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Dissertação apresentada ao
Departamento de História da
Universidade Federal de Mato Grosso
para obtenção do título de Mestre em
História, sob a orientação da professora
Drª Lylia da Silva Guedes Galetti.
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Drª. Lylia da Silva Guedes Galetti (Presidente)
_________________________________________
Dr. Jorge Eremites de Oliveira (Membro Externo)
_________________________________________
Drª. Maria de Fátima Costa (Membro Interno)
_________________________________________
Drª. Maria Adenir Peraro (Suplente)
iv
...quando abriram as terra dos índios, índio Paresi
olhava, ficava olhando não era brabo, os outro, os
Nambiquara era brabo, mais brabo, nós só
olhava, eles atacava, brigava ...
(João Ezumae, chefe dos chefes Paresi, abril/2003)
v
...muitos índios mudaram, foram prá cidade, prá
outras aldeia, eu nasci aqui no Formoso e vou
morre aqui...
(Elizabete, índia Paresi da aldeia Formoso
abril/2003)
vi
Para Mariano (de toda minha lembrança, amigo do
tempo ausente), para as crianças Paresi
setecentistas, Quitéria, Paschoa, Escolástica e
Ludovico.
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No transcorrer do tempo do mestrado, marcado em calendário de dois anos,
tenho presentes pessoas que me ajudaram a pensar e aprender assuntos dos mais
variados. Ao assumir orientação nos últimos sete meses, ao término do curso, a
professora Lylia da Silva Guedes Galetti é presença marcante; sem ela, eu não
saberia construir essa narrativa e não teria dado sentido aos escritos sobre a história
aqui contada.
Aos professores do Mestrado, em especial àqueles que apresentaram versões
históricas e historiográficas sobre a colonização setecentista das minas do Cuiabá e
do Mato Grosso, nesse particular os professores Carlos Alberto Rosa e Otávio
Canavarros, e tributo meus agradecimentos à professora Maria de Fátima Costa,
presente no exame de qualificação e em outros ritos de passagem. São os professores
a quem devoto admiração e, sobretudo, respeito por todas as sugestões, ensinamentos
e críticas, contribuindo todos para a coerência no assunto que trato.
Aos colegas do Departamento de História da UFMT, em especial aqueles
que estiveram trabalhando com os ensinamentos da História, com os quais pude
muito aprender na oportunidade deste Mestrado. Aos colegas do curso que foram
meus companheiros durante o primeiro ano do cumprimento dos créditos, apresento
minha gratidão pelo que com eles vivi e aprendi. À Maria Adenir Peraro pelo
trabalho de coordenação e a Matildes, sempre solícita às orientações dos
procedimentos burocráticos. Aos funcionários e funcionárias dos Arquivos da cidade.
Em particular à Fátima do NDIHR, prestativa nos empréstimos de obras e paciente à
espera da devolução.
À amiga Neila Barreto pela leitura da primeira versão desse texto e por
outras circunstâncias que a vida nos trouxe, em encontros em salas que não de aula.
A Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa, que, quando procurada por mim
na FUNAI, recebeu-me com solidariedade e se dispôs a ler os primeiros ensaios
desse trabalho, além de dividir seus pertences bibliográficos.
Aos funcionários da FUNAI da cidade de Tangará da Serra, em especial ao
Carlos, pela disposição em atender-me quando dele precisei. Aos índios e índias
viii
Paresi, pela acolhida na aldeia Formoso e pela disponibilidade em responder às
perguntas solicitadas.
Ao Aquiles Lazzarotto, por compartilhar a leitura e revisar com carinho a
história escrita por mim. À minha irmã Sô, muito presente nas lembranças do nosso
tempo de infância e à minha amiga Eula, pelas tantas vezes que, nestes anos, cuidou
de mim e da minha criança.
À minha mãe Ida, que dividiu comigo os anseios do trabalho, me ouviu e
deu força, com palavras de ânimo. À Laura, doce de meu ser, razão de consolo e
afeto meus. Ao meu pai Nelsinho Antônio Canova, à Maria e ao João, porque me
acomodam em margens tão dilatadas.
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Esta dissertação pretende reconstituir imagens dos índios da nação Paresi,
elaboradas entre 1719 e 1757, quando se efetiva a colonização portuguesa na parte
mais oeste das terras da conquista em Mato Grosso. Com base em estudos
etnográficos e um conjunto de fontes que inclui crônicas e memórias sertanistas e
documentos oficiais da administração portuguesa, busca-se apresentar as
representações construídas sobre os índios da dita nação, e algumas das práticas
sociais que elas impulsionam, com ênfase no apresamento e escravidão e em ações
de proteção aos indígenas, previstas na legislação da Coroa portuguesa.
Os Paresi se auto-denominam Halíti (gente, povo), e fazem parte de uma
nação de língua Aruak que, desde tempos imemoriais, habita as terras ao sudoeste do
que hoje é o Estado de Mato Grosso. Os escritos do período mencionado dão conta
de um conjunto de representações, sempre reiteradas, nas quais eles aparecem como
mansos, dóceis, afetivos, fiéis, avessos à guerra, grandes agricultores e artesãos, de
feições físicas bonitas e atributos morais dignos de um não índio, e entre os demais
indígenas, como os mais sensíveis aos ensinamentos cristãos.
Este conjunto de representações sobre a identidade Paresi permite concluir
que as características culturais deste povo foram vistas como positivas por
apresentarem semelhanças com a cultura do colonizador. Deste modo, eles se
tornaram, simultaneamente, alvo privilegiado para apresamento e escravização, por
parte de sertanistas, e objeto de ações protecionistas, em grande parte ineficazes, da
Coroa portuguesa. As ações colonizadoras, em que pese a legislação protecionista,
agiram no sentido de tornar possíveis os empreendimentos portugueses no extremo
oeste de suas possessões americanas. Os índios Paresi acabaram por contracenar em
um enredo diametralmente oposto à forma com que vinham construindo seu modo de
viver até o encontro do Outro, o de formação cultural européia.
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This dissertation intends to reconstruct images of the Paresi Indian nation,
elaborated between 1719 and 1757, when the portuguese colonization was in effect
in the most western parts of the conquered lands in Mato Grosso. Based on
ethografic studies and in conjunction with sources that include chronicles and
sertanist memories and official documents of the Portuguese administracion, it
searches to present the representations made up about the Indians of the said nation,
and some of the social practices that they drove, with emphasy on the capture, and
slavery, and protection acts for natives, foreseen in the Portuguese queen’s
legislation.
The Paresi call themselves Haliti (people, folk), and they are part of a nation
of the Aruak language that, sinccee forgothen times, inhabit the southwestern part of
what today is the state of Mato Grosso. The writings from the mentioned period tell
about a group of representations, always reitared, in which they appear as gentle,
docile, affectionate, faithful, against war, great farmers and art workers, with
beautiful physical appearance and moral attributes worthy of a non-indian, and
among the rest of the natives, as the most sensitive to christian teachings.
This group of representations about the identity of the Paresi an identity
allows to conclude that the cultural characteristics of this people were seen as
positive for being similar to the settlers’ culture. In this way, they became,
simultaneously, the privileges target for capture and slavery, by the sertanists, and
the reason for the protection acts, mostly ineffective, of the Portuguese queen. The
settlers’ actions, in which the protectionist legislation weighs in, acted in the sense of
making the portuguese undertaking in the extreme west of their American
possessions. The Paresi Indians ended up counteracting in a completely opposite to
the way they had their way of life until finding the Other, one educated in europian
culture.
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Introdução ___________________________________________________________________ 1
Etnografia e história dos Paresi: uma apresentação___________________________________ 15
Imagens dos Paresi no espelho do colonizador_______________________________________ 36
Entre a proteção e a escravidão: os Paresi e a política colonial portuguesa _________________ 70
Considerações Finais __________________________________________________________ 93
Fontes e Bibliografia __________________________________________________________ 96
Fontes primárias ___________________________________________________________ 96
Referências bibliográficas ____________________________________________________ 98
Bibliografia_______________________________________________________________ 102
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A proposta desse estudo insere-se na perspectiva da história cultural,
procurando refletir sobre as relações e conflitos interétnicos constitutivos da história
colonial brasileira e, em especial, de Mato Grosso, no contexto das ações
colonizadoras portuguesas, na primeira metade do século XVIII. Trata-se,
especificamente, de compreender de que modo os índios da nação Paresi foram
representados nos discursos dos agentes coloniais, em crônicas sertanistas e
documentos oficiais da coroa Portuguesa, no período entre 1719 e 1757.
Paracy, Paracisses Perecises, Paracyzes, Pereci, Paresi
1
. Foram assim
adormecidos na escrita do século XVIII os habitantes do vasto espaço geográfico
onde penetraram luso-brasileiros e portugueses para explorar cobiçadas minas, que
nomearam do Cuiabá
2
e Mato Grosso
3
. Ao contrário de outros gentios, tidos como
bravios, infiéis, quase impossível de se tornarem cristãos, os índios da nação Paresi
eram vistos pelos “brancos” como os mais predispostos a inclusão aos fundamentos
dos valores conceituados como civilizados, inclusive por serem os de maior
inclinação aos ensinamentos da fé católica.
Esta é a representação mais recorrente sobre os índios Paresi nos discursos
que circularam entre 1719 e 1757, compondo imagens que, repetidas e reforçadas no
século XIX e XX, e mesmo nos dias atuais, foram incorporadas à própria identidade
desses índios. Como se constituíram tais imagens e que práticas sociais elas
suscitaram? Qual a funcionalidade delas para o projeto o colonizador? Por que o
discurso sobre a mansidão dos Paresi teve longevidade na história?
Seus objetivos centrais são: entender o sistema de classificações dos
colonizadores sobre os índios e como os Paresi foram aí enquadrados; avaliar de que
1
Estas são as várias grafias encontradas no conjunto documental pesquisado em referência ao
etnômino dos índios em estudo. Para este trabalho, foi escolhida a grafia Paresi.
2
Segundo Carlos Alberto Rosa, ”Quando (...) teve início o topônimo Mato Grosso para referir as
margens orientais do Guaporé, o topônimo Cuiabá já estava consolidado inclusive no título da
única vila do centro do continente: a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, fundada no
primeiro de janeiro de 1727. Topônimo urbano, que unia uma categoria de aglomerado
normatizado (vila), uma determinação régia (Real) e uma invocação do Filho cristão de Deus (Bom
Jesus), ao nome ameríndio Cuiabá. Cf. ROSA, 1996.
3
A união das palavras mato e grosso como topônimo aplicado a esta parte mais central da América
do Sul pode ser datada de fins dos anos 1720 e início dos anos 1730. Cf. ROSA, 1996.
2
modo essa classificação serviu às práticas colonizadoras; e entender a significação
histórica da construção da imagem destes índios.
A atenção irá centrar-se entre os anos 1719 a 1757, com ênfase nos anos
1730, nos quais as representações sobre os índios Paresi são mais numerosas e
recorrentes. Estes anos correspondem ao momento em que se verifica a retração do
ouro nas minas da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá e em seus arredores,
intensificando a penetração dos habitantes da Vila de Piratininga cada vez mais para
oeste, rumo às terras habitadas pelos Paresi, que passam a ser mais e mais
perseguidos por sertanistas especializados no apresamento de indígenas, para serem
vendidos como escravos, comércio que se constituía, naquele período, em uma fonte
segura de lucros
4
. O ano de 1757 baliza o final do período a que se dedica este
estudo. Neste ano, passa a vigorar a lei do Diretório dos Índios do Brasil, instruindo
e legitimando o comportamento do colonizador em relação às populações indígenas
envolvidas nos empreendimentos da definição da fronteira norte do Brasil
5
. Dentre
outras recomendações, essa lei determinava atitudes mais incisivas de proteção aos
índios visando a integração do gentio ao projeto civilizador. Embora não se
constituísse em “uma novidade, em termos de instrumento jurídico de políticas
coloniais”
6
, o Diretório materializou uma conduta política relativa às populações
indígenas, legalizando um discurso precedente de proteção e liberdade aos índios, de
forma geral, e especialmente aos considerados mansos.
É importante frisar, no entanto, que a política do Diretório não provocou
transformações radicais no que respeita ao apresamento e escravização dos
indígenas. Como afirma Almeida, embora essa política tenha regulamentado “as
condições em que se fazia legítima a liberdade dos índios, ainda deu margem à
continuidade de certas práticas de escravidão”
7
.
A situação não é diferente no caso dos Paresi. É certo que, a partir de 1757,
quando o Diretório passa a vigorar, os administradores da Capitania de Mato Grosso
passaram a determinar ações mais punitivas contra aqueles que insistiam na
4
Cf. CANAVARROS, 1998, p. 70 e ss., e SÁ, 1975.
5
Nas palavras de Rita Heloísa de Almeida, o Diretório significa “um documento jurídico que
regulamentou as ações colonizadoras dirigidas aos índios, entre os anos de 1757 e 1798 (....) um
instrumento jurídico criado para viabilizar a implantação de um projeto de civilização dos índios
na Amazônia”. ALMEIDA, 1997, p. 14.
6
ALMEIDA, 1997, p. 15.
7
Ibidem, p. 15. Esta autora acrescenta, ainda, que “Aparentemente, este regimento suscita rupturas,
mas (....) continua e consolida as ações colonizadoras anteriores”.
3
escravização destes índios, conforme se pode constatar na documentação do
período
8
. Contudo, esta mesma documentação revela que aquelas ações não
chegaram a impedir que os índios da nação Paresi continuassem sendo perseguidos e
escravizados.
Assim, a escolha do marco jurídico do Diretório para delimitar o final do
período abordado pela dissertação, não foi escolhido por se considerar que ele seja
um marco decisivo no que diz respeito às práticas dos agentes colonizadores em
relação aos Paresi. Esta escolha sinaliza para um momento em que, pode-se
considerar, o núcleo fundamental das representações sobre estes índios, orientador
das práticas sociais de colonos e dos representantes da administração colonial
portuguesa em relação a essa etnia, já havia se constituído.
É possível dar visibilidade às relações históricas entre os colonizadores e os
Paresi, interpretando o conteúdo das cartas de administradores públicos dos dois
termos: o Mato Grosso e o Cuiabá. As correspondências entre os agentes coloniais
das capitanias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, e do Maranhão e Pará são
ricas em informações sobre a política da coroa portuguesa acerca dos índios e se
constituem em elementos de análise para a história desta capitania.
O referencial administrativo e cronológico tem como fatos marcantes a
descoberta de Pascoal Moreira Cabral e seus homens dos veios auríferos no rio
Coxipó em 1719, a fundação da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá em 1727 e o
topônimo Mato Grosso, que surgirá em 1734. Ainda, a criação, em 1748, da
Capitania do Mato Grosso, que compreendia as duas repartições, o Cuiabá e o Mato
Grosso.
O estudo busca explicitar, neste contexto espacial e temporal, as
representações, a legislação e as práticas sociais que moldaram o relacionamento
com as populações indígenas, e em especial com os Paresi, iluminando aspectos da
história dos colonizadores, dos colonos e das populações autóctones que habitavam
as extensas terras ao centro e ao oeste da região em conquista. Estas terras se
constituíam, então, como espaço de fronteira, ainda indefinida, entre as possessões
espanholas e lusitanas na América, o que levou o Conselho Ultramarino português a
8
Cf. os documentos que vêm após o ano de 1757, principalmente as Fontes Primárias (11) e (13).
Obs.: as fontes primárias serão citadas por meio do número correspondente à sua ordenação na
relação das fontes primárias apresentada, organizadas em ordem alfabética e cronológica, em
Fontes e Referências, no final desta dissertação, às p. 106 a 108.
4
determinar que se deveria fazer a colônia de Mato Grosso tão poderosa que
contivesse os vizinhos e servisse de antemural a todo o interior do Brasil
9
.
No esforço de interpretação das fontes primárias, em especial os relatos
sertanistas e a documentação gerada pelas autoridades coloniais, lidas à luz de outros
estudos sobre os Paresi e das reflexões teórico-metodológicas consideradas
pertinentes, é que se pretende reconstituir o movimento de elaboração das imagens
sobre estes índios no contexto da colonização portuguesa da primeira metade do
século XVIII.
O quadro teórico metodológico tenta acompanhar os ensinamentos de Roger
Chartier na obra A história cultural: entre práticas e representações
10
. Tendo como
referência as contribuições deste autor, busco explicitar a construção da
categorização dada aos índios Paresi, e entender a dinâmica do real arquitetada por
um grupo dominante, capaz de fazer dos seus discursos práticas sociais, e de, com
elas, transformar a realidade histórica.
Através das palavras, o grupo dominante apropriou-se do poder de coagir,
estabelecendo domínio sobre os povos indígenas, e promoveu a adequação do modo
de viver dos índios, inserido-os numa nova relação político-social. Nesta perspectiva,
é ainda importante frisar, que as imagens sobre os Paresi se cristalizaram num modo
expressivo de construção de informações, por meio da circularidade via poder de
comunicação. Os homens no desempenho do poder político tratavam de escrever os
acontecimentos de seus espaços administrativos, com evidências das estratégias de
atuação do poder aflorando em suas ordens e decisões.
A sociedade que ia se constituindo, a partir das descobertas do ouro, na
espacialidade em que se fundou a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, e,
posteriormente, na região que veio a se denominar Mato Grosso, também fruto de
descobertas auríferas, exigiu da Coroa Portuguesa um projeto colonizador
sofisticado, capaz de justificar suas escolhas e definir estratégias de concorrência e
de dominação sobre os indígenas e seus territórios. A implementação deste projeto,
no que respeita aos indígenas, exigia a formação de uma nova identidade histórica,
nela moldando um sistema econômico, político e cultural de relações, uma identidade
9
Cf. VOLPATO, 1987, p. 29 e ss.
10
CHARTIER, 1990, p. 9 a 27.
5
social que previa a relação de poder vinda de um soberano, padronizando religião,
língua e conceitos sócio-culturais.
Neste sentido, o estudo de Ronald Raminelli, sobre o sistema representativo
com o qual operavam os colonizadores, traz contribuições importantes, que nos
auxiliam a compreender o modo como o índio foi enquadrado em certas categorias
mentais, facilitando o entendimento da construção das imagens da população
ameríndia na colônia portuguesa, produzidas pelos múltiplos agentes coloniais que
exerciam funções do poder em espaços do Estado. Vistos a partir de valores do
colonizador, os índios são colocados numa condição de inferioridade inata, o que
resulta em uma naturalização das estratégias de dominação e conquista difundidas no
processo do colonização
11
.
O luminoso estudo da antropóloga Rita de Almeida, foi também
fundamental para a elaboração desta dissertação. Este estudo compõe uma
investigação do conjunto de leis chamado Diretório, que, aplicado aos índios, serviu
como instrumental jurídico, tendo na Colônia aspecto de lei geral. Para elucidar:
(...) sua aplicação aos índios do Brasil tinha, além de um propósito
evangelizador, o objetivo de solucionar grandes problemas de
defesa territorial e do povoamento, apresentando como sugestão
um plano de secularização no serviço da administração dos índios,
o qual, entre outras medidas, usava a substituição dos
missionários regulares por funcionários civis e militares
12
.
Segundo a autora, o Diretório consolidou ações colonizadoras. Teve
orientação equivalente às constituições que atualmente regem as nações. Na lista que
apresenta sobre o conteúdo do Diretório há legislação que aprova: o uso exclusivo da
língua portuguesa, os casamentos interétnicos e o convívio social nas novas
organizações comunitárias. Nas povoações, os índios e brancos estariam sujeitos às
mesmas leis civis que regiam os portugueses na Europa e também estavam
submetidos ao poder da justiça e da fazenda. A autora estudou as implicações desse
instrumento jurídico acionado em decisões das políticas coloniais nas povoações
indígenas da Capitania do Maranhão e Pará. Suas leis estimulavam e tornavam
possível no interior de espaços considerados “urbanos”, aldeados e, portanto,
“civilizados”, o convívio social e comunitário dos índios e brancos em situações
jurídicas e civis semelhantes. Essa pesquisa faz entender a política do Diretório
11
RAMINELLI, 1996, p. 5 a 25.
12
ALMEIDA, 1997, p. 14.
6
regulamentando as circunstâncias em que se fazia do indígena um homem livre,
dando “margem à continuidade de certas práticas de escravidão”
13
. Além disso,
promove a discussão das contradições entre discursos e práticas relacionadas à
condição jurídica dos Paresi em Mato Grosso e no Cuiabá.
Também importante para essa dissertação foram os ensinamentos de Edgard
Ferreira Neto
14
, sobretudo no percurso do entendimento do sistema de classificações
que hierarquizaram e discriminaram as diferenças entre o europeu cristão e os não-
cristãos.
Na perspectiva historiográfica, a produção de Elizabeth Madureira
Siqueira
15
inicia a temática dos estudos sobre os índios Paresi. Ela faz uma pesquisa
documental contando sobre essa nação na história colonial e, na seqüência, apresenta
relatos sobre a história Paresi durante o Império, além de informações mais
contemporâneas. Seu estudo segue um estilo metodológico em que há uma sucessão
de acontecimentos e falas sobre a história desses indígenas localizados no sudoeste
do Estado de Mato Grosso. Essa dissertação conta com seus escritos como principal
material de consulta sobre o processo histórico dessa nação, apoiada especialmente
nas facilidades da pesquisa documental apresentada em seqüência cronológica.
A obra que inaugura na perspectiva antropológica os estudos sobre a etnia
Paresi foi escrita por Romana M. Ramos Costa
16
. A autora examina as articulações
dessa nação com a sociedade envolvente, revê as categorias sociais, seu
comportamento, sua conduta e as estratégias engendradas no bojo desse sistema,
assuntos que auxiliam enormemente a compreensão das práticas culturais dos índios
Paresi. É suporte para a apresentação dos dados sobre a etnia e é a principal fonte
para responder a pergunta “quem são os Paresi?”. O capitulo tem como base os
estudos de Romana, entretanto, para a construção dessa resposta e para o restante do
enredo da trama dessa dissertação, outros autores e autoras serão apresentados. É
bom dizer, sobre a etnografia, que Romana buscou o texto no contexto e ressalta que
a busca do autêntico, do tradicional é um contra-senso.
A antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, ao escrever um relatório
deixando elementos para a compreensão da história dos índios Paresi, faz com que
13
Ibidem, p. 14
a 15.
14
FERREIRA NETO, 1997.
15
SIQUEIRA, 1993.
16
COSTA, 1985.
7
suas contribuições venham se somar àquelas escritas por outros autores
17
. Sua tese
oferece elementos para a compreensão da história vivida pelos índios Paresi, quando
Rondon esteve trabalhando à frente da comissão das linhas telegráficas, e sobretudo
refaz a memória dos Paresi sobre a apreensão da imagem positiva que construíram
sobre ele
18
.
Usando as contribuições desse conjunto de autores e autoras, a dissertação
busca uma leitura sobre a nação Paresi nos tempos da colônia, que permita uma
melhor compreensão da imagem de mansidão, e de sua funcionalidade para o projeto
colonial. Para tanto, a revisão histórica do contexto colonial, no qual mineradores,
preadores de índios e administradores vinham definindo um sistema de classificações
em relação aos povos autóctones, torna-se fundamental. Neste sentido, algumas obras
foram lidas tendo em vista compreender diferentes aspectos da construção histórica
da expansão, conquista e efetiva administração luso-brasileira na região das minas do
Cuiabá e, posteriormente, da efetiva colonização do extremo oeste das terras da
colônia Brasil. São obras que mediaram a percepção do entendimento da política de
colonização, da construção de um aparato político-administrativo e que, mesmo que
não tratem diretamente sobre a história dos índios Paresi, ajudaram a refazer e a
recompor o contexto das ações colonizadoras, no qual estão inseridos os índios
Paresi.
