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ANA CLAUDIA SALVATO PELEGRINI
A ICONOGRAFIA DE MASSA NAS ARTES PLÁSTICAS
BRASIL ANOS 60
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA
INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE
DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PARA OBTENÇÃO
DO TÍTULO DE MESTRE.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DA ARTE.
ORIENTADORA: PROFA. DRA. DAISY PECCININI.
SÃO PAULO
2006
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À Patrícia,
Sua ausência é, e será, uma saudade sempre presente.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Daisy Peccinini, por sua confiança, esmulo e
respeito. É certo que a origem de meu interesse pelos anos 1960 remonta a sua paixão e pesquisa
sobre o tema.
Aos Professores Francisco Alambert e José Roberto Teixeira Leite, pelas respeitosas críticas e
preciosas observações tecidas a este trabalho no Exame de Qualificação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pela concessão da
bolsa de mestrado para a realização desta pesquisa.
Ao Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, pela
iniciativa de promover um programa de pós-graduação voltado à reflexão interdisciplinar sobre
os estudos da Arte e suas interfaces.
À Neusa Brandão, analista acadêmica do Programa Interunidades, sempre tão atenta e dedicada.
À Professora Carmen Aranha, por sua generosa e competente supervisão no estágio vinculado ao
Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) da Universidade de São Paulo.
Aos artistas Cláudio Tozzi e Célia Shalders, agradeço, cordialmente, o esforço mnemônico pelo
qual os fiz passar.
Aos funcionários da Fundão Biblioteca Nacional, da Escola Superior de Desenho Industrial do
Rio de Janeiro e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
À minha mãe, exemplo de força, coragem e obstinação, pela confiança em mim depositada. A ela
devo o ensinamento de que apesar das adversidades, a vida segue repleta de possibilidades.
Ao Diogo, companheiro dedicado e atencioso, por sua enorme paciência e compreensão.
Às queridas maquetes, Carolina, Cassandra, Luciana, Tatiana e Vanessa, pelas horas (muitas
horas...) compartilhadas no MAC-USP.
A transformação da sociedade humana, no correr dos séculos, o modifica apenas a
exterioridade da vida humana, mas também os comportamentos individuais e a própria
essência do homem. (...) O homem urbano, o habitante das grandes cidades, experimenta outra
vida, que gera nele uma nova psicologia, uma nova visão de mundo, outras aspirações e outros
valores. Sua noção de felicidade, de realização, de amor, de direito, de justiça pouco tem a ver
com a que alimentava os homens do passado. A mulher linda que ele vê na rua perde-se em
seguida na multidão e ele não a verá decerto, nunca mais. Sua solidão, na cidade de milhões de
homens, não é a mesma solidão do homem do campo ou da pequena cidade. Sua alegria
também é outra e reclama a participação de milhões. Ele tem uma experiência de multio que
é relativamente nova na história da humanidade. Nos gigantescos estádios de futebol ele vibra
emocionalmente, no mesmo minuto, com centenas de milhares de pessoas. Ele tem a noção de
sua identidade com os demais homens e da identidade de seus destinos. Isolado em casa,
ouvindo rádio ou vendo televisão, está consciente de que miles de outras pessoas estão
ouvindo ou vendo aqueles mesmos programas. Esses programas não apenas o divertem como
também o informam do que passa em sua cidade, em seu país e em outros países do mundo. Ao
contrário do homem medieval, ele vive de fatos e temores reais. Seus interesses são concretos:
a roupa, o sapato, o automóvel, a casa, a mulher. Seu paraíso terrestre, sua mais distante
aspiração é um iate ou dormir com uma mulher tão linda quanto Ursula Andress, se o com
ela mesma... Pode ter interesse para esse homem uma arte que não fala dessas inquietações,
desses sonhos, dos problemas de sua vida? Podem prevalecer, nesta época, os valores estéticos
da contemplação abstrata? (...) Pode uma estética tradicional explicar as novas relações
estéticas que aí se manifestam? Ou basta, simplesmente, dizer-se que isso não é arte, como
se dizia do cinema ao nascer?
Ferreira Gullar
RESUMO
PELEGRINI, Ana Claudia Salvato. A Iconografia de Massa nas Artes Plásticas: Brasil Anos 60.
Dissertação de Mestrado. Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade
de São Paulo, 2006.
Envoltos pelo sentimento, daqueles que então viveram, de que algo de novo se passava no domínio das artes, os anos
60 no Brasil assistem a uma série de manifestações coletivas, em que política e cultura encontravam-se de tal modo
interpenetradas, que ao reavaliar a função da arte na sociedade contemporânea, propunham-se os signatários da
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda (1967) a adotar todos os métodos de comunicação com o público,
do jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à fábrica, do panfleto ao cinema, do transistor à televisão. Situando o
vigor comunicativo de tal proposição na confluência das transformões potico-ecomicas e artístico-culturais
estimuladas, em parte, pelo golpe militar de abril de 1964, A Iconografia de Massa nas Artes Plásticas: Brasil Anos
60 pretende-se uma leitura histórico-crítica destes trabalhos que aos métodos, aos temas e às técnicas dos meios de
comunicação de massa recorrem, sob o desígnio de constatar-contestar à realidade e ao cotidiano de então. Neste
sentido, a análise das exposições selecionadas (Nova Objetividade Brasileira, IX Bienal de Arte de São Paulo e I
Jovem Arte Contemporânea) procura focalizar a presença destes trabalhos, cuja constância incitaria, ao crítico de arte
Frederico Morais, a organizar uma mostra multidisciplinar em torno do tema O Artista Brasileiro e a Iconografia de
Massa (1968). Espaço privilegiado para esta investigação, O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a
exposição, materializa este “estado técnico-temáticoda nova vanguarda arstica brasileira, cujo pensamento a
respeito do tema, registrado nos depoimentos então publicados na coluna de artes do Diário de Notícias, atua de
modo a clarificar o que a mostra, enfim, materializa.
ABSTRACT
PELEGRINI, Ana Claudia Salvato. Mass Culture Iconography in Visual Arts: Brazil 1960s.
Dissertação de Mestrado. Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade
de São Paulo, 2006.
During the Sixties, a number of collective productions were seen, amid the sensation that something innovative was
taking place in the arts domain in Brazil. These works displayed such an interpenetration between arts and politics
that the Declaração dos Princípios Básicos da Vanguarda (1967), reassessing the role of art in the contemporary
society, recommended the adoption of “every media to reach the public: the newspapers and the debates, the streets
and the parks, the galleries and the factories, the leaflets and the cinema, the transistors and the TV. The
communication vigor of such guidelines takes place at the confluence of the political-economic and the artistic-
cultural transformations impelled by the Military Coup in 1964. In this environment, Mass Culture Iconography in
Visual Arts: Brazil 1960s pursues a historical-critical scrutiny of such production that verify-question the
surrounding reality and that resort to methods, themes and techniques typical of mass media. For this reason, the
study of the exhibitions (Nova Objetividade Brasileira, IX Bienal de Arte de São Paulo and I Jovem Arte
Contemporânea) focus on the presence of aforementioned productions, whose constancy incited the art critic
Frederico Morais to organize a multidisciplinary exhibition around the theme The Brazilian Artist and the Mass
Culture Iconography (1968). The exhibition O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa was a privileged medium
for such investigation, as it materialized this technical-thematic stateof the Brazilian artistic vanguard, whose
position regarding the subject was conveyed and clarified in the remarks posted on the art column of the Diário de
Notícias at that time.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................01
CAPÍTULO 01
ARTE, POLÍTICA E INSTRIA CULTURAL
BRASIL ANOS 60.........................................................................................................................12
1.1. Arte e política pré-64...................................................................................................16
1.2. Arte, política e indústria cultural pós-64.....................................................................28
CAPÍTULO 02
O ARTISTA BRASILEIRO E A ICONOGRAFIA DE MASSA
NAS EXPOSIÇÕES DE ARTE.....................................................................................................34
2.1. Nova Objetividade Brasileira (1967)...........................................................................40
2.2. IX Bienal de Arte de São Paulo (1967).......................................................................56
2.3. I Jovem Arte Contemporânea MAC-USP (1967)........................................................72
CAPÍTULO 03
O ARTISTA BRASILEIRO E A ICONOGRAFIA DE MASSA,
A EXPOSIÇÃO .............................................................................................................................85
3.1. Conceituando a exposição...........................................................................................85
3.2. Noticiando a exposição (nocias de uma mostra anunciada)......................................93
3.3. Apresentando (finalmente!) a exposição...................................................................102
3.3.1. Hélio Oiticica..............................................................................................104
3.3.2. Cláudio Tozzi..............................................................................................114
3.3.3. Maria do Carmo Secco................................................................................121
3.3.4. Maria Helena Chartuni................................................................................124
3.3.5. Nelson Leirner.............................................................................................128
3.3.6. Carlos Vergara............................................................................................133
3.3.7. Samuel Szpigel............................................................................................138
3.3.8. Antônio Manuel..........................................................................................141
3.3.9. Rubens Gerchman.......................................................................................146
3.3.10. Roberto Moriconi......................................................................................153
3.3.11. Glauco Rodrigues......................................................................................158
3.3.12. Célia Shalders e Dilmen Mariani..............................................................161
3.3.13. Teresinha Soares e José Ronaldo Lima.....................................................167
3.3.14. Ziraldo, Jô Soares e João Parisi Filho.......................................................175
3.3.15. Paulo Guilherme Samy.............................................................................181
CAPÍTULO 04
O CRÍTICO BRASILEIRO E
A ICONOGRAFIA DE MASSA..................................................................................................186
4.1. A nova crítica de Morais (a crítica de Morais às críticas de Ayala)..........................186
4.2. A crítica entusiasta de Mário Schenberg...................................................................196
4.3. A aceitação crítica” de Ferreira Gullar....................................................................201
4.4. A crítica entre a dúvida e o pessimismo de Mário Pedrosa...................................209
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................220
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................225
LISTA DE FIGURAS..................................................................................................................238
INTRODUÇÃO
Segunda-feira, noite de gala, no Teatro Santa Isabel do Rio de Janeiro. Era
precisamente quinze de janeiro de 1968, quando
Roda-viva
, a comédia musical, escrita por Chico
Buarque de Hollanda, estreou, sob grande expectativa, na cidade.
Roda-viva
trata da história de Benedito Silva, um rapaz jovem, como outro
qualquer, que, seduzido pelo enorme sucesso alcançado pelos ídolos da música popular brasileira
nesta chamada Era dos Festivais (vide a trajetória de Chico Buarque), faz um pacto com o Anjo,
que em troca de vinte por cento de todos os seus dividendos, promete-lhe a tão sonhada fama.
Desprovido, no entanto, de maiores talentos que o alçassem a categoria de um
verdadeiro ídolo da música popular, Benedito Silva precisa ser reconfigurado, no dizer do Anjo-
empresário. De modo que, seguindo a fórmula do momento, jaqueta de couro e guitarras
elétricas, Benedito Silva transforma-se em Ben Silver: a nova sensação do pedaço, o cantor das
multidões, o rei do iê-iê-iê. Súbita e instantaneamente venerado pela televisão e adorado pelo
IBOPE.
Mas, conforme uma roda-vida, movimento incessante, cortado, corrupio, a
popularidade do ídolo despenca, tão logo os meios de comunicação de massa (personificados na
figura do Capeta) noticiam: Extra! Extra! Ben Silver é casado! Segundo a enquête realizada por
nosso jornal, as fãs condenam unanimemente a atitude traiçoeira do seu rei, casando à revelia,
sem prévia autorização, ludibriando-as com os mais belos sonhos e esperanças! É o povo que faz
o ídolo! É ao povo que ele pertence!.
1
1
BUARQUE, Chico.
Roda-viva: comédia musical em dois atos.
Prefácio Vinícius de Morais. Rio de Janeiro: Sabiá,
1968. s/p.
Temeroso com os prejuízos que uma nocia como esta poderia provocar em seus
negócios, o Anjo intervém, subornando a imprensa (vil e ambiciosa como o Capeta), que
prontamente desmente ao fato. Mas as notícias sobre o ídolo na imprensa sucedem-se,
igualmente, como a uma roda-vida, e agora Ben Silver é flagrado bêbado, ao lado de seu amigo, o
Mané. Fato desagradável que coma a ser notado pelas suas fãs. De modo que para
salvaguardar os business, Ben Silver precisa morrer. Pois se Ben Silver é um produto
deficitário,Ben Silver deve pedir concordata, a fim de dar lugar a um novo astro, que é, na
realidade, ele mesmo, Benedito Silva, agora sob o codinome de Benedito Lampião: o mais novo
ídolo da música popular de raízes regionalistas, um produto genuinamente nacional.
2
Seguindo, novamente, a fórmula do momento, ora de cunho nacionalista, desde a
apresentação pessoal até o próprio nome, o sucesso de Benedito Lampião assoma-se súbito e
imediato. Seduzido, no entanto, pela ambição de seu empresário, que lera na Times, em sua
última edição, acerca do interesse do mercado estadunidense por produtos genuinamente
nacionais, Benedito Lampião lança-se em turnê nos Estados Unidos. Fato que provoca, quando
de seu retorno ao Brasil, tanto o protesto, por parte daquele mesmo público que o consagrara
como um cantor genuinamente nacional, quanto o regozijo da imprensa: Extra! Extra! Benedito
Lampião trai seu povo! Depois de pregar a reforma agrária, vai receber dólares dos
americanos!.
3
Rejeitado pela audiência nacional, visto como laranja chupadano exterior, não
resta outra saída a Benedito Lampião que não a morte, novamente. Mas desta vez é sério!
aconselha-lhe o Anjo. Sem falsidades, sem golpes publicitários! Seja honesto pelo menos uma
2
Idem. s/p.
3
Idem. s/p.
vez na vida. [...] Pense no seu público, a quem você tudo deve. Dê a sua esposa pelo menos uma
viuvez digna. E ao seu povo, dê um mártir, que ele anda bem necessitado!.
Sem outra saída (Tem dias que a gente se sente / como quem partiu ou morreu/ a
gente estancou de repente/ ou foi o mundo então que cresceu/ a gente quer ter voz ativa/ no nosso
destino mandar/ mas eis que chega a roda-viva/ e carrega o destino pra lá...), Benedito suicida-
se. E com sua morte, é agora Juliana, sua esposa, a viúva, transformada, pelo Anjo, na mais nova
sensão do pedo.
* * *
Aludindo à consolidação da instria cultural brasileira nos últimos sessenta,
Roda-viva, a seu modo, situa as tensões e as contradições deste processo quando este, de
modernizador e (supostamente) democrático, passava a forma de submissão ao capital ao
estender ao artista o duplo significado de mercadoria e mito, cuja aceitação popular dependia
eis a moral da história... antes do IBOPE, que de seu caráter propriamente popular.
Ora, mas nos anos sessenta não era preciso ser popularpara ser popular(?). A
música popular não era tanto mais expressiva, dizia o programa-manifesto de Opinião, o
espetáculo-musical, quando se alia ao povo na captação de novos sentimentos e valores
necessários para a evolução social(?).
5
Mas a que pro, indagava-se um dos expositores de
Opinião, a coletiva, quando vender mais barato é vender mais, e vender mais [não] é comunicar
mais ou pelo menos possibilitar mais a comunicação(?).
6
E comunicação de massa, escrevia o
4
Idem. s/p.
5
Programa-manifesto do Show Opinião. APUD NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e
massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2004. p.50.
6
VERGARA, Carlos. Entradas e bandeiras. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
coordenador da mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, o crítico de arte Frederico
Morais, [não] é uma linguagem, um sistema próprio de valores, ao considerar que “nem só de
ídolos vive a cultura de massa, nem essa quer dizer apenas popularidade(?).
7
Ou ainda, o que
quer dizer o artista plástico brasileiro ao apropriar-se dos temas, dos meios e das técnicas da
cultura de massa quer, acima de tudo, narrar, passar adiante uma mensagem, no dizer do
crítico Mário Pedrosa (?).
8
Mas que tipo de mensagem, ainda Morais Simples constatação ou
contestação?.
9
* * *
Intrínsecas ao cenário arstico-cultural dos anos sessenta, tais questões enunciam
o panorama de facetas múltiplas que caracteriza estes heróicos, quase hagiológicos, anos sessenta
no Brasil oportunidade singular, de fato, de muitas técnicas e formas, de experimentação e
ousadia. Tanto quanto de retomada da figuração nas artes plásticas, e de retorno à realidade e ao
cotidiano circundantes. De reproposições estéticas e participação política, de reavaliação da arte e
do papel do artista na sociedade contemporânea.
Estudado no decurso de minha Iniciação Cienfica, desenvolvida junto ao Museu
de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) eis a origem do presente
trabalho
10
tal panorama de facetas múltiplas encerra uma faceta específica, digamos, centrada
7
MORAIS, Frederico. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Nocias, Rio de Janeiro. 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
8
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte s-moderna, Hélio Oiticica (1966). In Dos murais de Portinari aos
espaços de Brasília (org. Aracy Amaral). São Paulo: Perspectiva, 1981. p.206.
9
MORAIS, Frederico. O artista e a cultura de massa (1968). In Artes Plásticas: a crise da hora atual. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.39.
10
Intitulada “Politecnomorfias: Os anos 60 na coleção MAC-USP, e vinculada ao projeto Arte do Século XX:
visitando o MAC na web, a pesquisa, coordenada pela Profa. Dra. Daisy Peccinini, baseava-se no mapeamento das
obras relativas aos anos 60 no acervo do museu, objetivando, a partir de uma leitura histórico-crítica destes trabalhos,
situá-los na trajetória individual de cada autor-artista, além de integrá-los ao seu contexto histórico específico: os
na emergência de uma série de trabalhos profundamente influenciados pelos meios de
comunicação de massa conforme os qualificou o crítico de arte, e também físico, Mário
Schenberg, ao considerar o impulso de renovação arstica que se fazia sentir nas artes plásticas,
quando da realização das coletivas Opinião 65 (MAM-RJ, 1965) e Proposta 65 (FAAP-SP,
1965).
11
Transcendendo, pois, a esfera de produção de um determinado artista, grupo ou
centro cultural, tais trabalhos profundamente influenciados pelos meios de comunicação de
massa, seus temas e suas técnicas, orientam o foco de minhas reflees, dirigidas às
manifestões coletivas, onde o desafio de presentificar o passado, fazendo-o dialogar com o
presente, revela-se tanto maior, quando compreendidas enquanto locus privilegiado do
pensamento coletivo que materializam.
Estruturadas de modo a constatar a vigência destes trabalhos nas coletivas
analisadas (Nova Objetividade Brasileira, IX Bienal de Arte de o Paulo e I Jovem Arte
Contemporânea do MAC-USP), tais reflexões, enfim, convergem para a realização da mostra O
Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, cujo enunciado encerra o que a exposição, em si,
materializa. De caráter multidisciplinar e abrangente, tal coletiva, no dizer de seu organizador, o
crítico de arte Frederico Morais, propunha-se “um levantamento de temas relativamente à cultura
de massa e/ou indústria cultural que nos últimos anos têm interessado ao artista plástico
brasileiro de modo que ninguém fez quadros ou objetos especialmente para a mostra” e,
anos 1960 no Brasil. Laureada com Menção Honrosa no IX Simpósio Internacional de Iniciação Científica da
Universidade de São Paulo, em novembro de 2001, esta pesquisa contou com o apoio financeiro e institucional do
CNPq.
11
SCHENBERG, Mário. Um Novo Realismo (1965). In Pensando a arte. São Paulo: Nova Stela, 1988. p.186.
“em termos mais amplos, uma reflexão sobre a cultura de massa, um debate, enfim, em torno
das relões entre cultura de massa e cultura de nível superior.
12
Mas à diferença das demais coletivas analisadas, em cujos catálogos, inusitados
para a época, encontram-se os conceitos fundadores de cada evento, a reconstrução histórico-
cultural de O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, seu idrio e de seus participantes,
materializou-se ante um denodado esforço de pesquisa, orientado tanto pela ausência de registros
materiais da exposição ausentes, inclusive, do Centro de Documentação e Registro da Escola
Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (ESDI-RJ), onde se instalou entre abril e maio
de 1968 – quanto pela descoberta que, à época do evento, Frederico Morais, o seu organizador, o
divulgou assiduamente no Diário de Nocias, onde era titular da coluna de artes desde sua
transferência ao Rio de Janeiro, em agosto de 1966.
Nesta, afora informações relativas ao local e à durão da mostra, ao acréscimo e à
retirada de trabalhos, ou ainda, ao calendário de atividades (seminários, conferências, entrevistas)
que a acompanhavam, Morais publicou o depoimento pessoal de dezoito, dos vinte e cinco
artistas plásticos expositores, no qual discorriam acerca das relões entre cultura superior e
cultura de massa e sobre como, em seus quadros, objetos, desenhos e gravuras, haviam
desenvolvido plasticamente os temas e os ídolos de massa”.
13
Ainda no que toca à coluna de Morais que aos depoimentos, quase sempre,
acrescia uma breve súmula curricular de cada artista esta, ao ser resgatada no Acervo da
Fundação da Biblioteca Nacional (RJ), igualmente, fornece-nos uma amostra dos parâmetros
teórico-conceituais empregados pelo crítico, tanto no exercício de seu ofício, quanto na
organização da exposição.
12
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
13
IDEM. O artista e os ídolos de massa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Locus privilegiado para a compreensão deste estado técnico-temáticoda nova
vanguarda arstica brasileira, tal exposição, como se pretende demonstrar, em rao da ênfase
sobre o pensamento dos artistas a respeito do tema “a iconografia de massa ênfase conjugada,
diga-se, a análise histórico-crítica dos trabalhos apresentados, sob os quais tal pensamento, enfim,
se materializa situa-se, ao lado de Opinião, Proposta, Nova Objetividade Brasileira, dentre
outras manifestões coletivas, na confluência das transformações político-econômicas e
arsticos culturais estimuladas, em parte, pelo golpe militar de abril de 1964, sob o qual se
configurou o debate sobre a situação da arte e da vanguarda artística brasileira nos anos sessenta.
Envolto por um denso e plural ideário no que toca ao papel da arte neste novo
contexto, economicamente modernizador, mas politicamente autoritário, tal debate encerra
questões paralelas, digamos, ao domínio das artes plásticas, cujo retorno à realidade e ao
cotidiano circundantes, enquanto reflexo do influxo das correntes internacionalistas da nova
figuração no cenário arstico nacional, favorece, por certo, a inclusão do tema “a iconografia de
massana pauta do dia, por assim dizer.
Mas uma explicação baseada apenas no influxo de tais correntes internacionalistas
(Pop Art, Nouveau Réalisme, Otra Figuración), desconsidera o paralelismo histórico-cultural que
há, por exemplo, entre O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a exposição, e Roda-viva, a
comédia-musical, no que toca ao questionamento, por ambas empreendidas pouco antes, diga-
se, do fechamento potico do regime militar à instria cultural brasileira, seus mitos e seus
ídolos. Tanto quanto restringe a compreensão destes trabalhos profundamente influenciados
pelos meios de comunicação de massa, cujo vigor comunicativo alude eis o que se pretende
articular no capítulo Arte, Política e Indústria Cultural, Brasil Anos 60 à situação enunciada
por Marcos Napolitano, ao observar que:
A forma assumida pela arte engajada para resolver ao impasse entre ser popular(buscar
inspiração na cultura do povo idealizada) ou popularizar-se(no sentido de ampliar sua
audiência e comunicar a sua mensagem), acabou conduzindo-a a novos impasses na medida
em que, entre o artista e o povo, se impunha cada vez mais a mídia e a indústria cultural
(sobretudo na música popular).
14
Na música popular, sobretudo, diz-nos o autor, em razão da aliança deste gênero
com a televisão(vide os festivais da canção da TV Record, Excelsior ou Rede Globo) cujo êxito
resulta na conquista de novos públicos para o veículo, e na concretizão deste como veículo
de massa, enfim, ainda nos últimos sessenta. Concretização que se faz sensível, digamos, aos
signatários da
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda
(1967), misto de declaração e
manifesto da nova vanguarda arstica nacional, cujos itens de número sete e oito diziam:
07. O movimento nega a importância do mercado de arte em seu conteúdo condicionante:
aspira acompanhar as possibilidades da revolução industrial alargando os critérios de atingir
o ser humano, despertando-o para a compreensão de novas técnicas, para a participação
renovadora e para a análise crítica da realidade.
08. Nosso movimento, além de dar um sentido cultural ao trabalho criador, adotará todos os
métodos de comunicação com o público, do jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à
fábrica, do panfleto ao cinema, do transistor à televisão.
15
Analisados no capítulo intitulado O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa,
nas exposições de arte”, aos itens da
Declaração de Princípios Básicos de Vanguarda
síntese
das propostas apresentadas nos eventos
Opinião
e
Proposta
segue-se a análise das coletivas
Nova Objetividade Brasileira
(MAM-RJ, 1967),
IX Bienal de Arte São Paulo
(1967) e
I Jovem
Arte Contemporânea
(MAC-USP, 1967), estruturada de modo a focalizar a vigência de trabalhos
que os métodos, os temas e as técnicas de comunicação de massa adotam, do jornal ao debate
14
NAPOLITANO, Marcos.
Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980)
. São Paulo: Contexto, 2004. p.52.
15
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda, jan. 1967. APUD PECCININI, Daisy (coord.).
O objeto na arte:
Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978, p.73.
(...) do transistor à televisão, situando-os a par de outras tantas questões estético-arsticas,
igualmente, latentes nos eventos em questão.
Tal estrutura funda-se, vale dizer, nas justificativas enunciadas por Morais,
enquanto coordenador da mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, ao afirmar que
foi exatamente a constância de obras vinculadas aos temas, que pressupunha uma preocupação
mais que uma abordagem fortuita dos assuntos, que levou o D.A. da ESDI, em trabalho sob
minha coordenão, a fazer uma reflexão crítica sobre o assunto, mesmo porque comunicação de
massa é matéria curricular da escola e interessa a cadeira de cultura contemporânea”.
16
Objeto do capítulo terceiro O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a
exposição a reconstrução histórico-conceitual desta, igualmente, justifica a análise, e mesmo, a
escolha, das coletivas Nova Objetividade Brasileira, IX Bienal de Arte de São Paulo e I Jovem
Arte Contemporânea, tanto pelo caráter histórico-documental de seus catálogos, inexistente, no
caso de O Artista Brasileiro, a exposição, quanto pela informação, ainda Morais, de que
ninguém fez quadros ou objetos especialmente para a mostra. Os trabalhos que dela
participaram já existiam, alguns datados de dois ou três anos e já bastante conhecidos quando
não, registrados nos catálogos em questão.
17
Ainda no que toca à reconstrução de O Artista Brasileiro e a Iconografia de
Massa, a exposição materializada, como se disse, através da leitura da coluna de artes do Diário
de Notícias, e de outros periódicos, igualmente nesta, a ênfase sobre o pensamento a respeito do
tema, do qual a obra, enfim, resulta, deve-se ao ideário plural e complexo que emana da análise
dos depoimentos publicados por Morais inéditos, quase todos, aliás cuja compreensão situa o
foco interdisciplinar aqui proposto.
16
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
17
Ibidem.
Compreendendo o ofício do historiador antes como uma tentativa de se interpretar
o passado, que a escrita explicativa da história tal qual se passou, estruturo a reconstrução
histórico-cultural de O Artista Brasileiro, a exposição, a par dos preceitos defendidos por Jacques
Le Goff, cuja “recusa a história superficial e simplista(superficial à medida que se detém na
superfície dos acontecimentos), reconhece que numa sociedade, qualquer que seja, tudo se liga e
se comanda mutuamente: a estrutura política e social, a economia, as crenças, as manifestações
mais elementares e sutis da mentalidade. E quando tudo se liga e se comanda mutuamente”, ao
historiador cabe conjugar, ainda Le Goff, os diferentes pontos de vista sobre o devir dos
homens de todos os homens, diga-se de modo a reconstruir, e não mais mutilar, o passado,
ora reconstituído a par, precisamente, dos diferentes pontos de vista sobre o devir dos
homens.
18
Na prática, tal proposição por uma história interdisciplinar, ou mesmo global, no
dizer do autor, envolve a ampliação do campo histórico-documental do historiador, atento,
destarte, “a escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavões
arqueológicas, documentos orais, etc., à medida que uma fotografia, um filme, ou, para o
passado mais distante, um pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são, para a história nova,
documentos de primeira ordem, como o foram os documentos escritos para a história de
Langlois e Seignobos.
19
Considerados de primeira ordem, portanto, os depoimentos publicados por Morais
auxiliam, mas não estabelecem, a priori, vale dizer, o que a mostra, em si, materializa, dada a
não-hierarquia documental aqui estabelecida entre documento escrito e objeto arstico, à medida
18
LE GOFF, Jacques. A História Nova. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.31.
19
Ibidem. p.29.
que este não se deve lerem função daquele, apenas simples ilustração, no caso – mas de
modo interconexo, tal qual formulado por Hans-George Gadamer:
O nexo estrutural da vida, tal qual o nexo de um texto, está determinado por uma certa relação
entre o todo e as partes. Cada parte expressa algo do todo da vida, e tem, portanto, uma
significação para o todo, do mesmo modo que seu próprio significado está determinado a
partir deste todo. (...) Cada época tem de entender um texto transmitido de uma maneira
peculiar, pois o texto forma parte do todo da tradição, na qual cada época tem um interesse
pautado na coisa e onde também procura compreender-se a si mesma.
20
Sob o desígnio de conceder ao outro o direito objetivo de falar eis o princípio da
compreensão histórica que à hermenêutica recorre a reconstrução de
O Artista Brasileiro e a
Iconografia de Massa
, a exposição, igualmente, orienta a composição do capítulo O Crítico
Brasileiro e a Iconografia de Massa”, onde focalizo o pensamento crítico de Frederico Morais,
Mário Schenberg, Ferreira Gullar e Mário Pedrosa, no que toca ao debate sobre “A Iconografia
de Massa nas Artes Plásticas: Brasil Anos 60, anunciando o efêmero, enquanto poética. Tal
escolha, a dos críticos em questão, funda-se na observação de Hélio Oiticica, registrada no
catálogo da mostra
Nova Objetividade Brasileira
, quando afirma que:
Dos críticos brasileiros atuais, quatro influenciaram com seus pensamentos, sua obra, sua
atuação em nossos setores culturais, de certo modo a evolução e a eclosão da nova
objetividadeque já vinha eu, há certo tempo, concluindo de pontos objetivos na minha obra
teórica (Teoria do Parangolé) são eles: Ferreira Gullar, Frederico Morais, Mário Pedrosa e
Mário Schenberg.
21
20
GADAMER, Hans-George.
Verdade e método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica
. Petrópolis:
Vozes, 1996. p.353.
21
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade.
Nova Objetividade Brasileira
. Rio de Janeiro: Museu de
Arte Moderna, 1967. s/p.
CAPÍTULO 01
ARTE, POLÍTICA E INDÚSTRIA CULTURAL
BRASIL ANOS 60
Edgar Morin, de volta do Brasil onde viera tomar parte no festival do Cinema Novo Brasileiro,
me dizia em Paris, onde me encontrava: Está se passando qualquer coisa de novo no seu país,
Mário Pedrosa. E logo me apresentava como amostragens desse novoCarcará e Deus e o
Diabo. A observação dele comoveu-me porque respondia exatamente ao meu sentimento.
Mário Pedrosa
Como em poucos, raros momentos da história cultural nacional, os anos sessenta
ficaram marcados pela percepção contemporânea de seus protagonistas de que algo de novo se
passava no domínio das artes. De distintas maneiras, e em diferentes intensidades, na música, no
teatro, no cinema, na arquitetura ou nas artes plásticas, um impulso de renovação artística, aliado
se não [a] uma ideologia de transformação do mundo, pelo menos de esperança por mudança,
fez-se sentir em quase todos os movimentos culturais então emergentes:
Bossa Nova, CPC da
UNE, Cinema Novo, Teatro Arena
,
MPB, Nova Objetividade Brasileira
.
22
Expressando um momento de intensa movimentão na vida brasileira, em que
política e cultura encontravam-se de tal modo interpenetradas, que não deixa de ser significativo
apontar que na memória daqueles que viveram estes heróicos, quase hagiológicos anos 1960,
ficou registrada a impressão de que “mais do que fazer amor, mais do que trabalhar, mais do que
ler: fazia-se política. Ou melhor, fazia-se tudo [inclusive arte e cultura] achando que se estava
PEDROSA, Mário. Opinião... Opinião... Opinião(1966). In
Mundo, homem, arte em crise.
(org. Aracy Amaral).
São Paulo: Perspectiva, 1975. p.100.
22
ORTIZ, Renato.
A moderna tradição brasileira
. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. p.110.
fazendo política (...). Fazia-se política nos campi, nas salas de aula, nos teatros, mas de
preferência nas ruas.
23
Tal impressão registrada na memória daqueles que então viveram o inesquecível
ano de 1968, estende-se àqueles que vivenciaram o golpe militar de abril de 1964 – quando as
instâncias e os espaços, antes destinados aos embates potico-ideológicos, foram, tão logo
consumada a deposição de João Goulart da presidência do país, subjugados, submetidos,
dissolvidos ou desmobilizados pelo comando das Forças Armadas Brasileiras; cuja violência,
neste momento, imediatamente posterior à deposição (rápida e sem resistência) de Goulart, volta-
se, precisamente, contra os espos e as lideranças dedicados à mobilização e à conscientização
político-cultural das massas.
Conseqüentemente, sindicatos foram interditos, outros tantos fechados, quando
não destruídos. O movimento das Ligas Camponesas, desmobilizado; suas lideranças, presas ou
torturadas. As entidades estudantis, tais como a União Nacional dos Estudantes (cuja sede no Rio
de Janeiro incendiou-se), ou os Centros Populares de Cultura ligados a UNE, fechados e
proibidos de atuar politicamente; suas lideranças, presas ou ameaçadas, e suas bases,
desmobilizadas. As universidades, devassadas; seus professores, quando não arbitrariamente
demitidos, compulsoriamente aposentados. O Senado e a Câmara dos Deputados, fechados
temporariamente para balanço.
Entretanto, para surpresa de todos, escreveu Roberto Schwarz, nos últimos
sessenta, a presença cultural da esquerda não foi liquidada naquela data, e mais, de lá para cá
não parou de crescer:
A sua produção é de qualidade notável nalguns campos, e é dominante. Apesar da ditadura da
direita há relativa hegemonia cultural de esquerda no país. (...) Esta situação cristalizou-se em
64, quando grosso modo a intelectualidade socialista, já pronta para prisão, desemprego e
23
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p.83.
exílio, foi poupada. Torturados e longamente presos foram somente aqueles que haviam
organizado o contato com operários, camponeses, marinheiros e soldados. Cortadas naquela
ocasião as pontes entre o movimento cultural e as massas, o governo Castelo Branco não
impediu a circulação teórica ou arstica do ideário esquerdista, que embora em área restrita
floresceu extraordinariamente.
24
Empenhados em desmobilizar as massas e expurgar a esquerda da vida política do
país, a fim de garantir o capital e o continente contra o socialismo, os militares não pouparam
esforços, diz-nos Schwarz, para liquidar todo e qualquer elo de contato da esquerda com as
massas; intervindo, como vimos, nos espaços antes destinados à organização e à conscientização
política destas. Entretanto, e para o espanto de todos, ainda Schwarz, pouparam grande parte da
intelectualidade socialista já pronta para prisão, desemprego e exílio cuja relativa
hegemonia cultural (nos santuários da cultura burguesa a esquerda dá o tom) é o tro mais
visível do panorama cultural brasileiro entre 1964 e 1969.
25
Tal situação anômala, diz-nos Schwarz, a de uma relativa hegemonia cultural de
esquerda sob uma ditadura de direita, circunscreve “as contradições da produção intelectual
presente, contexto Brasil pós-golpe militar, quando, de libertadora e nacional, a modernização
passa a forma de submissão ao capital
26
tornando incompatível, conclui, aquela aliança, entre
democratização e modernização, precisamente, presente no centro da vida cultural brasileira de
1950 para cá.
27
24
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969(1969). In
O pai de família e outros estudos
. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978. p.62.
25
Ibidem.
26
Ibid. p.74.
27
Ibid. p.65.
Compreender tal situação anômala, seus resultados, suas ambigüidades, sua
implantação, enfim, exige que se compreenda antes, diz-nos Schwarz, as origens desta aliança
“é preciso voltar às origens, no dizer do próprio
28
.
28
Ibid. p.63.
1.1. ARTE E POLÍTICA PRÉ-64
É impossível compreendermos a década de 50 e parte da de 60 sem levarmos em consideração
este sentimento de esperança e a profunda convião de seus participantes de estarem vivendo
um momento particular da história brasileira. A recorrente utilização do adjetivo novotrai
todo o espírito de uma época: bossa nova, cinema novo, arquitetura nova, música nova, sem
falarmos na análise isebiana calcada na oposição entre a velha e a nova sociedade. A
movimentação potica, mesmo quando identificada como populista, impregnava o ar,
impedindo, por um lado, aos atores sociais perceberem que sob os seus pés se construía uma
tradição moderna, mas, por outro, lhes abria oportunidades até então desconhecidas. Não
deixa de ser significativo apontar que várias das produções culturais do período se fizeram em
torno de movimentos, e não exclusivamente no âmbito da esfera privada do artista. Bossa nova,
teatro Arena, tropicalismo, cinema novo, CPC da UNE, eram tendências que congregavam
grupos de produtores culturais animados, se o por uma ideologia de transformação do
mundo, pelo menos de esperança por mudança. Nesse sentido podemos dizer que cultura e
política caminhavam juntas, nas suas realizações e nos seus equívocos.
Renato Ortiz
Abril de 1960. Embalado pelos altos índices de crescimento ecomico alcançados
durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), o Brasil assistia, através de sua primeira
tele-transmissão ao vivo em rede nacional
29
, ao sonho realizado da construção de Brasília. O
clima reinante, conforme anunciado nos diários, à época, era de ilimitada confiança e intensa
expectativa quanto à inauguração da nova capital.
Brasília, a mais moderna cidade do mundo converte-se na manhã deste 21 de abril de 1960 na
capital do Brasil. A solenidade culminante das festas, a instalação simultânea dos três Poderes
da Reblica, está prevista para as 9h30. O presidente da Reblica fechou o Palácio do
Catete ontem e transferiu-se para a nova sede do governo nacional, o Palácio da Alvorada. A
entrega das chaves da cidade ao chefe do governo e seu construtor, realizada em meio a
ORTIZ, Renato.
A moderna tradição brasileira
:
cultura brasileira e indústria cultural.
5.ed. São Paulo:
Brasiliense, 2001. p.110.
29
Porque tanto interesse na inauguração de Brasília? Por ser aquela a primeira transmissão ao vivo em rede
nacional?”. Cf. LEITE, Ivana Arruda. Eu te darei o céu: e outras promessas dos anos 60. São Paulo: Ed. 34, 2004.
p.11.
incomparável vibração popular, foi o ato inicial das celebrações que ora ressoam na imprensa
e na opinião pública internacional.
30
Quatro anos antes, em janeiro de 1956, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Juscelino
Kubitschek, à revelia de uma mal-sucedida campanha contra a legalidade de sua posse
31
, assumia
a presidência da Reblica, declarando-se disposto a avançar nos rumos do desenvolvimento
ecomico do país, através da implementação de seu Plano Nacional de Desenvolvimento.
Abrangendo trinta e um objetivos, distribuídos em seis grandes áreas de atuão
energia, transportes, alimentação, instrias de base, educação e a construção de Brasília,
chamada de meta-síntese
32
o Plano Nacional de Desenvolvimento de Juscelino visava à rápida
superação do Brasil arcaico e rural (sinônimo de atraso e pobreza), impulsionada por uma efetiva
política de substituição de importações, sustentada através da implantação dos setores industriais
mais avançados no país, tais como a indústria química pesada, a naval, a automobilística, a nova
indústria farmacêutica, a de máquinas e equipamentos mais sofisticados, dentre outras.
Em razão do extraordinário volume de capital inicial e do complexo know-how
exigidos por tais empreendimentos abertos, portanto, somente a iniciativa da grande empresa
estatal ou de grandes empresas multinacionais o Plano de Metas (como se popularizou o Plano
Nacional de Desenvolvimento), previa uma ampla atividade do Estado tanto no setor de infra-
estrutura, como no incentivo direto às indústrias estratégicas, como a do o, a do petróleo e a da
30
Folha de São Paulo
, São Paulo, 21 de abril de 1960. s/p. APUD LEITE, Ivana Arruda.
Eu te darei o u e outras
promessas dos anos 60.
São Paulo: Ed. 34, 2004. p.11.
31
No pleito de outubro de 1955, Juscelino recebera 36% dos votos válidos, o que, embora equivalesse, de fato, a
menos da metade do montante em todo o país, determinava a sua vitória, como o candidato mais eleito, conforme
estabelecido na Constituição de 1946. Liderada pela UDN, a oposição desencadeou uma campanha contra a posse de
Kubitschek e de seu vice eleito, João Goulart, contestando a “legalidade” de sua vitória. A partir daí, ocorreu o
chamado golpe preventivo, ou seja, uma intervenção militar para garantir a posse dos eleitos. Cf. ALENCAR,
Francisco; RAMALHO, Lúcia; RIBEIRO, Marcus.
História da sociedade brasileira
. 2. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1985. p.287.
32
FAUSTO, Boris.
História do Brasil
. 12. ed. São Paulo: EDUSP, 2004. p.425.
energia elétrica, conjugada à necessidade de se incentivar a entrada de multinacionais no país,
mediante a concessão de generosos incentivos ao capital estrangeiro.
Como resultado imediato da implementação deste modelo de política-econômica,
definida como nacional-desenvolvimentista, um clima de intenso entusiasmo e de relativa
estabilidade política reinou no país nos primeiros anos do Governo JK. E a explicação mais
razoável, diz-nos Maria Vitória Benevides, para tal relativa estabilidade política no país encerra,
precisamente, o aspecto conciliatório desta potica-econômica promovida por Juscelino, sob a
qual coexistiram, pacificamente, a princípio, as duas principais orientações político-ideológicas
da sociedade brasileira. De um lado, as forças nacionalistas, defensoras de um desenvolvimento
baseado na industrialização promovida pelo Estado, ainda que com o apoio do capital nacional
privado; de outro, os setores (depreciativamente chamados de “entreguistas) que sustentavam
que o progresso do país dependia da abertura, mesmo que controlada, de sua economia ao capital
estrangeiro.
33
Resistência, por certo, havia, diz-nos Fernando Novais, quanto à aceitação desta
política-ecomica conciliatória, ocorre que na década dos 50, acima de todas as divergências
de orientação, havia um valor que era comum a todos, a construção da nação e da civilização
brasileira.
34
Os mais velhos lembram-se muito bem, mas os mais moços podem acreditar: (...) na década
dos 50, alguns imaginavam até [e havia bons motivos para tanto] que estaríamos assistindo ao
nascimento de uma nova civilização nos trópicos, que combinava a incorporação das
conquistas materiais do capitalismo com a persistência dos traços de caráter que nos
singularizavam como povo: a cordialidade, a criatividade, a tolerância.
35
33
BENEVIDES, Maria Vitória.
O Governo Kubitschek
:
desenvolvimento econômico e estabilidade política (1956-
1961).
3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
34
NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna”. In SCHWARCZ, Lilia (org.)
História da vida
privada no Brasil
: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p.616.
35
Ibid. p.560.
Motivos para tanto, certamente, havia afinal, o que era Brasília, meta-síntese ou
síntese das artes, como a entrevia Mário Pedrosa, o crítico de arte, senão a concretização da
utopia nacional construtiva, símbolo do novo e da nova sociedade que se abria.
36
Ou antes, o que
era a Bienal de o Paulo, ao facultar aos artistas e ao público brasileiros o contato direto com o
que se fazia de mais novoe de mais audacioso no mundo, senão a inserção dos trópicosna
rota da vanguarda arstica internacional.
37
Ou ainda, o que era a Bossa Nova senão a fixação
musical de uma linguagem atualizada, descendente moderninha do samba urbano carioca de
outrora” cujo sucesso, aliás, situa o surgimento das platéias (das camadas médias urbanas, diga-
se) que o possibilitaram.
38
Mas entre os anos da Bienal, a tele-transmissão ao vivo e simultânea da
inauguração de Brasília e o banquinho e o violãoda Bossa Nova, as contradições abafadas pelo
discurso modernizante de então – na década dos 50 era preciso ser moderno, mas ao mesmo
tempo popular imem-se como um contraponto da potica-ecomica nacional-
desenvolvimentista de Juscelino, cujo sonho da modernidade brasileira passa a soar de modo
assimétrico e desafinado, digamos, tal qual uma canção bossa-nova. Afinal, onde tudo parecia ser
moderno: como integrar as camadas populares? Como fazer o povo participar dos novos tempos?
Nem mesmo terminada a década dos 50, as facilidades concedidas ao capital
estrangeiro cuja penetração tornava-se, de fato, inconteste às forças nacionalistas do país
(entre elas, o PCB) assomam-se uma franca amea a autonomia política do país, um claro
36
Brasília representava, no dizer do crítico, a síntese das artes, por ser a realização, enquanto obra-de-arte de uma
utopia coletiva, a serviço da causa político-social. Cf. PEDROSA, Mário. A cidade nova, síntese das artes(1959).
In Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. (org. Aracy Amaral). São Paulo: Perspectiva, 1981. p.355-63.
37
IDEM. A Bienal de cá para lá” (1970). In Mundo, homem, arte em crise. (org. Aracy Amaral). São Paulo:
Perspectiva, 1975. p.254.
38
NAPOLITANO, Marcos. O coro dos descontentes. Revista Nossa História, n.26, dez. 2005. p.66.
prejuízo ao seu caráter e à burguesia nacional, ameaçando, destarte, a tal relativa estabilidade
política, a que se refere Benevides. Diz-nos Novais, contudo, que ao defender o desenvolvimento
da não sob a liderança da burguesia nacional, não perceberam, as forças nacionalistas do país,
que aquela, ao aderir ao modelo político-econômico de Juscelino, associando-se ao capital
estrangeiro, renunciava definitivamente a qualquer veleidade que porventura tivera de liderar o
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
39
Afinal, os altos índices de desenvolvimento econômico eram tão incontestes como
os altos índices de inflão – ou tão evidentes, digamos, como os sinais das tensões sociais que
(...) começavam a aparecer, [e] que iriam tumultuar as décadas seguintes:
Ora era o lavrador Napoleão Arruda, de dezoito anos, que desmaiava de fome na Avenida Rio
Branco, depois de viajar 2 mil quilômetros do interior do Ceará para ser vendido a um
fazendeiro paulista por 3 mil cruzeiros e revendido em seguida a um sitiante mineiro por 9500
cruzeiros, ora era o escândalo das crianças torturadas em escolas públicas cariocas (...) que
chocaram a sociedade carioca, mas produziram poucas providências concretas.
40
Janeiro de 1961. Brasília era palco de sua primeira sucessão presidencial. Em
cerimônia solene, o presidente em exercício, Juscelino Kubitschek, transfere a faixa presidencial
ao seu sucessor, o novo presidente eleito Jânio Quadros, que, por sua vez, denuncia em seu
discurso de posse: É terrível a situação financeira do Brasil.
41
Temos gastado, confiando no
futuro, mais do que a imaginação ousa contemplar.
42
39
NOVAIS, Fernando; MELLO, João Manuel de
.
Op. cit. p.592.
40
VENTURA, Zuenir.
Cidade partida
. São Paulo: Cia. das Letras, 1994. p.32.
41
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia; RIBEIRO, Marcus.
História da sociedade brasileira
. 2. ed. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985. p.296.
42
SKIDMORE, Thomas.
Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964
). 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1975. p.240.
Dadas as circunstâncias, Jânio assume a presidência da Reblica, declarando-se
disposto a varrer” a crise financeira do país mediante uma austera, porém necessária, política-
ecomica baseada no combate à inflação, à corrupção e à ineficiência administrativa do Estado.
Jânio vem aí... Estes punhos que ergueram São Paulo erguerão o Brasil
43
- um Brasil, tal qual
sonhado, digamos, pela burguesia ligada ao capital multinacional que o apoiara: moderno,
estável e, seguramente, não-comunista.
Afinal, o momento, como bem observa Skidmore, referindo-se ao fracasso da
invasão da Baía dos Porcos (1961), não era o mais propício, portanto, à adoção de uma política
externa independente, nem tampouco ambígua, como a adotada por Jânio, que ao condecorar Che
Guevara com a maior dignidade heráldica disponível no Estado brasileiro (a Ordem do Cruzeiro
do Sul), desperta a desconfiança das forças anticomunistas do país, lideradas pela Igreja e pelos
militares - sem aplacar, porém, a desconfiança das forças nacionalistas (entre elas, o PCB) quanto
aos reais desígnios de sua política-ecomica interna.
44
O momento, ora diz-nos Otávio Ianni, ante o quadro de possibilidades e dilemas
destes anos - por um lado, o modelo getuliano esgotava um ciclo de realização (...). Por outro,
no bojo do próprio modelo getuliano ou muito mais preso a este, constituiu-se o modelo socialista
(...). De outro lado, ainda, no interior do modelo getulista constituíra-se o modelo
internacionalista- exigia, e cada vez mais, a adoção de uma opção drástica, (...) de uma decisão
corajosa no sentido de aprofundar as rupturas estruturais indispensáveis à construçãoda nação e
da civilização brasileira.
45
43
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia; RIBEIRO, Marcus. Op. cit. p.299.
44
SKIDMORE, Thomas. Op. cit. p.246.
45
IANNI, Otávio.
Colapso do populismo no Brasil
. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1986. p.129.
Drástica, porém não no sentido a que se refere Ianni, a renúncia de Quadros (1961)
agrava a distensão interna da política nacional distensão interna esta, precisamente, em torno
dos modelos de desenvolvimento supracitados ante a contenda da sucessão presidencial. Sob a
alegação do perigo comunista”, as forças anticomunistas do país impedema posse do vice-
presidente eleito, João Goulart eleito, precisamente, com os votos dos trabalhadores e das
esquerdas nacionais o que faz com que o Congresso, temerário quanto aos desdobramentos de
tal contenda, adote o parlamentarismo, de modo a assegurar o cumprimento da Constituição e,
logo, a posse de João Goulart.
Setembro de 1961. Empossado sob o novo regime parlamentarista (depois
substituído em plebiscito), Goulart assume um país irreconhecivelmente inteligente política
externa independente, reformas estruturais, libertação nacional, combate ao imperialismo e ao
latifúndio: um novo vocabulário, enfim, diz-nos Heloísa Buarque de Hollanda, citando Schwarz
inegavelmente avançado para uma sociedade marcada pelo autoritarismo e pelo fantasma da
imaturidade de seu povo.
46
Nas grandes cidades, segue a autora:
O movimento operário que crescia desde os anos iniciais da década de 50 levava adiante um
vigoroso processo de lutas, expelindo velhos pelegos do Estado Novo e fortalecendo seus
mecanismos de reivindicação econômica e pressão política. Articulando-se em pactos
sindicais, os trabalhadores urbanos pareciam dispostos a unificar suas forças. (...) No campo,
o movimento das Ligas Camponesas, avançava, notadamente nos estados de Pernambuco e da
Paraíba, alcançando repercussão por todo o país. Ampliava-se a sindicalização rural, (...) e o
debate político nacional via brilhar um velho tabu: a Reforma Agrária.
Também a classe média urbana, ainda que dividida pelo temor da subversão e da instabilidade
econômica, comparecia com amplos setores ao movimento social. Estudantes e intelectuais
assumiam posições favoráveis às reformas estruturais, desenvolvendo uma intensa atividade de
46
HOLLANDA, Heloísa Buarque de; GONÇALVES, Marcos A.
Cultura e participação nos anos 60.
São Paulo:
Brasiliense, 1982. p.08.
militância política e cultural. A União Nacional dos Estudantes (UNE), em plena legalidade,
com trânsito livre e franco acesso às instâncias legítimas do poder, discutia calorosamente as
questões nacionais e as perspectivas de transformação que mobilizavam o país.
47
Sintetizando o projeto nacional-reformista defendido por Goulart, o Plano Trienal
de Desenvolvimento Econômico e Social de Celso Furtado
fixava a necessidade de reformas
estruturais fiscal, eleitoral, bancária e agrária de modo a avançar no desenvolvimento
ecomico nacional, ora estagnado, dizia Furtado, ante o arcaismo de tais estruturas - estruturas
moldadas por uma economia agrário-exportadora cuja reforma exigia, porém, a adoção de uma
opção drástica, de uma decisão corajosa, no dizer de O. Ianni.
Considerado capaz de tal drástica opção, tanto pelas esquerdas nacionais (que não
era una, mas múltipla), quanto pelas forças anticomunistas do país, Goulart assisteao
acirramento da distensão política nacional, e ao drástico desfecho, enfim, de sua não-opção.
48
Opção, aliás, era o que diferenciava o “artista popular-revolucionáriodo artista
conformista, ou mesmo do inconformista, dizia Carlos Estevam Martins, no Anteprojeto do
Manifesto do CPC(1962) a opção pelo povo, dizia:
O que distingue os artistas e intelectuais do CPC [armas intelectuais da libertação material e
cultural de nosso povo] dos demais grupos e movimentos existentes no país é a clara
compreensão de que toda e qualquer manifestação cultural só pode ser adequadamente
compreendida quando colocada sob a luz de suas relações com a base material sobre a qual
erigem os processos culturais de superestrutura (...) dos condicionamentos a que está
submetida nossa atividade arstica e cultural. (...)
47
Ibidem.
Ministro do Planejamento do governo.
48
Tal não-opção de Goulart, ou antes, sua relutância, no dizer de Skidmore, “em empreender qualquer forma de
resistência à oposição, aliada à “evidente desorganização de seu governo, confluem para a compreensão, segundo
o autor, da assunção rápida e sem resistência dos militares ao poder, em abril de 1964. Cf. SKIDMORE, Thomas.
Op. cit. p.390.
A arte, bem como as demais manifestações superiores da cultura, o pode ser entendida como
uma ilha incomunicável e independente dos processos materiais que configuram a existência
da sociedade. [E] o artista que não se manifesta conscientemente sobre a posição que assume
diante da vida social (...), o artista que pratica sua arte situando seu pensamento e sua
atividade criadora exclusivamente em função da própria arte é apenas a pobre vítima de um
logro tanto histórico quanto existencial (...).
Os artistas e intelectuais do CPC o sentem qualquer dificuldade em reconhecer o fato de
que, do ponto de vista formal, a arte ilustrada descortina para aqueles que a praticam as
oportunidades mais ricas e valiosas, mas consideram que a situação não é a mesma quando se
pensa em termos de conteúdo. (...) O que está em jogo é uma só e mesma questão, a de saber o
que vale mais: se o deleite estético pessoal ou se a integração com o povo.
49
Entre o deleite estético pessoal e a integração com o povo, o artista popular-
revolucionário opta, certamente, pelo povo, de cuja aspiração fundamental, diz, compartilhar, ao
unir-se ao “esforço coletivo que visa dar cumprimento ao projeto de existência do povo tal como
ele se apresenta na sociedade de classes um povo que não dirige a sociedade da qual ele é o
povo de modo a restituir-lhe a posse de si mesmo, “a condição de sujeito de seu próprio
drama” eis o objetivo do artista popular-revolucionário.
50
Tais objetivos, os de motivar, predispor, criar atitudes favoráveis à participação
política das pessoas, respondiam a opção, portanto, por uma arte, igualmente, popular e
revolucionária; ou antes, didática e conscientizadora, definida como instrumento a serviço da
revolução social. Mas a dificuldade, confessa Martins, depois de interrompida a experiência dos
CPCs, não estava em instrumentar a arte a serviço do povo, “a dificuldade estava em entrar em
contato com o povo. Certa ocasião, conta-nos Martins:
No Largo do Machado, estávamos fazendo um espetáculo em um dos lados da praça, enquanto
que no outro havia um sanfoneiro e um sujeito tocando pandeiro. Apesar de todo nosso
49
MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do Manifesto do CPC(1962).
Arte em Revista
, São Paulo, n.01,
jan./mar. 1979. s/p.
50
AMARAL, Aracy.
Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira (1930-1970
). São Paulo: Nobel, 2003.
p.322.
equipamento de som e luz, o sanfoneiro e o pandeirista juntavam mais gente que nós. Lembro-
me que pus aos berros: Não é possível, isto é um fracasso total e completo, eu vou sair com os
sanfoneiros e vos ficam aqui, vos pretendem se comunicar com a massa e estão levando
uma linguagem que não está passando. Foi daí que surgiu esta concepção do CPC de que
deveríamos
usar as formas populares e rechear estas formas com o melhor conteúdo
ideológico possível
. Isso deixava o pessoal que era artista com mágoa. O Glauber Rocha, por
exemplo, não conseguiu se ligar à gente, (...) ele não podia aceitar aquela camisa de força,
uma atividade que, se tivesse algum mérito, seria educacional e político e nunca artístico. O
objetivo era educar, educar via utilização das artes.
51
Tal tensão, ainda Martins, a da falta de espaço para a criação artística
propriamente dita, conjugada à ilusão de que era possível ser artista e, ao mesmo tempo, fazer
arte para o povo haja vista que na prática, confessa, ou se fazia pedagogia política, usando a
arte para produzir conscientização potica, ou então nada feito, voltava-se para o teatro de elite, a
música, a literatura, o cinema de elite”
52
demarcam os limites, tanto quanto as conquistas
queríamos fazer e fizemos um trabalho educativo, que abrisse possibilidades de transformar a
realidade
53
da potica cultural dos CPCs, cuja história, diz-nos, deve ser compreendida a par
da conjuntura histórica de então.
A queda de Jânio foi fundamental para o surgimento do clima que originou o CPC, todo aquele
fervor só tinha uma justificação: a idéia de que íamos chegar lá, e muito rapidamente. Com a
renúncia de Jânio, armou-se um golpe de direita para impedir a posse de Jango e instalar uma
ditadura de direita,e todos os que depois viriam a fazer parte do CPC participaram junto da
luta pela legalidade, junto com Brizola, o III Ercito, a UNE, a CGT, os sindicatos, o
movimento camponês, etc... Durante este período, até 1964, nhamos a perfeita idéia de que as
classes populares haviam vencido (...). O CPC surge daí, decorrente da idéia de que era
necessário aumentar as fileiras, politizando as pessoas a toque de caixa, para engrossar e
enraizar o movimento pela transformação estrutural da sociedade brasileira. É preciso
sacrificar o artístico? Claro que sim, porque as classes populares vão chegar logo, logo ao
51
MARTINS, Carlos Estevam. História do CPC(1978).
Arte em Revista
, São Paulo, n.03, out./dez. 1979. p.81.
(grifo nosso).
52
Ibidem.
53
Ibid. p.82.
poder. (...) E tudo só dependeria do esforço que empregássemos para multiplicar essas forças
sociais em ascensão.
54
Considerando a conjuntura histórica, a que se refere Martins, onde a perspectiva de
atuação, tanto política quanto cultural, daqueles que então viveram deve ser, igualmente,
considerada, conclui-se que ao colocar na ordem do dia a definição de estratégias para a
construção de uma cultura nacional, popular e democrática, o CPC, de fato, atendia ao propósito
“como fazer com que o povo participe dos novos tempos. Ainda que homogeneizando
conceitualmente uma multiplicidade de contradições e interesses, como “as diferenças de classe
e de linguagem destaca-as Heloísa Buarque de Hollanda que separam intelectual e povo.
55
Tais diferenças, diga-se, exemplificadas no caso dos sanfonistas que juntavam
mais gente que nós, igualmente sustentam as considerações de Martins, quando este afirma que
sendo o homem do povo, o nosso público eletivo (...), o CPC acabou mesmo conquistando o
público estudantil que, a exemplo, do artista popular-revolucionário, não era, mas pretendia
ser povo.
56
Enunciadas, como o faz Martins, depois de interrompida a experiência dos CPCs,
tais considerões refletem o processo de autocrítica pelo qual passariam artistas e intelectuais,
frente à queda rápida e sem resistência de Goulart “como um governo eleito e com razoável
apoio popular caíra tão facilmente, diante de uma conspiração conservadora e nitidamente
apoiada por interesses estrangeiros? Como um governo que está na direção certa da História,
54
Ibid. p.80.
55
HOLLANDA, Heloísa Buarque de.
Impressões viagem: CPC, vanguarda e desbunde
. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2004. p.23.
56
MARTINS, Carlos Estevam. História do CPC(1978).
Arte em Revista
, São Paulo, n.03, out./dez. 1979. p.78.
como acreditava a esquerda, podia ser deposto tão facilmente?” ciosos por responder a estas, e
a tantas outras, questões.
57
Questões como a que se coloca o sucessor de Martins na presidência do CPC, o
poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, no ensaio Problemas estéticos na sociedade de massa, de
1965, quando diante do êxito, diz-nos Gullar, das primeiras peças montadas pelo grupo Opinião
(...) senti então a necessidade de ampliar as indagações sobre as formas de arte e seu
relacionamento com a sociedade contemporânea. Era uma tentativa”, segue, de recolocar a
questão em outros termos, incluindo na discussão os meios de comunicação de massa, as formas
geradas por ela e o comportamento estético decorrente disso.
58
57
NAPOLITANO, Marcos.
Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980)
. São Paulo: Contexto, 2004. p.48.
