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Roberto Sander
O MUSEU NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO NÃO-
FORMAL E AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS PARA O
CAMPO DA MUSEOLOGIA
Dissertação apresentada ao curso de mestrado em
Educação, da Faculdade de Educação da
Universidade de Passo Fundo, como requisito
parcial e final para a obtenção do grau de
Mestre
em Educão
, tendo como orientador o Dr.
Telmo Marcon.
Passo Fundo
2006
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CI P Catalogação na Publ icão
__________________________________________________________________
S 214m Sander, Roberto
O mus eu na per s pectiva da educação não-formal e as
tendências políticas para o campo da mus eol ogi a / Roberto
S ander. -- 2006.
101 f. ; 29 cm.
Dis s ertação (Mes tr ado em Educação) Universidade de Pas s o
Fundo, 2006.
Orientador: Dr. Telmo Mar con
1. Educação. 2. Museologia. 3. Ensino Meios auxiliares.
4. Políticas públicas. I. Marcon, Telmo, orient. II. Título.
CDU: 37:069
____________________________________________________________________
Bibliotecária Ana Paul a B enetti Machado CRB 10/
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“Se você não vem comigo
nada disso tem valor
De que vale o paraíso
sem o amor”
Roberto Carlos
À minha musa, Adriana.
Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra,
contribuíram para o desenvolvimento deste
trabalho.
Aos meus ex-colegas e professores da graduação
em História LP, que sempre acreditaram na
importância dos estudos na área da museologia.
Aos meus professores e colegas do mestrado, que
dividiram os momentos difíceis e alegres dessa
etapa profissional e acadêmica de minha vida.
Aos velhos e novos amigos que souberam, como
ninguém, perceber que a vida é para ser vivida,
o para ser lamentada. Um grande abraço ao
Fábio C. Martins e ao Sírio Chies.
Ao apoio, incentivo e amizade do meu grande
amigo e mestre professor Jo Carlos Tedesco.
À paciência, camaradagem e profissionalismo do
meu orientador, professor Telmo Marcon.
À Capes, que possibilitou a mim e a minha
família realizar esse sonho.
À minha família, em especial à querida tia
Rosângela Gonçalves Padilha Coelho da Cruz,
gigante como seu nome.
A todos os colegas que trabalharam comigo no
Museu Histórico Regional, em especial a Tânia
Aimi, amiga e incentivadora.
Enfim, a todos e a todas que me apoiaram nesse
projeto, o meu abro de agradecimento.
RESUMO
A presente dissertação analisa as dimensões pedagógica e social dos museus, tendo
como principal objetivo compreender a relação que se estabelece entre a museologia e a
educação. O problema investigado diz respeito às potencialidades dos museus enquanto
espaços de educação não-formal. A pesquisa é de natureza bibliográfica e documental.
Analisa-se a produção relativa à história e ao papel educativo dos museus e também
documentos sobre políticas museológicas produzidos a partir dos anos de 1970, entre os
quais a Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972) e a Declaração de Quebec-Canadá
(1982). As discussões realizadas nesses eventos provocaram mudanças no papel social dos
museus e, por conseguinte, uma mudança no papel e na atuação do profissional de museu.
Dali nasceram novos conceitos, como o de museu integral e de patrimônio global, que
atribuem uma maior importância para o sujeito e para a interação, ou seja, o museu supera
a visão de local de coisas velhas para assumir uma função de socialização, de ensino-
aprendizagem e de diálogo com o passado. É nesse contexto que se forja a nova
museologia. A discussão acerca das relações entre museu e educação partem do princípio
de que a própria definição de museu é educativa, ou seja, o museu é um espaço educativo.
Dessa forma, o caráter pedagógico dos museus reside nas suas possibilidades educativas,
que precisam dialogar com os espaços de educação formal. Assim, o museu pode se
constituir num espaço não formal de educação e de aprendizagem, na medida em que o seu
objetivo maior passa a ser de socialização de conhecimento sobre a história e as memórias
preservadas. Na medida em que o museu desempenhar essa função estará contribuindo
para o exercício e o fortalecimento da cidadania, a formação crítica e emancipada do
sujeito. As conclusões da pesquisa vão nessa direção, ou seja, a museologia pode
desempenhar uma função pedagógica critica e contribuir na formação dos sujeitos se
conseguir, de modo efetivo, estabelecer um diálogo crítico e reconstrutivo do passado. Para
tanto, é fundamental a preparação de recursos humanos.
Palavras-chave:
Educação não-formal, patrimônio, memória, formação docente,
museu.
ABSTRACT
The present dissertation analyzes the pedagogical and social dimensions of
museums, having as main purpose to understand the established relation between
museology and education. The investigated problem talks a about the potentiality of
museums as a site of non-formal education. The research has a documental and
bibliographical nature. It analyzes the production related to the history and to the
educational role of museums and also documents about museological polices produced
from 1970 on, among them, the round table of Santiago of Chile (1972) and the declaration
of Quebec-Canada (1982). The discussions which occurred in these events provoked
changes in the social role of museums and consequently, a change in the role and in the
performance of professional who works in a museum. From there, new concepts were
born, like the integral museum and of global heritage, that attribute a bigger importance to
the subject and to the interaction, in other words, the museum overcomes the local vision
of old things to assume a function of socialization, teaching and learning, and dialogue
with the past. In this context, the new museology is forged. The discussion about the
relation between museum and education starts from the principle that the definition itself
of museum is educational, in other words, the museum is an educational site. Therefore,
the pedagogical character of museums resides in their educational possibilities which need
to dialogue with the sites of formal education. Thus, the museum can become into a non
formal site of education and learning, as its main target is the socialization of knowledge
about the history and about the preserved memories. As the museum develops this
function, it will be contributing to the exercise and strengthening of citizenship and with
the critical and emancipated formation of the subject. The conclusions of this research go
towards this direction, in other words, the museology can play a pedagogical and critical
function and contribute with the formation of subjects if, in a effective way, It can establish
a critical and reconstructive dialogue of past. For that, it is fundamental the preservation of
human resources.
Key words : Non-formal education, patrimony, memory, teaching formation,
museum.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................09
1 CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA E EDUCATIVA DOS MUSEUS.................................16
1.1 Formação pública e educativa dos museus................................................................17
1.2 O museu no Brasil: perspectivas históricas................................................................27
1.3 Museu e Educação: o fazer museológico e o fazer pedagógico.................................34
1.4 Os museus e objetos museáveis no processo de ensino-aprendizagem......................43
2 MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: CATEGORIAS PERMANENTES NA
PRÁTICA MUSEOLÓGICA ..............................................................................................52
2.1 Memória e museu.......................................................................................................52
2.2 Patrimônio e museu....................................................................................................60
2.3 História e museu.........................................................................................................71
3 TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO DA
MUSEOLOGIA....................................................................................................................77
3.1 A proteção ao patrimônio Nacional............................................................................81
3.2 Conferência do ICOM Rio 1958..........................................................................82
3.3 Mesa de Santiago do Chile em 1972..........................................................................84
3.4 Declaração de Quebec de 1984..................................................................................89
3.5 Tendências das políticas no Brasil.............................................................................91
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................94
REFERÊNCIAS...................................................................................................................99
INTRODUÇÃO
A proposta de estudar o potencial pedagógico e social dos museus na perspectiva da
educação não-formal nasceu de inquietações e questionamento formulados durante o
período em que trabalhei como estagiário junto ao museu de Passo Fundo, onde foram
sendo elaboradas as problemáticas museológicas que passaram a fazer parte de meu
próprio cotidiano. Durante dois anos no curso de graduação em História, licenciatura plena
tive a oportunidade de desenvolver estágio no referido museu.
O início do trabalho foi muito desafiador visto que no curso de História não havia
nenhuma discussão sobre o campo museológico. A grade curricular do curso não continha
nenhuma disciplina específica, ou mesmo indireta, que discutisse o papel dos museus no
contexto social ou educacional, na perspectiva da educação não-formal. Ao assumir o
trabalho de estagiário no museu, fui adquirindo novos conhecimentos e trocando saberes
com outros sujeitos. Assim, pude realizar uma significativa experiência de educação não-
formal e, também, de formação sociocultural e histórica.
Os primeiros contatos com bibliografia referente ao campo museológico ocorreram
durante esse estágio, embora mais voltadas para questões técnicas sobre a preservação de
acervos, métodos de exposição e tipologias museológicas. Mais tarde, com o desenvolver
das atividades, surgiram preocupações de como atender ao público visitante, ou seja, como
desenvolver um atendimento pedagógico satisfatório para o público proveniente,
basicamente, das escolas. Isso porque a predominância dos visitantes era de alunos de
escolas. Nesse contexto, foram sendo formuladas várias questões: como abordar as
temáticas desenvolvidas nas exposições numa perspectiva pedagógica? Como despertar o
interesse nos estudantes para visitarem os museus? Como refletir junto com a comunidade
a função social e educativa dos museus? Como desmistificar a imagem ridicularizada dos
museu como depósito de coisa velha?
Essas e muitas outras questões foram sendo socializadas com o grupo de estagiários
e profissionais que atuavam no museu. Polêmicas discussões e inúmeras reuniões de
formação possibilitaram um amadurecimento na prática dentro da instituição. Foram sendo
apropriadas teorias que me possibilitaram ampliar a percepção acerca do função social e
educativa dos museus e, também, discutidos autores que tratam do papel do museu no
sociedade, entre os quais Mário Moutinho, Hugues de Varine, Ulpiano Bezerra de
Menezes e Lilia Schwarcz. Esses autores ajudaram a fundamentar uma concepção sobre
museu. Além desses, foram estudados outros autores mais contemporâneos, vinculados à
Nova Museologia, entre os quais, Maria Célia Moura dos Santos, Mário Chagas e Maria de
Lourdes Parreiras Horta. As reflexões desses autores contribuíram para mudar nossa
postura frente à ação museológica.
Algumas discussões que realizamos conduziram a que entendêssemos melhor
determinados estigmas ainda existentes em relação às instituições museológicas como
lugares de coisas velhas. Esses preconceitos puderam ser questionados na medida em que
foram confrontados com a realidade e as experiências de inúmeras instituições que expõem
ao público uma infra-estrutura moderna, interativa, comunicativa, com características
arquitetônicas que superam de longe as antigas Cabinet de Curiosité.
Surpreendeu-nos a reação de visitantes ao entrarem no museu e depararem-se com
uma exposição temporária
1
, com poucos objetos expostos, às vezes, alguns similares aos
que temos em casa, ou com fotos ou painéis. Há uma curiosidade dos visitantes em ver
objetos que não fazem mais parte de nosso cotidiano e de encontrar o museu cheio de
objetos, expondo todo o seu acervo. Parte dos visitantes busca nas salas dos museus
objetos estranhos, antigos, coisas velhas, objetos exóticos e únicos.
No entanto, atualmente grande parte dos museus tem propostas de inovação e de
modernização de seus espaços e de suas ações museológicas. A tecnologia vem auxiliando
na interatividade, no acesso e na comunicação da instituição com o público visitante e no
processo de preservação e de conservação dos acervos, mostrando-se uma grande aliada
dos museus. Desse modo, as passar por um processo de formação basicamente
autodidata de educação museológica, concluí o curso de graduação e visualizei no
1
As exposições temporárias possuem sempre uma temática, apartir da qual são recebidas amostras de objetos
relacionados. Outra característica desta técnica de exposição é que permanece exposta durante um
determinado período, diferentemente das exposições permanentes, que expõem o acervo durante um longo
tempo.
mestrado em Educação uma alternativa para ampliar o debate sobre a ação social e
educativa dos museus. A reflexão desenvolvida num contexto teórico mais amplo
possibilitou a troca de experiências e de saberes que são extremamente importantes para o
processo de construção do conhecimento.
No desenvolvimento da pesquisa, os esforços iniciais estiveram voltados para a
pesquisa bibliográfica referente à historiografia sobre museus e sobre a ciência
museológica, visando fundamentar a trajetória histórica e política das instituições
museológicas até chegar à perspectiva mais voltada para o social e para uma função
mediadora do conhecimento mais explícita. Nesse processo foi sendo formulado o objetivo
geral da pesquisa, que é compreender as dimensões social e pedagógica dos museus e o seu
caráter educativo não-formal como parte da sua própria função social.
A museologia, assim como outras áreas do conhecimento, passou por profundas
rupturas paradigmáticas. No contexto da década de 1960 a museologia redefiniu suas
ações, suas teorias, metodologias e funções sociais. Nesse contexto, aprofundou-se a
noção de que a museologia precisava estar articulada com uma noção de educação
patrimonial. As reflexões de Horta (2000, p. 30) nos ajudam a aprofundar essa questão:
Trabalhar educacionalmente com o patrimônio cultural não pode ser apenas uma
tarefa de passagem de informações e discursos pré-fabricados, a atividade
desenvolvida no museu deve levar o aluno ou o aprendiz, no processo de
conhecimento, a identificar os “signos” e os significados atribdos às coisas por
uma determinada cultura, a mergulhar no universo de sentidos e correlações que
elas oferecem à descoberta, a procurar entender a ‘linguagem cultural’ específica
utilizada naquelas manifestações e finalmente, a envolver-se afetivamente com
elas, através de vivências e experimentações, de modo a ser capaz de apropriar-
se desses “signos” e “textos” culturais, incorporando-os ao sistema de sua
“enciclopédia mental. A Educação Patrimonial pode ser, como propõe Paulo
Freire em seu método educacional, um instrumento-chave para a leitura do
mundo e para a comunicação com o “Outro”.
O museu, compreendido como espaço cultural que produz e transmite
conhecimentos, possibilita aprofundar a discussão sobre como relacionar a ação
museológica com a educação visando à promoção da cidadania, ao resgate de memórias e à
valorização da identidade cultural local. O simples fato de reunir e conservar objetos de
outras épocas faz com que o museu se torne um espo educativo. O acervo museológico
pode ser utilizado como recurso didático no processo de ensino e aprendizagem. No
entanto, é preciso estimular a leitura crítica desses objetos, pois grande parte dos acervos é
constituída por peças que retratam, basicamente, a história das elites e das classes
dominantes. Assim, o educador necessita ter conhecimento e sensibilidade para introduzir
e ensinar no seu fazer pedagógico elementos que contribuam para que o visitante consiga
fazer uma leitura crítica e reflexiva do mundo através da exposição de objetos.
O educador, por sua vez, ao estimular a leitura dos objetos de memória, valorizando
a subjetividade, a personalidade e a história do aluno e das comunidades, possibilitará a
construção do conhecimento sobre o passado e o presente da própria comunidade e
valorizando a diversidade cultural. O museu precisa dar conta das diferentes memórias, não
apenas daquelas que se tornaram hegemônicas.
A presente pesquisa propõe-se analisar os museus numa perspectiva de educação
o formal. As funções museológicas de preservar, pesquisar/investigar, expor e
comunicar um determinado conhecimento sobre o passado da humanidade, expressado
através da leitura crítica precisam estar articuladas com um projeto pedagógico-educativo.
O museu possui uma função que vai muito além de simplesmente divertir e dar espetáculo
e deve ser compreendido como um lugar de perguntas sobre o passado, as transformações
do tempo presente e as possibilidades futuras.
As novas tendências da museologia, especialmente a Museologia da Libertação,
atribuem aos museus não somente a função de garantir e preservar uma determinada
memória, individual ou coletiva, mas, acima de tudo, promover um processo dinâmico e
estritamente comunitário, visando alcançar três objetivos fundamentais:
Libertão da consciência, da iniciativa, da criatividade - visa desencadear uma
libertação das dependências, da assistência social, do paternalismo ou do
clientelismo. Essa libertação é o equivalente da alfabetização-conscientização no
sentido de Paulo Freire.
Libertão da capacidade de observação e domínio das mudanças - a
comunidade aprende a julgar por si mesma, a arriscar, a opor sua própria
subjetividade à dos tomadores de decisão políticos e tecnocráticos habituais.
Libertão da comunicação social - a linguagem do museu permite aprender o
presente e o futuro a partir de elementos de uma realidade ancorada no passado.
(VARINE, 2000, p. 24-25)
Partindo desses pressupostos teóricos, assentados nos conceitos de ensino, história e
memória, propomos, na presente pesquisa, discutir questões teórico-metodológicas que
abordam a dimensão pedagógico-educativa do museu, visando à valorização da cultura
popular e dos conhecimentos adquiridos no cotidiano da prática social pelos sujeitos, bem
como vitalizar os museus como espaços educativos não formais que contribuem para o
ensino e a aprendizagem.
O acervo dos museus deve ser compreendido como discurso histórico, mas não
como uma sala de aula. Os alunos não necessitam, durante a visita ao museu, ficar
copiando etiquetas, textos de painéis, ou, tampouco, transcrevendo a fala dos monitores.
Assim procedendo, desperdiçam o tempo de aprender e conhecer, ou seja, o objetivo maior
é compreender a relação didático-pedagógica entre a educação formal e a não-formal.
Assim, pode-se romper com as práticas tradicionais, calcadas na mera contemplação e
passividade do sujeito, e formar um sujeito crítico, criativo, capaz de compreender o ato
educativo numa perspectiva que vai além da escola, podendo conseqüentemente, intervir
ativamente na realidade social.
Ao pensar a relação educativa do museu fundamentada na perspectiva
emancipatória proposta por Paulo Freire, os educadores e agentes responsáveis pela
socialização do patrimônio cultural podem refletir sobre a importância dos espaços
educativos não formais na formação da subjetividade das pessoas, desencadeando um
processo reflexivo sobre a utilização dos espaços museológicos na prática pedagógica e
permitindo redirecionar a ação pedagógica numa perspectiva ctica, que valorize a
diversidade cultural e as memórias das comunidades.
Os objetivos da pesquisa foram sendo construídos nessa perspectiva e consistem em
investigar os museus enquanto espaços socioeducativos e a sua contribuição na formação
dos sujeitos com vistas ao desenvolvimento da cidadania; ainda, reconstituir elementos do
processo histórico de constituição do caráter público e educativo dos museus,
aprofundando a relação entre o campo museológico e o campo educacional, tendo como
base os conceitos de memória, história e patrimônio; além disso, discutir os desafios
propostos aos museus tendo como referência os dois documentos que fomentam as
tendências contemporâneas em termos de políticas públicas para os museus.
Para dar conta dessas questões, foram elaboradas algumas questões: O museu pode
desempenhar uma ação educativa de ensino e de aprendizagem numa perspectiva crítico-
transformadora? Quais são as possibilidades de os museus se constituírem em espaços de
educação não-formal? Qual o papel do museu como instituição encarregada de preservar e
difundir o patrimônio cultural de uma comunidades ou nação? O museu pode contribuir
para a formação de sujeitos críticos e emancipados? De que forma o museu pode se
constituir num espo de manifestação de diferentes memórias e das diferenças
socioculturais? Além dessas questões, buscamos compreender como o museu e os objetos
de suas coleções podem ser compreendidos pedagogicamente no contexto educativo
contemporâneo; como o museu auxilia no processo de desenvolvimento da cidadania,
estimulando e valorizando o indivíduo e a sua comunidade a valorizarem a memória e a
história social sem preconceito e silenciamento.
Do ponto de vista metodológico, a investigação caracteriza-se como pesquisa
bibliográfica e documental, ou seja, foi discutida a bibliografia relativa ao tema e
documentos referentes às políticas museológicas e ao papel dos museus no contexto social.
Optamos por esta metodologia por acreditarmos ser necessário ampliar o conhecimento
sobre a temática da museologia, com bases nas escassas produções bibliográficas e de
documentos que apontam para as novas tendências museológicas atuais. Conforme Lakatos
e Marconi (2001, p. 44), a pesquisa bibliográfica tem como finalidade
colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre
determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista “o reforço paralelo
na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações”. A
bibliografia pertinente “oferece meios para definir, resolver, não somente
problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas, onde os problemas
ainda não se cristalizaram suficientemente”.
A pesquisa bibliográfica foi fundamental para a reconstrução do conhecimento
histórico-pedagógico dos museus. O exercício de localização de fontes bibliográficas que
tratam da função educativa e social dos museus foi exigente, mas nos deu condições para
fundamentar idéias e hipóteses e respaldar posicionamentos sobre a dimeno pedagógica e
educativa dos museus.
É importante salientar que, enquanto pesquisadores/investigadores, somos
construtores de conhecimento. No caso da pesquisa bibliográfica há sempre um risco de
repetir o que já existe. A leitura crítica e analítica dos textos consultados ajudou-nos a
compreender a complexidade e as lacunas existentes. Assim, tivemos o cuidado de
perceber as formas e os métodos de sistematização utilizados e desenvolvidos pelos
autores, identificando os pressupostos que fundamentaram as discussões sobre a relação
entre a museologia e a educação.
Nessa perspectiva, o primeiro capítulo pontua aspectos significativos sobre o
processo histórico de formação dos museus, destacando a constituição de seu caráter
público de ensino e de preservação cultural. Dos Cabinet de Curiosité (“gabinetes de
curiosidade”) aos museus nacionais, procuramos ressaltar o perfil formativo e educativo
que o fazer museológico compreende, buscando relacionar a instituição museológica com
as bibliotecas e os “gabinetes de curiosidade”, que, de uma forma ou de outra,
contribuíram substancialmente para a constituição do caráter público e pedagógico dos
museus contemporâneos. Desse modo, fizemos uma síntese histórica do período nos
séculos XVIII e XIX, nos quais, os museus brasileiros, mesmo não participando do
movimento de expansão das instituições museológicas públicas da Europa, estavam
envolvidos com esse processo de desenvolvimento.
No segundo capítulo, analisamos algumas questões sobre a relação histórico-
pedagógica entre o museu e a educação, buscando compreender no fazer museológico e no
fazer pedagógico o potencial educativo e (in)formativo que os objetos e as coleções
museais exercem no processo museológico. As categorias que nos deram sustentação para
desenvolvermos esse trabalho foram as de história, patrimônio e memória.
No terceiro capítulo, voltamos nossos esforços para refletir sobre algumas
tendências das políticas públicas relativas aos museus no contexto educativo, bem como no
fazer museológico. É possível pensar em políticas públicas que ajudem a construir uma
relação orgânica entre museu e educação? Essa foi a questão central. Como elas podem
transformar o campo museologia em espaços de educação informal? Para tanto, foram
analisados alguns documentos produzidos em conferências e seminários nacionais e
internacionais, leis e decretos sobre patrimônio e museologia.
Enfim, nossa intencionalidade foi situar o museu num contexto educativo, com
funções sociais, culturais e políticas distintas, voltadas para o auxílio na formação da
sociedade e dos sujeitos, atuando como um importante espaço para a construção da
cidadania, a valorização da memória social e a construção crítica e emancipatória dos
sujeitos.
1 CONSTITUIÇÃO HISRICA E EDUCATIVA DOS MUSEUS
o vos enganeis, cidadãos, o
Muséum
o é de modo algum uma vã reunião de
objetos de luxo e de frivolidade que devem apenas satisfazer a curiosidade. É
necessário que ele se torne uma escola imponente. Os professores ali conduzirão
seus alunos; o pai levará seu filho. O jovem homem, diante das criações do
gênio, sentirá nascer em si o gênero da arte ou da ciência que lhe lembrará a
natureza.
(Davi, o pintor, apud BREFE, 1998, p. 309)
Ao longo da história dos museus, desde o período do
muséum
(estilo museológico
que será discutido mais adiante), o
fazer museológico
esteve vinculado a uma perspectiva
educativa. O museu constitui-se num espaço educativo e num
lugar de memória
, seja de
modo implícito ou explicito, seja formal ou não-formal.
Neste capítulo optamos por desenvolver uma reflexão acerca do processo histórico
dos museus, da sua formação enquanto espaço público e educativo, como espaço de
valorização da cultura e conservação de memórias. Para tanto, apresentamos algumas
considerações a respeito do processo histórico de formação dos museus, as transformações
conceituais, metodológicas e estruturais ocorridas, principalmente nos séculos XVIII e
XIX. É importante salientar que o século XIX ficou conhecido, no campo museológico,
como a “era dos museus” (SCHWARCZ, 1988, p. 20).
Procuramos evidenciar que, no contexto histórico compreendido entre o
Renascimento e a formação do movimento modernista, a relação dos museus com outras
instituições sociais públicas, educativas e culturais, entre as quais os arquivos, as
bibliotecas, as pinacotecas, centros culturais, tornaram-se mais intensas. Todas essas
instituições contribuíram, de uma forma ou de outra, para a formação de um perfil social
das instituições museológicas.
No entanto, am dessas considerações a respeito da formação e desenvolvimento
histórico dos museus, é importante salientar que existem outros aspectos determinantes
nesse contexto. É preciso situar, no bojo dessa discussão, os conceitos de tempo, memória,
patrimônio e história, os quais são fundamentais para compreendermos o processo
histórico-social dos museus e, por isso, não podem ser negligenciados nem esquecidos.
Esses conceitos, no entanto, são interpretados de diferentes ângulos e perspectivas. Cabe
destacar que as discussões sobre esses conceitos e o papel do museu eso ganhando novas
configurações nos debates historiogficos recentes, principalmente por abordarem temas
como patrimônio, nação, história e memória socionacional.
A origem do termo “museu” está associada à mitologia grega e trata da relação
entre a instituão museu e o conceito de memória. Segundo Vidal (1999, p. 107), na
Grécia antiga, o museu (mouseion) era a casa das nove musas, a casa das filhas de Zeus
com Mnenosine, a deusa da memória. Dessa forma, museu e memória estão intimamente
relacionados. Essa relação permanece até nossos dias, mas tanto a idéia de museu quanto a
idéia de memória sofreram modificações. Com base nessas considerações, podemos dizer
que o conceito de museu tem sua origem associada aos antigos templos das musas.
No entanto, a dinâmica atual dos museus possui outras delimitações. Hoje, ao
operacionalizar as dimensões de espo e tempo, o museu contribui na reconstrução do
passado e na valorização da história, embora, em muitos casos, atue como exaltação das
memórias dominantes. Outras vezes, destaca-se a atuação crítica em relação ao passado e a
contribuição para um olhar crítico em relação às memórias e sobre o político, o social e o
cultural.
