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MIRIAM ABY COHEN
CENOGRAFIA BRASILEIRA SÉCULO XXI:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE A PRÁTICA E O ENSINO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Artes, Área de Concentração: Artes Cênicas, Linha de
Pesquisa: Teatro e Educação, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação
da Profa. Dra. Maria Lúcia de Souza Barros Pupo.
SÃO PAULO 2007
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C
ENOGRAFIA BRASILEIRA SÉCULO XXI:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE A PRÁTICA E O ENSINO
Espaço reservado para anotações da banca
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Mestrado
Miriam Aby Cohen
Artes Cênicas
Teatro e Educação
Profª Drª. Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
nível do projeto
autor
área de conhecimento
linha de pesquisa
orientadora
Dedico esta dissertação
à minha filha Calen e ao meu companheiro Lee
pela enorme compreensão, apoio e bom humor
compartilhados durante esta aventura.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que me motivaram a prosseguir com esta jornada e
àqueles que colaboraram diretamente com esta pesquisa, sobretudo à minha
orientadora Profª Drª Maria Lúcia de Souza Barros Pupo. Agradeço especialmente
aos Professores: Luiz Fernando Ramos, Márcio Tadeu, Heloísa Cardoso Villaboim,
Ronald Teixeira, Lídia Kosovski, Marcelo Denny, Fausto Poço Vianna e José Sávio de
Araújo. Agardeço também a colaboração da jornalista Jeanne de Castro, responsável
pela revisão do texto e, finalmente, aos alunos das universidades que participaram
deste projeto de pesquisa: UNIRIO: Adriana, Ana, Bruna, Janaína, Marieta e Simone;
UFRJ: Alan, Julie, Lucas, Melina, Paula, Paula M, Renata, Isabela; USP: Ana Carolina,
Ana Emília, Ana Paula, André, Carol, Carolina, Débora, Diogo, Fabíola, Felipe,
Fernando, Graciela, Hugo, Ivan, Jefferson, João, Kátia, Lígia, Maira, Marcelo, Marina,
Marilia, Nízia, Paula, Paulo, Pedro, Ricardo e Solange.
R
ESUMO
Os diálogos possíveis entre a prática e o ensino da Cenografia no Brasil aqui
identificados são resultantes da investigação e da reflexão sobre a formação do
cenógrafo contemporâneo a partir da perspectiva de experiências na prática teatral. O
cenógrafo é aqui tratado como artista, responsável pela identidade visual do
acontecimento teatral e colaborador no processo de sua criação. A Cenografia é
encarada como linguagem situada no contexto teatral sem, no entanto, excluir os seus
desdobramentos na prática atual, entendendo que, a partir da sua origem, que é o
Teatro, podemos transpor boa parte desta experiência para as demais áreas.
O desenvolvimento desta pesquisa baseia-se no acompanhamento in loco de
processos vivenciados e metodologias aplicadas nas principais instituições brasileiras
de ensino da Cenografia. Os procedimentos são analisados diante do objetivo de
reconhecer e apontar caminhos produtivos para a formação do futuro artista
cenógrafo. Esta investigação busca indicar rumos que de fato contribuam para o
desenvolvimento da qualidade artística e técnica do cenógrafo, de forma que não o
restrinja apenas a responder com segurança às suas atribuições, mas que o prepare
para atuar e colaborar, efetivamente, como artista criador, nos processos e realizações
contemporâneas, participando do desenvolvimento das Artes Cênicas.
Teatro Contemporâneo – Cenografia – Prática – Formação – Processo Criativo
S
UMMARY
The possible dialogues between the practice and teaching of scenography in
Brazil, identified herein, are the result of the investigation and reflection about the
development of the contemporary scenographer originating from the perception from
my experience in theatre practice. Here the scenographer is treated as an artist,
responsible for the visual identity of the theatrical event and collaborator in the process
of its creation. Scenography is taken as a language within the theatrical context, taking
care to not ignore scenography’s expansion into other areas, understanding that
starting from its theatre origins we can carry a good part of this experience to these
other related areas.
The development of this research is based on the processes experienced and
methodologies applied in major Brazilian academic institutions that offer bachelor
degree level scenography courses. These proceedings are analysed with the objective
of recognizing and appointing productive directions for the training of future
scenographic artists. This investigation aims to indicate guidelines that contribute to the
development of the artistic and technical qualities of the scenographer, not just the
capacity to execute their acquired attributes, but to prepare an active collaborator, a
creative artist in the process of contemporary productions, participating in the
development of the Scenic Arts.
Contemporary Theatre – Scenography – Practice – Academic Formation – Creative Process
Índice pág.
CAMINHOS PERCORRIDOS na CENOGRAFIA
A Cenografia, o Contexto e o Cenógrafo ................................................................... 02
“A Tempestade”, uma ilha da consciência ..................................................................13
Capítulo 1
A PRÁTICA da CENOGRAFIA
1.1 Cenografia é: ........................................................................................................ 23
1.1.2 Cenografia e Acontecimento Teatral
1.1.3 Cenografia como Linguagem Artística
1.1.4 Cenografia e Técnica
1.1.5 Cenografia e Artes Plásticas
1.1.6 Cenografia e Arquitetura
1.1.7 Cenografia, Espaço e Tempo
- A Linguagem do Espaço e do Tempo e o Teatro
- Espaço Cênico, Espaço Teatral e Cena
1.2 Na Prática ............................................................................................................ 40
1.2.1 Processos à vista
1.2.2 Componentes da realização teatral
a) Argumento
b) Pesquisa
c) Ação e Recepção: a presença do Humano
d) Espaço
e) Tempo
f) Sistema Cênico
Capítulo 2
O ENSINO da CENOGRAFIA no BRASIL
2.1 Formação e regulamentação da Cenografia e de seu ensino no Brasil .............. 61
2.2 As Universidades ................................................................................................. 70
2.2.1 Intersecções e contrastes .......................................................................................81
Capitulo 3
AS AVES:
PROCESSO e METODOLOGIA na FORMAÇÃO do CENÓGRAFO
3.1 As Aves ............................................................................................................... 92
3.2. Processos de trabalho no contexto das universidades.
O educador, o aluno e a Cenografia .................................................................. 95
3.2.1 Argumento .......................................................................................................... 97
3.2.2 Pesquisa ..........................................................................................................111
3.2.3 Sistema Cênico................................................................ ............................... 118
3.2.4 Ação e Recepção: a presença do Humano
.......................................................135
3.2.5 Espaço e Tempo ..............................................................................................146
3.3 Cinco grupos, cinco criações cenográficas ....................................................... 158
CAMINHOS A INVESTIGAR
PRÁTICA e FORMAÇÃO em CENOGRAFIA...................................................................176
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................186
ANEXO – As escolas de Artes Cênicas de nível universitário ...................................190
CAMINHOS PERCORRIDOS NA CENOGRAFIA
1
A Cenografia, o Contexto e o Cenógrafo
“Cenografia é o tratamento do espaço cênico. O cenário é o que se
coloca neste espaço. Assim, não há espetáculo teatral sem
cenografia, mas pode haver sem cenário”.
1
Clóvis Garcia
A Cenografia é parte integrante do fazer teatral desde sempre. À parte da
discussão sobre se os rituais tribais
2
são ou não manifestação de qualidade teatral,
neste contexto, podemos identificar elementos relevantes da cenografia: a
organização do espaço, sua ocupação pela ação e pelo público, a indumentária, os
objetos cênicos – sua organização e utilização.
Acompanhando a evolução das proposições do fazer teatral, a Cenografia
modificou-se ao longo de sua história. Distintas qualidades e atribuições lhe foram
conferidas: os elementos que organizam o espaço e ilustram, no Teatro Grego; os
mecanismos para a realização dos Mistérios, na Idade Média; do caráter decorativo ou
pictórico à perspectiva, no Renascimento; o cenário que recria parcialmente a
realidade, um ambiente levado ao limite, no Naturalismo, a exemplo de Les Bouchers,
de Antoine; a representação visual que apenas sugere e estimula a imaginação do
público, no Teatro Simbolista; o espaço tridimensional e vivo de Appia; o conceito de
unidade cênica, pautado sobre a qualidade visual do Teatro, por Craig; a ampliação de
sua responsabilidade como espaço cênico, a aproximação do público com a cena
“invadindo” o espaço teatral, a partir de Meininger e Meyerhold; as propostas de
rompimento com a caixa italiana (caixa ótica) por Max Reinhardt, que, na sua visão
contemporânea propõe a busca por espaço distintos, apropriados e específicos para
receber cada espetáculo, no Teatro Moderno. Este caminho percorrido pela
Cenografia no contexto teatral transmite uma forte herança para a prática cênica atual,
que se apóia em muitos dos preceitos do Teatro Moderno.
1
Clovis Garcia , durante aula ministrada na USP em 2004.
2
O Rito é um lugar de encontro entre os seres humanos, mas é o rito uma encenação? O ritual tribal
caracteriza-se pela presença de um determinado indivíduo responsável por fazer a comunicação entre os
homens e os deuses. O Teatro faz isto? Qual a diferença? Das justificativas que encontrei até hoje, a que
me parece aproximar o rito do Teatro é: segundo Joseph Campbell, autor de “O poder do Mito”: “a
qualidade que o rito tem de transcender a dimensão temporal”.
2
As diversas manifestações teatrais, em seus contextos, marcaram processos
distintos do fazer cenográfico. O naturalismo, por exemplo, teve papel fundamental
para a Cenografia no que diz respeito à motivação de uma nova relação entre o diretor
e o cenógrafo, que se fazia necessária para a criação e realização de suas
proposições, modificando até os processos de trabalho. A Cenografia encontrou nas
renovações cênicas do século XX, que surgiram em oposição ao naturalismo, muitas
outras possibilidades para o desenvolvimento da sua linguagem – inclusive a sua
abstração. O Teatro Moderno provoca para uma prática não mais pautada apenas
sobre o texto dramático, mas onde os demais sistemas de signos - espaço, luz, som,
cor, imagem, movimento - passam a fazer sentido na interlocução com o espectador.
A modernidade foi, para o Teatro e, conseqüentemente, para a Cenografia,
assim como nas Artes Plásticas, um movimento de criação e de rompimento
constantes. No pós-guerra, as artes em geral se voltaram para um desvelar dos
processos e dos bastidores, revelando o que antes parecia estar por detrás daquilo
que era apresentado. Não havia mais máscaras ou vitrines, a realidade era
apresentada como tal, havendo o rompimento definitivo com qualquer tipo de ilusão.
Diante das diversas manifestações de ruptura da Modernidade e do acesso
aos processos do fazer, a contemporaneidade recolhe, restaura e reordena
fragmentos que se aglutinam e ou se chocam, contestam a si mesmos, não precisam
mais ser contrapostos, parece que já vêm imbuídos de uma auto-degeneração, sem
expectativa de longa vida, provisórios, em constante transformação, criando e
recriando imagens, fragmentos de imagens, fugidias, rápidas, voláteis... Elementos
organizados ou meramente colocados em espaços, espaços estes que, no entanto,
permanecem, não se modificam assim tão rapidamente.
O espaço, como um dos elementos fundamentais e diferenciais do Teatro -
responsável por demarcar fisicamente o ponto para um encontro eventual entre os
seres humanos, parece ser, por vezes, o responsável pela suspensão deste processo
de transformação. A exemplo do que já propunha Reinhardt, o artista contemporâneo
sai em busca de um espaço teatral que dialogue verdadeiramente com o seu
enunciado, com aquilo que ele quer dizer. Os espaços ditos “inusitados”, que na
verdade sempre existiram em toda história do Teatro, usados agora para libertar-se da
relação proposta pelo formato do palco italiano, procurando uma outra aproximação
com o público, propondo novas relações. Esta busca por um espaço “ideal” permite ao
artista, inclusive, retornar ao teatro italiano e modificá-lo em prol de seus objetivos,
como vemos fazer, por exemplo, Peter Brook.
3
Dos cenários naturalistas às representações mais minimalistas, vivemos em
um momento no qual já não importa quão sofisticados eles podem ser, mas se podem
surpreender, indicar, conter e, ainda, serem economicamente realizáveis. No espaço
cênico, o sublime hoje está, não necessariamente no uso de efeitos tecnológicos, mas
mais freqüentemente, na capacidade de tornar um espaço único para um evento
teatral, conferindo-lhe alguma energia, uma alma, tornando o espaço vivo e
participativo deste acontecimento. Na prática exploramos correspondências entre o
espaço, a imagem e a sua percepção, por parte não apenas do espectador, mas
também do ator, do diretor e dos demais artistas e profissionais responsáveis pela
evento teatral.
Ao Contexto está diretamente relacionado o fazer artístico e a realização
técnica deste fazer. Na medida em que o Teatro se propõe a dialogar verdadeiramente
com o seu tempo, torna-se necessário analisar aspectos históricos, conceituais,
estéticos e técnicos, para que possamos assimilar a sua real evolução. Ao longo do
século XX, de tantas transformações, o homem coloca-se diante do questionamento
sobre desenvolvimento e repetição. A contemporaneidade é o contexto sobre o qual
este projeto de pesquisa está focado, assim importa, sobretudo, neste trabalho, a
reflexão de artistas da prática do Teatro na atualidade e o pensamento deixado por
artistas e pensadores que influenciam as condutas presentes.
“Neste nosso tempo deveríamos fazer uma pausa, olhar para trás,
reconectar”.
3
Esta frase de Jean-Françoise Lyotard ilustra o momento em que
vivemos, um ponto de mudança, de redirecionamento, deflagrada pela inquietude das
últimas décadas, momento este no qual os modelos, inclusive para o Teatro, estão
sendo colocados em questão e conseqüentemente são gerados outros esboços,
outros pensamentos. Estamos diante de um panorama teatral que, mais uma vez,
busca modificar-se ou pelo menos, não está estanque. Parar, olhar para trás, refletir
sobre a prática até este momento e buscar novos estímulos, são movimentos e
reflexões que motivaram esta pesquisa e conduziram a investigação nos campos da
prática e do ensino.
3
Jean- Françoise Lyotard, filósofo francês, doutor em letras lecionou na França, EUA e Brasil, na
Universidade de São Paulo, em 1979, autor da publicação “A Condição pós-moderna” 1979.
4
O Teatro essencialmente baseia-se em um jogo entre o esconder e o revelar,
conferir sentido ou abstraí-lo; um jogo que modifica suas regras de acordo com o seu
contexto, e principalmente, de acordo sobre como propomos nos colocar em relação a
ele. O Teatro desde sempre busca interlocução com o seu público, e na atualidade
seu desafio está em formar seus espectadores. O caminho do fazer em relação à
audiência modificou-se, e diferentemente do século XIX, quando fortemente marcado
pelo teatro de boulevard (que em alguns casos podemos ainda identificar em nosso
tempo), já não é necessariamente a burguesia quem sustenta a produção teatral na
atualidade, talvez não diretamente, principalmente em relação ao teatro de pesquisa.
O artista teatral exime-se assim da necessidade de agradar aquele segmento da
sociedade. Para o artista visual cênico, no entanto, ainda é um contexto no qual
desenvolve sua obra, diante do qual muitas vezes ainda reluta em render-se a um
gosto não provocador.
Há uma lacuna de diálogo entre o Teatro e a crítica especializada impressa, no
Brasil, que também se reflete no seu desenvolvimento. Muito se fala sobre a
dificuldade de interlocução do Teatro com a crítica e sobre o fato de que esta não dá
conta dos inúmeros eventos teatrais simultâneos que tomam lugar nos grandes
centros. Dificuldade a partir da qual se identifica uma mudança no comportamento e
na expectativa do Teatro em relação à mesma. O que poderia ser aparentemente
desestimulante, apresenta-se, entretanto, como um elemento motivador de uma busca
por novos caminhos a percorrer. As leituras dramáticas, os debates ao final do
espetáculo, o público cadastrado (aquele que acompanha o processo de
desenvolvimento da produção), entre outros procedimentos, tornaram-se instrumentos
para uma aferição do evento teatral diante de seu público e conseqüentemente para
uma possível construção de parâmetros que não se apóiam mais, necessariamente,
em conceitos e filosofias, mas na apreensão deste evento por parte do espectador.
Assim, o público, nem sempre treinado para “ler o Teatro”, tornou-se um dos principais
responsáveis por esta resposta. No campo das artes visuais cênicas
4
esta relação, ou
resposta, é quase inexistente, fica diretamente relacionada à referência de mundo-
imagem que a audiência desenvolve a partir daquilo que recebe como informação
visual do universo que a rodeia. Torna-se um desafio fazer com que o público
transcenda a sua própria imagem de mundo através da proposição de imagens e
4
artes visuais cênicas, termo desenvolvido pelo grupo CenografiaBrasil para tratar de forma abrangente
os aspectos visuais do teatro que não se restringem apenas à cenografia, que abarcam a indumentária,
os objetos cênicos, adereços e inclusive a iluminação.
5
espaços configurados a partir da linguagem teatral, mas não se pode ficar preso a esta
dificuldade ou simplesmente acomodar-se em atender às expectativas de um
determinado público.
“O mundo-imagem é a superfície da globalização. É o nosso mundo compartilhado. Empobrecida,
obscura, superficial, esta imagem-superfície representa toda nossa experiência compartilhada. Não
compartilhamos o mundo de outro modo. O objetivo não está em alcançar o que está por baixo da
superfície da imagem, mas em ampliá-la, enriquecê-la, conferir-lhe definição, tempo. Neste ponto emerge
uma nova cultura”.
5
Felipe Ehrenberg
Neste momento, além de olharmos para a realidade atual, é preciso retomar os
aspectos primordiais que norteiam a prática e a reflexão artística. As transformações
requerem uma revisão de conceitos, uma busca ao seu estágio inicial antes de suas
tantas releituras e interpretações. É preciso inverter a lógica limitada colocando o
passado à frente como algo que se pode enxergar, algo conhecido, vivenciado e, ao
mesmo tempo, pensar no futuro como algo que nos persegue, que é percebido, mas
que não se consegue ver claramente, algo que surpreenda. Começar a pensar em um
futuro inimaginado, lançando mão das referências que sempre acompanham o
processo criativo, colocando-as à frente, em um plano visível, cuidando para que não
se sobreponham à tela ainda branca do que ainda está por ser criado. Assim com uma
outra postura, estaremos, quem sabe, mais libertos para apresentar espaços, criar
novas imagens, e não apenas representá-los.
O Cenógrafo
é descrito segundo o Ministério do Trabalho, como o
profissional que: formula o conceito artístico da cenografia, pesquisando a obra
artística, seu contexto histórico, perfil das personagens, autor e conteúdo,
possibilitando a compreensão do texto; responsável por dar corpo às palavras no
espaço e no tempo e criar ambientes e atmosferas que valorizam e enfatizam a
concepção cênica; elabora projeto cenográfico a partir de estudos preliminares do
espaço cênico; da viabilidade na utilização de materiais e de ajustes com equipes
(artística, técnica e de produção) que acompanham sua concretização, coordenando e
5
Felipe Ehrenberg cita Susan Buck-Morss. Felipe Ehrenberg foi o curador do México para a 5ª Bienal
do Mercosul. Susan Buck-Morss é professora de Filosofia Política e Teoria Social, na Universidade de
Cornell, Nova York, EUA. Texto do catálogo da mostra: “Rosa-dos-Ventos, Histórias da Arte e do Espaço;
Posições e Direções na Arte Contemporânea”. Fundação Bienal do Mercosul - Porto Alegre, 2005. p. 58.
6
supervisionando equipes de cenotécnica, produção cenográfica e outras equipes
envolvidas na montagem da cenografia; elaboram projeto cenográfico para adaptar
cenografia a novos lugares e espaços. (definição da CBO 2002)
6
.
Embora esta descrição paute-se essencialmente no contexto cênico
7
,
considerando a evolução histórica da cenografia e a sua estreita relação com o evento
teatral, a realidade atualmente, no Brasil, apresenta-nos um profissional denominado
cenógrafo que atua em áreas distintas de expressões artísticas e técnicas específicas.
Áreas que têm em comum o componente espaço: Teatro, Ópera, Cinema, Televisão,
Show, Carnaval, Exposição, Evento (das mais diversas naturezas), Parques
Temáticos, Restaurantes, entre outros.
A Cenografia, por seu caráter efêmero e provisório, parece ser o termo
encontrado para explicar algo que não será tão definitivo como se pressupõe a
arquitetura. Tomando como parâmetro a configuração da cena, ou a atribuição de
cênico, conseguimos identificar claramente a obra realizada como Cenografia em
algumas áreas de atuação, como é o caso, por exemplo, do cinema – no qual estamos
diante de uma cena que é vista por um determinado olhar, olhar recortado por uma
lente e registrado por uma câmera, e assim como no Teatro, dialoga com um
enunciado. Existe, entretanto, um desmedido emprego da nomenclatura “Cenografia”
para determinar, diferenciar ou valorizar o que muitas vezes é, na verdade, um
trabalho de design de interiores, de decoração ou de arquitetura de interiores. Não
podemos ignorar este quadro que assim se apresenta na prática, mas por mais que
nos esforcemos, raramente identificamos o caráter “cênico” em um estande de vendas
de um produto da empresa “X” ou na festa de aniversário, ou de casamento de “Y”.
A discussão sobre se uma determinada criação é Cenografia, decoração,
instalação ou outro termo, é recorrente no Brasil, trazendo à tona uma variedade de
áreas de atuação do cenógrafo, assim compreendidas. Esta proximidade de definições
pode ser resultante de alguns fatores, tais como: (1) em nossa cultura a descrição de
Cenografia até há pouco tempo baseava-se na definição francesa “decorateur”;
contexto no qual o cenógrafo é considerado de certa forma um técnico; (2) reflexo do
nosso próprio mercado de trabalho, que permite ao profissional transitar de um campo
6
CBO Classificação Brasileira de Ocupações – documento que norteia normaliza e regulamenta as
profissões. Este documento é gerado pelo Ministério do Trabalho. Em 2002, a CBO foi inteiramente
reeditada, atualizando descrições de todas as ocupações. A anterior datava da década de 1970.
7
Cênico: que se presta à expressão teatral,,Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, Perspectiva, 1999, p.44
7
de linguagem para outro: do Teatro para o cinema, para publicidade, para o evento,
para cerimônia de casamento, e assim por diante.
De fato, na prática, Cenografia não é mais exclusiva do contexto teatral, seus
horizontes se ampliaram como linguagem artística e para mercados comerciais. Não
se discute aqui a valorização ou não do trabalho ou obra do cenógrafo em um campo
mais do que em outro, mas o foco recai sobre a Cenografia como linguagem artística
através da qual pode-se expressar, artisticamente. Este emprego talvez um pouco
exagerado do termo cenografia/cenógrafo ocorre, talvez, porque de fato remeta à
qualidade de linguagem artística, conferindo algum status.
Procuro entender esse movimento migratório, essa qualidade que a Cenografia
tem de transitar de uma área a outra de linguagem, como um ponto de ebulição
favorável não apenas à vivência profissional, mas também à reflexão, que talvez nos
impulsione a outras condutas, mantendo-nos em movimento. O que me parece, no
entanto, pouco motivadora é a compreensão sobre esta prática, pois deparamos-nos
ainda com um infeliz conceito, que se tornou, digamos assim, popular, de que tudo
que é de mentira, “fake”, é Cenografia. Só piora quando alguém nos solicita um
trabalho utilizando a seguinte expressão: “dar uma cenografada”. Ao ouvir esta frase,
percebe-se de imediato qual a expectativa que o indivíduo que a propôs tem sobre o
que verá. O que ele busca com dar uma cenografada, limita-se, na maioria das vezes,
à reprodução do mundo real, sem interpretações, sem qualquer intenção de expressão
artística, a expectativa é por um tratamento de espaço desprovido de qualquer
possibilidade de surpreender e muito menos de transformar.
Apenas para efeito de ordenação dos pensamentos, proponho a utilização dos
conceitos: cenografia para as atividades relacionadas às áreas de expressão artística
e cenografia aplicada
8
, para as atividades que atendem a uma solicitação
mercadológica, a um cliente. Para o desenvolvimento desta pesquisa é preciso que
fique claro que o foco é, nestes termos, a cenografia. O que por sua vez não
desqualifica ou exclui a cenografia aplicada; considerando a possibilidade de que os
conceitos e investigações aqui propostos sejam observados também por este ponto de
vista. Para a leitura do texto que se segue, os termos cenografia e cenógrafo serão
aqui utilizados considerando os conceitos e referências históricas que reforçam o
8
Cenografia Aplicada é um termo aqui utilizado que empresto do Prof. Márcio Tadeu, da UNICAMP.
8
contexto cênico inerente à Cenografia. Procuro sustentar esta relação a partir do
conceito de cena, da forma como é enfatizada por Patrice Pavis:
a cena (skene) - que junto com a orchestra (palco) e o thetaron (platéia), formavam os três elementos
cenográficos que definiam o espaço teatral, no Teatro Grego – através dos tempos “evoluiu para o
conceito de cenário; posteriormente área de ação, local da ação, segmento temporário no ato e,
finalmente, o sentido metafísico de acontecimento brutal e espetacular”.
9
Patrice Pavis
Em alguns países onde a especialização é marcante, torna-se muito difícil
transitar de uma área para outra como se faz no Brasil. O que ocorre também é que o
termo, melhor empregado, design
10
se presta a uma localização mais correta de uma
área de atuação profissional. Ironicamente, a denominação cenógrafo, que usamos no
Brasil, vem sendo recentemente utilizada na França, Inglaterra e outros países, em
substituição a decorateur e theatre design, respectivamente. Estes conceitos e seus
desdobramentos, entretanto, devem ser compreendidos levando-se em conta a cultura
e o histórico desta linguagem artística em cada país. O ponto de convergência entre
as diversas culturas e suas fronteiras reside justamente na discussão acerca do papel
do cenógrafo na realização teatral contemporânea. Exemplo disto é a publicação
“What is Scenography?”, de Pamela Howard
11
, na qual a autora deixa claro o desejo
de criar denominações diferenciadas para distinguir o designer de teatro - aquele que,
digamos assim, presta um serviço a um espetáculo, criando a Cenografia, e o
cenógrafo aquele que participa efetivamente da criação e das decisões sobre o
evento em parceria com o diretor e com o produtor. Trata-se de uma provocação,
através da qual a autora busca reforçar os distintos processos e resultados aos quais
estas relações podem conduzir. A primeira definição ainda apresenta uma relação
hierarquizada, na qual o cenógrafo figura como uma personagem mais submissa, de
9
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, Perspectiva, 1999, p. 42.
10
Design, diante dos conceitos aqui lançados poderíamos refletir sobre estas nomenclaturas e
equívocos; pensando até na possibilidade de rebatizá-los! Tomando como exemplo o que acontece em
outros países, veremos que existem diversas especificações na formação em DESIGN (desenho/ projeto/
criação): costume design (desenho de figurinos), theatre design (desenho de cenografia teatral), set
design (desenho de cenário), production design (cenografia de tv ou cinema); interior design (desenho de
interiores), graphic design (desenho gráfico), fashion&têxtile design (desenho de moda e tecnologia em
têxtil),...
11
Pamela Howard, é cenógrafa, diretora e professora na Central Saint Martin’s School of London. “What
is Scenography?”, London, Routledge, 2002.
9
quem se espera atenda a uma solicitação e, de outro lado, uma relação horizontal de
criação e participação inclusive sobre o que será proposto como acontecimento teatral.
Estes questionamentos e novas proposições conceituais resultam da evolução
da linguagem cenográfica e de sua trajetória. Neste percurso até os nossos dias, se
por um lado, o trabalho do cenógrafo: os cenários, figurinos e objetos cênicos,
explorou o seu potencial ao máximo, chegando a uma certa exaustão, de outro, foi
conduzido à possibilidade de modificar, ampliar e fortalecer o seu diálogo com a
direção, a iluminação e com as demais disciplinas da realização teatral. Quando este
diálogo de fato acontece no campo das relações profissionais e artísticas, estes
indivíduos passam juntos a criar um acontecimento que será provido de atmosfera.
Assim como as fronteiras no mundo estão desaparecendo, podemos também
dizer que as demarcações restritas entre as disciplinas de teatro: a arte, o espaço, a
luz, a direção, a dramaturgia, a audiência, também estão se diluindo e dando lugar a
uma diferente maneira de criação onde o cenógrafo assume enorme responsabilidade.
Ao considerarmos a Cenografia como co-responsável pela elaboração da atmosfera
ou da unidade cênica, amplia-se a área de ação do cenógrafo, que deixa de colocar
elementos sobre o palco ou no espaço de encenação para tratá-lo como um corpo
único, conferindo sentido ao todo de sua obra e esta por sua vez adquirindo um
sentido próprio no evento. O papel do cenógrafo sem dúvida modificou-se no contexto
da realização teatral contemporânea. Ser cenógrafo hoje, significa mais do que
decorar um fundo ou ter uma idéia visual para a performance dos atores. A idéia
contemporânea de Cenografia exige do profissional uma ação abrangente, que inclui
todos os aspectos visuais da realização teatral, amplia sua responsabilidade sobre o
todo do espaço cênico e por vezes, sobre o espaço teatral, demandando afinidade
entre criadores que possuem, por sua vez, processos, responsabilidades e talentos
individuais. O cenógrafo é assim levado a refletir sobre sua própria capacidade em
responder à estas atribuições. Para além desta possibilidade, ele deveria sentir-se
apto não apenas a atender a uma exigência ou responsabilidade que lhe é conferida,
mas à possibilidade de conceber proposições artísticas que o leve, e a outros
colaboradores, a deflagrar processos criativos.
Na prática, o cenógrafo se depara com experiências diversas, algumas bem
sucedidas que colaboram para firmar parcerias com diretores e outros profissionais de
teatro. Outras, também positivas, mas que reforçam as relações verticais de criação.
Existem ainda, algumas não tão bem sucedidas, que resultam muitas vezes de
10
despreparo profissional, da aceitação de uma responsabilidade que está além da sua
capacitação, provocando o distanciamento entre profissionais e a perda de confiança
pelo diretor no cenógrafo em geral. Evidentemente, há outros aspectos que podem
levar a experiências mal sucedidas, como simplesmente a incompatibilidade artística,
que não causam necessariamente ruptura definitiva, mas novas buscas. Um processo
criativo conjunto, quando é deflagrado de fato, torna-se tão fundamental e valorizado
porque permite que a crítica e a reflexão, inclusive de ordem estética visual,
contribuam para o desenvolvimento do projeto em questão e, especificamente ao fazer
cenográfico, permita vivenciar em etapas, o processo criativo e, assim como em um
moto-contínuo, conduza a uma real transformação.
Durante o processo criativo, o cenógrafo, ou o artista visual cênico, vê-se
diante do momento no qual se faz necessário apresentar suas propostas, submeter o
seu trabalho a uma apreciação do diretor apenas, ou, às vezes, de todo o grupo de
pessoas que participam da produção. Esta apresentação é normalmente realizada
através de croquis, maquetes volumétricas, ilustrações, imagens de referência, cores,
elementos reais para experimentação, enfim, utiliza-se dos sistemas de representação
dos quais dispõe. A partir da produção deste material e sua exposição, a
comunicação, a troca, o trabalhar junto, o diálogo, e principalmente a colaboração, que
é a palavra chave no contexto contemporâneo, irão conduzir para a reflexão sobre o
seu processo e dos demais colaboradores, cada um em sua área, e
conseqüentemente para o resultado. Para tanto, cada artista colaborador deve estar
solidamente preparado para oferecer a sua melhor contribuição artística neste
processo, deve estar seguro daquilo que representa a sua obra, deve conhecer bem
seus objetos de trabalho e dominar suas técnicas, deve, portanto, estar bem formado.
“...Para o cenógrafo conquistar uma dimensão autocrítica ele deve primeiramente acreditar na sua própria
capacidade artística. É quando eu afirmo que o cenógrafo é muito solitário, e que a análise final e
decisiva é dele. A qualidade e capacidade do cenógrafo depende disto. A dificuldade recai na capacidade
de reconhecer a decisão correta”
12
Ralph Koltai.
12
BACKEMEYER, Silvia. “Ralph Koltai: designer for the stage”. London, Lund Humphries Publishers,
1997, p.6
11
Cenógrafos e educadores precisam estar conscientes de suas
responsabilidade e possibilidades como artistas, ao mesmo tempo, tornar a arte e os
limites de suas responsabilidades melhores compreendidos. Os futuros cenógrafos,
hoje estudantes, devem ser estimulados não apenas à prática da cenografia, mas ao
entendimento e convívio da prática do teatro como um todo. Esta proposição deveria
valer em todas as direções, não apenas da Cenografia, mas da interpretação, da
produção, da encenação e da teoria. Essa pesquisa é conduzida por duas questões
centrais que norteiam a investigação e a reflexão sobre este campo e que poderiam
ser também aplicadas às demais disciplinas do fazer teatral, a saber:
O que realmente é importante para a formação do futuro cenógrafo, que garanta a ele
o desenvolvimento como artista criador e da capacidade de desempenhar com
segurança o seu papel diante da cena contemporânea?
Qual será o caminho para uma relação produtiva entre os estudantes de Cenografia,
seus mestres e o Teatro contemporâneo, para que evoluam artisticamente e
conseqüentemente possam contribuir para o desenvolvimento deste Teatro?
12
“A TEMPESTADE” – Uma ilha da Consciência
Estamos nas pesquisas quase sempre a coletar impressões, opiniões e
depoimentos acerca de experiências e processos. Achei pertinente, neste caso,
começar pelo meu percurso, propulsor para a realização desta pesquisa. Discorro, em
poucas páginas, sobre os caminhos que me levaram à prática da Cenografia e sobre
algumas influências e reflexões que me motivaram a retornar à universidade a fim de
investigar sobre procedimentos de ensino e aprendizado no campo artístico,
especificamente, da Cenografia teatral.
“Ser um artista não é ter uma técnica, é ter algo a dizer” Jean Guy-Lecat
13
As impressões e informações, os conhecimentos de natureza sensível e
consciente que coletamos ao longo de nosso percurso são alimento para nossas
reflexões. As reflexões quando latentes se transformam e podem vir a provocar
alguma necessidade de exteriorização. Esta capacidade, ou necessidade, de
transformar e externar é, ao meu entender, uma qualidade do artista, e a expressão
artística é o fio condutor pelo qual buscamos compreender e dialogar com o mundo e
com o outro. A presença de várias pessoas em um processo criativo, de maneira tão
intensa como se dá em uma equipe de produção teatral, conduz para a possibilidade
desta vivência. Ao longo de nossa jornada, quando nos deparamos com outros artistas
que comungam nossos pensamentos mais intrínsecos e percepções do mundo ainda
não revelados por nós mesmos, que adiantam verbalmente aquelas que parecem ser
reflexões particulares, ou esboços de percepções em processo de clarificação, seu
discurso ressoa como uma segunda voz em nossos pensamentos que, de alguma
forma, colabora ou interfere, modificando nosso olhar. Assim estes encontros com o
humano são de grande valia, e o Teatro tem esta especificidade; para além do
espetacular, o encontro com aqueles que praticam o Teatro pode ser tão
transformador quanto o próprio evento teatral para o qual colaboram.
13
Jean Guy-Lecat durante o evento Scenofest, na 10ª Quadrienal de Praga, Junho de 2003, Praga, Rep.
Tcheca. J. Guy-Lecat é cenógrafo, arquiteto, diretor técnico trabalhou com Peter Brook por cerca de trinta
anos, além de outros diretores e grupos como Jean Vilar, Jorge Lavelli, La MaMa, Jean-Marie Serreau,
Luca Ronconi, Jean-Louis Barrault, Dario Fo, Roger Blin, Samuel Beckett. E pesquisador sobre a
comunicação cênica, estimulado pelo questionamento do espaço teatral contemporâneo e a reflexão
sobre a relação espectador/ator.
13
Encontrar Jean Guy-Lecat é encontrar com alguém que compreende e reúne
na sua prática importantes influências deixadas pelas renovações cênicas do nosso
tempo, uma espécie de elo, inspirado por Adolphe Appia, Gordon Graig e Meyerhold,
fala com propriedade sobre a vida que o espaço tem e, a vida que conferimos ao
espaço. Preocupa-se com a relação entre o espaço da performance e o espaço da
audiência, apóia seu processo de trabalho na idéia de um espaço para além da
Cenografia, o espaço teatral, o que justifica sua longa parceria com o diretor Peter
Brook e os demais diretores com quem trabalhou. A ressonância de suas palavras,
assim como de outros artistas e pensadores nesta área, quando os encontramos
presencialmente e não apenas através de páginas escritas, torna-se uma vivência,
mais do que uma informação e será processada como tal, inesquecível,
transformadora.
Conheci Jean Guy-Lecat em 2003, durante a 10ª Quadrienal de Cenografia de
Praga, minha terceira participação neste evento – 1995, 1999, 2003. Pode parecer
pouco relevante esta referência a um evento externo ao contexto brasileiro, mas
infelizmente desde que o Teatro, e principalmente, as Artes Visuais Cênicas perderam
seu espaço na Bienal de Artes de São Paulo, a Quadrienal de Praga tornou-se uma
importante baliza para essa arte na contemporaneidade, sobretudo de alguns anos
para cá, por promover também um espaço de reflexão, de encontros e de diálogos
possíveis nesse campo.
A PQ
14
– assim abreviada, que até 1995 apresentava-se mais como uma
“vitrine”, sem dúvida riquíssima por apresentar as produções e criações sempre
atualizadas ampliou-se, talvez um pouco demoradamente, atendendo aos movimentos
e anseios que presenciamos na cena contemporânea. Desde a edição de 1999,
passou a implantar um programa paralelo, atualmente nomeado Scenofest, um grande
ponto de encontro entre profissionais, educadores e estudantes. Nestas incursões tive
a oportunidade de conhecer pessoalmente Joseph Svoboda, debater com Ralph Koltai
sobre a essência de A Tempestade, de W. Shakespeare, e conhecer a obra de
consagrados e emergentes artistas do panorama teatral do mundo inteiro nas áreas
14
Quadrienal de Praga – PQ a criação da Quadrienal de Praga, em 1967, foi conseqüência de um
intercâmbio instaurado entre o Instituto de Teatro de Praga e a Bienal de Artes de São Paulo, como
resposta ao desejo pela realização de uma exibição específica para Cenografia e Arquitetura Cênica, a
cada quadro anos. Atualmente a PQ é organizada pelo Instituto de Teatro de Praga e pela OISTAT –
Organização Internacional de Cenógrafos, Arquitetos Teatrais e Técnicos.
14
das visualidades cênicas. Um universo incontestável de ricas e sucessivas
experiências que realimentam o nosso fazer.
Tendo em vista este contexto, o que mais me interessa trazer à tona é a
importância da interação, a disponibilidade para o encontro e para o estabelecimento
de relações de intercâmbio, através das quais surgem caminhos para o
desenvolvimento artístico e profissional. Uma das conseqüências que estas
experiências deflagram em mim é o desejo por identificar e refletir sobre possíveis
espaços para diálogos desta natureza em nosso contexto, no Brasil, entre
profissionais já estabelecidos e em formação na área das visualidades cênicas. Diante
do contexto da prática e do mergulho no campo do ensino deparei-me, ao longo
destes anos, com possibilidades concretas para constituir este tipo de diálogo.
Meu caminho inicial foi em direção às Artes Plásticas, e posteriormente ao
Design; demorei algum tempo para chegar ao Teatro, freqüentava desde cedo as
Bienais, mas na época pouco sabia sobre Cenografia. Aos dezesseis anos, quando
ingressei na universidade, havia assistido Macunaíma, de Antunes Filho, que ficou
para mim como uma marcante experiência. Minha incursão primeira no processo de
criação teatral, cerca de oito anos mais tarde, resultou em um impacto de sucessivas
emoções: a empolgação, o êxtase, algum constrangimento, muita incerteza,
satisfação, insatisfação e ao final, o esvaziamento. Estes sentimentos não parecem
distantes daqueles que vivenciamos no dia-a-dia da criação em nosso fazer teatral,
apenas a medida deles é que modifica a cada experiência. Este primeiro desafio para
com o Teatro ocorreu quando já estava formada, em 1990. Reunimo-nos, um grupo
variado de profissionais – atores, bailarinos, cartunistas, escritores, artistas plásticos,
designers; todos muito motivados pela proposta de desenvolver um projeto para o
programa Jornada SESC de Teatro, hoje extinto, cujo tema naquele ano era
Shakespeare. Depois de pesquisarmos sua obra e lermos algumas peças, escolhemos
15
o texto A Tempestade. Com energia fizemos várias leituras do texto escolhido e
realizamos reuniões de criação; era de fato um grupo teatral iniciante em pesquisa.
Empolgada, parti a pesquisar simbologias e trazer à tona o repertório de Bruegel e
Bosh aos demais colegas, sem conhecer, no entanto, os sistemas específicos das
Artes Cênicas... Formatávamos o projeto para sua apresentação, quando, um dia,
acordei e me deparei com uma matéria de jornal sobre Peter Brook, que acabara de
estrear em Paris... um espetáculo sobre a mesma obra de Shakespeare. Foi um balde
de água fria... Emergiram daí a insegurança, a autocrítica e então pensei: está tudo
errado! Estamos completamente equivocados! Para constar, a encenação de Peter
Brook dispunha de recursos visuais cênicos de forma hiper essencial, limpa e
despojada. A montagem utilizava, por exemplo, um pau-de-chuva para apresentar a
tempestade e a maquete de um navio sobre a cabeça de um ator apresentando o
espaço da cena do naufrágio. O “minimalismo” assim nomeado porque era um termo
muito em voga nesta época, veio a se chocar com o nosso tratamento “ilustrativo”,
que buscava representar um mundo imagético para a mesma A Tempestade.
Desistimos do projeto e, naquele momento, sinceramente, achei que nunca mais
chegaria perto do Teatro.
A Bienal
15
de 1991, um ano depois, me levou ao reencontro com a Cenografia.
Lembro-me ainda hoje das reproduções e fotos dos cenários de Josef Svoboda, seu
cenário de cortinas de tiras com projeções e imagens fragmentadas; a instalação
sobre o Teatro de Revista de Luiz Fernando Ramos, a sublime transposição para o
espaço cênico de A Poética do Espaço, de Gaston Bachelard, livro que eu acabara de
ler e que naturalmente ficou como a obra que mais me chamou a atenção, apesar de
suas reduzidas proporções naquele gigantesco espaço do edifício da Bienal. A Bienal
de Artes de São Paulo, nas edições XX – 1989 e XXI – 1991 devolvia às artes visuais
cênicas um espaço importantíssimo para sua difusão. Ali estavam obras de Rosa
Magalhães, Daniela Thomas, Robert Wilson, Serban, Lasar Segal, Teatro União e
Olho Vivo, Peter Stein, Naum Alves de Souza, entre outros.
15
Bienal - refere-se a Bienal de Artes de São Paulo. Em 1959, a Bienal recebeu uma exposição especial
criada por František Tröster, da Tcheco-Eslováquia, que ilustrava o desenvolvimento da Cenografia e da
Arquitetura Cênica em seu país no período de 1914-1959; exposição que foi premiada e cujo sucesso se
repetiria nas três edições seguintes da Bienal. A Bienal de Artes de São Paulo até a década de 1960
apresentava projetos relacionados às Artes Visuais Cênicas e foi a percussora da Quadrienal de Praga.
Infelizmente, durante muito tempo temos sido privados desta participação, lembrando que somente em
1989 e 1991, sob a curadoria de João Cândido Galvão, pudemos reviver um pouco esta experiência.
16
A TEMPESTADE
por Peter Brook, 1990-91
17
No ano seguinte, 1992, ingressava no Centro de Pesquisa Teatral, dirigido por
Antunes Filho, como aluna do departamento de Cenografia e Indumentária. Integrei o
núcleo até 1998, período que foi de grande importância para uma aproximação com a
linguagem teatral e de desenvolvimento técnico e profissional em Cenografia e
Indumentária. Desde então, o Teatro passou a ser meu território e, paralelamente
também, os campos do Cinema e Exposições. Sendo a minha formação em Design e
já com uma boa experiência na prática Teatral, senti a necessidade de complementar
algumas lacunas em minha formação em relação às Artes Cênicas. Enveredei, então,
pelo campo de pesquisa motivada justamente pela discussão acerca da formação do
profissional cenógrafo.