A obra de Carlos Alberto Rosa permite entender as relações de poder que se
dão no espaço urbano colonial. O autor diz que as primeiras formas de
espacializações deram-se na criação da freguesia eclesiástica do Cuiabá em 1722 e
em seguida a fundação da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá, em 1727, conferindo
ações significativas sobre a criação “de uma rede urbana intra-capitania, que por sua
vez dicotomiza-se em redes ‘parciais’, uma encabeçada por Cuiabá, outra por Vila
Bela”
19
.
Jovam Vilela da Silva mostra, por sua vez, que, no processo de ocupação e
povoamento da região em conquista, a “população nativa recebeu atenção especial e
uma legislação própria”
20
. Segundo o autor, o Diretório “veio transformar os nativos
17
MACHADO, 1993.
18
MACHADO, 1994.
19
ROSA, 1996, p. 06.
20
SILVA, 1995, p. 13.
8
em vassalos da Coroa com os mesmos direitos e prerrogativas (....) Como se brancos
fossem”
21
.
Conforme Vilela, a coroa portuguesa investiu em aparatos administrativos
que serviram para nortear a ação política dos governantes locais tornando os nativos
“guardiões de fronteiras”
22
.
Com a política de sedentarização da população nativa, defendida em meados
do século XVIII, alguns resultados foram obtidos: a garantia da navegabilidade pelas
águas do Guaporé e do Paraguai, e a fundação de aldeias, arraiais, vilas, missões,
lugares, presídios e fortalezas, que vinham garantir a fronteira pretendida pelos
portugueses
23
.
Essa obra considera a análise da política metropolitana que instruía os
governantes locais a fazer da nação Paresi uma aliada da Coroa e subsidia uma
discussão e compreensão da política régia do Mato Grosso.
A brilhante obra da antropóloga Denise Maldi Meireles
24
trata dos índios no
vale do rio Guaporé, enfocando a história das duas principais missões espanholas
Mojos e Chiquitos. Avaliando as relações entre as nações ibéricas, ao longo da
fronteira, apresenta acontecimentos importantes para o entendimento da ocupação
oriental do dito rio pelos portugueses e, em especial, seu estudo revela a história dos
colonizadores que no avanço sobre o Chapadão dos Paresi investiam em práticas
escravistas, preando sobretudo os índios da nação Paresi e os da nação Cabixi:
Esses dois etnônimos serviram para designar povos distintos que
viviam em territórios compreendidos pela Savanas a oeste do rio
Paraguai e a área norte do Guaporé. Descritos como povos
“pacíficos” cedo atraíram os caçadores de escravos, que tinham
nessa atividade uma compensação para a efeméride das minas.
25
Ainda sobre as questões envolvendo a temática indígena, a autora mostra
que os portugueses faziam política de manutenção da naturalidade de algumas
nações, conservando-as em seus territórios. Deste modo, os colonizadores estariam
assegurando o domínio e estendendo a fronteira
26
. No contexto de ocupação do
21
Ibidem, p. 27.
22
Sobre esse tema, ver, também, MEIRELES, 1989.
23
SILVA, 1995, p. 28.
24
MEIRELES, 1989, p. 15 a 27.
25
Ibidem, p. 104.
26
Ibidem, p. 149.
9
Guaporé pelos lusitanos houve a criação da Capitania de Mato Grosso, com data de
1748, sendo Antônio Rolim de Moura Tavares o primeiro Capitão-general a
administrar o conjunto de ordens lusitanas de Vila Bela da Santíssima Trindade, a
partir de 1752, data da fundação da primeira capital de Mato Grosso.
Meireles diz que enquanto os espanhóis, ocupando o lado ocidental do
Guaporé, já haviam instituído as missões de Moxos e de Chiquitos, no lado oriental
os portugueses pouco haviam feito, na perspectiva de investimentos missionários.
Nessa perspectiva a autora diferencia os investimentos dos espanhóis em comparação
à exigüidade da política missionária dos portugueses:
A margem oriental ostentava uma paisagem dominada pela
floresta e pelos campos vazios de homens, os tributários da
margem ocidental exibiam as missões, algumas com milhares de
habitantes, que se agrupavam em torno de igrejas de estilo gótico
ornamentadas por objetos sacros de prata confeccionados por
índios.
27
Nesse enredo do avanço dos representantes coloniais sobre as terras do
extremo oeste da colônia portuguesa está inserida a nação dos índios Paresi.
Envolvidos no processo de conquista e defesa territorial, eles foram submetidos a
uma trajetória de truculência, na qual, sobrevivendo à dor da escravidão e ao
contínuo processo de extermínio de sua sociedade, colocados na condição de índios
mansos, foram estrategicamente escolhidos para engrenar a política de colonização.
O estudo de Lylia da Silva Guedes Galetti é fundamental para discutir as
percepções do universo social apreendido pelos colonizadores em tempos da colônia.
Faz compreender a “noção de sertão, como categoria espacial cujos significados se
prestaram exemplarmente aos objetivos da colonização”, e de que modo os índios
figuram nas representações sobre o espaço definido como sertão
28
.
(...) o sertão, domínio absoluto da natureza, vai se tornando um
lugar de histórias e, também, objeto de uma memória, dando
origem a enredos que assinalam as vitórias dos colonos em sua
cruzada de obtenção de terras, metais preciosos e gentes para
glória de Deus e do Rei.
29
27
Ibidem, p. 10.
28
GALETTI, 2000.
29
Ibidem, p. 44.
No que respeita ás fontes, exploramos a documentação oficial da Coroa
portuguesa: cartas, ofícios, bandos e instruções reais, entre outros tipos de
documentos, buscando compreender, sobretudo, o discurso de proteção aos Paresi,
que, não raro contradizem ações efetivas neste sentido.
Quanto às crônicas e relatos sertanistas, a narrativa setecentista de Antônio
Pires de Campos, serve de referência básica. Trata-se do principal relato sobre a
história dos índios Paresi no início da colonização da região onde viria a se delimitar
o território de Mato Grosso. Era este relator um capitão paulista e foi ele o primeiro a
elaborar notícias sobre os Paresi. O sertanista cria uma memória detalhada sobre essa
nação e define suas características culturais e sua territorialidade. A narrativa,
diferente de outros autores do seu contexto, ganhou detalhes importantes na
construção da imagem sobre os Paresi. No que coube aos índios dessa nação serviu-
se de minúcias e caracteriza-se com expressões pontuais enobrecedoras, em oposição
a muitas outras nações indicadas como selvagens. Muito do conteúdo da narrativa de
Antônio Pires de Campos é corroborado nos documentos oficiais, de modo que seus
escritos estão sendo considerados como formadores de opinião. Suas descrições
afirmam que os índios da nação Paresi são os mais receptivos aos ensinamentos da fé
católica. O autor setecentista apresenta descrição apurada das várias nações indígenas
que estavam situadas às margens dos rios Paraguai, Cuiabá, Cuiabá-Mirim, Coxipó,
Guaporé, Sararé, Galera e muitos outros que serviram de itinerário às monções que
vinham ao extremo oeste. Esse documento foi enviado a Portugal e serviu de
orientação à aplicação da política pública colonialista em relação aos índios nesta
parte do território. O conteúdo documental orientou as estratégias colonizadoras,
determinando, por exemplo, através de guerras, a eliminação das nações que
dificultavam a expansão para essa parte da conquista portuguesa
30
.
Além da narrativa de Pires de Campos, nos utilizamos, ainda, para explicitar
a configuração das imagens sobre os Paresi, das informações de João Antonio Cabral
Camello, descritas em seu relato datado do ano de 1734, são resultados de uma
viagem que fez às minas do Cuiabá entre os anos de 1727 e 1730. Camello não era
um sertanista como Antônio Pires de Campos. Aparentemente, era um “homem de
negócios”. Não se sabe ao certo quem era ele, onde nasceu, que experiência tinha nos
“sertões”. O que se sabe é que escreveu sua “notícia” em 1734, por solicitação do
30
CAMPOS, 1981, p. 179 e ss.
“padre matemático” Diogo Soares
31
. Camello caracterizou os Paresi com atributos
que vão da fragilidade e inabilidade à guerra e, mais, os descreveu como os que não
fazem mal a ninguém, vivem quietos, plantam e cultivam suas roças como brancos.
Diferente de Antônio Pires de Campos, o relato que faz informando sobre os índios
Paresi é breve e, semelhante ao do sertanista, contribui para entender o trajeto das
viagens de muitos preadores de índios para esta parte da América Portuguesa. Em
especial, trata de mostrar como os Paresi foram classificados
32
.
São também importantes na elaboração da dissertação, as informações do
importante cronista Joseph Barbosa de Sá
33
, que escreveu um texto bastante
informativo sobre a história da minas do Cuiabá e região. Deixou muitas memórias
sobre a história da Capitania de Mato Grosso desde o início dos achados auríferos,
em 1718, nas minas do Cuiabá, e com rigidez escreveu a sucessão de outros achados,
em várias outras regiões, concluindo sua crônica no ano de 1775. “Foi testemunha
ocular de inúmeros feitos por ele narrados, tendo inclusive participado da expedição
exploradora que visitou as missões de Moxos, em 1743”
34
. Sobre as minas do Mato
Grosso, conta fragmentos da história dos índios Paresi, escrevendo passagens que
contextualizam a escravidão desses índios nos anos 30 dos setecentos.
Narrativas do séculos XIX e XX também foram incorporadas, de modo a
reforçar o argumento sobre a recorrência das representações elaboradas na primeira
metade do século XVIII. Nesta perspectiva, utilizamos da narrativa do padre
naturalista Nicoláo Badariotti, missionário salesiano, que esteve durante cinco meses
entre os Paresi, quando participou de uma viagem de exploração ao norte de Mato
Grosso em 1898. Badariotti ia de aldeia em aldeia ensinando o cristianismo,
convertia índios e defendia a religião católica como pedagogia de ação no combate a
práticas culturais indígenas das quais não comungava. Sua obra caracteriza-se pelo
naturalismo, pela apologia ao cristianismo e pela imprudência na descrição de
algumas características culturais da nação Paresi. O naturalista Nicolao Badariotti
trata em descrever, em seus apontamentos etnográficos sobre essa nação, sobre sua
estética, sobre a língua que ele chama Háriti ou Paresi, sobre os costumes e tradições
religiosas. Detalha cenas do cotidiano que servem ao estudo desta dissertação e
31
Cf. ROSA, 2001.
32
CAMELLO, 1975, p. 1 a 16.
33
SÁ, 1975.
34
CANAVARROS, 1998, p. 9.
possibilita a visão das relações interétnicas, permitindo entender a situação de vida
dos Paresi em fins do século XIX e início do século XX
35
.
Outra narrativa importante, esta do início do século XX, é a do então
coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, que percorreu as terras Paresi como
chefe da Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao
Amazonas, e estreitou contatos com esses índios Paresi. Muitos deles trabalharam na
construção da linhas telegráficas, e dessa relação Rondon escreveu relatórios
notificando assuntos relacionados à etnografia desses índios
36
.
Além destes autores, para os séculos XIX e XX, também foram utilizadas
informações constantes de outras obras, entre as quais se destacam as de Frei José
Macerata
37
, Maria do Carmo Melo Rego
38
, Max Schmidt
39
e Taunay
40
.
As oposições racional/irracional, selvagem/bom selvagem e
bárbaro/civilizado tomaram grandes dimensões, permitindo um sistema de
classificações e exclusões. De grande investimento nos discursos está o assunto sobre
a irracionalidade, justificativa pronunciada pelos colonizadores em Mato Grosso que
trouxe as práticas da escravidão, dominação e extermínio, e a política de
aldeamento
41
.
Nesta perspectiva, é importante frisar que as imagens dos Paresi,
emprestando-lhes uma identidade que os tornava mansos e úteis ao projeto
colonizador, se constitui não apenas no espelho dos que zelavam pela implementação
deste projeto, e que viam nesta identidade qualidades “racionais” próximas às do
civilizado, mas, em larga medida, por oposição e contraste com as imagens dos
índios tidos como bravios, inteiramente selvagens, cruéis, sanguinários, praticamente
perdidos numa barbárie sem possibilidade de evolução. Imagens que resultam, sem
dúvida, do tipo de resistência guerreira que esses “maus selvagens” fizeram ao
projeto do colonizador, caso das nações Paiaguá e Guaicuru.
Em síntese, compreender de que forma foram construídas pelos luso-
brasileiros as imagens sobre a sociedade Paresi, no contexto colonial, é, pois, o
35
BADARIOTTI, 1898.
36
RONDON, 1910.
37
Fonte Primária (28).
38
REGO, 1889.
39
SCHMIDT, 1943.
40
TAUNAY, 1924/1950.
41
Cf. FERREIRA NETO, 1997, p. 315.
objetivo deste texto. Importa frisar que as imagens deste período foram reproduzidas
e ganharam circularidade temporal por meio dos agentes colonizadores, resultando
em atitudes de dominação da parte dos que detinham o poder econômico, a
autoridade política e as armas da “civilização”.
Para delinear uma narrativa que possa expor as questões pertinentes a este
objetivo maior, a dissertação está organizada em três capítulos, como segue:
O primeiro capítulo ETNOGRAFIA E HISTÓRIA DOS PARESI: UMA
APRESENTAÇÃO mostra dados etnográficos sobre esses índios e é fundamentado,
essencialmente, nos escritos da antropóloga Romana Maria Ramos Costa
42
e nas
instruções encontradas no relatório de Cândido Mariano da Silva Rondon
43
. Partindo
especialmente desse material de consulta, refez-se um enredo sobre as relações
intergrupais. Buscando conhecer a natureza das várias modalidades de articulação
estabelecidas entre os Paresi e os não índios é possível visualizar aspectos da história
cotidiana da sociedade. Com a exposição dessas características torna-se possível
clarificar os aspectos culturais da nação em estudo.
No segundo capítulo IMAGENS DOS PARESI NO ESPELHO DO COLONIZADOR
apresentamos, inicialmente, um histórico do contexto da expansão colonizadora
para oeste da colônia portuguesa. As informações escritas pelos sertanistas e
administradores coloniais são fundamentais para se entender este contexto,
especialmente os discursos que apresentam as representações construídas sobre o
espaço e os índios. Tomando como referência esta contextualização, o capítulo se
debruça sobre as representações acerca dos Paresi, buscando nos relatos dos
sertanistas os elementos que vão compor a imagem desses índios, conferindo-lhes
uma identidade de mansos e dóceis, diferenciando-os de outros grupos indígenas. A
narrativa segue o relato de Antônio Pires de Campos
44
, escrito nos anos trinta dos
setecentos, considerado o mais importante sobre a questão, representando um
documento valioso sobre as populações indígenas localizadas na parte oeste da
conquista. A partir dele, as sociedades indígenas passaram a ser mais conhecidas
pelo rei de Portugal, facilitando os procedimentos estratégicos da conquista e da
colonização. Outros dois textos dos setecentos servem à composição da narrativa. O
42
COSTA, 1985.
43
RONDON, 1910.
44
CAMPOS, 1981, p. 187.
relato de João Antônio Cabral Camello
45
, escrito em 1734, e a obra do cronista José
Barbosa de Sá
46
, datada de 1775, são utilizados para mostrar a constituição das
representações sobre os Paresi no século XVIII. Mostrando a circularidade do
discurso fundador escrito por Antônio Pires de Campos, serão citados outros
autores
47
que escreveram, nos séculos seguintes, sobre a “quase civilidade” dos
Paresi.
O terceiro capítulo ENTRE A PROTEÇÃO E A ESCRAVIDÃO: OS PARESI E A
POLÍTICA COLONIAL focaliza de que modo as representações da domesticidade dos
Paresi são positivadas em práticas sociais articuladas com os propósitos da
colonização portuguesa. Enfatiza, sobretudo, as práticas de apresamento e
escravização destes índios, bem como as ações protecionistas previstas no discurso
oficial relativos a estes índios.
45
CAMELLO, 1975.
46
SÁ, 1975.
47
BADARIOTTI, 1898, e REGO, 1899, p. 3.
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As terras altas a sudoeste da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá,
fundada em 1727, após a descoberta do ouro em seus arredores, nos anos de
1718/1719, chamaram a atenção de portugueses e luso-brasileiros, desde as suas
primeiras incursões aos sertões do oeste da Colônia, no final da década de 1720.
Nestas vastas terras, que hoje fazem parte do território de Mato Grosso, ainda vive a
etnia Paresi, em reservas que já não correspondem ao dilatado reino que os cronistas
do século XVIII registraram e que atualmente estão cercadas por grandes
propriedades agropecuárias, trazidas pela expansão da fronteira capitalista, a partir
dos anos 1970
48
.
Todavia, desde as primeiras décadas daquele século até os dias atuais, as
extensas terras, originalmente habitadas pelos Paresi, foram nominadas em razão da
sua numerosa presença: Chapada, Chapadão ou Serra dos Parecis, o nome tornou-se
significativa referência geográfica na história de Mato Grosso. Mesmo antes de
surgir o termo Mato Grosso, o lugar já era conhecido pelos preadores de índios como
sertão dos Parecis
49
.
Os achados nas minas do Cuiabá, nos anos 20 dos setecentos, foi notícia
estimuladora para a vinda de muitos homens para o interior sertanejo. Mas o ouro
desse lugar escasseou em menos de uma década, e as minas tão famosas se tornaram
pouco atrativas. As dificuldades daí advindas subtraíram as possibilidades de
permanência dos mineradores no local, e suscitaram o anseio de novos achados. Por
esse motivo, houve o deslocamento para o oeste da Vila Real de Cuiabá, em direção
aos sertões dos Paresi, que eram palmilhados no longo percurso entre esta Vila e os
novos achados auríferos nos ribeirões Sararé e Galera, afluentes do rio Guaporé.
Estes achados foram pontuados como mais um espaço de conquista, levando a
48
Segundo uma descrição contemporânea, o “Chapadão dos Paresi é a maior área de terras planas do
planeta próprias para a agricultura, com 2,1 milhões de hectares. Este espaço do solo em Mato
Grosso, eqüivale ao território do Estado do Sergipe. Nestas áreas vastas e férteis (....) predominam
as grandes lavouras de soja, milho, algodão (....)” (A Gazeta, Cuiabá, 10 de fevereiro de 2002).
49
Cf. FONSECA, 1977 e MACHADO, 1993.
administração colonial à inclusão de posições políticas renovadas em relação a nação
Paresi
50
.
Sua história está marcada pelo des-encontro com essa outra cultura: a
ocidental cristã. E, com maior relevância, e desdobramentos extremamente
significativos, a partir do século XVIII. É também a partir daí que os índios dessa
nação passam a figurar na história oficial do projeto colonizador, com inúmeros
registros na documentação gerada pelos administradores coloniais.
Contudo, antes de explorar esta documentação em busca das representações
sobre os Paresi no contexto colonial, buscamos em estudos de natureza etnográfica,
produzidos sobretudo no século XX, outras histórias sobre estes índios que não
aquela escrita pelo colonizador português. Nosso objetivo, aqui, é fazer uma
aproximação à cultura dos Paresi, privilegiando os estudos mais contemporâneos,
produzidos por antropólogos. Por esse caminho, pretende-se uma melhor
compreensão das representações sobre os Paresi no período colonial, considerando
que a relação entre cultura e história não é uma relação de oposição, mas uma relação
dinâmica, em que uma conforma e modifica a outra. Para a elaboração deste capítulo
utilizamos, especialmente, a dissertação da antropóloga Romana Maria Ramos
Costa
51
, a tese Maria de Fátima Roberto Machado
52
e nas informações etnográficas
contidas nos escritos de Cândido Mariano da Silva Rondon, conteúdo de um de seus
relatórios
53
.
Numa primeira aproximação pode-se identificar os Paresi como
Habitantes do extenso planalto que vai desde as cabeceiras do
Arinos do Paraguai até as cabeceiras do rio Guaporé e do
Juruena, os Paresi compõem uma unidade socialmente
diferenciada, compartilham uma identidade étnica formada
tradicionalmente por grupos independentes econômica e
politicamente, endogâmicos (os casamentos são dentro dos
grupos), ocupando territórios diferenciados e contíguos
54
.
Sobre as características da espacialidade Paresi, nos informa a autora Renata
Bortoletto:
50
CANAVARROS, 1998, p. 3.
51
COSTA, 1985.
52
MACHADO, 1993.
53
RONDON, 1910.
54
MACHADO, 1993.p. 1
(...) corresponde a um desvio de águas entre bacias Amazônica e
platina e caracteriza-se pelo predomínio de vegetação típica do
cerrado, com matos de galeria. Uma grande rede de matas ciliares
ocorre ao longo dos tributários do Paraguai, no extenso Vale do
Guaporé e ao norte da região, onde se dá a transição entre as
paisagens centro-brasileira e amazônica. Os rios que nascem no
planalto escoam ao sul em direção ao rio Guaporé, e ao norte em
direção ao Ji-Paraná, Roosevelt, Juruena e Arinos, tributários das
bacias do Madeira e do Tapajós. (...) A região do Chapadão dos
Parecis apresenta uma vegetação composta de pequenas
formações herbáceas da zona neotropical, com predomínio de
solos arenosos caracterizados pela baixa fertilidade. Os principais
rios que banham o território Pareci são o Sacre, Papagaio, Verde
e Buriti. Suas águas são límpidas com baixa turbidez, sendo pouco
piscosas. As oscilações dos níveis hidrométricos obedecem a um
regime de chuvas bem marcado, com uma estação seca que se
estende de abril a setembro, e uma chuvosa nos meses restantes
55
Nesta espacialidade, Cândido da Silva Mariano Rondon, por ocasião de sua
passagem pelas terras Paresi, quando chefiava a Comissão das Linhas Telegráficas e
Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, na primeira década do século XX,
relacionou 11 aldeias, com uma população que calculou variava entre 18 a 57
pessoas em cada uma, contando com os adultos e crianças, compondo um quadro de
340 indivíduos
56
. No mesmo período, Max Schmidt, contabilizou uma população de
200 pessoas
57
.
Romana Maria Ramos Costa afirma que, em 1981, os Paresi atingiram um
total de aproximadamente 553 indivíduos, vivendo em 23 aldeias. Em 1983 apenas
13 grupos estavam localizados em uma área de 556.000 hectares, delimitada pelo
Decreto nº 63.368
58
.
Em 1999 existiam na região do Planalto dos Parecis 949 indivíduos,
distribuídos em vinte e nove grupos, ocupando uma região que se estende do “Rio
Arinos e cabeceiras do Paraguai, na latitude sul de 14° 30’ e longitude de 13° 16’ a
oeste do Rio de Janeiro, até as cabeceiras do Guaporé e Juruena, na latitude 14º e
longitude 15° 58’ a oeste do Rio de Janeiro”
59
.
55
BORTOLETTO, 1999, p. 21.
56
RONDON, 1910.
57
SCHMIDT, 1943, p. 4.
