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Universidade
d
e São Paulo
Faculdade
d
e Filosofia, Letras
e
Ciências Humanas
Departamento d
e Letras
Modernas
Programa de Pós
-
Graduação
em
Língua e
Literatura
Francesa
A volta do Horla:
A recepção de
Guy de Maupassant no Brasil
Angela da
s Neves
São Paulo
2007
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2
Universidade
d
e São Paulo
Faculdade
d
e Filosofia, Letras
e
Ciências Humanas
Departamento d
e Letras
Modernas
Programa de Pós
-
Graduação
em
Língua e
Literatura
Francesa
A volta do Horla:
A recepção de
Guy de Maupassant no Brasil
Angela das Neves
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em ngua e Literatura Francesa, do
Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
o Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Gloria Carneiro
do Amaral, para a obtenção do título de Mestre em Letras.
São Paulo
2007
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3
Qui peut se vanter, parmi nous, d’avoir écrit une page,
une phrase qui ne se trouve déjà, à peu près pareille,
quelque part. (Guy de Maupassant, “Le
r
oman”, 1887)
O caminho é um só: interpenetração literária recíproca;
e faz obra, mais que patriotismo, de humanidade, quem
nela coopera na medida de suas forças. (Monteiro
Lobato, “Inquérito literário sul-
americano”.
Revista do
Brasil,
1923)
me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei
do antropófago. (Oswald de Andrade,
Manifesto
a
ntropófago
, 1928)
4
Aos AA. e ao L.
5
A
GRADECIMENTOS
Muito além do esforço pessoal, este trabalho não se realizaria sem a contribuição
de diversas pessoas e instituições, às quais aqui
agradeço
:
À Profa. Dra. Gloria Carneiro do Amaral, a quem devo a
proposta
deste
trabalho, em 2001, e a orientação atenciosa
desde então.
Às Profas. Dras. Maria Cecília Queirós Pinto e Ana Luiza Camarani, pelas
sugestões oferecidas durante o exame de qualificação. À Profa. Dra. Marisa Lajolo,
cujos livros e artigos sobre Lobato formaram mais esta leitora amadora do autor.
Aos
funcionários dos arquivos que visitei para a realização desta pesquisa, os
quais me instrumentaram e deram-me votos de coragem na disputa contra as traças e no
manuseio dos equipamentos de microfilmes: aos bibliotecários da FFLCH, do IEB e da
Biblioteca da Faculdade de Direito da USP; do Arquivo do Estado; da Biblioteca
Monteiro Lobato – em especial à Sonia Bertonazzi; das Bibliotecas Mário de Andrade e
John Kennedy (Santo Amaro) –
especialmente à Sra. Tamiko, que, vencendo a lei física,
recebeu os pesquisadores nestes dois acervos; do Centro Cultural São Paulo; do
Arquivo Edgard Leurenroth, da Unicamp; da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. À
Fundação Biblioteca Nacional e aos demais arquivos que cederam direito de reprodução
dos jornais para os fins de
sta dissertação, agradeço mais uma vez formalmente.
Ao CNPq, pela bolsa concedida nos últimos anos da realização desta pesquisa.
À Mme. Colette
Chopar
t, que, sem interesses literários por Maupassant, entre
galhos e farpas ultrapassados até o caminho de Miromesnil, auxiliou-me na busca
arqueológica dos paradeiros do escritor normando.
À Association des Amis de Flaubert et de Maupassant, em Rouen, que desde
fevereiro de 2006 acolhe
esta primeira amiga brasileira.
Aos amigos, conselheiros e ouvintes atentos das divagações que inspiraram este
trabalho.
Aos meus pais, Ana e Armando, às minhas irmãs Ana e Adriana, aos meus
irmãos Augusto e
Armando, agradeço os livros e os ensinamentos fora dos livros.
À minha sobrinha Amanda, que nos últimos seis meses me devolveu a
puerilidade de que um certo Maupassant já me tinha feito esquecer.
Ao Luciano, diagramador e primeiro leitor deste trabalho, por emprestar-
me
livros e ombros, gatos e vida.
6
R
ESUMO
A dissertação A volta do Horla estuda a recepção crítica e criativa de Guy de
Maupassant (1850-
1893)
no Brasil, o contista frans mais representativo do século XIX.
Esse escritor foi lido, traduzido e comentado nos jornais Gazeta de Noticias,
Correio
Paulistano,
Jornal do Commercio, O Estado de São Paulo (A Provincia de São Paulo
,
até 1889), de 1880 a 1921, bem como nos principais estudos críticos e bibliográficos de
historiadores da Literatura Brasileira, os quais compõem o
corpus
de
sta pesquisa. Sua
presença é também encontrada em obras ficcionais no período que compreende o
Realismo
-Naturalismo e o Pré-Modernismo brasileiros, de que são exemplos os livros
de contos de Monteiro Lobato
(1882
-
1948).
Esse
corpus
, aqui analisado e interpretado, mostra-nos as diversas leituras feitas
pelas variadas correntes críticas em voga no Brasil. Tomam por base critérios literários
ou o-literários, estimulados pela vasta produção e particular variedade da obra em
questão e pelo conhecimento difundido da vida do autor. Permite
-
se aqui, portanto, mais
um momento de releitura crítica desse escritor, revelado por olhares ora esquecidos e
não raro desconhecidos dos estudiosos de Guy de Maupassant.
Palavras
-
chave:
Guy de Maupassant, recepção crítica, recepção criativa, conto,
Monteiro Lobato
7
A
BSTRACT
The d
issertation
The Horla Return studies the critical and creative reception of
Guy de Maupassant (1850-
1893)
in Brazil, the most representative French storyteller of
the 19
th
century. This writer was read, translated and commented in newspapers
Gazeta
de Noti
cias
,
Correio Paulistano, Jornal do Commercio, O Estado de São Paulo (
A
Provincia de São Paulo, up to 1889), between 1880 and 1921, as well as in the main
critical and bibliographical studies of Brazilian Literature historians, which compose the
corpus
of this research. Its presence is also found in ficcional works in the period which
includes Brazilian Realism-Naturalism and Pre-Modernism, of which the story books of
Monteiro Lobato
(1882
-
1948)
are examples.
This
corpus
, here analysed and interpreted,
disc
loses diverse readings made for
the various critical current in vogue in Brazil. It has as background literary or non-
literary criteria, stimulated for the vast production and internal variety of the work itself
and by the knowledge difusion of author’s life. It is allowed here, therefore an
additional moment of critical reading of this writer, depicted through the eyes either
forgotten or unknown of Guy de Maupassant’s scholars.
Key words: Guy de Maupassant, critical reception, creative reception, short story,
Monteiro Lobato
8
R
ÉSUMÉ
La dissertation
Le retour du Horla
étudie la réception c
ritique et créative
de Guy
de Maupassant (1850-
1893)
au Brésil, le plus représentatif conteur français du XIX
e
siècle.
Cet écrivain a été lu, traduit et commenté dans les journaux Gazeta de Noticias
,
Correio Paulistano
,
Jornal do Commercio
,
O Estado de São Paulo (A Provincia de São
Paulo
, jusqu’à 1889), de 1880 à 1921,
ainsi
que dans les principales études critiques et
bibliographiques d’historiens de la l
itt
érature
b
résilienne,
qui
constituent le
corpus
de
cette recherche. Sa présence se re
trouve
aussi
dans des oeuvres de fiction pendant la
période qui comprend le Réalisme-Naturalisme et le Pré-Modernisme brésiliens dont les
livres de contes de Monteiro Lobat
o
(1882
-
1948)
sont des exemples.
Ce
corpus
, ici analysé et interprété, nous montre les lectures différentes faites
par des courants critiques en vogue au Brésil. Ces critiques littéraires se
sont
serv
is de
critères littéraires ou non-
littéraires,
issu
s
de
la vaste production et
grand
e variété de
l’oeuvre concernée et de la connaissance diffusée de la vie de l’auteur. On permet ici
donc un autre moment de relecture critique de cet écrivain, vélé par des regards
néanmoins oubliés et même souvent méconnus d
es spécialistes de Guy de Maupassant.
Mots clés: Guy de Maupassant, ception critique, réception créative, conte, Monteiro
Lobato
9
S
UMÁRIO
Introdução .................................................................................................................... 11
Capítulo 1
Apresentação da obra e da fortuna crítica de
Guy de Maupassant .......... 21
1. A poesia ..................................................................................................................... 2
1
2. O teatro ...................................................................................................................... 24
3. A correspondência ..................................................................................................... 27
4. A crônica, o ensaio e o prefácio ................................................................................ 33
5. A narrativa de viagem ................................................................................................ 3
8
6. O romance .................................................................................................................. 43
7. O conto e a novela
as narrativas curtas
................................................................... 49
8. Uma sín
tese da recepção de Guy de Maupassant na França ..................................... 5
9
9. Alguns comentários sobre a recepção fora da França
............................................... 65
Capítulo 2
A recepção crítica de Guy de Maupassant no Brasi
l
(1880
-
1921) .......... 68
1. A recepção nas histórias da Literatura Brasileira
...................................................... 68
2. A crônica de jornal e a (pseudo)crítica brasileira entre 1880 e 192
1 ........................ 96
3. Os jornais est
udados e seus colaboradores
.............................................................. 100
3.1
O Porthos da L
iteratura
F
rancesa: lendo a vida na obra ........................................ 105
3.2
Um ilusionista desilusionante ................................................................................ 114
3.3
O
mauvais passant
se
de no deserto das suas palavras... ..................................... 116
3.4 Consagração e releituras ........................................................................................ 150
3.5
As referências antropofágicas maupassantianas .................................................... 159
3.6 Maupassant traduzido no “Folhetim” .................................................................... 169
3.7 M
aupassant em cena: as crônicas sobre as adaptações para o teatro ................
..... 173
3.8
Maupassant nas estantes: pequenas estatísticas ..................................................... 19
0
3.9 Visitando a teoria estética de Maupassant ............................................................. 194
3.10
Maupassant no cinematógrafo ............................................................................. 196
3.11
Leituras médicas: o visionário ............................................................................. 198
3.12
Primeiros estudos comparados
sobre
os maupassantianos .................................. 20
6
4. A contribuição da crítica brasileira sobre Maupassant
...........................................
. 219
10
Capítulo 3
A re
cepção criativa de Guy de Maupassant no Brasil: um caso exemplar
.
...
22
4
1. Lobato e seu conto de Maupassant .......................................................................... 224
2. Enquadramento narrativo e narradores .................................................................... 228
3. O diálogo entre o ingênuo e o engenhoso ................................................................ 235
4. Lobato e seu quadro de Millet (à Maupassant) ........................................................ 238
5. O compasso de um saguara
j
i .................................................................................
.. 242
6. O “Meu conto de Maupassant” e sua origem no
fait divers
de Lobato
.
.................. 24
3
7.
Lobato contador à Maupassant
..
.............................................................................
. 251
Conclusões
.................................................................................................................. 256
Referências bibliográficas
......................................................................................... 261
Anexos
......................................................................................................................... 273
I. Levantamento das traduções brasileiras
de Guy de Maupassant ..
........................... 273
II. Levantamento dos trabalhos acadêmicos brasileiros sobre Maupassant ................ 279
III.
Cronologia de Maupassant no Brasil
(1880
-
1921) ............................................... 28
1
IV. D
ocumentos analisados (também em
CD
-Rom) ................................................... 289
11
I
NTRODUÇÃO
No colégio, foi nossa leitura clandestina: escondemos cuidadosamente sob a mesa os
volumes estragados pela curiosidade literária de várias gerões de colegiais; no
fim
da leitura voltamos a olhar, com aquele prazer especial que inspiram as coisas
proibidas, as ilustrações horrorosas de mau gosto, senhores de cartola e bengala com
bigodes corajosos, damas duvidosas levantando um complexo enorme de saias e
saiotes
e rendas sedutoras para empreender o “cancan”; e enfim demos o volume, mais
estragado do que antes, ao colega, cochichando
-
lhe aos ouvidos: “Maupassant!”
.
1
Entre os que liam escondidos, clandestinamente, os volumes ensebados da
biblioteca escolar ou o ouviram, sem o saber, na voz de Chico Buarque, foram se
multiplicando os leitores brasileiros de Guy de Maupassant. Sua obra não foi feita para
poucos. De Oswald de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Chico Buarque até o quadrinista
americano Will Eisner, Maupassant reúne
no mundo todo
uma legião de admiradores os
mais diversos, levados a escrever sobre seus livros ou instigados a criar a partir deles.
2
Traduzido desde cedo, quando ainda vivo, nos principais jornais brasileiros do
fim do século XIX e depois em livros até em esperanto
3
–, representado por famosas
atrizes tais como Sarah Bernardt, Clara Della Guardia e pelo grupo do Théatre Antoine,
adaptado para o cinema, Maupassant pôde ser visto, lido ou comentado em todos os
supo
rte
s midiáticos existentes a1920, no Brasil. Sua presença até hoje nos palcos
brasileiros, difundido pelo Grupo Tapa,
4
e em diversas traduções dos seus contos revela
o interesse continuamente despertado pela sua obra e a atualidade dos seus textos.
Um
a vez que uma arqueologia de seus leitores comuns, antigos e atuais, é quase
impossível
aos limites de uma dissertação e certamente pouco satisfatória ao pesquisador
que lida com documentos esparsos, incompletos e em péssimo estado de conservação no
Brasil
, este trabalho não se insere na sociologia da leitura pretensão inicial.
Interessam
-nos os comentários críticos e as leituras de sujeitos letrados uma pequena
parcela da população brasileira, entre os anos de 1880 e 1921 , que, devido à posição
so
cial ocupada (de escritores e formadores de opino), mais fortemente influenciaram o
público leitor em geral. Vamos nos debruçar, portanto, sobre uma porcentagem reduzida,
1
CARPEAUX, Otto Maria. Relendo Maupassant. Publicado no suplemento “Letras & Artes”, do jornal
A
Manhã
, de 20 de julho de 1947, p. 1 e 8.
2
Referimo-nos também à canção de Chico Buarque de Hollanda “Geni e o Zepelin”, do álbum Ópera d
o
malandro
,
de 1979, que recupera
Boule de Suif
; e à entrevista de Will Eisner para a “Ilustrada”, em
Folha de
São Paulo,
17 de dezembro de 1994, p. 5
-
1, em que afirma que Maupassant, entre outros, o influenciou.
3
Sinjoro Jokasto: kaj aliaj noveloj. Trad. Daniel Luiz. Chapecó: Fonto, 1987, 112 p. (Série Fonto-
serio,
n. 17). Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Tradução do conto “M. Jocaste”.
4
A adaptação
Contos de sedução está em cartaz, viajando pelo Brasil, desde 2000.
12
mas não desprezível, de leitores eruditos de Maupassant considerada a estatística de
leitores de jornais à época
5
–, selecionados no tempo, atuantes no período em que a
poética de Maupassant, inserida em certos preceitos da estética realista, correspondia a
um ideal para nossos escritores, sobretudo para nossos contistas.
Os epítetos pelos quais Maupassant é apresentado nos textos estudados mostram
o tom (e até as mudanças dele) entre impressionista e parcial dos cronistas, admiradores,
sem exceção, da obra do escritor em estudo. De “jovem mosqueteiro das letras”, “homem
invejável”,
“grande artista”, “jovem fauno sadio”, “eminente escriptor”; passa a
“desditoso”, “inditoso escriptor”, “infeliz confradea “doudo furioso”, “pobre Guy de
Maupassant” (cinco
vezes), “desventurado escriptor”, “o desgraçado” Maupassant, “pobre
querido artista”, “pobre grande escriptor”, “saudoso Guy de Maupassant”; até retornar a
“sublime Guy”, “saudoso Guy de Maupassant”, “verdadeiro artista”, “romancista genial e
fecundo”. Entre autor e personagem romanceado de sua biografia, Maupassant foi lido e
relido,
com interesse contínuo dos articulistas, mas não sob as mesmas abordagens.
A presença do escritor normando no Brasil fez-se sob muitos prismas, que
envolvem domínios literários e extra-literários. Oswald de Andrade, arguto leitor de
Maupassant, afirma que conheceu a liberdade do amor na Europa (que visitaria pela
primeira vez em 1912) por meio dos contos do nosso autor. Em Um homem sem
profissão
, suas memórias inacabadas, diz que a depravação no Brasil devia-se à falta de
divórcio, aqui legalizado
somen
te na década de 1970, e permitido na França desde a
época de Maupassant, que discutiu a questão internamente em sua obra.
Na Europa, o amor nunca foi pecado. Não era preciso matar para possuir uma
mulher. Não havia sanções terríveis aqui pelo crime de adultério ou sedução.
Enfim, o que era uma vida sexual satisfatória, consciente e livre. Os contos de
Maupassant já tinham me elucidado a esse respeito.
6
Ao que se nota,
noss
o escritor, na França, dizia sobre o amor o que todos sabiam;
aqui, entretanto, sob mais esse ponto de vista, configurou uma janela, a janela do erótico,
aqui recalcado. Oswald, por sua vez, ajudaria a fundar no Brasil um movimento cuja
5
Segundo José Veríssimo, apenas 16 ou 17 % da população brasileira, em 1890, estava apta à leitura em
nosso país. Ver: VERÍSSIMO, José. Das condições da produção literária no Brasil. Estudos de Literatura
Brasileira
. 3ª. série. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp,
1977, p. 46.
6
ANDRADE, Oswald. Um homem sem profissão: sob as ordens de mamãe. São Paulo: Globo/Secretaria
do Estado de São Paulo, 1990, p. 78. (1. ed. 1954.) Na sua estada em Paris, nessa primeira viagem de
descobertas, esta pitoresca passagem: “Estávamos morando num apartamento da Rue Vavin, junto ao
Jardim do Luxemburgo. Descobri três delícias; um doce, um queijo e uma garota. O primeiro era um
éclair
, o segundo era um queijinho da Normandia que parecia estragado. Tinha o nome de Camembert. A
garota
chamava-se Madeleine.” (p. 74). Veja-se que, entre a recusa e a deglutição do típico francês,
Oswald sempre preferiu esta última.
13
principal reivindicação era a emancipação cultural da Europa. Para tanto, porém, sua
proposta era não a de romper com a tradição que nos formara literariamente, mas a de
digeri
-
la. E também nessa formulação, lá se entrevê Maupassant, deglutido e renovado.
Essa tradição do escritor libertino far-
nos
-ia até mesmo atribuir-
lhe
uma obra
que não era sua, na esteira dos franceses (e provavelmente de alguma tradução para o
inglês).
Les cousines de la colonelle, livro em dois volumes da Vicomtesse de C
oe
ur
-
Brûlant, de 1881, foi traduzida no Brasil com o título As sobrinhas do coronel,
7
em
1972. Além do nome do
escritor francês na capa, na contracapa há esta pérola:
Um contínuo best-seller no mercado europeu da literatura erótica, As Sobrinhas do
Coronel
é uma obra-prima do libertino, por GUY DE MAUPASSANT, finalmente
acessível ao leitor de língua portuguesa em
sua viva e poderosa tradução.
Situada na época de luria, no culo XIX da aristocrática Paris, narra o romance de
aventuras de duas jovens irmãs, Júlia e Florentine, super-burguesas, criadas totalmente
ignorantes em matéria de assunto sexual, resultando
jovens mulheres que encontram
-
se
a si [sic] mesmas, no início desta estória, ávidas em saborear os frutos da sensualidade.
Maupassant traduz a exploração sexual das duas irmãs com a devoção para a
descrição em prosa gráfica e sugestiva que caracteriza todos os grandes trabalhos
franceses dos mestres do realismo. Sondando intensamente a alma e a sensualidade
feminina, este conto de duas garotas saudáveis de aspirações e satisfações eróticas
fornecem uma leitura deleitosa, estimulante e experiente.
Em
d
ua
s linhas, conta-se a história de duas irmãs, casadas por ajuda da prima
Briquart, a qual seria a
colonelle
do título em francês. Como se vê, a infidelidade parece
ter sido dada não na autoria, mas também no seu conteúdo. Essa incorreção,
denunciada
na França desde a década de 1920,
8
seria apenas ignorada dos editores
brasileiros, cinqüenta anos depois, ou teria sido proposital, visando a um nicho editorial
específico? Não sabemos responder, mas o caso é sintomático do que
comenta
mos
sobre essa face e
rótica do mito do autor
, uma apenas entre várias.
O público brasileiro da época que estudaremos aqui, entre 1880 e 1921 (que
inclui a bela época francesa em nossa cultura), em meio a uma guerra mundial, dois
regimes políticos, muitas inovações científicas e diferentes correntes de pensamento,
7
MAUPASSANT, Guy de. As sobrinhas do coronel.
Trad. Howard Nelson. Rio de Janeiro: Edições MM,
1972, 266 p. Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Centro Cultural São Paulo. Como
informamos acima, a obra não é de Maupassant, mas sim da viscondessa de Coeur Brûlant, a qual possuía
cerca de quarenta anos quando escreveu o livro e foi amiga de Georges Sand. A tra
dução parece provir do
inglês,
The Colonel’s nieces (conforme está na ficha catalográfica) e não do original francês: COEUR-
BRÛLANT.
Les cousines de la colonelle. Lisbonne: Antonia de Boa Vista, [s.d.]; Bruxelles: Gay et
Doucé, 1881.
8
Em
Mercure de France
, t. 231, 15 de outub
ro de 1931, p. 509, há uma nota
esclarecendo o fato, na qual se
comenta que a mesma revista já teria alertado sobre essa obra falsamente atribuída a Maupassant, em junho
de 1922. Também René Dumesnil confirma a indicação do
Mercure
: DUMESNIL, René. Appendic
es
II:
Dates de publication de
s ouvrages de Maupassant.
Guy de Maupassant.
Paris: Armand Colin, 1933.
14
conheceu por meio dos jornais e revistas literárias os contos, os romances, as narrativas
de viage
m
, a
s crônicas, algumas cartas
e as peças de teatro d
o escritor normando. Desde
então, traduções brasileiras das suas obras foram publicadas em livro (em 1896, pela
Laemmert),
progressivamente feitas e refeitas d
esde
a década de 1930 até nossos dias,
conforme mostra o levantamento que apresentamos no final do trabalho.
Isso
tudo
demonstra o interesse contínuo despertado pelo autor no público brasileiro, malgrado as
dificuldades impostas por uma indústria gráfica em desenvolvimento e um público ledor
reduzido
, no período da primeira recepção.
Também várias pesquisas acadêmicas sobre Maupassant vêm sendo realizadas,
nenhum
a,
porém, sob o viés da recepção crítica do autor. Nosso levantamento das teses
e dissertações defendidas nas universidades públicas brasileiras,
igualmente
indexad
a
s
no final da dissertação, demonstra um equilíbrio entre a abordagem comparativa e o
estudo
monográfico sobre o escritor. São, por outro lado, quase unânimes quanto às
formas literárias escolhidas para estudo: os contos e novelas. A qualidade estética de
Maupassant, reputada mais no estrangeiro do que na França, é observada atualmente
nessa parte de sua obra.
Entret
anto, desde a sua primeira recepção, tanto em seu país
quanto aqui, o escritor foi lido em praticamente todos os gêneros a que se dedicou, o
que procuraremos evidenciar nos capítulos 1 da apresentação de Maupassant e
de
sua
recepção
na França
e 2
da sua recepção crítica no Brasil
, mas desde então já ficara
conhecido pela sua maestria nas narrativas curtas. É em conseqüência disso que muitos
brasileiros contistas passaram não a admirá-lo, mas também a tomá-lo por modelo.
Na última parte desta dissertação, procuraremos mostrar um exemplo dessa realização
literária por meio da análise de um conto de Monteiro Lobato, intitulado “Meu conto de
Maupassant”, de
Urupês
, e de outros textos do iniciador da literatura infantil brasileira
e
renovador da nossa indústria editorial.
Esta pesquisa começou ainda durante a graduação, durante nossa inicião
científica, quando fizemos nossas primeiras reflexões sobre o contato entre Monteiro
Lobato e Guy de Maupassant. A partir do estudo de uma parte da obra maupassantiana
os contos
e sua leitura por um autor cujo valor literário maior não é em geral atri
buído à
sua contística
Lobato
, notamos que o estudo comparado valorizou a qualidade literária
dos contos do escritor brasileiro, que ainda estão por ser estudados como merecem. Para
tanto, no ano de 2002, coletamos diversos dados entre os documentos do autor brasileiro
na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, em São Paulo, onde
tive
mos
em mãos o
s
exemplares das obras de Maupassant da sua biblioteca particular (Sur l’eau e Le Horla
,
15
na edição Ollendorf). No capítulo 3, reapresentamos parte dessas conclusões,
amadurecidas durante esta nova fase no trabalho.
Para esta dissertação, buscamos referências ao escritor francês em histórias da
L
ite
ratura
Brasileira, volumes de ensaios críticos, em jornais e revistas antigos. Nestes,
procuramos também publicações e anúncios de venda de
suas
obras; as primeiras se
deram sempre traduzidas para o português, ao passo que os volumes anunciados para
venda,
até o início do século XX, eram edições francesas (como as consultadas por
Lobato)
. O cotejo da versão definitiva de seus textos
– com as quais trabalhamos
9
– e as
traduções brasileiras não ocupará nossa atenção aqui, mas elas são oferecidas nos
anexos, à disposição de futuros pesquisadores que se interessem pelos estudos
tradutológicos,
igualmente
reveladores dos contatos literários. Nesse sentido apontamos
como modelares os estudos de Gloria Carneiro do Amaral, sobre Baudelaire, bem como
os de Onédia Barboza, sobre Byron, e de Gentil Luiz de Faria,
10
sobre Wilde, os quais
contemplam as traduções desses escritores e que apareceram em um momento de forte
presença das leituras comparatistas no Brasil.
Um procedimento de base para o estudo da recepção é definir o período de
recorte para análise. Onédia Barboza delimitou sua pesquisa entre 1832 e 1911, o que se
justifica pelo
corpus
encontrado das traduções de Byron no Brasil; Gentil Luiz de Faria,
entre 1899 e 1930, em que a data de término é explicada pelo fi
m da
belle époque
brasi
-
leira, à qual corresponde o decadentismo em literatura, fenômeno em que se enquadra a
obra de Wilde. Detendo-se na análise das traduções, Onédia chama a atenção sobre a
importância desse material como agente de influência, o que contribuiu para uma
determinada leitura dita
byroniana
, em que o mito do autor está muito mais presente do
que a sua própria obra. Da nossa parte, delimitamos o período entre a data de publicação
dos primeiros livros de Maupassant na França (1880) e de seus textos no Brasil (1884)
até o momento em que sua estética impulsionou uma arte que iria na contra-corrente do
R
ealismo
(portanto, até 1921), ainda que um dos seus principais teóricos tenha se
alimentado de certos princípios seus, antes do advento da Semana
de Arte Moderna.
9
Nossas referências remeterão o leitor sempre à edição da Bibliothèque de la Pléiade, dos contos, das
novelas e dos romances. As crônicas, as cartas, as narrativas de viagem, as peças de teatro e os poemas,
porém, por não serem contemplados por essa coleção, receberão em nota a descrição das diversas
publicações conhecidas.
10
AMARAL, Gloria Carneiro do. Aclimatando Baudelaire. São Paulo: Annablume, 1996 (tese de 1989).
BARBOZA, Onédia. Byron no Brasil: traduções. São Paulo: Ática, 1975 (tese de 1969). FARIA, Gentil
Luis de. A recepção e a influência de Oscar Wilde na Belle Époque literária brasileira: contribuição aos
estudos de lite
ratura comparada no Brasil. São Paulo, 1979. Tese
(Doutorado)
FFLCH
-
USP.
16
Os comentários críticos foram coletados
em
quatro periódicos consultados: os
paulistas
Província de São Paulo, até 1889, depois intitulado O Estado de São Paulo, e
Correio Paulistano; e os fluminenses Gazeta de Noticias
e
Jornal do Comme
rcio
. Em
alguns momentos, faremos referência também a outros documentos não exaustivamente
consultados, como o jornal Commercio de São Paulo e a revista
Fon
-
Fon.
Longe de
atender a questões provincianas, nossa escolha foi guiada pela representatividade des
ses
jornais frente ao público brasileiro do período, pela acessibilidade do material nos
arquivos visitados e também por seu volume, que acabou alterando o projeto inicial,
segundo o qual enfatizaríamos a recepção criativa. Todos os documentos aqui discuti
dos
estão disponíveis nos diversos arquivos visitados, durante a realizão desta pesquisa: na
capital paulistana, os arquivos públicos da Biblioteca Mário de Andrade, o Arquivo do
Estado,
11
a Biblioteca John Kennedy, o Centro Cultural São Paulo e as bibliotecas do
IEB, da FFLCH e da Faculdade de Direito da USP; em Campinas, o Arquivo Edgard
Leurenroth
(AEL); e, no
Rio de Janeiro, a seção de microfilmes da Biblioteca Nacional.
Se a descoberta de um
corpus
extenso, por um lado, tornou viável e relevante
este
estudo, por outro fez-nos reduzir o trabalho com os textos de escritores brasileiros
leitores de Maupassant a um caso exemplar: o de Monteiro Lobato. A diretriz inicial
deste trabalho era a de, a partir de referências históricas, recolhidas pelo estudo da
recepção crítica, estudar a presença de Maupassant entre escritores brasileiros e a
contribuição desse contato literário para a firmação de um modelo de conto em nossa
literatura. As dimensões do trabalho tornaram-se então superiores às desejadas para
a
atual apresentação, exigindo-nos maior tempo para reflexão e estudo dos diversos casos
encontrados. A apresentação que faríamos do contato entre as obras de Raul Pompéia,
Lima Barreto, Viriato Correia, Gastão Cruls, Medeiros e Albuquerque, Ribeiro Couto,
entre outros, será tema de outro trabalho, já em andamento.
A intenção de estudar somente a receão dos contos de Maupassant foi
ultrapassada, em razão do
corpus
encontrado. Apesar d
e
a sua faceta de contista ser a que
permanece até hoje entre nós, mencionado em manuais de teoria do conto, chegou-
nos
quase ao mesmo tempo e quase com a mesma freqüência que o romancista, o dramaturgo
11
É preciso registrar aqui que a
maior parte da consulta foi realizada no Arquivo do Estado, órgão público
que disponibiliza os jornais (em papel ou microfilme) a pesquisadores. Apesar de ser o mais completo da
cidade, apresenta falhas, originais em más condições de leitura e faltam-lhe diversos números nas
coleções, por vezes até um semestre todo de documentação. Por exemplo, por essa razão, não se pôde ter
acesso ao segundo semestre de 1896 e de 1902 do Correio Paulistano. Também o acervo da Biblioteca
Nacional possui falhas, que se reproduzem nos demais acervos, formados a partir desse (AEL). A
Gazeta
de Noticias do ano de 1913 está indisponível à consulta. Assim, ainda que nossa pesquisa pretenda ser
exaustiva, nos termos apresentados, mostra
-
se predisposta a revisões.
17
e o cronista. Por que Maupassant formou contistas, e não uma geração de dramaturgos ou
de romancistas, é uma questão a que pretendemos responder. Adiantamos que a sua
qualidade de narrador (visto que sua poesia, mesmo que lida para esta pesquisa, pratica-
mente não foi conhecida pelos brasileiros dessa geração), de
conteur
(contador e contista
juntos)
, presente até quando desenv
olveu
os outros gêneros e foi lido neles, possa
constituir uma primeira tentativa de resposta a essa questão,
à qual
voltaremos
.
Após um longo tempo empreendido na coleta e
na
seleção do material, que
apresentaremos (em fragmentos) no corpo e (integralmente) nos anexos desta
dissertação, passamos à análise dos documentos, assunto do segundo capítulo deste
trabalho. Nela procuramos reconstruir, nos pontos principais, os caminhos que a nossa
fortuna crítica perseguiu sobre o escritor francês. Tarefa arqueológica que requereu a
busca constante de palavras e de homens de época, em dicionários hoje desprezados
pela sua caducidade e em enciclopédias apagadas das bibliografias mais recentes.
Infelizmente, não dispomos no Brasil dos sistemas suecos de bancos de d
ados,
conforme conhecemos pela leitura de “Contribution à l’étude de la réception de
Maupassant en Suède”,
12
de Hans Färnlöf, para o qual o único trabalho (e o único, de
fato, importante) é o de análise e interpretação do material.
Entre os quatro periódicos consultados, Maupassant nunca ficou mais do que
dois anos e meio sem menções. As referências que comentaremos aqui foram obtidas a
partir da consulta da autora aos jornais mencionados, por meio da leitura dos folhetins,
de artigos esparsos cujo tema
era vinculado à literatura e às representações teatrais e aos
anúncios de teatros e de livrarias. Nosso recorte, ainda que tenha procurado ser o mais
abrangente, é passível de revisões. Além das limitações pessoais, incluem-se as de
ordem prática, uma vez que os acervos consultados possuem falhas. Nem o
corpus
nem
o modo como o leremos são exaustivos. Pretendemos estimular aqui novas buscas, que
seriam enriquecedoras para as discussões da presença do autor no país. Consideramos
nosso
levantamento relevante para um início do debate, mas devemos reconhecer a
possibilidade de ampliá-lo a outros periódicos, de outros Estados inclusive, o que não
fizemos devido ao prazo reduzido de que dispúnhamos. Fica aberto o caminho a novos
estudiosos, também fascinados, mas não temerosos de sucumbir ao encantamento do
autor ou às dificuldades de acesso aos materiais escassos e dispersos.
12
Agradecemos a referência oferecida pela estudiosa de Maupassant, Profa. Brigitte Hervot, da Unesp de
Assis.
FÄRNLÖF, Hans. Contribution à l’étude de la réception de Maupassant en Suède.
XVI
e
Congrès
des Romanistes scandinaves, Copenhague, août 2005, Ed. Michel Olsen. Disponível no site <http://
perso.orange.fr/maupassantiana/Bibliographie/Bibliochronologique.html#2006>
18
Sempre que necessário, comentaremos outros artigos brasileiros posteriores ao
período recortado para análise, que formam a leitura da autora deste trabalho. São
exemplos disso o texto de Otto Maria Carpeaux, mencionado, e o de Leyla Perrone-
Moisés, “Maupassant contador de histórias”.
13
Do mesmo modo, não pudemos deixar
de oferecer o levantamento inicial desta pesquisa, em que se verificou a presença
constante do escritor francês nas histórias da Literatura Brasileira, o que comentamos no
início do capítulo 2.
A metáfora que emprestamos do autor do Horla para o título de nosso trabalho, a
qual será mais explicitada nas conclus
ões
, atende à interpretação que fazemos da
bibliografia teórica deste trabalho. Segundo a atual tendência de estudos em literatura
comparada, resumidos por Sandra Nitrini em
Li
teratura
comparada: história, teoria e
crítica
,
14
a relação de contato entre as literaturas
é de intertexto, de diálogo, de releitura,
de recriação e recreação com o texto de origem, dando-lhe novos sentidos. Assim, de
certo modo, torna o texto de partida posterior ao texto de chegada, que nos faz volta
r
a ele com um olhar armado e considerando que o texto faz sentido pela ação do
leitor. Há, portanto, uma inversão da questão da originalidade (nos dois sentidos, de
origem e de novo), com a qual se procura valorizar tanto o texto assimilado quanto o
novo texto. A afinidade entre os dois é tamanha, que leva a uma proposital irrelevância
da questão cronológica da produção artística, a fim de valorizar o
paralelo proposto.
Leyla Perrone-Moisés, em “Literatura comparada, intertexto e antropofagia”,
15
por meio da aplicação da poética oswaldiana nos estudos literários, oferece-nos uma
leitura apropriada da condição da L
iteratura
Brasileira, a qual nos permite compreendê-
la em termos da sua relação de dependência com as culturas européias e libertarmo-
nos
de seu jugo. No caso específico deste trabalho, procuraremos mostrar como a imagem/
miragem de um escritor francês, cuja produção ideal foi reavaliada ao longo dos
quarenta anos de crítica no Brasil observados nesta dissertação, foi reinterpretada e
aclimatada em um contexto nacional próprio, em que era primordial assentar uma
cultura e princípios estéticos avessos aos estrangeiros.
Assim também se pronunciou Silviano Santiago, que, no seu livro Uma l
iteratu
-
ra nos trópicos
,
se opôs radicalmente aos estudos universitários de fontes e influências.
13
PERRONE
-
MOISÉS, Leyla.
Maupassant, conta
dor de histórias.
Suplemento literário de O Estado de S.
Paulo
, São Paulo, 12
de
dez
embro de
1964.
14
NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica
.
2. ed. São Paulo: Edusp, 2000
.
R
emetemos nossos usos dos termos específicos da área
a es
se trabalho.
15
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura comparada, intertexto e antropofagia. Flores da escrivaninha.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 91
-
99.
19
Tanto em Portugal, quanto no Brasil, no século XIX, a riqueza e o interesse da
literatura não vem tanto de uma
originalidade do modelo
, do arcabouço abstrato
ou dramático do romance ou do poema, mas da
transgressão
que se cria a partir
de um
novo
uso do modelo pedido de empréstimo à cultura dominante. Assim,
a obra de arte organiza-se a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira por
parte do artista que surpreende o
original
em suas limitações, desarticula-o e
rearticula
-o consoante sua visão segunda e meditada da temática apresentada
em primeira mão pela metrópole.
16
Em termos da estética da recepção, consideramos a relevância da leitura
operada por diversos cronistas sobre a atuação de leitores-escritores críticos, que
debateram internamente em suas obras as principais questões inerentes à poética
maupassantiana. O horizonte de expectativa (definido por Jauss
17
como os pressupostos
sob os quais um leitor recebe uma obra e o que espera dela, segundo a sua época) era de
certo modo recortado pelo conhecimento veiculado pelas notícias que aqui circulavam
sobre Maupassant, de que coletamos diversos exemplos, e o discernimento do próprio
leitor, sua experiência pessoal com a leitura literária. Notamos o quanto o sucesso de
Maupassant no Brasil, em uma determinada época, tornou leitores passivos em leitores
ativos. Para percebermos essa dimensão da atuação do texto maupassantiano, acreditamos
ser fundamental o estudo da recepção criativa, por meio da leitura da presença de
Maupassant em Monteiro Lobato,
apenas um, mas relevante caso dessa troca literária. Por
meio desse contista à Maupassant como a partir de Aderbal de Carvalho se
convencionou dizer sob o ponto de vista da estética da receão de Jauss, buscaremos
fazer um estudo comparativo e contra
stivo das soluções oferecidas por Lobato ao formato
do conto maupassantiano, uma leitura renovada pelo olhar do contista brasileiro em sua
projeção sobre a estética do escritor francês. Desse modo, nossa proposta é a de reler
Maupassant segundo um recorte teórico e estético brasileiro, o que nos remete em
contrapartida a uma compreensão da produção crítica e literária brasileira desse período.
Queremos demonstrar, por essa metodologia, o quão rico torna-se esse
diálogo
entre
as letras francesas e brasileira
s, abrindo novas interpretações a uma parte significativa,
mas não tão conhecida, da obra de diferentes esc
ritores brasileiros e de
Maupassant.
16
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 2000, p. 56
.
A primeira edição é de 1978.
17
JAUSS, Hans Robert. Pour une esthétique de la réception. Trad. Claude Maillard. Pref. Jean Starobinski.
Paris: Gallimard, 1978. Para uma visada dos rumos da estética da receão após Jauss, cf. ZILBERMAN,
Regina.
Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989; e JOUVE, Vincent. A leitura
.
Trad. Brigitte Hervot. São Paulo: Ed. Unesp, 2002. Os dois últimos livros oferecem um resumo muito claro
das propostas da estética da recepção de Jauss e das tendências críticas que revalorizaram a leitura literária
após ele, como as propostas de Roman Ingarden, Wolfgang Iser, Umberto Eco, entre outros.
20
Remanescente dos estudos de história literária e mudando o foco do estudo
estruturalista do texto para a relação deste com o público, a estética da recepção de
Jauss procura conciliar os aspectos estético e histórico do texto literário, suas leituras e
significações ao longo do tempo e do espaço. Estuda as diferentes relações, expressas
nas próprias obras, com os diversos públicos, segundo os variados horizontes de expec-
tativa observados. Seu procedimento de estudo é hermenêutico, “porque coincide com a
recuperação da pergunta do público por meio da análise da resposta, que é o texto”.
18
De fato, como ciência interd
isciplinar,
19
a estética da recepção alude muitas
vezes a teorias psicológicas, sociológicas, da comunicação e à história literária, visando
a uma nova compreensão da relação autor–
obra
–público. Entretanto, como uma das
matérias da literatura comparada, não perde de vista a especificidade do texto literário,
fundando nela a base de sua teoria. Tendo por pressuposto que a linguagem literária é
plurissignificativa e que, portanto, sendo a obra literária inacabada, cada nova leitura
acrescenta elementos à anterior, a estética da receão pros uma mudança do
paradigma comparativista. A passagem do conceito de influência ao de recepção,
resumida
em diversos dos manuais consultados para este trabalho,
20
reflete essa diferença.
O uso do primeiro envolvia uma compreensão passiva do contato literário, com uma
marcada valorização da fonte sobre o receptor; a proposta da estética da recepção veio a
inverter os papéis, colocando a tônica sobre a atividade (não passiva, portanto) de receber.
Deixa de importar quem disse primeiro, e o critério de originalidade se inverte, pois
i
nteress
a saber
como
foi
di
to
por último.
21
Pretendemos, dessa maneira, reunir argumentos para uma compreeno da
primeira recepção d
e
Maupassant
na França e no Brasil, a qual irradiou uma percepção
do
autor permanente até hoje
por aqui
a de contista modelar
, que se justifica também pelo
conhecimento das
s
uas obras em outros gêneros
romance, teatro, crônica. Procuraremos
contrastar o tipo de parecer crítico realizado no Brasil e na França, onde, contrariamente,
por muito tempo, o escritor foi visto como secundário, contra o que muitos estudiosos se
empenham atualmente. Na medida do possível, buscaremos algumas explicações para a
diferença da valorização do gênero conto nas duas literaturas no pe
ríodo em discussão.
18
ZILBERMAN. Op. cit., p. 37.
19
CHEVREL, Yves. Les études de réception. In: BRUNEL, P
ierre;
CHEVREL, Yves (Org.). Précis de
littérature comparée.
Paris: PUF, 1989, p. 212
-
213.
20
Além dos citados, BRUNEL, Pierre; PICHOIS, Claude; ROUSSEAU, André-
Michel.
Qu’est
-ce que
la littérature comparée?
2. ed. Paris: Armand Colin, 2000.
21
Günther Grimm propõe o seguinte impasse a ser resolvido pelo estudioso da recepção: “como por que
quem lê o quê?”. Apud ZILBERMAN, Regina. Op. cit., p. 104.
21
C
APÍTULO 1
Apresentação d
a obra e da fortuna crítica de
Maupassant
[...] je crois tous les
principes
littéraires inutiles. L’oeuvre seule
vaut quelque chose, quelle que soit la méthode du romancier.
[...] les discussions ont cela d’excellent qu’elles peuvent servir
à expliquer les oeuvres et faire comprendre la légitimité des
revendications artistiques, le droit de chaque littérateur de
comprendre l’art à sa façon, du moment qu’il est doué
d’assez
de talent pour imposer
sa
manière de voir.
1
Esta primeira parte não pretende propriamente sintetizar a obra do autor, para
cuja leitura direta remeteremos sempre o leitor, ainda que algumas vezes lancemos mão
do resumo crítico de alguns textos. Nossa intenção é ampliar previamente a discussão
que se fará dos come
ntários brasileiros na imprensa, oferecendo aqui o repertório crítico
com que trabalharemos e a leitura que faz
emos
da obra maupassantiana
.
A fim de inserir as principais questões internas às várias faces da obra de
Maupassant que foram
mencionad
as ou, por alguma razão especial, ignoradas por esses
primeiros críticos brasileiros, ora as apresentamos em
nove
pequenos capítulos. Os sete
primeiros abordam os gêneros textuais a que Maupassant se dedicou (poesia, teatro,
carta, crônica, narrativa de viagem,
roma
nce, conto e novela). Em seguida, apresenta-
mos dois pequenos estudos sobre a recepção do escritor na França e fora dela.
1. A poesia
O teatro e a poesia foram os primeiros gêneros literários a que Guy de Maupassant
se dedicou. Desde pelo menos 1868
,
2
ele já escrevia poemas narrativos, em geral voltados
para a temática amorosa, não raro entremeados de diálogos e cuja forma é na maioria das
vezes cssica, em versos alexandrinos. Uma pequena parte desses poemas, que ele
considerava obras de um homem que reflete, foi reunida no volume de estréia do autor,
Des vers, de 1880, dedicado a Gustave Flaubert, mas outros ficaram ainda dispersos, aos
quais pudemos ter acesso em novas edições especializadas no autor.
3
A poesia de
1
MAUPASSANT, Guy de.
Chroniques
. Dir. Gérard Delaisement. Paris
: É
ditions Rive Droite, 2003, t. 1, p. 476.
2
As referências às datas foram localizadas e confirmadas na cronologia estabelecida por LECLERC,
Yvan. Chronologie.
Magazine Littéraire
, n. 310,
Paris, mai 1993, p. 16
-
27.
3
Além dos 19 poemas de
Des
vers, Emmanuel Vincent inclui mais 46, nesta que é a edição ma
is
completa dos poemas do autor.
MAUPASSANT
, Guy de. Des vers et autres poèmes. Pref. Louis
Forestier. Dir. Emmanuel Vincent. Rouen: Publications de l'Université de Rouen n°309, 2001, 474 p.
22
Maupassant recebeu o incentivo de Louis Bouilhet, poeta morto em 1869, amigo tamm
de Flaubert. A redão nesse gênero logo seria abandonada por Maupassant, sobretudo a
partir de 1880, quando começou a escrever e publicar seus contos com maior freqüência.
também uma justificativa da mãe de Maupassant, Laure, de que ele teria deixado a
poesia para se dedicar à prosa devido à morte do primeiro mestre e
à
influência literária, de
maior peso, do segundo: “
Si Bouilhet eût vécu, il eût fait de Maupassant un poète [...] C’est
Flaubert qui a fait de lui un romancier
.”
4
Apesar de qualquer regência, não seria nem a
poesia nem o romance, no entanto, que manteriam nosso autor no cânone internacional.
O sucesso desse primeiro volume foi significativo. Em uma época em que a
maioria dos escritores debutava com livros de poemas, o seu era considerado mais
do
que um livro de estréia.
5
A pouca importância que lhe é atribuída hoje deve ser
relativizada. Deixando de lado os juízos de valor, o mais significativo da leitura desses
poemas, assim como de sua obra teatral, é notar nas primeiras tentativas literárias de
Maupassant já a presença de certas obsessões, que se aprimorariam no gênero maior que
o consagrou, a prosa. Não pretendemos aqui, portanto, analisar a poesia de Maupassant,
mas sim mostrar esses
elementos que seriam retrabalhados por ele em seus contos, parte
de sua obra que mais nos interessa, em termos de sua recepção no Brasil.
Observa
-se freqüentemente em seus poemas, além da temática recorrente do
amor ou da desilusão amorosa, tendo ao fundo uma paisagem natural, o uso de palavras
como
soudain,
tout à coup,
6
o que insere nos poemas uma situação de reviravolta, tal
como ocorre na maioria de seus contos, que surpreendem o leitor com o inusitado.
Aliás, a marca mais evidente desses poemas é o enredo que se lhes pode depreender,
uma vez que são em grande parte narrativos. A natureza é descrita com bastante lirismo,
mas não é vista romanticamente; em “Fin d’amour”, por exemplo, enquanto o rapaz se
prepara para deixar de vez a sua amante e ela sofre com o fim do relacionamento, todos
os animais estão aos pares, gozando o amor (“L’Amour était partout comme une grande
Seguiremos os comentários a partir da edição Oeuvres complètes. Des vers. Paris: Louis Conard, 1908.
Exemplar disponível na Biblioteca da FFLCH-USP. A primeira publicação de muitos desses poemas
ocorreu nas revistas République des Lettres
,
Revue Moderne et Naturaliste
,
Annales Politiques et
Littéraires
e no
Le Gaulois
,
a partir de 1876, sob o pseudônimo de Guy de Valmont.
4
Apud TROYAT, Henri.
Maupassant
. Paris: Flammarion, 1989, p. 31.
5
A respeito da recepção de Des vers, ler DELAISEMENT, Gérard. Maupassant, poète en vers et en
prose.
Maupassant 2000
. Bulletin Flaubert
-
Maupassant, n. 9, 2001, p. 131
-
141.
6
Fizemos uma contabilização despretensiosa e encontramos em vários poemas esses dois termos.
Ver,
por exemplo, os poemas: “Le mur” (v. 68 e 115), “Un coup de soleil” (v. 12 e 18), “Une conquête” (v. 5,
76, 114), “Envoi d’amour” (v. 24), “Vénus rustique” (parte VI).
MAUPASSANT.
Oeuvres complètes.
Des vers
. Paris: Louis Conard, 1908
.
23
fête
”, v. 59), de modo que a moça constata: “Amour! l’homme est trop bas pour jamais
te comprendre!
” (v. 113).
Podemos ainda depreender os temas mais recorrentes nos poemas do volume,
muitas vezes misturados em uma mesma peça: o amor sensual, às vezes até obsceno
conferir “Au bord de l’eau, pelo qual Maupassant foi alvo de um processo no tribunal de
Étampes
7
–, nestes é freqüente o ter
mo
frisson
(e seus derivados) para definir a sensação
amorosa; a despedida de um amor, terminado por uma das partes (o já mencionado Fin
d’amour, “Sonnet); a passante que desperta o desejo do poeta (“Une conquête”,
“Désirs); as nuances do amor que culminam com a morte (“Un coup de soleil”, “Au bord
de l’eau, “La dernière escapade, “Vénus rustique”); o medo fantástico do desconhecido
(“Terreur”); a ironia do amante contra o marido oficial (“Sommation”); as conversas de rua
ou
vidas pelo eu
-
lírico, verso
s em que faz uma crítica à
bêtise humaine
(“Propos de rues”).
Notamos já pela leitura dos poemas o interesse de Maupassant pelos temas da
sedução, do fantástico e da crítica à burguesia, que permeiam muitos dos seus contos. A
mulher passante, moralmente livre, com quem o poeta cruza na rua e mantém
relacionamento foi particularmente apontada nos contos e romances de Maupassant por
Pierre Bayard, em seu livro Maupassant juste avant Freud.
8
É curioso notar que em
seus poemas a mulher retratada é em geral a
ma
îtresse
, ou a amante, que atrai pela
beleza, pelo perfume, mas que permanece incompreendida pelo poeta. O amor é quase
sempre interdito socialmente, seja pelas famílias dos jovens, seja pelo casamento.
Fato é que, grande leitor de poetas do XIX, como Pöe, Baudelaire, Rimbaud,
Hugo, conforme se vê nas
c
rônicas e narrativas de viagem em que ele os cita, Maupassant
abandonara a forma literária do poema, mas não deixou de lado o trabalho com a
poeticidade em sua prosa. Tendo exercitado nesses poemas as questões que o ocupariam
nos textos narrativos, um estudioso de Maupassant não pode ignorar essa parte de sua
obra, à qual ele se dedicou durante seus primeiros anos. Além do exercício literário, as
principais questões estéticas debatidas por Maupassant no precio “Le romanforam
entrevistas na poética de Poe, no ensaio “The Philosophy of composition” e recuperada
7
A
lettre
-
préface
de Flaubert, incluída na edição consultada, serviu à defesa desse processo, o qual não
foi adiante graças à carta. MAUPASSANT. Op. cit., p. XXVII-XXXII. Ver também as correspondências
trocadas pelos dois escritores em fevereiro de 1880, em torno do processo: FLAUBERT, Gustave.
Correspondance
. Paris: Louis Conard, 1930, v. VIII, p. 384-385, 392-400.
MAUPASSANT.
Corresponda
nce à Gustave Flaubert. Disponível no site: <http://maupassant.free.fr>.
8
BAYARD, Pierre. Maupassant, juste avant Freud. Paris: Les Éditions de Minuit, 1994. O tema da
passante é abordado por Bayard entre outros assuntos vinculados a uma abordagem psicanalítica em
Maupassant. Nesse livro, compara
-
se “ce que Freud a dit à ce que Maupassant n’a jamais dit” (p. 222) nos
termos psicanalíticos, mas já prenunciava em seus textos.
24
por
meio de Baudelaire, ao discutir os contos do escritor americano.
9
A busca de um
efeito, para o qual a narrativa converge, e a defesa dos princípios poéticos simbolistas
subjazem às discuses estéticas do nosso autor. Independente da forma literária
escolhida, alguns princípios de nosso autor provieram da reflexão sobre a poesia.
2. O t
eatro
Também nas peças de teatro de Maupassant, como n
os poemas vistos, a temática
do amor infiel aparece, aliad
a a uma irônica crítica social da
burguesia.
Histoire du vieux temps, sua primeira peça em versos alexandrinos, finalizada
em 1874 e encenada pela primeira vez em 1879 (representada postumamente na
Comédie Française, em 1899), apresenta-se sob a forma de um diálogo entre um conde
e uma marquesa, ambos em idade avançada, um pouco deprimidos pelo tempo e pelas
lembranças. Ao início dessa conversa, a marquesa, como diversas personagens dos
contos de Maupassant, pede ao conde que lhe conte uma história vivenciada, de amor
galante. Há aqui também, portanto, histórias em
mise en abyme
(como ocorre em
grand
e
parte
das narrativas curtas). O conde conta algumas, até surpreendê-la com uma que lhe
diz respeito: sem que nenhum deles tivesse se dado conta, ele fora o seu primeiro amor,
quando ela tinha dezesseis anos, e que a deixou à espera por toda a juventude. O
contraste da visão feminina e masculina do amor, nas falas do conde e da marquesa
sobre a mulher, ca
racterizam um tipo de observação a que o autor voltaria em toda a sua
produção, muitas vezes avaliada simplesmente como machista (até misógina) e pessi-
mista, mas que traduz uma leitura social da mulher parisiense do fim do século XIX.
A segunda experiência teatral de Maupassant foi
feit
a em colaboração com
outros colegas, em 1875.
À la feuille de rose
: m
aison turque
é uma peça “absolutamente
lúbrica”, na definição do autor, que ultimamente foi republicada.
10
A edição das
obras teatrais a que tivemos acesso, porém, não traz À la feuille de r
ose
nem
La
9
Baudelaire, em texto sobre Pöe, de quem traduziu as Histoires extraordinaires, sintetiza seus princípios
poéticos, dados no ensaio sobre “O corvo”, “The Philosophy of composition”: “L’artiste, s’il est habile,
n’accomodera pas ses pensées aux incidents, mais, ayant conçu délibérement, à loisir, un effet à produire,
incitera les incidents, combinera les événements les plus propres à amener l’effet voulu. Si la première
phrase n’est pas écrite en vue de préparer cette impression finale, l’oeuvre est manquée dès le début. Dans la
composition tout entière, il ne doit pas se glisser un seul mot qui ne soit une intention, qui ne tendra,
directement ou indirectement à parfaire le dessein prédité.” BAUDELAIRE, Charles. L’oeuvre de
Baudelaire
. Paris: Le Club Français du Livre, 1955, p. 1369. Veremos adiante o quanto Maupassant retoma
esses p
rincípios, juntando
-
os aos de Flaubert e dando a sua própria visão poética, em “Le roman”.
10
Em 1984, pela Encre, e em 2000, pela Flammarion, segundo a bibliografia do autor dada no site
<
http://maupassant.free.fr/
>, estabelecida pela estudiosa do autor No
ëlle Benhamou.
25
comtesse de Béthune (também chamada La trahison de la comtesse de Rhune
),
justificando que não ofereceriam interesse, uma vez que são tentativas da juventude do
autor.
11
Por outro lado, é possível que o caráter pornográfico de À la feuille de r
ose
tenha impedido, ainda em 1910, essa publicação.
A intenção desse texto era a diversão do grupo e principalmente dos mestres
Flaubert e Zola, a cuja primeira e única encenação assistiram, quando o próprio
Maupassant
representou uma prostituta.
12
Conforme se vê, o tom naturalista libidinoso
interessava ao grupo ao qual Maupassant inicialmente se ligara. Os temas ali discutidos
seriam retomados,
de outro modo
, como veremos
, mas já estabelecidos no rol do autor.
Todos os dramas de Maupassant parecem dedicados à sátira social.
Une
répétition
, de 1875, é uma comédia em verso que ironiza a figura do marido traído.
Trata
-
se de uma peça dentro da outra (
mise en abyme
), em que um jovem vem à casa de
sua coadjuvante, Mme. Destournelles, para ensaiar. O amor platônico que o rapaz nutre
por ela vem a ser
anunci
ado ali, diante do dono da casa e marido, M. Destournelles. No
entanto, este pensa que a confissão faz parte do texto encenado, numa confusão geral
entre representação e realidade. O que há a remarcar nessa peça de Maupassant é
justamente o jogo feito com a metalinguagem cênica. Com esse procedimento, o
discurso inicial de resignação feminina ao casamento é dado por vencido pela esposa,
uma vez que ela sai triunfante de cena, enganando o marido. A conclusão é de que
“toute femme [...] est actrice dans l’âme”, o que parece mais uma opinião do próprio
Maupassant nas suas buscas em definir o universo feminino. Tal comédia não foi aceita
para encenação na época e a desilusão causada ao autor o fez confessar que não se
dedicaria mais ao drama
(naquele momento)
.
13
A próxima peça de Maupassant seria escrita, e desta vez representada, em
1891.
Musotte
é uma espécie de drama burguês, uma tragicomédia familiar em três atos.
Primeira peça em prosa, feita em co-autoria com Jacques Normand, trata-se da
adaptação por Maupassant de um conto seu, “L’Enfant” (de Clair de lune). A peça foi
ded
icada ao amigo Alexandre Dumas Filho e teve muito sucesso. A discussão sobre a
atuação de Normand que parece ter sido principal, e não paralela e a repercussão
dela na França e no Brasil, veremos no capítulo 2, quando discutiremos os textos
críticos da época.
11
MAUPASSANT.
Oeuvres complètes.
Théâtre
. Paris: Louis Conard, 1910, p. 246.
12
LECLERC, Yvan. Op. cit., p. 20.
13
MAUPASSANT.
Op. cit.
, p. 23.
26
em
Musotte
uma ação concentrada em um único dia, mas em dois planos o
lar de M. de Petitpré e o quarto da modelo e antiga
maîtresse
de Jean de Martinel, a
Musotte. Essa ação, em traços gerais, segue o enredo do conto “L’enfant”: no dia do
casamento
,
o noivo recebe uma carta (elemento desencadeador do
coup de théâtre
, clás
-
sico dos romances realistas), a qual o obriga a abandonar
a esposa
, por algumas horas, a
fim de trocar as últimas palavras com a antiga amante, modelo, com quem havia
rompido e que está prestes a morrer, não sem antes lhe revelar o filho recém
-
nascido.
Mas são justamente os traços distintivos entre o conto e a adaptação para o teatro
que reforçam alguns dos elementos mais marcantes da poética do
autor
. A ironia contra a
burguesia e o espírito livre de Léon (irmão da noiva Gilberte e amigo do noivo),
personagem ausente em “L’enfant”, muito contribuem para o humor do texto. As
personagens são muito bem caracterizadas, algumas chegam ao esboço de tipos do quadro
familiar, como a tia mal-amada, o pai advogado e correto (que põe em discussão o tema
do divórcio, controverso na época) e a
modelo
que morre por amor. O conto, por sua vez,
oferece outra sorte de detalhes, caros a essa forma literária em Maupassant, como o
coup
de foudre de Jacques Bourdillère (no papel do noivo), na praia, ao ver sua futura noiva,
Berthe Lannis, sair da água (mais uma passante). No conto, a relação com a amante
anterior não representa um relacionamento amigável, nem é esta tão digna quanto
Musotte, e sua caracterização não alcança o patético nem a amizade do leitor/espectador
como veremos nas representações comentadas pelos cronistas brasileiros. A descrição da
amante à beira da morte é muito mais brutalizada, sanguinolenta, o que difere em muito
da versão teatral, em que a morte também é dada em cena, mas quase como um suspiro.
Os temas de intriga do
méstica e o recurso do
coup de théâtre
, freqüente em grande
parte dos contos de Maupassant, os tornam passíveis de adaptação. contos como “Au
bord du lit” (1883, do volume Monsieur Parent), adaptado para o teatro também no
Brasil,
14
que traduz em sua forma o
sketch
do drama, com as
instruções
para o diretor
(aqui
, a descrição do narrador sobre o tempo e o espaço) destacadas do texto, em itálico.
Esse diálogo de “Au bord du lit” é retomado quase por inteiro na peça em prosa
La paix
du ménage
, escrita em 1888
15
e representada em 1893 na Comédie Française.
nessa comédia de costumes a representação do casamento de aparências:
marido e mulher mantêm de comum acordo relacionamentos extraconjugais, mas é
14
Pelo grupo Tapa, na produção intitulada Contos de sedução (adaptação e texto de J. E. Amacker), a
qual ficou em cartaz entre os anos de 2001 e 2002, em São Paulo, e permanece viajando pelo país.
15
MAUPASSANT.
Contes et nouvelles
.
Paris: Gallimard, 1974. (Bibliothèque de la Pléiade),
t. I, p. 1598.
27
conveniente m
ostra
r para a sociedade, e financeiramente para ambos, a “paix du
ménage
”. Põe-se em pauta de novo, portanto, uma discussão da época sobre o
casamento e há uma ironia fina do autor sobre as conveniências burguesas. Nas palavras
de Mme. de Sallus, a esposa que quase põe tais regras a perder, o casamento é um
direito, “un titre de possession” adquirido pelo marido, “une association d’intérêts, un
lien social”, em que o amor e o afeto não têm lugar e, tirante matar a esposa, o marido
tudo pode. O que existe em comum entre o final do primeiro ato e o conto “Au bord du
lit” é a proposta ardilosa da esposa para servir de
amante
do marido, em troca do
dinheiro que ele daria à melhor das suas amantes. Essa situação surpreendente para o
marido acaba diferente em cada uma das obras: no conto, a mulher pega o dinheiro; na
peça, ela se recusa a dormir com M. de Sallus e joga-lhe a quantia na cara. O interesse
do marido da peça (ficamos sabendo ao ler o segundo ato) não era de reestabelecer o
contato com ela, mas de manter o status quo matrimonial, deixando o caminho livre
para a liberdade moral da esposa. No fim do drama, M. de Sallus sai para ver sua
amante
,
enquanto deixa jantando com sua esposa o amante dela.
Nosso interesse ao ler essas obras, pouco comentadas e muito menos acessíveis
ao grande público,
leva
-nos
a
compreender a evolução artística do escritor. Elas também
nos oferecem, conforme dito, um rico material para a discussão de temas polêmicos da
estética maupassantiana, como o divórcio e a liberdade feminina, e de formas recor-
rentes, como a estrutura enquadrada e o cruzamento de diversos níveis diegéticos, sob
os quais se oculta o autor, oferecendo maior grau de verossimilhança aos seus textos.
3. A correspondência
A leitura da correspondência de Maupassant fornece-nos uma série de
informações sobre a sua evolução artística, bem como sobre os contatos e as questões
literárias que o ocupavam em vários momentos de sua vida. O aspecto principal dessa
parte de sua obra é o desvelamento de certas opiniões do autor, reveladas confidencial-
mente aos seus destinatários, ao passo que certas rivalidades e determinadas reflexões
eram por vezes ocultadas em seus artigos públicos, em suas crônicas ou nas cartas
endereçadas aos mesmos.
16
Comentaremos aqui algumas passagens dessa vasta
16
Apenas a título de comparação, veja-se a diferente apresentação que Maupassant faz de Zola nas cartas
a este, nas cartas sobre ele destinadas a Flaubert e nas crônicas. Da mesma forma, nas cartas a Edmond de
Goncourt, o qual é sempre chamado “mon cher maître et ami”, fica oculta a rivalidade pessoal entre
ambos, sobre o que falaremos adiante.
28
produção, as quais serão discutid
as ao longo deste trabalho, por meio da sua repercussão
no Brasil. Entre os seus correspondentes mais assíduos estão: a mãe, Laure Le Poitevin
de Maupassant; Gustave Flaubert; Émile Zola; o médico Henry Cazalis; o editor Victor
Havard; amigas do autor e outros parentes. Estes contatos mais pessoais não nos
ocuparão aqui, visto que pouco interessam aos estudos literários.
Algumas cartas de Guy de Maupassant trocadas com a mãe e confidente revelam
algumas informações sobre seus procedimentos de criação literária. Exemplo disso é a
carta escrita de Paris, no dia 30 de outubro de 1874:
Essaye donc de me trouver des sujets de nouvelles. Dans le jour, au Ministère, je
pourrai y travailler un peu. Car mes pièces me prennent toutes mes soirées et
j’essayerai de
les faire passer dans u
n
journal quelconque.
17
Entre
outr
as cartas familiares, pouco a se comentar aqui, senão as
informações que se podem extrair sobre as publicações em vista do
escrit
or. Por
exemplo, em 26 de novembro de 1874, anuncia
também a
Laure
a possível
apresentação
de
Histoire du vieux temps no teatro Odéon e, na mesma carta, resume o enredo de uma
comédia em um ato que ele pretendia escrever. Em 1875,
trat
a da produção de uma
história de remadores, tiradas de experiências pessoais do autor, e envia à mãe a peça
“absolument lubrique”
18
À la feuille de r
ose
. Em 6 de outubro de 1875, conta à mãe
como vai a redação da novela
Le Docteur Héraclius Gloss
, da peça
Une répétiton
e de
outros contos em projeto:
Je ne sais pas absolument de quelle façon arranger mon chapitre de la bonne et du
singe dans
Héraclius
et je suis très embarrassé. Je commence ma comédie
Une
Répétition
et aussitôt qu’elle sera finie je ferai, en même temps que mes nouvelles
de canotage, une série de nouvelles intitulées Grandes Misères des Petites Gens.
J’ai déjà six sujets que je crois très bien. Par exemple ce n’est pas gai.
19
Parece
-nos realmente que era à sua mãe, mais que a Flaubert, que o escritor
revelava por carta as suas dificuldades estéticas. Em 1877, trata da redação de um
romance, o qual, segundo críticos citados por Louis Forestier, não deve ser
Une vie
, mas
sim algum outro que jamais publicou.
20
17
MAUPASSANT, Guy de. Correspondance inédite
.
Recueillie et présentée par Artine Artinian. Paris:
Éd
itions Dominique Wapler, [1951], p. 14.
18
Idem, p. 28.
19
Idem, p. 33.
20
Not
as
de Louis Forestier. In: MAUPASSANT, Guy
de.
Romans
. Paris: Gallimard, 1987, p. 1230
-
1231.
29
Je travaille en ce moment beaucoup à mon roman. Mais c’est rudement difficile,
surtout pour la mise en place de chaque chose et des transitions. Enfin, dans quatre
ou cinq mois je serai bien avancé.
21
A leitura das cartas trocadas com Flaubert nos permite uma compreensão maior
do contato desses dois autores, o que já a obra artística de Maupassant nos deixa
entrever.
Se esse contato foi decisivo para a iniciação pública do nosso escritor, não
justifica a sua qualidade literária intrínseca. Emitidas entre 1873 e 1880 (nesse ano, em
maio, morre Flaubert),
22
as cartas traduzem a relação estabelecida entre o discípulo e o
mestre, como Maupassant gostava de denominar a ambos, que se iniciou em 1872, por
recomendação da mãe de Maupassant, a qual, como o irmão poeta, Alfred Le Poitevin,
era amiga de infância de Flaubert.
23
Por esse tempo, Maupassant traçava seus
primeiros versos, os quais nada diziam ainda do seu talento, na opinião de Flaubert.
Este, porém, incentivaria sempre o jovem escritor a encontrar a sua veia artística, seja
em cartas a Laure, seja ao próprio Maupassant:
[...] il faut encourager ton fils dans le goût qu’il a pour les vers, parce que c’est une
noble passion, parce que les lettres consolent de bien des infortunes et parce qu’
il
aura
peut
-
être du talent
: qui sait
? Il n’a pas jusqu’
à présent assez produit pour que je
me permette de tirer son horoscope po
étique
; et puis à qui est-il permis de décider
de l
avenir d
un homme?
Je crois notre jeune garçon un peu flâneur et médiocrement âpre au travail. Je
voudrais lui voir entreprendre une oeuvre de longue haleine, fût-elle détestable. Ce
qu’il m’a montvaut bien tout ce qu’on imprime chez les
Parnassiens
...
Avec le
temps, il gagnera de loriginalité, une manre individuelle de voir et de sentir (car tout
est là); pour ce qui est du résultat, du succès, qu’importe! Le principal en ce monde est
de tenir son âme dans une région haute, loin des fanges bourgeoises et mocratiques.
Le culte de l’Art donne de l’orgueil; on n’en a jamais trop. Telle est ma morale.
24
Nos primeiros anos, entre 1876 a 1878, os assuntos dividem-se entre os contatos
editoriais arranjados por Flaubert para as primeiras crônicas, estudos e poemas de
Maupassant e
os
agradecimentos deste. Mas desde nosso autor deixa ver algumas
21
MAUPASSANT, Guy de.
Correspondance inédite
. Op. cit, p. 34.
22
Maupassant escreveu cerca de cinqüenta cartas e Flaubert, em resposta, noventa. Uma edição crítica
desse material foi feita por Yvan Leclerc, pela editora Flammarion, infelizmente esgotada e disponível
somente em arquivos franceses. Pela dificuldade de acesso a essa edição, d
amos
como referência
as
seguintes: FLAUBERT, Gustave.
Correspondance
.
Op. cit., v. VI, VII, VIII e IX; e MAUPASSANT.
Corr
espondance a Gustave Flaubert. Disponível no site <http://
maupassant.free.fr>.
23
Lemos tamm as cinco cartas de Laure a Flaubert, escritas entre 1866 e 1878. Estas revelam grande
intimidade entre a e e o mestre, de modo que se seguem pedidos de apoio e indicações para a imero de
Maupassant no meio literário. Apesar de sempre afável, Flaubert deixa o tempo responder à pergunta materna
da carta de 1873, se o filho tinha ou o vocação literia. Ao que veremos, só em 1880, com Boule de Suif
,
Flaubert se certifica do sim. “Lettres de Madame Laure de Maupassant à Gustave Flaubert”. In:
MAUPASSANT, Guy de.
Oeuvres complètes. Des vers
.
Op. cit.
, p. IX
-
XXIII.
24
Carta de Flaubert a Laure, de Paris, 23 de fevereiro de 1873.
Disponível no site mencionado acim
a.
30
convicções de jovem escritor contra os meios de publicação: “Or je vois par mes yeux,
je juge par ma raison et je ne dirai point que ce qui est blanc est noir, parce que c’est
l’avis d’un autre
.”
25
As cartas também servirão, até 1880, para agendar as visitas à casa do mestre,
trocar informações sobre outros escritores, amigos e o meio editorial, dar notícias de
Laure, informar sobre a região normanda ou sobre obras menos difundidas que
serviriam à redação de
Bouvard et Pécuchet
. Por sua vez, Maupassant pede a opinião ao
amigo sobre seus textos: em 1878, falam de “Vénus rustique” e La trahison de la
comtesse de Rhune; em 1879, Histoire du vieux temps; em 1880, comentam os poemas
de
Des vers, alguns elogiados (como “Le mur”), outros com grandes ressalvas de
Flaubert (como “Désirs”) e também do “chef d’oeuvre”, nas palavras do mestre,
Boule
de Suif
, profetizado por est
e a perdurar (ver carta de 1
o
. de fevereiro de 1880, a partir da
qual Flaubert
tutoie
o discípulo)
.
A vida de funcionário público, levada por Maupassant entre 1878 e 1880, é
muitas vezes tema para a lamentação. Flaubert ocupa o papel paternal de amigo mais
velho e escritor experiente e lança diversos conselhos, sobretudo sobre a vida boêmia de
Maupassant e a necessidade de dedicação do artista. Registramos as passagens seguintes
da carta de Maupassant a Flaubert, de 3 de agosto de 1878, e a resposta de Flaubert, de
15 do mesmo mês, para fazer notar o grau de intimidade entre ambos e o que os
conselhos, aparentemente morais, dizem no fundo da estética que
ele
s defendiam:
[...] Je suis en ce moment en grande correspondance avec Mme Brainne, qui
prend les eaux de Plombières. Elle m’envoie des encouragements, des
exhortations à la patience et à la gaieté. Malheureusement, je n
en profite guère.
Je ne comprends plus qu’un mot de la langue française, parce qu’il exprime le
changement, la transformation éternelle des meilleures choses et la désillusion
avec énergie, c
est: merde.
Le cul des femmes est monotone comme l’esprit des hommes. Je trouve que les
événements ne sont pas variés, que les vices sont bien mesquins, et qu’il n’y a
pas assez de tournures de p
hrases.
Je vous serre les mains et je vous embrasse, mon cher Maître.
Eis
a
resposta de Flaubert
, doze dias depois:
Vous vous plaignez du cul des femmes qui est “monotone”. Il y a un remède bien
simple, c’est de ne pas vous en servir. “Les événements ne sont pas variés.” Cela
est une plainte réaliste, et d’ailleurs qu’en savez-vous? Il s’agit de les regarder de
plus près. Avez-vous jamais cru à l’existence des choses? Est-ce que tout n’est
25
Nessa passagem da carta a Flaubert, de 8 de janeiro de 1877, ataca o periódico La Nation
,
“cette feuille
est radicalement imbécile, c’est le royaume des préjugés et du convenu, toute chose nouvelle les
effarouchera comme idée et comme forme.
.
Disponí
vel no site
: <http://maupassant.free.fr>.
31
pas une illusion? Il n’y a pas de vrai que les “rapports”, c’est-à-dire la façon dont
nous percevons les objets. “Les vices sont mesquins”, mais tout est mesquin! “Il
n’y a pas assez de tournures de phrases!”
Cherchez et vous trouverez.
Enfin, mon cher ami, vous m’avez l’air bien embêté et votre ennui m’afflige,
car vous pourriez employer plus agréablement votre temps. Il
faut,
entendez
-
vous, jeune homme, il
faut
travailler plus que ça. J’arrive à vous soupçonner
d’être légèrement caleux. Trop de p...! trop de canotage! trop d’exercice! Oui,
monsieur! Le civilisé n’a pas tant besoin de locomotion que prétendent
messieurs les médecins. Vous êtes pour faire des vers, faites-en! “Tout le
reste est vain”, à commencer par vos plaisirs et votre santé; f... vous cela dans la
boule. D’ailleurs votre santé se trouvera bien de suivre votre vocation. Cette
remarque est d’une philosophie, ou plutôt d’une hygiène profonde.
Vous vivez dans un enfer de m..., je le sais, et je vous plains du fond de mon
coeur. Mais de 5 heures du soir à 10 heures du matin tout votre temps peut être
cons
acré à la muse, laquelle est encore la meilleure garce.
[...]
26
Em outra carta, Flaubert o aconselhava justamente a se moderar no que se
considerava uma vida distante da conveniente ao homem de letras: “Un homme qui
s’est institué artiste n’a plus le
droit de vivre comme les autres.
27
Se, por um lado, este
s
conselhos vieram em um momento precioso de definição do escritor fazendo
transparecer
-lhe certa fragilidade pessoal –, o qual, a partir de 1881, abandonaria de vez
o emprego público para viver de e para a literatura; por outro, isso foi possível pela
revelação pública de sua obra e de seu engajamento na arte literária.
Se a relação com Flaubert foi decisiva e harmônica para o escritor aqui estudado,
Zola, muitas vezes mencionado nessas cartas e com quem Maupassant também se
correspondia, parece ter sido um contato que lhe foi conveniente, apesar de opor-se à
estética naturalista. Sua primeira publicação, Boule de Suif, foi inserida num volume
cujo foco estava no nome de Zola. O estudo de Brigitte Hervot sobre as cartas dos dois
escritores
mostra-nos que se travou um relacionamento generoso entre
Zola
e
Maupassant,
ambos se felicitando sempre diretamente, mas Maupassant por vezes
lançou farpas indiretas ao famoso amigo
(em cartas a outros destina
tários)
, que nunca se
ressentiu disso.
28
Interessa-nos ressaltar o fato de que Maupassant era extremamente
diplomático nas suas relações literárias, o que contribuiu para a sua reputada ascensão
literária fácil. Entretanto, desde o início, posiciona os valores estéticos com que
trabalha, mesmo que com isso afete amigos
célebre
s, cujos lugar
es
na Lite
ratura
Francesa estavam estabelecidos. Por essa razão o vemos criticar o naturalismo de
26
FLAUBERT, Gustave. Op. cit, v. VIII, p. 135
-
136.
27
Idem
, v. VII, p. 328. Carta de 23
de
jul
ho de
1876.
28
Cf. HERVOT, Brigitte. Zola vu par Maupassant. Cadernos Neolatinos: Émile Zola e o Naturalismo.
Número espec
ial. Ano IV, abril de 2005. Rio de Janeiro: Depto. de Letras Neolatinas da UFRJ.
32
Zola e a escritura artística de Goncourt no prefácio “Le roman”, se
m
intencionar
nenhuma rivalidade pessoal com esses que, nas cartas, chamava de mestres e amigos.
Da mesma forma que ouviu os conselhos desses
escritore
s, Maupassant, em
carta
de 17 de julho de 1886
,
a um jovem literato, Maurice Vaucaire,
teceu também s
eus
ensinamentos.
29
Monsieur, établir les règles d’un art n’est pas chose aisée, d’
autan
t plus que chaque
tempérament d’écrivain a besoin de règles différentes. Je crois que pour
produire
, il
ne faut pas trop raisonner. Mais il faut regarder beaucoup et songer à ce qu’on a vu.
Voir
: tout est là, et voir juste. J’entends par voir juste, voir avec ses propres yeux et
non avec ceux des maîtres. L’originalité d’un artiste s’indique d’abord dans les
petites choses et non dans les grandes.
Des chefs-d’œuvre ont été faits sur d’insignifiants détails, sur des objets vulgaires.
Il faut trouver aux choses une signification qui n’a pas encore été découverte et
tâcher de l’exprimer d’une façon personnelle.
Celui qui m’étonnera en me parlant d’un caillou, d’un tronc d’arbre, d’un rat, d’une
vieille chaise
, sera, certes, sur la voie de l’art et apte, plus tard, aux grands sujets.
On a trop chanté les aurores, les soleils, les rosées et la lune, les jeunes filles et l’amour,
pour que les derniers venus n’imitent pas toujour
s quelqu’un en touchant à ces sujets.
Et puis, je crois qu’il faut éviter les inspirations vagues. L’art est
mathématique
, les
grands effets sont obtenus par des moyens simples et bien combinés. Chateaubriand
a dit: “Le génie n’est qu’une longue patience.”
30
Je crois que le talent n’est qu’une longue réflexion, étant donné qu’on a l’intelligence.
Certes, vous avez des dons poétiques, un esprit qui reçoit bien les impressions, qui
se laisse bien pénétrer par les objets et les idées. Il ne vous faudrait, à mon humble
avis, qu’une tension de réflexion pour
utiliser
pleinement vos moyens en évitant
surtout les
pensées
dites poétiques, et en cherchant la poésie dans les choses
précises ou méprisées, où
peu d’
artistes ont été la découvrir.
Mais surtout, surtout, n’imitez pas, ne vous rappelez rien de ce que vous avez lu;
oubliez tout, et (je vais vous dire une monstruosité que je crois absolument vraie),
pour devenir bien personnel,
n’
admirez personne
.
Il est difficile, en cinquante lignes, de par
ler de ces choses s
ans avoir l’air pédant, et
je m’
aperçois que je n
’ai pas évité l’
écueil.
[...]
Tais ensinamentos atingiriam uma amplitude muito maior do que as cartas
pessoais do mestre Flaubert; viriam semear discípulos do outro lado do Atlântico que,
via Maupassant, ainda muito aprenderiam com a arte defendida pelos dois escritores,
ainda que por meio da admiração. Estamos de acordo com Georges Duhamel quando
este afirma que “La leçon de Maupassant, bien qu’elle soit moins innombrable que la
leçon de Flaubert, a été mie
ux entendue à l’étranger que la leçon de Flaubert.”.
31
Há que
29
Conforme veremos, essa carta (única que conhecemos no gênero) foi muito bem selecionada por um
crítico brasileiro no período de nossa primeira recepção do autor. Também o cronista brasileiro, como se
verá, percebera ao seu modo a raridade do evento e a sua semelhança com o prefácio a
Pierre et Jean
.
30
A autoria atribuída erroneamente a Chateaubriand seria reproduzida em “Le roman” e só corrigida pelo
escritor em carta a Arth
ur Meyer, de 8 de janeiro de 1888. A frase é de Buffon e não do autor de
Atala
.
31
DUHAMEL, Georges. Apud: ARTINIAN, Artine. Pour et contre Maupassant: enquête internationale
(147 témoignages inédits).
Paris: Librairie Nizet, 1955
, p. 64
.
33
se considerar também que a recepção dos dois autores foi quase concomitante no
Brasil.
32
Retomaremos essa discussão até o final desta dissertação.
4. A crônica, o ensaio e o prefácio
As crônicas
de Maupassant, recentemente reeditadas por Gérard Delaisement,
33
não ultrapassam o número de seus contos. Em mais de duzentos textos, escritos com
abundância até 1885 e publicados em diversos periódicos (principalmente
Le Gaulois
,
Gil
Blas
e
Écho de Par
is
), Maupassant debateu assuntos variados, entre literatura e questões
de sociedade. Contra o que alguns críticos franceses afirmavam, a respeito da sua pouca
ilustração nas letras francesas e seu desinteresse pelos assuntos de domínio público,
diversas
crônicas do autor que provam o contrário.
34
Algumas delas, como a primeira,
“Gustave Flaubert” (1876), “Les poètes français du XVI
e
siècle(1877) e “Le fantastique”
(1883), são ensaios sobre os assuntos dados nos títulos; em “La guerre” (texto traduzid
o
em um jornal brasileiro
,
em 1897) e “Les employés”
não podemos deixar de ressaltar
que
o
autor
se faz instrumento de um protesto social contra a guerra e em favor dos proletários.
Entre tantos textos, selecionaremos alguns para comentário, que enriquecerão a discussão
sobre os princípios estéticos do escritor e a sua recepção no Brasil.
“La vie d’un paysagiste”,
35
carta publicada como crônica em 1886, evidencia-
nos o gênero de observação maupassantiana da natureza. Entre críticas ao Estado
(“
L’État est toujours le même sot impuissant et autoritaire”), comuns em sua
correspondência, e algumas lembranças de Étretat – cidade normanda cuja paisagem ele
viu ser retratada por pintores como Monet, Corot e Courbet –, Maupassant oferece-
nos
uma compreensão de arte que aproxima efeitos pictóricos às técnicas que procura em
32
Segundo Alan Bemfica, Flaubert ficou conhecido aqui somente depois de sua morte. Madame Bovary
era discutida vinte anos após a sua publicação na França. Isso acontecia quando o Naturalismo era
implantado e ao mesmo tempo questionado em nosso país, por meio das discussões
levantadas pela crítica
européia. BEMFICA, Alan de Oliveira. Recepção de Flaubert na crítica literária brasileira (1885/1905).
São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em Língua e Literatura Francesa), FFLCH
-
USP.
33
MAUPASSANT, Guy de.
Chroniques
. Dir. Gérard Delaisement. Paris:
É
ditions Rive Droite, 2003, 2t.
34
Ainda que
apresente
boas reflexões sobre a estética de Maupassant, Émile Faguet, em 1893, escreveu um
artigo sobre o escritor morto, em que revela esse tipo de preconceito: “Aucun esprit ne fut moins livresque.
Quand il publia en tête de Pierre et Jean, peut-être pour grossir le volume, une petite étude critique, il ne
prouva rien, sinon qu’il n’avait rien lu. Il méprisait me infiniment les discussions littéraires et les
dissertations littéraires, ou plutôt y répugnait naturellement.” FAGUET, Émile. Guy de Maupassant.
La
Revue Bleue, t. LII, 15 juillet
1893
, p. 65-68. Além dos diversos textos sobre Flaubert, Maupassant tem
ainda crônicas sobre Balzac, Zola, Georges Sand, Louis Bouillet, Turgueniev,
Swinburne,
e
cita aqui e ali
as
obra
s de Baudelaire, Rimbaud, Musset, Voltaire, Rabelais, Cervantes, Pöe, Hoffmann, Schopenhauer,
Dante, Goethe, entre muitos outros. Como se vê, suas leituras não podem ser taxadas de escassas.
35
MAUPASSANT, Guy de
.
Oeuvre
s complètes. Oeuvres posthumes
. Paris:
Louis Conard, 1910, v. 2.
34
literatura. Ele não chega aqui a teorizá-los, mas denomina a
ilusão
do verdadeiro, o
efeito realista necessário à sua concepção de arte, que bem define em “Le roman”, de
1887. Esse efeito é alcançado com a observação fina dos mais imperceptíveis tons
(fala aqui das artes plásticas), modulações de luz, cores e harmonias que o olhar do
artista revela. Essa acuidade visual, por meio da qual Maupassant tanto soube retratar
suas personagens e paisagens, era seu desejo maior. Ávido de visão,
36
o autor mostra
nesta crônica ter um prazer e uma necessidade vital de apreender tudo ao seu redor:
Mes yeux ouverts, à la façon d’une bouche affamée, dévorent la terre et le ciel.
Oui, j’ai la sensation nette et profonde de manger le monde avec mon regard, et
de digérer les couleurs comme on digère les viandes et les fruits.
37
É na sua literatura que Maupassant sacia essa avidez, em seu olhar atento às
ações e atitudes humanas, sob a forma de representações de fi
no realismo.
Em “Le fantastique” (1883), com a intenção de homenagear o escritor russo e
amigo Turgueniev, morto naquele ano, Maupassant vem defender uma tese à qual
alguns teóricos e historiadores do gênero (Tzvetan Todorov, Jacques Finné)
38
retornariam: de que o fantástico estava a passos de seu fim. Longe de colocar-
se
pessoalmente nesse momento agônico (como fez Todorov), nosso escritor explica os
limites do gênero pela compreensão do homem atual (de seu tempo) sobre os eventos
antes apenas inexplorados,
igualmente mais experiente nas questões espirituais.
[...] Nous a
vons rejeté le mystérieux qui n’
est plus pour nous que l
inexploré.
Dans vingt ans, la peur de l’irréel n’existera plus même dans le peuple des champs.
Il
semble que la Création ait pris un autre aspect, une autre figure, une autre signification
qu’autrefois. De là va certainement résulter la fin de la littérature fantastique.
39
Além de Turgueniev, menciona como exemplares do gênero as histórias de
Hoffmann e Pöe. O medo e o mistério do sobrenatural ocupavam particularmente
Maupassant desde os seus primeiros escritos, de que são exemplos os dois contos
36
Capacidade física que ele perderia no fim da vida, em razão de sua doença. Quanto aos aspectos da vida
pessoal de Maupassant, remetemos a dois sérios estudos do gênero: TROYAT, Henri
.
Op. c
it.,
e
DUMESNIL, René.
Guy
de Maupassant
. Paris: Librairie Armand Colin, 1933.
37
MAUPASSANT
, Guy de
.
Oeuvres complètes. Oeuvres posthumes
.
Op. cit.,
v. 2, p. 84.
38
TODOROV, Tzvetan.
Introduction à la littérature fantastique
.
Paris: Éditions du Seuil, 1970.
O teórico
estruturalista afirmou que Maupassant era o último exemplar satisfatório do gênero (p. 174-
175).
FINNÉ,
Jacques.
La littérature fantastique: essai sur l’organisation sur
naturelle.
Bruxelles: Éditions de
l’Université de Bruxelles, 1980. Finné acredita em uma usura temática, que não revigorou o gênero
desde o fim do Realismo (p. 35
).
Pierre Georges Castex, ainda que tenha terminado seu estudo em
Maupassant, não o coloca como último no gênero. “De fait, Guy de Maupassant n’est, certes, pas le
der
nier de nos écrivains fantastiques.” CASTEX, Pierre Georges. Le conte fantastique en France: de
Nodier à Maupassant. Paris: J. Corti, 1951, p. 404.
39
MAUPASSANT, Guy de. Le fantastique.
Chroniques
. Dir. Gérard Delaisement. Op. cit., t. 1, p. 719.
35
intitulados “La peur”,
os qu
ais
trazem datas próximas à deste ensaio: 1882 e 1884. Isso
não demonstra que muito antes de sua doença o autor estava envolvido com as
narrativas fantásticas, como já buscava inseri-las na corrente desse gênero literário.
Nessa busca de teorizar o
topos
literário, qualquer semelhança entre as suas proposições
e as de Todorov, quase cem anos depois, não é mera
coincidência.
[…] quand le doute eut pénétré enfin dans les esprits, l’art est devenu plus subtil.
L’écrivain a cherché les nuances, a rôdé autour du surnaturel plutôt que d’
y
pénétrer. Il a trouvé des effets terribles en demeurant sur la limite du possible, en
jetant les âmes dans l’hésitation, dans l’effarement. Le lecteur indécis ne savait
plus, perdait pied comme en une eau dont le fond manque à tout instant, se
raccroc
hait brusquement au réel pour s’enfoncer encore tout aussitôt, et se débattre
de no
uveau dans une confusion pénible et enfiévrante comme un cauchemar.
L’
extraordinaire puissance terrifiante d’Hoffmann et d’Edgar Poe vient de cette
habileté savante, de cette façon particulière de coudoyer le fantastique et de
troubler, avec des faits naturels reste pourtant quelque chose d’inexpliqué et de
presque impossible.
40
Am de valorizar o fanstico inexplicável mas possível de Turgueniev, Maupassant
o
define
como contador de histórias, as quais nosso escritor gostava de ouvir oralmente
narrada
s pelo russo, viajante e oleiro da palavra, como Benjamin
41
definira um certo narrador:
Quel que fût cependant son pouvoir d’écrivain, c’est en racontant, de sa voix un peu
épaisse et hésitante, qu’il donnait à l’âme la plus forte émotion.
[…]
Un jour, chez Gustave Flaubert, à la nuit tombante, il nous raconta ainsi l’histoire
d’un garçon qui ne connaissait pas son père, et qui le rencontra, et qui le perdit et le
retrouva sans être sûr que ce fût lui, en des circonstances possibles mais
surprenantes, inquiétantes, hallucinantes, et qui le découvrit enfin, noyé sur une
grève déserte et sans limite, avec un tel pouvoir de terreur inexplicable, que
chacun de nous rêva
[de]
ce récit bizarre.
Des faits très simples prenaient parfois, en son esprit et en passa
nt par ses lèvres, un
caractère mystérieux.
Teria mesmo Maupassant, um mestre do gênero,
perdido
o sono com as
narrativas de Turgueniev, como ele afirma? N
ota
-se também que, nos termos do
conto
,
Maupassant teve outros mestres, além de Flaubert. A homenagem prestada ao
escritor
russo
nesse ensaio tem seu paralelo em contos do nosso autor, cujo narrador (bem como
o de Lobato)
será aproximado por nós àquele de Benjamin, no capítulo 3.
40
Idem, p. 720. Apenas para comprovação do que dissemos, veja-se esta passagem de Todorov: “[...] il
faut que le texte oblige le lecteur à considérer le monde des personnages comme un monde de personnes
vivantes et à hésiter entre une explication naturelle et une explication surnaturelle des événements
évoqués.
Ensuite, cette hésitation peut être ressentie également par un personnage. [...] Enfin, il importe
que le lecteur adopte une certaine attitude à l’égard du texte: il refusera aussi bien l’interprétation
all
égorique que l’interprétation poétique.”
TODOROV. Op. cit., p. 36
-
37.
41
BENJAMIN, Walter. O narrador. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura.
São Paulo: Brasiliense, 1985.
(
Obras escolhidas
, v. 1).
36
diversas crônicas de nosso autor em que ele valoriza o diálogo como uma
arte,
a qu
al
, para ele, estava também
em
vias de desaparecimento.
Em
“Les causeurs”
(publicado em Le Gaulois, em 20 de janeiro de 1882), Maupassant diz: “il n’y a plus de
causeurs, à part quatre ou cinq, peut-
être
; et ceux-là même, ne trouvant jamais pers
onne
qui leur tienne tête à cette charmante mais difficile escrime, deviennent peu à peu des
monologueurs.”
. Em “La finesse” (de 1883), temos essa definição quase lobatiana das
pessoas mundanas que perderam o hábito da
conversação
:
Or il serait cent millions de fois plus intéressant d’entendre un charcutier parler
saucisse avec compétence que d’écouter les messieurs corrects et les femmes du
monde en visite ouvrir leur robinet à banalités
sur les seules choses grandes et
belles qui soient. […] Je ne prétends point qu’on doive dégager dans une causerie
de dix minutes le sens philosophique du moindre événement, cet “
au
-
delà
” de
chaque fait raconté, qui élargit jusqu’à l’infini tout sujet qu’on aborde.
Non certes. Mais il faudrait au moins savoir causer avec
u
n peu d’
esprit.
Causer avec esprit? Qu
’est
-ce que cela? Causer c’était jadis l’art d’être homme ou
femme du monde, l’art de ne paraître jamais ennuyeux, de savoir tout dire avec
intérêt, de plaire avec n
importe quoi, de séduire avec rien du tout.
Aujourd’
hui on parle, on raconte, on bavarde, on potine, on cancane; on ne cause
plus, on ne cause jamais.
42
Os contos obtidos a partir de conversas as mais banais, mas que interessam e
seduzem o interlocutor são muito trabalhados por Maupassant, conforme veremos.
Mesmo que alguns biógrafos e certos cronistas brasileiros enfatizem a imagem do
escritor como um introspectivo e mergulhado no mutismo, vemos que esse mito não
deve impor uma leitura inviezada e acrítica de sua obra, variada em temas, pontos de
vista e fo
rmas de expressão.
Em diversas crônicas, Maupassant defendeu a liberdade dos temas literários,
sobretudo aqueles que eram mal vistos pela crítica moralista. Em “Les poètes français
du XVI
e
siècle”, “Chronique” e “Les bas-
fonds”,
Maupassant defende os te
mas
naturalistas,
evidenciando que desde
Les
Fleurs du M
al
e
Madame Bovary se
evidenciava a liberdade dos assuntos para a poesia e a prosa
:
Il n’y a pas de choses poétiques, comme il n’y a pas de choses qui ne le soient
point: car la poésie n’existe en réalité que dans le cerveau de celui qui la voit.
Qu’on lise, pour s’en convaincre, la merveilleuse « Charogne » de Baudelaire.
43
42
Gil Blas, 25 de dezembro de 1883. MAUPASSANT, Guy de. La finesse. Choses et autres: choix de
chroniques littéraires et mondaines (1876-
1890).
Introd. et notes Jean Balsamo. Paris: Librairie Générale
Fra
nçaise, 1993. (Le Livre de Poche), p. 81-87. O grifo é nosso, a fim de mostrar a semelhança casual da
expressão com a “torneirinha de asneiras” de Emília, em LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho:
no Reino das Águas Claras. Ilustrações de André Le Blanc. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 126.
43
MAUPASSANT, Guy de.
Le
s poètes français du XVI
e
siècle
.
Choses et autres
. Op. cit., p. 104.
37
Um verdadeiro perfil do literato foi dado em “L’homme de Lettres” (1882). Essa
crônica, veremos adiante, foi traduzida no Brasil, em 1892, e refletiu de uma certa
maneira no modo como alguns cronistas brasileiros o liam, principalmente nos
momentos posteriores à descoberta da sua doença e antes de sua morte. Discutindo as
características típicas de cada profissão, Maupassant vai defender que a mais
desgastante é a do homem de letras. Este é ator e espectador de si mesmo e dos outros,
possui um dom de observação fatigante e uma clarividência de pensamento (a expressão
“pensée clairvoyante”
retoma
Rimbaud), cujo exemplo mais prec
iso
, para o autor, está
em
Flaubert. Maupassant cita uma carta do mestre em que, a partir do relato de um
padecimento pessoal (a morte do tio de Maupassant, o poeta Alfred de Poitevin), o autor
de
Madame Bovary a expressão aguda da sua “douleur clairvoyante”. Voltaremos a
essa crônica quando falarmos de sua tradução pelo jornal brasileiro.
Em “Étude sur Gustave Flaubert”, prefácio de 1885, de Maupassant à obra
póstuma de Flaubert, Bouvard et Pécuchet, traça o perfil de seu mestre, partindo de uma
sucinta
biografia, em que se remarcam os interesses do então futuro escritor, como o de
contar e pedir histórias. Maupassant percorre os principais eventos da carreira de Flaubert,
documentando com trechos de cartas o processo sofrido com a publicação de
Madame
B
ovary
, em 1857,
até chegar ao estudo da obra que prefacia. Nosso escritor acompanhou
a redação dessa obra e para ela colheu informações documentais, conforme ficamos
sabendo na sua correspondência, comentada anteriormente.
Na segunda parte desse estudo, o autor trata da relação de Flaubert com o
público, do estilo do mestre e do seu modo dedicado e ímpar de trabalhar. Assim como
vemos nas cartas, Maupassant comenta aqui sobre os domingos passados na casa de
Flaubert, em Croisset, em que se reuniam diversos escritores e pessoas vinculadas aos
meios editoriais e onde o próprio Maupassant foi imerso no meio literário. O mais
importante desse prefácio, para nós, são as observações sobre as preocupações estéticas
de Flaubert, que foram diretamente ouvidas pelo discípulo, em forma de conselhos, e
que viriam a constar de um projeto do autor de Le Horla. Tais observações convergem
para o que este escritor apresentou, desta vez em prefácio a uma obra sua, dois anos
depois: “Le roman”, que introduz Pierre et Jean. A impersonalidade em arte, a
necessidade de afastamento, de não moralizar, o ideal de uma arte livre de tendências e
ensinamentos, ocupada apenas em retratar as atitudes e não a psicologia das
personagens aparecem neste artigo atribuídos à arte de Flaubert, o que Maupassant
assumiria em sua própria obra, no outro prefácio mencionado.
38
“Le roman”, de 1887, espécie de Arte Poética de Maupassant, cruza em si
diversos discursos por ele assimilados e também já ensaiados em várias crônicas e
cartas anteriores.
44
Além dos autores que ele nomeia: Bouillet, Flaubert, Victor Hugo,
Zola,
Buffon, nesse texto princípios estéticos apreendidos de Pöe, via Baudelaire,
como o de certo efeito intencionado pelo autor desde o início de sua obra. Nesse
prefácio, Maupassant se coloca contra os críticos de escola, que definem tema e gênero
a figurarem na literatura, defendendo uma arte cujo ponto de observação principal é
particular. Assim, descrê da possibilidade de se fazer um romance impassível, uma vez
que a arte pressupõe certa subjetividade no recorte do real que quer mostrar. A
importância maior desse prefácio, a meu ver, é a de pôr em relação diversos princípios
artísticos de que se utilizou Maupassant, afastando entre os críticos (ou obrigando-os a
relativizar) as leituras estritamente naturalistas ou em que se qualificava nosso autor
como estilista extremado.
45
Vemos aqui Maupassant simpático aos simbolistas, cujo
apelo às sensações seria trabalhado pelo nosso autor, principalmente nas narrativas de
viagem, mas igualmente no conto “La nuit”. A defesa de uma verossimilhança artística
que refuta o extraordinário, típico do fait divers (com cuja ilusão ele jogaria em vários
contos, tais como “Le crime au père Boniface”), que atinja o efeito do real por meio d
a
descrição e da narração de acontecimentos
cotidianos
, empregando os termos justos
para tanto, vem em favor da arte ilusionista do
escritor.
Retomaremos esse texto muitas vezes neste trabalho, o a fim de mostrar as
várias idéias nele contidas, mas também intencionando
uma crítica mais apropriada à obra
que temos diante de nós. Por meio desse ensaio do autor será possível ponderar não a
amplitude de sua obra, mas também de sua recepção no Brasil.
5
. A narrativa de viagem
Além das crônicas de viagem, como “Une fête arabe”, Maupassant escreveu três
narrativas de viagem, todas pintando a costa Mediterrânea entre a Europa e a África:
Au
soleil
(1884),
Sur l’eau (1888) o qual não devemos confundir com o conto “Sur
l’eau”, de 1876 e La vie errante (1891). Os dois últimos são os mais mencionados
44
Além da carta a M. Vaucaire (1886) e de “Gustave Flaubert” (1885), podemos mencionar: “Messieurs
de la chronique” (1884), “
Chronique” (20 de julho de 1882), “Les bas
-
fonds” (1882), “P
ar délà” (1884).
45
Louis Forestier prefere classificá-lo como autor impressionista. FORESTIER, Louis. Préface In:
MAUPASSANT, Guy de.
Romans
. Op. cit., p. XII. René Dumesnil, que sempre emprega metáforas
pictóricas para definir a arte de Maupassant, diz que em sua obra a sugestão predomina à descrição
.
DUMESNIL, René.
Guy
de Maupassant
. Paris: Librairie Armand Colin, 1933.
39
pelos críticos e podemos considerá
-
los os mais poéticos do escritor. Os três volumes são
subdivididos em pequenos relatos, ora com subtítulos que apresentam as localidades
visitadas, as impressões do artista, a paisagem ou o momento do dia recortados para
descrição; ora pela data de sua redação, como um diário.
Essa apresentação formal das narrativas de viagem, porém, foi também forjada
pelo escritor no momento de organização dos volumes. A maior parte dos textos ali
r
eunidos pouco difere de muitas de suas crônicas (e até de alguns de seus contos), sejam
as que relatam algum aspecto de suas viagens, sejam as que se detêm em reflexões sobre
política ou literatura.
46
São, de fato, textos que misturam narração, descrição e
meditação, o que torna difícil sua classificação. O melhor, nesse caso, é manter a
etiqueta dada pelo autor, já que qualquer outra seria tão arbitrária quanto essa.
Contam
-se sempre em primeira pessoa as aventuras durante os cruzeiros feitos
em momentos diversos da vida do escritor, na busca de evadir-
se,
repletos de sensações
poeticamente descritas e retratos captados por seu dom de observação fina. Forma,
técnica literária e assunto estão em pleno acordo, uma vez que, para o escritor, “Le
voyage est une espèce de porte par l’on sort de la réalité connue pour pénétrer dans
une réalité inexplorée qui semble un rêve.”.
47
Muitas vezes o tom subjetivo do narrador
atinge o mais alto grau, estabelecendo uma conexão tênue entre os momentos de pura
imaginação, d
ivagações e os de descrição realista do quadro observado.