Este percurso pessoal é também o percurso de muitos profissionais da
Cenografia, Indumentária, Iluminação e das áreas técnicas do Teatro. Existe de fato
uma escassa oferta de cursos de formação profissional nestes campos no Brasil e,
conseqüentemente, uma grande informalidade desta capacitação e falta de
interlocução com pensadores da área e ainda, uma consciência profissional. Muitas
vezes o próprio cenógrafo nada sabe sobre a abrangência ou limites de seu papel.
Como resultante desta realidade, muitas vezes nos vemos, ou a colegas, diante de um
conflito bastante comum, sobre como os outros profissionais vêem o Cenógrafo e
como é estabelecida a relação de parceria. É necessário um técnico para realizar uma
idéia cenográfica ou um artista poderá colaborar com a criação da encenação? Um
dos aspectos que norteiam desde o princípio a condução desta pesquisa é o de
considerar o cenógrafo, a priori, um artista, que, para além de seu papel como
colaborador no desenvolvimento de um projeto, deve ser motivado inclusive a atuar
como o provocador do acontecimento teatral.
A relevância em apontar a Bienal ou a Quadrienal, nesse trabalho, reside na
importância deste tipo de evento como meio de difusão, encontro e reflexão das
linguagens artísticas. A participação das artes visuais cênicas colabora para reforçá-
las como tal, assim talvez seriam menos confundidas, a Cenografia, a Indumentária e
a Iluminação como atividades relacionadas à técnica, e passariam a ser mais
identificadas como linguagens. Embora a PQ pareça um tanto distante de nossa
realidade, são incomensuráveis as experiências e o aprendizado que nos oferece.
Profissionais, educadores, estudantes, pessoas de Teatro reunidas em um espaço-
tempo concentrado, trocam impressões, palavras, imagens, expressões e também
técnicas. A cada edição uma surpresa, a possibilidade de sublimação, algo novo a
aprender, a praticar e a aprimorar através do diálogo.
18
A PQ, na edição de 1999 levou-me ao reencontro com A Tempestade, e como
um ciclo que se completa, curiosamente ao mesmo tempo em que eu começava a
assinar meus trabalhos de modo independente, encontrei o cenógrafo Ralph Koltai,
em exposição individual, paralela ao evento. Chamou-me a atenção, evidentemente,
sua obra para A Tempestade, encenada em 1978 e, por uma breve, mas inesquecível
hora, Koltai discorreu sobre seu processo criativo e de realização da Cenografia, sobre
o conceito que partiu da leitura da obra escrita de Shakespeare. O cerne da obra,
segundo ele, reside na discussão sobre a natureza do homem, na qual conflitam o
selvagem e o intelectual e refere-se ao estado de equilíbrio destas virtudes como o
que denominou: Uma Ilha da Consciência. Assim confrontam-se o instinto apoiado na
personagem do “selvagem” Calibã e o intelecto, a capacidade de formular o
pensamento, o raciocínio, presente supostamente nas demais personagens
“humanizadas”. Estes dois aspectos acabam por se demonstrarem complementares,
inerentes ao selvagem e ao ser racional, e assim como no processo criativo estamos a
aprender a lidar com ambos, não necessariamente equilibrá-los, neste contexto. A
faculdade latente do instintivo, que apura nossa percepção e deixa emergir aquilo que
não necessariamente sabemos codificar ou justificar, mas que toca os sentidos ou à
alma, e a faculdade do raciocínio, que reflete sobre aquilo que percebemos e formula
compreensões. A reunião destas faculdades permite-nos, segundo Kant
16
, na sua
“Crítica da Razão Pura”, desenvolver nossa capacidade para o conhecimento, tornar
consciente uma dada situação ou objeto percebido.
No mundo de hoje, em galopante desenvolvimento tecnológico, constatar que
ser um artista é mais do que simplesmente desenvolver uma técnica pode parecer
óbvio, mas ao ouvir esta frase sinto-me acometida de uma espécie de acordar; são
palavras que têm o efeito de acionar uma espécie de chave da consciência.
Paralelamente, ao reler Kant reencontro o conceito sobre a qualidade daquilo que
fazemos como artistas visuais: sobre criar ou ver através de um objeto um outro
significado, não simplesmente se limitar à imagem do objeto, mas transcendê-lo.
Percebo que estes conceitos já estão intrínsecos ao tratamento conferido ao trabalho
artístico, manifestados naturalmente no decorrer do processo criativo. São conceitos já
conhecidos, que permanecem em um estado que não é consciente, não ficamos o
tempo todo pensando isto, algo que conhecemos e retoma, passando a um estado
intuitivo, adquirindo o sentido de algo que foi aprendido de fato.
16
Immanuel Kant, filósofo alemão do séc. XVIII, sua obra “Critica da Razão Pura”, 1781 é uma espécie
de marco divisor de duas eras no pensamento moderno.
19
Maquete da cenografia: A Tempestade, Ralph Koltai, 1978,
Encenado pela Royal Shakespeare Company, Reino Unido.
20
“ Nosso conhecimento surge de duas fontes principais da mente,
cuja primeira é a de receber as representações e a segunda
a faculdade de conhecer um objeto por estas representações(..).
A nossa natureza é tal que a intuição não pode ser senão sensível,
isto é, contém somente o modo como somos afetados por objetos.
Contrariamente a faculdade de pensar o objeto da intuição
sensível é o entendimento. Nenhuma dessas propriedades deve ser
preferida à outra. Sem sensibilidade nenhum objeto
nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado.
Pensamentos sem conteúdo são vazios,
intuições sem conceito são cegas.
Portanto, tanto é necessário tornar os conceitos sensíveis,
quanto tornar as suas intuições compreensíveis.
Estas duas faculdades ou capacidades também não podem trocar as
suas funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada
pensar. O conhecimento só pode surgir da sua reunião.
Por isso, não se deve confundir a contribuição de ambos, mas há
boas razões para separar e distinguir cuidadosamente um do outro.
Conseqüentemente, distinguimos:
a ciência das regras da sensibilidade em geral, isto é, a ESTÉTICA,
da ciência das regras do entendimento em geral, isto é, a LÓGICA.”
“Crítica da Razão Pura”
17
- Immanuel Kant
17
Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant. Tradução de Valéria Rohden e Udo Baldur Moosburguer,
inclui vida e obra de Kant, São Paulo, Nova Cultural, 1987.pgs 55 e 56.
21
A PRÁTICA DA CENOGRAFIA
22
Proponho uma aproximação com o campo da prática cenográfica a partir de
um exercício de desconstrução dos conceitos relacionados à Cenografia, e da
identificação destes com os principais aspectos que constituem o seu fazer. Convido
a uma reflexão sobre a proximidade da Cenografia com outras linguagens, ou áreas.
Faço uso inclusive de conceitos formulados por profissionais da Cenografia teatral
contemporânea na ilustração destas abordagens.
A Cenografia, a medida em que se confunde com o design de interiores, a
decoração e a arquitetura de interiores, uma realidade brasileira na atualidade,
confundidos, ou poderíamos dizer, ampliados, alguns de seus conceitos. A Cenografia,
no Brasil, dependendo em qual contexto é proposta, aparece muitas vezes reduzida a
menos do que um conceito, a um adjetivo: falso, como algo que não é real, que é uma
reprodução, uma mentira. Embora isto ocorra mais distante do Teatro, nota-se um
reflexo deste equívoco inclusive nas Artes Cênicas. Novas gerações que estão
emergindo, formal ou informalmente, confundem muitas vezes o cenógrafo com
cenotécnico, o figurinista com costureira, convidando-os a resolver uma idéia que
alguém formulou. O cenógrafo reduzido de alguém que cria para alguém que copia,
representa, executa ou produz, desconsiderando a possibilidade de a Cenografia
apresentar um espaço, um conceito. Na prática, muitas vezes, é necessário esclarecer
que o cenógrafo é um artista e potencial colaborador.
Se por um lado existe uma má compreensão sobre o papel do cenógrafo, por
outro nos deparamos com a evidente ampliação de sua responsabilidade. Este ampliar
horizontes por sua vez conduz à discussão sobre o que se configura como atribuição
do cenógrafo, na realidade da prática. Conseqüentemente ele, o cenógrafo, é levado a
refletir sobre a sua capacidade em responder a estas atribuições, e também, a refletir
sobre seu potencial como artista criador diante das diferentes áreas de atuação e
específicas exigências de cada linguagem. Não apenas no Brasil, mas no mundo,
existe de fato uma reflexão, uma busca por uma redefinição para o que faz não
apenas o cenógrafo, mas também o diretor de arte, o set designer, o scenographer; o
production designer. Estas discussões, como se vê, não se limitam ao Teatro.
23
Cenografia é:
Entre publicações estrangeiras e nacionais, registros e depoimentos coletados
de cenógrafos brasileiros e estrangeiros, existem mais de uma centena de definições
para responder “O que é Cenografia?”. Tantas que permitiria escrever um livro
comentado a partir delas. Afinal, qual a necessidade de criarmos tantos conceitos para
definir Cenografia? Por que não sabemos explicar com clareza o que fazemos? Por
que não há clareza sobre o papel do cenógrafo? Por que as definições existentes não
são suficientes, não exprimem verdadeiramente o que é a cenografia hoje? Ou por
que se trata de uma percepção artística, e cada artista a vê através de sua própria
subjetividade?
Alguns conceitos sobrevivem através dos tempos porque tratam daquilo que é
essencial à Cenografia. Por outro lado, às vezes um tanto abrangentes, ao serem
descontextualizadas podem suscitar outras leituras. Enquanto outras definições, ao
contrário, carregam em si a referência à cena, ao lugar teatral, ao argumento, à ação.
Entre as definições que encontrei, a que mais me agrada porque toca em dimensões
que determinam a questão do onde e do quando, do caráter eventual, conceito tão
apropriado para o acontecimento teatral, e que definem a participação da linguagem
cenográfica neste contexto, é:
“Cenografia é a Arte do Tempo e do Espaço”
18
. In Suk Suh
Ainda assim sinto alguma falta nesta definição. Falta que talvez resida na
diferença cultural onde esta síntese não se faz tão auto-suficiente... Dentre os diversos
conceitos elaborados, muitos são formulados por profissionais do Teatro e, portanto,
relacionados diretamente à linguagem teatral. Podemos praticar o exercício de aplicar
conceitos existentes às diversas áreas de atuação que utilizam o termo Cenografia e
verificar se resistem verdadeiramente ou se a área em questão demanda outra
especificidade em relação à responsabilidade, à função, à expressão, ou à linguagem.
18
In Suk Suh citado por Pamela Howard, “What is Scenography?”, London, Routledge, 2002 ,pg.XV.
24
Através da linguagem, tanto no que diz respeito às terminologias, quanto à
maneira que desenvolve o olhar e define os objetivos, é possível identificar grupos
profissionais passíveis ou não de interlocução. Na realidade da formação tortuosa do
cenógrafo no Brasil, a linguagem específica do Teatro, do Cinema, da Ópera, da
Dança, etc., precisa ser aprendida neste movimento migratório que nos é permitido na
prática das artes visuais cênicas.
“A linguagem reflete o mundo e nossa interação com o mundo de diversas maneiras. Conseqüentemente,
há muitos tipos de diferentes palavras, com diferentes significados (funções) e diferentes modos de se
relacionar com o mundo. A linguagem, segundo Wittgenstein determina os limites do meu mundo”
19
.
Hans Reichenbach
19
Hans Reichenbach, 1891 – 1953. Filósofo alemão, de contribuições importantes à análise do
raciocínio probabilístico, lógica e filosofia da matetica, mecânica quântica, espaço, tempo, e teoria da
relatividade. “A Linguagem do Espaço e do Tempo”, Perspectiva, 1972, pg. 11.
25
Cenografia e Acontecimento Teatral
”Cenografia é o espaço eleito para que aconteça o drama ao
qual queremos assistir. Portanto, falando de cenografia,
poderemos entender tanto o que está contido em um espaço
quanto o próprio espaço”
20
. Gianni Ratto
A Cenografia, do ponto de vista dessa pesquisa, é considerada como uma
forma de expressão artística que reúne arte e técnica na criação da espacialidade e de
visualidade que propõe, ou dialoga com, concepções de caráter cênico. Busco reforçar
este contexto teatral da Cenografia recorrendo à sua definição em algumas
circunstâncias históricas relevantes.
A Cenografia na antigüidade, para os gregos, assim denominada
Skenographia, constituía-se como a arte de adornar o Teatro. No Renascimento
passou a ser tratada como a técnica de representar em um plano bidimensional, em
um telão, uma imagem em perspectiva; imagem que serviria para situar a ação teatral
em um determinado lugar representado de forma realista. Já na passagem do século
XIX para o século XX, ela ganha definição de escritura cênica, uma forma de explicar
sua transposição de pintura bidimensional à escultura ou arquitetura, de caráter
tridimensional. Diante da evolução da encenação, a Cenografia deixa de ser um
elemento meramente ilustrativo, ou decorativo, para tornar-se um dispositivo visual
que ganha presença e participação na comunicação ao público do argumento
21
proposto pelo evento teatral, não apenas um lugar onde a ação se passa, mas como a
relação proposta entre o texto, a ação e a recepção. No contexto do Teatro
contemporâneo, a Cenografia apresenta-se também como a arte de adaptar os
espaços teatrais ou não convencionais aos processos desencadeados para a
realização de um acontecimento teatral.
20
Gianni Ratto, “Anti-tratado de Cenografia”, Senac, 1999, pg. 22.
21
argumento, termo utilizado para definir o assunto ou “o que se quer dizer”; será abordado adiante, na
pág 52.
26
Acontecimento teatral, por sua vez, adotando o termo pela definição, de Patrice
Pavis, como “a representação teatral, não apenas no ficcional de sua fábula, mas em sua realidade de
prática artística que dá origem a uma troca entre ator e espectador”
22
. Constitui, portanto, a criação
de uma situação que reúna presencialmente seres humanos em uma relação de ação
e recepção, situação que gera a necessidade de determinação de um espaço-tempo.
O acontecimento teatral reúne os componentes de expressão verbal e não-
verbal, criando uma inter-relação entre eles. A Cenografia é responsável por parte da
expressão não-verbal da representação. Os elementos, uma vez reunidos, passam a
fazer parte de um todo que irá dialogar, ou comunicar, com a audiência, mas
continuam a manter alguma individualidade narrativa, complementando um ao outro.
Cenografia como Linguagem Artística
“Cenografia é o trabalho de um artista que não pode
ser expresso em palavras”
23
. Ezio Frigerio
Na contemporaneidade estamos diante de questionamentos sobre até onde
podemos ir, romper limites, recriar parâmetros; discutimos a prática do “tudo pode”,
que não é privilégio da Cenografia. Prática que se apresenta como uma via de mão-
dupla, podendo nos levar para vários caminhos, adiante, na busca pela transformação,
nos manter no mesmo lugar, estanques, ou ainda, remeter ao passado.
Vivemos cercados por informações, referências e tendências que recebemos
ou acessamos permanentemente. O que fazemos com elas? Nem sempre sabemos
selecionar os campos de informação; a curiosidade e acessibilidade às informações
nos lançam a labirintos. Às vezes refletimos sobre estes dados, às vezes não. Ao
refletirmos, o que faremos depois? Poderemos exteriorizá-las ou não nossas
reflexões. A Arte carrega em si a qualidade de manifestação que permite ao indivíduo
a exteriorização de seus pensamentos de forma expressiva, assim o processo:
recepção – reflexão –exteriorização, para o artista, deve ser completo para que seja
renovador.
22
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, Perspectiva, 1999, p.6.
23
Ezio Frigerio citado por Pamela Howard, “ What is Scenography?, London, Routledge, 2002 ,pg.XV.
27
Na medida em que se esvazia o pote começa uma nova jornada, para qual o
individuo já não é mais o mesmo da jornada anterior, porque fez a transformação.
Quando uma manifestação intelectual ou artística apresenta-se desprovida de
critérios, de parâmetros, sem conceitos claros, sua comunicação torna-se difícil. É
como se no processo: recepção – reflexão – exteriorização, a segunda etapa, da
reflexão, fosse suprimida e, a partir da informação passássemos direto à
exteriorização, sem processar os dados, sem, portanto, transformá-los, empobrecendo
o processo que finda por resultar em uma simples repetição.
O cenógrafo como artista vivencia este processo; seja ele completo ou não, e
certamente transparecerá no resultado de seu trabalho. Através da Cenografia
enquanto linguagem artística, podemos expressar nossos pensamentos, reflexões, e
emoções, à medida que deixamos aberto para que os elementos significantes
presentes na Cenografia possam ser interpretados pela audiência, não apresentados
de forma fechada, com uma leitura única.
Entender a Cenografia como linguagem artística, permite identificar, a meu ver,
o diferencial entre a cenografia e a cenografia aplicada. A cenografia aplicada, pode
ser definida como o uso da linguagem cenográfica para outros fins que não a
expressão artística, dirigida ao contexto mais comercial das áreas da comunicação,
como a publicidade, a exemplo de eventos de caráter publicitário: feiras, estandes, e
afins. Neste caso, a Cenografia atende a um caráter mais informativo, à
responsabilidade de levar ao publico um conceito preciso, um olhar, um ponto de vista
pré-definido, fechado, definido pelo cliente..
“ A arte distingue em geral a intenção de comunicar e a vontade de dizer algo preciso: pode-se querer
comunicar, ainda que uma parte da mensagem não evidencie a intencionalidade. É assim com o teatro e
com outras formas de arte: a riqueza dos signos, a extensão e a complexidade dos sistemas que formam,
vão infinitamente além da intenção primeira de comunicar. Se há perda de informação no que respeita ao
projeto inicial, há também ganhos imprevistos
24
. Anne Ubersfeld
As acepções dos termos cenografia ou cenografia aplicada se configuram de
acordo com a intenção para a qual são empregadas, ou ainda, pela função que
desempenham. Essencialmente definem-se pelo diálogo que será estabelecido
através dos componentes que integram sua criação e realização.
24
Anne Ubersfeld, “Para Ler o Teatro. Perspectiva”, São Paulo, 2005, pgs. 18 e 19.
28
Cenografia e Técnica
“É necessário que os artistas de toda natureza lembrem-
se sempre que a Arte é absoluta quando está no domínio
do sentimento, mas que é precisamente uma técnica no
instante de sua exteriorização”
25
. Santa Rosa
Santa Rosa resume claramente a fronteira entre o artístico e o técnico na Arte
e conseqüentemente na Cenografia. Cada linguagem dispõe de seus próprios e
específicos dispositivos técnicos para sua realização. Estes sistemas se modificam
também de acordo com o seu contexto, não apenas no que toca o desenvolvimento
tecnológico, mas a disponibilidade de recursos. A especificidade técnica atende
principalmente à proposição do espaço teatral, seja ele um edifício teatral, um espaço
inusitado ou um espaço específico. Atende também às solicitações do enunciado e da
encenação, como por exemplo, na Grécia Antiga, deus-ex-Machina, uma espécie de
grua, que tinha a função de trazer ao palco um Deus para resolver um conflito que os
homens comuns não conseguiam dissolver. Trata-se essencialmente de um conjunto
de técnicas relacionadas às propriedades dos materiais, ferramentas disponíveis e às
convenções da encenação em cada contexto.
O artista que não domina e não conhece os detalhes dos dispositivos técnicos
para a realização de sua obra restringe o seu próprio processo criativo. Na Cenografia
contamos com o profissional cenotécnico para a realização da obra, mas isto não nos
isenta da necessidade de conhecer as propriedades dos materiais, ferramentas, seus
limites, possibilidades de manipulação e principalmente a maquinaria do espaço
teatral. Se durante muito tempo o cenógrafo ou seu correspondente no Teatro se
viram aprisionados às formas pré-definidas de encenação e o rigor de utilização de
sistemas cênicos para fins específicos, hoje nos perguntamos se queremos utilizar os
recursos técnicos específicos da predominante caixa italiana. O quanto estes
mecanismos ilusionistas nos interessam na criação de uma obra cenográfica. Os
sistemas cênicos de caráter técnico disponíveis atualmente atendem às nossas
necessidades? São acessíveis? O que se pode dizer é que a cada experiência
configura-se uma realidade específica para a realização técnica de uma criação que
deve ser compreendida desde o início do processo. A cada vivência aprenderemos
alguma técnica nova e ao longo do nosso percurso precisamos estar abertos e atentos
às exigências técnicas e dispostos a novos aprendizados.
25
Santa Rosa, “Teatro Realidade Mágica”, Cadernos de Cultura, Ministério Educação e Saúde, s/data.
29
Cenografia e Artes Plásticas
“Todas as Artes Plásticas são artes do espaço (...) não existe
arte plástica fora do espaço e, quando o pensamento humano
se exprime no espaço, toma necessariamente forma plástica.
(...) este território comum, o espaço, pode ser tomado como o
eixo de uma rosa-dos-ventos”
26
. Paulo Sérgio Duarte
A referência à rosa-dos-ventos nos conduz à imagem da espacialidade, os
360º da rosa-dos-ventos imaginada em progressão vertical configuram a imagem de
um cilindro ou, se formos mais longe, uma esfera, que a exemplo de A Tempestade,
de Ralph Kotai, pode ser a representação do inconsciente, ou simplesmente um
espaço vazio sem limites, à espera do humano que o transforme através da
exteriorização de seus pensamentos. O espaço é sem dúvida o ponto mais
representativo em comum entre a Cenografia, as Artes Plásticas e a Arquitetura.
A compreensão acerca de um espaço, desenhar um espaço, ocupá-lo, a
criação de elementos visuais neste espaço, sua composição, cor, luz, são atribuições
que integram o processo de criação do cenógrafo, que os relaciona a partir de um
argumento proposto à realização do acontecimento teatral. Estes componentes são
também relacionados ao universo referencial do homem em seu contexto. A
especificidade de criação da Cenografia teatral está vinculada e em constante diálogo
com um projeto amplo, que trata, além das visualidades, com o argumento, com a
presença, a ação, o ator, um lugar, a recepção, o espectador.
Em relação às Artes Plásticas podemos dizer que, esta a princípio, encerra nas
visualidades o seu argumento, podendo utilizar outros elementos, mas não
necessariamente. Nas Artes Plásticas, nem sempre temos o encontro presencial físico
do artista e do espectador, o que temos é a sua obra que o representa, a qual nem
sempre apresenta a possibilidade de se modificar através da presença do outro;
quando isto acontece, a ela podemos pensar em atribuir a qualidade de performance.
Nesta linguagem de expressão artística iremos encontrar a maior proximidade da
26
Paulo Sergio Duarte, curador geral da 5ª Bienal do Mercosul. Texto extraído do catálogo da mostra:
“Rosa-dos-Ventos, Histórias da Arte e do Espaço; Posições e Direções na Arte Contemporânea”.
Fundação Bienal do Mercosul - Porto Alegre, Setembro de 2005.
30
cenografia com as Artes Plásticas; reforço esta aproximação com a definição de
Patrice Pavis:
“A Performance, ou performance art, expressão que poderia ser traduzida por “teatro das artes visuais”,
associa, sem preconceber idéias, artes visuais, teatro, dança, música, poesia e cinema... O performer não
tem que ser um ator desempenhando um papel, mas sucessivamente recitante, pintor, dançarino, ..., um
autobiógrafo cênico que possui uma relação direta com os objetos e com a situação de enunciação”
27
.
A Performance
28
não se utiliza, a priori, do edifício teatral para sua
apresentação, dando preferência a galerias, museus, rua, etc. O teatro, por sua vez,
também já não dá necessariamente preferência ao edifício teatral, nem à galeria, nem
ao museu, podendo se valer de espaços e paisagens que sejam apropriados à
presença do artista e do espectador e, principalmente, ao desenvolvimento da
encenação. Na Cenografia, assim como nas artes plásticas, utilizamo-nos de sistemas
artísticos e sistemas técnicos através dos quais expressamos nossas idéias. No teatro
estamos habituados a pensar que a metáfora surge a partir de um argumento-texto;
mas podemos ampliar nossa perspectiva para a possibilidade de que surja através de
um argumento-ação, um argumento-sonoro, ou um argumento-imagem. Um exemplo
de argumento imagem como ponto de partida pode ser identificado em alguns
trabalhos do grupo XPTO nos processos desenvolvidos por seu diretor e cenógrafo –
Osvaldo Gabrielli.
A Cenografia, a meu ver, mantém alguma proximidade das Artes Plásticas, e é
muitas vezes confundida com Instalação, o que me leva a tomar a seguinte posição: a
Cenografia não é uma instalação, porque mesmo que o argumento seja um som ou
uma imagem, há a priori a determinação da presença do humano em uma relação de
ação e recepção; por outro lado, poderíamos considerar que a instalação – a
ocupação de um espaço ou paisagem, sua composição, aliada à presença da
performance - pode adotar qualidades de Cenografia.
27
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, Perspectiva, 1999, p.284.
28
Performance, ainda por Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, apresenta um resumo de um artigo de
Andréa Nouryeh, que distingue cinco modalidades de performance, dentre elas uma delas que é
pertinente ao trabalho: “Exploração de espaço e tempo através de deslocamentos, em câmera lenta, das
figuras: como em Walking in na Exaggerated Manner Around the Perimeter of a Square, de Rinke(1968)”.
31
Cenografia e Arquitetura
“Cenografia é a solução dramática do espaço; se a
arquitetura é uma gigantesca escultura tridimensional ao
ar livre, então a cenografia é para mim, uma forma de
transformar do avesso o interior de uma escultura em
qualquer espaço concreto”
29
Jaroslav Malina
Tendo o componente espaço, no trabalho do cenógrafo, ampliado para além
dos limites da ação do ator; passando este profissional a preocupar-se com a maior
amplitude de um espaço dado, poderíamos pensar que, nesta medida, o cenógrafo
assume um papel próximo ao de um arquiteto ao deparar-se com a elaboração de um
todo espaço. Da mesma forma, o arquiteto pode passar a acreditar que pode assumir
o papel de cenógrafo. Existem de fato diferenciais relevantes entre o papel do
cenógrafo e do arquiteto no que concerne à criação de um espaço.
Isoladamente, pode-se pensar que não há diferenciais. No entanto, o espaço
para a Cenografia existe necessariamente como um espaço de interlocução entre o
artista e a audiência, durante um acontecimento teatral; trata-se portanto, de espaço
que existe na duração de um acontecimento em um dado contexto pré-determinado
para tal. A Arquitetura, por sua vez, organiza o espaço que será posteriormente
utilizado pelo homem. Quando este espaço já não for mais passível de adaptações,
então chega o momento para que o homem trate de estabelecer o seu “diálogo” com
ele. O projeto arquitetônico, na maioria das vezes está submetido a um cliente, a uma
condição sócio-econômica.
O argumento mais imediato, que colabora para uma discussão superficial na
comparação entre as duas linguagens, é o caráter efêmero do espaço na Cenografia,
e o caráter de sua permanência na arquitetura. Ao propormos uma locação como
espaço de ação: um prédio, uma vila, um hospital, um hospício, uma rua, e até mesmo
um edifício teatral escolhido por sua tipologia, não temos a garantia de que faremos
alguma modificação concreta nestes espaços. A arquitetura presente poderá servir de
cenário, assim como o palco vazio. O que neste caso é efêmero? O espaço? Ou a
ocupação eventual deste espaço durante um determinado tempo, com a presença do
29
Jaroslav Malina citado por Pamela Howard, “What is Scenography?”, London, Routledge, 2002,
pg.XIV.
32
humano e da relação propagada neste espaço-tempo? E afinal qual a atribuição do
cenógrafo neste evento? Poderíamos dizer que ao recortar o olhar do espectador para
uma determinada arquitetura ou para uma determinada organização espacial do palco,
ele, o cenógrafo, estará responsável por propor uma ou mais imagens que serão
relacionadas visualmente àquele evento específico. O espaço para o cenógrafo,
efêmero e provisório, só tem sentido quando da presença do humano, da ação e
interlocução que este propõe em relação aos demais seres humanos, o que
complementará sua existência, sua organização, conferindo-lhe sentido e vice-e-versa.
A criação de um espaço efêmero, por sua vez, não dá garantias de que se trata de
uma Cenografia. A Cenografia trata do espaço que tem qualidade efêmera, provisória,
mas que, anteriormente à forma, configura-se como espaço cênico, diante da
presença de uma interlocução entre seres humanos no contexto de um acontecimento
teatral. O espaço, para o cenógrafo, está necessariamente relacionado a esta
interlocução.
Cenografia, Espaço e Tempo
“Cenografia é o mundo da imaginação, o lugar onde eu posso
viajar através do futuro e do passado e trazer meu próprio
mundo para o palco”
30
. Georgi Alexi-Meskhishvili
Os conceitos de Espaço e Tempo estão, desde sempre nesse projeto, sob
investigação, por se tratarem não apenas de componentes do pensamento e da
criação cenográfica, mas também por serem fortes orientadores do processo do
aprendizado, segundo Kant. O caminho que me levou à melhor compreensão destes
conceitos passou pela física, pela filosofia e me levou de volta à arte. A intuição em
associar a ciência à arte me fez pesquisar e refletir sobre a influência da física nuclear
na Arte Moderna. A idéia de transposição do tempo-espaço pela matéria, sua
composição e seu estado mutável, os conceitos de massa, energia, partículas,
propondo uma nova ordem, e possibilitando conceitualmente o rompimento com a
concretude da matéria, com a realidade visível. Como conseqüência das descobertas
na física nuclear, por detrás deste mundo visível emergiu, nas Artes Plásticas, a
possibilidade de um mundo imaginário - o Pontilhismo, a Arte Abstrata, o Surrealismo,
30
Georgi Alexi-Meskhishvilin citado por Pamela Howard, “What is Scenography?”, London, Routledge,
2002 ,pg.XVI..
33
etc. Coincide também com a redescoberta do inconsciente, no campo da Psicanálise,
proposto por Freud. Nas Artes Cênicas, o Teatro descortinou o teatro, trazendo à vista
do espectador o seu processo, revelando o que antes estava por trás do visível - a
maquinaria, infra-estrutura, equipamentos de iluminação, tudo à vista, sem truques. O
mundo representado pelo Teatro tornou-se realidade imaginada, carregada de
simbolismos, contemplada pela abstração. Neste contexto, a noção de espaço-tempo
contínuo também se modificou, dando lugar à idéia de dimensões e desdobramentos
destas dimensões de espaço e tempo. Os tratamentos conferidos ao espaço e ao
tempo libertam-se para uma reordenação: fragmentam, sobrepõem espaços; invertem
e suspendem o tempo. Ao mesmo tempo em que aproximam fisicamente os humanos
presentes, rompem a quarta parede, criam um todo, uma unidade que abrange os
espaços destinados à ação e à recepção.
A Linguagem do Espaço e do Tempo, e o Teatro
Espaço e Tempo são conceitos fundamentais no campo da física, onde não
existe apenas um conceito para defini-los. Os conceitos são construídos ao longo da
história e da forma como as teorias os absorvem, ou seja, dependem essencialmente
do contexto e do modo como nele se manifestam. Quando perguntamos: onde algo
está? Ou onde algo aconteceu? Para onde algo/alguém vai? De onde algo/alguém
veio? estamos evidentemente nos remetendo à idéia de espacialidade. A idéia de
tempo, por sua vez, aplica-se a qualquer objeto que contenha informação sobre, ou
esteja situado em relação a alguma localização temporal, algum evento, momento,
data, etc. Neste caso perguntamos: Quando algo aconteceu? Com relação ao espaço
o que pode parecer contraditório, é na verdade uma questão de posicionamento, de
ponto de vista; o tempo, ao contrário, não dispõe de recursos para impedir uma
contradição. A diferença basicamente reside no fato de que o espaço tem três
dimensões e o tempo apenas uma. Enquanto espaços distintos acontecem
simultaneamente e um dado objeto pode mover-se entre eles, o tempo não está em
relação a alguma outra coisa, a uma ou outra pessoa, o tempo é único, os diversos
tempos acontecem sucessivamente, segundo Reichenbach:
“Se não há mudança, não existe tempo; esta dimensão do tempo, não trata de mutação, mas de
movimento, é uma questão de ordenação
31
”.
31
Hans Reichenbach, citado por Lacey, Hugh M. “A Linguagem do Espaço e do Tempo”, tradução a
partir do original “Space and Time”, Editora Perspectiva – SP, 1972, pg. 24.
34
Frase que pode ser ilustrada com o pensamento: uma causa nunca é posterior
ao seu efeito ou que um evento não pode ocorrer em dois instantes diferentes. Ainda
do ponto de vista da física, temos a afirmação de que um objeto não ocupa dois
espaços, pois mesmo que imaginemos um espaço contido dentro de outro e o tal
objeto relacionando-se com ambos, o que teremos será um objeto em relação aos
limites de um espaço que ocupa em determinado momento. Suprimir o espaço não
parece possível por este olhar; imaginemos que estamos diante de um espaço repleto
de coisas, como seria este espaço vazio? Somos capazes de visualizá-lo vazio, sem
todas as coisas, talvez faltem alguns detalhes, mas ainda sim, será possível inclusive
estimar sua dimensão – pé-direito (altura), profundidade, largura. Se depois disto,
tentarmos excluir o espaço como um todo, conseguimos imaginá-lo? E com relação
ao Tempo, como seria suprimi-lo? A percepção que temos do espaço provém de uma
mesma natureza que a nossa percepção sobre o tempo?
O Espaço soa, para mim, como um elemento mutável, capaz de ser
transformado, o Tempo, por outro lado, ao qual percebemos passar na vida real não
se transforma, não podemos acelerá-lo ou suspendê-lo, a não ser através da
imaginação. Enquanto a física nos limita a definir o conceito de espaço a partir de um
evento concreto e não a eventos subjetivos como, por exemplo, percepções,
lembranças, desejos, sensações, experiências, as Artes Cênicas nos conferem a
possibilidade de manipular, de certa forma, esta ordem, para dizer e mostrar ao
espectador, ainda que aparentemente, que um mesmo elemento possa ocupar dois
lugares distintos, ou dimensões distintas simultaneamente, apresentar espaços e
elementos que suscitem lembranças, sensações. Permite ainda situar um mesmo
elemento em épocas – tempos – diferentes e mais, apresentar a conseqüência antes
da sua causa, permite inclusive suspender o Tempo e suprimir o Espaço.
Espaço e Tempo no contexto teatral são somados à narrativa, ação e
movimento, como componentes através dos quais podemos propor alguma
transformação, ou seja, são elementos que permitem a transposição do argumento e
da ação a uma outra localização temporal e espacial. Consente inclusive a
justaposição dos tempos e espaços propostos pela obra inicial e pela sua
interpretação, desde, é claro, que lhe sejam conferidos intenções e significados
expressos na relação estabelecida para com o público. A Cenografia trata, portanto,
de olhar através de diferentes janelas espaciais e temporais, para criar ou produzir
sentido através dos componentes visuais que irá orquestrar, considerando possíveis
transformações para os personagens/atores, como também para os espectadores.
35
O Tempo e o Espaço, no contexto teatral, não são restritos a quando e onde
aconteceu. Importa além da dimensão do espaço e o tempo de duração do evento, o
momento, a referência que se faz a um determinado espaço e tempo. O tempo assim
se divide em: tempo real e tempo dramático. A proposição sobre o tratamento do
espaço e do tempo pode ser construída pelo roteiro ou dramaturgia, pela direção,
pelos elementos visuais da obra, pelo espaço em si. Isso pode ser exemplificado
considerando uma dada situação: um espaço inusitado, uma rua, onde o
acontecimento teatral terá lugar à luz do dia, situação na qual não há controle sobre
esta iluminação. Neste caso será difícil propor a existência de tempo dramático, ou
seja, levar o espectador a transcender a percepção de tempo, ficando assim ele, o
espectador, retido na dimensão de tempo real, o que pode ser, em alguns casos, parte
da intenção cênica. Mas ainda assim, o movimento que terá lugar neste espaço
poderá colaborar para conduzir o espectador a distanciar-se por um momento da
realidade.
“No espaço, unidades de tempo são expressas pela sucessão de formas, portanto pelo movimento. No
tempo, espaço é expresso pela sucessão de palavras e sons, ou seja, por durações de tempo variados
que prescrevem a extensão do movimento” . Deste modo, tempo é definido pelo movimento através do
espaço, e o espaço é definido pelo movimento através do tempo”
32
. Adolph Appia
O espaço teatral não se limita ao cenário ou ao edifício teatral. Ele é um
conjunto vivo e orgânico que resulta do diálogo com a luz, o som, o movimento, a
presença humana, que se modifica porque se modificam as relações e intenções
através dos diferentes contextos culturais, temporais, históricos e políticos. O Tempo
teatral por sua vez também não se limita a uma seqüência de unidades de tempo
somadas que resultam em passado ou futuro. Ele é, da mesma forma que o espaço,
um elemento vivo e orgânico, no qual as dimensões temporais se fundem, se
sobrepõem e o ritmo é percebido através das imagens reveladas pelo espaço. São
fundamentalmente Espaço e Tempo os aspectos que revelam à nossa percepção que
estamos diante de uma fábula, ou ilusão.
32
Jay M. King, “Rets in Time and Space”, tese de mestrado, Universidade da Flórida, Escola de Teatro,
2004, pg. 8 cita Adolph Appia. “The Work of Living Art”, 1960.
36
Espaço Cênico, Espaço Teatral e Cena
“O espaço dramático possui as mesmas características que a
imagem poética. Sua propriedade inseparável é o espaço ficcional de
um palco imaginário que coloca o palco físico fora de alcance, em
todas as direções. Em oposição a este espaço dinâmico, está o atual
estático espaço teatral, o espaço funcional, cujo tipo específico é
determinado pela relação do palco e da audiência”
33
.
Josef Svoboda
Os edifícios teatrais participam desde sempre do processo de evolução e
transformação histórica do Teatro, mas também as manifestações fora do edifício
teatral tiveram importante participação nesta evolução. Considerando a utilização dos
espaços inusitados ao longo de todo o percurso histórico do teatro, desde a Grécia
Antiga percebemos em muitos casos, na prática, ainda uma forma de aprisionamento
ao edifício teatral. Não é de hoje que o teatro se apropria de espaços que não foram
necessariamente projetados para este fim – a igreja, os palácios, as quadras de
badmington (jogo de peteca e raquetes), etc. Os edifícios teatrais convencionais são, no
entanto, espaços com propostas e relações palco-platéia muito fundamentadas, que
se apresentam como opções, assim como o palco transverso, o semi-arena ou as
formas modernas do teatro elisabetano. Contudo, apesar das diversas possibilidades,
ainda nos deparamos com um foco muito acentuado sobre um determinado espaço: o
teatro italiano, predominante tipologia no Brasil, que aparece muitas vezes simplificada
para “frontal”, termo relacionado à relação palco-platéia, mas sem as possibilidades da
caixa cênica italiana, na sua maioria, espaços que são auditórios. Fato é que no teatro
contemporâneo os espaços explodiram, são inúmeras as possibilidades espaciais para
o acontecimento teatral.
Sem pudor podemos questionar de que nos servem atualmente os
mecanismos e ilusionismos da caixa preta italiana. Possibilidade ou aprisionamento
estético? O maior desprendimento em relação a esta tipologia abre caminho para um
diálogo com o espaço em sua forma mais pura, desprovido de maquinaria, de
33
Anthony Dean, “Of Speaking Pictures and Mute Poetry, Exploring Scenography”, SBTD, Inglaterra,
2002, pg.44. Cita J. Svoboda, “The Secret of Theatrical Space”. Applause Theatre Books, 1993, pg 29.
37
urdimento, muitas vezes natural – não construído. Mesmo os espaços já constituídos
como edifício teatral, passam a ser observados por outro ponto de vista, buscando
possibilidades para recriá-los e assim criar outras espacialidades para o evento teatral.
A opção por elaborar o espaço teatral como um todo e, o ato de propor espacialmente
novas relações entre o evento teatral e a audiência, revelam a inquietude do artista
diante de um espaço já formalizado. O evento teatral busca hoje estabelecer outras
dinâmicas para com o seu público, não apenas com aquele que se aproxima do
Teatro, a exemplo de modernos edifícios teatrais europeus que pretendem tomar de
assalto o público transeunte. As paredes dos edifícios teatrais estão se rompendo,
transformando-se em telas ou simplesmente abrindo-se para surpreender o público de
passagem, por terra ou por mar, esteja ele próximo, a duas quadras ou em uma outra
margem.
Na obra “A Porta Aberta”, Peter Brook trata dos termos o Teatro, como a
expressão essencial ao homem e, os teatros, referindo-se criticamente à pré-
concepção de um espaço, ao edifício teatral:
“...Os teatros são como caixas, e uma caixa não equivale ao seu conteúdo, assim como o envelope não é
a carta. Escolhemos os envelopes de acordo com o tamanho e a extensão de nossa comunicação. O
paralelo, infelizmente, falha o seguinte aspecto: é fácil jogar um envelope no lixo; é muito mais difícil jogar
fora um prédio, ainda mais quando o prédio é belo, e mesmo sabendo instintivamente que ele já não
corresponde à sua finalidade. É ainda mais difícil descartar os hábitos culturais gravados em nossas
mentes, hábitos de estética, práticas artísticas e tradições. Os teatros e suas formas e estilos são apenas
caixas temporárias e descartáveis
34
Uma qualidade de espaço se destaca na prática teatral contemporânea – o
Espaço Específico, tradução direta do original site especific. Enquanto o espaço
inusitado refere-se a um espaço não necessariamente destinado a um acontecimento
teatral de forma abrangente, ou seja, que não é um edifício teatral, o termo Espaço
Específico se define como um lugar utilizado especificamente para um determinado
acontecimento teatral que não encontra em outro espaço as mesmas qualidades para
a representação cênica, podendo ser um lugar natural, uma paisagem com até 360
graus, ou um lugar construído, desde que apresentem uma identidade indissociável do
argumento proposto. São lugares, ou locações, carregados de significado, mas que
impedem que a criação cenográfica seja a eles somada.
34
Peter Brook, “A Porta Aberta”, Civilização Brasileira, 1999, pg.78.
38
Ao cenógrafo, cabe a leitura e compreensão acerca do espaço, tanto no que
diz respeito ao espaço físico que será transformado, ocupado, como ao espaço que a
ele se sobrepõe, o espaço a ser recriado, que dialoga com a obra. O que se vê
claramente é que o conceito de cenário já não dá mais conta desta equação, ele está
sendo absorvido por conceitos mais amplos: espaço cênico, quando pensamos o
espaço de encenação como um todo e não apenas o cenário e, espaço teatral
35
, como
o espaço físico para além do espaço de ação, que inclui o espaço da audiência.
Desde que a Cenografia teve ampliada sua ação, o cenógrafo precisa explorar
e compreender a natureza do espaço físico, além do espaço poético, e ser capaz de
lapidá-lo para o acontecimento teatral. Precisa também desenvolver a capacidade de
observar e compreender os espaços e paisagens para poder inclusive transpô-los ao
edifício teatral ou a uma relação palco-platéia convencional. Organizar os códigos
espaciais e visuais em concordância com o contexto e sua evolução, criar unidade,
conferir equilíbrio ao espetáculo, são tarefas distintas. O público hoje, acostumado a
ver o espetáculo como um todo, aponta quando algum elemento se choca com esse
diálogo - um cenário gratuito, um figurino dissonante ou até um gesto exagerado. À
Cenografia cabe a responsabilidade pelo conceito atribuído aos aspectos visuais da
linguagem cênica, gerados do diálogo e do compartilhamento de idéias e
responsabilidades sobre o todo com uma equipe de criadores.
