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uma agremiação inteiramente liberta dos preconceitos sociais dominantes,
norteada por rigoroso espírito de objetividade e cientificismo, em que a busca da
verdade objetiva é o único interesse que conta, uma vez que fundamenta as
virtudes humanas.
No entanto, a finalidade específica da Arcádia era a reforma literária, não
uma investigação científica. Os regulamentos e estatutos que regem essa
instituição intelectual demonstravam a crença dos árcades na possibilidade de a
Literatura promover uma reforma geral da mentalidade social. Para eles, a reforma
da Poesia era um aspecto dessa mudança: devia-se combater o mal da
ignorância, da futilidade, da fantasia “descabeçada” própria da ausência de idéias
dos “seiscentistas”; para realizar uma Poesia série era necessário dar à razão o
seu devido lugar, restaurar o bom senso e combater a ignorância geral de um país
atrasado (ao contrário do que se pode, à primeira vista, imaginar dos árcades –
racionais, sistemáticos e frívolos, percebe-se aqui um compromisso social
consciente e bem demarcado). Fazia-se necessário aprender e praticar a crítica,
com um trabalho de esforço, disciplina e autodomínio.
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Trabalho este que
contava com o apoio real (inicialmente de D.João V e, em seguida, de D.José) e o
lastro intelectual de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.
Apesar de seu período áureo ter curta duração no tempo (1.757 – 1.761), parece-
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Em Portugal, esta foi uma questão até certo ponto polêmica e que dividiu a opinião dos próprios
árcades.
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Correia Garção, expressivo árcade e crítico do Arcadismo português, desenvolveu o que
chamou insistentemente de “o sistema da crítica”, consciência artística que via necessária não só à
manutenção da Poesia, mas, principalmente, à fundamentação e permanência da estética
arcádica. Segundo ele a crítica (e a correspondente autocrítica) é o meio pelo qual o artista
consegue alcançar o “bom gosto”. Para que este objetivo se efetive, faz-se necessário ao poeta
árcade meditar sobre sua escrita e aprender com os ensinamentos dos antigos filósofos e poetas
greco – latinos. Imitá-los passa a ser essencial. Porém, imitar não significa “traduzir suas palavras”
ou simplesmente “copiá-los” como faziam muitos poetas portugueses desse período. É bem mais
do que isto: é assumir um gênio criador; na conceituação do século XVIII, assemelhar-se-ia a ter
“inspiração” ou “entusiasmo natural”, fruto da associação de talento com sapiência do artista numa
disposição bastante horaciana, uma vez que, para este poeta latino, “ser sábio é o princípio e a
fonte do escrever bem.”
Ao se propor a falar de imitação, Garção deixa claro que os antigos são a única fonte de
aprendizado válida e suas obras devem prevalecer, como objeto de imitação até mesmo sobre a
Natureza.Critica, então, aqueles a quem chama de “plagiadores”, os que cometem “o vício mais
comum” de tradutores de Virgílio, em franca distorção dos ensinamentos de Horácio. Esses, “não
imitam, roubam e despedaçam o que lhes agradou, como se tomassem por empresa fazer-nos