Au soleil divide
-
se em nove partes: “Au soleil”, “La mer”, “Alger”, “La province
d’Oran”, “Bou-Amama”, “Province d’Alger”, “Le Zar’ez”, “La Kabylie-
Bougie”,
“Constantine”. Outras três narrativas (“Aux eaux”, “En Bretagne” e “Au Creusot”) são
acrescentadas em algumas edições, mas apenas para “aumentar-lhe o volume”, sendo
que “Aux eaux” foi incluído por Louis Forestier na edição dos contos e novelas. A
escolha pela primeira pessoa narrativa prevalece
o subjetivismo, que nos faz compreender
mais fortemente certas confissões de desespero como expressões de libertação poética. As
paisagens vistas, as histórias ouvidas dos colonos pobres e dos militares, sua observação
(de um europeu) sobre a cultura e a religião árabes compõem a maior parte de sua
narrativa,
na qual, porém, o protagonista é o Sol – implacável e silencioso na sua
46
No prefácio que abre a edição Folio de Sur l’eau, Jacques Dupont afirma: “Comme il l’avait déjà fait
pour
Au soleil (qui raconte un voyage en Afrique du Nord), et comme il le fera encore pour La Vie
errante
, Maupassant a réutilisé des chroniques, contes ou nouvelles déjà publiés, entre 1881 et 1887.
Nous connaissons donc, à ce jour, une bonne trentaine de ces textes qui sont repris, re
maniés, redistribués
dans
Sur l’eau
.” In: MAUPASSANT, Guy de.
Sur l’eau
. Paris: Gallimard, 1993. (Folio Classique),
p. 10.
47
Idem. Au soleil. Au soleil. Paris: Ollendorf, 1902, p. 5. Essa edição contém também “Aux eaux”, “En
Bretagne” e “Au Cresot”.
40
destruição. A viagem transcreve um período não preciso, a partir de 6 de julho de 1881,
quando o narrador parte de Marseille. Chega a Alger, em navio, e entra no continente por
trem, a pé e sobre animais, até a última cidade visitada, Constantine.
Dando por parâmetro, em certas descrições, As mil e uma noites, o narrador
maupassantiano oferece de receitas da culinária árabe,
des
criçõe
s de tempestades de
areia
e miragens até relatos sobre as relações políticas entre oficiais franceses e os
nativos. O escritor abre também espaço para refletir sobre as tradições diversas das suas
e de seus leitores, que observa ainda como exóticas e
pitorescas.
Les Arabes passent, toujours errants, sans attaches, sans tendresse pour cette terre
que nous possédons, que nous rendons féconde, que nous aimons avec les fibres de
notre coeur humain; ils passent au galop de leurs chevaux, inhabiles à tous nos
travaux, indifférents à nos soucis, comme s’ils allaient toujours quelque part ils
n’arriveront jamais.
48
Por outro lado, onde a cultura francesa está estabelecida, nos centros urbanos,
seu lamento parece outro. Atualmente,
quando
a xenofobia p
ermanece
na França, vale
reler este fragmento sobre a presença francesa em Alger. Maupassant abre seu texto à
discussão do colonialismo, contra o qual ele já se opunha em suas crônicas.
Le quartier européen d’Alger, joli de loin, a, vu de près, un aspect de ville neuve
poussée sous un climat qui ne lui conviendrait point. En débarquant, une large
enseigne vous tire l’
oeil:
Skating
-Rink algérien; et, dès les premiers pas, on est
saisi, gêné, par la sensation du progrès mal appliqué à ce pays, de la civilisa
tion
brutale, gauche, peu adaptée aux moeurs, au ciel et aux gens. C’est nous qui avons
l’
air de barbares au milieu de ces barbares, brutes il est vrai, mais qui sont chez eux,
et à qui les siècles ont appris des coutumes dont nous semblons n’avoir pas enc
ore
compris le sens.
[...]
Or nous sommes restés des conquérants brutaux, maladroits,
infatués de nos idées toutes faites. Nos moeurs imposées, nos maisons parisiennes,
nos usages choquent sur ce sol comme des fautes grossières d’art, de sagesse et de
comp
réhension. Tout ce que nous faisons semble un contresens, un défi à ce pays,
non pas tant à ses habitants premiers qu
à la terre elle
-
même.
[...]
Les Arabes, dans tous les cas, ont sur nous un avantage contre lequel nous nous
efforçons en vain de lutter.
Ils sont les fils du pays.
49
Sur l’eau apresenta-se sob a forma (forjada, repetimos) de um diário, cujas
oito
partes são introduzidas pela data da redação, compreendendo um período bastante curto,
entre 6 a 14 de abril. O texto começa assim:
48
Idem, Le Zar’ez, p. 120. O trecho citado pertence à sétima parte da narrativa, “Le Zar’ez”, sobre o lago
de mesmo nome
, visto em miragem
.
49
Idem. O primeiro excerto é da parte intitulada “Alger”, p. 20
-
21; o segundo,
de “Bou
-
Amama”, p. 56.
41
Ce journal ne contient aucune histoire et aucune aventure intéressante. Ayant fait,
au printemps dernier, une petite croisière sur les côtes de la Méditerranée, je me
suis amusé à écrire chaque jour ce que j’ai vu et ce que j’ai pensé.
En somme, j’ai vu de l’eau, du soleil, des nuages et des roches je ne puis raconter
autre chose et j’ai pensé simplement, comme on pense quand le flot vous berce,
vous engourdit et vous promène.
50
Sabemos, porém, que o momento da redação é outro. O ficcionista cria um
contexto de escritura que não corresponde àquele em que nos revela seu texto. Sobre o
período de sua redação, também Jacques Dupont nos esclarece:
La quinzaine de jours qui définit la chronologie fictive du récit masque la durée de
quelques six ans d’écriture, et détruit la succession chronologique de ces
publications
et probablement de la rédaction de ces dernières. De même,
l’itinéraire selon lequel semble s’ordonner le récit fournit des points d’ancrage
narratifs, et camoufle la discontinuité de ces textes relativement brefs, et
initialement
“calibrés”
selon les exigences du journalisme.
51
Nessa narrativa, Maupassant introduz diversas reflexões estéticas, digressões
sobre a paisagem, o vento (que, assim como o barco
Bel
-Ami, é personificado) e a luz.
Ao se instalar em Cannes, por conta do vento que impedia prosseguir a viagem, o
narrador critica a burguesia que ali se encontrava, bem como os homens de letras que
conversavam sobre banalidades. Mais adiante, num tom relativista, põe em dúvida até a
necessidade da liter
atura e da arte:
Les arts? La peinture consiste à reproduire avec des couleurs les monotones
paysages sans qu’ils ressemblent jamais à la nature, à dessiner les hommes, en
s’efforçant sans y jamais parvenir, de leur donner l’aspect des vivants. [...]
Les poètes font avec
de
s mots ce que les peintres essaient avec des nuances.
Pourquoi encore?
52
É fazendo e citando literatura (
Haraucourt,
Musset, Hugo, Lisle), entretanto, que
perfaz sua viagem até a Itália, nesse texto que oferece como um diário pes
soal
despretensioso, na verdade escrito para a publicação.
Il me reste à demander pardon pour avoir ainsi parlé de moi. J’avais écrit pour moi
seul ce journal de rêvasseries, ou plutôt j’avais profité de ma solitude flottante pour
arrêter les idées errant
es qui traversent notre esprit comme des oiseaux.
On me demande de publier ces pages sans suite, sans composition, sans art, qui vont
l’une derrière l’autre sans raison et finissent brusquement, sans motif, parce qu’un
coup de vent a terminé mon voyage.
Je
cède à ce désir. J
ai peut
-
être tort.
53
50
MAUPASSANT, Guy
de.
Sur l’eau
.
Op. cit., p. 33.
51
Préface. In: MAUPASSANT, Guy de.
Sur l’eau
. Op. cit., p. 10.
52
Idem, p. 63
-
64.
53
Idem, p. 163
-
164.
42
La vie errante apresenta-se em sete narrativas menores:
Lassitude
”, “La nuit”
,
“La côte italienne”, “
La Sicile
”, “
D’Alger à Tunis
”, “
Tunis
e
Vers Kairouan
”. Não dá,
por sua vez, a data de partida, mas somente
a da última
parte da viagem, escrita entre 11
e 16 de dezembro. Cansado da Torre Eiffel, essa “carcasse métallique [...] squelette
disgracieux et géant” sobre qu
e
todos os jornais falavam e a qual multidões corriam para
ver, o narrador explica na primeira parte (“Lassitude”) por que deixou Paris e seguiu em
viagem sozinho, a fim de
se dépayser
em Florença.
54
Está claro que o ficcionista
,
aberto
às novas expressões da literatura o Simbolismo como vemos na segunda parte, “La
nuit”
, em artes visuais não era
modernista. A concepção de Maupassant (assim como a
de Monteiro Lobato, em outro plano) sobre a pintura e a arquitetura era fechada ao que
o
cosmopolitismo
e a indústria pudessem contribuir às expressões. Sua visão, nesses
termos, era ligada ao belo cláss
ico, à arte aristocrática e ao não
-
utilitarismo.
Informado por Baudelaire e Rimbaud, cujos poemas “Correspondances” e
“Voyelles”
, respectivamente, ele cita e rapidamente estuda, o narrador maupassantiano
oferece um relato de grande apelo aos sentidos, a fim de refletir sobre a visão do artista.
Rediscutindo questões debatidas em “Le roman” e “L’homme de Lettres”, sobre o
S
imbolismo
o qual ele compreendia com certa simpatia e sobre a clarividência do
poeta (o
voyeur
de Rimbaud), o narrador-
viajante,
conduzido pela paisagem aprazível,
apela também aos seus sentidos, mas buscando a máscara do poeta simbolista:
Je ne pouvais pas dormir, et je me demandais comment un poète moderniste, de
l’école dite symboliste, aurait rendu la confuse vibration nerveuse dont je venais
d’être saisi et qui me paraît, en langage clair, intraduisible. Certes, quelques-uns de
ces laborieux exprimeurs de la multiforme sensibilité artiste s’en seraient tirés à leur
honneur, disant en vers euphoniques, pleins de sonorités inte
ntionnelles,
incompréhensibles et perceptibles cependant, ce mélange inexprimable de sons
parfumés, de brume étoilée et de brise marine, semant de la musique par la nuit.
55
Entre explicações científicas que justificam o que se chamava na época de
“audi
ção colorida”, Maupassant a sua própria proposta, a qual seria interpretada,
mai
s tarde, por alguns críticos de jornais brasileiros, como a melhor
par
a
a análise do
próprio Maupassant: de que escritores como Heine, Baudelaire, Balzac e Byron sucum-
biram
ao mecanismo infatigável de seu pens
amento, visando à superação da i
nteligência
54
MAUPASSANT, Guy de. Lassitude.
La vie errante
.
Paris: Ollendorf, 1903, p. 1
-
10.
55
Idem
. La nuit, p. 20. Logo após a publicação da mais nova edição
francesa
de
La vie errante, pela editora
Table Ronde, a
Gazeta Mercantil
publicou uma resenha do livro, por Marcelo Rezende, em que
traduz alguns
excertos e oferece comentários crítico
-
biográficos sobre Maupassant.
Na dific
uldade de classificá
-
lo,
diz
que
“s
eus
textos foram criados no naturalismo, suas descrições são simbolistas, mas as reações diante dos fatos
são fatalmente românticas.REZENDE, Marcelo. Relatos de um viajante melancólico. Gazeta Mercantil
,
30 de junho
-
2 d
e julho de 2000,
p. 13. Agradecemos a Ana Luiz
a Reis Bedê o fornecimento do artigo
.
43
pelos sentidos. Seguindo Taine e Lombroso, Maupassant conclui: “C’est une simple
question de pathologie artistique bien plus que de véritable esthétique.” Veremos no
próxim
o capítulo como essa asserção acabou incorrendo contra o próprio autor.
É de se comparar também esta noite da narrativa de viagem e o conto “La nuit”;
um passeio de barco, outro, uma caminhada noturna em Paris a Paris sem a multidão
que vem ver a Torre
Eiffel
. O itinerário de La vie errante prossegue pela Sicília até a
costa africana. As descrições dos habitantes e da cor local novamente ganham espaço,
por esse viajante que deixa o seu iate para percorrer o continente por trem.
Maupassant trabalha nesse
s textos seu dom de observação e sua prática de narrar e
descrever. Mais palavroso e intimista que em certos contos seus, como “Marroca” e
“Allouma”, estes reaproveitariam essas experiências de viajante, trazendo como pano de
fundo paisagens e personagens árabes. Mas nas narrativas curtas, menos preocupado com
o relato
histórico de uma experiência
, a técnica do conta
dor
se torna o mais importante.
6. O romance
Todos os romances de Maupassant, publicados entre 1883 e 1890, empregam o
narrador onisciente de terceira pessoa, como era hábito no período realista francês.
Como espaço, têm principalmente por pano de fundo Paris, ou paisagens naturais
normandas ou da estação termal de Enval (em
Mont
-
Oriol
), uma vez que todos os
protagonistas são viajantes, cuja aprendizagem amorosa se faz também pelo
deslocamento no espaço, além da maturação proposta pelo tempo. Os meios sociais em
que convivem são apresentados em menor mero que nos contos: a aristocracia (
Une
vie,
Fort comme la mort, Notre coeur) ou a alta burguesia (Pierre et Jean, Bel-
Ami
e
Mont
-
Oriol
ambas as classes se misturam nestes dois últimos), o que faria atribuírem
a Maupassant um certo gosto elitista somente a quem ignora os seus contos isso pode
parecer uma verdade.
A interface entre os gêneros literários, contidos no romance moderno, também é
recorrente na
s
narrativas longas de Maupassant. Em Une vie, temos um pequeno conto
popular narrado pelas personagens córsicas, visitadas pelo casal Julien e Jeanne, durante
sua lua-
de
-
mel.
56
As cartas trocadas entre as personagens – principalmente as amorosas
são transcritas em Une vie,
Bel
-
Ami
, Fort comme la mort
e
Notre coeur. Versos das
56
MAUPASSANT, Guy de.
Une
vie
.
Romans
.
Op
. cit., cap. V, p. 59
-
60.
44
leituras literárias de suas personagens integram também alguns romances: em
Fort
comme la
mort,
a
pedido do pintor Be
rtin, Annette lê “Les pauvres gens”, de
La
l
égende
des siècles, de Victor Hugo, a fim de caracterizar o modelo que reproduzirá na tela; ele
mesmo Musset, visando recuperar um amor juvenil incompatível com o seu, ou se
identifica com o
Fausto
, de Goethe, que encenado; em Notre Coeur, André Mariolle
ouve a empregada ler-
lhe
Manon Lescaut, de Antoine François Prévost, o que dará
margem ao seu romance com essa leitora.
Vários estudiosos de Maupassant tentaram organizar sua obra romanesca em
fases, tomando
diversos
critérios, como uma mudança no modo narrativo e a cronologia
das obras, todos observando certa entrada da análise psicológica a partir do romance
prefaciado por “Le roman”. André Vial e Louis Forestier (este mais categoricamente
que o outro) apontam duas fases: os três primeiros romances (Une vie, Bel-
Ami
e Mont-
Oriol
) como romances de costumes (romans de
moeurs
); a partir de Pierre et Jean (o
que inclui Fort comme la mort e Notre coeur) estão os romances de análise.
57
Também
os dois primeiros são freqüentemente inseridos na tradição romanesca de Flaubert
(Jeanne, de Une vie, é sempre associada a Emma Bovary) e de Balzac e Stendhal
(Georges Duroy, de
Bel
-
Ami
, seria uma versão atualizada dos ambiciosos Julien Sorel e
Eugène de Rastignac);
58
os últimos, dialogam com os romances de Paul Bourget e de
Marcel Proust,
59
na sondagem psicológica, considerando também que Fort comme la
mort
tinha em Balzac, em Zola e nos Goncourt obras aproximáveis pelo tema e pelo
desfecho (Le chef d’oeuvre
inconnu,
L’oeuvre
e
Manette Salomon). É possível que,
rivalizando com tantos romancistas de qualidade,
essa faceta do autor
tenha se ocultado,
o que estimulou a sua valorização como contista, em que a variedade de soluções
literárias propostas e de situações contempladas é
,
de fato
,
maior.
A diferença principal entre os primeiros e os últimos romances é que a ação
romanesca passa a ser mais concentrada na vida interior das personagens. Ainda em
termos gerais, uma mudança de foco entre os primeiros romances, que acomp
anham
57
FORESTIER. In: MAUPASSANT. Op. cit., p. XXXII. André Vial define todos os seis romances como de
costu
mes, mas observa a entrada da alise a partir de Pierre et Jean. Ver o capítulo 2 da parte II: VIAL,
André.
Du roman de moeurs au roman psychologique.
Maupassant et l’art du roman
.
Nizet, 1954, p. 373
-
434.
58
Brigitte Hervot estudou as semelhanças e diferenças entre esses e outros protagonistas na sua
dissertação
Vencer ou vencer: a ética do arrivista. Assis, 1993. Dissertação (Mestrado em Literatura
Francesa)
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 220 p. Ver em
especial
o segundo capítulo da segunda parte: “2. Duroy e alguns companheiros”.
59
Para Louis Forestier, Maupassant é o intermediário entre Baudelaire e Proust “dans l’art de susciter le
souvenir par la sensation”. In: MAUPASSANT. Op. cit., p. 1588. Isso fica eviden
te ao leitor de
Fort comme
la mort, em que visões, sons e outras sensações do protagonista voltam à sua memória confundindo-o, ins-
tigado pela semelhança com outras referências presenciadas. Por exemplo, ver p. 899
-
890, 937, 942 e 972.
45
a evolução do protagonista ao longo de um período maior da sua vida adulta, ao passo
que os últimos empregam mais freqüentemente a técnica do
retrospecto
narrativo (
flash
back
), o fluxo de consciência de duas ou mais personagens, o que restringe o pe
ríodo da
vida delas retratado durante o tempo de ação do romance. Tanto em Pierre et
Jean
quanto em Fort comme la mort, por exemplo, a ação inicia-se pressupondo os fatos que
convergem para a situação, cujo será mantido até as últimas linhas do romance: no
primeiro, os dois irmãos viviam aparentemente bem até que seja despertada a
desconfiança, em Pierre, de que Jean não é filho do M. Roland; em
Fort comme la mort
,
Anne Guilleroy e Olivier Bertin eram amantes doze anos quando se o
retrospecto narrativo para a explicação do início desse relacionamento, ativado pelas
reminiscências do protagonista. A mudança do ponto de vista do narrador, ora focando
as ações isoladas e os pensamentos de uma personagem, ora de outra, contribuem para o
afastamento desejado pelo romancista realista. A sua pretensão, porém, de observar
somente de fora expressa em “Le roman” é ultrapassada, visto que o
conhecimento onisciente dos sentimentos que perpassam Pierre e sua mãe, Louise
Roland (em
Pierre et Jean
), Olivi
er Bertin (em
Fort comme la mort
), que não são dados
somente por suas falas e ações, mas por esses fluxos de consciência, ora relatados pelo
narrador, ora dados como discurso indireto livre. É evidente o recurso cada vez mais
freqüente a esse modo de apresentação dos sentimentos das personagens em seus
momentos de maior tensão.
A entrada da análise psicológica nos últimos romances auxilia no aumento da
idéia fixa que povoa os protagonistas dos três últimos romances, discutindo questões
como a possessão alucinante pelo ciúme, pelo duplo feminino e o amor platônico. As
personagens sofrem uma alucinação dos sentidos, também presente em novelas como
Le Horla. Os protagonistas são vítimas patéticas desses sentimentos e não vêem sua
saída no romance. Maupassant, antes de ser um psicólogo que pretende direcionar a
resolução de seus pacientes, aponta as soluções mais trágicas em seu encaminhamento:
a evasão e o suicídio (este é sugerido em Fort comme la mort; é impossível ao leitor ter
a certeza sobre isso).
Se os últimos romances centram-se no tempo interior das personagens (Any e
Olivier, em Fort comme la mort; André Mariolle e Michèle de Burne, em Notre coeur
),
em que um choque entre o tempo externo, cronológico, que marca o envelhecimento
e interage no sentimento amoroso, Une vie marca a desilusão paulatina de uma jovem
até a idade avançada, pela perda de todas as suas crenças no ideal: a integridade de sua
46
mãe
, o amor, o casamento, a maternidade, a religião. Todos os apoios de Jeanne perdem
fiabilidade, de modo que a sua degradação física e material apenas perseguem o
caminho que a sua vida interior prescreve, em sua resignação e em seu esgotamento
silencios
os
. A morte da mãe e a descoberta (pelas cartas de amor encontradas) de seu
adultério,
as traições e a morte do marido e a dissipação do filho não reencontrado são,
enfim, ponderados por uma esperança final: ao lado da única amiga, a empregada
Rosalie (primeira amante de seu marido), espera recolher uma criança recém-
nascida,
fruto de uma união do filho com uma amante que acaba de morrer. Maupassant,
dialogando com a epígrafe de Stendhal (“L’âpre vérité”, de Le rouge et le noir, retirada
de Danton), encabeçou seu texto com a asserção: “L’humble vérité”, querendo mostrar
que a história de Jeanne se relativiza
entre diversas histórias parecidas com a sua.
Ao que também concluíram muitos críticos antes de nós, o romancista
Maupassant
não inclina seu leitor ao devotamento amoroso: Jeanne, Georges Duroy,
Pierre, Olivier Bertin e André Mariolle, em graus diversos, desiludem-se do amor.
Vários obstáculos se impõem para essa não-concretização: as normas do casamento, a
ambição, o adultério, a diferença de idades, a não-equivalência do sentimento do outro.
Essa desilusão reincide não raro em uma passividade e c
erta
monotonia dos últimos
romances, em que artistas são protagonistas. Talvez pensando nisso,
Albert
-
Marie
Schmidt
60
denominou Fort comme la mort
e
Notre Coeur como
phy
siologies de
l’oisivité
”. Não fosse a entrada no final dos dois romances de certa movimentação, pela
suposta tentativa de suicídio de Bertin e pela nova amante de Mariolle, a empregada
Élisabeth, os dois romances seriam linearmente o retrato do tédio amoroso de seus
protagonistas. Maupassant, porém, soube dar a mobilidade dramática necessária ao
s
seus textos e enchê
-
las de observações finas sobre o comportamento humano.
Discussões políticas e religiosas que muitos avaliam como pontos de
referência do discernimento do próprio Maupassant são antes de mais nada inseridas
para demarcar o ponto de vista de suas personagens, sua imersão no grand monde
ou
ainda a profissão ou a classse social de onde provêm. O conde e deputado M. de
Guilleroy discute a questão alemã, da época de Bismarck, com a propriedade de um
homem interessado somente pela política e pouco atento à esposa e às questões de arte,
e que deixa ao amigo Bertin o consolo de Any. Georges Duroy, ao debater a questão
colonial francesa na África, reproduz, segundo alguns, o conhecimento próprio de
60
SCHMIDT, Albe
rt
-
Marie.
Maupassant par lui-
même
. Paris: Éditions du Seuil, 1962. (Écrivains de
Toujours), p. 149.
47
Maupassant em suas viagens, como cronista de jornal. O fato é que esse elemento
pitoresco da vida do protagonista de
Bel
-
Ami
, além da sedução que sua figura
provocava
em
mulheres e homens, semarcante para a ascensão de Duroy na sociedade, até a
conquista de todos os postos almejados por ele, que para tanto se usa dos meios mais
escusos (como o flagrante policial da esposa com o amante, a fim de obter o divórcio).
Se, por outro lado, o discurso religioso do padre Marvaux (no romance inacabado
L’Angélus
) e o do barão (pai de Jeanne, de Une vie) rediscutem questões de interesse
freqüente do contista de “Moiron” e “Le champ d’oliviers”, contribuem dentro do texto
para o abatimento que a desilusão amorosa provocava em seus protagonistas. Enfim,
as reflexões sobre os acontecimentos extra
-literá
rios contribuem ao texto de Maupassant
para a sua verossimilhança e coerência interna.
O romance inacabado L’âme étrangère,
61
como as outras obras estudadas,
também se propunha a uma discussão da vida de salão da aristocracia decadente e da
burguesia em ascensão. Desta última é representante Robert, bon vivant que vive das
rendas deixadas pelo pai falecido. Rico, jovem, amador das artes e afeito aos esportes,
foi vítima da ex
-
amante Henriette, a qual mantinha outros relacionamentos por dinheiro.
O romance inacabado não deixa saber o destino amoroso desse burguês de fino trato,
mas
in
dica, pelo próprio título, o seu possível relacionamento com uma viúva
aristocrata romena, conhecida por ele no
grand monde.
A redação desse romance foi abandonada por Maupassant em 1891, a fim de dar
início à escrita do outro que também chegaria a
nós inacabado. Trata-
se de
L’Angélus,
cuja história se desenrola durante a Guerra Franco-Prussiana. Até onde nos foi dado, a
jovem condessa Germaine de Brémontal, grávida, acompanhada do filho Henri, de
quatro
anos, aguarda o retorno do marido, patriota que se ofereceu aos serviços da
França e que cinco meses não lhe envia notícias. Toda a narração detém-
se
em uma
única noite, na qual o castelo de Mme. de Brémontal, na Normandia, é invadido pelos
prussianos. O romance também é narrado na terceira pessoa, mas é repleto de discurso
indireto livre da personagem feminina para expressar sua angústia pela falta do marido e
as lembranças de sua mãe falecida. no retrato da invasão prussiana certa semelhança
com passagens de
Boule de Suif
, entre outros contos sobre a guerra.
Conforme veremos no capítulo 2, alguns críticos (influenciados pelo conhecimento
da vida pessoal do escritor) viram nos romances finais a compaixão do autor, certa piedade
61
MAUPASSANT.
Oeuvres complètes. Oeuvres posthumes
.
Op. cit., v. 2.
48
diante de suas personagens (Hugues Le Roux, Theodor Child).
62
Ora, se compararmos as
últimas linhas de Une vie e de Fort comme la mort o primeiro parece-nos mais otimista;
Notre coeur, como o primeiro romance, oferece uma possibilidade de consolo, longe da
idealizada pelo protagonista.
Devemos ressaltar que nas suas obras de ficção
o que nem
sempre ocorre nas cartas e nas crônicas – Maupassant evitou sempre a conclusão
moralizante ou qualquer julgamento sobre suas personagens. Isso é já uma abertura à
relatividade humana, que torna mais universal e menos datada a sua obra. Corresponde
igualmente à sua proposta dada em “Le roman”, do autor que, por meios ilusionistas,
imprime a sua visão do mundo respeitando o que há de próprio no objeto contemp
lado.
Se o pessimismo schopenhaueriano do homem Maupassant é, a meu ver,
discutível quando tratamos do escritor, uma análise das personagens Jeanne, Madeleine
Forestier, Any e principalmente Michèle de Burne deveriam impor uma revisão aos
estudioso
s que atribuem valores misóginos a Maupassant. Certa independência nos
princípios dessas personagens (relevadas as limitações de um ponto de vista masculino
sobre a mulher desse tempo) e
a
superioridade da razão sobre os sentimentos de suas
heroínas faz
em
dos pares Julien, Olivier e André Mariolle, por comparação, seres
fragilíssimos, vítimas trágicas de seus relacionamentos, menos desenvolvidos e mais
previsíveis que as personagens femininas. Georges é o único
(anti
-)herói que conquista,
através da influên
cia feminina (é bom que se diga), ascensão material e amorosa.
Alguns temas trabalhados nos romances provieram de um primeiro esboço nos
contos:
“Le testament” (1882) e Pierre et Jean (1888); “Adieu” (1884), “Fini” (1885) e
Fort comme la mort (1889). A obra se rediscute e não o que dizer sobre um mau
aproveitamento das formas literárias escolhidas. Para Thibaudet, Maupassant tinha
claramente o sentido das diferenças entre os dois gêneros: “Il n’a jamais écrit une
nouvelle avec un sujet de roman (ce qui d’ailleurs arrive rarement) jamais écrit un
roman avec un sujet de nouvelle (ce qui arrive à la majorité des romanciers).”
63
Os
assuntos,
indepedentes
dos gêneros, foram retrabalhados adequadamente; se hoje
tendemos a preferir os contos, é pela qualidade m
aior do contador do que do romancista.
Sabemos que quando Maupassant se decide romancista é justamente quando se
desinteressa pelo conto e pela novela e quando o romance naturalista entra em crise ou em
fase de revisão. Em 1891, escreve a um amigo: “Je me suis absolument décidé à ne plus
62
Emile Faguet acreditava que Maupassant, nos seus primeiros escritos, mostrava-se um pessimista
alegre e, nos últimos, um pessimista sombrio. FAGUET. Op. cit.
63
THIBAUDET, Albert.
Histoire de la Littérature Française
: de 1789 à nos jours. Paris: Stock, 1936, p. 376.
49
faire de contes ni de nouvelles. C’est usé, fini, ridicule. J’en ai trop fait d’ailleurs. Je ne
veux travailler qu’à mes romans.”
64
A partir daí, não Maupassant não produz contos
como também logo pára de escrever, por conta de sua doença. Após essa data, ele
escreveu a peça
Musotte
,
algumas crônicas e deixou inacabados os dois romances citados.
7. O conto e a novela
as narrativas curtas
Assim como os poemas, Maupassant começou publicando dispersamente seus
conto
s sob pseudônimos, em jornais e revistas literários.
65
Em 1875, publicou “La main
d’écorché”, seu primeiro conto, no gênero estranho. De 1881 até 1890, Maupassant
publicou quinze volumes de contos,
66
deixando ainda esparsos diversos outros. As
edições mais completas do nosso autor perseguem hoje critérios diversos. A mais
especializada, a da Pléiade (a qual utilizamos), com notas e variantes, adotou como
método de organização o cronológico. Outras preferem um critério temático, propondo
já uma interpretaçã
o dos textos reunidos, conforme veremos.
Ao toma
rmos os principais livros sobre a teoria do conto, encontramos
divers
as vezes mencionado o nome de Maupassant.
67
A própria discussão quanto à
definição do termo por sua distinção da novela e como forma o
u gênero literário passa a
ser feita por meio de citações do
escritor
. Junto aos seus precedentes, à cuja tradição ele
se vincula (Hoffmann, Pöe, Tourgueniev), e ao seu sucessor mais famoso, que fecha a
ciranda de contistas do XIX (o russo Tchecov), define-se o conto na sua estrutura
arquetípica, cuja importância está no efeito trabalhado na narrativa breve e concisa. A
originalidade de Maupassant em relação aos demais é atribuída ao fato de ele fundar
suas narrativas sobre acontecimentos cotidianos, aparentemente sem importância,
evitando o que em
“Le roman”
ele definiu como os estados agudos da alma humana.
64
Citado por Louis Forestier em nota a MAUPASSANT, Guy de. Op. cit., p. 1679. O destinatário da
carta é desconhecido.
65
Publicou em L’Almanach Lorrain de Pont-à-
Mousson
,
La Revue de Paris, Le Bulletin Français
,
La
Mosaïque
,
sob os pseudônimos Guy de Valmont e Joseph Prunier.
66
La Maison Tellier
(1881),
Mademoiselle Fifi
(1882
),
Contes de la bécasse
(1883),
Clair de lune
(1883),
Miss Harriet
(1884),
Les soeurs Rondoli
(1884),
Yvette (1884),
Contes du jour et de la nuit
(1885),
Toine
(1885),
Monsieur Parent
(1886),
La petite R
oque
(1886),
Le Horla
(1887),
Le Rosier de Mme Huss
on
(1888),
La main gauche
(1889) e
L’inutile beauté
(1890).
67
Apenas a título de comprovação, mencionamos mais estes estudos que dedicam entrada ao nosso autor:
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. 3. ed. São Paulo: Ática, 1987. MAGALHÃES, Raimundo.
A
arte do conto. Rio de Janeiro: Bloch, 1972. MARIA, Luzia de. O que é conto. São Paulo: Brasiliense,
1984
.
AUBRIT, Jean
-
Pierre.
Le conte et la nouvelle
. Paris: Colin, 2002.
50
Segundo Otto Maria Carpeaux,
68
trezentas narrativas sobre um assunto qualquer
fariam Maupassant cair no mecanismo da técnica, do qual o próprio autor saiu fatigado.
Mas isso não evitou que Maupassant continuasse sendo lido e relido inclusive pelo
próprio Carpeaux –, revalorizado e reinterpretado. Em sua época, alguns acreditavam
que o aspecto regionalista de Maupassant faria perdurar as suas narrativas no cânone.
Essa idéia ocupou algumas das discussões apontadas pelos escritores entrevistados por
Artine Artinian, em Pour et contre Maupassant.
69
Henry James, em um artigo sobre o
nosso escritor,
70
apontou esse aspecto, que atualmente nos diverte. A idéia do exotismo
e do pitoresco dentro da França, creio, não prevaleceu. Roland Barthes se opusera às
antologias que incluíam os contos camponeses e normandos, esquecendo os textos cujo
círculo social, para ele, compunha a verdadeira obsessão de Maupassant: os que
tematizam a pequena burguesia.
71
Diversas tentativas de classificação dos contos e das novelas foram ensaiadas.
Devemos compreendê-las apenas como instrumento didático, uma vez que quaisquer
tentativas de abordagem prevêem uma leitura parcial na riqueza representada por cada
um dos textos em particular. Uma das classificações mais interessantes, nesse sentido
porque tenta abarcar várias leituras e não se pretende exaustiva é a de René Dumesnil
em “Essai de classement par sujets et par dates des contes et nouvelles de Guy de
Maupassant”.
72
Dumesnil privilegia o aspecto de retomada do autor, ao longo de sua
carreira, de diversas obsessões temáticas (o que mostra o aspecto cronológico) e, ao
mesmo tempo, a riqueza interna a cada texto (os quais resume em duas linhas), que
trabalha conjuntamente diversos desses assuntos (o que se evidencia pela
presenç
a, de
um mesmo conto, em várias das etiquetas estabelecidas pelo crítico). As nove categorias
temáticas separadas por Dumesnil na sua longa tabela são: “A: l’enfant”, “B: crimes,
morts violentes, incendies volontaires”, “C: viols, perversions sexuelles, érotisme, etc.”,
“D: folie, terreur, hallucinations”, “E: aventures amoureuses, etc.”, F: Filles, etc.”,
G: Héritages(o menor, com apenas sete contos), H: a) farces; b) paysanneries,
68
CARPEAUX, Otto Maria. Relendo Maupassant. Publicado no suplemento “Letras & Artes”, do jornal
A
Manhã
, de 20 de julho de 1947, p. 1 e 8.
69
ARTINIAN, Artine. Pour et contre Maupassant: enquête internationale (147 témoignages inédits).
Paris: Librairie Nizet, 1955. Falaremos mais sobre esse volume nos dois próximos itens deste capít
ulo.
70
JAMES, Henry. Guy de Maupassant. In: MAUPASSANT, Guy de. Novelas e contos. Rio de Janeiro;
Porto Alegre; São Paulo: Globo, 1951, p. XI-
XXIII.
Na p. XIII, afirma: “É seguramente pelo tipo de seu
camponês normando que seus contos viverão”.
71
BARTHES, Roland. Maupassant et la physique du malheur. Oeuvres completes. [s.l.]: Éditions du
Seuil, 1993, t. 1, p. 640
-
643. O artigo é de 1956.
72
DUMESNIL, René. Essai de classement par sujets et par dates des contes et nouvelles de Guy de
Maupassant.
Revue d’Hist
oire Littéraire de la France
. Paris: Armand Colin, 1934, p. 106
-
127.
51
I: sujets divers” (o maior item, com 65 contos). É claro que, por meio do “etc.” e dos
“assuntos diversos”, Dumesnil incorre em impropriedades como a aproximação de “La
porte” e “La parure”; “L’attente” e “Le masque”, cujas personagens e soluções cnicas
são muito diferentes. Ao final, ainda apresenta uma lista de contos e novelas que
abordam a guerra de 1870 (dezessete títulos), quatro tirados das experiências maupas-
santianas no Ministério da Marinha e outros sete que mostram a influência da leitura de
Sade (em La philosophie dans le boudoir), o que parece mais atender às pesquisas do
próprio Dumesnil do que à relevância dessa inserção na classificação do contista.
Um ano antes de preparar essa tabela detalhada, Dumesnil ofereceu uma
separação mais simples, entre os contos sobre alucinação e loucura (fantásticos) e os
estudos de costumes (“études des moeurs
”).
73
Esse critério, entre gênero e assunto, é o
mais repetido entre os historiadores da L
iteratura
Francesa, que procuram dar em seus
manuais uma síntese superficial do autor, uma vez que não dispõem de espaço para
longas explicações. Muitos reúnem em ciclos (normando, parisiense e fantástico),
74
que,
se resolve a questão do espaço, faz também aproximar soluções
es
truturais diversas
quanto à questão do narrador nos contos e nas novelas.
Albert
-Marie Schmidt, organizador da edição da
s
narrativas curtas para Albin
Michel,
75
seguiu uma divisão em onze temas, um tanto próxima daquela de Dumesnil.
Em se tratando de uma antologia, o também biógrafo de Maupassant não poderia apelar
ao recurso da repetição dos títulos em várias categorias. Os temas sob os quais oferece
os 301 contos e novelas são: “Drames et propos rustiques”, “Les confinés”, “Les
séductions et l’art d’aimer”, “Le charme des liaisons”, “Le danger des liaisons” (o
maior, com 59 textos), “La cage aux filles”, “Scènes de la vie cléricale”, “Ironies et
horreurs de la guerre”, “Le massacre des innocents”, “Les chemins de la démence” e
“Diverses créatures”. É claro que o organizador apenas propõe uma leitura, e o leitor,
dispondo dos textos, pode lê-los como bem quiser. Mas é também nosso dever
questionar a classificação: “Le champ d’oliviers” está no grupo das cenas da vida
73
Idem.
Guy
de Maupassant
. Paris:
Armand Colin, 1933
, p. 181
.
74
ROGER, Jacques (Dir.). Histoire de la Littérature Française. Paris: Armand Colin, 1970, t. 2: Du
XVIII
e
siècle à nos jours. (Collection U), p. 856. O próprio Dumesnil falou em ciclos (normando,
fantástico, guerra, cenas da vida do escritório, da vida mundana, semelhantes àqueles com que reuniu
Balzac toda a sua produção), reunidos sobre a unidade da obra de Maupassant. Idem. Le Réalisme et
le
Naturalisme
. Paris: Del Luca de Gigord, 1955, p. 341-352. Também Henry James, no artigo citado,
separou os contos em três grupos: os que tratam dos camponeses normandos, os sobre os pequeno-
burgueses (em Paris) e os fantásticos e sobrenaturais. JAMES, Henry. Op. cit., p. XII.
75
MAUPASSANT, Guy de. Contes et novelles. (Dir. de Albert-Marie Schmidt). Paris: Albin Michel,
1972. 2 t.
52
clerical apenas pela profissão do protagonista, mas o sentido geral no conto permitiria
que ele configurasse também nos caminhos da demência ou mesmo entre os confinados;
por outro lado, L’ermite” (que está no grupo dos caminhos da demência) poderia
juntar
-se ao “M. Jocaste” entre os perigos das relações ou mesmo entre os confinados;
“La ficelle”, entre os dramas e propósitos rústicos, bem poderia estar nos perigos das
relações. A classificação é, afinal, uma escolha do organizador, que se coloca no papel
do autor e decide por si mesmo. De qualquer modo, sua edição é respeitável pelo
cuidado e pelas explicações introdutórias.
76
Ainda na edição de Alb
ert
-Marie Schmidt, o texto “La bécasse”, com o qual
Maupassant introduziu o volume Contes de la bécasse, aparece abrindo a antologia, o
que mostra a i
mportância que o organizador dá, de certa forma
,
ao aspecto estrutural das
narrativas do escritor. A questão estrutural dos narradores dos contos (mais do que das
novelas) é a que mais nos interessa nesta dissertação, uma vez que a recepção criativa
de Mau
passant no Brasil demonstra ser esse o aspecto mais retrabalhado.
Veremos
que
críticos como José Veríssimo e Otto Maria Carpeaux (entre
inúmeros estudiosos estrangeiros) ocupa
m-
se
de Maupassant
sobretudo pelo seu vínculo
com a tradição do conto popular medieval francês, os
fabliaux
, em que as marcas da
oralidade e a função lúdica, de passatempo, eram principais. Sherazade, em As mil e
uma noites representava no Oriente o papel de contadora de histórias enquadradas. A
partir do período clássico, Bocaccio, em seu De
cameron
, compilou novelas literárias,
enredadas sob um plano comum, cuja estrutura retoma o aspecto aparentemente
improvisado da narrativa, ali inseridas também com a utilidade de divertimento e
proveito moral. No século XIX, Maupassant reintegrou, com diversos outros contistas
de seu tempo, o Nouveau Décaméron, que procurava recuperar a tradição italiana (a
qual tinha sua versão francesa no
Heptaméron
, de Margueritte de Navarre, de 1558-
76
um
competente
estudo
temático
acadêmico foi realizado a partir da proposição de Albert-
Marie
Schmidt
por Lídia Fachin. A estudiosa brasileira, a meu ver, superou mesmo a proposta do organizador
(que se prevalece da biografia do autor para reunir os contos fantásticos), tomando por teoria os estudos
de Bachelard, Jean-Pierre Richard, Todorov, Castex e Louis Vax. À página 31, ela constata que quase
todos os contos do grupo “Les chemins de la démence” são narrativas enquadradas, o que prova a
importância desse recurso também nas narrativas fantásticas do autor.
FACHIN,
Lídia.
La nuit dans les
co
ntes et nouvelles de Maupassant: les chemins de la démence
.
São Paulo, 1976. Dissertação (Mestrado
em Literatura Francesa).
FFLCH
-
USP
. Essa constatação põe em dúvida a afirmação de Todorov, de que
os contos fantásticos mais convincentes de Maupassant são aqueles em que o narrador relata em primeira
pessoa; a narrativa enquadrada, forma predileta de sua recepção aqui, não contribuiria para o gênero.
TODOROV. Op. cit.,
p. 91.
53
1559), em cem histórias, contadas em dez dias, e publicadas em dez volumes.
77
Entre
1884 e 1887, Zola, Maupassant, Villiers de l’Isle Adam, E. About, Catule Mendès,
François Coppée, entre outros, publicaram ali seus contos, emendados por um narrador
comum, que apresentava as histórias.
Os contos enquadrados de Maupassant ou seja, em que pelo menos dois
narradores, um heterodiegético (externo ao evento relatado) e outro homodiegético (que
testemunhou o evento) ou autodiegético (protagonista do evento), para usarmos a
classificação greimasiana consagrada
78
correspondem a cerca de metade de sua obra
contística, segundo nos informa Jaap Lintvelt.
79
Leyla Perrone-Moisés, em um artigo
sucinto, mas bastante abrangente, escrito na cada de 1960, tratou da arte do contista
Maupassant. Para ela, o encaixamento de narrativas rende verossimilhaa ao relato, uma
vez que dá fala àqueles que experienciaram a história:
Não é fácil, repetimos, encontrar em nosso século ou nos anteriores um contador de
histórias como Guy de Maupassant. A
sabedoria
do contista se revela,
primeiramente, em alguns truques de técnica narrativa por ele descobertos e usados
com êxito absoluto. Um desses truques é a dosagem do “suspense”. Em seus contos,
o “caso” é sempre narrado por uma personagem que dele participou, revestindo-
se
assim de to
do o prestígio e a força comunicativa do fato verídico.
80
A fortuna crítica francesa de Maupassant apresentou diversas maneiras de explicar
o porquê dessa estrutura recorrente no conjunto dos contos do autor.
Vejamos rapidamente
algumas delas, que nos
interessam neste estudo, pelas suas implicações teóricas.
Mary Donaldson-Evans, ocupada com a problemática feminina em Maupassant,
em seu artigo “La femme (r)enfermée chez Maupassant”,
81
conclui que a quase ausência
de foco narrativo feminino, a ideologia religiosa e médica da época propalada sobre a
mulher (a idéia da mulher-armadilha, filha de Eva, e da mulher progenitora) ao que se
poderia ainda acrescentar o enclausuramento espacial (na casa), social (a “femme du
monde” e a “femme du foyer”, segundo Lintvelt) e amoroso –, mas sobretudo a
“claustration formelle” da narrativa enquadrada mostram um posicionamento
77
Sobre o Nouveau Décaméron, ver GODENNE, René. Pistes pour une étude de la nouvelle au XIX
e
siècle
.
Études sur la nouvelle de langue française
. Paris: Honoré Champion, 1993, p. 49
-
63.
78
Os termos empregados para a classificação dos narradores apresentam-se resumidos em: REIS, Carlos;
LOPES, Ana Cristina M.
Dicionário de narratologia
. 4.
ed. Coimbra: Li
vraria Almedina, 1994, p. 257
-
274.
79
LINTVELT, Jaap. La polyphonie de l’encadrement dans les contes de Maupassant. In:
MAUPASSANT
et l’écriture. Actes du colloque de Fécamp. Direction de Louis Forestier. Éditions
Nathan, 1993, p. 173. Nesse artigo, o
estud
ioso afirma que 144 narrativas enquadradas, dentre as 301
reunidas por Louis Forestier, na edição da Pléiade dos Contes et nouvelles
.
80
PERRONE
-
MOISÉS, Leyla.
Maupassant, contador de histórias.
Suplemento literário de O Estado de S.
Paulo
, São Paulo, 12
de dezembro de 1964.
81
In:
MAUPASSANT
et l’écriture. Op. cit.
54
ideológico, o do autor, mas do narrador de Maupassant. O que nos interessa aqui é
como um estudo da forma da narrativa enquadrada levou a conclusões na ordem da
interpretação da obra de Maupassant, por meio das suas escolhas formais. A autora
conclui: “En fait, chez Maupassant, la prison la plus efficace de toutes, c’est sa forme
narrative de prédilection
: le récit encadré.”
82
No artigo de Lintvelt mencionado, o autor apresenta uma outra interpretação
para a preferência de Maupassant por essa estrutura narrativa. Ele faz uma análise da
relação entre os narradores externo e interno, a reação das personagens-ouvintes e do
leitor, partindo do conc
eito de polifonia de Mikhail Bakhtin. Contra o argumento acima,
de Donaldson
-
Evans, vemos que mesmo em contos cujo narrador é masculino, por meio
da narrativa encaixada, pode-se levar o leitor a posições diversas e ambíguas quanto à
composição das personagens; Lintvelt cita o conto “Histoire vraie”, em que apesar de o
relato do narrador autodiegético descaracterizar a personagem feminina em questão,
Rose, o narrador heterodiegético leva o leitor a compadecer-se dela. Desse modo, esse
crítico conclui que essa estratégia formal complexa é um recurso que expressa o
objetivo estético de Maupassant de sugerir, de compor dissimulada e dubiamente, de
maneira que o leitor busque uma interpretação que não é dada diretamente pelo autor.
Essa teoria está expressa no prefácio de Maupassant a Pierre et Jean, do qual algumas
passagens vêm citadas no seguinte trecho do artigo de Lintvelt:
L’image de femme, fournie par la narration féminine ne diffère donc pas
essen
tiellement de celle donnée par l’homme, et la réception minine ne rend pas
forcément toute la complexité d’un récit féminin. C’est toujours au lecteur de jouer
un rôle actif dans l’interprétation idéologique.
C’est justement l’objectif esthétique de Maupassant, qui estime que le romancier
devra “composer son oeuvre d’une manière si adroite, si dissimulée”, qu’il soit
impossible de “découvrir ses intentions”, sa “vision personnelle du monde”. Le but
du romancier est de forcer le lecteur “à comprendre le sens profond et caché”.
83
Lintvelt leva-nos a analisar minuciosamente cada uma das vozes enquadradas,
de modo a delas extrair a “sugestão” que todo verdadeiro narrador, segundo Walter
Benjamin,
84
oferece e que faz parte da teoria da verossimilhança de Maupassant: “La
technique narrative de l’encadrement et la réception interne du récit à cadre favorise
donc l’esthétique de Guy de Maupassant, pour qui: ‘Le romancier n’a pas à conclure;
82
Idem, p. 73, grifo meu.
83
LINTVELT, Jaap. Op. cit., p. 180.
84
BENJAMIN, Walter. Op. cit., p. 200.
Retomaremos a teoria de Benjamin no capítulo 3.
55
cela appartient au lecteur.’”.
85
Mais uma vez, portanto, temos uma análise e
interpretação da forma, as quais conduzem de uma maneira mais exaustiva a uma
compreensão da estética do autor. Veremos como a tradição do contador de histórias foi
retomada por Monteiro Lobato,
no capítulo 3.
Se metade dos contos de Maupassant retoma essa estrutura, que se resolve
melhor na narrativa mais concisa, ainda temos a mostrar nas novelas as particularidades
do autor. Não é preciso dizer que os seus dois textos mais conhecidos e traduzidos,
Boule de Suif
e
Le Horla,
enquadram
-se nesse gênero. Uma pesquisadora acadêmica
se ocupou em analisar a presença de Boule de Suif na canção “Geni e o Zepelin”, de
Chico Buarque,
86
evidenciando que a releitura temática e ideológica do autor, além da
estrutural, também foi operada por aqui. Enquanto Maupassant ataca as três classes
(nobreza, clero, burguesia), mostrando que a personagem marginalizada, a prostituta,
era a mais digna e a única a inspirar o sentimento patriótico verdadeiro, Chico Buarque
faz a sua crítica ao período militar no Brasil por meio da prostituta Geni.
Entre as novelas, queríamos
ainda
regis
trar a fina ironia de Maupassant
em
“Les
dimanches d’un bourgeois de Paris”,
publicado
postumamente. O protagonista M. de
Patissot (de nome bastante sugestivo) é um funcionário público atendendo ao desejo
expresso do autor de ridicularizar a classe encaixado pela família, que se mantém no
cargo devido à sua hábil capacidade de mudar de opinião e fazer os outros acreditarem
nisso: em tempos do Império, veste-se como o imperador, durante a República, mostra
sentimentos de republicano nato. Maupassant extrai humor das diversas peripécias
dominicais desse burguês de Paris, nos dias preenchidos seja com as festas da
República, seja com uma tarde de decepção com uma prostituta, seja com as sessões
públicas feministas, consideradas histéricas e inúteis, mas imperdíveis pelo bom
burguês.
Se em crônicas e neste texto
Maupassant
ridiculariza o movimento feminista,
87
em diversos outr
os
teve oportunidade de defender, ao seu modo, a mulher marginalizada
socialmente
a prostituta, como vimos (também nos contos “Le lit 29”, “Mademoiselle
Fifi”, “L’odyssée d’une fille”, entre outros), a mãe solteira (a empregada Rosalie, de
Une vie
;
a Blanchotte, de “Le papa de Simon”). Ainda que a sua obra
se
distancie do
85
Idem, p. 185.
86
MARQUES, Alice Drumond.
Te
mpo de exclusão no espaço da prostituição: um estudo comparado das
obras
“Bola de sebo” de Guy de Maupassant e “Geni e o Z
epelin
de Chico Buarque de Hollanda
.
Brasília, 2004. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade de Brasília, Instituto de Letras, 2004. 69
p. Orientadora: Sylvia Helena Cyntrão.
87
Cf. a crônica “La Lysistrata moderne”. Disponível no site <http://maupassant.free.fr>.
56
caráter sociológico da obra de Zola, a tendência de valorização das personagens
humildes e da ironia cruel contra os burgueses e
os
funcionários.
Quanto aos temas mais discutidos entre os críticos nos contos e
nas
novelas do
autor, gostaríamos de apontar algumas questões sobre o amor. Nas relações amorosas,
nem sempre acidentadas, não apenas a visão pessimista schopenhaueriana
sobre
a
mulher
-armadilha, o que foi muito bem discutido por Besnard-
Coursodon.
88
Maupassant
divertiu
-se em pintar certa complacência entre o marido e o amante da mulher: desde os
rom
ances
Bel
-
Ami
(entre Duroy e M. de Marelle
)
e
Mont
-
Oriol
(entre Brétigny e
Andermat
) até os contos “Le gâteaue “La porte”; assim como certa malícia e sedução
feminina, que n
em sempre
leva à fatalidade (
por exemplo,
“Id
y
lle”, “Le signe”).
O determinismo e o fatalismo, freqüentes no romancista, se vêem nuançados pela
arte do contista. M. Leras, o protagonista do conto “Promenade (1884), é um
instrumento da ironia e da crítica social à classe que Maupassant desprestigiava na
crônica “Les employés”.
89
Ce
rta irreversibilidade das personagens romanescas, as quais
pouco podem contra o fátuo, flexibiliza-
se
nos contos e novelas: muitas vezes elas fazem
as suas escolhas. O coup de théâtre apresenta-
se
quase sempre nesses casos, com uma
finalidade estrutural no conto maupassantiano, e reincide numa reavaliação do estado da
personagem e
de
sua função na fábula.
Sobre o gênero fantástico, é notório que Maupassant desde a sua primeira
narrativa publicada, “La main d’écorché”, era atraído pelo gênero,
sobre
o qual tinha
suas próprias teorias, conforme vimos em “Le fantastique”. Albert-Marie Schmidt
90
e
muitos outros, conforme veremos no próximo capítulo, atribuíram o fantástico à sua
doença nervosa, tema o qual Schmidt interpreta como psicanálise avant la lettre. M
arie
-
88
BESNARD-COURSODON, Micheline. Étude thématique et structurale de l’oeuvre de Maupassant: le
piège. Paris
: Éditions
A.
-G. Nizet, 1973. A autora estuda nas obras ficcionais do escritor as relações
ardilosas impostas pela figura feminina por meio do amor, da natureza e de Deus. Faz um levantamento e
analisa a recorrência das imagens da armadilha nos textos, o que contribu
i para a exímia argumentação da
estudiosa na defesa da sua tese.
89
Nessa crônica, de 1882, o autor traça o comodismo e a passividade do funcionário; seu destino é
cruelmente uma espécie de vingança do fátuo – o seu destino foi resultado de sua própria esc
olha:
“L’employé ne quitte point son bureau, cercueil de ce vivant; et dans la même petite glace il s’est
regardé, jeune, avec sa moustache blonde, le jour de son arrivée, il se contemple, chauve, avec sa barbe
blanche, le jour il est mis à la retrai
te.
Alors, c’est fini, la vie est fermée, l’avenir clos. Comment cela
se fait-il qu’on en soit là, déjà? Comment donc a-t-on pu vieillir ainsi sans qu’aucun événement se soit
accompli, qu’aucune surprise de l’existence vous ait jamais secoué? Cela est pourtant. Place aux jeunes,
aux jeunes employés! / Alors on s’en va, plus misérable encore, avec l’infime pension de retraite. On se
retire aux environs de Paris, dans un village à dépotoirs, où l’on meurt presque tout de suite de la brusque
rupture de cette longue et acharnée habitude du bureau quotidien, des mêmes mouvements, des mêmes
actions, des mêmes besognes aux mêmes heures.” MAUPASSANT, Guy de. Choses et autres: choix de
chroniques littéraires et mondaines (1876
-
1890). Paris: Librairie Générale Françai
se
, 1993, p.
329.
90
SCHMIDT, Albert
-
Marie.
Op. cit.
57
Claire Bancquart
,
entre outros críticos, rebateu a importância em deixar
-
se de observa
r
o
fantástico
como um produto da doença terminal do
escritor
.
91
No estudo “Maupassant,
un homme énigmatique”, ela argumenta muito bem
sobre
este ponto de vista, o qu
al
compartilhamos:
[...] Mais le lecteur français est tellement méfiant devant l’irrationnel qu’il voudrait
à toute force le caser dans une catégorie spéciale, le rendre inoffensif: voyez, c
’est
un fou qui écrit des histoires de folie; nous pouvons les lire sans être entamés par
elles! Pareille assertion ne résiste pas à l’examen. Dans la courte et si remplie
carrière littéraire de Maupassant, les contes fantastiques sont présents dès le début
(“Sur l’eau” fait partie de La Maison Tellier, “Fou?” de
Mademo
iselle Fifi) et
connaissent un maximum de fréquence en 1885-1886, le moment du
Horla
, pour
diminuer en nombre ensuite, comme si Maupassant avait précisément reculé devant
des récits qui mettraient en scène un destin dont il sentait qu’il serait le sien. Il n’a
pas donné de place spéciale à ses contes fantastiques, qu’il a fait paraître dans des
recueils ils avoisinaient des récits dits “réalistes”. Et quand il les a écrits, il
n’était pas “fou”. Il maîtrisait parfaitement son sujet et son écriture; il pr
enait
distance. Le moment Maupassant sombre dans la folie, c’est précisément celui
il cesse d’intéresser la littérature: il hésite, il commence des romans, restés
inachevés; puis il n’écrit plus rien, toute création artistique procédant d’un contrôle
dont il est désormais incapable. Les contes fantastiques sont l’indice d’un
tempérament sensible jusqu’
à la souffrance [...]
[...] Maupassant fonde ses récits fantastiques, sur le risques d’aliénation constants
de notre être
.
92
O fantástico do nosso au
tor
impôs um desafio ao cartesianismo francês.
Não
precisamos ser loucos para sofrermos um desdobramento de personalidade. O duplo
maupassantiano se impõe em muitas relações, sejam elas amorosas, sejam as de um
simples diálogo. A ilusão da arte do escritor realista trabalha as soluções racionalmente
viáveis, mas impõe um sentimento do fantástico (uma hesitação)
93
que se passa dentro
de nós, em que a nossa própria identidade, mesmo que por alguns instantes, é posta em
jogo.
Medeiros e Albuquerque reaproveitou algumas estratégias do fantástico
91
BANCQUART, Marie-
Claire.
Maupassant conteur fantastique. Lettres Modernes: Minard, 1976.
BANCQUART, Marie-Claire. Maupassant, un homme énigmatique. In: MINISTÈRE DES AFFAIRES
ÉTRAGÈRES
. Guy de Maupassant. Paris: A.D.P.F., 1993. Brito Broca nos informa de outras fontes que,
antes de Bancquart, puseram de lado esse tipo de interpretação: “O movimento natural da crítica e da
história literária sempre foi admitir que Maupassant, quando escreveu essas páginas, experimentava os
primeiros sintomas da loucura em que mergulharia nos últimos anos de vida. Ninguém se lembrava de ver
no
Journal
, dos Goncourt, um depoimento de Porto Riche a 21 de julho de 1893. Dizia o comediógrafo de
L’Amourese
ter sido ele quem deu a Maupassant o assunto de Le Horla, e assim, quando via pessoas
descobrirem nesse conto o comêço da loucura do romancista, não podia deixar de exclamar: “Se existe ali
um louco, o louco sou eu”. E pesquisas posteriores, principalmente as de René Dumesnil, mostraram, de
maneira cabal, que Maupassant estava perfeitamente são quando escreveu êsse e outros contos do mesmo
gênero.” BROCA, Brito.
Letras Francesas
.
Org. e Pref. Francisco de Assis Barbosa.
São Paulo: Conselho
Estadual de Cultura, 1969, p. 268.
92
BANCQUART, Marie
-
Claire.
Ma
upassant, un homme énigmatique. Op. cit.
, p
.
15
-17.
93
Retomamos a definição de Todorov e de Maupassant, dadas na parte 4 deste capítulo.
58
maupassantiano em seus contos. Ao contrário do que supôs Araripe Júnior, o gênero a
hoje tem seus exemplares na Literatura B
rasileira.
94
O valor dado ao contador de histórias e ao diálogo em algumas de suas crônicas
(ver
respectivamente “Le fantastique” sobre o contista Turguenieff –, “Les causeurs”
e “La finesse”), e sobretudo nos seus contos, atraiu-nos para uma parte de sua obra que
nos guia no estudo de sua recepção no Brasil.
Assim como Otto Maria Carpea
ux, acre
ditamos que a
leitura atual dos contos de
Maupassant não
prescinde
mais dos valores pessimis
tas
sc
hopenhaueriano
s, nem releva
a precisão com que “o Homero desse mundo parisiense” (nas palavras de Carpeaux)
retrata os seres naquele século XIX, que para nós existe na
s
telas dos pintores, nas
descrições pitorescas do autor e nas gravuras de suas obras pela edição Ollendorf. Um
riso muito cômodo aparece ao lermos histórias como a do camponês Toine, rimos com
Ça ira, uma heroína sem nenhum caráter. Um riso am
argo,
95
quase cruel, nos sobrevém
diante
dos destinos trágicos de outros seres de papel, como o do M. Leras e o de
Moiron
; o patético e a identificação não são
mais necessariamente
os elementos motores
da releitura. Não pessimismo constante; tudo se move em Maupassant. Relemos seus
contos por um prazer divertido que sentimos por meio da sua prosa muito clara, muito
precisa
ao narrar e que pode
despertar quase tudo no leitor:
depende somente deste.
Tais histórias fizeram escândalo na época. Falava-se de naturalismo grosseiro,
fotografia anti-artística da realidade. Hoje quase não reparamos mais a realidade
atrás desse tecido denso de encontros inverossímeis, embrulhadas artificiais e
soluções engenhosas. Parecem tão irreais como os alegres “fabliauxfranceses da
Idade Média e as farsas caricaturais de Molière.
96
94
Pessoalmente, esse crítico se colocou contra a produção brasileira que alçou vôos pelo
sobrenatural,
pois via mero empréstimo acrítico daquilo que tinha razão de ser somente na Europa, por razões
históricas.
ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Romancistas, o demonismo no romance...
Movimento
literário de 1893
.
Obra crítica de Araripe Júni
or.
Org. e dir. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Cultura, Casa de Rui Barbosa. 1963, v. 3, p. 166-
167.
José Paulo Paes mostrou
a sobrevivência do gênero, uma vez que o papel da literatura fantástica, de questionar a tirania da
rac
ionalidade, se prevaleceu com o advento da psicanálise e da parapsicologia, pois elas se
encarregaram de codificar os objetos do fantástico, o mundo dos sonhos, dos desejos, libertando o
fantástico de seus “compromissos com a hesitação entre o natural e o sobrenatural e com a proibição da
visada metafórica ou alegórica”, defendida por Todorov. PAES, José Paulo. As dimensões do fantástico.
Gregos e baianos:
ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 191
-
192.
95
Bacquart já disse que o pessimismo de Maupassa
nt se exprime por meio de um sorriso.
BANCQUART,
Marie
-
Claire. Op. cit., p. 10
-
11.
96
CARPEAUX, Otto Maria. Op. cit., p. 1.
59
8. Uma síntese da recepção de Guy de Maupassant
na França
A primeira recepção de Maupassant foi das mais favoráveis de seu tempo. Após
cerca de dez anos escrevendo versos e contos, a partir de 1875 publicados aqui e ali sob
pseudônimos, o escritor ganhou celebridade rapidamente quando, em 1880, a novela
Boule de Suif saiu em Les soirées de Médan.
97
Desse mesmo ano datam Des vers, cujo
sucesso foi ainda mais favorável após a
repercussão negati
v
a sobre “Au bord de l’eau”.
A sua consagração em vida e a sua imediata ascensão no meio literário são
objeto de comentário de quase todos os estudos franceses dedicados ao autor. No Brasil
também, como veremos, esse era um elemento valorizado entre os críticos. Ao
tomarmos os depoimentos de seus contemporâneos, notamos uma redenção quase geral
à sua arte. Vejamos algumas opiniões de escritores do seu tempo, dadas no
Écho
de
Paris, conhecidas por meio de um jornal brasileiro, que as publicou no momento da
m
orte do escritor.
98
Maupassant é da família dos simples, claros e fortes, que eu adoro. Sua nomeada,
tão grande e tão rapidamente adquirida, deve-a elle ao facto de ter em si o melhor
genio francez: — a nitidez de observação e a saude do estylo. Talvez ex
istam
artistas mais penetrantes. Não conheço, porém, novellista mais solido e mais
completo. Com os seus contos elle deixará obras-primas em que resplandescem
todas as qualidades da raça.
Emilio Zola
[...] Mas que quereis que se diga desse novelista robusto e sem defeitos, que narra
tão facilmente como eu respiro, que nos dá obras-primas como as macieiras da sua
terra dão maçans [sic], do qual a propria philosophia é redonda e clara como uma
maçan
? Que quereis que se diga delle, senão que elle é
perfeito,
e forte como um
Turco?
Julio Lemaitre
Para mim, a qualidade mais importante de Maupassant, é de ter sido um verdadeiro,
um sincero
amador
da mulher, e, por isso mesmo, de ter tratado o amor com um
conhecimento pratico, uma auctorid
ade que não tem nenhum dos seus confrades.
Edmundo de Goncourt
Maupassant inspira
-
me uma grande admiração quase misturada de antipathia.
97
Volume coletivo, que reúne novelas de Zola, Maupassant, Huysmans, Paul Céard, Paul Aléxis e Léon
Hennique, tendo por quadro a Guerra Franco-Prussiana, elaboradas durante as reuniões na casa de Zola
(Médan). A idéia da publicação partiu do anfitrião. Sobre a gênese desse volume, ler a crônica de
Maupassant “L
es
S
oirées
de
M
édan
Comment ce livre a été fait”, publicada em Le Gaulois
,
17 avril
1880; quanto à opinião sincera de Maupassant sobre os outros contistas ali incluídos, ver sua carta a
Flaubert, datada de fim de abril e 1880 disponíveis no site <
http://
maupassant.free.fr>.
Outras
informações sobre a recepção crítica de Maupassant na França foram dadas em VINCENT, Emmanuel.
Maupassant et ses oeuvres: l’instant critique.
Maupassant 2000
. Bulletin Flaubert
-
Maupassant, n. 9, 2001,
p. 279
-
293.
98
O Estado de São Paulo
, 16 de julho de 1893, p. 1. Mantemos a grafia original.
60
Elle falla uma bella lingua sombria, sempre justa, maravilhosamente precisa. Escreveu
ironicas obra-primas, das quaes a mais perfeita, a meu vêr, é talvez La Maison Tellier
.
Mas em parte nenhuma, nem mesmo entre os naturalistas mais exaggerados, se
encontra esta completa ausencia de arroubo, esta chateza tranquilla e satisfeita, esta
alegria de verificar que nós mesmos so
mos apenas materia pesada e ruim.
Só no pavor e na loucura, elle apparece como poeta, — bem grande, mas tão
sombrio!
P. Loti
[...]
Guy de Maupassant é um auctor adorado pelos caixeiros viajantes. Suas novellas
podem lêr-se de uma estação a outra; as suas phrases curtas são rythmadas ao
balanço dos vagões e os seus personagens, que são os proprios que o admiram,
encontram
-se em qualquer mesa de hotel do interior. Por isso mesmo adquiriu elle
rapida fortuna e popularidade que merece todo o naturalista; este sucesso devia
desagradar
-lhe, porque Maupassant revela nos seus contos uma alma superior ao
seu publico, uma alma revoltada contra os Bouvards e Pecuchets, cuja admiração
elle provocou.
S
tuart Merrill
E não foram os romancistas ligados à estética realista que se colocaram a seu
favor. Como se viu acima, ele foi logo desligado dos princípios da escola para ser visto
como um clássico. Anatole France (1844-1924), em 1890, disse que Maupassant “a un
talent si ferme, une telle sûreté de main, une si belle franchise qu’il faut bien le laisser
dire et le laisser faire.”
99
Stéphane Mallarmé (1842-1898), no comentário seguinte,
obtido de um depoimento a um jornal da época, serve-nos também de exemplo da
amplitude dessa primeira recepção:
S
UR
MAUP
ASSANT
Je l’admire, à cause de dons! Je ne peux oublier, en les loisirs instinctivement que
mon choix se portait sur une oeuvre de Maupassant, pour aérer le regard et le lire
limpidement, pour lire. Le charme, au lettré, qu’ici l’afflux de la Vie ne relègue le
style
; un mélange savoureux, plutôt et, par l’intermédiaire des mots, avec leur
valeur, elle paraît. L’écrivain, conteur quotidien, est de race.
100
Francisque Sarcey (1827-1899), crítico literário do Le temps, um dos mais
respeitados da sua época (mas enormemente criticado pelos artistas das gerações
seguintes, como Antoine), na ocasião da encenação de
Musotte
, fez uma crítica muito
favorável ao autor:
C’était pour nous une question de savoir si M. Guy de Maupassant aurait le style du
théâtre, comme il a celui du roman. L’épreuve est faite aujourd’hui. M. de Maupassant
écrit naturellement une des meuilleures langues qui se soient jamais parlées à la scène:
une langue sobre, ferme, lumineuse, ou chaque mot relui et porte.
101
99
FRANCE,
Anatole.
Le temps
, 22 de junho de 1890. Apud: MAUPASSANT, Guy de.
Romans.
Op. cit.,
p. 1626.
100
MALLARMÉ, Stéphane.
Oeuvres complètes
. Paris: Gallimard, 1945. (Bibliothèque de la Pléiade), p. 875.
101
Le
Temps
, 9 mars 1891.
Apud
: VINCENT, Emmanuel. Op. cit.,
p. 280
-281.
61
É evidente que as opiniões que circulavam na França nessa época influenciaram
a sua chegada até nós, mas, por outro lado, não justificaram a sua permanência.
Entretanto, não podemos crer, como fizera um cronista brasileiro, que fosse unânime, na
França, a admiração de sua obra entre os seus contemporâneos. Mas é sintomático que,
mesmo entre os críticos mais avessos ao Naturalismo, sua arte também agradasse de
algum modo. Ferdinand Brunetière (1849-1906) foi-lhe ao menos simpático em dois
artigos, de 1883 e 1884, por ocasião da publicaç
ão de
Une vie
:
M. Guy de Maupassant a placé en tête de son dernier roman, Une vie, cette
épigraphe:
“L’humble vérité”. Humble, c’est déjà un progrès. La vérité était moins
humble, n’est-ce pas? dans La Maison Tellier. Vous verrez que le réalisme il faut
dire aussi que M. de Maupassant n’est pas qu’un demi-
réaliste
finira par quitter
les bas
-
fonds et les cloaques. [...]
Tous
le
s défauts qu’exige l’esthétique naturaliste, M. de Maupassant les a, mais il a
aussi quelques qualités qui sont assez rares dans l’école. Ainsi, j’ose à peine l’en
féliciter, mais il y a chez lui quelques traces de sensibilité, de sympathie, d
’é
motion
:
dans
Le Papa de Simon, [...] dans Une vie [...]. Comme Flaubert, il manque surtout
de goût et de mesure. Sans cela, sans quelques
pages qui semblent une gageure,
Une
vie
serait presque une o
e
uvre remarquable. [...]
102
Em 1885,
Brunetière
escreveu um artigo sobre
Bel
-
Ami
e, em 1887, sobre
Mont
-
Oriol
, o que mostra que perseguia atenciosamente a produção do escritor normando.
Mais tarde, entre 1889 e 1890, não seria somente simpático, como intermediaria a
publicação de Notre Coeur, na Revue des D
eux
M
ondes
. As cartas trocadas entre o
escritor e o crítico revelam a amizade estabelecida entre os dois, o que permitiu até
mesmo a interfer
ência do c
olega
sobre a redação desse romance de Maupassant.
103
Albert Thibaudet (1874-1936), crítico de outra geração e orientação, em 1936
ainda era sensível aos contos e aos romances do escritor normando. Na única página
dedicada ao autor, na sua
h
istória
da
L
iteratura
Francesa, selecionamos este parágrafo:
Tout d’abord il est dans la littérature le maître certain du conte, supérieur à
Mérimée
par la solidité et la variété des êtres vivants qu’il pétrit dans une pâte de
peintre au lieu d’évoquer les traits comme le grand dessinateur de la Partie de
102
O primeiro excerto faz parte de um artigo publicado na
Revue Bleue
, em 21 de abril de 1883; o segundo,
em
La Revue des Deux Mondes, em de agosto de 1884. Citamos ambos a partir de Louis Forestier, nas
notas a Une vie, em MAUPASSANT, Guy
de.
Romans
. Op. cit, p. 1246. Sabemos também que Brunetière
dedicou todo um ensaio a Maupassant no volume Le roman naturaliste, de 1883. Infelizmente, o único
exemplar localizado por nós no Brasil, descrito no fichário da Biblioteca Mário de Andrade, não é liberado
para consultas, pois (segundo informado) está
em
condições precárias de conservação.
103
Louis Forestier transcreve essas cartas e oferece os detalhes aqui apenas apresentados.
MAUPASSANT, Guy de. Op. cit., p. 1623
-
1625.
62
Trictrac
, supérieur à Alphonse Daudet non seulement par la richesse de la
production, mais par un art plus mâ
le, plus tonique, plus direct.
104
Voltando aos primeiros momentos da recepção, quando Maupassant ai
nda
produzia e publicava sua obra, as críticas mais acerbas vinham daqueles que se sentiam
de algum modo apunhalados pelas críticas diretas do cronista ou do romancista. A
classe dos jornalistas se opôs ao retrato de Georges Duroy, em diversos artigos na
imprensa, quando da publicação de
Bel
-ami
(1885)
.
105
Edmond de Goncourt (1822-
1896) desde o início evitava elogiar Maupassant, que ascendera tão rápido e publicava
mais que ele próprio, mas ofendeu-se de vez com os comentários do nosso escritor
contra a escritura artística, em “Le roman”. O autor de La fille Élisa então não se
poupou a este comentário no seu
Journal,
em 9 de janeiro de 1888
:
“une page de
Maupassant n’est pas signée, c’est tout bonnement de la copie courante appartenant à
tout le monde.”
106
São, em geral, os escritores franceses posteriores ao Realismo os que mais
negativamente vêem Maupassant, mas também essa posição não é unânime. Temos um
documento bastante relevante da recepção ulterior à morte do autor no inquérito
realizado por Artine Artini
an e publicado em
Pour et contre Maupassant
. Ela interrogou
147 escritores franceses e estrangeiros, entre as cadas de 1930 e 1950. No estudo que
abre esses testemunhos, Artinian explica que a obra de Maupassant, nos primeiros anos
do século XX, foi vítima da evolução do romance; com as experiências freudianas e os
romances de Proust, os livros de Maupassant foram deixados um pouco de lado.
107
Houve a reação dos que eram contra a arte objetiva e também contra o que, para muitos,
se tornou o estereótipo do c
onto maupassantiano.
De plus, la vogue pour les nouvelles, lancée par notre auteur, suscita de nombreux
imitateurs, imitateurs incompétents pour la plupart et trompés par l’apparente
simplicité des récits qui firent la fortune de Maupassant. Leurs excès p
rovoquèrent
une réaction générale et inévitable: ainsi, pendant la guerre et tout de suite après, sa
réputation semble vraiment baisser et ceci est tout à fait normal car on est alors aux
beaux jours du surréalisme et de la psychologie proustienne.
108
104
THIBAUDET, Albert. Op. ci
t., p. 376.
105
A esse respeito, ver também as notas de Forestier em: MAUPASSANT. R
omans
. Op. cit., p. 1324-
1346. Em “Aux critiques de ‘Bel-
Ami’”
, Maupassant escreve uma carta aberta a esses jornalistas que se
sentiram ofendidos
,
publicada n
o
Gil Blas
de 7 de junho de 1885
.
106
Citado por TROYAT, Henri.
Op.
c
it.
, p. 182. Sobre a intriga com Goncourt, outros elementos no
artigo citado de Emmanuel Vincent, p. 279
-281.
107
ARTINIAN, Artine.
Pour et contre Maupassant
. Op. cit.
, p. 8.
108
Idem, p. 10.
63
Ac
rescente
-se a isso a velha idéia, retomada desde os primeiros anos do culo
XX, de que o conto era um gênero qualitativamente menor, segundo expressa o
depoimento de Hervé Bazin, nos anos 50. Também Monteiro Loba
to
passou por esse
questionamento, retomado
ao longo de sua carreira.
109
Segundo
Artine Artinian, após 1925, houve uma retomada de Maupassant na
França, cuja reabilitação só cresceu nas décadas seguintes, quando, em 1950, foi fundada
a sua primeira associação, a Société des Amis de Guy de Maupassant
. Hoje em dia, temos
conhecimento de duas associações que têm o escritor normando por patrono: a
A
ssociation des Amis de Guy de Maupassant
, com sede em Marseille, criada em 1991 por
Jacques Bienvenu; e a Association des Amis de Flaubert et de Maupassant, com sede na
universidade de Rouen, sob direção de Yvan Leclerc. Cada uma delas publica anualmente
um boletim sobre o autor, contendo os estudos mais recentes dos especialistas no autor.
Nos depoimentos dos escritores e críticos europeus sobre a obra de Mau
passant,
concedidos a Artinian, eles apresentam as suas obras prediletas, muitos dos quais
elogiam os contos e afirmam que os romances envelheceram (Auguste Bailly, André
Gide). É comum o reconhecimento de que o sucesso maior do autor, à essa época, está
entre a massa (o grande público) e em países estrangeiros, da América, na Inglaterra, na
Alemanha e na Rússia (André Billy, Gide); isso comprova que é maior o interesse no
estudo de sua recepção no estrangeiro do que na própria França. Alguns constatam que
a linguagem de Maupassant tornou-
se
démodé (
Auguste
Bailly) e que o leram somente
na juventude, mas que não há interesse em relê-lo (Fernand Baldensperger, Albert
Camus, André Maurois, Léon Daudet).
110
Alguns não hesitam em afirmar que o leram
nos anos da adolescência, quando o erótico na obra do autor os despertou, mas nunca
mais o retomaram. Conforme mencionamos na introdução, a leitura de Maupassant era
até
recentemente
indicada aos adultos e proibida às jovens e aos garotos, que liam “La
Maison Tellier” e
scondidos.
111
Em entrevista, Jean Luc-
Godard
dissera que Maupassant
era leitura proibida pela sua família.
112
109
O testemunho
de Bazin está em ARTINIAN. Op. cit., p. 37. Essa era uma opinião que circulava na sua
época de Lobato e que ele, antes de se lançar à forma literária, também compartilhava. Cf. A barca de
Gleyre
e o estudo BEDÊ, Ana Luiza Reis. A opção pelo conto. A presença francesa em A barca de
Gleyre
. São Paulo, 2001. Dissertação
(M
estrado e
m
Literatura Francesa
)
FFLCH
-
USP, p. 102
-
107
.
110
ARTINIAN, Artine. Op. cit., respectivame
nte
, p. 35-36 (Bailly), 72-73 (Gide), 39-40 (Billy), 36-
37
(Baldensperger), 50 (Camus), 1
03 (Maurois), 56
-
57 (L. Daudet).
111
Em carta ao escritor, a artista russa Maria Bashkirtseff questionou: “Si je n’étais pas mariée pourrai-
je
[sic] lire vos abominables livres?”
(
3a. carta de março de 1884). TROYAT, Henri. Op. cit., p.
126
-135.
112
Entrevista traduzida pelo caderno “Mais”, da Folha de São Paulo, de 27 de julho de 1997, p. 5-5.
Godart dirigiu
Masculin
-
Féminin
, filme baseado no conto “Le signe”, de Maupassant, de 1966, com
Françoise Hardy
e
Brigitte Bardot
, entre outros
.
64
Entre os depoimentos imparciais, vemos o de Valéry, que se desculpa por ter
lido pouco Maupassant e bastante tempo: Je regrette infiniment de ne savoir que
répondre à votre question au sujet de la destinée critique de Maupassant
.”
Roger
Caillois afirma nunca ter lido uma página sequer de Maupassant. No grupo dos mais
negativos, há autor
es
que, sem delongas, limita
m-
se a dizer “
Je ne prends aucune es
pèce
d’intérêt à Guy de Maupassant” (Paul Claudel) ou afirmam que a pobreza e a facilidade
de sua língua o tornou artigo de exportação (Jean de la Varende). A idéia de que
Maupassant escrevia num
basic french
littéraire
para exportação
(é a opinião de Ju
lien
Gracq)
serviu até pouco tempo aos que se opunham à simplicidade
e à
objetividade
de sua linguagem, de que Edmond de Goncourt era exemplo na época do escritor,
conforme vimos.
113
Entre aqueles que são
pour
Maupassant, Claude Farrère e Paul Hazard
levantam
elementos de sua obra em que, para eles, o discípulo supera o mestre Flaubert (Monteiro
Lobato era da mesma opinião), como um impessoalismo e um esteticismo mais
nuançados e a maestria do conto. Georges Simenon, o
best
-
seller
do romance policial
francês, admira o antipartidarismo de Maupassant, seu modo direto e sincero,
desapegado dos modismos cientificistas da virada do século XIX para o XX.
Quanto
aos
contos e às novelas, em g
er
al,
a maior parte desses escritores o elogia
generosamente como retratista crítico da sociedade de sua época e chamam-no mestre
do gênero. Alexandre Arnoux via o autor de
Toine
vinculado à tradição de contadores
populares franceses.
114
Esse estudo de Artinian, junto a diversos outros comemorativos do centenário do
autor
, marcam a redescoberta do escritor na França, hoje não mais lido pelo grande
público, senão como leitura obrigatória nos liceus (conforme
estudantes
informaram
-
me
pessoalmente, lê-
se
Boule de Suif, que às vezes é assunto nos
baccalauréats
), mas é
cada vez mais tema de estudos acadêmicos e dos cursos especializados em literatura
realista do século XIX.
113
ARTINIAN, Artine. Op.
cit.,
p. 139 (Valéry),
59 (Caillois),
54 (Claudel)
,
90
-
91 (J. Varende)
e 77 (J.
Gracq)
.
114
Idem, p. 68 (Farrère), 83 (Hazard), 133
-
134 (Simenon), 33
-
34 (Arnoux).
65
9. A
lguns comentários sobre a
recepção fora da França
É também Artine Artinian quem nos diversas informações sobre a recepção
fora da França, coletadas na Rússia, na Ale
manha,
na Inglaterra e nos Estados Unidos,
sobretudo neste país, onde
a
estudiosa
se estabeleceu. Segundo o estudo comentado
anteriormente, Maupassant era o escritor francês mais lido nesse país e, antes mesmo de
1900, existiam então trinta traduções norte-americanas. A publicação das obras
completas do nosso autor por Louis Conard, na França, foi posterior à edição americana
de 1903, em dezessete volumes.
115
Entretanto, se esta edição contribuiu para a rápida
difusão do autor, também colaborou para um equívoco que se reproduziria em diversas
outras, nela baseadas, da falsa atribuição de 65 narrativas curtas ao criador do Horla.
Se, por um lado, diversos escritores americanos afirmam, no inquérito Pour et
contre Maupassant, terem sido pessoalmente influenciados pelo escritor francês (Ellen
Glasgow, George Ade, John Buchan, Zona Gale, Henry Seidel Canby), também
aqueles que lamentam a fórmula do conto a que se prenderam diversos escritores
americanos que tomaram Maupassant por modelo, mas o alcançaram a grandiosidade
do mestre (Sherwood Anderson, Louis Bronfield, Theodore Dreiser, Henry Miller). Os
que são dessa opinião observam uma forma mecanicamente obtida dos contos do
escritor francês, com um final de efeito, empobrecedora para as letras americanas. É o
que diz Sherwood Anderson :
J’en suis venu à croire que Maupassant a exercé une influence extraordinaire sur la
nouvelle américaine et que, en général, cette influence n’a pas été bonne. Je crois
que ce que je considère comme la nou
velle à intrigue,
je dirais presque la nouvelle
à ficelles,
procède de ce modèle.
116
A observação sobre o modelo nefasto é, a meu ver, relativa.
117
A qualidade
do artista nacional não precisa ser lamentada por meio de um modelo não superado. Na
Rús
sia, o próprio Tchecov confessava-se influenciado por Maupassant e, entretanto, é
considerado o fundador do conto moderno, o qual os teóricos da literatura opõe ao conto
clássico maupassantiano. Nas próximas partes deste trabalho, procuraremos mostrar o
pa
pel do escritor francês na definição do conto lobatiano e dos princípios estéticos do
115
A célebre edição de Louis Conard (1907-1910) foi precedida pela de Paul Ollendorf (1898-
1904).
Os comentários de Artinian sobre a recepção nos Estados Unidos estão entre as páginas 19 e 26.
116
ARTINIAN, Artine. Op. cit., p. 23.
Traduzido pela autora. O depoimento em inglês está na p. 33, onde
cita como exemplo dessa influência o escritor O’He
nry.
117
Além do aspecto formal, há o temático, que certos escritores (desde as primeiras experiências
naturalistas até hoje) refutam
,
zelando
pel
os bons costumes e
pel
a moral.
66
modernista Oswald de Andrade, as quais discutem a posição dos que acreditam na
falibilidade do modelo. Também no Brasil esse parecer foi compartilhado entre
intelectuais
como Sérgio Buarque de Hollanda e Alfredo Bosi, conforme veremos no
momento oportuno.
Quanto à presença de Maupassant na
Inglaterra
, devemos mencionar o papel de
Henry James como intermediário crítico, no artigo “Guy de Maupassant”, de 1888.
Segundo a edição consultada, Maupassant era visto como libidinoso pelos puristas
ingleses, contra o que James se
in
dispõe, apontando as qualidades do texto do francês.
Também nesse país Maupassant teve seus seguidores, entre os quais Joseph Conrad,
conforme Valéry Larb
aud.
118
Em um outro estudo, Artinian e Édouard Maynial comentam o grande sucesso
de vendas do autor na Rússia. De acordo com esses pesquisadores, justamente no
momento em que na França ele sofria um certo eclipse, era o escritor mais lido no país
de Dostoi
évski.
L’universalité de Maupassant est au-dessus de toute idéologie éphémère: elle lui
donne sa place aussi bien en Occident qu’en Orient. Ainsi les Russes, depuis
Tolstoï, Tourguenieff et Tchékov, ont toujours été ses plus grands admirateurs.
Dans les trente années qui ont suivi la révolution de 1917, on a vendu en Russie
plus de 4 millions d’exemplaires de ses oeuvres, ce qui fait de lui l’auteur le plus lu
dans ce pays.
119
Nos países nórdicos, igualmente, a presença de Maupassant foi significante. N
a
Suécia,
120
conforme estudo de Hans Färnlöf, contos e romances de Maupassant foram
lidos em sueco, seja em periódicos, seja em livros, desde 1883. O levantamento aponta
que atualmente duzentos contos traduzidos, sendo metade antes de 1900; até 1894,
todo
s os romances do autor também já tinham sua versão na língua sueca. até
mesmo edições em braile e livros falados de Maupassant, o que mostra o verdadeiro
empenho local para a popularização de seus textos.
A difusão e a qualidade com que são feitas as traduções do autor de Une vie são
termos nem sempre convergentes. Conforme vimos, no Brasil e nos Estados Unidos,
Maupassant acabou vítima dos gêneros que o celebrizaram, fazendo alguns editores
118
JAMES, Henry. Guy de Maupassant. Op. cit., p. XVIII e XXIII. O depoimento de V
aléry Larbaud está
em ARTINIAN, Artine. Op. cit., p. 89.
119
No pref
ácio
de Artine Artinian e Edouard Maynial, em: MAUPASSANT, Guy de. Correspondance
inédite.
Op. cit., p. VI.
120
FÄRNLÖF, Hans. Contribution à l’étude de la réception de Maupassant en Suède.
XV
I
e
Congrès des
Romanistes scandinaves, Copenhague, août 2005, Ed. Michel Olsen. Disponível no site
<
http://perso.orange.fr/maupassantiana/Bibliographie/Bibliochronologique.html#2006
>
67
atribuírem a ele textos de outrem. Alguns estudos particulares de cotejo entre o original
e a tradução podem revelar casos cultural e sociologicamente curiosos. Um estudo da
recepção do nosso escritor em países árabes, po
r
Arselène
Ben Farhat,
121
da
Universi
dade
de Sfax,
na
Tun
í
si
a, revelou uma situação drástica de apr
opriação do autor
à cultura e língua para que foi vertido. Mesmo ao observar as traduções mais tardias, em
termos de recepção, que se iniciou por ali no início do século XX, Ben Farhat mostrou
que, subjacente às belas infiéis ao texto maupassantiano, o tradutor preferiu ser fi
el
a
Maom
é. Resta saber por que, ainda assim, esses tradutores escolheram Maupassant
como autor de suas recriações.
121
BEN FARHAT, Arselène. Les trahisons et les adaptations des oeuvres de Maupassant dans les pays
arabes.
Bulletin Flaubert-
Maupassant
,
n. 16, Association des Amis de Flaubert et de Maupassant, Rouen,
2005, p. 51-66. Ainda que reconheça uma categoria de boas traduções nos países árabes, a autora estuda
aí os casos mais diversos
de traições ao autor: mudança diegética, prolongamento do desfecho, reescritura
do texto, dissolução das ambigüidades pertinentes ao texto de Maupassant, adaptação ao contexto político
e ideológico local. Subvertendo a linguagem de Maupassant, houve tradutor que colocou o autor na
trincheira de um discurso entre Ocidente e Oriente, incorrendo na
démaupassantinisation
” de seus textos
(p. 58).
68
C
APÍTULO 2
A recepção crítica de Guy de Maupassant no Brasil (1880
-
1921)
Je laisse seulement parler de mes livres.
Un critique, qui mériterait absolument ce nom, ne devrait être
qu’
un analyste sans tendances, sans préférences, sans passions,
et, comme un expert en tableaux, n’
appré
cier que la valeur
artiste de l’objet d’art qu’on lui soumet. Sa compréhension,
ouverte à tout, doit absorber assez complètement sa
personnalité pour qu’il puisse découvrir et vanter les livres
mêmes qu’il n’aime pas comme homme et qu’il doit
comprendre comme juge.
1
Os pareceres críticos sobre Maupassant que apresentaremos na primeira parte
foram localizados em histórias da Literatura Brasileira e em volumes de ensaios sobre
ela, de críticos que, antes de nós, conviveram com a entrada paulatina do autor nas
nossas letras. Isso nos permitiu obter duas informações principais: quais escritores são
apontados como contistas à Maupassant e suas obras; quais juízos críticos esses
historiadores brasileiros fazem do escritor francês e em que contribuem para a leitura
dele
. Entre crítica biográfica e análise das obras maupassantianas, encontramos vários
pareceres
que oferecem
interesse
histórico e estético, cuja acuidade crítica também se
foi gradualmente afinando
ao longo do tempo
.
Num
primeiro momento, concentrar-
nos
-emos nos documentos até o período
recortado pela nossa pesquisa nos jornais. Em seguida, resumiremos os principais
comentários encontrados nesses livros dos historiadores mais recentes.
Os itens 2 e 3 tomam por base a ap
resentação dos jornais e o estudo das crônicas
coletadas, no período entre 1880 e 1921. Procuraremos sempre manter a grafia da
época, nas citações dos documentos originais, a fim de resguardar sua historicidade.
1. A
recepção
nas histórias da Literatura
Brasileira
José Veríssimo (1857-1916) abordou rapidamente a obra de Maupassant em pelo
menos três textos. Todos foram primeiramente publicados na imprensa e depois reunidos
em livros de história literária. É necessário observar que se trata antes de resenhas de
1
A primeira epígrafe foi extraída da carta de
Maupassant
, de 10 de nov. de 1891, a Mlle. Bogdanoff
carta n. 736, disponível no site:
<http://
maupassant.free.fr
>. A segunda, de MAUPASSANT, Guy de. Le
roman.
Romans
. Paris: Gallimard, 1987, p. 704
-
705.
69
livros de escritores brasileiros (Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Marques de Carvalho,
Medeiros e Albuquerque, Adelina Vieira), os quais ensaiavam suas tentativas na escola
naturalista
. Assim, levantaremos aqui somente os aspectos interessantes à recepção de
Maupassant nesse momento.
Os artigos “O romance naturalista” e “O Naturalismo na L
iteratura
B
rasileira”
2
demonstram
-nos ser de conhecimento da crítica brasileira, desde os primeiros anos da
entrada de Maupassant no Brasil, o texto “Le roman”. Com grande clareza de idéias, no
primeiro artigo, o crítico afirma que, com esse prefácio, Maupassant garantiu a sua
independência frente ao naturalismo de Zola e demonstrou aqui a sua “teoria racional do
romance”,
3
ainda que o classifique também como naturalista. Segundo Veríssimo, o
escritor de
Pierre et Jean
é um dos mestres do romance do fim do século XIX, ao lado de
Daudet, dos Goncourt, entre outros. Mas refere-se também a ele na sua propriedade de
contista: ao estudar Marques de Carvalho e seu romance H
ortên
s
ia
, aponta o escritor
como um
conteur
da escola de Maupassant (e Banville), mas desprovido, nesse romance,
da propriedade de verossimilhança do autor francês. Nesse momento, cita (em português)
o prefácio “Le roman” a fim de ilustrar tal conceito no
Naturalismo francês.
4
Mais tarde, José Veríssimo, no artigo “Alguns livros de 1900”,
5
deteve-se no
Maupassant contista, a fim de vincular a ele dois livros de contos. Apresenta-
os
vinculado
s à tradição dos
fabliaux
franceses, via Portugal, dos quais acredi
ta
Maupassant ser legítimo seguidor. Nesse sentido, vai na esteira do francês Gaston
Deschamps (professor do Collège de France e cronista do Le
Temps
), retomando as
considerações desse crítico sobre as origens do conto maupassantiano. A citação se faz
impr
enscindível, uma vez que as releituras brasileiras (como a de Lobato) dos contos de
Maupassant tendem para essa faceta do conto popular, que revela, antes de tudo, um
aspecto estrutural do conto literário.
Destinos,
por D. Adelina Lopes Vieira e Mãe Tapuia pelo Sr. Medeiros de
Albuquerque são dois livros de contos. A propósito dos dois últimos publicados
pelo malogrado Guy de Maupassant, escreveu o erudito crítico e elegante escritor,
Gastão Deschamps, umas engenhosas considerações mostrando a filiação do
conto
2
VERÍSSIMO, José. O romance naturalista no Brasil e O Naturalismo na L
iteratura
B
rasileira.
José
Veríssimo:
teoria, crítica e história literária. Sel. e org. de João Alexandre Barbosa. Rio de Janeiro: Livros
Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978, p. 179
-209.
3
“O mais ilustre dos s
eus discípulos, o mais forte dos sócios de Médan, Guy de Maupassant, abandonou
-
o e
no prefácio de Pierre et Jean, um dos mais belos livros do naturalismo, declarou-se independente, expondo
a teoria racional do romance”. Idem. “O romance naturalista”, p. 19
6. Cf. também
a
p. 208.
4
Idem, p. 201
-
202.
5
VERÍSSIMO, José. Alguns livros de 1900. Estudos de Literatura Brasileira. 3ª. série. Belo Horizonte;
São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1977, principalmente nas p. 131 a 134.
70
nacional aos
fabliaux
franceses medievais. Maupassant, aliás, oferecia-lhe um belo
exemplo da sua teoria. Como nenhum contador francês, dos contemporâneos ao
menos, ele possui a mesma veia libertina dos velhos poetas dos
fabliaux
, apenas
aumentada do ceticismo, da ironia, da malícia moderna. Ao contrário, segundo uma
autoridade reconhecida, as historietas dos
fabliaux
são alegres, revelando nos seus
autores, com a libertinagem de espírito, o amor da chocarrice e da jovialidade, o
gosto, tão dos franceses, de rir sem maldade dos defeitos e ridículos humanos, um
otimismo malicioso e alegre.
Foi essa origem que, mediante Brantôme, Rabelais, a Rainha de Navarra, o La
Fontaine dos
Contos
, e toda a rica literatura faceta francesa, e Voltaire, e Diderot, e
outros, cujo nome esqueço, fez o conto francês qual ele é nas suas características
gerais, sobretudo o conto de Maupassant.
6
Nesse passagem
, faz a ponte para a sua teoria: “No conto, a literatura portuguesa
e a nossa, ramo seu, procedem diretamente da francesa.” Faz um levantamento das
origens da novela em Portugal, até chegar aos seus dias, e ao Brasil, a fim de apontar
Medeiros e Albuquerque e Adelina Vieira na linhagem de Maupassant.
O conto, em Portugal, como no Brasil, é de menos de cinqüenta anos atrás, e nosso
contemporâneo, e deriva direta e apertadamente do francês, tendo, salvo exceções
muito raras, o mesmo caráter, a mesma inspiração, as mesmas intenções e até o
mesmo estilo daquele, de que é, o nosso ao menos, um
pastiche
. Somente não
sustent
arei que um
pastiche
não possa revelar talento, superioridade de feitura, e até
imaginação e originalidade. Mesmo na imitação há graus de bom e mau.
Os dois livros de contos, que acabo de ler, do Sr. Medeiros e Albuquerque e da Sra.
D. Adelina Vieira, creio me justificam. Aproximando-os, não é meu intuito
compará
-los. entre eles diferenças grandes, mas, com elas, o fundo comum do
conto francês, segundo a maneira dos seus contadores do naturalismo para cá, e da
qual Maupassant foi o principal praticante.
7
As passagens seguintes, em que estuda os dois contistas brasileiros, ocupar-
nos
-
ão em outra fase de nosso trabalho. Ficamos aqui com esse arguto comentário de José
Veríssimo, que interpreta Maupassant na tradição do conto popular e nossos contistas
como
pasticheiros originais (muitas vezes) do escritor francês.
Segundo Wilson Martins, o texto “O Naturalismo no Brasil”, de Aderbal de
Carvalho (1872-
1915)
, teria contribuído para o reconhecimento crítico do movimento
Naturalista brasileiro (que Sílvio Romer
o não pôde ou não soube fazer), o qual já estava
no gosto geral do público menos especializado.
8
Nesse texto, de grande importância
histórica,
portanto, sob certo crivo positivista, mas mencionando fontes críticas
6
Idem, p. 131.
7
Idem, p. 132. Veríssimo não ignora Machado de Assis na tradição do conto brasileiro, mas apenas
intuitivamente, sem muito explicar, diz que “Os contos do Sr. Machado de Assis têm outra inspiração e
outro caráter; no século XVIII francês muitos deles mereceriam a denominação de fil
osóficos.” (p. 132).
8
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1983, 1º. vol.: 1724-
1939, p. 293. Como Wilson Martins afirma, apesar de propor-se a falar do movimento no Brasil, Aderbal
de Carvalho detém
-
se, em 43%
do seu livro, no Naturalismo europeu.
71
variadas, Aderbal de Carvalho opõe o Naturalismo à literatura realista, a qual “embora
represente o mal doloroso da epocha, é todavia falsa e pouco humana.”. Para o crítico,
“O romance naturalista propriamente dito é um producto do determinismo litterario”,
9
com características marcadamente pessimistas, descrições de cenários miseráveis,
“documentos artisticos da enfermidade geral do seculo”.
10
Apesar dessa distinção
inicial, o crítico coloca enfim no mesmo plano de autores do “romance moderno” (isto
é, o romance realista-naturalista) Balzac (“o maior de todos elles, o grande mestre
Honoré de Balzac”),
11
Flaubert (cujo Madame Bovary poderia ser a poética do
Naturalismo, na opinião de Carvalho),
12
Stendhal, Émile Zola (escritor francês a cuja
obra
dedica várias páginas de seu estudo; nela ele reconforto e esperança, ao
contrário, como obsevaremos, de Maupassant), Edmond e Jules de Goncourt (aos quais
tece os maiores elogios, pela originalidade e estilo), Alphonse Daudet (que acha mais
inocente e mais encantador que Zola), e, enfim, Guy de Maupassant.
13
Visto que p
ublica
seu texto
no ano da morte de Maupassant,
não podemos deixar
de mostrar sua semelhança com os artigos que
prestam homenagem ao escritor, os quais
estudaremos no próximo item deste
capítul
o. Aderbal de Carvalho conhecia os
momentos finais da vida de Maupassant, logo por explicou facilmente certo mal-do-
século em sua literatura. Entretanto, não se deteve somente na abordagem biográfica, a
qual entrecruza com o aspecto estilístico de sua obra, criando daí imagens poéticas que
acredita representativas do autor. Na passagem a seguir, note-se que ele se interessa
pelos romances, gênero mais contemplado pela escola em estudo.
9
CARVALHO, Adherbal de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p. 23. O artigo “O
Naturalismo no Brasil” data de 1893. Entre outros críticos que cita estão: Cesar Lombroso, Buckle,
Teófilo Braga, Sainte
-B
euve, M. Guyau, Araripe Jr., F. Brunetière, Herbert Spencer e J. Sully.
10
Idem, p. 27.
11
Idem, p. 15.
12
Idem, p. 19
-
20.
13
Em seguida, Carvalho passa ao estudo de autores russos vinculados à estética realista (Tolstói,
Dostoié
vski, Ivan Turgueniev), trata do que chama de romance psicológico e sociológico (Dostoié
vski,
Paul Bourget, George Elliot, Huysmans) para, na parte VII, estudar a formação de nossa nacionalidade
literária e dos nomes brasileiros vinculados ao Naturalismo. Nessa parte que se pretende ma
is sociológica,
preconceitos de diversas ordens e uma vontade de teorizar bastante rudimentar, sem critérios
estabelecidos, oferecidos como opinião pessoal do autor. Quanto a um Naturalismo brasileiro, Carvalho
diz que não existiu essencialmente nenhuma obra brasileira naturalista, mas apenas “muitas tentativas
auspiciosas”, tais como as Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; e
outras obras de Celso Magalhães, Inglês de Souza, Marques de Carvalho, A. de Paiva, José Veríssimo,
Coelho Neto, Medeiros e Albuquerque, Domício da Gama, Júlio Ribeiro, Horácio de Carvalho, Raul
Pompéia e Aluísio Azevedo, ao qual dedica toda a parte XI de seu trabalho. Também se ocupa, no final
des
se estudo, das leituras naturalistas francesas quando da chegada das obras de Eça de Queirós ao Brasil
e da influência do escritor português na formação dessa geração de escritores brasileiros.
72
O desventurado Guy de Maupassant,
[sic]
pertence a essa phalange gloriosa das
modernas idéas nas lettras francesas. O autor de Pierre et Jean (uma das obras
primas da litteratura francesa do seculo desenove), Sur l’eau
,
Fort comme la mort
etc., é o mais irreprehensivel cultor da forma dentre os litteratos que hão apparecido
na contemporanea geração estylistica da França litteraria, e sobre-leva os seus
illustres confrades na maneira facil, attrahente e leve de descrever os objectos, as
sensações, os desvarios e as physionomias de seus personagens.
Quando escrevia, elle procurava no ideal a nota do seu sentimento, rebolcando-
se
no azul ethereo e na luz tropical, em um estylo doido de res estupefacientes, de
tintas vívidas, de colorações expectantes, na sua proverbial gymnastica de phrases e
de vocabulos, n’uns tons orgiaticos de imaginação inominada.
Se o individuo é, como
obtempera Sergio na
L’éducazione del carattere
, pag. 49, “o
centro de uma esphera, composta de espheras concentricas das quaes a mais externa
e universal é o ambiente physico e o
meio
moral”, ninguem como Maupassant
servira de exemplo á definição do escriptor italiano, pois ninguem como elle se
enfluenciou tanto do mal doloroso deste terrivel fim de seculo, que o victimou
desastrosamente.
Todo o requinte da forma na escripta, todo o candôr deslumbrante do estylo, todos
os requintes e refinamentos philosophi
co
-pessimistas que atormentam o seculo,
ressumbram em seus livros que foram feitos de dores e agonias, no maelstron lethal
de uma duvida terrivel.
A sua extraordinaria obra, producto de um delirio febril de allucinado sublime, traz
-
me sempre a lembrança aquella explendida concepção sahida do lapis diabolico de
Gavarny, nas
Toquades
:
a Loucura, segurando com ambas as mãos um craneo,
por cujas fendas sahem myriades de borboletas iriantes.