A Cenografia configura o espaço e o tempo do qual depende a realização do
acontecimento teatral ao mesmo tempo em que a presença humana na intenção da
encenação atribui a qualidade teatral ao espaço e ao tempo. Desta forma chego à uma
definição própria, porém provisória, do que é Cenografia, definição pautada sobre a
minha particular prática artística e, provisória porque ao longo desta pesquisa depara-
se com outros desdobramentos e possibilidades que conduzem a uma nova reflexão.
“Cenografia é a arte que transcende ao tempo e ao espaço
ao definir as circunstâncias do encontro entre os homens, que
colabora para a especificidade do acontecimento teatral”.
35
Espaço cênico e Espaço teatral, termos aqui utilizados distintamente: seguem as definições de
Patrice Pavis, em “Dicionário de Teatro”, editora Perspectiva, 1999.pgs. 133 e 138.
39
Na Prática
“A prática da cenografia requer conhecimento histórico e crítico,
inteligência multidisciplinar assim como inspiração. O cenógrafo
desenvolve uma inteligência plástica, uma habilidade para
conferir forma às idéias, à história e à narrativa. O cenógrafo
interpreta e transforma, mas também cria”
36
. Tony Davis
Existe hoje, assim como em todo momento transformador, uma grande
necessidade em retomar conceitos, buscar suas essências, ir às suas origens. Talvez
em resposta ao “tudo pode”, busca-se parâmetros para apoiar o pensamento, a
prática, as realizações, ao mesmo tempo em que procura-se entender se existem
realmente limites que orientam os processos criativos. Constantemente se está a
colher e produzir fragmentos selecionados de um todo muito complexo que envolve o
passado e o presente e que, quase empiricamente, são reunidos na tentativa de
reconstrução desse todo a partir de uma determinada interpretação, um ponto de vista.
Assim como sugere Joseph Svoboda, cria-se uma espécie de “alfabeto cenográfico”,
segundo ele, acerca de tudo aquilo que utilizamos no palco.
“...temos que fazer um inventário de tudo aquilo que utilizamos no passado e olhar para eles a partir de
um ponto de vista contemporâneo e usá-los novamente, mas não de forma passiva, assim como faziam
nossos ancestrais de 200 anos atrás. Ao invés disto, devemos incluir novos materiais ou abertamente
admitir que eles já foram esgotados e então apenas apresentá-los de outra forma. Com o
desenvolvimento das técnicas e da tecnologia este alfabeto expandiu. Esta é minha obsessão”
37
.
Joseph Svoboda
Naturalmente, existe um acumular de experiências às quais se somam a cada
vez novas vivências. É preciso, no entanto ter o cuidado de não ficar aprisionado a um
determinado repertório e acomodar-se em reprisar apenas os processos já vividos.
Cada processo de criação cenográfica é único e traz consigo desafios para cuja
transposição temos de adotar uma disposição para o aprendizado contínuo e também
para a reflexão permanente. O processo de trabalho do cenógrafo é pessoal, é
artístico, mas também demanda conhecimento técnico. Esse processo não se repete
36
Tony Davis, “Stage Design”, Rotovision Book, Switzerland, 2001. pg. 10
37
Joseph Svoboda em entrevista a Helena Albertová, revista “Theatre Czech&Slovak”, Theatre Institut
Prague, 1992. pg.63
40
necessariamente, está relacionado ao contexto, ao enunciado, aos talentos reunidos,
conhecimentos, experiências, que no campo da Cenografia serão organizados e
transformados pelo cenógrafo. O trabalho do cenógrafo é complexo e envolve diversas
áreas de conhecimento, demanda um contínuo aprendizado multidisciplinar e
processos distintos, capazes de transformarem-se ao longo da sua experiência
profissional.
A contemporaneidade, se de um lado é marcada por indefinições e múltiplas
possibilidades, é também um tempo de aproximação, de troca profissional no campo
artístico e, no território da técnica, as informações estão mais disponíveis. Dialogar,
debater, instigar, experimentar, são práticas fundamentais para o desenvolvimento de
um pensamento coerente e conectado diante da superposição de informações
fragmentadas que recebemos a cada minuto ou que podemos “acessar”.
O processo de criação artística, no século XX passou a ser enaltecido para
além do espetáculo em si, prática que aparece com o pós-guerra, presente nas artes
plásticas e nas artes cênicas. A realização teatral, na transição do século XX para o
século XXI é marcada por um crescente número de projetos que buscaram apresentar
ao público os processos de criação do acontecimento teatral. As encenações
passaram a ser acompanhadas de debates onde o artista pode dialogar com o seu
público, levando a ele mais do que um resultado final, o seu percurso, seus objetivos e
justificativas. O processo tornou-se parte muito valorizada da criação teatral.
Poderiam ser relacionados aqui diversos profissionais atuantes, cenógrafos,
figurinistas, iluminadores, formadores de novos profissionais, e técnicos, espalhados
pelo nosso vasto território brasileiro, que desenvolvem trabalhos de grande valor e
contribuição para o desenvolvimento da cena teatral brasileira. Profissionais dispostos
a trocar informações, dialogar, trabalhar e pesquisar de forma colaborativa,
desenvolvendo projetos conjuntos e de grande relevância para essa cena.
41
Processos à vista
Dentre as diversas manifestações relacionadas ao processo de realização do
acontecimento teatral, um dos programas que, se não é pioneiro, é relevante na cena
teatral paulistana e que pude acompanhar por um bom período foi o Reflexos de
Cenas, do SESC Consolação, seguindo a tradição do Teatro Anchieta e do programa
ao qual veio substituir – a Jornada SESC de Teatro. Reflexos de Cenas teve duração
entre 1999 e 2004, reunindo grupos teatrais ou produções para a apresentação e
reflexão sobre processos criativos a partir de trechos de espetáculos que,
preferencialmente, ainda não estivessem prontos, mas em processo.
Em 2002 foi criado um programa paralelo ao projeto Reflexos de Cenas voltado
para a Cenografia, criado pelo grupo ainda em formação, na época, CenografiaBrasil -
grupo que reúne cenógrafos e profissionais de áreas afins com ações voltadas para a
reflexão e o debate sobre a Cenografia brasileira e seu desenvolvimento. O programa,
nomeado Cenografia em Debate, promovia encontros regulares mensais, com o
objetivo de estabelecer uma continuidade de diálogo, o que permitiria o
desenvolvimento de reflexões acerca do universo das visualidades cênicas, trazendo
ao público a aproximação com os artistas cenógrafos, figurinistas, iluminadores, seus
processos e reflexões. Acompanhando estes dois programas pude perceber que:
- os grupos teatrais, principalmente os novos grupos deparam-se com uma dificuldade
em encontrar parceiros cenógrafos;
- os aspirantes cenógrafos, em sua maioria estudantes de artes plásticas, arquitetura,
design e moda encontram dificuldade em relacionar-se com os grupos teatrais; faltam-
lhes contatos, vivência, agrupamento;
- os novos profissionais do teatro, formados por cursos livres de interpretação ou em
artes cênicas nas universidades, demonstram alguma intimidade com a Cenografia, a
Indumentária, a Maquiagem e a Luz.
- os aspirantes a cenógrafos e outras áreas das visualidades cênicas continuam
encontrando pela frente caminhos tortuosos e por vezes limitados a seguir na sua
formação e experiência profissional.
Os grupos que mais se arriscam a criar suas próprias visualidades são aqueles
que em sua formação universitária tiveram no currículo a Cenografia, a Indumentária e
a Iluminação como disciplina. Os resultados e as discussões geradas pelos grupos, no
entanto, pouco focam os processos sobre a Cenografia ou sobre o Figurino. No
42
programa Reflexos de Cenas o enfoque era o trabalho do ator, da direção, do texto,
não havia tempo ou talvez, quem sabe, não houvesse desenvoltura para discorrer
sobre as visualidades cênicas em profundidade. O projeto Cenografia em Debate
surgia para preencher a lacuna da reflexão e do debate sobre os processos deste
fazer, com objetivo de alimentar e orientar minimamente os desejosos por encontrar
uma trilha ou pista que os levassem os interessados a esta direção. Ao longo de cerca
de dois anos de duração destes encontros, entretanto, o projeto não conseguiu
efetivamente reunir cenógrafos aspirantes a grupos teatrais que ali alternavam-se na
ocupação de um mesmo espaço,
Enquanto as leituras dramáticas e debates sobre processos de direção,
interpretação e dramaturgia ampliaram-se na prática para outros estados, a
Cenografia teve este projeto acontecendo pontualmente na cidade de São Paulo, o
que não reflete, portanto, o Brasil como um todo, apesar de que nele houvesse a
preocupação de trazer profissionais de outros estados para estes encontros. A fim de
alcançar outras cidades, paralelamente ao Cenografia em Debate foi criado um Fórum
Virtual de Cenografia que reúne atualmente mais de 300 pessoas de vários estados e
funciona como um canal de aproximação entre profissionais e interessados por esta
área, este espaço virtual vem funcionando como um ponto de encontro entre os
interessados por esta área. Esta interlocução virtual é marcada por uma forte presença
de curiosidade/necessidades técnicas, mais do que manifestações artísticas e, muito
também, como um canal de encontro que abrange as diversas áreas da cenografia e
da cenografia aplicada. Há também atualmente um grupo de ação, que é hoje
constituído como Associação – ABRIC – na área de iluminação, que reúne
profissionais de criação e da técnica de iluminação, promovendo encontros e debates
relevantes pelo território brasileiro.
Nestas experiências presenciais ou virtuais nos deparamos com muitos
cenógrafos, experientes ou iniciantes, que se referem ao seu próprio trabalho como
um fazer cenográfico, talvez por envolverem em seu processo não apenas demandas
de caráter criativo, mas também tarefas de produção, digamos assim. O termo fazer
cenográfico tornou-se um tanto ambíguo; apresenta-nos, por um lado, de forma
benevolente, um profissional a serviço da encenação, e ao mesmo tempo, confere ao
cenógrafo um estigma de obreiro, realizador, por vezes mais do que o conceito de um
artista, que cria a dimensão visual que dialoga com o discurso teatral, o espectador, o
ator e todos os componentes que integram a realização teatral.
43
Diante da organicidade dos processos criativos da Cenografia na prática
teatral, organizo em dois grupos distintos os componentes que integram esses
processos, aqui ordenados de forma aleatória, sem qualquer hierarquização.
Componentes da realização teatral
A) Inerentes ao trabalho de criação do cenógrafo
Argumento O que se quer dizer / Assunto
Pesquisa Dados e Iconografia
Ação e Recepção A Presença do Humano
Ação: Ator/ Performer e Recepção: Audiência
Espaço Espaço Cênico - Espaço Teatral
Tempo Tempo Cênico - Tempo Dramático
Sistema Cênico Sistemas artísticos - Técnica
B) Que dialogam com o trabalho de criação do cenógrafo
Direção - Luz - Indumentária - Som - Dramaturgia
Cada um destes componentes pressupõe a presença de outros indivíduos com
qualidades artísticas e técnicas que dialogam horizontalmente com a Cenografia. No
processo de criação cenográfica alguns deles aparecem integrados à proposição
cenográfica, principalmente a luz e a indumentária, às vezes não de forma definitiva,
mas colaborando para sua criação, da atmosfera proposta ou de uma qualidade
estética presente na Cenografia, como por exemplo: a pictórica, de textura ou de
transparência. A presença do humano nestes campos participa ou interfere no
processo que conduzirá à obra cenográfica e conseqüentemente, à obra como um
todo. Assim como o cenógrafo, os demais profissionais devem estar bem alicerçados
sobre o seu campo e serem capazes de dialogar com os demais, entendendo estas
relações de forma horizontal, na qual os colaboradores devem ser capazes de
visualizar a obra como um todo, não apenas impondo um único ponto de vista.
Infelizmente, na prática, nem sempre acontece assim. Muitos processos são pautados
por uma verticalização destas relações, mantendo-se uma postura hierárquica e
muitas vezes levando a um diálogo muito raso sobre as proposições artísticas
individuais, limitando as possibilidades de colaboração dos demais profissionais
envolvidos e, conseqüentemente, do resultado conjunto.
44
45
Argumento
É a nomenclatura mais apropriada que encontrei para definir o componente
principal: o que queremos dizer. O ponto de partida, no acontecimento teatral, mais
freqüentemente é o texto, ou dramaturgia, mas não apenas; pode ser uma imagem,
um som ou um conjunto deles, uma música, um figurino, um espaço ou paisagem,
uma situação dada por uma relação entre espaço e luz, um gesto, um movimento
corporal.
Seja qual for o argumento, ele é o componente principal a ser desvendado,
mas como um ser vivo e não como uma idéia apenas; esta forma de conduta, a meu
ver, é uma chave para tratar não apenas com o argumento, mas com todos os
aspectos do fazer teatral. A Cenografia, por exemplo, ao invés de propor a simples
transposição de uma idéia para preencher um espaço, poderá desempenhar um papel
de colaboradora ao criar um espaço que dialogue vivamente com os demais
componentes, ao considerá-los em relação a esse espaço que está por ser definido.
Exercitar uma análise mais aprofundada do argumento nos liberta para um
trabalho mais criativo e menos ilustrativo. No processo de criação e realização do
evento teatral estamos o tempo todo diante daquilo que queremos dizer e das suas
possíveis interpretações. Embora muitos textos tragam rubricas que propõem uma
idéia visual ou de organização espacial para obra, na medida em que mergulhamos no
texto e trazemos à sua superfície uma síntese, um olhar, torna-se possível, sem
distanciar-se da obra, propor uma outra visualidade que dialogue com ela. Não existe,
no entanto, uma verdade inequívoca, a obra está para ser interpretada. Assim, o que
rege é a clareza sobre o que se deseja expressar através dela. Esse mergulho na obra
e nas intenções da realização teatral ajuda a evitar que os artistas fiquem retidos,
iconograficamente no caso da Cenografia, na superfície da fábula.
Assim como uma personagem, por exemplo, pode ser elaborada para além do
que está textualmente descrito em um texto, ou inicialmente proposto em um gesto, o
mesmo se dá com a encenação e com os elementos que dela participam. Tornados
menos explicativos, menos evidenciados, os componentes cênicos podem ampliar e
aprimorar a forma como expressam uma idéia, tornados elementos vivos que dialogam
com seu contexto, imbuídos de vida e de sentidos, complementando ou reforçando o
argumento.
46
Pesquisa
Investigar sobre o argumento, buscar compreendê-lo, dispor de instrumentos
que colaborem para sua análise, é um passo importante para o desenvolvimento do
processo criativo que já teve seu início na definição do argumento. Para esta
compreensão recorremos não apenas ao nosso próprio repertório, nossa bagagem
cultural e artística, como também à pesquisa mais focada ao assunto proposto. Tão
importante, ao longo do nosso percurso, quanto a construção deste repertório – ler,
ouvir, ver, sentir: teatro, música, artes, literatura, cinema, ópera, shows... - é também a
capacidade que desenvolvemos para a ação de pesquisar; aprender a pesquisar,
saber procurar e saber quando encontramos algo relevante, e, sobretudo, refletir sobre
todas estas informações e vivências coletadas em relação ao assunto em questão.
A tendência da prática cênica contemporânea está em não dissociar o
processo de trabalho da realização cênica final. O espetáculo deve dar conta não
apenas do enunciado, como também da atitude e da intenção propostas pelos
criadores diante dele. A encenação contemporânea, portanto, não apenas conta uma
estória, mas também instiga à reflexão e, para que se possa levar verdadeiramente a
esta participação, precisamos ter uma boa compreensão daquilo sobre o qual estamos
falando e do processo que conduzimos.
O processo de trabalho é em si uma pesquisa através do qual procuramos a
compreensão do enunciado e das possibilidades de linguagem para formulá-lo. A
análise conjunta dos vários aspectos que participam da criação do espetáculo – uma
leitura em grupo, um ensaio, uma discussão, uma outra leitura, um outro ensaio, um
outro leitor, um espaço, uma situação, uma performance, a presença de um autor,
experimentação, luz, indumentária, objetos empregados com intenção cênica, matéria,
forma, cor, etc. Desenvolver o conhecimento sobre a linguagem teatral, ou específica,
e sua trajetória histórica, o que já foi proposto, com que intenção, em qual contexto,
nos impulsiona a estabelecer relações pertinentes ao nosso contexto, aos recursos
que dispomos e intenções que nos motivam.
47
48
Ação e Recepção a presença do Humano
A partir do argumento, daquilo que queremos exteriorizar, a pergunta que se
segue é: Quem vai comunicar? Para quem? A presença do humano, o encontro entre
o ator e o espectador configura a especificidade do acontecimento teatral. A
Cenografia irá desenvolver-se sobre o onde e quando será este encontro entre os
homens e será apresentada não apenas do ponto de vista do espectador, mas
inclusive do ponto de vista do ator. Trata, portanto, de olhar a partir de diferentes
ângulos e contextos. O cenógrafo cria ou produz sentido através de elementos visuais
e de sua orquestração. A este conjunto de componentes é atribuído o conceito de
sistema cênico
38
, conforme propõe Pavis, ou seja, a idéia de agrupar um conjunto de
signos, em contraponto à idéia de um signo ou de unidade mínima, mas que sugere
uma leitura do espetáculo como: “um objeto atravessado por vetorizações em todos os
sentidos”, como diz Patrice Pavis.
A Cenografia é a responsável por promover a integração entre espaço e tempo,
de forma que a audiência possa conscientizar-se desta relação e que o ator possa
relacionar-se com essas dimensões. Trata-se de uma viagem na tentativa de inferir
sobre o estado de consciência humana, propondo aos indivíduos presentes a
percepção desta relação entre o espaço e o tempo na relação com o jogo, na qual ele
busca criar condições para que seja possível transcender do ponto de vista histórico,
por exemplo, para a atualidade. Ao mesmo tempo, a Cenografia, procura manter um
diálogo com a realidade, para que o público, bem como os atores, mantenham alguma
comunicabilidade visual com o mundo real, com os repertórios individuais e coletivos,
e portanto, com a atualidade. Assim, o espaço e os elementos visuais que o compõem
precisam estar imbuídos de sentidos que dialoguem com o argumento. Nesta
empreitada o cenógrafo procura possibilidades que melhor atendam à proposição do
enunciado, uma visão equilibrada, um estar físico, um elemento significante, na
situação do jogo de esconder e revelar. O trabalho dos atores alimenta e ao mesmo
temo restringe o desenvolvimento criativo do cenógrafo, e vice-e-versa. Um gesto do
ator, por exemplo, que desenha uma linha imaginária no espaço poderá ser percebido
pelo cenógrafo que, a partir deste dado poderá criar uma forma de diálogo entre este
movimento e os demais elementos presentes neste espaço. No processo de criação
teatral, assim como o espaço se ajustará ao gesto, o gesto também irá se reorganizar
em relação a um outro gesto, ao espaço e aos demais elementos cênicos.
38
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”, Perspectiva, 2001. pgs. 361 e 422.
49
Espaço Espaço Cênico - Espaço Teatral
Componente que trata essencialmente da definição sobre onde será o encontro
entre os homens. Podemos pensar sobre o espaço inclusive como argumento a partir
do qual iremos desenvolver os demais elementos integrantes do evento teatral.
Ao cenógrafo cabe criar ou modificar um espaço na intenção de torná-lo
específico para o acontecimento teatral; a cada projeto cabe um lugar especifico. .A
Cenografia enquanto espaço cênico, volta-se para a elaboração de uma atmosfera
que parte da imagem e da organização deste espaço. Nesse processo o cenógrafo
deve ser capaz inclusive de apropriar-se das qualidades de um espaço dado e
desenhá-lo ou recriá-lo para que se torne específico a cada encenação. Ao público, é
importante deixar claro a presença do cenógrafo no espetáculo.
Na prática contemporânea, vê-se de um lado a inquietude do artista diante de
um espaço já formalizado, buscando e propondo espacialmente novas relações entre
o espaço cênico e o espaço da audiência. Do outro lado, a ocupação predominante de
espaços de tipologia italiana, ou simplesmente frontal. Do ponto de vista Histórico
percebe-se que estes paralelos sempre existiram – o Teatro dentro do edifício teatral e
o Teatro fora do “teatro”. Diante da sua influência na realidade da prática teatral, mas
sem discriminações, poder-se-ia pensar no palco italiano por um outro ponto de vista,
talvez começando por branquear a caixa cênica. Assim como a caixa preta é o espaço
da ilusão, percebo a caixa branca como o espaço da reflexão. Intrigante notar que as
conferências e trabalhos em auditório – debates, palestras, sempre se utilizam da
vestimenta cênica da caixa, vestimenta preta, simplesmente porque está lá, fica bom,
apresentável, sem falhas. O branco, logo aprende-se que não pode! Porque absorve
muita luz... Por que não pode, tudo pode, menos o branco?
Para além do edifício teatral existe a possibilidade de optar por um espaço
inusitado ou um espaço específico. Na prática, artistas e público deparam-se com
espaços “inusitados”, “alternativos” ou “não-convencionais”, que pela freqüência com
que são utilizados deixam de surpreender, e muitas vezes tornam-se espaços teatrais
que reprisam relações já conhecidas entre espaço cênico e da audiência.
50
O espaço específico pode conter a qualidade de inusitado, mas mais
importante neste caso é o fato de que o acontecimento teatral define um lugar único
para a representação e não poderá ocorrer em nenhum outro. O espaço teatral, que
compreenderá o espaço cênico e o espaço da audiência, deve ser escolhido a partir
de características que respondam diretamente ao enunciado. Espaços que poderão
ser lapidados, digamos assim, pelo trabalho da Cenografia, da Luz, mas que ainda
assim manterão suas identidades latentes. Dentro do conceito de espaço específico
poderemos nos deparar com paisagens de interiores ou exteriores que podem ser
arrebatadoras e que por vezes até venham a se sobrepor à visualidade cênica ou ao
argumento. Paisagens às vezes tornam-se maiores e mais presentes do que o próprio
encontro A encenação poderá explorar tanto possibilidades de percurso como de
platéia fixa, uma vez que o conceito de espaço específico não define esta situação.
Este conceito pode ser ilustrado com o trabalho mais recente do grupo Teatro da
Vertigem, “BR3”, cujo espaço específico conta com a paisagem do Rio Tietê.
Durante o processo criativo, muitas perguntas são colocadas em relação à
escolha, como locação ou representação, de um determinado espaço em detrimento
de outro. As decisões incorrem sobre a definição de um espaço que se julga ser o
mais apropriado para um determinado discurso teatral. Sobre a possibilidade real de o
cenógrafo poder definir um tipo de espaço: convencional, inusitado, específico,
dependerá, na prática de uma serie de contingências. A produção poderá
simplesmente apresentar um determinado teatro; a direção ou o criador do projeto
poderá convidar o cenógrafo a investigar e propor possibilidades espaciais. Seja qual
for a condução do processo criativo, a partir da definição do espaço físico para a
realização do acontecimento, o cenógrafo se vê diante do conflito entre até que ponto
o espaço inusitado limita ou liberta para os procedimentos do espetáculo teatral, ou
até que ponto o edifício teatral limita ou liberta para os mesmos.
51
52
Tempo
Componente vinculado à definição de quando ou durante qual período se dará
o encontro. Na prática é difícil dissociar a proposição de Tempo e Espaço; elas
emergem simultaneamente com a evolução da encenação.
Muitas vezes, ao cenógrafo é solicitada a criação de um espaço que não
remeta a um tempo específico, mas que responda a uma proposição de
“atemporalidade”. O que significa muitas vezes que a obra, o texto, tem que ser
transferido a um contexto indefinido, sem uma determinada localização histórica ou
mesmo sem defini-lo na contemporaneidade. Outras vezes, diante de um texto que
remete a uma época histórica muito anterior, emerge a necessidade de trazê-lo para
um diálogo mais atual. A atribuição de um tempo específico que está na superfície da
obra, se não é transposta a um outro localizador temporal, pode revelar-se um
impedimento para o espectador mergulhar na essência desta obra. O conceito de
atemporalidade, a meu ver, é muito frágil, uma vez que ao colocar um objeto em cena,
este objeto remeterá diretamente a um determinado tempo-espaço e mais forte ainda
do que o objeto, a indumentária. Assim, mais uma vez faz-se necessário buscar o
essencial no enunciado, voltando o pensamento e olhar sobre o que se quer dizer, a
fim de solucionar a definição sobre o tratamento que será conferido ao Tempo. A
transposição do tempo indicado em um texto, propondo ao espectador uma possível
relação com a atualidade, com o indivíduo, ou seja, com o contexto presente, é uma
atitude que colabora para que o essencial na obra transpareça, permitindo assim ir
além da superfície da fábula.
O conceito de Tempo, no contexto teatral, desdobra-se em tempo cênico e
tempo dramático
39
. Estes dois conceitos quando reunidos no acontecimento teatral,
são capazes de conduzir o espectador a um lugar não referencial, que pode ser real
ou não, que pode ter a duração do tempo real ali presente ou remetê-lo a uma outra
dimensão de tempo. De qualquer forma, seu sentido, sua percepção sobre o
transcorrer de um tempo real será alterado.
39
tempo cênico e tempo dramático, segundo Patrice Pavis distinguem-se pela sua natureza sendo: o
tempo cênico:” o tempo que remete a si mesmo, ou seja, o tempo da representação que está se
desenrolando e aquele do espectador que está assistindo, cronologicamente mensurável”;
o tempo
dramático:” o tempo da ficção, próprio de todo o discurso narrativo que anuncia e fixa uma temporalidade,
criando uma ilusão referencial de um outro mundo...Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”. Perspectiva,
2001. pgs. 400 e 401.
53
Diante de um texto clássico como, por exemplo, Édipo Rei de Sófocles, cuja
estrutura dramática apresenta-se apoiada em chaves de convenções tradicionais de
construção de texto e/ ou encenação, percebe-se que o tempo é aquele transcorrido,
ou seja, a encenação dura o tempo real. A duração é a mesma do tempo do texto, que
culmina com o por do sol, de acordo com a encenação original. Não estamos,
entretanto, na Grécia Antiga e o Teatro já se transformou muito de lá para cá; a
atribuição de tempo para este encontro pode transcender a nossa percepção de tempo
real ou o próprio decorrer de tempo real. Outro bom exemplo é a cena da peça
Esperando Godot, de Beckett, na qual a árvore só em galhos, sem folhas, na
passagem de tempo de apenas um dia aparece coberta novamente por elas. O Tempo
na situação do acontecimento teatral nos liberta para outras possibilidades de
ordenação entre a causa e sua conseqüência, assumindo, provisoriamente, durante o
evento, mais do que uma única dimensão.
54
Sistema Cênico Sistema Artístico e Técnica
Refere-se aos recursos que serão utilizados durante o processo criativo para a
realização da Cenografia; poderiam ser também denominados dispositivos ou, mais
simplesmente, ferramentas.
Estes recursos possibilitam não apenas o desenvolvimento do processo
criativo, como também a compreensão acerca do enunciado; reúnem toda a
“bagagem” cultural, vivências, tudo que é aprendido durante a formação e prática; são,
portanto, ilimitados. O designer, em geral, usa sentidos, formas, cores, composições,
com os quais constituí imagens, espaços para expressar criativamente um diálogo
com o mundo, o que demanda conhecimento desse conjunto. Com relação aos
dispositivos técnico ele pode se valer das mesmas técnicas que outros profissionais
utilizam, mas o repertório artístico nunca será igual, ele é individualizado e este é o
aspecto que diferencia os processos e seus resultados. A opção do profissional por
técnicas específicas, certamente também será responsável no desenvolvimento de
uma forma particular de tratar uma determinada matéria. Estes repertórios somados
transformam-se em formas de ver e interpretar o mundo, que podem ser captadas ou
não, pelos parceiros de criação e pela audiência, dependendo da vivência de cada
indivíduo.
O emprego do termo Sistema Cênico
40
, aqui proposto, apóia-se nos conceitos
apresentados por Patrice Pavis, que define sistema cênico ou sistema significante
como: o agrupamento de um conjunto de signos pertencentes a um mesmo material (iluminação,
gestualidade, cenografia, etc.)” e que: “abarca ao mesmo tempo a organização interna de um dos
sistemas e das relações dos sistemas entre si”.
Ainda sobre o termo, Pavis o relaciona ao conceito de materiais cênicos
41
através de duas abordagens, sendo que nos interessa a primeira: 1. Sistemas
Significantes: as diferentes artes ou práticas cênicas (pintura, arquitetura, projeções fixas e animadas,
música, ruídos, enunciação do texto) são às vezes chamadas, quando consideradas sob o aspecto de
signos*, de sistemas significantes ou sistema cênico. Os materiais cênicos são os signos usados pela
representação em sua dimensão de significante, a saber, em sua materialidade, etc.”.
40
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”. Perspectiva, 2001. pg. 361.
41
Patrice Pavis, “Dicionário de Teatro”. Perspectiva, 2001. pg. 235.
55
O termo Sistema Cênico apresenta um caráter mais abrangente, reunindo
elementos específicos da criação cenográfica e os componentes colaboradores que
constituem e modificam essa obra a partir da maneira como se relacionam entre si.
Sistema Cênico representa, portanto, o conjunto de ferramentas que o artista e
profissional da área das Artes Cênicas reune ao longo de seu aprendizado, de seu
processo de desenvolvimento e formação intelectual, sensível e profissional. Quando o
artista se lança à criação cenográfica, esses componentes já estão na sua “maleta”, na
mente, no olhar, na capacidade de observar e de exteriorizar de acordo com a
linguagem teatral, neste caso. Este desenvolvimento é ilimitado, uma vez que ao longo
de sua trajetória ele irá certamente acumular outros conhecimentos e experiências,
mas é preciso, de saída, ter um amplo repertório
42
. Na prática, se poderia pensar que
este componente confunde-se com outro: pesquisa. Para diferenciá-los, considera-se
a pesquisa como uma etapa posterior, algo que permitirá verticalizar o conhecimento a
partir de um detalhe ou de um sentido que buscamos aprofundar.
Tomemos como exemplo a representação de uma criação cenográfica, do
ponto de vista da técnica. Diante da formulação de idéias e reflexões, chegará o
momento em que será necessário dividi-las com os demais colaboradores. Anunciá-
las através de uma descrição verbal?... Na prática não funciona, nem todos com toda
a boa vontade irão visualizar detalhes ou criar uma mesma imagem a partir de uma
exposição verbal. A representação de idéias plásticas se dá através de desenhos,
esboços, pinturas, relevos, colagens, objetos tridimensionais, fotomontagens, etc.
Estas ferramentas já precisam ser do domínio do cenógrafo, não haverá tempo de
aprendê-las todas; é pertinente experimentar técnicas específicas, por exemplo, para
obter uma determinada cor. Se não obtemos exatamente o resultado desejado, o
sentido também poderá ser alterado, distanciando-se daquilo que é intencionado.
Assim, a técnica e os sistemas artísticos, ou significantes, não existem de
forma dissociada. As imagens e símbolos que comunicam ao coletivo, as que são
específicas de uma determinada cultura, o significado dos termos que compõem um
texto, as técnicas específicas para elaborar uma proposição artística, fazem parte
dessa maleta; os desdobramentos possíveis e específicos é que serão pesquisados.
A partir de um repertório próprio, o cenógrafo deve ser capaz de criar uma combinação
42
Repertório: def. coleção, compilação, conjunto. Termo usado segundo definição de “Dicionário da
Língua Portuguesa”, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Nova Fronteira,1999. pg. 1744.
56
de imagens e linguagem para melhor representar o que é o projeto, não se limitar a
uma fórmula de fazê-lo. No caso da representação de uma idéia, por exemplo, uma
maquete pode ser uma fantástica ferramenta de estudo no processo, mas talvez não
seja suficiente para apresentar ao outro a atmosfera que se deseja criar, ou exaltar as
possibilidades para além do próprio projeto. Valer-se dessas ferramentas, o que
significa desenvolver essa “bagagem”, permite ao cenógrafo visualizar o todo,
perceber conscientemente a segmentação desse todo e onde poderá levar o que será
selecionado durante o desenrolar dos processos criativos, não apenas da Cenografia,
mas dos demais componentes colaboradores; permite a compreensão da existência
de um sistema, um conjunto. Sem esta compreensão o cenógrafo não poderá levantar
questões sobre o que não pode definir claramente e tampouco poderá colaborar para
o desenvolvimento do projeto, conseqüentemente, da linguagem teatral.
57
58
Senão um componente no sentido anteriormente utilizado, mas condição
fundamental para iniciar um processo criativo é a motivação, sem a qual não acredito
seja possível desenvolver qualquer trabalho criativo, na prática cenográfica ou,
amplamente, na prática teatral. Existe sempre a possibilidade de nos depararmos com
enunciados, textos ou projetos com os quais não temos empatia; a questão é,
devemos levá-los adiante? Abandoná-los? Ou procurar alguma motivação nele, como
um desafio? Encontrar algo que possa ser motivador ou não levá-lo adiante. Estamos
desde o princípio diante de perguntas e da necessidade de fazer escolhas para que o
processo seja deflagrado. Esta, se não é a primeira pergunta é a segunda. A primeira
poderia ser simplesmente: “O que quero expressar” e então o argumento poderá surgir
da Cenografia, ou inclusive ser ela mesma. No caso em que alguém outro ou um
conjunto de indivíduos façam esta pergunta, a próxima será de fato dirigida à seguinte
escolha: há empatia com o enunciado proposto? para que no instante posterior
possamos voltar às perguntas que surgem como conseqüência da escolha positiva,
como por exemplo: O que eu gostaria de dizer sobre isto? O que eu gostaria de dizer
sobre isto vai ao encontro do que os demais querem dizer, ou complementa? E assim
por diante.
Fazemos sempre muitas perguntas durante o processo criativo e precisamos
reconhecer quais são pertinentes e motivadoras de respostas criativas, e quais são
relativas às inseguranças que também nos acompanham no desenvolvimento desse
processo. Considerando a especificidade do Teatro, sua presença, evolução,
permanência, continuidade, um Teatro que está sempre buscando caminhos a serem
ainda trilhados e que se preocupa em lapidar as relações humanas na
contemporaneidade, somos levados a refletir sobre a nossa conduta, na prática
durante o processo do fazer teatral. Em relação ao desempenho artístico, em seu
processo de trabalho, o cenógrafo constantemente se pergunta sobre como se colocar
e equilibrar sua visão artística diante da colaboração de outros artistas que integram
este fazer. No universo da técnica deve refletir sobre quais as formas de
representação mais apropriadas para expressar cada uma de suas propostas:
maquetes? desenhos? experimentações em escala real?, dependendo de quem irá
visualizá-las, ou experimentá-las, e não simplesmente acomodar-se em uma única
forma de representação.
59
O ENSINO DA CENOGRAFIA NO BRASIL
60
Formação e Regulamentação
Atualmente, é fato que profissionais formados nas mais distintas áreas de
criação atuam como cenógrafos no Brasil. O cenógrafo, em muitos casos, traça um
percurso tortuoso de formação, podendo até iniciar esta trajetória em curso de Artes
Cênicas, mas na maioria dos casos a formação universitária tem origem nas Artes
Plásticas, na Arquitetura, no Design, na Moda, com busca posterior de alguma
especialização em Cenografia. Este percurso certamente aparece refletido nos
processos de criação e na realização de uma obra teatral. Com um pouco de atenção,
é possível identificar as diferentes origens do cenógrafo impressas nos resultados de
seus trabalhos. Muitos buscam a formação não-convencional em Cenografia teatral
através de cursos livres, assistências a profissionais já atuantes e, por vezes junto a
grupos teatrais. A dramaturgia, as relações com o trabalho do ator e com o espectador
teatral, nestes casos, ficam para a etapa do aprendizado prático.
Este caráter fragmentado da formação do cenógrafo ocorre, em grande parte,
como conseqüência da escassez de cursos superiores com esta habilitação
específica; em alguns casos também resulta de uma avaliação equivocada de que se
trata de um campo que não requer formação específica. Importante ressaltar que a
Cenografia, por regulamentação do Ministério do Trabalho, é uma atividade que exige
legalmente do indivíduo que quer exercer sua prática, a formação no terceiro grau,
superior. Os cursos universitários com habilitação em Cenografia no Brasil resumem-
se a três: UNIRIO e UFRJ, no Rio de Janeiro e a recém reaberta habilitação da
ECA/USP, em São Paulo. Algumas das universidades que habilitam em Artes Cênicas
apresentam em seu currículo as disciplinas Cenografia, Indumentária e por vezes
também a Iluminação. Devemos considerar ainda, em algumas universidades, os
cursos de pós-graduação que permitem a pesquisa e aperfeiçoamento neste campo.
Observa-se, que para além desta regulamentação, diante da carência de
cursos de terceiro grau nesta área, existe um quadro real caracterizado pela oferta de
cursos livres, workshops, aprendizado prático – assistências, produção. Estes cursos
ou vivências, formalmente só terão validade para aqueles que tiverem formação no
terceiro grau em áreas afins, uma vez que possam comprovar trabalhos realizados em
Cenografia perante o sindicado local responsável (Sated, Saterj, Sindicine (para o
cinema), etc.) órgãos que poderão conceder carta de reconhecimento profissional com
a qual será feito o registro junto ao Ministério do Trabalho. O profissional formado em
arquitetura, no entanto, pode requerer seu registro de cenógrafo, diretamente, mesmo
61
sem qualquer conhecimento da especificidade teatral, trazendo à tona a seguinte
questão: ele está habilitado para trabalhar com qual área da Cenografia? Neste ponto
começam os desdobramentos da função, digamos assim, da Cenografia.
O Ministério do Trabalho, através da CBO - Classificação Brasileira de
Ocupações
43
normatiza e regulamenta as profissões e suas responsabilidades. Em
2002, a CBO foi inteiramente reeditada, atualizando as descrições de todas as
ocupações, inclusive da Cenografia, que desde a década de 1970 até aquela data
utilizava uma descrição baseada em termos de origem francesa como o décor e,
naturalmente reunia equivocadamente cenógrafos e decoradores em um mesmo
grupo e conceitos. Esta nova classificação foi formulada por profissionais cenógrafos
atuantes no Teatro, no Cinema, na Televisão, no Carnaval, em Eventos e Parques.
A classificação da CBO compreende a Cenografia como uma atividade não
limitada ao Teatro e por isto sua definição é abrangente, tocando por vezes áreas e
atividades que não são específicas das Artes Cênicas. Mantenho estas anotações
porque registro aqui a realidade da prática profissional, entendendo que muito
provavelmente o cenógrafo não ficará limitado, em sua busca pela formação
profissional, ao aprendizado único e exclusivo das Artes Cênicas. Os tópicos Áreas de
Atividades e Competências pessoais traçam um panorama daquilo que pode estar sob
responsabilidade do cenógrafo atuante. Digo pode estar, porque as atividades foram
relacionadas a partir das experiências práticas dos profissionais presentes e, se
observarmos bem, existem limites muito tênues entre o trabalho do artista cenógrafo e
do produtor de Cenografia, pois algumas das atividades inerentes ao trabalho do
produtor são muitas vezes absorvidas pelo cenógrafo. A impressão é de um
profissional assoberbado por questões de produção. Esta impressão, no entanto, é um
reflexo da realidade. Assim como nos preocupamos com a formação deste
profissional, paralelamente deveríamos pensar sobre a formação de produtores de
Cenografia, bem como das demais funções técnicas vinculadas à Cenografia, cujos
profissionais são importantes parceiros do profissional cenógrafo, como por exemplo:
o cenotécnico, o maquinista, o aderecista, entre outros.
43
CBO – mais informações podem ser encontradas no site http://www.mtecbo.gov.br/
62
Cada ocupação recebe um código numérico que a identifica na relação da
CBO; nº2623 refere-se a ocupação Cenógrafo, e contempla os títulos correspondentes
às áreas de atuação. Transcrevo, abaixo, o texto que faz referência às atribuições e
responsabilidades deste profissional, extraído como se apresenta na publicação oficial
do Ministério do Trabalho:
2623-05 Cenógrafo carnavalesco e de festas populares
2623-10 Cenógrafo de cinema
2623-15 Cenógrafo de eventos
2623-20 Cenógrafo de teatro
2623-25 Cenógrafo de TV
2623-30 Diretor de arte
Descrição sumária
Formulam conceito artístico da cenografia, pesquisando a obra artística, seu contexto histórico,
perfil das personagens, autor e conteúdo possibilitando a compreensão do texto, dar corpo às palavras no
espaço e no tempo e criar ambientes e atmosferas que valorizam e enfatizam a concepção cênica;
elabora projeto cenográfico a partir de estudos preliminares do espaço cênico, viabilidade na utilização de
materiais e ajustes com equipes (artística, técnica e de produção) e acompanham sua concretização,
coordenando e supervisionando equipes de cenotécnica, produção cenográfica e outras equipes
envolvidas na montagem da cenografia; elaboram projeto cenográfico para adaptar cenografia a novos
lugares e espaços.
Condições gerais de exercício
Essa família ocupacional apresenta, além da especificidade teatral, uma evidente expansão de
sua inserção na produção cinematográfica, na programação televisiva, shows musicais, espetáculos de
dança, festas populares e escolas de samba, sendo muito comum os profissionais trabalharem em várias
dessas áreas. Predomina o trabalho autônomo ou em pequenas empresas. Nas escolas de samba atuam
sob contrato de prestação de serviços (autônomo/micro-empresas); nas emissoras de televisão
predomina vínculo com carteira assinada. Na execução do trabalho formam equipes, variando o grau de
autonomia segundo a ocupação. Trabalham em ambientes fechados e em horários irregulares, podendo
estar expostos a materiais tóxicos, ruído intenso, altas temperaturas, além de manter-se em posições
desconfortáveis por longos períodos e trabalhar sob pressão, levando à situação de estresse.
Formação e experiência
O exercício dessas ocupações requer curso superior completo ou experiência equivalente
(Cenógrafo carnavalesco e festas populares). O exercício pleno das atividades ocorre após cinco anos
(Diretor de arte), três a quatro anos para as demais ocupações (exceto Cenógrafo carnavalesco). Para o
Cenógrafo carnavalesco sem formação universitária requer-se curso básico profissionalizante de
duzentas horas-aula.