58
GULLAR, Ferreira. Prefácio à 2ª edição. In
Cultura posta em questão. Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios
sobre arte
. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p.165.
1.2. ARTE, POLÍTICA E INDÚSTRIA CULTURAL PÓS-64
Início de março de 1964: Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, declara numa estação
de TV paulista que o estamos no governo mas estamos no poder.
Um mês depois, em Brasília, à revelia de qualquer otimismo, o General Humberto de Alencar
Castelo Branco assume a Presidência da República, declarando-se síndico de uma massa
falida.
Heloísa Buarque de Hollanda
Dezembro de 1964. Ante a derrota, a opinião – Podem me prender/ podem me
bater/ podem até deixar-me sem comer/ que eu não mudo de opinião
59
a música popular “é
tanto mais expressiva, dizia o programa-manifesto de
Opinião
, quando se alia ao povo na
captação de novos sentimentos e valores necessários para a evolução social.
60
Incorporando a experiência dos CPCs, interrompida por forças das circunstâncias
políticas,
Opinião
, o espetáculo-musical ou antes, a primeira reação cultural ao golpe militar de
abril de 64 – radicalizava a opção por uma arte popular-revolucionária, ao negar tanto o teatro
de autor’ (subjetivo), quanto a música de elite’ (sofisticada), criticando-a, porém, tal como fora
desenvolvida no pré-golpe, quando era preciso ser nacional para ser popular.
61
A par da crítica (autocrítica), traduzida na ênfase sobre os elementos populares o
que faz com que
Opinião
destaque-se “por ter assumido a necessidade de se colocar os problemas
socioculturais do país numa perspectiva mais popular do que nacional, sendo este talvez o seu
sentido histórico mais importante
Opinião
, igualmente, destaca-se, ainda Napolitano, por
HOLLANDA, Heloísa Buarque de; GONÇALVES, Marcos A.
Cultura e participação nos anos 60.
São Paulo:
Brasiliense, 1982. p.12.
59
Opinião(1964), de Zé Ketti. (PHILIPS 632.775, 1965).
60
Programa-manifesto do Show Opinião. APUD NAPOLITANO, Marcos.
Cultura brasileira: utopia e
massificação (1950-1980)
. São Paulo: Contexto, 2004. p.50.
61
NAPOLITANO, Marcos. Op. cit. p.50.
reafirmar “a possibilidade, cultural e potica, de uma aliança de classes contra o regime.
62
Regime este, tão bem observou Schwarz, que ao cortar “as pontes entre o movimento cultural e
as massas, (...) não impediu a circulação teórica ou artística do ideário esquerdista, que embora
em área restrita floresceu extraordinariamente.
63
Tanto assim que, frente ao êxito do espetáculo no Rio, em poucas semanas,
mais de 25 mil o assistiram. Em São Paulo, o êxito se repetiu, e em Porto Alegre também. Cerca
de 100 mil pessoas viram e aplaudiram Opinião
64
outros tantos, e sob o mesmo formato de
Opinião (Arena canta Zumbi, Arena canta Bahia, Liberdade, liberdade) sucedem-se igualmente
triunfantes no Teatro Arena. E igualmente triunfantes, diga-se, junto à classe média consumidora
de cultura eis o público que viu e aplaudiu Opinião.
Ou antes, eis o impasse, a que se refere Napolitano, “entre ser popular(buscar
inspirão na cultura do povo idealizada) ou popularizar-se’ (no sentido de ampliar sua
audiência e comunicar a sua mensagem), à medida que isolado (cortadas as pontes entre o
movimento cultural e as massas, no dizer de Schwarz), restava ao artista engajado cantar para
quem podia comprar sua arte”.
65
Tal situação, enunciada por Gullar, quando diz que interrompida a experiência do
CPC, seus integrantes foram devolvidos à atuação cultural normal, isto é, a trabalhar para um
público pagante e assim a disputar uma faixa do mercado, situa, pois, o debate da crião
arstica no contexto Brasil pós-golpe militar, no sentido que o êxito de Opinião, ainda Gullar:
62
Aliança simbolizada “na escola de uma jovem de classe média (Nara Lo), de um camponês do norte (João do
Vale) e de um sambista do morro (Zé Ketti), como protagonistas do espetáculo, escrito por Oduvaldo Vianna Filho,
Paulo Pontes e Armado Costa. Cf. NAPOLITANO, Marcos. Op cit. p.52.
63
SCHWARZ, Roberto. Op. cit. p.62.
64
Estática apresentada na contracapa do disco (long-play) Show Opinião, lançado originalmente em 1965
(PHILIPS 623.775, 1965).
65
NAPOLITANO, Marcos. Op. cit. p.52.
O êxito das primeiras peças montadas por Opinião, incorporando a experiência do CPC nos
s diante de uma série de novos problemas. Senti então a necessidade de ampliar as
indagações sobre as formas de arte e seu relacionamento com a sociedade contemporânea. Era
uma tentativa de recolocar a questão em outros termos, incluindo na discussão os meios de
comunicação de massa, as formas geradas por ela e o comportamento estético decorrente
disso.
66
Mas se ao artista engajado, o êxito de
Opinião
impunha o debate sobre a sua
inserção no mercado (incluindo na discussão os meios de comunicação de massa, as formas
geradas por ela e o comportamento estético decorrente disso), tal debate deve ser compreendido
a par do significado sob o qual então se revestia a idéia de mercado, dado que “até 1967, a idéia
que o artista engajado possuía do mercado era bem diferente da que aflorou a partir daquela
data. Em linhas gerais, segue Napolitano, pode-se dizer que o artista engajado tinha uma visão
mais instrumental e neutra do mercado, como canal de distribuição das suas idéias colocadas na
forma de bens culturais.
67
Essa visão coincidia”, ainda Napolitano, com um momento em que o mercado
de bens culturais ainda não havia aprofundado seu processo de reestruturação, em direção à
hegemonia das grandes agências de produção e difusão da cultura
68
- quando de emancipadora e
nacional, a modernização passa a forma de submissão ao capital (Schwarz), e o artista, ao mais
novo produto comercial(
Roda-Viva
).
Mas neste interregno – de
Opinião
, o espetáculo-musical a
Roda-viva
, a comédia-
musical tal visão, tão bem enunciada por Napolitano, encerra as ambigüidades daquela situação
anômala, a que se refere Schwarz, a de uma relativa hegemonia cultural de esquerda sob uma
66
GULLAR, Ferreira. Prefácio à 2ª edição. In
Cultura posta em questão. Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios
sobre arte
. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p.165.
67
NAPOLITANO, Marcos.
Seguindo a canção: engajamento política e instria cultural na MPB (1959-68)
. São
Paulo: Anna Blume: FAPESP, 2001. p.67.
68
Ibidem.
ditadura de direita, cuja implantação situa-se a par da reestruturação da indústria cultural
brasileira que ao artista engajado servia, sob tal situão, enquanto canal de distribuição de suas
idéias (hegemonia cultural de esquerda), tanto quanto ao capital das grandes agências de
produção e difusão da cultura(ditadura de direita).
Analisando o duplo significado do Estado militar, sob o qual implanta-se tal
situação anômala, diz-nos Renato Ortiz que:
Se os anos 50 podem ser considerados como momentos de incipiência de uma sociedade de
consumo, as décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens
culturais. Existe, é claro, um desenvolvimento diferenciado dos diversos setores ao longo desse
período. A televisão se concretiza como veículo de massa em meados de 60, enquanto o cinema
nacional somente se estrutura como indústria nos anos 70. O mesmo pode ser dito de outras
esferas da cultura popular de massa: indústria do disco editorial, publicidade, etc. No entanto,
se podemos distinguir um passo diferenciado de crescimento desses setores, não resta dúvida
que sua evolução constante se vincula a razões de fundo, e se associa a transformações
estruturais por que passa a sociedade brasileira. Creio que é possível apreendermos essas
mudanças se tomarmos como ponto para reflexão o golpe militar de 64. O advento do Estado
militar possui na verdade um duplo significado: por um lado se define por sua dimensão
política; por outro, aponta para transformações mais profundas que se realizam no nível da
economia. O aspecto político é evidente: repressão, censura, prisões, exílios. O que é menos
enfatizado, porém, e que nos interessa diretamente, é que o Estado militar aprofunda medidas
econômicas tomadas no governo Juscelino, às quais os economistas se referem como a
segunda revolução industrialno Brasil. Certamente os militares não inventam o capitalismo,
mas 64 é um momento de reorganização da economia brasileira que cada vez mais se insere no
processo de internacionalização do capital; o Estado autoritário permite consolidar no Brasil
o capitalismo tardio. Em termos culturais, essa reorientação econômica traz conseências
imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de
bens culturais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens
culturais.
69
Tanto assim que, ao analisar
Opinião
, a coletiva, dizia o crítico de arte Mário
Pedrosa, que nos trabalhos, ali, apresentados pela jovem equipe brasileira, havia uma
resultante viva de graves acontecimentos que nos tocaram a todos, artistas e não artistas da
69
ORTIZ, Renato.
A moderna tradição brasileira
:
cultura brasileira e indústria cultural.
São Paulo: Brasiliense,
2001. p.114.
coletividade consumidora cultural brasileira”, identificada “pela marca de emergirem todos
artistas e não artistas de um meio social comum, por igual, convulsionado, por igual
motivado.
70
Agosto de 1965. Instalada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Opinião,
a coletiva, pretendia-se, a exemplo de Opinião, o espetáculo-musical, a primeira “reação plástica
ao clima de terror e de opressão cultural do regime militar afinal, dizia Gullar, os pintores
voltaram a opinar, e isto é fundamental!.
Algo de novo se passa no domínio das artes plásticas, e esse caráter novo se pronuncia no
próprio título da mostra: os pintores voltaram a opinar! Isto é fundamental ! (...) Os jovens
pintores descobriram que não havia mais nada e descobriram também que, do outro lado, na
vida de todo dia, havia muita coisa, para não dizer tudo. Bastava o pintor libertar-se dos
velhos conceitos, da visão aristocrática que colocara a arte à margem da vida e seus
problemas. Foi essa meia-volta que deu origem à pintura dos jovens artistas reunidos em
Opinião 65
. Sua arte é plena de interesse pelas coisas do mundo, pelos problemas do homem,
da sociedade em que vivem. E daí a possibilidade de toda uma nova arte que se define como
humanista.
71
Reafirmando o texto de apresentação de Ceres Franco responsável ao lado de
Jean Boghici, pela realização da mostra onde afirmava ser Opinião uma exposição de ruptura.
Ruptura com uma arte do passado, Gullar a esta arte plena de interesse pelas coisas do mundo,
qualifica de nova. Nova, não somente por superar, dizia, a inatualidadeda abstração geométrica
e informal, mas por reafirmar a possibilidade de toda uma nova arte que se define como
humanista.
72
70
PEDROSA, Mário. Opinião... Opinião... Opinião(1966). In Mundo, homem, arte em crise (org. Aracy Amaral).
São Paulo: Perspectiva, 1975. p.101.
71
GULLAR, Ferreira. Opinião 65. Arte em Revista, São Paulo, n.2, maio/ ago. 1979. p.22.
72
Ibidem.
Expressão artística de um novo humanismo eminentemente democrático e
social, em cujos trabalhos profundamente influenciados pelos meios de comunicação de
massa o desinteresse por esse requinte [artesanal] corresponde naturalmente ao que se
manifesta pelo material nobre e precioso, decorrendo das raízes antiaristocráticas do novo
humanismo tal era a opinião de Mário Schenberg, quando da realizão de Proposta 65
(FAAP-SP).
73
Consciência expressiva e intuitiva da atuão das formas, como participação no
mundo humano, potico e social, de seu tempo eis um dos aspectos” a se destacar, ora
considerava Mário Barata, ao analisar Opinião 65 e 66, as coletivas.
74
E eis a trajetória do idrio crítico, tanto quanto das poéticas arsticas, (Opinião,
Proposta, Opinião, Proposta), analisadas a seguir, onde a constância destes trabalhos
profundamente influenciados pelos meios de comunicação, plenos de interesse pelas coisas do
mundo, em meio às manifestões coletivas Nova Objetividade Brasileira, IX Bienal de Arte e
São e I Jovem Arte Contemporânea, irrompe na mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de
Massa.
73
SCHENBERG, Mário. Um Novo Realismo (1965). In Pensando a arte. São Paulo: Ed. Nova Stella, 1988. p.186.
74
BARATA, Mário. Opinião 65/ 66 - Artes Visuais de Vanguarda (1966). Arte em Revista, São Paulo, n.02, maio/
ago.1979. p.36.
CAPÍTULO 02
O ARTISTA BRASILEIRO E A ICONOGRAFIA DE MASSA
NAS EXPOSIÇÕES DE ARTE
Opinião, Proposta, Opinião, Proposta... Como tal, sucedem-se as manifestações de
vanguarda, no contexto Brasil s-golpe militar, opinando, propondo, encerrando o clima, por
assim dizer, dos anos sessenta, do artista tentando se articular com seu entorno coletivo/ urbano,
sair de sua interioridade/ ateliê habituais em seu fazer artístico, do artista adotando todos os
métodos de comunicação com o público do jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à
fábrica, do panfleto ao cinema, do transistor à televisão tal qual pressupunha o item de número
oito da
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda
.
75
Nosso movimento, além de dar um sentido cultural ao trabalho criador, adotará todos os
métodos de comunicação com o público, do jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à
fábrica, do panfleto ao cinema, do transistor à televisão.
76
Sintetizando os seminários apresentados em
Proposta 66
, evento direcionado ao
exame da situação da arte no Brasil, o documento, misto de declaração e manifesto, publicado em
diversos meios de comunicação pouco antes da inauguração de
Nova Objetividade Brasileira
75
AMARAL, Aracy.
Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira (1930-1970)
. São Paulo: Nobel, 2003.
p.329.
76
Declarão de Princípios Básicos da Vanguarda, jan. de 1967. APUD PECCININI, Daisy (coord.)
O objeto na
arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.73.
(MAM-RJ, abril 1967), basicamente estabelecia os princípios da nova vanguarda arstica
nacional, caracterizada como um estado típico da arte brasileira de vanguarda: atual e atuante.
77
Atual e atuante, posto que fundamentada na problemática da experimentação
estética relacionada à participação-intervenção da arte no mundo humano, potico e social de seu
tempo (o movimento aspira acompanhar as possibilidades da revolução industrial alargando os
critérios de atingir o ser humano). Atual, atuante e brasileira, por enfatizar seu espírito de
independência em relão as correntes arsticas externas (na vanguarda não existe cópia de
modelos de sucesso, pois copiar é permanecer), e defender uma arte relacionada com a realidade
sócio-político-ética brasileira, comprometida com as questões estéticas e globais do país
(quando ocorre uma manifestação de vanguarda, surge uma relação entre a realidade do artista e
o ambiente em que vive”).
78
Afora estas definições, o documento, composto de oito itens distintivos,
denunciava as tentativas de institucionalização da vanguarda brasileira, opunha-se “a todo
isolacionismo dúbio e misterioso, ao naturalismo ingênuo e às insinuações de alienação cultural,
e propugnava, em oposição ao nacionalismo cepecista, o caráter internacionalista da nova
vanguarda artística brasileira, ao afirmar que:
Uma arte de vanguarda não se pode vincular a um determinado país: ocorre em qualquer
lugar, mediante a mobilização dos meios disponíveis, com a intenção de alterar ou contribuir
para que se alterem as condições de passividade ou estagnação. Por isso a vanguarda assume
uma posição revolucionária clara e estende sua manifestação a todos os campos da
sensibilidade e da consciência do homem.
79
77
Propostas 66 foi um evento que pretendia examinar a situação da arte no Brasil através de seminários, e pode ser
compreendido como o desenvolvimento de outra série de discussões realizadas no ano anterior, por ocasião de
Propostas 65, um balanço crítico dos realismos. Cf. PECCININI, Daisy.
Figurações Brasil anos 60
. São Paulo: Itaú
Cultural: EDUSP, 1999. p.133.
78
Declaração dos Princípios Básicos da Vanguarda, janeiro de 1967. APUD PECCININI, Daisy (coord.)
O objeto na
arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.73.
79
Ibidem.
A respeito desta ambigüidade” expressa na afirmação do caráter internacionalista
de uma arte comprometida com as questões estéticas e globais do país, ou na proposta de
dinamizar os fatores de apropriação da obra pelo mercado consumidorseguida da negação da
importância do mercado de arte em seu conteúdo condicionante”, diz-nos Maria Amélia Bulhões
que encerram a contradição em que se viam envolvidas as vanguardas artísticas locais: divididas
entre a aspiração de modernidade típica às sociedades subdesenvolvidas e a crítica a esta
modernidade.
80
Refletindo acerca das relações da arte com o mercado, em uma sociedade cujo
consumo de arte era, todavia, incipiente, como a brasileira na década de 1960, a vanguarda atuava
no sentido de dinamizar o mercado consumidor de arte a fim de ampliar, democratizar, o seu
acesso, adotando, se necessário fosse para a subversão do caráter elitista das artes plásticas, todos
os métodos de comunicão com o público; inclusive aqueles tradicionalmente alheios ao seu
universo, tais como o transistor ou a televisão.
De outro lado, no entanto, ao apostar no potencial democratizante dos meios de
comunicação de massa, no substrato comum que estes pareciam oferecer à formulação de uma
linguagem acessível ao grande público, a vanguarda atuava no sentido de questionar, em seu
conteúdo condicionante, este mesmo mercado, que procurava dinamizar, atribuindo-lhe a
responsabilidade da elitização de seu acesso, posto que orientado por valores discriminatórios
baseados na legitimação (autoria) e na singularização (unicidade) da obra de arte. Ao propor um
rompimento com as estruturas rígidas das sociedades desenvolvidas, apostavam em fórmulas
80
GARCIA, Maria Amélia Bules.
Artes plásticas: participação e distinção. Brasil anos 60/70.
Tese (Doutorado
em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1990. p.163.
arsticas mais participativas e personalizadas, em que a separão entre produtor e público se
dissolvesse”, desmistificando assim o estatuto elitista das artes plásticas.
81
Assim, a despeito, ou em virtude, de suas ambiidadesinternas, ao tocar, como
bem observou José Roberto de Oliveira Reis, “em elementos conceituais clássicos do debate
nacional como nacionalismo, indústria cultural e engajamento, modernidade, dependência
(alienação) cultural ou subdesenvolvimento, a Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda,
não só questionava certas posições hegemônicas da crítica cultural estabelecida, mas atuava como
uma grande arena de debates e proposições político-culturais.
82
Representando um posicionamento crítico e coletivo, à publicação da declaração
seguiu-se uma série de reuniões preparatórias destinadas a organizar uma exposição nacional da
vanguarda artística brasileira que, a exemplo das experiências de Opinião 65 (MAM-RJ, 1965),
Propostas 65 (FAAP-SP, 1965), Opinião 66 (MAM-RJ, 1966), Propostas 66 (Biblioteca
Municipal-SP, 1966), atuaria como vitrine e fórum de discussão das proposições da nova
vanguarda artística brasileira.
Considerada a mais significativa das exposições para o entendimento das
vanguardas artísticas daquele período, mostra corolária de uma série”, segundo Walter Zanini
83
,
Nova Objetividade Brasileira, de fato, atuaria, em face ao sucesso de sua realização, como uma
espécie de paradigma, ou ponto de inflexão, para a organização de novas proposições coletivas
81
Ibidem.
82
REIS, José Roberto de Oliveira. Exposições de arte: vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970. Tese
(Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Parará, Curitiba,
2005. p.40.
83
ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983.
destinadas a apresentar quase tudo que de rico e contraditório existe na formulação da jovem
arte do país.
84
Defendendo a tese de que nos anos 1960, no Brasil, os embates entre programas e
concepções da arte de vanguarda nas artes plásticas e suas relões com a política” realizaram-se
de uma maneira mais evidente e abertaem exposições de arte, tal qual Nova Objetividade
Brasileira, José Roberto de Oliveira Reis aponta para a natureza pública e coletiva destes
eventos, caracterizando-os como um influente local de trânsito entre público, artistas e idéias,
cuja importância se destaca em face da conjuntura política do país.
85
Neste sentido, guardadas as distâncias conceituais e as diferenças programáticas de
cada evento, exposições como: Nova Objetividade Brasileira (MAM-RJ, 1967), IX Bienal de
Arte de São Paulo (1967), I Jovem Arte Contemporânea (MAC-USP, 1967), ou O Artista
Brasileiro e a Iconografia de Massa (ESDI-RJ, 1968), formalizaram estes espaços públicos e
coletivos, atuando, a um só tempo, como vitrine e fórum de discussão da nova vanguarda arstica
brasileira.
De outro lado, o caráter coletivo destas exposições, entendido como o suporte
conceitual para uma discussão mais específica ou delineada, oferece-nos a possibilidade de
evidenciar o politecnomorfismo (muitas técnicas e formas) da nova vanguarda arstica nacional,
inventariando, destarte, a constância de obras vinculadas aos temas da cultura de massa. Visto ser
esta constância, precisamente, a de obras vinculadas ao tema, que pressupunha uma preocupação
mais que uma abordagem fortuita dos assuntos, a razão que levou o Diretório Acadêmico da
84
BARATA, Mário. Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1967. s/p.
85
REIS, José Roberto de Oliveira. Op. cit. p.41
ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro), sob a coordenação de
Frederico Morais, a fazer uma reflexão crítica sobre o assunto.
86
86
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. p.03.
2.1. NOVA OBJETIVIDADE BRASILEIRA (1967).
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro expõe grande parte da vanguarda brasileira de
1967 nesta
Nova Objetividade
, que reúne quase tudo que de rico e contraditório existe na
formulação da jovem arte do país. A tendência à construção de coisas, o rigor dialético da
manifestação crítico-visual-tatil, os elementos de gestação de uma linguagem de alto nível
semântico, informativo e psicologicamente percutente, farão dessa mostra um centro vital e
coerente da problemática e das estruturas estéticas de nosso tempo.
Mário Barata
Designado para a coordenação geral da mostra
87
, Mário Barata considerava que
“cumpria ao museu, que já expôs
Opinião
em 1965 e 1966, trazer ao público esta nova
manifestação coletiva, mais concentrada e desta vez com caráter nacional.
88
Mais concentrada, visto que orientada por um novo plano do agir artístico, uma
nova consciência do movimento estético: consciência em patamar superior, segue o crítico-
organizador, pela auto-reflexão e pela participação no mundo exterior, a par do singular domínio
e eficácia” na elaboração da obra. E, desta vez, com caráter nacional, posto que, diferentemente
de
Opinião 65
, que contara com a participação de jovens artistas europeus e latino-americanos,
Nova Objetividade Brasileira
propunha-se uma mostra aglutinadora-divulgadora da jovem
vanguarda artística nacional.
89
BARATA, Mário. Nova Objetividade Brasileira.
Nova Objetividade Brasileira
. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1967. s/p.
87
Designado para a coordenão da mostra, pouco antes de sua inauguração, Mário Barata, na verdade, substituía o
crítico Frederico Morais, que se afastara da organização do evento. Segundo o próprio Frederico Morais, seu
afastamento resultara: fundamentalmente por discordar da inclusão de muitos nomes entre os participantes, pelo
tom algo doméstico que ela parecia assumir na inclusão de filhos, maridos, esposas, amantes, primos, amigos etc.
Cf. MORAIS, Frederico.
Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro: 1816-1994
. Rio de Janeiro: Top-books,
1995. p.295.
88
BARATA, Mário. Nova Objetividade Brasileira. Op. cit. s/p. (grifo do autor).
89
Ibid. s/p.
Em consonância com o idrio exposto na Declaração de Princípios Básicos da
Vanguarda, cuja publicação precede a exposição, Hélio Oiticica introduz, através do texto
Esquema Geral da Nova Objetividade, o conceito de uma nova objetividade como a formulação
de um estado típico da arte brasileira de vanguarda atual.
A Nova Objetividade sendo um estado, não é pois um movimento dogmático, esteticista (como
p. ex. o foi o Cubismo, e também outros ismos constituídos como uma unidade de
pensamento), mas uma chegada, constituída de múltiplas tendências, onde a falta de
unidade de pensamentoé uma característica importante, sendo entretanto a unidade deste
conceito de nova objetividade, uma constatação geral dessas tendências múltiplas agrupadas
em tendências gerais aí verificadas. Um símile, se quisermos, podemos encontrar no Dada,
guardando as distâncias e diferenças.
90
Afora esta definição de uma nova objetividade, o catálogo da mostra (fig.01),
inusitado para a época, por seu caráter histórico e documental e pela densidade de conceituões
apresentadas
91
, estabelecia: a vontade construtiva geral; a tendência para o objeto e a superação
das categorias tradicionais das artes plásticas; o abandono do esteticismo formalista em favor de
uma abordagem semântica voltada para os problemas éticos, poticos e sociais; o ressurgimento
do conceito de antiarte formulado a partir de novas proposições; e a tendência para as
manifestões coletivas abertas à participação do espectador (corporal, tátil visual, semântica,
etc), como as principais bases contributivas para a emergência de Nova Objetividade Brasileira.
92
Planejada, como vimos, pelos signatários da Declaração, em sua maioria críticos e
artistas plásticos cariocas ou residentes no Rio de Janeiro como é o caso de Antônio Dias,
90
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de
Arte Moderna, 1967. s/p.
91
PECCININI, Daisy. Figurações Brasil anos 60. São Paulo: Itaú Cultural: EDUSP, 1999. p.143.
92
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. Op. cit. s/p.
paraibano, Carlos Vergara, gaúcho, Frederico Morais, mineiro, dentre outros
93
como uma
proposição coletiva da jovem vanguarda arstica nacional, Nova Objetividade Brasileira
instalou-se no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), aos 06 de abril de 1967,
contando com a presença de 40 artistas brasileiros que, a despeito dos esforços do grupo carioca
em convidar artistas de outras regiões a participar da exposição, eram, quase todos, originários
(naturais ou residentes) do eixo Rio-São Paulo.
94
Analisando esta “relativa hegemoniade cariocas e paulistas na exposição, diz-nos
Daisy Peccinini, cuja tese representa o trabalho mais abrangente sobre as artes plásticas no
período, que apesar de o texto para a imprensa indicar que dificuldades técnicas e operatórias
impediram a participão de mais artistas de outras regiões, pode-se pensar que o idrio da
Declaração, cuja ênfase centrava-se na problemática das relões da arte com uma realidade
urbana, moderna e industrializada, dificilmente possibilitava integrações fora do eixo Rio-São
Paulo. Entretanto, prossegue a autora, se o idrio da Declaração, dificilmente possibilitava um
esforço de integração nacional, propugnava, em contrapartida, um ponto de convergência aos
círculos artísticos do Rio e de São Paulo fundamentado na vivência de um novo humanismo:
93
Ao lado do crítico e artistas citados, assinaram a Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda Brasileira:
Rubens Gerchman, Lygia Clark, Lygia Pape, Glauco Rodrigues, Sami Mattar, Solange Escosteguy, Pedro Geraldo
Escosteguy, Raymundo Colares, Carlos Zílio, Hélio Oiticica, Anna Maria Maiolino, Renato Landin, Mário Barata e
Maurício Nogueira Lima (único signatário paulista e importante elemento inicial de contatos com o grupo paulista).
94
Aloísio Carvão (carioca), Alberto Aliberti (paulista), Anna Maria Maiolino (italiana, residente no Rio de Janeiro),
Avatar Moraes (gaúcho), Antônio Dias (paraibano, residente no Rio), Carlos Vergara (gaúcho, residente no Rio),
Eduardo Lins Clark (carioca), Carlos Zílio (carioca), Gastão Manuel Henrique (paulista, residente no Rio), Ferreira
Gullar (maranhense, residente no Rio), Flávio Império (paulista), Glauco Rodrigues (gaúcho, residente no Rio),
Geraldo de Barros (paulista), Juvenal Hahne Júnior (paulista, residente no Rio), Hans Haudenschild (paulista,
residente no Rio), Hélio Oiticica (carioca), Luís Gonzaga Rocha (paulista), Lygia Clark (mineira, residente no Rio),
Lygia Pape (carioca), Marcelo Nitsche (paulista), Maria do Carmo Secco (paulista, residente no Rio), Maria Helena
Chartuni (paulista), Maurício Nogueira Lima (pernambucano, residente em São Paulo), Nelson Leirner (paulista)
Roberta Oiticica (paraense, residente no Rio), Raymundo Colares (mineiro, residente no Rio), Mona Gorovitz
(gaúcha, residente em São Paulo), Pedro Escosteguy (gaúcho, residente no Rio), Roberto Magalhães (carioca),
Roberto Lanari (carioca), Rubens Gerchman (carioca), Samuel Szpigel (paulista), Sami Mattar (libanês, residente no
Rio), Sérgio Ferro (paulista), Solange Escosteguy (gaúcha, residente no Rio), Vera Ilce (paulista), Tereza Simões
(carioca), Ivan Serpa (carioca), Walter Smetack (suíço, residente na Bahia), Waldemar Cordeiro (italiano, residente
em São Paulo). Cf: Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1967, s/p.
Uma nova sensibilidade do homem moderno em relação a seu meio urbano industrializado,
cujos fundamentos conceituais se reportam às idéias de Pierre Restany, e que parecia inexistir
entre artistas de outros centros urbanos.
95
O que não significa dizer que toda a vanguarda paulista e carioca estivessem
presentes na exposição, nem tampouco que compartilhassem dos objetivos sintetizados no
manifesto. Artistas, como o paulista Wesley Duke Lee, cujas pesquisas se encaminhavam para
um tipo de realismo com tendências mais surrealizantes, entreviram nas proposições do manifesto
tributárias de uma objetividade relacional com a realidade contingente, como vimos um
golpe discriminatório à arte subjetiva, um cerceamento da liberdade de criação arstica, uma
delimitação temática inaceitável.
96
Considerar, portanto, a vivência de um novo humanismo, ensejado pela realidade
da fábrica e da cidade, a da publicidade e dos meios de comunicação de massa, a da ciência e da
técnica, enfim, como um ponto de convergência aos círculos arsticos de vanguarda do Rio e de
São Paulo, significa antes apontar para a natureza múltipla e heterogênea do momento artístico
em questão, em que as vertentes neofigurativas,
Phases
,
Nouveau Réalisme
,
Nouvelle Figuration,
Mythologies Quotidiennes
,
Figuration Narrative
,
Pop Art
, enfim, fizeram sentir suas influências
em diferentes intensidades, trazendo um universo novo de possibilidades poéticas e operativas.
97
Neste sentido, apesar da ênfase no real contingente defendido pelo movimento,
cujos princípios demonstravam, aliás, uma grande capacidade de aglutinão em face da
participação de 40 artistas-expositores,
Nova Objetividade Brasileira
agrupou trabalhos de
95
PECCININI, Daisy. Op. cit. p.140
.
96
Mário Barata, na apresentação do catálogo da mostra, assinalava que Hélio Oiticica: Reconhece inclusive a
validade das experiências e realizações não-normativas de Duke Lee, que para ele teriam sido uma das constituintes
do processo que o levou à formulão recente da nova objetividade, concluindo que a posição esteticista - segundo o
seu depoimento - seria insustentável. Cf.
Nova Objetividade Brasileira
. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna,
1967.
97
PECCININI, Daisy. Op. cit. p.15.
distintas linguagens em suas realizações arsticas, testemunhando uma quase total liberdade de
meios.
Havia a ala psicológica, representada pelas propostas vivenciais de Lygia Clark,
Roupa Corpo
Roupa,
de 1967, (...); outra proposta singular é da arte ambiental de Hélio Oiticica,
Tropilia
;
grande era a área da arte
pop
realista, onde podem ser localizados tanto paulistas como
cariocas. De um lado, esse setor era representado pelo Grupo Neo-Realista Carioca – Dias,
Gerchman, Escosteguy, Vergara, Magalhães, Maria do Carmo Secco, somados a elementos
mais novos, Anna Maria Maiolino, Sami Mattar, Hans Haudenschild, Roberto Lanari, Landin e
Zílio.
(...).
Raymundo Colares e Solange Escosteguy exemplificavam como os valores construtivos e
neoconcretos são utilizados pelos novíssimos para um discurso mais contingente (...). No grupo
carioca também podem ser incluídos os gaúchos Glauco Rodrigues, fixado no Rio desde 1966,
e Avatar Moraes.
(...)
Sob a tendência
pop
realista estavam os participantes paulistas ligados ao núcleo dos
arquitetos pintores: Maurício Nogueira Lima, Sérgio Ferro, Flávio Império, Vera Ilce, Samuel
Szpigel. A eles se somavam remanescentes do grupo Rex, Leirner e Barros, e o iniciante
Marcelo Nitsche. (...) Na linha dos popcretos de Waldemar Cordeiro, situavam-se Alberto
Aliberti e Mona Gorovitz (...). Uma outra ala era constituída de elementos advindos do
neoconcretismo e do construtivismo: Ferreira Gullar, Gastão Manuel Henrique, Lygia Pape e
Ivan Serpa.
98
Deste breve panorama descrito por Peccinini, destacam-se: uma relativa
hegemoniade paulistas e cariocas entre os artistas expositores; a participação na mostra de
elementos advindos do concretismo e do neoconcretismo; a utilização de valores construtivos
para a elaboração de um discurso comprometido com a realidade contingente; a apresentação de
propostas vivenciais e ambientais, tal qual a singular
Tropicália
, de Hélio Oiticica; e a
recorrência do objeto, “como uma opção para concretizar o trabalho bastante comum entre os
artistas.
99
98
Ibid. p.141.
99
PECCININI, Daisy. Op. cit. p.142.
Ainda quanto à relativa hegemoniade paulistas e cariocas na mostra,
considerada a partir das dificuldades de integração fora do eixo Rio-São Paulo (técnicas,
operatórias ou decorrentes do idrio manifesto), deve-se destacar um outro aspecto, de
conseqüências mais amplas, segundo Peccinini, por clarificar a emergência do núcleo desta nova
vanguarda nos círculos artísticos do eixo Rio-São Paulo. Referindo-se à experiência anterior da
arte concreta, intensamente vivenciada neste eixo nos anos 1950, a autora destaca a importância
do Concretismo e do Neoconcretismo na formação do ideário de Nova Objetividade Brasileira.
Os organizadores da Nova Objetividade Brasileira tinham também presentes as conquistas
antecedentes da arte concreta quanto aos antiismos, e antiesteticismos, e quanto à ruptura
com categorias e com compromissos com o subjetivismo e a representação e meios
convencionais. Consideravam os artistas concretos como precursores das pesquisas em torno
do objeto, e convidaram para a exposição, como pioneiros da arte objetual, Aluísio Carvão e
Franz Weissmann, reconhecendo a importância das realizações objetuais de Nogueira Lima
nessa dirão em 1953.
100
Ao lado destas conquistas antecedentes da arte concreta, destaca-se a proposta de
interferir na realidade da civilização urbana tecnológica e industrial, impregnada pela cultura de
massa, reformulada no contexto da retomada figurativa dos anos 1960 e comprometida, portanto,
com a realidade concreta do país.
Exemplo singular desta interpenetração entre o rigor construtivo dos anos 1950 e a
ênfase na abordagem da realidade contingente dos anos 1960 ou, se preferirmos, desta utilização
de valores construtivos para a elaboração de um discurso mais contingente, são os popcretos (pop
+ concreto, segundo Augusto de Campos) de Waldemar Cordeiro. Proposição na qual o lado
estrutural funde-se ao semântico, e cujo resultado são obras compostas em que se percebe as
estruturas geométricas dialogando com objetos, fotografias e outros tipos de imagens tiradas da
100
Ibid. p.141.
realidade, em um contraste entre valores semânticos e sintáticos, que aprofunda os significados
humanos e políticos latentes.
101
Dentre elas: Aleatório, de 1963 (fig.02), Texto aberto, de
1966 (fig.03), Ponto de vista, de 1965 (fig.04).
Na mostra, entre os elementos que, advindos do grupo concreto paulista,
participavam, ao lado de Cordeiro, com trabalhos comprometidos com a realidade objetiva,
encontravam-se Maurício Nogueira Lima, único signatário paulista da Declaração de Princípios
Básicos da Vanguarda, e Geraldo de Barros, cujas obras (Tragic glub glube Ah!, ambas de
1966) realizadas a partir da apropriação e da subversão de mensagens veiculadas em anúncios ou
cartazes publicitários (ready-mades visuais), revelavam uma crítica irônica aos mitos veiculados
e enfatizados pelas mensagens publicitárias do sistema de consumo; bem próxima daquela
manifestada nos trabalhos apresentados por Maurício Nogueira Lima.
102
Splashh!, Oahhh!ou Pshiuu! (fig.05), todas de 1967, por exemplo, eram
composições pictóricas em que a incorporação de figuras apropriadas dos meios de comunicação
de massa, jornais, outdoors e historietas em quadrinhos, principalmente, manifestava um sentido
de crítica social irônica aos mitos veiculados pelos meios de comunicação de massa aliada, no
entanto, à percepção da potencialidade comunicativa destes ícones (imagem). Neste sentido, a
intencionalidade do artista diferencia-se daquela revelada nos ready-mades visuais de Geraldo de
Barros, que sempre enfatiza a expressividade agressiva e amarga em suas imagens,
aproximando-se da preocupação semântica manifesta nos trabalhos de Cordeiro.
103
Egresso do movimento de arte concreta de São Paulo, o qual integrara, ao lado de
Barros e Cordeiro, desde a escrita e divulgação de seu manifesto, Maurício Nogueira Lima atua,
101
COSTA, Cacilda Teixeira da. Aproximões do espírito pop. Aproximações do Espírito Pop. São Paulo:
Museu de Arte Moderna, 2003. p.23.
102
PECCININI, Daisy. Op. cit. p.76.
103
Ibid. p.61.
na organização da mostra, como um importante elemento inicial de contatos entre paulistas e
cariocas, visto ser, como vimos, o único paulista entre os signatários da Declaração de Princípios
Básicos da Vanguarda, considerada um antecedente direto (ideário aglutinador) de Nova
Objetividade Brasileira. Conta-nos Peccinini que, com o objetivo de divulgar o manifesto entre
os paulistas e convidá-los a participar da exposição, o arquiteto pintor acompanhou Frederico
Morais e Antônio Dias nas andanças por ateliês, casas e galerias de São Paulo, das quais
resultou a adesão de treze artistas à nova vanguarda:
Sérgio Ferro, Flávio Império, Vera Ilce, Samuel Szpigel e Nogueira Lima, do grupo de
arquitetos pintores, além de dois novatos, Marcelo Nitsche e Luís Gonzaga Rocha Leite; do
grupo Rex, apenas Geraldo de Barros e Nelson Leirner, pois Wesley e seus ex-alunos, Fajardo,
Nasser e Resende se recusaram; Waldemar Cordeiro e seu círculo, Mona Gorovitz e Alberto
Aliberti, tendo Sacilotto negado a participação; além de Maria Helena Chartuni.
104
Quanto à iniciativa de aglutinar artistas de outras regiões em torno de ações
coletivas direcionadas a inventariar a nova vanguarda arstica brasileira, Cláudio Tozzi, em
entrevista recente a autora, aponta para a experiência de Nova Objetividade Brasileira (a despeito
das dificuldades técnicas, operatórias ou decorrentes do idrio manifesto, de integração fora do
eixo Rio-São Paulo) como uma espécie de paradigma, ou ponto de inflexão, para a organização
de novas proposições coletivas. Referindo-se especificamente à organização de O Artista
Brasileiro e a Iconografia de Massa, exposição temática organizada por Frederico Morais na
Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, diz-nos Cláudio Tozzi que a maioria
dos paulistas que a integraram foram convidados, senão pelo próprio Frederico Morais, em uma
de suas andanças por São Paulo, por intermédio do arquiteto pintor Maurício Nogueira Lima, em
104
Ibid. p.139.
um esquema muito similar aquele adotado em Nova Objetividade Brasileira, que o Frederico
organizou no Rio e o Maurício Nogueira Lima aqui [em São Paulo].
105
Neste sentido, Marília Andrés Ribeiro constata que Nova Objetividade Brasileira
demonstrou a capacidade dos artistas e dos críticos de se organizarem coletivamente em prol de
uma nova perspectiva semiótica e política para a arte brasileira, estimulando, conseqüentemente,
uma série de manifestações coletivas que, comprometidas com a construção de uma arte
autenticamente brasileira e contemporânea, buscavam fazer com que a arte, transbordando de
seu circuito institucional, atingisse as ruas e ali suscitasse uma nova relação comunicacional entre
o artista e o público. Entre os eventos estimulados por este espírito coletivo incentivado por Nova
Objetividade Brasileira, destacam-se: O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa (ESDI-RJ,
1968); Arte na Rua (MAM-RJ, 1967) Arte no Aterro - um mês de arte pública (Aterro do
Flamengo-RJ, 1968), Festival das Bandeiras (Praça General Osório-RJ, 1968).
106
Atuando, portanto, no sentido de inventariar a nova vanguarda arstica brasileira,
os eventos mencionados destacam-se pela inauguração de um novo tipo de relão participativa,
ora provocativa, com o público-espectador, mediante a radicalização das propostas de abertura e
de integração arsticas originárias dos movimentos concreto e neoconcreto.
Sobre as contribuições do neoconcretismo para a conformação deste processo, o
crítico de arte, Mário Pedrosa, por exemplo, costumava atribuir ao movimento a designação de
pré-história da arte brasileira. Pré-história, não porque desconsiderasse os movimentos arsticos
precedentes, senão porque concebia o experimentalismo manifesto na busca das origens e dos
fundamentos da criação empreendida por seus integrantes como um marco constituinte da arte
105
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 14 dez. 2004.
106
RIBEIRO, Marília Andrés. As neovanguardas arsticas de Belo Horizonte nos anos 1960. Tese (Doutorado em
Artes) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p.69.
brasileira contemporânea, responsável por uma ruptura radical com os limites convencionais das
artes plásticas. Neste sentido, de uma experiência limite na arte contemporânea, o poeta e crítico
de arte, Ferreira Gullar, recentemente, referiu-se ao movimento neoconcreto como o passo
adiante do quadrado branco sobre o fundo branco.
Com efeito, o neoconcretismo não apenas rompera com o dogmatismo das
proposições concretistas (racionalismo, mecanicismo, empirismo), mediante a crítica aos
modelos vigentes de organização formal, como atualizara a problemática da arte enquanto prática
experimental autônoma, ao reafirmar as possibilidades criadoras do artista, enfatizando os
aspectos experimentais e expressivos de sua prática artística. Diferentemente, portanto, das
tentativas concretas de introduzir uma participação sensorial do espectador, por meio de
expedientes puramente informacionais, a proposta neoconcreta de redefinir a operação-arte e o
seu relacionamento com o espectador, rumo à formulação de uma arte total e existencial, acerca-
se (guardada as distâncias e diferenças) do sentido de transgressão das normas de arte
empreendida pelos Dadas, e retomada pela nova vanguarda arstica brasileira.
107
Neste sentido, empenhando-se na formulação de um discurso explicativo e
histórico sobre as experiências contributivas para a formulação deste “estado típico da arte
brasileira de vanguarda atual, Hélio Oiticica, em Esquema Geral da Nova Objetividade, remonta
à “experiência longa e penosa de Lygia Clark na desintegração do quadro tradicional, como o
marco deste processo de criação sucessiva de relevos, antiquadros e estruturas ambientais, rumo a
chegada ao objeto.
108
107
No sentido de fundir a arte com a vida e provocar o envolvimento do espectador. Cf. BRITO, Ronaldo.
Neoconcretismo: rtice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify, 1999.
108
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. Op. cit. s/p.
Seguindo sua análise, Oiticica considera que, a partir dos trabalhos pioneiros de
Lygia Clark - do quadro cortado às superfícies moduladas, dos contra-relevos aos não-objetos
móveis, os Bichos, 1961 (fig.06) - este sentido de transgressão dos limites tradicionais das artes
plásticas, manifesto na proposta de negação e superação do quadro de cavalete, apareceria, de
modo cada vez mais rápido e eclosivo, mais dialético e realista, nas obras de outros artistas. Visto
que, da abordagem e dissolução puramente estruturais, como fora formulado pelo neoconcretismo
(Teoria do Não-objeto, de Ferreira Gullar, em 1959), o problema do objeto, ou melhor, da
chegada ao objeto, passa a ser orientado, já não mais por necessidades puramente estruturais, mas
“envolvendo um processo dialético a que Mário Schenberg formulou de realista” - o da criação,
no caso, de uma cultura participante dos problemas brasileiros.
109
Acompanhando as transformações que se processaram no país, no período de
1964-65, o problema do objeto desloca-se, a partir dos antiquadros (quadros narrativos) de
Antônio Dias, do altar genuflexório de Gerchman, dos popcretos de Cordeiro ou do parangolé
social do próprio Oiticica, de um conceito puramente estrutural para uma abordagem dialética
(realista) orientada pela busca de um modo objetivo de participação ativa do espectador. Segundo
Hélio Oiticica, esta busca por uma aproximação participante encontra-se tão intimamente ligada
ao processo da quebra do quadro e à chegada do objeto, como ao problema do ressurgimento da
antiarte.
Opondo-se à pura contemplação transcendental, esta busca por uma participação
fundamental, significativa e não-fracionada, posto que total (manipulação, participão
sensorial-corporal, participação semântica), inaugura um novo tipo de relação obra-
espectador, ora participador, radicalizando (idéia de linha evolutiva) as propostas de abertura e
integração artísticas originárias, como vimos, do movimento neoconcreto. Contudo,
109
Ibid. s/p.
diferentemente do neoconcretismo, a nova vanguarda arstica brasileira propugnava a
participação do artista como um ser social, criador não só de obras, mas modificador também de
consciências (no sentido amplo, coletivo).
Não compete ao artista tratar de modificações no campo estético como se fora este uma
segunda natureza, um objeto em si, mas sim de procurar, pela participação total, erguer os
alicerces de uma totalidade cultural, operando transformações profundas na consciência do
homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passaria a agir sobre eles usando os
meios que lhe coubessem: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atingir a essa
transformação, etc.
110
Equivalendo, portanto, a uma vontade e a um pensamento realmente
transformadores, nos planos ético-político-social, a proposta de uma participão total encerra,
por fim, a tendência para uma arte coletiva, cujas soluções - seriação de obras (produção em
série), planejamento de feiras experimentais,
happenings
ou parangolés (capas, tendas,
estandartes) - apontam para o ressurgimento do conceito de antiarte que a nosso ver assume hoje
papel mais importante e, sobretudo, novo.
O problema antigo de fazer uma nova arteou de derrubar culturas, já não se formula assim
- a formulação certa seria a de se perguntar: quais as proposições, promoções e medidas a que
se devem recorrer para criar uma condição ampla de participação popular nessas proposições
abertas, no âmbito criador a que se elegeram esses artistas. Disso depende sua própria
sobrevincia e a do povo nesse sentido.
111
Diferentemente da significação dada, destruição do convencional, niilismo, o
conceito de antiarte ressurge na formulação deste estado típico da arte brasileira de vanguarda
atualaliado a uma preocupação real de se construir um universo novo, novas bases, sobre as
quais se solidificaria uma cultura tipicamente brasileira. Esta seria, em suma, a primeira
110
OITICICA, Hélio. Op. cit. s/p.
111
Ibid. s/p.
necessidade da nova objetividade: procurar pelas características nossas, latentes e de certo modo
em desenvolvimento.
No seu processo de busca por características e personalidades próprias, Oiticica
depara-se com algo de especial, característico nosso, a que denomina uma vontade construtiva
geral.
No Brasil, os movimentos inovadores apresentam, em geral, esta característica única, de modo
bem específico, ou seja, uma vontade construtiva marcante. Até mesmo no movimento de 22
poder-se-ia verificar isto, sendo, a nosso ver, o motivo que levou Oswaldo de Andrade à
lebre conclusão de que seria nossa cultura Antropofágica, ou seja, redução imediata de
todas as influências externas a modelos nacionais. Isto o aconteceria não houvesse latente
na nossa maneira de apreender tais influências, algo de especial, característico nosso, que
seria esta vontade construtiva geral. Dela nasceram nossa arquitetura, e mais recentemente os
chamados movimentos Concreto e Neoconcreto, que de certo modo objetivaram de maneira
definitiva tal comportamento criador.
112
Caracterizando um tro distintivo dos movimentos de vanguarda brasileira, esta
vontade construtiva geral corresponderia, enfim, a uma particular necessidade de caracterização
nacional, marcada pela redução imediata de todas as influências externas a modelos nacionais, tal
qual concluíra Oswald de Andrade.
Materializando esta idéia de redução antropofágica, Oiticica apresenta, num
espo quase à margem da exposição, um projeto ambiental: era um barracão (penetrável)
verde-amarelo, rodeado de um cenário tropical, com vegetação e araras, no qual o espectador, ora
participador, penetrava e, descalço, percorria, entre poemas e objetos, sobre areia e pedras, o seu
interior, até se deparar com um televisor ligado com o volume máximo de som.
113
112
Ibid. s/p.
113
O conceito de ambiente (arte ambiental) designa uma operação artística em que o espo, o entorno da obra,
torna-se parte constituinte do trabalho. No Brasil, este conceito aparece, premonitoriamente, em um texto de Mário
Pedrosa, datado de 1966, como o termo utilizado por Hélio Oiticica para denominar sua arte. Cf: PEDROSA, Mário.
Arte Ambiental, Arte Pós-Moderna, Hélio Oiticica”. Cf.
Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília
. (org.)
AMARAL, Aracy. São Paulo: Perspectiva, 1981. p.205-09.
Intitulada “Tropicália” (fig.07) esta proposição ambiental representava, declara-
nos o artista:
A primeira tentativa consciente, objetiva em impor uma imagem obviamente brasileira ao
contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional (...). Uma tentativa
ambiciosa de criar uma linguagem nossa, característica, que fizesse frente à imagética
pop
e
op
internacional, na qual mergulhava boa parte de nossos artistas (...).
Na verdade quis eu com a Tropicália, criar o mito da miscigenação somos negros, índios,
brancos, tudo ao mesmo tempo nossa cultura nada tem a ver com a européia, apesar de estar
até hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela. Quem não tiver
consciência disso, que caia fora. Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira,
característica e forte, expressiva ao menos, essa herança maldita européia e americana terá de
ser absorvida antropofagicamente...
114
Afora materializar a redução antropofágica de Oswald, absorvendo,
contemporaneamente, a presença dos meios de comunicação de massa, junto ao mito da
tropicalidade, Tropilia radicaliza as propostas de intervenção e participação arsticas,
apresentando uma solução revolucionária ao impasse: “como num país subdesenvolvido, explicar
o aparecimento de uma vanguarda e justifi-la, não como uma alienação sintomática, mas como
um fator decisivo no seu progresso coletivo? Como situar aí a atividade do artista?.
115
Situando-se no limiar do objeto - anti-suporte-obra, Tropicália” encerra o sentido
de situação - situação que ao impasse responde quebrando condicionamentos (desconstrução do
mito da tropicalidade), ultrapassando antíteses (reconhecimento de valores e inter-relões
múltiplas), suscitando a experiência em liberdade, tal como entrevia a arte, o artista
parafraseando o crítico – um exercício experimental de liberdade.
114
OITICICA, Hélio. APUD MORAIS, Frederico.
Artes plásticas: a crise da hora atual.
Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1975. p.95.
115
IDEM. Esquema Geral da Nova Objetividade. Op. cit. s/p.
Quanto ao conceito de objeto, diz-nos Oiticica que, apesar de empregado no
sentido de caracterizar trabalhos realizados com materiais efêmeros, em contraposição ao bronze,
ao mármore e ao ferro da escultura tradicional, este não se destina a substituí-la, ou ao quadro,
suporte-obra.
O problema do objeto só é importante sob um ponto de vista que não faça da OBRA-OBJETO
(da obra sob forma de OBJETO) uma solução para a substituição do QUADRO ou da
ESCULTURA como suportes-OBRA.
116
Ante a recorrência do objeto, opção bastante comum entre os artistas de
Nova
Objetividade Brasileira
, diz-nos Peccinini tratar-se de uma opção de ordem político-ético-social,
de um reflexo, em última análise, da tendência de integração e comunicação da arte com a
realidade brasileira, dada a multiplicidade e heterogeneidade das manifestões apresentadas sob
a designação de objeto: apropriação simples e pura de um objeto de uso comum; utilização de
imagens e símbolos produzidos nos meios de comunicação de massa (
ready-mades
visuais);
justaposição de objetos das mais diversas procedências (
assemblages).
Ou seja, aglutinando
composições de extrema variabilidade matérico-formal, a opção pelo objeto comporta, e não
conceitua, portanto, um sentido revolucionário, ora desafiador, ora agressivo, decorrente do
caráter mediador-desencadeador de uma arte de ação-participação (total, existencial, social,
corporal, semântica) verifivel nas proposições apresentadas.
117
Afora Tropicália, confluíam na conformação deste sentido revolucionário:
Altar (agora dobre os joelhos)de Rubens Gerchman (fig.08), Altar (Adorão 66)de Nelson
Leirner (fig.09), O Eu e o tu/ Roupa-corpo-roupade Lygia Clark (fig.10), Os restos do herói
116
OITICICA, Hélio. Contribuição para uma publicação sobre o objeto na arte brasileira nos anos 60. APUD
PECCININI, Daisy (coord.).
O objeto na arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.189-90.
117
PECCININI, Daisy.
O objeto na arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.13-16.
de Antônio Dias (fig.11), Deitado em berço esplêndido, de Samuel Szpigel (fig.12), Bumde
Marcelo Nitsche (fig.13), dentre outras.
Apostando na mostra como um centro vital e coerente da problemática e das
estruturas estéticas de nosso tempo, Mário Barata concluía que se aqui não se acha presente
toda a
vanguarda
, está ao menos um seu momento decisivo, dotado de alta eficácia técnica,
beleza e informação.
118
118
BARATA, Mário. Nova Objetividade Brasileira. Op. cit
.
s/p. (grifo do autor).
2.2. IX BIENAL DE ARTE DE SÃO PAULO (1967).
Com a aproximação da inauguração da IX Bienal de o Paulo, o que ocorrerá na próxima
semana, dia 22, o assunto de todas as discussões nas rodas artísticas é mesmo o grande
certame. Há um grande movimento Rio-São Paulo, gente que vai e que vem trazendo as mais
desencontradas notícias e fofocas. (...) Na parte brasileira, o melhor, dizem, está no setor dos
objetos: Gerchman, Marcelo Nitsche, Luiz Gonzaga, José Resende, Nelson Leirner, Gastão
Manoel Henrique, Amélia Toledo. De um modo geral, a parte brasileira apresenta-se
tumultuada (excesso de trabalhos) e confusa, com vários trabalhos mal expostos e outros
(gravuras e desenhos) com vidros quebrados.
Frederico Morais
Atualizando seus leitores quanto às últimas informações acerca da inauguração da
mais importante manifestação internacional de artes plásticas do ano, a IX Bienal de São Paulo,
Frederico Morais segue noticiando que na área internacional, o melhor, dizem os brasileiros que
por lá andaram, está com a Itália, vindo em seguida a Inglaterra. A sala americana ainda não foi
montada, mas será oficialmente apresentada, em coquetel, no próximo dia 20 [de setembro de
1967].
119
Inaugurada, o padrão museográfico e a organização científica apresentados pela
delegação norte-americana contrastavam, segundo Mário Pedrosa, não somente com o aspecto
caótico da representação brasileira, considerada tumultuada e confusa, por Pedrosa, Morais e
tantos outros, senão com quase todos os demais pavilhões estrangeiros, organizados ao deus
dará, ou segundo a rotina burocrática já estabelecida. Ou seja, basta uma carta também rotineira
MORAIS, Frederico. O endero de hoje é a Bienal.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 15 set. 1967. p.03.
119
Ibidem.
da direção da Bienal, em ano par, à autoridade competente de cada país; e eis, em suma, o
mecanismo de seleção internacional do certame.
120
Seguindo o ritmo de crescimento de uma empresa, segundo comentou criticamente
Paulo Mendes de Almeida por ocasião de sua abertura, a IX Bienal de São Paulo apresentava, em
comparação a edições anteriores do evento, números vertiginosamente crescentes. De 1951, por
exemplo, quando de sua primeira edição, com cerca de 1.800 obras e 23 países participantes,
passava-se, em 1967, ao número de 4.132 obras (896 artistas) e 61 países participantes.
121
De modo que a crítica de Pedrosa à rotina burocrática do evento, expressa na falta
de critérios objetivos para a seleção das representões estrangeiras, estendia-se ao caráter
heterogêneo e megalômano assumido pela mostra desde a sua autonomização do Museu de Arte
Moderna de São Paulo; quando, “exatamente a partir daí, diz-nos o crítico Arnaldo Pedroso
dHorta, os defeitos da Bienal se agravaram, pois a sua estrutura burocrática interrompeu os
contatos com os artistas e deixou de contar com os conselhos dos críticos de arte que exerceram
as funções de Diretor Arstico do MAM.
122
De outro lado, a falta de critérios ou uma suposta e exacerbada generosidade por
parte do júri responsável pela seleção da representão brasileira no evento, para com os 393
artistas selecionados, foram recriminadas pelo presidente da Fundação Bienal de São Paulo,
120
PEDROSA, Mário. Por Dentro e Por Fora das Bienais. In
Mundo, homem, arte em crise
. São Paulo: Perspectiva,
1981. p.301-02.
121
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana.
Bienais de o Paulo: da era dos museus à era dos curadores
(1951-2001)
. São Paulo: Boitempo: 2004. p.116.
122
DHORTA, Arnaldo Pedroso. Bienal sem MAM é circo de arte. In
O olho da consciência
. São Paulo: Imprensa
do Estado: EDUSP: Secretaria da Cultura, 2000. p. 138-9. Sobre os percursos e os percalços da Bienal de São Paulo
consultar: ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana.
Bienais de São Paulo
. Op. cit
.
Francisco Matarazzo Sobrinho. É um absurdo!, exclamou, Em toda a história da nossa arte
moderna não existem 393 artistas, mesmo se incluirmos os de nível médio!.
123
Composto pelos críticos Mário Schenberg e José Geraldo Vieira (eleitos pelos
artistas), Geraldo Ferraz e Jayme Maurício (indicados pela Fundação Bienal) e Clarival
Valladares (escolhido pelos quatro outros jurados), o júri recriminado por Ciccilo, e por tantos
outros, examinara 7.000 trabalhos, de 1.104 artistas inscritos (530 a mais que na edição anterior)
distribuídos nas seguintes categorias: 3.210 pinturas, 670 esculturas, 2.187 desenhos, 648
gravuras, afora as tapeçarias. Dentre os quais selecionaram 1.493 obras (601 pinturas, 404
desenhos, 252 gravuras, 221 esculturas e objetos e 15 tapetes) de 393 artistas.
124
O resultado desta seleção, diziam os críticos dos críticos, era uma representação
variada e numerosa (a maior do evento, seguida da delegação norte-americana, ocupando 900
metros quadrados), capaz de despertar comentários inquestionavelmente positivos, ou ferozmente
negativos.
Como vimos, Ciccilo acreditava ser impossível uma seleção de ordem qualitativa
em meio a esta desordem quantitativa, visto que não existiriam 393 artistas, mesmo se incluídos
os de nível médio, em todo a história da arte moderna brasileira. De modo que atribuía ao júri da
seleção a responsabilidade por tal desordem. De outro lado, mas também consternado com o
aspecto de feira livre, em que cada qual expõe, a sua falante, a sua mercadoria”, assumido pela
seção brasileira, o crítico Paulo Mendes de Almeida não atribuía, no entanto, a culpa desta
situação ao júri. Para Almeida, tal situação era antes um efeito do processo seletivo vigente,
123
APUD MENDES, Liliana.
A Bienal Pop
. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade de Campinas, Campina, 1993. p.18.
124
MENDES, Liliana. Op. cit. p.16. Segundo Leonor Amarante, a representação brasileira apresentava 1.493 obras
de 366 artistas, entre eles 253 estreantes. Cf.
As Bienais de São Paulo: 1951-1987
. São Paulo: Projeto, 1989. p.148.
decorrência direta da falta de clareza dos critérios de seleção adotados (ou melhor, seria dizer:
válidos para uma seleção criteriosa...).
125
A questão colocada pela seleção do júri, repreendida pelo presidente da Fundação
Bienal de São Paulo e polemizada pela crítica especializada incidia, portanto, justamente na
problemática central do momento arstico atual que “nívelera este, citado por Ciccilo, que
qualificaria os artistas e seus trabalhos, conseqüentemente, como bons, médios, válidos ou
nenhuma das alternativas anteriores (?).
Mário Schenberg, em artigo originalmente publicado no Correio da Manhã, pouco
antes da abertura do certame, parecia atender a esta demanda por clareza quanto aos critérios de
seleção adotados pelo júri, revelando uma compreensão ímpar, e inquestionavelmente positiva,
quanto às transformações artístico-culturais em curso. Dizia o crítico:
A IX Bienal de São Paulo realiza-se num momento de extraordinária atividade e profunda
renovação da arte brasileira, marcado por uma explosão de vitalidade criadora. Como não
poderia deixar de acontecer, agora nos meios arsticos e culturais um debate apaixonado e
uma luta acirrada de tendências várias, sobretudo da antiarte contra o esteticismo e do apego
às tendências artesanais.