1.1 Formação pública e educativa dos museus
Segundo Menezes (2000, p. 93), “a educação vem sendo percebida pelos museus
o só como campo estratégico e de extraordinário potencial, mas até como aquele capaz
de justificar por si só sua própria existência e, quem sabe, redimi-la dos pecados do
passado, como o elitismo, o estetismo redutor, o papel homologatório dos interesses
dominantes, a alienação social, os compromissos ideológicos[...]”. Pretendemos aprofundar
neste tópico alguns aspectos das questões apontadas por Menezes sobre a dimensão
político-educativa dos museus. Para tanto, faremos uma revisão bibliográfica do processo
histórico de constituição do caráter público e educativo dos museus.
Como já observamos anteriormente, uma primeira definição de museu foi
formulada pelos gregos como templo das musas. A preocupação para com os museus, no
entanto, ganhou novos impulsos e significados no contexto da França e da Revolução
Francesa, especialmente em relação à sua dimensão pública. Historiadores, como
Schwarcz (1988), Brefe (1998), Le Goff (1990), e museólogos, como Maria Célia Moura
dos Santos (1995), Maria de Lourdes Parreiras Horta (2000), Mário Chagas (1996), Mário
C. Moutinho (1989), entre outros, atribuem à França o pioneirismo dos movimentos de
popularização e de facilitação do acesso público aos bens preservados nos museus. Am
disso, a França despontou no cenário museológico em relação aos estudos sobre museus e,
por isso, foi responsável por uma vasta produção nessa área. Enquanto a França evoluía na
discuso sobre museus, em outros países, entre os quais os Estados Unidos, Inglaterra,
Portugal e Espanha, as reflexões a respeito ainda eram incipientes.
Dada a vinculação das discussões sobre museus com a França e com a Revolução
Francesa, a história dos museus foi sendo associada a questões políticas e ideológicas. Em
razão da importância político-ideológica dos museus, ocorreram inúmeras intervenções do
Estado, principalmente com as alternâncias no poder entre monarquistas e republicanos.
Mesmo com o avanço das discussões, ainda persistem muitas questões relativas ao papel
educativo e interdisciplinar dos museus. Daí a necessidade de estudos mais aprofundados
sobre novas abordagens teóricas e metodológicas, bem como a incorporação de novas
interpretações sobre a história e a memória, para dar conta não apenas dos aspectos
políticos, ideológicos e estruturais, mas também dos fatores subjetivos. Assim, abrem-se
aos pesquisadores novos campos de pesquisa e para elaboração de propostas pedagógicas.
Em meados do século XVIII desenvolveu-se na França um movimento de criação
de monumentos de lembraa e memória. Conforme Jacques Le Goff (1990), as a
Revolução Francesa, a Fraa consolidou-se como pioneira na organização de arquivos
nacionais. Em 7 de setembro de 1790, o museu foi declarado espaço público de guarda e
preservação da memória nacionalista. A partir de então, o movimento museológico
expandiu-se para além-fronteiras, atingindo outros países e continentes, popularizando-se e
facilitando o acesso público às obras de arte, às coleções museais, aos documentos e aos
objetos de memória. São exemplos disso Turim, São Petersburgo, Veneza, Florença, Roma
(Vaticano) etc.
O projeto expansionista e de proliferação das instituições museológicas de caráter
público-nacionalista, explicitamente comemorativo e a serviço do Estado ou dos monarcas,
transformou significativamente a operação museológica, ou seja, a dinâmica das
exposições, o modo de preservação, o estudo e as interpretações dos objetos materiais.
Ganham, então, espaço exposições, instalações grandiosas, coleções das mais diversas
áreas da ciência; os espaços tornam-se mais adequados às necessidades técnicas,
educativas e de exposição ao público.
O museu, tal como o conhecemos hoje, ou seja, como lugar público educativo de
preservação da memória, nasceu no contexto da Revolução Francesa, junto aos ideais
nacionalistas do Estado moderno, da cristalização de um estilo de memória e história
comemorativa. O perfil público das instituições museológicas, mais especificamente, a
criação de espaços públicos de socialização, de educação e de representação de memórias,
acompanhou o processo de transição do sistema monárquico para o sistema republicano e
consolidou-se como um projeto de democratização do acesso aos “bens públicos. O
movimento que provocou a saída do museu da esfera privada, monárquica e mitológica
para a esfera pública ajudou a ressignificar o passado e contribui para a construção de uma
“nova memória”.
O contexto histórico em que ocorre esse processo transformador do fazer
museológico
2
é marcado pelo fortalecimento do nacionalismo, pela materialização de um
novo contexto de exaltação das datas comemorativas, dos heróis e pela valorização dos
símbolos. Segundo Le Goff (apud SCHWARCZ, 1988, p. 21),
os museus contemporâneos estariam ligados ao progresso da memória escrita e
figurada da Renascença e à lógica de uma nova “civilização da inscrição, sendo
possível datar o século XIX como o da “explosão do esrito c omemorativo”,
como o momento de uma nova [memória] sedução da memória.
As instituições conhecidas como Cabinet de Curiosité desenvolviam uma
sistemática de trabalho e de exposição visando muito mais à admiração estética do que à
2
“Essas novas categorias de museus, abertas a uma população e a um território, contribuiram, também, para
que as ações museológicas possam ser processadas fora do espo restrito do museu, abrindo, assim, amplas
possibilidades para a realização de novos processos de musealização. Do ponto de vista metodológico, foi um
vetor a incentivar a busca de soluções criativas, bem como para avaliar as práticas museológicas aplicadas
em outras categorias de museus.
O fazer museológico é compreendido, então, como um processo, caracterizado pela aplicação das ações de
pesquisa, preservação e comunicação [...]”. (SANTOS, 2002. p. 312)
pesquisa e ao ensino crítico e reflexivo. Essas instituições sofreram grandes
transformações, e o Museu do Louvre é um exemplo desse processo. Criado com o
objetivo de guardar tesouros/coleções, o Museu do Louvre serviu como um espaço
divulgador da estratégia modernista e nacionalista dos revolucionários, contribuindo para
retirar da Realeza a propriedade e a exclusividade de apreciar e interpretar as obras de arte
francesa; tornou, assim, as exposições um espetáculo de admiração e interesse público, não
mais privado e exclusivo da elite monárquica.
Segundo Felizardo (1978, p. 15),
na França do século XVIII, o absolutismo real, apesar de sua ação restritiva, não
conseguiu impedir um acelerado desenvolvimento das manufaturas e do
comércio. Assim, a desintegração do feudalismo e a formação de relações
capitalistas de produção, levaram a burguesia, na sua luta pela conquista do
poder, a promover a elaboração de novas teorias que iriam abalar as instituições
econômicas, sociais e políticas, sobre as quais estava estruturado o Estado
Moderno.
É importante frisar que, durante as guerras que ocorreram na Europa desde o século
XVIII, era comum a apropriação do patrimônio cultural, artístico e histórico dos países e
povos envolvidos e derrotados nos conflitos. Esses tesouros eram confiscados/saqueados e
transformados em patrimônio nacional dos vencedores. Assim, o que, para um,
representava patrimônio nacional, para outros, podia significar a perda da herança cultural.
Segundo Habermas (apud BREFE, 1998), em meados do século XVIII, a Corte era
o lugar de separação entre o espaço público e o privado da sociedade burguesa. O impacto
da Revolução Francesa no mundo ocidental fez-se presente em todas as esferas da
sociedade, nos campos político, cultural, econômico e educacional. Pode-se falar,
efetivamente, numa revolução que transformou o espaço, os conceitos, os símbolos e a
ideologia e interferiu diretamente no cotidiano das pessoas, das comunidades, das
instituições e nas relações sociais.
O contexto revolucionário modificou profundamente as estruturas e as
representações simbólicas do antigo sistema monárquico. As obras de arte, os objetos e as
coleções guardadas nas Cabinet de Curiosité, que serviam para o deleite de poucos,
começaram a adquirir um perfil de obras culturais, com um sentido próximo daquele que
conhecemos hoje, de patrimônio nacional, de bens culturais da nação. Essa ressignificação
simbólica e funcional dos aspectos patrimoniais facilitou o acesso a um novo campo de
visibilidade/interpretação e de percepção pública e educativa do patrimônio, provocando
debates e discussões calorosas, com base em novas propostas educativas e políticas para os
museus. Destaca-se, nesse contexto, a função socializadora de conhecimentos.
Nesse contexto, surgem novas concepções museológicas, que discutem a
formulação e a necessidade de tornar o museu uma instituição pública de preservação da
memória, de educação, de cultura e da arte. As novas interpretações e o desenvolvimento
crítico da disciplina de história da arte refletem o desejo de transformar o modelo privado
em público, visando a um novo modelo de sociedade. O século XVIII foi, portanto, um
período conflitivo e com inúmeras discussões a respeito da arte, sobre o que ela representa
e o que deveria representar. Os museus, como espaços da manifestação da arte, tornam-se
alvo dessa discussão. É um momento da história dos museus em que ocorrem redefinições
significativas das funções sociais, culturais, políticas e educacionais.
Os museus assumem, progressivamente, uma dimensão pública de exposição e de
socialização da arte, além de reunir, preservar e expor as obras, permitindo também o
acesso direto dos cidadãos. A abertura das coleções reais para o público iniciou-se com a
criação do Museu de Luxembourg, em 1750, o qual organizou um catálogo com todas as
obras selecionadas para compor a coleção real, bem como sua disposição no palácio. Isso
fez com que o museu aparecesse para a sociedade como um bom livro de imagens. Mesmo
com uma aparente ausência de critérios organizacionais, já que não era seguida pelas
escolas nenhuma ordem cronológica ou temática na exposição, este catálogo era orientado
por uma visão eclética e por uma vio estética, que ressaltava as belezas com que cada um
dos artistas se destacava. Em pouco tempo o Museu de Luxembourg foi fechado e
transformou-se em residência oficial do irmão de Luís XVI. No entanto, os debates para a
criação de um novo museu Museu do Louvre tornaram-se cada vez mais constantes e
pertinentes ao poder monárquico.
A definição de museu no século XVIII foi dada pela Encyclopédie de Zedler,
publicada em torno de 1739. Nela, o museu era entendido como instituição que
incorporava a idéia de espaço místico, lugar onde eram guardadas coisas que possuíam
alguma relação com as artes e as musas; o museu era definido como “casa das musas”.
Outra definição apontava-o como um lugar de memória, de ensino e de aprendizagem para
novos artistas. Era uma forma de reunir as ciências com as artes num único espaço, num
“templo do conhecimento e da aprendizagem”.
Nesse contexto, as discussões passaram de questões relacionadas à aquisição e
encomenda de novas obras para os problemas de ordem museológica, ou seja, para as
questões referentes à guarda, à preservação e à exposição dos objetos. A mudança de
sistema político decorrente da Revolução Francesa colocou em questão a necessidade de
preservação do patrimônio histórico e artístico. Daí surgiu a queso sobre o que fazer com
as obras de arte produzidas antes desse período. Telas e esculturas que retratavam o poder
monárquico deveriam ser destruídas na medida em que tinham um caráter ideológico
destoante do novo modelo, ou seria melhor preservá-las em virtude das suas qualidades
artísticas e, desse modo, neutralizá-las, isolando-as de seu contexto simbólico?
Sabe-se que, desde a Antiguidade clássica até a Idade Média, era comum reunir
tesouros, objetos e obras de arte em templos, igrejas e castelos. Esses tesouros acumulados,
resultado de oferendas aos deuses ou de pilhagens de guerra, precedem as coleções, que se
multiplicam no período moderno. O hábito de colecionar objetos torna-se, então, comum
entre as camadas sociais mais abastadas, como médicos, juristas, eruditos, artistas e
príncipes.
Entretanto, a forma incipiente e desorganizada de catalogar e selecionar peças criou
um abismo entre a contemplação e o consumo, pois o objeto acabou se configurando em
algo presente, mas que não podia ser tocado ou explorado, ou seja, tem uma função de uso
prático, mas sem poder ser usado. O objeto assume uma função e um valor extremamente
simbólicos e sagrados, que preenchem as vitrines museológicas, as estantes envidraçadas e
constituindo os acervos museológicos. Ainda hoje essa concepção se faz presente no
cotidiano dos museus. No contexto da Revolução Francesa cresce a consciência de que a
própria seleção dos objetos de uma coleção museológica se configura a partir de
intencionalidades ideológicas de manutenção do status quo e de que o museu se constitui
num espo da memória e de representação de determinados grupos sociais. A análise de
Santos (apud LEITE, 2005, p. 26) evidencia essa problemática:
O museu raramente guarda a farda de um operário (nem mesmo a do operário
padrão), mas tenho certeza de que guarda a casaca que o Sr. Fulano de Tal usou
em determinada cerimônia. Decorre daí um outro poder que o museu possui: o
de comunicar aos seus visitantes o poder de uma determinada classe social, ou de
uma etnia, ou de uma geração.
A partir das coleções de História Natural iniciou-se um movimento de classificação
dos objetos colecionados, organizados em séries para compor uma certa ordem racional e
cronológica do mundo. Estes objetos “pré -organizados” já haviam sido expostos nos
Cabinet de Curiosité, ou seja, nos espaços museológicos definidos ainda como gabinetes
de curiosidades e de maravilhas. Essa metodologia do trabalho museológico contribuiu
significativamente para o desenvolvimento prático de estudos científicos e pedagicos
desses lugares, dando às coleções uma nova roupagem, numa perspectiva funcional de
apresentação e visualização, especializada e histórica.
No contexto renascentista italiano surgiram as primeiras idéias a respeito da
elaboração de uma política pública de proteção ao patrimônio. Sendo o museu um lugar
onde se conservavam e se expunham patrimônios públicos, deveria, diante das
transformações conceituais, possuir uma legislação especializada, voltada diretamente à
proteção do patrimônio artístico e histórico. Os bens culturais, objetos da memória e
fragmentos do passado deveriam ser considerados como parte da formação da identidade
coletiva, de registro e de (re)conhecimento do passado.
A importância dada às coleções, seus objetos, suas políticas e seus lugares de
exposição marcou definitivamente a abertura dos museus para o público em geral. A
construção de espaços próprios e a elaboração de normas técnicas de preservação e
conservação de acervos, bem como a elaboração de uma política pública comprometida
com o patrimônio artístico e histórico, contribuíram muito para definir o papel dos museus
na sociedade que estava sendo gestada.
O século XVIII pode ser definido como de gestação e expansão do movimento
museológico, numa dinâmica que se iniciou, primeiramente, com a transformação das
coleções privadas/reais em públicas/populares e, depois, estendeu-se para um processo de
ressignificação metodológica e conceitual. Inúmeras instituições surgiram com o propósito
de ressaltar a história/memória comemorativa da nação e forjaram em seu bojo um tipo de
memória das nações, representada e exposta pelos museus, arquivos e bibliotecas. No
desenvolvimento histórico os museus acabaram contribuindo significativamente para
formação de identidades individuais e coletivas das nações.
Le Goff (
1990, p. 464-465)
mostra algumas das instituições que nasceram com esse
propósito:
Depois de tímidas tentativas de abertura ao público no século XVIII (o Louvre
entre 1750 e 1773, o Museu Público de Cassel criado em 1779 pelo landgrave da
Assia) e da instalação de grandes coleções em edicios especiais (o Ermitage em
o Petersburgo com Catarina II em 1764, o Museu Clementino do Vaticano em
1773, o Prado em Madri em 1785), começou finalmente a era dos museus
públicos e nacionais. A Grande Galeria do Louvre foi inaugurada em 10 de
Agosto de 1793; a Convenção
criou um Museu técnico com o nome significativo
de Conservatoire des Arts et des Métiers; Luís-Filipe fundou em 1833 o Museu
de Versailles consagrado a todas as glórias da França. A memória nacional
francesa orienta-se para a Idade Média com a instalação da coleção Du
Sommerard no Museu de Cluny, para a Pré-história com o Museu de Saint-
Germain, criado por Napolo III em 1862.
O grande problema nesse contexto foi o das rupturas com as antigas tradições, com
a ordem social e com a própria concepção de tempo. A preocupação que surge com a
Revolução Francesa foi de pensar o destino dos bens/obras/coleções herdados do Antigo
Regime, independentemente de terem provindo de igrejas, de saques, de templos ou dos
reis/monarcas. Essa preocupação persistiu sobretudo porque o imaginário ao qual se referia
era algo que a própria revolução buscava esconder e esquecer.
Os objetos patrimoniais preservados e cultuados até então representavam uma
afronta direta ao Novo Regime e ao novo cidadão que se queria criar, tornando-se, pois,
essencial transformar o modo de ler e interpretar os objetos, as esculturas ou as imagens.
Desse modo, ao mesmo tempo em que se pretendia preservar a herança do passado,
pretendia-se dar um novo significado a elas. Há uma frase de Brecht, citada por Benjamin
(1994b, p. 118), que diz: “Apaguem os rastros!”.
Dentro da nova concepção de mundo, de imagens e objetos ressignificados, o
sistema político democrático passou a ser considerado “ sugestivamente” como o modelo
ideal de governo para todos os países da Europa avessos às monarquias. À arte reservou-se
uma função moralizadora, doutrinadora e educativa do sistema, racionalizadora dos
indivíduos e diferente do modelo narrativo, onde o relato oral representava um exercício
coletivo e a memória/lembrança transformava-se em experiência de vida para o ouvinte. A
esse respeito Benjamin (1994, p. 205) relata:
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de arteo no campo,
no mar e na cidade , é ela própria, num certo sentido, uma força artesanal de
comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa
narrada, como uma informação ou um relario. Ela mergulha a coisa na vida do
narrador, para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca
do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.
A forma romanceada como o mundo estava sendo influenciado pelo novo sistema
caracteriza-se como um ato solitário de apreciação individual e egoísta de compreensão e
interação no mundo e com o mundo. Benjamin (1994, p. 55) contribui significativamente
para compreendermos as diferenças entre o modelo narrativo e o romantizado:
O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa contos de fadas,
sagas, provérbios, farsas é que ele nem provém da tradição oral nem a
alimenta. Essa característica o distingue, sobretudo, da narrativa, que representa,
na prosa, o espírito épico em toda a sua pureza. Nada contribui mais para a
perigosa mudez do homem interior, nada mata mais radicalmente o espírito da
narrativa que o espo cada vez maior e cada vez mais imprudente que a leitura
dos romances ocupa em nossa existência.
Partindo dessa preocupação em romancear o passado, os antigos objetos
simbólicos, as pinturas, os monumentos e as estátuas são transfigurados pelas classes
dominantes em imagens e discursos representativos das suas ideologias, com intenções
claras de servir ao sistema “patriótico e nacionalista”. O museu, junto de outros espaços,
como as bibliotecas e os gabinetes de curiosidades, tornaram-se locais estratégicos de
afirmação e manifestação da cultura, do pensamento, da ideologia e da política das classes
dominantes. Não há como evitar que essa nova ordem seja utilizada ideologicamente para a
consolidação do projeto republicano e para a legitimação política e ideológica da
revolução.
Ao retirar o objeto do seu contexto, através do qual manifestava sua função
representativa no imaginário da sociedade e seu valor simbólico, ele perde a essência de
suas significações anteriores e agrega uma nova dinâmica, que restringe seu potencial
simbólico, ganhando uma função meramente estética e artificial, ou seja, o objeto perde
seu valor de memória espontânea e adquire um valor de memória intencional sugerida e
outorgada, ou transforma-se em simples relíquia do passado, objeto de antiquários, de
antiguidade e assumindo um caráter de “ coisa velha”.
As transformações conceituais dos objetos marcaram significativamente o debate
acerca da estruturação dos museus públicos, assim como das novas funções sociais e
pedagógicas adquiridas e exigidas a partir daquele momento. Assim, além de consolidar a
Revolução Francesa, influenciaram não só a história da França, mas tamm a história
mundial, e agregaram, no decorrer do século XVIII, uma função de guardar, catalogar e
imortalizar determinados aspectos, objetos e sujeitos da história.
O museu, como instrumento de legitimação política e ideológica, sofreu as
conseqüências das mudanças histórico-sociais. A instituição deixou de ser um espo
privado de contemplação do belo para exercer um papel, sobretudo, de templo das obras-
primas da humanidade, manifestado na sua dinâmica funcional e política. No fazer
museológico ocorreu uma invero de sentidos e significados atribuídos às coisas e ao
próprio museu. Por exemplo, as pilhagens ocorridas no passado não são mais vistas como
saques de guerra, e, sim, como movimento de repatriamento. E é nesse contexto histórico
que o museu configura-se como um espaço público a serviço do Estado.
Os museus, os arquivos e as bibliotecas, da mesma forma que outras instituições
responsáveis pela guarda e preservação da memória coletiva, buscam objetos, rastros e
vestígios de um tempo passado, peças para preencher e complementar espaços deixados no
tempo. O processo de recuperação do passado através do patrimônio museológico torna-se
cada vez mais necessidade nos dias de hoje, principalmente no contexto de consumo
descontrolado.
Entre as discussões referentes à abertura dos museus ao público, a queso mais
delicada que continua sendo feita diz respeito, sobretudo, à significação dos objetos e das
obras dentro de um contexto museológico. As várias transformações que os museus
sofreram desde o século XVIII e a sua expansão para diversos países da Europa e das
Américas, a institucionalização pública do espo museológico, a abrangência ilimitada de
objetos em seu interior, as políticas públicas de preservação, conservação e construção do
patrimônio cultural indicaram que o museu é um dos lugares-chave para o estudo das
sociedades contemporâneas.
Dessa forma, a questão que se coloca ao estudo é como compreender o movimento
de expansão dos museus no Brasil, que, segundo Schwarcz (1988, p. 25), é uma “nação
que se não participa do movimento da expansão, representa em si exemplo da própria
expansão”. Além disso, torna-se imprescindível investigar a importância cultural, social e
política que um objeto museológico exerce numa determinada época e numa determinada
sociedade, buscando compreender suas relações sociais e educativas, bem como examinar
suas potencialidades de mediação do conhecimento e de formação do espírito nacionalista.
1.2 O museu no Brasil: perspectivas históricas
Por volta da segunda metade do século XVII e mais intensamente nos séculos
XVIII e XIX, portanto, muito antes da instalação dos primeiros museus públicos, o Brasil
figurava no cenário museológico mundial, estando, de certa forma, integrado ao processo
de (trans)formação social. Foram inúmeras as viagens, excursões e expedições realizadas
por pesquisadores e aventureiros europeus no território brasileiro.
Muitos colecionadores, naturalistas, geólogos, geógrafos e etnólogos estrangeiros
vieram da Itália, da França, Alemanha, Espanha e Portugal, espantando-se com os encantos
e tesouros que existiam por aqui e o material que forneciam aos colecionadores. Os
viajantes registraram, catalogaram e coletaram novos exemplares para a formação de novas
coleções ou para integrar a outras já existentes nos museus europeus e de outros lugares do
mundo. As viagens ao mundo novo tinham como objetivo ampliar e enriquecer cada vez
mais as variadas coleções de botânica, zoologia, arqueologia, antropologia e etnologia que
começavam a aparecer com maior intensidade no mundo europeu e, posteriormente, nas
Américas. Essas coleções eram recheadas de objetos exóticos, que, mesmo retirados de
seus habitats naturais, retratavam o pensamento e a prática da nova proposta museológica,
que era de retirar e salvar o máximo de objetos possíveis e sacrali-los dentro dos
museus.
A dinâmica de coleta desenvolveu-se intensamente em nosso território. São vários
os relatos feitos por viajantes que por aqui passaram. No caso do Rio Grande do Sul, por
exemplo, destaca-se a figura de Saint-Hilaire, que, além das suas preocupações com a
fauna e a flora, narrou aspectos históricos, sociais, culturais e econômicos dos povos e
comunidades por onde passou. No entanto, são inúmeros os pesquisadores que
desenvolveram essa mesma empreitada, dentre os quais podemos destacar alguns:
Estes trechos que escolhi, da carta de Caminha a Dom Manoel, exemplificam
que, de fato, no curto lapso de tempo de sua chegada (22 de abril) até o dia em
que escreveu a carta (1º de maio), muito observou Caminha em nosso País, de
seu ambiente físico, de sua flora e sua fauna, de seus habitantes, seus usos e
costumes.
Nóbrega e Anchieta, Hans Staden, Léry, Thevet, Gandavo e Gabriel Soares de
Sousa surgem entre os primeiros, depois de Pero Vaz de Caminha, a se ocuparem
de nosso País. Mais tarde, dignos de menção no Brasil de Nassau, figuram Piso e
Marcgraff.
No período que medeia entre os séculos XVIII e XX aqui estiveram muitos
outros viajantes que discorreram sobre aspectos diferentes de nosso País.
Destacamos dentre eles alguns dos mais insignes: Langsdorff, Sellow, o Príncipe
de Wied Neuwied, Saint-Hilaire, Spix, Martius, Schott, Raddi, Pohl, Burchell,
Gardner, Lund, Warming, Regnell, Malme, Lindman, Fritz Muller, Glaziou,
Schwacke, Ule, Taubert, von Ihering, Huber Pilger, Dusén, Wettstein, Loefgren,
Schenck, Usteri, Luetzelburg, Schelechter, Massart, Noack, Rawitscher,
Schubart, Ducke e Silberschmidt. (SAINT-HILAIRE, p. 10)
Decorrente desse movimento em busca de novos objetos e peças para as coleções,
surge no campo museológico a necessidade de (re)organizar as estruturas internas da
museologia, atendendo à nova demanda que se põe aos museus, bem como para
compreender a relação entre o objeto e o sujeito que visita os museus. Questões
epistemológicas, conceituais e estruturais apresentam-se para o campo da museologia
como inquietações que resultam do processo diatico de desenvolvimento do fazer
museológico.
Dentre tantos questionamentos, destacamos o que se refere ao processo de
preservação do espo e do contexto natural e social no qual os objetos das coleções se
encontravam antes de sofrerem o impacto da ação do colecionador. Partia-se da idéia de
que as culturas se extinguiriam por efeito de um princípio de seleção natural; e logo os
vestígios e rastros deixados por esses grupos deveriam ser coletados e encaminhados para
os grandes museus, a fim de serem mais bem preservados. A lógica desses museus parecia-
se com a dinâmica dos zoológicos, onde o animal ficava exposto à visitação pública,
deslocado totalmente do seu
habitat
natural.