63
Áreas de Atividades
A -
FORMULAR CONCEITO ARTÍSTICO DA CENOGRAFIA
Pesquisar contexto histórico da obra artística
Pesquisar o autor e seu contexto
Pesquisar questões correlatas ao tema da obra artística
Pesquisar iconografia relacionada ao tema
Analisar perfil da personagem
Definir conceitos com diretores
Avaliar as necessidades espaciais da encenação
B - ELABORAR PROJETO CENOGRÁFICO
Detalhar projeto cenográfico
Elaborar soluções de cenotécnica
Executar maquetes da cenografia
Especificar materiais para cenotécnica e produção
Indicar equipes de produção cenográfica
Indicar equipes de cenotécnica
Orçar mão de obra
Orçar materiais
Apresentar projeto cenográfico para as equipes (Artística, técnica, produção)
Elaborar o cronograma da construção e montagem da cenografia
C- ELABORAR ESTUDO PRELIMINAR DA CENOGRAFIA
Realizar levantamento do espaço destinado ao evento
(Medidas, equipamentos, funções e regras)
Planejar áreas de ação cênica
Elaborar desenhos, ilustrações e perspectivas cena a cena ou quadro a quadro
Elaborar estudo volumétrico
Pesquisar resistência e aplicabilidade de materiais cênicos
D - ELABORAR ANTEPROJETO CENOGRÁFICO
Definir espaço cênico
Definir formas, texturas e cores de acordo com conceito artístico
Definir elementos estruturais da cenografia
Definir materiais para a construção dos elementos estruturais
Especificar materiais conforme conceito artístico
Definir adereços e objetos de cena
Definir ajustes da cenografia com equipe artística
Definir ajuste da cenografia com equipe técnica
Definir ajustes da cenografia com equipe de produção
64
E - ANALISAR PROPOSTA DE TRABALHO
Analisar dramaturgicamente textos e roteiros
Analisar propostas cênicas da direção
Avaliar planos orçamentários da produção
Avaliar cronogramas da produção
Elaborar métodos de trabalho
Definir processos de trabalho
Elaborar proposta de honorários
Estabelecer cláusulas do contrato de trabalho (Quando existir)
Participar de leituras de textos e roteiros com equipes
Participar de reuniões (Direção e produção)
Participar de ensaios
F- SUPERVISIONAR A CONSTRUÇÃO DA CENOGRAFIA
Supervisionar o cenotécnico na construção da cenografia
Supervisionar carpintaria
Supervisionar equipe de pintura de arte e pintura de liso (sem textura ou artística)
Supervisionar equipe de aderecistas e escultores
Supervisionar equipe de costura
Supervisionar equipe de serralheria
Supervisionar equipe de eletricistas
Supervisionar equipe de efeitos especiais
Orientar equipe de produção nos cuidados de embalagem e transporte do cenário
Supervisionar equipes especiais para projetos específicos
G- COORDENAR A MONTAGEM DA CENOGRAFIA
Coordenar cenotécnico na montagem
Coordenar equipe de maquinária de palco na montagem
Coordenar equipe de montadores de obras em exposições
Coordenar equipe de contra-regragem na montagem
Orientar diretor de cena na montagem
Coordenar equipe de produção cenográfica em estúdio e externa (TV e cinema) Coordenar
equipe de palco, estúdio e externas na montagem
H- AFINAR CENOGRAFIA
Ajustar técnica e artisticamente a cenografia
Ajustar cenografia a partir de ensaios artísticos
Ajustar cenografia a partir de ensaios técnicos
Ajustar cenografia a partir do ensaio geral
Orientar a manutenção do funcionamento da cenografia
65
I- ADAPTAR CENOGRAFIA A NOVOS LUGARES E ESPAÇOS
Redimensionar projeto cenográfico
Adaptar a construção da cenografia
Elaborar a remontagem da cenografia
Supervisionar afinação da adaptação cenográfica
Competências pessoais
- Dominar linguagem de representação gráfica
- Dialogar com as equipes técnica, artística e produção
- Desenvolver percepção visual e espacial
- Atualizar-se em história da arte e história geral
- Atualizar-se com publicações técnicas e artísticas
- Atualizar-se em dramaturgia
- Atualizar-se tecnicamente e em pesquisa de materiais
- Atualizar-se no uso de softwares aplicados a representação gráfica
- Participar de congressos, eventos na área e de entidades de classe
- Trabalhar em equipe
A Cenografia nos últimos quinze anos passou a ganhar maior visibilidade. É
também hoje mais abrangente, revelaram-se novos caminhos, abriram-se espaços
para sua atuação e para um contingente maior. Existe um amplo mercado de atuação
do cenógrafo que não se limita às Artes Cênicas. Na prática, os cenógrafos se rendem
a outras áreas de atuação e função da Cenografia, porque é de fato muito difícil
subsistir com a Cenografia teatral. Existe sem dúvida um enorme interesse pelo
aprendizado da Cenografia como podemos observar na concorrência por alguns
cursos livres, workshops, ateliês de curta duração, a exemplo de São Paulo, onde
muitos profissionais, das Artes Cênicas ou de outras áreas, estudantes, e também
cenógrafos já atuantes, não apenas da capital, mas de outras cidades e estados
procuram caminhos para esta especialização. Nas universidades também se vê a
procura por esta disciplina. O que os estudantes ou profissionais de outras áreas
buscam, seja na universidade ou nos cursos informais? Um caminho possível para um
campo de trabalho ou o desenvolvimento artístico?
Embora a regulamentação seja clara em exigir o registro de DRT para a
ocupação Cenografia, obrigando a formação em nível superior, precisamos lembrar
que quando atribuímos a uma atividade o caráter de artístico, abrimos espaço para a
possibilidade do autodidatismo, o que parece um tanto contraditório. A partir da minha
própria experiência, na prática e de formação, venho já há algum tempo questionando
66
alguns processos, sobretudo os informais, da formação do cenógrafo teatral, o que me
levou a definir parâmetros para esta reflexão, apoiada na compreensão de que a
Cenografia é uma disciplina de formação complexa que necessita de bases
multidisciplinares. Para compô-la, exige mais do que a intuição pode dar, exige
experiência, cultura e conhecimento, não apenas artístico, mas também conhecimento
técnico acerca da especificidade desta linguagem e da sua área de atuação.
Na informalidade, em muitos casos, o que vemos é uma formação muito pouco
relacionada ao componente humano, no sentido da prática teatral. Desenvolver uma
idéia espacial utilizando a representação através de uma maquete, simplesmente, não
habilita à cenografia. Muitas vezes não há tempo, disposição, ou planejamento para o
desenvolvimento de um trabalho, ou exercício criativo, que permita ao aluno
compreender ou vivenciar o diálogo inerente ao processo do fazer teatral, ou aprender
algumas de suas técnicas específicas para a transposição de uma idéia a uma
situação real, concretizada ou imaginada, minimamente. Em contrapartida temos
alguns cursos informais que aproximam o individuo da prática real, da figura do
cenógrafo em seu contexto de atuação prática. Esta experiência, ou campo de
aprendizado, no entanto, não garante a ele, estudante, um espaço para seu
desenvolvimento artístico.
No ensino formal, vemos, de um lado, profissionais sendo formados por
universidades de Artes, Arquitetura, Design e Moda, desenvolvendo capacidades
artísticas e técnicas, mas com nenhum ou muito pouco contato com as Artes Cênicas,
com a dramaturgia, com os sistemas específicos do teatro, e até mesmo com
pouquíssima experiência enquanto espectadores. De outro lado, há aqueles que se
formam nas universidades de Artes Cênicas, em Bacharelado, em cursos cujas grades
curriculares apresentam apenas as disciplinas, e não habilitação, relativas às artes
visuais cênicas, em apenas um ou dois módulos, o que por sua vez, à luz da prática,
nos conduz a algumas perguntas: até onde estes profissionais podem e querem
assumir o papel de cenógrafo ou figurinista, ou iluminador, no acontecimento teatral?
Existe alguma motivação para que desejem seguir o caminho das visualidades cênicas
ou não é a isto que se propõem os cursos? São conscientes de suas limitações para
este fazer? Ou o que existe é uma ilusão de que podem fazê-lo? Quem sabe exista o
desejo de fazê-lo de fato, mas quando o indivíduo, no decorrer do processo depara-se
com o momento de decidir-se pela direção ou interpretação de um lado e de outro pela
produção, construção, montagem de cenários, etc., não irá ele naturalmente ao
encontro daquilo para o qual foi exaustivamente treinado?
67
A interdisciplinaridade como caminho para a formação de um profissional do
Teatro, em contraponto à especialização, pode propiciar uma vivência mais ampla das
disciplinas do fazer teatral e conduzir o estudante ao encontro das suas habilidades
inerentes e das linguagens através dos quais poderá expressar-se melhor. Na
interdisciplinaridade o que me parece um desafio é como equilibrar horizontalmente
estas disciplinas na base desta construção, rompendo definitivamente com a
hierarquização. Necessariamente o artista terá em algum momento que aprender e
desenvolver as ferramentas específicas das disciplinas, podendo inclusive ter a opção
pela especialização em alguma destas áreas. Não está em discussão aqui, no entanto,
a interdisciplinaridade ou a especialização. A investigação aqui proposta discute a
instrumentação do cenógrafo, sua atualização e sua capacitação para que possa criar
qualquer espaço cênico, com confiança não apenas sobre seu potencial artístico,
como também o cultural e o técnico, atuando com autocrítica e reconhecendo as
decisões mais corretas a serem tomadas, e com a competência para estabelecer um
diálogo produtivo com os demais artistas colaboradores.
Historicamente os cursos de Teatro no Brasil até 1965 funcionavam como
cursos livres. Existiam cursos ministrados pelo Conservatório Nacional de Teatro,
órgão subordinado ao Serviço Nacional de Teatro. Em 1965, o Conselho Nacional de
Teatro fixou, através da Lei nº 4641, a regulamentação dos cursos de teatro, com três
categorias específicas que passariam a ser de âmbito do ensino superior e para as
quais seriam fixados os currículos e duração mínimos, a saber: Direção Teatral,
Cenografia e Professorado de Arte Dramática. A Cenografia, além de habilitação,
desde então, constava da grade curricular mínima como disciplina comum às três
habilitações. Na reforma de ensino em 1971, foi criado o Bacharelado em Artes
Cênicas, com diferentes modalidades de habilitação: Direção Teatral, Cenografia,
Interpretação Teatral e Teoria do Teatro. Acreditava-se que esta seria uma formação
condizente com o desenvolvimento do teatro brasileiro, onde poderiam ser instauradas
a priori condições de interdependência entre as áreas de uma mesma arte. Ficariam
assim divididos os cursos superiores de Teatro em: Bacharelado e Licenciatura. A
Licenciatura por sua vez passaria a ser uma habilitação do curso de Licenciatura em
Educação Artística. Em 1999 foi desenvolvido um projeto atualizando as diretrizes
curriculares, realizado pelo MEC com a colaboração da Secretaria de Educação
Superior – SESU, da Coordenação das Comissões de Especialistas do Ensino e, da
Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Cênicas. Este documento, além de
apresentar conceitos potenciais para nortear o ensino de graduação do teatro atual,
constitui estímulo para que as universidades reflitam sobre a possibilidade de ampliar
68
a oferta de habilitações específicas. A Cenografia é dentre as cinco subáreas de
formação em teatro, a que mais carece desta expansão e de uma boa reflexão sobre
como tratá-la. Vemos atualmente um crescente interesse pela pesquisa neste campo,
seja de recorte histórico ou contemporâneo, relativos à sua prática e ao seu ensino.
Embora a habilitação em Cenografia no curso superior esteja prevista desde a
década de 1960, nota-se ainda que muitos dos cursos universitários de Artes Cênicas
mantêm apenas as demais habilitações. Mesmo sendo reconhecida como habilitação
e regulamentada, a Cenografia, que passa por um momento de expansão em seu
campo de pesquisa e de atuação, ainda é um campo carente de formação. Este
crescimento de alguma forma instiga à reflexão sobre caminhos para o aprendizado e
prática dessa linguagem. Vivemos um momento de valorização desse profissional, que
por si busca caminhos a partir dos quais possa evoluir em seus próprios
procedimentos em relação à sua expressão artística diante da cena contemporânea
e/ou às demandas de mercado. A aproximação da Cenografia à especificidade da
linguagem cênica, no campo da formação, parece o caminho primordial, necessário,
ao mesmo tempo em que deveríamos identificar vínculos possíveis e produtivos entre
a escola de Artes Cênicas e as demais escolas de Artes Plásticas, Design, Arquitetura,
Comunicação. O curso de Cenografia é exclusivo das Artes Cênicas? Deveria cada
escola manter um curso de Cenografia? Isto é viável? Como se dá na prática a
comunicação entre as escolas, existentes? Existem possibilidades de integração e
intercâmbios?
No desenvolvimento desta pesquisa busco também algumas respostas acerca
das possibilidades de diálogo entre as instituições que formam o cenógrafo e
considerando as suas diversas áreas de atuação. Mas o que mais me chama a
atenção, hoje, é que o cenógrafo precisa redefinir a sua conduta diante da prática
cenográfica, e procurar equilibrar as suas ditas atribuições com a necessidade de
expressar-se artisticamente. Com este olhar observo o quadro atual da formação do
profissional cenógrafo e procuro apontar respostas para a seguinte inquietação:
Quais impulsos, caminhos, a partir das estruturas hoje vigentes, poderiam colaborar para o
desenvolvimento desse profissional e da sua relação com os demais profissionais de teatro
durante o seu aprendizado e, posteriormente, na prática profissional, de forma a não ser
apenas um profissional a serviço de, mas um potencial artista e colaborador?
69
As Universidades
A pesquisa bibliográfica, as universidades, os cursos livres, a prática
profissional como processo, seriam todos caminhos ricos e de grande abrangência
para a pesquisa e é sem dúvida muito difícil dissociá-los, mas ao mesmo tempo
impraticável reuni-los todos e tratá-los com a mesma profundidade. No decorrer da
pesquisa optei por concentrar a atenção nos caminhos de formação do futuro
cenógrafo que apresentassem coerência com a regulamentação desta profissão. O
que levou a restringir a pesquisa, no campo da formação, às universidades, deixando
de lado os cursos livres, por entender que estes por sua vez não atendem diretamente
às exigências da normatização existente.
Desta forma passei a pesquisar as estruturas de prática e formação do
cenógrafo no âmbito das universidades, onde estão reunidos estudantes e educadores
que são, também, profissionais atuantes do Teatro. Acrescento a esta pesquisa a
minha experiência como profissional atuante em Cenografia e Indumentária, no Teatro
e de Direção de Arte, no Cinema. Outra experiência de relevância que colabora para
com esta pesquisa no campo da formação, é a SCENOFEST – um programa paralelo
à Quadrienal de Cenografia e Indumentária de Praga, criado e organizado pela
Comissão de Educação da OISTAT. A SCENOFEST
44
teve importante contribuição no
início de minha pesquisa, ao conduzir meu olhar para as universidades, revelando-me
ser este o contexto no qual é possível identificar potenciais relações de diálogo entre a
prática e o ensino da Cenografia.
O contexto das universidades apresenta-se de fato um campo muito rico a ser
explorado, respondendo aos objetivos propostos dessa pesquisa, porque reúne
elementos intrínsecos à prática, à formação e à pesquisa, organizados e relacionados
44
Scenofest, programa da Comissão de Educação da OISTAT – Organização Internacional dos Artistas
e Técnicos Teatrais – que integra a Quadrienal de Praga. Promove o intercâmbio entre estudantes,
professores e profissionais atuantes em torno de um diálogo e mútua cooperação para um aprimoramento
da formação do futuro artista cenógrafo. Em 2003, a Comissão organizou uma extensa programação que
incluía performances, debates, palestras, workshops, demonstrações técnicas e, especialmente, o projeto
Lear for our times. Através deste projeto foi possível reunir escolas do mundo inteiro com o objetivo de
conhecer e apresentar diversos processos de ensino do fazer cenográfico. Durante 10 dias, em um total
de 30 horas, foram apresentados e debatidos mais de 50 projetos. Cada projeto contava com
apresentação presencial dos estudantes, além de texto, maquetes, desenhos, dirigida a uma “banca
examinadora” formada por cenógrafos, diretores, dramaturgos profissionais e professores de renomadas
instituições do mundo.
70
através das instituições, seus profissionais formadores, a maioria envolvida com a
prática e a pesquisa, e os futuros cenógrafos. Essa estrutura permite e fomenta a
comunicação entre as instituições, os profissionais, os alunos e a prática, que assim é
possível pelo seu caráter investigativo, na qual a pesquisa é uma constante e pelo seu
caráter público. O mesmo diálogo e constante investigação é mais raro entre aqueles
que ministram cursos livres independentes neste segmento de formação artística.
O caráter atual desta pesquisa suscita a observação in loco. A maneira como
os diversos componentes do processo de criação e realização da Cenografia são
propostos e apreendidos requer observação, análise e debate. Metodologias e
processos aplicados em circunstâncias reais da formação do cenógrafo foram objetos
da investigação. Considero ainda a prática profissional uma referência da mais alta
relevância para esta pesquisa; ela é o ponto de vista pelo qual serão analisados os
procedimentos utilizados. Interessa-me sobremaneira analisar os pontos de
intersecção e de diálogo entre a formação e a prática profissional.
Dentro do contexto da cena contemporânea, o projeto de pesquisa dirige seu
foco de forma objetiva às instituições públicas de ensino superior regulamentadas, que
formam profissionais cenógrafos. Inicialmente, confesso que desejava ir além das três
universidades e da região sudeste, do eixo Rio - São Paulo. Inquieta, passei a olhar
com mais atenção os demais cursos que oferecem cursos de bacharelado e de
licenciatura em Artes Cênicas. Deparei-me com uma enorme lista que contempla os
cursos de Artes Cênicas de norte a sul do país. Procurei identificar aqueles cursos nos
quais a Cenografia consta como disciplina, embora, pelas exigências da legislação
vigente, deve fazer parte da grade curricular. Passei a olhar com mais atenção para
estes cursos, alimentando a possibilidade de investigar o panorama brasileiro. O que
parecia muito motivador, no entanto, seria um caminho exaustivo e com o risco de
comprometer o foco central da pesquisa, uma vez que as demais universidades não
concentram seus esforços com profundidade na formação do cenógrafo, mas de
outras disciplinas do fazer teatral. Decidi afinal por concentrar o olhar sobre as três
universidades que habilitam em Cenografia. Ao final da dissertação, em anexo,
aparecem relacionadas as demais universidades com seus cursos catalogados por
habilitações e por regiões geográficas, intitulado Anexo: As escolas de Artes Cênicas
de nível universitário.
71
Cheguei à conclusão de que, embora as instituições que se enquadram no
critério da habilitação específica sejam restritas, apresentaram-se como corpus de
análise de alto interesse e constituíram um levantamento produtivo deste universo. Eis
as Universidades e docentes responsáveis que atenderam a este projeto:
UNIRIO /CLA - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes - CLA
Profa. Dra. Lídia Kosovski
UFRJ / EBA - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Belas Artes - Departamento de Artes Utilitárias – BAU
Prof. Ronald Teixeira
USP /ECA - Universidade do Estado de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes - Departamento de Artes Cênicas – CAC
Prof. Dr.. Fausto Poço Viana e Prof. Marcelo Denny
A questão seguinte e que mais me preocupava recaía sobre como estabelecer
um contato produtivo com as instituições, os profissionais e os estudantes que dela
participam. Precisava elaborar, de alguma maneira, uma rede, um interesse ou foco
comum que as interligassem e, da qual eu pudesse participar efetivamente, reduzindo
possíveis estranhamentos. O fio condutor traduziu-se em um projeto denominado “As
Aves”. Agradeço imensamente aos educadores das instituições UNICAMP, São
Paulo, – Profs. Márcio Tadeu e Heloísa Cardoso e UFRN, Rio Grande do Norte, –
Prof. José Sávio Araújo, pelo enorme interesse para com esta pesquisa, que também
aceitaram aplicar o projeto a seus grupos de estudantes, mas que não puderam ser
aqui documentados, uma vez que o foco restringiu-se aos três principais cursos que
habilitam em Cenografia. Apesar de não ter havido o acompanhamento de pesquisa
nestes locais, conto, no entanto, com as suas relevantes contribuições.
Sobre o universo dos cursos superiores de Artes Cênicas de uma forma geral e
dos poucos que habilitam em Cenografia, percebi de imediato que, embora algumas
questões sejam mais relativas à sua infra-estrutura do que à prática do ensino, não é
possível ignorar o contexto, as limitações e recursos com os quais têm de lidar os
profissionais formadores para o desenvolvimento do seu trabalho. Da mesma forma,
não se deve desconsiderar os objetivos da instituição diante de cada curso, ou seja,
para qual prática o aluno está sendo formado. Independente da grade curricular, até
72
porque este não é o objetivo desta pesquisa, embora ela seja de fato a base sobre a
qual será possível construir uma formação, temos alguns pontos em comum entre os
objetivos e a prática destas instituições. O que é mais visível neste panorama é o fato
de que o ensino da cenografia depara-se com grandes dificuldades que são por vezes
paralisadoras e às vezes motivadoras de transformações dos procedimentos na busca
por atualizar e acompanhar a atualidade. Talvez a maior delas neste momento seja em
relação à grade curricular, principalmente quando a cenografia é tratada como
disciplina, tendo abreviada a sua carga horária e a atenção dos alunos dividida com
outros objetivos. Por outro lado, quando a Cenografia é uma habilitação, o maior
desafio está na sua relação e diálogo com as demais disciplinas e áreas teatrais. A
seguir alguns dados sobre as três Universidades que estão contempladas por esta
pesquisa.
73
UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Belas Artes - Departamento de Artes Utilitárias – BAU
Rua Ipê, 550 - Prédio da Reitoria, Cidade Universitária - Campus do Fundão –
Tel: 2598-1653
http://www.pr1.ufrj.br/cursos/oscursos//artescenicas.php
Oferece o curso de Artes Cênicas com três habilitações, com a duração média
de quatro anos com carga horária integral:
Bacharelado em Cenografia,
Bacharelado em Indumentária
Bacharelado em Direção Teatral (pela Escola de Comunicação)
Em razão da origem da Escola que remonta há quase 200 anos
45
, os cursos de
Direção e de Cenografia surgiram de ramificações distintas. O curso de Direção teatral
está vinculado à Escola de Comunicação – ECO, situada no bairro da Urca, é voltado
para as áreas de radio /TV e Direção teatral, conta com as disciplinas de Cenografia e
Indumentária na sua grade curricular, o curso de Cenografia é vinculado à Escola de
Belas Artes – EBA, e está situada na ilha do Fundão. Estão, portanto, localizadas em
pontos muito distantes na mesma cidade, dificultando a comunicação e interação entre
os alunos destas áreas. Aos alunos de ambos os cursos é permitido inscrever-se em
disciplinas na EBA ou na ECO, o que poderia ser um viés para possíveis encontros.
Na prática, existe pouca integração, seja por disciplinas comuns ou pelos programas
obrigatórios anuais. O gerenciamento dos cursos em unidades diferentes ocorre
devido à oferta de curso noturno na ECO – local mais acessível do que a Ilha do
Fundão, onde é perigoso estudar à noite - e dos cursos diurnos na EBA de Cenografia
45
A Escola de Belas Artes teve sua origem em 1816, inicialmente chamada “Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios” dirigida por uma delegação de artistas franceses. Passou a se chamar “Academia de
Belas Artes”, em 1826 e em 1890 adotou o nome de Escola de Belas Artes. Foi incorporada À UFRJ em
1970. “185 anos de Escola de Belas Artes”. Organização: Sonia Gomes Pereira. Escola de Belas
Artes/UFRJ. Rio de Janeiro, 2001/2002.
74
e Indumentária, cuja infra-estrutura oferece instalações para este aprendizado - ateliês
de pintura, escultura, modelagem, etc. O Departamento de Artes Teatrais está sendo
formado com expectativa para ser implantado junto à EBA e assim será possível
gerenciar conjuntamente as três habilitações: Cenografia, Indumentária e Direção.
Sobre o processo seletivo para ingresso no curso, os alunos escolhem a
habilitação que desejam já no vestibular e são submetidos aos testes específicos, que
são distintos para cada área. Antes do exame do vestibular os candidatos têm que
assistir a um espetáculo que está em cartaz na semana do exame, que lhe servirá de
base para escrever uma resenha e realizam também testes de desenho: observação,
técnico e de criação.
Uma vez cursando a habilitação pretendida, os alunos, anualmente, participam
da montagem de óperas na Escola de Música da UFRJ, das quais participam alunos
cenógrafos, figurinistas, cantores, diretores, musicistas, produtores. As produções de
caráter universitário são realizadas normalmente no Salão Leopoldo Miguez, edifício
teatral histórico tombado. Ao final de cada ano, ocorre também a mostra de teatro da
UFRJ com uma média de 12 espetáculos, dois quais também participam os alunos
cenógrafos, figurinistas e diretores. As produções contam com uma pequena verba de
dirigida para custos de produção técnica: cenotécnica, elétrica e costura. A UFRJ
dispõe de oficinas de carpintaria, metalurgia, tecelagem, tinturaria, bonecos, escultura,
pintura e adereços, nas quais atendem professores orientadores para cada atividade
prevista, conta também com um parque gráfico onde são feitos os impressos -
cartazes, programas e filipetas. Anualmente, as turmas de produção têm por
obrigatoriedade produzir um evento chamado Encontro de Artes Cênicas da UFRJ,
sempre em junho, onde são convidados profissionais do mercado de trabalho em
áreas distintas - direção de arte, cinema, TV, publicidade, moda, ensino superior, etc.
– com o objetivo de debaterem temas específicos da área. Está em projeto a formação
de cursos de pós-graduação em Indumentária Teatral e Espaço Cênico.
O texto a seguir foi extraído do site da UFRJ e apresenta formalmente os objetivos
relativos aos cursos citados, parcialmente aqui reproduzido.
O curso de Artes Cênicas prevê na sua grade curricular disciplinas que visam o suporte
teórico e prático para a formação crítica e estética do futuro cenógrafo, diretor e figurinista. O
estudante entrará em contato com conteúdos relativos à história do traje, técnicas de
interpretação, evolução do espaço cênico, poéticas da encenação, criação e confecção de
75
esculturas e adereços, técnicas de modelagem e execução de figurinos, técnicas de carpintaria
cênica, história do teatro e da literatura dramática, para que possa compreender a Cenografia, a
Direção Teatral e a Indumentária como linguagens das Artes Visuais.
Cenografia - A habilitação em Cenografia forma profissionais capacitados a projetar e a
executar cenários para teatro, cinema e televisão, além de definir a ambientação mais adequada
a eventos artísticos e culturais.
Indumentária - A habilitação em Indumentária forma profissionais capazes de criar
figurinos e adereços, definindo o material e a maneira correta de produzi-los e buscando
soluções adequadas para os vários tipos de espetáculos.
Direção Teatral - O encenador ou diretor de teatro é o agente que, dentro da prática
teatral, imagina, concebe e dirige o processo de criação do espetáculo. Cabe igualmente ao
diretor selecionar, julgar e coordenar os trabalhos dos membros da equipe artística,
incentivando-os e adequando suas iniciativas na pesquisa por uma linguagem cênica comum.O
diretor deve estar habilitado a atuar, tanto no interior de uma instituição pública, quanto ser
capaz de promover com autonomia seu projeto pessoal de trabalho. Esse profissional irá atuar
como diretor de espetáculo, diretor de atores em filmes ou vídeos, diretor de vídeos publicitários,
animador cultural em instituição de lazer e cultura, programador cultural na área de artes
cênicas, consultor para projetos culturais e produtor cultural.
76
UNI-RIO, Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes
Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Avenida Pasteur, 436 – Urca - Rio de Janeiro - RJ - CEP 22290-240 –
Tel.: 55 21-2295-2548
http://www.unirio.br/cla
Oferece as seguintes habilitações, com duração média de quatro anos.
Bacharelado em Cenografia
Bacharelado em Direção Teatral
Bacharelado em Interpretação Teatral
Bacharelado em Teoria do Teatro
Licenciatura em Educação Artística Habilitação: Artes Cênicas
O texto a seguir me foi gentilmente enviado pela Professora Dra. Lídia Kosovski, da
UNIRIO sobre o currículo e os objetivos do curso.
O Currículo em vigor é fruto de reformulação feita em 1996, que visava por um lado
ampliar a base de formação teórica, crítica e historiográfica dos estudantes e, por outro,
proporcionar-lhes seguidas e variadas oportunidades de exercício e de investigação do fazer
teatral. Além das disciplinas regulares, os alunos de todos os Departamentos (Teoria do Teatro,
Interpretação Teatral, Cenografia, Direção Teatral) atuam em Práticas de Montagem. Sob a
Coordenação de um aluno-diretor, a Prática de Montagem, atividade acadêmica interdisciplinar,
agrupa alunos das diferentes habilitações do Bacharelado, que, por sua vez, recebem orientação
de Professores especialmente designados para acompanhar o processo de trabalho, desde a
pesquisa para a concepção do Projeto de Montagem até a elaboração e a produção do
espetáculo. Desta forma, a cada semestre, a Escola de Teatro abre as portas de seus teatros e
salas ao público universitário e à comunidade com espetáculos gratuitos que, tradicionalmente,
têm boa repercussão na imprensa da cidade do Rio de Janeiro.
77
As apresentações, onde se incluem, além dos espetáculos, trabalhos de experimentação
derivados de pesquisas artísticas conduzidas por professores e práticas teatrais, realizam-se em
espaços teatrais de diferentes configurações: um palco italiano (Sala Pachoal Carlos Magno),
uma sala em arena (Sala Glauce Rocha), um palco italiano de pequenas dimensões (Sala
Roberto de Cleto) e três salas multiuso. A bela localização da Escola, no sopé de morros em
torno do Pão de Açúcar, garante-lhe, ainda, locais para apresentação de espetáculos ao ar livre,
como o Espaço Mario de Andrade, sombreado por centenárias mangueiras, além de outros
lugares, em torno da magnífica encosta do morro, reinventados em espetáculos que tiram partido
de propostas estéticas não convencionais.
A Escola de Teatro também dispõe de Espaço de Apresentação Audiovisual e de boas
salas de trabalho e pesquisa – Laboratórios de Editoração e Gravação de Textos, Imagem e
Som, Laboratórios de Criação e Investigação Teatral, onde se localizam grupos de pesquisa de
bolsistas e voluntários de iniciação científica, coordenados por Professores-Pesquisadores. O
Departamento de Cenografia abriga salas-ambientes especiais para aulas de Figurino,
Adereços, Artes Plásticas, Cenografia e Iluminação. O Departamento de Interpretação Teatral
conta com sala especial para a disciplina Caracterização.
A forte integração da Escola de Teatro com o Programa de Pós-Graduação em Teatro,
que oferece curso de Mestrado e Doutorado em Teatro, revela-se, entre outras atividades, na
publicação da Revista O Percevejo, editada pelo Departamento e Teoria do Teatro e pelo
Programa de Pós-Graduação em Teatro, avaliada com conceito A, pelo sistema QUALIS
46
, da
agência de financiamento CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior). O portal Clímax (
www.unirio.br/climax), do Departamento de Teoria do Teatro, agrupa
alunos interessados em praticar o pensamento crítico e teórico sobre a produção teatral
contemporânea. Núcleos de Pesquisa como o NEPAL (Núcleo de Estudos de Performance Afro-
Ameríndia – www.unirio.br/neepa ) e o Projeto de Pesquisa Integrado Estudos sobre o Teatro
Cômico (www.unirio.br/teatrocomico) compõem o quadro de diversificada e produtiva vida
acadêmica e cultural da Escola de Teatro da UNIRIO.
46
Qualis é o resultado do processo de classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-
graducação para a divulgação da produção intelectual de seus docentes e alunos. Tal processo foi
concebido pela CAPES para atender as necessidades específicas do sistema de avaliação e baseia-se
nas informações fornecidas pelos programas.Fonte: site da CAPES servicos.capes.gov.br/webqualis.
78
USP, Universidade de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes - Departamento de Artes Cênicas – CAC
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 - CEP 05508-900 - São Paulo, SP –
Tel: 3091-
4127 http://www.eca.usp.br
Oferece as seguintes habilitações, com duração média de quatro anos.
Bacharelado em Cenografia
Bacharelado em Direção Teatral
Bacharelado em Interpretação
Bacharelado em Teoria
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
O Departamento de Artes Cênicas reabriu em 2002, o curso de Cenografia,
que esteve fechado por quase 20 anos. São oferecidas 15 vagas para o total das
habilitações, o vestibular, atualmente, não prevê prova específica diferenciada para
aqueles que optam pela Cenografia. Este quadro de ingresso acarreta uma série de
dificuldades para o acesso dos candidatos ao curso de Cenografia que se vêem diante
de uma prova específica que tende a valorizar a interpretação. Desta forma, o curso
atualmente conta com um quorum reduzido de alunos que pretendem se formar em
Cenografia.
Os alunos demonstram dificuldades diante de técnicas de representação
básicas como por exemplo o desenho, e portanto, há uma grande necessidade de
iniciá-los em disciplinas de desenho, composição, e outras correlatas. Ao observar a
grade curricular do programa do curso, veremos que o aluno de Cenografia é levado a
estudar disciplinas relativas à Interpretação ao mesmo tempo em que ainda não se
dedica a disciplinas de representação gráfica ou volumétrica. Preocupados sobre
como o aluno irá familiarizar-se com as técnicas de representação e de pensamento
sobre os objetos deste universo, os docentes responsáveis pelo curso buscaram
intercâmbios com disciplinas dessa natureza nos departamentos de Artes Plásticas e
Arquitetura.
79
Na prática alunos de outros departamentos, Artes Plásticas, Arquitetura e
Comunicações, cursam as disciplinas de Cenografia e História da Cenografia como
disciplinas complementares ou optativas no departamento de Artes Cênicas. Assim
como os alunos de outros departamentos aproximam-se da linguagem visual do
Teatro: da Cenografia, Indumentária, Iluminação; o aluno de Cenografia também pode
complementar o seu aprendizado cursando disciplinas relativas a, por exemplo,
técnicas específicas de representação: o desenho, a pintura, a maquete, entre outras,
nos departamentos acima mencionados, ao mesmo tempo em que também aproxima-
se destas outras linguagens. Esse processo de intercâmbios parece ser muito
produtivo para a formação do futuro cenógrafo. Pelo que pude observar, apresenta-se
como uma dinâmica que favorece a inter-relação entre alunos em diferentes estágios
de aprendizado e de informação e, portanto, de maturidade. Os alunos contribuem
com o grupo, levando e trazendo questões mais amplas, inerentes às diversas áreas
das quais procedem, o que pode ser altamente favorável ao desenvolvimento de
outros pontos de vista acerca de um mesmo assunto, treinando-os assim a
compreender um argumento de forma ampla, não apenas acerca da visualidade, mas
como um todo.
80
Intersecções e contrastes
A partir do trabalho de observação, acompanhamento e coleta de informações
junto às instituições, alunos e professores dos grupos pesquisados, esboço aqui um
panorama sobre os cursos universitários brasileiros de Cenografia, sem a intenção, no
entanto, de conferir um tratamento comparativo, mas de apresentar com mais detalhes
os objetivos e as estruturas de cada uma das instituições, além de apresentar, as
razões que levam os alunos a buscar uma formação em Cenografia, a motivação e
desafio do educador, a relação entre alunos e orientadores. Reforço este panorama
com depoimentos daqueles que participaram dessa pesquisa.
Porque a Cenografia? E por que estudar Cenografia na Universidade?
Uma das primeiras perguntas que surge diante da busca por uma formação artística é
acerca da real necessidade de se cursar uma universidade e sobre como ela pode
realmente colaborar para esta formação. A opção por um recorte dessa pesquisa
privilegiando a formação universitária, é resultante não apenas da concordância com a
regulamentação da profissão, mas na crença de que este é o caminho que melhor
habilita o profissional artista e que lhe oferece uma gama de possibilidades para
construir seu conhecimento e experiência. No campo artístico sabemos que muitos
talentos emergiram na História da Arte de formação autodidata e não podemos ignorar
esta possibilidade. É preciso que existam opções e não simplesmente justificativas
para se manter um quadro de limitadas ofertas de aprendizado. Neste momento é de
grande importância a reabertura do curso de Cenografia da USP/ECA que
lamentavelmente esteve fechado por quase vinte anos, coincidindo
desafortunadamente com o período no qual ingressei na vida universitária. Através de
alguns depoimentos dos alunos reforço a importância deste caminho.
Paula Bahiana, da UFRJ, fala da sua experiência em cinema, trabalhando com figurino
de época, e a dificuldade que sentiu diante do conhecimento que não tinha antes de
ingressar na universidade, fala também sobre as motivações que a levaram a cursá-la:
“Trabalhei como estagiária em um filme, com figurino de época. Tudo o que me pediam e tudo que eu
queria fazer eu tinha que pesquisar, porque não tinha referência. Até então achava que o artista não
precisa cursar a faculdade, que ninguém me contrataria porque sou formada, mas percebi que eu tinha
que ter uma formação, tinha que estudar. Neste estágio que fiz, em figurino para filme, conheci uma
profissional que dava aulas na UFRJ, formada em cenografia, em Artes Cênicas e que trabalhava para
Cinema. Ela me explicou que eu poderia ter uma formação artística e trabalhar com Cinema, não
81
precisava necessariamente cursar cinema. Prestei vestibular no ano seguinte. Gosto de vir à aula, às
vezes mesmo que eu não tenha elaborado nada, apenas para ouvir os outros colegas, os comentários
dos alunos e do professor; chego em casa pensando sobre muitas coisas novas, é muito produtivo.”
Alan dos Santos Castilho, ingressou na UFRJ em 1992, trancou matrícula por seis
anos, tendo retornado à universidade recentemente com objetivo de concluir o curso
de Cenografia. Durante este período no qual esteve afastado, trabalhou com
cenografia no carnaval, com pintura de arte e montagem para TV e Teatro. Em seu
depoimento nos traz exatamente uma visão sobre a informalidade na formação do
cenógrafo, ou daquilo que muitos pensam ser cenografia:
“Fui aprendendo fora da faculdade... a informação que recebi no campo de trabalho das pessoas que
fazem cenografia, e que não chegaram a estudar a cenografia, é a de que a cenografia é uma obra
ilustrativa. Me passaram a idéia de que Cenografia é algo mais decorativo, dirigida à ambientação. Na
universidade, estou tendo uma outra visão. Muitas pessoas do campo de trabalho em Cenografia me
questionavam “fazer faculdade para que? Aqui você aprende, você faz, Cenografia é resolver tudo e
mostrar o ambiente aonde vai se passar a atuação, é tudo pano de fundo”. Na universidade vejo que não
é bem assim. No início, diante da necessidade de trabalhar, acreditava no que diziam. Para que
faculdade? Mas chegou um certo momento no meu trabalho em que surgiu um conflito, você acaba se
tornando um copiador de tudo que existe, ou um realizador de tudo que alguém idealiza. Pessoas me
apresentavam como cenógrafo e eu corrigia “não, sou cenotécnico, estou aqui para fazer o que você me
pediu.” Vejo pessoas no campo de trabalho que assinam como cenógrafo, mas não são cenógrafos.
Os objetivos propostos pelos cursos de Cenografia vão ao encontro do que o aluno
deseja em sua formação? O que a universidade oferece? O que falta oferecer?
Muitos estudantes que buscam uma formação artística que irá lidar com as
visualidades e espacialidades dirigem-se mais facilmente às Artes Plásticas e ao
Cinema do que às Artes Cênicas. Na fase anterior ao ingresso na universidade, muitos
estudantes ainda desconhecem a Cenografia, a Indumentária e a Iluminação.
Entre as universidades pesquisadas posso afirmar que não há muita diferença acerca
dos objetivos. Talvez alguma diferença se faça notar dependendo do campo de
atuação do professor-orientador, ou seja, se ele traz aos alunos, além da Cenografia
Teatral, referências sobre Cenografia para Cinema/TV, sobre Direção de Arte,
Indumentária ou Arquitetura Cênica. No aspecto geral todas são bastante focadas na
linguagem teatral. Talvez na perspectiva de ampliar os cursos de Cenografia
poderíamos pensar em formações mais específicas para mercados distintos. Mas esta
não é uma realidade no Brasil. Os profissionais de fato transitam de uma área para
82
outra. As três universidades focam o desenvolvimento do aluno para a atuação no
Teatro. O que ocorre em comum, é o fato de que os alunos que ingressam neste
campo acabam vislumbrando oportunidades de trabalharem em campos da cenografia
aplicada. No entanto, existe certa frustração diante da sua capacitação em relação a
este mercado de trabalho, cada vez mais dominado por empresas que exigem o
conhecimento em manipulação de softwares, que acabam por contratar profissionais
provenientes da arquitetura para trabalharem com Cenografia. Conseqüentemente,
muitos alunos buscam uma segunda formação em arquitetura ou interropem o curso
de Cenografia migrando para lá, em busca de perspectiva de trabalho e alguma
estabilidade financeira. De fato, as turmas de alunos dos cursos de Cenografia sofrem
redução à medida que avançam em módulos cursados. É visível nas três instituições
certa fragilidade do aluno em formação diante do aprendizado de técnicas e
tecnologias. A Cenografia é uma habilitação que precisa contar com uma infra-
estrutura tecnológica. O aluno também precisa praticar a maquinaria elementar, a
construção elementar e a representação digital. O que pode ser ressaltado como
diferencial na formação oferecida a cada grupo é o tratamento conferido a aspectos de
aprendizado sobre técnicas de representação, experiência prática, teoria e pesquisa.
Na UNIRIO há uma exigência muito grande sobre a representação dos projetos
cenográficos através de desenhos técnicos; não se trata apenas de representar, mas
de desenvolver a compreensão sobre como será executado, formando um aluno
capaz de transferir as suas idéias para um técnico que o ajudará a realizar sua obra,
capacitando-o tecnicamente. Por outro lado, os alunos afirmam certa dificuldade em
representar artisticamente suas idéias. Constroem as maquetes, mas não se sentem
seguros para traduzi-las plasticamente em desenho ou pintura. Os alunos são também
treinados para o trabalho de pesquisa; durante os acompanhamentos pude assistir a
uma apresentação de material pesquisado sobre a Comédia Grega e constatei que
eles são levados a pensar as formas de apresentação, quais recursos irão utilizar e a
falar com desenvoltura e objetividade sobre o tema. No entanto, os alunos admitem
não desenvolverem pesquisas diretamente relacionadas à Cenografia ou a novos
materiais ou técnicas; este trabalho fica restrito ao objetivo de atender aos seminários.
Essa universidade demonstra ser, entre as três, a que oferece mais experiência no
campo prático a seus alunos, que realizam projetos internamente aliados a outros
alunos em formação. A Prática Teatral é uma disciplina da grade curricular do curso de
Cenografia e supervisionada pelo professor - orientador, possibilitando ao aluno, e
exigindo dele, essa vivência. Os alunos de Cenografia durante sua formação contam
com seis módulos semestrais da disciplina Cenografia e quatro módulos da disciplina
83
Práticas Teatrais. Mesmo assim, ainda há insatisfação por parte dos alunos, por se
manterem a serviço de um projeto alheio; a seguir, os depoimentos de duas alunas do
sexto semestre que falam desta experiência e reforçam esta dificuldade diante da
prática teatral no contexto da universidade.
“Nos projetos multidisciplinares, nas práticas de montagem, infelizmente, na maioria das vezes os
projetos já chegam até nós com algum encaminhamento e só a partir de um determinado ponto temos
alguma influência com relação às referências que serão usadas e idéias que surgem relativas ao texto ou
no decorrer dos ensaios. O texto raramente é escolhido com a nossa ajuda e ainda temos que tomar
certo cuidado para que as idéias não sejam impostas pelo diretor... Nada muito fora da realidade que
encontramos no mercado de trabalho”. Ana Duque / UNIRIO
“A faculdade me mostrou novos caminhos, pois o nosso curso é muito amplo, abrange cenografia,
indumentária, luz e adereço. Temos a possibilidade de experimentar o que quisermos. A faculdade nos
dá essa possibilidade de executar que é maravilhosa. A maior dificuldade que encontro na prática é a
de vender nossas idéias às outras pessoas. Não conseguimos um espaço durante a prática para fazê-lo,
tudo acontece durante o processo, as idéias vão surgindo e não encontro um momento de apresentar o
projeto. Isso não é cobrado pelos professores orientadores. Mas vejo que por não registrar tanto as
idéias, às vezes me perco; o diretor não consegue ver o que está na nossa mente, ainda tenho muita
dificuldade com isso. Apesar de ter estudado dois anos de desenho não confio no meu desenho, e isso
acaba não sendo cobrado nas outras aulas o que nos leva a esquecer um pouco. Nas salas de aula, nós
não aprendemos a lidar com dinheiro, com administração, com o improviso e a colaboração. Sem as
práticas de montagem eu não teria como ter contato com as situações de conflito. As dificuldades
envolvem principalmente o lidar com pessoas: diretor, atores, produtor, cenotécnico, etc. Quando temos
que transpor a idéia do papel para a realidade, percebemos quantas adaptações precisam ser feitas para
que se torne realidade”. Marieta Spada / UNIRIO
A UFRJ ao incorporar a Escola de Belas Artes apresenta uma outra base que não é a
das Artes Cênicas para a formação dos alunos, mas uma soma das Artes Plásticas e
Cênicas. Oferece ao aluno uma formação sólida nas técnicas de representação:
pintura, desenho, desenho técnico, perspectiva, modelagem, etc. As disciplinas
relacionadas ao Teatro são: Cenografia, Indumentária, Iluminação, História do Teatro,
Cenotécnica, entre outras. A infra-estrutura da escola oferece espaços físicos e
algumas oficinas montadas de marcenaria, gravura, modelagem dirigida a design e
modelagem dirigida a escultura, etc. Apesar disto, os alunos de Cenografia ainda
sentem falta de explorar possibilidades técnicas para a representação tridimensional
de suas criações. São muito motivados a pensar e responder artisticamente. São
84
também bastante conduzidos durante o processo criativo, não para atingirem
determinadas respostas, mas para praticarem o criar. O professor – orientador da
disciplina Cenografia que conduziu o grupo integrante dessa pesquisa, procura
estimular o grupo a buscar soluções espaciais para questões às vezes bastante
subjetivas, o que lhes permite interpretar e apresentar uma visão particular de mundo.
