A Era Vargas no Pentagrama: dimensões político-discursivas do canto orfeônico de Villa-Lobos
Melliandro Mendes Galinari – 2007
LXXII
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APELO AO CHEFE DO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA
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No intuito de prestar serviços ativos ao meu país, como um entusiasta patriota que tem a devida
obrigação de por à disposição das autoridades administrativas todas as suas funções especializadas,
préstimos, profissão, fé e atividade, comprovadas pelas suas demonstrações públicas de capacidade, quer
em todo o Brasil, quer no estrangeiro, vem o signatário, por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência
o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da finalidade
educativa que deveria ser e Ter para os nossos patrícios, não obstante sermos um povo possuidor,
incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte.
O momento, Senhor Presidente, parece propício para que Vossa Excelência possa mostrar com a
ação e um gesto decisivos, o alto valor com que Vossa Excelência distingue os nossos artistas e a grande
arte no Brasil.
Um e outro se acham em quase completa penúria, de um declive fatal, provocado pelas crises
imprevistas e ininterruptas, que tem sacudido o mundo inteiro após a grande guerra.
Era preciso encontrar um meio prático e rápido para suavizar esta situação, evitar a queda do
nosso nível artístico.
A solução única, acreditamos, foi finalmente encontrada! E nunca digam os incrédulos que para
os grandes males não há remédios... Depois de muito amadurecer idéias e examinar fatos concretos,
aplicados e extraídos de realidade em realidade, numa observação demorada e justa, resolvemos formular
as sugestões que pedimos vênia para endereçar a Vossa Excelência. Possa, Excelentíssimo Senhor
Presidente, como os eloqüentes argumentos aqui expedidos, ter constantemente presente em sua memória,
a estatística de nossos artistas, quase inteiramente desamparados.
Como vem de ser mostrado a Vossa Excelência, acham-se desamparados para mais de trinta e
quatro mil musicistas profissionais, em todo o Brasil, homens que representam, entretanto, pelos seus
valores como artistas, quatro vezes os valores representativos pessoais, porque assim é e tem sido em
todos os países, em todas as épocas, a diferença de valor intelectual de que se destaca do vulgar esta gente
privilegiada. E a arte da pintura? a escultura? a dança elevada? Esta nem existe entre nós que seja uma
afirmação; quanto a arte da dança elevada é justamente umas das que o Brasil poderia cultivar com
superioridade sobre os demais países, porque é notória a beleza plástica da mulher brasileira; a
flexibilidade dos nossos atletas; o ritmo singular e obstinado da nossa música popular; o amor que
possuímos pelos livres movimentos físicos diante da nossa incomparável natureza; e o gosto pela fantasia
delirante demonstrada, sobejamente, na predileção, quase maníaca, pelas festas do Carnaval carioca. E o
nosso encantado Teatro Brasileiro? As nossas comédias, nossas óperas, nossos gêneros originais típicos e
ingênuos? Porque, felizmente, a arquitetura, a poesia, a literatura, a filosofia, a ciência, a religião católica,
outras seitas, preceitos e doutrinas aplicados ao nosso país, sempre têm encontrado um pequenino campo
de explanação, conquanto que bem pouco cuidado pelos nossos governos passados. – E a música?
Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é incontestavelmente a música, como
linguagem universal que melhor poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro,
sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará mais gravada
a personalidade nacional, processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja mista e não
tenha tido uma velha tradição.
De modo que hoje, dia 1.º de fevereiro de 1932, espero que Vossa Excelência irá decidir, com
acerto, a verdadeira situação das artes no Brasil. [...]
Mostre Vossa Excelência Senhor Presidente, aos derrotistas mentirosos ou aos pessimistas que
vivem não acreditando num milagre da proteção do governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de
fato o lutador consciente e realizador, tomando, incontinenti, uma realidade o DEPARTAMENTO
NACIONAL DE PROTEÇÃO ÀS ARTES.
E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas, que bendirão toda a
existência de Vossa Excelência.
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VILLA-LOBOS, H. Apelo ao Chefe do Governo Provisório da República Brasileira. In: Presença de
Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/DAC/Museu Villa-Lobos, 1972. p. 85. 7.º v.