58
Sobre a demarcação das terras Paresi, cf. COSTA, 1985, p. 53.
59
MACHADO, 1997, p. 18.
No último levantamento populacional feito pelos funcionários da FUNAI de
Tangará da Serra, datado do ano de 2002, os Paresi atingiram o número de 1310
indivíduos. Na terra indígena do Rio Formoso estão localizadas as aldeias de Jatobá,
Água Limpa, Formoso, Queimada e Cachoerinha, contando com 123 índios, numa
área de 19.749,47 hectares, registrada em Decreto 391/91, espaço localizado no
município de Tangará da Serra. Na terra indígena de Utiariti estão as aldeias de Salto
da Mulher, Seringal, Bacaiuval, Bacaval, Sacre II e Vale do Rio Papagaio, que
contam com 251 índios, morando em uma área de 412.304,19 hectares, localizada
nos municípios de Campo Novo dos Parecis e Sapezal. A terra indígena Estação
Paresi tem a aldeia de mesmo nome, com área de 3.620,88 hectares, reconhecida em
Portaria 666/96, localizada nas terras dos municípios de Diamantino e Nova
Marilândia, região ocupada por 37 índios. Na terra indígena Estivadinho, localizada
no município de Tangará da Serra, em aldeia que ganha mesma denominação, estão
morando 34 índios em 2.031,94 hectares, reconhecida em Decreto S/Nº homologado
em 12 de agosto de 1993. Na terra indígena Paresi estão as aldeias do Rio Verde,
Manene, Ilhioce, Sacre I, Kotitiko, Africa, Sacre 0, Jurupara, Zolomo, Batizá,
Manoroko, que atingem uma área de 563.586,53 hectares, todas localizadas no
município de Tangará da Serra, tendo essa área sido demarcada em 30 de setembro
de 1994, registrada através do Decreto 287/91, contando com 740 indivíduos. Na
terra indígena Juininha há duas aldeias, Juininha e Três Lagoas, com uma área de
70.537,52 hectares, demarcada em Decreto s/nº, homologado em 4 de outubro de
1993, e constando da Portaria 255/MJ/92, contando com 56 índios morando em
terras do município de Conquista do Oeste. Na terra indígena de Figueira há uma
aldeia de mesmo nome, com 13 índios, em terras do município de Barra do Bugres,
que tem área de 9.858,92 hectares reconhecida em Decreto 63368, homologado em
1995. As terras indígenas Paresi de Ponte de Pedra e Uirapuru não apresentam dados
populacionais e ainda não foram reconhecidas
60
. Segundo informações do chefe
Paresi João Ezumae, essa população é de aproximadamente 1700 a 1800 índios,
“porque nesse tempo nasceu muita, muita criança”
61
.
60
Essas informações foram obtidas junto à Fundação Nacional do Índio FUNAI, na Administração
Executiva de Tangará da Serra-Mato Grosso/Informações Fundiárias e Populacionais/2002.
61
Fala de João Ezumae. (Chefe dos chefes dos índios Paresi). Tangará da Serra, em 26 de abril de
2003. FUNAI.
A situação atual, em decorrência dos inúmeros conflitos, se apresenta de
forma que a territorialidade dos Paresi está atualmente concentrada nos municípios
de Tangará da Serra, Campo Novo dos Parecis, Sapezal, Diamantino, Nova
Marilândia, Conquista do Oeste e Barra dos Bugres. Essa área compõe a região
cortada pela BR-364, rodovia que liga Cuiabá a Porto Velho.
Esse é o espaço físico ocupado pelos índios e cabe agora expor as relações
interétnicas, relatando parte da sua história, enquanto grupo social diferenciado. Para
tanto, o estudo de Romana Costa é fundamental. A autora aborda a “dinâmica das
relações sociais estabelecidas entre os Paresi e os brasileiros”, buscando
compreender aspectos fundamentais desta sociedade indígena:
(...) conhecer a natureza das várias modalidades de articulação,
estabelecidas entre os Paresi e os brasileiros; identificar as
estratégias de ação e examinar as práticas específicas por meio
das quais os indígenas procuram conduzir sua participação no
confronto com a sociedade envolvente.
62
Para esta autora, uma das principais características da cultura desses índios
“constitui-se nos seus dois séculos e meio de história de contato com a sociedade
brasileira”. Os Paresi reconhecem-se como “haliti, um povo, uma gente”, no
contraste com outros povos, a exemplo dos índios Nambiquara e dos Bakairi, “estes
seus antigos vizinhos e inimigos”
63
. Incluímos nesse assunto a citação da parte de um
documento, em que o Ouvidor da Vila de Cuiabá, José de Burgos Vila Lobos, conta
ao rei de Portugal sobre uns índios que impediam o descobrimento de ouro nessa
parte da expansão colonial portuguesa. Possivelmente os índios que estão sendo
descritos como antropófagos e que deveriam ser escravizados como os Paresi sejam
os Nambiquara:
(...) que as nações de gentio que confinão com esta dos Paracis
são cruellíssimas e comem carne humana e andam uns com os
outros em contínua guerra e por estas hostilidades; devia todo o
gentio ser cativo como de próximo
64
.
Os índios Paresi, segundo Maria Fátima Roberto Machado, “compõem o
que na Antropologia denominamos grupo étnico”
65
. Povo de língua Aruak, vivendo
62
COSTA, 1985, p. 3.
63
Ibidem, p. 7 a 9. Ver, também, MACHADO, 1993. Sobre os Nambiqurara, ver COSTA, 2002.
Sobre os Bakairí, ver BARROS, 1977.
64
Fonte Primária (5).
65
MACHADO, 1993, p. 1.
num Chapadão arenoso e árido, território cortado por inúmeros rios e que se
autodenomina Haliti:
O termo pode ser traduzido tanto como gente numa referência
explícita ao gênero humano em oposição aos animais, quanto
como “povo” para indicar uma identidade mais inclusiva sobre o
grupo
66
.
O nome Paresi, para esses índios, “nunca teve qualquer significado, surgiu
como uma designação dada pelos não-índios, pelos imóti, os ‘civilizados’”, e isso
ocorreu desde a ida de sertanistas especializados em preação de índios no noroeste
mato-grossense, nos tempos da colonização mercantil.
A indicação do termo, ou do nome, Paresi “a partir do século XIX, passou a
ser aplicado indiscriminadamente a grupos distintos” que falavam o dialeto Aruak,
povos tradicionais “do Planalto de Mato Grosso”
67
.
As categorias sociais dos Paresi são definidas a partir das atribuições que
lhes são pertinentes. Os ezékwaharé são os índios que pensam e mandam. Mandam
nas tarefas da roça, orientam e coordenam vários tipos de serviços, mas não só dão
ordens como trabalham com o grupo. Os ewakaneharé fazem tudo o que os
ezékwaharé pedem; fazem serviço de roça, pegam lenha, fazem casa, cuidam da
limpeza do pátio e caçam em dia de festa. Os Kaheté, incluídos nessa categoria
social, são traduzidos como vaqueiros, que vivem no mato em busca de caça, não
têm roça e nem casa na aldeia, e ao chegarem do mato vão para a casa dos moradores
da comunidade
68
.
Para os Paresi, a lenda da origem do homem conta que Enorê, ser supremo
apareceu no rio Sucurui-iná e nesse rio cortou um pau e enterrou-o ao meio, e ao
cortar uma varinha e batê-la contra o pau criou a forma humana. Vendo o resultado
de sua magia, Enorê fez também a primeira mulher. Esse casal teve quatro filhos,
que formavam dois casais. Os filhos assim se chamavam: um rapaz com o nome de
Zaluie, uma moça, Hôhôlaialô, outro homem, Kamáiocorê, junto com outra mulher,
Uháinârirú. O ente supremo Enorê, pai dos quatro filhos, perguntou a Zalúie se
queria ficar com as espingardas, bois e cavalos, e Zalúie negou a oferta, preferindo a
posse das flechas e outros utensílios. Os cavalos e as armas serviram a Camaicorê,
66
COSTA, 1985, p. 52.
67
COSTA, 1985, p. 50.
68
Ibidem, p. 86.
filho homem que herdou tudo o que têm os brancos
69
. Essas informações traduzidas
nas explicações de Cunha fazem entender que os índios Paresi, como os das demais
nações, têm percepção de uma política e de uma consciência histórica da qual não se
vêem como vítimas. A gênese do homem branco e a iniciativa do contato são
freqüentemente explicadas pelos índios como produtos de sua vontade. O surgimento
do homem branco apresentado na mitologia dos Paresi é também encontrado na
mitologia de outros índios e introduz a idéia da alteridade e da desigualdade
tecnológica. O monopólio dos bois, dos cavalos e dos machados, foi dado aos
brancos e os índios se apropriaram de outros objetos, entre os quais a flecha. A
mitologia dos Paresi indica que reconstruíram sua história a seu modo, e esses índios
estão certos de que suas escolhas provocaram conseqüências desastrosas à sociedade;
entretanto, não se posicionam como vítimas, e assumem uma postura de agentes do
processo histórico
70
.
No entanto, Rondon não foi o único a coletar informações sobre o mito de
origem dos Paresi. Baseada nos ensinamentos de Schmidt, Machado conta que no
início dos tempos um grupo de irmãos saiu do interior da terra, brotaram pelos
buracos das rochas existentes no rio Sucuriu-iná, tributário do rio Arinos e
“descobriram o mundo; os pássaros, as árvores”. Conta, também, que “Wazare, o
mais velho dos irmãos, saiu primeiro e orientou a saída dos outros, entre eles,
Kamazo, Zakálo, Zalóia, Zaloalore, Kóno, Tahóe e Kamaihye”, que procuraram logo
suas próprias terras e nelas se instalaram. Ao saírem de dentro da terra, os irmãos
eram quase humanos. Nos braços e nas pernas conservavam, ainda, as membranas e
possuíam muitos pelos espalhados pelo corpo. Ao atingirem a forma humana, o
grupo de irmãos se “casou com um grupo de irmãs”. Essas mulheres eram “filhas de
Atyahiso, o rei das árvores”. Desses casamentos nasceram
(...) os Kozárini, filhos de Kamazo; os Kaxiniti, filhos de Zaolore;
os Warere, filhos de Kóno; os Kawali, filhos de Tahóe; os
Wáimare, filhos de dois irmãos, Zakálo, e Zalóia, casados ambos
com uma mesma mulher. Wazare e Kamihye não deixaram filhos.
71
Machado explica que “esse mito fala acerca dos haliti, de sua organização
social, política e territorial”. É uma sociedade formada, “por um grupo de irmãos que
69
RONDON, 1910, p. 45.
70
CUNHA, 1998, p. 19.
71
MACHADO, 1993, p. 2. Ver, também, SCHMIDT, 1943, p. 9-10.
se casou com outro grupo de irmãs”. Estes casais deram origem aos pequenos grupos
locais, constituindo a territorialidade dos índios Paresi. No grande território, cada
“grupo endogâmico respeita o território do outro”. É desta maneira que Machado
analisa:
(...) a consciência de uma origem mítica comum é uma das
características fundamentais do modo de ser haliti. A origem
comum identifica uma relação de sangue, língua (Aruak),
território e um aparato cultural que é vivido, configurado,
transfigurado (...). O mito de origem responde, basicamente, às
expectativas culturais em termos daquilo que pode ser considerado
até hoje como central à vida dos haliti: o parentesco, a
organização política e a territorialidade. Wazare, ao distribuir o
território entre os irmãos, evitou a competição pelos recursos
naturais entre eles e entre seus filhos, adaptando-os, assim, a
nichos específicos.
72
Na concepção religiosa, os Paresi acreditam em Enoré, espírito do bem, e
em Uamoti, gênio do mal. “Enoré é o senhor do céu e da terra”, faz chover, trazendo
o orvalho e o calor, faz nascer as sementes e é justiceiro, “premia o bem e castiga o
mal”. O mal está representado no flagelo à humanidade, nele estão o frio e o calor
abrasador. Ele, Uamoti, é assustador e dramático, traz a “fome, a peste, o incêndio, a
inundação”
73
.
No início do século XX, Rondon diz que os Paresi estavam divididos em
subgrupos assim designados: Wáimare, Kazíniti, Kozárini, Káwali, Wararé. Esses
subgrupos “correspondiam a uma formação social com unidades sociais
demarcadas”. Atualmente, segundo estudos de Romana, esses subgrupos não existem
mais. Cenário que trouxe também modificações nos territórios, esses, não são mais
distintos. Aproximadamente 80% dos índios Paresi se auto-denominam Kozárini,
parcela significativa da população que ocupa as aldeias do Bacaval e do Sacre
74
. Para
Rondon, os grupos mais autênticos são os dos “Kozarinis do Juruena, do Guaporé e
do Cabaçal”, por eles serem mais fechados aos cruzamentos, diferentemente dos
Uaimarés e dos Kaxinitis, “vizinhos dos seringueiros”
75
.
Os índios Paresi autoclassificam-se de acordo com a manutenção ou não dos
seus costumes. Romana Maria Ramos Costa identificou, através dos discursos dos
72
MACHADO, 1993, p. 2-3.
73
BADARIOTTI, 1898.
74
COSTA, 1985, p. 54 e ss.
75
RONDON, 1910, p. 13 e ss.
índios, aqueles que conseguiram manter os hábitos alimentares, os cuidados
corporais, o “tipo da moradia, o controle ou não de certos conhecimentos como o da
escrita, da leitura e da comunicação oral em português”, e que correspondem mais ou
menos à identidade dos ancestrais. A exemplificação posta pela autora nos esclarece:
um informante Wáimare diria que um indivíduo Kozárini é um
“primitivo” com base em determinados “traços culturais”, isto é,
mantém os hábitos e costumes dos “antigos” alimentando-se
basicamente de carne de caça e beiju, vivendo em casas
tradicionais, etc. Um informante Kozárini, por sua vez, diria que
os Wáimare não são os “Paresi de verdade”, pois cultivam hábitos
alimentares alienígenas, (...) comunicam-se preferencialmente em
português, e assim por diante
76
.
Suas aldeias formam uma unidade social significativa; seus habitantes
mantêm um grupo específico, cujas relações são marcadas pela solidariedade. Os
animais e os peixes são distribuídos para todos os moradores da comunidade aldeada.
O grupo social possui exclusividade sobre os recursos naturais do território ocupado,
e os limites são demarcados por acidentes geográficos, entre eles as cabeceiras de
rios. O local de morada dos índios Paresi é conhecido pelo termo wénakalati, “rios e
campos são considerados de uso comum e, portanto, de todos os moradores da
aldeia”. As aldeias são unidades políticas independentes, dirigidas por um chefe que
toma conta do pessoal, cuida do povo e administra a vida social e econômica do seu
espaço de poder. A liderança é qualificada como paternal e está apoiada no talento de
zelar pela harmonia social, evitando confrontos e discordâncias. O cargo de chefia é
tido por herança, ficando com o primogênito. O escalado para ocupar esse cargo deve
apresentar boa oratória, ter firmeza e energia em decisões tomadas para o bem
comum
77
.
A manutenção da unidade desses índios é ressignificada especialmente por
meio das cerimônias ritualizadas na festa da chicha, através da qual as várias aldeias
se encontram e confraternizam sua identidade, revivendo a sua ancestralidade:
(...) vimos as festas de chicha como momentos extraordinários, em
que a sociedade exercita simbolicamente a sua unidade. É um
encontro de aldeias, classificações e indivíduos para uma
celebração da própria sociedade
78
.
76
COSTA, 1985, p. 194.
77
COSTA, 1985, p. 111 e ss.
78
Ibidem, p. 197.
As festas da chicha, olóniti kalóre, como as chamam os Paresi, são
realizadas em grandes eventos. A sociedade se reúne para beber olóniti e é nesta festa
que os haliti ritualizam seus cantos e danças. Em tempos mais antigos as festas
aconteciam com mais freqüência. A chicha consiste num líquido fermentado,
preparado por meio da maceração do milho verde, que, mastigado por mulheres, é
posteriormente cuspido em recipientes de madeira, ganhando um gosto adocicado. O
material em que é guardada e que serve ao preparo do processo de fermentação é
colhido no buritizal. As mulheres tratam de enchê-los com água, que é misturada ao
milho mastigado. Badariotti, quando de sua visita a esses índios, observou, ao entrar
na maloca, o preparo da bebida:
Penetrando eu na maloca, (...) quatro mulheres mastigando milho
e cuspindo o producto da sua maceração em um tacho de madeira.
Perguntei o que era aquillo e responderam-me em tom lisonjeiro
que estavam fazendo a chicha para festejar com esta bebida a
nossa chegada.
79
As festas da chicha são qualificadas em grandes e pequenas. As festas
grandes são conhecidas por olóniti kalóre, e são aquelas que congregam várias
aldeias e nelas são celebradas geralmente os rituais de passagem, como por exemplo,
o da “nominação e iniciação de moça púbere”. Para esse tipo de festa todas as aldeias
são convidadas. Para as festas menores são chamados os moradores da própria
aldeia. Nestas, geralmente, são ritualizados e confraternizados os ciclos produtivos, o
plantio e a colheita. As grandes festas são feitas em período da seca, entre os meses
de maio a setembro, e para a comemoração das roças novas, o tempo é marcado
pelos meses de março e abril. A festa tem início quando os chefes das famílias se
reúnem, projetando-se como co-patrocinadores, organizando a limpeza do pátio e
arrancando as gramíneas com as mãos. O trabalho das mulheres consiste no
desenraizamento da mandioca destinada ao feitio da chicha e do beiju. A caça é
trabalho dos homens, que em grupo se vão em busca de animais, atividade que tem
duração de 5 a 7 dias. Esses preparativos são feitos em sigilo, outras aldeias não são
comunicadas e sua realização depende dos resultados dos animais aprisionados na
caçada. O anunciante da festa, quando da chegada à aldeia convidada, é recebido
com honrarias, oferecendo-se-lhe a rede para o descanso e o beiju para alimento. Isso
79
BADARIOTTI, 1898, p. 91.
feito, a aldeia convidada se presta a fazer o ritual dos preparativos, consumindo
muita chicha. Ao anoitecer, os homens recebem suas flautas, que, tocadas, encarnam
os espíritos dos ancestrais, momentos nos quais as mulheres se recolhem para o
interior de suas casas. Ali permanecem, protegidas da ronda que os homens fazem
em torno delas, tocando os Ýamaka
80
, e durante esse ritual as mulheres sentem-se
ameaçadas pelos homens, numa encenação que exibe a dominação masculina em
ataques contra as casas e as mulheres.
Segundo Antônio Pires de Campos, no início do século XVIII disse que os
índios Paresi não se caracterizavam pela destreza da guerra, eram mais defensivos do
que guerreiros. Suas armas eram o arco e a flecha; suas casas eram muito grandes e
as portas tão pequenas que, para se entrar, era preciso ficar de gatinhas. Tinham uma
casa separada que servia para adoração aos ídolos, que eram figuras de vários feitios.
Nessa casa só os homens podiam entrar e em dia de festa eram eles os únicos a usá-
la. Ali vestiam-se ricamente e dançavam. Costumavam criar araras, papagaios e
outros pássaros em suas casas. Desses pássaros tiravam as penas, que serviam para o
vestuário. Não usavam instrumentos de ferro e nem de aço, faziam machados de
pedra e os demais instrumentos de madeiras muito duras
81
.
O padre salesiano Badariotti, em fins do século XIX, esteve em Mato
Grosso, com a função de catequizar índios, ensinando-lhes os preceitos do
cristianismo, os rituais da conversão e do batismo, registrou apontamentos sobre
história natural, etnografia e geografia. Badariotti conviveu com os Paresi, no
município de Diamantino. O contato, como ele próprio relata, foi facilitado pelos
presentes que levou. Com canivetes, espelhos e contas de vidro foi intermediando e
estabelecendo o diálogo com os índios, e em troca dos presentes recebeu mandioca
assada e água fresca servida em uma cabaça. Sobre os traços físicos dos Paresi,
descreveu-os dizendo de uma “estatura medíocre porém bem conformados e dotados
de muita agilidade”, e, a pele era de cor “avermelhada escura”, com os cabelos se
caracterizando pelo preto luzidio
82
.
Ao contrário de outros autores, Badariotti diz serem os Paresi gente nômade,
vivendo da caça e da pesca. Quando os animais e os peixes escasseiam ateiam fogo
80
COSTA, 1985, p. 170 e ss. Segundo a autora, os Paresi dizem que os Ýamaka representam o
espírito dos ancestrais.
81
CAMPOS, 1981.
82
BADARIOTTI, 1898.
em suas casas procurando nova morada. Outro motivo que faz acontecer a saída de
grupos familiares está no relato de Rondon. Nele, os Paresi saem dos seus lugares
quando ocorrem muitas mortes e no caso do desgaste do solo, situações que
promoveriam um recomeço do ciclo da vida. Segundo Romana, algumas
informações apresentadas por Badariotti são inexatas, e parte considerável delas são
aquelas que tratam da agricultura dos Paresi. “Badariotti chamou equivocadamente
de ‘Cabaçaes’ os Kozarini-Paressis que, naquela época (nas primeiras décadas do
nosso século), já viviam ao sul dos demais Paresi, nas águas do Jauru, Cabaçal e
Guaporé”
83
.
Sobre as características físicas dos Paresi, Rondon informa que “são todos
amarelo-avermelhados”, sendo que os “Kozarinis são mais escuros”, e “bronzeados”.
O cabelo é descrito como corrido, como em todos os índios do Brasil e é “usado
longo só pelos Kozarinis”. A face é alongada, “olhos pequenos, pretos” e “vivos”,
mãos e pés “delgados”.
A língua dos Paresi, na visão de Badariotti, pareceu “harmoniosa” e “suave,
relativamente fácil de estudar”. A conversa entre os Paresi, segundo o autor, é um
“confabular meigo”, “insinuante” e “quasi compassivo”
84
. Sobre a língua que falam
os Paresi, a língua geral Arití, é, no dizer de Rondon, “doce, eufhonica, mas de
difícil construção. Tem palavras perfeitamente onomatopaicas, principalmente nomes
de aves”
85
.
Em fins do século XIX, os Paresi homens usavam “um fio de contas”, e
alguns, segundo Badariotti, “andavam geralmente nús”. As mulheres,
independentemente da idade, eram muito “observadoras” e “cuidadosas” no estilo da
“decência”, e usavam uma faixa de algodão da largura de um palmo fixada à cintura.
As mães, desde muito cedo, faziam suas meninas usarem-nas. Rondon, ao escrever
sobre as vestes dos Paresi, confirma as informações de Badariotti, dizendo que “as
mulheres trazem ao redor da cintura um saiote de algodão (Imití)”, enquanto que os
homens se “contentam em suspender o pênis no Çáiuêrati”.
Homens e mulheres se servem de adornos postos nos braços e nos
tornozelos, são os braceletes ou argolas confeccionados por material extraído do tatu
ou da seringueira. No corpo empregam tintas que são feitas com as sementes “de
83
COSTA, 1985, p. 57.
84
BADARIOTTI, 1898, p.71 e ss.
85
RONDON, 1910, p. 17.
urucu maceradas na água”, misturam-nas “com cera e óleos de animais do tatu e da
ema”. As mulheres costumam colorir o rosto inteiro, fazendo nele círculos e
pontos
86
.