14
O crítico brasileiro atribui ao pessimismo e à loucura os requintes filosóficos do
escritor francês. Se estabelecermos uma comparação entre o método de abordagem de
Aderbal de Carvalho sobre Maupassant e sobre os outros escritores franceses, aquele é o
único em cuja crítica se enxerga uma leitura feita à luz de sua biografia. Talvez por
escrever em 1893, o peso desta
data
lhe fosse forte demais. Mas, se por um lado s
eus
comentários vinculam ainda necessariamente vida e obra do “desventurado” autor,
por
outro mostra o reconhecimento de Maupassant como “cultor da forma” e r
epresentante
da “geração estilística francesa”, o que o coloca longe do escritor fácil e simplista a que
muitos franceses o secundaram; aponta ainda no autor de Fort comme la
mort
a
ginástica verbal, o que contribui para reforçar o seu trabalho com a forma
. Mais adiante,
quando faz a apresentação dos
escritores
naturalistas brasileiros, afirma que o autor
paraense A. de Paiva (não identificado) escreveu “contos elegantes a la Maupassant”,
15
fórmula que Herman Lima retomaria e, mais tarde, muitos outros
teóri
cos para definir
um conto típico de nosso autor.
É curioso notar desde os primeiros estudos críticos sobre Maupassant no Brasil
que parece haver um dilema interno (para não dizer uma contradição) imposto pela leitura
14
Idem
, p. 47
-
48.
15
Idem, p. 91.
73
desse
autor de estilo simples e colori
do
Carvalho fala até em luz tropical que é ao
mesmo tempo um representante do pessimismo. Fizemos ver em nossa apresentação que a
obra de Maupassant é de fato dialética, trabalha contemporaneamente soluções literárias
as mais diversas, bebidas em corre
ntes estéticas e filosóficas divergentes; permite, por sua
vez, leituras e interpretações também as mais cruzadas.
Adolfo Caminha
(1867
-
1897)
, romancista naturalista tardio,
16
escreveu nas
Cartas
Literárias
(1895) “a crítica ‘naturalista’ que o momento estava exigindo”, segundo
Wilson Martins.
17
Publicadas em 1895, essas vinte e duas cartas o antes artigos sobre
literatura, publicados entre 1893 e 1895, na imprensa do Rio. Caminha discute poesia,
escritores e naturalistas nacionais e estrangeiros, sob princípios discursivos principalmen-
te realistas-naturalistas. Seus exemplos literários são muitos e diferentes: da França, Zola,
Balzac, Flaubert, Victor Hugo, Chateaubriand, Baudelaire; do Brasil, Aluísio Azevedo,
Cruz e Sousa, Machado, Coelho Neto; de Portugal, Camões, Fialho de Almeida, Eça de
Queirós, Guerra Junqueiro. Entre os críticos: Taine, Sainte-Beuve, Brunetière. Inúmeras
passagens das
Cartas
ressoam idéias defendidas por Maupassant (“o extraordinario
discipulo de Flaubert”
18
) em seu prefácio, as
quais mencionaremos a seguir.
No texto “Nativismo ou cosmopolitismo?”,
19
desvencilhando-se das imposições
críticas que atribuem padrões de escola ao artista e o objeto artístico a ser trabalhado,
inspira
-
se em “Le roman” para definir seu posicionamento.
Sy
mbolismo e objectivismo, e idealismo e naturalismo são palavras que nada
explicam positivamente; essa preoccupação de systemas de matéria de arte redunda
num symptoma de mediocridade intellectual, porque não é isso que determina a
originalidade, o talento de um artista. O talento, segundo Maupassant, revela-se por
uma maneira especial de pensar, de ver, de comprehender e de julgar.
20
Apesar de discutir e aceitar as idéias do nosso escritor, é bom ressaltar que,
como Monteiro Lobato, Adolfo Caminha tinha um posicionamento bastante crítico
quanto à influência literária francesa, que impedia justamente, a seu ver, a florescência
de um cosmopolitismo literário brasileiro, ao passo que na literatura nativista tínhamos
nossos exemplares originais. Sabemos o quanto disso é também falso, uma vez que são
homens eruditos, informados pela literatura européia, que aessa época produziram a
16
Na expressão de Lúcia Miguel-Pereira, o autor de A normalista era um “retardatário nas tendências que
seguiu, o que o impediu de ser incluído, no momento, entre os melhores escritores”. MIGUEL-
PEREIRA,
Lúcia. Apresentação. In: CAMINHA, Adolfo.
Trechos escolhidos
. Rio de Janeiro: Agir, [s.d.], p. 8.
17
MARTINS, Wilson. Op. cit., p. 297.
18
CAMINHA, Adolpho. Nativismo ou cosmopolitismo?.
Cartas litterarias
. Rio de Janeiro: [s.n.], 1895, p. 60.
19
Idem, p. 41
-
48.
20
Idem, p. 42.
74
tal literatura nativista: Alencar, Taunay, Gonçalves Dias. O autor, porém, insiste no
apego ao nativismo como possibilidade de e
mancipação nacional.
O romance nacional e a poesia nacional, desde que traduzam fielmente o sentir do
povo, os seus costumes, a sua capacidade ingenita, têm um valor artístico
inestimável. O que se deve exigir de um artista é que elle seja humano, que ell
e
saiba interpretar as dores e as alegrias do povo, crystalizando-as numa fórma
simples e clara.
21
Também como Maupassant, Caminha defende uma literatura objetiva, mas não
desmerece o trabalho dos poetas simbolistas. Termina seu texto com uma visão otimis
ta
quanto aos rumos da literatura nacional, que enfim tentava maneiras de libertar-se do
jugo estrangeiro.
O artigo “A forma” contém comentários sobre o modo de criação e as escolhas
formais que, segundo Caminha, impõem aos artistas (“como Flaubert e seus
discípulos”) uma observação ímpar e um trabalho constante, os quais ele mesmo
defende como ideais. A busca da perfeição criativa é para o brasileiro a causa-morte de
muitos artistas com esse perfil. Para ele, como para muitos outros críticos finisseculares
(os quais veremos no próximo item), Maupassant e Flaubert foram vítimas do excesso
de trabalho; Caminha acredita que se tratava de uma “epidemia intelectual, uma
calamidade eversiva” que acometia os artistas visionários. Nem por isso deixou de
desejar com
o eles a forma apropriada e “fora da órbita comum”.
[...] para que uma obra, seja ella qual for, tenha certo cunho original de perfeição, é
necessário que resulte de um esforço calmo, de uma lenta elaboração meditada,
sem, todavia, perder o caracter espo
ntaneo, a força mater que a inspirou. [...]
Eu também quero a fórma irreprehensivel, a expressão completa, dizendo sem
exagero, nem artificio, com a simplicidade suggestiva da natureza, tudo quanto é
possível dizer-se em linguagem humana. A escolha do termo exacto, da palavra
indispensável, forte e sonora, essa ha de preoccupar sempre o verdadeiro artista.
[...]
A pressa é inimiga da perfeição, ninguém o contesta; mas lembremo
-
nos tambem de
que a perfeição é inimiga do homem. O belíssimo sonho de Fradique
Mendes, que é
sonho de todos os grandes artistas, foi talvez a causa principal da loucura de
Maupassant.
22
Ainda outra vez, no artigo intitulado “Coelho Neto”, de 1894, sobre o livro
A
Capital Federal, repete os princípios artísticos de Maupassant na busca pelo termo
exato e acrescenta outra citação célebre de Zola. Se ele cita “Le roman” em português,
Zola será dado em francês. O porquê da distinção? Não podemos afirmar
21
Idem, p. 44.
22
Idem, p. 50
-
51; p. 53. Fradique Mendes é um personagem de Eça de Queirós.
75
categoricamente, mas é possível que o nosso autor era já conhecido em traduções
difundi
das pelos jornais,
23
ao passo que Zola deve ter sido lido na fonte.
A simplicidade é quase tudo na obra d’arte litteraria e isto resulta muita vez de um
esforço intellectual mortificante que absolutamente não transparece. Poder-
se
-
ia
chamar
dynamização
da phrase a esse processo lento e penoso do escriptor em
busca do termo exacto para a expressão de seu pensamento. A collocação das
palavras quantas vezes prejudica o sentido verdadeiro de uma descripção, tirando-
lhe o effeito desejado? Antes de tudo se deve conhecer profundamente o valor de
cada termo, a significação immediata de cada palavra.
Maupassant, o extraordinario discipulo de Flaubert, synthetizava deste modo as
suas theorias litterarias da fórma:
“Qualquer que seja a cousa que se pretende dizer, não ha senão uma palavra para a
exprimir, um verbo para a animar e um adjectivo para a qualificar.”
Imagine
-se agora o esforço necessário para que o escriptor encontre exatamente
essa palavra, esse verbo e esse adjectivo!
Zola define melhor a arte de es
crever:
Avoir
l’impression forte de ce dont on parle,
et rendre cette impression avec la plus grande intensité et la plus grande
SIMPLICITÉ
c’est l’art d’écrire tout entier
.
24
Seus elogios ao palavroso Coelho Neto parecem um tanto desviados do foco, u
ma
vez que a crítica mais comum a esse autor é a de que se usa de vocabulário requintado e
desnecessário. Caminha, porém, neste artigo coloca os princípios artísticos de Zola e
Maupassant como seguidos diretamente pelo ficcionista brasileiro. Elogia-lhe a
simplicidade e
a
comunicação direta de suas descrições, mas aponta-
lhe
a inabilidade na
caracterização psicológica de seus personagens e da criação dos diálogos.
Mais adiante, numa resenha do romance
Praga
, do mesmo escritor, datado
também de 1894, Caminha fará o movimento oposto ao do artigo “Coelho Neto”. Citará
novamente Flaubert e Maupassant (e mais Jules
de
Goncourt) justamente para criticar os
adjetivos excessivos e os vocábulos raros empregados pelo romancista brasileiro:
Os grandes escriptores, na
maioria, jogam com palavras que o povo entende sem ir ao
diccionario, combinando-as artisticamente, de modo a exprimirem, nem mais nem
menos, o verdadeiro pensamento, a idéa, como ella foi concebida.
O que torturava Flaubert, Jules de Goucourt [sic] e Maupassant, não era a
preoccupação banal de neologismos fulgurantes, a phrase complicada, embora sem
harmonia; era o estylo simples e natural, a forma correcta e suggestiva, o termo
exacto, preciso, unico capaz de exprimir, com o maximo rigor, tal ou tal idéa
.
o é o caso do escriptor brazileiro, em quem reconheço qualidades originaes.
Coelho Neto faz questão de palavras que estejam completamente fora do uso
commum.
25
23
Conforme veremos, a passagem mencionada foi exatamente reproduzida no Jornal do Commercio,
de
13 de agosto de 1893. Sendo o artigo de Caminha datado de 1894, escrito no Rio de Janeiro, é bem
provável que a sua fonte de citação tenha sido o jornal fluminense.
24
Idem, p. 60
-
61.
25
Idem, p. 103
-
104.
76
Mesmo que atribua a Zola a melhor definição da arte de escrever, é também a
Flaubert e Mau
passant que apelará em “Em defesa propria – Carta à Gazeta de Noticias
”,
a fim de justificar-se diante das críticas recebidas por seu livro A normalista. Acusado de
imoral e de apelar às idéias de um naturalismo morredouro, Caminha cita Flaubert e faz a
me
sma ponderação d
e Maupassant, em “Le roman”
,
sobre o papel do crítico literário, e de
“Les bas
-
fonds” (entre outras crônicas)
,
sobre a liberdade do assunto literário:
Flaubert, o bom e grande Flaubert formulava assim o seu ideal litterario: –
Tou
t a été
d
it avant nous, nous n’avons qu’à redire les mêmes choses, dans une forme plus belle,
si c’est possible
.
Qual é, de resto, o assumpto do Primo Basilio? Um adulterio, thema debatidissimo,
antigo como o mundo, e, no emtanto, sempre novo e interessante quando
visto através
do temperamento de um verdadeiro artista. Sendo o assumpto de Madame Bovary
igualmente o adulterio, poder
-
se
-
ia negar originalidade a Eça de Queiroz?
Demais, essa questão do assumpto é toda secundaria para o romancista moderno.
A critica, si critica existe entre nós, deve ser independente e escrupulosa quando
emitte seus conceitos. Por que o Symbolismo está em moda em alguns paizes da
Europa, o segue-se que seja a unica escola verdadeira. Si a questão é de escolas,
então devemos reconhecer
que o Naturalismo, isto é, a escola da verdade, continúa na
sua marcha triumphal, levantando estatuas a Balzac, a Stendhal, a Flaubert, aos
Goncourt, a Zola, a Daudet, a Maupassant... Immoraes ou não o seculo os admira.
26
Por fim, um último aproveitamento das idéias de Flaubert, compartilhadas por
Maupassant no seu prefácio e difundidas por Caminha, está na sua crítica ao livro
Contos fora de moda, de Artur Azevedo. Um tanto ressentido pela celebridade do
dramaturgo brasileiro também nos contos, desme
rece
-os desde o título (“À sombra de
Molière”), julgando-os não fora de moda como “fora da arte”, uma vez que, na sua
opinião, não passam de anedotas.
O que se deve discutir em litteratura é o valor artistico da obra, a sua parte
essencial, e esta me parece nulla no livro em questão. Em vez de um trabalho novo,
forte, espiritual, sem gymnastica de estylo, mas em que se registrasse alguma
cousa inédita, paizagem, estados d’alma..., alguma cousa, emfim, que nos abalasse,
que nos fizesse rir ou chorar nobremente, que nos arrastasse para uma philosophia
desconhecida ou para algum canto da terra por um prisma novo [...]
27
Visando
ao naturalismo de Zola em suas realizações estéticas, Caminha persegue
as idéias
de
Flaubert, muitas vezes pela leitura de Maupassant, intermediador mais
diretamente acessado no Brasil.
26
Idem, p. 86
-
87.
27
Idem, p. 195.
77
O historiador Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982), em “A decadência do
romance”, um de seus ensaios dedicados à crítica literária,
28
procurou interpretar à sua
maneira o fenômeno causado pelo conto maupassantiano no Brasil, contra a crise do
romance. A preferência popular pelo conto teria para ele um valor negativo, estando
inteiramente vinculado ao modo de vida americano e seu gosto pelo fragmentado. Com
um tom bastante apelativo, o histor
iador se posiciona contra essa entrada de Maupassant:
Uma de suas [do yanquismo] manifestações mais evidentes é o notável incremento
que toma atualmente entre nós o conto leve e curto, com prejuízo do romance.
Pode
-se dizer que o conto é um produto do realismo, como o é do romantismo, o
romance. A existência, antes do advento daquela escola de contistas notáveis até o
autor do
Decameron
, nada prova contra esse arresto. Desde que Maupassant meteu-
se a virar as cabeças de nossos romancistas, estes apaixonaram-se de tal forma pelo
conto que este em breve se tornará uma verdadeira praga.
29
Se valoriza a escola realista de contistas, um ranço pela sua predominância no
Brasil, apontada como inversamente proporcional à do romance. Na página seguinte,
chega a afirmar: “É necessário pois impedir entre nós a queda do romance, que fez a
glória do século passado.” Não se deve, porém, ficar com a impressão do desprezo do
historiador pelo conto ou por Maupassant. Duas décadas depois, no artigo “Contos”,
elogia a obra de Ribeiro Couto, em que a brevidade das narrativas é espontânea, não
forçada pelo ritmo de vida atual. Maupassant também é considerado, em artigos
posteriores, um dos patriarcas do conto moderno e um dos revolucionários do realismo.
30
Lima Barreto aproveitou-se da figura do arrivista, apresentado por Maupassant
em
Bel
-
Ami
, para criticar a sociedade carioca em contos, romances
31
e na crônica “O
ideal do
Bel
-
Ami
”, de 1916. Nesse texto,
em
tom bastante agressivo contra duas
personalidades de sua época, dois burocratas e jornalistas brasileiros, nomeados
professores em universidades estrangeiras, Barreto reflete sobre o destino do país e nos
remete à obra do escritor francês, chegando a uma conclusão semelhante à do narrador
de
Clara dos Anjos.
À vis
ta de tais exemplos, pergunto: que nós todos devemos pensar sobre o rumo que
as coisas vão tomando no Brasil? Que devemos ensinar aos filhos? As mães, que
28
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. A decadência do romance. O espírito e a letra: estudos de crítica
literária. Org. Antônio Arnoni Prado. São Pa
ulo: Companhia das Letras, 1996, v.
1, p. 105
-
107.
29
Idem, v.
I, p. 105. O artigo é de 1921.
30
Idem, respectivamente em “Contos” (de 1941), v. I, p. 342; e “Simbolismo e Realismo” (de 1949), v.
II, p. 128.
31
Os romances Numa e Ninfa
,
Cla
ra dos Anjos e os contos homônimos apresentam personagens
oportunistas que reto
mam essa tradição.
78
devem incutir na alma das criaturas que elas geraram? É a abnegação? É a
dedicação? É a honra? É o sacrifício pelo ideal? É o estudo? O que é? Não deve ser
nada disso; nada, meu Deus! O que nós devemos ensinar aos filhos, aos moços, aos
meninos, é que aprendam o
Bel
-
Ami
, de Maupassant; que façam Pachecos, mas que
tenham sempre em mira prometer casamento à filha deste, para arranjar isto, à filha
daquele, para arranjar aquilo, e afinal arranjar, por intermédio do casamento, tudo.
É preciso não deixar de obter umas medalhinhas nas escolas e faculdades, como as
meninas das irmãs. O que nós devemos pregar aos moços não é um ideal
cavalheiresco; é o ideal do
Bel
-
Ami
.
32
O cronista afirma para
repudia
r violentamente esse processo de ascensão social,
segundo o qual, na falta de competência e aptidão, basta o conhecimento de pessoas
influentes para se galgar posição na sociedade. Questão atualíssima, vê-se aí, entre
outros motivos, porque tais autores ainda hoje atraem o público.
Lima Barreto também faz nas suas correspondências referência a Maupassant. A
Austregésilo de Ataíde diz estar mais filiado à estética de Maupassant, entre outros, que
daquela de Machado de Assis.
Em
Impressões de leitura, livro que reúne suas crônicas e artigos de crítica
saídos em periódicos, em diversos momentos faz alusões ao escritor francês. Ora serve-
lhe de baliza ao autor brasileiro que critica, para ilustrar uma repetição da literatura no
XIX fra
ncês
; ora para falar do retorno da influência russa na França no século XX.
Os
dois casos comparecem no texto
Estudos”,
33
sobre o volume homônimo de Albertina
Berta. Menciona duas vezes Maupas
sant, a primeira para comentar o romance de estréia
da autora, de 1918: “Depois de Balzac, de Daudet, de Maupassant, etc., o romance
Exaltação
, de Dona Albertina Berta, na feitura, nos surge cheio de um delicioso anacro
-
nismo”
.
34
A segunda, para acusar a l
eitura do contista russo, feita por Maupassant:
O seu estudo sôbre “Evolução do Romance” é magistral, embora lhe faltem
referências ao romance russo, como foi notado. Creio que a autora do
Estudos
não desconhece a influência dêle sobre a novela francesa dos anos próximos. Até
em Maupassant é bem sensível a influência de Tourguenêff.
35
O que mais nos interessa, enfim, o as passagens em que alude aos conselhos de
Flaubert a Maupassant uma direta, outra indiretamente –, dados por este no prefácio a
P
ierre et Jean
. No artigo
Um romancista
, sobre Paulo Gardênia (Bonifácio Costa), define:
32
Idem. O ideal do
Bel
-
Ami
.
Feiras e mafuás
: artigos e crônicas. Pref. Jackson de Fiqueiredo. São Paulo:
Brasiliense, 1956, p. 181. A crônica é de novembro de 1916.
33
P
rimeiramente publicado na
Gazeta de Noticias
, em 28 de outubro de 19
20, p. 2.
34
BARRETO, Lima.
Impressões de leitura
:
crítica. São Paulo: Brasiliense, 1956, p. 118.
35
Idem, p. 121.
79
A sua visualidade é tão perfeita, tão intensa, tão nova, acompanha e respeita tanto
os conselhos que Flaubert deu a Guy de Maupassant, que acabo achando essa coisa
magnífica, neste pedacinho de estilo de calouro de academia:
E o dia louro, azul, voluptuoso e quente, entrou pelo quarto, poderoso e fecundo,
na alegria iluminada do sol...
36
Na segunda menção, adequa os conselhos de Flaubert ao gênero de que trata aqu
i,
o drama. No artigo “Uma coisa puxa outra... I”, de abril de 1911, em que faz um relato
despretensioso sobre as orientações do teatro no Brasil e sobre sua ínfima prática acerca
da “sabedoria teatral”, pondera as opiniões sobre a necessidade de conhecime
ntos
técnicos ao dramaturgo. Para Lima, o princípio estético daqueles autores continua válido,
uma vez que o escritor de teatro é
um
literat
o, o cenógrafo ou ator, aos quais (nestes
somente) é necessário aplicar conhecimentos técnicos. Vejamos esse excer to:
Imaginem os senhores que o meu vizinho quer tentar a literatura, o romance, a
novela, o conto, e vem pedir-me conselhos. A minha autoridade é pouca; o melhor
seria êle dirigir-se a Coelho Neto, cuja glória repousa bre a biblioteca da
Alexandria; mas... o menino vem... estou próximo e sou mais velho circunstância
que muitas vezes forma um conselheiro. Vem, e eu, em vez de dizer-lhe: escreve
muito, a todo momento, narre as suas emoções, os seus pensamentos, descubra a
alma dos outros, tente ver as cousas, o ar, as árvores e o mar, de modo pessoal,
procure o invisível no visível, aproxime tudo em um pensamento; em vez de
dizer
-
lhe tudo isso e mais, digo
-
lhe: aprenda xilografia, zincografia, etc.
Pois assim são as tais pessoas que se convenceram que uma sabedoria teatral, à
parte da arte geral de escrever.
Propondo
-me a fazer peças, dramas, comédias, eu nada tenho com o
métier
de ator,
ou mesmo de atriz, de cenógrafo, etc.; eu nada tenho a ver com “comprimentos,
esquerdas altas ou baixas”; o que tenho a fazer é desenhar caracteres, pintar as
paixões, pôr uns e outros em conflitos, observar costumes, fazer rir, comover, isso
tudo em língua literária e adequada ao gênero da peça que quero representar.
37
Como se vê, a lição de Maupassant é recitada por muitos críticos e escritores do
período estudado. Modelo que justamente aconselha a desvencilhar
-
se de paradigmas. O
modo pessoal, nacional e original será buscado pelos brasileiros desse tempo, mas tendo
por aviso o exemplo de Guy de Maupassant.
Passaremos agora ao resumo das principais menções feitas ao nosso autor entre
historiadores da Literatura Brasileira posteriores ao período recortado por nosso estudo.
Com isso, pretendemos fazer um levantamento dos escritores que, a partir de então,
foram ligados à tradição do conto maupassantiano e mostrar a sua permanência n
a
fortuna crítica brasileira.
36
Idem, p. 175.
37
BARRETO, Lima. Impressões de leitura: crítica. Pref. M. Cavalcanti Proença. São Paulo: Brasiliense,
1956, p. 265.
80
Agripino Grieco (1888-1973), em Evolução da prosa brasileira, cita Maupassant
ao tratar de dois contistas brasileiros, estabelecendo uma comparação b
astante
favorável: Gastão Cruls e Monteiro Lobato. A relação estabelecida por Grieco entre
Gastão Cruls, autor considerado regionalista, e o escritor francês, está nos resultados
alcançados por ambos: “da simplicidade robusta e do candor cruel de certos contos de
Maupassant, desse Maupassant que achava os filhos de Eva ‘capazes de tudo’”.
38
Ao resumir a essência dos principais contos de
Urupês
, Grieco traça um paralelo
entre o tratamento dado por Lobato na criação de Bocatorta e os efeitos conseguidos por
Ma
upassant:
[...] o terrivel caso do Boccatorta, digno de um Maupassant que, ao invés de fazer
falar os camponios normandos, fizesse falar os caipiras de São Paulo e désse a um
delles a capacidade de pincelar em traços rudes e incisivos a figura quasimodes
ca
do heróe da narração...
39
Edgar Cavalheiro (1911-1958), jornalista e biógrafo de Monteiro Lobato,
escreveu
Evolução do conto brasileiro, em que resume as principais problemáticas
dessa forma literária, sua origem no Brasil e seus principais autores. Logo ao início de
seu artigo reproduz uma
boutade
maupassantiana:
[...] se é difícil chegarmos a uma forma conciliatória sôbre o gênero que deu glória
a um Maupassant, mais difícil ainda será chegarmos a uma conclusão sôbre a
técnica do conto. Respondendo certa vez a um jovem que lhe pedira
esclarecimentos sôbre a melhor técnica a empregar, Maupassant respondeu que
bastava arranjar um bom comêço e um bom fim.
Só? perguntou o principiante. E no meio, que é que entra?
Bem! Aí entra o artista!
40
Mais adiante, fala da pouca produção de contos por Bernardo Guimarães, José
de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo. Ocupado em explicar por que se escreveram
tão poucos contos na nossa fase romântica,
leva
-nos a uma
curiosa
correspondência
entre a forma do conto e a escol
a realista:
A explicação para essa abstinência num gênero [a forma conto] tão acessível reside
no fato de que todos esses escritores estavam, antes de mais nada, imbuídos do
espírito romântico. E o romantismo pelo menos o romantismo brasileiro, herdeir
o
direto de Byron, Chateaubriand, ou Vítor Hugo, foi essencialmente palavroso, foi
principalmente um movimento poético. Sobrepor o sentimento à razão, o
entusiasmo ao raciocínio, o subjetivismo ao objetivismo, constituem alguns dos
38
GRIECO,
Agripino.
Evolução da prosa brasileira
. Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1933, p. 143.
39
Idem, p. 182.
40
CAVALHEIRO, Edgard. Evolução do conto brasileiro.
Boletim Bibliográfico
. São Paulo, jul./set. 1945,
p. 101
-
102.
81
traços mais salientes de um espírito romântico. Acrescente-se, a isso, a capacidade
para as generalizações imaginosas em prejuízo do senso crítico, com total ausência
de análise. Nunca, em literatura alguma, se empregou tantas reticências e pontos de
exclamação. E o conto, pela síntese que exige, pelo poder de concentração que
requer, não era, evidentemente, um gênero propício aos românticos. Os poetas
preferiam contar suas histórias em longos poemas ou em massudos romances.
41
Seria somente com Machado que o nosso conto se elevaria ao parâmetro
universal, segundo Cavalheiro. Ele coloca o autor de O Alienista ao lado de Maupassant,
Tchecov e Pirandelo. Após fazer uma apresentação a contento desse autor, dá-nos o
utros
contistas brasileiros do Realismo e do período anterior ao M
odern
ismo, tais como Coelho
Neto, Medeiros e Albuquerque, Júlia Lopes de Almeida, Artur de Azevedo, João do Rio,
Valdomiro Silveira, Simões Lopes Neto, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Gastão Cruls,
os quais poderão ser alvo de nossa
futura
pesquisa. Do Modernismo, de pronto apresenta
Mário de Andrade e aproxima
-
o da arte de
conteur
de Maupassant:
Deixando de lado, porém, o virtuoso da técnica, é preciso apontar no contista Mário
de Andrade o excelente intérprete da comédia humana. Para focalizá-la, jamais lança
mão de recursos melodramáticos ou grandiloqüentes. Ao contrário, seu tom é sempre
outro. Seja para nos descrever as maiores paixões ou os maiores dramas, sempre se
utiliza de uma fala mansa e macia, uma fala que comove e convence a gente. Nisto
êle se apro
xima
intencionalmente, sem dúvida
dos contadores de casos, dos férteis
e imaginosos contistas populares. Nos seus trabalhos encontramos, em verdade,
aquilo que Maupassant classificava como “gôsto da vida temperado pela arte”. Sim, o
artista está sempre presente, mas em momento algum se desumaniza em pról de um
efeito feliz.
42
Cavalheiro finaliza seu texto com a apresentação de mais outros contistas do
período, como Ribeiro Couto, Antônio de Alcântara Machado, João Alphonsus de
Guimarães, Peregrino Júnior e Marques Rebelo; e autores posteriores a 1930 (que
parece excluir do Modernismo), entre estes Orígenes Lessa, Raquel de Queirós,
Graciliano Ramos, Rodrigo de Melo Franco e Aníbal Machado. Sendo seu artigo de
1945, explica-se a ausência de autores como Guimarães Rosa (cujo
Sagarana
é do ano
seguinte), Lígia Fagundes Telles, Clarice Lispector, entre outros cujas obras talvez o
crítico não tenha podido conhecer com profundidade, devido à sua morte em 1958.
Lúcia Miguel-Pereira (1903-1959) apresenta-nos, e
m
História da
Literatura
B
rasileira:
prosa de ficção,
43
outros paradigmas brasileiros de Maupassant. Se não
estuda Lobato nessa obra
o que pretendia fazer em volume seguinte, considerando que
41
Idem, p. 106.
42
Idem, p. 115
-
116.
43
MI
GUEL
-PEREIRA, Lúcia. História da Literatura Brasileira: prosa de ficção, de 1870 a 1920. Belo
Horizonte: Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1988. (1. ed. de 1950).
82
a maior parte da obra desse escritor era posterior a 1920, recorte que a estudiosa fez
para este seu livro –, aponta paralelo entre a minúcia de Raul Pompéia, em O Ateneu, e
Maupassant, sendo esta uma das poucas características do autor brasileiro que o
aproximaria da estética realista:
Sem dúvida, no
Ateneu
a realidade, narrada com aquela minúcia que Flaubert
exigia do seu discípulo Maupassant; mas, tendo os nossos realistas se encerrado no
âmbito do naturalismo de Zola, e assim constituído uma escola literária muito coesa
e característica tanto na técnica como no
espírito, não se pode incluir entre eles Raul
Pompéia.
44
Mais adiante, quando a autora trata do Naturalismo e da formação intelectual
dessa geração brasileira, ela diz que Adolfo Caminha elegia para si mesmo o modelo de
Maupassant, entre outros escritore
s franceses.
Apenas de franceses e portugueses se reclamava a geração que surgia. Alargando
bastante os limites do Naturalismo, Adolfo Caminha [em
Cartas literárias
, segundo
nota] lhe enumera como paradigmas Balzac, Stendhal, Flaubert, os Goncourt, Zola,
Daudet, Maupassant; [...]
45
Por fim, a autora cita uma passagem da correspondência de Lima Barreto, em
que este admite a influência do escritor normando sobre ele (p. 285), preterindo-o a
Machado de Assis. Trata-se de uma carta do autor a Austregésilo de Ataíde, de 19 de
janeiro de 1921, a que tivemos acesso também pela sua transcrição no jornal Folha da
Manhã
de São Paulo, de 21 e 28 de setembro de 1947, em meio à publicação de texto de
Edgard Cavalheiro intitulado “A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima
Barreto”.
46
Segue o excerto que nos interessa:
Que me falem de Maupassant, de Dickens, de Swift, de Balzac, de Daudet lá;
mas de Machado, nunca! Até em Turguenieff, em Tolstoi, podiam ir buscar meus
modelos; mas em Machado, não!
Herman Lima
(1897
-1981), crítico e contista cearense, também discutiu o conto
maupassantiano em diversos trabalhos, entre os quais, o mais completo,
Variações
sobre o conto.
47
Na primeira parte desse livro, o autor recolhe diversas teorias sobre o
“gênero” conto (assim o considera) em contraste com o romance. Neste quesito, o
principal aspecto de discussão é o tempo na narrativa, a dimensão, a concentração, a
44
Idem, p. 112.
45
Idem, p. 120.
46
Que depois foi publicado como um dos Cadernos de Cultura: A correspondência de Monteiro Lobato e
Lima Barreto, n. 76. Ministério da Educação e Cultura, 1955. Pesquisamos tal material em 2002, nos
arquivos da Biblioteca Pública Monteiro Lobato, em São Paulo.
47
LIMA, Herman.
Variações sobre o conto
. Ri
o de Janeiro: Tecnoprint, 1967 (1. ed. de 1952).
83
ação e as origens e funções sociais das duas formas literárias. Diferenciando também o
conto de tradição oral e o conto individual, como gênero escrito e literário, considera
que este amadureceu após a metade do século XIX, “do romantismo ao naturalismo,
através da arte de Nodier, Gautier, Mérimée ou Gogol, para a estratificação definitiva
que lhe dariam mais tarde, de um lado, Guy de Maupassant, do outro, Anton
Tchecov”.
48
Esta estratificação será utilizada, até o fim de seu texto, para estabelecer a
distinção entre duas vertentes do conto literário, que servem de paradigma para os
escritores, segundo suas variações próprias, até hoje: a clássica, à Maupassant; e a
moderna, à Tchecov:
Por mais que se procure fugir, Maupassant e Tchecov são os dois pólos e todo conto
de filiar-se ora a um, ora a outro, como ficariam, para nós, Machado de Assis e
Afonso Arinos, a refletirem as duas características principais do conto brasileiro, o
conto de fundo psicológico, universal, e o conto substancialmente regional, mais da
terra do que do homem.
49
Tal distinção, Lima deve-a à autora Elisabeth Bowen, que ele cita na parte II de
seu trabalho, a fim de traçar as distinções entre as duas formas do conto estabelecidas.
Observa
-se, diferentemente à questão temático-estrutural levantada por Gotlib, que o
autor cearense valoriza o aspecto espacial para a classificação. Ainda na parte II, ele se
detém em exemplificar a arte do conto maupassantiano; no item III, a do conto moderno
à Tchecov. Vejamos a seguir o que o escritor fala de Maupassant. Primeiramente, a
citação de Elisabeth Bowen; em seguida, sua análise de “Un lâche”:
Marcando impressivamente as características de Maupassant e de Tchecov,
Elisabeth Bowen frisa que Tchecov domina o gênero, por uma emancipação de
qualidades, por uma romântica distensão da história, valorizando o que deveria
aparecer de forma rudimentar ou nebulosa, ao passo que Maupassant vale por uma
adstringência, por uma pertinência férrea. “[...] Maupassant era o escritor popular
nato, impelido a pancadas por Flaubert, para a austeridade. Seus temas eram
simples: cobiça, crueldade, dinheiro e aquela espécie de fantasia cor-
de
-rosa que
tem uma sepultura por substrato. Transcrevia as paixões nos únicos termos
possív
eis
por uma narração desapaixonada. Havia uma comunicação ininterrupta
entre seu pensamento e seus sentidos: aquela sua espécie de afinidade erótica c
om o
assunto sobre que escrevia deu-lhe uma linguagem prudente que nunca excede a
arte.”
[...]
O conto clássico, portanto, não poderia passar da narração de um episódio
(
incidente
, como quer Somerset Maugham,
acidente
, segundo José Oiticica), que
sirva para determinar o aspecto psicológico em clímax, o drama de certo indivíduo,
coletividade ou meio, demonstrando de modo incisivo, sintético e monocrônico, na
48
Idem, p. 18.
49
Idem, p. 20.
84
fórmula de Araripe nior, o
pathos
dos sentimentos, do instinto, da alma humana.
[...]
Para maior clareza, exemplifiquemos com uma página das mais conhecidas do
gênero,
Um covarde, de Guy de Maupassant, uma vez que ninguém soube melhor
do que ele construir um conto em que a concisão da narrativa, a nitidez da
descrição, a bravura do estilo e a surpresa d
o entrecho correm parelhas:
Um cavalheiro é insultado por outro, numa roda de amigos: trocam-se os cartões,
fica estabelecido um duelo, para horas depois.
Eis um episódio.
Recolhendo
-se à casa, o homem se põe a refletir sobre as conseqüências prováveis
do encontro. Imagina que pode ser, que será, certamente, o sacrificado, e, desde
logo, se antevê, frio, inerte, morto, com um golpe certeiro no coração. A
possibilidade do próximo fim aterra-o. Não pode, entretanto, fugir-lhe sem desonra.
Todos lhe conhecem a situação melindrosa. Sabe que jamais terá forças para
enfrentar o inimigo, sem mostras de pusilanimidade. Então, desesperado, perde a
cabeça. Perto, ao fundo duma gaveta, uma pistola carregada. Empunha-a, num
relance, encosta-a à fronte, aperta o gatilho. O sangue inunda a folha de papel em
que principiara a escrever: “Este é o meu testamento...”
Outro episódio.
Esses episódios, de per si, não poderiam constituir assunto para um conto.
Reproduzidos, assim, individualizados, seriam apenas a descrição policial dum
suicídio, o registro corrente dum caso de sociedade. Encadeados, porém, como o
foram, um, pedindo um desfecho, outro, requerendo o preâmbulo, núcleo emocional
do drama, formaram um conto magistral. Os dois episódios se desenvolveram,
percorre
ndo certo plano de que resultou a revelação psicológica dum poltrão (o
“acidente”), capaz de forçar as portas do Desconhecido, quando lhe faltou ânimo
para encarar um perigo de que poderia facilmente sair incólume.
Esse, o padrão do conto clássico, perfeitamente caracterizado com as suas três fases
tradicionais de princípio, meio e fim, obedecidas as regras de síntese e
monocronismo, fixadas por Araripe Júnior; marcado pelo “acidente” requerido por
Oiticica; dando, finalmente, “em síntese, a descritiva ou o drama de uma situação,
de um
passus
na vida de uma personagem”, como queria Sílvio Romero. Mas, não é
só. Voltando ainda a Elisabeth Bowen, notemos que “a tensão poética e a clareza
são tão essenciais ao conto que dele se poderia quase dizer que fica à margem da
prosa: no uso da ação, o conto está mais próximo do drama do que do romance. A
ação deve, no romance, ser completa e determinada: no conto, recupera uma
simplicidade heróica.”
O conceito é dos mais felizes. Nas grandes páginas do gênero, não é poss
ível,
realmente, dissociar, sem mutilação, a pura substância poética do sentido
estritamente narrativo, seja no conto antigo, seja no moderno aquela imanente
constante da beleza, do mistério, do amor e da morte, presentes no Campo de
Oliveiras
, de Maupassant, n’O defunto, de Eça de Queiroz, na Cantiga de
esponsais
, de Machado de Assis, ou no
Gaetaninho
, de Antônio de Alcântara
Machado, n’As neves do Kilimanjaro, de Hemingway, ou no Coração das trevas
,
de Conrad, n’
O morto
, de Joyce, ou em
Eis a noite
, de
João Alphonsus.
50
Tem
-se aqui um tipo de análise recorrente do conto de Maupassant como se
prova pelas inúmeras citações de Lima –, visto como modelar, que visa à estrutura e às
temáticas caras ao autor. Muito antes, Monteiro Lobato fez o mesmo tipo de
observação
da arte do conto maupassantiana, tanto em sua correspondência quanto em suas
narrativas curtas, conforme mostraremos no
capítulo
3. Ainda apelando ao resumo do
conto para sua análise, entendendo talvez que o seu leitor não conheça a obra, elenc
a
50
Idem,
p. 21, 28
-
29, 30
-
31, respectivamente.
85
traços importantes da estética maupassantiana: “a concisão da narrativa, a nitidez da
descrição, a bravura do estilo e a surpresa do entrecho correm parelhas”; alguns temas:
“aquela imanente constante da beleza, do mistério, do amor e da morte, presentes no
Campo de Oliveiras, de Maupassant”; o regionalismo: “Os contos de Maupassant,
evocando o seu
terroir
normando, a cobiça, o apêgo ao chão natal, a exacerbação dos
instintos em face da morte que ronda no bôjo dos vagalhões da paisagem cotidiana”.
51
Na qu
arta parte desse ensaio, Lima retoma a distinção entre a tradição do oral do
conto
popular e do conto erudito, quando cita o caso de Machado de Assis. No item V,
discute o valor do conto de revistas para o entretenimento de um público popular, o
“magazine
short-story”, o qual busca atender às expectativas de um “público de gostos
limitados”.
52
Uma classificação pouco criteriosa é tema da parte VI, buscando reunir,
sob nomes diversos, contos que poderiam levar mais de uma etiqueta. No trecho abaixo,
de que demos uma parte, oferece Maupassant como regionalista, mas que conduz
paisagem e personagens à universalidade.
Dum modo geral, os contos podem dividir-se em duas categorias: universais e
regionais, subdivididos, por sua vez, em contos humorísticos, psic
ológicos,
sentimentais, de aventura e de mistério, policiais, etc., [...] Mais estritamente temos
os contos históricos, os urbanos, os comemorativos, os puramente imaginários ou
fantásticos.
A arte do conto regional alteia-se grandemente, quando o tema envolve problemas
universais, como se disse, figurando então a marca local apenas como nota ilustrativa,
predominante, o “background” em função de atmosfera essencial, a acrescer-lhe o
sabor de cenas e paisagens típicas. Os contos de Maupassant, evocando o s
eu
terroir
normando, a cobiça, o apêgo ao chão natal, a exacerbação dos instintos em face da
morte que ronda no bôjo dos vagalhões da paisagem cotidiana.
53
Acrescenta ainda a esse grupo o português Fialho de Almeida e os autores
brasileiros Afonso Arinos, Monteiro Lobato e Simões Lopes Neto.
Também nesse capítulo de classificações,
faz
menção às origens do conto
fantástico, tarefa para a qual se utiliza dos dados fornecidos por Pierre Georges Castex,
em
Le conte fantastique en France. Trata da entrada desse gênero no Brasil, de que
exemplo
Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, e os contos “Sem olhos”, “A igreja
do Diabo” e “Entre santos”, de Machado de Assis.
No item seguinte, o autor percorre as principais obras de contistas universais
(fran
ceses, ingleses, americanos, espanhóis, italianos, portugueses, alemães, húngaros,
51
Idem, respectivamente, p. 30
-
31, 47
-
48.
52
Idem, p. 43.
53
Idem, p. 47
-
48.
86
escandinavos e russos). Mais uma vez trata de Maupassant, citando o texto de João
Gaspar Simões, “A genealogia do conto moderno”, em
Mar de histórias
:
Na França, por exemplo, é sem dúvida o maior de todos os tempos o sempre citado
Guy de Maupassant, com as suas centenas de contos, tantos dêles invulneráveis à
ação do tempo, como é o caso de Bola de sebo
,
O Aderêço
,
O Bêbedo
,
Senhorita
Pérola
, A beleza inútil
,
Ivete
,
O cordel
,
O campo de oliveiras de que dizia Taine
ser puro Esquilo e tanto mais, inumeràvelmente. Duma arte direta, representando
a vida em tôda a sua crueza, se lhe falta alguma sutileza de pensamento, sobra-
lhe
uma sensibilidade tão aguda como o seu instinto de grande apaixonado da vida.
Cruel, cínico, duro, como o acusam de ser, não é menos verdade, que êsse homem,
como nota incisivamente Joseph Conrad, escrevia com a plenitude dum coração
compadecido. “É impiedoso e todavia gentil com a sua humanidade; não lhe insulta
os receios prudentes nem os pequenos artifícios; não lhe despreza as canseiras.
Antes, parece que as contempla com um olhar de profunda piedade pelas suas
turbações, decepções e misérias. Todavia, olha para tôdas elas. e não desvia o
olhar
.” Do mesmo passo, é Maupassant “um escritor intensamente nacional. É tão
intensamente nacional na sua gica, na sua clareza, nas suas concepções morais e
estéticas, que foi aceito pelos seus patrícios sem ter que pagar tributo à lisonja,
fôsse à nação como um todo, fôsse a qualquer classe, esfera ou divisão da nação. A
verdade de sua arte fala com fôrça irresistível; e êle está isento do dever de uma
atitude patriótica. É francês como os mais o sejam, para além de qualquer questão
ou sofisma, e com isso é
bastante simples para ser universalmente comprendido.”
Guy de Maupassant continúa, assim, magistralmente, a grande tradição da França, no
terreno do conto, pois os mestres do gênero, desde que o conto se depurou na forma
definitiva, se acham mesmo entre o
s ficcionistas do fin
al do século dezenove [...]
54
A parte oito segue no rol de contistas, desta vez latino-americanos, até que na
nona e última parte apresenta, enfim, os contistas brasileiros até Clarice Lispector. Este
item se aproxima um pouco do se
u outro texto, “O conto
, do Realismo aos nossos dias”,
o qual comentaremos na próxima página.
Sobre
Variações sobre o conto, a adicionar
ainda
a comparação que estabelece entre o catarinense Virgílio Várzea (que ele também
chamara “o Pierre Loti brasile
iro”) e Maupassant:
Há, em seus livros
Mares e campos
,
Nas ondas
e
Histórias rústicas
, não raro, como
nos contos Núpcias trágicas e Flor do mar, aquela mesma grandeza que nas
páginas de Maupassant dedicadas à costa bretã, com as suas tempestades
devo
radoras de homens, os seus idílios truncados pela fúria ciumenta das vagas.
55
No pequeno volume O conto,
56
pertencente a uma coleção de ensaios editada
pela Universidade da Bahia, Herman Lima traz muito do que no primeiro ensaio.
Vamos aqui transcrever a passagem sobre Maupassant, em que, porém, acrescenta
algumas informações interessantes ao trecho que descreve a arte do conto clássico:
54
Idem, p. 55
-
56.
55
Idem, p. 111. A passagem sobre Vir
gílio Várzea está na página 110.
56
LIMA, Herman
.
O conto
. Universidade da Bahia, 1958. Disponível no IEB.
87
No particular, devemos ainda r em relêvo aquela permanente autenticidade que o
escritor de tantas obras-primas do conto, como O Adereço
,
Bola de Sebo
,
Le Horla
,
Raio de Lua
,
O Barbante
,
O Bêbedo
,
Garçon, um chope!
,
Miss Harriet, enfim, de
dezenas de outros do mesmo alto nível, punha sempre em suas páginas. Observador
implacável da vida francesa do último quartel do século, não só da burguesia
parisiense como do “faubourg” e dos centros proletários, dos campos e das praia
s,
onde o mar da Bretanha estronda e escachoa como uma fera demente, Maupassant
foi o mestre insuperável dêsse gênero, cujo segrêdo maior estava, dec
erto,
justamente naquele poder de fixação do momento que passava ao alcance da sua
objetiva íntima.
Acusam
-
no
e Tolstói se inclui entre êstes de recorrer muita vez à “ficelle”, para
um desfecho que se equiparava à chave de ouro dos sonetos parnasianos. Entretanto,
a propósito justamente de seu conto talvez mais conhecido, que é O Adereço (
La
Parure
), é fácil que o seu desfecho, por imprevisto em absoluto, possa parecer a
alguém um tanto inverossímil.
Por mais objetivo, no entanto, por mais apegado aos cânones do naturalismo, que
mandavam olhar a vida como ela é, em tôda a sua crueza, maldade e sordície, alheada
à sensibilidade do escritor, Maupassant era capaz também de um parêntese de ternura
e suavidade, como naquela página de tão pungente lirismo do
C
lair de lune
.
É que por mais imbuída daqueles moldes, sua arte não se privava também da
poesia, mormente nos seus contos passados à borda do mar, que foi a grande paixão
da sua vida ardente e tumultuosa de homem de ação e de sensações violentas.
57
No segundo volume da coletânea de artigos A literatura no Brasil, dirigida por
Afrânio Coutinho, encontramos outro artigo de Herman Lima, intitulado “O conto, do
Realismo aos nossos dias”.
58
Trata-se, como se vê, de apenas um recorte formal (o
conto) e histórico da L
iteratura
Brasileira, o que o torna ao mesmo tempo um estudo
específico, mas aprofundado do tema que nos toca.
Nesse texto, em particular, o autor oferece-nos um estudo do conto brasileiro
desde as origens, que de pronto ele demarca: “[...] o romance, o conto e a novela, como
forma literária, começaram no Brasil pouco antes de findar a primeira metade do
século XIX”,
[...]
na segunda fase do nosso romantismo”, uma vez que as produções
anteriores pertenciam à literatura oral; o “Naturalismo foi a pedra de toque do nosso
conto, a partir do final do século passado [século XIX], até o Modernismo de 22”. Nele
também retoma a distinção que estabelecera anteriormente entre o conto à
Maupassant, ou forma naturalista, e conto à Tchecov, ou forma psicológ
ica.
59
Dos românticos, trata rapidamente de Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães,
Franklin Távora, Inglês de Sousa, Afonso Arinos, José Veríssimo e José de Alencar.
Logo se detém, mais longamente entretanto, em Machado de Assis, re
ssalt
ando sua
predileçã
o pelo fantástico coisa rara entre os historiadores literários que, segundo
57
Idem, p. 51
-
53.
58
Idem. O conto, do Realismo aos nossos dias. In: COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Rio de
Janeiro: Editorial Sul Americana S.A./Livraria São José, [s.d.], v. II, p. 229
-
245.
59
Idem, respectivamente, p. 229, 230, 233, 244.
88
Herman Lima, deixa entrever em “A Igreja do Diabo”, “Entre Santos”, “A chinela
turca”, “Sem olhos” e “O país das quimeras”. Se não o aproxima pelo gênero fantástico
a Maupassan
t, o faz quando define o seu realismo:
É ele [Machado], portanto, inegavelmente, o fixador das principais diretrizes do
conto brasileiro, a vigorarem durante meio século, pelo menos, quer seguindo o
roteiro dos românticos, sem perder de vista, no entanto, o signo nascente de
Maupassant, com suas histórias de cruel realismo, de que não seria difícil achar
nítidos reflexos em páginas como “Pai contra Mãe” ou “A Causa Secreta”, quer
prenunciando o que seria o conto moderno, a cristalização dum estado de alma, da
atmosfera de certo ambiente moral, desde que, muito antes de Tchecov firmar-
se
sequer na Rússia, já êle se tornara mestre insuperável no gênero no Brasil.
60
Do Naturalismo levanta um número grande de contistas. Interessa-nos referir
aqueles que Lima d
iz terem
-
se dedicado ao “conto à Maupassant”:
Viriato Correia (1884), com os seus livros
Minaretes
(1903), Contos do sertão
(1911),
Novelas doidas (1921) e Histórias ásperas (1928), particularmente os
contos de ambiente sertanejo a que se mistura um ardente lirismo, uma forte
sensualidade, nos tipos e nas situações e uma poderosa textura dramática, sabe
animar as suas narrativas dum intenso interesse e dum profundo sentido universal,
que fazem de várias de suas páginas, como “Terras Malditas”, “O Outro”,
“A
Desfeita”, “A Desforra”, “Madrugada Negra”, exemplares do que de melhor temos
produzido no conto à Maupassant.
61
Porém, não será ao tratar estritamente do conto naturalista que Lima aproximará
mais autores brasileiros do conto maupassantiano, mas sim ao falar do regionalismo
literário em geral:
A tradição naturalista de Maupassant procura captar a realidade de seu aspecto
externo, como a sede e o motivo dos conflitos entre os homens. Ela teve no
regionalismo o principal estímulo e a atmosfera que o ajudariam a produzir entre
nós algumas obras-primas no gênero, pela pena de Afonso Arinos, Simões Lopes
Neto, Monteiro Lobato, Carvalho Ramos, Guimarães Rosa, etc. Sem embargo, o
conto naturalista não foi o contato da terra que se construiu entre nós. O
am
biente social das cidades, dos centros operários serviu-lhe excelente matéria-
prima, de que souberam tirar partido um Coelho Neto e um Lima Barreto.
62
Este artigo, posterior aos dois volumes do autor estudados anteriormente,
ampliam nossas referências pa
ra os estudo da recepção criativa de Maupassant, uma vez
que nos auxiliam informando nomes e títulos que desconhecíamos.
60
Idem, p. 231
-
232. Grifo nosso.
61
Idem, p. 234.
62
Idem, p. 245.
89
No livro Letras francesas, de Brito Broca, o curto ensaio “A renascença do
conto e da novela”,
63
em que parte do princípio de que, após Maupassant, o público
francês se desinteressou pelo conto e novela literários. Aponta, entretanto, que a própria
atuação jornalística de Maupassant (pela publicação de seus contos na imprensa) teria
estimulado a procura dos
récits
nos jornais e revist
as do fim do século XIX.
Maupassant publicou mais de uma centena de histórias em periódicos, de onde
a marca de sensacionalismo fácil que encontramos em algumas delas. Seu
talento criador o levou, no entanto, a produzir muitas obras-primas, mesmo
quando
escrevia por simples solicitação “jornalística”, como os autores dos
romances
-
folhetins.
64
O público leitor dos folhetins, entretanto, não era o mais ilustrado. Broca passa,
seguindo
o fluxo de sua memória, a retratar as novas leituras de contos que se
apresentavam então na França. O crítico atribui, entre outras razões, o influxo do
“gênero” conto à afluência do romance francês. Este, porém, estaria novamente em
declínio, o que teria dado novo estímulo às narrativas curtas:
Essa renascença do conto e da novela na França em nada deve prender-se às
condições da vida moderna, significando possivelmente um esfôrço de renovação
da matéria ficcional, bastante exaurida nas dimensões do romance. E talvez não
passe de um fenômeno transitório, sem maior significação, embora me pareça que,
de qualquer maneira, os romances longos e maciços acabarão por entrar em crise.
65
Hoje, com o exemplo dos adolescentes que lêem as sagas de Harry Potter,
sabemos
que a extensão dos romances não é limitação à leitura literária. Assim como
Broca caracteriza a “nossa proverbial fidelidade aos modelos franceses” (p. 59) no
caso particular dos romances de folhetim –, seria pela mesma razão explicável o
recrudescimento do conto à Maupassant nas décadas posteriores a 1920? Broca fala na
rarefação do conto na França que, somente na opinião dele, foi “gênero que nela
sempre foi pouco cultivado” nos últimos cinqüenta anos, isto é, após 1900. É certo,
como vimos nos críticos anteriores, que o conto brasileiro desde o Realismo ga
nhou
novos adeptos, mas estariam eles ainda ligados à produção maupassantiana ou teriam
buscado novos estímulos fora da literatura francesa, visto que esta forma literária passa
a ser menos cultivada por lá? Razões nacionais internas devem explicar melhor o caso,
mas poderíamos apresentar estas hipóteses, ainda a amadurecer, à luz de Brito Broca.
63
BROCA, Brito. A renascença do conto e da novela.
Letras
francesas
. Org. e pref. Francisco de Assis
Barbosa. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1969. O artigo é de 14 de setembro de 1957.
64
Idem, p. 60.
65
Idem, p. 62.
90
Em
História da Literatura
Ocident
al
, Otto Maria Carpeaux (1900-
1978)
66
dedica algumas páginas ao contista normando (incluindo bibliografia do autor e sobre
ele),
bastante esclarecedoras quanto à sua presença no Brasil e sobre o que os franceses
pensavam dele em torno de 1960. Queremos registrar a referência, uma vez que ela
própria faz parte de documento da recepção crítica do autor entre nós. Repleta de
menções ao público leitor brasileiro, se faz um registro de época bastante ilustrativo
,
assim como o artigo de 1947, “Relendo Maupassant”, que mencionamos no início
desta dissertação.
A nossos avós e pais, Maupassant parecia o símbolo da Paris de 1880: da cida
de
dos prazeres eróticos mais requintados, do luxo da “jeunesse dorée”, dos
divertimentos escandalosos do Príncipe de Gales; saudade íntima dos burgueses
abastados de todos os países, de vacâncias matrimoniais. As edições e traduções
baratas de Maupassant
nas ilustrações
67
aparecem “élégants” de bigode, cartola e
bengala e senhoras do “demi-monde”com cintura de vespa e chapéus enormes
perpetuam até hoje essas ilusões agradáveis de “bons velhos tempos”. Quando o
alegre e elegante Maupassant morreu louco, os moralistas levantaram o dedo da
sabedoria,
advertindo gravemente a moci
dade;
hoje, os seus contos “imorais”, tendo
perdido muito do antigo encanto de frutos proibidos, já são ousados como lições de
bom estilo francês
para os colegiais do Sion; e Maupassant afigura-se, a muitos, tão
antiquado como aquêles bigodes e chapéus. Um dos seus contos, o primeiro, aquêle
que mais ofende as
biensénces
burguesas, “Boule de suif”, entrou no rol das obras
clássicas, com das as honras oficiais. Um dos seus últimos contos, “Le Horla”, é
estudado pelos especialistas em psicopatologia, como interessante caso de
alucinação angustiada. No resto, o nome de Maupassant não consta das
discussões literárias.
“La Maison Tellier”, “Les Soeurs Rondoli”, “Monsieur
Parent”, “Miss Harriet”, En famille”, “Une partie de campagne”, Sur l’eau etc.,
etc.
quantas obras-
primas!
todos êsses contos são lidos, em edições baratas,
por leitores menos exigentes. A releitura surpreende, porém; eis um contista de
mestria singular, talvez o maior desde Bocaccio e Cervantes. E aquêle conto “Sur
l’eau” revela um grande escritor trágico. Maupassant não é o miniaturista dos
prazeres animais;
agora,
uma tristeza infinita irradia das suas páginas variadas, a
monotonia do “post coitum omne animal
triste”.
Maupassant parece muito variado
:
tratando
-se das aventuras cômicas ou tragicômicas da “jeunesse dorée”, das
misérias da boêmia, da vida dos remadores ao ar livre, da estupidez desgraçada dos
burocratas e pequenos-burgueses, da vareza e obstinação dos camponeses
normandos
“plus ça change, plus c’est la même chose”. Maupassant é
divertidíssimo, mas monótono. Não tem muita cultura. Sua inteligência está
limitada pelos limites algo estreitos da sua experiência humana. Por isso, prefere os
personagens
simples e simplistas, os motivos mais evidentes, os enredos ligeiros.
Dos seus defeitos construiu Maupassant a mestria da sua técnica. Maupassant é o
criador da “short story”
, caracterizada por uma ou duas viravoltas bruscas que dão o
efeito infalível. Nesta técnica, Maupassant é mestre inigualado; e não é uma técnica
mecânica.
Não serve para surpreender o leitor, mas também para irritar certos
leitores. O boêmio Maupassant pretende “épater le bourgeois”, assim como o seu
66
CARPEAUX, Otto Maria.
História da
L
iteratura
O
cidental
. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1963. v. 5.
67
Aqui Carpeaux provavelmente faz referência às edições francesas Ollendorf, que ainda encontramos a
baixo preço em sebos de São Paulo. As ilustrações dos heróis masculinos, de autores diversos, muitas
vezes se assemelham aos retratos do próprio Maupassant.
91
padrinho Flaubert. No primeiro conto, “Boule de Suif”, os burgueses são, em face
do inimigo invasor, os covardes, e a prostituta é a patriota heróica; e logo depois,
em “Maison Tellier”, o bordel é o lugar “fashionable” da pequena cidade normanda
e o ponto de encontro dos cidadãos mais honrados. Em Flaubert aprendeu
Maupassant
conforme a sua própria confissão a observação exata dos fatos
exteriores e a tradução exata das impressões visuais para a língua. O seu
naturalismo é uma teoria e prática da superfície das coisas: sejam as supe
rfícies
epidérmicas de amôres fáceis, seja o jôgo das luzes na superfície das águas do Sena,
seja a superfície psicológica de pequenos-burgueses parisienses ou camponeses
normandos que se compõem de um material homogêneo sòmente; estupidez ou
avareza.
O materialismo de Maupassant não é, como o de Zola, uma filosofia, mas
uma maneira espontânea de ver o mundo, uma visão poética
Benedetto Crocce
chegou a considerar Maupassant como poeta. Daí a frescura dos seus quadros,
sobretudo quando se trata da vida dos remadores. O seu contemporâneo Matthew
Arnold, se tivesse tomado conhecimento do contista francês, teria ficado
horrorizado com a falta de “high seriousness”, que foi para êle o critério dos
clássicos. Justamente por isso é Maupassant o clássico do materialismo literário.
O
romântico dêsse materialismo seria outro grande contista da literatura universal,
Kipling: mesma espontaneidade, mesmo gôzo do corpo ao ar livre – mas para
Kipling é tudo isso uma disciplina a serviço de um ideal patriótico, enquanto
Ma
upassant não tem ideal algum; senão o ideal literário de observar e reproduzir
fielmente a realidade, que é tão triste. Maupassant é profundo na superficialidade,
porque reconhece o “sem fundo” da superficialidade, o vazio desta vida corporal, só
prazer, sempre o mesmo prazer; e, enfim, a destruição fatal. A angústia do
desfêcho. Maupassant sempre vira o fantasma do Nada atrás das luzes
impressionistas.
É um dos escritores mais tristes da literatura universal: construtor
de uma verdadeira “physique du Mathe
ur”[sic
physique du malheur?];
68
embora
com uma secreta nostalgia da saúde mediterrânea o destino fê-lo adoecer e morrer
justamente na Riviera: o primeiro fatalista desesperado entre os naturalistas.
Mas já se vê que Maupassant não é propriamente naturali
sta. É o mais “natural” dos
realistas
.
É pessimista
porque é observador agudíssimo ao qual a realidade
observada enche o espírito, a realidade tôda, de tôdas as coisas e da existência
humana inteira: observação de que não pode resultar outra filosofia. Mas a época
ligava essa arte, paradoxalmente ao jornal humorístico. O nome de Maupassant está
ligado à “Vie parisienne” que lhe perpetuou a maneira. Trabalho e êxito de
Maupassant eram ou pareciam fáceis mas era preciso escrever muito para viver.
A
elegância
e os amôres de Maupassant não foram pagos com dinheiro herdado. O
boêmio Maupassant só se deu ares de “jeunesse dorée”;
na verdade, foi um pequeno
intelectual, trabalhando duro, radical no materialismo da falsa elegância e no
fatalismo desesperado
.
69
Para
Carpeaux, Maupassant é talvez o maior contista desde Bocaccio e
Cervantes e também o criador da short story. Aponta-lhe uma tristeza, um pessimismo
e, ao mesmo tempo, uma forte nostalgia, certa alegria, uma vontade de épater le
bougeois
,
uma grande varieda
de de temas e cenários normandos e parisienses. Carpeaux
demonstra ter lido o prefácio “Le roman”, quando define os seus princípios, mas insiste
que Maupassant não tinha ideal literário, apenas apresentou a sua maneira poética de ver
68
Otto Maria Carpeaux conheceria o texto de Roland Barthes, “Maupassant et la physique du malheur”,
de 1956? É possível que sim, mas não procurou discutir a tese do semiólogo francês.
69
Idem, p. 2422
-
2425. Os grifos são nossos.
92
o mundo. Veja-se que o caracteriza quase como um proletário da palavra ao contrário
de Flaubert, que vivia de rendas familiares, até alguns anos antes de morrer, quando
teve de reassumir outros trabalhos para viver.
O resumo que Carpeaux faz da estética de Maupassant é bastante interessante,
uma vez que abrange diversas discussões internas à obra do escritor. Ele soube revisar a
obra do autor, a quem, em 1947, atribuía certo mecanicismo da técnica contística. A meu
ver, é um dos mais importantes pareceres críticos feitos no Brasil. A aparente
contradição
do
historiador é reveladora de um leitor admirado e ainda não resolvido entre
-lo como ultrapassado ou atual. Ao tentar resumir em sucintas definições a variação
interna dos temas e formas do autor, Carpeaux mesmo aponta certa insatisfação no
esquecimento de um escritor que ganha na releitura. Ora o autor de Boule de Suif é
divertidíssimo, ora é um dos mais tristes escritores da literatura universal e pessimista.
Contradição interna talvez à própria obra de Maupassant ou apenas uma leitura do crítico
brasileiro? Talvez as duas coisas. Fato é que este crítico foi dos primeiros informar a vida
do autor sem querer explicar a sua obra por meio dela, mas, pelo contrário, explicando a
sua vida pelas suas escolhas como homem de letras. Os elementos biográficos vêm
somente a fim de ressaltar certas obsessões e temas em sua obra.
Mário da Silva Brito (1916-?), em História do Modernismo brasileiro:
antecedentes da Semana de Arte Moderna, oferece-nos o único registro (até o
momento
) do possível aproveitamento de Maupassant pelos modernistas. A defesa de
uma arte livre do estatuto do real, por parte dos modernistas, foi buscada, segundo
Brito, parcialmente no famoso prefácio “Le roman”, de Guy de Maupassant, ao
romance
Pierre et Jean.
70
A partir desses princípios de arte estilizada, atacando
realistas, naturalistas e parnasianos, a literatura e a arte moderna divulgaram-
se
n
os
jornais, em poemas e artigos críticos (principalmente no Correio Paulistano,
concorrente do
Estado
e da publicação cultural deste, a Revista do Brasil), até que a
Semana de Arte Moderna acontecesse. Graças à referência de Brito, buscamos no
Commercio
de São Paulo o artigo mencionado por ele, assinado por Oswald de
Andrade, cuja leitura relata
re
mos
no final deste capítulo
.
Alfredo Bosi (1936-), em História concisa da Literatura Brasileira, menciona
Maupassant em diversos momentos. Ao abordar o Realismo, apresenta-o como um dos
mestres franceses da objetividade e do impessoalismo, ao lado de Flaubert, Zola e
70
BRITO, Mário da Silva.
História do
Modernismo brasileiro
: a
ntecedentes da Semana de Arte Moderna
.
3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971,
p. 209
-
210.
93
Anatole France e, entre Flaubert, Leconte de Lisle e Machado de Assis, denomina
Maupassant um dos estilistas consumados do século XIX.
71
Logo adiante, tratando
especificamente da ficção realista, cita algumas afirmações de realistas franceses que
dão a medida da estética. Após apresentar trechos da correspondência de Flaubert, do
prefácio dos Goncourt a Germine Lacerteux, do prefácio de Zola a Therèse Raquin
,
transcreve a seguinte passagem do prefácio a
Pierre et Jean
, sobre a
sua
particular visão
da
verossimilhança
realista:
[...] se o romancista de ontem escolhia e narrava as crises da vida, os estados agudos
da alma e do coração, o romancista de hoje escreve a história do coração, da alma e
da inteligência no estado normal. Para produzir o efeito que ele persegue, isto é, a
emoção da simples realidade, e para extrair o ensinamento artístico que dela deseja
tirar, isto é, a revelação do que é verdadeiramente o homem contemporâneo diante
de seus olhos, ele deverá empregar somente fatos de uma verdade irrecusável e
c
onstante.
72
Em subcapítulo dedicado a Aluísio Azevedo e outros naturalistas brasileiros,
Bosi pondera o uso da tipificação (das personagens e do meio) pelos naturalistas.
Apresenta
-a, entre outros recursos literários, como “sintomas dos impasses criados no
espírito do ficcionista quando se abeira da condição humana enleada da vida social”. E
segue, apresentando Maupassant, entre outros, como exemplo dessa “coerência
existencial mínima” entre a ficção e a vida social da época:
Os momentos de maior fermentação desta [a vida social] nos meios citadinos foram
pontuados por uma vigorosa narrativa realista de tintas sarcásticas: o
Satyricon
de
Petrônio, o
Decameron
de Bocaccio, as histórias de Diderot, os romances de
Thackeray e Balzac, os contos de Maupassant
e Tchécov...
73
Ainda no capítulo “Realismo”, dedica algumas páginas a Monteiro Lobato. Ao
tratar do conto lobatiano, Bosi serve-se de Maupassant para decrescer a arte do autor de
Urupês
, justamente pela excessiva utilização da tipificação ou do retrato ex
terior:
No que tange à composição, querendo imitar a objetividade de Maupassant, sem o
gênio do mestre, Lobato concentrava-se no retrato físico, na busca dos defeitos do
corpo ou dos aspectos risíveis do temperamento ou do caráter. Um anti-
romantismo
algo
pragmático, que o desviava continuamente da interioridade, fazia-o descansar
na superfície dos seres e dos fatos cuja seqüência se revela por isso desumanamente
funcional, no sentido daqueles mesmo efeitos de cômico e patético que o autor
queria produzir.
74
71
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 33. ed. São Paulo: Cultrix, 1994. (1. ed. de
1970), p. 167
-
168.
72
I
dem, p. 169
-
170.
73
Idem, p. 189.
74
Idem, p. 217.
94
Entretanto, Bosi revalorizaria Lobato como contista regionalista, idealista e autor
infantil em outros momentos dessa e de outras obras suas
75
nunca em comparações
com Maupassant, no entanto conforme faremos saber quando tratarmos
particularmente do
Lobato contista como leitor de Maupassant.
Massaud Moisés (1928-), em
A
L
iteratura
Brasileira através dos textos, para
apresentar Monteiro Lobato, seleciona justamente o “Meu conto de Maupassant”, alvo
de nosso estudo durante a Iniciação Científica. À essa época, não tínhamos ainda
conhecimento da seleção desse texto por Massaud, o qual vem acompanhado da precisa
crítica que transcrevemos a seguir, a qual vincula a arte dos dois escritores:
Além de constituir um protótipo de conto, esta narrativa exemplifica nitidamente as
tendências literárias de Monteiro Lobato, ao menos na altura em que elaborou
Urupês
. Na verdade, se nem tudo em suas composições breves se deve ao
magistério de Maupassant, algumas de suas constantes o vinculam de imediato ao
contista francês. A engenhosa síntese da arte do autor de Boule de Suif, efetuada
logo à entrada do conto, afora corresponder à realidade dos fatos, denuncia a
própria maneira de Monteiro Lobato: “Porque, a vida é amor e morte”, etc. Em
semelhante perspectiva se coloca o epílogo, enigmático e inesperado, peculiar ao
conto, em que Maupassant foi mestre. E o foco narrativo, empregando a terceira e a
primeira pessoas simultaneamente, numa aliança em que a última predomina, é
outro aspecto digno de nota: conto dentro do
conto, equivale ao afã de autenticidade
que notabilizara o escritor europeu. Este, reagindo contra a rigidez doutrinária em
voga no tempo, destinava à psicologia um lugar marcante em sua visão do mundo,
mas da psicologia que se esconde por trás de vidas anônimas e medíocres, por trás
da aparente ausência de qualquer vibração, como se surpreendesse as tragédias
ocultas na inércia pardacenta do cotidiano. Assim procede nosso contista: deixando
suspenso o veredito em torno do assassínio da velha, insinua as pr
ofundezas
abissais em que mergulha a existência mental das criaturas destituídas de relevo ou
maior significação. Como que forcejando por captar o mistério recôndito no dia-a-
dia trivial, a ficção de Monteiro Lobato talvez se diferencie da de Maupassant
na
quilo em que este repudiava a “escrita artística” dos irmãos Goncourt, ao passo
que ele buscava um casticismo de linguagem inspirado em Camilo [Castelo
Branco]. Não obstante, a limpidez do retrato psicológico e a objetividade na locali-
zação do invisível ou do incerto, são características que permanecem, tornando o
prosador de Taubaté um dos nossos mais engenhosos artífices do conto.
76
Em outra obra sua, História da L
iteratura
Brasileira,
77
Massaud Moisés faz
outras correlações entre Maupassant e escritores brasileiros. No volume 3, sobre o
Realismo, cita como autores que produziram o conto à Maupassant: Aluísio Azevedo
em seu livro
Demônios
, Lúcio de Mendonça em Esboços e perfis e Horas do bom
tempo
, Faria Neves Sobrinho em O h
idrófobo
, Antônio Sales adere estilo do autor no
75
Idem. O Pré-
Modernismo
. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1980. Idem. Lobato e a criação literária. In:
Boletim bibliográfico da Biblioteca Mário de Andrade
, v. 43, São Paulo, 1982, p. 19
-
33.
76
MOISÉS, Massaud.
A Literatura Brasileira através dos textos
. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 340.
77
Idem.
História da L
iteratura
B
rasileira
. São Paulo: Cultrix/Editora da Universidade de o Paulo,
1985. 5 v.
95
romance
Aves de arribação e Artur de Azevedo em Contos fora de moda.
78
Sobre a
produção de contos no período brasileiro, afirma:
No geral, o conto realista e naturalista obedece ao esquema “tradicional”, praticado
ao longo dos séculos, que teria em Poe seu teórico mais agudo (além de um de seus
praticantes mais refinados) e em Maupassant seu modelo, que os realistas
partilharam: histórias curtas, com início, meio e fim, girando em torno de um só
episódio e um só efeito, e com desenlace enigmático, que imprime ao enredo
coerente organização causal; a brevidade, resultante da estrutura monódica,
corresponde a um flagrante da vida, insuscetível de alargamento ou digressões.
79
No volume 4, sobre o Simbolismo, fala de Lobato em meio aos autores da
belle
époque
brasileira (Lima Barreto, entre outros), citando de novo o “Meu conto de
Maupassant” e
uma
carta de A barca de Gleyre, em que
Lobato
assume o seu modelo
maupassantiano de conto.
80
Ao tratar do Modernismo (volume 5), menciona os
desfechos “à Maupassant” de alguns contos de Rodrigo de Melo Franco Andrade;
também compara os primeiros contos de José Maria Moreira Campos “nascidos à
sombra de Maupassant” e afirma que Moacyr Scliar renova o fecho maupassantiano.
81
Outros críticos e historiadores
consult
ados
não mencionaram Maupassant nas suas
histórias literárias. Estão entre eles: Sílvio Romero, Alceu Amoroso Lima (Tristão de
Athayde), Antônio Soares Amora, Araripe Júnior, Antonio Candido, Wilson Martins e
Nelson Werneck Sodré.
Ao que vimos da r
ecepção crítica nas histórias da
L
iteratura
B
rasileira, os contos
e as novelas de Maupassant citados foram: La Maison Tellier, “Un lâche”, “Le champ
d’oliviers”,
Boule de Suif, “La parure”, “L’ivrogne”, Mademoiselle Perle”, “L’inutile
beauté”, “Yvette”, “La ficelle”, Le Horla, “Clair de lune”, “Garçon, un bock!”, “Miss
Harriet”, “Monsieur Parent”, “En famille”, “Les soeurs Rondoli”, “Une partie de
campagne”, “Sur l’eau”. Misturam-se aqui contos de formas e temas os mais diversos,
representativos da variedade própria à contística maupassantiana, ilustrando assim a
formação diversa dos escritores brasileiros em Maupassant. Dos romances, vimos
mencionados quase todos, sobretudo os três últimos: Pierre et Jean, Fort comme la
mort
e
Notre Coeur
, incluindo o pref
ácio “Le roman”.
78
Idem, v. 3, respectivamente, p. 48 (Aluísio Azevedo), 134 (Lúcio de Mendonça), 141 (Faria Neves
Sobrinho), 147 (Antônio Sales) e 155 (Artur Azevedo).
79
Idem, v. 3, p. 152.
80
Idem, v. 4, p. 206
-207.
81
Idem, v. 5, respectivamente, p. 274 (Rodrigo de Melo Franco), 503 (José M. Moreira Campos), 511-
512 (Moacyr Sc
liar).
96
Os vinte e sete autores apontados como leitores de Maupassant são: A. de Paiva
(autor paraense não identificado), Adelina Lopes Vieira, Adolfo Caminha, Afonso
Arinos, Albertina Bertha, Aluísio de Azevedo, Antônio Sales, Artur Azevedo, Carvalho
Ramos, Faria Neves Sobrinho, Gastão Cruls, Guimarães Rosa, José Maria Moreira
Campos, Lima Barreto, Lúcio de Mendonça, Machado de Assis, Mário de Andrade,
Marques de Carvalho, Medeiros e Albuquerque, Moacyr Scliar, Monteiro Lobato,
Oswald de Andrade, Raul Pompéia, Rodrigo de Melo Franco Andrade, Simões Lopes
Neto, Virgílio Várzea
e
Viriato Correia.
2. A crônica de jornal e a (pseudo)crítica brasileira entre 1880 e 1920
Devemos desde o início apontar as dificuldades impostas à análise da crítica
brasileira
, em um período em que ela ainda estava em formação e era realizada por
homens que se arriscavam a discorrer sobre quase tudo. Aliás, problemática interna ao
parecer crítico, que aqui, como em outros casos, titubeia entre “sucumbir a um
encantam
ento e ao mesmo tempo denunciá
-
lo”.
82
A crítica que observamos é de caráter principalmente impressionista e subjetivo,
a qual combina sobremaneira com o gênero da crônica de jornal. A partir do século
XIX, com o desenvolvimento da imprensa periódica no Brasil, a crônica passou a
incluir desde notícias políticas, sociais e culturais do dia, até impressões e comentários
críticos sobre artes, literatura, música, entre outros domínios. Gênero considerado
menor e, até em razão do meio em que se difunde, o jornal, compõe-se como um texto
sem pretensões a durar, sobre fatos circunstanciais. Sua origem está atrelada à seção
“Folhetim” dos jornais, geralmente localizada no rodapé da primeira página, e, mais
tarde, cede esse espaço aos romances e narrativas seriadas (como era na França),
ganhando ela também foros de literatura.
83
Passa então a ser menos um gênero histórico
e referencial e mais literário,
em que
a fabulação ganha lugar.
Posteriormente, quando o caráter documental e a impessoalidade deixaram de
ser necessários ao gênero, e a autoria do texto literário ganhou importância, as crônicas,
82
PASTA JÚNIOR, José. O romance de Rosa: temas do Grande sertão e do Brasil. Novos Estudos
Cebrap
, n. 55. São Paulo, nov. 1999, p. 62.
83
CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-
chão.
In: CANDIDO, A. (et al.) A crônica: o gênero, sua
fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: Ed. Unicamp; Rio de Janeiro: Fund. Casa de Rui
Barbosa, 1992, p. 13-
22.
SÁ, Jorge de. A crônica. 4. ed. São Paulo: Ática, 1992 especialmente o
capítulo “
1.
Uma definição”
, p. 5
-
11.
MEYER, Marlyse.
O folhetim
: uma histór
ia
. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
97
conforme veremos,
começa
ram a ser assinadas pelo nome próprio do autor (até porque a
assinatura de sujeitos conhecidos valorizava o jornal a ser vendido).
As
revistas
literári
as, que se desenvolveram a partir do século XX, passaram a ser o lugar ideal para
a publicação desses textos. São exemplos as revistas Ilustração Brasileira
(1901)
,
Kosmos
(1904),
Fon
-
Fon
(1907),
A
C
igarra
(1913) e a
Revista do Brasil
(1916).
84
Grandes homens de letras brasileiros escreveram suas crônicas nesses moldes e
acabaram mesmo por desenvolver ali uma coluna seriada, em geral sob o resguardo de
um pseudônimo. Podemos ver o exemplo de Machado de Assis, que, em 22 de abril de
1884, redigia as suas “Balas de Estalo”, sob o pseudônimo Lulu Sênior, quando
Maupassant começava a ser publicado na Gazeta de Noticias
.
85
Influenciados pela tradição crítica francesa determinista de Taine
86
e biográfica
de Sainte-Beuve, nossos cronistas e redatores do período estudado hesitavam entre uma
crítica científica e factual e uma leitura pessoal e judicativa do texto ou do autor
comentado. Inseridas entre os períodos realista, naturalista e pré
-
modernista, essa crítica
que se formava então defendia ainda os princípios de uma literatura nacional,
a qu
al
paradoxalmente tinha suas fontes nas culturas européias, mas também queria dela se
libertar. Conforme veremos, esses comentaristas utiliza
va
m-se de diversos critérios e
abordagens, dentro de um mesmo texto, num vaivém de posicionamentos críticos. Por
exemplo, um mesmo cronista (Alter Ego), antes guiado tão-somente por sua leitura
particular das obras de Maupassant, deixou-se seduzir, em determinado momento, pelas
análises médicas sobre o tema literário da loucura; isso não o impediu, mais adiante, de
voltar à primeira abordagem feita e mais adequada ao objeto que tinha diante de si.
Um dos principais recursos críticos empregados é a paráfrase. Salvo algum
pequeno equívoco, devido talvez à lembrança do crítico, em geral próximo ao texto,
isso contribui para uma leitura mais
adequada
aos pontos principais da obra observada.
É o que ocorre principalmente com as críticas teatrais, muitas vezes mais bem
-
sucedidas
que as dos romances e
dos
contos. Nesse caso, assim como observado por Flora
Süssekind em seu estudo das crônicas teatrais de Artur Azevedo, os métodos mais
comumente empregados pelos nossos redatores para a averiguação da qualidade literária
84
SODRÉ, Nelson Werneck.
História da imprensa no Brasil
. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 297
-
299.
85
A edição mais completa das crônicas de Machado para a Gazeta de Notícias foi publicada por Heloisa
Helen
a de Paiva de Luca, Balas de estalo de Machado de Assis. São Paulo: Annablume, 1998. A mesma
pesquisadora estudou as referências francesas nessas crônicas, em Propósito e fantasia: a presença francesa
nas crônicas machadianas. São Paulo, 1996. Dissertação
(Mestrado em Letras)
FFLCH
-
USP, 1996.
86
Cf. MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1983, 1º. v
ol
.
:
1724
-
1939, p.
288 e 362.
98
das peças são: a reação do público, observar se o texto é bem feito, avaliar
o
desempenho dos atores e a eficiência dos cenários.
87
Segundo essa autora, os cronistas
da época não se consideravam propriamente críticos, mas apenas cronistas; muitos deles
eram
também autores de teatro. Escreviam, assim, textos de gêneros híbridos, entre a
crítica
, a crônica ou notícia teatral, misturando em seus comentários julgamento e
intimidade com o leitor.
88
Conforme veremos, as abordagens críticas se cruzam e se imiscuem no discurso
da maior parte desses redatores. Lugar de ensaio, de testes, a crônica reflete o
encaminhamento do pensamento crítico que então se formava. Com algumas exceções,
cuja relevância mostraremos adiante, a mistura de teses incongruentes é reco
nhecida
dentro do próprio texto como contraditória. A reunião que faremos em subc
apítulos,
procura evidenciar essa evolução gradual e permanente, que, em elipse, retoma o texto
para em seguida largá-lo e voltar à vida do autor. A separação
entre
os
itens que
propomos corresponde também à leitura que cremos mais adequada, a qual procuro
u
notar a abordagem predominante de cada um dos textos e aproximá-los, então, por esse
parentesco. Conforme se verá, dentro dos subcapítulos, mantivemos o critério
cronológico dos textos para ordenar nossos comentários sobre eles; porém, entre as
partes, foi o encaminhamento de nossas leituras e conclusões que traçou a ordenação, o
que, como aspecto principal, fez desprivilegiarmos a ordem de aparecimento dos textos
nos jornais pesquisados.
Nove anos separam a primeira publicação de Maupassant na França da
primeira
no Brasil. Lá, datam de 1875 o primeiro conto publicado, “La main d’écorché”, e a
première
da peça A la feuille de rose: maison turque; aqui, em 22 de abril de 1884, foi
publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, o conto “Uma vagabunda” (
“La
rempailleuse”), portanto, quando o escritor ainda vivia e estava no auge da sua produção
no gênero. A divulgação do autor nos periódicos principais do Rio de Janeiro e de São
Paulo foi crescente até o início do século XX, arrefecendo-
se
a partir da década de
1920. Somente a partir de 1889, encontramos os primeiros artigos de notícias ou
comentários sobre a obra de nosso autor.
87
SÜSSEKIND, Flora. A crítica a vapor: notas sobre a crônica teatral brasileira da virada do século.
In:
CANDIDO, Antonio [et a
l.]. Op. cit., p. 367
-368.
88
Idem, p. 361.
99
Apesar desse recuo temporal, seria lido em francês
89
ainda em vida pelo público
brasileiro (ao contrário do mestre Flaubert),
90
que o conheceu pouco antes das
tormentosas notícias de sua loucura e de suas tentativas de suicídio, dadas pela imprensa
paulista.
De fato, a década áurea da publicação de Maupassant nos jornais foi a de sua
morte.
91
Antes disso, conforme dissemos, pôde-se ler na Gazeta de Notícias: “Uma
vagabunda”, de 22 de abril de 1884; “O braço” (“En mer”), em 23 de junho do mesmo
ano; “O Horla”, em 20 de novembro de 1886, todos publicados sem o nome do tradutor
e sem quaisquer comentários ou apresentações do autor pelo periódico brasileiro. Ou o
autor dispensava apresentações ou, como acreditamos, ainda era muito cedo para que os
editores falassem a respeito de sua obra. É preciso dizer que, nesse mesmo período, o
leitor brasileiro encontrava nos periódicos brasileiros contos e crônicas de Machado de
Assis,
92
Júlia Lopes de Almeida, Viriato Correia, Medeiros e Albuquerque, Valdomiro
Silveira, Coelho Neto, e
ntre
outros brasileiros.
Isso
evidencia o gosto vigente por essas
formas literárias
,
que talvez tenha
m
bem preparado o
campo para a recepção dessa parte
da obra de Maupassant. Por outro lado, os folhetins dos jornais paulistas e fluminenses
eram preenchidos por nomes hoje esquecidos da L
iteratura
Francesa, como Xavier de
Montépin, Paul Saumière, Ponson du Terrail, Paul de Kock, Eugène Sue, Amédée
Achard, Proper Mérimée, Georges Ohnet
93
e o espanhol Escrich. Em alguns momentos
há, rivalizando com estes, grandes romances publicados nesses jornais, de Alexandre
Dumas pai, Júlio Verne, Camilo Castelo Branco, Voltaire
94
e Balzac. Como se observa,
há autores de qualidades diversas publicados pelos periódicos, o que demonstra a
amplitude das leituras francesas no Brasil.
E
m 1893, ano da morte de Maupassant, e a partir dessa data, diversos textos seus
são publicados, todos sem indicação do tradutor. O Correio Paulistano não noticia a
89
Segundo anúncio de venda da livraria A. L. Garraux & Comp., saído no Estado de São Paulo de 10 de
agosto de 1891. Junto a Bouvard et Pécuchet, anunciava-se como “Romans no
uveaux”
La maison, de
Maupassant. Provavelment
e trata
-
se de edição da novela
La maison Tellier
, de 1881.
90
Segundo
BEMFICA, Alan de Oliveira. Recepção de Flaubert na crítica literária brasileira
(1885/1905).
São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em Líng
ua e Literatura Francesa)
FFLCH
-
USP.
91
Cf. cronologia de Maupassant no Brasil, dada por nós no
s
anexos
.
92
Para apenas mencionar alguns exemplos, no ano de 1884, a Gazeta de Noticias publicou “Academias
de Sião” e “Evolução”, de Machado de Assis; em 18
86, “Pobre cardeal!”.
93
Em
uma crônica publicada em 27 de agosto de 1890, no Jornal do
Commercio
encontramos
o
comentário do autor, que escrevera de Paris, em 4 de agosto, sobre o fato de
Georges Ohnet
ser,
na época,
o romancista mais exportado pela França, o que o faz supor que o último romance
deste
(A alma de
Pedro
) já figuraria em meia dúzia de rodapés quando este artigo fosse lido no Brasil.
94
Candido ou do optimismo foi publicado na íntegra,
no
Correio Paulistano, em tradução não
assina
da,
diariament
e, de 27 de agosto a 18 de setembro de 1891
.
100
morte do autor, mas publica alguns textos assinados por ele: “O garrafão” (“Le petit
fût”, de 1884, do volume Les soeurs Rondoli), em 3 de dezembro de 1893, no
Correio
Paulistano
; em 20 de janeiro de 1894, “O filho” (“L’enfant”, de 1882, em Clair de
lune
); e em 21 de janeiro de 1895, “Uma viúva” (“Une veuve”, de 1882, do volume
Clair de lune
). O
Estado de São Paulo
, além de divulgar a morte do autor em artigo que
logo discutiremos, dá-nos os seguintes textos, com a sua assinatura: o conto “Ça ira”,
em 27 de janeiro de 1894; no mesmo ano, a crônica “Maneira original de ser pensionista
do Estado”, em 14 de fevereiro; e “En wagon” (não assinado), em 30 de março.
O único romance do nosso autor que vimos publicado, na seção
Folhetim
do
Correio Paulistano, foi dado somente entre 9 de fevereiro a 2 de abril de 1900, em
tradução para o português de José Sarmento.
3.
Os jornais estudados e seus colaboradores
Em termos materiais, no período consultado, a Gazeta de Noticias e o
Correio
Paulistano
tinham suas edições diárias de quatro a oito páginas. O Estado de São Paulo
sempre ocupou mais páginas que os anteriores e o Jornal do Commercio, ainda mais do
que o último, chegando a atingir mais de 50 nas edições de Natal. Esses jornais tinham
por atrativo o folhetim e, por sustento, além dos compradores, a publicidade, oferecida
nas últimas páginas e correspondendo, muitas vezes, a metade do periódico. Eles foram
os
principa
is
responsáveis pela formação de um público
consumidor
de literatura, que
posteriormente seria alvo das edições em livro.
O grande público iria sendo lentamente conquistado para a literatura principalmente
pelo folhetim, que se conjugou com a imprensa e foi produto específico do
Romantismo
europeu, aqui imitado com sucesso amplo, nas condições do tempo. O
folhetim era, via de regra, o melhor atrativo do jornal, o prato mais suculento que
podia oferecer, e por isso o mais procurado.
95
O
Correio Paulistano, fundado em 1854, tornou-se em 1872 órgão do Partido
Republicano e o primeiro jornal vinculado a um partido. Dois anos depois, foi comprado
por Leôncio de Carvalho, que adotou uma linha reformista. Segundo João Nery
Guimarães, foi ele “uma das colunas mestras do periodismo paulista” e acredita que
“tenham podido iluminar em suas colunas, em épocas diversas, quase todos os maiores
95
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 243.
101
nomes do jornalismo e da literatura nacional”.
96
Em 1882, novamente vendido, desta vez
a Antônio da Silva Prado (que, de abolicionista, tomou em seguida uma feição
monarquista), sua tiragem atingiu 1.800 exemplares e, em 1890, 8.500, quando
novamente foi vendido a um grupo de republicanos, entre eles Manuel Lopes de Oliveira,
Domingos Correa de Morais, Vitorino Gonçalves Carmilo e Jorge de Miranda.
97
Infelizmente, a
maioria das notas e comentários sobre o nosso autor, assim como
as traduções dos contos, não vinham assinados, o que nos impede de ampliar o
direcionamento crítico a esses textos, mas o de tecer conclusões sobre o que ali se
expressava. Entre os seus colaboradores cuja autoria é apontada, alguns dos quais
mencionaremos ao longo deste capítulo, estavam: José Sarmento (tradutor de
Fort
comme la mort
),
Nuto Sant’Anna, Oswald de Andrade e Ribeiro Couto. Entre os
críticos franceses também ali publicados, inte
ressam
-nos Paul Bourget, J. Bourdeau,
Georges Dumas, os quais mencionam Maupassant.
O Estado de São Paulo, até 1889 chamado A Provincia de São Paulo, foi criado
em 1875. Entre os seus 21 proprietários, estavam Américo de Campos, Rangel Pestana,
Américo Brasiliense e José Maria Lisboa. Após sofrer diversas crises, o que quase
implicou no seu fechamento, em 1884, assumem a sua direção Rangel Pestana e Alberto
Salles; na redação, assume frente Júlio César Ferreira de Mesquita. Em 1889, esse
periódico alcançava a módica tiragem de 7 mil exemplares, mas já suficiente para
enfrentar o Correio Paulistano “na disputa da preferência dos leitores” paulistas.
98
Em
1890, Rangel Pestana deixa o jornal, mudando sucessivamente a sua direção. A partir de
1902, Júlio de Mesquita passa a ser o seu único proprietário, até que, em 1907,
se
torna
uma sociedade anônima. A partir de 1900, sua tiragem ultrapassa a dos jornais do R
io,
alcançando a cifra de 36 mil
exemplares.
Assim como nos demais jornais, a maior parte dos textos
de
O Estado de São
Paulo
que comentaremos são anônimos, o que implica imediatamente no assentimento
dos editores com os textos veiculados. Entre os poucos articulistas nomeados estão:
Oliveira Lima, Sud Menucci e André Maurel. ainda as iniciais J.V.S.,
cuja
identidade não conseguimos depreender.
96
GUIMARÃES, João Nery. História da imprensa de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes-
USP,
[s.d.]. Mimeo, respectivamente p. 38 e 39. Não data de publicação, mas estima-se que tenha sido
escrito entre as décadas de 1950 e 1960, quando ainda existia o
Correio Paulistano
, fechado em 1966.
97
Segundo Guimarães, “Nesses vinte e um anos que medeiam entre o
Correio Paulistano
e
A Provincia de
São Paulo
, não haveria
lugar para outro jornal de envergadura.”. Op. cit., p. 60. Chamamos a atenção para o
fato de que a atual
Folha de São Paulo
surgiu somente em 1925
,
sob o nome de
Folha da manhã
.
98
GUIMARÃES, João Nery. Op. cit., p. 81.
102
Segundo Max Leclerc, os dois jornais brasileiros mais importantes, no final da
década de 1880
,
eram a
Gazeta de Noticias
e o
Jornal do Commercio
.
99
Alcançaram 24
mil
exemplares diários, em 1885, sendo, junto com
O
Paiz
, os jornais mais vendidos do Rio.
A
Gazeta de Noticias foi fundada em 1874, pelo jornalista Ferreira de Araújo, o
qual teria reformado a imprensa de seu tempo, dando maior relevância à literatura.
100
Era um jornal barato, popular e liberal. Embora Ferreira de Araújo não fosse homem de
letras, coligiu em seu jornal a colaboração de grandes escritores, tais como Raul
Pompéia, Machado de Assis, Olavo Bilac, Max Nordau e José do Patrocínio (que ali
redigiu seus artigos incitando a abolição) e mandou traduzir em sua folha os principais
autores franceses. Vinte anos depois de sua fundação, o jornal era ainda um dos grandes
jornais da Corte. Sodré afirma que no “Rio, em 1874, a Gazeta de Noticias continuava
em ascensão, reunindo os melhores elementos das letra
s e do jornalismo brasileiro.” Em
1882, era considerada “o melhor jornal da época”.
101
Os redatores que assina
va
m
os artigos aqui estudados são também minoria: João
do Rio e Lima Barreto. É o periódico que mais veiculou textos traduzidos do nosso
autor, mas
todos igualmente sem autoria.
O
Jornal do Commercio, o mais antigo periódico brasileiro ainda em produção,
foi fundado pelo editor francês Pierre Placher, em 1827. Dirigido inicialmente pelo
próprio
Placher, contou com diversos colaboradores franceses.
102
N
oticiou
inúmeros
movimentos culturais e políticos do país, tendo como colaboradores desde o próprio
imperador D. Pedro II até escritores como Olavo Bilac, Machado de Assis e José
Veríssimo (a partir de 1898). De feição mais sisuda e procurando afastar-se d
e
engajamentos políticos, divulgou, assim como a Gazeta de Noticias, a fundação da
Academia Brasileira de Letras
, em 1897.
Além de ser o periódico que mais nos ofereceu textos críticos, também um
grande número de textos cuja autoria dos colaboradores de ser resgatada, ainda que
tenhamos seis artigos anônimos: Jayme de guier, Theodor Child, Maria Amália Vaz de
Carvalho, Escragnolle Doria, JoMaria Belo, JoVeríssimo, Daltro Santos e Rubem
Tavares. Além desses nomes, a maioria dos textos foi escrita sob dois pseudônimos (trinta
99
LECLERC, Max.
Cartas do Brasil.
São
Paulo
, 1942, p. 161. Apud: SODRÉ,
Nelson Werneck.
História
da imprensa no Brasil
. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 253.
100
Conforme
lembra Lúcio de Mendonça, citado por SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 224.
101
Idem, p. 265
e 245, respectivamente
.
102
Co
mo
nos é informado no site do periódico
<
http://www.jornaldocommercio.com.br
>.
103
ao todo): Iriel e Alter
Ego, redatores da coluna “Ver, o
uvir
e
c
ontar”, os quais merecem que
devotemos a seguinte explicação prévia.
O folhetim “Ver, ouvir e contar”, não assinado até 1889, era escrito de Paris,
quinzenal
mente
, para o Jornal do
Commercio
do Rio de Janeiro e publicado com cerca
de um mês de atraso. A partir de
18 de
fevereiro de 1890, vem assinad
o
por Iriel (que
diz escrever três anos nessa colu
na
, sem dar seu nome verdadeiro). Não certeza
sobre
a identidade de Iriel, mas, por meio de Nelson Werneck Sodré, ficamos sabemos
que
o barão Frederico José de Sant’Anna Nery, redator dessa seção, foi substituído por
Jayme de Séguier.
103
Nery era brasileiro radicado na Europa, sobre quem
Sacramento
Blake, Pe
dro do Rego e
Pierre Rivas
oferece
m-
nos mais alguns dados.
Nascido em Belém, em 1848, Frederico José de Sant’Anna Nery era filho de um
importante militar, que estabeleceu carreira política em Manaus. Aos sete anos, órfão de
mãe, foi morar na capital amazonense com o pai, onde realizou os primeiros estudos.
Aos doze anos, o pai o escol
heu
entre os demais filhos (que seguiriam carreira militar),
a
fim de continu
ar
os
estudos na Europa. Vai então para a França, onde recebeu o grau
de bacharel em Letras, em 1867. Em 1870, doutorou-se em Direito, em Roma. Ali
começou
a atividade jornalística e a colaboração em diversos jornais europeus e no
brasileiro
Jornal do Commercio. Em 1874, residente em Paris, passou a ser redator fixo
desse jornal. Pedro do Rego esclarece-
nos
nesse sentido, no seu texto em homenagem a
Nery,
publica
d
o em 1882, por ocasião da vinda do redator do
Jornal do Commercio.
Enceta então uma serie de folhetins sob o titulo Ver, Ouvir e Contar, e são
decorridos quase oito annos que continúa taes estudos, ora humorísticos, ora
doutrinarios. Desde 1875 que Sant’Anna Nery é além de folhetinista d’aquelle
jornal o seu correspondente político em Pariz.
104
Sacramento Blake
105
informa-nos de toda a sua produção literária, incluindo
“Ver, ouvir e contar”, de 1874 até 1882. Não sabemos se a pesquisa de Blake resumiu-
103
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 292.
104
REGO, Pedro do.
Traços
biographicos de F.J. de Santa Anna Nery. Rio de Janeiro: Faro & Lino,
1882, p. 10-11. Consultado na biblioteca do IEB. Esse volume traz elementos esquecidos pelos outros
dois estudiosos, como a participação na exposição Universal de Paris, quando Victor Hugo aplaudiu-o e
beijou
-lhe a testa (!) e o “Álbum literário”, um inquérito sobre Nery, realizado por meio de depoimentos
de diversos brasileiros, entre eles JoVeríssimo, Machado de Assis e Jodo Patrocínio, para quem
“pela sua cabeça passa o nosso Equador intelectual” (p. 24). Nery foi diretor da Associação Literária
Internacional, tradutor de Gonçalves Dias para o francês e redator-chefe de Le Brésil. Casou-se em Paris
com a inglesa Annie
-
Louis Wellesty e morreu nessa mesma cidade, em 1901.
105
SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves. Diccionario bibliographico brazileiro. Rio de
Janeiro: Typographia
Nacional
/
Conselho Federal de Cultura, 1883
-1902/1970
,
v. 3, p. 158
-
160.
104
se até essa data ou se realmente Nery teria parado por a sua colaboração, quando
impulsionou suas obras sobre o Brasil, quase toda
s
escrita
s
em francês.
Sant’Anna Nery esteve de passagem
pe
lo Brasil em 1896, voltou à Europa em
1898 e, até a sua morte, fez ainda quatro viagens ao país. Segundo Rivas,
106
durante a
estada do brasileiro em 1896, ficou preso por cinco meses, acusado da morte do
Marechal Bittencourt.
Pelo que pudemos descobrir de nossas leituras do Jornal do Commercio, a partir
de 1890, Iriel passa a assinar sob esse pseudônimo, mas informa que há três anos (desde
1887, portanto)
escreve
nessa coluna. Também por algumas vezes fora substituído
por Alter Ego, como em setembro de 1
891. Na página virtual da Academia Amazonense
de Letras, à qual pertenceu um irmão de Sant’Anna Nery (Silvério José Nery foi
governador do Amazonas), afirma-se que por mais de vinte anos foi mesmo ele o
co
laborador da coluna “Ver, ouvir e c
ontar”.
107
O último artigo de Iriel em que
menciona Maupassant data de janeiro de 1894.
A partir de janeiro de 1898,
temos um
artigo de nosso interesse assinado também nessa coluna por
Alter Ego.
Como se vê, informações cruzadas sobre a suposição de Sodré, de que se
ja
mesmo Nery o criador de Iriel. Poderíamos ainda supor que Jayme de Séguier fosse
Iriel, se este tivesse sucedido Nery em 1882, como sugere Sacramento Blake.
Deixando de lado essas dúvidas, pelo fato de sua coluna ser dada em português e
pelas referências históricas, seu papel é evidente: estabelecer uma ponte cultural entre a
França e o Brasil, que nela se espelhava nas artes. Os comentários nesse folhetim
são
sempre separados por asteriscos, entre assuntos políticos e sociais, teatrais e, por fim,
rela
tam publicações literárias ou a morte de escritores. Às vezes comenta-se a presença
de algum brasileiro célebre na França.
O português Jayme de Amorim Sieuve Séguier nasceu em 1860. Em 1910, foi
eleito sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras e morreu em 1932. É o
autor do Dic
cion
ario prático ill
ustrado
,
108
o qual nos auxiliará como referência do
vocabulário crítico da época, empregado para a leitura d
este
e dos demais
jorna
is
.
Colaborador do Jornal do Commercio seguinte a Iriel,
Séguier
assinou
ora com o
106
RIVAS, Pierre. Um intercessor franco
-
brasileiro: Santa Anna Néry.
Encontro entre literaturas
: França,
Portugal,
Brasil. Trad. coord. Durval Ártico e Maria Letícia Guedes Alcoforado. São Paulo: Hucitec,
1995, p. 130
-
133. A tradução desse artigo é de Maria Cecília Q. de Moraes Pinto.
107
Disponível em
http://www.academiadeletras
-
am.org.br/swf/personalidadeSilverioNery.swf
. Última
visita em maio de 2007.
108
As poucas informações sobre a sua vida foram localizadas no site da Academia Brasileira de Letras,
<http://www.academia.org.br>. O Diccionario prático illustrado novo diccionario enciclopédico luso-
brasileiro
. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, [s.d.], pode ser consultado na Bibliot
eca da FFLCH.
105
próprio nome, Jayme de Séguier, ora com o pseudônimo Alter Ego, duas seções do
Jo
rnal do Commercio: a “Chronica Pariziense O Jornal dos Jornaes”, depois
denominada “Chronica Es
trangeira
O Jornal dos Jornaes”, e a seção “Ver, ouvir e
contar”
.
109
Na primeira, sua principal função era introduzir, traduzir e comentar as
principais novidades dos jornais europeus, e principalmente os franceses, para o público
brasileiro. O
tema mais recorrente aí
é
também a literatura.
Feita esta apresentação necessária dos principais e pouco conhecidos
colaboradores com os quais lidaremos, é preciso dizer que os demais,
escritores célebres
e autores de apenas um ou dois artigos, receberão esclarecimentos em notas de rodapé,
no momento da discussão de seus textos.
Apesar de cansativa à leitura atual (e da insistência do corretor ortográfico
informático em querer atualizá-
la)
, preferimos manter a grafia original na transcrição
dos jornais, visando resguardar o caráter histórico dos documentos. Além disso,
algumas palavras hoje em desuso, e mesmo apagadas dos atuais dicionários, foram
pesquisadas e explicadas em meio ao nosso texto ou em notas de rodapé.
