Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
Coordenadoria Geral de Pós-Graduação
Programa de Mestrado em História
CEB’s:
A Construção de uma Nova Maneira de Ser Igreja
O nascimento e organização das Comunidades Eclesiais
de Base em Volta Redonda (1967-1979)
Paulo Célio Soares
Vassouras
2001
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Paulo Célio Soares
CEB’s:
A Construção de uma Nova Maneira de Ser Igreja
O nascimento e organização das Comunidades Eclesiais
de Base em Volta Redonda (1967-1979)
Vassouras
2001
ads:
CEB’s:
A Construção de uma Nova Maneira de Ser Igreja
O nascimento e organização das Comunidades Eclesiais
de Base em Volta Redonda (1967-1979)
Orientadora: Profª. Dra. Ana Maria da Silva Moura
Dissertação de Mestrado Apresentada ao
Programa de Mestrado em História, da
Universidade Severino Sombra, Pelo
Mestrando Paulo Célio Soares, para
Obtenção do Título de Mestre.
Vassouras
2001
SOARES, Paulo Célio
CEB’s: A Construção de uma Nova Maneira de Ser Igreja -
O nascimento e organização das Comunidades Eclesiais de
Base em Volta Redonda (1967-1979)
I - Universidade Severino Sombra CGPG PMH
II - Título
Palavras-Chave:
1 – Igreja; 2 Comunidades Eclesiais.
Universidade Severino Sombra
Coordenadoria Geral de Pós-Graduação
Programa de Mestrado em História
A Dissertação: CEB’s: A Construção de uma Nova Maneira de Ser
Igreja - O nascimento e organização das Comunidades Eclesiais de Base em
Volta Redonda (1967-1979).
Elaborada por Paulo Célio Soares
e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo
Programa de Mestrado em História da USS, como requisito à obtenção do Título
de
MESTRE EM HISTÓRIA
Banca Examinadora
________________________________________
Presidente
________________________________________
1
o
Examinador
________________________________________
2
o
Examinador
Vassouras
2001
“O importante é que haja movimentos
de base. Não é a cúpula que renova.
Quem renova são as bases”
Maritain
A Alexandra
Minha querida esposa e companheira
A Gabriela/Marcos Paulo
Você que ainda chegará para tornar
nossa vida ainda melhor
Agradecimentos
IX
R E S U M O
As Cebs (Comunidades Eclesiais de Base) representam um importante
momento na vida da Igreja. Essas comunidades organizadas a partir dos anos
sessenta, expressam uma “ nova maneira de ser Igreja” , representando na prática
uma tentativa de descentralização e democracia na arcaica estrutura dessa
Instituição.
A partir de sua organização em pequenos grupos comunitários, as
Cebs articularam com eficiência a relação Fé e Política, constituindo-se num
importante movimento organizativo e reivindicatório das classes populares, com
papel destacado nas lutas pela redemocratização da sociedade brasileira, no
contexto da Ditadura Militar.
Em Volta Redonda, essas comunidades adquiriram especial destaque.
Sua organização contrastou com a forte presença estatal na cidade, expressa no
poder da Companhia Siderúrgica Nacional. Antes de seu nascimento, a atuação
da Igreja na cidade pautava-se pelo estrito apoio aos grupos dominantes. A
chegada de D. Waldyr Calheiros em 1966, altera profundamente esse quadro,
quando a Igreja, a partir de sua base, estimulando a criação das Cebs, passa a
apoiar diversos movimentos da contestatórios da sociedade civil.
X
A B S T R A C T
The Cebs to the Catholic Church na important contribution.
These communities started from 60´s and express a ´new way of being
catholic´, representing with actions a new trying to decentralize the old
structure of that institution.
From its organization in small groups, the Cebs articuled
efficiently the relationship between faith and policy and helped to take
place an importation popular movement of organization and claim with
remarkable influence on the fights for the democratization of the Brazilian
society against the despotism of the military force
In Volta Redonda, these communities were specially stronger. Its
organization was a threat to the federal presence in the city that used to
have the CSN as a symbol.
Before the organization of the Cebs the rule of the Catholic
Church in Volta Redonda was nothing but giving total support to the
dominant groups.
The situation was changed in 1966 when D. Waldyr Calheiros
arrived. The church started to give support to a number of people who protested,
encouraging other organization of the Private Society.
XI
Í N D I C E
INTRODUÇÃO...............................................................................................
1. Justificativa e objetivos......................................................................
2. Questões Historiográficas..................................................................
3. Hipóteses..............................................................................................
4. Quadro Teórico e Metodológico.......................................................
I. CEBS: UM NOVO SUJEITO NA VIDA DA IGREJA................
1.1. O nascimento das Cebs: uma retrospectiva histórica................
1.2. O lugar de nascimento das Cebs .................................................
1.3. O contexto eclesial ........................................................................
1.4. As transformações na Igreja Romana e sua relação
com a conjuntura eclesial brasileira............................................
1.5. O contexto político........................................................................
II. A IGREJA ALIADA DA DOMINAÇÃO........................................
2.1. Breve histórico da diocese............................................................
2.2. A construção da usina e o nascimento da cidade-fábrica.........
2.3. O papel da Igreja na cidade-fábrica.............................................
2.4. O bispado de D. Agnelo Rossi.....................................................
2.4.1. A experiência da catequese popular ................................
2.4.2. A fé inspirou grandeza siderúrgica..................................
2.4.3. A Cidade do Aço sede do bispado...................................
2.5. D. Altivo Pacheco: a perfeita harmonia CSN-Igreja.................
III. A IGREJA DO POVO .........................................................................
3.1. Cebs: Uma nova atuação Bibliografia........................................
3.2. Um pouco da história do menino alagoano que se
tornou bispo....................................................................................
3.3. Os primeiros passos de uma via-crucis.......................................
3.3.1. A prisão dos membros da Judica.....................................
3.3.2. A prisão dos professores Bedê e Santini.........................
3.3.3. A questão dos IPMs...........................................................
3.3.4. A prisão dos jocistas e o caso dos quatro militares
assassinados........................................................................
3.3.5. As outras batalhas ..............................................................
3.4. Volta Redonda: A cidade-paróquia.............................................
3.5. A valorização do leigo nos projetos das Cebs ..........................
3.6. A formação de lideranças populares e a gestação das
primeiras comunidades de base ..................................................
3.7. As periferias: o lugar social de nascimento das Cebs ...............
3.8. Grupos de Reflexão: as células das comunidades de
base..................................................................................................
XII
3.9. A experiência da Cebs na comunidade de São Sebas-
tião-Retiro.......................................................................................
3.10. Os padres operários: um impulso na pastoral popular..............
3.11. As Cebs se espalham pela cidade ................................................
3.12. As intervenção no espaço da cidade............................................
3.13. A participação das Cebs nos movimentos operários.................
3.14. Os novos rumos da pastoral popular em Volta Redon-
da......................................................................................................
3.15. As Cebs e as mediações no campo político................................
3.16. A atuação da Cebs e a organização da Oposição
Sindical ...........................................................................................
3.17. A construção das Cebs em Volta Redonda, um proces-
so em marcha: algumas considerações.......................................
CONCLUSÃO.................................................................................................
BIBLIOGRAIFIA..........................................................................................
ANEXOS...........................................................................................................
13
INTRODUÇÃO
“As comunidades eclesiais formam este povo
em marcha; sua existência lança um desafio à
hierarquia, que monopolizou em suas mãos
todo poder sagrado, para que ela se entenda
como serviço; não como poder que se exerce a
partir do próprio poder, mas como mediação
para a justiça, a fraternidade e a coordenação
do povo”.
1
Leonardo Boff
As Cebs (Comunidades Eclesiais de Base) constituem-se numa
experiência pastoral e num fenômeno fecundo e questionador das estruturas do
catolicismo. Essas comunidades surgiram apresentando novas perspectivas de
ação dentro da Igreja Católica
2
e quando assumidas por importantes setores desta
instituição, transformaram sua estrutura, renovando-a e colocando-a em contato
com a realidade social e os problemas da sociedade contemporânea.
As Cebs abriram espaços de participação para que a Igreja cumpra
plenamente o seu papel evangélico e profético de estar concretamente ao lado dos
injustiçados e de nossa sociedade. Esse movimento vem recuperar, com bastante
dinamismo, o discurso e a prática libertária do cristianismo primitivo
3
, que
permaneceram obscurecidos por séculos de alinhamento com o poder
estabelecido.
1
BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder, Petrópolis, Vozes, 1981, p. 185
2
O termo Igreja Católica Apostólica Romana será utilizado neste projeto com a denominação Igreja
Católica ou simplesmente Igreja.
3
Vide Rosa de Luxemburgo: “(...) a religião cristã aparecia a estes infelizes seres( escravos e
proletários), como um cinto de salvação, uma consolação e tornou-se, logo desde o princípio, a
religião dos proletários romanos”, LUXEMBURGO Rosa de, O Socialismo e as Igrejas, texto
mimeografado, São Paulo, CPV, p. 16
Gramsci também afirma o caráter revolucionário do cristianismo primitivo. Vide STACONE
Giuseppe, Filosofia da Religião: O Pensamento do Homem Ocidental e o Problema de Deus,
Petrópolis, Vozes, 2
a
ed., 1991 , p. 199-200 e PORTELLI Hugues, Gramsci e a Questão Religiosa,
Trad. Luiz João Galo, São Paulo, Paulinas, 1984
14
As Cebs se constituem instrumentos de organização e mobilização
popular
4
. O trabalho de dissertação que ora se inicia, pretende abordar esse tema,
tendo como objeto o nascimento e a organização destas comunidades, bem como
sua atuação na década de 1970 em Volta Redonda/ RJ.
Raimundo Caramuru, numa das primeiras abordagens sobre o tema,
em 1967, afirma que o movimento das Cebs, “ (...) surgiu, sobretudo da
necessidade sentida por muitos de uma ação pastoral evangelizadora mais
ampla e mais intensa, (...) e de uma comunidade de Igreja que possibilitasse aos
cristãos participação responsável, relacionamento maduro de seus membros e
presença efetiva como fermento na sociedade dos homens”
5
, ou seja, a partir das
Cebs, os cristãos assumem sua parcela de responsabilidade como cidadãos do
mundo e responsáveis também pela sua transformação.
A própria Igreja, reconhecendo a importância desse movimento,
endossa a sua atuação e o seu trabalho. A partir das palavras dos bispos latino-
americanos reunidos na CELAM (Conferência Episcopal Latino Americana) em
Puebla, México 1979, estes afirmam que "(...) as comunidades de base que, no
início, eram apenas uma experiência incipiente, amadureceram e multiplicaram-
se. Em comunhão com os seus bispos, converteram-se em centros de
evangelização e em motores de libertação e desenvolvimento"
6
.
Fenômeno inicialmente eclesial, e sendo influenciadas por toda a
conjuntura sócio-política
7
, as Cebs que, em nosso país, nasceram no seio da
4
Vários autores destacam essa característica das Cebs. Amaury Castanho endossa por exemplo que “
(...) a compreensão e assimilação da dimensão política tem levado as Cebs a um grande empenho na
solução dos problemas humanos e sociais dos ambientes e bairros em que se organizam. A
solidariedade que se afirma entre os participantes das Cebs estende-se a todas as necessidades e
carências humanas... as Cebs tem se tornado a liderança das reivindicações populares”
CASTANHO, Amauri. Caminhos das Cebs no Brasil Reflexão Crítica, Rio de Janeiro, Agir, 1987,
p. 55
5
CARAMURU, Raimundo. Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral Decisiva, Petrópolis, Vozes,
1967, p. 6
6
MIRANDA Antônio F. de, Puebla Sintetizado, Santuário, Aparecida-SP, 1979, p. 25
7
Dominique Júlia destaca que “(...) as mudanças religiosas só se explicam, se admitirmos que as
mudanças sociais produzem, nos fiéis, modificações de idéias e de desejos tais que os obrigam a
modificar as diversas partes de seu sistema religioso”, JÚLIA Dominique ‘A Religião: História
Religiosa’ In Histórias: Novas Abordagens, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora, 1976, p.
184
15
Igreja-Instituição, rapidamente abriram-se para toda a sociedade. Montenegro
destaca que as mudanças da Igreja neste período sintonizavam com um “(...)
processo de desenvolvimento, correlativo de um feixe de mudanças sociais”
8
. As
Cebs, no contexto da Ditadura Militar, que se instalou no Brasil em 1964,
assumiram um papel relevante nas lutas do povo brasileiro e no processo
redemocratização da sociedade brasileira
9
.
Dessa forma, a partir do nascimento dessas comunidades, em meados
da década de 1960 em todo Brasil, "um novo modo de ser Igreja”
10
, começa a se
organizar e a se expandir
11
: descentralizada, abrindo amplo espaço para a
participação dos leigos
12
na Igreja, e colocando esta instituição em contato com o
povo
13
e principalmente, reconhecendo neste o grande motor de sua ação e como
o sujeito e agente de sua própria história, com suas dificuldades, erros e acertos,
desenvolvendo também um amplo processo de educação popular
14
. Essa nova
8
João Alfredo Montenegro, ‘Reflexão Metodológica sobre a História da Igreja no Brasil’ in Revista de
Cultura Vozes, 182. Número 9, novembro de 1982
9
Regina Novaes, destaca que, na década de 70, as comunidades de base, diante do que ela chama de
desorganização da sociedade civil, imposta pelo regime militar, tiveram um papel importante nas
lutas de resistência., in Vanilda Paiva (org) Catolicismo , Educação e Ciência, Coleção Seminários
Especiais- Centro João XXlll, São Paulo, Loyola, 1991, p.236.
Sobre esta problemática Daniel Aarão Reis Júnior salienta: “(...) Setores da Igreja foram passando
para o campo da crítica e da luta contra a ditadura. Ordens religiosas, bispos cardeais e numerosos
contingentes de leigos, organizados nas Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), constituíram fator de
resistência maior às ações dos governos militares” in REIS, Daniel Aarão. Lutas Sociais, Reformas e
Revolução nas Tradições das Esquerdas Brasileiras, in http: www. artnet.org.br/gramsci/textos.
Destaca-se neste contexto que Ditadura Militar foi um fator que propiciou o crescimento das Cebs no
Brasil.
10
Antônio F. de Miranda op.cit., DP 2
11
O estudo de Pedro de Oliveira aponta para a existência de cerca de 70.000 comunidades eclesiais de
base existentes em todo o país. OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, ‘CEB; Comunidade Estruturante da
Igreja’ in BOFF, Clodovis... e et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997,
p. 131
12
O uso da palavra leigo neste contexto, refere-se ao sentido eclesial e não o dito popular de “não
conhecer nada do assunto”. De acordo com o dicionário de Direito Canônico, leigos “ ... são fiéis que
não receberam o sacramento da ordem; o seu estatuto fundamental, portanto, é o dos fiéis cristãos,
com especial responsabilidade nos deveres e direitos que os clérigos, por diversas razões, não podem
exercer diretamente... Presta especial atenção ao direito dos apóstolos que somente eles podem
desenvolver: o da cristianização da ordem temporal, social, política, econômica e o do estado da vida
matrimonial”. Carlos Corral Salvador, Dicionário de Direito Canônico. Tradução de Jesús Hortal, São
Paulo, Loyola, 1993
13
Norberto Bobbio destaca esse conceito, afirmando-o como “... uma mera designação social, realidade
subalterna e disgregada, fundamentalmente excluída da gestão do poder” in BOBBIO Norberto,
MATTEUCCI Nicolla e PASQUINO Gianfranco, Dicionário de Política, Trad. Carmen C. Varriale et
al, coord. Trad. João Ferreira, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 11
a
ed., 1998, vol. 2, p. 987
14
O papel educativo é certamente uma das características marcantes das Cebs. Vários autores defendem
as Cebs como o mais vasto trabalho de educação popular, não promovido pelo Estado, neste século
16
Igreja foi sendo assumida por amplos setores comprometidos com um maior
engajamento pastoral e social e principalmente a partir da TdL (Teologia da
Libertação)
15
, fundamento teórico das Cebs
16
.
Com as Cebs abriu-se um novo canal para a participação popular. À
respeito dessa problemática suscitada, Leonardo Boff lembra que “(...) o novo
que as Cebs trouxeram foi o fato de oferecerem, dentro da
Igreja, um espaço para o próprio povo simples participar da evangelização da
sociedade através da luta pela justiça. Nesse sentido, as Cebs têm se manifestado
como lugar privilegiado de educação para a justiça e como instrumento de
libertação”
17
.
De acordo ainda com L. Boff, foi a partir do fenômeno das Cebs que
“a Igreja se fez povo. (...) aquelas imensas maiorias de gente consideradas
economicamente desprezíveis, politicamente alienadas, culturalmente
no Brasil. Vide BOFF Clodovis et al, Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997,
p. 53 e WANDERLEY, Luiz Eduardo, ‘Comunidade de Base e Educação Popular’, in Revista
Eclesiástica Brasileira, 41, 1981, p. 686-707
15
Corrente Teológica, originária da América Latina, que rapidamente se alastrou pelo resto do mundo,
que defende um engajamento político dos cristãos nas lutas sociais, buscando a transformação da
sociedade. Nos anos setenta influenciou decisivamente os movimentos de renovação pastoral,
principalmente as Cebs, em toda a América Latina. Segundo Clodovis Boff, “A TdL, se auto define
como um ‘novo modo de fazer teologia’. Esse novo modo se caracteriza por uma palavra: Práxis.
Práxis aqui é entendida sobretudo como uma prática política, a saber como ação de intervenção
sobre as estruturas sociais. Portanto é a relação à práxis que distingue a TdL” in BOFF, Clodovis,
Comunidade Política-Comunidade Eclesial: Ensaios de Eclesiologia Política, Petrópolis, Vozes, 1978,
Capítulo 10. Gutierrez destaca que a TdL “(...) é uma reflexão a partir da práxis histórica do homem.
Busca pensar a fé na base dessa práxis histórica e a partir de como é vivida a fé no compromisso
libertador” in GUTIÉRREZ, Gustavo, Teologia da Libertação: Perspectivas, Trad. Jorge Soares,
Petrópolis, Vozes, 4
a
edição, 1983. A TdL recebeu impulso a partir da Segunda Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano (CELAM), ocorrida em Medellín, na Colômbia, em 1968,. “(...)
essencialmente comprometida numa práxis libertadora e, portanto, contextual e militante. (...) esta
práxis de fé, tem por objetivo mudar a realidade, transformar as relações humanas d dependência e
de domínio em vista da libertação humana integral. (...) quer, portanto uma reflexão crítica sobre
uma práxis humana... à luz da práxis de Jesus e das exigências da fé (L.Boff). (...) se constrói sobre a
opção fundamental pelos pobres e sobre a práxis libertadora, de um lado, e, do outro, sobre a
articulação recíproca das três mediações: sócio-analítica, bíblico-hermenêutico e prático-pastoral”.
Dicionário de Teologia Fundamental, LATOURELLE, René e FRISICHELLA Rino; Trad. de Luiz
João Baraúna. Petrópolis, Vozes, 1994, p. 972-976.
16
A relação das Cebs com a TdL é assim expressa: “(...) a intensificação das condições políticas em
todo o Continente (americano) no decorrer dos anos setenta...leva a uma disseminação ainda mais
vigorosa da teologia da libertação nos movimentos populares e nas comunidades de base...elas
(comunidades eclesiais de base), constituem a inst6ancia na qual Igreja e teologia nascem de
maneira nova ”, EICHER Peter, Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia, São Paulo,
Paulus, 1993, p. 886 e 867
17
BOFF, Leonardo, E a Igreja se fez Povo, Petrópolis, Vozes, 3
a
ed., 1986, p. 6
17
marginalizadas e religiosamente sincretizadas foram sendo assumidas na missão
pastoral da Igreja. A maneira de evangelizá-las foi propiciar que de seu seio se
organizassem comunidades eclesiais (grifo meu) (...) a partir da fé, das
condições de opressão e sofrimento. Através da ação comunitária e libertadora
desses cristãos conferiu-se um conteúdo concreto e histórico à afirmação de
de que a Igreja é povo de Deus dentro da história
18
. Valorizou-se dessa
maneira, a partir das Cebs, o caráter popular e a dimensão libertadora da Igreja
19
,
na medida em que esta, atenta às novas problemáticas da sociedade
contemporânea e no esforço de atualizar-se, empreendeu uma série de mudanças
internas que propiciaram o seu deslocamento para as classe subalternas
20
, dentro
de um contexto que será abordado com maior profundidade no decorrer da
dissertação.
As Cebs, na verdade, constituem-se numa experiência eclesial muito
complexa e diversificada, que principalmente, nos últimos anos vem sendo muito
discutida e debatida .Elas se apresentam na prática, como “(...)células vivas da
Igreja, ... em sua "fome e sede de justiça", ...desenvolvem, ainda, um fenômeno
de intercomunicação participativa e da formação do senso crítico diante da
massificação dos meios de comunicação. No constante esforço de atuar, refletir
e celebrar, as Cebs são uma alternativa de educação para os que buscam uma
sociedade nova, onde o individualismo, a competição e o lucro cedem lugar à
justiça e à fraternidade”
21
. Vivencia-se nas Cebs um vigoroso processo de
educação e organização popular
22
, onde valores como solidariedade, participação
18
Idem ibid., p. 13
19
Segundo a CNBB: “As seis dimensões da Igreja (Comunitária e Participativa, Missionária, Bíblico-
Catequética, Litúrgica , Ecumênica e do Diálogo), tem a função de mostrar as variedades de aspectos
e a unidade dinâmica que existem entre elas. Busca-se por elas conhecer a intimidade de Deus, que
nos põe numa atitude missionária e de serviço a da humanidade. Elas se comunicam e se
interpenetram mutuamenteDiretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil, CNBB, 1991-
1994, D. 45, São Paulo, 1991, p. 41-45
20
Cf PAIVA Vanilda, ‘A Igreja no Brasil’, in Religião e Sociedade, Campus, Rio de Janeiro, nº 11,
1984
21
Documentos da CNBB, op. cit., CP 40
22
Em relação a esses aspectos, vide Gilberto Gorgulho: “(...) As cebs são um espaço de liberdade, de
vida como comunhão e participação. Promovendo a liberdade, a comunhão e a participação, elas se
tornam uma escola de crescimento da pessoa humana... ela tem um valor pedagógico altamente
construtivo,...as cebs são uma espaço de conscientização, de tomada de consciência” in QUEIROZ
18
e espírito comunitário são vividos diariamente, questionando-se dessa forma, a
própria lógica capitalista e desumana da sociedade moderna.
Evidentemente que os grupos conservadores e reacionários que
sempre acreditaram e viveram uma igreja hierárquica, apegada às tradições e ao
poder estabelecido, de todas as formas possíveis se opõem a esse processo de
transformação e abertura proposto pelas Cebs.
Grandes dificuldades se impuseram e ainda são impostas ao trabalho
de evangelização e organização popular iniciados por essas comunidades. No
momento atual, o modelo proposto pelas Cebs, recebe críticas e retaliações,
principalmente por parte dos setores conservadores da Igreja, alinhados a Roma e
ao movimento conservador que levou João Paulo II ao papado, que iniciou a
partir desse momento, um movimento de “retração”
23
no interior da Igreja,
contendo as forças progressistas. Porém, apesar de inúmeras dificuldades, a
caminhada prossegue e como testemunhos dessa prática transformadora das
Cebs, não poderia, de forma alguma, deixar de fazer memória aos que sofreram
pela sua opção evangélica e que entregaram a vida pela causa da justiça e dos
pequenos
24
, e tantos outros que levaram até o fim o seu projeto de um mundo
melhor.
Pretendo com esse trabalho também destacar e valorizar o trabalho
dessas e tantas outras pessoas anônimas, agentes de pastoral
25
, militantes, padres
engajados e tantos outros que acreditam que a sua fé deve ser motor da
transformação social e de busca da justiça. Pessoas que acreditam que o
cristianismo busca de fato a libertação integral da pessoa humana e que não vêem
José (org.), A Educação Popular nas Comunidades Eclesiais de Base, Coleção PUC-estudos, São
Paulo, Paulinas, 1985, p. 19 –21
23
Cf PAIVA Vanilda, ‘A Igreja no Brasil’, in Religião e Sociedade, Campus, Rio de Janeiro, número
11, 1984, p. 88 e 89.
24
Cf. MARINS José, TREVISAN Teolide M. e CHANONA Carolee, Martírio: Memória Perigosa na
América Latina Hoje, São Paulo, Paulinas, 1984. Esta obra retrata com bastante vigor a história dos
cristãos assassinados durante o período das ditaduras militares no continente, bem como o
compromisso da Igreja contra as injustiças sociais na América Latina neste período.
25
Termo pelo qual na Igreja Católica, são conhecidos os padres, religiosos (as), leigos (as), atuantes nas
diversas comunidades eclesiais e pastorais.
19
a Igreja apenas como uma instituição fechada no horizonte do religioso,
desvinculada dos sofrimentos do povo e das fronteiras confessionais
26
.
Muitas leituras ainda devem a ser elaboradas e acrescentadas à história
das Cebs no Brasil. Este trabalho também representa uma contribuição ao
conjunto das classes dominadas, na medida em que pretende fazer um resgate
histórico desse movimento extremamente
envolvente e participativo, pois “ (...) história e política se articulam, a
desmistificação do passado se faz pela manifestação de suas origens históricas,
para o benefício das classes dominadas que, para educar-se, (...) para avançar
no processo de organização política e de luta hegemônica, precisam conhecer a
história, pois é impossível construir um novo modo e original de vida, sem
compreender o processo pelo qual os problemas reais do presente foram gerados
e amadurecidos
27
Em meu trabalho pretendo abordar o nascimento e organização das
Cebs na cidade de Volta Redonda, no período de 1967 à 1979, período marcado
pela ditadura militar no Brasil e por uma crescente abertura da Igreja Católica em
relação às questões sociais. A Diocese de Volta Redonda
28
, desde a chegada de
D. Waldyr, em dezembro de 1966, operou uma grande mudança em relação à sua
prática anterior, convertendo-se numa das primeiras dioceses brasileiras a adotar
e implantar esse novo projeto pastoral, sendo assumido com muita coragem pela
quase totalidade do conjunto da Diocese. A Igreja de Volta Redonda-Barra do
Pirai, inscreve-se dessa forma, num conjunto de Igrejas particulares, que
principalmente na América Latina, após o Concílio Vaticano II (1962-65) e a
Confer6encia Latino Americana de Medellin (1968), assumiram o compromisso
de evangelizar, optando preferencialmente pelos pobres.
26
Cf. BEOZZO, Oscar. História da Igreja no Brasil, in Curso de Verão III, p. 175, São Paulo, Paulinas,
2
a
ed, 1989.
27
SCHLESENER Anita Helena, Gramsci: Hegemonia e Cultura, Curitiba, Editora da UFPR, 1992, p.
35
28
O nome completo é Diocese de Barra do Piraí- Volta Redonda. Ao longo do trabalho, refiro-me
alternativamente como Diocese de Volta Redonda ou simplesmente como Diocese.
20
O resultado desta opção foi a estruturação de uma Igreja engajada,
reconhecida pelos trabalhos que desenvolve no campo das lutas sociais
29
,
constituindo-se num pólo articulador e mobilizador da sociedade na luta pela
recuperação dos espaços organizativos das classes populares - sindicatos,
movimentos populares e urbanos, etc.
29
Cf HOTZZ, Paulo. Perfil Sociológico da Diocese, in Revista Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na
Região Sul Fluminense, Volta Redonda, 1999, p. 52
21
1. Justificativa e Objetivos
“O cristão como tal, deve participar ativamente das
mudanças. A fé passiva não basta para aproximar-se de
Deus: é imprescindível a caridade. E a caridade significa
concretamente viver o sentimento da fraternidade
humana”
Camilo Torres
30
As Cebs em Volta Redonda circunscrevem-se num fenômeno que
merecer ser melhor analisado e pesquisado. O resgate da história desse
movimento, significa também o resgate de um modelo de Igreja popular
31
e de
uma organização social que marcou profundamente a história da região Sul
Fluminense e também a história da Igreja Católica no Brasil. O modelo
implantado em Volta Redonda e a ação dessas comunidades eclesiais nesta
cidade serviram e ainda hoje servem de exemplo a muitas outras dioceses
brasileiras.
A Diocese de Volta Redonda foi uma das pioneiras organização das
Cebs no Brasil
32
, antecipando uma nova postura e organização pastoral que
resultaram numa prática social de compromisso com as classes dominadas,
expresso na opção preferencial pelos pobres
33
,
corajosamente assumidas pelas Cebs nesta cidade. Vale destacar neste contexto a
30
TORRES, Camilo. Cristianismo e Revolução, Trad. Aton Fon Filho, São Paulo, Global, 1981
31
O termo refere-se a um modelo de Igreja marcado pela grande participação popular. Boff defende que
com ele “...quer se assinalar que a Igreja surge quando uma comunidade de pessoas, especialmente
pela sua pequenez, humildade e pobreza, dispostas a aventura cristã se abre à Boa Nova de Jesus e
começa a vivê-la em comunidade...esta compreensão de Igreja compreende à realidade de nossas
comunidades de base” BOFF, Leonardo. Quem Tem Medo da Igreja Popular in Revista Vozes, ano
77, maio de 1983, n. 3, p. 63
32
Cf TEIXEIRA Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos Explicativos, São
Paulo, Paulinas, 1988. CARAMURU Raimundo, op. cit.
33
Cf Conferência Episcopal de Puebla-1978
22
organização da cidade de Volta Redonda como Paróquia Única em 1969
34
e a
rede de comunidades
35
articuladas a partir deste momento.
Especialmente a diocese de Volta Redonda, apresenta também a
particularidade geográfica de situar-se no eixo Rio-São Paulo, pólo dinamizador
da economia brasileira, que lhe confere especial destaque. O fato de situr-se em
Volta Redonda, a Usina Presidente Vargas da Companhia Siderúrgica Nacional,
e a proximidade a centros de poderes militares como a AMAN Academia
Militar das Agulhas Negras e o 22º BIMTz Batalhão de Infantaria Motorizada-,
em Barra Mansa, cidade conurbada `a Volta Redonda, confere a esta cidade
destaque no cenário nacional. Em oposição ao poder estrabelecido, a Igreja de
Volta Redonda queria ser aberta a todos, e particularmente aos pobres. Por isso o
intenso processo de renovação pastoral proposto por D. Waldyr Calheiros desde
sua chegada, há 35 anos, ganha uma projeção externa de destaque.
Este estudo também se faz necessário pois, apesar do pioneirismo e da
relevância desse movimento em Volta Redonda, nenhuma obra sistematizada foi
feita abordando a experiência e a organização deste movimento na cidade.
Decorre desse fato uma das dificuldades para encontrar materiais de pesquisa,
levando-me a buscar mais profundamente as fontes, contribuindo dessa maneira,
para a originalidade do projeto.
Especialmente em Volta Redonda, esse movimento rapidamente se
converteu em pólo de organização e mobilização popular, que canalizou a
34
Cf VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, 1999.
Segundo ainda depoimento do bispo diocesano D Waldyr Calheiros, a diocese de VR foi uma das
pioneiras nesse modelo de organização, ocorrendo paralelamente ao processo desenvolvido na
arquidiocese de Vitória-ES. Entrevista realizada em 26/11/99.
35
Pedro de Oliveira destaca que a nova organização em forma de rede, caracterizase por serem seus
componentes básicos autogovernados e auto-sustentados, interligados por meio de instâncias
facilitadoras mas não interligadas (isto é, sem poder decisório).De acordo com Oliveira ainda, no
sistema católico, a autonomia das Cebs é relativizada por seus laços com o bispo e com o papa,
instâncias hierárquicas que impõe limites à sua atuação, Cf OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, ‘CEB;
Unidade Estruturante da Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As Comunidades de Base em Questão,
São Paulo, Paulinas, 1997. Essa nova articulação descentraliza as decisões e democratiza o poder na
diocese, além de fortalecer a própria Igreja local, conforme D. Waldyr afirma em entrevista realizada
em 26/11/99. Os arquivos da Diocese mostram que a antiga estrutura paroquial foi substituída pela
23
indignação e a resistência popular ao autoritarismo imposto pela ditadura bem
como a denúncia de um sistema econômico injusto e extremamente excludente e
desigual. Devido a todos esses fatores, acho de fundamental importância
recuperar a história das Cebs em Volta Redonda, pois o fato desta cidade ser
fundamentalmente operária, e onde o poder estatal exerceu, desde sua formação,
uma forte presença e atuação
36
, fornecem elementos elucidativos da contribuição
desse movimento para a história do movimento popular brasileiro e da própria
Igreja.
Esta problemática se torna extremamente atual e oportuna
principalmente pelo fato de que, o modelo proposto pelas Cebs vem sendo
severamente cerceado pela cúpula eclesiástica, que a partir da década de 1980,
passou a desenvolver uma política de contenção dos setores progressistas
37
dentro da Igreja, refletindo a nova orientação das forças que ascenderam ao
poder no atualidade. A partir do ponto de vista das Cebs, abre-se um fecundo
caminho para se questionar qual o papel que a Igreja deve desempenhar na
estrutura da sociedade.
Particularmente para mim essa problemática desdobra pontos
interessantes, pois tendo sido formado dentro do ambiente de discussão gerado
pelas Cebs, acompanhei suas lutas, angústias, desafios e vitórias, que na verdade
eram vitórias de todo um povo que quotidianamente se submetia as opressões de
um sistema injusto e desumano. Dessa forma a Igreja para mim, deve ser o
veículo de promoção e organização dos oprimidos da sociedade, denunciando
todas as injustiças, mobilizando o povo para a luta e anunciando um nova
sociedade. As Cebs na prática, viabilizaram essa proposta.
articulação e união das 5 paróquias então existentes, numa Paróquia-Única (Volta Redonda),
coordenada por um Conselho.
36
Cf MOREL, Regina Lúcia de Moraes. A Ferro e Fogo. Construção e Crise da Família Siderúrgica: O
Caso de Volta Redonda ( 1941-1968), São Paulo, Tese de Doutorado, USP, 1989.
37
Cf PAIVA Vanilda, ‘A Igreja Moderna no Brasil’ in Revista Religião e Sociedade, número 13, ano 1,
Rio de Janeiro, Campus, 1984.
24
Desta forma pretendo com meu trabalho, resgatar o papel e a atuação
corajosa desenvolvida pelas Cebs, valorizando o trabalho de seus centenas de
militantes anônimos, lideranças religiosas, sindicais e populares que, com sua
militância, contribuíram decisivamente para o processo de redemocratização da
sociedade brasileira, evidenciado em Volta Redonda pelo engajamento social e
político das Cebs ao lado das classes dominadas
Pretendo também analisar o papel das Cebs em Volta Redonda, como
um movimento que possibilitou a emergência de um novo modelo de Igreja,
pautado pela descentralização do poder, maior participação e valorização do
leigo na esfera religiosa e pelo caráter popular com grande inserção nas lutas
sociais.
Bem como caracterizar as Cebs como núcleos organizativos e
mobilizadores das classes populares, atuando na formação de novas lideranças e
de uma renovada consciência crítica que contribuiu decisivamente para a
reorganização e ressurgimento do movimento sindical e popular em Volta
Redonda.
25
2. Hipóteses
“As comunidades são fermento de
transformação na Igreja e na sociedade”
D. Pedro Casaldáliga
38
Em meu trabalho, apresento hipóteses, destacando que as Cebs,
surgiram em Volta Redonda, apoiadas pelo bispo diocesano e por grande parte do
clero, orientando-se nas conclusões do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da
Conferência Episcopal Latino Americana reunida em Medellin (1967), consoante
com os novos rumos da Igreja e como uma resposta ao crescente autoritarismo
implantado pela ditadura militar, resgatando a mensagem de justiça e libertação
do cristianismo e seu compromisso com as classes dominadas da sociedade.
As Cebs atuaram em Volta Redonda como um movimento de
organização, mobilização e conscientização popular, levando a Igreja diocesana
a assumir um papel relevante na resistência ao Estado autoritário implantado no
Brasil em 1964, contestando o projeto hegemônico então vigente.
As Cebs, através de sua atuação, serviram de suporte para a
reorganização e renascimento do movimento sindical e popular em Volta
38
Pedro Casaldáliga in “Comunidades de Base”, In Revista Sem Fronteiras, N° 252 - Julho 1997 - p. 13.
26
Redonda, atuando como pólo formador de novas lideranças e de uma nova
consciência social que questionava a estrutura de poder dominante
3. Quadro Teórico e Metodológico
‘A cada instante, a Igreja deve ao mesmo
tempo, ser e vir a ser. Ser sem alterações em
sua realidade invisível e vir ser século após
século em sua realidade visível’
39
A Igreja Católica no Brasil, historicamente se configurou como sendo
um aparelho ideológico do Estado. Antes das experiências de cunho renovador
das Cebs, esta instituição, com raras exceções, sempre manteve uma história de
alinhamento e subordinação ao poder. O pensamento gramsciano nos fornece
uma rica teoria que elucida o papel desempenhado pela Igreja na sociedade. De
acordo com este autor, o papel da religião é o de ser “(...) uma utopia que
mantêm as classes populares na ignorância e lhes retira toda possibilidade de
adquirir consciência política e ideológica.”
40
. Esta colocação se adequa
perfeitamente ao papel desempenhado pela Igreja até então. A religião, em sua
concepção, é vista como “ideologia e a Igreja como aparelho ideológico do
Estado
41
.
É importante salientar que a religião para Gramsci, é um fenômeno
histórico
42
, e enquanto instituição real, portadora de uma concepção de mundo,
entra em atrito com outras forças ideológicas organizadas para disputar o terreno
39
Cardeal Suhart apud VINCENT Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da Vida
Privada, Antoine Prost e Gerárd Vincent (org. vol.), S. Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 5, p.
410.
40
PORTELLI Hugues, Gramsci e o Bloco Histórico, Trad.Angelina Peralva, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1977.
41
PORTELLI Hugue, Gramsci e a Questão Religiosa, principalmente capítulos I e II (primeira parte).
42
Cf STACONE, Giuseppe. Filosofia da Religião: O Pensamento do Homem Ocidental e o Problema de
Deus, Petrópolis, Vozes, 2
a
ed., 1991 , p. 247.
27
das ideologias
43
. Giuseppe Staccone afirma que no pensamento gramsciano, o
conteúdo da religião é avaliado não por sua consistência ontológica (se Deus
existe ou não) e sim por sua capacidade de mover as consciências para a ação
política”
44
. Para melhor avaliar o papel desempenhado pela religião, torna-se
necessário uma articulação com alguns pressupostos do pensamento gramsciano.
Gramsci, no conceito de bloco histórico
45
, estabelece uma
reciprocidade e organicidade entre o estrutural e superestrutural, entre as forças
materiais e as ideologias. As superestruturas do bloco histórico, de acordo com
seu pensamento, formam um conjunto complexo, em cujo seio distingue duas
esferas essenciais: a sociedade política e a sociedade civil
46
. A correlação entre
essas instâncias se torna clara no modo como as ideologias se radicalizam na
estrutura da sociedade. Articulando esse conceito com o de Estado, proposto por
este autor, teremos condições de entender o papel da Igreja na estrutura social e
as transformações que ocorreram em seu interior, resultando no fenômeno das
Cebs.
Gramsci define Estado como sendo o“(...) produto da permanente
inter-relação entre sociedade civil e a sociedade política, remetendo a primeira
à noção de legitimidade e a segunda à de coerção
47
. Nesse sentido,
43
No pensamento gramsciano: ‘Uma ideologia (...) é uma concepção de mundo que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida
individuais e coletivas’. A concepção de ideologia nesta ótica é muito ampla, sendo incluídas todas as
atividades sociais do grupo social dirigente, isto explica porque Gramsci lhe atribui papel essencial no
seio do bloco histórico. Gramsci apud STACONE, Giuseppe. op. cit, p. 188. Staconne destaca ainda
que “A ideologia é , também produto do conflito social e destarte, não é a mesma para todos os
grupos sociais e frações deles”.
44
Ibid Idem, p. 168.
45
SCHLESENER , Anita Helena. op. cit., p. 17.
46
Cf PORTELLI Hugues, op. cit., p. 23- 32. De acordo ainda com este autor “Efetivamente essa divisão
funcional deve se situar no quadro de uma unidade dialética em que consenso e coerção são
utilizados alternativamente e em que o papel das organizações é mais fluído que parece. Não existe
sistema social em que o consentimento seja a base exclusiva da hegemonia, nem Estado em que um
mesmo grupo possa, somente por meio da coerção, continuar a manter forma durável a sua
dominação... a sociedade política e a sociedade civil, mantêm pois, relações permanentes”.
47
Antônio Gramsci apud SCHLESENER, Anita Helena. op. cit., p. 18. Portelli complementa a
definição de Estado em Gramsci: “sociedade civil mais sociedade política, hegemonia encouraçada
de coerção...Estado, em seu significado integral: ditadura mais hegemonia....reúne a superestrutura
do bloco histórico, tanto ‘intelectual e moral’ quanto política(...) equilíbrio interno entre os dois
elementos da superestrutura” PORTELLI Hugues, Gramsci e o Bloco Histórico, Trad. Angelina
Peralva, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 36.
28
compreende-se que o poder político é exercido pela articulação das funções da
sociedade política, composta pelos aparelhos administrativo-burocrático e
político-militar
48
e da sociedade civil é “(...)o conjunto de organismos chamados
‘privados’ que correspondem as funções de hegemonia que o grupo dominante
exerce em toda sociedade”
49
.
De acordo com o pensamento gramsciano, é no âmbito da sociedade
civil, que se elaboram as concepções de mundo pelas quais a sociedade se
representa a sí mesmo (ideologias), sendo neste espaço estabelecido o consenso e
onde se realiza a direção política da sociedade
50
, viabilizando a legitimação do
poder das classes dominantes. Estas classes estão interessadas não só em exercer
a coerção, mas também em conseguir persuadir os dominados para que estes
dêem seu consenso ao domínio exercido por elas.
A sociedade civil compreende todo o complexo das relações
ideológico-culturais
51
, que cumprem este papel. O Estado se apoia em
instituições, dos jornais à escola, das editoras aos institutos culturais. Dessa
forma a Igreja
52
e diversas outras (universidades, sistema escolar, etc), tem esse
48
Vide SCHLESENER. Anita Helena,. ibid idem, p. 18. Portelli destaca que Gramsci apresenta
diversas definições de sociedade política. Destaco as principais: “sociedade política ou Estado, que
corresponde à (função de) ‘dominação direta’, ou de comando que se exprime no Estado ou governo
jurídico...ou ditadura, ou aparelho coercitivo para conformar as massas populares ao tipo de
produção e economia de um determinado momento... aparelho de coerção de Estado, que assegura
‘legalmente’ a disciplina desses grupos que recusam seu acordo.” PORTELLI Hugues, Gramsci e o
Bloco Histórico, Trad. Angelina Peralva, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 30.
49
Antônio Gramsci apud SCHLESENER, Anita Helena., op. cit., p. 18 e 19.
50
Norberto destaca que Gramsci entende por sociedade civil “(...) um momento da superestrutura,
particularmente o momento da hegemonia, que se distingue do momento do puro domínio como
momento da direção espiritual e cultural que acompanha e integra de fato nas classes efetivamente
dominantes, e que deve acompanhar e integrar nas classes que tendem ao domínio, o momento da
pura força ” in BOBBIO Norberto e et al, Dicionário de Política, Trad. Carmen C. Varriale et al,
Coord. Trad. João Ferreira, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 11
a
ed., 1998, vol. 2, p. 1210.
Portelli afirma que a sociedade civil pode ser apresentada sob três aspectos complementares: “... como
ideologia da classe dirigente.... como concepção de mundo.... como concepção ideológica da
sociedade”, afirmando ainda que a sociedade civil é uma arena de disputas políticas: “Nas sociedades
primitivas eé em torno do aparelho do Estado que a luta se concentra; nas sociedades mais
complexas, o essencial da luta se dirige contra a sociedade civil”. PORTELLI Hugues, Gramsci e o
Bloco Histórico, Trad. Angelina Peralva, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 22-38.
51
Cf BOBBIO Norberto e et al, op. cit., p. 1210.
52
Vide Portelli: “a Igreja constitui-se numa das organizações culturais com este fim e após ter, sob o
bloco histórico precedente, o quase monopólio da sociedade civil, conservou boa parte desse
domínio” De acordo ainda com o autor, para Gramsci, “A Igreja constitui uma verdadeira sociedade
29
claro objetivo de transmitir os valores dominantes e através dos quais a classe
dominante exerce a própria hegemonia. Nesse sentido conclui-se da análise
gramsciana, que a religião apresenta-se sempre como instituição histórica
53
em
relação com os outros agentes históricos, inclusive entrando em conflito com
outras forças ideológicas organizadas para disputar o terreno da ideologia
54
.
Porém, ainda utilizando Gramsci, a sociedade civil apresenta-se
autônoma em relação à sociedade política, a inter-relação entre ambas é
conflituosa. “ A estrutura social é dinâmica, as relações sociais são
contraditórias e as instituições sociais são permeadas pelo conflito, deste modo,
é possível a uma classe inovadora contrapor-se ao formidável ‘complexo de
trincheiras e fortificações’ das classes dominantes”
55
Gramsci, no entanto não pôde (infelizmente) avaliar concretamente
até que ponto a Igreja Católica viveria e se posicionaria diante de tal
problemática. Quando ele morreu em 1937, o Estado fascista italiano estava
consolidado e tornara-se uma ditadura com o apoio das massas e da Igreja
56
, que
como Gramsci bem avaliara, estava se reorganizando e construindo um lugar de
destaque na sociedade civil. Ele porém, não viveu e nem poderia prever as
transformações operadas na estrutura da Igreja a partir da convocação do
Concílio Vaticano II (1962)
57
.
civil autônoma”. PORTELLI Hugues, Gramsci e o Bloco Histórico, Trad. Angelina Peralva, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 27-28.
53
“(...) a religião é uma realidade socialmente situada num contexto histórico particular...é no seio das
estruturas sociais que em cada caso concreto - qualquer religião tem que operar” Otto Maduro,
Religião e luta de classes: Quadro Teórico para a análise de suas inter-relações na América Latina,
Trad. Clarêncio Neiotti e Epharaim Ferreira Alves, Petrópolis, Vozes, 1983, 2 ed, p. 69-72.
54
Cf STACCONE, Giuseppe. op. cit., p. 247.
55
Cf SCHLESENER, Anita Helena, op. cit, p. 21.
56
Vide Tratado de Latrão, assinado entre o estado fascista e a Igreja Católica em 1929. AZEVEDO,
Antônio Carlos de Amaral. Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos, Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1997, 2
a
edição, p. 417.
57
Gramsci no entanto, avalia como a Igreja mantêm sua unidade ideológica oficial, destacando dois
meios básicos: a política e a evolução ideológica progressiva... sendo esta, um movimento
progressivo, que tende a satisfazer as exigências da ciência e da filosofia”. Esta parece ter sido a
tônica que norteou o início das transformações operadas pelo Concílio. PORTELLI, Hugues. Gramsci
e o Bloco Histórico, Trad. Angelina Peralva, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 29.
30
Fundamentalmente, como parte integrante da sociedade civil, a Igreja,
também vive esses conflitos
58
discriminados por Gramsci. Ela não se apresenta
como uma instituição monolítica. Internamente grupos com projetos diferentes
disputam poder. A partir de meados da década de 1960, a Igreja passou por uma
série de transformações que se expressaram num novo posicionamento frente ao
mundo
Vanilda Paiva, aprofundando esta problemática, afirma que na raiz
dessa nova dinâmica, estava a necessidade da Igreja em romper com seu
isolamento e recuperar seu espaço perdido num mundo cada vez mais laicizado e
marcado pela crescente secularização
59
. Para que esta pretensão se concretizasse,
segundo Paiva, a Igreja passou por mudanças significativas, que apesar de serem
longamente preparadas no seu interior, foram desencadeadas pelas mudanças
operadas na conjuntura pós-guerra
60
. Otto Maduro enfatiza tal tese, afirmando
que é preciso analisar as transformações no campo religioso no quadro das
condições sociais nas quais tais transformações ocorreram, e que este campo,
constitui-se também como uma rede específica de relações sociais com uma certa
realidade e estabilidade próprias e particulares
61
.
Novamente reporto-me à Gramsci, o qual destaca que as inovações
experimentadas pela Igreja, quase sempre foram impostas e não propostas: ‘(...)
deve-se notar que todas as inovações no seio da Igreja , quando não são devidas
às iniciativas do centro, tem algo de herético
62
Isto explica, por que, de acordo
com Paiva, estas mudanças “(...) lhe permitiram remontar seus modelos de
58
Luiz Vanderley, expõe essa problemática: “(...) onde fica a Igreja em relação às questões sociais? A
Igreja além do mistério da fé, do corpo místico, é uma sociedade muito concreta (grifo meu) ...Ela
não está fora, está dentro do tampo, da situação concreta. Os conflitos entre as classes entre os
grupos passam por dentro da Igreja ( grifo meu)” in José Queiroz (org.), A Educação Popular nas
Comunidades Eclesiais de Base, Coleção PUC-Estudos, São Paulo, Paulinas, 1985, p. 69.
Otto Maduro também analisa esta problemática e afirma: a ação religiosa numa sociedade de
classes, é uma ação que não está nem por fora nem acima dos conflitos de classe...é uma ação
efetuada no seio dos conflitos de classe e, como tal, é uma ação atravessada, limitada e orientada por
tais conflitos”, MADURO, Otto. op. cit., p. 99
59
O termo refere-se “(...) a redução constante do peso social da religião organizada, que está perdendo,
cada vez mais, a função de controle social”, BOBBIO, Norberto e et al., op. cit., p. 672
60
Cf PAIVA Vanilda, op. cit., p. 80 e 81
61
MADURO, Otto. op. cit., p. 105
31
influência e adquirir relevância política e prestígio neste final de século,
mantendo não somente sua unidade mas ampliando as possibilidades de difusão
da fé no mundo contemporâneo
63
. Essas transformações se evidenciaram no
Concílio Vaticano II e resultou no fortalecimento de correntes não-hegemônicas
no interior da Igreja.
No Brasil, essas mudanças se operaram de maneira mais acentuada,
pois estão ligados à especificidade da conjuntura dos anos 60 e 70 (que serão
detalhadamente analisadas na dissertação). Paiva afirma que para operacionalizar
estas mudanças, e ampliar suas bases de influência, ela redirecionou-se para um
ação mais próxima das camadas subalternas da sociedade, nascendo nesse
contexto o projeto das Cebs, que por sua vez, provocou mudanças na ideologia e
na prática de seus membros, que apresentou reflexos na luta interna pela
hegemonia
64
. A Igreja, no momento em que implementou mudanças e
estabeleceu um contato mais direto e efetivo com as camadas populares,
absorveu as reivindicações da sociedade civil e acelerou o processo de mudanças
desencadeado por ela mesma. Neste contexto, surgiram as Cebs na América
Latina, recebendo apoio por parte da hierarquia da Igreja.
Pretendo situar o nascimento e organização das Cebs em Volta
Redonda dentro do panorama descrito acima. Nesta cidade, uma Igreja
autenticamente popular se implantou, extrapolando o próprio limite era imposto à
atuação desse modelo de Igreja. Com a chegada de D. Waldyr Calheiros
nomeado para a diocese, em dezembro de 1966-, começa a se organizar esse
novo projeto
65
. O novo bispo diocesano atua como o intelectual orgânico das
classes dominadas.
62
Gtramsci apud STACONE, Giuseppe op. cit., p. 232
63
PAIVA, Vanilda. op. cit., p. 81
64
Ibid idem p. 88
65
Sobre o processo de mudança dentro da Igreja, Regina Novaes, destaca que a possibilidade de
implantar um novo ‘modelo de Igreja’, em alguma medida diferente do pré-existente, em determinado
local, depende do em opartre dessa condição. Segundo ela, “(...) para iniciar um processo de mudança
(para iniciar a caminhada) e levar a diante um processo de renovação pós-conciliar pautado na
criação e desenvolvimento das cebs, foi necessário - via de regra - o apoio do bispo local e a
existência de agentes de pastoral com projetos e recursos intelectuais diferentes daqueles vigentes no
32
A Igreja de Volta Redonda então, articulada por meio das Cebs, passa
a atuar como o partido político das classes dominadas na visão gramsciana,
transformando-se em espaços de organização e mobilização, que buscavam
romper a influência da classe dominante, elaborar e
difundir uma nova visão de mundo. Ela colabora decisivamente para a
rearticulação dos espaços populares, não se curvando ante as ameaças da
ditadura.
Este trabalho, que já está em andamento, tem como principal eixo
temático a problemática das cebs, situando-se nos limites definidos pela História
Política, afinal segundo Jacques Julliard “(...) a ilusão de uma história sem
política, repousa num material morto e inerte
66
. Evidentemente não pretendo
me basear nos marcos da História Política Tradicional, a qual era identificada
com a própria história política. O próprio Julliard, sintetizando e expondo suas
críticas à História Política (tradicional), afirma com veracidade: “(...) é elitista ,
talvez biográfica, e ignora as sociedade global (...) é narrativa, e ignora a
análise, é idealista, e ignora o material, é ideológica, e não tem consciência de
-lo, é parcial e não o sabe; (...) em uma palavra, uma vez que essa palavra
tudo resume na linguagem dos historiadores, é uma história factual
67
.
Concordando plenamente com as críticas do autor citado, buscando
dessa forma as contribuições da Nova História Política, destacando a ênfase nas
novas corrente marxistas que segundo Falcon “(...)vieram em auxílio dessa
restauração do político em geral, ou da história política em particular
68
. Neste
sentido, utilizarei principalmente a formidável contribuição do pensamento
gramsciano e de alguns dos seus conceitos- hegemonia, bloco histórico,
sociedade civil, sociedade política, intelectuais orgânicos, etc.
chamado ‘universo simbólico popular” NOVAES, Regina. ‘Nada Será Como Antes, Entre Urubus e
Papagaios’ in TEIXEIRA, Faustino L. CEBs: Cidadania e Modernidade-Uma Análise Crítica, São
Paulo, Paulinas, 1993, p. 93
66
JULLIARD Jacques, ‘A Política’, in História: Novas Abordagens, Dir. LE GOFF, Jacques e NORA,
Pierre, Trad. Henrique Mesquita, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 186
67
Ibid idem, p. 180
68
Francisco Falcon, ‘História e Poder’, in Nos Domínio da História
33
Iniciei minhas pesquisas utilizando os arquivos da diocese de Volta
Redonda-Barra do Piraí, (principalmente livros de tombos- escritos pelos bispos
desde o período de fundação da diocese em 1926, atas das reuniões, boletins da
diocese, cartas,). A grande dificuldade nesta tarefa é que, infelizmente alguns
desses arquivos, na verdade, são muito carentes, haja visto que houve uma perda
considerável de alguns materiais, devido à própria ação repressora da ditadura,
bem como por ação do intemperismo (enchentes, traças,) e também pelo fato de
não existirem publicações, artigos e obras que retratem a história desse
movimento na cidade. Constituindo-se a supressão de parte dessa carência, numa
importante contribuição do projeto que aqui se delimita. As produções
historiográficas, sociológicas e também teológicas que abordam a problemática
das Cebs no Brasil e América Latina, sejam as produzidas pela própria Igreja, por
militantes e assessores das Cebs, órgãos de assessoria (ISER, CERIS,), teólogos
da Igreja, historiadores e sociólogos independentes, estão sendo lidos e
analisados e constituem uma importante fundamento teórico da pesquisa.
Arquivos de organizações e movimentos populares e sindicais, bem
como arquivos particulares de ex-militantes das Cebs, que mesmo limitados,
contribuíram para minha pesquisa (arquivos de padres, sindicalistas). A análise
de periódicos, jornais e outras publicações impressas também será um importante
instrumento para minha pesquisa bem como a pesquisa nas comunidades
eclesiais e grupos comunitários (Santo Agostinho, Vila Americana, S. Sebastião-
Retiro, Bom Jesus- Retiro), que viveram o período retratado na presente
dissertação.
As dificuldades expostas acima, me impelem a buscar outras fontes.
Neste sentido, estas limitações me estimulam a buscar auxílio na história oral -
que será de extrema importância em meu trabalho.
A utilização desta fonte historiográfica, iniciou-se nos EUA e Europa,
chegando ao Brasil em meados da década de 1970. Somente porém, a partir da
década de 1990, é que esta fonte vem ganhando espaço nos meios acadêmicos.
34
Norberto L. Guarinello destaca que ela é “(...) uma prática instituída e
legitimada
69
. A contribuição dessa fonte de pesquisa se expressa, de acordo
com Maria Christina Rocha, pelo fato de que “(...) na oralidade , há uma
memória orientada não só para buscar no passado as explicações deste passado,
mas para acrescentar ao corpo dos conhecimentos do passado e acontecimentos
de seus ‘presentes’, o que é permanente, enriquecedor e atualiza essa memória
70
Utilizarei desta forma, técnicas de entrevistas com pessoas que
tiveram uma atuação destacada no processo de nascimento e organização das
Cebs em Volta Redonda. Esta técnica possibilita me facilita a possibilidade de
obter características da sociedade e das comunidades de base, pois o indivíduo
inseridos neste contexto, reflete as características deste. Questionários também
serão utilizados em alguns casos específicos.
As entrevistas estão sendo realizadas com lideranças da Igreja, das
Cebs, do movimento popular e sindical e outras, destacando-se o bispo diocesano
D. Waldyr Calheiros, que atuou nesse processo como o intelectual orgânico
71
e
principal articulador desse movimento, bem como padres (Normando, Paulo
Hottz, Francisco), religiosas (Marta, Olívia, Elizabeth, Judite), militantes ligados
à base do movimento (Marilézia Carvalho, Cleusa, José Geraldo, Péricles,
Schetine Motta, Dodora,), e também pessoas simples da base
72
(Srª. Júlia, Sr.
João, Sr. Dinoráh, Judith, Sr Dário e Srª Neusa), bem como lideranças populares
e sindicais (Edson Santana- 1
o
vereador eleito pelo PT/VR em 1982, Luís de
Oliveira
69
GUARINELL, Norberto Luiz o, Breve Arqueologia da História Oral in História Oral, Associação
Brasileira de História Oral, número 01, Junho de 1998, São Paulo
70
ROCHA, Mª Chistina de Caldas Freire. Discurso Mítico e Construção Histórica. in Revista do
Mestrado de História da Universidade Severino Sombra. USS ano 1. Rio de Janeiro. Editora Sette
Letras, 1998. P. 47-48.
71
Gramsci destaca que esse tipo de intelectual deve “ (...) imiscuir-se ativamente na vida prática, como
construtor, organizador, ‘persuasor permanente’” GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a
Organização da Cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 9
a
ed., 1995
72
Mirian Goldemberg destaca que é importante o historiador “(...) não se limitar somente a ouvir
apenas pessoas que estão no topo de uma hierarquia de credibilidade. Deve ouvir também quem nunca
35
Rodrigues ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos/VR, Leonardo
Nogueira, vereador pelo PT, Wanderley Barcellos, ex-diretor do Sindicato dos
Metalúrgicos e ex-vereador/ PT) e outros (Waldyr Bedê, Marlene Fernandez e
Rosalice), que vivenciaram o período recortado em meu trabalho.