Ainda em fins do século XIX, alguns homens, chefes de aldeias, e suas
mulheres compravam roupas em Diamantino, que pagavam com grandes quantidades
de borracha
87
. Sobre a agricultura, Rondon, diz que os Paresi acham-se em alto grau
de desenvolvimento. Usam muito os frutos silvestres: “Paineira do Campo, cocos de
Karêke, (Inolayá)-Tucum, Guabiroba, Tarumã, Guapéda, Jaboticaba do campo,
Maracujá e o Caju”
88
. Os Paresi são grandes caçadores, e entre os seus animais
prediletos estão a “ema”, a “saryema”, a “perdiz”, o “tatu”, o “caetetu”, a “anta” e o
“tamanduá”, que são os mais procurados para servir à alimentação. Eles
desenvolveram técnicas de caça especiais para cada espécie e as flechas são
apropriadas ao apanho de cada animal. Ao perseguirem um veado, por exemplo,
caminham contra o vento, para que o animal não os fareje. Para a caça das emas,
buscam-nas entre os meses de junho a setembro, espaço de tempo em que se ouve o
barulho dos animais. São cuidadosos com a reprodução das espécies, e na caça às
emas procuram matar os machos, pois as fêmeas, nesse tempo, estão em choco. Nos
meses de janeiro e fevereiro, quando as emas estão mais bem nutridas, os Paresi
saboreiam, junto com o beiju, a graxa dessa ave, iguaria encontrada junto aos
músculos do peito. A técnica da caça da saracura se faz com o auxílio do fogo,
obtido com a fricção de dois paus de madeira Irikatíkahên. Fazem uma linha de
chamas, cercando o lugar onde estão essas aves de vôo curto, abatendo-as com
facilidade.
Essas técnicas foram, aos poucos, diminuídas pelas facilidades do manejo
das armas de fogo, que, no início do século XX, já eram utensílio comum entre os
Uimarés e Kaxinitís
89
. Esses índios utilizavam-se de armas de fogo obtidas em
permuta. Manejavam as espingardas de “ante-carga, trazendo sempre pólvora,
espoleta e chumbo no matiri, a tira-collo”. Serviam-se de cães na caçada da seriema,
86
Cf. SCHMIDT, 1943, p. 20, e RONDON, 1910, p. 38.
87
BADARIOTTI, 1898, p.77 a 87.
88
RONDON, 1910, p. 35.
89
Ibidem, p. 38.
da cotia, do caititu e da paca. Admirava-se Rondon pelo grande conhecimento que
tinham os Paresi sobre a vida e os hábitos dos animais
90
.
O gavião pequeno é animal respeitado pelos Paresi. Esse, a “que chamam
Utiariti, Falco Sparverius, é tido como animal sagrado e por isso não o matam”, para
evitar os sofrimentos e os malefícios da morte. Esses índios possuem animais
domésticos, e entre os citados estão porcos, galinhas, araras, periquitos, macucos e
jacus. Os índios Uimarés e Kaxinitis têm apreço no cavalo e no boi, e, muitas vezes,
animais estropiados eram adquiridos através do pagamento de 10 ou mais arrobas de
borracha, dadas aos seringueiros, seus vizinhos.
Rondon detêm-se em dizer sobre a arte da pescaria, em que os índios Paresi
empregam os “anzóes” e “jíquís”. Os peixes mais saboreados são “rubálo”,
“matrinchã” e “pacu”. Cultivam milho, batata, fumo, cará e mandioca. As mulheres
trabalham na roça, cultivam a terra e colhem o produto, e, além desses afazeres, as do
grupo dos Kozarinis fazem panelas de barro. “Na fabricação das panelas (matálo) as
índias usam o conhecido processo do cilindro de argila”. O barro que serve à
fabricação das panelas vem de lugares distantes da aldeia, e é “amassado com cinzas
da casca de uma árvore”, a que chamam de Uhiçá. O pó, produto abundante na
região, é um minério de ferro que, juntado com o barro, “cosem ao fogo depois de
secas as peças”. Ainda confeccionam redes de tucum e tecem, também, com o os fios
do algodão, o “Kânôkôa, faixa que trazem na cintura ou na cabeça”. As cestas são
feitas pelos homens e na atividade de roçado cabe a eles a função da derrubada da
mata. Esse trabalho é feito com o manuseio de um facão, e no preparo do solo
utilizam um pau pontiagudo, com o qual fazem arroteamento. A colheita é trabalho
para quase todos da aldeia, com exceção de alguns homens, que, envolvidos na festa,
devem voltar-se à atividade da caça. “Cada grupo tem suas terras delimitadas”, é
proprietários delas por terem-nas habitado seus ancestrais, que nelas produziram,
pescaram, caçaram e ritualizaram sua existência durante séculos. Rondon demarca
temporalmente os trabalhos envolvendo a produção agrícola: “derrubam a mata em
maio; queimam em agosto, e plantam em setembro”, período em que se dá o início
das chuvas
91
.
90
Ibidem.
91
Ibidem, p. 39.
Em tempos anteriores, a agricultura tinha maior importância na economia.
Como a área ocupada pelos índios é muito silicosa, dificultando o desenvolvimento
das plantas por longo período, é comum mudarem freqüentemente o lugar dos
roçados. Os Paresi que ocupam as cabeceiras dos rios Cabaçal, Jauru e Juruena
cultivam principalmente a mandioca brava. Os índios Kozarini, especialmente,
costumam cultivar pinha, cará, algodão e fumo. Afora os animais silvestres,
costumam criar porcos, bois, galinhas, patos e cavalos
92
.
São perfeitos na feitura de “peneiras”, “baquités” e “pacarás”, que fazem
das tiras do “burity”, e sobre a sua estética, Rondon tece elogios à simetria e à
composição das cores. Fabricam flechas, manejadas ainda quando crianças. No
entanto, os homens as têm substituído pelas armas de fogo adquiridas em
Diamantino, trocadas por boa quantidade de borracha. Na habitação dos Paresi cabe
uma centena de pessoas, e a casa é um lugar bem espaçoso, fresco e impermeável à
chuva. É coberta com folhas de pacova adquiridas na região, e sua estrutura é feita de
estacas e caibros, formando arcos, que, segurados pelas ripas perpendiculares,
tornam possível a fixação das folhas. O interior da casa, “maloca”, como prefere
chamar Rondon, é protegido pelas cascas da “peroba” que estão postas em torno das
paredes e evitam o incêndio e impedem a “entrada de animais daninhos”
93
.
Rondon diz que para “construir uma de suas grandes casas traçam no chão o
contorno da futura habitação e fincam 3 a 4 esteios feitos com as madeiras que
denominam Tonoêtô e Mkúriceurê”, madeiras que são escolhidas pela sua resistência
e que são enterradas ao solo. Por esse mesmo motivo os postes da linha telegráfica
levantados pelos índios Paresi foram dessa natureza
94
. As casas são construídas em
espaço amplo, dispostas nas proximidades das cabeceiras de rios, sempre em lugar de
vistas amplas. Max Schmidt confirma essa descrição, quando afirma:
Las aldeas de estos indios las que visité estaban situadas, sin
excepcion, en las cercanias inmediatas de una cabecera, pero
nunca escondidas en el monte ribereño pero si, siempre en un
lugár del campo que tenía vistas amplias.
95
92
Cf. SCHMIDT, 1943, p. 26.
93
BADARIOTTI, 1898, p. 78.
94
RONDON, 1910, p. 35.
95
SCHMIDT, 1943, p. 15.
As informações apresentadas por Romana Costa complementam o
conhecimento sobre a unidade doméstica desses índios. Cada unidade doméstica,
chamada também de háti, é formada por indivíduos pertencentes a três gerações: o
casal de filhos ou filhas casadas, os netos gerados e os avós
96
.
A disposição interna da casa demarca três espaços: o que fica situado nas
extremidades é designado de hitihozóa, o lugar onde está o fogo é denominado
irikátiaose, e o espaço do centro é conhecido por kotázakõ. A “casa é um centro
social fundamental”. Nela se realiza parte das festas, entre as quais, a festa da chicha.
É nela que as moças virgens mantêm-se em estado de reclusão, e também se prepara
os alimentos, tem-se relações sexuais, nascem os filhos e são enterrados os mortos. A
casa não apresenta divisões internas explícitas, à exceção do gabinete de reclusão,
espécie de biombo de palha usado por uma menina quando atinge a puberdade
97
.
Vários fogos são mantidos acesos embaixo de um estrado chamado
enuquem, que serve “para moquear as carnes e os outros alimentos”. Além das casas
individuais, os Paresi possuem uma outra casa, onde estão postas as flautas que
servem aos rituais, e nela se conservam, ainda, o tacape, ou clave, e o clarim
98
. Usam
instrumentos comuns, de diversos tamanhos, que são empregados em festas e rituais
religiosos. As jararákas grandes são “formadas por um tubo de taquara tendo como
pavilhão uma grande cabaça alongada e aberta em ambas as extremidades”
99
.
O mobiliário encontrado no interior das casas constitui-se de “tocos de
madeira” nos “quais se assentam”. Nunca vistos sentados ao chão, na falta do toco
“ficam de cócoras”. As redes, conhecidas por Maká, “são armadas umas sobre as
outras”, dispostas dentro da maloca e individualizadas, sendo que a rede do marido é
sempre colocada acima da rede de sua esposa
100
.
Os Paresi procuram banhar-se após a alimentação e, para tal, costumam
fazer reservatórios junto às cabeceiras dos rios. Desde muito jovens costumam
treinar a natação e os saltos. Outro esporte comum entre os índios Paresi é o jogo de
bola. Muito apaixonado por esse esporte, é costume fazerem grandes partidas, das
quais participam habitantes de outras aldeias. A bola é feita da seringa da mangabeira
96
COSTA, 1985, p. 116.
97
Ibidem, p. 122.
98
BADARIOTTI, 1898, p. 89-90.
99
RONDON, 1910, p. 40.
100
Ibidem, p. 35.
e tem o diâmetro de 9 a 11 centímetros. É golpeada com a cabeça pelos jogadores de
um partido contra os outros de partido oposto
101
.
No trato de suas doenças, usam produtos naturais, sendo que os remédios
mais conhecidos são “cuhala, zohitiá, esôlêcê, coitahi, menahinho, ohecê, catahôlo,
maninherá, Iconá, (cipó timpó)”
102
. As cirurgias são tratadas com o pó feito das
plantas carbonizadas. Rondon acreditava que as mulheres usavam um método
contraceptivo, prática que justificaria o pequeno número de crianças: “os
medicamentos abortivos utilizados atuam diretamente ou por sugestão”. A
especialidade da medicina dos índios é observada no trabalho de parto, pois, ao terem
seus filhos, graças aos remédios, a hemorragia é contida logo no segundo dia de
paridas
103
.
O remédio chamado marirô, conhecido também pelo nome de ariticunzinho,
é feito da planta que costumam empregar no ritual de morte daqueles a quem têm por
desafetos. O procedimento para o feitiço da morte ocorre do seguinte modo: a planta
marirô deve ser reduzida a pó, em seguida ser misturada aos “fragmentos de fezes”
da futura vítima. Esse material é posto dentro de um “caramujo e enterrado próximo
à raiz da planta”. O feitiço garante a morte, e é prática ritualizada contra inimigos
104
.
Rondon descreve 58 remédios e seus diferentes usos, servindo no tratamento
da mordedura de cobras e de formigas, para o tratamento da loucura, contra dores de
dente, para as dores reumáticas, no combate à febre e nas queimaduras, entre outras.
As doenças sofridas no início do século XX, descritas por Rondon são o
impaludismo, o amarelão, as afecções das vias respiratórias (corysa, bronchites e
pneumonia); a carie dentária, o reumatismo agudo”. As “molestias venéreas”,
segundo o autor, “não existem de modo algum”. Mas, ouvindo relatos dos índios,
sugere que algumas mulheres, em tendo contato com os seringueiros, contraíram-nas,
e, não conseguindo se tratar, morreram. Prova de que é doença desconhecida no trato
da medicação indígena
105
.
Na primeira década do século XIX, paralelamente à mineração, a coleta de
poaia ou ipecacuanha foi atividade extrativa desenvolvida na região dos índios
101
Cf. SCHMIDT, 1943, p. 18.
102
Ibidem, p. 15.
103
Ibidem, p. 17.
104
Ibidem, p. 17.
105
Ibidem, p. 17.
Paresi. Do mesmo modo, desde 1884 a extração da borracha vem acontecendo em
seus sertões, tendo os índios servido de guias, conduzindo os seringueiros pelas
trilhas que levavam até as cabeceiras dos rios, lugar dos seringais. Com a extração da
borracha, desenvolveram outra forma de articulação com o mercado, “trabalhando de
forma autônoma na extração e promovendo a comercialização do produto”.
No início do século XX, uma frente de caráter oficial, chefiada por Cândido
Mariano da Silva Rondo a Comissão das Linhas Telegráficas e Estratégicas do
Mato Grosso ao Amazonas , cujo objetivo era promover a integração do território
nacional, entrecortou as terras dos índios Paresi. Pelas malhas do telégrafo, deveria
ser feita a ligação entre o Rio de Janeiro e Mato Grosso e deste ao Amazonas. “A
linha telegráfica era parte de um plano de ocupação da fronteira mato-grossense com
a Bolívia e o Paraguai, pensado ainda no século XIX, principalmente depois da
guerra do Paraguai”. Significava uma estratégia militar de consolidação de fronteiras.
Posicionando-se como um herói civilizador do sertão e norteado por esse estímulo,
Rondon descobriu, em 1907, os índios Paresi. Entrou em contato, especialmente,
com os dos grupos Kaxiniti, Wáimare e Kozárini, estes últimos habitando o rio
Verde. Desde 1908, os índios dos grupos citados trabalharam na construção e
conservação das obras da linha, desde a estação de Diamantino até a estação de
Juruena, numa extensão superior a 400 km. Essa relação estabelecida entre os
membros da Comissão e os índios atingiu a organização social e territorial indígena,
e novos valores e padrões sociais foram introduzidos na sociedade
106
.
Outra frente de intervenção oficial foi a missionária. Com a intenção de
criar campo apostólico, os padres da Prelazia de Diamantino construíram, em 1946,
na antiga estação telegráfica de Utiariti, um centro educacional para crianças dos
povos indígenas localizados na região. Entre crianças das diferentes nações estavam
as da nação Paresi. Ainda, por volta dos anos de 1960, esses índios passaram a ter
contato com agências protestantes originárias da América do Norte
107
. No período
compreendido entre os anos de 1979/1980, o governo brasileiro promoveu o
Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro), e, através de colonizadoras,
trouxe para a região investimentos agrícolas de pequeno e médio porte. Muitos
proprietários migraram dos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande
106
MACHADO, 1993, p. 13 e ss.
107
Cf. COSTA, 1985.
do Sul para o município de Tangará da Serra, criado em 1977. Nesse contexto de
mudanças, mais um elemento se configurava. Marcando os sinais de novos tempos, a
BR 364 foi sendo aberta, dividindo ao meio o território Paresi. Os índios dessa nação
foram atingidos pelas mudanças dos novos tempos, passando a interagir, travando
com “mais freqüência diversas formas de relacionamento com os regionais, tais
como transações comerciais, obtenção de assistência médica, transporte para outros
locais”
108
.
Essas intervenções modificaram a vida cotidiana, atingindo o povo como
um todo, e as implicações se deram em dois níveis: no aspecto social e na
organização territorial indígena. Muitos grupos foram dispersados, afastados dos seus
territórios originais, e novos valores e padrões de socialização foram sendo
incorporados à comunidade
109
.
Maria do Carmo de Melo Rego, já em fins do século XIX faz ver que os
Paresi estavam em contato com outros centros de povoação e neles adquiriam
material para artesanato:
devido isto ao contacto daquela tribu com os centros de povoação
onde, em troca das sua lindas peneiras, cestas e da poaia e
borracha se munem elles de linhas, com que entreterem cintos,
pulseiras e tangas, mostrando no bem combinado das cores e
desenhos
110
.
Em dias atuais, conseguem o sustento de suas famílias com a venda da sua
força de trabalho nas fazendas próximas. Há décadas, a extração da borracha, da
poaia e o serviço de limpeza de roças foi e vem sendo atividade exercida pelos
Paresi. Outra forma de inserção ao ambiente local é o fabrico e a venda do
artesanato, que já em fins do século XIX foi registrado por Badariotti:
A produção de enfeite pode ser distinguida em termos “das coisas
que homem faz” (produção masculina) e “das coisas que mulher
faz” (produção feminina). A produção masculina para venda é
composta basicamente por espanadores, arcos e flechas, bolas de
mangaba e pacarás; a produção feminina por colares, pulseiras e
leques.
111
108
Cf. COSTA, 1985, p. 322.
109
COSTA, 1985, p. 229 a 236.
110
REGO, 1899, p. 3.
111
COSTA, 1985, p. 356.
Com o dinheiro adquirido através da venda do artesanato barganham os
produtos adquiridos na cidade de Tangará da Serra ou na de Diamantino, comprando
bicicletas, roupas e os demais artigos pessoais. “A decisão de produzir enfeite é
individual e não se encontra submetida a nenhum tipo de orientação, ao contrário do
trabalho agrícola que é coordenado pelo chefe do grupo local”
112
. Os Paresi apreciam
muitíssimo as contas coloridas com que fazem os mais variados enfeites, dentre eles,
os colares, as pulseiras, os cintos, os brincos e as tornozeleiras.
O artesanato produzido é vendido em diversos lugares, “os viajantes da BR-
364 compõem a clientela preferida dos Paresi” e nela passam “viajantes, migrantes e
caminhoneiros”, que são quem compra as peças artesanais em pousadas à beira da
estrada. Comercializam sua produção também com a loja da “Artíndia da Funai, em
Cuiabá e na cidade de Tangará da Serra”
113
. O artesanato mais procurado e o mais
bem aceito no mercado “é o espanador usado por comerciantes, hoteleiros e também
donas de casa”
114
.
Daniel Matenho Cabixi ressalta alguns aspectos culturais ainda preservados
na comunidade, entre os quais está a obediência a um calendário cíclico, no qual os
grupos de trabalho se organizam baseados fundamentalmente nas relações de
parentesco. As tarefas continuam sendo divididas de acordo com o sexo. A terra
permanece como um bem coletivo: todos têm consciência do direito ao seu uso, não
existindo relações de patrão e empregado. A “independência” do grupo é mantida
pelo emprego das técnicas da produção de alimentos, dos abrigos, dos utensílios
domésticos e na fabricação de materiais necessários às atividades da caça, da pesca e
da colheita
115
.
Ao longo deste capítulo, procuramos identificar algumas das características
culturais do povo Paresi: seus mitos, seus rituais, seus hábitos e costumes, sua
organização social, sua economia, e, também, em linhas gerais, as relações
interétnicas que mantiveram com a sociedade envolvente, as quais, conforme
Romana, em passagem já mencionada, conformam, em larga medida, a identidade
cultural que estes índios construíram para si, no contato com os brancos e com outros
índios. Algumas das características aqui mencionadas, tais como a sedentarização e a
112
COSTA, 1985, p. 350.
113
Ibidem, p. 366.
114
Ibidem, p. 368.
115
CABIXI, 1989, p. 5.
prática da agricultura, foram avaliadas pelos colonizadores, no período em foco neste
estudo, à luz da sua própria cultura, construindo um conjunto de representações que
serão abordadas no capítulo seguinte.
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Quando tratamos dos índios na parte mais ao oeste da colonização
portuguesa na América, devemos necessariamente compreender o modo como foi se
configurando o enredo da história colonial paulista, no sentido de mostrar a vinda de
colonos para uma vasta área que passou a ser conhecida por homens de origem ou de
descendência européia que tinham por objetivo maior a caça aos índios. Os colonos,
representados especialmente pelos sertanistas paulistas, devassaram o sertão,
destruindo populações indígenas que nele habitavam. Considerando-os inferiores,
por meio da violência e da força submetiam-nos à condição de escravos.
A colonização da região de São Paulo, diferente das de outras áreas no
litoral, teve na mão-de-obra indígena a base de sua formação econômica mercantil, e
os colonos responsáveis pelo projeto deram as costas ao comércio negro africano que
acontecia em outras partes da colônia portuguesa. Essa história inicia-se com a
consolidação da ocupação da região de São Paulo, no ano de 1553, tempo em que se
abriu uma espécie de porta de entrada para uma vantajosa atividade econômica: a
preação de índios. Nessa perspectiva, o sertão representava uma fonte segura de
mão-de-obra cativa. De início, a escravidão dos índios era obtida pelos colonos
paulistas através da fundação de várias missões, trabalho garantido pela ação dos
padres jesuítas. Esses agentes trabalharam em favor dos colonos, com o aldeamento
representando uma alternativa à escravidão. Já nos idos de 1580, quando a política de
aldeamento não mais supria o contingente de trabalhadores escravos necessários ao
projeto colonial desenvolvido em São Paulo, os colonos passaram a defender a
apropriação direta desses trabalhadores por meio das expedições predatórias ao
interior sertanejo, quando os índios dos arredores já haviam sido extintos,
especialmente as sociedades localizadas nas proximidades do Tietê
116
.
Monteiro nos ensina que durante o século XVII
116
MONTEIRO, 1994, p. 37 e ss.
colonos de São Paulo e de outras vilas circunvizinhas assaltaram
centenas de aldeias indígenas em várias regiões, trazendo
milhares de índios de diversas sociedades para suas fazendas e
sítios na condição de “serviços obrigatórios”. Estas freqüentes
expedições para o interior alimentaram uma crescente base de
mão-de-obra indígena no planalto paulista, que, por sua vez,
possibilitou a produção e o transporte de excedentes agrícolas,
articulando ainda que de forma modesta a região a outras
partes da colônia portuguesa e mesmo ao circuito mercantil do
Atlântico meridional
117
.
De modo semelhante, o primeiro viajante naturalista português do fim do
século XVIII, Alexandre Rodrigues Ferreira escreveu sobre os gentios que habitam
as proximidades do Guaporé. Suas impressões estão marcadas pela desumanidade
que os sertanistas utilizam no processo de conquista, “porque abalroando as
rancharias em que se viam os bárbaros, nas bocas de fogo faziam acabar todos os que
naturalmente pegavam nos arcos, para sua defesa”. Em seguida, “metiam-se os
rendidos em correntes, ou gargalheiras, e depois se repartiam pelos conquistadores,
que os remetiam para as nossas Povoações, em contrato de venda”. E continua:
“destas tão injustas ações acompanhavam atrocidades inauditas (....) de se
referirem”
118
.
Até meados do século XVIII, os colonos justificavam a preação de índios
jogando com a imagem dualista da barbárie e da mansidão. Iam para o interior
exterminar os povos ditos bárbaros e traiçoeiros, e, no entanto, chegavam de suas
invernadas com crianças e mulheres índias de variadas etnias. No decorrer dos
séculos em que sertanistas estiveram preando índios, a mudança ocorreu no sentido
da criação de novas estratégias de apresamento e do aprimoramento da atividade. As
modificações se deram seguindo “as variáveis da orientação geográfica, das
distâncias percorridas, dos custos operacionais e das formas divergentes de reação
dos indígenas abordados”. É importante dizer que à medida que crescia a demanda
por escravos indígenas, a violência foi intensificada como instrumento estratégico
sustentando os horrores da escravidão indígena. É conhecido que os colonizadores
portugueses entravam nas aldeias matando, queimando e ameaçando, assolando,
desta forma, os povos ameríndios. A prática hedionda da violência contra os índios
continuava no percurso das viagens, onde muitas crianças e velhos que não mais
conseguiam andar eram mortos por seus algozes. A essas terríveis maldades fruto da
117
Ibidem, p. 57.
