurso oficial no entendimento da escola indígena
articulada ao sistema de educação de cada povo. Como expressão da cultura, a
escola indígena deve ser instrumento de afirmação étnica, construindo
suportes para uma relação positiva com a sociedade envolvente e com outras
sociedades indígenas, bem como outros grupos sociais diferenciados. A escola
não pode se tornar uma violência, isto é, cortar as iniciativas dos estudantes e
professores índios.
A questão da formação de professores índios em relação aos projetos
acima citados abre uma nova perspectiva para a educação escolar indígena.
Trata-se de uma questão relevante, pois os professores deverão assumir a
elaboração do material didático pedagógico e acompanhar a produção do
material institucional das diversas áreas do conhecimento formal
sistematizado e participar, em parceria com pessoal especializado, da
sistematização do saber indígena na língua materna.
Pode-se perceber que houve um extraordinário avanço na educação
indígena e que esse avanço deve ser creditado aos próprios índios, sem deixar
de reconhecer a importante contribuição dos movimentos indigenistas do
Brasil.
13
A primeira turma iniciou no segundo semestre de 2001 e concluiu seus estudos no
primeiro semestre de 2006. Fizeram a sua formatura e colaram grau em Licenciatura Plena
nas seguintes áreas: 1) Línguas, Artes e Literaturas; 2) Ciências Sociais; 3) Ciências da
Matemáticas e da Natureza. O curso é constituído de 10 etapas, ou seja, de cinco anos. As
oito etapas iniciais são comuns para todos. As duas últimas cada um escolhe em qual
terminalidade quer se especializar e habilitar. Atualmente estão estudando 100 acadêmicos
que começaram no segundo semestre de 2005.
40
No livro Temática Indígena na Escola, organizada por Araci Lopes
Silva, em especial o artigo, Pensando as Escolas dos Povos Indígenas no
Brasil: o Movimento dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e
Acre, escrito por Márcio Silva e Marta Azevedo, destaca-se:
Em julho de 1990, no último dia do III Encontro de
professores indígenas do Amazonas e Roraima em que se
discutia a elaboração de um documento que encaminharia
reivindicações a serem incorporadas na Nova LDB, duas
delegações de professores, uma do Alto Rio Negro e outra do
Médio Solimões, manifestaram preocupação com o sentido do
termo bilíngüe (SILVA E AZEVEDO, 1981, p.152).
A partir desse encontro este termo se tornou freqüente em inúmeros
documentos em relação a educação escolar indígena, produzido por entidades
indígenas e mesmo em projetos de leis muitos deles elaborados com a
assessoria de especialistas em línguas indígenas.
Os Professores indígenas dos Estados do Amazonas, Roraima e Acre se
reuniram pelo menos uma vez por ano para estudar e refletir sobre questões
educacionais para a sala de aula. Nesses encontros são discutidos projetos,
além de refletir sobre a elaboração de currículos e regimentos diferenciados e
específicos, os professores procuram encontrar soluções para os obstáculos
que surgem neste processo conforme Silva e Azevedo (1981, p.152-154).
Em qualquer educação os conceitos pedagógicos não permanecem
estáveis por muito tempo. Eles têm "asas", por assim dizer, e podem ser
induzidos a se deslocar de lugar para lugar. A educação apropriada como
instrumento de luta de grupos étnicos por direito à diferença e à cidadania
tornou-se um dos principais meios nos quais diferentes grupos, com distintas
visões políticas, econômicas e culturais tentam definir quais deverão ser os
meios e os fins legítimos de uma sociedade. Apple (1997), percebe a educação
como um conjunto de conflitos ideológicos, que proporcionam grandes
mudanças sociais. "A educação é uma arena na qual estes conflitos
ideológicos são produzidos" (APPLE, 1997, p.35).
No Brasil a educação oficial, no contexto social mais amplo, está
buscando nos temas transversais adaptações para entender problemas sociais
como a violência, discriminação, resistência, paz, desordem, entre outros
41
tantos. Mas não tem alcançado sucesso, pois a proposta curricular não
encontra eco nos meios de comunicação de massa presentes em todos os
lugares e que transmitem conteúdos geralmente inadequados para a clientela,
gerando inúmeros problemas para a sociedade e também para a própria escola.
O papel da escola no processo educacional é de interferir e inserir
programas de conscientização que proporcionem grandes e profundas
transformações culturais e éticas, oportunizando o estudante a buscar novos
rumos e conceitos para se adequar à cidadania a que tem direito com visões de
mundo mais amplas sobre a realidade. Apple (1995), afirma que devem ser
feitos:
...debates relativos ao papel da educação na distribuição e
produção do poder econômico, político cultural, com muita
freqüência, permaneceram num nível muito abstrato ao nível
de tornarem os instrumentos e aplicá-los de fato a história
concreta e a realidade das políticas e práticas envolvidas na
organização do ensino e do currículo (APPLE, 1995, p. 09).
O professor índio participa dos debates políticos relacionados à
demanda educacional para a formação cultural do seu povo, trazendo cada dia
discussões relativas aos problemas sociais para dentro da escola.
As dificuldades que os educadores índios e outros educadores estão
enfrentando atualmente podem ser abordadas de forma mais eficaz se
considerados dois procedimentos apontados no livro Urucum jenipapo e giz
(Secchi, 1997) e aqui apresentados de forma sintética:
a) Restaurar o trabalho do professor índio de modo que ele esteja ligado mais
diretamente a resultados de comportamentos específicos e dirigido por
técnicas e ideologias gerenciais em todos os segmentos da escola, que
conheça as políticas educacionais do município, estado e federação;
b) Especificar e controlar mais estreitamente os objetivos e materiais do
currículo real e oculto para alinhá-los às necessidades do indivíduo, na
formação ideológica, que possa compreender o mundo e a realidade dos índios
e não-índios, nas escolas das aldeias e na cidade.
Se juntarmos essas duas proposições à reestruturação da educação,
teremos um impacto na formação dos professores e na organização do seu
trabalho.
42
Os conhecimentos mais importantes para os estudantes são aqueles que
lhes permitem desenvolver atitudes críticas e construtivas que sirvam como
suporte para a tomada de decisões frente às situações complexas vividas no
interior da escola e da sociedade em geral.
1.3 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM DEVER DO ESTADO
A Constituição Brasileira promulgada em 1988 instituiu possibilidades
de novas relações entre o Estado, a sociedade civil e os povos indígenas, ao
superar a perspectiva integracionista e reconhecer a pluralidade cultural.
O direito à cidadania, compreende o direito à diferença, reconhecendo e
valorizando as especificidades étnico-culturais, cabendo à União a proteção
dos grupos diferenciados, garantindo os seus direitos específicos. Compete ao
Estado a viabilização dos mecanismos que permitam aos cidadãos a
compreensão e divulgação dos saberes e valores das comunidades indígenas.
No que concerne à educação, Saviani (1998), destaca que o artigo 210
da Constituição Federal:
...assegurou às comunidades indígenas, além do uso das
próprias línguas, a consideração de seus processos de
aprendizagem, o que passou a refletir-se em modificações na
concepção e implantação do currículo escolar indígena nas
ações educacionais promovidas pelos diversos atores
envolvidos nesta função (SAVIANI, 1998, p.162).
No debate da educação brasileira, desenvolvido no contexto mais amplo
da Constituição de 1988, de acordo com Saviani, a grande discussão
curricular se efetivou nos aspectos pedagógicos variados, principalmente no
seu eixo central que define a natureza diferenciada e específica da educação
escolar indígena em relação às demais modalidades do Sistema Nacional de
Ensino.
A partir de então, os índios deixaram de ser considerados como
categoria social em vias de extinção, e passaram a ser respeitados como
grupos étnicos diferenciados, com direito a manter sua organização,
costumes, línguas, crenças e tradições (C.F.: Art.231). O Artigo 210
43
assegura às comunidades indígenas o uso de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem, devendo o Estado proteger as
manifestações das culturas indígenas (C.F: Art.215). Estes dispositivos
constitucionais dão sustentação à Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional que garante aos povos indígenas, nos Artigos 78 e 79, a oferta da
educação escolar bilíngüe e intercultural. Com estes dispositivos legais,
garante-se aos índios o direito a uma escola bilíngüe e intercultural, com
características específicas, que busque a valorização do conhecimento
tradicional vigente em seu meio ao mesmo tempo em que lhes fornece
instrumento para enfrentar o contato com outras sociedades.
Nesse contato, a promulgação da Constituição de 1988 institui como
marco a redefinição das relações entre o estado brasileiro e as sociedades
indígenas. Tal decisão é de especial importância no campo da educação por
ter assegurado o direito das sociedades indígenas e uma educação escolar
diferenciada, específica, intercultural. Dessa forma, tornou possível não
apenas a sobrevivência física, mas também étnica, resgatando a dívida social
que o Brasil acumula em relação aos habitantes originais do seu território.
A LDB (Leis de Diretrizes e Bases) retoma a reabertura conceitual do
texto da Constituição, explicitando as esferas de competência para a
coordenação e execução dos novos preceitos legais e conceituais.
Segundo Saviani (1998, p.78), a Carta Constitucional e a Lei de
Diretrizes e Bases expressam uma "nova concepção de política educacional
para as populações indígenas". Orienta-nos a reverter os modos como a
Educação Indígena age sobre seu público alvo, através do currículo
selecionado para tais finalidades.
A Constituição de 1988 e a LDB asseguram o uso e a manutenção das
línguas maternas e o respeito aos processos próprios de aprendizagem das
sociedades indígenas no processo escolar, na aldeia e na cidade.
As mudanças de paradigmas na concepção da educação escolar das
sociedades indígenas foram introduzidas pela Constituição de 1988, quando a
educação deixou de ter o caráter integracionista preconizado pelo Estatuto do
Índio (Lei 6001/73) e assumiu o princípio do reconhecimento da diversidade
sócio-cultural e lingüística e de sua manutenção. Isto levou a uma alteração
de responsabilidades na condução da oferta de programas educacionais
44
indígenas. Com o Decreto 26/91, retirou-se a incumbência exclusiva da
Fundação Nacional do Índio em conduzir processos de educação escolar junto
às sociedades indígenas e atribui-se ao Ministério da Educação e do Desporto
a coordenação das ações, bem como sua execução aos Estados e Municípios
(www. funai.gov.br em 07/04/2002).
Como conseqüência desse decreto e da Portaria Ministerial 559/91, foi
criada, no MEC, a Coordenação Geral de apoio às Escolas Indígenas e o
Comitê de Educação Escolar Indígena, assessor dessa instância,
interinstitucional e com representação dos professores índios.
Segue algumas características sintetizadas do Referencial Curricular
Nacional da Escola Indígena (RCNEI, 1998):
a) O trabalho do MEC vem buscando pautar-se, deste então, pelo
princípio do reconhecimento da diversidade sócio-cultural e lingüístico das
sociedades indígenas e de sua manutenção. Reconhecendo a necessidade de se
definirem os parâmetros para a atuação das diversas agências, o referido
Comitê elaborou em várias experiências inovadoras, na sua maioria fruto de
trabalhos alternativos de organizações da sociedade civil, as Diretrizes para
a Política Nacional da Educação Escolar Indígena (1993). Este documento,
que representa um marco para a Educação Escolar Indígena no Brasil,
estabelece os princípios para a prática pedagógica em contexto de diversidade
cultural.
b) No ano de 1994, o MEC, através do Comitê de Educação Escolar
Indígena (criado pelas Portarias nº: 60/92 e 490/93) lançou as Diretrizes para
a Política Nacional de Educação Indígena, este avanço qualitativo trouxe a
possibilidade de construção das escolas indígenas específicas, com currículos
diferenciados, interculturais, configurando novo entendimento do papel da
educação escolar indígena, no contexto do reconhecimento da pluralidade
étnica e cultural do Brasil.
c) A política desenvolvida pelo MEC visa assegurar aos povos
indígenas, uma escola de qualidade que respeite suas especificidades culturais
e que garanta sua participação plena nos projetos de futuro do país.
Dando seqüência às formulações curriculares e atendendo aos preceitos
da diferença e especificidade, o MEC publicou em 1998, o Referencial
45
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), que compõe o
conjunto dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
O RCNEI constitui-se em proposta formativa que pretende garantir os
pontos comuns encontrados em meio à desejada diversidade e multiplicidade
das culturas indígenas, tal como estão garantidos os princípios legais à
cidadania e à diferença, traduzidos numa proposta pedagógica de ensino-
aprendizagem que promova uma educação intercultural e bilíngüe,
assegurando a interação e parceria. Seu objetivo maior é oferecer subsídios e
orientações para elaboração de programas de educação escolar que melhor
atendam aos anseios e interesses das comunidades indígenas.
O RCNEI está voltado prioritariamente aos professores indígenas e aos
técnicos das secretarias estaduais de educação responsáveis pela
implementação e regularização de programas educativos junto às comunidades
indígenas. O documento divide-se em duas partes: na primeira, denominada
Para começo da conversa, estão reunidos os fundamentos históricos,
políticos, legais, antropológicos e pedagógicos que balizam a proposta de uma
escola indígena intercultural, bilíngüe e diferenciada. Na segunda parte,
intitulada Ajudando a construir o currículo nas escolas indígenas são
apresentadas as sugestões de trabalho para a construção dos currículos
escolares indígenas, a partir das áreas de conhecimento conforme (RCNEI,
1998, p.14).
O RCNEI, (assim como a Resolução n°: 03 de 10/11/1999 do Conselho
Nacional de Educação) em seu Artigo 1°: estabelece, no âmbito da educação
básica, a estrutura e o funcionamento das escolas indígenas, reconhecendo-
lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídicos próprios,
fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando à
valorização plena dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua
diversidade étnica (www.funai.gov.br acesso em 07 de abril de 2002).
De acordo com a Resolução Interministerial 03/99 será necessário
também regularizar juridicamente as escolas indígenas, contemplando as
experiências em curso bem sucedidas e reorientando outras para que elaborem
regimentos, calendários, currículos, materiais didáticos pedagógicos e
conteúdos programáticos adaptados às particularidades étnicas, culturais e
lingüísticas próprias a cada povo indígena. (PCN, 1997, p.34)
46
O Plano Nacional de Educação de 2001, em um item específico sobre
educação escolar indígena, define essa responsabilidade aos estados
federativos:
Atribuir aos estados a responsabilidade legal pela
educação indígena quer diretamente, quer através de delegação
de responsabilidade aos seus municípios, sob a coordenação
geral com o apoio financeiro do Ministério da Educação (PCN,
1997, p.38).
Conforme a Resolução, a responsabilidade executiva da educação
escolar indígena fica a cargo dos Estados e não do município, podendo,
entretanto, a eles ser repassada mediante convênios e com a anuência das
comunidades indígenas.
O Plano Nacional de Educação é um dos instrumentos fundamentais
para a consecução deste propósito, cuja realização será alcançada se for
assegurada a participação plena dos povos indígenas.
Os municípios devem possibilitar uma educação escolar indígena
contextualizada, visando a recuperação da memória e da história indígena e
favorecendo a reafirmação de sua identidade étnica. Para tanto, devem
promover o estudo e a valorização da língua, cultura e ciência indígenas e de
todos os seus etno-conhecimentos.
Alguns estados têm explorado criticamente os PCNs, quer como forma
de omissão, visão limitada e reducionista, quer pelo desconhecimento de
caminhos que levem a sua realização, especialmente a de quadros técnicos
capacitados para a sua execução.
Os Parâmetros Curriculares tratam de questões como a ética e a
identidade social, em contextos de diversidade étnica e cultural. Vejamos a
citação do volume VIII dos PCN:
O grande desafio da escola é investir na superação da
discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela
diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sócio
cultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos
grupos que compõe a sociedade. Nesse sentido, a escola deve
ser local de diálogo, de aprender a conviver vivificando a
própria cultura e respeitando as diferenças formas de
expressão cultural. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997,
p.32).
47
O objetivo dos PCNs é o de oferecer referencial curricular pedagógico,
de caráter não obrigatório, que concorram para elaboração dos projetos
pedagógicos das escolas, tornando viável a melhoria da qualidade do ensino e
visando a formação do estudante enquanto cidadão.
A temática da pluralidade cultural diz respeito às características étnicas
e culturais de diferentes grupos sociais que convivem em território brasileiro,
as desigualdades sócio-econômicas e às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade, oferecendo ao estudante a
possibilidade de conhecer a cultura, respeitando a diversidade cultural em
cada especificidade.
Nesse paradigma de discriminação e preconceito, o grande desafio da
escola é preparar para a cidadania, orientando os papéis de responsabilidade
pelo ensino aprendizagem, formando assim um cidadão íntegro, com diversas
capacidades de desenvolvimento.
As leis e regulamentos nas áreas de educação, saúde, mídia, família,
relações de propriedade tendem a reproduzir as formas das relações sociais e
contratuais exigidas pela sociedade moderna.
Um dos principais instrumentos usados durante a história de contato
pela política de assimilação do índio tem sido a escola, que pode ser um
instrumento eficaz na descaracterização e destruição das culturas indígenas ou
uma instância viabilizadora dos seus projetos societários.
Atualmente os povos indígenas lutam para que a escola possa vir a ser
hoje um instrumental decisivo na reconstrução e afirmação das suas
identidades. A escola, como estrutura historicamente determinada, é um local
das mesmas contradições que permeiam toda sociedade, é um espaço
privilegiado para a construção também de uma contra-ideologia, sendo a
cultura, sua matéria-prima a ser transformada. (FREIRE, 1996). De acordo
com (Bandeira, 1995, p.40):
... na sociedade indígena, a educação escolar importada (de
fora para dentro) como instrumento de integração não foi
valorizada, permanecendo estranha sem sentido, conquanto
uma cunha cravada com maior ou menor violência no interior
da cultura, produzindo rupturas, perdas, sangrias.
48
No contexto atual das políticas oficiais o enfoque tem sido o de
valorizar as culturas indígenas e de resgatar a sua identidade.
No âmbito do estado de Mato Grosso, na década de 1990, foram
delineadas algumas diretrizes com vistas à implantação da política
educacional indígena por meio da Secretaria de Educação e Cultura (SEDUC).
Dentre elas destacaram-se:
1- Apoiar o governo Federal na Demarcação e proteção das terras
indígenas;
2- Implementar um projeto escolar para o indígena;
3- Executar os projetos de saneamento básico e de saúde ao índio;
4- Viabilizar apoio técnico aos projetos de economia indígena;
5- Implantar e fortalecer o órgão de assuntos indígenas do Estado, com
um núcleo mínimo central e extensões de apoio nas organizações de saúde,
educação, agricultura e meio ambiente.
O objetivo oficial desses propósitos foram os de apoiar e assegurar a
educação às escolas indígenas, prestar atendimento técnico aos docentes
indígenas e às agências que trabalham com a educação escolar, enfim,
estabelecer uma política oficial de educação escolar para as sociedades
indígenas no estado.
Um das medidas iniciais dessa política foi a de criar o Conselho de
Educação Escolar Indígena de Mato Grosso CEI/MT, o que se deu por meio
do Decreto Estadual nº 265/95, de 20 de julho de 1995. Independentemente
dos percalços que o Conselho enfrentou (e ainda vem enfrentando), a sua
criação e implantação conferiu à educação indígena um caráter diferenciado
da educação escolar convencional. Esse caráter, entretanto, por si só não
assegura a educação diferenciada, tornam-se imprescindíveis outras medidas
de política pública específica e a devida alocação dos recursos necessários
para a sua execução.
Atualmente o estado ainda mantém em andamento alguns programas de
educação escolar indígena, porém perdeu de foco as metas propostas nos
sucessivos planos.
Em 1995, ocorreram em Mato Grosso vários encontros e discussões em
relação à Educação Indígena. Desses encontros e seminários surgiram idéias e
propostas educacionais. Dentre elas o grande projeto que transformaria a
49
Educação Indígena no Mato Grosso. O Projeto Tucum, uma iniciativa de
formação de professores indígenas para o magistério, patrocinado pela
Secretaria Estadual de Educação, com apoio das Secretarias Municipais de
Educação e Cultura nos municípios onde têm professores índios.
O Projeto Tucum teve como objetivo a formação e habilitação de
professores índios ao acesso e desenvolvimento do conhecimento escolar.
Foram elaboradas propostas curriculares diferenciadas, bilíngües e
interculturais, para as escolas indígenas em que os cursistas atuam.
A metodologia do Projeto Tucum pretendeu trabalhar o rompimento da
concepção dicotômica entre educação e prática social, constituindo o processo
educativo num processo de conhecimento integrado às práticas vividas dos
participantes.
O papel do estado foi visto como o mediador das relações de produção
que constituem as estruturas econômicas, sobre cuja base concreta se eleva a
superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas
consciências sociais. Nessa percepção, a escola é um lugar em que as
relações entre os conhecimentos tradicionais e os novos conhecimentos
deverão se articular de forma equilibrada. É também uma possibilidade de
informação a respeito da sociedade nacional, facilitando a aprendizagem e a
construção de relações igualitárias fundamentadas no respeito,
reconhecimento e valorização das diferenças, entre os povos indígenas, a
sociedade civil e o estado.
O estado deve viabilizar a oferta de educação escolar e intercultural às
populações indígenas, uma vez que ela valoriza a história e a identidade
sócio-cultural. Entende que numa educação intercultural os estudantes índios
reconhecem as suas capacidades para ascender a qualquer conhecimento
desenvolvido pela humanidade, daí a estruturação de uma escola indígena com
uma proposta curricular própria, com uma visão de homem, de mundo e com
conteúdos relacionados na realidade da comunidade indígena. Januário (2004)
destaca em um artigo publicado nos Cadernos de Educação Escolar Indígena
3º Grau Indígena, que:
Nunca é demais ressaltar que uma parte da educação
escolar indígena deve ser construção dos próprios professores
indígenas. Da criatividade do professor índio, do seu potencial
50
ressignificativo é que vai ser construída a sua prática
pedagógica. É inadmissível pensar em modelos prontos para
serem utilizados pelos professores das escolas indígenas, como
acontece muito nas escolas dos não-índios. A pedagogia
indígena deve ser resultado da vivência da reflexão dos
próprios professores, da troca de experiências, da construção
coletiva, da presença dos anciãos e das relações socioculturais
presentes em cada etnia (JANUÁRIO, 2004, p.51-52).
O projeto de maior amplitude em Mato Grosso é o das Licenciaturas
Indígenas implementado pela UNEMAT em parceria com outras instituições
como a FUNAI, SEDUC/MT, o MEC e as prefeituras Municipais.
O Curso de Licenciatura Específico para a Formação de Professores
Indígenas foi uma conquista dos povos indígenas, a fim de trabalhar a
pedagogia indígena, gerando resultados, práticas de vivências e reflexões dos
professores índios, cujas trocas de experiências possibilitam uma construção
coletiva de metodologias novas para as escolas indígenas.
A elaboração da proposta do Terceiro Grau Indígena passou pela
apreciação dos professores, do Conselho de Educação Escolar Indígena, das
lideranças e comunidades indígenas e das instituições envolvidas. Várias
contribuições apresentadas foram incorporadas na elaboração do Projeto final,
fruto de uma construção individual e coletiva entre diversos parceiros.
O Curso de Licenciatura Específico para Formação de Professores
Indígena, teve início em julho de 2001 e em janeiro de 2006, ocorreu a
primeira formatura de professores índios, sendo 167 de Mato grosso e 19 de
outros estados do Brasil. Foram oferecidas as seguintes habilitações:
a) O Curso de Línguas, Arte e Literatura propiciou a aquisição do
saber, articulando língua indígena e língua portuguesa, norteado pela
diversidade, e a cultura dos acadêmicos, proporcionando o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias ao desempenho profissional.
b) O Curso de Ciências Sociais orientou os acadêmicos indígenas sobre
a História e Geografia, abrindo espaço para a Sociologia, Antropologia,
Filosofia e Política, abordando as diferentes noções de tempo e espaço,
compreendido pelas diferentes sociedades. A discussão acerca desta área de
conhecimento teve como ponto de partida a realidade dos acadêmicos e suas
diversas relações com outros grupos sociais e com o meio onde vivem.
51
c) A Ciência Matemática e da Natureza buscaram um entendimento e
uma compreensão de inter-relações entre sociedade-natureza-ciências-
tecnologia e das diferentes formas de relações dos recursos naturais,
organização social e sustentabilidade. Esta área teve por desafio discutir os
conhecimentos das diferentes ciências de forma integrada, buscando abordar
os fenômenos naturais como uma unidade.
O Curso de Licenciatura Específico adotou no currículo os temas
transversais, buscando desenvolver de forma didática assuntos relevantes do
cotidiano das sociedades indígenas presentes no Curso de Formação.