é ouvido, invertendo assim esta hierarquia.”, A Arte de Pesquisar: Como Fazer Pesquisa Qualitativa
em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Record, 3
a
ed., 1999, p. 85
37
CAPÍTULO I
CEB’S: UM NOVO SUJEITO NA VIDA DA IGREJA
1.1. O Nascimento das Cebs: uma Retrospectiva Histórica
“O cristianismo está na história, mas a
história está no cristianismo”
73
Em várias partes do país florescem experiências comunitárias de vida
na Igreja. As comunidades eclesiais de base, organizadas desde meados dos anos
sessenta, representam na prática, uma tentativa concreta de viver a fé neste
sentido.
Este movimento, que se configura como uma das mais expressivas
propostas de organização popular no Brasil neste século, articula, segundo
pesquisa atuais
74
, cerca de 70.000 núcleos e reúne aproximadamente dois
milhões de pessoas em todo país
75
. Estes números demostram a dinâmica e
vivacidade destas comunidades.
Caracterizadas sobretudo como importante movimento de formação
de lideranças para a sociedade civil, despontaram nas Cebs, líderes de expressão
nacional, como Vicentinho, João Pedro Stédile, Luiza Erundina, José Rainha,
73
Padre Daniélou in VINCENT Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da Vida
Privada, Antoine Prost e Gerárd Vincent (org. vol.), S. Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 5, p.
410
74
Pedro de Oliveira, importante assessor das Cebs, a partir de pesquisa realizado pelo CERIS e
ISER/ASSESSORIA, aponta a existência de um número variável de 60.000 a 80.000 Cebs no Brasil.
Analisando os dados da pesquisa, excluindo as comunidades que não tem celebração dominical,
reflexão bíblica ou conselho comunitário, o autor chega a um número próximo de 70.000
comunidades de base no Brasil. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. ‘CEB; Unidade Estruturante da
Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997
75
Cf . Revista Isto é ‘As Comunidades de Base são só de Deus?’, 04.02.1981
38
Marina da Silva e Chico Mendes, que entre tantos outros, lutam por um país
democrático.
Outra grande contribuição das Cebs, foi no período sombrio do
regime militar, onde eram praticamente o único movimento social de contestação
a atuar na legalidade. Com a redemocratização do país, passaram a integrar o
amplo leque dos movimentos populares e reivindicatórios.
As Cebs representam acima de tudo, a encarnação de um novo modo
de ser Igreja que fez a opção preferencial pelos pobres. Nem todos os
participantes vivem em condições de pobreza, mas o direito dos pobres
centraliza a sua espiritualidade e discussão. Não se restringem à animação da fé.
Na linha do amor ao próximo, criam projetos alternativos para minorar o
sofrimento do povo simples e partem decisivamente para sua organização,
incentivando a luta pelos seus direitos. De suas bases surgiram importantes
movimentos reivindicatórios.
As Cebs representam ainda acima de tudo, uma realidade
incontestável na Igreja do Brasil. A multiplicação constante destas comunidades
de base em todo o país, nas décadas de 70 e 80, foi um fator de discussão e
chamou a atenção de cientistas sociais, teólogos,
39
sociólogos e historiadores, principalmente ligados à Igreja
76
, que compreendem a
articulação dialética fé e vida nas Cebs, ou seja, o relacionamento dos cristãos
com as bases populares, como um dos fenômenos mais significativos desta
época.
1.2. O lugar de nascimento das Cebs
Nas décadas de 1970 e 80, as Cebs se espalharam por todo o país,
desafiando a ditadura instalada. Hoje porém, em tempos de democracia e
neoliberalismo, muitos nem se lembram dos difíceis anos da ditadura e nem
participaram do processo de democratização de nosso país.
Direta ou indiretamente essas novas comunidades, contribuíram de
diferentes maneiras para o processo de redemocratização que começava a se
articular no país. Eram grupos de pessoas que, morando no mesmo bairro ou
povoados, se encontravam para refletir e transformar a realidade, ‘à luz da
Palavra de Deus’, utilizando uma expressão comum nesse meio, e das
motivações religiosas. Surge a partir daí, o nome de Comunidades Eclesiais de
Base (Cebs). Começavam também a reivindicar pequenas melhorias nos bairros,
e ao mesmo tempo, iniciavam uma caminhada para tomar consciência da
situação social e política. Queriam a transformação da sociedade. Inspiradas no
método ‘Paulo Freire’
77
de alfabetização de adultos, executavam uma
76
Sobre esta questão vide: CARAMURU, Raimundo. Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral
Decisiva, Petrópolis, Vozes, 1967; Vide BOFF Clodovis et al, Comunidades de Base em Questão, São
Paulo, Paulinas, 1997; BOFF, Leonardo, E a Igreja se fez Povo, Petrópolis, Vozes, 3
a
ed., 1986;
QUEIROZ José (org.), A Educação Popular nas Comunidades Eclesiais de Base, Coleção PUC-
estudos, São Paulo, Paulinas, 1985; TEIXEIRA Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil:
Elementos Explicativos, São Paulo, Paulinas, 1988; TEIXEIRA, Faustino L. CEBs: Cidadania e
Modernidade-Uma Análise Crítica, São Paulo, Paulinas, 1993; AZEVEDO, Marcello de Carvalho.
Comunidades Eclesiais de Base e Inculturação da Fé , São Paulo, Loyola, 1988; BOFF Clodovis,
Comunidade Política- Comunidade Eclesial: Ensaios de Eclesiologia Política, Petrópolis, Vozes,1989;
PAIVA, Vanilda. (org) Catolicismo, Educação e Ciência, Coleção Seminários Especiais- Centro João
XXlll, São Paulo, Loyola, 1991. Destaque ainda para inúmeros artigos desses autores em revistas
especializadas.
77
Este método articula a alfabetização ao processo de formação da consciência crítica do cidadão.
Partindo de palavras próximas da realidade do educando, os temas geradores, se constrói o processo
educativo ao mesmo tempo em que se forma a cidadania do aluno. Dessa forma, Paulo Freire defende
40
metodologia que levasse da conscientização à ação. Baseadas no método Ver-
Julgar-Agir, colocaram em prática a luta por melhores condições de vida.
De acordo com Faustino Teixeira, "(...) nos anos 70 e início dos 80,
falava-se muito no impacto da atuação das Cebs no campo sócio-político,
enquanto geradoras de uma nova consciência das camadas populares e fator de
grande importância no processo de libertação dos pobres."
78
. Essas pequenas
comunidades cristãs, com número variável de participantes (entre 20 a 100
membros), eram consideradas um novo sujeito popular, capaz de reverter a
situação de pobreza e apontando para uma nova sociedade mais justa e fraterna.
Especificamente no interior da Igreja Católica, as Cebs queriam rever
uma estrutura muito piramidal e autoritária que cerceava a participação popular e
impunha decisões de cima para baixo. Incentivadas pelas decisões do Concílio
Vaticano II (1962-1965)
79
e pela Conferência Episcopal de Medelin (1968)
80
,
que apontaram para o deslocamento ds bases sociaisda Igreja, estas comunidades
vislumbraram uma maior participação dos leigos e um processo mais
participativo na tomada de decisões. Ao redor da imagem que a Igreja é ‘povo
de Deus’, como caracterizou o Concílio, e não mais sociedade hierárquica, as
comunidades sentiram-se parte ativa na construção do Reino de Deus.
Houve quem aplaudisse e quem desqualificasse tais atitudes, como
algo que ameaçasse destruir a estrutura de dois mil anos da Igreja. Falava-se,
como Leonardo Boff, da prioridade do carisma sobre a instituição e usava-se o
a participação das classes populares no processo de sua própria educação, inclusive educação política.
Ele insiste na possibilidade do povo ser sujeito de sua própria educação, opondo-se a uma concepção
educacional que atribui a uma elite o papel da direção. Esta crença na capacidade do povo de pensar e
realizar será sua contribuição no processo de construção das Cebs.
78
TEIXEIRA, Luís Faustino Couto. A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos Explicativos, São Paulo,
Paulinas, 1988, p. 181
79
O Concílio Vaticano II realizou-se em quatro sessões: 11 de outubro à 08 de dezembro de 1962, 21 de
setembro à 04 de dezembro de 1963, 14 de setembro à 21 de novembro de 1964 e 14 de novembro à
08 de dezembro de 1965. VINCENT Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da
Vida Privada, Antoine Prost e Gerárd Vincent (org. vol.), S. Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 5,
p. 412. Sobre especificamente o Concílio Vaticano II vide ainda: MARTINA, Giacomo. História da
Igreja: De Lutero aos Nossos Dias, vol. 4 A Era Contemporânea, Trad. Orlando Soares Moreira, São
Paulo, Loyola, 1997
41
método das ciências sociais para analisar a Igreja. Substituir a tradicional
filosofia pelas ciências sociais representava o risco de introduzir a análise
marxista dentro da Igreja. Começou-se, então, a falar do perigo comunista na
Igreja e muitos ficaram alarmados, principalmente por que vivíamos o período da
Guerra Fria e a histeria anticomunista tomava conta da sociedade.
A questão central naquele momento era a necessidade da Igreja se
posicionar em relação aos problemas sociais. ‘(...) A questão não é saber se
reconhecemos ou negamos a luta de classes, mas de que lado nos situamos e
quais solidariedades ou cumplicidades escolhemos’
81
. As Cebs responderam
plenamente à essas questões e mostraram com muita perseverança que a sua
mensagem veio para ficar, colocando-se ao lado dos oprimidos de nossa
sociedade e assumindo a evangélica ‘opção preferencial pelos pobres’
defendida
por Puebla.
Nos dias atuais porém, devido a própria conjuntura político-
econômica e eclesial, marcada principalmente pela ascensão das forças
conservadoras no interior da Igreja, as comunidades eclesiais de base, se
encontrem em refluxo, reelaborando sua própria presença na sociedade.
Para descortinar a gênese das Cebs no Brasil, é necessário antes de
tudo, situá-las num amplo contexto sócio-político e eclesial, que será abordado
neste trabalho a partir de uma breve análise estrutural e conjuntural das causas
que geraram este fenômeno. É necessário englobar nesta análise, as vertentes
básicas de gestação do fenômeno das Cebs, que incluem o contexto sócio-
político brasileiro e o contexto eclesial nacional e o geral.
1.3. O Contexto Eclesial
80
Esta conferência dos bispos latino-americanos contou com a presença do Papa Paulo VI e antecedeu
as conferências de Kampala para África e Manila para a Ásia.
81
G. Casalis apud GUIMARÃES, Almir Ribeiro. op., cit., p. 70
42
Estabelecer com precisão o momento exato do surgimento da primeira
Ceb no Brasil é uma tarefa bastante difícil. Segundo informações de Raimundo
Caramuru, numa das primeiras obras abordando esta temática, em 1967, já
existia uma dezena dessas comunidades espalhadas pelo Brasil
82
. É possível
situar o nascimento dessas primeira comunidades em meados da década de
sessenta.
Em linhas gerais, o contexto eclesial brasileiro e universal, contribuiu
de maneira decisiva para a eclosão do fenômeno das Cebs. No caso brasileiro,
vivia-se uma crise na Instituição Igreja, expressa principalmente pela falta de
padres, ‘crise da paróquia’
83
. Havia uma grande necessidade de renovação desta
instituição, que acabou contribuindo por valorizar timidamente o leigo nos
trabalhos pastorais.
Entre tais iniciativas que ofereceram estas possibilidades, pode-se
destacar principalmente alguns movimentos pioneiros que esboçavam um
protagonismo dos leigos na questão religiosa. Registra-se a origem desses
incipientes movimentos no começo dos anos sessenta
84
.
Neste arco de iniciativas se inserem a experiência da ‘catequese
popular’, iniciada por D. Agnelo Rossi, na diocese de Barra do Piraí ( atual
diocese de Volta Redonda Barra do Pirai) alvo de análise da presente
dissertação e que será amplamentre discutida no capítulo III, o Movimento de
Natal, a experiência pastoral de Nízia Floresta, ou ainda do Movimento de
Educação de Base (MEB). Destaca-se também a influência das experiências
82
CARAMURU, Raimundo. Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral Decisiva, Petrópolis, Vozes,
1967
83
A crítica à paróquia é uma constante nos, primeiros textos que defendiam a idéia de implantação de
comunidades de base nesta época inicial. No capítulo I, abordo esta questão. Vide CARAMURU,
Raimundo Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral Decisiva, Petrópolis, Vozes, 1967 e MARINS,
José. A Comunidade Eclesial da Base, São Paulo, Salesianas, 1967
84
Cf CARAMURU, Raimundo. Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral Decisiva, Petrópolis, Vozes,
1967
43
inovadoras no campo da Liturgia, Catequese, dos movimentos de Ação Católica,
etc.
Não poderia negar evidentemente a influência desses movimentos de
Ação Católica, como também os trabalhos de renovação pastoral do MMM-
Movimento para um Mundo Melhor, e dos Planos de Pastoral da CNBB,
destacando-se o Plano de Emergência (1962-1965) e o Plano de Pastoral de
Conjunto (1966-1970). No contexto voltado para o campo social, a rearticulação
da pastoral popular após o golpe militar de 1964, também terá um papel
definitivo nos contornos definitivos da experiências das Cebs.
Estes diversos movimentos, logicamente contribuíram em diferentes
níveis, para o fenômeno das Cebs. Enquanto que uns ajudaram a criar um espaço
de renovação eclesial, outros, acentuadamente a Ação Católica, abriram o
caminho para reflexão crítica da mensagem teológica e compromisso político,
como atesta Faustino Teixeira
85
.
Antes dessas experiências de cunho renovador a Igreja no Brasil
sempre teve uma história de alinhamento e subordinação ao poder. Desde o
período colonial, o papel da Igreja na sociedade, constituía-se em ser, de acordo
com o pensamento gramsciano, “(...)uma utopia que mantêm as classes
populares na ignorância e lhes retirar toda possibilidade de adquirir
consciência política e ideológica.”
86
.
Desde então, ficou claro seus nítidos projetos de dominação, como
atesta Beozzo: “(...) chegou aqui com uma face de prepotência, impondo língua
e costumes; de etnocentrismo de quem se considerava de raça e culturas
superiores, pronto a legitimar a sujeição e a escravidão, em nome da fé e do
85
TEIXEIRA, Faustino C. ‘As cebs no Brasil, Cidadania em Processo’ in Cebs, Cidadania e
Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993, p.12
86
Hugues Portelli, Gramsci e a Questão Religiosa, Trad. Luiz João Galo, São Paulo. Paulinas, 1984
44
evangelho. A aliança com os poderosos e com o seu projeto de dominação
completou toda essa face dura do cristianismo que chega à América.”
87
No Brasil-Colônia e no Império essa situação pouco se alterou,
concretizando-se na prática com o Padroado Régio
88
, que subordinava a Igreja à
Coroa Portuguesa.
Com o advento da República Velha (1989-1930), a separação Igreja-
Estado (1891), marcará o fim do monopólio da fé no Brasil. A Igreja tentará de
todas as formas recuperar a sua presença na sociedade e a sua hegemonia perdida
com o nascimento da república, enfrentando no campo religioso batalhas contra
os avanços dos protestantes e no campo ideológico as polêmicas anti-laica, anti-
liberal, anti-positivista, etc
89
.
Procurando expandir sua atuação, e amparada pelo projeto nacional-
desenvolvimentista dos vitoriosos de 1930, a Igreja procura alargar sua base
social e recuperar o espaço perdido com a Proclamação da República,
evidentemente sem romper sua aliança com o Estado e as classes dominantes
90
,
abrindo- se para uma estratégica atuação mais próxima das camadas médias e
populares.
A Igreja naquele momento ‘(...)devia reerguer-se apesar de graves
obstáculos, para novas iniciativas nos vários domínios das atividades religiosas,
sociais e culturais’
91
O instrumento privilegiado dessa tática será a criação da
Ação Católica e dos Círculos Operários, concebidos especificamente para atuar
junto ao crescente operariado no sentido de “(...) estabelecer a colaboração a
paz e a harmonia entre as classes sociais. Muitos círculos eram dirigidos pelos
patrões e não pelos próprios trabalhadores”
92
, como assinala ainda Beozzo.
87
Oscar Beozzo, Curso de Verão III -, p. 122, São Paulo: ed. Paulinas, 2
a
edição, 1989
88
definir
89
Cf. João Alfredo Montenegro, Evolução de Catolicismo no Brasil, Petropólis, Vozes, 1972, capítulo 4
principalmente parte 2-.
90
Cf. Simon Schwartzman, op. Cit.
91
Fernando de Azevedo in Simon Schwartzman, op. Cit., pag 116
92
Oscar Beozzo, op. Cit., pag. 158
45
As mudanças começam a se delinear de maneira muito tímida a partir
da década de 50. Muito importante nesse período será a transição da Ação
Católica que seguia o modelo italiano, centralizado e hierarquizado, para o
modelo belga-francês-canadense, descentralizado e democrático, com maior
inserção no meio operário e social.
Esta nova estrutura do movimento, possibilitou sobretudo o
surgimento das Juventudes Católicas dentro de suas específicas realidades: a JAC
(Juventude Agrária Católica) nas zonas rurais; a JEC (Juventude Estudantil
Católica), nos movimentos de jovens secundaristas; a JOC (Juventude Operária
Católica) no campo operário; a JIC (Juventude Independente Católica) e a JUC
(Juventude Universitária Católica), nos meios universitários.
Estes movimentos de Ação Católica foram extremamente ativos,
sendo um importante fonte formadora de lideranças leigas que futuramente
sustentaram experiências do Movimento de Educação de Base, dos sindicatos
rurais, das Cebs e de vários outros programas e movimentos, vinculados ou não à
hierarquia católica.
Seus militantes se dispuseram nesta fase a transformar programas até
então muitas vezes limitados, em projetos eficazes. Assistia-se também a
inserção crescente desses movimentos no espaço político, onde passam a disputar
influências com as várias tendências políticas de então
93
.
A partir do seu crescente engajamento social, tendem gradativamente
a buscar maior autonomia em relação `a hierarquia católica. A Ação Católica
precisava delimitar sua própria identidade e seu projeto político
independentemente. Isto acaba se concretizando no afastamento de muitos
militantes e principalmente após a criação da AP (Ação Popular)
94
, que
93
Destacar Gorender e os movimentos da época.
94
Organização de esquerda fundada em 1962. Era formada por ex-militantes de grupos da Ação Católica
(JOC e JUC), juntamente com um grupo protestante e outros grupos sem confissão religiosa, inclusive
com formação marxista. Os militantes dessa organização se pronunciavam por uma ideologia própria,
buscando apoio doutrinário em pensadores católicos. A AP opta pelo caminho da luta armada em
46
provocará grandes tensões internas no seu relacionamento com a hierarquia.
Estes episódios, aliados ao agravamento da situação social do país, forçarão uma
mudança de posicionamento de setores da hierarquia católica, levando-os a um
maior compromisso social
95
.
Outro ponto importante será a organização da CNBB, uma das
primeiras organizações episcopais do mundo, em 1952. Ao reunir a ala
progressista da Instituição, permitiu uma maior articulação dos bispos entre sí e
maior agilidade na tomada de decisões dentro da Igreja. Destacou-se sobretudo a
atuação de seu secretário Hélder Câmara
96
.
1.4. As transformações na Igreja Romana e sua interelação com a
conjuntura eclesial brasileira
O contexto eclesial brasileiro, não fornece porém todos os dados da
complexa questão do nascimento das Cebs no Brasil. É necessário, sobretudo,
alinhavá-lo com as mudanças que se delineavam na estrutura da Igreja Universal.
Neste campo externo, a fundação do CELAM ( Conselho Episcopal Latino
Americano) e a convocação do Vaticano II
97
, e o seu convite a um
1965. Em 1967, adere aos princípios do maoísmo. No ano de 1971, transforma-se em partido e em
1973, incorpora-se ao PC do B. GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas, São Paulo, Ática, 1998, p.
41, 126 e 127.
95
Cf. Oscar Beozzo, op. Cit., pag. 163
96
D. Hélder Câmara foi um dos maiores expoentes dos setores progressistas da Igreja Católica no Brasil,
destacando-se por sua postura contundente frente aos problemas sociais. No período em que atuou
como bispo auxiliar no Rio de Janeiro, teve uma atuação destacada, fundando a Cruzada São
Sebastião e Banco da Providência. Ele ainda foi o idealizador e primeiro secretário geral da CNBB em
1952, ainda enquanto padre. D. Hélder neste período, habilmente impulsionou esta entidade a adotar
posições políticas e teológicas progressistas. Na década de setenta, a CNBB se tornará o principal
porta-voz institucional da Igreja no Brasil. D. Hélder foi transferido do Rio de Janeiro em 1963,
quando se tornou arcebispo de Olinda e Recife. Gerard Vicent atribui a ele um papel importante na
sensibilização dos bispos à miséria crescente do Terceiro Mundo, nas discussões do Vaticano II,
preocupado sobretudo em acabar com a aliança entre a Igreja e as forças conservadoras. VINCENT
Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da Vida Privada, Antoine Prost e Gerárd
Vincent (org. vol.), S. Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 5
97
As análises sobre a convocação deste Concílio geram apaixonadas discussões entre os historiadores.
Muitos deles como Skidmore, afrmam que o Papa João XXIII, na verdade nào sabia muito bem qual o
seu objetivo. Felipe Fernandez-Armesto e Derek Wilson, compartilham desta visão afirmando que “...
Papa João XXIII, “...não tinha a menor intenção de virar a Igreja de pernas para o ar”. Segundo
eles, o papa apenas queria conscientizar os bispos e pensar como a Igreja poderia melhor se posicionar
nesse mundo. FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: O Cristianismo e o
Mundo1500-2000, Rio de Janeiro, Record, 1997, p. 356 e 357
47
‘aggiornamento’, a ‘atualização’ da Igreja frente ao compromisso ecumênico e ao
encontro com outros diferentes grupos para a construção da paz, abriu caminhos
promissores para que então frações não hegemônicas, que lutavam por reformas
internas na Igreja, ganhassem cada vez mais espaço dentro de sua milenar
estrutura
98
.
É importante destacar, que a Igreja é uma instituição excessivamente
complexa para que se possa fazer com segurança, uma análise completa sobre o
conjunto de transformações que se operaram em seu interior e que acabaram
levando posteriormente à eclosão das Cebs.
Os sinais das transformações são encontrados nas significativas
mudanças verificadas na estrutura da Igreja a partir da realização do Concílio
Vaticano II, uma iniciativa da Igreja Romana de se relacionar com a
complexidade do mundo moderno.
Para a realização deste Concílio, pesaram decisivamente os vários
movimentos de renovação eclesial, iniciados no início do século XX e que
acabaram sendo sancionados pelo Vaticano II
99
.
Parece que o elemento detonador das Cebs no Brasil foi exatamente a
experiência única e marcante do Vaticano II. Este Concílio revelou seu potencial
pastoral em sua abertura para o mundo e para a história e, ao mesmo tempo, sua
densidade de reflexão, postulando a imagem da Igreja como sendo o ‘povo de
Deus’ a caminho.
O Vaticano II também contribuiu para criar um clima de autocrítica no
interior da Igreja. Vários movimentos com tendências progressistas ganharam
mais espaço e legitimidade, tais como o movimento bíblico, teológico, litúrgico,
etc.
98
Vanilda Paiva, Op., Cit., páginas 80,81 e 82
99
Faustino Luiz Couto Teixeira, op. Cit., principalmente cap 4CITA=LOS
48
A própria Igreja passou a tecer críticas ao sistema capitalista,
apresentando a incompatibilidade da acumulação capitalista com a ética da
equidade, e principalmente, de acordo com Paiva
100
, pela primeira vez,
reconheceu os aspectos positivos do socialismo, especialmente no que concerne à
justiça social, ao mesmo tempo que reiterou sua incompatibilidade política com
o ‘socialismo real’ .
O Concilio Vaticano II abriu sobretudo um amplo espaço para
diálogo com o com o mundo moderno e com as sua problemática econômica,
social e política. Com o papa João XXIII e em torno da Mater Magistra (1961)
e da Pacem in Terris ( 1963), a Igreja buscou uma nova atuação. O
aggiornamento representava sobretudo, “(...) a atualização da Igreja em relação
à questão social, era um grito de respaldo (...) para a Igreja, que no terceiro
mundo, e dentro dele, principalmente na América Latina, encravada na miséria e
na injustiça estava pronta para a virada
101
Na América Latina esse processo ganha um grande impulso a partir de
1968. As Cebs resgataram as orientações do Vaticano II, através de sua releitura
que as Conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) fizeram na América
Latina. Enquanto aquela preencheu o imaginário eclesial com a temática da
Libertação, esta aprofundou a discussão com a evangélica opção pelos pobres.
Nascia a partir de Medellin, o compromisso concreto da Igreja com o
mundo dos pobres. A maneira de realizar este compromisso, descerrou-se o
apoio às nascentes comunidades de base. Este encontro dos bispos latino
americanos, teve o mérito de tornar as nascentes comunidades de base, um
instrumento de ação da Igreja latino americana. Sua grande afirmação é de que a
Igreja deve organizar-se e viver em comunidades menores, cuja especificidade
os bispos latino americanos não determinaram, como já discuti no capítulo
anterior.
100
Vanilda Paiva, A Igreja Moderna no Brasil in Revista Religião e Sociedade número 11, ano 1, Rio de
Janeiro, Campus, 1984.
49
Até então a Igreja brasileira vivia do transplante e dependência de
movimentos europeus. A sua ação pastoral orbitava em torno da paróquia, como
já discutido anteriormente, incapaz cada vez mais de responder às urgências da
problemática brasileira.
Em consonância às determinações do Concílio que se realizava na
Europa, e na busca de uma nova estrutura que dinamizasse a vida religiosa no
país e visando uma pastoral mais versátil e adaptada à realidade nacional de
carência e subdesenvolvimento, a CNBB, elabora o Plano de Emergência (1962-
1965) e o Plano Pastoral de Conjunto (1966-1970), onde propõe a renovação das
antiga pastoral paroquial: “Nossas paróquias atuais deveriam ser compostas de
várias comunidades de base, dada sua extensão e densidade demográfica (...)
será de grande importância empreender a renovação paroquial pela criação
dessas comunidades de base (...) onde os cristãos não sejam pessoas
anônimas”
102
Este processo de renovação será coroado de bastante êxito no Brasil.
Ao mesmo tempo, as orientações do Vaticano II e Medellin, sobre justiça social,
democracia e direitos humanos, gerarão muitos conflitos com o regime
implantado em 1964, situados na incompatibilidade entre a lógica defendida pela
Igreja e a colocação em prática pelo regime militar de uma lógica capitalista
estrita
103
. A incompatibilidade entre a lógica empreeendida pela Igreja e a lógica
defendida pelos militares, ficou clara quando da edição do AI-5 (1968), que opôs
sistematicamente estas duas Instituições.
O crescente envolvimento da Igreja nas lutas sociais deste período,
liga-se à sua estratégia moderna de remontar sua área de influência,
101
Marcos de Castro, op. Cit., pag 74
102
Plano de Emerg6encia CNBB, citado por LEORATO, Massimiliano. CEBs: Gente que se faz Gente
na Igreja, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 22
103
Daniel Aarão explica este atrito, afirmando que a ditadura associava-se cada vez mais ao projeto de
desenvolvimento do capitalismo internacional, “(...) ques e realizava com soberano desprezo pelos
valores religiosos e pelas desigualdades sociais” REIS, Daniel Aarão. ‘Lutas Sociais, Reformas e
Revolução nas Tradições das Esquerdas Brasileiras’, in http: www. artnet.org.br/gramsci/textos
50
aproximando-se das camadas populares, como foi proposto no Vaticano II
104
. No
caso particular do Brasil, este alinhamento se intensificou graças às crescente
diferenças com o regime implantado, e suas ligações com grupos de oposição,
articulando as forças da sociedade civil. Vanilda Paiva caracteriza estre processo
como o ‘aggiornamento precoce’da Igreja Brasileira
As Cebs surgem então, como alternativas pastorais neste contexto,
amparadas internamente por movimentos, que mesmo de maneira bastante
limitada, procuravam valorizar os leigos, quando à priori, em 1966, a CNBB, na
elaboração do Plano de Emergência, faz uma opção pelas comunidades de base,
com o objetivo de tornar a Igreja mais viva, atuante e integrada à sociedade. A
partir daí surgem as primeiras iniciativas de formação concretas dessas
comunidades de base no Brasil.
Em linha gerais, o processo de nascimento das Cebs ocorre de
diferentes modos: as experiências das dioceses nos mostram que algumas
nasceram de círculos bíblicos, grupo de pessoas que se reuniam para refletir a
Bíblia e descobrem a necessidade de relacioná-la com a vida, surgindo um
engajamento social. Outras fazem o caminho oposto: de pessoas se reúnem para
reivindicar um direito, ao longo desse processo descobrem que são católicos e
passam a se reunir também para celebrações religiosas, e tantos outros
caminhos.
1.5. O contexto político
Em linhas gerais, no contexto político verificou-se no país no período
pos-45, a implantação de um regime liberal burguês que se estendeu até 1964.
Nesse período, o país passou por uma rápida modernização capitalista. Segundo
104
Vide capítulo I
51
Mendonça, delineou-se neste período, a definição de um novo papel do Estado
em matéria econômica, voltado para a afirmação do pólo urbano-industrial
enquanto eixo central da economia. “(...) Entre 1930 e 1945 o Estado brasileiro
avançou o seu processo de constituição enquanto Estado nacional e capitalista,
inscrevendo na materialidade de sua ossatura pela multiplicação de orgãos e
instituições- os diversos interesses sociais em jogo, metaforseados em
“interesses nacionais”. A ação do estado seria decisiva na condução desse
processo, através da definição de algumas medidas essenciais para um
desenvolvimento industrial baseado em recursos escassos”
105
.
Toda essa grande mudança teve acentuado incremento com acentuada
presença e participação do capital internacional, principalmente no período do
governo de Juscelino Kubitschek. Sobre o signo de seu projeto
desenvolvimentista, expresso no Plano de Metas, lançado na segunda metade dos
anos 50, o país ingressou em sua fase de economia industrial avançada,
concretizando-se uma estrutura monopolista específica que articulou, de modo
peculiar e com sucesso, o capital multinacional, a empresa privada nacional e a
empresa pública.
Este processo no entanto mostrou seu lado cruel e sinais de cansaço,
no final dos anos JK. “(...) Internamente, a concentração da renda decorrente do
padrão anterior incentivará uma mudança qualitativa do perfil da demanda
nacional, bem como uma concentração de capitais e empresas, que davam
suporte às alterações em curso. Ao mesmo tempo, a elevação dos índices de
crescimento do pólo urbano-industrial atraia um contigente cada vez mais
expressivo de população rural, o que significava a ampliação da massa de poder
aquisitivo, ainda que os salários, individualmente fossem baixos”
106
.
Sem dúvida alguma, concretizou-se nesse período a implantação plena
da concentração capitalista no Brasil, apresentando porém consequências
105
Sônia Regina de Mendonça ‘As bases do desenvolvimento capitalista dependente’ in História Geral
do Brasil, Maria Yeda Linhares (org) , Rio de Janeiro, Campus, 1998, pag. 328
52
nefastas para a economia nacional e para a grande maioria da população
brasileira, revelando-se desigual e excludente: “(...) cumpre mencionar o pesado
custo social desse modelo, cuja base está na ampliação entre produtividade e
salários, favorecida pela política econômica do governo.(...) Seu corolário foi
uma acelerada concentração de renda, que serviu de suporte às medidas da
política econômica pós-64”
107
.
No final do governo JK, assistiu-se a um quadro econômico bastante
preocupante. O Brasil, não conseguia manter as elevadas taxas de crescimento,
principalmente no período anterior; as finanças públicas estavam desequilibradas,
gerando déficits e consequentemente, inflação, e os salários que não aumentavam
na mesma proporção, elevando o custo de vida. Naturalmente, o resultado disso
foi o aumento das tensões sociais, onde as classes trabalhadoras começaram a
pressionar o governo a adotar políticas que revertessem o quadro de
agravamento das questões sociais.
Todo esse processo que se desenvolveu em nosso país, como em
outros países da América Latina nesse período, foi moldando a democracia
burguesa de modo que ela assumiu cada vez mais a feição do populismo
108
. Este
conceito, especificamente no caso brasileiro,”(...) não pode ser reduzido apenas
a uma mera manipulação de massas, nem tampouco explicado como um produto
de sua passividade. Se são importantes para a compreensão aspectos como o
carisma dos líderes e a identificação que propiciava entre Estado e indivíduos
dando respaldo à manipulação popular -, cabe lembrar que o populismo
representou também o reconhecimento institucional da cidadania política dos
106
Ib., Idem., p. 334
107
Ibid., Idem, p. 338
108
O conceito de populismo pode ser sintetizado a partir das seguintes características: liderança
individualista e personalista; A diluição do conceito de classe social e de lutas de classe, substituído
pelo conceito de povo e de massas populares, evitando, assim, as consequências políticas de aceitar a
luta de classes; Um discurso demagógico, dirigido à pequena burguesia. TEIXEIRA, Francisco
Carlos. in História Geral do Brasil, Maria Yeda Linhares (org) , Rio de Janeiro, Campus, 1998, p. 357
53
trabalhadores, ou seja, do seu direito de cobrar o atendimento de suas
aspirações.”
109
.
Todo este processo político é marcado antes de mais nada pela
ascensão dos setores populares ao cenário político nacional, que remontando tal
fato à Revolução de 1930, haja visto que, antes deste período, estes setores eram
marginalizados da cena política nacional. Tudo isso na prática resultou numa
politização maior dos sindicatos urbanos e rurais, e num crescimento da
consciência e mobilização popular. Exerceram grande influência nesse período a
pedagogia de Paulo Freire e as iniciativas sociais da Igreja. Dentro desse
contexto também crescia a insatisfação intelectual e estudantil contra a situação
social do país.
Surgiram nessa época ainda por toda a América Latina e movimentos
com o MIR, Tupamaros, etc, que tinham o claro objetivo de derrubar o
capitalismo e implantar uma sociedade socialista, afinal o exemplo de Cuba
estimulava e mostrava a possibilidade real de uma transformação radical na
América latina pela via revolucionária.
Pouco a pouco porém, a crescente mobilização popular será barrada pelas forcas
conservadas apoiadas pela política e financiamento norte americano, feito que se
traduziu no golpe militar de 1964.
Esta década de sessenta, é de suma importância, pois neste período,
ocorre um significativo avanço do movimento operário e popular no país, onde a
Igreja se insere, estimulando os grupos de base, tanto em áreas rurais, através
dos Sindicatos e do MEB, como nos centros urbanos, pela Ação Católica e seus
grupos especializados ( ACO, JOC, JUC, etc,), algumas vezes aliadas e noutras
vezes para fazer frente ao avanço de grupos esquerdistas.
O nascimento e crescimento da Cebs, acontecerá neste contexto
marcado pela instalação do regime militar e supressão das liberdades, expressos
109
Ib., Idem., pag
54
na edição do AI-5, em 1968, ao mesmo tempo em que se agudizavam as tensões
sociais, e os setores sociais trilhavam passos na sua organização. O golpe dos
militares, com apoio explícito dos grandes grupos econômicos nacionais e
internacionais, interrompe esta trajetória. A partir daí os canais de articulação da
sociedade civil foram violentamente desarticulados e silenciados, suas lideranças
presas, perseguidas e obrigadas ao exílio. As constantes torturas e
desaparecimento de lideranças de diversas tendências, compunham o macabro
cenário. A Igreja posteriormente assume a cena política, contribuindo para
reorganizar a sociedade civil.
Num primeiro momento após a instalação do golpe, analista são
unânimes em afirmar o acordo tácito entre militares e Igreja. Apesar das
diferentes linha de ação que se desenhava no horizonte entre ambos, a hierarquia
católica apoiou integralmente o golpe dos militares, temendo o avanço comunista
no país. Porém à medida que a ditadura se torna mais dura, por outro lado a
Igreja Católica, mantendo sua abertura interna, principalmente no governo
Geisel, assume uma função de denunciar as agressões aos direitos humanos, na
medida em que membros da própria instituição são também atingidos pela
repressão
110
. Igreja e Estado entram em conflito.
A Igreja assim acaba assumindo um papel de relevância na defesa dos
direitos humanos e na luta pela redemocratização. É neste cenário marcado por
esta ambiguidade, que começam a se organizar, celularmente em pequenos
grupos, como os primeiros cristãos nas catacumbas romanas, várias comunidades
de base. Nestes pequenos espaços, aos poucos vai se recompondo a voz de
setores da sociedade civil.
110
Sobre esta questão vide SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil, trad. Raul Fiker, São Paulo,
Paz e Terra, 1998, 2
a
edição; e Brasil: De Getúlio a Castelo, Trad. Mário Salviano Silva, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 3
a
ed., 1998; PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu
(organizadores). As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo,
Loyola, vol. 2- Durante o gov. Costa e Silva 1967- 1970, 1986 e As Relações Igreja- Estado no Brasil,
CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 3- Gov. Médici 1970- 1974-, 1986;
CASTRO Marcos de, 1964: Conflito Igreja X Estado, Petrópolis, Vozes, 1984
55
Neste período de repressão, as Cebs favorecem positivamente a
afirmação da cidadania dos pobres. Nesse período, a presença da Igreja junto ao
povo, permitiu que o numero de Cebs crescesse substancialmente
Durante o regime militar a Igreja foi uma das únicas instituições que
pôde trabalhar com o povo, buscando sua conscientização e organização . Os
bispos, à respeito desse posicionamento das Cebs afirmam: “(...) elas tornam vi-
sível o compromisso com os pobres. Sua própria existência e atuação é uma
denúncia da iniquidade social que rouba aos pobres sua voz e sua vez. Se as
Cebs sofrem perseguição é por causa da Igreja, do Evangelho, e assim elas se
constituem herdeiras da bem-aventurança”
111
. As Cebs em Volta Redonda
representam uma demonstração viva desse engajamento pastoral
Assim, na década de 1970, com o fechamento político do regime e o
suporte institucional de setores da Igreja, as Cebs consolidam-se como a prática
possível de oposição, reunindo leigos e membros da Igreja num amplo trabalho
comunitário, que acabou entrando em choque com a estrutura de poder então
vigente, sobressaindo dessa forma, nesta época, seu caráter popular.
Em relação a este aspecto de sua identidade, ele é evidenciado pela
sua vinculação ao movimento popular nos diversos níveis e graus de consciência.
Este é um dos seus grandes desafios: buscar uma ativa presença neste meios sem
perder suas características eclesiais.
Esta vinculação Cebs-movimento popular, não ocorre por acaso, mas
também de forma natural, haja visto que naquela conjuntura predominantemente
repressiva, a Igreja foi o canal cuja legitimidade não poderia ser questionada pelo
Estado e por onde fluíram as queixas dos descontentes. Afirma Jairo Sidney
112
,
que crescentemente distanciada do poder constituído, a restava a Igreja abrir
outros espaços, sob pena de se reduzir a um inócuo figurante na cena política .
111
Documentos da CNBB, op. Cit., DC 15
112
citar
56
A Igreja por meio das Cebs dessa forma, com sua proposta de fazer
interagir a fé dos cristãos com a realidade opressora que os cerca, constrói um
novo espaço de contestação ao regime. A partir da descoberta do coletivo, e da
prática da solidariedade cotidiana, se desvelam situações de denuncia da
sociedade que não é justa e precisa ser transformada. Esse espaço de denuncia,
suscitado pelas Cebs, faz nascer novamente os movimentos que buscavam
reconstruir sua identidade na sociedade: associações de moradores, sindicatos e
até mesmo partido político. As Cebs contribuem desta forma para o sociedade
brasileira.
Na medida então que se desenrola esta situação, a Igreja perde a
tolerância do regime. Em contrapartida torna-se um adversário incômodo,
ganhando espaço junto aos setores de oposição. SKIDMORE Todavia, não
podemos esquecer que a Igreja é também poder, participando da estrutura
dominante na sociedade. Naquela conjuntura específica da ditadura, floresceram
movimentos contestatórios em seu interior como as Cebs. Este momento foi
marcado pelo engajamento das Cebs na transformação da sociedade, aliados a
outras forças da sociedade civil. Seus militantes se destacam, atuando em todas
as instâncias da sociedade que se organizava novamente. Houve aproximação e
adesão importantes com a CUT e o PT, gerando em muitos casos atritos
internos
113
.
O caminho trilhado por estas comunidades ao longo da década de
1970, marcado pela grande autonomia em relação ao Estado, o seu crescente
engajamento social e partidário, bem como a possibilidade de conferir, a partir do
próprio cotidiano, aspectos de crítica social contundente, parecem porém ter
extrapolado os limites propostos pela própria instituição Igreja.
113
Este problemas são abordados por Faustino Teixeira, que destaca casos de práticas dogmáticas de
instrumentalização do espaço eclesial, fechamento ao pluralismo interno, falta de acolhida da
comunidade aos militantes que optaram pela atuação político-partidária, entre outros. TEIXEIRA,
Faustino L. C. Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993, p.20
57
Além de que, na nova conjuntura dos nos oitenta, marcada pela
crescente abertura política e reorganização da sociedade civil, com o
ressurgimento de sindicatos independentes, partidos políticos e associações
diversas, parece difícil às Cebs manterem mesma dinâmica. A Igreja deixa de ser
o espaço visível de presença crítica e aglutinador das oposições. E o momento
das Cebs se abrirem para a sociedade. Frei Betto elucida esta questão: “O fato
dessas comunidades estarem organizando uma das parcelas das camadas
populares, despertando-as para a força de sua união, não significa que o
processo de libertação se esgote na e pela Igreja. A Igreja não pretende
substituir os partidos políticos, os sindicatos, as associações de moradores, os
mecanismos próprios de luta política, embora possa, supletivamente, preencher
o vazio deixado pela quebra desses mecanismos. Saiba-se porém, que esta é uma
função transitória e provisória que a Igreja enquanto tal, pode desempenhar
precariamente”
114
Paralelamente, em sua estrutura interna, este é o momento em que a
Igreja vem retirar seu apoio institucional às comunidades de base e aos setores
progressistas agrupados em seu interior. Paiva denomina este movimento de
‘retração’
115
, onde novos parâmetros são estabelecidos para a inserção católica no
mundo. Ao mesmo tempo que se vivencia o ‘aggiornamento’, se podam
radicalizações no posicionamento da Igreja.
Esta alteração na conjuntura eclesial internacional, repercute
intensamente no Brasil. Após o pontificado de João Paulo II (1978) então, haverá
114
FREI BETTO, ‘Prática da Pastoral Popular’ i n Encontros com a Civilização Brasileira , nº 02, agosto
de 1978
115
Esta autora destaca que este movimento é evidenciado pela eleição do novo pontífice e nas resoluções
dos Sínodos dos Bispos neste período, que abandona as preocupações sociais, envolvendo-se mais
especificamente com as questões eclesiais. Este movimento indica ainda o fortalecimento de uma
nova corrente no interior da Igreja Católica, a ‘nova direita’, capaz de levar adiante o ‘aggiornamento’
da Igreja, sem os riscos de uma radicalização, como aconteceu em alguns casos, particularmente os
excessos da TdL e das Cebs. PAIVA, Vanilda. A Igreja Moderna no Brasil in Revista Religião e
Sociedade, número 13, ano 1, Rio de Janeiro, Campus, 1984. Pode-se destacar os sinais de tal
movimento com a subida, por exemplo, do cardeal Trujillo no CELAM em 1972, representando uma
vitória do episcopado conservador, dando-lhe orientações conservadoras com retoques progressistas,
iniciando neste período os primeiros a ataques à TdL. VINCENT Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário
58
uma nítida tendência de afirmação dessa ‘retração’, com uma nova identidade
católica na interação com a sociedade, caracterizada pela busca de um novo
equilíbrio eclesial, pautado pela contenção das forças progressistas na Igreja,
particularmente na América Latina, continente marcado pela forte atuação da
TdL, como foi abordado anteriormente.
Dentro desta ótica empreendida, a TDL, passou a ser duramente
criticada, suas publicações censuradas e seus teólogos sofreram processos e a
ação sócio-política da Igreja na América Latina será posta em questão pela Cúria
Romana. Vários bispos progressistas serão advertidos pelas autoridades romanas.
Havia dentro deste projeto, como objetivo a ser atingido, aquilo que
Teixeira apresenta como sendo, a ‘volta a grande disciplina’
116
, a intenção de
setores da Igreja em retornar a uma Igreja pré-conciliar, distante dos
engajamentos sociais e fechada sobre sí mesmo e seus horizontes limitados.
Naturalmente as Cebs, que já não dispunham de simpatias por parte do
episcopado conservador
117
, se tornaram um movimento alvo de críticas
constantes, exceto evidentemente por parte dos bispos comprometidos com seu
projeto, como é o caso de dezenas deles, incluindo-se nesta gama, a importante
presença de D. Waldyr Calheiros, bispo de Volta Redonda.
Evidentemente as dificuldades encontradas pela Cebs na década de
noventa, não são resultado único do recuo da conjuntura eclesiástica
internacional e nacional. Clodovis Boff
118
destaca, com extrema perspicácia, que
a crise nas Cebs, origina-se nos universos, eclesial e social, que se comunicam
e o Pecado’, in História da Vida Privada, Antoine Prost e Gerárd Vincent (org. vol.), S. Paulo,
Companhia das Letras, 1998, v. 5, p. 415
116
TEIXEIRA, Faustino L. C. Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993.
117
A Igreja Católica apresenta correntes internas que podem ser suscitamente descritas: o grupo dos
‘progressistas’, favoráveis à um amplo engajamento social da Igreja, assumindo posições políticas
bem definidas que explicitam este compromisso; os ‘conservadores’, que se constituíam no contrapeso
de ‘direita’ à ação dos progressistas, defendendo um afastamento da Igreja em relação às questões
sociais, reduzindo-a aos loimoites eclesiais; e os moderados, bispos que procuram evitar qualquer
posição pública sobre os problemas sócio-políticos-econômicos.
118
BOFF, Clodovis. ‘CEBs: a que ponto estão e para onde vão’ in BOFF, Clodovis e et al, As
Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997,p. 263
59
permanentemente como foi demostrado anteriormente. A crise nas Cebs é uma
crise exógena, provem da sociedade neoliberal. A vitória capitalista abortou o
sonhos e utopias de boa parte do militantes. Bem como a conjuntura de refluxo,
como já foi exposto anteriormente, impôs limites ao processo de avanços dessas
comunidades.
Os novos paradigmas da era do mercado e da globalização, se aliam a
outras dificuldades e desafios
119
, que merecem ser melhor avaliados numa outra
oportunidade. De todas as formas, fica evidente que as Cebs não perderam seu
sentido histórico. Elas marcaram de maneira única a trajetória da Igreja na
segunda metade do século XX, e certamente nos reservam ainda muitas
surpresas. Enquanto houver o capitalismo e sua fábrica de exclusões, os
oprimidos da sociedade ainda se organizarão.
Dessa forma, sofrendo refluxos e contratempos estas comunidades
eclesiais de base, apoiadas ainda por setores expressivos do clero, continuam sua
caminhada atenta aos novos tempos e atentas à problemática da sociedade
contemporânea.
119
Sobre esta problemática, diversos autores discutem as possíveis causas e estrangulamentos. Faustino
Teixeira aponta o desafio da religiosidade popular e da inculturação, o impulso missionário no mundo
dos pobres, ou seja a pequena inserção dessas comunidades nas classes baixas, haja visto que
congregam apenas cerca de 15% da população católica e o desafio da espiritualidade. TEIXEIRA,
Faustino C. ‘As cebs no Brasil, Cidadania em Processo’ in TEIXEIRA, Faustino C Cebs, Cidadania e
Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993.Regina Novais apresenta os desafios da ‘pastoral de elite’
desenvolvida pelos militantes das Cebs, que normalmente é desvinculada da ‘pastoral de massa’, que
atinge os setores da base popular, a ‘questão política’ em confronto com a ‘espiritualidade’, onde os
militantes das Cebs, correm o risco de reduzir a fé à uma teoria política, e o pluralismo interno na
medida que os militantes fazem diferentes opções de atuação. NOVAIS, Regina. ‘Nada será como
antes, entre urubus e papagaios’ in Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993.
Clodovis Boff a situa dentro de uma realidade confronto e desafio em relação à Igreja hoje,
compromisso na sociedade, espiritualidade, catolicismo popular, sacramentos e novos Movimentos
(RCC, focolares, ) na Igreja. BOFF, Clodovis. ‘CEBs: a que ponto estão e para onde vão’ in BOFF,
Clodovis e et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 251
64
CAPÍTULO II
UMA A IGREJA ALIADA DA DOMINAÇÃO
2.1. Breve Histórico da Diocese
A Diocese de Barra do Piraí
121
, foi criada no dia 04 de dezembro
de 1922, pelo Papa Pio XI
122
. Inicialmente seu território, que havia sido
desmembrado da Diocese de Niterói, abrangia quase todo o sul do estado
do Rio de Janeiro. Posteriormente novas dioceses como a de Valença, em
1925, a Diocese de Nova Iguaçu, em 1960 e Diocese de Itaguaí, em 1980,
foram desmembradas de seu extenso território. Meses depois, a Diocese
foi instalada oficialmente em 23 de julho de 1923, sendo nomeado como
Administrador Apostólico, Monsenhor José Maria Parreira Lara, que foi
sucedido depois por Monsenhor Alfredo da Silva Bastos. O primeiro
bispo diocesano, D. Guilherme Muller, que chegou à diocese em 1926,
permanecendo no cargo até 1935, foi o responsável por organizar a nova
diocese. O seu sucessor foi D. José André Coimbra, que permaneceu até
1955 à frente dos trabalhos pastorais.
121
Antiga denominação da diocese de Barra do Piraí- Volta Redonda
122
O bispo de Niterói comunicando ao Vigário da região, informa a criação da nova diocese:
“Tenho a honra de communicar a V.R. que por decreto da Nunciatura Apostólica de 23 do corrente
mez, fora, executadas as Lettras Apostólicas ‘Ad Supremae Apostloicae sedis Solium’de 04 de
dezembro do ano p.p. Foram assim criadas duas novas dioceses neste bispado: Campos e Barra do
Pirahy”. Livro de Tombos da Diocese de Barra do Pirai nº 1, p. 3
65
O novo bispo designado para a região, foi o paulista D. Agnelo
Rossi, que destacou-se na implementação do projeto de ‘Catequese
Popular’, que consistia na valorização dos leigos na pastoral diocesana,
para barrar o crescente avanço protestante na região e também iniciou
negociações com a Companhia Siderúrgica Nacional e a Nunciatura
Apostólica, relativas a transferência da sede episcopal de Barra do Piraí
para Volta Redonda, cidade recém emancipada, que se transformara no
centro econômico e dinamizador da região.
O processo de transferência da sede da Diocese se concretizou
em 1965, durante o curto período em que D. Altivo Pacheco esteve
coordenando a diocese (1963-1966).
D. Waldyr Calheiros, chegando a diocese em 1966, e inspirado
por uma profunda preocupação social e pelas mudanças provocadas pelo
Concílio Vaticano II, chega à região, trazendo a renovada visão da Igreja
do Concílio. A partir daí, um novo relacionamento começa a se
estabelecer, a Igreja passa a assumir a defesa dos desvalidos e oprimidos
da sociedade. A reorganização pastoral, a valorização dos leigos e a
dinamização das comunidades eclesiais de base, são a marca do seu
trabalho pastoral. A sua posição firme em defesa da justiça lhe custou
muitos embates e lutas árduas, que foram vencidas com coragem e
determinação. Neste período nasceu e se estruturou uma Igreja de
comunidades de base, que se tornou referência para todo o país.
Para se analisar o processo de nascimento e organização das Cebs
e o impacto dessas comunidades em Volta Redonda é imprescindível
antes de tudo, analisar o processo de formação da cidade, que se deu de
forma completamente atípica no cenário nacional, e principalmente,
66
discutir a participação da Igreja neste cenário, descortinando as relações
que se estabeleceram entre esta instituição e a Companhia Siderúrgica
Nacional, a grande tutora da cidade operária que nascia.
Dessa forma, Volta Redonda destaca-se no cenário nacional, como
uma cidade industrial, berço da CSN e pioneira na industrialização
brasileira nos anos quarenta.
Nos anos oitenta, a cidade estava em evidência pela forte
combatividade do seu movimento sindical e popular, alinhado ao
emergente novo sindicalismo
123
, nascido nas vitoriosas greves do ABC
paulista e que, no final da década de setenta desafiou a Ditadura Militar e
a estrutura burocrática dos sindicatos.
A cidade e o Sindicado dos Metalúrgicos assumiram a ponta de
lança no sindicalismo brasileiro neste período. Heroícas greves e
manifestações atestaram a vitalidade e a força desse movimento na
década de oitenta. Vivia-se na cidade um clima de politização que
contagiava a população, que se expressava numa ativa participação nos
sindicatos, partidos, grêmios, Cebs e pastorais da Igreja.
A construção desse processo de lutas, se deu sobretudo a partir
da contribuição da Igreja diocesana, que teve uma participação decisiva
nestes embates
124
. Elucidativo desta situação é o depoimento do bispo
diocesano, sobre a participação das comunidade eclesiais de base na
123
Corrente que se desenvolveu a partir da década de 1970 e que se exprimiu publicamente a
partir das greves da região do ABC paulista, no final desta década. Defendia especialmente a
autonomia dos sindicatos frente ao Estado e a democracia interna na organização sindical.
Fundou a CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 1983
124
Em Volta Redonda destacam-se quatro centro de poder: a Companhia Siderúrgica Nacional,
a prefeitura, a Igreja e o Sindicato dos Metalúrgicos. ‘Na mesa o poder da cidade’, Jornal do
Brasil, 11 de dezembro de 1988, p. 11. A participação da Igreja neste processo é atestada por
grande parte da imprensa nacional. Vide O Dia, 20 de novembro de 1988. Jornal do Brasil, 11
67
greve geral de 1986, organizada pela CUT -Central Única dos
Trabalhadores, em Volta Redonda: “(...) na ocasião o Cel. Motta, comandante
do BIMtz me telefonou uma noite desesperado:’ D. Waldyr, pelo amor de Deus,
diga às Cebs de Volta Redonda que deixem os operários irem para o trabalho,
porque nós mandamos buscá-los e as Cebs não deixam os carros entrarem nos
bairros e nem saírem com os operários’ A coisa mais gratificante é ver um poder
estabelecido tremer diante de um não poder”
125
, conclui o bispo, em paz com
sua consciência e com os compromissos que assumiu.
A presente dissertação, busca resgatar os antecedentes de tal
situação e a mudança de posicionamento operada pela Igreja neste
contexto. Para isto, vamos traçar um painel, que aborda desde a
implantação da CSN e o nascimento de Volta Redonda, destacando
principalmente o papel da Igreja, que neste período constituía-se num
forte elo de apoio às políticas da CSN e do governo federal. No entanto a
Ditadura Militar e a chegada à Volta Redonda, do novo bispo diocesano,
D. Waldyr Calheiros em dezembro de 1966, alteram radicalmente este
quadro.
A partir daí, a Igreja diocesana, dentro da orientações do
Concílio Vaticano II (1962-1965), e posteriormente da Conferência
Episcopal Latino-Americana de Medelín (1968), adota uma postura de
apoio às causas populares, abrindo espaço também para a organização
das primeiras Cebs
126
, vistas a partir daí, como os motores da nova
de dezembro de 1988 e 26 de novembro de 1988. Folha de S. Paulo, 20 de novembro de 1988.
Veja, 14 de dezembro de 1988.
125
Entrevista realizada em 26.11.99. O episódio refere-se aos piquetes que foram organizado
pelas comunidades eclesiais de base nas entradas dos bairros da cidade, por ocasião da
citada greve geral, dos quais também tive o prazer de participar, apesar da pouca idade na
época.
126
No caso específico desta dissertação, utilizarei o conceito escolhido pela Diocese de Barra do Piraí-
Volta Redonda, que define este termo, considerando que as Cebs são entendidas “(...) como grupos de
caráter local, isto é, marcado por relações de vizinhança, nos quais se concretizam atividades
68
evangelização. A Igreja em Volta Redonda, animadas pela coragem de D.
Waldyr e apoiada no dinamismo das Cebs, torna-se um espaço de defesa
da democracia e de conscientização política, questionando as situações de
injustiça e buscando a transformação da realidade.
2.2. A Construção da Usina e o Nascimento da Cidade-Fábrica
‘Aqui ( em Volta Redonda) se pensou um
pouco no homem e em sua família, na casa e no
clube, na escola e no esporte’
127
Rubem Braga escrevia no ‘Correio da Manhã’ em 21 de maio de
1952, a visão que se tinha de Volta Redonda na década de 50. De fato, em
1954, a cidade vivia sob o signo do progresso e do desenvolvimento.
Recém emancipada de sua antiga sede, a cidade de Barra Mansa, o
processo emancipatório que se iniciou no início dos anos 50
128
, contou
com o apoio e participação decisiva de toda a elite local
129
, desde a
próprias do catolicismo (evangelização, administração dos sacramentos,, pastoral social, etc), tendo
seu caráter eclesial institucionalmente reconhecido”. Tal definição inclui entre as Cebs desde as
incipientes comunidades que, na nas periferias das cidades, organizam sua própria catequese e
começam a se reunir para celebrar o culto dominical, até as grandes comunidades que se congregam
em torno às matrizes paroquiais e igrejas de centros urbanos ou bairros populosos”
126
. Perfil
Sociológico da Diocese de Volta Redonda, Avaliação Pastoral, Equipe de Assessoria ISER, 1994
127
O Lingote, abril de 1966, nº 182.
128
Vide COSTA, Alkindar. Volta Redonda- Ontem e Hoje, Volta Redonda, Grêmio Literário de Autores
Novos, 3
a
ed., 1992. De acordo com o autor, antes dessa data foi organizada em 1951 a “Sociedade
Amigos de Volta Redonda”, que se transforma em 1952 no Centro Cívico Pró-Emancipação. Este
organismo que inicia em 1953, à coleta de assinaturas ( num total de 6.000), que acompanharam o
memorial enviado a Assembléia Legislativa Estadual, reivindicando a autonomia do distrito.
129
A participação da elite local se explica, claro, por um múltiplo jogo de interesses que os
unia. Os especuladores viam na emancipação, a possibilidade real de valorização das terras
da cidade. A Companhia Siderúrgica Nacional, segundo Pimenta, interessava a aplicação
dos recursos tributários na cidade, desenvolvendo projetos urbanísticos na área que crescia
em torno da usina, ademais, o seu poder econômico possibilitaria a hegemonia política na
cidade. . PIMENTA, Solange Maria. A Estratégia da Gestão: Fabricando Aço e Construindo
69
Companhia Siderúrgica Nacional, passando pelo Sindicato, Igreja,
comerciantes, fazendeiros, etc. Mesmo não contando com grande
participação popular
130
, o novo município foi criado em 17 de julho de
1954
131
.
A cidade era um exemplo para o Brasil da época, sendo
saudada em todo o país. O mesmo Rubem Braga a definia “Ilha de trabalho
e organização cercada de Brasil por todo o lado
132
.
Dizia a propaganda oficial que aqui se construía um novo país.