118
FERREIRA, 1974, p. 28.
ganância e da ambição, somava-se a dizimação de milhares de índios causada pela
difusão dos agentes patogênicos, quando os microorganismos se difundiram nos
adensamentos populacionais em epidemias de sarampo, coqueluche, gripe, catapora,
tifo, difteria, peste bubônica, varíola e possivelmente malária
119
.
Um dos resultados desse encontro trouxe aos mais antigos donos do
território em disputa uma crescente depopulação. Desse período herdamos o maior e
mais trágico genocídio de que temos notícia na história da humanidade. “Foi um dos
maiores cataclimos biológicos do mundo”. Alguns estudiosos chegam a apresentar
estimativas bastantes pessimistas, afirmando que nesse território em conquista, 95%
a 96% da população ameríndia padeceu nas inúmeras formas da relação e/ou de
enfrentamento com o europeu colonizador. Outros defendem que o número de
mortes estaria em torno de 80% em toda a América. As causas de tanta mortandade
não se resumem às doenças contraídas explicadas exclusivamente pela falta de
imunidade dos índios. Outros fatores estão relacionados à questão da depopulação,
entre os quais a fome, causada em decorrência das guerras de apresamento, e que
tradicionalmente acompanhava as fugas resultantes do processo de resistência. Ao
abandono suas terras sobrevinham freqüentemente dificuldades na ambientação em
um novo lugar, pelo desconhecimento dos seus recursos; e, mais, as conseqüências
surgidas na ordem da estruturação social/familiar agravaram em larga medida esse
quadro nefasto de mortandade
120
.
Comparando a territorialidade dos índios Guató, no século XIX, com a área
dessa nação durante a “o avanço das frentes colonizadoras, principalmente a partir da
primeira metade do século XVIII com a descoberta de ouro em Cuiabá”, Jorge
Eremites de Oliveira demonstrou que “a fundação de povoados”, as “fortificações
militares e fazendas” provocaram um declínio populacional da sociedade que
ocupava a região das águas do Pantanal mato-grossense. Explica também, esse autor,
que a redução da área deveu-se à “forma de conflitos diretos e epidemias”, motivos
que forçaram a redução da territorialidade destes índios
121
. Clarifica-se, assim, o
assunto da redução da população indígena e a perda parcial de seus antigos
territórios.
119
MONTEIRO, 1994, p. 57 e ss. e CUNHA, 1998, p. 12
120
CUNHA, 1998, p. 12 e ss.
121
OLIVEIRA, 1996, p. 65.
Associado a essa situação está o grande número de mortes ocorridas nos
adensamentos populacionais. Reduzidos ao convívio em aldeias, centenas de índios
morriam, fator este que afetava negativamente a sua reprodução. Comprovação disso
são as mortes na aldeia de São José, localizadas nas proximidades de Vila Bela da
Santíssima Trindade:
(...) Somente de gente, é que aumentava pouco, em razão das
epidemias, que quase todos os anos há, pelo tempo das águas, das
quais, houve ano, que morreram mais de 90 pessoas dentro de três
meses: o que tem feito que a gente seja ainda pouca nelas, em
embargo de se lhe haverem metido algumas seiscentas almas
desde que começou (...). Porém como a experiência tem mostrado,
que a maior parte que se tiram das suas terras, cá para a borda do
rio , morrem dentro de pouco tempo por causa das epidemias que
acima disse (...).
122
Este registro elucida a política de concentração da população praticada pelos
agentes missionários e pelos órgãos oficiais da capitania de Mato Grosso, que
resultou em desvantagem (e diminuição) para a população indígena colocada sob os
cuidados do clero que intencionava catequizá-las, aldeando “os que estavam metidos
pelos matos”, “na obra da fé”, “ao serviço de Deus”, como para o “serviço da Santa
Majestade”
123
. Estas eram, ironicamente, as atividades dos homens em Cristo.
Retornando a idéia da política expansionista vemos que com o passar do
tempo, a preação tornou-se atividade de especialistas, e nas entradas rumo ao interior
os sertanistas enfrentavam distâncias maiores, avançando em direção à sociedade dos
Guaicuru e dos Paiaguá, atingindo o Oeste da colônia portuguesa. Essas entradas
para o oeste deram-se no início do século XVII, quando sertanistas saindo de São
Paulo apresavam índios em terras que poderiam auferir minério, desejo acalentado
pelos colonos paulistas
124
.
Segundo Sérgio Buarque de Holanda, desde o ano de 1622, vários grupos de
sertanistas provenientes de São Paulo vinham para as atuais terras mato-grossenses
incumbidos do exercício da preação de índios. No ano de 1648, “Raposo Tavares
atravessa a região de Vacaria, sobe o Paraguai, para ganhar os rios da Bacia
Amazônica”, e, seguindo esse exemplo, muitos outros o sucedem
125
. Há de se notar
122
Fonte Primária (16).
123
Fonte Primária (17).
124
Cf. MONTEIRO, 1994, p. 75 e GALETTI, 2000, p. 43.
125
Cf. HOLANDA, 2000, p. 43.
que esse sertanista possuía próspera fazenda nas proximidades do rio Tietê, entre as
vilas de São Paulo e Parnaíba, onde havia, no ano de 1632, um plantel de 117
escravos índios
126
.
Nessas entradas, nas últimas duas décadas do século XVII, as terras ao oeste
do Brasil começam a ser efetivamente devassadas e povoadas pelas ações dos
homens chamados de sertanistas. Explicando a história das monções
127
, Sérgio
Buarque de Holanda diz que “principiam a aparecer” quando as bandeiras já
entravam em declínio e, “aparecem servidas por instrumentos diferentes, guiadas por
métodos próprios e movidas até certo ponto por um nova raça de homens”. Momento
que se caracteriza pela falta de clareza do fim de uma e o início de outra, é registrado
como uma história obscura e incerta. As monções se entroncam na história das
bandeiras e prolongam a prática de crimes hediondos impostos às sociedades
indígenas. A descoberta do ouro nas “minas do Coxipó Mirim, representa o marco da
partida para a história das monções”. Expedições que exigiam da parte dos
sertanistas maior disciplina pelas condições impostas às viagens sujeitavam-se a
novos limites e novas pressões sociais e judiciais lançadas pelos administradores
coloniais
128
.
O roteiro das viagens caracterizava-se pela variação do trajeto escolhido e
da época de vinda às terras ao oeste. Até a década de 1720, os sertanistas desciam em
canoas até o rio Tietê, seguiam pelo Paraná, entravam pelos seus afluentes na
margem do rio Pardo, subiam depois pelo rio Anhanduí-Guaçu, ganhando as
contravertentes do rio Paraguai. Em seguida subiam o Paraguai, alcançavam o rio
São Lourenço, e, finalmente, o Cuiabá, que os conduzia à nova terra da promissão.
Posteriormente, os irmãos Lemes experimentaram vantagens na mudança desse
itinerário, com as canoas passando a subir a parte encachoeirada do Pardo, que “fica
acima da barra do Anhanduí-Guaçú, até o Ribeirão do Sanguexuga. Neste ponto
justamente atinge o divisor de águas do Paraná e Paraguai sua menor largura”
129
.
Essas viagens, ou monções, aconteciam duas ou mais vezes ao ano, segundo
Sérgio Buarque de Holanda:
126
Cf. MONTEIRO, 1994, p. 79.
127
Sérgio Buarque de Holanda assim define monções: “Qualquer das expedições que desciam e
subiam rios das capitanias de São Paulo e Mato Grosso, nos séculos XVIII e XIX” (HOLANDA,
2000, p. 43-44).
128
HOLANDA, 1985, p. 307.
129
Ibidem, p. 314.
A história das monções do Cuiabá é, de certa forma, um
prolongamento da história das bandeiras paulistas, em sua
expansão para o Brasil Central. Desde 1622, numerosos grupos
armados procedentes de São Paulo, Paraíba, Sorocaba e Itu,
trilharam constantemente terras hoje mato-grossenses, preando
índios ou assolando povoações de castelhanos. (...) O próprio Rio
Cuiabá, percorre-o Antônio Pires de Campos, não em busca de
ouro, mas de gentio Coxiponé, que vivia nas suas beiradas.
130
Nas terras do atual Mato Grosso os veios auríferos foram descobertos no
início dos setecentos, e os achados do ouro foram muitos. A notícia propagada
impulsionou a vinda para a região mais ao oeste da colônia portuguesa de milhares
de pessoas, da parte de São Paulo e das Minas Gerais. Em 1719, Paschoal Moreira
Cabral descobriu ouro junto a um afluente do rio Cuiabá, chamado de Coxipó-Mirim.
Ele e sua expedição andavam atrás da preação de índios da região, o alvo, nesse lugar
eram, especialmente, os Coxiponés. Passados três anos, as minas do Cuiabá entram
nesse cenário, a partir de 1722, quando o ouro é encontrado à flor da terra pelo
sertanista Miguel Sutil
131
.
Nessa história de caça aos índios no oeste da colônia portuguesa, os da etnia
Paresi são os mais visados pelos sertanistas, e é na segunda década do século XVIII
que a escravidão a atinge. Para esta região vieram pessoas que, com audácia, se
embrenhavam pelo interior com intentos de preação de índios e extração do minério.
Os sertanistas entravam nas terras dos Paresi, prendiam-nos e levavam-nos aos
mercados de Cuiabá e de São Paulo, vendendo-os na condição de escravos. Para
chegar ao território Paresi seguiam o “Rio Tietê que é o primeiro que se navega”, em
seguida percorriam o rio “Pernaiba” e o rio “Tacoari”, cursavam o rio Paraguai,
saindo do “Hycipotiba” davam em “chapadas mui grandes e dilatadas”, nas quais
estavam os Paresi. Dali retiravam mão-de-obra indígena, obtendo os ganhos através
de um comércio nefasto, assinalado pela escravidão das populações nativas
132
.
Escrevendo sobre a atividade comercial dos aventureiros, Maria de Lourdes
Bandeira assim resume:
No século XVIII, as áreas periféricas da Colônia ofereciam aos
aventureiros duas alternativas de enriquecimento: a preação de
índios e os novos descobrimentos de ouro.
133
130
HOLANDA, 2000, p. 43 a 44.
131
Cf. GALETTI, 2000, p.55 a 56.
132
CAMPOS, 1981, p.179 a 187.
133
BANDEIRA, 1988, p. 81.
Essas atividades encontravam-se afinadas com o projeto colonizador no qual
os sertões passaram a ser o foco das possibilidades da aquisição do ouro e das
conquistas aos povos indígenas. Nas palavras se Myriam Ellis, o sertão significava
“(....) poderosa motivação do bandeirismo. Lá estaria a fortuna: peças, prata e
pedras”
134
.
Nos séculos iniciais da colonização portuguesa no Brasil, sertão designava
os lugares desconhecidos, interiores, distantes do litoral, e nele estavam localizadas
as populações indígenas.
Traçando uma fração dos ensinamentos de Galetti
135
, faço uso de uma das
definições de sertão, na qual a autora mostra a representação desse espaço concebido
pelo colonizador como fronteira a ser conhecida, explorada e colonizada. Haja vista
que nessas incursões sobre o sertão, a fronteira de ocupação portuguesa foi sendo
construída pelas conquistas territoriais, avançando sobre aquela representada
inicialmente no Tratado de Tordesilhas:
Sertões... desertos: ínvios, desconhecidos e quiçá depositários de
magníficos tesouros. Esta a primeira representação do colonizador
português sobre o espaço geográfico que se alongava em direção
ao interior das terras brasílicas, rumo ao Ocidente. Nalgum ponto
desta vasta extensão de terras sabiam os portugueses situar-se a
linha imaginária do Tratado de Tordesilhas (1494), limite
duvidoso entre os domínios de Portugal e os de Espanha na
América Meridional. Nesse espaço, cujo povoamento se iniciara
com a descoberta do ouro, em 1719, a Coroa Portuguesa iria
delimitar, em 1748, o território da Capitania de Mato Grosso,
suscitando uma outra representação para as terras desconhecidas
e misteriosas denominadas sertões: a de fronteira.
136
Para Willy Aureli, a palavra sertão é encontrada “na maioria das canções,
das baladas (....) está na alma de todo caboclo que forma o enorme contingente
aquém litoral”. No sertão estão inclusas todas as formas, dimensões e manifestações
da vida natural; “é o deserto arenoso, a caatinga, o chapadão escaldante, o matagal
denso e enxuto (....)”. Nele, todos os mistérios e imprevistos surgem e todos os
“espécimes de flora e fauna vivem em ambiente milenar, sereno e terrífico”, e nele
“está o oceano brônzeo, sem ondulações (....) fazendo refluir, de um jacto, saudades
134
ELLIS, 1973, p. 98.
135
GALETTI, 2000. Ver especialmente o capítulo “A configuração do território: fios de um
imaginário”, p. 34 a 82.
136
Ibidem, p. 36.
imensas”. Na palavra sertão está imbuída a aparência dos sentimentos humanos; “é
rio solitário, de largas e níveas praias”, é sentido de audição e da visão; “é tormento
sem igual (....) é dia escaldante pavoroso, a noite fria e orvalhada (....) é o piar
lamuriante do curiango, o esturruo da onça (....) é o hórrido belo na sua ampla
expressão”
137
.
Analisando o “conjunto de representações acerca de Mato Grosso e de suas
populações, em cuja elaboração se destacam as noções de sertão e fronteira”, Galetti
faz pensar nas sociedades indígenas constituídas nesses sertões. Na visão do europeu,
os índios, concebidos como ferozes, astutos e imprevidentes, e integrados à natureza,
representavam-lhes perigos quase intransponíveis. Nessa realidade social e humana
encontrada pelos colonos exercitavam-se os ofícios da conquista espacial que
serviram de inspiração às diversas concepções escritas sobre a natureza dos índios.
Motivados pelos componentes ideológicos do etnocentrismo, os europeus
construíram suas representações sobre o “gentio” como uma gente sem lei e sem rei,
sem eira nem beira..
Perseguindo a idéia, nos sertões, desde tempos milenares, habitava estes
“gentios”
138
, e para a conquista desses territórios era preciso expulsá-los, matá-los,
escravizá-los, ou tolerá-los, quando seus hábitos culturais não implicassem em
sentimento de muita estranheza para os administradores. Estes últimos chegavam até
a defendê-los, quando, em discursos oficiais, os sertanistas eram denunciados por
práticas escravistas a índios “mansos”.
Sertanistas, missionários, militares e administradores coloniais compunham
o quadro dos agentes oficiais do comando da conquista, responsáveis,
respectivamente, pela execução do conhecimento e reconhecimento do espaço, da
pregação da fé em Cristo, e, também, da defesa do território contra a conquista
espanhola. Foram esses os agentes que somaram esforços na mobilização para
“desinfectar” o sertão da multiplicidade de povos indígenas.
(...) He sem duvida que nas minas gerais e nestas do Cuiabá para
se estabelecerem se expulsou o gentio, e sem ser conquistado
senão pode habitar nestes certões.
139
137
AURELI, 1962, p. 9-12.
138
O termo gentio, na Bíblia, livro sagrado para os cristãos, nas epístolas de São Paulo, aparece
referindo-se aos não conversos ao cristianismo.
139
Fonte Primária (5).
Para domesticar o sertão, na perspectiva dos colonizadores, era fundamental
empreender esforços no sentido de fazer devassas aos índios considerados bárbaros.
Deste modo, poderiam os agentes colonizadores investir na construção do espaço
civilizado, considerando que o melhor a ser feito era o emprego de costumes onde a
moral cristã fosse valorizada e premiada, como forma de estímulo e convencimento
das sociedades indígenas. Para tanto, os colonizadores esforçaram-se em abrir
estradas, investiram em locais de apoio aos viajantes e ofereceram segurança nos
percursos fluviais e terrestres que serviam à política de povoamento portuguesa na
Capitania de Mato Grosso
140
.
As representações sobre as minas do Cuiabá, localizadas no mais interior de
todo o sertão, se elaboram em meados da terceira década dos setecentos, recebendo
múltiplos sentidos, escritos em vocábulos que assim são lidos: “larga extensão”,
“desertos”, “dilatadas jornadas”, “dilatadas campinas”. Nos escritos aparecem dados
sobre a localização de lugares em conquista, com descrições dos rios, da vegetação,
das noções sobre os cuidados com os perigos da jornada e sobre as terras ocupadas
por indígenas.
Para esses sertões saiu Rodrigo César de Menezes, em direção ao arraial do
Cuiabá, chegando às minas em 1726. Era ele Capitão-general e Governador da
Capitania de São Paulo. Foi responsável pela elevação do arraial à categoria de vila,
e nessa vila administrou a Câmara. Nas obrigações reconhecidamente públicas, o
Capitão-general da Capitania de São Paulo esteve empenhado com a política
indígena. Uma delas era empregar esforços para a guerra aos índios Paiaguá
141
.
As minas do Cuiabá são descritas pelo capitão em 1732, como as de “mais
larga extensão do domínio da Coroa”, e, sobre a sua localização, escreve que “ficam
no mais interior de todo o estado do Brasil”. Foi no esforço para fundar a Vila Real
do Bom Jesus do Cuiabá, no ano de 1726, que Rodrigo César de Meneses aplicou
todo “cuidado, industria, e com despesas” de seus soldos investiu na vinda de
“muitos moradores” para estas terras, com objetivo de produzirem mantimentos.
Porque de muito precisava ser dilatada a fronteira naqueles “desertos indecisos pela
linha imaginária”
142
. Segundo Virgílio Corrêa Filho, só na monção de 1726, em que
140
SILVA, 1995, p. 29.
141
MENDONÇA, 1982.
142
Fonte Primária (21)
viajou Rodrigo César de Menezes, chegaram ao porto do rio Cuiabá cerca de três mil
pessoas, entre negros e brancos, viajando em comboio com mais de 300 canoas
143
.
Os alimentos produzidos pelos moradores nas margens dos rios eram
importantes; demarcavam a conquista e ocupação e forneciam alento aos sertanejos,
que, na exigüidade do bem estar, contavam com os roçados para o reabastecimento
de suas capacidades físicas. Nas palavras de Rodrigo César de Meneses, as margens
dos rios, serviram a produção de roças que, “livremente”, foram os colonos
“plantando e cultivando”. Os índios foram agentes importantes à sobrevivência dos
sertanistas no interior sertanejo. Nas viagens mais curtas, os preadores de índios
viviam da caça, da coleta de frutas e do mel. Entretanto, nas viagens mais longas os
índios deveriam providenciar roçados em pontos estratégicos, com vistas a manter os
sertanistas. Em algumas ocasiões os índios antecediam a viagem, providenciavam
roçados e neles plantavam os alimentos que serviriam para o sustento dos oficiais da
expedição: “eventualmente, alguns desses arraiais desenvolveram-se em povoados,
sobretudo nas rotas para Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso”
144
.
Diferentemente de Monteiro, Camello enumera as unidades produtivas
coloniais existentes às proximidades das rotas fluviais, nas quais os monçoeiros, na
vinda para as minas do Cuiabá, abasteciam-se de alimentos. No rio Pardo há notícias
de duas roças com muito feijão e bananas, e na barra do Nhanduí Mirim há roça
povoada. Em Camapuã estão duas roças povoadas, bastante milho, feijão, bananas e
cana-de-açúcar, porcos, galinhas e cabras. Nos rios Coxim e Taquari há roças
povoadas. No Cuiabá são muitas as unidades produtivas, quase todo o rio de mesmo
nome “está cercado por roças e fazendas”. Nelas produzem mandiocas servindo a
excelente farinha, melões, batatas, fumo, porcos, galinhas, cabras, cavalos, novilhas e
alguns engenhos
145
.
Na travessia dos sertões os colonos usaram o saber dos índios. Servindo-se
da técnica do fabrico das canoas, utilizaram da navegação para facilitar as entradas
pelo interior da colônia. Havia aquelas feitas de casca de árvores e outras, as mais
resistentes, feitas de lenhos inteiriços e esculpidas em madeira. Geralmente eram
feitas de “madeira da peroba e da ximbaúva, devido não só ao diâmetro
relativamente grande que podem atingir, como ao fato de suportarem bem a
143
Cf. CORRÊA FILHO, 1994, p. 50.
144
MONTEIRO, 1994, p. 90.
145
CAMELLO, 1863, p. 6 a 14.
umidade”. A madeira era retirada na lua minguante, particularmente nos meses de
junho e julho, e no trabalho de escavação usavam “machados, enxós, fogo” e “água”,
seguindo o saber dos índios. O casco da canoa deveria medir, depois de preparado,
quanto muito seis centímetros. Para aumentar a segurança, durante as viagens,
“costumavam os construtores rematar a borda com um a faixa adicional de madeira.
A essa operação chamavam de bordar”. O trabalho de falquear a canoa, de escavar o
tronco, de encumeirá-la e de transportá-la do mato a um rio contabilizava semanas de
atividades. Quanto mais inóspita a floresta, maior era a possibilidade de encontrar
árvores com troncos muito longos e de grande espessura. Com os anos, muitas
árvores foram arrancadas, cortadas e queimadas, o que levou ao surgimento de
dificuldades na construção de grandes canoas. Há notícias de que algumas canoas
tinham 17 metros de dimensão. Conta-se que a população de Piracicaba viveu,
durante um bom tempo, do fabrico de canoas. O tamanho normal de uma canoa
girava em torno de dez a doze metros de comprimento, com metro e meio de boca. A
relação entre a largura e o comprimento estaria na aproximação de um para dez. Nas
viagens que se fazia era costume ficar a parte central destinada às cargas. À frente
iam seis remeiros, além do piloto e do proeiro. Nessa arte de fazer canoas prevaleceu
a tradição indígena como técnica de construção naval. A esse costume, por exemplo,
ficou marcado o uso dos tripulantes remarem a canoa em pé, tradição e marca dos
povos americanos
146
.
Dentre as frações agregadas ao sertão, o Pantanal foi representado de
maneira dúbia, descrito como um espaço de bárbaros e se prestando à função de
criatório natural de bichos estranhos e grandes. A essa descrição somam-se outras,
em que animais de grandes proporções e índios bárbaros, antropófagos e desnudos o
têm como morada. Estes atributos faziam dele lugar da selvageria e residência das
esquisitices. Comparativamente, subtraindo essas “perversidades”, o mesmo lugar,
quando em tempos das cheias, tornava-se o percurso mais viável, facilitando a
navegação dos colonos expedicionários que rumavam às minas do Cuiabá:
(...) e com as enchentes dos grandes rios que se vêm ajuntar no rio
Peraguaí, represam as águas, de sorte que faz um mar oceano, e
se não conhecem as madres de tão caudalosos rios no tempo de
seis meses, que dura a sua enchente, fazendo-se deste tempo a
146
Cf. HOLANDA, 1985, p. 316.
navegação para as minas do Cuiabá com mais gosto, e brevidade,
havendo bons práticos (...).