No segundo semestre de 2005 iniciou-se uma nova turma composta por
100 professores-acadêmicos indígenas.
Em síntese, a formação de professores no 3º Grau oferece um currículo
adequado que possibilita a problematização de temáticas inseridas na prática
pedagógica dos docentes, na atuação escolar assumindo papel de gestor,
cuidando dos problemas da comunidade, tanto atuais quanto futuros. O
horizonte do Projeto contempla a oferta de ações de educação continuada para
aprimorar os conhecimentos e a práxis pedagógica oferecida ao longo do
processo de formação acadêmica.
Como pode ser visto, tratam-se de diversas iniciativas de formação
desenvolvidas em Mato Grosso e que consolidam também em outros estados
do Brasil. Tem se ensinado que educação e a interlocução entre experiências
existentes no campo da educação escolar indígena em qualquer conhecimento
na modalidade de ensino é fundamental para melhorar as práticas pedagógicas
e assim instrumentalizar a formação de professores em todo o Brasil.
O percurso que estamos vivenciando parece indicar a consolidação de
novas políticas públicas para o tratamento da educação escolar indígena,
conforme propôs Bandeira (2005). Para ela a criação de escolas nas áreas
indígenas não tem como objetivo integrar os índios no âmbito nacional, nem
tampouco que a escola apenas legitime os conhecimentos indígenas. A escola
deve cumprir um papel de satisfazer as expectativas e os interesses dos índios
tanto no que se refere aos conhecimentos da sociedade nacional quanto nos
etnoconhecimentos (Cf. BANDEIRA 1985, p.32)
Foi a partir das experiências fragmentadas e localizadas em diferentes
unidades federativas que se gestou uma nova forma de tratamento para a
52
formação de docentes indígenas de maneira a consolidar uma educação
escolar mais adequada para as diversas escolas localizadas nas aldeias.
No caso específico da sociedade Paresi, a viabilização de um processo
de formação em nível superior, convergente com os interesses e necessidades
locais, veio atender a uma antiga aspiração da comunidade.
No próximo capítulo dessas especificidades tendo como foco
privilegiado as suas características socioculturais e as estratégias adotadas
para mediar a sua relação com os agentes de exploração dos cerrados mato-
grossenses, especialmente com as frentes de ocupação agro-pastoris.
53
CAPÍTULO II
OS ÍNDIOS PARESI EM TANGARÁ DA SERRA
2.1- BREVE CARACTERIZAÇÃO SOBRE A SOCIEDADE PARESI
Os índios Paresi se autodenominam Haliti, cujo significado aproximado
é gente ou povo. Desde a entrada dos bandeirantes no noroeste mato-
grossense, no início do século XVIII passaram a incorporar a denominação
Paresi
14
.
O mito de origem do povo Haliti coletado, dentre outros, pelo etnólogo
alemão Max Schmidt (1942), no início do século, ensina que os Paresi saíram
do interior da terra, brotaram pelas fendas, pelos buracos das rochas
existentes no Rio Sucuri - Winã (Sucuruína ou Ponte de Pedra).
A história contada pelos índios mais idosos segundo Ramos Costa
(1985), é a seguinte:
Wazare, o irmão mais velho saiu primeiro, orientando a
saída de Kamazo, Zakalo, Zalóia, Zaolore, Kóno, Tahóe e Kamaihye,
instalando-se em seus favoráveis territórios. Quando saíram, os
irmãos eram quase humanos. Tinham ainda longos pêlos negros no
corpo e uma membrana entre os braços e as pernas. Ao atingirem
forma de gente, de haliti, tornaram-se aptos para procriar e acabaram
se casando com um outro grupo de irmãs, as filhas de Atyahiso, os
reis das árvores (RAMOS COSTA, 1985, p.148).
14
- Conforme Maria Fátima R. Machado (1994, p.48) Um dos primeiros relatos acerca do
povo Paresi escrito por um bandeirante preador de índios, Antônio Pires de campos
(1962), chamou-os de Paressís que seriam os Kaxiniti e os Wáimare pelas condições
culturais. Os índios Paresi compõem o que na antropologia denomina-se grupo étnico. Eles
se reconhecem como sendo Halíti, um povo uma gente em contraste com outros povos
por exemplo os Bakairi ou Nambikwara. O nome Paresi nunca teve qualquer significado
para eles e surgiu como uma designação dada pelos não-índios, pelo imóti. Os índios
formaram um grande grupo, e esse foi dividido com a vinda dos bandeirantes poaieiros na
região de Diamantino. Denomina-se que em Tangará da Serra havia um grande grupo de
índios, com costumes, hábitos, cultura e a sua própria identidade.
54
Em síntese, o mito de origem do povo Haliti norteia toda a sua forma de
organização social, política e territorial. As estratégias matrimoniais fundadas
nos casamentos entre pessoas de diversos sub-grupos dá sustentação à
formação de pequenos aldeamentos distribuídos por consenso em diversos
pontos do seu território.
De acordo com a pesquisa de Costa Filho (1996), a língua Paresi
pertence à família Aruak, cujos grupos se encontram distribuídas desde a
região Guiana até Mato Grosso do Sul. Uns grupos Paresi falam a língua da
família Maipure, que integra o tronco Aruak. Eles habitam tradicionalmente o
planalto de Mato Grosso, Chapadão arenoso e árido, onde predomina uma
vegetação típica do cerrado com rios que correm no sentido Norte, compondo
a Bacia Amazônia e outros que correm para o Sul, de encontro ao Rio
Paraguai, formando a Bacia do Prata.
Na pesquisa também verifiquei que todos os estudantes índios da escola
falam a língua materna. Falamos quando tem um outro índio junto na sala,
ou quando alguém solicita para traduzir para a língua paresi. Normalmente
falam a língua Portuguesa na sala de aula (C.K. estudante índio). Na casa
eles falam a língua Paresi que é sua língua mãe. Os estudantes índios falam o
português quando estão com brancos,porque estes, não entendem a língua
dos índios. Falam na língua materna quando estão entre índios, tanto na
aldeia quanto na cidade.
Perguntou-se aos estudantes índios se é importante saber a língua
materna e para quê? Veja as respostas: "Todos os estudantes índios acham
que é importante saber a língua mãe. Para não esquecer a cultura da fala e
valorizar a tradição. Para não cair no esquecimento. Perguntados se quando
tiverem filhos iriam ensinar a língua Paresi, todos disseram que sim ecom
muito orgulho, para manter a cultura e a tradição.
Quase todos os índios escrevem na língua nativa. Só uma aluna não
soube escrever na língua materna. Aprenderam a escrever na língua Paresi na
escola da aldeia. A maioria aprendeu com o professor na aldeia. Um estudante
diz ter aprendido a escrever sozinho.
Todos escrevem cartas, bilhetes ou recados para os seus pais e para
outras pessoas da aldeia. Utilizam às vezes a língua-mãe e outras vezes o
português. Alguns escrevem quando tem vontade, no final de semana, para
55
saber alguma coisa da aldeia para matar a saudade do povo da aldeia. Um
respondeu: "para mãe ver a minha letra. Outro disse que escreve para
compor um livro no futuro. Outro disse que escreve para treinar as letras
musicais para futuramente lançar um CD".
Notamos que o cotidiano da cidade angustia muito os estudantes índios,
que sofrem com o rompimento do convívio familiar e com as pessoas da
aldeia.
Mapa de localização de aldeias no município de Tangará da Serra.
Fonte: Ed. Turística e Estatística adaptação de João Bosco.
Geograficamente, os Paresi ocupavam imenso território que se
espalhava pelo vale do Sumidouro, pelos afluentes do Arinos; cabeceiras do
Rio Sepotuba, do Rio Paraguai; pela região dos Rios Verde, Sacre e Papagaio;
e pelo divisor de águas dos rios Juba, Cabaçal, Jauru, Guaporé, Buriti e
Juruena. Atualmente contam com pouco mais mil indivíduos, vivendo em
aproximadamente um terço de seu território tradicional.
56
Observando o mapa acima que localiza as aldeias localizadas no
município de Tangará da Serra, podemos verificar que quase todo esse espaço
é pontualmente marcado por aldeias indígenas. Grande parte desse território
está sendo utilizada pela expansão capitalista rural em atividades
agropecuárias, especialmente para a produção de soja.
Essa sociedade se divide em quatro sub-grupos (Kaxiniti, Wáimare,
Kozarini e Wárere) que originalmente habitavam territórios com limites bem
definidos, conforme pode ser visto no quadro abaixo.
Localização original dos sub-grupos Haliti
Subgrupo Quantidade
Localização Situação atual
Wáimare +/- 300
Tangará da Serra,
Campo Novo dos
Parecis, Sapezal.
Do grupo Paresi sob maior
índice de aculturação.
Warére +/- 20
Tangará da Serra,
Campo Novo dos
Parecis, Sapezal.
Pertencem ao grupo Paresi
e são diluídos em Kozarini
e Waimare.
Kozarini +/- 1.750
Tangará da Serra,
Campo Novo dos
Parecis e Sapezal.
Estão em 22 aldeias
possuem uma
cultura
tradicional indígena.
Kaxiniti +/- 40 a 50
Cuiabá, Umutina na
Barra do Bugres.
Possuem um alto índice de
integração. Atualmente
estão recuperando a
tradição dos antepassados.
Fonte: FUNAI de Tangará da Serra ( 2002).
Os Enawene-Nawê atualmente são considerados um povo distinto dos
Paresi. Conforme relatos de lideranças indígenas Paresi (dentre elas Daniel
Cabixi), no passado ancestral os Enawene-Navê faziam parte do povo Haliti
(Paresi). Esse entendimento é compartilhado também pelos Enawene com os
quais tivemos a oportunidade de discutir o assunto. Para Marikeroseene e
Ataibaebe Walakori, dois índios Enawene-Nawê,antigamente éramos todos
Haliti, mas hoje somos Enawene-Nawê
15
. Segundo eles, os mais velhos
15
Entrevista realizada no dia 26/09/2006, em Cuiabá.
57
sempre diziam que o povo Enawene-Nawê se separou dos Paresi há muito
tempo, por causa da intimidação envolvendo práticas de feitiçaria
16
.
Ramos Costa (1985), e Machado (1999) também afirmam que só
existem quatro subgrupos Paresi como está mencionado acima. Machado
(1994) defende que os Halíti adotam historicamente uma ato-identificação
inclusiva dos grupos tradicionais.
Kátia Silene Zorthêa, pesquisadora do povo Enawene-Nawê defende que
se trata de um grupo independente dado que o seu modo de vida, costumes,
alimentação, etc. são muito específicos e diferenciados dos Paresi. O mesmo
entendimento é compartilhado por Edison Rodrigues de Souza, indigenista da
OPAN que convive com os Enawene-Nawê e que ouviu relatos dando conta
dessa relação ancestral, mas que nos últimos séculos esses vínculos se
perderam.
Percebe-se que uma história mais consistente sobre a relação entre os
povos da região está ainda por ser escrita. No entanto, para Robin M. Wright,
pesquisador dos grupos indígenas da região Norte do Brasil, pode-se postular
a hipótese de que os Enawene-Nawê foram um subgrupo Paresi que se separou
logo no início do contato e conseguiu manter a sua autonomia até os dias
atuais.
É importante ressaltar que houve uma considerável recuperação
demográfica na região a partir do início do século XX, considerando que, no
ano de 1910, Rondon deixou registrado um total de 340 Paresi. Em 1981,
quando os trabalhos de pesquisa de Costa Filho (1985) foram realizados, a
população total atingia o número aproximado de 553 pessoas. Os Paresi,
segundo o último levantamento, são em torno de 1.100 índios distribuídos em
diversas aldeias, (FUNAI: agosto 2002).
Os Paresi são exemplo da constituição de fronteiras de um grupo
humano que, em contato com outros, cria nos seus membros um sentimento
diferenciado de pertencimento, com base em algumas características
fundamentais que são por eles aceitas para expressar a sua própria etnicidade.
A integração desses grupos se deu historicamente nos rituais, nos
confrontos com outros grupos indígenas regionais e por meio do comércio.
16
Idem, depoimento traduzido por Kátia Zorthea.
58
Não se estimulava o casamento entre membros de subgrupos distintos, embora
da mesma etnia.
Nas últimas décadas ocorreu um crescimento demográfico acentuado da
população indígena Paresi, especialmente atribuído à assistência prestada pela
FUNAI, à resistência e às imunidades, ao controle dos surtos endêmicos e
epidêmicos, além da mudança significativa das relações com a população do
entorno.
2.2 O PROCESSO DE CONTATO
Os bandeirantes paulistas foram os primeiros colonizadores que tiveram
contato com os índios Paresi. Eles vararam os sertões àcaça de índios e
exploração de riquezas minerais. Antônio Pires Campos atribuiu a esses
índios a denominação de Paresi no século XVIII.
Pascoal Moreira Cabral encontrou nos homens Paresi guias por
excelência até as minas de Mato Grosso. Suas aldeias serviam como pontos de
provisão de mão-de-obra escrava e de produtos alimentícios. Contudo, a
exploração de minérios, que marcou a economia regional até o século XIX,
quase extinguiu os Paresi como etnia. Com o esgotamento das lavras, ocorreu
uma queda vertiginosa nos negócios e um novo êxodo populacional com
graves resultados. Conforme (Siqueira, 1996, p.78), milhares de índios foram
transformados em escravos debilitados ou mortos nas suas aldeias.
Para a antropóloga Maria de Fátima Machado (1994, p.67), os contatos
com os Paresi se intensificaram com a instalação dos telégrafos em Mato
Grosso que se deu no início do século XX, sob a chefia do Tenente Cândido
Mariano Da Silva Rondon. Com os contatos da comissão com os índios
começou um envolvimento direto e afetivo dos Paresi, sobretudo dos
subgrupos Wáimare e Kaxiniti. Foram usados na construção das linhas com
exploração do seu trabalho por serem abertos a interação, o que deu base a
representações estereotipadas de que eram de fácil apreensão, dóceis, fáceis
de domesticar e catequizar. Os dois grupos foram envolvidos diretamente no
59
plano rondoniano de civilização e de construção do índio como trabalhador
"livre" nacional.
Em Mato Grosso, os Paresi e os Bororo assumiram papel singular na
construção das linhas telegráficas, formando o contingente de mão-de-obra
para garantir a consecução do projeto. Conforme (Machado, 1996, p. 79) ...
na verdade os índios de Rondon" operavam como uma identidade
subordinada, condicionada irremediavelmente à imagem do herói exaltado,
inclusive, extremamente eficaz no jogo de relações como os imuti
(civilizados).
Atualmente, grande parte da população se identifica como Kozarini e
as regras de casamento sofreram alterações admitindo uniões entre membros
de subgrupos distintos, com filiação determinada pela linha paterna.
Conforme Costa Filho afirma:
... os Paresi vivem em aldeias de baixa densidade populacional
e aproximadamente 60 pessoas, com tendência a segmentação,
constituída de famílias extensas três gerações com autonomia
política e econômica como contra balança pela
interdependência social (COSTA FILHO, 1996, p. 12).
Outra forma de contato foi feita, nos séculos subseqüentes. Com o
movimento da colonização interna instaurada no final dos anos sessenta é
importante destacar os contatos mediados pela Missão Anchieta com os
Nambikwara e Paresi, estabelecendo o sistema de educação de internato.
Esses índios foram submetidos a rígidos esquemas de controle institucional a
fim de suportar a violência, obter resistência pela disciplina, por formas de
controle corporal e mental. Foram impostos à concentração, à oração e os
rituais católicos
17
.
Naquele contexto, foram mantidas com os Paresi a assistência à saúde,
odontologia, escola doméstica (cursos de costura, bordado, tricô e artes
17
- PIVETA, Darci Luiz. Processo de ocupação das dilatadas chapadas da Amazônia
Meridional: Iranxe educação etnicidade e desterritorialização, 1993; Costa Filho, Os
Paresi: Sistemas econômicos, 1994; Machado Maria Fátima Roberto, Índios de Rondon.
Rondon e as Linhas Telegráficas na visão dos sobreviventes Waimaré e Kaxiniti,
Grupos Paresi.1994.
60
domésticas), cursos de alfabetização, iniciação agrícola e artesanato para
adultos. O casamento intertribal foi estimulado sem considerar as prescrições
tradicionais de cada grupo.
No contexto pluriétnico que historicamente se configurou na região,
caracterizado por relações conflituais, a sociedade indígena Paresi, para
sobreviver, teve que fazer concessão à sociedade abrangente. Ainda assim não
se curvou a certas imposições do exterior que caracterizassem a perda da
cultura, especialmente quanto à concepção de mundo e aos aspectos
fundamentais da esfera econômica, cosmologia, língua e sistema de
parentesco tidos como elementos essenciais à constituição da subjetividade,
da presença, da identidade étnica. Essa identidade vem sendo acionada pelos
Paresi no sentido da resistência da luta pela autonomia marcada e legitimando
diferenças.
De acordo com Brandão a identidade:
...pode ser um conjunto de representações (das relações
interétnicas), mas vai muito além disso; é um complexo
sistema que envolve e religiosidade, a política e outras
variáveis que caracterizam grupos étnicos... (BRANDÃO,
1995, p.78).
O conceito de identidade étnica no meio indígena ganha força a partir
da década de 1980 e se transforma em um conceito político importante, à
medida que a FUNAI começa a colocar em dúvida a indianidade de certos
grupos indígenas para propor sua emancipação da tutela do Estado. No
contexto de violência étnica negar a identidade indígena de um grupo
significa, sobretudo, negar-lhe sua proteção oficial e deixá-lo exposto à força
e à negatividade e à violência da expropriação de suas terras. Sobre os
estudos referendados pode-se afirmar que:
A identidade está marcada por traços substanciais com
que o indivíduo se converta numa pessoa idêntica a si mesma,
autêntica, dona de si mesma e com capacidade de
autodeterminação. Identificar-se é apropriar-se da própria
existência. A identidade cultural se configura desde o interior
da própria cultura e em diálogo com as outras culturas
(MARTINEZ E BURBANO, 1994, p.50).
61
Por trás do conceito de identidade acima citado, se acomoda o processo
de interação social e de afirmação étnica. A preservação da identidade
indígena não está somente constituída por aquilo que é possível recuperar-se
do passado, mas, também, pela preservação do que se vai construindo.
Nas situações conflituais de contato a identidade étnica pode ser
acionada para legitimar a dominação. Os colonizadores historicamente têm-se
utilizado da identidade decivilizados para exercer opressão sobre grupos
minoritários. A identidade etnocêntrica dominante traz em seu bojo a noção
de povo superior, falseando a realidade e atribuindo-se o direito de usar a
força, de roubar terras e de espoliar.
Na contramão do etnocentrismo, todavia, a identidade étnica é antes de
tudo uma consciência da diferença, consciência do processo histórico
particular, consciência de diversidade de valores, de percepções, de língua e
linguagens diferenciadas e, sob o enfoque político, consciência do direito à
diferença, do direito à cidadania.
Em visitas feitas na Funai, dialogou-se com os índios Paresi
abordando o sistema de lideranças. Evidenciam que culturalmente não existe
um sistema de chefia centralizado, cada unidade familiar tem um "dono de
casa" potencial (hati-zekohacê) conforme redigiu o professor indígena (2006),
que significa chefe verdadeiro administrador da vida social e econômica.
Possuem um líder que coordena todas as aldeias. Para cada comemoração são
escolhidos líderes assim como: líder da festa; líder da caça; líder da coleta
etc. As lideranças são escolhidas entre eles, para manter a organização social
e resolver os problemas na aldeia.
2.3 A QUESTÃO DA TERRA PARESI NO MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA
SERRA
Um marco relevante que expressou a dominação das frentes de
ocupação sobre a comunidade Paresi a partir do século XIX foi a invasão de
suas terras tradicionais para a exploração de minérios. Por volta da década de
1870, iniciou-se outra frente e ocupação, desta feita para a extração da
62
seringa e da poaia. Nessas frentes extrativistas vegetais foram utilizados em
grande escala a mão-de-obra indígena.
Estudos históricos e etnográficos da antropóloga Ramos Costa (1985),
que abordam a cultura e o contato da sociedade Paresi no contexto das
relações interétnicas, mostram que o habitante primitivo das terras que hoje
constituem a área do município de Tangará da Serra era o povo indígena
denominado pelos brancos de Paresi.
De acordo com a divisão administrativa oficial, originalmente essas
terras integraram o município de Diamantino, posteriormente passaram a
pertencer ao município da Barra do Bugres e a partir do dia 13 de maio de
1976 a Tangará da Serra.
Durante o século XIX, a região foi objeto de exploração extrativista
com a movimentação de poaieiros e seringueiros. Como atividade extrativista
itinerante e sazonal, a poaia não estimulou que se formassem aí povoações.
Há registro da Comissão Rondon que a Aldeia Queimada serviu como uma
base de apoio para as frentes de ocupação. No local teria sido instalada uma
oficina com materiais de apoio e manutenção para a linha telegráfica.
O município de Tangará da Serra surgiu em 1976. Fica situado entre os
meridianos 57º0345 longitude e 14º0438 latitude, Sudoeste de Mato
Grosso (IBGE) e os paralelos 14 e 15. E, localizando-se entre os divisores de
águas das bacias do Prata e Amazônica.
Atualmente, possui uma área de 10.217 Km2, com uma população em
torno de 62.204 habitantes (IBGE/ 2002). As precipitações pluviométricas são
de 1.200 a 1.300 mm ao ano e as temperaturas médias são em torno de 23° C a
25° C, apresentando declínio pouco sensível aos meses de julho e agosto.
O município de Tangará da Serra limita-se com os seguintes
municípios: ao norte com Sapezal e Campo Novo dos Pareci; ao Nordeste com
Diamantino, Nova Marilândia, Santo Afonso; ao Leste com Denise; ao Sul
com Nova Olímpia e Barra do Bugres; ao Sudeste com Pontes e Lacerda e ao
Noroeste com Campos de Júlio.
A área indígena localizado no município é de 585.347,94 hectares e
conta com 23 aldeias. Desse modo, grande parte da área do município é
constituída pela Terra Indígena do Rio Formoso são: aldeias Formoso,
Cachoeirinha, Jatobá, JM I e JMII ficam perto do Rio Formoso e a aldeia
63
Queimada fica a 35 Km. As aldeias instaladas em áreas do município de
Tangará da Serra, segundo dados da FUNAI são: Estivadinho, Figueira,
Cabeceira do Papagaio, Papagaio II, Taquarinha, Nova Esperança, Buriti, Zé
Boliviano, Ilhiocê, Formoso, Batizá, Sacre Zero, Sacre Um, Zolomo, Manene,
África, Rio Verde, Kotitiko, Manoroko, Queimada, Jatobá, Água Limpa, Juru
- Pará.
Mapa do estado do Mato Grosso
O município de Tangará da Serra no Estado Mato Grosso
.
Fonte: SEPLAN E INTERMAT adaptado por Ivone Inês Paiva
Tangará da Serra nos anos 60 a 70 recebeu um grande contingente
populacional vindo de quase todos os Estados do Brasil. Com esses migrantes
foram implantados várias áreas de cultivos agrícolas, algumas micro
indústrias e comércios. As experiências que todos traziam deram um amplo
desenvolvimento social, político e cultural do município.
A cidade de Tangará da Serra teve início na colonização da década de
60, quando para cá vieram os primeiros moradores. As dificuldades eram
64
inúmeras, desde a construção de moradias, até alimentação. Educação, por
longos anos, foi postergada. As crianças não tinham acesso a escolas públicas
de qualidade. Os professores que chegaram aqui eram pagos pela colonizadora
"SITA" (Sociedade Imobiliária de Tupã para Agricultura), que colonizou
Tangará da Serra - MT. Havia poucos professores e só se dedicaram ao ensino
das crianças das séries iniciais: leitura, escrita e contagem.
Atraídos pela excelente condição do clima e solo de boa fertilidade,
migrantes do Sul passaram a ocupar a região. Implantou-se o loteamento
denominado Tangará da Serra, pelos empresários Joaquim Oléa e Wanderlei,
fundadores da empresa S.I.T.A. - Sociedade Imobiliária Tupã para
Agricultura.
Por meio da Lei Estadual, nº 3.687, de 13 de maio de 1976, o sonho da
emancipação tornou-se realidade, elevando-se então o Distrito à condição de
município. Surgia assim município de Tangará da Serra.
Em quatro décadas Tangará da Serra tornou-se um Pólo destacado de
desenvolvimento. Possui traçado moderno, ruas e avenidas largas e
pavimentadas. Tem um comércio ativo e diversificado, dispõe de um setor
produtivo dinâmico; a predominância é das atividades agropecuárias, sendo
hoje reconhecidamente, um dos municípios de maior crescimento do Estado.