Revelando sua importância política, ela foi parada obrigatória para todos
Presidentes da República até o governo Geisel (1974-1979), atraindo para
sí, as atenções do empresariado nacional e do Estado até fins da década
de 1950, quando então serão implantadas as outras grandes siderúrgicas
estatais brasileiras (Usiminas, Cosipa).
Homens, O caso da Companhia Siderúrgica Nacional, Belo Horizonte, Dissertação de
Mestrado, 1989, p. 138
130
De acordo com dados do IPPU/Prefeitura Municipal de Volta Redonda, a emancipação foi
aprovada por 2.809 votos favoráveis e 24 votos contrários
131
O decreto nº2185 criou o novo município fluminense. As primeiras eleições no recém
emancipado município foram realizadas no dia 13 de outubro, e em 06 de fevereiro de 1955,
tomou posse o primeiro governo municipal.
132
O Lingote, abril de 1966, nº 182, p. 6 e 7. Este número do jornal, no ano do Jubileu da
Companhia Siderúrgica Nacional, traz ainda uma série de referências da grande imprensa
nacional e internacional, mostrando a importância da Companhia Siderúrgica Nacional e de
Volta Redonda no cenário brasileiro.
70
Todo esse processo decorre da implantação da Companhia
Siderúrgica Nacional em 1941
133
, a qual iniciando sua produção em 1946,
lançou as bases do desenvolvimento industrial brasileiro. O discurso do
Gen. Osvaldo Pinto da Veiga, então presidente da empresa, ilustra
significativamente esta situação com otimismo: (...) a Companhia
Siderúrgica Nacional, sacudiu os setores básicos da vida nacional, permitindo o
surgimento em cadeia do progresso nacional
134
.
A cidade nasceu como fruto desse processo de industrialização
lançado por Getúlio, durante o longo período que esteve a frente do
poder, a chamada Era Vargas 1930/45. O Estado brasileiro assumiu o
papel de investidor, planejador e empresário, com uma política
intervencionista e nacionalista.
No entanto, a história anterior da Cidade do Aço
135
, em nada
faz lembrar os tempos de progresso e crescimento acelerados, oriundos
da instalação da Companhia Siderúrgica Nacional na região. Um
desdobramento desta afirmação se faz necessário.
No território da atual cidade, no antigo povoado de Santo
Antônio da Volta Redonda
136
, a partir do início do século XIX, começaram
a se desenvolver as fazendas de café. Em 1890 o povoado foi elevado à
categoria de Distrito de Paz.
133
O Decreto-Lei n. 3002, de 30 de janeiro de 1941, criou a Companhia Siderúrgica Nacional.
Seus estatutos foram aprovados em 9 de abril de 1941, considerada como data oficial de
fundação da empresa. A recém criada empresa foi constituída na época com um capital
social originário de institutos previdenciários e pelas Caixas Econômicas do Rio de Janeiro e
São Paulo Cf. GRACIOLI, E. J, Um Caldeirão Chamado CSN: Resistência Operária e
Violência Militar na Greve de 1988, Uberlândia, Editora da Universidade Federal de
Uberlândia, 1997, p. 25
134
O Lingote, nº 181, abril de 1966
135
Termo pela qual é conhecida nacionalmente a cidade de Volta Redonda, em alusão à
presença da Companhia Siderúrgica Nacional.
71
No início do século XX, a cultura do café entrou em declínio no
Estado e o pequeno povoado iniciou um acelerado processo de
decadência. A principal atividade econômica da região passou a ser então
a pecuária, seguida pela agricultura.
A partir dos anos 40 porém, este cenário muda radicalmente,
devido à instalação da usina da Companhia Siderúrgica Nacional no
pequeno povoado.
A implantação desta empresa, surge em decorrência da nova
situação política reinante no país. A Companhia Siderúrgica Nacional, em
sua essência simboliza e corporifica o grande projeto dos vencedores da
Revolução de 1930. Otávio Ianni destaca que “(...) a criação da Companhia
Siderúrgica Nacional (Volta Redonda e a Consolidação das Leis do Trabalho-
1943) (sic), simbolizam os primeiros resultados práticos e de significação
estrutural das lutas reformistas começadas duas décadas antes”
137
. Nos alto-
fornos e aciaria da empresa, corria o “(...) sangue novo da
industrialização
138
, a siderurgia era a base para a indústria de bens de
capital e de consumo, que forjariam um novo tempo para o país que
nascia na Revolução de 1930.
Uma breve análise desta revolução se faz necessário para que
possamos compreender melhor o nascimento da Companhia Siderúrgica
Nacional e de Volta Redonda no cenário nacional, como cidade operária e
modelo para o novo país que surgia.
136
O distrito recebeu este nome em alusão à uma grande curva do rio Paraíba do Sul, que
contorna a região, existente nas proximidades do povoado.
137
IANNI, Octávio, O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1975, 3
a
edição revista, p. 94
138
MOREL, Regina, A Ferro e Fogo- Construção e Crise da Família Siderúrgica, O Caso de
Volta Redonda ( 1941-1968), São Paulo, Tese de Doutorado, USP, 1989
72
Com a revolução de 1930, o tradicional ciclo agro-exportador
nacional começava a declinar e encontrar seu fim. Viabilizou-se nesse
momento a convergência das condições para a acumulação capitalista
industrial no Brasil. Este processo no entanto não se viabilizou por meio
de mudanças profundas e radicais na estrutura político-econômica e
social, antes, mais uma vez, se concretizou como sendo uma transição
conservadora. Os interesses latifundiários foram preservados, a
ascendente burguesia industrial encontrou condições para o seu pleno
desenvolvimento e as classes subalternas foram excluídas de tal processo,
sendo alijadas das mudanças que então eram implementadas.
Décio Saes explica que “(...) o movimento político militar de 1930,
ao destruir o modelo oligárquico de poder político, criou as condições
institucionais indispensáveis à aceleração do processo de industrialização
periférica e ao desabrochar de uma nova classe dominante. A Revolução de Trinta
substitui o federalismo oligárquico pela centralização político e administrativa e
concede ao Estado os instrumentos institucionais indispensáveis `a execução de
uma política intervencionista e industrializante
139
.
No campo industrial, as mudanças foram significativas. A
necessidade e o desejo da instalação de uma siderúrgica eram
preementes. Desde a década anterior, empresários faziam gestão para que
o Estado assumisse esta tarefa, já que o setor privado não assumiria os
riscos de tal empreitada. O Estado brasileiro no entanto não dispunha de
recursos para bancar onerosa iniciativa industrializante. Desde o meados
da década de 1930, o governo brasileiro cria comissões para avaliar o
problema siderúrgico, discutindo questões técnicas e políticas, referentes
à construção de uma siderúrgica brasileira. Nestas comissões destaca-se a
139
SAEZ, Décio. Classe Média e Sistema Político no Brasil, São Paulo, T.A Queiroz, 1984
73
figura de Edmundo de Macedo Soares e Silva, que inicia gestões no
exterior quanto ao financiamento de uma tal empreendimento no país
140
.
A 2
a
Guerra Mundial pareceu vir adiar as pretensões
brasileiras
141
, Getúlio Vargas, no entanto, num episódio bastante
discutido pela historiografia brasileira, conseguiu a instalação da Usina
Siderúrgica da Volta Redonda devido a um hábil jogo de interesses
142
com os EUA e Alemanha: O presidente Vargas iniciou contatos com a
Alemanha nazista, vislumbrando um possível financiamento alemão para
a construção de uma siderúrgica no Brasil e aproximação do país com as
forças do Eixo. Esta fato levou os EUA a liberarem o empréstimo de cerca
de 20 milhões de dólares (depois ampliado para 25 milhões), via
Eximbank, para o início da compra de equipamentos e construção da
usina. De acordo com Ianni este foi o preço da alinhamento do Brasil ao
lado dos Aliados
143
.
Iniciou-se dessa forma a construção daquela que seria a maior
empresa brasileira. Vilma Mangabeira sintetiza o sentido mais profundo
da construção desta usina: “A criação da Companhia Siderúrgica Nacional
,primeira fábrica integrada de aços planos do Brasil, durante o governo Vargas,
140
Vide SILVA, Edmundo de Macedo Soares e. Um Construtor de Nosso Tempo, Entrevista ao
CPDOC, Rio de Janeiro, 1999 e seu discurso ‘Rememorados Fatos Marcantes que
Antecederam a CSNM’, O Lingote, abril de 1966, nº 180. Macedo Soares inicialmente inicia
contatos na Europa, onde destaca o interesse alemão, através do grupo Krupp, e depois nos
EUA.
141
Cf. discurso de Edmundo de Macedo Soares e Silva. ‘Rememorados Fatos Marcantes que
Antecederam a CSN’, O Lingote, abril de 1966, nº 180 e SILVA, Edmundo de Macedo Soares
e. Um Construtor de Nosso Tempo, Entrevista ao CPDOC, Rio de Janeiro, 1999. Nesta época,
a siderúrgica americana United States Steel, que inclusive avaliara positivamente as
condições do país, numa missão técnica enviada ao Brasil nesta época, desistiu de participar
do projeto no ano de 1940, devido a eclosão da 2ª Guerra. O governo neste ano cria então a
Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que intensifica os esforços para a
concretização da Siderúrgica brasileira.
142
Ianni caracteriza este jogo de interesses como uma ‘doutrina da chantagem’. IANNI,
Octávio, op. cit., p. 66
143
IANNI, Octávio, O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1975, 3
a
edição revista, p. 66
74
fazia parte de uma política fortemente nacionalista de promoção do
desenvolvimento do parque industrial do país e sua independência da influência
econômica estrangeira (...) A criação da Companhia Siderúrgica Nacional,
integrando a política econômica da Vargas, inaugurou uma nova articulação
entre o setor privado e o aparelho burocrático estatal(...) o papel de agente
produtivo exercido pelo Estado na década de 1940, foi instrumento fundamental
para a garantia da reprodução do sistema capitalista no país em novas bases
144
.
O local escolhido para abrigar o empreendimento foi o isolado
lugarejo, 8
o
distrito do município de Barra Mansa, o nosso distrito de
Santo Antônio da Volta Redonda, que no início da construção da usina,
possuía uma população estimada em torno de três mil habitantes
145
,
distribuídos por algumas fazendas e dois pequenos núcleos ( atualmente
o bairro Niterói e o centro da cidade), com insuficiente infra-estrutura
básica
146
.
A escolha deste local baseou-se em critérios técnicos e logísticos
como facilidade de transporte e escoamento da produção (passava pela
região a Estrada de Ferro Central do Brasil, que diminuía os custos de
frete); proximidade dos mercados consumidores (localização privilegiada
no eixo Rio-São Paulo); segurança militar (afastada do litoral); e matérias
primas, fator este que pode ser questionado, pois técnicos afirmam que
neste caso, seria recomendável e ideal a instalação da usina em Minas
Gerais, próximo às fontes de matéria prima. O baixo valor da mão-de-
obra na decadente região Vale do Paraíba Fluminense também parece ter
144
MANGABEIRA, Vilma Os Dilemas do Novo Sindicalismo- Democracia e Política em Volta
Redonda. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, ANPOCS, 1993, p. 65
145
Segundo dados do IPPU/Prefeitura Municipal de Volta Redonda, o censo de 1940, levantou
a existência de 2.782 habitantes no povoado. Sendo que o quadro rural comportava 1765
habitantes e 1017 pessoas habitavam o povoado e cercanias.
75
influenciado a escolha de Volta Redonda como sede da nova siderúrgica.
Morel acrescenta que, além dos fatores enunciados acima, o
apadrinhamento também como fator decisivo na tomada de decisão.
Segundo ela, na escolha deste local, pesou o aspecto político, pois o
estado do Rio de Janeiro, que vivia um momento de declínio econômico,
era governado por Ernani do Amaral Peixoto, genro de Getúlio
147
.
De acordo com Graciolli, “Volta Redonda, que houvera sido região
de atividade rural, foi construída concomitantemente e de forma determinada pela
construção da Companhia Siderúrgica Nacional
148
, ou seja, a construção da
usina, que recebeu o nome de Usina Presidente Vargas
149
, foi
acompanhada pela construção de uma cidade. Regina da Luz Moreira
compara a construção de Volta Redonda como uma experiência, que no
Brasil, só pode ser comparada com a construção de Belo Horizonte e
Brasília
150
.
Adotou-se em Volta Redonda, o modelo de ‘company-town’
151
,
sendo também procedida a construção de moradias destinadas aos
trabalhadores da usina, acompanhada da infra-estrutura de saneamento
básico, hospital, mercados, etc. Segundo Mangabeira “(...) o estilo de
administração caracterizou-se pelo fornecimento de um amplo sistema de serviços
146
Cf CABRAL, Cláudia Virgínia, ‘Volta Redonda- O Espaço Urbano e Dominação, in Centro
de Memória Sindical, Arigó: o Pássaro que Veio de Longe, Volta Redonda, Centro de
Memória Popular, junho de 1989, p. 32
147
MOREl, Regina, op. cit., p. 44. Solange Pimenta também aponta influência de Amaral
Peixoto como peso considerável na escolha do local. PIMENTA, Solange Maria. A Estratégia
da Gestão: Fabricando Aço e Construindo Homens, O caso da Companhia Siderúrgica
Nacional, Belo Horizonte, Dissertação de Mestrado, 1989, p. 47.
148
GRACIOLI, E. J, Um Caldeirão Chamado CSN: Resistência Operária e Violência Militar na
Greve de 1988, Uberlândia, Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 1997, p. 27
149
A denominação Usina presidente Vargas se tornou oficial no ano de 1961, durante o gov.
Jânio Quadros. Vide TORRES, Vasconcelos. Metalúrgico: Calor e Suor na Luta pela
Sobrevivência, Senado Federal, Brasília, 1978, P. 356
150
MOREIRA, Regina da Luz. CSN Um Sonho de Aço e Ousadia Rio de janeiro, Iarte, 2000, p.
49
151
Company-town ou cidade-companhiasão cidades ou regiões dominadas por uma empresa.
76
sociais e pela prática de medidas coercitivas de gestão da força de trabalho”
152
.
Segundo esta autora, o modelo de company-town adotado destinava-se
não somente a criar a necessária infra-estrutura na área, como também a
gerar um mercado de trabalho local e uma baixa rotatividade de
trabalhadores
153
, estendendo ainda o controle da empresa no âmbito da
vida privada dos operários
154
.
Na medida em que a cidade crescia, os novos bairros eram
estruturados de acordo com o hierarquização do interior da usina. Morel
destaca com bastante sensibilidade, a organização do espaço urbano da
Cidade-Operária
155
: “(...) as casas foram planejadas segundo 7 tipos diferentes,
variando em localização, tamanho e comodidades, destinadas a engenheiros,
mestres, contramestres e operários(...) em Volta Redonda a estruturação espacial
reproduzia, com a cumplicidade da topografia, a hierarquia da empresa.
Inscrevia-se assim no espaço urbano, a hierarquia da Companhia, prescrevendo a
cada um o seu lugar: as mansões nas colinas, com uma bela vista sobre o rio
Paraíba do Sul, para os diretores; logo abaixo, os gerentes e engenheiros; perto da
fábrica, supervisores técnicos e pessoal de escritório, e, mais adiante os bairros
operários
156
.
Um contemporâneo das mudanças provocadas pela CSN,
destaca: “A Companhia Siderúrgica Nacional, por circunstâncias óbvias, regia a
vida do Distrito. A Prefeitura era o Departamento de Serviços da Cidade,
comandado pelo engenheiro Ravache. A Delegacia era o núcleo 100 (...) O
hospital, todo construído de madeira, pertencia à estatal e atendia à toda
comunidade do Distrito. Para facilitar a vida dos seus empregados, a CSN abriu
152
MANGABEIRA, Vilma, op. cit., p. 66
153
Ibid Idem, op. cit., p. 66-67
154
Cf GRACIOLI, Edilson José. op. cit., p. 28
155
Nome pelo qual a Companhia Siderúrgica Nacional, referia-se ao núcleo urbano planejado e
construído pela empresa. Vide matérias do jornal O Lingote
156
MOREl, Regina, op. cit., p. 69
77
diversos armazéns e entrepostos que forneciam gêneros alimentícios, pão, leite,
carne e até roupas
157
Nascia assim Volta Redonda. O antigo lugarejo de Santo
Antônio da Volta Redonda, transformava-se na primeira cidade operária,
planejada pela Estado no Brasil, marcada pela claras diferenciações
sociais, expressas na hierarquia da empresa que se agigantava, e nos
diversos bairros que refletiam a solidez dos estamentos sociais: à margem
direita do rio Paraíba do Sul, surgia o núcleo urbano desenvolvido pelo
Plano de Implantação da Usina
158
: a Cidade Nova, composta pelos bairros
Bela Vista, a Vila Santa Cecília, o bairro Conforto e a Vila dos Índios
(atual Sessenta). À margem esquerda do rio, a Cidade Velha, desprovida
dos serviços criados na Cidade Nova, composta pelo bairro Retiro e
adjacências. Este setor da cidade, a partir dos anos sessenta passou a
abrigar a grande massa dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica
Nacional.
Os bairros que então eram construídos pela CSN, seguiam o
modelo tipicamente americano, com divisões planejadas, para o
atendimento de famílias de porte médio e jardins construídos na frente
das casas, que eram abertas, sem muros ou cercas
159
, enquanto que os
bairros que não eram construídos pela Companhia Siderúrgica Nacional,
a Cidade Velha (o bairro foi rebatizado depois pelos próprio moradores
com o nome de Niterói), o desenvolvimento era tímido, não sendo feito
157
Walter Naves entrevista à Alkindar Costa em COSTA, Alkindar, Volta Redonda: Ontem e
Hoje, Volta Redonda, Grêmio Literário de Autores Novos, 3
a
edição, 1991, p. 50
158
O arrojado projeto urbanístico da cidade foi elaborado pelo famoso arquiteto Atílio Corrêa
Lima, e previa a construção de 4000 casas em área contígua a da usina, com total
disponibilidade de infra-estrutura e equipamentos urbanos.
159
Cf COSTA, Alkindar, Volta Redonda: Ontem e Hoje, Volta Redonda, Grêmio Literário de
Autores Novos, 3
a
edição, 1991, p. 67
78
de maneira planejada o harmoniosa, como os bairros construídos pela
empresa.
Segundo Vieira de Souza, o primeiro desencantamento dos
moradores com a usina que eles ajudaram a construir, surge quando da
inauguração da Companhia Siderúrgica Nacional, quando cerca de sete
mil operários
160
, que trabalhavam na construção do complexo fabril, serão
demitidos. Segundo Morel, vários trabalhadores demitidos acionaram a
empresa na Justiça do Trabalho, mas a empresa ganhou o recurso
alegando que o contrato de trabalho previa somente o período destinado
à construção da usina
161
.
A partir daí, vários operários demitidos neste período foram
obrigados a retornar ao seu local de origem ou se submeterem as
péssimas condições de trabalho nas empreiteiras e pequenas metalúrgicas
da região e subempregos, direcionando-se para núcleos de posse, que
deram origem às primeiras favelas da cidade
162
. Dessa forma, com menos
de uma década de existência, Volta Redonda deixa de ser o ‘el dourado’
prometido nos primeiros anos, perdendo as características de uma
company-town. A utopia inicial de uma fábrica-cidade, onde o trabalho e
a harmonia, pregados pela CSN, a tudo presidiam, os anos de euforia
descritos neste dissertação, cediam lugar agora a uma fase marcada pelo
conflito. A cidade neste contexto, transforma-se num centro migratório
do estado do Rio de Janeiro, com sua população crescendo de 35.964 em
160
Cf SOUZA, J. J , Valentim: O Guardião da Memória Circulista (1947-1958), Campinas,
Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1992, p. 106
161
MOREL, Regina, ‘Os Soldados do Trabalho: Formação e Disciplinamento dos Operários da
Companhia Siderúrgica Nacional’ in Centro de Memória Sindical, Arigó: o Pássaro que Veio
de Longe, Volta Redonda, Centro de Memória Popular, junho de 1989, p. 30
162
Os dados do IPPU/PMVR revelam que um dos primeiros núcleos de favelas da cidade, o
Morro São Carlos - localizado entre os bairros Eucaliptal e Jardim Ponte Alta, surgiu em
meados da década de 1940, sendo formado em sua maioria pelos operários recém-demitidos
das obras de construção da usina.
79
1950 para cerca de 88.000 em 1960
163
. Neste período, além de que, a malha
urbana da cidade conheceu uma considerável expansão, com a
implantação de numerosos loteamentos, que deram origem a novos
bairros, principalmente na margem esquerda do rio Paraíba do Sul
(Cidade Velha).
Os primeiros operários que se dirigiam para a região, eram
popularmente conhecidos como os ‘arigós’
164
, em sua maioria provinham
da áreas rurais, em sua grande maioria originários da região da Zona da
Mata mineira
165
. Estes primeiros arigós, pioneiros na construção da usina
e da cidade, eram seduzidos pelas belas propagandas do DIP -
Departamento de Imprensa e Propaganda-, no Programa ‘A Hora do
Brasil’, que oferecia a dispensa do serviço militar obrigatório para os
operários contratados para trabalharem nas obras de construção daquela
que seria a maior siderúrgica da América Latina, bem as propostas
fabulosas e quase sempre enganosas dos agenciadores de mão de obra,
que percorriam o interior da região sudeste, em busca de mão de obra
barata
166
.
163
O crescimento demográfico da cidade apresenta a seguinte evolução: em 1950, a população
era de 35.964 habitantes; em 1960 chegou a 88.740 habitantes; na década de 1970 saltou para
126.850 habitantes, chegando à 183.917 habitantes em 1980 e 220.189 habitantes em 1991.
Informações para o Plano Diretor. IPPU-VR, 1994.
164
Comparação feita com o pássaro chamado arigó. Significa aquele que vem e não volta. A
partir dos anos setenta, com a perda da estabilidade e do ‘status’ de ser operário da
Companhia Siderúrgica Nacional, os trabalhadores desta empresa passarão a ser conhecidos
também como ‘peões’, aqueles que rodam e estão sempre no mesmo lugar. Centro de
Memória Sindical, Arigó: o Pássaro que Veio de Longe, Volta Redonda, Centro de Memória
Popular, junho de 1989, p. 14
165
De acordo com dados da empresa, a maioria dos operários da Companhia provinham de
áreas rurais do RJ, MG e ES, sendo que aproximadamente cerca de 80% provinham da
região da Zona da Mata Mineira, que aliás é o caso de minha família, para confirmar a regra.
Jornal Nove De Abril, abril de 1991, nº 156, p. 4
166
Regina Morel destaca que esses agenciadores, como todos bons agenciadores, ganhavam por
operário apresentado, com promessas de bons empregos aos trabalhadores rurais. MOREL,
op. cit., p. 84-85
80
Analisando o processo de constituição da mão de obra da
Companhia Siderúrgica Nacional, Jessie Jane Vieira de Souza qualifica
Volta Redonda como um grande laboratório, onde o estado brasileiro
procurava construir um novo trabalhador, ao transformar homens
oriundos do campo em trabalhadores industriais, ordeiros e patriotas
167
.
Para transformar aqueles trabalhadores egressos do campo, ignorantes
em trabalhadores adequados à construção de uma grande siderúrgica e
construtores de um novo Brasil era necessário antes de tudo educá-los.
A chegada do novo operário na usina era marcada por um
momento, sintomático das novas experiências pelas quais este operário
passaria: ‘Quando um operário chegava à Volta Redonda ele era despido, ele e
toda sua família. E nós vestíamos roupa neles, dávamos banho, passava pelos
médicos e dávamos roupa novas. E as roupas antigas eram lavadas e guardadas.
Colocadas dentro de um saco e guardadas com o nome deles, porque era gente
suja e doente
168
.
A Companhia Siderúrgica Nacional desenvolveu então, desde o
início de suas atividades um rígido trabalho de disciplinamento de seus
operários, que tinha como objetivo superar a heterogeneidade étnica e
cultural, como condição imprescindível ao projeto de industrialização que
se delineava.
Este objetivo da empresa encontrou total amparo em Volta
Redonda na Igreja Católica, que respaldou plenamente toda a nova moral
trazida pela Companhia. É símbolo desta situação uma carta do então
bispo diocesano D. Agnello Rossi ao general Macedo Soares, então
presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, onde ele afirma “(...)
167
SOUZA, J. J , Valentim: O Guardião da Memória Circulista (1947-1958), Campinas,
Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1992, p. 82
81
dedicaremos nossa missão em educar essa gente rude. É preciso torná-los
trabalhadores dóceis e isso só será possível através do Evangelho
169
Esta postura disciplinadora e também militarizada esteve
presente na Companhia Siderúrgica Nacional, desde o período de sua
construção. A conjuntura de guerra, facilitou para a empresa a solução do
problema de fixar e atrair mão de obra: pelo Decreto-Lei n. 4937 de 9 de
novembro de 1942, as pessoas pertencentes a fábrica consideradas de
interesse militar não poderiam largar o serviço por mais de 8 dias, com
pena de serem considerados desertores
170
. A CSN, estava incluída entre
elas, e ser seu empregado significava servir às Forças Armadas e
colaborar na defesa da Pátria. Resolvia o problemas com autoritarismo.
Era previsível então, que a vida daqueles brasileiros que
abandonaram sua terra, em busca de uma vida melhor, num ambiente
completamente desconhecido, não foi nada fácil. Muitas pessoas,
adaptadas ao meio rural, vieram parar em Volta Redonda inteiramente
despreparada para enfrentar as duras e inóspitas condições de trabalho
vigentes na usina que se construía
171
. Aqueles que não se adaptaram,
com a mesma facilidade que chegaram, acabaram retornando aos seus
lugares de origem. Mais aí as coisas se complicavam. O injusto Decreto-
Lei n. 4937, que considerava Volta Redonda obra de segurança nacional,
com sanções rigorosas aos que abandonassem o serviço, determinava
que, milhares de pessoas simples, homens recém-saídos do campo,
168
Depoimento de um antigo operário à Regina Morel, op. cit., p.
169
Carta de D. Agnello Rossi, bispo da Diocese de Barra do Piraí, Livro de Tombo n. 2, Diocese
de Volta Redonda, 1954
170
Nove da Abril, Publicação da Companhia Siderúrgica Nacional, Ano XII, nº 156, abril de
1991.
171
O trabalho no canteiro de obras era infernal, com as piores condições possíveis. As obras
eram ininterruptas. Não havia sequer tratamento de água. Cf. Nove da Abril, Publicação da
Companhia Siderúrgica Nacional, Ano XII, nº 156, abril de 1991. Neste edição comemorativa
82
fossem considerados desertores, ao abandonar as obras da Usina. Muitos
incorreram nas penas da lei, sem saber de nada. O fato de uma centena de
pessoas ser processada por deserção, acabou levando a absolvição, já que
se provou que não houve má fé por parte desta massa de miseráveis
172
.
Desta forma, como foi primorosa e corretamente avaliado por
Morel
173
, desde muito cedo se montou uma estrutura de vigilância e
controle dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional. A
empresa era a responsável por policiar o acampamento das obras e local
que servia como alojamento de seus funcionários, criando para tal tarefa
no ano de 1942, a Guarda Interna da CSN, que a partir de acordos selados
com o governo do Estado do Rio de Janeiro, seria equiparada à polícia
comum
174
. Em relação ao treinamento específico para o trabalho no
interior da usina, era feito pela própria empresa na fábrica e também na
Escola Técnica Pandiá Calógeras, de propriedade da empresa, e que
sempre teve o importante papel de fornecer mão de obra qualificada.
O controle dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional,
começava logo que o candidato se apresentava para trabalhar na Usina.
Nos baixos escalões da empresa havia um rígido controle sobre a vida
desse trabalhador e para ingressar no quadro de funcionários da
Companhia, o novo contratado tinha seu nome e vida vasculhados pelos
organismos de segurança do governo. A CSN enviava os dados
completos do futuros profissionais a estes órgãos, que os remetia de volta,
sempre com os resultados da investigação
175
. Neste processo centenas de
do aniversário da empresa, o jornal traz uma série de fatos pitorescos que marcaram a
construção da Usina.
172
Nove da Abril, Publicação da Companhia Siderúrgica Nacional, Ano XII, nº 156, abril de
1991.
173
MOREL, Regina. op. cit., p. 45
174
Cf. MOREIRA, Regina da Luz, op. cit., p. 52
175
Jornal Primeira Página, março-abril de 1996, p. 6
83
trabalhadores ficaram impedidos de trabalhar na Siderúrgica, e esta se
livrava de futuros ‘agitadores’, que poderiam tumultuar o clima de
‘harmonia e cooperação’ reinante na empresa.
Na verdade, este controle que se dava no interior da fábrica se
estendia por toda a cidade, que era administrada pela própria empresa
até 1967, sendo até este período, ela mesma a responsável por vários
serviços urbanos: conservação de estradas e ruas, manutenção de parques
e jardins, água e esgoto, redes de distribuição de energia elétrica,
transporte coletivos, saúde (com a criação do Hospital Provisório- atual
Hospital Santa Cecília) e até mesmo uma banda de música
176
( que
inclusive, até hoje ainda existe).
Graciolli destaca, que nestas condições, a presença da empresa
com sua ideologia era abrangente, absorvendo todos os aspectos da vida
da Cidade-Operária. Abarcava desde o time de futebol à formação
técnica, passando pelo policiamento, assistência médico-odontológica,
atrito na vizinhança, etc. O cotidiano dos operários era, dessa maneira,
em suas várias esferas, controlados pela Companhia
177
Em relação à cidade, este quadro vem sofrer mudanças a partir
do ano de 1967, quando a Companhia Siderúrgica Nacional, começa a se
retirar de suas tarefas urbanas
178
, planejando a passagem para o
176
Conforme dados de COSTA, Alkindar, Volta Redonda: Ontem e Hoje, Volta Redonda,
Grêmio Literário de Autores Novos, 3
a
edição, 1991, p. 64
177
GRACIOLLE, Edilson José. op. cit., p. 32
178
Os relatórios da Companhia Siderúrgica Nacional apontam que no ano de 1964, a empresa
foi responsável e realizou serviços de pavimentação de ruas (55000 m2), construção de meios
fios (7320m), construção de passeios (9763 m2), rede de águas pluviais (2735 m), rede de
esgoto (960 m) , rede de água potável (1125 m) e regularização de margens de rio (200 m),
além da construção de pontes sobre o rio Paraíba, escola de Metalurgia (futura UFF) e 3
postos de saúde. No ano de 1965, a empresa realizou obras de terraplanagem (24000 m2),
pavimentação de ruas (84500 m2), construção de meios fios (2874m), construção de passeios
(3726 m2), rede de águas pluviais (1621 m), rede de esgoto ( 856m) e rede de água potável
(1569 m). O acompanhamento dos relatórios da diretoria da empresa revela que em 1966, ela
84
município de Volta Redonda, o patrimônio público da empresa
179
, que
além de tudo, representava um gasto extra na sua folha de pagamentos,
que naquela época já se encontrava deficitária.
Os relatórios da diretoria da Companhia, mostram que a partir
daquela data, tem início uma ‘nova política’ da empresa em relação ao
município. De acordo com a empresa, “(...) o ponto essencial dessa nova
política retira da CSN o papel de polarizadora das dificuldades vividas pela
comunidade de Volta Redonda e dos demais setores de trabalho, as quais deverão
ser divididas pelos órgãos representativos das comunidades, assumindo a CSN a
parte que realmente lhe competir
180
. Na edição do seu jornal ‘O Lingote’,
que noticiou a entrega dos serviços urbanos à prefeitura, a Siderúrgica
aponta que a parte lhe cabia, dentro da nova realidade, era a
responsabilidade de pagamento dos impostos e taxas, dentro da
legislação em vigor
181
. Na raiz dessa mudança de atitude da empresa em
relação à cidade, estavam as dificuldades econômicas que a empresa
atravessava desde a década de 1950, e que se acentuam a partir de 1964,
realizou serviços de terraplanagem em 5000m3, pavimentação em 97696 m2 de ruas,
construiu 13490 m de meios-fios e 4018m de passeio. Em 1967 porém, ela, de acordo com os
relatórios da diretoria, deixou de executar esses serviços, não constando estes itens da
prestação de contas do referido ano. A partir deste ano, a empresa continuou apresentar
somente sua contribuição ao PLEP -Plano de Educação Primária-, que obrigava as empresas,
com mais de 100 empregados em todo o Brasil, a investirem nesta área do ensino público em
sua respectivas cidades; além de seus investimentos na área da qualificação profissional,
atendimentos médico-odontológicos aos seus funcionários diretos, concessão de bolsas de
estudos à dependentes e funcionários, e atividades da CECISA (Imobiliária Santa Cecília), -
subsidiária da empresa, extinta na década de 1970, quando as casas da Companhia foram
todas vendidas-. Estas atividades direcionadas somente para seus funcionários,
caracterizarão a nova fase da empresa. Cf. Relatórios da Diretoria da CSN, anos de 1964, 65,
66, 67, 68, 69 e 1970.
179
Os serviços entregues à Prefeitura na ocasião eram: manutenção e operação dos
reservatórios de água, redes de água tratada, redes de esgoto, elevatória e água pluviais,
iluminação e leitura de hidrômetros, corte de gramada em praças e logradouros públicos,
aterro de lixo, limpeza de valas, varrição de ruas, coleta de lixo, irrigação de ruas, limpeza
do valão Secades, Brandão e do Rio da Cachoeira, arborização e trato de parques e jardins,
combate à saúva em logradouros públicos, emplacamento de ruas, conserva de canaletas, de
passeios em praça, de meios fios e muros de arrimo. Cf. O Lingote, jan/fev 1968, nº 199
180
Relatório da Diretoria da CSN, ano 1967, p. 12
181
Cf. O Lingote, jan/fev 1968, nº 199
85
quando as empresas públicas se tornam meros instrumentos da política
econômica estatal atrelada aos interesses externos.
Dessa forma, em 1º de janeiro de 1968, a Prefeitura de Volta
Redonda e a CSN, assinaram um termo de entrega e recebimento de
serviços urbanos
182
. Este acordo, significou na prática, o aumento
significativo dos encargos da prefeitura, que não estava preparada para
tal medida
183
.
De qualquer forma, mesmo com todo o ônus arcado pela
prefeitura, este fato, segundo Cláudia Virgínia
184
, iniciou o processo de
unificação do espaço urbano da cidade, ao reunir sob a mesma
administração, a Cidade Operária e a Cidade Velha. O processo de venda
das casa da CSN, num processo bastante conturbado e doloroso para os
empregados que não conseguiram adquiri-las, completou o processo de
integração espacial do município e reduziu a ingerência direta da
empresa na vida e administração do município. A CSN tinha deixado ser
a ‘grande mãe’, reduzindo drasticamente sua política assistencialista e
paternalista, porém, mesmo se retirando das tarefas do dia-a-dia da
cidade, a presença da empresa sobre seus moradores sempre foi muito
intensa
185
.
182
Cf. O Lingote, jan/fev 1968, nº 199
183
Cláudia Virgínia de Souza destaca que a Prefeitura local tentou se adaptar às mudanças
passando por uma reformulação administrativa, adquirindo uma estrutura departamental e
criando alguns órgão com funções específicas, como o SAAE (Serviço Autônomo de Água e
Esgoto). SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de. Pelo Espaço da Cidade, Aspectos da Vida e do
Conflito Urbano em Volta Redonda, Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, UFRJ/IPPUR,
1992
184
SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de.op. cit.
185
Indiretamente a Companhia Siderúrgica Nacional ainda detêm um poder muito grande
sobre a cidade. Volta Redonda, ainda continua sendo uma cidade monopolizada
economicamente pela Companhia. Cerca de 50% das atividades econômicas do município
giram em torno da Companhia Siderúrgica Nacional, segundo dados do Jornal do Brasil, 11
de novembro de 1988.
86
A partir deste período também, novas mudanças se projetam na
cidade de Vota Redonda. O arrojado Plano Siderúrgico Nacional previa
uma considerável expansão da Usina, com um aumento quantitativo de
sua capacidade produtiva saltando de 1 bilhão para 3 bilhões de
toneladas-ano. A consequência será uma expansão considerável da
cidade, com um crescimento desordenado e o surgimento de inúmeros
núcleos de posse.
2.3. O papel da Igreja na cidade-fábrica
De acordo com Edilson Graciolli
186
, para que todo o processo de
formação e disciplinamento do operariado da Companhia Siderúrgica
Nacional, fosse bem sucedido, fazia-se necessário dentro da lógica
empreendida, saber combinar com sucesso e eficiência, a repressão
dentro e fora da usina, com a representação de uma CSN-mãe,
extremamente benéfica, doadora de benefícios e o prolongamento do
Estado herdado de Getúlio Vargas, ‘pai dos pobres’.
Construía-se de acordo com este autor, a ‘camuflagem da
exploração’, alimentada pelo fato do operário da Companhia Siderúrgica
Nacional, pertencer a uma empresa estatal, o quê na época era sinônimo
de estabilidade no emprego, recebendo vários benefícios como assistência
médica, prêmios qüinqüenais e decenais, auxílio funeral, e os melhores
salários da região, e objetivando para seus filhos o mesmo destino,
mitos que somente no final dos anos oitenta começam a se desfazer no
imaginário coletivo da população local, e que hoje encontra-se
completamente dissipado. O sucesso da persuasão criada pela empresa,
186
GRACIOLLE, Edilson José. op. cit.,
87
se espelhava na figura do trabalhador-construtor da Companhia
Siderúrgica Nacional e no orgulho que ele sentia por ser um funcionário
da Companhia Siderúrgica Nacional.
A Igreja de Volta Redonda até então, colaborou decisivamente
com a estratégia montada pela empresa. Um discurso do Gen. Osvaldo
Pinto da Veiga, ilustra o sentido da atuação da Igreja: “Na escola e no
hospital, na igreja e na assistência aos desvalidos, no lar e na oficina, o sacerdote
vem colaborando eficazmente para que Volta Redonda, além de uma usina
siderúrgica, seja também uma forja de homens, capacitados para o trabalho e bem
formados espiritualmente. Tanto que aqui não se medram as ervas daninhas da
dissolução, nem se desunem os homens iludidos pelos que negam a Cristo
187
2.3.1. A atuação dos Círculos Operários
A atuação da Igreja, neste período, se desenvolvia
principalmente a partir dos Círculos Operários, fundados em Volta
Redonda no dia 02 de junho de 1946, inclusive contando na cerimônia
oficial, com a participação do padre Leopoldo Bretano
188
, organizador dos
Círculos Operários no Brasil
189
. Jessie Jane de Souza destaca a
importância deste movimento afirmando: “(...) esta entidade teve presença
marcante na vida de uma grande contingente de trabalhadores, através de
187
O Lingote, abril de 1965, nº 173, p. 05. O meu grifo endossa o caráter de formação que era
imprimido à ação da Igreja, enquanto aliada ao projeto de disciplinamento e controle da
mão-de-obra engendrado pela Companhia Siderúrgica Nacional. Destaca-se ainda a crítica
velada aos comunistas - ameaça constante aos valores pregados pela empresa-,
indiretamente presente no texto, pela crítica ao ateísmo, que ameaçava os valores da
‘civilização cristã ocidental’.
188
Cf COSTA, Alkindar, Volta Redonda: Ontem e Hoje, Volta Redonda, Grêmio Literário de
Autores Novos, 3
a
edição, 1991, p. 64
88
diferentes instrumentos políticos-pedagógicos que objetivavam construir em
colaboração com o Estado, o novo trabalhador brasileiro
190
.
Em Volta Redonda, os Círculos iniciaram suas atividades, tendo
como assistente o padre alemão Francisco Foot. Neste período a Igreja
diocesana desenvolvia uma política de alinhamento e colaboração com as
classes dominantes, com um postura marcadamente conservadora.
Os Círculos Operários (organizados desde 1946 pelo referido
padre Brentano no Rio Grande do Sul), direcionavam a ação social da
Igreja. Segundo René Dreifuss, os Círculos Operários ou Círculos de
Trabalhadores Cristãos- eram financiados pelo IPES Instituto de
Pesquisa e Estudos Sociais- e pelo Ibad Instituto Brasileiro de Ação
Democrática -, grupo político e ideológico ligado a empresários e um dos
principais articuladores do golpe militar de abril de 1964
191
.
Segundo ainda Dreifuss, estes Círculos Operários tinham o
claro apoio de esvaziar os sindicatos combativos sindicatos esquerdistas:
“(...)a ação política da elite orgânica entre as classes trabalhadoras e os sindicatos
desenvolvia-se grandemente através de organizações ‘fantoches’ e movimentos
orientados pelo clero, que competiam com os sindicatos de esquerda pelo apoio das
classes trabalhadoras“
192
.
Articulados na Federação de Círculos de Trabalhadores
Cristãos, essas organizações espalhavam-se por todo o Brasil, chegando a
congregar, de acordo com seus cálculos, 435.000 membros.
No Rio de Janeiro tais organismos eram agrupados na
Federação de Círculos Operários Fluminense FCOF. É importante
189
Cf. DREIFUSS, René. 1964: A Conquista do Estado, Vozes, Petrópolis, 1981
190
SOUZA, Jessie Jane de. op. cit., p. 4
191
DREIFUSS, René. op. cit., cap.,
89
ressaltar que esta entidade foi fundada em Volta Redonda, na
Conferência de Círculos Operários Fluminenses, realizada no dia 19
janeiro de 1958, contando com amplo apoio da Companhia Siderúrgica
Nacional
193
.
Ainda segundo Dreifuss, a Federação Fluminense recebia
atenção especial do IPES. Ela executava uma série de tarefas significativa
no campo da doutrinação ideológica e treinamento político, ambos
apoiados financeiramente por esta entidade
194
.
Na cidade de Volta Redonda, a primeira sede do Círculo, no
bairro Conforto, foi instalada em um barracão cedido pela Companhia
Siderúrgica Nacional. As reuniões aconteciam aos finais de semana e
giravam em torno de questões trabalhistas.
Na verdade, o Círculo Operário de Volta Redonda nasceu de
uma iniciativa da Diocese juntamente com a diretoria da Companhia
Siderúrgica Nacional, para promoção de lazer, cursos profissionalizantes
e de alfabetização. Isto se evidencia no depoimento de um dirigente
sindical do período:“(...) o Círculo foi fundado por gente da CSN, envolvidos
com a empresa. Tinha reconhecimento da Igreja com apoio eclesiástico. O Dr.
Paulo Monteiro Mendes atuou com destaque na sua formação”
195
.
192
Idem Ibid, p. 309
193
A cerimônia é descrita pelo jornal O Lingote: “Foi um dia memorável para a família circulista
voltaredondense, que recepcionou nada menos que 200 correligionários do Estado do Rio. A caravana
visitante compôs-se de cinco ônibus, sendo seu chefe o Padre Leopoldo Brentano. Compareceram ao
Congresso representantes de Petrópolis, Viradouro, Barreto, Fábrica Bacional de Motores, Barra do
Piraí, Porto Velho e Distrito Federal (...) Felicitou os Diretores do novo órgão, pela Companhia
Siderúrgica Nacional , o Dr. Paulo Mendes, dizendo de sua satisfação ante o progresso do movimento
circulista” O Lingote, nº 110, fevereiro de 1958, p.4.
194
DREIFUSS, René. op. cit., p. 309
195
Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99. Neste período, Paulo Monteiro Mendes
era diretor social da Companhia Siderúrgica Nacional.
90
O Circulo Operário, de fato era um importante colaborador nas
atividades educacionais e de assistência social da empresa, de modo que
na sede do Círculo, funcionaram os primeiros cursos profissionalizantes e
uma das primeiras bibliotecas da cidade
196
. O depoimento do bispo
diocesano D. Waldyr Calheiros, avaliando a atuação dos Círculos
Operários, revela este aspecto: “(...) eles foram cooptados pela Companhia
Siderúrgica Nacional, dentro daquela filosofia de capacitação do pessoal. Não
tinham uma visão libertadora de reivindicação (...) eram submissos à
empresa.
197
E relação à atuação dos Círculos Operários em Volta Redonda,
Jessie Jane de Souza destaca que os Círculos Operários eram uma
tentativa da Igreja de monopolizar o movimento operário na cidade,
alinhando-o aos seus interesses
198
.
A relação do Círculo Operário com a Companhia Siderúrgica
Nacional, sempre foi muito estreita
199
. Sua função era orientar os
trabalhadores dentro dos princípios definidos pelos círculos operários em
nível nacional, buscando a harmonia e o entendimento entre patrões e
empregados, e principalmente combatendo a ameaça comunista
200
. O
atual bispo diocesano também relaciona este objetivo como uma das
tarefas dos Círculos: “(...)“(...) A Igreja sempre trabalhou com o anti: o anti-
comunismo, o anti- ateísmo. Os círculos Operários eram instrumentos para
196
COSTA, Alkindar, op. cit.,
197
Entrevista realizada em 18/10/00
198
SOUZA, Jessie Jane de. op. cit.,
199
Ilustrando esta ligação, nas comemorações do 17º aniversário da Companhia Siderúrgica
Nacional, o Gen. Macedo Soares, então presidente da mesma, foi agraciado com o título nº 1
de Sócio Benemérito do Circulo Operário de Volta Redonda. O Lingote, nº 112, abril de 1958,
p. 3.
200
Cf. DREIFUSS, René. op. cit., p. 562.
91
defender os operários do comunismo, com isso comunga, justamente com a
Igreja
201
A participação e o incentivo da Igreja diocesana nos Círculos
Operários era muito clara, a ponto de D. Altivo Pacheco - bispo diocesano
no período de 1963 1967- ser convidado para dirigir cursos e aliciar apoio
dentre a população urbana e rural das classes trabalhadoras para a defesa
da democracia e da propriedade privada, valores defendidos pelos
circulistas e que se contrapunham ao discurso comunista. D. Altivo
Pacheco foi escolhido, pois de acordo com a opinião dos líderes da FCOF
“(...) era considerado como um padre de ‘grande tarimba’ sindical que não se
deixava ser ‘embrulhado’ (sic), pelas manobras comunistas."
202
.
Segundo ainda as análises de Dreifuss, a participação de D.
Altivo era importante para a elite orgânica, devido a importância
estratégica da diocese de Volta Redonda, como o centro do maior
complexo siderúrgico do país e palco regional de uma grande
aglomeração de trabalhadores
203
.
Servindo aos interesses da empresa, o Círculo Operário, na
década de 50, assume uma postura de crítica e enfrentamento junto ao
Sindicato
204
, na medida em que esta entidade de classe passa a atuar de
maneira independente em relação à empresa. Porém a atuação dos
circulistas neste período não foi muito expressiva, não chegando a
constituir dessa forma uma alternativa significativa às principais
tendências em disputa. Uma rápida análise das diretorias do Sindicato
201
D. Waldyr Calheiros, entrevista em 19/10/00
202
Idem Ibid, p. 309
203
Cf., Idem Ibid, p. 309
204
Cf,. entrevista realizada com o professor Waldir Bedê, contemporâneo da atuação dos
Círculos Operários
92
dos Metalúrgicos, nas décadas de 1950 e 60, nos mostra que
pouquíssimos diretores provinham do movimento circulista
205
.
A história do Círculo Operário em Volta Redonda, mostra que a
partir de 1946, ele passou a ministrar diversos cursos, inclusive
profissionalizantes para todas as pessoas da cidade
206
. Ao final da década
de 1950, era o clube que mais tinha associados em Volta Redonda. Em
1967 é fundada a recreativa Ataulfo Alves, que com uma programação
semanal de bailes, consegue se tornar a principal referência para a
juventude operária negra da cidade, mantendo-se desta forma até o final
da década de 80, quando os jovens brancos e de classe média se divertiam
no Clube Náutico Santa Cecília e os jovens negros, lotavam os bailes do
popular Paulada
207
.
Nos anos setenta, o Círculo com colégio de 1
o
e 2
o
grau, se
tornou essencialmente um centro de lazer
208
, perdendo a sua forte
característica de aglutinar operários e de ser uma extensão e intervenção
da Igreja diocesana no meio operário e popular, principalmente devido às
mudanças operadas na Igreja diocesana a partir deste período, quando
começa a se destacar a atuação das comunidades eclesiais de base como
fator de renovação da vida eclesial e da atuação da Igreja no meio social.
205
MONTEIRO Geraldo, Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de
Janeiro, FSB Comunicações, 1995 e CENTRO DE MEMÓRIA SINDICAL, O Arigó: O Pássaro que
vem de longe, Coleção Trabalhadores em Luta, nº 1, CEDI, Rio de Janeiro, 1989
206
No ano de 1958, cerca de 800 pessoas estudavam nas dependências do Círculo Operário, em
diversos cursos, que englobavam desde alfabetização de adultos até comercial básico.
Segundo a Companhia Siderúrgica Nacional, o Círculo Operário “(...) desempenha importante
papel na obra que se realiza em Volta Redonda”. O Lingote, nº 109, 1958, p. 01.
207
Como era conhecido popularmente o CTC-Círculo de Trabalhadores Cristãos, que recebeu o
nome Paulo Monteiro Mendes, em homenagem a um ex-presidente da Companhia
Siderúrgica Nacional, ex-deputado da UDN.
93
2.4. O bispado de D. Agnelo Rossi
“Na Igreja Católica encontrou a Companhia
Siderúrgica Nacional apoio seguro e
constante...”
209
Este bispo chegou à diocese em 1956, e permaneceu até 1963,
quando então é eleito arcebispo e nomeado para a Arquidiocese de
Ribeirão Preto/SP. A partir daí, este bispo teve uma carreira ascendente
na magistério eclesiástico. Mais tarde é transferido para a Arquidiocese
Metropolitana de São Paulo, quando é nomeado cardeal pelo Consistório
da Santa Sé, assumindo também neste período, a presidência da CNBB.
Deixou a arquidiocese de São Paulo em 1971, para assumir o cargo de
Prefeito da Sagrada Congregação para a Evangelização dos Povos e
depois a presidência da Administração do Patrimônio da Santa Sé, cargos
de elevada importância na hierarquia eclesiástica
2.4.1 A Experiência da Catequese Popular
No período em que comandou a diocese, D. Agnelo
desenvolveu, a partir de 1956
210
, o projeto de ‘Catequese Popular’
211
, uma
208
Vale destacar que o ginásio do Círculo Operário foi inaugurado em maio de 1960, como
doação da Companhia Siderúrgica Nacional. Livro de Tombos nº 1 da Diocese de Barra do
Piraí, p. 95
209
O Lingote, abril de 1965, nº 173, p. 05
210
Segundo o bispo, os trabalhos da catequese popular se iniciaram neste ano, quando na
cerimônia de Cristo-Rei, realizada no dia 28 de outubro, 372 catequistas de toda a diocese,
prestaram seu compromisso solene na Catedral de Santana, em Barra do Pirai. Cf. Livro de
Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 74
94
experiência inovadora na Igreja do Brasil
212
, e que acabou se expandindo
também por outras dioceses.
O bispo aponta os motivos que o levaram a desenvolvimento
tal iniciativa: “(...) as penúria de sacerdotes, e em vista da crassa ignorância
religiosa, agravada a ainda mais pela infiltração e pelo crescimento constante de
heresias entre nós.”
213
. Membros da própria comunidade também
reivindicavam uma presença mais ativa da Igreja: Sr. Bispo uma
humilhação para nós católicos! No Natal, as três igrejas protestantes estavam
iluminadas e concorridas. Ouvimos os seus cântico.... e nossa igreja católica,
fechada, em trevas... por que não conseguimos padre
214
. Dessa forma, diante
da extensão da diocese, e principalmente do crescimento e do avanço
protestante na região
215
, D. Agnelo, capacitou leigos para atuarem no
trabalho pastoral da Igreja
216
.
211
O projeto consistiu num grande esforço de evangelização que capacitou leigos para
desenvolveram um trabalho catequético nas áreas da diocese que não eram atendidas
satisfatoriamente por sacerdotes.
212
Segundo D. Agnelo, o projeto foi muito bem recebido pelo Papa Pio XII, sendo também
requisitado por várias dioceses e prelazias brasileiras, para que fosse aplicado nessas
circunscrições eclesiásticas. Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 74. O bispo
destaca também: “(...) a divulgação da idéia da Catequese Popular (...)despertou invulgar interesse
em todo o Brasil e muitas Dioceses (...) lançaram (...) abnegados leigos, que ansiavam realizar algo por
Cristo”. ROSSI, Dom Agnelo, ‘Os Primeiros Manuais de Catequese Popular’ in REB, vol 18,
fasc. 2, junho de 1958, p. 463
213
Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 74. Evidentemente, as heresias (grifo
meu), referem-se ao protestantismo. D. Agnelo destaca que um dos problemas que
encontrou ao chegar à diocese, o fato de somente 20% da população local ser Atendidas
pelos serviços religiosos dos padres e organizações católicas. ROSSI, Dom Agnelo, ‘ Uma
Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3, setembro de 1957, p. 733
214
ROSSI, Dom Agnelo, ‘ Uma Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3,
setembro de 1957, p. 735
215
D. Agnelo destaca que um dos grandes objetivos do seu projeto é combater a ameaça
protestante: “O mais eficiente e eficaz meio de defesa da fé, entre nós, é a Catequese Popular (...) o
catequista é o atalaia da defesa da fé, e adverte o rebanho da aproximação e das investidas do lobo (...)
com a Catequese Popular se acertou o meio mais eficaz de combater o protestantismo” ROSSI, Dom
Agnelo, ‘ Uma Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3, setembro de 1957,
p. 731, 735 e 737.
216
D. Agnelo destaca os principais trabalhos que poderiam ser atribuídos aos leigos: “(...) nesses
lugares o leigo substitui o sacerdote, enquanto a disciplina canônica o permite, não só rezando o terço,
mas até a ‘Missa sem Sacerdote’, realizando cerimônias da Semana Santa, batizando em caso de
necessidade, assistindo aos moribundos, defendendo a fé, etc
216
Ibid idem, p. 74
95
Segundo a diocese, este trabalho resultou numa verdadeira
transformação na vida da Igreja. Surgiram desta experiência, os Salões da
Catequese
217
em toda região. Inúmeras capelas distantes, também
passaram a ter um atendimento, pelo menos dominical
218
, bem como os
serviços religiosos -batizados casamentos, visita a enfermos, catequese de
adultos e crianças-, foram dinamizados
219
. O trabalho se espalhou
rapidamente, chegando a funcionar na diocese mais de 475 núcleos de
catequese popular
Avaliando tal movimento em 1981, D. Agnelo afirma: “Eu creio
que há 25 anos atrás, chegando a Barra do Piraí e vendo a posição de muitos
católicos nas ilhas, montanhas, por toda a parte e vendo suas necessidades de uma
assistência espiritual, que não era possível de ser dada por sacerdotes, nós
tínhamos poucos, apenas vinte e sete sacerdotes diocesanos para toda a população
católica. Eu fui o iniciador da forma embrionária posso dizer (...) dessas
Comunidades Cristãs no Brasil
220
De fato, muitos estudiosos do assunto apontam a diocese de
Barra do Piraí, como sendo uma das precursoras do movimento das Cebs
no Brasil
221
, devido ao trabalho de mobilização dos leigos, objetivando
um trabalho missionário e catequético, suscitado pela catequese popular.
217
Salas comunitárias, que eram utilizadas para catequese, para escola e outras atividades como
cursos de corte e costura, etc. O baixo custo de construção, comparada ao de uma capela,
facilitou a sua difusão. Funcionava como um núcleo, que reunia as pessoas de uma
localidade. Estas pessoas eram as responsáveis pela manutenção do salão, que inclusive
poderia se tornar no futuro, uma capela. ROSSI, Dom Agnelo, ‘ Uma Experiência de
Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3, setembro de 1957, p. 735
218
Diocese de VR/BP., op. cit., p. 5
219
Em muitas regiões inclusive houve um recuo do avanço protestante e do candomblé. ROSSI,
Dom Agnelo, ‘ Uma Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3, setembro de
1957, p. 734
220
Memorial Sobre a Diocese de Barra do Pirai, de 01/05/85, anexo ao Ofício nº322/GP/85 de
14/06/85, p. 06
221
Vide TEIXEIRA, Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos Explicativos,
São Paulo, Paulinas, 1
a
ed., 1988. FREI BETTO, O quê é Comunidade Eclesial de Base, São
Paulo, Brasiliense, 1981 e GUIMARÃES, Almir Ribeiro. Comunidades de Base no Brasil:
96
É importante destacar porém os limites intrínsecos de tal
projeto evangelizador e suas deficiências. De fato este movimento
lançado por D. Agnelo, baseou-se na valorização do leigo, visto a partir
daí como alguém capaz de contribuir com os serviços na Igreja, porém,
sua atuação era limitada e subordinada ao sacerdote, exercendo sempre
uma função de executante. D. Agnelo mesmo expões os limites do
catequista popular: A novidade da catequese popular é (...) dar a leigos
morigerado (...) o material necessário para que leiam. O catequista popular lê e
não fala. É um leitor e não um pregador ou um improvisador. Ler é mais fácil
(...)o catequista popular nada acrescentará, nem fará comentários (...) é um
intermediário, um instrumento nas mãos de Bispos e Párocos para transmitir
uma mensagem, anteriormente preparada ou aprovada pela hierarquia
222
.
Nada mais claro do que as funções do catequista. O simples fato dele não
poder acrescentar nada, nem mesmo comentar o que leu, expõe o medo
do leigo vir as ocupar espaço na Igreja. Outra questão que deve ser
discutida refere-se ao caráter extremamente defensivo do projeto, pois
esse movimento visava principalmente combater o significativo avanço
dos grupos protestantes nas áreas distantes de diocese e que não eram
frequentemente atendidas pelos padres. Segundo D. Agnelo “Não sendo
possível realizá-la com sacerdotes ou religiosos, só resta a hipótese do
aproveitamento do leigo
223
, evidentemente com todas as limitações
narradas acima. Somente se o utilizou leigo no projeto, porque não havia
sacerdotes para desenvolver o serviço! Com o intuito de combater o
crescimento protestante: “O protestantismo progride, principalmente, à custa
de nossas falhas e uma delas, senão a maior, é a ignorância religiosa do nosso
Uma Nova Maneira de Ser em Igreja, Petrópolis, Vozes, 1
a
edição, 1987 e AZEVEDO,
Marcello de Carvalho. Comunidades Eclesiais de Base e Inculturação da Fé , São Paulo,
Loyola, 1988
222
ROSSI, Dom Agnelo, ‘ Uma Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3,
setembro de 1957, p. 733
97
povo. Ora ignorância religiosa não se cura com lamentações. Elimina-se com a
instrução religiosa, com a Catequese
224
. Esta experiência religiosa tinha um
tom apologético, voltada para o confronto com o protestantismo .
D. Waldyr Calheiros, analisando o movimento da Catequese
Popular, afirma “(...) a preocupação naquela época era a substituição do padre
pelo leigo, em algumas atividades, (...) nas comunidades mais distantes onde não
chegavam padres. Existiam os responsáveis pelas capelas, mas não tinha uma
comunidade organizada que assumia as tarefas (...) havia reuniões para cantar
ladainhas, rezar, tudo muito tradicional.(...)não havia a distribuição de
atividades, de ministérios. Organizavam a Igreja na dimensão religiosa. Essa
não é a preocupação das Cebs. Leigo não é quebra galho de padre. Ele é um
elemento de Igreja que deve atuar”
225
. Mesmo assim, com todas as limitações,
este projeto, como enfatiza Faustino Teixeira, foi um primeiro passo na
valorização do leigo na Igreja
226
Engana-se então D. Agnelo, ao afirmar que ele foi um dos
iniciadores da experiência das comunidades de base. O horizonte das
Cebs, como foi apresentado nesta dissertação, extrapola as preocupações
de D. Agnelo. O que de fato se avalia deste movimento, é que ele foi uma
das experiências, que juntamente com muitas outras, apontadas nesta
dissertação, contribuiu para a idéia das comunidades eclesiais de base.