3.1
O
Porthos
da Literatura F
rancesa:
lendo a vida na obra
uma rie de artigos, publicados prin
cipalmente
entre 1889 e 1891, que
recorrem às impressões de leituras de seus autores e ao primeiro sucesso de
Maupassant
entre o público francês para opinar sobre a
sua
obra e mesmo depreender
elementos sobre a vida do escritor. O sucesso de sua literatura é para e
le
s sinônimo de
seu vigor físico. O aventureiro escritor-remador, que se esconde da vida pública, é um
atleta da palavra, cujo resultado é a linguagem forte, simples e precisa. Sua ascensão
literária considerada pida, se tomados os exemplos dos demais realistas franceses, é
aqui um ponto positivo a sua consagração. É, enfim, o segundo mosqueteiro,
o
Porthos
dumasiano (de
Os três mosqueteiros
)
, segundo Iriel.
No texto não assinado o mesmo colaborador que posteriormente assinaria
como Iriel), na coluna “Ver, ouvir e contar”, no Jornal do Commercio de 6 de maio de
1889, faz-se um pequeno resumo de três livros publicados recentemente na França
,
109
Confirmamos o que tínhamos constatado pela leitura, por meio desta passagem de João Luso
(pseudônimo do escritor português Armando Erse): “Membros correspondentes da Academia foram: Jaime
de Séguier, que por alguns lustros manteve as duas seções: “Ver, ouvir, contar” e, com o pseudônimo Alter
Ego, o “Jornal dos jornais” [...]”. LUSO, João. A Academia Brasileira de Letras e o
Jornal do Commercio
Guardados da Memória.
Revista Brasileira
fase VII, julho
-
set. 2002, ano VIII, n. 32, p. 309
-
313
. Esse artigo
foi primeiramente publicado pela
Ilustração brasileira
, n. 32, em dez. de 1946.
106
entre eles, La main gauche, de Maupassant. Coloca-o, junto a Bourget e Loti, como os
três mosqueteiros das letras, prediletos do público: “tres livros dos tres escriptores
favoritos do publico, dos tres jovens mosqueteiros das letras, Bourget, Maupassant,
Loti.”
. Trata-se, como se ao final, de sugestões de leitura ao público brasileiro sobre
o que se na França e segundo Iriel o que simboliza o “parisianismo” (o termo é
dele) da época, já que as peças que ele também sempre resume em sua coluna, mas
que, dessa vez, parecem ter dado uma quinzena fraca –
“esperam em casa suas visitas”.
De Bourget, comenta
Quad
ros a pastel, elogia a análise psicológica, diz que,
mais que Stendhal, Bourget “fende os cabelos em oito” (da expressão francesa
se
couper les cheveux en quatre, ou seja, se perder em minúcias), a ponto de não vermos o
objeto descrito. De Loti, comenta
Ja
ponneries d’automne (não traduz o título),
atribuindo
-
lhe a fresc
ura, a “individualidade delicad
a e poderosa” das páginas de Loti.
Sobre Maupassant, vale reproduzir todo o excerto:
Maupassant apparece-nos como sempre saudavel, robusto, audacioso e por vez
es
implaca
vel no seu livro Mão esquerda. É uma série de contos. Conto elle os sabe
escrever, verdadeiras obras primas de ironia, de observação, escriptas em uma
lin
guagem singela e forte como o marmore antigo. O primeiro, a historia de uns
amores com uma m
estiça de Argel, é ador
a
vel da primeira p
a
gina á última.
Notam
-se todos os qualificativos que marcarão para sempre a crítica do autor,
o que parece consenso na leitura de sua obra: a observação fina, a ironia, os recursos de
linguagem claros e diretos. O “adorável” atribuído a
Alloum
a”
contrasta com o tom
geral do volume e entraria também em conflito com análises célebres de outros textos
do escritor do cruel e do fantástico. A apresentação do escritor como “sempre saudável,
robusto, audacioso” deve
ser co
mparad
a
com uma outra, feita entre
de 189
1
e 1893
, que
analisaremos no próximo subcapítulo.
Em 16 de maio de 1889, Iriel apenas menciona a celebridade rápida de
Maupassant para introduzir em sua coluna comentários sobre Jules Lemaître, que então
er
a recebido calorosamente pelo público francês, pela crítica e pelos empresários
teatrais.
O sr. Lemaitre teve a mesma boa fada que presidiu nos destino de Paul Bourget e
Guy de Maupassant. Passou da obscuridade para a gloria, ou pelo menos para a
celebrid
ade sem o longo noviciado a que são condemnados em França os melhores,
os mais solidos talentos. Zola, por exemplo, para não ir mais longe.
Em 27 de agosto de 1890, uma pequenina menção a Maupassant
reforça
esse
aspecto, da alta voga
de
sua leitura na França, assim como a de escritores hoje quase
107
esquecidos: o citado Pierre Loti, Léon
Dierx
110
e Paul Bourget. Iriel comenta a
“pornografia” (o termo é de
le
) nas capas dos “romances da moda”, diante dos quais, nas
vitrines das livrarias, as senhoras honestas
baixa
va
m os olhos. No caso de Maupassant,
as ilustrações internas, mas não as capas, apontam para a mesma conclusão. Basta
olharmos as edições Ollendorf de Maupassant, até hoje resistentes ao tempo, presentes
nas bibliotecas e vendidas em sebos de São Paulo, para percebermos a veracidade desse
fato. A ilustração de “Marroca”, na edição de
Mademoiselle
Fifi, devia enrubescer as
senhoras, já que as moças não podiam l
er nosso autor
, segundo Maria Bashkirtseff..
.
111
Em 28 de março de 1891, no folhetim “Ver, o
uvi
r e c
ontar”
, Iriel noticia o
“acontecimento teatral da quinzena”: a representação de
Musotte
no teatro Gymnase, em
Paris. Esses comentários ocupam três colunas e meia das oito de seu rodapé e trazem a
data de redação de 6 de março. Serve-nos aqui
também
co
mo um termômetro da
primeira recepção de Maupassant na França e da leitura de sua vida por meio de sua
obra.
O escritor (“uma alma de aço em um corpo de ferro”) chega a despertar a inveja
do cronista, pela sua obra e pela sua vida.
O acontecimento theatral da quinzena é a primeira representação no Gymnasio da
comedia em três actos, a
Musotte
, escripta em collaboração por Jacques Normand e
Guy de Maupassant.
Esta collaboração precisa de ser destrinçada. O assumpto da peça é o mesmo de
uma novella de 10 ou 15 paginas, “O Filho”, que se encontra n’um volume de
Maupassant, intitulado
Luar
. Foi que Jacques Normand o desninhou e lhe deu a
forma de uma comedia em 3 actos. O director do
Gymnasio
, que é um finorio de
primeira categoria, desejou que o nome de Maupassant figurasse no cartaz como
havendo collaborado na peça e tanto fez que, apesar da resistencia desesperada que
Maupassant lhe oppoz, o decidio a rever o texto de Normand e a modificar uma ou
outra scena. Maupassant, porém, em vez de se limitar a isso, escreveu a peça toda
da primeira á ultima scena sobre o traçado que Normand recortára na sua própria
novella.
O pobre Normand faz no meio de tudo isto uma figura assaz humilde, mas
com a sua parte de direitos de autor lhe está garantida, é provavel que se por
consolado da sem
-
cerimônia litteraria com que o tratárão
.
O enredo da peça é de uma simplicidade extrema e justamente por isso a sua acçao
sobre o publico foi de uma energia incomparavel. O primeiro acto interessou, o
segundo commoveu, o terceiro e
nthusiasmou.
É tão humano, é tão verdadeiro o
problema que ser
ve de base á comedia, que ninguem pôde assistir indifferente á sua
evolução. A anciedade [sic] do publico exacerbou os nervos dos actores que
representarão de um modo maravilhoso, e entre os quais se revelou uma grande
actriz, Mlle. Sisos,
que é ao mesmo tempo uma linda mulher.
Eis agora em poucas linhas o assumpto da comedia.
[...]
110
Léon Dierx (1838-
1912)
, poeta francês. Seu poema “Lazare” é citado por Medeiros e Albuquerque no
conto “O homem que morreu”, de
Contos escolhidos
, o que demons
tra sua difusão entre o gosto da época.
ALBUQUERQUE, Medeiros e.
Contos escolhidos
. 2.
ed. Rio de Janeiro: Edições Lux, 1924
.
111
Na terceira carta da jovem aristocrata russa Maria Bashkirtseff, de março de 1884, ela afirma que “Si je
n’étais pas mariée pour
rai
-
je [sic] lire vos abominables livres?
”. Disponível no site www.maupassant.free.fr.
108
A entrevista do pintor e da amante moribunda dá lugar a uma das scenas mais
commoventes do theatro moderno, escripta em uma nota delicada e verdadeira que
arranca lagrimas aos olhos mais aridos. Não se ouve uma tirada melo-
dramatica,
uma phrase theatral. O effeito de commoção é obtido [por] uma sobriedade, uma
concentração de sentimento, uma delicadeza de expressão que o tornão
irresisti
vel.
Musotte pede perdão a Jean, de haver perturbado a hora mais radiosa da sua vida,
aquella em que lhe era dado possuir a mulher a quem ama; e este pedido, feito em
termos simples, mas humedecidos de lagrimas, é uma das mais sensibili
santes
coisas que se tem escripto em theatro.
[...]
Jean revelara tudo, mesmo á noiva. A sorpreza, a perturbação que esta comissão
su
bita lançou na familia simples e de idéas um pouco estreitas em que o pintor
acaba de entrar occupão todo o terceiro acto, agitando o espectador em sentimentos
contraditorios.
Mas, por fim, o bem triunfa. Gilberta é uma nobre menina, cujo coração ferido
encontra na generosidade e na abnegação o balsamo que o há de sarar.
O filho de Musotte não terá apenas um pai, terá também
mãi extremosa e desvelada.
É o que, com grande espanto de Mme. Rouchard que na comedia encarna todos os
prejui
zos e preconceitos do mundo, Gilberta declara á face de todos, ao passo que
seu esposo, enternecido até as l
a
grimas, a aperta nos braços cheio de
gratidão.
*
* *
Tal é, dissecada em uma curta analyse, a peça de Maupassant, cujo nome foi saudado
por uma tempestade de applausos e sahio desta prova mais illustre ainda do que era.
Um homem invejavel este Maupassant, a quem tudo sorri na vida. Rico, ce
lebre,
forte, sauda
vel
uma alma de aço em um corpo de ferro ele possue todos os
elementos materiaes da felicidade. Dizem que é feio e insensivel á gloria e ao
aplauso do mundo: supponho, pelo contrario que a sua natureza concentrada e
sillenciosa goza mais do que qualquer outra da simpathia unanime que de todos os
lados o procura e tenta envolvê-
lo de balde.
Se lhe foge é porque é um espi
rito feito
de vigor e de sagacidade, que conhece o que ha de desillusionante no contacto
demasiado intimo das mais seductoras voluptuosidades da vida o que se lembra de
que ellas se assemelhão a esses perfumes de nomes sonoros, compostos de
essencias raras, cujo aroma é uma delicia, cujo gosto deixa na boca um travo cruel.
É sem a menor duvida, o escriptor que actualmente em França reúne o maior
numero de suffragios e accerca do qual se não ouve uma nota discordante no
conceito geral de louvores enthusiasticos. Zola, Bourget, Daudet, são discutidos,
tem admiradores ardentes e adversarios apaixonados. A respeito de Maupassant
toda a gente esta de accôrdo. As viole
ncia
s por vezes brutaes de Zola, as
subtilidades depravadas de Bourget, o
meridionalismo
um pouco monotono do
autor de Numa Roumestan [?] dividem as opiniões do publico que se encontra
compacto a admirar em Maupassant um conjuncto de qualidades homogeneas,
solidas, robustas, formando um bloco d’uma perfeita pureza. O que seduz sobretudo
o esp
i
rito franc
ez
na arte de Maupassant é a limpidez absoluta do seu pensamento, a
singeleza de seu raciocinio, a sobriedade de seu estylo, que o tornão herdeiro das
mais puras tradições da litteratura nacional e fazem d’elle um descendente de
Montaigne, de La Fontaine, de Voltaire, quasi um cl
a
ssico.
Segundo o colunista, o sucesso de Maupassant, sua qualidade literária e su
a
entrada no cânone eram de consenso geral o que não é verdade, como vimos no
capítulo anterior. Vê-lo ligado a Montaigne, La Fontaine e Voltaire era reconhecer em
vida a amplitude de sua obra e seu lugar no cânone da L
iteratura
Francesa. Sabemos
que
, de fato, mesmo críticos mais
reputados,
como Brunetière, eram simpáticos à sua
109
obra
, assim como o dramaturgo francês mais conhecido na época. Nota-se também
desse texto crítico que o físico saudável do autor era reconhecido como diretamente
proporcional ao efeito robusto da sua obra. Conforme veremos, nos momentos
imediatamente anteriores à sua morte, essa leitura se enviesará, deixando a crítica um
tanto confusa no uso dessa metáfora.
Os elogios à atuação da atriz na França, quem primeiro encenou o papel
de
Musotte foi Mlle. Sisos; no Brasil, em 1901, foi a italiana Clara Della Guardia –, além de
qualificar o trabalho pessoal dela, reforça a qualidade dramática do texto de Maupassant e
de Jacques Normand, no que oferecem de verossímil, de humano e verdadeiro, sensível
mas sem apelos melodramát
icos.
O espectador é conduzido a um sentimento
contraditório, com que lida Maupassant nas narrativas curtas e, sobretudo, nos
contos
fantásticos:
a hesitação. Tal sentimento é fruto do efeito de real
proporcionado
na
c
ondução do conflito à
anagnorisis
(no sentido aristotélico, dado na
Arte Poética
)
.
Veja
-se ainda que, apesar de noticiar certa injustiça contra o trabalho de
Normand, o próprio colunista, ao final, passa a atribuir
a
autoria
da peça
tão
-somente a
Maupass
ant. Evidentemente, essa irrelevância serviu-lhe a fim de passar ao último
trecho de seu texto, em que posiciona Maupassant na literatura contemporânea e no
conjunto da L
iteratura
F
rancesa.
Os comentários sobre a participação de Maupassant na reescrit
ur
a da peça
podem ser ponderados pela afirmação do próprio escritor, em carta de abril-maio de
1890, a Émile Straus:
[...] J’aime mieux ne pas voir à la scène le Champ d’Oliviers, et puis la
collabora
tion réelle est une chose qui n’entre pas du tout dans mes idées.
J’
admets
très bien qu’un auteur dramatique tire une pièce de l’œuvre d’un romancier, mais je
ne comprends pas du tout une pièce exécutée par deux personnes.
J’ai très souvent refude me prêter à ce travail, en particulier pour Yvette et M.
Par
ent, ayant reçu des propositions très sérieuses sur ces deux œuvres. Je ne crois
pas que j’
y consente jamais.
112
Enfim, Maupassant consentiu, seja por que razão for.
A curiosidade sobre o autor era tanta que cada descoberta sobre sua vida pessoal
era
consid
erada
um grande achado, valorizando o mito que o próprio autor, voluntária
ou involuntariamente, construía para si.
112
Apud: BENHAMOU, Noëlle. De la nouvelle “Miss Harriet” à “Miss Helyett”. Bulletin Flaubert-
Maupassant
, n. 16, Association des Amis de Flaubert et de Maupassant, Rouen, 2005, p. 27-
49.
Disponível também no site
<www.
maupassant.free.fr
>
, carta nº. 614.
110
Em 2 de abril de 1891 (seu texto é datado de 6 de março), Alter Ego (o
português Jayme de Séguier) transcreve na sua coluna “O Jornal dos
Jorna
es” excertos
de periódicos franceses. Estão entre eles a Revue des Deux Mondes
,
Le Figaro e a
passagem
a seguir, cuja fonte acreditamos ser a dos “Échos Illustrés du
Figaro
”. O
resumo que Alter Ego apresenta confirma a opinião do artigo anterior, de Iriel, segundo
a qual nosso autor estava no auge da repercussão pública.
O triumpho obtido pela
Musotte
actualidade a estes dous perfis, desenhados pelo
Mascara de Ferro
:
“Guy de Maupassant
“Mais curto do que pequeno, reforçado, pelle colorida, bigode de sargento, eis
Guy de Maupassant no physico. Nunca falla das suas obras, tem horror ás
conversações sobre litteratura, adora o
yachting
, o ar livre, as longas caminhadas, os
exercícios violentos. Tal é Guy de Maupassant no moral.
“Signaes particula
res:
tem os grandes jantares em horror e em maior horror ainda
as admirações burguesas.”
“Jacques Normand
“Alto, barbado, calvo, aspecto quasi inglês, trato sempre correcto.
“Poeta, romancista, autor dramatico, este antigo alumno da Escola das Cartas
e
nsaiou
-se em todos os generos. Muito rico, recebe muito, frequenta a sociedade,
onde é interlocutor favorito das
mulheres que têm pretenções
litterarias.
“Signal particular:
Casou
-
se com a filha d’Autran, o poeta do mar.”
Seja
-
me permittido accrescentar
mais este traço no perfil de Maupassant:
Um amigo meu, o Conde C., que conhece-o [sic] com bastante intimidade, julga-
o
um espírito orgulhoso e aspero.
Ninguém possue um silencio mais feroz do que elle, e, se percebe que
o querem pôr
em evidencia, refu
gia
-se nesse mutismo implacavel, de que ninguem consegue
arranca
-lo. Se a conversação lho interessa, escuta-a com uma attenção grave, e de
tempos a tempos toma uma nota no punho da sua camisa.
Um outro traço do seu caracter. Ser-
lhe
-hia facil graças á sua amizade com Julio
Clarelle, fazer representar uma peça na Comedia Franceza, o que é o ideal de todos
os autores. Quando lhe fallárão nisto pela primeira vez, perguntou:
A leitura da peça no Comité dos artistas é condição sine qua non
para
admissão?
Sine qua non
.
Neste caso, boas noites. Nunca escreverei para a Comedia Franceza.
Passa grande parte da sua vida bordejando no seu
yacht
ao longo da costa do
Mediterraneo, e ninguem ainda soube descrever com mais seducção e com mais
poesia o encanto das longas noites callidas do mar provençal, e das
flaneries
vagabundeantes, ao sabor da viração e da corrente, sobre as vagas mansas, onde a
tremulina lunar palpita e se reflectem inquietos os olhos das estrellas.
Vemos que o acréscimo dado por Jayme de Séguier enriquece a imagem do
autor como um retraído e um vigoroso aventureiro. A sua obra Sur l’eau (1888) serve
de comprovação ao leitor deste modo de vida do escritor. É, mais uma vez, um modo de
leitura da vida pela obra.
111
Em 10 de abril de 18
91,
também
na coluna “O Jornal dos Jornaes”, Alter Ego
(Jayme de Séguier) dá aos leitores a transcrição de uma cena de
Musotte
, cujo resumo já
era conhecido por meio da coluna
de
Iriel, publicado em 28 de março.
Reconheço que é um pouco longa a transcripç
ão que adiante se vai ler de uma scena
de
Musotte
, reproduzida no
Gaulois
. Mas ella é tão bonita, tão bem escripta, tão
delicada, que não resisti ao prazer de a traduzir integralmente. A nova peça de Guy
de Maupassant e de Jacques Normand está attrahindo Pariz inteiro no
Gymnasio
. É
um
successo
quase sem precedentes.
Iriel
, que não tem segredos para mim, referio-me que na sua ultima chronica lhes
contára o resumo da peça. Ser-
lhes
-ha, pois, fácil comprehender o sentido da peça
que vão ler e que se passa no 1º. acto, logo depois da cerimonia nupcial, entre Jean
Martinel, o moço pintor, e sua jovem esposa:
As diferenças entre a peça original e a que vem transcrita a seguir, ainda que o
representem mudanças estruturais no texto, podem ser devidas não a
prováveis
adaptações durante a cópia dos dois jornais (Le Gaulois e depois no Jornal do
Commercio
), mas também no momento da tradução. Aos que se interessarem pelo cotejo,
damos nos anexos toda a coluna de Alter Ego. O que nos interessa de fato é reforçar
“o
sucesso quase sem precedentes” da peça, que seria igualmente bem recebida no Brasil,
anos depois. Beleza, delicadeza e a qualidade da redação são os critérios de avaliação do
crítico, que assim justifica a sua redenção ao texto, não resistindo
a
traduzi
-
lo.
Na coluna “O Jornal dos Jornaes”, de 8 de maio de 1891, Alter Ego obtém, a
partir do físico de Maupassant, uma caracterização do seu temperamento. Repete aqui
algumas impressões já apontadas anteriormente, o que mostra o quanto esse viés do
caráter de Maupassant era apreciado pela leitura que se propunha de sua literatura. A
poesia de Maupassant transpassa a
redação
do cronista, que se deixa contaminar pelo
retrato idílico que ele imagina ser o do escritor apresentado:
Ao temperamento vigoroso, aos robustos pulmões de Maupassant não convém o ar
mephitico das grandes cidades, comprimido entre altos muros e prédios
gigantescos, e respirado em comum por centenas de milhares de individuos.
A livre e longa atmosfera dos campos ou melhor ainda a brisa salina do mar, eis o
ambiente de que precisa o seu robusto organismo. Das cidades elle tambem detesta
por igual o movimento e o alarido. Maupassant é um concentrado e um silencioso.
Escuta muito mais do que falla.
Um amigo meu, que o conhece, contou-me a singular impressão que lhe fez,
quando pela primeira vez o encontrou, esse forte e athletico sujeito que, no meio da
admiração sympathica que o rodeava, respondia por monossyllabos ás perguntas
que lhe dirigião, ouvia em silencio a conversação dos outros e de tempos a tempos
tomava á lápis uma nota no punho da camisa.
Este feitio explica a sua violenta paixão pelo
yachting
, onde elle muito menos
um
sport
, do que um meio de se offerecer as horas de concentração e de silencio,
que lhe são caras.
112
Quantas bellas paginas não devemos nós a essas horas de isolamento sobre a tolda
de um barco, em que o artista, o poeta se deixava impregnar do encanto infinito das
noites do Mediterraneo, do perfume dos laranjaes da costa, do morno clarão da lua,
ouvindo o marulho das ondas de encontro ao costado da embarcação, rythmando os
pensamentos do cérebro pela palpitação da vela, abrindo a sua alma toda á
inspiração desse duplo infinito
o céo e o mar!
O horror da immobilidade é também uma das caracteristicas da sua natureza av
ida
de grandes espaços e de commoções profundas. “
Quatro paredes
, exclama elle em
um dos seus livros, duas portas, uma janella, uma cama, cadeiras, uma mesa! É isto
a vida? Prisão, prisão! Toda a casa que se habita muito tempo torna-se em cárcere.
Oh! fugir! partir, fugir das phrases feitas, dos homens, dos movimentos iguaes ás
mesmas horas, dos mesmos pensamentos sobretudo!” Não admira, portanto, que
elle ande sempre em viagem e que seja quasi um desconhecido em Pariz.
A Africa exerce nelle uma attracção especial, sobretudo a Africa sabariana [sic],
com o seu immenso deserto, os seus areaes isolados, a perder de vista. de uma
primeira excursão á Argélia nos trouxe elle esse livro tão luminoso, tão cheio de
scintillações e reverberamentos como o seu ti
tulo,
Ao sol. Apparece agora no
Écho
de Pariz uma nova serie de impressões colhidas em uma recente viagem ao paiz de
Leghonat na [orla] do grande deserto. Eis um trecho do primeiro capitulo, que
encerra uma esplendida evocação da passagem de uma caravana d
e nomades.
O primeiro pequeno excerto está na primeira narrativa de Au soleil, de 1884. O
texto mencionado a seguir, cuja tradução de Alter Ego pode ser lida nos nossos anexos,
é a crônica “Une fête arabe”, publicada no Écho de Paris nos dias 7 e 13 de abril de
1891. Conforme se observa, foi apresentado apenas um excerto da primeira parte da
crônica original, parte essa intitulada “La route”, mas que serve à ampliação do olhar
do leitor brasileiro sobre a variada obra do escritor francês.
Veja
-se que o cronista, no vaivém entre obra e biografia, obtém em uma e na
outra a confirmação do retrato que quer oferecer do escritor, aventureiro e concentrado,
como exige o esporte da escrita. Seu tom crítico é grandiloqüente, épico, a fim de
acompanhar aquele que descreve, em sua aventura da escrita pela escrita da sua
aventura, ritmada pela palpitação da vela e pela inspiração da paisagem natural (“
esse
duplo infinito o céo e o mar!”). Está claro que Maupassant, assim como grande parte
dos escritores de seu tempo, retirava assunto de muitas experiências pessoais e dos
jornais, principalmente dos faits divers. A posição de Alter Ego, porém, apresentando
ao leitor brasileiro um texto inédito, é a de conduzir previamente a uma leitura
específica desse texto. A intenção do crítico que apresenta uma obra ainda em
construção
é a de
influencia
r a leitura que pela primeira vez se fará. Aqui lhe interessa,
mais que o texto, o homem que lhe está por trás. O leitor associa necessariamente
aquele homem silencioso que tem na sua obra o momento de gritar por liberdade, e o
que lhe permite essa habilidade, mais do que o domínio da linguagem, parece ser a sua
experiência de vida, as suas viagens. O escritor é aqui, mais uma vez, um Porthos, o
113
viajante que tem experiências para contar, inspiradas pela natureza; sua batalha que
não está em foco aqui e que é apenas resultado de tudo o que foi expresso é a das
palavras. Não há coração, mas uma vela que palpita e faz mover seu cérebro. A sinédoque
é clara. O escritor, ainda vigor
oso e saudável, é tomado pela máquina que o move.
Na coluna do dia 20 de maio de 1891, Alter Ego continua a dar “Une fête arabe”
ao leitor brasileiro. Oferece agora outro pequenino trecho da segunda parte, chamada
“La fête”. Nota-se, aliás, que os dois artigos foram redigidos na mesma data por Jayme
de Séguier (10 de abril de 1891); sua divisão se explica pela
grande
extensão e pelo
caráter comercial que as próprias crônicas tinham, a fim de atrair os leitores para a
compra
assim como os folhetins, de ca
ráter serial, mesmo quando o autor já tinha todo
o original pronto. Entretanto, o fio analítico que conduz sua leitura do escritor,
prenuncia um outro tipo de observação crítica, mais interessante, a meu ver, uma vez
que procura se concentrar mais na obra, esquecendo a aventura biográfica que lhe está
por trás. O recurso de que se utiliza é, mais uma vez, a paráfrase, a que se acrescentam
algumas observações gerais dos procedimentos de escrita do escritor.
Quero esperar que o trecho que lhes offereci na ultima chronica, das impressões de
viagem que Maupassant está publicando no Écho de Pariz, lhes deu vontade de
conhecerem o resto. Poder-
de
-hia supôr que depois de Fromentin e dessas
maravilhosas aquarellas á penna que se intitulão Um verão no Saharah e um
anno
no Sahel, pouco ou nada tivesse ficado por descrever no scenario deslumbrante a
que o grande deserto serve de panno de fundo. O talento de Maupassant acaba de
nos provar que um assumpto nunca se deve considerar esgotado e que na alma de
um verdadeiro artista um espectáculo, mil vezes visto e descripto, pode acordar
sensações novas e interessantes.
A narrativa de Maupassant intitula-se uma Festa Árabe e o segundo capitulo
transp
or
ta
-nos em plena kermesse argelina, em um tumulto formidável de gritos, de
tam
-
tans
, de pifanos sobreagudos, de tiros de espingarda, sob um sol que derrama,
pello areal imenso onde se agglomera a turba resplandecente uma luz de
deslumbramento e um calor de queimadura.
Leião
agora esta magnífica descripção de uma
fantasia
, e notem com que arte e
maestria este episodio, tão banal que pertence aos dominios da
chromolytographia, se acha rejuvenescido pelo admiravel estylo do grande
escriptor. Maupassant e outros convidados forão recebidos na tenda official que
domina toda a pla
ni
cie e que é aberta ao sul e ao norte:
Alter Ego
eleva
a narrativa de Maupassant, que soube descobrir elementos não
captados na já fatigada paisagem descrita por tantos pintores. O
s retratos
em aquarela do
pintor e escritor francês Eugène Fromentin
(1820
-
1876), autor de
Um ano no Sahel
,
e as
cromotilogravuras das paisagens
da Argélia e do Egito
são elementos comparativos para
o contraste da obra de Maupassant. Entre os procedimentos do aquarelista e
cromolitogravurista e os do escritor inúmeras diferenças, que não nos cabe definir
114
aqui.
O fato é que, ao compará-
los
com a arte pictórica, observa-os como se o autor
fosse um artista de imagens, mais do que de palavras. Em seguida, o crítico emprega,
para qualificar a arte de Maupassant, os princípios artísticos definidos pelo próprio
escritor, no seu conhecido prefácio: o assunto literário não se esgota, uma vez que é o
olhar do artista que capta ou a “alma de um verdadeiro artista” –, no mais simples
objeto
ou em “um espetáculo
já mil vezes visto
e descripto
–, um aspecto nunca antes
percebido, visando
acordar sensações novas e interessantes
”.
Esse texto de Alter Ego exemplifica uma crítica feita por vorazes e passionais
leitores de Maupassant, de que
Iriel
é o
melhor guia. Marca um conhecimento que ora
deturpa pela proximidade, mas muitas vezes ilustra uma leitura literária realizada
atenta
ment
e, que a obra antes do homem. Cita a todo momento, prova com literatura
as suas preferências e as suas teorias. Próximo do texto, rende elogio ao escr
itor
, mas
não evita perambular pela aventura biográfica que tanto desgostava
Maupassant
e que
marcaria a crítica entre os anos de 1892 e 1893, conhecedora dos eventos que o
levariam à morte. A elas Maupassant responderia previamente, em 1891.
Je tiens ma
vie tellement secrète que personne ne la connaît. Je suis un désabusé, un
solitaire et un sauvage. Je travaille, voilà tout [...]
Je ne laisse jamais un journaliste entrer chez moi et j’ai interdit qu’on écrivît rien
sur moi. Tous les articles publiés sont faux. Je laisse seulement parler de mes
livres.
113
3.2
Um ilusionista desilusionante
Atendendo a esse ponto de vista do escritor, temos aqui uma exceção do que
demonstramos antes, na seguinte crônica de 12 de agosto de 1890. assinando seus
artigos,
Iriel comenta a publicação de O nosso coração (Notre coeur, título traduzido
pelo colunista), junto com outro livro, do compositor Ch. Gounod. Apesar de ter
remetido antes à rapidez com que Maupassant produziu sua obra, o tempo, nesse caso,
ao contrário do que exige o vinho, não foi exíguo para garantir sua qualidade. Sobre o
lançamento de Maupassant, escreve:
O volume de Maupassant intitula-
se
O nosso coração, e é como todos os romances
desse grande artista, um estudo acre, mordente, aspero e desillusionante. Não o
aconselho a quem gostar de litteratura chamada
ideal
, que pretendidamente nos
adormece do mal de viver com o ópio de chimeras aladas e inverossimeis
fabulações. Como obra litteraria representa ainda um progresso na maneira tão
113
Maupassant em carta de 10 de nov
embro
de 1891, a Mlle. Bogdanoff
carta n. 736, disponível no site:
<www.
maupassant.free.fr
>.
115
pessoal, tão independente deste admiravel escriptor. Nada iguala a simplicidade da
sua fórma, a não ser a intensidade do effeito que ella produz. Recommendo aos
[doliendos[?]
a descripção do Mont St. Michel e os passeios de André Mariolle
através da floresta de Fontainebleau. São páginas como raras vezes se lêem mesmo
nesta rica e exuberante litteratura, e que devem ser saboreadas como os vinhos
preciosos e de datas celebres
aos golinhos. IRIEL
Percebe
-se o quanto a literatura de Maupassant foi bem instalada num p
eríodo
em que o Realismo estava no gosto do público brasileiro e francês –, ainda que
houvesse remanescentes românticos que preferissem a literatura “ideal”, aos quais Iriel
não recomenda a leitura. Pressupõe, portanto, a oposição entre duas literatur
as: a realista
e a idealista (ou romântica). Inserido no primeiro grupo, o livro de Maupassant
apresentado é qualificado como um “estudo”, ao modo dos naturalistas (pens
am
os em
Zola e nos Goncourt), como se pretendesse provar uma teoria qualquer, a da desi
lusão.
É evidente que Iriel conhecia a teoria artística de Maupassant, largamente discutida
em “Le roman”. Ainda que não o cite aqui, como o fez adiante, ficam claros os
princípios sob os quais analisa Notre coeur e que desenvolveu em outras leituras. A
s
qualidades principais
apontadas no romance
, além da linguagem áspera e acre, da forma
simples do romance e a intensidade do efeito em Maupassant, é a verossimilhança
artística
o que o
opõe
a
os romances
que proporcionam a evasão da
realidade.
Ao mencionar a “maneira tão pessoal” de Maupassant, tendemos a acreditar que
o redator não a quer diferir da impassibilidade atribuída ao discípulo de Flaubert, mas
sim à sua qualidade de escritor singular, diferente justamente da literatura dos demais
naturalistas
. Tanto que, como o bom e raro vinho, a pura arte deve ser saboreada aos
poucos, para
aproveitá
-la e captar toda a sua beleza, pois não a encontraremos
facilmente em outros. Para esse crítico, o tempo da maceração não entra em jogo, mas
sim a qualidade das uvas. A exuberância está no grau elevado da verossimilhança. O
critério realista da beleza é a sua proximidade com a verdade.
Essa abordagem feita por Iriel a
nuncia duas outras que veremos a seguir: por um
lado, instiga o crítico biográfico da época a exp
licar uma outra fase da vida e da obra do
escritor, que, segundo esse ponto de vista, prenuncia
-
se
pela desilusão; por outro, faz ler
de
sde sempre na poética do autor uma visão irônica da realidade circundante (antes de
qualquer evento trágico pessoal), que hesita entre otimismo e pessimismo ou entre
o
retrato da permanente hipocrisia burguesa e certa concessão à mobilidade dos humildes.
A variedade de olhares sob uma mesma roupagem realista confundiu e ainda confunde
muita gente. Prova é de que Maupassant
era mesmo um mestre ilusionista.
116
3.3
O
mauvais passant
114
sede no deserto das suas palavras: lendo um romance na vida
Uma vez que sem todos os elementos para julgar uma vida que se fazia, mais
pelos jornais e de ouvir falar do que por conhecimento próprio dos críticos, estes
voltavam aos livros para ali buscar seus assuntos e discussões literárias. Surpreendia, já,
o perfil diverso neste homem de letras esportista, que não gostava de discutir literatura
nos salões. No momento em que o escritor parou de produzir, em decorrência de seus
problemas de visão e de sua indisposição para o trabalho, em razão da sua doença, e
ssa
crítica mais biográfica, que
começa
ra
a
se
esboçar
,
encontra
,
em 1892,
no seu assunto
a
sua explicação. Um autor que, até início de 1891 (mas principalmente até 1888),
rendia aos jornais não só inúmeros textos para deleite dos leitores franceses e
estrangeiros
e que deixa de ser publicado devia render aos jornais, cobrados
por
seus
leitores, alguma explicação e algum espaço preenchido e
m
suas páginas. As notícias dos
jornais poderiam não som
ente
atender, pois, à sede do público, ansioso por qualquer
referência a
Maupassant
, como também preencher o espaço branco deixado pelo
silêncio de sua produção. Isso se verifica também pela extensão que passam a ganhar os
textos a seu respeito. O mistério que ele mesmo fizera de sua vida pessoal, evitando por
princ
ípio falar de si, rendeu maior suspense e a romantização da sua figura. O espaço
ficou aberto às interpretações as mais curiosas e diversas
, conforme veremos aqui.
Em 10 de janeiro de 1892, em um longo artigo traduzido da imprensa francesa,
às p. 1-2, o Jornal do Commercio noticia pela primeira vez a doença do escritor. O
artigo do jornalista francês Hugues Le Roux é rapidamente apresentado, mas não nos é
informada a autoria da tradução. O relato sobre o escritor é oferecido a fim de saciar a
curiosidade dos leitores, provavelmente tocados pela arte do autor de Notre coeur, que
pedem a revelação da vida do seu autor dileto, uma vez que segundo essa opinião o
culto ao mito do autor só se faz quando se o conhece intimamente. O próprio Hugues Le
Roux está consciente do interesse que causará seu texto, uma vez que Maupassant era
um autor em evidência e sobre cuja vida pouco se sabia, que evitava falar de si
mesmo e de literatura, ou mesmo fotografar-
se.
Transcrevemos esse longo artigo a
seguir, a fim de discutir sua importância nas páginas brasileiras.
114
Assim se denominava o próprio Maupassant, segundo alguns de seus biógrafos: “J’ai nom “Mauvais
passant”, répétai
-t-il, avec une bonhomie qui démentait la ménace.” TROYAT, Henri.
Maupassant
. Paris:
Flammarion, 1989, p. 62.
117
Guy de Maupassant
Traduzimos dos Annales Politiques et Littéraires o seguinte retrato que do illustre
romancista frances que enlouqueceu pouco Guy de Maupassant fez Hugues
Le Roux:
“Somos feitos de tal modo que desejamos descobrir o artista por trás de sua obra,
talvez para nos certificar da identidade do escriptor, talvez para saber a que dedicar
a nossa gratidão. O conselho de Sully-Prudhomme, no principio de um de seus
livros de versos, aos “amigos desconhecidos” para que não procurem a
convive
ncia frequente do poeta que os deleitou, nunca será apreciado por leitores
um tanto en
thusiastas e cujo coração tenha sido ferido ao ponto sensivel.
É para estes fieis que eu desejava esboçar neste momento um pequeno retrato de
Maupassant. Com isso, tenho esperança de satisfazer o desejo secreto de alguns
dando a todos, a respeito de um artista que está, como costuma-se dizer, “bastante
em evidencia”, notas um tanto intimas e frescas. Com effeito, ninguem mais do que
Maupassant mais sinceramente obedece a este preceito da sabedoria: occulta a tua
vida.
No desejo que temos de explicar todas as cousas e de fixar na indecisão universal
um ponto onde assentar as nossas theorias, damos sempre grande attenção às
transmissões hereditárias: noto, pois, como assumpto digno de recordação, que os
Maupassant vierão da Lorena. A maior parte dos seus papeis de familia têm o sello
dos imperadores da Áustria. O ramo, do qual devia nascer o romancista, veio
estabelecer
-se na Normandia, em meiados do decimo oitavo seculo. E é
inquestionavelmente o caracter normando que tem tido o predominio em Guy de
Maupassa
n
t. Tem do normando o ge
nio aventureiro e vagabundo. Já o ouvi dizer:
Os normandos erão muito menos conquistadores que curiosos. Descião ao sul
para ver terras, para sentir calor.
Não fazião tambem differente empenho para bater-se. Gostavão de prefere
nc
i
a
justar com a lingua do que com a lança, mais diplomatas do que cavalleirosos,
sempre promptos, entretanto, a lançar valentemente mão dos argumentos de espada
quando as negociações se mallogravão.
Reconheço que tenho nas veias o sangue desses escumadores do mar. Não ha para
mim allegria maior, nas manhãs de primavera do que entrar com o meu navio em
portos desconhecidos, do que caminhar durante todo um dia em uma nova
decoração, por entre homens que acotovello, que nunca mais verei, que vou deixar,
ao chegar a noite, para tornar a embarcar, para ir dormir no mar largo, para dar
expansão á minha fantasia, sem saudades das casas em que vidas nascem, durão, se
esquadrão, extinguem-se, sem desejo de jamais ir lançar a ancora em parte alguma,
por mais ameno que
seja o céo, por mais risonha que seja a terra.
Este mar de que elle tanto gosta e no qual com certeza considerar-
se
-hia feliz de
afundar
-
se em uma grandiosa noite de borrasca, Maupassant via
-
o no pr
o
prio dia do
seu nascimento, atravez das janellas da casa paterna. Era muito pertinho de Dieppe,
um desses castellos batidos pelas brisas do mar alto, do qual o vento do equinoxio
carrega para longe as telhas, de envolta com as folhas das faias.
E toda a sua infancia passou-se entre essa
villegiatura
maritima e
residencias
temporarias em Ruão, a grande cidade normanda que, no desapparecimento das
originalidades provinciaes conservou tão nítido o caracter imposto pelos
conquistadores.
Á algumas léguas de Ruão, Yvetot, com o seu seminario, em que os filhos dos
agri
cultores ricos vinhão estudar latim, uns por vocação precoce para o estudo
ecclesiastico, outros para fugir do serviço militar, é outra citadella do espírito
normando. Tomão-se ahi maneiras e um sotaque especial que se conservão durante
toda a vida. Nós outros os Altos-Normandos reconhecemos ainda, com a barba a
branquejar,
um disci
pulo velho de Yvetot.
118
Maupassant foi encerrado nesta casa, como quase todos os meninos catholicos do
paiz; mas a sua franqueza brutal não podia sujeitar-se aos costumes ec
clesiasticos.
As boas pessoas, a quem foi confiada a educação de Maupassant, não lhe
comprehenderão a natureza. Tornou
-
se necessario separarem
-
n’os.
Os que o conhecerão quando rastejava pelos vinte annos, sabem que o único desejo
seu então era vir a ser um animal magnifico, agil e forte. Apaixonado pelos
exerci
cios corporaes, exercitava
-se nas excursões aqua
ticas. A sensação do
yole
que
impulsionado por uma braçada vigorosa, deslisa entre o céo e o rio, sem exigir do
remador outro pensamento senão o de remar com força e de correr com velocidade
é, segundo confissão do proprio Maupassant o prazer mais agudo de que jámais
gozou. Esse exercicio dava-lhe em gráo elevadissimo, a alegria dessas duas acções
que lhe são particularmente caras: a liberdade e o movim
ento.
Por isso tambem foi para conquistar esse direito do movimento e da liberdade, que
Maupassant se poz a escrever. Revezes de fortuna havião-
n’o obrigado a aceitar um
genero de trabalho que não estava nada de conformidade com as suas predilecções:
foi
empregado no ministerio da marinha.
Habituado ao ar livre e aos espaços amplos, sentio que morreria em pouco tempo se
lhe fosse necessario permanecer na repartição a escrever officios.
Mas qual o modo de libertar
-
se?
Foi então que lhe veio a idéa de escrever, não absolutamente por vocação, mas a
palavra é delle
por effeito de
raciocinio
.
Confiára os seus dissabores a Flaubert, que sempre vivera intimamente relacionado
com sua familia.
Durante um inverno passou quasi todos os serões, a metade de suas noites, com
Flaubert. N’essas confabulações, o velho mestre fez-lhe compreender o que é o
caracter
; ensinou-lhe a distinguir o detalhe typico, único, particular,
momenta
-
nea
mente essencial cuja observação e maneira de exprimil-o constituem toda a
originalidad
e de uma obra
de arte. Essas lições cahirão
em terreno bom.
Durante seis annos Maupassant trabalhou corajosamente, sem publicar cousa
alguma, excepto um livro de versos.
Eis como elle próprio julgou essas poesias:
Não é a obra de um inspirado, mas sim a obra de um homem que tem reflectido.
Tenho certeza que não nasci para escrever de preferencia a qualquer outra
occupação.
Com a minha tenacidade e o meu modo de trabalhar, teria sido pintor do mesmo
modo que litterato, tudo que quizessem, menos, sem duvida, mathematico. E isso é
tão verdadeiro que nunca em toda a minha vida, nem hoje nem antes, tive ao
trabalhar allegria nenhuma.
A litteratura para mim nunca foi mais do que um meio de libertação.
Nisto Maupassant distingue-se radicalmente do mestre de sua mocidade. Para
Flaubert, a litteratura era o fim unico. Não distinguia outro, mui sinceramente.
Quanto a Maupassant, é elle o perfeito contraste do homem de lettras, por sua
conversa, pelos habitos de vida, pelos seus costumes, pelo physico e pelo vestuári
o,
pela disciplina do espirito. É um philosopho de raça epicurista. Ninguem declarou
com mais lealdade que fazia da procura do seu prazer pessoal seu alvo de vida.
A principio, como tinha nas veias um sangue ardente e fogoso de touro novo,
pensou que o prazer physico era o unico que não fosse de convenção. Depois,
passada esta loucura despertarão-lhe necessidades mais intellectuaes: seguiu-lhes a
tendencia. É por isso que os unicos livros que haveis de encontrar
-
lhe nas mãos, são
obras de astronomia ou de h
istoria natural.
Contou
-me elle, com o ardor do enthusiasmo, que raramente se nelle, actos de
iniciat
iva inteiramente sorprendentes, que acabavam de ser examinados
scientificamente em insectos infimos.
Estas leituras avigurárão em Maupassant a convicção que já lhe era antiga, de que a
palavra
instincto
é vasia de sentido quando tomada como o opposto do termo
119
intelligencia
. Escolhei dos dois vocabulos o que preferirdes e supprimi o outro.
serve isso para liso
ngear
miseravelmente o orgulho do homem, para fortificar nelle
a falsa idéa que elle é differente por essencia do resto dos seres vivos.
Foi mesmo para destruir esse orgulho considerado estupido que Maupassant passou
muitas noites a observar através das lunetas do Observatorio a poeira dos mundos
que pululão no céo. É para isso que elle devora todas as obras de astronomia que se
podem comprehender sem haver feito estudos especiaes de mathematicas.
Ha muito tempo que o velho Lucrecio de quem me lembro sempre que leio as obras
de Maupassant indicou a utilidade destes estudos cientificos para dar ao sabio a
tranquilidade de pensamento e tirar
-
lhe o receio da morte.
Temo-a tão pouco, diz Maupassant, de boa mente, que serei bem capaz de matar-
me um dia por pilheria. Penso no suicidio com reconhecime
nto. E, uma porta aberta
para a fuga, no dia em que a gente se sente verdadeiramente cansado.
Esta indifferença, esta inclinação pela morte, acha-
la
-heis sempre no fundo do
epicurismo: é o castigo de haver vivido para si, de se haver abstido de acção
sentimental por temor do soffrimento. A mocidade dá-se bem com esse isolamento:
ella não se accautela com elle. Mas vem um momento em que a amizade, a unica
despeza do epicurista permitte a seu egoismo, não chega para preencher o immenso
vacuo. É a hora da
vertigem, a hora em que o nada offerece seducções...
Guy de Maupassant ainda não chegou até ahi. Chegou bem ao [ilegível] da vida;
mas com os primeiros cabellos grisalhos, este egoismo feroz de que elle tanto se
orgulhou, modera
-
se e enche
-
se de triste
za...
Parecia que elle havia vencido até aqui, com uma espécie de embriaguez a loucura
do homem e a brutalidade de seus instinctos.
Será o começo de uma evolução moral? Ninguem o poderá [
di
zer]
; mas é certo que
em um dos seus ultimos romances,
Forte como
a morte
esta alegria acabou
-
se.
A indiferença do romancista soffreu brecha. A compaixão para com os homens
penetrou nelle por alguma ferida fina depressa fechada. Secará esse rocio de
lagrimas? Ou augmentará elle e o forrará?
Desejo
-o a Maupassant tanto quanto o estimo. A sua franqueza, a sua sinceridade, a
sua rectidão, a sua probidade de pensamento derão-
nos
grandes allegrias, mas a
gente soffre muito de sede seguindo-lhe as pisadas no deserto. E abençoada seria a
mão milagrosa que fizesse jorrar água
de rochedo.
Seguindo a tradição crítica taineana, que observa os traços de estilo do autor
determinados pela raça, pelo meio e pelo momento histórico, Hugues Le Roux vai
buscar nas origens de Maupassant e no meio normando as causas de sua obra. Aliás, o
que parece ser a motivação inicial do texto os leitores sensibilizados pela obra de
Maupassant querem saber sobre sua vida acaba
invert
ida
, uma vez que esta acaba
sendo
a
sua
obra
de
maior
interesse
. O redator sumariza nos fatos romanceados da vida
do escritor os assuntos que aparecem na sua obra, sem se preocupar em observar nelas
mesmas a relevância dessa ocorrência.
Hugues Le Roux, sem citar a fontes de suas citações (“já o ouvi dizer”), traz
desconhecidos relatos do escritor, porém esclarecedores no sentido de uma leitura
propriamente literária. Movimento e liberdade, depreendidos a partir da experiência do
homem, são aspectos importantes e fundadores da obra de Maupassant. Uma escritura
libertária e uma linguagem própria, sem romper formalmente com
a tradição ou inovar a
120
sintaxe, é, sem dúvida quase toda a razão da produção artística de nosso escritor. A
outra parte deve-se aos fins meramente práticos e materiais, de que Maupassant foi um
exemplo exímio, uma vez que no final do XIX era possível viver tão-somente da
renda ganha com seus escritos. A frase “A literatura para mim nunca foi mais do que
um meio de libertação” é muito bela e soa moderníssima nas releituras que se fazem do
escritor, mas não condiz totalmente com os fatos. Em termos utilitários, sua obra
atendia sim à sua verve libertária – e libertina até –, mas também a uma intenção
pessoal de abandonar empregos secundários e dedicar-
se somente a esse meio.
A coragem com que o amigo Le Roux
115
pinta o escritor diante da morte é
genero
sa. Matar-se por pilhéria não parece uma solução prática a um sujeito dramático
que escreve para se libertar
veja
-
se o
que ele
define
o suicídio
como
“uma porta aberta
para a fuga” num dia de cansaço. Le Roux reforça diante do leitor uma imagem
conqui
stada pelo autor, em alguns de seus textos, em que a morte, sob as formas do
duelo (“Le duel”), do suicídio (“L’endormeuse”), do assassinato (“Moiron”) ou da
guerra patriótica (“Le père Millon”), é observada de maneira direta, sem concessões ao
medo. Por outro lado, sabemos que entre os sentimentos e devaneios mais presentes nos
seus textos fantásticos, está o medo expresso pela morte e pelo desconhecimento dos
limites humanos, como nos contos “La peur” e “Apparition”. Um exemplo da
humanização de Maupassan
t está evidente na montagem da peça
Contos de sedução
, em
que, ao tornar-se personagem, o mito do autor é fraturado em cena, nas falas mais
patéticas de homem alucinado. A dialética presente na obra de Maupassant sobre a
irresolução desses impasses, a vari
ação interna das soluções artísticas propostas revelam
sim um homem que refletia sobre o seu tempo e a sua própria condição, mas por outro
lado afastam qualquer tentativa crítica de sistematização de sua obra a um modelo.
Didaticamente, podemos separar, classificar, por contraste, sua obra entre outras
correntes estéticas e seus textos em determinados temas. Mas ao lidar com os textos em
particular, nota-se a grande riqueza e as inúmeras presenças poéticas que os habitam.
Voltando ao texto de Le Roux, p
refe
rimos concluir que matar-se por pilhéria caberia ao
autor
de “Toine”, mas não ao de “Promenade”. É
apenas
curioso que um artigo sobre o
115
Le Roux era conhecido de Maupassant pelo menos desde 1885. Nesse ano, Maupassant escreveu a
Aurélien Scholl (1833
-
1902), editor dos jornais
Voltaire
e Les Échos de Paris
, recomendando o jovem M.
Hugues Le Roux, que tinha interesse em tornar-se seu colaborador. Maupassant faz bons elogios ao
colega, indicado-o, e afirma ser ele autor de “romans d’exportation”, com o que o jornal que o admitisse
poderia lucrar.
121
assunto saísse exatamente no momento em que Maupassant estava prestes a
tent
ar o
suicídio, devendo ter sido escrito pelo
menos um mês ante
s.
Iriel, em 24 de janeiro de 1892, também se posiciona a respeito das notícias
sobre a doença do escritor. A princípio incrédulo quanto à veracidade delas, coloca-
se
entre o crítico e o fã, que resiste à verdade e deseja sinceramente, assim como Le Roux,
o restabelecimento do escritor. Dentre todos os críticos que se puseram a comentar os
fatos, é o mais consciente de que o conhecimento do turbilhão da vida do escritor nada
acrescenta à motivação criativa ou de seu temário, preexistente em seus textos. Ou seja,
a loucura do escritor não foi causa nem conseqüência de sua obra, ainda que reconheça
que os críticos em geral incorram facilmente nesse erro.
Correu ha dias pelos jornais uma lugubre noticia. Guy de Maupassant endoidecera e
d
era entrada em uma casa de saúde.
A sensação foi profunda. Não se faz idea no estrangeiro da celebridade de que
Maupassant goza em França e da estima profunda em que o publico o tem. É hoje
em dia o unico escriptor absolutamente indiscutido em toda a litteratura francesa e
diante de quem
todas as admirações se curvão
.
De todos os lados surgirão os desmentidos. Cartas e telegrammas choverão nas
redacções affirmando que Maupassant estava de perfeita saúde, um pouco fatigado
apenas do excessivo trabalho que lhe dava seu novo romance
L’Angélus
, que tem
por theatro a guerra franco
-
prussiana. O
maire
de Cannes, consultado por um
jornal,
telegraphou neste mesmo sentido. Apezar de tudo, a duvida subsiste, e nas
conversações particulares affirma-se que o grande escriptor foi victima de um
profundo abalo cerebral.
O que mais contribue para alimentar esta suspeita é o facto de ele não dar signal de
si para protestar contra o boato espalhado a seu respeito. Mas é tambem pos
sivel
que, no seu altivo e lendario desprezo pela opinião, Maupassant não julgue dever
dar
-se ao incommodo de desmentir uma calumnia, que tarde ou cedo os factos hão
de confundir. Que importa a Maupassant, que passa a vida a bordejar no
Mediterraneo ou a viajar na Argelia, que Pariz o julgue doido! É n
ecessario
conhecer o homem, a sua magnifica indifferença, o seu desdêm pela
gloriola
116
e
pelo reclame, para se comprehender que nada deste mundo lhe interessa, a não ser a
liberdade absoluta e a sua arte.
Para justificarem as suas
apprehensões, os que acred
itão
na lenda que h
a
dias agitou
o
boulevard
, a
rgumentão
com certas paginas do grande romancista, em que se
revela uma absoluta paixão pelo sobrenatural e uma singular disposição de espirito
para analysar e descrever o abstracto, o indizivel e o pavoroso de certas
allucinações. Aquelle extraordinario livro Le Horla parece symptomatico de um
estado cerebral inquietador; não admira que possa dar em doido quem fixou na
escripta semelhante pesadello.
Assim raciocinão os que pretendem que não há fumo sem fogo e que em quasi todos
os boatos, mesmo falsos, ha sempre um atomo de verdade. Mas os que conhecem o
autor de Pierre et Jean, o seu forte e robusto espirito, a sua frieza de animo, o seu
116
Segundo o dicionário de Jayme de Séguier, gloríola significa “vaidade que se tira de pequenas coisas”.
SÉGUIER, Jayme de.
Dicionario pratico illustrado:
novo dicionário
enciclopedico
luso
-
brasileiro. Rio de
Janeiro: Jornal do Commercio, 19
--
, p. 534. A edição não comporta a data, mas encontramos diversos
anúncios de sua venda no período estudado, no Jornal do Commercio, o que mostra que devia ser das
décadas de 1910 ou 19
20. A segunda edição é de 1928.
122
profundo bom senso e a maravilhosa sa
u
de com que a vida ao ar livre, a
vi
da errante
,
como elle a descreve em um dos seus mais bellos livros, o que o indemnisa da sua
renuncia a todos os prazeres mundanos, recusão-se a acreditar que um organismo tão
bem equilibrado pudesse de um momento para o outro desconcertar
-
se por tal fórma
.
É, pois, provavel que a
loucura
de Maupassant seja mais um desses carapetões,
117
que, de vez em quando, atravessão Pariz com seu pesado vôo de palmi
pedes
croultantes
e estu
pidos.
Iriel, que em março de 1891 invejara esse escritor “rico, célebre, forte,
saudável”
, que possu
ía
“todos os elementos materiaes da felicidade”, prefere continuar
lendo Le
Horla
somente por meio da linguagem do escritor, sem sujeitá-la a quaisquer
boatos, que poderiam mesmo ser mentirosos, a seu ver. Continua vendo frieza de
ânimo, bom senso e equilíbrio. Ainda que reflita certo romantismo do crítico que o
nomeara um dos mosqueteiros das letras, este parecer é certamente oposto a tudo quanto
se fazia, a pelos mais esclarecidos críticos europeus. Por mais que os fatos o
contr
adissessem quanto à saúde do homem, permaneceu certo e lúcido quanto à análise
da obra, o que realmente nos interessa a
qui.
Os jornais de São Paulo, que até o momento nada tinham publicado do autor,
apenas referenciam a novidade, tomando por fonte a imprensa francesa, sem se
posicionar criticamente a respeito. No Correio Paulistano de 2 de fevereiro de 1892,
tivemos um primeiro artigo sobre Maupassant, em que a presença do redator se
evidencia principalmente pela seleção dos adjetivos “desditoso” e “inditoso”, atribuídos
ao escritor francês.
Maupassant
Os jornaes francezes trazem detalhes sobre a tentativa de suicidio do conhecido
escriptor Guy de Maupassant, facto de que tiveram noticias telegraphicas os
leitores do “Jornal do Brazil”.
Guy de Maupassant tentou suicidar-se em Cannes, na noite de 7, tendo disparado
tres vezes um revolver na cabeça.
Felizmente a familia do inditoso escriptor suspeitava ha tempos que Maupassant
queria matar
-
se e as balas tinham sido retiradas da arma.
Maupassant quis e
ntão suicidar
-
se dando um profundo golpe de navalha no pescoço.
Acudido a tempo, conseguiram os medicos salval-o, e a conselho dos mesmos foi
recolhido á casa de saude do dr. Blanche, em Pariz.
Muitas e variadas são as opiniõ
es sobre a causa da loucura do
desditoso escriptor.
Foi atribuida á morphina e aos calmantes, mas parece dever ser levada á conta de
uma nevrose, sobreescitada pela gymnastica e pelos exercicios physicos de que
abusava Maupassant, talvez na crença de assim dominar o seu mal.
Tudo faz
crer que não é curavel a doença.
118
117
“Carapetão
s.m. mentira grande”. Idem, p. 190.
118
Correio Paulistano
, 2 de fevereiro de 1892, p. 2.
123
Apenas neste período que precede a morte do escritor, procuramos no Jornal do
Brasil
, do Rio de Janeiro, notícias a esse respeito, a fim de verificar se predominava o
discurso crítico notado nos periódicos em análise. Em 3 de fevereiro de 1892, um longo
artigo foi publicado relatando a sua doença, sem assinatura. Com exceção do Jornal do
Commercio
, que possuía colaboradores próprios, já nessa época, na Europa, e semelhante
à
Gazeta de Notícias, nota-se que o Jornal do Brasil atende à praxe de traduzir um artigo
de jornal francês (
Le
Temps
, com atraso de mais de um mês), neste caso sem mesmo a
autoria do redator francês (pela sua leitura depreende-se que se tratava de algum colega
do escritor), introduzindo
-
o apenas por esta
pequena informação sobre a fonte:
A loucura de que foi attingido o illustre autor de Une vie e de tanto outros livros de
imaginação e observação tem despertado o mais vivo interesse em todos os circulos
em que se cultivão as boas lettras.
Do
Temps
, de Pariz, de 8 e 9 do mez passado extrahimos estas noticias sobre Guy
de Maupassant:
As notas que se seguem (e podem ser lidas no anexo)
fo
ram
realizadas a partir
da visita do articulista a Maupassant, quando da sua chegada a Paris, após sua tentativa
de suicídio em Cannes, em janeiro do mesmo ano. Sua ida à cidade-luz visava a uma
consulta aos médicos Eugène Blanche e Meuriot. No artigo relata-se o parecer do Dr.
Blanche, para quem Maupassant não estava doido, mas sim sofrendo de um “acesso de
melancolia”, o que não implicava a “decadencia moral do paciente”, a fim de dar, em
termos mais precisos, para a época, a evolução de sua doença. Procura-se informar o
leitor, com “pormenores” (o termo é do autor), sobre os passos da internação de
Maupassant e, até mesmo, a dieta estabelecida por ele nesse período. Além do atual
estado do escritor, o redator preocupa-se em informar o estágio em que se encontrava a
sua produção, o que é noticiado por meio dos comentários do editor Paul Ollendorf. Na
entrevista com o editor de Maupassant, o leitor toma ciência de que o romance
Angélus
(razão de sua viagem a Cannes) e alguns ensaios permaneciam inacabados.
De certa forma, tanto pela transcrição dos argumentos do Dr. Blanche quanto do
editor Ollendorf, a intenção é a de tranqüilizar o leitor francês, mas, conforme vimos na
apresentação do jornal brasileiro, a situação nos era dada como definitiva quanto ao
retrocesso da doença e a incapacidade de produção do escritor. Apesar do eufemismo do
Dr. Blanche e de sua insistência sobre o estado passageiro da enfermidade, o Jornal do
Brasil
preferiu empregar a palavra
loucura
”.
124
Alguns dias depois, em 14 de fevereiro de 1892, o mesmo periódico publica o
conto “O medo”, que é assim introduzido:
O nosso infeliz confrade Guy de Mau
passant tombou victima da intensidade de suas
sensações. Descreveo e analysou a loucura muito antes de ser attingido pelo terrivel
mal e contou e exprimio também o medo, que é uma nevrose e uma variedade de
enfermidade mental nesta novella, escripta, ha uma dezena de annos, e que é talvez
uma das mais bellas e ardentes do autor do
Horla
.
À parte a tateante terminologia pré-psicanalítica, esse posicionamento, dos mais
esclarecidos quanto à excludente relação da doença pessoal com o tema literário
assunt
o recorrente na obra do autor de “La peur”, de 1882 não é, porém, de lavra
brasileira. Esse comentário foi tal e qual traduzido do suplemento literário do jornal
francês
Le Figaro, de 16 de janeiro do mesmo ano, segundo se pode constatar nas notas
de Louis Forestier na edição da
Pléiade,
119
e pela referência à fonte ao final do texto
publicado.
Em 7 de fevereiro de 1892, o Jornal do Commercio oferece nada menos do que
três textos sobre Maupassant: no folhetim de Iriel, na primeira página, três partes
ded
icadas ao escritor; na página 2, um longo artigo de Maria Amália Vaz de Carvalho,
intitulado “O talento e a loucura”, e outro não assinado, “Guy de Maupassant”.
A crônica de Iriel atribui a doença de Maupassant à hereditariedade e à sua
fadiga pelo trabalho e pela atividade física excessiva. Sabemos o quanto disso tudo é
refutável, nos termos médicos de hoje, mas, para a época, era a explicação mais
plausível e atestada pelos médicos mais experientes de então. O que nos interessa é
revelar aí a crítica sub
jacente, oferecida por Iriel desde os seus primeiros artigos sobre o
assunto, aos críticos que explicavam a obra como conseqüência da doença. Outro fator
relevante de seus textos, e que aqui reaparece, é a
mise au point
da primeira recepção do
nosso autor entre o grande público francês. Isso prova que a ilustração de seu nome
eco
ou muito no Brasil em virtude da sua
repercussão
na França; sua permanência,
porém,
distinta nos dois países, marca as diferenças entre as duas culturas e as duas
literaturas, que s
e reutilizaram diversamente desse legado.
As esperanças que na minha chronica exprimi acerca de Maupassant não se
confirmárão infelizmente.
O autor do
Horla
está doudo furioso.
Em seguida a duas tentativas de suicidio motivada por uma allucinação mais forte
do que as precedentes, foi necessario vestir-lhe uma camisola de força e transporta-
119
Em: MAUPASSANT, Guy de.
Contes et nouvelles.
Op. cit., p. 1474.
125
lo a Pariz á casa do Dr. Blanche, onde o infeliz, tão amigo outr’ora de ar, de luz e de
liberdade jaz actualmente entre os quatro muros de uma cellula, vigiado por sete
enfermeiros que lhe seguem todos os movimentos e o não deixão dar um passo sem
o seu consentimento.
Esta espantosa catastrophe que assim aniquilla uma das mais bellas intelligencias
que este paiz se orgulhava de possuir e um dos destinos mais invejaveis que jamais
sorrirão a um homem sobre a terra, tem causado uma sensação profunda e dolorosa.
Guy de Maupassant possuia todos os dotes que podem assegurar neste mundo a
felicidade, o prestigio, a supremacia, a gloria.
Nascêra independente, isto é, com um
patrimônio que lhe garantia uma vida livre de
cuidados. Pelo trabalho, transformâra essa abastança em uma verdadeira opulência,
que lhe permittia satisfazer os mais luxuosos caprichos.
Ao passo que o enriquecia, o trabalho tornava-o celebre. E para chegar a
celebridade, não tivera que passar por esse noviciado de desillusões, de desalentos,
de humilhações e de amarguras, que é a historia commum de todos os artistas e
homens de lettras. Uma curta novella de 50 paginas (Boule de Suif), revelou um dia
a Pariz, á França, ao mundo o apparecimento de mais um grande escriptor. Desde
então, sem esforço, lentamente, com uma tranquilidade de athleta, Maupassant foi
encastellando esse magnífico montão de obras primas, que traduzidas em todas as
linguas, espalharão em
todo o mundo a fama do seu nome.
Sem ser formoso, no sentido puramente esthetico da palavra, Maupassant possuia
uma physionomia captivante e expressiva. E o amor nunca lhe deu senão sensações
de orgulho e de victoria.
De robusto organismo com que a natureza o dotara, Maupassant soubera fazer pela
pratica de todos os exercicios physicos, uma incansavel machina de força e de
prazer. Aos seus musculos de aço erão familiares todos os
sports
, e o remo da
canôa, a
raquette
do
tennis
, a espingarda de caça, não pesavam mais ao seu braço,
do que o florete da sala de armas.
Todas as superioridades concorrião nesse ente privilegiado. Quando nos meus
frequentes
accessos
de
spleen
e de melancolia, eu me punha a invejar a alguem
neste mundo inveja sem fel, inveja feita de admiração e de sympathia era em
Maupassant que eu pensava logo. Nenhum destino de rei ou de imperador me
parecia mais resplandecente e glorioso.
E hoje, se Maupassant tivesse a consciencia do seu infortunio e soubesse que eu
existia, de certo me invej
aria a mim, pobre, dependente e obscuro!
Um sopro da desgraça, e de todo esse maravilhoso conjuncto de força, de elegancia,
de dextreza e de talento, só resta uma especie de animal humano, de olhar vidrado e
estupido, oscillando entre a atonia e exaltação furiosa, debil agora como uma
creança, perigoso daqui a instantes como uma fera!
*
* *
Rochefort attribue a decomposição cerebral de Maupassant á sua paixão pelo
isolamento, á sua misanthropia.
Parece
-
me que o celebre jornalista, raciocinando assim, toma
o effeito pela causa.
Esse horror pela banalidade da vida social, essa necessidade do mar largo, da
solidão absoluta, do silencio profundo, forão a meu ver os primeiros symptomas da
lesão hereditaria que acaba de se revelar.
São numerosos os doidos na familia de Maupassant. Um irmão delle morreu em
uma casa de saude, louco furioso.
O abuso do ether, da morphina, do do podophyllo accellerou a evolução do mal
latente.
Não duvido de que a vida solitaria contribuisse tambem para o desenvolvimento da
doença, mas por um phenomeno de reação, que faz muitas vezes do effeito de um
mal um factor de exacerbação para o mesmo mal.
126
Os nervos de Maupassant possuião uma sensibilidade exagerada e morbida. Elle
proprio o reconhecia, e n’um dos seus mais bellos livros A Vida
Errante
escrevia o
seguinte:
“É uma faculdade rara e temivel talvez esta excitabilidade nervosa e doentia da
epiderme, que faz das menores impressões physicas uma emoção e que, segundo as
temperaturas da brisa, as exhalações do solo, e a cor da luz, impõe
soffrimentos,
tristezas e alegrias.
Não poder entrar em uma sala de theatro, porque o contacto das multidões agita
inexplicavelmente o organismo inteiro; não poder penetrar, n’uma sala de baile
porque a alegria banal e o movimento turbilhonante das valsas irrita como um
insulto, sentir
-
se a gente lugubre a ponto de chorar de alegre sem motivo, segundo a
decoração, os estofos, a decomposição da luz em um aposento e encontrar ás vezes,
por combinações de percepções, gases physicos, que nada póde revelar aos
o
rganismos grosseiros
é isto uma felicidade ou uma desgraça?”
Quanta gente ao ler esta pagina subtil não murmurou: Pose, pretenção de artista
!”
e, comtudo, Maupassante [sic] não fazia senão traduzir em termos precisos a sua
nevrose.
Era esse, de resto, o
caracteri
stico do seu talento, exprimir, n’um estylo maravilhoso
de clareza, de exactidão e de serenidade, todas as allucinações, todas as delicias,
todas as tempestades de seu espirito. Essa serenidade toda superficial dava a illusão
de um equili
brio per
feito de faculdades, equil
i
brio que, vê
-
se agora, não existia.
O capitulo que citei da Vida Errante forneceu-me ainda um exemplo dessa
vibratilidade nervosa, que era em Maupassant o symptoma percursor [sic] da
loucura. É o trecho seguinte,
uma das mais b
ellas, das mais harmoniosas, das mais
perfeitas paginas de prosa que em minha vida tenho lido.
[...]
Antes de ponderarmos o juízo crítico de Iriel, é necessário um esclarecimento
quanto ao texto citado em seguida às suas palavras. A página mencionada a seguir por
Iriel faz conjunto com as poéticas narrativas de viagem de Maupassant, escritas em
primeira pessoa, em que o apelo lírico aos efeitos sinestésicos do S
imbolismo
é
evidente. Aliás, a parte “La nuit”, de onde foram extraídos os dois pequenos trechos de
La vie errante,
traz
citações integrais feitas por Maupassant de dois poemas-chave do
Simbolismo francês: “Correspondances”, de Baudelaire, e “Voyelles”, de Rimbaud,
conforme dissemos. A “sensibilidade exagerada e mórbida” de Maupassant
evidentem
ente o faz herdeiro direto desses poetas malditos que ele tanto lera e admirara.
Mais uma vez reforço que, no meu entender, Maupassant está mais próximo de Flaubert
e Baudelaire que dos seus contemporâneos Zola e Edmond de Goncourt.
As descrições da paisagem observada e do gozo desse viajante ao captá-
la
por
meio de referências aos seus quatro sentidos
são
sempre
subjetivas, o que afasta nosso
escritor do racionalismo naturalista e do “regardeur avant tout” que ele afirmava ser.
Iriel o cita por diversas razões: primeiro, para apresentar esse texto ainda desconhecido
da maioria do público (o texto data de 1890); segundo, porque, redimido à pluralidade
da arte maupassantiana, mais uma vez não resiste a citá-lo; terceiro, e principalmente,
127
pois o texto condiz com a sua exposição, uma vez que ilustra o poeta expansivo, cuja
nevrose
extravaza, ao passo que
a
procurava conter na forma objetiva e prosaica da
narrativa curta de que era mestre.
A linha de interpretação mantida por Iriel até antes deste artigo se distorce um
pouco, a fim de amoldar-se às novas circunstâncias com que lida. O autor que
demonstrara nesses mesmos livros, a seu ver,
“o seu forte e rob
usto espírito, a sua frieza
de ânimo, o seu profundo bom senso”, “um conjunto de qualidades homo
neas,
sólidas, robustas, formando um bloco d’uma perfeita pureza”, “a limpidez absoluta do
seu pensamento, a singeleza de seu raciocínio, a sobriedade de seu esti
lo
”, que até 1891
o faziam vê-lo ligado diretamente a clássicos como Montaigne, La Fontaine e Voltaire
,
passa agora a fazer ver “uma sensibilidade exagerada e mórbida”, fruto da evolução de
sua nevrose. O comportamento pessoal do autor, antes avaliado como um modo de vida
condizente com a obra buscada, passa a ter como efeito a sua loucura, último capítulo
de seu romance pessoal. Se critica os deterministas que vêem nesse modo de vida e no
seu meio a causa da sua loucura, o cronista que na seleção deles o efeito da doença
inata, seguindo Lombroso, também merece ser ponderado.
Seu texto sobre Maupassant termina, após a citação mencionada, da seguinte
maneira:
Musica divina tambem a desta linguagem! E dizer que o instrumento admiravel que
a desferiu, jaz por terra com as cordas despedaçadas! Ha neste infortunio alguma
cousa de brutal, de feroz, de implacavel, que indigna e que revolta. A morte,
fulminando esse espirito em pleno triumpho, pareceria cruel, por certo; mas na
loucura não ha crueldade apenas, ha como que uma degradação tanto mais aviltante,
quanto mais alta e sublime pairava a intell
igencia!
Nos seus momentos de lucidez, o que não soffrera a alma altiva de Maupassant! Se,
como affirmão os medicos, a lesão é incuravel, que a morte resgate em breve esse
grande espirito do seu captiveiro ultrajante e o restitua á liberdade suprema na
ete
rnidade e no infinito!
A efusão expressa por meio das exclamações revela também a crítica passional
de Iriel. Por diversas vezes, desde o início do texto em questão, este articulista utiliza
verbos que têm Maupassant por sujeito no passado, o que forçosamente nos leva a
observar que, talvez inconscientemente, ainda que lamente e deseje melhoras ao escritor
dileto, sua morte e, sobretudo, o encerramento da carreira do escritor, eram evidentes a
essa altura. Apesar disso,
em
nota final à sua coluna, Iriel ainda retorna ao assunto:
“P.S.
As ultimas noticias de Maupassant dão-o como tranquillo e abatido. Parece
haver uma certa esperança.”
128
O artigo da poetisa e cronista portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-
1921)
120
esboça mais uma vez a hesitação crítica que se impunha nesses tempos,
como
também ilustrou Iriel pelo exemplo de Rochefort. Entre a informação de fatos
conhecidos da vida pessoal de Maupassant, uma leitura despreocupada da obra e um
interesse pessoal forte do crítico pelas questões que envol
vem a origem do artista (ainda
nos termos românticos do gênio literário) e a sua impressão sobre a sociedade, a
escritora portuguesa acaba caindo em generalizações pouco esclarecedoras.
Nota
-se que Maria Amália Vaz de Carvalho perde-se em meio à sua expla
nação
sobre a qualidade do artista, que é independente da representação moral que ela faz de sua
figura pessoal. Entre um texto moralizante, que lamenta a degradação dos jovens escritores
– como se fosse uma questão somente de sua época –, e alguns lampejos de lucidez crítica,
a colunista do Jornal do Commercio, experiente em análises literárias para jornais, parece
ficar devendo um estudo à altura dos que dedicara nessas páginas a tantos outros
escritores, tais como Zola, Eça, Victor Hugo, Mme. de Staël
e Machado de Assis.
A questão estética que aborda é clássica: “O talento e a loucura”, até então mais
de interesse médico que literário. O caso de Maupassant, porém, a surpreende, pois lhe
parece ir contra a literatura que ele realizava. Assim começa seu
artigo:
Os jornais de Pariz annuncião que, infelizmente, estão perdidas as esperanças de
salvar da loucura este eminente escriptor francez, que, entre os da sua geração, era
ou parecia ser o mais ponderado, o mais são, o mais perfeito de lucidez e de
equ
ilibrio.
Contra a observação final de Iriel, Maria Amália Vaz de Carvalho não dava
esperanças ao leitor quanto à sobrevivência do escritor. A introdução de seu texto
parece levar-nos ao desenvolvimento mais esperado por quem bem conhece a obra do
auto
r de La maison Tellier e o momento em que a produziu; ou seja, o de desvincular
qualquer interpretação do tema literário pela sua incorrência real na vida. Porém, não é
essa a leitura que faz a escritora. Ela constata que a sobrecarga de trabalho e o uso d
e
120
Casada com o poeta Gonçalves Crespo, diz-se que sua casa constituía o principal salão literário de
Lisboa, onde recebia grandes escritores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Eça
de Queirós e Guerra Junqueiro. Escreveu crônicas para o Diário Popular de Portugal, sob o pseudônimo
de Valentina de Sucena. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de Ciências de Lisboa. Obras
poéticas:
Uma primavera de mulher (1867, poema em quatro cantos), Vozes do ermo (1876). Ficção:
Arabesco
, Cartas a uma noiva (1911), Crônicas de Valentina
,
Contos
para os nossos filhos. Crítica e
história:
Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein (1898-
1903),
A arte de viver em
sociedade
(1895), Serões no campo
,
Figuras de hoje e de ontem (1902), Cérebros e corações (1903),
Ao
correr do tempo (1906), Impressões da H
istória
(1909), entre outras. Informações obtidas no site:
<
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/amalia1.htm
>
, última consulta em abril de 2007.
129
alucinógenos acometeram a sanidade de Maupassant, vinculando-o a um círculo de
escritores
contemporâneo
s, vítimas e não agentes de suas obras.
121
Se o
caso
de Maupassant fosse isolado e excepcional, sem deixarmos de lamentar a
irreparavel, a insubstituivel perda do grande romancista, não senteriamos, comtudo,
a infinita melancolia que, neste momento, nos impressiona.
Mas, taes como Maupassant, há neste momento no mundo das lettras, no
jornalismo, na ficção, na poesia, até na sciencia, dezenas e dezenas de desgraçados
que procurão do mesmo modo exceder-se quotidianamente a si próprios, creando
novas fórmas d’arte, novos modos de expressão, novos boleios de estylo, novos
moldes de pensamento, e escrevendo muito mais, trabalhando muito mais do que as
suas f
orças physicas e intellectuais podem comportar.
[...]
As doenças dos nervos multiplicão-
se
, complicão-se, tomão rmas e aspectos
novos. A imaginação sobrexcitada, hallucinada, decomposta, transvia-se ou
deprava
-
se.
O talento deixa de ser um dom abençoado para se transformar em uma hedionda
anomalia, ou em uma loucura perigosa!
Nesse momento, em que o seu texto alcança um tom de apelo contra a
degene
rescência, apóia-se em Lombroso (para quem a origem do gênio
está
na loucura)
e em exemplos de escritores clássicos franceses, tomados por racionais e equilibrados:
Molière, Racine, Montaigne, Voltaire; cita também “Shakespeare, que entende os
loucos com tão genial compreensão do mundo obscuro” de suas personagens e, não
contente, um gênio romântico, Goethe, e também Platão e Aristóteles. Sua conclusão,
ela mesma confessa, permanece contraditória com o caso em análise:
Porque [sic] ha de pois a geração contemporanea dar-nos tantas aberrações dessas
faculdades intellectuaes, que são o mais nobre diploma da nossa
especie?
Hoje
sabe
-se de um escriptor que á força de café tomado em doses enormes,
consegue escrever os seus bellos romances? Acolá revela-
se
-nos a existencia de
outro que as injeções de
morphina têm reduzido a uma espe
cie de eterno allucinado.
A machina humana n’um
détraquement
desolador póde funccionar sob a acção
da antipyrina,
122
do ether, do opio, da morphina, do alcool, de todos os venenos que
estimulão, e que desvairão.
Daqui o cunho extranho que marca indelevelmente a obra contemporanea.
[...]
121
Esse tipo de opinião era facilmente divulgado nos periódicos, uma vez que, como formadores de
opinião, deviam prezar os conselhos moralmente aceitos pela sociedade mediana da época. Também Alter
Ego, no artigo “Habitos e manias dos escriptores”, publicado em 2 e 9 de maio de 1902, na coluna,
“Chronica Estrangeira O Jornal dos Jornaes”, conclui em favor do trabalho metódico, contra o uso de
drogas. Após e
xpo
r o modo de trabalho de vários escritores, como Voltaire, Rousseau, Balzac, Eça de
Queirós, Flaubert, George Sand, Théophile Gautier,
Zola, Dickens, Victor Hugo,
Villiers de L’Isle Adam,
Verlai
ne
e Hoffman, afirma: “imitemos dentre os escriptores os que encontrão no trabalho regular e
methodico a verdadeira nascente da inspiração.” (p. 1)
122
“Antipyrina
– s.f. (pref.
anti
e gr.
pur
, calor). Substância medicinal, um pouco amarga, alcalina, de
rivada
do alcatrão da hulha, empregada como febrífugo e analgésico.” SÉGUIER, Jayme de. Op. cit., p. 64.
130
E, no emtanto
extranha contradição das cousas!
se havia escriptor que parecesse
desmentir estes tristes diagnósticos, era positivamente esse Guy de Maupassant que
hoje se debate nas agonias de uma loucura furiosa.
A
dificuldade de avaliar o que lhe é presente e julgar mais facilmente o passado
é característico da crítica. A longa exposição que passa a fazer da obra de Maupassant,
de que é admiradora, parece confirmar para nós, porém não para ela que nada de
rendoso em investigar quais os meios com que o escritor escreve, senão o resultado
desse ato, que é a própria literatura.
Que bella organisação de romancista elle parecia ter, que obra de força viril, de
ardente seiva, de vitalidade intensa elle soube crear e felizmente nos legou.
O seu ultimo romance Notre Coeur é incontestavelmente inferior às suas
obras precedentes; mas, ainda assim, como elle se distingue pela elegância do
estylo, pela philosophia calma da intenção, pela ironia um tanto sceptica, mas
benévola em todo o caso, pela intima penetração do caracter dos dous personagens,
entre os quaes se desdobra o eterno drama do amor ou antes do desejo!...
Desde
Une vie
, cada livro marcava uma
étape
gloriosa na existencia do romancista. O
ponto culminante do seu talento attingiu
-
o Mau
passant quando escreveu esse romance
que ficará eterno na litteratura franceza, e que se intitula
Plus fort que la mort
[sic].
Só elle seria capaz de tratar o assumpto escolhido
escabroso e tragico a um tempo
com tão suprema delicadeza, com arte assim requintada! Trata-se de um destes
dramas intimos, dos quaes ninguém póde sahir senão pelo suicidio ou pela
degradação absoluta; e, apezar de tão cruel dilemma, os leitores acompanhão ao
fim os protagonistas da dolorosa historia com uma piedade em que há indizi
vel
ternura. É que o romancista ao escrevê-la molhou a penna no sangue vivo do
coração do homem, abri-o diante dos nossos olhos turvos de lagrimas, e mostrou de
quantas miserias, de quantas tentações criminosas, de quantos desejos vãos elle
póde ser feito. A paixão, no que ella tem de
fatal
, no sentido antigo, de implaca
vel,
de
mais forte do que a morte, solta alli, naquellas paginas profundamente sentidas,
o seu uivo tremendo! E nós sentimos, lendo-as, quanto é frágil a nossa pobre alma
misera
vel, e o pavor supremo e mysterioso do poder desconhecido, que nos
tyranisa, passa por sobre nós como aquella sopre [sic] de que fallão as Escripturas.
Consegui
r effeitos destes, moraes e artisticos ao mesmo tempo, é dado a um
talento de primeira plana.
*
* *
Bel
-
Ami
,
Mont’ Oriol são também dous estudos da vida em sociedade, feitos com
primorosa arte e com uma ironia extraordinaria e poderosa.
Maupassant não era um brutal, um grosseiro como é Zola, nem um subtil, um
coupeur de cheveux en quatre como é Bourget. Estava entre os dous, em uma
situação esplendida, de ponderada e alta philosophia!
Como
contista
poucos o igualavão, nenhum o excedia. E se há gênero de arte
difficil, que póde ser encantador ou
quisilento
,
123
conforme a mão que o maneja, é
esse genero ho
je tão vulgarisado entre os modernos escriptores.
Ha, porém, um livro de Guy de Maupassant, – um dos ultimos – no qual os
especialistas em doenças cerebraes puderão logo ver os prenuncios da sua fatal
doudice. Esse volume que se intitula
Horla
, conta a hallucinação que, apossando-
se
de um desgraçado, lhe torna intoleravel a existencia, e lhe transforma em tortura
lancinante cada uma das suas noites solitarias.
123
“Quezilento
adj. Que faz quezília, enfadonho, aborrecido [...]” Idem, p. 944.
131
Um grande medico alienista pariziense assegura que o heróe dessa medonha
hallucinação, posto em scena por Maupassant, é elle mesmo. Nem o melhor
especialista seria capaz de descrever, com tão detalhada precisão, os symptomas de
que o cérebro de um louco se torna o theatro.
Maupassant sentia approximar-se a loucura. Fazia della um assumpto litterario,
tentando seguir o conselho de Goethe a respeito do amor.
Faze do teu amor um livro, para te libertar da dor que elle te inflinge, dizia elle a
não sei quem, que se lamentava do que soffria por causa de uma mulher.
Mas o primeiro que se cura, transformando-se em obra de arte, é bem mais facil de
supportar, do que esse mal mysterioso, indecifravel, que se approxima lentamente de
um espi
rito
de homem, que penetra com indizivel subtileza em um cerebro outr’ora
vigoroso, que lhe desmancha as idéas em um torvelinho sinistro, que lhe perverte o
pensamento, que lhe obscurece e lhe aniquilla a memoria, que faz dessa bella e grande
cousa chamada a intelligencia humana uma negra noite m [sic] astros; povoada de
espectros que uivão sinistramente e se contorcem com
e
sgares demoni
acos...
A partir daí, fica claro que a autora concorda com a
corrente
interpretação da
obra do
nosso
escritor feita pelos médicos. A imprecisão cronológica do acometimento
da doença e da produção da obra é relevante. A primeira versão do Horla é de 1886 e a
segunda,
de 1887
. Como nos esclareceu Marie-Claire Bancquart, as manifestações da
sífilis e o impedimento de sua atividade foram quase concomitantes; somente após
1890, quando deixou interrompida a redação de dois romances, Maupassant co
meçou de
fato a padecer intelectualmente. Além do mais, ainda que fosse concomitante a redação
de
Le Horla e da sua doença, o importante é verificar, como a própria Maria Vaz de
Carvalho constatou, quanto aos romances, posteriores à novela em discussão (
Mo
nt
-
Oriol
é de 1887; Pierre et Jean, de 1888; Fort comme la mort, de 1889; e Notre Coeur
,
de 1890) as qualidades do artista: a ironia, a sutileza da linguagem, a sua ponderada e
alta filosofia, superiores, na sua opinião, às de Zola e Bourget. Além disso, c
omo
explica esse inexcedível contista, que, entre tantos outros que se lançaram nesse gênero
considerado difícil por ela, mas a que ninguém iguala?
Veja
-se que a clareza de sua exposição se compromete, com o contra-
exemplo
de Maupassant. Afirmara anteriormente que Shakespeare e Goethe também escreveram
sobre a loucura, sem que para isso fossem julgados loucos. Por que, então, a obra de
Maupassant deve ser interpretada por esse viés da sua vida? Como se não bastasse, quer
usar o exemplo de Maupassant para denunciar as condições de produção do escritor
contemporâneo, vitimado pelo sistema social e pela corrida para superar a tradição.
Muito diversos nos parecem o clássico dilema do autor diante da gina branca e da
tradição literária (questão estética, apresentada por Maupassant em “Le roman”) e o do
jornalista que procura pauta para ganhar dinheiro. Assim continua o seu artigo, que
retoma
a exposição inicial, concluindo:
132
As condições sociaes do escriptor mudárão em tudo neste confuso regimen
transito
rio, sob cuja tyramnia nos debatemos todos mais ou menos e que bem deve
ter o nome de anarchia social.
A feroz concurrencia que lança todas as classes em um combate sem treguas,
tambe
m exerce os seus estragos nos homens do pensamento.
Cada um quer exceder os rivaes, distinguir-se pela singularidade, vencer esta
insupera
vel difficuldade de ter sobre a sua cabeça trinta seculos de civilisação,
durante os quaes tudo que havia para dizer foi dito e repetido em mil fórmas
varias
achando uma fórma ainda inedita, uma expressão que ninguem houvesse
encontrado ainda.
Esta busca frenetica, em que o cerebro se excita e a razão se desarticula, conduz
fatalmente á loucura ou á morte.
[...]
Mal se utilizando do prefácio
de
Pierre et Jean (usa os termos do autor contra
el
e)
, a redatora esquece
-
se que é do labor e do exercício do escritor, em que reside o seu
maior prazer, o jogo estético, a busca da forma que o agrade, da visão particular – ainda
que o próprio Maupassant tenha dito que não se divertisse com seu trabalho.
O
exercício
poético é uma aprendizagem das mais concentradas e que, a longo tempo, espera
-
se, não
comprometa a sanidade, mas, pelo contrário, fortaleça-a. A sua nostalgia
de
um passado
em que ela, também escritora e jornalista, não vivera é no mínimo anacrô
nica.
Desde que o officio de escrever-se transmudou em um modo rendoso, e que mais
ganha quem mais escreve, também a posição do escriptor soffreu alterações
profundas.
Antigamente era bem diversa a sua existencia. Houve tempos em que ella foi menos
digna
, e tempos em que foi mil vezes miserável. Ou se tinha um Mecenas, um Luiz
XIV, um protector qualquer, diante do qual o talento, dobrando
-
se, se degradava; ou
se passava fome e frio, e se morria no hospital. Hoje enriquece-se pelas lettras; uma
penna fora vale tanto como um patrimônio avultado, mas a loucura e as mil
fórmas das doenças nervosas ou cerebraes dizimão violentamente os pobres
trabalhadores do pensamento.
O jornalismo mata como uma forja, envelhece como o ar asphyxante da mina ou da
manufactura; o romance excita perigosamente a sensibilidade; porque o escriptor
tem de crear por artificio estados de almas verdadeiramente violentos, sensações de
uma intensidade dolorosa e extenuante; e em ambos estes generos,
passageiros
talvez, e talvez fri
vol
os para muita gente, se gastou a bella organisação de Guy de
Maupassant.
*
* *
Pobre querido artista, com que profunda tristeza eu tenho seguido as phases da tua
agonia infernal, dessa agonia que é mais cruel ainda na sua inconsciencia, do que
seria outra
de que tivesses a percepção dolorosa e completa.
Queria
-te tanto, tinha-te lido tantas vezes com intensa admiração, déste-me tantas
horas de agudo prazer intellectual, que, ao saber-te perdido para a arte de que foste
um dos representantes maximos, sinto no meu coração a dôr que sentiria ao perder
um amigo da minha mocidade arrebatado pela morte.
133
Que conselho ela daria aos jovens escritores? Não escrever romances? pois se
ela mesma os escreve... Afinal e última contradição-
limite
–, pelo movimento de seu
raciocínio, ao lamentar o desfecho a que foi levado o escritor em fruto do excesso de
seu trabalho, a articulista está lamentando a própria obra do escritor; tivesse ele
trabalhado menos, não nos legaria todas essas “horas de agudo prazer intellectual” de
que ela desfrutou.
Mesmo ficando sem réplica, não resistimos à pergunta retórica sobre se a
articulista preferiria viver naquela outra época e o ter suas reflexões difundidas e
pagas pelo Jornal do Commercio. Em seu artigo, é evidente que Maria Amália Vaz de
Carvalho quer estabelecer um contrastante paralelo entre o desfecho do nosso escritor e
o de Georges Duroy, em
Bel
-
Ami
. Seguindo a sua leitura biográfica, seria Maupassant
seu anti-herói, provando que no meio literário vencem mesmo os fracos de espírito e
os intelectuais sucumbem loucos? Continu
am
os acreditando que o seu método é
contraditório e não cabe à análise literária.
O necrológio
124
assinado por Maria Amália Vaz de Carvalho, antes mesmo da
morte do escritor, é passional e confuso. Sente saudades de alguém que ainda estava
vivo e cuja visita mais adequada faria ao reler sua obra. Cremos que Maupassant
repetiria, se a tivesse lido: “Je laisse seulement parler de mes livres.”
É a isso que pretendia, também sem sucesso, o articulista anônimo do terceiro e
último texto publicado sobre Maupassant no
Jornal do
Commercio
,
de 7 de fevereiro de
1892. Sob o título “A obra de Maupassant”, separa
os
textos
do escritor em duas fases:
uma anterior e outra posterior ao “pród
romo
quem sabe? dessa tr
istí
ssima
decomposição cerebral que acaba de o reduzir a uma sombra”, nas palavras do
articulista.
As fases seguem
também
, como se vê, um critério biográfico e não literário.
Após mostrar o prosito de sua análise – a classificação da obra de Maupassant –,
o
redator passa a um resumo do pensamento do escritor, formado pelo de Flaubert, e da
evolução desse aspecto “filosófico”, que tem origem em fatos da
vida
” do nosso
escritor (os termos são do crítico), na obra. A impassibilidade flaubertiana é notada
em
Maupassant (“affectação litteraria ou [...] expressão sincera e leal de seu caracter?”),
124
Não as menções ao nosso autor falam sobre ele. Também o silêncio é significativo, em um artigo
como “A evolução actual da Litteratura Francesa”, de Edouard Rod, na coluna “Litteratura” do Jornal do
Commercio
. A terceira e última parte data de 6 de março de 1892 e até ela não nenhuma menção ao
nosso escritor, mas há a Mallarmé, Verlaine, Flaubert (este já morto), Zola, Bourget, Maeterlinck, Barrès,
entre outros. O processo de relativo esquecimento que Maupassant
sofre
ria na França, nas décadas
seguintes, já via seu início com o fim da sua publicação em vida.
134
que não se comove ou envolve com o que expõe em seus contos e romances, mas o
comentarista humildemente se confessa impotente para explicá
-
la.
O antigo empregado do ministerio da instrução publica estreiou na literatura sob a
prestigiosa protecção de Gustavo Flaubert. O convivio com o mestre como que lhe
infiltrou no espirito esse profundo scepticismo que o caraterisava, e que se
extravasou no sarcasmo mordente e digamo-
lo
irritante de Bouvard e Pecuchet
.
Maupassant como que, desde logo, apprehendeo o mundo qual é, com todos os seus
vícios e todas as suas virtudes, e teve para elle um olhar claro e firme,
contemplativo e sobranceiro.
Nenhuma fibra de sua alma trae uma commoção: nenhuma desgraça lhe arranca
uma lagrima; nenhum affecto o envolve, o domina ou o arrasta.
Isto era uma affectação litteraria, a sua maneira, o seu processo, antes que a
expressão sincera e leal de seu caracter?
É difficil dize-lo. A philosophia das suas narrativas de então era, na phrase de Jules
Lemaitre, “a mais simples, a mais directa, e a mais negativa.” Era o nihilismo puro;
a negação absoluta; o nada. Não sabemos nada; nada podemos saber. Vivemos ao
sabor das circunstamcias e vamos para onde nos empurrão os nossos desejos;
sofremos ou gosamos á mercé da fatalidade; e depois a morte acaba com tudo. Nada
mais. Simples, como vêm!
Esta philosophia de Maupassant, que elle teve o trabalho de formular no seu volume
Sur l’eau, tanto podia ser a do primeiro anthropoide com um pouco de intelligencia
sobre a face da terra, como póde ser a do ultimo sceptico roido por todas as
descrenças e carcomido por todas as chagas, atirando a carcassa gasta á morte que
se lhe depare. É, todavia, ella a fonte sincera e profunda de onde dimana o sabor
acre e áspero da maior parte de seus contos. Ahi está a historia desta pobre creatura
contada em Une vie, que soffre a principio, pelo marido e depois pelo filho, e que
afinal... morre.
125
Ahí está Bel Ami, obedecendo ainda á mesma preoccupação,
decorrendo do mesmo principio. E nem ao referir a primeira, nem ao narrar a
segunda, o autor mostra sentir aquellas desgraças, apparenta soffrer similhantes
dores. São fataes; ellas decorrem necessariamente dos encadeiamentos dos factos
e
nada no mundo póde evita-
los
. Para que lamenta-los? Maupassant limita-se a
observa
-
los e narra
-
os.
Que mais se póde fazer, se a vida é isso mesmo e só isso?
A sua fórma primitiva é a biographia. É em Mont Oriol que se começa a notar a
transi
ção não para a sua segunda rma, mas ainda para os seus novos
sentimentos.
Mont Oriol é uma historia triste de uma mulher e de uma moça que
soffrem e de um homem que as faz soffrer, sendo todos mais ou menos bons, mas
absolutamente irresponsaveis. Mas é uma historia, é quasi um drama; e o autor
mal encobre-a sua própria emoção. Immediatamente depois, dá-se a mudança
brusca, completa, frisante. Pierre et Jean é um drama pungente. Nada mais
commovente que a leitura daquellas paginas em que a mãi se confessa ao outro
filho, ao filho do amante.
Houve seguramente ahi uma forte alteração no espirito de Maupassant, que é de
crer se reflectisse tambem nos seus habitos, nas suas maneiras, nos seus gostos. Dir
-
se
-hia que o seu coração se amoldava e que a fonte das lagrimas até então este
ril
começára a jorrar a bemfazeja lympha. A virga mosaica, que a ferira, teria visto o
primeiro annuncio da l
u
gubre visitante que o ferio?
125
é o segundo texto em que se fala da suposta morte de Jeanne. Ou levam adiante a história de
Maupassant, segundo a qual, na última página, apesar de um destino lastimável, a protagonista ainda vive,
ou haveria algum erro de edição ou tradução
,
a ser estudado
o que é menos provável
.
135
O facto é que se não tornou sómente compassivo: tornou-se casto. Não diremos que
fosse
um libertino na concepção; mas não se prendia a difficuldades de linguagens.
Fallava do amor e de suas consequencias com uma despreoccupação... grega.
Não o embaraçavão as palavras e pintava as scenas mais escabrosas com todo o
colorido da verdade. Entrou a
evita
-lo; restri
ngia
-se ás indicações indispensaveis e,
ás vezes, deixava as scenas do amor physico em uma penumbra discreta.
Quem quer que leia o seu volume de novellas La main gauche reconhecerá a
justeza desta observação.
Não obstante, não perdêra as qualidades superiores de observador calmo e exacto.
Tinha sempre a faculdade de apprehender na vida os traços reaes e de fixa-los com
uma precisão ni
tida. “Este esp
irito, dizia delle um de seus cri
ticos, ainda este anno é
um espelho impolluto que reflecte as cousas sem deforma-las, mas simplificando-
as, clareando-as também e talvez fazendo resaltar dellas, de preferencia, os laços de
depende
ncia que entre ellas existão.”
Era effectivamente assim. A simplicidade foi a nota caracteristica da sua segunda
maneira.
Simplicidade não importa banalidade; sob a calma de suas narrativas, agitavão-
se
todas as paixões humanas. Mas a analyse rebuscada e fatigante dellas, a
psychologia artificial de Bourget, elle não as tinha. O leitor não era levado pela mão
a apalpar os sentimentos de seus heróes: sentiu-os com elles, o que é mais alguma
cousa.
Fort comme la mort
é o documento dessa affirmativa. O thema do romance é
a dor eterna e humana de envelhecer. Este assumpto agradava-lhe. haviamos
visto, em Bel Ami; o soffrimento da mulher que não é mais moça e que perde o
derradeiro amante. Mas neste supplicio é mais cruel, mais minuciosamente
descripto, mais caracterizadamente apprehendido. O pintor Olivier Bertin anda
perto dos seus cincoenta annos; Anna de Guilleroy, s
ua amante, attinge os quarenta.
Essa ligação, cimentada pelo amor, corre suave e branda e poderia durar ainda. Mas
a condessa tem uma filha a educar-se no convento e chega a época em que tem de
retira
-
la para que ella faça “a sua entrada no mundo”. Annette
tem dezoito annos e é
o retrato
da mãi nessa idade, quando Olivier a conheceu. O drama começa ahi: é um
tecido de angustias. Olivier começa sem sabê
-
lo, sem consciência disso, a amar
essa
moça. A condessa percebe-o; e transida de dor, toma afinal o partido desesperado
de advertir o pintor desse amor desgraçado que elle sente, sem reconhece
-
lo.
Como o pintor soffre por amar essa creança elle, um velho e como a condessa
soffre de não ser mais amada por este velho ella, que não é moça; a luta
d’Olivi
er contra essa paixão insensata e a da condessa contra as primeiras injurias
da idade; como a moça atravessa todo esse drama, nascido della, sem percebe-lo; e
como, emfim, os dous velhos amantes assistem impotentes, ao supplicio um do
outro; até que Olivier se refugia em uma morte a meio voluntaria; eis o resumo
desse doloroso romance, em que as paixões humanas convulsionão-se e borbulhão,
sob a limpidez e a integridade de uma superfície tão unida e lisa, como a de um
[e]spelho.
Sem embargo de toda a sua emoção, não se encontra no livro um conceito
pedantesco de philosopho. Não ha condemnações; nem julgamentos.
Maupassant narra apenas; e narra pondo no seu assumpto, antes que nos seus
personagens, a sua commoção, e a sua impressão. Não ha conclusão. E para que? A
vida é assim, cheia de contradicção e de fraqueza nos factos e nos homens, cujo
espi
rito e cujo caracter podem ter todos os desfallecimentos ou todas as energias,
conforme o sentimento que os domina. Um corpo de dezoito annos póde bem ser a
aza da
loucura que mina e mata Olivier.
Para que di
scuti
-la? Como exigir razão e logica, como agrupar e discriminar
sentimentos, caracteres e individualidades nesse amalgama formidavel, que a vida
é? A razão tem
-
n’a o louco do
Rei Lear
. A vida é essa treva onde s
e encontrão:
“Um mendingo e um rei, um louco e um sabio.”
136
Ao contrário do que fez Maria Amália Vaz de Carvalho, este redator anônimo
observa a obra sob um olhar pessimista, segundo o qual era esperado e fazia parte da
evolução pessoal do homem
n
o encaminh
amento dado a sua obra. Maria Amália
Vaz de
Carvalho
espantava-
se
que um autor de quem se esperava tanto em termos de vivaci-
dade, de aceitação das limitações humanas que a vida impõe, t
ivesse
tentado o suicídio e
acabado louco. Veja-se que as duas leituras, dentro da abordagem comum biográfica,
parecem justificadas pelos exemplos
selecionados
, uma vez que a interpretação literária
está aberta às escolhas que faz o leitor. No entanto, como discursos críticos, resolvem
-
se
mal, pois não conseguem se sustentar quando têm por fundo o conjunto da obra, inter-
namente variada e não correspondente
, nem
cronologicamente
,
à leitura que se propõe.
Veja
-se que o ponto de partida deste articulista foi uma observação interna da
obra, que realmente demonstra um novo inter
esse estético do escritor (principalmente pela
forma do romance) e que de fato sofre um novo curso. Mas a explicação dada, superficial
e não condizente com o conteúdo analisado, obnubila o crítico, que deixa de perceber o
valor estético enquanto tal para -lo como pessoal. A entrada da análise psicológica nos
romances, ainda não muito bem compreendida como elemento de verossimilhança, é tida
como reflexo da pessoa do escritor na personagem, e não o conhecimento onisciente de
um ser fictício, que é o narrador. O discurso indireto livre, então, ainda menos
compreendido, percebe
-
se como a comoção incontida do próprio autor.
Há, de fato, certa mudança operada no centro de interesse do narrador
maupassantiano a partir de Pierre et Jean, cujos princípios estão esboçados no prefácio
desse romance. Segundo as interpretações mais freqüentes entre a fortuna crítica atual,
Maupassant passa a deixar de lado os estudos de costumes para ocupar-se com os
romances de análise, como comentamos. Essa mudança o se operou somente em
Maupassant, mas parece ter sido uma tendência geral da literatura do final do século,
prenunciando o romance introspectivo de Proust
, por exemplo.
O redator sem vida exagera ao dizer que Maupassant se “tornou casto” nessa
nova fase, ele que antes fallava do amor com uma despreoccupação grega”.
Notre
c
oeur
não relata somente o amor egoísta de Michelle de Burne, ou o idealizado de
André Mariolle, mas também a necessidade da união carnal da parte deste.