O município está catalogando os pontos turísticos para investimento no
setor. Alguns exemplos de pontos turísticos são: Cachoeira Queima-Pé,
Cachoeira Salto das Nuvens, Cachoeira Salto Maciel, Bosque Municipal Ildo
Ferreira Coutinho, Rio Sepotuba (para pesca), Pesqueiro Piracema, Estância
Primavera (divisa de Tangará da Serra com Nova Olímpia). Atualmente estão
investindo também na exploração turística do eco-sistema na área indígena,
atraindo cada vez mais turistas para a cidade, para desfrutar das belezas
naturais. Com isso estão invadindo as terras e as cachoeiras nas áreas
indígenas com impactos ecológicos, econômicos, sociais e culturais sobre a
população Paresi.
O município de Tangará da Serra continua atraindo migrantes. Além de
terras férteis e da economia dinâmica o município possui uma das melhores
fontes de abastecimento de água da região.
65
No setor educacional, Tangará da Serra conta com várias escolas
municipais, estaduais e particulares que atendem a demanda estudantil na
zona rural e urbana.
Com a ocupação promovida pelo aglomerado urbano intensificou-se o
processo de expropriação de terras ocupadas tradicionalmente por indígenas
de iniciado nos idos do século XVIII. Esse processo de invasão e expulsão
vem acontecendo até os dias atuais, agora capitaneado pelas frentes
agropecuárias, especialmente pelo cultivo extensivo da soja.
Devido a essas características, será fácil perceber que a questão da
ocupação do território paresi representa um dos principais pontos de conflito
com as frentes de ocupação.
Não têm sido raras as tentativas de ocupação irregular de parcelas dos
territórios pelos empreendimentos do entorno, nem tampouco o aliciamento de
lideranças com vistas à disponibilização do território para arrendamentos de
terras.
Essa relação expressa por um conflito latente e não declarado, irá
marcar também a presença dos estudantes indígenas nas escolas da cidade. Se
por um lado essa presença evidencia a tentativa dos índios acessarem a novos
conhecimentos, por outro, denuncia um inexorável processo de imposição
econômica e cultural sobre o seu modo de vida autóctone.
É nesse contexto que iremos discutir a presença de estudantes indígenas
nas escolas urbanas de Tangará da Serra.
66
CAPÍTULO III
EDUCAÇÃO DE EDUCAÇÃO ESCOLAR ENTRE OS PARESI
3.1 AS ESCOLAS NAS ALDEIAS
Conforme dados levantados junto a Unidade Gestora da FUNAI de
Cuiabá sob nº: 194028, atualmente em Mato Grosso vivem cerca de 30.000
índios de 38 diferentes etnias, nas mais diversas situações de contato com a
sociedade envolvente. Esses povos possuem diferentes histórias, diferentes
culturas e tem em comum a experiência da relação de contato e das suas
conseqüências de contaminação e destruição. Esses povos são atendidos por
diferentes agências e têm diferentes compreensões da missão institucional da
escola. Levando em conta esse quadro e os direitos específicos de cidadania
do índio, no que diz respeito à educação escolar, seria dever do Estado a
viabilização de 38 programas diferenciados, específicos, bilíngües e
interculturais e de tantos subprogramas quantos forem necessários para
atender às diversas realidades, no interior de uma mesma etnia. Mendonça e
Vanucci (1997) afirmam que tais exigências esbarram na ineficiência do
Estado em responder adequadamente às suas obrigações. E o Estado não
cumpre e não está apto a cumprir as determinações referentes à educação
escolar indígena pela sua complexidade (MENDONÇA e VANUCCI, 1997,
p.91).
A escola para o estudante índio torna-se uma realidade no dia-a-dia, um
assunto novo, uma experiência desafiadora, lugar onde se formula e se
reformulam sentidos, transformando valores de toda uma etnia milenar, pela
introdução de novas e diferentes concepções pedagógicas.
A escola na vida do estudante índio tem um papel político, ela em si é
um local de contradições e de aprendizagens. Nela atuam forças que podem
ser mobilizadas para alterar dentro das limitações da escola, dar contribuição
67
à mudança. Por outro lado, a escola urbana não atende apenas aos filhos das
classes dominantes, mas a um conjunto de indivíduos de diferentes classes,
empenhados na busca do saber. Os estudantes índios encontram nas escolas
das cidades outros estudantes que também lutam contra a exclusão. É bom
lembrar que esses estudantes pertencentes a outros grupos culturais
socialmente excluídos, também estão sujeitos a uma aprendizagem processual
nas escolas urbanas.
Com a possibilidade de formação de seus próprios professores, os
Paresi estão redefinindo o valor e o lugar da escola na sua sociedade.
Das 23 aldeias existentes no município de Tangará da Serra, 08 contam
com escolas municipais. De acordo com levantamento de Souza (1997), essas
escolas são:
- Escola Municipal Aldeia Queimada, na Aldeia Queimada;
- Escola Municipal Cabeceira do Osso, na Aldeia Cabeceira do Osso;
- Escola Municipal Zozoiterô, na Aldeia Rio Verde;
- Escola Municipal Kotítiko, na Aldeia Kotítiko;
- Escola Municipal Iliocê, na Aldeia Iliocê;
- Escola Municipal Sacre I, na Aldeia Sacre I;
- Escola Municipal Felicidade, na Aldeia Manene;
- Escola Municipal Formoso, na Aldeia Formoso.
Antes das escolas municipais serem criadas, existiam outras escolas
entre os Paresi. Segundo Cabixi (2002), as primeiras escolas foram as do
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais
(S.P.I.L.T.N) conhecidas como as escolas de Rondon. Rondon construiu
duas escolas-internato
18
nas terras Paresi, uma delas em Ponte de Pedra,
(território mítico, considerado lugar sagrado de origem, atualmente em terras
pertencentes a fazendeiros) e a outra em Utiriati. Essas escolas foram
fechadas no final dos anos de 1920.
No início dos anos de 1940 a Companhia de Jesus, transferiu-se para
região e ocupou parte das estruturas abandonadas pelo S.P.I.L.T.N. Em
18
- As escolas ofereciam, aulas de corte e costura, ginástica e música, com professores
vindos da Capital da República. Inclusive formou uma banda composta apenas por índios
que se apresentou no Rio de Janeiro. O projeto de Educação escolar de Rondon visava,
além de formar os índios para o trabalho nas linhas, inseri-los como mão-de-obra barata na
economia regional (CABIXI, Ed. Pública, 1998, p.117).
68
Utiariti fundou-se uma escola-internato que funcionou até 1973. Os jesuítas
recebiam crianças órfãs e atraíam outras para educação religiosa, saberes
escolares, conhecimentos básicos para integração na civilização brasileira.
Numa seqüência cronológica, após as Escolas de Rondon surgiram
escolas confessionais de entidades religiosas, posteriormente substituídas por
Escolas Rurais, do Distrito de Tangará da Serra, município de Barra do
Bugres.
As primeiras escolas municipais de Tangará da Serra foram criadas e
construídas em 1987 nas aldeias: Formoso, Cabeceira do Osso e Kotítiko.
Segundo informações coletadas na Secretaria Municipal de Educação e
Cultura - SEMEC de Tangará da Serra
19
, desde o ano de 1994, as aldeias estão
reivindicando atendimentos nas escolas indígenas e continuem fazendo até
hoje. Dentre as dificuldades para construção e manutenção de escolas nas
aldeias, a Prefeitura aponta o número reduzido de estudantes, baixo índices de
rendimento, tornando-se oneroso manter um professor para atender dentre
dois e cinco estudantes de diferentes séries em uma escola. Nas aldeias
Queimada e Rio Verde há um descompasso entre o número de crianças e
adolescentes em idade escolar e o número de estudantes matriculados. A
maioria das crianças desiste nas séries iniciais, o que configura um indicador
de inadequação do projeto pedagógico de educação escolar, colocando a
necessidade de analisá-lo criticamente à luz da Constituição Nacional e da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação que garantem aos índios uma educação
diferenciada. Há uma diferença muito grande entre os números de matrículas
na primeira série e o número dos que efetivamente se matriculam na quarta
série, tendência que reproduz o cenário nacional.
Em determinadas aldeias se matriculam de 30 a 50 estudantes na
primeira série e desses concluem a quarta série em torno de três a oito
estudantes (FUNAI/2000). Como ressaltei anteriormente, essa tendência
excludente segue o padrão nacional da educação escolar do ensino
fundamental, mas torna-se mais radical na escola indígena, conforme mostram
esses dados. Os professores das escolas das aldeias são índios que
participaram do projeto Tucum e recentemente se formaram, outros estão
19
Todos os dados foram coletados pela SEMEC, nas Escolas Municipais de aldeias
indígenas.
69
cursando o 3º Grau Indígena na Barra do Bugres. Alguns professores ainda
não terminaram o ensino fundamental.
Nas escolas existentes nas aldeias do sub-grupo Kozarini que vive no
município de Tangará da Serra, os pais e as comunidades não querem que o
professor ensine na língua materna e ameaçam tirar os filhos da escola se a
língua Portuguesa não for prioridade. Já na escola Bacaval, no município de
Campo Novo do Parecis, vive parte dos Waimare, dos quais alguns foram
levados a abandonar a língua materna na escola de Utiariti, porque nela a
língua corrente era o português. O resgate e o ensino da língua Paresi aos
mais jovens vêm caracterizando a ação do professor e daquela escola
20
.
Os professores das escolas das aldeias, de modo geral, buscam
responder às expectativas dos pais dos estudantes e da comunidade, ainda que
em alguns momentos não concordem. A escola recebe novos significados,
novas funções, ao respeitar a decisão da comunidade.
A escola instrumentaliza, educa os estudantes no sentido da aquisição
de conhecimentos teórico-práticos e tecnológicos, frente as recentes
necessidades que, com a globalização vão crescendo. Dentro da infinidade de
outros conhecimentos acumulados, ela busca entender e ser parte da realidade
da aldeia em relação com a cidade.
Os professores das escolas nas aldeias são índios. Durante o ano letivo
os trabalhos são supervisionados pela Secretaria Municipal de Educação.
Algumas vezes são oferecidos cursos de capacitação, assim como técnicas de
alfabetização, planejamento, currículo, metodologia de ensino e avaliação.
Estes cursos acontecem na cidade atendendo a professores índios e não-
índios. Neste caso:
... a Secretaria falha, porque a educação indígena é uma
educação diferenciada pela prática educacional dos educadores
índios, também falhos no atendimento estruturais das escolas
das aldeias, porque são abandonadas, e apenas uma ou duas
vezes por ano são visitados pela equipe da secretaria (Prof.
Paresi).
A SEMEC faz levantamento de dados pedagógicos, colhe informações
relativas às instalações, ao mobiliário e ao espaço físico. Todavia, os pedidos
20
Depoimento de uma professora da Aldeia Bacaval.
70
encaminhados pelas escolas solicitando materiais escolares, merenda, livros
didáticos etc., dificilmente são atendidos por inteiro. Para complementar a
falta dos materiais e outras necessidades, os professores das aldeias recorrem
à FUNAI. Mas é principalmente por meio das duas Associações: Halitinã no
Rio Verde e Wáimare, no Rio Papagaio que cobram o pedágio para atender os
dois sub-grupos: Kozarini e Wáimare, que compram o pedágio em forma de
rodízio das aldeias que compõe os dois sub-grupos. O centro político
administrativo das duas Associações fica na Aldeia Kotítiko.
O pedágio foi criado em 1998, numa estrada que corta a aldeia Seringal
e que liga os municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal. No Rio Verde
para os motoristas que transitam em direção a Sapezal a cobrança é feita pela
Associação Halitinã. No Papagaio a cobrança do pedágio é feito pela
Associação Wáimare dos motoristas que voltam de Sapezal para Campo Novo
do Parecis ou outros municípios. No local da cobrança os índios colocaram
uma corrente com guarita e cobradores índios, que arrecadam dinheiro para
manter alguns projetos. O dinheiro arrecadado é destinado para agricultura,
saúde, educação escolar para suprimir as necessidades básicas dos índios. Na
agricultura os índios investem dinheiro na compra de sementes e adubos para
cultivar as roças produzindo alimentos para o povo Kozarini e Wáimare. Na
saúde investem recursos nas situações que o Sistema Único da Saúde não
atende e na compra de remédios. Na educação escolar o dinheiro é investido
em material didático dos estudantes indígenas e nas escolas das aldeias, pelas
vezes que a SEMEC não supra o necessário. O pedágio é cobrado de todos os
veículos que transitam por aquele trecho do território indígena. Os carros de
passeio pagam um preço menor do que os caminhões, e as carretas pagam um
preço maior.
3.2 ESTUDANTES PARESI SAEM DAS ALDEIAS PARA ESTUDAR NA
CIDADE
A educação escolar indígena não se restringe apenas às questões
anteriormente apontadas, mas envolvem outras problemáticas. Uma delas trata
da escolarização de índios em escolas públicas urbanas.
71
O deslocamento do índio da aldeia para cidade não é um fenômeno
recente. Depoimentos colhidos e outros registros deixam clara a antiga
procura por educação escolar em escolas da cidade.
A mídia escrita, falada e televisiva tem veiculado a imagem de índios
em diferentes contextos e situações e sob diferentes enfoques. Essas matérias
muitas vezes trazem referências a sua escolaridade, e a procura em todo o
país por escolas urbanas.
Em textos dos livros didáticos de história (Roberto Martins e Nelson
Piletti, 2000) pode-se apreender a experiência vivida pelos povos indígenas
como uma história de exclusão, discriminação e dominação
21
.
Ao colocar a questão indígena em destaque no texto da Constituição,
garantiu-se o direito de exercer a cidadania e por conseqüência o direito de se
organizar e reivindicar de forma concreta e objetiva. Abriram-se
possibilidades e apontaram-se direções.
O reconhecimento dos direitos fundamentais enquanto sociedades
diferenciadas é importante para o crescimento dos povos indígenas, não
apenas para a consolidação da cidadania política, mas também para assegurar
direitos expressos pela posse da terra e o acesso à educação formal.
A importância da nova LDB manifesta-se nas discussões sobre como
organizar ou em o que propor para atender aos anseios das diferentes
comunidades indígenas, especialmente pelo papel desempenhado pelas
organizações indígenas, suas assessorias, indigenistas e demais apoiadores.
Saviani ao comentar sobre a LDB (1996), trata do ensino de história do
Brasil nas diversas escolas, salientando que a educação escolar deve levar em
conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia.
Cortês (2002), no artigo Movimentos indígenas e formação de professores:
nos intercâmbios os fios da cooperação mostra o reconhecimento das
críticas formuladas aos textos e materiais didáticos e o novo tratamento da
diversidade cultural no ensino da história da formação sócio-cultural no
Brasil, sendo que estas questões perpassam todas as áreas do conhecimento no
interior das ações educativas. Em livros didáticos de literatura e língua
21
Sobre o assunto verificar Elisabeth Madureira Siqueira (1996), Luiza Volpato (1985),
Maria de Lourdes Bandeira (1995).
72
portuguesa (Moura, 2000) constantemente são encontradas frases sobre o
índio estudando fora da sua comunidade materna.
Como já frisei acima, estudantes de diversas etnias vivem em cidades
de todos os estados brasileiros. Em Mato Grosso, esse movimento da aldeia
para a cidade tornou-se mais visível com a expansão da fronteira econômica
verificada após o período dos governos militares.
A cidade que os Paresi conheceram nos anos 60, segundo Souza (1997,
p.75) era apenas um pequeno amontoado de casas, sem nenhuma infra-
estrutura, como água, esgoto, luz e telefone. Nos anos 70, migrantes vindos
principalmente da região Sul do país, e o movimento migratório dentro do
próprio estado, aceleraram o crescimento da cidade.
Em 1976 os índios Paresi começaram a freqüentar o comércio local
com maior intensidade. Um funcionário da Prefeitura registrou nos seus
arquivos que havia por parte da administração municipal, uma política de
aproximação com os Paresi que eram convidados a participar das
comemorações, inaugurações e outras festividades alusivas ao município.
Com esta aproximação os índios começaram a ter uma sintonia com os
políticos daquela época.
No final da década de 70, em viagens para fazer compras, ou
para vender artesanato, receber aposentadoria no Banco, fazer
tratamento médico, os Paresi estabeleceram os primeiros
contatos com os moradores da cidade (RAMOS COSTA, 1985,
p.325).
Apoiando-se em registros por ela consultados, Ramos Costa revela que
os missionários protestantes serviram como ponto de apoio, como mediação
entre aldeia e cidade. Para melhorar as pequenas estadias eles utilizavam um
alojamento na Igreja Batista local. Ramos Costa (1985, p.328), conta que
Dona Angelina Ezokerocê Parecis, foi a primeira a fixar a residência na
cidade de Tangará da Serra, em 1980. Os demais só chegaram depois da
instalação da Administração da FUNAI, ainda na década 80.
Esses índios originários de famílias que já haviam deixado as aldeias
em diferentes situações, foram acumulando períodos de migração e
permanência nas cidades em diferentes situações. Alguns, inclusive, estão
ligados aos órgãos tutores por vínculos empregatícios.
73
Outros relatos de índios entrevistados na sede da FUNAI nº: 194086 em
Tangará da Serra dão conta que nos anos 90, famílias indígenas procuraram
a cidade com intenção de garantir a continuidade do estudo dos filhos (Cf.
depoimento de Cabixi, 2002).
Havia e ainda há - uma grande discussão em torno das parcerias a
serem firmadas entre índios e setores da sociedade local como forma de
garantir o futuro dos nossos filhos. As parcerias têm produzido novas e
diferentes formas de se relacionar com a cidade e de se pensar o futuro dos
filhos. Há nas aldeias muitas famílias que sonham com uma casa na cidade
para poderem manter os filhos nas escolas urbanas (Cf. Cabixi, 1984, p.119).
Mesmo os estudantes Paresi que ainda estão nas aldeias, têm interesse
na continuidade dos estudos na cidade, por entenderem que a continuidade de
educação escolar em contexto urbano influi diretamente no futuro dos índios
Paresi.
Em Cuiabá, existem muitas famílias Paresi, Bakairi, Bororo entre
outras, que ali vivem e trabalham. A presença de famílias índias na cidade
traz como conseqüência a procura de escolaridade para as crianças. As
famílias matriculam seus filhos em diferentes escolas da cidade e elas
vivenciam - solitariamente - o desafio de enfrentar uma educação
monoculturalista em que eles inexistem.
Atualmente, em Tangará da Serra, há um número considerável de
famílias Paresi morando na cidade. Mas, na verdade, essas famílias circulam
entre a aldeia e a cidade.
Há famílias que procuram se comunicar em português com os filhos,
com o objetivo de facilitar a conversação quando eles forem estudar na
cidade. Conforme aluna Paresi: Minha mãe conversa em Português comigo
que é pra acostumá (Mãe e aluna Kozarini da aldeia Rio Verde).
O direito à cidadania, implica em reconhecimento da diferença. No
caso da escola, esse direito se expressa no acesso a uma educação
intercultural.
No campo da educação, concebida como prática social,
como prática cultural, a interculturalidade emerge como
paradigma da educação diferenciada. O processo de
comunicação intercultural está ligado com a interculturalidade
74
com interação simbólica que inclui indivíduos e grupos que
possuem diferenças culturais reconhecidas nas percepções e
formas de conduta que de uma ou de outra maneira buscam o
resultado do encontro (APPLE, 1997, p.29).
A educação intercultural vem sendo proposta como forma de resolução
do problema da educação democrática em sociedades plurais.
A interculturalidade postula o diálogo entre culturas como
pressuposto da prática pedagógica, orientada no sentido
intercomunicativo entre relações lógicas já conhecidas de e
outras relações lógicas presentificadas na cultura do outro
(BANDEIRA, 1995, Vol. IV, p.31).
Em relação a interculturalidade, a educação indígena formal e informal
passa por um processo de adaptação e mudança, porque os índios passam
períodos dentro da cidade e outros nas aldeias. Diante das circunstâncias do
contexto plural, os índios tentam manter um diálogo entre as culturas com que
se relacionam de diferentes modos, buscando assegurar o seu direito à
cidadania.
Pode-se dizer que na educação escolar há uma tendência ao
monoculturalismo, como afirma Tomaz Silva:
Por meio da transmissão, que continua sendo socialmente
muito desigual, dos saberes de alcance ou pretensão universal,
reduz a autonomia das culturas populares e converte a cultura
dominante em cultura de referência, em cultura padrão
(TOMAZ SILVA, 1995, p.182).
A escola não quer ver nas culturas populares mais que culturas no
sentido antropológico do termo, e isso na melhor das hipóteses; e,
paralelamente, reforça ao mesmo tempo em que oculta a relação que a cultura
escolar mantém com a cultura dominante. A questão está em saber em que
medida pode-se contrapor a esta cultura dominante e transformar numa
instituição aberta ao multicuturalismo.
Os estudantes indígenas estão em contato diário com cultura dominante
na escola e na sociedade. Ainda que o espaço da diversidade está definido
formalmente, na prática ele é muito restrito no cotidiano das escolas do
branco. Sem ter outra alternativa, os estudantes indígenas são compelidos a
aceitar essa dominação e a se submeter às intimações da vida urbana.
75
A maioria dos indígenas que se dirige para as cidades o faz movida pela
necessidade de atender às demandas de ordem prática como de compras,
consultas médicas, venda de artesanato, recebimento de aposentadoria, etc.
Nesse ir e vir entre a aldeia e a cidade, são atraídos pela vida urbana e com o
passar do tempo tecem vínculos mais permanente e até passam a morar na
cidade como qualquer outro cidadão.
As crianças e jovens que acompanham os pais, por seu turno, passam a
conhecer novos colegas na cidade e a freqüentar a escola urbana.
Os estudantes Paresi, foco deste estudo, têm residência permanente nas
aldeias, mas passam períodos na cidade com o objetivo de estudar. Muitos
moram em grupos numa casa de apoio aos estudantes índios. Normalmente
eles têm moradia fixa por um ou dois anos, conforme as condições de
pagamento dos aluguéis das casas.
Dentre as escolas urbanas, atualmente a Escola Estadual 29 de
Novembro é a que possui o maior número de matrículas de estudantes Paresi.
Essa escola é considerada como uma das mais importantes pela sua
localização central em Tangará da Serra. A clientela caracteriza-se por ser
majoritariamente constituída de estudantes da classe média baixa, vindos de
diversos bairros da cidade. De acordo com opinião difundida no meio
educacional local, essa escola possui um corpo docente preocupado em
proporcionar uma formação educacional de qualidade.
Outra escola que possui em seus quadros estudantes indígenas é a
Escola Estadual "Vereador Bento Muniz", localizada na periferia da cidade,
perto do residencial Tarumã ou Cohab, conjunto habitacional de casas
populares, construídas com recursos do Estado. Alguns grupos domésticos
indígenas moram em casas daquele conjunto habitacional e outros moram nas
proximidades, o que explica a concentração de matrículas de índios naquela
escola (Souza, 1997, p.123).
A Escola Estadual "Emanuel Pinheiro" está localizada no centro da
cidade de Tangará da Serra. Também atende estudantes Paresi. É uma das
escolas mais antigas. Sua clientela é composta por estudantes do ensino
fundamental de classe média e das classes populares. Funciona em período
diurno e noturno e é considerada uma boa escola, pois conta com um grupo de
professores tido como de ótima qualidade no meio educacional local.
76
A Escola Estadual 13 de Maio, localizada no centro da cidade, possui
estudantes vindos de todos os bairros da cidade. Nela também há estudantes
Paresi matriculados no ensino fundamental e médio.
A Escola Estadual de Suplência Antônio Casagrande, quase no Centro
da cidade, possuiu estudantes de faixa etárias heterogêneas em quase todas as
séries. Também vem recebendo matrículas de alguns estudantes Paresi.
Consultas feitas nas quatro escolas municipais de ensino fundamental
da cidade revelaram que todas possuem estudantes Paresi egressos de escolas
municipais localizadas nas aldeias.
Os dados da pesquisa realizada no ano de 1998 evidenciaram a
presença de 31 estudantes Paresi em um universo total de 11.120 estudantes
matriculados no município, correspondendo em torno de 0,28% dos estudantes
matriculados nas escolas urbanas de Tangará da Serra.
Deve-se ressaltar que em 1999 matricularam-se 35 estudantes Paresi nas
escolas urbanas, o que corresponde a 0,30% do total dos estudantes
matriculados, sendo que o total de estudantes do município ascendeu em
relação ao ano anterior e naquele ano somou 11.670 matrículas.
Segundo dados coletados no ano de 2000 foram matriculados 12.750
estudantes, dos quais 42 estudantes Paresi, o que equivale 0,33% de todos os
estudantes. Estes estudantes estão estudando em várias escolas da cidade, no
Ensino Fundamental, Médio e Superior.