A presença de pesquisadores estrangeiros no Brasil decorreu, em parte, de ausência
de produção científica. Além da ausência de interesse científico, não havia recursos para
serem investidos em expedições, estudos e pesquisas. Dessa forma, até meados do século
XIX, a maior parte das pesquisas foi produzida por viajantes estrangeiros, pesquisadores e
estudiosos vindos de outros países. Somente a partir da década de 1870 ocorreram as
primeiras manifestações com intenções de alterar esse contexto. Novas tradições
filosóficas e científicas começaram a circular no Brasil e alteraram significativamente
nossos costumes, padrões e tradições, introduzindo novas perspectivas de compreensão do
mundo e da situação social. Pintores, poetas e escritores e outros profissionais das artes
começaram a se destacar no cenário cultural nacional erudito.
No final do século XIX o evolucionismo, o positivismo e o naturalismo ganharam
campo no campo da ciência e das práticas sociais, ocupando espaços importantes no debate
ideológico sobre os aspectos que fundamentaram a constituição do espírito nacionalista em
todos os segmentos da sociedade, ou seja, era preciso potencializar a formação de “uma
cultura nacional”, de uma identidade cultural “nova”, omissa e avessa aos vestígios, rastros
e lembranças do passado de colonização e escravidão. A passagem para a república foi
marcada pelo avanço científico, pela contestação conceitual e contextual. Foi nesse período
que o Brasil viu aflorar suas primeiras instituições museológicas de cunho estritamente
científico,
condizentes com o sentido que era dado aos museus naquele momento. Dentre
as instituições que surgiram destacam-se o Museu Paraense Emílio Goeldi (1866) e o
Museu Paulista (1894). Nesses museus destaca-se o papel dos seus diretores, que eram, em
grande parte, cientistas, naturalistas e viajantes. Eles assumiram cargos importantes nas
instituições museológicas brasileiras e ficaram conhecidos principalmente pelas
transformações conceituais e metodológicas que introduziram, tornando os museus centros
de ciência. Entre esses, podemos destacar João Batista Lacerda (1895-1915), Herman Von
Ihering (1894-1916) e Emílio Goeldi (1893-1907).
Além do esplendor na área das ciências, no período posterior à proclamação da
República multiplicaram-se os esforços para criar o homem culto ou a nação civilizada,
moderna, alfabetizada e “graduada” . Isso tudo desencadeou um movimento intenso de
criação de escolas de ensino superior. Conforme Rossato (2005, p. 139),
nessa fase inicial
[da república]
, assistiu-se a um significativo impulso ao
ensino superior apesar das resistências dos positivistas, que viam na universidade
uma instituição medieval ligada estreitamente à Igreja Católica.
No período que vai de 1891 a 1910, foram criadas 27 escolas superiores,
algumas das quais se constituiriam em embriões de futuras universidades.
3
É importante salientar que outras instituições de tipologias diferentes já haviam surgido, entre as quais os
museus escolares, pedagógicos e Pedagogium, os quais serão analisados no decorrer do trabalho.
Mais interessante ainda é analisar os primeiros cursos criados para conseguirmos
compreender mais claramente as aspirações da elite brasileira e o que a educação
representava naquele momento. Segundo Azevedo (apud ROSSATO, 2005, p. 141),
o ideal do “homem culto” permane cia, ao menos até a guerra mundial de 1914, o
mesmo que predominava no Império; e as escolas superiores destinadas às
carreiras liberais satisfaziam a estas aspirações dominantes, no meio social em
geral e, especialmente, nas famílias dos senhores de engenho, fazendeiros e
estancieiros, como da burguesia urbana, que continuavam a ver nas profissões de
advogado, médico e engenheiro as ocupações mais nobres e nas escolas
superiores de educação profissional, uma escola de ascensão social e política de
seus filhos. Num meio em que o título de doutor era um ornamento para os ricos,
senão uma recomendação a mais para a política e a alta administração pública, e
um instrumento de ascensão para as famílias que se aspiravam elevar-se na
hierarquia social, nem a pesquisa científica desinteressada nem a cultura técnica
podiam passar facilmente ao primeiro plano das cogitações dos candidatos às
escolas superiores.
O final do século XIX ficou conhecido, como referimos anteriormente, como a era
dos museus nacionais, e essa afirmação, não representou somente o desenvolvimento de
grandes instituições museológicas. O movimento expansionista dos museus envolveu uma
gama muito grande e variada de instituições e segmentos da sociedade. Foi nesse contexto
que se consolidaram os museus escolares, os museus pedagógicos e, mais tarde, o
Pedagogium. Eram essas instituições singelas e discretas, mas de grande importância e
relevância para constituição da identidade nacional e do perfil pedagógico das instituições
museológicas.
Vidal (1999, p. 110) refere-se ao parecer de Manoel José Pereira Frazão a respeito
da distinção entre essas instituições e apresenta uma definição sobre o museu pedagógico,
dizendo que este modelo era constituído
de coleções de objetos relativos ao ensino, metodicamente dispostos de modo a
poderem ser estudados “pelos professores”. Assim os diversos modelos de
mobílias escolares, de casas de escolas, de materiais do ensino, como cadernos,
lápis, ardósias, métodos de ensino de todas as disciplinas, em uma palavra, tudo
quanto pode fornecer ao professor objeto de estudo pedagógico ptico
Em relação ao museu escolar, esclarece:
Chama-se museu escolar uma reunião metódica de coleções de objetos comuns e
usuais, destinados a “auxiliar o professorno ensino das diversas matérias do
programa escolar. Os objetos devem ser naturais, quer em estado bruto, quer
fabricados, e devem ser representados em todos os estados por que os fizer
passar a indústria. Os que não puderem ser representados em realidade, sê-lo-ão
por desenhos e por modelos. (VIDAL, 1999, p. 110).
Ambas as instituições eram usadas não apenas para as lições dos objetos expostos,
mas para todo e qualquer tipo de lição escolar envolvendo ensino e aprendizagem, que
poderiam ser mediados pelos objetos. Mais tarde, com as reformas educativas de Benjamin
Constant (1890-1892), segundo Vidal (1999), ficou instituído que cada escola deveria
possuir um museu escolar com objetos mineralógicos, botânicos e zoológicos a serviço do
ensino. Essa reforma provocou a criação de novos espaços com a mesma dinâmica dos
museus, porém tentando agregar num mesmo espaço as duas instituições. Foi com essa
intenção que foi criado o Pedagogium com o objetivo de
oferecer ao público e aos professores[sic] em particular os meios de instrução
profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores métodos e do
material de ensino mais aperfeiçoado. O Pedagogium conseguirá seus fins
mediante: boa organização e exposição permanente de um museu pedagógico;
conferências e cursos científicos adequados ao fim da instituição; gabinetes e
laboratórios de ciências físicas e história natural; exposições escolares anuais;
direção de uma escola primária modelo; instituição de uma classe tipo de
desenho e uma oficina de trabalhos manuais; organização de coleções modelos
para o ensino concreto nas escolas públicas; publicação de uma ‘Revista
pedagógica’ (VIDAL, 1999, p. 111).
É pertinente ressaltar que, para aquele contexto, a criação desses espaços foi
extremamente importante, principalmente por terem apoiado e divulgado novas
concepções pedagógicas e históricas. Pom, sua fragilidade centrava-se nos novos
conhecimentos escolares, que, sintonizados aos novos parâmetros científicos,
identificavam na natureza o local onde estaria a chave para as dúvidas a respeito da
evolução do homem e da realidade do mundo.
Nessa perspectiva, os métodos educativos foram modificados profundamente. O
modelo de ensino verbalista e discursivo praticado nas escolas catequéticas desde o século
XVI foi substitdo por uma prática pedagógica do olhar. A escola, porém, diferentemente
dos museus, dos arquivos e das bibliotecas, não poderia se constituir num lugar de
memória nem romper com as tradições sociais, costumes, rituais e com os valores culturais
do passado, criando um “nova” racionalidade e produzindo um presente que negasse
totalmente a continuidade do passado. Ao negligenciar a memória e suas virtudes
memorativas, negligenciavam-se também aqueles aspectos hisricos que faziam referência
às práticas religiosas e do ensino jesuítico, bem como ao sistema escravocrata.
Conforme estudos da antropóloga Schwarcz (1988), o conhecimento das ciências
naturais, especialmente aquelas relacionadas à autoconservação, seria a principal função da
educação, enquanto o ensino precisaria ocupar-se mais com a fisiologia, higiene, física e
química do que com as demais áreas da ciência e das artes. As ciências naturais
antecederiam as cncias sociais no trabalho escolar. Por isso, ainda hoje é nítida a
distinção que categoriza as disciplinas como “disciplinas durase “disciplinas humanas”.
Os museus escolares, o pedagógico e o Pedagogium possuíam uma relação estreita
com as instituições etnográficas dos grandes centros do país. Isso reforçou a idéia de que
havia uma política homogênea a ambas instituições, com algumas problemáticas e
curiosidades peculiares a elas, entre as quais as preocupações que faziam referência aos
objetos, seus sentidos, formas e contextos. Porém, no campo metodológico podem-se
perceber alguns aspectos racionalistas que possibilitaram estruturar e introduzir os museus
como espaços necessários à educação escolar. Ainda no período imperial é pertinente
averiguar a forma como ocorre a leitura dos objetos que estão inseridos nessas instituições,
através de seus acervos e coleções. Segundo Moutinho (1989, p. 17), “a maioria das
coleções não passa de um conjunto parcelar e parcelador da realidade. A cultura que
veiculam é naturalmente a cultura daqueles que reuniram as coleções ou de quem as
encomendou”.
Para compreendermos melhor o trabalho dos museus escolares e a relação
contemporânea entre o museu e educação, é preciso salientar a importância que os objetos
exerciam e exercem na dinâmica dos museus no processo de formação do conhecimento
museológico, pois a ampla variedade de peças armazenadas/guardadas nessas instituições,
culturais e educativas, aponta para um modo interdisciplinar de pensar o mundo e para uma
percepção crítica mais detalhada acerca da função social dos museus, contribuindo
substancialmente para o fortalecimento da relação didática de ensino e de aprendizagem. A
rigidez e o detalhamento do processo de classificação e catalogação dos objetos do acervo
utilizado nessas instituições acenam para uma perspectiva interessada em constituir uma
coleção estável, mesmo tendo possibilidades e potencialidade de ampliação do fazer
museológico.
A prática empregada nos museus previa que os objetos permanecessem depositados
em armários, preferencialmente em armários de vidro, que permitiam sua visibilidade, ou
seja, potencializava-se a visão, não o tato do objeto. A introdução dessa técnica era
transposta para o campo educativo e, mesmo que o método intuitivo se interessasse pelo
tato, olfato, audição e paladar, onde a vio era sempre privilegiada, as experiências quase
sempre eram realizadas por professores e os objetos eram muito mais visualizados do que
tocados pelos alunos. Assim, fortaleceu-se no âmago do sistema escolar uma metodologia
de ensino que ficou conhecida como a pedagogia do olhar, compreensível para o século
XIX, já que era costume perceber a fotografia, as gravuras e as pinturas como identidade
do real.
Portanto, analisar os objetos em sua materialidade exige do pesquisador e do
educador sensibilidade para reconhecer o potencial comunicativo e histórico que os objetos
possuem em sua essência, constituindo-se em recursos fundamentais na organização dos
museus, sejam escolares, pedagógicos, históricos ou de ciências naturais. O museu, nessa
perspectiva conservacionista, possuiu uma relação muito forte com o processo educacional,
exercendo uma função cultural e educativa importante no sistema político republicano,
desenvolvida nos espaços formais e informais de ensino e de aprendizagem. Essa função
o estava restrita às atividades programadas para alunos e professores, mas também para
o público em geral.
Esse processo possa uma intencionalidade educativa que ia desde a elaboração do
roteiro para uma exposição até a organização e a classificação dos objetos e a elaboração
de textos e etiquetas explicativas. Estas não deviam apresentar somente um determinado
conteúdo, mas, acima de tudo, suscitar a criatividade, o questionamento, a refleo crítica e
a busca do novo fazer, caracterizando-se como um ato educativo.
1.3 Museu e educação: o fazer museológico e o fazer pedagógico
A concepção acerca do conceito de educação não-formal,
4
sua problemática e
agentes mediadores envolvidos no processo de construção do conhecimento, resultado de
práticas educativas desenvolvidas fora da instituição escolar e com outras metodologias,
esteve sempre presente nas discussões práticas e teóricas do processo de ensino e da
aprendizagem museológica. Recentemente, organismos internacionais e núcleos de
pesquisa vêm intensificando estudos em busca de elementos que possibilitem a educandos
e educadores compreender o significado, as potencialidades, as possibilidades e os
problemas que estão inseridos em processos e ações educativas não-formais.
Dessa forma, a educação não-formal compreende todas as atividades educativas
intencionais e sistemáticas desenvolvidas fora do espo escolar. A educação informal, por
sua vez, inclui formas de ensinar e aprender dos sujeitos fora do espaço estritamente
escolar. Para Trilla, a educação informal envolve “un proceso que dura toda la vida y en el
que las personas adquieren y acumulan conocimientos, habilidades, actitudes y modos de
discernimiento mediante las experiencias diarias y su relación con el medio ambiente.(p.
19). No caso dos museus, entende-se que a definição de educação não-formal é mais
adequada.
Um dos grandes desafios é compreender os processos educativos
5
que ocorrem nas
sociedades contemporâneas numa perspectiva mais ampla que aquela do espo escolar.
Daí a necessidade de ressignificar a forma de compreensão do fazer pedagógico de sala de
aula, que necessita, por vezes, romper com dogmas e paradigmas que estão ainda presentes
em nosso cotidiano, em nossa consciência e em nossa prática de ensino.
Acreditamos que a educação patrimonial, ação educativa desenvolvida amplamente
pelos museus, possa contemplar essas questões e servir como elo pedagógico entre o
espaço formal e o não-formal de ensino e de aprendizagem, ou seja, a educação para a
4
Entende-se por educação não-formal, as práticas que sistemáticas que são desenvolvidas fora do âmbito da
escola. Segundo Trilla a educação não-formal inclui “toda atividade organizada, sistemática, educativa,
realizada fuera del marco del sistema oficial, para facilitar determinadas clases de aprendizaje a subgrupos
particulares de la población, tanto adultos como niños.” (p. 19).
5
Nas últimas duas décadas, a diversidade cultural foi objeto de inúmeros estudos que tornaram público o
conhecimento de que somos sujeitos de uma sociedade pluricultural, com valores, costumes, tradições,
história(s) e memória(s) diferentes. Assim, o processo educativo também se dá de diversas maneiras.
Segundo Kruppa (1994, p. 26), “a educação, embora ocorra em todas as sociedades, não se apresenta nelas de
forma única. O que há, de fato, são educações, porque as experiências de vida dos homens, suas necessidades
e condições de trabalho, são diferentes.”
preservação e conscientização da importância do patrimônio no contexto histórico pode
assumir a função de interligar pedagogicamente o museu com o campo da educação e agir
como instrumento mediador da alfabetização. Assim, podem-se garantir ao sujeito
elementos teóricos fundamentais que lhe possibilitem uma leitura dinâmica do contexto
social, compreendendo o mundo e os processos histórico-culturais em que está inserido.
Nesse caso, a educação patrimonial, ajuda-nos a (re)conhecer em nosso cotidiano a
existência de outros espaços e instituições preocupadas e envolvidas com processos
educativos e de socialização do indivíduo. Esses lugares promovem o ensino e a
aprendizagem numa dinâmica estrutural diferente da escola, porém com objetivos
semelhantes: integrar e socializar o conhecimento aprendido. Segundo Kruppa (1994, p.
21), “a s ociedade é toda ela uma situação educativa” e, sendo assim, torna-se fundamental
no processo prático do fazer pedagógico. Há que reconhecer o contexto social, o meio
ambiente e as instituições educacionais formais e não-formais que estão interagindo
diretamente no processo educativo dos cidadãos.
Ao mesmo tempo em que interagimos com o contexto social, também aprendemos
e ensinamos. A troca de saberes ocorre em nosso cotidiano, antes e depois de ingressarmos
no sistema educacional formal de ensino. Dessa forma, é importante termos presente que o
conceito de educação pode assumir diversas dimensões e significados, estando presente em
diferentes esferas da ciência e da sociedade, em todas as etapas de nossas vidas. Partindo
dessa concepção mais ampla sobre o processo de educação é que poderemos situar o
museu e sua ciência museológica.
As políticas educacionais atuais tendem para uma abordagem mais ampla da
educação, evidenciando no fazer pedagógico as diferentes maneiras de o sujeito ser no
mundo, estar e pensar o mundo, construindo e reconstruindo múltiplas realidades, culturas,
histórias e memórias. Desse modo, emergem do campo educacional inúmeras
possibilidades de discussão sobre os pressupostos não formais de ensino e de
aprendizagem, que levam em consideração as experiências vividas no cotidiano social dos
sujeitos e o conhecimento popular, que, em boa parte, é adquirido nas relações sociais que
o sujeito constrói cotidianamente. A ação educativa desenvolvida pelos museus pode
assumir um caráter importante na mediação pedagógica entre o espaço formal de ensino (a
escola) e o espaço não-formal (o museu).
No processo de ressignificação do fazer pedagógico, o que contempla uma
dinâmica metodológica apoiada na dialética de ensino, a comunidade é valorizada e
participante do processo pedagógico. Os pressupostos para uma discussão pedagógica
sobre a educação patrimonial precisam levar em consideração o desenvolvimento e o
tempo de formação crítica e social do sujeito como ser histórico cultural.
Além das concepções teóricas acerca do processo de desenvolvimento mental,
social e cultural dos sujeitos, existem outros aspectos que levam em consideração todos
aqueles elementos produzidos e adquiridos no cotidiano social, os quais podem ser
construídos dentro ou fora do espaço escolar. Atualmente, vivemos sob uma forte
tendência de valorização do pragmatismo e do imediatismo, de modo que o trabalho da
educação patrimonial pode contribuir significativamente para reverter esse quadro social,
valorizando o passado, os vesgios e a produção simbólico-cultural das gerações
precedentes.
A educação patrimonial desenvolve-se e transforma-se compreendendo que o ato
educativo multidisciplinar se faz com a união de todos os saberes adquiridos atras das
(co)relações pedagógicas e de interações sociais que o sujeito realiza em seu meio social,
sejam conhecimentos práticos ou teóricos, populares ou científicos, escolares ou
comunitários. O conhecimento popular ao qual estamos nos referindo é o resultado das
relações sociais que desenvolvemos em nosso dia-a-dia no cotidiano social e nos espaços
o formais ou formais de ensino e de aprendizagem.
As discussões sobre o conhecimento formal e não-formal precisam evitar as
polarizações, que em nada contribuem para uma compreensão global do processo
educativo. No que tange aos aspectos formais de ensino e de aprendizagem, pode-se dizer
que o espaço escolar promove conhecimentos importantes para a vida e para a
adaptação/transformação dos sujeitos ao seu meio. Porém, é preciso ter consciência de que
no campo educativo existem outros elementos e espaços importantes, que, por vezes, ficam
esquecidos e excluídos do processo de socialização e construção do conhecimento.
Com o passar do tempo, experiências não-formais vão constituindo aspectos
significativos para a cultura local, transmitindo valores, costumes e saberes importantes
para o processo comunicativo e para o processo de ensino e de aprendizagem. É
interessante que um professor de história do ensino fundamental de 8
a
. série, por exemplo,
consiga incorporar uma metodologia que contemple no seu fazer pedagógico o diálogo
entre a macro e a micro-história, enfatizando a relação dialética entre os aspectos hisricos
nacionais e regionais, aproximando diferentes contextos sobre um mesmo fato histórico, ou
seja, que seja capaz de levar em consideração as conseqüências que um determinado fato
histórico possa ter para o país e para uma região, ou mesmo para uma cidade.
É importante a incorporação de diferentes fontes de pesquisa para o trabalho de sala
de aula, incluindo fotos, mapas, peças antigas etc. Nesse ponto a educação formal e a não-
formal encontram-se e podem estabelecer um diálogo significativo. É possível pensar, por
exemplo, no papel que os museus podem exercer dentro do ensino e da aprendizagem,
estendendo as ações de educação patrimonial para além do exercício da preservação do
patrimônio cultural, abrangendo nessa nova proposta museológica um compromisso maior
com a educação, norteando o fazer museológico para uma ptica que evidencie o processo
educativo e estimule uma constante (re)criação intelectual, crítica e reflexiva.
O museu como aqui é apresentado o pretende assumir o lugar da escola.
Isto não significa que na instituição museal independente de sua classificação
tipológica o tenha espo para a comunicação, a informação, o aprendizado e
a relação dialética educando/educador; e sim que as possibilidades educativas do
museu não se esgotam com as metodologias aplicadas e desenvolvidas nos
bancos escolares. (CHAGAS, 1996, p.84)
Fazem parte da aprendizagem e do desenvolvimento do sujeito todas aquelas
manifestações, expressões, linguagens e representatividades simlicas que transitam nos
espaços familiares, culturais, sociais, políticos, econômicos e ambientais da sociedade.
Sabemos que são inúmeras as situações, espaços-tempos e instituições de aprendizagem,
sendo bastante possível que, com o passar do tempo, o próprio educando adquira
consciência e capacidade para se tornar um agente de seu processo educativo, interagindo
no processo de socialização não somente como espectador ou agente receptor do ensino,
seja em âmbito formal ou não-formal da aprendizagem, na escola, na família ou em
qualquer outro espaço. A educação é um processo coletivo de construção do conhecimento,
de valorização cultural, de preservação da memória social e fortalecimento da cidadania.
É nesse contexto que se aprofundam as relações entre a museologia e a educação.
Hoje temos uma concepção museológica mais comprometida com o contexto social,
político e cultural, assumindo no seu fazer museológico uma postura muito mais dinâmica,
participativa e integrada com a sociedade. São poucas as instituições museológicas que
mantêm a prática tradicional nos moldes das Cabinet de Curiosité. Cresce a conscncia de
que o museu hoje guarda e preserva a memória social, comunica e preserva traços e
fragmentos culturais. Segundo Moutinho (1989, p. 97), “a museologia, nomeadamente as
várias práticas da Nova Museologia, deve ser encarada pelas pessoas nela implicadas como
meio (agente, instrumentos...), a par de outros, de desenvolvimento integral das populações
e com as populações”.
A nova museologia é entendida aqui numa perspectiva de desenvolvimento socio-
cultural e articuladora de um projeto crítico-transformador e emancipatório daquele sentido
restrito preso às ideologias e aos valores da cultura dominante. As tendências teóricas e
metodológicas propostas pela nova museologia reforçam o perfil educativo e comunitário
dos museus no mundo contemporâneo, cujas transformações conceituais e epistemológicas
acerca dos pressupostos teóricos e práticos, colaboram significativamente para o processo
de ressignificação da instituição e do próprio fazer museológico. Nesse sentido, Santos
(2002, p. 38) diz que o museu precisa estar comprometido e coerente com as necessidades
do meio social.
“O
mundo contemporâneo, as transformações ocorridas nos últimos anos e
já registradas anteriormente, sinalizam para a necessidade de um fazer museológico mais
ajustado às diversas realidades da América Latina.
O contexto atual, marcado pela evolução tecnológica, pela globalização cultural e
pelas diferenças sociais, exige dos profissionais da educação uma proposta metodológica
crítica e capaz de dar conta das novas tendências pedagógicas, que sejam capazes de dar
conta das múltiplas realidades sociais e culturais e de criar alternativas organizacionais e
administrativas para a esfera da educação. Acreditamos que a ação educativa desenvolvida
pelos museus, voltada para a preservação e compreensão do patrimônio nas suas mais
variadas formas, possa constituir-se como alternativa viável para aproximar e encurtar as
distâncias entre o ensino formal e o não-formal.
A educação patrimonial, além de aproximar o espaço não-formal de ensino e de
aprendizagem dos museus com o espo formal das escolas, assume uma função educativa
permanente e sistemática no trabalho de (re)conhecimento e enriquecimento individual e
coletivo em relação ao patrimônio cultural. Com base nas experiências e contatos com os
vestígios culturais da sociedade humana, manifestados de diferentes formas e sentidos, o
trabalho da educação patrimonial pode, assim, estimular nas crianças e nos adultos um
processo ativo de conscientização, de aquisição e valorização de suas heranças culturais
preservadas atras de gerações.
Essa tomada de consciência e valorização do patrimônio cultural torna os
indivíduos capacitados para melhor se relacionarem com esses bens, além de promover a
geração e a produção de novos conhecimentos num mesmo processo, connuo e constante,
de criação e preservação. Os aspectos educativos de preservação do patrimônio cultural, de
valorização e fortalecimento de identidade e cidadania precisam ser apropriados pelas
comunidades. Essa apropriação crítica e consciente de aspectos do seu patrimônio é
fundamental para a sua história e as memórias das pessoas, das comunidades ou nações e
da própria humanidade.
No desenvolvimento da educação patrimonial o diálogo assume uma função
importante e permanente, estimulando e facilitando a troca de experiências, a comunicação
e a interação entre as comunidades e os agentes envolvidos no processo não-formal de
aprendizagem. É nesse processo, dimico e ornico, de socialização de conhecimentos,
saberes, experiências e memórias, que aprofundamos nossas relações sociais e educativas,
construindo e reforçando nossa própria identidade cultural.
O Brasil, assim como outros países, possui uma população miscigenada com vários
povos e que formaram a nação brasileira. Essa diversidade cultural está presente na
formação da identidade do cidadão brasileiro e, sendo assim, a multiculturalidade
incorpora-se ao processo de educação e de formação do indivíduo, possibilitando ao sujeito
reconhecer seu passado, compreender seu presente e pensar o futuro sem preconceitos,
racismo ou exclusão. É fundamental ter presente que no processo educativo esses aspectos
condicionam a identidade cultural, pois cada sujeito, dentro do seu contexto e da sua
comunidade, elabora sentidos, significados e concepções acerca das experiências que
foram vivenciadas e socializadas.
No Brasil ainda são poucos os projetos que visam estabelecer uma aproximação
pedagógica entre os espaços formais e os não formais tendo como referência o patrimônio
cultural. São inúmeros os fatores que contribuem para distanciar essas duas dimensões
educativas. As políticas públicas educacionais e culturais primaram, por muito tempo, por
uma vio conservadora e verticalista, na qual o cidadão ficou praticamente excluído do
processo de elaboração e execução. A maior parte dos bens patrimoniais preservados no
Brasil está vinculada à Igreja, à aristocracia, à burguesia ou às instituições sociais
representativas da classe dominante. Os aspectos vinculados aos grupos e à cultura popular
o tiveram o mesmo tratamento, pelo menos até o início da segunda metade do século
XX. As políticas de preservação do patrimônio tenderam mais para a valorização de
monumentos arquitetônicos, que hoje tamm se vêem ameaçados pela mercantilização
capitalista, que insiste em destruir vesgios históricos através da demolição de obras
históricas.