Conforme já dissemos, um dos procedimentos mais freqüentes da crítica da
época é o da paráfrase
nem sempre
feita corretamente
dos textos do autor, sobretudo
dos romances e das peças. Este crítico a emprega com a mesma facilidade de Iriel, e
nesses momentos, ao entrar nos questionamentos da obra, muitas vezes observa com
137
lucidez suas questões centrais, como na explanação sobre Fort comme la mort, cujo tema
é a “dor eterna e humana de envelhecer”. O poder de dramatização inerente ao texto de
Maupassant, que
nos
faz sentir o mesmo que as perso
nagens, e a abstenção de julgamento
em sua
obra são nela aspectos principais
, notados com perspicácia pelo crítico.
Ao contrário,
tamb
ém, do que se vinha fazendo, este crítico é menos categórico
na questão da loucura e termina sutilmente citando o Rei Le
ar
para justificar afinal a
relatividade das coisas, a presença do sábio e do louco, a clareza e a emoção com que
Maupassant.
Se, por um lado, a doença do autor (e, depois, a sua morte) perturbou os juízos
críticos, que titubeavam entre analisar as obras ou a vida romanceada, por outro, a
discussão em torno dele na França estimulou os jornais brasileiros a publicarem-
no.
Conforme comentamos, nos anos de 1892 e 1894, volta-se a publicar as traduções de
Maupassant, que, desde 1886, só apareciam em trech
os recortados dentro das colunas de
Iriel e Alter Ego. em 1892, houve a publicação de “La peur” (Jornal do Bras
il
),
Boule de Suif, “L’homme de Lettres”, “Le père Mongillet”; em 1893, “Le petit fût”; em
1894, “L’enfant”, “Ça ira”, “Qui sait?”, “Maneira o
riginal de ser pensionista do Estado”
(excerto de Sur l’eau) e “En wagon”. No início de 1895, sai também “Une veuve”. A
partir daí, as traduções são poucas, passam a ser assinadas, ou reintegram o corpo dos
textos críticos. Todos esses textos são dados nos anexos desta dissertação; de Boule de
Suif
, oferecemos somente a primeira parte, devido à sua extensão.
Para comentarmos alguns exemplos, tomamos a crônica Homens de Letras”
(“L’Homme de Lettres”), dada ao público em duas partes, em tradução não assinada e
sem comentário algum, em 19 e 20 de fevereiro de 1892. A escolha desta crônica
provavelmente foi correlacionada, por sua temática, com o fato anteriormente anunciado
a doença do escritor. Nesse texto,
Maupassant
trata do temperamento e do gosto p
ela
observação singular ao escritor (ou homem de letras) diante dos fatos cotidianos, no que
difere do gênero de percepção da realidade do homem comum. Segundo Maupassant, o
homem de letras possui um tipo de “pensée clairvoyante”, o que o torna mais atento,
complexo, cansativo e infeliz que o sujeito comum. Parece-nos que houve certa
intencionalidade do editor em pôr em relação de causa e efeito a concepção do autor
sobre seu métier e o seu destino. Desta vez, como no ano de sua morte, fica-nos claro
que se quis manter a expectativa do leitor por notícias do autor por meio de publicações
suas, enquanto nada de novo se tinha a noticiar. Quando as tinha, transcrevia-
as
138
simplesmente dos jornais parisienses, sem um juízo próprio do jornal brasileiro (cf.
Correio
Paulistano
, 15 de dezembro de 1892).
Também o conto “Quem sabe?” (“Qui sait?”), publicado em duas partes
na
Gazeta de Noticias, nos dias 23 e 24 de março de 1894 (p. 1-2), narrativa em primeira
pessoa
feita por um louco, deve ter sido facilmente confundido como relato pessoal do
próprio Maupassant
pelos
crític
os
biográfic
os
.
Em 7 de julho de 1892, Alter Ego defende Maupassant de um artigo inglês, cujo
redator, não nomeado, chama a arte do nosso escritor de decadente. Essa crítica
moralista, da mesma linhagem de Maria Amália Vaz de Carvalho, porém menos
compreensiva, vai receber o esclarecimento de Jayme de Séguier, que logo nos chama a
atenção contra aquela abordagem que, mesmo dentro do próprio jornal para o qual
escreve
, vinha influenciando a fortuna crí
tica do autor de
Boule de Suif
.
Se em França se escreve isto,
126
não se explica a indignação que está suscitando no
jornalismo francez um artigo
sensational
da Quartely Review, intitulado a
Decadencia da França. Este artigo toma como ponto de partida a doença de
Maupassant (ponto de vista bem inglez) para dahi chegar a conclusões inesperadas:
“Com Mr. Renan, Victor Hugo, George Sand, escreve o autor do artigo, Mr. De
Maupassant continuou a historia da litteratura francesa e acabou de a impellir pelo
rápido
declive onde ella tantos annos vai rolando. Por isso, consideramos nós
Mr. de Maupassant como resumindo na sua vida e nas suas obras um dos ultimos
capitulos da historia litteraria de seu paiz.
Mr. Proudhomme (isto entende com Julio Simon) tentou ultimamente varrer das
ruas francezas essas imprudentes photographias e estampas, de que se tolerou por
tanto tempo a presença. Pôde obter dos juizes a condemnação dos actores e
administradores do Theatro Realista á multa e á prisão que elles tão largamente
havião merecido. É de esperar que um destes dias Mr. Proudhomme conseguirá que
os livros de MM. Zola e de Maupassant sejão lançados ao fogo. A humanidade
teria que lucrar com esse holocausto.”
Queirão esperar. Ainda não acabou.
“A religião, a humanidade, a arte, tudo o que póde ter valor para os homens
conspurcou
-o a litteratura franceza. É necessário que ella se suje e se destrua a si
própria. De hora em hora, uma victima nova succumbe ao contagio. Hontem, era
Heine, hoje é Mr. Maupassant, romancista venial e brilhante homem do mundo.
Amanhã será outro. A França está a caminho de perpetrar o seu suicidio.
Nunca o raio da indignação humana e divina foi tão justamente invocado como no
nosso tempo, para fulminar estas abominações e permittir que a França reoccupe
um lugar respeitavel, escolhendo-se mentores menos corruptos, queimando o que
adorou e desviando-se da tribu dos Zola, Renan, Bourget, Daudet e Maupassant, os
mais perigosos inimigos que ella jamais aqueceu no seu seio.”
126
Alter Ego, na seção anterior de sua coluna, transcreveu as críticas francesas feitas a Zola e a resposta
dele, no momento seguinte a sua candidatura à Academia Francesa e a sua seguinte derrota. Os detratores
de Zola argumentav
am pelo fim do Naturalismo.
139
O jornal donde transcrevo estas linhas furibundas, pergunta ingenuamente á grande
e decorosa revista britannica, se é a influencia dos livros de Maupassant e dos
romances franceses que determina as jovens cantoras dos innumeros e pullulantes
music
-
halls
de Londres a exhibirem-
se
em scena em touca de noite e em camisa,
acompanhando as innocentes copias das suas canções com attitudes taes e gestos
por tal fórma suggestivos, que para se encontrar alguma cousa de equivalente, seria
necessário visitar os estabelecimentos analogos de N
apoles
a voluptuosa.
Pobres crianças! Foi por certo a leitura da
Maison Tellier
que as perverteu!
O tom irônico de Alter Ego contra o
comentário
irascível e moralizante da
revista inglesa é
bastante
atual
em termos de crítica; quer com isso se opor ao r
evide
ultrajado dos franceses contra a revista inglesa, conforme ficamos sabendo pela
introdução de Jayme de Séguier. Apesar de o crítico inglês dizer que os livros de
Maupassant são os de pecado mais leve, o apelo à queima dos livros naturalistas deve
de
fato ter irritado os críticos patriotas, os quais, conforme vimos em artigo de Iriel,
dificilmente faziam comentários negativos sobre a literatura de Maupassant, mesmo
quando se opunham ao naturalismo de Zola.
A posição clara de Jayme de guier, de que
tivemos outros exemplos, sobre a
literatura de Maupassant e o seu realismo evidenciam o quanto a incompreensão dos
temas literários naturalistas e da arte maupassantiana parece ingênua e digna de zombaria.
Não encontramos, de fato, entre os críticos dos j
ornais brasileiros, nenhuma incompreensão
desse tipo, uma vez que os princípios naturalistas eram bem compreendidos na arte. Mesmo
que nossos cticos fossem parciais em suas abordagens, eram lúcidos o suficiente ent
ender
as especificidades estéticas e o v
alor literário do naturalismo decadente.
Por outro lado, havia ainda, nesse mesmo ano de 1892, d
ivers
as notas
republicadas de jornais franceses, sobre a vida do escritor, agora sobre o avanço de sua
loucura.
Mais uma vez, o que marca o juízo crític
o são os
qualific
ativos ao autor, ora do
jornal traduzido, ora do redator brasileiro: “elegante escriptor”, “notavel romancista
francez”
, como se vê
n
a
Gazeta de Notícias,
d
e 2 de setembro de 1892, p. 1
:
Guy de Maupassant
Do
Evenement
, folha pariziense:
“Dão
-
nos uma tristissima noticia.
Os medicos que tratam do au
c
tor da
Maison Tellier
, consideram o elegante escriptor
irrevogavelmente perdido. A enfermidade que o levou á tentativa de suicidio em
Cannes, degenerou em paralysia geral.
A informação que recebemos, de que ia ser vendida, no próximo setembro, a
mobilia de Guy de Maupassant, que guarnece a casa da rua do Boccador, vem dar
mais credito á triste noticia.
O famoso yacht
Bel
-
Ami
, ao que parece, também será vendido mais tarde.”
140
Entre 9 de outubro e 6 de novembro de 1892, em quatro edições, O Jornal do
Commercio
publicou um longo ensaio do norte-americano Theodor Child,
contendo
internamente
doze
capítulo
s,
sob o título de “Pariz litterario”. É este um termômetro do
momento literário francês, dando inclusive referências de autores secundários, então
valorizados e hoje esquecidos, que conviveram com o nosso autor nas redações dos
jornais.
Com a entrada do romance russo na França, Child vê a renovação da arte
francesa
.
As menções a Maupassant se fazem em três das doze partes: na seção “II
Naturalismo”; dentro da parte VIII, “Pessimismo robusto” e “XI Os dramaturgos”. No
primeiro, apenas menciona uma vez Maupassant, onde os nomes mais recorrentes são os
de Zola e Flaubert. O segundo texto, todo dedicado a Maupassant, transcreveremos e
comentaremos nos pontos principais. O terceiro, uma vez que apenas coloca Maupassant
entre outros escritores de teatro, resumiremos, mas poderá ser lido nos anexos.
Pessimismo robusto
Em contraste com o Sr. de Vogüé e seus amigos, o Sr. Guy de Maupassant
contentou
-
se em ser um artista impessoal, segundo a teoria de Flaubert. A sua acção
nunca foi nada moralizadora e a sua carreira tem sido exclusivamente a de um
pessimista robusto, buscando o sucesso com dignidade artistica, mas, ao mesmo
tempo, com indubitavel egoismo.
Nascido em 1850, o Sr. de Maupassant publicou o seu primeiro conto em 1880.
não era, porem, um estreiante vulgar. Durante os oito annos que passou na
repartição da Marinha e no Ministerio da Instrução Publica, dividio o seu tempo
entre exercicios athleticos e estudos litterarios, e nos ultimos o seu conselheiro e
mestre foi o proprio Flaubert. Assim appareceu elle logo pela primeira vez, aos
trinta annos de idade, como um artista cuidadosamente educado, que possuia
originalidade, temperamento e talento.
Desde então, no espaço de dez annos, de 1880 a 1891 –, o Sr. de Maupassant
publicou mais de trezentas historias pequenas e mais de vinte volumes, dos quaes
seis são grandes romances, a saber: Bel Ami
,
Pierre et Jean
,
Une vie
,
Mont Oriol
,
Fort comme la mort e Notre Coeur. Acrescente-se a essa bagagem uma comedia,
Musotte
, representada no Gymnase em 1891.
Convem lembrar, finalmente, que os grandes resultados destes dez annos de labor
são sufficientemente litterarios para conquistar o respeito do mais exigente dos
cri
ticos artisticos, e sufficientemente humanos, cheios de vida e simples, para
commover e interessar um publico muito grande.
O Sr. de Maupassant não pertencia a nenhuma capella ou
coterie
litteraria. Algum
tempo antes de estrear frequentou
elle as Quintas
-
feiras litterarias de Zola, na rua de
Boulogne, nos tempos primitivos da formação dos batalhões naturalistas; mas, logo
que começou a ser um litterato activo, abandonou tranquillamente a companhia das
gens de lettres, e evitou a capella da Rue de Bourgogne com o mesmo cuidado com
que fugia do
grénier
de Auteuil, onde o Sr. Edmond de Goncourt continua as
tradições das recepções domingueiras de Flaubert. Effectivamente, não possui
nenhum dos habitos ou dos gostos do commum dos homens de lettras franceses.
Segundo elle próprio o diz, o Sr. de Maupassant não nasceu com maior propensão
141
para escrever do que para seguir outra qualquer carreira. “Com a minha
perseverança
o disse elle e com o meu methodo de trabalho, poderia ter me
tornado pintor tão bem como litterato; de facto, poderia ter sido quase tudo
, excepto
mathematico. E isto é tão verdade que nunca, nem agora nem antes, senti a menor
alegria em trabalhar. Para mim a litteratura nunca foi outra cousa senão um meio
[ilegível]”
[ilegível] o Sr. de Maupassant não se parecia com o seu mestre, Flaubert, para o
qual a litteratura foi o unico objectivo da vida. Para o Sr. de Maupassant o u
nico
objectivo da vida era o prazer e o comforto. A sua conversa, os seus habitos, o seu
physico, a sua attitude mental, não erão as de um litterato ordinario, mas antes a de
um philosopho epicurista. Nos seus primeiros contos parecia correr atrás do prazer
com a impudencia de um jovem fauno magnificamente sadio. Nos seus livros como
na sua vida, os desejos e a carnalidade occupão grande espaço. Tinha o sangue
moço e ardente; os seus actos erão os de um pagão innocentemente sensual; a sua
philosophia era simples e negativa. A vida, pensava elle, é e não tem, dema
is,
significação alguma.
Nada sabemos, e nada podemos saber; a despeito de nós mesmos, vamos para onde
a fatalidade e os nossos desejos nos levão até que a morte venha pôr termo a tudo.
Esta philosophia, que o autor formulou em um dos seus ultimos livros
Sur l’eau
, é
talvez a fonte da qual a maior parte das suas curtas historias tirão o seu especial
sabôr acre, porque em toda a sua obra o Sr. de Maupassant sempre se occupou
muito com a morte; e nisso era elle um verdadeiro epicurista. Sem idéal, descrevi
a a
vida como a via, em toda a tristeza da realidade, em todo o horror da sua inevita
vel
fatalidade, ou, por vezes, no feroz ridiculo de sua grosseria ou de sua fraqueza.
Tendo exhaurido, ou pelo menos gasto a face aguda do prazer physico, o Sr. de
Maupass
ant en
tregou
-se mais e mais aos exercicios intellectuaes nos seus livros
recentes.
Havendo fortalecido o seu epicurismo com o estudo de phenomenos scientificos
accessiveis, ficou cada vez mais convencido do miseravel destino da humanidade,
da crueldade cega da natureza, e do absurdo do orgulho do homem na sua supposta
superioridade.
Com esse augmento de
experiencia tornou
-
se menos indifferente.
Manifestarão
-
se
na sua obra sentimentos de piedade, de ternura e de sympathia, e
elle não mais chasqueou vehementemente da estupidez do homem e da brutalidade
dos seus instinctos. No seu romance Fort comme la Mort e no pequeno conto
intitulado
Inutile Beauté as suas descripções dos soffrimentos do homem e da
mulher trahem um espirito de fraternidade, e mesmo de compaixão, que não dista
muito da fonte das lagrimas humanas. Nos seus ultimos livros e na sua estréa como
dramaturgo
– na peça chamada
Musotte
este espirito de compaixão e de ternura, e
esta commoção em presença da brutalidade, são muito tocantes.
O jovem fauno sadio, o Maupassant de trinta annos, derão lugar a um epicurista
mais calmo, mais profundamente triste, e mais largamente experimentado, ao
Maupassant dos quarenta, ainda pessimista e sceptico, mas em plena evolução
para a bondade e para a humanidade
.
Nota
-se a poderosa individualidade do Sr. Maupassant na maneira como elle
dirigio
por assim dizer o seu gênio.
A litteratura, disse-nos elle, fora-lhe sempre um meio e não um fim. Com bom
senso e previdencia normanda, o estreante Maupassant deliberou conquistar os
fartos lucros do jornalismo e ao mesmo tempo evitar a esterilidade e o labor
sisyphico do artigo que vive apenas um dia. Por isso inventou a
nouvelle
, a historia
curta, que enche duas columnas e meia, a historia que entre na categoria do
jornali
smo, porque no fim do anno estes estudos ou historias, estes artigos
drama
ticos, por assim dizer, são colleccionados e vendidos em fôrma de volume.
Os primeiros contos de Maupassant forão primeiramente publicados no
Gaulois
, e
essa invenção provou ser boa e de tanto êxito, que se fundou um jornal novo, o
Gil
142
Blas
, para desenvolvé-la, e toda a gente começou a escrever contos e historias
curtas. O Gil Blas alcançou grande successo, e por seu turno deu nascimento a um
rival maior, o
Echo
de Pariz, que fez igualmente da multidão de historias curtas a
sua principal feição. Deste modo Maupassant póde ser chamado o pai dos
conteurs
francezes contemporaneos, dos quaes o nome actualmente é legião.
O Sr. de Maupassant tornou-se, entretanto, facilmente o primeiro desses narradores.
Em materia, fórma e estylo, ninguem póde collocar-se no mesmo nivel que elle. A
sua lucidez é infallivel; a sua faculdade de apanhar e assignalar os traços mais
significativos, e sómente esses, é i
ncompara
vel. É isento de affectação, quer
ro
mantica, quer realistica. Não paraz-se em enigmas psychologicos; é sombrio de
commentarios sobre as acções; a prosa límpida affecta a realidade com a fidelidade
e a simplicidade de um espelho; robusto e perfeito, elle conta historias, parece que
tão natura
lmente como anda ou respira.
A sua certeza de observação é tão completa que não carece de julgar, de
condemnar, nem mesmo de intervir, mas unicamente de ver e narrar. Nos seus
primeiros contos contempla a realidade com indifferentismo; nas suas u
ltimas
cre
ações a sua visão é frequentemente colorida pela indignação ou velada pela
piedade; mas, tanto no primeiro como no ultimo dos seus contos, o estylo
permanece a mesma prosa forte, limpida e natural, á prova de todos os caprichos da
moda em phrases ou epithetos, sem artificios, simplesmente poderosa e precisa,
expressando exactamente o que o autor quer contar
-
nos e nada mais.
E nisto Maupassant revelou mais uma vez o seu bom senso normando; nunca quis
ser mandarim e nunca escreveu para agradar aos mandarins; escreveu para a
humanidade, sobre a humanidade.
Resumindo, como apontado pelo artigo anônimo de 7 de fevereiro, Theodor
Child duas fases na obra de Maupassant: na primeira, é impessoal, egoísta, imoral,
pessimista; na última, é mais dedicado aos exercícios intelectuais, mais piedoso,
fraterno e menos indiferente. Teria ele superado a impassibilidade
atribuída
a Flaubert?
De fato, Child quer
enfatizar
a “poderosa individualidade” de Maupassant e sua
distinção entre naturalistas e mesmo ao mestre Flaubert, que o crítico via como um
estilista excessivo na arte pela arte.
Afirma ainda que compaixão nessas últimas obras e que o autor já não se
irrita contra a
bêtise
humana, mas que permanece pessimista e cético. Assim, Child
define a distinção entre as duas fases do escritor, parecendo preferir esta última.
Comparando
-o, na juventude, a um fauno sadio, o articulista chega à resolução
freqüente, e que lhe é assaz conveniente, de que Maupassant não corresponde ao padrão
estético e físico do homem de letras; é um filósofo epicurista, como afirmara Le
Roux. Por outro lado, se ele é o oposto em fins estéticos e em conduta de vida de
seu mestre Flaubert, cuja proposta estética é refutada por Child, convém exatamente ao
tipo de literatura defendida pelo c
rítico
, capaz de atender ao público especializado e à
massa de leitores.
143
Child toca num ponto crucial da teoria do conto, ao colocar Maupassant como
inventor do conto jornalístico. Seus textos vieram de fato atender a uma demanda e se
voltar contra o preconceito comum dos literatos diante dessa forma literária, antes vista
como fácil e de receita pronta. Maupassant veio renovar o conto literário, retomando
uma estrutura antiga (a narrativa enquadrada), sob um temário e uma linguagem
presentes no
cotidiano
dos leitores de jornal. Constatado isso mais uma vez por um
crítico não francês –, é sintomático o tom elogioso ao autor; o redator esquece-se até de
qualquer paralelo com a vida do escritor, ainda que insista na demarcação das fases.
Além de Theodor
Child, Hugues Le Roux já tinha entrevisto uma compaixão nas
obras finais de Maupassant. Devemos lembrar que, se aos exemplos mencionados a
leitura de Child parece conveniente, poderíamos elencar inúmeros outros contra-
exemplos; o próprio conto “L’enfant”, do qual foi extraída
Musotte
, é de 1882 e a
piedade de que fala na peça, aqui está. “Le papa de Simon”, um dos contos mais
piedosos, contra a moral e os preconceitos médio-burgueses da época, é de 1879. Se
“L’inutile beauté”, de abril de 1890, indica a fase de compaixão de Maupassant, o que
diria Child de “Le champ d’oliviers”, de dois meses antes? Toda tentativa de
classificação é apenas sumária e parcial, em se tratando de nosso escritor. A obra de
Maupassant é variada em temas, formas e soluções, dentro de um único conjunto que a
contém. A belíssima conclusão do crítico mostra-o, mais um, redimido ao artista
epicurista e humano, que não julga seus semelhantes.
Na continuação de seu texto, saída em 6 de novembro, Child tornou a falar de
Maupassant ao resumir os principais nomes encenados nos palcos parisienses. Observa
que o teatro está, assim como o romance, na França, à espera de um novo chefe. Depois
de Hugo e Dumas (que ainda produzia), crê que ainda não lhe estão à altura os nomes
mais conhecidos da época, também encenados no Brasil, como Sardou. Resume as
experiências do Théatre Libre de Antoine e afirma que, malgrado a forte empresa teatral
francesa, que tinha apoio em jornais e publicações especializadas, ainda havia
indefinição entre as tendências convencionais do teatro realista e o experimentalismo
simbolista. É curioso que tome o gancho desse novo teatro para falar de Maupassant,
que considera um representante do teatro novo.
[...] Quanto a formulas novas, a unica que se deve assignalar é a da La Mort du
Duc d’Enghie
n
que veio identificar-se com o Théatre Libre. Em peças contruidas
por este modelo não ha enredo elaborado cuidadosamente, com a sua exposição,
desenvolvimento e desenlace, tudo logicamente deduzido com incidentes
144
explanatorios
e
scenas inevitaveis que um espectador experimentado póde prever
logo no fim do primeiro acto.
A formula nova toma um facto, sem explicação, exactamente como a realidade o
apresenta. Este facto desenvolve-se em um certo meio e atravessa certas phases.
Cada
phase é, por assim dizer, um momento dramatico que o autor reproduz com
fidelidade photographica.
Se estes momentos são bem escolhidos, e se as circumstancias do facto são
pi
ttorescas ou mais ou menos eloquentes, o espectador será divertido, encantado ou
commovido com a successão de quadros que se lhe desenrolão diante dos olhos, e
dão
-lhe a illusão de visões mais ou menos completas de gente vivendo, fallando e
agindo como na vida real. Certamente obtiverão-se certos effeitos, de singular
intensidade, da verdade material por essas visões de momentos da vida, e é
interessante notar que o Sr. Guy de Maupassant fez a sua estréa como escriptor
drama
tico em 1891, com uma peça chamada
Musotte
, construida segundo esta nova
formula.
[...]
Para este crítico, poderia Maupassant vir a ser um possível chefe do gênero
dramático, como o foi do conto? Alertamos para o uso indevido da referência de
Musotte
, uma vez que Maupassant tinha antes tentado o teatro em cinco experiências
anteriores (quatro entre 1874 e 1879), com sucessivos fracassos, os quais o levaram a
mergulhar na produção de contos e romances. Quanto à sua proposta estética, colocada
em prática no teatro, nada mais é do que a teoria de verossimilhança esboçada em “Le
roman”, conforme verificaremos nas críticas às representações brasileiras de
Musotte
e
Boule de Suif. Insistimos para o fato de que as suas peças de maior sucesso no mundo,
muitas delas adaptadas para o teatro depois de sua morte, são sobretudo as extraídas de
contos do autor.
No
Corre
io Paulistano, em 15 de dezembro de 1892, mais um relato
pungente e ainda romanceado
:
Guy de Maupassant
Sobre a loucura
deste notavel romancista francez
, escreve o “Eclair” de Pariz:
“Guy de Maupassant debate-se sempre em preza á loucura. O cerebro par
ece
-
lhe
vasio de pensamento.
É uma sensação que elle experimenta, persistente, muito nitida. Tem consciencia de
que se produzio um vacuo. “Onde estão minhas idéas” pergunta elle. E procura-
as,
como procuraria o lenço, ou a bengala, esquadrinhando em volta de si,
impacientando
-se, inquieto, atormentado: “As minhas idéas! Não virão as minhas
idéas? [”]
Evadiram
-se, vagueiam, abandonaram-no. E isto causa-lhe uma r infantil, a
magua de um bébé, que tivesse perdido o seu brinquedo. Chora como os pequenitos
cho
ram os seus desgostos pueris, exhalando uma especie de gemido tenue,
acompanhado de lagrimas que se enxugam depressa... depois amua, zanga-se, toma
uma expressão colérica... “quéro minhas idéas!”
De subito, sorri. O seu rosto illuminado de alegria, de contentamento absoluto; fica
radiante.
Achou as suas idéas. Volitam em torno delle. São borboletas, cujo vôo
caprichoso elle se põe a perseguir.
145
O seu numero é infinito e o matiz das suas azas varia conforme o sentimento que
exprimem: há borboletas pretas para
a tristeza, borboletas côr de rosa para a alegria,
borboletas de ouro para a gloria. “Oh! que bello escarlate! exclamou elle, é a
purpura dos sangrentos adulte
rios!”
A acção desenrola
-
se, abundante e logica, em um scenario admirável.
Ao esforço evocador de um estylo que conserva mesmo no delirio a sua saboroz
a
nitidez, as paixões humanas palpitam como outrora. Mas é um vôo de borboletas.
As suas idéas são esses encantadores seres alados de que o espaço se povôa ao seu
olhar sómente. São elles que atam e de
senlação
o entrecho, chamados uns após
outros: “Preciso do azul para este amante que se desespera. Onde está esse azul!
Ah! eil-o aqui!” E faz o gestu de apanhar o fugitivo entre os dedos, segura-
o
delicadamente pelas azas diaphanas e pousa sempre em imaginação junto de uma
borboleta de outra côr, necessaria para o encadeamento das idéas.
É um phenomeno quase único nos anaes da loucura essa exteriorisação do espirito.
O cerebro do escriptor era outr’ora como uma gaiola cheia dessas bellas borboletas.
Captiv
as, acudiam quando elle as chamava.
O poeta attrahia-as, brincava com ellas a seu bello prazer. A demencia não fez mais
do que deixar evadir os filhos radiosos da phantasia alada. Mas, recuperando a
liberdade, ficaram lhe ainda fieis por algum tempo e continuam esvoaçando em
torno delle e a
um grande vôo multicôr.
E
sses
doi
s textos sobre Maupassant evidenciam um tipo de leitura superficial do
autor e de sua obra, que se difundiram entre a crítica daqui, nesses primeiros anos, e
ntre
relato subjetivo, crítica romântica, biográfica e crítica mitificadora por parte dos
realistas
. Veja-se que há nítida intenção de dar uma estrutura dramática ao relato,
(ab)usando da doença do escritor para personificá-lo: “A acção desenrola-se, abundante
e logica, em um scenar
io admirável.
No dia seguinte (16 de dezembro de 1892), no Jornal do Commercio, Alter Eg
o,
na seção “O Jornal dos Jornaes”, transcreve essa mesma notícia do
Éclair
, esclarecendo
que tais informações foram concedidas ao redator francês pelo médico de Mau
passant.
Resta saber a quem devemos a mise en scè
ne
das borboletas e a comparação do escritor
com
uma criança do médico ou do redator do
Éclair
. Qualquer que seja, enriqueceu o
patético da
cena, que nada nos acrescenta quanto a
o conhecimento do escritor.
Ao final da transcrição, Jayme de Séguier ao leitor brasileiro uma (hoje)
célebre carta de Flaubert, datada de 23 de fevereiro de 1873, endereçada à mãe do
futuro contista, Laure de Maupassant, sobre, entre outros assuntos, a possibilidade de
carreira
literária do filho dileto. A tradução
dessa carta
dada pelo
Jornal do Commercio,
cujo conteúdo já
oferecemo
s
no capítulo 1, pode ser lida nos anexos.
Em 2 de abril de 1893, logo na abertura de sua coluna “Chronica Pariziense O
Jornal dos Jornaes”, Alter Ego comenta a representação de La paix du ménage
(adaptada do conto “Au bord du lit”), em 6 de março na Comédie Française, e dá-
nos
146
comentários transcritos de um livro de Mme. Paul Adam. Seu tom irônico, com
marcações enviesadas, marca o primeiro texto.
A primeira representação da Paz do casal, comedia... Ia dizer posthuma, do pobre
Guy de Maupassant, determinou em toda a imprensa um enorme movimento de
informação e de
reportagem
em torno deste nome. Um jornal, O Eco de Pariz
,
consagrou todo um supplemento a uma espécie de plebiscito sobre a obra do autor
de
Uma Vida, e no qual tomarão parte os principaes escriptores contemporaneos,
unanimes em affirmar o alto valor dessa obra e a perda enorme que as lettras
soffrerão com o anniquilamento de tão poderoso espirito. Porque a triste verdade é
que o pobre grande escriptor está irremissivelmente perdido; nenhuma esperança
resta de o salvar.
O supplemento a que me refiro insere um artigo do Sr. Camillo Oudinot, que parece
ter vivido na mais estreita intimidade de Guy de Maupassant, e que refere alguns
pormenores interessantes desse passado commum.
Eis um excerpto que será lido com intersse pelas leitoras.
“Nas questões de amor, Maupassant não sabia
nelunar
-
se
[?] nem fazer assedio de
um coração. Estou convencido
de que todas as conquistas que fez, se lhe entregarão
de livre vontade, sem que elle tivesse para isso dado um passo. A sua subita e
retumbante celebridade foi util neste ponto á sua indole e, fornecendo a seu espirito
e aos seus sentidos um pessoal amavel... eis um exemplo das aventuras que lhe
grangeava a sua notoriedade. Um dia, Ollendorff mandou-lhe entregar uma caixa e
uma carta que lhe havião sido dirigidas de Inglaterra para casa de seu editor.
Maupassant encontrou dentro da caixa uma almofada de cetim bordada a ouro, da
qual se exhalava um perfume extranho. Dentro da carta vinha uma adoravel
photographia de mulher, uma dessas loiras e poeticas inglezas e uma carta em papel
de alto luxo, tendo gravado o endereço de um castllo dos arredores de Glasnow.
Esta carta emanava de um gentleman que um francez, entrecortado de vocábulos e
de locuções inglezas, se apresentava como sendo o pai da loira dama cujo retrato
enviava e pedia a Maupassant a fineza de vir passar algumas semanas em sua casa.
Sua filha, casada com um grande amador de caçadas e de
sport
, professava pelas
obras de Maupassant uma admiração tão ardente que vivia com a esperança de
vir a conhecer o seu autor favorito.
O excellente homem, na sua candura escosseza [sic], traça
va
um quadro tentador dos
prazeres que o esperavão na sua mansão; ir
-
se
-
hia á caça das
grouses, montar
-
se
-
hia a
cavallo, etc. etc. Terminava a epistola, pedindo ao romancista que aceitasse o
pequeno trabalho que sua filha executára por suas pr
o
prias mãos para lh’o offerecer.
Este convite era extravagante e lisongeiro. Maupassant ficou lisongeado, mas o
correspondeu ao desejo da linda ingleza, que no seu castello dos arredores de
Glasnow, entre um velho pai e um marido apaixonado pela caça devia aborrecer-
se
de morte. Mas nessa epoca Maupassant vivia a primeira parte do seu romance
O
nosso coração
e a sua admiradora foi sacrificada.”
Era conhecida e aqui estimulada a fama don juanesca de nosso autor. A
romantizão dada pelo tal redator, Camille Oudinot (a quem Maupassant dedicara “Ce
cochon de Moron”, em 1882, e “Le parapluie”, em 1884), aviva a sua figura, já morta para
os críticos
e para as leitoras, segundo Alter Ego. A bela inglesa sacrificada entre o pai e o
marido, faz lembrar Jeanne, de
Une vie
(talvez fosse mesm
o essa a intenção do crítico).
147
É bom observar que, a peça mencionada, La paix du ménage, escrita em 1888,
mas representada na França somente em 6 de março de 1893, chegou mesmo a ser
anunciada no Brasil pouco depois disso. Em 1
o
de julho de 1893, por ocasião da vinda de
Sarah Bernhard, o
Correio Paulistano
, p. 3, apresenta a possível representação de
La paix
du ménage, no Theatro S. José, uma vez que esse título constava no repertório à escolha
da companhia,
127
cuja estréia seria no dia 7 do mesmo mês. Tudo nos leva a crer que a
comédia em prosa de Maupassant, a qual reproduz quase inteiro o seu conto “Au bord du
lit”,
128
de 1883, não esteve entre as escolhidas para representação. Pelos anúncios diários
das peças a serem encenadas, sabemos que no dia 7 foi representado um texto de V.
Sardou; no dia 8, A Dama das Camélias (de Alexandre Dumas f
il
ho
), em duas récitas;
pelas notas dos dias seguintes, ficamos sabendo da encenação de
Le
maître de forges
(de George Ohnet, em 18 de julho),
Phèdre
(
de
Racine) e
Adrien
ne Lecouvreur (de V.
Sardou e E. Moreau, em 19 de julho), segundo nota de 20 de julho de 1893.
A parte seguinte da crônica de Alter Ego também faz seu ponto na lenda do
autor, a partir do texto de Mme. (Paul) Adam. A recorrência de notícias sobre o autor
na
imprensa francesa, como se vê, é fielmente perseguida pelo jornal brasileiro:
Nesse mesmo numero, uma pagina de Mme. Adam evoca a recordação de um
colloquio entre ella e o autor do
Horla
, que assume na hora presente o caracter de
uma verdadeira prophe
cia.
“Maupassant escrevêra
-
me em Gil: ‘Amanhã irei pedir
-
lhe de almoçar. Não convide
ninguem, desejo fallar de mim comsigo só.’
Quando elle chegou, suppuz ás primeiras palavras que elle quizera divertir-se em
assustar a minha amizade inquieta.
Não tenho nada, disse-me elle, o meu fim era passar comsigo uma boa manhã de
cavaco. Vamos de uma vez para todas pôr em presença o meu materialismo sensual
e o seu mystico espiritualismo. Que batalha!
Dar
-
lhe
-emos por campo estas rui
nas.
A sua crença vai ficar redu
zida a pó!
127
A escolha se anunciava entre: A Dama das Camélias
,
Francillon
,
Le demi monde
,
L’étrangère
e
Denise
, de Alexandre Dumas;
Fedora
,
Theodora
e La Tosca, de V. Sardou; Maître de forges, de Meilhac
et Haléxy;
Adrian
ne Lecouvreur, de V. Sardou et E. Moreau; Jeanne d’Arc, de Jules Barbier;
Phèdre
, de
Racine;
Cleópatra, de Legouvé; La dame de Challant, de G. Giacosa;
L’aveu
, de Sarah Bernhardt; On ne
badine pas avec l’amour, de Alfred de Musset e, o que nos interessa, La paix en me
nage
[o título correto
é
La paix du ménage], de Maupassant. Ainda o seguinte aviso, ao final do anúncio, com a tradu
ção:
“On ne repetera pas les pièces en abonnement (Nenhuma peça será repetida)”. A data de estréia é dada
adiante: “A companhia chegará no dia 6 de julho e estreará no dia 7, com o drama em 4 actos de V.
Sardou.” Tal anúncio repetiu-
se
nos dias 2, 3 e 4 de julho. Também nos dias 7, 13, 18 de julho houve
artigos dedicados à atriz francesa que
,
apesar de doente, parece ter
atua
do a contento e recebeu muitos
elogios por isso
.
128
Tal conto foi recentemente representado no Brasil, entre outros, na peça intitulada Contos de sedução
,
levada aos palcos de São Paulo pelo Grupo Tapa. Pudemos vê-la em duas ocasiões: no Teatro da Aliança
Francesa, em 2002, e no Teatro Artur Azevedo, em 2004. Comentaremos adiante alguns aspectos sobre
essa adaptação, interessantes para esta pesquisa.
148
Como sempre as nossas velhas recordações de Flaubert occupárão-nos durante uma
ou duas horas e, depois do almoço fomos sentar-nos nas ruínas da velha igreja dos
benedictinos.
Ahi, Maupassant fallou, acalorou
-
se, n
ã
o esperando que eu lhe responde
sse.
Com uma
verve
e uma audacia de pensamento que me impressionára dolorosamente,
disse
-
me o que pretendia ser e pensar, o que queria que a vida fosse, ou senão...
Ou senão o que? repliquei eu no momento em que elle lançava a palavra com
violência.
Senão será a desordem no meu espirito, a natureza transformada em chãos, o
sentido das coisas perdido para mim. E mato
-
me, mato
-
me!
Eu olhei para esse robusto rapaz sanguineo e corado, que amava apaixonadamente a
vida e a respirava por todos os poros, e que repetia isto: Mato-me, se um
argumento philosophico ou religioso perturbar a minha concepção da vida e a
minha comprehensão do que ella é, do que eu quero que ella seja!
Tira-me toda a possibilidade de resposta, disse-lhe eu. Se um raciocinio
contradic
torio, que o senhor veio procurar, note bem, póde ter por consequencia o
seu suicidio, é essa uma arma de que não ouso servir-me. Não imagina a pena que
me faz; julgava-o um espirito sem azas, preso ao chão, mas equilibrado
maravilhosamente e acaba de me d
izer palavra de doido!
Este termo fêlo estremecer; fitou
-me com olhos vagos. “Não sabe, replicou-
me elle,
que meu irmão está doido, sim doido; que já não vive em Antibes, que foi para uma
casa de saude? quando será a minha vez?
Ora aqui está uma agradável conversação, respondi eu. Terminemo-la quanto
antes. Vamos passear. É o que temos de melhor a fazer.”
Parece que Maupassant perturbou a boa impressão das senhoras sobre si. Esta,
como Maria Amália Vaz de Carvalho, acreditava ser ele um amante da vida e acha-
o
contraditório em seu pensamento sobre o suicídio. Leitoras mais atentas de
“L’endormeuse” e mesmo, em termos biográficos, conhecedoras dos princípios pessoais
rígidos do homem, não se espantariam tanto. Enquanto isso, Alter Ego acredita ser
esse
conteúdo informal de conversação uma “profecia” do autor de
Le Horla
.
Quase vinte anos depois, em 30 de junho de 1912, Alter Ego
ofereceu
-
nos,
na
coluna Chronica Es
trangeira
O Jornal dos Jornaes”, o texto “Guy de Maupassant”.
Como se verá, alimenta
mais uma vez aí o mito do autor, cada vez mais redescoberto no
seu íntimo por pessoas que conviveram com ele e que dão os seus relatos. Sua espécie
de encarceramento da vida literária na vida social era um modo pessoal que tende a ser
interpretado como estimulante à sua leitura. A mistificação de seu final melancólico era
esperada
, haja vista que estava gravemente doente (e conhecidas as crônicas
apelativas do ano de sua morte). Praticamente não se fala de sua obra, o que está
marcado na intenção de apenas um retrato do físico e do caráter de Guy de Maupassant.
Guy de Maupassant
Um dos raros escriptores que collaboraram com o autor admiravel de
Pierre et Jean
e de Notre Coeur. M. Jacques Normand, que com elle escreveu uma peça intitulada
149
Musotte
, evoca numa revista pariziense a figura do mestre. No Brazil, como em
todos os paizes civilizados, Guy de Maupassant tem os seus fieis, que relêm a sua
obra magnífica e que gostarão por certo de o ver resurgir neste retrato traçado com
firmeza e semelhança
.
Era acaso Maupassant no physico o homem das suas obras? Não completamente.
Estatura mediana, ou antes pequena, arcabouço solido, destituido de graça; cabeça
forte, hombros largos. “Um novilho normando”, disse delle alguem com justeza.
Muito esmerado na s
ua pessoa, vestia com menos gost
o às vezes do que pretenção
a
elegância, ao requinte mesmo. O rosto era redondo, vigoroso. Cobria-lhe a boca, de
um desenho impreciso, um bigode basto, de um castanho arruivado. O nariz era
puro de fórma e a tez colorida. Mas o que o semblante offerecia de mais notável
eram os olhos profundos, de um tom de topázio queimado; a testa baixa e larga,
sulcada de rugas precoces; os cabellos direitos, cortados “en brosse”, abundantes,
finos, com lindos movimentos que punham nessa physionomia algum tanto severa
um pouco de graça quase feminina. A voz era baixa, pouco timbrada, como que
velada. De origem normanda, conservava um accento arrastado, apreciavel
sobretudo nos finaes...
O caracter era complexo. Maupassant era ao mesmo tempo doce e expansivo.
Pouco conversador, não fallava violento, timido e ousado, desconfiado e expansivo.
Pouco conversador, não fallava
129
nunca nas suas obras e detestava que dellas lhe
fallassem. Em tal caso e quase com máo humor mudava de conversa. Só se anim
ava
deveras para fallar de viagens e da natureza. Então a sua palavra elevava-
se,
apaixonava
-se... As suas maneiras eram cortezes; extremamente polido com os
homens, era quasi galanteador com as mulheres, comquanto professasse por ellas
um desprezo mais affectado do que real. A despeito disso outros dirão por causa
disso
era muito amado, muito adulado por ellas. O seu humor era alegre ás vezes,
parecia uma criança. Gostava de mystificações, de facecias, de jogos de sociedade
innocentes e activos. Mas esses accessos de alegria foram pouco e pouco tornando-
se cada vez mais raros e a sua amarga melancolia cada vez mais profunda.
! Este retrato condiz com o que do grande escriptor me fez alguém que o conheceu,
numa phrase elegante: “Não pronunciava uma palavra, ouvia attentamente o que os
outros diziam e de vez em quando tomava um apontamento num dos punhos da sua
camisa com um lapis”.
Novamente Alter Ego retoma a imagem anteriormente divulgada do escritor
observador. A insistência sobre o olhar profundo no relato de Normand –, o sotaque
normando, gosto pelas viagens e o homem que apenas ouve e toma suas notas na manga
da camisa são ponto
s sobre os quais até hoje insis
tem os críticos mais recentes.
Conforme vimos, os artigos e as crônicas até aqui apresentados, com algumas
poucas exceções, nem sempre
são
exatamente críticos, ou melhor, pseudocríticos,
mas
apenas parcialmente noticiosos,
mais
sobre a vida do qu
e
sobre
a obra de Guy de
Maupassant. Entretanto, a inter
-
relação que passou a se estabelecer,
mesmo antes d
a
sua
morte
, entre vida e obra do escritor pôde despertar em alguns cronistas o desejo de
revisitar a obra, depois de acabadas as páginas do romance da sua vida.
129
A repetição do início do período anterior está também no original.
150
3.4 C
onsagração e releituras
Por ocasião da morte do escritor, houve a
esp
er
ada
volta à sua obra, em uma
série de artigos rendendo-lhe homenagem. De fato, inicialmente, não mudou muito o
tom lamentoso com que eram escritos os textos a seu respeito, desde a sua tentativa
de suicídio, os quais, em geral, davam por certa a sua morte e até quase a
desejavam.
Um ponto pacífico, sobretudo entre os jornais paulistanos, em que a tradição
de publicá
-
lo era maior que a de comentá
-
lo, é
a publicação de seu
s textos
.
As menções seguintes viriam para noticiar a morte do
escritor
, ocorrida em 6
de julho de 1893, à qual se seguiria uma nova série de publicações de sua obra. No dia
seguinte,
7 de
julho
, a
Gazeta de Notícias
informa
-
a sucintamente:
Guy de Maupassan
Pariz, 6
Falleceu hoje o Sr. Guy de Maupassan, litterato, membro da Academia Franceza.
(p. 1)
Claro está que o jornal brasileiro se permitiu licença poética para grafar desde o
nome até a informação incorreta sobre a sua participação na Academia,
130
que ele tanto
difamou em “Discours académique”, no Gil Blas de 18 de julho de 1882. De qualquer
maneira, surpreende a rapidez com que chegou a notícia para a época. Como vimos, a
morte de Flaubert foi sucintamente noticiada e mais de um mês depois (em 28 de junho
de 1880, por Sant’Anna Nery, no Jornal do Commercio) e a de Eça de Queiroz, em
Paris, foi noticiada dois dias depois pelos jornais de São Paulo (18 de agosto de 1900).
Já a
morte de Alphonse Daudet
, como a de nosso autor,
é informada no dia seguinte aos
leitores de
O Estado de São Paulo
(17 de dezembro de 1897).
O
artigo de 8 de julho
de 1893,
não assinado,
do
Jornal do Commercio
, reproduz
muitas das idéias defendidas por Iriel em textos anteriores e traz a mesma passagem
selecionada por ele de
La vie errante, quatro meses antes.
130
Em 30 de março de 1893, foi dada uma notícia
no
Est
ado de São Paulo
,
à página 1, intitulada
“Academia Francesa”, que talvez tenha contribuído para a confusão. Apesar da qualidade do original
disponível no Arquivo do Estado, que se apresenta ilegível em alguns trechos, é possível ler, entre cerca
de
quar
enta
autores e obras selecionados por votos dos acadêmicos, os nomes de Guy de Maupassant,
Boule de Suif e Une vie, ao lado de outros tais como Dumas, Anatole France e Zola, que passariam pelo
crivo de votação.
151
Guy de Maupassant
Teve termo, a
final, com a morte, essa longa e dolorosa agonia, em que se debatia ha
tanto a primorosa intelligencia de Guy de Maupassant. Perdida já de ha muito toda e
qualquer esperança de ver restituida a luz, que bruscamente fugira do seu frisante
cérebro, elle era hoje uma sombra, uma sobrevivencia de si mesmo, e a sua morte,
póde
-se dizer quasi com absoluta propriedade, ocorreu no dia em que seu [
preclaro]
espirito se afundou para sempre nas trevas da loucura.
Na moderna geração dos escriptores francezes, Guy de Maupassant occupava um
dos mais conspícuos lugares, e era uma das mais completas organisações litterarias
do nosso tempo. Um dia, desconhecido, sem nada haver publicado que tornasse
familiar o seu nome, revelou-se subitamente com a publicação de uma novella
Boule de Suif
que todos lerão, e ao qual logo se prognosticarão para o seu autor as
brilhantes qualidades que devião fazer delle um dos escriptores mais notáveis da
sua época. Desde então até a occasião em que o seu espírito sossobrou, Maupassant
prodi
galisou em larga escala, ininterrompidamente, os thesouros do seu talento, nas
mais várias fórmas litterarias, nos versos, no conto, onde se tornára inimitavel, no
romance, na simples fantasia, onde a magia da sua arte não conhecia rival, e
ultimamente no theatro. Em paginas immorredouras, que ficaráõ [sic] entre as mais
bellas que se traçarão no seu tempo, elle soube traduzir, com uma arte subtil e
delicada, com extraordinário vigor de colorido e com prodigiosa intensidade de
vida, o drama humano, com toda
s as suas grandezas e baixezas, com os esplendores
do scenario em que se desenvolve, a incoherencia dos nossos sonhos, a perturbação
dos nossos sentimentos, e o vago das nossas aspirações em fóco do problema
insondavel da vida e da magnificencia da nature
za que nos cerca, nos encanta e nos
acabrunha. Ahi estão “Bel-Ami”, “Au bord de l’eau”, “Notre Coeur”, “Musotte”,
“Pierre et Jean”, “Une Vie”, “Fort comme la mort”, innumeros volumes de
novellas, e tantas obras primorosas, que traduzidas em todas as línguas, levarão o
seu nome a todos os confins do mundo.
Ha um anno pouco mais ou menos um sopro de desgraça aniquillou para sempre
esse bello espírito. Não ra difficil descobrir as causas que determinarão ou
concorrerão para este desequilibrio, que aliás não
se trahia no seu estylo, senão pela
sua vibratilidade nervosa. A herança, o abuso dos excitantes, a vida solitária que o
levava a divagar mezes inteiros a bordo do seu
yacht
Bel
-
Ami
, em um isolamento
absoluto,perdido na solidão dos mares, a sós com o pensamento torturante, uma
sensibilidade exaltada e doentia, que elle procurava mais exaltar pela necessidade
da producção artística eis as causas do mal, que nos roubou para sempre o seu
alado espirito. E que fallamos nessa solidão, a que elle se condemnava, para que
não lhe perturbasse as vozes intimas o bulicio do mundo, citemos uma das suas mais
bellas paginas, aquella em que, sozinho, absorto, em communicação directa com a
natureza, ouvindo palpitar as vagas, scintillar as estrellas, os sentidos supere
xcitados,
alta noite, elle sente, ouve, vê e apalpa as allucinações do próprio sonho: [...]
A morte libertou o divinal espírito do autor dessa e de outras primorosas paginas da
estreita e revoltante prisão em que jazia e se debatia em procura de ar, espaço
, de luz...
O redator do Jornal do Commercio eleva a posição de Maupassant entre seus
contemporâneos e já observa a sua difusão em todo o mundo. Aponta exatamente par
a a
defesa mais recente de Marie-Claire Bancquart, segundo a qual nada no estilo do aut
or
denuncia a sua doença (“este desequilíbrio, que aliás não se trahia no seu estylo, senão
pela sua vibratilidade nervosa”). A organização de seu estilo, a clareza e o caráter
“inimitável” (ainda que muitos o tenham por modelo) são qualidades intrínsecas
do
152
escritor e que o bom leitor aqui presente soube resumir. A seleção
de
Sur l’eau vem
mais uma vez atender ao mito de Maupassant aventureiro e esboçar a poeticidade de sua
linguagem narrativa.
Com atraso de dez dias, O Estado de São Paulo oferece comentário, na primeira
página do domingo, 16 de julho de 1893. Nesse artigo não assinado, são transcritos
diversos pareceres positivos e negativos, de autores franceses sobre o escritor estudado,
traduzidos do Écho, jornal francês. Entre tais escritores estão: Zola, Jules Lemaître,
Edmond de Goncourt, Pierre Loti e Julien Leclerc. Embora a crítica francesa do autor
não seja aqui o objeto principal de estudo, é interessante tomá-la como conhecida por
possíveis críticos brasileiros, leitores desses jornais. Transcrevemos a seguir somente a
apresentação do redator brasileiro a esse longo texto (o restante pode ser lido nas
transcrições anexadas). Note-se que aparecem os mesmos qualificativos apontados
em outros artigos, como
“infeliz”
e
“desventurado”.
Guy de
Maupassant
O
Écho
, um dos melhores jornaes de Paris, dedicou um numero especial, illustrado, a
Guy de Maupassant, no dia seguinte ao da representação da Paz do Casal, excellente
comedia em dous actos, que o infeliz escriptor concluira pouco antes de enlo
uquecer
e que acaba de ser representada na
Comedie
com extraordinario successo.
Escreveram nesse numero especial muitas celebridades da litteratura franceza e
alguns dos mais conhecidos representantes da nova geração.
Agora, depois do fallecimento do desventurado escriptor, a reprodução do juizo
publicado a seu respeito tem ainda maior opportunidade e por isso vamos traduzir dois
ou tres artigos dos
velhos
e outros tantos dos
novos
. Verão assim os nossos leitores
como, sob qualquer pretexto, se manifesta a hostilidade que em todos os tempos existiu
e que, em toda a parte, existe entre os
consagrados
e os que aspiram á consagração.
Uma vez que pareceres pró e contra o autor, justifica-se o comentário do
redator, que, no entanto, não se ocupa em tratar dessas divergências sobre Maupassant,
mas apenas constatar o fato, comparando
-
o com outros casos na l
iteratura
. Curioso é notar
a observação sobre a “excelente comédia em dois atos”, cuja redação fora concluída
“pouco antes de enlouquecer”. Fica subentendida aqui uma relação
estabelecida
pelo
crítico entre a sanidade/doença e a qualidade dos escritos maupassantianos.
Encontramos também no Estado de São Paulo, de 16 de julho de 1893 (também
à página 1), em uma seção intitulada “Escriptos Doidos”, o
texto “G
uy de Mau
passant”.
Assinado por J.V.S. (não identificado), traz uma leitura pessoal da vida do escritor
morto e, assim como os outros dois textos que o acompanham (o primeiro chama-
se
“Sarah Bernhardt” e o terceiro “Olhos de mulheres”), é de
tom bastante e
motivo.
153
Guy de Maupassant
Em uma cellula de louco talvez o seu cerebro finou-se o primeiro [?]
131
contista do seu tempo, e sua alma subiu para o nada, carregada por um bando de
borboletas azúes, de azas de crepe.
Finou
-se á noite a noite tragica da demencia. Além no céu, desvairada, louca,
coroada de azaleas, corria a lua, e as estrellas tinham o brilho extranho dos olhos
dos doidos. A aragem, vestida de aromas que entonteciam, batia nas arvores e
tropeçava nas pedras do campo e distante; um ribeirão rumorejava cadenciando
quédas da agua. Á margem um velho cysne morria, erguendo seu longo pescoço á
procura do ar, e as antigas ondinas, desgrenhadas e bruxas, sobre o dorso das aguas
desfilavam risadas.
Triste sina que foi essa de morrer numa noite louca, o contista do dia, o contista do
sol, o humorista são, o amigo da vida e do azul, triste sina que foi essa de
desapparecer com os olhos apavorados vendo a lua coroada de azaleas correr
desvairada no céu!
Noite bruxa, noite treda, de que se libertou encer
rando
nas taboas de um esquife, o
casarão dos vermes.
Morto!... Nem ao menos lançarão o seu corpo ao mar glauco que elle amava e onde as
sereias o iriam beijar e o coral lhe daria côr às faces. A terra recebel
-o-
á e eternamente
esvoaçarão sobre a sua sepultura as borboletas azues, e os passaros, que na sua
viagem passarem pelo tumulo do pobre Guy, cantarão tristes, cantarão tristes...
Esse texto, inteiramente subjetivo, de qualidade estética discutível, põe
mais
uma vez em contraste características da obra do autor em correlação com fatos da sua
biografia. Aqui o
reda
tor
parece
surpreso
pela sina do autor francês, vista a clareza de
sua prosa, de seus temas e de seu humor (o que, sabemos, corresponde a apenas uma
parte da sua obra); tal surpresa poderia ser mero recurso expressivo, uma vez que o
próprio redator tira muito da seriedade de seu texto, ao intitulá-lo como “escrito doido”.
A associação aos animais, borboletas e pássaros que voam sobre o túmulo e, enfim, o
cisne, extensão do próprio escritor, em seu “canto” contrastam-se com o touro ao qual o
comparavam na fase em que era o Porthos das letras.
Outro aspecto interessante a notar está em apresentar Maupassant como o
“primeiro contista do seu tempo”, como já fizera Child; fica explícita a compreensão do
autor de Boule de Suif como carro-chefe de uma linhagem de escritores, conforme seria
considerado pela crítica mais contemporânea, o que provam as referências ao escritor
dadas pelas princ
ipais histórias da L
iteratura
B
rasileira.
No artigo de 30 de julho, Iriel fala da “primeira morte” de Maupassant, que foi,
de fato, a literária, dois anos antes. A percepção do articulista é das mais lúcidas, ainda
que antes tivesse esperanças de que o escritor voltasse à ativa. Mais uma vez, como
fizera também J.V.S, do Estado de São Paulo, rende-
lhe
a devida homenagem,
131
Falhas no original consultado não permitir
am uma leitura nítida.
154
qualificando
-o como o “primeiro contista” francês, colocando-o novamente, em termos
de classicismo da linguagem, ao lado de Rabelais, Renan, Montaigne, Bossuet, Molière,
Montesquieu e Voltaire.
A maldita bernarda devorou quasi todo o meu folhetim.
132
Pouco espaço me resta
para lhes falar dos outros assumptos
poucos, devo confessá
-
lo
de que tomára nota.
Defolharei todavia uma saudade na campa do pobre Guy de Maupassant. Ei-
lo
emfim descansando da sua medonha luta de dois annos contra os demonios e os
monstros da loucura. A sua morte foi acolhida quasi com satisfação por todos
quantos o amavão, e neste numero incluo não os seus intimos como essa legião
innumeravel de amigos anonymos que todo o grande artista possue no seio da turba
profunda e obscura.
De ha muito que estava irremediavelmente perdido. A paralysia ganhava todos os
membros, “animalisava”, para me servir de uma phrase de Edmond de Goncourt,
essa bella e intelligente physionomia. O desgraçado não tomava alimento
nenhum; era sustentado a caldos introduzidos por meio da sonda esophagiana.
Morreu em meio de convulsões terríveis, em um delírio atroz, bracejando contra os
fantasmas que lhe rodeavão o leito e lhe fazião esgares de visage
ns.
Não recomeçarei o artigo que, por occasião da primeira morte do grande escriptor,
lhe consagrei nestas columnas. A França perde o seu primeiro contista, e um dos
prosadores mais solidos, mais claros, mais correctos de grande linhagem clássica
que vem de Rabelais a Renan, passando Montaigne, por Bossuet, por Molière,
por Voltaire, por Montesquieu.
A legião de leitores a que se refere era numerosa e os artigos dos jornais
brasileiros
a
fazia
m aumentar, por meio de ativistas ou intermediários da obra do
escritor normando, de que é exemplo o próprio Iriel. Como se vê, enquanto a Fran
ça
perdia seu primeiro contista, nós ganhávamos um mestre, cuja influência se verificará
no
últim
o
capítulo
deste trabalho.
Seguindo a linha de Iriel, um mês depois da morte do escritor, Alter Ego
também o
apresenta por meio da sua variegada produção de textos. A coluna de 13 de
agosto de 1893 é toda dedicada a Maupassant, subdividindo-a em seis partes temáticas
:
“Guy de Maupassant”, “A educação de Maupassant”, “Maupassant e a Torre Eiffel”,
“Maupassant marinheiro”, “Maupassant aeronauta” e “Um pressagio”. Cita trechos de
Maupassant de: “Le roman”, La vie errante e da crônica “Sur les nuages” (1888).
Transcrevemos somente as passagens dos seus comentários sobre o escrit
or.
Guy de Maupassant
Guy de Maupassant deixou de existir. Sobrevive-lhe uma obra litteraria robusta,
sã, vigorosa, feita para atravessar os seculos, como materiaes de que se fazem as
estatuas e os monumentos: granito, mármore ou bronze.
132
Refere
-
se ao motim que relatara na passagem anterior a esta que selecionamos.
155
Desejaria poder resumir nesta chronica, por meio de excerptos habilmente
recortados, essa personalidade tão interessante e variada. Mas é impossivel. As
obras em que o talento de Maupassant se affirmou com mais originalidade são os
seus romances e sobretudo as suas novellas, os seus contos. Ora, seria uma
imperdo
avel mutilação o arrancar a esses estudos, de uma tão homoge
nea
contextura, fragmentos que, isolados, nada significarião. Limito-me, portanto, a
citar alguns trechos dos seus albuns de viagem ou dos seus prólogos
de critica, onde
sufficientemente se accusão os maravilhosos dotes de estylista e de observador que
o caracterizavão e que bastão, creio, a dar aos que não lerão as suas obras, com o
desejo intenso de as conhecer, a percepção da perda irreparável que acabão de
soffrer as lettras francesas.
A educação de Maupassant
No prefacio do admiravel romance Pedro e João, que Zola proclama a obra prima
rara, a jóia preciosa de toda a producção de Maupassant, conta-nos o seu autor o
modo por que se effectuou a sua educação litteraria e o processo que transformou o
seu estylo e a sua visão particular das almas e das cousas.
Começa elle primeiro por estabelecer, com a solidez e a clareza que o distinguem,
que só a originalidade de fôrma e de pensamento, a
inconfundibili
dade
, permitta
-
se
-
me o barbarismo, podem caracterisar o verdadeiro artista.
[...]
Dois homens, pelo seu ensino luminoso e simples, derão a Maupassant essa força de
sempre tentar: Bouillet e Flaubert.
[...]
E condensando esta theoria [de Flaubert], Maupassant formula o seguinte
aphorismo, que eu submeto às meditações dos jovens escriptores que se ensaião
nesta desesperadora arte da expressão verbal do pensamento.
[“]Qualquer
que seja a cousa que se pretende dizer, não ha senão uma palavra para
a exprimir, um verbo para a animar e um adjectivo para a qualificar. É mister, pois,
procura
-los até os encontrar, a essa palavra, a esse verbo e a esse adjectivo e nunca
satisfazer
-se com approximações, e nunca recorrer a embustes, por mais
engenhosos que sejão, a clow
nerias de linguagem para evitar a difficuldade.[”]
Sabe
-se como Guy de Maupassant poz em pratica este preceito. Não ha na
litteratura moderna franceza obra tão clássica e tão pura de estylo como a dele.
Maupassant e a Torre Eiffel
Uma das dousas que o pobre Maupassant mais odiava neste mundo era a torre
Eiffel. Odiava-a como a um inimigo pessoal, um ente que vem a este mundo de
proposito para nos ser desagradavel e cruel. Alguns querem ver nesta antipathia o
germen da doença que o levou ao tumulo, mas quando se leem as paginas que o
escriptor consagrou ao objecto da sua execração, reconhece-se que esta era
raciocinada e fortemente apoiada em motivos que se prendião com fina e vibratil
natureza de artista que elle era.
Espero que seja agradavel aos leitores
o relerem estas linhas que servem de prefacio
ao seu livro A vida errante, um dos mais bellos que sahirão da penna do grande
escriptor e um dos que mais revelão a sua personalidade.
[...]
Maupassant marinheiro
Ninguem votou affeição mais profunda ao m
ar e á vida náutica.
Leião a amorosa descripção que elle faz do seu “yacht” na “Vida Errante”, leião
todo o livro “Sur l”eau” e tantas paginas disseminadas em quasi todos os volumes
156
da sua obra, cantando a suprema voluptuosidade dos vastos horisontes, do a
r salino,
das corridas loucas pelo Mediterrâneo, com todas as velas desfraldadas horas de
prazer supremo durante as quaes o seu robusto organismo vivia uma vida intensa,
dupla, deliciosa.
Eis uma dessa paginas incomparáveis.
Andava o romancista bordejando na costa de Genova, em calmaria profunda,
quando o mestre do barco que examinava o horisonte lhe aconselhou a que
mandasse amainar as velas altas porque estava imminente uma rabanada de vento.
[...]
Maupassant aeronauta
Eis um excerpto da descrição da sua viagem aerea a bordo do
Horla
, um aerostato
de que elle fôra padrinho e que tinha o nome dessa estranha novella onde pretendem
que se manifestarão os primeiros symptomas da doença mental que o devia matar.
[...]
Um pressagio
Eis agora uma aventur
a que succedeu a Maupassant em Tunis.
O romancista fora visitar um hospital onde se achavão reunidos um grande numero
de doidos.
[..]
Percebe
-se nestas linhas a preoccupação do mal terrivel pelo horror que elle
inspira, pela importância dada ás palavras do louco, palavras infelizmente
propheticas e que dous annos depois erão uma realidade.
Conforme vemos, pela primeira vez é publicado o prefácio a Pierre et Jean, que
contém, em resumo, a principal discussão estética de Guy de Maupassant e por meio do
qual a melhor crítica já o começara a analisar. Em dois momentos, Alter Ego observa no
seu autor um clássico a permanecer nos cânones.
Ao hesitar na escolha quanto o que apresentar aos seus leitores, Jayme de
Séguier reflete sobre a
contextura dos co
ntos e novelas
e, concluindo sobre a dificuldade
de resumi-los, percebe-o sob o ponto de vista qualitativo, e não quantitativo. Muitos
teóricos do conto, conforme observamos em outro
capítulo
, contrastam o conto clássico
ou à Maupassant
– a
o conto modern
o
ou à Tchecov, outro admirador de Maupassant
por intermédio desse fator:
pode
-se resumir a fábula de um conto de Maupassant, mas
um de Tchecov pode nem mesmo ter assunto a ser resumido. O cronista denuncia
com
falsa modéstia sua incapacidade de resumir os textos do autor normando em razão da
sua contextura, da sua fatura literária, e acredita ser um erro – “uma mutilação– resumi-
los ou fragmentá-los, quando o leitor tem a possibilidade de gozar todo o prazer estético
lendo o original. Se não evita a citação de “Le roman”, de crônicas e de uma narrativa de
viagem, é também para render a devida homenagem ao escritor e interessar seu leitor na
busca aos originais. Também é de se notar que entre os trechos dados não estão nem
157
contos nem romances, os quais seriam
inimitáveis
(como dissera um crítico anônimo do
mesmo jornal), impossíveis de resumo e
quem sabe, a seu ver
de tradução.
Cético quanto às leituras, então freqüentes, que atribuíam novos sentidos aos
textos em razão da doença do escritor, ap
onta
-lhe o raciocínio subjacente, seguindo um
critério artístico pessoal e utilitário da arquitetura, que guiava nosso escritor em seu
repúdio à Torre Eiffel. Prefere ver certos textos, sobretudo as crônicas de viagem em
que o narrador discute em primeira pessoa a loucura e a morte –, como “presságio” e
“palavras proféticas” (em artigo anterior falara em “verdadeira profecia”). É claro que
os princípios ético-religiosos do crítico não contribuem em nada para o esclarecimento
da recorrência do tema literário, mas, evitando tratar em termos simplistas que
interpretam a sua literatura como escrita por um louco, parece encontrar uma solução
pelo mais sutil.
Meses depois, em 14 de janeiro de 1894, Iriel ainda uma nota totalmente
biográfica
, pós-
morte
: comenta na sua coluna a venda dos bens do escritor,
oferecendo
mais
um elemento ao mito permanente do autor que até hoje nos faz visitar seu
castelo, observar seus objetos pessoais...
Foi uma hora triste para os amigos de Guy de Maupassant aquella em que o l
eiloeiro
espalhou aos quatro ventos os objectos que guarnecia a habitação do escriptor.
Guy de Maupassant tinha a paixão do ar livre e do alto mar. A sua verdadeira casa,
durante os últimos annos de vida, foi o seu yacht, que elle baptisára com o nome de
u
m dos seus melhores romances
Belami
.
Apezar das recordações que se ligavão a essa embarcação onde o grande romancista
escrevia os seus mai bellos livros e a bordo do qual passára as mais felizes, as mais
tranquillas, as mais saudosas horas que viveu na t
erra, esse yacht foi vendido o anno
passado pelo preço irrisorio de 7,000 francos.
Eis agora a vez da habitação terrestre, isto é, do seu recheio, porquanto Guy de
Maupassant tinha [ilegível] um
pied
-à-
terre
em Pariz e esse mesmo [estado].
Dada a vocação errante do escriptor, não admira que elle não possuisse senão um
modesto interior de casa realçado apenas por alguns moveis bonitos e alguns
objectos de arte.
Muito dadivoso por temperamento, o que é raro em um francez e raríssimo em um
artista moderno, Maupassant distribuia pelos seus amigos as acquisições que fazia
através dos
bric
-à-
brac cosmopolitas da Europa e da África Setentrional.
[Ap]enas comprava um objecto, desgostava-se delle e dava-o. era ainda um traço
desse caracter doentio, já marcado para o
fatal destino e em quem as sensações mais
gozadas se convertião em insupportaveis desillusões.
Quase todos os objectos se venderão por preços [ilegível] mesmo os quadros e os
objectos de arte.
Uma aquarella do grande paisagista Haspigoise [?] [ilegível] custo o preço de 230
francos! Em compensação, por um tocante sentimento que fez honra aos amigos de
Maupassant, todos os objectos de uso intimo do escriptor attingirão sommas
inteiramente desproporcionais ao seu valor intrinseco. Basta citar uma descalçadei
ra
que se vendeu por 40 francos!
158
O período que se inicia com a “primeira morte”, a literária, conforme
mencionamos, é também de republicações do autor. Seis textos
seus
são publicados até
que tenhamos uma nova observação crítica, de Alter Ego, em 3 de f
evereiro de 1896
, na
coluna “O Jornal dos Jornae
s”.
Dous artistas
Sabia
-
se que entre Maria Bashker
ts
eff
e Guy de Maupassant tinha havido em tempo
uma troca de cartas, mas não havia a esse respeito senão indicações vagas. Duas ou
tres
dessas cartas apenas, as da genial creatura, poeta, pintora e estylista, cuja
recordação é uma das graças e dos encantos deste seculo, havião sido dadas á
publicidade; das de Maupassant nenhuma.
Uns jornaes de Vienna, A Nova Imprensa Livre e uma revista russa
Sewerayi
Westue
k acabão de publicar essa correspondência na sua integralidade, satisfazendo
assim á curiosidade intensa do publico lettrado que se interessava em alto grão por
saber como se produzira o choque daquelles dous espiritos, dos mais originaes, dos
mais brilhan
tes que a nossa era tem admirado.
Foi Maria Bashkertseff, escreveu os
Debates
de onde extrairão esta noticia, quem, em
uma crise de enthusiasmo agudo, tomou a iniciativa de um commercio intellectual
com o autor de Nosso Coração. Lançou um dia á pressa em uma folha de papel
alguns gritos de admiração espontanea, e mandou-os ao seu heroe, implorando uma
resposta, posta restante. Maupassant não tinha o menor empenho em crear relações
epistolares com uma correspondente anonyma; respondeu todavia, mas nesse tom
enfasteado e sarcástico que lhe era habitual. Maria Bashkertseff, posto que um tanto
desilludida, continuou as suas confidencias; mas, diante da sua persistencia em
conservar a mascara, Maupassant encolerisou-se; tornou-se nervoso e brutal e acabou
por
exigir uma entrevista, sob pena de acabar por exigir um entrevista, sob pena de
acabar com a correspondência. Então dos olhos de Maria Bashkertseff cahio a
venda... “Não me comprehendestes, escreveu ella; o vosso invólucro terrestre pouco
me importa!A correspondencia terminou subitamente e Maupassant nunca soube o
nome da creatura de eleição a quem as suas exigencias pouco cavalheirosas, forçoso é
reconhece
-
lo, havião tão cruelmente desilludido.
Quanto a Maria Bashkertse
ff
, escreve melancolicamente o artigo dos
Debates
, de
certo se exprobrou a si própria a haver derrubado o seu ídolo e descoberto debaixo
do escriptor poderoso o sceptico escarninho. Ella ignorava que para certas cousas e
para certas pessoas, mesmo entre as mais illustres, proveito muitas vezes em
se olhar de longe.
A quem a dezena de cartas trocadas, em 1884,
133
nota sim a ânsia de
Maupassant por conhecê-la, mas não grande ofensa. Segundo indicam outros
documentos
cartas de Maupassant a pessoas íntimas e o diário da artista –, ambos se
sentiam orgulhosos de ter essa discussão literária. Ele, por ter uma jovem perspicaz,
desconhecida e misteriosa interessando-se por sua obra; ela, por receber pessoalmente
de seu ídolo palavras que ele negava aos mais próximos e aos jornais. De fato, naquele
ano, alguns meses mais tarde, com a interrupção da correspondência pelo escritor e a
133
Disponíveis no site <
http://maupassant.free.fr
> e também transcritas e comentadas por Henri Troyat.
TROYAT, Henri. Op. cit., 126
-
135.
159
morte dela por tuberculose, Maupassant desconhecia ainda a identidade da jovem; mas,
em carta a outra correspondente russa, Mlle. Bogdanoff, de 10 de novembro de 1891,
ele afirma que não conhecera pessoalmente, mas que agora sabia que era
Maria
Bashki
rtseff
a
sua correspondente
de 1884.
134
3.5 As
referências
antropofágicas
maupassantiana
s
H
á diversas menções
curtas
a Maupassant, às vezes entre outros escritores, que o
tomam simplesmente como argumento do crítico ou elemento de comparação para
desenvolver outro assunto, sem relação direta com o nosso escritor. Começam então as
referências que podemos tomar por menos enviesadas pelo
aspecto
biográfico, à
exceção
de um ou dois casos. Seguindo a reminiscência do crítico e do público do
jornal, leitores vorazes do escritor francês, cit
am
-no como referência temática ou
estética a fatos indiretamente ligados a sua obra. Maupassant passa a ocupar um lugar
comum crítico. Nem sempre especificamente literárias, elas mostram a erudição do
crítico e iluminam o texto com um caso conhecido de todos ou quase todos os leitores.
Aqui obedecemos ao critério cronológico interno ao item, mas, como se verá, esse tipo
de referência é
freqüente em todo o período estudado.
135
Em 28 de fevereiro de 1892, antes mesmo da morte de Maupassant, ele servia
a esse papel de referência quando Iriel tratava de uma peça de Daudet. Ao comentar a
peça
Mentirosa
, adaptada de um conto de Daudet, ironiza com razão, mas com
excessiva francofilia: “Só os franceses têm artes para transformar uma novella de cinco
ou seis páginas em uma comedia em três actos. A
Musotte
do pobre Guy de Maupassant
nasceu assim de uma das mais pequeninas narrativas do incomparável contista.” Mas,
ao contrário da qualidade reputada a
Musotte
, na opinião de Iriel,
a peça obtida do conto
de Daudet era irregular e incorreta
,
ao passo que o conto
era
uma obra
-
prima.
Em 13 de agosto de 1896, uma pequena menção, sem maior importância, a
Maupassant, em um texto sobre o testamento de Edmond de Goncourt a Daudet e Léon
134
Idem
, p. 135.
135
Essa afirmação poderia se estender mesmo até os dias de hoje. Por exemplo, no caderno “Ilustrada” da
Folha de São Paulo, de 4 de julho de 1995, numa resenha de A v
ida
sexual e afetiva dos g
ênios
,
de
Edward Abelson, o jornalista Sérgio Augusto comenta o famoso caso de Maupassant. Em 24 de maio de
2000, Nelson Ascher, também na “Ilustrada”, p. E8, para redigir seu artigo “Quem é George Bush”,
inicia
-o pelo resumo de “La parure”. em 16 de abril de 2001, no caderno de turismo do mesmo jornal,
p. F10, citam nosso autor comparando sua ojeriza à Torre Eiffel à que os artistas do Chipre sentiam
recentemente, quando o governo do país propôs a construção de uma gigante estátua de Afrodite, na ilha
Mediterrânea onde, diz a lenda, ela teria nascido.
160
Hennique (pé da página 1). O artigo se chama “A Academia Goncourt”, é assinado por
André Maurel e foi traduzido da imprensa francesa para
O Estado de São Paulo
. Cita
-
se
Maupassant apenas para dizer que, assim como ele, Zola, Céard, Paul Alexis e
Huysmans, o escritor Léon Hennique também havia participado das
Soirées de Médan
.
Em 12 de ab
ril de 1897, na “Chronica Es
tra
n
geira
O Jornal dos Jornaes”, Alter
Ego ilustra seus comentários contra um possível conflito europeu, com a citação da
crônica “La guerre” (de dezembro de 1883), do nosso autor. Texto eloqüente e atual,
indicamos a leitura de sua tradução ao final deste trabalho. Como as demais, a tradução
para este jornal foi fiel no conteúdo (tirados os vários cortes nas partes mais descritivas
e algumas licenças poéticas do tradutor), e talvez seja a única conhecida desse texto
publicada no Brasil. Aqui nos ocuparemos dos comentários de Alter Ego que, também
proféticos
como para ele era Maupassant, segundo outro texto observado –, notava a
espécie de corrida armamentícia da época:
Contra a guerra
Os rumores que têm vindo das bandas do Oriente derão inquietadora actualidade ao
insoluvel problema da guerra, sobre o qual tanto philosopho, e tanto poeta e tanto
homem do Estado tem gasto inutilmente a actividade do seu cérebro. Pelo que se
está passando com o conflicto helleno-idreo [?], vemos que as grandes potencias se
empenhão sinceramente em adiar para peiores tempos o conflicto ineluctavel que
um dia ha
de transformar a Europa em um medonho matadouro. [...]
Um dos homens que, depois de Victor Hugo, mais eloquentemente se elevou contra
esse infame vestigio de barbaria, que digo eu, da animalidade humana, foi Guy de
Maupas
sant.
Espero que seja lida com interesse a pagina soberba em que o grande escriptor, tão
fatalmente roubado às lettras francezas, falla da guerra em termos a que ninguém de
sensato, de humano póde deixar de adherir.
[...]
E Maupassant conclue que os governos devião de ser responsaveis das guerras a
que arrastão os povos, visto o seu dever de evita-las, como é dever do capitão de
navio evitar o naufra
gio.
No dia em que os povos voltarem contra os governos as armas com que estes lhe
ordenão que matem os seus
similhantes, nesse dia a guerra cessará de existir.
O tom eloqüente ganha também o cronista,
que
apresenta o “grande escritor, tão
fatalmente roubado às letras francesas”. Esperávamos até que citasse
as
famosas novelas
sobre a Guerra Franco-
Prussian
a, de que
são
exemplos Boule de Suif, “Mademoiselle
Fifi” e “Le lit 29”. A preocupação com o tema percorreu não o início da carreira do
autor, que a ele voltou no romance inacabado L’âme étrangère. A referência a
Maupassant aparece claramente como um exemplo de sua atualidade e esclarecimento,
em contraste a ditos comuns em favor de sua impassibilidade e indiferetismo.
161
Encontramos também uma pequena referência a Maupassant no artigo “Gustavo
Flaubert”, dividido entre quatro edições do jornal, dos dias 28, 29, 31 de agosto e 3 de
setembro de 1897 (p. 1
-
2). Trata
-
se da tradução de uma conferência de Paul Bourget em
Oxford, antes publicada na revista Fertnightely Review, de julho de 1897. A menção a
Maupassant
, que pode ser lida nos anexos, observa a influência de Madame Bovary
sobre nosso escritor, entre outros. Mais uma vez, o primeiro romance de Maupassant é
justamente colocado na linhagem de Flaubert. Nessa pequena passagem, é possível ver
que o “genial contista” sobrepuja o romancista Maupassant, cuja importância se perdeu
no retrato dos costumes. Para o contemporâneo Bourget, a “humilde verdade”, retratada
por Maupassant numa prosa “altamente colorida, plástica e sábia”, equivalia a um
inquérito policial, que causava interesse.
No
Jornal do Commercio de 20 de janeiro de 1898, metade da coluna “Ver,
ouvir
e contar”, agora assinada por Jayme de Séguier (datada de 25 de dezembro de
1897), é dedicada a comentários sobre a morte e a obra de Alphonse Daudet (em 16 de
dezembro de 1897).
A França perde em Daudet o mais original romancista da segunda metade deste
seculo sem duvida aquella que mais possuio o dom da
vida
, o segredo de crear
personagens de ficção, que passarão a ter existencia real e objectiva.
[...]
A outra grande força litteraria de Daudet era o
sentimento da variedade no estylo.
Ao passo que todos os outros grandes escriptores acabão por adoptar um rythmo,
uma cadencia, que é a sua marca individual, mas que não raro degenera na melopéa,
na cantilena, no
ron
-
ron
(e é o caso precisamente de Zola, de Bourget e até do
divino Loti), Daudet conservava-se sorprendente de variedade, de originalidade, de
imprevisto. Ao encetar quelquer dos seus periodos, ninguem podia adivinhar como
elle se desenrolaria e qual seria o seu desfecho. Ninguem tratou a synta
xe com mais
desenvoltura, ninguem usou de ellypses mais audaciosas, de transposições mais
intrepidas, ninguem possuio mais rico teclado não de vocábulos, como de
locuções novas, inesperadas, fazendo imagem, scintillantes de reflexos. É superior
nesse ponto a todos os seus grandes rivaes das lettras. Daudet possuia o que falta
toleiramente
136
a Zola, a Bourget, a Loti, a graça alada, a ironia mordaz e jovial, o
dom maravilhoso do riso juvenil e sem maldade. Esse
Immortal
, por exemplo, está
cheio de ideias de Gavroche, de verdadeiras travessuras de gaiato meridional.
Maupassant possuía tambem a força comica, o poder de crear riso, mas esse riso era
quasi sempre amargo e desilludido e provinha da evocação enorme e concatenal de
qualquer grande deformidade, de qualquer vileza occulta da alma dos seus
personagens. Ao passo que o riso de Daudet, ao mesmo tempo luminoso e sonoro,
só espalhava em volta de si alegria e mocidade.
[...]
Qual é o paiz onde, mais que no Brazil, Daudet conta admiradores e fanaticos?
136
O advérbio deve provir do adjetivo “toleirão”, que, segundo Séguier, significa “grande tolo, pateta”.
SÉGUIER, Jayme de. Op. cit., p. 1129.
162
Co
mo se vê, o é sem tempo de também se fazer uma pesquisa sobre a
presença de Daudet no Brasil. Alter Ego valoriza a celebridade do autor de Lettres de
mon moulin na França e no Brasil e contrasta seu humor e sua ironia, mais joviais e
menos amargos que os de Maupassant. A desilusão, a deformidade e a “vileza oculta da
alma dos personagens” de Maupassant são aspectos a se acrescentar aos levantados
em outras crônicas pelo comentarista português. Henry James, em um conhecido artigo
sobre nosso autor,
137
de 1888, levantou exatamente esse mesmo aspecto dos heróis de
Maupassant, que possuem, na opinião do escritor americano, sempre alguma
deformidade.
Em 29 de junho de 1902, Alter Ego utiliza novamente um texto de Maupassant
como uma referência temática (assim como há cinco anos), a fim de ilustrar seus
comentários sobre os tremores de terra nas Antilhas. O texto de Maupassant chama-
se
“Tremblement de terre”, saiu no Gil Blas
de
de março de 1887 e comenta a sua
experiência durante um tremor no Mediterrâneo.
Um tremor de terra
A espantosa catastrophe das Antilhas e o subito despertar da actividade vulcanica
do planeta, despertar que se tem traduzido em muitos pontos da Europa e da
America por abalos de terra, tornão particularmente interessantes as seg
uintes
paginas inéditas do saudoso Guy de Maupassant, nas quaes, porventura, pela
primeira vez, as sensações que póde suscitar no organismo humano uma dessas
convulsões do solo, forão observadas e notadas por um verdadeiro artista. Estava
Guy de Maupassant em Antibes, na costa provençal, quando ocorreu o violento
terremoto que ameaçou destruir Nice e as demais estações do Mediterraneo. Eis
como elle descreve a repercussão que teve nos seus sentidos e nos seus nervos o
aterrador phenomeno:
[...]
Imagine
-se o estado de espirito dos que viverão essas horas de incerteza e de
anciedade [sic], esperando cada a instante um cataclysmo. Eis como Maupassant
analysa o sentimento que se apodera do homem em presença de um desses
formidaveis mysterios da natureza.
[...]
Mais uma vez, a experiência e a freqüência aos textos de Maupassant, variados e
ricos em toda sorte de reflexão, serve ao cronista para dar relevância à nocia da
quinzena. Mostra não a importância do assunto, mas também de nosso escritor, de
mo
do a mantê-lo sempiterno aos leitores, contribuindo, assim, para a sua recepção
positiva.
137
JAMES, Henry. Guy de Maupassant. In: MAUPASSANT, Guy de. Novelas e contos. Rio de Janeiro;
Porto Alegre; São Paulo: Globo, 19
51, p. XVIII e XXIII. A tradução do artigo é de Dora Marques da Cunha.
163
Em 7 de setembro de 1902, na segunda parte do texto “As fraquezas dos grandes
homens”, na coluna “Chronica E
strangeira
O Jornal dos Jornaes”, Alter Ego comenta
o caso de Maupassant, junto ao de outros escritores que recorreram às drogas para obter
“um momento passageiro de exaltação, seguido de um periodo longo de
embrutecimento” ou ainda os que, sofrendo de doenças como a epilepsia, sofriam de
“ataques convulsos”.
Os casos são clássicos, entre escritores e homens públicos: Pöe, no
primeiro caso, e ainda Napoleão, Petrarca, Molière, Flaubert, no segundo. Citemos os
trechos finais, que queremos comentar.
Não basta evidentemente ser hysterico ou nevrotico para ter genio; quando o mal
ataca um cerebro ordinario não o transforma em genial. Mas quando influencia um
ce
rebro poderosamente organisado, póde favorecer a genese da obra genial.
[...]
Às vezes a doença, atacando um homem adulto, em vez de lhe deprimir a
intelli
gencia parece excita-la ainda mais: foi depois de um ataque de paralysia que
Pasteur fez as suas mais bellas descobertas.
Guy de Maupassant, atacado de loucura, produzio esse admiravel conto “Le
Horla”.
A loucura parcial é compat
i
vel com o genio.
O cerebro “surmené” do genial torna-se muitas vezes o que em linguagem medica
se chama um centro de menor resistencia. É por isso que elle é mais accessivel do
que qualquer outro ás doenças infecciosas, á febre typhoide, á tuberculose e
sobretudo á doença secreta que produz a demencia da paralysia geral; o seu
mecanismo, mais delicado, póde desarranjar-se ao menor choque. Não raro succede
que a loucura destróe brutalmente o genio. Entre mil casos poderemos citar o
compositor Shumann, Tasso, o grande poeta, o pintor Munkaczy, o philosopho
Nietzsche, o escriptor Swift, etc.
Muito a proposito vem desmentir uma idéa errada, que circula acerca da pretendida
identidade entre o genio e a loucura, theoria que se attribue a Lombroso: este defende
-
se absolutamente de semelhante imputação. Entre um e outra ha uma differença
capital: a idéa do homem de genio é sempre exacta, a do louco sempre falsa.
Como dissemos, essa era uma das mais profundas reflexões médico-
literárias
da época: estava em voga a discussão sobre os procedimentos da inspiração e as fontes
literárias. Entre os que aqui citamos, Alter Ego, ainda que reflita sobre alguns
preconceitos intrínsecos ao pensamento do seu tempo, regredindo, aliás, na sua opinião
sobre Maupassant, mostra ainda que a loucura era motivo para desvalorização do
trabalho artístico. Chega mesmo a afirmar a possibilidade de uma “loucura parcial”,
para defender o gênio do nosso, entre outros escritores. Conforme demonstramos, no
caso de Maupassant, não houve “loucura parcial”; seus escritos precedem a sua doença,
que gradualmente o impossibilitou de trabalhar. Retomaremos essa questão em outro
item deste capítulo, quando então essa questão, que nunca deixou de preocupar os
cronistas, voltou à baila em longos artigos médicos.
164
Em 2 de julho de 1904, temos mais uma referência a Maupassant por mera
associação de idéias do redator. Alter Ego compara um evento surpreendente (um
fait
divers),
a
algum tema de conto do nosso escritor.
É um verdadeiro conto de Maupassant digno de emparelhar com a Maison Tellier
de jovial e inovidavel memória o caso desopilante que está sendo o assumpto de
todas as conversações a que os jornaes deram o titulo algum tanto excessivo de “O
escândalo de Nevers”.
Seja por falta de notícias a dar em sua coluna, seja por vontade de fazer sua
narrativa à Maupassant, o fato é que Jayme de Séguier usa três colunas de “Ver, ouvir e
c
ontar”
, relatando um caso de um médico de Nevers que, durante a sua despedida de
solteiro, em um jantar oferecido aos amigos, entre eles diversos homens públicos,
recebeu uma moça, também pública, para alegrar a festa. A empolgação foi tal, tomou
ares de orgia, que a polícia foi chamada e os homens do poder, desmascarados nos
jornais por imoralidade e demitidos de seus cargos. É aí que Alter Ego retorna a
Maupassant:
Maupassant, na sua indulgente e chronica philosophia, teria de certo encontrado
desenlace menos cruel para a sua novella. A decisão do Governo afigura-
se
-
me
rigorosa demais e impede-me de achar completamente divertida a his
toria
verdadeira, que, aliás, possue todos os elementos do comico mais intenso.
Em seguida, como nos faits divers, o cronista procura explicar o que levou o
governo a demitir o
maire
de Nevers para uma sociedade acostumada à libertinagem,
e que Maupassant retrata: a punição não visava ao bem da moral pública, mas havia
diss
idências políticas. O cronista, do nosso ponto de vista, quer mostrar que a história
verdadeira, na pena de Maupassant mais verossímil e divertida, daria um belo conto.
Em 31 de outubro de 1915, José Maria Bello (1886-1959) assina o texto “O
movimento litterario”, no Jornal do Commercio. Na esteira de Taine, o articulista
perpassa os principais exemplos, na sua opinião, de escritores representativos de um
momento, um meio e uma raça. Ba
lzac é o primeiro mencionado, ilustrando a sociedade
francesa da Restauração, depois Stendhal, Corneille e Racine, entre outros. Como
contraponto ao artista individual, cita Machado de Assis, mas observa que mesmo o
gênio é formado pelas contingências do m
eio e defende ainda a tese tainiana para estudo
da literatura brasileira, para ele ainda incipiente, quando comparada à francesa, onde a
nossa elite buscava os seus exemplos. Protesta contra o atual momento na literatura
mundial, que não consegue produzir casos exemplares de clássicos, como os produziu
165
até o Realismo francês e, no Brasil, contra a literatura que se faz de imitações e más,
a seu ver. Chega a comparar a impotência dos homens de letras à dos homens de Estado,
ou seja, que tem muito boas i
ias, mas que não conseguem pô-
las
em ação.
Texto de feitura
irregular
, em que é evidente a falta de habilidade na crítica, na
defesa da teoria dada como guia e no encaixe dos casos que fogem a ela. Ainda assim,
serve
-
nos como exemplo do embasamento crítico
da época.
Sei que não agito aqui nenhuma questão nova, sei tambem que o proprio Taine que,
aliás, não foi bem um creador da theoria, applicando apenas com talento
incomparavel o determinismo philosophico á critica litteraria, como mesmo antes
delle o iniciara Sainte-Beuve, tem sido largamente contestado. Allegam que os
seus factores não agem com a precizão mecânica que elle lhes attribuio, e que o
conceito de raça, de tão vago e incerto que é, se tornou menos um conceito do que
um preconceito. Naturalmente, o grande historiador, como todos os agitadores e
innovadores de idéas, teria sido um pouco dogmático; mas quem poderia negar o
fundo de verdade de suas theorias?
O leitor de hoje é, ou deve ser, exigente: elle não poderia permittir ao romancista as
licenças dos antigos romanticos, dos proprios mestres classicos, ignorantes e alheios
ao movimento scientifico do seu tempo. O verdadeiro é a fonte do bello e é a
applicação dessa verdade axiomatica ao romance o maior serviço que se deve ao
realismo
, apez
ar do exaggero dogmatico de alguns dos seus mestres.
A crítica é endereçada a Zola, na “brutalidade dos seus processos litterarios”, no
“falso tom scientifico” das suas obras; enquanto os elogios, a Balzac, Flaubert, Daudet,
Maupassant, Goncourt
, Bourget e
Anatole France:
Balzac, não tendo embora uma grande cultura scientifica, foi um espírito curioso de
todas as cousas. [...] Todo mundo conhece os escrupulos, a probidade litteraria de
Flaubert, indo á antiga Carthago, reconstituir o scenario de Salamboo [sic],
devorando monographias agrícolas para escrever o seu peor livro – Buvard et
Pecuchet. Os outros grandes mestres do romance francez, Daudet, Maupassant, os
Goncourts, foram tambem homens cultores.
Depois de refletir sobre a educação e o sistema de ascensão social, por títulos e
cargos públicos, no Brasil, conclui que o meio externo social brasileiro limita o
aparecimento de bons literatos. A sua crítica vem também aos intelectuais brasileiros,
que, embora capazes, produzem mal e apressadamente seus trabalhos. A crítica de
grupos, também a seu ver, é sempre elogiosa, e pouco exigente. Elogia José Veríssimo
em sua crítica educada à literatura. Acredita que a falta de crítica séria é um dos
males da L
iteratura
Brasileira. Seu tom raivoso, porém, se modifica e se pondera ao
tratar de Coelho Neto, que não prefere a ninguém, mas que respeita.
166
De mim para mim, preferindo os romancistas pathologicos ou de costumes,
Machado de Assis ou o Sr. Afrânio Peixoto, e proc
urando guardar para uso proprio
,
sobre o estylo, a regra que Taine formulou tratando de Beyle, que o melhor estylo é
a suppressão do estylo e que o pensamento claro, precizo se deve traduzir numa
fórma clara e preciza [...]
Volta então a Machado, para elogiar-lhe segundo um método compa
rativo,
buscando o que aquele trouxe das outras literaturas e em que inovou, em relação a
Anatole France, Eça de Queirós e Stendhal. Passa então a outros artistas contemporâneos,
dos quais era o seu objetivo primeiro tratar, mas tendo se alongado em outras questões,
terminou o texto com apenas um resumo das novas produções.
Em 25 de dezembro de 1915, também no Jornal do Commercio, p. 38, José
Maria Bello publica “Os ídolos litterarios Eça de Queirós impressões de leitura
sua influencia sobre nós”. Como o título diz, é um estudo da presença do escritor
português sobre a atual geração de escritores brasileira, mas principalmente, sobre o
próprio articulista. Afirma que a influência exercida por ele sobre nós é equivalente à de
Flaubert e Balzac sobre os escritores franceses do segundo Império. Chega a dizer que
são eles (ele se inclui nessa geração) seus discípulos e plagiários. Prevê
permanência
para Eça; ainda comparando à L
iteratura
Francesa, afirma que, se por um lado Balzac e
Stendhal
se eternizam,
Maupassant
entre outros realistas se apagarão:
Quando os Goncourts, Maupassant e outros ourives da lingua, psychologos subtis
da nevrose, dos sentimentos, das pequenas cousas e das figuras mediocres, o
proprio Hugo e os seus verbosos emulos do romantismo, talvez o proprio Flaubert
forem specimens curiosos de estheticas
demodées
Balzac e Stendhal serão ainda
dois grandes mestres...
Porém, acredita que Eça era escritor de imagens realistas, não de pensamentos
para ficar, para se guardar. Seus defeitos, apontados por Machado, são resumidos e
acrescenta
ainda outros, como “as adjetivações picarescas, a mania de certos traços,
aliás, commun
a todos os discípulos de Médan
”.
É curioso que essa predileção por Eça seria refutada por Oswald de Andrade,
que preferia Maupassant a qualquer dos outros realistas e naturalistas, conforme
veremos em outro item.
167
Também Oliveira Lima,
138
no artigo “Um romancista inglês”, publicado no
Estado de São Paulo, de 5 de janeiro de 1918, menciona Maupassant como exemplo
conhec
ido do leitor, a fim de apresentar a literatura de Enouch Arnold Bennett (1867-
1931). Conhecido romancista e crítico literário da Inglaterra, será a referência ao
romancista que lhe interessará no seu artigo. Fica patente neste início do texto de Lima a
pr
edileção observada entre o público pelos contos e novelas em relação aos romances,
caso semelhante ao do criador do Horla. Seja pela concisão do texto, exigido pela
modernidade
como vimos nas teorias do conto, seja pela imposição do autor, mestre
no gêne
ro, como opinou Sérgio Buarque de Hollanda.
Nem sempre se encontra lazer para ler romances. É preciso que circunstancias
extraordinarias determinem occasionalmente semelhante opportunidade. De
ordinario preoccupações mais serias e estudos mais positivos chegam a ser assás
[sic] absorventes para encherem a existencia sem aquelle agradavel desenfado
intellectual. Assim foi que se me deparou ensejo de travar conhecimento literario
directo com o romancista inglez Arnold Bennett, a quem aliás conhecia de tradiç
ão
porque seu nome é de um dos mais affamados novellistas da sua língua:
O romance “Old Wives’ Tale” (Conto de Mulheres Velhas) é simplesmente um
primor e o é mais que tudo pela singeleza: pela singeleza e pelo “humour”. Os dois
predicados combinados resultam num encanto de narração com uma psychologia
que por ser apparentemente superficial não deixa de possuir muita profundeza e
muita verdade.
Diz Arnold Bennett, a explicar a genese desse romance, que se impressionou uma
vez num “Duval” de Pariz com o aspe
cto inquieto e grotesco de uma velha fregueza
do estabelecimento, pensando que aquella ruína humana tivera certamente um
passado e dentro deste passado uma mocidade. Dahi a idéa de reconstituir em vez
de “Une Vie”, de Guy de Maupassant, duas vidas de duas irmans filhas de um
logista [sic] importante de uma pequena cidade de provincia de Inglaterra, uma das
quaes, de gostos mais placidos e natureza mais sedentaria, casa com o principal
caixeiro, que continua a tradição da casa, e a outra foge para casar com um caixeiro
viajante mettido a janota e homem de sociedade, que vai espatifar em Pariz alguns
milhares de libras que herdára, arrastando no seu encalço a ingenuidade da mulher
que nelle se fiára e que a breve trecho se revolta contra a insignificancia moral do
polichinello que seduzira o seu provincianismo.
[...]
Por que relacioná-lo a Maupassant? Além do humor, da psicologia
aparentemente superficial, mas profunda e verdadeira, o tema de Old Wives’
Tale
(1908)
é o mesmo de Une vie, mas desdobrado em duas personagens. Também ali
uma vida feminina retratada, uma mulher cujo marido dissipa toda sua herança e que se
138
Manuel Oliveira Lima (Recife, 1867 Washigton, 1928)
foi
escritor
, crítico, diplomata, professor-
visitante na Universidade de Harvard e membro-fundador da Academia Brasileira de Let
ras
. Grande
colecionador de livros, montou o terceiro maior acervo sobre o Brasil, com 58 mil livros, pertencentes à
Biblioteca Oliveira Lima, na Universidade Católica de
Washington
,
Estados Unidos. Fonte:
GRANDE
ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. [s.l.]: Nova Cultural, 1998, v. 15, p. 3599 e site da
A
cademia Brasileira de Letras.
168
desilude de tudo; mais uma Jeanne, mais uma Bovary à Maupassant, elemento
conhecido do público brasileiro. O modelo maupassantiano era deliberado e consciente
da parte de Benett, segundo informa Albert Guerard.
139
Outra referência a Maupassant, agora visando à apresentação de um elemento
desconhecido do público, está no seguinte anúncio do Estado de São Paulo, de 21 de
abril de 1918.
Palcos e C
ircos
Theatro Municipal
Companhia Dramatica Italiana
Lembram
-se do “Pierre et Jean”, aquele breve e pungente romance de Maupassant?
Pois “La Nemica” é, até certo ponto, o avesso do “Pierre et Jean”. Traça-nos, como
elle, o quadro da existencia de dois irmãos desegualmente aquinhoados nos sorrisos
da vida e nos carinhos maternos. Em ambos, na peça e no romance, é a mesma a
origem dessa desegualdade o nascimento irregular de um delles mas a peça, ao
contrario do romance, dá ao filho do peccado a parte mais escassa na partilha do
affecto materno e deita ao activo do pae, e não ao da mãe, como no romance, a
responsabilidade desse erro.
A
impressão que se tem é a de que Maupassant talvez não fosse a melhor
referência; é quase um contra-exemplo à peça apresentada. É a ilustração da obra
maupassantiana, a considerada difusão de seus textos que reproduzem a reminiscência
do cronista à do leitor. Este é previamente levado a pensar o novo texto sob a visão de
Maupassant, por intermédio do comentarista.
Outra referência que contribui para o mito do autor, mas que não tem relação
direta com o tema exposto, está nesta pequena intrusão de nosso autor, para ilustrar o
artigo resumido na antiga coluna do “Jornal dos Jornaes”, n
o
Jornal do Commercio, de
10 de setembro de 1919. Já no texto francês citado, coube ao redator apenas citar
Maupassant entre os outros de bela grafia.
Chronica Estrangeira
A caligraphia dos grandes escriptores
Uma carta mal escripta diz Albert Cim na
Revue
é uma discortezia [sic] para
quem
a deve ler. Aquelle que a rabiscou parece ter mais a pello a economia do seu
tempo do que a do tempo alheio. Além disso a nossa caligraphia é um modo de nos
apresentarmos; quem não nos conhece aprecia-nos pelo aspecto do nosso vestuario,
pela nossa ortogr
aphia, pelo nosso estylo e pela nossa escripta.
O elenco de calligraphos illustres não é pequeno; eis alguns nomes citados pelo autor:
Mirabeau, Arago, Béranger, Lamenais, Guizot, Eugène Scribe, Casemir Delavigne,
Georges Sand, Louis Blanc, Alphonse Daudet, Ernest Renan, Leconte de Lisle, José
Maria de Heredia, Frederic Mistral, François Coupée, Guy de Maupassant.
[...]
139
Em
ARTINIAN, Artine.
Pour et contre Maupassant
. Paris: Nizet, 1955, p. 81.
169
Em 25 de julho de 1921, Alter Ego, ainda assinando a coluna “Ver, Ouvir e
Contar”, no folhetim do Jornal do Commercio, menciona a morte de Maupassant pela
sua exemplaridade, se assim podemos definir. Anuncia a morte de um outro escritor
francês, George Feydeau, acometido “pelo terrível morbo de que foi
tima
Maupassant”. Recurso de eufemismo, não poupou mais uma vez o apelo à loucura de
nos
so escritor.
Como observado, as inúmeras referências a Maupassant atendem a intençõe
s
muito
variadas. I
lustra
m seus assuntos por comparação ao contista exemplar ou ao
escritor genial que morreu louco. Qualquer uma das opções o tornou ainda lembrado de
tod
os, fixando
-
o na memória do leitor brasileiro.
3.6 Maupassant traduzido no
“F
olhetim
O único romance do nosso autor que vimos publicado, na seção
Folhetim
do
Correio Paulistano, foi dado somente entre
11
de fevereiro a 2 de abril de 1900, em
tradução
para o português de José Sarmento (sobre quem não localizamos nenhum dado
biobibliográfico)
. Entretanto, apesar de ser o único registro, o redator apresentou-
o
como romancista, o que nos daria a impressão (se não tivéssemos o contraponto
re
presentado p
el
os outros
texto
s críticos e pelos contos publicados) de que
Maupassant
se fazia mais conhecido por aqui, a essa época, por esse outro nero.
140
Como era de praxe, a cada nova publicação, o redator da seção estabelecia um texto
introdutório da obra publicada, a fim de dar adeus à obra finda e as boas-vindas à
chegada. por razão desse método se explica o forçado paralelo estabelecido pelo
redator, a fim de fazer caber José de Alencar e Maupassant numa mesma página:
Forte como a morte
Terminamos hoje a publicação do
Gaúcho
, essa obra-prima em que Alencar, o
primaz dos nossos romancistas, com a pujança e fulgor de estylo que lhe eram
peculiares, nos descreve admiraveis scenas da vida dos pampas, accentuando, a
traços vigorosos, com a firmeza de pulso mente propria dos mestres, a alma
heroica de um povo altivo.