A metodologia adotada na pesquisa e o seu desenvolvimento podem ser
descritos através dos procedimentos abaixo destacados.
Visita de reconhecimento nas escolas para observar a existência ou não
de estudantes Paresi. Nessas visitas foram realizadas observações em sala de
aula e conversas preliminares com os professores. Essas visitas preliminares
também serviram para identificar colegas professores que trabalhavam nas
escolas. O fato de também ser professor em Tangará da Serra deste o ano de
1991, facilitou o contato e a minha inserção nas escolas. Nesse período fiquei
conhecendo também a estrutura física das escolas e as condições de trabalho
da dos seus profissionais.
Num segundo momento iniciei uma pesquisa documental nas escolas,
priorizando os registros escolares como fontes de identificação da presença de
estudantes Paresi. Essa identificação foi facilitada através dos patronímicos,
77
uma vez que os nomes e sobrenomes dos estudantes Paresi são de origem
lingüística diferenciada. Em seguida conferi as características étnicas desses
estudantes com o auxílio do secretário da escola.
Utilizando o critério de maior concentração de estudantes, selecionei a
escola e continuei a pesquisa documental dos registros escolares, agora já
buscando acessar o projeto político pedagógico e outros documentos. Iniciei
também o levantamento do rendimento escolar (notas) dos estudantes para
verificar se havia alguma discrepância entre as notas dos estudantes Paresi e
dos demais estudantes. Os dados, todavia, demonstraram não haver nenhuma
diferença significativa.
Num terceiro momento, iniciei a pesquisa de campo propriamente dita,
utilizando várias estratégias de coleta de dados. Entre as que se demonstraram
mais ricas destaco a observação participante e os diários dos estudantes da 5ª
e 7ª séries. A observação participante se desenvolveu nos vários espaços da
escola: na entrada, nos pátios, nas filas, na merenda, nas salas de aula,
cozinha, onde permaneci hora olhando e ouvindo, hora conversando
informalmente, hora participando de alguma atividade.
A entrada na sala de aula se deu paulatinamente, à medida que a minha
presença já não causava estranheza. Contei com a colaboração de colegas
professores que não só permitiram a minha presença em sala de aula, como
também colaboram no processo investigatório. É importante ressaltar que os
colegas professores de Língua Portuguesa contribuíram de forma essencial
para utilização da estratégia de diários de campo.
Durante ou após a observação diária, fazia anotações no caderno de
campo. Essas anotações registravam rotinas, atividades, práticas, atitudes
observadas como também lembretes para orientar, posteriormente, os roteiros
de entrevistas.
A técnica do diário de estudantes foi utilizada em duas salas de aula,
uma turma da 7ª série, matutina, com ótimos resultados, e uma 5ª série
noturna, em que os resultados não foram tão satisfatórios, pois houve pouca
resposta por parte dos estudantes. A técnica consistiu em estimular, com a
participação do professor de Língua Portuguesa, a produção, por cada
estudante de um diário registrando acontecimentos, afazeres, impressões,
emoções do dia-a-dia.
78
A turma do matutino rendeu mais porque certamente foi mais sensível à
motivação. A professora de Língua Portuguesa, tendo formação no curso de
Licenciatura Plena em Letras, é efetiva na escola, com muitos anos de
experiência de sala de aula, conseguiu estimular bem os estudantes,
motivando-os a iniciar e a continuar o trabalho. Na turma do noturno, a
professora de Língua Portuguesa é acadêmica do segundo ano do Curso de
Letras, é interina e esse é o terceiro ano de trabalho em sala de aula. Além de
tudo isso, na turma do noturno os estudantes trabalham durante o dia, chegam
à escola cansados. A maioria dizia esquecer de fazer o diário e uns falaram
que escreviam os acontecimentos no caderno, no fim de semana.
Outra estratégia utilizada foi a da entrevista com os atores da escola.
Para balizar as entrevistas elaborei roteiros flexíveis de caráter meramente
motivador de falas, de narrativas. Foram elaborados quatro roteiros: um
roteiro de entrevista para o diretor, um roteiro de entrevista para professores,
roteiro de entrevista do pessoal de apoio administrativo/funcionários da
escola e dois roteiros de entrevistas de estudantes índios e não índios. Esses
roteiros foram testados numa outra escola e feitos os ajustes. Em seguida
realizei as entrevistas gravadas em fita cassete. Após a transcrição, os
resultados foram discutidos e analisados de modo a identificar e aprofundar
novas questões que se configuram no contexto das entrevistas: As entrevistas
com os estudantes índios se tornaram mais ricas após a leitura dos seus
diários, pois eles permitiram vislumbrar aspectos encobertos no cotidiano
escolar.
Realizei visitas à FUNAI, às associações e às casas dos estudantes
índios. Entrevistei lideranças, pais de estudantes e funcionário da casa dos
estudantes.
Observei, ao longo de um ano, as comemorações e festas realizadas na
escola, a preparação e participação da escola em festas da cidade. Os dados
coletados na observação participante desses eventos foram muito importantes,
na medida em que forneceram um espelho que refletia as contradições entre
discurso e prática. No interior da escola é possível apreender um esforço
intermitente de visibilidade do estudante índio. Quando, porém a escola se
projeta para fora, no contexto sócio cultural da cidade, o índio que ela mostra
é um ser estereotipado.
79
O registro fotográfico foi também uma estratégia de grande importância
para a aproximação dos estudantes. As fotografias por motivos diversos, não
assumem um caráter sistemático, restringindo-se à escola. Com as fotos
buscou-se propor uma leitura do espaço e do estudante Paresi dentro do
contexto dessa escola conforme anexo I.
A pesquisa realizada se caracteriza, portanto, como pesquisa qualitativa
que pode ser identificada como pesquisa de cunho etnográfico.
Marli André (1995), entende que um trabalho de pesquisa em Educação
pode ser caracterizado como etnográfico quando ele utiliza técnicas
associadas à etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista
intensiva e a análise de documentos.
A observação é chamada de participante porque parte do
princípio de que o pesquisador tem um grau de interação com a
situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. As
entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e
esclarecer os problemas observados. Os documentos são
usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar
suas vinculações mais profundas e completar as informações
coletadas através de outras fontes (ANDRÉ, 1995, p.28).
Na pesquisa etnográfica o processo assume importância central, pois
confere maior relevância ao acontecimento buscando compreender o
significado do que está ocorrendo para os atores envolvidos no
acontecimento. O pesquisador se esforça em captar a visão que esses atores
têm de si mesmos, como vêem o mundo e as experiências do dia-a-dia.
Por isso mesmo o trabalho de campo é indispensável numa pesquisa
etnográfica. É estando naquele lugar, naquele tempo, com aquelas pessoas que
delas se aproximam e com elas interagem, podendo participar dos eventos,
dos acontecimentos e observar comportamentos, atitudes, gestos em situação.
Roberto Cardoso de Oliveira (1998), adverte, todavia, que a boa
qualidade da pesquisa de campo, da observação de campo, está intimamente
associada ao que chama domesticação teórica do olhar. Antes de ir para o
campo é necessário que o pesquisador tenha construído um referencial teórico
consistente. No caso específico deste trabalho, antes de iniciar o trabalho de
campo investigar sobre educação indígena e compor um esquema teórico de
abordagem da diversidade étnico cultural característica dos estudantes índios,
80
foco de investigação e da visão que a escola que os recebe tem dessa
diversidade e como lida com ela.
3.3 UMA ESCOLA COMO FOCO DE PESQUISA
A escola eleita como foco da pesquisa de campo foi a Escola Estadual
Emanuel Pinheiro, localizada à rua Manuel Dionísio Sobrinho, número 767,
no centro de Tangará da Serra, telefone: (065)3267030. A escola foi fundada
em 1964 como uma Escola Rural Mista. Em 1970 foi denominada de Grupo
Escolar e só em 1975 passou a ser chamada de Escola Estadual Emanuel
Pinheiro. No ano de 1999, quando iniciei a pesquisa, tinha 473 estudantes
matriculados no ensino fundamental, distribuídos em sete salas de aula, no
matutino: três turmas na quinta série, duas turmas na sexta série, e uma turma
na sétima e na oitava série; no vespertino: uma turma na primeira até a quarta
série e uma turma no pré-escolar; no noturno: uma turma na quinta a sétima
série e duas turmas na oitava série.
O corpo docente é composto por 22 professores, sendo 20 efetivos, dois
contratados, dos quais doze tem pós-graduação, oito professores com
licenciatura plena e dois com habilitação em magistério.
A secretaria é administrada por uma secretária efetiva que coordena
toda a parte escriturária da escola. O diretor assume um papel de mediar e
orientar as atividades em direção às diretrizes, em conjunto com os dois
coordenadores.
A portaria da escola é atendida por quatro guardas que cumprem um
papel de suma importância, porque eles são orientados pela direção da escola
em cuidar e zelar pela escola e controlar a entrada de pessoas estranhas,
sempre pedindo informações sobre o que desejam dentro da escola, garantindo
com isso uma certa margem de segurança.
A escola possui um amplo espaço e uma quadra para as crianças se
divertirem durante os intervalos e também utilizadas nas aulas de educação
física. A biblioteca da escola possui um pequeno acervo bibliográfico para
atender às pesquisas solicitadas pelos professores aos estudantes.
81
A sala de vídeo é muito usada pelos professores, como meio
pedagógico, principalmente para assistir fitas de vídeo ou filmes referentes
aos conteúdos trabalhados em sala de aula.
O jardim da escola é cuidado pelas professoras e quatro zeladoras, que
além do jardim elas também fazem limpeza e merenda.
Como já ressaltei anteriormente, a escolha dessa escola deveu-se às
seguintes circunstâncias: de acordo com um levantamento preliminar
realizado em 1999 (ano em que a pesquisa de campo foi iniciada), era a que
possuía maior contingente de estudantes índios matriculados. A pesquisa
começou conforme, com uma visita à escola para contatos com o diretor e
coordenadores. Obtida permissão do diretor e aceitação da pesquisa pelos
professores e funcionários, iniciei a investigação com uma pesquisa
documental na secretaria da escola, verificando as listas de estudantes
matriculados para identificar estudantes índios e em seguida consultar as
pastas de registro escolar. Coletei vários dados sobre estudantes índios nessas
pastas. Algumas pastas apresentavam falta de documentos, assim como:
transferência, certidão de nascimento, ficha de matricula, etc. O passo
seguinte consistiu em conversar com os professores sobre a escola; sobre os
estudantes em geral, os estudantes índios em particular; sobre relações
estudante x professor, estudante x estudante, professor x estudante e
professor x professor.
As conversas, iniciadas de modo informal, se davam antes do início das
aulas, no recreio e após o término das aulas. Aos poucos minha presença na
escola foi sendo absorvida e incorporada como um professor que estava
fazendo uma pesquisa. Pude então compartilhar do cotidiano da escola e
desenvolver uma observação participante bastante enriquecedora.
As entrevistas com os professores ocorreram gradativamente conforme
o tempo disponível na escola. Os estudantes não índios e estudantes índios
eram entrevistados fora do horário de aula e ás vezes dentro do período de
aulas. Foram feitas observações na sala de aula em que estudantes índios
estavam estudando. Essa observação direta permitiu colher dados
interessantes, como por exemplo: a postura e comportamento do estudante
índio, pela seriedade com que assumem os estudos são espelho para os outros
82
estudantes; dificuldades / facilidades de aprendizagem; participação na sala
de aula; interatividade estudantes índios / estudantes não índios.
Nas entrevistas os estudantes índios afirmam que se sentiram à vontade
nos primeiros dias de aula na cidade. Só dois assumiram que estranharam a
escola da cidade e falaram que se: "sentiram perdidos na sala de aula e na
escola".
A negação do estranhamento, contudo, era de caráter meramente formal,
pois quando se sentiram mais à vontade disseram que acharam difícil se
adaptar. Tiveram e tem dificuldades nas disciplinas na escola da cidade e
sentiam uma grande diferença no processo de ensino aprendizagem,
principalmente nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e em
algumas matérias teóricas. Sobre essa dificuldade, também observada pelos
professores sob outra ótica. Uma professora disse: "A alfabetização nas aulas
é muito precária. Eles possuem uma dificuldade de escrita muito grande".
Referia-se à alfabetização na escola da aldeia, vista como desigual em relação
às escolas urbanas.
Os estudantes índios falaram com certa tristeza sobre os primeiros dias
de aula, na cidade. Os estudantes "brancos" ficaram observando com
desconfiança porque eram índios, por isso encarados como diferentes. Para os
"brancos" era uma novidade, muitos demonstraram uma visão etnocêntrica e
alguns poucos, depois de estimulados é que se mostraram interessados,
perguntando acerca das aldeias, da tribo e do próprio estudante, sobre o que
ele faz em casa.
No interior das salas de aula é muito raro que o professor e os
estudantes cheguem a refletir e investigar questões relacionadas com a vida e
a cultura de povos indígenas. Nem nas matérias curriculares, nem na própria
decoração das escolas, existe qualquer coisa com a qual as crianças dessa
etnia possam se identificar a não ser no Dia do Índio. No meio escolar,
como no meio da nossa sociedade suas crenças, conhecimentos, destrezas e
valores são ignorados. Observou-se que na escola alguns estudantes índios
são como um estigma, algo que é necessário ocultar, ou pelo menos, não
promover.
É preciso ter uma política educacional calcada na Lei de Diretrizes e
Base da Educação, no que concerne à educação diferenciada, que assegure aos
83
municípios com população indígena um programa especial de formação
continuada, com apoio a dar visibilidade e voz a essas culturas negadas, no
discurso e na prática pedagógica, pois elas não podem ficar reduzidas a lições
ou unidades didáticas pontuais e incidentes. Para tanto é fundamental preparar
os professores para que tenham conhecimentos e metodologia adequados para
trabalhar todas as questões que a diversidade étnica coloca em nível prático,
ideológico e teórico.
Nos diversos contatos que tive com a escola a falta dessa formação e de
uma orientação político-pedagógica para lidar com a questão de índio em sala
de aula ficaram claras, principalmente em relação ao projeto político
pedagógico. Existe um currículo comum a todos os estudantes. O estudante
índio é escolarizado como se fizesse parte da sociedade branca, e como se
essa sociedade fosse monocultural no espaço e no tempo. Ao entrar nas salas
de aula para uma observação participante, percebe-se a importância conferida
ao conteúdo curricular, ao saber que ele valoriza, sem se questionar se esse
ensino interessa a todos os estudantes, se esses saberes constituem algo
importante para suas vidas.
Não se observou na escola uma consciência pedagógica de que atende
etnias diferentes. Não há uma diretriz pedagógica no sentido de incorporar o
conhecimento que o estudante índio traz da aldeia para a cidade e fazer desse
conhecimento um tema de amplo debate na sala de aula, em qualquer
disciplina, como fonte e meio de troca de conhecimento.
É importante ressaltar que a direção e os professores da Escola Estadual
Emanuel Pinheiro estão cientes que estão trabalhando com estudantes
diferenciados. Embora tenham boa vontade, e alguns esforcem em lhes dar
atenção individual, não se sentem preparados para manter um diálogo
contínuo com a diferença e construir um relacionamento pluralista
humanístico e étnico para uma postura de trabalho coerente e competente. O
Estado não lhes propicia cursos ou treinamentos voltados para o
enfrentamento da diversidade étnica em sala de aula. Sua prática é orientada
pela boa vontade e pela intuição, nem sempre sintonizadas com o pluralismo
como referência de centralidade.
84
Nas conversas com o diretor da escola tive contatos, relatos importantes
e surpreendentes sobre desafios de gestão que enfrenta no dia-a-dia e que
repercutem no trabalho escolar, atingindo a todos os estudantes.
O diretor no seu depoimento aponta como um dos grandes problemas
que a escola enfrenta e que atinge tanto estudantes não índios como índios, o
divisionismo político no meio docente, existente no interior da escola,
dificultando o diálogo, o trabalho coletivo:
Vejo que nas outras escolas onde já trabalhei eram muito
mais abertas para o discurso, as pessoas discutiam mais sobre
os problemas sociais da escola e de modo geral. Esta é
diferente porque existem dois grupos: um muito aberto e o
outro muito fechado. Também há uma falta de costume para
discutir qualquer coisa mesmo que seja qualquer política
(Diretor da Escola).
Efetivamente, no cotidiano da escola foi possível observar a existência
de dois grupos polares, numa permanente tensão, dificultando a aproximação
dos professores em torno de um projeto comum. Não há uma interação, o que
inviabiliza a interdisciplinaridade. O diretor distingue os dois grupos do
seguinte modo: há um grupo mais aberto que discute o projeto político
pedagógico da escola e as metodologias numa visão mais crítica. Os
professores desse grupo possuem uma leitura de mundo mais ampla, uma
visão crítica da realidade. O outro é um grupo fechado, conservador, avesso a
qualquer mudança e que tem força política.
Na pesquisa de campo pude observar que o grupo de professores com
visão mais aberta entende e trabalha melhor a discussão de questões políticas
e pedagógicas mais gerais, mas nem todos componentes têm necessariamente
sensibilidade para lidar com a questão da diferença em sala de aula.
O grupo aberto ajuda mais na escola e na administração.
Eles são mais dispostos a melhorar todo o processo de
andamento da escola. O grupo fechado tem a tendência de
deteriorar toda a administração não apresentam critérios,
opiniões, sugestões nas reuniões, mas falam sobre coisas ruins,
ou melhor, sobre as coisas que não deram certo nas reuniões
normais da escola. Estes são em torno de um terço do total dos
professores (Diretor da escola).
85
O grupo fechado utiliza uma metodologia muito tradicional. Enquanto o
grupo aberto está se aperfeiçoando em cursos, trazendo idéias novas para a
escola, esse grupo fechado resiste às mudanças e não demonstra qualquer
interesse em se aperfeiçoar. Desenvolvem um trabalho na linha do que Paulo
Freire (1988) chamou educação bancária.
As metodologias novas estão referenciadas em grande parte no
construtivismo
22
. O projeto político pedagógico da escola explicita isto no
princípio da construção do saber. Eles estão buscando coisas novas para a
melhor qualidade do trabalho em sala de aula. Participam de quase todos os
cursos oferecidos pelo sistema Estadual de Educação. Por isso eles buscam
desenvolver metodologias inovadoras, e adotam posturas mais abertas na sala
de aula. Sempre em busca da atualização teórico-metodológica, renovam a sua
prática e estão preocupados com a qualidade de ensino.
O grupo fechado é essencialmente acomodado, reprodutivista,
conservador. Não participa da discussão do projeto político-pedagógico e
continua a dar aulas como sempre fizeram. São solidários entre si e adotam
uma postura de reação silenciosa, aparentemente passiva. Tendem a resolver
os conflitos de fora para dentro, acionando mecanismos de pressão externos.
Segundo a direção da escola, há momentos pontuais de boa convivência
em alguns eventos comemorativos feitos na escola. Os grupos somam no
esforço de melhoria do ambiente físico da escola, em aspectos como limpeza,
organização; na interação com os estudantes e pais; no projeto de educação
artística. Segundo o diretor: "Não tem nenhum problema com os estudantes e
com os pais".
Para ele o Conselho Escolar funciona e participa da gestão da escola. O
Conselho de fato foi implantado, mas não se percebe os reflexos de sua
atuação no cotidiano da escola. A participação é idealizada e não
propriamente concretizada.
Para o diretor, o grande desafio gestionário tem sido:
22
- Segundo PIAGET (1994) construtivismo é uma das correntes teóricas empenhadas em
explicar como a inteligência humana se desenvolve partindo do princípio de que o
desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mútuas entre indivíduo e o
meio. Construtivismo, segundo pensamos, é a forma de conhecer o conhecimento: sua
gênese e seu desenvolvimento e, por conseqüência, um novo universo, a vida e o mundo
das relações sociais.
86
A grande mudança de comportamento de alguns
professores em relação ao tradicionalismo no qual muitos se
encontravam. Maus costumes e práticas antigas de tratar
estudantes na sala de aula, principalmente o grupo fechado.
Algumas resistências por parte de alguns professores sobre
horários de aulas e outras coisas novas que estão mudando a
cada dia o meio educacional (Depoimento do Diretor).
O diretor vê os estudantes índios diferentes dos não índios, pelo seu
comportamento e a forma de como eles se relacionam entre os seus colegas
dentro da sala de aula e no pátio da escola. Alguns estudantes índios são
muito reservados, fechados e tímidos, não chegam a conversar com o diretor
durante o ano letivo e outros estudantes índios são muitos abertos,
conversam, brincam e se apresentam com a cultura branca já incorporada.
Percebe-se que a visão do estudante índio é mediada pelos padrões de
comunicabilidade e interação de nossa cultura.
Os pais dos estudantes índios, segundo o diretor, são pais mais ligados
com o filho e com a escola. Eles visitam a escola com mais freqüência do que
os pais dos estudantes não índios.
Os pais dos estudantes índios quando chegam à escola vão direto à sala
do diretor, pedir informações do filho que está estudando, sob diversos
aspectos, assim como: comportamento, estudo, rendimento e se houve
problemas em sala de aula.
Os professores em seus depoimentos consideram ter uma boa relação
com os estudantes índios. No que concerne à relação interpessoal, de fato, a
relação é atenciosa. Do ponto de vista pedagógico, contudo, embora
percebendo as dificuldades dos estudantes índios, não demonstram
preocupação maior em lhes dispensar um atendimento diferenciado, e
entender as causas das dificuldades. As dificuldades são por eles previamente
naturalizadas como intrínsecas à condição de índio. Não se questiona se o
processo pedagógico, as práticas educativas estariam na raiz dessas
dificuldades. Os problemas de aprendizagem são centrados no índio, no ser
índio.
Um dos aspectos mais apontados para o baixo aproveitamento dos
estudantes Paresi, além da dificuldade de aprendizagem insinuada como
indicativa de menor inteligência, é o retraimento, o fechamento, a dificuldade
87
de interação. Mas a visão desse retraimento é contraditória, como expressa o
depoimento: Alguns estudantes índios são retraídos, arredios e outros já não
são. Entrosam-se bem, correm e brincam com os colegas, se enturmam e até se
visitam nos fins de semana (Diretor de escola, 1999).
A direção e alguns docentes buscam orientações no escritório local da
FUNAI e com os pais dos próprios estudantes Paresi, mostrando interesse em
promover o entrosamento com todos os estudantes. Mas a maioria não prece
incomodar-se com o seu isolamento e deixam correr como está. Há uma
tendência de invisibilidade da segregação em sala de aula. A visibilidade
tende a ser pontual e, em alguns casos, para acentuar desigualdades sociais.
As qualidades ressaltadas tendem a ser, como no caso dos estudantes negros,
restritos a algumas habilidades. Um professor da escola afirmou o seguinte
em relação aos estudantes índios:
Apresentam grande facilidade na música, segundo eles
porque nas aldeias eles cantam muito; nas pinturas tem uma
grande atração, porque eles vêem os pais pintar na aldeia, e
eles gostam de Educação artística; Encontram dificuldades em
falar o português, e as vezes no pátio da escola quando três ou
mais índios se encontram eles começam a falar a língua Paresi.
Eles têm uma dificuldade de concentração. Alguns dizem que
não entendem a explicação na sala de aula porque os
professores falam muito rápido e usam palavras desconhecidas
do mundo deles (Depoimento de um professor, 1999).
Os Paresi demonstram facilidade para a música e a pintura, porque na
aldeia eles se expressam e se divertem com os cantos que eles praticam
durante o dia inteiro e nas festas. Muitas músicas são das lendas e dos ritos
indígenas. Também apreciam e cantam músicas sertanejas, populares,
gauchescas etc.
A criança indígena começa a ter contatos com a pintura deste a
infância, com seus pais. O pai ensina todos os procedimentos para fazer uma
pintura corporal original. Quando o estudante chega à escola da cidade,
segundo os professores de Educação Artística, alguns não querem desenhar e
pintar temas relacionados com a cultura indígena, mas gostam de desenhar e
pintar temas de ficção que a televisão veicula e dissemina entre os
telespectadores.
88
De acordo com os professores, assim como os estudantes Paresi
mostram facilidade na pintura e na música, por outro lado eles sentem muita
dificuldade do entendimento e da passagem da língua Paresi para a língua
portuguesa. A aquisição de uma segunda língua desafia qualquer um. Mas a
explicação corrente é que as palavras são diferentes e o entendimento não
acontece, por isso carecem de vocabulário na hora de expressarem alguma
coisa na sala de aula ou na sociedade. Ainda conforme a visão da maioria dos
docentes na sala de aula os estudantes índios sentem maior dificuldade para
se concentrar na explicação do professor. As aulas são experiências vividas
fora do contexto da sua cultura. Como já foi dito, os professores falam
português e os estudantes Paresi não acompanham o ritmo rápido o tempo
todo, tendo dificuldade com conceitos que, para eles são no mínimo
estranhos. Mas os pais dos estudantes vêem isso como normal. Entender a
língua Paresi é importante, pois faz a diferença, e entender o mínimo da
língua portuguesa é o suficiente para sua autodefesa.