126
Para Schenberg, nestes momentos de renovação estético-arstica, seriam os
jovens, não de idade, mas de espírito, sem compromisso com o passado, nem tampouco com a
experiência sedimentada, os pioneiros, precisamente, daquela ruptura característica às vanguardas
daí o momento atual da arte brasileira caracterizar-se, escreve:
Por uma irrupção maciça de artistas jovens que encontram os novos caminhos. Eles são
favorecidos pela sua inexperiência, pela sua ignorânciadas habilidades artesanais e pela
125
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana. Op. cit. p.118-9.
126
SCHENBERG, Mário. A Representação Brasileira na IX Bienal de São Paulo. In Pensando a arte. São Paulo:
Nova Stella, 1988. p.193.
falta de preparoque tanto afligem os incapazes de compreender que o novo é
essencialmente irreduvel ao velho.
127
Quanto aos artistas selecionados para representar o Brasil na IX Bienal de São
Paulo, afirma o crítico, na posição de presidente do júri, que tal representação oferece “uma
imagem impressionante da vitalidade do movimento artístico brasileiro atual, além de refletir o
desenvolvimento das novas tendências realistas, ao lado das demais posições de vanguarda”.
De modo que, atendendo à demanda de desnudar os critérios adotados para a conformão deste
panorama, considera o crítico que:
Sem sombra de dúvida, o maior mérito do júri da selão da IX Bienal foi ter compreendido o
momento revolucionário atual da arte brasileira e de ter dado prioridade às inovações, mesmo
quando apresentadas com deficiências de execução.
No júri a qualidade foi interpretada como
riqueza de concepção experimental e de intuição pioneira
, ao contrário do que se faz
correntemente, confundindo qualidade artística com habilidade artesanal ou perfeição de
acabamento. Assim o júri foi fiel ao espírito da arte contemporânea. Não é de admirar a
indignação que se espalhou como um sarampão...
128
Mário Pedrosa parece ter sido aquele que, ao lado de Frederico Morais, melhor
compreenderam o “espíritodo júri. Pedrosa, por exemplo, embora considerasse que um júri de
seleção de missionário, sob a ascendência de Mário Schenberg, deixou tudo passar, o bom e o
mau, o achado e o inacabado, bastando para tanto que algum embrião de idéia despontasse;
constatou, por fim, que a IX Bienal, 1967, foi aquela em que as inovões radicais que
começaram a acontecer a partir da VI, ou à primeira década de sessenta, tiveram sua plena
127
Ibidem.
128
Ibid. p.194.
expansão. Neste ano, segue o crítico, o grande público afinal entendeu que se tratava agora de
algo diferente do que vinha apreciando desde as primeiras mostras.
129
Já Morais, discordando da expressão júri demissionário, por considerá-la
sinônimo de não bem julgou-selecionou, acreditava que mediante a selão apresentada, ainda
que de fato confusa e numerosa, o Brasil resistia bem no confronto com as demais nações,
sobretudo na parte referente à pesquisa e à vanguarda.
130
De fato, a representação brasileira apresentada na IX Bienal de São Paulo
evidenciava um vigor experimental característico aos movimentos de vanguarda, cuja sintonia
com as principais correntes de atualização estética em voga no panorama arstico internacional
fazia com que, em meio à acidez crítica, surgisse a idéia de que o melhor de nossa arte nada
devia ao melhor da arte feita na época.
Encontrando-se apta, portanto, a concorrer, a despeito da
desordem de seu pavilhão, com as demais representações aos prêmios do certame, cuja distinção
entre artistas estrangeiros e nacionais, afora a divisão por categorias (pintura, escultura, gravura,
desenho), seriam definitivamente abolidas do evento, a partir desta sua nona edição.
131
Estimulada, por um lado, pela tão reivindicada unificação dos prêmios, esta idéia
de que a vanguarda brasileira resistia bem ao confronto com as demais nações resultava, ademais,
da contemporaneidade irradiada pelo conjunto apresentado; com especial destaque para o setor de
objetos, esculturas e tridimensionais afins.
129
PEDROSA, Mário. Por Dentro e Por Fora das Bienais. Op. cit. p.301.
130
MORAIS, Frederico. Júri demissionário.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 29 set. 1967. p.03. Vale observar a
diferença ortográfica apresentada nos artigos citados, referente à expressão júri de missionário(Pedrosa) e “júri
demissionário(Morais). Visto que júri demissionárioseria, de fato, sinônimo daquele que abdica de seu direito,
que não o faz valer, ao passo que o significado da expressão júri de missionárioestaria mais próximo de uma idéia
relativa ou pertence às missões religiosas; podendo ser, portanto, interpretada no sentido de um júri propagandista,
pregador e/ou propugnador.
131
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana. Op. cit. p.118.
Schenberg, por exemplo, observara, no mencionado artigo, que a escultura e o
objeto, que eram pouco numerosos e, em geral, de qualidade discutível, nos eventos anteriores,
mostravam-se abundantes e, freqüentemente, de nível internacional, na edição atual.
132
Ao passo
que Frederico Morais noticiara, como vimos, antes mesmo da inauguração oficial da mostra, que
o melhor de nossa representação, diziam os que por lá andavam, estava no setor dos objetos.
Passada a abertura, diria o crítico, depois de ter por lá andado, que um dos conjuntos mais
expressivos da representão objetual brasileira na atual Bienal de São Paulo é o do jovem artista
Rubens Gerchman.
133
Integrando o setor de objetos com três peças já conhecidas: Novas Caixas de
Morar, Sempre junto de ti ou Banco de namorados” e Altar(apresentada anteriormente,
como vimos, na coletiva Nova Objetividade Brasileira
134
), Gerchman indicava para a vitalidade
criativa da nova vanguarda brasileira, demonstrando, segundo Mário Schenberg, “as imensas
possibilidades dos artistas extremamente jovens do Brasil.
135
Visto que ao seu lado
apresentavam-se: Antônio Dias, Carlos Vergara, Roberto Magalhães, Pedro Geraldo Escosteguy,
Cláudio Tozzi, Samuel Szpigel, João Parisi Filho, Maria do Carmo Secco, João Ronaldo Lima,
Antônio Henrique do Amaral, Teresinha Soares, Waldemar Cordeiro, Maurício Nogueira Lima,
dentre outros artistas jovens, não só de idade, mas de espírito; em cujas obras verifica-se a
132
SCHENBERG, Mário. A Representação Brasileira na IX Bienal de São Paulo. Op. cit. p.196.
133
MORAIS, Frederico. Gerchman na Bienal paulista. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 set. 1967. p.03.
134
Modificado em 1966, o novo regulamento da Bienal de São Paulo permitia a inscrição de obras já conhecidas; isto
é, não inéditas no certame. Cf. Catálogo IX Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1967.
135
SCHENBERG, Mário. A Representação Brasileira na IX Bienal de São Paulo. Op. cit. p.195.
predominância das novas tendências realistas do período, bem como, da já mencionada opção
pelo objeto.
136
Quanto aos trabalhos de Gerchman e Antônio Dias, especificamente, Mário
Pedrosa, ao qualifi-los de popistas do subdesenvolvimento, em artigo intitulado Do pop
americano ao sertanejo Dias, contribuía para as discussões geradas em torno da polêmica da
assimilação e/ou das ressonâncias da Pop Art no cenário artístico brasileiro; estimulada,
sobretudo, pelo confronto entre as representões brasileira e norte-americana.
Intitulado Environment USA, o pavilhão dos Estados Unidos apresentava, afora
uma maravilhosa, segundo Pedrosa, retrospectiva “em torno de um velho mestre local esquecido,
Hopper, 21 artistas contemporâneos ligados, direta ou indiretamente, à Pop Art, tais como:
Robert Indiana, Jasper Johns, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, Robert Rauschenberg, James
Rosenquist, George Segal, Andy Warhol e Tom Wesselmann.
137
Para Liliana Mendes cuja dissertação focaliza a IX Bienal de São Paulo como
um espaço-tempo privilegiado para o exame da Pop Art, e de suas ressonâncias no panorama
arstico brasileiro, em virtude, justamente, da oportunidade de contato, propiciada por esta
edição, com os artistas pop originais (isto é, norte-americanos, visto ser a Pop Art um fenômeno
norte-americano com irradião internacional) entre os artistas estadunidenses mencionados, de
comum, havia apenas o fato de serem todos figurativos, partindo quase sempre de imagens de
segunda mão, já processadas pelos meios de comunicação de massa”. De modo que define a Pop
Art como uma tendência contextualmente vinculada ao avanço da sociedade de consumo e à
expansão dos meios de comunicação, mas esteticamente associada à retomada do figurativismo
nas artes; cuja figuração perfaz, no entanto, modificações significativas na representação
136
Cf. Catálogo IX Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1967.
137
PEDROSA, Mário. Por Dentro e Por Fora das Bienais. Op. cit. p.301.
ilusionista tradicional, ao apresentar, apropriando-se da realidade contingente (apropriação-
apresentação X representação). Menciona, ademais, o uso intercambiado entre a visualidade da
cultura de massa e a tradição estética tradicional; a valorização do trivial, da experiência imediata
e do banal; a despersonalização do tro do artista ou a impessoalidade da fatura da obra, como
algumas das principais características temático-estilísticas da Pop Art, apresentada no pavilhão
dos Estados Unidos.
138
Confrontando-o com a representação brasileira, afirma que aspectos, como a
valorização da experiência imediata ou a apropriação da iconografia derivada da cultura de
massa, de fato, irradiam dos trabalhos de Gerchman, Dias, Geraldo de Barros, Maurício Nogueira
Lima, Samuel Szpigel, Nelson Leirner, Cláudio Tozzi, etc. Contudo, diferentemente dos norte-
americanos, ressalta que para os artistas brasileiros de vanguarda dos anos 1960, arte, cultura,
política, ética e atitudes comportamentais diante da vida e da sociedade eram elementos
indissociáveis de uma só questãoexpressa no binômio participação-comunicação. Ou seja, este
interesse pela iconografia derivada da publicidade, dos meios de comunicação de massa, da vida
da grande cidade, enfim, buscava responder a necessidade de intensificar a comunicão com
público, articulando a produção cultural em termos de inconformismo e desmistificação,
participação e comunicação.
139
Para Pedrosa, a diferença fundamental entre os artistas norte-americanos e jovens
como um Gerchman ou um Antônio Dias, reside na constatação de que para aqueles trata-se de
tranqüilamente, sem dramas, verificar o que há, e produzir, não para estetas, mas para
consumidores normais. Ao passo que para os popistas do subdesenvolvimentonão se trata de
fazer coisas visando a satisfação publicitária do consumismo pelo consumismo:
138
MENDES, Liliana. Op. cit. p.13.
139
MENDES, Liliana. Op. cit. p.179-82.
Pois quando a linguagem ou os veículos do pop os tomam, há neles uma ingenuidade nativa,
uma temática essencial, um modo de ser incoercível, que não lhes dão a gratuidade necessária
para abraçar, com vivacidade, brilho e naturalidade qualquer causa publicitária. (...) A
diferença deles, popistasdo subdesenvolvimento, é que escolhem para quem produzir. Daí,
por exemplo, o caráter passional da obra de um Antônio Dias. (...) Seu desenho narra, mas
sobretudo exe. (...) Sua arte (...) não nos dá um comentário jornastico como no pop
americano, mas antes um pedaço bruto de vida.
140
De modo que face à pulsação passional, questionadora e nativa irradiada pelos
popistas do subdesenvolvimento, a
Pop Art
estadunidense mostra-se fria e gratuita, conformista
e alienada, aos olhos do crítico; quando não identificada como veículo ideológico do
imperialismo norte-americano. Leonor Amarante, em seu livro sobre as Bienais de São Paulo,
reproduz uma fotografia do pavilhão dos Estados Unidos, veiculada pelo
O Estado de São Paulo
,
por ocasião do evento, no qual ao lado da obra “Girl, 1965, de Roy Lichtenstein, verifica-se a
inscrição: Viva Guevara. (fig.14). Segundo Amarante, diante da repressão política imposta
pela ditadura militar e dos horrores da guerra do Vietnã, parte do público elegeu a sala da Pop Art
para se manifestar.
141
De modo que não fossem estes anos sessenta, tempos de acirramento político-
ideológico no país, o surgimento da mencionada inscrição poderia pouco, ou quase nada,
significar. No entanto, o desejo de ação (manifestação) duramente reprimida pelo regime militar
manifestou-se de maneira vigorosa e destrutiva nesta IX Bienal, estimulada pelo caráter
participativo e intervencionista dos trabalhos apresentados.
142
Exultante quanto ao fato de que o tabu do não me toques” era, enfim, abandonado
por uma volúpia não-contemplativa, Pedrosa acreditava que “a participação do espectador
140
PEDROSA, Mário. Do pop americano ao sertanejo Dias. In
Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília
. São
Paulo: Perspectiva, 1981. p.217-21.
141
AMARANTE, Leonor.
As Bienais de o Paulo: 1951 a 1987
. Op. cit. p.167.
142
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana. Op. cit. p. 117.
revela-se cada vez mais como uma traço específico da sensibilidade de nossa época, como um
conceito verdadeiramente revolucionário.
143
E a despeito das conseqüências desse primeiro
assalto para o contatoresultarem em um verdadeiro estrago, visto que ao fim do certame, só
havia ruínas, destroços, principalmente no pavilhão brasileiro, considerava que a interação entre
arte e público alcançara resultados inéditos na história da mostra; de vez que ao fim de um dia,
não se sabe se, de uma maravilhosa festa ou uma feroz batalha de vândalos. O povo consagra a
arte nova.
144
Entre ruínas e destroços, nem todos compartilharam, contemporaneamente, da
mesma exultação de Pedrosa quanto aos resultados finais do certame; oscilando, como bem
observou o crítico, entre a percepção de que, de fato, findara um dia de uma maravilhosa festa, ou
de uma feroz batalha de vândalos.
Tampouco houve consenso entre a crítica a respeito das soluções adotadas pelos
artistas, quanto à fatura de seus trabalhos, considerados precários, e, por vezes, de baixa, ou
nenhuma, qualidade técnica. Quanto à participão, considerada curiosa por muitos, do
comediante Jô Soares no certame, Arnaldo Pedrosa dHorta observou, em artigo intitulado A
pintura está ausente, mas Jô está se divertindo, que:
Naturalmente, isso não tem a menor importância [o fato da pintura estar ausente]: uma vez
que Jô Soares gosta de pintar, e que pintando se distrai, o há nenhum motivo para que não
continue a fazer o jogo das tintas, assim descansando de suas atividades habituais.
145
143
PEDROSA, Mário. Bienal e Participão... do Povo. In
Mundo, homem, arte em crise
. São Paulo: Perspectiva,
1979. p.188-9.
144
IDEM. Por Dentro e Por Fora das Bienais. Op. cit. p.301.
145
DHORTA, Arnaldo Pedroso. A pintura está ausente, mas Jô está se divertindo. Op. cit
.
p.192.
Apreciando a observação do crítico, os autores de As Bienais de São Paulo,
Francisco Alambert e Polyana Canhête, constatam que comentários como pintores de fim-de-
semana, mulheres de posses, provavelmente esposas de homens de necios, com muito tempo
para matar, ou jovens que recorrem a generosas expensas de suas famílias, de fato, ressoaram
nos corredores do Pavilhão das Nões do Parque do Ibirapuera; evidenciando o todo
contraditório que constituía a delegação brasileira.
146
De outro lado, no entanto, comentários, como o mencionado, indicavam para a
necessidade de uma profunda revisão do método crítico, como observou Frederico Morais,
pouco antes da inauguração do certame. Acercando-se do espírito crítico manifesto por Mário
Schenberg, na posição de jurado desta nona edição, compartilhava Morais, com seus leitores do
Diário de Notícias, que: hoje, importa o que a obra diz objetivamente, o pensamento que a
percorre, a proposição, e não mais aqueles chamados valores formais e artesanais. É neste
sentido, igualmente”, dizia, que se faz necessária uma profunda revisão do método crítico:
crítica poética”.
147
De modo que, se havia um ponto de consenso entre a crítica, o público e os artistas
nesta Bienal, marcada pela explosão das inovações radicais em curso - ao menos um aspecto
sobre o qual todos estivessem de acordo, seria este a indignação ante a subtração autoritária das
obras consideradas subversivas, ainda que selecionadas por um júri demissionário.
Embora a polêmica mais divulgada desta Bienal seja o caso de quase-censura da
obra Meditação sobre a bandeira nacional de Quissak Júnior, sob a alegação de violação à Lei
de Segurança Nacional, que proibia o uso indevido dos símbolos nacionais, a jovem carioca
146
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana. Op. cit. p.121.
147
MORAIS, Frederico. Reflexões sobre arte e a crítica de arte. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14 set. 1967.
p.03.
Cybèle Varela teve uma de suas obras, de fato, subtraída do certame, como noticiou Frederico
Morais, em sua coluna do Diário de Notícias, aos 27 setembro de 1967. Indignado com a
situação, dizia que:
A dirão da Bienal está se recusando a repor o trabalho de Cybèle Varela que foi podado pela
pocia política, um dia antes da inauguração. Como se sabe, contou com a presença do
Presidente da Reblica [General Arthur da Costa e Silva]. O quadro versava sobre matéria
política, apesar de muitos outros abordarem também questões delicadas, como os de Quissak
Júnior, que são variações em torno da bandeira nacional.
148
Ao mencionar a permanência de outros trabalhos que também versavam sobre
questões delicadas, matéria política, em suma, o crítico permite-nos compreender melhor a
lógica, ou melhor, a falta de lógica e incoerência da atuação de uma censura, dita inexistente,
posto que não legalizada
149
, a serviço de uma ditadura perpetrada, diziam, em nome da liberdade
e da democracia.
Quanto ao trabalho de Quissak Júnior, de vez que a sua quase-proibição não
resultou na sua supressão, Meditação sobre a bandeira nacional (fig.15) oferecia ao público
desta Bienal uma ótima oportunidade de comparar o modo como os popistas do
subdesenvolvimento, de um lado, e os artistas norte-americanos, de outro, abordavam a um
mesmo tema em seus respectivos trabalhos; no caso, a bandeira nacional.
Do lado dos popistas do subdesenvolvimento, Meditação sobre a bandeira
nacional, uma obra de natureza participativa e intervencionista, compunha-se de cinco quadro-
caixas móveis (2,05 x 2,49 x 0,34 cada), que ao serem movimentados pelo público geravam,
como observou Morais, variações (meditões, quem sabe...) em torno da bandeira nacional. Ao
passo que do outro, no pavilhão dos Estados Unidos, encontrava-se Three Flags, de Jasper
148
IDEM. Bienal: tópicos e nocias.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 27 set. 1967. p.03.
149
A Constituição vigente no ano de 1967 não previa nenhuma forma de censura.
Johns (fig.16). Considerada uma das pinturas mais marcantes e mesmo simbólicas da arte
americana daquele período, ponto de inflexão do surgimento da Pop Art nos Estados Unidos,
Three Flags, de 1958, compõe-se de três telas-bandeiras (posto que o tema, a bandeira,
identifica-se com a tela) sobrepostas em tamanhos decrescentes, criando, portanto, três níveis de
profundidade. Mas de uma profundidade distinta daquela ilusionista tradicional; ou seja, os três
planos deixam de ser três planos para submergirem na tridimensionalidade” de um objeto de
caráter contemplativo.
150
Referindo-se, recentemente, aos trabalhos em questão, Ricardo Fabrini analisa que
a crítica elaborada por nossos popistassuburbanos terceiro-mundistas dos anos 1960 à
ideologia do American way of life” associada a Pop Art torna-se, de fato, ainda mais evidente na
contraposição sugerida. Diz-nos o crítico que:
Se opusermos a pintura de Jasper Johns da bandeira norte-americana - um ícone pop
premiado nessa Bienal -, e, a versão sarica local, as bandeiras dobráveis de Quissak Júnior
(hoje esquecidas), numa denúncia à ditadura militar do período; se em Jasper Johns se lia
ufanismo, malgrado ou não o artista - uma difusão da ideologia norte-americana - em Quissak
Júnior, os militares viam terrorismo, comunismo ou anti-americanismo; em suma, uma
violação à Lei de Segurança Nacional.
151
A quase-proibição das bandeiras de Quissak Júnior, aliada à supressão do trabalho
de Cybèle Varela, seguida da recusa (auto-censura) da direção da Bienal de reintegrá-lo a mostra,
demonstram que os efeitos da ditadura militar, que se instalara no país em abril de 1964,
estendiam-se, gradualmente, ao mundo das artes plásticas; revelando, ora ignorância, ora
discernimento, por parte dos censores, quanto ao caráter revolucionário desta nova arte. De modo
que à supressão ou à quase-proibição de trabalhos sofridas nesta Bienal, segue-se o fechamento
150
MENDES, Liliana. Op. cit. p.73.
151
FABRINI, Ricardo. Para uma história da Bienal de São Paulo: da arte moderna à contemporânea. Revista USP,
São Paulo, n.52, dez. / fev., 2001-2002, p.50.
arbitrário da II Bienal Nacional de Artes Plásticas (Salvador, dezembro de 1968), com a
conseqüente prisão de seus organizadores, Juarez Paraíso e Riolan Coutinho, e a apreensão de
trabalhos considerados eróticos e subversivos, como os de Antônio Manuel, Thereza Simões,
entre outros; e a posterior (1969) proibição da mostra dos artistas selecionados para a
representação brasileira à VI Bienal de Paris, que seria realizada no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro.
Este último, considerado o mais grave incidente com a censura das artes plásticas
no Brasil, foi assim descrito por Niomar Moniz Sodré, presidente do MAM em 1969:
A exposição já estava montada e os convites distribuídos para a abertura às 18h. Eu estava no
Correio da Man, quando, às 15h, recebi telefonema de Madeleine Archer dizendo que
militares haviam entrado no Museu e fechado a porta que dava acesso à mostra, sob a
alegação de que era uma exposição subversiva. A diretoria funcionava no bloco-escola. Os
militares voltaram em seguida, desmontaram a exposição, colocando as obras no desito do
Museu. Eu, Mário Pedrosa, Maurício Roberto e Madeleine Archer ficamos conversando até
tarde da noite, no museu. Antes de ir embora, eu peguei o trabalho de Antônio Manuel e o levei
direto para o Correio da Mane o escondi entre as almofadas de um sofá, receoso de que os
militares invadissem também o jornal. Na Bienal de Paris, o espaço reservado ao Brasil ficou
vazio, com o objetivo de mostrar que a exposição fora censurada.
152
A arbitrariedade destas ões, somadas a tantas outras, agora sustentadaspelo
Ato Institucional de número 05, promulgado aos 13 de dezembro de 1968, provocou uma onda de
protesto e indignação no meio arstico-intelectual brasileiro, cuja repercussão culminou com a
organização de um boicote internacional à décima edição da Bienal de São Paulo. Liderado por
Mário Pedrosa, autor da
Declaração dos Princípios dos Críticos de Arte Brasileiros
, documento
que reivindicava os direitos da livre criação artística e da inviolabilidade das exposições de arte
nos países civilizados, o boicote contou com a adesão de cerca de 80% dos artistas brasileiros
152
APUD
MORAIS, Frederico.
Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro: 1816-1994
. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1995. p.308.
convidados, e de outras tantas delegões estrangeiras, tais como: Estados Unidos, França,
Holanda, Suécia, México e Argentina.
153
153
RIBEIRO, Marília Andrés.
As neovanguardas arsticas de Belo Horizonte nos anos 1960
. Tese (Doutorado em
Artes) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p.74.
2.3. I JOVEM ARTE CONTEMPORÂNEA MAC-USP (1967).
Inaugurada, na última quarta-feira, em São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea de São
Paulo, a I Exposição da Jovem Arte Contemporânea reunindo trabalhos de artistas de menos
de 35 anos, selecionados por um júri composto de José Geraldo Vieira, Caciporé Torres e
Walter Zanini.
Frederico Morais
.
Inaugurada aos vinte de setembro de 1967, a
I Jovem Arte Contemporânea
do
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) aparece noticiada,
com alguns dias de atraso, na coluna de Frederico Morais, em razão, como ressalta o próprio
crítico, da mais importante manifestação internacional de artes plásticas deste ano, a IX Bienal
de Arte de São Paulo, ter sido inaugurada no dia 22 último. Até então, diz-nos, o assunto de
todas as discussões nas rodas arsticas era mesmo o grande certame.
154
Segundo Daria Jaremtchuk, cuja dissertação destina-se a avaliar a importância
destas Exposições da Jovem Arte Contemporânea no MAC-USP, a proximidade das datas de
inauguração dos certames em questão, apenas acentuaria o pouco espaço concedido à cobertura
das JACs nos meios jornasticos, visto que as notícias sobre a mostra limitavam-se, quando o
faziam, ao anúncio da abertura de inscrições de obras e/ou à divulgação do vernissage de
inauguração. Espaço incompavel, considera a autora em sua pesquisa, dada a contribuição
destas exposições junto à divulgação e à fomentação, em âmbito nacional, daquela jovem arte
contemporânea dos anos 1960.
155
MORAIS, Frederico. Criado o prêmio da crítica.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 26 set. 1967. p.03
154
IDEM. O endero de hoje é a Bienal.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 15 set. 1967. p.03.
155
Segundo a autora, escreviam-se muitas cartas aos órgãos de imprensa solicitando a divulgação do evento -
insistência da qual resultam as poucas nocias publicadas. Localizamos uma carta de Zanini para o redator de Artes
da revista
Leia
: [...] será que o esquecimento costumaz se deve ao fato de não termos edifício suntuoso?”. Cf.
Criado aos 10 de abril de 1963, em razão da doação da colão de obras de arte de
Francisco Matarazzo Sobrinho e de Yolanda Penteado, sua esposa, à Universidade de São Paulo,
o Museu de Arte Contemporânea da USP, MAC-USP, surge como um importante pólo cultural
da cidade, voltado à produção, à criação e ao consumo de bens culturais, em consonância com a
política cultural delineada por Walter Zanini, seu primeiro diretor.
156
Segundo Daria Jaremtchuk:
Incumbido pela USP de fazer o inventário das doações e posteriormente de organizar o museu,
Walter Zanini [recém-chegado dos estudos em História da Arte na Europa] almejava um
museu de arte que ultrapassasse os paradigmas do projeto moderno de conservar e guardar
obras-primas. Pretendia tornar o MAC um espaço dimico, voltado à produção, à circulação
e ao consumo de bens culturais. Para tal empreendimento, traçou uma política cultural voltada
a diversas frentes.
157
Destas diversas frentes: apresentões de música de vanguarda, de grupos de
expressões corporais e de dança, ciclos de cinema, palestras, debates, cursos de história da arte,
programas de divulgação cultural com outros municípios ou de intermediação com o exterior,
destaca-se a criação de mostras destinadas a promover a produção dos jovens artistas brasileiros
contemporâneos, designadas, portanto, de Jovem Desenho Nacional, Jovem Gravura Nacional e,
posteriormente, Jovem Arte Contemporânea.
158
Diferentemente de suas antecessoras, Jovem Desenho Nacional e Jovem Gravura
Nacional, circunscritas ao desenho e à gravura, respectivamente, a I Exposição da Jovem Arte
JAREMTCHUK, Daria.
Jovem Arte Contemporânea no Museu de Arte Contemporânea da USP
. Dissertação
(Mestrado em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. p.33.
156
Quanto ao paralelismo da criação do MAC-USP e da Fundação Bienal de São Paulo, e sua autonomização do
Museu de Arte Moderna de São Paulo, consultar ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyana.
Bienais de São
Paulo: da era dos museus à era dos curadores (1951-2001)
. São Paulo: Boitempo, 2004.
157
JAREMTCHUK, Daria. Op. cit. p.03.
158
Ibidem.
Contemporânea - na verdade, a quinta preparada com as mesmas diretrizes- abrangia “obras de
escultura, pintura e criações afins, permitindo um largo confronto da produção arstica das novas
gerões em todas as suas implicações estéticas, técnicas e materiais.
159
No catálogo da mostra, Zanini anunciava, ademais, que com a criação da Jovem
Arte Contemporânea, as exposições Jovem Desenho Nacional (JDN) e Jovem Gravura Nacional
(JGN), realizadas bienalmente de 1963 a 1966, seriam reunidas numa só mostra gráfica a partir
de 1968, realizando-se sempre nos anos pares. Alternadamente, nos anos ímpares, a Jovem Arte
Contemporânea (JAC) compreenderia escultura, pintura e objetos afins.
160
Afora estas modificações, realizadas em razão de uma crescente demanda, por
parte dos artistas, para a criação de uma mostra específica para pintura, escultura e objetos afins,
as diretrizes das JACs, conforme anunciado por Zanini, seguiriam sendo as mesmas de suas
antecessoras. Ou seja, delas poderiam participar jovens artistas brasileiros ou estrangeiros
residentes no país há pelo menos um ano, e cuja idade não ultrapassasse os 35 anos estabelecidos.
Afora a idade, outra condição indispensável para a seleção do júri, composto por um crítico de
arte e um artista, ambos indicados pelos artistas participantes na ficha de inscrição, além de um
representante do museu, no caso, o próprio Zanini, era a apresentação de um conjunto de três
obras, necessariamente, inéditas e recentes; que, segundo o regulamento, deveriam ser enviadas à
sede do museu, instalado provisoriamente no edifício Armando Arruda Pereira, no Parque do
Ibirapuera.
No regulamento da mostra estabelecia-se ainda a atribuição de três prêmios
aquisitivos, visto que:
159
ZANINI, Walter. I Jovem Arte Contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo, 1967. s/p.
160
Ibid. s/p.
À diferença do espírito salontradicional, com sua hierarquia de prêmios, suas medalhas,
seus fins predominantemente consagratórios, as exposições do MAC procuram desempenhar
um papel estimulante e seu objetivo é antes o de desperta
r
e revelar [...]. Tanto pelo critério de
seleção (o júri aceita ou recusa um conjunto de três obras), como pelo sistema de atribuição de
prêmios aquisitivos (as obras laureadas destinam-se ao acervo).
161
Tal iniciativa, a de atribuir prêmios aquisitivos ao invés de viagens ao exterior,
como era habitual nos salões da época, revelava a preocupação do museu (de Zanini, sobretudo)
em reconhecer e acolher as novas expressões artísticas emergentes, no sentido de promover os
jovens artistas junto ao, todavia incipiente, mercado de arte, integrando-os, para tanto, ao seu
acervo de arte contemporânea. De outro lado, reconhecia o papel do museu, como parte
integrante do sistema institucional da arte (atribuição de valor às obras e legitimação de novas
tendências), atuando não como um museu de arte moderna, mas como um museu de arte
contemporânea; ou seja, apoiando expressões arsticas que estavam dando o seu primeiro
passo.
162
Da incorporação de obras ao seu acervo, o incentivo do museu à profissionalização
e à divulgação dos jovens artistas estendia-se, respectivamente, à intermediação para eventuais
transações de venda das obras sem auferir vantagens; isto é, sem por isso receber qualquer
compensação financeira”, bem como ao caráter circulante que possuíam as próprias JACs. Visto
que após a realização da mostra em São Paulo, o MAC promovia a sua circulação em outras
cidades do país, estimulando assim uma ampla divulgação das obras apresentadas.
163
161
ZANINI, Walter.
Op. cit. s/p.
162
O pro do prêmio aquisição baseava-se no valor declarado pelo artistas na ficha de inscrição das exposições.
Porém, nem sempre as verbas destinadas pela reitoria da USP eram suficientes para cobrir as somas requeridas. A
única forma que o museu encontrou para adquirir todos os trabalhos foi pedir a redução dos valores. Cf.
JAREMTCHUK, Daria. Op. cit. p.12.
163
Ibid.
p.10.
Por fim, revelando uma certa preocupação de ordem didático-informativa presente
na organização destes eventos, o catálogo da I Jovem Arte Contemporânea (fig.17), cujas
diretrizes, como vimos, eram as mesmas de suas antecessoras, anunciava que: em dias e horas a
serem divulgados, o MAC promoverá conferências e debates nas salas de exposição.
164
Inaugurada, como vimos, aos vinte de setembro de 1967, a I Jovem Arte
Contemporânea do MAC-USP apresentava, do conjunto das 549 obras inscritas (183 candidatos),
50 artistas expositores, autores, portanto, das 150 obras selecionadas pelo júri. Revelando a
abrangência nacional do certame, destaca-se, deste conjunto composto por 50 artistas brasileiros
ou estrangeiros residentes no país há pelo menos um ano, e com idade inferior ou equivalente aos
35 anos estabelecidos, a participação de artistas procedentes de outras regiões, tais como Rio
Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Bahia e Rio de Janeiro, entrecortada por uma significativa
presença de paulistas ou estrangeiros residentes em São Paulo.
165
Dentre os paulistas, especial destaque para a presença de Baravelli, Fajardo,
Nasser e Resende, integrantes, ao lado de Duke Lee, Geraldo de Barros e Nelson Leirner, do
extinto, posto que efêmero, porém ruidoso, Grupo REX; Donato Ferrari, Cláudio Tozzi, Antônio
Henrique Amaral, Tereza Nazar, Apio Raimundo Viana Freire e Ermelindo Nardin; Bin Kondo
e Tomoshige Kusuno, integrantes do Grupo Austral do Movimento Phases.
166
Do Rio de Janeiro, destaque para Cybèle Varela e Regina Vater; e do Rio Grande
do Sul, para o gaúcho Avatar Moraes.
164
ZANINI, Walter. Op. cit. s/p.
165
Cf. Catálogo da exposição I Jovem Arte Contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo, 1967; JAREMTCHUK, Daria. Op. cit. p.144.
166
Diretamente ligado ao movimento Phases internacional, o Grupo Austral realizara sua primeira exposição no
Museu de Arte Contemporânea da USP, sob a coordenação e incentivo de seu diretor, Walter Zanini, no ano de 1964.
Consultar catálogo: Phases: Surrealismo e Contemporaneidade, Grupo Austral e Cone Sul. São Paulo: Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1997.
O júri de selão, conforme noticiado por Frederico Morais, fora composto pelo
crítico de arte, José Geraldo Vieira (jurado, como vimos, da IX Bienal de São Paulo), pelo
escultor Caciporé Torres (ambos eleitos pela maioria dos artistas), e pelo próprio Walter Zanini,
na condição de diretor do museu.
Quanto às principais características observadas no conjunto selecionado destacam-
se: a predominância das novas tendências realistas do período; a abordagem de temas vinculados
à realidade contingente, tais como: potica e pocia, cotidiano, publicidade e consumo; afora
uma preferente opção pelo objeto, enquanto solução técnica adotada, construído mediante a
apropriação e/ou a justaposição de materiais das mais diversas procedências: gesso, esmalte,
cimento, encáustica, plástico p.v.c., acrílico, poliéster, fórmica, etc.
Note-se que, em face da selão apresentada, o MAC não só reconhecia a validade
destas novas tendências, mas atuava, de fato, como um laboratório experimental desta nova arte
em processo, revelando personalidades significativas para a arte contemporânea brasileira. Da
jovem vanguarda carioca, por exemplo, apresentaram-se na II Jovem Desenho Nacional: Antônio
Dias (prêmio-aquisição), Carlos Vergara, Roberto Magalhães (hors concours), Rubens Gerchman
(prêmio-aquisição), dentre outros.
167
De outro lado, respondendo a crescente demanda por
transparência quanto aos critérios de seleção adotados pelos jurados (veremos, a seguir, o
episódio do porco empalhado), o regulamento das JACs previa a publicação não só dos critérios
assumidos para a seleção das obras inscritas, mas para a escolha dos trabalhos que receberiam o
prêmio-aquisição. Fato este que, ao lado do sistema de premião mencionado, contribuía para
diferenciar as JACs dos demais salões tradicionais.
167
Instituída, a menção hors concours era destinada à deferência de artistas já premiados em mostras anteriores. No
caso de Roberto Magalhães, prêmio-aquisição na I Jovem Desenho Nacional. Cf. JAREMTCHUK, Daria. Op. cit.
p.142.
Quanto à premiação da I Jovem Arte Contemporânea, afora as laureadas, Bibelô:
a secção da montanha”, de José Resende; De tudo aquilo que pode ser, de Cybèle Varela; e
Pintura I, de Ermelindo Nardin, receberam referência especial do júri de premiação: Alípio
Raimundo Viana Freire, Bin Kondo, Donato Ferrari, Tereza Nazar e Tomoshige Kusuno.
168
Considerado, por Mário Schenberg, o discípulo mais destacado de Duke Lee
169
,
José Resende, então com 22 anos de idade, apresentara ao júri de seleção desta JAC um conjunto
de três trabalhos realizados com materiais relacionados à construção (acrílico, madeira, ferro),
visto que o tema de sua pesquisa fazia então referência, justamente, ao uso destes materiais e sua
inserção no meio ambiente (fig. 18). No caso da laureada Bibelô: a secção da montanha
(madeira revestida de laminado, acrílico e terra), Resende contrapõe, justapondo, os elementos
naturais (madeira e terra) aos materiais industriais (acrílico, fórmica, ferro), invertendo, assim, a
chamada “ordem natural; isto é, o elemento tectônico que sustenta e estrutura o trabalho não é a
terra, e sim a formapor ele criada (fig.19).
170
O artista interfere, assim, no espo, posto ser Bibelô: a seão da montanha um
tridimensional, cuja transparência, inerente ao acrílico de sua estrutura, faz com que o olhar do
espectador observe através de (concepção clássica de perspectiva). Um comentário, em última
análise, sobre a paisagem do meio urbano e suas vitrines, Bibelô: a secção da montanha
apresenta-nos o elemento terra tal qual uma mercadoria em exposição.
168
Distinto daquele destinado à selão das obras, exceto pela presença de Walter Zanini, o júri de premiação fora
composto por: Ryszard Stanislawski - diretor do Museu de Belas Artes de Lodz; Eduard de Wilde - diretor do
Stedelijk Museum de Amsterdã.
169
Referindo-se a participão do artista na IX Bienal de São Paulo, Mário Schenberg comenta: José Resende
apresenta uma série importante de esculturas em metal e plástico. É o mais destacado do grupo de discípulos de
Wesley Duke Lee, integrado também por Carlos Alberto Fajardo e Frederico Nasser, que exe também obras
interessantes na IX Bienal. Cf. SCHENBERG, Mário. A Representação Brasileira na IX Bienal de São Paulo. In
Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.195.
170
JAREMTCHUK, Daria. Op. cit. p.44.
Atual e ousada em suas soluções (objeto, acrílico), desvinculada, porém, das
tendências neorealistas (figurativas) do período, Bibelô: a secção da montanha aponta-nos,
portanto, para o caráter múltiplo e heterogêneo da vanguarda artística dos anos sessenta.
À diferença do tridimensional premiado de Resende, De tudo aquilo que pode
ser, de Cybèle Varela (fig.20), compunha-se de três painéis (óleo s/ aglomerado de madeira),
pictórico-narrativos, cuja linguagem, típica às histórias em quadrinhos, associava-se, portanto, às
tendências neorealistas do período.
Carregados, quase sempre, de fortes referências aos ícones da vida urbana
contemporânea, os trabalhos de Cybèle Varela impressionaram de tal forma o crítico-articulador
do Nouveau Réalisme, Pierre Restany, em uma de suas vindas ao Brasil, que este acabou por
incluir o nome da artista no rol de seus companheiros franceses. Varela, inclusive, transfere-se,
quase que definitivamente, à Europa, pouco depois do encerramento da mostra O Artista
Brasileiro e a Iconografia de Massa; da qual participa, como veremos a seguir, com trabalhos de
forte ímpeto contemporâneo, tal qual o apresentado nesta JAC.
Irradiando cores fortes, quentes, típicas aos meios publicitários, posto que
industrialmente obtidas, De tudo aquilo que pode ser não só conta-nos uma história, como nos
faz cúmplices, a nós observadores, de uma cena estranhamente cotidiana. No primeiro painel,
observam-se duas jovens colegiais de mini-saia e duas, já não tão jovens, freiras de batina prestes
a atravessar a faixa de pedestre de uma avenida qualquer. No momento da travessia, no entanto,
enquanto uma das freiras parece fundir-se à jovem colegial de mini-saia, com a qual agora
intercambia suas vestes; a outra, subitamente, desaparece do campo visual do espectador. O
estranhamento inicial provocado pela fusão das personagens, e de suas vestes, neste segundo
painel, revela-se total, no terceiro e último painel da série, quando, a despeito do ressurgimento
da freira “desaparecidaou da “restaurão parcialdas personagens, De tudo aquilo que pode
serrevela-se um lúdico, porém, crítico quebra-caba plástico-visual.
Como sugere o próprio título da obra, De tudo aquilo que pode ser oferece-nos
um amplo universo de possibilidades quanto à composição e/ou à justaposição de suas imagens.
Tal qual um quebra-caba plástico-visual, portanto, a obra convida-nos a participar de sua
história; criando situões inusitadas, como a de uma freira de mini-saia, cuja significação surge
à medida que o espectador, no papel de co-autor da obra, interage com o trabalho.
De modo que ao estimular, de um lado, aquele que observa a refletir, de modo
lúdico e divertido, sobre o ilusionismo inerente à arte da pintura, Varela obriga-o, ademais, a
repensar a sua tradicional posição contemplativa frente a esta nova arte emergente.
Aproximando-se da linguagem, assim como da composição plástico-visual de De
tudo aquilo que pode ser, Cláudio Tozzi participava do certame com uma série de três painéis
pictórico-narrativos, intitulada O Bandido da Luz Vermelha(fig.21). Valendo-se, como Varela,
daquela linguagem pica às histórias em quadrinhos, mas de cores primárias, sobretudo (azul,
vermelho e amarelo), Tozzi conta-nos, igualmente, uma história que, tal qual uma freira de mini-
saia, desenvolve-se de forma lúdica e inusitada. Ao contrário, porém, De tudo aquilo que pode
ser, a narrativa de Tozzi remete-nos a um personagem fático, cujo apelido intitula a série.
O Bandido da Luz Vermelha, como ficou conhecido João Acácio Pereira da Costa
(fig.22), por sua especialidade em assaltar mansões na capital paulista, no decurso dos sessenta,
revelou em entrevista à imprensa, logo após sua detenção, em 1967, que a idéia de ser o Bandido
da Luz Vermelha brasileiro lhe fora sugerida por uma reportagem intitulada “Assalto à
americana. Por intermédio desta, dizia Acácio, que a existência de Caryl Chesmann, o
verdadeiro Bandido da Luz Vermelha, condenado à câmara de gás na Califórnia, em 1948, se lhe
revelara. De modo que para assumir o personagem e tornar-se cada vez mais lebre nas páginas
policiais, confessou que apenas lhe fora necessário substituir a lâmpada da lanterna com a qual
costumava trabalhar, e seguir trabalhando, como tal. Afinal, ante a inexistência de alarmes
naquela época, declarou que, um macaco de automóvel lhe era suficiente para arrombar as grades
das mansões, desligar a chave geral e concluir o assalto de lanterna na mão (note-se que o pano-
de-fundo da narrativa de Tozzi compõe-se de estrelas, como as estrelas da bandeira dos Estados
Unidos).
Segundo o próprio Acio: Eles gostaram, me deram a idéia e eu repeti. Fiz
outros assaltos assim. Os jornais mesmo é que me deram a idéia de [trocar a lâmpada de minha
lanterna e] ser, [a partir daí,] o Luz Vermelha.
171
Estimava-se, em 1967, por ocasião de sua prisão, que Acácio era responsável por
mais de 100 assaltos, 04 homicídios, dentre outros delitos cometidos em um período de apenas
quinze meses. De modo que sua célebre ascensão, detalhadamente noticiada pela imprensa
paulistana nos anos sessenta, não resultava, digamos, de seu sex-appeal. Curiosamente, no
entanto, Acácio era, positivamente, apresentado como mulherengo e galanteador, tal qual na
reportagem intitulada Assalto à Americana”, que o descrevia gentil com a dona e a empregada
da mansão que assaltara em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, por tê-las beijado a mão,
quando findo o assalto. De modo que, em virtude de seus feitos heróicos (anti-heróicos, digamos)
veiculados pela imprensa, Acácio, mesmo depois de preso e condenado, receberia centenas de
cartas de mulheres, dezenas de propostas de namoro, evidenciando ser a realidade por vezes tão
inusitada, quanto manipulada pelos medias em questão.
172
Em depoimento recente a autora, o artista responsável pela abordagem crítica desta
manipulação revelou que a série do Bandido da Luz Vermelha irradiava uma certa ironia ante os
171
MANSO, Bruno Paes. Prisioneiro do mito. Revista VEJA, 03 set. 1997. p.31.
172
Idem.
fatos, no sentido de que enquanto coisas aconteciam, como a repressão, a censura, prisões e
mortes de pessoas que estavam atuando na luta contra a ditadura; coisas mais importantes, em
suma, as manchetes dos jornais tratavam do Luz Vermelha. Tanto que no conjunto, o tema se
desenvolve num clima de ação e de erotismo, de temor e de amor ao bandido anti-herói
(fig.23).
173
Referindo-se à repressão e ao acirramento potico-ideológico provocados pelo
golpe militar de abril de 1964, Tozzi não só questionava a atuação não-engajada da imprensa
paulistana, como destacava a importância destes veículos para a conformação das novas
mitologias contemporâneas. Este segundo aspecto, aliás, é priorizado pelo artista em depoimento
datado de 1968, em virtude das dificuldades, presentes naquele momento, de aludir a repressão e
a censura vigentes. Publicado na coluna de arte do Diário de Nocias, o depoimento mencionado
não deixa de evocar, contudo, problemas reais e contingentes à sociedade brasileira dos anos
sessenta; evidenciando, ademais, a atualidade das questões abordadas:
Leio o jornal, o luz vermelha invade residência na rua Bahia, conversa com uma velha que
mora só na casa. Força-a o cofre. Ela abre e ele rouba cem miles em jóias. Fecho o jornal,
saio. Sinal vermelho, placa vermelha, conversa de bar, talvez de barbeiro (que eu não vou).
Todos falam no luz vermelha. Daí o tema, o sensacionalismo da imprensa, determinando um
novo herói e sua repercussão na massa. Um mito popular, despertando inclusive sentimentos
de paixão (caso da menina que levou um maço de rosas vermelhas ao luz). Um herói que surge
no momento exato, que vem de encontro à atual propaganda da Shell, desmistificando a
imagem importada do super-herói. O mais puro mito herói nacional cuja revolta individual,
geralmente mistificada em atitude mágica pelos meios de comunicação, surge como reflexo de
uma falsa estrutura social, a mais pura revolta - a não submissão ao mercado da força de
trabalho. Um verdadeiro encontro de semelhança de situação do João ou do Antônio
brasileiros, marginalizados como a maioria do povo brasileiro - de qualquer processo de
emancipação política, econômica, cultural, etc. A identificação da imagem pela massa, como
compensação da não-revolta (quer no plano individual, quer no plano social), cria o mito. É o
173
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 02 dez. 2002.
reflexo da realidade. É a minha experiência em arte que surge como reflexo da realidade, é o
instrumento de acusação, é a imagem virtual de um momento real.
174
A propósito, ao comentar a série, quando de sua re-apresentação na mostra
O
Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
, argumentava Morais que ao tratar do famoso
Bandido da Luz Vermelha, que comoveu a opinião pública paulista pelo seu modo especial de
atuar e de fugir à prisão, despertando paixões secretas, inclusive em universitárias, Tozzi, assim
como Oiticica, em sua homenagem a Cara de Cavalo, impunham-nos uma reflexão dolorosa, mas
crítica, acerca da atuão dos meios de comunicação de massa ante a conformação das novas
mitologias cotidianas, de modo a evidenciar o sensacionalismo da imprensa - determinando um
novo herói e sua repercussão na massa.
175
Afora a temática, os trabalhos surpreendiam pelas soluções materiais adotadas. No
caso da série O Bandido da Luz Vermelha, composta originalmente por doze painéis pictórico-
narrativos (acrílica s/ aglomerado de madeira), era uma tentativa, segundo o artista, de fazer um
ambiente; ou seja, fazer com que o espectador não tivesse apenas uma visão frontal da arte,
mas uma penetração mais simbólica com o quadro, uma mensagem, em suma, mais direta, mais
objetiva, tal qual a de uma placa de rua ou de uma mensagem qualquer inserida nas linguagens
dos meios de comunicação de massa”. Para tanto, a solução adotada era muito parecida, diz-nos o
artista, com o sistema de pintura empregado naquelas placas de rua, hoje elaboradas
eletronicamente por projeção fotográfica”; e sua linguagem, muito próxima da resolução gráfica
174
TOZZI, Cláudio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD MORAIS,
Frederico. A arte como reflexo da realidade.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 abril 1968. p.03.
175
MORAIS, Frederico. A arte como reflexo da realidade.
Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, 05 abril de 1968. p.03.
utilizada nas revistas de história em quadrinhos (vide a conjugação de textos sintéticos e imagens
estilizadas).
176
Quanto à iniciativa de fazer desta série um ambiente, revela-nos o artista ter sido
tal tentativa uma experiência única, concretizada, somente, na I Cultura de Belém, evento
multidisciplinar realizado na Praça da Reblica da capital do Pará, em agosto de 1968; quando
lhe foi possível reunir os doze painéis da série, dispondo-os circularmente, em torno de um eixo,
de uma forma tal, que a pessoa que se aproximasse do círculo.... Mas antes mesmo de adentrá-
lo, rememora Tozzi, um facho de luz, proveniente de algumas lâmpadas vermelhas, presas aos
painéis, através de um pequeno orifício (fig.24), incidia nos corpos dos espectadores-
participantes, tal qual uma dessas luzes de bombeiros que emitem um raio, convidando-os a
desvelar a proposta, afinal, apresentada.
177
176
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 02 dez. 2002.
177
Idem.
CAPÍTULO 03
O ARTISTA BRASILEIRO E A ICONOGRAFIA DE MASSA,
A EXPOSIÇÃO
3.1. CONCEITUANDO A EXPOSIÇÃO.
A mais importante coletânea de comunicação de massa foi inaugurada no Rio de Janeiro,
dentro do tema O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, e com promoção da Escola
Superior de Desenho Industrial. A exposição, no pavilhão da ESDI, inclui temas ligados à
paixão popular: política, futebol, pocia, histórias em quadrinhos, publicidade, música,
jornalismo, teatro, TV, rádio, etc. Os promotores estão organizando seminários e entrevistas
com ídolos, entre os quais Caetano Veloso (Tropicalismo), Chico Buarque de Hollanda
(música popular), Nara Leão (idem), Raul Longras, Chacrinha (TV), Roberto Carlos (iê-iê-iê),
Pelé e Nilton Santos (Futebol). Entre outros objetivos, o movimento pretende estudar os temas
que vêm influenciando as artes plásticas, nos últimos dez anos.
José Roberto Teixeira Leite
Instalada no pavilhão de eventos da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio
de Janeiro, verifica-se que a mais importante coletânea de comunicação de massa inaugurada na
cidade, sob o tema
O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
, estruturava-se, a exemplo de
Nova Objetividade Brasileira
, de modo a inventariar um estado pico da arte brasileira de
vanguarda atual o movimento pretende estudar os temas que vêm influenciando as artes
plásticas, nos últimos dez anos um estadotemático, digamos, cuja constância pressupunha
uma preocupação mais que uma abordagem fortuita do tema, como afirmava, a propósito, uma
das notas divulgadas à imprensa:
LEITE, José Roberto Teixeira. O assunto é comunicação
. O Globo
, Rio de Janeiro, 24 abr. 1968. Caderno 2, p.14.
Foi exatamente a constância de obras vinculadas ao tema, que pressupunha uma preocupação
mais que uma abordagem fortuita dos assuntos, que levou o Diretório Acadêmico da Escola
Superior de Desenho Industrial, em trabalho sob a minha coordenação, a fazer uma reflexão
crítica sobre o assunto, mesmo porque comunicação de massa é matéria curricular da escola e
interessa a cadeira de cultura contemporânea.
178
Divulgada à imprensa pelo crítico de arte Frederico Morais, enquanto coordenador
do evento, a nota delineava, a par das justificativas, os objetivos da mostra, cuja proposta tinha
razão o crítico d
O Globo
não era outra, dizia, senão o levantamento de temas relativos à
cultura de massa que nos últimos anos têm interessado ao artista plástico brasileiro, e o debate,
em termos mais amplos, em torno das relações entre cultura de massa e cultura de nível
superior.
179
Debate, diga-se, enunciado nos seminários de
Proposta 66
, sob o tema cultura
superior e folclore urbano.
Quanto ao levantamento de temas que nos últimos anos têm interessado ao artista
plástico brasileiro, verifica-se que associados, no dizer do crítico d
O Globo
, a paixões
populares política e polícia, publicidade e quadrinhos, imprensa e futebol os temas
englobavam todos (ou quase todos) os assuntos, enfim, que à época encontraram repercussão
popular desde os ídolos da música popular aos últimos acontecimentos estudantis de modo a
contemplar os aspectos diversos, mesmo divergentes, a princípio, da cultura de massa: a única
capaz, dizia Morais, de atender as necessidades reais da sociedade atual.
178
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
179
A designação de curador, como aquele profissional que organiza uma exposição, escolhe artistas e obras,
desenvolve uma discussão artística específica e escreve texto crítico para o catálogo ou folder, mesmo sendo
apropriada neste caso, não era ainda utilizada no Brasil nos anos 1960. REIS, José Roberto de Oliveira.
Exposições
de arte: vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970
. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Parará, Curitiba, 2005. p.34.
Definindo-a, a princípio, em oposição à cultura de nível superior, no ensaio
intitulado O artista e a cultura de massa, àquela associava Morais noções como qualidade,
unicidade e raridade:
Noções convencionalmente vinculadas à cultura superior, cujas mensagens são transmitidas
diretamente da boca para o ouvido, quase que de indivíduo para indivíduo. Antigamente nas
abadias e nas cortes, atualmente nos museus, nas escolas, nas salas de conferências, enfim,
ontem como hoje, em ambientes fechados, íntimos. A cultura de massa, pelo contrário, é
aberta. Os produtos culturais destinados à massa fundam-se numa estrutura repetitiva (de
situações, fórmulas, temas: a tautologia das revistas em quadrinhos, das novelas, etc.) e
estandardizada e sua transmissão se faz indireta e descontinuamente pelos meios de
comunicação de massiva, na rua ou nos grandes auditórios. Assim, de um lado, temos
quantidade, produção, materialismo, mercantilismo, grosseria, ignorância, mau gosto,
consumo, distribuição, e, de outro, qualidade, criação, espiritualismo, estética, elegância,
sabedoria, bom gosto, participação e difusão, como termos que se opõem.
180
Apesar de associar à cultura de massa noções como quantidade, reprodução e
consumo, em oposição aquelas convencionalmente vinculadas à cultura de nível superior, Morais
argumenta que, ante o policulturalismo da sociedade atual sociedade de massa, vale dizer
onde a cultura planetária, de massa, coexiste com as culturas religiosa, humanística (a herança
medieval e renascentista) e racional (sociedade tecnológica), estas três somando-se no que
chamamos de cultura de nível superior tal polarização assoma-se artificial e puramente
nominal, à medida que permitindo freqüentes aproximões e contaminações, estas levam-nos à
verificação, segundo o autor, de que a cultura de massa não é algo informe, nem tampouco
homogêneo.
181
Ora, o homem normal da classe média urbana, num só dia pode assistir à missa e ler um
jornal, pela manhã, reverenciar a memória de um político ou ídolo popular diante de seu
180
MORAIS, Frederico. O artista e a cultura de massa” (1968). In
Artes plásticas: a crise da hora atual
. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.39.
181
Ibid. p.40.
monumento no aniversário de sua morte, à tarde, e, à noite, ver a encenação teatral de uma
pa de Shakespeare ou Molière. E demonstrar igual interesse por tudo isso que fez, entediar-
se ou animar-se por igual. Estas colisões são cada vez mais freqüentes e as fronteiras entre
elas tornam-se imprecisas.
182
Convencido de que tais colisões já determinaram passagens de um nível a outro
como a estetizão, diz, para usar um termo de Morin, de alguns setores da cultura de massa,
como, por exemplo, os quadrinhos. O que leva ao aparecimento brusco de clubes, instituições de
admiradores e estudiosos, da criação de cadeiras nas escolas de nível superior, ao aparecimento
de colunas especializadas com seus respectivos críticos, à realização de exposições,
retrospectivas, seminários, etc.
183
Conclui o autor que a diferença entre elas não é de conteúdo
apenas, mas de método, de caráter operacional; haja vista que a diferença, escreve, não está
nela mesma, a obra, nas suas qualidades, mas na maneira como a olhamos. Ela não se define pela
qualidade do produto, mas antes, pela atitude do consumidor; ou seja:
O senso comum, melhor, um preconceito comum, identifica cultura à erudição, a esta a
dificuldade de apreensão. Ou em outros termos, tudo o que entedia é cultural e, inversamente,
o que diverte não é cultura. Assim, o interesse pela cultura de massa é diversão e facilidade. O
grande público prefere, obviamente, a diversão à educação, donde se conclui que ele é imbecil
e o que ele consome inferior. Ora, se mesmo ao nível da cultura superior o pensamento
discursivo não é o único veículo de apreensão do mundo, pois o pensamento pode vir, também,
por imagens, sons, na maneira de andar ou vestir (...), ao nível da cultura de massa isso é mais
verdadeiro. O próprio corpo é um instrumento de cultura (o esporte, o lazer, o week-end),
assim como Chacrinha, a história-em-quadrinho, o romance policial, o circo e o futebol são
cultura, formas de cultura.
184
Aprende-se que a visão valorativa da qual resulta o preconceito (ou a atitude do
consumidor, como nos sugere Morais) de que o grande público prefere, obviamente, a diversão à
182
Ibidem.
183
Ibid. p.41.
184
Ibid. p.40.
educação, donde se conclui que ele é imbecil e o que ele consome inferior, encerra uma
concepção de arte desvinculada do consumo “a elite condena no artista não a venda de seu
produto, capaz de torná-lo rico, mas que ele crie sua obra visando o público, pois isto faz dele um
artista comercial à medida que o consumo vai contra a aura da obra de arte, vista como coisa
única, rara e original, destinada não ao uso (consumo), portanto, mas a uma contemplação
distanciada e aristocrática.
185
Mas se a destinação apriorística a um determinado público, argumenta Morais,
tende a condicionar a criação, no sentido de que os produtos culturais destinados à massa
fundam-se numa estrutura repetitiva e estandardizada, num consumo digestivo e alienante, a
existência de uma criação desvinculada do consumo (uso) aliena não só a obra, mas o próprio
artista de seu contexto, a sociedade consumista ora, a sociedade atual é essencialmente
consumidora à medida que a constatação do consumo (efêmero) enquanto valor condizente à
sociedade atual equivale à verificação, diz-nos o autor, de que a durão do valor (fixo) não é
característica de nossa época: dinâmica, tecnológica e massificada.
186
De modo que se a existência de uma criação desvinculada do consumo vincula-se
a uma concepção de arte, por sua vez, vinculada:
À noção de uma obra artesanalmente bem acabada, na qual o tempo de execução é elemento de
valorização, e se à estética corresponde mais a noção de capacidade artística do que vontade
artística - e a cultura superior abriga não só estas noções como também as de gênio, bem como
impõe o museu (que eterniza a obra de arte e sua aura) e uma hierarquia de temas e assuntos -,
efetivamente a cultura de massa está nos anpodas de tudo isso
.
187
185
Ibidem.
186
Ibid. p.42.
187
Ibidem (grifo nosso).
Afinal, se para a cultura superior, o valor estético não pode ser vulgarizado sem
ser banalizado, pois parece evidente que se à qualidade pura corresponde uma quantidade nula, à
quantidade ilimitada corresponde uma qualidade nula, para a cultura de massa, em contrapartida,
a quantidade é qualidade, e a quantidade, como vimos, vai contra a aura da obra de arte, vista
como coisa única, rara e original.
188
Nos anpodas, portanto, destes valores (unicidade, raridade, originalidade),
valores cuja durabilidade não atende às necessidades de nossa época atual eis porque a cultura
de massa é contemporânea não da arte moderna como um todo, mas da antiarte ou da arte pós-
moderna a cultura de massa apresenta-se, segundo Morais, como a única capaz de atender as
necessidades reais da sociedade atual, ao passo que a antiarte, só a antiarte, vale dizer, apresenta
condições plenas de catalisar os conteúdos e significados de nossa época o aparecimento de
novos modos de vida e de experiência demandam novos modos de expressão haja vista que a
arte, conclui, não deve ser considerada como um valor em contradição com o seu tempo.
189
Indagando-se, precisamente, quanto ao lugar do valor estético no mundo onde o
valor não é mais caracterizado pela duração, mas por sua tendência a ser imediatamente
destituído, argumenta o autor que também o valor estético pode ser conscientizado por sua
tendência a ser modificado e substituído; afinal, diz-nos, não há valores plásticosque sejam
absolutos, tampouco leis de arte” cujo caráter não seja efêmero e contingente. O que há, afirma,
são muitos equívocos e preconceitos quanto ao julgamento estético na sociedade atual,
decorrentes da não-verificação de que, ante a relativização daqueles valores convencionalmente
188
Ibidem.
189
Ibidem.
vinculados à cultura de nível superior, a arte deve mudar e com ela o julgamento estético e
crítico.