2.4.2. A Fé Inspirou Grandeza Siderúrgica
223
Ibid idem, p. 732
224
Ibid idem, p. 732
225
Entrevista com D. Waldyr Calheiros em 18/10/00.
226
TEIXEIRA Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos Explicativos, São
Paulo, Paulinas, 1
a
edição, 1988, p.60
98
Esta frase, título do editorial do jornal ‘O Lingote’, que
comemorou a vinda do Núncio Apostólico D. Sebastião Baggio à Volta
Redonda e a efetivação da cidade como sede do bispado, revelam
claramente o nível de ligação entre a Igreja diocesana e a empresa.
Neste período, esta simbiose é tão clara, que o
acompanhamento das edições do jornal O Lingote”, publicado pela
Companhia Siderúrgica Nacional a partir de 1953, nos mostram uma
clara dimensão desta situação. Vale destacar que este jornal, juntamente
com a rádio Siderúrgica, criada em 1955, eram os veículos de
comunicação oficiais da Companhia Siderúrgica Nacional com seus
funcionários. Publicado quinzenalmente até o ano de 1957, quando então
passa a ser mensal, tinha circulação interna e tratava de todos os assuntos
de interesse da empresa. Segundo Morel pretendia ser o “(...)o elo da
família siderúrgica (...) procurando conquistar a cooperação do trabalhador,
louvava o clima de harmonia e perfeita integração entre Diretoria e os operários”
227
.
Este jornal trazia notícias sobre os recordes de produção e
inovações da empresa, perfil de operários, espaço para moda, culinária,
as autoridades que visitavam Volta Redonda e a Siderúrgica, e tantos
outros assuntos. A Igreja também tinha presença cativa nas reportagens
do periódico. Naturalmente, se mostrava uma imagem de Igreja que se
adequava perfeitamente aos projetos da Siderúrgica.
Neste contexto, o bispo era um aliado da empresa e seus
empregados deveriam cultuar sua religiosidade e catolicidade. A Igreja
era um elemento de ligação da empresa com seus funcionários,
contribuindo decisivamente para criar o clima de paz e harmonia social
99
reinante na cidade, que nasceu sendo confundida com a Usina que
abrigava. O Gen. Osvaldo Pinto da Veiga, presidente da Companhia
Siderúrgica Nacional, desvelou o sentido da aliança CSN-Igreja: Na
Igreja Católica encontrou a Companhia Siderúrgica Nacional apoio seguro e
constante para que nesta comunidade o homem fôsse (sic), também, elevado
espiritualmente
228
A Igreja não se negou a este papel, e D. Agnelo o desempenhou
com desenvoltura e entusiasmo, sendo recebido com pompas e
homenagens nas visitas que fazia à cidade, já que a sede episcopal
localizava-se na vizinha Barra do Piraí. O bispo participava ativamente de
todos os grandes eventos ocorridos na cidade e na Companhia, que
evidentemente, eram patrocinados pela empresa. O depoimento de um
dirigente sindical do período, é elucidativo desta situação: “Até a diocese
tinha uma posição favorável e de comprometimento com a empresa. O bispo só
comparecia nas grandes festas, quando era recebido com pompa e circunstância
229
A empresa também não economizava esforços, contribuições
financeiras e propaganda
230
para manter a Igreja ao seu lado. As
cerimônias e festividades religiosas eram amplamente divulgadas nas
edições do periódico da empresa. A Igreja era um importante elo de
ligação da ‘família siderúrgica’
231
. Desta forma, festividades como o
227
MOREL, Regina, op. cit., p. 21-22
228
O Lingote, abril de 1965, nº 173, p. 05.
229
Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99
230
Os eventos da igreja local eram sempre divulgados e cobertos pelo jornal da empresa.
Notícias de eventos e comemorações religiosas, eram constantes nas edições de ‘O Lingote”.
231
Esta é uma expressão utilizada pela Companhia Siderúrgica Nacional, em suas publicações
para referir-se ao conjunto de seus empregados, inclusive seus familiares. Solange Pimenta
destaca que a este termo torna-se a “(...) matriz da dominação e submissão dos operários da
Companhia Siderúrgica Nacional” in PIMENTA , Solange Maria. A Estratégia da Gestão:
Fabricando Aço e Constuindo Homens, O caso da Companhia Siderúrgica Nacional, Belo
Horizonte, Dissertação de Mestrado, 1989. Regina Morel faz uma ótima análise dos
100
‘Corpus-Christi’
232
, com grandes procissões, onde participavam entidades
educacionais e movimentos eclesiásticos; entronização de imagens
233
,
comemorações de dias santos
234
, missas campais em datas festivas,
inclusive no aniversário de fundação da Siderúrgica que aliás, era uma
data especial, que era comemorada, com ampla participação da Igreja
diocesana
235
; faziam parte de um grande ritual que unia estrategicamente
Igreja e empresa, irmanadas no mesmo ideal. Estes eventos contavam
sempre com a participação do bispo diocesano e expressiva maioria do
clero diocesano, além da direção da empresa.
Segundo Vieira de Souza
236
, sintomático do elo que unia Igreja-
CSN, da primeira corrida de aço da usina, ocorrida no 22 de junho de
1946, foi forjada uma cruz de ferro e colocada próximo da Igreja Santa
Cecília, também construída pela empresa. Amostra clara de como a CSN
se apropriava do universo simbólico dos operários, já que a maioria
sendo proveniente da zona rural, trazia consigo uma forte religiosidade
popular, sacralizando a empresa e o que ele produzia. Como bem avalia
D. Waldyr Calheiros: “(...)A CSN queria a Igreja. Eles queriam que a Igreja
mecanismo de dominação subjacentes à construção do mito da ‘família siderúrgica’ in
MOREL, Regina, op. cit.
232
Nas comemorações desta data, no ano de 1957, o jornal O Lingote destaca: “O dia consagrado
ao ‘Corpus Christi, suscitou mais uma vez, em Volta Redonda, as manifestações da fé religiosa
peculiares à família siderúrgica” O Lingote, nº 108, 1957, p. 4
233
Em julho de 1958, a entronização da imagem de N. Sra. Aparecida, padroeira do Brasil, na
entrada da Usina, mobilizou a cidade e foi acompanhada de uma série de atividades, que
incluíam carreata com mais de 300 carros e espetáculo pirotécnico, até então inédito em
Volta Redonda. O Lingote, agosto de 1958, nº 115. Vide também O Lingote, nº 146, 1961,
entronização da imagem de N. Srª da Fátima.
234
Comemorações do Dia de São Cristóvão, O Lingote, agosto de 1958, nº 115. As festas de
Santa Cecília eram sempre divulgadas pelo jornal. São retratadas também comemorações da
Páscoa, encerramento do mês de Maria, etc.
235
O bispo diocesano D. Agnelo Rossi era presença constante nas festividades de aniversário da
Companhia Siderúrgica Nacional. O bispo também participava das cerimônias de
inaugurações de novos equipamentos e instalações da empresa.
236
SOUZA, Jessie Jane de. op. cit.,
101
sacralissase tudo, como se ela fosse um espécie de capelão da Companhia
Siderúrgica, com todo poder e apoio econômico
237
.
As propostas da Companhia Siderúrgica Nacional, desta forma,
parece que seduziram a igreja diocesana. É notória a contribuição da
empresa na estruturação da estrutura física da Igreja voltaredondense. A
construção de casas para padres e religiosas
238
, bem como a doações de
terrenos, contribuições financeiras e incentivos para construção de
templos religiosos
239
e a cessão de colégios
240
, sob comodato, às
associações religiosas fizeram parte da política de aproximação e
cooptação da empresa em relação Igreja, que recebeu as benfeitorias “(...)
enaltecendo o trabalho fecundo empreendido pela Cia. Siderúrgica Nacional, no
que tange a assistência aos habitantes de Volta Redonda”
241
. Estabeleceu- se,
dessa forma, uma relação institucional da empresa com a Igreja em Volta
Redonda. A instituição religiosa era extremamente importante para o
quadro de representações que a CSN estabelecia na cidade.
237
Entrevista com D. Waldyr Calheiros em 18/10/00.
238
Vide O Lingote, nº 130, março de 1960 e nº 106, 1957. Vale destacar também que a assistência
social da empresa era inicialmente desenvolvida por religiosas da congregação ‘Missionárias
do Jesus Crucificado’. Cf. Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 80. No hospital
da empresa também atuava um capelão.
239
Vide O Lingote, nº 112, 1958. Aborda a participação da Companhia Siderúrgica Nacional na
construção da Igreja Matriz de Nª Srª das Graças (futura Co-Catedral de Volta Redonda). A
cerimonia de lançamento da pedra fundamental da Igreja, ocorreram numa missa campal,
realizada no dia 09 de abril de 19858 aniversário da Companhia Siderúrgica Nacional. A
empresa contribuiu com a doação do terreno e com a quantia de cem mil cruzeiros para o
início da construção. O 1º BIB, sediado em Barra Mansa, também contribuiu com a doação de
dois mil cruzeiros para as obras. Vide ainda O Lingote, n º 125, agosto de 1959, relata
inauguração da Capela do Colégio Nª. Srª do Rosário.
240
Um depoimento d e Macedo Soares, é elucidativo desta situação e da confiança depositada
na Igreja. Relatando a cessão de colégios aos religiosos, ele destaca: “(...) Nossa preocupação
com o ensino era enorme (...) fizemos um ginásio, que leva o meu nome, e o entregamos aos padres.
Tomei essa decisão por que na mãos dos padres a escola não acabaria. (...) A mesma coisa com a escola
das moças: entregamos para as freiras; e as duas escolas ainda estão lá” . Um Construtor de Nosso
Tempo, Entrevista ao CPDOC, Rio de Janeiro, 1999, p. 99. As escolas citadas referem-se aos
Colégios Macedo Soares, que depois da privatização da empresa foi vendido a uma grande
rede de ensino, e o Colégio Nª Srª do Rosário, até hoje administrado por uma congregação
religiosa.
241
O Lingote, nº 130, março de 1960
102
2.4.3 A Cidade do Aço Sede do Bispado
No período de seu bispado, D. Agnelo Rossi, iniciará ainda
junto à direção da Companhia Siderúrgica Nacional, gestões para
transferência da sede episcopal para Volta Redonda.
Este processo inicia-se logo na sua chegada à nova diocese,
conforme sua descrição: “Desde nossa posse, ficamos sabendo de planos para
uma transferência da sede episcopal para Volta Redonda e, em nossa posse, o
representante da Companhia Siderúrgica Nacional, nos assegurou que a CSN,
tudo faria para que isto se concretizasse
242
.
A Companhia Siderúrgica Nacional era a grande interessada no
processo de transferência da sede episcopal. Segundo a empresa, “(...) a
Igreja Católica não podia ignorar a importância de Volta Redonda e deveria
manifestá-la de forma patente”
243
. O próprio bispo diocesano chegou a
revelar, que na verdade, não cabia a ele o mérito da idéia do projeto de
transferência, mas sim ao general Edmundo de Macedo Soares e Silva
244
,
que na época, era presidente da Companhia Siderúrgica Nacional.
As negociações Igreja e a Companhia Siderúrgica Nacional
evoluíram timidamente a partir da posse do novo bispo. Com o aval e a
promessa explícita de apoio por parte da CSN, D. Agnelo Rossi, inicia
contatos com a Sagrada Congregação Consistorial, durante sua primeira
visita à Roma, ocorrida em fevereiro de 1958.
O longo processo inicia-se oficialmente, quando Volta Redonda
recebe a visita de D. Armando Lombardi, Núncio Apostólico no Brasil,
242
Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 80
243
Ibid idem, p. 81
103
em junho de 1959. Segundo a diocese, esta visita, teve caráter privado,
com o objetivo “(...) de conhecer de perto e in loco, problemas da diocese
245
. A
Companhia Siderúrgica Nacional, no entanto, não via a visita do Núncio,
com a mesma discrição e o caráter reservado da diocese. A empresa
noticia tal fato para toda comunidade voltaredondense, na primeira
página do jornal ‘O Lingote’
246
, revelando o objetivo da visita de D.
Armando, através da manchete: ‘VR Sede de Co-Bispado’. Segundo a
notícia veiculada, depois de conhecer as instalações da Companhia
Siderúrgica Nacional e a cidade de Volta Redonda, “(...) a ilustre
autoridade eclesiástica manifestou interêsse (sic), em elevar Volta Redonda, a
sede do Co-bispado, dada a inegável pujança do seu movimento religioso, decisão
esta que certamente será acolhida com intenso júbilo pela população católica
voltaredondense
247
. A reportagem conclui dizendo que, inclusive, o
Núncio chegou a verificar um mapa da cidade de Volta Redonda, para
escolher previamente o melhor local para a sede do Co-Bispado
248
.
Na verdade, a visita do Núncio, foi a culminância desse
processo que se envolvia os interesses convergentes da CSN e da Igreja
diocesana. Na prática, esta visita foi também a resposta de uma carta,
enviada pelo bispo diocesano em 21 de março de 1959, onde este, expõe
oficialmente ao Núncio o desejo de transferência da sede episcopal para
Volta Redonda: “(...)Parece-me Exmo. Sr., chegado o momento oportuno para
apresentar oficialmente à Santa Sé (...)como também para aproveitar a
coincidente boa vontade da atual diretoria da Companhia Siderúrgica Nacional,
244
Ibid idem, p. 84
245
Ibid idem, p. 65
246
O Lingote, nº 123, junho de 1959
247
Ibid idem
248
Este local, nas proximidades da Praça Brasil, na Vila Santa Cecília - centro da cidade,
escolhido previamente pelo Núncio Apostólico, o bispo diocesano e a diretoria da
Companhia Siderúrgica Nacional, se confirmou mais tarde como o terreno a ser doado pela
empresa à Igreja diocesana.
104
cujo mandato terminará dentro de três anos. (...) Como a CSN faz seus planos
antecipados de aplicação de verbas (...) seria conveniente salvo melhor juízo,
apressar o pedido junto à Santa Sé para que já em 1960 se pudesse atacar as obras
da residência episcopal e da Concatedral (sic), em terrenos centrais na cidade de
Volta Redonda, cedidos pela CSN à Mitra Diocesana”
249
.
Nesta mesma carta o bispo expõe os motivos da requisitada
transferência:
1. A posição geográfica de Volta Redonda, já que com a criação da
Diocese de Nova Iguaçu, a sede do bispado, em Barra do Pirai, ficaria
situada num extremo da diocese, enquanto que em Volta Redonda,
ficará localizada num ponto central, com melhores possibilidades de
acesso e comunicação com todos os pontos da diocese.
2. A importância econômica de Volta Redonda, sendo o maior centro
siderúrgico do Brasil, merecendo maior atenção da Igreja. Além de
que, segundo o bispo, quase todas as Igreja Matrizes, localizam-se na
periferia da cidade.
3. Volta Redonda apresenta-se com atualmente 85.000 habitantes (em
1959), com projeção de um vertiginoso crescimento populacional nos
próximos anos cerca de 200.000, segundo estimativas param os
próximos 10 anos-, devido aos projetos de expansão da Companhia
Siderúrgica Nacional. Barra Mansa, cidade contígua à Volta Redonda,
possui cerca de 35.000 habitantes. As duas cidades possuem então,
mais de metade da população da diocese.
4. Barra do Pirai, atual sede do bispado, possuindo 25.000 habitantes,
sem possibilidades de progresso econômico, vivendo na verdade, um
249
Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 81
105
ciclo de decadência econômica, não ficaria prejudicada, sendo dotada
de benefício como um seminário, catedral e a residência episcopal
5. A Companhia Siderúrgica Nacional, por meio de sua atual diretoria,
está, segundo o bispo, realmente empenhada em dotar Volta Redonda
de todos requisitos para se tornar sede do bispado.
Este item expressa, na verdade, obrigações que a CSN, teria que
cumprir, incluindo a construção de uma catedral, a residência episcopal e
a cúria diocesana.
O apoio do Núncio Apostólico, necessita agora, do
cumprimento das promessas de apoio, por parte da Companhia
Siderúrgica Nacional, que eram insistentemente reiteradas à Igreja local.
Numa carta, em 1º de agosto de 1959, dirigida ao gen. Macedo Soares, o
bispo oficializa os pedidos de apoio: “Afim de que se possa concretizar a
aspiração da atual diretoria da CSNM, de que também Volta Redonda seja sede
de Bispado, em vantagens incalculáveis de ordem social, educacional, moral e
religiosa para a Cidade do Aço (...) venho, na qualidade de Bispo Diocesano,
solicitar da Exma. Diretoria da CSN, as seguintes medidas:
1. Que seja ordenada a transferência, por escritura de doação à Mitra
Diocesana de Barra do Pirai, (...) dos terrenos escolhidos (...)junto
à Praça Brasil.
2. Tendo exposto meus planos ao engº Fest, arquiteto da CSN, para
que elaborasse o primeiro projeto das construções necessárias ao
Bispado em Volta Redonda (...)Peço, portanto, à Exma. Diretoria
da CSN, autorize o desenvolvimento dos projeto definidos pelos
orgãos competentes.
106
3. A preferencia seria dada à construção da Residência Episcopal,
ficando a Concatedral (sic) para uma etapa posterior.”
250
.
A partir das negociações bem sucedidas com a Companhia
Siderúrgica Nacional, a empresa cumpre o que havia sido prometido: a
construção do bispado foi concluída em 1963, com a CSN, destinando
uma vultuosa quantia para o início das obras ( cerca de Cr$ 10.000.0000).
A doação foi feita pelos diretores da empresa em 09 de junho de 1960,
sendo aprovada pela Assembléia Geral Extraordinária das CSN, em 29 de
dezembro de 1960
251
.
Os planos de D. Agnelo, no entanto, acabam sendo atrasados
por que o entendimentos com a CSN, sofreram algumas interrupções,
devido a mudanças na diretoria da empresa
252
. Com a saída de D.
Agnelo Rossi da diocese, em 1963, os planos de transferência da sede
episcopal, passaram a ser negociados por D. Altivo Pacheco, novo bispo
nomeado para a diocese
2.5. D. Altivo Pacheco: a Perfeita Harmonia CSN-Igreja
250
Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra do Pirai, p. 84
251
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai, p. 37
252
A saída do gen. Macedo Soares da presidência da Companhia Siderúrgica Nacional em 1959,
prejudicou os entendimentos para a transferência da sede episcopal. Depois de alguns meses
de expectativa, as negociações foram retomadas com o novo presidente da empresa, Sr. João
Kubistchek de Almeida. No dia 9 de abril de 1960, numa missa realizada em comemoração
ao 19º aniversário da empresa, o novo presidente se comprometia a adotar medidas para
concretizar tal objetivo. Livro de Tombos nº 1.
107
O curto período de bispado de D. Altivo Pacheco na diocese
(1963-1966) foi um período bastante difícil na vida igreja local, sendo
marcado por sérios problemas.
Nesta época, eram constantes os atritos entre o bispo e alguns
padres diocesanos. Na evidência desses atritos, no seu bispado, aconteceu
na diocese, uma campanha de padres contra o celibato sacerdotal, que
resultou numa crise de vocações e no abandono e afastamento de vários
padres do ministério sacerdotal na região
253
.
Avaliando esta situação da diocese neste conturbado período,
os padres diocesanos observam: “(...) era uma Igreja desunida e até, diríamos,
mal-afamada, pela desunião do clero, campanhas contra o celibato sacerdotal e
outras coisas que faziam com que, quando nos apresentávamos como membros
deste presbitério, fôssemos vistos com desconfiança e, até mesmo, com
desprezo.
254
.
Além disso, no seu bispado, D. Altivo, manteve estreitas
relações com a Companhia Siderúrgica Nacional, notabilizando-se
também por retomar as negociações com a empresa, que concluíram o
projeto de transferência da sede da diocese.
Este projeto se torna realidade em 26 de janeiro de 1965, quando
a Sagrada Congregação Consistorial, cria oficialmente a Diocese de Barra
do Pirai-Volta Redonda
255
.
253
Cf. Relatório da Visita ‘Ad Límina’- 1980 e Livro de Tombos nº 1. Diversos padres (Rui,
Moacir e Ciro), abandonaram o sacerdócio. Os atritos permaneceram durante todo o período
em que D. Altivo esteve à frente da diocese.
254
Carta dos padres diocesanos, enviada ao Sr. Cardeal Ganthim, Diretor da Sagrada
Congregação para os Bispos, Volta Redonda, 04/05/88.
255
Nova denominação da antiga diocese de Barra do Pirái.
108
O grande projeto de D. Agnelo e da Companhia Siderúrgica
Nacional, se realiza então: a residência episcopal se transfere para Volta
Redonda e o bispo passa a residir no Bispado
256
, um prédio localizado na
área nobre da cidade, no bairro Laranjal inicialmente destinado aos
engenheiros da empresa. Tanto o prédio como o terreno foram doados
pela Companhia Siderúrgica Nacional, além do lote na área central da
Vila Santa Cecília, destinado à futura Co-Catedral
257
e à Cúria
Diocesana
258
. A igreja diocesana na verdade se aproveita da aproximação
com a empresa para estabelecer sua infra-estrutura
259
.
Como a ‘Catedral de Aço’ ainda não estava construída, adotou-
se como medida provisória a elevação da Igreja de Nª. Srª das Graças,
como Co-Catedral da nova diocese. As cerimônias de instalação da Co-
Diocese de Volta Redonda, foram realizadas no dia 09 de abril de 1965,
data do 24º aniversário da Companhia Siderúrgica Nacional, por sugestão
do próprio bispo D. Altivo Pacheco
260
, em homenagem à grande
colaboradora e “(...) afim de que o ato se incorporasse ao calendário das datas
mais queridas da família siderúrgica e marcasse a comunhão espiritual daqueles
que forjam em Volta Redonda a grandeza do país”
261
.
256
Residência Episcopal
257
A futura Co-catedral, de acordo com o projeto original deveria ser uma construída em
estrutura de aço, símbolo da presença suntuosidade da Igreja e da Companhia Siderúrgica
Nacional, e da solidez que as unia :“(...) construção digna, sóbria e moderna, como convém a
Concatedral de Volta Redonda (...) uma Catedral de Aço” Livro de Tombos nº 1, Diocese de Barra
do Pirai, p. 84
258
VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, Volta
Redonda, 1999, p. 05
259
Um relatório da diocese revela este aspecto afirmando: “(...) houve uma evolução na presença da
Igreja na região. A Igreja recebeu favores da Empresa: A Residência do bispo e o terreno da Cúria e
Catedral, contanto que a sede Diocesana fosse transferida de Barra do Piraí para Volta Redonda.”
Relatório da Diocese de Barra do Piraí-Volta Redonda, Avaliação Pastoral, 1998.
260
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai, p. 60. Vale destacar também que A
Companhia Siderúrgica Nacional, em algumas ocasiões, demostrando seu apreço pela Igreja
e “(...) e em ato de perfeita identidade com os sentimentos cristãos da população”, chegou a alterar as
datas comemorativas do aniversário de sua fundação, por que coincidiam com as cerimônias
da Semana Santa ( Sábado de aleluia, luto da Igreja). O Lingote, abril de 1966, nº 181
261
O Lingote, abril de 1965, nº 173
109
A instalação da diocese ocorreu num clima de grande
festividade em Volta Redonda. A diocese encaminhou convites a várias
autoridades de expressão eclesiásticas, civis e militares. Destacou-se a
presença do Núncio Apostólico D. Sebastião Baggio, D. José Gonçalves
secretário geral da CNBB, D. Jaime Câmara, Cardeal Arcebispo Dom Rio
de Janeiro, acompanhado de alguns bispos auxiliares, estando entre eles,
a figura discreta de D. Waldyr Calheiros, que no ano seguinte assumiria o
pastoreio da diocese.
O clima de entusiasmo era geral, principalmente porque
naquele dia, além da sagração da Igreja de Nª. Srª da Graças como Co-
Catedral e da transferência da sede episcopal, se realizava a cerimônia de
lançamento da pedra fundamental daquela que seria a Catedral de Aço.
A transferência da sede episcopal para Volta Redonda, no
entanto, gerou reações de insatisfação em Barra do Piraí, antiga sede
episcopal, que acabou culminando mais tarde, em 1985, com um processo
que reivindicou o desmembramento de Barra do Piraí da Diocese de
Barra do Piraí-Volta Redonda. O processo liderado pela Câmara de
Vereadores local e enviado ao Vaticano, propunha a organização de uma
nova diocese, ou melhor “(...) restaurar a antiga Diocese de Barra do Piraí,
compreendendo os municípios de Barra do Piraí, Mendes, Paulo de Frontin, Piraí
e Rio Claro”
262
. Os argumentos dos diocesanos de Barra do Piraí
263
porém,
não obtiveram êxito, e a cidade continuou ligada à Diocese de Volta
Redonda.
A colaboração da Igreja com a Companhia Siderúrgica
Nacional, no entanto, estava próxima do fim. Foram décadas de
262
Câmara Municipal de Barra do Piraí, Ofício nº322/GP/85 de 14/06/85
110
cumplicidade e dependência onde a Igreja diocesana, enquanto
instituição e nas suas ações, colaborou diretamente com a empresa,
participando de seu projeto de dominação. Este quadro mudará
rapidamente com a chegada de um novo bispo no ano seguinte.
Como foi discutido anteriormente, D. Altivo Pacheco, teve
participação destacada e direta na organização e articulação dos Círculos
Operários, assumindo também posturas conservadoras e como expressiva
parcela da Igreja brasileira, apoiou a ditadura implantada pelos militares
em 1964.
A repressão instalada a partir do Golpe de 1964, se abateu com
grande sobre intensidade a vida política de Volta Redonda. Perseguições
à operários na Companhia Siderúrgica Nacional , prisões de lideranças
políticas e sindicais, intervenção do sindicato da categoria e a cassação do
mandato de um vereador, foram atos que procederam à instalação da
ditadura.
O bispo diocesano no entanto, apenas acompanhou os
acontecimentos com certa discrição, não demostrando insatisfação ou
oposição, às arbitrariedades que então começavam a acontecer no país.
No Livro de Tombos da diocese, ele relata que desmarcou compromissos
neste período, pois segundo ele não havia clima para reuniões: “(...) a
revolução teve início. O povo está desorientado. Resolvi suspender a visita
pastoral. É impossível trabalhar neste clima de insegurança e incerteza
264
.
Um fato importante que ocorreu na Igreja diocesana neste
período, , foi a prisão de padre Bueno, que atuava na Matriz de Santa
263
Vide Memorial Sobre a Diocese de Barra do Piraí, de 01/05/85, anexo ao Ofício
nº322/GP/85 de 14/06/85
264
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda
111
Cecília, dias depois da eclosão da revolução, em protesto contra a prisão
de um paroquiano, que era dirigente dos Sindicato do Metalúrgicos
265
,
sendo o único caso de protesto que marcou a Igreja diocesana nesta
ocasião. A interferência, com reservas, de D. Altivo, junto ao comando
militar na região, acabou livrando o corajoso padre da detenção.
Além de não se opor às arbitrariedades e a ditadura implantada
no Brasil, D. Altivo ainda comemorava os frutos da revolução.
Sintomática de sua posição de apoio ao golpe de 1964, foi a celebração de
uma missa campal em ação de graças pelo 2º da ‘Revolução Democrática
Brasileira’, realizada em 31 de março de 1966, com a participação da
diretoria da CSN, autoridades civis e militares
266
. Ele ainda participou de
um ciclo de palestras numa rádio local, refletindo sobre a importância
desta revolução na vida brasileira.
D. Altivo, seguindo a linha de seu antecessor, será um eficaz
colaborador da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda. Sua
história de submissão e comprometimento com a empresa eram notórios.
Um sacerdote do período, descreve sua indignação com tal situação: “(...)
causa-me indignação a atitude da Companhia de querer determinar os programas
religiosos da cidade, coisa em que, talvez inconscientemente, D. Altivo
condescendeu muito, chegando a cancelar compromissos bem mais importante
para atender às ‘ordens’ da CSN”
267
.
Corretamente a empresa referia-se a ele, como parceiro de seus
projetos, não escondendo sua admiração pelo trabalho desenvolvido pelo
bispo: “Como seu antecessor, D. Agnelo Rossi, D. Altivo Pacheco firmou um
265
Ibid idem
266
O Lingote, agosto de 1966, nº 186
267
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda. P. 84
112
ambiente de plena harmonia social, concorrendo com seu valioso apoio a tôdas
(sic) iniciativas visando o progresso material de sua jurisdição religiosa”
268
.
Um depoimento de seu sucessor exemplifica melhor a
participação de D. Altivo ao lado da Companhia Siderúrgica Nacional.
(...) Eu costumo dizer, sem ridicularizar, chamavam D. Altivo para celebrar
missa na ponte, embaixo da ponte, em todo lugar!”
269
. De fato, D. Altivo era
presença institucional da igreja ao lado da empresa e do poder. Esta
aliás, o qualificava como “(...) amigo, cujas obra espiritual se soma a de seus
inesquecíveis antecessores”
270
Parece que era mesmo por parte da Companhia Siderúrgica
Nacional que partia o grande apoio que alimentava D. Altivo em Volta
Redonda. No clero diocesano, sua presença era motivo de contradições e
choque infindáveis, que marcaram todo o seu bispado: desânimo e
críticas nos rituais da Semana Santa, falta de padres nas solenidades
religiosas, desinteresse em participar de reuniões, barulho e desordem
nas procissões e missas campais, etc. A leitura do período de D. Altivo
nesses livros, desfralda um emaranhado de reclamações, desânimo e
apatia, presente tanto no bispo como no clero. Eram comuns as queixas
do bispo: “(...) É pena o desinteresse em tornar a festa mais piedosa (...) Padre
Valério era o único presente (...)O altar não estava preparado. Houve atraso de
mais de uma hora (...)Como sempre completo desinteresse dos padres (...)Os
padres da cidade se puseram à margem. Criticaram tudo, apenas alguns
compareceram”
271
. Segundo a opinião de uma religiosa, “(...) além de tudo,
D. Altivo não tinha muito pulso para contornar tais situações”
272
268
O Lingote, agosto de 1966, nº 186
269
Entrevista realizada em 18/10/00
270
O Lingote, agosto de 1966, nº 186
271
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda.
272
Depoimento em 15/01/01
113
O bispado tornara-se para ele então, um fardo, que cada dia ficava
mais pesado. Sua saúde tornara-se debilitada devido a tantos
problemas
273
. Toda esta problemática o levou a pedir transferência para
uma outra diocese. D. Altivo aguardava com ansiedade a aceitação de seu
pedido. A publicação de sua transferência para a diocese de Arassuai,
interior de Minas Gerais, ocorrida no dia 04 de julho de 1966, chegou com
uma expressão de alívio para o bispo: “(...)Graças a Deus!”
274
.
Os últimos momentos de D. Altivo à frente da diocese foram
marcados pela mesma tensão e animosidade que predominou em todo o
período. Na última reunião com o clero diocesano, realizada em 12 de
julho, da qual participaram quase todos os padres, D. Altivo pede aos
padres que recebam o novo bispo “(...) como o Cristo que vem santificar a
diocese”. Nesta reunião, D. Altivo, revela na verdade, a chave da grande
parte dos atritos entre ele e os padres diocesanos: (...)Procurem desmanchar
tôda (sic) maldade semeada em tôrno (sic) do bispo. Nunca recebi um cruzeiro da
CSN, como dizem os maldosos que o bispo participa dos lucros da Companhia
(...) Deixo a diocese pobre como cheguei”
275
.
A ligação com a CSN, gerou questionamentos e problemas para o
bispo. Ele porém, pareceu não se incomodar com esta situação. Num
almoço oferecido pela empresa, na Fazenda Santa Cecília, concretiza-se
sua despedida da diocese, no dia 23 de julho de 1966. Desta data até a
posse do novo bispo, a diocese será coordenada por Vigário Capitular,
eleito entre os padres diocesanos para este fim.
A citada eleição foi realizada no dia 20 de agosto, e apontou o
nome do padre Manoel Barreto, como o escolhido. Ele guiaria a diocese
273
Cf. carta do padre Ernesto Lamin, enviada ao Cardeal D. Bernardin Gantin, em 03/05/88
274
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda. P. 71
114
até dezembro do mesmo ano, preparando o caminho para o novo bispo,
que ainda não tinha sido escolhido.
Um situação ocorrida neste período de transição, será sintomática
de um novo momento que se prenuncia na vida da Igreja local. Um
episódio ocorrido em torno das comemorações do Dia da Independência,
provoca as primeiras divergências na harmoniosa relação Igreja-CSN.
O atrito ocorreu porque no programa de atividades do dia 7 de
setembro, organizado pela empresa, constava, como já era de praxe, a
celebração de missa campal, a ser realizada na praça Brasil, da qual a
Cúria Diocesana não foi avisada! Ela somente foi informada do
compromisso, no final da tarde do dia 5 de setembro. Acompanhando a
descrição do padre, ele relata com indignação: “Pelas 18 hs, uma das irmão
de Jesus Crucificado, que trabalha no Centro Social N. Sra. das Graças e é
funcionária da CSN, telefonou-me comunicando que um dos engenheiros da
Siderúrgica havia ‘mandado’avisar-me que, dia sete, eu ‘tinha que celebrar’ uma
missa na Praça Brasil. Fiquei revoltado com isso.”
276
De fato, o posicionamento do vigário é enérgico e firme, criticando
a atitude da empresa e recusando suas intromissões na vida da Igreja
local, que sempre se submetia às suas determinações. Padre Barreto se diz
contrário ainda a realização dessas tais “missas de ornamentação”, que é
como ele classifica o evento programado pela Companhia Siderúrgica
Nacional. O padre responsável pela diocese tece ainda críticas ao antigo
bispo D. Altivo, por se curvar demasiadamente aos interesses da
Companhia Siderúrgica Nacional. Segundo ele, a diocese é realmente
devedora de grande gratidão pela doação que a CSN fez à Mitra
275
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda. P. 71
276
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda. P. 84
115
Diocesana, porém “(...) isso não lhes dá direito de imiscuir-se nas coisas da
Igreja ou a programarem atos religiosos independentemente do prévio
entendimento e autorização”
277
.
O padre resolve a questão, afirmando que não poderia assumir tal
compromisso orientado pela CSN, pois não era funcionário da empresa e
além de que já tinha outra agenda programada para o dia. Afirmou
ainda que a Companhia Siderúrgica Nacional deveria cumprir o
procedimento legal para agendar a realização da missa, requerendo a
autorização da respectiva cerimonia encaminhada pelo pároco da área `a
Cúria Diocesana. O episódio e encerrou com a CSN cumprindo os
trâmites legais da diocese, e a missa sendo celebrada pelo padre Luciano,
pároco responsável pela área.
No Livro de Tombos da diocese, explicando o motivo de ação
enérgica em relação à CSN, o vigário capitular explica: “Sei que fui um
pouco duro, mas julguei necessária esta atitude para facilitar a liberdade de ação
do futuro bispo”
278
.Sem ainda conhecer o ainda futuro bispo da diocese, o
vigário se antecipava aos embates que este iria travar pela dignidade da
Igreja na região.
A comunicação do nome do novo bispo nomeado pela diocese é
esperada com muita ansiedade em Volta Redonda. Uma carta, que chega
no dia 26 de outubro nas mãos do vigário capitular, é recebida com
grande entusiasmo e desfaz toda a preocupação: “Grande alegria! Chegou
hoje carta da Nunciatura. Quando abri o envelope, encontrei outro, também
fechado e com os seguintes dizêres (sic) carimbados acima do enderêço
(sic):’Pessoal-Reservada Sub Speciali Secreto Pontificio’.Era a notícia, ainda
277
Ibid idem, p. 85
278
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Barra do Pirai-Volta Redonda. P. 85
116
secreta, da nomeação, tão desejada, de nosso novo bispo: DOM WALDYR
CALHEIROS DE NOVAIS, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro e Vigário
Epsicopal de Copacabana”.
A escolha do nome do novo bispo, que segundo o então vigário
capitular, “(...) goza de grande fama de ser um dos mais atualizados bispos do
Brasil”, foi recebida com bastante otimismo por ele, que o esperava com
esperança, para recuperar a Igreja diocesana e colocá-la na linha de
renovação pela qual passava a Igreja recém saída do Vaticano II. Uma
novo capítulo se inicia agora, na história da Igreja em Volta Redonda.
119
7CAPÍTULO III
A IGREJA DO POVO
3.1. As Cebs: Uma Nova Atuação na Cidade
“As comunidades eclesiais formam este povo
em marcha; sua existência lança um desafio à
hierarquia, que monopolizou em suas mãos
todo poder sagrado, para que ela se entenda
como serviço; não como poder que se exerce a
partir do próprio poder, mas como mediação
para a justiça, a fraternidade e a coordenação
do povo”.
277
Leonardo Boff
As comunidades eclesiais são uma realidade em todo país. Em Volta
Redonda este movimento veio renovar a Igreja diocesana. Antes desse trabalho
inovador dessas comunidades, como vimos nos capítulos anteriores, a Igreja
diocesana mantinha uma estrutura organizacional clássica, dividida nas
tradicionais paróquias, com a concentração de serviços religiosos nestas
instâncias.
As Cebs representaram uma alternativa a este modelo tradicional
paroquiano, modificando, assim como em todo o país, o trabalho pastoral da
Igreja. Segundo o bispo diocesano, este movimento “(...) é sobretudo uma
exigência entre os fiéis para se criar comunidades de solidariedade e
participação”
278
.
277
BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder, Petrópolis, Vozes, 1981, p. 185
278
Entrevista realizada em 26/11/99
120
Antes de discutirmos o nascimento e atuação dessas comunidades que
mudaram a estrutura da Igreja em Volta Redonda, é necessário porém, antes de
tudo, conhecer um pouco da história daquele que foi o incansável articulador
desse grande projeto popular, e o embates travados por ele e toda Igreja local na
defesa da liberdade e da organização popular, num contexto de ditadura e
repressão política.
3.2. Um Pouco da História do Menino Alagoano que se Tornou Bispo
279
O bispo recém nomeado para a diocese, nasceu em Murici, Alagoas,
em 1923, filho de uma família da pequenos agricultores. Sua vocação religiosa se
definiu aos 13 anos, quando influenciado pela mãe, partiu para o seminário.
Inicialmente o menino Waldyr cursou os estudos em Maceió, depois com a ajuda
de parentes, veio para o Rio de Janeiro, onde cursou teologia e foi ordenado
padre em 1948.
Suas primeiras experiências sacerdotais foram vividas no mesmo
seminário em que se formou, primeiro como Prefeito dos alunos, depois como
Diretor Espiritual e, finalmente, como Vice-Reitor. Nove anos depois, em 1957,
o então Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Câmara, com
vistas a prepará-lo para o episcopado, lhe deu a oportunidade de uma experiência
direta no ministério pastoral, nomeando-o pároco da Igreja de Francisco Xavier
na Tijuca.
Os trabalhos nesta paróquia, segundo D. Waldyr, significaram um
momento enriquecedor, que muito contribuiu para sua formação
280
. Entre as
experiências marcantes desse período, D. Waldyr destaca o trabalho que
279
Para uma bibliografia mais completa de D. Waldyr Calheiros de Novais, ver Revista da Diocese de
VR/BP- ‘75 anos Presente na Região Sul Fluminense’, Volta Redonda, 1999; Boletim Diocesano, nº
302, 1988 e Revista Sem Fronteiras, agosto de 1989, nº 171
121
desenvolvia com os favelados de uma região próxima à paróquia e também uma
experiência de fraternidade
281
com seus colaboradores. D. Waldyr tornou-se
conhecido, neste período, como um homem de grande amor à justiça e defensor
de um cristianismo vivido a partir de bases populares.
D. Waldyr Calheiros foi escolhido para bispo auxiliar do Rio de Janeiro
em 1964, com a cerimônia de sagração acontecendo no dia 1º de maio do mesmo
ano. Uma de suas primeiras atividades como bispo foi a participação na 3ª sessão
do Concílio Vaticano II e, em 1965, participou da sessão de encerramento deste
Concílio. D. Waldyr participou neste período da articulação da primeira
fraternidade internacional de bispos, que se comunicam mensalmente e
periodicamente se reúnem na diocese de um deles.
O agora bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, permaneceu até 1966, como
pároco da Igreja de Nª. Srª de Copacabana, na zona sul da cidade. Segundo ele,
neste período, “(...)suas minhas atividades eram restritas à paróquia, porque era
uma orientação do bispo local, mas com dimensão social. O Cardeal do Rio (D.
Jaime) tinha também uma sensibilidade, porém assistencial”.
O trabalho como bispo-auxiliar no Rio de Janeiro, pareceu não
agradar muito o jovem bispo D. Waldyr, sendo suas atribuições muito limitadas
e condicionadas à decisão do cardeal, “ (...) o auxiliar no Rio é ‘menino de
recado’ do arcebispo, ele só faz o que lhe mandam. Evidentemente eu tinha
momentos de liberdade”
Existiam também diferenças de posturas e idéias entre D. Waldyr e D.
Jaime de Barros, cardeal do Rio e modelo clássico de bispo conservador, que já
eram enxergadas pelo cardeal, antes mesmo de Waldyr se sagrar bispo, tanto que
este parecia antever o futuro do jovem sacerdote, tentando evitar influências
‘negativas’ sobre ele:“(...) o Hélder (D. Hélder Câmara), era bispo auxiliar do
280
Entrevista realizada em 18/10/00
122
Rio de Janeiro e eu pároco de S. Francisco Xavier. Ele vem me procura e diz o
seguinte: “Olha Waldyr você vai ser nomeado bispo, mas tem uma questão, o
cardeal D. Jaime, só quer te indicar, quando eu sair, para eu não te influenciar’.
Era uma preocupação do cardeal, o medo que alguém me pegasse”.
De fato, era justificado, para um cardeal conservador como D. Jaime,
o temor que a influência de um D. Hélder pudesse significar para os outros
bispos. D. Hélder Câmara como já foi destacado
282
, constitui-se num dos maiores
expoentes dos setores progressistas da Igreja Católica no Brasil, destacando-se
por sua postura contundente frente aos problemas sociais.
No entanto D. Waldyr trilhou caminhos e movimentos que
determinaram sua vida pastoral, afastando-se de D. Jaime. Ele destaca sua
participação nos movimentos de ação católica como fundamentais para despertar
sua consciência da problemática social: “(...) como entrei no movimento de Ação
Católica, tive uma visão mais crítica da realidade e com esta dimensão fui
nomeado auxiliar do Rio de Janeiro”.
O bispo destaca no entanto, que sua chegada a Volta Redonda e a
situação social que se vivia aqui, foram cruciais na determinação do seu projeto
de vida, “Eu já tinha despertado pela ACO, (...) estes movimentos mais críticos é
que mais ou menos moldaram o trabalho diante dos apelos que me fazia, sendo
enriquecido por eles e quando cheguei aqui, o negócio era operário e aí me
converti (...)foi Volta Redonda, que me desafiou qual o lado que deveria tomar, e
diante disso é que se estabeleceu minha posição e preferi tomar não o poder
econômico, mas o poder do menos favorecido. Essa foi minha decisão. Daí prá
cá, só procurei ser coerente com a opção que fiz”
283
.
281
Experiência de vida em comunidade, onde morando na mesma casa, todo o trabalho é dividido entre
todos e, coletivamente o grupo faz planejamento dos trabalhos pastorais e revisão de vida. Cf.
depoimento de D. Waldyr Calheiros.
282
Vide nota 17, capítulo II
283
Entrevistas realizadas em 18/10/00. D. Waldyr afirma que logo após se sagrar bispo, o despejo de um
grupo de moradores de uma favela carioca na avenida Brasil, perto de Parada de Lucas, pelo então
governador Carlos Lacerda, lhe despertou a atenção para a injustiça social. Nesta ocasião ele tomou a
123
As limitações do cargo de bispo-auxiliar e a aguda consciência social
que se forjavam em seu pastoreio, aliados aos acontecimentos decorrentes do
Golpe de 1964, e suas posturas contrárias à ditadura que se implantava no
Brasil
284
, tornavam o relacionamento entre ele e seu arcebispo bastante difícil.
Toda essa situação o levou a solicitar sua saída da arquidiocese do Rio de
Janeiro. Inicialmente, segundo ele
285
, sua indicação seria para Nova Iguaçu, no
entanto, quando surgiu a vacância em Volta Redonda, D. Waldyr foi nomeado
para a diocese. Segundo Marcos de Castro, “(...) removendo Dom Valdir(sic), a
Santa Sé removeu um problema e matou dois coelhos com uma cajadada:
promoveu D. Valdir, como achava que ele merecia, e deixou D. Jaime
satisfeito”
286
Sobre sua indicação para a diocese de Volta Redonda, D. Waldyr
desconversa como um bom político: “Acho que foi uma coincidência. Eu
acho.”
287
Coincidência ou não, o fato é que a diocese de Volta Redonda tem uma
importância estratégica dentro da ação pastoral da Igreja no Brasil. Sendo um
importante centro urbano e industrial, sede da Companhia Siderúrgica Nacional,
e reunindo ainda uma gama de outras indústrias de médio porte, que agregavam
um operariado bastante numeroso, seria importante um bispo com as
características de D. Waldyr: dinâmico, com apurada sensibilidade social e
política além de profundo conhecedor dos problemas do país, capaz de
desenvolver com sucesso, um amplo trabalho social, em consonância com as
determinações da Igreja Universal, naquele momento histórico.
defesa dos favelados e conseguiu impedir o desalojamento dos moradores do local. Cf. depoimento
Jornal Pé da Serra, julho de 1982
284
D. Waldyr afirma que como pároco, teve uma posição discreta durante a eclosão da ditadura em 1964.
Ele lembra por exemplo, que neste ano foi procurado por militares que estranharam o fato dele não
demostrar apoio explícito ao golpe. À medida que os militares começou a mostrar seu lado mais
sombrio, D. Waldyr foi tomando posições claramente mais críticas em relação `a ditadura, ajudando
pessoas perseguidas, denunciando a repressão, etc. Cf. entrevista concedida à Revista Sem Fronteiras,
agosto de 1989, nº 171, p. 12 e13.
285
Entrevistas realizadas em 18/10/00
286
CASTRO Marcos de, 1964: Conflito Igreja X Estado, Petrópolis, Vozes, 1984, p. 114
287
Entrevistas realizadas em 18/10/00
124
3.3. Os Primeiros Passos de uma Via-crucis
Com todas essas experiências, o alagoano inicia seu pastoreio na diocese
de Barra do Pirai-Volta Redonda, no interior do estado. Começa agora o maior
desafio de sua vida.
D. Waldyr Calheiros, recebeu a árdua tarefa de coordenar a Igreja
diocesana num período de grande atribulação na pastoral diocesana. Ele mesmo
passava por momentos conturbado, marcados pela morte de seu irmão
288
.
Imbuído porém, de grande espírito missionário, o bispo inicia seu
pastoreio. Mostrando bastante disposição para o trabalho e profundo amor pelo
próximo, já no dia seguinte à sua posse, no dia 9 de dezembro de 1966, D.
Waldyr se põe em ação: uma grande enchente devastara a região de Itatiaia, e
segundo padre Barreto, D.Waldyr largou o bispado e foi para Itatiaia socorrer os
flagelados. Nova tragédia ocorreu em janeiro de 1967, na maior enchente da
história da região, D. Waldyr novamente arregaça as mangas, socorrendo os
necessitados, trazendo para o bispado, construindo casas e auxiliando aqueles
que precisavam de sua presença
289
.Os primeiros desafios conheciam a força do
novo pastor.
A presença de D. Waldyr, animando e comandando a igreja diocesana
veio alterar profundamente sua face e aliada da dominação. Com o novo bispo se
inicia o corajoso projeto de implantação de uma Igreja efetivamente popular,
inspirado nas orientações do Vaticano II e mais tarde na Conferência de
Medellín, onde se destaca a articulação da novidade das Cebs.
D. Waldyr toma posse como o 5º bispo diocesano, no dia 08 de
dezembro de 1966, em cerimônias realizadas na Catedral de Santana em B. do
288
D. Waldyr revela a presença de uma morte nos momentos importantes de sua vida: primeiro quando
foi nomeado bispo, seu pai ,morreu e quando designado para a nova diocese, seu irmão falece. Revista
da Diocese de VR/BP- ‘75 anos Presente na Região Sul Fluminense’, Volta Redonda, 1999, p.21
125
Pirai e na Co-Catedral de Nª. Srª das Graças em Volta Redonda
290
. Nesta ocasião,
D. Waldyr apresenta o sentido de sua vinda para a diocese: “Estou chegando à
cidade de Volta Redonda. (...) O seu rápido progresso a povoou e a fez crescer
em breve espaço de tempo. (...)Levantaram-se chaminés, sinais do progresso. Em
tôrno (sic) da Usina plantaram-se casas. Milhares de trabalhadores para aqui
acorreram. Não podemos estranhar este fenômeno. (...) É aqui que se situa a
presença da Igreja no mundo atual, na cidade. (...) A Igreja somos todos nós,
presentes dentro da cidade, das casas, das fábricas, onde quer que estejamos.(...)
A Igreja se coloca à serviço do homem, para sua realização integral. (...) A
Igreja não pode se ausentar onde o bem-estar dos homens, onde os direitos
alienáveis da dignidade da pessoa humana estiverem em jôgo(sic) e exigirem sua
presença. (...) É este o significado de vossa presença no vosso meio”. Uma nova
Igreja, presente no mundo, atuante na sociedade e preocupada com a defesa da
justiça e dos verdadeiros valores evangélicos, começa a nascer neste momento.
O novo bispo, em relação à Companhia Siderúrgica Nacional, também
apresenta sua visão, que se diferenciava radicalmente da prática de seus
antecessores: “(...)Seria ridículo de viéssemos para Volta Redonda com a
pretensão de dominarmos a cidade e a Siderúrgica, sujeitando-as à Igreja, como
se quiséssemos impor uma civilização de ‘tipo clerical’. Nada disso. Porém não
menos criminoso seria o inverso: se a cidade, a Siderúrgica pudessem manipular
a Igreja, influenciando-a em sua missão”
291
. Um novo posicionamento, também
em relação à empresa que construiu a cidade, começa a se delinear. Autonomia e
independência eram palavras chaves.
A empresa porém, não estava acostumada com discursos e práticas
como as de D. Waldyr. Comunicando à ‘família siderúrgica’ a chegada do novo
bispo, a empresa lhe dá boas vindas com entusiasmo, merecendo o bispo, matéria
de destaque no periódico da
289
Boletim Diocesano, nº 88 e 89, 1976, p. 4
290
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, p. 99
291
Carta de D. Waldyr em saudação aos diocesanos de Volta Redonda, em 08/12/66
126
empresa
292
. Expondo a construção da onipotente Catedral de Aço como um do
principais objetivos do novo bispo, já que a mesma encontrava-se ap0enas no
projeto, a empresa colocava-se à disposição, como parceira, na realização desde
grande sonho. O bispo, relembrando sua chegada `a diocese e os primeiros
contatos com a direção da CSN, revela este fato: “ (...) Quando cheguei, o
presidente da CSN, me procurou e disse: ‘já fizemos o bispado e quando o
senhor quiser, faremos a catedral. Pode dispor’. Eu procurei disfarçar, dizendo
que tínhamos problemas mas periferias, com poucas igrejas e que aqui no centro
tem igreja. Procurei disfarçar. Não tem sentido uma igreja sendo oferecida por
uma empresa. Só valia se fosse construída pelos cristãos”
293
. O novo bispo não
estava inclinado a receber as benesses do poder. Sabia que isto comprometeria
sua missão e os projetos que tinha para a Igreja diocesana. O bispo completa
(...) Nunca participei aqui em festa, em palanque, em desfile ao lado de
autoridade. Não, isso nunca me veio em mente, jamais quis aplaudir o que
estava acontecendo. Conservava-me no meu lugar, na busca de uma Igreja que
servisse ao povo”
294
, afirma o bispo para esclarecer as dúvidas.
Na primeira reunião realizada com o clero diocesano em 20 de
dezembro de 1966
295
, são discutidos os problemas mais urgentes da igreja local.
Estabeleceu-se inicialmente estruturação de um plano de trabalho para
encaminhar o trabalho dos sacerdotes. Outra questão discutida na reunião foi o
problema da construção da catedral, que a CSN se dispunha a construir. Uma
cláusula de doação do terreno entretanto preocupava os presentes: o início das
obras deveria começar em dois anos, sob pena da Igreja diocesana perder o
terreno e o prazo já estava expirado. Depois de muitas discussões, definiu-se a
posição que D. Waldyr já havia exposto na entrevista acima: a área central da
cidade não necessitava de Igreja, o que preocupava naquele momento eram as
292
O Lingote, nº 190, dezembro de 1966.O jornal nesta edição trazia notícias da posse do novo bispo e
afirmava que na próxima edição publicaria maiores detalhes da cerimônia de posse e os projetos do
novo bispo. No entanto, o jornal não publicou a prometida matéria e a partir daí o referido jornal não
abordou mais artigos relativos à Igreja diocesana.
293
Entrevista realizada em 18/10/00
294
D. Waldyr in SALÉM, Helena. A Igreja dos Oprimidos, São Paulo, Brasil Debates, 1981, p. 117
127
periferias da cidade, que estava crescendo assustadoramente, principalmente com
o processo de expansão da CSN que se delineava. A prioridade da Igreja agora é
(...) o incentivo da Igrejas nestas áreas mais pobres e desprovidas (...) como é o
caso do bairro ‘Retiro’ com quase 50 mil habitantes, não há Igrejas”. O clero
ainda justifica sua decisão dizendo: “(...) Não faz sentido se construir mais uma
Igreja em um área onde realmente não é a mais necessitada de uma área de
culto, enquanto há outras mais necessitadas só pelo fato de se tratar da
construção de uma catedral”
296
.
Para garantir a posse do terreno doado pela Companhia Siderúrgica
Nacional destinado à construção da futura catedral, decidiu-se a iniciar a
construção das partes complementares da futura Catedral, como a cúria
administrativa e pastoral, com dependências para os vários departamentos e
espaços para reuniões, que serviriam dessa forma, para dinamizar o trabalho
pastoral. Estas obras não eram tão dispendiosas como as obras da catedral. A
Cúria Diocesana acabou sendo inaugurada em 1978
297
, sem participação da
Companhia Siderúrgica Nacional. D. Waldyr, dessa maneira vai apresentando e
esclarecendo sua visão de mundo e delineando seus projetos para a pastoral
diocese. A Igreja inicia sua a caminhada em direção aos pobres.
Outro fato ocorrido logo no momento de chegada do novo bispo
também é ilustrativo do novo relacionamento que se desenha entre a Igreja e a
CSN. Convidado para celebrar uma missa na Igreja de Santa Cecília, em
memória dos operários que morreram na Usina, D. Waldyr não se furtou à este
compromisso religioso e foi celebrar a missa. Sua homilia porém, surpreendeu os
diretores da Siderúrgica: “Eu apenas dizia que estávamos aqui para celebrarmos
nossos irmãos mortos, mas como evitar que essas mortes aconteçam? Eu
questionei. Depois disso eles não quiseram mais, porque eu reclamei mais
295
Livro de Tombos nº 2, Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, p. 101
296
Ibid idem, p.101
297
Boletim Diocesano, nº 153, 1978, p. 04
128
segurança para o operário. Não me convidaram mais”
298
. Tem razão o
inteligente bispo. Acompanhando as edições posteriores do periódico da
empresa, percebe-se que ao contrário dos seus antecessores, D. Waldyr, como ele
mesmo assume, não participava de inaugurações, eventos, missas campais ou
festividades ao lado da empresa que dominava a cidade.
Para ser mais enérgico e mostrar o novo posicionamento da Igreja em
Volta Redonda, numa reunião geral do clero, realizada em 5 de agosto de 1969,
estes decidem, juntamente com o bispo, a não celebrarem mais missas campais e
festivas, “(...) a missa é o ‘mistério a fé’ e deve ser celebrada para os que tem
fé”
299
. A longa era de subordinação e cooptação da Igreja chegou ao fim.
Completando este ciclo, o clero diocesano confirma esta decisão em 1979, e
também decide nesta ocasião não mais participar da inauguração de bancos,
casas comerciais, empresas para abençoá-los, justificando que “(...) os critérios
de ação nestes estabelecimentos, obedecem à normas do sistema capitalista,
sistema que professa o ‘ateísmo prático.’”
300
A partir da chegada de D. Waldir Calheiros, a Igreja local trilha novos
caminhos, alinhando-se aos setores progressistas da Igreja brasileira e estando em
plena sintonia com as mudanças ocorridas naqueles últimos anos. Busca-se a
concretização de uma ‘evangelização transformadora’, que segundo Carlos
Mesters, objetiva a construção de uma nova sociedade, com justiça e
igualdade
301
. Ele próprio explicita o seu compromisso com as decisões do
Concílio Vaticano II, que havia acabado de ser realizado e deixa claro suas
opções pastorais: “Eu nasci bispo dentro do Concílio Vaticano II. Foi um banho
de renovação numa Igreja procurando se abrir ao mundo. Vim prá cá, novinho
em folha, carregado’ do Vaticano II. Mas outro fato importante eu não esqueço,
é que eu fui sagrado bispo no dia 1
o
de Maio. Nasci bispo dentro da ditadura
298
Entrevista em 18/10/00
299
Comunicado aos diocesanos em 02.09.1969
300
Circular da Cúria Diocesana em 07.12.79, ‘Celebração da Eucaristia e Benção de Estabelecimentos’ e
Boletim Diocesano, nº 156, maio de 1979, p. 03
301
Boletim Diocesano, nº 142, p. 10
129
militar no Brasil. Uma verdadeira catástrofe para o país. Eu ainda era bispo
sem ser ordenado, mas já tinha sido publicado quando se deu a ditadura
302
.
Esse depoimento revela o grau de consciência e compromisso do nosso bispo
diocesano com a classe operária. seus objetivos na nova diocese, abriam espaço
para as transformações que aconteciam: a opção preferencial pelos pobres, uma
Igreja constituída por comunidades de base e o papel dedicado aos leigos como
participantes fundamentais do projeto diocesano
303
.
Este posicionamento de D. Waldyr, se espelhará então, na sua maneira
de conduzir a diocese. No início dos anos 70, a Igreja em Volta Redonda, inicia a
grande experiência pastoral das Comunidades Eclesiais de Base, vistas aqui
como ‘a nova maneira de ser Igreja’. Esta nova Igreja, nascida das bases, uma
verdadeira Igreja popular, será o grande veículo de organização contra a ditadura
e pela retomada dos espaços populares.
Uma grande mudança de atitude se efetivará em relação ao
movimento sindical e popular. Antes desse período, a Igreja diocesana como já
foi visto, desenvolvia uma política de alinhamento e colaboração com as classes
dominantes, com um postura marcadamente conservadora.