Como já assinalei anteriormente, a propósito do depoimento do diretor,
os pais dos estudantes Paresi possuem uma relação muito boa com a escola.
Eles chegam à escola para ver o rendimento do filho: notas,
comportamento, atenção e participação. Eles se interessam pelos filhos, por
sua trajetória no meio escolar. Procuram dar apoio. Pude observar que os pais
dos estudantes índios vão mais à escola do que os pais dos outros estudantes.
De acordo com a entrevista da professora de Língua Portuguesa:
Em primeiro lugar eles têm mais amor pelo filho do que
os pais brancos. E o pai branco se preocupa mais no trabalho e
no sustento de cada dia para a família. Parece-me que os pais
índios não possuem esta preocupação capitalista (1999).
Qualquer um membro da família indígena extensa visita a escola. O pai,
a mãe, o avô quando passam na cidade também aparecem na escola para ver
como está seu filho/neto nos estudos, pois devem aprender muitas coisas para
passar este saber nas aldeias para os mais novos, ou também para os mais
velhos. Vão ensinar a eles a escrever, ler, contar e "boas maneiras, a etiqueta
do mundo dos brancos. É interessante ressaltar que outros estudantes não
possuem essa preocupação, por terem uma visão etnocêntrica do contato com
89
o outro, não se incomodam em conhecer os valores, nem as regras de boas
maneiras dos colegas índios.
Considero que alguns estudantes deveriam aprender dos Paresi um novo
entendimento do que seja boas maneiras, pois eles demonstram mais
respeito na sala de aula, no pátio da escola, no coletivo.
Boas maneiras, costumes, hábitos, comportamentos diferentes são
indicativos de variedade que, enquanto acontecimento, é o ponto de partida
para a reflexão dos modos de ser e de existir dos grupos humanos, da
diversidade étnico-cultural. Uma das problemáticas que a diversidade étnica e
cultural envolve é a visão que cada sociedade ou grupo particular desenvolve
em relação aos outros. Bandeira afirma sobre a diversidade cultural:
As diferentes culturas não existem isoladas no espaço e
no tempo. Portadores de uma cultura estabelecem contatos com
portadores de outras culturas. A situação de contato configura,
então, um campo relacional entre portadores de diferentes
culturas que são instados a lidar com a sua diversidade (Cf.
BANDEIRA, 1995, p.21).
Ao estabelecer a relação de contato, cada sociedade ou grupo social
tende a tomar a sua cultura, os valores da sociedade a que pertence, como
referência da explicação que constrói sobre a diversidade. O observador,
estranhando o outro, o que é de fora, é levado a pensar a diversidade e tende a
associar e a fixar a diferença percebida naquele que não pertence a seu grupo.
Conforme Bandeira (1995), isso gera o etnocentrismo.
O etnocentrismo obscurece a visão e tende a atribuir a diferença ao
comportamento do outro, transformando-a em desigualdade.
Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso
próprio grupo é tomado como centro de tudo, e que todos os
outros são pensados e sentidos através de nossos valores,
nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No
plano intelectual pode ser visto como a dificuldade de
pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimento de
estranheza, medo hostilidade etc. Perguntar sobre o que é
etnocentrismo é, mais indagar sobre um fenômeno onde se
misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto
elementos emocionais e afetivos (ROCHA, 1994, p.7).
90
O etnocentrismo resulta em dois planos de espírito humano: sentimento
e pensamento que vão compondo um fenômeno não apenas fortemente
arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável no
cotidiano das nossas vidas. Também é fruto de uma visão de mundo
autocentrado. Pode emergir tanto na relação de uma sociedade com outra
sociedade, como na relação de um grupo com outro grupo no interior de uma
mesma sociedade. (Cf. BANDEIRA, 1995).
Na sociedade o etnocentrismo, qualquer que seja sua forma, é um
modo limitado de pensar o outro, conferido, indevidamente, os valores
próprios da sociedade ou grupo a que se pertence, o estatuto de valores
universais da humanidade (Idem, 1995, p.27).
Essa visão etnocêntrica impregna as práticas pedagógicas no dia-a-dia
da escola. É possível percebê-la nas comemorações, por exemplo, quando a
escola celebra as datas comemorativas oficiais. No dia das mães são feitas
apresentações, todas as mães dos estudantes são convidadas. Algumas mães
de estudantes índios vão da aldeia para prestigiar o filho, participando das
atividades da escola. O dia oficial do aniversário do Município é comemorado
no dia 13 de maio. Os estudantes participam das festividades junto com outras
escolas, fazendo o tradicional desfile, onde muitas vezes o índio é exposto a
discriminação e de rejeição; pois quando falam de índio falam do índio do
passado, do índio estereotipado dos filmes de Far-west e não deles, índios
Paresi, vivos, cidadãos do município de Tangará da Serra. O dia do índio
23
é
comemorado na escola com menos alienação, pois há uma vontade política da
FUNAI local em dar um tratamento diferenciado a essa data. São promovidas
apresentações, palestras, mostras de artesanato, cantos e músicas. As próprias
crianças índias apresentam teatrinhos, encenando peças com fantoches,
tentando mostrar a cultura indígena e promover a visibilidade do índio como
sujeito histórico. Festa Junina é comemorada na escola, juntamente com os
23
- O dia do índio é comemorado na escola com apresentações representativas da cultura e
da identidade do índio, através de palestras, artesanatos, produtos culinários, as
vestimentas, as armas e os instrumentos da caça e pesca. Alguns estudantes índios cantam
músicas indígenas com danças típicas dos índios Paresi. Outros índios cantam as músicas
populares e sertanejas. Também é apresentado um teatro de fantoche com cenas
relacionadas a cultura indígena. Os personagens do teatro são funcionários da FUNAI de
Tangará da Serra, tentando promover a cultura indígena e a visibilidade do índio como
sujeito histórico, com isso colocar aos estudantes uma nova leitura sobre a cultura
indígena.
91
estudantes, professores e a comunidade. Dia dos Pais são feitos homenagens
genéricas aos pais com jograis, poesias, cantos e outras práticas da cultura
dominante. Observando essas comemorações é possível perceber que não há
abertura para a diferença. As festas da escola, no seu formato, na sua
estrutura e organização, nas práticas culturais que elas envolvem são
brancas. Os estudantes índios dela participam como se fossem não índios,
pois não tem espaço para expressão de sua subjetividade.
Como as práticas são monoculturalistas nem os estudantes índios, nem
seus pais se reconhecem nelas. O dia do índio vem assumindo nesse contexto,
importância política de ação educativa contra hegemônica, ao dar visibilidade
ao índio como grupo social com cultura própria, com história e com direito à
cidadania, desde que os próprios índios assumiram a liderança das
comemorações.
Alguns professores entendem a escola como parte integrante do todo
social, trazendo consigo as contradições da própria sociedade. Como
instituição que reduz sua função a transmitir, sem também elaborar
conhecimentos, a escola empobrece, mas ela pode e deve constituir
possibilidades concretas de um conhecimento mais crítico da sociedade. ... A
escola tem que ser repensada, reorganizada, revista e deve assumir um papel
de transformação do indivíduo no meio social. (Depoimento de um professor
de História).
Na opinião dos professores, a tarefa só pode ser alcançada à medida que
se considera a escola como parte integrante da sociedade. Mas, de que
sociedade? Monoculturalista ou pluralista?
3.4 OS PROFESSORES FRENTE À DIVERSIDADE DA ESCOLA
O papel do professor é encarado na escola como o ator que direciona e
conduz o processo de ensino, domina o conteúdo, contribui para que o
estudante supere o universo do senso comum. Essa visão, como se pode
perceber, associa-se à pedagogia histórico-crítica ou pedagogia crítico social
dos conteúdos (Cf. Silva, 1999, p.86).
92
Nas entrevistas muitos professores insistem na importância do papel do
professor na transmissão de conteúdos sistematizados, críticos, concretos e
articulados como as realidades sociais.
Alguns professores afirmaram que trabalham o conteúdo com uma visão
crítica, ajustada às circunstâncias de cada turma e vinculada à realidade
existencial de seus estudantes. Outros argumentaram que adotam uma
adequação do programa mínimo de conteúdos, sem preocupação com a
consciência crítica. Um depoimento de um coordenador:
Os estudantes índios só falam e se expressam quando o
professor se dirige a eles; a sua participação em grupos é
restrita; nenhum professor tem queixas sobre comportamento
do estudante índio: reservados, quietos, discretos. Os
professores de modo geral se sentem confortáveis com este
comportamento, não se preocupando em questionar as
dificuldades desses estudantes, deixando-lhes por inteiro a
responsabilidade de aprender/ não aprender (Cf. Coordenador
da Escola, 1999).
Quando os professores falam de seus estudantes índios, evidencia-se
uma distância entre discurso politicamente correto e prática democrática.
Dizem, por exemplo, à guisa de censura, que pela cultura dos índios
eles mudam constantemente de lugar na cidade, por serem seminômades. Na
verdade conforme verifiquei, na maioria das vezes eles trocam de casa por
causa do reajuste de aluguel, tal como estudantes não-índios que moram em
casas alugadas. Muitas vezes também os donos das casas pedem a casa de
volta por motivos alheios ou aumentam demasiadamente os aluguéis. Assim
os inquilinos optam por mudar de casa.
Além da casa dos estudantes, os Paresi contam com a Casa do Índio,
de responsabilidade da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Têm apoio
também nas casas dos parentes que moram na cidade.
Os estudantes Paresi saem das aldeias, por decisão de seus pais, em
consonância com as lideranças locais. Ficam na cidade, durante o período
letivo. Após cada período letivo os estudantes índios voltam para aldeia, e
outros vêm no lugar deles, tendo a educação escolar na cidade como uma
missão de interesse do grupo.
93
A decisão sobre os estudantes índios de estudar na escola urbana é
majoritariamente do pai. Em alguns casos a mãe decide também. Só apenas
uma pequena parcela de estudantes índios estão estudando na cidade por
vontade própria, referendada pelos pais.
De um modo geral, o tempo que os estudantes índios moram na cidade
varia de 01 mês a 04 anos, em conformidade com circunstâncias diversas,
entre as quais, problemas familiares.
Os Paresi estão cada vez mais preocupados com a educação básica e
média, entendendo que é necessário que todos tenham acesso à escola de
qualidade, como um fator de permanência e continuidade grupal, no meio
hegemônico da sociedade envolvente. Um pai de um estudante índio assim
expressa a necessidade da educação escolar: Nós pensamos que futuramente
fica inviável a sobrevivência em aldeias.
A demanda por educação escolar decorre das pressões que enfrentam e
da preocupação dos pais em relação aos filhos num futuro regido pelas
pressões do contato, cada vez mais violentos, fazendo com que as estratégias
de sobrevivência envolvam conhecimentos da organização burocrática
econômica e política da sociedade envolvente.
Pude observar durante a pesquisa os comportamentos dos estudantes,
professores, pais e direção. Verifiquei que a escola continua a manter uma
forma tradicional de disciplina, obrigando os estudantes a se organizarem em
filas, andar um atrás do outro até a sala de aula. Não há qualquer preparação
ou discussão a respeito do valor de tal norma, como de outras decisões ou
práticas adotadas por imposição de cima para baixo. Ninguém assume romper
ou modificar. Parece um consenso, que os estudantes precisam andar em fila e
que é bom para a organização da escola começar o dia vendo todos os
estudantes em fila no pátio. Segundo uma professora, os estudantes Paresi dão
um bom exemplo de comportamento.
Os estudantes índios tem um comportamento que dá
destaque e relevância como modelo a ser seguido nas filas, no
caminho para a sala de aula etc. Um respeito fantástico, uma
educação de categoria, onde o professor não perde tempo em
chamar atenção com os estudantes, no decorrer do processo de
ensino-aprendizagem e didático pedagógico na sala de aula
(Professora da escola, 1999).
94
É interessante observar que o elogio aos estudantes Paresi se articula à
obediência às regras, ao comportamento disciplinado, ao não darem
trabalho. No processo pedagógico, contudo, como eles dão trabalho, é
mais fácil encará-los como limitados.
Os sujeitos quanto entram na sala de aula não deixam do lado de fora
suas características individuais, sociais e culturais que os distinguem como
indivíduos dotados de vontade, sujeitos datados e situados, em determinado
tempo e lugar. Uma educação que respeite e incorpore ativamente a
diversidade é condição fundamental para se aproximar da pedagogia da
diferença, da educação plural, multicultural crítica.
Do ponto de vista hegemônico, na sala de aula todos os estudantes são
iguais porque aprendem a escrever, ler, contar e cantar juntos. Mas o
ambiente da sala de aula não é acolhedor; o índio não tem uma relação
paritária com estudantes não índios ou tratamento igualitário e democrático.
Os estudantes Paresi normalmente preferem sentar-se no fundo da sala
ou num canto, fora do olhar vigilante dos colegas e do professor.
Pelo que pode ser visto, não é possível haver eqüidade da educação
escolar numa sociedade pluriétnica, multicultural sem levar em consideração
a diversidade dos estudantes.
95
CAPÍTULO IV
OS ESTUDANTES INDÍGENAS CONTRIBUINDO NA PESQUISA
4.1 APRESENTAÇÃO DOS ESTUDANTES PARESI
Tendo caracterizado a Escola Estadual Emanuel Pinheiro ao longo de
sua história, passarei a discutir nesse capítulo algumas das características
identitárias dos estudantes Paresi com quem tive período de contato longo e
fecundo.
Para melhor situar a análise que sucederá, farei a seguir uma breve
caracterização de cada um deles, totalizando dez pessoas. Com o intuito de
assegurar a privacidade dos depoentes e dos seus respectivos pais, utilizarei
apenas as letras iniciais dos seus nomes.
1- A. K., 20 anos de idade, cursava a 5ª série. Nasceu na aldeia Buriti e
é filho de A. e I.. Nunca havia reprovado.
2- J.M.O., 14 anos, cursava a 5ª série. É natural da aldeia Formoso e
filha de J. e M. H.. Também nunca repetiu ma série.
3- A.S.N., com 20 anos de idade, freqüentava a 5ª série. É natural da
aldeia Salto da Mulher e filha de L. e M. A.. Reprovou uma vez na 5ª série.
4- I. Z., com 23 anos, cursava a 6ª série. Nasceu na aldeia Nova
Esperança e é filho de B.e N. Foi repetente duas vezes na 5ª série.
5- I. P., estava com 19 anos de idade e cursava a 7ª série. É natural da
aldeia Kotitico e filho de C. e H. Foi repetente na 1ª série.
6- C. K., tinha 21 anos de idade, cursava a 7ª série. Nasceu na aldeia
Nova Esperança e é filho de B. e N. De acordo com os registros nunca repetiu
uma série.
7- G. K. P., tinha 16 anos de idade e cursava a 7ª série. É natural da
aldeia Formoso e filho de J. B. e A. De acordo com os registros escolares foi
repetente na 1ª série.
96
8- O. K. tinha 13 anos de idade e cursava a 7ª série. Nasceu na aldeia
Rio Verde e é filho de J. J. e D. Reprovou uma vez na 4ª série.
9- A. Z., tinha 17 anos de idade e cursava a 8ª série. É natural da aldeia
Formoso e filho de J. J. e D. Reprovou uma vez na 4ª série.
10- A. Z., com 33 anos de idade cursava a 4ª série do Supletivo. Nasceu
na aldeia Rio Verde e é filha de A. e I. Segundo afirmou, nunca reprovou na
escola.
Todos estavam devidamente matriculados desde o início do ano
letivo/1999 nas suas séries. Estavam freqüentando normalmente as aulas.
O quadro a seguir sintetiza as informações referentes aos
estudante/idade/série/repetência.
Os alunos índios x idade x idade x repetência (1999):
ESTUDANTE IDADE SÉRIE REPETÊNCIA
1- A. Z. 33 4ª -
2- I. Z. 23 6ª 5ª
3-C. K. 21 7ª -
4- A. K. 20 5ª -
5-A. S. N 20 5ª 5ª
6- I. P. 19 7ª 1ª
7- A. Z. 17 8ª 4ª
8- G. K. 16 7ª 1ª
9- J. M. O. 14 5ª -
10- O. K. 13 7ª 4ª
Fonte: Escola Estadual Emanuel Pinheiro (1999).
Um aspecto que salta aos olhos no quadro acima é a elevada defasagem
idade/série. Apenas o estudante (O.K. 10) não apresentou defasagem
idade/série, ainda que tenha reprovação na 4ª série. Já os alunos (J.M.O.9),
(G.K.8) e (A.Z.7) aparentam uma defasagem que, segundo os registros
escolares é devida ao ingresso tardio na escola (com nove anos de idade). O
estudante (I.P. 6), por sua vez já teria desistido de estudar e também havia
sido reprovado, razão pela qual não está adequado em termos de idade e série.
97
A aluna (A.S.N. 5) tem 20 anos e estava na 5ª série, evidenciando oito
anos de defasagem. Juntamente com (C.K.3) e (I.Z.1) apresentam uma
discrepância idade/série muito acentuada. Segundo os dados escolares teriam
ingressado na escola após os 10 anos de idade e também teria sido
reprovados. Por fim, a aluna (A.Z.1) com 33 anos de idade e freqüentando a
4ª série no ensino de suplência tem uma defasagem idade/série de no mínimo
de 23 anos.
Para analisar a defasagem idade/série, remetendo ao trabalho de Souza
(1997), ao discutir o sentido do tempo escolar entre a visão de nossa
sociedade e a visão da sociedade Paresi. A permanência na escola, de acordo
com o sentido da educação escolar, em termos de custo/benefício econômico é
referida na duração oficialmente estabelecida e a relação série/idade é
referida na idade estabelecida de início da escolarização. Pela LDB o
estudante entra antes dos sete anos e é obrigatório a permanecer na escola,
constitucionalmente, até os 14 anos de idade. Segundo Souza (1997, p.67) os
estudantes repetem várias vezes as séries iniciais na aldeia. Mas, de acordo
com os registros encontrados na escola urbana, os dados mostram uma
realidade bem diferente. Os estudantes índios raramente reprovam nas séries
escolares conforme quadro demonstrativo apresentado, pelo menos os que
estavam matriculados no ano de 1999 na Escola Estadual Emanuel Pinheiro. A
reprovação é comum entre os estudantes não-índios, que também reprovam
algumas vezes.
A nossa sociedade confere sentido a uma temporalidade bio-psico-
pedagógico e social e a estabelece numa relação idade / série. Para os
estudantes Paresi, todavia, essa relação não é relevante. A dificuldade de
trânsito entre os dois mundos, duas culturas, dois processos de aprendizagem
tão diferentes é o centro do foco relacional. As demais relações tornam-se
menores e seus sentidos distintos, menos operantes.
Em muitos casos os estudantes Paresi começam a estudar entre 9 a 15
anos de idade na aldeia. Uma aluna que é mãe de um estudante começou a
estudar aos 27 anos de idade. A diferença de idade entre estudantes Paresi e
outros é grande pois estes começam a estudar aos 06 e 07 anos de idade. Um
estudante comentou que, ao saírem da aldeia para a cidade, recebeu a seguinte
ordem do seu cacique:
98
Hora de estudar deve-se estudar e não fazer feio para o
cacique como também para toda a aldeia, porque tudo reflete
na aldeia. Recebem o ensino na escola da cidade, e tudo que se
aprende na escola deve ser ensinado na aldeia aos índios
menores.
O sentido da duração da escolaridade e da permanência na escola é
referido em outros valores. O estudante Paresi vai para a escola da cidade
para adquirir conhecimentos adequados à educação das gerações mais novas,
conhecimentos que não são exclusivamente aqueles conteúdos curriculares
definidos pelo sistema escolar. A observação participante, a vivência de
mergulho na escola e as experiências que acumulam também contam. Eles
querem entender crenças, pensamentos, valores, além dos conteúdos das
disciplinas. A expectativa é que na escola os estudantes se preparem como
mediadores entre aldeia e cidade, entre os Paresi e os brancos como espécie
de agentes intersocietários e de assessores de contato.
Em conversas, alguns estudantes índios demonstram desejo de
terminarem o Ensino Fundamental e Médio e fazer um curso superior nas
seguintes áreas: Enfermagem, Pedagogia e Direito, com objetivo de ajudar o
seu povo. Mas como os pais e o cacique decidem sua vinda para a cidade,
também decidem sobre sua volta para a aldeia em caráter temporário ou
permanente.
Os Paresi quando terminam os estudos querem voltar para a aldeia,
ajudar a melhorar a vida do povo indígena. Alguns não cumprem o
compromisso da aldeia e começam a trabalhar, se acostumam cada vez mais, e
permanecendo na cidade. Mas essa alternativa também começa a ser agendada
pelas lideranças que entendem a migração para a cidade como uma pressão
inexorável do contato que lhes tira os meios de vida cada vez mais.
A seguir uma experiência vivida por um estudante quando foi procurar
trabalho ou emprego:
... eu saí para procurar serviço e nada. Todos dizerem que o
comércio é fraco e alguns dizerem que iriam demitir alguns
que trabalhavam, pois não dava para pagar o salário deles.
Voltei para casa muito triste, magoado e chateado, porque não
tem emprego para mim nem experiência para aprender a
trabalhar (O.K.).
99
Esta experiência revela exclusão social que muitos enfrentam
atualmente, em qualquer sociedade hegemônica. A partir de uma colocação
dessas sobre a vida, instaura-se uma tarefa pedagógica, possibilitando ao
educador nela assentar a de formação da consciência, o desenvolvimento da
competência de analisar o mundo, a história, a ciência, a cultura, o contexto
do contato.
O meio escolar engendra, no cotidiano diferentes processos de
dominação. A relação de poder é visualizada, por exemplo, nas idas e vindas
em filas na hora do recreio, onde os mais espertos levam vantagens sobre os
mais tímidos ficam por último. No caso dos estudantes Paresi a timidez não é
a única explicação. Os valores relacionados ao ritmo, ao cuidado e ao respeito
à atividade escolar também são intervenientes.
Que os estudantes brancos correm da sala para obter
sempre o primeiro lugar na fila do lanche, até caindo, se
machucando e lutando por um lugar de destaque. O estudante
índio é diferente pela sua identidade, ele guarda seu material
na bolsa ou embaixo da mesa levanta da cadeira, geralmente é
o último a sair da sala de aula e vai esperar na fila com a sua
maior paciência e delicadeza humana sem discussões e
empurrões, esperando a sua vez de ser servido com a mesma
comida que foi servido o primeiro da fila (Diretor da Escola).
Na aldeia eles recebem um atendimento sem pressa, um por vez até
que todos compartilhem os alimentos, o que é comum na organização das
comunidades indígenas. Um pai de estudante afirmou o seguinte:
A escola da aldeia forma o estudante para obter claro a
escrita, leitura e conseguir fazer algumas contas. Também na
escola da aldeia são ensinados como o índio deve se defender
diante do branco, de um animal silvestre etc. E outros acham
que não faz diferença, estes já estão mais acostumados com a
vida na cidade em que já possuem uma intenção de estudar e
ficar na cidade tentando arrumar um emprego em qualquer
setor de trabalho (P. K.).
Há uma aparente contradição no projeto de estudos na cidade, pois ao
objetivo de formar índios que voltarão para aldeia para disseminar os
conhecimentos adquiridos se contrapõe o objetivo de estudo na escola como
meio de acesso ao trabalho na cidade. Como já mencionei anteriormente
100
alguns dos líderes não descartam a possibilidade de dificuldades crescentes de
meios de vida nas aldeias e de migração para a cidade, embora esse não seja
projeto do povo Paresi. O modo como explicam essa alternativa, todavia,
remete aos valores da cultura associados ao parentesco. O parente que mora
na cidade garante uma mediação entre aldeia e cidade e de certo modo, uma
extensão da aldeia na cidade.
No que se refere à permanência na escola, os dados fornecem algumas
evidências que convém explorar.
Ao final do ano letivo de 1999, de acordo com os registros escolares o
quadro de estudantes índios na escola pesquisada apresentava-se desse modo:
Síntese da situação escolar dos estudantes Paresi no final do ano
letivo 1999.