190
Neste período de arte s-moderna, do objeto, no qual as diferenciações do tipo arte e antiarte
vão perdendo consistência, nesta época em que os valores entraram em crise, e o julgamento
acadêmico dos chamados valores plásticosdeixou de ter sentido, como também noções
como harmonia, equibrio, bom gosto, etc, cabe à crítica de arte arma-se e estruturar-se no
sentido de alcançar os novos significados da criação artística de hoje, pois é o crítico que por
seu julgamento determina e contribui para a compreensão das modificações muito rápidas que
todo o mundo pode constatar no desenvolvimento da arte contemporânea.
191
Explica-nos o autor que as diferenciações do tipo arte e antiarte tendem a perder
consistência à medida que esta procura envolver aquela, assim como a cultura de massa à cultura
de nível superior, de modo a ampliar os limites da criação arstica rumo a um comprometimento
mais amplo do conceito de
uso
da obra de arte; conquanto somente o uso, enquanto proposta de
consumo criativo, ação direta, vivencial - eis o fulcro do pensamento de Morais - atende às
necessidades de desalienação da arte na sociedade atual; donde se conclui que desalienar
(democratizar) a arte equivale à superação daquela distância inibidora entre obra de arte e
espectador. E tal tarefa, postula, “consiste em restaurar a continuidade entre formas refinadas e
intensas da experiência, que são obras de arte, e os acontecimentos, fatos e sofrimentos diários
que são reconhecidos universalmente como constitutivos da experiência
192
tão difíceis, aliás,
de reter, apreender e compreender, se o interesse é efetivo, argumenta Morais, quanto o melhor
romancista ou pintor à medida que não havendo mais um muro (visão valorativa) a separar duas
190
Ibidem.
191
IDEM. A crítica. In
Artes plásticas: a crise da hora atual
. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.48.
192
IDEM. O museu: a cidade lúdica”. In Op. cit. p.61.
realidades antanicas (arte-vida, cultura de massa-cultura de nível superior), tudo pode
transformar-se em arte, mesmo o mais banal evento cotidiano.
193
E se quanto mais a arte, argumenta, confunde-se com a vida e com o cotidiano,
tanto mais precários tornam-se os seus materiais e suportes, ruindo toda a idéia de obra, produto
acabado – ora, material é todo aquele que for encontrado no momento: o aqui e o agora” , tal
noção de precariedade, conclui, redimensiona o problema do objeto arstico tradicional (ora
objeto-situação e não só objeto-categoria), deslocando-o do campo intelectual-racional para o da
proposição criativo-vivencial. O que faz desta arte antiarte, conclui, de coisasuperposta à vida
(arte-coisa) de mensagem de indivíduo para indivíduo a instrumento de conhecimento do
mundo; haja vista que a arte, completa, destina-se “a ativar todos os sentidos do homem, criando-
lhe condições para melhor captar e perceber seu ambiente, ou mesmo antecipar os novos
ambientes.
194
193
IDEM. O artista e a cultura de massa”. In Op. cit. p.41.
194
IDEM. Op. cit. p.11.
3.2. NOTICIANDO A EXPOSIÇÃO (notícias de uma mostra anunciada).
A mostra será acompanhada de entrevistas e conferências, estas pronunciadas por
especialistas e sobre os vários aspectos da cultura de massa, e aquelas realizadas com os
principais ídolos populares por professores e alunos da ESDI. A primeira dessas entrevistas-
debates terá lugar na sexta-feira [dia 19 de abril], às 20:30 horas, na própria escola, e dela
participarão os artistas plásticos Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Samuel Szpigel e Hélio
Oiticica. Por sua vez, este crítico fará uma conferência de uma série de oito, na segunda-feira
[dia 22], às 20:30 horas, sobre Arte e cultura de massa
.
Frederico Morais
De caráter interdisciplinar e abrangente, a programação da mostra, a se instalar no
pavilhão de eventos da Escola Superior de Desenho Industrial, à rua do Passeio n° 84, ao lado do
Automóvel Clube do Brasil (fig.25), incluía uma exposição de vinte e quatro artistas plásticos da
nova vanguarda brasileira, assistida por uma série de atividades culturais, como debates,
entrevistas e conferências, conforme anunciado, por Morais, na coluna de artes do
Diário de
Nocias
.
Titular desta coluna, desde a sua transferência para o Rio de Janeiro
195
, em agosto
de 1966, Morais registrou de maneira ampla e documental a realização da mostra que
MORAIS, Frederico. Hoje na ESDI: Iconografia de massa.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 18 abr. 1968. 2ª
Seção, p.03.
195
Segundo Marília Andrés Ribeiro, Morais transfere-se para o Rio, em agosto de 1966, a convite do
Diário de
Notícias
. Tal transferência, argumenta, coincide com a extinção do
Suplemento Dominical do Estado de Minas
, onde
assinou, por vezes com o pseudônimo Fernando Gomes, a coluna de arte do caderno, desde a sua criação. Quanto à
trajetória profissional de Morais em Belo Horizonte: Morais iniciou sua atividade crítica na
Revista de Cinema
de
Belo Horizonte, participando do movimento cineclubista da capital mineira, formado por Cyro Siqueira, Jacques do
Prado Brandão, Maurício Gomes Leite, Newton Silva e outros. Depois passou a escrever matérias culturais nos
jornais
O Diário
e
Folha de Minas
. No início dos anos 60 assinava a coluna de arte do
Estado de Minas
, fazia a
cobertura econômica e cultural no
Diário da Tarde
e colaborava em
O Binômio
, jornal da esquerda militante. Com a
criação do
Suplemento Dominical do Estado de Minas
, passou a escrever grandes reportagens sobre artes plásticas,
usando algumas vezes o pseunimo Fernando Gomes. [Morais], além de atuar como jornalista e crítico de arte,
lecionava História da Arte na Faculdade Mineira de Arte e no Colégio Helena Guerra. Também organizava vários
seminários para discussão das questões relacionadas com o desenho industrial. RIBEIRO, Marília Andrés.
As
neovanguardas artísticas de Belo Horizonte nos anos 1960
. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Comunicação e
Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p.149.
coordenava, enquanto professor responsável pela cadeira de Cultura Contemporânea da ESDI,
publicando, inclusive, excertos dos depoimentos solicitados junto aos artistas expositores
depoimento pessoal sobre as relações entre cultura superior e cultura de massa e sobre como, em
seus quadros, objetos, desenhos e gravuras, desenvolveu plasticamente os temas e os ídolos de
massa conforme prometera aos leitores do diário, no dia 20 de março de 1968:
Cada artista participante fará um depoimento pessoal sobre as relações entre cultura superior
e cultura de massa e sobre como, em seus quadros, objetos, desenhos e gravuras, desenvolveu
plasticamente os temas e os ídolos de massa. A partir de hoje vamos publicar alguns destes
depoimentos, comando pelo de Maria Helena Chartuni, que estará presente à exposição com
vários dípticos nos quais se vêem Chacrinha, Pelé, Ronnie Von e Roberto Carlos. A artista já
participou de várias coletivas importantes, entre elas: a IX Bienal de o Paulo e a VIII de
Tóquio e recebeu um dos prêmios de aquisição do concurso de caixas da Petite Galerie.
196
Antecedidos, quase sempre, por uma breve súmula curricular dos artistas
depoentes, tais testemunhos revelam a pluralidade de opiniões acerca do tema “iconografia de
massaexistente no interior da nova vanguarda artística brasileira, enriquecendo, destarte, o
debate em torno das relações entre cultura superior e cultura de massa”; haja vista que a
exposição, no dizer de Morais, era “como que o suporte da idéia, (...) a referência principal para o
debate.
197
Afora os depoimentos em questão, Morais participa, aos leitores do
DN
,
informões como local do evento, durão da mostra, acréscimo (ou retirada) de trabalhos,
fornecendo, por vezes, referências fundamentais, ainda que de ordem teórico-descritiva, quanto
ao caráter das obras selecionadas e integradas, portanto, ao evento - evento cujas idas e vindas
196
MORAIS, Frederico. O artista e os ídolos de massa.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª Seção,
p.03.
197
IDEM. Ídolos e equívocos.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
(abertura, adiamento, abertura, adiamento) encontram-se igualmente registradas na coluna de arte
do DN.
Eis o caráter documental de sua coluna, cuja relevância justifica-se, ademais, em
razão da ausência de documentos iconográficos, publicitários (como convite, catálogo, cartazes,
etc.), de toda espécie, enfim sobre a mostra; ausentes, inclusive, do Centro de Documentação e
Registro da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro.
Divulgada por Morais desde o dia 08 de março de 1968, data da primeira
referência à mostra encontrada em sua coluna então dedicada à transcrição de um depoimento,
“concedido a este colunista”, pela artista mineira Teresinha Soares que está no II Salão ESSO e
participará da mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa” tal primeira referência
apenas mencionava a participação da artista mineira na mostra, sem maiores informações acerca
de quando, como, quem (mais), ou porque de O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa.
198
Tais informações aparecem noticiadas somente no dia 14 de março de 1968,
quando da segunda alusão à mostra na coluna de arte do Diário de Notícias, sob o (sub)título
Iconografia de Massa”:
Continuam os preparativos para a exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa,
que a Escola Superior de Desenho Industrial vai realizar a partir do dia 25 do corrente, em seu
pavilo. A mostra terá a duração de cinco semanas e reunirá obras de artistas cariocas,
paulistas e mineiros sobre os temas da indústria cultural e comunicação massiva: canção
popular (Roberto Carlos, Ronnie Von, Caetano Veloso), futebol (Pelé, Corínthias), TV
(Chacrinha), quadrinhos, imprensa, publicidade, etc. Os artistas paulistas e mineiros já estão
enviando fotos de seus trabalhos, juntamente com depoimentos. Durante a mostra serão
pronunciadas conferências sobre a cultura de massa e entrevistas com os principais ídolos
populares.
199
198
IDEM. Critérios, depoimento. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
199
IDEM. O assunto é boi. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Afora os dados relativos ao local e ao tema da exposição, Morais anuncia que a
mostra estava, de fato, prevista para o dia 25 do mês corrente (março), com duração estimada de
cinco semanas a contar desta data; haja vista que, tão logo encerrada sua apresentação no
pavilhão de eventos da ESDI, a mostra seguiria para Belo Horizonte, sob os auspícios da Galeria
de Arte da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Note-se que a iniciativa de divulgar O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
junto à Reitoria da UFMG, espaço que sob a coordenação da produtora cultural Celma Alvim
tornara-se um importante pólo irradiador das manifestões da nova vanguarda no circuito
arstico mineiro, ilustra a trajetória de liderança crítica e militante assumida por Morais nos anos
sessenta, marcada por uma série de iniciativas, como a do intercâmbio proposto, destinadas a
aproximar a jovem vanguarda artística mineira das vanguardas paulista e carioca. Neste sentido,
destaca-se a presença anunciada de artistas mineiros, ao lado de paulistas e cariocas, na
exposição, cujos preparativos, tal qual mencionados por Morais os artistas paulistas e mineiros
já estão enviando fotos de seus trabalhos juntamente com seus depoimentos sugerem-nos o
método, por ele, adotado, enquanto coordenador do evento, para a seleção dos trabalhos a
integrarem a mostra.
Seriam estes mesmos preparativos, aliás, ou qualquer outro motivo decorrente de
sua organização, supõe-se, a causa da mostra ter sido adiada para o dia 09 de abril, visto não
haver referências quanto aos reaismotivos deste adiamento adiamento notificado nos
seguintes termos, apenas: Como já noticiamos, será realizada na Escola Superior de Desenho
Industrial (a partir do dia 09 de abril e não mais 25 de março como estava marcado
anteriormente) a exposição denominada O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa.
200
200
IDEM. O artista e os ídolos de massa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Tal suposição funda-se na comparação desta nota, sem maiores referências, como
vimos, quanto aos reaismotivos deste primeiro adiamento, com aquela publicada no dia 09 de
abril, sob o título Crise estudantil adia a exposição, na qual se verifica que o retardamento dos
preparativos para a mostra (catálogo, cartazes, textos explicativos, enfim) resultara, de fato, no
adiamento de sua inauguração:
Conforme foi amplamente noticiado por esta coluna deveria ser inaugurada, hoje, a exposição
denominada O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, promovida pelo Diretório
Acadêmico da Escola Superior de Desenho Industrial e por nós organizada. Contudo, os
últimos acontecimentos estudantis, que enlutaram a vida nacional, provocaram o adiamento da
abertura da mostra para a próxima semana, em dia a ser marcado.
O adiamento é conseqüência de vários feriados escolares determinados pelo governo (a ESDI,
como se sabe, está subordinada à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Guanabara)
e as greves decretadas pela classe estudantil, que retardaram os preparativos para a mostra.
Mas se não bastassem os acontecimentos estudantis, temos ainda a semana santa, com dois
feriados religiosos, que precisam ser guardados. Na terça-feira vindoura haverá o vernissage
da exposição JB/Resumo e na quarta, conferências comemorativas do centenário de Debret.
Sendo assim, a mostra só será inaugurada na quinta-feira da semana vindoura, dia 18, às 18
horas.
Contudo, como os convites já foram distribuídos, para aqueles que os receberam, a dirão da
Escola Superior de Desenho Industrial, decidiu fazer uma inauguração informal, sem catálogo,
cartaz ou textos explicativos sobre os temas abordados pelos artistas.
Aberta dia 18, a exposição terá a duração de 45 dias, seguindo, após, para Belo Horizonte,
onde será inaugurada na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, no dia 21.
201
Observa-se, como sugerido, que, apesar de atribuir o adiamento da mostra aos
últimos acontecimentos estudantis que enlutaram a vida nacional, referindo-se especificamente
ao episódio do Calabouço, Morais noticia-o como resultado de vários feriados escolares
determinados pelo governo (...) e as greves decretadas pela classe estudantil, que retardaram os
preparativos para a inauguração da mostra”, dada a sua particularidade, conclui-se, de ser
promovida pela Escola Superior de Desenho Industrial [a ESDI, como se sabe, está subordinada
201
IDEM. Crise estudantil adia a exposição
. Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 09 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Guanabara] e por nós [entenda-se Morais e o
Diretório Acadêmico da ESDI] organizada.
202
Retardados os preparativos, mas distribuídos os convites, Morais informa àqueles
que os receberam que “a direção da Escola Superior de Desenho Industrial decidiu fazer uma
inauguração informal da mostra [leia-se: sem catálogo, cartaz ou textos explicativos sobre os
temas abordados pelos artistas], cuja abertura, anuncia, previa-se para a quinta-feira, dia dezoito
se não bastassem os acontecimentos estudantis, temos ainda a semana santa, com dois feriados
religiosos, que precisam ser guardados de modo a não coincidir, tampouco, com a abertura do
VI Resumo de Arte do JB, exposição patrocinada pelo diário Jornal do Brasil, como acontecerá,
aliás, quando da inauguração de Nova Objetividade Brasileira.
203
A dois dias de sua abertura anunciada, na terça-feira, dia dezesseis, José Roberto
Teixeira Leite divulga aos seus leitores dO Globo a programação completa da mais importante
coletânea de comunicação de massa, dizia, a ser inaugurada na cidade, dentro do tema O Artista
Brasileiro e a Iconografia de Massa, atestando que, de fato, houvera na terça-feira passada, uma
pré-inauguração para uns poucos convidados:
Às 18 horas da próxima quinta-feira, 18 de abril, abre-se no pavilhão de exposições da Escola
Superior de Desenho Industrial, à rua do Passeio (junto ao Automóvel Clube do Brasil), a
exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, coordenada pelo crítico Frederico
Morais juntamente com o Diretório Acadêmico da ESDI, e tendo por objetivo levantar os temas
da cultura de massa utilizados nos últimos anos pelo artista brasileiro. Da mostra (que, na
terça-feira passada, teve uma pré-inauguração para uns poucos convidados) fazem parte os
202
Os últimos acontecimentos estudantis, que enlutaram a vida nacionalreferem-se ao assassinato do secundarista
Edson Luis de Lima Souto, baleado pela Polícia Militar num confronto com estudantes no restaurante Calabouço, no
Rio de Janeiro, aos 28 de março de 1968. Cf. VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que o terminou. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1988; GASPARI, Elio. A Ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
203
A inauguração de Nova Objetividade Brasileira coincidiu com a abertura da exposição V Resumo de Arte do JB,
patrocinado pelo Jornal do Brasil e organizada pelo crítico Harry Laus, no mesmo museu. A distribuição de prêmios
e uma amostragem inédita de obras de Ismael Nery fizeram o público convergir para esta exposição, esvaziando a
outra”. PECCININI, Daisy. Figurações Brasil anos 60. São Paulo: Itaú Cultural: EDUSP, 1999. p.139.
seguintes expositores: Jô Soares, Maurício Nogueira Lima, Samuel Szpigel, João Parisi Filho,
Nelson Leirner, Marcelo Nitsche, Geraldo de Barros, Cláudio Tozzi e Maria Helena Chartuni
de São Paulo; José Ronaldo Lima e Teresinha Soares de Minas Gerais; Rubens Gerchman,
Maria do Carmo Secco, Antônio Dias, Glauco Rodrigues, Carlos Vergara, Ziraldo, Hélio
Oiticica, Roberto Moriconi, Célia Shalders, Paulo Guilherme Samy, Antônio Manuel e Luciano
Soares da Guanabara.
Quanto aos temas das obras expostas cobrem os seguintes campos: futebol (Corínthias, Vasco,
Pelé), canção popular (Roberto Carlos, Ronnie Von, Caetano Veloso, Chico Buarque, Os
Beatles, Sérgio Ricardo), pocia (Cara de Cavalo, o Bandido da Luz Vermelha), potica (JK,
Lacerda), ciência (astronáutica, transplante de coração), publicidade (Shell, carnet fartura),
quadrinhos (Capitão América, Super-homem), política internacional (Guevara, Viet), teatro
(Tônia Carrero), imprensa (correio sentimental, desaparecidos), bem como loteria, carnaval,
concurso de misses, ensino por correspondência, estudantes, etc.
Paralelamente à exposição, foi organizada toda uma vasta série de palestras, debates,
entrevistas etc, segundo o seguinte esquema, e sempre no recinto da mostra:
Dia 19: Entrevista com artistas plásticos: Gerchman, Oiticica, Vergara e Szpigel.
Dia 22: Conferência de Frederico Morais sobre A Arte e a Cultura de Massa.
Dia 24: Conferência de Sérgio Lemos sobre Cultura de Massa
Dia 25: Entrevista com animadores de TV: Longras, Chacrinha e Dercy Gonçalves.
Dia 02/maio: Conferência de Carlos Diegues sobre Cinema Novo.
Dia 03: Entrevista com o primeiro grupo de cantores populares: Chico Buarque de Hollanda,
Nara Leão, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Dia 08: Conferência de Damiano Cozzela sobre Música Popular.
Dia 09: Entrevista com o segundo grupo de cantores populares: Roberto Carlos, Ronnie Von,
Erasmo Carlos, Wanderléia e Carlos Imperial.
Dia 15: Conferência de Fernando Gabeira sobre Imprensa, TV, rádio e publicidade.
Dia 16: Entrevista com atores e atrizes: IoMagales, Carlos Alberto, Cláudio Marzo, Leila
Diniz.
Dia 22: Conferência de Álvaro Moya sobre Quadrinhos.
Dia 23: Entrevista com profissionais do futebol: Pelé, Nilton Santos, João Saldanha, Veiga
Brito.
Dia 29: Conferência de José Celso Martinez Corrêa sobre Teatro.
Dia 30: Entrevista com empresários: Guilherme Arjo, Marcos Lázaro, Prosperi e Magaldi.
Dia 06/junho: Entrevista com os humoristas: Ziraldo, Claudius, Jaguar e Fortuna.
204
No que toca aos temas dos trabalhos, ora especificados pelo crítico, (loteria,
carnaval, concurso de misses, ensino por correspondência, estudantes, etc), verifica-se que estes,
de fato, englobavam, todos (ou quase todos) os assuntos à época divulgados pelos meios de
204
LEITE, José Roberto Teixeira. Iconografia de massa na ESDI: quinta-feira. O Globo, Rio de Janeiro, 16 abr.
1968. Caderno 2, p.14.
comunicação de massa desde os ídolos da música popular aos últimos acontecimentos
estudantis donde se conclui que para o artista brasileiro, ou antes, para o coordenador da mostra
sobre iconografia de massa, cultura de massa” e “comunicação de massainterpenetravam-se,
como tal; visto ser o critério todos os assuntos que encontram repercussão popular através de sua
divulgação pelos meios de comunicação massiva (televisão, rádio, jornal, cinema), no dizer de
Morais, o denominador comum deste conjunto temático, sob o qual se conjugavam assuntos
diversos, e mesmo divergentes, como iê-iê-iê e movimento estudantil.
O que nada há de contraditório, dizia o crítico Ferreira Gullar, à época, haja vista
que tal indiscriminada mistura de fatos, personalidades, níveis de realidade e valores culturais
que resulta num processo de atualização e integração dos mais contraditórios elementos que
constituem o nosso presente”, explicitado e dinamizado pelos meios de comunicação em massa
não se restringe à arte, nem a tipos de arte, mas abrange a todas as expressões do presente, por
ser esta, precisamente, uma das mais importantes funções culturaisda cultura de massa.
205
No dia dezoito, como não poderia deixar de ser (depois de tantas idas e vindas...),
as nocias sobre a inauguração da mostra aparecem repletas de expressões como finalmente,
“esperada, adiada”, inicialmente prevista como na publicada por Lea Maria, uma das
titulares, à época, da coluna social do JB:
Finalmente, hoje, no fim da tarde, inaugura a exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia
de Massa, promovida pela Escola Superior de Desenho Industrial e pelo crítico Frederico
Morais. Debates, conferências, filmes, gravações e entrevistas com ídolos populares (Caetano
Veloso é um deles) acompanham paralelamente a mostra de objetos, quadros, retratos,
esculturas, tudo pop. Dentre as coisas que vão ser mostradas na exposição: um retrato de
Tônia Carrero, com luzes pisca-pisca de Glauco Rodrigues; a série de transplantes de coração
feita por Dilmen Mariani (e que já participou do Salão ESSO); JK, Lacerda e o Marechal
205
GULLAR, Ferreira. Problemas estéticos na sociedade de massa” (1965). In Cultura posta em questão.
Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios sobre arte. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 273.
Castelo Branco representados por um pintor ingênuo; um espetacular altar onde aparece
Roberto Carlos iluminado por luz de gás néon e rodeado por santos; aproveitamento em
pinturas e objetos de temas tais como: correio sentimental, ensino por correspondência,
loteria, guerrilha, movimento estudantil, misses, TV. Pelé, o Bandido da Luz Vermelha, Cara
de Cavalo, o Capitão América, Chacrinha, Ronnie Von são outros personagens-temas da
exposição, que deve ser um autêntico happening em que protestos, histerias, críticas e
exaltação vão certamente se confundir.
206
Afora o finalmente, hoje, no fim da tarde, inaugura a exposição, verifica-se que
Lea Maria refere-se à exposição, às entrevistas e às demais atividades (debates, conferências,
filmes, gravações) como tudo pop. Caetano Veloso, Roberto Carlos, JK, Lacerda, Marechal
Castelo Branco, Pelé, Cara de Cavalo, Capitão América, Chacrinha, Bandido da Luz Vermelha,
Ronnie Von: tudo pop. Mas popde arte pop-americana, ou antes, popde repercussão
popular poder-se-ia perguntar à colunista que, afora o tudo pop, entrevê na exposição um
autêntico happening, em que protestos, histerias, críticas e exaltação vão certamente se
confundir.
E ao que o crítico Teixeira Leite analisando, hoje, o sentido da qualificão
popnaquele momento responde: você me pergunta se o Brasil era pop, (...), certamente não
era, mas durante um certo momento esteve pop.
207
206
LEA MARIA. A Massa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 abr. 1968. Caderno B, p.02.
207
LEITE, José Roberto Teixeira. Depoimento do crítico à autora. São Paulo, 14 mar. 2005.
3.3. APRESENTANDO (finalmente!) A EXPOSIÇÃO.
A exposição é como que o suporte da idéia, é a referência principal para o debate. E mesmo
o querendo (...), é preciso dizer que a visitação do grande blico, daquele que nunca vai à
exposição, é realmente extraordinária. Gente do povo, gente anônima, que provavelmente sai
como entra, sem compreender nada, mas que entra, vê e presta atenção.
Frederico Morais
Inaugurada (finalmente!) na quinta-feira, dia dezoito, no pavilhão de eventos da
Escola Superior de Desenho Industrial,
O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
, a
exposição, reunia trabalhos, entre objetos, esculturas, pinturas e desenhos, de vinte e quatro
artistas plásticos da nova vanguarda brasileira, paulistas e cariocas, em sua maioria, que, em
comum, apresentavam, afora o interesse pelos temas relativos à cultura de massa, trabalhos
datados de dois ou três anos, “alguns já bastante conhecidos, segundo Morais; de modo que,
como dizia a nota publicitária divulgada à imprensa, o objetivo da mostra não era outro senão o
levantamento de temas relativos à cultura de massa que nos últimos anos têm interessado ao
artista plástico brasileiro, e, em termos mais amplos, o debate em torno das relões entre cultura
de massa e cultura de nível superior.
208
Enunciados os objetivos objetivos cienficos, no dizer de Morais, daí as
conferências de especialistas, e, também, as entrevistas com os próprios ídolos da cultura de
massa apreende-se que a exposição (referência principal para o debate) estruturava-se de
modo a constatar uma tendência afinal, ninguém fez quadros ou objetos especialmente para a
mostra” em seus múltiplos sentidos e dirões, sob o propósito de compreender, enfim, qual a
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª São, p.03.
208
Ibidem.
atitude do artista plástico brasileiro face à cultura de massa: de apoio ou de denúncia, simples
contestação ou constatação?.
209
A abordagem de alguns temas da cultura de massa significa um reconhecimento tácito da sua
existência, ou, pelo contrário, revela o desespero do artista que se sente alienado,
marginalizado ou incapaz de alcançar a mesma comunicabilidade do ídolo da massa? Ou a
reação de quem seu modo de expressão - deslocado por outros como a TV e o cinema,
julgados mais eficientes? Qual é, portanto, a atitude do artista plástico? É de apoio ou de
denúncia? Simples constatação ou contestação?
210
No que toca ao conjunto da mostra, provavelmente ambas as coisas, avalia Morais,
afinal:
O artista, como qualquer homem comum de uma sociedade urbana e de massa, está submetido
às pressões do seu meio formal: slogans, enlatados, ídolos e idéias estereotipadas. Reage à
ascensão e à queda dos ídolos - políticos, cantores, jogadores de futebol, bandidos - em todas
as suas implicações. É igualmente tocadopelo ídolo, ícone ou produto de massa. Alguns dos
trabalhos são constatações. Não contestam. Refletem mesmo admiração por alguns ídolos -
Pelé, Roberto Carlos, Guevara. - o uma forma de louvação. Mas se [sic] se dissesse que o
seu aproveitamento é mais plástico do que temático não estaríamos incorrendo em erro?
Outros contestam e denunciam, seja a adoração irracional do ídolo, e, por extensão, toda
forma de idolatria, inclusive a religiosa, seja a solidão social, o isolamento e a
incomunicabilidade do indivíduo na sociedade atual, a perda de sua intimidade, o
anonimato.
211
Afinal, ao constatar ou contestar, o artista reage, e reagindo - às pressões do seu
meio formal: slogans, enlatados, ídolos e idéias estereotipadas- assume uma posição cultural
atual e atuante, ora refletindo mesmo admiração por alguns ídolos, ora denunciando a
adoração irracional do ídolo e, por extensão, toda forma de idolatria.
209
IDEM
. Artes plásticas: a crise da hora atual
. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.43.
210
Ibid. p.42
211
Ibidem.
Mas se [sic] se dissesse”, pergunta-se, que o aproveitamento é mais plástico do
que temático não estaríamos incorrendo em erro? afinal, o tratamento requintado que Glauco
dá aos seus temas, por exemplo, não o coloca no extremo oposto de Gerchman?. Melhor seria,
conclui, identificar o tipo de problema proposto por cada trabalho – no sentido que se as obras
apresentadas têm pontos comuns, o significado particular de cada uma é bastante diverso e
mesmo divergente analisar a maneira como foi solucionado, e então captar o pensamento que
o percorre - simples constatação ou contestação?.
212
3.3.1. HÉLIO OITICICA
Tro-de-união, situa-o Morais, entre o neoconcretismo e o neorealismo carioca,
Oiticica destaca-se como elemento-síntese da nova vanguarda artística brasileira - síntese que
ultrapassa antíteses, mas supera conciliões, “através do reconhecimento de valores e inter-
relões múltiplas coexistentes, que tão bem reconhece na formulação de um estado típico da
arte brasileira de vanguarda atual, a que denomina nova objetividade brasileira.
213
Caso raro de artista-teórico, Oiticica enunciou, como vimos, as principais
características da nova objetividade brasileira, detalhando-as a partir de experiências concretas,
experiências indissociáveis da realidade contingente, de modo a indicar que não pregamos
212
Ibid. p.96.
213
MORAIS, Frederico. Vanguarda, o que é. Vanguarda Brasileira. Belo Horizonte: Reitoria da UFMG, 1966. Apud
PECCININI, Daisy (coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978. p.65-68.
pensamentos abstratos, mas comunicamos pensamentos vivos, que para o serem têm que
corresponder aos itens citados e sumariamente descritos.
214
Dentre os itens citados e sumariamente descritos, verifica-se que o de número
seis, referente ao ressurgimento do conceito de antiarte, formulado frente às exigências de
ordem ético-individuais, e as sociais gerais, acerca-se do ideário de Morais quanto à necessidade
de
comunicar
algo que para ele [o artista] é fundamental, mas de comunicar em larga escala,
não para uma elite reduzida a experts, mas até
contra
essa elite, com a proposição de obras não
acabadas, abertas à participão popular.
215
Considerando-se que Oiticica participava da mostra, organizada por Morais, com
dois bólides-caixas um em homenagem ao anti-herói (fig.26), o outro, ao anti-herói-anônimo
(fig.27) etapas estruturais, segundo o artista, que culminaram no programa do parangolé,
formulação definitiva do que seja a antiarte-ambiental, (...), antiarte por excelência”, vejamos
outros escritos (textos críticos e reflees de circunstância do artista) referentes ao ressurgimento
da antiarte.
216
Antiarte “compreensão e razão de ser do artista, não mais como um criador para
a contemplação, mas como um motivador para a criação, definiu-a Oiticica, ao redefinir o
conceito de arte, de natureza estético-formal, à procura de uma nova condição estrutural do
objeto-arte:
214
OITICICA, Hélio. Esquema geral da nova objetividade. Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de
Arte Moderna, 1967. s/p.
215
Ibidem. (grifo do autor).
216
No meu programa, nasceram núcleos, penetráveis, bólides e parangolés, cada qual com sua característica
ambiental definida, mas de tal maneira relacionados como que formando um todo orgânico por escala. (...) O
parangolé, ou programa ambiental, como queiram, seja na sua forma incisivamente plástica (uso total dos valores
plásticos táteis, visuais, auditivos, etc.), como na sua [forma] mais disponível, aberta à transformação no espo e no
tempo e despersonalizada, é antiarte por excelência. OITICICA, Hélio. Parangolé: da antiarte às apropriões
ambientais de Oiticica - (Posição e Programa - julho 1966). Revista GAM, n.06, jul./1966. Apud PECCININI, Daisy
(coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978. p.87-89.
A antiarte é pois uma nova etapa (é o que Mário Pedrosa sabiamente formulou como arte s-
moderna), é o otimismo, é a criação de uma nova vitalidade na experiência humana criativa; o
seu principal objetivo é o de dar ao público a chance de deixar de ser público espectador, de
fora, para participante na atividade criadora. É o como de uma expressão coletiva.
217
Nova etapa, nova arte, antiarte - trata-se de uma nova fundação objetiva na arte, de
uma nova objetividade, no sentido de Oiticica, cuja tendência ao objeto liberação criadora que
resulta da superão do quadro e da escultura tradicionais situa a transição dos aspectos
estético-formais aos sócio-ambientais do objeto-arte, antiarte, anti-suporte-obra, recolocando-o
no contexto sócio-político e existencial brasileiro. A par desta transição, a antiarte, tal como
ressurge no idrio da nova objetividade, sob os auspícios de uma nova etapa, de um novo ciclo,
no dizer de Pedrosa “a esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de arte-pós-moderna”
218
encerra o princípio de uma nova vitalidade na experiência humana criativa, fundada na
repotencialização da capacidade criativa do homem partida, segundo Oiticica, para todas as
modificações sociais e poticas, ou ao menos fermento para tal:
Não se trata mais de impor um acervo de idéias e estruturas acabadas ao espectador, mas de
procurar, pela descentralização da arte, pelo deslocamento do que se designa como arte, do
campo intelectual-racional para o da proposição criativa-vivencial; dar ao homem, ao
indivíduo de hoje, a possibilidade de experimentar a criação, de descobrir pela participação,
esta, de diversas ordens, algo que para ele possua significado (...) um modo de dar ao
indivíduo a possibilidade de experimentar, de deixar de ser espectador para ser
participador.
219
217
OITICICA, Hélio. Parangolé: da antiarte às apropriações ambientais de Oiticica - (Posição e Programa - julho de
1966). Revista GAM, n.06, jul./1966. Apud PECCININI, Daisy. Op. cit. p.87-89.
218
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte s-moderna, Hélio Oiticica. In
Dos murais de Portinari aos espaços de
Brasília
. São Paulo: Perspectiva, 1981. p.205-09.
219
OITICICA, Hélio. Situação da vanguarda no Brasil (Propostas 66 - Tema 04). Apud PECCININI, Daisy (coord.).
O objeto na arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.69-70.
Eis a tecla da antiarte, conclui: não apenas martelar contra a arte do passado ou
contra os conceitos antigos (como antes, ainda uma atitude baseada na transcendentalidade), mas
criar novas condições experimentais de participação popular. Ser anti, completa, visceralmente
contra tudo, coisas, argumentos, fatos contra
essa elite reduzida a experts , encerra uma
posição cultural atuante, não-conformista, portanto, de modo que nisto também se assemelharia
ao dada”.
220
Antiarte, anti-herói, anti-herói-anônimo - a par do contexto sócio-político e
existencial brasileiro, o sentido de transgressão anárquica implícito no dada irrompe na poética de
Oiticica, de modo a questionar todos os valores e padrões estabelecidos, (...) todas as formas
fixas e decadentes de governo ou estruturas sociais vigentes, (...) tudo o que há de opressivo,
enfim, social e individualmente”
221
tal o grau de inconformismo do artista; inconformismo
absoluto, segundo Mário Pedrosa:
A expressão desse inconformismo absoluto é a sua Homenagem a Cara de Cavalo,
verdadeiro monumento de autêntica beleza patética, para a qual os valores plásticos por fim
o foram supremos. Caixa sem tampa, coberta pudicamente por uma tela, que é preciso
levantar para se ver o fundo, é forrada nas suas paredes internas com reproduções da foto
aparecida nos jornais da época, em que Cara de Cavaloaparece, de face cravadas de balas,
ao chão, braços abertos como um crucificado. Aqui é o conteúdo emocional que absorve o
artista, explícito já agora em palavras. (...) A beleza, o pecado, a revolta, o amor o a arte
desse rapaz um acento novo na arte brasileira. Não adiantam admoestações morais. Se querem
antecedentes, talvez este seja um: Hélio é neto de anarquista.
222
Materializado sob a forma de homenagem, homenagem ao anti-herói e ao anti-
herói-anônimo, o inconformismo do artista encerra o sentido de protesto, protesto de respeito à
220
IDEM. Esquema geral da nova objetividade. Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1967. s/p. (grifo do autor).
221
IDEM. Parangolé: da antiarte às apropriões ambientais de Oiticica - (Posição e Programa - julho de 1966).
Revista GAM, n.06, jul./1966. Apud PECCININI, Daisy. Op. cit. p.87-89.
222
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica. Op. cit. p.205-09.
transgressão marginal, transgressão à margem de qualquer concilião, transgressão implícita na
imagem do marginal, marginal a toda opressão estético-psíquico-político-social:
Como é verdadeira a imagem do marginal [como é chamado aquele que se revolta, rouba e
mata] que sonha ganhar dinheiro, num determinado plano de assalto, para dar casa à mãe ou
construir a sua num campo, numa roça qualquer (modo de voltar ao anonimato), para ser
feliz! Na verdade, o crime é a busca desesperada da felicidade autêntica, em contraposição
aos valores sociais falsos estabelecidos, estagnados, que pregam o bem estar, a vida em
família, mas que só funcionam para uma pequena minoria. Toda a grande aspiração humana
de uma vida felizsó verá sua realização atras de grande revolta e destruição (...) o
programa do parangolé é dar mão-fortea tais manifestações.
223
À margem do objeto-obra-suporte-tradicional, o programa do parangolé irrompe
como uma simples posição do homem nele mesmo e nas suas possibilidades criativas-vitais,
(...), para que ele acheaí algo que queira realizar realização criativa, esta, isenta de premissas
morais que tendem a um conformismo estagnizante, a estereotipar opiniões e criar conceitos
não-criativos golpe decisivo, tal qual, aos valores sociais falsos estabelecidos, estagnados: só
derrubando-os furiosamente poderemos erguer algo válido e palpável - a nossa realidade”.
224
Tensionando a harmonia do sistema de arte local, como o marginal, aos processos
de exclusão e injustiça vigentes, Oiticica compartilha deste espo à margem das estruturas fixas,
estabelecidas Baudelaire das
Flores do Mal
é talvez o padrinho longínquo desse adolescente
aristocrático, passista da Mangueira (sem contudo o senso cristão do pecado do poeta maldito),
referiu-se o crítico ao artista
225
território alheio aos conceitos de museu, galeria ou mercado de
223
OITICICA, Hélio. Parangolé: da antiarte às apropriações ambientais de Oiticica - (Posição e Programa - julho de
1966). Revista GAM, n.06, jul./1966. Apud PECCININI, Daisy. Op. cit. p.87-89.
224
Ibidem.
225
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica. Op. cit. p.206.
arte. Museu, declara-nos, museu é o mundo, as experiências cotidianas; e as galerias, asilos-
território de obras carentes de abrigo-teto convencional.
226
Quanto ao mercado – a propósito do consumo, indaga-se:
Por acaso fugir ao consumo é ter uma posição objetiva? Claro que não. É alienar-se, ou
melhor, procurar uma solução ideal,
extra
- mais certo é, sem dúvida,
consumir o consumo
como parte objetiva dessa linguagem [posição global vida-mundo]. Derrubar as defesas que
nos impedem de ver como é o Brasil no mundo, ou como ele é realmente- dizem: estamos
sendo invadidospor uma cultura estrangeira’ (cultura, ou por hábitos estranhos, música
estranha, etc, como se isso fosse um pecado ou uma culpa - o femeno é borrado por um
julgamento ridículo, moralista-culposo: o devemos abrir as pernas à cópula mundial -
somos puros- esse pensamento, de todo inócuo, é o mais paternalista e reacionário
atualmente aqui.
227
Objetivar o consumo, consumindo-o objetivamente. Trata-se de reconhecer a
multivalência dos elementos culturais imediatos, desde os mais superficiais aos mais profundos,
ambos essenciais reconhecimento que ultrapassa antíteses, mas supera diluições (convi-
conivência) de modo a objetivar uma realidade brasileira total: Brasil como um todo no
mundo, em tudo o que isso possa significar e envolver. O que não significa aceitá-lo
conformisticamente, tampouco negá-lo saudosisticamente. Objetivar o consumo, consumindo-
o objetivamente trata-se de “assumir e deglutir a superficialidade e a mobilidade desta cultura,
construir. Ao contrário de uma posição conformista, que se baseie sempre em valores gerais
absolutos, essa posição construtiva surge de uma ambivalência crítica” ambivalência inevitável
a qualquer posição crítica.
228
226
OITICICA, Hélio. Parangolé: da antiarte às apropriações ambientais de Oiticica - (Posição e Programa - julho de
1966). Revista GAM, n.06, jul./1966. Apud PECCININI, Daisy. Op. cit. p.87-89.
227
OITICICA, Hélio. Brasil diarréia. In GULLAR, Ferreira (coord.).
Arte brasileira hoje
. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1973. p.147-52. (grifo do autor).
228
É preciso entender que uma posição crítica implica em inevitáveis ambivalências; estar apto a julgar, julgar-se,
optar, criar, é estar aberto às ambivalências, já que valores absolutos tendem a castrar quaisquer dessas liberdades.
OITICICA, Hélio. Brasil diarréia. Op. cit. p.150.
Assumir e deglutir a superficialidade desta cultura, construir. A imagem do
marginal, ao chão, braços abertos como um crucificado, situa a ambivalência inevitável à
crítica: seja marginal, seja herói(fig.28). À margem da marginalidade impcita na revolta
marginal revolta visceral, autodestrutiva, suicida contra o contexto social fixo esta revolta:
Esta revolta assume, para s, a qualidade de um exemplo - este exemplo é o da adversidade
em relação a um estado social: a denúncia de que algo podre, não neles, pobres marginais,
mas na sociedade em que vivemos. Aqui isto parece no plano visceral e imediato. Num outro
plano, mais geral e com outras conotações estariam as mais heróicas experiências: Lampião,
Zumbi dos Palmares, mais adiante o exemplo vivo em todos nós, grandioso e heróico, que é o
do Che Guevara. O problema do marginal seria o estágio mais constantemente encontrado e
primário, o da dencia pelo comportamento cotidiano, o exemplo de que é necessária uma
reforma social completa, até que surja algo, o dia em que o precise essa sociedade sacrificar
tão cruelmente um Mineirinho, um Micuçu, um Cara de Cavalo. Aí, então, seremos homens
livres e antes de mais nada gente.
229
Superando romantismos (que a muitos faz parecer) não quero aqui isentá-lo de
erros, não quero dizer que tudo seja contingência - não, em absoluto! sob o protesto de
respeito à transgressão marginal do artista subjaz a dencia do passista: qual a oportunidade
que têm os que são, pela neurose autodestrutiva, levados a matar, roubar e morrer como o
animal a ser sacrificado:
O que quero mostrar, que originou a razão de ser de uma homenagem, é a maneira pela qual
essa sociedade castrou toda possibilidade da sua sobrevivência, como se fora ele uma lepra,
uma mal incurável - imprensa, política, políticos, a mentalidade mórbida e canalha de uma
sociedade baseada nos mais degradantes princípios, como é a nossa, colaboram para tor-lo
o símbolo daquele que deve morrer e digo mais, morrer violentamente, com todo requinte
canibalesco. Há como que um gozo social nisto, mesmo nos que se dizem chocados ou sentem
pena. Neste caso, a homenagem, longe de romantismo, seria um modo de objetivar o
problema, mais do que lamentar um crime sociedade X marginal. Qual a oportunidade que têm
(...). Pouca, ou seja, a sua vitalidade, a sua defesa interior, a sobrevincia que lhes resta,
229
OITICICA, Hélio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. Apud MORAIS,
Frederico. Heróis e Anti-heróis de Oiticica.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
porque a sociedade mesmo, baseada em preconceitos, numa legislação caduca, minada em
todos os sentidos pela máquina capitalista consumitiva, cria os seus ídolos anti-heróis como o
animal a ser sacrificado.
230
Absorvida pela máquina capitalista consumitiva, a morte do marginal, cujo destino
cumpre-se, como tal, anti-herói urbano do subdesenvolvimento, estampa-se nas manchetes dos
jornais: momento glorioso ou trágico desfecho, indaga-se o artista, cuja homenagem caixa sem
tampa, coberta pudicamente por uma tela”, forrada internamente com a imagem do marginal “ao
chão, bros abertos como um crucificado convida-nos ao desvelar da situação. É preciso
levantar a tela”, descreve-a o crítico, para se ver o fundo onde jaz um saco plástico com
pigmentos vermelhos, junto ao texto: Aqui está e aqui ficará. Contemplai o seu silêncio heróico
(fig.26).
231
Apresentada ao blico na mostra
O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
,
conta-nos Oiticica que a idéia de uma homenagem a Cara de Cavalo, concretizada sob a forma de
bólide-caixa, em maio de 1966, alude à mitificação da morte do marginal (desfecho trágico,
porém necessário à manutenção da tessitura social), ante a recodificação de sua revolta,
destituída, tal qual, do sentido de contestação individual à opressão social:
Em comos de 1965, quando germinava a idéia de uma homenagem a Cara de Cavalo, que só
veio se concretizar numa obra em maio de 1966 (lide-caixa n° 18, B-33) o meu modo de ver,
ou melhor a vincia que me levou a isso foi a que defini em uma carta ao crítico inglês Guy
Brett, como um momento ético. Como se sabe, o caso de Cara de Cavalo tornou-se um
símbolo de opressão social sobre aquele que é marginal- marginal a tudo nessa sociedade;
o marginal. Mais ainda: a imprensa, a polícia, os políticos - a sujeira opressiva, em síntese,
elegeu Cara de Cavalo como o bode expiatório, como inimigo público n° 1 (já em 1962 haviam
feito o mesmo com Mineirinho e logo depois com Micuçu). Cara de Cavalo foi de certo modo
vítima desse processo - o quero, aqui, isentá-lo de erros, não quero dizer que tudo seja
230
Ibidem.
231
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica. Op. cit. p.209.
contingência - o, em absoluto! Pelo contrário, sei que, de certo modo, foi ele próprio o
construidor de seu fim, o principal responsável por seus atos.
232
Morto aos vinte e dois anos, como o inimigo número um da polícia, Manoel
Moreira, vulgo Cara de Cavalo, levava a vida que um bandido preguiçoso pedira a Deus: pouco
trabalho, muitas mulheres e um dinheiro certo, sem risco. (...) À tarde, sempre acompanhado por
uma de suas amantes, (...), pegava um táxi, sentava-se no banco de trás e percorria os pontos de
jogo do bicho de Vila Isabel e arredores, (...), a recolher o pagamento compulsório do dia”.
233
Cumprida diária e anonimamente, como tal, conta-nos Zuenir Ventura que, a
rotina do marginal alterar-se-ia, apenas, aos 27 de agosto de 1964, ante um rápido tiroteio travado
entre Cara de Cavalo e o lendário detetive Milton Le Cocq “ao matar o lendário detetive, Cara
de Cavalo decretou sua sentença de morte” tão rápido quanto a sua assunção, de reles
explorador de mulheres e achacador de bicheiros, a inimigo público mero um da pocia
carioca:
A perseguição a Cara de Cavalo foi uma das maiores caçadas que o Rio conheceu. Cerca de
dois mil homens de todas as delegacias e divisões da Secretaria de Segurança foram
mobilizados para a operação. (...). Houve mortes de pessoas parecidas com Cara de Cavalo,
houve brigas entre policiais, muita disputa e rivalidade. (...) A cruzada em busca do bandido se
explica pelo desejo de vendeta de uma classe ofendida. Mas também porque havia um grande
prêmio em dinheiro pela cabeça de Cara de Cavalo.
Um mês e sete dias depois, Cara de Cavalo foi apanhado nos arredores de Cabo Frio, na
estrada para o balneário de Búzios. Vestia uma calça e uma camiseta furrecas e arrastava uma
sandália japonesa. (...) Eram quatro e meia da madrugada de três de outubro de 1964 (...).
Em seu depoimento, o delegado Sérgio Rodrigues disse que teria proposto por duas vezes que
Cara de Cavalo se rendesse. depois da negativa, iniciara a fuzilaria. Quatro jornalistas que,
a convite, acompanharam a execução, confirmaram a versão. Evanilda, a filha do dono da
casa, e Nisa, a amante de Cara de Cavalo, desmentiram. Elas, que haviam assistido à
execução, afirmaram ao delegado de Cabo Frio que o bandido morreu sem reagir. Ele ainda
232
OITICICA, Hélio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. Apud
MORAIS, Frederico. Heróis e Anti-heróis de Oiticica.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 2ª Seção,
p.03.
233
VENTURA, Zuenir.
Cidade Partida
. São Paulo: Cia. das Letras, 1994. p.38.
chegou a se levantar, disse Evanilda, mas logo caiu no chão sem alcançar a arma que
deixara sobre um móvel.
Segundo o laudo pericial, dos cem tiros disparados contra Cara de Cavalo, 52 atingiram seu
corpo, 25 se alojaram na região do estômago.
234
Sobrepujando (e de longe) aos feitos do marginal, a morte atribuída a Cara de
Cavalo, argumenta Waly Salomão, encerra o paroxismo doloroso (fora-da-lei X acima-da-lei) do
legalismo caricato-liberal brasileiro de então, Brasil pós-ditadura militar onde não há mediação,
nem meio-termo, e “a heroicização do vitimado indica o grau absoluto da reversão.
235
Revertendo o destino do anti-herói, e do anti-herói anônimo o certo é que tanto
o ídolo, inimigo público número um, quanto o anônimo são a mesma coisa: a revolta visceral,
autodestrutiva, suicida, contra o contexto social fixo Oiticica exprime, através de imagens
plásticas e verbais, “a tragédia da incomunicabilidade daquele que, no fundo, quer se comunicar.
Já outra vivência sobrevém a do ídolo anti-herói, ou seja a do anti-herói-anônimo, aquele que,
ao contrário de Cara de Cavalo, morre guardando no anonimato o silêncio terrível dos seus
problemas, a sua existência, os seus recalques, sua frustração (claro que herói anti-herói ou
anônimo anti-herói, são, fundamentalmente, a mesma coisa; essas definições são a forma com
que seus casos aparecem no contexto social, como uma resultante), o seu exemplo, o seu
sacricio, tudo cai no esquecimento como um feto parido. Numa outra obra (bólide-caixa n°
21, B-44 -1966/67) quis eu, atras de imagens plásticas e verbais, exprimir essa vivência da
tragédia do anonimato (...), o caso que me levou a vincia foi o do marginal Alcir Figueira da
Silva, que ao se sentir alçado pela pocia, depois de assaltar um banco, ao meio-dia, jogou
fora o roubo e suicidou-se. Porque o suicídio? Que dialica neurose (aliás, tão
shakesperiana) o teria levado preferir a morte à prisão? Uma idéia, sei lá se certa ou não, me
veio; seria isto a busca da felicidade (aqui entendida como segurança, afeto, tudo o que
envolveu a falta que ocasionou tal neurose)?.
236
234
Ibid. p.45-46.
235
SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: qual é o parangolé e outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p.44.
236
OITICICA, Hélio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. Apud MORAIS,
Frederico. Heróis e Anti-heróis de Oiticica.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
Apropriando-se da tragédia do anti-herói, o artista apropria-se do silêncio
(retificado) daquele que, no fundo, quer se comunicar, expondo-o a significação criativa do
participador, ante a manipulação da caixa, onde “a impossível distância na busca do querer ser
feliz” encerra, como na estrutura da tragédia, o trágico desfecho do anti-herói anônimo Alcir
Figueira da Silva jaz sob uma camada tumular de terra (fig.27).
3.3.2. CLÁUDIO TOZZI
Integrando, ao lado de Oiticica, a área policial da mostra, com a série Bandido da
Luz Vermelha” (fig.21), marginal célebre, segundo Morais, pelo seu modo especial de atuar e
fugir a prisão, despertando paies secretas, inclusive em universitárias, ante a repercussão de
seus feitos heróicos (anti-heróicos, digamos) nos meios de comunicação de massa, Tozzi
apresenta-nos a terceira face do marginal anti-herói anti-herói cuja celebridade desmistifica a
imagem importada do super-herói (fig.24).
237
Vimos, por ocasião da apresentão da série na I Jovem Arte Contemporânea
(MAC-USP; set.1967), a crítica implícita na abordagem do artista ao sensacionalismo da
imprensa determinando um novo herói e sua repercussão na massa, a par do protesto, protesto
de respeito ao mais puro mito-herói-nacional cuja revolta (...) surge como reflexo de uma falsa
estrutura social.
238
237
MORAIS, Frederico. A arte como reflexo da realidade. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 05 abril de 1968. 2ª
Seção, p.03.
238
TOZZI, Cláudio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD MORAIS,
Frederico. A arte como reflexo da realidade. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 abril de 1968. 2ª Seção, p.03.
Aludindo ao assunto, ante a sua divulgação nos meios de comunicação de massa,
Tozzi, ao lado de Oiticica, na área policial da mostra, atestam a coerência do discurso expositivo
do evento – cujo objetivo não era outro, como vimos, senão o levantamento de temas relativos à
cultura de massa que nos últimos anos têm interessado ao artista plástico brasileiro, e, em termos
mais amplos, o debate em torno das relões entre cultura de massa e cultura de nível superior
a despeito das opiniões do crítico Walmir Ayala, colunista do JB.
A respeito da mostra, cujo pomposo título (...) fazia prever uma caprichosa e
cintilante transposição arstica dos temas que constituem a mitologia popular contemporânea,
argumenta Ayala que nada disso se vê (...) em tão precário mostruário. O anti-herói de Oiticica,
por exemplo, não deu para entender. Ao menos nos obrigou a um esforço de levantar uma
caixinha de terra (...), para ver embaixo um texto sobre liberdade, felicidade e crime, com a
fotografia do morto anônimo.
239
Pontuando, como veremos, uma série de trabalhos cuja impertinência temática
atiça-lhe a crítica (ou a incompreensão total do sentido da mostra, diga-se), Ayala considera
interessante “a bandeira de Tozzi, representando Guevara num circense lenço de Verônica,
embora não compreenda o anti-herói anônimo de Oiticica, cujo depoimento alude ao exemplo de
revolta heróica e grandiosa, vivo em todos nós (...), que é o do Che Guevara.
240
Anti-herói, anti-herói animo, anti-herói super-herói-nacional, anti-herói herói-
latino-americano. O sentido de revolta implícito na imagem do marginal, marginal a toda
opressão estético-psíquico-político-social, perfaz a crítica de Tozzi ao sensacionalismo da
239
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
240
OITICICA, Hélio. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. Apud MORAIS,
Frederico. Heróis e Anti-heróis de Oiticica. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
imprensa, cujo modo de constatar os fatos, tal e qual, instiga a contestação do artista marginal a
todo condicionamento social.
Constatar de modo a contestar. O artista apropria-se de fatos (temas, imagens,
personagens), recodifica-os (arrancando-os de seu contexto original, por exemplo), e reapresenta
os fatos (temas, imagens, personagens) sob novo contexto, expondo-os à significação popular
ou à participação semântica, como enunciou Oiticica, ao tratar da tendência “participão do
espectador (corporal, tátil, visual, semântica)no inventário da nova objetividade brasileira.
Embora o inventário não aluda ao tipo de participão destrutiva, evocada nas
considerações de Pedrosa quanto aos destroços do pavilhão brasileiro na IX Bienal de São Paulo,
tal participação situa o incômodo suscitado por trabalhos de cunho potico, no contexto Brasil
pós-golpe militar - incômodo manifesto ante o painel Guevara Vivo ou Morto, de Tozzi,
destruído a golpes de machado por um grupo de extrema-direita, quando apresentado no IV Salão
de Arte de Brasília (fig.29). Salão, diga-se, coordenado por Morais.
Destruído o painel (depois restaurado precariamente pelo artista), Guevara torna
a aparecer como tema na bandeira apresentada na mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de
Massa, no limiar das áreas pocia e política temáticas englobadas pelo evento.
241
Homônima ao painel, Guevara Vivo ou Morto, a bandeira (fig.30), reproduz o
rosto de Guevara (imagem fotoampliada), num circense lenço de Verônica(tecido de algodão
vermelho com bolinhas brancas), aludindo à técnica derivada dos processos gráficos de
reprodução técnica consagrada por Roy Lichtenstein, artista cujas obras integravam o pavilhão
norte-americano da IX Bienal (pop) de São Paulo. Tal alusão decorre, conta-nos Tozzi, daquelas
bolinhas brancas estampadas ao redor do rosto de Guevara”, bolinhas brancas originárias, porém,
241
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.512.
do próprio tecido – tecido bem popular que era o algodão com bolinhas, tecido vermelho com
bolinhas brancas.
242
Considerado o artista brasileiro que mais se aproximou da pop-americana,
enquanto linguagem (figuração, apropriação, padronização, fotoamplião, reprodução), Tozzi
distancia-se, porém, da natureza fria e conformista da pop estadunidense, ao privilegiar temas de
forte cunho potico-social (Guevara, Bandido da Luz Vermelha, Vietnã) temas cuja
repercussão popular encerra a crítica aos meios de comunicação de massa, a par da paródia da
paródia, segundo Nelson Aguillar. Servindo-se da paródia, “essência da arte pop-americana,
Tozzi apropria-se de temas alusivos aos Estados Unidos (Vietnã, Bandido da Luz Vermelha),
imprimindo-lhes o sentido cômico impcito na paródia parodiando, pois, a paródia da arte pop-
americana.
243
Paródia da paródia. Eu bebo chop, ela pensa em casamento alude aos versos de
uma canção de Caetano (Alegria, alegria”, quarto lugar no III Festival da Música da TV
Record), na qual o cantor conta-nos a história de um sujeito que, por entre fotos e nomes/ sem
livros e sem fuzil, divide-se entre a modernidade impcita no refrigerante que toma e o sonho
provinciano de sua noiva (namorada?) de casar-se com ele supõe-se que até pensar em cantar
na televisão, pensou:
Eu tomo uma coca-cola,
Ela pensa em casamento,
E uma canção me consola,
Eu vou.
Por entre fotos e nomes,
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
242
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 14 dez. 2004.
243
AGUILLAR, Nelson. Claudio Tozzi. Apud PECCININI, Daisy (coord.).
O objeto na arte: Brasil anos 60
. São
Paulo: FAAP, 1978. p.221.
No coração do Brasil.
Ela nem sabe até, pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito,
Eu vou.
(...)
Porque não, porque não.....
244
Plena de ambigüidades ambigüidades tropicalistas a canção alude às
contradições da modernidade brasileira, onde estruturas arcaicas subsistem ao impulso
modernizante da instria cultural, por exemplo, componente e resultante, esta, do projeto de
modernidade econômica implementado no país (materializada na ampliação do setor de serviços,
ou mesmo, na padronização de certos hábitos, inclusive os de consumo); modernidade
ecomica, porém, sinônimo de conservadorismo político-social (
vide
a gradativa e, por fim,
violenta intolerância às ações e às idéias opositoras de qualquer espécie).
Motivão visual da canção de Caetano, Eu bebo chop, ela pensa em casamento
(fig.31), alude ao chop, e não a coca-cola do verso original, porque por que não, porque
não.... Como tal, porque não, refere-se o artista ao trabalho, quando perguntado: porque o
chop, e não a coca-cola do verso original.
O trabalho era uma motivação visual do tema, daí porque não o chop... Afinal, a gente ia muito
no bar, no Riviera, na Consolação [em São Paulo] tomar chop, então eu fiz esse trabalho: Eu
bebo chop, ela pensa em casamento. O trabalho que você via dos dois lados, circulando em
torno dele (...) porque era um objeto suspenso no espaço. E tinha uma espuma, uma espuma
bem fininha, aquela espuma que se usa em automóvel, sob a qual se encontrava um
ventiladorzinho... Então, a espuma ficava mexendo, parecendo mesmo uma espuma que está
correndo da caneca.
245
244
Alegria, alegria” (1967), de Caetano Veloso (PHILIPS 838.557-2, 1967).
245
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 14 dez. 2004.
A opção pelo objeto, objeto gráfico suspenso no espo, encerra o sentido lúdico
da participação proposta pelo artista ao espectador, cujo olhar movimenta-se perfazendo a
tridimensionalidade desta composição pictórica, onde a bidimensionalidade do plano projeta-se
na arquitetura do espo – espécie de metamorfose orgânica, segundo Peccinini, associada a
coisificação da pintura no domínio da tridimensionalidade, coisificação materializada ante a
participação do espectador.
246
Eis que pendurado na parede ou fixo no teto, argumenta o artista que pouco
importa a categorização do objeto – objeto-gráfico, objeto-pintura, objeto-ambiente importa que
a solução adotada reforce o significado do conteúdo participado (participação semântica, como
enunciou Oiticica):
O importante é saber que características determinaram sua produção. Importante também é o
seu conteúdo-significado e a linguagem utilizada: a apropriação da linguagem usada nos
meios de comunicação de massa, desde sinais de trânsito, letreiros, outdoors, história em
quadrinhos, até os processos fotomecânicos de reprodução (...) Neste sentido minha produção
caracteriza-se pelo uso de imagens apropriadas(...). O fato a ser narrado na obra era
pesquisado através de textos e imagens publicadas em jornais, (...), depois transformado em
imagem-visual, usando recursos gráficos para reforçar seu conteúdo (...) .
247
Afora reforçar o significado do conteúdo participado, o processo criativo
enunciado por Tozzi (seleção, apropriação, resignificação de símbolos e técnicas, cujo poder de
comunicação junto à massa alude aos critérios de seleção do artista) encerra o teor manifesto nos
pressupostos de mero sete e oito da
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda
, no
sentido que ao adotar todos os métodos de comunicação com o público, o artista constata e
acompanha (porque não...) as novas possibilidades técnico-industriais alargando os critérios de
246
PECCININI, Daisy (coord.).
O objeto na arte: Brasil anos 60
. São Paulo: FAAP, 1978. p.15.
247
Depoimento de Cláudio Tozzi ao Departamento de Pesquisa e Documentão de Arte Brasileira da FAAP. São
Paulo, dez. 1977. APUD PECCININI, Daisy (coord.). Op. cit. p.221.
atingir o ser humano, despertando-o para a compreensão de novas técnicas para a participação
renovadora e para a análise crítica da realidade; tal qual pressupunha o item de número sete do
documento.
