Em princípio de 89 Maneco Terra realizou o grande sonho de sua vida. Foi a
Rio Pardo, comprou sementes de trigo e conversou com alguns colonos que
o haviam plantado com sucesso e que lhe ensinaram preparar a terra e
semear. Maneco voltou para casa contente. Pela primeira vez em muitos
anos Ana viu-o sorrir. [...]
Durante o mês de junho Maneco e Antônio aprontaram a terra para plantar o
trigo. Toda a gente da casa, inclusive Pedrinho, que ia já a caminho dos onze
anos, foi para a lavoura. Limparam primeiro o terreno, arrancando as raízes e
as ervas. Depois viraram a terra, trabalhando de sol a sol. Quando voltaram
ao anoitecer para o rancho, Eulália esperava-os com o jantar pronto: carne de
veado, abóbora, mandioca e feijão. Maneco estava excitado e parecia ter
rejuvenescido. Fazia contas nos dedos, ficava às vezes absorto nos próprios
pensamentos, esquecido da comida que fumegava no prato. Plantaria poucos
alqueires, para experimentar a qualidade da terra; e naturalmente continuaria
com o milho, a mandioca e o feijão. Se o trigo desse bem, aumentaria o
trigal. Com o produto da venda do primeiro trigo colhido poderia comprar
mais uma junta de bois, ferramentas e mais escravos. E era preciso arranjar o
quanto antes mais uma carreta.
[...] Na noite do dia em que se fez a primeira semeadura, Maneco teve um
sono agitado. Ana ouviu-o revolver-se na cama e finalmente levantar-se e
sair. Ergueu-se também, foi até a porta e olhou para fora. Era uma noite de
lua cheia, de ar parado e frio. Avistou o pai, que caminhava para a lavoura.
Seguiu-o com os olhos e viu-o ficar olhando longamente a terra, como se o
calor de seu olhar pudesse fazer as sementes germinarem. Quando ele se
voltou e começou a andar na direção do rancho, Ana tornou a deitar-se.
Uma semana depois, certa manhã, mal o sol havia raiado, Pedrinho entrou
em casa todo alvorotado, no momento em que o avô e o tio tomavam
chimarrão e as mulheres se preparavam para ir tirar leite no curral.
- Mãe! – gritou ele. – Mãe! O trigo está nascendo! [...] O trigo está
aparecendo... – disse ele. – Uma coisinha verde. Tão bonita, mãe, tão...
Calou-se, engasgado. Brotaram-lhe lágrimas nos olhos. Maneco e Antônio
precipitaram-se para fora e correram para a lavoura. As sementes
efetivamente haviam brotado. A terra era boa! O trigo punha a cabeça para
fora, procurava o sol!
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Trigo é o grão que dá origem ao alimento capaz de nos sustentar em quaisquer
circunstâncias: o pão. Esse trigo almejado representa a fertilidade, a fartura que a família
buscava e continuará buscando em outros personagens, como Pedro Terra.
Essa semente de trigo, plantada com tanta esperança em solo novo e que é replantada
tantas vezes no decorrer da narrativa, tem a simbologia das forças latentes, não manifestadas,
do que está por vir, mas se desconhece: o futuro incerto. São as possibilidades misteriosas
cuja presença às vezes nem se suspeita, mas que justifica a esperança, uma vez que nela estão
contidas todas as partes da futura planta
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VERISSIMO, op. cit. p. 116 e 117.
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CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Moraes Ltda., 1984.