A idéia do presente texto é discutir a educação patrimonial como possibilidade de
ligação entre a educação formal e a não-formal. Para tanto, é importante definir com
clareza o conceito de patrimônio, para que possamos compreender as relações pedagógicas
que estão presentes no fazer museológico. Quanto ao conceito de patrimônio, é preciso
delimitar a sua compreensão, visto que essa delimitação influencia diretamente na seleção
e organização dos acervos museológicos, na forma de compor a exposição e,
conseqüentemente, na relação educativa que ocorre entre o sujeito e o objeto exposto. O
entendimento geral do que se entende por patrimônio é limitado ao que é tangível e
material, como se fosse uma representação de um passado distante que não tem relação
com o nosso cotidiano. A idéia de tomar o passado como referencial educativo e capaz de
produzir uma ação crítica e reflexiva sobre o presente ainda não é uma prática comum
adotada pelas escolas e museus. Até pouco tempo atrás, propor ações culturais que
visassem estabelecer uma aproximação entre instituições educativas e culturais soava
estranho. Hoje, a realidade já é diferente, porém carece-se ainda de análises e produções
acerca da relação entre museus e escolas, ou seja, entre educação formal e não-formal.
Os projetos políticos culturais e educacionais tendem a reproduzir os interesses
dominantes. O mesmo ocorre com a educação patrimonial, com a organização de acervos
museológicos e o fazer museológico, que, de um modo geral, não trabalham na perspectiva
de transformar a realidade e de gerar um conhecimento novo através de reflexões e
interpretações do passado exposto, preservado e comunicado. Como foi observado, essa é
uma tendência, visto que existem experiências que estabelecem uma aproximação
importante com as comunidades e fazem um importante trabalho de reconstrução crítica do
passado.
6
A educação formal tem tido, historicamente, dificuldades para pensar as
problemáticas sociais e culturais vivenciadas por educadores e educandos fora do ambiente
escolar. É fundamental que o Estado aprofunde diretrizes que dêem conta não apenas dos
interesses e valores da classe dominantes, tanto em relação à educação formal quanto à
museologia. Há necessidade de aprofundar a relação entre a museologia e o fazer
museológico com a educação e o fazer pedagógico, evidenciando que essa relação é
possível e necessária, uma vez que a ação museológica não tem como finalidade última
armazenar e conservar os objetos dos acervos, mas potencializar a memória preservada
neles como modo de transformar e ressignificar a realidade presente. O aprofundamento de
6
Pode-se fazer menção ao Museu do Trabalhador em Santos e ao Museu do Índio no Rio de Janeiro, o
Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, entre outros, como experiências que se propõem a um trabalho
histórico-crítico. Na página do Museu de Artes e Ofícios é feita a seguinte apresentação: “O Museu de Artes
e Ofícios, inaugurado em 14 de dezembro de 2005, em Belo Horizonte, é o primeiro empreendimento
museológico brasileiro dedicado integralmente ao tema das artes e dos ofícios e do trabalho no ps”.
formas de cooperação entre a educação e a museologia tem ajudado ambas as instituições
(escola e museu) a sair do seu próprio isolamento em relação à realidade concreta.
É importante ter consciência de que tanto o fazer museológico quanto o fazer
pedagógico andam juntos e têm uma finalidade comum, que é socializar e produzir
conhecimentos e experiências. Essa potencialidade de troca de experiências e vivências
num determinado local precisa ser mais explorada na relação pedagógica. Como já foi
observado, foram e continuam sendo poucas as experiências no Brasil que estimularam a
prática da educação patrimonial como método de registro do fazer cultural, numa
perspectiva mais abrangente de educação não-formal.
O processo de ressignificação necessário tanto aos museus quanto à escola
pressupõe um questionamento crítico do modelo de sociedade que possuímos,
compreendendo que a análise reflexiva das relações sociais e a função social dos museus
o devem nos conduzir para o imobilismo, mas provocar a mudança e a superação de
nossas limitações e contradições socioculturais, econômicas e políticas. A ampliação do
papel da escola para além dos seus limites é hoje uma necessidade. Ao flexibilizar
socialmente a ação educativa, a população escolar pode contar também com um número
considerável de sujeitos que não tiveram, e não têm, o mesmo acesso ao ensino, à
informação e à aquisição de conhecimentos pelos processos formais. O museu precisa se
inserir nesse processo e dar a sua contribuição, especialmente na valorização de aspectos
da cultura popular. O museu precisa ampliar e apoiar as ações da educação patrimonial,
integrando educadores e museólogos, numa prática que se aproprie dos bens culturais
como mediação pedagógica no processo de construção do conhecimento sobre o passado e
o presente.
Como vimos anteriormente, no início do século XIX já se ensaiava alguma idéia de
que o museu era uma instituição educativa. O movimento para a consolidação dessa
definição envolveu outras instituições, como as bibliotecas, os jardins zoológicos e
botânicos e arquivos. Nesse contexto, a noção de educar era basicamente formar e
informar, sem haver qualquer caráter crítico ou reflexivo na ação educativa. Dessa
maneira, o museu enquanto espo educativo tinha essa mesma compreensão.
No início doculo XX, o perfil educativo dos museus enfraqueceu, dando espaço
à idéia das coleções. Sobrepõe-se à função educativa a função conservacionista; no espo
museológico a ação do educador cede lugar à ação do conservador. Os museus, então,
começaram a ficar cada vez mais estruturados para reunir e expor colões resultantes das
expedições científicas dos conservadores e colecionadores e menos para mediar o
conhecimento através da relação pedagógica entre o objeto e o visitante.
Na década de 1960 os museus avançaram em relação à perspectiva educativa, que
passa a ser realizada dentro do espo museológico, dentro de um trabalho integrado entre
o fazer museológico e o fazer pedagógico. A existência de um setor educativo nos museus
representa, em parte, a equivocada interpretação que os museólogos e educadores fazem do
ato educativo e do fazer museológico. A ação educativa dos museus ocorre constantemente
em todos os setores da instituição, visto que todo o trabalho museológico é educativo.
Por outro lado, o surgimento de um núcleo educativo dentro dos museus consolida
um perfil pedagógico dos mesmos e, desse modo, estabelece uma relação mais próxima e
orgânica com a educação. Nesse caso, a educação patrimonial pode assumir a função de
elo entre o fazer pedagógico da sala de aula com o fazer museológico dos museus,
despertando no aluno o interesse por este novo tema e fazendo, sempre que possível, uma
provocação para que ele consiga construir o conhecimento através das relações
estabelecidas com os objetos expostos nos museus, ou com o patrimônio histórico-cultural
preservado, pelo bronze dos monumentos ou pela memória das tradições. É importante ter
consciência de que, ao abordarmos uma nova metodologia de ensino, o sujeito-educando
continua sendo o centro da ação educativa. Cabe ao professor facilitar e mediar o ensino,
garantindo um clima de relacionamento recíproco e comprometido com o processo de
ensino e de aprendizagem.
A educação patrimonial implica uma metodologia participativa, que agrega todas as
disciplinas do currículo escolar, ou seja, exerce uma ação interdisciplinar, fundamental
para a compreeno de totalidade do processo histórico. O patrimônio possui um caráter
muito grande e um potencial pedagógico maior ainda. Percebemos a necessidade de
entender o patrimônio envolvendo traços, vestígios ou manifestações da cultura material ou
imaterial das sociedades. Os aspectos do passado que foram preservadas de geração para
geração vão se constituindo e se transformando em formas materiais ou imateriais,
tangíveis ou intangíveis.
O fazer pedagógico deve estar atento, também, para reconhecer que todos os povos,
sociedades e comunidades, independentemente do seu nível de desenvolvimento
tecnológico, econômico ou cultural, produzem cultura e que cada um desses tem maneiras
distintas para se expressar e manifestar sua cultura.
A função principal dos museus está centrada em desvelar as redes de significados
que dão sentido aos vestígios culturais e nos informar sobre os modos de vida das
sociedades no tempo passado e no tempo presente, num processo permanente de
construção, transformação e ressignificação do processo histórico cultural. A ação
educativa dos museus no mundo contemporâneo precisa ser pensada pela educação
patrimonial na valorização simbólica e histórica do patrimônio, seja material ou imaterial,
tangível ou intangível, procurando tomar os bens culturais como fonte primária de um
projeto pedagógico de educação informal, que valorize a meria social, resgatando as
correlações históricas e os valores culturais que foram perdidos e negligenciados pelo
sistema de educação formal de ensino.
1.4 Os museus e objetos museáveis no processo de ensino-aprendizagem
Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
Tantos relatos
Tantas perguntas.
(Bertolt Brecht)
Estudos referentes às coleções museais revelam uma intenção lógica de preservação
da História, porém, sabe-se que o museu é um campo em plena transformação e em
constantes conflitos, nada homogêneo e pacífico, apresentando no seu desenvolvimento
uma grande diversidade em termos sociais, políticos e culturais. Seria um equívoco
pensarmos que poderíamos reconstruir a história através de um conjunto de peças expostas
num espo como o museu. Menezes (apud RAMOS, 2004, p. 30) nos alerta que,
Qualquer exposição é sempre uma leitura
possível
e, por isso mesmo, nunca
pode assumir a condição de conhecimento acabado, “para o qual meramente se
solicita a adesão do visitante. A partir de problemáticas históricas, que se
fundamentam em certos critérios de interpretação, não há “dados” exp ostos e sim
modos de provocar reflexões.
Somente pesquisando e interpretando os objetos das coleções museológicas
conseguiremos compreender as funções simbólicas, educacionais e culturais que vão sendo
agregadas ao objeto, os significados que vão am de seus sentidos funcionais, podendo
anular totalmente o potencial criativo, crítico e educativo que os objetos e a exposição
possuem e tornando a ação museológica desnecessária se não houver um processo de
reflexão sobre estas questões.
Conforme Horta (2000), o simples ato de reunir determinados objetos numa coleção
determina uma intenção e uma lógica dos sujeitos ou das instituições responsáveis pela
coleção. O objeto por si só é passível, porém, quando é retirado de seu contexto original e
colocado numa coleção ou numa exposição, assume um outro sentido. O objeto perde seu
valor funcional e passa a ter um valor simbólico, de sentido mais amplo, complexo e
subjetivo, em relação às suas funções originais; perdendo seus valores de uso, converte-se
em elemento simbólico, quase sempre ilustrativo e representativo de uma história
comemorativa.
[...] as coisas criadas pelos homens com fins utilitários e de satisfação de
necessidades primárias (tais como um pote, uma casa, um martelo, uma cadeira,
um sapato) não têm significado mais profundo que o de sua mera função
original. É a partir do momento em que são investidas de sentido pelos
indivíduos e comunidades, que essas coisas passam a ter a função de “signos”,
como elementos significativos necessários à comunicação entre os membros do
grupo. É a partir de então, que o pote pode virar um vaso ritual, a casa pode
transformar-se em templo, o martelo pode aparecer num brasão de armas ou na
propaganda política, a cadeira pode virar trono, e o sapato pode indicar a classe
social de seu dono (HORTA, 2000, p. 29)
Estudos sobre as coleções existentes nos museus, ou seja, sobre seus acervos, vem
despertando bastante interesse no meio acadêmico. Primeiro, porque as coleções
representam objetos da cultura material do passado e a (ex)posição é uma das formas por
meio das quais o passado pode ser representado, nunca recomposto, pois recompor o
passado é algo impossível. Segundo David Lowenthal (1998, p.156),
as relíquias nos oferecem apenas conjecturas sobre comportamentos e
convicções; para demonstrar reações e motivos do passado, os artefatos precisam
ser ampliados por relatos e reminiscências. Essa é uma grave desvantagem, pois
o os “pensamentos, sentimentos e ações...[que] são as substâncias da história, e
o paus, pedras e bombazinas”.
Em segundo lugar isso ocorre porque há uma forte tendência em questionar as
memórias, interesse despertado principalmente as a II Guerra Mundial, quando
cresceram estudos sobre as memórias silenciadas que sobreviveram ao holocausto e que
ajudaram a questionar as representações dominantes. Nesse contexto que a história oral foi
se consolidando como um modo próprio de leitura do passado e das experiências.
Com relação a essa valorização dos objetos do passado no processo evolutivo das
sociedades contemporâneas as a Segunda Guerra Mundial, Le Goff (1990, p. 475) relata:
A evolução das sociedades na segunda metade do século XX clarifica a
importância do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a
história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante
enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em
documentos/monumentos, e a aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho hisrico, a
memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e
das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes
dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela
promoção.
Conforme Brefe (1998), entre as análises teóricas feitas a respeito das coleções,
existem basicamente duas ramificações: uma denominada de formalista e outra chamada
de substantiva. A primeira consiste em apresentar uma perspectiva materialista da coleção,
como um conjunto conceitual estático, entendido como efeito de raridade e intocabilidade.
A outra rejeita o movimento de conceitualização formal e toma o objeto como um
referencial objetivo universal. Essas duas abordagens, no entanto, conduzem os
pesquisadores ao isolamento do fenômeno da coleção e da conjuntura social, tornando-a
desconectada e irreconhecível por grande parte da sociedade. Essas duas perspectivas não
o conta do papel pedagógico do museu nem conseguem contextualizar várias questões
que dizem respeito aos recortes dos objetos, à seleção, à historicidade etc.
Acreditamos que é preciso evidenciar as ações museológicas que estão
comprometidas com o desenvolvimento crítico do sujeito, visto que a coleção é, de certa
forma, uma afloração/materialização da memória, constituída de intencionalidades,
representações e fragmentos do passado. Assim, a coleção é um “modo” de transmissão
cultural na qual os objetos assumem a tarefa de transmitir/reproduzir, atras da
representação simbólica, os sentidos e significados sobre o passado e sobre a produção
cultural presente. Por outro lado, é preciso ter cautela em relação ao papel dos objetos
museológicos na reconstrução da história. Sabemos que nem tudo pôde ser guardado e
preservado. Muitos aspectos de nossa história caíram no esquecimento ou foram renegados
a um segundo plano; outros foram perdidos e alguns sequer foram materializados em
objetos.
Desse modo, é preciso ter a consciência de que a história que está sendo guardada,
preservada e ensinada por meio dos livros didáticos, das aulas, exposições e monumentos
revela fragmentos e dimensões do passado importantes para nossa história, nossa cultura
nossa memória. Às camadas populares fica o desafio de recuperar a memória perdida e o
passado esquecido através de recursos alternativos de preservação da memória, como a
oralidade e a narrativa. Sobre isso, Benjamin (1986, p. 197-198) nos alerta dizendo que
“estão em vias de extinção”.
Nesse contexto, o museu assume um papel fundamental de intervenção ativa do
processo de transformação social, ressignificando sua prática e suas teorias museológicas,
tornando-se um espaço e uma ciência interdisciplinar, constituindo-se numa instituição
agregadora e integradora de diferentes disciplinas e diferentes culturas. Possibilita, assim,
criar uma prática museológica mais reflexiva, consciente, desveladora e atualizada.
No encontro sobre museus realizado em 1972 em Santiago do Chile, tiveram início
as reflexões a respeito de uma nova concepção prática e teórica para a museologia, algo
que fosse mais adaptado ao atual contexto social e condizente com as expectativas sociais
da comunidade museológica, a qual, ao mesmo tempo, fosse inclusiva e educativa,
contemplando as mudanças exigidas pelos museólogos. A partir deste momento, os museus
passaram a intensificar ainda mais suas ações no âmbito educativo, criando novos projetos,
redimensionando seus espaços e redefinindo suas funções enquanto local formador de
sujeitos crítico-reflexivos. Ressaltaram como objetivo de suas atividades museológicas a
garantia de auxílio às atividades educativas desenvolvidas em sala de aula, trazendo para o
espaço museológico uma nova proposta educativa, que, até então, estava ausente dos
museus e das pticas escolares.
A intenção desse movimento foi, acima de tudo, aproximar ao máximo o cotidiano
escolar e a prática de ensino com os aspectos didáticos da educação patrimonial.
Atualmente, um dos grandes desafios/obstáculos a serem superados pelas instituições
museológicas diz respeito à forma de fazer a aproximação e a abordagem no atendimento
ao público visitante, principalmente os estudantes. Uma análise do Museu Histórico
Regional de Passo Fundo permite concluir que, em 2004, uma percentagem muito grande
de visitantes foi de estudantes. Dos 9.240 visitantes, 5.447 foram alunos de escolas, o que
representa aproximadamente 58%. Além disso, os outros 42% contemplam tamm
estudantes que visitaram a instituição sozinhos, fora de atividade de aula.
Diante disso, coloca-se a queso para os museólogos no sentido de construírem um
saber/conhecimento sobre o público em geral, principalmente sobre os visitantes de
escolas. Assim, pode-se pensar propositivamente a função educativa e pedagógica dos
museus enquanto promotor de atividades educacionais com alunos e professores.
Desenvolver atividades educativas para os estudantes que vão visitar os museus não pode
transformar esses espaços em extensão da escola. Não se trata de promover ou reafirmar a
lógica escolar nos museus, mas de estudar a multiplicidade de papéis e ações educativas
que podem ser desenvolvidas nos espaços museológicos.
O museu, independentemente da sua característica, guarda, expõe, comunica e pode
assumir uma postura pedagógica crítica. Em qualquer instituição museológica e ou em
qualquer exposição existem sujeitos que trabalham, pensam e se apropriam do poder de
informar; os quais através da suas leituras do mundo e dos objetos que compõem o acervo
produzem um determinado conhecimento, seja sobre história, biologia, antropologia ou
arte. Por isso, é preciso aprimorar nossos conhecimentos sobre o sentido que é dado à
prática pedagógica e à ação museológica.
A metodologia de organização de uma exposição carrega consigo uma carga muito
grande de intencionalidades, tanto dos sujeitos que a compõem como dos sujeitos que a
visitam. Ir ao museu implica, necessariamente, efetivar uma atividade educativa, de
questionamentos, de fundamentação teórica e de percepção dos objetos. Mesmo com
turmas de diferentes níveis de estudantes, o exercício museológico torna-se fundamental.
No entanto, como foi observado, o museu não é uma extensão da escola nem é possível
transformar o seu espaço numa sala de aula.
O museu tem sua função própria. Quando alguém vai a uma exposição de carros e
de instrumentos musicais antigos, não vai lá para dirigir os carros, tampouco para tocar
com os instrumentos. Quando entramos no espaço museológico de exposição, o objeto está
descaracterizado de sua função original, desprovido de seu valor de uso: o sapato não serve
mais para calçar os pés; os carros abandonam sua condição funcional; as panelas não são
para cozinhar e as máquinas não são mais para produzir.
Desse modo, perdem-se as funções originais, as “vidasque tinham no mundo fora
da exposição; logo, esses objetos/peças são constituídos por outros valores, regidos pelos
mais variados interesses. Os educadores dos espaços formais e não formais precisam ter
uma preparação adequada para explorar todas essas dimensões e potencialidades existentes
nos museus.
O atual contexto museológico está enfocado no processo de promover, através de
suas atividades expositivas, o senso crítico-reflexivo dos sujeitos participantes da ação, não
se prendendo mais às funções de celebração e de classificação enciclopédica, pois, se antes
os objetos serviam para serem contemplados, agora são analisados e interpretados. As
mudanças foram no sentido de aprofundar um debate entre o “museu -temploe o “museu -
fórum”.
Dessa forma, para o museu assumir um perfil educativo, não basta compor uma
série de argumentos críticos com relação aos objetos expostos. É preciso, também,
desenvolver projetos que sensibilizem os visitantes para uma maior participação das
atividades dos museus, incrementando profundamente os aspectos educativos da instituição
no contexto escolar. O saber que o museu produz e divulga não se desenvolve em outros
lugares. Isso faz com que o estudante sinta-se quase que desprovido de meios para
interpretar as especificidades da linguagem museológica. O envolvimento dos sujeitos
nesse contexto só é proveitoso se houver atividades que preparem os alunos para o que irão
ver. Portanto, a visita de turmas escolares aos museus deve começar em sala de aula, com
atividades preparatórias para a visita, através da utilização de materiais e assuntos de
cotidiano; assim, os estudantes estarão preparados para uma dinâmica de aprendizado
diferente daquela desenvolvida na escola pelo fazer pedagógico.
Cotidianamente, utilizamos uma grande quantidade de objetos, alguns supérfluos,
outros necessários, desde o telefone até roupas. Porém, pouco pensamos sobre eles e pouco
refletimos sobre nossos próprios objetos; conseqüentemente, temos uma percepção
reduzida dos objetos expostos nos museus. Da mesma forma, se não pensarmos sobre o
presente vivido, também não conseguiremos construir uma concepção de passado. É por
isso que todo o museu deve possuir em seu acervo peças e objetos do mundo
contemporâneo, superando a idéia de que museu é lugar de coisas velhas.
Visualizar o passado de forma ctica significa, antes de tudo, viver o tempo
presente como mudança, como algo que não era, que está sendo e que pode ser diferente.
Por isso, é necessário mostrar relações históricas fundamentadas entre objetos atuais e de
outros tempos, da substância educativa caracterizada pela ação pedagógica e pela prática
museológica, pois há relações entre o que passou, o que está passando e o que vai passar.
Ainda quando criança, aprendemos a ler palavras. É preciso que os educadores
potencializem a alfabetização dos objetos e a observação da história que existe na
materialidade das coisas. O objeto é concebido pela instituição museológica como indício
de traços culturais passados que serão interpretados no contexto da exposição pelos
visitantes. Assim, qualquer objeto deve ser tratado como fonte de conhecimento, reflexão e
aprendizagem sobre o nosso passado. Por isso, fazer relações entre objetos diferentes pode
dar às reflexões uma carga maior de conhecimentos históricos do que o simples ato de
visualizar um pote cerâmico numa prateleira envidraçada de um museu. Além disso, o
fazer museológico torna-se muito mais interessante, estimulante, atraente e mais dinâmico
às atividades práticas de ensino e de aprendizagem.
Na sala de aula o professor pode estimular a percepção crítica e reflexiva dos
alunos através de simples objetos de uso cotidiano. Isso abre espaços para uma percepção
mais ampla diante de uma exposição museológica e alarga o juízo crítico sobre o mundo
que nos rodeia. Saber que o sujeito é um ser em construção, inacabado, possibilita
mudanças no seu modo de ser. Freire argumenta que a pedagogia do diálogo está enraizada
na “situacionalidadedo ser no mundo, e o ato educativo alarga o ser humano na medida
em que se considera o ser um estar prática cotidiana de pensar e atuar criticamente sobre
a situação em que se constitui o estar no mundo e com o mundo.
Para desenvolver a pedagogia do diálogo entre a escola e o museu, é preciso fazer
mais do que somente visitar uma exposição; é preciso colocá-la como uma das operações
metodológicas de um projeto educativo mais amplo, que relaciona as visitas monitoradas
com a instituição museolóica e com as práticas de sala de aula, assim como de outros
espaços. A exposição deve ser, assim, pensada de modo a permitir aos visitantes
compreenderem algumas das problemáticas elencadas sem o auxílio obrigatório dos
monitores. Nesse sentido, a educação desenvolvida no espaço museu passa,
necessariamente pela capacidade progressiva de instrumentalizar o público para a
decifração/leitura dos conteúdos/objetos expostos. Assim como a conquista de ler um texto
sozinho dispensa o auxílio de outra pessoa, a exposição mostra sua eficiência ao criar
formas de comunicação e dispositivos de reflexão que não necessitam de
facilitadores/mediadores.
Isso não significa dizer que a função dos monitores seja desnecessária. O desafio de
uma proposta museológica dessa natureza é que o monitor seja um informador, fornecendo
dados ou explicações aos estudantes ou ao público em geral. No caso das turmas escolares,
os monitores podem desafiar os estudantes, mediando exercícios que seo realizados a
partir do contato com a exposição, permitindo que o aluno perceba que a instituição
museológica e suas exposições são fontes intermináveis de saberes.
Ao distanciar-se da informação partindo para o trabalho de provocação, o monitor
exige de si mesmo e da própria instituição que representa um processo de
qualificação/formação de sua própria prática, pesquisando profundamente as
especificidades dos objetos, pois, se a intenção não é mais simplesmente oferecer dados
num discurso pronto e acabado, faz-se necessário construir um conhecimento mais amplo e
muito bem estruturado a respeito das temáticas que estão sendo abordadas nas exposições,
representadas através das coleções e dos objetos do acervo. Desse modo, o ato de
provocação do diálogo educativo por parte do monitor terá qualidade e será questionador e
explicativo, ou seja, sem pesquisa e criatividade, a mediação pedagógica torna-se
improdutiva. Por isso, todo museu deve constituir-se numa instituição preocupada com a
(in)formação dos visitantes e dos profissionais envolvidos na ação museal.
Ao assumir seu papel educativo, comprometido com o processo de ensino e
aprendizagem, o museu pressupõe que o ato de expor é um exercício poético, a partir de
objetos e com objetos. O museu, como lugar de produção do saber, não pode ser
confundido com centros de pesquisa ou de aulas, embora faça pesquisa e dê aulas;
tampouco pode ser definido como instituição de recreação, mesmo que tenha um perfil
lúdico recreacionista.
A peculiaridade da instituição museológica realiza-se plenamente em diversas
interações, seja com tramas estéticas e cognitivas, seja em análises e deslumbramentos, na
dimensão lúdica dos fundamentos historicamente engendrados que constituem o espo
expositivo. O processo de organização das exposições nunca pode negar a atitude
intencional e a postura diante e dentro do mundo histórico, desde os primórdios como
instituição pública até hoje. O museu põe em jogo uma queso crucial, que é a
transformação dos objetos no espaço museológico, pois o objeto, ao tornar-se pa de uma
coleção museológica, sofre uma reconfiguração de sentidos. Assim, a ciência museogica,
auxiliada por aspectos educacionais, tem o compromisso ético de ressaltar seus próprios
parâmetros teóricos e, conseqüentemente, seus desdobramentos educativos.
