Concluídas as etapas de seleção, catalogação e análise
de imagens consideradas significativas na obra de Rowling,
percebeu-se que o “eu-íntimo”, que é perene, reconhecido pela
constatação de uma vivência inconsciente, marcado por mitos, ritos e
modelos que conduzem o existir consciente do sujeito — explorado e
configurado sistematicamente através dos estudos de Jung em sua
teoria dos arquétipos —, e o “eu-exterior”, que é sociológico em seus
procedimentos e comportamentos psicológicos e, por isso, histórico —
focalizado nos estudos de Vigotski acerca da construção da
subjetividade — unem-se, como numa equação, dando origem,
através da cultura, ao “eu-filosófico”, que, por ser resultado dos
demais, é determinante do “eu-real” palpável e viável. Esse é o “eu”
da obra que, no sentido ricoeuriano
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, está em confluência com o “eu”
da recepção e da manipulação e elaboração das imagens que
configuram o texto ficcional. É o “eu” que, num movimento dialético
que passa pela construção de “eus-transitórios”, vai configurando o
“eu-contínuo” da existência humana, o qual corresponde à imagem
duradoura, proveniente de todas as perenes e transitórias, simples e
complexas, efêmeras e recorrentes, que povoam o imaginário de todo
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Para Ricoeur (1991), a idéia de identidade narrativa supõe uma estrutura que ele denomina
ipseidade. Compreendida como a identidade de um si-mesmo relacional, por ser
constantemente afetado pelo mundo, em contraste com uma identidade fixa, a noção de
ipseidade distingue-se de uma subjetividade egocentrada ao remeter a um ser do conhecimento,
efeito das narrativas, na imbricação dos planos pessoal e cultural. Conforme Carvalho,
constitui-se assim, através da categoria de identidade narrativa, uma interessante compreensão
das relações entre indivíduo, sociedade e historicidade, pois a fronteira com que normalmente
se distinguem esses campos poderia ser entendida menos como indicador de oposição e
diferença e mais como área de negociação e trânsito entre esferas, que no plano do vivido se
constituem mutuamente e nunca se dicotomizam (2003, p.283, 302). Nas palavras de Ricoeur, a
ipseidade é assim, a de um si instruído pelas obras da cultura que aplicou a si mesmo (1997,
p.425).