Os fatos citados anteriormente ilustram como a Igreja diocesana tinha
uma postura claramente favorável aos grupos dominantes. A Igreja, neste
contexto, de acordo com a concepção de Gramsci, cumpre o seu papel de
intelectual da classe dirigente, atuando como aparelho ideológico do Estado e
fornecendo os intelectuais para os grupos dominantes
304
.
Todo esse quadro muda radicalmente, como já dissemos acima, com a
chegada de D. Waldyr em Volta Redonda. A Igreja reassume o caráter de crítica
302
Idem Ibid, p.. 20
303
Cf. Idem Ibid, p. 35
304
C.f. PORTELLI, Hugues. op. cit., principalmente cap. I , II e III (segunda parte) e cap. I (terceira
parte)
130
e contestação do cristianismo primitivo
305
, pois de fato “(...)o cristianismo
aparece inicialmente como um movimento ideológico e político dos povos
oprimidos e das classes subalternas”
306
.
No entanto, as mudanças preconizadas por D. Waldyr não agradaram
a setores do clero e dos fiéis locais. O trabalho das Cebs na diocese, nunca
representou uma unanimidade, apesar da Igreja ater optado pastoralmente pelas
comunidades eclesiais de base e ser reconhecida nacionalmente por este fato. A
aceitação deste projeto nunca abarcou a totalidade da diocese.
Muitos padres e religiosas ligados a uma religiosidade tradicional,
‘pré-concilar’, como define o bispo, se opuseram sistematicamente ao seu projeto
pastoral. O bispo explica“ (...) quando cheguei aqui não havia um clero
diocesano, a maioria vinha de fora. (...) e muita gente não quis saber de
mudança (...) houve reações ao meu trabalho, alguns padres deixaram a diocese,
como os Jesuítas em Mendes, e outros de Barra Mansa, (...) houve a reação dos
contrários”
307
.
Além dos pedidos de transferência citados no depoimento do bispo,
esta oposição se acirrou ainda mais quando D. Waldyr se envolveu nos conflitos
com os militares e à medida que desenvolvia seu trabalhos. Muitos padres
partiram para um ataque mais direto acusando abertamente o bispo, em jornais e
na imprensa, de ser comunista e subversivo, como foi o caso do padre José
Kessler, como aponta o depoimento de uma religiosa que vivenciou o período
308
,
e de vários leigos de diversas comunidades da cidade, conforme vários
depoimentos colhidos.
305
Vide PORTELLI Hugues, Gramsci e a Questão Religiosa, Trad. Luiz João Galo, São Paulo, Paulinas,
1984 e
306
Hugues Portelli, op. cit., p. 52
307
Entrevista em 13.12.00
308
Cf. depoimento informal de uma religiosa em 01.12.00. Ela enfatiza que o bispo manteve uma postura
tranquila diante de tais críticas. Alguns padres, como foi o caso do citado acima, permaneceram na
diocese até sua aposentadoria.
131
D. Waldyr Calheiros eliminou a distância entre o bispo e o povo, a
Igreja e os pobres. Sempre à disposição, sua simplicidade e humanidade eram a
antítese do bispo tradicional. No cotidiano das suas visitas pastorais, mostrava
seu modo der ser, dispensando as pombas: “Dispensar a recepção estrondosa e
festiva na chegada e saída do Bispo (...)Não se preocupar em apresentar algo de
extraordinário, que não é comum no movimento paroquial e que não existe antes
nem vai existir depois da visita (...) o nosso tempo deve ser reservado para
estimular os movimentos de renovação paroquial”
309
Neste início de pastoreio, D. Waldyr afirma que a Igreja deve apoiar
os que lutam contra a injustiça humana e que ela não esta à serviço dos poucos
que detém os bens temporais
310
, o compromisso de D. Waldyr com estes valores
no entanto, logo encontraria opositores junto à ditadura reinante no Brasil e aos
militares da região. Em tempos de ditadura, posicionamentos corajosos como o
de D. Waldyr, provocaram muitos conflitos, e os problemas começam a surgir
no ano seguinte à sua chegada na região.
Em 1967, então, mal chegara o novo bispo e um acontecimento dará
0origem a um clima de tensão que perdurará por alguns anos: a prisão de um
diácono, um seminarista e dois militantes de uma organização de jovens ligada à
Igreja local. D. Waldyr se torna então um do primeiros bispos brasileiros a se
confrontar diretamente com os militares que usurparam o poder em 1964.
3.3.1. A Prisão dos Membros da JUDICA
Na década de 1960, surgiram vários grupos de jovens em Volta
Redonda. No ano de 1967
311
foi formada a JUDICA -Juventude Diocesana
309
Pontos de Orientação para Visita Pastoral, 07.04.70
310
Jornal do Brasil, 30.03.67
311
Cf. Relatório da Mini-Assembléia Diocesana de 06/09/86
132
Católica-, que coordenava e dinamizava os trabalhos desses diversos grupo na
região. Este movimento teve uma atuação destacada neste período, com um
intenso trabalho social voltado para assistência social, grupos de teatro e
inovações litúrgicas, consoantes com as mudanças propostas pelo Vaticano II,
com reflexões dos problemas à ‘ luz do evangelho’ e utilizando o método Ver-
Julgar-Agir.
Importante momento na vida destes grupos, segundo uma militante da
época
312
, foi a chegada de D. Waldyr `a diocese. Até então os diversos grupos
desenvolviam trabalhos voltados para o espaço interno da Igreja, e com D.
Waldyr e a articulação da Judica, proposta por ele, houve um espaço maior para
que esses grupos se abrissem-se para a realidade concreta. A partir daí, esses
grupos avançavam cada vez mais em sua consciência social.
Na residência episcopal, ou o bispado, funcionava o ponto de encontro
dos jovens militantes da Judica, onde eles estudavam, discutiam e planejavam as
ações dos grupos. Numa dessas ‘ações’ começarão os problemas envolvendo a
igreja diocesana e os militares da região.
No Thibaut ( que acabou mais tarde expulso do país), o seminarista
Carlos Azevedo Rocha e os estudantes Jorge Gonzaga e Natanael da Silva, os
dois membros da JUDICA Juventude Diocesana Católica, organizada por D.
dia 05 de novembro de 1967, quatro jovens: o diácono francês Guy M. Thibaut (
que acabou mais tarde expulso do país), o seminarista Carlos Azevedo Rocha e
os estudantes Jorge Gonzaga e Natanael da Silva, os dois membros da JUDICA
Juventude Diocesana Católica, organizada por D. Waldyr serão presos com a
acusação de distribuírem folhetos considerados subversivos pelos militares.
Uma militante da época elucida os fatos: “(...) O Carlos Rosa era
seminarista, estudava no Rio e vinha de vez em quando aqui. Ele tinha um grupo
de amigos aqui, que não eram da Igreja, eram mais avançados no sentido
133
político que nós. Ele (Carlos Rosa), se reunia com jovens que tinham opção
política revolucionária, que pertenciam às organizações clandestinas. (...)Ele
não era da Judica. Havia uma convivência até porque o bispado era tipo ‘nossa
casa’, todo mundo ia prá lá.”
313
.
Os outros acusados Natanael e Jorge Gonzaga eram coordenadores da
Judica e segundo Maria das Dores, saíram numa Kombi, que pertencia ao
bispado e estava à disposição da Judica, juntamente com o seminarista Guy, para
buscar um panfleto que havia sido preparado pelo grupo de Carlos Rosa, para ser
distribuído na cidade. O grande problema, segundo a militante é que a Kombi
estava sendo dirigida pelo Guy, “(...) um francês que também estava aqui, e que
era famoso por ser ‘pé em baixo’, corria muito, agente morria de medo e no que
foi do bispado para o Retiro, foi interceptada pela polícia”.
Segundo a militante, o grupo no período avaliou que na verdade o que
chamou atenção da polícia foi a alta velocidade da Kombi, que por ser do
bispado, já era suspeita: “(...) a polícia foi atrás e pegou os panfletos dentro da
Kombi. Na nossa avaliação foi por acaso. O que chamou atenção foi a alta
velocidade. Claro que eles estavam de olho no Carlos Rosa”
314
O que resultou da prisão dos quatro jovens, foi início de uma intensa
perseguição à Judica na cidade. “(...)foi um pânico geral. D. Waldyr nos reunia
no bispado para acompanhar os acontecimentos pelos jornais, porque saía coisa
no jornal que não compreendíamos na época. (...) Nossos pais tinham medo de
nos levar ao bispado”
315
. Dessa forma, militantes foram arrancados de seus
empregos, depoimentos extensos seguidos de torturas e prisões arbitrárias
compuseram o terrível cenário. Depois desta experiência traumática, a
organização dos jovem se desarticulou completamente e cada grupo acabou
312
Cf. entrevista realizada com Maria das Dores Motta em 11/12/00. Ex-Militante da Judica e das Cebs,
foi vereadora pelo PT local e atualmente é diretora do Sepe/RJ.
313
Entrevista realizada com Maria das Dores Motta em 11/12/00
314
Entrevista realizada com Maria das Dores Motta em 11/12/00
315
Ibid idem
134
voltando para a realidade eclesial
316
, desenvolvendo trabalhos isolados. Depois
de diversas tentativas, somente nos anos de 1978-79, começou a existir
novamente uma articulação diocesana, que se concretizou no ano de 1982, com a
organização da coordenação diocesana de pastoral da Juventude
317
.
A ação dos militares porém não se restringiram às prisões e torturas.
No dia 11/11/67, o bispado, onde os jovens se reuniam, foi devassado por
homens armados do 1º Batalhão de Infantaria Blindada (BIB)
318
, que arrobaram
portas e apreenderam documentos. Esta devassa foi fruto de uma segunda
tentativa, já que no dia anterior 10/11- a mesma força militar tentara a operação
de busca e apreensão, com mandato assinado pelo tenente-coronel Gladstone
Pernassetti Teixeira, encarregado do IPM, instaurado contra os quatro jovens
detidos. A operação não se concretizou neste dia pois D. Waldyr encontrava-se
no Rio de Janeiro.
Nesta ocasião o bispo reagiu a essas prisões e arrombamentos da sede
episcopal, com entrevistais e denunciando as barbaridades dos militares
319
.A
reação militar prendeu 3 padres e outras 5 pessoas, que iriam distribuir um texto
preparado pelo bispo. Após interrogatório, todos foram libertados.
Estes casos atraíram a opinião pública e a solidariedade de diversos
bispos brasileiros. A própria CNBB divulgou uma nota ‘Missão da hierarquia no
mundo de hoje’, criticando a ação militar e o autoritarismo que se implantava no
país.
316
O relatório da Pastoral da Juventude em 15.11.73, demostra este fato: os grupos existentes na região,
dedicavam-se neste período sobretudo `a atividades internas da Igreja, reflexões, campanhas
assistenciais, etc.
317
Cf. Relatório da Mini-Assembléia Diocesana de 06/09/86
318
Esse batalhão que, estrategicamente localizado em Barra Mansa, a 5 quilômetros de Volta Redonda -
implantado num antigo depósito de café na estrada de Ferro Central do Brasil- tinha o claro objetivo
de conter as manifestações operárias na região principalmente em Volta Redonda, no período
notabilizou-se por ser um centro de prisões e torturas. Cf VEIGA, Sônia Mayrink e FONSECA,
Isaque. Volta Redonda entre o Aço e as Armas, Vozes, Petrópolis, 1990, p. 79
319
A diocese de Volta Redonda enviou uma série de documentos deste período, que relatava todos os
conflitos ocorridos com a Igreja e os militares na região, ao CPV, o qual reuniu todos os documentos
num importante dossiê, que faz parte do livro citado. PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e
DALE, Romeu (organizadores). As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de Pastoral
Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o gov. Costa e Silva 1967- 1970
135
Em relação aos quatro jovens presos, o diácono francês Guy Thibaut,
foi libertado no dia 07.12.67 e imediatamente publicada sua expulsão do país,
fato que se em 29 de abril de 1968. O julgamento dos demais envolvidos ocorreu
em novembro de 1968, com Carlos Rocha recebendo pena de prisão de 18 meses
e os dois outros jovens receberam penas entre 6 e 8 meses de prisão.
3.3.2 A Prisão dos Professores Bedê e Santini
Os militares acompanhavam de perto o trabalho da Igreja em Volta
Redonda. No final de 1968, novos acontecimento estremeceram as abaladas
relações entre a Igreja e as autoridades militares na região. No dia 15 de
dezembro deste ano, os professores Waldyr Bedê e Renato Santini, ligados à
pastoral diocesana, foram presos e levados para o BIB em Barra Mansa, acusadas
de ligação com o bispo diocesano e de atividades subversivas.
A prisão dos professores, ocorreu devido a uma comemoração dos 20
anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao lançamento do
movimento ‘Pressão Moral Libertadora’, criado por D. Hélder Câmara, na região
Estas atividades foram organizada pela Igreja no Centro Social Santa Cecília.
Segundo o professor Bedê“(...)da comemoração constava um
espetáculo de teatro, com enquetes e canções, produzido por mim e pelo
professor Santini, a pedido da diocese. Mais tarde se soube que o evento fora
todo fotografado e gravado, constando nos IPMs como provas de atividades
subversivas”
320
Em janeiro de 1969, coronel Armênio Pereira, o comandante do BIB,
não satisfeito com as novas prisões, aumentou a escalada de provocações contra
o bispo diocesano, convocando a imprensa e apresentando falsos documentos que
136
segundo ele, comprovariam as ações subversivas de D. Waldyr. Ele no entanto
refutou a veracidade de tais documentos forçados, e ainda endereça uma carta aos
diocesanos no dia 19.01.69, explicando à toda a diocese os recentes
acontecimentos: “Vocês hão de compreender que eu não poderia aceitar que
nossos diocesanos presos por causa da Igreja e do Bispo, ficassem abandonados
por este mesmo Bispo e Igreja que pediu sua colaboração”
321
Reagindo à prisão de seus colaboradores, D. Waldyr surpreende o
comandante do batalhão, quando no dia 14.01.69, numa atitude inusitada e
corajosa, o bispo se apresenta preso no lugar dos dois professores: “(...)foi uma
afronta que o exército recebeu, a invasão de um civil a uma unidade do exército,
para se entregar preso em lugar dos demais”, afirma o bispo.
Segundo um dos professores envolvidos na questão, a atitude do
bispo foi recebida com surpresa e indignação“(...) D. Waldyr colocou o
comandante numa tremenda saia justa, como ele vai prender o bispo? Foi um
escândalo tremendo. O comandante chamou autoridades locais, (...) chamou um
monte de gente, para tentar demover o bispo. Ele não ficou preso e só saiu de lá
quando o comandante se comprometeu a apressar as investigações”
322
. A
audácia de D.Waldyr conseguiu naquele dia ainda a libertação do professor
Santini. O professor Bedê foi libertado alguns dias depois.
3.3.3 A Questão dos IPMs
A ação dos militares na região, no entanto fazia cada vez mais vítimas.
Vários metalúrgicos e pessoas ligadas à igreja diocesana que começavam a
320
Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99
321
Carta aos Diocesanos em 19.01.1969
322
Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99
137
articular um movimento para retomar o Sindicato dos Metalúrgicos
323
(então sob
intervenção), são presos, torturados e muitos são internados devido às agressões
sofridas
324
. Ao tomar conhecimento de tais torturas no Batalhão sediado em B.
Mansa, por meio denuncia dos próprios torturados e também por intermédio de
padre Natanael, que também se encontrava preso, D. Waldyr denuncia essas
arbitrariedades na imprensa e em todas as missas dominicais da diocese, através
de uma carta assinada por ele e mais 16 padres diocesanos. O bispo se antecipa à
postura adotada por amplos setores do episcopado brasileiro, que a partir da
década de setenta, passam a exigir uma prestação de contas do governo brasileiro
em relação aos milhares de brasileiros torturados ou desaparecidos
325
Em decorrência dessa atitude do bispo e do clero diocesano, instaura-
se dois IPMs- Inquérito Policial Militar-, logo conhecidos como ‘IPM das
Torturas’ e ’IPM da subversão’. O primeiro IPM tentava desmoralizar as
denuncias do bispo e dos padres, chegando à estranha conclusão de que não
houvera tortura, mesmo com as marcas das torturas no corpo do operário
barramansense torturado
326
; e o segundo, provocado em represália à atitude de D.
Waldyr e dos padres diocesanos, tentava provar que estes eram subversivos,
sendo todos indiciados para a apuração de atos supostamente subversivos na
diocese de Volta Redonda.
Esclarecendo a situação, D. Waldyr afirma: “(...)O primeiro passo era
denunciar as torturas. Assim a denúncia vinha à público. Alguns jornais tiveram
coragem de publicá-las (...) nós fomos marcados depois por causa desta
323
Cf. entrevista concedida Revista Sem Fronteiras, agosto de 1989, nº 171, p. 13
324
As ações militares que levaram às prisões dos militantes aconteceram nos dias 05.11.67, 14.12.68 e
02.11.70. As torturas à um operário barramansense, que enviou bilhetes do hospital ao bispo, foi o
estopim para a eclosão das denúncias. O bispo foi visitá-lo na Casa de Saúde São José em V. Redonda
e exigiu esclarecimentos ao comandante do batalhão. Cf. Levantamento realizado por Irmã Martha
Dale em 12.03.96, em vista da entrega da Medalha Chico Mendes à D. Waldyr e Jornal do Brasil, 14
de novembro de 1999.
325
Sobre esta questão vide SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil, trad. Raul Fiker, São Paulo,
Paz e Terra, 1998, 2
a
edição; ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais, Petrópolis,
Vozes, 28
a
ed., 1996; PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu
(organizadores). As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo,
Loyola, vol. 2 a 6; CASTRO Marcos de, 1964: Conflito Igreja X Estado, Petrópolis, Vozes, 1984
326
Cf Boletim Diocesano, dezembro de 1976, edição especial
138
denúncia. Inclusive depois dessas denúncias eles acharam que o bispo era um
agitador do Vale do Paraíba e então fizeram um outro processo, um outro
IPM”
327
.
Segundo o bispo, nestes inquéritos foram enquadrados os padres que
seguiam a linha renovada da Igreja, ele mesmo foi indiciado e novamente numa
atitude ousada, se recusa a depor: “Levantaram um inquérito e me intimidaram a
depor. Na primeira vez eu fui. Depus durante 25 contínuas. Depois quiseram
novamente me intimar. Da segunda vez, eu me neguei a fazer declarações. Se 25
horas de nada serviram, uma ou duas horas de nada serviriam, não ia adiantar
nada. E esperei ficar preso. Não se apresentar para depor naquela ocasião, era
detenção. Mas eles não detiveram”
328
Como resultado dessas acusações e do caráter evasivo e frágil das
denúncias apresentadas, os dois IPMs acabaram sendo arquivados no ano de
1971, principalmente pelo temor do procurador Osíris Josephoson em oferecer
denúncia contra um bispo e 17 padres (no meio do processo, mais um foi
indiciado). No processo de arquivamento o procurador justifica sua posição:
“(..).a grave circunstâncias de se levar ao banco dos réus um bispo e mais 17
padres, cujas consequências poderíamos prever, não só no seio do clero (se é
que bem recordemos, quando D.Waldyr se viu apenas indiciado, diversos outros
bispos do Brasil apressaram-se a lhe prestar inteira solidariedade) como
também pelos negativos reflexos na já tão deformada imagem do Brasil no
exterior”
329
. O procurador ainda aponta uma sugestão para se resolver a situação,
afirmando que “(...) se impõe, por parte das altas autoridades eclesiásticas,
urgentes providências no sentido de afastar Dom Waldyr e os demais padres
indiciados da diocese que lhes foi confiada, mesmo porque o clima de
327
Entrevista com D. Waldyr realizada em 18/10/00
328
Ibid idem
329
Cf PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu (organizadores). As Relações
Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o
gov. Costa e Silva 1967- 1970.
139
antagonismo criado com as autoridades militares não aconselha a permanência
dos mesmos”
330
.
O próprio D. Waldyr aponta essa tentativa de afastá-lo da diocese.
Segundo ele, inicialmente os militares tentaram diplomaticamente, via
Nunciatura Apostólica, o seu afastamento da diocese de Volta Redonda. Esta
tentativa porém foi frustrada, como relata: “(...) dentro da Nunciatura
encontraram barreiras muito fortes. O Núncio (D. Umberto Monzoni)) disse que
não aceitava. Na ocasião, o ministro da Justiça (Alfredo Buzaid) disse ao
Núncio, que a única maneira de eu não ser condenado, seria me afastar do
país”
331
.Segundo os depoimentos do bispo, o Núncio respondeu ao ministro que
o Papa Paulo VI achava que era dever do bispo defender seus diocesanos e caso
os militares quisessem se livrar do bispo, teriam que optar pela expulsão e arcar
com as consequências.
As tentativas dos militares de afastá-lo da diocese, no entanto, não se
esgotam nestas ameaças. Uma proposta de promoção eclesiástica era a sua
próxima para se livrarem da ameaça de D. Waldyr. “(...) tentaram um outro
meio, insinuar ao cardeal do Rio de Janeiro (D. Jaime), para eu ser arcebispo
em outra área, contanto que não fosse nesta...”
332
. Dessa forma então, lhe é
proposto o cargo de arcebispo em Teresina no Piauí, que no momento se
encontrava vaga devido à saída do cardeal D. Avelar Brandão para ocupar o
cargo de primaz do Brasil, na arquidiocese de Salvador. D. Waldyr, no entanto,
recusa esta tentativa de afastamento “(...) respondi que não estava fazendo aquilo
por promoção, mas em defesa dos pobres e da justiça. Será que se eu for
arcebispo, os outros padres que estavam no processo comigo, vão ser cônegos,
monsenhores? Não dava!”
333
330
Cf PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu (organizadores). As Relações
Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o
gov. Costa e Silva 1967- 1970
331
Entrevista com D. Waldyr realizada em 18/10/00
332
Entrevista com D. Waldyr realizada em 18/10/00
333
Cf. entrevistas realizadas em 26/11/99 e 18/10/00
140
Uma outra proposta é apresentada, numa segunda tentativa, quando
lhe colocam à disposição a arquidiocese de Juiz de Fora/ MG
334
. D. Waldyr,
novamente recusa esta nova tentativa de afastá-lo da diocese que assumira, num
claro ato de compromisso com as comunidades de Volta Redonda e de desafio às
autoridades militares
335
.
3.3.4. A Prisão dos Jocistas e o Caso dos Quatro Militares
Assassinados
No mesmo período, nem mesmo se desfizera o clima anterior de
tensão e um novo episódio ilustra a mais uma vez truculência militar contra a
Igreja diocesana. Em novembro de 1970, ocorreu a prisão do padre Natanael de
Moraes
336
e dois operários, acusados de ligação com o guerrilheiro Joaquim
Câmara Ferreira, sendo ainda posteriormente detidas cerca de 30 pessoas ligadas
à JOC Juventude Operária Católica- e às comunidades locais
337
. Nesta ocasião,
militantes dos dois grupos da JOC que existiam na cidade, nos bairros Retiro e
Jardim Amália, foram perseguidos e presos. Depois desta experiência traumática,
este movimento se desarticulou em Volta Redonda, sendo rearticulado
posteriormente por volta de 1974, em duas comunidades da periferia da cidade,
Retiro e Siderlândia
338
.
De acordo com um militante da JOC preso neste episódio, alguns de
seus companheiros mantinham contatos com a Ação Popular -AP, por meio de
334
Ibid idem.
335
Ibid idem.
336
Este padre assessorava o trabalho da JOC em Volta Redonda. Respondendo à um questionário sobre o
que ele esperava da Igreja na cidade, padre Natanael responde: “Espero que a Igreja de VR esteja
presente entre os operários, jovens, estudantes, famílias e oprimidos através de seus membros
atuantes que segundo suas condições e realidade possam descobrir as dimensões evangélicas de suas
atividades”.Pe Natanael levou até as últimas consequências sua opção de vida, assumindo-a
plenamente com todos os riscos. Avaliação da Paróquia-Cidade, Relatório de padre Natanael,
01.10.1969
337
Cf Revista Aqui, nº 01, 1979.
338
Cf depoimentos de Edson Santana e Sr. Edir, ex militantes da JOC.
141
um militante desta organização conhecido como Pérsio. Segundo ele, nesta
ocasião, inclusive chegaram a acontecer algumas reuniões clandestinas entre
alguns militante da JOC e o referido militante da AP, sem a participação dos
outros militantes do movimento. De acordo com esse militante, o grupo estava
sendo observado e esses fatos precipitaram a ação do exército
339
.
É importante frisar que durante a ditadura militar, uma prática
comuns dos militares era a espionagem. Praticamente tudo o que a acontecia em
Volta Redonda eram monitorado de perto pelos espiões dos militares. Reuniões,
eleições sindicais, a vida de padres, vereadores, personalidades, militantes e de
muitos outros, era acompanhada de perto pelos agentes infiltrados, que
montavam uma gigantesca rede de informações entre os órgãos da repressão. Os
depoimentos realizados nesta pesquisa
340
, são unânimes em apontar a presença de
espiões nas atividades e nas atividades da Igreja na cidade.
Após as averiguações iniciais e interrogatórios, alguns militantes
começam a serem libertados, restando porém ainda 8 detidos e o padre Natanael.
Os militares agiram com bastante brutalidade, e os jovens foram submetidos `a
torturas e humilhações diariamente. Um militante desse período relata sua
experiência: “Estive preso durante quinze dias. Fui torturado todos os dias,
principalmente no último dia. Queriam intimidar D.Waldyr. (...)Fui torturado
sem saber por que. (...)Ligavam um fio no dedo do pé, no pênis e davam choque.
Sofro de problemas no ouvido até hoje por causa do telefone. Queimava o Hélio
com cigarro, furavam as varizes do João Cândido. Enfiava uma toalha na
vagina de uma companheira...”
341
À medida que outros militantes eram libertados, D. Waldyr tomava
ciência das torturas que aconteciam no quartel de Barra Mansa e mais uma vez
339
Entrevista realizada em 15/01/00.
340
Cf entrevistas realizadas com Marlene Fernandez, Edson Santana, Sr. Edir, Olívia Barreto, Luiz de
Oliveira Rodrigues, padre Normando, Srª Júlia
341
Entrevista com Sr. Edir, realizada em 21/01/01
142
presta seu caloroso apoio às vítimas de tal crueldade
342
. Novamente o bispo
protesta contra este desrespeito à pessoa humana e aos trabalhos dos cristãos de
sua diocese, apresentando denúncias dos casos de tortura, contando também com
a expressa solidariedade da CNBB, que prontamente se posiciona
favoravelmente à Igreja de Volta Redonda. Em 1971, alguns meses após a prisão
dos acusados eles também recebem a solidariedade dos bispos do Leste 1
343
, que
também se solidarizaram com D. Waldyr em todos os episódios envolvendo o
bispo militares
Diante dos abusos cometidos contra militante da Igreja diocesana, ao
ser convocado para depor no BIB sobre antigos IPM’s, e, D. Waldyr se recusa a
comparecer ao batalhão de Barra Mansa e dessa ação resulta um novo IPM, onde
o bispo, 2 padres (Natanael e Arnaldo
Werlang) e ainda outros 20 militantes, são indiciados
344
. O autor deste IPM, cel.
Gladstone Pernassetti, porém, não conseguirá levar a acusação até o final, pois
ele próprio será indiciado num outro IPM como torturador e responsável pela
morte de 4 soldados nas dependências do quartel que comandava.
Depois de uma intensa batalha judicial e de denúncias contundentes,
os acusados inicialmente, padre Natanael, e os jocistas João Cândido e Hélio
Medeiros são libertados em 24.07.71, após quase 9 meses de prisão, depois de
sofrerem torturas quotidianamente
345
.
342
Segundo um dos presos neste episódio, o posicionamento de D. Waldyr foi de total apoio à todos os
jovens envolvidos, acompanhando todos os passos da questão, visitando os presos na cadeia e
prestando total apoio às famílias dos acusados. Entrevista com Sr. Edir, realizada em 21/01/01
343
Região pastoral que engloba o estado do Rio de Janeiro
344
Neste novo IPM, os indiciados são acusados de atitudes subversivas em Volta Redonda, sendo D.
Waldyr apontado como o grande responsável poe aquelas atitudes na região. Cf PRANDINI,
Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu (organizadores). As Relações Igreja- Estado no
Brasil, CPV- Centro de Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o gov. Costa e Silva
1967- 1970
345
D. Waldyr revelou que Pe. Natanael sofreu inúmeras torturas durante o período em que esteve preso.
Segundo o bispo, as informações chegavam até ele por meio de cartas e bilhetes que eram
estrategicamente colocadas dentro da garrafa térmica, que semanalmente era levada pela cunhada ao
para o padre. Um ex-jocista relata: “(...) escrevíamos bilhetes com sangue reportando o que estava
acontecendo”. A situação dos acusados se complica quando D. Waldyr denuncia casos de tortura no
quartel e em represália a essas denúncias, o padre e os militante da JOC, são transferidos para a Ilha
Grande. Entrevista com D. Waldyr Calheiros e Sr. Edir, um dos militantes presos no período.
143
Outro episódio do período, retrata a questão da morte de quatro
rapazes no quartel de Barra Mansa, reavivando toda a tensão então existente.
Todavia, desta vez, os envolvidos são militares que haviam acabado de sair do
quartel.
Em nome da repressão aos tóxicos no quartel, quatro jovens
reservistas (com idade em torno de 20 anos) foram detidos no BIB. Inicialmente
foi preso Geomar Ribeiro da Silva no dia 31.12.1971, dias depois, mais três
reservistas foram presos
346
. Estes jovens foram cruelmente torturados e
assassinados no mesmo quartel, palco anterior de torturas contra civis, porque
sabiam demais. Numa entrevista D. Waldyr revela que o motivo do assassinato
dos jovens, foi o fato deles, numa patrulha de rotina pelas ruas da cidade, terem
presenciado o assassinato de um homem detido por ter sido confundido com um
ativista político enquanto pichava um muro
347
.
O corpo de um dos soldados foi entregue à família e os outros três,
inicialmente apontados como foragidos, tiveram seus cadáveres encontrados mais
tarde e entregues às famílias
348
. Todos os cadáveres tinham marcas de torturas.
As mortes abalaram Volta Redonda inteira.
Skidmore
349
destaca que neste cenário, em todo o país, as famílias de
torturados e presos políticos não encontravam um advogado que quisesse
patrocinar sua causa. Este fato também aconteceu em mais este caso. As famílias
enlutadas não tinham a que recorrer.
Novamente D. Waldyr toma posição, denunciando o caso na
imprensa. Sua coragem e determinação foram fundamentais para a abertura de
um IPM, desta vez contra os próprios militares. Os militares acusados foram
346
Levantamento realizado por Irmã Martha Dale, 12.03.96, entrega da Medalha Chico Mendes à D.
Waldyr
347
Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1999.
348
Dois corpos foram encontrados em Rio Claro e Bananal, enquanto o último corpo, com bastante
queimaduras, havia sido enviado para o HCE (Hospital Central do Exército) no Rio de Janeiro. Cf.
Jornal Gazeta do Aço, 9 a 15.10.1981
144
julgados e condenados. Contando com apoio da CNBB, D. Waldyr consegue a
punição dos culpado, num caso único na história da ditadura brasileira, com o
comandante do batalhão sendo condenado à sete anos de prisão e a perda da
patente e soldados e cabos também presos perdendo a patente. O nome do
batalhão foi alterado para 22º BIMT- Batalhão de Infantaria Motorizada
350
e um
coronel católico foi nomeado para comandar a unidade
351
Ele afirma que a partir da punição dos militares envolvidos neste caso
de tortura finalmente a Igreja diocesana pode respirar em paz, e a própria cidade
de Volta Redonda ganhou com isso. Os militares saíram da cidade, não fizeram
mais patrulhamento nas ruas e foram proibidos de prender civis no quartel”
352
.
Depois desses tristes episódios, os IPMs contra D. Waldyr foram
esquecidos, e finalmente ele pode trabalhar com um pouco mais de paz. Iniciou-
se neste período a construção do Centro de Formação Diocesano em Arrozal e a
implantação das comunidade nas periferias.
3.3.5 As Outras Batalhas
Outros episódios ilustram a luta de D. Waldyr contra as injustiças da
ditadura brasileira. O bispo também se solidarizou com a situação dos religiosos
perseguidos pela ditadura, colocando Igreja diocesana em sintonia com as lutas
pela democracia que se travaram neste período
353
. Fato marcante dessa atuação
349
SKIDMORE Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo, Trad. Mário Salviano Silva, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 3
a
ed., 1998, p. 355
350
Cf. Jornal Folha da Cidade, 30 de abril de 1989
351
Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1999
352
Revista Sem Fronteiras, agosto de 1989, nº 171, p. 14
353
Sobre os fatos e movimentos que marcaram o ano de 1968 vide: DIRCEU, José e PALMEIRA,
Wladimir. Abaixo a Ditadura, Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, Garamond, 1998; VIEIRA, Maria
Alice e GARCIA, Marco Aurélio. Rebeldes e Contestadores, São Paulo, Fundação Perseu Abramo,
1999; REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editores, 2000; REIS, Daniel Aarão e MORAES Pedro de, 1968: A Paixão de uma Utopia, Rio de
Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2
a
ed., 1998 e ainda PRANDINI, Fernando; PETRUCCI,
145
foram seus posicionamentos corajosos, como no caso dos padres e seminaristas
de Belo Horizonte presos ao serem acusados de atos subversivos e ligações com
organizações de guerrilheiras de esquerda. D. Waldyr envia uma homilia para
ser lida em todas as missas e celebrações do dia 22.12.68, onde esclarece todo o
fato, com o cuidado de enviar ainda uma carta em anexo, para todos os padres
diocesanos, onde explica: (...) É questão de direito para com nosso povo
católico, informar de que modo querem atacar a sua Igreja.(...) caso tenham
dificuldade na leitura desta homilia no próximo Domingo, dia 22 de dezembro,
tenha a bondade de se comunicar comigo, para que eu providencie a fim de que
ele seja lida em todas as missas”
354
.
Exemplo que não deve ser esquecido, foram suas lições de defesa dos
direitos humanos prestadas durante as visitas que realizava periodicamente à
inúmeras presas políticas brasileiras no presídio Talavera Bruci, em Realengo,
Rio de Janeiro. Ao visitar Rosalice Fernadez, uma militante do movimento
popular em Volta Redonda e suplente de Deputada Federal pelo MDB, presa por
distribuir panfletos cidade, conhece a situação de penúria dessas corajosas
mulheres e passa a visitá-las regularmente, para que os militares saibam que um
bispo as assistia, o que aumentava usa segurança e a garantia que essas
prisioneiras não fossem eliminadas sumariamente pelos militares
355
. O caso de
Jessie Jane Vieira de Souza o comoveu, pois estando grávida e presa como seu
marido, e existindo a suspeita de sequestro de sua filha que nasceria no HCE
(Hospital Central do Exército), D. Waldyr sempre se fez presente, chegando
inclusive a participar da elaboração de um plano de fuga desta prisioneira, que
acabou não se concretizando devida a eminência da anistia política, que estava
próxima de acontecer
356
. A solidariedade de D. Waldyr à Rosalice Fernandez,
não se encera nesses episódios, condenada à um ano e meio de prisão, acusada de
atos subversivos, o bispo foi um dos únicos a acolhê-la em toda cidade. Visitas
Victor A. e DALE, Romeu (organizadores). As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de
Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o gov. Costa e Silva 1967- 1970, 1986
354
Homilia de D. Waldyr Calheiros de Novais para o dia 22 de dezembro, IV Domingo do Advento
355
Cf. Jornal Folha da Cidade, 30 de abril de 1989
356
Cf. entrevistas realizadas em 18/10/00
146
periódicas de militantes da Igreja eram realizadas
357
e uma missa realizada na
Igreja São Sebastião, em ação de graças pela sua liberdade, marcou sua volta à
cidade
358
.
D. Waldyr e os bispos D., Tomás de Aquino e D. José Maria Pires,
mantiveram uma rede de apoio, à qual mantinham contatos com presos políticos,
comunicando-se periodicamente por correspondência, dificultando dessa maneira
as torturas e desaparecimento desses presos
359
.
Além de manter contato com vários grupos clandestinos de esquerda,
ele também contribuiu para que muitos militantes perseguidos pela ditadura,
deixassem o país por um conexão que contava com o apoio da Igreja da Foz do
Iguaçu. Ainda D. Waldyr foi amplamente favorável à luta travada pelos
estudantes no período
360
, mantendo contatos com a UNE, chegando inclusive a
oferecer uma local Fazenda das Arcas-, nas proximidades de Rio Claro, para
que os estudantes realizassem alí o seu congresso clandestino, que acabou se
realizando no mês de outubro de 1968, na cidade de Ibiúna-SP
361
.
O posicionamento firme e corajoso de D. Waldyr e da Igreja
diocesana neste período são reconhecidos por todos àqueles que lutam pelos
direitos humanos, sinal deste reconhecimento foi a homenagem do grupo Tortura
Nunca Mais, que o homenageou com a Medalha da Resistência de Chico
Mendes, em 1996
362
D. Waldyr, em todos esses episódios, não se amedronta com as
ameaças e dificuldades encontradas pela frente, e prossegue corajosamente com
357
Entrevista realizada com Sra. Júlia, militante dos grupos de base da comunidade São Sebastião
358
Jornal Primeira Página, março-abril de 1996. Segundo depoimentos de Edson Santana, esta missa
contou com a participação de um pequeno número de pessoas, sendo acompanhada pelos agentes da
repressão.
359
Levantamento realizado por Irmã Martha Dale, 12.03.96, entrega da Medalha Chico Mendes à D.
Waldyr.
360
Jornal do Brasil, 30.05.68
361
Cf. entrevistas realizadas em 18/10/00. O bispo relatou que os dirigentes da UNE, desistiram de
realizar o congresso no local sugerido por ele, pois avaliaram que a geografia do terreno, cercado por
morros, facilitaria uma possível ação dos militares e optaram então por Ibiúna em S. Paulo
362
Jornal Diário do Vale, 02.04.1996
147
seu trabalho, indicando e acolhendo os caminhos que a Igreja diocesana iria
seguir.
Todos esses casos, representaram um momento crítico na vida da Igreja
diocesana, que a fizeram experimentar o gosto amargo da dor. A Igreja
particular
363
de Volta Redonda, junto com seu bispo, assumiu o papel de porta-
voz daqueles que eram perseguidos, torturados e assassinados pelo regime
militar. O preço desse compromisso foi a perseguição. D.Waldyr destaca que
toda a violência vivida nesses tempos, na verdade, “(...) era contra o trabalho da
Igreja, não era um caso individual, contra o bispo. Era o trabalho da Igreja que
incomodava, que nas suas comunidades de base, via tudo aquilo que era
injustiça. Sofremos perseguição por sermos atuantes”
364
. A Igreja no entanto,
apesar de perseguida, caminhava e crescia.
Para representar a alegria de ser uma Igreja no meio dos pobres, nasce
a partir da periferias, o participativo e dinâmico movimento das comunidades
eclesiais de base em Volta Redonda. Preparando o momento para o nascimento
dessas comunidades, internamente a Igreja de Volta Redonda, passa por uma
estruturação que vem fortalecer sua unidade frente aos desafios desta época
conturbada e antecipavam os caminhos de uma igreja participativa.
3.4. Volta Redonda: A cidade-paróquia
Ao mesmo tempo que essas arbitrariedades e atritos aconteciam,
articulava-se em Volta Redonda, a primeira tentativa de superação do sistema
paroquial tradicional.
363
Este termo refere-se ao sentido de diocese ou Igreja local, pois ela é uma totalidade eclesial onde se
fazem presentes as funções essenciais de toda a Igreja autônoma e relativamente madura,
particularmente o magistério apostólico, representado pelo bispo. OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de,
‘CEB; Unidade Estruturante da Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As Comunidades de Base em
Questão, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 185
364
Cf. entrevistas realizadas em 26/11/99 e 18/10/00
148
Para implementar seu projeto pastoral, estimular uma maior
participação dos leigos nas decisões, operacionalizar uma descentralização do
poder e a articulação de um trabalho em grupo e organizado entre padres,
religiosas e leigos, a Igreja de Volta Redonda articula uma importante mudança a
partir no ano de 1969: a implantação de uma nova estrutura organizacional, a
paróquia única
365
, abandonando a estrutura tradicional e hierarquizada das
antigas paróquias.
Pedro R. de Oliveira destaca que a adoção deste modelo de paróquia
única, tinha como uma de suas finalidades, unificar ação da Igreja na cidade,
obtendo assim maior capacidade de resistência às violações do direitos humanos
cometidas pelo governo militar e seus pressupostos na cidade e na Companhia
Siderúrgica Nacional
366
. Era necessário aglutinar todas as forças naquela época
de fogo!
Um relatório apresentado por um padre, apontava esta característica do
projeto de paróquia única: “Se nós de fato chegarmos a nos armar assim num
esforço comum espero muito da Igreja em Volta Redonda. Podemos criar um
ambiente verdadeiramente cristão, principalmente pelas pequenas comunidades
de base , que se tornarão um poderoso fermento na massa. Nossa ação pastoral
levará a um cristianismo autentico. (...)poderemos ser mais Igreja de Cristo do
que temos sido até agora”
367
O projeto era arrojado e inovador: ao invés de paróquias, desarticuladas e
trabalhando isoladamente, a cidade passa a ser uma única paróquia, tendo à
frente o bispo, com a colaboração de presbíteros, religiosas e agentes de
365
Após a implantação deste projeto em Volta Redonda, a diocese inteira passou por uma reorganização
geral de suas paróquias, adequando-as às novas condições sociais. Vide Decreto de Reestruturação das
Paróquias da Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, 21.11.1971; A experiência da organização da
paróquia única foi articulada na cidade de Barra do Pirai em 1984. Cf VÁRIOS, Revista da Diocese
de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, 1999
366
OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, ‘CEB; Unidade Estruturante da Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As
Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 164
367
Relatório Cidade-Paróquia, 29.09.69
149
pastoral
368
. A experiência de ‘fraternidade’, que havia inspirado D. Waldyr,
conforme seu próprio relato, nos primeiros anos de sacerdócio, o estimulara a
ousar realizar este projeto em toda cidade de Volta Redonda.
Desde a chegada do novo bispo, a diocese foi dividida em quatro
regionais
369
: Volta Redonda, Barra Mansa, Barra do Pirai e Resende. Em cada
um destes regionais se criou a Coordenação Regional Pastoral, formada pelos
representantes de cada paróquia, havendo ainda um coordenador pastoral
regional, juntamente com dois secretários. Esta coordenação de todos os
regionais se reúne na Coordenação Diocesana de Pastoral e no Conselho
Diocesano de Pastoral
370
.
Desde 1967, o clero diocesano passou a se reunir quinzenalmente com o
objetivo de discutir o trabalho em conjunto. Estas reuniões aconteciam ora com a
presença dos leigos, ora somente com os padres. Depois de dois anos, observou-
se a possibilidade de instalar a paróquia única, tendo o inicialmente o bispo como
responsável
371
pela coordenação de toda a cidade-paróquia.
Segundo Pedro R. de Oliveira
372
, novidade de tal iniciativa é deslocar o
eixo de preocupações da divisão territorial tradicional para as comunidades
cristãs. Importava menos o respeito aos limites de território que separavam uma
paróquia da outra, do que a ação voltada para o interesse da comunidade.
368
Cf Projeto do Decreto de Unificação das Paróquias de Volta Redonda
369
Esta divisão vigora ainda hoje. Em 1977, discutiu-se a fusão dos regionais de Barra Mansa e Volta
Redonda, no entanto esta proposta foi rejeitada pelos dois regionais, devido às diferentes realidades
de cada cidade. Boletim Diocesano, nº 100, junho de 1977.
370
É um conselho formado pelo bispo, vigários gerais e episcopais, coordenadores do regional,
secretários dos conselhos regionais, secretária da pastoral diocesana, que se reúne anualmente com
objetivo de avaliar o PPD ( Plano Pastoral Diocesano), oferecendo dados para uma pastoral orgânica
da diocese, e preparar a Assembléia Diocesana. Boletim Diocesano, nº 83, 1976, p. 86.
371
Cf. Relatório Visita ‘Ad Limina”, 1980. Relatório quinquenal que é levado geralmente pelo bispo
local ao Papa em Roma, descrevendo o perfil da diocese e os trabalhos pastorais realizados por ela no
período. Este foi o primeiro relatório enviado pela diocese. A resposta do Cardeal Ganthim, Diretor
da Sagrada Congregação para os Bispos, ao relatório enviado pelo bispo, gerou entre o clero
diocesano uma atitude de indignação, pois este Cardeal afirma que a Igreja diocesana vem realizando
seu trabalho, “(...) não obstante os equívocos do passado”, numa alusão aos embates travados pelo
bispo contra a ditadura instalada no Brasil. Cf Carta do Cardeal Ganthim ao Bispo D. Waldyr
Calheiros em 28.01.88 e Carta dos padres diocesanos, enviada ao Sr. Cardeal, Volta Redonda,
04/05/88.
150
A partir deste projeto, pioneiro em todo o país e ousado nos seus
objetivos, a diocese opta por organizar-se em redes de comunidades
373
.Segundo
depoimento do bispo D. Waldyr, a diocese de Volta Redonda foi uma das
pioneiras na implantação deste modelo de organização, ocorrendo paralelamente
ao processo que se desenvolvia na arquidiocese de Vitória-ES, sob a coordenação
de D. Luís Guimarães.
Esta reformulação na estrutura da Igreja na cidade de Volta Redonda
foi amplamente preparada e discutida com sacerdotes e leigos das diversas
comunidades religiosas. O engajamento e participação de todos era fundamental
para o sucesso da experiência que se implantava.
Em comunicação aos diocesanos, D. Waldyr comunica as mudanças
acontecidas: “(...) A partir desta data, 1/1/1969 as paróquias de Santa Cecília, N.
S. da Conceição, N. S. Aparecida, S. Antônio, S. Sebastião, passarão a se
constituir a única paróquia, com a Co-Catedral de N. S. das Graças, cujos
limites geográficos passam coincidir com os atuais limites do Município de Volta
Redonda, revogando tudo que possa haver em contrário”
374
, dessa maneira toda
a cidade de Volta Redonda passa a ser organizada numa única paróquia,
representando na prática a integração das cinco antigas paróquias com suas
respectivas capelas e salões comunitários. Dessa forma “ (...) a Igreja-instituição
perde o seu protagonismo autoritário e se engasta mais funcionalmente na
Igreja-povo de Deus”
375
. Essa nova articulação descentraliza as decisões e
democratiza o poder na diocese, além de fortalecer a própria Igreja local,
comprovando esta nova situação, a coordenação das atividades da cidade-
paróquia, ficou a cargo de um Conselho, eleito nas respectivas comunidades.
372
OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, ‘CEB; Unidade Estruturante da Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As
Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 164
373
Pedro de Oliveira destaca que a nova organização em forma de rede, caracterizase por serem seus
componentes básicos autogovernados e auto-sustentados, interligados por meio de instâncias
facilitadoras mas não interligadas (isto é, sem poder decisório). Ibid idem. Conforme ainda D. Waldyr
afirma em entrevista realizada em 26/11/99.
374
Comunicado aos Diocesanos de Volta Redonda, 1º de janeiro de 1969
375
MONTENEGRO, João Alfredo. A Evolução de Catolicismo no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1972, p..
182
151
A implantação da experiência de paróquia única, está diretamente
vinculada ao nascimento da comunidades eclesiais de base em Volta Redonda.
Uma pesquisa realizada em 1969, avaliou os primeiros momentos da experiência
da paróquia única em Volta Redonda e atesta esta afirmação.
O objetivo desta pesquisa era o levantamento de propostas e os
caminhos a serem seguidos na implantação do projeto que se iniciava. O
resultado dos questionários apresentados pelos leigos, padres e religiosas,
apontou claramente para a necessidade de consolidar a paróquia única e a
concretização da pastoral de conjunto, tendo como meta: a integração da Igreja
na realidade, segundo as diretrizes do Vaticano II e de Medellin; uma Igreja sem
clericalismo, à serviço do homem, solidário com os pobres e testemunha do
Reino de Deus. O relatório apresentado pela comunidade São Sebastião no
Retiro, é definidor deste desejo: “(...)Conhecemos todas as dificuldades (...) e
apesar disto gostaríamos que a Igreja partisse para uma presença autêntica e
marcante entre nós, fazendo com que as diretrizes do Vaticano II, de Medellin
(...) não continuassem como apenas com belos documento para a posteridade”
376
Os meios apontados como necessários para atingir estes objetivos
eram a formação de Comunidades Eclesiais de Base, como expressões da igreja
adaptada à realidade, valorização do leigo e conscientização do povo e do clero.
O relatório de padre Arnaldo, pároco da Igreja de Santa Cecília é sintomático
desta necessidade: Para concretizar este objetivo devemos, sob risco de
fracassar, dar prioridade, descobrir e incentivar, de qualquer jeito, as
comunidades de base (sic), por todos os recantos da cidade”
377
. As Cebs
começam a sair dos projetos para se tornarem realidade.
O sucesso do projeto de unificação das paróquias de Volta Redonda
pode ser medido pelos resultados obtidos anos após a implantação do projeto,
onde se percebe apoio do clero nas comunidades e trabalhos pastorais, decisão
376
Avaliação da Paróquia-Cidade, Relatório da Comunidade São Sebastião- Retiro, 01.10.1969
377
Avaliação da Paróquia-Cidade Relatório da Comunidade de Santa Cecília, 02.10.1969
152
conjunta nas diversas pastorais, dinamização das comunidades de base nos
bairros da periferia e com melhor acompanhamento do clero nessas comunidades
378
.
O nascimento das comunidades eclesiais de base em Volta Redonda,
está inserido dentro do processo geral de nascimento desse movimento em todo
país.
Referindo-se ao início de seu trabalho em Volta Redonda, D. Waldyr
relata que os dois primeiros anos de seu trabalho, 1967 e 1968, foram sobretudo
de adaptação e conhecimento da realidade diocesana. Este período, como vimos
anteriormente, foi marcado pela repressão e perseguição à igreja local
Uma visão da Igreja de Volta Redonda deste período inicial, após a
chegada de D. Waldyr Calheiros à diocese, nos é dada por uma pesquisa
realizada em todas as comunidades da cidade em 1969
379
. Os dados apontam que
a Igreja, neste período, tinha uma forte ação voltada para as atividades pastorais
internas como preparação para o batismo, 1ª comunhão, catequese e grupos de
jovens, estudos bíblicos e em menor escala, preparação para o crisma.
A atuação de movimentos leigos tradicionais, também é percebida de
maneira acentuada nestas comunidades, como destaque para o Apostolado da
Oração, Legião de Maria e em escala reduzida Movimento Familiar Cristão e
Congregação Mariana. O trabalho social dessas comunidades era monopolizado
pela Sociedade São Vicente de Paula, popularmente conhecida como Vicentinos,
que existiam na grande maioria das comunidades (8 grupos), desenvolvendo um
extenso trabalho de assistência social. Os questionários respondidos pelas
comunidades revelam que estas ainda desenvolviam no campo social, um extenso
programas de cursos que englobava as áreas de educação primária e jardim de
infância, passando por cursos na área profissionalizantes como corte e costura,
378
Cf. ata do Conselho Regional Pastoral, em 26.10.1970 e Relatório ‘Ad Limina”, 1980
379
Nesta época as comunidades existentes em Volta Redonda eram as seguintes: Nª. Srª Aparecida-
Bairro São João, Nª. Srª da Conceição-Conforto, Nª. Srª das Graças- Jardim Paraíba, São Sebastião-
Retiro, Santo Antônio- Niterói, Santa Cecília- Vila Santa Cecília, Santo Agostinho- Bairro Santo
153
sapateiro, culinária, enfermagem manicura, etc
380
.Este conjunto de dados nos
mostram que a grande maioria das comunidades religiosas da cidade ainda se
caracterizavam como paróquias tradicionais: sacramentalista, clerical,
centralizadora e assistencial
381
Percebe-se neste levantamento realizado pela Cúria Diocesana, a
referência ‘comunidade de base’, aplicada à uma das atividades executadas pelas
igrejas locais. Segundo o levantamento
382
, seis comunidades pesquisadas
apontava a existência de tais comunidades de base, enquanto que as outras 5 não
assinalavam a presença dessas mesmas comunidades. Vale destacar que a
utilização desse termo não se aplica corretamente às comunidades neste período,
haja visto que essas comunidades não apresentavam as características básicas de
uma autêntica Ceb. As comunidades eclesiais de base somente eram ainda um
projeto que se delineava.
A realização da Conferência Episcopal latino-americana em Medellin,
movimentou a Igreja em toda a América Latina. Em Volta Redonda, a
conferência foi precedida por uma série de debates nas igrejas diocesanas e
encontros preparatórios, que discutiam as experiências realizadas e as propostas
concretas de ação.
A importância desta conferência episcopal reflete-se no fato que ela
alterou completamente o cenário religioso em nosso continente. Se antes dela, a
paróquia era a estrutura fundamental da Igreja, com esta conferência, começa a se
Agostinho, São Miguel- Vila Americana, Bom Jesus- Água Limpa, Nª. Srª Aparecida- Pinto da Serra
e São Geraldo, Vila São Geraldo
380
Cf. Levantamento Volta Redonda Cidade Paróquia, setembro de 1969 e questionários respondidos
pelas comunidades: Nª. Srª Aparecida, Nª. Srª da Conceição, Nª. Srª das Graças, São Sebastião, Santo
Antônio, Santa Cecília, Santo Agostinho- São Miguel, Bom Jesus- Água Limpa, Nª. Srª Aparecida-
Pinto da Serra e São Geraldo.
381
Vide conceito de paróquia tradicional. OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, ‘CEB; Unidade Estruturante da
Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997,
p. 186
382
Um dado curioso nos relatórios apresentados pelas comunidades da cidade, refere-se ao foto de que
muitas dessas comunidades situadas na região central da cidade e cuja maioria dos participantes
pertencia à classe média, apontavam a existência de comunidade de base em sua estrutura,
provavelmente pelo fato de existir (em) grupo(s) de reflexão nestas comunidades.
154
falar em comunidade de base, ou comunidade eclesial de base como o primeiro e
fundamental núcleo eclesial, a “célula inicial de renovação eclesial”
383
.
As Cebs surgiram institucionalmente em Medellin, com o
reconhecimento pela Igreja de algumas tentativas que já existiam na América
Latina. Nesta Conferência, A Igreja latino-americana em Medellin anuncia
também sua opção preferencial pelos pobres e pela comunidade de base, que é
segundo Faustino Teixeira, “(...) a maneira de os pobres serem Igreja.”
384
Os reflexos desta conferência na diocese foram extremamente
benéficos e imediatos, sendo suas conclusões logo foram colocadas em prática.
Segundo o relato do bispo,“(...)em 1969 chegou os documentos (da Conferência
de Medellin) em nossas mãos. Então nós começamos a trabalhar com os agentes
de pastoral. No início de 1970 começamos a discutir sobre as Cebs e chamamos
aqui pessoas que eram especialistas em Cebs.”
Um padre diocesano em 1969, `a exemplo de tantos outros, já situava
a necessidade e a importância da formação das novas comunidades de base: “(...)
Esta é a hora da ação (Medellin). Devemos criar pequenas comunidades, vivas e
atuantes, em tôda (sic) a cidade”
385
, sugerindo ainda os meios para se organizar
estas novas comunidades, estabelecendo que cada sacerdote será responsável de
formar pequenas comunidades de base na sua área local.
O nascimento das primeiras comunidades de base aconteceria a partir
do momento que os diocesanos refletissem sua realidade e buscassem soluções
para seus problemas. Com o intuito de despertar consciências, a diocese
investia
386
profundamente na formação de grupos de reflexão, encontro de
pessoas que se reuniam periodicamente para ler a Bíblia e confrontá-la com a
realidade: (...) a Bíblia e a vida. Então agente lia um trecho da Bíblia e
383
Documentos de Medellin- 15, 10.
384
TEIXEIRA Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos Explicativos, São Paulo,
Paulinas, 1
a
edição, 1988, p. 293
385
Avaliação da Paróquia-Cidade, Relatório de padre Arnaldo, 29.09.1969
386
Cf. entrevista de D. Waldyr, Jornal Zero Hora, 29.09 a 05.10.1973
155
procurava ver onde aquilo se aplicava na vida. (...) no início agente se reunia
nas casas deles ou nas capelas, como é até hoje. Depois se desenvolveram,
foram se firmando, a consciência foi se abrindo e hoje o processo está
consolidado. Volta Redonda ficou cercada de um trabalho de base na
periferia”,
387
explica D. Waldyr, relembrando o trabalho dos primeiros grupos de
reflexão, que depois se tornaram grupos de base, com uma ativa atuação na
sociedade. Os embriões das futuras comunidades eclesiais de base começavam a
serem formados neste período.
Desde o final dos anos sessenta estes grupos começavam então a se
espalhar timidamente pela cidade. Os primeiros números em 1972, revelam a
existência de cerca de 20 grupos na cidade de Volta Redonda, agrupando cerca
de 300 pessoas
388
, um número reduzido, se comparado ao número de habitantes
da cidade e daqueles que se assumiam enquanto católicos
389
.
Neste ano ainda, nas comemorações do cinquentenário aniversário de
criação da diocese, a Igreja local decide impulsionar tais grupos, propondo a
realização do ‘1º Plano de Evangelização da Diocese’
390
, divulgado pelo boletim
diocesano
391
, e que previa a organização de novos grupos de reflexão e a
387
Entrevista realizada em 19.10.00
388
Estes grupos encontravam-se nas seguintes comunidades: Com. S. Sebastião- Retiro: 4 grupos,
totalizando 92 pessoas; Com. N. S. Graças: 8 grupos, totalizando 96 pessoas; Com. Santa Cecília: 5
grupos, totalizando 70 participantes; Com. Vila Americana, 1 grupos, totalizando 12 pessoas. Existem
ainda 2 grupos, totalizando 30 pessoas. Boletim Diocesano, nº 13, agosto de 1972.
389
De acordo com o Censo-1970, Volta Redonda possuía cerca de 126.805 habitantes. A população
católica de Volta Redonda era estimada em cerca de 108.022 membros. Um levantamento realizado
em outubro de 1973, na cidade de Volta Redonda, revelou que a frequência média às missas
dominicais era de cerca de 17.100 pessoas, equivalendo a quase 16% da população católica do
município, dos quais nem 2% estavam envolvidos nos grupos de base da Igreja. Convém lembrar que
é católico, nesta caso específico, quem, tendo recebido o Batismo, não se excluiu nem foi excluído da
Igreja, ainda que não a freqüente
390
Este Plano de Evangelização consta como uma das propostas levantadas pelo CERIS (Centro de
Estudos e Investigação Religiosa), numa pesquisa realizada com sacerdote e leigos da diocese,
realizado no final de 1971
391
Este periódico começou a ser publicado em 1970, com o título Boletim Informativo da Cúria. Em
agosto de 1971 adota o nome ‘Caminhando”, permanecendo com esta denominação até fevereiro de
1973, quando assume o nome Boletim da Diocese de Barra DO Pirai-Volta Redonda. Em 1974, muda
o nome definitivamente para Boletim Diocesano. A partir deste momento esta publicação se direciona
principalmente para os assuntos diocesanos, com especial enfoque nas comunidades eclesiais de base.