147
No mais das vezes, estes “práticos” eram indígenas ou lusos brasileiros que
com eles haviam aprendido o ofício. Coube aos índios tornar o sertão um espaço
menos árduo às investidas dos colonizadores. Especialistas na arte da navegação,
conheciam profundamente os cursos aquáticos e indicavam ao sertanista o melhor
período para a saída das monções, os melhores lugares para aportar, os locais para o
pouso e o abastecimento dos expedicionários. O saber indígena foi usado pelos
colonizadores contemplando uma diversidade de necessidades, dentre as quais, as
mais presentes foram os recursos de alimentação, água, medicina natural e
localização, aspectos difundidos e prementes à sobrevivência no cotidiano sertanejo.
Os índios executavam serviços essenciais nas funções de guias, carregadores,
cozinheiros e guerreiros
148
.
Sobre a contribuição da mão de obra indígena, apresentamos, ainda, um
fragmento do trabalho de Volpato que demonstra outras atividades desempenhadas
pelos povos da floresta. Neste sentido, ao tratar sobre “a organização do trabalho e da
produção”, conta que o índio
forneceu seus recursos de sobrevivência e, na luta contra a
agresticidade do meio, atuou como guia, como caçador, como
pescador. A agricultura, a pecuária, a indústria manufatureira
foram desenvolvidas a partir de técnicas indígenas (...). A
construção de casas, a utilização de redes, os recursos de ervas
medicinais foram sendo introduzidos a partir de padrões de
padrões comportamentais obtidos dos índios (...).
149
Em síntese, como resumiu Galetti, também tendo como referência a obra de
Sérgio Buarque de Holanda,
(...) além de representar uma constante ameaça, a presença
indígena tornar-se-ia, simultaneamente, um elemento
imprescindível á própria continuidade do projeto colonizador na
região ao oeste das possessões portuguesas. A exemplo do que
ocorrera na capitania vicentina, a configuração da sociedade
colonial mato-grossense e a própria definição do território da
capitania de Mato Grosso foi um dos processos em que a
sobrevivência do homem branco e seus interesses de conquista
147
CAMPOS, 1981, p. 185.
148
Cf. MONTEIRO, 1994, p. 89 e ss., e VOLPATO, 1985, p. 65 e ss.
149
VOLPATO, 1987, p. 84.
dependeram essencialmente, da subordinação/incorporação das
populações indígenas.
150
Habitantes de um espaço em conquista, donos de uma diversidade de
saberes e senhores de uma multiplicidade cultural, descrever os indígenas em toda
esta diversidade, registrar seus modos de vida, a localização destas sociedade e suas
principais características culturais, não era uma tarefa fácil. Mas, realizá-la tornou-se
um imperativo para colonos e autoridades administrativas da colônia. Mesmo porque
era uma forma de melhor controlar o vasto território aonde estavam adentrando.
O relato de Pires de Campos foi pródigo em suas descrições, dando notícias
de inúmeros “gentios”: os Hahuno, os Juniaca e Tiquinito localizavam-se às margens
do Taquari, viviam de montarias, plantavam mandioca e batata e suas armas eram
arcos, flechas e lanças, usadas em tempos de guerra, quando, apresentando-se uma
batalha campal, uniam-se todos contra seus invasores. Os Gualaxo, localizados no
Nhanduí, viviam de corso e montarias, não eram de aldeias e suas armas
compreendiam os arcos, as flechas e os laços. Os Humegay, localizados no rio Claro,
plantavam mandioca, batata, milho e cana-de-açúcar, viviam embarcados, e,
utilizando os arcos, as flechas e as lanças, sobreviviam às ameaças de inimigos,
costumando entrar em combate contra os Guaicuru e os Paiaguá. Esses últimos
habitavam as margens do rio Paraguai, até o rio dos Porrudos. Os Guaicuru estavam
no Paraguai, Embotetei, Claro e no Taquari. Os Guató, Caracará, Guacharapo,
Surucuha, Guacamão, Cuvaqua e Tuque são descritos como “habitantes do
Paraguai”. Os Tacohaca, Gueleche e Ariocone viviam no Porrudos, usavam andar
embarcados, tinham por distrito até a barra do Cuiabá e suas armas eram os arcos, as
flechas e as lanças. Os Taquari, Aripoçone e Porrudos viviam no Porrudos. Entre as
muitas outras nações citadas por Antônio Pires de Campos estão os Vanherei, que
viviam aldeados no Piquiri, os Elive e os Cuchiane, que viviam no Cuiabá, “na
paragem chamada de Arraial Velho”. Os Guachevane, Curiane, Guahone,
Candaguari, Pavone, Guale, Cathaxo e Bobiare viviam no Cuiabá. Havia, ainda, os
Tuete, Jape, Cruane, Gregone, Curiane, Tamoringue, Arica Poçone, Cope Mirim e
os Coxipone
151
.
Entre as nações guerreiras contadas pelo escritor Antônio Pires de Campos
estão a dos Caiapó, que viviam em aldeias localizadas no rio Parnaíba, oeste das
150
GALETTI, 2000, p. 64.
151
CAMPOS, 1981, p. 179 a 199.
Minas Gerais, entre os rios Vermelho/Araguaia, Pardo, Camapuã, Coxim, Taquari,
Guacuruí e Verde. Produziam lavoura de batatas, milho e outros legumes e suas
armas eram arcos, flechas e garrotes. Suas táticas de guerra: “corsários de outros
gentios (....)”, não usam pôr guerra como fazem os outros, “tudo levam de traição e
rapina”, uma das nações temidas em todos estes sertões pelas suas “astúcias e
traições”, pelas quais basta só um “Caiapó para destruir uma tropa de quinhentas
armas de fogo”, qualquer deles corre tanto como um cavalo
152
.
Para os colonizadores fazia-se imperativa a dominação sobre os índios
Caiapó. Isso se confirma no escritos transpostos:
Em todo o vasto Paiz que medeia o Paraguai, e o Paraná, ou Rio
Grande se acha vivendo o gentio Caiapó que he o mais bárbaro e
alheio de toda a cultura, e civilidade que até agora se descobriu
no Brasil. As contínuas hostilidades com que infesta os caminhos
de São Paulo para o Goiás, e para Cuiabá, e até as mesmas
povoações do Goiás, me obrigarão a mandar ultimamente se
deliberasse em uma junta de missões do Rio de Janeiro se devia
fazer-lhe guerra e dispuz os meios com que se julgasse
indispensável. O governador Gomes Freire de Andrade vos
comunicará o último Estado desta dependência para que pela
vossa parte coopereis com ele e com o governador do Goiás (...). E
com um meio muito eficaz para afugentar, e atemorizar estes
bárbaros (...).
153
Segundo o sertanista, os Caiapó eram gente de muitas aldeias e em cada
uma delas havia um cacique, função comparada à posição de governador. Na
observação sobre o vestuário, Antônio Pires de Campos exibe suas considerações
etnocêntricas. Na visão imbuída de noções preconceituosas, a antropofagia e o
desnudamento foram características culturais que deram justificativas à classificação
da barbárie. Condição referida aos Caiapó, fazendo-os vítimas das guerras de
extermínio colonial.
Os Caiapó, não por acaso foram descritos com tanta atribuições negativas,
vistos como nação das mais aniquiladoras, representavam um grande obstáculo às
tentativas expansionistas dos colonizadores:
(...) os índios Caiapós tudo infestam por d’onde têm feito
consideráveis danos, assim em barcos escravos, como nas canoas
dos viandantes, e mineiros que passam para as minas do Cuiabá,
fazendo despovoar todas as roças que já haviam no Rio do
Tacoarí, matando a maior parte da gente, e queimando-lhe as
152
Ibidem.
153
Fonte Primária (8).
casas, fazendo-lhe despovoar aquele rio, e o mesmo fariam em
Camapoan se os roceiros não estivessem com armas na mão de
noite e de dia (...).
154
O sistema cultural dos Caiapó, da maneira como era visto pelo colonizador,
aprisionava-os num modelo de barbárie, em razão do reconhecimento de sua
resistência e na aguerrida defesa de sua área à expansão dos coloniais, e,
indubitavelmente, essas condições fizeram-nos depreciados no sistema de
classificação cultural europeu, que os reduziu a um grupo dos mais bárbaros
encontrados nos sertões.
Também o comerciante João Antônio Cabral Camello, no relato de sua
viagem de São Paulo até as minas do Cuiabá, no qual descreve observações
cartográficas do percurso, nele incluindo elementos constitutivos da natureza,
identificação dos grupos indígenas e sinalizações de roças, saltos, rios e distâncias,
registra a presença dos Caiapó “nas varges muito dilatas” do Pantanal, às margens
dos rios Taquari e Cuiabá. Descreve-os como nação de bárbaros, e sugere aos
viajantes a antecipação de alguns cuidados:
(...) é porêm precisa toda a vigilância n’ella, porque os Cayapós
não perdem toda a boa occasião que se lhe offerrece: como com
effeito experimentaram uns de São Paulo, que foram na mesma
tropa, por nomes Luiz Rodrigues Vilares, e Gregorio de Crasto,
que no meio da fileira dos negros que lhe conduziam as cargas, e
seriam sessenta ou mais, lhe ataram tres ou quatro, retirando-se
tão velozmente, que quando os mais levaram as espingardas á
cara, já os não viram (...).
155
O autor, tal como o fez o sertanista Antônio Pires de Campos, relacionou a
presença de várias nações indígenas, não se restringindo às observações sobre os
ataques dos Caiapó. Sua posição ideológica renovava as conclusões daquele e suas
descrições depreciativas contribuíram para a continuidade das políticas de
extermínio, com maior afinco contra as nações que, localizadas no trajeto monçoeiro,
pejorativamente foram categorizadas como bárbaras e, por sua resistência aos
colonos foram extirpadas da história.
Ainda dentro dessa mesma idéia, os índios da nação Guaicuru foram
conhecidos por índios cavaleiros, e, semelhantemente ao ocorrido com os da nação
Paiaguá, foram discriminados pela hostilidade com que tratavam os monçoeiros.
154
CAMPOS, 1981, p. 180.
155
CAMELLO, 1975, p. 7.
Ambas as nações eram habitantes do Pantanal. Os Guaicuru, na passagem do
Taquari, provaram resistência, atacando com seus cavalos as tropas de sertanistas.
Sobre os instrumentos defensivos e seus planos de guerra, Cabral Camello conta:
(...) N’esta passagem tem os Guaycurús acommetido por vezes nos
seus cavallos a algumas tropas nossas: as que estavam perto do
mato facilmente se escaparam retirando-se a elle; mas as que se
acharam longe correram grande perigo, e experimentaram
algumas mortes. Usa esse gentio de lanças e de uns laços de couro
muito compridos, com que prendem e laçam em proporcionada
distância tudo o que querem: andam sempre em grandes tropas de
500 até 1.000, e se é neccessario ajuntam-se mais, porque são
muitos os reinos, e cada um só por si terá mais de 9.000
cavallos.
156
Na Relação
157
de José Barbosa de Sá, um dos principais cronistas da
primeira metade do século XVIII, há informações sobre as nações indígenas e outras
que interessam ao contexto aqui tratado. Sá não mediu esforços em contar detalhes
sobre os ataques dos Paiaguá às minas do Cuiabá, como, por exemplo, o ocorrido em
1725, quando estes índios tomavam ofensiva contra canoeiros vindos para as ditas
minas. Nessas embarcações, os colonos viajavam trazendo muitos escravos,
utensílios, sustento e fazendas para negócios. No embate com os Paiaguá, morreram
quase todos, sobrando, com vida, apenas um branco e um negro. Neste episódio.
segundo Barbosa de Sá, morreram seiscentas pessoas e os índios em face de sua
vitória, tomaram posse das vinte canoas dos inimigos. Esses acontecimentos
incendiaram os reclames da população cuiabana, que muito perdia diante da reação à
expansão colonial.
(...) Não se sabia que gentio era, onde habitava e que nome tinha,
por não ser o nome Paiaguá até então conhecido; inquirindo-se
dos índios domésticos naturais das vargens, cientes das nações
circunvizinhas. (...) declararam que era Paiaguá, gentio de corso
que não tinha morada certa, viviam sobre as águas sustentando-se
de montaria pelo Paraguai e pantanais (...).
158
No ano de 1725 não chegou fazenda alguma ao povoado de Cuiabá sem que
as monções tivessem sido atacadas pelos índios Paiaguá. Segundo o cronista, foi um
ano de muita miséria, em que tudo faltou e a fome foi geral. Os produtos da terra não
vingaram e as pragas destruíram as sementes e mantimentos.
156
Ibidem, p. 11.
157
SÁ, 1975.
158
Ibidem, p. 1.
É sabido que as embarcações atacadas pelos índios traziam, além das
tripulações, mantimentos para os colonos moradores das minas do Cuiabá. As mais
“avantajadas podiam comportar até trezentas ou quatrocentas arrobas de
mercadorias”, e nelas ainda havia a alimentação que servia aos expedicionários,
renovada na fazenda de Camapuã. A ração diária consistia “um pouco mais de cem
gramas de toucinho, um litro de farinha, (....) e feijão”. As mercadorias que eram
trazidas a Cuiabá contemplavam as necessidades imediatas dos moradores da vila e
também serviam ao luxo. “Desde o sal, destinado à cozinha dos mais ricos e aos
batizados, até as fazendas de seda para os festejos e solenidades”
159
.
No ano de 1726, novamente a monção que vinha ao Cuiabá foi atacada
pelos Paiaguá, e a luta entre os índios e os monçoeiros foi sangrenta. Do combate
restaram dois rapazes, que lutaram até as últimas forças. Barbosa de Sá escreve sobre
esse fato:
(...) Vindo neste ano monção, junta em uma grande frota, foi
assaltada do gentio Paiaguá (...); com eles embarcaram dois fortes
mancebos, que mereciam seus nomes letras de ouro escritas nas
asas da Fama (...), naturais da vila de Itu. Cercados (...) do gentio
pelas oito horas do dia, pelejaram até as duas da tarde, primeiro
com armas de fogo, deixadas estas à espada, rebatendo as lanças
dos gentios, arrancando-lhas das mãos e com elas ferindo-os.
Perdidos os companheiros e remeiros, mantiveram a peleja eles
sós, matando muitos bárbaros e ferindo-os (...), em tal forma que
sobre eles caiu todo o ferino poder, até que renderam as vidas a
troco das muitas que tiraram (...).
160
O autor expressou em seus escritos, como os outros já mencionados, os
valores da época. Seu discurso atendeu a unanimidade em declarar a vileza como
atributo dos Paiaguá, apresentando-os como seres inferiores e necessitados da
interferência dos saberes europeus. Os préstimos dos colonizadores estariam
fundamentados na escravidão, praticada pelos sertanistas, e na conversão e tutela,
defendidas pelos jesuítas
161
.
José Barbosa de Sá trabalhou para fundamentar conceitos etnocêntricos,
investindo nos procedimentos classificadores e excludentes. Descreve os Paiaguá
como bárbaros e ferinos no poder de matar, seu enredo está marcado por guerras, e
nele os atores sociais de maior poder vêem a improdutividade e a selvageria em
159
HOLANDA, 1985, p. 318.
160
SÁ, 1975, p. 2.
161
Cf. RAMINELLI, 1996, p. 79.
determinadas sociedades indígenas. Esse tipo de julgamento impulsionou o
extermínio de muitas nações em todo território colonial, e em particular no oeste da
conquista. A freqüência com que ocorriam os ataques dos Paiaguá promoveu ações
dos agentes políticos locais, tratando do assunto através de muita munição, muitos
homens e muitas canoas. Foram construídos segundo o cronista, para o
enfrentamento, servindo à morte dos Paiaguá verdadeiros arsenais de guerra. Um
desses é descrito por Sá, no ano de 1731:
(...) Saiu a armada no mês de abril, com trinta canoas de guerra e
cinqüenta de bagagem e montaria, quatrocentos homens entre
brancos, pretos e pardos, duas peças de artilharia, dois pedreiros
de bronze, armas e apetrechos necessários, tudo à custa dos
homens principais (...), sem que se tirasse do povo coisa alguma
(...).
162
Nesse investimento muitos índios morreram. Muitos em comparação com
seus adversários. No ano de 1735, houve outro combate da guerra declarada aos
Paiaguá. Sobre esse acontecimento escreveu Barbosa de Sá:
Saiu a armada do porto desta vila no dia primeiro de agosto,
composta de 28 canoas de guerra, 80 de bagagem e montaria, três
balsas que eram casas portáteis armadas sobre canos, 842
homens, entre brancos, pretos e pardos; tudo o que era branco
levava cargo militar, e só se diziam soldados os pretos, índios e
mestiços; foram por capelães o padre Frei Pacífico dos Anjos,
religioso Franciscano e o padre Manuel de Campos Bicudo, do
hábito de São Pedro, com todo os paramentos para dizerem missa,
que as diziam dentro das balsas.
163
Neste contexto mais amplo, em que destacamos os conflitos interétnicos,
que marcaram os primeiros tempos da colonização a oeste das terras portuguesas, é
que são elaboradas e ganham sentido as representações construídas sobre os índios
Paresi na primeira metade do século XIX. Tais representações encontram-se em
fontes diversas, desde documentos oficiais da administração colonial, até relatos de
sertanistas. Dentre eles, privilegiamos o de Antônio Pires de Campos, que se pode
considerar como uma espécie de discurso inaugural sobre os Paresi, constituindo-se
de um núcleo de idéias que acabaria por se tornar recorrente nas representações sobre
estes índios, como se verá mais à frente. Esta recorrência pode ser observada não só
pela repetição, nos séculos seguintes, dos elementos que identificam os Paresi no
162
SÁ, 1975, p. 6.
163
Ibidem, p. 8.
relato de Pires de Campos, mas, igualmente, entre os seus contemporâneos, com
destaque para o comerciante João Antônio Cabral Camello e José Barbosa de Sá, por
algum tempo escrivão responsável pela crônica oficial da Vila Real do Senhor Bom
Jesus de Cuiabá.
Os relatos destes homens revelam os diversos estereótipos, opiniões, visões,
classificações, exclusões, comparações e conclusões, quase sempre negativas,
atribuídas às diversas populações indígenas encontradas no território que aos poucos
vinha sendo definido como fronteira de expansão luso-brasileira. São homens que
compartilharam experiências em Mato Grosso, no contexto histórico da primeira
metade do século XVIII. Homens do período colonial que se ocuparam, em alguns
momentos de suas vidas, em deixar para a posteridade fragmentos de memórias.
Memórias de que os pesquisadores se valem para estudar e recompor um passado
presente em nossa história. Memórias que trazem à luz os mais divergentes conceitos
sobre as etnias coloniais, onde predominam os depreciativos, muitos dos quais ainda
presentes entre nós.
Nos seus escritos, eles registraram a história do cotidiano do sertanejo, tanto
aquilo que foi visto por eles como o que foi contado por outros. Anotaram as
dificuldades enfrentadas pelos sertanistas em construir uma história de aventura.
Falaram da luta com as adversidades impostas pela natureza, que ainda muito
precisava ser conhecida pelos desbravadores. Esses sertões foram relatados num
jogo/conjunto de palavras que são expressas por: mosquitos, doenças, aventura, ouro,
índios de diferentes nações, cachoeiras, rios, corredeiras, ataques, mortes, escravidão,
guerras, lanças, flechas, munição... E, com grande destaque e muitos detalhes, as
nações indígenas que encontraram pelo caminho. Estes relatos, como notou Galetti,
são
(...) escritos que fundam a história da região como uma saga da
conquista, e nos quais os confrontos e contatos entre indígenas e
colonos são quase sempre relatados como vitais para o sucesso ou
insucesso das ações colonizadoras. Neles, produzem, seus
costumes, sua índole boa ou má, sua natureza mansa ou brava
(sempre de acordo com as reações defensivas ou ofensivas que
ofereciam ao avanço dos colonos). E, não raro, é a distribuição
espacial das várias sociedades indígenas que torna compreensível
para os colonizadores a própria geografia da região. (...) Essa
forma de desenhar a geografia da região, a partir do
reconhecimento de territorialidades indígenas (nunca respeitadas,
salvo quando os interesses territoriais da Coroa estavam em jogo),
é um elemento chave no processo de configuração do território
colonial mato-grossense (...).
164
O que estes homens registraram a respeito dos Paresi será aqui apresentado
e discutido, tendo por base o relato de Antônio Pires de Campos, capitão paulista e
um dos primeiros sertanistas a elaborar notícias sobre as sociedades indígenas na
parte oeste das terras em conquista. Seus escritos, segundo Jaime Cortesão, “foram
entregues ao padre Diogo Soares, naturalista e cartógrafo, um dos padres
matemáticos (astrônomos) contratados por João V a partir de 1722 para refinar a
cartografia na América Portuguesa”. Esse texto era confidencial, pois apresentava
elementos para negociações sobre os limites dos domínios ibéricos na América do
Sul
165
.
Desde os primeiros tempos da colonização, os agentes nestas terras
enviavam notícias ao rei de Portugal. Os mapas eram feitos, as informações eram
passadas, e para um melhor cumprimento desses objetivos o rei de Portugal proveu
de especialistas suas Academias, no intuito de aparelhar os conhecimentos sobre a
terra em conquista. Antônio Pires de Campos muito incentivou, através de seus
escritos, as expedições no exercício da exploração geográfica pelo interior do Brasil.
Assim, também Antônio Rolim de Moura Tavares escreve ao rei de Portugal
informando sobre as sociedades indígenas nesta área, chamada de parte mais central
da América do sul
166
, mantendo-o informado sobre as especificidades da natureza e
da sociedade que se formava nesta parte oeste da conquista. Sobre relatos como o de
Antônio Pires de Campos, Galetti considerou que eram:
verdadeiros mapas em prosa dos caminhos do sertão, não apenas
(...) guias repletos de informações úteis sobre a natureza
topográfica dos caminhos terrestres e fluviais, mas também, fontes
de preciosas indicações sobre pontos de maior concentração de
populações indígenas, destinadas a serem alvo das ações de
captura ou extermínio praticadas por experientes sertanistas.
167
Elizabeth Madureira Siqueira produziu análise importante sobre os fins
expedicionários e as intencionalidades de reconhecimento das espacialidades do
164
GALETTI, 2000, p. 51.
165
CORTESÃO, 1952, p. 299.
166
Cf. ROSA, 1996.
167
GALETTI, 2000, p. 52.
extremo oeste da colônia, e concorda com a existência dos objetivos políticos no
documento elaborado por Antônio Pires de Campos:
O documento fundamental e que deu sustentação para o
reconhecimento das tribos indígenas fixadas ao longo dos rios, foi
escrito por Antônio Pires de Campos e vai servir de base para a
política metropolitana, no que toca à questão dos índios existentes
no extremo Oeste da Colônia. Nele, o sertanista paulista elenca as
nações que ameaçavam o povoamento, abastecimento e a
mineração nessa importante região, assim como elenca e descreve
aquelas que poderiam servir aos interesses da política colonial,
através de sua incorporação à sociedade colonial, fazendo ele as
vezes, não só de povoadores, mas, sobretudo, de defensores das
terras, em nome da coroa portuguesa. Neste último caso, estão os
Paresi, para os quais o sertanista dedicou parte especial em seus
escritos.
168
Dentre as várias nações indígenas identificadas no relato de Antônio Pires
de Campos, ao longo do caminho que percorreu, por rotas fluviais, do rio Tietê ao
Cuiabá, a Paresi, pelas especificidades de sua cultura, que impressionaram
favoravelmente o sertanista, mereceu narrativa das mais detalhadas.