A especificidade educativa do museu está precisamente naquilo que lhe dá
personalidade e, distinguindo-o de outros instrumentos similares do campo simbólico,
garante condições máximas de eficácia: o enfrentamento do universo das coisas
materiais/objetos. O problema é que muitos museus estão se limitando receber grande
número de estudantes, cujo objetivo se limita a copiar legendas, etiquetas e textos de
painéis explicativos. Assim, que caracteriza o museu e que o diferencia da escola perde sua
função e desperdiça-se a oportunidade de transformar esse espaço em espaço educativo.
Nesses casos, o máximo que ocorre é falar sobre os objetos, não pelos objetos, o que é
ainda mais problemático. Enquanto o museu não tiver domínio do conhecimento e da
exploração dos objetos e das coleções, sua atuação educacional estará profundamente
comprometida.
A proposta aqui discutida está centrada no trabalho com os objetos e no
desenvolvimento de projetos que possibilitem aprofundar as relações entre pesquisa,
ensino, museologia e práxis pedagógica. Nessa perspectiva, os tempos passado, presente e
futuro não são lineares. É preciso alertar os sujeitos para a existência de ltiplas
temporalidades, pois, ao mesmo tempo em que desenvolvemos um projeto educacional
contemporâneo com uma furadeira elétrica, podemos também envolver nessa mesma
atividade o martelo, invento que possui milhares e milhares de anos. E nessa
multiplicidade de tempos e espaços é interessante pensar nas várias dimensões sociais e
educativas que caracterizam a criação e o uso dos objetos em nosso cotidiano, sendo
fundamental estudar como os seres humanos os criam e os usam.
2 MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: CATEGORIAS
PERMANENTES NA PRÁTICA MUSEOLÓGICA
Preservar e destruir, musealizar e não-musealizar, memorizar e esquecer formam
pares bailarinos desenhando no tempo e no espaço uma coreografia esquisita, ao
som de uma música que soa or muito familiar, ora muito estranha.
(CHAGAS, 2002, p.18)
A compreensão acerca da função social e educativa dos museus requer uma base
lida de conhecimentos bem fundamentados. Aprofundar os conceitos que balizam a
prática museológica dentro do contexto social possibilita-nos (re)conhecer o caráter social
e pedagógico desta instituição e sua função dentro do movimento de valorização da cultura
popular e da memória social. Desse modo, visamos aprofundar neste capítulo alguns dos
conceitos que acreditamos ser essenciais para o processo de valorização do espaço e da
ação dos museus no contexto educacional.
2.1 Memória e Museu
o há como negar a relação existente entre a instituição museu e memória. Ao
longo da sua história, o museu vem se transformando e se adaptando às transformações,
buscando, num processo dialético connuo, construir uma identidade conceitual sobre si
mesmo. Como já foi observado, não são poucas as pessoas que possuem uma concepção de
museu como espaço de quinquilharias e “coisas velhas”. Isso não é estranho nem isolado
em nossas sociedades; é, antes, resultado direto das diferentes (inter)ações que os sujeitos
estabelecem no tempo e no espo e que são construídas com o passar do tempo
(cronológico) e no percurso social que chega aos dias atuais.
Analisando o museu, percebemos que se constituiu num espo de conservação e
de conhecimentos em diferentes áreas, envolvendo grupos sociais, culturas e memórias. As
prioridades das ações museológicas sempre estiveram voltadas para as coleções, cujo perfil
da sua prática era, prioritariamente, catalogar, expor e conservar os objetos museáveis.
Para tanto, foram criadas regras, normas e procedimentos. Talvez provenha dessa função
social limitada, ou seja, dessa prátrica museogica tradicional e conservadora, a
concepção popular e pejorativa presente no imaginário de muitas pessoas de que o museu é
um depósito de “coisas velhas”.
Na passagem da perspectiva museológica de templo para espaço educativo, busca-
se estabelecer um diálogo com a memória. A questão de fundo para a museologia
contemporânea, no entanto, é: Que memórias são preservadas? E quais se pretende
preservar nos museus?
A museologia é a ciência que estuda a relação entre o homem-sujeito-visitante e o
objeto-bem cultural-patrimônio num espo chamado museu. Possui interesses em
aprofundar as relações com a memória, principalmente porque é na relação homem-objeto
que a memória pode ser compreendida no seu processo de construção e destruição, de
lembrança e esquecimento, de glorificação e estigmatização. Porém, considerar a
museologia somente como preservação da memória é o mesmo que considerá-la como uma
disciplina. Para a museologia, importa estudar a atribuição de valores dados aos bens
culturais para que, assim, seja possível compreender, no fazer museológico, o caráter
seletivo da ação preservacionista, bem como a utilização que fazemos do patrimônio
cultural como elemento educativo e mediador de conhecimentos e experiências que podem
ser transmitidas de uma geração para outra.
A função social da museologia, ao lado de outras áreas de conhecimento, como a
história, a antropologia e a sociologia, é interpretar criticamente a construção ou a
destruição da memória social (coletivas e individuais), abrindo opções para que memórias
esquecidas ou apagadas possam ser recuperadas. O museu precisa se constituir, também,
num espo e tempo de representações e de memórias silenciadas. Portanto, os museus, ao
se dedicarem à preservação, investigação e exposição de determinados bens culturais e
naturais, colaboram para a preservação de memórias e, conseqüentemente, para a formação
simbólica de determinados valores de grupos, de classes ou da nação. No entanto, como a
memória e a preservação do patrimônio sofrem influências externas (ideológicas, políticas,
culturais, econômicas), o museu também pode contribuir na promoção do esquecimento e
do silenciamento de memórias.
Na construção histórica do caráter público e educativo dos museus e da sua própria
origem, da função social dominante de guardar e preservar os vestígios e os rastros
deixados para trás, a memória se faz presente e permeia todos os aspectos da
funcionabilidade prática dos museus. Como já observamos, o conceito museu (do grego
museion) prom da idéia de um tempo de templos, neste caso, o templo das musas, filhas
de Zeus com Mnemosine. Isso fortalece a idéia de que não é casual relacionar museu com
lugares de lembrança, de rememoração, de representação do passado, de comemoração e
de memória. Am deste, outros aspectos contribuem para fortalecer a relação entre o fazer
museológico e o campo da memória, entre os quais a ciência museológica. Esta área do
conhecimento aprofunda o campo das memórias através do estudo da relação histórica e
cultural entre o homem-sujeito e o objeto-bem cultural num determinado espaço/lugar,
chamado “museu”, ou num ambiente aberto, como uma praça ou uma cidade.
Acreditamos que é no exercício da relação entre o sujeito e o objeto que a memória
coletiva ou individual se manifesta, possibilitando à ciência museológica compreender suas
especificidades culturais e educativas, sejam elas desenvolvidas no seu processo de
(re)construção-destruição, de lembrança-esquecimento, de vida ou de morte. Os rastros e
os vestígios, sejam materiais ou imateriais, que foram elaborados, utilizados, esquecidos ou
preservados, ajudam-nos como suportes de informações e representões das memórias
dos esquecidos e dos lembrados, dos ignorados e dos comemorados, dos estigmatizados e
dos glorificados, dos vilões e dos heróis. Esses aspectos constituem uma parte importante
para o desenvolvimento de uma ação museológica consciente e transformadora,
comprometido com as funções sociais de preservar, pesquisar, investigar, expor e
comunicar uma determinada informação sobre o passado histórico e cultural dos homens.
Para compreendermos melhor a relação entre memória e museu, bem como a
função social que o museu exerce no mundo contemporâneo, trazemos as reflexões de
Moreira (2005, p. 7):
Diferentemente dos que não gostam ou simplesmente não se encantam com os
museus, e que os vêem como reduos do passado, eu gosto dos museus. De todo
e qualquer museu. E tenho especial apro por aqueles que têm cheiro de vida e
querem, por decisão de quem os alimenta, inundar a vida de mais vida; gosto dos
museus que seguem se fazendo e se refazendo. Há quem pergunte: de onde vem
este encantamento com os museus? Respondo: a raiz da música é a mesma do
museu. E esta raiz remete ao cosmo (e ao caos) das musas. O museu é a casa das
musas. E não por acaso a musa da música tem lugar privilegiado no Templo das
Musas, no museu das artes, no panto das musas, que, desde a mitologia grega
o as inspiradoras de toda arte, de toda criação humana. Os museus abrigam o
que fomos e o que somos. E inspiram o que seremos. [...] vejo que os museus no
mundo contemporâneo são lugares de criação, diálogo e preservação do aqui e
do agora. Esta noção está na base dos esforços do Ministério da Cultura num
campo que traz simultaneamente o arcaico e o novo, o político e o cultural, o
singular e o universal.
A perda do sentido prático do objeto dentro da sociedade de consumo faz com que
o objeto assuma um caráter simbólico próprio: as canetas já não servem apenas para
escrever, o automóvel não serve apenas para transitar e as armas não servem apenas para
atirar objetos. No processo museológico, os objetos perdem seu sentido funcional e
ganham um significado simbólico. “O significado das coisas ou das palavras surge quando
as relacionamos com conteúdos específicos e as organizamos e concatenamos em
conjuntos ou seqüências, com elas extraindo ou com eles exprimindo, um universo de
sentidos” (HORTA, 2000, p. 30).
O processo museológico é, por natureza, dialético e desenvolve-dr em constante
conflitos entre o novo e o velho, o útil e o inútil; o objeto perde seu valor funcional e
agrega um outro valor, de perfil simlico. Sobre esse aspecto Tedesco (2004, p. 191) diz
que “os objetos de memória são os produtos materiais da atividade humana que adquirem
um alto valor simlico pelo fato de condensarem algumas representações importantes
para o passado individual, grupal, comunitário, étnico”.
A ressignificação valorativa do objeto atribui-lhe um perfil patrimonial, uma
espécie de herança cultural, que, ao longo da história, foi sendo transmitida de geração
para geração, de pai para filho. Esse processo só é possível por estar sustentado na
memória, aqui entendida como algo que se materializa no presente e que interfere na
formação das representações simbólicas. A memória permite conservar ou esquecer nossas
lembranças e experiências vividas. A memória não é o passado, pois sua representação é
que remete ao passado; assim, é dinâmica e mutável, temporal e espacial, individual e
coletiva. A memória é viva e em construção permanente. A concepção que dá à memória
um sentido de coisa velha é a mesma concepção que define o museu como lugar de coisa
velha.
Pierre Nora (1993), afirma que a memória é a vida, mesmo quando ela está inserida
num contexto que lembra a morte; a memória é vida e o museu precisa se constituir num
espaço vivo de reflexões e aprendizagem sobre o passado. A meria (re)vive cada vez
que os agentes da memória, sujeitos do tempo presente, direcionam seus olhares e seus
esforços para o tempo passado, buscando resgatar aspectos que mantêm vinculações com o
tempo presente. É por causa dessa relação dialética entre o tempo presente e passado, entre
a lembrança e o esquecimento, que a memória evolui e se transforma, materializando-se e
atualizando-se.
A memória, com suas especificidades práticas e teóricas, tem sido objeto de
reflexão de historiadores, antropólogos, sociólogos, e outras. Nessas discussões cresce a
consciência de que a memória é ampla e agrega temporalidades, lembranças, oralidades,
subjetividades, factualidades, espacialidades, instrumentalidade material, historicidade etc.
Segundo Tedesco (2004), ainda persistem muitas questões que precisam ser aprofundadas.
Os aspectos ainda não muito explorados dizem respeito aos instrumentos analíticos e
metodológicos da memória, que hoje vêm despertando bastante interesse entre os
pesquisadores. Essa nova perspectiva de olhar o processo histórico, agregando aspectos de
memória, está representada, de certa forma, nos debates sobre o cotidiano, educação,
história, sociologia, museologia, patrimônio e tantas outras áreas das ciências humanas e
sociais que tentam compreender a natureza humana e suas correlações.
Adentrar para o campo da memória é uma forma de aproximação com o nosso
passado, com aspectos que estavam sublimados, esquecidos ou apagados. Por vezes, isso
significa tocar em assuntos ou temas proibidos, distantes de nossa percepção histórica e
educativa. Os estudos sobre memória, no entanto, podem nos ajudar a compreender melhor
aspectos de nosso cotidiano, especialmente quando se consegue deixar de lado, pelo menos
um pouco, os fenômenos excepcionais, dando relevância àquilo que está mais próximo e
estabelecendo uma relação mais orgânica com tudo aquilo que também fez/faz parte do
nosso cotidiano. Essas mudanças em relação à memória processam-se num contexto de
crise paradigmática, que problematizou a perspectiva única da história oficial, o que
causou mudanças no campo da memória, assim como no campo da museologia e da
educação. Problematizar a memória em nosso cotidiano pode auxiliar na recuperação de
vozes silenciadas da cultura popular, esquecida, e de aspectos históricos apagados.
É importante a consciência de que a análise e a percepção do cotidiano possibilita,
tanto ao historiador como ao educador, conhecer melhor as individualidades culturais que
estão ocultas na complexidade das relações sociais desenvolvidas nas (inter)ações que
estabelecemos com o mundo e no mundo. Sobre a importância de ampliarmos nossa
compreensão sobre os aspectos de nosso cotidiano, Matos (apud TEDESCO, 2004, p. 42)
esclareceu-nos:
[...] o historiador tem dificuldades de entender o oculto no emaranhado
fragmentado das informações; de perceber o implícito; de fazer aflorar “as
estruturas do cotidiano”; de mostrar que o cotidiano é parte integrante da história
e que, além de descrito, pode ser analisado, correlacionado e articulado
conjuntural e estruturalmente; de fornecer a reinvenção da totalidade histórica no
espo e no tempo (de)limitado do objeto em questão.
Histórias dos movimentos de mulheres, do movimento operário, a história regional
e tantas outras manifestações sociais são praticamente esquecidas pela historiografia oficial
e não levadas em consideração, mesmo que contribuam substancialmente para
compreendermos a história de um modo mais amplo. É nesse contexto de transformações
que o campo da memória se redefine, se transforma e se atualiza, contribuindo para a
valorização dos aspectos históricos, sociais, culturais e políticos do cotidiano. Elementos
que antes eram suprimidos passam, agora, a ser relevantes para o processo social, histórico,
educativo e cultural de nossas sociedades.
A socialização e as relações sociais que desenvolvemos com os demais sujeitos da
comunidade, as ações e interações que fazemos com o mundo e no mundo,
independentemente do grupo social ao qual pertencemos, dão-nos uma dimensão maior do
processo histórico e cultural. Na vida cotidiana e na prática social produzimos
conhecimentos importantes e relevantes para a compreensão desse processo. Somos
sujeitos históricos, culturais e sociais geradores/consumidores de conhecimentos,
conservadores e destruidores de memórias. O conhecimento produzido no cotidiano e no
processo de socialização pode ser manifestado em diferentes formas e espaços, assim como
pode ser apagado e esquecido.
A discuso sobre a memória pessoal e social está em evidência na atualidade. São
inúmeros os estudos que apontam para o processo histórico de constituição da memória e
da história. Além disso, torna-se difícil compreender conceitos de cultura, identidade e
história sem considerarmos as peculiaridades específicas do conceito de memória, cujo
reconhecimento no campo da historiografia começou a ser bastante difundido e aceito por
historiadores e sociólogos a partir da década de 1970. Desde então, vem ocupando espo e
se fazendo presente nos debates e estudos realizados sobre o processo de desenvolvimento
social e de compreensão dos processos histórico-culturais das sociedades.
Conforme estudos historiográficos recentes, a memória possui capacidade de
fornecer elementos importantes para a construção do conhecimento sobre aspectos do
nosso passado os quais influenciam nosso tempo presente. Os trabalhos realizados sobre a
memória têm contribuído significativamente para percebermos que nem todos os sujeitos
recordam, interagem e pensam o mundo da mesma forma. Existem dentro de um mesmo
tempo-espaço noções, concepções e percepções diferentes sobre o processo histórico e
sobre a prática social.
Estudar memória é exercitar nossa capacidade de reflexão crítica sobre o próprio
modo de pensar e viver o mundo, levando em consideração as variadas formas, dimensões,
aspectos e espaços que ela abrange e com que interage, podendo ser esses coletivos ou
individuais, orais ou materiais, formais ou informais, ditos ou não ditos. Os estudos acerca
da memória oportunizam maneiras de fazer o tempo passado se presentificar, analítica e
oralmente; de construção e reconstrução social dos tempos vividos; de entender formas e
representações simlicas históricas e educacionais, bem como tempos e espaços que
necessitam de valores e significados culturais, nem sempre em harmonia entre vividos e
concebidos, expressos nas condições de existências passadas, atuais e projetivas.
As transformações causadas principalmente pelo entrecruzamento de tempos e
espaços, modos de vida, aspectos de tradição e modernidade e do modo rural para o urbano
resultam na formação de novos valores, de novos aspectos culturais, econômicos, políticos
e ideológicos, que, por sua vez, modificam o nosso modo de pensar e agir no mundo. A
crise de paradigmas e os novos recursos tecnológicos assumem um papel fundamental no
processo de esquecimento coletivo de aspectos da memória social e histórica e da
desintegração de valores familiares, comunitários, culturais e simbólicos, modificando a
realidade e os métodos que utilizamos para nos comunicar, interagir, ensinar e aprender
sobre nossa própria história.
Os estudos realizados para preservar e resgatar memórias populares contribuem
significativamente para esse processo, auxiliando na compreensão do processo sócio-
histórico, ou seja, como diz Tedesco (2004), contribuindo para entrecruzar diferentes
tempos, resgatando atores e fenômenos sociais silenciados, dando uma dimensão do real
muito pouco visível.
É importante ter consciência de que a memória constitui um aspecto importante em
nossas vidas, estando presente em todos os segmentos da sociedade, na intencionalidade
das experiências vividas, nas transformações sociais e culturais, no resgate das lembranças
e dos esquecimentos negligenciados na diatica do cotidiano. Podemos dizer que ela é a
capacidade psíquica e mental que todo o sujeito tem de preservar ou apagar determinados
fenômenos, situações ou informações que ocorreram no passado e que são extremamente
relevantes para a compreensão da realidade presente.
De certa forma, o tempo presente é conseqüência de uma série de intervenções e
ações desenvolvidas e desencadeadas num tempo passado. Assim, o passado condiciona o
presente, que, por sua vez, abre novas perspectivas de interpretação do passado.
A subvalorização do passado é, ao mesmo tempo, o revigoramento da nostalgia,
de novos sentimentos (co-presença, pertencimento e identificação étnica), o
incremento tustico e cultural dos espaços, lugares, tempos e templos de
memória, tais como museus, restauros, antiquários (esses muito desenvolvidos
em sociedades mais antigas, principalmente na Europa), atestam esse caráter
contraditório e a indefinição do destino da memória. (TEDESCO, 2004, p. 34)
No decorrer do processo histórico e social, deparamo-nos com situações que
produzem esquecimentos e silêncios impostos aos grupos sociais, com a intenção de
adequar o passado, que se quer lembrar ou esquecer, aos interesses dos dominantes, que
estão no presente, condicionando nosso futuro. Nem todos os elementos que constituem
nossa memória social são resultantes de um processo de supreso de memórias individuais
ou coletivas. Ocorre em nossa sociedade um processo de esquecimento coletivo e total das
lembranças e das memórias passadas, porém é necessário ter consciência de que existe no
desenvolvimento histórico um conflito constante entre grupos e classes sociais. Se
partirmos do pressuposto de que a memória é uma representação, não uma marca deixada
no tempo, conseguiremos compreender também a função social dos museus no mundo
contemporâneo.
Com relação aos rastros e vestígios deixados ao longo do tempo, precisamos saber
que podem estar representados material ou imaterialmente, podem ser objetos sólidos,
concretos ou não; assim, são os objetos/peças e o patrimônio preservados pelos museus que
nos fazem pensar num fato. Uma espada ou uma arma pode nos fazer pensar numa guerra.
Tanto a peça quanto o vazio são sinais, de um passado histórico. A memória não está no
objeto, está na relação que podemos estabelecer com ele. Nessa lógica, preservar objetos
o significa preservar a memória. Para a museologia, ou seja, para a prática museológica,
a preservação da estrutura física do objeto só tem sentido na medida em que possa ser
compreendida e comprometida com a representação da memória e como elemento
necessário da relação sujeito-objeto.
A prática museológica não se justifica somente pela preservação da memória. Se
assim o fosse, seria mais uma prática de alienação, em virtude da própria flexibilidade da
memória, em servir a uma ou a outra ideologia. A memória, garantindo possibilidades de
compreender a relação entre o homem/sujeito com o objeto/patrimônio cultural, interessa
ao museu. Essa relação entre o sujeito e o objeto ajuda a entender o perfil seletivo da ação
preservacionista e, também, como o patrimônio cultural é utilizado na mediação do
processo de comunicação entre uma e outra geração.
O perigo que ronda os patrimônios culturais é o próprio tempo, ou seja, o museu
também luta contra o inevitável, que é a morte da materialidade do objeto. Daí a
necessidade de desenvolver projetos educativos e sensibilizadores que possibilitem
prolongar a vida útil do patrimônio.
2.2 Patrimônio e museu
A ação de preservação patrimonial desenvolvida pelos museus, bibliotecas e
arquivos não é função realizada pacificamente, sem lutas, sem conflitos de interesses e sem
embates políticos; ao contrário, é uma luta em constante transformação. Para
compreendermos a intencionalidade do ato preservacionista dos objetos, basta analisar o
contexto cultural de nossas cidades e ver quais são os objetos que são preservados nos
museus. Quem aparece esculpido em bronze, no mármore, no cimento?
Os museus, ao se dedicarem à preservação, à investigação, à comunicação e à
exposição de informações, conhecimentos e fragmentos do passado, garantem ao sujeito da
ação museológica elementos que lhe possibilitam fazer uma leitura crítica dos objetos
museológicos de uma exposição, fornecendo-lhe a base para a construção e a preservação
de memórias, o fortalecimento da identidade cultural e a formação da nação.
Entretanto, considerando que a memória e o que é preservado como patrimônio
histórico cultural das sociedades é resultante de processos seletivos, o museu, assim como
os arquivos, as bibliotecas, os memoriais, os cemitérios e os outros espaços de lembranças,
ou como diz Pierre Nora (1993), os lugares de memória, preserva algumas memórias e
silencia outras. A disputa entre o que deve ou não ser guardado e preservado é que define a
função social dos museus. Num contexto de crescente consumismo, exige-se da prática
museológica um comprometimento muito grande com o caráter popular das manifestações
culturais, buscando interpretar de forma crítica a construção e a preservação daquilo que
consideramos como patrimônio histórico e cultural.
É muito importante representar atras de exposições museológicas e do fazer
museológico o papel e a memória, não apenas das elites sociais, mas também daqueles
grupos que ficaram e estão à margem do processo social e econômico. Assim, podem-se
abrir novas alternativas para que memórias silenciadas e lembranças esquecidas, ou seja, a
história dos oprimidos e excluídos, consigam participar do fazer museológico, recuperando
e preservando tanto aspectos referentes à cultura popular quanto da cultura erudita, visto
que não se propõe uma inversão do movimento de substituição das memórias da elite
social pelas das camadas populares.
O visitante do museu precisa ser sujeito da ação museológica e, para isso, precisa
ter consciência do papel social e educativo que o museu exerce dentro de nossas
comunidades; precisa se sentir estimulado a fazer a leitura crítica e reflexiva dos objetos
apresentados nas exposições. Aos educadores comprometidos com a transformação social
e a formação do sujeito consciente de suas funções sociais, cabe indagar sobre o que
enxergamos através das nas expostas e quem ou o que elas estão representando.
Sabemos que não existe um fazer museológico descompromissado, neutro e
imparcial. Quase todas as instituições museológicas, sejam de tipologias históricas,
biológicas, artísticas, tecnológicas ou arqueológicas, reproduzem valores e idéias de
determinados grupos sociais e apresentam visões da história e do processo cultural das
sociedades, ou seja, boa parte dos museus apresenta uma visão parcial da realidade,
mostrando, basicamente, o que as classes dominantes fizeram e têm feito ao longo do
tempo. Tantas outras experiências produzidas por grupos sociais populares não ganham a
mesma visibilidade.
Diante dessa visão relativa ao patrimônio cultural, o educador deve buscar métodos
que questionem as representações parciais da história que estão sendo guardadas e
preservadas nos museus, encontrando alternativas pedagógicas que possibilitem ao aluno,
sujeito da ação educativa, fazer uma reflexão crítica sobre a própria prática museológica.
Através de seu papel de mediador e de sua função pedagógica, o educador pode estimular
os educandos a fazer, por meio de recursos didáticos, uma leitura crítica do mundo
contemporâneo, analisando e interpretando conscientemente o que ele poderá ver ou não
numa visita ao museu, já que aquilo que não é mostrado, exibido ou preservado também
pode contribuir na construção do conhecimento acerca do passado.
O educador Paulo Freire (2002, p. 90) nos alerta sobre o exercício de leitura do
mundo que devemos exercitar, realizar e mediar durante nossa prática pedagógica.
Como educador preciso de ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os
grupos populares com que trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior
de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira
alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares,
desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que
faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem
explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que
precede sempre a “leitura da palavra”.
O objetivo principal de uma exposição museológica é sensibilizar o visitante, por
meio da memória, para o exercício da leitura do mundo. O ato de lembrar estimula algo
que, de uma maneira ou de outra, consegue mexer conosco, provocando-nos e
estimulando-nos para o aprendizado através da mediação e da relação educativa que
fazemos com o objeto.
O ato de expor em museu é, portanto, uma necessidade historicamente
constituída a partir de vivências que dão certas responsabilidades ao verbo
lembrar, fornecendo-lhe compromissos que assumem a condição de fundamento
a partir do qual vai se legitimar a própria ação em defesa da memória. (RAMOS,
2004, p. 122)
Memória e história, narrativas e objetos são recursos que fazem reviver e
transformar continuamente nossa consciência sobre o passado. No entanto, é extremamente
difícil compreender a relação da memória com a história e também com uma série de
outros aspectos, como os bens simlicos, o patrimônio histórico, cultural, social, os ditos
e os não-ditos, o sentido e o significado dos objetos de memória. Todos esses elementos,
relacionados com a esfera da memória, devem contribuir substancialmente para
problematizar a realidade social, o presente, o cotidiano e seus movimentos.
