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Congresso Internacional das Raças
33
(Schwarcz, 1993, p. 11) como representante do
governo brasileiro (Seyferth, 1996, p. 49; Santos e Maio, 2004, p. 62).
A tese apresentada era contundente: “o Brasil mestiço de hoje tem no
branqueamento em um século sua perspectivas, saída e solução” (Lacerda, 1911 apud
Schwarcz, 1993, p. 11). Segundo Lacerda, o acelerado processo de miscigenação que o país
estava vivenciando geraria uma população majoritariamente branca e sem nenhum negro.
Suas previsões sustentavam que dentro de um século – logo, aproximadamente no período
atual – a “população brasileira seria composta por 80% de brancos, 3% de mestiços, 17%
de índios e nenhum negro”
34
(Skidmore, 1974, p. 67 apud Telles, 2003, p. 46).
O trabalho apresentado por Lacerda ao Congresso trazia, em sua abertura, uma
imagem que resumiria o processo de branqueamento pelo qual o Brasil estava passando.
Era uma reprodução do quadro A Redenção de Can, de Modesto Brocos y Gómez
35
(Santos
e Maio, 2004, p. 62), artista da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, que estava
acompanhada da seguinte legenda: Le nègre passant au blanc, à la troisième génération,
par l´effet du croisement des races
36
(Schwarcz, 1993, p. 11).
[Nela, estavam representados quatro personagens], tendo ao fundo uma parede de barro
(pau-a-pique), comum em regiões pobres do Brasil. De pé, à esquerda, vê-se uma velha
negra, que olha para o alto com os braços parcialmente levantados, como que agradecendo
aos céus por uma graça alcançada. No outro extremo, sentado e parcialmente de costas para
os demais está um homem de seus 30-35 anos. De tez branca, sua aparência lembra a de um
migrante ibérico ou mediterrâneo. O centro do quadro é ocupado por um par mãe-filho: a
mãe (fenotipicamente mulata) lembra uma Madona renascentista com o menino Jesus (de
pele branca) em seu colo. Brocos y Gómez pintou o quadro em 1895, menos de dez anos
depois de assinada a chamada Lei Áurea (1888), que aboliu a escravidão no Brasil. A
Redenção de Can é usualmente interpretada como expressando o ideal do ‘branqueamento’:
a velha negra agradece por sua filha, mulata clara (portanto, já parcialmente ‘branqueada’),
ter se casado com um imigrante branco e gerado uma criança de tez branca (Seyferth, 1985
apud Santos e Maio, 2004, p. 62).
33
Tal congresso aconteceu em 1911, em Londres. Seyferth (1996, p. 49), entretanto, o chama de “Congresso
Universal das Raças”, assim como também o faz Skidmore (1976, p. 81). E Santos e Maio (2004, p. 62) de
“I Congresso Mundial das Raças”.
34
Tais estimativas foram feitas por Edgar Roquete Pinto, professor de antropologia do Museu Nacional, e
divulgas por Lacerda em 1912, em um “panfleto” organizado para comentar as críticas que seu trabalho de
1911 havia recebido – como, por exemplo, no caso do tempo necessário para o desaparecimento do negro,
100 anos, ser longo demais (Skidmore, 1976, pp. 83-84).
35
Reproduções dessa pintura podem ser vistas em Schwarcz (1993, p. 11) e Maio e Santos (1996).
36
“O negro passando a branco, na terceira geração, pelo efeito do cruzamento das raças” (Schwarcz, 1993,
p. 11, tradução minha).