O Gaúcho
, que representa um producto natural do meio
organismo impellido para o
seu destino por fatalidades de raça e de clima obedecia a impulsos ineluctaveis. O
mesmo não se dava com o typo feminino, fragil, delicadissimo, producto artificial
dessa sociedade cheia de requintes e fraquezas, que Guy de Maupassant tão
vigorosamente estuda no romance que começamos a publicar amanhã, em rodapé:
140
Assim l
emos
em outra nota, de 15 de dezembro de 1892, sobre a doença do escritor: “Sobre a loucura
des
te
notavel romancista francez, escreve o ‘Eclair’ de Pariz:” (o grifo é nosso).
170
Forte como a morte é a historia pungente, atravessada de peripecias, enredada de
imprevistos, toda travada de lances profundamente humanos, em que o mallogrado
romancista francez, com uma penetração psychologica devéras genial, nos
apresenta a lucta cruel, dilascerante, esmagadora, do coração de uma mãe que r
eage
contra si mesma, abafando inconfessaveis sentimentos de revolta, ao ver que sua
filha
retrato fiel do seu corpo esculptural, do seu rosto formosissimo, das suas
graças senhoris de mulher vaidosa, finamente educada numa sociedade elegante e
nobre
vai pouco a pouco conquistando o coração do pintor que ella, em silencio,
ás occultas, sem que ninguem o percebesse, amou como só se ama uma vez na vida.
Desse combate vehemente do amor de mãe com uma paixão devoradora e secreta
embate que Maupassant nos pinta com inexcedivel viveza de colorido e com
profundo conhecimento da alma humana poderia sahir victorioso quem fosse
Forte como a morte
.
141
Ao levantamento mais preciso de características típicas do autor, como a tira
à burguesia parisiense, a complexidade do enredo, a descrição minuciosa e a
caracterização psicológica das personagens por meio de suas ações, faz-se também
algo comum às críticas que vimos lendo: a síntese da obra e um sutil comentário
biográfico (“o malogrado romancista francês”
). Aqui fica clara a necessidade de aludir
ao leitor a biografia do autor. No entanto, margem a ambiidades, certamente ao
uso do termo malogrado(que teve mau êxito ou que teve fim prematuro
142
): quem
foi malogrado, o homem Guy de Maupassant ou o sucesso do escritor nesse gênero, o
romance? O mais certo é que se refira ao homem, que, como escritor, poderia ter ainda
rendido muito. Esse ponto de vista, se parece lamentoso e elogioso, ao mesmo tempo
ignora o grande volume de textos que o escritor nos legou. Aos olhos dos sedentos
leitores, porém, supõe-se que o autor poderia ter deixado mais se não tivesse morrido
àquela altura.
A síntese que o redator apresenta do romance mostra uma leitura sob o ponto de
vista de Any de Guilleroy, como se o romance fosse a história dessa mulher e do afeto
dela. Se a luta dilascerante dessa mulher, igualmente a de Olivier Bertin; ambos
sofrem com um duplo que se instaura, acusando-lhes o envelhecimento e a impotência
nas suas escolhas. O título (que remete antes
de tudo ao “Cântico dos cânticos”) aparece
no romance aludido pelo próprio Bertin ao confessar à Any o seu amor por Annette.
143
O comentarista brasileiro parece ignorar a técnica empregada por Maupassant (desde
Pierre et Jean) para não impor um foco único, a utilização que faz do discurso indireto
livre de ambas as personagens, bem como do fluxo de consciência delas, indo de uma à
141
Correio Paulistano
, 9 de fevereiro de 1900, p. 1.
142
SÉGUIER, Jayme de.
O
p. cit.
, p. 694.
143
MAUPASSANT, Guy de.
Romans
. Op. cit., p. 1012.
171
outra. O autor procurou equilibrar entre as divisões de partes e capítulos a concentração
ora em Any, ora em Bertin.
O cronista do Correio Paulistano, ao terminar a publicação do penúltimo
romance de Maupassant, f
az
outros comentários sobre o sucesso dele entre os leitores
do jornal e uma
nova
tentativa de não-paralelo entre a obra que acaba e a que chega,
desta vez, o seguint
e livro de Manuel Antônio de Almeida, em 30 de março de 1900.
Memorias de um Sargento de Milicias
Est
á quase a terminar a publicação do bello romance Forte como a morte, que,
conforme esperavamos, tem agradado extraordinariamente. Em seguida a esse
comm
oventissimo estudo psychologico, tão vigorosamente feito por Maupassant,
começaremos a publicar, muito de industria, o romance brasileiro cujo titulo
tomámos como epigraphe. As Memorias de um Sargento de Milicias
não
constituem a historia emocionante de uma paixão inconfessavel, cheia de lances e
peripecias violentas, como o primoroso romance do escriptor francez; é uma
interessantissima série de episodios, mais ou menos divertidos, em que se acham
perfeitamente stereotypados alguns typos da nossa antiga sociedade. É um romance
escripto com graça, num
[e]
stylo solto, natural, despretencioso, como conviria ás
Memorias de um Sargento de Milicias. [...]
Que análise psicológica nesse romance é fato, mas classificá-
lo
como estudo
psicológico é discutível, sobretudo se pensarmos na teoria de verossimilhança que
Maupassant desenvolve em “Le roman”, em que uma das prerrogativas principais era a
de não apelar
aos estudos científicos
naturalistas nem à
descrição psicológica
, mas fazer
um romance de observação verd
adeira
. Conforme se lê nesse texto de Maupassant, sua
arte rendia uma compreensão do universo da personagem (que talvez atingisse uma
compreensão do psicológico da personagem pelo leitor) por meio da descrição de suas
ações; era tarefa do escritor “ilusionista”, como Maupassant o definia, sugerir (dar a
ilusão do real) e, do leitor, chegar à imagem desejada pelo escritor. Porém, desde então,
Maupassant passou a explorar um dos principais recursos do narrador onisciente e
realista para esse fim: o discurso indireto livre. Esta crítica brasileira do autor, que
demos a conhecer até o momento, muito possivelmente teria entrado em contato
com
a concepção literária que subjaz na obra do autor francês, como vimos nos exemplos de
Iriel, Maria Amália Vaz de Carvalho e José Veríssimo. Mas seria somente algum tempo
depois, como veremos pela crítica de Oswald de Andrade, que se assimilaria de modo
mais pertinente a sua proposta artística, que muito longe estava do determinismo
psicológico e naturalista de Zola, por ex
emplo.
172
Conforme vimos, Maupassant foi publicado no Brasil sob todas as suas facetas,
exceto pela de poeta. A que predominou, já ao final dessa primeira fase que ora
estudamos, é a de contista. Entre 1908 e 1912, volta-se a publicar nos jornais os contos
do criador de Boule de Suif, que desde 1895 foram preteridos por esses periódicos, os
quais difundiram as peças e as crônicas do escritor normando
.
Em 16 de fevereiro de 1908, a Gazeta de Noticias publica “Dois amigos”, na
mesma página literária em que era dado o popular Arsène Lupin (cf. anexos). Observe-
se
que, ainda que hoje
alguns
considerem Maupassant como literatura menor, pela
simplicidade e clareza de seus textos (quando a pós-modernidade considera elevado o
que rompe totalmente com a sintaxe e com as formas estabelecidas), nessa época
destacava
-se entre textos popularescos, como a saga de Lupin, sendo considerado
descendente da literatura francesa mais elevada, conforme pudemos ler nos textos críticos.
Por outro lado, de literatura brasileira, er
a dado
ao
lado de Machado de Assis.
Os outros contos do período, saídos nos jornais estudados são: em 1909, “A
creança”
144
(“L’enfant”) do qual se originou a peça
Musotte
, e publicado
anteriormente
e “Solidão” (“Solitude”);
145
em 28 de janeiro de 1912, pela primeira
vez, o Jornal do Commercio publica um conto de Maupassant: “Mademoiselle Perle”,
cuja tradução é assinada por Escragnolle Doria;
146
finalmente, a última tradução
localizada, na Gazeta de Noticias, de 16 de junho de 1912, “Os alfinetes” (“Les
ép
ingles”), na página 2, sem o nome do tradutor.
147
Evidentemente, nossas referências se restringem aos quatro periódicos
consultados. O levantamento em outras publicações da época poderia enriquecer nossas
conclusões sobre o assunto. Sabemos ainda que, na rev
ista
Fon
-
Fon
(semanário
publicado no Rio de Janeiro a partir de 1907 até 1937), em 27 de abril de 1918 (p. 44-
45),
foi traduzido o conto “Adeus” (“Adieu”, de 1884),
148
porém sem nenhum
comentário e sem nome do tradutor.
144
Correio Paulistano
, 3 de novembr
o de 1909, p. 1, assinado Guy de Maupassant, sem tradutor.
145
Idem, 5 de novembro de 1909, p. 1, assinado Guy de Maupassant, sem tradutor.
146
Luís Gastão d’Escragnolle Doria (carioca, 1869-1948). Em 20 de dezembro de 1914, o mesmo jornal
publica um texto de Doria, chamado “Um amigo de Flaubert no Brasil”. Nele, menciona uma vez o nosso
escritor. Ao relatar a história do químico francês Felix d’Arcet, residente no Brasil e amigo de juventude de
Gustave Flaubert, Doria menciona Maupassant entre os amigos verdadeiros de Flaubert, como “substituto”
de seu tio Alfred Le Poitevin, também amigo de Flaubert (
Jornal do Commercio
, p. 3
ver anexos).
147
Gazeta de Noticias
, 16 de junho de 1912, p. 2, assinado Guy de Maupassant.
148
Toda a revista
Fon
-
Fon
está digitalizada e disponível no site da Biblioteca Nacional. As páginas 44 e
45 do fascículo de 27 de abril de 1918 podem ser visualizados na página: <
http://www.bn.br/site/script/
FbnObjetoDigital.asp?pCodBibDig=246412&pStrDewey=
>. Última consulta em 18 de maio de 2007.
173
3.7
Maupassant em cena
:
as crônicas
sobre as adaptações para o teatro
Conforme observamos anteriormente, desde 1893, durante a segunda turnê de
Sarah Bernhardt no Brasil, anunciava-se uma possível representação de um texto de
Maupassant nos nossos teatros,
La paix du ménage
.
Em 1901,
Maupa
ssant foi notícia novamente nos quatro jornais, por ocasião da
representação da peça
Musotte
(16, 17 e 18 de agosto, no Correio Paulistano; 17 e 18
no Estado de São Paulo; 24 e 25 de agosto, no Jornal do Commercio; e 10 e 11 de
setembro,
149
na Gazeta de Noti
cias
e no Jornal do Commercio), pela Companhia de
Clara Della Guardia (o que nos indica que a peça foi apresentada em italiano ver
também os nomes das personagens, traduzidos para esse idioma), a qual ficou com o
papel da protagonista-título, dirigida por Ettore Paladini. Pelos comentários, que
transcrevemos a seguir, ficamos sabendo que houve uma representação em São Paulo,
em 17 de agosto,
no Teatro Sant’Anna
; e outra no Rio, em 11 de setembro.
Anúncios da
encenação saíram nos dias 16 e 17 de agosto, bem como o seguinte artigo, no
Correio
Paulistano
, no dia anterior ao espetáculo, que nos o tom da leitura mais especifica-
mente literária que se operaria na recepção crítica de Maupassant no Brasil. Notamos
nesses textos: o apelo publicitário ao público, valorizando a qualidade do texto teatral
e
dando um caráter intelectual à peça; o repetido recurso do resumo do
conteúd
o, lido
previamente pelo crítico, ao qual oferece uma interpretação moralizante da comédia de
costumes do autor, e, enfim, uma tentativa de aproximação da teoria estética
maupassantiana.
Theatros e bailes
Sant’Anna
Ao nosso publico menos bisonho, menos carrança e menos ignorante, ou, mais
claramente
aos “intellectuais de bom tom, á gente educada da nossa capital...
artistica (benza
-a Deus!) reccommendamos com vivo interesse a peça que irá hoje á
scena no Sant’Anna.
149
Q
uem
observar os anúncios da página 8 do Jornal do Commercio, de 11 de setembro, notará a
coincidência de uma opereta anunciada, Miss Helyett, de Audran e Boucheron, ao lado do anúncio de
Musotte
. Segundo nos informa o artigo de Noëlle Benhamou, “De la nouvelle ‘Miss Harriet’ à ‘Miss
Helyett’” (no Bulletin Flaubert-
Maupassant
, n. 16, Association des Amis de Flaubert et de Maupassant,
Rouen,
2005, p. 27-49), essa opereta, que pretendia ganhar o título da novela de Maupassant, mas que
acabou saindo sob outro
nome, por protesto do escritor, é mesmo uma paródia da novela de Maupassant e
ficou muito tempo em cartaz na França, desde a estréia em 12 de novembro de 1890. Como se vê, no
Brasil esse sucesso chegou, mas perdido o vínculo com a obra do nosso escritor. Veja no anúncio que
nada remete ao célebre criador de Miss Harriett. Um estudo comparativo das duas obras e documentos da
opereta podem ser lidos no artigo de Benhamou.
174
A compagnia Della Guardia leva hoje, naquelle theatro A
Musotte
, de Maupassant.
E tanto basta citar o nome do genial escriptor para resumir concretamente: há de ser
uma obra prima! De facto, essa finissima comedia em que também Jacques
Normand, o excellente folhetinista, tem uma boa parte de collaboração foi como a
primeira scintilla de luz que marcou os primeiros claros nos intrincados arredores
da moderna literatura dramatica, por onde depois seguiram orientados e firmes, os
mestres que representam hoje a concepção mais perfeita dessa arte que, parece, vai
passando por um característico período de promissora evolução.
Quando ha de haver dez annos depois de recusada aqui e acolá por directores de
theatros de espirito mais ou menos pratico, que procuravam pesar as probabilidades
do sucesso,
Musotte
foi representada pela primeira vez no
Gymnase
francez. Seu
desventurado autor, com o cerebro completamente des arranjado [sic], mas que
muito cabeçudo
150
ainda hoje invejaria, recolhido num manicomio da grande
capital, não poude assistir ao enthusiasmo que arrebatou todo um mundo do Paris
artistico, do Paris amante, do Paris sentimental.
Dahi para cá, si poucas vezes, relativamente, a finissima comedia tem sido exhibida
ás plateas cultas do mundo, não é que pouco se presta a um sucesso garantido, mas
sim porque tem faltado principalmente artistas de certa habilidade que se resolvam
e se disponham
a
interpretar os dificilimos papeis
, entre os quais o da protagonista.
Clara Della Guardia, a talentosa e estudiosa artista que todos sabem, segundo
ouvimos, fez um particularissimo estudo dessa peça e dizem ser uma admiravel
interprete da
Musotte
.
E para que boa parte do nosso publico, fascinado pelo poderoso condão da
excellente artista, procure logo mais o theatro, cremos bastar esta simples revelação.
O enredo da co
media é de resto simplissimo
.
A scena passa
-
se em Paris.
Musotte é o nome breve que os intimos dão a uma formosa rapariga pobre, e
naturalmente amante, “modelo” durante algum tempo de um pintor de nomeada,
Jean Martinel, que, resolvido a casar por amor com a filha de um velho magistrado,
propõe á companheira uma separação amigavel.
Esta, não se julgando com direito de perturbar a felicidade do amigo, acceita a
separação e retira
-
se de Paris.
O pintor casa
-
se e a amante, sem que elle o saiba, está gravida.
No 2º. acto,
Musotte
atravessa o ultimo periodo de uma gravissima febre puerpural.
Ao lado do canapé em que repousa dorme o f
ilhinho no berço.
Musotte
presente [sic] que morrerá, pensa na sorte do recem-nascido e resolve
mandar chamar o amigo amante para confiar
-
lhe o filho comum.
Jean chega, aceita sem reluctancia o filho, acolhe
-
o até com effusão da grande alma que
possue e as
siste á morte da pobre
Musotte
que exhala o ultimo alento nos seus braços.
Passa
-
se finalmente o 3º. acto na casa da familia dos recem
-
desposados.
Todos a par do ocorrido, discute-se a delicada questão de ser ou não acolhida a
criança no seio da familia.
O sogro do pintor, Mr. de Petitpré, velho formalista, escrupuloso, apoiado pelas
opiniões
da irmã, matrona aristocratica, divorciada cedo do marido, razão pela qual
talvez se concentrasse num máu despreso pelos homens, a ponto de fundar um
hospital para cac
horros
é contrario ao arranjo e oppoe se formalmente a que seja
acolhido o bastardo.
Por outro lado, o jovem advogado Leon Petitpré, cunhado do pintor, e um tio deste,
ambos corações generosos e complacentes, procuram dissuadir o velho dos seus
escrupulo
s e a velha de suas impertinencias, o que, não conseguindo, appellam para
Gilberta, a jovem esposa, que, obedecendo ao simples impulso do coração, abre
maternalmente os braços ao filho do outro amor do
seu
marido.
Eis, succintamente, a pequena historia.
150
Segundo Jayme de Séguier, “cabeçudo”, na época, tinha não o sentido de teimoso e obstinado,
como hoje, mas também de casmurro, calado. SÉGUIER, Jayme de. Op. cit., p. 165.
175
Mas tudo isso é representado com tanta verdade, é tão humanamente reproduzido, é
penetrato [sic] de tão intensa psychologia, que vale a pena a gente voltar por alguns
momentos a vista dessa desgraçada rotina do mundo para sentir por alguns
momentos, num theatro, a nova emoção que nos pode trazer um facto banal da vida
quando nos achamos tocados pela sugestão irresistivel da arte.
151
O tom publicitário do artigo não só dá ênfase à qualidade da peça, da obra
-
prima
composta por excelentes autores, como o redator vai além, afirmando que Maupassant e
o co-autor Jacques Normand, com essa peça, inovam a arte dramática na virada do
século. Também ao reforçar a teimosia e o modo calado de Maupassant, digno de
inveja, reforça-se a idéia do trabalho minucioso e da atualidade de sua obra. Ainda que
se possa discutir sua veracidade, sobretudo nos termos do drama, essa projeção se faz
importante como argumento crítico, apresentando elementos que reforçam algun
s
observados anteriormente. No resumo da obra, enfatiza-se o
pathos
dramático e a
condição de Musotte, esquecendo-se de marcar o tom irônico predominante no texto
maupassantiano (que se configura como comédia, e não drama) para ressaltar o impasse
familiar e o sofrimento e a morte da personagem-título. Apesar de ainda vermos, nesse
artigo, menções à vida do escritor, elas são colocadas com alguma finalidade, a fim de
mostrar que somente após a morte do autor é que ele pôde ser mais bem interpretado e,
conseqüentemente, representado; e não a de meramente ler a obra pelo prisma dos
eventos da vida do escritor.
No dia seguinte a essa publicação, em 18 de agosto de 1901, tanto O Estado de
São Paulo quanto o Correio Paulistano ofereceram longos artigos comentando a peça,
sob dois aspectos: a ação (provavelmente obtida pela leitura dos originais) e a atuação
dos atores. Vale a pena reproduzir as críticas e o resumo do enredo, para nosso estudo.
Note
-
se que o redator do
Estado
discute a qualidade do texto
teatral
, diferenciando
-
se da
crítica positiva do
Correio Paulistan
o
, bem como da crítica francesa, à peça.
Sant’Anna
A comédia
Musotte
, que a companhia dramatica Clara Della Guardia nos deu
hontem, foi representada pela primeira vez em Pariz, no theatro Gymnase, em
março de 1891.
Extraida do conto
L’enfant
, de Guy de Maupassant, a comédia de Maupassant e
Normand não se demorou muito tempo em scena.
A crítica pariziense, porém, teceu-lhe na sua maioria grandes encomios, havendo
até quem dissesse que a
Musotte
era uma obra-prima. A tanto não vamos nós. A
Musotte
tem excellentes qualidades. Os personagens, estudados do natural, são
151
Correio Paulistano, 17 de agosto de 1901, p. 2, seção “Theatros e Bailes”, subseção “Sant’Anna”.
Artigo não assinado.
176
exactas de observação, bem desenhados [?],
152
verdadeiros nos seus detalhes, alguns
até em excesso. A acção, porém, que os personagens exercem uns sobre os outros é
que nem sempre é vero
simil.
O conto de Maupassant, conto aliás primoroso, quer quanto a fôrma, quer quanto a
idéa, não assumpto para os tres actos duma peça. E, effectivamente, se
excluirmos no primeiro acto a scena da carta, no segundo a entrevista de
Musotte
e
a scena da morte, e, n
o ultimo, a scena do perdão de Gilberta, o resto da peça é feito
com muita habilidade, não ha duvida; mas, sem grande [intere]sse que prenda a
attenção do [espec]tador: é o que, na giria theatral, se chama
verbo de encher.
Antes de falarmos do desempenho, damos em algumas linhas o entrecho da
Musotte
.
O pintor
João de Martinel
acaba de casar
-
se com
Gilberta de Petitpré
, irman de seu
intimo amigo Leão de Petitpré e a sobrinha da viúva
Ronchard
, velha rabugenta a
quem o marido gastava a maior parte da fortu
na. Quando os noivos vão partir para a
viagem de nupcias, o tio de
João
, que o educara como filho, recebe uma carta que
era dirigida ao sobrinho e que aquelle abre por engano. Nessa carta, o medico de
Musotte
, antiga amante do pintor, annuncia
-
lhe que a in
feliz rapariga dera à luz uma
criança, filha de
João
, e que, achando-se gravemente enferma, pedia ao seu antigo
amante uma entrevista, talvez a ultima. O sr.
Martinel
hesita em participar naquella
occasião, a noticia ao sobrinho e pede conselho a Leão de P
etitpré
, cunhado de seu
sobrinho e seu intimo amigo. Este é de parecer que se deve dar a carta a João e deix
[?] segundo [?]
153
que a consciencia lhe ditar. Assim se faz.
João
corre a casa de
Musotte
e deixa a seu cunhado a missão de entreter
Gilberta
, sem lhe declarar,
comtudo, o motivo da inesperada ausencia.
O segundo acto passa-se em casa de
Musotte
. Esta, estendida numa chaise longue
,
espera ansiosa a vinda de João. Quando este che
ga,
Musotte
confia-lhe a criança e
obriga
-
o a jurar que tomará conta de se
u filho e extenuada pela febre morre pedindo
a João que transmita o seu último desejo, o desejo duma moribunda, a
Gilberta
.
O terceiro acto passa-se novamente em casa do pae de
Gilberta
censuram e
recriminam o procedimento do marido de
Gilberta
. Em meio da discussão, a que
assiste
Gilberta
que, sabedora do caso, fica com ciumes da morta, apparece
João
e
pede uma entrevista, a sós, com a mulher. Expõe-lhe lealmente os motivos que o
determinaram a ir a casa de
Musotte
e o panno cae, perdoando
Gilberte
ao marido e
saindo ambos a buscar o filho de
Musotte
.
Do papel de
Musotte
encarregou-se Clara Della Guardia. Como se pelo resumo,
que acabamos de fazer da acção da peça, ella só entra no segundo acto.
Mas de tal maneira faz que a peça de Maupassant e Normand vem a reduzir-se a
este acto.
É impossível descrever o assombroso trabalho da notavel artista neste papel.
A impaciencia, o desespero, a duvida angustiosa que se apossam de
Musotte
antes
da chegada de seu antigo amante são admiravelmente traduzidos com o jogo da
physionomia, os movimentos da cabeça e o arfar do peito.
Depois, quando
João
chega, a alegria e a satisfação de o tornar a ver: o pedido que
ele lhe faz para que vele pelo seu filho e, por fim, a morte, terrivel
de
verdade,
aterradora pelo estad
o minucioso, impeccavel, de todos os detalhes: tudo isto é feito
com tal naturalidade, com tanta emoção que o espectador, ao descer o panno,
respira desaffogadamente, como se acabasse de assistir a uma scena real.
O sr. Orlandi
ni
foi um excellente João Mar
tinel
e os outros artistas concorreram
para o bom desempenho da peça.
154
152
Original apagado, dificultando a leitura
e transcrição.
153
Original apagado.
154
O Estado de São Paulo
, 18 de agosto de 1901, p. 3, seção “Palcos e Circos”. Artigo não assinado.
177
Assim como Iriel comentara quanto à representação parisiense, dez anos,
se crítica à falta de verossimilhança nos entrechos, à falta de coesão e necessidade
narrativa (o “verbo de encher”, como se definia à época), alguns excessos em descrição,
o redator
do
Estado
elogia a forma primeira dessa história, o conto “L’enfant”.
155
Vê-
se
aqui um reconhecimento crítico, da parte do redator brasileiro, da qualidade da obra
maupassantia
na: o elemento dramático
pre
existe nos seus contos, o que os enriquece,
mas não é isso que permite a boa adaptação de um conto ao outro gênero, ao teatro;
tanto que a melhor parte da peça é a que contém o conto, como se ele ficasse
segmentado em meio à peça. Essa opinião é também ponderada pela atuação de
destaque da atriz em cena, que se justamente nesse momento da obra. As qualidades
técnicas da atriz, pelo que pudemos notar do comentário feito, valorizam o texto
maupassantiano
, principalmente porque ela soube interpretar a proposta artística do
escritor: a verossimilhança do entrecho está bem representada pela ação da personagem;
sem a presença do narrador a descrever-lhe os pensamentos e os sentimentos do que
Maupassant queria privar-
se
–, está aqui colocada em prática a teoria de “Le roman”,
prefácio a Pierre et Jean, segundo a qual o leitor/espectador depreende o que se passa
com a personagem pela sua própria experiência de vida.
Se pensarmos na teoria de verossimilhança que Maupassant desenvolve
nesse
prefácio, em que uma das prerrogativas principais era a de não apelar à descrição
psicológica, a crítica do Estado de São Paulo vai de certo modo ao encontro dos
preceitos maupassantianos. Conforme se lê nesse texto do autor, sua arte rendia uma
comp
reensão do universo da personagem (que talvez atingisse uma compreensão do
psicológico desta pelo leitor) por meio da descrição de suas ações; era tarefa do escritor
“ilusionista”, como Maupassant se definia, sugerir (dar a ilusão do real) e, do leitor,
ch
egar à imagem desejada pelo escritor. A crítica brasileira do autor, que demos a
conhecer até o momento, apenas sugere uma interpretação nesse sentido. A meu ver, foi
sobretudo
com a
maior
difusão de “Le roman” no Brasil e a atuação dos contistas
maupassan
tianos
que se assimilou de modo mais pertinente a sua proposta artística,
a
qu
al
estava longe do determinismo psicológico e naturalista de Zola, por exemplo.
Ainda que mais elogiosa e com algumas distinções sobre os elementos
criticados, a c
rônic
a do dia 18, dada pelo Correio Paulistano, segue a mesma
linha
da
155
Conto que, conforme vimos, tinha sido publicado em português, em 1894, pelo
Correio Paulistano.
178
anterior, valorizando as técnicas narrativas de Maupassant adaptadas para o drama,
segundo critérios clássicos do belo, do harmônico e do racional.
Theatros, bailes e...
Sant’Anna
Representou
-
se
hontem, como estava anunciado, a bella comedia de Maupassant e
Jacques Normand
Musotte
.
Bella: dissemos bem; é uma peça leve e bem feita, de uma estructura muito simples,
e toda cheia de um sadio colorido de verdade sem arrebiques. As scenas succedem-
se
com um accentuado rigor de verossimilhança, e travam-se os dialogos numa
linguagem correntia e natural. O enredo é todo possivel, como se fosse apanhado
inteiramente, aos successos da vida real de nossos dias.
E é isso: não ha na peça nada de profundo e de nebuloso; não ha psychologia,
nem abstracções theoricas; tudo alli é claro e simples, de mera observação exterior.
A comedia nos dá pouco, mas esse pouco é bom, bem acabado.
Musotte
é uma dessas peças que muito bem representadas podem agradar. A su
a
simplicidade, a ausencia de lances e phrases de effeito, a lisa verossimilhança das
scenas exigem do artista um grande e cuidadoso esforço no sentido de pôr em
relevo o interesse delicado e fugidio da obra. Pois a
troupe
Della Guardia sahiu-
se
bizarramen
te
156
da grave responsabilidade que tomou sobre si.
A começar pela eximia interprete da protagonista. Clara Della Guardia foi uma
Musotte
perfeita. A scena da agonia e morte, no 2
o
. acto, a mais interessante da
peça, fel-a com extraordinario valor. Foi admiravel em todos os gestos, em todo o
jogo physionomico, em toda a dicção.
O sr. Orlandini tirou grande partido do delicado papel de Giovanni, cujo successo
dependia quase que exclusivamente do seu esforço. Numa das scenas agradou-
nos
particularmente: no idylio do 1
o
. acto, que fez com uma rara delicadeza e
naturalidade.
Também andou muito corretamente o sr. Falcini, que deu ao seu papel de Leone de
Petipré todo o relevo possivel. O mesmo se pode dizer sem a mais leve lisonja da
sra. Bonfigluioli, que foi uma
sra.
Roubard
completa e do sr. Valente, que nada
deixou a desejar no papel de Martinel. Os demais artistas, muito bem.
O desempenho da peça, em resumo, foi um bello desempenho, sem falhas
notaveis.
157
Os critérios de beleza e de perfeição do cronista, mais uma vez, são os da arte
realista: a sua semelhança com a verdade ou com a realidade.
Simplicidade na estrutura,
“sadio colorido de verdade sem arrebiques”, isto é, verossimilhança e clareza, ilusão de
verdade, sem descrição psicológica; todos esses aspectos levantados pelo crítico do
Correio Paulistano na encenação da peça estão de acordo com a estética
maupassantiana. Tanto este texto quanto o de O Estado de São Paulo sobre essa peça
156
Segundo Séguier, o primeiro significado de “bizarro”, de onde provém o advérbio utilizado, é de
“gentil, bem-apessoado, bem vestido. Generoso, nobre”; por galicismo, o segundo sentido apresentado é
“excêntrico, esquisito”. SÉGUIER, Jaiyme de. Op. cit., p. 143. Compreende-
se
, pois, que o termo foi
empregado no primeiro sentido.
157
Correio Paulistano, 18 de agosto de 1901, p. 3, seção “Theatros, bailes e...”, subseção “Sant’Anna”.
Artigo não assinado.
179
apontam que houve na representação a aparência com fatos cotidianos e que a
representação transpôs a contento, na dicção, na fala e nas ões das personagens, a
impressão de um episódio vivido. É fato que, em tempos como esse, antes da
psicanálise, o ser humano conhecia o outro pelas ações e
pela
fala de
st
e, e era a sua
expe
ri
ência de vida que sugeria ou permitia pressentir a psicologia alheia. Até o início
deste século, como observamos nessas críticas lidas, a arte de Maupassant podia ainda
ser valorizada por essa visão da psique humana (uma Psicanálise avant la lettre, como
definiu Pierre Bayard),
158
de resolução bastante compreensiva para a época; o apelo à
descrição minuciosa e a sensação de “assistir
-
se a uma cena real”, como diz o redator do
Estado de São Paulo (a ilusão de verdade, segundo o autor ou a verossimilhança, pa
ra
usar o termo da teoria literária), ainda que sejam recursos típicos das escolas realista e
naturalista, fizeram muitos artistas e historiadores identificados com outras correntes
estéticas se aproximarem de suas idéias. No Brasil, portanto, o autor francês ofereceu
diversas leituras de sua obra, inspirando a arte de autores de linhagens as mais diversas,
conforme veremos no final deste capítulo.
Apenas a fim de reforçar o ponto de vista aqui empreendido, podemos tomar
como exemplo uma outra peça feita a partir da obra de Maupassant – mostrando
também o gosto ainda presente por seus textos. Ao contrário da peça
Musotte
, que
retoma “L’Enfant”, a realização da peça Contos de sedução manteve a estrutura dos
contos encenados (“Le cas de Madame Luneau”, Idylle”, “Le signe”, “Au bord du lit”,
“Imprudence”, “Les caresses” e “La revanche”), cada conto rendendo uma leitura, se
assim podemos definir, de não mais de vinte minutos; a cada fim de quadro, havia
mudança da iluminação ou o fechar e abrir das cortinas para refazer os diferentes
cenários. Procurou-se valorizar o caráter dramático potencial dos contos
maupassantianos, sem lhes extrair a unidade e a estrutura concisa do conto original. O
único aspecto que poderia ser alvo de crítica está nas aparições da biografia do autor, o
qual se tornou também personagem da peça, entre os jogos de cena dos contos. Tal
interpretação, visando a uma divulgação da vida do autor, parece-nos ter retomado
aquela antiga preocupação da crítica dos primeiros textos sobre o autor no Brasil, de
querer justificar uma leitura da obra a partir de fatos conhecidos de sua vida. Conforme
já constatamos antes, as abordagens críticas vão e voltam.
158
BAYARD, Pierre.
Maupassant, juste avant Freud.
Paris: Les Éditions de Minu
it, 1994.
180
A última notícia sobre a turClara Della Guardia sai no Rio de Janeiro: em 10
de setembro de 1901, a Gazeta de Noticias publica um anúncio do Theatro S. Pedro de
Alcantara, em que se insere a obra de Maupassant no quadro do tão reputado “teatro
moderno”, conforme veremos mais adiante:
Companhia Italiana Dramatica Clara Della Guardia
dirigida pelo
actor Ettore Paladini
Amanhã quarta
-
feira 11 de setembro
Uma unica representação da peça em 3 actos de Guy de Maupassant e Jacques
Normand, verdadeira obra prima do teatro moderno
Musotte
Protagonista a eminente actriz Clara Della Guardia [...]
159
Também se repete o anúncio, no dia seguinte, acrescentando todo o elenco e
suas personagens, mas
não
foi publicado
nenhum
artigo
na
Gazeta
comentando a
representação no dias
seguintes
, conforme ocorreu nos jornais de São Paulo. O
Jornal
do Commercio
, porém, oferec
eu o seguinte artigo, em 13 de setembro:
Theatros e Música
Musotte
Do conto
L’enfant
, desse adorável Maupassant, em quem todos
recconhecião o supremo mestre do genero, é que foi extrahida a peça
Musotte
, ante-
hontem representada no nosso S. Pedro, pel
a Companhia Della Guardia.
A peça reproduz fielmente o conto nas suas bases principaes; apenas algumas
scenas accessorias, para encher os três actos em que o enredo fora alongado e servir
uma ás outras idéas e as situações.
A Musotte
alcançou em Pariz grande êxito de estima, com elogios pomposos da
imprensa e muito applausos dos admiradores de Maupassant; teve cerca de 60
representações.
A nós, deu-nos tão sómente a idea de uma ampliação, com a qual nada lucrou o
trabalho do autor de tantas novellas empolgantes. Escripto como foi pello sublime
Guy,
L’enfant era completo dentro das suas justas proporções, sem faltas e sem
demasias, sem um periodo inutil, sem uma idea por aclarar. E a
Musotte
, “obra
prima do theatro moderno”, como foi annunciada, abalou essas [próprias]
proporções, deformou essa obra perfeita.
O enredo da peça e do conto póde resumir
-
se em meia duzia de linhas:
Apaixonára
-se o pintor Giovanni Martinel pelo seu modelo Henriqueta Leveque,
que lhe correspondeu com igual affecto. Esse amor durou três annos; mas se no
peito della o ardor primeiro ainda existia, crescia mesmo em uma gradual
identificação com o objecto amado, no peito do pintor e a paixão arrefecêra,
ameaçava extinguir
-
se de todo, dando lugar ao tedio. Henriqueta, a doce e carinhos
a
Musotte
, comprehendeu e resignou-se. Um bello dia separarão-se, levando cada
qual a saudade das venturas fruidas, nos bons dias em que ambos igualmente se
querião e se desejavão.
nesse tempo Giovanni amava sériamente Mlle. Gilberta, filha do magistrad
o
Petipré, irmã de Leon de Petitpré, um dos melhores amigos do pintor. Gilberta
amou
-o tambem e o casamento veio a realisar-se, apesar da vontade de uma
irmã de Petipré, a Sra. Roubard, rabujenta senhora, que fora infeliz com seu marido
159
Gazeta de Noticias
, 10 de setembro de 1901, p. 4.
181
e desconfiava de todos os homens, principalmente quando bem apessoados, como
Giovanni.
Quando o panno sobe, acaba de realisar-se o enlace matrimonial. Giovanni sente-
se
muito feliz; felizes Gilberta e seu irmão, todos á excepção da Sra. Roubard, nadão
em felicidade. Chega uma carta endereçada ao pintor, seu tio, o Sr. Martinel,
resolve abri
-la, no pressagio de algum desgosto para o rapaz que estima como filho.
Essa carta communica ao pintor que
Musotte
acaba de dar á luz e o espera,
agonisante, para o ultimo adeus. Sem nada communicar á esposa, parte Giovanni; e
sobre o espanto de toda a familia e a desconfiança de Gilberta que affirma a seu
irmão não duvidar de Giovanni, quem espera completa justificação, cahe o panno
sobre este primeiro acto, que é todo de preparação.
No
segundo, apparece-nos a doce
Musotte
no leito, abatida pela dor, escaldando de
febre, quase agonisante. Todos os rumores lhe annuncião a chegada do amante; ao
lado, a parteira e a ama conversão banalidades. Retine a campainha, a enferma
agita
-se, um novo [ilegível] o medico. Outro curto colloquio entre este e a parteira,
interrompido por um accesso de
Musotte
a quem o doutor tem de acudir com uma
injecção calmante. Chega finalmente Giovanni, que corre ao leito, beija
Musotte
,
recebe as suas ultimas palavras, cheias de amor, perfumadas de uma santa
resignação. A moribunda pergunta
-
lhe:
E agora, que farás?
O meu dever.
Mas, que é teu dever?
Ella
ou
elle
?
E com um lento gesto aponta o berço
próximo.
Elle! Responde com força Giovanni.
Sente a pobre uma grande alegria, ri, bate as palmas como uma criança doente; em
seguida a agonia, e a morte feliz, nos braços do amante. É o segundo acto.
O terceiro começa onde o primeiro acabára. A Sra. Roubard continúa a estranhar e a
censurar o procedimento do noivo; defende-o Adolpho; o Sr. de Petipré medita.
Entra o velho Martinel, á quem Giovanni mandára contar tudo, expor inteiramente o
caso. A discussão inflamma-se. Mas é Gilberta quem tem de dar a palavra
definitiva, é a ella que compete julgar o pintor. E Gilberta, a quem nenhum effeito
produzem as considerações trocadas entre os seus parentes e o Sr. Martinel, hesita e
treme á idea dessa desgraçada que morrera nos braços de seu marido, legando-
lhe
um filho; poderá elle ligar
-
se ao amante de
Musotte
?
Chega Giovanni e pede que o deixem a sós com a esposa. É a scena final. O pintor
conta a morte da pobre
Musotte
, como ella consagrára a Gilberta a sua ultima
oração e como exigira do amante o juramento de lhe pedir que recesse no seu lar e
no seu amor o orphãosinho. Então, todos os escrupulos da esposa cedem ante a
supplica da moribunda; Gilberta, tocada n’alma, atira-se aos braços do marido, tudo
perdoa, tudo esquece, quer partir, partir já, dizendo a seu marido que o “seu” filho a
espera. E os dous partem, abraçado
s, chorando de alegria.
Eis a peça. A platéa do S. Pedro applaudio-a principalmente no segundo acto, que
Clara della Guardia deu ensejo a um trabalho brilhantissimo, dos mais
impressionantes que temos visto. A morte de
Musotte
pela illustre actriz teve
qua
lquer cousa de extraordinario, de genial. Essas scenas vingão sempre e todos os
artistas as achão extremamente faceis. Clara della Guardia, porém, não poz em jogo
os artificios do costume; o seu trabalho foi estudado com amor, e tanto ella o
aprimorou e tão intensamente o fez sentir que por toda a longa scena arrasta a alma
do espectador, presa á sua pela mesma dor e pela mesma commoção.
Dos outros interpretes pouco ha a dizer. O Sr. Orlandini, o admiravel Maximo de
Comte foglie, foi um
Giovanni
apenas soffrivel; a Sra. Bonfiglinoli deu bastante
relevo ao typo da impertinente Sra. Roubard, e os outros cumprirão, á excepção do
Sr. Falcini, que apresentou um
Petipré
horrendamente caracterisado e sem linha
alguma.
182
Pela tradução dos prenomes das personagens, fica claro que a representação se
deu em italiano (Jean por Giovanni, por exemplo). Afora as críticas à interpretação,
interessa
m-
nos as limitações que o redator, anônimo, impõe à adaptação do conto para a
peça. Assim como Iriel e os cronistas de São Paulo haviam notado, o preenchimento
do enredo (o “verbo de encher”) era inútil ao conto, perfeito e conciso, que se viu
deformado pelos acréscimos da peça. A diferença dos gêneros não é muito comentada e
parece que, apesar dessas restrições, como texto dramát
ico, o novo texto se passou bem,
também na opinião deste crítico – principalmente porque agradou ao público e pelo fato
de a atuação ter sido boa. No entanto, como os demais, ele continua preferindo o conto
“do mestre do genero” à peça “do sublime Guy”.
O
sucesso de
Musotte
na França (cerca de
sessenta
representações, de 1891 até
1901) não correspondia somente ao interesse do público pelo autor na sua fase áurea,
ainda em vida. Jayme de Séguier, em 8 de janeiro de 1902, comentara na coluna “Ver,
Ouvir, Contar”, no Jornal do Commercio (p. 1), que a peça
Yvette
, então
representada,
estava na sua centésima apresentação em Paris. Veja-se que, apesar de
todas as ressalvas à adaptação das novelas do escritor, feitas por ele e pelos críticos, elas
tinham grande repercussão o que se comprova até hoje, no Brasil justamente pelo
poder dramático de representação dos textos maupassantianos.
Passados dez anos da morte do escritor e por ocasião da turnê brasileira do ator
frans Antoine, em julho de 1903, houve, na mesma semana, no Rio de Janeiro, a
representação de dois textos de Maupassant: mais uma vez
Musotte
, mas agora pela
companhia portuguesa Souza Bastos, e uma adaptação da novela
Boule de Suif
, pela célebre
companhia Antoine, no Theatro Lyrico. Nos anexos deste trabalho, podem-se ver os dois
anúncios na mesma página 8, do
Jornal do Commercio
de 9 e 10 de julho; e na página 6, da
Gazeta de Noticias
do dia seguinte. Por meio deles e também da nota publicada no dia 10,
no primeiro jornal, ficamos sabendo que Antoine e Suzanne Desprès seriam os
protagonistas e que ele daria a sua conferência sobre o Théatre Libre em seguida à peça;
porém, não foram esses atores que atuaram, segundo as crônicas dadas a seguir.
Ambos os jornais fluminenses comentaram as representações. Também do dia
10, na Gazeta de Noticias, há, em pequenas notas da seção “Theatros e...”, comentários
sobre a encenação de
Musotte
e a estréia de
Boule de Suif
:
Apollo
Apezar do tempo máo, a 1ª. da
Musotte
apanhou hontem uma bella casa.
Houve applausos calorosos, recebendo a Sra. Palmyra Bastos varios cumprimentos
pela sua interpretação.
183
O espectaculo terminou com uma farça que muito faz rir, e como a
Musotte
, aqui
fora representada pela companhia Della Guardia.
Nessa farça, Alfredo de Carval
ho é impagavel. Hoje o mesmo programa.
Lyrico
Hoje a conferencia de Antoine dizendo do seu teatro e das suas reformas.
Não é tudo: 1ª. e unica representação da Boule de Suif, em que Luce Colas vai
muito bem, com os lindos e admiraveis scenarios que servi
ram de Pariz.
A venda, hontem, já era grande. O publico afinal hoje encherá o Lyrico.
160
Mais uma vez, marca-se a relação dos textos de Maupassant como obras do
teatro moderno. Há, aliás, na mesma página 2 do jornal
(
Gazeta
)
desse
dia
(10 de julho)
,
um grande artigo de Thomaz Lopes intitulado “O Theatro Moderno”, em que ataca as
obras naturalistas no teatro e valoriza autores como Alexandre Dumas (fala de A Dama
das Camélias) e Ibsen. O comentário que se faz, em 11 de julho de 1903, à
representação de
Boul
e de Suif, conforme veremos, deixa clara a opinião do crítico
(anônimo) do jornal.
Esse vínculo, aliás, de Maupassant ao teatro moderno (de então), ou do pós-
guerra (1870), percorria a nossa crítica até mais tardiamente. Em 20 de janeiro de 1910,
o dramaturgo brasileiro Rubem Tavares
161
escreve para o Jornal do Commercio o
ensaio “O Theatro Nacional”, em que menciona Maupassant como um dos
novos
dramaturgos
franceses, diante de antigos como Victor Hugo e Alexandre Dumas p
ai.
Esse grupo dos novos era marcado, para o crítico, pela aceitação imediata do público e a
rejeição da crítica, que o acompanhava tão facilmente com a mesma rapidez a assimi-
lação das novas escolas. De fato, não houve ruptura estrutural entre o teatro romântico e o
realista
-
naturalista.
Recebíamos ao mesmo tempo as peças de Ibsen, bem-aceitas como
teatro filosófico, mas Maeterlinck, na Europa, chocava o público em geral. Pois se o
próprio autor, Ruben Tavares, afirma que não existia ainda teatro nacional no Brasil e que
o teatro
seguindo
os antigos ensinamentos do teatro greco
-
latino
devia ser pedagógico
e pôr em cena o respeito à honra e à sabedoria, contra o crime, o vício e a ignorância,
nota
-
se que mesmo os cronistas mais especializados receavam quanto a essa inovação.
O
Jornal do C
ommercio
de 11 de julho publicou o seguinte artigo, mais uma vez
ressaltando a superioridade do conto original sobre a peça, no qual vencem a precisão e a
intensidade pela concisão, a simplicidade e a tragicidade que a peça não consegue de todo
exprimir, d
eixando
saudades
” do conto. Isso tudo reforça a insuperável qualidade que os
brasileiros reputam ao contista e que se atualiza a cada novo contato com a sua arte.
160
Gazeta de Noticias
, 10 de julho de 1903, p. 2.
161
Rubem Júlio Tavares (MA 1850- ?) foi teatrólogo, ensaísta, jornalista e tradutor. COUTINHO,
Afrânio; SOUZA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. Ed. rev. São Paulo: Global, 2001,
v. 2
, p.
1551
-
1552.
184
Theatros e musica
Musotte
A companhia Souza Bastos deu-nos ante-hontem a
Musotte
, de
Maup
assant e Metennier.
A peça, já ha dous annos o dissemos, quando representada
pela companhia Della Guardia, não tem a intensidade nem o fulgor do conto de que
foi extrahida. Alongando
-
o, esticando
-
o por tres actos em diálogos, aliás, brilhante e
divertidos,
nem por isso lhe conseguio traduzir todo aquelle poder emotivo que era,
no autor de
Le Horla
e de
Yvette
, o segredo prodigioso da sua simplicidade.
O conto é preciso, rápido, e no seu toque trágico, quasi vertiginoso, a peça resente-
se do preparo longo e
das enxertadas inutilidades. Inferior, porém, á pagina vibrante
em que se inspirou, não quer isto dizer que a não adornem qualidades de tocante
emoção. No fundo, não é uma peça má; e o seu maior defeito consiste em não fazer
esquecer a novella do grande me
stre e antes della nos dar saudades.
Dispensamo
-nos, porque uma vez o fizemos, de lhe contar outra vez a acção.
nos resta fallar do desmpenho da Companhia Souza Bastos, cujos artistas, nesta
como em outras noites, se esforçarão com o melhor da sua intelligencia e do seu
capricho, por dar de seu trabalho todo o possível relevo e brilho.
A protagonista só tem um acto, o segundo; é uma scena de agonia e morte, que deve
seduzir todas as actrizes de drama, pello seu effeito commovente e a relativa
facilida
de das suas exigencias. A Sra. Palmyra Bastos teve nella inflexões, visagem,
pequenos achados verdadeiramente felizes. Nada ajuntou, é verdade, aos seus foros
de artista dramatica; mas tambem não comprometteu a fama conquistada.
O Sr. Henrique Alves conduzio satisfactoriamente o seu João Martinel, fazendo no
terceiro acto com a Snra. Maria Santos (uma
Gilberta
bastante apreciavel) uma
scena de bello vigor sentimental.
No papel de
Martinel
, o Sr. Ignácio Peixoto foi o correcto e natural artista de
sempre e o Sr. Rangel Junior deu perfeitamente o irmão de
Gilberta
, bom rapaz,
affectuoso e allegre, elegante e paradoxal.
Os outros interpretes fizerão o que puderão para o bom desempenho da peça, que,
não há nega
-
lo, foi muito applaudida.
O eqvoco quanto ao nome do co-autor da peça é facilmente compreensível.
Sabemos da pomica causada na França pelo lugar da autoria de Jacques Normand em
Musotte
. Aqui o redator dá Oscar Méténier (1859-1913), por conta de uma pequena
confuo, pois este era de fato o dramaturgo que adaptou Boule de Suif, de quem se falava
no momento. Ligado ao teatro naturalista e a Antoine, nier adaptou textos de outros
escritores, tais como os Goncourt, Paul Aléxis e também “Mademoiselle Fifi”, que chegou
a ser representada (sob a adap
tação de outro escritor), conforme veremos, no Brasil .
No mesmo dia 11, a Gazeta de Noticias resume o conteúdo e a celebridade de
Boule de Suif, que tinha sido representada na noite anterior. Os comentários prévios,
intitulados “Antoine”, certificam-
nos
de que a emoção causada no grande público
deveu
-se mais à conferência do ex-ator do Théatre Libre do que propriamente pela peça
de Maupassant, “porque mais bellas peças [...] têm sido representadas pela
troupe
Antoine, sem que a sala tenha apresentado o lindo aspecto de hontem...”.
162
O
162
A
première
de Boule de Suif, pelo grupo de Antoine, na França, tinha de dado mais dez anos, em 6
de maio de 1892.
185
comentarista, anônimo, ainda afirma: “Depois do logro da primeira noite, essa
conferencia ficou sendo uma preoccupação, uma idéa fixa, uma obsessão do publico.”
Ele elenca então os nomes da elite brasileira que compareceram à apresentação, entre
eles Ruy Barbosa, Artur de Azevedo (que teve uma polêmica pessoal com o diretor
francês)
163
e a família Vaz de Carvalho.
Boule de Suif Foi o primeiro conto de Maupassant, o primeiro publicado. O
extraordinario escriptor ia sempre á rua Murillo, á casa de Flaubert, que o corrigia,
que o emendava. Quando chegavam os discipulos da escola: Zola, os Goncourt,
Daudet, Maupassant modestamente recolhia a uma silencio timido, e ficava a ver,
das janellas, o parque Monceau. A banda revolucionaria não o julgava grande
cousa, e o proprio Zola, quando uma vez Flaubert, em Croisset, lhe disse:
Maupassant acaba de escrever uma novella bem boa. Você vai gostar – ficou
admirado.
A novella appareceu nessa aguerrida collecção que tem por titulo:
Soiree
s de
Médan
. Era das seis a melhor, com uma firmeza, uma clareza de estylo admiraveis.
Boule de Suif bastou para notabilisar Maupassant, e muito tempo depois, quando o
escriptor escrevia as ironias acutilantes do
Bel
-
Ami
, as dolorosas paginas de
Une
Vie
, os
criticos notoveis [sic] citaram
-
na ainda como a melhor obra desse espirito.
Boule de Suif
é uma scena de analyse penetrante, tendo por fundo a guerra de 70.
Uma rapariga muito gorda, a que appellidaram bola de cebo, toma uma diligencia
para escapar de uma cidade em poder dos allemães. Na diligencia, algumas
senhoras da sociedade, uma titular, acompanhadas dos respectivos maridos,
funccionario, homens honrados, e duas irmãs de caridade. Essa gente, porém, não
trouxe farnel, e como a caminhada eternisa-se sob a neve, a neve a fome aperta.
Boule de suif, porém, trouxe o seu e bem farto. As creaturas que a tinham olhado
com desprezo vão aos poucos acceitando o que ella lhes offerece e acabam
devorando
-
o em sua companhia.
Em Totes, no hotel do Commercio, onde descem todos, um official allemão tem
desejos de Boule de suif e diz não deixar ninguem continuar a viagem sem possuil-
a. A pobre nega-se, nega-se desesperadamente, mas as senhoras honestas por
utilidade propria convencem-na da necessidade de facto. Boule de suif, fraca
bastante para resistir a um pedido de gente tão seria, entrega-se com a certeza de
que faz um sacrificio perdoavel, como lhe diz uma das irmãs. No outro dia, ao
embarcar de novo na diligencia, todos lhe negam o cumprimento.
Boule
chora, a
tit
ular diz, contente: Chora a sua vergonha! e emquanto, a traquitanda rola na
neve, e Cornudet, companheiro da rapariga, canta furioso a
Marselheza
, Boule de
Suif
continua tristemente a chorar seu horrivel sacrificio. Oscar Melenier resumiu as
cincoenta
paginas da psychologia afinada do conto em quatro quadras que resumem
as scenas culminantes da novella. Como peça extrahida de conto, essa é das mais
bem feitas, apezar, de ser como todas as outras do genero um aproveitamento
insubsistente, imperfeito e irritante. Todos os trabalhos de theatro, que forem
163
Sobre a presença de Antoine e sua repercussão no Brasil, ve
r FARIA, João Roberto. Antoine no Rio de
Janeiro.
Idéias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2001, p. 245-
261.
Também nesse mesmo livro, sobre as companhias européias e seu papel no cenário teatral brasileiro, ver
“A presença estrangeira”, p. 179-186. Segundo o autor, as peças encenadas aqui pelas grandes atrizes
faziam parte de seus repertórios na Europa e eram muitas vezes representadas na língua de origem. A
vinda desses grupos correspondia ao período de baixa temporada europ
éia, no veraneio, quando o público
se retirava de Paris para as viagens de férias. As peças de qualidade literária aqui representadas nesse
período eram mesmo as que vinham de fora. Quando as trupes voltavam para a Europa, continuávamos a
representar as fo
rmas teatrais populares, como a opereta e os dramalhões (p. 186).
186
extrahidos de novellas ou romances, dão a intoleravel impressão de falha, de
synthese mal feita, de
compte rendu
dialogado.
A
Boule de Suif de hontem, porém, pela marcação de Antoine, pelos scenarios, pela
mise
-
en
-
scène
assombrosa de verdade, assombrosa principalmente para o Rio, que
desconhece todas as suas transformações, foi um regalo intelectual.
Uma das qualidades superiores de Antoine é a de ensaiador, esse poder de fazer
viver em scena todos os artist
as, a verdade núa.
O conjuncto que interpretou Boule de Suif, com Mme. Colas em primeira plana, foi
simplesmente admiravel.
Berthier deu-nos um bello typo de Cornudet, Matrat, Mosnier [?], Tune [?], Daltour
e Mmes. Van Doren, Barsonje [?] foram
-
se com a co
rrecção habitual.
Enfim, um espectaculo encantador.
164
Dão
-se as circunstâncias do aparecimento da novela na França; o já recorrente
resumo da obra adaptada (a qual ocupa a maior parte do artigo), em que predomina uma
leitura de conteúdo e da moral burguesa. Os únicos comentários críticos do redator são
contra as adaptações de contos para os palcos, ressaltando, porém a qualidade desta; e
sobre a atuação dos atores e do cenário. Note
-
se, mais uma vez, a ênfase sobre o aspecto
da verossimilhança da representa
ção (a “
mise
-
en
-
scène assombrosa de verdade” e “fazer
viver [...] a verdade nua”), que permanecem no discurso crítico brasileiro, e que o levará
mais adiante a uma compreensão mais adequada da arte do autor.
O
Jornal do Commercio teceu comentários sobre a representação de Boule de
Suif
no dia 12 de julho de 1903. Ao contrário do que diz o crítico, a representação se
fizera no dia 10 (ante
-
ontem) e não no dia 11 (“ontem”).
Theatro e musica
Boule de Suif Estamos de novo diante de uma dessas peças transladadas das
paginas exquisitas
165
de um livro primoroso para a objectividade da scena. É a
Boule de Suif que o Sr. Oscar Metenier condensou nos quatro quadros que vimos
hontem no theatro Lyrico pela companhia do Théâtre Antoine.
Maupassant cinzelára pacientemente as suas figuras, destacando-as das paginas do
livro no relevo do seu estylo peregrino; dera-lhes vida e alma no encanto da sua
prosa que lhes detalhára a psychologia; collocára-as no ambiente proprio que elle
descreveu com a precizão do seu colorido sugestivo e nos fez viver com aquellas
creaturas durante algumas horas em que nos absorveu a attenção, mostrando-nos os
recessos mais íntimos de seu ser, as minúcias mais secretas de seus pensamentos.
Collaborámos com o romancista na creação dessas figuras a que nossa imaginação
emprestava uma individualização accommodada ao nosso modo de comprehender e
de sentir e depois de ter organisado esse pequeno mundo da novella Boule de Suif á
nossa maneira, tivemos de abandonar tudo isso para ver e aceitar essas figuras de
accôrdo com a realização que lhes quizerão dar os actores e ver desenrolar as scenas
do conto, resumidas nos quadros de uma comedia, succedendo-se uns aos outros
sem a poesia fascinante dos periodos finamente litterarios das paginas do livro.
164
Gazeta de Noticias
, 11 de julho de 1903, p. 2.
165
“Exquisito
achado com dificuldade ou raramente, precioso, excellente, primoroso, elegante [...]
Excêntrico, maníaco”.
SÉGUIER,
Jayme d
e. Op. cit., p. 438.
187
Não
queremos dizer que seja defeituoso ou deficiente o trabalho do Sr. Oscar
Metenier: o que se nos afigura é que nenhum comediographo, por mais habil que
seja, conseguireproduzir no palco, a contento da imaginação do leitor, as scenas
descriptas nas paginas de um bello livro e que cada um fantasiou de accôrdo com o
seu temperamento. É que cada leitor intelligente, á proporção que lê, e
suggestionado pela dynamica descriptiva do autor, vai realizando na sua imaginação
as fantasias do romancista e essas creações ephemeras nunca encontraráõ [sic] na
objectividade da scena uma equivalencia perfeita.
Quem não leu ainda as paginas daquelle quadro de mestre onde se emmolduravão
as aventuras galantes de Elisabeth Rousset, que se entregou abnegadamente á
concupiscê
ncia de um official prussiano afim de que os seus companheiros de
viagem tivessem tempo de ganhar uma boa distancia e pudessem alcançar o Havre
que não estava ainda occupado pelo inimigo?
O Sr. Metenier, se não conseguio infundir no seu trabalho todas as qualidades do
livro, pôde resumir na sua comedia grande parte das bellezas do livro, e essas forão
bem realçadas pela interpretação intelligente que lhe derão os actores. Quantas
paginas de philosophia social poder-
se
-hião escrever sobre o desempenho e sobre a
peça, ao ver-se na scena, tão viva e animada, aquella significativa transigencia de
principios diante das appetitosas provisões da Boule de Suif, e no dia seguinte,
depois de saciado o appetite, a fome imperiosa e depois do sacrificio de Elisabeth
Rous
set, entregando-se á sensualidade do official prussiano para libertar os seus
companheiros, o desdem com que todos elles a encaravão!
Como compunge o pranto de Boule de Suif humilhada, e como se sente desprezivel
a fragilidade humana, o egoismo feroz dos q
ue se julgão superiores.
Luce Colas fez admiravelmente o seu papel e o Sr. Berthier nos deu uma adorável
caricatura de Aristide Carnudet, o publicista intransigente da democracia.
O estilo peregrino do escritor e o encanto da sua prosa são ao crítico
intr
aduzíveis no teatro, pois guardara o impacto da sua primeira experiência, pessoal e
intransferível, com a novela; o leitor, colaborando com o autor, dando as suas
dimensões aos seres virtuais, de papel, “organiza o pequeno mundo” do texto (Boule de
Suif
) à sua maneira, cujo prazer estético não se reproduz ao assistir à peça; os atores
vêm impor uma “realização”, uma atuação não condizente com aquela estabelecida
entre o leitor e o texto. Exigências pessoais à parte, o fato é que “a poesia fascinante dos
per
iodos finamente litterarios das paginas do livro” de Maupassant é para ele única.
Assim, está claro como ficou até o momento – que para este crítico – como para Alter
Ego ou Iriel o escritor normando atingiu aquele olhar inconfundível, sugerido por
Fla
ubert, que se constrói junto com o leitor, e só por intermédio deste. Essa é a ilusão do
real de que Maupassant falara em seu “Le roman” e que, muito bem compreendido,
atendendo a um princípio estético condizente com o gosto pessoal de muita gente,
acabara
por ser adorado entre os conter-râneos do Horla. O fato de escrever em prosa e
ter sua melhor obra em narrativas curtas, então aqui cultivada desde Machado com
188
sucesso
aliás, com quem convive em diversas páginas de suas publicações no Brasil
,
Maupassa
nt teve um público bem preparado.
166
En
fim
, este crítico não se opõe de fato à peça de Oscar Metenier encenada pelo
grupo de Antoine,
167
uma vez que bem apresentada. O único problema que nota, questão
de estética e de gêneros literários, é a rivalização com a novela. Por outro lado,
não
resiste ele mesmo a resumir, com suas palavras, algumas passagens do texto de
Maupassant, seja por praxe do jornal, seja por arrebatamento diante do objeto que
critica. Vê-se que a imortalidade das personagens cinzeladas (para usar o termo do
crítico) por Maupassant está garantida, passados 30 anos
ou quase 130, acrescentaria.
Entre os dias 8 e 25 de maio, no Jornal do Commercio, encontramos seis
anúncios de
Musotte
no Theatro Lyrico, do Rio de Janeiro (ver exemplo nos anexo
s).
Na capital paulista, a peça é anunciada no Theatro Sant’Anna, por O Estado de o Paulo
,
de 4 de junho de 1906, página 4. Desta vez, Maupassant voltava ao repertório da companhia
da italiana Tina di Lorenzo. Entretanto, não tivemos indício algum de que
a peça tenha sido
interpretada novamente nesse período. Assim como ocorrido durante a segunda estada de
Sarah Bernhardt, a peça de Maupassant e Jacques Normand acabou preterida pelo grupo
italiano por outras peças francesas, entre elas
A Dama das Camélias
e
Fedora
.
Sete anos após a última encenação de
Musotte
, outra novela de Maupassant foi
adaptada para o teatro no Brasil, no Theatro S. José, em São Paulo. Desta vez, somente
O
Estado de São Paulo menciona a origem do texto de Maupassant. O Correio Paulist
ano
atribui tão-somente a autoria da peça a Jean Sartine, e omite a sua origem no texto de
Maupassant. Em 1º. de outubro de 1910, na página 5 do
Estado
, há o seguinte artigo:
166
Quanto à predileção pelo conto, no Brasil, ver o estudo de Daltro Santos, mencionado a seguir, que
conclui
, à página 2: “A prosa merece uma procura bem maior do que a poesia”. Monteiro Lobato, editor,
afirmou também que era mais f
ác
il vender prosa do que poesia. Em carta a Godofredo Rangel, de 1921,
comenta a respeito da publicação de um volume de poesia:
“Infelizmente é verso, e verso vende
-
se pouco.
Parece que o país anda farto e refarto de poetas. E virou prosaico – isto é, amigo só de prosa.” LOBATO,
Monteiro.
A barca de Gleyre
.
São Paulo: Brasiliense,
1964,
t. II, p. 237.
167
Pelas notícias encontradas nos dois meses seguintes, sabemos que a trupe de Antoine esteve no Brasil
até pelo menos 18 de julho, quando lemos a crítica a uma peça de Pierre Veber, intitulada La main
gauche
, encenada pelo grupo. Concluímos desse artigo que essa representação nada tem a ver com o
volume de contos homônimo de Maupassant. João Roberto Faria comenta que Antoine permaneceu entre
e 26 de julho de 1893 e representou 29 peças. Op. cit, p. 245. À p. 248, apenas menciona a encenação
de
Boule de Suif. Segundo esse estudioso, Antoine não agradara ao público em geral (seja pelo fato de as
peças serem representadas em francês, seja por seus assuntos e por sua novidade, seja ainda pelo preço
elevado do ingresso p. 259), e mesmo o ator teceu diversas críticas ao teatro e ao público brasileiro, na
sua conferência, mais polidamente, e abertamente em artigos, quando retornou à Europa (p. 251 e 256).
189
Palcos e circos
São José
O espetáculo de hontem começou pela representação do drama de Jean Sartine,
“Mademoiselle Fifi”, cujo enredo se pode assim resumir:
“Uma força allemão [sic] alojada numa villa francesa, soffre o aborrecimento de
tres mezes de inactividade. Os officiais convencem o respectivo commandante de
permittir um festim no palacio que os aloja, antigo solar nobre, cujos quadros, com
retratos de antepassados do castello são alvejados diariamente, como passatempo,
por um jovem tenente prussiano a quem appellidam de “mademoiselle Fifi”.
Preso o sacristão da parochia porque recusara tocar os sinos o cura comparece e
consegue sua liberdade commovendo o commandante allemão com os seus
protestos patrioticos. Saem. Pouco depois comparecem as damas para o festim.
São mulheres de nota: entre ellas entretanto, vem Rachel, a quem destinam
“mademoiselle Fifi” como companheira de mesa. Rachel reclama contra os
gracejos e os passatempos do Fifi, e ao beberem um brinde insultuoso a França,
revolta
-se e invectiva os allemães. Fifi declara que triumpha até das mulheres
francezas, e Rachel no auge da colera declara que alli compareceram não as
mulheres da França, mas mulheres perdidas e numa revolta allucinada apunhala o
seu par, o tenente prussiano fugindo em seguida. Há o alarme, e saem todos em sua
perseguição. O cura volta e reza sobre o corpo e ao regressar o commandante,
ouve
-
se o som do campanario que o padre explica como dobre de finados.
Bella Starace compoz com muita verdade o typo dessa “Rachel”, digno da penna
de Maupassant, pela precisão do contorno e vigor dos detalhes. Na scena final,
Bella Starace empolgou a assistencia, pela violencia com que a jogou.
Seguiu
-
se o drama em um acto, de Esquier “Um fatto de buon costume”. [...]
[...]
Este drama, pertencente ao genero do facto diverso, lambusado litterariamente,
impressi
ona a assistencia pelo trabalho de Sainatá, no papel de velho folgazão,
trabalho em que attinge um extraordinario cunho de verdade na scena da morte,
estudada com uma abundancia de detalhes que imprimiu a essa scena uma sensação
de terror.
Bella Starace muito bem no papel de “Lea”, a cocotte que se vinga do velho
devasso.
A peça
pavorosa
da noite de hontem, foi “l’angascia”, de Max Maurey [...]
168
Salienta
-se a “muita verdade” com que a atriz Bella Starace representou Rachel,
personagem “digno da penna de Maupassant, pela precisão do contorno e vigor dos
detalhes”. Faz-se notar o comentário de outra peça do dia, em que se critica
negativamente a origem do texto no fait divers recurso ao qual Maupassant apelava
magistralmente e de que, suspeita-se, este mesmo conto se originara.
169
Também aqui os
critérios críticos apontados como positivos são a “verdade” e a “abundancia de detalhes”.
No
Correio Paulistano, no mesmo dia,
também
houve comenrios à representação
de “Mademoiselle Fifi”, a qual, conforme indicado pelos nomes das personagens e pela
nacionalidade dos atores, foi representada em italiano, assim como
Musotte
.
168
O Estado
de São Paulo
, 1º. de outubro de 1910, p. 5, artigo não assinado.
169
Cf. comentário de Louis Forestier, em MAUPASSANT.
Contes et nouvelles
. Paris: Gallimard, 1974, t.
I, p. 1410.
190
Theatros e Salões
S. José
A troupe Sainati levou á scena, hontem, os tres dramas
Madamigelle Fifi
, de Jean
Sartíne,
Un fatto di buon costu
me
, de P. Esquier,
L´angoscia
, de Max Maurey, e a
comédia
Un gentil homme
de C. Timmory e Y
. Manoussef.
Começou o espetáculo pelo drama Madamigella Fifi, cuja acção se desenrola em
França, durante a guerra franco-prussiana. Os francezes desanimados pelas
continuas derrotas não tinham coragem nem de reagir as ofensas que os prussianos
lhes faziam a cada passo. Acontece que um dia diversas
cocottes
foram convidadas
por alguns officiais prussianos para uma ceia.
Rachele
era uma dessas mulheres.
Mas estavam todos no auge do prazer da mesa, quando um official prussiano se
levantou e bebeu á saúde da sua patria, ofendendo ao mesmo tempo a França com
palavras de zombaria.
Rachele
protestou, mas o oficial insistiu nas mesmas
offensas. Eis senão quando Rachele pega de uma faca de mesa e crava-a no peito
do official e foge, indo abrigar-se dentro de uma egreja para se livrar de uma
revanche
, que seria terrivel.
A senhora Sainati (Rachele) deu muita vida ao seu pequeno papel, mas não
conseguiu, como das outras vezes, em
polgar a assistencia.
Os demais artistas, entre os quaes o sr. Badaloni, Saltamarenda e Wan Riel,
salientaram
-
se nos respectivos papéis.
[...]
170
O comentário
sobre
a atuação da atriz, ao contrário do texto anterior, não é
muito favorável, bem como difere a opinião sobre a segunda peça, para este
comentarista, visto que ela teria conseguido manter o interesse da platéia (trecho não
transcrito)
. Seja pelo desconhecimento da autoria da novela da qual foi extraída, seja
pela pela observação sincera do crítico,
que usa como argumento a recepção do público,
fato é que este é a única crônica pouco elogiosa ao texto de onde se originou a peça, isto
é, à novela de Maupassant.
3.8
Maupassant nas estantes
:
pequenas estatísticas
A questão da leitura literária foi objeto de um longo artigo de Miguel Daltro
Santos (1878-1953), para o Jornal do Commercio, de 17 de janeiro de 1904. Esse
escritor realizou um levantamento das leituras realizadas na Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro e estabeleceu, por nacionalidade, os livros mais lidos. Seguindo estatísticas
de dez anos antes, o redator estimava, por exemplo, que no ano de 1904 haveria 25 mil
leitores e 40 mil obras consultadas na Biblioteca Nacional. Considerando que o Rio de
Janeiro concentrava a “maioria da população lettrada do Brazil”, nessa época, o escritor
considera a relevância do estudo apresentado, a fim de “juntar os primeiros e ainda
170
Correio Paulistano
, 1º. de outubro de 1910.
191
deficientes elementos para calcular, mais ou menos, a tendencia, o gosto, a predilecção
litteraria do nosso publico”. Os números que expõe condizem com as consultas do
semestre anterior, de 1903.
Entre as suas conclusões, está a de que a leitura de obras da literatura francesa
sobrepuja as obras nacionais, contando, obviamente, as obras populares e de baixa
qualidade, como Ponson du Terrail (o autor do
Rocambole
), Paul de Kock, entre outros.
Nos seus cálculos, considerando que o número maior de leitores diários foi de 143, os
números semestrais são: como o autor mais pedido, Alexandre Dumas pai, com 204;
entre os nacionais, José de Alencar, contando 183 pedidos (mesmo número do campeão
de folhetins franceses, Xavier de Montépin), e Aluísio Azevedo, com 160; entre os
poetas brasileiros, o vencedor foi Fagundes Varela, com 38. Eça de Queirós foi pedido
80 vezes, enquanto Camões, 9; Shakespeare, 42; Cervantes, 35; Dante, 33; Victor Hugo
ganha de qualquer dos realistas ou naturalistas, com 61: Balzac, 3; Zola, 48; Flaubert,
10. Maupassant, bem como Racine, Renan, Lamartine, Heredia, Goncourt, Baudelaire e
até Sainte Beuve, contam 5 pedidos, mesmo mero de Pöe. Ibsen foi solicitado duas
vezes. Mas há outros clássicos que não saíram das estantes, como Molière e Voltaire.
Quais as obras solicitadas de Maupassant? Daltro Santos não nos revela. Mas
sabemos que Maupassant era vendido já em português, na época, e raros eram os homens
de letras que não adquiriam exemplares pessoais. Também nesse sentido, encontramos
diversos anúncios de vendas de livros de Maupassant, ainda em francês, entre eles: no
Estado de São Paulo de 10 de agosto de 18
91,
La Maison (Tellier?) (segundo anúncio de
venda da livraria A. L. Garraux & Comp.); em 24 de agosto de 1908, no Jornal do
Commercio
, p. 9, anuncia-se a venda dos volumes de contos e novelas Le Horla
,
Yvette
,
Les soeurs Rondoli e Mlle Fifi, do livro de p
oemas
Des vers, da narrativa de viagem
Sur
l’eau
, dos romances Une vie
,
Mont
-
Oriol
e Fort comme la mort (da Livraria Central do
Rio de Janeiro); e, quase dez anos depois, no mesmo jornal, em 2 de abril de 1917, p. 11,
anunciam
-
se
Yvette
e
Le Horla
(Livrari
a de João Martins).
Em 1913, em jornais do Rio e de São Paulo,
171
encontramos diversos anúncios
de venda da “Biblioteca Internacional de Obras Celebres”, coleção em 24 volumes de
romances, contos e artigos de escritores nacionais e estrangeiros, tais como José de
Alencar, Machado de Assis, Balzac, Flaubert, Alexandre Dumas, Eça de Queiroz,
171
No
Estado de São Paulo
dos dia
s 4 de maio (p. 1), 10 de agosto (p. 26), 21 (p. 28) e 29 de setembro (p.
15).
No
Jornal do Commercio, entre 31 de março e 13 de abril; em 8 de junho de 1913, em 29 de agosto
de 1915,
p. 19.
192
Cervantes, Dickens, Tolstoi e Maupassant, entre outros. Os anúncios publicitários não
nos informam sobre quais livros do nosso escritor estavam ali traduzidos, mas o
inclu
em em duas seções: entre os romancistas e os contistas.
O
Jornal do Commercio, em 18 de novembro de 1916, publica o artigo de José
Maria Bello, “O que se entre nós Algumas observações”. Assim como Daltro
Santos fizera uma catalogação dos autores e das obras lidas na Biblioteca Nacional,
doze anos depois, no mesmo jornal, José Maria Bello procurou informar-nos dos
volumes mais comprados nas livrarias do Rio de Janeiro, no prazo de um mês. É
evidente que, como ele mesmo afirma, seu levantamento tem “uma significação muito
relativa; livros vendidos num mez podem ficar esquecidos noutro [...]” e também
porque “vendem-se as novidades nacionaes e as ultimas remessas da Europa”; a
aquisição desses livros muitas vezes se justifica apenas pela novidade que repr
esentam, sem
significar necessariamente que seus compradores os leiam. De qualquer maneira, do ponto
de vista do autor, seu ensaio comprova a sua tese de que se lia muito no Brasil (ou pelo
menos no Rio de Janeiro), ainda que a nossa literatura produzisse pouco de específico – ou
seja, nacional e original; a meu ver, é um estudo pelo menos curioso do ponto de vista do
gosto literário da época, cujas conclusões parecem favoráveis ao nosso trabalho.
Pelos livros que se lêem pode-se ter um signal do que se pensa. Ainda é o
pensamento
, o claro pensamento francez que nos enche: a França continua a ser a
mestra fecunda, mas uma França mais digna do que a que queriamos conhecer
outr’ora, uma França rutilante e incomparável dos séculos clássicos, da
Encyclopedia de Hugo, Balsac, Flaubert, Renan, Taine, Guyau, Boutroux e Anatole
France. Entretanto, atravez da França, nos chega o écho das cousas que pensam
nos outros paizes e do que se pensou na antiguidade classica.
Um exemplo disso é que Dostoievski vinha em francês, assim como alguns
livros de Filosofia e Direito. Outra conclusão a que chega é a de que a literatura alemã
passa a ser ainda menos lida por conta da guerra. Seu recolho resume as compras em
quatro livrarias cariocas: a casa Briguiet, a livraria Castilhos, a Garnier e a livraria
Jacintho dos Santos, mais especializada em livros jurídicos. O ensaísta se surpr
eende
pela gradual mudança da qualidade literária do que é lido; naturalmente, a nova remessa
de literatura francesa abarcava e encontrava gente curiosa para lê-la; mas na realidade,
os românticos e os realistas ainda predominavam no gosto geral, como se verá pelos
números apresentados.
193
Tinha um intenso desejo de saber o que ella lê, e verifico que lê cousas sérias. Creio
que ha alguns annos atraz, o movimento das nossas livrarias era ridículo.
Comprávamos então os poetas e os romancistas francezes, bons e máos romancistas
francezes, o verboso d’Annunzio, o grande Eça. Era o tempo dos
realistas
, de Zola,
Mirbau [sic], dos Goncourts, do divino Flaubert, de Balsac, Daudet, e também, de
Ponson, Montepin e G. Ohnet...
Lentamente, as cousas se transformam.
Os
realistas
passam da moda, o monopólio do romance termina. Há um desejo geral
de arte mais livre, menospreza aos dogmas do
bovarysmo
e de
Médan
, u
ma
curiosidade inquieta de philosophos, sociólogos, psychologos, críticos e ensaístas.
Apparecem os primeiros Anatoles, os primeiros Maeterlinks; Fouillée, Faguet,
Brunetiére, Le Bon, Ribot não encalham nas vitrines. Porque esta mudança, este
inesperado
gosto de altas leituras?
Devem haver causas varias que os expliquem; todavia, o quero indagal-as aqui.
Verifico o facto, verifico-o alegremente e isto me basta. De mim para mim, sempre
pensei que tanto quanto a instrão primaria, necessitamos nós de alta cultura. De
Renan, de Taine; dos aristocratas do pensamento, que se lêem, fica para sempre o culto
das elitesintellectuais, a crença, ou superstição, no poder dos homens capazes, que
meditam, têm idéas e querem realizal
-
as, desde que a idea é o começ
o da acção.
Da primeira livraria, na qual mais se detém, a Briguiet, quanto às vendas de
romances e livros de poesia, observa:
É Bourget o mais vendido dos litteratos francezes, com 42 livros: embora esperasse
esta primazia para Anatole France, só posso dar parabens ao nosso bom gosto
litterario. Bourget é, realmente, um admiravel artista, um romancista magistral. Foi
de modo algum tempo maldizel-o: parece que o sestro passou. Segue-se Victor
Hugo, com 39 livros o que é uma grande sorpreza. O velh
o Hugo parecia um pouco
esquecido; a geração educada por Médan alardeava desprezal
-
o; a nova geração que
Anatole France e Maeterlinck, parecia ignoral-o. Por que esta volta ao valioso
genio? Anatole France 33 livros, Maupassant e Coulevain 31, Zola e Loti, 28.
Rostand e Marcel Prévost 27, Maeterlinck, 23, Daudet, Chateaubriand 22, Flaubert
21, Lecomte de Lisle 19, Gyp 18, Copée, René-Bazin, Balsac 15, Lesueur, Dumas
pai (ainda se lê!) 12, Mirbau, Lamartine e Feuillet 9, Tinaire, Dumas filho e Vigny
8, Léon Daudet e Regnier 7, Theuriet, G. Saul Sandau, Goncourt, Paul Adam,
Huyman, e G. Zuet 6, A. Karr, Palétan e Stendhal 5, Vogue e Merimée 4,
Cherbullez, Lemaitre, Claretie, Alcard, Banville, Nodier e Rimbaud 2, About,
Labiche, Conscience, Brada, Tulier, Tr
apié e Tiusan 2.
A Livraria Garnier não oferece números, mas coloca Maupassant também entre
os escritores estrangeiros mais vendidos, depois de Anatole France, Paul Bourget,
Claude Farrère e Gyp. Depois dele vêm, entre outros, Daudet, Loti, Zola, Banville
e, em
francês e único não francês mencionado, Dostoiévski.
Também consta da lista da livraria Castilhos, após Anatole France: Maupassant,
Flaubert, Maeterlinck, Zola, Bourget, Marcel Prévost, Daudet e Hugo, entre outros.
Conforme se observa, o apontamento de José Maria Bello, ainda sem resposta quanto à
decaída da literatura naturalista, era ainda apenas um presságio; essas leituras conviviam
com a dos novos ainda em número bastante inferior.
194
3.9
Visitando a
teoria estética de Maupassant
Em 24 de junho de 1906, Alter Ego comenta alguns dos princípios estéticos de
Maupassant, em A arte de escrever”, na coluna “Chronicas estrangeiras” do Jornal do
Commercio.
A arte de escrever
É sempre interessante conhecer as idéas de um mestre sobre a arte que pratic
a.
Torna
-se evidente que isso não basta para dar talento a quem não o tem e que o
facto de conhecer os principios estheticos de um grande estylista ou de um grande
compositor não habilita a igualal-os na execução de uma obra litteraria ou musical.
Mas, emfim, alguma cousa de aproveitavel póde resultar de uma consulta desse
genero, quando mais não seja senão a acquisição de um
methodo
, que é geralmente
o que mais falta aos artistas incipientes.
Guy de Maupassant, que, como se sabe, recebera e seguira os optimos conselhos
litterarios do seu tio Gustave Flaubert, não era prodigo em confidencias nem em
indicações sobre a esthetica que se formára em resultado desses conselhos e da sua
propria experiencia de escriptor.
É o que grande valor á carta seguinte, por elle escripta a um joven poeta que,
com a audacia da mocidade, lhe enviara alguns sonetos, solicitando a sua
apreciação e ao mesmo tempo pedindo-lhe que lhe formulasse regras da arte
litteraria. Maupassant, que se negava a todos os
interviews
e a todos os inqueritos,
estava de bom humor na manhã em que recebeu essa missiva, pois que, em vez de a
atirar para a cesta dos papeis, a honrou com uma resposta que, por ser lacônica e
curta, não deixa por isso de equivaler a uma verdadeira profissão de litterari
a.
Eil
-
a na integra, pois que seria mutilal
-
a eliminar della uma só palavra.
[...]
A carta a Maurice Vaucaire, de 1886, a qual comentamos no capítulo de
apresentação, é, de fato o primeiro rascunho da poética de Maupassant, que retomaria
essas discussões, mais aprofundadamente em Le Roman”, conforme também afirma
Alter Ego, após dada a transcrição da carta: “No prefacio de Pierre et Jean, o grande
escriptor desenvolveu amplamente estas idéas.”. Esse texto, que muitas vezes é cortado
das traduções brasileiras de Pierre et Jean, tem sua síntese na carta, pela primeira
(e
única)
vez traduzida no Brasil.
Mantendo o mito do autor recluso e silencioso, Alter Ego deixa entrever no início
de seu texto que, assim como Vaucaire o se tornou um grande escritor, mesmo depois
dos conselhos de Maupassant, não foi em conseqüência tão-somente dos conselhos do
amigo (e não “tio”, com ele afirma) Flaubert que nosso escritor se consagrou. Os
conselhos, mas, sobretudo, a “propria experiencia de escriptor” teriam-no formado. A
idéia de Maupassant como “discipulo dilecto” de Flaubert também foi comentada no
O
Estado de São Paulo
, de 16 de novembro de 1907, p. 1
(“Gustave Flaubert”).
195
Maupassant, como o seu narrador que passa adiante uma história digna de
proveito, serve aqui
de
instrutor
, de conselheiro da arte literária. “Ver, ver com justeza”,
com o olhar livre dos mestres, “procurar exprimir por uma forma pessoal” o que se vê, a
arte como matemática, evitando as inspirações vagas, evitar os “pensamentos poéticos”,
preferind
o obter a “poesia nas coisas precisas ou desprezadas”, são conselhos que
chegaram ao Brasil, quer seja via obra, quer seja via jornal. A frase do “Manifesto da
p
oesia Pau
-
Brasil
, de Oswald
“Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do
mundo.
Ver com olhos livres
.”
172
vai exatamente nesse sentido. Ora, a
contraditoriedade é marca do tempo no homem, do sujeito aberto que repensa, que
reflete sobre sua visão do mundo. Assim como Maupassant, n
um
mesmo texto,
defendeu o livre-pensamento e afirmou que é impossível escrever uma única linha que
não tenha sido escrita por outro, tão grande é a tradição que nos sustenta; também
Oswald e Lobato se viam entre o peso da sua formação e a vontade de romper com o
colonialismo cultural, principalmente o francês, n
a sua época.
Em 1914, na coluna semanal “Letras e Letras”, do Correio Paulistano,
encontramos, em dois momentos, referências a Maupassant: a primeira em 2 de
novembro, a outra em 21 de dezembro. Essa seção reúne por hábito excertos de autores
brasilei
ros e estrangeiros, sempre finalizada por um poema de Nuto Sant’Anna,
173
que
era o responsável pela redação da coluna. No primeiro, saído no dia 2, p. 5, uma
citação célebre do autor.
O talento
O talento é uma longa paciencia. Trata-se de encarar tudo que se quer exprimir
bastante tempo, e com muita attenção, para descobrir um aspecto que não tenha
sido visto e dito por ninguem. Em tudo ha que esperar, porque s estamos
habituados e não nos servirmos dos nossos olhos sinão com a recordação dos que
pens
arem [sic] antes de nós, sobre o que nós contemplamos.
Guy de Maupassant
174
Esse trecho, retirado do prefácio de Pierre et Jean, resume a teoria poética de
Maupassant. Apesar de algumas ressalvas à fidelidade da tradução, evidencia-se pela
primeira vez nesse jornal uma observação sobre os pressupostos estéticos do autor. No
172
ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia Pau-
Brasil.
In: FONSECA, Maria Augusta. Oswald de
Andrade
: o homem que come. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.
32. O texto é de 1924.
173
Benevenuto Silvério de Arruda Santana (1889-1975), paulista, era diplomado em Farmácia e
Odontologia. Foi poeta, romancista, cronista, crítico, historiador, jornalista e membro da Academia
Paulista de Letras. COUTINHO, Afrânio; SOUZA, Galante de. Op. cit., v. 2, p. 1446.
174
Correio Paulistano
, 2 de novembro de 1914, p. 6.
196
entanto, não se diz que também, ele próprio, reúne uma outra voz alheia
pensada antes
dele...
–, a de Buffon: “O talento é uma longa paciência”, que Maupassant atribui em
seu texto a C
hateaubriand.
175
O comentário sobre a contemplação detida do artista
dirigida a seu objeto foi alvo, mais tarde, também da recuperação de nosso autor por
Oswald de Andrade, em detrimento de Zola e mesmo de Flaubert.
Tais reflexões sobre uma relativa virada da observação crítica de Maupassant no
Brasil deve-se, ao que vimos, pelo gradual conhecimento de sua obra e, principalmente,
parece
-
nos, a partir da leitura de “Le roman”.
3.10
Maupassant no cinematógrafo
O primeiro filme baseado em um conto de Maupassant foi também visto pelos
brasileiros no Rio de Janeiro, com um ano de atraso em relação à sua produção. Nos
dias 23, 24 e 25 de março de 1909, o
Jornal do Commercio
publica anúncios do filme
O
Pai Millon
no Cinematographo Rio Branco; no mês seguinte,
dia 10, o mesmo periódico
anuncia a projeção de O velho Millon no Theatro S. José (p. 10). A Gazeta de Noticias,
em 7 de junho e em 5 de setembro de 1909 (p. 6 e 12, respectivamente),
an
u
nci
a
as
sessões de O Pai Milon, primeiro no Cinematographo Rio Branco, depois no Cinema
Pátria, no
s
programa
s
vespertinos,
ao lado dos primeiros filmes
brasileiros.
Essas projeções eram possibilitadas pela recente inauguração das primeiras salas
de projeção, a partir de 1907, quando a iluminação elétrica na então capital b
rasileira
tornou viável e popularizou esses espetáculos.
176
Nessa época, empregava-se o
fonógrafo para reproduzir a voz do ator ou atores que liam o texto apenas dublado na
imagem; isso nos faz crer que, muito provavelmente, o filme O velho Millon era
son
orizado pelo fonógrafo, ao contrário do que supúnhamos inicialmente.
177
As
única
s
informaç
ões
fornecida
s
a respeito de seu conteúdo
pelos jornais são
:
175
Cf. a esse respeito a nota 2, à p. 1511, de Louis Forestier em MAUPASSANT.
Romans
. Paris:
Gallimard, 1987. (Bibliothèque de la Pléiade).
176
Em
A Bela Época do cinema brasileiro
, de Vicente de Paula Araújo, ficamos sabendo que as primeiras
formas do cinema chegaram via Europa em 1896 e, dois anos depois, já experimentávamos nós me
smos
as nossas produções nesse gênero. O cinematógrafo falante, combinado com fonógrafo, foi introduzido
em 1902 e a partir de 1904 oferecia espetáculos no Theatro Lyrico, no Theatro S. José, entre outros,
dos filmes cantantes franceses. O cinematógrafo Rio Branco foi inaugurado em de setembro de 1907
(p. 200). Segundo esse autor, “1907 foi o ano de estabilização do cinematógrafo no Rio de Janeiro”, uma
vez que antes dessa data o cinema era ambulante. ARAÚJO, Vicente de Paula. A Bela Época do cinema
b
rasileiro
. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 229.
177
O cinema falado propriamente dito foi desenvolvido no final da década de 20 nos Estados Unidos e se
desenvolveu na França somente depois disso. GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL.
Op. cit., v. 6, p. 141
0-
1412.
197
Jornal do Commercio
, 23 de março de 1909, p. 12:
Novo e belissimo programma confeccionado em oito soberbas fitas recentemente
chegadas de Pariz, destacando-se entre estas o “film artistico” O PAI MILON,
episodio da guerra franco
-
allemã em 1870.
1ª. parte A DANSA ATRAVÉS DO MUNDO, curiosissima fita de costume e
bailados de diversos paizes. 2ª. parte O PAI MILON (film artistico) episodio da
guerra franco
-
allemã em 1870, onde o Milon vinga seu pai e filho. [...]
Jornal do Commercio
, 10 de abril de 1909, p. 10:
Deslumbrante programma de film de arte / 1ª. parte / A fita fantástica de grande
êxito, colorida / O magico Japonez / 2ª. parte / A magnifica film de arte / O velho
Milon / pelos artistas do theatro Odeon, de Pariz [...]
Gazeta de Noticias
, 5 de setembro de 1909, p. 12:
Programma 1ª. parte
Pesca de Jacarè
/ 2ª. parte
A barba de Theodoro
/ 3ª. par
te
La Juanita / 4ª. parte O peru do Carnaval / 5ª. parte Film de arte de grande
intensidade dramatica /
O pai Milon
/ 6ª. parte
Os três mannequins
Seria
esta a primeira adaptação cinematográfica de Maupassant, segundo nos
informa o texto “Maupassant à l’écran”, vista no Brasil.
178
Trata-se do filme francês de
Firmin Gémier, de 1908, de título Le père Milon, encenada pelos atores do Théâtre
Odéon, segundo informa o jornal brasileiro. Acreditamos que a tradução tenha se dado
somente no
título
do espetáculo no jornal, assim como nas peças encenadas por atores
franceses.
Infelizmente não temos notícias sobre a repercussão desse filme, no Brasil ou
na França, nem conseguimos localizar uma cópia para sua visualização.
Essa produção é
desconhecida dos registros da Cinemateca Brasileira e do Museu da Imagem e do Som
(MIS)
. Como se vê, o Brasil recebeu rapidamente essa
adapta
ção
, o que correspondia à
imensa popularidade conquistada pelo cinema desde as suas primeiras formas. Segundo
informação obtida em “Maupassant à l’écran”, obras de Maupassant só ganhariam
novamente o formato cinematográfico em 1917, com a filmagem russa de “Yvette”, por
V. Tourjansky.
O Brasil, apenas a título de curiosidade, teve também sua adaptação
maupassantiana para as telas: segundo consta do catálogo na Cinemateca Brasileira
(onde a visualização do filme está inacessível), em 1974, Vera Fischer encenou uma
personagem do autor, dirigida por A
dnor Pitanga
.
179
178
MINISTÈRE DES AFFAIRES ÉTRAGÈRES. Guy de Maupassant. Paris: A.D.P.F., 1993. Texto de
Marie
-
Claire Bancquart
, p. 39
.
179
Uma delícia de mulher as mulheres que fazem diferente (1974) na sala Cinemateca. A sinopse é a
seguinte: “Falsa viúva que visita cemitérios para iludir incautos e usufruir vantagens conhece fotógrafo
com quem passa a viver. Descobrindo o truque, ele começa a explorar, com ela, outros ingênuos.” Por
essa descrição, tendemos a crer que seja uma adaptação do conto “Les tombales”, de La Maison Tellier
.
Mais uma vez, Maupassant foi lido na sua faceta erótica de contador de histórias.
198
3.11 L
eituras médicas
:
o visionário
Em 1912, encontramos no Correio Paulista
no
, dois artigos de autores
e
posicionamentos críticos diferentes, em que se menciona Maupassant, ambos de autoria
francesa, com o objetivo de resenhar obras lidas. No primeiro, de 25 de abril, o escritor
francês apenas serve de exemplo à exposição; no segundo, de 12 de maio, passa a
motivo central do artigo. Embora os autores dos artigos
sejam
franceses,
analisamo
-
los,
uma vez que serviram aos jornais brasileiros como difusores do que se pensava sobre
nosso autor.
O primeiro texto é de Jean Bourdeau (1848-1928), crítico literário e filósofo,
especialista em literatura alemã, colaborador do Journal des Débats. Amigo íntimo d
o
nosso autor, as cartas-resposta de Maupassant (de 1889) tratam, além de mulheres,
de
elogios que Bourdeau tecia à sua obra no mencionado jornal. O crítico francês dedicou
pelo menos um artigo, de 27 de junho de 1889, sobre
Fort comme la Mort
, ali publicado
.
Segue o texto publicado no Correio Paulistano, em 1912, nos trechos que nos
interessam:
A invasão dos médicos na história litterar
ia
Antigamente a critica litteraria não se preoccupava com os autores, mas sim com as
obras, examinando se eram conformes ao gosto fixado pelos costumes. É o que
acontece, por exemplo, com a critica de La Harpe.
Com Sainte-Beuve, porém, a critica torna-
se
psychologica. A obra reflecte o
homem que a creou, logo é o homem que se deve conhecer.
Depois dos psychologos, vieram os physiologistas. O proprio Sainte-
Beuve
principiou pelos estudos da medicina, mas era tão dedicado com a penna na mão,
que nada o deix
ava transparecer.
Em 1852, a proposito de Madame Bovary, desgostava-se elle com a invasão dos
physiologistas no romance e na historia:
Physiologistas, exclamava, encontro
-
vos por toda a parte!
[...]
Falta-nos o espaço para seguir os dois doutores [Rémond e Voivenel em
Genio
litterario
], no seu estudo sobre a epilepsia de Dostoiewsky, de Flaubert, e as
conveniencias oppõem-se a que insistamos sobre as perversidades que symbolizam
o marquez de Sade e Oscar Wilde.
Passando em seguida á semi-loucura e á loucura, os nossos doutores fazem a
respeito de Tolstoi um diagnostico extremamente severo: consideram a sua obra
como enfermiça e socialmente perigosa, pela sua piedade para com os criminosos.
Assignalam, na obra de Maupassant, os symptomas precursores da cata
strophe
final e no
Sonho e a vida
, de Gerard de Nerval, a escripta delirante.
[...]
A conclusão, a que chegam os drs. Rémond e Voivenel, é que o verdadeiro genio é
antithese da degenerescencia, uma
progenerescencia
, a um tempo verbal e sexual,
pondo em est
reitas relações os centros d
e
linguagem com o da sexualidade.
Esta these exigiria alguns esclarecimentos.
É muito provavel que os mudos não pudessem ser grandes oradores, ou grandes
poetas. A arte é para as grandes paixões do amor o que a pintura é para o
modelo: é
199
necessario poder sentil-as para as descrever. Perguntava-se a Sully Proudhomme,
porque não fazia mais versos:
Porque, respondeu elle, já não sou amoroso.
Na opinião do dr. Voivenel, o estylo é apenas um instrumento de conquista para o
autor de genio: mas deve têr-se em conta a ficção, livrar-nos de confundir o que é
condição
do que é
causa
. A sexualidade é uma condição da poesia, pela mesma
razão que o é o estomago: como rimar, sem faculdades estomacaes? O genio tem
outras fontes mais elevadas e menos confusas. Não expliquemos, todavia, o
superior pelo inferior, o que constitue o escolho, contra o qual os senhores
physiologistas correm o risco de
se
esphacelar.
J. Bourdeau
180
Percorrendo
rapidamente
a tradição crítica francesa, segundo seu modo pudico
de relatar (“as conveniencias oppõem-se a que...”), Bourdeau aponta o fato de a atual
crítica deter-se na explicação das obras a partir da análise psicológica dos autores. No
trecho que nos interessa, resume a tese de dois médicos, Rémond e Voivenel, sobre a
manifestação do gênio literário (critério por si romântico) e, para os autores que não
se encaixam nos princípios dessa escola, imputam uma leitura da obra a partir de fatos
conhecidos de suas vidas. É o que Bourdeau resume na frase sobre Mau
passant:
“Assignalam, na obra de Maupassant, os symptomas precursores da catastrophe final”.
O crítico parece se opor às idéias causais em literatura, dadas pelos dois médicos citados,
mas sem fortes argumentos; safando-se como pôde, dá-nos a espirituosa conclusão: “A
sexualidade é uma condição da poesia, pela mesma razão que o é o estomago: como
rimar, sem faculdades estomacaes?”, mostrando que um grande equívoco na crítica
proposta e ali resumida, que deixa de lado o que é próprio ao texto literário. Com essas
conclusões, Bourdeau põe em questão o tipo de estudo médico-literário em voga na
época, o qual comentamos. Igualmente faz ponderar o artigo de Georges Dumas, que
seria publicado algumas semanas depois, também pelo
Correio Paulistano
.
O texto seguinte, “A enfermidade de Maupassant”, como dissemos, é todo
dedicado ao nosso escritor. O autor, Dr. G
eorges
Dumas (1866-
1946)
, era colaborador
freqüente do jornal e estivera várias vezes em missão no Brasil, entre 1908 e 1940.
181
180
Correio Paulistano, 25 de abril de 1912, p. 1, sem comentário sobre a origem do artigo, se foi
publicado anteriormente em jornal francês e traduzido
.
181
Lemos no mesmo periódico, do ano de 1913, semanalmente, diversos artigos de sua autoria, entre os
quais dois intitulados: “Impressões sobre o Brasil” e “O curso Paulista na Faculdade de Direito”. Também
escreveu para o jornal artigos sobre Flaubert, Fr
eud,
Comte,
as influências literárias da França e da
Alemanha no mundo (e no Brasil), entre diversos temas cotidianos, como o ciúme, doenças e crônicas de
sociedade.
Foi membro correspondente da Academia Brasileira de Letras e amigo de Medeiros e
Albuquerq
ue, o qual seguiu alguns cursos seus na Sorbonne. Georges Dumas teve importante papel na
formação desta Universidade. Claude Lévi-Strauss faz um retrato de Dumas e fala do papel
desempenhado pelo seu professor de Psicologia nas indicações dos professores a integrar as cadeiras
brasileiras, no primeiro capítulo de Tristes tropiques. “[...] la fondation de l’Université de São-
Paulo,
grande oeuvre dans la vie de Georges Dumas [...] LÉVI-STRAUSS, Claude. La fin des voyages:
Départ.
Tristes tropiques
. Paris: P
lon, 1955, p. 7.
200
Entre resenha de obra e relato subjetivo de um contemporâneo do autor, consta de uma
observação médica e pessoal da sua obra uma outra invasão de médicos na história da
literatura
–, indo no mesmo sentido da crítica biográfica e de conteúdo referida, e
associando elemento
s
conheci
dos da vida do autor a uma leitura do tema da loucura.
Observamos que, em 5 de novembro de 1910, G. Dumas publicou também no
Correio
Paulistano
“Augusto Comte era louco”, e em 4 de fevereiro de 1912, “Victor Hugo
propheta”, os quais somente pelo t
ítulo demonstra
m
o seu viés crítico polêmico.
A enfermidade de Maupassant
O sr. Louis Thomas, um dos nossos jovens criticos literarios que já se tornou
conhecido por interessantissimos estudos, acaba de publicar sobre a doença e morte
de Maupassant um livro cheio de bom senso e penetração e muito documentado.
182
Segundo este escriptor e parece bem que está definitivamente com a razão a
paralysia geral que victimou Guy de Maupassant em plena maturidade do seu genio,
na edade de 43 annos, ora, como acontece quasi sempre e talvez até sempre, a
consequencia de uma antiga syphilis; e a infecção evoluiu num terreno preparado
pela hereditariedade nevropathica, aggravára-se, na especie, por todos os exsessos
[sic] intelectuaes, amorosos e sportivos a que Maupassant se entregou, sem
descanço, desde os 20 annos. Portanto, nada de notavel sob o ponto de vista clinico,
unicamente, o que é classico, existe na doença e na morte de Maupassant; o caso em
si seria trivial si não se tratasse de um romancista genial e fecundo, cuja decadencia
mental apresentou alguma cousa de impressionante e tragico.
Lembro
-me ainda daquella mannevoenta de janeiro de 1892, em que soubemos,
no Bairro Latino, que Guy de Maupassant havia tentado degollar-se, em Cannes;
que estava louco e
o tinham conduzido para Paris, internando-
o na casa de saude do
dr. Blanche. Foi um luto geral, porque todos tinhamos um verdadeiro culto pelo
autor do
Bel
-
Ami
, de
Mont
-
Oriol
, de Une Vie e de Pierre et Jean; sabiamos que era
afilhado e discipulo de nosso grande Flaubert, que previu e predisse a sua gloria.
Tinhamol
-o visto, sete ou oito annos antes, publicar as suas obras primas,
chamavamol
-o ainda “novo”, tinhamos no seu futuro e admiravamos nelle a
pintura audaciosa e tranquilla da vida, a força e a sobriedade da sua lingua e essa
faculdade maravilhosa de commover, sem ser commovido, pela simples descripção
objectiva dos factos, o que fazia desse moço
o primeiro romancista do nosso tempo
.
Os jornaes, a principio, não falaram em paralysia geral; alguns dias depois, os
jornalistas e os estudantes de medicina que conheciam os internos da casa de saude
do dr. Blanche completaram o diagnostico. Em Saint’Anne soube eu tambem por
um interno, que se approximára do doente, que Maupassant estava em plena
demencia,
tinha as idéas de grandezas mais extravagantes, por vezes misturadas de
idéas hypocondriacas, absurdas, recusava-se, especialmente, satisfazer necessidades
imprescindiveis, sob pretexto de que tinha os intestinos cheios de pedras preciosas e
que não queria separar-se dellas. Soube egualemente que, desde alguns annos,
depois de 1882 ou 1883, os medicos que o conheceram tinham constatado nelle
uma desegualdade pupillar muito apparente e que essa perturbação da enervação da
iris, que as mais das vezes faz parte da paralysia geral não deixára de preoccupar
bastante. Contaram ainda que Maupassant guardava consciencia mais ou menos
nítida do seu estado actual como da sua vida passada, e, em certos momentos, tinha
182
THOMAS, Louis. La maladie et la mort de Maupassant
. Thèse de Médecine. Paris, 1906. Republicada
em 1912, Paris: A. Messein. Apud: BENHAMOU, Noëlle. Op. cit., p. 159.