Em 1977, esta publicação recebeu elogios de uma avaliação realizada entre periódicos do gênero pela
UCBC União Cristã Brasileira de Comunicação Social, apontado como destaque, pelo seu
compromisso social com as classes marginalizadas. Cf. Boletim Diocesano, nº 168, p. 06
156
dinamização dos já existentes, com o objetivo aprofundar a fé do povo e sua
participação na Igreja
392
. O citado Plano utilizava-se da “(...) valorização de
leigos evangelizadores que devem dirigir os grupos e formação de grupos em
casa, bairros, vilas, para se reunirem mensalmente em círculos”
393
, para atingir
o objetivo almejado.
Além de tudo, o acompanhamento e a assessoria desses grupos
também foi uma preocupação e prioridade para a Igreja diocesana, que enxergava
nesses grupos a célula da mudança e da renovação eclesial. Em 1973, a
Coordenação Pastoral decide, à título de sugestão, traçar uma linha de reflexão e
indicar textos a serem seguidos pelos diversos grupos, com o objetivo de
dinamizar e estimular um esforço de reanimação desses grupos de reflexão
394
.
3.5. A Valorização do Leigo nos Projetos das Cebs
Para dinamizar a atuação dos grupos de reflexão e objetivando a
implantação das comunidades eclesiais de base, a Igreja se pautou também pela
valorização e capacitação do leigo, visto como um elemento chave na pastoral
diocesana. Isto fica evidente quando a diocese incluiu esta temática em sua
agenda: “(...) há um esfôrço (sic) geral num sentido de que os leigos participem
mais nos problemas de sua Igreja (...) Pede-se que não seja apenas
observadores, mas sim participantes (...) gente que fale e ajude a refletir”
395
. A
ativa participação do leigo era uma exigência da renovação eclesial que se
desenvolvia. Desde cedo então, se pensou na capacitação de lideranças leigas,
com a organização de ‘cursos de treinamento de lideranças’ direcionados aos
392
Boletim Diocesano, nº 09, abril de 1972
393
Plano de Evangelização Para o Ano Cinquentenário da Diocese
394
Boletim Diocesano, nº 19, fevereiro de 1973
395
Ibid idem, nº 05, maio de 1970
157
animadores de todas as comunidades da cidade, realizados duas vezes por mês a
partir de 1970
396
.
Uma reunião diocesana
397
, realizada em 1971 e que se propunha a
discutir o tema “ Qual a missão da Igreja e o que a Igreja Diocesana está fazendo
para realizar sua missão: sinal entre os homens e destes com Deus”, expõe a
problemática do trabalho pastoral e questionava até que ponto realmente se
organizava uma Igreja comunitária na diocese. Diagnosticou-se nesta reunião,
que os leigos ainda não eram valorizados, porém iniciava-se, em pequena escala,
uma formação voltada para este objetivo. A inserção da Igreja na realidade
social, também em escala limitada, também foi destacada. O trabalho estava
apenas começando.
Aos poucos, porém o leigo foi ocupando seu espaço e assumindo seu
papel na construção de um igreja participativa. Sintomático deste momento foi a
situação vivida pela comunidade São Miguel Arcanjo, no bairro Vila Americana,
periferia da cidade. A comunidade era assistida por padres jesuítas da
comunidade vizinha de Três Poços. Com a saída desses padres, ela passou a
contar precariamente com o acompanhamento dos padres diocesanos, que em
pequeno número, não conseguiam atendê-la. O desafio estava lançado e sentindo
a dificuldade, os próprios leigos da comunidade resolveram assumir os trabalhos
pastorais, celebrando a palavra, organizando a liturgia, batizados, catequese, etc
398
.
3.6. A Formação de Lideranças Populares e a Gestação das Primeiras
Comunidades de Base
396
Este curso, que atingia cercada 52 líderes das comunidades na cidade, acontecia regularmente na 1ª e
2ª semana de cada mês. Boletim Diocesano, nº 03, fevereiro de 1970 e Atas do Conselho Regional
Pastoral, 08.05.1970 e 16.06.70
397
Esta reunião é apresentada no informativo da diocese como uma Assembléia da Diocese, porém
oficialmente a 1ª Assembléia Diocesana ocorre somente em 1975. Tratava-se portanto de uma
reunião da diocese. Boletim Diocesano, nª 03, 1971
398
Ibid idem, nº 24, dezembro de 1973
158
Como já afirmei antes, desde 1969, após a implantação do projeto de
paróquia única, já se objetivava claramente entre o clero diocesano, a disposição
de se formar comunidades de base, vistas como o elemento fundamental da
Igreja.
Para concretizar este objetivo, desenvolveu-se a partir deste momento,
uma ação voltada para a capacitação do leigo e o trabalho popular, preocupações
marcantes na Igreja de Volta Redonda desde o início das mudanças em sua
estrutura. Muito presente na memória de uma antiga militante na cidade, foi a
realização de um curso de formação de lideranças, com a coordenação de Lauro
de Oliveira Lima, em meados de 1968: “(...) Nesta época participei de um curso
de formação de lideranças com Lauro de Oliveira, coqueluche do momento,(...)
o curso era dado no bispado, `a noite, discreto, reservado, a repressão tava em
cima. Eram duas turmas de 30-40 pessoas. Foi um curso intensivo de uma
semana. Era para preparar as lideranças para trabalhar com o povo, (...)
técnicas de dinâmica para motivar o grupo, abordando temas e conteúdos
populares”
399
De fato, para implementar essas mudanças, e também para a
acompanhar o trabalho pastoral nas nascentes comunidades eclesiais de base é
necessário uma melhor preparação e capacitação dos agentes de pastoral
envolvidos neste processo. Estes agentes terão um papel fundamental na
implantação do projeto das Cebs, atuando como o
‘intelectual orgânico’ nos moldes gramscianos: moram no bairro, compartilham
da vida do povo, sua linguagem e seus costumes. Segundo Sidney Jairo
400
, a
importância desses agentes reside no fato que eles devem atuar no sentido de
estabelecer relações entre as lutas particulares da comunidade e o jogo político
mais geral. A integração dessas duas realidades, estanques na consciência das
399
Entrevista com Maria das Dores Motta, realizada em 11.12.00
159
classes mais baixas, exige do agente de pastoral, um profundo conhecimento dos
mecanismos de funcionamento própria realidade e também da situação vivida
pelo grupos e comunidades de base, para que possa se estabelecer uma relação
dinâmica entre uma esfera e outra.
Para atingir o objetivo da capacitação dos agentes de pastoral, a Igreja
diocesana contou então com o apoio de uma ativa e experiente assessoria de
teólogos, sociólogos e educadores populares para atingir este objetivo. Vários
entrevistados
401
apontaram a participação desses assessores externos, em sintonia
com o conjunto de mudança que ocorria na Igreja brasileira, como essencial para
o incentivo do trabalho pastoral neste período.
Lauro de Oliveira Lima
402
assessorou a diocese nesta fase inicial de
trabalho, até meados de 1976. A contribuição do Frei Carlos Mesters, que
assessorou a diocese por vários anos
403
, acompanhando grupos de reflexão,
organizando estudos bíblicos
404
, ministrando palestras
405
e interpretando a bíblia
numa linguagem popular
406
, foram fundamentais neste projeto que se executava.
Seus livros inclusive eram utilizados como subsídios para as discussões dos
grupos de base da cidade
407
. Além desses, vários outros contribuíram diretamente
com este processo. Leonardo Boff, Riolando Azzi, João Batista Libanio,
Clodovis Boff, Pedro de Oliveira e outros, eram presença constante no Regional
de Volta Redonda, ministrando cursos, encontros, assessorando assembléias, etc.
Além dessa assessoria especializada, foi extremamente importante, à
exemplo do que ocorria em outras dioceses brasileiras, a participação de
religiosas de diversas congregações religiosas que chegaram em Volta Redonda,
400
SIDNEY, Jairo C. “Igreja e Mobilização Popular’ in Dosssê CPV-1985, Comunidades Eclesiais de
Base e Movimento Popular, p. 11
401
Cf entrevistas realizadas com D. Waldyr Calheiros, padre Normando, Olívia Barreto, Edson Santana
402
Educador com larga experiência no trabalho popular. Inspirado em Paulo Freire criou, uma dinâmica
própria de trabalho adequada ao meio popular.
403
Cf. Boletins Diocesanos e Atas de Reuniões do Conselho Diocesano de Pastoral no período
404
Os cursos bíblico de Carlos Mesters tinham uma aceitação muito boa entre os diocesanos. Num curso
realizado em novembro de 1970, houve a participação de cerca de 270 pessoas, além de sua presença
constante na assessoria diocesana. Boletim Diocesano, dezembro de 1970
405
Ibid idem, nº 24, dezembro de 1973
406
Vide Boletim Diocesano, nº 08, agosto de 1971.
407
Ibid idem, nº 03, fevereiro de 1971
160
a partir do ano de 1970, estimuladas pelo processo de renovação pastoral que
aqui se desenvolvia, englobando mudanças na liturgia, catequese, batismo e
outras pastorais.
É importante destacar que fundamentalmente a construção das Cebs
no Brasil foi um trabalho de mulheres. Os dados apontam que atualmente a
grande maioria dos participantes dessas comunidades em Volta Redonda, como
em todo Brasil, pertencem ao sexo feminino
408
Estas religiosas foram imprescindíveis na organização das incipientes
comunidades de base. A febre de renovação que inspirou o trabalho dessas
religiosas, estimulou-as a morar na periferia da cidade, fazendo uma opção
radical por uma vida de testemunho na pobreza. Desenvolviam uma ação
evangelizadora, conscientizadora e educadora na base, através de uma
experiência de aproximação direta com essas comunidades
409
, elegendo a
periferia como o campo prioritário de sua atuação
410
. Constituiam-se nas
chamadas comunidades ‘inseridas nos meios populares’, termo adotado
internamente na Igreja para referir-se à elas.
Destaca-se neste contexto, a presença das religiosas da Congregação
Sacramentinas de Jesus Crucificado, que acabaram assumindo as atividades
pastorais na comunidade São Geraldo, bairro de classe média; das Dominicanas
que atuaram inicialmente na comunidade São Sebastião-Retiro; das
Sacramentinas de Nossa Senhora, que assumiram o planejamento e o trabalho da
408
vide quadros em anexo
409
Sobre este tipo de atuação desenvolvido pelas religiosas vide NUNES, Maria José Rosado. ‘Freiras no
Brasil’ in PRIORE, Mary Del (org); BASSANEZI, Carla (coord. de textos), História das Mulheres no
Brasil, São Paulo, Contexto, 3
a
ed., 2000 e PAIVA Vanilda, Catolicismo , Educação e Ciência,
Coleção Seminários Especiais- Centro João XXIII, São Paulo, Loyola, 1991
410
Vale destacar que em muitos casos em Volta Redonda, os padres recebiam remuneração por seus
serviços, algo em torno de dois salários mínimos, enquanto que algumas religiosas sequer eram
remuneradas, sendo mantidas por suas congregações. Segundo Nunes, a ideologia do ‘serviço’ pode
explicar esta diferença e sua aceitação pelas religiosas, insinuando também discriminação na Igreja.
NUNES, Maria José Rosado. ‘Freiras no Brasil’ in PRIORE, Mary Del (org); BASSANEZI, Carla
(coord. de textos), História das Mulheres no Brasil, São Paulo, Contexto, 3
a
ed., 2000
161
comunidade Santo Agostinho
411
; além também das religiosas da congregação
Missionárias de Jesus Crucificado, que trabalhavam depois nas comunidades de
São Sebastião e Vila Mury. Dessa forma diversas comunidades, como ainda hoje,
são acompanhadas por religiosas, além de suas atividades em outras esferas da
vida eclesial.
Preferencialmente, estas irmãs se concentraram na cidade de Volta
redonda. O bispo explica porque este fato ocorreu: “(...) começaram a chegar
freiras e padres que se interessavam por este trabalho popular. E eu comecei a
distribuí-los por perto de minha vista ( em Volta Redonda), para que eu pudesse
diretamente apoiá-los; por que em outros municípios já é mais difícil o meu
apoio”
412
.
Um importante trabalho na construção de
comunidades eclesiais de base foi realizado pelas
irmãs Cândidas e Margarida, no bairro Santo
Agostinho, uma das regiões mais pobres e
violentas da cidade. Um membro da comunidade,
sobre o início desses trabalhos destaca: “(...)
fazíamos reuniões nas casas e nas ruas, já que não
havia nem Igreja direito”
413
. O projeto dessas
irmãs, baseou-se na formação de diversos grupos
411
As irmãs Maria Cândida Pereira e Margarida Maria de Jesus, chegaram nesta comunidade no dia
13.02.1971,. Livro de Atas do Conselho Comunitário da Com. Eclesial Santo Agostinho, p. 12
412
Entrevista realizada pelo Jornal Pé da Serra, julho de 1982
413
Depoimento informal em 29.01.01
162
de base no bairro e estruturação de um conselho
comunitário
414
na comunidade
415
.
Muitos entrevistados, destacam este trabalho realizado no bairro Santo
Agostinho como um dos mais importantes do período e apontam esta
comunidade como referência na questão da organização e lutas travadas pelas
Cebs nesta época
416
. O trabalho dessas religiosas foi reconhecido por várias
pessoas que viveram esta experiência, conforme relato de um membro da
comunidade Santo Agostinho: “No início houve muita resistência, as mudanças
foram muito rápidas, o povo não tava preparado, (...) não aceitava política na
Igreja (...)não aceitava a retirada dos santos, das imagens (...) minha mulher
mesmo, ficou quatro anos sem vir na missa. (...)Com o trabalho, elas ensinaram
o pessoal a lutar pelo bem comum (...) o pessoal se conscientizou que tinha que
ser assim mesmo”
417
De fato no início da implantação do projeto das Cebs, as dificuldades
foram muitas, mesmo por que a relação Cebs e religiosidade popular foram até
certo ponto conflituosas. Segundo Regina Novais
418
, este processo aconteceu
pois em alguns locais a religiosidade popular foi subestimada e até mesmo, como
no nosso caso, exorcizada por ser alienante. Não houve discernimento ou
preocupação explícita para distinguir elementos libertadores e alienantes da
religiosidade popular. Apesar dessas dificuldades iniciais, o trabalho prosseguiu e
começaram a aparecer os primeiros resultados. As lutas de por melhores
414
Núcleo coordenador de uma comunidade eclesial de base, formado pela equipe de coordenação da
comunidade, representantes das equipes pastorais ou movimentos reconhecidos pela organização
pastoral da Diocese agente(s) de pastoral que acompanham comunidade. Diretrizes Pastorais 10ª
Assembléia Diocesana, p. 10 e 11
415
Livro de Atas de Reuniões do Conselho Paroquial da Comunidade Santo Agostinho, p. 35 e 38.
416
Cf. entrevistas realizadas com padre Normando, Olívia Barreto, irmã Martha Dale, Sra. Elzira
417
Entrevista de Sr. Santinho realizada em 29.01.01
418
Esta questão está inserida no contexto do encontro entre o ‘racionalismo pastoral’ dos agentes e o
‘universo simbólico’ do povo, sendo esta questão apontada atualmente como um dos grandes desafios
da pastoral popular. Como propiciar a “ (...) a interfecundação entre as Cebs e a religião popular,
entre o evangelismo das Cebs e o misticismo destas?”. NOVAIS, Regina. ‘Nada será como antes
entre urubus e papagaios’ in TEIXEIRA, Faustino L. C. Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo,
Paulinas, 1993, p. 92 e 93.
163
condições de vida, encontrou apoio nesta comunidade eclesial, que organizou
abaixo assinados, passeatas, protestos pela implantação da rede de água, esgoto,
contra a violência, etc
419
.
A partir de meados de 1976, um importante passo na formação dos
agentes de pastoral foram os trabalhos desenvolvidos pela equipe NOVA,
especializada em assessoria à movimentos populares, com pedagogia inspirada
no método Paulo Freire, que acompanhou a Igreja diocesana até por volta de
1984. Esta equipe desenvolveu um trabalho, de acordo com a unanimidade dos
entrevistados, extremamente competente, voltado para a formação de agentes
populares, baseada numa pedagogia popular e assessoria sócio-econômico-
política.
Além de buscar assessoria externa, a Igreja diocesana também se
organizou internamente com objetivo específico de formar agentes de pastoral e
assessor as diversas comunidades da cidade, com a criação no ano de 1975 do
IDP -Instituto Diocesano de Pastoral
420
.
A troca de discussões e de experiências com outras Igrejas diocesanas,
também fez parte da articulação desse amplo processo de formação desta ‘nova
maneira de ser Igreja’. Em 1972 estiveram presentes na cidade, os bispos D. Luís
Fernandes, Bispo Auxiliar de Vitória e D. Antônio Fragoso, bispo de Crateus
421
,
que participaram de debates, com a presença do clero, religiosas e leigos, sobre o
trabalho pastoral e organização das comunidades eclesiais de base
422
.
419
Cf. depoimento informais de membros da comunidade e Livro de Atas de Reuniões do Conselho
Paroquial da Comunidade Santo Agostinho
420
Este grupo de trabalho promovia em toda diocese um asérie de encontros voltado spara formação e
assessoria de padres, religiosas e leigos, abordando questões relativas à comunidades de base,
formação política, teológica, etc. Dedicava-se ainda à preparação de materiais, apostilas e subsídios
para reuniões. Relatórios de Atividades do IDP, 1976 a 1979.
421
Vale destacar que estes bispos são conhecidos como grandes incentivadores das Cebs, e a exemplo da
igreja de Volta Redonda, são pioneiros na implantação dessas comunidades no Brasil. Vide BOFF,
Clodovis, e et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997.
422
Boletim Diocesano, nº 15, outubro de 1972. O bispo local também participava de vários encontros na
Igreja abordando a problemática das Cebs. Vide Boletim Diocesano, nº 12, julho de 1972.
164
3.7. As Periferias: O Lugar Social de Nascimento das Cebs
Abordado o contexto intra-eclesial vivido pela Igreja Diocesana, que
preparou a emergências das comunidades eclesiais de base, é necessário agora
discutir o lugar social de nascimento das comunidades de base: a periferia da
cidade. O bispo diocesano em entrevista afirma: (...) as Cebs são um
instrumento do povo, em que eles se reúnem alimentados pela fé, mas não
depende somente da realidade religiosa mas principalmente pela realidade
humana que os cerca, pelo fato de que é a realidade mais dura, mais
esquecida, não prevista pela autoridade a periferia. (...) as Cebs se encontraram
com os pobres na periferia”
423
.Este encontro em Volta Redonda era sobretudo
necessário.
A situação vivida pela cidade na década de setenta, era no mínimo
preocupante. A questão urbana, particularmente a habitacional, sempre foi
problemática em Volta Redonda. A Companhia Siderúrgica Nacional desde sua
criação, na década de quarenta, nunca atendeu satisfatoriamente a demanda da
cidade e seu processo de expansão, como vimos anteriormente, provocou novos e
intensos fluxos migratórios em direção à cidade, agravando esta problemática.
Como conseqüência, as favelas se multiplicaram e no final da década de setenta,
com o fim das obras e a demissão de milhares de trabalhadores contratados pelas
firmas empreiteira, as favelas e núcleos de posse se espalharam mais ainda por
toda cidade. Claúdia Virgínia de Souza analisando o impacto do Plano de
Expansão da Siderúrgica na cidade, comprova esta afirmação
424
. Esta realidade
marcada sobretudo pela ausência dos serviços básicos e do respeito à dignidade
humana é assumida plenamente pela Igreja diocesana como prioritária em sua
ação evangelizadora e transformadora.
423
Entrevista realizada em 26.11.99
424
Segundo esta autora em 1966, as favelas da cidade abrigavam cerca de 5% da população local. Em
1977 este número sobe para mais de 9% do total da população. SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de.
165
3.8. Grupos de Reflexão: As Células das Comunidades de Base
No início de seu pastoreio, o próprio bispo dá os primeiros passos ao
encontro das camadas pobres, iniciando um grande movimento na comunidade
São Sebastião no Retiro, que se tornará o embrião do grande projeto das Cebs,
que agora então começa a se tornar concreto de fato. “Ele queria mostrar ao
povo como se faz”, atesta uma participante desse projeto.
425
. Ele relata um pouco
dessa experiência: “Foi uma experiência transitória para que os leigos
assumissem o trabalho. Fui lá para experimentar como se faz,(...) para fazer
contato com o povo, (...) eu queria um modelo de paróquia onde o leigo fosse
atuando e por uma coincidência saiu o padre e eu fiquei respondendo pelo
Retiro (...) e comecei montar grupos de reflexão,”
426
, explica D. Waldyr.
No período em que esteve à frente da comunidade de São Sebastião,
D. Waldyr, implementou mudanças significativas na organização da vida da
Igreja. Ilustrando todas essas mudanças, ele ordenou um diácono leigo escolhido
pela própria comunidade, o Sr. Davi Baptista Soares, no dia 08.12.72
427
, que se
tornou o primeiro e único diácono
428
casado ordenado em toda a diocese, para
auxiliá-lo. A ação do bispo era justificada pois naquela época não se podia
conceder licença ao leigo para que ele pudesse ministrar os sacramentos, sendo
necessária a sagração de um diácono para a realização de tais serviços religiosos.
A escolha deste diácono obedeceu ao nome indicado pela comunidade.
No bairro do Retiro, onde permaneceu por quase dois anos, Dom
Waldyr assumiu diretamente todo o trabalho pastoral, capacitando os leigos e
Pelo Espaço da Cidade, Aspectos da Vida e do Conflito Urbano em Volta Redonda, Rio de Janeiro,
Dissertação de Mestrado, UFRJ/IPPUR, 1992, p. 130
425
Entrevista com Olívia Barreto
426
Entrevista realizada em 13.12.00
427
Boletim Diocesano, nº 16, novembro de 1972, p. 8
166
trabalhando com extrema tenacidade e sensibilidade para com os mais pobres.
Segundo um participante da comunidade neste período, a atuação de D. Waldyr
era intensa “(...) Ele coordenava reuniões, subia os morros, ensinava agente a
fazer visita, a falar com o povo...”
429
.
O próprio bispo relata que aprendeu muito com esta experiência, pois
segundo ele, as Cebs funcionam não somente como veículo de educação popular,
mas também como educadoras do próprio bispo e dos padres, que também
tinham que aprender com o povo, “(...) sintomático de tal situação, foi um dia,
quando estávamos sentados no salão da comunidade S. Sebastião, e um
participante do grupo me fez uma pergunta, não me lembro qual, e sinceramente
eu não soube responder, então um participante do grupo se levantou, respondeu
a pergunta e agradou a todo mundo”
430
A participação das irmãs dominicanas com seu dinamismo, foram
fundamentais no trabalho desenvolvido nesta comunidade de São Sebastião. Uma
das religiosas envolvidas neste trabalho destaca: “(...) Desenvolvíamos dinâmicas
de grupo e reflexão. Utilizávamos os trabalhos de Lauro de Oliveira,
importantes no processo de socialização das pessoas. (...) Vários grupos se
reuniam no salão da Igreja e discutiam textos bíblicos, relacionando com a
sociedade”
431
.
Estas dinâmicas cristãs de grupo, organizadas inicialmente pelas
irmão dominicanas no início de seu atividades na comunidade do Retiro e depois
estendidas por toda a cidade, eram parte do método de formação política
empregado pela Igreja para formação das Cebs. Como afirmou a religiosa que
viveu este período, consistia numa série de atividades em grupos, que criavam
um clima participativo, onde se relacionava a leitura da bíblia com temas
cotidianos.
428
Ministro ordenado, que corresponde à primeira instância do magistério eclesiástico, sendo seguido
depois pelos grau de presbítero(padre) e episcopado (bispo), que exigem a condição de celibatários.
429
Entrevista com Sr. Júlia em 16.11.00
430
Entrevista realizada em 26/11/99.
167
A partir de então os grupos de reflexão se multiplicaram em toda a
cidade, mesmo nas comunidades centrais, que agrupavam predominantemente
setores da classe média. Estes grupos organizavam assembléias e encontros
periódicos de acompanhamento e avaliação em suas diversas comunidade
432
.
Estes encontros comunitários constituíam-se num precioso instrumento de
análise, onde revisavam a caminhada e levantavam-se novas propostas e pistas de
trabalho, colocando tais grupos em sintonia com os objetivos da Igreja local.
Em julho de 1973
433
, como parte das festividades do cinqüentenário da
diocese, representantes dos grupos de reflexão reuniram-se na cidade. Vale
destacar que as comemorações do cinquentenário, foram momentos que
contribuíram decisivamente para um amadurecimento e melhor posicionamento
da Igreja na região. Destacou-se nesta ocasião, a realização de inúmeras
conferência e reuniões com clérigos e assessores de destaque da Igreja do Brasil,
adeptos da TdL, como padre Romer, padre Celso Queiroz, padre João Batista
Libânio, frei Leonardo Boff e outros.
O encontro dos participantes dos grupos de evangelizadores, contou
com a presença de cerca de oitentas pessoas, que discutiram atuação desses
grupos na diocese durante três dias, auxiliados pela competente assessoria de frei
Carlos Mesters e outros
434
. Este encontro foi um importante impulso na
caminhada desses grupos, pois foram realizadas discussões sobre Cebs com os
participantes, que até então era restrita aos agentes pastorais.
No final do ano de 1973, no Conselho Regional foi discutido o Plano
Pastoral do Regional para o próximo ano de 1974, que focaliza sobretudo a
intensificação da formação dos grupos de evangelização, condição indispensável
431
Depoimento de irmã Martha Dale, religiosa dominicana
432
Em meados de 1973/74, estes encontros eram comuns nas principais comunidades de Volta Redonda.
Nas Igrejas do Retiro, Nª. Srª da Conceição-Conforto, Nª. Srª das Graças-Jardim Paraíba, Nª. Srª
Aparecida e Jardim Elmonte, estes sncontros reuniam boa parte dos leigos que participavam dos
grupos de reflexão. Cf. Boletins Diocesanos, nº 24-27-30-38-45.
433
Boletim Diocesano, janeiro de 1974, nº 25, p. 1 e 2
434
Boletim Diocesano, dezembro de 1973, nº 24, p. 7
168
para a formação das comunidades de base
435
. Enquanto isto, nos diversos bairros
da cidade, os grupos de reflexão passam a se identificar como grupos de base,
células vitais das nascentes comunidades eclesiais de base.
Em julho de 1974, os dirigentes e animadores de desses vários grupos
se reuniram novamente na comunidade São Sebastião, o objetivo de tal encontro
era articular um trabalho comum entre eles, abordando temas relacionados à
organização interna dos grupos e discussões sobre comunidades de base e ações
do grupo diante da realidade
436
, buscando “(...) conhecimento do que há em toda
cidade no plano de Evangelização e conhecer subsídios usados além de métodos
de aplicação, problemas existentes”
437
.
Anteriormente em fevereiro de 1974, o bispo com o objetivo de
aglutinar as comunidades eclesiais que começavam a se organizar, faz um
chamado através do BD (Boletim Diocesano) para elas se organissem numa
verdadeira pastoral: (...)ainda não de sente, em profundidade, a presença da
Igreja na cidade. No ano passado, 1973, não se deu nenhum passo para
caminhar no sentido de uma pastoral específica para uma cidade a não ser
conservar o que já se tinha conquistado. Vemos, porém, que o plano de expansão
da CSN implica o crescimento demográfico da cidade e com ele todas as suas
consequências: novos bairros, chegada de novos operários, presença de novos
habitantes e escassez de meios de comunicações, etc. Em suma, como se fazer
sentir a presença da Igreja na cidade de Volta Redonda?”
438
.Seu objetivo era a
partir de um grande encontro na cidade, gerar discussões onde os agentes de
pastoral discutissem o desenvolvimento de seu trabalho e os passos para a
estruturação de uma agenda pastoral e social atuante na cidade.
O encontro, que ocorreu numa reunião ampliada do conselho
paroquial da cidade, foi realizada em 9 de agosto de 1974, e respondendo ao
435
Boletim Diocesano, dezembro de 1973, nº 24, p. 7
436
Boletim Diocesano, agosto de 1974, nº 39, 04 e 05
437
Boletim Diocesano, agosto de 1974, nº 39, 04 e 05
438
Boletim Diocesano, fevereiro de 1974, nº 28, p. 06
169
bispo, definiu as linhas da ação pastoral da Igreja na cidade, destacando em
primeiro lugar as Cebs- a partir de uma melhor articulação entre os dirigentes de
comunidade; a Pastoral Operária, haja visto que a cidade é fundamentalmente
operária; a Ação Social, “(...) unificando movimentos já existentes e assumindo
uma atitude de denúncia diante das injustiças”, a Pastoral da Juventude e Grupos
de Evangelização, com o objetivo de “(...)formar evangelizadores capazes de se
integrarem em grupos diversos, assumindo sua realidade e, partindo dela, levá-
los à CEB.”
439
.
Estes passos foram importantes, pois além de apoiar a continuidade do
processo de organização dos grupos de reflexão e das Cebs, apontou a
necessidade concreta de inserção dos cristãos na sua realidade concreta e seu
compromisso na denúncia das injustiças sociais.
Ainda naquele ano, a reunião de avaliação e planejamento do clero,
realizada em 19 de dezembro
440
, apontou a necessidade de buscar alternativas
para construir a unidade da Igreja na região. Decidiu-se desta forma reunião a
realização de uma grande assembléia da Igreja diocesana que apontaria estes
caminhos.
No ano seguinte, a realização desta 1ª Assembléia Diocesana
441
, na
cidade de Mendes, reforça os pontos apontados na reunião de agosto de 1974 em
V.Redonda. Neste encontro da Igreja de Barra do Pirai-Volta Redonda, elabora-
se o Plano de Pastoral Diocesano, apontando como diretrizes fundamentais para a
unidade de ação da Igreja regional, a organização das Cebs e dos Conselho
Pastorais paroquiais, regionais e diocesano
442
. Estas decisões são ratificadas no
mesmo ano, na 2ª Assembléia diocesana, como veremos adiante. As Cebs neste
439
Boletim Diocesano, setembro de 1974, nº 43, p. 05
440
Boletim Diocesano, janeiro de 1975, nº 47, p. 03
441
Esta grande encontro da diocese contava com a participação do clero, religiosas e membros das
comunidades de toda a diocese. Normalmente a assembléia diocesana era antecedida pelas
assembléias de cada regional, onde se levantavam encaminhamentos e propostas.
442
Boletim Diocesano, março de 1975, nº 51, p 03
170
momento, começam a serem abraçadas por toda a diocese marcando um
importante momento na vida pastoral da diocese.
A afirmação das Cebs como uma diretriz pastoral na 1ª Assembléia
Diocesana e finalmente como uma prioridade na 2ª Assembléia, realizada em
novembro do mesmo ano, evidenciam esta importância. Dom Waldyr,
relembrando esse momento, comentou numa entrevista: “A articulação se dava
(anteriormente) nos regionais, onde se testava uma renovação na visão se Igreja,
dentro dos trabalhos pastorais.(...) Diante do acontecimento se motivou outras
formas de atuação, (...) e a implantação dos grupos de base.(...)só depois de
concretizar as mudanças na base, organizando as comunidades é que se partiu
para as mudanças à nível de diocese”
443
. O discurso do bispo confirma que as
comunidades eclesiais de base já existiam em Volta Redonda, sendo assumidas
agora como prioridade e com o compromisso de estendê-las para todo o conjunto
da diocese.
3.9. A Experiência da Cebs na Comunidade de São Sebastião-Retiro
No momento em que D. Waldyr, assumiu esta comunidade, no início
de 1972, foi formado um grande grupo, com cerca de trinta pessoas da região.
No início deste trabalho, a tarefa de cada um dos membros deste grupo era sair
pela periferia próxima da comunidade, que foi dividida em 21 setores, para
comentar o evangelho do último Domingo. Este trabalho era acompanhado
semanalmente pelo bispo Waldyr.
A evolução do trabalho levou a formação de vários grupos de
reflexão, que discutiam subsídios preparados com temas levantados pela diocese.
Mais tarde organizou-se uma equipe, juntamente com os agente de pastoral, para
443
Entrevista realizada em 13.12.00
171
preparar os subsídios e acompanhar os trabalhos nas pequenas comunidades
vizinhas que começavam a nascer.
No início de 1974, os frutos desse trabalho começavam a se tornar
nítidos, apresentando resultados altamente positivos. A experiência de uma
comunidade sem pároco residente e sem religiosas responsáveis, propiciou que
os leigos assumissem vários ministérios na comunidade, como o batismo,
eucaristia, liturgia, matrimônio, pastoral familiar, etc, inclusive promovendo um
rodízio entre eles, para que todos pudessem assumir o trabalho, além do
acompanhamento e formação de novas comunidades. A administração da
comunidade também passou para suas mãos, com a organização do conselho
pastoral comunitário, que contava também com a participação dos agentes de
pastoral e do bispo, que tinha a tarefa de desenvolvera a formação e
acompanhamento pastoral da comunidade. Todos os trabalhos eram planejados e
avaliados por meio de assembléias que se realizavam duas vezes no ano
444
. Neste
período, a temática das Cebs já era discutida e fazia parte da agenda de diversos
grupos de reflexão, como um dos objetivos do trabalho que se desenvolvia
445
.
Em 1974, os diversos grupos de reflexão desta comunidade passam a
atuar sob orientação direta de algumas religiosas e Jacques Dusquene
446
, padre
operário
447
francês. Este grupo de agentes de pastoral deu continuidade ao
trabalho que havia sido iniciado por D. Waldyr.
444
Estas assembléias bimestrais contavam com expressiva participação da comunidade local. A
experiência da comunidade do Retiro também era observada por inúmeros padres e bispos
interessados e m conhecer o trabalho de renovação que alí se desenvolvia. Em 1974, por exemplo um
bispo uruguaio, da diocese de Salto, participou da Assembléia desta comunidade, impressionado com
a evolução de trabalhos. Boletim Diocesano, nº 27 e 28, fevereiro e março de 1975.
445
Boletim Diocesano, nº 28, março de 1975.
446
Padre Jacques Duquesne pertence à diocese de Lille na França e chegou à diocese em janeiro de 1974,
permanecendo até 1980.
447
A experiência dos padres operários nasce na França, na década de cinquenta, quando vários padres
optam pela vida operária. Em 1954, seu projeto começa a encontrar barreiras junto ao episcopado
francês, que os proíbem de desenvolver qualquer vínculo sindical e trabalhar por mais de três horas. A
metade deles se submete à pressão dos bispos, constituindo num retrocesso da experiência. VINCENT
Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da Vida Privada, Antoine Prost e Gerárd
Vincent (org. vol.), S. Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 5, p. 406.
172
3.10. Os Padres Operários: um Impulso na Pastoral Popular
Este padre que chegou à diocese em janeiro daquele ano, via ‘Missão
de França’
448
, com o objetivo de trabalhar junto aos operários, haja visto que não
havia ainda uma pastoral específica para esta tarefa na cidade, e também nas
comunidades da periferia da cidade, encontrando para isto, total apoio por parte
da diocese
449
, desenvolvendo assim um importante trabalho na região. Nos dois
anos posteriores, 1974 e 1975, dois outros padres-operários, Pedro e André, vem
se juntar ao trabalho neste setor. O mesmo acontecendo com o canadense
Normando, que se integra à equipe no ano de 1975, sendo o último remanescente
desta experiência na diocese
450
.Estes padres serão responsáveis pela articulação
da ACO (Ação Católica Operária), PO (Pastoral Operária) e pela reorganização
da JOC ( Juventude Operária Católica).
Vale destacar que estas organizações, apesar de atuarem no campo
específico do meio operário, possuem algumas diferenças organizacionais entre
sí. A Pastoral Operária, organizada no Brasil, a partir do início da década de
setenta, está ligada organicamente à estrutura da Igreja, “(...) ela é um serviço
religioso que reúne trabalhadores, bispos padres, agentes de pastoral e que
busca fazer presente a vida operária (...) nas várias realidades da Igreja (...)
Como tal ela se relaciona com Instituto Nacional de Pastoral (órgão anexo à
448
Grupo de padres operários, originários inicialmente da França, que se organizaram numa articulação
com dioceses francesas, realizando um projeto de evangelização no meio operário, em diversas
regiões do mundo. Na década de setenta vários outros padres vieram para a diocese de Volta Redonda,
desenvolver atividades pastorais com trabalhadores, como André Romary, Charles Genoud, Pierre
Leboulanger, Jean Pierre Van Houcke, Bernard Turquet, Pedro Verges e Thiago Hahusseau. Muitos
desses padres vieram para a diocese por intermédio do CEFAL Comitê Episcopal França América
Latina -, que intermediava o contato dos bispos locais com os padres-operários franceses. Em meados
da década de oitenta, a maioria desses padres já havia deixado a diocese, retornando à Europa para
continuar seu trabalho no Velho Mundo. Cf. arquivos da Cúria Diocesana e depoimento de Irmã
Martha Dale e Boletim Diocesano, junho de 1990, p. 02
449
Este padres tiveram total liberdade de ação na diocese, inclusive devido ao árduo trabalho na fábrica,
eram liberados da responsabilidades de celebração de missas, batizados ou casamentos.
Evidentemente tinham uma estrutura de vida diferente dos padres convencionais. Boletim Diocesano,
nº 49, março de 1975, p. 04
450
Padre Normando, ao chegar em Volta Redonda, foi trabalhar na Cobrapi, então subsidiária da
Companhia Siderúrgica Nacional, como carpinteiro, na construção dos viadutos Castelo Branco e
Gustavo Lira. Entrevista realizada em 16.10.00
173
CNBB), com os planos de pastoral de conjunto da CNBB e com os demais planos
pastorais das Igreja particulares”
451
. Enquanto que a JOC e a ACO, estão
ligados ao movimento de Ação Católica, movimentos operários de trabalhadores
cristãos com ampla autonomia, presentes em todo o mundo, mantendo-se
afastados da estrutura hierárquica da Igreja, possuindo portanto maior liberdade
de ação. Em Volta Redonda, devido ao apoio da Igreja diocesana, estes
movimentos na prática, não apresentavam divergências. No campo da ação
prática, a PO dedicava-se principalmente ao trabalho entre os operários da
construção civil, enquanto que a ACO mantinha uma ação mais próxima dos
metalúrgicos.
A experiência dos padres operários será bastante interessante no
processo de construção das Cebs. Sendo um cidade predominantemente urbana e
industrializada, o contato com os padres com o mundo do trabalho, gerou uma
rica experiência, que enriqueceu o trabalho das comunidades eclesiais de base na
cidade e da sua pastoral social.
Estes grupos existiam principalmente na periferia da cidade,
estimulados pelo trabalho dos padres operários desde sua chegada. Os grupos de
JOC e ACO, inicialmente surgiram na região do Retiro, onde padre Jacques
desenvolvia suas atividades pastorais. A JOC, depois da violente repressão dos
anos sessenta, voltou a se articular nos bairros Retiro, Siderlândia e Jardim
Amália. No período de 1974-1977, já existiam cerca de 12 grupos de ACO na
cidade, espalhados por diversas comunidades. Cada grupo possuía uma média de
10-12 militantes. As reuniões dos grupos geralmente aconteciam quinzenalmente
nas casas dos militantes ou nas igrejas. A ACO era assessorada pelos padres
Normando, André e Jacques
452
.
A Pastoral Operária nasceu também neste período, apoiada pelo bispo,
a partir de um grupo específico de operários cristãos envolvidos nos trabalhos
451
Relatório da Comissão de Pastoral Operária, CNBB, 1978-1980, p. 14
174
pastorais da Igreja, que se reuniam mensalmente para refletir sua ação no meio
específico da fábrica ou do bairro, onde cada militante desenvolvia sua ação. Os
militantes da PO, desenvolviam militancia ativa, denunciando condições
inseguras de trabalho, reivindicando e direitos e estimulando ações coletivas em
diversos ambientes, como na Companhia Siderúrgica Nacional, na construção
civil, no comércio e nos bairros
453
.
Logo em seus momentos iniciais na diocese, padre Jacques justifica
sua opção: “Toda pastoral tem que tentar adaptar sempre as necessidade dos
grupos de homens”. Baseado neste princípio, este padre trabalha inicialmente
como servente de carpinteiro na firma Bávda, prestadora de serviços à
Companhia Siderúrgica Nacional. Esta experiência o levou a entrar em contato
com o mundo operário na região e com os sofrimentos e angústias do operário
comum, objetivando evidentemente um trabalho organizativo neste meio.
Como frutos iniciais de sua ação, será organizada a ACO, a JOC, que
renasce na comunidade de Siderlândia e Retiro, além dos primeiros passos da
oposição sindical e o importante trabalho na comunidade para qual foi designado.
O seu trabalho no entanto, será acompanhado de perto pelos agentes da repressão
em Volta Redonda, que mantinha-se informados de seus passos, mantendo uma
rede de espionagem sem seu encalço. O curioso, é que, de acordo com
levantamento realizado pelo jornal Primeira Página, segundo o Dops, “(...) nas
horas vagas, (Jacques) atuava como padre na Igreja São Sebastião no
Retiro”
454
. Era a dificuldade em reconhecer o trabalho de um padre-operário.
Não foi somente por parte dos militares que o trabalho de padre
Jacques e dos outros padres operários gerou atitudes de incompreensão e críticas.
Alguns dos próprios paroquianos não aceitavam e denunciavam a ele e seu
452
Cf entrevistas realizadas com padre Normando e Dário, militante do MTC (Movimento de
Trabalhadores Cristãos), atual designação da ACO
453
Relatório sobre a Pastoral Operária em Volta Redonda 1974-1977, em 28.10.77. Neste relatório são
descritas inúmeras ações devolvidas pelos militantes da PO, nos ambientes descritos acima. O curioso
e o fato deste relatório omitir o nome dos militantes, apresentando somente a sua primeira letra, para
evitar que o aparato repressivo identificasse tais militantes.
175
projeto, como sendo ‘subversivo e comunista’. Vários leigos da comunidade,
segundo um participante desses movimentos, se organizaram para se contrapor a
este projeto. “D. Waldyr, Normando e Jacques sofreram muito no Retiro”, vários
entrevistados revelaram este aspecto da atuação do trabalhos desses padres Numa
ocasião, segundo um sábia senhora, “(...) os olhos dele vermelhô, o profeta não
é aceito, acusado de ser subversivo, (...) quem qué destampá a panela é
subversivo (...) muitos tava ao lado dos poderoso”, afirma a velha militante das
comunidades de base, referindo às dificuldades encontradas por padre Jacques
nos trabalhos nesta comunidade. Em diversos outros momentos o padre era
rechaçado, e mesmo repudiado na comunidade
455
, chegando inclusive pedidos
para que se afastasse da diocese
456
.
Outro problema difícil de ser equacionado relacionava-se ao
relacionamento das Cebs com os Cursilhos de Cristandade,( MCF, ECC,)
movimentos independentes, ligado aos setores conservadores da Igreja, que
defendem uma fé intimista, voltada para a conversão pessoal, sem qualquer tipo
de engajamento social, na medida que enxergam o aspecto espiritual da fé
desligado da reflexão social. Possuindo uma dinâmica própria de trabalho,
obedecem às orientações específicas de sua coordenação, não atendendo às
definições das dioceses onde estão presentes.
O bispo diocesano expões suas críticas ao limitado raio de ação de tais
movimentos: “(...) a fé é incompleta quando não de projeta dentro da sociedade.
Não é só pessoal e familiar”
457
Refletindo a opinião do bispo e de grande parte do clero diocesano,
que não ambicionava uma fé restrita aos limites do pessoal, a ação da Igreja local
então, sempre se pautou por uma estrito acompanhamento desses movimentos,
454
Jornal Primeira Página, março-abril de 1996, p. 05
455
Num desses episódios, padre Normando, que também coordenava os trabalhos do grupos de base
nesta comunidade, relata que alguns membros da comunidade foram indicados para participar de um
encontro de operários em São Paulo. Ao término do encontro no entanto, iniciaram pesadas críticas ao
trabalho das Cebs.
456
Cf. entrevista com Edson Santana
176
procurando direcionar sua ação especificamente para que eles desenvolvesse seus
trabalhos evangelizadores prioritariamente na classe média, tentando obviamente
restringir a atuação desses grupos no meio popular, lugar privilegiado de atuação
das Cebs, apontadas como prioridade diocesana.
Particularmente esta questão passa a merecer uma discussão mais
apurada a partir do ano de 1976. Os cursilhos além de não se constituírem como
prioridade na ação pastoral da diocese, eram vistos como movimentos que
dificultavam o nascimento das comunidades de base, devido à este fato e para
evitar o ‘cursilhismo’, ou seja, pessoas que atuam somente nesses movimentos
sem uma real inserção na vida da comunidade, decidiu pela regulamentação de
suas atividades pela diocese. Em razão dessas questões uma série de normas de
atuação deveriam ser cumpridas pelos cursilhos para que pudessem atuar na
diocese
458
.
O relacionamento com as comunidades de centro, parece ter sido
outro ponto difícil no trabalho das Cebs que se organizavam em Volta Redonda.
Vivendo numa realidade social diferente, é de se esperar que estas comunidades
dos bairros centrais, que majoritariamente era formada por pessoa oriundas das
classes médias, alimentasse expectativas diferentes em relação ao trabalho
pastoral da Igreja na cidade. Um militante do período, explica tal problemática:
(...) No momento de decidir, quem tomava as posições eram as comunidades de
centro, que coordenava o Conselho Diocesano, (...) e muitas vezes votavam com
a periferia para não ‘ ficar mal’, para agradar o padre”
459
Estes conflitos
perduraram por alguns anos, e para solucioná-los, os setores da periferia
articularam um espaço para que pudessem direcionar seus trabalhos de acordo
com suas necessidades, como veremos adiante.
457
Relatório da Assembléia Regional de Volta Redonda, 17.09.78
458
Cf. Atas da Reunião do Coordenação Diocesana de Pastoral, em 13.02.76, 15.03.76, 21.06.76. Esta
coordenação começou a funcionar em 1974 como uma das decisões da 1ª Assembléia Diocesana.
459
Entrevista realizada em 16.11.00
177
Retornando ao trabalho desenvolvido na comunidade São Sebastião,
uma das religiosa que participou da fase inicial do trabalho, nos relatou sua
experiência neste processo: “O Jacques tinha acabado de chegar e tinha
caminhado um pouco, quando fui morar no Retiro (em dezembro de 1974). Nos
grupos de reflexão os agentes pastorais formavam os leigos, era como se fosse
um trabalho de ‘catequistas adultos’. Depois que chegamos nós começamos a
dar forma a isso: ao invés de falar para o pessoal repetir, a gente formou equipe
com eles, a gente fazia os subsídios junto com eles. Eles traziam os problemas,
Era assim!”
A partir do acompanhado dos padres e religiosas, o número de grupos
cresce consideravelmente, somando 26 grupo no final do ano de 1974. Muitos
grupos inclusive, já chegavam a dispensar o trabalho de evangelizador de fora e
montam seu próprio esquema para reflexão de fatos e realidades da
comunidade
460
. Outros grupos superaram o trabalho interno, buscando respostas
para problemas do próprio bairro, com reuniões girando em torno desta
problemática.
Olívia Barreto demostra de maneira muito objetiva e clara todo o
esforço e empenho dispensado pelos agentes pastorais e dos animadores leigos
para que estes avanços acontecessem: “ agente tinha um pique danado! Éramos
uma equipe que acompanhava grupos de diferentes bairros da região e todo
sábado a gente se reunia para fazer um subsídio. Toda semana tinha reunião
com os animadores e também visitava os grupos, à noite. Cada um acompanhava
uns tantos grupos no Açude, Siderlândia, Cidade do Aço, Vila Brasília, todos
aqueles bairros lá do lado do Retiro e mais tarde em outros bairros.”
461
Como
explicou a entrevistada, havia uma comissão (formada por cerca de 5-7 pessoas),
que preparava os subsídios semanais para discussão nos diversos grupos. Cada
semana se discutia um tema diferente e após avaliação da comissão, se preparava
460
Boletim Diocesano, nº 45, 1974, p. 02
461
Entrevista realizada em 29.01.01
178
outro subsídio. Este material relacionava-se geralmente a temas relacionados ao
mundo do trabalho e da periferia.
3.11. As Cebs se Espalham pela Cidade
A partir desse processo, começaram a ser formados então os primeiros
grupos de base na região, espalhando por várias outras comunidades próximas.
Estes grupos se definem como “(...) grupo de pessoas da comunidade que se
reúne e luta numa visão transformadora, com o objetivo de chegar a uma
comunidade de base (...) procurando condições para que ele exista”
462
. Percebe-
se aí a nítida articulação grupo de base grupos de base e comunidade de base.
Desses vários grupos formados no período, surgem então as primeiras
comunidades eclesiais de base na periferia da cidade, conforme os planos da
diocese
463
.
A partir do trabalho de acompanhamento desses agentes de pastoral
formaram-se novas comunidade eclesiais de base. Surgiram assim as comunidade
da Vila Brasília, Siderlândia, Açude, Belo Horizonte, Vila Mury, Jardim Cidade
do Aço, e muita outras, à medida que o trabalho foi se espalhando por toda a
cidade
464
Nesses bairros, a reflexão da realidade social junto à reflexão bíblica,
a partir do método Ver-Julgar-Agir, levou os moradores à busca de soluções para
os seus problemas. Uma ativa militante desse período atesta esta atuação:
“(...)nós tirava a realidade do povo e fazia subsídio. Buscava a causa do
problema. (...) igual problema da água aqui. Tava faltando, todo dia os
462
Subsídio sobre Grupo de Base, texto mimeografado, 1980. Neste texto são esclarecidos pontos sobre a
ação do grupo de base, onde se destacam: o levantamento e resolução dos problemas da comunidade,
a ação ( e não apenas oração ou reflexão) transformadora da realidade, a formação da consciência
crítica do povo, reflexão do evangelho a partir da realidade etc.
463
Vide Boletim Diocesano, setembro de 1974, nº 43, p. 05
179
moradores tinha que carregá água. Discutimo o problema na reunião e fomo ao
Saae, prá resolver (...)Deus qué vida em abundança (sic)”
465
. A Igreja
organizava os moradores para que eles se mobilizavam pela conquista de
melhorias na sua qualidade de vida, de acordo com o projeto de Deus. O bispo
diocesano, analisando este papel das Cebs destaca: “(...) o que se procura é criar
dentro desses grupos de base uma reflexão sobre a dignidade da pessoa humana
e que elas passem a agir na transformação da realidade social que as cerca.
Esse trabalho se faz dentro da ação concreta de seus bairros”
466
. Esboça-se
assim um movimento social, estimulado pelas Cebs.
Dessa forma, as Cebs rapidamente se espalharam pela periferia e
aumentaram sua importância no trabalho pastoral. Como já foi citado
anteriormente, este fato é reconhecido na 1ª Assembléia Diocesana, realizada em
março de 1975
467
. O PPD -Plano de Pastoral Diocesano- elaborado, apontava a
necessidade de promover a participação e co-responsabilidade de todos na
diocese, definindo a formação das Cebs como diretriz diocesana
468
, juntamente
com a formação dos conselhos pastorais paroquiais, regionais e diocesanos. A
assembléia especificou que estas diretrizes pastorais fossem executadas pelos
regionais através de planejamentos específicos. Em decorrência desta orientação
464
Vide Boletim Diocesano, nº 34/1974, 71/1976,
465
Entrevista com Sr. Júlia em 16.11.00
466
Entrevista realizada em 19.11.00
467
Esta assembléia aconteceu no período de 03 a 06 de março de 1975, em Mendes/RJ. Cerca de 90
pessoas participaram, tendo como objetivo elaborar o Plano Pastoral Diocesano, partindo do sentido
de promover na diocese a co-responsabilidade e a participação de todos. Na verdade o Plano
Diocesano não foi preparado, ficando a cargo dos regionais, apontando no entanto as diretrizes
pastorais, que englobavam a organização das Cebs e conselhos comunitários. Boletim Diocesano,
nº165, outubro de 1979
468
Vale destacar que este processo de valorização das Cebs também acontecia em várias outras dioceses
brasileiras, que viviam também o processo de nascimento dessas comunidades de base. Em 1974, a
CNBB, publica um relatório, ‘Comunidades: Igreja na Base’, onde levanta os primeiros dados sobre a
presença das Cebs no país. Neste mesmo ano, a assembléia geral do episcopadp brasileiro aprovava
como uma de suas prioridades da açào pastoral do Brasil as Cebs. Este processo vivido em Volta
Redonda representa um do desdobramentos do macro-processo que se desenvolvia na Igreja do país.
Vide LEORATO, Massimiliano. CEBs: Gente que se faz Gente na Igreja, São Paulo, Paulinas, 1997,
p. 23
180
foram implantadas assembléias nos diferentes regionais
469
para planejamento
dessas atividades
470
.
Em sua 1ª assembléia, realizada em outubro de 1975, o regional Volta
Redonda, para atender a resolução da Assembléia Diocesana, elabora um plano
de ação, que previa um melhor conhecimento da realidade da cidade
471
, para
acelerar o processo de implantação das comunidades de base, bem como a
realização de cursos sobre comunidades de base. Estes cursos, realizados a partir
do mês de novembro, tiveram uma expressiva participação das comunidades da
cidade, estendendo-se ao longo do ano de 1976
472
.
A realização da primeira assembléia diocesana, sendo procedida em
novembro do mesmo ano, pela realização da 2ª Assembléia Diocesana
473
, que
apontou as Cebs como prioridade diocesana, resultou num processo de
crescimento dos grupos de reflexão em toda a diocese.
Isto é demostrado por pesquisas realizadas em preparação à 3ª
Assembléia Diocesana, realizada em novembro de 1976, comprovavam esta
afirmação e nos mostram o perfil desses grupos: as reuniões, na grande maioria
dos casos, aconteciam uma vez por semana, na casa das famílias e nos salões das
comunidades, com uma média de participantes oscilando entre 10 e 20 pessoas.
Utilizavam roteiro específico da reunião onde retratavam geralmente um tema
bíblico e problemas do bairro. O objetivo destacado de estarem reunidos era para
469
O regional de Volta Redonda teve sua assembléia instalada em junho de 1975. Decidiu-se mais tarde a
realização de três assembléias regionais anuais. Boletim Diocesano, nº 51, março de 1975.
470
Boletim Diocesano, nº 58, junho de 1975
471
Nesta questão incluía-se o levantamento da situação do bairro, Usina, aspirações e necessidade do
povo, etc, com vistas à um trabalho pautado pela inserção nestas realidades. Boletim Diocesano, nº 73,
1976, P. 04.
472
Boletim Diocesano, nº 67, novembro de 1975, p. 04 a 06 e nº 74, maio de 1976, p. 03
473
Esta assembléia foi precedida por uma série de encontros preparatórios nas cidade. Realizada nos dias
15 e 16 de novembro em Barra do Pirai,. contando com a presença de 143 pessoas, entre leigos, padres
e o bispo. Esta reunião tinha o objetivo de rever o trabalho proposto na Iª Assembléia Diocesana,
avaliando até que ponto os grupos de reflexão e os conselhos propostos estavam de fato dinamizando
a vida da Igreja diocesana. Como principal decisão, elaborou-se o PPD (Plano Diocesano de Pastoral),
que especificou a organização de Cebs como uma prioridade diocesana, além também de estimular em
cada regional, a organização de assembléias envolvendo o seu conjunto. Boletim Diocesano nº 165, p.
05 e Relatório da 2ª Assembléia Diocesana, 15 e 16.11.75
181
leitura da bíblia e perceber problemas do bairro e buscar solução. Em quase 90%
dos grupo, as reuniões já haviam levado a alguma ação concreta
474
.
Segundo indica o levantamento realizado, existiam em Volta
Redonda, cerca de 111 grupos congregando 1825 participantes, num universo de
291 grupos e 5075 participantes em toda a diocese
475
. Estes grupos de Volta
Redonda já tinha um participativa influência nos diversos bairros da cidade
476
.
Na medida porém, em que estes grupos cresciam e se organizavam por
toda a cidade, aumentava também a preocupação e a necessidade de se estruturar
uma assessoria que pudesse orientar e acompanhar os trabalhos de todos esses
grupos, para que eles cumprissem as diretrizes diocesanas e se inserissem com
consciência na realidades social.
O conjunto da igreja diocesana atenta à esta nova dinâmica na vida
dos seus grupos, na 3ª Assembléia Diocesana
477
, realizada no final de 1976,
definiu pontos de auxílio para que os grupos pudessem organizar-se melhor.
Nesta assembléia, decidiu-se pela formação de uma equipe diocesana
especialmente para acompanhar os grupos de reflexão
478
, bem como a promoção
474
Resultado da pesquisa feita com grupos de reflexão em 08.10.76
475
Boletim Diocesano nº 86, 1976, p. 03
476
Nos outros bairros da cidade, o projeto também se afirmava. Na região do bairro Conforto, que reunia
17 comunidades, o trabalho era desenvolvido pelos padres Geraldo, Henrique, Guido e Bernardo
Masson e existiam nesta época, cerca de 55 grupos formados e outros 6 em processo de formação,
vivenciando a mesma dinâmica das outras regiões da cidade. Um ano depois, em setembro de 1977, o
número de grupos chegava a 80. Boletim Diocesano nº 109, outubro de 1977, p. 04 e nº 83,
setembro de 1977, p. 01
477
Esta assembléia aconteceu nos dias 27 e 28 de novembro de 1976, no recém inaugurado Centro
Diocesano de Pastoral, em Arrozal, com a participação de 150 pessoas, entre leigos, padres e
religiosas, com coordenação de frei Vital Wilderink. Nesta assembléia avaliou-se o PPD e
apresentaram-se diversas ‘pistas’ e orientações para continuidade do trabalho pastoral, como as
indicadas acima. Boletim Diocesano nº 91, janeiro de 1977.
478
Esta equipe formada por Jacques, Normando, J. Silva, Cândida e Olívia, iniciou seus trabalhos em
junho de 1977, com a elaboração de um roteiro básico para reuniões de grupos de base, que constava
dos seguintes itens: acolhimento; revisão da reunião anterior e avaliação do que o grupo fez de
concreto; olhar da vida (como está a realidade); olhar a Bíblia (leitura de texto bíblico e discussão do
tema, relacionando-o com a reflexão bíblica e oração final: A partir de então, esta equipe passou a
desenvolver um trabalho sistemático de acompanhamento desses grupos. Boletim Diocesano nº100,
1977, p. 02
182
de encontros de acompanhamento e formação para dirigentes dos grupos
479
e
ainda estabeleceu critérios para a escolha dos dirigentes destes grupos
480
. Esta
assembléia votou favoravelmente também aos grupo “(...) ligar-se aos
problemas da vida”
481
, entendida a aqui como uma maior inserção social desses
grupos, a partir da discussão de temas comuns aos participantes, buscando
sempre o bem comum e a ligação da fé com a vida. Decidiu também para
melhorar a participação dos integrantes no grupo e um melhor conhecimento da
realidade, a realização de dinâmicas cristãs para os participantes
482
Dentro desse contexto, foi realizada em 20 de abril de 1975, com a
presença de 130 pessoas
483
, a primeira assembléia geral das Cebs da cidade.