Constantemente, os alunos são cobrados a exporem suas idéias e processos. Muitos
deles demonstram bastante insegurança em suas colocações. Afirmam sentir falta da
prática teatral, da realização prática de um projeto, em escala real diante do qual
possam de fato vivenciar um processo completo. Como já sabemos, os alunos de
direção teatral estão em um outro lugar fisicamente distante e os parceiros que os
alunos de Cenografia encontram são da área de música. Alguma experiência prática
que desenvolvem está relacionada à Ópera, mais do que ao Teatro. Os alunos cobram
da universidade convênios com empresas, grupos do mercado de trabalho para que
possam fazer estágios em áreas de interesse. Afirmam que é muito difícil trabalhar ao
mesmo tempo que cursam a faculdade por ser período integral e quando formados
não encontram um caminho objetivo para seguir.
“A escola de Belas Artes é um caminho para uma formação em Artes em geral. O aluno é quem faz a
faculdade, tira das aulas o que quer. Sinto muita falta, por exemplo, da técnica até para fazer uma
maquete, conhecer materiais e formas de fazer, qual a melhor forma para executar, da maquete à
construção, o acabamento. As carências da universidade muitas vezes estão relacionadas à qualidade do
professor. Nem todos os professores são da prática específica. Cada período muda muito o que o
professor pede. Nunca aprendi nada sobre ópera, nem história, falta um embasamento em história do
teatro e de linguagens específicas. Com relação à infra-estrutura da escola, cabe a cada um tirar proveito
dela; cheguei a fazer aula de desenho em um atelier decadente, não tinha cadeira e a mesa era
esburacada, mas se o aluno quiser aprender ele leva sua tabuinha, seus materiais, fica em pé. Os
professores estão aí, você pode correr atrás de um bom professor, sempre vai ter alguma coisa para
pegar. Paula Bahiana / UFRJ
A USP, tendo recém reaberto o curso de Cenografia apresenta uma situação muito
específica, na qual ainda não é possível visualizar a estrutura que oferece ao
cenógrafo em formação como um todo. A USP conta atualmente com uma única aluna
que optou pela habilitação em Cenografia; Maira de Oliveira está no terceiro ano de
Artes Cênicas e há dois anos vem se dedicando ao aprendizado das “visualidades
cênicas. Esta circunstância pode ser vista como uma condição muito positiva, uma vez
que, teoricamente, os procedimentos e metodologias nesta disciplina não estão
engessadas, mas em processo de implantação. Existe um grande esforço dos
85
professores da área da Cenografia em criar recursos para torná-lo um curso vivo, que
ofereça uma formação sólida. Algumas dificuldades emergem da necessidade de
ajustar a grade curricular do aluno de Cenografia para que ele possa se acercar de
disciplinas fundamentais à sua formação; este trabalho já vem sendo feito. Para que
os alunos em formação possam compensar algumas lacunas de sua grade, contam
com o intercâmbio entre os departamentos de Artes Cênicas, Artes Plásticas e
Arquitetura. O curso conta com uma grande carga teórica sobre História da Cenografia
e da Indumentária, e, ao que pude perceber, existe um certo equilíbrio entre o ensino
destas disciplinas; o aluno desenvolve potenciais criativos e de realização para lidar
com ambas. Durante o acompanhamento dos processos para esta pesquisa, tive a
oportunidade de ver muitas vezes na mesma sala de aula dois professores. Eles de
fato montam o curso juntos e cada um assume, a partir de uma etapa, uma parte do
trabalho: enquanto um trabalha com os aspectos teóricos, o outro desenvolve o
processo criativo, podendo haver modificações nessa ordem no módulo seguinte. Esta
estrutura é muito interessante, porque ambos acompanham o grupo e essa dualidade
conduz o aluno a perceber referenciais e opiniões distintas, às vezes divergentes, que
levam o aluno a refletir sobre a sua própria leitura.e ganhar auto-confiança Os
processos criativos não são tão conduzidos pelos orientadores, que deixam emergir do
próprio aluno as respostas ao enunciado, sejam certas ou erradas. Não estão em
questão neste momento, são como exercícios, diante dos quais o que interessa é
liberar a capacidade criativa. Os alunos são levados o tempo todo a apresentar suas
idéias para o grupo, a expor seus processos e a aprender a receber as críticas,
comentários, a defender seus pontos de vista.
“Sinto que faço grandes descobertas no âmbito da universidade Aqui o professor te orienta para
determinadas coisas, mas depois de três anos é hora de andar sozinha. Percebo que, na Cenografia,
estarei sempre tendo que testar muito, investigar vínculos entre técnica e conceito, sei que vou errar
muitas vezes para aprender. A orientação que os professores me trazem não vai evitar isto e é melhor
que não evite, porque assim vou construir o meu próprio caminho enquanto artista. Trazemos do colégio
uma expectativa paternalista, de que o professor vai te dar tudo, responder a tudo e foi uma boa
surpresa, uma desmistificação que eu percebi quando cheguei à faculdade, no curso de cenografia.
Maira de Oliveira/USP
“São muito Interessantes as discussões sobre as diferentes idéias, a interação, a compreensão e
condução dos professores que não impõem. Em Arte você não pode conduzir ninguém, você é mais um
mestre, indica como o aluno pode chegar a algum caminho e ele mesmo tem que construir este
caminho
”. Marina Reis/USP
86
Maira de Oliveira, afirma que procura vivenciar processos criativos na prática teatral
junto a grupos formados dentro da universidade. Ela faz aqui um importante
depoimento que reitera a problemática das hierarquizações, já apontada pela aluna
Ana Duque, da UNIRIO e que deveria ser hoje, a meu ver, uma das principais
preocupações dos formadores. Além de treinar os alunos a criarem e representarem
suas obras, é preciso encontrar maneiras de proporcionar a eles experiências de
aprendizado prático nas quais as relações entre as disciplinas da realização teatral
acontecessem de forma horizontalizada.
“Estou descobrindo muita coisa, desde o método de trabalho que está relacionado ao que gosto e ao que
desejo, descobrindo até mesmo o que é a cenografia. Fiz recentemente meu primeiro trabalho com um
grupo do departamento de Artes Cênicas, o que para mim foi muito difícil. Fui aprendendo que o diretor
muitas vezes não sabe o que fazer com um cenógrafo. Descobri que não só a cenografia, ou que a artista
que eu pretendo me tornar está em construção, como também a necessidade de estudar e definir sobre
qual a postura profissional a adotar diante destes outros profissionais que não sabem administrar, não
sabem lidar com o cenógrafo, com o figurinista”.
Enquanto pensamos como artista e formadores sobre o que podemos propor para o
desenvolvimento do aprendizado e da prática para os futuros cenógrafos, fica aqui
uma sugestão para os estudantes sobre como podem colaborar neste processo, pela
visão de uma aluna que participou desta pesquisa.
“Vejo cada dia mais que a faculdade depende muito do aluno. Adoro promover coisas, e a faculdade
permite isso. Tento aproveitar o que a faculdade promove além das aulas. E tento contribuir para
promover também, acredito que todos têm que passar por lá e tentar melhorar um pouquinho. Pois
quanto melhor a faculdade estiver, melhor para todos, tanto para os alunos que estão cursando quanto
para os ex-alunos, que terão no currículo o nome de uma faculdade melhor. Acho que o desejo por algo
melhor muda as coisas. Apesar de ser um trabalho de formiga acredito que acrescenta. Procuro receber
os calouros e mostrar isso a eles.” Marieta Spada / UNIRIO
87
O depoimento aqui transcrito do Professor Ronald Teixeira, da UFRJ, reúne os aspectos acima
apontados pelo olhar de sua experiência de quase vinte anos no ensino da Cenografia.
“Leciono há 19 anos e vejo que o público que tem procurado estudar, viver com a cenografia variou
bastante. Desde o momento que o aluno teve acesso e como objeto dentro de casa, uma gráfica
particular que é o computador, vejo que ele se modificou e modificou também no seu fazer, na
manufatura, no desenhar, fazer plantas, no investigar, no pesquisar; isto do final da década de 1980 e
1990 foi se modificando.
Recentemente verifiquei que tenho um público um pouco adormecido com o iniciar uma idéia, o que antes
vinha através de um croqui de modo mais imediato, idéias que eram elaboradas e depois jogadas fora..
Agora eu tenho que tentar tirar uma inibição e por mais que ele venha do ciclo básico com uma
manufatura, um saber desenhar, eles são treinados para o desenho, desenhando modelo vivo, desenho
de anatomia, desenho de arquitetura, descritivo, geometria; eles passam dois anos desenhando,
desenhando; mas isto não provoca, nem os mobiliza a se tornarem produtivos em termos de logo
materializar uma idéia, primitiva que seja, através de um croqui ou do que for. Cada vez mais o aluno tem
se apresentado menos ou pouco habilitado ao desenho e por mais que o teste seja bastante rigoroso
para entrar na universidade, onde ele tem que demonstrar conhecimentos plástico e descritivo para
representar visualmente sua compreensão espacial, ele não tem tido um exercício diário, na vida, em
casa, não tem dentro dele uma vontade de desenhar de se expressar plasticamente; ele faz coisas
meteóricas, o computador produz muita imagem virtual e que não é materializada necessariamente, você
decide se imprime ou não, e isto tem trazido esta natureza aos alunos.
Logo que iniciei o trabalho com este grupo, uma turma mista, no aspecto positivo eu consegui torná-los
pelo menos produtivos e corresponder a um fluxo de idéias, fazer com eles as realizassem; porque eles
têm um componente terrível, eles são seus próprios censores e se inibem o tempo todo. Mas nesta
questão de viabilizar os exercícios, provocar um agrupamento, eu vejo que eles ficaram desarmados
porque eu não propus levantarem as idéias a partir daquilo que previamente imaginavam que seria. Eu
quis principalmente que eles compreendessem, ou que estabelecessem conceitos com a leitura. É um
convívio bastante difícil, cheio de percalços e acidentes porque até a compreensão do texto, ao recebê-lo
e ler, eles tem muitas dificuldades. Eles realmente não lêem, ou lêem muito pouco, não compram livros,
não tem hábito de ouvir um texto idealizado para ser ouvido, é muito complicado. Eu tento aqui que criar
alguns costumes, de ler, de desenhar, criar conceitos e de provocar através de vários exercícios,
materializar idéias, mas de modo a não vir na primeira pessoa este censor que eles têm. É preciso que
eles tenham uma maravilhamento com a sua própria idéia, eu busco realmente o aluno muito sincero, que
ele tenha uma fidelidade com suas idéias.
88
Percebo quando o aluno está muito aflito de chagar até mim e eu chego a ele, o surpreendo, procuro
sanar o problema de comunicação. Neste grupo, felizmente, eles alcançaram um estado de consciência
de suas dificuldades e das reais intenções que eu como educador tento viabilizar e então se tornaram
confiantes desarmados. Fui bem claro, disse a eles que precisava provocar um estado mais produtivo e
libertador, que eu precisava matar o censor que existe neles. Propor exercícios que eles não
imaginassem o produto final. O censor está sempre presente, eles precisam ser sempre maravilhosos...
Precisam ter a liberdade de errar, de falar coisas sem sentido, deixar que possa ser livre o pensamento e
se expressarem em desenho ou palavra no ato da formação da imagem. Tenho o propósito de tentar
destruir o censor nos alunos, são muito auto-censores que querem logo alcançar o sublime, os alunos
não se permitem tropeços, falar besteira, cometer erros, o percurso. É uma exigência brutal que só se
façam coisas perfeitas, pertinentes, de primeira. É necessário que os alunos se permitam a aventura, se
aventurem, experimentem. O encontro com a obra se dá de modo muito precipitado.
Aqui na UFRJ, temos um facilitador e um complicador. Muitos de nós professores temos um lugar no
mercado de trabalho bastante solidificado, somos artistas educadores, atuantes há bastante tempo. O
aluno ao ver uma entrevista, uma obra tornada publica do professor, reconhece que ele é bastante
gabaritado, mas ao mesmo tempo deseja ter uma vida que ele imagina ser a vida artística de sucesso, de
forma abstrata, que gera uma ambição até sadia, porque ele imagina que possa lidar com formas... Tem
aumentado o numero de interessados em estudar cenografia. A profissão tem alcançado uma visibilidade
porque determinados artistas tem atuado em campos diversificados tornando a própria profissão
conhecida. .O termo cenografia, o cenógrafo chega inclusive a ter o conhecimento popular, realmente de
cerca de 15 anos tornou-se uma profissão que pode ser identificada. Por conta disto tivemos também
uma mudança no público que eu vinha encontrando, de filhos de profissionais liberais que consomem
aspectos da cultura popular e erudita ao nosso público hoje, que ignora estas referências e vive da
cultura do entretenimento, simplesmente, que não se qualifica intelectualmente.
Prof. Ronald Teixeira / UFRJ
14 de Julho de 2006
89
AS AVES
PROCESSO E METODOLOGIA NA FORMAÇÃO DO CENÓGRAFO
Entre o empírico e o consciente cada um que participa deste projeto,
à sua própria maneira, com seus fragmentos, contribui para a
construção deste novo documento, reordenado sobre bases já
existentes. Para alguns será uma experiência circular que retornará
ao ponto de partida e para outros, espero, uma aventura helicoidal
para o alto ou para as profundezas.
AS AVES
“As Aves” - o projeto elaborado para a continuidade desta pesquisa, surgiu
como forma de propor um argumento comum para uma possível aplicação em alguma
etapa dos cursos de cenografia das principais instituições, o que objetivaria a leitura
dos diferentes procedimentos e resultados. O enunciado a ser escolhido deveria ser
motivador, relacionado a uma proposição real se possível, visando um bom aceite e
empenho no desenvolvimento dos trabalhos por parte de todos. Uma vez aceito o
projeto e, a partir de sua aplicação, teria início o trabalho localizado desta pesquisa
através do acompanhamento dos processos de trabalho no contexto das
universidades. Durante este acompanhamento seria realizada a documentação e
análise dos procedimentos propostos, metodologias aplicadas e resultados obtidos
nos diferentes estágios dos cursos de Cenografia.
Apresentei o texto As Aves, de Aristófanes como enunciado comum de
trabalho. Foi escolhido, por ser o texto proposto para a Scenofest 2007, pela
EduComm
47
, repetindo a experiência de 2003 – Lear, de W. Shakespeare. Acreditei
que seria motivador para as escolas de Cenografia desenvolverem seus projetos para
esta mostra. Mais do que isto, seria esta uma possibilidade para a abertura de um
importante canal de comunicação direta e de troca entre estas instituições e outras, do
mundo inteiro, que encontram na Scenofest um espaço de diálogo sobre os caminhos
do ensino da cenografia. Não à toa, percebo algumas razões para esse texto ter sido
escolhido para esse evento; por baixo da superfície de sua fábula existem conceitos e
críticas muito pertinentes à nossa atualidade e valores em discussão, como a idéia da
colaboração, do coletivo na construção de uma nova possibilidade de organização
social, a nova “cidade”, utópica ou não, aliados à conscientização do poder de
persuasão das palavras, do convencimento, do caráter propagandístico do discurso
dos personagens. Apresenta-se sem dúvida como um argumento riquíssimo para o
desenvolvimento do trabalho dos alunos, repleto de imagens, às vezes óbvias, mas
cobrando, ao mesmo tempo, uma reflexão do seu leitor sobre o cerne da obra, não
esquecendo que é uma comédia e, portanto, uma crítica, neste caso, à sociedade.
47
EduComm, comissão de educação da OISTAT que idealiza e promove a Scenofest; comissão da qual
acompanho os trabalhos, como membro da OISTAT. Os projetos desenvolvidos a partir do texto “As
Aves” podem ser inscritos para participar da Mostra. Haverá um processo de seleção; se aprovados os
projetos, passam a integrar a mostra. Cada aluno ou grupo autor do projeto assume a responsabilidade
de enviar material visual e, se possível, realizar uma apresentação presencial para a crítica da banca.
Esta última fase não faz parte deste projeto, mas é uma conseqüência do trabalho aqui proposto.
92
As Aves
48
, de Aristófanes (445? - 385? a.C.), foi encenada em 414 a.C. no
contexto histórico da guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C). Guerra entre atenienses e
espartanos que culminou com a derrota de Atenas e conseqüentemente com a sua
decadência. Atenas, neste período, era liderada por Cleon e Hipérbalo, após a morte
de Péricles, e foi tomada pela corrupção política. Neste contexto, Aristófanes através
de suas obras ataca a política interna e externa de Atenas, encontramos esta crítica,
além de As Aves, também em: Os Babilônios, Acanianaos, Os Cavaleiros, A Paz e
Lisístrata. Evidentemente o foco desta pesquisa se mantém em As Aves, mas
reafirmo a importância de uma leitura mais abrangentre sobre a produção de um autor
para uma melhor compreensão de seu universo e para identificar possíveis chaves de
compreensão.
As Aves... É uma comédia através da qual Aristófanes apresenta o mundo dos
homens como um mundo de corrupção, dividido por guerras e por lideranças
demagógicas. Na estória, Evélpides e Pisetero
49
, dois personagens demagogos,
aparentemente se revoltam diante deste mundo e decidem romper com os seres
humanos, saem da cidade para buscar um outro lugar para viver ou para elaborarem
um projeto de conquista, onde as Aves dominariam os deuses e os homens. Eles são
guiados nesta jornada por dois pássaros que os conduzem a Tereu, um rei mítico que
havia sido transformado pelos deuses, em uma poupa
50
. Para levar adiante o plano de
fundar uma nova cidade com os pássaros, precisam tornam-se aves também.
Convencem as aves de que elas podem impor seu modelo societário tanto aos
homens como aos deuses, uma vez que, situadas entre a superfície da Terra e as
alturas do Olimpo, poderiam interromper todas as comunicações entre uns e outros.
Isolados, os homens e os deuses ficariam inseguros e seriam obrigados a subjugar-se
diante desta emergente potência. Assim, os pássaros redimiriam a humanidade,
48
As Aves, as edições brasileiras da obra sugeridas foram: - As Aves, Editora HUCITEC, Brasil, 2000,
tradução de Adriane Silva Duarte. -
As Vespas, As Aves, As Rãs, Editora JORGE-ZAHAR, Brasil, 2004,
Tradução de Mário da Gama Kury. -
As Aves, Editora 34, Brasil, 2001, tradução: Antonio Medina
Rodrigues, adaptação: Anna Flora.
49
Evélpides e Pisetero, de acordo com a tradução de Adriane da Silva Duarte. As AVES, Aristófanes.
Hucitec, 2000. pg.13. No texto entretanto, os nomes as personagens são traduzidas para o português
como Bom de Lábia e Tudo Azul, respectivamente.
50
Poupa, ave de origem européia, médio porte, , sua plumagem acastanhada com asas pretas e brancas,
cauda escura e o bico é longo, fino e curvado, sobre a cabeça um penacho bastante vistoso. Da família
dos corvídeos, no Brasil poderia dizer que encontra alguma aproximação com a gralha-do-campo. Estas
informações são resultado do processo de pesquisa e provenientes de várias fontes: Dicionário Aurélio,
Wikipédia e Revista Geográfica Universal, entre outros.
93
reorganizando-a em novas bases. O plano correu segundo as estratégias propostas:
os deuses e os homens se acovardaram e se submeteram aos novos detentores do
poder. Pistetero no lugar de imaginar uma cidade ideal, pensa em repetir o modelo
imperialista de onde saiu. O que ele desejava realmente era a dominação. O texto nos
dá a imagem da asa, como um símbolo de liberdade, de auto-suficiência, de poder
para dominar o mundo. A asa para alguns pode ser, como veremos, uma metáfora da
palavra, a palavra como símbolo deste poder, de convencimento, através do qual
Pistetero alcança seus objetivos.
O projeto fora muito bem recebido nas instituições pretendidas. O período para
a realização da etapa de acompanhamento, compreendeu de Fevereiro a Julho de
2006, de acordo com o cronograma das instituições e do planejamento de seus
docentes. Cada instituição através de seu docente responsável definiu um ou mais
grupos relacionados a um módulo ou ano específicos para receber e abordar o projeto.
Anteriormente ao trabalho de acompanhamento que me propus para esta pesquisa, foi
realizada uma preparação para sua implantação; um contato prévio com as
instituições pretendidas, através dos representantes da área específica que, eu
acreditava, poderiam atender ao projeto. Para cada um foi enviado um documento de
apresentação do projeto com informações também relativas à Scenofest. Ao
representante de cada instituição caberia a responsabilidade pelo agrupamento do
corpo discente com o qual seria realizado o projeto. A instituição seria responsável
pelo espaço físico para a realização do projeto, bem como pela organização dos
materiais necessários junto aos alunos, ou seja, o projeto aconteceria dentro das
condições cotidianas de sala de aula, sem qualquer interferência visando alguma
situação diversa. O acompanhamento dos trabalhos, ou seja, as visitas foram sempre
previamente agendadas em acordo com o cronograma definido dos processos,
específico para cada instituição. Ao final do período foi realizada, em cada local, uma
avaliação dos resultados finais ou em continuidade, dependendo de cada caso.
O acompanhamento dos processos aconteceu de forma periódica, semanal em
São Paulo e mensalmente no Rio de Janeiro. Na avaliação dos resultados, em sala de
aula, cada um a seu modo, reuníamos todos, o (os) professores, o grupo de alunos em
questão, outros estudantes (de módulos distintos), e eu, na leitura e comentário dos
resultados. A documentação foi feita através de fotos, anotações, registro em vídeo
digital. Reúne depoimentos de alunos e docentes que participaram do projeto, bem
como a apresentação de seus projetos e comentários críticos.
94
Processos de trabalho no contexto das universidades
O educador, o aluno e a cenografia.
Durante estes meses de deslocamento entre USP/ECA, em São Paulo,
UFRJ/EBA, na Ilha do Fundão e, UNIRIO/ CLA, na Urca, ambos no Rio de Janeiro e,
somando a isto a minha prática cenográfica neste mesmo período, posso dizer que vivi
intensamente este diálogo entre o ensino e a prática. Improvável não questionar de um
lado para outro as convergências e os conflitos entre estes contextos. Foi sem dúvida
um período bastante produtivo, onde a princípio, o projeto As Aves, que suscitava uma
grande expectativa pelos resultados, revelou-se muito interessante do ponto de vista
daquilo que possibilitou como processos, chegando até, durante parte deste período, a
acarretar redução das expectativas pelos projetos finais individuais. Ao final os
resultados se apresentaram surpreendentes e reveladores de outras qualidades que
só emergem diante de uma conclusão, mesmo que não seja definitiva. Neste breve,
mas intenso período de tempo, as experiências foram vivenciadas à luz de duas
questões que me acompanham o tempo todo no todo do projeto desta pesquisa:
Qual seria hoje, em nosso contexto, uma metodologia ideal para
a formação do futuro cenógrafo?
De que maneira as metodologias aplicadas dialogam com a prática
do cenógrafo e se refletem neste profissional diante do contexto teatral?
É importante deixar claro que os três processos acompanhados organizaram-
se em módulos semestrais, chegando nesse período, portanto, a um “fechamento”,
alguma conclusão, mas em alguns casos tem sua continuidade no módulo semestral
posterior, seja no detalhamento do mesmo projeto, seja na sua interação com outras
disciplinas, como por exemplo, indumentária, prática de montagem, iluminação, etc.
Acompanhei cinco grupos de trabalho, e um total de mais de 40 alunos, durante cinco
meses. Alunos em estágios diferentes, de Cenografia I a Cenografia IV, cursando, na
ocasião desta pesquisa, do terceiro ao sétimo semestre.
95
Uma particularidade ocorreu com relação à USP /ECA, onde me deparei com
alunos cursando as disciplinas Cenografia, provenientes de outros departamentos
além das Artes Cênicas; das Artes Plásticas, da Arquitetura, da Letras, da
Comunicação, etc. Segundo o Prof. Dr. Fausto Vianna:
“A relação entre alunos de cursos distintos é muito benéfica, tanto em sala de aula, no
desenvolvimento do trabalho proposto, como em função das possíveis relações
profissionais em um futuro mercado de trabalho; permite a quebra de distâncias dentro
do campus”.
Este quadro permite ao aluno de cenografia, por sua vez, cursar uma disciplina
importante em sua formação nas Artes Plásticas ou na Arquitetura, construindo assim
um repertório de ferramentas necessárias e fundamentais para a sua prática. No
caminho inverso, os alunos dos outros departamentos se aproximam da cenografia e
da sua especificidade teatral. No âmbito desta pesquisa, os alunos que estão
cursando a disciplina Cenografia, mesmo que provenientes de outras áreas, quando
citados em relação à universidade, na maioria das inserções serão tratados de forma
genérica, sendo a referência feita à universidade de forma ampla, USP,
subentendendo-se que o aluno em questão cursou esta disciplina na Escola de
Comunicações e Artes /ECA, no Departamento de Artes Cênicas /CAC.
A organização do material de pesquisa é apresentada aqui de forma conectada
aos componentes relacionados no capitulo1, item 1.2, em uma tentativa de
reconstruirmos o caminho do processo criativo identificado na prática. Não há,
entretanto, uma ordenação rigorosa. Imagino desenhar este caminho de forma que ao
chegar à outra ponta, nos resultados propostos e materializados, possamos
compreendê-los como uma trajetória percorrida, não apenas pela visão do aluno, mas
também pelo ponto de vista do educador e ainda, do seu diálogo com a prática.
Perceber refletidas, estas trajetórias, no tratamento da espacialidade conferido ao
argumento. Faço uso das muitas vozes que participam desta pesquisa para conduzir-
nos neste percurso, reunindo-as aqui, todas estas vozes, em um diálogo também
imaginado, possível e desejado. Os grupos das diferentes universidades não
estiveram fisicamente reunidos e, portanto os seus processos específicos não
contaminaram uns aos outros, sendo qualquer ocorrência coincidente, talvez não mero
acaso, mas resultado da leitura de um argumento que é comum a todos. As Aves
carrega em si a qualidade de conduzir à reflexão acerca da coexistência e à busca de
proposições para novas relações entre os indivíduos.
96
O Argumento
O texto, neste caso, o argumento, foi o ponto de partida: As Aves, de
Aristófanes. Em comum aos três procedimentos temos o fato de terem sido utilizadas
as traduções e adaptações sugeridas e a solicitação aos alunos da leitura do texto nas
primeiras aulas, ou seja, o texto, o argumento que seria trabalhado foi logo
apresentado, assim como, a proposição de que os trabalhos fossem desenvolvidos de
forma individualizada. Objetivamente, em relação ao argumento-texto, é proposto em
todos os casos, um trabalho pautado na sua compreensão, através de discussões,
debates, da presença de um profissional de dramaturgia ou área relacionada que
possa colaborar com uma análise do texto, etc. A leitura, em alguns casos é orientada
para que seja feita como uma leitura branca, desconsiderando qualquer rubrica que se
refira a tempo e espaço; por vezes, ao contrário, os alunos devem se ater às rubricas,
são orientados no sentido de anotar as primeiras impressões e o imaginário que
emergem durante a leitura.
A decupagem é orientada para ser individual ou em grupo. Tomemos como
exemplo o procedimento proposto na UNIRIO, onde os alunos realizaram este
levantamento dos signos pertinentes às representações visuais – cenografia,
indumentária, iluminação – na forma de um grande panorama, que foi gradativamente
alimentado de códigos, imagens, apoiado em conceitos desenvolvidos ao longo do
trabalho de leitura do texto. Além das imagens e ilustrações, neste levantamento
foram inseridas questões de organização do espaço, a presença do público e das
personagens codificadas e presentes às cenas de acordo com o texto. Podemos ver
no painel abaixo a existência de duas linhas divisórias que determinam três planos de
ação como uma necessidade percebida pelo grupo a partir da leitura do texto.
97
98
Nas três universidades de uma forma geral, outros exercícios, paralelamente
ao argumento central são propostos no decorrer dos trabalhos dos grupos, e
conduzem a desdobramentos distintos. Considero estes exercícios como argumentos
paralelos:
1. Enunciados formulados que remetem ao texto direta ou indiretamente. Exercícios a
partir dos quais o educador busca aproximar ou direcionar a reflexão dos alunos para
aspectos que julga pertinente relacionando-os ao argumento principal, neste caso, “As
Aves”. Em alguns casos conduzem a uma pesquisa de linguagem.
2. Enunciados formulados que não remetem necessariamente ao texto. Exercícios
dirigidos a outras necessidades latentes identificadas no grupo, ou relacionadas ao
estágio (módulo) do aprendizado. Alguns exercícios, por exemplo, têm por objetivo
aprimorar técnicas de visualização e representação bidimensional e tridimensional;
necessários quando o background dos alunos neste sentido ainda é insuficiente. Neste
caso o foco pode estar no desenvolvimento de um processo que treina o aluno para as
formas de representação em detrimento de uma resposta visual definitiva.
3. Enunciados que investigam a tridimensionalidade a partir do texto, não se
distanciando do foco, mas provocando a busca por imagens, espacialização, cor,
composição, movimento, mais do que as anotações e rubricas.
Interessante observar como as diversas proposições colaboram na construção
de um, ou mais entendimentos sobre o sentido que está no texto. Encaminham para
uma seleção de aspectos do argumento-texto tratados como chaves através das quais
se identifica alguma ligação com, por exemplo, a atualidade, com um conceito ou com
uma idéia que possa dialogar diretamente com aquilo que o aluno-indivíduo gostaria
de dizer nesse momento. Curioso ainda como as leituras são diversas e às vezes até
mesmo contraditórias, o que nos leva a questionar as bases sobre as quais os alunos
constroem a sua compreensão do enunciado.
O que interessa neste momento é a compreensão sobre o argumento ou
melhor, as tantas compreensões a partir de um único argumento. Veremos que em
cada grupo existe uma espécie de contaminação, não apenas no ponto de vista
adotado para ler o que diz o texto, como também de materialização... É importante
considerar ainda, além do entendimento sobre o significado do texto, a motivação que
o argumento desperta no aluno, e também no formador; considerando este fator na
99
leitura dos resultados. Embora a motivação possa estar simplesmente no cumprimento
de uma grade curricular, da avaliação e obtenção de créditos, devemos acreditar no
aproveitamento real dos alunos diante desta trajetória, ou pelo menos daqueles que
encontram nesta linguagem uma real possibilidade para sua expressão, como
veremos em alguns casos adiante.
A princípio, em todos os grupos, percebi alguma desconfiança por parte dos
alunos acerca do texto, sobre a antigüidade desse texto – a Grécia antiga, e o fato de
ser uma comédia. Durante o processo, no entanto, muitos se surpreenderam. A
investigação sobre o enunciado é importantíssima para que os alunos não fiquem
retidos na superfície da obra. Por outro lado é preciso encontrar um equilíbrio, porque
muitas vezes os alunos demonstram-se muito conceituais, justificando demais e
acabam retidos no plano das idéias, enquanto é fundamental que sejam
materializadas, deixar fluir um pouco mais a manifestação artística.
A forma que encontrei para reconstruir o processo de leitura e entendimento do
significado da obra pelos grupos foi retomar as diferentes impressões e depoimentos
expressos pelos alunos, suas dúvidas e descobertas, durante o desenvolvimento dos
trabalhos. A partir destes registros recriei um diálogo ficcional entre os participantes,
uma vez que os grupos em nenhum tempo interagiram entre si.
O objetivo principal é descobrir o que significa “As Aves” em nossos dias.
100
Diálogo 1:
Investigando o argumento
Prof. Ronald/ UFRJ: O texto, as traduções que temos, conduzem para uma pré-
imagem alegórica, tem rubricas, sugestões, pedi que fizessem
uma leitura neutra tentando não incorporar esta alegoria.
Ana/ UNIRIO: Achei muito atual, muito contemporâneo, fala de coisas muitos
atuais, foi uma surpresa para mim como acho que foi para todos,
um texto muito interessante. Imagino os protagonistas sempre
descobrindo algo.
Cora/ USP: Interessante resgatar um texto tão antigo e trazê-lo para nossa
realidade atual e ver o quanto ainda se encaixa, nossa cultura
pensada a partir do ideal da cultura grega. Não é exatamente o
que gostaria de dizer, o texto é mais político, gostaria de
encontrar conotações de caráter mais social e filosófico para
focar a minha encenação. Estou achando difícil pegar isto e
transformar é a primeira vez que faço um trabalho assim, sinto a
dificuldade em transpor.
Marina/ USP: Gostei de ler e principalmente porque é uma comédia, me divirto
com certas coisas que são atuais, aspectos muito filosóficos.
Fala-se muito de utopia, utopia como algo não realizável, vejo
mais como um cutucão na sociedade. Porque tudo não pode ser
realizado? sem niilismo... mas todo mundo tem o poder de
comunicar, você pode, faça, está em suas mãos, vocês são os
pássaros.
Profª Lídia/UNIRIO: Trabalhamos com três textos, três traduções que pudemos
comparar e você vê direitinho as operações que cada tradutor
faz em de acordo com os seus interesses.
Aluna 2 /UFRJ: Vejo como uma busca.
Prof. Ronald: Busca de que?
Julie/ UFRJ: De todo este mal que eles querem fugir, mas eles acabam
entrando neste mundo do qual eles tentam sair e acaba que não
saem, fazem o percurso e retornam para o mesmo ponto de
partida.
Não há transformação?
101
João/ USP: A figura de Pisétero, vejo ele como qualquer outro homem que
deseja tomar o poder sobre os demais.
Alan/ UFRJ: Ele sofre uma mudança de comportamento... A principio ele
queria uma cidade ideal longe da corrupção, mas acho que ele
passa a ter uma postura de ditador e assumindo a cidade só
para ele, que a cidade sirva a ele a suas vontades, chega até a
expulsar outros. O idealismo dele muda.
Marina/ USP: A corrupção é um problema mundial, não é isolado, é intrínseco
ao ser humano, existe a corrupção em maior ou menor escala.
Pisétero não quer abandonar a cidade, quer montar outra sem
corrupção. Não entro no mérito de dizer se é possível ou não.
Paula/ UFRJ: O tempo inteiro o protagonista tem esta intenção de ser semi-
deus – de controlar, de convencer os demais, manipulá-los para
se tornar um deus. Intuitivamente ele sabe quando pode forçar o
caminho, é uma trajetória. Quando ele ganha asas passa a
controlar tudo.
Nizia/ USP: A individualidade, ela não conta mais diante dos nossos
problemas, eu sempre fui a favor da individualidade, mas quando
você precisa acionar algo a partir do individual você não
consegue, precisa partir do coletivo.
Melina/ UFRJ: Todos queremos um lugar melhor, não pensei em construir a
cidade, a gente não a vê; penso no aspecto psicológico da peça,
do que aconteceu com ele neste nível.
Ana Emilia/ USP: Eles vão contando aos poucos para as aves suas intenções, e
você tem a impressão sempre de que não está tudo dito, tudo
falado.
Janaína/ UNIRIO: Para mim neste texto eles não vão a nenhum lugar, é sempre o
mesmo, eles não voam, instaura-se um jogo de palavras. Estão
criando uma cidade que tem uma ideologia, mas no fim não
passa de uma reprodução do que já existe.
Lucas/ UFRJ: Eles querem um lugar ideal só para eles que só as aves podem
alcançar.
Julie / UFRJ: Eu pensei na palavra como se fosse uma ascensão.
Prof. Ronald/ UFRJ: A palavra é um transporte neste seu sentido?
102
Marieta/ UNIRIO: O vôo... Comecei a verificar no texto, e tivemos também a visita
do Paulo Maciel, teórico de teatro, esta questão da palavra no
texto, a autora de uma das traduções, que é resultado de sua
tese de doutorado, defende a palavra, ela diz que o vôo é
através das palavras, não é um vôo explicitamente.
Viviane/ USP: As Aves” está pautada no discurso, o convencimento pela
palavra.
Simone/ UNIRIO: Tudo acontece na imaginação deles, não existem asas, não
existem aves, não existe nada, tudo é uma criação deles. Eles
estão no mesmo lugar.
Janaína/ UNIRIO: A partir de um texto de Sócrates que traz a idéia filosófica de que
não havia cidade perfeita, que ela estava na cabeça dos homens
e que esta era construída por palavras e ela estava no céu
porque as palavras voavam, acho que quando Aristófanes
propõe esta cidade no céu é baseado nas palavras de Sócrates,
fazendo referência a ele ou para criticá-lo... eles tinham uma
picuinha.
Prof. Marcelo/ USP: Onde está o texto? Não perder Aristófanes de vista, não perder o
foco. (os alunos de Artes Cênicas e Letras trazem mais a
discussão sobre o texto, procuram outras adaptações,
investigam, questionam se a cidade realmente aparece).
Prof. Ronald/ UFRJ: A primeira coisa que a gente percebe é que os dois personagens
começam imobilizados por uma insatisfação, eles não estão em
uma cidade ou percurso – estão num ir ou retornar, como eles
(os alunos) perceberam agora.
“Quando você começa estudar a história do teatro você chega a um ponto em que as pessoas se libertam
do texto, daquilo que ele exige, você seleciona e faz o que o que te interessa. Qualquer peça pode ter
uma leitura interessante para o nosso tempo se você fizer com que ela tenha, se a encenação trouxer o
texto para o mundo que você está. Nas Aves a comédia é uma das formas mais lindas de se criticar – a
construção de uma cidade e de como as pessoas depositam ali seus sonhos. A utopia está ali até o ponto
que se torna real, independente se é bom ou ruim, ali morre o sonho e começa a realidade”.
Maíra/ USP.
103
Argumentos Paralelos
Eles demonstram ser tão importantes no processo do aprendizado quanto o
argumento principal, uma vez que conduzem a conceitos relacionados a ele (no caso,
o texto As Aves). Acho pertinente apresentar estes desdobramentos que na prática
também acontecem, pois aqui são fundamentais no desenvolvimento dos processos
criativos conduzidos pelos educadores-orientadores.
A palavra como argumento: Palavras chaves emergem do texto, propostas
pelos educadores ou provocadas para serem identificadas pelos alunos. A atenção
para as palavras, para o conceito que elas trazem contido, é um traço comum aos
procedimentos propostos por alguns orientadores. Eles resultam na materialização do
sentido destas palavras segundo algum critério. São procedimentos que nos
conduzem de volta à reflexão sobre a especificidade da Arte e do Teatro, o
entendimento claro daquilo que queremos dizer através de uma obra.
ASA – CÉU – UTOPIA um trígono proposto para um grupo de alunos, com
foco em exercícios de tridimensionalidade. O exercício resultou em espacialidades
que se identificam a princípio com a linguagem da instalação: configuram-se espaços
conceituais com algum caráter cenográfico, uma vez que para eles foi pensada uma
ação. Como exemplo podemos citar resultados como a Sala de Espelhos ou a Cama
– Aquário. O primeiro refere-se à palavra, ou conceito de UTOPIA; apresenta um
espaço claustrofóbico, uma sala forrada de espelhos, de todos os tipos, retorcidos,
fragmentados, provocando imagens distorcidas, como um sonho, onde o indivíduo se
vê no seu sonho através dos espelhos, enxergando-se em fragmentos, nunca por
inteiro, dadas as proporções mínimas deste espaço. O segundo refere-se a CÉU, no
qual uma cama de casal com dossel é rodeada por paredes de vidro, e bexigas de
água que irão estourar e, junto com mais água que escorre para dentro, formarão uma
espécie de aquário, dentro do qual duas ou três pessoas poderão nadar; o nadar
aparece aqui no sentido de voar e, as bexigas remetem também à utopia. Outras
palavras decorrentes destas surgiram e remetem imediatamente à forma ou
espacialidade: OVO, ÁRVORE, COLMÉIA.
Outro caminho proposto, similar, mas inverso, solicita aos alunos escolher,
cada um, uma palavra qualquer a partir do enunciado principal e dar corpo a esta
palavra, já relacionando ao contexto do texto e atribuindo-lhe uma carga cenográfica.
104
Os alunos assim construíram seus códigos, alguns em comum ou aproximados com o
que já vimos: UTOPIA – AVE – ÁRVORE – OVO – ASCENSÃO – ALDEIA - NINHO -
METAMORFOSE – VERTIGEM – IMAGINÁRIO. Cada um ao seu modo propõe uma
resposta visual tridimensional para o enunciado-palavra. Em alguns casos veremos
que este exercício contamina fortemente o projeto cenográfico final.
UTOPIA - Ana Paula /USP - Utopia em dividir igualmente o espaço para todos,
propõe o espaço organizado a partir da estrutura da colméia, representando uma
sociedade igualitária. Para ilustrar esta utopia na sociedade dos homens, cita Nelson
Rodrigues: “se você der uma ilha a cada ser humano, com sol o ano inteiro e uma ilha com um iate e
uma casa, logo os seres humanos irão brigar entre si... A igualdade social era uma utopia, não se pode
satisfazer todas as pessoas, sempre haverá disputa porque o ser humano sempre irá invejar o grão de
areia da ilha do outro”.
IMAGINÁRIO - Alan /UFRJ – Confere
caráter tridimensional à palavra
utilizando como base o seu primeiro
exercício sobre espaço, que por sua
vez, apresenta-se apoiado no conceito
de permeabilidade; cria portanto um
espaço com planos distintos e
passagens interligadas.
105
METAMORFOSE - Paula M. /UFRJ. A partir da letra inicial M configura as demais
letras que compõem a palavra em um movimento de continuidade de uma para outra.
Ao final retorna à posição inicial; no cenário isto seria filmado e projetado ou no
espelho para ser visto pela audiência. Existe o desejo de empreender na busca por
um ideal, como se houvesse algo diferente, mas o que há é o retorno ao ponto de
partida.
Esta proposta, especificamente, tem um caráter bastante performático, uma vez que a
ação é condicionada à formação das letras sucessivas na intenção da formação da
palavra e do retorno ao M de origem.
O objeto como enunciado. É um outro exercício proposto, no qual os alunos
têm que partir de um objeto mecânico, de livre escolha – esta escolha pode ser
subjetiva ou considerar um afeto, um raciocínio lógico direto, ou seja, pode ser
aleatório ou conceitual – um objeto que possua algum efeito mecânico, isolado. Como
desdobramento do objeto mecânico, um outro exercício propõe a criação,
cenograficamente, de um objeto de transporte, que tire alguém de um estágio para
levá-lo a outro, tentando partir de um sistema cujo conceito principal é o equilíbrio, a
igualdade; um sistema mecânico, portanto, que trabalhe por compensação. Este ato
de transportar um personagem de um plano a outro através de um objeto remete à
maquinaria deus-ex-machina, mas é também uma metáfora, respondendo ao texto,
daquilo que é identificado como o objetivo do protagonista: alcançar o SUBLIME.
De acordo com as leituras realizadas, o grupo da UFRJ chegou a uma
conclusão de que as asas são uma forma de representação da possibilidade de
realizar um desejo; quando se ganha asas se pode chegar a uma cidade imaginária,
ou seja, elas representam uma forma de atingir o sublime.
106
Paula /UFRJ “Inicialmente fiz esta gaiola –
possibilitando as pessoas a subirem ao divino e
por isto a imagem da gaiola, seu aspecto é mais
divino. Como objeto mecânico propus um
guindaste, em um lugar mais alto. A palavra
AVES, não era o que eu queria, mas precisava
ser curta”. A palavra a serviço e não o
sentido através da palavra...