248
A prosito das possibilidades técnicas e comunicacionais da revolução industrial,
Tozzi enfatiza-nos o uso, recorrente em seus trabalhos, da tinta em massa (tinta acrílica de uso
industrial, “então empregada naquelas placas de rua, hoje elaboradas eletronicamente por
projeção fotográfica”) cuja aplicação sobre a madeira (aglomerado) produz aquele efeito
chapado, cromaticamente chapado, dos cartazes publicitários fragmentos da iconografia urbana
(de massa).
249
Justapostos, tais fragmentos compõem o cenário da canção de Caetano – aquela
que nos conta a história de um sujeito que sob o sol de quase dezembro” assiste ao mundo
fragmentar-se nas bancas de revista:
O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas,
Em Cardinales bonitas
Eu vou.
Em caras de presidente,
Em grande beijos de amor,
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista,
Me enche de alegria e preguiça,
Quem lê tanta noticia,
Eu vou.
250
248
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda, janeiro de 1967. Apud PECCININI, Daisy (coord.) Op. cit. p.73.
Com a exceção única de Cláudio Tozzi, todos os signatários do manifesto figuravam entre os expositores de
Nova
Objetividade Brasileira
(MAM-RJ; abr. 1967).
249
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 02 dez. 2002.
250
Alegria, alegria” (1967), de Caetano Veloso (PHILIPS 838.557-2, 1967).
Acrescentada à mostra na segunda quinzena de maio, Eu bebo chop, ela pensa em
casamentointegrava, junto aos trabalhos de Maria do Carmo Secco, Nelson Leirner e Maria
Helena Chartuni, a seção canção (e ídolos da) popular do evento - ídolos quase todos presentes,
dentre os retratados pelo artista plástico brasileiro, inclusive Caetano, no ciclo de debates e
entrevistas promovido pelo Diretório Acadêmico da Escola Superior de Desenho Industrial,
segundo documentou o crítico dO Globo José Roberto Teixeira Leite.
3.3.3. MARIA DO CARMO SECCO
Apresentando a artista, aos leitores do diário, Morais enuncia que provavelmente
nenhum artista brasileiro desenvolveu de forma mais sistemática o tema Roberto Carlos do que
Maria do Carmo Secco, cujo depoimento à mostra - lacônico, dizia - acentua a coerência do
desenvolvimento temático-formal de seus trabalhos - desenvolvimento crítico e plástico, no caso
de Secco. Eis seu depoimento:
Minhas experiências no campo da comunicação de massa foram levadas à tela, quando
constatei que a televisão sendo um grande veículo de divulgação, não preenchia sua
verdadeira função. Usando como símbolo uma família que, representando as demais, coloca-se
com total passividade e ausência de crítica ante o produto oferecido pela televisão, quis
mostrar apenas o seu aspecto negativo. Ao mesmo tempo, lançava em minhas telas os gestos e
a face explorada e multiplicada de seu maior produto imposto - Roberto Carlos - assim como
sua moda e sua música. Desde então, a minha visão plástica se enquadra dentro de uma tela: o
vídeo ou o cinemascope com suas cenas de amor em close, seus anúncios imensos, a tendência
horizontal da tela cada vez mais acentuados, etc.
251
251
SECCO, Maria do Carmo. Depoimento da artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
Morais, Frederico. Roberto Carlos segundo um artista plástico. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23 mar. 1968. 2ª
Seção, p.03.
Constatar de modo a contestar. A artista apropria-se da face multiplicada do ídolo,
enquadrando-a dentro de uma tela, explorando-a à maneira de clichês publicitários “com suas
cenas de amor em close, seus ancios imensos expondo-a à crítica ausente “ante o produto
oferecido pela televisão, cuja função questiona através da face explorada e multiplicada de seu
maior produto imposto - Roberto Carlos.
Presente à mostra Roberto Carlos n.2 tela ampla, onde o close do ídolo
irrompe delineado em branco sobre fundo preto (áreas cromáticas chapadas) explora a
engrenagem que produz e mitifica os ídolos da cultura de massa (vide a história de Ben Silver,
diga-se, Benedito Lampião), explorando-a segundo os moldes da figuração narrativa linguagem
que alia a composição narrativa dos comics à técnica construtiva dos ancios publicitários, aos
planos, closes e cortes cinematográficos (fig.32). Solução formal adequada, considera-a Morais
adequação que resulta, completa, da necessidade de movimentar o próprio suporte físico da
representação (a tela):
Tudo ocorre e é dito na superfície, e descontinuamente, segundo a fenomenologia da percepção
moldada pelos modernos processos de comunicação de massa. (...) Tudo ocorre como se
estivéssemos diante de uma montagem cinematográfica, jornalística ou televisionada. Eis aqui
um aspecto importante de sua pintura: o perfeito entendimento entre forma e conteúdo, entre
significado e significante, isto é, a necessidade de expor o tema sem peias ou sutilezas exigiu
um tratamento formal adequado.
252
Tal perfeito entendimento entre forma e conteúdo, entre significado e
significante”, merece o prêmio de pesquisa no XXII Salão Municipal de Belas Artes de Belo
Horizonte (1967) o que reafirma, diz-nos Marília Andrés Ribeiro, o papel de vanguardista de
252
MORAIS, Frederico. Maria do Carmo Secco. Belo Horizonte: Galeria Guignard, maio 1966. APUD RIBEIRO,
Marília Andrés. As neovanguardas artísticas de Belo Horizonte nos anos 60. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p. 206-07.
Maria do Carmo Secco na pesquisa plástica”. Atenta às manifestões de vanguarda
(neovanguarda, como defende) no circuito arstico belo-horizontino, Ribeiro destaca a presença
da artista nos principais salões e galerias da cidade causando grande polêmica no meio
arstico local, chocando o blico e a crítica tradicionais pela clareza com que (...) explicitava
temas controvertidos do momento, como a face explorada e multiplicada do ídolo.
253
A par da crítica ao ídolo, enquanto produto imposto, Secco explorou a questão da
mulher e do mundo feminino na sociedade contemporânea, seus mitos românticos e eróticos,
questionando-os de modo autobiográfico questionamento da mulher por ela mesma”, afirma,
questionamento-produto da revisão de meus próprios valores femininos questionamento-
protesto contra a representão (exposição) da mulher nos meios de comunicação de massa.
254
A Face do Amor série apresentada na mostra Nova Objetividade Brasileira,
depois integrada ao pavilhão brasileiro da IX Bienal de Arte de São Paulo alude ao prazer
estampado no fragmento monumental de um rosto de mulher, cuja face, explorada, multiplicada,
exposta à fragilidade do momento, perfaz a crítica ao consumo (passivo) do prazer.
A passividade aludida simbolizada na atitude da família ante o produto oferecido
pela televisão – reaparece transfigurada na série, prêmio de pesquisa do XXII SMBABH, intitulada
Retratos de um álbum de casamento (fig.33). Nesta, um grande painel pictórico-narrativo, o
desfecho da história, centrada na falência do casamento tradicional (detalhe), Secco explora a
253
A neovanguarda carioca participou de várias manifestações artísticas organizadas por Frederico Morais em Belo
Horizonte. Inauguradas com a Exposição-happening Vanguarda Brasileira, realizada em julho de 1966 na Reitoria
da UFMG, culminaram no evento Do Corpo à Terra, que ocorreu no Parque Municipal em abril de 1970. Dentre os
artistas pertencentes ao grupo carioca distinguiram-se Maria do Carmo Secco e Dileny Campos, pela presença
constante e polêmica nos salões e galerias da cidade”. RIBEIRO, Marília Andrés. Op. cit. p.205.
254
Depoimento de Maria do Carmo Secco ao Departamento de Pesquisa e Documentão de Arte da FAAP. Rio de
Janeiro, set. 1977. APUD PECCININI, Daisy (coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978.
p.215.
conquista da independência feminina - independência metaforizada na imagem do veículo que a
conduz em direção à libertação feminina”.
255
Explorando ora a emancipação feminina, ora a face multiplicada do ídolo, a artista
contesta estereótipos sócio-comportamentais (prazer, consumo, consumo do prazer), constando a
capacidade estereotípica dos meios de comunicação de massa - ou antes, constando de modo a
contestar o aspecto negativodos media.
3.3.4. MARIA HELENA CHARTUNI
Inaugurando a publicação seriada dos depoimentos solicitados junto aos artistas
expositores depoimento pessoal sobre as relões entre cultura superior e cultura de massa e
sobre como, em seus quadros, objetos, desenhos e gravuras, desenvolveu plasticamente os temas
e os ídolos de massa” o testemunho de Maria Helena Chartuni explora a questão da idolatria
dos ídolos populares, ídolos da cultura de massa, idolatria semelhante diz-nos à adorão dos
santos de outrora, ídolos de gesso e barro. Idolatria desumana, portanto.
Penso que o problema dos ídolos o pode ser encarado sob um aspecto nacional e sim
internacional, de cuja engrenagem ninguém foge. É claro que de acordo com o
desenvolvimento cultural de um povo ele tem seus ídolos à altura. Como o Brasil,
culturalmente, mais em particular, é subdesenvolvido, ele produz um Chacrinha, que é
engolido pelo povo e, muitas vezes, tachado por determinada imprensa de gênio. Em
compensação, ao lado, existe um Pelé. Porém, todo esse problema iconográfico me parece um
processo bastante desumano para quem é obrigado a representar o papel de ídolo. Por isso,
255
RIBEIRO, Marília Andrés. Op. cit. p.208.
em meus trabalhos, mostro o outro lado dos ídolos, isto é, a realidade real, o lado humano,
a pessoa.
Antigamente, os artistas pintavam a vida de Cristo, tirando desse tema inúmeras possibilidades
de expressão. Quando no ano passado pintei a série Via Crucis de Brigitte Bardot, achei-a,
de uma realidade, tão trágica quanto verdadeira, da qual foi tirada. Cada estação foi invertida
para a vida dessa artista, usando para isso toda a espécie de material simlico: cupidos de
acrílico, corações quebrados, flores, etc.
Se saímos de um tipo de adoração de ídolos de gesso e barro, entramos naquela dos santos
que cantam iê-iê-iê, cujas imagens fotográficas também são adoradas: o processo é o mesmo,
só que agora lidam com pessoas...
256
Constatar o lado humano dos ídolos, de modo a contestar o processo desumano da
idolatria. Trata-se de mostrar o outro lado dos ídolos, a realidade ‘realda pessoa-ídolo, usando
para isso toda a espécie de material simbólico, tudo o que possa simbolizar a realidade ‘realdo
ídolo que, por vezes, revela-se tão trágica quanto verdadeira
vide
a tentativa de suicídio real
de Brigitte Bardot.
Humanizar de modo a desmistificar. A vida de sonho das estrelas se desmistifica
quando o mundo inteiro sabe que Marilyn Monroe se matou, que Brigitte Bardot é infeliz no
amor, que Montgomery Clift estava à beira do suicídio como tal, postulou o poeta e crítico de
arte Ferreira Gullar, no ensaio Problemas estéticos na sociedade de massa”:
O que a cultura de massa nos revela é o real; o que ela nos esconde é também o real. Revela-
nos o lado belo da vida, mulheres lindas, homens irresisveis, artistas de cinema, príncipes,
industriais riquíssimos, seres que parecem viver uma vida de sonho, mas possível. Esconde-nos
a fome, a miséria, a injustiça, a exploração e sobretudo as verdadeiras causas desses fatos.
Mas, a cada dia, mais claras ficam as coisas. A mesma imprensa que ajuda a manter o mito do
Tarzan contribui para destruí-lo ao noticiar que a macaca, sua amiga, deu-lhe uma dentada
no queixo.
257
256
CHARTUNI, Maria Helena. Depoimento da artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. O artista e os ídolos de massa.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
257
GULLAR, Ferreira. Problemas estéticos na sociedade de massa. In
Cultura posta em questão. Vanguarda e
subdesenvolvimento: ensaios sobre arte
. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 266.
Mas se a imprensa que constrói o ídolo, de fato atua na desconstrução do mito –
aguçando a curiosidade, o interesse pelo fato, no homem contemporâneo, que a tragédia do mito
consome como aos seus filmes, sua música, sua moda, a despeito da realidade ‘realda pessoa-
mito – o problema da idolatria desumana dos mitos contemporâneos encerra o caráter heróico-
mitológico atribuído aos olimpianos de outrora, cuja sobre-humanidade lhes extrai a substância
humana, contestada por Chartuni, e tão bem analisada por MorIn
Os novos olimpianos (...) sua natureza é análoga à dupla natureza teológica do herói-deus da
religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam,
humanos na existência privada que eles levam. A imprensa se massa, ao mesmo tempo (...) que
investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de
extrair delas sua substância humana.
258
Daí a atmosfera expressionista que a artista imprime aos seus trabalhos, onde os
ídolos (Brigitte Bardot, Ronnie Von, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Pelé, Chacrinha) aparecem
desfigurados, como desfigurado revela-se, à artista, o consumo (passivo, alienante-alienado) de
suas imagens fotográficas. Aludindo às nuances expressionistas de tal atmosfera, diz-nos Teixeira
Leite ser o extravasamento de “uma linguagem expressionista numa sintaxe pop, com resultados
bastante apreciáveis.
259
Díptico de Pelé e Ronnie Von trabalho apresentado na mostra
Nova
Objetividade Brasileira
, depois integrado, como A Face do Amor, de Maria do Carmo Secco,
ao pavilhão brasileiro na
IX Bienal de Arte de São Paulo
trata-se de um díptico composto por
duas telas verticais narrativas, unidas por uma dobradiça, recurso que impulsiona o quadro ao
chão – o quadro não se satisfaz mais com a parede, quer o chão, como que desejando andar,
caminhar(fig.34). No chão, portanto, o retrato desenhado de Pelé, segue-se ao de Ronnie Von,
258
MORIN, Edgar.
Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo
. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p.113.
259
LEITE, José Roberto Teixeira.
Dicionário crítico da pintura no Brasil
. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.122.
de cujo rosto, desproporcional à mão que lhe cobre o queixo (assimetria tributária à formação
expressionista da artista), Chartuni extrai a tal substância humana que considera ausente nos
retratos fotográficos do ídolo.
Presente à mostra coordenada por Morais, o díptico de Pelé e Ronnie Von - ídolos
populares, ambos, o primeiro do futebol (artilheiro da seleção brasileira), e o outro da canção
popular (príncipe da Jovem Guarda) contrapõe-se ao Tríptico de Chacrinha (o mais famoso
animador da televisão brasileira”, segundo Morais), contraposição decorrente, diga-se, do
testemunho da artista, alusivo à compensãode um Pelé em compensação, (...) existe um
Pelé” face à existência de um Chacrinha, produto do subdesenvolvimento cultural do país,
“engolido pelo povo e, muitas vezes, tachado por determinada imprensa de gênio.
260
Contudo, no que tange à solução formal adotada, o Tríptico de Chacrinha
(fig.35) assemelha-se, e muito, ao Díptico de Ronnie Von e Pelé”. Trata-se de três, ao invés de
duas, telas verticais narrativas, unidas por dobradiças, que ao chão repousam, como desejando
andar, caminhar. À esquerda, na primeira tela, o retrato de um homem, envolto por uma faixa
(como a presidencial), em cujas mãos avista-se um maço de elementos, cujo conjunto remete-nos
ao formato da coroa de um abacaxi - provável alusão, supõe-se, ao troféu-abacaxi(prêmio de
consolação concedido aos calouros desclassificados do programa de auditório comandado por
Chacrinha). No meio, o retrato de Chacrinha, fantasiado espalhafatosamente como de costume
(destituído, contudo, da famosa buzina de interromper calouros), seguido da cabeça de um animal
(um bode, talvez), que bem poderia sê-lo uma máscara de carnaval afinal, Chacrinha e carnaval
associam-se, como tal - ou uma simples referência à sonoplastia animalde seu programa.
260
CHARTUNI, Maria Helena. Depoimento da artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. O artista e os ídolos de massa.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Note-se, porém, que a ressalva de Chartuni a persona de Chacrinha deve ser
compreendida sob a perspectiva pessoal da artista, cujo testemunho alude, mas não elucida as
razões de tal reserva reserva semelhante, contudo, aquela de Elis: Cada país tem o Sinatra que
merece. O do Brasil é o Chacrinha”.
261
Ressalve-se, por ora, que Chacrinha - então, considerado autoridade no quesito
comunicação com a massa celebrizou a expressão (ou vice-versa): quem não comunica, se
trumbica expressão tão pertinente ao contexto Brasil pós-golpe militar, se tanto mais
verdadeiro não fosse o seu inverso: quem comunica, (de fato) se trumbica”. Repetida aos
bordões no célebre programa Cassino do Chacrinha”, tal expressão, compreendida ao pé-da-letra
por Oiticica, conduziu o artista plástico à função de jurado neste mesmo programa de auditório -
manifestação cultural, escreve Morais, tão difícil de reter, apreender e compreender, quando
efetivo o interesse do receptor, quanto o melhor romancista ou pintor.
262
3.3.5. NELSON LEIRNER
Tríade constante nos trabalhos de Nelson Leirner, polêmica, irreverência e
iconoclastia assomam-se sob Altar (altar de adoração ou capela mortuária, indagava-se Ayala),
onde o senso de humor, dizia o crítico, supera qualquer análise, e a montagem vai atribuindo
ao conjunto aquela aura de tenda de milagres, onde os ex-votos se amontoam, e é quase
261
Segundo Zuza Homem de Mello, teriam sido estas as palavras da cantora ao descobrir que Sérgio Ricardo estava
suspenso do III Festival da Música da TV Record, por ter atirado o violão na platéia, ante as vaias da multidão. Cf.:
MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Ed.34, 2003. p.212.
262
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.61.
insuportável respirar, tamanho o odor das velas baratas. Talvez seja isto que o pavilhão dedicado
à arte e à cultura de massas queira provar e provocar.
263
Independente do todo (do pavilhão dedicado à arte e à cultura de massa), a parte à
qual se refere Ayala (o trabalho de Leirner), de fato, tendia a provocar, pois não outra a função de
sua arte, dizia o artista, senão a de denunciar denunciar provocando, agredindo, despertando a
consciência individual para os perigos da alienação cultural e política, da estandardizão e da
robotização do homem - da sua sensibilidade e inteligência. Mas se é denúncia”, completa, antes
de tudo é arte, e vale porque é bela. Mas ainda assim, por ser bela e comover, é um objeto útil ao
homem e à sociedade.
264
No balanço da mostra (que vem obtendo um grande sucesso popular), Morais
refere-se ao Altar, como uma das obras de maior sucesso na exposição, dado o caráter
lúdico-participativo do trabalho de Leirner, onde o retrato de Roberto Carlos aparece coberto de
luz néon, ao lado da imagem de outros santos’ (ex-votos), também iluminados por néon. O
ambiente é fechado [por uma cortina de veludo vermelha], e para entrar o espectador deve passar
por uma roleta, marcando a sua presença
265
senão sugerindo, como pontua Paulo Sérgio
Duarte, que, ali, quem se ajoelha não apenas tem que rezar, mas deve pagar.
266
Explica-nos o artista que o próprio título de Altar (ou Adoração 66, como
queiram, dizia Leirner, no depoimento à mostra) encerra o sentido desta obra-denúncia (fig.09),
dencia, no caso, à idolatria dos mitos explorados pela cultura de massa:
263
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
264
LEIRNER, Nelson, Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Não há arte sem alegria.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
265
MORAIS, Frederico. Não há arte sem alegria.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
266
DUARTE, Paulo Sérgio.
Anos 60: transformações da arte no Brasil
. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.45.
O título de meu trabalho já diz tudo: Adoração 66(ou Altar, como queiram). Neste ano,
Roberto Carlos vivia o auge de sua carreira de cantor popular e de líder da Jovem Guarda.
Por todo o país multiplicavam-se os conjuntos de iê-iê-iê, formados por jovens cabeludos que
trajavam calças calhambequese berravam com sua boca e seus instrumentos que tudo o
mais vá para o inferno. Um produto bem lançado comercialmente estava alienando a
juventude brasileira - por isso, porque a rebelião da Jovem Guarda era inofensiva,
conformista, tinha o apoio dos poderes constituídos e da religião. O iê-iê-iê chegou a igreja,
mas já nas ruas e nos auditórios Roberto Carlos era adorado como um deus. E ninguém
condenava a idolatria.
267
Aproximando-se da argumentação de Chartuni, o testemunho do artista alude à
adoração dos santos de outrora (ex-votos), de modo a contestar a idolatria de então – Roberto
Carlos era adorado como um deus. E ninguém condenava a idolatria a idolatria, no caso, do iê-
iê-iê, cujo atributo de produto bem lançado comercialmenteremete-nos ao depoimento de
Maria do Carmo Secco. Leirner distancia-se, porém, da crítica de Secco, voltada ao papel da
televisão – do não-preenchimento, diga-se, de sua verdadeira função enquanto grande veículo de
comunicação – ao focalizar o iê-iê-iê enquanto rebelião (...) inofensiva, conformista” e tributária
do “apoio dos poderes constituídos e da religião, ante o sucesso avassalador da canção de
Roberto.
Conta-nos Zuza Homem de Mello que naquele verão de 1966, (...), a audiência da
Jovem Guarda crescia assustadoramente, alavancada pelo sucesso Quero Que Vá Tudo Pro
Inferno:
A garotada iconoclasta superlotava o Teatro da Record nas tardes de domingo, identificando-
se com os cabeludos de roupas extravagantes, acolhendo o alheamento como forma de revolta
contra as preocupações e formalidades, adotando as novas gírias como a linguagem de sua
preferência e entregando-se à espontaneidade ingênua das letras e à alegria do ritmo para
cantar e dançar livremente. O iê-iê-iê (considerado alienado) comava a dominar a bossa
(considerada participante).
268
267
LEIRNER, Nelson, Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Não há arte sem alegria.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
268
MELLO, Zuza Homem de.
A era dos festivais: uma parábola
. São Paulo: Ed.34, 2003. p.118.
Tal domínio sobre a bossa, contestado por muitos quando da irrupção do iê-iê-iê,
sob o formato da Jovem Guarda, encerra a querela: guitarras elétricas X violão querela tão bem
representada na peça teatral de Chico Buarque (vide a história de Ben Silver, diga-se, Benedito
Lampião) querela que nas artes plásticas assoma-se sob a imagem do jovem cantor de sucesso,
a do rei Roberto, no caso. No balanço da bossa, porém, a intencionalidade sarica de Leirner
dirige-se ao alheamento como forma de revolta alheamento impcito na “espontaneidade
ingênua” do iê-iê-iê conquanto a arte, dizia, tem, entre outras funções - não há arte sem alegria
- a tarefa de denunciar.
269
No pavilhão da mostra, a par da denúncia ao alheamento da juventude (iê-iê-iê)
brasileira, Leirner denuncia o objeto-único-pintura, ante o projeto pintura-objeto-seriado - projeto
que rompe com o artesanato, alma do objeto único, que é a mercadoria do marchand, que é a
glória do crítico de arte, suporte da pressão econômica da política da arte, que tem como base a
valorização de um objeto que não pode ser reproduzido.
270
Reprodução, difusão, comunicação. Desta tríade resulta a manifestação Bandeiras
na Praça, evento-happening (“arte na rua) idealizado por Leirner e Flávio Motta, em São Paulo,
a princípio, pois em fevereiro [68], trouxeram suas bandeiras para o Rio, ampliando o projeto,
segundo conta-nos Morais:
Os dois haviam mandado imprimir em o Paulo, por um processo serigráfico, bandeiras de
formatos diferentes. Flávio trabalhou temas sertanejos e Leirner temas urbanos. Em seguida
cuidaram de encontrar a melhor forma de enrolar, guardar e transportar as bandeiras. Um dia
resolveram ex-las numa rua do centro de São Paulo, mas pouco depois elas são apreendidas
por falta de alvará da Prefeitura, como alegaram os fiscais. Trouxeram, então, suas bandeiras
269
LEIRNER, Nelson, Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Não há arte sem alegria. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
270
Pintor exibirá obra em série. São Paulo, O Estado de São Paulo, 25 jun. 1967. APUD PECCININI, Daisy
(coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978. p.166.
para o Rio (...). Scliar sugeriu a participação de novos artistas, o que aconteceu, e as
bandeiras são expostas num domingo à tarde, na praça General Osório, em Ipanema, e, em
seguida na Galeria Santa Rosa, onde permanecem algum tempo. De São Paulo vem uma
caravana de artistas recebida na praça com música e o carnaval da Banda de Ipanema.
Participaram do evento bandeiras de Hélio Oiticica (a foto já conhecida de Cara de Cavalo
morto e a frase Seja marginal, seja herói), Samuel Szpigel (propondo a candidatura de Tomé
de Souza à presidência do Brasil), Luiz Gonzaga (Tio Sam), Glauco Rodrigues (Yes, nós
temos bananas), Pietrina Checcacci, Cláudio Tozzi (Guevara, vivo ou morto), entre
outros.
271
O
happening
gerado espontaneamente em São Paulo, ante a apreensão das
bandeiras por fiscais da prefeitura, no Rio, adquire o caráter de manifestação popular popular
como o tema representado por Leirner na bandeira O Timão, integrada à mostra, em abril.
Ao lado de Díptico de Pelé e Ronnie Von (Chartuni) e de “um belo instantâneo
de Szpigel(belo, segundo Ayala, diga-se), O Timão (fig.36) integrava a área temática
‘futebol' da mostra temática recorrente, diga-se, nos trabalhos de cunho figurativo
(neofigurativo) do período, encontrada nas telas de Rubens Gerchman, Cláudio Tozzi e Maurício
Nogueira Lima, por exemplo, todos presentes à exposição.
272
O Timão trata-se de uma serigrafia colorida (preto e branco, as cores do time)
sobre tecido amarelo, onde o time do Corínthias (timão, para os torcedores) aparece retratado (tal
qual foto oficial), mas cujos jogadores não podem ser identificados, dado o apagamento
proposital dos rostos. Técnica comercial, a princípio, derivada da técnica de impressão da
gravura, a serigrafia (ou
silk-screen
) encerra o princípio de reprodutibilidade defendida por
271
MORAIS, Frederico.
Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro (1816-1994)
. Rio de Janeiro: Top-books,
1995. p.300.
272
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
Leirner (projeto pintura-objeto-seriado), reprodutibilidade que acreditava ser sinônimo de
democratização e deselitização da arte.
273
Note-se, ademais, a presença da bandeira representando Guevara num circense
lenço de Verônicano evento Bandeiras na Praça, cujo caráter de manifestação popular
adquirido no Rio, revela-nos Tozzi ser o motivo – provável associação, diz-nos, entre circo e
popular - da expressão num circense lenço de Verônica expressão empregada na crítica de
Ayala. Tal bandeira, apesar de integrar os eventos citados, era vendida a preço de custo pelo
artista nas ruas (e era muito consumido no meio estudantil) e nos estádios de futebol então,
ao invés, de ter a imagem de São Jorge pregada na parede, as pessoas teriam uma serigrafia
assinada, era o início, conta-nos o artista referindo-se à serigrafia-homenagem ao jogador de
futebol Garrincha, de uma arte feita para um público maior.
274
Levada às últimas conseqüências por Leirner, a proposta de desmistificar o objeto
arstico (e todo o sistema valorativo que o envolve), vendendo-o a pro de custo, quando não
oferecendo-o, a quem o possa carregar’, encerra o sentido da Exposição-não-exposição
(happening de fechamento da Rex Gallery and Sons) na qual as obras do artista poderiam ser
levadas por quem quisesse e tivesse condições de retirá-las, a partir da abertura” - conforme
noticiara a imprensa paulistana dias antes do evento. Narra-nos Peccinini que “apesar dos
obstáculos colocados para dificultar a operação - barras de ferro, grossas correntes, bloco de
cimento armado, piscina, etc - em dez minutos a galeria estava vazia.
275
273
Técnica derivada da gravura, a serigrafia reproduz desenhos de cores planas através de uma armação de madeira e
tela feita de tecido de seda (daí silk-screen), náilon ou rede metálica, sobre uma base que pode ser de papel, tecido,
metal ou outros. O processo se dá através da aplicação de tinta sobro pontos permveis e impermveis da tela, que
a filtra formando o desenho a ser impresso.
274
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 14 dez. 2004.
275
PECCININI, Daisy. Figurações Brasil anos 60. São Paulo: Itaú Cultural: EDUSP, 1999. p.80.
3.3.6. CARLOS VERGARA
Vergara defende a praça e propõe uma reformulação do mercado de arte, até aqui
baseadonas galerias como tal, apresenta-o Morais aos leitores do diário, comunicando-lhes
que publicamos hoje o texto elaborado por ocasião do Festival de Bandeiras, (...), [texto] a que
chamou Entradas e Bandeiras, e que será igualmente transcrito no catálogo da mostra O Artista
Brasileiro e a Iconografia de Massa.
Chegamos a um momento em que algumas perguntas se tornam necessárias: se pretendemos
fazer (sem abdicar da criação e sem esquecer quem somos) uma arte para todos nós, qual a
função da praça e qual a função das galerias de arte? Evidentemente se [sic] se propõe a fazer
uma arte de alcance em todos os sentido, a praça pública é o lugar em qual os artistas
mostrarão seus trabalhos. Mas simplesmente mostrar não basta. É necessário que o público,
qualquer que seja ele, tenha condição de comprar as coisasexpostas. E eu digo comprar
porque isso obriga, aos que o tem o mínimo contato com as artes plásticas, uma maior
atenção. Para comprar alguma, terá que olhar todas. Se a obra for dada, todas serão levadas e
nenhuma será olhada com a atenção devida. Devida não por respeito, mas para ter a
possibilidade de usufruir tudo possível numa obra.
276
A defesa da praça, enquanto espaço expositivo ao alcance de todos, implica na
defesa de uma arte acessível ao consumo de todos, de todos os padrões sócio-ecomicos se a
obra for dada”, diz-nos Vergara, todas serão levadas e nenhuma será olhada com a atenção
devida(vide o episódio da Exposição-não exposição), devida, porém, não por respeito ao
objeto arstico, enquanto valor em si, senão enquanto produto-arte destinado ao consumo criativo
de todos.
276
VERGARA, Carlos. Entradas e bandeiras. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Imprescindível vendê-lo, ao produto-arte mas vender como? A que pro,
indaga-se Vergara:
A que preço? Numa hora entram os sistemas normais da indústria. Se [sic] se produz em série,
em larga escala o pro poderá ser reduzidíssimo. Se [sic] se usar materiais cada vez mais
baratos, mais redução haverá nos pros. Mas nesse momento é preciso uma abertura maior
dos espectadores que acham uma gravura em silk-screen inferior a uma gravura em metal pela
simples técnica com que é executada. É necessário por abaixo essa escala de pobreza. O valor
existe pela obra em si e por nenhuma outra razão. Chegou a hora de se trabalhar sobre
plásticos que são mais baratos que papel e em técnicas de fácil execução artesanal que
possibilita ao artista contratar outros profissionais mais para executar suas obras, aumentando
a produção, e com isso abaixando os preços (erroneamente grau de valor e nobreza) das
obras. Vender mais barato é vender mais, vender mais é comunicar mais ou pelo menos
possibilitar mais a comunicar.
277
A começar, reduzindo o preço de custo dos objetos produzindo-os em série,
substituindo os materiais, se necessário, por outros, como os fabricados em larga escala
(plásticos são mais baratos que papéis, por exemplo), adotando técnicas de fácil execução
artesanal que possibilite ao artista contratar outros profissionais, de modo a ampliar a produção
afinal, vender mais barato é vender mais, vender mais é comunicar mais, ou pelo menos
possibilitar mais a comunicação.
Necessário vender, imprescindível comunicar. Mas comunicar comentando, e não
comunicar constatando, apenas, uma realidade que, por si só, é a melhor constatação de si
mesma:
A discussão se complica, porque em função de uma possível comunicação não se pode levar a
simplificação da obra até a mera constatação sem comentários (...). O problema se coloca da
mesma forma que Glauber Rocha colocou em seu artigo na Revista Visão. Aprender durante
a feitura. Correr os riscos do fracasso da linguagem tentada. Mas de forma alguma abdicar da
criação. Criar talvez uma nova linguagem de criação que comece a considerar para onde é
criada a obra. Isso quer dizer que um trabalho para ser exposto na praça tem que ter
condições tanto de ir para a casa mais rica como tomar chuva numa varanda no subúrbio ou,
porquê não, poder receber a gordura de um fogão de barraco. Nessa hora sempre são os
materiais menos nobres que se prestam. Concluindo, (...) é chegada a hora de sair das oficinas-
277
Ibidem.
ateliê para a praça blica, e com isso, comando gradativamente, terminar com a obra
única, com isso terminando com a especulação das nossas míticas obras-primas.
278
Vender barateando, comunicar comentando, criar considerando o destino da
criação, sem esquecer [porém] quem somos. Eis o caminho entrevisto por Vergara, a par do
findar da era do artista-mito, da obra-(única)-prima (erroneamente grau de valor e nobreza”), da
especulação financeira mas... E as galerias? Assim sendo, fogo nelas?”:
Tenho a impressão que os próprios donos de galeria aos poucos começarão a fechá-las ou
simplesmente transformá-las. Eles serão os industriais da arte de massa. Financiarão e
distribuirão os trabalhos executados em oficinas talvez por eles montados. Terão seu corpo de
artistas contratados que produzirão obras que multiplicadas serão vendidas nas Lojas
Americanas, nas Sears, nas bancas de jornal, nas praças, nos aeroportos, nas agências de
turismo, etc. E quem sabe até obras só numeradas não assinadas que com isso se porá fim a
uma época de artistas-mito para o ressurgimento do artista original, cuja função é produzir
arte, face o consumo crescente e necessário. A exposição de Bandeiras na Praça General
Osório talvez tenha iniciado esse novo ciclo.
Como o sistema de produção desse ciclo é complicado, enquanto é morosamente criado, o
artista fica obrigado para sua sobrevincia a fazer seus quadrinhos e expô-los nas galerias,
defendendo sua subsistência e a possibilidade de continuar falando aos poucos espectadores
através de suas obras que indaguem ao homem o porquê da incrível realidade que nos cerca.
279
Simpático à atuação das galerias - reformuladas, por certo, afinal Vergara propõe a
reformulação do mercado de arte nas etapas de promoção, difusão e divulgação, o artista
condena-as ante a condução financeiro-especulativa da produção arstica, de cuja criação, dizia,
não se deve abdicar, sem esquecer quem somos; mesmo que compelidos a fazer seus [nossos]
quadrinhos e expô-los nas galeriasde modo a defender sua [nossa] subsistência”.
Independente do caráter ‘utópicodo texto no tocante à reformulação do mercado
de arte, utópicoespecialmente quando contraposto ao desenvolvimento ‘realdeste mercado
278
Ibidem.
279
Ibidem.
alavancado, segundo Bulhões, ante a incorporação da arte contemporânea ao sistema das artes
plásticas, a par da consolidação da indústria cultural no país, seguida da multiplicação das
galerias (financeiro-especulativas) no decurso dos setenta seu ideário encerra questões inerentes
ao contexto arstico-cultural dos anos sessenta; questões alusivas ao debate: experimentalismo X
acessibilidade; consumo X contemplação; sobrevivência X marginalização; democratização X
ampliação do consumo X elitismo.
280
Eis que considerando o caráter elitista das artes plásticas, à época não se podia
entrar no MAM sem convite, terno e gravata” (vide o episódio dos parangolés de Oiticica) e
todavia, diga-se, conclui-se que iniciativas como Bandeiras na Praça, seguida de Arte no Aterro,
um mês de arte pública (organização de Morais, promoção do DN), por exemplo, apoiavam-se no
binômio democratização-experimentalismo, haja vista que a par do propósito de reverter tal
elitismo, tais iniciativas implicavam, segundo Vergara, nos riscos da linguagem tentada ou
como dizia, parafraseando Glauber Rocha, aprender durante a feitura.
281
Da feitura em série vender mais barato é vender mais, vender mais é comunicar
mais, ou pelo menos possibilitar mais a comunicação apreende-se que, seguindo a orientação
democratizante do período, calcada, grosso modo, na equivalência dos termos ampliação do
acesso-ampliação do público consumidor, Vergara defende a idéia de arte barata, produção em
série acessível a todos, de maneira análoga ao “consumir o consumo, consumindo-o
objetivamentede Oiticica, à medida que tensionando a harmonia do sistema de arte local,
posiciona-se de modo objetivo face ao consumo enquanto dado real realidade passível, diga-se,
de ser transformada via o bimio, portanto, democratização-experimentalismo.
280
Para a autora, todas essas ações (1965-68) influíram mais na renovação do sistema do que na sua deselitização.
GARCIA, Maria Amélia Bulhões. Artes plásticas: participação e distinção. Brasil anos 60/70. Tese (Doutorado em
História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.
p.171.
281
Ibid. p.139.
Democratizar, conclui-se, implica naquela superão, que nos fala Morais, da
distância inibidora entre obra de arte e espectador superação objetivada, no caso de Vergara,
através do consumo do objeto em série, em oposição ao isolamento do objeto único ao passo
que experimentar envolve correr os riscosda criação de novas linguagens, novos recursos,
novos métodos de comunicação, em suma - afinal, dizia Vergara, por ocasião do Festival das
Bandeiras, que: Arte para mim é comunicação, (...) e só há uma rao para a arte: ela ser
consumida, e passar [assim] a ser um elemento importante na vida do homem.
282
3.3.7. SAMUEL SZPIGEL
Da pra à mostra, onde estará presente com dois trabalhos e por falar em
loteria”, escreve Morais, “ela é assunto de um dos quadros de Samuel Szpigel que estará presente
à mostra”, ao lado de um belo instantâneo de futebol(belo, segundo Ayala, diga-se) Szpigel
inventa a partir do urbano, achando, catando, juntando, vivendo tudo isso, tal qual os versos, no
dizer do crítico-coordenador da mostra, de uma canção de Caetano.
283
Eu invento usando desde a fita métrica até o bilhete de loteria, do futebol às eleições. Ainda
outro dia, fiz um cartaz eleitoral lançando a candidatura de Tomé de Souza para governador
geral do Brasil.
O jornal é importante para mim. Todos os dias eu abro um e devoro as imagens e as letras que
tem dentro dele.
Eu vou achando tudo isso.
Eu vou catando tudo isso.
282
VERGARA, Carlos. Depoimento do artista. 1967/68. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça.
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
283
MORAIS, Frederico. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 26 mar.1968. 2ª Seção, p.03; AYALA, Walmir. Os
ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
Eu vou juntando tudo isso.
E, eu vou vivendo tudo isso.
284
A experiência do cotidiano urbano de Szpigel, tal qual enunciada no depoimento à
mostra, alude ao processo de apropriação dada reincorporado ao repertório pop (neodada) eu
vou achando tudo isso, eu vou catando tudo isso, eu vou juntando tudo isso experiência que o
faz, observa Schenberg, possivelmente o artista brasileiro com características mais afins à pop-
art americana, a par de uma temática autenticamente paulistana:
A sua afinidade com a pop-art americana deriva de sua extraordinária capacidade de utilizar o
cotidiano e as imagens mais vulgares para criar obras de arte significativas e altamente
interessantes. Szpigel critica a sociedade brasileira e os acontecimentos poticos atuais de
maneira sugestiva e eficaz, colocando-se decididamente sem romantismo nem nostalgia do
passado. (...) Isto o torna um dos artistas mais representativamente paulistanos [a despeito de
ter nascido no Rio].
285
No Rio, Szpigel participa, ao lado de Flávio Império, Sérgio Ferro e Maurício
Nogueira Lima companheiros de Szpigel no grupo dos cinco Arquitetos-pintores (Ubirajara
Ribeiro corresponde ao quinto elemento da formação) da mostra
Nova Objetividade Brasileira
,
onde apresenta o trabalho intitulado Deitado em berço esplêndido (fig.12), crítica que perfaz a
ironia da bandeira apresentada na Praça General Osório, na qual propõe a candidatura de Tomé
de Souza ao governo geral do Brasil (fig.37).
286
284
SZPIGEL, Samuel. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Szpigel inventa a partir do urbano.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 30 mar. 1968. 2ª Seção,
p.03.
285
SCHENBERG, Mário. Cinco arquitetos pintores. In
Pensando a arte.
São Paulo: Nova Stella, 1988. p.188.
286
Analisando o artigo Cinco Arquitetos pintores, escrito por Schenberg - O grupo dos cinco arquitetos-pintores,
(...), desempenha um papel cada vez mais destacado no movimento arstico paulistano. São muito diversos os
temperamentos desses artistas assim como as tendências que representam dentro do novo realismo também são, mas
há certamente relações entre as suas pesquisas- Peccinini destaca a decisão de estabelecer em suas obras uma
relação com a realidade, nacional e contingente, como o elo comum de suas pesquisas. CF: SCHENBERG, Mário.
Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.187-89; PECCININI, Daisy.
Figurações Brasil anos 60
. São Paulo:
Itaú Cultural: EDUSP, 1999. p.62-68.
Inusitada, a princípio, a candidatura de Tomé de Souza remete-nos às eleições para
deputado federal de 1966, última oportunidade eletiva as o golpe de 1964, quando uma certa, e
inusitada, preferência por Roberto Carlos (!) aparece noticiada na imprensa paulistana:
Vos sabiam que Roberto Carlos foi candidato a deputado federal nestas últimas eleições?
Pois é isso mesmo: o Brasafoi candidato. Porque o povo assim quis. E recebeu 13 mil votos
até ontem. Se a contagem continuar assim, o ídolo do iê-iê-iê passará dos 20 mil votos.
Também Garrincha, Pelé, Chico Buarque e James Bond tiveram votos. Mas Roberto Carlos
ganhou de todos.
287
Ao assomar-se, portanto, por entre fatos e nomes, o inusitado perfaz a crítica ao
real, aos acontecimentos políticos atuais, no dizer do crítico M. Schenberg, de maneira
sugestiva e eficaz. A par do sugestivo inusitado, a eficácia das críticas de Szpigel responde ao
sentido de uma comunicação mais direta, tributária da limpeza, basicamente gráfica, de seus
trabalhos limpeza que não esfria, diz-nos Peccinini, o vigor de seu discurso trágico de
comunicação direta.
288
Tal vigor, empreendido na comunicação direta de temas alusivos aos vícios
(loteria e futebol) e às paies populares (futebol e loteria), às idiossincrasias, segundo Peccinini,
da sociedade brasileira, envolve, pois, a aproprião de signos e técnicas da comunicação de
massa (repertório pop), apropriação operada, contudo, no caso de Szpigel, de modo a preservar a
conotação social dos temas abordados (aspectos da cultura brasileira, sob o ponto de vista da
expressão popular). Verificadas na IX Bienal popde São Paulo, tais diferenças entre a pop-
americana e suas ressonâncias na vanguarda artística brasileira reforçam o caráter crítico de
trabalhos, como os de Szpigel, cujo interesse pelas técnicas derivadas dos meios de comunicação
287
Última Hora
, São Paulo, 14 nov. 1966. s/p.
288
PECCININI, Daisy. Op. cit. p.65.
de massa atende a necessidade de intensificar a comunicação com o público, articulando-a em
temos de inconformismo e desmistificação.
No certame em questão, Szpigel apresenta dois trabalhos sobre futebol
(Corínthias” e Penalty - este último mostrando Pelé caído no chão, a cabeça inclinada para
trás com a boca aberta, em um grito de dor), outro sobre loteria (Loteria), e um quarto
intitulado Profissões(onde um grupo de pessoas apresenta depoimentos sobre melhorias
salariais obtidas após cursos profissionais por correspondência) integrado posteriormente ao
pavilhão da ESDI.
289
3.3.8. ANTÔNIO MANUEL OLIVEIRA
As imagens do jornal, diariamente devoradas por Szpigel todos os dias eu abro
um [jornal] e devoro as imagens e as letras que tem dentro dele reaparecem nos trabalhos de
Antônio Manuel, onde o artista, apropriando-se dos refugos do processo fotomecânico de
impressão (os flãs), redesenha as imagens, redefinindo as legendas, das manchetes publicadas, de
modo a interferir ‘hojenas notícias de ontem.
290
A propósito desta apropriação dos flãs, conta-nos o artista, no depoimento à
mostra, o quanto esta descoberta do jornal, enquanto material de trabalho, influíra, e de maneira
289
OLIVEIRA, Liliana H. T. Mendes de. A Bienal Pop. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade de Campinas, Campina, 1993. p.229.
290
A apropriação dos flãs, explica-nos Duarte, matriz das superfícies cilíndricas em chumbo das impressoras
rotativas dos diários, encerra “a possibilidade virtual de a primeira página ser outra (...), naquele momento como
intervenção atual, hoje como memória”. Cf. DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil.
Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.69-70.
decisiva, na reformulação temática de seus desenhos, ora concebidos como expressão de uma
revolta:
Abordo, em meus trabalhos, multies em diversos setores do cotidiano, multies que lutam
por algo e que, sem poder protestar, trazem o protesto estampado na face. Descobrindo por
acaso o jornal como material de trabalho, logo vi quanto dele poderia tirar como meio de
comunicação. Até essa descoberta, meus trabalhos eram apenas exteriorização do que me ia no
[sic] interior: nada mais do que isso, os desenhos da fase da arte bela, já de muito
abandonada, e os da série a que denominei Seres, nesses últimos, porém, já se sentia a
existência de um mundo agressivo no dramático dos seres surrealistas.
Fator decisivo, porém, na mudança de conteúdo de meus trabalhos, foi o contato com o
movimento estudantil; daí se originaram minhas novas formulações, inteiramente ligadas aos
problemas do homem e mais radicais. Fruto deste contato é a série de trabalhos Movimento
Estudantil, que refletia a efervescência do meio estudantil em 67.
A guerrilha e a censura às artes também foram assuntos de trabalhos meus, no ano passado - o
clamor pela liberdade sufocado em todas as pessoas, ecoa ali gritante na expressão estética
das figuras.
Na verdade, de 66 para cá, meus desenhos são expressão de revolta. Um exemplo? O jornal:
uso-o para dizer as verdades que ele muitas vezes esconde. Outro exemplo? Abordo sempre em
meus trabalhos, os problemas do povo - ora o movimento estudantil, ora a guerrilha, ora o
domínio religioso, ora a guerra e seus esteios, ora, ainda, um diálogo entre poticos. Mas o
exemplo maior, é a multidão que em meus quadros não é passiva - ela grita os apelos e
protesto de um povo que sofre.
291
O sentido de protesto – expressão de uma revolta” enunciado por A. Manuel
subverte o silênciodas verdades que ele [o jornal] muitas vezes esconde”, esconde por
omissão ou submissão ao regime, mas esconde. Esconde atirando-as ao lixo da redação, onde o
artista, à noite, encontra-as registradas sobre os flãs descartados descartados por assim o serem,
descartáveis, como descartáveis assomam-se as tais verdadesaos censores do regime
verdadesquase todas relativas à idéia da violência de rua, segundo atesta o próprio Antônio
Manuel:
291
OLIVEIRA, Antônio Manuel. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa.
APUD MORAIS, Frederico. Antônio Manuel: Meus desenhos são expressão de uma revolta.
Diário de Nocias
,
Rio de Janeiro, 23 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Continuei a trabalhar com o jornal, aproveitando o material do dia-dia, freqüentando as
oficinas do Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Globo e O Paiz, de madrugada, às duas ou
três horas, para selecionar os flãs, pois eles são considerados material de sucata, e corria o
risco de perdê-los, como perdi alguns. O flã é essa matriz de jornal que tem seus altos e baixos-
relevos necessários à impressão. Mas o flã é um material muito bonito e quase invisível, e
assim tinha de trabalhar sobre determinados enquadramentos de luz. Tinha que jogar a luz em
diagonal, ou de frente, para enxergar o que estava registrado nele. Alguns são inéditos, porque
o se podia mostrá-los naquele tempo, e são quase todos relativos à idéia da violência de
rua.
292
Enunciada na legenda do flã (serigrafia s/ madeira), presente à mostra coordenada
por Morais Violência à solta no Rio (fig.38) a violência irrompe conjugada à imagem da
multidão (multidão que luta por algo e que, sem poder protestar, traz o protesto estampado na
face”) onde o clamor pela liberdade sufocado em todas as pessoas, ecoa ali gritante na expressão
estética” das faces desfiguradas, desfiguradas de modo a evocar a impessoalidade de tais pessoas.
Analisando-a, a esta impessoalidade de tais pessoas, diz-nos Freitas, que a multidão de A.
Manuel traz a marca da indefinição indefinição que encerra a homogeneidade compacta da
multidão – indefinição acentuada, acrescenta, pela impessoalidade impcita no processo técnico
em si. A técnica, nesse caso, [serigrafia de flã], causa e efeito do trabalho, é eleita por uma
necessidade ao mesmo tempo em que se lhe ime como limite. Ou seja, quando se acha, na
mancha (...), um rosto ou um traço [identifivel], se vê igualmente que (...) não importa quem
sejam aqueles, importa antes, conclui, o que representam enquanto símbolo.
293
Na multidão em questão, a par das faces ora desfiguradas, ora censuradas (alusão
às tarjas pretas), divisa-se, ao menos, três figuras proporcionalmente maiores, se comparadas às
demais, figuras simbolicamente identifiveis, mas não-individualizadas salvo a exceção,
talvez, da figura localizada à direita da cena, logo abaixo à legenda: violência à solta no Rio.
292
Depoimento de Antônio Manuel. APUD MANUEL, Antônio et. al.
Antônio Manuel
. Rio de Janeiro: Funarte,
1984. p.45.
293
FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel.
Revista Brasileira de
História
, São Paulo, n.49, 2005. p.87-89.
Nesta, a barba conjugada à boina (espécie de indumentária guerrilheira’) remete-nos ao símbolo
Guevara, tanto quanto a pasta a tiracolo da figura à sua esquerda remete-nos ao estereótipo de um
estudante donde se conclui que não importa quem sejam, as tais figuras proporcionalmente
maiores, importa, antes, o que representam enquanto símbolo. A tríade simbólica completa-se,
pois, com a figura localizada abaixo do Che, cuja uniforme aliado ao teor persecutório do gesto
dispensa outros comentários.
Movimento estudantil e violência, sobretudo violência, irrompem no flã “A
imagem da violência (fig.39), onde A. Manuel conta-nos (estrutura narrativa dos quadrinhos
transposta à primeira página do jornal) a saída da missa de sétimo dia de Edson Luís, através de
cinco micro-cenas cinco macro-faces, indescritíveis, diga-se, da violência então assistida na
Igreja da Candelária. Era quatro de abril, narra-nos Ventura, e foi logo depois da comunhão,
quando:
Começaram a chegar ao altar-mor os inquietantes ruídos de cascos de cavalos pisoteando o
asfalto. Eles vinham misturados ao ranger de freios das viaturas policiais, ao ronco de um
avião que sobrevoava o local e a ordens militares gritadas. O conjunto produzia uma
sonoplastia de guerra. E era um pouco isso o que acontecia em frente da Igreja da Candelária
(...). A praça estava tomada. Na frente, três fileiras de cavalarianos da Pocia Militar,
montando animais indóceis e com as espadas desembainhadas, o deixavam dúvida quanto à
disposição guerreira dessa tropa de choque. Mais atrás, (...) o temível Corpo de Fuzileiros
Navais. Os agentes do DOPS completavam o cerco. (...) Mesmo sem ver, D. José de Castro
Pinto, o celebrante da missa, e seus 15 concelebrantes, podiam imaginar o que se armara lá
fora. (...) Ninguém sai- voltou a insistir o padre Guy [Rouffier]. Deixem que os padres
saiam na frente. (...) Ao chegarem à porta, os sacerdotes se deram as mãos e formaram duas
correntes, no meio das quais iam os estudantes. (...) O silêncio do cortejo permitia que se
ouvisse a impaciência do inimigo que os esperava a alguns metros: era aquele mesmo ruídos
de cascos de cavalos que antes chegava ao altar e agora e estava cada vez mais próximo.
294
Grosso modo, Ventura narra-nos o que A. Manuel conta-nos através de imagens -
imagens repletas de cavalarianos, e outras Forças Armadas, que aos estudantes coagem nas
294
VENTURA, Zuenir.
1968: o ano que nunca terminou.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p.115-23.
escadas da Candelária. Mas na primeira micro-cena, macro-face da violência, o artista alude ao
que omite Ventura, ao retratar a humilhaçãodaquele que sobre o carro estende os bros, ante o
sabre desembainhado do cavalariano - ao retratar, enfim, a violência em si. Comparada ao flã
Violência à solta no Rio, onde “o clamor pela liberdade, (...) ecoa ali gritante”, tal imagem da
violência encerra o retrato do recrudescimento da brutalidade policial do regime, componente e
resultante da efervescência estudantil em meio aos episódios em questão – a morte, no caso, do
secundarista Edson Luís, assassinado pela Pocia Militar, a queima roupa, segundo A. Manuel,
seguida do massacre que nos narra Ventura.
A alusão ao dito a queima rouparefere-se à legenda do flã Movimento
Estudantil(fig.40) parte integrante da série homônima citada pelo artista no depoimento à
mostra onde a inscrição Pocia Militar mata estudante a queima roupa” aparece nas quatro
micro-cenas, estruturadas aos pares, invertendo-se em negativos e positivos rubro- negros.
Repetição que reforça o teor de denúncia contido na mensagem.
Isoladas, porém, cada micro-cena, analisa-as Freitas, encerra o testemunho das
aflições e utopias de uma sociedade jovem, esclarecida e militante”. Em cada pequena caixa de
imagens, segue, a multidão – o pretexto e o cerne, segundo o autor alude à potência do
coletivo, ao resíduo positivo do homem como ser social, mas não fosse a veemência afirmativa
das palavras [Polícia Militar mata estudante a queima roupa], a multidão provavelmente
desapareceria (...) numa série de agitações formais confinadas e rigorosamente articuladas pela
geometria dos retângulos.
295
As pequenas caixas de imagens referidas, três ao todo, verticalizadas umas sobre
as outras, compõem as micro-cenas que se repetem, invertendo-se em negativos e positivos. Na
295
FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel.
Revista Brasileira de
História
, São Paulo, n.49, 2005. p.86.
primeira, a maior, a de maior apelo, segundo Freitas, a atrocidade em si, a morte pura e simples
do corpo que jaz inerte, rodeado pela multidão que o vela. À morte segue-se o inscrito “a queima
roupa, como um lembrete a separar a morte (acima) da massa (abaixo). A massa, retratada no
limite inferior de cada micro-cena, massa compacta de incontáveis estudantes (supõe-se) cujos
olhares fixam-se num mesmo destino, num flagrante de obediência e contenção absoluta”
aptos a agir, infere Freitas, com todos os vigores e as utopias da juventude”. Analisando ao
conjunto da obra, argumenta o autor que, entre a morte e a utopia, entre o limite final da
aventura estudantil da quadra superiore o sentar-se, ouvir e discutir, talvez, da quadra inferior,
surge uma quadra indefinida indefinida, porém repleta de possibilidades um esquema
formal, conclui, de “quase pura plasticidade”.
296
Na crítica à mostra publicada no JB, Ayala refere-se ao medo ao medo que dá
na gente (...) de que este jornal, amanhã, seja apenas nocia superada, jornal de ontem, crônica
falida como o substrato de tais trabalhos, cujo desenho, diz, de qualquer forma é bom,
sublinhando os fatos e tentando rubricar a essência deles, seja a violência, seja o temor e o
espanto.
297
3.3.9. RUBENS GERCHMAN
Do espanto faz-se a crítica (A. Manuel), da crítica, o comentário (Gerchman).
Comentário crítico, diga-se, inspirado, quase sempre, na multidão anônima, compacta, atenta às
296
FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista Brasileira de
História, São Paulo, n.49, 2005. p.87.
297
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
promessas de dinheiro fácil e moradia grátis, ofertas que dos rádios ecoam nos ônibus
superlotados ofertas, quase sempre, promessas, não mais que promessas. Comparada à massa
não-individuada de A. Manuel, a multidão de indivíduos de Gerchman a multidão que circula,
mora, lê, escuta, vive a cidade distancia-se da conotação de coletivo potencial atribuída à
massa, enquanto aglomeração social, nos flãs de A. Manuel, apresentando-se como fenômeno
sócio-urbano-comportamental ícone da urbana modernidade, portanto. Mas apesar de distante
das utópicas guerrilhas heróicas da massa de A. Manuel, a multidão anônima de Gerchman
remete-nos ao heroísmo parafraseando Baudelaire daqueles que tragando a poeira das
fábricas (...) e todos os venenos usados na fabricação de obras-primas, (...) esperam os milagres a
que o mundo lhes parece dar direito.
298
Como o direitoa “comer e morar um ano [de gra] com toda a família
enunciado no quadro-cartaz Carnet Fartura” (fig.41), onde o artista trata dos sonhos daqueles
que, cansados de esperar, talvez, os milagres a que o mundo lhes parece dar direito, apostam na
sorte do carnet fartura como o casal, ali retratado, de forma simples e direta.
A par da crítica ao estatuto de sonho atribuído ao direito de comer e morar, sonho
daqueles, portanto, cujos direitos revelam-se negligenciados, Carnet Fartura” constata,
contestando, a manipulação dos sonhos operada pela mídia publicitária - manipulação necessária,
diga-se, para a manutenção do consumo, enquanto sistema. Mas o consumo, tal qual apresentado,
conjugado ao retrato do casal individuado individuado, porém, anônimo, ordinário – desfaz a
magiados anúncios publicitários, quase sempre, estruturados de modo a sinalizar ao indivíduo a
possibilidade de sua singularização da massa, através do consumo do produto anunciado.
298
BAUDELAIRE, Charles. APUD BENJAMIN, Walter.
Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo
.
São Paulo: Brasiliense, 1989. p.73.
Implícita no slogan Vai comer e morar um ano de graça com toda a família”, a
alusão à mídia publicitária revela-se na opção, ademais, de utilizar, segundo conta-nos o artista,
o cartaz e a imagem do jornal ou revista em um novo contexto - a tela, este lugar sagrado
sagrado e imune (diga-se) ao consumo popular impcito nas promessas do carnet fartura.
299
Encerrando o debate comunicação X elitização, tal transposição do universo
popular ao suporte sagradoda tela decorre, antes, diz-nos o artista, da descoberta do blico,
seus temas (que são os da cultura de massa), desejos e frustrações, conforme atesta no
depoimento à mostra:
O problema da comunicação na arte nova deve ser discutido: quantos níveis de comunicação
existem? Comunicar a qualquer pro ou, antes de tudo, conscientizar-se do que se está
comunicando? (...)
Sinto-me ligado à crise e à aventura da jovem arte brasileira. Algumas obras cujos títulos são
dentre outros: Multio, Mises [sic], Futebol, Carnet Fartura, Os Desaparecidos, A Bela
Lindonéia (a Gioconda do surbio), Correio Sentimental, Assegure seu futuro, O Ônibus, O
Rei do Mau Gosto (Caixa e cultura), A Cidade, são de 1964 a 1966. São tentativas e reflexos
do próprio conhecimento (descobrimento) da realidade brasileira. Porque o artista jovem, no
Brasil, enquanto faz, descobre, apreende a realidade do país, melhora a sua técnica. Por
sermos jovens e não desenvolvidos, tornou-se necessário, para nós, revelar, informar, criar
polêmica, e discutir nosso homem e, sobretudo, nós mesmos. Foi o que fiz: informei, fazendo,
aprendi, polemizando, descobri-me a medida que descobria ao público, através de seus temas
(que são os da cultura de massa), desejos e frustrações. (...)
Devo dizer que aprendi muito mais andando pela rua da Alfândega, nos bares com seus
ambientes geniais, nos açougues com sua luz de néon, observando os produtos enlatados de
toda espécie nos supermercados, indo ao estádio de futebol, viajando de ônibus, lendo as
nocias no jornal, do que em todas as revistas especializadas e em livros de arte. Considero-
me assíduo teleouvinte de programas de TV (Chacrinha, telenovelas, etc), com os quais ampliei
meus conhecimentos sobre o comportamento coletivo.
300
299
GERCHMAN, Rubens. Depoimento do artista à Revista GAM. Rio de Janeiro, jun. 1967. APUD LEITE, José
Roberto Teixeira et. al.
Gente nova, Nova gente
. Rio de Janeiro: Expressão e Civilização S.A., 1967. s/p.
300
GERCHMAN, Rubens. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Gerchman contra a pop colonizadora.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 04 abr. 1968. 2ª
Seção, p.03.
Conclui-se que o sentido da anotação (Gerchman prefere considerar seu
depoimento como anotões) comunicar conscientizando-se do que se está comunicando,
implica na própria conscientização do artista, na consideração, digamos, do destino da criação (a
obra), consideração próxima, portanto, daquela mencionada por Vergara criar talvez uma nova
linguagem de criação que comece a considerar para onde é criada a obra”.
301
Vergara, contudo, defende a criação de uma obra acessível a todos, a todos os
padrões sócio-ecomicos, acessibilidade, portanto, diretamente vinculada ao consumo da obra,
ao passo que Gerchman reapresenta a questão da acessibilidade da criação, enquanto fruição
acessível da obra, associando-a a descoberta do público pelo artista seus temas, desejos e
frustrações descoberta anterior ao próprio consumo da criação. Tal descoberta, produto da
observação dos enlatados nos supermercados e dos programas de televisão, Gerchman sintetiza-a
no seminário Situação da Vanguarda no Brasil, apresentado na Biblioteca Municipal de São
Paulo, por ocasião do evento Propostas 66:
O espectador de hoje é desatento, cansado, talvez pelas atribulações da vida cotidiana. Recebe,
pois, um mero maior de informações diárias do que, por exemplo, o espectador dos anos 40.