Número de estudantes Paresi
Situação final
02 Desistiram dos estudos
03 Foram transferidos
05 Concluíram o ano letivo
10 Total
Fonte: E.E.Emanuel Pinheiro
A mobilidade dos estudantes Paresi nas escolas urbanas, tanto em
termos de transferência de uma escola para outra, quanto em termos evasão
cíclica temporária ou permanente apresenta dados relevantes, indicativos de
um modo próprio de lidar com o processo de escolarização uma vez que a
escola e a educação escolar são entendidas como necessárias. Percebe-se na
tabela acima que 50% dos estudantes concluíram os estudos daquele ano
letivo na mesma escola. Dos estudantes matriculados 20% desistiram de
estudar e 30% foram transferidos, para outras escolas.
No ano (2000), voltei à escola para verificar se o quadro de estudantes
índios havia alterado. Procurei, em seguida, entrar em contato com os
estudantes índios, buscando ouvi-los sobre seu percurso escolar entre o final
de 1999 e início de 2000.
a) A. S. N. foi aprovada em 1999 e em 2000 transferiu-se para a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Silvio Paternez em que está estudando no
101
Supletivo na 6ª série. É considerada uma aluna muito inteligente. Andréia
pensa que o futuro está na educação escolar, demonstrando preocupação em
aprender cada vez mais para enfrentar os desafios da sociedade. A
transferência para essa escola foi motivada pela mudança dos pais que foram
morar perto da atual escola.
b) I. P. aprovado em 1999 e em 2000 também se transferiu para a
Escola Estadual Professor João Batista. Está cursando a 8ª série. A
transferência de escola foi motivada por mudança de casa para mais perto
dessa escola.
c) G. K. também foi aprovado e continua estudando na mesma escola.
Está matriculado e freqüenta a 8ª série. Ele é um estudante muito atencioso na
sala de aula, e é participativo.
d) J. M. O. foi reprovada e permanece estudando na 5ª série no mesmo
colégio, junto com o G. Ela é repetente nas disciplinas matemática,
português, ciências e história. Não fez recuperação nessas disciplinas porque
a norma é quando a estudante fica em mais de três disciplinas em recuperação
está automaticamente reprovado, segundo o regimento da escola.
e) J. A. é um estudante novo matriculado neste ano de 2000, veio da
escola da aldeia. Freqüenta as aulas normalmente sem problema nenhum.
f) C. K. (8ª série), A. Z. (5ª série) e I. Z. (7ª série), se matricularam na
escola, mas desistiram no primeiro semestre por motivo de falecimento na
família. Voltaram para aldeia para trabalhar (FUNAI).
g) O. K. foi aprovado em 1999 e A. Z. não foi aprovado. Os dois se
matricularam no ano de 2000, mas não chegaram a freqüentar as aulas porque
estão se dedicando à música, preparando para lançamento de um CD (música
sertaneja e músicas enfocando a da vida dos índios Paresi na aldeia).
Em 2001 fiz outra visita à escola, conversei com o diretor sobre os
estudantes. Ele afirmou que nenhum dos estudantes que participaram da
pesquisa estava estudando mais na escola. Mas foram matriculados outros
estudantes índios. Esses novos estudantes índios já moram na cidade por mais
tempo e possuem casa própria ou alugada.
No mesmo dia da visita à escola, fiz uma visita à FUNAI para conversar
sobre os estudantes índios, tentando saber o destino deles. Fui encaminhado a
102
Daniel Cabixi, liderança Paresi amplamente conhecida e reconhecida.
Segundo Daniel:
... todos esses estudantes foram para a aldeia. Uns casaram,
outros não. Estão trabalhando junto com a sua comunidade. Os
motivos que levaram eles a saírem da Escola: condições
financeiras de manter eles na cidade (aluguel, roupas,
alimentação etc.) e outros.
Em 2001, segundo dados coletados junto a estudantes índios que
estudam na cidade, somente quatro são sustentados pelos pais que moram nas
aldeias, os pais dos outros estudantes que vivem na cidade por mais tempo.
Os que os dados sobre mobilidade demonstram, para além da visão de
senso comum, é um extraordinário esforço dos Paresi por educação escolar na
cidade. Todos os índios estão buscando no momento uma educação na escola
pública. São estudantes, se aprimorando nos conhecimentos, para adequá-los
a realidade da aldeia". (Cf. Cabixi, depoimento, 1999)
Ainda segundo Daniel Cabixi e alguns estudantes índios já estão
pensando em nível de 3º grau com interesse de um maior número de índios
possíveis com formação em curso superior.
24
Embora se conte com projetos oficiais de educação indígena os índios
notam que não se conta com uma política claramente definida de educação
indígena.
Cabixi argumenta que se um índio ascendesse ao cargo de Ministro do
Estado da Educação: "Daria ênfase no sentido de estabelecer na prática um
programa educacional que correspondesse de fato com os interesses das
populações indígenas".
4.2 A EDUCAÇÃO PARA OS ESTUDANTES ÍNDIOS NA CIDADE
Os estudantes índios se deslocam das aldeias para a cidade
semelhantemente a outros brasileiros que migram do campo para a cidade. As
pessoas do campo migram para cidade em busca de trabalho, de estudo,
24
- Trata-se do 3º Grau Indígena já mencionado, que se realiza no Campus da UNEMAT e
Barra do Bugres desde o ano de 2001.
103
atendimento médico, assim também os índios fazem as mesmas coisas
acrescidas, no entanto, de um projeto étnico de cidadania. Nas aldeias as
dificuldades são muito grandes e a percepção crescente é a necessidade de se
buscar alternativas. A educação escolar tem sido identificada como meio de
construção dessas alternativas.
A luta por educação escolar não é nova. A criação de escolas nas
aldeias, em parte, foi em decorrência do projeto integracionista do Estado e
em parte mais recentemente - foi uma conquista dos povos indígenas,
através dos movimentos indígenas pós 1970. As escolas das aldeias Paresi
oferecem até 4ª série do ensino fundamental.
A continuação dos estudos requer, portanto, a vinda para a cidade. Mas
a decisão, como já se reportou anteriormente não é de caráter individual.
O estudante índio chega à cidade para cumprir uma missão, a missão de
estudar em proveito próprio e do seu povo. Essa missão é clara para eles. O
compromisso de estudar na escola urbana e levar os conhecimentos
proporcionados por esse estudo de volta para o seu grupo é de alta
responsabilidade. Muitas vezes o estudante índio não está interessado no
conteúdo curricular, mas pode aprender na escola outras coisas da cultura do
branco.
As dificuldades que os estudantes Paresi encontram são muitas: de
sobrevivência, de apoio afetivo, de educação escolar na cidade; de adaptação
ao meio urbano; de deslocamento e outras. O deslocamento entre a aldeia e a
cidade constitui-se num obstáculo tanto para os estudantes quanto para seus
familiares. A visita do estudante à aldeia pode resultar na perda de longos
períodos de aula.
No mapa abaixo, localizo as aldeias de procedência dos estudantes
índios. Estão graficamente representadas por circunferências. A aldeia mais
afastada é a aldeia Cabeceira do Osso que fica há uma distância de 250 Km da
cidade. A mais próxima da cidade é a Aldeia Queimada, distante 40 km.
Os estudantes índios se deslocam para a cidade para continuar a
estudar, mas fundamentalmente querem conhecer a educaçãodo branco, na
escola do branco. Na coleta dos dados observou-se que o estudante índio não
está preocupado em passar de ano, mas em aprender, mesmo que isso
implique numa permanência maior na cidade. Sua prioridade é conhecer e
104
assimilar várias estratégias e modos característicos do branco, entre essas, o
uso da língua portuguesa.
Itinerário dos estudantes índios da aldeia à cidade
Fonte: Ed. Turística e Estatística adaptação de João Bosco.
Em uma conversa informal um estudante índio disse: O primeiro dia de
aula na cidade é diferente, do primeiro dia de aula na aldeia. Na aldeia todos
os estudantes são índios e têm uma relação solidária. Na cidade o índio está
diante de diversas pessoas etnicamente diferenciadas na sala de aula. Um
outro depoimento destaca: "Estudei primeiro em Cáceres, em 1993, 94,95 e
96. Em 1997, 98,99 em Tangará da Serra. Nas duas cidades eram diferentes
porque os colegas eram diferentes de uma escola para outra".
Esse depoimento é uma amostra do esforço empreendido pelos
estudantes indígenas nas escolas urbanas. Eles estudem nas cidades há sete
anos e ainda assim encontra dificuldades na vivência com o meio urbano.
Referiu-se às cidades de Cáceres e Tangará da Serra, ambas apresentam
diferenças significativas no modo de vida. Embora não soubesse explicar
105
porque, o estudante percebeu a diferença de convívio entre uma cidade
histórica de Mato Grosso, com mais de 250 anos e uma cidade dominada por
migrantes sulistas, com um modo de vida, valores e (pre)conceitos próprios.
Tangará da Serra é uma cidade nova, como já foi dito. O modo de vida
que se configurou é mais dinâmico, refletindo formas de relações, práticas e
valores da sociedade nacional. Como a questão das terras indígenas permeia a
realidade local, desde a fundação da cidade, o índio é uma presença viva.
Embora seja visto como um incômodo e a relação seja mediada pelo
etnocentrismo, há por parte das instituições oficiais a contingência de recebê-
los. Sua vinda para a cidade, a partir da década de 80, também se dá num
contexto de consciência étnica e de consciência de seus direitos através dos
movimentos e, após 1988, sob a égide dos direitos especiais que a
Constituição lhes garante.
Em cada escola vivem experiências diferentes e relações diferentes,
porque professores, estudantes são também de origens diferenciadas. Veja o
depoimento de uma mãe índia:
Achei diferente na Aldeia quando eu estudei. Mas eu
como mãe, já vim algumas vezes nesta escola para falar com o
Diretor e ver meu filho como ele está nos seus estudos. De
tanto gostar da escola matriculei-me na 4ª série do supletivo a
noite (Mãe e aluna).
Os estudantes índios encontram muitas dificuldades em enfrentar uma
"escola de branco" (assim eles designam a escola urbana). Eles não sabem
falar e escrever bem em português. O problema da dificuldade lingüística na
escola é foco de insegurança e desvantagens: "passa muita vergonha na sala
de aula, principalmente nos primeiros dias" (estudante índio).
Como já foi dito anteriormente, segundo professores os estudantes
índios ficam "facilmente encabulados, por qualquer questão dirigida a eles".
Entendem que alguns são "humildes, tímidos, fechados" porque eles possuem
um mundo próprio no qual se relacionam e vivem. É interessante notar que é
de conhecimento generalizado no meio escolar a problemática lingüística os
estudantes índios. Eles têm sua própria língua e não sabem bem o português.
Insiste-se em que o cerne do problema é timidez.
106
Não se cogita da possibilidade de uma solução pedagógica, como, por
exemplo, um atendimento diferenciado no ensino da língua portuguesa, fora
do horário formal de aula.
Os estudantes índios vão adquirindo hábitos e costumes novos na escola
urbana, começam a "assimilar" a escola como lugar de aprendizagem dos
conhecimentos produzidos pela sociedade envolvente, e do modo como
ensinam. A escola urbana, contudo, não considera a identidade e a diversidade
de seus estudantes. Os Paresi parecem ter claro que a educação escolar se
inscreve no universo das relações humanas atuais. O estudante índio começa a
incorporar a escola como parte da sua cultura. Começa a perceber que da
aldeia para a cidade há um trajeto difícil e complexo. Ele não é uma
continuidade do caminho que começou a ser trilhado com educação escolar
indígena na aldeia.
A escola da aldeia, por mais limitada que seja, está imersa na vida
social e na cultura do grupo. Na cidade, a escola é parte do meio urbano.
Tudo é estranho, a começar pela própria organização escolar.
4.3 A ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS DA CIDADE
No mapa apresento a localização das escolas urbanas onde estão
matriculados estudantes índios (1999). Alguns estudantes índios preferem
estudar nas escolas que se localizam no centro da cidade, como a Escola
Estadual Emanuel Pinheiro representada com uma circunferência vermelha.
O centro da cidade é destacado com um quadrado. As demais escolas com
estudantes índios matriculados estão indicadas por circunferências de outras
cores.
A localização das escolas, além de mostrar sua distribuição na cidade,
pretende evidenciar que não há uma dispersão aleatória dos estudantes índios
nas escolas da cidade. Há uma certa coerência de localização indicativa de
motivações externas que, de acordo com os dados colhidos, remetem a
relações de parentesco ou de pertencimento étnico. Essa afirmativa tem como
base empírica casa alugadas onde vivem estudantes índios e que poderiam ser
alugadas em outros bairros e, no entanto, tomam a proximidade (menor ou
107
maior) de casas de família ou de associação Paresi como referência de
localidade.
A localização das escolas com alunos índios.
Fonte: Ed. Turística e Estatística adaptação de João Bosco.
Desse modo a mobilidade de uma escola para outra não chega a ser um
dado relevante, porque perde sua força no bojo da mudança de maior impacto
da aldeia para cidade. No contexto dessa mudança cheia de tensão e estresse,
ir de uma escola para outra é relativamente bem menos penoso.
108
No meio urbano o estudante índio economicamente depende do trabalho
da cidade, ou dos pais que moram na aldeia. As associações contribuem na
manutenção, com ajuda alimentar. Por isso os estudantes além de estudar
devem trabalhar para ajudar no sustento da casa, porque na aldeia eles são
economicamente ativos, plantando, cuidando e colhendo a produção.
O estudante índio vê a organização da escola diferente, porque ele vem
de uma cultura diferente. Por mais que a organização escolar seja
padronizada, nas aldeias segue normas e princípios específicos no que se
refere ao tempo, à liberdade, ao convívio, ao respeito à voz, às relações entre
pares. A cultura da escola, através do currículo oculto, vai se impregnando de
detalhes da cultura indígena.
Na cidade o espaço e o tempo da escola são concebidos e vividos de
modo diferente. A organização do trabalho escolar, os atores, a hierarquia, a
comunicação possuem uma outra lógica, fundada na racionalidade técnica
estranha à lógica, aos valores indígenas.
A rotina do tempo na escola é organizada em uma seqüência: entrada na
escola, entrada em fila na sala, aulas, intervalo (recreio), continuação das
aulas, encerramento, saída.
Essa rotina, além de ordenar o trabalho, disciplina a circulação dos
estudantes definindo tempo de interação com permissão de circulação nos
espaços comuns; tempo de aula, sem permissão de circulação. Para os
estudantes de um modo geral o tempo de aula é tempo de disciplinar também
os corpos, para o estudante índio é principalmente, para além disso, um
cerceamento da liberdade, tido como um bem precioso e culturalmente
valorizado.
A organização do espaço escolar é igualmente orientado para o
disciplinamento. A disposição das carteiras em filas raramente é modificada,
embora as carteiras sejam móveis e individuais. Os estudantes índios de modo
geral, sentam-se no fundo. Considerando a dificuldade lingüística desses
estudantes, sua localização na sala de aula é pedagogicamente inadequada,
tendendo a agravar as condições de aprendizagem. Não se cogita em convidá-
los a trocar de lugar, localizando-os mais à frente, melhorando as condições
de concentração.
109
Nos depoimentos do diretor e de professores há referências sobre bom
comportamento dos estudantes índios em filas de entrada e da merenda. A
observação participante permitiu apreender alguns aspectos do que é referido
como bom comportamento no sentido de disciplina, de subordinação
aquiescente às regras. A fila da merenda é modelar quanto à sentidos que
escapam ao senso comum.
Na fila da merenda, o espírito de competição, a rivalidade e a busca de
vantagem pessoal motivam uma série de comportamentos indisciplinados
correria, empurrões, desrespeito à ordem de chegada, entre outros. A relação
de poder se instaura entre os estudantes, mediada pela ideologia da dominação
sob uma gama extraordinária de modos de expressão que vão desde a
significação de poder de estar na frente da fila, de estar na frente do outro,
até à significação da vantagem de comer primeiro e ter mais tempo para o
lazer no horário do recreio. Ora, para o estudante índio a competição tem um
sentido lúdico. Numa sociedade indígena o coletivo precede o individual, em
alguns casos e, outros não. Porque na própria aldeia uns tem melhores
condições de vida, conseguem comprar na cidade outras variedades nos
supermercados e lojas. Passar à frente, ou estar na frente do outro não tem
muito sentido de poder, ao estudante não confere vantagens num contexto de
comida coletiva. Na escola a comida é de todos, e igual para todos. Logo, a
ordem de quem recebe não modula esse sentido maior. O importante é estar
junto para compartilhar. Por que o estudante índio correria para chegar na
frente, na fila da merenda? Por que empurraria o colega? Por que disputaria
lugar? Para que?
O seu bom comportamento talvez se associe menos à disciplina e
mais a um modo de lidar com o tempo e a uma visão da merenda como
refeição coletiva.
Numa órbita maior das relações de poder, a organização escolar é
apreendida como regulada de cima para baixo. Um professor fez a seguinte
observação: ... a escola é organizada de cima para baixo. Os estudantes
quase não participam das decisões da escola. Ás vezes muitos professores não
sabem o que estão fazendo na sala de aula.
Os professores, na sua maioria concordam com a visão que o colega
teceu sobre a escola. Os estudantes índios e não-índios não conhecem e nem
110
fazem idéia do que é decidido, mas são obrigados a aceitar decisões tomadas
na esfera das instâncias burocráticas da administração da rede escolar e
obrigados a aceitar todas as decisões tomadas, nem sempre pelos professores
da escola, mas pelas instâncias burocráticas e administrativas da rede escolar.
O corpo docente insiste em ver a grande virtude dos índios na humildade e
simplicidade. Não fazem mal a ninguém, estão dando exemplos de
cordialidade para os brancos.
As falas reiterativas do bom comportamento dos estudantes índios
evidenciam uma visão estereotipada pela representação coletiva do bom
selvagem. Não se destaca, por exemplo, a facilidade do raciocínio espacial
ou sua visão ecológica avançada.
Na visão de uma liderança Paresi:
... os professores e a coordenação cita os índios como
exemplo de comportamento na sala de aula e no pátio escolar.
Pelo fato de respeitar liberalmente as normas estabelecidas
pela escola (CABIXI, depoimento, 1999).
Como entre os estudantes não-índios, entre os estudantes índios há os
que estudam com mais determinação, tem muito gosto em estudar, tem prazer
em aprender o novo, desvendar, explicar, compreender. Esses auxiliam muitos
seus pares, fazendo a mediação pedagógica de orientação de aprendizagem.
4.4 O ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO
O livro didático proporciona um meio de estudo, leituras, atividades e
de interpretação de textos. Para alguns estudantes índios e não-índios, o único
estudo que eles realizam é com o livro didático, fora da sala de aula. Nos
mapas dos livros didáticos teoricamente os estudantes identificam espaços
geográficos, espaços físicos ocupados: continentes países, estados, desertos,
municípios, bairros, pessoas, florestas, oceanos e até o lote onde moram. Essa
visão positivista no livro didático é bastante resistente.
O livro didático, porém, não é o vilão exclusivo da educação escolar.
Parte significativa da questão passa pela cultura da escola, isto é, pela
tradição cultural desenvolvida pela escola. Na cultura da escola os programas
111
desempenham papel crucial. Eles são suportes da educação escolar reduzida a
um processo de transmissão de uma listagem de conhecimentos, de conteúdos
programáticos. Não se tem claro que os temas listados nos programas de
ensino são objeto de diferentes abordagens, sob o enfoque de diferentes
orientações teóricas (Cf. Bandeira, 1995, p.35).
Os estudantes índios estão lendo e estudando nos livros didáticos
fornecidos pelo Estado: português/literatura, geografia, história, ciências e
também de matemática. Possuem hábito de ler os textos em casa com o grupo.
Comentam as novidades e curiosidades que os textos trazem. Principalmente
no livro de História que apresenta dados históricos sobre a realidade do índio
no Brasil Colonial, até os dias atuais.
O livro didático de história do Brasil é uma fonte importante no
aprendizado dos estudantes e na formação da imagem do outro. No domínio
da escola, ao lado do professor, é um instrumento poderoso. Possuem ainda a
autoridade suplementar de ser uma obra escrita. Eles não apenas
operacionalizam as normas estabelecidas pela posição hegemônica do
pensamento de uma sociedade, como também se transformam em instrumentos
normativos. Os textos de nossa história desempenham o papel complementar
de formadores de um quadro simbólico explicativo da realidade social, da
cultura na qual o estudante índio e não índios estão inseridos, e servem,
portanto, como fornecedores do referencial para o comportamento dos grupos
que vivenciam esta realidade. Mostram como as sociedades chegaram a ser o
que são e como se formou o que hoje é a cultura.
Nesse contexto, o livro didático é uma fonte importante, quando não a
única, na formação da imagem que temos do outro. Alie-se a isto o fato do
livro didático constituir-se numa autoridade, tanto em sala de aula quando no
universo letrado do estudante. É o livro didático que mostra com textos e
imagens como a sociedade chegou a ser o que é, como ela se constituiu e se
transformou até chegar nos dias atuais.
Cabe enfatizar que o livro didático é, muitas vezes, o único material
impresso disponível para os estudantes, cristalizando para ele, e também
muitas vezes, por que não dizer, para o professor, parte do conhecimento a
que eles têm acesso.
112
Na nossa história que, de acordo com os livros didáticos, começa com a
chegada dos europeus, os índios da colônia eram cordiais e amigáveis,
carregavam o pau-brasil em troca de objetos advindos de Portugal, com isso
ajudam os portugueses a construir fortes casas que dão origem às primeiras
povoações. Não mencionam que os índios ensinam os brancos a sobreviver e
conhecer as terras brasileiras.
No livro de História da 6ª série, o povo indígena Paresi é citado e
lembrado em muitas das escolas do Brasil, por isso o professor de História
deve fazer uma grande reflexão e não só uma reprodução do livro. Conforme o
autor: ... dos paresi, dizem que eles vierem de dentro de uma pedra grande.
(Martins, 1997:44). É uma referência ao mito de origem fora do contexto e
que tende a reforçar uma visão preconceituosa e etnocêntrica sobre esse povo.
Na dissertação de Souza (1996) é apresentada uma transcrição do relato
do Professor índio Alinor A. Zezonai sobre o mito de origem Paresi para
esclarecer a frase acima citada no livro didático de História. Esclarecer o
mito na sua origem conforme conta o professor indígena na integra:
Eu tenho uma história sobre o povo Paresi, com o surgiu
o povo Paresi na Chapada dos Parecis. Muitos anos atrás, eu
acho que no tempo da formação da terra e do céu, e a história
conta que os mais velhos, os velhos contam que os Paresi
moravam numa Rocha fechada, sem janela, sem nada, mas
dentro da Rocha a multidão dos Paresi estavam muito alegres,
sempre fazia festa, mas um dia, só Deus que existia naquela
época, aqui na terra não existia nada de pessoas humanas, só
Deus existia.
Mas um dia Deus ouviu aquele barulho lá embaixo da
Rocha, então Deus deu rajada e abriu um buraco e viu que tem
gente lá embaixo, desmaiadas, assim deitados quase mortos. Aí
Deus pensou que eram pessoas inocentes que poderiam ser
saídos da rocha para habitar na terra. Depois no dia seguinte e
alguém viu o buraco aberto lá em cima e saiu para fora. E
tinha cada flor cores diferentes. E viu as coisas bonitas na
terra e achou bom.
Aí depois retornou para embaixo da Rocha e contou para
as outras pessoas:
Eu vi uma coisa linda na minha vida. Vi o mundo lindo cheio
de flores perfumadas. Gostei muito.
Aí os amigos dele não concordavam, e não concordavam com o
que ele viu, e não acreditavam.
Mas ele mostrou a flor que ele levou da terra.
E os amigos dele viram que a flor era tão linda e perfumada. E
aí acreditam com o que a flor era tão linda e perfumada. E aí
acreditaram com o que ele viu, e começaram a abrir mais
113
buracos para eles poderem sair dali para fora. Então eles
abririam, fizeram mais buracos, abriram...
E assim os Paresi saíram da rocha para fora. E gostaram muito
das coisas do mundo e aí começou a viver, começou a fazer os
filhos, filhas e assim os Paresi se multiplicaram.
Multiplicaram-se vendo os animais, e gostaram muito, e assim
os Paresi se multiplicou na terra e até hoje continua vivendo
no lugar.
E alguém já foi naquele local de onde os Paresi saíram,
dizendo que ainda tem sinal na Rocha.
Eu achei linda essa história. Eu acho muito lindo, porque Deus
estava com eles, que abriu um buraco para os Paresi sair.
Daí, que os Paresi entendem que existe um Deus, Deus
verdadeiro!
E assim foi a história do Paresi (In, Souza, cf. Professor, 47
anos, Aldeia Felicidade, 1997: 27 e 28).
Até os dias atuais os índios Paresi acreditam neste mito
25
. Muitos pais o
ensinam a seus filhos. É uma forma de explicar e passar um entendimento da
origem do homem e do mundo para os filhos índios.