Renata /UFRJ “É como se ele, Pisétero,
fosse controlar quem iria entrar; meu sistema
mecânico e o meu cenário tiveram como base
esta questão. Criei uma ponte, manipulável, que
se separa, que confere o controle de que só ele
pode deixar entrar quem ele desejar que entre
na cidade, e ao mesmo tempo acho que a
cidade irá se tornar só a cidade das aves. A
ponte, retomando o processo, surgiu a partir do
exercício da palavra ALDEIA. A partir daí me
veio a cerca, o graveto, o rústico, a cercania.
Trabalhei em esboços, encontrei uma imagem
pontual que foi referência para a criação; uma
cercania com uma montanha, parece um
pequeno castelo, uma ruína, como
representação da cidade. Acho que o Homem
não vai entrar nesta cidade; ao invés de uma
construção é um NINHO”.
107
Outros alunos também pensaram na forma e no movimento inspirados a partir
do conceito do NINHO, sem fronteiras, circular, coletivo No caso da aluna Renata ela
propõe uma cerca como forma de impedimento para a entrada na “nova cidade” e o
movimento articulado em dois percursos possíveis, sendo que um deles dirige à lugar
nenhum, onde o indivíduo retorna ao mesmo lugar e o segundo caminho, que conduz
à ponte, à possibilidade de ingressar na cidade “imaginada”.
O movimento como enunciado. O sublime pode estar inclusive no mesmo local
do ponto de partida. Para atender a este conceito, outro exercício foi proposto a partir
da idéia de movimento, mas agora o movimento traçando um percurso, também
relacionado ao enunciado principal – As Aves. Inicialmente, alguns alunos pensaram o
percurso como um movimento que saía de algum lugar e chegava a outro, propondo
uma transformação. Depois de algum tempo e muita discussão sobre o texto, o que
temos são percursos circulares que retornam ao ponto de partida ou a um ponto
próximo ao da partida, sem a transformação, mas com o sentido de vivenciar o
percurso onde algo se modifica, mas não é transformador.
Lucas /UFRJ Propõe um
percurso começa em um
caminho, sobe vai ao outro e
chega de volta no mesmo
lugar, um caminho com
acidentes, elaborado de certa
forma.
108
Melina /UFRJAlcançar um estágio mais alto – planos – escada – para ele subir e descer – o
movimento da peça – todos queremos um lugar melhor. Você a principio vê uma parede e aos poucos
uma escada vai sendo revelada”.
Neste estudo de movimento, a aluna Melina explora os planos verticais no
sentido da ascensão, e também o sentido de alcançar, de atingir um objetivo. A
princípio o que se vê é uma parede plana ao fundo e uma ilha (elemento mais à frente
de secção trapezoidal) aparentemente inatingível. Para chegar ao lugar almejado, a
ilha, é necessário mover-se de forma ascendente pela escadaria que se revela a partir
da parede. O último patamar desta estrutura “instável” torna-se uma ponte de ligação
que conduz à ilha.
109
Estes exercícios, da forma como são propostos evidentemente colaboram
como pistas para a compreensão do enunciado, mas também, principalmente se os
enxergarmos isoladamente, direcionam para uma outra possibilidade: a de pensar a
cenografia inclusive como argumento para o evento teatral. Na medida em que somos
capazes de materializar espacialmente conferindo caráter cênico a uma palavra, a um
objeto mecânico (ou seja, um objeto com uma função específica), ou mais abstrato
ainda, a um movimento, podemos também fazê-lo diretamente sobre o espaço. Ao
imaginar uma ação relacionada a um conceito de espaço, ou seja, ao partir de um
espaço real ou imaginado, espaço específico, edifício teatral ou cenário, para criar
uma situação cênica, está se propondo um argumento-cenografia no lugar de um
texto, personagem, ou outro componente como ponto de partida de uma realização
cênica. Este conceito já existe e pode ser identificado por Design as Performance. Se
pensarmos a Cenografia como design teatral, poderemos então considerar uma
transposição desse termo e considerar a possibilidade de Cenografia como
Performance.
Retomando a leitura do argumento principal: o texto, notamos algumas
contradições que acontecem no plano coletivo, ou seja, entre os grupos, sendo que
dentro de um mesmo grupo quase todos concordam com um mesmo conceito. Se
alguns grupos se apegam ao poder de persuasão das palavras, outros, por sua vez,
afirmam que a cidade deve ser construída à vista do espectador. Estas duas leituras
soam, para mim, como as maiores contradições, uma vez que conduzem a
materializações muito distintas do espaço. Definem caminhos distintos a seguir. Será a
leitura de um determinado texto ou argumento, única ou exata? Tomar um ou outro
caminho pode ser observado como um equívoco, a não ser que sustentado por uma
boa justificativa. Neste caso iremos encontrar respostas espaciais a estes dois
caminhos, correto ou não. Para um destes caminhos, o espaço que se faz necessário
é aquele que responda à relevância da palavra que será a responsável por conduzir o
imaginário da audiência. Para o outro, o espaço tem em si a responsabilidade da
transformação, fisicamente, criando imagens para uma outra audiência. Proponho que
continuemos nossa trajetória e que diante dos resultados identifiquemos estes
conceitos.
110
Pesquisa
A pesquisa é um componente que se faz notar em cada um dos
procedimentos, é uma preocupação permanente por parte dos educadores, que
desenvolvem propostas, exercícios com o objetivo de que alunos desenvolvam
métodos de realizá-la. Não apenas para uma resposta imediata, como também para
que ele, o aluno, desenvolva critérios para a construção do repertório artístico e
particular do sistema cênico, na sua formação para o pensar a cenografia e o processo
de criação.
Nos procedimentos que acompanhei, a pesquisa não se limita a conteúdos
específicos que irão resultar em seminários, nem é pontualmente aplicada a aspectos
do enunciado proposto, vai além, adquire um caráter de constante busca. Esta busca
talvez seja o formato que substitui ou incorpora algumas das muitas perguntas que
nos fazemos durante o processo criativo. O desenvolvimento de uma metodologia de
pesquisa aplicada ao processo criativo colabora para a formulação de perguntas e
respostas a partir da coleta de informações e imagens, da reflexão destes dados e das
encruzilhadas desse processo.
Naturalmente, as pesquisas propostas que encontram algum ponto de
convergência para com o enunciado, a meu ver, demonstram-se as mais produtivas
diante do curto tempo para os processos de desenvolvimento dos trabalhos, um
semestre. Período no qual, além do foco no argumento principal, temos os exercícios
paralelos, a pesquisa e a representação plástica - a materialização das propostas.
Temos ainda que considerar a demanda das tantas outras disciplinas que fazem parte
da formação do aluno, às vezes concorrentes, digamos assim, da atenção dele, por
apresentarem enunciados diversos e desconectados.
Diante da leitura branca, e não dirigida (pelo orientador ou pelas rubricas), de
um texto, ocorre muitas vezes, inclusive na prática, uma dificuldade de visualizar uma
resposta espacial imediata. Como alguns alunos apontam, há certa demora em digeri-
lo e em responder ao texto visualmente. Por mais que façamos outras leituras,
decupagens, nos tornando mais íntimos do texto, a espacialidade nem sempre emerge
rapidamente. Faz-se necessário neste momento continuar nossa investigação,
pesquisar. Para além desta dificuldade, pensando na visualidade espacial, a pesquisa
colabora para ampliar o repertório dos alunos, aproximando-os de outras linguagens
111
que podem conduzir a outros conceitos e técnicas específicas; leva-os também a
conhecerem outras tipologias do espaço teatral. Dependendo de como é conduzida,
pode provocar os alunos para além de uma iconografia óbvia, porque quando a
iconografia vira uma ilustração ficamos rendidos diante da dificuldade de transgredir as
imagens ilustrativas para uma criação mais personalizada, mais liberta. O que
aparentemente corresponde a um repertório que a audiência reconhece e aceita pode
ser muito limitador, enquanto que através de uma imagem que surpreenda possamos
conduzir o espectador para muitos outros lugares que ele sequer havia imaginado.
Profº Ronald /UFRJ“O fato de que os
alunos não rubricassem está no receio de vir à
tona uma Grécia alegórica, que é um lugar
comum, o vulgar, e se tivéssemos que lidar com
ele, teríamos que ser rigorosamente vulgares.
Não foi aqui para onde nós conduzimos, quero
que demonstrem e defendam suas idéias, o que
eles trouxeram plasticamente”.
A pesquisa no âmbito das universidades pode ser dirigida pelos educadores ou
proposta pelos alunos, e por isso digo que neste processo faz-se necessário que a
pesquisa seja produtiva, focada para o processo deflagrado. Tivemos neste período
pesquisas relacionadas e não relacionadas ao argumento, formalmente apresentadas
como seminários ou como complemento para etapas do processo. Em cada grupo
pesquisado, identifico que não se trata de uma só pesquisa, mas de pesquisas
paralelas, inter-relacionadas. Para compreendê-las, organizo-as a partir de
características específicas:
112
De caráter histórico
Sobre o contexto no qual o texto foi escrito – A Grécia Antiga; a tipologia dos
espaços cênicos e sua evolução – do Teatro de Arena ao palco italiano. O grupo da
USP contou com a colaboração dos alunos provenientes de outras áreas, que
trouxeram informações e questionamentos históricos, sociais, políticos e filosóficos,
enriquecendo o processo do grupo como um todo. Ao mesmo tempo evidentemente
este background de cada indivíduo encaminha para uma reflexão muito particular
sobre o contexto histórico ao qual remete o texto e também sobre o diálogo que trava
com a contemporaneidade. O foco histórico da teoria oferece aos alunos a
aproximação com os espaços teatrais originais, leva ao conhecimento do Teatro de
Arena grego e romano e o seu código de encenação particular, leva-os também a
refletir, a partir da experiência do Teatro Italiano, acerca das qualidades específicas
destes espaços e suas relações entre o ator e a audiência, entre palco e platéia. O
contexto histórico do texto mostrou-se determinante, para este grupo, nas escolhas
individuais de tipologia espacial cênica, começando a indicar possíveis caminhos para
esta interlocução.
De linguagem
Na UNIRIO, o procedimento privilegiou a realização de pesquisas de
linguagem apresentadas em formato de seminários focadas sobre três temas
destacados como relevantes: a Comédia Grega, o Teatro de Revista e o Carnaval
(carnaval de rua e de “passarela”). A pesquisa sobre a Comédia, tendo Aristófanes
como referência do texto aqui utilizado, explorava o papel dos autores desse gênero
como críticos do cotidiano da sociedade vigente. O Teatro de Revista e o Carnaval
foram considerados pertinentes pelo seu caráter popular, que se relaciona à questão
do popular da comédia, um eixo que tem em comum a crítica e o humor, o falar do dia-
a–dia, o conteúdo de cunho político, um desdobramento possível; o Teatro de Revista
principalmente porque fala com critica, mas de forma leve, divertida. Durante o
processo, o grupo identificou várias estórias dentro da peça, uma estrutura dramática
que possibilitaria um paralelo com o Teatro de Revista, o que gerou a intenção de
adaptar o texto para uma dramaturgia que dialogue com a linguagem proposta.
Em um dos grupos da USP, a pesquisa de linguagem desenvolveu-se
individualmente, a partir de necessidades particulares, a exemplo da aluna Ana Emília
que desejou encaminhar o seu processo incorporando a fotografia como linguagem
cenográfica, o que a levou a pesquisar caminhos possíveis para este diálogo,
resultando no que a princípio seriam o Fotomosaico e o Fotodesign. Propôs a
113
realização de fotografias de situações cotidianas, que remetessem à idéia de utopia na
cidade e, a partir delas, sugere montar imagens relativas à peça, como um mosaico,
tratando da utopia coletiva a partir das utopias individuais. Uma idéia que cria a meu
ver a possibilidade de um diálogo com a atualidade e confere uma qualidade
documental ao projeto, contextualiza o discurso cênico. É sem dúvida muito
interessante, mas ficou a dúvida sobre como a espacialidade se resolveria, e como a
fotografia assumiria a qualidade de linguagem cenográfica, o que veremos adiante.
De conceito
Na UFRJ a pesquisa foi orientada segundo a proposta trazida pelo orientador
de ser em si um trabalho de reflexão a partir do conceito de cidade, de aldeia, do
contexto da formação das cidades desde a Grécia até a atualidade. A discussão é
pautada sobre o conceito de construir ou de atingir uma cidade imaginária. A pesquisa
foca no conceito de projetos urbanísticos em diversas cidades do mundo em várias
épocas.
Em As Aves, a situação que se apresenta, uma vez relacionada à
contemporaneidade, nos leva a considerar os conflitos em nossas cidades e o desejo
de nos deslocarmos para outra cidade, ou de forma ampla para outra realidade, outra
forma de organização social.
Profº Ronald /UFRJ: “... Os problemas que ocorrem com o desenho de cidades como a nossa, o
Rio de Janeiro... as cidades privilegiaram, em termos de trabalho, o centro, então há um despertar para o
centro – o movimentar a vida – trabalhar, ganhar dinheiro, gerar serviço, etc. Quase sempre se pensa em
soluções para a vida da cidade, pensa-se na periferia e não no centro, porque a cidade foi crescendo de
modo desordenado pela periferia. Aí a cidade que foi planejada a partir de um ponto central, vai perdendo
força até por serviços, rendimento... a periferia como foco de melhorar a cidade, deslocando o foco do
centro, criando novas sub-células, mas isto não impede o êxodo interno diário para este centro. As
cidades antigas que nasceram com seus limites desenhados – suas periferias desenhadas – as
fortificações – não se pensou primeiro o centro, pensou-se a periferia primeiro, os seus limites
”.
É proposto aos alunos que a partir do desejo de alcançar ou construir esta
nova sociedade, a cidade imaginária, eles identifiquem, a partir dos modelos
existentes, os problemas inerentes à criação de uma nova cidade. O Objetivo está em
instigar os alunos a pensarem o desenho da cidade imaginária, em sua perfeição,
talvez não pelo centro, mas pela periferia. Curiosamente, no contexto de outra
universidade, na USP, o aluno Hugo apresentou uma proposta de espacialização que
dialoga com este conceito da criação de uma cidade imaginada. Segundo ele, esta
114
fuga para a construção de uma nova cidade está relacionada ao desejo de alcançar
um ambiente onde todos sejam felizes, algo utópico, um lugar através do qual seja
possível transcender ao próprio espaço (assim como o Teatro?), um lugar paradisíaco,
parecido com o que o publico busca, de acordo com ele, nas Raves.
Quando a pesquisa de linguagem ou conceitual é proposta pelo orientador, os
alunos são conduzidos de forma mais objetiva, a uma determinada meta, como se o
professor – orientador assumisse o papel do diretor. Isto não é a meu ver bom ou
ruim, é uma opção e diante dela o aluno poderá desenvolver outras descobertas,
partindo de um caminho pertinente. Do contrário, o aluno é lançado à descoberta de
um caminho próprio que poderá se mostrar produtivo ou não, mas o forçará a adotar,
de certa forma, o papel da direção. De qualquer forma, em ambos os casos não há
garantias. Diante destas possibilidades, cabe ao orientador a percepção sobre o
desenvolvimento de cada um e reconhecer as qualidades e dificuldades individuais
que demonstram. Em conjunto, alunos com a colaboração do orientador devem
trabalhar de forma que possam aperfeiçoar a autocrítica e a conscientização acerca do
próprio desenvolvimento, ou seja, dar prosseguimento a um caminho produtivo de
desenvolvimento.
De caráter técnico
Em todos os processos, em algum momento os alunos se deparam com as
dificuldades técnicas para a materialização de suas criações. Seja para a elaboração
da representação – maquete, desenho, seja para pensar na transposição para a
realidade, de fato em nenhum destes procedimentos os alunos trabalharam em escala
1:1, mas em sua maioria preocupam-se com a exeqüibilidade da obra. Consultam
desde livros, parentes, colegas, até especialistas do contexto teatral, de acordo com a
infra-estrutura que a universidade oferece. É uma pesquisa constante que pode
ocorrer no início, no final e durante todo o processo criativo. Na realidade da prática
cenográfica é pesquisa interminável, estaremos sempre diante de novas tecnologias,
novos materiais, ou de técnicas clássicas às quais em um dado momento precisamos
lançar mão; por mais que as conheçamos, na teoria, no campo da prática é que elas
serão realmente reveladas. É importante que o futuro cenógrafo aprenda a pensar de
forma colaborativa e a técnica é um dos primeiros campos onde ele se sente à
vontade para isto, porque precisa dela.
115
Alguns alunos se mostraram bastante atentos à realização dos seus projetos.
Não é só porque é um exercício que teriam de deixar esta questão de lado. Alguns
exemplos: a aluna Simone, da UNIRIO, consultou um técnico sobre a estrutura de um
carro alegórico com mecanismo estudado para desenvolver um movimento em cena e
apresentou este detalhamento em seu projeto, representado em desenho técnico.
Outra aluna, Marieta, da mesma universidade descobriu uma estrutura que um aluno
de outra universidade criou a partir de sucata - garrafa Pet, material reciclado e de alta
resistência. Alguns alunos pesquisaram materiais específicos e mecanismos para o
desenvolvimento de seus objetos mecânicos e maquetes. O aluno Felipe, da USP,
desejou construir uma cidade perfeita, utilizando vidro e água em uma composição de
dificílima realização; ao pesquisar começou a substituir os materiais, a água por
fumaça e o vidro por policarbonato, buscando soluções para não abrir mão de suas
idéias.
A pesquisa, como assinalo no capítulo 1, item 1.2, na prática é um componente
que continua fazendo parte do processo criativo. É preciso, no entanto, que seja
entendida de forma distinta daquilo que deve ser o aprendizado sobre o sistema
cênico, ou digamos assim, a maleta de ferramenta do profissional. Evidentemente, no
processo de formação do futuro cenógrafo este sistema está em construção e quase
tudo tem um caráter de investigação. Mesmo assim é importante que se identifiquem
os estágios desta formação, aquilo que o aluno tem que apreender a priori para
inclusive poder formular uma resposta espacial.
No que se refere aos grupos que se apresentam em um primeiro estágio de
aprendizado da cenografia e se vêem diante de conceitos teóricos e do
desenvolvimento de um processo criativo, é natural que se deparem com limitações
relacionados à especificidade da formação neste campo. Certamente encontrarão
soluções, saídas ou colaborações, mas não significa que no tempo de duração deste
processo criativo estarão suprindo esta formação, a exemplo da aluna Vanessa
51
quando afirma sua dificuldade em lidar com o processo criativo: “não tinha nenhuma
referência anterior, sinto dificuldade e falta de referência onde buscar mais dados para
formular as idéias, fico meio sem chão, não tenho o hábito de ir ao Teatro”.
51
Vanessa é aluna do curso de editoração da USP e cursa cenografia como disciplina optativa
116
Reforço esta questão com o depoimento do Prof. Marcelo, sobre esta
dificuldade em relação ao conhecimento com o qual o aluno chega à universidade e o
seu reflexo na prática educacional. Fazendo referência à USP, neste momento, em
que o processo de ingresso é através do vestibular, afirma que a prova específica em
Artes Cênicas não garante o ingresso de alunos com algum conhecimento ou
capacidade de pensar ou expressar plasticamente suas qualidades artísticas.
Profº Marcelo Denny /USP - “... acerca do background dos alunos que vem das mais variadas
áreas, faltam duas bagagens: técnica
- habilidades com pintura, desenho, desenho técnico, etc... que
gritam na hora de fazer o projeto e muito mais na hora de fazer uma maquete, para o qual concordamos
em fazer uma assistência um a um. O outro é a vivência teatral
, entender o que é o teatro e
conseqüentemente a cenografia. Primeiro os alunos que ingressam nas Artes Cênicas, na Universidade
em geral são muito novos e os de fora entendem cenografia e teatro por uma outra visão. Na parte
teórica tentamos passar a eles algumas perspectivas, mostrar, mais ou menos rapidamente, algumas
relações e as revoluções da cenografia no século XX, as principais características da cenografia na
Grécia, Roma, Idade Média, apresentar algumas obras cenográficas de grandes cenógrafos, cenografias
inusitadas, através de livros, imagens projetadas; educar o olhar deles, olhar com outro olhar... Há muito
interesse por parte dos alunos das mais variadas áreas, com muitas dificuldades para um traço mínimo,
mas com muita condição de defender uma idéia. Os alunos, em grande parte, apresentam grande
deficiência diante de alguns conceitos de estética, de arte, não está nada claro quando nos referimos a
estilos da arte, impressionista, expressionista, Bauhaus,... isto parece muito distante e não poderia ser.
Esta outra formação, a História da Arte, da Estética que não está na grade deles, às vezes tem que parar
um pouquinho o que você está falando, na parte teórica abrir uma segunda tela e muito superficialmente
explicar aquilo para depois retomar o caminho. Com os alunos de Letras evidentemente estas referencias
ficam no campo da literatura, menos imagético. A prática não equilibra com a Teoria, existe uma boa
vontade de dividir 50% e 50%, mas no final torna-se necessário abrir mais tempo para a prática. “.
117
Sistema Cênico Sistemas artísticos -Técnica - Representação
Aqui nos deparamos com o aprendizado de conteúdos relacionados às Artes
de uma forma ampla e à especificidade das Artes Cênicas. Este aprendizado irá somar
ao background individual de cada aluno. São ferramentas que o futuro profissional
precisa assimilar para que possa dispor delas nos processos criativos e de realização
que irá vivenciar. A composição destas ferramentas depende da infra-estrutura e
também da grade curricular de cada curso; assim se faz notar a origem de formação
do aluno por uma escola de Belas Artes, de Artes Cênicas, de Comunicação, de
Arquitetura, etc.
O aluno de Cenografia precisa estudar conteúdos de caráter técnico, artístico e
teórico: da representação plástica, passando pelo referencial histórico e filosófico, à
linguagem específica do Teatro. Na sua formação, ele precisa de um aprendizado
multidisciplinar, assim como afirmam as necessidades latentes dos alunos que aqui as
expressam.
Os grupos que atenderam a esta pesquisa respondem a estímulos
diferentes diante da técnica e da linguagem específica do teatro, uma vez que estão
em estágios diferentes de formação. Os orientadores podem encontrar o mesmo grupo
de alunos ou alguns deles em etapas diferentes de suas trajetórias, neste momento.
Cada um com o seu grupo traça um plano que é pertinente ao estágio de aprendizado
no qual os alunos se encontram e assim o foco de cada procedimento é específico.
Procedimento 1 /UFRJ – pautado na produção artística dos alunos, o
orientador desejava desde o início que os alunos tivessem experiências mais
manufaturais, de caráter plástico, artístico, mais do que apontamentos, rubricas, e
anotações sobre as intenções do texto, buscando provocá-los a responder
tridimensionalmente, a partir de um procedimento organizado através de exercícios
que, a meu ver, fragmenta e reordena o processo criativo, contendo o seu todo. Estes
exercícios conduziriam o aluno para que ele permitisse a si mesmo emergir caminhos
possíveis, instigando claramente os alunos à produção artística, sem conceituar
demasiadamente. Esta construção fragmentada atende à materialização de algumas
questões inerentes ao texto - sentidos, desejos, observações, sensações, que aos
poucos vão desenvolvendo um imaginário, que poderá resultar em algum significado
na elaboração da obra cenográfica. Nestes exercícios, a princípio, é proposto que os
estudos de tridimensionalidade não sejam carregados de detalhes de acabamento,
não devendo o aluno se preocupar em conferir qualquer apelo plástico de acabamento
118
ou pintura, procurando assim evitar um desvio de atenções. A definição de cor,
textura, luminosidade, matéria seriam aspectos tratados posteriormente, o que
importava neste momento era a composição do espaço e as condições de movimento
que este espaço poderia promover.
Procedimento 2 / UNIRIO - enfatiza muito a linguagem como um fio condutor
para o processo criativo e a questão da representação técnica; o desenho técnico do
projeto cenográfico é um caminho, para mim, verificador das possibilidades de
realização da obra proposta, o que confere um diferencial para este processo. A
técnica não é vista apenas como representação, mas como parte da construção do
conhecimento do aluno sobre a materialização na escala real de suas idéias, valendo
para isto a pesquisa junto a técnicos, livros, profissionais especializados para
concluírem esta representação de forma correta; a exemplo do que foi citado
anteriormente: o mecanismo do carro alegórico e a estrutura de reciclagem de pet.
Procedimento 3 / USP - ressalta a preocupação não apenas com a questão
visual, mas com a atitude que é tomada diante da realização de um exercício ou
projeto, quando o aluno precisa acostumar-se a se acercar dos pensamentos e
atribuições inerentes à linguagem cenográfica. Apóia a metodologia na representação,
na materialização da idéia de espacialização, utilizando os recursos dos quais
dispõem neste momento os alunos em formação. Os esforços são direcionados para
que a representação seja realizada através da técnica da maquete,... a maquete como
procuração da idéia do aluno...; mas sugere ainda o uso da ilustração, do storyboard,
da fotografia como complementos importantes para apresentar uma idéia, para
mostrar a transformação de um espaço, por exemplo. Procura encaminhar o grupo
para uma linha mais contemporânea, uma leitura, que às vezes sai até da cenografia e
vai ao encontro da instalação, o que permite que os alunos encaminhem os seus
projetos para outras linguagens ou procurem encontrar um ponto de convergência
entre diferentes linguagens, como veremos adiante..
119
Os alunos, por sua vez respondem a estes procedimentos revelando suas
habilidades e dificuldades, mais ou menos conscientes em relação aos diferentes
aspectos deste componente.
Técnica e Representação
Quando se tem uma boa idéia, é preciso pensar cuidadosamente sobre como
será apresentada. Todo sistema possui uma técnica específica para sua realização e
representação. Indo mais longe, possui inclusive um vocabulário particular; são os
recursos através dos quais criamos e nos comunicamos; sem eles a qualidade desta
comunicação apresenta-se falha, interrompida. Para criarmos neste campo
precisamos saber quais as ferramentas das quais dispomos e o que é possível fazer a
partir delas, ao mesmo tempo em que precisamos perceber como podemos fazer com
que outras pessoas compreendam as nossas intenções. Durante os processos de
trabalho alguns alunos apresentaram suas motivações e dificuldades diante da prática
de representação e do pensamento acerca da técnica que envolve a realização de
suas criações.
Paula /UFRJ demonstra muito interesse pela pesquisa e experimentação de
materiais, pela manufatura e a instituição onde estuda oferece oficinas de diversas
técnicas artísticas – modelagem, pintura, gravura, escultura, etc. Ainda assim afirma
sentir muita falta da técnica específica inclusive para fazer uma maquete: conhecer
materiais e formas de fazer, a melhor forma para construir, saber qual estrutura é mais
adequada, as opções de acabamento, entre outras.
Ivan / USP
aluno do curso de arquitetura, acostumado a usar a maquete como
representação, faz uma comparação entre a escala micro da maquete e a
representação em um espaço macro. A maquete é, para ele uma ferramenta não
apenas para apresentar seu trabalho, mas tem também a função de um laboratório,
onde, segundo ele, “você pode se libertar para a criação a partir de elementos que não são paredes
(ao contrário da concretude da arquitetura), permitindo uma explosão das possibilidades, experimentar
utilizar outros materiais; enquanto que a representação em um espaço macro possibilita criar um universo
que irá provocar sensações”.
120
De fato, não é fácil apresentar um projeto cênico; a maquete apenas como
apresentação de uma criação cenográfica não me parece suficiente, enquanto que
somada a desenhos, imagens que apresentem a relação entre o espaço e a presença
do humano nele, são recursos que trazem vida à composição deste espaço. A
maquete deve ser encarada, assim como o faz o aluno Ivan, como ferramenta do
processo e não apenas da finalização. Poderia citar outros projetos, como por
exemplo, o do aluno Ricardo, da USP, que teve que repensar toda a sua proposta de
espacialização no momento em que começou a trabalhar na maquete, mas este caso
específico ocorreu por uma falta de conhecimento dos sistemas cênicos. Ricardo é
aluno do curso de Publicidade e a dimensão e proporções da caixa italiana eram para
ele algo não assimilado.
Felipe /USP
Pensei muito na escala e em como transpor a estrutura para a dimensão real
manipular isto? Percebi que na realidade seria muito difícil mover o cenário para a construção desta
cidade; é uma construção muito grande”.
Paulo /USP aluno do curso de Artes Plásticas é um destes exemplos que
encaminhou o seu projeto em outra direção, o da Instalação. Podemos dizer,
entretanto, que o projeto de sua instalação tem um caráter cenográfico. São fotos que
a partir da idéia de UTOPIA, relacionada com As Aves apresentam as utopias hoje em
nosso contexto. O que me chama a atenção em seu trabalho é a maneira como o
apresenta, uma vez que ele não o fez por maquete, mas por desenho, esquemas,
fotografias que tirou e pretende utilizar, deixando claro o conteúdo, ou seja, a despeito
da falta da maquete, pudemos visualizar claramente sua proposta de espacialização;
imagem, conteúdo, forma, cor, luz.
121
A técnica não se limita apenas à representação; por vezes determina a
espacialidade. Um exemplo é o trabalho de Hugo, da USP, que criou um espaço que é
uma representação de uma tenda com todo o ambiente de uma RAVE, onde utiliza o
efeito de Luz Negra. A opção por este recurso técnico torna a imagem pictórica
fundamental, e a técnica neste caso, aliada ao ambiente transposto para a cena se
impõem como determinantes para a definição da espacialidade.
Hugo /USP “Queria que a imagem fosse dos pássaros voando, e fiquei pensando como tratar isto na
realidade, possibilitar esta mobilidade esta leveza, este movimento bonito, pensei nos malabares muito
presentes nas RAVES. São três ambientes diferentes: o dos DEUSES – um lounge futurista com puffs, e
uma estrela, um strobbo; o dos Humanos – branco sem muito detalhe, bem simples, com alguns módulos
desconfortáveis para mover e sentar; e o das Aves – uma barreira entre os dois outros e então a situei no
meio entre estes dois planos”.
122
Isto tudo transposto para o palco italiano, por quê?
Os alunos precisam ser treinados não apenas para as técnicas de
representação, como também para as de construção cênica. Em geral quando não as
desenvolvem, apresentam dificuldades com a transposição do real para escalas
reduzidas, bem como a dificuldade em escolher materiais que atendam tecnicamente
à realização de uma maquete e em pensar na transposição deste material para a
realização no real. É preciso discutir ainda até onde se torna viável conduzir um
processo que não tem condições técnicas de ser realizado. Costumo dizer que as
dificuldades técnicas com as quais nos deparamos na construção de uma maquete se
revelarão as mesmas dificuldades construtivas na prática, na transposição da
espacialidade para a escala real. A exemplo do que diz Ivan, sinto falta de mais
utilização da maquete como experimentação e principalmente da possibilidade de
vivenciar um espaço real, para buscar estas sensações, as quais os alunos tanto
sentem necessidade de imprimir na espacialização ou nos elementos que criam.
Compreender, na prática, o que são, por exemplo, as linhas de força do espaço –
diagonal, vertical e transversal. Temos que pensar o projeto em duas diferentes
escalas – a maquete e a realidade. Desenvolver a capacidade de visualizar
espacialmente na realidade.
Signo
O signo aqui eleito para esta análise é a árvore, porque é o elemento que mais
se repete nas proposições dos alunos em geral e que nos oferece perspectivas
diferenciadas na sua transposição para a espacialidade e seu tratamento. A árvore
suscita muita discussão sobre os elementos da natureza e sua relação com as AVES.
Alguns alunos, no momento de trabalhar com signos e simbologias, lançam mão de
conhecimentos próprios ou enveredam pela pesquisa e, neste caso, muitas vezes
deparam-se com informações que acabam sendo envolventes, interessantes e,
conseqüentemente as transpõem para a espacialização do argumento, sobrepondo a
ele outras informações que nem sempre estão no texto.
123
124
Ana /UFRJ sugere a imagem da árvore como o próprio ninho, ao tronco confere a
qualidade de ser giratório, e é o espaço de onde surgem os personagens, escondidos.
Sua concepção está apoiada na pesquisa sobre uma árvore específica, o Baobá, que
segundo ela é a arvore onde a poupa faz seu ninho. Uma árvore que vive até seis mil
anos, uma das mais antigas da terra, de origem africana, sendo que no Brasil temos
cerca de 20 delas; é considerada uma árvore sagrada e quando adulta o tronco pode
chegar a medir 20 metros de diâmetro, o mais grosso do mundo; as lendas que o
cercam falam em “espíritos mágicos" que habitam o tronco, macacos que se
escondem no oco e gigantesco tronco... Abaixo a imagem do cenário com o Baobá
inserido.
125
Quando criamos uma metáfora para uma peça precisamos saber se podemos
defendê-la. A metáfora tem que ser encontrada no texto, não apenas ser uma idéia
visual. A idéia do Baobá me parece muito interessante, e pertinente, mas para onde
leva o nosso olhar e reflexão? Pensando na movimentação proposta, os personagens
saindo de um tronco, aparecendo magicamente, é isto realmente que nos ajuda a
refletir sobre a obra? Como é o tratamento desta árvore? Como ela se relaciona com
o espaço e com os demais elementos que o compõem? Ao final o que vejo é a
possibilidade da circularidade de um movimento que surge diretamente a partir do
elemento árvore, mas na situação da tipologia do palco italiano, signo e movimento
ficam aprisionados ao espaço no qual a árvore não é o elemento principal na
composição do “cenário”, como podemos observar na imagem do projeto.
Isto reflete para mim a condução do processo como um todo de formação
destes alunos, que pela terceira vez estão restritos a desenvolver o processo de
trabalho a partir do palco italiano, e portanto, para alguns torna-se difícil desapegar-se
dele ou, como neste caso, compreender este tipo de conflito. Acredito que esta é uma
análise que cabe ao orientador, não apenas no sentido de levar o aluno a tomar
consciência do conflito existente, mas inclusive de repensar a metodologia em relação
à prática atual.
Laura /USP nos apresenta um terceiro olhar, ou processo, que não se aprofunda na
pesquisa ou em conceitos, mas propõe de forma objetiva o elemento árvore como
espaço. Identifica no texto a árvore como um ponto de encontro, um lugar da ação
indicado pelo texto como: um campo com uma árvore como o lugar dos dois
personagens principais. A partir da árvore, portanto, ela configura o seu espaço
atribuindo ao elemento central um tratamento não realista e conferindo-lhe movimento.
126
Ligia /USP aborda o elemento árvore de forma conceitual, a propõe como um
elemento central, um eixo vertical sólido, que segundo ela, simboliza a tradição e a
longevidade da humanidade. Soma a este outro conceito, o da antítese que identifica
no discurso da peça: a ambição das aves em criar um mundo que seria o oposto do
mundo dos homens. Então reúne os conceitos de opostos e a simbologia da árvore na
criação de uma estrutura que dê conta desta equação, o que a conduz a outros
conceitos, a geometria e a simetria. Nos materiais escolhe a transparência também
por um determinado conceito e afinal, diante de tantos pensamentos e justificativas,
parte para a materialização de suas muitas idéias sobrepostas. Algumas não
dialogam, exemplo: a força da árvore como eixo central se enfraquece pela
transparência e leveza do material.
Os muitos conceitos nos conduzem a um imaginário que não está presente na
materialização de seu espaço. Por mais que tente nos convencer, eles não estão lá.
Talvez porque o ponto de partida para este projeto não foi exatamente conceitual, mas
de forma. Ligia partiu da exploração da técnica de POP-UPS (corte e dobras em papel
bidimensional que se destacam no espaço conferindo volume ao desenho) e chegou
até a estudar programas digitais que planejam os cortes em 2D para obtenção da
imagem em 3D. Debruçou-se de fato muito tempo nisto, talvez até comprometendo o
diálogo entre a espacialidade e o argumento. O interessante deste processo, que nos
remete a exercícios de tridimensionalidade propostos a um outro grupo, é que na fase
de formulação da tridimensionalidade em torno do eixo que é a árvore, ainda não
definido o seu espaço teatral, não percebemos tão fortemente esta questão dos
conflitos, mas na medida se definiu o palco italiano, da forma como foi colocado, estes
conflitos se revelaram mais presentemente.
127
Carol e Ana Paula /USP vivem uma experiência específica na qual o projeto As
Aves surge para complementar um projeto pessoal do grupo teatral que integram, e,
portanto, um contamina o outro e se enriquece a reflexão sobre ambos. O projeto
pessoal destas alunas e do seu grupo tem como lugar, coincidentemente, uma árvore.
É intitulado, “enquanto a árvore espera na semente”, no qual se propõem a ficar sete
dias em uma árvore no centro da cidade, tempo durante o qual realizam treinamentos
físicos públicos, expandidos, como ensaio aberto, convidando o público a participar do
trabalho, com o propósito de sensibilização do olhar das pessoas. Propõem a reflexão
a partir da ruptura com aquilo que aparentemente é cotidiano, simples, o lugar sendo a
árvore. A expectativa é a de causar algum lugar de suspensão, de reflexão.
Deparamos-nos aqui com o estado físico criado na busca por surpreender o
público e causar-lhe um estado de suspensão, o que veremos se repetir em muitos
dos projetos, principalmente dessa mesma universidade. Este projeto me instiga a
pensar na árvore, signo, ao mesmo tempo paisagem, com qualidade que reúne
espaço teatral e espaço cênico. A árvore já é em si um símbolo muito vigoroso, que
toma o espaço. Se misturamos a isso ainda um ninho, um móvel, etc. teremos muitas
imagens que tentam competir com a força da árvore. A árvore apresenta em si a
qualidade de espaço cênico, a exemplo de como é utilizada por Laura, ou como
paisagem, no caso das alunas Carol e Ana Paula.
Diante dos signos que se pretende utilizar, deve-se perguntar, qual a leitura, ou
as possíveis leituras que cada um deles sugere. É necessário lembrar que serão
muitos olhos, ouvidos, culturas e referências que irão ler estes signos. Existem signos
que fazem parte de um inconsciente coletivo e outros que são atribuições de culturas
específicas, cuja compreensão ou leitura ficam comprometidas quando deslocadas de
seu contexto. Dependendo do tratamento que lhe é conferido, o signo pode tornar-se
imagem muito presente, diante da qual será necessário indagar para onde se pretende
conduzir o espectador, o que ele verá. Corre-se o risco de que a Cenografia venha
inclusive sobrepor-se à encenação.
Signos muito fortes surgiram em forma de palavras, conceitos ou imagens que
foram lapidadas para comporem ou definirem a espacialidade para “As Aves”: o Ovo,
por exemplo, aparece em resultados de dois grupos distintos, ambos com o mesmo
sentido: como uma síntese que responde às utopias, o Ovo contendo o potencial de
vida ou de morte, de ressurgimento. Entre outros, a roda gigante, foi apresentada
como objeto mecânico, pela aluna Paula M., que a relacionou à idéia de cidade
128
idealizada, um signo que segundo ela tem um caráter onírico, que sugere um parque
de diversão, um lugar de fantasia, de ingenuidade. A leitura dos signos depende muito
do tratamento que lhe é conferido. A exemplo da árvore, uma transposição realista ou
uma interpretação modificam o seu sentido. O comentário feito pelo orientador para
esta proposta trata exatamente disto, da leitura deste signo em relação ao texto, que,
segundo ele: pode conduzir o espectador a uma outra leitura, reducionista do seu sentido se
representada alegoricamente, como uma roda gigante, vinculada, por exemplo, à imagem de parque
temático, remetendo ao falso. Se esta imagem remeter à idéia de cidade-espetáculo, o conceito fica como
que condenando ao entretenimento e conseqüentemente, vê os seus valores (do texto) reduzidos. Por
outro lado, se tratada como um mecanismo de subir descer, um contínuo, poderá então se libertar desta
leitura e desta qualidade alegórica, exaltando a essência de seu significado”. Ainda citando
Ronald Teixeira/UFRJ: “Precisamos ficar atentos para que a imagem não nos conduza para
longe do enunciado. As imagens e espaços quando são idealizados no sentido de estabelecer alguma
correspondência para o espectador sobre aquilo que irá vivenciar, possibilita envolver a audiência
através daquilo que o cenógrafo sugestiona. De outra forma estaremos criando um objeto que irá gerar
um estado apenas contemplativo da audiência. Uma boa imagem de referência pelo seu aspecto plástico
sedutor pode nos levar ao distanciamento dos assuntos mais importantes que um determinado espaço
deveria evocar, principalmente quando estamos em num estado solitário da criação”.
Linguagem
Da compreensão sobre as diversas tipologias do espaço teatral à função do
Coro em um texto Grego, os alunos se deparam com exigências do argumento que os
levam a conhecer e aprofundar uma ou outra linguagem. Tratando deste aspecto
estaremos adentrando as propostas de espacialidade para verificar como respondem.
Assim como um grupo de alunos pesquisou a Comédia e com a ajuda do orientador
identificou aspectos que os aproximaram de outras linguagens de representação,
como o Carnaval e o Teatro de Revista, um outro grupo por sua vez explorou
possíveis pontos de encontro entre a linguagem do teatro e outras linguagens
artísticas. Os resultados apresentados em sua maioria respondem bem a esta
equação. Na proposição de misturas ou aproximações de linguagem é importante que
se discuta e forme uma consciência sobre o que é pertinente a cada uma, para
inclusive termos a liberdade e confiança em mesclá-las.
129
Ana Emília /USP colocou-se o desafio inicial de tratar a fotografia como linguagem
cenográfica; transpor uma linguagem bidimensional para a tridimensionalidade; aos
poucos passou a tratar a fotografia como elemento que faria parte da cenografia, ainda
com a dificuldade de que em cena poderia se tornar ilustrativa. Ao final apresentou
uma proposta de espacialidade onde a fotografia participa, mas não domina a cena.
Ou seja, ela encontrou, talvez até de forma simples, uma solução para tratar as
diferentes linguagens, respeitando as dimensões específicas de cada uma delas. Para
chegar a este resultado releu duas a três vezes o texto e então elegeu outros três
signos nele presentes que pudessem conduzir a uma espacialização. Estes signos
são na verdade conceitos idéias ou imagens que a aluna traduz espacialmente, a
saber: 1- Jogo de revelar e esconder representado por gavetas transparentes que ao
longo da encenação são preenchidas de imagens fotográficas; 2- A representação de
3 níveis verticalizados para ilustrar a impossibilidade do homem em alcançar o nível
dos Deuses, que está a 3m de altura, a última gaveta; 3- A construção de uma cidade
através da crescente colocação das fotografias, que somadas irão formar uma imagem
aleatória. Escolheu o palco italiano, na intenção de que o espaço tomasse um caráter
mais teatral e menos expositivo.
“Criei suportes para a colocação das fotografias como representação do que eu achei mais importante no
texto, o jogo de esconde e desvenda que os homens vão fazendo com a persuasão. Gavetas como
simbologia deste abrir, mostrar, fechar e esconder. São dispostas em três níveis, o último dos deuses é
praticamente inalcançável. A impressão que dá na leitura é de que os homens ou os pássaros não
chegam aos deuses fisicamente. As fotografias reunidas formam imagens aleatórias; optei por não eleger
um signo específico a partir desta composição – A utopia coletiva formada pelas utopias individuais.
Achei que ficou sério e escuro para uma comédia e então pensei em usar a cor nas fotos e não mais PB”.
130
Marcelo /USP propõe a transposição da linguagem do cinema ou da fotografia para o
espaço cênico. Praticamente tridimensionaliza, no palco italiano, uma imagem que
chega aos nossos olhos bidimensional, mas cuja captação é uma paisagem. É como
transferir ao palco um set onde foi realizada uma filmagem. A imagem é baseada em
Os Pássaros, de Hitchcock. Desconsiderando o quão óbvio é esta analogia e as
referências transpostas tão diretamente ao espaço cênico como um quadro congelado
do filme, o aluno cria uma imagem interessante de uma estrada ou rua sem saída, que
termina em um precipício que remete ao enunciado, um inicio de algo, apresenta um
contexto urbano e ao fundo um ciclorama. Tem um tom noir dado pela ausência de
cores e pela contra-luz do ciclorama. Como espaço cênico, no entanto limita bastante
a ação. Evidentemente é um processo que se desenvolve mais pela imagem do que
pelo conceito.