A nação vista por ele era muito numerosa, formada por índios que
ocupavam uma vasta região:
Naquelas dilatadas chapadas habitam o Paresis, reino mui
dilatado, e todas as águas correm para o Norte. (...) Esse reino é
tão grande e dilatado que se lhe não tem dado com o fim: é
bastíssimo de gentio e muito fértil pela bondade das terras, o clima
é bastantemente frio, a língua boa de perceber, (...) que a geral
dos Parecis quase todos entendem.
169
Um reino tão grande e populoso era difícil de numerar. Em cada aldeia
estavam construídas de dez a trinta casas, de tamanhos surpreendentes. Essas são as
suas impressões sobre a população e as casas:
É esta gente em tanta quantidade, que se não podem numerar as
suas povoações ou aldeias, muitas vezes em um dia de marcha se
lhe passam dez e doze aldeias, e em cada uma destas tem dez até
trinta casas, e nestas casas se acham algumas de 30 até 40 passos
de largo, e são redondas de feito de um forno, mui altas e em cada
uma destas casas, entendemos agasalhará toda uma família (...).
170
168
SIQUEIRA, 1993, p. 12.
169
CAMPOS, 1981, p. 188-189.
170
Ibidem, p. 187.
Ressalte-se que um quadro muito diferente daquele descrito por Antônio
Pires de Campos foi encontrado por Max Schmidt, que, em suas avaliações, no
princípio do século XX, aponta a existência de uma a três casas em cada aldeia, o
que caracterizaria uma franca depopulação dos Pareci nesse intervalo de tempo.
Pires de Campos informa que muitos sertanistas vinham se servindo destes
para o trabalho escravo, o que muito lhes favorecia pois era muito bons agricultores,
virtude que, sem exceção, foi depois notada por todos quantos se ocuparam em
descrever os Paresi. Relata o sertanista que cada casa era habitada por um grupo
familiar e todos tinham posse das terras e nelas trabalhavam incansavelmente.
Plantavam mandiocas, milho, feijão, batata e ananases. A ordem e o plantio desses
alimentos causavam admiração:
(...) estes todos vivem de suas lavouras, no que são incansáveis, e é
gentio de assento, e as lavouras em que mais se fundam são
mandiocas, algum milho e feijão, batatas, muitos ananazes, e
singulares em admirável ordem plantados, de que costumam fazer
seu vinhos (...).
171
Ao contrário de outros índios, os Paresi foram descritos como uma nação
que vivia do seu trabalho, da sua produção agrícola. Eram admirados pela disposição
com que plantavam os alimentos nas roças. Além, da organização e da disciplina na
produção destas roças, os Paresi foram referenciados como sedentários, chamados
gentios de assento. E mais, não eram guerreiros, só se defendiam quando atacados, e
eram ditos como muito asseados e perfeitos. Diversos predicados foram-lhes
atribuídos, chegando o sertanista a dedicar apreciação elogiosa às estradas
construídas pelos Paresi: “muito asseados e perfeitos em tudo que até as suas estradas
fazem mui direitas e largas, e as conservam tão limpas e concertadas que se não
achará nem um folha”
172
.
As observações sobre as mulheres são, também, bastante entusiasmadas. As
Paresi apresentavam traços físicos positivamente valorizados, pois em muito se
assemelhavam aos da mulher européia. Em fragmento da narrativa do sertanista,
percebe-se uma classificação legitimadora do padrão estético do europeu:
(...) este gentio feminino é o mais parecido que se tem visto porque
são muito claras e bem feitas de pé e perna, e com todas as feições
perfeitas, e tão ágeis e habilidosas que nada se lhes mostra que
171
Ibidem.
172
Ibidem, p. 188.
não imitem com a melhor perfeição, e o mesmo se acha nos
homens.
173
O trabalho destas mulheres também foi notado por sua beleza e perfeição.
As índias Paresi, segundo Pires de Campos, teciam panos
... de teçume de penas, e de ricas cores, (...) costumam criar
araras, papagaios e outros pássaros em casa como quem cria
galinhas, e os depenam, e lhe dão com tintas que fazem de diversa
cor como querem que depois lhe saiam as penas, e em eles saindo
em estando com conta lh´as tiram para as suas obras que fazem, e
lhe tornam a pôr segundas tão vivas e singulares que parecem
labirintos, sem que lhe levem vantagens nas cores, as melhores
sedas da Europa.
174
Com respeito à caça, que também usavam para o seu sustento, Campos
descreve os Paresi como muito habilidosos, e donos de técnicas singulares: “usam
(...) cercar de rio a rio o campo, entre esta cerca fazem muitos fogos, em que caçam
muitos veados, emas, e outras muitas mais castas (….)”. Habilidade também não lhe
faltava na confecção de apetrechos de guerra: “as suas armas são os arcos e flechas e
usam também de uma madeira muito rija, e dela fazem uma folhas largas que lhes
servem de espadas, e também têm suas lanças mas pequenas, que com elas defendem
(….)”
175
.
Os Paresi tinham suas crenças, e como idólatras de algumas imagens foram
percebidos pelos sertanistas no exercício da superioridade cultural-religiosa:
(...) estes tais têm uma casa separada com muitas figuras de vários
feitios, em que só é permitido entrarem os homens, as tais figuras
são mui medonhas, e cada uma tem sua buzina de cabaça que
dizem os ditos gentios, serem das figuras, e o mulherio observa tal
lei, que nem olhar para essas casa usam, e só os homens se acham
naqueles dias de galhofas, e determinados por eles em que fazem
suas danças e se vestem ricamente.
176
A alusão às vestes deixa claro o uso de roupas, ainda que poucas: “(….) os
trajes ordinários deste gentio é trazerem os homens uma palhinha nas partes
verendas, e as mulheres com suas tipóinhas a meia perna”
177
.
173
CAMPOS, 1981, p. 188.
174
Ibidem.
175
Ibidem, p. 187.
176
Ibidem, p. 188.
177
Ibidem.
A respeito dos ornamentos usados pelos chefes Paresi e do fabrico de alguns
instrumentos de uso cotidiano, relata Pires de Campos:
Faz este gentio obras de pedra como jaspe em forma de cruz de
malta, insígnia que só trazem os caciques, ou principais,
dependurada ao pescoço, tão lisas e polidas como marfim lavrado,
outras curiosidades, sem instrumento de ferro, nem aço, e fazem
machados de pedra, e outras coisas mais dificultosas de se
acreditarem.
178
Tantas qualidades e grande parte delas assim identificadas por sua
semelhança com a cultura do colonizador, culmina na conclusão de que os Paresi,
apresentavam melhores condições que outros “gentios” de se converterem ao
catolicismo, e por isso, apesar de reconhecer a sua natureza indígena, Pires de
Campos depositava esperança neles:
(...) são os que me parece se acharem mais hábeis entre todos os
mais para se instruirem na fé católica, havendo pregadores
evangélicos, que lha vão ensinar, e suposto que estes gentios de
sua natureza são bandoleiros e pouco constantes, como a
experiência tem mostrado que preservaram na idolatria se deve
esperar que a misericórdia divina há de permitir que algum abraçe
tanta multidão de peões nossa santa fé católica romana, como se
espera em Deus o permita assim para maior glória sua, honra e
crédito da nação portuguesa, e extensão dos domínios de S.
Majestade.
179
As informações apresentadas pelo comerciante João Antônio Cabral
Camello, não divergem das de Antônio Pires de Campos. Sobre a preação de Paresi e
sobre o trajeto monçoeiro percorrido pelos sertanistas, escreve:
Este rio Paraguay ainda me parece maior que o Rio Grande: é
cercado todo de matos, tem muitas ilhas, sangradouros, e bahias
dilatadas. Quasi no meio que o navegamos se divide em dois
caminhos; o do lado direito, que é um dos sangradouros, e se
chama Xiunés, e do lado esquerdo, que é o Madre; ambos se
seguem, mas por estes só navegam bastantes dias os que sahem do
Cuyabá à conquista do gentio Parassis e Mayborés, até encontrar
o rio Cepotuba, que entra no Paraguai pela parte esquerda:
navegam por este acima, e depois d’alguns dias de viagem, dá nos
alojamentos dos sobreditos gentios, e tyrannica e barbaramente os
captyvam.
180
178
Ibidem.
179
Ibidem, p. 189.
180
CAMELLO, 1975, p. 12.
A descrição que faz este comerciante a respeito dos Paresi reitera a de Pires
de Campos em muitos pontos. Diferentemente dos índios categorizados como
selvagens, Camello elogia os Paresi por não representarem ameaça aos
colonizadores:
É gentio que não faz a alguem; vivem quietos nas suas roças que
plantam e cultivam como os brancos; são fracos e inhabeis para a
guerra, mas nem por isso deixam de ser engenhosos, e de rara
habilidade para o mais (...).
181
Além disso, eram fáceis de domesticar e suas mulheres possuíam predicados
da quase civilidade: “as femeas são como as nossas bastardas, e boas para servirem
uma casa com limpeza”
182
.
Camelo também se impressiona com as atividades artesanais desenvolvidas
pelos índios da nação Paresi, e, ademais, é enobrecedora a forma como trata de
apresentar a destreza dos conhecimentos da técnica para a confecção dos panos:
(...) estes se ocupam em tirar fios de uma casca de arvore á que
chamam Tocú, de que tecem as suas redes em que se deitam, e os
pannos com que se cobrem; tambem formam das pennas dos
tocanos, araras e papagaios, que são vermelhos, verdes, azues e
amarellos, uma certa casta de cintas, com que se vestem do peito
até ao joelho, tão bem lavradas que não invejam as melhores sedas
da Europa; tambem fazem das mesmas pennas bandas e trunfas, e
entre elles é o mais rico aquelle que tem mais d´estes pássaros.
183
Em todos estes relatos eram comuns as denúncias sobre a imposição da
escravidão aos Paresi, em que pesem os discursos e até mesmo determinações das
autoridades coloniais no sentido de se preservarem estes índios. Nesse sentido, a
crônica de José Barbosa de Sá informa que no ano de 1731, semelhantemente ao que
apresentam outros relatos citados, ocorreram massacres e escravização dos índios da
nação Paresi:
Continuandose neste anno do Gentio Paresi de onde eraó trazidos
muitos indivíduos desta nascam que como escravos se vendiaó:
chegaraó a esta vila vindos do dito sertaó o Licenciado Pais de
Barros seo Irmaó Artur Pais, seus sobrinhos João Martins Claro e
José Pinheiro todos naturais da vila de Sorocaba e apresentaraó
hum cruzado de ouro e amostra das minas de Mato groso Lavado
181
Ibidem.
182
Ibidem.
183
Ibidem.
com hum prato de estanho no lugar adonde se acha a capela de
Santa Anna.
184
O conjunto de representações aqui apresentadas revela que muitas das
características da cultura Paresi foram valorizadas pelo colonizador porque se
assemelhavam às de sua própria cultura, ou porque acreditavam que essas
características apontavam para uma predisposição nata, nestes índios, para aceitar a
presença do colonizador em suas terras, e, ainda, para se converter à fé católica e
incorporar outros elementos da civilização. A circulação dessas informações em São
Paulo, ante-sala das práticas escravistas, colocava numa permanente situação de risco
a nação Paresi. Para os sertanistas especializados em prear índios, era mais lucrativo
investir na caça aos índios considerados mansos, preferencialmente os que, como os
Paresi, eram tidos como quase civilizados e se mostravam exímios produtores
agrícolas. Certamente era mais caro e perigoso escravizar índios bravios, pois estes
não só punham em risco a empresa preadora, como, se aprisionados, davam mais
trabalho para serem escravizados e exigiam maiores investimentos civilizadores.
Na concepção do europeu, esta nação necessitava de missionários para o
ensino da religião, “havendo pregadores evangélicos, que lha vão ensinar”
185
. Está
explicita a idéia de que os Paresi ocupavam escalada ascendente em direção à
civilização. A aceitação da racionalidade dos outros povos, não cristãos, não
significava o reconhecimento de sua igualdade, “pois mesmo racionais não
compartilhavam da mesma temporalidade. A viagem de uma cultura á outra
equivalia a uma viagem no tempo”
186
.
A mentalidade do europeu estava atada ao plano de “civilização”, e teria
uma ação deliberada sobre os índios do Brasil, atuando também no sentido da
mudança de valores e comportamentos, a qual seria dirigida pelos portugueses. O
projeto da civilização trouxe um conjunto de intenções que deveriam ser
incorporadas à colonização. No anseio de adquirir forças para tal empreendimento, a
Igreja relacionava-se diretamente com os planos da civilização. Esse papel estaria
representado pelo pároco, pelo clérigo, dentre outros, fazendo com que as
184
SÁ, 1975, p. 24.
185
Ibidem.
186
FERREIRA NETO, 1997, p. 318.
representações tutelares trabalhassem em prol da civilização, da catequese, inclusive
prestando assistência aos índios
187
.
Vê-se que esses índios da nação dos Paresi são considerados os mais
favoráveis aos investimentos civilizadores. São também representados como fracos e
inábeis no serviços da guerra, e nessa percepção os Paresi pouco resistiriam ao
avanço da frente colonizadora e não dificultariam a instauração do aparelho de
Estado. Ou seja, os índios dessa nação incorporariam com mais rapidez os traços
culturais europeus que se queriam predominantes.
Os cronistas narraram em seus textos idéias pré-concebidas à época. Neles
está inscrita a mentalidade de uma sociedade que percebia o índio como elemento
desqualificado, selvagem, rude, irracional, manso ou cruel. Apresentam as práticas
escravistas e mediam percepções que permitem visualizar os Paresi como muito
semelhantes aos colonizadores. Os contatos tidos entre os agentes coloniais e as
sociedades indígenas eram “baseados em perspectivas etnocentradas tradicionais e na
necessidade em estruturar a exploração”
188
.
Nesta identidade historiográfica, entre os autores que escreveram sobre os
Paresi apresentando-os como laboriosos incluimos Maria do Carmo de Mello Rego,
no século XIX. Essa autora escreve sobre os índios Paresi na perspectiva de
considerá-los como quase civilizados, e se reconhece no outro, deixando expressões
marcadamente elogiosas. Também sugere ao leitor uma visita ao Museu Nacional,
onde deve averiguar a “denominada coleção do Guido”. Sobre as impressões dos
artefatos dos índios Paresi, a autora apresenta substanciosa atenção:
De todas as tribus indígenas da vastíssima e antiga provincia de
Mato Grosso, prenderá mais particularmente a attenção do
observador que visitar no Museu Nacional a collecção de
artefactos aborigenes, denominada collecção Guido, a dos Paricis
pelos seus trabalhos de tecidos, que mais pareceu provir de
industria civilisada do que de silvícolas.
189
Para adquirirem objetos de consumo em centros de comércio, as crianças
Paresi costumavam vender a poaia. Esse comportamento sócio-econômico, os
elevava à condição de índios avaliados como estando na última etapa de evolução.
“(.…) São esses índios Parecis laboriosos, e as próprias crianças, desde pequenas,
187
ALMEIDA, 1997, p. 35.
188
FERREIRA NETO, 1997, p. 317.
189
REGO, 1899, p. 3.
acostumam-se a colher poaia para irem com os pais às feitorias fazer suas
permutas”
190
.
Em Rondon, as mulheres Paresi são gabadas pela graça das mãos e dos pés
que, “especialmente nas mulheres, são notáveis pela gracilidade de suas proporções;
os dedos das mãos são em geral fuziformes”
191
.
Os critérios biológicos foram definidores para os europeus no processo de
conquista, na medida em que se utilizavam de traços fenotípicos para classificar e
legitimar a compartimentalização e a exclusão de culturas. A ascendência dos
“brancos” sobre o restante das sociedades americanas preservou relações
etnocêntricas, tonando-as inferiores. Esses critérios biológicos e físicos foram
elaborados a partir de uma conjugação de características que, comparadas aos
padrões estéticos dos “civilizados, se aproximavam, na medida, em que os traços
físicos dos indígenas eram mais apreciados pelos europeus”
192
.
Exemplificando essa idéia, a estética da beleza da mulher Paresi é alicerçada
para o reforço da concepção da quase civilidade desse índios. É possível atentar para
a construção dessa opinião quando essa faculdade é mencionada:
Os homens que vi eram de estatura mediana; as mulheres, baixas,
de physionomia meiga e sympathica (...). Entre alguns Parecis que
o presidente mandou chamar a Cuiabá, para satisfazer o pedido
da comissão alemã e que não compreendiam portuguez, tive a
ocasião de ver uma bonita índia de 15 annos presumíveis.
193
Essa citação clarifica a contribuição da autora reforçando o engendramento
dos positivados padrões estéticos da mulher Paresi. Foram mulheres admiradas e
elogiadas. A autora usa, em sua narrativa, palavras que representam valores
importantes à civilização. Ao referir-se a uma jovem moça, a autora diz ser esta
gentil e bonita
194
. Além da beleza estética, possuíam essas mulheres talentos no
arranjo da produção artesanal. Esse discurso historiográfico solidifica os escritos de
Antônio Pires de Campos e de João Antônio Cabral Camello. Esses autores
constroem uma versão historiográfica comum, manipulando a identidade dos índios
Paresi, e compartilham pontos de vista, mesmo que vividos em diferentes tempos. É
190
Ibidem.
191
RONDON, 1910, p. 14.
192
FERREIRA NETO, 1997, p. 318 a 319.
193
REGO, 1899, p. 4.
194
Ibidem.
possível verificar a cumplicidade dos conceitos de beleza, de mansidão, de
civilidade, de laboriosos e de fiéis. Através das versões historiográficas sobre esses
índios, percebe-se a incorporação dessa identidade de índios mansos à etnia. Em
entrevista concedida à antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, Zonoizo, um
índio Paresi, diz:
(...) Os índios Paresi são uma tribo de índio mais... bom do que
outros. Não fazem mal uma ao outro, tem o coração bom, essa
coisas. Agora: os Kabixi são diferentes, Kabixi faz mal, mata os
outros, como têm matado diversa vezes, mataram muito a nossa
gente (...).
195
É desta forma que o padre salesiano Nicoláo Badariotti expressou, em seus
escritos, a identidade dos índios Paresi em fins do século XX. Foi no trabalho de
conversor de índios à fé cristã que entrou em contato com os Paresi, e a partir dessa
atividade escreveu sobre os seus comportamento, língua, vestuário e adornos. Insere-
se neste item a renovação dos conceitos já assimilados pela historiografia. Sobre as
mulheres diz serem decentes, circunspectas e pudicas. São muito hospitaleiros,
amigos e confiáveis. Desse modo, resume:
Os Parecis e o índio em geral, para não dizer sem exceção, te
acolhem como amigo offerecem-te hospitalidade pódes descansar
seguro e tranquillo (...).
196
Nessa passagem, a validação da fidelidade do índio Paresi reforça a imagem
de índios diferenciados, corroborando para a construção da identidade de mansidão.
Nela há fortalecimento constitutivo das categorias positivas, sob a responsabilidade
de um missionário cristão. Os Paresi são fiéis, leais, hospitaleiros e monogâmicos,
com exceção do “cacique que em todo caso nunca abandona na penúria a mulher
preterida”. Os defloradores e os adúlteros são “castigados com a pena de morte a
cacetadas”. Claramente é percebido seu juízo de valor ao observar que, apesar de
muito rudimentares, as vestes da mulheres “denotam circunspeção e pudor ao sentar-
se ou agachar-se no chão e, prudentemente vigiam as crianças do mesmo sexo, de
modo a poderem servir nisto de modelo a certos civilizados”
197
. As mães Paresi são
195
MACHADO, 1994, p. 90.
196
BADARIOTTI, 1898, p. 81.
197
Ibidem, p. 79.
muito carinhosas com seus filhos, nunca os castigam, e as crianças são levadas a toda
parte
198
.
No ano de 1843, o Frei José Maria Macerata escreveu sobre várias nações
indígenas residentes em diversos lugares da Província de Mato Grosso. No seu
relato, os índios Paresi surgem com interesse: “Nação que reside nos campos do
mesmo nome, hé manso e tão amante da lavoura, que frequentemente vai a outros
arraias do Pilar, Santa Ana e São Vicente para concertar, e prover-se de
ferramentas”
199
.
De maneira semelhante, Affonso de E. Taunay, fazendo referência aos
índios Paresi e amparado-se nos escritos de Antônio Pires de Campos, caracteriza-os:
(...) gentio de brandos costumes, numerosíssimos, vivia de suas
lavouras, mostrando as virtudes do incansável trabalhador. Nação
de grandes caçadores, nunca agressora, mantinha estradas largas
e bem conservadas. Dispunham os paresis de rudimentar indústria
(...).
200
Badariotti, por sua vez, considera-os briosos. “A qualidade que mais
distingue os Paresi é a fidelidade e lealdade”. Considera-os como exemplo de
moralidade. Para ele, “A moral dos Parecis ao contrario de outros selvagens, poderia
servir de modelo a muitas cidades civilizadas”
201
.
Sobre as superstições relacionadas à morte, Nicoláo Badariotti descreve que
em sendo ela atribuída a algum inimigo, esse pagaria com a vida. “As suspeitas
sempre recahiam sobre alguém e este embora innocente era enterrado vivo”
202
. Esse
erro, segundo o padre, era considerado uma grave infração na perspectiva dos índios
Paresi, e a punição deveria feita com a morte.
Badariotti aprecia os Paresi, também, como verdadeiros comunistas:
O que é de um pertence a todos. É curioso ver como um deles faz
um longo cigarro amarrado com um fio de capim e o põe na
orelha: um outro chega (...) tira o cigarro e aspira os gazes (...) o
proprietário nem dá mostras de perceber, nem lhe importa
conhecer o intruso.
203
198
RONDON, 1910, p. 39.
199
Fonte Primária (28).
200
TAUNAY, 1924/1950, p. 23.
201
BADARIOTTI, 1898, p. 82.
202
Ibidem, p. 77.
203
Ibidem, p. 99.
Romana Costa detectou um dos elementos formadores que contribui para a
explicação da construção da imagem de mansidão percebida pelos colonizadores: o
conhecimento da topografia de seu território.
Os Paresi são exímios conhecedores da topologia de seus
territórios, o que também pode ser um indicador da importância
da territorialidade no sistema de classificação dos grupos. Em
geral nosso informantes demonstraram interesse em esboçar
mapas detalhadíssimos, contendo acidentes geográficos, trilhas
interligando os grupos locais, sítios de caça de cada aldeia, rios,
cabeceiras, locais de antigas aldeias etc.
204
Um lugar a ser descoberto, atendendo a especificidade da mineração, carecia
de pessoas instrumentalizadas na decifração dos indícios da natureza, o que era um
saber de manuseio indígena. Nesse sentido, os Paresi desenvolveram técnicas do
conhecimento topográfico, o que os fazia mais disponíveis e comparáveis à
classificação de civilizados.
Outro motivo que complementa a construção de mansidão está nas
observações de Badariotti, Rondon e Roquete-Pinto, que mostraram que os
Nambiquara eram inimigos dos Paresi. As disputas culturais estão incluídas também
em observações documentais. Os Nambiquara foram descritos como bárbaros,
antropófagos, especialmente comedores de Paresi, traiçoeiros e ladrões de mulheres,
enquanto que os Paresi o foram como gente facilmente evangelizada, sedentária,
agricultora e conhecedora da natureza. Daí a demarcação definidora no dizer sobre os
Paresi como gente mais apreciada e instrumentalizada à civilização.
