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desconstrucionista, a sedução da mulher opera à distância; e, logo, a distância é o
elemento de seu poder. Mas adverte que “este canto, este charme, deve ser
mantido à distância”, deve-se “manter a distância à distância, não apenas, como se
poderia supor, para se proteger contra essa fascinação, mas também para
experimentá-la”
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. Em outras palavras: a distância é necessária; deve-se esforçar
para manter-se à distância isto que falta. E se se deve manter à distância a
operação feminina (da actio in distans), isto que não se resolve simplesmente com
uma aproximação, é porque “a mulher não é, talvez, alguma coisa, a identidade
determinável de uma figura que se anuncia à distancia”, mas sim uma espécie de
“não-identidade, não-figura, simulacro, o abismo da distância, o distanciamento
da distância, o corte do espaçamento, (...) e se pudéssemos ainda dizer, o que é
impossível, a distância mesma”
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.
tão longe] no tom surdo de um touro que muge: ele bate os pés num compasso tão abalador, que
mesmo esses derruídos monstros de rocha sentem tremer o coração. De repente, como que vindo
do nada, ante o portão desse labirinto infernal, distante apenas algumas braças – surge um grande
veleiro (Segelschiff), deslizando silente como um fantasma. Oh, que beleza espectral! Com que
magia me toca! Como? Todo o silêncio e a calma do mundo nele embarcaram? [Klossowski
concentra aqui em uma só palavra – esquif, esquife – todas as possibilidades de “sich hier
eingeschifft”] Minha própria felicidade se encontra nesse lugar calmo, meu Eu mais feliz, meu
segundo Eu eternizado? Não estando morto, e também não mais vivendo? Um ser intermédio
(Mittelwesen), fantástico e tranqüilo, que olha, desliza, flutua? Semelhante ao navio de velas
brancas que corre sobre o mar escuro, qual imensa borboleta! Sim, correr sobre a existência! (Uber
das Dasein hinlaufen!) É isto! Seria isto! – Então o ruído (Lärm) me terá levado a fantasias
(Phantasten)? Todo grande ruído (Lärm) nos leva a pôr a felicidade na quietude e na distância
(Ferne). Quando um homem se acha no meio de seu ruído, em plena rebentação (Brandung, de
novo) dos seus planos e seus projetos, (Würfen und Entwürfen), pode ver passar, deslizando à sua
frente, calmos seres encantados, cuja felicidade e reclusão ele anseia para si (Zurückgezogenheit: o
redobrar-se sobre si mesmo) – são as mulheres (es sind die Frauen)”. “Ele chega a pensar que
junto às mulheres habita o seu Eu melhor (sein besseres Selbst): nestes tranqüilos locais, até a mais
violenta rebentação (Brandung) se tornaria silêncio de morte (Totenstille), e a própria vida seria
sonho da vida (über das Leben)”. [O fragmento precedente, Wir Künstler!, Nós, artistas!, que
começa por: “Se amamos uma mulher”, descreve o movimento que comporta simultaneamente o
risco sonambúlico da morte, o sonho da morte, a sublimação e a dissimulação da natureza. O valor
de dissimulação não se dissocia da relação da arte com a mulher: “– imediatamente o espírito e a
força do sonho vêm sobre nós, e de olhos abertos e indiferentes ao perigo escalamos os mais
perigosos caminhos, rumo aos telhados e torres da fantasia (Phantasterei), sem qualquer vertigem,
como que nascidos para escalar – nós, sonâmbulos diurnos! (wir Nachtwandler des Tages!) Nós,
artistas! Nós, ocultadores do que é natural! (wir Verhehler der Natürlichkeit!) Nós, maníacos da
Lua e de Deus! (wir Mond- und Gottsüchtigen) Nós, incansáveis e silenciosos andarilhos (wir
totenstillen, unermüdlichen Wanderer), em alturas que não vemos como alturas, mas como nossas
planícies, nossas certezas!”] “Porém, meu nobre sonhador, porém! Mesmo no mais belo veleiro há
muito ruído e alarido (Lärm), e, infelizmente, muito alarido pequeno e lamentável (kleinen
erbärmlichen Lärm)! O encanto e poderoso efeito das mulheres (der Zauber und die mächtigste
Wirkung der Frauen) é, para usar a linguagem dos filósofos, um efeito à distância (de le faire
sentir au loin, eine Wirkung in die Ferne, uma operação à distância), uma actio in distans: o que
requer, antes e acima de tudo – distância! (dazu gehört aber, zuerst und vor allem - Distanz!)”.
DERRIDA, J. Éperons: les styles de Nietzsche, pp. 32-36.
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DERRIDA, J. Éperons: les styles de Nietzsche, p. 37.
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DERRIDA, J. Éperons: les styles de Nietzsche, p. 38.