Ana e Janaína /UNIRIO
partem da transposição de uma linguagem
específica para a espacialização do enunciado. O Teatro de Revista impõe seus
sistemas específicos para se fazer reconhecer. Ambas definiram a tipologia do palco
italiano, frontal, para ali formular a espacialidade. No trabalho da aluna Ana, podemos
identificar a preocupação com uma moldura para a cena, a boca de cena bem
trabalhada, influenciada pela linguagem do Teatro de Revista, assim como os telões
planos, aos quais conferiu um pouco mais de dinâmica, assumindo-os como algo
interessante. Agregou ainda outros elementos como o Baobá (do qual já falamos) e a
glória
52
. Esta somatória confere um tom engraçado e de leveza ao espaço, mas ao
mesmo tempo, teremos muitos elementos para nos distrair da palavra. Leva-me a
52
Glória, recurso de maquinaria utilizado no Teatro Barroco que faze subir e descer uma plataforma
encoberta pela imagem de nuvens.
131
pensar na relação da audiência com imagens ou mecanismos que remontam a um
contexto histórico do qual são retirados. Como se dá esta junção?
Janaína, na vertente da linguagem do Teatro de Revista, desenvolveu uma
espacialidade para o palco italiano, onde utiliza as estruturas bidimensionais, mas de
outra forma, trabalhando com recortes; partiu da palavra como referência táctil,
plástica, criando uma estampa de palavras que não são necessariamente identificadas
da platéia. “Há uma certa ludicidade no jogo proposto pelo texto, usando a estrutura dos pop-ups
(reprisando o ponto de partida de forma explorado pela aluna Ligia, da USP) para dar volume aos planos,
fazendo saltar imagens, criando um reflexo da mesma imagem atrás, criando uma dúvida sobre se o que
está vendo é real ou é uma sombra”.
Como olhar para um espaço em 3D, em volume, pensar que estamos dentro
dele? Temos de ter o cuidado de não desenhar demais o espaço ou um momento
apenas, deixando-o “inacabado” para o desenvolvimento da cena.
132
Alan /UFRJ utiliza de expressão gráfica muito personalizada para apoiar seu trabalho,
não apenas na representação de suas idéias, mas também nas suas concepções
espaciais. Em sua trajetória torna-se recorrente a orientação do professor no sentido
de conscientizá-lo sobre a especificidade da linguagem cenográfica e a influência da
ilustração que contamina os seus projetos, conferindo-lhes qualidade muito ilustrativa.
Os exercícios propostos pedem o despojamento dos detalhes, mas mesmo assim
ainda vemos materializada em seus trabalhos uma carga ilustrativa muito forte, que
ele aos poucos está procurando equilibrar. Seus processos nos revelam conflitos
como este.
“Estou construindo uma cidade que fica
neste espaço intermediário, céu e inferno,
maniqueísta sim, construindo uma situação
que começa por baixo e vai subindo para
alcançar o andar dos deuses. A estrutura
de movimento ascendente, tem base
hexagonal: em baixo- a corrupção; no nível
intermediário - o ideal de Pistétero; no topo
- o espaço dos deuses que é cada vez
menor, mais difícil de alcançar, uma
espécie de labirinto verticalizado que
confunde, desordena, a visão do
espectador”.
133
Evidentemente os alunos estão neste momento aprendendo a lidar com os
signos, com a especificidade da linguagem e da técnica cenográficas. É natural que
tomem decisões que os conduzem aos mais diversos caminhos e resultados. O
importante no processo de aprendizado destas ferramentas é a conscientização sobre
o seu processo, a escolha que fez, por que a fez, onde a levou, o que o aproxima ou
distancia do enunciado, o que é uma dificuldade técnica e o que é uma impossibilidade
técnica; poder identificar inclusive o que faltou percorrer durante o processo. Este
aprendizado não se limita à duração de um curso, ele terá sua continuidade durante o
percurso profissional e por isso a importância de que o aluno aprenda a conduzir o seu
processo. Neste momento se faz necessária muita experimentação e muito diálogo,
inclusive de cunho crítico no aspecto construtivo, evidentemente, sem paternalismos.
Os nossos futuros profissionais precisam aprender inclusive a lidar com a crítica, saber
ouvir; é muito importante saber colocar suas idéias e para isto precisam estar seguros
de suas decisões.
Simone /UNIRIO Fiz uma proposta de um corredor semi-arena: os personagens estariam parados
em cena e, para representar um pouco esta criação deles propus aves circundando, aves escuras,
pretas, em relevo, reveladas em sombra pela luz, são elementos alegóricos. Os personagens estão
sempre no mesmo lugar, eles não vão para um outro, o encontro com a poupa se dá com a entrada de
um carro alegórico de grandes dimensões –– existem vários níveis neste carro. A estrutura do carro
apresenta um mecanismo de asa que bate, apoteótico. O carro sai e a cena volta como no início, como
se nada tivesse acontecido”.
134
Ação e Representação A presença do Humano
Ator/ Performer – Ação
Audiência - Recepção
A partir do argumento lançado “As Aves” trataremos, neste capítulo, de analisar
como os processos de trabalho dos alunos desenvolvem-se em relação à presença do
humano na situação imaginada para a encenação, tanto do ponto de vista do espaço
cênico como da platéia, do ator e da audiência. Por vezes os projetos tomam um
determinado caminho a partir de um conceito que se relaciona a este componente.
Alguns projetos partem de um desejo de proporcionar uma determinada experiência
aos indivíduos que se encontrarão em razão do acontecimento teatral. Assim, a forma
de reuni-los para este encontro acaba sendo determinante do encaminhamento para
uma dada situação espacial que atenda a este conceito ou desejo.
No âmbito da formação, os estudantes de cenografia são levados naturalmente
a assumir um pouco a função de direção, a menos que o projeto em desenvolvimento
seja de caráter interdisciplinar e existam outros colaboradores. Nos procedimentos
acompanhados esta segunda hipótese não ocorreu. Durante os trabalhos foi, portanto,
necessário, tomar alguns partidos e decisões acerca de: como definir um possível
contexto, seguir um ou outro conceito, apoiar-se em movimentos imaginados, pensar o
todo para formular uma espacialização. Ou indo além, na intenção de criar um lugar de
suspensão no sentido de “reticências”, deixar algo a ser compreendido que não seria
necessariamente dito, uma insinuação, uma emoção.
Diante dos processos pesquisados, percebo que os alunos, em sua maioria,
pensam a cenografia do ponto de vista da sensação que ela pode provocar no público.
Às vezes são motivados por uma orientação que se dirige a este foco, onde o
educador provoca os alunos para que respondam espacialmente às sensações
inerentes ao argumento-texto. O grupo da UFRJ, por exemplo, foi conduzido a refletir
e responder espacialmente sobre:
“Como um indivíduo que se encontra em um determinado
estado passa a sentir-se mobilizado ou, ao contrário, fortificado, para ir a outro”. Este
movimento corresponde à ação proposta no texto, no qual os dois personagens
Pisetero e Evélpides por alguma razão decidem mover-se em direção aos seus ideais.
Qual o motivo por trás desta determinação a mover-se? Eles de fato se movem? Ou
como alega a Simone, da UNIRIO, eles não vão a lugar algum, eles não se movem;
135
neste caso o que os conduz à imobilidade? A palavra seria um veículo através do qual
podemos ir a qualquer lugar sem, no entanto, nos mover? Entender o sentido do
movimento a partir do que propõe o texto é fundamental para definir as possibilidades
espaciais. Neste grupo, especificamente, os alunos, conduzidos pelo conceito e
pesquisa sobre a construção de cidades e urbanização, optaram por apresentar
espaços de conformação circular, reprisando de cerca forma as conformações antigas,
nas quais os limites da cidade eram definidos antes mesmo até do seu centro, através
de fortificações. A circularidade por vezes tomou a configuração de uma helicoidal, e
ambos os espaços propiciaram ressaltar o sentido de que os personagens poderão
percorrê-los mas que retornarão ao ponto de partida.
Nos grupos de alunos da USP, As Aves provocou uma busca por relações
espaciais, segundo eles, mais democráticas, para organizar os espaços de ação e de
recepção, onde a tipologia do Teatro de Arena emerge como uma melhor resposta,
capaz de reunir os indivíduos de forma a aproximá-los, ou melhor, de aproximar a
ação da recepção. Demonstram-se muito preocupados em não apenas fazer do
espaço um lugar de encontro, mas um espaço de reunião de fato, para atender a este
discurso. Ao mesmo tempo, alguns alunos defenderam que seria indispensável propor
fisicamente a construção de uma cidade e sua modificação em cena, dada não apenas
pela ação dos atores, mas, por vezes, incluindo o público nesta ação. Esta reflexão
sobre o espaço da ação e da recepção relacionada ao texto, conduziu o grupo à
necessidade de se libertarem do proposto inicialmente, a caixa italiana, para definirem
espaços que permitissem este diálogo. Além de romperem com a tipologia italiana,
foram além dos espaços inusitados, propondo formas não-convencionais para receber
a audiência, para acomodá-la, motivados pela determinação de causar uma sensação
no espectador.
Proponho acompanharmos alguns passos pelo imaginário dos alunos,
relevantes para compreendermos os rumos tomados diante da espacialização
proposta ao argumento-texto. Através deles podemos perceber claramente que os
alunos buscam, através de suas criações, outras relações através das quais possam
afluir suas expressões, distanciando-se da tipologia do palco italiano.
136
Projeto da aluna Marina /USP
137
Marina /USP imaginou um público iluminado por baixo, sentado dois a dois em
balanços de acrílico suspensos ligeiramente do piso, dispostos em um lugar circular,
como um anel, tentando sensibilizar a audiência para o fato de que não podemos
mudar o começo da nossa estória, mas podemos mudar o final. Confundem-se ator e
espectador na sua “cidade dos homens”
Gostaria que se fosse encenada e pudesse provocar as pessoas no sentido de que percebam que
podem fazer que está em suas mãos... o público faz parte, está dentro das emoções que o cenário e os
atores vão passar, ele tem que sentir profundamente”.
André /USP nos apresenta uma visão do ator que prefere a interação com o público,
o romper com a quarta parede, estabelecer uma relação de proximidade, olho no olho;
esta disposição o leva a visualizar espaços menores, mais claustrofóbicos, que sejam
impactantes para o publico.
“Quando neste projeto rompemos com o palco italiano, o projeto desenvolveu-se” – seu projeto caminha
para tratar do espaço cênico”.
Graciela /USP também traz à tona a sensação do ponto de vista do espectador.
“... A primeira coisa que pensei foi ALTURA, MEDO, INSTABILIDADE; faço cinema, não tenho muito o
hábito de ir ao Teatro, mas pensei logo em uma cenografia que causasse sensações. Tenho a impressão
que em relação ao palco italiano, um cenário convencional, o cinema dá conta melhor; pensei então na
especificidade do teatro, o que não dá para fazer no cinema, que é a sensação; pensei em um viaduto,
uma situação ao vivo na Rua, onde quem está lá não apenas assiste e admira, sente algo.”
Marília /USP
propôs um projeto processional, uma Rua, um objeto em forma de
tambor movido pelos próprios atores por um movimento de rolamento. Remete ao
exercício proposto em outro grupo sobre o movimento como enunciado. Os atores
aqui se confundem com o público espalhado pelas calçadas, em um clima de diversão
diante da construção de uma cidade, um ambiente festivo e da coletividade.
138
Projeto da aluna Kátia /USP
139
Kátia /USP revelou certa dificuldade para chegar à materialização do espaço, ficou
presa à movimentação, que se apresentava, na sua imaginação, muito circense. Não
conseguia imaginar que cenografia atenderia a esta movimentação dos atores. Buscou
um significado para este movimento e chegou à palavra vertigem, na sensação de
vertigem que pode ser provocada no público. A partir desta definição resolveu colocar
a platéia no mesmo nível dos “pássaros”, com a preocupação de que o público se
enxergasse e se sentisse dentro deste espaço, como parte desta cidade, um espaço
que, segundo ela, está situado entre a terra e o céu, em suspensão.
“Pensei em uma estação de arborismo para uma movimentação mais aérea; a maquete para o exercício
ASA- CÉU- UTOPIA me levou ao teatro de Arena. Resolvi aproveitar algumas idéias desta maquete e
juntar com outras idéias a sensação de vertigem que pode ser provocada no público. Coloco a imagem
da Terra em um plano mais baixo; trazer a idéia de que esta cidade fica entre o céu e a Terra, que ficou
muito forte para mim. Uma idéia que achei muito engraçada foi a cobrança de impostos a partir da
medição da abóbada celeste. Este espaço está em um Teatro, com urdimento – a imagem da Terra seria
uma imagem projetada em movimento que apareceria em dado momento. O primeiro desenho me deu
uma visão de ser uma nave espacial. Plataformas como lugares de atuação, para dar o texto, acho que é
possível conciliar”.
A importância da palavra diante de num teatro tão físico... As sensações como
nestes exemplos e de outros, este estado de suspensão, precisam necessariamente
ser provocadas por uma suspensão física do indivíduo? Provocar um modo de estar
real para causar sensações desejadas não será uma forma de distanciamento do
enunciado principal? Onde fica a sublimação (no sentido de elevar, exaltar,
engrandecer) neste caso, ela pode emergir da sensação ou tornou-se desnecessária?
A busca pela sensação, a realidade da matéria e do espaço, são características que
encontramos nas proposições das visualidades cênicas no nosso tempo, talvez em
contraponto à ilusão, mas ainda com a necessidade de surpreender. Possibilitar à
audiência a perda do senso de direção pode conferir um sentido de uma jornada, de
algo que nos impele ao movimento. O sentido de recriar simbolicamente uma jornada
pode ser tanto no aspecto físico do deslocamento como no espiritual, se relacionado a
características específicas de uma cultura. A encenação, entretanto, não pode ser
encurralada por uma idéia em um espaço limitado. Precisamos oferecer a
possibilidade inclusive de escapar deste espaço, basicamente, temos que criar um
espaço e deixar que os atores construam suas relações, seus relacionamentos. Os
atores e a audiência precisam poder ver algo que não está lá. Existe uma grande
diferença entre mostrar e ver.
140
No grupo da UNIRIO, percebo-os mais focados na linguagem e há pouca
contaminação destes alunos em relação a conceitos para tratar o ator ou o
espectador. A espacialidade é muito mais conseqüência daquilo que a linguagem
pretendida traz consigo, os códigos pelos quais é identificada; o mais visível é a
preocupação com a movimentação do ator pelo espaço cênico. Alguns alunos
desenvolveram o espaço cênico ou o cenário tendo em comum um conceito que me
pareceu revelado na maioria dos projetos, a idéia de ASCENSÃO (que encontramos
também na descrição dos projetos de alunos da UFRJ).
Ana/ UNIRIO “Cheguei a propor um
espaço com três planos, mas achei muito
fechado, prendia o ator e não tinha sacado
isto, achava que era importante dar mais
abertura ao trabalho do diretor. Quase dirigi
um pouco, foi natural, não precisa ser assim,
mas ajuda como um fio de condução”.
A maioria dos trabalhos, nitidamente demonstra preocupação com a presença
do humano na encenação, com a ação ou movimentação do ator e com a presença do
espectador, às vezes até a sua participação na encenação. Curiosamente na
representação das idéias não apresentam a figura do humano, ou da escala humana
nas maquetes que realizam. Há, contudo, elementos – cadeiras, por exemplo, que nos
dão alguma referência de escala; o restante tem que ser imaginado.
Mais importante me parece, é analisar diante do contexto de cada universidade
as possibilidades e dificuldades em verificar esta relação, transposta para uma
situação real. Um projeto de cenografia ou, de um modo mais amplo, de visualidade
cênica, na medida em que não pode ser testado, em que não pode ser levado a uma
situação real onde irá relacionar-se com o espaço, com o público e com os atores, não
traduz, a meu ver, uma vivência completa. Evidentemente no âmbito da formação é
natural que nos primeiros módulos (semestres) os projetos como exercícios sejam
voltados para outros aspectos, mas em um dado momento os alunos precisam da
experiência da realização prática, entendendo-a como parte do aprendizado do fazer
teatral. De outra forma, como irão perceber a importância do acontecimento teatral, a
sua comunicabilidade e de suas idéias, a ação sobre o espectador e vice-e-versa? Se
141
esta relação não acontece, todo esforço me parece inútil, servindo apenas para lapidar
os alunos como bons artesãos, executores, fazedores de maquetes. Ao que pude
observar, nas universidades pesquisadas, cada uma, a seu modo, dispõe de potencial
para esta realização. Nas grades curriculares todos os cursos fazem constar a prática
de montagem ou o estágio. Dentro do espaço de cada universidade, para esta prática,
é necessário que os alunos de diversas disciplinas se aproximem – direção,
interpretação, música, cenografia, indumentária.
Carol /USP Temos várias idéias e quando passamos para o papel você percebe que suas idéias
não são realizáveis e você te que mudar tudo, você começa a analisar sua idéia a partir de argumentos
mais reais. Aproximando os projetos de sua realização. Quanto isto é possível para a realização”.
Dedico uma parte deste capítulo para tratar também das relações horizontais
no contexto do ensino da Cenografia no que diz respeito à relação com as demais
disciplinas que participam da realização teatral, conseqüentemente com os demais
indivíduos que respondem por estas atribuições. Relações, ou a ausência delas, que
refletem na prática possibilidades e dificuldades que dialogam com o processo criativo
e de realização do cenógrafo e com as quais alunos e educadores lidam no contexto
de suas instituições.
Direção – Iluminação - Indumentária - Som - Dramaturgia
Uma situação específica e por isto citada é a da UFRJ, onde os alunos de
cenografia e direção vivem uma dificuldade que é a distância – o curso de Cenografia
que tem origem na Escola de Belas Artes, é situado na ilha do Fundão e o curso de
Direção com origem na Escola de Comunicações, está na Urca! Na prática, o que
ocorre é que os alunos de cenografia encontram mais possibilidades de
experimentação junto aos alunos de música; conseqüentemente a prática dirige-se
para a montagem de ópera. Os estágios acontecem fora da universidade em
empresas de Eventos, no Carnaval e na televisão.
Na UFRJ, há também um trabalho muito interessante direcionado para a
pesquisa, no qual alguns alunos passam a ser monitores-pesquisadores. Na UNIRIO,
por exemplo, os alunos, para cumprir a grade curricular, vivenciam três práticas de
montagem dentro da universidade, que podem ser em disciplinas distintas,
142
“Cenografia”, “Indumentária” e “Iluminação”, ou as três em uma só disciplina e para
isto contam com a infra-estrutura dentro da universidade: a proximidade de alunos de
outras disciplinas, sala de ensaio e apresentação, cenotécnico, costureira, uma
pequena verba e um orientador que acompanha o desenvolvimento do projeto.
Na USP, entre os três grupos de alunos pesquisados, dois deles cursam o
primeiro módulo e um grupo cursa o segundo módulo da disciplina Cenografia, o que
corresponde a alunos do segundo ou terceiro ano. Muitos destes alunos são, como já
sabemos, provenientes de outras áreas. Nesses grupos foi possível indentificar
iniciativas individuais dos alunos em busca da oportunidade da prática de criação e
montagem junto a outros alunos de habilitações de direção e interpretação. Alguns
buscam relações com departamentos específicos ao seu interesse. Por exemplo, o
aluno de direção teatral quer fazer um intercâmbio com os alunos de roteiro e direção
de Cinema; os alunos de direção de arte de Cinema com alunos da interpretação ou
direção do departamento de Artes Cênicas; são possibilidades que os alunos
encontram no contexto desta universidade. Existe uma preocupação por parte dos
professores em tornar as grades curriculares mais orgânicas, oferecer mais
flexibilidade para possibilitar estas relações; assim o aluno pode sair a campo, a busca
é dele. Para a prática realizada dentro da universidade, neste caso, também contam
com a infra-estrutura da própria instituição: espaço de ensaio, de apresentação,
cenotécnico, algum material, aderecista, técnico de iluminação.
Melina/ UFRJ - O curso de direção está em outro local, não temos nenhum contato, se fosse junto
seria bem mais fácil o intercâmbio; os alunos de direção têm sempre que montar peças, então estamos
tentando dizer a eles que nós também temos que fazê-lo, por a mão, são os alunos do curso de música
que nos procuram para montagem de ópera. O que acontece são iniciativas individuais dentro da
universidade, mas sempre esperamos que alguém tenha algum projeto para solicitar os alunos da
cenografia”.
Ana Paula /USP - aluna do curso de direção, afirma estar em crise com o seu curso,
o que a levou a estudar outras disciplinas que compõem a sua habilitação, construindo
assim uma visão multidisciplinar do fazer teatral. Estuda cenografia, teatro de
animação, iluminação, disciplinas nas quais, segundo ela, colaboram com a sua
formação, porque a levam a materializar conceitos.
143
“Comecei a perceber que idéia em grego – significa forma. Que esta descoberta foi essencial, que as
minhas abstrações, meu modo de escrever a cena são uma forma, não são apenas abstrações. Tenho
que encontrar estas formas e articulá-las da mesma maneira que é difícil desenhar, que é difícil colocar
algo em proporção em uma maquete. É difícil elaborar a cena, e é a mesma dificuldade com os atores,
com o material humano. Estou tentando tirar das pessoas idéias concretas, coisas que possam ser
colocadas concretamente, que não fiquem apenas no plano das idéias e isto tem sido um exercício
importante, me levando a pensar mais em conceitos. A maneira como pensava antes era muito fechada,
muito óbvio tudo o que eu pensava e a abstração do espaço transformou minha abstração conceitual que
ficou menos óbvia”.
Quando nos deparamos com propostas interdisciplinares vinculadas a esta
prática de criação e de montagem de um acontecimento teatral, no contexto do
aprendizado, o que me chama a atenção é o fato de que o argumento nunca parte do
cenógrafo. Assim como dificilmente ele é chamado para colaborar com o grupo na
definição sobre “o que será dito”. Na realidade ele aparece sempre um instante depois
da proposição de um argumento. O que naturalmente colabora para a preservação de
hierarquias que os alunos irão transpor para a prática. O aspecto positivo recai sobre
as relações entre as diversas áreas, a colaboração, mesmo que seja a partir de um
determinado ponto, as discussões, críticas, a leitura em conjunto e descobertas sobre
o argumento proposto; possibilidades de aproximação dos processos com os que
encontramos na prática.
Maira /USP “... É bacana pegar estas críticas e comentários e ser muito seletivo. A pessoa está me
dando uma idéia que não tem nada a ver com a minha, mas dentro dela pode haver uma crítica que
pode ser útil, e a partir daí – separar o que você tem que rever e repensar e, o que é teu e você não quer
abrir mão, porque faz parte do seu conceito da sua obra. É interessante quando você vai trabalhar com
um diretor, às vezes você se sente um pouco um entregador de pizza, você traz um desenho e ele diz
não eu não quero isto, mas são dois criadores juntos e então você tem que administrar com muita
delicadeza do que alguém de fora um colega ou professor vem te trazer. É mais delicado porque é
parceiro de um mesmo projeto que tem que ser seletivo também, exige uma absorção para criar uma
obra autônoma, não é minha ou dele que seja a obra em si, que é o objetivo final, não é uma competição
de idéias”.
144
É preciso lembrar que, no contexto da formação, existe mais uma presença
humana, o educador, cujo papel contribui diretamente na construção dos processos
vivenciados que servirão de base para as práticas futuras. Gosto de pensar em uma
co-orientação, ou que cada educador seja orientador de um grupo específico de
projeto, então teríamos um colorido dos resultados a partir da qualidade e área do
orientador. O fato de o educador ser também um artista que pratica o teatro colabora
para o diálogo entre os campos do ensino e da prática, ao mesmo tempo em que
amplia a confiança dos alunos nele. Além de ser o orientador dos processos de
trabalho direta ou indiretamente, o educador faz também o papel de crítico, de diretor
e de fomentador da reflexão e exteriorização dos pensamentos do grupo. Durantes os
processos, os alunos apresentaram muitas vezes suas idéias, que se modificaram ou
permaneceram diante do diálogo proposto em grupo, proporcionando aos estudantes
um exercício próximo àquele que a prática oferece: saber ouvir e digerir os sim e não.
Marina /USP “Quando você está engatinhando com uma idéia é importante mostrar, falar, dividir,
mesmo que seja o mais bobo, você precisa esvaziar. A discussão fomenta favoravelmente, acrescenta, é
muito importante ouvir o que os outros acham. Sempre tive dificuldade em expressar minha idéia. Você
vai começando a aprender como apresentar sua idéia, isto é uma escola e tem que ser praticado, No
trabalho artístico você tem que conviver com o outro e a comunicação com o outro é difícil, não é fácil,
você tem que aprender a lidar com isto”.
145
Espaço e Tempo Espaço Cênico - Espaço Teatral
As materializações das idéias dos alunos para o argumento-texto proposto são
aqui apresentadas levando em consideração os resultados finais dos trabalhos. A
análise destas criações baseia-se em questões pontuais que me parecem pertinentes
a qualquer processo criativo cenográfico, independentemente da especificidade do
enunciado. Nessa pesquisa nos deparamos, o grupo como um todo, com alguns
projetos de interesse que demonstram um estado menos fixado e mais liberto e
buscam aproximar ou transpor linguagens artísticas distintas e, portanto, trabalham
com sistemas distintos, a exemplo da fotografia, do cinema, ou da transposição de
uma paisagem (no conceito de espaço específico) para o espaço cênico.
O componente Tempo não se apresenta de forma muito visível como
percepção consciente durante os processos criativos dos alunos. Ele aparece em
alguns momentos durante a leitura do texto, para depois distanciar-se, ou seja, não me
parece uma preocupação consciente. Nos resultados, entretanto, o Tempo se faz
notar, mais ou menos presente, remetendo-nos a alguma dimensão histórica ou
cronológica. Diante da escolha do espaço e da criação cenográfica, o Tempo é um
componente que deve ser pensado do ponto de vista do Tempo Dramático e do
Tempo Real. Como se revela nos projetos, principalmente naqueles cujo controle da
luminosidade ou das interferências externas não é possível? Diante de uma paisagem
ou uma locação, se mantivermos alguma relação com tempo e espaço reais, teremos
de nos perguntar se existe a necessidade de transcendê-los, ou a um deles, ou se é
esta uma relação proposital a determinado enunciado, e para onde esta decisão,
assim como tantas outras, nos conduzirá.
Todos os procedimentos exigem do aluno a representação tridimensional do
espaço, em maquete, seja a partir dos elementos ou do espaço teatral. Os alunos em
seus diferentes estágios aprendem as técnicas para esta representação: a
transferência de escala, os materiais para a confecção da maquete, etc. Como vimos
no capítulo anterior, nos grupos da USP, durante o processo, percebeu-se a
necessidade de uma mudança de rota com relação ao componente Espaço. O
orientador inicialmente pensou que seria um caminho produtivo trabalhar a partir do
palco italiano em uma determinada escala, principalmente porque a maioria dos
alunos não domina ainda esta técnica de representação, mas o que aconteceu de fato
146
é que os processos se abriram e partiram para outros espaços; a proposta veio por
parte dos alunos, que quiseram apostar nesta possibilidade de deixarem de lado o
palco italiano em busca de outras configurações para a relação entre a ação e a
recepção. Esta decisão dos alunos, em muitos casos, surgiu de, ou levou-os a
explorarem outras linguagens, como por exemplo, a instalação ou o diálogo com
espaços urbanos, a paisagem da cidade de São Paulo. O grupo da UNIRIO, que na
ocasião desta pesquisa cursa o quarto módulo de cenografia, e, portanto, já realizaram
outros três projetos, sempre na caixa italiana, vê-se neste momento, pela primeira vez,
liberto para explorar e definir outras tipologias e espaços.
Fabíola /USP O teatro italiano parece que
se tornou uma convenção e, na verdade,
existem varias outras possibilidades que dão
abrangência para outras idéias totalmente
diferentes, foi excitante. Escolhi o palco de
arena e não o italiano, pela abrangência de
visão que o arena oferece”. O espaço cênico
definido pela presença de uma estrutura de
telhado em construção. “O Telhado – me
pareceu apropriado para este trabalho. A
criação da nova cidade é feita na peça em cima
das bases antigas – superficialmente – usando
a mesma estrutura, apenas a aparência muda,
usando materiais de verdade. A arena como
forma mais democrática, pode ser a céu aberto,
podendo ser inclusive encenado na chuva, se
não oferecer riscos. Deixo abertas à direção
possibilidades de modificação ou não das peças
e módulos do cenário, acho que ficar
incompleto. Seria mais apropriado porque no
texto eles não conseguem concluir o projeto”.
147
Simone /UNIRIO Por que eu escolhi este espaço cênico e não o tradicional do palco italiano? Fiz
os dois testes, nas duas caixas, mas cheguei à conclusão de que um corredor seria mais viável do que a
caixa cênica pela proximidade do público com os atores, e também porque não teria a frontalidade, que
não é meu objetivo”.
Parece-me que ainda nos deparamos, em muitos cursos de cenografia, assim
como em workshops e cursos livres, com um foco muito acentuado sobre uma
determinada tipologia do espaço cênico – o palco italiano. As demais tipologias de
espaços teatrais são normalmente apresentadas de forma contextualizada em um
determinado período histórico. Poucas são as referências apresentadas de uso de
algumas destas tipologias na prática do teatro contemporâneo. Estará o palco italiano
a ponto de ser tratado como histórico? De que nos servem os mecanismos e
ilusionismos da caixa preta? Aprisionamento estético? Quem sabe o desprendimento
em relação a esta tipologia abriria caminho para um diálogo com o espaço em sua
forma mais pura, sem truques para que possamos compreendê-los realmente e quem
sabe a partir daí desenvolveríamos uma capacidade para recriá-los? Ou inverter o
processo, trabalhando os diversos desdobramentos do enunciado e a partir de um
determinado conceito, por exemplo o movimento, ir em busca de um espaço que
responda especificamente ao sentido de movimento no argumento proposto.
Na prática muitas vezes partimos de um espaço pré-determinado para
trabalhar; outras vezes os processos nos libertam para definir que espaço será este.
Assim, o aluno precisa aprender os dois caminhos: partir da materialização de
conceitos ou da percepção de espaços.
148
O aprisionamento na caixa óptica, no palco italiano, não deve ser uma
desculpa para justificar o aprendizado da escala e representação de elementos
espaciais cotidianos, na instrumentação técnica dos alunos. Para tanto podemos nos
valer de qualquer parte de um edifício, medir, representar, e não necessariamente
relacioná-lo ao acontecimento teatral formulado a partir de um enunciado.
Paula /UFRJ “Na minha decupagem fiquei com três ambientes: o caminho das pedras, depois o altar
externo e, o terceiro o interior deste altar. Estudei, a pedido do Ronald, como seria este trajeto. Proponho
um caminho quase sem acidentes, depois um com acidentes e por fim, um abrigo. Agora são dois
guindastes em duas maneiras de suspender – ao contrário da deus-ex-machina, que traz a divindade
para a terra para que ela possa falar com os homens, neste caso leva o humano para o céu; tentei
trabalhar no sentido da ascensão, você estar subindo e ter relação com os deuses”. Ela parte dos
exercícios isolados, para tentar reuni-los, mas não consegue ainda visualizar o
resultado final.
Julie /UFRJ propõe uma estrutura verticalizada com níveis a partir da orientação de
um movimento, digamos assim, conceitual, no qual eles partem de um lugar e
retornam ao mesmo ponto, utilizando para isso um elevador como o único caminho
para prosseguir, mas que não avança, ao contrário os leva de volta; os personagens
se corrompem e por este motivo não vão adiante, resultando na frustração. Este
exercício partiu do movimento como argumento, e também da palavra-argumento,
ASCENSÃO,
já como um resultado de um combinação entre os dois exercícios,
culminando em um espaço possível, uma vez que os exercícios se relacionam com o
texto.
Às vezes os alunos apresentam projetos muito conceituais, carregados de
outros paralelos, de informações específicas sobre um determinado contexto, mas
acomodam-se no palco italiano proposto, sem discuti-lo. Acabam por perderem-se no
conceito e limitados pelo espaço. A escala dos elementos, o equilíbrio entre eles
modifica a intenção daquilo que comunicam. Na transposição de um contexto, de uma
paisagem, por exemplo, é preciso guardar as relações de escalas. De outra forma
perde-se a da força dos elementos e de seus significados. Os três projetos a seguir
mostram estas dificuldades, diante do argumento-texto proposto.
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Nizia /USP faz uma transposição não apenas de paisagem, mas de todo um
contexto para o palco italiano. Traça um paralelo do enunciado com uma estória real
sobre dois pingüins do zoo de Nova Iorque. Seu trabalho critica uma determinada
sociedade, a qual, segundo a aluna, não está preparada para falar da diversidade ou
simplesmente não quer fazê-lo, uma sociedade que prefere manipular a realidade. No
discurso do texto “As Aves”, a democracia é vista de acordo com este ponto de vista
trazido pela aluna, como uma Utopia. A aluna parte do palco italiano para criar o
espaço cênico. Ao fundo, utiliza uma grande fotografia da cidade de Nova Iorque
referindo-se a esta paisagem e contexto; soma a isto um espelho que tem a função de
representar um lago, e um reflexo; cria uma enorme estrutura de gelo que permitirá
inclusive a ação sobre ela. Na sua idealização pretende que esta estrutura de gelo
derreta como o ruir de uma cidade, de um sistema que dará lugar a uma nova
construção; optando assim pela transformação.
“Há seis anos, no zoológico do
Central Park, dois pingüins
machos começaram a namorar e a
chocar uma pedra. O tratador dos
animais penalizado deu a eles um
ovo de verdade, nasceu a Tango;
a partir desta estória, um livro
infantil foi escrito e foi proibido nas
bibliotecas dos EUA.”
São muitas idéias sobrepostas, mas o que é fundamental? Saber abrir mão para
reforçar o que se quer dizer, o que vai ao encontro do enunciado. Uma idéia que é
bonita é o gelo, outra é a contextualização; pensar o que está entre a cidade e o seu
reflexo. O gelo traz um belo efeito e grandes complicações técnicas. O que é concreto
é o fato de que a maquete neste caso não dá conta sozinha de apresentar as idéias,
as imagens que se formam no decorrer da peça.
Ronald /UFRJ
Todos estes volumes geram uma gratuidade, um estacionamento de volumes.
Acontece muito isto em um cenário quando existem valores impregnados de imagens e intenções e
aquilo toma forma e precisa estabelecer uma hierarquia de valores e importância”. (este comentário
não foi atribuído diretamente a estes trabalhos, mas dialoga com estes resultados).
150
Ana Carolina /USP Quando li o texto, aparece a idéia de corrupção e a idéia de criar uma cidade
para recomeçar, boa, bem feita, onde as pessoas seriam felizes, criar um novo centro de poder. Logo
pensei em Brasília – um lugar de difícil acesso, longe, onde tem que chegar voando, a cidade
maravilhosa dos sonhos da política, que iria prosperar.” “Esta analogia para mim ficou muito clara.
Horizontalizei a ordem, a relação das aves, os homens, e os deuses – os homens da platéia, os deuses
do sol e o palco das aves. O palco italiano, no começo vazio, com telas de construção abaixadas sobre
as quais seriam projetadas imagens de Brasília. Em um segundo momento, saem as telas e revelam-se
os ministérios e ao fundo o prédio do congresso encobrindo o sol, a morada dos deuses. Os ministérios
como celas, ou gaiolas, elementos penetráveis”.
Paula /USP partiu da paisagem de
Brasília, também, com o foco de
centrado na arquitetura de Oscar
Nyemeier, distanciando-se de Brasília,
optou pela forma da rampa da Bienal,
S.P. justificada pela sua semelhança à
forma de uma árvore. Reforça a sua
verticalização e perspectiva e a insere
dentro de uma caixa preta italiana.
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André /USP propõe um tom mais sarcástico, mais crítico na sua leitura do enunciado.
É um texto atual que não dá para tratar com tanto bom humor – a comédia dando suas agulhadas. O
projeto é conseqüência do exercício proposto, as cores vieram de lá. Trabalhei com a idéia do
subterrâneo, uma galeria de esgoto. A entrada dos personagens é pelo esgoto, eles estão vindo da
cidade chegando por ele para a arena central - este espaço é uma galeria - o publico situado em
arquibancadas íngrimes. Em um dado momento o lustre que existe desce e cobre este buraco, criando
outro plano de encenação.”
152
Felipe /USP fazendo um contraponto ao colega André, não lê o enunciado de forma
tão pessimista. Parte do princípio de que o conteúdo político apareça mais no texto do
que no cenário.
Tentei construir a imagem daquela cidade utópica que eles desejavam. Uma base de vidro – um aquário,
água deslizando – andar sobre vidro, com água correndo! Descobri que era impossível, substitui então a
água por fumaça, invadindo este piso vazado e transbordando para a platéia, imaginando a possibilidade
de usar o espaço do público e o palco para a encenação. O espaço teatral seria um teatro como
Municipal, ou Sala São Paulo, com pé direito muito alto. Sobre o piso uma abóbada de vidro/acrílico limpa
como uma forma perfeita, o sentido da PERFEIÇÃO, simétrica, que estivesse pairando sobre a
encenação; esta peça ficaria suspensa em placas de vidro jateado que com a luz colorisse todo o vidro,
descobri as dificuldades técnicas da execução do meu projeto – Pesquisei outras alternativas –
policarbonato, estruturas mais leves e uma armação tubular do mesmo material que pudesse ser
moldado. Pensei muito em movimento e ambiente da peça – a luz, a fumaça, ou o som criando este
ambiente.”
153
Graciela /USP optou por uma Paisagem ou espaço específico, levando a encenação
para o viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo.
Pensei no viaduto, uma situação ao vivo na
Rua, na qual quem está lá não apenas assiste e
admira, sente algo. O viaduto em baixo é super
sujo, mas monumental, há um excesso de
elementos visuais. A encenação teria início no
plano intermediário, das estruturas, onde seria
construído uma espécie de poleiro, formado por
fios onde estariam atores-acrobatas. O público
depois é conduzido ao plano superior, por um
acesso existente no local, como um contraste
ao plano inferior. A cidade como cenário e o
espectador colocado em diferentes pontos de
vista.”
Graciela chegou a pensar em transpor a paisagem para o edifício teatral, mas concluiu
que perderia a sensação que deseja provocar.
Este projeto naturalmente suscita muitas discussões pertinentes. Envolve risco
e segurança, tanto dos atores como do público. Mas a partir dele discuto
principalmente a compreensão do argumento-texto. Como ouvir as palavras que nos
convencerão ou não a nos engajar no proposto por Pisetero e Evélpides? As imagens
formadas pelas acrobacias e pela paisagem serão suficientes para fazer chegar até
nós, espectadores, suas intenções?
154
Este não é o único projeto que apresenta este conflito, mas é o que mais o
torna evidente, em razão das condições que o espaço escolhido propicia: há algum
controle sobre as imagens da cidade, mas nenhum sobre as interferências sonoras e
de movimento da cidade. Assim, diante de um espaço como este torna-se um desafio
pensar como tirar partido dele. Pode ser um espaço potencial para determinados
eventos ou para acontecimentos teatrais inclusive, como já ocorreu em seus
arredores, mas ele é de fato um espaço que dialoga com As Aves? O espaço ao ar
livre é um espaço arquitetônico muito forte, muito presente. Onde fica o ser humano
diante dele? Não permite a intimidade, mas pode ser bom o suficiente. Na paisagem
onde fica a presença do cenógrafo do ponto de vista do espectador? Até onde a
paisagem não se sobrepõe ao acontecimento teatral? Controlar a audiência, o ponto
de vista dela em um espaço aberto é muito difícil. Em um espaço de percurso com
planos distintos, onde se confundem espectadores e personagens, qual é o espaço ou
paisagem que se define em volta do espaço proposto? O espaço que cerca, os
arredores, digamos assim, também participam, conferem sentido, influenciam na
leitura do espectador. “As Aves” provoca, em nosso tempo, o imaginário dos alunos
para ações circenses, formas de suspensão talvez... É importante lembrar que trata-
se de uma obra que foi escrita em um sistema muito determinado para sua encenação
e que provavelmente não considerava esta possibilidade.
Temos aqui um leque de leituras e respostas espaciais possíveis para um
mesmo enunciado, algumas delas como vimos se aproximam – pela simbologia, pelo
conceito, pelo espaço proposto. A Árvore, o Anel, a Circularidade, o Ovo, a
Verticalização, o Branco, a Espiral, são elementos que encontramos em muitos
projetos; outras leituras se chocam, se contradizem. Enquanto algumas
espacializações fogem do palco italiano, outras procuram dialogar com ele. Há
também aquelas que buscam outras propostas e acabam por deparar-se com a
tipologia do Arena ou do Circundante. Nestes espaços com características de arena,
emergem outras necessidades, como por exemplo o equilíbrio espacial, uma vez que
não é possível isolar o espaço cênico como no palco frontal; temos ainda a presença
do espectador que fará parte desta imagem. Então os figurinos passam a ser
importantíssimos nesta concepção e o seu equilíbrio com o espaço, idem. Em dois dos
projetos realizados pelos alunos, os seus autores perceberam, talvez mais
intuitivamente, estas dificuldades e pensaram em soluções para o controle sobre o
entorno e para a presença da audiência; estes dois projetos são apresentados no
próximo capítulo.
155
Falta a meu ver, ao aluno, o desenvolvimento de seu entendimento sobre a
natureza dos espaços, os significados e possibilidades dos quais cada um deles estão
impregnados e de sua relação com a presença do humano. O estudo da cenografia a
partir da caixa italiana oferece certamente aos alunos um rol de componentes que
fazem parte do aprendizado cenográfico. No entanto já o conhecemos bem e sabemos
a quais resultados este espaço conduz os estudantes; por que não propor outras
experiências? Os alunos poderiam aprender alguns destes aspectos através de outras
proposições espaciais, como no exemplo citado sobre o exercício de representação de
espaço em escalas reduzidas. Poderiam estudar e desenvolver sua percepção para
espaços urbanos, naturais, construídos ou não. Poderiam fazer o mesmo em relação a
objetos, estudar novas relações de sua utilização tanto para ação como para a
composição visual.
Selecionei cinco projetos, provenientes de cada um dos cinco grupos: UNIRIO,
UFRJ e USP (três grupos), que para mim traduzem respostas coerentes em relação às
etapas nas quais os alunos se encontram no processo de sua formação, assim como
em relação às suas capacitações técnicas distintas, aos procedimentos, e
principalmente à leitura do enunciado. Há certamente alguma inclinação por algo
inerente aos projetos que é de apreciação artística do todo: imagem e conceito
pensados em conjunto com uma possível ação a ser desenvolvida, espaços até
determinantes de uma movimentação, e ainda, o pensamento presente sobre a
presença da audiência. Estes projetos me transportam de forma imaginária para seu
interior, e por isto se destacam, uma vez que me possibilitam imaginar como seria
interessante estar neles por qualquer um dos dois ângulos: o do ator e o do
espectador.
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CINCO GRUPOS, CINCO CRIAÇÕES CENOGRÁFICAS
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Parti da idéia de que os protagonistas estão à procura de um ambiente
próprio, um lugar utópico, tentando descobrir algo externo ao lugar que vivem
para fundar ali algo novo e, com o objetivo de estar protegido do mundo
exterior, daquilo que eles fogem. Para o exercício do percurso, e seguindo
este pensamento, pensei na ascensão, o ambiente das Aves no alto, como
um NINHO e para chegar lá tem que escalar. Subir, subir e depois descer, a
cidade propõe isto. Procurei esta idéia de percurso, de que você está
subindo, mas tem que retroceder, porque algo lhe puxa para baixo, como o
sentido de um problema a ser resolvido, para depois retomar o caminho de
volta – subir. A questão do mecanismo, acho não consegui solucionar muito
bem. Seria como uma tirolesa, você tem uma trama para poder escalar e
alcançar o ninho, mas os outros que estão lá no alto têm a condição de lhe
expulsar porque eles estão vendo que você está chegando. Existem dois
percursos, duas formas de alcançar o ninho. Na primeira, quem está em
baixo e quiser subir sozinho vai ter que tomar um caminho por uma trama,
algo maleável, uma membrana plasmática, mas neste caso, os que estão no
alto vão poder expulsar quem sobe. Pela tirolesa só sobe quem tiver
permissão, porque depende de alguém do alto acionar o mecanismo.