Repensar o passado não é apenas um exercício de recuperar fragmentos da meria
coletiva ou individual. Mesmo que sejam poucos os fragmentos, vestígios e partes do
passado que encontramos no tempo presente, são eles que nos auxiliam a compreender e a
construir o conhecimento acerca da história e das alterações sociais que ocorreram no
tempo. Portanto, além de a memória contribuir na produção do conhecimento histórico e
cultural das sociedades, é também exercício de cidadania.
Definir a memória como um fragmento histórico e cultural na sociedade permite-
nos ultrapassar barreiras, naturais ou artificiais, criadas ou impostas pelos agentes da
memória, fazendo crer que tanto o processo de socialização quanto o de educação e
alfabetização plena do sujeito podem ocorrer em diferentes espaços e tempos.
Os fatos recentes, que estão ainda muito presentes em nosso cotidiano, podem ser a
princípio, verificados, analisados e interpretados. Não podemos, por exemplo, verificar os
fatos que ocorreram no passado através da observação ou da experimentação. O passado
está além do nosso alcance e a ele só temos acesso através de fragmentos. Os desafios que
se apresentaram para a arqueologia, a paleontologia e a geologia, tamm se apresentam
para a museologia. Como demonstrar que determinados objetos, como um fóssil, uma
ponta de flecha, um pedaço de madeira petrificada ou um cálice Inca evidenciam que há
muitos anos atráz os homens construíram símbolos e praticavam rituais?
O museu, numa perspectiva pedagógica e transformadora, deve interagir
diretamente nesse processo, além de contribuir para a construção do conhecimento a
respeito de nosso passado. A formação global do sujeito, tão destacada por Paulo Freire,
pode ser desenvolvida e fortalecida no espaço museológico garantido ao visitante, sujeito
da ação museológica; um espaço de reflexão e de questionamento, onde ele próprio se
torna interlocutor deste processo, podendo discernir sobre seu próprio passado.
O passado, tanto o baseado em relatos escritos quanto o baseado em objetos,
fósseis, vestígios concretos, pode ser ilusório, forjado ou com diferentes sentidos. É difícil
conhecer o passado com a multiplicidade de elementos que o tempo presente tem. Nossa
capacidade de compreender o passado é, por vezes, limitada e, uma das causas disso é o
silenciamento de memórias, causado principalmente por razões de natureza política,
ideológica, cultural, econômica.
Os fragmentos remanescentes do passado representam uma porcentagem mínima
daquilo que foi vivido pelas gerações anteriores a nós. Um objeto exposto numa vitrine de
museu representa uma parte muito pequena do contexto histórico em que foi produzido ou
utilizado. Por isso, a memória não é menos residual do que a história. Mesmo que existam
inúmeras recordações, lembranças e vestígios sobre o passado, isso se constitui em simples
lampejos do que um dia foi um todo. Porém, é nesse contexto que o educador deve fazer o
uso da memória como mediação do conhecimento, utilizando o objeto museável como
estimulador e potencializador da aprendizagem.
É preciso estimular no aluno, sujeito da ação museológica, para que consiga extrair
do objeto exposto no museu as informações nele contidas, que vão além do que está escrito
nas etiquetas ou no próprio objeto. O processo de aprendizagem e aquisição do
conhecimento dentro do espo museológico pode ocorrer subjetiva e coletivamente. A
idéia de objeto-relíquia intocável, singular e valiosíssimo, pode confundir o visitante,
limitando seu potencial informativo e educativo, interferindo significativamente no
processo de conhecimento e dificultando seu processo de leitura do mundo e o uso das
variadas formas de linguagem que podem contribuir no estabelecimento de uma relação
educativa orgânica entre o sujeito e o objeto.
Manter um pilão lítico ou uma machadinha representante da cultura guarani numa
cúpula de vidro pode ser, às vezes, uma necessidade para a preservação; mas,
independentemente disso, o seu significado pode ser apropriado pelo visitante de uma
exposição. Não é o toque físico que qualifica uma experiência diante do objeto exposto.
Por isso, é necessário fazer com que o visitante de um museu consiga perceber o valor
simbólico do objeto exposto e, também, possua uma sensibilidade crítica para compreender
o valor educativo, histórico, cultural e informativo que um objeto exposto possui. Para
Chagas (1996, p. 63),
é interessante notar que o museu alimenta uma contradição interna, um ponto
permanente de tensão, que se expressa através das funções de preservação e
comunicação. Para radicalizar e evidenciar esta contradição, fala-se em
preservação e dinamização cultural. Neste caso, a dinamização envolve a
comunicação e a investigação.
Um fato que recordamos de um passado distante tem a potencialidade de leitura de
um objeto que está na vitrine. Uma peça dentro de uma vitrine não consegue, por si só,
representar todo o contexto histórico em que foi gerada, utilizada e apagada; por isso, é
importante que, no fazer museológico, o visitante seja estimulado a compreender as
peculiaridades educativas e informativas que estão no objeto, subjetivas ao seu perfil
simbólico e imaginário, e também buscar elementos que vão além do objeto em si para
compreender o contexto. A ação educativa dos museus deve atentar para o processo de
transmissão cultural que ocorre na prática cotidiana da ação museológica, sendo necessário
que o educador esteja preparado para mediar o conhecimento entre o objeto museológico e
o sujeito da ação pedagógica.
É preciso haver uma cumplicidade entre o espo formal de ensino e de
aprendizagem e o espo não-formal dos museus. Tanto a escola quanto o museu são
responsáveis pela reprodução de conhecimentos e pelo fortalecimento da identidade
cultural das pessoas, dos grupos e da nação, bem como da valorização dos aspectos de
cidadania.
Analisar os objetos museogicos simplesmente na sua materialidade,
desconectados de seu tempo e espaço, exige de nós, educadores, o reconhecimento e a
compreensão da autonomia e do sentido que eles conquistaram ao longo do tempo,
confrontando-os a outros registros, escritos ou não. Se não houver estímulos que
promovam o processo de leitura dos objetos museológicos que constituem as coleções dos
museus, dificilmente conseguiremos compreender o contexto histórico em que eles
estavam inseridos, os sujeitos históricos que interagiram com ele e as realizações feitas e
obtidas por meio deste. Fora de contexto, o próprio objeto perde seu sentido, não consegue
sozinho comunicar-se e representar todo seu significado histórico ao permanecer dentro da
cúpula ou da vitrine, sem a interação com o sujeito.
Temos consciência de que por mais avançada que seja a técnica de guarda e
conservação utilizada para preservar a memória dos objetos, não conseguiremos, nunca,
isolá-los do processo natural do esfacelamento temporal. O movimento de deteriorização
que o tempo causa no objeto afeta nossas lembranças, nossas recordações e nossas
tradições. Porém, vale lembrar a fala do Monja Coen (Comunidade Zen Budista) em
entrevista para a revista Aventuras na História (2006, p. 17), sobre a destruição da imagem
de Buda pelos Talibãs no vale de Bamiyán, em 2001.
Eu me lembro, quando a imagem de Buda foi destruída pelo Talibã, eu estava em
o Paulo e vi a foto do que havia acontecido nos jornais. Foi uma grande
lástima. Pensei: ‘Como a representação da sabedoria de Buda pode estar
incomodando alguém?’ Isso me fez refletir. Talvez a milícia precisasse chamar a
atenção do mundo para suas necessidades, e Buda serviu para isso. Destruíram
uma imagem histórico-cultural, mas não destruíram Buda. Morreu apenas a
estátua de pedra.
A relevância simbólica que o objeto exerce em nossas vidas, ou seja, a importância
do passado no tempo presente, não está apenas revelada nas recordações, nas lembranças e
nos
vestígios materiais ou não do passado
(os quais trazemos ou recuperamos para o
tempo presente), mas em nossa identidade cultural. Conhecer e compreender o valor
simbólico do patrimônio histórico/cultural possibilita construir uma base para o futuro,
embora o presente não decorra pura e simplesmente do passado. Nós não vivemos nossa
morte, vivemos a morte do outro, afirma Bicudo (2003).
Grande parte do conhecimento sobre o passado está fundamentada na memória. São
as
lembranças
e
recordações
que permitem que tenhamos possibilidades de recuperar
nossa consciência sobre os fenômenos que ocorreram. Nossas memórias são como
lampejos do passado e
, por isso, são seletivas. As lembranças não podem ser tratadas como
elementos objetivos. São inúmeras as maneiras que temos para recordar e lembrar dos
acontecimentos passados, lembrança que pode ser desejada ou não, resultantes das relações
sociais que exercemos em nosso meio. Sejam adquiridas ou relatadas, todas podem revelar
diversos aspectos sobre o passado, tentando apresentá-lo como um todo, porém não passam
de lampejos e pequenos fragmentos da totalidade do processo histórico. Contudo, a
necessidade no mundo contemporâneo de utilizarmos e reutilizarmos o conhecimento
sobre o passado força-nos a selecionar, recortar, distorcer, transformar e adaptar o passado
às necessidades e interesses do tempo presente.
Em relação ao processo de seleção intencional que desenvolvemos, Tedesco (2004,
p. 124) faz as seguintes considerações:
O passado não pode ser inteiramente recordado, porém também não pode ser
inteiramente esquecido [...]. remover algo significa também escolher o que
lembrar, colocar à parte os conteúdos dolorosos. Em algumas circunstâncias é
interessante esquecer de ter esquecido alguma coisa. A consciência histórica
reconstrói-se sob um fundo de esquecimento; a mesma poderia se tornar infértil
se mantivesse viva na memória a totalidade dos terríveis acontecimentos.
A instituição museológica precisa redefinir e repensar sua função social perante o
contexto social e econômico atual. O museu, enquanto lugar de memória, instituição
pública de preservação e produção da cultura, de manifestação do belo e do abstrato, de
espaço de socialização de experiências e novos conhecimentos, tamm tem contribuído ao
longo da sua trajetória histórica, juntamente com outras instituições, para consolidar e
manter a ordem dominante.
Encontrar maneiras que estimulem nos sujeitos sociais a idéia de (re)lembrar o
passado é fundamental principalmente para a formação crítica de nossa identidade
histórico-cultural. Já dizia o provérbio popular “povo sem memória é povo sem história”.
o possuir elementos para lembrar a própria história significa, praticamente, a negação da
própria existência, enquanto sujeito no mundo.
Freire (2002, p. 57) nos ajuda a compreender nosso papel no mundo e nos desafia a
sermos críticos e capazes de criar e intervir no mundo para transformá-lo.
A invenção da existência envolve, repita-se, necessariamente, a linguagem, a
cultura, a comunicação em níveis mais profundos e complexos do que o que
ocorreria e ocorre no domínio da vida, a “espiritualização” do mundo, a
possibilidade de embelezar como de enfear o mundo e tudo isso inscreveria
mulheres e homens como seres éticos. Capazes de intervir no mundo, de
comparar, de ajuizar, de decidir, de romper, de escolher, capazes de grandes
ações, de dignificantes testemunhos, mas capazes também de impensáveis
exemplos de baixeza e de indignidade.
Intervir e criar na sociedade implica colocar em questão a memória. Recordar
nossos antepassados e experiências já vividas aproxima-nos de nossas origens existenciais.
A perda da memória destrói a personalidade e priva a vida de significado”,
(LOWENTHAL, 1998, p. 83).
Rememorizar processos históricos, culturais, políticos e econômicos ocorridos num
passado distante é o desafio para a formulação de políticas públicas. Reconstituir e
preservar espos, símbolos, monumentos e objetos do passado permite-nos transformar
significativamente a concepção tradicional que temos sobre o patrimônio. A experiência de
vida desperta e determina nossa cultura, nossos valores e nossas tradições, contribuindo
também para a nossa formação sociocultural.
Ao longo de nossa história, esquecemo-nos de muitas coisas, vamos ressignificando
outras, transformando, modificando, adaptando nosso passado ao presente. Sem perceber
acabamos alterando nossa própria história, ou seja, esquecemos nosso passado e
assumimos um falso passado. Hoje, deparamo-nos com uma sociedade globalizante e
excludente, que tende à homogeneização de culturas. Aqueles que conseguem preservar e
recuperar aspectos originais de seu passado são os que conquistam uma identidade cultural
e a cidadania com mais facilidade.
Inúmeras são as formas como a memória se manifesta: biografias, genealogias,
patrimônio público/histórico/cultural, rituais, casamentos, culinária, linguagem, meio
ambiente, festas de famílias, fotografias, bens simbólicos, oralidades e tradições. Todas
essas formas contribuem para a compreensão da história e para a reconstrução do passado,
manifestado material ou simbolicamente no presente. Buscamos informações e
conhecimentos sobre nosso passado através da memória, porém é preciso atentar para os
riscos de regular, esconder, esquecer, apagar lembranças do passado. No campo da
memória existem vontades, intencionalidades e desejos.
Sobre a relação entre o museu-memória-patrimônio é interessante perceber a função
simbólica que o patrimônio exerce dentro do processo de formação da identidade social,
cultural e histórica dos sujeitos. O patrimônio material ou imaterial pode contribuir para o
processo de inclusão social dos sujeitos que estão à margem do sistema. Percebemos que
há um sentimento e uma tendência forte em sentir-se pertencente a um grupo social, a uma
coletividade. É nesse processo de inclusão social, cultural e histórica que os monumentos
de memória, os dialetos locais, os costumes e tradições contribuem para a valorização da
cultura popular, a preservação da memória coletiva social e a recuperação da cidadania.
A representação, seja material ou simbólica, que o patrimônio exerce no campo da
memória está profundamente relacionada com a prática dos museus, pois perpassa o
processo de formação do imaginário social, do mobiliário e da identidade social. A
concepção que temos do patrimônio, como aspecto cultural materializado num objeto, num
monumento, num prédio, leva-nos a reconhecer e a nos interessar pela preservação e
valorização da nossa própria memória social. A significação do patrimônio no mundo
contemporâneo pode ser compreendida como uma relação preestabelecida entre um objeto
material ou simbólico e as associações culturais e históricas que os sujeitos fazem dele,
representando um passado coletivo ou individual, dando um sentido de pertencimento do
sujeito a um determinado grupo social, ou seja, os aspectos patrimoniais da memória são
construções sociais e, sendo assim, agregam intencionalidades, impessoalidades, interesses
e concepções diversas de valores.
Há uma discuso que aponta para a diferenciação entre o monumento e o
documento. Segundo Tedesco, Le Goff “distingue monumento e herança do passado de
documento. Na sua visão, a função dos primeiros está ligada à memória, à perpetuação do
passado, com o atributo de evocar; do segundo, é provar e testemunhar, atingindo seu
triunfo com a escrita” (2004, p. 76). A simbologia que um determinado objeto ou bem
patrimonial assume na sociedade possui também uma linguagem do passado, manifestado
de forma simbólica e não escrita. O patrimônio edificado pode ser compreendido como
uma exteriorização da memória, seja coletiva ou individual, um objeto que se integra,
representa e preserva a sociedade. Os vestígios e rastros deixados no tempo são
patrimônios históricos e culturais e elementos que nos ajudam a compreender o passado,
porém há de se ter consciência de que esses elementos, rastros e vestígios são carregados
de intencionalidades, contextos, razões, vontades e imperfeições.
Como já discutíamos anteriormente, o passado jamais poderá ser reconstitdo e
reconstruído na sua forma integral. O patrimônio histórico fornece-nos uma leitura do
passado e sob essa perspectiva podemos abordá-lo, estando cientes de que, no mesmo
contexto em que esse objeto foi gerido, existiam outras leituras sobre o mundo. Ao
analisarmos uma situação peculiar a nós, como a de preservar uma bandeira de um time,
por exemplo, o Esporte Clube Internacional, e não guardar nada sobre o Grêmio Futebol
Porto-Alegrense, gerações futuras poderão, caso não haja uma leitura crítico-reflexiva
sobre o passado, julgar que existiu somente um time. Por isso a importância da prática
museológica estar comprometido com uma função crítica de mediar essas outras
informações que o objeto/patrimônio histórico não representa objetivamente, mas que nos
faz lembrar. Uma poltrona do gabinete do prefeito pode, por exemplo, representar a
memória dos políticos que a ocuparam, mas também pode nos fazer lembrar as pessoas que
a construíram.
Precisamos estar atentos para o sentido simlico que o patrimônio representa, pois
nele são ressaltadas as diferenças, as desigualdades e as intencionalidades. Segundo
Tedesco (2004, p. 88), “o patrimônio cultural ajuda a promover a intensidade da integração
cultural, enriquece a memória, reforça a auto-estima e a apropriação da herança cultural
por comunidades ameaçadas pelo esquecimento.”
A identidade cultural é tudo o que nos faz sentir pertencentes a um grupo de
sujeitos que compartilham sentimentos, características ambientais, valores simbólicos e o
imaginário social. O grupo social preserva o patrimônio, podendo ser um gesto, uma fala,
um símbolo, uma casa, um objeto qualquer que represente um determinado grupo, através
do processo de socialização que ocorre em diferentes espaços e tempos. O museu, por
exemplo, pode ser um espaço de socialização, de preservação e manutenção do patrimônio,
mantendo vivas e valorizando todas as manifestações culturais que lembram um
determinado grupo ou indivíduo.
A noção de patrimônio não significa apenas conjuntos de bens de uma comunidade
ou de uma nação, mas, também, tudo aquilo que as pessoas consideram de valor e de
significado relevante para suas próprias vidas. Desse modo, todos s possuímos
patrimônios, que podem ser materiais ou imateriais, coletivos ou individuais, e são eles que
nos fornecem informações sobre nosso próprio passado. As lembranças, as recordações, os
vestígios, os rastros, os fragmentos do passado, a nossa própria memória social nos dão
uma sensação de conforto e inspiram a confiança de que, de fato, todos os fenômenos
históricos lembrados pelo patrimônio tenham ocorrido numa determinada época. E se
existiram realmente, são testemunhas oculares da história de nossa própria origem no
universo.
No entanto, não temos tanta certeza sobre as representações de nossa história, de
nosso passado. Recordar é algo sempre seletivo, relativo e informativo de uma determinada
versão da história, dos fenômenos ocorridos. Na melhor das hipóteses, podemos considerar
um lampejo do passado, mesmo que suas conseqüências e reflexos possam estar presentes
em nosso cotidiano atual.
A recuperação da memória imaginada ou a reconstituição da memória histórica das
pessoas dificilmente será seqüencial e completa. Enquanto sujeitos históricos e agentes
mediadores de nossa própria memória, pinçamos os acontecimentos do passado por
associação, seja de um objeto, imagem, som, sabor, aroma ou símbolo. O passado pode ser
entendido como um museu de história que possui vários objetos museáveis, patrimônio e
fragmentos que foram intencionalmente preservados, pré-selecionados e pré-organizados.
No entanto, organizados ou não, selecionados ou não, esses fragmentos do passado
divergem substancialmente da experiência original. Com o passar do tempo altera-se
qualitativamente o conteúdo da memória, assim como se regula sua própria preservação ou
apagamento. Conforme vivemos, experienciamos novas relações, vivenciamos novos
fenômenos e ressignificamos nossa memória, criando novas concepções sobre o mundo;
assim, novos saberes vão se construindo nessa dinâmica. Conseqüentemente, vamos
também transformando nossa opinião sobre o que deve ou não ser guardado na memória,
preservado nos museus, nas cidades e no mobiliário da mente.
A função social da memória dentro desse contexto não é somente preservar o
passado, mas conseguir estabelecer relações de ensino e de aprendizagem com o presente,
a fim de que possamos enriquecer nosso conhecimento. Mais do que se prender às
experiências do passado, a memória precisa ajudar a compreendê-las. Portanto, as
lembranças e as recordações não são reflexões e informações prontas e acabadas, mas são
reconstruções seletivas e intencionais, baseadas nas ações, nas experiências e nas
percepções que temos e fazemos sobre o presente.
Através da memória materializada no patrimônio conseguimos delinear, simbolizar,
classificar e dialogar com o mundo, com os sujeitos e com as coisas que estão a nossa
volta. A história difere da memória não somente pelo modo como o conhecimento do
passado é adquirido e compreendido, mas tamm pela maneira como esse conhecimento é
transmitido, gerado, preservado, ressignificado e adaptado.
É extremamente difícil separar a idéia de memória, história e patrimônio da prática
museológica, da ação educativa dos museus, das representações e correlações que fazemos
com os objetos. Da mesma forma, é complicado não levarmos em consideração esses
conceitos em nosso cotidiano.
2.3 História e museu
Podemos iniciar a discussão sobre história e museu trazendo presente algumas
considerações feitas por Bicudo (2003, p. 64) quando diz:
Vejo a história como se fosse esse percurso, porém da vida. Percurso constitdo
e trilhado pela totalidade espaço/tempo/modo humano de o homem
ser/acontecimentos/linguagem/tradição/narrativa, em que os acontecimentos
o ocorrendo, sendo mantidos na linguagem em forma de narrativa, produzindo
fundos e figuras, cenas e paisagens, amarrados em uma teia firme que acolhe
significativamente a todos e a tudo que é mudando.
No cotidiano valorizamos relatos e memórias que nos são passadas, transmitidas e
trocadas por nossos cônjuges, vizinhos, familiares, colegas etc. Hoje, além dessas formas
de transmissão, existem outras, como as informações que absorvemos dos meios de
comunicação de massa (rádio, televisão, jornal), mais recentemente, as vias digitais da
internet.
A memória corrobora para constituir nossa identidade cultural, ao passo que a
história perpetua a autoconsciência coletiva. A perspectiva histórica coletiva difere da
memória, principalmente porque boa parte dos aspectos do passado que recordamos no
presente é parcialmente compartilhada com outros sujeitos históricos. No entanto, o
conhecimento histórico é, por sua vez, produzido e compartilhado coletivamente,
implicando uma concepção de atividades em grupo.
Um sujeito recorda individualmente seu passado, como produto único e exclusivo
de suas (co)relações sociais, históricas, políticas, ideológicas, artísticas, econômicas,
antropológicas. Já o passado, lembrado e entendido pelos historiadores, representa um
conhecimento de várias coisas, de uma certa complexidade social, que abrange
determinados grupos e que se cristaliza, sendo preservado durante longo tempo.
Torna-se extremamente necessário criar espaços para socializar os conhecimentos e
saberes que temos enquanto sujeitos históricos, sujeitos do mundo, os quais adquirimos ao
longo de nossa história. O museu representa este espo de socialização, de transmissão de
conhecimentos, de representatividade cultural, simbólica e patrimonial do passado. Porém,
para o museu desenvolver um fazer museológico, verdadeiramente comprometido e
representativo dessas manifestações culturais acerca da memória social dos sujeitos, é
preciso conscientizar a sociedade de que toda a inteligibilidade do mundo exige do sujeito
uma participação ativa, mais direta e voltada para as decisões que são tomadas no coletivo,
principalmente no que se refere ao processo de cristalização da memória, ou seja, de
preservação dos valores simbólicos do patrimônio histórico e cultural.
Freire (2002, p, 57-58) destaca o desafio que o sujeito tem de enfrentar no sentido
de assumir esse caráter mais participativo nas relações sociais, constituindo-se como
sujeito histórico, político e cultural.
No momento em que os seres humanos, intervindo no suporte, foram criando o
mundo, inventando a linguagem com que passaram a dar nome às coisas que
faziam com a ação sobre o mundo, na medida em que se foram habilitando a
inteligir o mundo e criaram por conseqüência a necessária comunicabilidade do
inteligido, já não foi possível existir a não ser disponível à tensão radical e
profunda entre o bem e o mal, entre a dignidade e a indignidade, entre a decência
e o despudor, entre a boniteza e a feiúra do mundo, quer dizer, já não foi possível
existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer
política.(grifo do autor)
Nesse contexto, podemos afirmar que memória não é história, nem história é
memória; cada uma possui suas peculiaridades, ou seja, as duas ligam-se pela significância
e representatividade do passado no tempo presente. Preservar aspectos do passado é a
razão fundamental para a história, assim como o é para a memória. Tanto as narrativas, os
depoimentos orais ou escritos, quanto os arquivos e objetos do passado causam
preocupação em relação ao processo de guarda, preservação e conservação desses
fragmentos do passado/patrimônio. Buscam-se alternativas para retardar, ao máximo, a
força devoradora do tempo, amenizando as transformações que o tempo causa para a
memória material e para a história, garantindo um pouco mais de tempo de vida e de
conhecimento sobre nosso passado.
Nesse sentido, os museus vêm desenvolvendo um trabalho cada vez mais
qualificado no processo de guarda, preservação e exposição desses objetos, que são do
passado, mas que se manifestam simbolicamente no tempo presente, ou seja, é valorizada a
representatividade simlica que as coleções museológicas exercem no contexto social.
Um dos desafios é dar visibilidade às expressões da cultura popular dentro de uma
perspectiva que valorize a diversidade e a multiplicidade.
A história, enquanto saber histórico, é menos flexível a modificações do que a
memória. Não estamos querendo afirmar que a memória esteja num contexto de total
tranqüilidade, passividade e harmonia. O campo da memória é um espaço constante de
profundas transformações. As lembranças, as recordações que temos sobre o passado,
mudam continuamente para satisfazer às necessidades presentes. O saber hisrico é mais
resistente a essas transformações, porém não significa que seja estático, imutável e inerente
aos fenômenos sociais ocorridos no tempo presente.
A história não é construída somente através de documentos escritos (patrimônio
material). Para Febvre (apud TEDESCO, 2004, p. 77), “a história se faz com os
documentos escritos, certamente. Quando existirem. Mas se pode fazê-la, se deve fa-la
sem documentos escritos se não existirem”. Dessa forma, nem a memória, tampouco a
história são conhecimentos estáticos do nosso passado. São campos que estão se
modificando a cada dia, porém a memória ainda possui um caráter mais flexível, ajustável
e de “ fácil controle”.
O conhecimento histórico ou o saber histórico sofre, ao longo do tempo,
modificações e transformações, sendo constantemente revisado para conseguir adaptar-se
às novas gerações e aos desafios do tempo presente. Porém, os documentos escritos
continuam contendo os mesmos dados de quando foram produzidos, ao passo que a
memória dificilmente conseguirá manter suas características originais. Esse é um dos
motivos pelo qual a história mantém um perfil mais estável do que a memória. Grande
parte das fontes históricas são objetos estáticos, que, impressos, conseguem passar uma
certa confiança aos historiadores.