O livro de Ciências traz textos e figuras relacionadas com a natureza,
especialmente sobre animais e plantas. Os conhecimentos que os estudantes
Paresi trazem sobre a botânica, zoologia e ecologia, são muito ricos e
poderiam contribuir muito nas atividades desenvolvidas sobre estes temas.
Para todos os animais e as plantas, os estudantes índios têm uma história na
qual eles se envolveram, foram os atores, viram ou ouviram alguma coisa
pelos mais velhos. Conhecem os mecanismos de defesa dos animais, suas
habilidades para se livrarem dos ataques ou para cercar as presas, ou seus
ciclos de acasalamento e reprodução. Identificam relativamente bem a flora
local. Conhecem os períodos de produção, das plantações, os locais onde
podem ser encontrados e a sua utilização na alimentação e na medicina
caseira.
Na escola da cidade os animais são estudados pelos livros didáticos
através da teoria. Sem considerar suas características, seu comportamento, no
25
- SILVA, Araci L. no texto mito, razão, história e sociedade, afirma: No contexto
escolar brasileiro, mitos indígenas tem sido freqüentemente utilizados como recurso
pedagógico e como material para publicação de coletâneas de lendas indígenas onde
livros de história para crianças. Raros são os autores que identificaram com o pensamento
indígena e respeitando-o nele exercitam sua própria capacidade de criação literária. Raros
também são os que se contentam em transmitir os textos míticos sem adulterá-los ou
corrigi-los, segundo o que consideram moral ou ideologicamente correto e adequado a
seus pequenos leitores. (1995, p.318)
114
seu habitat. Na escola da aldeia o professor que é índio ensina como se
proteger dos animais e como proteger os animais silvestres. Aprende-se qual é
o animal que pode ser caçado para alimento do grupo. A conscientização, na
escola urbana, é de proteção ecológica, sob enfoque de que o homem deixe de
matar, de destruir a natureza e o meio ambiente. Para os índios a questão
ecológica se coloca em termos de proteção, respeito, responsabilidade, ética e
moral. Muitos animais são conhecidos pelos índios no dia-a-dia, diferente dos
estudantes "brancos" que só os conhecem pelas figuras dos livros, pelos
textos didáticos, ou através de programas de televisão ou vídeo cassete.
A mesma situação ocorre em relação aos peixes. Uma fonte importante
de alimentação dos Paresi é a pesca. O peixe representa uma fonte de
proteína, ainda disponível, em determinados períodos do ano é a única fonte
de alimentação. Ainda os rios da aldeia são limpos e os peixes se recriam
normalmente. Todos os índios conhecem os diversos cardumes. Sabem pelo
conhecimento de senso comum quando estão em época de reprodução e
quando podem ser pescados. Na piracema
26
eles pescam em caso de extrema
necessidade.
Segundo Geertz aproxima uma citação referente à sabedoria do senso
comum:
A análise do senso comum, é não necessariamente seu
exercício, deve, portanto, iniciar-se por um processo em que
se reformule esta distinção esquecida, entre uma mera
apreensão da realidade feita casualmente ou seja, lá o que
for que meramente e casualmente aprendemos e uma
sabedoria coloquial, com pés no chão, que julga ou avalia esta
realidade. Quando dizemos que alguém demonstrou ter bom
senso, queremos expressar algo mais que o simples fato de que
essa pessoa tem olhos e ouvidos; o que estamos afirmando é
que ela manteve seus olhos e ouvidos bem abertos e utilizou
ambos ou pelo menos tentou utilizá-los com critério,
inteligência, discernimento e reflexão prévia, e que esse
alguém é capaz de lidar com problemas cotidianos, de uma
forma cotidiana, e com alguma eficácia (1997, p.115).
O senso comum na prática é a interpretação do mundo onde vivemos, e
dá-nos condições de operar e entender a realidade.
26
- Piracema é a subida dos peixes até as cabeceiras dos rios para realizarem a desova, e
assim, se reproduzirem. Todos os anos, de outubro a março, algumas espécies de pescado
fazem um longo percurso, vencendo os obstáculos naturais como corredeiras e cabeceiras,
no intuito de perpetuar suas espécies. Esse fenômeno é considerado essencial para a
preservação dos peixes nas águas dos rios e lagos do Pantanal.
115
Os estudantes índios gostam do livro de Geografia, porque tratam da
natureza da paisagem, as pedras. Encontram uma relação entre Geografia e o
mito de origem onde os primeiros índios saíram de uma pedra grande. O
relevo, os rios, a atmosfera, o meio ambiente são os temas que eles gostam.
Gostam de estudar e olhar mapas nos livros da escola.
Em matemática os discentes índios e não-índios estudam os números, as
operações básicas, potenciação, conjuntos, etc. Alguns discentes índios
apresentam dificuldades de aprender as operações básicas de matemática, mas
isso também não é diferente para os estudantes não-índios.
Nos livros de Português os estudantes índios e não-índios gostam de ler
textos didáticos que tratam sobre os guerreiros índios Guaranis, Tupinambás,
Tupis, etc.
Segundo uma professora: "A maior dificuldade do estudante índio é na
escrita e na interpretação. Eles escrevem muito mal, mas a letra é legível". É
uma dificuldade para o estudante índio em acompanhar o professor nas
explicações, porque não têm domínio da língua, dificultando a compreensão
quando o professor está explicando e orientando o conteúdo. O estudante
índio ouve o professor na hora da explicação e orientação, mas quando deve
exercitar aquilo que ouviu do professor, não consegue avançar, realizar as
atividades.
A Língua Portuguesa é a maior dificuldade na escola, no entendimento
para qualquer outro estudante, principalmente nos verbos, adjetivos,
pronomes, concordância pronominal, verbal e na interpretação de textos. Para
os estudantes índios essa dificuldade é maior, porque eles falam a língua
Paresi. A segunda língua é o português, e o ensino de gramática não ajuda
muito na aprendizagem. Quando terminarem os estudos os estudantes índios
voltarão para a aldeia onde continuarão falantes da língua Paresi, mas
consideram de importância crucial aprender o português.
A política lingüística, diante dessa realidade já frisada anteriormente,
pode-se levantar a seguinte questão: por que, então, às vezes se escuta ou se
vê escrito em livros e revistas que o Brasil é um país monolíngüe? A resposta
remete ao conceito de política lingüística de dominação do Português sobre as
línguas indígenas. Por exemplo, a Constituição Brasileira (1988), em seu
116
artigo 13, diz: A língua portuguesa é o idioma oficial da República
Federativa do Brasil.
A dificuldade lingüística reflete a problemática do ensino bilíngüe. Na
aldeia o professor leciona na sala de aula multiseriada, de primeira à quarta
série. Estão junto na sala, de 15 a 25 estudantes e se não é possível garantir
uma atenção diferenciada aos estudantes no que diz respeito a questão
lingüística, do ponto de vista da subjetividade do estudante eles são
reconhecidos como sujeitos ativos, com identidade pessoal, familiar e grupal.
Na escola da cidade as salas de aula têm de 45 estudantes por série. Os
estudantes índios têm sua identidade diferenciada dissolvida na categoria
genérica de estudante e sua subjetividade tolhida, engessada.
Os estudantes índios que estudam na aldeia têm na sua cultura uma
fonte de conhecimento muito rica, mas carregam deficiências de
aprendizagem, do saber escolar dominante. Na maioria das aldeias os
professores não têm formação docente, nem orientação pedagógica necessária
para trabalhar uma educação diferenciada que garantisse uma alfabetização de
qualidade.
4.5 O COTIDIANO DOS ESTUDANTES PARESI NA CIDADE
O perfil geral das rotinas da escola pesquisada acompanha rotina geral
de qualquer outra escola.
A rotina dos estudantes Paresi não é diferente dos estudantes não
índios. Os estudantes andam um trajeto de 200 à 2.500 metros da casa até a
escola. Os estudantes índios fazem rotineiramente um percurso de 2.100
metros. Conforme representação no mapa, as casas dos estudantes Paresi são
identificadas por um círculo vermelho, o percurso percorrido pela linha
diagonal azul, e a circunferência azul representa a Escola Emanuel Pinheiro.
Esse mapa procura representar graficamente o deslocamento dos estudantes
índios cuja distância chega a dois quilômetros. A ida e volta soma 4 km que
eles percorrem a pé. A caminhada para eles é prazerosa e não vêm nela
qualquer tipo de problema.
117
Os estudantes Paresi fazem muitas referências aos professores como
bons, ótimos, alguns chatos, falta de vontade de explicar a matéria.
As práticas escolares que rotineiramente os estudantes fazem em sala
de aula são: trabalhos em grupos para fazer pesquisa, estudos na biblioteca,
assistem vídeo, fazem debates e comentários, competições, fazem referências
às disciplinas e seus conteúdos.
Itinerário dos estudantes Paresi da casa à escola.
Fonte: Ed. Turística e Estatística adaptação de João Bosco.
118
Para conhecer melhor a rotina dos estudantes foram elaborados diários
pelos estudantes e isso me proporcionou uma nova visão da sua vivência fora
da sala de aula. Participaram e contribuíram nesse trabalho os estudantes da
5ª "D" (noturno) e a 7ª "B" (matutino).
Conforme descrição já feita, foi distribuído para cada estudante da sala
de aula um diário onde poderiam registrar acontecimentos do cotidiano, como
observações, eventos, práticas, emoções, opiniões, compromissos durante o
dia. Os diários ficaram com os estudantes durante 30 dias. Após esse prazo
foram recolhidos, lidos, e analisados.
A rotina dos estudantes apresenta pontos de convergência. Os diários
evidenciam uma rotina básica que pode ser assim descrita: ir à escola, tomar
notas, fazerem pequenos trabalhos domésticos, cuidados pessoais, assistir na
televisão novelas, filmes e outros programas (a maioria prefere assistir
novelas) visitas e curtição com amigos e amigas.
Os diários dos estudantes não-índios se caracterizam por uns formatos
burocráticos, feitos para cumprir uma tarefa. Os registros são curtos,
impessoais. Um dado muito interessante que remete ao controle, a
homogeneização: todos dizem as mesmas coisas, com exceção de alguns
estudantes correspondendo a 16% do total de diários entregues a professora,
que conferem um tom pessoal aos registros do seu dia-a-dia.
Todos os estudantes envolvidos na pesquisa, como foi assinalado,
apresentaram em seus diários uma rotina diária com poucas diferenças. As
diferenças mais relevantes, em termos de riqueza e sensibilidade, são os
diários dos estudantes índios, que oferecem seus relatos. Entre os temas por
eles mais valorizados estão a escola, as aulas, como sendo uma parte
importante e significativa de sua vida.
A valorização da escola e das tarefas escolares como algo muito
importante é uma constante entre os estudantes Paresi e episódica entre os
demais. Os primeiros vêem os trabalhos escolares como trabalho. O trabalho é
visto por eles como parte indissociável do viver. Realizar o trabalho escolar
é, portanto, uma necessidade vital. Isso não significa, entretanto, uma
compulsão. Pode ser adiado diante de uma outra prioridade vital, como, por
exemplo, chegam parentes ou surge a oportunidade de irem para a aldeia.
119
O peso da carga emocional que o projeto de estudo em uma escola
urbana coloca sobre os ombros dos estudantes índios, somando à violência
que a situação de alteridade enseja nos diários em relatos como este:
Acordei às 6:00 horas, para ir a escola. Antes de sair, eu
vestia de duas camisetas e uma camisa, por que naquele dia
estava muito frio de mais. Nós iremos para escola, quase eu no
agüenta de mexer minha mão. Chegamos (chegamos) na escola
o diretor falou para nós, vai lá no fundo do quintal aguardares
os professores. E, [X] (uma das coordenadoras) vimos nós sem
casaco. E daí ela emprestou um casaco para meu primo.
Essa situação pode ser considerada expressiva da violência do contato.
É um acontecimento como esse, nas miudezas do dia-a-dia que a dor do outro,
etnicamente diferenciado fica à mostra. O relato não tem qualquer laivo de
mágoa, de denúncia, de reclamação. É apenas e tão somente o relato de um
acontecimento, de uma vivência na escola. O foco do relato é o frio, a
sensação do frio, a solidariedade da professora. Mas o dado implícito, a
evidência não dita, porém configurada é terem sido ordenado aos estudantes
índios ficarem no relento. Embora não tenha sido dito, tudo indica que eles
ficaram lá sozinhos, pois, se outros estivessem lá, o relato certamente
mencionaria.
Certamente o diretor nem se deu conta das implicações de seu gesto,
pois pressupõe que seus estudantes estejam vestidos adequadamente, ou quem
sabe imaginando que não sentissem frio.
... A terceira aula entrou a professora de inglês, ela viu que eu
estava sem casaco. Eu vou falar com [ X ], liberar você. Logo
depois a [ X ] na sala. Porque você sem casaco? Respondi,
porque eu não tenho. Então pode ir embora, até a professora
que me mandou embora.
Na continuidade, o relato do estudante índio vai desnudando
incompreensões. A professora de inglês percebeu que seu estudante estava
sem agasalho e tentou encaminhar uma solução. Mas a solução proposta foi
dispensá-lo da aula, configurando-se para ele uma situação de exclusão, uma
vez que ir à escola é um dever que ele assumiu e cumpre mesmo com muito
frio.
120
A supervisora, por sua vez mostrou-se completamente alienada em sua
pergunta ao estudante: - por que você [está] sem casaco? O enunciado
carrega um conteúdo de censura. Mas a resposta é clara: por que eu não
tenho. A tentativa de censura foi rejeitada pela resposta concisa, direta,
verdadeira, não deixando qualquer brecha para outras perguntas/censuras. Ir
para casa, no entanto, não era uma solução. A friagem é um fenômeno
climático que causa desconforto, mas não é impedimento para o trabalho, não
é restrição para ir e vir. Nesse ponto, torna-se importante rever a atitude da
professora e da coordenadora: o estudante índio não teria sido alvo de uma
dupla exclusão? Por outro lado essa prática da exclusão pelas professoras
teria sido consciente, intencional?
Eu chegue a minha casa, meu cunhado perguntou pra
mim. Porque você saiu bem cedo? Porque eu não tenho casaco
a professora mim liberou. Então vamos visitar os estudantes
(índios) do projeto Xané? Então vamos (Estudante Paresi).
Essa parte do relato é que permite a compreensão de que para o
estudante índio sentir frio é parte da vida, apenas isso. Ser dispensado da aula
acaba sendo motivo de exclusão. Quando chegou em casa foi convidado pelo
seu cunhado para sair; o frio continuava e ele continuava a não ter casaco.
Mas não foi motivo para ficar em casa. A interação com outros estudantes
índios era mais significativo que o frio. Em síntese, com a mesma roupa que
voltou da escola, foi visitar os colegas índios do projeto Xané. O Projeto
Xané foi criado pela da SEDUC (Secretaria Estadual de Educação), em
parceria com as prefeituras municipais, para integrar as crianças na
sociedade, oferecendo atividades, oficinas, lazer durante o dia todo.
No seu diário outro estudante índio escreveu que gosta de jogar bola, de
futebol de campo. Em conversas e em comentários dos estudantes não-índios,
eles são ótimos jogadores de futebol. Eles jogam muito na aldeia e são hábeis
jogadores em todas as posições do campo. Uns estudantes índios gostam de
jogar basquete, voleibol, mas o jogo favorito dos índios Paresi é o cabeça
bol
27
. Muitas vezes o índio é discriminado, excluído do jogo, na cidade.
27
- Trata-se de um jogo tradicional da cultura Paresi. Os jogadores, ao invés de utilizarem
os pés (como no futebol) ou as mãos (como no voleibol) jogam bola com a cabeça. Muitas
121
Quando chegou duas horas eu [X] (estudante) indo atrás deles para jogar.
Cheguemos no Mané Garrincha (Estádio de Futebol), eles estava jogando. E
eles pararam porque eles estava cansado".
Quando os índios chegaram os não índios alegaram que estavam
cansados de jogar. Na verdade não se dispuseram à interação, adotando
postura que remete à discriminação, à exclusão. O jogo, de modo geral
considerado um mecanismo de interação, de sociabilidade, parece perder essa
força em ambiente interétnico em Tangará da Serra. Veja o que aconteceu na
escola: ... não deixou a gente sair enquanto não terminaríamos a tarefa, e
meu tio estava lá fora me esperando. Eu falei porque tinha demorado, mas ele
não acreditou não". (Estudante Paresi).
A fala do estudante mostra as tensões que ele enfrenta na sala de aula.
A escola deve assumir um compromisso de trabalhar e analisar as regras: elas
são diferentes e têm diferentes sentidos nas diferentes culturas. Na maioria
das vezes essas regras não estão claras para todos os estudantes, eis algumas:
horários, uniforme, entrada e saída durante as aulas.
Os estudantes índios também colocaram nos seus diários sobre os seus
sentimentos assim como: falecimentos ou morte, vergonha, solidariedade,
cooperação e namoro. Sobre isso teço algumas considerações observadas nos
diários:
Os comentários nos diários ficaram circulando em ir à escola; preparar
refeições de manhã/tarde/noite; pequenas tarefas domésticas; cuidados
pessoais; assistir televisão (novelas, filmes, Programa do Ratinho); visitas
a amigos; trabalhos de casa e tarefas escola; várias referências a professores
mostrando-se afetivos a eles; inúmeras observações sobre os trajetos que
fazem para a escola; cuidados com material escolar e objetos pessoais;
observações sobre o trânsito; comentavam muitas vezes sobre as avaliações
(provas, testes); sentimentos e discriminação/repressão na sala de aula
(vergonha, solidariedade, cooperação); rede de relações com os índios (visita,
passeio, funeral, recados, jogos) e outros.
vezes é preciso deitar-se no chão para movimentar a bola. Nos jogos eles usam uma bola
de artesanal produzida com látex extraído de mangabeiras ou de seringueiras. A bola é
pintada com cores vivas extraídas, principalmente do urucum e jenipapo.
122
Nos diários os estudantes índios e não-índios se referiram no cotidiano
que compõe quadros reveladores da teia de significados do viver e do ir à
escola. Os estudantes que estudam de manhã acordam cedo, vão à escola,
ajudam nos afazeres domésticos, brincam, trabalham nos lotes, sonham,
sofrem, criam e recriam o cotidiano tecendo os seus fios de histórias.
Além da observação participante, nos relatos registrados nos diários
observados pelos estudantes. Essas informações infindáveis são marcadas por
narrativas que constituem em verdadeiros textos literários que possibilitam
olhar e refletir sobre aspectos sociais e pedagógicos presentes no contexto da
escola urbana.
Os diários elaborados pelos estudantes da 5ª e 7ª séries, também
permitam conhecer aspectos significativos da realidade vivida por esses
estudantes, construídos a partir desses discentes que, com coragem, dedicação
e simplicidade, descortinaram através da escrita, dos desenhos e das pinturas,
o cenário de suas vidas transcritas em parte nos diários. Nesse percurso da
vida escolar, há uma representação social do ser, conhecemos os fios das
histórias de vida das histórias vividas dos estudantes em sala de aula, que
com satisfação revelaram, inclusive o prazer e a alegria de terem a
oportunidade de registrarem suas histórias e sentimentos.
Alguns deixaram nos seus diários desenhos relacionados na própria
faixa etária de 12 a 16 anos, compartilhando o sentimento amoroso e afetivo.
Todos escreveram que de uma ou de outra forma estão em namoro em relação
com os pares, saindo de casa se encontrando em lugares diferentes. Observa o
seguinte relato de uma aluna índia:
Hoje ao acorda eu me senti tão sozinha, uma sema
(semana) que não via mais o meu amor, senti solitária,
agoniada dentro de mim. Depois que eu falei coisas para ele eu
me arrependi, uma semana para mim era um século. Depois
não aguentando peguei escrevi estas palavras achei que caberia
entrar no meu diário. Escrevi o que eu sentia por ele, tirei de
dentro do meu coração para escrever são essas poucas
palavras. As palavras mais belas do mundo, jamais
conseguirão expressar tudo o que sinto, no meu coração
(A.S.N.)
123
Os depoimentos dos estudantes índios e não-índios nos diários em
relação à escola, eles se mostram como parte da escola, principalmente os
estudantes índios. Os estudantes não índios e estudantes índios são alheios da
parte burocrática da escola. Não tem uma visão clara da organização e
funcionamento da escola. Mas uma coisa é clara, os estudantes índios
entendem a escola como mediação com a civilização branca.
Uma das alunas não índias registrou em seu diário: "Hoje meu dia não
teve muita coisa, mas só o fato de estar viva me faz feliz".
A simples colocação da aluna não índia, expressa um sentimento de
vida e tudo que a vida significa. Mais para frente ela escreve que a gente tem
que viver tudo todos os dias". Parece que muitos estudantes não índios não
vivem a escola como algo presente, mas sim como uma obrigação, ou uma
imposição dos pais.
Uma aluna índia colocou como epígrafe no seu no diário a seguinte
declaração: Eu to morando aqui na cidade para estudar. Quando eu termino
meu estudo eu voltaria para aldeia para trabalhar com meu povo".
Creio que tal concepção, enunciada está alicerçada na natureza
material, espiritual e sentimental que a aluna índia sente das pessoas, que
conviveu a maior parte da vida na aldeia.
Muitos estudantes descreveram o espaço físico que ocupam no seu
cotidiano. Como a aluna índia registrou: Depois de escrever as palavras no
diário. Comecei a limpar a minha casa, estava limpando e cantando jogando
as sujeiras da casa para fora e me livrando das mágoas que senti dentro de
mim".
A exploração desta colocação merece ser comentados os seguintes
conteúdos dessa fala que são muito importantes: limpar a casa e cantando; a)
limpar a casa pode ser uma tarefa de rotina de todos os dias, mas quando se
trata de limpar a casa, quando há sujeiras sentimentais, é uma limpeza mais
difícil. Limpar a casa segundo a aluna índia é no bom sentido de colocar as
impurezas e sujeiras para fora, o que é comum para todos que limpam casas;
b) cantar é um ato que a pessoa faz quando está bem ou conquistando o bem
estar em si mesma. Na colocação da fala índia é uma realidade diferente
porque estava magoada e triste porque o namorado não foi na escola, ou seja,
na saída da escola.
124
Em relação ao tempo os estudantes índios e não índios referiam ao
clima e horário. O clima os estudantes índios e não índios caracterizam como:
frio, calor, muita poeira, ar seco etc., e também se referiram aos horários nos
seguintes aspectos: hora de levantar, saída da casa para a escola, inicio das
aulas, recreio, final da aula, meio dia, horário da janta, descanso ou dormir.
Num dia a aluna índia estava triste na sala de aula e segundo os relatos
que tinha no seu diário mostra claro o sentimento de perda de um ente querido
da comunidade indígena sendo que esse sentimento é igual para os estudantes
não índios quando acontece um fato desses na família ou conhecido.
Uma aluna índia registrou o seguinte relato de um falecimento na
aldeia:
Uma hora de madrugada doais molhes (duas mulheres)
está batendo palma. Eu levantei abria a porta, deu notícia para
mim a filha do Seca (nome) faleceu. E daí eu ficou muito triste
(...), chegou o carro da FUNAI, embarcamos a aquele noite,
pai a mãe cabimos na cabina. Ai, vazemos pra nossa aldeia,
cheguemos lá 5:50 horas. O avô dela ficou muito triste e
chorou. Até eu que chorei. Depois do enterro essa morte
voltemos para Tangará da Serra (C.K.).
Quando alguém falece na aldeia todos os índios se reúnem, fazem as
rezas, e os cerimoniais fúnebres até a hora do enterro. O enterro é feito na
aldeia na oca, numa rede. Quase todos os índios choram pela perda, seja
criança ou adulto.
4.6 AVALIAÇÃO DO CONTEXTO PEDAGÓGICO
A avaliação escolar é um processo pedagógico e metodológico. Os
estudantes em geral são avaliados formalmente por provas e notas e,
informalmente, através da observação da participação, atenção, organização,
tarefas feitas etc. Segundo Luckesi (1999) há dois tipos de avaliação:
a) A tradicional em que os estudantes são avaliados por provas, testes,
tanto escrito ou oral. Não é levado em conta nada que o estudante rendeu,
produziu ou provocou em sala de aula. Sua participação é desvalorizada. O
que responde na prova é que fornece elementos para avaliação. Muitas vezes
os estudantes chegam com vários problemas bio-psico-sociais, mas isso não é
125
considerado. Há estudantes que tem trauma de avaliação. Na avaliação
tradicional o professor desconsidera tudo isso e aplica a prova, sem
considerar outras possibilidades de formas de avaliação. A prova assume
caráter punitivo, aversivo.
b) A inovadora, que é uma avaliação contínua em que o professor
avalia o estudante no seu dia-a-dia, em todos os momentos e considera as
participações ativas na sala de aula ou na escola. A avaliação inovadora é
uma metodologia mais flexível, mais humana. O estudante pode opinar a
respeito do processo, dos meios. É uma avaliação mais democrática, sem que
o professor perca a autoridade pedagógica. A avaliação ativa, participativa é
uma dimensão do processo ensino-aprendizagem como um todo. Nessa
avaliação consideram-se debates, seminários, apresentações de trabalhos,
pesquisas, levantamentos de dados, aulas de vídeo, passeios em pontos
turísticos e outros. São ações estratégicas para serem avaliadas com
participação do estudante. Na avaliação inovadora também pode-se fazer
provas, com questões e respostas mais qualificadas em termos de acionamento
dos conceitos discutidos na sala de aula.