Coordenadores e militantes das ‘comunidades cristãs de base’, como então eram
chamadas as Cebs, apresentaram propostas concretas para consolidação e
crescimento dessas comunidade na cidade, destacando-se: “Apelar (denunciar)
às autoridades responsáveis pelos problemas locais. (...) deve-se tomar os
problemas da comunidade. Estudar em grupo. Ver as causas que geram os
problemas. Buscar os caminhos de solução na própria comunidade. Essas
indicações reforçavam o trabalho que se desenvolvia na cidade, e estimulavam
ainda mais o trabalho das Cebs.
Neste período, começaram a se formar então, diversas comissões
específicas no interior das Cebs, preocupadas com o problema de sua realidade
479
O regional Volta Redonda especificou uma série de tarefas visando atender esta determinação, a partir
da realização de cursos com assessoria especializada, intercâmbio dos trabalhos realizados, estímulo a
novas lideranças, etc. Boletim Diocesano nº 94, 1976, p. 04
480
A escolha do nome de um coordenador é de fundamental importância Nas reuniões de avaliação dos
grupos de reflexão das comunidades, geralmente se apontava as deficiências e limitações do
animador de grupo, como ponto negativo, que impedia o grupos de avançar. Para corrigir esta
deficiência foram propostas estas medidas de selecionar os líderes e ao mesmo tempo capacitá-los
para a coordenação desses grupos. Entre os critérios estabelecidos destaca-se: “(...) conhecimento da
realidade onde mora, liderança positiva, membro do próprio grupo (...) com senso crítico. Boletim
Diocesano nº 91, 1976, p. 06
481
Boletim Diocesano nº 91, janeiro de 1977.
482
Estes cursos de dinâmicas já eram realizados em diversas comunidades que o solicitavam, como
Retiro, Conforto, N. Srª das Graças. O regional Volta Redonda, em assembléia realizada em outubro
de 1975, já programava a realização de Cursos de Dinâmicas de Grupo para Conselhos e Dinâmicas
Cristãs para as comunidades. Boletim Diocesano, nº 67, 1975, p. 04.
483
Boletim Diocesano, nº 54, 1975, p. 04.
183
imediata. Surgem as comissões de bairro, isto é, grupos de leigos que atuavam no
bairro, organizando e buscando soluções para os problemas do lugar.
Nos diversos bairros da periferia estes grupos passaram a encarar sua
fé não mais desligada de seu compromisso com a transformação do mundo em
que viviam. Estes grupos foram os responsáveis pelo que Frei Álvaro Telhado
484
chama de ‘sacralização do cotidiano’. Através da união do ‘fato da vida’ com o
‘fato da Bíblia’, torna-se possível, a partir da tomada de consciência de um fato
cotidiano, avançar para o campo da consciência em relação à toda sociedade.
Devido a sua consciência religiosa o cristão também se torna responsável pelos
problemas do mundo. Segundo o bispo, a partir dessa articulação “(...) o povo
começa a tomar consciência de não esperar de braços cruzados que tudo
aconteça, mas que se realizem aqueles seus projetos dentro dos esforços de
participação de todos os membros da comunidade”
485
.
Neste sentido, dinamizando-se a formação dessas comissões, que
correspondem à um novo passo na caminhada das Cebs na cidade, sucede-se à
fase inicial do espaço ‘intra’ religioso, ou seja, da organização da comunidade
em torno do aspecto religioso, em que esta assume a administração da Igreja, no
lugar do pároco. Este segundo passo, nascido da reflexão da realidade social a
partir do bairro, encaminha à ação concreta, visando à transformação qualitativa
do espaço da vida cotidiana e também da sociedade como um todo.
Paralelamente ao processo de abertura ‘extra’ eclesial que se percebe
numa presença significativa das Cebs no mundo social, tornava-se cada vez mais
urgente também, a questão da formação dos agentes e animadores de grupos de
base, como já foi demostrado anteriormente. As questões levantadas na 3º
Assembléia sugerem uma intervenção maior nesta questão.
Em meados de 1976, um programa específico buscava suprimir esta
carência, a partir de uma série de encontros com os agentes e animadores de
484
Artigo do Boletim Diocesano, nº 91, janeiro de 1977, p. 10
184
Cebs, onde discutiu-se a questão de uma “pedagogia popular
486
que levaram os
agentes, “(...) a um aprofundamento do que se quer, para onde se quer, como
fazer, por que fazer a pastoral popular”
487
. Um total de cinco encontros entre os
agentes, discutiu uma série de questões que englobavam, os objetivos do
trabalho, a participação popular, métodos utilizados, formação de lideranças,
relação reflexão-ação, ação transformadora e engajamento social, a visão do
agente e visão do povo, etc
488
. Além disso, outros encontros de animadores com
assessoria de Carlos Mesters, dinamizavam a atuação desses grupos. A
articulação desses grupos era reforçada ainda por encontros regionais de
animadores de grupos por regionais, com o objetivo de desenvolver uma
formação continuada
489
. Estes encontros foram muito importantes pois
capacitaram agentes leigos e animadores para um trabalho melhor direcionado e
adaptado às dinâmicas de cada grupo, objetivando principalmente para a ação
voltada para a transformação da realidade.
Atenta às demandas de uma intervenção social, e com o claro objetivo
de impulsionar as Cebs à ação concreta na realidade, na 4ª Assembléia Diocesana
realizada em novembro de 1977
490
, a diocese toma como opção fundamental
“(...) desenvolver sua missão evangelizadora como uma tarefa transformadora
do mundo”
491
. ou seja, definia-se a clara orientação de que as várias comunidades
de base, instrumentos prioritários da ação pastoral desde 1975, e que já viviam
um processo de consolidação na cidade, partissem definitivamente para a ação,
485
Entrevista concedida ao Jornal Opção, nº 03, junho de 1979
486
Este termo no caso específico refere-se ao significado de “(...) caminhos a trilhar pelo o povo -
camada popular, o oprimido , na construção das Cebs” Boletim Diocesano, nº 77, julho de 1976, p.
03
487
Boletim Diocesano, nº 113, dezembro de 1977, p. 01
488
Os encontros aconteceram em junho setembro e dezembro de 1976 e maio, outubro de. 1977. Boletins
Diocesanos nº 77, 83 e 92 de 1976 e 99, 113 de 1977.
489
Este processo de formação incluía a realização de encontros sobre Bíblia, formação política, etc,
contando com assessoria especializada de Leonardo Booff, Clodovis Boff, Carlos Mesters e equipe
Nova. Boletim Diocesano, nº 121, maio de 1978, p. 01 a 04.
490
Esta assembléia também, foi antecedida por discussões sem todos os regionais. Realizada no período
de 11 a 13 de novembro deste ano e reunindo 150 participantes, foi traçado nesta assembléia as
diretrizes pastorais para o próximo ano. Boletim Diocesano, nº 110 e 111, novembro de 1976
491
Seguindo esta decisão, “(...) a diocese manteria e aperfeiçoaria os meios e as expressões de uma
maior participação na vida comunitária e social, visando a denúncia e combate das injustiças e
opressões”. Boletim Diocesano, nº 110 e 111, novembro de 1976.
185
intensificando esforços para atingir o objetivo traçado na Assembléia Diocesana.
A pastoral operária, campo de atuação específico dentro da pastoral urbana,
também recebe atenção especial.
Como uma das estratégia para atingir tal objetivo, a diocese preparou
diversos roteiros para os grupos de base, que procuram discutir e buscar solução,
para (...) tudo que se manifesta como opressão, nos vários níveis de nossa
convivência: seja no ambiente familiar, no bairro, na fábrica, na cidade,
(...)enfim, em toda ocasião onde o mais fraco tem que sofrer o peso da
exploração.”
492
. As reuniões despertavam a consciência para a questão da
estrutura da sociedade, mundo operário, carências da periferia, discriminação de
mulheres, negros, menor abandonado, migrantes, etc.
Dentro desse contexto, e estimuladas pelo seu crescimento e
consolidação, as Cebs partem para a ação política, exigindo do governo
municipal o atendimento das necessidades básicas dos moradores das periferias,
deve-se destacar sobretudo, o momento em que se deu esta saída das Cebs do
espaço ‘intra’ eclesial em direção à uma realidade ‘extra’ eclesial, como foi
explicitado anteriormente.
Como foi discutido no capítulo inicial, o contexto da ditadura militar
será o pano de fundo para esta ‘explosão’ das Cebs como portadoras das
reivindicações populares. Um ex-militante desse movimento relata: “(...) As Cebs
tiveram um papel ímpar neste cenário. Geograficamente, como a Igreja estava
ligada aos pobre pela sua ação na periferia, alí era o local mais fértil para se
trabalhar a reflexão política longe da repressão”
493
As Cebs se articularam então como formadoras do movimento popular
em Volta Redonda. Dentro das comunidades, nas periferias da cidade, foram
492
O próprio Boletim Diocesano, trazia constantemente nas suas edições, propostas de temas e discussões
para as reuniões de grupos de base. Vide Boletim Diocesano nº 122, maio de 1978 e nº 175/176,
março de 1980.
493
Entrevista com Luís de Oliveira Rodrigues, ex-militante da Pastoral Operária, das Cebs da Periferia
Leste e ex-presidente do Sindicato de Metalúrgicos. Realizada em 13.11.00
186
nascendo comissões de que passaram a atuar intensamente tanto no espaço
eclesial, como no espaço político: Comissão de visitas, de denúncias, de
formação e informação, de justiça, de acompanhamento da Câmara Municipal,
etc, passaram a existir, travando lutas por melhores condições de moradia,
transporte, etc
494
.
3.12. As Intervenção no Espaço da Cidade
Vale destacar que, paralelamente ao processo que se desenvolvia no
interior das Cebs, uma radical mudança vem alterar profundamente a vida da
cidade, refletindo-se em todas as instâncias do espaço urbano. Volta Redonda
sofreu mais uma intervenção do governo federal, quando em maio de 1973
tornou-se área de segurança nacional pelo decreto lei 1273. Claudia Virgínia de
Souza
495
aponta esta ação do governo, como uma resposta do poder autoritário ao
quadro de mobilizações que se formava no município, agravando ainda mais a
interferência e a repressão política.
Porém esta aguda intervenção autoritária não impediu a atuação das
nascentes comunidade eclesiais de base que atuavam na periferia da cidade, que
buscando uma reflexão da realidade ‘à luz da fé’ e motivadas pelo compromisso
social de sua fé, constróem alternativas concretas de organização popular e
resistência ao autoritarismo crescente dos governantes.
Skidmore
496
enfatiza este aspecto, afirmando que naquele histórico,
vivenciando uma conjuntura extremamente repressiva, a Igreja era a única
494
Boletim Diocesano, nº 159 junho de 1979 e Jornal Opção, nº 03, junho de 1979.
495
A autora destaca que neste quadro se situavam a intervenção no Sindicato em 1968, a organização
incipiente de alguns grupos de esquerda, a vitória do MDB nas eleições de 1972, com a eleição de
Nelson dos Santos Gonçalves à prefeitura. Acrescento ainda a atuação da Igreja e a posição estratégica
do município, sede da Companhia Siderúrgica Nacional. Vale destacar ainda que o prefeito eleito pelo
MDB em 1972, permaneceu no poder até o fim de seu mandato, quando somente então se deu a
nomeação do prefeito interventor, engº Georges Leonardos. SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de. Pelo
Espaço da Cidade, Aspectos da Vida e do Conflito Urbano em Volta Redonda, Rio de Janeiro,
Dissertação de Mestrado, UFRJ/IPPUR, 1992
496
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo, Trad. Mário Salviano Silva, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 3
a
ed., 1998, p. 362
187
instituição que podia elevar a voz contra o regime militar e ao mesmo tempo
mobilizar seus membros espalhados por todo o país.
Acompanhando o fenômeno que acontecia em todo o país, as Cebs em
Volta Redonda, passam então a aglutinar a grande massa urbana da periferia da
cidade, em movimentos reivindicatórios.
As Cebs possuíam naquele momento histórico um grande poder
mobilizador, assumindo as lutas populares no espaço urbano e fabril. Do seu seio
surgiram, por exemplo, lutas exemplares, como o movimento pela anistia,
movimento contra o custo de vida
497
, comissões de justiça, etc. Uma militante do
movimento popular relata seu envolvimento com as Cebs: “(...) As Cebs eram o
espaço que existia para discussão e articulação de comitês (...) organizamos a
luta pela anistia, com abaixo assinados, passeatas (...) as reuniões aconteciam
na Cúria, com a participação do pessoal das Cebs (...) e nós, do movimento
feminista, utilizamos também este espaço das Ceb”
498
A 5ª Assembléia Diocesana realizada em outubro de 1978
499
, acontece
num clima de grande vigor e entusiasmo das comunidades de base em Volta
Redonda, num momento em que alcançam grande destaque nas lutas travadas no
espaço urbano. Atestando este fato, uma coluna no ‘Boletim Diocesano’
intitulada ‘Como está o seu Grupo de Reflexão’, divulgava os esforços realizados
pelos diversos grupos da cidade na construção de uma pastoral
transformadora”, retratando ações concretas promovidas pelos grupos que se
constituíam num “sinal de libertação”
500
497
Esta comissão foi criada no final dos anos setenta, e contava com a participação de vária comunidades
de base da cidade. Em 1981, definiu-se a criação de comissões de custo de vida por bairros, apoiadas
nas Cebs. Boletim Diocesano, nº 213, novembro de 1981, p. 07
498
Entrevista com Marlene Fernandez, realizada em 10.10.00
499
Esta assembléia realizou-se no Centro Diocesano de Formação, com a presença de 128 pessoas, nos
dias 13, 14 e 15 de outubro de 1978. Novamente avaliou-se os trabalhos da diocese no ano anterior e
levantou-se os passos para o próximo ano. Boletim Diocesano, nº 117, 1979, p. 04. Boletim
Diocesano, nº 117, março de 1979, p. 04
500
Esta seção do boletim começou a funcionar em marco de 1978. Boletim Diocesano, nº 117, março de
1979, p. 04
188
Nesta ocasião, a assembléia avaliou-se a trajetória das Cebs, e
determinou-se os novos passos a seguir. É fundamental destacar que
nesta época, a cidade vivia um momento marcado por constantes agressões aos
direitos humanos, que se refletiam em atos e prisões arbitrárias cometidas por
policiais, principalmente nos bairros periféricos
501
. Para enfrentar esta onda de
autoritarismo e desmandos, esta assembléia decide a criação de uma Comissão de
Justiça e Paz na diocese.
A partir desses fatos, as comunidades eclesiais de base de Volta
Redonda desenvolvem uma ampla campanha de reflexão sobre a violência na
cidade, haja visto os casos de desrespeito aos direitos humanos praticados por
soldados militares na região. Os grupos de base discutiram intensamente esta
questão, a partir de diversos subsídios
502
. Esta problemática levou os grupos de
base, a prepararem um subsídio intitulado Como se defender contra prisões
ilegais e abusos policiais’, onde relacionam dez medidas básicas a serem
adotadas caso ocorra um prisão arbitrária, citando por exemplo: “1. Se tentarem
prendê-lo, não reaja com violência, mas exija com firmeza, que respeitem seu
direito (...) 2. se alguém for preso ‘ponha aboca no mundo’, e comunique a sua
comunidade”
503
A Assembléia Diocesana definiu também o compromisso de (...)
trabalhar com os olhos abertos para a realidade, numa linha de ação
transformadora”, além de desenvolver trabalhos de pastoral específica para cada
setor social, centro e periferia
504
. Estes trabalhos direcionados, se tornaram
necessários devidos aos constantes atritos entre comunidades centrais da cidade e
agentes da periferia, conforme explicitado anteriormente neste capítulo.
501
O bairro Santo Agostinho, particularmente sofreu com muito com esta situação. Inúmeros casos de
prisões arbitrárias e espancamentos, além da morte de um menor, Paulo Cesar de Souza, com 15 anos
de idade, foram realizados por policiais no bairro e corajosamente denunciados pela comunidade local
e irmãs Cândida e Margarida, agentes pastorais do bairro. Vide Boletim Diocesano, nº 116, 117 e 118,
1979.
502
Vide Cartilha contra Violência e Boletim Diocesano nº 162 e 165, 1979
503
Subsídios para grupos: ‘Como se defender contra prisões ilegais e abusos policiais’, 1979
504
Relatório da 5ª Assembléia Diocesana, p. 09
189
As comunidade eclesiais de base neste momento de abertura política,
passam a organizar eventos e atos com expressiva participação popular,
denunciando a organização injusta da sociedade.
Um típico exemplo, foi a abertura da CF-1978, campanha da
fraternidade organizada pela CNBB, com o tema “Trabalho e Justiça para
Todos”, na qual a Igreja local reuniu mais de oito mil pessoas no ginásio do
Recreio do Trabalhador e, denunciou em toda a celebração, os problemas da
realidade social em Volta Redonda
505
. O ritual de preparação das cinzas,
tradicional nas celebrações da Quarta Feira de Cinzas no culto católico, revela de
maneira elucidativa este posicionamento da Igreja na cidade: “(...)queima da
injustiça salarial; queima do custo de vida esfixiante; queima do sindicato que
virou entidade assistencialista, queima da injustiças nos supermercados da
cidade, onde empregados são obrigados a trabalhar além do horário e até
domingo”
506
.
Esta articulação do espaço religioso com a realidade social, também
se expressa em outros movimentos religiosos
507
, que contam com presença
maciça de fiéis. As Cebs contribuem assim, para que estas situações, omitidas
pelas autoridades municipais, sejam levadas ao conhecimento da população.
Eventos como este, evidenciam o conteúdo reivindicatório e
contestatório das comunidades de base de Volta Redonda. Vale destacar, por uma
questão de justiça, as inúmeras comemorações de 1º de maio, Dia do
Trabalhador, nas comunidades da cidade. Havia o compromisso da Igreja em
manter esta data acessa na memória coletiva, como um símbolo de lutas, que
devia ser preservado. Ao longo da década de setenta, esta data era sempre
relembrada pela Igreja diocesana. Celebrações comemorativas aconteciam em
505
Boletim Diocesano, nº 115, 1978, p. 03
506
Boletim Diocesano, nº 120 1978, p. 04
507
Um exemplo dessa imbricação, são as celebrações da Semana Santa na cidade, que se revestiram em
momentos de profunda crítica social. Em 1979, por exemplo, cerca de 20 mil pessoas participaram das
celebrações da Quinta-Feira Santa no estádio Raulino de Oliveira. Na liturgia, situações reais do
190
diversas comunidades
508
, demostrando compromisso e solidariedade à luta dos
operários.
O ano de 1979 será emblemático da atuação das Cebs em Volta
Redonda, marcando definitivamente a abertura dessas comunidades abertura para
a sociedade e com o conjunto do movimento popular e sindical, significando a
culminância do processo que se delineava desde o início da década. Neste ano,
estas comunidade se articulam definitivamente com o movimento social e
deixam de ser o único canal de expressão e negociação da sociedade civil. Neste
contexto é importante destacar que o Brasil naquele final década, vivia um clima
de grande mobilização marcada pela crescente participação popular.
A igreja diocesana, participante desse feixe de mudanças sociais, na 6ª
Assembléia diocesana, realizada em outubro de 1979
509
, decide pela
solidariedade e participação nas organizações populares, reforçando a
organização desses novos espaços e consoante com a Conferência Episcopal
Latino Americana de Puebla
510
, também faz a opção preferencial pelos pobres
Esta conjugação de fatos, tornarão o ano de 1979 especial na vida
dessas comunidades e da Igreja na cidade. Se até então elas eram o espaço de
crítica social, neste período ela vai se somar a outros atores sociais na
concretização de seus objetivos. Isto porque Volta Redonda também se vestiu de
cotidiano, eram confrontadas com leituras da Bíblia, revestidas de especial simbolismo. Boletim
Diocesano, nº 153, 1979, p. 04 e 05.
508
Em 1978, as reflexões de 1º de maio foram realizadas na Igreja São Sebastião, contando com a
participação de cercada 800 pessoas. Em 1979, na Comunidade N. Sr. das Graças no bairro Conforto,
cerca de mil pessoas, numa celebração coordenada pela Oposição Sindical Metalúrgica, com a
participação de várias outras forças sociais (Comitê Brasileiro pela Anistia, Comissão de Empregadas
Domésticas, CEP- Professores, etc) comemoraram o seu dia de lutas. Em 1980, as Cebs uniram-se à
várias entidades em Volta Redonda, num ato público realizado no pátio da mesma Igreja, no qual
participaram cerca de 600 pessoas. Boletim Diocesano, nº 121, 1978, p. 04; e nº 156, 1979, p. 01 e
02; e nº 179,1980, p. 05
509
Esta assembléia realizada no Centro de formação Diocesana, em Arrozal, nos dias 12, 13 e 14 outubro
de 1979, com a participação de 120 pessoas, procurou avaliar a partir das diretrizes diocesanas, a
caminhada da Igreja , em consonância com a Conferência de Puebla. Vide Boletim Diocesano, nº
116, 117 e 118, 1979.
510
Esta conferência, apesar de não ter se constituído num grande salto como Medellin, segundo a
diocese, teve um impacto positivo na vida da Igreja local. Seminários, estudos, debates e reuniões
foram realizados no regional para avaliar os resultados desta Conferência Episcopal. Boletim
Diocesano, nº 153, 156 e 157, 1979.
191
insatisfação e como podemos ver os protesto alcançaram definitivamente as ruas,
praças e ginásios, com a oposição metalúrgica organizando grandes assembléias,
que agrupavam milhares de trabalhadores, bem como os moradores da periferia,
por meio de suas associações e comissões, com passeatas e sonoros protestos
exigindo melhores condições de moradia e categorias profissionais utilizando sua
máxima força de pressão, a greve.
3.13. A Participação das Cebs nos Movimentos Operários
Neste contexto destaca-se a atuação dos professores da rede estadual
e os ‘peões’
511
das empreiteiras que prestavam serviços na Companhia
Siderúrgica Nacional, que contribuem decisivamente para este esforço de forjar
mudanças, deflagrando históricas greves.
A greve do magistério, ocorrida em todo o Estado, primeira de uma
série de movimentos grevistas da categoria, no ano de 1979, tem grande
participação na cidade, com apoio explícito da Igreja local.
No final do ano ocorreu a famosa ‘greve dos peões’, nome pelo qual
ficou conhecido genericamente o movimento organizado pelos trabalhadores
contratados pelas firmas prestadoras de serviços à Companhia Siderúrgica
Nacional no ano de 1979.
Esta greve não foi organizada diretamente contra a Companhia
Siderúrgica Nacional, mas ela foi atingida em função das empresas empreiteiras,
contratadas para executar os serviços de expansão da Usina e também da
CECISA, subsidiária da Companhia que administrava os serviços imobiliários da
empresa.
511
Maneira pela qual costuma se chamar os trabalhadores com baixa especialização em todo o país.
Significa “(...) aqueles que rodam e estão sempre no mesmo lugar”, em referência `a situação vivida
pela grande maioria da classe operária brasileira. Os trabalhadores de Volta Redonda começaram a
utilizar esta expressão a partir dos anos setenta. CENTRO DE MEMÓRIA SINDICAL, O Arigó: O
Pássaro que vem de longe, Coleção Trabalhadores em Luta, nº 1, CEDI, Rio de Janeiro, 1989, p. 15
192
O movimento iniciou-se na tarde do dia 15 de outubro de 1979,
quando funcionários da empresa Odebrecht fizeram um quebra-quebra nas
dependências da firma, depois de um dia exaustivo de trabalho. Rapidamente a
insatisfação e revolta se espalhou entre o conjunto dos operários, que saíram em
passeata pelas principais ruas da cidade. O avanço da grande massa de ‘peões’
provocou um clima de pânico generalizado. O comércio fechou as portas e,
conforme atesta Moreira Alves
512
, a repressão policial se faz sentir em função
dos distúrbios de rua promovidos pelos grevistas. Estes rapidamente recorreram
à Igreja e ao bispo Waldyr, que se encontrava próximo do local de conflito numa
celebração em solidariedade aos professores da rede estadual de educação, que
haviam acabado de sair de uma greve. Os trabalhadores acabaram decidindo pela
greve, sendo acompanhados pelos companheiros de outras empresas, envolvendo
um total de cerca de 12.000 trabalhadores das firmas empreiteiras
513
, com amplo
apoio da Igreja.
Analisando este movimento D. Waldyr esclarece: “ A greve dos peões
foi mais um grito de revolta do que uma greve mesmo. Foi mais uma sublevação
do que uma greve organizada”
514
. De fato na raiz das causas deste movimento
estava a insatisfação dos trabalhadores contratados, que em sua maioria,
originários de regiões pobres do país, principalmente Minas Gerais e Nordeste,
atraídos por agenciadores que lhes prometiam ótimos salários, condições
adequadas de moradia, alimentação, assistência médica e odontológica, e ao
chegar na cidade, descobriam a difícil realidade: péssimas condições de moradia,
salários baixos, alimentação de baixa qualidade e muitas vezes deteriorada
515
.
Esta mobilização na verdade, emergiu do caráter espontâneo dos
trabalhadores, contra a situação de exploração vivida por eles. Não havia
512
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil, Petrópolis, Vozes, 5
a
ed., 1989,
513
Boletim Diocesano, nº 165, outubro de 1979, p. 01 a 07. esta edição é dedicada quase exclusivamente
à cobertura da greve.
514
Entrevista à Revista Agora, nª 01, janeiro de 1979, p. 28
515
Os ‘peões’ referiam-se comumente à comida servida no alojamento como “(...) lavagem, nem mesmo
os porcos comem”. O fato detonador do movimento foi justamente a qualidade da comida servida no
193
condução específica ou lideranças de destaque na categoria. O sindicato da
Construção Civil, o representante legal dos grevistas, se absteve completamente,
não apoiando em nenhum momento movimento grevista. A oposição sindical
metalúrgica, em crescente ascensão, cometeu o erro da omissão, envolvida talvez
por um certo corporativismo. Isto não impediu todavia, que este movimento
fortalecesse sua luta, fortalecendo a posição dos insatisfeitos com a direção do
Sindicatos dos Metalúrgicos.
O movimento explodiu assim, pela ação do operariado no seu local de
trabalho, não sendo proposta ou prevista, quer pela direção sindical ou lideranças
sindicais ou políticas. Depois da explosão do movimento, no campo da direção
política, ele vai contar com apoio de algumas lideranças políticas locais,
deputados e vereadores, que contribuíram com a libertação de vários
trabalhadores presos e principalmente a participação da Igreja diocesana, que
passa a conduzir as negociações. Esta no entanto, reconhece que não interada da
situação dos operários grevistas“(...) no início fomos pegos de surpresa.
Reconhecemos que estávamos por fora dos problemas dos peões”
516
.
Os trabalhadores reivindicavam um aumento salarial de 70%,
melhores condições de alojamento e alimentação, fim da violência policial. A
participação da Igreja foi fundamental para que estas reivindicações fossem
plenamente atingidas. (...) Se o peões conseguiram alguma coisa, que
agradeçam à Igreja”, ressaltou o Delegado Regional do Trabalho em Volta
Redonda, em entrevista ao jornal Opção no dia 27.12.79.
De fato a participação da Igreja neste movimento foi fundamental.
Todas as 42 comunidades da cidade se reuniram e montaram um esquema de
apoio aos peões, garantindo-lhes as necessidades mais urgentes e necessárias.
Até as comunidades mais pobres da periferia participavam das organização e do
refeitório da empresa, quando os trabalhadores, em atitude de protesto, apedrejaram o prédio,
iniciando os protestos. Revista Agora, nª 01, janeiro de 1979, p. 28
516
Boletim Diocesano, nº 165, outubro de 1979, p. 2
194
fornecimento de alimentação aos grevistas
517
. A comunidade N. Sr. Aparecida foi
colocada à disposição dos peões, de onde coordenavam o movimento grevista e
suas comissões de segurança, limpeza, fundo de ajuda, etc.
A Igreja no entanto, avaliando este movimento, não deixa de valorizar
os reais sujeitos de toda a movimentação: “Todo o mérito da greve é credenciado
exclusivamente aos peões. (...) são eles os ‘bem-aventurados que tem fome e sede
de justiça’(...) a igreja não se omitiu, (...) não podia e nem pretendia ser dona
da luta do peões”
518
Esta greve representou um momento novo para a história da Igreja e
das Cebs na cidade. Ele representou o momento de encontro definitivo das
comunidades de base com o conjunto do movimento popular, abraçando as ruas,
numa reivindicação comum. No esforço da luta, vários movimentos como o CEP
(atual SEPE), Movimento pela Anistia e outros credos religiosos, estiveram lado
a lado, no solidário apoio aos grevista. A Igreja avaliou positivamente este
contato estabelecido: (...) foi uma experiência nova de conviver com vários
movimentos, pessoas de outra crença, sem perder sua identidade, animados pelo
Evangelho na luta pelo que era justo, humano e verdadeiro”
519
.
Além de tudo, esta greve representou também uma primeira
participação ativa das comunidade de base em movimentos que ultrapassavam a
experiência religiosa e que não eram ‘de Igreja’ ou não eram estimulados
diretamente pela atuação da Igreja. Este momento significou sua presença
definitiva no mundo concreto entrando em sintonia com a sociedade e outros
movimentos sociais. Segundo Jairo Sidney, “(...) sua ligação (das Cebs) com
outros movimentos ocorrem não por acaso, mas de maneira natural”
520
. Esta
greve propiciou na prática este encontro, mostrando também a possibilidade da
construção de novos canais da atuação e expressão da sociedade civil que
517
Jornal Opção, 27.10 a 02.11.79
518
Boletim Diocesano, nº 167, outubro de 1979, p. 2
519
Boletim Diocesano, nº 165, outubro de 1979, p. 2
195
surgiam na cidade. As Cebs começavam a participar deste novo processo e a
construir tais canais.
A Igreja após a greve, que terminou em 22.10.79, manteve sua
solidariedade ao movimento, mantendo um serviço de assessoria jurídica aos
peões e acompanhamento do cumprimento das reivindicações.
Esta ‘Greve dos Peões’, como o movimento ficou conhecido na
cidade, significou um marco importante na luta dos operários de Volta Redonda,
mesmo com todas a sua especificidade e limitações. Rompeu-se o mito da
passividade do operário da Cidade do Aço, mesmo que isto tenha sido realizado
pelas mão de ‘peões’, gente de classe baixa, considerados cidadãos de segunda
categoria. A greve propôs novas
expectativas para o movimento operário na cidade e a participação das Cebs foi
fundamental para o sucesso desta empreitada
3.14. Os Novos Rumos da Pastoral Popular em Volta Redonda
Neste ano de 1979, a Igreja avança decisivamente no projeto de
engajamento social das Cebs, dedicando passos concretos e explícitos neste
sentido. Como já vimos, neste ano se realizou mais uma Assembléia Diocesana.
Sua importância residiu no fato de apontara necessidade de real solidariedade e
participação nas organizações populares, dedicando ainda ênfase especial à
formação de grupos operários, além de endossar a opção preferencial pelos
pobres, inspirada em Puebla.
Antes porém dessa decisão explícita da Assembléia Diocesana, alguns
passos foram dados no sentido de antecipar suas decisões. Em abril de 1979, um
520
SIDNEY, Jairo C. “Igreja e Mobilização Popular’ in Dosssê CPV-1985, Comunidades Eclesiais de
Base e Movimento Popular, p. 11
196
encontro de coordenadores de comunidades de toda a diocese, indica caminhos
que estes grupos decidiram seguir daqui para frente. Vale a pena destacar: “(...)
4- incentivar a criação de novos grupos de base, 5- promover a união no bairro
formando comissões (...) 6- criar clubes de mães, visando a realidade das donas
de casa e sua conscientização (custo de vida, salário do marido, etc.) (...) 7-
criar grupos de empregadas domésticas para fortalecer suas reivindicações (...)
divulgar as ações tomadas nas assembléias dos bairros(...) 10- procurar com os
grupos de base solucionar os problemas e necessidades do povo, bem como
água, rua, esgoto(...) 13- ser instrumento com prioridade no setor de trabalho,
orientando os companheiros sobre a exploração do patrão”
521
. Em todos as
recomendações havia o compromisso de uma atuação social, que aponta as Cebs
como pontos de apoio para vários movimentos da sociedade civil.
Estas propostas concretas de ação, são fortalecida com a realização,
neste mesmo ano, da 1ª Assembléia dos Animadores de Grupos de Periferia de
Volta Redonda
522
. No dia 20 de maio, mais de sessenta animadores estiveram
reunidos na Cúria Diocesana, com o intuito de iniciar trabalhos em comum e
fortalecer sua posição na cidade. Havia a premente necessidade desses
animadores da periferia articularem este espaço para que pudessem enfrentar os
desafios que viriam pela frente. Uma das decisões do encontro foi fortalecer as
comissões de bairro, com o objetivo de fortalecer a organização interna das
comunidades. Foi um passo decisivo para a organização coletiva das Cebs na
cidade.
Na 2ª Assembléia dos Animadores de Grupos de Periferia, ocorrida
em setembro, cerca de 19 comunidades periféricas da cidade se reuniram com o
objetivo de endossar as deliberações da Assembléia Diocesana. Ela tratou
basicamente a questão das comissões de bairro, desde as ações dessas comissões
e sua implantação naqueles locais onde elas ainda não existiam. Isto significava a
inserção concreta das Cebs em seus bairros, que se traduzia num compromisso
521
Boletim Diocesano, nº 157, junho de 1979, p. 05
197
pela melhoria da qualidade de vida e na luta por luz, água, telefone público,
Pronto Socorro, libertação de presos injustamente, etc
523
. A questão da posse da
terra, cada vez mais urgentes na
cidade, devido ao crescimento acelerado desses anos, e a luta dos posseiros
urbanos nas diversas áreas de posse clandestinas, exigem a participação das
Cebs, que também se solidarizam com esta situação
524
.
Estas comissões de moradores, ainda internas e compostas em sua
maioria por membros da própria comunidade de base, começam a serem
formadas num período anterior, por volta dos anos de 1976-77, que corresponde
ao governo do primeiro interventor federal indicado para a cidade, então área de
segurança nacional Estas nascentes comissões de moradores, trabalhavam no
bairro discutindo as necessidades básicas e buscando soluções para resolver os
problemas da coletividade. Procuravam mobilizar os moradores de seus bairros
utilizando diversos meios, como encaminhamento de ofícios, cartas, abaixo-
assinados, etc, organização de murais, boletins, palestras, bem como a
convocação de reuniões com representantes do governo municipal para discutir a
situação de precariedade e abandono a que estavam submetidos, realização de
assembléias e celebrações com moradores do bairro, e também realização de
concentrações públicas
525
. Começavam serem geridas neste período, experiências
de pressão e maciça presença popular.
A absoluta maioria das comissões pró-melhoramentos de bairros
526
formadas neste período, provêm das comunidades eclesiais de base. A tomada de
consciência da situação de exclusão social que os moradores da periferia são
submetidos, também é formada nas Cebs. As comissões de moradores
representam uma tentativa de lutar pela plena cidadania dessas populações
marginalizadas.
522
Boletim Diocesano, nº 157, junho de 1979, p. 05
523
Boletim Diocesano, nº 166, outubro de 1979, p. 07
524
Relatório da Assembléia Regional de Volta Redonda, 23 de novembro de 1980, p. 04
525
Cf. Relatórios das comunidades enviados para pesquisa ‘A Concretização da Opção Preferencial pelos
Pobres no Regional de Volta Redonda’, 1982
198
Um clássico caso de formação de uma comissão de moradores, nos é
mostrado pela comunidade do bairro Siderlândia, região periférica da cidade.
Um curso de dinâmica cristã, coordenado por agentes de pastoral que
acompanhavam a comunidade, foi o estímulo para a organização dos moradores
daquele local. Um destacado militante do período, descreve a experiência: “(..)
chegaram a Olívia e o Normando em minha casa na Siderlândia. (...) Eles
propuseram fazer um curso de dinâmica cristã na comunidade. Chamamos umas
40 pessoas. Acontecia de Segunda a Sexta-feira, das 19 às 21 horas. Fazíamos
reflexões bíblicas, brincadeiras, era uma coisa muito gostosa, participativa.
Agente cantava, batia palma e refletia o evangelho e a vida. Neste processo
passamos a discutir os problemas do bairro e descobrimos que a grande
carência dos moradores era a água. (...) Percebemos que como cristãos, não
podíamos ficar por fora disto. Era preciso fazer alguma coisa. Tiramos o
procedimento de fazer uma assembléia de moradores do bairro. A primeira
assembléia do bairro. Fizemos cartazes, divulgamos, e no domingo o pessoal
compareceu. Tiramos uma passeata até a Prefeitura. Depois disso, o Georges
Leonardo mandou uma pipa. O pessoal foi tomando gosto, formamos comissões
de moradores e a luta foi se estendendo e conquistando água, esgoto,
iluminação. Em 1978 formamos a primeira associação de moradores do bairro,
a diretoria era toda da comunidade”
527
Dessa forma ao longo desse período, em todos os bairros da cidade, as
Cebs terão uma atuação destacada. Nos diversos setores da cidade, as
comunidades de base articulam um trabalho cada vez mais voltado para o bem
estar da população. A articulação fé e vida, impele os militantes das Cebs a lutar
por melhores condições de vida, engajando-se em sindicatos, partidos políticos e
movimentos sociais
528
.
526
Estas comissões serão chamadas mais tarde de associações de moradores.
527
Entrevista realizada em 16.11.00
528
‘A Concretização da Opção Preferencial pelos Pobres no Regional de Volta Redonda’, Pesquisa
CERIS, 1982
199
Ao mesmo tempo que a implantação dessas comunidades se consolida
em toda a cidade
529
, aumenta também a sua intensidade de atuação. Uma
pesquisa realizada pelo CERIS- Centro de Estatística e religiosa e Investigação
Social- na cidade, evidencia esta situação. De acordo com o levantamento do
instituto, as comunidades contribuíram decisivamente para o nascimento de
movimentos populares em defesa dos direitos coletivos, demostrando possuir
plena capacidade de se organizarem coletivamente diante de um fato que as afete.
Essas comunidades, segundo a pesquisa realizada, desenvolveram também um
importante trabalho de conscientização política, assumida agora como uma
atividade própria de atuação das comunidades e não mais desvinculada de sua
religiosidade
530
.
Nos quatro cantos da cidade, se percebe esta dinâmica, com explosão
de protestos e denúncias, com participação hegemônica das Cebs. Atrasos de
ônibus, saneamento básico, condições inadequadas de escolas, iluminação,
aumento de preços, lutas pela posse da terra e saúde geram essas demandas
531
,
significando a tomada das ruas pelo povo.
Os moradores da periferia, animados pelas comunidades de base,
participam assim ativamente das lutas construídas neste período, como
protagonistas das grandes mobilizações da cidade. Passeatas, protestos, abaixo-
529
Neste período um importante passo foi dado no bairro Conforto. A saída dos quatro padres
responsáveis pela área, transferidos para outra diocese, à princípio, gerou um situação complicada
para a Igreja, que não possuia sacerdotes disponíveis para substituí-los. A situação foi resolvida com a
transferência de padre operário André Romary, para aquele setor, juntamente com um grupo de
religiosas, Rufina, Eliete e Irene, que assumiram os trabalhos pastorais. Pouco tempo depois, o
processo de articulação das Cebs naquela região já estava consolidado, inclusive com a formação de
novas comunidades ( Paraíso Baixo e Boa Vista 3) e associações de moradores (Paraíso Alto), além de
comissões de moradores em diversas outras comunidades. Boletim Diocesano, nº151, 1979, p. 02 , nº
156, 1979, p.03 e nº 165, 1979, p. 03
530
‘A Concretização da Opção Preferencial pelos Pobres no Regional de Volta Redonda’, Pesquisa
CERIS, 1982
531
O Boletim Diocesano traz uma série de exemplos concretos que demostram estas situações.
Acontecem sempre num bairro periférico, onde o moradores se reúnem em torno do grupo de base
para defender seus direitos ou os militantes do grupo, após diagnosticarem a realidade que os cerca,
decidem tomar posições para solucionar os problemas da comunidade, mobilizando os moradores.
Boletim Diocesano nº 137/138, 145, 151, 158, 157, 189, 165, de 1979 e Relatórios das comunidades
enviados para pesquisa ‘A Concretização da Opção Preferencial pelos Pobres no Regional de Volta
Redonda’. 1984
200
assinados, e panfletos contendo reivindicações populares tomam conta das ruas e
avenidas.
Num dos bairros mais pobres da cidade, o Paud’alho (atual Belo
Horizonte), o trabalho desenvolvido pela comunidade local é expressivo desta
dinâmica. A visita pastoral
532
do bispo neste ano, é o momento da comunidade
apresentar os principais trabalhos desenvolvidos no bairro, com destaque para a
realização de assembléias e organização de comissões de visitas, formação e
informação, denúncia e reivindicação e finanças, onde os moradores, levantaram
os principais problemas da localidade: água, asfalto, regularização de lotes,
ônibus, etc. O próximo passo da comunidade de base é a organização de
movimentos e mobilização dos moradores da localidade, para reivindicar seus
direitos, que começam a ser atendidos.
Desde o final da década de setenta e início dos anos oitenta, este
processo desencadeia, como já endossei anteriormente, concretizando-se em
inúmeros movimentos em toda a cidade. A periferia e os excluídos reivindicam
seu espaço.
Nas comunidades João XXIII (Siderlândia) e São Pedro (Belmonte), o
compromisso dos cristãos nas Cebs, leva a comunidade a lutar pela construção de
um Jardim de Infância, creche e salas de aula no bairro, além da luta ao lado dos
posseiros no bairro. Na comunidade Santo Agostinho e Vila Americana, as lutas
se desenrolam em torno das
questões de saneamento, posse da terra e protestos contra um depósito de
escória
533
situado no bairro. Nas comunidades São Sebastião e Vila Brasília, o
envolvimento da comunidade além, das demandas urbanas por saneamento, se
consubstanciou também em protestos pela ampliação de escolas no bairro e
movimento contra o aumentos das passagens de ônibus. Em outras comunidades,
a participação das Cebs se verifica também nas lutas por melhor atendimento em
532
Boletim Diocesano, nº 159, junho de 1979
201
hospitais (Com. Bom Jesus-Retiro), assistência jurídica (com. N. Sra das Graças),
passeatas contra carestia (com. Conforto), e campanhas de certo cunho
assistencialista, predominante nas comuidades de centro ( comunidades de Santa
Cecília, bairro Sessenta, Santos Eduadores, N. Sr. Aparecida, etc)
534
.
O sucesso destas experiências, que como demonstrei não se
restringiam a casos isolados e localizados, motiva a população para a
reivindicação de seus direitos e impulsiona a Igreja diocesana a lançar novos
desafios. Na avaliação oficial da instituição era chegado o momento avançar em
direção à novos rumos, para que a ação pastoral pudesse evoluir abrangendo
novos campos de atividade, pois segundo o bispo, “(...) a Ceb é um processo
contínuo e sempre renovador”. Ele atribui níveis cada vez mais amplos de
consciência ao desenvolvimento do trabalho desenvolvido pelas comunidades:
dos grupos de reflexão se chega aos problemas do bairro e daí à percepção de que
“(...)o bairro é mais amplo que um credo religioso”, quando se fazem sentir
novas necessidades de atuação no próprio bairro, para que partissem para uma
efetiva organização de todos os moradores.
A partir de meados de 1978, depois de várias experiências e da
organização de moradores em diversos bairros da cidade, as comissões de
moradores motivadas pelas Cebs, transformam-se em associações de moradores,
com o objetivo de atrair a população do bairro, como havia acontecido no bairro
Siderlândia e citado anteriormente. Sobre esta atuação das Cebs, a atual
presidente do Conam
535
afirma : “(...)da Igreja, por meio das Cebs, surgiram
grande parte das associações de moradores da cidade”, atesta Irani Martins.
533
Rejeito industrial originário do processo de fabricação do aço, que pode provocar alergias e
complicações respiratórias.
534
Cf. Relatórios das comunidades enviados para pesquisa ‘A Concretização da Opção Preferencial pelos
Pobres no Regional de Volta Redonda’, 1984
535
Conselho das Associações de Moradores de Volta Redonda. Este entidade foi fundada em 1984,
agrupando 54 associações de moradores, para que pudessem desenvolver um trabalho unificado
dessas associações na cidade. Defende uma linha de independência e autonomia das associações de
moradores locais em relação não poder público municipal.
202
Nos anos seguintes, este encaminhamento fica evidente, quando por
exemplo, em 1980, na realização de uma reunião ampliada na diocese, o
‘conselhão’, as comunidades da região apontam o caminho da organização,
especificando a formação de associações de moradores, clube de mães, grupos de
lavadeiras e domésticas, grupos operários, como instrumentos concretos de
inserção e espaço de atuação das comunidades de base
536
. A próxima
assembléia diocesana, realizada em 1981
537
, reafirma as prioridades pastorais:
Cebs, mundo operário e juventude, indicando ainda a necessidade de criação de
assessoria de fé e política nas comunidades, aprofundamento permanente para
animadores de grupo, incentivo à pastoral operária, etc. A construção das Cebs e
sua inserção na sociedade era um processo consolidado.
As comunidades de base, haviam cumprido seu papel social,
canalizando a insatisfação popular e fornecendo condições para sua organização
e ascensão do movimento social em Volta Redonda. As Cebs desempenharam
este importante papel na época da ditadura, porque foram as portadoras das
reivindicações sociais do povo, quando este não podia se organizar em
associações e sindicatos. Nos bairros de periferia, as comunidades continuam
lutando para conseguir melhorias e serviços públicos, que na maioria dos casos,
sem a sua participação, dificilmente chegariam àquelas regiões. Agora estas
comunidades caminham juntas com estes mesmos movimentos que ajudaram a
forjar.
3.15. As Cebs e as Mediações no Campo Político
536
Vide Boletim Diocesano, nº 165, 1979, p. 05 e Relatório da Assembléia Diocesana, 23 de novembro
de 1980.
537
Esta assembléia ocorreu nos dias 06, 07 e 08 de novembro de 1981, no Centro de Formação de
Arrozal, com a presença de 124 pessoas, marcando os 15 anos de renovação do Concílio Vaticano.
Ocorreu a afirmação das diretrizes diocesanas, realizadas nas assembléias anteriores, bem como uma
reestruturação da pastoral diocesana ( Conselho Diocesano de Pastoral e Coordenação Diocesana de
Pastoral). Boletim Diocesano, nº 213, novembro de 1981.
203
No início da década de setenta os militantes das comunidades de base
em Volta Redonda não eram engajados em partidos políticos. Naquele momento
havia apenas dois partidos permitidos no Brasil: o partido da situação, a ARENA,
e o partido da oposição ‘consentida’, o MDB. Nesta época, os membros das
Cebs, como demostra o acompanhamento do boletim diocesano, atas do conselho
regional e subsídios de discussão dos grupos, discutiam sobre a atuação dos dois
partidos, sobre os melhores candidatos, e participavam através do voto. A
situação mudou completamente a partir da reforma partidária feita pelo governo
militar em 1979, que permitiu a formação de outros partidos. Um grupo de
dirigentes sindicais apoiados por setores da esquerda organizada, por alguns
parlamentares e por um grupo de intelectuais inclusive alguns intelectuais
católicos decidiu formar um partido de trabalhadores, o PT. O fato desse
partido ter nascido do movimento operário e de outros movimentos populares, e
que pretendesse ser não apenas um canal de expressão dos interesses das classes
populares, mas também um partido onde os trabalhadores pudessem participar,
exerceu forte atração sobre os militantes das Cebs em todo país, afinal elas
também tinham nascido “de baixo para cima”, das camadas populares. elas
também permitiam a participação plena dos trabalhadores.
Em Volta Redonda este processo também acontece e a atuação das
Cebs no âmbito urbano e sindical, por volta do ano de 1979, desperta também
sua atenção para o mundo da política, inclusive a política partidária.
A partir desta época, quando a discussão e engajamento das Cebs, se
aprofunda com sua presença significativa na vida da cidade, uma nova
problemática começa a direcionar os trabalhos de formação política dos
militantes das comunidades de base: a educação política e conhecimento da
estrutura da sociedade, ganham papel de destaque nas reuniões de formação
desses animadores de grupos e de comunidade. Subsídios, encontros, palestras e
204
seminários procuram levar os militantes das Cebs a compreenderem melhor a
sociedade em que vivem
538
.
As Cebs nesta época, descobrem a política, como estímulo ao seu
engajamento social e no sentido real de sua expressão, vista aqui como espaço de
promoção da justiça e do bem comum. Os militantes das Cebs, passam a
enxergar a realidade em que vivem, como uma teia no imenso tecido social das
relações de exploração capitalista: (...) a Igreja descobre a raiz do mal social: a
miséria, que dificulta a fraternidade, a estrutura social que produz a
dependência externa e interna da economia, cultura e política”
539
O próximo passo a seguir é o engajamento dos cristãos dessas
comunidades no complicado mundo da política partidária. O bispo diocesano
enfatiza este aspecto: (...) Começa a ser dado um passo mais a frente de adesão
na solidariedade, na participação dos sindicatos, na luta, nas manifestações (...)
e no aspecto político”
540
. O bispo ainda reforça mais tarde este posicionamento,
quando afirma: “(...) os cristãos tem de ligar sua fé à política partidária, porque
a Igreja tem muito a ver com o povo e sua libertação, procurando orientar a
todos à respeito dos Partidos e escolher um partido que seja do povo, para o
povo e que nasça do povo”
541
. A Assembléia do Regional de Volta Redonda,
também enfatiza este aspecto do engajamento partidário, indicando a necessidade
de participação das Cebs num partido político que defendesse os interesses dos
mais pobres
542
.
Esta situação se evidenciava e se tornava cada vez mais urgente, pois
o Brasil vivia intensamente o processo de abertura política e a reorganização da
538
Estes encontros eram bastante amplo e abordavam temas como capitalismo e socialismo, classes
sociais e estruturas do capitalismo, dívida externa, análise de conjuntura brasileira e internacional,
experiência socialista de Cuba, Nicarágua e Chile, política econômica da ditadura, etc. Vide Boletim
Diocesano, nº nº178, 1979, p. 03; nº 188, 1979, p. 03
539
Boletim Diocesano, nº nº178, 1979, p. 04
540
Entrevista realizada em 19.11.00
541
Relatório do Conselho Pastoral Regional de Barra Mansa, 21 de setembro de 1981.Este reflexão
mostra uma das posições de D. Waldyr sobre o engajamento partidário dos cristãos. Em 1981, ele
provocou perplexidade na imprensa nacional e no clero brasileiro, ao revelar num jornal de Alagoas,
ser simpático ao PT e ser favorável luta armada, em alguns casos.
205
sociedade política com a articulação de novos espaços, como já foi afirmado.
Volta Redonda não fica `a margem deste processo, sendo o mesmo vivenciado,
com as comunidade eclesiais de base participando também da fundação do
Partido dos Trabalhadores na cidade.
Organizado a partir do ano de 1979, com expressiva participação de
cristãos engajados nas Cebs, este partido consegue surpreender, quando nas
eleições de 1982, elege Edson Santana, morador da periferia com ativa
participação nas Cebs diocesanas e movimento popular, como o único vereador
petista eleito em todo o interior do estado do Rio de Janeiro. Este vereador,
ancorado no conjunto do movimento social e apoiado por várias comunidades
eclesiais de base, desenvolverá um importante trabalho na Câmara Municipal.
A diocese de Volta Redonda procura também orientar esse
engajamento dos cristãos, alterando seu discurso político em relação à década de
setenta. Através de campanhas de conscientização e trabalhos nos grupos de
base, ela passa a destacar a importância da participação político-partidária,
orientando seus fiéis para que decidissem de maneira consciente o seu voto:
“(...) nós cristãos temos que escolher o partido que esteja comprometido com o
povo trabalhador, que é marginalizado e oprimido. E daí escolher os candidatos
desse partido”
543
. Demostra-se neste contexto uma grande simpatia pelo Partido
dos Trabalhadores.
O PT, nascido então com expressiva participação dos militantes das
Cebs e apoio velado da Igreja, será um importante instrumento de organização
popular. Todavia, cisões políticas posteriores levaram ao afastamento de
importantes militantes do partido.
Na década de noventa, seguindo orientação da coordenação nacional,
o partido afasta-se do conjunto do movimento social e das lutas operárias,
buscando privilegiar as ações e canais institucionais, numa nova estratégica
542
Relatório da Assembléia do Regional de Volta Redonda, 14 a 26 de setembro de 1982.
206
política, inclusive abrindo-se à coligações partidárias, que acabam levando-o à
vice prefeitura da cidade em 1992, em aliança com o PSB, fato que se repetiu em
1996 e 2000. Não cabe a mim e não é meu objetivo, analisar a trajetória e o
processo vivido pelo Partido dos Trabalhadores em Volta Redonda, apenas
destacar que, de certa forma, este partido, nascido com presença marcante das
comunidades de base, hoje não apresenta mais tanta força e expressão junto a
estas comunidades.
3.16. A Atuação da Cebs na Organização da Oposição Sindical
O trabalho de renovação iniciado pelo bispo, no final dos anos
sessenta, refletiu diretamente na orientação prática da Igreja diocesana no seu
dia a dia. Em Volta Redonda, a Igreja assume a partir daí, um posicionamento
claro e explícito de defesa e articulação dos espaços de participação e defesa dos
interesses populares.
De acordo com a nova visão trazida pelo novo bispo, o movimento
sindical ocupa um espaço de destaque, passando a ser visto menos como um
espaço que deve ser monopolizado pela Igreja, do que um veículo de promoção
dos despossuídos
544
.
Sobre esta problemática e a atuação das comunidades de base, bem
como engajamento social do cristão, o bispo diocesano afirma que, através das
reflexões das Cebs, emergiram não somente movimentos que se expressaram no
espaço urbano, mas que também invadiram o espaço da fábrica: “(...) a
comunidade eclesial de base cria dentro do participante um espírito de
solidariedade, um espírito de participação, um espírito de responsabilidade, na
543
Subsidio para grupos de base, ‘Vamos Votar’, 1982
544
MONTEIRO, Geraldo. Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de
Janeiro, FSB Comunicações, 1995, p. 48.
207
defesa de todos os interesses daqueles que moram ali naquele bairro. E não
ficam só no bairro. Eles tomam a consciência de também participarem dentro da
própria vida e dos próprios problemas dos operários: a sua organização de
reivindicação de salários, no apoio em suas luta por um sindicato mais livre,
mais independente”
545
.
O sindicato é um instrumento de lutas dos trabalhadores, por isso,
esforços de atuação da Igreja, logo começam a se direcionar, no sentido de
recuperar o espaço sindical para os trabalhadores. Como exemplo dessa nova
atuação, Geraldo Monteiro
546
destaca que, no âmbito da Igreja de Volta Redonda,
partindo das Cebs, começa a se organizar um pequeno núcleo de onde virá o
movimento pela retomada da independência da ação sindical, com apoio do bispo
D. Waldyr.
Dessa forma, no período de maior terror e repressão da Ditadura
Militar no Brasil, o início dos anos 70, a Igreja em Volta Redonda, por meio das
Cebs, será o grande veículo de organização popular, na luta contra a ditadura e
pela retomada dos espaços populares. Este mesmo movimento estava ocorrendo
em todo o país, Clodovis Boff destaca que (...) as Cebs tiveram influência
poderosa, se não decisiva em iniciativas populares muito significativas. Assim
foi com a oposição sindical, o desencadeador das greves em cadeia, o
Movimento Contra a Custo de Vida, a luta pelos direitos dos lavradores
especialmente dos posseiros. Nessas iniciativas as Cebs constituíram não raro o
‘grupo dirigente’ do processo
547
. Em Volta Redonda, este processo também se
realizará sob forte influencia da Igreja.
Um militante do período analisa esta intervenção da Igreja, destacando
um dos aspectos do trabalho desenvolvido: “(...) Como a repressão era grande e
dentro da fábrica era difícil articular um trabalho, estrategicamente as Cebs
545
Entrevista realizada em 19.10.00
546
MONTEIRO, Geraldo, op. cit., p. 52
547
BOFF, Clodovis. ‘A Influência Política da Igreja’ in SEDOC, nº 118, p. 807
208
ocuparam este espaço. Foi realmente um achado”
548
De fato, a Igreja em Volta
Redonda, se tornará o espaço aglutinador e formador de novas lideranças no
período.
Geraldo Monteiro
549
atesta que um dos fatos que demostra
importância do papel da Igreja em Volta Redonda, revela-se no surgimento de
lideranças de todos os matizes, que tiveram uma importância destacada na vida
sindical da cidade. Futuros militantes de grupos clandestinos de esquerda, líderes
populares como Vágner Barcellos, Luís de Oliveira Rodrigues, Waldemar
Lustoza e Marcelo Felício (todos ex-presidentes do sindicato dos metalúrgicos de
Volta Redonda) iniciam sua carreira política nos grupos de discussão da Igreja.
Vale destacar ainda o grande número de militantes, presidentes de associação de
moradores, líderes sindicais e vereadores nascidos no ambiente de discussões das
comunidades eclesiais de base
550
. O depoimento de Marlene Fernandez é
elucidativo desta questão: (...) O movimento era muito rico. Estes grupos
formaram muitas lideranças como o Luizinho, Ernesto Braga, Marcelo Felício,
entre muito outros.”
551
Em consequência deste novo direcionamento político, por volta de
1971-1972, um pequeno grupo de sindicalistas de prepara para disputar, em
1973, as primeiras eleições livres ocorridas no Sindicato dos Metalúrgicos desde
1968, quando então, o sindicato sofreu pela 2
a
vez uma intervenção da
ditadura
552
.
548
Entrevista com Luiz de Oliveira Rodrigues
549
MONTEIRO, Geraldo. Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de
Janeiro, FSB Comunicações, 1995, p. 48
550
No campo das esquerdas, grande parte das lideranças populares de Volta Redondam, nasceu desse
grupo, como os vereadores e ex-vereadores Dodora, Aldílio França, Wanderlei Barcellos, Zeomar,
Adão Pedro, Edson Santana e muitos outros sindicalistas Dejair, Ernesto Braga, etc
551
Entrevista realizada em 10.10.00.
552
No campo sindical, o ano de 1968, foi marcado pelo ressurgimento de núcleos de oposições sindicais
em diversas regiões do país, com destaque para Osasco-SP e Contagem-MG, onde estas oposições
lideraram as primeiras greves sob o regime militar. Em Vo lta Redonda, este ano será marcado pela
vitória de uma chapa intitulada ‘independente’, liderada pelo metalúrgico Wilton Meira, para a
direção sindical. Esta nova direção mantinha estreitos vínculos com o Governo Federal, e estava
declaradamente decidida em separar a vida sindical da política partidária, alimentava concepções
trabalhistas e recusava a lançar mão de qualquer instrumento de mobilização que pudesse levar ao
enfrentamento com a empresa. No entanto a edição da AI-5, em dezembro de 1968, destituiu toda a
209
Nestas eleições sindicais, elege-se para a presidência do Sindicato,
com decisivo apoio da Igreja
553
, Waldemar Lustoza, que permanecerá na direção
da entidade por três mandatos sucessivos até 1983, quando enfim a oposição
sindical ganhará oficialmente as eleições sindicais. A vitória de Waldemar
Lustoza nesta ocasião se explica pelo fato de inicialmente este candidato
representar uma esperança de mudanças para alguns, pertencer ao MDB, partido
então que aglutinava setores da oposição, e segundo Pimenta
554
, se apresentar-se
ainda como ‘vítima’ da empresa.