O conhecimento histórico transmitido não pode ser averiguado com base nos
mesmos pressupostos de um documento materializado. Porém, existem exemplos residuais
que nos mostram que algum conhecimento perdura quase que inalterado de narrador para
narrador. Historiadores e narradores confiam na existência de fontes estáveis e fiéis,
enquanto se sabe que a memória pode ser enganada, maquiada, silenciada ou
transformada.Para um historiador moderno, os textos podem falar mais e melhor do que os
objetos. Para um profissional de museu, a valorização recai nos objetos, o que não significa
que os profissionais de museus não trabalham com estruturas conceituais, mas o que os
distingue dos demais profissionais é essa relação sensível com os objetos.
Quanto ao estranhamento entre o modo narrativo e a história material, é pertinente
trazer para a discussão as reflexões de Walter Benjamin (1986, p. 198) escritas em 1936.
Ele desenvolve algumas reflexões que foram se tornando clássicas a respeito do “narrador
e da narrativa”. A narrativa, na condição de modalidade específica de comunicação
humana, floresce num contexto marcado pelas relações pessoais. O narrador é aquele
sujeito que resgata o passado no presente, na forma de memória, ou, ao menos, que
aproxima uma experiência vivida no passado. O exercio narrativo é sempre nostálgico e
nos remete a um distanciamento do tempo e do espaço presente. A narrativa não necessita
de explicação; ela se basta a si mesma e dispensa qualquer esforço, por parte do narrador,
em explicar o que está sendo narrado. Ouvir a narrativa é sempre um exercício individual
de compreensão, possibilitando o intercâmbio de experiências entre narrador e interlocutor.
No contexto dessa discussão Vidal (1999) destaca dois principais tipos de museu: o
“museu -narrativa” e o “museu -informação”. Cada um corresponde a um tipo de relação
com o público e com as experiências que representam. O “museu -narrativo” surge e
desenvolve-se no contexto urbano, onde a relação com o público ainda possui uma certa
intimidade com os sujeitos; não é uma instituição feita para atender a grandes multidões e
está mais para um museu regional do que para um Louvre. Nele os objetos se impõem aos
visitantes, exercendo seu poder evocativo, provocativo e estimulativo; eles estão ligados
diretamente à experiência, pelo menos daqueles determinados grupos e categorias sociais
dominantes. Mesmo assim, desencadeiam no visitante a fantasia, o imaginário e o
simbólico das relações sociais passadas, ou mesmo presentes, uma vez que as peças e os
objetos museológicos não estão amordaçados com etiquetas informativas. Nos “museus -
narrativos” existe tamm uma rede de relações interpessoais, por meio da qual ocorre uma
troca de informações entre público visitante e profissionais museológicos.
Os “museus -informação” desenvolvem uma função museológica coerente com as
grandes metrópoles e com a multidão de visitantes que recebe diariamente. Identifica-se, a
partir de suas relações com o mercado, com um público muito grande e ansioso para
consumir informões e bens culturais. É basicamente para esse perfil de visitante que as
instituições museológicas montam seus serviços de infra-estrutura, assim como todo um
conjunto de atividades culturais e souvenirs que são vendidos nas “ lojinhas dos museus.
No cotidiano dos museus e de suas relações com a cidade, há uma tendência
eminente de diferenciar o “museu -narrativado “museu -informação”. Em nenhuma
situação real podemos perceber a existência pura de um ou de outro modelo. Embora
estejamos mais próximos de encontrar o modelo “museu -informação” como dominante no
contexto museológico, este jamais irá excluir a existência/permanência do “museu -
narrativo”.
Em países em desenvolvimento, o espaço-museu tem um papel de grande
importância, especialmente no contexto social urbano, e assume o papel de agente de
educação complementar, paralelo à escola. O museu é comprometido com a preservação da
identidade cultural da nação e, por isso, exige de educadores, sociólogos, historiadores e
museólogos um diálogo para criar alternativas que atendam àqueles segmentos que podem
encontrar nas atividades museológicas um caminho para a sua valorização e para o
desenvolvimento sociocultural.
Toda instituição museológica possui um grande potencial para se transformar num
espaço de aprendizagem, mesmo que a competição com o cinema, a televisão, os esportes,
a internet, a praia e outras atividades seja grande. É importante que os responsáveis pela
organização dos museus e de suas exposições cuidem da organização das exposições e que
os objetos museológicos estejam acima das etiquetas informativas. A ação museológica
deve agregar e identificar em sua prática as expectativas da comunidade, estimulando sua
participação no processo educativo-cultural e tornando-se um centro de socialização, de
saberes, de memórias e de histórias.
Visitar um centro cultural ou uma exposição deve ser mais do que observar o que
está sendo exposto. O visitante deve estar interessado em interpretar as várias
interrogações que eso sendo formuladas pelos objetos expostos. Tanto a visita quanto a
exposição devem servir como estímulos para a participação no processo de conhecimento
das manifestações culturais e servir como recurso fundamental de referência na elaboração
dos currículos escolares.
É fundamental a criação de programas contínuos e sérios de revitalização do museu
e de suas atividades. Uma alternativa poderia ser a da elaboração de um projeto de difusão
do seu potencial educativo, prevendo visitas guiadas, exposições itinerantes e temporárias,
sessões de cinema, palestras, seminários, cursos, oficinas e work-shop.
Sabemos que nas últimas três décadas muito se fez em termos de elaboração de
novas concepções práticas e teóricas a respeito da funcionalidade dessas instituições e de
suas funções sociais. No Brasil, algumas delas já podem ser comparadas aos grandes
museus da França, dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Infelizmente, a problemática
museológica brasileira é muito grande em termos de diversidade e desigualdades.
Diante dessas desigualdades entre museus e a representatividade do poder
dominante, faz-se necessário discutir e elaborar algumas considerações a respeito do seu
papel educativo e formativo no contexto social. Daí o objetivo de entender como o museu,
enquanto instituição pública, pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem e
trabalhar com (re)sentimentos, silêncios, memórias, lembranças e esquecimentos. Para dar
continuidade a essas reflexões, o próximo capítulo apresenta alguns elementos sobre as
políticas públicas para o campo da museologia, as quais visam transformar o espo
museológico num espaço público, educativo e de manifestação da cultura popular.
3 TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO DA
MUSEOLOGIA
(...) Se alguém falasse ou escrevesse sobre Museologia como uma ciência há
trinta ou mesmo vinte anos atrás, receberia um sorriso indulgente e piedoso de
grande número de pessoas. Hoje a situação é bastante diversa.
Texto datado de agosto de 1883
(BARROSO, 2000, p. 143).
Neste capítulo, trataremos de discutir algumas tendências das políticas blicas
relativas ao campo da museologia nas últimas décadas. O objetivo é aprofundar a evolução
da função do museu no processo histórico, o desenvolvimento da sua dimeno educativa e
comunitária, bem como a função social das instituições museológicas em relação ao
passado. Contextualizar o museu no âmbito das políticas públicas implica trazer para o
debate intencionalidades, interesses, conflitos e diferenças presentes no meio social.
A função do museu é de extrema importância para a formação de uma sociedade
crítica, reflexiva, participativa, consciente e conhecedora da sua história. Para o
desenvolvimento deste capítulo serão utilizados alguns documentos relativos às políticas
públicas brasileiras, bem como documentos resultantes de conferências e encontros
internacionais, entre os quais a Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972)
7
e a Declaração
de Quebec (1984)
8
.
Percebe-se um crescente debate em torno de um projeto de construção das políticas
públicas para os museus, voltado principalmente para a separação entre os aspectos da
7
Reunião Internacional realizada em 1972, com a participação de profissionais das mais diferentes áreas de
conhecimento. Nela foi discutido o conceito de “museu integral” a serviço do desenvolvimento da sociedade
(CHAGAS, 1996, p. 112).
8
A Declaração de Quebec (Canadá) data de 13 de outubro de 1984 e teve por objetivo apresentar os
princípios básicos para uma nova museologia (MOUTINHO, 1989, p. 115)
cultura popular e da cultura erudita, a facilitação do acesso público aos bens patrimoniais e,
principalmente, para o desenvolvimento de uma ação educativa com e para a comunidade.
Analisando a constituição histórica dos museus, podemos dizer que, numa primeira
fase, há uma forte influência mitogica grega, referindo-se à casa das musas, templo que
existia em Atenas onde eram preservados objetos preciosos oferecidos aos deuses e às
musas em sinal de respeito, adoração e agradecimento por alguma conquista. Com o passar
do tempo, o mouseion assume uma função elitizada e coloca-se à serviço de alguns e ao
prazer de poucos. É o momento da história dos museus, em que palácios e castelos são
construídos com a intenção de se tornarem grandes complexos culturais. No segundo
período, o monárquico, reis e rainhas constituem uma casta de privilegiados que se
deleitam com o belo, o valioso, o bizarro, o estranho e o incomum dos objetos
museológicos. Essa fase ficaram conhecidas as Cabinet de Curiosité. No renascimento
surgiram pequenos palácios onde eram guardados os tesouros monárquicos, oriundos em
boa parte dos saques de guerras e da invao de igrejas e templos. Esta fase da museologia
é identificada pelo colecionismo. Nas primeiras instituições museológicas, há um fazer
museológico centrado nas altas esferas do poder, seja econômico, político ou religioso.
Finalmente a terceira fase que é identificada pela democratização dos museus e pela
definição de uma função tamm educativa. No Brasil, a abertura de instituições
museológicas com suas coleções para o público ocorreu no início doculo XX.
No caso dos museus nacionais, instituições onde as coleções reais/monárquicas
eram expostas para o público em geral, o principal objetivo dos museus foi de informar,
unificar e civilizar a nação. Esse modelo possuí uma perspectiva teórica e funcional
parecida com a que temos hoje, baseado numa concepção nacionalista, em que os museus
exercem uma função de preservação e de celebração do patrimônio, do passado e de
símbolos da cultura nacional, objetivando unificar o território, estabelecer uma
centralização do poder, valorizando “a” identidade cultural e não “as” identidades
culturais.
É dentro dessa perspectiva funcional que os museus se multiplicam. É preciso ter
consciência de que o museu, enquanto espaço de valorização da cultura, de preservação da
memória social e de educação informal, pode ser ressignificado e utilizado em favor de um
conjunto de princípios filosóficos, ideológicos, políticos, econômicos, culturais, sociais e
educacionais, evidenciando no seu fazer museológico todas as problemáticas e expectativas
da sociedade onde está inserido. Os museus, am de servirem de espo para pesquisas,
conservam objetos, fragmentos e vestígios do passado que constituem o patrimônio
histórico, artístico, ambiental, cultural.
Atualmente, o museu precisa exercer uma função educativa e de estar, segundo
Machado (1998, p. 172), “a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao
público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e principalmente expõe os testemunhos
materiais do homem e do seu meio ambiente, com propostas de estudo, educação e
deleite”. Partindo dessa concepção, profissionais de museus e educadores estão mais
atentos para a sua importância enquanto potencialidade educativa, destacando-se como
uma instituição voltada para promoção do conhecimento, bem como a valorização da
cultura popular e a preservação da memória social.
Os primeiros museus foram criados no Brasil por dom Jo VI, no Rio de Janeiro.
Em 1815, foi criado o museu da Escola Nacional de Belas-Artes e, em 1818, o Museu
Nacional. Ambos exerceram um papel importante no âmbito da cultura brasileira, tornando
o fazer museológico uma ação voltada para a introdução de novos hábitos, costumes e
tradições, em grande parte provenientes da cultura européia.
Progressivamente, os museus ganharam novos incentivos e formulações políticas.
Gustavo Barroso, jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras, fundou o primeiro
curso de museologia no Brasil, sendo, por isso, considerado por museólogos, antropólogos
e historiadores um ícone nesse campo. Ao longo de sua vida, dedicou-se à promoção do
conhecimento museológico, atuando como um intelectual na defesa da idéia de nação.
Durante muito tempo suas concepções, teorias, práticas e metodologias foram divulgadas e
incorporadas na função prática dos museus. Essa prática museológica procurava ocultar o
passado escravista e colonial, contraposto a uma idéia de nação.
Dentro dessa concepção, os objetos deveriam refletir e transmitir valores
simbólicos, educativos, cívicos, históricos, culturais, ambientais. Nesse caso, o museu, ou a
museologia de Barroso, estava voltado principalmente para a construção simlica da
nação. Nesse tipo de museu, os objetos deveriam estar representando a ação das elites na
edificação da cultural nacional. Barroso nunca escondeu a sua intenção de tornar o museu
um espo para a elite pois entendia que era a camada social que construiria a nação
brasileira e que comandaria o movimento de ressignificação da cultura e da unificação do
território brasileiro.
Com essa preocupação colocam-se em questão as funções dos museus no sentido de
conservar os objetos destinadas ao cultivo da memória social. Uma das idéias era de que a
conservação da memória nacional deveria ser feita por uma instituição diferente do museu
histórico, pois esses objetos não representariam a memória da nação, mas, sim, apenas,
alguns traços singulares do povo brasileiro.
A perspectiva erudita para o campo político da museologia persistiu durante muito
tempo. Depois de Barroso, outros profissionais destacaram-se na área , entre eles, Rodrigo
de Melo Franco de Andrade, ideólogo do patrimônio cultural, intelectual conservador,
defensor de práticas museológicas voltadas para o uso de monumentos naturais, históricos
e culturais no processo de construção e fortalecimento do espírito nacionalista. Este
defendia a concepção de Gustavo Barroso, segundo a qual o museu teria como função
principal preservar os bens culturais para informação e apreciação de uma classe social
alfabetizada, civilizada e burguesa. Dentro dessa lógica, o museu não seria compreendido
como uma instituição voltada para o povo e, tampouco, para exercer um papel mediador do
conhecimento e formador da sua consciência crítica.
Essa visão museológica começou a ser modificada quando Mário de Andrade, um
dos expoentes do movimento modernista, introduziu a discuso sobre uma nova
concepção museológica. Para ele o museu deveria assumir a função de suporte na defesa e
preservação da cultura popular do povo brasileiro, juntamente com a cultura erudita,
objetivando criar uma identidade cultural para a nação brasileira. Dessa forma, foi Mário
de Andrade foi quem primeiro salientou o caráter educativo dos museus brasileiros. Ele
concebe o fazer museológico, o apenas comprometido com a elite intelectual, mas com
uma função instrutiva, educativa e formadora da consciência crítica de todos os sujeitos
sociais. Segundo Santos (apud FÉLIX, 1998, p. 186),
Mário de Andrade não concebia o museu como instituição destinada somente a
uma elite intelectual, como o fez Rodrigo Melo Franco de Andrade, mas destaca
a importância dessa instituição para a classe estudantil e é com esse objetivo que
elabora propostas para os museus de artes aplicadas e técnica industrial. Em sua
descrição dos temas e das propostas para a montagem de exposições sobre o
café, o algodão, o ouro, o boi e suas indústrias, a lã, a locomotiva, etc., percebe-
se não só a proposta essencialmente didática para a montagem das exposições,
como também a sua contextualização, talvez as primeiras propostas com estas
concepções na museologia brasileira.
Abrem-se, assim, novos horizontes para a museologia brasileira comprometida com
a educação, com o ensino e com a valorização da história nacional e de elementos típicos
da cultura popular. Nesse período, os museus brasileiros começam a trabalhar numa
perspectiva didático-pedagógica, voltada não somente para exposições, mas tamm para
uma função educativa. No entanto, assim como outras inovações no campo cultural, os
avanços foram limitados.
Sabemos todos que as propostas de Mário de Andrade foram sendo “podadas”,
apesar de buscarem os objetivos perseguidos pelo Estado, no contexto das idéias
de modernização. Marilena Chauí, comentando a proposta museológica de Mário
de Andrade, destaca que os museus são “a morada necessária do
nacional-
popular”
. Destaca que uma diferenciação muito peculiar coloca as produções
dos “povos primitivosnos museus de História Nat ural, as dos “populares
civilizados” [povo] nos museus de folclore e as dos “nacionais com nível
intelectual”, nos museus de belas-artes. (SANTOS apud FÉLIX, 1998, p. 186-
187 grifo do autor)
3.1 A proteção ao patrimônio nacional
Para fortalecer a idéia de Estado-nação, o governo Vargas criou vários mecanismos
políticos, repressivos e também educativos. Entre essas iniciativas criou, através do
decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, a “Organização e a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional”. O referido decreto traz no artigo primeiro: “Constitui o
patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes
no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Os pagrafos primeiro e segundo desse artigo
estabelecem:
Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante
do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou
agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o Art. 4º desta lei.
Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que
importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados
pela Natureza ou agenciados pela indústria humana.(BRASIL, 1937)
Nota-se nesse trecho e nos parágrafos referidos uma preocupação para com
determinados bens, que são referências importantes para o país e não podem ficar à mer
do tempo ou abandonados. É, então, papel do Estado contribuir para a formação e a
constituição de uma memória nacional pela preservação de monumentos naturais, sítios e
paisagens, ou seja, materialidades que fazem parte da memória histórica do país e que
contêm valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. Para tanto, o “Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional” entra em ação com a função de registrar o
patrimônio em Livros de Tombo.
9
Um aspecto importante refere-se ao tombamento de obras que constituem o
patrimônio nacional. Estabelece o artigo 5º que “o tombamento dos bens pertencentes à
União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem
pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários
efeitos”. E o art. 6º: “O tombament o de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa
jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente”. Finalmente, o artigo 7
prevê: “Proceder -se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a
coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio
histórico e artístico nacional a jzo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à
notificação, que se lhe fizer, para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo”.
Nos artigos seguintes, há um detalhamento relativo aos procedimentos do Serviço de
Patrimônio histórico e artístico nacional.
3.2 Conferência do ICOM Rio - 1958
Em 1953, no contexto do nacional-desenvolvimentismo, foi criado pelo governo
federal o Ministério da Educação e Cultura, desvinculando a educação da Saúde. Nesse
período, no Rio de Janeiro ocorreu o primeiro Seminário Regional da Unesco
10
para tratar
da ação educativa dos museus. O museu deveria exercer um papel importante na
construção do conhecimento, trazendo benefícios à educação. Conforme Santos (2002, p.
9
o quatro livros com a função de registrar: questões Arqueológicas, Etnográficas e Paisagísticas ou coisas
pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular; questões de interesse
histórico e as obras de arte histórica; no Livro do Tombo das Belas-Artes, registrar as coisas de arte erudita
nacional ou estrangeira e, finalmente, no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, registrar as obras que se
incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
10
A Unesco é um departamento da ONU (Organização das Nações Unidas) que trata de assuntos culturais e
educacionais.
92), “o seminário regional da UNESCO realizado no Rio de Janeiro, em 1958 é parte de
um projeto que tinha como objetivo discutir, em várias regiões do mundo, a função que os
museus deveriam cumprir como meio educativo”.
Esse período foi marcado por amplas discussões acerca da preservação,
conservação e manutenção do patrimônio histórico cultural. Daí emergiu a necessidade de
se pensar na criação de um núcleo que pudesse preservar e guardar os vestígios, traços e
fragmentos do passado. Profissionais das áreas de história, museologia, artes e arquitetura,
entre outras, propuseram a criação do Conselho Internacional dos Museus, o ICOM. Esse
órgão ficou, inicialmente, sob responsabilidade e orientação dos profissionais da Unesco.
No documento produzido a partir do encontro realizado no Rio de Janeiro em 1958
ficou decidido que a educação desenvolvida no fazer museológico teria como objetivo
servir de complementação aos estudos realizados dentro da sala de aula. Desse modo, ficou
explícita a intenção de dar o museu uma dimensão educativa articulada com a escola. O
objetivo era potencializar o espaço museológico, que, unindo-se à educação formal,
deveria contribuir para a transformação social.
Muito tempo depois da realização desse evento, percebemos que vários aspectos
discutidos foram considerados e incorporados nas políticas públicas museológicas. O
referido documento atendeu aos anseios dos profissionais da museologia, que, insatisfeitos
com os limites da museologia tradicional, buscavam novos horizontes e novas
possibilidades para o campo museológico. Segundo Primo (1999), esse encontro produziu
uma ação de impacto importante no campo da museologia contemporânea, na medida em
que apontou problemas que, posteriormente, dificultariam a transformação do museu em
instituição de desenvolvimento social.
O fazer museológico estaria centrado na ação de exposição dos objetos que
compunham o acervo dos museus, criticando a museologia tradicional desenvolvida pelos
museus na época. A prática tradicional dos museus supervalorizava a informação escrita
das etiquetas e dos paiis das exposições, fazendo o visitante deixar de compreender e
absorver o conteúdo subjetivo e simlico que os objetos possuem, limitando o caráter
educativo e didático das exposições.
Conforme Primo (1999), foi no seminário de 1958 que se buscou, acima de tudo,
criar alternativas para os problemas de exposição. Foi sugerido aos museus uma
ressignificação de suas funções práticas museológicas, aceitando as novas tecnologias de
comunicação. Enfatizou, ainda, a importância de formar um quadro qualificado de
profissionais para a área da museologia, sugerindo a criação de cursos específicos na área.
Mesmo com essas preocupações, ainda hoje o problema persiste, visto que existem poucos
cursos de graduação e de pós-graduação stricto e lato sensu que formam profissionais na
área. Essas várias iniciativas no campo da museologia foram modificando lentamente o
quadro museológico brasileiro. O encontro realizado no Rio de Janeiro em 1958, além da
proposição de mudanças epistemológicas e práticas na ação educativa dos museus, trouxe
uma nova concepção conceitual sobre a função social dos museus no mundo
contemporâneo.
3.3 Mesa de Santiago do Chile em 1972
Outro marco importante decorrente das transformações teóricas acerca do fazer
museológico, na América Latina ocorreu com o encontro realizado, em 1970, no Chile,
conhecido como Mesa Redonda de Santiago do Chile. No documento conclusivo, definiu-
se o museu como
uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui
nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da
consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o
engajamento destas comunidades na acção, situando suas actividades em um
quadro histórico que permita esclarecer os problemas actuais, isto é, ligando o
passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e
provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais.
A Mesa Redonda de Santiago do Chile teve como objetivo discutir uma nova
proposta metodológica, prática e teórica para o campo da museologia. Havia, nesse
contexto, de parte dos profissionais dos museus uma insatisfação muito grande,
proveniente das grandes “ desigualdades” culturais, sociais, econômicas e espaciais
provocadas pelo desenvolvimento capitalista. Moutinho (1989, p. 31) contribui na
contextualização dessas insatisfações, inquietações e descontentamentos no contexto
histórico da Mesa Redonda de Santiago do Chile.
A reflexão desenvolvida [Mesa Redonda de Santiago do Chile] partiu de um
balanço duro mas realista sobre as condições a nível mundial, do
desenvolvimento material e cultural. Em primeiro lugar reconhece-se o desajuste
entre desenvolvimento geral da civilização causado pela crescente utilização de
meios tecnológicos e o desenvolvimento cultural. De igual modo este desajuste
aumentou o fosso que separa as regiões com grande desenvolvimento material e
as regiões da periferia. Considera-se ainda que muitos dos problemas da
sociedade contemporânea correspondem a situações de injustiça. A
complexidade da crise existente reclama soluções que apela à participação de
várias disciplinas e a implementação de processos que busquem transformar esta
situação, têm de ser obras das diferentes classes sociais tendo por base uma
participação profunda e consciente.
O descontentamento com a prática da museologia tradicional proporcionou a
criação de um modelo de museu definido como
museu integral
, também chamado
museu
integrado
, que busca aproximar a instituição museológica da comunidade onde está
situada, atuando decisivamente como espaço de socialização, integração e formação crítica
dos sujeitos. A criação desse modelo museológico proporcionou à comunidade uma visão
ampla sobre seu contexto patrimonial, material, cultural e simbólico. Assim, a instituição
museológica passaria a ser entendida como espo mediador-moderador do processo de
mudança social, atuando diretamente na busca do desenvolvimento social e na formação da
soberania cultural da nação.
Nesse contexto, a visão de museu limitada ao ato de recolhimento e conservação
dos objetos deu lugar a uma perspectiva funcional mais ampla, uma perspectiva de
patrimônio global.
Segundo o relatório da Mesa Redonda de Santiago do Chile, aos
museus caberia a função de atuar diretamente nos processos de desenvolvimento
comunitário, desempenhando uma ação educativa permanente “a fim de que eles possam
cumprir sua função de ensino; cada um desses serviços será dotado de instalações
adequadas e de meios que lhe permitam agir dentro e fora do museu”, exercendo um papel
decisivo e participativo no campo da cultura e da educação
.
Além disso, deveria atuar
como uma instituição social que desenvolve no seu fazer museológico
uma ação concreta
de ensino e de educação permanente.
No que se refere à educação permanente, o museu deveria possuir um serviço, um
núcleo e uma equipe para desenvolver, dentro e fora da instituição museológica, ações
educativas, participando ativamente do processo de elaboração das políticas nacionais de
educação, preparando programas que sensibilizem e multipliquem o conhecimento
museológico no grupo de professores do ensino infantil, fundamental e médio,
aproximando do
fazer museológico
com a
prática pedagógica.
Essa é uma problemática presente ainda hoje nas instituições museológicas, pois
o inúmeras as causas que obstaculizam o desenvolvimento de uma ação educativa de
impacto. A falta de recursos financeiros para a criação de espaços adequados para o
desenvolvimento de uma prática museológica comprometida com o ensino, a construção
do conhecimento e a falta de interesse por parte dos profissionais e responsáveis pela
instituição são os principais problemas do contexto da época.
A ação educativa dos museus deveria estar presente cotidianamente na prática dos
museus, refletindo sobre o potencial educativo, socializador e inclusivo que o museu
desenvolve por meio da exposição dos objetos. A ação educativa, informativa e
comunicativa dos museus deveria ocorrer desde o momento da seleção do objeto, na
composição das coleções museológicas, na exposição até a interação com o visitante.
O conhecimento produzido na ação museológica decorre principalmente da relação
que o sujeito realiza com o objeto. Daí a importância de considerarmos os aspectos de
interdisciplinaridade no contexto museológico e de modernizarmos as técnicas
museográficas. Sobre as técnicas tradicionais, a Mesa Redonda de Santiago do Chile
propõe que sejam
modernizadas para estabelecer uma melhor comunicação entre o objeto e o
visitante; que o museu deve conservar seu caráter de instituição permanente, sem
que isto implique na utilização de técnicas e de materiais dispendiosos e
complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdício incompatível
com a situação dos países latino-americanos.
