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No caso de Marx, conforme acima referido, diferentemente de Vico e Hegel e, em
certo aspecto, do próprio Hobbes
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, ele procura mostrar a importância da ação enquanto no-
ção do “fazer história” no processo de construção e realização da política, buscando combinar
“sua noção de História com as filosofias políticas teleológicas das primeiras etapas da época
moderna”
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, visando a tornar os modelos presentes nos processos em fins intencionais de
ação política. Daí que, segundo Arendt,
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Na nossa avaliação é importante destacar que há um elemento comum entre Marx e Hobbes que diz respeito
ao processo de formulação de uma filosofia política com base no processo da fabricação, onde configura a mol-
dagem da construção de uma sociedade determinada pelos meios e fins pré-estabecidos. Todavia há que ficar
claro que o ponto de partida e o fim entre um e outro é muito diferente, com exceção do processo. Marx parte da
situação de miserabilidade e alienação do operário diante do poder do capitalista que determina as regras aplica-
das ao trabalho do operário. Entende que o passo fundamental para solucionar este problema é acabar com a
propriedade privada e implantar o comunismo, entendido como “supressão positiva da propriedade privada (en-
quanto auto-alienação humana) e por isso como apropriação real da essência humana pelo e para o homem; por
isso como regresso completo, consciente e advindo dentro de toda a riqueza do desenvolvimento até agora, do
homem a si próprio como um homem social, i. é, humano. Este comunismo é, como naturalismo consumado =
humanismo, como humanismo consumado = naturalismo, ele é a verdadeira resolução do conflito do homem
com a natureza e com o homem, a verdadeira resolução da luta entre existência e essência, entre objectivação e
autoconfirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. Ele é o enigma resolvido da história e
sabe-se como essa solução.” MARX, op. cit., p. 92. Marx, diferentemente de Hobbes, não estabelece uma forma
de governabilidade que limite e torne os homens sujeitos às determinações do poder absoluto do Estado. Aliás,
na sociedade futura de Marx não haveria Estado, nem trabalho e muito menos classes. No entanto, para Arendt,
os hobbies ocupariam todo o tempo dos homens socializados e a liberdade estaria vinculada ao suprimento da
necessidade e não ao exercício da cidadania, conforme já demonstramos no primeiro capítulo deste estudo.
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EPF, p. 112. Este ponto precisa ser esclarecido, pois há elementos anteriores ao pensamento de Marx que
merecem destaque. Diante disso, duas considerações. A primeira visa demonstrar que a introdução da “boa natu-
reza oprimida, corrompida”, diante das formas de expressão e organização da sociedade que servia para desnatu-
ralizar os indivíduos, largamente discutidos por Rousseau, moldou uma nova forma de expressão da política. Na
reflexão de Virgínia Fontes: “Essa contradição inaugura possibilidades inéditas para a ação política, pois a noção
de ‘natureza oprimida’ por uma ordem social injusta conferia dignidade ao descontentamento social, enquanto
sua possibilidade permanente de aperfeiçoamento abria campo ilimitado para a ação política. Depois de Rousse-
au não haveria mais filosofia política como tal. A idéia da natureza do homem esgotara-se. Dois outros critérios
assumiram seu lugar: história e liberdade. Ulteriormente, todas as teorias políticas seriam ‘filosofias da histó-
ria’.” Continuando na esteira da reflexão estabelecida pela Virginia Fontes, duas experiências concretas essenci-
ais é que vão demonstrar a “questão social”, e nela, a história, como o grande problema a ser enfrentado pela
política. Uma é a independência dos Estados Unidos e outra da Revolução Francesa. Nesta última, diz: “eviden-
ciava, tanto entre intelectuais quanto entre os segmentos populares, a existência de características próprias à
sociedade, que não se confundiam com os destinos e as opções individuais. Essa percepção, cuja cristalização
mostrou-se longa e difícil, transparecerá também na Economia Política (sob a forma da ‘tradição’) e em algumas
variantes da filosofia.” FONTES, Virgínia. O Manifesto Comunista e o Pensamento Histórico. In: COUTINHO,
Carlos Nelson et. al. O Manifesto Comunista 150 anos depois: Karl Marx, Friedrich Engels. Daniel Aarão Reis
Filho (organizador). RJ/SP: Contraponto/Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 157 e 158. A discussão pontual
sobre isso é que após a revolução francesa o sentimento de tarefa não cumprida, realizada pelas conquistas soci-
ais, assomava-se à insatisfação de muitos segmentos sociais que reivindicavam por melhores condições diante do
cenário de exploração no terreno econômico que apostava na industrialização como meio para construir riquezas,
apostando no eixo central da produção, do trabalho e dos trabalhadores. A presente situação, fez emergir a dis-
cussão em torno da questão social, encarada por Marx como um ponto a ser refletido teoricamente e enfrentado
historicamente, como bem atestara em suas obras da juventude. A forma como a vida social se apresentava e as
reais condições de dominação da classe capitalista, na reflexão de Marx, clamava por uma nova transformação.
Desta questão, surge a grande provocação política, registrada no início do Manifesto Comunista: “Um espectro
ronda a Europa - o espectro do comunismo.” MARX, K. e ENGELS, F. O Manifesto Comunista. 9ª ed., São
Paulo: Global, 1988, p. 75. Daí que o enfrentamento entre burgueses e proletários tenderão a se acirrar e a refle-
xão histórica é o ponto que permite explicitar a dinâmica social central e todo o seu percurso.