É muito mais solicitado. Portanto, o artista, penso eu, deve usar todas as técnicas de
comunicação possíveis. Uma delas é pegar o espectador pelo pescoço, fazê-lo pensar.
Tarefa dura. Assim, considero válidas as técnicas do cartaz de cinema, das histórias em
quadrinhos, etc. Como espectador consciente, a crítica social pode ou não estar presente nos
meus trabalhos, mas apresento sempre o homem urbano em seus múltiplos aspectos.
302
A par da fruição acessível da obra, a consideração do artista acerca do destino da
criação – o espectador (...) desatento, cansado, solicitado por um mero maior de
informões diárias envolve a escolha da técnica todas as técnicas de comunicação
301
VERGARA, Carlos. Entradas e bandeiras. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
302
GERCHMAN, Rubens. Situação da Vanguarda no Brasil. (Tema 4 - Seminário). Propostas 66, São Paulo,
Biblioteca Municipal, 15. dez. 1966. APUD PECCININI, Daisy (coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São
Paulo: FAAP, 1978. p.147.
possíveis cuja validade justifica-se ante a dura tarefa de comunicar, mas comunicar
conscientizando-se [e ao espectador: fazê-lo pensar] do que se está comunicando.
No parágrafo final do depoimento à mostra, onde Gerchman alude às dificuldades
materiais dos artistas brasileiros, a questão da técnica surge de modo a perfazer o argumento de
que, por vezes, a precariedade da técnica corresponde ao próprio conteúdo do que se está
comunicando, como um reflexo material, digamos, da realidade contingente do país:
Nos dois últimos anos houve uma verdadeira explosão na arte brasileira com o aparecimento
de um grande mero de artistas, alguns com grande talento que abriram caminhos e
propuseram opções. Trabalharam (trabalham) com grande dificuldade material (...) sofrendo o
grande impacto da realidade brasileira, principalmente aqueles que queriam evitar os modelos
estrangeiros. Um país subdesenvolvido não faz necessariamente arte subdesenvolvida. Esta, a
meu ver, a formidável resposta da arte brasileira. Tecnicamente, talvez, a obra pode
apresentar deficiências, mas não como idéia. É sabido que a tecnologia é uma forma de
dominação colonial. Não é em termos tecnológicos que se deve estabelecer o confronto, mas
em termos de idéia.
303
A questão dos modelos estrangeiros para Gerchman, que nega com veemência
qualquer influência pop – Gerchman contra a pop colonizadora, intitula ao seu artigo Frederico
Morais encerra a luta contra essa visão de arte colonizada um país subdesenvolvido [não] faz
necessariamente arte subdesenvolvida” no sentido de que o confronto não é em termos
tecnológicos (...), mas em termos de idéia”.
304
303
GERCHMAN, Rubens. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Gerchman contra a pop colonizadora.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 04 abr. 1968. 2ª
Seção, p.03.
304
Gerchman alega, segundo Wilson Coutinho: “a impossibilidade da arte brasileira daquele período ter um
fundamento pop: (1) porque nossa sociedade de massa era ainda embrionária e não refletia um complexo sistema; (2)
nosso processo de industrialização era, quatro anos após o golpe de estado, rarefeito e insuficiente para acolher uma
produção daquele tipo; (3) nossa história da arte tivera um desenvolvimento desigual, transversal; (4) nosso mercado
de arte não possuía, na época, uma força decisiva; (5) o que tínhamos de pop era apenas uma mimética e não um
processo. Essas observões mostram bem a posição de Gerchman em desvincular qualquer procedimento estético
daquela época com fontes externas. Se elas existiam, acabavam
mixadas
na realidade brasileira do sistema de arte.
Cf. COUTINHO, Wilson.
Gerchman
. Rio de Janeiro: Salamandra, 1989. p.16.
Tais considerações, enunciadas no depoimento à mostra do artista, contrastam,
pois, com a crítica de Ayala, publicada no JB, onde escreve: pobremente executada, a Caixa e
Culturade Rubens Gerchman, dá a sensação de objeto de segunda mão. Por sua natureza exigiria
uma execução mais brilhante. Os pratos da sua orquestra estão enferrujados, desta vez”.
305
Considerando-se que esta sensação de objeto de segunda mão, a que se refere o
crítico, perfaz a temática da obra - síntese do mau-gosto e do cafajestismo estético, no dizer de
Teixeira Leite - resta-nos indagar a que natureza alude Ayala, cuja incompreensãode Caixa e
Culturaparece resvalar naquela visão de arte colonizada, a que se refere o artista, ao priorizar a
técnica em detrimento da idéia.
Caixa e Cultura, de 1966 (fig.42), trata-se da representação bidimensional do
interior de uma caixa, onde a inscrição O Rei do Mau Gostofigura logo acima do retrato de
uma paisagem tropical (papagaios, palmeiras), seguida da imagem dos animos da multidão de
Gerchman (a fauna pobre dos surbios cariocas). À esquerda, a inscrição Amo-te, e uma
flâmula do Vasco, à direita, compõem o mau gosto, a que se refere a caixa - a par da vibração
energética das cores (laranja, azul e amarelo) e dos materiais insólitosali utilizados (asas de
borboleta).
306
Mas ao mau gosto, simbolizado através de elementos usualmente associados ao
gostodas camadas populares, porém, retratado naquele lugar sagrado, a tela, Gerchman alia o
conceito de cultura, de modo a romper as fronteiras entre cultura de massa (mau gosto) e alta
cultura (bom gosto), à medida que ao mau gosto questiona, tanto quanto ao bom gosto – bom
gosto este, autoproclamado, diga-se, por aqueles (a elite) que através do cultivo do gosto
procuram diferenciar-se dos outros (a massa), atribuindo-lhes o mau gostoenquanto juízo
305
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
306
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.218.
valorativo, no sentido que a alta cultura, ou a cultura de massa, não se apresentam superior, ou
inferior, em si, senão no juízo que as define, e aos seus valores, como tal.
Síntese do mau gosto e do cafajestismo estético, no dizer do crítico, Caixa e
Culturaremete-nos, ademais, ao Altar, de N. Leirner, cuja estética atua por saturação de
elementos convencionalmente identificados ao gosto das camadas populares (ex-votos), a par da
apropriação de ícones da cultura de massa (iê-iê-iê), seguida da transposição destes objetosde
segunda mão (ready-mades visuais) para o universo da alta cultura.
Integrando ao lado de A. Manuel, Glauco Rodrigues, Roberto Moriconi e Paulo
Guilherme Samy, os setores imprensa e publicidade da mostra, Gerchman retira-se do evento, na
segunda quinzena de maio, segundo informa aos leitores do diário, o crítico F. Morais:
Entregue no dia trinta último, até hoje Walmir Ayala não publicou nossa carta-resposta ao seu
infeliz comentário sobre a exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa.
Enquanto isso a exposição prossegue com grande freência. Tal como fora previamente
anunciado alguns trabalhos estão sendo substituídos. Gerchman retirou seus dois trabalhos
[Carnet Fartura e Caixa e Cultura] a fim de enviá-los com urgência para a Europa. No
lugar, foram incluídos dois trabalhos de Cybèle Varela. Um deles sobre misses, outro sobre
futebol. (...) Acrescentadas, também, novas obras de Cláudio Tozzi (aproveitamento de um
tema de Caetano Veloso), Maria do Carmo Secco (Tu e Roberto Carlos) e Paulo Guilherme
Samy. Prosseguem igualmente as conferências e entrevistas.
307
Na carta não-publicada a que se refere Morais carta enviada ao crítico do JB, em
resposta ao artigo Os ídolos traídos, onde Ayala comenta, segundo Morais, desastrada e
equivocadamente a exposição encontra-se a resposta ao comentário os pratos da sua orquestra
estão enferrujados, desta vez:
Uma arte nova exige uma crítica nova. (...) O julgamento acadêmico dos chamados valores
plásticosdeixou de ter sentido, como também noções como harmonia, equilíbrio, bom gosto,
307
MORAIS, Frederico. I Encontro de Cultura. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 16 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
etc. É premente a revisão do método crítico, mas não tenho a intenção de debater sobre isso
agora. O objetivo desta carta é simplesmente mostrar alguns equívocos em seu artigo quanto
aos objetivos da mostra sobre iconografia de massa. Assim não me interessa propriamente
saber o que pensa sobre Gerchman, José Ronaldo Lima ou Moriconi. Mas quando afirma que
Moriconi, José Ronaldo ou Ziraldo estão fora dos propósitos da mostra, aí, então, não se trata
de uma opinião pessoal sobre um artista, mas incompreensão total do sentido da mostra e
desconhecimento do que venham a ser cultura e iconografia de massa. Aliás, o título de seu
artigo é muito claro a respeito. Nem só de ídolos vive a cultura de massa, nem essa quer dizer
apenas popularidade. Já disse acima que a cultura de massa é uma linguagem, um sistema
próprio de valores.
308
O que no caso de Gerchman revela-se uma opinião pessoal sobre o artista” a
par da crítica ao academicismo dos valores empregados na formulação desta opinião (análise da
técnica em detrimento da idéia) no caso de Moriconi assoma-se incompreensão total do
sentido da mostra e desconhecimento do que venham a ser cultura e iconografia de massa”,
quando o crítico do
JB
afirma, diz-nos Morais, ser inadequada a participação de sangue de
umbigo de Moriconi (em que se aproximaria”, pergunta-se Ayala, do tema iconografia de
massa?).
309
Ora, responde Morais ao crítico, os rótulos das garrafas de Moriconi e as capas de
seus long-playssão uma crítica à publicidade (não se recorda da I FEMSU que vo
comentou?) E publicidade é cultura de massa. Ou acha que um outdoor’, os jingles, ou o tigre
da Esso não são cultura?.
310
3.3.10. ROBERTO MORICONI
308
IDEM. Carta, Di Cavalcanti.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
309
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
310
MORAIS, Frederico. Carta, Di Cavalcanti.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
Idealizador da I Feira Mundial de Sangue de Umbigo (a I FEMSU, a que se refere
Morais, exposição-happening destinada ao lançamento oficial de sangue de umbigo, produto
novo, inútil, como certas máquinas), Moriconi integra a mostra sobre iconografia de massa,
explorando a publicidade, segundo atesta Morais, a partir da apresentação de produtos inúteis
garrafas e discos, com seus respectivos rótulos iteis, porém, destinados ao consumo.
311
Sinalizado nos rótulos integralmente reelaborados pelo artista (fig.43), o consumo
de sangue de umbigo (produto novo, inútil, como certas máquinas) encerra “uma concepção
pessimista e amarga do mundo, analisa-a Morais, simbolizada nos elementos: o feto e o
inseto.
Em outros termos, é o conflito entre ser e vir-a-ser, entre a vida e a morte, entre retornar ao
ventre (e tudo o que significa: conforto, segurança, felicidade, calor etc) ou tornar-se inseto.
Sentimento de usea, de alienação. O feto e o inseto, como temas, portanto, aparecerão
sempre, nos rótulos das garrafas ou discos, sempre diferentes, assim como nas bandeiras de
cores e desenhos diversos. O conflito feto/ inseto continua nas pipas que tem uma forma
aproximada à do inseto e também um cordão umbilical, que se liga ao feto (que é aquele que
a segura). Uma foto do astronauta White flutuando no espaço torna óbvia a idéia e o símbolo:
o túnel será como que um canal vaginiforme por onde o espectador penetrará(sempre
apoiando-se num cordão umbilical) até alcançar a fonte da seiva vermelha da vida: o sangue
de umbigo.
312
No tocante às pipas e bandeiras mencionadas pelo crítico, estas compunham, ao
lado de outros tantos elementos-surpresa, o happening-lançamento-oficial de sangue de umbigo
(bebida, pílula, em pó, etc), instalado na Petite Galerie, no Rio, aos dez de setembro de 1967.
Convidado a apresentar à mostra (exposição-feira), noticia Morais aos leitores do DN que, apesar
do caráter fortuito do evento – nem tudo está bem definido na FEMSU alguma coisa pode
ser antecipada aos leitores, que poderão freqüentá-la pagando um ingresso modesto a cada visita
311
IDEM. Os santos ídolos de Moriconi. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 06 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
312
MORAIS, Frederico. Moriconi comanda I FEMSU na PG. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 01 set. 1967. 2ª
Seção, p.03.
a cada dia haverá novidades de modo que a visita poderá e deverá ser repetida”. Mas na
noite de inauguração, dizia:
À porta da PG provavelmente um grupo Jovem Guarda tocará iê-iê-iê, quando auto-falantes
anunciarão, entre tangos e boleros com jingles, o novo produto, que aliá, será servido no
vernissage (já que se trata de uma feira-exposição). Logo à entrada, um grande painel
anunciando a feira e bandeiras. Dentro da PG, verdadeiro parque de diversões estará
montado. Os visitantes terão à sua disposição: baralho para jogar (só que ao invés de azes e
espadas, os desenhos contarão uma história que será formada durante o jogo), argola para
lançar sobre as garrafas contendo sangue de umbigo (e quem acertar leva), tiro ao alvo (e
novamente quem acertar ganha quadros); verá nas paredes, além de quadros, um horóscopo,
sempre com desenhos originais, uma folhinha oferecida pela fábrica da nova bebida, onde, ao
invés dos dias, do mês, haverá uma história em quadrinhos. E também pipas para soltar, túneis
para penetrar, etc etc.
313
A par do caráter lúdico da proposição – verdadeiro parque de diversões, como
verdadeira revela-se, dizia Morais, a contribuição de Moriconi para a nossa arte de vanguarda
a alusão aos ícones da cultura de massa, apropriados de modo a promover a campanha
publicitária de sangue de umbigo (produto novo, inútil, como certas máquinas), perfaz a crítica
ao consumo alienado de tais produtos (alienação X participação). Consumo que reforça, conclui-
se, o conflito permanente do homem com o mundo, simbolizado nos elementos: o feto e o inseto.
Quanto ao sentimento de náusea e alienação, que nos fala Morais, Moriconi
desenvolve-o no depoimento à mostra, relacionando-o ao início de uma nova mitologia (ou seria
“ao fim de uma velha?, pergunta-se), cujos santos (Santo Chacrinha dos impossíveis, São
Roberto Carlos das meninas enxutas, etc), santos ora santificados pelo IBOPE, atendem aos
significados de conforto, segurança e felicidade, até que o Vaticano, desculpem, o IBOPE
permita suas aparições:
313
Ibidem.
Um olho para ele, uma perna para ela, uma extração de quisto sebáceo para o menino, um
coração para velhinho. São as dádivas da santa milagrosa nos dias de sua aparição. A santa
em minha propriedade, ícone eletrônico, aparece vestida com us esvoaçantes que, de quando
em vez, misturam-se com as pelancas das coxas vívidas, também esvoaçantes, mostrando as
penúltimas conseqüências do ser humano. Seus fiéis aplaudem, choram, riem com ela, e para
ela durante meses seguidos até que o Vaticano, desculpem, o IBOPE permita suas aparições.
A santa milagrosa fala, fala muito, faz perguntas e respostas constantemente e sem perder
tempo, a pergunta ou a resposta poderá ser a mesma, tanto para a venerável ou medieval freira
quanto para a mariposa avançada enfiada numa minissaia de chapa de aço. Este é o início de
uma nova mitologia? Ou o fim de uma velha mitologia?
Mas Santa Derci não é a única, há uma corte celestial formada por muitos santos e querubins;
mencionando alguns daqueles com maior mero de peregrinos que fazem romarias semanais
aos respectivos santrios, poderia falar em Santo chacrinha dos impossíveis, São Roberto
Carlos das meninas enxutas, havia Santo Che dos guerrilheiros, uma infinidade de outros
nacionais ou estrangeiros.
Mas uma elite que não precisa de santo protetor, os intelectuais, do tipo Ipanema, eles são
inteligentes e possuem a lâmpada de Aladim sob forma de garrafas, das quais surgirá o
GÊNIO genial, destinado a sumir com a ressaca do dia seguinte.
Claro que eu também tenho os meus santos protetores: se viajar pelo mar, será o capitão do
navio; se viajar de avião, meu santo será o comandante; se pegar uma pneumonia, meu santo
será o médico; e diariamente terei meus santos: um, uma dezena, um milhar ou milhares, como
quando Mangueira Estação Primeira, compondo sua corte celestial, estará desfilando na
avenida, então naquele dia estarei lá como bom peregrino. Eis porque minha ícone exalta o
homem que nasce, porque, seja quem for, todo o homem que nasce será santo até morrer.
314
Entre ícones de gesso e santos ídolos eletrônicos, o testemunho de Moriconi
refere-se ao sentimento de conforto e segurança proporcionado pelos ícones ao ser humano a
despeito do que digam, diz-nos, os intelectuais, tipo Ipanema conquanto todo homem que
nasce [o capitão do navio ou o comandante do avião] será santo até morrer.
Testemunhando, portanto, no sentido de desmistificar, Moriconi questiona tanto
aos intelectuais que dizem não precisar de santo protetor (cultura de massa X alta cultura), como
ao IBOPE, e tudo o que possa o IBOPE significar (idolatria, alienação, náusea), de modo a
desmistificar a idolatria dos santos ídolos eletrônicos, tanto quanto ao mito da necessidade de
314
MORICONI, Roberto. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Os santos ídolos de Moriconi.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 06 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
ícones. Eis o sentido, supõe-se, da definição dos conceitos de iconografiae de massa
separados, como tal apresentada por Moriconi à mostra sobre iconografia de massa:
ICONOGRAFIA: definição de imagens, estátuas, quadros, monumentos, etc; ciências das
imagens produzidas pela pintura, pela escultura e pelas artes plásticas.
MASSA: mistura de farinha de trigo, ou outra qualquer, com líquido, de modo que forme pasta;
conjunto de partes que forme um todo; substância mole, pastosa ou pulverizada; pasta;
dinheiro (popular); totalidade; corpo compacto; matéria que constitui um grande corpo
informe; mandioca ralada (brasileiro); aglomeração de gente; o povo em massa (loc.
adverbial), em conjunto; na totalidade.
315
Quanto ao sentido da participação de Moriconi em que se aproximaria”,
perguntava-se Ayala, da iconografia de massa?” apesar de inequívoca a resposta de Morais,
expcita quanto à crítica ao consumo publicitário impcito nos rótulos de sangue de umbigo
(produto novo, inútil, como certas máquinas), verifica-se que a proposição do artista, de fato,
distancia-se daquele sentido de comunicação direta, participativa (participação semântica, visual,
corporal), presente nos trabalhos de Leirner, por exemplo, à medida que exige do espectador
“aquele encaixe de cultura mínima”, segundo argumenta Ayala, para a percepção de uma
metáfora. Metáfora condizente, porém, e não inadequada, aos objetivos da mostra (o objetivo
da mostra não é outro senão o de propiciar uma reflexão sobre a cultura de massa, (...) e em
termos mais amplos, o debate em torno das relões entre cultura de massa e cultura de nível
superior).
316
Mesmo que procedente, a observação de Ayala, quanto à percepção de uma
metáfora exigida pelos trabalhos de Moriconi (crítica impcita, como sugere Morais), e não
quanto à inadequação de sua participação, note-se que de metáforas (ou de outras tantas críticas
315
Ibidem.
316
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03
impcitas) compunha-se o pavilhão da ESDI, dedicado a assuntos, nem sempre, permissíveis à
época.
3.3.11. GLAUCO RODRIGUES
Através de metáforas, ou antes, da “superfície necessariamente metafórica do
quadro, Glauco – que dispensa apresentões, segundo Morais ironiza à própria história da
arte (história plena de metáforas, diga-se), transferindo a famosa Vênus de Botticelli para as
conchas de formas de acrílico da Shell como a uma fotografia, diz-nos Pontual, que, para
concretizar-se, não implica na câmera, mas no lápis e no pincel (...) em obediência a um processo
não sem analogias com o fotógrafo.
317
A par da ironia, de acentuada postura crítica, diga-se, materializada na
justaposição de ícones da cultura de massa às imagens sagradasdo renascimento italiano,
Cântico dos Cânticos, de 1967 (fig.44), situa-se no limiar da pintura-objeto-único, dado o
caráter de protótipo industrial que lhe atribui o artista estas obras poderiam ser facilmente
reproduzidas em série. Fiz apenas o protótipo segundo atesta no depoimento à mostra:
Em 1964, quando eu morava em Roma, minha pintura sofreu enorme transformação. Senti uma
grande necessidade de contar uma história em meus quadros. Ao mesmo tempo [sic] que
retomava uma pintura, por assim dizer, figurativa, esta mesma pintura abandonava o quadro
de cavalete e misturava-se com a escultura. Começaram então a surgir temas como Vietnã,
Brigitte Bardot, automóveis e mulheres nuas, Pelé etc. E me propus problemas de participação
do espectador na obra de arte e os de produção em série dos trabalhos (uma tentativa neste
sentido são os balões em matéria plástica que apresentei na Opinião 66). Em 1966,
317
PONTUAL, Roberto. Glauco Rodrigues / Pintura 1964-1973. Rio de Janeiro, 30 out. a 11 nov. 1973. APUD
PECCININI, Daisy (coord.). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978. p.211.
timidamente, apareceu o tema brasileiro em meu trabalho. Eram objetos de madeira com a
forma do mapa do Brasil, coloridos de verde e amarelo com temas de subdesenvolvimento.
Nesta época, senti vontade de fazer um retrato, gênero que eu já havia feito muito, no início de
minha carreira. Por que o voltar ao assunto neste momento? Fiz então um retrato da atriz
Tônia Carrero cuja moldura é feita de luzes que acendem e apagam. A minha experiência em
artes gráficas influenciou todo o meu trabalho nestes últimos tempos: no retrato de Tônia
Carrero se sente o gigantismo do affiche.
Em janeiro de 1967, com o pintor Carlos Scliar, comamos uma espécie de cooperativa de
artistas, para reproduzir obras em serigrafia com tiragens de até 200 exemplares. Foi um
passo concreto para a produção em série. Fiz um álbum com cinco estampas e usei a mulher
como tema, com versos do Cântico dos Cânticosdo Rei Salomão. Essas serigrafias
precisavam ser vistas com óculos especiais como aqueles dos filmes em terceira dimensão de
minha infância.
Visitando a indústria de um amigo, onde se fabricam pas em acrílico para publicidade, vi
conchas da Shell (dessas que a gente vê em postos de gasolina) e me lembrei do Nascimento
de Vênusde Botticelli. Era o óbvio: coloquei dentro daquelas conchas os meus temas do
Cântico dos Cânticos. Estas obras poderiam ser facilmente reproduzidas em série. Fiz
apenas os protótipos.
Chegamos ao final de 1967: reaparece o tema brasileiro em meu trabalho, com paisagens de
Copacabana e do Pão de Açúcar. É um retorno à pintura de cavalete, sem abandonar a
serigrafia como meio de reprodução da obra.
318
Os abandonos na trajetória arstica de Glauco, abandonos, diga-se, nunca
integralmente concretizados, encerram a permanência de um desenho de extrema correção (no
caso de Cântico dos Cânticos, de uma fidelidade quase fotográfica), desenho ávido, quase
sempre, das coisas do mundo suas naturezas-mortas e composições abstratasconservam,
ainda, alusões a formas naturais ou de objetos avidez não integralmente conflitante, portanto,
com as experiências de diluições cromáticas e morfológicas que realiza na Itália, onde vive de
1962 a 1965, enquanto chefe do setor de artes gráficas da Embaixada do Brasil.
319
Ainda na Itália, segundo conta-nos o artista, a necessidade de narrar, de
comunicar-se através de seus quadros, emerge a par do retorno à figurão operado no cenário
318
RODRIGUES, Glauco. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Glauco Rodrigues e seus temas.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 03 abr. 1968. 2ª Seção,
p.03.
319
LEITE, José Roberto Teixeira.
Dicionário crítico da pintura no Brasil
. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.218.
arstico italiano, distante, porém, indica-nos Peccinini, da elaboração pictórica alienada dos
procedimentos neofigurativos do pós-informalismo italiano distância visível, conclui, nos
trabalhos apresentados na mostra da Nova Objetividade Brasileira.
320
A par da crítica irônica aos ícones publicitários e à própria história da arte, o autor
de “Cântico dos Cânticosrefere-se a questões relativas aos problemas [ético-estéticos] da
participação do espectador na obra de arte e aos de produção em série dos trabalhos, aos quais
explora, diz-nos, ora retornando à serigrafia “como meio de multiplicação da obra, ora
reproduzindo as coisas do mundo, temas e mitos da vida brasileira tal qual nossa famosa
garotade Ipanema, por exemplo (fig.45) - ou mesmo o retrato da atriz Tônia Carrero.
Integrado ao setor teatro e televisão da mostra dentre as temáticas englobadas o
retrato da atriz, emoldurado por luzes que acendem e apagam, e no qual sente-se o gigantismo
do affiche, no dizer de Glauco, revela-se de uma desimportância, para o crítico do JB, que
nem o apaga-acende da moldura, modifica”, mas contrasta, segue, “com o astronauta (...) de uma
evanescente beleza, de um colorismo bem organizado e envolvente” do artista.
321
Desimportante, ou não, o retrato da atriz situa-se naquele limiar entre a pintura e o
objeto – quando o quadro de cavalete mistura-se com a escultura, no dizer do artista entre a
contemplação, diga-se, e a manipulação da obra, materializada, no caso, através do apaga-
acendeda moldura, cuja desimportânciaassoma-se, de fato, contrastante face à importância,
digamos, atribuída à técnica, em detrimento, quase sempre, da idéia que a sustenta.
Considerando-se que a idéia por trás da técnica resultado, segundo Glauco, da
vontade de retornar ao gênero (retrato), conjugando-o, porém, aos temas e ao estilo gráfico dos
“affiches extravasa a ação (manipulação) implícita no acende-apagada moldura, conjugando
320
PECCININI, Daisy. Figurações Brasil anos 60. São Paulo: Itaú Cultural: EDUSP, 1999. p.142.
321
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
participação semântica (alusão às coisas do mundo, à linguagem e aos temas dos affiches) ao
sentido tátil de tal manipulação acende-apaga, compreendê-la implica, pois, na análise do tipo
de problema proposto, a par da solução adotada, de modo a captá-la e revelá-la em seus múltiplos
sentidos e direções.
Morais, por exemplo, quando menciona o tratamento requintado que Glauco dá
aos seus temas (da correção do desenho ao colorismo bem organizado, a que se refere Ayala) o
que o coloca, argumenta, no extremo oposto de Gerchman – o faz, de modo a sinalizar que se as
obras apresentadas têm pontos comuns, o significado particular de cada uma é bastante diverso, e
mesmo divergente. Afinal, indaga-se, iconografia de massa seria apenas um certo número de
temas? Ou seria, o tratamento, igualmente, dado a estes temas?.
322
3.3.12. CÉLIA SHALDERS e DILMEN MARIANI
Integrando a são ciência e astronáutica da mostra, Célia Shalders, “a única a
participar com gravuras da mostra sobre iconografia de massa, e nas quais desenvolve o tema do
transplante de corão, desenvolve-o, de modo diverso, e mesmo divergente, da “interessante
fábula do coração contada por Dilmen Mariani do coração em si, ao transplante e ao coração
transpassado de Guevara explorando-o a partir das angústias e das expectativas geradas em
torno da operação de Washkansky.
323
Operão de Washkansky(fig.46) título da série de xilogravuras apresentadas
no evento – refere-se ao primeiro transplante cardíaco, ocorrido na Cidade do Cabo, na África do
322
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.96-97.
323
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
Sul, aos três de dezembro de 1967, quando o Doutor Barnard colocou o coração de Denise
Duval no peito de Louis Washkansky segundo noticia a Revista Veja, ao comemorar o
primeiro aniversário da operação, ou ao início de uma nova era, dizia.
324
No Brasil, Dr. Zerbini e sua equipe realizam o primeiro transplante de coração da
América Latina, o décimo sétimo do mundo, aos vinte e seis de maio de 1968 – dias antes do
encerramento da mostra quando João Boiadeiro, o beneficiário da operação, torna-se, segundo
O Estado de o Paulo, “a pessoa mais conhecida do país (...). Os momentos seguintes de sua
recuperação foram acompanhados minuto a minuto. A cicatrização foi perfeita, e a cirurgia
considerada um sucesso, mas (...) o coração novo de João foi rejeitado por seu organismo. Ele
morreu [assim como Washkansky] no dia 23 de junho.
325
Entre corões e astronautas, verifica-se que, atendendo ao critério assuntos que
encontraram repercussão popular através de sua divulgação pelos meios de comunicação massiva
(tv, rádio, jornal ou cinema), a seção ciência e astronáutica da mostra integrada por Célia
Shalders, Dilmen Mariani e Glauco Rodrigues, respectivamente reflete as expectativas, a par
das esperanças, geradas em torno de tais conquistas tecnológicas (da conquista do espaço ao
transplante de coração); conquistas que, à época, até letra de samba atesta Shalders no
depoimento à mostra - conquistaram no carnaval carioca.
326
Começando, gostaria de deixar claro que este depoimento me custa certa dificuldade. Escrever,
por o preto no branco, representa a meu ver uma certa traição à prática artística. O caráter
definitivo das idéias parece cortar a espontaneidade de quem vivencia a pesquisa e a
realização artística.
324
Porque o brasileiro confia em seus cirurgiões. Revista Veja, n.01, 11 set.1968. s/p.
325
Cf. PONTES, José Alfredo Vidigal; CARNEIRO, Maria Lúcia. 1968: do sonho ao pesadelo. São Paulo: O Estado
de São Paulo, 1998.
326
MORAIS, Frederico. A arte como reflexo da realidade. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 05 abr. 1968. 2ª Seção,
p.03.
Não estou certa se as artes plásticas, de um modo geral, podem ser consideradas artes
populares, artes de massa, mesmo porque, no que me tem sido dado apreciar, o público de
arte, o que freqüenta exposições, me parece compor-se de um pouco de tudo: gente interessada,
gente que vai simplesmente passear, debochar e apreciar também. Como o público é a única
respostas que o artista tem, excluído o seu próprio julgamento, não sei se é possível falar da
cultura de massa com simplicidade, uma vez que considero seus problemas de relativa
afinidade com o das artes plásticas.
Algumas de minhas gravuras têm em comum a operação de WASHKANSKY e o mesmo foi feito
em forma de samba neste carnaval. Agora me pergunto: gravura e samba-enredo estarão no
mesmo nível? Se a primeira vista o samba-enredo goza de maior difusão, portanto de maior
impacto, a gravura me parece estar mais dentro do tempo e com mais possibilidade a longo
[sic] prazo, como as artes plásticas em geral.
A meu ver, a arte popular está basicamente contaminada pelo caráter conservador das grandes
e ruidosas manifestações, o que também não deixa de ser uma forma de expressão necessária.
Quero, porém, deixar claro que o envolvo a pop dentro deste parecer, pois a considero uma
coisa à parte, para ser estudada dentro ou depois do prazo de seu próprio desenvolvimento.
327
Mas ao atestar que samba e artes plásticas compartem o tema neste carnaval,
indaga-se Shalders quanto ao poder de difusão das artes plásticas, quando confrontado ao do
samba, de maior difusão, portanto, de maior impacto, conclui mas de impacto imediato
(efêmero, talvez), se comparado à gravura que me parece - diz - estar mais dentro do tempo e
com mais possibilidade a longo [sic] prazo, como as artes plásticas em geral.
Tal como argumentava Morais, ao conceituar
O Artista Brasileiro e a Iconografia
de Massa
, as noções de efemeridade e difusão reaparecem aqui associadas ao universo da cultura
de massa, em oposição à durabilidade das artes plásticas em geral durabilidade alusiva as suas
possibilidades de difusão em longo prazo, no dizer de Shalders - salvo a exceção da pop, cuja
difusão em longo prazo, Shalders a considerava, então, uma coisa a ser estudada dentro ou
depois do prazo de seu próprio desenvolvimento opinião reforçada, diga-se, em depoimento
327
SHALDERS, Célia. Depoimento da artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Célia Shalders: Não são populares.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 26 mar. 1968. 2ª
Seção, p.03.
recente à autora, a par da satisfação esboçada quando ciente das considerões ora desenvolvidas
acerca do assunto (depois do prazo, portanto, de seu próprio desenvolvimento).
328
A dificuldade de escrever o depoimento à mostra - dificuldade exposta no início
do mesmo - decorria da opinião que nutria não estou certa se artes plásticas, de um modo
geral, podem ser consideradas artes populares e todavia nutre, diz-nos Shalders, acerca do
caráter fechado das artes plásticas, cujos problemas considerava, portanto, de relativa afinidade
com os da cultura de massa, à época entrevista enquanto possibilidade de abertura para as artes
(que não apenas as plásticas, diga-se). Menos otimista (ou menos inconformada, talvez) que seus
colegas do pavilhão da ESDI, Shalders distancia-se daquele sentido de comunicação direta,
participativa, presente nas serigrafias popularesde Leirner ou Tozzi, por exemplo, sem abdicar,
contudo, da preocupação com o público, a única resposta - dizia - que tem o artista, excluído o
seu próprio julgamento.
Tal preocupação com o público, diz-nos, reflete-se na série Operão de
Washkansky(fig.47), na qual focaliza suas angústias e expectativas acerca do tema, explorando-
as em meio a uma atmosfera dramaticamente expressionista, plena de deformações anatômicas e
transparências tonais atmosfera constante, pondera, neste ciclo de sua trajetória. Teixeira Leite,
por exemplo, alude à angústia e a solidão humanas, então exploradas tematicamente por
Shalders, “através da figurão de homens enclausurados nos exíguos limites de caixas onde o
silêncio perfaça, talvez, os limites da solidão humana, enquanto metáfora de sua
incomunicabilidade.
329
Grosso modo, a diferença entre a incomunicabilidade do anti-herói anônimo de
Oiticica e a solidão, metáfora da incomunicabilidade, dos enclausurados de Shalders situa-se na
328
Depoimento de Célia Shalders à autora. Rio de Janeiro, 24 abr. 2006.
329
LEITE, José Roberto Teixeira.
Dicionário crítico da pintura no Brasil
. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.474.
crença (ou na incerteza, respectivamente) acerca do caráter popular das artes plásticas, e não na
vontade, diga-se, de comunicar ainda que comunicar acerca da incomunicabilidade.
Considerando-se que Shalders e Mariani refletiam acerca do mesmo tema na são
ciência e astronáutica da mostra, vejamos o depoimento de Mariani, cuja interessante fábula do
coração do coração em si, ao transplante e ao coração transpassado de Guevara faz com que
a gente esqua, dizia o crítico do JB, a precariedade da apresentação - quem conheceu essa
moça, há muito tempo, apenas como flor da sociedade, há de estranhar-se com as propostas que
nos dá, como neste caso, de verídica pungência. A gente até esquece a precariedade da
apresentação.
330
Eis seu depoimento:
Eu faço para que entendam. Eu grito para que me ouçam e pinto para que me amem. Minha
arte está voltada de frente - para a vida. Uso a fotografia como ponto de partida, buscando
reproduzir, como na fotografia, o exato instantâneo da ação limite. Quando o movimento pára
a ação se eterniza.
Minha pintura está inserida no contexto social da realidade brasileira. A realidade brasileira
com todas as suas contradições. Sociedade de classes massificada pelo consumo, mas que
guarda ainda os elementos sagrados e míticos do subdesenvolvimento. O (sub): subeconomia,
subconsumo, subcultura de massa.
D. Hélder, JK, JQ, Pelé, biotônico Fontoura, a saúde da mulher, ipê roxo, Dercy Gonçalves,
são produtos subdesenvolvidos, vendidos a um mercado subconsumidor.
O Vieté problema meu. Chacrinha também. O resultado do fla-flu é tão importante como a
política brasileira. O jogo-do-bicho, a fome no nordeste, a praia, a moda, Roberto Carlos, o
café solúvel e a revista, o dólar X o ouro, Portela e Mangueira, os Beatles, Arraes ou Brizola,
twigg e Veruska, Costa e Silva: tudo me diz respeito.
Sou Dilmen Mariani, 28 anos, aprendiz de pintora, vivendo o tempo da busca.
331
330
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
331
MARIANI, Dilmen. Depoimento da artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Pinto para que me amem. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 31 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
Aprendiz de pintora pintora ligada à nova figuração, no dizer do crítico Roberto
Pontual Mariani aproxima-se do depoimento de Chartuni (quando a artista refere-se ao
Chacrinha, enquanto produto do subdesenvolvimento cultural do país), ao constatar a existência
de um mercado subconsumidor O (sub): subeconomia, subconsumo, subcultura de massa”
ao qual atribui o estatuto de resultante e componente das contradições da sociedade brasileira:
sociedade de classes, diz, massificada pelo consumo, mas que guarda os elementos sagrados e
míticos do subdesenvolvimento.
332
Atribuindo-lhes, destarte, o caráter de produto subdesenvolvido, vendido a um
mercado subconsumidor, Mariani não faz distinções entre um Chacrinha e um Pelé, como o faz
Chartuni, por exemplo em compensação, ao lado [de um Chacrinha] existe um Pelé” à
medida que os considera, tanto quanto ao biotônico Fontoura ou ao resultado do fla-flu,
componente e resultante da tríade subeconomia, subconsumo, subcultura de massa”.
Imprescindível comunicar, no dizer da artista à mostra eu faço para que me
entendam, eu grito para que me ouçam e pinto para que me amem inevitável indagar:
comunicar constatando? Ou antes, comunicar comentando? Ou ainda, comunicar contestando?
Ao que Mariani responde: Minha arte está voltada de frente - para a vida (...). Minha pintura está
inserida no contexto social da realidade brasileira. A realidade brasileira com todas as suas
contradições (...). O Vietnã é problema meu. Chacrinha também. [E] o resultado do fla-flu é tão
importante como a política brasileira.
332
PONTUAL, Roberto.
Dicionário Brasileiro das Artes Plásticas
. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1969.
p.339.
3.3.13. TERESINHA SOARES e JOSÉ RONALDO LIMA
Os dois únicos conterrâneos de Morais integrados ao pavilhão da ESDI, enquanto
representantes da nova vanguarda artística mineira, na mostra, José Ronaldo Lima e Teresinha
Soares aquele discutindo a cultura de massa e a sociedade de consumo, esta problematizando a
emancipação feminina confirmam seus papéis de renovadores da arte mineira, confirmando,
ademais, que algo de novo - dizia o crítico - está ocorrendo em Minas.
333
Em Minas diziam as Cartas de Minaspublicadas no DN:
A renovação, que aqui mencionávamos ontem, ocorre também no campo das artes plásticas.
Novos talentos aparecem, modificando a linguagem da pintura mineira (sim, porque existe uma
escola mineira de pintura, mas aqui, infelizmente, o termo é usado no sentido do negativo, isto
é, significando a repetição ad eternitatemdo estilo de Guignard (...), dessa arte velha e
cansada).
A renovação, portanto, não se faz à sombra de Guignard ou do ensino oficial de Belas-Artes,
mas marginalmente. Já no último salão mineiro anotava alguns nomes, entre outros,
Teresinha
Soares
, Eduardo Ângelo,
José Ronaldo Lima
(...).
Estes marginais do oficialismo (...) estão se acercando de uma nova forma, mais condizente
com a nossa época e nossa sociedade, planetária e icônica, buscando a nova imagem do
mundo elaborada pela ciência, pela filosofia e pela sociologia do século XX. Procuram novas
realidades. Não querem mais viver à sombra nostálgica de um passado glorioso, de áureos
tempos, mas aproximar-se, conscientes das dificuldades, de um novo vocabulário formal e
temático, de novos conteúdos e significados. È assim que estão quebrando tabus e mitos de
uma sociedade fechada, tradicionalíssima.
334
Anteriores à mostra, as Cartas de Minas escritas e publicadas por Morais
destinavam-se a divulgar os renovadores da arte mineira” junto ao público e à vanguarda
arstica carioca, contribuindo para a quebra do isolamento cultural de Minas, a exemplo da
exposição Vanguarda Brasileira. Organizada por Morais, na Galeria de Arte da Reitoria da
333
MORAIS, Frederico. Carta de Minas-1. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 set. 1967. 2ª São, p.03.
334
IDEM. Cartas de Minas-2. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 06 set. 1967. 2ª São, p.03.
UFMG, tal coletiva, a primeira, segundo Ribeiro, da neovanguarda em Belo Horizonte, chamou
a atenção dos artistas e críticos locaispara as propostas experimentais de Hélio Oiticica,
Antônio Dias, Rubens Gerchman, Pedro Escosteguy, Ângelo de Aquino, Dileny Campos e Maria
do Carmo Secco, aproximando os renovadores da arte mineira, Morais inclusive, da nova
vanguarda artística carioca.
335
O evento marca, igualmente, diz-nos a autora, a transferência de Morais para o
Rio de Janeiro, convidado a dirigir como vimos a coluna de arte do Diário de Notícias,
através da qual passaria a incentivar a nova vanguarda (Arte no Aterro, por exemplo, contava
com o apoio do DN), inclusive a mineira.
336
Cartas de Minas, ou mesmo a integração dos mineiros ao pavilhão da ESDI,
devem ser compreendidas, portanto, a exemplo de Vanguarda Brasileira, enquanto iniciativas
destinadas a romper com o isolamento cultural de Minas, tanto quanto com a tradição da escola
mineira de pintura - sinônimo da repetição ad eternitatem, dizia Morais, do estilo de Guignard.
À margem desta “arte velha e cansada, os trabalhos de José Ronaldo Lima e
Teresinha Soares destacavam-se, escrevia Morais, pela visualidade de um novo vocabulário
formal e temático, de novos conteúdos e significados, mais condizente - dizia - com a nossa
época e nossa sociedade, planetária e icônica.
337
Analisando-os separadamente, nas Cartas de Minasde mero três e quatro,
respectivamente, Morais enfatiza que, a par desta visualidade comum entre Lima e Soares, esta
dedica-se a problematização do erotismo, enquanto Lima, nitidamente influenciado pelas
técnicas de comunicação de massa”, discute os processos de comunicação social:
335
RIBEIRO, Marília Andrés. As neovanguardas artísticas de Belo Horizonte nos anos 60. Tese (Doutorado em
Artes) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p. 127-29.
336
Ibidem.
337
MORAIS, Frederico. Cartas de Minas-2. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 06 set. 1967. 2ª São, p.03.
José Ronaldo Lima, que mencionamos anteriormente, tem pouco mais de 25 anos, é formado
em sociologia (possuindo boa biblioteca especializada, e também sobre cultura de massa e
quadrinhos, assunto que estudou longamente), mas vive da venda (por atacado) de cachaça.
Nunca estudou arte. Um dia via a exposição de Maria Leontina e foi suficiente para decidir-se
a fazer arte. E lá de Minas, pelas revistas, fica observando a arte de Dias, Gerchman e outros
realistascariocas. Faz desenhos e pinturas, relevos e objetos, sempre dentro de uma
linguagem atual e nova. É nitidamente influenciado pelas técnicas de comunicação de massa:
em seus desenhos e pinturas tende a criar um personagem central, secciona a composição em
quadros, criando a ação temporal, ou faz polípticos, assim como usa e reformula os símbolos
urbanos, integrando-os na sua visão pessoal de mundo.
338
Teresinha Soares, um espírito aberto ao novo (técnicas, formas, conteúdos), com a rapidez
própria a uma personalidade explosiva, vai experimentando tudo, copiando, mas, também,
renovando, inovando: pinta, desenha, grava, faz objetos, cartazes, tenta a serigrafia: vai
mandando a sua brasa. (...) Claro que o sexo é o assunto de sua arte (como, rigorosamente,
poderia ser qualquer outro), mas ninguém, hoje, neste momento, pode deixar de reconhecer em
Teresinha Soares uma indiscutível capacidade e vontade plástica. Donde, a circunstância na
qual se viu emersa na arte quando apareceu, deixa de ser a coisa que significa, e ela vai
adquirindo uma dimensão nacional.
339
Aproximando-se da temática explorada por Secco, porém acrescentando um
ingrediente novo à questão feminina, a explosão do erotismo, no caso, a arte de Teresinha Soares
(fig.48) denuncia, diz-nos a artista, falsos valores ociosos de uma sociedade a que pertenço. O
que é paradoxal, e torna esta denúncia mais significativa. E erótica, vale dizer, é a cruz para o
capeta. Mas sei de uma senhora que se dirigiu quase às escondidas a galeria apenas para ver o
pornográfico, já que de arte nunca gostou. Digo, de minha arte”.
340
Publicado no DN, aos oito de março, tal depoimento antecede a primeira referência
à mostra encontrada na coluna de Morais - referência alusiva, como vimos, à participação de T.
Soares na mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a qual integrava, segundo Ayala,
338
IDEM. Cartas de Minas-3. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 08 set. 1967. 2ª São, p.03.
339
IDEM. Cartas de Minas-4. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10 set. 1967. 2ª São, p.03.
340
SOARES, Teresinha. Depoimento. APUD MORAIS, Frederico. Critérios, depoimento. Diário de Notícias, Rio de
Janeiro, 08 mar. 1968. 2ª São, p.03.
“com um habilidoso, apenas, exercício de serrinha, tão diferente - dizia - daquele severo e
agressivo laivo de erotismo que apresentou no salão de Ouro Preto.
341
Em compensação ao habilidoso, apenas, Ayala considerava ser o trabalho
apresentado por José Ronaldo Lima um impecável desenho intimista, dizia um dos
melhores trabalhos ali expostos (...), sendo que os dois melhores, a nosso ver, nada tinham que
ver com o tema - ou pelo menos exigiriam da leitura do tema proposto um esforço de sobre-
humana intuição. Os melhores, no caso, são os de José Ronaldo Lima, num impevel desenho
intimista, e Célia Shalders, numa excelente xilogravura figurativa.
342
Discordando, e com veemência, desta opinião de Ayala, Morais, na carta-reposta
endereçada ao crítico do JB, afirma tratar-se de incompreensão total do sentido da mostra e
desconhecimento do que venham a ser cultura e iconografia de massa” quando este situa os
trabalhos de José Ronaldo Lima à margem dos propósitos da mostra, conquanto:
Seus trabalhos, (...), como todos os demais expostos, são um exame crítico da [sic] mass-
media. Nem tão intimistas são assim seus desenhos. Pelo contrário, sociólogo, profundamente
preocupado com os problemas de comunicação de massa, com a estrutura e a linguagem dos
quadrinhos, José Ronaldo Lima em suas pinturas aproveita sempre o processo narrativo dos
comics, e nos seus desenhos, com muita ironia, mostra a humanidade sendo produzida em
série, em máquinas e computadores, todos iguais e com as mesmas taras, saindo de uma cadeia
de montagem, como se fossem automóveis, liquidificadores, produtos de massa. Onde o
intimismo, senão o próprio meio de expressão, o desenho?
343
Produção em série, cadeia de montagem, computadores, talvez, assomam-se neste
desenho de José Ronaldo Lima (fig.49), integrado à mostra sobre iconografia de massa, supõe-se,
341
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
342
Ibidem.
343
MORAIS, Frederico. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
dada a sua publicação no DN, sob a legenda: A figuração narrativa assume um caráter de crítica
social segundo José Ronaldo Lima” tal o teor de seu depoimento à mostra.
344
Constituído, segundo afirma Morais, de trechos de um longo estudo sobre a arte
atual - especialmente, o objeto - ao qual denominou A opção do artista, o depoimento de José
Ronaldo Lima explora a fragmentação da figuração narrativa, enquanto segunda opção do artista
(a primeira, no caso, potencialmente capaz de assumir o aspecto de crítica social, corresponderia
ao objeto), contestando, porém, a idéia de arte barata, produção em série acessível a todos, à
medida que questiona o binômio produção-consumo em larga escala, enquanto solução para o
problema da acessibilidade (comunicação) da arte. Eis seu depoimento:
A segunda opção seria a fragmentação. A arte vem retomar um processo utilizado durante
quase toda a sua história - a figuração narrativa. Motivada pela comunicação de massa,
principalmente através das estórias em quadrinhos, cinema e tv, ela vem reformular esse
processo adaptando-o à sua realidade hoje pela fragmentação, manifestando-se atras do
político ou mesmo num espaço único onde se desenvolve a narração.
Esta modalidade vem de imediato assumir o aspecto de crítica social, na medida em que utiliza
um processo semelhante (a narração em quadrinhos) e se volta contra a ideologia imposta por
esse tipo de comunicação de massa e assume, também, uma crítica da arte imediatamente
anterior a ela, pela sua construção.
A idéia de arte barata, produção em série acessível a todos, para tentar acostumar o público à
sua linguagem, o passa de uma utopia e cairá certamente no vazio, pois o povo deixa de
comprar (a o ser que pegue uma moda) não porque a arte é cara, mas porque ela não é sua
linguagem. Inclusive ele ao adquirir alguma coisa leva em conta sua utilidade e necessidade, e
a arte não é útil nem necessária para ele. Como disse, não se o permite conhecer, mas
reconhecer. É uma tentativa duplamente frustrada, pois nem mesmo a elite intelectual a aceita,
já que ela não está educada para este tipo de consumo, só admite a obra única, pois os motivos
que ela consome não se identificam em grande parte com os motivos para os quais a obra foi
construída. A arte pode ser instrumento de comunicação mas nunca comunicação de massa. Se
[sic] se quer fazer denúncia às massas o importante é não reduzir esta negação ao panfleto, já
que se ela não acompanhar sua evolução estará sujeita a ser marginalizada e cairá certamente
num vazio-digestivo-reprodução sem nenhuma característica criadora ou inventiva. Se [sic] se
quer reduzi-la ao nível de crítica social (politizante), por exemplo, crítica à comunicação de
massa (tomando essas comunicação no caso de uma ideologia imposta pela classe dominante à
344
MORAIS, Frederico. Szpigel inventa a partir do cotidiano. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 30 mar. 1968. 2ª
Seção, p.03.
dominada), o melhor é ser objetivo, ser maquiavélico, como maquiavélica ela é. Que se critique
politicamente então seus próprios instrumentos, utilizando sua mesma linguagem.
Se a pretensão do artista é fazer revolução social, conscientizar ou politizar as massas, utilizar
a arte para isso é perder tempo, pois não será a arte que transformará o mundo. Neste caso,
seria muito mais objetivo fazer panfletos, ir às fábricas, ensinar o operariado, de acordo com
todas as técnicas que o marxismo e o neomarxismo ensinam.
345
Aproximando-se do testemunho de Shalders, quando afirma ser a arte um
instrumento de comunicação, mas nunca de comunicação de massa não estou certa se as artes
plásticas, de um modo geral, podem ser consideradas artes populares, de massa” (Shalders)
Lima distancia-se, senão contrapõe-se ao depoimento de Vergara, ao desvincular o consumo do
objeto arstico daquela “idéia de arte barata, produção em série acessível a todos, associando-o
à posse de determinadas ferramentas - ferramentas necessárias à decodificação de sua linguagem.
O que significa, no dizer do artista, que o povo deixa de comprar (...) não porque
a arte é cara, mas porque ela não é a sua linguagem. Inclusive ele [o povo] ao adquirir alguma
coisa leva em conta sua utilidade e necessidade e a arte não é útil nem necessária para ele. Como
disse, não se o permite conhecer, mas reconhecer. Reconhecer, conclui-se, a validade de uma
linguagem, de cujos códigos (ele, o povo) não compartilha, por priorizar valores alheios ao objeto
arstico em si, barateado ou não, haja vista que, para Lima, baratear a produção não implica na
assunção útil e necessária da arte para o povo, senão no reflexo, supõe-se, da vontade do artista
de se comunicar com a massa. Sendo a arte, contudo, um instrumento de comunicação, mas
nunca de comunicação de massa”, argumenta o artista que, se [sic] se quer fazer denúncia às
massas, melhor seria objetivá-la maquiavelicamente, de modo a criticar a cultura (comunicação)
de massa enquanto ideologia imposta pela classe dominante à dominada” através de “seus
próprios instrumentos, utilizando sua mesma linguagem o que faz da (fragmentação da)
345
LIMA, José Ronaldo. A opção do artista. APUD MORAIS, Frederico. A arte não é instrumento de comunicação
de massas.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 28 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
figuração narrativa a segunda opção do artista. Ou seja, esta modalidade vem de imediato
assumir o aspecto de crítica social, na medida em que utiliza um processo semelhante (a narração
em quadrinhos) e se volta contra a ideologia imposta por esse tipo de comunicação de massa e
assume, também, uma crítica da arte imediatamente anterior a ela, pela sua construção.
346
Mas se a pretensão do artista é fazer revolução social, conscientizar ou politizar
as massas, afirma Lima que “utilizar a arte para isso é perder tempo. Neste caso, melhor seria,
diz, fazer panfletos, ir às fábricas [ou] ensinar o operariado, já que se ela [a arte] não
acompanhar a evolução [das linguagens?] estará sujeita a ser marginalizada e cairá certamente
num vazio-digestivo-reprodução sem nenhuma característica criadora ou inventiva” o que, no
dizer de Vergara, corresponderia a correr os riscos do fracasso da linguagem tentada. Mas de
forma alguma abdicar da criação.
347
Apesar de voltados para questões distintas Vergara propõe a reformulação do
mercado de arte, ao passo que Lima discute as opções do artista potencialmente capazes de
assumir o aspecto de crítica social, sem reduzi-la ao panfleto – ambos referem-se à criação
(sinônimo de atualizão, experimentão) como condição necessária ao desenvolvimento das
artes, defendendo-a, porém, sob perspectivas diversas, e mesmo divergentes, como no tocante ao
binômio produção-consumo em larga escala.
Vergara, por exemplo, defende a criação de uma nova linguagem que passe a
considerar o destino da obra, acessível a todos, em todos os sentidos, por acreditar que “vender
mais barato é vender mais, vender mais é comunicar mais ou pelo menos possibilitar mais a
comunicação, que não a mera constatação sem comentários de uma realidade que por si só é a
346
Ibidem.
347
VERGARA, Carlos. Entradas e bandeiras. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
melhor constatação de si mesma”. Para tanto, diz, faz-se necessário baratear o objeto arstico
(produção em larga escala, redução de custos, correr os riscos do fracasso da linguagem tentada),
sem abdicar da criação e sem esquecer quem somos (...) porque em função de uma possível
comunicação não se pode levar a simplificação da obra até a mera constatação sem
comentários.
348
Igualmente necessário, acrescenta Vergara, faz-se pôr abaixo essa escala de
pobrezaque considera uma gravura em silk-screen (serigrafia) inferior a uma gravura em metal,
pela simples técnica - argumenta - com que é executada ao que Lima contesta, quando alega
ser a unicidade, e não a acessibilidade da obra (idéia de arte barata, produção em série acessível a
todos) o objeto em si do consumo da elite. O que faz da produção em série da obra, conclui, uma
tentativa duplamente frustrada” frustração para a elite, de um lado, que não se identifica “em
grande parte com os motivos para os quais a obra foi construída(afinal, atingir ao grande
público se opõe à lógica de distinção social), e para o povo, de outro, haja vista que não se o
permite conhecer, mas reconhecer.
Constata-se, grosso modo, que a divergência, de métodos a princípio, entre
Vergara e Lima no tocante ao binômio produção-consumo em larga escala encerra a crença (ou a
descrença, respectivamente) na superação daquela visão valorativa, que nos fala Morais ao
conceituar O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, relacionando-a ao preconceito (ou à
atitude do consumidor, como nos sugere) de que não há obra sem aura, nem tampouco Arte sem
artista.
348
Ibidem.
3.3.14. ZIRALDO, JÔ SOARES e JOÃO PARISI FILHO
Artista ou desenhador de piadas (?), perguntava-se Ziraldo, ao indagar se da
mostra participava como artista ou desenhador de piadas, ao que Morais respondia que também
da exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, montada no pavilhão de exposições
da Escola Superior de Desenho Industrial, Ziraldo, o conhecido humorista, participa com um de
seus melhores cartoons’ (ampliado), aquele em que os Zeróis são postos a correr por um
minúsculo vietcong. Enfatizando que os cartunistas, Ziraldo inclusive, estarão entre os
entrevistados da ESDI.
349
Glosando os super-heróis dos quadrinhos, os Zeróisde Ziraldo (fig.50), então
publicados quinzenalmente no JB, incitam a seguinte crítica de Ayala: bela foto do instantâneo
de história em quadrinhos de Ziraldo. É de se perguntar, porém: até que ponto o Zerói de Ziraldo
é um ídolo da massa? Certamente ainda não é, então a proposta é a do desejo criador de talvez
justificar, através da interpretação levada a sério, o estágio que a criação ainda não alcançou.
350
Ao que Morais responde: ora, os Zeróis de Ziraldo são a metalinguagem do quadrinho, a crítica
do quadrinho. E o que pode haver de mais pico, pergunta-se, na mass culture do que a história
em quadrinhos? O que é mais iconográfico que o quadrinho? O Capitão América, o Super-
Homem, o Homem de Ferro, não são ícones de massa?.
351
Polêmicas à parte, ao dilema artista ou desenhador de piadas o próprio Ziraldo
responde, no depoimento à mostra, associando-o à “anstia adolescente da escolhaentre ser
artista ou desenhador de piadas:
349
MORAIS, Frederico. Não há obra de arte sem alegria”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª
Seção, p.03.
350
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
351
MORAIS, Frederico. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
Primeiro foi a angústia adolescente da escolha: ser um artista ou desenhar piadas para os
jornais e as revistas. Depois da irresisvel escolha, a descoberta: desenhar piadas era tão
importante para o desenhador de piadas como artistar era importante para o artista. E foi
também sofrer cada desenho, na agressividade de fazer cada um deles uma obra de arte,
dentro do que estava convencionado ser obra-de-arte.
Uma obra de arte é antes de tudo a realização da necessidade mais profunda do ser humano
que a realiza. Nisto creio hoje. Não há obra de arte sem alegria de criá-la: é desenhá-la até o
fim, furar o papel, riscar como quem morre, sem limite e sem lei. Fundamental, depois, é que a
criatura se para com o criador, não o traia nem o desminta. E ela será importante na medida
da importância da chamada verdade interior de quem a elabora. Nisto creio hoje. A obra de
arte é o próprio homem, sua lágrima ou seu sorriso, sua rima ou seu palavrão.
Não é preciso acrescentar - bolas! - que o mundo mudou, que o se pinta para um salão de
nobres, nem se toca para um teatro de camarotes, frisas e balcões. O homem está de pé para
receber o impacto de cada forma, de cada arte, em qualquer parte do mundo, no fundo de um
túnel, debaixo de uma chaminé, num morro ou num mangue. A tela e a acústica falam de uma
linguagem que as bobinas e as rotativas, as ondas e os canais já reformaram. Quer saber de
uma coisa? Vamos parar de falar sobre ela, vamos fazê-la.
352
Da escolha à descoberta (desenhar piadas era tão importante para o desenhador de
piadas como artistar era importante para o artista), da descoberta à conclusão: uma obra de arte
é antes de tudo a realização da necessidade mais profunda do ser humano que a realiza, (...) sua
lágrima ou seu sorriso, sua rima ou seu palavrão. Mas da necessidade daquele que a realiza
pouco importa se enquanto artista ou desenhador de piadas ao impacto de cada forma, de cada
arte, em qualquer parte do mundo, o que importa, diz-nos Ziraldo, “é que a criatura se pareça
com o criador, não o traia nem o desminta, nem tampouco se dirija a um salão de nobresou a
um teatro de camarotes, frisas e balcões, afinal não é preciso acrescentar (...) que o mundo
mudou, e que “a tela e a acústica falam de uma linguagem que as bobinas e as rotativas, as
ondas e os canais já reformaram.
Da necessidade daquele que a realiza, o criador a sua criatura, igualmente nos fala
Jô Soares artista ou comunicador de piadas, poder-se-ia indagar, como se indaga, a si próprio,
352
ZIRALDO. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD MORAIS,
Frederico. Não há obra de arte sem alegria.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
Ziraldo, quanto à natureza de sua participação na mostra a cujo depoimento, publicado no DN,
Morais acrescenta uma longa apresentação, de modo a elucidar, dizia, o que “poucos certamente
saberão.
Poucos certamente saberão que o gordo e inteligente Jô Soares (o mordomo Gordon da
Família Trapo, o alemão do Show do Goliase o comediante de Praça da Alegria’) é
também pintor. E bom pintor. Além de uma exposição individual (na Galeria Atrium [SP], em
1967), já integrou várias coletivas importantes como os Salões de Belo Horizonte, Ouro Preto,
Campinas (onde ganhou a medalha de prata do salão) e a IX Bienal. Um dos primeiros
quadros de Jô Soares eu vi no ateliê de José [Roberto] Aguillar, em o Paulo, e nele o
comediante gozava o amor cavalheiresco. Hoje, sua casa em São Paulo, reúne não só artistas
de TV e teatro (é casado com Teresa Austregésilo que também pinta), mas também pintores. A
sala é toda pintada por Aguillar, de quem é, também, a banheira insolitamente ali colocada.