Nesse encontro, destacou-se, ainda, a queso da interdisciplinaridade, concluindo-
se ser necessário que o museu flexibilize a participação de outras disciplinas no seu
contexto, fazendo com que a instituição consiga se situar dentro do desenvolvimento
antropológico, socioeconômico, tecnológico, político e cultural das nações latino-
americanas. O documento entende, ainda, que o museu deve estar mais aberto para
pesquisas e estudos, pois, à medida que suas coleções se tornam acessíveis aos
pesquisadores e à população em geral, cria-se também um vínculo com a comunidade,
dando a idéia de que o museu é um espaço de vida, de construção de novos saberes e de
pertinência social.
Ao falar da importância de modernizar as técnicas museográficas, destaca-se a
necessidade da descentralização da ação museológica por meio de exposições itinerantes,
ao ar livre, em escolas, parques etc. Exemplo disso foram as ações desenvolvidas por
Aloísio Magalhães, responsável pelo Centro Nacional de Referência Cultural, podendo ser
destacado o projeto do museu ao ar livre em Orleans, Santa Catarina: “Com o objetivo de
preservar, tamm, o processo de fabricação, esse museu foi projetado dentro da
concepção dos ecomuseus onde, além da preservação, foi realizada uma documentação
minuciosa da desmontagem e remontagem de peças” (SANTOS apud FÉLIX, 1998, p.
188). Agregaram-se nessa ação as novas diretrizes metodológicas formuladas em Santiago
do Chile, que visavam qualificar as técnicas museográficas, descentralizando a ação
museológica e propondo uma nova leitura sobre o fazer museológico.
A Mesa Redonda de Santiago representou para o campo da museologia um passo
muito grande no processo de transformação da museologia tradicional, quando colocou em
evidência a função social dos museus, enquanto ação concreta de mudança social,
buscando abrir efetivamente as suas portas para um pensar mais atualizado e condizente
com a atual conjuntura.
É importante destacar que a segunda metade do século XX foi marcada por
profundas mudanças no campo da museologia, havendo um aumento significativo de
novos museus e a formação de uma proposta definida como a “Nova Museologia”. A
Declaração de Santiago do Chile, em 1972, pode ser considerada a primeira reunião
interdisciplinar preocupada principalmente com a interdisciplinaridade no contexto
museológico, voltando seu fazer para uma reflexão crítica de sua própria existência como
instituição social. Esse documento propõe uma relação entre o homem que vê e que
estabelece com o patrimônio cultural uma relação de aprendizado, tornando o museu um
espaço possibilitador e potencializador da transformação social.
As discussões avançaram no sentido de que o profissional de museu tenha um
posicionamento político-ideológico mais crítico e participativo na sociedade, pois, como
profissional que trabalha numa instituição que tem por objetivo o desenvolvimento social e
educativo, ele é um ser político, histórico, cultural e social. A preocupação com a ação
educativa dos museus foi uma realidade que se intensificou nos países americanos na
década de 1970. Nesse período a educação passou também por modificações em razão das
novas tendências teórico-pedagógicas. Foi também um momento em que os educadores
vieram nas instituições museológicas uma extensão da ação pedagógica de sala de aula,
criando a necessidade de ampliar os setores educativos, que, na maioria das vezes, estavam
preocupados apenas com a formação de monitores, com a elaboração de material didático e
a marcação de visitas guiadas.
No bojo dessa perspectiva teórica desenvolveu-se outro olhar, este mais atento aos
novos processos pedagógicos e à busca de adequação desses processos articulados com as
ações educativas e culturais. Com a Declaração de Santiago a comunidade museológica
percebeu e conscientizou-se do papel decisivo que as instituições museológicas podem
exercer na educação e no desenvolvimento da comunidade.
Entendemos que a maior potencialidade dos museus está centrada na sua ação
educativa, que serve para a libertação, para o questionamento, para a construção da
consciência crítica e reflexiva. As novas correntes da museologia aproximaram-se das
discussões feitas por Freire, que entende a educação como prática da liberdade e defende
que, a partir do diálogo e da reflexão sobre a realidade e as experiências vividas, os
homens educam-se.
A teoria da ação educativa dialógica, com a qual a museologia contemporânea tanto
tem evoluído, baseia-se na participação coletiva, na união pela libertação, na negação da
educação “bancáriae na construção solidária do conhecimento. Assim, essa perspectiva
teórica compreende o homem/sujeito como um ser participativo e integrado à coletividade
e tem como objetivo fundamentar suas considerações no diálogo, na criatividade reflexiva
e crítica, visando obter a libertação e o desvelamento da situação real de opressão e
exclusão.
Muitos anos as a Declaração da Mesa Redonda de Santiago do Chile, esse
documento continua servindo de base para a elaboração de outros documentos. Pode-se
dizer que esse encontro representou para o campo da museologia uma mudança de
paradigma e é graças a ele que os museus mantêm um perfil significativo no
desenvolvimento e na educação social. Fortalecendo a idéia de que o museu constitui-se
num espo vinculado às especificidades educacionais no mundo contemporâneo, o
documento diz que os membros da Mesa Redonda de Santiago do Chile
tomaram consciência da importância desses problemas para o futuro da
sociedade na América Latina. Pareceu-lhes necessário, para a solução destes
problemas, que a comunidade entenda seus aspectos técnicos, sociais,
econômicos e políticos. Eles consideraram que a tomada de consciência pelos
museus, da situação atual, e das diferentes soluções que se podem vislumbrar
para melhorá-la, é uma condição essencial para sua integração à vida da
sociedade. Desta maneira, consideraram que os museus podem e devem
desempenhar um papel decisivo na educação da comunidade. (Mesa Redonda de
Santiago do Chile, 1972)
O modelo de museu proposto em Santiago é ainda entendido como importante meio
de realização de atividades com a comunidade. Esse documento museológico é o mais
inovador, desafiador e revolucionário. É um modelo metodológico que articulou as
maiores transformações conceituais para o campo da museologia.
3.4 Declaração de Quebec de 1984
Posteriormente à Mesa Redonda de Santiago do Chile, foi elaborado o Documento
de Oaxtepec, redigido em 1984, no México. Nesse mesmo ano foi elaborada a Declaração
de Quebec, que reforçou muitas das questões apontadas e recomendadas em 1972 no Chile.
As declarações de Oaxtepec e a de Quebec trouxeram para o contexto museológico
algumas discussões conceituais, visando legitimar o movimento da Nova Museologia e a
superação da Museologia Tradicional.
Nas considerações finais, a Declaração de Quebec destaca vários elementos que
merecem ser considerados.
A museologia deve procurar, num mundo contemporâneo que tenta integrar
todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuições e funções
tradicionais de identificação, de conservação e de educação, a práticas mais
vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua ação naquelas ligadas ao meio
humano e físico. Para atingir este objetivo e integrar as populações na sua ação, a
museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinariedade, de métodos
contemporâneos de comunicação comuns ao conjunto da ação cultural e
igualmente dos meios de gestão moderna que integram os seus usuários. Ao
mesmo tempo que preserva os frutos materiais das civilizações passadas, e que
protege aqueles que testemunham as aspirações e a tecnologia atual, a nova
museologia ecomuseologia, museologia comunitária e todas as outras formas
de museologia ativa interessa-se em primeiro lugar pelo desenvolvimento das
populações, refletindo os princípios motores da sua evolução ao mesmo tempo
que as associa aos projetos de futuro. Este novo movimento põe-se
decididamente ao serviço da imaginação criativa, do realismo construtivo e dos
princípios humanirios definidos pela comunidade internacional. Torna-se, de
certa forma, um dos meios possíveis de aproximação entre os povos, do seu
conhecimento próprio e mútuo, do seu desenvolvimento cíclico e do seu desejo
de criação fraterna de um mundo respeitador da sua riqueza intrínseca. Neste
sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma forma global, tem
preocupações de ordem científica, cultural, social e econômica. Este movimento
utiliza, entre outros, todos os recursos da museologia (coleta, conservação,
investigação científica, restituição, difusão, criação), que transforma em
instrumentos adaptados a cada meio e projetos específicos.
A museologia tradicional tem como proposta desenvolver uma prática dentro de um
espaço fechado, com uma coleção pronta para um determinado público, desencadeando no
seu fazer museológico uma ação educativa formal. Por sua vez, a tendência da “Nova
Museologia” é de desenvolver uma prática museogica com um perfil pedagógico não-
formal, ou seja, desenvolvido em qualquer espaço e dialogando com o patrimônio cultural
e com a comunidade.
A Nova Museologia contrapõe-se à museologia tradicional. Na verdade, o que
ocorre com a ciência museológica, da mesma forma que com outras áreas das ciências
sociais, é um amadurecimento técnico e um olhar contextualizado e atualizado para o
mundo contemporâneo, de uma perspectiva mais apurada sobre as transformações sociais
ocorridas no mundo, visando atualizar-se e interagir com o meio social. Não há o
surgimento de uma outra museologia, e, sim, o amadurecimento do processo museológico.
o há possibilidades de falar sobre a existência de duas ou mais museologias. Na
verdade, o que existe são maneiras diferentes de praticar e pensar a museologia. Pode-se
afirmar que uma perspectiva museológica está mais voltada para questões burocrático-
técnicas, arquivísticas, documentais e preservacionistas sobre os acervos e a outra, mais
direcionada para as questões de pluralidade social, cultural e educacional.
Sobre o documento de Quebec não há grandes novidades conceituais,
metodológicas ou teóricas, porém sua importância está centrada na capacidade de
reconhecer a existência de uma Nova Museologia, legitimando-a como prática
museológica mais ativa e integrada à sociedade, educativa e questionadora da realidade.
Segundo o documento, “a museologia deve procurar, num mundo contemporâneo que tenta
integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuições e funções
tradicionais de identificação, de conservação e de educação, a práticas mais vastas que
estes objetivos, para melhor inserir sua ação naquelas ligadas ao meio humano e físico”.
Além de criarem os conceitos de Museu Integral/Integrado, os documentos
resultantes desses encontros trouxeram inúmeras alterações no campo da museologia,
decorrentes das mudanças teóricas e metodológicas criadas pelo novo contexto social. Em
conseqüência, o museu, como instituição pública, começou a atuar como espo de
socialização e interlocução com o meio social, repensando seu fazer museológico numa
perspectiva de maior impacto sobre as questões sociais, dando inicio a um processo de
melhoramento e qualificação no quadro de profissionais e técnicos de museus; consolida-
se, assim, museologia como ciência social, voltada para o fortalecimento da democracia e
valorização da cultura social.
Após essas considerações, a Declaração de Quebec aponta para desafios:
a) que a comunidade museal internacional seja convidada a reconhecer este
movimento, a adotar e a aceitar todas as formas de museologia ativa na tipologia
dos museus;
b) que tudo seja feito para que os poderes públicos reconheçam e ajudem a
desenvolver as iniciativas locais que colocam em aplicação estes princípios;
c) que neste espírito, e no intuito de permitir o desenvolvimento e eficácia destas
museologias, sejam criadas em estreita colaboração as seguintes estruturas
permanentes: um comitê internacional “Ecomuseus/ Museus comunitáriosno
quadro do ICOM (Conselho Internacional de Museus); uma federação
internacional da nova museologia que poderá ser associada ao ICOM e ao
ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), cuja sede
provisória será no Canadá;
d) que seja formado um grupo de trabalho provisório cujas primeiras ações
seriam: a organização das estruturas propostas, a formulação de objetivos, a
aplicação de um plano trienal de encontros e de colaboração internacional.
3.5 Tendências das políticas no Brasil
As modificações acerca do fazer museológico foram rapidamente adaptadas às
políticas públicas brasileiras. A modernização capitalista passa a ser a tônica do discurso e
das propostas de ações para o campo das políticas museológicas no país. Porém, se
analisarmos o contexto, veremos que no cotidiano dos museus brasileiros, pouco mudou no
modo de pensar e de agir museologicamente. O que ocorreu foi uma renovação
institucional na área da museologia brasileira, decorrente de um esforço de museólogos e
dos demais profissionais simpatizantes ou atuantes nessa área.
Para Santos (apud FÉLIX, 1998, p. 192):
O discurso da modernidade é uma falácia para a maioria dos museus brasileiros
que, nos moldes do antigo Museu Histórico Nacional, de Gustavo Barroso,
preserva o acervo de uma elite, apresenta um nacional sem conflito, cumpre o
seu papel como suporte necessário à preservação de uma identidade nacional,
desempenhando, assim a “função anestésica” de preservação do patrimônio.
Mesmo diante das transformações ocorridas no campo da museologia, a visão
eletizada e a prática tradicional ainda sobrevivem, intercalando as mudanças
contemporâneas com a percepção conservadora. Diante dessa perspectiva, o social acaba
o sendo valorizado e o bem cultural ainda continua sendo compreendido como reflexo
da manifestação parcial da cultura social. Daí que o ato de preservar ocorre de forma
descontextualizada e sem objetivo de uso; por isso, não se justifica. É preciso que o
processo de preservação patrimonial seja compreendido como um instrumento para o
exercício da cidadania.
Um dos desafios que persistem é sobre como exercitar a cidadania na perspectiva
museológica e de fazer com que o sujeito (re)conheça sua realidade e seu contexto e tenha
consciência de sua importância na sociedade, valorizando sua memória e preservando os
acontecimentos atuais e passados. A necessidade de um fazer museológico mais
participativo, integrado à comunidade, é algo presente desde a Mesa Redonda de Santiago
do Chile. As transformações sociais exigem um fazer museológico de maior intervenção e
impacto social.
Oficialmente, a museologia participativa e comunitária legitima-se pela elaboração
de documentos básicos para a museologia, os quais representam avanços importantes na
medida em que levam a uma mudança na forma de compreender o museu, o homem e as
suas relações. Os bens culturais passam a ser trabalhados não só por suas características
intrínsecas, mas por toda uma gama de informações que estão além dessas e levam a uma
nova conceituação de museu e museologia.
Durante todo o século XX, a preocupação com a ação educativa dos museus foi
uma realidade que se intensificou à medida que a dimensão educativa passou, também, a
ser entendida como uma das funções básicas dos museus. Com isso, as transformações
ocorridas nas ciências da educação, principalmente a partir da década de 1960,
influenciaram profundamente o entendimento da ação educativa desenvolvida pelos
museus.
Entendendo que a maior importância dos museus está na sua capacidade educativa
e que a educação real é aquela que promove a libertação dos sujeitos, questionando e
refletindo sobre o contexto, os museólogos aproximaram, a partir da década de 1970, o
campo da museologia com as práticas educacionais, especialmente da pedagogia de Paulo
Freire. Podemos dizer que as teorias educacionais de Paulo Freire buscam a libertação
através da valorização cultural, do diálogo, da reflexão crítica e da superação do ensino
bancário. Dessa forma, a teoria de Freire constitui-se numa vertente educativa que
compreende o sujeito como ser participativo e ativo da sociedade que visa alcançar, em
colaboração com outros sujeitos, a autonomia e a cidadania plena.
Dialogando com a teoria de Paulo Freire, entendemos que a ação educativa
museológica pode criar condições que levem os sujeitos envolvidos no ato educativo e
museológico ao desenvolvimento e à reflexão crítica sobre o passado e sobre o presente.
Assim, pode contribuir substancialmente para que a ação educativa dos museus torne-se
uma ação dialógica e libertadora, com sujeitos capacitados a transformar suas realidades.
Diante do fazer museológico compreendemos as ações culturais e educativas como meios
viáveis para utilizar o patrimônio como mediador da construção de uma sociedade
consciente e respeitadora das diversidades e diferenças.
Perante as mudanças que ocorreram nos conceitos de museologia e museu,
houveram também redefinições e ressignificações nas funções educativas desses conceitos
nos âmbitos ptico e teórico. Museólogos e estudiosos do campo da museologia buscam
constituir uma linha reflexiva sobre a sua função no campo educativo. Essa função tem
como objetivo criar situações que possibilitem o desenvolvimento da reflexão sobre a
sociedade para que, assim, possam desencadear uma educação que revele e desvele o
sentido real da museologia contemporânea. Assim, é preciso que a instituição museu seja
valorizada não somente pelo seu patrimônio edificado e pelo valor mercadológico de suas
coleções, mas para ser reconhecida, sobretudo, por sua importância para a comunidade na
qual está inserida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluirmos o trabalho acerca dos aspectos formativos e pedagógicos do espaço
e da prática dos museus, é necessário fazer uma leitura crítica sobre o que foi desenvolvido
no corpo da pesquisa. Temos consciência de que tanto o campo museológico quanto o
campo pedagógico carecem de maiores aprofundamentos teóricos e pticos, pois muito
ainda precisa ser revisado sobre a função social e educativa dos museus. Ao longo do
processo investigativo, com base na produção bibliográfica e da produção documental, foi
possível perceber que a relação entre o campo pedagógico e o museológico precisa ser
qualificada através de pesquisas e de discussões que estão se intensificando cada vez mais
nas últimas décadas.
O museu, numa perspectiva emancipatória, conforme proposição de Paulo Freire,
pode contribuir na educação formal enquanto espaço de ensino e de aprendizagem. Podem
ser desenvolvidos projetos educativos voltados à formação e à reflexão crítica da
sociedade, sendo responsável por funções pedagógicas e políticas, cada vez mais
relevantes e essenciais para a construção da autonomia e para a valorização do patrimônio
histórico-cultural e a defesa da cidadania. A educação do prisma não-formal de ensino e de
aprendizagem envolve outras instituições e sujeitos no processo educativo e possibilita
uma melhor compreensão sobre a função social e educativa de outros espaços e de outros
contextos que estão presentes em nosso cotidiano, no caso, em museus.
O objeto de investigação foi o museu, suas ações e relações sociais e pedagógicas
manifestadas no desenvolvimento prático de suas atividades. Desse modo, para
fundamentar metodologicamente o trabalho, recorremos à pesquisa bibliográfica e à
análise documental. Assim, procuramos recuperar elementos históricos, epistemológicos e
conceituais intrínsecos à relação museu-educação, possibilitando (re)construir o processo
histórico que o museu percorreu até assumir de fato sua condição pedagógica e social.
Assim, os elementos conceituais resultantes da análise bibliográfica fornece-nos as
categorias que eso presentes constantemente no desenvolvimento prático dos museus,
visto que tanto a instituição museológica quanto sua prática possuem uma relação íntima
com a história, a memória e o patrimônio.
A reconstrução da história dos museus permitiu-nos identificar ts fases distintas.
A primeira fase tem como referência a perspectiva mitológica originada da Grécia Antiga
que entendia o museu como casa ou templo das musas, o mouseion. Nele eram preservados
objetos preciosos oferecidos aos deuses e às musas em sinal de respeito, adoração e
agradecimento pelas conquistas obtidas. O mouseion, com o passar do tempo, assumiu uma
posição mais voltada para atender aos anseios das elites, assumindo um caráter mais
reservado e colocando-se a servo e ao prazer de alguns poucos. Nesse contexto, palácios
e castelos foram construídos e tornaram-se verdadeiros complexos culturais. O Palácio de
Alexandria, por exemplo, abrigava num mesmo espaço a biblioteca, o anfiteatro, o
refeitório, o observatório, o jardim botânico e o zoológico.
A segunda fase dos museus refere-se ao período monárquico-imperial no qual reis e
rainhas representavam o poder dominante. Nesse contexto, os museus assumiram uma
função de sala de tesouros, lugar onde poucas e privilegiadas pessoas podiam contemplar e
admirar o belo, o valioso,o bizarro, o estranho e o incomum. Essa é uma fase definida
pelas Cabinet de Curiosité. Na Renascença floresceu esse modelo com palácios especiais,
onde eram guardados os tesouros monárquicos, os quaiss eram oriundos de saques de
guerras, de igrejas ou templos invadidos. Essa fase da museologia é marcada pelo
movimento do colecionismo. O gosto pelas coleções foi se expandindo com apoio da
burguesia emergente, da nobreza das cortes da Europa. O ato de colecionar multiplicou-se
e originou aventureiros, expedicionários, naturalistas que fizeram inúmeras incursões pelo
mundo atrás de peças para suas coleções.
O modelo museológico definido como Cabinet de Curiosité esteve presente durante
todo o século XVII e estendeu-se até meados do século XVIII. O enfraquecimento dessa
estrutura ocorreu principalmente por causa da sua limitada atuação e, também, em razão do
esfacelamento do sistema monárquico. Dessa forma, abriram-se espaços para o
aparecimento da terceira fase no campo da museologia, caracterizada pela expansão dos
museus nacionais e dos museus populares.Nos museus nacionais as coleções reais
começaram a ser expostas para a apreciação pública com o objetivo de informar, civilizar e
criar identidade de nações. Esse modelo possui uma perspectiva teórica e funcional
parecida com a que temos hoje. Foi o período denominado Era dos Museus.
Nas primeiras instituições museológicas nacionais, percebemos um movimento
limitado, visando adaptar-se às novas exigências sociais e institucionais, com atividades
desconectadas da realidade e deslocadas no tempo, fazendo com que as instituições
permanecessem ainda com uma concepção limitada e basista de suas funções sociais e
educativas.
No Brasil, o movimento de abertura das instituições museológicas e de suas
coleções para o acesso livre da população ocorreu no início do século XX, no contexto das
idéias republicanas, do nacionalismo e da ressignificação do passado escravista. Essas
primeiras instituições, de perfil público e nacionalista, fundamentam-se nos ideais teóricos
da museologia francesa. Baseados nessa concepção nacionalista, os museus brasileiros
começaram a exercer intensamente uma função de preservação e de celebração do
patrimônio do passado e dos aspectos simbólicos da cultura nacional, visando unificar o
território e contribuir para a centralização do poder, para a valorização de uma idéia de
identidade cultural, não de várias identidades culturais. Essa perspectiva teórica
fundamentou boa parte do processo de expansão museológica. Os museus multiplicaram-se
no mundo inteiro, principalmente nos países de Terceiro Mundo.
Nesse sentido, acreditamos que o museu, como espo de valorização da cultura, de
preservação da memória social e de educação não-formal, pode ser ressignificado no seu
contexto e na sua prática, com base numa série de princípios filosóficos, ideológicos,
políticos, econômicos, culturais e sociais, evidenciando no seu bojo as intencionalidades
humanas. A evolução da instituição museu percorre paralelamente ao processo histórico de
desenvolvimento da humanidade, manifestando no seu caráter museológico a ideologia e
as perspectivas de cada época ideológica.
Os primeiros museus brasileiros que tiveram origem no século XIX, am de terem
como finalidade conservar, pesquisar e expor um conjunto de objetos, fragmentos e
vestígios do passado, constituem também um patrimônio histórico, artístico, ambiental,
cultural das sociedades em que estão inseridos, e, ainda, exercem funções educativas não
formais de aprendizado e formação social dos sujeitos. Atualmente, segundo Machado
(apud WEFFORT, 1998, p. 172), ao museu compete a função de estar “a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa,
comunica e principalmente expõe os testemunhos materiais do homem e do seu meio
ambiente, com propostas de estudo, educação e deleite”. Partindo dessa concepção,
profissionais de museus e educadores precisam estar atentos à imporncia dos museus no
campo da educação e da cultura, destacando-se, no contexto social, como uma instituição
voltada para promoção do conhecimento e da educação, assim como de valorização da
cultura popular e de recuperação da memória social e na construção da cidadania.
No que se refere às políticas públicas desenvolvidas no campo museológico,
percebemos uma contribuição significativa no processo de constituição e fortalecimento do
caráter público e educativo dos museus, principalmente com a contribuição de eventos
internacionais sobre o tema, como é o caso da Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972)
e da Declaração de Quebec-Canadá (1982). As discussões e os documentos produzidos
nesses encontros estimularam discussões e provocaram mudanças importantes na
concepção do próprio conceito de museu e do fazer museológico para o mundo
contemporâneo.
Conforme Santos (2002), a partir da década de 1970 iniciou-se um movimento de
transformação museológica visando refletir coletivamente sobre as novas perspectivas que
se apresentam para a museologia no mundo contemporâneo, bem como sobre a função
social e educativa dos museus. O ano de 1972 marcou profundamente esse processo de
ampliação das funções sociais e pedagógicas dos museus, especialmente com a Mesa-
Redonda de Santiago de Chile, que teve como objetivo principal fortalecer e estimular o
debate sobre a ação museológica no novo contexto social que se apresentava naquele
momento.
A Mesa Redonda de Santiago do Chile teve como objetivo evidenciar uma nova
proposta para as práticas museológicas e para o fortalecimento de sua relação com o campo
educativo e com a problemática social, que vai além da simples representação
museográfica do patrimônio cultural. Foi a partir desse momento que ocorreu uma
mudança significativa na perspectiva prática e funcional da museologia tradicional,
voltando-se para aspectos balizados pela fundamentação teórica definida como a “Nova
Museologia”.
A Nova Museologia defende uma proposta mais comunitária e próxima de todos os
segmentos da sociedade, aberta, numa perspectiva que valorize a memória social e os
aspectos culturais das comunidades as quais a instituição museológica está representando.
Essa nova perspectiva foi reforçada com o encontro realizado em Quebec que definiu os
princípios para essa nova museologia.
Desse modo, é importante registrar que as discussões realizadas a partir da década
de 1970 propõem não somente uma mudança do conceito e do papel social dos museus,
mas, também, uma mudança no papel e na atuação do profissional de museu, do
patrimônio cultural e do fazer museológico. Nesse sentido, incorporam-se ao campo
museológico os conceitos de museu integral e de patrimônio global, dando-se uma maior
importância para o sujeito e para a sua capacidade de interagir, aprender e participar do
processo de socialização e integração entre o espaço museológico e o cotidiano social das
pessoas.
Enfim, acreditamos que a pesquisa realizada contribuiu no sentido de desmistificar
a imagem caricaturada e elitizada dos museus como lugar de coisa velha, que ainda está
presente no imaginário social. O museu exerce uma função social e educativa muito mais
ampla do que a simples prática de guarda, conservação e exposição de objetos antigos.
Mais do que isso, possui na sua prática museológica uma função educativa e de
fortalecimento dos aspectos da cultura popular, bem como de preservação e valorização da
identidade cultural, constituindo-se como espaço de manifestação cultural e de ação
educativa não-formal constante e permanente no cotidiano social dos sujeitos.
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