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seja, um problema que não pode ser explicado nem pela experimentação, nem pela
demonstração. Ele formula o dualismo de substâncias, afirmando a existência de duas
substâncias no universo: física (res extensa) e mental (res cogitans – inextensa)
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. Traça uma
distinção radical entre mente e corpo, com uma distância tão grande que dificulta a
compreensão de como o mental e o físico interferem um no outro, sem, contudo, abandonar a
concepção comum acerca da interação entre ambos. Com isso dita o tom da discussão
moderna sobre as relações mente-cérebro.
Entre os argumentos fundamentais de Descartes, a mente é mais fácil de
conhecer que o corpo:
Mas, enfim, eis que insensivelmente cheguei onde queria; pois, já que é coisa
presentemente conhecida por mim que, propriamente falando, só concebemos os
corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imaginação nem
pelos sentidos, e que não os conhecemos pelo fato de os ver ou de tocá-los, mas
somente por os conceber pelo pensamento, reconheço com evidência que nada há
que me seja mais fácil de conhecer que meu próprio espírito. Mas, posto que é
quase impossível desfazer-se tão prontamente de uma antiga opinião, será bom que
eu me detenha um pouco neste ponto, a fim de que, pela amplitude de minha
meditação, eu imprima mais profundamente em minha memória este novo
conhecimento (DESCARTES, 1641/1973: 113).
Isso significa que podemos ter acesso a nossos pensamentos, mas não a nossos
processos corporais como, por exemplo, o que ocorre com os neurônios quando pensamos.
Pensamos e expressamos nossos pensamentos em primeira pessoa, podemos descrevê-los,
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A Res Extensa cartesiana relaciona-se ao corpo, ao fisiológico, conforme podemos observar em As Paixões da
Alma: “Para tornar isso mais inteligível, explicarei, em poucas palavras, a forma toda de que se compõe a máquina do nosso
corpo. Não há quem não saiba que existem em nós um coração, um cérebro, um estômago, músculos, nervos, artérias, veias e
coisas semelhantes; sabe-se também que os alimentos ingeridos descem ao estômago e às tripas, de onde o seu suco, correndo
para o fígado e para todas as veias, se mistura com o sangue que elas contêm, aumentando, por esse meio, a sua quantidade.”
(1973: 228)
e a Res Cogitans ao pensamento, ao psíquico, como apresentado em Objeções e Respostas: “Ainda que
eu tenha um corpo que me seja mui estreitamente ligado, no entanto, porque, de um lado, possuo uma idéia clara e distinta de
mim próprio, na medida em que sou apenas uma coisa que pensa, e não extensa, e que, de outro, possuo uma idéia clara e
distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa, e que não pensa, é certo que eu, isto é, meu espírito, ou
minha alma, pela qual sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo, e que pode ser ou existir sem ele. Ao
que é fácil adicionar: Tudo o que pode pensar é espírito, ou se chama espírito. Mas como o corpo e o espírito são realmente
distintos, nenhum corpo é espírito. Logo, nenhum corpo pode pensar.” (1973: 163).
Desta forma, o debate
contemporâneo sobre a questão mente-corpo, mente-cérebro, por tratar da relação entre o corpo fisiológico e o
psíquico, reedita o problema cartesiano.