O grande problema da gestão Lustoza no Sindicato dos Metalúrgicos,
foi que, embora inicialmente apoiado pela Igreja e também pelos setores mais
combativos do Departamento Trabalhista do MDB, aos poucos -devido à sua
escassa formação político-ideológica- o líder sindical, acabará se burocratizando
e se alinhando aos interesses do grupo hegemônico. A Companhia Siderúrgica
Nacional mais uma vez percebe a força e a utilidade de ter o controle do
sindicato da categoria e a direção desta entidade alinhada aos seus interesses,
vindo inclusive a reforçar e apoiar a ação desta entidade sindical. Sintomático
desta situação de cooptação, como nas velhas práticas que envolviam a Igreja, foi
a doação em 1978, de um terreno no centro da cidade, para que o Sindicato dos
Metalúrgicos construísse sua nova sede.
Desde cedo então, Lustoza se afasta dos compromissos assumidos
inicialmente com os grupos oposicionistas que tinham apoiado a sua candidatura.
O Sindicato transforma-se neste período, num departamento da empresa,
direção do sindicato, nomeando como interventor, Sr. Olimpo Gomes de Oliveira. Vide MONTEIRO,
Geraldo. Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de Janeiro, FSB
Comunicações, 1995, p. 47 e CENTRO DE MEMÓRIA SINDICAL, O Arigó: O Pássaro que vem de
longe, Coleção Trabalhadores em Luta, nº 1, CEDI, Rio de Janeiro, 1989 e MOREIRA, Regina da
Luz. CSN Um Sonho de Aço e Ousadia, Rio de janeiro, Iarte, 2000, p. 110
553
Vale destacar que neste período Lustoza era membro da comunidade de Santo Antônio, no bairro
Niterói.
554
A autora utiliza este termo para referir-se ao fato deste apresentar-se como oposição à Companhia
Siderúrgica Nacional, sendo por este motivo perseguido dentro da fábrica. PIMENTA, Solange Maria.
A Estratégia da Gestão: Fabricando Aço e Constuindo Homens, O caso da Companhia Siderúrgica
Nacional, Belo Horizonte, Dissertação de Mestrado, 1989
210
inclusive organizando uma rede de atendimento médico-odontológico, nos
moldes da estrutura sindical tradicional.
A desilusão provocada com a ascensão de Lustoza ao sindicato e o
agravamento das questões sociais, leva à articulação, em meados dos anos de
1974/1975, de um movimento de oposição sindical com grande apoio da
Igreja
555
, e com forte atuação de membros oriundos da Cebs, e de vários
movimentos ligados à estas comunidades, como a ACO (Ação Católica Operária)
e P.O (Pastoral Operária). Confirmando esta articulação D,.Waldyr relata: “(...)
grande parte do grupo que havia apoiado Lustoza, agora estava na oposição”
556
A gestação deste pequeno núcleo de oposição sindical, inicialmente
ocorrerá dentro dos marcos da Igreja. A pré-história do movimento de oposição
sindical acontece na Igreja de São Sebastião no Retiro. Neste período, em
meados de 1974, com assessoria do padre operário Jacques, começa a se articular
grupos de ACO (Ação Católica Operária) e JOC (Juventude Operária Católica)
nesta comunidade.
As discussões internas desse grupo, levantaram a necessidade de se
organizar um grupo de oposição sindical para resgatar o sindicato e torná-lo de
fato um órgão voltado para a defesa do interesse dos trabalhadores. Dentro da
ótica desses militantes, esta ação era vista agora como um compromisso social
diante de sua fé. Um dos pioneiros nesta tarefa relata: “(...) o começo da
oposição foi no Retiro. Naquele momento em que você saia na porta para ver se
não tinha ninguém para te prender (...) eram poucas pessoas, umas seis ou sete.
Era muito fechada, era a fase inicial e era preciso ter critério. Aí nós gestamos a
oposição sindical.”
557
555
Cf VEIGA, Sônia Mayrink e FONSECA, Isaque. Volta Redonda entre o Aço e as Armas, Vozes,
Petrópolis, 1990, p.48
556
Entrevista realizada em 10.10.00.
557
Entrevista com Edson Santana, realizada em 16.11.00. Entre os pioneiro ele nesta experiência ele cita
José Emídio, Braito, Rocha, Alberto e wagner Barcelos, além de padre Jacques, assessor da ACO. Há
um consenso estabelecido entre vários entrevistados (Sr. Júlia, Padre Norrmando, Olívia Barreto,
Marlene Fernandez, Luizinho, Sr. Dário e outros), em apontar estas pessoas como os articuladores
iniciais da oposição.
211
A partir deste núcleo inicial, começou a se organizar o movimento de
oposição sindical dentro da fábrica, abrindo as primeiras discussões com os
operários. Uma importante contribuição para este movimento foi a organização
das primeiras comissões de fábrica no interior da Companhia Siderúrgica
Nacional.
Estes núcleos de discussão operária dentro da fábrica também surgem
a partir do trabalho desenvolvido pelos grupos de discussão da Igreja nas
comunidades eclesiais de base. Desafiados por um trabalho de
atuação específica no mundo do trabalho, esses grupos de ACO e JOC,
desenvolviam uma pedagogia operária baseada no método Ver-Julgar-Agir e na
RVAO - Revisão de Vida e Ação Operária
558
-, onde faziam reflexões sobre
ação na fábrica e planejavam sua atuação neste meio: “(...)definíamos, a partir
do método, ações na fábrica, comércio, construção civil. Daí surgiu a idéia de
formar uma comissão de fábrica na CSN. A primeira comissão de fábrica da
Usina surgiu na minha área, a sinterização. Tinha mais ou menos 10 operários,
nos reuníamos clandestinamente numa sala escondida na área. (...)para
participar da comissão a pessoa tinha que ter espírito crítico e ser discreta, bico
calado. (...) a segunda comissão de fábrica surgiu logo depois, na área do
Marcelo Felício (ex-presidente do Sindicato), na zona leste. Ele militava na
ACO.”
559
Dessa forma um grupo de metalúrgicos cristãos, engajados nas Cebs
locais e militantes da ACO, iniciam as discussões da oposição sindical. As
reuniões se iniciam neste ano, acontecendo clandestinamente e abertas somente
aos militantes envolvidos no processo
A oposição aos poucos vai crescendo e absorvendo as reivindicações
operárias. As péssimas condições de trabalho e segurança, o autoritarismo da
empresa, o despotismo dos supervisores, alargam ainda mais o horizonte de
558
De acordo com este método, desenvolvido pelo cardeal belga Cardjin, o militante atua no local de
trabalho, revisa esta ação no grupo de discussão e planeja novamente esta ação em grupo.
212
atuação do grupo de oposição sindical. Somados à uma descrença generalizada
no sindicato da categoria e ao processo de abertura política que se configura, o
grupo potencializa forças para tornar-se público e constituir-se numa alternativa
real ao sindicato controlado pelos ‘pelegos’.
O grupo de oposição busca uma melhor organização interna que
garantisse sua sobrevivência. Por volta de 1978 então, as reuniões tornam-se
pública, e novamente a Igreja ancora a decisão do grupo de oposição e segundo o
depoimento de D. Waldyr, a Igreja de Volta Redonda desempenha papel
importante, formando lideranças nas Comunidades Eclesiais de Base e apoiando
as reivindicações operárias
560
, além de fornecer o próprio local de reunião do
grupo, o salão da Comunidade Nª. Srª das Graças, no bairro Conforto
561
.
Estas reuniões que aconteciam semanalmente no salão desta Igreja,
contavam com a participação média de 30-40 pessoas, majoritariamente de
cristãos engajados nas Cebs e nas pastorais sociais da Igreja. A coordenação do
grupo ficava à cargo de José Emídio e seus filhos Wagner, militantes com
destacada atuação nos grupos de base da comunidade São Sebastião, no bairro
Retiro, e também Juarez Antunes, antigo operador da antiga açiaria SM, que não
tinha experiência política anterior expressiva, já que anteriormente somente tinha
concorrido à prefeitura de sua cidade natal, Estrela Dalva- MG, mas destacava-se
como grande orador e líder carismático. Este operário se elegerá posteriormente,
presidente do sindicato, deputado federal e prefeito da cidade. Este último será
praticamente um dos únicos líderes desse período, que não se inicia nos grupos
de base da Igreja.
A sua participação na oposição sindical é bastante discutida, gerando
inúmeras controvérsias. De concreto fica a certeza que Juarez Antunes, apareceu
num momento em que a oposição, de certa forma já estava estruturada, não
559
Entrevista com Edson Santana, realizada em 16.11.00
560
MONTEIRO, Geraldo. op.cit., p. 52
561
Bairro de classe média baixa, habitado em sua maioria por empregados da Companhia Siderúrgica
Nacional.
213
chegando a realizar nenhum trabalho de base, tornando-se porém uma das
principais lideranças da cidade.
A Igreja, com o apoio dispensado à Oposição Sindical, abandona
dessa forma, sua posição histórica de apoio aos grupos hegemônicos, e os
trabalhos de organização popular começam a frutificar. Desde meados da década
de 60, a Igreja diocesana, articulada nas Cebs, é modelo de organização popular.
O bispo diocesano D. Waldyr Calheiros, em relação a esse apoio da
Igreja ao movimento de oposição sindical, afirma que nos tempos da ditadura
“(...) a relação da Igreja era com o oposição (...) eles tinham acesso e apoio da
Igreja (...) solicitavam o salão para reuniões e levavam o problema para a
Igreja”
562
. Esclarecendo no entanto, o papel da Igreja nesse processo, afirmava
que ela participava através de seus membros, que eram trabalhadores e segundo
ele, também tinham o dever e o compromisso de participar
563
. Dessa forma a
Igreja diocesana, já articulada por meio das Cebs, contribui para o renascimento
do movimento sindical na cidade.
Esse depoimento ilustra bem a visão de D. Waldyr sobre a Igreja e seu
engajamento pastoral , vivido a partir das bases populares e da promoção humana
O grupo de Oposição Sindical Metalúrgica se alinhava às propostas
políticas do Novo Sindicalismo
564
, que começava a surgir no Brasil neste
período. A partir do seu crescimento e fortalecimento, a oposição sindical
começa a pressionar e interferir nas pautas de
reivindicações da categoria. Em seu trabalho ativista, pressiona e convoca
assembléias, denuncia omissões e praticamente dirige as negociações com a
Companhia Siderúrgica Nacional, inclusive conquistando avanços
565
.
562
Idem Ibid, p. 53
563
Idem Ibid, p. 54
564
Cf MANGABEIRA, Vilma. Os Dilemas do Novo Sindicalismo - Democracia e Política em Volta
Redonda. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, ANPOCS, 1993, p. 65
565
Pimenta destaca que em 1978, a empresa foi forçada a conceder, sob pressão da oposição sindical, um
abono de 12.5% à título de adiantamento aos seu funcionários. PIMENTA, Solange Maria. A
214
A oposição avança em suas posições chegando a demonstrar seu poder
de fogo, organizando comissões de internas de negociação e divulgação das
reivindicações operárias, alargando também o seu conteúdo. Um jornal,
intitulado ‘A Verdade’ também era produzido pela oposição. Vendido por um
valor simbólico, além de divulgar o trabalho do grupo, era uma importante fonte
de arrecadação de recursos para a oposição, além da venda de bônus.
A oposição sindical, nascida inicialmente no seio da Igreja, conta
também com expressiva participação de outras forças da sociedade civil,
agrupando o MDB trabalhista e forças tradicionais de esquerda na sociedade,
como o MEP Movimento de Emancipação do Proletário-, a Convergência
Socialista e o Libelu (Liberdade e Luta)
566
. O relacionamento de todas estas
corrente internas, nem sempre foi saudável, sendo constante a crítica de
militantes das correntes externas de esquerdas, às posições adotadas pela Igreja
na oposição sindical e no movimento popular, vista como uma tentativa de
monopolizador este
espaço
567
. A criação do Partido dos Trabalhadores na cidade, representará mais
um outro momento deste encontro, que muitas vezes levou a rupturas inevitáveis.
Emblemático desses atritos, como já me referi anteriormente, é a
presença de Juarez Antunes na oposição sindical. Aproximando-se deste grupo
em meados de 1978, não desenvolvendo portanto nenhum trabalho de base,
caindo de pára-quedas”, utilizando a expressão de um militante da oposição,
Estratégia da Gestão: Fabricando Aço e Constuindo Homens, O caso da Companhia Siderúrgica
Nacional, Belo Horizonte, Dissertação de Mestrado, 1989
566
Os trotskistas dividiam-se em várias correntes, dentre as quais as mais importantes e presentes no
meio sindical eram a Libelu e a Convergência Socialista. A primeira era resultado da união do grupo
Fração Bolchevique com o pequeno 1º de Maio, tendo formado inicialmente o POI (Partido Operário
Internacionalista) e depois chamado Libelu. Um grupo dissidente da Fração Bolchevique forma a Liga
Operária, que se transforma em Partido Socialista dos Trabalhadores, antes de adotar o nome
Convergência Socialista. Em 1979,participa da fundação do PT, sendo expulsos no início da década
de noventa, quando formou o PSTU ( Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado).
567
Em linhas gerais, havia uma relação de convivência pacífica e uma imagem generalizada de apoio
entre a Igreja e as diversas forças de esquerda na cidade. No entanto as desconfianças eram mútuas e
frequentes. Existia um receio dessas forças de esquerda, que a Igreja exercesse o monopólio dos
movimentos contestatórios em Volta Redonda, o que era uma realidade, haja visto o poder de
organização da Igreja e as limitações das correntes de esquerda. Bem como, por parte da Igreja
prevalecia o temor de uma infiltração das esquerdas em suas bases, fato que chegou a se concretizar
215
Antunes se destaca rapidamente como um dos líderes desse movimento,
principalmente por sua características de bom orador e facilidade de contato com
o ‘peão’ e a massa operária. Havia uma identidade muito forte que unia o
operário com Juarez, este mesmo visto como um simples operário, “(...)que teve
coragem de desafiar o patrão”
568
. Esta impressão sobre Juarez é confirmada por
um militante do período: (...) Juarez foi uma pessoa muito problemática.
Apareceu no meio do caminho (...) e com o espaço aberto, aproveitando de nossa
boa vontade, (...) e como era um cara bom de papo, conseguiu seu objetivo.
Agente até desconfiava de sua atuação no movimento, como agente da CSN”
569
Nas eleições de 1980, estas divergências são amenizadas e a oposição
caminha unida, sendo porém derrotada numa eleição bastante questionada e
recheada de indícios de fraude
570
.
As crescentes divergências no entanto se agudizam a partir deste
momento e nas eleições 1983, o ‘racha’ se concretiza com o lançamento de duas
chapas da oposição às eleições sindicais daquele ano. A chapa 4, liderada por
José Emídio, militante da comunidade São Sebastião- Retiro, apoiada pela Igreja;
e a chapa 5, comandada por Juarez Antunes, auto-intitulada independente, mas
que agrupava tradicionais forças de esquerda, com reservas à intervenção da
Igreja.
Um acordo realizado às pressas é fechado às vésperas das eleições,
garantindo à chapa vencedora na 1ª votação o apoio da chapa derrotada. Depois
de um processo bastante conturbado
571
a chapa liderada por Juarez Antunes
em diversas ocasiões. Não é meu objetivo enveredar por este viés de análise, no entanto em minha
estreita avaliação, esta experiência embrionária gerou resultados mais positivos do que negativos.
568
Depoimento de um operário da Companhia Siderúrgica Nacional
569
Entrevista com Edson Santana, realizada em 16.11.00
570
Informações colhidas em diversas entrevistas afirmam que a oposição na verdade, havia ganho as
eleições, mas as fraudes realizadas pelo grupo que estava no poder, com apoio da Companhia
Siderúrgica Nacional, permitiram que Lustoza permanecesse na direção do sindicato por mais três
anos.
571
Sobre o processo eleitoral e as manobras do Sindicato e da direção da Companhia Siderúrgica
Nacional para evitar a vitória da oposição vide Jornal A Verdade, Edição Especial, setembro de 1983.
216
vence as eleições
572
, transformando o Sindicato num combativo instrumento de
defesa dos trabalhadores. Diante do quadro de vitória de uma das chapas da
oposição sindical, as divisões no interior do movimento foram abandonadas,
iniciando um período inédito de lutas operárias na Cidade do Aço, que aproxima
a Igreja, por meio das Cebs, do sindicato da categoria
573
.
A partir deste momento, estas comunidades se tornam um importante
ponto de apoio ao sindicato da categoria. Basta citar as vitoriosa atuações destas
comunidades no apoio aos grevistas em 1984
574
, durante a primeira greve
deflagrada na Companhia Siderúrgica Nacional em toda sua história, a qual é
assinalada como o divisor de águas nas relações capital-trabalho em Volta
Redonda
575
, assim como as memoráveis greves locais da siderúrgica e greves
gerais articuladas pela CUT na década de oitenta
576
.
Este processo se interrompe abruptamente, quando em 1992, um
grupo dissidente do Sindicato, liderado por Luiz de Oliveira Rodrigues, o
Luizinho, ex-militante das Cebs e da Pastoral Operária, com apoio ostensivo da
direção da Companhia Siderúrgica Nacional, ganha as eleições sindicais. A partir
daí, o Sindicato passa a desenvolver, de acordo com sua definição, uma política
de ‘parceria’ com a direção da empresa, onde ele opta “(...)pela defesa
intransigente do processo de privatização, buscará a obtenção de resultados,
isto é, de ganhos materiais, e retornará o trabalho de assistência médica e
572
A chapa liderada por Antunes teve 7.060 votos contra 1.969 do candidato da situação. MONTEIRO,
Geraldo. op.cit., p. 53
573
O Sindicato dos Metalúrgicos, desde a vitória da oposição sindical em 1983, filiou-se à CUT e sempre
apontou a igreja como uma parceira na defesa dos interesses doa trabalhadores na cidade. Este quadro
de relações muda radicalmente quando a Força Sindical ganha as eleições sindicais em 1992
574
Vide Jornal A Verdade, Edição Extra, julho de 1984
575
O Sindicato, em seu jornal oficial, afirma “(...) depois dessa greve, Volta Redonda nunca mais
voltaria a ser como antes”, referindo às mudanças provocada pela eclosão da greve e pela união das
forças populares em Volta Redonda. Jornal A Verdade, Edição Extra, julho de 1984
576
Nesta década se realizaram greves gerais que pretendiam paralisar o país, os movimentos foram
deflagados em dezembro de 1986 e agosto de 1987, foram os mais significativas do período.
Mangabeira enfatiza que Volta Redonda participou ativamente dessas greves, com expressiva atuação
das Cebs e do Sindicato dos Metalurgicos, porém essas greves foram um fracasso em nível nacional.
MANGABEIRA, Vilma Os Dilemas do Novo Sindicalismo- Democracia e Política em Volta
Redonda. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, ANPOCS, 1993, p. 112 e 113
217
odontológica”
577
. O Sindicato, outrora combativo, novamente curva-se ante as
determinações da Companhia Siderúrgica Nacional
578
.
Este processo resultou na prática, numa grandiosa derrota para as
forças populares e de esquerda em Volta Redonda
579
, convertendo-se também em
perdas históricas para os trabalhadores da Siderúrgica, que viram a grande
maioria de seus direitos arduamente conquistados ao
longo de anos, serem barganhados pela direção sindical: adicional de horas-
extras, ATS, girafa, e finalmente o turno de 6 horas.
As Cebs no entanto permanecem articuladas e continuam sua
caminhada, juntamente com os sindicatos e movimentos populares que ainda
acreditam que é possível fazer oposição à onda neoliberal. Um balanço de sua
atividades nos últimos anos, nos mostram o seu firme engajamento nas lutas
sociais e seu profundo impacto na vida política desta cidade.
580
3.17. A Construção das Cebs em Volta Redonda, um Processo em Marcha:
Algumas Considerações
‘Vem caminheiro, o caminho é caminhar
Vai peregrino meu amor testemunhar’
581
Com a eclosão Cebs, a Igreja diocesana, iniciou um longo processo
de descoberta de sua identidade e de sua face humana. Numa cidade operária,
nascida pela iniciativa de uma empresa que monopolizava o espaço físico assim
577
MONTEIRO, Geraldo. Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de
Janeiro, FSB Comunicações, 1995, p. 79
579
Sobre este processo vide GRACIOLLI, Edilson José. Um Laboratório Chamado CSN, Uberlândia,
EDUFU, 1997
580
Sobre atuação da Igreja diocesana e seu engajamento nas lutas sociais, Vide: Algumas Considerações:
Aspectos Sócio-Religiosos, Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, Setor Social 2000
218
como monopolizava as próprias consciências, o trabalhador era construído como
refém da empresa que ajudara a criar.
A Igreja, para ser fiel ao seu compromisso cristão e efetivamente viver
a ‘opção preferencial pelos pobres’, era preciso descer dos altares e dos
palanques do poder e caminhar em direção ao povo, nas periferias e favelas, onde
nascia e vivia sua nova força.
D. Waldyr Calheiros teve o mérito e a coragem de ousar. De acordo
com o padre Paulo Hottz todo esse processo de ampla mudança pastoral e
abertura para o social em Volta Redonda, “(...) se deu ‘pelo alto’, impulsionado
pelo bispo e parte do clero. Nos regionais onde os padres e as religiosas se
empenharam mais na formação e educação das comunidades sua vitalidade é
maior. Onde os padres fizeram resistência ou não se empenharam tanto, é
pequeno o dinamismo das comunidades”
582
. Essa nova maneira de ser Igreja,
mesmo que não abarcasse à grande totalidade da diocese, soube assumir seu
compromisso e a opção preferencial pelos pobres.
Dessa forma, apoiadas pelo bispo e grande parte do clero, as
mudanças se processaram num ritmo bastante promissor. Este aspecto é
destacado por Regina Novais, ao enfatizar que, via de regra, para iniciar este
processo de renovação pós-conciliar nas diferentes dioceses brasileiras, foi
necessário o apoio do bispo local e a existência de um grupo de agentes de
pastoral com projetos e recursos intelectuais diferentes daqueles vigentes no
‘universo intelectual popular’.
Decorre daí a importância da formação e capacitação de lideranças,
capazes de assumir plenamente também este projeto. A experiência das Cebs em
Volta Redonda, inicialmente organizadas no bairro do Retiro e nas periferias da
cidade, representou o perfeito encontro da Igreja com as camadas mais baixas da
sociedade, vivenciando assim a ‘opção preferencial pelos pobres’.
581
Canto nº . Caminhando e Cantando, Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai
219
Através de encontros em grupos e dinâmicas cristãs, inicialmente com
assessoria de religiosas, a formação de grupos de reflexão, que cada vez mais se
encarnavam na realidade concreta da população e de suas carências, se espalhou
por toda a cidade, concretizando a formação das primeiras comunidades eclesiais
de base.
As Cebs em Volta Redonda, nasceram e cresceram estimuladas por
todo um conjunto de mudanças que se operava na diocese desde a chegada do
novo bispo no final de 1966. Enquanto que neste ano existiam cerca de 26
comunidades na cidade de Volta Redonda, no ano de 1992, ultrapassavam o
número de 80 comunidades
583
. Hoje, lança-se o desafio de continuar avançando
este processo, englobando amplos setores da vida da cidade.
Desde a organização da 1
a
Assembléia Diocesana realizada em
Mendes, no ano de 1975, onde foi preparado o Plano Pastoral Diocesano, até a
última Assembléia Diocesana, realizada no período de 1992 a 1995, a
organização e fortalecimento das Cebs foram apontadas como prioridades
diocesanas, revelando a importância atribuídas a estas comunidades que traçam o
verdadeiro perfil da diocese, “(...) a Igreja diocesana é constituída por uma rede
de comunidades”
584
, tornando-se a sua própria maneira de ser.
Desta forma, a diocese de Volta Redonda por meio da atuação
corajosa das Cebs, cumpre o seu papel profético e missionário de estar ao lado
dos pobres e oprimidos de nossa sociedade, buscando caminhos para implantar
um novo mundo justo e solidário.
Na verdade este processo ainda se desenrola e não sabemos o fim ( se
é possível sabê-lo). Se é certo que muita coisa foi realizada nas últimas três
décadas, também é certo que há incertezas quando se olha para frente, e ainda há
muito o que fazer. No entanto, as dificuldades superadas e o testemunho
582
Paulo Hottz in Diocese de VR/BP, op. Cit., p. 12
583
Cf. VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, Volta
Redonda, 1999, p. 11
220
corajosos de centenas de militantes anônimos e cristãos comprometidos,
escreveram a história das Cebs em Volta Redonda. Com todos, estava a vontade
e a coragem de lutar e implantar o Reino de Deus, aqui, entre nós.
584
Diretrizes Pastorais 10ª Assembléia Diocesana, 1995
238
CONCLUSÃO
“Irá chegar um novo dia, um novo Céu, uma
nova Terra e um novo mar e neste dia, os
oprimidos numa só voz a liberdade irão
cantar...”
Nas últimas décadas, as Cebs alteraram profundamente a atuação da
Igreja Católica no Brasil. A diocese de Volta Redonda foi especialmente marcada
por essa experiência inovadora, fazendo este movimento parte de sua própria
organicidade. A Diocese se estrutura fundamentalmente sobre esta forma de ser
Igreja e quer continuar sua caminhada em direção a uma Igreja cada vez mais
democrática, plural e solidária com as causas sociais.
Seu profundo compromisso social, fez da Igreja em Volta Redonda,
articulada por meio das Cebs, um modelo que serve de exemplo para todo o país,
mostrando de fato como esta Instituição deve atuar na sociedade. Mesmo não
englobando a totalidade da Igreja diocesana, haja visto que apenas 15% dos
católicos da região participam de atividades das Cebs
584
, elas com seu dinamismo
e atuação, transformam a Igreja de Volta Redonda e a projetou como uma Igreja
com grande inserção na sociedade e nos movimentos populares
585
, formadora de
expressivos quadros para a sociedade civil
586
Inspiradas na opção preferencial pelos pobres, a diocese convocou
seus fiéis e as Cebs se comprometerem na luta pela transformação da sociedade,
engajando-se nos movimentos sociais e sindicais, bem como a política
584
VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, Volta Redonda,
1999, p.35
585
Vide quadro anexo
586
Vide quadro anexo
239
partidária
587
. O engajamento é um elemento constitutivo da nova forma de ser
Igreja
588
.
Entretanto, dentro da própria Igreja diocesana permanece o atrito entre
grupos que acreditam no projeto diocesano das Cebs e da grande rede de
comunidades e grupos ainda presos aos modelos eclesiais tradicionais. Afinal, as
mudanças que trazem novos modelos, acontecem num processo lento, que
implica no surgimento de uma nova mentalidade, nova maneira de vivenciar a fé
e de compreender o mundo.
Particularmente hoje, grupos conservadores e tradicionalistas, que
defendem uma interiorização da fé sem uma expressiva atuação no campo social,
ganham espaço dentro da estrutura da Igreja, impulsionados pela mudanças
acontecida no final dos anos 70, com a ascensão de João Paulo II ao papado
589
.
Isto também se reflete em Volta Redonda, com particular crescimento da RCC-
Renovação Carismática Católica
590
, que “(...) se apresenta com um maior poder
de sedução do que as Cebs, mesmo nas camadas populares
591
, como atesta a
própria diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, o avanço deste movimento
mesmo nas camadas mais pobres da sociedade, tradicional reduto e fonte de
inspiração das comunidades de base. Para superar esse dualismo e buscar
possível unidade entre essas duas expressões da Igreja, hoje um tanto distante,
Clodovis Boff propõe o diálogo entre ambos: os carismáticos, abrindo-se às
experiência comunitárias e a prática de efetiva intervenção social, e as Cebs,
redescobrindo a importância da subjetividade da fé e a dimensão pneumatológica
da vida eclesial. Esta é uma proposta dialética de superação deste conflito.
587
Vide quadro anexo
588
Perfil Sociológico da Diocese de Volta Redonda Barra do Pirai, Avaliação Pastoral, Equipe de
Assessoria ISER, 1994
589
PAIVA Vanilda, Catolicismo , Educação e Ciência, Coleção Seminários Especiais- Centro João
XXIII, São Paulo, Loyola, 1991
590
Este não é um fenômeno restrito a Volta Redonda. A RCC vem crescendo vertiginosamente em todo o
mundo. No Brasil ela aglutina cerca de quatro milhões de pessoas, enquanto as Cebs aglutinam mais
de dois milhões de católicos. BOFF, Clodovis. ‘CEBs: A que ponto estão e para onde vão’ in
TEIXEIRA, Faustino L. C. Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993, p.296
591
Paulo Hottz in VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense,
Volta Redonda, 1999, p. 15
240
Com todos os avanços e recuos característicos de todo processo
histórico, as Cebs avançam em Volta Redonda. Novais abordando esta
problemática atesta que “(...) a ‘caminhada’ das Cebs não é sempre cumulativa e
linear como se imaginava”
592
. A trajetória das Cebs na Cidade do Aço, também
foi marcada por impasses, atritos, cansaço de militantes, evasão de quadros e
absorção de outros pelos partidos políticos ou sindicatos, etc
593
. Tudo isto
marcou e ainda continua marcando todos aqueles que vivenciaram e contribuíram
para este grande projeto. Pude perceber isto claramente nas entrevistas
emocionadas e nas lágrimas tantas vezes contidos e outras declaradas. Muitos
seguiram caminhos diferentes, o seu projeto pessoal predominou sobre o projeto
coletivo. Não cabe a mim julgar, vamos deixar que a consciência de cada um
cumpra este papel. Na grande maioria porém, a certeza de que fariam tudo de
novo, lembrando Fernando Pessoa “tudo vale a pena, se alma não é pequena”. É
necessário agora, não retroceder em relação a tudo que foi construído com tanta
luta e sofrimento.
592
NOVAIS, Regina. ‘Nada será como antes entre urubus e papagaios’ in TEIXEIRA, Faustino L. C.
Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993, p. 99
593
A diocese aponta entre vários fatores que de certa forma enfraquecxeramas Cebs os seguintes:
241
Os anos se passaram e na década de 80 as Cebs cumpriram verdadeiramente seu
projeto libertador. A participação dessas comunidades em todos os movimentos
populares, sindicais e reinvidicatórios nesta cidade operária, nascida na periferia
da fábrica que iria redimir Brasil, concederam a elas corajosamente um
reconhecido papel de liderança e destaque na história da cidade, como o
elemento organizador e dinamizador de tais movimentos. Onde havia luta, seus
militantes estavam presentes.
A década de 90 e os desafios dos tempos de globalização e
neoliberalismo, fazem essas comunidades repensarem sua caminhada, descortina-
se um cenário de “diminuição das certezas e aumento das indagações”, como
define Teixeira
594
, sem contudo abandonar o caminho trilhado. Em meio a uma
aparente escuridão, as Cebs continuam a lutar e acreditar na ‘nova sociedade’,
“(...) mesmo que digam os homens, tú nada podes mudar, luta por um mundo
novo...”
595
. Mesmo se a ‘nova sociedade’ não é tão clara quanto antes, é certo
que os sonhos de utopia não se concretizaram e nem se concretizarão na
sociedade que idolatra o Deus-Mercado, excluindo e negando a seu povo o bem
estar social e dignidade de ser verdadeiramente homem e mulher. É possível
construir uma sociedade livre e justa, democrática e participativa. Esta é a certeza
que está presente nos esforços e lutas dos milhares de participantes das Cebs, que
ainda hoje, teimosamente, insistem em continuar.
Sobre a diocese, uma visão clara pode ser mostrada a partir dos pontos
fortes apontados como suas principais características:
As 7 ‘notas’( traços fortes, características) de nossa Igreja
1. Igreja rede de comunidades de base;
2. Igreja que caminha com os pobres;
594
TEIXEIRA, Faustino C. ‘As cebs no Brasil, Cidadania em Processo’ in TEIXEIRA, Faustino L. C.
Cebs, Cidadania e Modernidade, São Paulo, Paulinas, 1993, p.23
595
Refrão de uma música muito utilizada nas Cebs.
242
3. Igreja que tem a bíblia como companheira;
4. Igreja evangelizadora e ministerial;
5. Igreja orante e celebrante;
6. Igreja profética e missionária;
7. Igreja marcada pela presença ativa e participativa das mulheres;”
596
596
VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul Fluminense, Volta Redonda,
1999, p. 23
257
ANEXOS
Quadro 2 - Ano de criação das comunidades
DIOCESE
VR
Localização
TOTAL 303
83
1750 a 1955(*) 40
12
1956 a 1966(**) 42
14
1967 a 1972 39
6
1973 a 1978 32
9
1979 a 1984 64
17
1985 a 1990 65
15
1991 a 1992 9
4
Sem informação 12
6
(*) Até a chegada de D. Agnelo Rossi. (**) Chegada de D. Waldyr Calheiros de
Novaes.
Quadro 29 - Comunidades segundo atividades de conscientização social
DIOCESE
VR
Atividades
Total de comunidades 303
83
TEM 127
51
assembléia popular 39
15
encontro com posseiros 39
26
encontro c/ sindicalistas 18
11
debate com políticos 43
14
reunião c/desempregados 11
6
outra forma 55
28
NÃO TEM 171
30
sem informação 5
2
258
Quadro 30 - Comunidades segundo atividades ligadas à organização de trabalhadores
e trabalhadoras
DIOCESE
VR
Atividades
Total de comunidades
303
83
TEM ATIVIDADES 98
48
luta por salário justo 39
28
luta por carteira
assinada
18
13
solidariedade a greves
80
44
apoio a
desempregados
43
29
organiz.de
aposentados
25
21
apoio a org. de
cooperat.
3
3
organização de
lavadeiras
51
18
outra 10
6
NÃO TEM 200
33
sem informação 5
2
259
Quadro 31 - Comunidades segundo apoio a movimentos sociais
DIOCESE
VR
Apoio a movimentos sociais
Total de comunidades 303
83
Movimento sindical
sim 124
54
não 142
16
sem inf. 35
13
Luta pela terra
sim 163
65
não 117
10
sem inf. 23
8
Luta pela moradia
sim 126
56
não 140
14
sem inf. 37
13
Movimento DDHH contra violênc.
sim 146
56
não 123
14
sem inf. 34
13
Movimento apoio a menor aband.
sim 117
41
não 147
27
sem inf. 39
15
Movimento negro
sim 112
32
não 151
35
sem inf. 40
16
Movimento ecológico
sim 95
26
não 164
40
sem inf. 44
17
Associação de moradores 186
60
sim 97
13
não 20
10
sem inf.
Organizações político-partidárias
sim 84
28
não 176
39
sem inf. 43
16
Quadro 32 - Força que a comunidade dá aos movimentos sociais, em relação ao
passado.
DIOCESE
VR
260
Total de
comunidades
303
83
Aumentou 120
32
Diminuiu 55
24
Igual 106
24
Sem informação 22
3
Quadro 33 - Candidatos em eleições
DIOCESE
VR
Tipo de eleição
Sindicais ou associações
de trabalhadores 139
78
Diretoria de
As.Moradores
1.560
581
Políticas 741
180
Quadro 34 - Pessoas atuando em atividades políticas
DIOCESE
VR
Tipo de atividade
Direção de sindicato 81
39
Associação de
moradores
1.150
354
Partidos políticos 970
380
Movimentos
populares
1.093
546
243
BIBLIOGRAFIA
1. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil, Petrópolis,
Vozes, 5
a
ed., 1989
2. ARMESTO, Felipe Fernandez e WILSON, Derek. Reforma: O
Cristianismo e o Mundo1500-2000, Rio de Janeiro, Record, 1997
3. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais, Petrópolis,
Vozes, 28
a
ed., 1996
4. AZEVEDO Marcello de Carvalho. Comunidades Eclesiais de Base e
Inculturação da Fé , São Paulo, Loyola, 1988,
5. AZEVEDO Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de Nomes, Termos e
Conceitos Históricos, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, 2
a
edição
6. BASBAUN Leôncio. História Sincera da República, São Paulo, Alfa
Ômega
7. BEOZZO Oscar. História da Igreja Católica no Brasil in Curso de Verão
III, São Paulo, Paulinas, 2
a
ed, 1989
8. BOFF Leonardo, E a Igreja se Fez Povo, Eclesiogênese: a Igreja que nasce
do Povo, Petrópolis, Vozes, 3
a
edição, 1986
9. ______, Igreja: Carisma e Poder, Petrópolis, Vozes, 1981
10. ______, ‘Eclesiogênese: As Comunidades eclesiais de Base Re-Inventam a
Igreja’ in SEDOC, n. 95, 197
11. ______, Teologia do Cativeiro e da Libertação, Petrópolis, Vozes, 2
a
ed.,
1980
12. ______, ‘Quem Tem Medo da Igreja Popular’ in Revista Vozes, maio de
1983, n. 3,
13. ______, ‘Teologia da Libertação e da Graça’ in Revista Vozes, outubro de
1975, n. 8
14. ______, ‘Comunidades Eclesiais de Base: Povo que se Organiza para a
Libertação’ in Revista Eclesiástica Brasileira, Vol. 41, fasc. 162, junho
de 1981
15. ______, LACERDA J. A. de, e ROCHA A. Os cristão e a Militância
Político Partidária, CECA-CDDHP, Porto Alegre, 1989
244
16. BOFF Clodovis. Comunidade de Base-Comunidade Política: Ensaios de
Eclesiologia Política, Petrópolis, Vozes, 1986.
17. ______....et al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas,
1997
18. BOBBIO Norberto, MATTEUCCI Nicolla e PASQUINO Gianfranco.
Dicionário de Política, Trad. Carmen C. Varriale et al, coord. Trad.
João Ferreira, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 11
a
ed., 1998,
vol. 2
19. CARAMURU Raimundo. Comunidade de Base: Uma Opção Pastoral
Decisiva, Petrópolis, Vozes, 1967
20. CASTANHO Amauri. Caminhos das Cebs no Brasil Reflexão Crítica,
Rio de Janeiro, Agir, 1987, p. 80
21. CASTRO Marcos de, 1964: Conflito Igreja X Estado, Petrópolis, Vozes,
1984
22. COSTA, Alkindar. Volta Redonda- Ontem e Hoje, Volta Redonda, Grêmio
Literário de Autores Novos, 3
a
ed., 1992
23. CENTRO DE MEMÓRIA SINDICAL. O Arigó: O Pássaro que Veio de
Longe, Coleção Trabalhadores em Luta, n. 1, CEDI, Rio de janeiro,
1989
24. COMBLIM José. ‘Questões a partir da Prática das Comunidades Eclesiais
de Base no Nordeste’ in REB Revista Eclesiástica Brasileira, volume
50, fasc. 198, junho de 1990
25. DREIFUSS René. 1964: A Conquista do Estado, Petrópolis, Vozes, 1981
26. DUSSEL Enrique, História da Igreja Latino-Americana (1930-1985), Trad.
Eugenia Flavian, São Paulo, Paulus, 2
a
ed., 1999
27. EICHER Peter, Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia, São
Paulo, Paulus, 1993,
28. FAUSTO Bóris. História do Brasil, São Paulo, Edusp, 2
a
edição, 1995
29. FREI BETTO, Fermento de Boa Marca, in Revista Sem Fronteiras, N° 252
- Julho 1997
30. __________, O quê é Comunidade Eclesial de Base, São Paulo, Brasiliense,
1981
245
31. GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas, São Paulo, Ática, 5ª edição,
1998.
32. GRACIOLLI, Edilson José. Um Caldeirão Chamado CSN: Resistência
Operária e Violência Militar na Greve de 1988, Uberlândia, EDUFU,
1997
33. GRAMSCI, Antônio, Os intelectuais e a Organização da Cultura, Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1995
34. GUARINELLO Norberto Luiz, Breve Arqueologia da História Oral in
História Oral, Associação Brasileira de História Oral, número 01, Junho
de 1998, São Paulo
35. GUIMARÃES, Almir Ribeiro. Comunidades de Base no Brasil: Uma Nova
Maneira de Ser em Igreja, Petrópolis, Vozes, 1
a
edição, 1987
36. GUIMARÃES Luís G. Como se Faz uma Comunidade Eclesial de Base,
Petrópolis, Vozes, 3
a
edição, 1984,
37. GUTIERREZ Gustavo. Teologia da Libertação: Perspectivas, Trad. Jorge
Soares, Petrópolis, Vozes, 4
a
edição, 1983
38. GREGORY, Affonso. ‘As paróquias querem ser verdadeiras comunidades’,
in , A Paróquia: Ontem Hoje e Amanhã, CERIS, Rio de Janeiro, 1982
39. HOORNAERT, Eduardo. ( org.) História Liberationis: 500 anos de
História da América Latina, trad. Rezende Costa, São Paulo, Paulinas,
1992
40. JULLIARD Jacques, A Política, in História: Novas Abordagens, Dir. LE
GOFF Jacques e NORA Pierre, Trad. Henrique Mesquita, Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1976
41. LESPAUPIN Ivo, ‘As mudanças na Igreja Católica no Brasil: 1960-1982’
in Revista Vozes, ano 76, dezembro de 1982, n. 10,
42. ________, (org), Igreja, Movimento Popular e Política no Brasil, São Paulo,
Loyola, 1983
43. LEORATO, Massimiliano. CEBs: Gente que se faz Gente na Igreja, São
Paulo, Paulinas, 1997
44. LIBÂNIO João Batista., ‘Comunidades Eclesiais de Base’ in Religião e
Sociedade, CER-ISER, número 11, ano 1, Rio de Janeiro, 1984.
45. ________, ‘Comunidades de Base’ in Revista Eclesiástica Brasileira , n.
164, agosto de 1981,
246
46. ________, Cenários da Igreja, Loyola, São Paulo, 1999
47. ________, Igreja: Povo que se organiza para a libertação, Revista
Eclesiática Brasileira, vol. 41, fasc. 162, junho de 1981,
48. MADURO Otto. Religião e luta de classes: Quadro Teórico para a análise
de suas inter-relações na América Latina, Trad. Clarêncio Neiotti e
Epharaim Fereira Alves, Petrópolis, Vozes, 2
a
ed., 1983
49. MANGABEIRA Wilma. Democracia e Política: Os Dilemas do Novo
Sindicalismo em Vota Redonda, Anpocs, Relume-Dumará, 1993
50. MARINS, José. A Comunidade Eclesial da Base, São Paulo, Salesianas,
1967
51. MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero aos Nossos Dias, vol. 4
A Era Contemporânea, Trad. Orlando Soares Moreira, São Paulo,
Loyola, 1997
52. MARINS José e et al. Martírio: Memória Perigosa na América Latina
Hoje, São Paulo, Paulinas, 1984
53. MENDONÇA Sônia Regina de. in História Geral do Brasil, Maria Yeda
Linhares (org), Rio de Janeiro, Campus, 1998
54. MOREL, Regina Lúcia de Moraes. A Ferro e Fogo. Construção e Crise da
Família Siderúrgica: O Caso de Volta Redonda ( 1941-1968), São
Paulo, Tese de Doutorado, USP, 1989
55. MONTENEGRO, José. A Evolução de Catolicismo no Brasil, Petrópolis,
Vozes, 1972
56. MONTENEGRO, João Alfredo de S. Reflexão Metodológica sobre a
História da Igreja no Brasil, in Revista de Cultura Vozes, 182. Número
9, novembro de 1982
57. MONTEIRO Geraldo, Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50
anos Brasileiros. Rio de Janeiro, FSB Comunicações, 1995.
58. MONTES M. L. “Figuras do Sagrado: entre o Público e o Privado” in
História da Vida Privada no Brasil, Lilia Morritz Schwarcz (org.
volume), São Paulo, Companhia das Letras, 1998, volume 4
59. MOREIRA, Regina da Luz. CSN Um Sonho de Aço e Ousadia, Rio de
janeiro, Iarte, 2000
60. MIRANDA. Antônio Francisco de, Puebla Sintetizado, Aparecida-SP, Ed.
Santuário, 1979
247
61. NAPOLITANO Marcos, O Regime Militar Brasileiro, São Paulo,
Atual,1998
62. NOVAES, Regina. ‘Nada Será Como Antes, Entre Urubus e Papagaios’ in
TEIXEIRA, Faustino L. CEBs: Cidadania e Modernidade-Uma Análise
Crítica, São Paulo, Paulinas, 1993
63. OLIVEIRA Ildes F. de, ‘Ideologia Dominante e Ideologias Dominadas’ in
Caderno do CEAS, Salvador-Ba, número 104, 1986.
64. OLIVEIRA Pedro A. Ribeiro de, Um Perfil Sociológico da Diocese de
Volta Redonda, Pesquisa ISER- Diocese VR/BP, 1994
65. _________, ‘Cebs e Massas’, Revista Sem Fronteiras, N° 248 - Fev/Mar
1997
66. _________, ‘CEB; Unidade Estruturante da Igreja’ in BOFF, Clodovis, e et
al, As Comunidades de Base em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997
67. PALÁCIO Carlos, O Legado da ‘Gaudium Et Spes’. Riscos e Exigências de
Uma Nova ‘Condição Cristã’ in Revista Perspectivas Teológicas, n. 27,
1995
68. PAIVA Vanilda, Catolicismo , Educação e Ciência, Coleção Seminários
Especiais- Centro João XXIII, São Paulo, Loyola, 1991
69. ______, A Igreja Moderna no Brasil in Revista Religião e Sociedade,
número 13, ano 1, Rio de Janeiro, Campus, 1984
70. PERANI, Cláudio. ‘Novos Rumos da Pastoral Popular’, in PAIVA Vanilda
(org) Catolicismo, Educação e Ciência, Coleção Seminários Especiais-
Centro João XXIII, São Paulo, Loyola, 1991
71. PIMENTA , Solange Maria. A Estratégia da Gestão: Fabricando Aço e
Constuindo Homens, O caso da Companhia Siderúrgica Nacional, Belo
Horizonte, Dissertação de Mestrado, 1989
72. PORTELLI Hugues, Gramsci e a Questão Religiosa, Trad. Luiz João Galo,
São Paulo. Paulinas, 1984
73. _________, Gramsci e o Bloco Histórico, Trad. Angelina Peralva, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977
74. PRANDINI, Fernando; PETRUCCI, Victor A. e DALE, Romeu
(organizadores). As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de
Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 2- Durante o gov. Costa e
Silva 1967- 1970, 1986
248
75. __________, As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de
Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 3- Gov. Médici 1970-
1974-, 1986
76. __________, As Relações Igreja- Estado no Brasil, CPV- Centro de
Pastoral Vergueiro, São Paulo, Loyola, vol. 6 - Gov. Costa e Silva
1967- 1970
77. NUNES, Maria José Rosado. ‘Freiras no Brasil’ in PRIORE, Mary Del
(org); BASSANEZI, Carla (coord. de textos), História das Mulheres no
Brasil, São Paulo, Contexto, 3
a
ed., 2000
78. QUEIROZ José. (org.), A Educação Popular nas Comunidades Eclesiais de
Base, Coleção PUC-Estudos, São Paulo, Paulinas, 1985
79. REIS Daniel Aarão. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2000
80. _______ e MORAES Pedro de, 1968: A Paixão de uma Utopia, Rio de
Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2
a
ed., 1998
81. _______, ‘Lutas Sociais, Reformas e Revolução nas Tradições das
Esquerdas Brasileiras’, in http: www. artnet.org.br/gramsci/textos
82. _______, ‘A Tortura no Brasil’ in http: www. artnet.org.br/gramsci/textos
83. REVISTA CIDADES E MUNICÍPIOS, ‘Volta Redonda, A Cidade do
Aço’, julho de 1992
84. REVISTA SEM FRONTEIRAS, ‘D. Waldyr Calheiros: Caminhar com o
Povo’, nº 171, agosto de 1989
85. REVISTA NAÇÃO BRASIL, ‘Igreja Social Entrevista com D. Waldyr
Calheiros’, ano 3, nº 167, abril de 2000
86. ROCHA, Mª C. de C. F., Discurso Mítico e Construção Histórica. In
Revista do Mestrado de História da Universidade Severino Sombra. ,
USS ano 1.Rio de Janeiro. Editora Sette Letras, 1998.
87. ROSSI, Dom Agnelo, ‘Os Primeiros Manuais de Catequese Popular’ in
REB, vol 18, fasc. 2, junho de 1958
88. _____, ‘ Uma Experiência de Catequese Popular’ in REB, vol 17, fasc. 3,
setembro de 1957
89. SAEZ, Décio. Classe Média e Sistema Político no Brasil, São Paulo, T.A
Queiroz, 1984
249
90. SALÉM, Helena. A Igreja dos Oprimidos, São Paulo, Brasil Debates, 1982
91. SALVADOR, C. C., Dicionário de Direito Canônico. Trad. de Jesús Hortal.
São Paulo, Loyola, 1993
92. SILVA, Edmundo de Macedo Soares e. Um Construtor de Nosso Tempo,
Entrevista ao CPDOC, Rio de Janeiro, 1999
93. SCHWARCZ, Lilia Moritz (org. vol). História da Vida Privada no Brasil,
São Paulo, Companhia das Letras, 1998, v. 4
94. SCHWATZMAN S., A política da Igreja e a Educação: o Sentido de um
Pacto, Religião e Sociedade, CER/ ISER, n. 13, 1986.
95. SCHLESENER Anita Helena. Gramsci: Hegemonia e Cultura, Curitiba,
Ed. UFPR, 1992
96. SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil, trad. Raul Fiker, São
Paulo, Paz e Terra, 1998, 2
a
edição
97. __________, Brasil: De Getúlio a Castelo, Trad. Mário Salviano Silva, Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 3
a
ed., 1998
98. __________, Brasil: De Castelo a Tancredo, Trad. Mário Salviano Silva,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 3
a
ed., 1988
99. SIDNEY, Jairo C. “Igreja e Mobilização Popular’ in Dosssê CPV-1985,
Comunidades Eclesiais de Base e Movimento Popular, p. 11
100. SOUZA, Jessi Jane Vieira de, Valentim: O Guardião da Memória
Circulista, Campinas, Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1991
101. ________, Da Transcendência à Disciplina: Os Círculos Operários e a
intervenção da Igreja Católica no Mundo do Trabalho, Rio de Janeiro,
Tese de Doutorado, UFRJ, 1996
102. SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de. Pelo Espaço da Cidade, Aspectos da
Vida e do Conflito Urbano em Volta Redonda, Rio de Janeiro,
Dissertação de Mestrado, UFRJ/IPPUR, 1992
103. STACONE Giuseppe, Filosofia da Religião: O Pensamento do Homem
Ocidental e o Problema de Deus, Petrópolis, Vozes, 2
a
ed., 1991
104. TEIXEIRA, Francisco Carlos. ‘A Modernização Autoritária: do Golpe
Miltar à Redemocratização 1964/1984’ in LINHARES, Maria Yeda
(org), História Geral do Brasil , Rio de Janeiro, Campus, 1998
250
105. TEIXEIRA Luís Faustino Couto, A Gênese das Cebs no Brasil: Elementos
Explicativos, São Paulo, Paulinas, 1
a
edição, 1988
106. _________, ‘As Cebs como Recriação Evangelizadora’ in PAIVA, Vanilda
(org) Catolicismo , Educação e Ciência, Coleção Seminários Especiais-
Centro João XXlll, São Paulo, Loyola, 1991
107. _________ ...et al, CEBs: Cidadania e Modernidade: Uma Análise Crítica,
São Paulo, Paulinas, 1993,
108. TORRES, Camilo. Cristianismo e Revolução, Trad. Aton Fon Filho, São
Paulo, Global, 1981
109. VALLE, Edênio. ‘O Aggiornamento Católico e Suas Consequências nas
Áreas Científica e Educacional’ in PAIVA, Vanilda (org.), Catolicismo
, Educação e Ciência, Coleção Seminários Especiais- Centro João
XXlll, São Paulo, Loyola, 1991
110. VÁRIOS, 2
o
Encontro Regional das Cebs, Amazônia em Busca de
Libertação, Subsídio para Reuniões, CNBB- Norte I, texto
mimeografado, 1989
111. VÁRIOS, Revista da Diocese de VR/BP- 75 anos Presente na Região Sul
Fluminense, Volta Redonda, 1999
112. VÁRIOS, Revista da Arquidiocese de Goiânia, Goiânia- Go, n. 6-7 e 8, jul-
ago-set/1986
113. VARIOS, Comunidades de Base e Movimentos Populares, Dossiê CPV
Centro de Pesquisa e Documentação Vergueiro, São Paulo, 1995
114. VÁRIOS, Informações para o Plano Diretor, IPPU/VR, agosto de 1994
115. VEIGA Sônia Mayrink e FONSECA Isaque. Volta Redonda entre o Aço e
as Armas, Vozes, Petrópolis, 1990.
116. VINCENT Gerald, ‘Os católicos: o Imaginário e o Pecado’, in História da
Vida Privada, Antoine Prost e Gerárd Vincent (org. vol.), S. Paulo,
Companhia das Letras, 1998, v. 5
DOCUMENTOS DA CNBB
Hipertexto www.cnbb.org.br/documentos.html
Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil, CNBB, 1991-1994, D. 45,
São Paulo, 1991
251
Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil
DOCUMENTOS DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO -
www.cnbb.org.br/documentos.html
Documentos de Puebla - 1979
Documentos de Medellín - 1968
DOCUMENTOS DA COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL
Relatórios da Diretoria da CSN, anos de 1964, 65, 66, 67, 68, 69 e 1970
Jornal ‘O Lingote’, anos de 1953-1970
Jornal ‘Nove de Abril’ abril de 1991, nº 156
DOCUMENTOS DA CÚRIA DIOCESANA
1 da Visita ‘Ad Límina’- 1980
2. Carta do Cardeal Ganthim ao Bispo D. Waldyr Calheiros em 28.01.88
3. Carta de padre Ernesto Lamin, enviada ao Cardeal D. Ganthin, em 03/05/88
4. Carta dos padres diocesanos, enviada ao Sr. Cardeal Ganthim, Diretor da
Sagrada Congregação para os Bispos, Volta Redonda, 04/05/88
5. Carta de D. Waldyr em saudação aos diocesanos de Volta Redonda, 08/12/66
6. Carta de D. Waldyr aos diocesanos em 19.01.69
7.Carta de Solidariedade da Comissão Central da CNBB ao bispo D. Waldyr, em
20.09.69
8. . Relatório da Mini-Assembléia Diocesana de 06/09/86
9. Relatório de Reunião da Pastoral da Juventude em 15.11.73
10. Levantamento realizado por Irmã Martha Dale em 12.03.96, entrega da
Medalha Chico Mendes à D. Waldyr
11.Atas das Assembléias do Regional Volta Redonda, 1977 a 1980
252
12 Atas das Reuniões do Conselho Pastoral Regional Volta Redonda, 1970-
1980
13 Relatório Cidade-Paróquia, texto mimeografado, 29.05.69
14. Levantamento Volta Redonda Cidade Paróquia, setembro de 1969 e
questionários respondidos pelas comunidades: Nª. Srª Aparecida- Bairro São
João, Nª. Srª da Conceição-Conforto, Nª. Srª das Graças- Jardim Paraíba, São
Sebastião-Retiro, Santo Antônio- Niterói, Santa Cecília- Vila Santa Cecília,
Santo Agostinho-Bairro Santo Agostinho, São Miguel- Vila Americana, Bom
Jesus- Água Limpa, Nª. Srª Aparecida- Pinto da Serra e São Geraldo, Vila São
Geraldo
15. Comunicado aos Diocesanos de Volta Redonda, 01.01.1969
16. Carta aos Diocesanos em 19.01.1969
Comunicado aos diocesanos em 02.09.1969
17. Pontos de Orientação para Visita Pastoral, 07.04.70
18. Atas da Reunião do Conselho Diocesano de Pastoral, 1974-1980
Circular da Cúria Diocesana em 07.12.79, ‘Celebração da Eucaristia e Benção de
Estabelecimentos’
Avaliação da Paróquia-Cidade, setembro-outubro de 1969 e Relatórios enviados
pelas comunidades Nª. Srª Aparecida, Nª. Srª da Conceição, Nª. Srª das Graças ,
São Sebastião, Santo Antônio, Santa Cecília, Santo Agostinho, Vila Americana,
Água Limpa, Pinto da Serra e São Geraldo
Decreto de Reestruturação das Paróquias da Diocese de Volta Redonda-Barra do
Pirai, 21.11.71
Livro de Atas de Reuniões do Conselho Paroquial da Comunidade Santo
Agostinho
Projeto do Decreto de Unificação das Paróquias de Volta Redonda, 01.01.69
Plano de Evangelização Para o Ano Cinquentenário da Diocese, 1972
253
Relatório sobre a Pastoral Operária em Volta Redonda 1974-1977, em 28.10.77
‘A Concretização da Opção Preferencial pelos Pobres no Regional de Volta
Redonda’, Pesquisa CERIS, 1982
Diocese de Volta Redonda-Barra do Pirai, Setor Social, Algumas Considerações:
Aspectos Sócio-Religiosos, 2000
Relatório da 2ª Assembléia Diocesana, 15 e 16.11.75
Resultado da pesquisa feita com grupos de reflexão em 08.10.76
Relatórios de Atividades do IDP, 1976 a 1979.
Relatórios das comunidades enviados para pesquisa ‘A Concretização da Opção
Preferencial pelos Pobres no Regional de Volta Redonda’, 1981
Perfil Socioógico da Diocese de Volta Redonda Barra do Pirai, Avaliação
Pastoral, Equipe de Assessoria ISER, 1994
Diretrizes Pastorais 10ª Assembléia Diocesana
SUBSÍDIO PARA COMUNIDADES DE BASE:
Como se defender contra prisões ilegais e abusos policiais, Diocese de BP-VR,
1979
As Eleições Vem Aí, Diocese de BP-VR, setembro de 1978
Tempos de Eleições, Diocese de BP-VR, março de 1982
Vamos Votar, Diocese de BP-VR, 1982
Celebração de 1º de Maio, Diocese de BP-VR,1978
A Greve dos Peões, Diocese de BP-VR, outubro de 1980
A Expulsão do padre Vitor, Diocese de BP-VR, novembro de 1980
PERIÓDICOS
254
Jornal Pé da Serra, Resende, julho de 1982
Jornal Folha da Cidade, Volta Redonda, 30 de abril de 1989
Jornal Primeira Página, Volta Redonda, março-abril de 1996
Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1999, 30 de março de 1967, 30 de maio de
1968
Jornal Gazeta do Aço, Volta Redonda, 9 a 15.10.1981
Jornal Diário do Vale, Volta Redonda, 02.04.1996
Revista Agora, nª 01, Volta Redonda, janeiro de 1979
Jornal Opção, nº 03, Volta Redonda, junho de 1979
Jornal A Verdade, Edição Extra, Volta Redonda, julho de 1984
Jornal A Verdade, Edição Especial, Volta Redonda, setembro de 1983
DOCUMENTOS DA CNBB www.cnbb.org.br/documentos.html
Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil, CNBB, 1991-1994, D. 45,
São Paulo, 1991
Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil
Relatório da Comissão de Pastoral Operária, CNBB, 1978-1980
DOCUMENTOS do EPISCOPADO LATINOAMERICANO -
www.cnbb.org.br/documentos.html
Documentos de Puebla - 1979
Documentos de Medellín - 1968
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo