33
específicos, pertencentes a uma muito concreta especialidade científica ou tecnológica”
(SANTOMÉ, 1998, p. 48).
Segundo GUSDORF
62
(1983) apud TEIXEIRA (2004), a questão da integração
disciplinar é bastante antiga, sendo recorrente desde os sofistas gregos. “Assim, por exemplo,
é possível que Platão
63
tenha sido um dos primeiros intelectuais a colocar a necessidade de
uma ciência unificada, propondo que esta tarefa fosse desempenhada pela filosofia”
(SANTOMÉ, 1998, p. 46). O conjunto dos conhecimentos relativos a todas as ciências
humanas era chamado pelos gregos de enkýklios paidéia ou encyclopaedia (enciclopédia:
instrução circular, geral), enquanto os romanos a chamavam doctrinarum orbem. Dois
segmentos eram objetivados no ideal da educação grega: o corpo e o espírito
64
. As disciplinas
aplicadas eram genéricas e voltadas para desenvolvimento desses dois lados do ser humano:
a cultura literária e artística (incluindo a música) para o espírito e a ginástica para o corpo.
Segundo Platão, ambas as disciplinas afetavam o caráter. A máxima de Juvenal
65
, “mente sã
em corpo são”, em suas Sátiras, X, 356, lembrava que o homem sábio só pede aos céus a
saúde da alma aliada à saúde do corpo (orandum est ut sit mens sana in corpore sano),
indicando a essencialidade da saúde do corpo para a saúde do espírito (ou, modernamente, a
saúde mental).
Segundo TEIXEIRA
66
(1994, p. 42), na Grécia Antiga prevalecia, entretanto, o dualismo
entre o conhecimento empírico ou prático e o conhecimento racional. Este não seria uma
decorrência daquele, mas um outro mundo, em que o ato de conhecer valia como um fim em si
mesmo. A este respeito, comenta CARDOSO
67
(1999, p. 191):
Na sociedade grega (...) a educação voltava-se para a formação do homem
integral. Assim, os homens gregos livres devotavam atenção ao corpo e ao
espírito por meio da ginástica, da filosofia, música, artes, ou seja (...)
preconizava um espírito livre para criar, onde não havia lugar para uma
educação profissional, onde era necessária a habilidade manual, que desse
modo destinava-se à população em geral (...)
Este dualismo teoria/prática, mente-corpo persistiu até o período medieval. A escola era
a oficina do conhecimento racional e a oficina era a escola do conhecimento prático
(TEIXEIRA, op.cit., p.41-42). A escola da Idade Média estava enrodilhada em si mesma. Eram
62
GUSDORF, G. “Passé, présent, avenir de la recherche interdisciplinaire”. In: UNESCO,
Interdisciplinarité et sciences
humaines
, Paris, 1983.
63
Filósofo grego (427 a.C., Atenas-347 a.C., id.). O Idealismo platônico supõe que o conhecimento da realidade não é uma
experiência sensorial. Os objetos captados pelos sentidos não passariam de cópias ou sombras das idéias. Só no mundo
inteligível, e não no sensível, penetrar-se-ia no verdadeiro ser das coisas, determinando um conhecimento científico e racional
(episteme).
64
“Nos tempos antigos, a mente racional humana era vista como apenas um dos aspectos da alma imaterial, ou espírito. A
distinção básica que se fazia não era entre corpo e mente, mas entre corpo e alma, ou corpo e espírito” (CAPRA, 2002, p. 53).
65
Juvenal é a forma anglicizada (também aportuguesada) do latim luvenalis (decimus lunius), poeta romano autor das Sátiras, que
viveu no final do século I e início do século II d.C.
66
Anísio Spínola Teixeira (Caetité, 12 de julho de 1900 — Rio de Janeiro, 11 de março de 1971) foi um advogado, intelectual,
educador e escritor brasileiro. Personagem central na história da educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, difundiu os
pressupostos do movimento da
Escola Nova, que tinha como princípio a ênfase no desenvolvimento do intelecto e na capacidade
de julgamento, em detrimento da memorização.
67
Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso é doutora e mestre em História Social. É professora do Programa de Mestrado em
Tecnologia e do Programa de Mestrado em Ensino de Matemática e Ciências do CEFET/RJ. É autora de livros, vários artigos e
capítulos de livros na área de educação.