201
bruscos e passageiros lampejos de inteligencia, que lhe permittiam julgar durante
alguns instantes os outros e julgar
-
se a si mesmo.
No dia em que a Comédie Française representou novamente a sua peça
Musote
,
estava elle de camisola de força e delirando de uma maneira particularmente
intensa; o interno app
roximou
-se delle, poz-lhe a mão no hombro para melhor lhe
chamar a attenção e disse
-
lhe:
Sr. de Maupassant, representam hoje, na Comédie Française, a
Musote.
Maupassant parou de delirar e respondeu:
Fazem mal; foi o que escrevi de peor. E Maupassant ti
nha perfeitamente razão.
O sr. Thomas, que não conheceu este detalhe, nem por isso deixou de descrever
com muito talento e informação, todas as phases do declinio, desde o começo
insidioso da doença até á catastrophe de Cannes e até á morte, que sobreveiu no dia
6 de julho de 1893. “Encontrou-o calmo, diz-nos o critico; extinguiu-se como uma
lampada por falta de azeite.
Li com muito interesse o livro do sr. Louis Thomas; mas pergunto a mim mesmo si
depois do que elle disse, e disse-o muito bem, não ficaria ainda alguma cousa por
dizer.
Não ha duvida de que é interessante descrever um caso clinico como
historiador, como medico e como psychologo; poder-
se
-ia, porém, procurar o que
na [sic] primeiras manifestações da doença ou antes os prodromos trouxeram de
no
vo ao pensamento, até alli tão são e tão claro, de Guy de Maupassant. Ha
especialmente um livro de Maupassant que eu nunca pude ler sem admirar a
precisão com que descreve os phenomenos de desagregação mental, que se
produziram no seu espirito por occasião de certas crises graves e significativas de
neurasthenia. Esse livro é o
Horla
. Mesmo dando o desconto á parte do exaggero
literario e da deformação artistica, que tornam tão suspeitas todas as memorias dos
homens de letras, é manifesto que Maupassant descreve alli, no seu jornal
quotidiano, phenomenos de automatismo mental de que se espanta com razão, e
sobre os quaes enxerta interpretações quasi delirantes. Maupassant sente, disso não
se póde duvidar, que, até no estado de vigilia, executa movimentos e actos que não
teve intenção clara de executar, ao passo que as mais das vezes é incapaz de realizar
actos que quiz. São factos, bem conhecidos, de impulsão e de inhibição; mas como
o doente os raciocina, chega bem depressa a cada idéa, que alliás se encontra no
fundo de todos os delirios de possessão, que uma vontade extranha pesa sobre a
delle e a domina, que um ser mysterioso e poderoso, que elle chama um
Horla
,
tomou posse de sua alma.
De noite, o
Horla
não deixava a sua victima; umas vezes cáe sobre ella com todo o
seu peso, para lhe causar horriveis pesadelos; outras vezes, esgueira-se pelo quarto,
usando para se alimentar dos frascos de agua e de leite, que estão pousados na mesa.
Maupassant adormece sem tocar nesses frascos; vae até ao ponto de os arro
lhar
lacrando
-
os; e no dia seguinte, ao despertar encontra
-
os vazios, mas sempre lacrados.
O mais simples seria confessar a si mesmo que elle é somnambulo, que a sua
personalidade mental se dissocia, que o automatismo o invade. Esta explicação,
porém, em que Maupassant pensa em certos momentos, não satisfaz nem á sua
imaginação inquieta nem á necessidade que tem de acreditar, como todos os
homens na unidade da sua alma, e Maupassant volta sem cessar á hypothese
aterradora do
Horla
, em face do qual tem ao menos a satisfação de dirigir tudo que
lhe resta de vontade pessoal.
Os alienistas dir-
vos
-ão que isso é a eterna historia de todas as personalidades, que
se sentem attingidas na sua coherencia profunda pelos progressos do automatismo;
eu, porém, não acredito que esta eterna historia tenha sido escripta em termos mais
precisos e mais commoventes. Neste caso, não é o medium que escreve, é o doente,
e que doente! E a todos os seus dons de estylo, a toda a sua potencia de analyse vem
alliar
-se o soffrimento e a angustia de sentir esmigalhar-se, dispersar-se esse
pensamento creador que foi o seu legitimo orgulho. Dahi, os gritos do desespero
que escaparam , uma vez, a esta alma, de ordinario impassivel:
202
Meu Deus, si é que existis, livrae-me, salvae-me, acudi-
me!
Perdão, piedade,
socorro! Salvae
-
me! Que tortura! Fico louco! Que horror!
Conhece
-
se, porventura, em todas as literaturas, cousa mais dolorosa e mais tragica de
que estes gritos? E foi Maupassant que os deu, o grande Maupassant da nossa
mocidade, num dia
em que se sentia perto do abysmo, onde se devia despenhar.
Elle sabia que estava ameaçado, espreitava com angustia as primeiras manifestações
do mal e, das suas observações como dos seus soffrimentos, tirou esse bello livro de
miseria humana, que é a illus
tração commovente das primeiras phases da sua
Paixão
.
Paris, 15 de abril de 1912.
Dr. G. DUMAS.
183
É nítido que o Dr. Georges Dumas, pelo interesse que t
inha
pelas áreas
médicas, qu
isesse
criticar o autor segundo seus instrumentos de trabalho. Além disso,
contemporâneo de Maupassant, emprega também como método o seu gosto, suas
impressões sobre esse escritor novo”, “primeiro romancista do seu tempo.
184
Faltam
-lhe, porém, os conhecimentos específicos da arte literária e chega mesmo a
desprestigiar o caráter literário do texto para -lo como simples memórias de um
doente
“e que doente!”: “Mesmo dando o desconto á parte do exaggero literario e da
deformação artistica, que tornam tão suspeitas todas as memorias dos homens de
letras”. Confunde o narrador, criado racionalmente pelo artista, com o escritor,
atribu
indo o diário da personagem de Le Horla ao próprio Maupassant. Ora, é cil
perceber que esse tipo de crítica nunca se teria justificado se nosso autor tivesse
morrido alguns anos antes, de um acidente qualquer, antes que sua loucura se tornasse
de domínio público. Seria o mesmo que afirmar que Dostovski era um criminoso
terrível e por isso soube compor tão bem suas personagens. Absurdos desse tipo
mostram o quanto é equívoca a crítica biográfica e psico
lógica feita a Maupassant.
Não sabendo resolver a problemática romântica da inspiração, o acreditando
em mediunidade, o crítico atribui à doença a causa da escrita e do tema da loucura em
sua obra. Mistura argumentos de diversas espécies para mostrar a r
elação do tema e do
fato biográfico. E quando Georges Dumas encontra uma autocrítica de Maupassant
com a qual concorda, como no caso de sua opinião sobre a qualidade estética de
Musotte
,
faz questão de ressaltar que foi dada em “lampejos de inteligência”,
quando a
doença lhe deu trégua: Maupassant parou de delirar”, E Maupassant tinha perfeita
183
Correio Paulistano
, 12 de maio de 1912, p. 1.
184
Lévi
-Strauss, ex-aluno de Dumas, dá-nos a seguinte observação, em Tristes tropiques, sobre seus
métodos e princípios: “Ses cours n’apprenaient pas grand-chose; jamais il n’en préparait un, conscient
qu’il était du charme physique qu’exerçaient sur son auditoire le jeu expr
essif de sés lèvres déformées par
un rictus mobile, et surtout sa voix, rauque et mélodieuse: [...] Ce savant un peu mystificateur, animateur
d’ouvrages de synthèse dont l’ample dessein restait au service d’un positivisme critique assez décevant,
était um
homme d’une grande noblesse [...]” Op. cit., p. 6
-7.
203
razão”
sem isso, os argumentos do Dr. Dumas poderiam comprometer a sua própria
fiabilidade...
Talvez a vantagem atual da crítica especializada é a de que nenhum médico se
atreveria hoje a escrever um artigo público escalpelando uma personagem, que tem
vida no papel.
185
Nos tempos em que historiador,
jornalista,
médico e psicólogo
ocupavam um mesmo lugar social, por falta de espaços mais bem distribuídos na
socied
ade, isso era possível e mesmo apreciado.
Veja
-
se que Dumas não hesita em dar a
sua contribuição pessoal ao que “ficou por dizer” pelo livro que resenhou.
Alguns elementos importantes, contudo, da estética do autor francês estão bem
marcados no texto lido: a descrição objetiva dos fatos, a “faculdade de comover sem ser
comovido”, o caráter impassível de sua personalidade, os quais entram mesmo em
conflito com o viés crítico escolhido pelo autor. Como Maupassant poderia ser objetivo
se falava de si mesm
o?
Georges Dumas ainda afirma que sua geração via Maupassant como o primeiro
romancista de seu tempo. Essa observação reforça o contraste entre a primeira recepção
do autor na França e a que permaneceu ainda por algum tempo no Brasil. Em parte, essa
difer
ença pode se explicar pela permanência do Maupassant contista fora da França e
pela sua menor contemplação na França, que logo se olvidou. Justamente no gênero
romance, foi logo esquecido entre outros autores do XIX francês, pela menor qualidade
de sua produção, se comparada com às de Balzac, Flaubert e Zola,
186
e como contista,
em sua época, não permaneceu valorizado em seu país, visto que essa forma literária foi
desprestigiada com a ascensão da forma romanesca e as novas experiências estéticas no
gênero.
187
O último texto encontrado sobre as análises médico-
literárias,
publicado na
coluna Letras e Letras”, do Correio Paulistano, em 21 de dezembro de 1914, é uma
185
Pensamos aqui nos comentários feitos por Leyla Perrone Moisés, em Falência da crítica: um caso
limite: Lautréamont
.
São Paulo: Perspectiva, 1973. A autora cita Barthes, na esteira do qual vai
ao
analisar as diversas correntes críticas, por meio do caso de Lautréamont: “A crítica biográfica parte de um
equívoco fundamental: a identificação do poeta ou do narrador com a pessoa do autor. Ela considera a
obra como imagem fiel do escritor enquanto homem, confunde o nível literal da obra com o nível
referencial. Ela se esquece de que a linguagem, e particularmente a linguagem opaca da literatura, abre
uma brecha entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, esquece que, como diz Barthes,
‘na
rrador e personagens são seres de papel’.” (p. 58)
186
Sobre a recepção de Maupassant na França, remetemo-nos ao livro de Artine Artinian, Pour et contre
Maupassant
, já comentado nos relatórios anteriores.
187
Mesmo entre a elite intelectual brasileira, confo
rme vimos no exemplo de Sérgio Buarque de Hollanda, o
conto era interpretado como uma “praga”, justamente a partir da difusão empreendida pela obra de
Maupassant.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. A decadência do romance. O espírito e a letra: estudos de
crític
a literária. Org. Antônio Arnoni Prado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996
, v. I, p. 105
.
204
crítica anônima, em que se procura resumir uma obra
médica
lida
,
de L. Pegal (?). Nela,
o autor esboça uma tese psicológico-
determinista
– com a qual o crítico brasileiro
parece concordar que a fim de analisar casos diferentes. P
rocura
-se ler a literatura
francesa do XIX, explicada como efeito do suicídio, da loucura, do nervosismo, do
álcool e
dos alucinógenos
tratados como variantes de um mesmo tema.
Homens celebres
L. Pegal estudou scientificamente a psychologia dos mais celebres escriptores
romanticos do seculo passado e tirou a conclusão que elles possuiram uma
imaginação e uma sensibil
idade que os predispunha ao suicidio.
Chateaubriand quando joven tentou suicidar
-
se.
Sand dizia que tinha uma excessiva sensibilidade, rebelde á razão, sobretudo nos
momentos de crise. Em muitas paginas da “Histoire de sa vie”, encontram-
se
signaes de uma verdadeira perturbação intellectual; quando ella era menina tinha
allucinações, tinha creado na sua imaginação a imagem de um deus chamado
“Corambo” e adorava-o como um ente real, e tributava-lhe um verdadeiro culto
sobre um altar rustico: durante muitos a
nnos teve a mania do suicidio.
Alfredo de Musset foi também atormentado por uma doença nervosa que em certos
momentos se assemelhava á loucura, e em diversas epocas da sua vida teve a
tentação de suicidar
-
se.
Lamartine quando moço tinha sido tão impressionavel que mais de uma vez tinha
pensado no suicidio: a mesma cousa aconteceu a Sainte
-
Beuve.
Victor Hugo, entre os grandes poetas do século, não teve a obsessão do suicidio
apesar da sua prodigiosa imaginação, que exagerava tudo e prejudicava a clareza
do
seu pensamento.
Os romancistas celebres não foram menos sensiveis nem menos “emotivos” que os
poetas.
Octavio Feuillet era nervoso em excesso e uma malevola critica de J. Janino
causava
-
lhe verdadeiras perturbações na saude.
Os romanticos naturalistas tamb
em são nervosos.
Flaubert era epileptico; Affonso Daudet e Edmundo de Goncourt eram
nervosissimos; Guy de Maupassant, que uma vez tentou suicidar-se, morreu de
uma paralysia geral; Emilio Zola, possuia certo desequilibrio nervoso, uma
emotividade exaggerada, com tendencias morbidas, que lhe provocavam, sob a
influencia das menores excitações, reacções desordenadas e terrivelmente
dolorosas.
O nervosismo tem uma influencia consideravel sobre o genio dos poetas e dos
romancistas; e esta sensibilidade physica e moral faz com que elles exaggerem as
impressões recebidas e os soffrimentos da vida. Os poetas, os romancistas e os
artistas em geral, queixam-se mais vivamente das miserias da vida porque as
sentem mais profundamente do que os outros. Além disso, cedendo ao prazer de
desenvolver exclusivamente essa faculdade da sensibilidade, que é a causa da sua
superioridade, perdem o equilibrio, a harmonia de todas as faculdades; de onde as
desordens nervosas que se reflectem nas suas obras; essas perturbações não lhe
s
reduzem a capacidade de producção, visto ser conhecido que nelles a razão se pôde
alterar sem que lhes diminua o genio: basta citar Tasso, Rousseau, Poe, Geraldo de
Nerval.
Para augmentar essa sensibilidade, alguns escriptores exaltam-se embriagando-
se:
nem se limitam ao vinho como fazia Eschyro [sic], mas recorrem ao alcool, ao
absintho, ao haschisch. Hoffmann tinha allucinações que elle provocava com
excitantes e das quaes se aproveitava para escrever os seus “Contos phantasticos”.
Edgard Poe bebia para excitar a sua imaginação e para ter visões que lhe serviam
205
para as suas “Historias extraordinarias”; atacado de “delirium tremens”, cahiu na
rua e foi levado ao hospital onde morreu. Baudelaire procurou inspiração no opio e
no haschisch e morreu de paraly
sia.
Maupassant abusava dos excitantes artificiaes do pensamento, e uma vez que seu
medico o cumprimentava pela perfeição com que tinha descripto o ciume no
romance “Pierre et Jean”, respondeu-lhe elle que não tinha escripto uma linha sem
se ter préviamente excitado com ether...
188
Assim como sugerira Maria Amália Vaz de Carvalho, vemos
novamente
substituída a explicação da loucura do escritor, como causa de sua obra, pela explicação,
igualmente deturpada, da origem nas drogas. De fato, Maupassant morreu louco e usou
o éter para aliviar as suas dores como qualquer um de nós tomaria uma aspirina para
não sentir os efeitos de uma dor de cabeça. Isso não explica por que nós não escrevemos
contos como os dele ou por que tantos outros de sua época, que se drogavam com ét
er
ou ópio, não tenham escrito Boule de Suif ou qualquer um dos poemas de Flores do
Mal
. Quem de nós não teve crises histéricas quando injuriados por alguém, como as
que o autor descreve na vida de Octavio Feuillet? Ou não criou amigos imaginá
rios
na
infância,
como o tal Corambo, de Georges Sand?
O autor do artigo parece ter um lampejo de coerência, ao comentar que, apesar
de tudo, “essas perturbações o lhes reduzem a capacidade de producção, visto ser
conhecido que nelles a razão se pôde alterar sem que lhes diminua o genio”. A frase
parece boa, mas o comentário final sobre nosso autor mostra que o articulista o
parecia convencido da não existência de uma relação causal entre produção literária e o
tal “excitante artificial do pensamento” (desvario, álcool e drogas em geral).
Esse tipo de estudo, conforme vimos, estava mesmo na moda, inclusive no
Brasil. O levantamento de Noëlle Benhamou, “Le domaine critique français: l’exemple
des thèses”,
189
demonstra que, entre 1900 e 1944, predominavam os estudos médicos
sobre o autor (entre doze teses defendidas nesse período sobre o escritor, oito são
médicas). Foi somente a partir de 1946 que os estudos literários começaram a
sobrepujar os científicos, mas ainda se verificou, mesmo após essa data, pers
onagens do
autor servindo de exemplos para estudos biológicos ou médicos.
Na revista
Fon
-
Fon
, semanário publicado no Rio de Janeiro a partir de 1907,
localizamos, em 2 de fevereiro de 1918, um texto intitulado “Machado de As
sis”,
assinado por Jotaenne
,
190
o qual
analisa justamente uma tese médica sobre o autor de “O
188
Correio Paulistano
, 21 de dezembro de 1914, p. 4, sem assinatura.
189
Bulletin Flaubert
-
Maupassant
, n. 16, 2005, p. 149
-175.
190
Pseudônimo de Gustavo Dodt Barroso (CE 1888-RJ 1959), advogado, professor, potico, folclorista,
cronista, contista
, ensaísta e romancista. Foi redator do
Jornal do Commercio
entre 1911 e 1913 e diretor da
Fon
-
206
Alienista”. Trata
-
se de uma resenha (ou “passageira crônica”, como o quer seu autor) de
A psychologia morbida da obra de Machado de Assis
, de Luiz Ribeiro do Valle, na qual
o autor analisa a loucura em personagens literárias, segundo o procedimento freudiano.
Reproduzimos a seguir o trecho em que se fala de Maupassant:
O Sr. Dr. Luiz Ribeiro apoia-se nas theorias dos semi-loucos de Grasset e analysa
os personagens que nellas se enquadram, pertencentes á litteratura classica,
especialmente a Shakespeare e a Cervantes. Depois, vae ás paginas de Balzac e de
Zola,
enfronhando
-se pela dissolução moral de Maupassant e chegando aos nossos
contempora
neos, através dos typos slavos de Gogol, Turgueneff, Tolstoi e
Dostoiewsky.
191
Ao que indica o autor, a segunda parte do trabalho se detém no estudo de
diversas obras de Machado de Assis e nelas “campeia a sua eterna mania do meio
termo”. Esse estudo serve ao objetivo de Jotaenne a fim de elevar a obra mach
adiana,
para quem “não fosse uma muralha chineza em torno da poesia e da litteratura
nacionaes, [...] Machado de Assis seria actualmente um dos grandes nomes da
intelectualidade mundial”. Nesse caso, os fins nobres justificaram os meios excusos.
3.12
Prim
eiros estudos
comparados
sobre
os maupassantianos
Conforme veremos, entre as crônicas aqui coletadas, depoimentos que
assumem ou negam a presença de Maupassant em determinados escritores brasileiros.
Por vezes, é do próprio escritor a referência; em outras, o paralelo é dado por um
terceiro, o redator, intermediador entre nós e os dois escritores comparados.
Em 25 de março de 1905, na página 2 da Gazeta de Noticias, encontramos uma
pequena referência a Maupassant na coluna “Momento Literario”, de João do Rio.
Trata
-se de uma crônica chamada “Um lar de artistas”, que varia entre as formas de
relato em primeira pessoa e entrevista, feita por João do Rio à escritora Júlia Lopes de
Almeida e a seu marido, o escritor e acadêmico Filinto de Almeida. o relato da
escritora de suas lembranças de
infância
, de seus escritos em verso, de seus processos de
escrita adulta, em prosa, e da leitura de escritores portugueses e franceses. No momento
em que cita Maupassant, quer deixar claro que suas leituras do autor foram feitas
Fon
a partir de 1916. Em 1923 entrou para a Academia Brasileira de Letras. Usou outros pseudônimos, como:
João do Norte, Nautilus e Cláudio França.
COUTINHO, Afrânio; SOUZA, Galante de. Op. cit., v. 1, p. 338.
191
Fon
-
Fon
,
2
de fevereiro de 1918,
ano XII, n. 5, p. 19. A página consultada dessa data está no endereço:
<http://www.bn.br/s
ite/script/FbnObjetoDigital.asp?pCodBibDig=246412&pStrDewey=>, última consulta
em 18 de maio de 2007.
207
quando adulta e que não contribuíram para a sua formação, nem para a escrita de
A
viúva Simões.
[...] Sabe o Sr. que é muito difficil responder ao seu inquerito? Tem tanta cousa!
Começa logo com uma pergunta complexa a respeito da formação litteraria. Tive
duas criaturas que a fizeram, meu pai e meu marido. Em solteira, meu pai me dava
livros portuguezes, o Camillo, o Julio Diniz, Garret, Herculano. publicara livros
quando casei, e depois de casada é que li, por conselho de meu marido, os
modernos daquelle tempo, Zola, Flaubert, Maupassant.
Maupassant causou
-
lhe uma grande impressão.
A viuva Simões
...
Eu li Maupassant depois de publicada A viuva Simões. Sou de muito pouca
leitura.
192
Enquanto Júlia Lopes de Almeida nega a influência de Maupassant quando
escreveu essa novela, conforme dissemos, as moças solteiras não podiam lê-
lo...
Medeiros e Albuquerque
(1867
-
1934)
, cujos contos são claramente influenciados por
Maupassant, foi mais aberto a essa presença. Também no inquérito
Mo
mento
literário
”, de João do Rio (realizado entre 1904 e 1905, publicado em livro em 1908),
Medeiros e Albuquerque respondeu, desta vez confirmando a influência de Maupassant
em sua formação literária: Pierre et Jean, pelo seu estilo de uma limpidez sem i
gual,
claro e simples, me parece a obra-prima de Maupassant. Foi talvez lendo-o que eu tive
mais pronunciadamente a sensação de que o ideal do estilo é a clareza e a
simplicidade.”
193
O primeiro texto que encontramos de Oswald de Andrade,
194
no
Correio
Paulistano
, de 4 de março de 1916, tem por método a comparação, a fim de nos
apresentar
o
escritor brasileiro Amadeu Amaral (1875-
1929)
. Utiliza-se da literatura de
Maupassant e de George Eliot (Mary Ann Evans), seus princípios naturalistas
segundo
Oswald –, para buscar uma melhor definição e a filiação espiritual de Amadeu Amaral.
Até essa época, o autor de O dialeto caipira tinha publicado os seus
doi
s primeiros
volumes de poemas:
Urzes
(
1899
) e N
évoa
(1902
).
Os textos a que Oswald faz
referência devem ser
contos esparsos, publicados pelo escritor, estreante no gênero, uma
vez que não há volume publicado por Amaral intitulado “História da vida quotidiana”.
192
Gazeta de Noticias
, 25 de março de 1905, p. 2, assinado por João do Rio.
193
RIO, João do. (Paulo Barreto). Medeiros e Albuquerque. O momento literário
.
Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional, 1994, p. 63
.
194
José Oswald de Sousa Andrade (SP 1890-SP 1954) foi cronista, poeta, romancista, dramaturgo,
professor e deputado. Foi um dos mais importantes iniciadores do Movimento Modernista e realizadores
da
Semana de Arte Moderna, de 1922. Segundo a cronologia dada por Maria Alice Rebello, na edição
consultada das memórias do autor, Oswald colaborou com o Correio Paulistano entre abril de 1921 e
1924; escreveu continuamente, desde 1918, para a edição de São Paulo do Jornal do Commercio e n’
A
Gazeta
até pelo menos 1921. ANDRADE, Oswald. Um homem sem profissão: sob as ordens de mamãe.
São Paulo: Globo/Secretaria so Estado de São Paulo, 1990
.
208
De qualquer maneira, não é o texto de Amaral que nos interessa no momento
,
mas os termos críticos empre
gados por Oswald para aproximá
-
lo de Maupassant.
“A Barreira” e “Super-Homem” são dois casos chocantes de verdade despida, em
que momentos de alma e de existensia [sic] se desenrolam sem barulho na
simplicidade “voulue” de quadros exactos. Nem um tom forte, nem um exaggero,
nem uma intervenção desmedida do artista no colorido ou na composição. É a vida
como ella é, como não queremos que ella seja, e vida feita d’“á peu prés”, na phrase
inquietante de Maupassant. E a vida somente!
Entanto, a grande difficuldade da arte estará ou não ligada á grande difficuldade de
reproduzir a vida?
A
“frase inquietante” de Maupassant provém, antropofagicamente digerida e
modificada, de “Le roman”.
Quelle que soit la chose qu’on veut dire, il n’y a qu’un mot pour l’
exprim
er, qu
’un
verbe pour l’
animer et qu'un adjectif pour la qualifie
r. Il faut donc chercher, jusqu’à
ce qu’
on les ait découverts, ce mot, ce verbe et cet adjectif,
et ne jamais se contenter
de l’à-
peu
-près, ne jamais avoir recours à des supercheries, mêmes heureuses, à des
clowneries de langage pour éviter la difficulté.
195
ainda outros aspectos defendidos por Maupassant retomados nesse artigo,
como
não
narrar estados agudos da vida das personagens, evitando contar os fatos da
realidade constante. Também a impessoalidade, conforme vimos, atribuída sempre a
Maupassant, é por ele mesmo reconhecida como impossível em arte. É sempre por meio
de um olhar particular que se mostra essa realidade circundante, o espetáculo da vida.
Mas é possível dissimular essas int
enções, papel esse do escritor ilusionista.
O modo irreverente de Oswald, de passar de um tema a outro, a sua velocidade de
raciocínio, sua construção frasal até, por vezes, truncada, ao retornar a Maupassant, revelam
com que acuidade crítica e clareza sel
eciona os aspectos dos autores postos em debate.
Emtanto, Flaubert de maneiras normandas fazia na vida literaria do seu tempo o que
o subtil Dumas Filho tão deliciosamente disse do seu modo de ser artista: “C’était
un géant qui abattait une fôret pour
fabriquer une boite”.
Foi bem isso elle fez todo um barulho de derrubada de floresta para produzir,
além dos seus cofres lavados a genio, as caixinhas preciosas dos Goncourt e as
caixas de kerozene de Zola.
E, em França mesmo, o naturalismo prosseguia o
seu limpido curso na força rica de
Guy de Maupassant e no psychologismo atilado e nobre de Paul Bourget duas
creaturas de escól na balburdia democratica do seculo.
Eu filio Amadeu Amaral a este derivamento directo dos mestres sem bandeira
vermelha nem esfalfamentos gesticulados de praça publica. Elle não berra a
promessa de nenhum naturalismo perfeito e sorrirá á idéa do carroceiro Zola
armando barraca de feira no augusto recinto da fidalga França literaria.
195
MAUPASSANT, Guy de. Le roman. Op. cit., p. 714.
209
É apenas si elle ousa intitular o seu agrupamento de paginas sinceras “Historia da
Vida Quotidiana”. [sic]
Nessas historias, porém, que compressão immensa de vida, que sabedoria sentida
das cousas da existencia!
A maneira naturalista de Amadeu Amaral é a maneira de Maupassant, segundo
Oswald, e não a
dos
meetingueiros
do documento”, do “carroceiro Zola armando banca
de feira no augusto recinto da fidalga França literária”. Entre o diálogo com o modelo
estrangeiro e a sua negação total, Oswald opta pela primeira. Note-se que os termos em
francês “voulue”, “à peu près”, “atelier” por si retomam a tradição francesa, assim
como as expressões em inglês “meeting” e “life is real”. A “fidalga França” é ainda um
manancial em que bebíamos para encontrar a nossa própria expressão, assim como
também a Inglaterra de George Eliot, de onde se explica a aproximação de Amadeu e
esta escritora. É evidente que, aproximando-o desses contadores, Oswald eleva a
literatura de Amadeu, um estreante na prosa, à desses seus “irmãos”.
E pois que estamos ahi, é bem ingleza a m
aneira naturalista de Amadeu.
Elle é sobretudo um equilibrado, tanto na arte como na vida, ambas simples e
sinceras. Mas é um equilibrado de olhos claros que espiam longe, para lá dos
horizontes visiveis aos olhos communs olhos banhados dum quê nostalgico onde
sonho e vaga tristeza se misturam e que elle leva nas ruas quando passa e tem nas
palestras, quando fala ou quando escuta.
Tal accento ligeiro de expressão pessoal, essa como que profissão romantica de fé,
talvez apenas adivinhada pelos mais íntimos, illumina as suas paginas naturalistas e
banha
-
as ligeiramente duma maravilhosa luz de bondade triste.
É toda a intervenção subjectiva de Amadeu nas esplendidas provas veristas que vai
dando
a mesma sympathica intervenção da personalidade sofredora de Mary Ann
Evans, essa George Eliot que foi irmã de caridade no vasto circulo dos naturalistas
de ha um seculo ao lado de Dickens e Bronte.
Os inglezes, por tristeza do céo talvez, por difficuldade da existencia, quem sabe, no
grande “atelier” onde nascem, conhecendo que “life is real”, deram ao movimento
literario da ultima escola os typos mais completos.
Comparo Maupassant de vida sensacional e pescoço taurino á esguia Mary Ann,
especie de Miss Cavel sem fuzilamento, tirando da paysagem parada do “Mine on
th
e Floss” a barra de poesia necessaria á agrura da sua mocidade pobre e isolada. E
vejo que nesta se impregnou mais cedo e mais no fundo, mais natural e mais ao
vivo, a visão exacta da existencia que um grupo celebre escrevia em bandeira rubra
para a tenden
cia literaria dos vinte e quatro annos do outro.
Para Maupassant houve apello, suggestão, caminho aberto.
Para Mary Ann: Nada mais que a vida e a emoção.
Um, sem exaltações, deu a impressão refinada e egual do mundo que plasmava, a
outra falou apenas, cont
ou...
Não sei, mas tudo me leva a unir as duas figuras de Amadeu e de Mary Ann,
considerada talvez por Brunetiére, o maior naturalista do seu tempo. É visão de
figuras physicas até!
[...]
Porque Amadeu, na curta prova dada, é um grande naturalista, um perfeito senhor
da arte de dizer a pobre verdade ou a verdade gloriosa de cada dia ou de cada alma.
210
“L’âpre vérité” de Le rouge et le noir e “l’humble vérité” de Une vie ficaram
para sempre gua
r
dadas na memória de Oswald.
Deixa claro que a relação que estab
elece
nada tem a ver com o físico ou a vida pessoal dos escritores rechaça, pois, o método
biográfico, ainda que conhecido, pois ele em nada ajudaria a evidenciar os princípios
artísticos postos em debate. Também a formação literária diversa de cada um
(Maupassant tivera seu caminho aberto pelos realistas precedentes) não impede que
comunguem dos mesmos preceitos, mas apenas aproximar ainda mais Amadeu de
George Eliot, que (a seu ver) esta sorveu, mais que Maupassant, de fontes puras da
vida, sem defin
ir seus princípios estéticos expressamente.
O Estado de São Paulo, de 16 de maio de 1919, oferece-nos o artigo “Urupês”,
de Sud Menucci,
196
sobre o livro de contos de Monteiro Lobato, do ano anterior, o qual,
no momento da publicação do artigo, alcançava a terceira edição. Tido pelo redator
como livro revolucionário, apesar de dizer que não acredita na existência de
nacionalismo literário, é tão-somente pelo aspecto nacionalista que discute as obras de
Guy de Maupassant e Monteiro Lobato. Não temendo contr
adizer
-se (diz no final do
artigo: “pareço estar em contradicção commigo mesmo” e “Bem que não faça da
contradicção um espantalho”), Menucci perde-se na análise comparativa para
desenvolver sua tese sobre uma suposta falta de nacionalismo brasileiro. Justifica sua
opinião por meio da ausência de guerras no país e do não envolvimento do sertanejo
com a cultura e o progresso da nação. Ora, o próprio Monteiro Lobato, em O problema
vital
, de 1918, se retrataria de sua visão do Jeca,
justamente
no que concerne à exclusão
e não à passividade do sertanejo frente às decisões, às quais ele não tem direito de
participação, tal é o descaso público, contra o qual Lobato se debate.
Maupassant serve muito pouco a Sud Menucci na sua defesa da qualidade
literária de Lobato.
Poderia lhe servir mais, conforme demonstraremos na próxima parte
deste trabalho, simplesmente pela leitura atenta de “Meu conto de Maupassant”. É
somente para refutar as leituras de um outro, não mencionado em seu texto, que impõe o
contraste entre
Boule
de Suif e
Urupês
. Levanta entre os dois autores e suas obras três
aspectos comuns: a ascensão literária por esse primeiro texto, a caricatura das
196
Sud Menucci (
Pir
acicaba 1892-São Paulo 1948) foi professor, historiador, jornalista e ensaísta. Foi
redator e crítico de
O Estado de São Paulo
(de 1925 a 1931),
do
Correio Paulistano
(entre 1941 e 1945) e
colaborador das revistas
Fon
-
Fon
,
Careta
e
A cigarra
. Fundou a revi
sta
Arlequim
. Foi professor do Liceu
Franco
-Brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras. MELO, Luís Correia. Dicionário de
autores paulistas
. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954
, p.
382.
211
personagens obtida por meio de uma “verdade quase diabolica” e o conflito (temático)
entre o egoísmo e o patr
iotismo.
Surgindo no mais acceso da campanha nacionalista, quando, de todos os lados,
ecoavam os gritos estridentes e amedrontados de que a pustula do indifferentismo ia
apodrecendo a terra e a sua gente, receberam-no como uma amostra formal do
quanto po
de o sentimento nativista em arte.
O segredo, porém, do seu successo, está neste contraste: “Urupês”, livro que trata
de assumptos nacionaes, não é uma obra que pleiteia a favor do nativismo, é ao
contrário um traço caricatural, apanhado com uma justeza e uma verdade quase
diabolica no que tal sentimento tem de mais indesejável para os modernos.
Reproduziu, assim, o caso do renome de Guy de Maupassant. Cito propositalmente
o celebre estylista francez porque é justamente à quem mais vezes foi comparado
Monte
iro Lobato. A comparação não me agrada e não me satisfaz. Dá-me assim a
impressão que me daria se tentassem aproximar Gabriel d’Annunzio e Edmond de
Rostand.
O conto que deu renome à Guy foi “Boule de Suif”. O livro que consagra Lobato é
“Urupês”.
Ambos são inspirados numa “charge dolorosa, mais de humorista que de
enthusiasta e deixa-nos ambos na alma um resaibo cheio de agror: o patriotismo
inspira obras de arte quando exerce influencias ao
cernes
do que toda a gente
desejava exercesse [?].
“Boule
de Suife “Urupês” são de facto parentes nesse ponto mostram o conflicto
entre o egoismo humano e o patriotismo, a luta entre os direitos naturaes do individuo
isolado e os sacrificios necessários que lhe exige a sociedade a que pertence.
Também e nesse ponto, porque a gênese dos sentimentos que os personagens de
ambos os escriptores estudam não têm traço nenhum de parenthesco e valha-
nos
agora, para o Brasil, os dos “Urupês”, são bastante mais justificaveis que os da
“Boule de Suif”.
Conforme se observa, a comparação vem para uma distinção, de proveniência
não literária, mas ideológica e até política. Por que
Urupês
seria mais justificável ou
mais necessário (visto que é no plano utilitário que analisa a literatura) do que Boule de
Suif
? Se a comparação não o agrada nem o satisfaz, por que a emprega? Nesse caso, a
comparação não é estimulada extra
-
texto, mas é inserida no livro pelo próprio autor, por
uma razão que cabe aos leitores depreenderem, mas que não é difícil compreender,
principalmente sob um aspecto estrutural do conto e do gênero literário à que se filia
Lobato. Acredito ainda que nem o viés temático escolhido para a crítica, nem o texto
comparado sejam os mais adequados à proposta de releitura literária do contista
brasileiro. Quem impõe uma leitura nacionalista das duas obras – um preconceito,
conforme ele define no final do seu texto
é ele mesmo.
A visão determinista de Sud Menucci impede que seus princípios, aparentemente
bem intencionados, o levem adiante na sua interpretação propriamente literária de
Lobato. Perde-se em estabelecer diferenças sutis entre noções de patriotismo e
nacionalismo, que pouco nos fazem avançar no conhecimento do escritor brasileiro,
212
senão nos perder com ele em suas definições. A ênfase na distinção quase cruel e
certamente preconceituosa (porque posta não em termos literários, mas num artigo
crítico e assinado de um importante e influente jornal, assim como Lobato fizera quatro
anos antes no mesmo periódico), estabelecida entre o sertanejo isento e o citadin
o
aculturado era questão resolvida por Lobato, o qual atribuía culpa ao descaso e à
marginalização do Jeca justamente pela classe aculturada e detentora do poder e do
capital. Era até ignominioso responsabilizar o sertanejo pela ausência de nacionalismo
,
como o faz Sud Menucci, quando tudo o de mais primário à sobrevivência lhe faltava.
Era tempo de corrigir e revisar, como fez o próprio autor, a leitura de
Urupês
e não de
reforçá
-
la, como está no trecho a seguir.
Neste ponto é que está toda a philosoph
ia do livro de Monteiro Lobato. O que ha de
nacionalista nos “Urupês” é o scepticismo de que o caboclo venha a ser no
organismo da nação um valor apreciavel.
“Velha Praga” e “Urupês” são nesse particular, nitidamente claros.
Dentro de cada uma de suas personagens, seja “Nha Viva” ou “Nha Joaquina”,
“Dito Nunes”, ou “Iza Biriba”, sente
-se a tragedia infinita de “Inadaptações” de que
falou João Ribeiro e ao mesmo tempo o perigo que se antolha a nossa [ilegível] essa
tragédia, dada a pouca densidade de nossa população civilisada e a resistencia
passiva do caboclo ao progresso.
Porque é bom não esquecer nunca aquelle dilemma de Euclydes da Cunha que eu
me não canso de repetir: “estamos condemnados a civilisação: ou progredir ou
desapparecer.”
A continuação do texto de Sud Menucci procura retomar o que é propriamente
literário em Lobato, contra a leitura nacionalista que se lhe costumava atribuir.
Entretanto, como se vê, é ainda sob o viés patriótico (seguindo a sua definição) que
subjazem os seus comentários.
Paginas de arte traçadas com o desempenho e a risada de um escriptor de raça, da
minguada raça dos predestinados, muito ha que admirar nesse livro que
monopolizou todos os adjectivos fortes.
A natureza brasileira não é alli a conhecida chromolithographia das surradas
anthologias escolares é ella mesma escarvoada em traços fundamentaes de que nos
ficam na mente bocados inesqueciveis.
A paisagem da fazenda da Espiga no conto “O comprador de fazendas” da-nos uma
sensação melancolica da terra desolada tão funda que já nos parece tel-
a encontrado
por ahi, pelo mundo, em nossas viagens. O “matapau” passou a argumento de
discussão, tanto elle feriu a nossa fantasia. A descripção da “paineira grande” em
“Bucolica” tem talvez o defeito de ser demasiado perfeita.
De resto, seria um enumerar sem fim, desde a face noruega do “Estygma”, a peroba
de “Chóopan”. E eu quero apenas frisar que no livro de Monteiro Lobato uma
arvore é uma arvore e não uma trichromia barata.
Das personagens nada haveria que dizer: são, como queria o poeta italiano
“atranamente [ilegível] di idea interiore”, inconfundíveis e vibrantes.
213
Sabe virar
-lhes a alma pelo avesso, surprehender-lhes o caracter reaando-as com uma
propriedade e uma precisão de linguagem que não tem par em nossa literatura
ainda.
A linguagem do autor... Eu não sei se é a que os canones da linguistica apontam
como escorreita e castiça e pura e rigorosamente classica.
Nem isso me afflige, porque sei que é a nossa linguagem moderna, nervoza,
irrequieta, espoucando em uma gargalhada triumphal ou plastizando-se num sorriso
sardonico ou compondo-se numa attitude de tristeza, rica de paradoxos,
transbordante de imagens, perdularia de expressões vivas e justas, em que pompeia
um vocabulario opulentissimo.
Quando eu topo, em meu cami
nho, com escriptos que fazem da pobreza do vocabulario
o brazão da simplicidade do estylo, eu sinto, por dentro, resistencias physiologicas.
Devo esse favor a Monteiro Lobato. Elle é simples sem ser mesquinho à sua lingua,
isto é, não confunde a singeleza
da emoção com a simplicidade... de espirito.
A arcatura [sic] de seus contos é de accordo com as nossas tendencias actuaes, uma
mescla bizarra de verdade e fantasia. Ha apenas uma differença: dizem que ellas
devem ser bem dosadas para que a obra ressalte. Em Monteiro Lobato não o são, o
que prova que não devem ser, porque ellas encantam quando não ha equilibrio,
quando a fantasia provem sim de um facto real e observado mais é como brumas a
subirem da terra, alguma coisa de ineffavel, de inexprimivel, de vago sem alvo
preciso que parece levar
-
nos a toda a parte sem nos fazer sahir de onde estamos.
Além da paisagem local e da linguagem apresentada, e que delimitam o
regionalismo do autor, a “arcatura” ou a forma do conto não é bem definida pelo crítico,
pois
não o parece ser nem para ele mesmo. Fantasia e verdade são elementos com que
qualquer escritor trabalha; não avançamos muito, pois. De modo inefável e
inexprimível, o crítico sai sensivelmente da questão da arcatura, sem dizer-nos o que
pensa sobre ela.
A última passagem que queremos comentar é exatamente o momento final do
seu texto, em que retoma a questão do nacionalismo literário.
O nacionalismo é uma escola de vida, é uma pauta de acção. A arte é fruto dessa
escola e dessa pauta. Puro effeito, deixa de entrever as suas causas geradoras, mas
não póde e não deve apparentar que é ella mesma uma causa, porque então perderia
o que tem de mais forte e inconfundivel: o seu individualismo.
Ahi vem, entretanto, a pergunta:
É Monteiro Lobato, então?
Com o talento de Monteiro Lobato, a gente póde escolher o preconceito que quizer,
mesmo esse do nacionalismo, porque elle sabe ser forte em tudo que plasma.
Até naquillo de que zombeteia elle é forte. Criticou a mania do hellenismo”, aliás
universal, nella incidiu, comtudo, e produziu um conto admiravel, que se chama
“Em casa de Phidias”.
Eu poderia, ainda assim, defender o meu argumento, adduzindo que o nacionalismo
do escriptor patricio é pessimista e provar que acontece sempre isso com os
preconceitos doutrinaes, que são sempre mais vehementes quando negam que
quando exalçam.
A verdade, porém, é que na obra delle, como fatalmente na de todos os escriptores
dignos desse nome, ha alguma coisa que sobrepaira ao preconceito maior que é a
sua “vis” criadora: é a emoção. E a emoção é verdadeiramente inspiradora de
214
grandes obras, é eminente e conscientemente criadora, quando a atravessa uma
grande rajada de dor humana.
É o que ha no seu lindo livro; a enorme dor de ver esfazendo
-
se em mil pedaços um
ramo da raça
brasileira, victima imbella de sua propria força, que não soube ser agil
e adaptar-se ás circumstancias, ao meio, ás necessidades, e que enfrenta, hoje, a
civilisação com um arrojo, um desprendimento que seria, individualmente heroico,
se não fosse perigo
so e compromettedor, para a colectividade.
Para o crítico, não existe nacionalismo literário, nem literatura nacionalista, uma
vez que a especificidade da obra de arte não é a de discutir internamente os problemas
externos a ela, e que lhe informam, mas de que não é efeito. Até aí, vamos bem.
Podemos, porém, didaticamente, levantar o aspecto nacionalista em sua obra e observar
como ele é trabalhado literariamente. Justamente o contrário faz Sud Menucci; impõe os
seus conceitos de patriotismo, nacionalismo e civilização e a partir deles estuda a obra
de Lobato. Maupassant foi apenas um elemento introdutório, que não estuda nem
retoma (fica a pergunta: qual seria para ele a diferença entre o nacionalismo de
Boule de
Suif
e o patriotismo das personagens de Lobato?). Sua conclusão sobre o nacionalismo
pessimista de Lobato, antes uma “emoção”, sua dor” diante do sertanejo
ai
nda
incompreensível
, é uma boa saída para a sua leitura, que se invalida pelas suas
sucessivas contradições.
Ao lermos a obra de Mário da Silva Brito, História do Modernismo
brasileiro
,
197
ficamos sabendo que o principal grupo dos modernistas brasileiros leu o
prefácio a Pierre et Jean, e que esse texto os teria inspirado para a formulação de suas
idéias de uma arte livre do estatuto do real; ou seja, um autor realista, como é
classificado Maupassant, em razão de suas reflexões estéticas contra o naturalismo
fotográfico e pela defesa de um olhar pessoal, informou uma nova geração de
brasileiros, cujos princípios se assentam na mesma proposta, ainda que os resultados
sejam diversos. Brito cita então o mencionado artigo de Oswald de Andrade saído no
Jornal do Commercio, edição de São Paulo, de 25 de julho de 1921. Este texto não
estava
no
corpus
recortado para a pesquisa, que inicialmente compreendia somente
quatro jornais, até 1920, mas a sua relevância para o trabalho nos
leva
a lidar com ele.
Além disso, o levantamento da edição de São Paulo do Jornal do Commercio retrataria
um período menor ao estabelecido pelos demais periódicos, uma vez que a
sua
197
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte
Moderna
. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, p. 209
-
210.
215
publicação iniciou-se em 1893 (com o título de Commercio de São Paulo) e, em 1916,
foi comprado pelo jornal do Rio.
198
A coluna “Questões de Arte”, p. 3 é assinada por Oswald de Andrade. Apresenta
-
se
dividida em dez pequenas partes, da qual
reproduzimos
a terceira, em que trata de
Maupassant. Oswald contrapõe aí a arte de Maupassant à dos naturalistas tout court, como
a de Queiroz e Zola, os quais, conforme observado, faziam grande sucesso no final dos
oitocentos. Oswald difere suas técnicas n
arrativas
dos procedimentos do Naturalismo, o
qual, aliás, Maupassant critica em “Le roman”. O escritor francês é caracterizado como
sereno, de sabedoria calma e bela, pela clareza e imparcialidade de seu estilo; não se tenta
mais vincular sua obra aos fatos vividos pelo homem Guy de Maupassant. É
reconhecido como um dos grandes escritores a
influencia
r a mentalidade da época.
Eça de Queiroz ainda faz das suas aqui pelo Brasil. A arte explicou o culto, o
admirável Mário de Andrade, se não erro, no seu fulgurante visionamento de
Debussy, sahido no ultimo fasciculo da “Revista do Brasil” procura crear um
bello opposto ao bello da natureza.
De facto, o artista é o ser de privilegio que produz um mundo supra-terrenos, anti-
photographico, irreal que seja, mas um mundo existente, chocante e profundo,
deflagrado a qualquer interior e obscura faisca divina. Emtanto, diversas bobagens
ditas por Zola e por Eça, sobre o assumpto, ficaram canonicamente estorvando o
caminho dos livres raciocínios e dos livres emprehendimentos. “A arte é a natureza
vista atravez de um temperamento”. Profundo asno aquele Zola! Um
contemporaneo de Wilde!
Como differe da pequena attitude mental em que sempre se angustiou o romanticão
dos “Rougnon-Macquart” a calma e a bella sabedoria dos grandes mestres do
naturalismo francez. É de reler-se o prefacio de “Pierre et Jean”. Ahi, Maupassant
melhora Flaubert. A vida não deve ser photographica. Nada de reportagens
absolutas. “Le choix s’impose”. E não se procure attingir a realidade, mas uma
illusão d
a realidade.
Observações assim definitivos clarões a revelar numa synthese, o complicado
mecanismo em que torvellinha o drama das creações estheticas na boca do
sereno
evocador de “Yvette” e “Fort comme la mort” collocam-n’o na linha dos grandes
direto
res da mentalidade do seu tempo. Zola, atravez de seu temperamento de
retalhista de açougue, continuava a ver a natureza em postas e vendia-a aos kilos
para o seu publico de cosinheiras e moços de recado.
Fialho, o maioral das letras portuguesas modernas, disse uma vez que Fradique
Mendes era o Conselheiro Accacio tomado a sério. Infelizmente, no próprio Eça, há
uma confusão perigosa de linhas mentaes. Aquella phrase “Sobre a nudez forte da
verdade, o manto diaphano da phantasia” é de Eça ou do Conselheiro? Oca, boba,
sem nervos nem beleza, ella fez fortuna na cabeça chata da mediocridade luso-
brasileira. E hoje, não burocrata lido em cousas que não a tenha guardadinha no
gavetão da sabedoria para as grandes horas das affirmações.
199
198
PACHECO, Felix. Jornal do commercio (Edição de São Paulo). Rio de Janeiro: Typographia do
Jornal do Commercio, 1916.
Antes dessa data, circulava por aqui a mesma edição carioca.
199
“Questões de Arte”. Jornal do Commercio (Edição de São Paulo), 25 de julho de 1921, p. 3. Os grifos
são nossos.
216
Pelo repertório de i
déias e pela linguagem de Oswald, vemos que estamos diante
de um novo perfil de escritor-crítico, que não teme opor-se aos escritores venerados a
fim de expor seus valores para uma nova corrente. Nesse posicionamento, o escritor
coloca
-se na defesa dos princípios artísticos de Maupassant, o qual prefere a qualquer
outro grande escritor da geração francesa.
Poderíamos também associar os comentários de Oswald à crônica de
Maupassant
, dada ao público pelo Correio Paulistano, sobre o perfil do homem de
letras
. Segundo Oswald, Maupassant seria um daqueles autores do Naturalismo francês
ocultados pela figura de Zola, e até mesmo de Flaubert; a este, para o escritor brasileiro,
Maupassant supera na teorização de seu prefácio.
Em trecho seguinte dessa mesma coluna “Questões de Arte”, comentando
O
Monumento às Bandeiras, de Brecheret e as críticas incompreensivas sobre essa
escultura, Oswald continua, de certo modo, tratando da arte à Maupassant.
Ignoram que Brecheret faz aquella arte propositadamente, pois que, como grande
artista que é, sabe que a arte não é uma grosseira e inútil reprodução de exemplares
de zoologia. Aquelles bandeirantes [o] que seriam, sem a força desmesurada dos
seus musculos tensos, sem a caminhada heroica dos seus passos? uma procissão
idiot
a de nu’s familiares.
Mas isso que faz o criterio julgador das nossas populações (phrases assim: como
está parecido! que belleza! É como se fosse...) é a maior vergonheira de uma
cultura. Arte não é photographia, nunca foi photographia! Arte é expressão, é
symbolo commovido.
Como vemos, pouco antes da Semana de Arte Moderna um de seus epígonos
usava
-se da teoria de arte maupassantiana, resumida em um único texto, o prefácio a
Pierre et Jean, para resumir a ideologia do grupo. A crítica à arte objetiva e fotográfica
mostra
-nos bem qual foi a leitura que Oswald empreendeu da obra de Maupassant,
muitas vezes erradamente classificado como mero naturalista. A defesa da expressão, da
escolha própria do artista, era mutuamente compartilhada por Oswald e Maupass
ant.
Vário
s autores de período literário anterior e por vezes rivalizando com este
também leram Maupassant. Estes, no entanto, não apenas escreveram em textos críticos
ou em correspondências pessoais sobre o autor francês, mas também foram receptores
criativos de sua estética, recreando-se (e recriando-se) com ela. Exemplo disso é
Monteiro Lobato,
ao qual
dedicaremos um estudo individual, uma vez que a releitura de
Maupassant implica uma leitura das obras e da análise dos procedimentos estéticos de
ca
da um desses escritores.
217
Em 21 de novembro de 1921, no
Correio
Paulistano
, o escritor
Ribeiro
Couto
200
assina um artigo
sobre
o Viriato Correia. É uma resenha intitulada “Um
novelista brasileiro”, a respeito
de
Novelas doidas, volume de contos publicado ne
sse
mesmo ano
. Entre a apresentação biográfica do autor e o comentário da obra, obtemos a
seguinte
definição de Viriato Correia:
Viriato Corrêa deve ter a volupia da acção forte. [...] A sua actividade mental é
continua. Nasceu novellista. O seu sexto sentido é a percepção dramática, sempre
alerta. Numa conversa, numa noticia de jornal, num caso que ouve, numa
reminiscencia despertada por acaso na memoria, “vê” sempre, desdobrado pelo
milagre da imaginação creadora, um entrecho de peça de conto, de romance
.
201
Assim como Guy de Maupassant, Viriato Correia dedicou
-se ao teatro. Sua visão
do mundo é também percorrida pelo senso dramático, o que interferiu sobremaneira na
escrita de seus contos.
202
Desenvolvidos segundo o conto tradicional, em que tudo
converge
para o conflito e no qual o desfecho deve ser impactante, a arte do contista
brasileiro é também aproximada pelo crítico Ribeiro Couto à de Maupassant. Depois de
comparar alguns contos a André de Lorde, Hoffmann, Poe e Villiers de L’Isle-
Adam,
chega a vez do nosso autor. Damos toda a citação, pela raridade do documento e
chamamos a atenção para o parágrafo sobre Maupassant.
Ha neste volume quasi todas as modalidades do conto. Desde o regional puramente
lyrico, como “A Morena” que deixou de gostar de um boi
adeiro porque elle “deixou
o verso cahir no chão” num desafio à viola, até ao trágico, como o do rapaz que, à
noite matou a mãe na rêde por engano, pensando, no escuro ser a hospede ricaça
que ia roubar...
“O drama de d. Alice”, “O outro”, “A armadilha”, “Madrugada Negra” têm a
mesma nota de tragico intenso, “Grand guignotesco” que faz o encanto terrivel dos
contos de André de Lorde.
“A mulher que envelheceu” que envelheceu numa noite vendo que o filhinho
morto desapparecera do caixão é dos mais dolorosamente bellos de Viriato
Corrêa. É um conto de mestre – porque Viriato Corrêa é um mestre. Tem-
se
vontade de perguntar onde foi elle buscar o desfecho desse conto, si na sua
imaginação ou nalgum facto real. Porque é horrivel que, depois de uma noite em
qu
e todos os seus cabellos ficaram brancos e todas as suas lagrimas foram choradas
d. Celina de Alencar descobrir o cadaverzinho de seu filho na chacara ao lado,
no collo de uma grande macaca, a apertal
-
o ao seio, com amor... É um pouco de Poe
e de Villiers de l’Isle-Adam, do tragico chocante do “The Murder in the Rue
Morgue” e do “Comvive des derniérés fêtes”.
200
Rui Ribeiro Couto (Santos,
1898
-Paris,
1963) foi escritor, diplomata e um dos
participantes da Semana
de Arte Moderna. Sua vivência na França inspirou a redação da narrativa de viagem Chão de França
.
Possui contos de alta qualidade, os quais pretendemos estudar na próxima fase de nossas pesquisas.
201
COUTO, Ribeiro. Um novellista b
rasileiro. In:
Correio paulistano
, 24 de novembro de 1921, p. 3.
202
Seu biógrafo chegou mesmo a afirmar: “No início, [Viriato] pensava que fazia teatro porque era
contista. Agora, está convencido de que é contista precisamente porque faz teatro.” PINTO, Ge
nulfo
Hércules.
Viriato Corrêa
: a modo
de biogra
fia. Rio de Janeiro: Alba, 1966,
p. 160.
218
“A noiva” tem os imprevistos phantasticos dos contos de Hoffmann. Aquella subita
desapparição da mulher morta seria um caso de roubo de cadaver, ou
,
simplesmente, a mulher não morrera e fugira? Porém, depois, como os suplicava
que ella fosse sido encontrada morta a bordo, num beliche?
E o caso ironicamente angustioso da “Mulher que se sacrificou”? Envelhecer no
trabalho rude, amesquinhar-se, apagar-se em beneficio daquellas duas irmãs
elegantes e ir depois encontral-as às gargalhadas onde as foi encontrar... Pobre d.
Maria Carneiro que as sacrificou inutilmente!
Em certos contos deste livro sente-se Maupassant. Assim, no “Matador de
Crianças”. Que impiedoza crueza da vida na dor levemente ridicula do capitalista
Diniz de Padua, levado pela obsecção passional, a cercar dos melhores confortos o
homem que era o “momento” vivo da sua infelicidade. É um conto de que
Maupassant se esqueceu. Viriato Corrêa nos deu ahi, como em “Ellas Duas” e
“Madrugada Negra”, uma das páginas mais captivantes da nossa literatura
novellistica.
Mas não falta ainda em “Novellas Doidas” a nota de ironia aguda. “O homem que
tocava clarineta” é um delicioso conto. Nem falta o “humour”, quando essa ironia
se mistura a irremediabilidade cruel de uma dor. “A desfeita”, o conto que mais me
chocou em todo o livro, pela detonação secca de uma surpresa esmagadora, tem
esse espantoso “humour”. Aqui é bem o Villaers [sic] implacavel das “Demo
iselles
de Bienfilatre”.
Fechando o volume das “Novellas Doidas”, com uma sensação de profundo
encanto, tive todavia uma tristeza: a tristeza de vêr, no meio dos dillentatismos
numerosos da litteratura brasileira, confirmar-se agora com um relevo maior a
p
ersonalidade realizadora de Viriato Corrêa.
Se Maupassant se esqueceu de “O matador de crianças”, Viriato não se esqueceu
de Maupassant. Em quase todo esse volume, não os temas como também a
estruturação da narrativa curta o recuperam.
Está claro que Ribeiro Couto quer elevar o autor brasileiro ao interesse do
público, por meio da comparação com autores consagrados da literatura universal, efeito
esperado desde o título do artigo. A aproximação com o americano Edgar Allan
e
(1809
-1849), o alemão Hoffmann (1776-1822), com o dramaturgo francês André de
Lorde (1871-1942) e o autor dos Contes cruels (1883), Villiers de L’Isle-Adam (1838-
1889) vai ao encontro de uma linhagem de autores ligados ao horror, que desenvolvem
em seus textos assuntos mórbidos como o infanticídio, o sofrimento dos inocentes, a
loucura, o fantástico e a vingança, mas com certo humor negro. Todos estes elementos
estão reunidos também na obra de Maupassant.
Conforme vimos no início desta parte 2 de nossa dissertação, outros crítico
s
antes de nós apontaram o parentesco dos contos de Medeiros e Albuquerque, Júlia
Lopes de Almeida, Monteiro Lobato, Lima Barreto, Viriato Correia, entre outros, com
os de Maupassant. Os documentos analisados apenas reforçam a necessidade de um
estudo part
icular de cada um desses contistas brasileiros.
219
4. A contribuição da crítica brasileira sobre Maupassant
Se juntarmos todas as referências que nossos críticos e pseudocríticos (ou apenas
redatores de jornais), entre 1880 e 1921, fizeram ao nosso autor, e
ncontraríamos
levantados aí quase todos os principais elementos característicos da arte de Maupassant.
Em termos de gêneros, ficou relegada a poesia; de tema, todos os que atendem às
classificações apontadas da apresentação se não
nos
escapa algum f
oram
contemplados; quanto aos traços de estilo, as principais características elencadas.
Nos quadros a seguir, resumimos os dados coletados no
corpus
. Assim poder
-
se
-
á notar no todo a freqüência com que Maupassant foi citado e quais de seus trabalhos
foram aqui traduzidos e estudados.
Levantamento feito nos jornais consultados, entre 1880 e 1921
Lista dos Autores
Nacionalidade
Nº. de artigos em que
Tipos de referência
citam Maupassant
Anônimos
? 42 notícias, homenagens,
traduções,
Alter Ego ou
Jayme de Séguier
português
20
homenagens, citações, leitura
Iriel
brasileiro
10
notícias, citações, leitura
(Frederico José Sant
Anna Nery)
José Maria Belo
brasileiro
3
levantamentos, ref
erências
Theodor Child
norte
-
americano
2 classificações, comentários
Nuto Sant’Anna
brasileiro
2
traduções, comentários
João do Rio (Paulo Barreto)
brasileiro
2
comentários, comparações
Oswald de Andrade
brasileiro
2
comparações e com
entários
Maria Amália Vaz de Carvalho
portuguesa
1
homenagens, leitura
Hugues Le Roux
francês
1
impressões e leituras
Sud Menucci
brasileiro
1 comparação com Lobato
Ribeiro Couto
brasileiro
1
comparação com V. Correia
Daltro Santos
brasileiro
1
referências
Rube
m
Tavares
brasileiro
1
levantamentos
Paul Bourget
francês
1
comentários, referências
Jean Bourdeau
francês
1
comentários, referências
Georges Dumas
francês
1
leitura, interpretações
Oliveira Lima
brasileiro
1
comparação e comentários
André Maurel
francês
1
referência
Lima Barreto
brasileiro
1
comparação com A. Bertha
José Sarmento
? 1
tradução
J.V.S.
? 1
impressões e comentários
Total (em número) de textos consultad
os:
97
220
Textos de Maupassant comentados nos artigos
Título
Articulista
Data
La main gauche
, Allouma
Iriel
06.05.1889
Notre coeur
Iriel
12.08.1890
Musotte
, L’enfant
Iriel
28.03.1891
Musotte
, L’enfant
Alter Ego
02.04.1891
Musotte
Alter Ego
10.04.1891
Au soleil
, Une fête arabe
Alter Ego
08 e 20.05.1891
L’Angélus
Iriel
24.01.1892
Boule de Suif
,
La vie errante
Iriel
07.02.1892
Notre Coeur
,
Fort comme la mort
Maria Amália Vaz de Carvalho
07.02.1892
Fort co
mme la mort
,
Mont
-
Oriol
,
anônimo
07.02.1892
Bel
-
Ami
,
Sur l’eau
,
Pierre et Jean
Musotte
Iriel
28.02.1892
La Maison Tellier
Alter Ego
07.07.1892
Musotte
,
Fort comme la mort
,
Theodor Child
09.10.1892
Inutile Beauté
Le roman,
La vie errant
e, Alter Ego
13.08.1893
Sur les nuages
Cartas a Maria Bashkirtseff
Alter Ego
03.02.1896
La guerre
Alter Ego
12.04.1897
Fort comme la mort
anônimo
09.02.1900
Musotte
, L’enfant
anônimo
17.08.1901
Musotte
, L’enfant
anônimos
18.08.
1901 (2 textos)
Musotte
, L’enfant
anônimo
13.09.1901
Yvette
Jayme de Séguier
08.01.1902
Tremblement de terre
Alter Ego
29.06.1902
Musotte
, L’enfant
anônimo
11.07.1903
Boule de Suif
anônimo
11.07.1903
Boule de Suif
anônimo
12
.07.1903
Carta a M. Vaucaire
Alter Ego
24.06.1906
Le père Millon
anônimo
mar.
-
set. 1909
Mademoiselle Fifi
anônimos
1º.10.1910 (2 textos)
Le Horla
Georges Dumas
05.11.1912
Une vie
Oliveira Lima
05.01.1918
Pierre et Jean
anônimo
21.04.1918
Boule de Suif
Sud Menucci
16.05.1919
Le roman
Oswald de Andrade
25.07.1921
221
Textos de Maupassant publicados (integral ou parcialmente)
Lista dos tradutores
Gênero do texto
Título
Data
Anônimo
conto
Uma va
gabunda (La rempailleuse)
22.04.1884
Anônimo
conto
O braço
(En mer)
23.06.1884
Anônimo
conto
O Horla (Le Horla)
20.11.1886
Alter Ego
crônica
Festa árabe (Une fête árabe)
10 e 20.08.1891
narrativa de viagem
e Ao sol (
Au solei
l)
Anônimo
novela
Bola de Sebo
(
Boule de Suif)
07 a 24.02.1892
Iriel
narrativa de viagem
La vie errante
07.02.1892
* Anônimo
conto
O medo (La peur)
14.02.1892
Anônimo
crônica
Homens de Letras (L’homme de Lettres) 19 e 20.02.1892
Anônimo
conto
O tio Mongillet (Le père Mongilet)
31.07.1892
Anônimo
conto
O garrafão (Le petit fût)
03.12.1893
Anônimo
conto
O filho (L’enfant)
20.01.1894
Anônimo
conto
Ça ira
27.01.1894
Anônimo
narrativa de viagem
Manei
ra original de ser pensionista
14.02.1894
do Estado (
Sur l’eau
)
Anônimo
conto
Quem sabe? (Qui sait?)
23 e 24.03.1894
Anônimo
conto
En wagon
30.03.1894
Anônimo
conto
Uma viúva (Une veuve)
21.01.1895
Jayme de Séguier
c
rônica
Contra a guerra (La guerre)
12.04.1897
José Sarmento
romance
Forte como a morte
11.02 a 02.04.1900
(
Fort comme la mort
)
Alter Ego
crônica
Tremblement de terre
29.06.1902
Alter Ego
carta
à Maurice Vaucaire
24.06.1906
Anônimo
conto
Dois amigos (Deux amis)
16.02.1908
Anônimo
conto
A creança (L’enfant)
03.11.1909
Anônimo
conto
Solidão (Solitude)
05.11.1909
Escragnolle Doria
conto
Mademoiselle Perle
28.10.1912
Anônimo
conto
Os alfinetes
(Les épingles)
16.06.1912
Nuto Sant’Anna
prefácio
O talento (Le roman)
02.11.1914
* Anônimo
conto
Adeus (Adieu)
27.04.1918
(*)
consultado
s nessas datas, n
o
Jornal do Brasil e na revista
Fon
-
Fon
, os quais merecem uma busca
contínua e mai
s completa
A maior parte dos artigos localizados nos jornais evidencia uma leitura
biográfica, que até hoje permanece agradando o domínio popular, como também
constatara
Hans Färnlöf, no estudo sobre a recepção de Maupassant na Suécia. Porém,
se compararmos os resumos que se faziam na França e na Suécia
sobre
os livros do
autor, ainda que os nossos não tenham grande profundidade teórica e mesmo
desenvolvimento que os possam caracterizar como estudos ou
propriamente
comptes
rendu
s dos volumes comentados, não praticamente incorrência no julgamento moral
das obras de Maupassant, como ironizou Iriel na crítica aos ingleses. Se o autor é
deplorável no seu destino, seus personagens e sua criação estética não o são, por esse
aspecto
reconhecidos como criaç
ões
artísticas. Aqui, como na Suécia, parece que as
reflexões mais aprofundadas em termos literários foram feitas a partir do conhecimento
do prefácio
Le roman
”.
203
203
FÄRNLÖF
, Hans. Op. cit., p. 11.
222
Daí
se
observa o quanto o próprio Maupassant foi de pronto celebrizado, passando
a ser visto ele
também
, por muitos de seu meio, como um arrivista literário. Essa
aceitação demonstra ainda que sua literatura foi facilmente compreendida pela massa que
o reputou. Talvez essa comunhão imediata, ao contrário de autores mais indóceis,
revolucionários
, que chocam de início e que depois se redescobrem, como são os diletos
da posteridade, tenha feito Maupassant ser um pouco esquecido para que outros fossem
lembrados. O conto em sua época era muito divulgado, popularizado, nota-se até que,
quando o autor quis estetizar-se mais, acabou relegando essa forma e preferindo aquelas
em que era menos artífice, o romance e o teatro, tidos como gêneros mais
reput
ados
literariamente
. A tradição dos contos filosóficos do XVIII deve também ter sido
parâmetro para
a ava
liação d
essa nova leva de autores, que assim foram inferiorizados por
trocar o objetivo reflexivo pelo divertimento puro, preterindo-o à tradição oral dos contos
ao modo do
Decamerão
.
A saída literária encontrada para as críticas teatrais demonstram duas coisas: a
qualidade dramática dos contos de Maupassant e a habilidade dos críticos brasileiros para
o comentário teatral. A experiência com o teatro realista tornava facilmente
compreensível a técnica teatral e o seu poder de representação. O teatro natura
lista francês
aqui representado não era, porém, do agrado de todo o público, o que de modo geral
contribuiu para que ele não se desenvolvesse por aqui. Segundo João Roberto Faria:
Nos dois últimos decênios do século XIX [...] a dramaturgia naturalista não
conseguiu se impor no Brasil. As peças que vieram de fora foram aplaudidas com
parcimônia e as que foram feitas aqui não passaram de experiências mal
assimiladas. As reflexões e discussões sobre o assunto também não abriram
caminho para o surgimento de uma dramaturgia plenamente identificada com o
naturalismo. Ficamos, pois, sem as primeiras sementes do teatro moderno, naquela
altura já semeadas e dando frutos em vários países europeus.
204
Se o romance estava em crise e o drama por aqui era de difícil abert
ura,
podemos ter aí, além do fascínio exercido pelo contos de Maupassant, uma justificativa
para ter informado principalmente escritores no gênero do conto.
A atenção que, de fato, Maupassant devotou aos loucos, assim como às prostitu-
tas, aos camponeses
e aos
pequeno
-
burgueses, sobretudo na
s
narrativas curta
s, revela no
autor a atenção que dava a certos grupos marginalizados na sociedade, que, na literatura
do XIX como um todo, ganham espaço não como personagens, mas como
protagonistas e, em Maupassant,
tornam
-
se
muitas vezes porta-
vozes
de si mesmos, ou
204
FARIA, João Roberto. Op. cit., p. 261.
223
seja, narradores. O caso dos loucos maupassantianos é único na literatura de sua época,
pois são dados em primeira pessoa, a qual muitos críticos inábeis em teoria literária
confundiram com a própria voz do autor. Além disso, o fantástico de Maupassant,
realizado sob os critérios da estética objetiva, poderia confundir ainda mais o leitor
inexperiente, entre a fatura literária e a realidade. Mais do que qualquer conto
maravilhoso ou
o fantástico onírico
dos românticos, o fantástico realista põe o leitor sob
circunstâncias racionalmente explicáveis, que vão além do sonho ou da imaginação pura
e livre do sujeito. O drama e o
pathos
eram atingidos mais fortemente, com a intensi-
dade máxima do grau de verossimilhança, por meio de explicações científicas, às vezes,
que intervinham nos textos. Tudo isso contribuiu, a meu ver, para essa ilusão completa
entre real e ficção; entre a fala do autor e a do homem, Guy de Maupassant, o qual era
por si um enigma para muita gente interessada em desvendá-
lo.
Imediatamente após
a sua morte, essas pessoas, muitas delas críticos, acabaram por resolver sob uma única
fórmula esse mistério –
forma de revanchismo
literário
achando
-
se vencidas.
Hoje,
quando
já está distante q
ualquer possibilidade de esclarecimento que não a
documental, e, embora
pare
ça
não faz
er
mais sentido resgatar papéis velhos quando
os
novos (as obras) se republicam (clássicas e atuais a um tempo), acreditamos que
nosso
trabalho
não foi em vão. Pudemos notar que desde sempre houve críticos –
brasileiros, mais até que alguns franceses – que, esclarecidamente, resolveram o enigma
com as palavras do autor: “je laisse seulement parler de mes livres”. Esses instrutores e
intermediadores literários, em ger
al,
apontaram para uma leitura direta e prazerosa
do
texto. Podemos dizer que esses críticos permitiram a tantos escritores, aqui, receber
calorosamente o Horla, que então retornava ao Brasil.
O capítulo da recepção crítica nos jornais ainda está aberto. Mas os exemplos
coletados apontam para a preparação que foi feita de nossos contistas
maupassantianos.
Passamos a ilustrar com a análise de um caso exemplar. Ao se
estudar
em
os comentários que um autor estabelece sobre outro, muitas vezes aquele
deixa
en
trever
os seus próprios procedimentos de criação. Foi o que notamos ao
le
r as
cartas e os textos literários em que Monteiro Lobato trata da técnica do conto
de
M
aupassant.
Considerado um contista
pré
-
moden
ista e tradicional, por meio d
a
releitura,
valoriza
-
se
pelo estudo comparativo com o
escri
tor francês, bem como este
mesmo
igualmente
se renova, uma vez que se pode voltar para sua contística à luz do
recorte formal feito p
elo autor de
Urupês.
224
C
APÍTULO 3
A recepção criativa de Guy de Maupassant no Brasil: um caso exemplar
No Brazil, como em todos os paizes civilizados, Guy de
Maupassant tem os seus fieis, que relêm [sic] a sua obra
magnífica e que gostarão por certo de o ver ressurgir neste
re
trato traçado com firmeza e semelhança.
1
Desde que Maupassant meteu-se a virar as cabeças de nossos
romancistas, estes apaixonaram-se de tal forma pelo conto que
este em breve se tornará uma verdadeira praga.
2
1. Lobato e seu conto de Maupassant
Ao cabo de quase um culo da entrada de Monteiro Lobato no quadro cultural
brasileiro, nota-se uma inversão bastante significativa, mas ainda ingrata, da leitura que
se faz desse autor. A crítica contemporânea a Lobato tê-
lo
-ia lido e julgado mais pelos
seus
contos e o reputado mais pela sua atuação de editor e de intelectual engajado que
por sua pioneira produção infantil.
3
Porém, se hoje é unânime entre a crítica a idéia de
que Lobato foi o fundador do gênero infantil da literatura no Brasil, bastante
tempo que o conjunto de contos do autor tem sido deixado em segundo plano e
praticamente só é ainda lido “porque é Lobato, e não pelo seu valor intrínseco”
.
4
Isso se deve ao fato de que estamos ainda sob a égide de uma crítica que
considerava os contos l
obatianos passadistas e conservadores tanto na estética quanto no
temário. Tais apreciações felizmente vêm sendo rebatidas por vários estudiosos, dentre
eles Wilson Martins e Vasda Bonafini Landers, empenhados em resgatar a contística
lobatiana (não ela, mas toda a obra do escritor) e mostrar o quanto foi precursora da
modernidade e, em determinados aspectos, como ela defendia a seu modo uma
renovação nas letras brasileiras.
1
Alter Ego (pseudônimo de Jayme de Séguier), artigo de 30.06.1912
, Jornal do Commercio
, p. 3.
2
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. A decadência do romance. O espírito e a letra: estudos de crítica
literária. Org. Antônio Arnoni Prado. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996
, p. 105
.
3
Conforme relata Marina de Andrada P. de Carvalho, em prefácio à obra de Monteiro Lobato
Prefácios e
entrevistas
. São Paulo: Brasiliense, 1964, pp. XVI e XVII.
4
BOSI, Alfredo. “Lobato e a criação literária”. In:
Boletim bibliográfi
co da Biblioteca Mário de Andrade
,
vol. 43, São Paulo, 1982, p. 21. Ainda que defenda um posicionamento oposto ao nosso quanto à
atualidade dos contos do autor de
Urupês
, por considerá-los muito datados e limitados num tempo
(décadas de 1910 e 1920) e num espaço (Vale do Paraíba), o que refutaremos no momento ideal, tal
observação sobre o atual descaso nas leituras dos livros adultos lobatianos confirma nossa suposição
inicial.
225
Partilhando deste último posicionamento frente à produção lobatiana, nosso
pape
l será aqui o de recuperar, na medida de nossas limitações, a leitura feita por
Monteiro Lobato de Guy de Maupassant, da qual deixou expressas em seus contos
marcas relevantes, de que é exemplar o “Meu conto de Maupassant”. Por meio da
análise deste conto, conjugada com a leitura dos demais contos de Monteiro Lobato,
podemos observar que uma série de técnicas narrativas, recursos estilísticos e um
temário que, guardadas as particularidades, conforme veremos, é comum entre os dois
contistas, os quais, recriados na poética lobatiana, apontam-lhe ainda modernidade nos
procedimentos e atualidade no prazer estético que produzem no leitor.
Nosso estudo dos contos de Maupassant, pelas limitações que acabamos de
apresentar, buscou seguir sobretudo aqueles inseridos nos volumes de contos cuja
leitura foi seguramente efetuada por Lobato, segundo seus relatos em A barca de
Gleyre
. As menções a Maupassant nesta obra, aliás, são bastante freqüentes e
subdividimo
-las da seguinte maneira: quando exercem mera função de registro, ao
Lobato acusar recebimento ou envio de obras do autor francês (para leitura sua ou do
amigo Godofredo Rangel), ou ao afirmar que leu determinada obra do autor;
5
e quando
funcionam como referência, ao tomar Maupassant por escritor modelar.
6
As obras de
Maupassant citadas (entre romances, novelas e contos) são: Bel Ami, Notre coeur
,
Mont
-
Oriol
,
Pierre et Jean, Une vie,
Toine
, Boule de Suif, Clair de lune, Le Horla,
La
main gauche
,
Mlle. Fifi
,
Sur l’eau
e “Une soirée”.
Nosso objetivo, portanto, neste trabalho, ao resgatar a leitura de Maupassant
feita por Lobato, é o de verificar como Lobato aproveitou para a formação de sua
própria poética os princípios estilísticos e temáticos do autor francês e como operou a
ambientação desses elementos à cultura
e à paisagem brasileiras.
Este não é o primeiro trabalho de literatura comparada sobre Monteiro Lobato.
Já Cassiano Nunes enveredou por esse caminho ao estudar a relação do autor de
Cidades mortas com o escritor norte-americano Mark Twain.
7
Josué Montello, em um
curto mas curioso artigo, se havia dedicado a traçar um rápido paralelo entre a teoria
de Maupassant e a subversão dela por Lobato em outro conto de
Urupês
, “O comprador
5
Cf. LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre
.
São Paulo: Editora Brasiliense, 19
48,
t. I, p. 46, 52, 208,
245 e 252; 1964,
t. II, p. 137 e 374.
6
Idem, t.
I
, p.
61
-
2, 188, 209, 243
-
4, 254, 256 e 258;
t.
II
, p.
24
.
7
NUNES, Cassiano. Mark Twain e Monteiro Lobato: um estudo comparativo
.
Norte
-
americanos
. São
Paulo: Comissão Estadual de
Cultura, 1970, p. 73
-
121. O artigo é de 1959.
226
de fazendas”.
8
O
utra
s contribuiç
ões
, mais recentes, est
ão
na
pesquisa realizada por Ana
Luiz
a Reis Bedê
9
sobre a presença francesa em A barca de Gleyre, obra esta que
compõe a “cozinha literária” e “o álbum de família estilístico” de Monteiro Lobato, nas
palavras de Alfredo Bosi,
10
e na tese de Wanda Aparecida L. de Oliveira, inti
tulada
Maupassant e Lobato: estruturas paralelas
.
11
Wanda Oliveira apresenta sucintamente, no primeiro capítulo, a repercussão de
Maupassant no Brasil, onde resume algumas entradas do autor nas nossas histórias da
literatura, localizando os possíveis ma
upassantianos.
Este também foi o nosso
percurso no capítulo anterior
.
Na segunda parte de seu trabalho, faz um estudo em que
se aplicam conceitos de teoria literária para a análise paralela de três contos de
Maupassant (“La maison Tellier”, “La ficelle”, “L’orphelin”) e três de Lobato (“A
‘Cruz de ouro’”, “Um homem honesto”, “O mata-pau”), entre outros mencionados ao
longo do trabalho. Esse estudo muito cuidadoso no que concerne a aproximação dos
topoi
dos contos de Lobato e Maupassant é um exemplo muito preciso de análise
estrutural e temática dos dois autores. Em alguns momentos, no entanto, o procedimento
da autora não é compartilhado por nós, uma vez estabelece juízos de valor na
comparação das duas obras, dizendo que a técnica de Maupassant é superior à de
Lobato. Esse juízo, porém, é ponderado adiante:
Na medida em que o estilo é o que há de mais pessoal em um escritor, que é o traço
revelador de sua natureza íntima o princípio individualizador, enfim –, Lobato,
como verificamos, ainda que tenha sofrido uma possível influência de Maupassant,
chegou à construção de sua “ilusão particular” e não adequou seus escritos a
nossa realidade histórica, nacional e social, como também a suas próprias
particularidades individuais, corroborando o famoso dito de Buffon: “o estilo é o
próprio homem”.
12
Nossa proposta difere um tanto da dessa pesquisadora. Neste capítulo, vamos
reunir várias discussões proporcionadas a partir da leitura de um conto de Lobato, o
“Meu conto de Maupassant” (reproduzido no final do capítulo), comparando a estética
8
MONTELLO, Josué. O polemista do conto. In:
Ciência & Trópico
. Vol. 9 (2), Recife, 1981, p. 259
-2
64.
Montello compreende que Lobato apela nesse conto ao acontecimento extraordinário que Maupassant
evitava; que
Lobato deixa cair a “telha na cabeça” de sua personagem, ao que o escritor francês se opunha
em “Le roman”.
9
BEDÊ, Ana Luiza Reis. A presença francesa em A barca de Gleyre. São Paulo, 2001. Dissertação de
mestrado na área de Literatura Francesa, FFLCH
-U
SP,
2001.
10
BOSI, Alfredo. Lobato e a criação literária. In: Boletim bibliográfico da Biblioteca Mário de Andrade
,
v. 43, São Paulo, 1982, p. 21.
11
OLIVEIRA, Wanda Aparecida L. de. Maupassant e Lobato: estruturas paralelas. São José do Rio
Preto, 1999. Tese (Doutorado em Teoria da Literatura) Universidade Estadual Paulista. Outros
trabalhos estão listados em nosso levantamento, nos anexos desta dissertação.
12
Idem, p. 144
-
145.
227
dos dois autores, tendo em vista também as suas teorizações sobre a forma literária do
conto. Quando necessário, comentaremos outros contos do autor brasileiro, a fim de
comprovar nosso ponto de vista sobre o conjunto de
sua obra.
Ao ler
Urupês
e
A barca de Gleyre
, um comparativista de pronto não se manterá
indiferente a uma fonte para a contística lobatiana, a saber, denunciada tão logo pelo
próprio autor no título do conto que ora pretendemos analisar. Guy de Maupassan
t
configuraria para Lobato, bem como para outros escritores seus contemporâneos, um
contista modelar. Buscando uma justificativa para este nosso trabalho, poderíamos nos
perguntar, assim como o fez a personagem/ouvinte de “Meu conto de Maupassant”:
“Por que Maupassant e não Kipling, por exemplo”, cuja obra também foi lida por
Monteiro Lobato? A resposta, que procuraremos apresentar ao fim deste
capítulo
, tem
suas pistas
dadas
no próprio texto, pela resposta sucinta e cifrada do
personagem/narrador: “Porque
a vida é amor e morte, e a arte de Maupassant é nove em
dez um enquadramento engenhoso do amor e da morte.” nesta primeira resposta,
justifica
-se: 1) a representatividade da teoria literária de Maupassant depreendida e
compartilhada por Lobato (a arte como representação da vida), 2) a temática (amor e
morte) e, sobretudo, 3) as técnicas formais (o “enquadramento”) que Lobato absorve e
transforma.
Constatado o apreço que Monteiro Lobato tinha pela obra de Guy de Maupassant
e a “afinidade eletiva”, conforme define Ana Luiza Reis Bedê, com a teoria do conto do
autor francês e também vários pontos de contato com a teoria de literatura deste último,
podemos passar à análise de “Meu conto de Maupassant”. Nossa leitura do conto será
linear, feita à medida que os elementos de nosso interesse forem se apresentando no texto
literário. Tal procedimento, diferente do estabelecido nos outros capítulos, corresponde à
leitura diferenciada feita por Lobato do autor francês. As subdivisões que estabelecemos
aqui não constituem propriamente subcapítulos independentes, mas partes da seqüência
da análise, assim separadas somente para facilitar a sua leitura e a localização de cada
nível diverso da abordagem que fizemos do conto.
228
2.
Enquadramento narrativo e narradore
s
[...] o narrador é um homem que sabe dar conselhos.
13
O “Meu conto de Maupassant” é, grosso modo, uma anedota (no sentido grego
de
anekdotos
, episódio inédito e curto) reproduzida por alguém que a ouviu durante
uma viagem de trem. Esta nossa definição, concisa e su
mária
, somente evoca o
movimento geral do texto mas, ainda assim, condu
z-
nos já para o aspecto principal a ser
analisado: a arquitetura de um conto dentro do conto. O leitor não presencia o labor
de uma narração como também assiste a uma reflexão metalingüística da literatura, a
qual dá início e término a essa narração e encerra o conto.
Mas falamos também de alguém intermediando as duas narrações, uma que ele
mesmo processa e outra de que foi ouvinte “indiscreto” (caracterizado assim como
narrador heterodiegético) e que procura reproduzir literalmente, conforme indicam as
aspas e o discurso direto na voz do segundo narrador. Ambos narradores são anônimos;
o segundo, também personagem, é um ex
-
delegado e foi da sua experiência na profissão
que extraiu a história que conta a um amigo (configurando-se um narrador
homodiegético, dado que foi personagem não protagonista da ação), sobre o qual nada
sabemos senão que vem a ser um ouvinte generoso, pois se deixa ingenuamente
envolver na trama narrativa do companheiro de viagem. Também as personagens do
“causo” narrado são anônimas, tão-somente conhecidas pela procedência (espacial ou
familiar), pela profissão, pelas ações, pelo aspecto físico ou pela senilidade: o “italiano,
morador destas bandas, que tinha vendola na estrada. Tipo mal encarado e ruim”, os
piraquaras, a velha, um soldado que foi também em algum momento narrador, pois
deu a saber o fim da história ao narrador homodiegético, a quem este cita entre aspas em
seu discurso
e o filho da velha, duplamente homicida.
A anonimia, a caricaturização (não
consiste
em
tipificação) das personagens, o
caráter público que ganha a história ao ser contada num trem e reproduzida por um
outro
cujo único interesse, desconhecendo os atores do conto alheio, é mantê-la, fazê-
la perdurar concorrem para o domínio do popular e para a valorização de um
procedimento “em vias de extinção”: “a arte de narrar”.
14
13
BENJAMIN, Walter. O narrador. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura.
1
.
ed., São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 200.
(
Obras escolhidas
, v. 1).
14
BENJAMIN. Op. cit., p. 197. Cf. também o artigo de Peter Brooks. Le conteur-reflexion à partir de
Walter Benjamin. In: LECARME, Jacques; VERCIER, Bruno (Org.). Maupassant, le miroir de la
nouvelle
. Saint Denis
: Presses Universitaires de Vincennes, 1988. (L’imaginaire du Texte), p.
225
-241.
229
A arte do narrador, típica da tradição oral e dos gêneros literários diretamente
dela herdeiros dentre eles o conto e a novela –, como qualquer trabalho artesão, deixa
marcas indeléveis da técnica própria desse narrador; a importância está em um saber
repassar uma experiência de vida, sua ou alheia, de modo a “aconselhar” – e aqui está o
caráter utilitário intrínseco à narração ou melhor, “fazer uma sugestão”, segundo
Benjamin, com o exemplo do caso que torna público. Nesse sentido, é a narrativa ou o
conto um campo aberto à interpretação livre do ouvinte ou leitor, já que “Metade da arte
narrativa est
á em evitar explicações”
15
e o restante estaria em apenas sugerir.
“A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os
narradores”
, diz Benjamin. Isso implica ao narrador o dom de ouvir, de memorizar e de
saber rep
roduzir tal experiência em sua
perfeição
(no sentido etimológico,
perfazer
, e de
ser singular), por ser uma atividade artesanal milenar, envolve tempo, como na natureza
os elementos exigem tempo para se comporem (Benjamin dá, de segunda mão
de Paul
Valéry
–, os exemplos das conchas, das pérolas e do vinho). Esse processo, segundo
Benjamin, consiste na “superposição de camadas finas e translúcidas, que representa a
melhor imagem do processo pelo qual a narrativa perfeita vem à luz do dia,
como
coroamento das várias camada
s constituídas pelas narrações sucessivas
.”
.
16
Esse procedimento que leva à perfeição da narrativa apegada à tradição oral foi
rigorosamente trabalhado por Maupassant e outros contistas ditos “à Maupassant”,
17
entre eles, Monteiro Lobato. Muito antes, aliás, de Maupassant, uma vez que a história
da narrativa en
quadra
da e do próprio conto confundem
-
se com a história da literatura ou
mesmo da linguagem humana. Na literatura, isto é, na tradição escrita milenar, podem-
se ler narrativas encaixadas na
Odisséia
homérica, nas Mil e uma noites, no Decameron
de Bocaccio, nas Novelas Ejemplares de Cervantes e
no
Héptameron
de Marguerite de
Navarre.
18
Vemos, portanto, a que se deve a perfeição de Maupassant, ligado, como
esses autores antigos, à tradição oral ocidenta
l.
Tendo com a ajuda de Benjamin extraído a definição de narrador mais próxima
da que vimos se apresentar no conto lobatiano, antes de retomá-lo seria interessante
buscar na concepção de literatura de Lobato e de Maupassant a defesa comum de uma
15
Idem, p. 203.
16
Idem, p. 206. Os grifos são nossos.
17
LIMA, Herman. O conto, do Realismo aos nossos dias. In: COUTINHO, Afrânio. A literatura no
Brasil
. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana S.A./Livraria São José, [s.d.], v. II, p. 234.
18
Sobre a história do conto, um resumo em: GOTLIB, Nádia Batela. Teoria do conto. São Paulo:
Ática, 1985.
230
arte narra
tiva tal qual a desse narrador de Benjamin, que marca a origem e o
fim de uma
espécie, arraigada n
o popular.
Monteiro Lobato, em carta ao amigo e jornalista Cesídio Ambrogi, desenvolve a
idéia da necessidade de sugerir, de maneira a despertar no leitor um
reconhecimento,
que, em verdade, se pelo fato de um labor típico, exigido pela leitura literária. Desse
modo, o contista/narrador garantiria grande quantidade de leitores/ouvintes e assim a
permanência de sua narrativa:
Mas o grande prazer da literatura está justamente no contrário: ser lido pelo maior
número de pessoas e ser entendido por crianças, velhos, adultos, sábios e imbecis. E
para isso, meu caro, o remédio é escrever vitaminadamente, com tintas vivas,
vivíssimas
e não empastar. Não sobrecarregar. Não dizer demais. Nunca, nunca
dizer tudo. fiz essa descoberta. As coisas mais belas que um leitor encontra num
livro não são o que pomos nele são a que está dentro do leitor e nós apenas
sugerimos. Vou dar um exemplo: Todos nós temos lá dentro a imagem duma certa
fazenda onde passamos a infância, onde nascemos ou a primeira onde passamos as
férias, ou a em que namoramos. Fazenda para nós é aquilo. Uma que discrepe, está
errada. Muito bem. Vai um coelho [Coelho Neto?] qualquer e põe-se a descreve
r
uma fazenda. E descreve uma certa fazenda que ele viu e decorou, em vez de
sugerir a
nossa
fazenda querida. Resultado: ficamos com um empastelamento, e
sentimos mau estar [sic] – o mal está causado pela traição. Porque o que nós
instintivamente queremos é que os autores nos recordem a nossa fazenda, a única
certa. E que faz um autor esperto e psicólogo? Dá uns trações gerais e espalha umas
c
ores que sugere [sic] em cada cé
rebro de leitor exatamente a fazenda que ele tem lá
na memória como a certa, a boa. E o leitor acha lindo e diz: “como este sujeito
descreve bem uma fazenda!” e entusiasma-se e passa a ler tudo quanto ele
escreve.
19
Maupassant, no prefácio ao seu romance Pierre et Jean, defende uma arte que
reproduza para o leitor com “scrupuleuse resse
mblance”
,
20
e não com a ingênua
pretensão de fidedignidade naturalista, o “spectacle de la vie”
21
e afirma que o objetivo
do autor, para realmente engajar o leitor, não deve ser meramente o de narrar uma
história ou de aprazer ao leitor, pois que não é a qualidade do fato narrado que
surpreende, mas a construção do tecido narrativo, a arte e a técnica do autor; deve ser a
de “nous forcer à penser, à comprendre le sens profond et caché des événements”.
22
Guardadas as particularidades do gênero ao qual se refere nesse texto, o romance,
podemos apreender ainda, do que é geral no Maupassant contista ou romancista, que é
na ação e na fala das personagens, no seu jogo na fábula (e não na sondagem
psicológica, a qual deixa entrever somente o ponto de vista psicológico
pessoal do autor
19
In: MO
REIRA, Dalton.
Os últimos inéditos de Lobato.
Folha de S. Paulo
. 16 de set. de 1984, p. 59.
20
MAUPASSANT.
Op. cit., p. 706
-
707.
21
Idem, p. 706.
22
Idem, p. 706.
231
frente a ela) que deve se deter o escritor, pois aqui ele abre espaço à compreensão e à
contribuição do leitor.
Portanto, para Maupassant, a arte do narrador depende do trabalho do autor (a
marca do oleiro, de Benjamin), suas escolhas, as quais devem buscar nas experiências
de vida seus temas (e não modelo) e levar para aquela, via leitor, questionamentos. Os
disparates da vida, muito menos verossímeis do que a arte, devem ser reproduzidos no
gênero jornalístico do fait divers, não na literatura. Assim dizendo, Maupassant chega a
esta comparação direta entre vida e arte (à qual nos reportaremos mais tarde, ao tratar do
fechamento do conto estudado):
La vie encore laisse tout au même plan, précipite les faits ou les traîne indéfiniment.
L’a
rt, au contraire, consiste à user de précautions et de préparations, à ménager des
transitions savantes et dissimulées, à mettre en pleine lumière, par la seule adresse
de la composition, les événements essentiels et à donner à tous les autres le degré de
relief qui leur convient, suivant leur importance, pour produire la sensation
profonde de la vérité spéciale qu’on veut montrer.
Faire vrai consiste donc à donner l’illusion complète du vrai, suivant la logique
ordinaire des faits, et non à les transcrire servilement dans le pêle-mêle de leur
succession.
J’en conclus que les Réalistes de talent devraient s’appeler plutôt des
Illusionnistes.
23
Por esse excerto,
temos idéia de qual era o realismo de Maupassant e qual o
conceito de verossimilhança que defendia. Podemos entrever também aquele
bio
conselheiro (ou homem que sugere) que Benjamin reconhece na essência do narrador.
Re
lendo
os contos de Maupassant, várias vezes encontramos esse narrador. Para
ficarmos com alguns exemplos, citamos a engomadeira de “Le Diable”, a qual conhecia
todos os entretons da morte pois, para ganhar dinheiro, cuidava de pessoas prestes a
morrer; assim, no fim do conto, ela narra essas histórias de agonizantes à velha de quem
cuidava, enriquecidas de apelos ao fantástico, para terminar logo seu serviço,
provocando
-
lhe a morte. Outro exemplo está em “La Clochette”
:
após uma apresentação
da velha Clochette (uma costureira solteira e coxa, a qual, enquanto tecia, contava
histórias),
feita com grande riqueza de detalhes pelo narr
ador
-personagem que abre o
co
nto
, a inserção de mais um narrador, o médico da cidade, único a conhecer a razão
por que
el
a mancava (uma desventura amorosa) e que a relata após a morte d
e
Clochette
. Além da aproximação que esses dois narradores provocam no leitor, que se
volta interessado pela curiosa história d
essa
mulher
, a qual superou com vigor diversas
23
Idem, p. 708
-70
9.
232
perdas ao longo da vida, a valorização que o menino faz dela como artesã da narração,
uma simples camponesa, é também o elogio que Maupassant
empresta
ao narrador e à
arte de narrar:
Elle avait, autant que je puis me rappeler les choses qu’elle me disait et dont mon
coeur d’enfant était remué, une âme magnanime de pauvre femme. Elle voyait gros
et simple. Elle me contait les événements du bourg [...]. Elle me contait ces naïves
aventures de telle façon qu’elles prenaient en mon esprit des proportions de drames
inoubliables, de poèmes grandioses et mystérieux; et les contes ingénieux inventés
par des poètes et que me narrait ma mère, le soir, n’avaient point cette saveur, cette
ampleur, cette puissance des récits de la paysanne.
24
Lobato também, em diversos momentos, louva o narrador que sabe tirar bons
contos das experiências de vida, por um dom de observação singular. Em “Dona
Expedita”, conto
de
Negrinha
, lê
-
se:
Dona Expedita colecionava patroas. Teve
-
as de todos os tipos e naipes [...]. Se fosse
escritora teria deixado o mais pitoresco dos livros. Bastava que fixasse metade do
que viu e “padeceu”.
25
Em “O Resto de Onça”, de Cidades mortas, considera que todos
os
indivíduos
são narradores em potencial, que todos têm na memória “uma dúzia de arcabouços
magníficos” e que a “questão é saber apanhá-los”. E continua: “Querem vocês a prova?
Vou arrancar um conto ao primeiro conhecido que entrar.”
26
O velho barão des Ravots,
de “La bécasse”, trocava cada cabeça dos pássaros caçados por uma história de um
conviva que chegava à sua casa. “Dès qu’un ami entrait, chez lui, il demandait: ‘Eh
bien, quoi de nouveau?’”.
27
É nesse sentido, portanto, que vemos em “Meu conto de Maupassant” a
introdução dos dois narradores e a referência a Guy de Maupassant. Após uma rápida
inser
ção, pelo narrador heterodiegético, das personagens, do espaço e da história ouvida
(o que traz ao leitor maior impressão de verdade): “Conversavam no trem dois sujeitos.
Aproximei
-me e ouvi:”. Logo se dá início à transcrição do diálogo entre os dois
amigos, um dos quais, falando sobre a vida, busca de imediato parâmetro em
24
MAUPASSANT, Guy de. Contes et nouvelles
.
Paris: Gallimard, 1979, t. II. (Bibliothèque de la
Pléiade
),
p. 852
-
853
.
25
LOBATO, Monteiro.
Negrinha
. 3.
ed., São Paulo: Brasiliense, 1950, p. 275.
26
Idem.
Cidades
mortas. 11.ed., São Paulo: Brasiliense, 1964, p. 67.
27
MAUPASSANT. Op. cit., t. I, p. 666.
Esse ritual permanecia durante o j
antar, quando todos comiam os
animais e trocavam histórias para indenizar o anfitrião e os demais presentes. Como Clochette, o barão
tem uma deficiência física; porém, gasta seu dia rindo do sofrimento dos pombos que caça. Entrevado em
uma cadeira, suas paixões são a leitura, a caça e obter histórias dos amigos. Como o Resto de Onça foi
pilhado, este barão também sabe bem caçar histórias.
233
Maupassant: “– Anda a vida cheia de contos de Maupassant; infelizmente
pouquí
ssimos Guys...”.
Ao afirmar isso, a personagem lobatiana não advoga em favor da literatura
que busque no “spectacle de la vie” seus temas mas também faz a apologia de um
contista ou contador ideal,
28
e
m “vias de extinção”: “há pouquí
ssimos
Guys...”.
O reconhecimento de Maupassant como modelo é energicamente confessado em
diversos momentos da vida de Monteiro Lobato, em correspondências e em outros
contos. Em A barca de Gleyre, vemos se esboçar uma teoria do conto em que toma por
referênci
a Maupassant e o Kipling rejeitado neste conto:
Sou partidário do conto, que é como o soneto na poesia. Mas quero contos como os
de Maupassant ou Kipling, contos concentrados em que haja drama ou que deixem
entrever dramas. Contos com perspectivas. Contos que façam o leitor interromper a
leitu
ra e olhar para uma mosca invisível, com olhos grandes, parados. Contos-
estopins, deflagradores das coisas, das idéias, das imagens, dos desejos, de tudo
quanto exista informe e sem expressão dentro do leitor. E conto que ele possa
resumir e contar a um amigo
e que interesse a esse amigo.
29
Em “O Resto de Onça”, Lobato também põe na fala de um contador (um dentre
os três que o conto apresenta) a defesa de contos como os de Maupassant (recusando
também o apelo à sondagem psicológica das personagens), nos quais se atende ao que
ele considera a característica principal de um conto: a possibilidade de transmissão.
Vejamos os dois trechos desse conto que, conjugados, dão a expressão do que dizemos:
“Mas, Zefa, que diz o homem [o suposto contista Alberto de Oliveira], afinal de
contas?
“Não diz nada; engrola, engrola, vai p’ra lá, vem p’ra cá e a gente fica na mesma.
É dos tais perobinhas da miúda que outro dia mecê chamou... como é mesmo?...
pici... pici.
“... c
ologos, psicó
logos. Os homens dos estados d’alma. Penso como você, Josefa.
Quero conto que conte coisas; conto donde eu saia podendo contar a um amigo o
que aconteceu: como o fulano morreu, se a menina casou, se o mau foi enforcado
ou não. Contos, em suma,
como os de Maupassant ou Kipling...
“Ou de seu Corné
lio Pires...
Perfeitamente, do Cornélio, do Artur Azevedo, contos onde haja drama, co
dia
ou pelo menos uma anedota original. Mas estas pretensiosas á
gua
s panadas, este
fantasiar por páginas e pá
gin
as sem lance que arrepie os cabelos ou repuxe os
sculos faciais, esta gelatina insossa da Academia de Letras de Itaó
ca...
[...]
Sim retrucou o ranzinza do grupo mas não é bem um conto, não passa dum
caso, duma anedota de caçador.
28
Leyla Perrone-Moisés, em “Maupassant, contador de histórias”, afirma: “Por ser um contador de
histórias, Maupassant foi um autêntico contista”. Suplemento literário de O Estado de S. Paulo, 12 de
dezembro de 1964.
29
LOBATO, Monteiro.
Op. cit.,
t. I, p. 243
-
244.
234
Está enganado. Tem todas as qualidades do conto e tem a principal: poder ser
contado adiante, de modo a interessar por um momento o
auditó
rio.
30
Maupassant, em “Le Roman”, ataca igualmente as descrições psicológicas. Crê
que na apreensão das falas e das ações, evitando explicações, o autor chega ao modo
mais verossímil de criação de personagens:
Donc, au lieu d’expliquer longuement l’état d’esprit d’un personnage, les écrivains
objectifs cherchent l’action ou le geste que cet état d’âme doit faire accomplir
fatal
ement à cet homme dans une situation déterminée. Et ils le font se conduire de
telle manière, d’un bout à l’autre du volume, que tous ses actes, tous ses
mouvements, soient le reflet de sa nature intime, de toutes ses pensées, de toutes ses
volontés ou de toutes ses hésitations. Ils cachent donc la psychologie au lieu de
l’étaler, ils en font la carcasse de l’oeuvre comme l’ossature invisible est la carcasse
du corps humain. Le peintre qui fait notre portrait ne montre pas notre squelette.
Il me semble aussi que le roman exécuté de cette façon y gagne en sincérité. Il est
d’abord plus vraisemblable, car les gens que nous voyons agir autour de nous ne
nous racontent point les mobiles auxquels ils obéissent.
31
Lobato procede exatamente dessa maneira, conforme se no fim do conto, ao
deixar de explicar a razão que faz o italiano suicidar-se ou o filho ter matado a mãe.
Além disso, essa ausência da psicologia das personagens, que tantos críticos apontam
como falha em Lobato, é, segundo Benjamin, o que permite vida longa à narrativa, pois
facilita a memorização e garante a conservação via transmissão.
Nada facilita mais a memorização das narrativas que aquela sóbria concisão que as
salva da análise psicológica. Quanto maior a naturalidade com que o narrador
renu
ncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória
do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria experiência e mais
irresistivelmente ele cederá à inclinação de recontá
-
la um dia.