Estas soluções apresentadas respondem aos enunciados paralelos e ainda não
configuram a cenografia para As Aves. São etapas do processo criativo,
fragmentadas e materializadas, às quais ainda somam a pesquisa iconográfica; neste
caso ela reuniu som e imagem, trouxe referências de um CD, som e imagem de
capa, cujo repertório refere-se à civilização judaica, embora com letras em inglês, que
segundo ela retratam o sofrimento do povo judeu para chegar a um determinado
lugar idealizado para fundar uma nova cidade, como forma de organizar uma
sociedade, traçando um paralelo com As Aves. Apresenta também outras imagens
de árvore, ninhos, ninhos suspensos como bolsões, como casulos.
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Demorei a visualizar alguma idéia para a cenografia, li o texto bem no
começo do curso, mas só nas últimas três semanas consegui ter alguma
idéia. Fiquei presa, a princípio, em buscar proposições mais metafóricas. Li o
texto várias vezes e a partir dele surgiu o fato de que os dois personagens
estão em um campo onde tem uma árvore. Resolvi então partir desta árvore
e desenvolver o cenário a partir dela, não sei bem explicar como cheguei
nisto... Criei uma árvore de fitas de cetim e os galhos seriam também de
fitas, leds e miçangas. Os personagens repousam estão em baixo desta
árvore e quando a cidade está em construção, eles movimentam estes
galhos em um movimento rotativo, assim a árvore transforma-se em uma
tenda e envolve a todos, transforma este espaço. O público fica à volta,
deixando o espaço central para a ação. A busca é por uma imagem mais
lírica do que irônica. O lugar para esta realização seria um galpão, um lugar
onde pudesse ser montado este espaço circular e com um pé direito alto.
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Tenho dificuldade para pensar a espacialidade, penso primeiro nas cores e
no desenho, pensei muito no origami. São duas salas com apresentação
simultânea separadas por um vidro. Começam com a cortina fechada.
Quando a cidade é construída é o momento em que abre a cortina, a platéia
de uma vira a referência de cidade para outra. Também queria que o espaço
pudesse mostrar a representação como representação. Pensei em várias
coisas que se tornam bastante arbitrárias nesta relação do espectador com o
espaço. Por exemplo, o coro é um decalque e você só ouve a sua voz,
aparelhos de TV para poder fazer uma relação com a formação de um grupo.
Depois, quando pensei no espaço como possibilidade para este jogo, as TVs
poderiam abrir a narrativa, adiantar um momento em que o espectador vê a
cena ou que pudesse mostrar os próprios espectadores, suas reações.
Pensei nas cores: o amarelo em um só lado traz a possibilidade das
narrativas serem diferentes; de um lado a perspectiva de quem era parte da
hegemonia naquela época na Grécia e do outro, de quem não era. Poder
trocar o som, de um lado para outro, poder jogar com a arbitrariedade.
(Marcelo) Denny sempre falava que eu não conseguia resolver as entradas
dos atores, um dado que eu sempre pulava e aqui, eu proponho as portas.
Fazer com que o público faça parte da cena também de forma mais
arbitrária, a exemplo da propaganda no Metro, onde nós tomamos parte à
revelia, queria levar esta questão para o projeto. Você pode dizer duas
coisas diferentes pelo gestual ou pela palavra; os atores fisicamente
parecidos, mas com gestos diferenciados. Não sei se é cenografia ou se é
encenação?
Respondendo, ou comentando: Na medida em que propõe este espaço, a cenografia
está definindo a encenação. Acho que a dificuldade está em encontrar quem gostaria,
ou aceitaria encenar neste espaço. A condição proposta de uma não imagem, a
possibilidade de selecionar o que e quando é visto e ouvido, traça um interessante
diálogo com a obra. As Aves está pautada no discurso, no convencimento pela
palavra, assim este jogo do que se ouve e o que se vê, o aparentemente tratamento
casual dos elementos visuais e textuais pode conduzir o espectador, sem desvios, a
refletir sobre o cerne desta peça, ao invés de iludi-lo com mil imagens e acrobacias.
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A idéia de montar um clássico grego me remeteu de imediato à forma circular
de seu teatro original. O circulo aparece constantemente na referência
arquitetônica e artística grega. Os gregos, além da forma circular também
cultivavam certo interesse pela forma espiral como símbolo de
transcendência. Estas duas formas foram o ponto de partida para a
elaboração do projeto. Minha idéia a priori, era a de elaborar uma estrutura
que lembrasse a estrutura grega, mas que tivesse suas próprias
características e singularidades. A única maneira de conseguir explorar a
grandiosidade da forma circular nesse palco foi situando-a em um grande
galpão, que permitisse, além de abrigá-la, explorar a visão panorâmica que
está embutida na idéia da peça, com um ciclorama que é um backlight 360º,
provocando este efeito de panorama. Busquei tentar fazer com que esta
jornada dos dois protagonistas acontecesse entre três planos: o da sarça, ao
centro – ninho, ponto de partida e retorno; o aéreo – do coro; a rampa
helicoidal - plano intermediário e de ligação. O coro desce por uma espiral,
usando a maquinaria deus-ex-machina, com o conceito de superação de
barreiras. O público foi distribuído ao longo dessa espiral, de maneira a
observar a trama de perto, de maneira cúmplice. O espaço busca um sentido
de distanciamento, que tem a ver com a busca, jornada, deles. Ao centro a
toca com o elemento, a sarça, que é uma planta espinhosa que nasce no
lodo tem espinhos e dá uma flor branca maravilhosa, que é em si uma
metáfora que fala da situação da peça. A escala é 1:100.
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Para mim tudo é cenário, moldurinha, esconder atrás, muito falso. Gostei da
possibilidade neste projeto de fugir do palco italiano. Pensei que este espaço
seria em uma praia ao ar livre. Pensei em um conceito de controle, controlar
um pouco mais a platéia, o bem estar do público como um todo, do teatro
inteiro do foyer do teatro desde a porta, a pessoa se sentir segura, a cor,
tudo isto deveria ser harmônico no espaço para que a pessoa pudesse
assistir Sobre o conceito, através do vôo, comecei a verificar no texto, e
tivemos também a visita do Paulo que nos apontou a questão da palavra no
texto. Deixando claro que a autora, Adriane da Silva Duarte, responsável
pela tradução e notas da obra As Aves de Aristófanes, defende a palavra, ela
diz que o vôo é através das palavras e não é um vôo explicitamente. As
palavras como forma de dar esta liberdade de permitir outros passos em
direção a esta cidade ideal. Para as cidades das Aves eles têm que usar a
democracia, o protagonista fala em nome das aves, elas o permitem. O
carnaval de Rua e de passarela me influenciaram porque servem como uma
imagem próxima, imagem da mídia forte, e de longe você vê aquilo
deslumbrante, funciona das duas formas. Através da abóbada da forma do
OVO e das projeções neste ciclorama, queria tratar destas imagens – do
longe e o de perto. O Teatro de Revista sumiu um pouco, mas estudamos e
teve a questão do diálogo direto com o publico. O OVO surgiu muito para
atender as imagens projetadas e tem a ver com a origem, construir algo a
partir do zero, eles tem que ir para o céu para construir uma cidade nova.
Este surgimento seria meio que traduzido pelo ovo. Forma circular, cíclica
que na verdade não consegue mudar tanto. As cadeiras se movimentam e
têm a altura regulada, de forma que o público possa se aproximar da
encenação. O público é colocado em um espaço central e rodeado pela
passarela oval. A forma oval da passarela é branca e quando apaga a luz
você a vê como um anel suspenso. Para a estrutura, pesquisei com um
aluno da UFRJ que desenvolveu um projeto de sistema de estruturas a partir
de garrafas pet recicladas, que daria esta forma transparente e resistente.
Cheguei a pensar muito em figurino. A construção neste caso seria mais
pelas palavras, porque em nenhum momento se vê esta cidade – seria a
construção de uma imagem coletiva; a construção do mundo.
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CAMINHOS A INVESTIGAR
PRÁTICA E FORMAÇÃO EM CENOGRAFIA
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Neste momento em que a Cenografia é difundida como atividade profissional
em campos diversos de atuação para além do Teatro, é importante que, enquanto
cenógrafos e educadores, tenhamos compreensão clara dessa linguagem e de como
torná-la melhor percebida como tal, bem como os alcances e limites enquanto
profissionais. Os futuros cenógrafos, hoje estudantes, devem ser estimulados não
apenas à prática da Cenografia, mas à prática do Teatro como um todo. O cenógrafo,
além de desenhar bem, executar uma maquete de qualidade, deve desenvolver seu
senso estético e aprender, sobretudo, a pensar Cenografia. O cenógrafo precisa de
estímulos à sua capacidade criativa antes mesmo de sobrecarregar-se de técnicas.
Precisa, sobretudo, ser lapidado para uma desenvoltura artística, para tomar
iniciativas.
Diante da busca de cada indivíduo por um caminho particular e satisfatório,
deflagram-se caminhos distintos e às vezes tortuosos dos processos do aprendizado.
Existem determinados aprendizados para os quais é importante a sala de aula, o
convívio, a discussão, as ferramentas materiais e humanas que a universidade
oferece. Existe também o aprendizado que só a prática nos permite, a relação com os
aspectos inerentes ao ser humano no contexto de suas angústias, egos,
necessidades, sem a garantia da troca gentil. O ensino formal e a prática são, sem
dúvida, complementares entre si. Além das ferramentas e treinamentos para seu
desempenho, o cenógrafo deve estudar sobre como irá se colocar profissionalmente
diante de outros profissionais, refletir sobre como será recebido e aprender inclusive a
avaliar de forma autocrítica os seus processos. Ele precisa de uma formação sólida a
fim de evitar os muitos conflitos que hoje vivemos na prática
Na prática encontramos caminhos que nos ajudam aprofundar técnicas,
ampliar nosso conhecimento e desenvolver uma produção artística. Na universidade
aprendemos a base das ferramentas inerentes à linguagem e modos de conduzir
processos criativos produtivos. Cada artista desenvolve ao longo do tempo e de sua
vivência um processo de trabalho próprio, no qual irá reunir a prática, a reflexão, o seu
conhecimento, os conceitos e procedimentos fundamentais relacionados a este fazer.
Cada processo e realização de Cenografia é único e, portanto, este profissional vive
um modo de aprendizado contínuo.
176
Para além do cenógrafo em formação, não posso deixar de pensar sobre o
cenógrafo atuante que esteja procurando reciclar suas vivências ou que deseje
aproximar-se do contexto teatral. Para estes, talvez alguns conceitos, processos ou
resultados apresentados aqui, possam servir como orientadores para a continuidade
de sua formação e sua prática, ou pelo menos o leve a refletir sobre seu processo
criativo e de realização cenográfica.
A interlocução entre a prática e o ensino inicia-se a partir do educador, que,
como verificamos, para orientar no campo da prática artística precisa,
indiscutivelmente, atuar inclusive neste campo. A prática e o ensino alimentam um ao
outro. A reflexão e a vivência sobre aquilo que resulta e o que não, as dificuldades de
realização, atualizar-se tecnicamente e o desenvolvimento prático artístico, são
experiências que nutrem a relação entre o ensino e o aprendizado e que,
conseqüentemente, conduzem o educador a uma permanente reflexão sobre os
movimentos e suas transformações no contexto no qual atua. Na medida em o
profissional atuante e formador vivencia a prática da cenografia, lhe é possível
perceber e analisar os conflitos inerentes a esta prática. Esta experiência colabora
para a identificação de aspectos que podem auxiliar na formação de futuros
profissionais, levando a si próprio e ao grupo de alunos a refletirem sobre a
possibilidade de conferir outro tratamento a estes conflitos.
As instituições responsáveis pela formação deste profissional têm a
responsabilidade de compreender e assimilar esta necessidade, permitindo que isto
possa ocorrer verdadeiramente em sua estrutura, sem reter o profissional apenas no
campo acadêmico, mas incentivando-o a cultivar uma atividade prática criativa e
estimulando-o também ao intercâmbio com os demais profissionais desta área de
ensino, no contexto das instituições. Não se trata de uma proposição tão utópica como
propunha a Bauhaus
53
, mas os formadores além de manter o diálogo com a sua
própria prática, precisam fazê-lo também com outros artistas, outros educadores e
instituições. Sinto falta desta troca mais ampla, deste intercâmbio entre os
profissionais de diferentes instituições, no campo específico da Cenografia, que
produzem valores a serem compartilhados. Poder-se-ia pensar de forma mais ampla
em buscar no contexto da universidade formas de diálogo entre cenógrafos e também
dramaturgos, diretores, figurinistas, atores, iluminadores, produtores, etc.
53
Bauhaus, movimento artistico e intelectual da década de 1920, propunha que o professor ideal seria
aquele que estaria situado na ponta, fora da universidade, aquele que pesquisa e traz o novo.
177
Característica marcante do ensino da Cenografia é que, embora seja ela uma
linguagem de interesse para a formação do aluno de áreas diversas, na universidade
está ligada estreitamente ao campo das Artes Cênicas. Esta vinculação às Artes
Cênicas, é a meu ver a mais indicada para o entendimento da Cenografia como
manifestação artística e de sua natureza. Não deve, no entanto, ser exclusiva a esta
área. A exemplo do que ocorre na USP os intercâmbios entre departamentos e o
trânsito dos alunos por eles parece bastante promissor para que os alunos possam
construir uma formação mais personalizada em direção à linguagem de seu interesse,
com o cuidado que pude identificar, de construí-la diante da flexibilização da grade
curricular, com a orientação do docente na área.
Do ponto de vista do aluno, seria interessante que ele pudesse identificar
claramente os objetivos de cada universidade sobre os campos de atuação do
profissional ou artista em formação e então buscar o caminho com o qual se identifica:
da ópera, da performance, do teatro, da técnica, do cinema, do evento... mas por ora
ainda é cedo, diante das reduzidas três opções de cursos disponíveis, que procuram
dar conta de formar um profissional que possa atuar em áreas diversas, inclusive
porque na realidade de nosso contexto, no Brasil, nos é permitido o trânsito entre as
diversas áreas de atuação. Mesmo assim, poderíamos pensar para o futuro, ao
ampliar os cursos de habilitação em cenografia, seja em número ou detalhamento, em
cursos que preparem o profissional para áreas distintas de atuação. Neste caso então
estaríamos falando de especialização, da aproximação da Cenografia teatral com
linguagens específicas, para a qual a formação em Cenografia, a partir de uma base
comum se desdobraria para que o aluno pudesse familiarizar-se em relação aos
sistemas específicos a cada área de linguagem.
Falei anteriormente sobre a formação multidisciplinar do cenógrafo e das
relações possíveis para uma proposta de interdisciplinaridade, principalmente sobre a
questão do rompimento das hierarquias, que creio ser o ponto culminante para um
ensino produtivo neste caminho da interdisciplinaridade, assunto para o qual ainda
reservo algumas anotações. Por muito tempo pensava na relação entre
Interdisciplinaridade e Especialização como antagônica. Percebo agora que elas
podem coexistir, se compreendermos a qual circunstância cada uma se aplica. Uma
não anula a outra; a interdisciplinaridade pode acontecer no contexto das relações
entre disciplinas, na reunião de valores diversos que o profissional do Teatro deve
vivenciar e, a especialização pode se configurar como um foco possível de interesse.
178
A condução dos procedimentos observados e construída considerando
diferentes indivíduos contidos em um único grupo cujo objetivo recai sobre um
determinado aprendizado em comum, indivíduos que podem ser por vezes carregados
de auto censura, ou desejosos de propor sensações, submissos, ansiosos por dizerem
algo ou capazes de reformular aquilo que foi proposto. Além da metodologia, o
trabalho do educador depende também de uma percepção muito sensível do grupo, e
dos anseios e dificuldades dos alunos. O formador lida o tempo todo com a
organicidade com que se desenham os percursos coletivos e individuais. Cabe a ele a
reflexão constante sobre como surpreender o grupo. Tal como buscamos fazer na
prática artística, surpreender também no âmbito do ensino com a finalidade de obter
do indivíduo respostas criativas. A Sistematização deve inclusive prever esta
possibilidade. Procedimentos que se repetem podem levar o aluno a acomodar-se em
uma forma de procedimento ou a simplesmente responder a uma solicitação do
orientador com o intuito de agradá-lo, em detrimento de um possível desenvolvimento
artístico. Entendo a Sistematização como aspecto fundamental que reúne e define a
priori a infra-estrutura física e curricular, que congrega profissionais da educação de
forma a comporem um corpo vivo, orgânico, que troca experiências e reflexões
constantemente. É também a base a partir da qual o trabalho de orientação é
realizado com os alunos, mas não deve ser limitador e tampouco seu único
sustentáculo.
“A falta de formação profissional sistematizada, a influência da decoração (...) o que mais necessitam é
de uma informação experimental sobre a própria cena (...) não se atinge a liberdade nem a poesia sem os
duros e persistentes trabalhos do estudo sistematizado (...) Escola, para que estes estudos decorram
orientados por métodos sempre atualizados; Escola para que as facilidades afetivas do julgamento não
estimulem as vaidades latentes”. Santa Rosa
A pesquisa realizada em campo, nas três universidades, revelou grupos de
indivíduos muito distintos; a reunião dos cinco grupos pesquisados constitui, no
entanto, um corpo muito orgânico. Os alunos apresentam diferentes experiências,
anseios, dificuldades, motivações, apegos e desapegos individuais. Por mais que os
trate como um conjunto, um grupo de pessoas, vejo cada um deles individualmente,
alguns mais próximos do que outros, naturalmente. Cada participante, à sua maneira
colaborou para o desenvolvimento do projeto As Aves, e assim como alguns
formadores buscavam surpreender o grupo para motivá-lo, os alunos individualmente
surpreendiam com suas respostas. Precisamos manter as “estradas” abertas, porque
o inesperado surge de muitos caminhos a partir da leitura ou da observação imediata
179
ou constante no contexto do encontro com os valores humanos, a partir do qual
dispomos de nossas ferramentas, seja para a criação, seja para a orientação. Este é
para mim um dos mais fortes espaços de diálogo entre a prática e o ensino.
Esta jornada que empreendi pelo universo de tantos indivíduos no contexto de
sua formação me leva sem dúvida a imaginar quais deles seguirão por esta vereda e,
como sementes que brotam, os vejo em sua maioria desenvolverem-se bem. Vejo-os
adiante, alguns muito bem sucedidos, mas a reprisar caminhos já conhecidos, sem
grandes surpresas. Todos muito bem preparados para continuarem a atender ao seu
papel como cenógrafo, mas não seguramente a colaborar verdadeiramente como
artistas cenógrafos.
Quando iniciei esse projeto de pesquisa acreditava que a falta que eu sentia de
uma formação em Artes Cênicas se refletia na minha prática como uma dificuldade em
falar a mesma língua na situação, por exemplo, de uma discussão sobre dramaturgia;
os termos de linguagem entre as Artes Visuais, que é a minha base, e as Artes
Cênicas são distintos. No decorrer da pesquisa passei a perceber que, mais do que
compreender as chaves de leitura de uma dramaturgia, por exemplo (o que também é
importante ao processo cenográfico), o que urge para o cenógrafo é definir seu
posicionamento. Ele precisa conhecer as possibilidades que tem para atuar no
contexto do Teatro, e a partir deste aprendizado poderá de fato decidir perante ele
mesmo sobre qual teatro deseja praticar, e revelar aos outros indivíduos o papel que
deseja assumir.
Essa reflexão me levou de volta no tempo a buscar respostas ou indicações de
possíveis direções a seguir. Recorri às renovações cênicas do século XX que são de
fato as que regem o pensamento acerca das visualidades cênicas ainda nos nossos
dias, e que possibilitaram novas formas de pensar a Cenografia e seus aliados; a
iluminação, principalmente. Um dos importantes personagens responsáveis por estas
renovações foi Edward Gordon Craig (1872-1966).
Craig sugeria que deveríamos nos afastar da limitação em projetar nossas
idéias criativas em um papel, para passar a realizar o trabalho cenográfico diretamente
no espaço cênico. Propunha que o espaço fosse usado como uma “tela”, e neste
contexto, os “performers” do teatro poderiam experimentar fisicamente o espaço, a luz,
e os demais elementos. Esta provocação visava abrir caminho para uma atuação mais
viva, participativa, sobretudo relacionada às visualidades cênicas e conseqüentemente
180
para o trabalho do cenógrafo; o espaço cênico seria utilizado como um estúdio,
reconhecendo as ligações entre teatro, artes e performance, identificadas nas últimas
décadas. Para Craig, o drama
54
não tem uma forma única e definida de
representação, ele pode ser falado, mudo, cantado ou dançado; pode ser ao mesmo
tempo falado e mudo, ou interpretado por um ator que nada diz e apenas se move;
pode ser apenas voz invisível ou muitas vozes visíveis; pode ainda ser criado por
quadros sem personagens, como também por personagens em um espaço vazio, sem
cenários; pode ainda ser criado a partir de forma que contenham qualquer significado
ou a partir de sons sem sentido, sem palavras. Ele afirma que o Teatro pode funcionar
independentemente da literatura, o que não quer dizer que elimina a necessidade de
um texto. Considera as palavras como ferramentas cênicas essenciais, mas que
dependem de como são tratadas em relação aos outros elementos teatrais
integrantes. A seu modo, defende que todos os elementos devam participar
igualmente do processo criativo. O processo criativo, na concepção de Craig, baseia-
se em evitar fórmulas. Segundo ele:
“Ao contrário dos métodos tradicionais, os artistas visuais cênicos
55
não podem começar seu trabalho
antes que os ensaios comecem... um processo criativo verdadeiro exige que todos os elementos e
artistas teatrais trabalhem junto desde o início; o iluminador, o sonoplasta, o cenógrafo, o figurinista; os
elementos do projeto são ligados assim inextricavelmente ao desempenho dos atores. Isto é o contrário
do que acontece frequentemente com o Teatro baseado no literário tradicional”
56
.
A seu modo, Craig trata da questão das hierarquias e do trabalho colaborativo,
aponta para o pensamento preso ao teatro literário, no qual segundo ele, os diretores
gastam suas carreiras interpretando o que os dramaturgos criam e da mesma forma
os atores estão presos à obra escrita. Atribui a permanência da hierarquia entre os
artistas colaboradores do fazer teatral, o dramaturgo, o diretor, o ator, o cenógrafo, o
iluminador, etc., ao caráter literário do Teatro. Prega libertar o Teatro não apenas da
dependência do realismo, mas também da literatura, e possivelmente até do ator,
apesar de ser ele mesmo também um ator.
54
Drama, Craig emprega sentidos considerados vagos à definição de drama; a melhor explicação poderia
ser a de que drama é tudo aquilo que acontece no contexto da representação.
55
Artistas visuais cênicos. Aqui me dou conta de que ele já havia utilizado este termo. E. Gordon Craig,
56
Da Arte do Teatro, E. Gordon Craig, Editora Arcádia, Lisboa, s/d.
181
“Se eu tenho a imaginação e sou capaz de fazê-la produzir algo, elegerei o movimento, a imagem e a
voz, como meus três principais elementos para a representação dramática. Mas não trata se não de
minha própria fantasia”.
57
E.Gordon Craig
Desenho de cenário de E.G.Craig para Macbeth, Shakespeare, Ato II, 1908
Propõe um Teatro no qual a realidade, no lugar de ser reproduzida por
métodos tradicionais da representação, transcenda à interpretação, através de
elementos visuais com os quais busca criar uma atmosfera e, inclui o ator nesta
“pintura”,dentro de um conceito definido como unicidade cênica, onde o dramático se
move em todos os elementos que compõem o espaço cênico, formando um grande
quadro vivo. O conceito de quadro vivo, no entanto, nos remete à imagem frontal
controlada pelos limites da caixa cênica italiana. É preciso que se tenha cuidado em
não se deixar levar pela falsa ilusão de considerar a percepção sobre o espaço cênico
como sendo a mesma percepção diante de uma pintura ou imagem bidimensional.
Diferentemente de uma tela, no espaço teatral não há como controlar ou recortar o
olhar do espectador para um único foco. A proposição da imagem como uma tela, no
entanto, limita o lugar teatral à tipologia do palco italiano e consequentemente a
relação que ela impõe entre o lugar da ação e o ponto de vista da recepção.
57
Da Arte do Teatro, E. Gordon Craig, Editora Arcádia, Lisboa, s/d.
182
Entretanto, se pudermos investigar mais a fundo as idéias e conceitos
propostos por Craig, trazendo-os à luz das experiências contemporâneas, creio que
encontraremos caminhos produtivos para elaborar procedimentos que gerem
processos criativos a serem aplicados ao ensino da Cenografia. Esta discussão reside
na aplicação de metodologias que não limitem os processos criativos a uma fórmula. A
natureza do processo criativo, real, depende da possibilidade de intuir e redirecionar,
de descobrir gradativamente, deixando que o processo seja em si mais orgânico. Os
colaboradores devem estar livres para adaptações, criando diálogos com o que surge
na situação dos ensaios em direção a um propósito. A motivação para a elaboração de
novas criações, por sua vez, pode ter como ponto de partida as mais variadas fontes,
pode partir de notícias do jornal ou televisivas, de fotografias, da arquitetura, da
pintura, um indivíduo, um som, desde que inspiradoras para uma manifestação
artística cênica.
Craig nos leva por uma via que permite pensar o exercício artístico da
Cenografia como Performance, reforçando assim o conceito proposto na pág 110. Um
caminho para o processo criativo que permite ao cenógrafo ser o propositor de um
argumento, no qual o espaço ou uma visualidade possa ser o ponto de partida para o
acontecimento cênico. A partir deste conceito, proponho novos velhos caminhos a
investigar, talvez pouco explorados a partir deste ponto de vista, ou para os quais
ainda não experimentamos maneiras de materializar no campo do aprendizado.
Acredito que nesta hipótese residam de fato possibilidades para a formação de um
futuro cenógrafo mais atuante no processo de transformação deste Teatro que hoje
procura por novos rumos.
O enunciado principal, o deflagrar de um processo de encenação cênica pode
emergir a partir da manifestação de um dos componentes. Penso no conceito de
cenografia como performance como uma possível condução para estimular o
cenógrafo a refletir sobre as conseqüências do seu próprio comportamento durante o
processo criativo e sobre a força da materialização de suas idéias. Como também para
estimular uma consciência sobre estas experiências, sobre as possibilidades criativas
que se encontram por detrás dos jogos da linguagem cênica.
183
Penso no cenógrafo no exercício da performance como um diretor visual
configurando expressivamente seus pensamentos e contribuindo significantemente
para a experiência da interlocução entre imagem, espacialização e os demais
componentes da realização teatral, inclusive atores e diretores.
No contexto do aprendizado, acredito na possibilidade de implantar outros
procedimentos nos quais os alunos não se limitem a construir maquetes que
respondam visualmente a um texto. Os alunos devem ser provocados a explorar
outros pontos de partida como argumento, inclusive para que pratiquem a
exteriorização de seus pensamentos e de sua expressão artística. Para que
posteriormente, diante de projetos multidisciplinares desenvolvidos sobre bases de
uma determinada linguagem, esse cenógrafo em formação, ou artista visual cênico,
possa, quem sabe, assumir a responsabilidade pela proposição de um projeto e,
assim, alternadamente, os demais colaboradores possam ocupar esta posição, sem
fixar um único ponto de partida repetidamente. Seriam promovidos assim, projetos
multidisciplinares nos quais os processos criativos colidissem produtivamente e as
hierarquias simbolicamente se dissolveriam, podendo de fato se transformar em novos
diálogos vivenciados desde a etapa de formação e transferidos conseqüentemente
para o campo da prática.
À luz do pensamento de Craig, se buscarmos, como ele propõe, um trabalho
mais colaborativo, em concordância com a atualidade, e ao mesmo tempo, nos
libertarmos para atuar como artistas criadores de fato, então teremos alguma
possibilidade de soltar as amarras do Teatro que estão presas aos edifícios teatrais, a
determinados espaços, às referências, e à repetição de imagens, permitindo fazer
emergir novas possibilidades quem sabe ainda não exploradas.
184
B
IBLIOGRAFIA
185
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188
ANEXO
ESCOLAS DE ARTES CÊNICAS DE NÍVEL UNIVERSITÁRIO
189
ANEXO
As escolas de Artes Cênicas de nível universitário
Os cursos de Artes Cênicas que oferecem a disciplina cenografia em sua grade
curricular, na graduação, aparecem aqui divididos em três blocos. Esta divisão procura
distinguir os cursos dirigidos à prática e ensino, prática, e o ensino, respectivamente.
A. Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Cênicas
B. Cursos de Bacharelado em Artes Cênicas
C. Cursos de Licenciatura de/com habilitação em Artes Cênicas
Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Cênicas
Região SUL
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS
Instituto de Artes - Departamento de Arte Dramática
www.ufrgs.br
Av. Paulo Gama, 110 - Farroupilha - fone (51) 33163161 - CEP 90040-060 - RS - Porto Alegre
Pública
Bacharelado em Direção Teatral
Bacharelado em Interpretação Teatral
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas.
Histórico do curso: O Curso de Arte Dramática funcionou, inicialmente, junto à
Faculdade de Filosofia e tinha como finalidade a formação de atores. Em 1967, em
cumprimento à Lei 4.641, de 1965, o Curso de Arte Dramática transformou-se em
Centro de Arte Dramática, com um âmbito bem mais amplo, passando a formar
diretores de teatro, professores de arte dramática e atores. Em 1971, com a Reforma
Universitária, o Centro de Arte Dramática desligou-se da Faculdade de Filosofia. Como
Departamento de Arte Dramática, passou a integrar o Instituto de Artes, continuando
oferecer os Cursos de Bacharelado em Direção Teatral e Interpretação Teatral e
Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas.
190
FAP - Faculdade de Artes do Paraná, PR
www.fapr.br
Pública
Rua dos Funcionários, 1357 - Bairro Cabral - Curitiba - PR - Tel.: (41) 253-1771
Bacharelado em Artes Cênicas com habilitação em Direção/Interpretação
Licenciatura em Teatro
Região SUDESTE
USC - Universidade do Sagrado Coração, SP
www.usc.br
Particular
Rua Irmã Arminda, 10/50 - fone (14) 235-7000 - CEP 17044-160 - SP – Bauru
Bacharelado com habilitação em Direção Teatral
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
FPA – Faculdade Paulista de Artes, SP
www.fpa.art.br
Pública
Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 1224 - Bela Vista Tel.: 3287-4455 - São Paulo
Bacharelado em Artes Cênicas
Duração 4 anos ou 8 semestres
Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas
Duração 3 anos ou 6 semestres / um módulo de cenografia (6º semestre) com 40 horas
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, MG
www.ufmg.br
Pública
Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha CEP 31270-010 MG Belo Horizonte F (31) 3209-9000
Bacharelado em Artes Cênicas
Licenciatura em Artes Cênicas.
UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto, MG
www.ufop.br
Pública
R. Diogo de Vasconcelos, 122 - CEP: 35400-000 - Ouro Preto - MG - Tel.(31)3559-1218
Bacharelado com habilitação em Direção Teatral
Licenciatura
em Artes Cênicas
191
Região CENTRO-OESTE
UNB - Universidade de Brasília, DF
Instituto de Artes, Departamento de Artes Cênicas
www.unb.br
Pública
Campus Universitário Darcy Ribeiro - fone 061 3072656 - CEP 70910-900- DF
Bacharelado em Interpretação Teatral
Licenciatura em Educação Artística com habilitação
em Artes Cênicas
FADM - Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, DF
www.fadm.com.br
Particular
SDS BL. C Nº 30/64 Brasília - DF - 70.392-902 Fones: (61) 3321-1341 / (61)3321-0182
Bacharelado em Direção Teatral
Bacharelado em Interpretação Teatral
Licenciatura Plena em Artes Cênicas
UFG - Universidade Federal de Goiás, GO
Escola de Música e Artes Cênicas
www.ufg.br
Pública
Campus Samambaia II - Caixa Postal 131 - CEP 74001970 - Goiânia GO F: (62) 521-1125
Bacharelado em Artes Cênicas
Licenciatura em Artes Cênicas
Região NORDESTE
UFBA, Universidade Federal da Bahia – Salvador
Escola de Teatro da UFBA
www.teatro.ufba.br
Av. Araújo Pinho, 292 – Campus Canela - CEP: 40.110-150 - Fone (71) 32450714
Oferece os seguintes cursos de Graduação, com duração média de quatro anos.
- Bacharelado em Artes Cênicas - Interpretação;
- Bacharelado em Artes Cênicas - Direção Teatral;
- Licenciatura em Artes Cênicas – Teatro.
192
Comentário: Fazem parte do currículo: aulas de direção e interpretação teatral,
dramaturgia, história do teatro, dicção, técnica de corpo, artes visuais, cenografia,
iluminação, indumentária, maquiagem, e outras matérias optativas. Além dessas
disciplinas, o Currículo do Curso de Licenciatura em Teatro inclui também as matérias
de caráter pedagógico e a prática de ensino em escolas da rede oficial. Os Alunos
participam de práticas de montagem teatral ao longo do curso. Anualmente é realizada
a montagem de um espetáculo ao final do curso, que é base para a avaliação final dos
estudantes. Em 1997, foi criado nesta instituição, o Programa de Pós Graduação em
Artes Cênicas -
(PPGAC). O Curso de Especialização em Cenografia, na Pós-
Graduação, teve seu início em1998, mas atualmente, segundo o professor Eduardo
Tudella, docente desta instituição, está inoperante. Este curso era dirigido a
profissionais de Artes Cênicas, Belas Artes e Arquitetura, com objetivo para os
mercados da publicidade, do teatro, do cinema e da televisão, propondo uma
formação abrangente das diversas linguagens. Será interessante compreender melhor
esta curta “vida” deste curso e os resultados obtidos durante o período de
funcionamento.
FSBA - Faculdade Social da Bahia, BA
www.fsba.edu.br
Particular
Av.Oceânica, 2717 - CEP 40170-150 - Salvador - BA - Tel: (71) 203-3695
Bacharelado em Artes Cênicas com habilitação em Interpretação Teatral
Licenciatura em Artes Cênicas
Cursos de Bacharelado em Artes Cênicas
Região SUL
UEL - Universidade Estadual de Londrina, PR
www.uel.br
Pública
Rodovia Celso Garcia Cid, PR-445, km 380 - fone (43) 3371-4000- CEP 86051-990 - PR
Bacharelado em Artes Cênicas com habilitação em Interpretação Teatral
193
UFSM - Universidade Federal de Santa Maria, RS
www.ufsm.br
Pública
Avenida Roraima, nº 1000 Cidade Universitária Bairro Camobi 97105-900 Santa Maria,RS
Bacharelado em Artes Cênicas com habilitações em
Direção Teatral
Interpretação Teatral
Duração 8 Semestres
Consta a disciplina Iluminação, mas não consta Cenografia
Região SUDESTE
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas, SP
Instituto de Artes – Departamento de Artes Cênicas
www.iar.unicamp.br
Pública
Cidade Universitária Zeferino Vaz - Caixa Postal 6159 - CEP 13083-970 - SP - Campinas – SP
Fone (19) 3289-1510 / fax: (19) 3289-3140
Bacharelado em Artes Cênicas
Duração média de 4 anos
Comentário: Na UNICAMP funciona um curso de formação de atores com disciplinas
de cenografia, indumentária, técnicas visuais, maquiagem, máscaras, e outras
relativas às visualidades cênicas. Neste curso o aluno ator passa por vários processos
da criação teatral, que vão da dramaturgia à encenação. A inserção das diversas
disciplinas, entre elas, a cenografia, no curso de Bacharelado de Artes Cênicas tem
como objetivo oferecer ao aluno a vivência das etapas de criação relacionadas ao
fazer teatral, e procura estabelecer um diálogo vivo entre as áreas teatrais. Segundo a
Profª Heloísa Cardoso, atual coordenadora do curso de Artes Cênicas, existe sim uma
necessidade de criar um curso específico de Cenografia, mas ainda não há projeto
para isto. Acredita que o aluno de artes cênicas não demonstra, na maioria dos casos,
o mesmo interesse e rendimento para esta disciplina se comparado a um hipotético
aluno de cenografia. Atualmente, ministram cursos de cenografia também para alunos
de outras escolas como a de Educação Artística e de Arquitetura. A UNICAMP foi a
única universidade a apresentar projeto na última SCENOFEST, durante a Quadrienal
de Praga de 2003 e, apesar da formação pouco específica em cenografia, o projeto
apresentado pelos alunos Ricardo Harada e Luciana Mizutami, sob coordenação dos
194
professores Márcio Tadeu e Heloísa Cardoso, foi muito bem recebido e teve crítica
muito positiva da banca.
Centro Universitário Barão de Mauá, SP
www.baraodemaua.br
Particular
Rua Ramos de Azevedo, 423 - Jd. Paulista - Ribeirão Preto - SP - Tel: 0800-183566
Bacharelado com habilitação em Interpretação
PUC/SP - Faculdade de Comunicação e Filosofia, SP
www.pucsp.br
Particular
Rua Monte Alegre, 984 – Perdizes 3670-8273/8338 São Paulo - SP - CEP 05014-001
Curso: Comunicação das Artes do Corpo
Dança, Teatro e Performance
Duração 4 anos - 8 módulos – entre eles as disciplinas relacionadas
Corpo e Espaço / Corpo e Indumentária / Corpo e Luz
Universidade Anhembi Morumbi, SP
www2.anhembi.br
Particular
Campus Centro Rua Dr. Almeida Lima, 1134 - Brás 0800 015 90 20 São Paulo – SP
Bacharelado em TEATRO e Bacharelado em DANÇA
Duração 4 anos
Região NORDESTE
CEFET-CE - Centro Federal de Educação Tecnológica, CE
Pública
Av. 13 de Maio, 2081 - Benfica - Fortaleza - CE - Fone: (85) 288-3666
www.cefet-ce.br
Tecnólogo em artes cênicas
Comentário: O Curso recebe uma denominação diferenciada: Curso Superior de
Artes Cênicas – e forma o Tecnólogo em Artes Cênicas
. O seu currículo é focado na
Interpretação Teatral, com ênfase na formação do ator. Este programa de graduação,
bastante recente, fundado em 2002 é pioneiro no Estado e, ao que consta, surgiu para
atender a uma antiga demanda em relação à formação superior neste campo que, até
então, só contava com cursos livres ou de extensão. O curso tem a duração de
195
apenas 3 anos. No currículo constam as disciplinas de cenografia e iluminação
(integradas), e indumentária. A carga horária destas disciplinas no entanto é muito
reduzida – um módulo, ou um semestre.
Região NORTE
UFPA - Universidade Federal do Pará –PA
CLA - Centro de Letras e Artes
www.ufpa.br
Pública
Rua Augusto Corrêa, 1 - Campus Básico TELEFONES: 3201-7148 / 3201-7108 / 66075-110
Escola de Teatro e Dança está abrindo o curso de Artes Cênicas
Cursos de Licenciatura com habilitação em Artes Cênicas
Região SUL
UDESC - Universidade Estadual de Santa Catarina, SC
Departamento de Artes Cênicas - Centro de Artes - CEART
www.ceart.udesc.br
Pública
Av. Madre Benvenutta, 499 - Itacorubi – F: (48) 231-9700 CEP 88035-001 - SC - Florianópolis
Licenciatura em Artes Cênicas
Região SUDESTE
UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros, MG
www.unimontes.br
Pública
Campus Universitário "Prof. Darcy Ribeiro" - Vila Mauricéia - Montes Claros - MG - Caixa Postal
nº 126 - CEP 39401-089 Fone: (38) 3229-8000 - Fax: (38) 3229-8002
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
UFU - Universidade Federal de Uberlândia, MG
FAFCS - Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de Música e Artes Cênicas (DEMAC).
www.fafcs.ufu.br
Pública
Avenida Engenheiro Diniz 1178 UBERLANDIA - MG ( 34) 3239-4413 / 3239-4117
Licenciatura em Artes Cênicas
Duração 4 Anos, 7 semestres, Não fica claro se há a disciplina cenografia na grade curricular
196
FASC - Faculdades Santa Cecília – Pindamonhangaba, SP
www.fascpinda.com.br
Particular
Praça Barão do Rio Branco, 59 - Centro - Pindamonhangaba – SP - CEP: 12.400-280 – Fone
(12) 242.5755 - Telefax: (12) 242.5537
Licenciado em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
FAMOSP - Faculdade Mozarteum de São Paulo, SP
www.mozarteum.br
Particular
R. Nova dos Portugueses, 365 - Bairro Santa Terezinha fone/fax: +55 11 6236-0788
CEP 02462-080 São Paulo/SP
Licenciatura em Educação artística com habilitação em Artes Cênicas
Duração 3 anos - 2 módulos de cenografia semestrais (5º e 6º períodos)
Pós Graduação em Teatro-Educação
Duração 3 semestres - 1 módulo semestral de Cenografia e Indumentária
USJT - Universidade São Judas Tadeu, SP
www.usjt.br
Particular
R: Taquari, 546 - Mooca/SP
Tel: (11) 6099-1729 / 1730 / 1731
Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas
Duração 3 anos – 2 módulos de Cenografia 2º ano e 3º ano
POS GRADUAÇÂO // Lato Sensu - Artes Cênicas / Teatro
Duração 3 Semestres (1 ano e meio) Entre as disciplinas oferecidas – Espaço Cênico
UNESP – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, SP
Instituto de Artes/São Paulo
Tel 6166-6538 fax 11 274-2190
www.ia.unesp.br - dta@ia.unesp.br- dacefc@ia.unesp.b
Pública
Licenciatura em Artes Cênicas
Duração 4 anos
Curso aprovados em 2002 e implantado em 2005,
Não fica claro se aplicam a disciplina cenografia na grade curricular
197
Região NORDESTE
UFAL - Universidade Federal de Alagoas, AL
www.ufal.br
Pública
Campus A. C. Simões, BR 104 - Norte - km 97 - Tabuleiro dos Martins - Maceió – AL
CEP 57072-970 - Fone (82) 241-1100
Licenciatura em Educação Artística com habilitação Plena em Artes Cênicas/Teatro.
UFPB - Universidade Federal da Paraíba, PB
www.ufpb.br
Pública
Castelo Branco III - Campus - Universitário Fone (83) 216-7150
CEP 58059-900 PB João Pessoa
Licenciatura Plena em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco, PE
Centro de Artes e Comunicação
www.ufpe.br
Pública
Av. Prof. Moraes, 1235 - Fone 081 2126 8756 CEP 50732-970- PE - Recife
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN
www.ufrn.br
Pública
Av.Senador Salgado Filho, Rod. BR - 101 - Fone (84) 215-3119 CEP 59072-970 - RN - Natal
Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
Comentário: São duas disciplinas de Cenografia, I e II, grupos formados por alunos
de outros departamentos inclusive. Trabalham diversas mídias de acordo com as
linguagens das quais se aproximam, mas focam em conteúdo histórico e conceitos da
cenografia teatral. O objetivo principal está em construir um conceito de Cenografia a
partir da teoria e da prática, considerando as especificidades diante das Artes Cênicas
e das demais áreas de aplicação. Propõe um estudo sistemático do desenvolvimento
da Cenografia ao longo da história das Artes Cênicas e da proposição de idéias que se
materializam tridimensionalmente. Tudo isto evidentemente focado na formação do
futuro professor.
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