A avaliação tradicional para o estudante é uma ameaça porque exige
que ele saiba tudo o que foi estudado na sala de aula. Muitas vezes o seu
estado de espírito não está preparado para fazer prova nenhuma. Tanto o
estudante índio, quanto os demais, ao obterem um resultado ruim numa prova
prejudicam a si, ao professor e à escola, porque cada uma das partes está
preocupada com a aprovação no final do ano. Os estudantes começam também
avaliar a escola de forma negativa, dando opiniões e pareceres destrutivos,
atingindo professores e direção.
De acordo com Demo, (1999) na escola a avaliação é anunciada como
procedimento que tem como fins e objetivos declarados verificar o
aproveitamento e o rendimento do estudante. A avaliação se encontra
registrada no regimento, regulamento plano de cursos e outros instrumentos.
Conseqüentemente não se trabalha a avaliação como componente do processo
de aprendizagem. Estudantes índios e não índios têm claro esta concepção
empobrecedora da avaliação. Para eles a avaliação é extrínseca e não
intrínseca ao processo de aprendizagem. Os estudantes índios, contudo, dão
muita importância à avaliação. Entendem que estão na escola para aprender. O
126
importante, portanto, é conhecer. Se no processo de escolarização tiverem que
repetir a série para apreender e compreender mais e melhor tudo bem.
A referência do rendimento escolar em nossa sociedade valoriza a
aprovação, a referência interna dos Paresi valoriza o conhecimento. Nossa
sociedade confere importância ao tempo, pois de acordo com a lógica
capitalista tempo é dinheiro. A sociedade Paresi confere importância ao
projeto de escolarização como política de contato. A escolaridade durará o
que for preciso. Cada estudante índio tem o tempo que for necessário, para
ficar na cidade, e aprender tudo o que é importante para os estudantes índios
e para a comunidade. Enquanto para os estudantes não índios o tempo de
permanência é pré-estabelecido e valorizam por isso, passar de ano e terminar
os estudos básicos aos 14 anos de idade. Pelas entrevistas com os estudantes
índios pode-se avaliar inúmeras situações que eles encontram na escola.
Mas a avaliação não se limita à verificação. A avaliação de fato
permeia a cotidianidade das salas de aula, pois se processa através de
mecanismo formal ou informal, mas sempre com efeitos sobre a subjetividade
dos estudantes. Cada vez que o estudante responde a lista interminável de
exercícios, provas, testes e outras atividades, ele passa por avaliações
fundadas em referências da cultura hegemônica, para além da prova em si. O
currículo oculto envolve uma gama de referências e de valores explícitos e
não explícitos no processo formal de escolarização.
Essa avaliação não manifesta e não formal, realizada através de
regulações da cultura dominante é que atinge a auto estima dos estudantes
índios, porque reitera constantemente as diferenças, neles retificadas,
naturalizadas, avaliadas como desigualdade como inferioridade.
Observa o que um profissional que atua na Escola de Suplência
argumenta: "Os estudantes índios vêm se matricular no Ensino de Suplência
para obter uma formação de Ensino Fundamental e Médio em curto prazo e
para conseguir um trabalho na cidade".
Na visão dos estudantes índios essa percepção não é correta. Eles
querem aprender tudo que é ensinado na escola da cidade e levar isso para
aldeia. Muitos índios se esforçam para conseguir se formar no Ensino
Fundamental e Médio. Alguns encontram dificuldades no processo de ensino
aprendizagem, porque o professor, ao tentar incorporar as experiências dos
127
estudantes às atividades educacionais dá a elas uma nova significação. Essa
tentativa de conferir significado novo às experiências dos estudantes, ao
passar pelo crivo etnocêntrico fica estereotipada fora da realidade da vida que
o Paresi viveu por muito tempo na aldeia. Existem estudantes índios na
Suplência com um espírito de vencer e querer aprender superando limites,
conseguindo notas e conceitos ótimos nos finais de semestres.
A avaliação na escola é quantitativa, pelo rendimento do conhecimento
em sala de aula nos testes, provas e apresentações. O rendimento escolar é
transferido em notas que são calculados por pontos (notas) e médias lançadas
em diários e boletins.
Em relação ao rendimento escolar, verifica-se nos boletins que muitos
estudantes Paresi possuem notas iguais aos outros estudantes no bimestre. A
média de rendimento do estudante corresponde a 6,0. Em algumas matérias os
estudantes Paresi possuem rendimento abaixo da média e em outras estão bem
acima da média da escola. Verifica-se que a nota não traduz o esforço
diferenciado dos estudantes de distintas etnias.
Muitos professores lecionavam em quase todas as salas onde estudam
estudantes índios, com exceção de alguns que fecham a sua carga horária com
poucas turmas. Todos concluem que tanto o estudante índio como os outros
estudantes, não estão interessados nos resultados das notas. Estão na escola,
segundo esses professores, por obrigação, por imposição dos pais e da própria
sociedade mais ampla.
Essa é uma visão reducionista, pois coloca num mesmo ângulo de
valoração as motivações e os sentidos da escolarização para índios e não
índios.
Ainda sob o aspecto do rendimento escolar, as notas obtidas pelos
estudantes índios apontam certos detalhes que podem ser explorados.
As notas obtidas no primeiro bimestre de 1999, por turma e sala de
aula, mostram que os estudantes da 5ª série possuem muitas notas abaixo da
média e principalmente nas disciplinas teóricas. Esses estudantes estudaram
nas escolas das aldeias, mudaram de escola, da aldeia para a cidade, do meio
índio para o meio branco. O seu rendimento aponta para efeitos de tensões e
pressões exacerbadas no processo de mudança radical. Expressa também a
interveniência do fator lingüístico, da falta de domínio do português.
128
Os alunos da 5ª A estão estudando dois estudantes índios. Conforme
registro de notas nos diários escolares encontrados na secretaria verifica-se
que em números quantitativos não é diferente dos estudantes não-índios.
Poucas notas abaixo da média sessenta.
Nos registros de notas dos diários escolares da 5ª D, está matriculado
um estudante Paresi e também não é diferente em pontuação nas matérias,
conforme consta tem todas as notas da média acima, só com outros
professores qualificados para as disciplinas. É uma sala de aula que funciona
no período noturno.
Nas observações dos livros diários dos professore da 6ª B e D encontrei
registrado dois estudantes Paresi, possuindo ótimas notas, sendo nenhuma
abaixo da média. Os dois estudantes da 6ª série estão com boas notas e
apresentam um bom rendimento escolar. Segundo dados analisados na
secretaria da escola o estudante (G.) não tem registro de notas em matemática
porque não compareceu na avaliação proferida pelo professor da disciplina,
ficando para mais tarde na segunda chamada.
Os estudantes índios da 7ª B e C, estão todos acima da média, indicando
melhor adaptação à escola urbana. Pode-se entender que esses estudantes já
possuem um maior entendimento de conhecimento na escola da cidade. O
estudante (C.) nas entrevistas esteve sempre disposto em contribuir e fornecer
dados muito importantes, e o (G.) muitas vezes se reservavam nas entrevistas.
Mas na sala de aula entre os estudantes índios têm as melhores notas em todas
as disciplinas. O (O.) é um estudante aplicado e preocupado com ox estudos.
Além disso, gosta de cantar e de pintar.
Conforme observado nos registros escolares existe só um estudante
índio matriculado na 8ª série. (A.) tem duas notas abaixo da média. Segundo
ele afirmou que essas ficaram abaixo da média porque faltei nas aulas de CFB
e Geografia no dia que os professores fizeram a revisão do conteúdo
explicado, pois caiu só o conteúdo da revisão. Mas as outras médias dos não
índios também não são dão diferentes.
Os registros dos estudantes índios, com as disciplinas e as suas médias
das avaliações estão no diário de classe. Pode-se analisar que os dez
estudantes índios que participaram da pesquisa não possuem grandes
diferenças em pontos adquiridos nas avaliações escolares. As notas que eles
129
têm são normais como para qualquer estudante não-índio e existem poucas
notas abaixo de sessenta, ou seja, abaixo da média estipulada pela escola.
Em suma, é necessário que a escola apóie propostas para revitalizar as
diferentes culturas presentes na sala de aula, apresentando metodologias e
conhecimentos que vão ao encontro dos estudantes. Observando o cotidiano
dos alunos nos seus trabalhos escolares, avaliações e as relações com seus
pares no espaço escolar. Incluir a cultura do estudante indígena em todas as
discussões que acontecem na escola, respeitando a identidade de cada ser
humano.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A racionalidade do sistema de escolarização, em nossa cultura, é
referida na relação tempo de permanência versus custos e benefícios. A
permanência por um maior tempo no sistema (seja por reprovação reingressos
ou evasões) é considerado um ônus econômico e social.
Segundo Castro
28
, na década de 90 propunha-se aumentar o número de
estudantes por sala de aula, mas foi também um período de ajustar a máquina
que operava e coordenava os sistemas escolares: assegurar livros, merenda
transporte, etc. Procurava-se garantir que os orçamentos assegurassem uns
trocados para os diretores lidarem com os gastos do cotidiano e com a
modernização dos currículos.
Castro considera que os resultados foram bons. Prosseguiu-se com a
expansão da matrícula, caiu a taxa de evasão, caiu o número de reprovações e
aumentaram os índices de terminalidade em todos os níveis de ensino.
Considera que crescemos bastante e, para a surpresa de muitos, sem que
houvesse uma queda adicional na qualidade.
Sob essa ótica, os ajustes externos compensaram as dificuldades de
lidar com estudantes de nível econômico cada vez mais baixo. As provas do
Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) ao longo da década atestam
essa constância nos níveis de qualidade.
Atualmente os dados mostram que a jornada escolar é curta e o tempo
gasto em tarefas propriamente escolares é ainda menor. Há períodos sem
professor em sala de aula e professores que atendem a poucos estudantes e
deixam os demais sem terem o que fazer. Há ainda a estratégia antiga do
professor gastar tempo excessivo escrevendo no quadro, enquanto os
estudantes copiam entediado ou responde à perguntas desinteressantes.
28
- Cláudio de Moura CASTRO, é economista e colunista na páginaPonto de Vista da
revista VEJA (08 de maio de 2002).
131
Segundo Castro (2002, p.36) esse tempo escolar gasto com assuntos
irrelevantes alcança entre 25% a 47% do tempo total de permanência dos
estudantes na escola. Os professores e estudantes prolongam as atividades
manuais em prejuízo de atividades de leitura.
Um levantamento de campo realizado por acadêmicos da UNITAS
(União das Faculdades de Tangará da Serra MT) do curso de Pedagogia no
ano de 2001 revelou que:
Em algumas escolas, os estudantes levam tempo demais
cortando e colando, em vez de exercitar a leitura em livros
apropriados para a idade. De resto, boa parte das leituras não é
feita nos livros comprados para tal.
Na visão que os estudantes Paresi têm do processo de escolarização, a
questão do tempo, da permanência, do custo e benefício na escola é referida
em aspectos significativamente diferenciados. Eles entendem que a
permanência na escola, o mergulho no processo da educação escolar,
independente de aprovação/reprovação de relação série/idade, ou de quaisquer
outras referências quantitativas, permite uma aprendizagem significativa, uma
aprendizagem da cultura dominante no que se refere ao seu modo de educação
escolar.
A pesquisa do tipo etnográfico pode melhorar o entendimento das
relações entre estudante no dia-a-dia, dentro e fora da sala de aula. Usando
uma abordagem teórico-metodológica que supõe o contato direto do
pesquisador com o acontecer cotidiano da prática escolar, busca-se a
apreensão dos significados atribuídos a ela por seus agentes, na medida em
que torna possível reconstruir as redes de relações que se formam enquanto se
dá o processo de escolarização no interior da escola.
A tarefa da escola é proporcionar educação a todas as crianças e jovens
garantindo-lhes o acesso e permanência dos 6 aos 14 anos, provendo-lhes uma
formação cultural e científica sólida e duradoura. A educação escolar é um
dever do estado e da sociedade. Dentro da própria escola há grandes
diferenças no modo de conduzir o processo de ensino. As diferenças sociais, a
diversidade cultural dos estudantes, são focos de discriminação dos mais
pobres ou de etnias diferentes. O papel da escola do ponto de vista dominante
132
é reprodutivista, tendendo apenas a adaptar os estudantes ao meio social, isto
é, a ajustá-los à ordem, domesticando e subordinando as diferenças para
formar o trabalhador genérico disciplinado.
O estudo possibilitou o entendimento da complexidade da prática
educativa. Qualquer análise da escola centrada num único ator educacional ou
um único perfil cultural ira se apresentar inevitavelmente incompleta, faltosa,
inacabada. O que acontece dentro da escola é resultado da cadeia de relações
que se constrói no dia-a-dia do professor, do estudante, do conhecimento e
muito menos a atitude e a decisão isoladas de um desses elementos. A análise
da prática escolar cotidiana não pode desconhecer essas múltiplas articulações
sob pena de se tornar limitada, incompleta.
Pretendemos que o estudante dê asas à imaginação sem entender o que
está escrito no texto lido. O acompanhamento dos trabalhos em sala de aula
confirma o que os testes de avaliação já mostraram: estamos mal.
O professor, no exercício da função social que escolheu, constrói
conhecimentos, ao mesmo tempo em que pretende partilhar com os estudantes
o resultado da sua elaboração a respeito dos saberes e conhecimentos
culturais a que teve acesso.
Os profissionais da educação são desafiados a ensinar e mediar novas
lições no sentido de que, coletivamente, possam proporcionar uma visão de
totalidade. A partir dessa totalidade o estudante retorna ao fim de cada dia de
aula ao seu mundo concreto onde aproveita alguns dos conhecimentos
adquiridos em sala de aula. A cada dia o professor, como também o estudante,
é reorientado com novas informações sobre a sua vida, seu trabalho ou sua
realização pessoal. A resistência de alguns estudantes em perceber a escola
nessa perspectiva é muito grande, porque lá permanecem apenas sob
obrigação dos pais, por estarem obrigados ou induzidos a tal. Portanto, não há
rendimento pedagógico e intelectual favorável numa sala de aula com esse
perfil.
Mas, como ensina Paulo Freire no poema Escola, a escola é um lugar
de fazer amigos e com eles formar uma consciência crítica de si no mundo.
Numa sociedade pluriétnica, ter consciência crítica de si no mundo remete
em termos de educação e cidadania ao direito a uma educação diferenciada.
133
Não podemos esquecer que qualquer comunidade humana trata de
salvaguardar sua cultura. A cultura de cada povo não traduz outra coisa que
seu sistema simbólico seus construtos conceituais, seus valores, crenças,
comportamento, etc. Por conseguinte, toda cultura específica supõe a
disponibilidade de um acervo de saberes onde seus membros se abastecem.
Dessa maneira, os estudantes moldam o seu pertencimento a grupos internos
na escola e asseguram a solidariedade entre eles, ou seja, viabilizam o
convívio entre grupos de pertencimento e destes com toda a comunidade
escolar.
A pesquisa ora apresentada foi efetivada utilizando-se da metodologia
da observação participante e de entrevistas e coleta de dados primários e
secundários. Os diários produzidos pelos estudantes Paresi tornou-se também
um excelente instrumento para verificar os seus anseios, desejos e formas de
expressão. Os estudantes revelaram-se em seus textos, estão neles por inteiro.
Essa presença pode ser evidenciada no registro não só de atividades
habituais que marcam o dia-a-dia como também no registro de emoções e de
eventos não rotineiros. Nos diários
29
dos estudantes Paresi o tempo e o espaço
são marcados, referidos como normas.
Nos momentos que estive em contato com os estudantes Paresi na
escola, senti o peso que recaia sobre eles. Pareciam estar preso, sem
liberdade, atrelados às normas da escola, transparecendo comportamentos de
angústia, de medo, de timidez. Notei também que a escola é associada a um
lugar tido como próprio apenas para aprender conteúdos, muitas vezes
dissociados da sua sociedade e da sua realidade.
Para Apple: ... a escola continua a ser vista como uma arena política e
cultural em que as formas de experiências e de subjetividade são
contestadas... (Apple, 1989, p.79), fazendo com que se torne um poderoso
agente da luta a favor da transformação de condições de dominação e
opressão.
Outro fator é o currículo, que é entendido como o conjunto de todas as
experiências e conhecimentos dos professores e estudantes. Uma vez
29
Os diários são cadernos que cada aluno recebeu para registrar todas as atividades que
fazia durante o dia. Esses diários mostraram os caminhos que os alunos índios e não índios
faziam a cada dia, na e dentro da escola.
134
entendido o currículo da escola como um todo ele faz a diferença do
tradicional para onovo, em todas as atividades educacionais. Afinal, a
escola não está apenas histórica e socialmente montada para organizar as
experiências de conhecimento de crianças e jovens com o objetivo de produzir
uma determinada identidade individual e social. O currículo constitui o
núcleo do processo institucionalizado de educação.
As escolas indígenas deverão ter currículos e regimentos específicos
elaborados pelos professores indígenas, juntamente com suas comunidades,
lideranças, organizações e assessorias.
A pesquisa identificou alguns elementos que de alguma forma podem
sintetizar a situação escolar dos estudantes indígenas nas escolas urbanas. São
eles:
a) Os estudantes Paresi estão estudando nas escolas urbanas para
apreender as coisas, os saberes da cidade. Eles gostam, da escola, mas
enfrentam diariamente muitos desafios: afirmação da sua identidade, no meio
do branca, dificuldade de comunicação em português, dificuldade de
entendimento da organização e funcionamento da escola, etnocentrismo de
toda ordem e pressões psico-emocionais variadas;
b) O rendimento escolar no que se refere a aprovação dos estudantes
Paresi é igual ao dos outros estudantes. Em um estudo anterior, Souza (1997),
verificou que osestudantes índios possuem um alto índice de reprovação.
No presente estudo, constatamos apenas parcialmente essa afirmação. Os
dados coletados nas escolas urbanas, indicam que o número de reprovação dos
estudantes Paresi é significativo, porém não apresenta diferença significativa
em relação aos demais estudantes. O que foi observado na escola é que um
grande número de estudantes Paresi não terminam o ano letivo por vários
motivos, dentre eles, por retornarem à aldeia; por desistência ou por
começarem a trabalhar na cidade. Essa realidade configura uma modalidade
de evasão vinculada à problemática da diversidade étnico-cultural e da
especificidade daquele povo e não uma reprovação por baixo desempenho.
c) Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), de acordo com a
versão oficial são estudados e implantados nas escolas sendo que a
diversidade é um dos temas transversais. Na prática as escolas estão muito
longe desta realidade. Muitos profissionais nem conhecem os PCNs e
135
continuam trabalhando na mesma metodologia de 20 anos atrás. Quando se
falou em temas transversais na escola, alguns não sabiam o que significavam
ou como poderiam ser trabalhados em sala de aula.
d) Falta maior preparação didática-metodologia e fundamentação
teórica aos professores para poderem trabalhar com estudantes índios na sala
de aula, junto com os outros estudantes. Os professores não foram orientados
no curso de licenciatura para trabalhar com estudantes índios em sala de aula.
e) A questão lingüística requer soluções pedagógicas específicas. Os
estudantes Paresi têm dificuldade de entender a Língua Portuguesa, porque na
aldeia todos falam a língua Paresi. Muitos professores reclamaram do tempo
gasto para assimilar os conteúdos na sala de aula; outros entendem a situação,
porém dizem não ter condições de uma intervenção mais efetiva.
Na Constituição Federal estão presentes não só a bagagem cognitiva de
professores e estudantes, mas também as características da interação
desenvolvida entre eles, assim como o contexto social e cultural que
compartilham.
O processo pedagógico ao longo da história da educação indígena vem
contribuindo com elementos para uma pedagogia intercultural. Para isso,
todos os professores devem desenvolver os seus trabalhos na perspectiva da
multiculturalidade.
A questão do multiculturalismo
30
e da afirmação da identidade cultural
dos diversos grupos sociais também apresenta uma oportunidade para repensar
velhos dilemas sobre as relações entre cultura e educação. A crítica ao
etnocentrismo e ao racismo pode ser imediatamente transportada ao âmbito da
escola e do currículo, pois as relações aí envolvidas não são nada abstratas;
são de ordem prática.
Os professores devem auxiliar na construção de ambientes solidários no
interior da escola, de forma a cativar os estudantes indígenas. Devem evitar
30
- O multiculturalismo crítico sugere que as educadoras e trabalhadoras culturais
levantem a questão da diferença de maneira que não repitam o essencialismo
mono cultural dos centrismos - anglocentrismo, eurocentrismo, afrocentrísmo,
falocentrismo, ... precisam construir uma política de consolidação de alianças, de
sonharem juntos, de solidariedade que vai além da postura condescendente de, por
exemplo semana da consciência das raças que na realidade servem para manter
formas de racismo institucionalizado intactas. (MCLAREN 1997, p.131-132)
136
situações de discriminação ou de apologia negativa das diferenças entre os
estudantes presentes em sala de aula.
Uma contribuição dessa pesquisa foi a de produzir novos dados sobre a
educação escolar indígena no meio urbano.
A dissertação traz dados novos à reflexão da questão da educação
escolar indígena e ao debate acerca da formação docente, da formação
continuada no que concerne à diversidade cultural, ao pluralismo e a
cidadania.
A reprovação e a aprovação são consideradas pontos chaves para a
organização do ensino, mas para o estudante índio isso parece secundário. O
fato de estar na escola aprendendo coisas da cultura dominante parece ser
suficiente. O professor tem uma preocupação a cada aula que passa, porque
ele observa e percebe que o estudante Paresi está assimilando pouco
conteúdo. Na hora de fazer atividades, muitas vezes, os estudantes não
conseguem resolver as questões sugeridas pelo professor. No entanto, o seu
rendimento expresso em notas não se diferencia do rendimento de seus pares,
o que coloca em cheque ou o discurso dos professores ou o próprio sistema de
avaliação.
Sobre o problema da Língua Portuguesa os estudantes Paresi têm
sugestões a serem consideradas. Para eles, os professores falam muito rápido
em Português na sala de aula, dificultado a associação e a fixação de
conceitos, porque desconhecem os significados expresso ou figurado de
muitas palavras. Eu tenho que pensar duas vezes. Primeiro vocês falam em
português e passo isso para a Língua Paresi e depois em português para
responder. Caso o professor falasse mais compassadamente, facilitaria uma
maior compreensão. Caso os Paresi pudessem dispor de apoio pedagógico
extra-classe, seria de grande validade. A questão lingüística em escolas
urbanas que atendem a estudantes índios coloca em foco o problema do ensino
da língua portuguesa.
A questão da avaliação dos estudantes Paresi também emerge como um
tema que requer maior investigação, especialmente ao tratar das formas de
realizar uma avaliação diferenciada.
137
Seria importante que as escolas adotassem uma nova postura
metodológica de avaliação dos seus estudantes. Todos os professores têm
dificuldades para avaliar o estudante em sala de aula. A avaliação
diferenciada é uma demanda urgente e que precisa ser implementada em
escolas que atendem a grupos culturalmente plurais.
Em suma é interessante perceber que a avaliação é um processo
construtivo na educação escolar e em todas as atividades que são trabalhadas
em sala de aula. A avaliação deve ser usada na educação formal e informal.
Afinal, a avaliação complexa é um modo de pensar, capaz de unir e
solidarizar conhecimentos separados; capaz de se desdobrar em atitudes de
união e de solidariedade entre humanos.
Em consideração a tudo isso, esse novo paradigma pode se consolidar
em nossas escolas, instituir conceitos soberanos, governar suas práticas,
enfim emergir de maneira a estabelecer uma permanente comunicação entre os
atores educacionais e todos os saberes protagonistas pela escola.
138
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144
ANEXO I (fotos de estudantes indígenas e não-índios)
145
Os alunos índios e não índios estudando na sala de aula
146
ANEXO II (cópias de páginas de diários dos alunos)
147
148
149
150
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