32
O narrador heterodiegético de “Meu conto de Maupassant”, seduzido pela
primeira narração do viajante (o qual, por perambular por vários espaços e penetrar
várias comunidades, é um potencial guardador de experiências a serem recontadas),
não resistirá mesmo a nos narrá-la e generosamente concede a maior parte de seu relato
ao conto em primeira pessoa do segundo narrador, não sem fazer preciosas
intervenções. Este, antes de dar início à sua narrativa, a introduz com algumas
considerações
assim como o primeiro narrador faz conosco –, preparando seu ouvinte
por meio de um diálogo, no qual nos deteremos agora.
30
Idem.
Cidades Mortas
.
Op. cit., p. 66 e 72.
31
MAUPASSANT.
Le Roman
.
Op. cit., p. 710.
32
BENJAMIN. Op. cit.
, p. 204.
235
3. O diálogo entre o ingênuo e o engenhoso
[...] o di
á
logo areja [...]
33
O diálogo no romance [ou no conto] é o enxerto das coisas
vivas, frisantes, engraçadas ou áticas, que por associação vão
ocorrendo ao escritor.
34
Comment définir ce vif effleurement des choses par les mots,
ce jeu de raquettes avec des paroles souples, cette espèce de
sourire léger des idées que do
it être la causerie spirituelle
?
35
Notemos, primeiramente, que tal diálogo duraaté o fim do conto, estando a
segunda narrativa o nível intradiegético nele contida, mas não o ocupando todo.
Analisaremos agora, então, a parte inicial dessa conversa, anterior ao “conto de
Maupassant” desse segundo narrador
, como ele mesmo define.
Esse diálogo inicia
-
se, conforme vimos, com a introdução de uma reflexão sobre
a arte de Maupassant. O interlocutor, ocupando uma importante ação interativa, ainda
que em essência passiva, força o amigo a desenvolver tal “filosofia” e, depois,
incentiva
-
o à narração (“Conta lá, se é curto”).
Suficientemente desconfiado no começo, magistralmente ingênuo no fim, é,
como dissemos, o ouvinte ideal, que se engaja e se deixa enredar pela arte do narrador.
Estudaremos agora o desconfiado, na sua interação com o narrador; o ingênuo,
guardaremos para
aquela segunda parte do diálogo.
“– ‘Por que Maupassant e não Kipling, por exemplo?
’”.
Pergunta, então, cético da superioridade de um ou outro contista, a que responde
o amigo, com suficiente
convicção:
“Porque a vida é amor e morte, e a arte de Maupassant é nove em dez um
enquadramento engenhoso do amor e da morte. Mudam-se os cená
rios
, variam os
atores, mas a substância persiste o amor, sob a única face impressionante, a que
culmina num
a posse vio
lenta de fauno incendido de luxú
ria, e a morte, o estertor da
vid
a em transe, o quinto ato, o epí
logo fisi
oló
gico. A morte e o amor, meu caro, são
os dois
ú
nicos momentos em que a jogralice da vida arranca a m
áscara e freme num
delírio trá
gico.
36
33
LOBATO.
A barca de Gleyre
. Op. cit.,
t.
I
, p.
102.
34
Idem, t. I, p.
302.
35
MAUPASSANT, Guy de. La finesse.
Chroniques
. Disponível no site <http//:maupassant.free.fr>.
36
LOBATO, Monteiro. Meu conto de Maupassant.
Urupês
. 37.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 83.
Todas as citações do conto aqui estudado referem-se a essa edição de
Urupês
. Transcrevemos esse conto
no final deste capítulo.
236
Conforme já expusemos no início deste
capítul
o, há nessa fala um resumo
bastante completo do que é a arte do Maupassant contista para Lobato. Mais do que
isso, a personagem, culta e atenta leitora do autor francês, seleciona as características
deste que anunciam a sua história e que justificam nomeá-la seu “conto de
Maupassant”: o “enquadramento engenhoso” (qualificativo que subentende o labor do
artesão da palavra, típico do narrador), “do amor e da morte”.
O amor, em seu conto, será o filial e a morte, o matricídio; em Maupassant,
muitos contos (chegar
ia
mesmo a nove entre dez?) em que se conjuga, sob diferentes
tônicas, amor e morte: o amor da prostituta por um homem e pela pátria, e que morre
por isso, em “Le lit 29”; da prostituta pela integridade da nação e que mata um soldado
prussiano para defendê-la, em “Mademoiselle Fifi”; o amor do filho ao pai, de quem
herda, após a morte deste, também a amante, em “Hautot père et fils”; o amor necrófilo
pela cabeleira da morta que reaparece, em “La chevelure”; o homem traído pela esposa
que descarrega seu desejo de matá
-
la esquartejando um polvo, em “Un soir”; a mãe que,
propositadamente, usa durante a gravidez espécie de espartilho para fazer filhos
deformados e ganhar dinheiro mostrando os “monstros” que cria, em “La mère aux
monstres”. São, sem dúvida, formas bizarras de amor e mortes das mais diversas,
provocadas ou naturais. Mas são, do ponto de vista da personagem, em essência os
mesmos em toda parte e para todo homem, um, “posse violenta de fauno incendido de
luxú
ria”; outra, “estertor da vida em transe, o quinto ato, o epílogo fisioló
gico”.
Aproximam
-se e assemelham-se pois são as duas situações em que o instinto biológico
desperta o homem, esse “animal filho da natureza, todo ele vegetação viçosa de
instintos irredutíveis”, definiria o narrador de “Vidinha ociosa”.
37
Maupassant, em “La
morte”, traz a história de um homem que, em primeira pessoa, narra seu amor, o
adultério e a morte da amada; o que poderia configurar uma história íntima, no entanto,
ve
m logo introduzida pela seguinte frase: “Je ne conterai point notre histoire.
L’amour
n’en a qu’une, toujours la même.”
38
Ouvindo a definição generalizadora do amigo sobre amor e morte, que vieram
em função da explicação da relação da arte de Maupassant com a vida, o interlocutor,
lacônico, tem sua expressão facial representada por um ponto-
de
-interrogação e a
menção do outro ao seu riso. Certamente, um riso de incompreensão e ironia ou mesmo
de desconfiança sobre o que desperta no amigo tal “prosa”, querendo-se também um
37
LOBATO.
Cidades mortas
.
Op. cit, p. 24.
38
MAUPASSANT.
Contes et nouvelles
.
Op. cit., t
.
II, p. 938.
237
literato à Maupassant. O importante papel dessa expressão, que ultrapassa os limites da
linguagem escrita do conto
re
aproximando
-
nos
, portanto, da situação dialógica oral
,
é o de incitar o amigo na sua exposição, mostrando-se disposto e mesmo exigindo a
continuação de sua explanação. Esta prossegue, com o
locutor
negando a literatice:
“Não te rias. Não componho frases. Justifico
-
me. Na vida, só deixamos de ser uns
palhaços inconscientes a mentirmos à natureza quando esta, reagindo, põe a nu o
instinto hirsuto ou acena o
basta
’ final que recolhe o mau ator ao pó. Só há
grandeza, em suma, e
seriedade
’, quando cessa de agir o pobre jogral que é o
homem feito, guiado e dirigido por morais, religiões, códigos, modas e mais
postiços de sua
invenção
e entra em cena a natureza bruta.
Aqui o narrador adianta a “teoria das máscaras”, que o autor inglês Oscar
Wilde desenvolve no romance O retrato de Dorian Gray, à qual apelará no fim do
conto. Continua utilizando uma série de metáforas literárias para a definição de o que é
a vida (pergunta ontológica), acumuladas desde a fala anterior: cenários, atores, quinto
ato, epílogo, jogral, entrar em cena. Parece querer mostrar também no vel lingüístico
que, sendo a vida incompreensível e a arte
uma linguagem apreensível, esta verossímil e
aquela inverossímil por excelência, invertem-se as posições e esta, a arte, serve de
modelo à vida. A vida busca, por meio das máscaras sociais que impõe ao homem
(moral, religião etc.), fazer dele uma marionete, mas o amor e a morte, como foi
visto, demovem
-
no desse “transe”, desse estado passivo.
Essa
mise en abyme entre a vida e a arte tem por função, mais uma vez,
entrelaçá
-las (apresentando uma proposta que se aproxima do conceito de
verossimilhança de Maupassant) e enredar o ouvinte nessa trama, o qual, perturbado
fisicamente pelo calor da estação, corta logo a divagação do amigo, de cuja “filosofia”
começa a desconfiar: “– ‘A propósito de que tanta filosofia, com este calor de
janeiro?...
’”.
A mudança tópica, com a interrupção do ouvinte para o comentário sobre o
tempo e a condição ambiental, ensejo à intervenção do primeiro narrador, o qual
suspende (também visualmente, notar as entrelinhas maiores o texto
foi
reproduzido
no final deste capítulo) o diálogo no momento de maior expectativa do ouvinte-
personagem e talvez do leitor, fazendo a transição entre as teorias do narrador-
personagem e a colocação delas em prática, por meio da narração, que nada mais é
senão a exemplificação daquelas.
238
A importância dessa intervenção ultrapassa, no entanto, a da estruturação da
narrativa encaixada, tão freqüente em Lobato e em Maupassant. Ela vem pintar o
cenário, o pano de fundo, antes indicado pela menção ao trem, em que se a
conversa e a segunda narração, lugar em que, já Ana Luiza Reis Bedê nos alerta,
ocorrem inúmeras narrações e diálogos nos contos de Maupassant.
39
Tal quadro presta-se também a dar o tom exato do ambiente em que ocorreu o
assassinato, cenário ironicamente harmônico e campestre, claro nos tons e apaziguado,
do Vale do Paraíba e da Serra da Mantiqueira. Visualmente enquadrado pelas molduras
brancas das já referidas entrelinhas maiores, o narrador lobatiano explora esse espaço de
uma dezena de linhas para pintar o seu quadro à Millet, e também, como veremos, à
Maupassant, utilizando as tintas de que dispõe
o arranjo po
ético
das palavras.
4.
Lobato e seu quadro de Millet (à Maupassant)
É bastante comum encontrar nas críticas sobre Lobato comparações entre a sua
técnica de descrição das paisagens e tipos do Vale do Paraíba e técnicas de pintura.
Artur Neves, no prefácio a
Urupês
,
40
fala que essa “primeira qualidade do estilo
lobatiano” advém de uma primeira vocação do autor, que na juventude queria ser pintor
profissional; não o conseguindo nas telas, de que foi pintor amador até o fim da vida,
teria transposto tal vocação para as letras, a qual, para Artur Neves, mescla técnicas
naturalistas e impressionistas.
Essa técnica de Lobato, embora também empregada por Maupassant, parece-
nos
o ter origem (ou não somente) na leitura deste escritor. É uma marca recorrente do
estilo de Lobato, o qual, tendo vivido no campo, lançando um olhar atento a todas as
suas formas, criações e cores, tornou-o um referencial nas construções de suas
metáforas
e comparações, espalhadas por cartas, contos, histórias infantis, artigos,
depoimentos e entrevistas. Tal procedimento foi denominado por Cassiano Nunes,
com propriedade, de “organicidade” e por ele estudado na correspondência do escritor
39
BE
DÊ, Ana Luiza Reis. Op. cit., p. 107. A pesquisadora como exemplo de narra
tiva
s que ocorrem
em veículos em movi
mento
: “Miss Harriet”, “Idylle”, “Un Anglais” e “En voyage”.
Bayard
lista mais
estes: “En wagon”, “La peur”, “Les soeurs Rondoli”, “L’infirme”, “Rencontre”, “Adieu”, “Une famille”.
BAYARD, Pierre. Maupassant, juste avant Freud. Paris: Les Éditions de Minuit, 1994. Cf. também
o
artigo de Alain Buisine, “Paris—
Lyon
Maupassant”,
sobre o efeito obtido por Maupassant com as
narrativas em que há o mov
imento do trem
, mais rápido do que as histórias em que o movimento se faz na
água, pelo barco. In: LECARME, Jacques; VERCIER, Bruno (Org.). Maupassant, le miroir de la
nouvelle
. Saint Denis: Presses Universitaires de Vincennes, 1988. (L’imaginaire du texte
).
40
In: LOBATO.
Urupês
.
Obras completas de Monteiro Lobato
. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1950
, p. 7.
239
taubateano
.
41
A organicidade consiste,
em poucas palavras
, em definir algum objeto não
orgânico, ou um sentimento, por meio da comparação ou aproximação com outro do
universo orgânico, natural. Mas essa não é a única técnica pinturesca de Lobato.
Leiamos o excerto
segui
nte
para outros comentários:
O comboio corria entre S
ão
José e Quiririm. Região arrozeira em plena faina do
corte. Os campos em sega tinham o aspecto de cabelos louros tosados à escovinha.
Pura paisagem europé
ia de trigais.
A espaços feriam nossos olhos quadros de Millet, em fuga lenta, se longe, ou
rápida, se perto. Vultos femininos de cesta à cabeça, que paravam a ver passar o
trem. Vultos de homens amontoando feixes de espigas para a malhação do dia
seguinte. Carroções tirados a bois recolhendo o cereal ensacado. E como caía a
tarde e a Mantiqueira era uma pincelada opaca de índigo a barrar a imprimadura
evanescente do azul, vimos em certo trecho o original do “Angelus”...
O quadro é nítido: o caminho férreo entre as duas localidades (S
ão
José, mui
to
provavelmente, é a cidade de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, e Quiririm é
dada nos guias como uma região de Taubaté), observado da janela do trem outra
moldura, esta para as personagens –, que representa o recorte da panorâmica feita pela
des
crição; no fim de tarde, homens e mulheres trabalham na lavoura – tal qual os
camponeses do mais famoso quadro do pintor francês Jean-François Millet, O Angelus,
em que as personagens fazem um intervalo, à tarde, para a reza do Angelus, anunciada
pelos sin
os da igreja que badalam ao fundo
.
42
O jogo com as distâncias dos objetos desses “quadros de Millet” aproxima-
se
também da técnica da perspectiva na pintura, ainda que o movimento contínuo prescrito
pelo trem faça-nos lembrar do enquadramento seqüencial permitido pela
cinematografia, sobre a qual, aliás, o próprio Lobato lançou-se fascinado.
43
Nesse
41
Em NUNES, Cassiano. A correspondência de Monteiro Lobato. São Paulo: Copidarte, 1982. e
NUNES, Cassiano. Monteiro Lobato: uma teoria do estilo. Breves estudos de Literatura Brasileira. São
Paulo: Saraiva, 1969, p. 55
-
76.
42
Jean
-
François Millet (1814
-1875) teria com esse quadro, muito posteriormente à sua pintura (terminada
em 1857), alcançado a celebridade. Millet é considerado um pintor realista e dedicou-
se
a fixar imagens
do campo, por vezes miseráveis.
L’Angé
lus
teria sido primeiramente intitulado Prière pour la récolte des
pommes de terre, de onde se que a paisagem diverge um pouco dos arrozais, milharais e trigais
pintados por Lobato. Assim mesmo, o interesse nosso aqui é mostrar a oposição entre a paisagem
apaziguada e até religiosa do local e o caso que se vem narrar. A imagem e as informações sobre a tela de
Millet foram
obti
das
em: KELDER, Diane. O melhor do Impressionismo francês. Trad. Otacílio Nunes.
São Paulo: Ática, 1997, imagem 6; GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. [s.l.]: Nova
Cultural, 1998, v. 16, p. 3990. Nas mencionadas cartas trocadas com a jovem aristocrata russa Maria
Bashkirtseff, entre março e junho de 1884, Maupassant afirma que entre os pintores contemporâneos o
seu predileto é Millet. In: TROYAT, Henri. Op. cit., p. 130. Note-se ainda que o escritor deixou
inacabado um romance com o título
L’Angélus.
43
XAVIER, Valêncio. Um filme desconhecido de Monteiro Lob
ato. Caderno
Mais!. Folha de S. Paulo
,
9
de janeiro de 2000.
240
sentido, podemos pensar que o quadro emoldurado pelas narrativas superpostas, no
conto de Lobato, envolve também, em mise en abyme, uma série de outros quadros de
que as personagens são espectadoras. O jogo com o tempo e o espaço, para elas, é
contínuo como no filme e, assim como para nós, é o pano de fundo contrastante com a
tragédia que se enunciará. Antes de passarmos a ela, detenhamo-nos ainda alguns
ins
tantes frente a esse quadro de Lobato e ao de Millet.
Sentir “ferir” os olhos por quadros de Millet, “ver” (as expressões são de
Lobato)
na paisagem o original de O Angelus é sentir e ver na arte a vida. O plural em
“nossos” e “vimos” indica que a semelhança dessa paisagem com a pintura de Millet é
tão precisa que, não quem narra vê, mas qualquer um que lançasse os olhos pela
janela, como seus companheiros de viagem, com quem agora, de alguma maneira,
identifica
-se. Ao olharmos para a reprodução de O Angelus é natural seguirmos o
movimento descrito por Lobato em seu texto, que procura ser intertextual, apesar de
algumas diferenças evidentes entre ambos os quadros. É, portanto, ver a arte na arte
proposta também deste trabalho de literatura comparada, entre Lobato e Maupassant. E
ainda que a referência a Millet não venha diretamente de Maupassant, a técnica
pinturesca da descrição dessa “pura paisagem de trigais”, de arrozal e, sobretudo, a
“pincelada opaca de índigo” têm seus paralelos nas pinturas de paisagens normandas,
241
parisienses e africanas de Maupassant, autor cujos procedimentos também a crítica
comparou muitas vezes aos do pintor
.
44
Em “Marroca”, a técnica descrita é aplicada
visando
um u a
rgelino
, mas o
apelo ao pinturesco é o mesmo:
De partout l’oeil embrasse un véritable cercle de sommets crochus, dentelés, cornus
et bizarres, tellement fermé qu’on découvre à peine la pleine mer, et que le golfe a
l’air d’un lac. L’eau bleue, d’un bleu laiteux, est d’une transparence admirable; et le
ciel d’azur, d’un azur épais, comme s’il avait reçu deux couches de couleur, étale
au
-dessus sa surprenante beauté. Ils semblent se mirer l’un dans l’autre et se
renvoyer leurs reflets.
45
Em “La mère aux monstres”, igualmente, a descrição da natureza fértil precede a
narração de um caso trágico (cujo enredo resumimos anteriormente). Este, entre
tantos outros contos de Maupassant, também
se
apresenta sob enquadramento de
narrativas.
“Apprends
-
moi donc l’histoire de cette brute.”
Et voici ce qu’il me conta en revenant à pas lents sur la grand
-
route blanche, bordée
de récoltes déjà mûres, qu’un vent léger, passant par souffles, faisait onduler
comme une me
r calme.
46
“Une Famille” apresenta esta descrição pinturesca:
Ma chambre donnait sur la plaine, une plaine sans fin, toute nue, un océan d’herbes,
de blés et d’avoine, sans un bouquet d’arbres ni un coteau, image saisissante et
triste de la vie
qu’on devait mener dans cette maison.
47
Em “Le Rosier de Mme Husson” também pinceladas sobre um fim de tarde,
ao som de mugidos de vacas:
Le soir venait; on était à table depuis midi. Déjà flottaient dans la vallée les vapeurs
fines et laiteuses, léger vêtement de nuit des ruisseaux et des prairies; le soleil
touchait à l’horizon; les vaches beuglaient au loin dans les brumes des pâturages.
48
44
Por exemplo, René Dumesnil, em Guy de Maupassant, utiliza diversas vezes termos das artes plásticas
para definir os trabalhos de Maupassant. Exemplos: “la fresque peinte par Maupassant [...]” (p. 11), “Le
décor a été peint cent fois par Maupassant.” (p. 16), “[...] et à la réalité il demande le décor qu’il peint
fidèlement, minutieusement, choisissant chaque touche de couleur” (p. 173), “après avoir peint des
paysans et des bureaucrates, il a peint des gens du monde. Mais sa palette, se chargeant pour chaque
portrait des couleurs appropriées, est bien la même.” (p. 227). DUMESNIL, René.
Guy
de Maupassant
.
Paris: Librairie Armand Colin, 1933.
45
MAUPASSANT. Op. cit., t.
I, p. 368.
46
Idem, t.
I, p.
844.
47
Idem, t
.
II, p. 766.
48
Idem, t
.
II, p. 962.
242
A paisagem depreendida do trem pelo narrador de “Meu conto de Maupassant” é
expressa sob o ritmo do som do comboio, contínuo e com paradas marcadas, que
transcreve também o percurso do olhar do observador, que corre e ra, detendo-
se
aqui, depois vagando pela planitude até encontrar novo objeto de interesse. As orações
predominantemente nominais fazem crescer o caráter estático da paisagem, em que o
único objeto movente é esse trem que interliga S. José e Quiririm, que une duas
narrativas, reúne vida e arte, interpõe-se entre pergunta e resposta e leva o ouvinte ao
conhecimento da tragédia, a qual movimenta o conto e demove o ouvinte daquela
lassidão do calor de janeiro.
5. O compasso de um saguaraji
Feita a descrição da paisagem, após a entrelinha maior (o espaço em branco),
49
o
narrador
-
personagem suspende também o diálogo e, segundo
comenta
o narrador
extern
o
,
olha através da janela, a esperar o momento a
dequado para o início do relat
o:
“Já te digo a propó
sito de qu
e
vem tanta filosofia.
E, enfiando os olhos pela janela, calou-
se
. Houve uma pausa de minutos.
bito,
apontando um velho saguaraji avultado à margem da linha e logo sumido para trás,
disse:
– “A propósito dessa árvore que passou. Foi ela comparsa no ‘meu conto de
Maupassant
’.”
“Conta lá, se é curto.
O primeiro sujeito não se ajeitou no banco, nem limpou o pigarro, como é de estilo.
Sem tr
ansição foi logo narrando.
A espera da aparição do saguaraji, única “testemunha” das duas mortes do conto
o narrador homodiegético só constatou a primeira
, momento de tensão, dura minutos
para o narrador heterodiegético, ouvinte atento. No conto, leva uma única linha para
aparecer e desaparecer através da janela (objeto do transcendente por excelência), como
uma visão fantástica, de que não se pode ao menos abstrair os traços definidores, o que
rende uma eterna incerteza
50
sobre tal acontecimento.
49
As atuais reedições de
Urupês
simplesmente apagaram esses espaços brancos, de grande importância
para a leitura que aqui propomos. Apesar de transcrevermos o conto a partir da 36ª. edição, preferimos
se
guir nesse aspecto da estrutura de “Meu conto de Maupassant” a edição que respeita o texto revisado
pelo
autor.
Urupês
.
Obras completas de Monteiro Lobato. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1950.
Observamos ainda que Maupassant também empregava com freqüência as entrelinhas maiores para
separar as etapas das suas narrativas, as descrições e as intervenções de diferentes narradores. A edição da
Pléiade respeita essa disposição dos seus textos.
50
TODOROV, Tzvetan.
Introduction à la littérature fantastiq
ue
.
Paris: Éditions du Seuil, 1970.
243
A tr
a
gicidade enunciada pelo saguaraj
i, transporta
-
lhe a simbologia da morte que
durará até o fim da narrativa a que ensejo. Árvore típica da Serra da Mantiqueira,
está bem ambientada no espaço descrito. Sua proximidade com a linha do trem, por um
lado, torna verossímil a segunda morte, em que o sujeito se lança sobre ela, árvore de
madeira pesada, dura e de tom róseo forte, fundindo-se com a cor do sangue que lhe
escorre ao redor; por outro, está na “margem da linha”, na encruzilhada entre vida e
morte, entre dois relatos e entre a vida e a ficção. Faz ponte entre dois momentos da
vida do narrador, entre a ação na diegese e a narração dela.
por entre os contos de Lobato, sobretudo em
Urupês
, uma série dos que têm
na ação um símbolo central, geralmente referência de morte trágica, pois “comparsas”
dela. Exemplos disso são o farol, em “Os faroleiros”; as árvores de “A vingança da
peroba”, de “Bucólica” (a paineira) e de “O mata-pau”. Muitos deles anunciam desde o
título o momento da morte. Em Maupassant também podemos encontrar símbolos
construídos ao longo do texto.
51
Em “Le trou”, o buraco mencionado no título se explica
ao fim: é o lugar em que a personagem cai do barco em que estava e morre, durante uma
discussão na pescaria. Em “Les épingles”, conto que faz também de um diálogo
caloroso entre dois amigos nascer o relato de um deles sobre como duas de suas
amantes, por meio de alfinetes, ficam sabendo que estão sendo mutuamente traídas,
tornam
-se amigas e resolvem ludibriá-lo por meio de uma curiosa linguagem, pela troca
dos alfinetes e de bilhetes; conto este burlesco, em que a simbologia, ainda que
presente, afasta
-
se do trágico onipresente naquela dos contos de
Urupês
.
Ultrapassemos então, agora, a margem do saguaraji para mais uma encruzilhada
entre vida
e arte.
6.
O “Meu conto de Maupassant” e sua origem no
fait divers
de Lobato
O narrador homodiegético, incentivado pelo amigo, sem dar outra introdução,
embarca na narrativa da qual será condutor, tendo por companheiro o ouvinte, não
mais desconfiado, mas ingênuo aos ludíbrios da sua arte de narrar, que, enfim, advêm
dos enganos da própria vida, conforme veremos. Sigamos passo a p
ass
o a narração para
depreendermos os elementos que orientam tal viagem.
51
Micheline Besnard-Coursodon estudou com apuro a simbologia de alguns desses objetos simbólico no
capítulo 6 de seu livro Étude thématique et structurale de l’oeuvre de Maupassant: le piège. Paris:
Éditions A.
-
G. Nizet, 19
73.
244
“Havia um italiano, morador destas bandas, que
tin
ha vendola na estrada. Tipo
mal
-
encarado
e ruim. Bebia, jogava, e por várias vezes andou às voltas com as
autoridades. Certo dia eu era delegado de polí
cia
uns piraquaras vieram dizer-
me que em tal parte jazia o
corpo morto
de uma velha, picado
a
foice.
Nesse primeiro parágrafo do relato, além da apresentação das duas personagens
que morrem e do assassinato, a introdução do povo autóctone, os piraquaras, e
uma breve transcrição de expressão regional, “corpo morto”, que freqüentemente ocorr
e
nos contos de Lobato (ou, nos de Maupassant, no registro do dialeto normando). O
parágrafo seguinte transposição de dois tempos, o da vivência na história, de cujo
espetáculo trágico o narrador homodiegético revive o
frisson
, e o do relato – é o
reen
co
ntro com o saguaraji (para o ouvinte; notar que a expressão do narrador é a
mesma: “a árvore que passou”), imagem diretamente vinculada, para aquele, à do
cenário do encontro com o corpo da velha (“tronco”, ambiguamente, remete ao corpo da
velha decepada e
ao caule da árvore):
Organizei a diligência e acompanhei-
os.
“É naquele saguaraji
”,
disseram ao
aproximarem
-se da árvore que passou. Espetáculo repelente! Ainda tenho na pele o
arrepio de horror que me correu pelo corpo ao dar uma topada balofa num
corpo
mole. Era a cabeça da velha, semi-oculta sob folhas secas. Porque o malvado a
decepara do tronco, lan
çando
-
a a alguns metros de distâ
ncia.
A ênfase na sua experiência, que rende o patético da narração, aumentando-
lhe a
tragicidade (“Ainda tenho na pele...”) é uma das fórmulas freqüentes do narrador
engenhoso, que se faz recorrente entre os contos de Lobato e Maupassant, forma de
valorizar o seu relato. Dizer que ele foi coisa vivida ou vista, como neste conto, ou,
entre outros, “Os faroleiros” ou “Bugio moqueado”, de
Negrinha
, em Lobato, ou, em
Maupassant, em “Le voleur”
o qual começa exatamente do seguinte modo:
“ ‘Puisque je vous dis qu’on ne la croira pas.
Racontez tout de même.
Je le veux bien. Mais j’éprouve d’abord le besoin de vous affirmer que mon
histoire est vraie en tous points, quelque invraisemblable qu’elle paraisse.
52
e termina assim: “Mais le plus drôle de mon histoire, c’est qu’elle est vraie.”
53
é
recurso que faz aproximar vida e arte, por vezes mostrando o quanto de
inveross
imilhança na vida, por outras, recheando de sensações humanas o relato,
tornando o inverossímil real em verossímil artístico. Em Maupassant, ainda, vemos em
52
MAUPASSANT.
Op. cit., t. I, p. 463.
53
Idem, t.
I, p. 467.
245
“Le modèle”, conto que também apresenta narrativas sobrepostas, o narrador
homodiegético, após a
presentar a tragédia que presenciou, afirmar:
Je n’oublierai jamais l’effet que me fit cette fenêtre ouverte, après l’avoir vu
traverser par ce corps qui tombait; elle me parut en une seconde grande comme le
ciel et vide comme l’espace. Et je reculai instinctivement, n’osant pas regarder,
comme si j’allais tomber moi
-
même.
54
R
ecurso de impacto sobre o ouvinte, como em “Meu conto de Maupassant”, para
criar o efeito de verdade
a ilusão realista
.
A seqüência da narração do conto de Lobato vem distender ainda mais o
ouvinte, que se deixa amoldar pela perspectiva do narrador, crendo, como este por sua
vez o acreditou, na culpabilidade do italiano. Note-se que algumas mudanças operadas
entre a primeira edição desse conto (de 1918)
55
e a versão definitiva realçam nesta a
posição de quem vê n
o italiano o assassino: de “indí
cios vagos”
contra ele passa
-
se a ter
“indí
cios fortes”; e o instrumento portado por ele no dia do crime se adequa à maneira
mais sutil de como a velha foi assassinada: Lobato troca “machado” por “foice”,
instrumento agrícola,
pois esta arma “pica” melhor que a outra.
Como por sistema eu desconfiasse do italiano, prendi-o. Havia contra ele indí
cios
fortes. Viram
-
no sair com a foice, a lenhar, na tarde do crime.
Entretanto,
por falta de provas foi restituído à liberdade, mau grado meu, pois cada
vez mais me capacitava da sua culpabi
lidade. Eu pressentia naquele só
rdido tipo
e
negue
-
se val
or ao pressentimento!
o miserá
vel matador da pobre velha.
“Que interesse tinha no crime?
“Nenhum. Era o que alegava. Era como argumentava a logicazinha trivial de toda
gente. Não obstante, eu o trazia de olho, certo de que era o homicida.
Falar em pressentimento e ainda valorizar a sua veracidade é a sua maneira
astuta de enredar o ouvinte, ainda que este reaja, por um pequeno momento, com a
pergunta que segue, como em um inquérito policial: após dadas as provas do crime,
busca
-se a razão deste. O narrador, para despistar as incertezas do amigo, não
menospreza a “logicazinha trivial” do povo, como também enfatiza a desconfiança que
tinha do italiano, a qual, além de ter retaguarda na sua experiência policial, ainda é
nutrida por “pressentimentos”.
A seguir, a imagem mórbida da velha reaparece na fala do narrador
homodiegéti
co, aumentando-lhe o grau ficcional e a tensão da tragicidade. O relato de
“indícios veementes da polí
cia
e a definitiva prisão do italiano acabam concorrendo
54
Idem, t
.
I, p. 1108
-
1109.
55
LOBATO, Monteiro.
Urupês
. Revista do Brasil: São Paulo, 1918. Disponível no IEB
-
USP.
246
para a total apreensão da sua presa, seu ouvinte, que vem agora ele mesmo afirmar o
valor dos pressentimentos, ecoando, como em transe, a frase que lhe foi dita pouco.
Satisfeito do efeito causado, “malicioso”, o narrador apenas sorri e continua, passando a
narrar a segunda morte, o suicídio do italiano.
O patife, não demorou muito, traspassou o
negó
cio e sumiu-
se.
Eu do meu lado
deixei a polícia e do crime só me ficou, ní
tida, a sensação da topada mole na cabeça
da velha.
Anos depois o caso reviveu. A polícia obteve indícios veementes contra o italiano,
que andava por São Paulo num grau extremo de decadência moral, pensionista do
xadrez por furtos e bebedices. Prenderam-no e remeteram-no para cá, onde o
ri
iria decidir da sua sorte.
“Os teus pressentimentos...
O sujeito sorriu com malí
cia e continuou.
Vejamos como o acúmulo de elementos descritivos e repetições que reforçam
aqueles “pressentimentos” acaba por engajar totalmente o ouvinte da história, ele
também não mais “negando valor ao pressentimento” e deixando-se seduzir pela lábia
do narrador. Este trabalha com esse envolvimento de modo a tornar mais enfático o que
Barthes, ao tratar do fait divers, denomina o espetáculo da decepção. Mas não nos
adiantemos e vejamos como se processa tal arquitetura que visa ao fecho “estopim” do
relato e do conto.
“Não resistiu, não reagiu, não protestou. Tomou o trem no Br
ás
e veio de cabeça
baixa, sem proferir palavra, até S
ão
José; daí por diante (quem o conta é u
m soldado
da escolta) metia amiúde os olhos pela janela, como preocupado em ver qualquer
coisa na paisagem, até que defrontou o saguaraji. Nesse ponto armou um pincho de
gato e despejou-se pela janela fora. Apanharam-no morto, de crânio rachado, a
escorrer a
couve
-
flor dos miolos perto da á
rvore fatal.
A cabeça baixa (que nos remete à morte, diretamente vinculada à “cabeça da
velha, semi-oculta”), o mutismo mortal, os olhos metidos pela janela, como os deles,
personagens do conto e viajantes do trem, que enxergam a mesma paisagem outrora
vista pelo suicida, a reincidência do saguaraji perturbam o ouvinte, anunciando a morte,
que vem descrita numa metáfora organicista, pela aproximação do cérebro aberto do
italiano com uma couve-flor. Imagem pinturesca da morte (acrescentada à versão
definitiva do conto) que contrasta com a paisagem campesina, num apelo ao efeito do
es
tranho, causando uma illusion des sens, d’un produit de l’imagination”, mas em que
“les lois du monde restent alors ce qu’elles sont”.
56
Tendo o narrador alcançado a
“illusion” do interlocutor (a qual, lembremos, Maupassant defende como a real intenção
56
TODOROV. Op. cit., p. 29.
247
do autor verdadeiramente realista), que foi a sua própria quando o soldado lhe narrou o
fim da história, a tensão desta é reiterada com a repetição dos elementos, conforme
dissemos, e mais outra referência aos pressentimentos do narrador: “tive a impressão”.
“O remorso!
“Está aqui o ‘meu conto de Maupassant’. Tive a impressão dele nas palavras do
soldado da escolta:
vei
o de cabeça baixa até S
ão
José, daí por diante enfiou os
ol
hos pela janela até enxergar a árvore e pinchou-
se
’. No progresso ingênuo da
narrativa li toda a tragédia íntima daquele cérebro, senti todo um drama psicoló
gico
que nunca será escrito...
“É curioso!
comentou o outro, pensativamente.
O seu “conto de Maupassant” é dado por encerrado aí, mas o “conto de
Maupassant” de Lobato, não. O “progresso ingênuo” que o narrador homodiegético viu
no relato do soldado foi o que fingiu fazer do seu frente ao amigo ouvinte, até aqui, na
sua engenhosa narração, a qual, bem vemos, não termina onde seu “autor” parece
finalizar. Isto po
rque quer culpabilizar a vida pela causa da reviravolta que interrompe o
fluxo contínuo da narrativa sobre o amigo. Quer desonerar-se, de alguma maneira, do
jogo de enganar a que submete aquele, mas não deixa de sentir prazer com essa sádica
narração, gênero da qual reaparece em vários contos de Lobato (sobretudo nos de
Negrinha
), de que são exemplos notáveis “Bugio moqueado”, “Sorte grande” e “Duas
cavalgaduras” e de Maupassant, “Apparition”, conto fantástico, ou, com tônica diversa,
“Une soirée” (o de 1887 e não seu homônimo de 1883, o qual, aliás, Lobato achava
“uma coisa verdadeiramente única”
57
).
Mais uma vez, atento aos gestos e expressões do narrador homodiegético, nosso
narrador heterodiegético, sagaz ouvinte, descreve o movimento calmo e seguro de si
daquele, o qual está confiante de que será também certeiro o seu pincho-
de
-gato sobre
sua presa, seu entretido e generoso ouvinte, preparado que está para o “espetáculo da
decepção”.
Mas o primeiro sujeito acendeu o cigarro e concluiu sorridente, com pausada
lentidão:
“O curioso é que mais tarde um dos piraquaras denunciadores do crime, e filho da
velha, preso por picar um companheiro a foiçadas,
confessou
-se também o
assassino da velhinha, sua mãe...
“?
Os caracteres em itálico, as reticências e a interrogação (a qual nada mais
expressa senão a surpresa do ouvinte e, por linguagem escrita, a imagem do espanto em
sua face, que se deve ter feito ver ao sádico narrador), para o leitor, reiteram o fecho-
57
LOBATO.
A barca de Gleyre
.
Op. cit., t. I, p.
252.
248
estopim do conto, tão desejado por Lobato e tão fortemente sentido por ele, leitor de
Maupassant.
O leitor vê-se obrigado a reler o conto, para ver se não perdeu nada, como
afirma Louis Forestier
sobre
o conto
“Petit soldat”.
58
Esse “espetáculo de uma decepção”
59
é por Barthes apontado como o efeito
principal do fait divers, gênero jornalístico que reúne num texto curto, de título
convidativo à leitura, uma história anônima e verídica, a qual tem por principal
característica ser bizarra, fora do comum, surpreendendo assim seu leitor. De
causalidade aberrante, ela trabalha exatamente com um desvio da causa suposta pelo
leitor
cuja imaginação busca explicações das mais arquitetadas com a apresentação
de uma causa, a real, extremamente banal. Portanto, fórmula sedutora, atrai pela
suspe
nsão entre o choque da apresentação do fato real, quase sempre trágico, e da
decepcionante causa do evento, cuja ênfase está nesse “temps fascinant et insuportable
qui sépare l’événement de sa cause”
.
60
Maupassant
(assim como Flaubert, na elaboração de
Mad
ame Bovary), atraído
pela leitura desse gênero, levou
-
o às últimas (e melhores) conseqüências, acrescentando,
nesse “temps fascinant”, entre a apresentação do fato dramático e o “spectacle” final,
indícios artisticamente elaborados, que o gênero jornalístico, por ser sobretudo
referencial e extremamente sucinto, não apresenta. Em “Le Roman”, conforme
dissemos em outro momento, Maupassant diferencia vida e arte por meio do
fait divers
:
La vie, en outre, est composée des choses les plus différentes, les plus imprévues,
les plus contraires, les plus disparates; elle est brutale, sans suite, sans chaîne, pleine
de catastrophes inexplicables, illogiques et contradictoires qui doivent être classées
au chapitre
fait divers
.
Voilà pourquoi l’artiste, ayant choisi son thème, ne prendra dans cette vie
encombrée de hasards et de futilités que les détails caractéristiques utiles à son
sujet, et il rejettera tout le reste, tout l’à
-
côté.
Un
e
xemple entre mille:
Le nombre des gens qui meurent chaque jour par accident est considérable sur la
terre. Mais pouvons-nous faire tomber une tuile sur la tête d’un personnage
principal, ou le jeter sous les roues d’une voiture, au milieu d’un récit, sous prétexte
qu’il faut faire la part de l’accident?
La vie encore laisse tout au
même plan, précipite les faits ou les traîne indéfiniment.
L’art, au contraire, consiste à user de précautions et de préparations, à ménager des
transitions savantes et dissimulées, à mettre en pleine lumière, par la seule adresse
de la composition, les é
vénements essentiels et à donner à tous les autres le degré de
relief qui leur convient, suivant leur importance, pour produire la sensation
profonde de la vérité spéciale qu’on veut montrer.
61
58
Cf. nas notas ao conto “Petit soldat”, em MAUPASSANT.
Op. cit, t. II, p. 1468.
59
BARTHES, Roland.
Structure du fait divers.
Essais Critiques
. Paris: Éditions du Seuil, 1964, p. 192.
60
Idem.
61
MAUPASSANT, Guy de.
Le Roman
.
Op. cit., p. 708.
249
É justamente a esse trabalho com o dado real e o engenho artístico do narrador
que procede Lobato em seu conto de Maupassant. Assim como o autor normando,
Lobato parte nesse conto (como em diversos outros, conforme se em A barca de
Gleyre
), de um fato real, de que ouviu falar em Areias, onde trabalhou como promoto
r
público. Quem nos informa disso é Edgard Cavalheiro:
Embora escrito também na Buquira, “Meu Conto de Maupassant” foge ao clima dos
demais. A história é verídica: o autor baseou-se num processo a que o Dr. J. Pereira de
Matos serviu como advogado do réu, um italiano que a fim de abreviar o recebimento
da herança, assassinara a velha sogra. Condenado pela justiça local, seu patrono apelou,
conseguindo em segundo julgamento a sua absolvição. Posto em liberdade, regressava o
criminoso de trem para Caçapava, quando, com surpresa para todos, atira-se sob as
rodas do mesmo, falecendo instantaneamente.
62
-se logo que, seguindo o conselho de Maupassant, Lobato faz as escolhas dos
elementos reais que aproveita para seu conto, mudando e acrescentando aqui e ali o
s
elementos necessários à arte da efabulação.
Louis Forestier também nos informa, a propósito de vários contos, que estes
eram baseados em fatos acontecidos à época. É o caso de “Les Bijoux”, conto curioso
que narra a história do marido que, feliz num primeiro casamento, após a morte da
esposa, fica rico ao descobrir as jóias ofertadas por um amante dela; no segundo
casamento, sofre com a nova mulher, que é honesta, mas não o faz feliz. Vejamos a
suposta fonte desse conto, reproduzida por Louis Forestier:
Gérard Delaisement (Le Bel-
Ami
, 7, juin 1958) a cité le passage suivant extrait
des faits divers du
Voleur
(25 mars 1870). Il peut passer à bon droit pour la source,
directe ou non, de notre conte:
“Il y a quelques jours, l’employé d’un ministère perdit sa femme; c’était un modèle
de toutes les vertus.
“L’employé, par sa position, allait à tous les bals officiels; mais comme il n’avait
pour toute fortune que son traitement, Madame portait des bijoux en strass, des
dentelles en imitation et des cachemire
s français.
“Après la mort de sa femme adorée, l’employé chargea un de ses amis de vendre
tous ces colifichets.
“L’ami remplit la commission en conscience, et lorsque tout fut vendu, il dit au
pauvre mari:
“ ‘Je n’ai pas pu faire mieux’, et en même temps,
il lui remit
cent quarante mille francs
.
“Les dentelles étaient des Malines, les cachemires, de l’Inde, et le strass, des diamants.
“La femme de l’employé avait été...
la charmeuse
du Ministre.”
63
62
CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato: Vida e obra. 2.ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1956,
t.
I, p. 207. Discordamos com o biógrafo de Lobato quando diz que esse conto foge ao
tom dos demais. O autor pretendia reunir nesse livro histórias trágicas, tendo por pano de fundo o cenário
interiorano. Assim como muitos outros contos do volume, este é também obtido de uma história
conhecida, o que não limita, mas sim estimula o poder criação do escritor.
63
In: MAUPASSANT.
Contes et nouvelles
.
Op. cit., t.
I, p. 1520.
250
Em outros contos, Maupassant trabalhou intratexto, com primor, o efeito dos
faits divers sobre a imaginação de suas personagens. É o que ocorre com a narradora de
“Enragée”, donzela ingênua que passa por um momento farsesco durante a sua noite de
núpcias, desconhecendo os procedimentos comuns aos noivos na lua-
de
-
mel:
Quand la terreur vous saisit, on ne raisonne pas, on ne pense plus, on devient fou.
En une seconde je m’imaginai des choses effroyables. Je pensai aux faits divers des
journaux, aux crimes mystérieux, à toutes les histoires chuchotées de jeunes fille
s
épousées par des misérables!
64
Também em “Le crime au père Boniface” o conto se estrutura em torno da fértil
imaginação do carteiro Boniface que, tendo lido histórias de assalto e assassinato no
fait
divers
do jornal do dia, ao ouvir gemidos na casa do preceptor, quando ia deixar a
correspondência, pensa que ocorre ali um assassinato, chama a polícia e, ao fim,
constata
-
se que os gemidos na casa do preceptor, recém
-
casado, eram de amor e prazer.
Também esta história, segundo Forestier, teria sido escrita tendo por fundo um
caso acontecido na Normandia:
Cette histoire de “petite mort” cultive le ton égrillard cher à la rédaction et aux
lecteurs de Gil Blas [periódico em que esse conto foi publicado pela primeira vez,
em 24 de junho de 1884]. Il semble que le sujet en est emprunté à la réalité d’une
aventure survenue en Normandie et dont le détail aurait été narré à Maupassant soit
par son ami Aubourg, soit par Robert Pinchon.
65
O apelo ao fait divers vem em função da busca de temas curiosos para seus
contos, coisa nem sempre fácil aos dois escritores.
66
Além disso, reiteram em seus
contos a teoria de que a vida, inverossímil, tem na literatura a sua solução; seu caos
natural resolve-se organizadamente na arte. Assim se justifica o comentário final do
narrador homodiegético lobatiano: “Meu caro, aquele pobre Oscar Fingall O’Flahertie
Wills Wilde disse muita coisa, quando disse que a vida sabe melhor imitar a arte do que
a arte sabe imitar a vida.”
64
MAUPASSANT.
Op. cit., t. I, p. 941
-942.
65
Idem, ibidem, tomo II, p. 1368.
66
Lobato, em A barca de Gleyre, afirma que sua esposa Purezinha o ajuda na seleção dos temas e das
personagens: “Para o mês vou passar duas semanas em Taubaté e das notas que tenho extrairei os tipos
e observações aproveitáveis. Se não presto para desentranhar tipos, tenho em Purezinha uma perfeita
mestra na arte.” (I: 281). Maupassant pedia em carta à mãe temas para contos: “Essaye donc de me
trouver des sujets de nouvelles. Dans le jour, au ministère, je pourrai y travailler un peu. Car mes pièces
me prennent toutes mes soirées, et j’essayerai de les faire passer dans un journal quelconque.”
MAUPASSANT, Guy de. Correspondance inédite. Recueillie et présentée par Artine Artinian.
Paris:
Éditions Dominique Wapler, [1951], p. 16.
251
Com isso, o narrador afirma que a vida é muito mais surpreendente do que a
arte, pois a arte é labor, faz transição entre causa e conseqüência, a vida (ou o
fait
divers
) não trabalha os indícios. Assim, ao querer encerrar o seu conto antes da
revelação da “verdade” do caso (do real o filho matou a m
ãe
–, que, não
confundamos, não foi a “verdade” do fato conhecido por Lobato em Areias), a qual é
surpreendente, o narrador homodiegético, na sua arte de narrar, expõe no seu conto de
Maupassant a verossimilhança, mesmo que não verdadeira, da arte, toda tecida como
uma longa rede encadeada, em que a vida, não ele, sádico narrador que quer isentar-
se
de seu “crime”, enreda o ouvinte.
7.
Lobato contador à Maupassant
Procuramos neste capítulo analisar como se
construiu
a presença de
Maupassant sobre Lobato. Tal influência não deve ser compreendida como leitura e
reprodução passiva da parte do autor brasileiro. Muito pelo contrário. Vimos que
Lobato, ao ler o autor de Boule de Suif, compreendeu sua teoria literária e sua arte com
grande fineza e, tendo visto aí, desde cedo, uma série de conceitos e procedimentos
artísticos que considerava ideais para sua própria criação artística, procurou dialogar
com eles, numa troca sem dúvida enriquecedora para as letras brasileiras e francesas. A
afinidade entre a teoria defendida por ambos os autores faz-se evidente não no conto
que analisamos, mas em grande parte das obras de contos lobatianas, além de ser
diversas vezes documentada em cartas pelo próprio autor.
Nossa leitura aproximativa, que intercalou diversos excertos de contos de
Maupassant com o texto de Lobato mostra que, se não um texto específico daquele
em que
o autor de
Urupês
se espelhe,
fez d
o autor francês
uma leitura bastante completa
trazendo com “Meu conto de Maupassant” um saboroso
pot
-
pourri
da arte do autor
francês. Leitura crítica, portanto, e antropofágica, conforme define Leyla Perrone-
Moisés.
67
Lobato faz em “Meu conto de Maupassant”, conforme vimos, um diálogo
bastante interessante com a técnica narrativa (a inserção de vários narrado
res, a narração
nascida de um diálogo, a transposição de tempos), com a temática, com o
aproveitamento da paisagem local em descrições entrevistas em Maupassant. Sua
67
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura Comparada, intertexto e antropofagia. Flores da Escrivaninha
.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990
, especialmente nas p. 95 e 96
.
252
criação, para a qual contribuiu a sua compreensão da arte do autor normando, faz-
se
origin
al devido a uma adaptação à paisagem da Serra da Mantiqueira, à caricaturização
do piraquara e à transposição de sua variedade lingüística; ao apelo ao estranho, gênero
irmão do fantástico de Maupassant; ao prazer dico do narrador; à ironia anti-
romântic
a que opõe natureza e ação (de certa forma, ambas mórbidas, uma pela pacatez
e outra pelas trágicas mortes que põe em cena) e a uma reflexão intratexto muito bem
arquitetada sobre a arte do conto. Tudo isso respeitando as leis naturais deste gênero
literár
io, a concisão e o desfecho impactante, o seu pincho
-
de
-
gato.
A grande importância da complexa estrutura de narradores, que tanto
enfatizamos ao longo desta monografia, está no fato de as narrativas comporem
discursos diretos, dotando os narradores de vo
z própria. Isso corresponde
,
sem dúvida
,
a
uma concepção moderna de literatura, em que o homem comum não faz parte da
história (como foi introduzido a partir do Romantismo), como também é porta-voz de si
mesmo. Lobato valoriza com sua proposta o repertório anedótico-literário popular, de
modo a ver que em todo homem um narrador potencial. Com isso, por um lado,
despe a literatura da aura de intangibilidade que se lhe costuma atribuir, mostrando que
o melhor produtor de histórias não é o literato de gabinete; por outro, enriquece-a com
uma concepção atual, abrindo seus limites formais e temáticos ao popular.
A recuperação da arte oral de narrar,
que, segundo Benjamin, estava
em vias de
extinção
, originalmente popular, é uma das contribuições de Lobato, mal reconhecida
pela geração seguinte à dele, que se debatia pelo mesmo objetivo, na busca de uma arte
plantada nas raízes nacionais. Isto, ao que nos parece, feito por Lobato em meio à
paisagem do Vale do Paraíba dos anos 1910 e 1920, não é um retrato datado da história
da humanidade; tanto não é que seria retomado pelos regionalistas da geração de 1945,
dentre eles Guimarães Rosa. O olhar atento ao espaço e aos indivíduos e a valorização
das tradições, dentre as quais a da narração (oral por excelência), é o que consagra o
autor regionalista, antes um universalista (porque sempre um relativista), no que incluo
não só o taubateano Lobato mas também o normando Maupassant.
Se os dois autores recusam a abordagem psicológica das personagens é por
recurso à
verossimilhança. Ambos acreditam que
pel
o retrato das falas e das ações d
e
las
dar
-
se
-ia maior impressão de verdade. Observadores natos, buscam dessa forma dramas
que tragam ao leitor conselhos e questionamentos sobre a vida e a literatura. Para isso
não dão prontas as respostas, mas buscam pela sugestão, por meio de técnicas próprias,
fazê-las se desenvolver pelo próprio leitor, espectador de si mesmo através da arte. Ver
253
que a vida, assim como no fait divers, é um espetáculo sucessivo de decepções, não é
u
ma forma de pessimismo; mas é mostrar que a vida, através do prisma do artista, ganha
na arte uma forma esteticamente organizada que pode levar de volta à vida
bons
conselhos
num jogo especular contínuo, refletindo e indagando.
Leyla Perrone-
Moi
sés disse que aderir ao estrangeiro é, por vezes, romper
com uma tradição nacional ultrapassada.
68
Foi o que levou ao extremo a geração
modernista,
atitude essa que Lobato não se cansou de combater. Relacionando-se o
contexto do conto analisado com a luta pela valorização das coisas nacionais, sempre
encabeçada por Lobato, poder-
nos
-ia parecer contraditório, então, buscar num autor
francês seu parâmetro de contista. Mas nem mesmo Lobato pôde evitar este diálogo,
assunto de nosso estudo. O intercâmbio literár
io
tão buscado por ele entre as
literaturas latino-americanas, de que foi pioneiramente intermediador – é natural e
mesmo impossível de ser contido, o que provam os estudos de literatura comparada. A
questão é que Lobato, homem engajado, em seu desejo constante de coerência, opondo-
se à dominação econômica e cultural do estrangeiro em nosso país, combateu em suas
críticas o estrangeirismo em todos os setores, mas seu inconsciente artístico, atento à
resistência da arte frente aos jogos de poder econômicos do mundo, assimilou modelos
literários e deu
-
nos este primoroso conto, que tivemos a oportunidade de estudar.
A aproximação que fizemos dos dois autores foi uma possibilidade apenas,
dentre as tantas existentes. Curioso é também que mesmo alguns elementos de aspecto
ideológico/biográfico poder-
se
-iam aproximar (por exemplo, ambos os autores se
debatiam contra as Academias de Letras; os dois sustentavam uma perspectiva
relativista da vida) e que estudos críticos monográficos, falando de um, parecem por
vezes referir-se ao outro, mesmo em textos de críticos franceses sobre Maupassant, que
decerto desconhecem
o
criad
or
de Emília
.
A seguir, transcrevemos o conto analisado.
68
PERRONE
-
MOISÉS, Leyl
a.
Op
.
cit., p. 98.
254
M
eu conto de Maupassant
69
Conversavam no trem dois sujeitos. Aproximei
-
me e
ouvi:
“Anda a vida cheia de contos de Maupassant, infelizmente h
á pouquí
ssimos Guys...
“Por que Maupassant e não Kipling, por exemplo?
“Porque a vida é amor e morte, e a arte de Maupassant é nove em dez um
enquadramento engenhoso do amor e da morte. Mudam-se os cená
rios
, variam os atores,
mas a substância persiste o amor, sob a única face impressionante, a que culmina numa
posse violenta de fauno incendido de luxúria, e a morte, o estertor da vida em transe, o
quinto ato, o epí
logo fisiol
ó
gico.
A morte e o a
mor, meu caro, são os dois ú
nicos momentos
em que a jogralice da vida arranca a m
áscara e freme num delí
rio tr
á
gico.
“?
“Não te rias. Não componho frases. Justifico-me. Na vida, deixamos de ser uns
palhaços inconscientes a mentirmos à natureza quando esta, reagindo, põe a nu o instinto
hirsuto ou acena o “basta” final que recolhe o mau ator ao pó. grandeza, em suma, e
‘seriedade’
, quando cessa de agir o pobre jogral que é o homem feito, guiado e di
rigido por
morais, religiões, códigos, modas e mais postiços de sua invenção e entra em cena a
natureza bruta.
“A propó
sito de que tanta filosofia, com este calor de janeiro?...
O comboio corria entre S
ão
José e Quiririm. Região arrozeira em plena faina do corte.
Os campos em
se
ga tinham o aspect
o de cabelos louros tosados à escovinha. Pura paisagem
europé
ia de trigais.
A espaços feriam nossos olhos quadros de Millet, em fuga lenta, se longe, ou rápida, se
perto. Vultos femininos de cesta à cabeça, que paravam a ver passar o trem. Vultos de
homens amontoando feixes de espigas para a malhação do dia seguinte. Carroções tirados a
bois recolhendo o cereal ensacado. E como caía a tarde e a Mantiqueira já era uma
pincelada opaca de índigo a barrar a imprimadura evanescente do azul, vimos em certo
trecho o original do “Angelus”...
“Já te digo a propó
sito de qu
e
vem tanta filosofia.
E, enfiando os olhos pela janela, calou-
se
. Houve uma pausa de minutos. Sú
bito,
apontando um velho saguara
ji avultado à
margem da linha e logo sumido p
ara trás, disse:
“A propósito dessa árvore que passou. Foi ela comparsa no ‘meu conto de
Maupassant’”.
“Conta lá, se é curto.
O primeiro sujeito não se ajeitou no banco, nem limpou o pigarro, como é de estilo.
Sem transição foi logo narrando.
“Havia um italiano, morador destas bandas, que tinha vendola na estrada. Tipo mal-
encarado
e ruim. Bebia, jogava, e por várias vezes andou às voltas com as autoridades.
Certo dia eu era delegado de polí
cia
uns piraquaras vieram diz
er
-me que em tal parte
jazia o ‘
corpo morto
d
e uma velha, picado à
foice.
Organizei a diligência e acompanhei-
os.
‘É naquele saguara
ji
’, disseram ao
aproximarem
-se da árvore que passou. Espetáculo repelente! Ainda tenho na pele o arrepio
de horror que me correu pelo corpo ao dar uma topada balofa num corpo mole. Era a
cabeça da velha, semi-oculta sob folhas secas. Porque o malvado a decepara do tronco,
lan
çando
-
a a alguns metros de distâ
ncia.
69
Transcrito de: LOBATO, Monteiro
.
Urupês
. 37. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 83-86. Mais uma
vez chamamos a atenção para os espaços brancos entre as partes do conto, que preferimos manter,
seguindo as edições originais.
O conto é de 1915.
255
Como por sistema eu desconfiasse do italiano,
prendi
-
o. Havia contra ele indí
cio
s fortes.
Viram
-
no sair com a foice, a lenhar, na tarde do crime.
Entretanto,
por falta de provas foi restituído à liberdade, mau grado meu, pois cada vez
mais me capacitava da sua culpabilidade. Eu pressentia naquele sórdido tipo e negue-
se
valor ao pr
essentimento!
o miserá
vel matador da pobre velha.
“Que interesse tinha no crime?
“Nenhum. Era o que alegava. Era como argumentava a logicazinha trivial de toda
gente. Não obstante, eu o trazia de olho, certo de que era o homicida.
O patife, não
de
morou muito, traspassou o negó
cio e sumiu
-
se. Eu do meu lado deixei a
pol
ícia e do crime só me ficou, ní
tida, a sensação da topada mole na cabeça da velha.
Anos depois o caso reviveu. A polícia obteve indícios veementes contra o italiano, que
andava por São Paulo num grau extremo de decadência moral, pensionista do xadrez por
furtos e bebedices. Prenderam-no e remeteram-no para cá, onde o ri iria decidir da sua
sorte.
“Os teus pressentimentos...
O sujeito sorriu com malicia e continuou.
“Não resistiu, não reagiu, não protestou. Tomou o trem no Brás e veio de cabeça
bai
xa, sem proferir palavra, até São José; daí por diante (quem o conta é um soldado da
escolta) metia amiúde os olhos pela janela, como preocupado em ver qualquer coisa na
paisagem,
até que defrontou o saguara
ji
. Nesse ponto armou um pincho de gato e despejou
-
se pela janela fora. Apanharam-no morto, de crânio rachado, a escorrer a
couve
-flor dos
miolos perto da á
rvore fatal.
“O remorso!
“Está aqui o ‘meu conto de Maupassant’
.
Tive a impressão dele nas palavras do
soldado da escolta:
‘veio
de cabeça baixa até S
ão
José, daí por diante enfiou os olhos pela
janela até enxergar a árvore e pinchou-se.’ No progresso ingênuo da narrativa li toda a
tragédia í
ntima daquele c
é
rebro, senti
todo u
m drama psicoló
gico que nunca será escrito...
“É curioso!
”,
comentou o outro, pensativamente.
Mas o primeiro sujeito acendeu o cigarro e concluiu sorridente, com pausada lentidão:
“O curioso é que mais tarde um dos piraquaras denunciadores do crime, e filho da
velha, preso por picar um companheiro a foiçadas,
confessou
-se tambem o assassino da
velhinha, sua mãe...
“?
“Meu caro, aquele pobre Oscar Fingall O’Flahertie Wills Wilde disse muita coisa,
quando disse que a vida sabe melhor imi
tar a arte do que a arte sabe imitar a vida.
256
C
ONCLUSÕES
Après deux goélettes anglaises, dont le pavillon rouge
ondoyait sur le ciel, venait un superbe trois-mâts brésilien,
tout blanc, admirablement propre et luisant. Je le saluai, je
ne
sais pourquoi, tant ce navire me fit plaisir à voir.
[...]
D’où viennent ces influences mystérieuses qui changent en
découragement notre bonheur et notre confiance en
détresse
?
70
O que faria um navio brasileiro em uma famosa narrativa de Maupassant,
aparen
temente despercebido no mar de sua literatura, repleta de referências marinhas da
região normanda?
N
esse texto em específico, nosso três mastros ajudou o autor a inserir
uma explicação racionalmente formulada, que justifica os acontecimentos fantásticos
so
fridos pelo protagonista do conto. No vasto domínio de sua obra, podíamos atribuir-
lhe um valor simbólico e neste caso se explica nossa presença em Maupassant. A
empatia, ao que constatamos, foi mútua. Muitos de nós o lemos, saudando-o,
alguns
sem sab
er por qu
ê,
ele nos atraiu e ainda nos agrada.
Por que, por sua vez, Maupassant atravessou o Atlântico e fez aqui leitores e
seguidores de sua proposta estética? Além do prazer desses leitores, este trabalho
buscou
oferecer algumas interpretações que exp
li
ca
m também mais racionalmente os
dados coletados a partir de documentos de época. Assim como o narrador
-
cronista de
Le
Horla
, mas fora da ficção, enfrentamos o desafio do desconhecido em arquivos de
jornais raros das bibliotecas paulistas e fluminenses quase perdida e alucinada pela
colérica invasão de traças, ratos, baratas e outros bichos humanos ora invisíveis
,
muitas vezes deixando de lado nossa atração natural pela obra, a fim de compreender as
leituras dela, feitas antes de nós, publicadas em artigos críticos, traduções, trabalhos
acadêmicos e novas obras de ficção.
Uma espécie de atração exótica pela doença que se expandia no Brasil e no
mundo
– o cholera morbus, noticiado em jornais franceses atraiu o escritor na
elaboração dessa
novela
, assim como por outros exotismos brasileiros atraímos
involuntariamente outros escritores pseudoviajantes”.
71
Aqui, como na França,
Maupassant foi sendo conhecido aos poucos, nos diversos gêneros em que escreveu.
Ainda que hoje seja consagrado
principalmente
como contista, e assim traduzido pelo
70
MAUPASSANT. Le Horla
(2
e
version)
.
Contes et nouvelles
. Gallimard, 1979, t. II, p. 913
-
914.
71
Cf. CORRÊA, Maria Cristina. Escritores pseudoviajantes. Revista História Viva Grandes Temas A
Herança Francesa
, n. 9, São Paulo: Duetto Editorial, p. 57.
257
mundo, seus primeiros leitores brasileiros não foram privados de ler e assistir às suas
peças de teatro, conhecer suas crônicas e seus romances, além, evidentemente, de seus
contos.
Entretanto
, de suas poesias, pouco estudadas e republicadas por Emmanuel
Vincent,
72
não encontramos ainda registros de divulgação no Brasil, e é provável que
seus leitores no trópico o tenham conhecido somente como prosador e dramaturgo
. Esse
fato muito contribui, a
meu
ver, para a imagem que se fez do autor, sendo preferido e
mencionado sobretudo por autores brasileiros que se viam apartados da linguagem
poética e mesmo inaptos ao gênero, tais como Lima Barreto e Monteiro Lobato.
73
O pesquisador francês Yvan Leclerc, atualmente organizador de uma
bibliografia internacional de Maupassant,
74
afirmou com razão que praticamente todas
as correntes críticas já se dedicaram a estudar nosso escritor. Ainda que Maupassant não
visse interesse pessoal em sua vida, estudos médicos, biográficos, espíri
tas
, entre
outros propriamente literários, que se ocuparam em tentar explicar, nem todos com
êxito, a sua vasta produção. Interessou-
nos
nesta dissertação recuperar algumas das
formulações teórico-literárias as mais importantes em termos da fixação de Maup
assant
no cânone, as quais vislumbram a parte de sua obra que seria observada como a mais
original, de modo que o escritor contribuiu, aí, para o estabelecimento de certo
gênero/forma literário(a)
: o conto maupassantiano.
Maupassant, como escritor, perseguiu obsessivamente seu ideal (pois ele o
tinha).
75
Muito além da expressão exata e clara que para alguns prescreve seu
objetivismo e realismo nosso autor era um perfeccionista ao seu modo, descontente
com todas as limitações a que o homem é subjugado. Se pessimista para alguns,
preferimos
defini-lo como um incansável à busca de sua expressão, de seu gênero, de
sua filosofia, que do verso lírico passou ao drama, ao conto, à crônica e ao romance, na
busca incessante de uma forma que o completasse e em q
ue
pudess
e
exprimir
o seu
pensamento
e as suas indagações
.
72
Emmanuel Vincent, com quem mantivemos contato na Université de Rouen, organizou a edição crítica
dos poemas do autor
,
mencionada no primeiro capítulo. MAUPASSANT, Guy de. Des vers et autres
poèmes
. Préface de Louis Forestier. Rouen: Publications de l’Université de Rouen, 2001.
73
Lobato se definia
como
um “amaldiçoado das Musas” e
afirmou que nunca soube
dizer se um v
erso
era
bom ou ruim. LOBATO, Monteiro.
A barca de Gleyre
. São Paulo: Brasiliense, 1964, t. II, p. 216
.
74
Yvan Leclerc é professor da Universidade de Rouen. Coordena, junto com Noëlle Benhamou e
Emmanuel Vincent essa bibliografia, que tem cerca de quarenta colaboradores em todo o mundo.
LECLERC
, Yvan;
BENHAMOU
, Noëlle;
VINCENT
, Emmanuel. Bibliographie Maupassant. Memini,
Les Grands Ecrivains de France,
previsão de publicação para
2007.
75
Já ele dizia em
Sur l’eau
:
“J’écris parce que je comprends et je souf
fre de tout ce qui est, parce que je le
connais trop et surtout parce que, sans le pouvoir goûter, je le regarde en moi
-
même, dans le miroir de ma
pensée.”. MAUPASSANT, Guy de.
Sur l’eau
.
Paris: Gal
limard, 1993. (Folio Classique), p. 91.
258
Nesse desapego pelos seres e pelas coisas, Maupassant alcançava um
afastamento que lhe permitia expor com certa crueza e simplicidade de linguagem. Daí
à observação irônica de um mundo no qual não se vê inserido é um passo. Se a
constatação dessa limitação imposta por algo que lhe é superior é opressora, é também
uma resistência, uma voz consciente e que reflete, tornando a opressão menor,
impedindo a supressão. Ao persistir, sua obra resiste a essas forças que, como homem,
lhe foi impossível superar, mas que, como arte, responde e sobrevive, ampliando seu
domínio em outras vozes, em outras escritas. Se a literatura é a mais elevada das artes, a
que mereceria ser salva,
76
a reprodução do legado maupassantiano certamente está além
das limitações a que o homem Maupassant se via recalcado. O autor, tal como uma
entidade divina, cria e permite a procriação, ultrapassando o poderio da natureza
determinadora das formas. Os resultados, porém, estão além do criador; cabe ao leitor
medir as conseqüências
, do qual o autor prescinde sempre
.
Quando se diz que escrever é imprescindível ao verdadeiro escritor, quer dizer que
ele é psiquicamente organizado de tal modo que a reação do outro, necessária para a
autocon
sciência, é por ele motivada através da criação. Escrever é propiciar a
manifestação alheia, em que a nos
sa imagem se revela a nós mesmo
s.
Por isso, todo escritor depende do público.
77
Ao contrário dos naturalistas tout court de nossa parte, preferimos sempre o
termo realista –, no seu texto mais reflexivo sobre sua arte (e ainda tanto menos
programático), Maupassant defende uma
poética
ilusionista, o que o afasta das teorias
científicas na literatura, reputadas por Zola (v. Le roman expérimental), em que se
reconhece
a priori
a falibilidade da arte na reprodução do real; segundo Maupassant, em
“Le roman”, cada indivíduo, ao observar determinado objeto, terá a sua própria
percepção sobre ele, que difere de todas as outras. Cabe ao romancista ilusionista dar a
sua percepção sobre o objeto. Maupassant opõe-se à proposta naturalista, ap
roximando
-
se simpaticamente do Impressionismo e do S
imbolismo.
Não querendo aderir a escolas,
defendeu a sua expressão, que também refundiu elementos da tradição popular e letra
da,
sempre acusados pelas citações em seus textos.
Ao lançar sobre o domínio do compreensível e do racionalmente explicável as
causas do medo
e
do fantástico, Maupassant reorganiza o caos
de suas personagens e do
leitor.
O movimento de ir e vir do plano real põe em dúvida o mundo racionalmente
76
BARTHES, Roland.
Aula
: aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França
pronunciada dia 7 de janeiro de 1977
.
12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
77
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo:
Companhia E
ditora Nacional, 1965,
p. 90.
259
conhecido e devolve-lhe em seguida, deixando a sensação da relatividade de tudo, das
incertezas e de nossa fraqueza que por um momento descremos da verdade a que
éramos fiéis. Não nos extrai a objetividade, mas deixa uma faísca de desconhecido a
perscrutar, que nos seduz e nos atrai. Tira-nos um equilíbrio (seja pela loucura, pela
paixão, pela impulsão ao crime), mostrando-nos que outras experiências são também
prazerosas. Abre
-
nos de nosso restrito universo e d
emove nossas limitações para além.
Em meio a um mundo em que o explorável estava apenas no mundo dos sentidos
e principalmente do visível, todo o resto era mistério. Este medo e prazer, ao mesmo
tempo, e Maupassant não se privou nem a suas personagens dessa sensação
primitiva e agônica, que os coloca em dois planos, movidos pelo instinto
a curiosidade
e a inteligência a busca de conhecer. O ato de enfrentamento, por mais cruel e
doloroso que seja, é o de não
-
resignação, é ativo e positivo, ilim
itado.
As personagens de Maupassant são extremamente generosas com aquilo que as
assoma; são movidas pela paixão e sucumbem facilmente. Não são meramente
ingênuas, nem classicamente trágicas (marionetes do destino). Elas são seduzidas e
perseguem de livre-arbítrio, porque desejam a paixão, prepararam-se para ela, esperam-
na ansiosamente. O narrador, por sua vez, altivo e compreensivo, não julga sua
personagem. Ele não comete um ato de paixão, assomado pelo horror imposto pelas leis
sociais, pela moral.
Olha
-
as ironicamente, deixando entrever um sorriso cáustico.
Conforme v
i
mos n
o capítulo 2
, as opiniões e os juízos sobre a sua obra, seja a partir
das notícias biográficas, seja pela divulgação de seus textos, era filtrada pela imprensa
francesa, fonte principal de conhecimento dos jornais brasileiros sobre o escritor. Nossos
jornais traduziam e comentavam os artigos e leituras dados ao público francês, nem
sempre ponderando criticamente, mas algumas vezes superando essa
s
leituras.
Os cronistas estudados contribuíram muito, na medida de seu tempo e de suas
limitações. Concordamos com Wilson Martins quando diz
que
“mais vale um crítico
sem método do que o crítico que se prende desde o início a um método inflexível e que,
por isso mesmo, não pode compreender a vasta complexidade do fenômeno
literário”
.
78
Não nem progressão nem sistematização possível dos métodos críticos
entre os cronistas lidos. uma variada amplitude na percepção particular de cada um
sobre o fato de que a observação da obra literária era mais ou menos extrínseca ao
conhecimento da vida do autor e do meio social e cultural em que viveu.
É notável, porém, que quando se conhecia melhor os textos do autor, menos se
aludia à sua vida para explicá-l
os
. Isso ocorreu antes do advento de sua doença
e,
passados alguns anos de sua morte, com a crítica modernista, voltou
-
se mais para a obra
78
MARTINS, Wilson.
A crítica literária no Brasil
. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1983,
v. 1, p. 22
.
260
e seus princípios estéticos, deixando de lado a questão do gênio e a abordagem
psicológica para se observar a literatura e a sua manufatura pelo escritor.
Como o nav
io
brasileiro
de Le
Horla
, que assomou na França expandindo algo
indefinido
– entre peste e mal-
estar
–, Maupassant chegou ao trópico inicialmente
deformado
, sob a aura da sua tumultuada biografia e da sua vigorosa
obr
a, que se fazia
diferente do padrão naturalista geral a que o gosto brasileiro se habituara. Muitos
brasileiros o leram, no começo em francês, pouco a pouco traduzido; alguns puderam
perceber a distinção da arte de Maupassant diante dos demais naturalistas e o
apropriaram ao seu modo. Muitos permanecem desconhecidos do grande público,
porém, ficaram as releituras daqueles que descobriram um modo criativo de melhor
adequá
-lo a sua realidade, aqueles para os quais o autor francês fazia realmente sentido
e cuja leitura auxiliara nas suas próprias
definições estéticas.
Conforme afirmou Georges Duhamel, em passagem que citamos anteriormente,
a lição de Maupassant foi mais ouvida que a de Flaubert. A preocupação teórica com a
literatura seria advento da literatura moderna, de que vemos prenúncios em Lobato e
Oswald. Eles se voltaram para os princípios artísticos de Maupassant e deles se
alimentaram para criar sua arte original e que, ao mesmo tempo, não nega a tradição.
Jauss postulava que o texto adquire existência uma vez que é lido,
ressig
nificado, e este acontecimento atende a expectativas prévias, do que se pressupõe
que ele é funcional também para esta outra cultura receptora; os empréstimos literários,
se perduram, não se justificam socialmente por modismos. A formação do gosto
prescind
e de valores preexistentes na cultura.
Enfim, o que nos faz, hoje, ler esse escritor realista tão ocupado em
objetivamente reproduzir os comportamentos dos homens do seu tempo? Haveria em
sua obra aquela beleza dupla baudelairiana, que contém um elemento moderno (hoje
desatualizado) e um outro constante, que permanece? Estaríamos nós, deslocados no
tempo, ainda relendo aquela belle époque em que nossos ancestrais leram o escritor
normando? São questões ainda difíceis de responder sobre nós mesmos. Mas sabe
mos
que seus livros são lidos não somente para se escrever
em
dissertações acadêmicas. As
múltiplas reedições de bolso, na França e no Brasil, mostram que Maupassant é ainda
um
best seller. É o barco da poesia, o Horla indo e vindo nas trocas literárias. É a barca
de Gleyre de Lobato, que vai e vem, pe
r
mitindo
-
nos ler e reler a tradição literária.
Chegado o final desta dissertação, esperamos apenas continuar o movimento de
Carpeaux, passar adiante o volume mais estragado e dizer ao colega: “Maupassant!”.
261
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v.2, 1948, 126 p. Localizada na Biblioteca Nacional do Rio de
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1
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La main gauche e da novela “
Misti
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Contos fantásticos. Trad. José Thomaz Brum. Porto Alegre L & PM, 1997, 141 p.
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Contos fantásticos: o Horla & outras histórias. Trad. José Thomaz Brum. Porto Alegre L
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USP e disponível nas livrarias.
Dois contos: O cordão, Meu tio Júlio. Trad. Elisa Tamajusuko, Maria Alves Muller,
Maria Isabel Geraldi Pizzato, Maria Stella Dischinger da Cunha. Ed. bilíngüe. Porto
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Guy de Maupassant v. 10). Localizado na Biblioteca Mário de Andrade.
Pedro e João: romance. [s/ trad. e s/ o prefácio “Le roman”]. Rio de Janeiro: Un
iversal,
1932, 202 p. Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Profissão amante: romance.
3
Trad. Tereza da Silva. São Paulo: Hemus, 1972, 283 p.
Localizado na Biblioteca Mário de Andrade e no Centro Cultural São Paulo.
Romance de uma mulher. São Paulo: Clube do Livro, 1944, 216 p. Localizado na
Biblioteca Mário de Andrade.
Romances. Org. Sérgio Milliet. Trad. Ascendino Leite, Maria Eugenia Franco, Ledo
Ivo, Clovis Ramalhete, Plínio Franco. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983. 2 v. (Obras de
Guy de Ma
upassant v. 4 e 5). Localizado na Biblioteca Mário de Andrade.
Segredos do coração: romance. Trad. Álvaro Gonçalves. Rio de Janeiro: José Olympio,
1944, 162 p. (Fogos Cruzados v. 51). Localizado na Biblioteca Mário de Andrade.
As termas de Mont-
Oriol
: romance. Trad. Abelardo Romero. Rio de Janeiro: Ed. Vecchi,
1944, 262 p. (Grandes Nomes). Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Uma vida. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1931, 306 p. Localizado na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
2
Trata
-
se do romance
Notre Coeur
.
3
É tradução de
Bel
-
Ami
.
278
Uma vida. Trad. rev. Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Pongetti, s.d., 240 p. (As 100
obras
-primas da literatura universal). Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro e na Biblioteca Mário de Andrade.
Uma vida
. Introd. Sérgio Milliet. Trad. Ascendino Leite.
São Paulo: Livraria Martins, 1953,
337 p. (Obras de Guy de Maupassant v. 1). Localizado na Biblioteca Mário de Andrade.
Uma vida. Apres. Sérgio Milliet; Trad. Ascendino Leite. São Paulo: Abril Cultural,
1985, 256 p. Localizado na Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro.
Uma vida. Trad. rev. Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1986, 162 p.
Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Uma vida.
Rio de Janeiro:
Ediouro, 1991. Disponível nas livrarias.
Uma vida. Trad. Elias Davidovich. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1991, 176 p. (Série
Universidade de bolso). Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Uma vida, Pedro e João. São Paulo: W. M. Jackson, 1952, 381 p. (Grandes Romances
Universais v. 20). reedição, de 1959. Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro e na Biblioteca Mário de Andrade.
Teatro
Os anos cor-
de
-
rosa
, casa turca: comédia de (maus) costumes em um ato em prosa.
Trad. Clémence M. C. Jouët-Pastré. São Paulo: Cone Sul, 1998, 81 p. Localizado na
Biblioteca Naciona
l do Rio de Janeiro.
Crônicas e estudos
Gustave Flaubert. Trad. Betty Joyce. Campinas; São Paulo: Pontes, 1990, 128 p.
Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Edições brasileiras em francês
Pierre et Jean. Rio de Janeiro: Americ-Edit, [194-], 235 p. Localizado na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
Vingt Contes. Org. Jeanne Peirier. Rio de Janeiro: Americ-Edit, [194-], 262 p.
Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Yvette
. Rio de Janeiro: Americ-
Edit, 1943
[?], 211 p. Localizado na Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
279
Antologias
Contos de horror do culo 19. Trad. Rubem Fonseca, Moacyr Scliar, Nelson Ascher e
Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 528 p. Disponível nas livrarias.
Contos fantásticos do
séc
ulo
XIX
: o fantástico visionário e o fantástico cotidiano
. Org. Ítalo
Calvino.
Vários t
rad.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Contos franceses: Stendhal, Prosper Merimée, Gérard de Nerval, Alfred de Musset,
Barbey d´Aurevilly, Gustave Flaubert, Guy de Maupassant, Anatole France.
Trad.
Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1966, 258 p.
Localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Contos universais
. 9. ed.
São Paulo:
Ática, 2003. Disponível nas livrarias.
Histórias
eternas. São Paulo: Cultrix, 1959, 246 p. Localizado na Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
Homens, lobos e lobisomens. Vários autores. Marco Zero Ed., 2004. Disponível nas
livrarias.
Ilka
. Org. José Attico L. Rocha. Rio de Janeiro: Bruguera, c. 1971,
160 p. (Olho Mágico
v. 24) reúne contos de A. Dumas Filho, O. Henry e Maupassant. Localizado na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Para gostar de ler: Contos universais, v. 11. Org. José Paulo Paes. São Paulo: Ática,
1988. Localizado na Biblioteca da
FFLCH
-
USP.
Pierrot
: antologia. Org. José Attico L. Rocha. Rio de Janeiro: Bruguera, c. 1971, 160 p.
(Olho Mágico v. 25) reúne contos de Dumas, Maupassant e Machado. Localizado na
Biblioteca.
II. Levantamento dos trabalhos acadêmicos brasileiros sobre M
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, Semíramis Deusdedith Teixeira. Ressonâncias do subgênero fantástico em
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FFLCH
-
USP.
281
III.
Cronologia de Maupassant no Brasil
4
(1880
-1921)
22.04.1884
“Uma vagabunda” (“La rempailleuse”), Gazeta de Noticias, p. 1-2, sem
nome do tradutor.
• 23.06.1884
“O braço” (“En mer”)
,
Gazeta
de Noticias
, p. 1
, sem nome do tradutor.
20.11.1886
“O Horla” (“Le Horla”), Gazeta de Noticias, p. 1-2, sem nome do
tradutor.
06.05.1889
seção “Ver, ouvir e contar”, não assinada (tal coluna é às vezes assinada
por Iriel), trata do volume de contos La main gauche, de Maupassant. Jornal do
Commercio, p. 1.
16.05.1889
pequena
menção ao autor, na mesma seção.
Jornal do Commercio, p. 1.
1889 “O romance naturalista no Brasil” e “O Naturalismo na literatura brasileira”, de
José Veríssimo (1857-
1916).
Cf.
VERÍSSIMO, José. José Veríssimo: teoria, crítica e
história literária. Sel. e org. de João Alexandre Barbosa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos
e Científicos; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1978, p. 179
-209.
12.08.1890
na
seção
“Ver, ouvir e contar”, assinada por Iriel, de Paris, aborda-
se
Notre Coeur,
Jornal do Commercio, p. 1.
27.08.1890
menciona
-
se
rapidamente o autor
na
seção
“Ver, ouvir e contar”,
assinada por Iriel,
Jornal do Commercio, p. 1.
28.03.1891
sobre
a representação de
Musotte
em Paris,
na
seção
“Ver, ouvir e
cont
ar”, assinada por Iriel,
Jornal do Commercio, p. 1.
02.04.1891
o colunista de “O Jornal dos Jornae
s”,
de Paris, sob o pseudônimo
Alter
Ego
, transcreve comentários de jornais sobre
Musotte
em Paris. Jornal do Commercio
,
p. 2.
10.04.1891
Alter
Ego faz novos comentários sobre
Musotte
, dando agora ao leitor
um trecho da peça.
Jornal do Commercio, p. 2.
08.05.1891
Alter Ego traça um perfil do escritor aventureiro e traduz excertos de
duas narrativas de viagens, Au soleil” e “Une fête arabe”, a partir da imprensa
francesa. Seção “Jornal dos Jornais”,
Jornal do Commercio, p. 2.
20.05.1891
Alter Ego trata de “Festa árabe”, de Maupassant. Seção “Jornal dos
Jornais”,
Jornal do Commercio, p. 2.
4
As entradas indicadas por () remetem aos textos fotografados, escaneados dos microfilmes ou
transcritos dos originais. Esses textos estão disponíveis nos anexos e na versão em CD, na qu
al podem ser
ampliados e mais bem visualizados. A qualidade da reprodução na maioria das vezes se deve à
qualidade do jornal de onde foi extraída a imagem.
282
10.08.1891 anúncio de venda de La maison, de Maupassant (seria a Maison Tellier
?),
pela Livraria A. L. Garraux & Comp.
,
O Estado de São Paulo
.
10.01.1892
“Guy
de Maupassant”, transcreve notícias de jornais franceses sobre a
loucura do escritor.
Jornal do Commercio, p.
1-
2.
24.01.1892
na
coluna “Ver, ouvir e contar”, Iriel também comenta a doença do
escritor.
Jornal do Commercio,
p. 1.
• 02.02.1892
artigo “
Maupassant”, não assinado,
Correio Paulistano
, p. 2.
• 03.02.1892
artigo “Guy de Maupassant”, não assinado,
Jornal do Brazil
.
07.02.1892
tr
ês
textos sobre o autor
no
Jornal do Commercio: Iriel, em
três
partes de sua coluna, p. 1; “O talento e loucura”, de Maria Amalia Vaz de Carvalho (de
Lisboa), p. 2; e “A
obra
de Maupassant”, p. 2, não assinado.
07 a 24.02.1892 (exceto dias 15, 20 e 21) “Bola de Sebo” (“Boule de Suif”), Gazeta
de Noticias
, p. 1, sem nome do tradutor.
14.02.1892
conto “O medo” (“La peur”), sem nome do tradutor, no
Jornal do Brazil
,
p. 1.
19 e 20.02.1892 crônica “Homens de Lettras” (“L’homme de Lettres”), Correio
P
aulistano
, p. 1.
28.02.1892
falando
de Daudet, Iriel menciona a adaptação francesa de
Musotte
.
Jornal do Commercio, p. 1.
07.07.1892
na seção “Chronica Pariziense O Jornal dos Jornaes”, de Alter Ego,
comenta e transcreve um artigo inglês sobre o
autor.
Jornal do Commercio, p. 2.
31.07.1892
“O Tio Mongillet” (“Le père Mongilet”), Gazeta de Noticias, p. 1, sem
nome do tradutor.
02.09.1892
notícia traduzida do jornal francês
Evenement,
Gazeta de Noticias, p. 1.
• 09 e 30.10
e
06.11.1892
em
“Pariz litterario”, Theodor Child trata de diversos escritores
franceses e inclui Maupassant entre os dramaturgos.
Jornal do Commercio
, p.
1-2.
• 15
.12.1892
artigo “Guy de Maupassant”, não assinado
,
Correio Paulistano, p. 2.
16
.12.1892
Alter Ego
tra
nscreve notícia sobre o
autor
e inclui uma carta de Flaubert
à mãe de Maupassant, na coluna “Chronica Paris
iense
O Jornal dos Jornae
s”,
Jornal
do Commercio, p. 2.
30.03.1893 pequena menção a Maupassant no artigo “A Academia Francesa”,
O
Estado de São
Paulo, p. 1
.
02.04.1893
Alter
Ego
comenta o sucesso da peça
La paix du ménage
, na França, fala
do sucesso pessoal do autor e de “profecias”,
feit
as
a amigos seus, na “Chronica
Pariziense
O Jornal dos Jorna
e
s”,
Jornal do Commercio, p. 2.
283
1º.07.1893 anúncio de La paix du ménage no repertório a escolher de Sarah
Bernhardt
,
no Theatro S. José,
Correio Paulistano, p. 3.
07.07.1893
pequena notícia sobre a morte do autor, Gazeta de Noticias
, p. 1.
08.07.1893
“Guy de
Maupassant
, artigo não assin
ado,
Jornal do Commercio, p. 1.
• 16
.07.1893
artigo “Guy de Maupassant”, não assinado
,
O Estado de São Paulo, p. 1.
16
.07.
1893
na seção Escriptos doidos”, dois textos Guy de Maupassant”,
um
deles
assinado pelas iniciais J.V.S,
O Estado de São Pa
ulo, p. 1.
30.07.1893
Iriel
fala da morte de Maupassant na coluna “Ver, ouvir e contar”,
Jornal
do Commercio, p. 1.
13.08.1893
Alter Ego dedica toda a sua “Chronica Estrangeira” a Maupassant,
Jornal do Commercio, p. 2.
• 03.12.1893
“O garrafão”
(“Le
petit
fût”)
,
Correio Paulistano
, p. 1
-
2, sem o nome do
tradutor.
1893 “O Naturalismo no Brasil”, de Adherbal de Carvalho (1872-1915), texto
publicado mais tarde em livro, onde o conhecemos: CARVALHO, Adherbal de.
Esboços litterarios. Rio de Janeiro: Garnier, 1902. Nas páginas 47 e 48, trata de
Maupassant.
14.01.1894
Iriel
comenta o leilão dos bens de Maupassant, na França. “Ver, ouvir e
contar”,
Jornal do Commercio,
p. 1.
20
.01.
1894
“O filho” (“L’enfant”), Correio Paulistano, p. 2, sem autoria da
tradução.
• 27.01.1894
“Ça ira”
,
O Estado de São Paulo, p. 1
-
2, sem autoria da tradução.
• 14
.02.1894
crônica “Maneira original de ser pensionista do Estado”
(excerto final de
Sur l’eau
),
O Estado de São Paulo, p. 1
-
2, sem autoria da tradução.
23 e 24.03.1894 “Quem sabe?” (“Qui sait?), Gazeta de Noticias, p. 1-2, sem nome
do tradutor.
• 30
.03.1894
“Em wagon”,
O Estado de São Paulo
, p. 1, sem autoria acusada.
• 21.01.1895
“Uma viúva” (“Une veuve”),
Correio Paulistano, p. 1.
1895 –
Adolfo C
aminha publica suas Cartas literárias
.
Rio de Janeiro: [s.n.], 1895.
03.02.1896
“Dous artistas”, sobre Maupassant e
a
aristocrata russa
Maria
Bashkirtseff
(1858
-
1884
; pintora e correspondente
secreta
de Maupassant), na coluna “Chronica
Es
trangeira
O
Jornal dos Jornaes”, de Alter Ego,
Jornal do Commercio
, p.
1.
13.08.1896 pequena menção no artigo “A Academia Goncourt”, de André Maurel,
traduzido da imprensa francesa,
O Estado de São Paulo, p. 1.
284
12.04.1897
“Contra a guerra”, de Alter Ego, cita
a crônica
“La Guerre” de
Maupassant,
na “Chronica E
s
trangeira
O Jornal dos Jornaes”,
Jornal do Commercio
, p. 1.
03.09.1897
conferência de Paul Bourget traduzida: “Gustavo Flaubert”, em que
pequena menção a Maupassant
,
Correio Paulistano, p. 1.
20.01.1898
em artigo sobre a morte de Alphonse Daudet, Jayme de Séguier,
em
“Ver, ouvir e contar”,
no
Jornal do Commercio
,
menciona nosso autor, p. 1.
11.12.1899 –
em
“O Parnasianismo no Brasil”, José Veríssimo menciona uma vez
Maupassant. Jornal do Com
mercio, p. 1.
09.02.1900
anúncio de publicação de
Forte como a morte
, no
Correio Paulistano
, p. 1.
11.02 a 02.04.1900 (exceto
em
20, 23, 24 e 28.02; 1º,
3,
20,
28, 29, 31.03 e 1º.04)
Forte como a morte
, no
Correio Paulistano
, p. 2, seção Folhetim,
trad.
de José Sarmento
.
02.04
.1900
comenta-se o final da publicação de Forte como a morte, no
Correio
Paulistano
, p. 1.
1900 José Veríssimo publica “Alguns livros de 1900”. VERÍSSIMO, José. Alguns
livros de 1900. Estudos de Literatura Brasileira. 3ª. série. Belo Horizonte; São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1977.
16.08.1901
anuncia
-
se
para o dia seguinte, na seção “Theatros e bailes”, a peça
Musotte,
no Theatro Sant’Anna (SP), pela companhia de Clara Della Guardia,
Correio
Paulistano
, p. 2.
17.08.1901
artigo
comentando e resumindo a mesma peça, na seção “Theatros e
bailes”,
Correio Paulistano, p. 2.
17.08.1901 anúncio de
Musotte
,
para
representação nesse
dia,
no Theatro Sant’Anna
(SP)
, p
ela companhia de Clara Della Guardia,
Correio Paulistano, p. 3.
17.08.1901 – anúncio de
Musotte
,
no Theatro Sant’Anna,
O Estado de São
Paulo, p. 4.
18.08.1901
artigo
não assinado, na seção, “Palcos e circos” sobre a representação de
Musotte
no
Theatro Sant’Anna,
O Estado de São
Paulo, p. 3
18.08.1901
artigo
não assinado, na seção “Theatros, bailes e...” sobre a
representação de
Musotte
no
Theatro Sant’Anna,
Correio Paulistano
, p. 3
24 e 25.08.1901 anúncio de
Musotte
no repertório da Companhia de Clara Della
Guardia, no Theatro S. Pedro de Alcântara,
Jor
nal do Commercio
, última página.
10
.09.1901
anúncio de
Musotte
, no Theatro S. Pedro de Alcantara (RJ), p
ela
companhia de Clara Della Guardia, e de Miss Helyet, no Theatro Apollo, Jornal do
Commercio, p. 8
.
285
10.09.1901 anúncio comunicando a represent
ação
de
Musotte
, no Theatro S. Pedro
de Alca
ntara (RJ),
p
ela companhia de Clara Della Guardia,
Gazeta de Noticias, p. 4.
11.0
9.
1901
nota sobre
Musotte
, no Theatro S. Pedro de Alcantara (RJ), p
ela
companhia de Clara Della Guardia,
Jornal do Commercio, p.
3.
13.09.1901
– c
omentários sobre a peça
Musotte
,
Jornal do Commercio, p. 1
-2.
08.01.1902 na coluna “Ver, ouvir e contar”, Jayme de Seguier comenta que a peça
Yvette
está na centésima representação em Paris,
Jornal do Commercio
, p. 1.
• 02
.05.1902
em “Habitos e manias d
e
escriptores”, na coluna “Chronica E
s
trangeira”,
Alter Ego comenta em poucas linhas
certos
procedimentos de trabalho de
Flauber
t,
entre outros escritores; para isso menciona Maupassant. Jornal do Commercio, p. 1.
Continua no dia 09.
05.1902, p. 1.
29.06.1902
aproveitando a notícia da semana, Alter Ego conta uma experiência de
Maupassant
com um tremor de terra em Antibes. Jornal do Commercio, p. 2.
Transcreve trechos da crônica “Tremblement de terre”, de 1887.
07.09.1902
em parte de sua coluna, Alter Ego trata d“As fraquezas dos grandes
homens”, entre os quais Maupassant.
Jornal do Commercio, p. 1.
• 09
e 10.07.1903
anúncios de
Musotte
no Theatro Apollo (RJ), pela companhia Souza
Bastos,
e de Boule de Suif no Theatro Lyrico (
RJ),
pela companhia de Antoine,
Jornal
do Commercio, p. 8.
09
e 10.07.1903 anúncios de
Musotte
, no Theatro Apollo, e de Boule de Suif,
no
Theatro Lyrico,
Gazeta
de Noticias
, p. 6.
10
.07.1903
pequeno comentário sobre a representação de Boule de Suif e de
Musotte.
Jornal do
Commercio, p. 3.
11.07.1903
c
omentários sobre
Musotte,
Jornal do Commercio, p.
3
, sem autoria.
11.07.1903
comentários sobre
Boule de Suif
,
na
Gazeta
de Noticias
, p. 2, não assinado
s.
12.07.1903
comentários sobre
Boule
de Suif
, no
Jornal do Commercio
, p. 3.
17.01.1904
no artigo “Estatistica litteraria”, Daltro Santos faz um levantamento das
obras lidas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, entre estas algumas de
Maupassant,
Jornal do Commercio, p. 1
-2.
02.07.
1904
na coluna “Ver, ouvir e contar”, Alter Ego compara um acontecimento
relatado em seu
fait divers
à obra de Maupassant.
Jornal do Commercio, p. 1.
25.0
3.
1905
pequena referência de Júlia Lopes de Almeida ao autor, na
entrevista
concedida à coluna “O momento litterario: um lar de artistas”, de João do Rio, na
Gazeta de Noticias, p. 2.
286
09
.05.1906
anúncio do Theatro Lyrico (RJ) de
Musotte
no repertório da Companhia
Tina di Lorenzo. Jornal do Commercio, p. 3. Outros anúncios semelhantes saíram nos
dias 8 (p. 8), 10 (p. 12), 22 (p. 8), 23 (p. 8), 24 e 25 de maio (p. 10). Não há, porém,
indícios de que essa representação tenha ocorrido.
04.06.1906
anúncio
de
Musotte
, pelo Theatro Sant’Anna, a constar no repertório da
Companhia Tina di Lorenzo. O Estado de São Paulo, p. 4. Assim como no Rio de
Janeiro, n
ão
há referência alguma
de que essa representação tenha
acontecido.
24.06.1906
Em “A arte de escrever”, na coluna “Chro
nica
Ex
trangeira”, Alter Ego
fala dos princípios estéticos de Maupassant, mencionando uma carta sua a Maurice
Vaucaire, de 1886.
Jornal do C
ommercio, p. 1.
16.11.1907 no artigo “Gustave Flaubert”, faz-se uma pequena menção ao “discípulo
dilecto” Maupassant,
O Estado de São
Paulo, p. 1.
16.02.1908
conto
“Dois amigos”
(“Deux
amis”)
,
Gazeta de Noticias
, p. 3, sem tradutor.
24.08.1908
anúncio
de venda de vários volumes de romances, poesia e contos
de
Maupassant pela
Livraria
Central.
Jornal do Commercio, p. 9.
1908 João do Rio (Paulo Barreto) publica Momento Literário. RIO, João do. (Paulo
Barreto). Medeiros e Albuquerque. O momento literário. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, 1994, p. 61
-76.
23, 24 e 25.03.1909 anúncio do Cinematógrafo Rio Branco, incluindo em seu
programa para essa data “O Pai Milon”.
Jornal d
o Commercio, p. 12.
10.04.1909 anúncio do Theatro S. José, para a projeção de “O velho Mil
on”,
Jornal
do Commercio
, p. 10.
07.06.1909 anúncio do Cinematógrafo Rio Branco (RJ), da sessão de “O pai Millon”,
às 6h30, entre outros sete filmes,
Gazeta de No
ticias, p. 6.
05.09.1909 anúncio do filme “O pai Milon”
,
entre outros cinco filmes, no Cinema
Pátria
(RJ),
às 3 da tarde,
Gazeta
de Noticias
, p. 12.
03.11.1909
“A creança” (“L’enfant”),
Correio Paulistano
, p. 1, sem nome do tradutor.
• 05.11.1909
“Solidão”
(“Solitude”),
Correio Paulistano
, p. 1
, sem nome do tradutor.
20.01.1910 “O theatro nacional”, de
Rube
m Tavares, menciona Maupassant,
Jornal
do Commercio, p. 4.
1º.10.1910 artigo na seção “Theatros e Salões”, sobre a adaptação de
Mademois
elle
Fifi, n
o Th
eatro
S. José
(SP)
,
Correio Paulistano, p. 2.
1º.10.1910 artigo não assinado, sobre a adaptação de Mademoiselle Fifi para os
palcos, representada no Theatro S. José,
O Estado de São Paulo, p. 5.
287
28.01.1912
conto
“Mademoiselle Perle
”,
tradução assinada por Luís Gastão
d’
Escragnolle Doria.
Jornal do Commercio, p. 3.
25.04.1912
texto em que se fala da vida de Maupassant, entre outros escritores: “A
invasão dos médicos na história da literatura”, de
J. Bourdeau
, no
Correio Paulista
no
, p. 1
.
12
.05.
1912
artigo “A enfermidade de Maupassant”, do Dr. G. Dumas, no
Correio
Paulistano
, p. 1.
10.06.1912
sobre Clara Della Guardia, relata-se sua atuação em
Musotte
, no Brasil.
Jornal do Commercio, p. 4.
16
.06.
1912
“Os alfinetes” (“Les épingles”),
Gazeta
de Noticias, p. 2, sem autoria da
tradução.
30.06.1912
“Guy de Maupassant”, em “Chronica Extrangeira O Jornal dos
Jornaes”, de Alter Ego,
Jornal do Commercio, p.
3.
31.03; 01 a 13.04; 08.06.1913 anúncio de venda da coleção de livros “Biblioteca
Internacional de Obras Celebres”, na qual constavam textos de Maupassant (não são
ditos quais)
,
em
Jornal do Commercio
, p. (várias).
04.05, 10.08, 21.09, 29.09.1913 anúncios de venda da coleção de livros “Biblioteca
Internacional de Obras Celebres”,
em
O Estado de São Paulo. Maupassant está entre os
romancistas e contistas publicados.
02.11.
1914
O talento” (excerto de “Le roman”), Correio Paulistano, p. 5, seção
“Letras e Letras”, organizada por Nuto Sant’Anna
.
20.12.1914
“Um
amigo de Flaubert no Brasil”, de Escragnolle Doria, menciona
apenas uma vez Maupassant.
Jornal do Commercio, p. 3.
21.12.1914
“Homens celebres”, em que se fala de Maupassant, entre outros
escritores franceses, no
Correio Paulistano
, p. 4
seção “Letra
s e Letras”, organizada por
Nuto Sant’Anna
.
29.08.1915 anúncio de venda da coleção de livros “Biblioteca Internacional de Obras
Celebres”,
Jornal do Commercio, p. 19.
31.10.1915
“O movimento litterario”, José Maria Bello, pequena menção ao autor.
Jo
rnal do Commercio, p. 4.
25.12.1915
“Os idolos litterarios”, por José Maria Bello.
Jornal do Commercio
, p. 38.
30.01.1916 pequena menção a Maupassant e Flaubert, em artigo anônimo sobre as
reedições de Machado de Assis.
O Estado de São
Paulo, p. 3.
04.03.1916
“Uma maneira naturalista”, de Oswald de Andrade, na seção Letras e
Letras,
Correio Paulistano, p. 2. Tratando de Amadeu Amaral, fala de naturalistas
288
franceses, entre os quais Maupassant, mencionando em várias passagens a estética do
autor.
Traça um paralelo entre Maupassant e Mary Ann Evans (pseudônimo da escritora
inglesa George Eliot)
18.11.1916
“O que se entre nós”, José Maria Bello, pequenas menç
ões
ao autor.
Jornal do Commercio, p. 3.
02.04.1917 anúncio de venda da Livraria João
Martins,
Yvette
e Le Horla. Jornal do
Commercio, p. 11.
05.01.1918
Em
“Um romancista inglês”, Oliveira Lima menciona Maupassant para
contrapor um romance do escritor inglês
Enoch
Arnold Bennett
(1867
-
1931)
a
Une vie.
O Estado de São
Paulo, p.
3.
02.02.1918 –
na
revista
Fon
-
Fon
!,
rápida menção em
“Machado de As
sis”, assinado por
Jotaenne (Gustavo Barroso), p.
21.04.1918
na coluna “Palcos e Circos”, menciona
-
se também rapidamente Maupassant
para contrapor a obra estudada, a peça
La nemica
.
O Estado d
e S
ão
Paulo
, p. 2.
27.04.1918 – na revista
Fon
-
Fon!
, foi traduzido o conto “Adeus” (“Adieu”), porém sem
nenhum comentário e sem nome do tradutor.
1918
Monteiro Lobato publica o “Meu conto de Maupassant”.
Urupês.
São Pa
ulo:
Revista do Brasil, 1918.
16.0
5.1919
“Urupês”
, nesse artigo,
Sud
Menucci
comenta o livro de Lobato e opõe-
no a Maupassant.
O Estado de São
Paulo, p. 4.
10.09.1919
pequena menção no artigo “A caligraphia dos grandes escriptores”,
seção “Chronica Estrangeira”,
Jornal do Commercio
, p. 3.
28.10.1920
“Estudos”, de Lima Barreto, sobre Albertina Bertha, cita Maupassant.
Gazeta de Noticias
, p. 2. Ver republicação desse artigo em
BARRETO, Lima.
Impressões
de leitura
:
crítica. Pref. M. Cavalcanti Proença. São Paulo: Brasiliense, 1956.
25.07.1921
“Questões de Arte
”,
de Oswald de Andrade, Jornal do Commercio,
edição de São Paulo, p.
3.
25.07.1921 na seção “Ver, ouvir e contar”, Alter Ego compara a morte de George
Feydeau à de Maupassant,
Jornal do Commercio
.
21
.11.1921
“Um novellista brasileiro” de Ribeiro Couto, aproxima Viriato Correia
de Maupassant.
Correio Paulistano
, p. 3.
1921 –
Sérgio Buarque de Hollanda publica “A decadência do romance”
.
HOLLANDA,
Sérgio Buarque de.
O espírito e a letra
: estudos de crítica
literária. Org
. Antônio Arnoni
Prado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, 2 v.
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