62
Em suma, para Hyers (op.cit.,p. 55), o tolo, o palhaço é sempre um
emancipador, o que nos leva a afirmar que o próprio humor – a face não séria do Buda , que
o palhaço representa – também o é. (Voltamos a Freud novamente?)
Interessante como a descrição que Hyers faz do palhaço e das suas atitudes
libertárias leva-nos, intuitivamente, à aparente falta de padrão e de circunspecção (dizemos
aparente porque a transgressão é autorizada) que o jornalismo praticado por José Simão
desvela, em decorrência das inversões jornalísticas realizadas, tanto no tocante à seleção
das notícias como na forma de apresentá-las: o sério (a notícia) aparece travestido de não-
sério, como se uma brincadeira fora. Analisemos a citação de Hyers (1974:55):
Sob a perspectiva do palhaço, que recusa limitações e cerceamentos com total seriedade, o fosso
que protege o castelo do rei e o reino é o mesmo que aprisiona o rei. Desta forma, os padrões
organizados da racionalidade, da ordem e da virtude que usamos para organizar a nossa
experiência são confundidos e deturpados pelo palhaço cujas roupas de retalhos coloridos,
incoerentes trajes, acessórios curiosos e comportamento bizarro coloca tudo em suspensão ( de
ponta cabeça?). A forma se transforma em caos, o senso em nonsense, a inibição em
espontaneidade, a rigidez em casualidade. O palhaço não deseja se enquadrar, na verdade, ele
recusa qualquer cerceamento, qualquer padrão ou estrutura do mundo convencional. Ele
representa uma nova ordem de ser. O palhaço faz tudo errado: suas roupas, seus pertences, seu
decoro, sua lógica, sua fala, seu movimento. Apesar disto, em seus erros, existem acertos de
outra ordem. Em sua tolice, há um outro nível de sabedoria.
33
Um outro dado curioso deve ser mencionado. A face séria/sagrada do Buda,
aquela que podemos identificar com as representações de Bodhidharma, é enfatizada pela
presença de imagens simbólicas representadas, sobretudo, por animais. O que representam
33
From the perspective of the clown, who refuses to take any limitations and demarcations with absolutely
seriousness, the moat that protectes the king’s castle and his kingship is also the moat that imprisons the king.
Hence, the neat pattern of racionality and order and value which we use to organize experience are confused
and garbled by the clown whose motley patches, incongruous garb, curious accessories, and bizarre
behaviour place everything in suspension. Form is turned into chaos. Sense into nonsense, inhibition into
spontaneity, rigidity into randomness. The clown does not fit into, indeed refuses to fit into, the patterns and
sctrutures of the conventional world. He represents another order of being. The clowns gets everything
wrong: his dress, his appurtenances, his decorum. His logic, his speech, his movement; yet in this wrongness
is a rightness of another sort. In this foolishness is another level of wisdom.