Na parede, além dos quadros de sua mulher, um de sua autoria, sobre Batman. Recentemente,
passando uma temporada em Nova Iorque conviveu com Andy Warhol e outros popistas, um
dos quais conta histórias fabulosas. Pretende expor no Rio, e se isso acontecer mostrará uma
série de quadros que iniciará sobre um único tema (homeopatia). Seus últimos quadros, porém,
retratam personagens e situações das histórias em quadrinhos, como os dois que estarão na
mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, um mini-Capitão-América e um maxi-
Super-Homem, que ameaça fazer pipi com uma torneirinha, tendo no alto o balooncom os
dizeres Ninguém é perfeito.
353
Precedido pelo (sub)título A falsa aura, eis seu depoimento:
O artista de hoje se encontra geralmente pressionado entre dois níveis de cultura originados
pela colocação do problema da comunicação de massa: (1) a cultura superior,
superestruturada e fonte para a (2) cultura de massa, instância última para a comunicação
total.
Penso que há um falso problema no caso do artista que pense: Farei uma arte superior a
minha – ou uma arte para a massa, bem comunicativa?. Infelizmente, esse raciocínio é muito
difundido e, ao mesmo tempo, da pior má fé.
Minha obra ou meu trabalho nasce para mim como comunicação e os dois instantes são
inseparáveis, o meu e do espectador. Parte também de uma necessidade existencial, caso
contrário, a obra de arte emanará a aura falsa da concessão, do facilitado para um público
infantil, retardado. No meu ponto de vista, Picasso faz arte tanto para os espectadores, o
353
MORAIS, Frederico. Jô Soares pintor. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 11 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
blico, a massa, como para as elites, as igrejinhas, os iniciados. Essa é a origem da boa obra
de arte, da verdadeira. É isso que devemos procurar atingir.
354
Sob a pressão: cultura de massa (instância última para a comunicação) X cultura
superior (instância máxima da aura), o artista de hoje, argumenta Jô, o pintor, deve aliar a
necessidade existencial daquele que a realiza (o criador a sua criatura) à daquele com o qual esta
se comunica, enquanto instantes inseparáveis, o meu e do espectador, no sentido de fazer,
como o faz Picasso, na sua opinião, uma “arte tanto para os espectadores, o público, a massa,
como para as elites, as igrejinhas, os iniciados. Essa é a origem - defende - da boa obra de arte, da
verdadeira”.
Considerando que da mostra Jô participava com um mini-Capitão-América e um
maxi-Super-Homem, personagens ou situões, como aponta Morais, das histórias em quadrinhos
personagens e situações, diga-se, igualmente apresentados na IX Bienal de São Paulo
(Cosmogonia”, 1967) constata-se que apesar de contestar ao que denomina “aura falsa da
concessão, do facilitado para um público infantil, retardado, Jô transpõe a linguagem dos comics
para este espo sagrado, a tela no dizer de Gerchman – de modo a fazer, segundo atesta, uma
arte tanto para as massas, como para as elites. O que, a princípio, parece reforçar o depoimento de
José Ronaldo Lima, quando este afirma ser a unicidade da obra (o espo sagrado da tela) o
objeto em si do consumo das elites. Comparados, porém, os testemunhos em questão, verifica-se
que o uso da linguagem dos comics defendido por Lima distancia-se do sentido de comunicação a
ela atribuída por Jô (ainda que de comunicação não facilitada, segundo alega), à medida que
corresponde ao que Lima denomina de a segunda opção do artista opção potencialmente
354
SOARES, Jô. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD MORAIS,
Frederico. Jô Soares pintor.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 11 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
capaz de assumir o aspecto de crítica social, sem reduzi-la, porém, a crítica ao panfleto, nem
tampouco, o ético ao estético (o que implicaria na estetização da cultura de massa).
Solucionando o que, para ele, aparentemente não se mostra uma equação, como a
questão da comunicação, mas não comunicação facilitada, Parisi Filho que recebeu escreve
Morais no DN na I Bienal Nacional da Bahia o primeiro prêmio de desenho, e que participou
das principais mostras coletivas do país, inclusive da IX Bienal de São Paulo, utiliza-se do
processo narrativo dos comics, desta simbologia, diz, familiar ao espectador, de modo a “fazer
todo mundo entender o que temos a transmitir tal qual afirma no depoimento à mostra:
De repente, a violência. O bang-bang insistente. O último pôr-do-sol para um dos pistoleiros.
No meio a cara chata do MAD, metido a hippie. As cores berrantes, e no fundo sempre prédios
de apartamentos. Esse é um dos meus quadros de 67. Os outros são de ngsteres ultra-
românticos, dentro de cenário barroco de um bairro pobre do Brás. Os outros são do fantasma
e do Batman. Quando pinto o Batman, figuro um anseio coletivo de supremacia, mas também é
a mensagem colorida do vaudeville, onde todos dançam o iê-iê-iê, mas ninguém se identifica.
Cultura de massa é o gibi, o cinema americano por excelência, o romance policial, o futebol, a
música iê-iê-iê, os produtos, as engrenagens, a sociologia gerada pelo transporte automotor,
pelos cosméticos, pelas vitaminas e fórmulas mágicas.
Escolhi a história em quadrinhos e a técnica narrativa da propaganda para constatar o
equilíbrio, ou o choque, de minha realidade interior com uma infra-estrutura irracional que
anda por aí. Eu mesmo estou inserido na fábrica de mitos que emana da cultura de massas.
Pelo menos nas minhas telas, os mitos já estão assimilados. Resta-me relacioná-los aos meus
próprios mitos. Mito para mim é o Shell Scott, Roberto Carlos e o Tarzan dos macacos. Então
vamos usar o processo narrativo, jogar o personagem e fazer todo mundo entender o que temos
a transmitir. A simbologia pelo menos é familiar ao espectador. Ela já vive desde a infância no
inconsciente coletivo. O esforço é mínimo. A busca é quase de realização do subliminar.
355
O artista que à época explorava o que ele mesmo denominou de “cafajestismo
estéticoem suas pinturas (fig.51), evocão - analisa-as Teixeira Leite - do submundo de
marginais e foras-da-lei, do imaginário, diga-se, de violência e cafajestismo que emana da
355
PARISI FILHO, João. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Parisi Filho e a fábrica de mitos de massa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 mar. 1968. 2ª
Seção, p.03.
cultura de massa, enquanto fábrica de mitos, no dizer de Parisi, atribui a escolha da técnica
narrativa dos gibis e da propaganda ao esforço mínimoque esta exige do espectador, inserido
desde a infância como “eu mesmo, diz nesta fábrica de mitos, o que faz destes mitos heróis,
quase, do subconsciente coletivo.
356
Assimilados os mitos, resta-me relacioná-los aos meus próprios mitos mito
para mim é o Shell Scott
, Roberto Carlos e o Tarzan dos macacos a fim de constatar, diz-nos,
o equilíbrio, ou o choque, de minha realidade interior com uma infra-estrutura irracional que
anda por aí; a qual Parisi explora através de seus heróis-cafajestes, conjugando-a a um desenho,
onde as linhas predominam, apesar das cores fortes que dele irradiam, segundo atesta Liliana
Mendes ao analisar a série Cafajestismo(técnica mista s/ madeira), apresentada na IX Bienal
de São Paulo:
Os temas e a composição se localizam em uma arte popular urbana, de folhetim, onde o
desenho é valorizado e a linha predomina, com uso de cores puras. A concepção é kitsch,
calcada em termos formais nas histórias em quadrinhos. Entretanto há um elemento nihilista
que Schenberg, em texto de 1969, definiu como nitzscheano. Seus personagens são figuras
de gibi, mas o intento parece ser de uma comunicação mais imediata com o público, e não um
interesse pelo meio em si. O enredo de crítica social, sustentado pela narração desenvolvida
através de relações de tempo e de continuidade, torna Parisi mais próximo da figuração
narrativa européia do que da Pop Art.
357
Quanto ao herói-cafajeste (ou gângster ultra-romântico, no dizer do criador da
criatura), publicado junto ao depoimento do artista no
DN
(fig.52), sob a legenda: João Parisi
Filho, artista paulista, ao lado de um dos heróis-cafajestes de sua pintura”, verifica-se, tal qual
observa Mendes, os traços caricatos deste misto de gângster e pistoleiro personagem, sue-se,
356
LEITE, José Roberto Teixeira.
Dicionário crítico da pintura no Brasil
. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p.386.
Célebre detetive particular, criação do romancista norte-americano Richard S. Pratner.
357
OLIVEIRA, Liliana H. T. Mendes de.
A Bienal Pop
. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade de Campinas, Campina, 1993. p.204.
daquela “colorida vaudeville, mencionada por Parisi, onde todos dançam iê-iê-iê, mas ninguém
se identifica.
3.3.15. PAULO GUILHERME SAMY
Da fábrica de mitos de Parisi aos enlatados do século XX de Samy, a constante:
“cultura de massa é o gibi, o cinema americano, por excelência, o romance policial, o futebol, a
música iê-iê-iê, os produtos, as engrenagens(Parisi). Ou antes: esta “realidade cultural
extremamente palpável, nas revistas, [nos] jornais, [na] TV, [no] esporte, [no] espetáculo, etc”,
no dizer de Samy.
Mas enquanto Parisi explora o cafajestismo estéticoem suas pinturas, através da
técnica narrativa dos comics, Samy apropria-se daquela vida transformada em clichê”, em meio
às páginas de revista, levando para a tela”, observa Morais, um substrato de drama, de non-
sense, de absurdo que ele, o artista, não viveu pessoalmente, mas que poderia ter vivido. Há, a
meu ver, uma frase-chave para isto que Samy quer retratar: um mundo de experiências vividas
sem alguém que as viva (Musil).
358
Como tal, apresenta o crítico ao artista, ao divulgar, na coluna de artes do DN, a
abertura de sua primeira individual, na Petite Galerie, no Rio, em setembro de 1967, e por s
[leia-se: Morais e DN] apresentado. Primeira individual e primeira aparição pública, ressalta
Morais - ora apresentando-o para a mostra sobre iconografia de massa - a que se segue “sua
358
MORAIS, Frederico. Leilão, Djanira e Samy. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23 set. 1967. 2ª Seção, p.03.
participação no IV Salão de Arte Moderna de Brasília, e, agora na mostra O Artista Brasileiro e
a Iconografia de Massa. Eis seu depoimento:
Frederico Morais já observou muito bem o sentido ético do fenômeno da massificação na arte,
qual seja: a abertura para uma realidade cultural extremamente palpável nas revistas, jornais,
TV, esporte, espetáculo, etc. Neste sentido, enquanto abertura para esta nova forma de cultura
regente (que coma virtualmente em 1930) mantém e intensifica o ético do estético, dá
continuidade a um dadaísmo.
Uma primeira alternativa que se coloca, a mi, como artista, é consumir, também, os vários
enlatados do século XX, com o risco de minha própria massificação. Acredito que essa
massificação, conforme acentua Edgar Morin, nos atingiu, a muitos de nós, que buscávamos
uma denúncia para o suborno mental que nos está sendo imposto.
Acredito que a sensibilidade de Frederico Morais e a de seus colegas da Escola Superior de
Desenho Industrial esteja captando, conscientemente ou não, um momento crucial para as
artes visuais. Desta forma, vejo na exposição O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
mais que um ponto de partida, a convergência de esforços conjuntos para recolocar e repensar
uma cultura de massa. Entendo que seja, sobretudo, um balanço de resultados. Em todo ponto
de convergência, ao queimar uma etapa, ao elaborar uma síntese, constitui-se imediatamente
em antítese de uma nova realidade a ser construída.
Percebo nesta exposição um desafio: como continuar e aprofundar este esforço conjunto.
Agrado aos que estão, ainda que suavemente, lançando mais uma vez os dados. É a forma
que temos para evoluir. Cabe-nos, portanto, procurar novas respostas.
359
Aludindo ao sentido ético do fenômeno da massificação na arte, enquanto
abertura para uma nova realidade cultural sentido, diz, tão bem observado por Morais, cuja
sensibilidade, acredita, esteja captando, conscientemente ou não, um momento crucial para as
artes visuais Samy entrevê na exposição mais que um ponto de partida, a convergência de
esforços conjuntos para recolocar e repensar uma cultura de massa. Ou antes, uma nova
realidade, onde não haja o risco, sue-se, dessa “massificação, conforme acentua E. Morin - no
dizer de Samy - [que] nos atingiu, a muitos de nós, que buscávamos uma denúncia para o suborno
mental que nos está sendo imposto.
359
SAMY, Paulo Guilherme. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Samy: Devo consumir também os enlatados do século XX.
Diário de Notícias
, Rio de
Janeiro, 29 mar. 1968. 2ª São, p.03.
Como Morais, Samy apóia-se no pensamento de E. Morin para debater esta nova
forma de cultura regente, a cultura de massa, nascidavirtualmente nos anos trinta, quando um
novo tipo de imprensa, de rádio, de cinema, etcemerge a par do caráter, observa Morin, de se
dirigir a
todos
(...) tanto aos cultos como aos incultos, aos burgueses como aos populares, aos
homens como às mulheres, aos jovens como aos adultos.
360
O fato de se dirigir a todos, argumenta Morin, faz da “cultura de massa (...) uma
cultura do denominador comum, média em suas aspirões e seus objetivos, que reflete,
conclui, a sociedade na qual se desenvolve [primeiramente nos EUA, e depois nos países
ocidentais], uma humanidade média, de níveis de vida médios, de tipo de vida médio.
361
Média em suas aspirões, as de atender, no caso, as demandas culturais de um
público médio, a massa (daí a expressão cultura de massa, tradução do neologismo anglo-latino
mass culture), a cultura de massa, segue Morin, tende a homogeneizar diferenças, como sexo,
faixa etária ou classe social, de modo a atender às demandas de todos; haja vista o caráter
ilusório, puramente operatório, desta pseudo-homogeneização. Superada esta primeira
contradição o funcionamento da indústria cultural envolve uma constante superão de
contradições através da padronização das estruturas (fórmulas gerais, modelos universais,
técnicas industriais), coloca-se, ainda Morin, a contrapartida necessária desta estandardizão:
uma espécie de individualização do produto cultural.
362
Aparentemente contraditórios, tais elementos revelam-se compatíveis, no dizer do
sociólogo, cuja definição de indústria cultural envolve a constante combinação individual-
padronizado, o que permite a esta indústria, conclui, conjugar orientação consumidora e produção
360
MORIN, Edgar.
Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo
. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p.39.
361
Ibid. p.54.
362
IDEM.
Da cultura de massa a busca de um novo humanismo
. Fortaleza: Instituto de Antropologia, 1968. p.10.
industrial. Ou antes, instria (racionalização) e cultura (criação), da qual resulta, enfim, a cultura
de massa.
Afora estes dois principais pares antitéticos, racionalização-criação e
estandardização-individualização, que a caracterizam, como tal, a cultura de massa - a qual Morin
prefere denominar Terceira cultura”, de modo a evidenciar o caráter policultural da cultura
contemporânea (tese compartilhada por Morais) - destaca-se, ademais, por sua íntima vinculação
com os meios de comunicação de massa, ainda que nem todo produto cultural difundido pelos
meios de comunicação de massa corresponda à cultura de massa. A esta, diz-nos Morin,
corresponde todo e qualquer produto cultural (livro, filme, disco, etc) que, fabricado
industrialmente e vendido comercialmente, destine-se ao consumo de um público médio,
obedecendo, pois, à lógica de toda produção destinada a este tipo de consumo (eis o ponto), a
lógica da lei da oferta e da procura.
363
Grosso modo, eis os principais aspectos dos enlatados do século XX a que se
refere Samy, quando alude à primeira alternativa que se coloca, a mim, como artista; qual seja,
“consumir, também, os vários enlatados do século XX, com o risco de minha própria
massificação, ressalta; haja vista que esta “nos atingiu, a muitos de nós - acredita o artista - que
busvamos uma denúncia para o suborno mental que nos está sendo imposto.
Considerando-se que o consumo dos enlatados, no dizer de Samy, apresenta-se
simultaneamente enquanto alternativa e risco ao artista alternativa de acompanhar o sentido
ético da massificação na arte”, ou antes, a de denunciar os enlatados enquanto suborno mental, e
risco, risco de minha própria massificação conclui-se ser o depoimento de Samy, se
comparado aos demais testemunhos à mostra aqui transcritos, o único a ponderar acerca das
conseqüências negativas desta massificação na arte, ao distanciá-la do sentido de democratização
363
Cf. MORIN, Edgar.
Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo
. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
(popularização) que lhe atribui Vergara, por exemplo, conferindo-lhe o sentido de massificação,
em si, sinônimo de estandardização, homogeneização e/ou padronização.
Consciente (supõe-se) dos riscos implicados na alternativa de consumir, também,
os enlatados do século XX, Samy integra a mostra discutindo (denunciando, talvez) o consumo,
através da técnica narrativa da publicidade (fig.53) o que incita a seguinte crítica de Ayala:
Guilherme Samy com temas de anúncio de soutien [sic], versão limpa e inteligente de um artista
novo e discreto, desinteressado do inusitado brilho dos comícios de superfície. Bom trabalho que
domina o tema e é apenas um exercício de um aprendiz consciente e paciente.
364
364
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
CAPÍTULO 04
O CRÍTICO BRASILEIRO E
A ICONOGRAFIA DE MASSA
4.1. A NOVA CRÍTICA DE MORAIS (a crítica de Morais às críticas de Ayala)
.
Dizem que os artistas aderiram francamente à cultura de massa. Além da importante exposição
coletiva da ESDI sobre iconografia de massa e que reúne obras de alguns dos melhores
artistas brasileiros, a Domus está apresentando os trabalhos selecionados e premiados no seu
concurso sobre o tema Carolina, da música de Chico Buarque de Holanda. Com efeito, a
Domus, loja de móveis e decoração, à rua Joana Angélica, esquina com Nascimento Silva,
promoveu um concurso para escolher os melhores trabalhos sobre o tema (...). Uma comissão
de críticos (...) selecionou trabalhos de 25 artistas, premiando mais três.
Frederico Morais
A exemplo da crítica tecida ao concurso de obras em forma de caixa (
box-form
),
organizado por Jayme Maurício, na Petite Galerie - uma tentativa - dizia - de alienação de nossa
capacidade criadora [a par do] condicionamento bitolador do mercado de arte
365
- Morais
questiona aos desígnios do concurso promovido pela Galeria Domus - contemporâneo, diga-se,
ao evento sobre iconografia de massa instalado no pavilhão da ESDI - ao elucidar os objetivos
deste, na carta-resposta dirigida ao crítico do
JB
, Walmir Ayala, em oposição aos do concurso em
questão:
MORAIS, Frederico. Artistas pintam Carolina.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 20 abr. 1968. 2ª Seção, p.03.
365
Segundo Morais, a mostra Nova Objetividade Brasileira seria “o resultado da ação desenvolvida (...) por um
grupo de artistas e por Frederico Morais em duas frentes: no Museu de Arte Moderna, em reuniões para debates das
questões relativas à produção de vanguarda, e na coluna de Frederico Morais, no Diário de Nocias, onde se
denunciava o concurso de obras em caixa”, nos termos enunciados acima. Com efeito - segue - o que aproximou os
artistas de vanguarda naquele momento, foi a conclusão de que se pretendia fazer da caixa, um símbolo da vanguarda
no Brasil. (...) Isto, aliás, ficaria mais claro na ênfase posta, pela mesma galeria, na comercialização de múltiplos.
Cf. MORAIS, Frederico.
Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro: 1816-1994
. Rio de Janeiro: Top-books,
1995. p.294.
Meu caro amigo Walmir Ayala,
Sobre seu artigo intitulado Os ídolos traídos, gostaria que publicasse em sua coluna os
seguintes esclarecimentos:
(...)
O objetivo da mostra não é outro senão o de propiciar uma reflexão sobre a cultura de massa,
ou, como diz a nota publicitária a que vose referiu, em termos restritos, um levantamento
de temas relativamente à cultura de massa e/ou indústria cultural que nos últimos anos têm
interessado ao artista plástico brasileiro, e, em termos mais amplos, o debate em torno das
relações entre cultura de massa e cultura de nível superior.
Um levantamento de temas e não
um concurso do tipo Carolina.
Ninguém fez quadros ou objetos especialmente para a mostra,
[inclusive] os trabalhos que dela participam já existiam, alguns datados de dois ou três anos e
já bastante conhecidos.
Aliás, foi exatamente a constância de obras vinculadas ao tema, (...) que levou o D.A. da ESDI,
em trabalho sob minha coordenação, a fazer uma reflexão crítica sobre o assunto, mesmo
porque comunicação de massa é matéria curricular da escola e interessa a cadeira de cultura
contemporânea.
366
Estruturando-se, como sugere Morais, a exemplo de
Nova Objetividade Brasileira
,
enquanto um levantamento das diferentes correntes da atual vanguarda artística brasileira, dentro
do tema, contudo, O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a mostra instalada no pavilhão
da ESDI igualmente se propunha, no dizer do crítico d
O Globo
, José Roberto Teixeira Leite, a
estudar os temas que vem influenciando as artes plásticas nos últimos anos- afinal, dizia
Morais, ninguém fez quadros ou objetos especialmente para a mostra- indicando uma
preocupação, destarte, mais que uma abordagem fortuita do assunto.
367
Preocupação esta, supõe-se, que faz com que o crítico d
O Globo
anuncie a
inauguração da mostra nos termos: a mais importante coletânea de comunicação de massa foi
inaugurada no Rio de Janeiro, dentro do tema O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, e
com promoção da Escola Superior de Desenho Industrial; haja vista que dias antes participara
366
IDEM. Ídolos e equívocos.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03. (grifo nosso).
367
LEITE, José Roberto Teixeira. O assunto é comunicação
. O Globo
, Rio de Janeiro, 24 abr. 1968. Caderno 2, p.14.
aos leitores de sua coluna a inauguração do Salão Carolina, na Galeria Domus - que
esperança!, dizia:
Salão Carolina, da Domus, a inaugurar-se no próximo dia 15 [de abril de 1968]. (...) A idéia
era dar, do personagem ideal da canção de Chico Buarque de Hollanda, uma imagem visual,
numa interpretação (pensávamos) que seria a mais livre e plástica possível: que esperança!
368
Ayala, por sua vez, a despeito da longa e árdua crítica tecida ao pavilhão da ESDI
dedicado - como dizia - à arte e à cultura de massas, não faz críticas ao Salão Carolina (por ser
um dos jurados do concurso, supõe-se), noticiando em sua coluna de arte do JB informões
referentes, apenas, à data e ao local do salão - “a semana se inaugura com a mostra da Carolina,
interpretações plásticas do personagem da música de Chico Buarque de Hollanda, na Galeria
Domus (rua Aníbal de Mendonça, 81-B), no dia 15 de abril.
369
Considerando, destarte, que Ayala participa do Salão Carolina, enquanto jurado
do concurso, ao qual descreve enquanto interpretões plásticas do personagem da música de
Chico Buarque de Hollanda”, e que na crítica, a que se refere Morais, intitulada Os ídolos
traídos, escreve que: o público não é tão sonso que vá substituir um quadro sobre Roberto
Carlos - por bem feito que seja por uma Maria do Carmo Secco - pela visão do próprio, ou
mesma pela voz do próprio, ouvida diretamente de uma gravação de rádio ou TV, conclui-se,
como o faz Morais, que não se trata de uma opinião pessoal apenas [do crítico em relação à
mostra, no caso], mas incompreensão total do sentido da mostra, senão desconhecimento do
que venha a ser cultura e iconografia de massa”.
370
368
IDEM. Salão Esso, Salão Carolina e outros bichos. O Globo, Rio de Janeiro, 01 abr. 1968. Caderno 2, p.14.
369
AYALA, Walmir. Artes na Semana. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 abr. 1968. Caderno B, p.02.
370
MORAIS, Frederico. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
Afinal, afora os propósitos diversos, mesmo divergentes entre si - esta, uma mostra
multidisciplinar e abrangente promovida pelo Diretório Acadêmico da ESDI, sob a coordenação
do crítico de arte Frederico Morais, enquanto professor responsável pela cadeira de cultura
contemporânea da escola, aquela, um concurso promovido por uma galeria - constata-se que
ambas as iniciativas referem-se, direta ou indiretamente, ao fenômeno da cultura de massa.
Femeno este, como vimos por ocasião da reestruturação da indústria cultural no país no
decurso dos sessenta, verificável, sobretudo, no campo da música popular - daí a proposição
temática da canção Carolina, enquanto leitmotiv do concurso. Ou antes, a face explorada e
multiplicada de Roberto Carlos, tal qual retratada no trabalho de Maria do Carmo Secco - a que
se refere Ayala - integrado ao pavilhão da ESDI.
Mas nem só de ídolos- contestava Morais ao crítico, ante o título de seu artigo
Os ídolos traídos- vive a cultura de massa, nem essa quer dizer apenas popularidade. Já disse
acima que a cultura de massa é uma linguagem, um sistema próprio de valores. O que há de mais
pico na mass culture - perguntava, destarte, ao crítico do JB - do que a história em
quadrinhos?. Ou antes, o que é mais iconográfico que o quadrinho?. Por acaso, o Capitão
América, o Super-Homem, Homem de Ferro, não são ícones de massa?.
371
Igualmente, dizia, no que toca à publicidade - ou acha que um outdoor, os
jingles, o tigre da Esso não são cultura de massa, (...) quando afirma”, por exemplo, que
Moriconi, José Ronaldo Lima ou Ziraldo estão fora dos propósitos da mostra [?].
372
Estes, respondia Morais ao crítico com veemência - e do mesmo modo, aliás,
como vinha anunciando, desde o dia 20 de março, na coluna de arte do DN - não eram outros
senão o levantamento, em termos restritos, de temas relativos à cultura de massa e/ou indústria
371
Ibidem.
372
Ibidem.
cultural que nos últimos anos têm interessado ao artista plástico brasileiro, e, em termos mais
amplos, o debate em torno das relações entre cultura de massa e cultura de nível superior. Daí
as conferências, alegava em sua carta-resposta, e, também, as entrevistas com os próprios
ídolos da cultura de massa; a par dos depoimentos solicitados junto aos artistas expositores -
depoimento pessoal sobre as relações entre cultura superior e cultura de massa e sobre como, em
seus quadros, objetos, desenhos e gravuras, desenvolveu plasticamente os temas e os ídolos de
massa- haja vista que a exposição, afirmava, “é como que o suporte da idéia, a referência
principal para o debate.
373
Comparadas, a crítica e a crítica da crítica, conclui-se que o equívoco a que se
refere Morais, ao publicar sua carta-resposta sob o título Ídolos e equívocos, refere-se tanto ao
suposto desconhecimentode Ayala “do que venham a ser cultura e iconografia de massa- ou
seja, nem só de ídolos vive a cultura de massa- quanto à incompreensão, sobretudo, do
sentido da mostra. Afinal, no artigo a respeito da exposição na ESDI, escrevia Ayala que:
Pomposo tulo que fazia prever no pavilhão, uma caprichosa e cintilante transposição artística
dos temas que constituem a mitologia popular contemporânea. Nada disso se viu. A intenção
dos organizadores e artistas deve ter sido a de se comunicar com um blico maior, com
aquele público, talvez, que acorre a um estádio e o lota para ouvir um Roberto Carlos. (...)
Outra hipótese é de que o artista brasileiro esteja usando a iconografia de massa, como um
pretexto a mais para fazer arte, para a mesma elite burguesa que também se compraz [sic] os
mitos incensados pela massa. Neste caso, o desastre da exposição é completo, mas coerente e
analisável. O que se viu então, foram alguns bons trabalhos de alguns bons artistas, sendo que
os dois melhores, a nosso ver, nada tinham que ver com o tema. (...)
Para nós que paramos e vemos, que vamos para ver, apenas uma coletiva muito fraca, com
alguns valores que não estão no pretexto, mas na linguagem. Para o povo, a massa, que
evidentemente é criticada atras de suas paixões tão declaradas, um enigma a mais proposto
por este animal estranho e marginal que se chama (que eles chamam) artista.. (...)
Talvez as conferências, entrevistas e palestras programadas consigam, pela teoria,
universalizar e até definir as intenções dispersadas em tão precário mostrrio.
374
373
IDEM. Ídolos e equívocos.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
374
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
Ao que Morais respondia importante e esperadamostra, sem dúvida, apesar do
tulo não ser pomposo, nem fazer ‘prever uma cintilante transposição artística dos temas que
constituem a mitologia popular contemporânea”. Tampouco era seu objetivo, segue, comunicar-
se com um blico maior. (...) E mesmo não querendo colocar os problemas nos seus termos, é
preciso dizer que a visitação do grande público, daquele que nunca vai a exposições, é realmente
extraordinária. Gente do povo, gente anônima, que provavelmente sai como entre, sem
compreender nada, mas que entra, vê e presta atenção.
375
Quanto ao prerio mostruário, ao findar dos esclarecimentos, dizia o crítico-
coordenador que o mostruário não é assim tão precário, nem disperso. Todos os trabalhos estão
unidos num mesmo propósito, qual seja, o de mostrar a relação do artista brasileiro diante da
cultura de massa. Não é assim tão precário, diga-se, dada a precariedade, de fato, das soluções
técnicas ou materiais adotadas por alguns artistas - precariedade, aliás, defendida por Morais, ao
conceituar O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa.
Defensor de uma nova arte, arte-atividade, arte-situação, e de uma nova crítica -
crítica igualmente em situação, dizia - Morais dedica um parágrafo inteiro a esta questão, onde
expõe os motivos da equação: uma nova arte exige uma nova crítica.
Neste período de arte pós-moderna, do objeto, no qual as diferenciações do tipo ante e
antiarte vão perdendo consistência, nesta época em que os valores entraram em crise, a crítica
deve também armar-se e estruturar-se no sentido de alcançar os novos significados da criação
artística de hoje. O julgamento acadêmico dos chamados valores plásticosdeixou de ter
sentido, como também noções como harmonia, equilíbrio, bom gosto, etc. É premente a revisão
do método crítico.
376
375
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
376
IDEM. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
Analisando as críticas de Ayala dirigidas aos trabalhos apresentados no pavilhão
da ESDI, constata-se que estas, quase sempre, referem-se ora a sua inadequação temática (como
no caso de Sangue de Umbigo, de Moriconi: em que se aproximaria do tema da iconografia de
massa?), ora a sua qualidade (ou precariedade) técnico-artesanal (vide as considerões do
crítico acerca da interessante fábula do coração contada por Dilmen Mariani. A gente até
esquece a precariedade da apresentação; ou ainda, o comentário pobremente executada
destinado à Caixa e Cultura”, de Rubens Gerchman).
377
Vimos igualmente, ao analisar o depoimento de Gerchman à mostra, que este
defende a opinião que tecnicamente, talvez, a obra pode apresentar deficiências- afinal, os
artistas brasileiros trabalham com grande dificuldade material - mas não como idéia”,
defendendo ser esta solução, destarte, a idéia em detrimento da técnica, a formidável resposta da
arte brasileira atual.
378
O que equivale, grosso modo, à superão, no dizer de Morais, do
conceito de obra de arte (a obra conclusa, bem-feita, cujo valor, portanto, é dado pelo tempo
gasto na sua execução), a par da valorização da idéia que a percorre em seus múltiplos sentidos
e direções (o que importa é a idéia, a proposta).
379
Superados os ismos, os gêneros, os valores plásticos, em suma, ao crítico, dizia,
Morais, cabe superar o papel de guardião da tradição, de modo a acompanhar o processo da
arte atual. E sendo a arte atual, argumenta, não mais que uma situação, puro acontecimento, um
processo, a crítica, para ser atual, deve igualmente julgá-la em situação. Julgar, porém, não de
modo judicativo, como o juiz julga aos seus casos, mas de maneira criativa e criadora, à medida
377
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
378
GERCHMAN, Rubens. Depoimento do artista à mostra O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa. APUD
MORAIS, Frederico. Gerchman contra a pop colonizadora.
Diário de Notícias
, Rio de Janeiro, 04 abr. 1968. 2ª
Seção, p.03.
379
MORAIS, Frederico.
Artes plásticas: a crise da hora atual
. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.34.
que não existe mais separação, alega Morais, entre crítica e arte- toda crítica da obra é
crítica de si mesma. E crítica para mim, confessa, é militância, envolvimento total, (...), pois
ela é, também, uma visão do mundo.
380
Explicitando, destarte, os postulados desta crítica militante, enuncia Morais que:
A crítica criadora não exclui o julgamento. O que se recusa é a crítica autoritária, opressora,
que em nome de uma hierarquia de valores submete a obra de arte a critérios absolutos e
imodificáveis. O crítico de arte, aceitando a relatividade dos valores, contribui para a própria
obsolesncia dos valores à medida que, criando-os, propõe sua fruição imediata, vale dizer,
sua desvalorização. (...)
A crítica aberta, portanto, é aquela que não busca na obra de arte apenas um sentido, mas a
sua multiplicidade, que não pretende submeter a obra a controle rígido e mesquinho. (...)
E a crítica assim exercida é, na verdade, uma atividade transformadora, criadora de
simulacros, uma atividade estrutural. (...)
Não pretende explicar o texto, prefere explicitá-lo. Vale dizer, abri-lo e o fechá-lo. Criar
um novo texto. O crítico passa a condição de artista. Na verdade não existe mais separação
entre crítica e arte. (...)
E a arte é isto, revelar o que existe subjacentemente, o que está dentro ou atrás. É arrancar o
u. (...)
A arte é por excelência contradição e o papel do crítico devia ser o de agravar estas
contradições.(...)
O crítico, ao se deixar envolver pela obra, objeto de sua reflexão, acaba por se tornar um
parceiro do artista, ou um comparsa, à medida que lhe acrescenta novos significados. E que
nunca são definitivos. Pois quantas vezes mergulhar na obra, tantas vezes se verá envolto na
rede de novas significações, muitas das quais têm o mérito de fazer aflorar à supercie.
381
Eis que as críticas de Ayala, ou antes, as críticas de Morais às críticas de Ayala,
adquirem sentido, quando compreendidas enquanto visões de mundo, visões distintas, mesmo
divergentes entre si; haja vista que Ayala, no artigo em questão, responde ao que Morais qualifica
de crítica judicativa - que em nome de uma hierarquia de valores, submete a obra de arte a
critérios absolutos e imodifiveis; crítica, que aos postulados desta nova crítica, por sua vez
380
IDEM. A crítica. In
Artes plásticas: a crise da hora atual
. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.44-52.
381
Ibidem.
critica, em razão da falta de critérios objetivos para o escrunio das atividades arsticas. Neste
sentido, vejamos outra passagem do artigo Os ídolos traídos, na qual Ayala estabelece uma
nítida diferenciação entre cultura de massa e artes plásticas, indicando, destarte, quais os critérios
objetivos, por ele empregados, para a análise de uma obra:
Comunicação, mesmo, em sinceridade, é o que acontece nas escadarias do Municipal, com os
quadros pintados caprichosamente sobre veludo, retratando noturnos esplêndidos, com
veleiros e luas sacrossantas, ou crepúsculos sangrentos debruando árvores mansas em
paisagens serenadas. É a linguagem, enfim, dos sambas de Lupcínio Rodrigues, Noel Rosa, das
serestas de Orestes Barbosa, do sentimentalismo de Roberto Carlos até, e, que, nos mais
recentes inventores da melodia, já coma a ser, um sub-reptício intelectualismo, exigindo do
ouvinte aquele encaixe de cultura mínima para a percepção de uma metáfora.
382
Analisando, hoje, as ressonâncias à época deste debate protagonizado nas páginas
da imprensa carioca, diz-nos Teixeira Leite que, por ocasião da mostra
O Artista Brasileiro e a
Iconografia de Massa
, em torno da qual a polêmica se desenvolve:
A imprensa não a levou [a exposição] muito a sério. (...) Primeiro porque era uma exposição
muito nova, que colocava novas idéias em circulação. Segundo, porque ela vinha do Diário de
Notícias, do Frederico Morais, que era um jovem crítico naquele momento (...) tinha trinta e
poucos anos, e tinha acabado de chegar ao Rio de Janeiro, e os outros jornais, inclusive aquele
em que eu trabalhava, que era O Globo, não gostava muito do Diário de Nocias. Havia toda
aquela compartimentalização da imprensa, então se alguma coisa aparecia nO Globo, não
podia aparecer no Jornal do Brasil, e por aí vai. Uma besteira assim, de um regionalismo
impresso que existia naquele momento. Então essa exposição foi de certo modo minimizada, e
ela em si mesma não teve tanta importância, quanto o fato dela ventilar novas idéias. Aí eu
digo que a polêmica entre o Walmir Ayala e o Frederico Morais é uma polêmica muito curiosa,
porque os dois tinham razão. O Frederico falava do ponto de vista ideológico, conceitual da
exposição, que ele tinha organizado, que ele tinha assim preparado em cada pedaço, formando
um todo coerente. E o Ayala, como crítico mais formalista que era, via a execução das obras.
Como era também praxe naquele momento. (...) E a polêmica acontece, essa divisão de
opiniões, naquele momento, exatamente por causa das várias idéias novas que estavam ali em
discussão.
383
382
AYALA, Walmir. Os ídolos traídos.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro, 23 abr. 1968. Caderno B, p.02.
383
LEITE, José Roberto Teixeira. Depoimento do crítico à autora. São Paulo, 14 mar. 2005.
A par dos novos postulados - tanto crítico, como arstico - defendidos por Morais
(uma nova arte exige uma nova crítica), conclui-se que ao constatar que a exposição em si não
teve tanta importância, quanto o fato dela ventilar novas idéias, Teixeira Leite igualmente
refere-se ao caráter multidisciplinar da mostra, cuja temática era, por si, inovadora, atual e
atuante. Atual, por constatar o caráter multidisciplinar da cultura (e logo da arte) contemporânea.
Atual e atuante, posto que um levantamento, ainda que temático, das diferentes correntes da atual
vanguarda arstica brasileira. Inovadora, atual e atuante, por se propor a fazer uma reflexão
crítica [e multidisciplinar] sobre o assunto, afinal “comunicação de massa é matéria curricular
da escola e interessa a cadeira de cultura contemporânea.
384
E tal perspectiva multidisciplinar da arte, ou antes, a defesa de novos postulados
críticos, postulados mais condizentes, diga-se, ao lirismo de nossa época atual: dinâmica,
tecnológica e massificada”, no dizer de Morais, aparecem, ora sob nuances distintas, ora sob
desígnios outros, mas aparecem, nos textos de Mário Schenberg, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa,
Mário Barata, Roberto Pontual, entre outros críticos atuantes à época, que ao lado de Morais,
militaram de modo significativo junto à nova vanguarda artística brasileira. No presente capítulo,
focaliza-se o pensamento de Mário Schenberg (presidente do júri de seleção, como vimos, da
representação brasileira na IX Bienal de São Paulo), Ferreira Gullar e Mário Pedrosa, por terem
sido eles, entre o entusiasmo, a militância e a dúvida, que em torno de questões referentes ao
artista brasileiro e a iconografia de massa detiveram-se com maior atenção.
384
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
4.2. A CRÍTICA ENTUSIASTA DE MÁRIO SCHENBERG.
O aparecimento de novas mitologias é um dos aspectos mais importantes da vida do século XX.
O seu impacto sobre a cultura se vem fazendo sentir com amplitude cada vez maior, atingindo
formas tradicionais de expressão arstica, como a literatura e as artes plásticas, depois de se
ter manifestado no cinema e nas histórias em quadrinhos.
Mário Schenberg
Um entusiasta confesso, tal qual o crítico de arte Mário Schenberg, das
transformações em processo no panorama global das artes nos anos sessenta - parece muito
provável, comentou certa ocasião, que o novo realismo na arte seja um aspecto de um novo
humanismo, eminentemente social e democrático - observou que o emprego dos novos recursos
tecnológicos em arte” correspondiam “às novas necessidades de comunicação artísticasurgidas
com a derrocada do humanismo individualista e burguês vigente até a Segunda Guerra Mundial -
quando, em face dos perigos de extermínio maciço, ou até total, da espécie humana, revelou-se a
crise da cultura ocidental. A cultura ocidental, dizia, passa por uma crise dramática, que
encerra talvez toda uma era multissecular.
385
Os efeitos políticos, morais e psicológicos decorrentes desta consciência, segue o
crítico, de que o homem pode destruir-se a si mesmo enquanto civilização, abalaram tremenda e
irreversivelmente o mito do monopólio cultural ocidental; levando-nos, e sobretudo às gerões
mais jovens, dizia, a uma descrença generalizada dos princípios éticos de nossa civilização, a
SCHENBERG, Mário. Prefácio (1967). In AGRIPPINO PAULA, José de
. PanAmérica
. São Paulo: Papagaio,
2001.
385
IDEM. Caminhos da Arte Atual (1968). In
Pensando a arte
. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.203.
descoberta, enfim, de que no seio da civilização ocidental não havia quase nenhum valor estético-
ético-político que fosse realmente vivido, ou igualmente sentido.
386
Mas os sintomas desta crise, desvelada de forma dramática no pós-guerra,
manifestam-se, segundo Schenberg, já desde o século passado, podendo-se afirmar inclusive que
toda a arte moderna está profundamente ligada a isso, desde a pintura impressionista:
A pintura impressionista já tinha rompido com a velha tradição européia, comando a
procurar novos caminhos. No s-impressionismo acentuou-se a busca de valores não
europeus. Esse processo foi também manifestado pelos artistas dadaístas que iniciaram seu
movimento em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial. O dadaísmo refletia o desencanto
profundo dos artistas daquela época com toda a situação do mundo ocidental e da sua cultura.
Durante todo esse tempo, desde o século passado até a década de 60 [quando se descobriu que
a civilização ocidental estava quase sem nenhum valor que fosse realmente vivido ou sentido],
essas coisas sentidas por certas minorias não tinham encontrado expressão de massa, como
aconteceu com os movimentos hippies e os de contestação [cuja forma de renovação cultural
adquirida, revelou a emergência de uma nova sensibilidade estética, ética e potica de que
eram portadores].
387
E à medida que confere à arte moderna, da pintura impressionista ao informalismo,
o caráter de expressão arstica desta crise, decorrente, segundo o autor, da não-adaptação da
cultura ocidental ao aparecimento da indústria moderna no século XVIII - eis do caráter
multissecular de nossa era - Schenberg igualmente entrevê indícios, ante as transformações em
processo no panorama global das artes nos anos sessenta, de que “entramos numa era de síntese
dialética, em que as contribuições anteriores serão ultrapassadas, para dar lugar a novas
contradições num plano mais elevado.
388
386
Ibidem.
387
Ibidem.
388
SCHENBERG, Mário. Um Novo Realismo (1966). In
Pensando a arte
. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.185.
A cultura ocidental até agora não se adaptou efetivamente à situação nova, decorrente do
aparecimento da indústria moderna, como já observaram muitos autores. Os seus fundamentos
datam ainda de antes do século XVIII, quando teve início a primeira Revolução Industrial. A
grande crise cultural se manifesta no momento em que se inicia a Segunda Revolução
Industrial, caracterizada pelo desenvolvimento da tecnologia eletrônica e cibernética e da
tecnologia atômica.
389
Capazes de substituir parcialmente o trabalho mental humano, as novas
tecnologias ora sensíveis - tais como a cibernética e a eletrônica, que permitiram também a
transformação radical da telecomunicação pelo rádio e pela televisão- não podem deixar de
afetar, dizia, fundamentalmente toda a cultura moderna, nem tampouco de influir
decisivamente nos caminhos da arte atual.
390
Daí o ressurgimento das tendências do tipo dadaísta(o protesto neodadaísta
tem suas raízes no perigo atômico), a utilização cada vez maior de recursos elétricos e
eletrônicos, ou a “preferência pelo emprego, utilização de imagens habituais, até estereotipadas
destacaram-se, segundo o crítico, como os aspectos mais característicos da atual revolução na
arte.
391
Revolucionando valores tais como arte, obra e artista, os caminhos da arte atual
destacam-se pela natureza propositiva e participante de suas manifestões, cuja desvinculação
da capacidade técnico-artesanal do artista aliada à despreocupação deste quanto à durabilidade de
sua obra, conferem-lhe o caráter de uma propostafeita pelo artista ao espectador (o espectador
passa a ser um participador, com feliz denominação de Hélio Oiticica), “cuja realização lhe dê
[ao participador] a oportunidade de uma ou mais experiências criativas. Tal proposta, bem
389
Ibidem.
390
IDEM. Caminhos da Arte Atual (1968). Op. cit. p.204.
391
Ibidem.
avalia Schenberg, pode ser uma idéia, um aparelho ou um objeto, único, múltiplos ou
desmaterializados, sujeitos, inclusive, a uma eventual alteração futura.
Neste sentido, o autor destaca a contribuição das novas tecnologias para a
elaboração das proposições mencionadas, concluindo suas considerões com um desejo:
Concluindo, desejo manifestar a minha convião de que as possibilidades das formas
tradicionais de expressão arstica, como a pintura, a escultura, o desenho e a gravura, não
estão esgotadas, como se diz freqüentemente. Sofrerão, sem vida, transformações e se
beneficiarão de novos materiais.
392
Transformações, como as que vinha ocorrendo com os trabalhos associados ao
neo-realismo, por exemplo - este, enquanto expressão arstica de um novo humanismo,
eminentemente democrático e social profundamente influenciados pelos meios de
comunicação de massa: cartazes, cinema, televisão, histórias em quadrinhos, quando não
elaborados a partir de materiais “apanhados em desitos de lixo ou montões de ferro-velho.
Nestas obras, dizia Schenberg:
Nas obras do novo realismo, a preocupação com o requinte artesanal é inexistente. O
desinteresse por esse requinte corresponde naturalmente ao que se manifesta pelo material
nobre ou precioso, decorrendo das raízes antiaristocráticas do novo humanismo. Há
preferência pelo emprego, utilização de imagens habituais, até estereotipadas, e por objetos de
emprego corrente. A qualidade que os objetos adquirem, quando usados pelo homem, é
considerada eminentemente artística.
393
No que toca às novas mitologias do século XX, componente e resultante desta
complexa rede de imagens tecida e entretecida diariamente pelos veículos de comunicação de
massa, seu impacto revela-se - constatava Schenberg ante as transformações em processo - cada
vez maior sobre a cultura contemporânea, atingindo, inclusive, formas tradicionais de expressão
392
Ibidem.
393
SCHENBERG, Mário. Um Novo Realismo (1966). Op. cit. p.186.
arstica, como a literatura e as artes plásticas, depois de se ter manifestado no cinema e nas
histórias em quadrinhos.
394
Tal impacto, ou antes, a constatão de tal impacto, revelado na constância, cada
vez maior, de obras profundamente influenciadas pelos meios de comunicação de massa, era a
razão de ser da mostra sobre iconografia de massa, no dizer de Morais, quando afirma ter sido
“exatamente esta constância de obras vinculadas ao tema, que pressupunha uma preocupação
mais que uma abordagem fortuita do assunto que levou o D.A. da ESDI, em trabalho sob minha
coordenação, a fazer uma reflexão crítica sobre o assunto.
395
Schenberg parece compartilhar desta perspectiva (que pressupunha uma
preocupação mais que uma abordagem fortuita do assunto) ao considerar a constância destas
obras (profundamente influenciadas pelos meios de comunicação de massa”) como um indício
da preocupação, ora latente, dizia, com o problema da comunicação arstica, argumentando não
ser por acaso [porém] que a arte, hoje, esteja sendo concebida essencialmente como um
processo simbólico de comunicação, ou antes, que hoje se fale tanto em comunicação; haja
vista a não-comunicação da arte que a precede.
396
394
SCHENBERG, Mário. Prefácio (1967). In AGRIPPINO PAULA, José de
. PanAmérica
. São Paulo: Papagaio,
2001.
395
MORAIS, Frederico. Ídolos e equívocos.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, p.03.
396
SCHENBERG, Mário. Lygia Clark (1971). In
Pensando a arte
. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.78.
4.3. A ACEITAÇÃOCRÍTICA DE FERREIRA GULLAR.
Há um relativo silêncio sobre a existência de uma cultura de massa no país, assim como
sobre o relacionamento entre produção cultural e mercado. (...) Somente em 1966 que vamos
encontrar um primeiro artigo de Ferreira Gullar sobre a estética na sociedade de massa.
Seguindo as reflexões da Escola de Frankfurt, o autor busca ampliar o quadro de compreensão
da problemática cultural entre nós. (...) Sugestivamente, é atras da Escola de Frankfurt que a
discussão sobre a sociedade e a cultura de massa se inicia (...), como se nesse momento de
consolidação da indústria cultural no Brasil alguns intelectuais sentissem a necessidade de
buscar outras teorias para entender melhor a nova realidade brasileira.
Renato Ortiz
Violando tal relativo silêncio sobre a existência de uma cultura de massa no
país, o ensaio Problemas estéticos na sociedade de massa(que data de 1965), de Ferreira
Gullar, era uma tentativa”, dizia, de responder a questões que o momento propunha-
interrompida por força das circunstâncias políticas a experiência do Centro Popular de Cultura,
seus integrantes foram devolvidos à atuão cultural normal, isto é, a trabalhar para um público
pagante e assim a disputar uma faixa do mercado
397
- questões como a da evolução histórica,
digamos, do problema arstico numa sociedade de massa. Ou antes, a da inviabilidade de uma
visão estética aristocrática nesta sociedade de massa. Ou ainda, a do surgimento de uma nova
visão estética fundada nas potencialidades da cultura de massa.
Habituamo-nos a atribuir, dizia Gullar, o problema do distanciamento entre as
chamadas artes de vanguarda e o grande públicoà incapacidade do povo de apreender o
significado daquelas obras, e cuja apreensão, de fato, (nós sabemos) encontra-se estreitamente
vinculada aos conhecimentos histórico-teóricos do espectador, que o permitem “atribuir às
ORTIZ, Renato.
A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e instria cultural.
São Paulo: Brasiliense,
2001. p.15.
397
GULLAR, Ferreira. Prefácio à 2ª edição. In
Cultura posta em questão. Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios
sobre arte
. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p.165.
formas significações que elas, na sua percepção nua, não possuem. Mas a carência de formação
estética da massa - não resta dúvida que o problema da carência de experiência estética da massa
existe- pouco tem haver com o problema (“explicação rasa), se recolocado, este, nos seguintes
termos: se a comunicação é tanto maior quanto mais perto de minha experiência vital está a obra
de arte”, logo “a maioria do público não entende a arte moderna, porque ela não fala de sua
vida”.
398
Afinal, no passado, já foi infinitamente maior, a integração entre a pintura e a
massa. E tal integração, argumenta, não será porque o povo tinha melhor formação estética que
hoje e sim porque a pintura, naquela época [na Idade Média], exprimia uma realidade cultural,
religiosa, de que a massa participava”. Donde se conclui, segue Gullar, que este distanciamento
entre as chamadas artes de vanguarda e o grande público” corresponde antes a permanência de
uma visão estética aristocrática dentro da sociedade de massa” - visão esta, argumenta,
precisamente contemporânea à “fragmentação da sociedade feudal, ao surgimento da burguesia e
à divisão da sociedade em classes.
399
Contribuindo para a emergência de instrumentos mais eficazes de comunicação e
formação da opinião pública numa sociedade de massa, como o jornal, o cinema, o rádio e a
televisão, tais transformões técnico-político-sociais contribuíram igualmente, escreve Gullar,
para a emergência de uma arte concebida “como uma atividade que nada tem a ver com os
problemas sociais- e que deste alheamento extrai a sua autenticidade - à medida que os pintores,
398
IDEM. Problemas estéticos na sociedade de massa” (1965). In
Cultura posta em questão. Vanguarda e
subdesenvolvimento: ensaios sobre arte
. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 253.
399
Ibid. p.254.
como os poetas, deixaram de idealizar a classe dominante para idealizarem-se a si mesmos, no
afã de transformar sua estranheza social numa solidão vitoriosa”.
400
Mas a constatação da perda da capacidade de comunicação da pintura não significa
que esta não tenha acompanhado o desenvolvimento social, por exemplo, decorrente de tais
transformações; afinal, ressalta Gullar, ao deixar de idealizar a classe dominante, a pintura rompe
“com os princípios acadêmicos que eram, nela, a expressão de um mundo superado. Tal
constatação significa, antes, diz-nos, que ao se afastar da classe dominante, a pintura afasta-se,
igualmente, do grande público; haja vista que a partir daí, elaborou-se toda uma visão estética
nova que, se negava a visão arstica do passado, negava também a realidade social do presente,
apoiando-se na aristocracia do espírito.
401
Não obstante, segue, tais afastamentos, tampouco, significam que a pintura, ou
todas as demais artes artesanais, ou de consumo restrito, já não tenham qualquer função a
desempenhar na sociedade de massa.
402
Tais considerações referem-se antes, e sobretudo, diz-
nos Gullar, à inviabilidade de uma visão estética aristocrática (arte pela arte”, arte desligada da
realidade social) para a arte de nossos dias, cuja realidade - vivemos num mundo em que a
informação é uma indústria essencial, metendo-nos, a todos os minutos, pelos olhos e pelos
ouvidos, o que queremos e o que não queremos saber
403
- revela-se essencialmente distinta,
digamos, daquela de “um homem nascido numa pequena cidade do interior, por exemplo, há
trinta anos atrás.
400
Ibidem.
401
Ibid. p.255.
402
Ibid. p.285.
403
Ibid. p.266.
Um homem nascido numa pequena cidade do interior brasileiro, trinta anos atrás, onde a
televisão ainda não existia e o rádio era objeto raro, tem sua experiência infantil toda ela
ligada aos elementos de seu meio preponderantemente naturais. A memória dos momentos
marcantes daquela vida repousa em sua lembrança e na daqueles poucos que também os
viveram e que hoje, estão dispersos. Esse homem se sente como que a carregar solitariamente
a memória daqueles dias, como uma vivência estranha que, na cidade grande onde agora vive,
o separa dos demais. Ele é o remanescente de uma época pré-industrial. Mas tudo se passou
diferente com os homens de sua mesma idade nascidos na metrópole. A infância destes foi
fundamentalmente marcada pelas revistas em quadrinhos, que todos eles liam, pelos
programas de rádio que lançavam as músicas de sucesso, que todos eles aprendiam e
cantavam, pela voz de determinado cantor, por programas de auditório, filmes e artistas que
marcaram época. Essa experiência vivida, passada, não repousa unicamente na memória das
pessoas: ela está gravada em discos, em fitas, em películas, e pode a qualquer momento ser
precipitada outra vez, mecanicamente. E esse homem não precisa ir à procura dos amigos de
antigamente para reencontrar essa memória, mesmo porque o amigo de hoje, que morava em
outra cidade, também viveu esses mesmos fatos e os recorda agora, ao ouvir de novo a voz de
Carmen Miranda, com idêntica emoção. Se tal constatação nos induz a ver que, no segundo
caso, há incomparável preponderância de experiências culturaissobre as experiências
naturais, é que na vida urbana a arte(o artificial) consegue uma integração na vida das
pessoas, jamais verificada antes.
404
Afora esta integração - jamais verificada antes- entre arte e vida, entre técnica e
memória, verifica-se que as transformações ensejadas pelo desenvolvimento técnico-industrial,
em meio a uma sociedade de massa, envolvem o surgimento de novas formas de arte - “artes de
massa, no dizer de Gullar - que, em comum, a par da impossibilidade de distinguí-las dos
demais interesses de nossa vida cotidiana”, apresentam características como a pluralidade, ou a
ausência, de originais. Características estas, ainda Gullar, componente e resultante da própria
natureza destas artes; haja vista que não se pode perder de vista [precisamente] a integração que
há entre as artes de massa, a natureza de seus meios técnicos e seu raio de ação.
405
Vistas, precisamente, enquanto resultante e componente da reprodutibilidade
técnica inerente aos processos industriais (processo de elaboração), as artes de massa revelam-se,
404
Ibid. p.274.
405
Ibid. p.278.
no dizer de Gullar, infinita e potencialmente reproduveis (modo de mostrar-se, próprio, diga-se,
a todo produto industrial), e igualmente, portanto, infinita e potencialmente, consumidas (raio de
ão) por públicos tão diversos, quanto possível. O que faz destas artes, conclui, produtos
legítimos da sociedade capitalista, na qual tudo se transforma em mercadoria - daí o caráter
conservador e alienante destas artes, artes essencialmente de consumo.
Conservador, à medida que para atingir blicos tão diversos, quanto possível, tal
produção [que é determinada, portanto, por seus objetivos comerciais e pelas condições em que
esses objetivos se cumprem] exige estrema generalidade e simplificação; e alienante, por induzir
“a uma visão falsa da realidade concreta- “ali representada sem o caráter contraditório que a
define e lhe dá complexidade.
406
Não obstante, alega Gullar, faz-se necessário “atentar para o fato de que essa
transformação da arte em mercadoria não é um fenômeno restrito às artes de massa e que ela não
significa o fim da arte. Trata-se de uma condição nova, que a arte passou a enfrentar com o
surgimento da burguesia e que é, sob outros aspectos, um avanço com relação à arte do passado,
muito mais aristocrática e impositiva”. Afinal, escreve, o surgimento da burguesia, a divisão da
sociedade em classes - o capitalismo, em suma:
O capitalismo é uma etapa do desenvolvimento da civilização e não um mal desnecessário que
se abateu sobre os homens. Com o capitalismo deu-se o aumento da riqueza, o avanço da
ciência e da tecnologia, a conquista de alguns direitos fundamentais e a melhoria do nível de
vida de considerável parte da comunidade humana. O crescimento das cidades, o
desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, estimulados pela cobiça do lucro e
obtidos com o sacrifício de miles de seres humanos, modificaram profundamente - como os
demais fatores aludidos ou o - a vida humana e impuseram um novo comportamento e novas
necessidades. A cultura de massa é uma das conseqüências desse progresso, com os defeitos e
as qualidades que lhe são inerentes. Numa sociedade desse tipo a comercialização da arte é
inevitável e, mais que isso, é o caminho que ela tem para satisfazer as novas necessidades
emocionais e espirituais do homem. Se com razão, devemos repelir as formas de arte
406
Ibid. p.269.
estereotipadas, imbecializantes, que proliferam na cultura de massa, devemos fazê-lo sem
perder a noção real do problema da arte contemporânea.
407
Situando-se entre dois pólos, entre o esteticismo, digamos, da arte formalista e o
esquematismo da cultura de massa - salvo a diferença que enquanto esta se funda em formas
estereotipadas de eficiência comprovada, aquela se apóia em formas de baixo nível comunicativo
em termos de massa
408
- à arte contemporânea cumpre desmistificar o próprio conceito de arte
[arte pela arte, arte desligada da realidade social] e, rejeitando o esquematismo e as limitações da
cultura de massa, aproveitar-lhe as conquistas precedentes.
409
Tais conquistas, segue Gullar, referem-se às condições peculiares da cultura de
massa - “e não cabe perguntas, aqui, se essa cultura é cultura mesmo ou mera contrafação
410
-
cujo permanente fluir e transformar-se atende melhor (não há dúvidas, afirma) à celeridade da
vida contemporânea; ou antes, à complexidade da realidade social atual (do homem enquanto
membro da sociedade de massa), cuja apreensão escapa às possibilidades da arte tradicional.
411
Ante a capacidade que tem, por suas técnicas, de apreender diretamente os
elementos da realidade e de fazer deles a matéria mesma da expressão: as imagens do mundo, os
seres vivos em movimento, os ruídos e ações da natureza, das máquinas
412
, a cultura de massa
destaca-se, precisa e positivamente, no dizer de Gullar, por contribuir para a formação de uma
visão mais complexa do mundo - onde informações tão díspares como as cenas da guerra do
407
Ibid. p.287.
408
Ibid. p.289.
409
Ibid. p.286.
410
O fato é que tais expressões se incorporaram de tal forma à vida das pessoas, atingindo o cerne mesmo de sua
vida afetiva, que é impossível ignorá-las. Cf. GULLAR, Ferreira. Op. cit. p.275.
411
Ibid. p.272.
412
Ibid. p.277.
Vietnã ou do festival de Cannes ao desabamento de um edifício em Santa Teresa (...) aparecem
ali integradas numa mesma e nova linguagem- contribuindo, destarte, para a formação de uma
linguagem comum, coletiva e internacional, mesmo, sob certos aspectos. Linguagem esta -
“espécie de semiconsciência comum- que permite à cultura de massa, conclui, uma eficiência
cada vez maior da comunicação com a massa.
413
À arte contemporânea cumpre, portanto, ter uma visão lúcida do problema da
comunicação e compreender [precisamente] que hoje, dadas as características da época, criou-se
uma linguagem comum, cujas imagens criadas com os mais diversos propósitos e nos mais
diversos campos da comunicação - da história em quadrinhos ao cartaz de propaganda e à novela
de rádio - impregnaram-se a tal ponto de significação que passaram a existir por si mesmas como
símbolos da vida atual; ou antes, como a própria atualidade formulada do homem
contemporâneo. E em que pese, segue Gullar:
O esquematismo e a superficialidade dessa formulação, é nela, não obstante, que a maioria
dos homens refletida, pelo menos, a face cotidiana, imediata, de sua existência. Uma visão
estética que rejeita em bloco essa linguagem rejeita, ao mesmo tempo, a formivel massa de
experiências que nela se acumula e, mais que isso, a própria atualidade que emerge nessa
linguagem.
414
Ao passo que “a aceitação críticade tal linguagem decorre antes de uma visão
cultural participante da atualidade” - aceitação crítica aqui compreendida, explica-nos Gullar, no
sentido de que se faz necessário compreendê-la, a cultura de massa, para então superá-la, aos seus
aspectos, diga-se, imbecializantes, dada a irreversibilidade do processo que a gerou - não se
pode desvincular o futuro da cultura de massa do futuro da sociedade contemporânea como um
todo. E a par do sentido, segue, de superar tais aspectos, aproveitar-lhe as conquistas
413
Ibid. p.273.
414
Ibid. p.291.
precedentes implica na aceitação da maior capacidade de irradiação dos meios de comunicação
de massa, junto à massa, precisamente; haja vista que uma arte decorrente de tal aceitação, não
procurará afastar-se do cotidiano e suas formas de expressão - elas também modos de existência
cotidiana - mas antes apreendê-lo por ver em cada uma de suas banais particularidades a presença
do processo geral que as aia e que nelas se apóia, dialeticamente”.
415
Integrar-se ao espírito da época, aproveitando-lhe as conquistas técnicas atuais, de
modo a permitir às massas acesso a níveis mais altos de cultura; ou antes “a uma arte de massa de
alto teor expressivo- eis a noção real do problema da arte contemporânea, de todas as artes,
dizia Gullar, haja vista que “a idéia de uma arte de massa de alta qualidade não implica na
liquidação de todas as formas de arte em uma só, mas num ativo e consciente intermbio de
recursos expressivos.
416
Abrindo-se ao aprofundamento deste intercâmbio - já há indícios deste fenômeno
na pintura, na poesia e em certas criões teatrais
417
- a arte contemporânea abre-se a uma nova
visão estética, a uma visão estética dialética, no dizer de Gullar - pois ao contrário da estética
metafísica [aristocrática] que precisa fugir da História, a estética dialética só entende a arte como
produto histórico, como fruto da História e ação sobre a História.
418
O que faz com que esta arte
assuma um caráter preponderantemente político, conclui, por ser antes uma visão
essencialmente política da existência, (...) uma opção diante dos problemas concretos, a
afirmação ou negação de determinados valores (...), uma forma de participação.
419
415
Ibid. p.292.
416
Ibid. p.290.
417
Ibidem.
418
Ibid. p.267.
419
Ibid. p.292.
4.4. A CRÍTICA ENTRE A DÚVIDA E O PESSIMISMODE MÁRIO
PEDROSA.
O que Mário Pedrosa passa a registrar com insistência, especialmente a partir de meados da
década de 60, é o condicionamento sempre mais forte do artista na contemporaneidade, cuja
posição, em meio ao poder avassalador do mercado, é no mínimo ambígua: um bicho da
sedaem meio à produção em massa. (...). Cedendo às leis implacáveis da produção em
massa(...) o projeto da arte moderna teria esbarrado num impasse: ela, como o mito da
revoluçãoque o acompanhara, teria chegado a uma espécie de epílogo com o triunfo da arte
pop. (...). A partir desse momento, a crítica de Mário Pedrosa oscilará entre a dúvida e o
pessimismo.
Olia Arantes
Entre a dúvida e o pessimismo, a constante - Estamos agora em outro ciclo, que
não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior, e iniciado
digamos pela
pop art
. A esse novo ciclo de vocão antiarte chamaria de arte pós-moderna”.
420
Mas dizer que isso é antiarte”, escreve Mário Pedrosa, não resolve, porque
antiarte é apenas o reflexo exato, em contrapartida, da própria arte.
421
E a arte, toda arte”, dizia,
trata-se, ainda, e no fundo, de absorver, de abarcar campos cada vez mais vastos, na apreensão
sensorial, e também substantiva, do mundo ou do universo, o que afinal, desde a arte das
cavernas, foi sempre a grande missão civilizadora da arte”.
422
Anteriores ao pessimismo, a que se refere Arantes, tais escritos, datados quase
todos dos últimos sessenta, oscilam entre as incertezas do crítico quanto às significações mais
profundas deste “formidável e complexo fenômeno da arte na civilizão mundial que se vai
ARANTES, Otília.
Mário Pedrosa: itinerário crítico
. São Paulo: Scritta Oficina Editorial, 1991. p.02.
420
PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica (1966). In
Dos murais de Portinari aos
espaços de Brasília
. (org. Aracy Amaral). São Paulo: Perspectiva, 1981. p.205.
421
IDEM. Bienal e participação... do povo. (1967). In
Mundo, homem, arte em crise
(org. Aracy Amaral). São Paulo:
Perspectiva, 1975. p.191.
422
IDEM. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. (1967). In
Mundo, homem, arte em crise.
Op. cit. p.219.
abrindo, por paus e por pedras, diante de nós, e a certeza de que, a despeito de tais significões,
trata-se de um fenômeno cultural e social absolutamente novo.
423
Contemporâneo ao novo contexto técnico-industrial, tal fenômeno, cultural e
social absolutamente novo, a que Mário Pedrosa - antecipando-se, segundo Arantes, em
quase dez anos à voga polêmica do termo
424
- denomina de arte pós-moderna, a fim de
diferenciá-la da precedente, demarca o aceleramento, no dizer do crítico, das experiências
arsticas contemporâneas; ou antes, a reestruturão do sujeito perceptivo contemporâneo, ora
inundado, dia e noite, por uma verdadeira cacofonia multidimensional que tende a filtrar-se por
um fluxo pluridimensional para, pouco a pouco, substituir o velho discurso lógico, abstrato,
lido.
425
Sem deixar de ignorar a ambivalência deste processo - o paradoxo de nosso
época”, escreveu, é que os meios de produção ainda não foram socializados (racionalização não
é socialização), mas a vida íntima do homem já o foi, quase
426
- Pedrosa, por um momento,
acerca-se do otimismo de McLuhan quanto ao potencial dos media, potencialmente capazes,
neste sentido, de alterar nossa percepção particularista, própria da idade mecânica que se
encerrava”, aparelhando-nos para uma apreensão da totalidade social, ora definida, por
McLuhan, de “aldeia global.
427
Empregada, por este, no sentido de caracterizar o novo mundo audiotáctil e
tribalizado da era eletrônica, onde tudo está no presente durante todo o tempo, numa escala mais
423
IDEM. Bienal e participação... do povo. (1967). In Op. cit. p.190.
424
ARANTES, Otília. Op. cit. p.137.
425
PEDROSA, Mário. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise (1967). In Op. cit. p.217.
426
IDEM. Arte e revolução (1967). In Op. cit. p.246.
427
ARANTES, Otília. Op. cit. p.138.
complexa e generalizada, mas de qualquer modo equivalente ao velho meio tribal, a idéia de
“aldeia globalfigura, igualmente, nos escritos de Pedrosa, enquanto metáfora deste novo
contexto sócio-cultural, sob o desígnio de comparar a posição do artista de hoje com a do artista
daquele velho meio tribal, conquanto o que o artista de hoje procura, escreve o crítico, é uma
equivalência entre a sua atitude, seu trabalho, e a atitude e o trabalho do artista negro ou do artista
caduceu, nos seus respectivos contextos sociais.
428
A extrema complexidade da civilização moderna não permite a nenhuma atividade de ordem
científica, cultural ou estética desenrolar-se no isolamento. Ela impõe uma atividade
globalizante em todos os sentidos. A tecnologia que é condutora de todas as atividades e
experiências operacionais é também a socializadora, por excelência, dessas atividades. Em
grande parte determina também os comportamentos e atitudes. Além da sua tendência
globalizante, (...) qual é a característica fundamental deste complexo social, dessa ambiência
cultural (e tecnológica) que envolve o homem de nossas cidades e do nosso tempo? Constata-se
antes de tudo um fato cultural da maior importância e alcance, em suas imensas implicações; a
perda progressiva da multissecular hegemonia da expressão verbal, da escrita, da palavra
sobre qualquer outro meio ou recurso expressional na civilização ocidental, incluindo nesta
todos os países da Europa e as Américas. Uma concepção geral puramente discursiva numa
imagem de mundo, abstrata e decisivamente visual, tem sido a resultante daquela
hegemonia.(...).
A humanidade não é mais separada de um lado pelo homem (burguês) da escrita todo virado
para o abstrato, o intelectual o racional e o homem sem escrita virado para o concreto, o
imaginário e o emocional. E qual é a mais profunda conseência dessa novíssima
indistinção? (...) Uma extraordinária ressurgência do instintivo, do afetivo, do emocional, do
imaginário na sociedade ultramoderna. E nessa base dá-se também um fato novo (...), os
homens de todos os quadrantes se vêem agora numa situação melhor que seus predecessores
(...) para compreender e comunicar-se com outras culturas.(...)
Tudo isso é o que McLuhan definiu na idéia de aldeia global. Nenhuma noção é mais ampla
do que essa de aldeia global. (...) Ela só talvez possa abranger todos os aspectos dessas
aspiração do artista moderno em sair de seu isolamento (...), em sair da alienação estética,
mas também ou sobretudo moral e social, em que é condenado a viver pelo condicionamento
da civilização burguesa de produção e consumo de massa.
429
428
PEDROSA, Mário. Arte dos caduceus, arte negra, artistas de hoje (1968). In Op. cit. p.223.
429
IDEM. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise (1967). In Op.cit. p.218.
A par da extrema complexidade da civilização moderna [que] não permite a
nenhuma atividade de ordem cienfica, cultural ou estética desenrolar-se no isolamento, tal
equivalência, a que se refere Pedrosa, envolve a (re)integração da arte no conjunto social, “como
uma atividade legítima, natural e permanente” - ou antes, ativa, coletiva e participante”, a
exemplo daquela criada pelos artistas negros, que “ao invés de julgamento, que ninguém lhes
pede, o que fazem é verificar a participação do objeto.
430
Analogamente, escreve Pedrosa, verifica-se que o artista de hoje, com algo de um
desespero dentro dele, chama os outros a que dêem participação ao seu objeto
431
, convidando-os
- constata, por ocasião da IX Bienal de São Paulo - a quebrar o velho respeito tradicional pela
obra de arte, tanto quanto às fronteiras que os separam dela”.
432
Mas ao quebrar a distância psíquica” entre obra de arte e espectador, o artista de
hoje, igualmente, rompe - segue o crítico - com a dispersão dos gêneros arsticos - já não é
permissível continuar a falar de escultura ou pintura ou de qualquer outra arte no espo e no
tempo isoladamente”
433
- dispersão esta, no dizer de Pedrosa, o traço a assinalar com mais força
o impasse mesmo da arte em geral, na sociedade de consumo de massa do mundo capitalista
ocidental.
As artes no espaço vêem dia a dia que o seu repertório se vai ampliando independente da
vontade se seus criadores. É o caso pico da velha escultura que, sem mais o arrimo do muro
catedralesco ou de pedestais bomsticos em praças blicas ou ângulos de palácios
burocráticos para apologia dos poderes públicos, de senhores magnatas ou generais
emedalhados, se vira para apreender os espaços vazios, para incorporar a si o movimento e a
chusma dos novos materiais e de todos os veículos de comunicação.
434
430
IDEM. Arte dos caduceus, arte negra, artistas de hoje (1968). In Op. cit. p.224.
431
Ibid. p.225.
432
IDEM. Bienal e participação... do povo. (1967). In Op. cit. p.189.
433
IDEM. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. (1967). In Op. cit. p.216.
434
Ibid. p.218.
A arte de nossos dias, segue, ganha cada vez mais as ruas, as praças e os jardins,
as grandes aglomerações urbanas
435
, enfim, e quando não, é algo que mexe e pode ser mexido,
inclusive destruído pelo outro, pois o artista de hoje, aquele que não trabalha mais com materiais
preciosos, (...), sabe que, apesar das aparências, tudo aquilo se refaz!.
436
E tudo isso faz, pondera, com que a obra de arte em si não possa mais ser
examinada por ela mesma. Digamos, brutalmente. Não é mais a competência ou a capacidade do
artista em fazê-la ou manipulá-la que sobremodo interessa. Ou é realmente o decisivo.
437
Na
arte pós-moderna, escreve, decisiva “é a idéia, a atitude por trás do artista. E os artistas de hoje,
afirma, querem sobretudo sair do isolamento social e moral de antes, pois no fundo de todo
esse movimento antiarte o que jaz por baixo, conclui, é uma sagrada nostalgia dos artistas por
uma sociedade em que fossem tão integrados, tão imprescindível a sua vida coletiva como nas
sociedades de culturas primitivas, de comunidade social autêntica, o eram à sua sobrevivência, à
preservação de seus ritos e mitos sagrados.
438
Mas arte pós-moderna, tal qual enunciada por Pedrosa - arte efêmera de
participação lúdico-coletiva, quebra da distância psíquica” entre obra de arte e espectador,
(re)integração da arte no conjunto social, superação da dispersão dos gêneros artísticos;
características, quase todas, diga-se, em germe naqueles comos de século- da arte moderna
diferencia-se em razão, sobretudo, da relativizão, ora verifivel, daqueles supremos valores
plásticos sob os quais reuniam-se todos os ismos precedentes.
435
IDEM. Arte e burocracia (1967). In Op. cit. p.106.
436
IDEM. Bienal e participação... do povo. (1967). In Op. cit. p.189.
437
IDEM. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. (1967). In Op. cit. p.216.
438
IDEM. Do porco empalhado ou os critérios da crítica (1968). In Op. cit. p.234-35.
Havia um masque reunia todos os ismos precedentes num mesmo estruturamento, se não no
mesmo processo. Era a obra única, privilegiada do artista, do sujeito. O supremo valor que era
necessário ajuizar estava ou era a obra de arte em si. Uma linguagem extremamente apurada
havia se formado no curso do século para definir, isolar, exaltar os valores plásticos,
expressivos, estéticos supremos encerrados em cada obra, em cada movimento.
Esse vocabulário, instrumento maior da crítica, porém, veio entrando em crise desde o
concretismo, e dissolveu-se com o advento da popart e cinetismo. Os supremos valores
plásticos são agora relativizados. A obra de arte em si mesma perde sua unicidade e pretensão
à eternidade. Os materiais com que passa a ser feita não têm mais tampouco a velha nobreza
do mármore ou do bronze ou do óleo, que pretende fixar-se para sempre. Os gêneros
tradicionais da Escultura e da Pintura são negados. Os materiais mais precários são usados
pelos artistas; não perduram, mas são renováveis. A pretensão à originalidade se perde; a
ojeriza aristocrática à cópia acabou. (As técnicas de reprodução cada vez mais aperfeiçoadas
vão sendo avidamente procuradas pelos artistas, no fundo para que sua obra esteja ao alcance
de mais coisas.)
439
Foi a partir desta constatão, aliás, confessa-nos o crítico - a da relativizão, no
caso, de tais valores - que achei de designar como arte pós-moderna toda atividade artística
enquadrada nesse novo contexto técnico-cultural
440
, onde a liberdade, ou o sentimento de
liberdadeque caracteriza o comportamento arstico de agora - afinal “é [igualmente, ou antes]
na diferença de atitude do artista que está toda a diferença que vai da arte cubista de um Picasso
ou da arte abstrata de um Mondrian, à arte pós-moderna, popista ambiental- faz desta arte um
fenômeno inédito na história: o exercício experimental da liberdade”.
441
Exercício, posto que em processo (nada diz que a partida esteja ganha para a
família dos artistas atuais) - processo ambivalente, porém.
442
Contemporânea ao novo contexto técnico-industrial, a arte atuassima atual (com
todas as variações e designões que dentro dela cabem) prescinde do conceito fátuo de obra de
439
Ibidem.
440
IDEM. O manifesto pela arte total de Pierre Restany (1968). In Op. cit. p.240.
441
IDEM. Arte dos caduceus, arte negra, artistas de hoje (1968). In Op. cit. p.224.
442
IDEM. Do porco empalhado ou os critérios da crítica (1968). In Op. cit. p.235.
arte única e eterna, no fundo para que (...) esteja ao alcance de mais coisas, porém, as coisas
de hoje, as coisasda produção em massa, da qualidade igualmente prescindem, escreve
Pedrosa; haja vista que a produção em massa não poderia sobreviver numa sociedade que
preferisse (...) consumir a qualidade em lugar de consumir o novo.
443
Com efeito, segue, tal nostalgia do objeto - decorrente da falta de tempo daqueles
que o usam de lhe tomar afeição- foi uma das motivões profundas da pop, que ao se voltar
para o mundo, partiu a cata de coisas, coisas de hoje, coisas da produção em massa.
444
Tais popistas, porém, “cedo, deram com os limites desta pesquisa, que ao impasse
da saturação chegou, à medida que aquela atividade [de catar coisas] deixou de ser individual ou
ter caráter isolado. E nesta mesma medida, escreve, tais popistas passaram a precisar ou
sobretudo a requintar nas intenções e recuar no uso dos meios- requinte que os faz, conclui,
antes engenheiros que quinquilheiros (colecionadores de resíduos de obras humanas). Ou antes,
o que faz da pop, em sua inspiração, conformista ou otimista; haja vista que na pop, o fun do
meio urbano é comumente percebido, apreciado e exaltado.
445
Conformismo este - escreve Pedrosa, por ocasião da IX Bienal de São Paulo - que
diferencia, sobremodo, os popistas estadunidenses dos popistas do subdesenvolvimento,
inconformistas declarados, diz-nos; como igualmente demarca, diga-se, a irrupção da dúvida
(entre a vida e o pessimismo) na crítica de Pedrosa.
Antiarte, hoje, do expressionismo abstrato que a precedeu - “estamos agora em
outro ciclo (...) novo ciclo de vocação antiarte- a popart, escreve Pedrosa, ainda nos últimos
sessenta, “está destinada à integrão- Eis o drama da arte contemporânea. As técnicas de
443
IDEM. Crise do condicionamento artístico (1966). In Op. cit. p.89.
444
Ibidem.
445
IDEM. Quinquilharia e popart (1967). In Op. cit. p.179.
comunicação avançam sobre a imaginaçãodos homens, num desenvolvimento cada vez mais
autônomo, e que a todos submete - elite, massa, artistas, inclusive, que ora debatem-se dentro
de uma representação que não fizeram. Esta - do mundo - já não é mais elaboradapor eles,
mas pela informação visual, e tantas outras que se elaboram sem eles.
446
Massificada a vida íntima dos homens, em cujo imaginário, ora habitam, dizia, as
representações de mundo difundidas pelos media - daí o papel da publicidade, em convencer a
massa da validade de tais representões. E aí está, em sua redução final, a sobrevivência da arte
(...) nessa última modalidade de consumo da nossa cultura burguesa
447
- indaga-se Pedrosa
quanto ao destino desta arte que nos media se apóia, ao perceber que estes, de instrumento de
emancipação e conhecimento, potencialmente capazes de “modificar para melhor as relações do
artista e do blico com a realidade, enfeixados por uma linguagem comum, convertiam-se, ante
a autonomização desta linguagem, em instrumento de controle e dominação.
448
Eis que entre as incertezas quanto às significões mais profundas deste
fenômeno da arte (...) que se vai abrindo, por paus e por pedras, diante de nós e a ameaça da
diluição da arte no mercado - a arte, uma vez que assume valor de câmbio, torna-se mercadoria
como qualquer presunto
449
- devemos optar pelos artistas, dizia, bichos-da-seda em meio à
produção de massa. Os artistas de hoje”, segue, não só tomaram consciência de que são bichos-
da-seda, como tomaram consciência de um impulso novo que os impele ao uso da liberdade.
Mas de onde vem esse impulso?- indaga-se.
446
IDEM. A passagem do verbal ao visual (1967). In Op. cit. p.151.
447
IDEM. Da arte leiga à desmistificação cultural (1968). In Op. cit. p.230.
448
ARANTES, Otília. Op. cit. p.139.
449
PEDROSA, Mário. A Bienal de cá para lá (1970). In Op. cit. p.257.
Onde estão as condições sociais e culturais que permitam a esses bichos-da-seda continuar a
produzir incessantemente a sua seda e a usar seu dom natural em toda liberdade? Como
conservá-la em sua autenticidade originária e como distribuí-la, sem alterá-la na sua
existência intrínseca, ou como doá-la, trocá-la numa sociedade com sedas sintéticas em
abundância e entregue às mobilizações em massa e aos divertimentos em massa?
450
Empregada por Marx para situar a ambiidade da posição do artista - de
trabalhador independente a trabalhador improdutivo, posto que não-produtor de mercadorias - na
moderna sociedade capitalista, a metáfora do bicho-da-seda em meio à produção em massa
figura nos escritos de Mário Pedrosa enquanto preliminar indispensável, dizia, para se
compreender a posição não só da arte atuassima atual, como de seus artistas, sobretudo
451
;
haja vista que nesse momento de crise e opção, devemos optar pelos artistas.
452
Tal ambigüidade, explica-nos o crítico, ora patente, explícita, decorre daquela
dicotomia inerente ao regime capitalista, sob o qual o mesmo trabalho pode ser ao mesmo tempo
produtivo” e “improdutivo. E Marx (outra vez?!), ao diferenciar um trabalho do outro, nos dá
também um exemplo da posição ambígua do artista da nova sociedade:
Milton que escreveu o Paraíso Perdido, era um trabalhador improdutivo. Em contraposição,
o trabalhador que confecciona o livro para seu editor é um trabalhador produtivo. Milton
produziu o Paraíso Perdido pelos mesmos motivos que o bicho-da-seda produz seda. Era isso
um dom de sua natureza. Posteriormente, Milton vendeu seu produto por cinco libras. Mas o
proletário-literato de Leipzig que, sob a dirão de um livreiro, fabrica (digamos, um manual
de Economia) é um trabalhador produtivo cujo produto é de antemão subsumido no capital e
ali encontra seu valor. Um cantora que por sua conta vende sua canção pe uma trabalhadora
improdutiva. A mesma cantora, porém, se contratada por um empresário para que cante a fim
de fazer dinheiro, é um trabalhador produtivo, pois produz capital.
453
450
IDEM. O bicho-da-seda na produção em massa (1967). In Op. cit. p.113.
451
Ibid. p.110.
452
IDEM. Crise do condicionamento artístico (1966). In Op. cit. p.92.
453
IDEM. O bicho-da-seda na produção em massa (1967). In Op. cit. p.111.
Considerando que o artista produz, tal qual o bicho-da-seda, para satisfazer às
necessidades imediatas e às [suas] solicitações pessoais ou mediatas, tal qualidade essencial de
“criações pessoais, escreve o crítico, refere-se à natureza primeira da obra de arte; mesmo
quando [esta] fosse, conforme o caso, acrescenta, reproduzida mecanicamente, pois que no
caso da mudança não seria de situação, nem qualitativa, mas meramente técnica” - mudança esta,
que não faz fenecer, conclui, a condição precípua de seu aparecimento (...): um criador que a
faz, movido por um dom natural como o do bicho da seda, que produz seda.
454
Quanto ao impasse “como distribuí-la, sem alterá-la na sua existência intrínseca,
constata-se que Mário Pedrosa não faz objeções à reprodução mecânica do objeto arstico, por
exemplo, conquanto este (uno ou múltiplo, supõe-se) permaneça inalterado na sua existência
intrínseca - existência de si mesmo, e jamais como substituição. (Por substituição, leia-se:
metamorfose de um objeto, fruto do trabalho do produtor, em uma propriedade privada de valor
de troca determinado por um equivalente, que o torna indiferente à sua natureza específica.)
455
Acontece que no sistema de mercado, pondera o crítico, este tende a submeter as
obras de arte, (...) ao mesmo padrão, ao mesmo mediador comum(valor de troca), alienando-as,
destarte, de toda e qualquer fruição pessoal. O que os artistas fazem, segue, em meio ao mais alto
capitalismo da produção em massa, só se justifica se for de digestão fácil para os
consumidores, se atender antes “ao consumo espontâneo do povo, que ao dom natural de seu
criador (seda sintética).
456
Como distribuí-las, portanto, sem alterá-las na sua existência
intrínseca, (...) numa sociedade com sedas sintéticas em abundância e entregue às mobilizações
em massa e aos divertimentos em massa?- eis o drama da arte contemporânea.
454
Ibid. p.113.
455
Ibid. p.112.
456
IDEM. Consumo de arte na sociedade soviética (1967). In Op. cit. p.118-19.
Entre a dúvida e o pessimismo, a constatação - “a sociedade de consumo de massa
não é propícia às artes. (...) Não há mais lugar nesta sociedade para a arte moderna com suas
exigências de qualidade e inambiidade. Por ter ficado elitista, ela saiu da ordem do dia (...).
Uma arte pós-moderna se inicia”.
457
Sob o sugestivo título Variações sem tema ou a arte da retaguarda, Mário
Pedrosa apresenta, por ocasião da I Bienal Latino-Americana (1978), uma proposição, que
espero, dizia, sirva para as futuras bienais de arte latino-americana.
458
Variões sem tema, ou
antes variões infinitas sobre um só, trata dos tros constitutivos da identidade latino-
americana, a cujos artistas, aos autênticos, dizia, restaria assumir uma posição de resistência,
produzir uma arte de retaguarda; haja vista que “a arte abandonara seu lugar de vanguarda na
corrida da civilização.
459
Reavaliando a crise da arte moderna, ou antes, o início daquela que a sucede, e
iniciada, digamos, pela pop art, Mário Pedrosa a esta atribui o caráter de primeira manifestação
de arte que surgiu por inteiro como alheia e externa aos preceitos do movimento modernista-
nas suas origens anticapitalistas e nas suas aspirões sociais libertárias - primeira e vitoriosa,
dizia, de modo a demarcar, não sem pessimismo, o fechamento do ciclo da arte moderna (o ciclo
da pretensa revolução fecha-se sobre si mesmo).
460
457
IDEM. Por dentro e por fora das Bienais (1970). In Op. cit. p.308.
458
IDEM. Variões sem tema ou a arte de retaguarda (1978). In PEDROSA, Mário. Política das artes. (org. Olia
Arantes). São Paulo: EDUSP, 1995. p.341.
459
ARANTES, Otília. Mário Pedrosa: itinerário crítico. São Paulo: Scritta Oficina Editoria, 1991. p.148.
460
PEDROSA, Mário. Variões sem tema ou a arte de retaguarda (1978). In PEDROSA, Mário. Política das artes.
(org. Otília Arantes). São Paulo: EDUSP, 1995. p.344.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerrada na quinta-feira, trinta de maio dizia Morais, na última referência à
mostra, encontrada no
Diário de Notícias
com um debate entre críticos, presidido por Mário
Barata
461
,
O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa
, a exposição, de fato, exigia um tal
debate, destinado ao exame da situão da arte, tanto quanto da crítica no Brasil, “exatamente,
por causa, tão bem observou José Roberto Teixeira Leite, das várias idéias novas que ali
estavam em discussão
462
- nova arte, nova crítica, antiarte, anticrítica.
Consistentes, quase todas, ainda que fugazes, outras tantas, tais idéias encerram o
desafio de apreender, em meio à efemeridade das condições histórico-culturais que as
propiciaram, as ressonâncias, atuais todavia, das poéticas, por elas, ensejadas. Assim, ao situar
tais poéticas, no limite entre o moderno e o pós-moderno, momento de crítica ao modernismo e
de surgimento da postura arstica contemporânea”
463
, A Iconografia de Massa nas Artes
Plásticas: Brasil Anos 60, igualmente as situa na confluência das transformões político-
ecomicas e arstico-culturais estimuladas pelo golpe militar de abril de 1964.
Neste contexto, o vigor comunicativo dos trabalhos aqui analisados trabalhos
profundamente influenciados pelos meios de comunicação de massa”, no dizer do crítico Mário
Schenberg explica-se, ainda Schenberg, tanto pela não-comunicação da arte que os antecede
não é por acaso, escreveu certa ocasião, que a arte, hoje, esteja sendo concebida
461
MORAIS, Frederico. Exposições da semana.
Diário de Nocias
, Rio de Janeiro, 04 jun. 1968. 2ª Seção, p.03.
462
LEITE, José Roberto Teixeira. Depoimento do crítico à autora. São Paulo, 14 mar. 2005.
463
RIBEIRO, Marília Andrés.
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. Tese (Doutorado em
Artes) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p.250.
essencialmente como um processo simbólico de comunicação
464
quanto pelo questionamento
do circuito arstico estabelecido, essencialmente aristocrático, e destinado àquela elite reduzida
a experts.
465
Questionamento que faz deste vigor comunicativo a “tradução plástica, digamos,
do impasse, a que se refere Marcos Napolitano, entre ser popular e popularizar-se, ao aludir ao
êxito de Opinião, o espetáculo-musical
466
, e que nas artes plásticas anuncia-se, precisamente, em
meio à inauguração de Opinião, a coletiva (MAM-RJ, 1965) quando da primeira apresentação
pública de Oiticica, e seus parangolés, vestidospor membros da escola de samba Estação
Primeira de Mangueira.
Convidados a se retirar, artista, passistas e percussionistas, do espo expositivo
do museu, por oferecerem risco às obras, tal episódio denota o caráter elitista das artes plásticas
à época afinal, não se podia entrar no MAM sem convite, terno e gravata”
467
ao qual
Oiticica contestava, precisamente, ao conceber seus parangolés, sob a “proposição de obras não
acabadas, abertas à participação popular, a par da necessidade de comunicar, mas comunicar em
larga escala, algo que para ele [o artista era] fundamental.
468
Imprescindível comunicar, e comunicar ao povo, mas comunicar a que pro,
indagava-se Vergara, por considera que vender mais barato é vender mais, [e] vender mais
barato é comunicar mais ou pelo menos possibilitar mais a comunicação, considerando,
464
SCHENBERG, Mário. Lygia Clark (1971). In Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.78.
465
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. Nova Objetividade Brasileira. Rio de Janeiro: Museu
de Arte Contemporânea, 1967. s/p.
466
NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2004.
p.52.
467
GARCIA, Maria Amélia Bulhões. Artes Plásticas: participação e distinção. Brasil anos 60/70. Tese (Doutorado
em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1990. p.139.
468
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. In Op. cit. s/p.
igualmente, que se a obra for dada, todas serão levadas e nenhuma será olhada com a atenção
devida. Devida não por respeito, mas ter a possibilidade de usufruir tudo possível numa obra”.
469
Assim, entre o impasse entre ser popular e popularizar-se, Vergara opta por
popularizar-se (no sentido, que lhe atribui Napolitano, de ampliar sua audiência e comunicar a
sua mensagem) reduzindo o pro de custo do objeto artístico, produzindo-o em série,
defendendo a pra e, mesmo, reformulandoo mercado de arte à medida que “em função de
uma possível comunicação, dizia, não se pode levar a simplificação da obra até a mera
constatação sem comentários, nem tampouco “abdicar da criação (...) sem esquecer quem
somos.
470
Ora, e tal não era o teor do idrio manifesto na Declaração de Princípios Básicos
de Vanguarda, que ao propugnar a dinamização dos fatores de apropriação da obra pelo
mercado consumidor, negava a importância do mercado de arte em seu conteúdo
condicionante”, como a toda e qualquer condição paralisante dessa liberdade” criadora, a que se
referia Vergara.
471
Ocorre que neste contexto, economicamente modernizador, mas politicamente
autoritário, como o brasileiro nos anos subseqüentes ao golpe, ao dinamizar os fatores de
apropriação da obra pelo mercado consumidor, de modo a ampliar sua audiência e comunicar
sua mensagem, a vanguarda adiava o questionamento do moderno, como projeto de construção
nacional, desviando-o ao autoritarismo do regime militar. Desvio que se materializa, conclui-se,
nas manifestões coletivas aqui analisadas, e sobretudo na mostra O Artista Brasileiro e a
469
VERGARA, Carlos. Entradas e Bandeiras. APUD MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª Seção, p.03.
470
Ibidem.
471
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda, jan. 1967. APUD PECCININI, Daisy (coord.). O objeto na arte:
Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978, p.73.
Iconografia de Massa, onde a idéia do moderno (e mesmo, a de vanguarda), enquanto um novo
porvir técnico e cultural, interpenetra-se com a defesa de uma arte nova, acessível a todos, como
a queria Vergara, mas cuja acessibilidade identifica-se ao consumo – afinal, vender mais barato
é vender mais, [e] vender mais é comunicar mais ou ao menos possibilitar mais a sua
comunicação. E quando não, comunicar envolve a opção por adotar todos os métodos de
comunicação com o público, do jornal ao debate, da rua ao parque, do salão à fábrica, do panfleto
ao cinema, do transistor à televisão, como o faz Oiticica, ora enquanto propositor de
Tropilia(fig.07), ora enquanto jurado do programa televisivo de Chacrinha.
472
Mas tal desvio tampouco significa, diga-se, a aceitação acrítica da cultura, e logo,
da “iconografia de massa, de cujo questionamento irrompem os trabalhos apresentados por
Maria do Carmo Secco, Nelson Leirner, Maria Helena Chartuni, Rubens Gerchman. Significa
antes, que os efeitos da reafirmação daquela aliança entre modernização e democratização,
quando de libertadora e nacional, a modernização passava a forma de submissão ao capital
473
,
respondem ao pessimismo, enunciado por Olia Arantes, quando afirma que, ao registrar, nos
seus escritos, o condicionamento sempre mais forte do artista na contemporaneidade (...)
cedendo às leis implacáveis da produção em massa (...). A partir desse momento, a crítica de
Mário Pedrosa oscilará entre a dúvida e o pessimismo.
474
Momento anterior, conclui-se, ao artigo Opinião... Opinião... Opinião, onde, ao
analisar Opinião 65, por ocasião de Opinião 66, Mário Pedrosa observa, e não sem otimismo (Ó,
otimismo!), o calor comunicativo social da mostra, na qual havia, dizia, uma resultante viva
de graves acontecimentos que nos tocaram a todos, artistas e não artistas da coletividade
472
Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda, jan. 1967. APUD PECCININI, Daisy (coord.). Op. cit. p.73.
473
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969 (1969). In O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1978. p.74.
474
ARANTES, Otília. Mário Pedrosa: itinerário crítico. São Paulo: Scritta Oficina Editorial, 1991. p.02.
consumidora cultural brasileira” e viva, porque era contemporânea, e como era atual! Eis
porque era Opinião 65.
475
E eis o vigor comunicativo de O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, a
exposição, cujos trabalhos, ali apresentados, senão tocaram a todos, artistas e não artistas da
coletividade consumidora cultural brasileira”, por certo, materializaram as experiências coletivas
de toda uma geração – Roberto Carlos, iê-iê-iê, tropicalismo, Caetano Veloso, Guevara,
movimento estudantil, Pelé, Vasco, futebol, Bandido da Luz Vermelha, Cara de Cavalo,
militares, Chacrinha, transplante de coração, Tônia Carrero, etc.
475
PEDROSA, Mário. Opinião... Opinião... Opinião(1966). In Mundo, homem, arte em crise (org. Aracy Amaral).
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Janeiro, 16 set. 1967. 2ª Seção, Artes Plásticas, p.03.
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______. Gerchman na Bienal paulista. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 22 set. 1967. 2ª Seção,
Artes Plásticas, p.03.
______. Leilão, Samy e Djanira. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 23 set. 1967. 2ª Seção, Artes
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______. Antônio Manuel: Meus desenhos são expressão de uma revolta”. Diário de Notícias,
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______. Célia Shalders: Não são populares. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 26 mar. 1968.
2ª Seção, Artes Plásticas, p.03.
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______. A arte não é instrumento de comunicação de massas. Diário de Nocias, Rio de
Janeiro, 28 mar. 1968. 2ª Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Samy: Devo consumir também os enlatados do século XX. Diário de Nocias, Rio de
Janeiro, 29 mar. 1968. 2ª Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Szpigel inventa a partir do urbano. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 30 mar. 1968. 2ª
Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Pinto para que me amem. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 31 mar. 1968. 2ª Seção,
Artes Plásticas, p.03.
______. Glauco Rodrigues e seus temas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 03 abr. 1968. 2ª
Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Gerchman contra a pop colonizadora. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 04 abr. 1968.
2ª Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. A arte como reflexo da realidade. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 abr. 1968. 2ª
Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Os santos ídolos de Moriconi. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 06 abr. 1968. 2ª Seção,
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______. Crise estudantil adia a exposição. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 09 abr. 1968. 2ª
Seção, Artes Plásticas, p.03.
______. Heróis e anti-heróis de Oiticica. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 2ª
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______. Jô Soares pintor. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 11 abr. 1968. 2ª Seção, Artes
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______. Hoje na ESDI: iconografia de massa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 18 abr. 1968. 2ª
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______. Artistas pintam Carolina. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 abr. 1968. 2ª São,
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______. Exposições, leilão e prêmio. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 24 abr. 1968. 2ª Seção,
Artes Plásticas, p.03.
______. Não há obra de arte sem alegria. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 27 abr. 1968. 2ª
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______. Ídolos e equívocos. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 05 maio 1968. 2ª Seção, Artes
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______. Carta, Di Cavalcanti. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 07 maio 1968. 2ª São, Artes
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______. Crise da arte, crise dos salões - 3. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 14 maio 1968. 2ª
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______. I Encontro de cultura na GB. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 16 maio 1968. 2ª São,
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______. Exposições, Bienal, debate. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 23 maio 1968. 2ª Seção,
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______. Ione Saldanha, surpreendente. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 1º jun. 1968. 2ª Seção,
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4. CATÁLOGOS.
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1967.
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1983. Texto Frederico Morais, Walmir Ayala, Jayme Maurício. Catálogo de exposição do artista
Roberto Moriconi.
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (São Paulo, SP). I Jovem Arte
Contemporânea: catálogo. São Paulo, 1967.
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agora, geração 60 - Jovem Arte Contemporânea Revisitada: catálogo. São Paulo, 1995.
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Surrealismo e Contemporaneidade, Grupo Austral e Cone Sul: catálogo. São Paulo, 1997.
Museu de Arte Moderna de São Paulo (São Paulo, SP). Aproximações do espírito pop (1963-68):
catálogo. São Paulo, 2003. Texto Cacilda Teixeira da Costa.
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ). Nova Objetividade Brasileira:
catálogo. Rio de Janeiro, 1967. Texto Hélio Oiticica. Apresentação Mário Barata.
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ). Hélio Oiticica: obra e estratégia
(1937-1970): catálogo. Rio de Janeiro, 2002. Catálogo de exposição do artista Hélio Oiticica.
Soraia Cals Escritório de Arte (Rio de Janeiro, RJ). Sobre a crítica de arte: catálogo de leilão.
Rio de Janeiro, 2004. Texto Frederico Morais.
Skultura Galeria de Arte (São Paulo, SP). Roberto Moriconi: catálogo. São Paulo, 1975. Texto
Lygia Pape, Pierre Restany, Jayme Maurício, Roberto Moriconi. Catálogo de exposição do artista
Roberto Moriconi.
5. DEPOIMENTOS.
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 02 dez. 2002.
Depoimento de Cláudio Tozzi à autora. São Paulo, 14 dez. 2004.
Depoimento de Célia Shalders à autora. Rio de Janeiro, 24 abr. 2006.
Depoimento de José Roberto Teixeira Leite à autora. São Paulo, 14 mar. 2005.
6. REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS.
www.art-bonobo.com/claudiotozzi
(site oficial do artista).
www.celiashalders.com.br (site oficial da artista).
www.mac.usp.br/projetos/seculoxx
www.itaucultural.org.br/projetoho
7. OUTRAS REFERÊNCIAS.
HOLANDA, Chico Buarque de. Roda viva: comédia musical em 02 atos (1967). Prefácio
Vinícius de Morais. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
O BANDIDO da Luz Vermelha. Direção: Rogério Sganzerla. Brasil, 1968.
TERRA em transe. Direção: Glauber Rocha. Brasil, 1967.
LISTA DE FIGURAS
Fig.01. Capa do catálogo da exposição Nova Objetividade Brasileira. Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, abril de 1967.
Fig.02. Aleatório, 1963, de Waldemar Cordeiro.
(espelhos, primas de vidro, barras de ferro e
estrutura de alumínio; 40 x 57 x 8 cm). Coleção Família Cordeiro. Apud: Museu de Arte
Moderna de São Paulo (São Paulo, SP). Aproximações do espírito pop (1963-68): catálogo. São
Paulo, 2003. p.40.
Fig.03. Texto Aberto, 1966, de Waldemar Cordeiro.
(letras fotografadas e objeto móvel; 31 x
197 cm). Coleção Família Cordeiro. Apud: Museu de Arte Moderna de São Paulo (São Paulo,
SP). Aproximões do espírito pop (1963-68): catálogo. São Paulo, 2003. p.106.
Fig.04. Ponto de vista”, 1965, de Waldemar Cordeiro.
(tampa de garrafa de cristal s/ cristal; 25 x
25 cm). Coleção Família Cordeiro. Apud: BELLUZZO, Ana Maria. Waldemar Cordeiro: uma
aventura da razão. São Paulo: MAC-USP, 1986. p.102.
Fig.05. Pshiuuu!, 1967, de Maurício Nogueira Lima. (tinta e massa s/ aglomerado; 100 x 100
cm). Coleção Particular. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformões da arte no
Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.132.
Fig.06. Bichos, 1961, de Lygia Clark. (planos articulados de alumínio que possibilitam
diversos arranjos; 31 x 21 cm). Coleção Família Clark. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60:
transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.56.
Fig.07. Tropicália”, 1967, de Hélio Oiticica. (técnica mista). Coleção Projeto Hélio Oiticica.
Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro:
Campos Gerais, 1998. p.65.
Fig.08. Altar (Agora dobre os joelhos), 1966, de Rubens Gerchman. (espelho, madeira pintada
e almofadas; 120 x 180 x 90 cm). Coleção do Artista. Apud: PECCININI, Daisy (coord.). O
objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978. p.148.
Fig.09. Altar (Adoração 66), 1966, de Nelson Leirner. (painel com oleografias, pintura e néon
em ambiente cortinado circular precedido por catraca; 201 x 160 x 260 cm). Coleção Museu de
Arte de São Paulo. Apud: PECCININI, Daisy. Figurações Brasil anos 60: neofigurações
fantásticas e neosurrealismo, novo realismo e nova objetividade. São Paulo: Itaú Cultural:
EDUSP, 1999. p.92
Fig.10. O Eu e o tu/ Roupa-corpo-roupa, 1967, de Lygia Clark. (experiência com objetos
relacionais: roupas de plástico ligadas por um “cordão umbilical). Coleção Família Clark. Apud:
DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos
Gerais, 1998. p.192.
Fig.11. Os Restos do Herói, 1966, de Antônio Dias. (acrílica, óleo e vinil s/ madeira e tecido
estofado; 185 x 178 x 35 cm). Colão do Artista. Apud: Museu de Arte Moderna de São Paulo
(São Paulo, SP). Aproximões do espírito pop (1963-68): catálogo. São Paulo, 2003. p.98.
Fig.12. Deitado em berço esplêndido, 1966, de Samuel Szpigel. (acrílico s/ aglomerado; 80 x
110 cm). Apud: AMARAL, Aracy. Arte para quê:
a preocupação social na arte brasileira (1930-
1970). 3. ed. São Paulo: Nobel, 2003. p.343.
Fig.13. Bum, 1966, de Marcelo Nitsche. (óleo, látex e chapa galvanizada s/ duratex e madeira;
109 x 81,5 x 61 cm). Colão Pinacoteca do Estado de São Paulo. Apud: DUARTE, Paulo
Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.224.
Fig.14. Inscrição Viva Guevara, ao lado de Girl, de Roy Lichtenstein, na IX Bienal de São
Paulo (1967). Foto Arquivo O Estado de São Paulo.
Apud: AMARANTE, Leonor. As Bienais de
São Paulo: 1951-1987. São Paulo: Projeto, 1989. p.167.
Fig.15. Meditações sobre a bandeira nacional, 1966-67, de Quissak Júnior. (cinco módulos
pintados de óleo s/ madeira e eucatex; 205 x 249 x 34 cm). Apud: AMARANTE, Leonor. As
Bienais de São Paulo: 1951-1987. São Paulo: Projeto, 1989. p.158.
Fig.16. Three Flags, 1958, de Jasper Johns. (enustica s/ tela; 77 x 115 cm). Coleção Whitney
Museum of American Art de Nova Iorque. Apud: OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. London:
Taschen, 2003. p.159.
Fig.17. Capa e contracapa do catálogo da exposição I Jovem Arte Contemporânea do Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, setembro de 1967.
Fig.18. Bibelô, 1967, de José Resende. (madeira e acrílico; 90 x 100 x 100 cm). Coleção
particular. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformões da arte no Brasil. Rio de
Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.244.
Fig.19. Bibelô: a secção da montanha”, 1967, de José Resende. (madeira revestida de laminado,
acrílico e terra; 116,3 x 30 x 72,4 cm). Acervo Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo (prêmio aquisição I JAC). Apud:
www.mac.usp.br/projetos/seculoxx
.
Fig.20. De tudo aquilo que pode ser, 1967, de Cybele Varela. (óleo s/ aglomerado de madeira;
80 x 100 cm). Acervo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (prêmio
aquisição I JAC). Apud: www.mac.usp.br/projetos/seculoxx.
Fig.21. Acertei a frigideira no bandido... O que foi mamãe?(Série Bandido da Luz Vermelha),
1967, de Cláudio Tozzi. (acrílico s/ aglomerado de madeira; 95 x 95 cm). Apud: MAGALES,
Fábio. Obra em construção: 25 anos de trabalho de Cláudio Tozzi. Rio de Janeiro: Revan, 1989.
Fig.22. Acácio (o Bandido da Luz Vermelha) ao ser detido pelo polícia (1967). Foto Agência
Estado. Apud: Revista VEJA, 03 set. 1997. p.31.
Fig.23. Desta vez eu consigo fugir.... (Série Bandido da Luz Vermelha), 1967, de Cláudio
Tozzi. (acrílico s/ aglomerado de madeira; 95 x 95 cm). Apud:
www.art-bonobo.com/claudiotozzi
.
Fig.24. Desta vez ele entrou na vizinha... Ainda bem(Série Bandido da Luz Vermelha), 1967,
de Cláudio Tozzi. (acrílico s/ aglomerado de madeira; 95 x 95 cm). Coleção do Artista. Apud:
AGUILAR, Nelson (org.). Bienal Brasil Século XX. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo,
1994. p.357.
Fig.25. Pavilhão de Eventos da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (ESDI-
RJ). Foto Arquivo ESDI-RJ.
Fig.26. Bólide-caixa n.18 (Homenagem a Cara de Cavalo), 1966, de Hélio Oiticica.
(montagem: madeira, fotografia, tela e pigmento; 30 x 30 x 30 cm). Coleção Gilberto
Chateaubriand (MAM-RJ). Apud: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro,
RJ). Hélio Oiticica: obra e estratégia (1937-70): catálogo. Rio de Janeiro, 2002. s/p.
Fig.27. Bólide-caixa n.21 (Homenagem ao anti-herói anônimo), 1966/67, de Hélio Oiticica.
(montagem: madeira, fotografia, tela e pigmento). Coleção Paula e Alexandre Marinho de
Azevedo. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de
Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.230.
Fig.28. Seja marginal, seja herói, 1967/68, de Hélio Oiticica. (serigrafia s/ tecido; 95 x 110
cm). Coleção Projeto Hélio Oiticica. Apud: Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ).
Trinta anos de 68: catálogo. Rio de Janeiro, 1998. s/p.
Fig.29. Guevara vivo ou morto, 1967, de Cláudio Tozzi. (acrílica s/ aglomerado). Apud:
www.art-bonobo.com/claudiotozzi.
Fig.30. Guevara”, 1967/68, de Cláudio Tozzi. (serigrafia s/ tecido). Coleção Artista. Apud:
Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ). Trinta anos de 68: catálogo. Rio de Janeiro,
1998. s/p.
Fig.31. Eu bebo chop, ela pensa em casamento, 1968, de Cláudio Tozzi. (acrílica s/ madeira e
espuma de nylon; 180 x 110 x 140 cm). Colão Particular. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos
60: transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.153.
Fig.32. Roberto Carlos n.2, 1967, de Maria do Carmo Secco. (esmalte s/ tela; 127 x 89,5 cm).
Coleção Artista. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio
de Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.151.
Fig.33. Retratos de um Álbum de Casamento, 1966, de Maria do Carmo Secco. (vinil e
colagem s/ eucatex; 31 x 240 cm). Acervo Museu da Prefeitura de Belo Horizonte (prêmio de
pesquisa XXII Salão Municipal de Belas Artes). Apud: RIBEIRO, Marília Andrés. As
neovanguardas arsticas de Belo Horizonte nos anos 60. 1995. Tese (Doutorado em Artes) -
Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. s/p.
Fig.34. Detalhe Díptico de Pelé e Ronnie Von, 1966/67, de Maria Helena Chartuni. Apud:
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ). Nova Objetividade Brasileira:
catálogo. Rio de Janeiro, 1967. s/p.
Fig.35. Tríptico de Chacrinha”, 1966/1967, de Maria Helena Chartuni. Foto Diário de Nocias.
Apud: MORAIS, Frederico. O artista e os ídolos de massa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20
mar. 1968. 2ª Seção, p.03. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
Fig.36. Timão, 1967, de Nelson Leirner. (serigrafia s/ tecido; 142 x 154 cm). Colão do
Artista. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformões da arte no Brasil. Rio de
Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.128.
Fig.37. Para governador geral vote em Tomé de Souza, 1965, de Samuel Szpigel. (serigrafia s/
tecido). Apud: AMARAL, Aracy. Arte para quê:
a preocupação social na arte brasileira (1930-
1970). 3. ed. São Paulo: Nobel, 2003. p.343.
Fig.38. Violência à solta no Rio, 1966/67, de Antônio Manuel. (serigrafia de flã; 57 x 37,5 cm).
Foto Diário de Nocias. Apud: MORAIS, Frederico. Vergara defende a praça. Diário de
Nocias, Rio de Janeiro, 24 mar. 1968. 2ª São, p.03. Acervo da fundação Biblioteca Nacional -
Brasil.
Fig.39. A imagem da violência, 1968, de Antônio Manuel. (serigrafia de flã; 57 x 37,5 cm).
Coleção do Artista. Apud: Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ). Trinta anos de
68: catálogo. Rio de Janeiro, 1998. s/p.
Fig.40. Movimento estudantil, 1968, de Antônio Manuel. (serigrafia de flã; 122 x 80 cm).
Acervo Universidade Federal do Paraná (prêmio aquisição Salão Paranaense de 1968). Apud:
FREITAS, Artur. Arte e movimento estudantil: análise de uma obra de Antônio Manuel. Revista
Brasileira de História, São Paulo, n.49, 2005, p.82.
Fig.41. Carnet fartura”, 1965, de Rubens Gerchman. (óleo s/ tela; 200 x 100 cm). Coleção Jean
Boghici. Apud: Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ). Trinta anos de Opinião 65:
catálogo. Rio de Janeiro, 1995. s/p.
Fig.42. Caixa e Cultura (O Rei do Mau Gosto), 1966, de Rubens Gerchman. (tecido, vidros,
asas de borboleta e tinta acrílica s/ recortes de madeira; 200 x 200 cm). Coleção Luiz Buarque de
Holanda. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de
Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.103.
Fig.43. Sangue de Umbigo, 1967, de Roberto Moriconi. (garrafa). Apud: AYALA, Walmir. A
criação plástica em questão. Petrópolis: Vozes, 1970. s/p.
Fig.44. Cântico dos nticos (Shell), 1967, de Glauco Rodrigues. (tinta automotiva s/ acrílico;
119 x 130 x 13 cm). Coleção particular. Apud: PECCININI, Daisy. Figurões Brasil anos 60:
neofigurações fantásticas e neosurrealismo, novo realismo e nova objetividade. São Paulo: Itaú
Cultural: EDUSP, 1999. p.166.
Fig.45. Garota de Ipanema, 1967, de Glauco Rodrigues. (serigrafia; 60 x 50 cm). Coleção do
artista. Apud: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de
Janeiro: Campos Gerais, 1998. p.148.
Fig.46. Operação Washkansky 1, 1967/68, de Célia Shalders. (gravura s/ madeira; 80 x 60 cm).
Coleção da artista. Foto Arquivo Célia Shalders.
Fig.47. Operação Washkansky 2, 1967/68, de Célia Shalders. (gravura s/ madeira; 80 x 60 cm).
Coleção da artista. Foto Arquivo Célia Shalders.
Fig.48. O triângulo amoroso na paisagem do cotidiano, 1967, de Teresinha Soares. (madeira
recortada e pintada; 78 x 77 x 10 cm). Foto Arquivo Teresinha Soares. Apud: RIBEIRO, Marília
Andrés. As neovanguardas artísticas de Belo Horizonte nos anos 60. 1995. Tese (Doutorado em
Artes) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. s/p.
Fig.49. Sem título, 1967/68, de José Ronaldo Lima. (desenho) Foto Diário de Nocias. Apud:
MORAIS, Frederico. Szpigel inventa a partir do urbano. Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 30
mar. 1968. 2ª Seção, p.03. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
Fig.50. Zeróis, 1966/68, Ziraldo. Apud: CIRNE, Moacy. A linguagem dos quadrinhos: o
universo estrutural de Ziraldo e Maurício de Souza. Petrópolis: Vozes, 1971. s/p.
Fig.51. A noite dos gângsters, 1967, de João Parisi Filho. (pintura) Apud: PONTUAL, Roberto.
Dicionário Brasileiro de Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1969. p.406.
Fig.52. João Parisi Filho, artista paulista, ao lado de um dos heróis-cafajestes de sua pintura.
Foto Diário de Nocias. Apud: MORAIS, Frederico. Parisi Filho e a fábrica de mitos de massa.
Diário de Nocias, Rio de Janeiro, 22 mar. 1968. 2ª São, p.03. Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional - Brasil.
Fig.53. Pintura, 1966/67, de Paulo Guilherme Samy. (pintura) Apud: MORICONI, Roberto.
Brasil vivo.
Rio de Janeiro: Renes, 1971. p.155.
Fig. 01. Capa do catálogo da exposição Nova Objetividade Brasileira.
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, abril de 1967.
Fig. 02. Aleatório, 1963, de Waldemar Cordeiro.
(espelhos, primas de vidro, barras de ferro e estrutura de alumínio; 40 x 57 x 8 cm).
Fig. 03. Texto Aberto, 1966, de Waldemar Cordeiro.
(letras fotografadas e objeto móvel; 31 x 197 cm).
Fig. 04. Ponto de vista”, 1965, de Waldemar Cordeiro. (tampa de garrafa de cristal s/ cristal; 25 x 25 cm).
Fig. 05. Pshiuuu!, 1967, de Maurício Nogueira Lima. (tinta e massa s/ aglomerado; 100 x 100 cm).
Fig. 06. Bichos, 1961, de Lygia Clark.
(planos articulados de alumínio que possibilitam diversos arranjos; 31 x 21 cm).
Fig. 07. Tropicália”, 1967, de Hélio Oiticica. (técnica mista).
Fig. 08. Altar (Agora dobre os joelhos), 1966, de Rubens Gerchman.
(espelho, madeira pintada e almofadas; 120 x 180 x 90 cm).
Fig. 09. Altar (Adoração 66), 1966, de Nelson Leirner.
(painel com oleografias, pintura e néon em ambiente cortinado circular precedido por catraca; 201 x 160 x 260 cm).
Fig. 10. O Eu e o tu/ Roupa-corpo-roupa”, 1967, de Lygia Clark.
(experiência com objetos relacionais: roupas de plástico ligadas por um “cordão umbilical)
.
Fig. 11. Os Restos do Herói, 1966, de Antônio Dias.
(acrílica, óleo e vinil s/ madeira e tecido estofado; 185 x 178 x 35 cm).
Fig. 12. Deitado em berço esplêndido, 1966, de Samuel Szpigel. (acrílico s/ aglomerado; 80 x 110 cm).
Fig. 13. Bum, 1966, de Marcelo Nitsche.
(óleo, látex e chapa galvanizada s/ duratex e madeira; 109 x 81,5 x 61 cm).
Fig. 14. Inscrição Viva Guevara”, ao lado de “Girl, de Roy Lichtenstein, na IX Bienal de São Paulo (1967). Foto
Arquivo O Estado de São Paulo.
Fig. 15. Meditões sobre a bandeira nacional, 1966-67, de Quissak Júnior.
(cinco módulos pintados de óleo s/ madeira e eucatex; 205 x 249 x 34 cm).
Fig. 16. Three Flags, 1958, de Jasper Johns. (encáustica s/ tela; 77 x 115 cm).
Fig. 17. Capa e contracapa do catálogo da exposição I Jovem Arte
Contemporânea do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo,
setembro de 1967.
Fig. 19. Bibelô: a secção da montanha, 1967, de José Resende.
(madeira revestida de laminado, acrílico e terra; 116,3 x 30 x 72,4 cm)
.
Fig. 18. Bibelô, 1967, de José Resende.
(madeira e acrílico; 90 x 100 x 100 cm)
Fig. 20. De tudo aquilo que pode ser, 1967, de Cybele Varela.
(óleo s/ aglomerado de madeira; 80 x 100 cm).
Fig.21. Acertei a frigideira no bandido... O que foi mamãe?” (Série Bandido da Luz Vermelha), 1967, de Cláudio
Tozzi. (acrílico s/ aglomerado de madeira; 95 x 95 cm).
Fig. 23. Desta vez eu consigo fugir....
(Série Bandido da Luz Vermelha), 1967, de
Cláudio Tozzi. (acrílico s/ aglomerado de
madeira; 95 x 95 cm).
Fig. 22. Acio (o Bandido da Luz Vermelha) ao ser detido pelo
pocia (1967). Foto Agência Estado.
Fig. 24. Desta vez ele entrou na vizinha...
Ainda bem., (Série Bandido da Luz
Vermelha), 1967, de Cláudio Tozzi.
(acrílico s/ aglomerado de madeira; 95 x 95
cm).
.
Fig. 25. Pavilhão de Eventos da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro.
Foto Arquivo ESDI-RJ
Fig. 26. Bólide-caixa n.18 (Homenagem a Cara de Cavalo),
1966/67, de Hélio Oiticica..
(montagem: madeira, fotografia, tela e pigmento; 30 x 30 x 30 cm).
Fig. 27. Bólide-caixa n.21 (Homenagem ao anti-herói anônimo),
1966/67, de Hélio Oiticica.
(montagem: madeira, fotografia, tela e pigmento; 30 x 30 x 30 cm).
Fig. 28. Seja marginal, seja herói, 1967/68, de Hélio Oiticica.
(serigrafia s/ tecido).
Fig. 29. Guevara vivo ou morto, 1967, de Cláudio Tozzi. (acrílica s/ aglomerado).
Fig. 30. Guevara”, 1967/68, de Cláudio Tozzi.
(serigrafia s/ tecido).
Fig. 31. Eu bebo chop, ela pensa em casamento,
1968, de Cláudio Tozzi. (acrílica s/ madeira e
espuma de nylon; 180 x 110 x 140 cm).
Fig. 32. Roberto Carlos n.2, 1967.
Maria do Carmo Secco.
(esmalte s/ tela; 127 x 89,5 cm).
Fig. 33. Retratos de um Álbum de Casamento, 1966.
Maria do Carmo Secco.
(vinil e colagem s/ eucatex; 31 x 240 cm).
Fig. 34. Detalhe Díptico de Pelé e Ronnie Von, 1966/67.
Maria Helena Chartuni.
Fig. 35. Tríptico de Chacrinha”, 1966/1967, de Maria Helena Chartuni.
Foto Diário de Notícias. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
Fig. 36. Timão, 1967, de Nelson Leirner. (serigrafia s/ tecido).
Fig. 37. Para governador geral vote em Tomé de Souza, 1965.
Samuel Szpigel. (serigrafia s/ tecido).
Fig. 38. Violência à solta no Rio, 1966/67, de Antônio Manuel. (serigrafia de flã; 57 x 37,5 cm).
Foto Diário de Notícias. Acervo da fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
Fig. 39. A imagem da violência”, 1968, de Antônio
Manuel. (serigrafia de flã; 57 x 37,5 cm).
Fig. 40. Movimento estudantil, 1968, de Antônio
Manuel. (serigrafia de flã; 122 x 80 cm).
Fig. 41. Carnet fartura”, 1965, de Rubens Gerchman..
(óleo s/ tela; 200 x 100 cm)..
Fig. 42. Caixa e Cultura (O Rei do Mau
Gosto), 1966, de Rubens Gerchman.
(tecido, vidros, asas de borboleta e tinta acrílica
s/ recortes de madeira; 200 x 200 cm).
Fig. 43. Sangue de Umbigo, 1967, de Roberto Moriconi. (garrafa).
Fig. 44. Cântico dos nticos (Shell), 1967, de Glauco Rodrigues.
(tinta automotiva s/ acrílico; 119 x 130 x 13 cm).
Fig. 45. Garota de Ipanema”, 1967, de Glauco Rodrigues.
(serigrafia; 60 x 50 cm).
Fig. 46. Operação Washkansky 1, 1967/68, de Célia Shalders. (gravura s/ madeira; 80 x 60 cm).
Fig. 47. Operação Washkansky 2, 1967/68, de Célia Shalders. (gravura s/ madeira; 80 x 60 cm).
Fig. 48. O triângulo amoroso na paisagem do cotidiano,
1967,.
Teresinha Soares.
.(madeira recortada e pintada; 78 x 77 x 10 cm).
Fig. 50. Zeróis, 1966/68, Ziraldo.
Fig. 49. Sem título, 1967/68.
José Ronaldo Lima.
Foto Diário de Notícias.
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional -
Brasil.
Fig. 52. João Parisi Filho, artista paulista, ao lado de um dos heróis-cafajestes de sua pintura.
Foto Diário de Notícias. Acervo da Fundão Biblioteca Nacional - Brasil.
Fig. 51. A noite dos gângsters, 1967,.
João Parisi Filho.
Fig. 53. Pintura, 1966/67, de Paulo Guilherme Samy.
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