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RESUMO
As doenças autoimunes apresentam alta prevalência e gravidade em
diferentes populações indígenas do mundo, e a pesquisa de auto-anticorpos, por
sua vez, constituem-se num instrumento valioso no seu diagnóstico e
monitoramento. O presente estudo teve por objetivo realizar um amplo perfil de auto-
anticorpos na população de índios Kaingang, Mestiços e Guarani da Reserva de
Mangueirinha, Estado do Paraná, visando determinar a prevalência dos mesmos nas
populações estudadas e associar com dados demográficos, epidemiológicos,
hábitos individuais (tabagismo e etilismo) e dados clínicos dos indivíduos. Foram
analisadas amostras de soro de 321 índios (125♂ e 196♀; 4-86 anos), sendo 158
Kaingang, 65 Mestiços e 98 Guarani, bem como 180 indivíduos não indígenas. Os
anticorpos anti-músculo liso (AML), anti-mitocôndria (AMA), anti-microsoma de
fígado e rim (LKM), anti-célula gástrica parietal (CGP), anti-nuclear (FAN) e anti-
endomísio (EmA-IgA) foram testados por imunofluorescência indireta (IFI), e o fator
reumatóide (FR) por aglutinação em látex e turbidimetria. As amostras positivas para
o FAN também foram testadas para o anticorpo anti-DNA, anti-Sm, anti-RNP, anti-
SS-A/Ro e anti-SS-B/La. Os resultados obtidos mostraram aumento significativo na
freqüência total de auto-anticorpos: na população indígena em relação à não
indígena (p=0,048); nos Kaingang comparados aos Guarani (p<0,001) e não-
indígenas (p=0,001). Resultados significantes também foram observados entre
mestiços em relação aos Guarani (p=0,009) e não-indígenas (p=0,049). O FR foi
superior nos Kaingang quando comparados aos Guarani (p=0,009), aos Mestiços
(p=0,061) e aos não indígenas (p=0,010). O AML também apresentou aumento nos
Mestiços em relação aos Guarani e não indígenas (p≤ 0,044). Não se observou
diferença significativa na freqüência total de auto-anticorpos com relação ao sexo,
entre os grupos investigados, porém um aumento significativo do FR foi observado
nas mulheres Kaingang em relação aos homens (p=0,002). Entre as mulheres, um
aumento significativo no total de auto-anticorpos foi detectado nas Kaingang e
Mestiças quando comparadas com as Guarani (p≤ 0,039), estando o AML
aumentado nas Mestiças em relação às não-indígenas (p=0,014) e o FR nas
Kaingang em relação às Mestiças e Guarani (p≤ 0,008). Com relação à idade,
diferenças significantes foram detectadas na faixa de 19-50 anos (Kaingang vs
Guarani, p=0,006 e não-indígenas, p=0,006; Mestiços vs Guarani, p=0,046). Essas
diferenças mantiveram-se somente para o sexo feminino. A análise dos dados
soroepidemiológicos caracterizou associação apenas do anticorpo anti-HBc com a
presença de auto-anticorpos na população Mestiça (p=0,018). Não foi evidenciada
relação entre a presença de auto-anticorpos e o etilismo e tabagismo nas
populações estudadas, enquanto no aspecto ocupacional os dados sugerem uma
relação das atividades agrícolas com a presença de auto-anticorpos em Mestiços e
Kaingang. A associação clínico-laboratorial confirmou artritre reumatóide em 2
indivíduos Kaingang, sendo que outros 2 (FR positivos) permanecerão em
acompanhamento clínico, assim como 2 Mestiços (FR positivo e anti-CGP). As
diferenças observadas entre as populações em estudo sugerem influência de fatores
genéticos, hormonais e ambientais no desenvolvimento de auto-anticorpos nessas
populações.
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