Para Badariotti, as qualidades dos Paresi eram belas, lastimando porque, a
seu ver, começavam a “adulterar-se pelo sopro pestífero de uma civilização
decadente e abastardada
205
.
Os Paresi são, diante desses exemplos, situados entre os índios mais sujeitos
a civilização, em comparação àqueles do sul mato-grossense. Os Bororo, apesar dos
esforços do missionário no trabalho para a extinção de certos rituais, não deixaram
de comemorar a festa do Baito. Em uma delas, denominada Bacururú, tratavam de
operar o chamado Baitó, o que consistia, na visão de Badariotti, em “verdadeiras
saturnaes em que perecem cinco ou seis víctimas”. Seu texto é terreno fértil em
ensinamentos enfatizando a intolerância, o descrédito a culturas ameríndias e,
204
COSTA, 1985, p. 65.
205
BADARIOTTI, 1898, p. 82.
sobretudo, defendendo um desejo de conduzi-los à última etapa da evolução, qual
seja, submetê-los a uma rígida obediência aos ensinamentos divinos. Nessa
perspectiva, classificou Cadinheus, Terenas, Guatós, Chamacocos e Tobas como
“corruptos”, mais do que os muçulmanos, os abissínios e os insulares da Oceania.
Defendendo julgamentos que legitimam a desvalorização de comportamentos
culturais dos povos acima ditos, resume sua perspectiva ao afirmar que esses povos
“já declinaram mais abaixo da linha normal da humanidade”, numa prova
incontestável de uma posição política que afirma a decadência das sociedades
americanas e asiáticas, e que defende o acirramento de posturas racistas.
A imagem de barbárie corresponde a uma prática social determinando uma
condição evolucionista na qual os padrões de conduta social estariam prejudicados
pelas “mais funestas conseqüências na ordem physica, intellectal e moral”. Seus
argumentos não se resumem às avaliações torpes, imperando neles, também,
preocupações com as tribos prestes ao “aniquilamento”. Elogia os impérios Azteca,
Tolzteca e Inca, acentuando que a “voragem do tempo” não permitiu a eles terem seu
legado e suas instituições, nem nas “artes e na incontestável literatura”.
Ao dialogar sobre o sertão, Badariotti encarrega-se de provê-lo da visão
“degenerescente” e “sórdida”, vendo-o como “bruto em toda a significação da
expressão matto grossense”, compreendendo em uma de suas frações, o cerrado,
lugar “infestado de carrapatos, maribondos e mil outra immundicies”
206
.
Evidentemente que o padre, ao perscrutar os sertões, fazia-o em comunidade,
contando com sua comitiva e com o trabalho braçal e o saber dos Paresi, que,
familiarizados com a leitura do códigos da natureza, tornavam a marcha menos
árdua. Para exemplificar, o padre conta a história do Paresi Zozoiaça, homem de uns
quarenta anos, converso ao cristianismo, batizado com o nome de Manoel e com o
sobrenome de Pinheiro, quem, com suas muitas habilidades, facilitou a interferência
do agente cristão sobre o sertão: “É o melhor prático que se pode contratar para
aquelles sertões, pois ele de pequeno esteve nas margens do Juruena; serve de
interprete e se intermediário entre o cacique e os negociantes do Diamantino”
207
.
Zozoiaça recebe elogios de Badariotti, pelo talento à caça e o sábio governo
das armas:
206
Ibidem, p. 101.
207
Ibidem, p. 102.
Maneja admiravelmente a espingarda que lhe demos; arremeda a
caça, seja onça, veado, ou siry-ema até ter certeza de não falhar o
tiro. Também elle não perdeu um cartucho e quasi todos os dias na
volta do campo ou da matta nos trazia de que variar a nossa
comida. E susceptivel de affeiçção e sensível aos benefícios (...)
208
.
Vê-se, no que está posto, que Zozoiaça trabalhou para a propagação do
cristianismo entre seu povo, alimentando e facilitando a entrada da comitiva de
Badariotti nas agruras do sertão, desempenhando o papel de intermediário para o
agente cristão.
Os índios Paresi, segundo o padre, eram inimigos dos Tapanhunas
209
, que
os atacavam de surpresa. Sobre o assunto, Badariotti escreve contando que algumas
luas antes de sua chegada à aldeia dos Paresi, em torno de 1898, ocorreu um ataque
aos índios Paresi e que os Tapanhunas, derrotados, foram afugentados. Ao descrever
os Tapanhunas, Zozoiaça dizia a Badariotti que “eram negros, de aspecto horrível e
que urram como feras”
210
. Rondon em concordância com Badariotti, sobre a
inimizade entre as duas nações, conta que “com os Nhambiquaras travam de vez em
quando combates que os primeiros provocam. Outr’ora usavam os Parecis, na guerra,
colettes de couro”
211
.
Os índios intitulados “Camarés, Cavihis, Cabixis, Cabixi-u-a-jurury, Beiços
de Paus, Maimbarês, Nenê, Orelhudo, Tamarês, Tamararé, Tagnani, Tapahunas,
entre tantos outros”, como estudou Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa,
são etnônimos atribuídos aos Nambiquara
212
. Esses índios, também relatados por
Rondon, na primeira década do século XX, viviam, e vivem, no extremo oeste do
Estado de Mato Grosso, no Chapadão dos Paresi e “não queriam a menor relação
com os brasileiros”. Seus mecanismos de defesa manifestavam-se nos ataques às
embarcações em destino ao Pará e, ainda, percebendo o perigo das armas,
distanciavam-se porque delas tinham medo. Certamente, as informações “negativas”
sobre os Nambiquara, na concepção de Rondon, acentuaram a mansidão dos Paresi
para aqueles que pretendiam uma sociedade padronizada à condição dos nacionais. A
cultura dos Nambiquara, no olhar de Rondon, é construída em oposição à cultura dos
índios Paresi. As observações do uso do fumo de “folhas secas reduzidas a pó” e o
208
Ibidem.
209
Os Tapanhuna são os Nambiquara. Cf. COSTA, 2002, p. 61.
210
BADARIOTTI, 1898, p. 137.
211
RONDON, 1910, p. 38.
212
COSTA, 2002, p. 61.
hábito de dormirem junto ao chão, na incerteza de que tivessem redes no aldeamento,
-los menos civilizados, mantendo uma perspectiva racista e excludente sobre as
sociedades indígenas.
Antonio Pires de Campos e João Antônio Cabral Camelo, homens do século
XVIII, e mais Maria do Carmo de Mello Rego, Nicoláo Badariotti e o Frei José
Maria Macerata, escritores do século XIX, apresentam informações históricas e
etnográficas sobre os índios Paresi que contrastam com as relativas a outras etnias.
Apresentam expressões que significam o reconhecimento das virtudes da civilidade e
da mansidão. Trazem expressões positivas em qualidades que compõem a sua
identidade particular.
Este conjunto de representações sobre a identidade Paresi permitem
concluir, considerando-se os estudo etnográficos no capítulo 1, que as características
culturais deste povo ganharam um significado singular na leitura dos sertanistas do
século XVIII: ao invés de serem vistas com estranhamento, como era comum ocorrer
com outros povos, estas características forma não raro, identificadas como positivas,
por apresentarem semelhanças com a cultura do colonizador. Ironicamente, atributos
como mansidão, docilidade, afetividade, fidelidade, e o reconhecimento de que eram
avessos à guerra, grandes agricultores, sensíveis aos ensinamentos cristãos, embora
tenham despertado a piedade em relação a estes índios, fizeram deles alvos fáceis
para o apresamento e a escravidão. No capítulo seguinte, procuramos focalizar mais
de perto algumas práticas sociais impulsionadas pelas representações que foram
objeto deste capítulo, com ênfase naquelas que envolvem as estratégias da Coroa
portuguesa no trato com os Paresi.
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Apesar de existir uma certa uniformidade na política da Coroa para suas
terras na América colonial portuguesa, observa-se que esta uniformidade nem sempre
prevaleceu quando se tratava dos povos indígenas, uma vez que a localização mais
ou menos estratégicas de suas terras, do ponto de vista da política de expansão
portuguesa, e a condição mansos ou bravios - em que eram enquadrados estes
povos, entre outros aspectos, criava diferenças nas ações, na legislação e nas
soluções relativas a eles.
No que respeita aos princípios da legislação indigenista nos séculos XVI a
XVIII, segundo Beatriz Perrone-Moisés, eles foram contraditórios, oscilantes e
hipócritas. Para esta autora, “a coroa oscilava (....) ao tentar conciliar projetos
incompatíveis, embora igualmente importantes para seus interesses”. Nesse sentido,
se, por um lado os jesuítas defendiam a liberdade dos índios, visando claramente seus
interesses na expansão do cristianismo no Ocidente, os colonos, por outro lado,
utilizando-se da mão-de-obra escrava indígena, garantiriam o rendimento econômico
da colônia, vital para Portugal
213
.
É neste contexto que buscaremos compreender algumas práticas sociais
referentes aos índios da nação Paresi na primeira metade do século XVIII, que, em
larga medida, foram impulsionadas pelas representações que sobre eles se elaboram
neste mesmo período. Considerados os mais mansos e dóceis entre os demais índios
habitantes das terras que Portugal colocou sob o seu domínio, configurando suas
possessões a Oeste da linha de Tordesilhas, os Paresi foram um dos grupos mais
atingidos pelas ações de apresamento e posterior escravização, levadas a cabo pelos
colonos, em especial os luso-brasileiros da Vila de São Paulo. Contudo, e ao mesmo
tempo, foram também os que maior atenção receberam da Coroa portuguesa no que
213
PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 116.
tange a enquadrá-los na legislação de proteção aos índios mansos, buscando garantir
sua liberdade e sua permanência nas terras que originalmente habitavam.
Em 1749, logo após a criação da capitania de Mato Grosso, instruções
enviadas pela rainha de Portugal a D. Rolim de Moura, primeiro capitão-general da
recém-criada Capitania de Mato Grosso, dão conta de que, desde pelo menos os anos
20 dos setecentos, índios da nação Paresi vinham sendo escravizados por sertanistas,
nas cabeceiras do rio Jauru. Estas instruções informam que a territorialidade dos
Paresi se estende por uma vasta área, situada entre os termos do Cuiabá e do Mato
Grosso, de grande importância para a política de conquista e expansão da Coroa
portuguesa. Além disso, definem estes índios, provavelmente com base no relato de
Pires de Campos, como “mui próprios para domesticar-se e com princípio de
civilidade”
214
.
Contudo, a preocupação com a proteção destes índios vem de antes da
criação da Capitania e ganha força e maior consistência no decorrer dos anos 1730,
em especial a partir de 1734, após a descoberta do ouro na região do Guaporé,
acontecimento que foi fundamental para definir a política da Coroa portuguesa no
que tange às estratégias para ampliar e garantir suas possessões frente ao Império
espanhol.
Os discursos documentais dos anos precedentes aos achados do ouro nas
minas do Mato Grosso, ocorridos em 1734, são mais substantivos, e neles os Paresi
são destacados como uma sociedade a ser protegida pela política de incentivos
populacionais da Coroa portuguesa. A representação cartográfica informa a
localização do Campo dos Paresi na espacialidade correspondente ao Mato Grosso.
Estando entrecortada por inúmeros rios e nascentes, nela aparecem outros topônimos
reconhecidos, formando o conjunto de microterritorialidades que asseveram uma
identidade colonial portuguesa.
José Barbosa de Sá
215
conta de que em 1734 os sertanistas Fernando Paes de
Barros, seu irmão Artur e outros parentes, nascidos em Sorocaba, aventuraram-se
pela região onde habitavam os Paresi, em busca de apresá-los e submetê-los à
escravidão. Estes sertanistas seriam os responsáveis pela quase extinção dos índios
desta Nação. Conferindo, posteriormente, a quase extinção de alguns grupos de
214
Fonte Primária (8).
215
SÁ, 1975, p. 24.
índios na região do Guaporé, Alexandre Rodrigues Ferreira conta: “(...) porem de
quase todas as nações, ainda as mais populosas, como tinha sido a dos Parecis, raros
eram os indivíduos que existiam. Não se viam mais os Kautarios, os Corumbiaras e
outros”
216
. Coube também aos Barros a descoberta de veios auríferos nas margens
dos rios Galera e Sararé, desencadeando vários outros achados e mudando
drasticamente o desenho da territorialidade dos Paresi, uma vez que a descoberta do
ouro deu origem à fundação de vários arraiais em suas terras e arredores:
Entre 1731 e meados da década de 1740 o vale guaporeano foi
sendo pontilhado de vários pequenos arraiais, acompanhando os
novos achados: São Francisco Xavier, Santana, São Vicente,
Nossa Senhora do Pilar, Brumado, Ouro Fino, Boa Vista,
Lavrinhas. As novas minas representaram um importante alento
para os cofres da Coroa Portuguesa que atenta à importância
estratégica desses núcleos de povoamento, situados a cerca de
noventa e quatro léguas da Vila de Cuiabá, cria o distrito de Mato
Grosso, denominação dada aos sertões a noroeste desta Vila, zona
de transição para a floresta amazônica, que mais tarde seria
estendida à Capitania.
217
Antes destas descobertas, nos primeiros três anos da década de 1730, as
terras dos índios Paresi surgem na documentação como um território onde não havia
ouro. Nas palavras do juiz ordinário da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá,
Domingos Gomes Beliago, ele havia sido informado da “incapacidade que tem para
nele haver ouro ou outro algum metal por onde se deva povoar”
218
. Não havendo o
ouro outros metais, poucos seriam os que se motivariam a consolidar morada e
investir suas economias em lugar tão distante. A saída para o povoamento seria,
então, manter os índios Paresi em suas terras e protegê-los dos ataques escravistas.
Poupá-los, deixá-los trabalhar em paz em sua produção, tão admiravelmente descrita
em memórias, seria, a princípio, uma escolha para consolidar a fronteira.
Esses índios estavam, então, sob a mira ambiciosa dos sertanistas, que,
tirando-os de sua morada, deles se serviam, além de vendê-los como cativos. Essa
atividade desgostava alguns administradores, uma vez que não era esta a diretriz da
Coroa. Assim, o Juiz Domingos Gomes Beliago, ainda em sua carta, apela ao rei de
Portugal para que tome as providências contra a frieza com que os sertanistas
escravizavam, roubavam e matavam os índios Paresi:
216
FERREIRA, 1974, p.29.
217
GALETTI, 2000.
218
Fonte Primária (7).
É só a cobiça de tirarem de suas terras os ditos gentios e se
servirem deles e venderem como cativos (...) devendo V. Majestade
por seus reais olhos na desumanidade com que os avecham
inquietando-os matando e roubando, e trazendo a cativeiro este
miserável gentio (...).
219
Esse discurso não se contradiz, portanto, às ações de conquista e
colonização posteriores às notícias da descoberta do ouro nos sertões do Mato
Grosso no ano de 1734. A existência das minas mudava a forma de ocupação desses
espaços, diminuindo a importância da manutenção e proteção aos nativos e do papel
que eles desempenhariam na consolidação da fronteira.
Apesar das inflamadas denúncias contra a escravidão dos Paresi, a realidade
resistia a mudanças. As leis que concediam a liberdade aos índios eram conhecidas e
divulgadas pelas autoridades locais, mas não há provas que afirmem o seu
cumprimento. Os sertanistas, mesmo advertidos, sabedores de que a escravidão dos
índios Paresi era condenada pelos administradores em discurso oficial, continuavam
violando os direitos dos nativos.
A violação dos direitos dos índios antecedeu a publicação do Diretório e
continuaram a existir depois dela. As representações tutelares do Estado português
agiam de formas diametralmente opostas, tomando decisões de acordo com uma
realidade histórica específica. Aproveitando os ensinamentos de Almeida, temos
explicações sobre as ações diferenciadas dos representantes coloniais em relação aos
índios:
Mais do que tonalidades, estas diferentes representações tutelares
indicam a configuração de distintos modelos de intervenção na
vida indígena, gerada no bojo de exigências e de necessidades
ditadas por realidades históricas específicas e, naturalmente, pelo
amadurecimento da questão, o conhecimento cada vez maior da
natureza dos índios e de suas expectativas frente à sociedade que o
tutora.
220
Com base nos estudos de Ângela Domingues, há que se entender que houve
dificuldades da parte da Coroa em fixar uma linha contínua de atuação do
relacionamento entre os colonos e os índios, mesmo após a declaração das leis do
Diretório. Estas leis nunca se concretizaram na prática. Domingues, como Almeida,
219
Ibidem.
220
ALMEIDA, 1997, p. 36.
afirma que a legislação aplicada no território luso-brasileiro mostrou que o estatuto
indígena variou entre a liberdade absoluta e o cativeiro legal
221
.
Em correspondência enviada a Rodrigo César de Meneses, o Conselho
Ultramarino apresenta assuntos interessantes sobre as imagens constitutivas dos
índios Paresi. São os moradores do norte das minas do Cuiabá, estão em lugar muito
distante e lá produzem “lavouras para se sustentarem”
222
. Essa era uma característica
cultural importante no processo da colonização, que podia fornecer ao colonizador
mais conforto e segurança à reposição vital necessária às ações da construção da
fronteira portuguesa em disputa com os vizinhos espanhóis. Nesse sentido, Denise
Maldi Meireles escreve:
No imaginário do colonizador, o índio era o habitante de um
espaço indefinível, incompreensível, flutuante e, sobretudo,
nebuloso. O projeto colonizador foi, antes de mais nada, o de
transformar o espaço desconhecido em território plausível, a
partir dos códigos culturais europeus.
223
Com base nessa afirmativa, poder-se-ia dizer que os Paresi simbolizaram
uma forte mediação entre o colonizador e o que poderia ser conhecido no sertão.
Tornavam o território mais compreensível, menos áspero, e produziam, no insólito,
os alimentos, caráter indispensável ao colonizador e que lhe permitia interagir com
os espaços ocupados pelos índios.
Na política de configuração da expansão territorial portuguesa, o sertão, na
visão dos agentes da colonização, deveria ser desinfectado “para se fazerem
descobrimentos nas morrarias e ribeirões, que tem boas disposições de ouro”. Em
defesa do projeto de expansão, Rodrigo César de Meneses, no ano de 1732, assume a
importância da redução dos índios mansos, incluindo nesse enredo os índios Paresi,
por entender que isto afirmaria a sua territorialidade: “Pôs se reduzirem a fé católica
nas suas mesmas terras em que se façam reduções na forma que os castelhanos os
tem feito nas suas, tão bem segura o aumento do Estado”
224
.
O conhecimento que os sertanistas e os demais agentes do poder púbico no
território Paresi fornecem à história colonial propicia a ampliação das áreas de
mineração, com as descobertas das minas de Mato Grosso. “A partir de 1735, muita
221
DOMINGUES, p. 1 e ss.
222
Fonte Primária (21).
223
MEIRELES, 1994, p. 7.
224
Fonte Primária (21).
gente havia se deslocado para a região do rio Guaporé”. Tanto os mineradores que
migraram para lá como os que lá moravam há muito tempo significavam, na
perspectiva do governo, os agentes da economia, mas sobretudo representavam os
agentes da política de povoamento, fazendo com que as distâncias estivessem
asseguradas pela permanência e assentamento de colonizadores
225
.
As “distâncias” são palavras tomadas como expressão da dificuldade do
enfrentamento no processo de colonização. No lugar que constituía o território dos
índios Paresi, os colonizadores insistiam na fundação de pequenas unidades
produtivas, representando afirmações de conquista. Nesse contexto do surgimento de
novos elementos significando as práticas do modelo mercantil colonial, os índios
Paresi estavam servindo a um dos fragmentos, no qual encenavam uma história de
resistência e escravidão.
Nesse período deu-se a fundação de vilas e sítios, com diversas unidades
produtivas destinadas ao fabrico de melado e aguardente. Sérgio Buarque de Holanda
lembra que o aguardente representava para Rodrigo César de Meneses “a principal
causa de muitas desordens, além de ser a perdição dos negros”
226
. Nas terras dos
índios Paresi, a produção do melado e do aguardente deu significado à conquista,
com os agentes coloniais deixando as marcas de investimentos em pequenos pontos
de produção. Aproveitando a informação sobre o aguardente, é bom lembrar que o
mesmo serviu no tratamento de certas moléstias.
Entre os anos de 1735 e 1746, a região do Mato Grosso viveu seu auge
minerador e migratório. Estruturas para o assentamento populacional foram, aos
poucos, sendo criadas. Salientava a Coroa portuguesa que os moradores do Guaporé
estariam assegurados por mercês e privilégios, prerrogativas que incentivavam a
manutenção da fronteira a ser ocupada
227
.
O contexto histórico explicava, em parte, o motivo pelo qual os índios
Paresi, pela projeção criada sobre eles, como pacíficos, eram, por várias vezes, os
protegidos dos agentes públicos. Em 1731, na Vila Real do Senhor Bom Jesus do
Cuiabá, os oficiais da Câmara escrevem ao rei Dom João V sobre as perseguições
dos sertanistas aos índios, a quem escravizam e matam. As entradas os pressionam,
deles tirando a liberdade e provocando muitas mortes. São acusados de perturbarem
225
SILVA, 1995, p. 47.
226
Apud HOLANDA, 2000, p. 49.
227
SILVA, 1995, p. 52.
os Paresi com armas, incitando muitas fugas, mortes e motins. Ademais, muitos deles
abandonavam suas áreas, deixavam de cuidar de suas terras por medo do cativeiro,
renunciando à produção de suas searas. As fugas traziam conseqüências dramáticas à
sociedade, levando muitas famílias a ficarem numa situação de desamparo e fome.
A defesa que estes oficiais da Câmara do Cuiabá fazem aos índios Paresi
vem representada nas falas de tais administradores, nas quais consta que a nação não
deve ser escravizada, ao contrário, ela é útil à vida, sendo estes índios indivíduos
necessários ao projeto colonizador:
Também representamos a V. Majestade a opressão que padece o
memorável gentio Parecy com as entradas que a ele continua fazer
varios certanista (...) o vão inquietar a parte tão distante como a
que nos parece ser entre todo o gentio da América o que melhor
disposição tem para receber nossa Santa Fé se houvesse quem
nela administrasse. Sem a perturbação das armas que tão fugitivos
e amutinados os tras, ausentes de suas aldeias, morrendo a
necessidade de não cuidarem de suas searas, com medo do
cativeiro, como contam os mesmo sertanistas. A que a piedade V.
Majestade deve aplicar o remedio que enviar para evitar danos de
tão grande conseqüência.
228
Os princípios legislativos aplicados aos Paresi adequaram-se à sua condição
de índios aliados: “Aos índios aldeados e aliados, é garantida a liberdade ao longo de
toda a colonização. Afirma-se, desde o início, que, livres, são senhores de suas terras
nas aldeias (...)”
229
.
Partindo do mesmo ponto de vista de Beatriz Perrone-Moisés, Domingues
esclarece que “a mão-de-obra indígena era tão imprescindível para o
desenvolvimento económico local como para o próprio sistema colonial”
230
.
Entretanto, não faltaram justificativas ideológicas para a crueldade para com
os índios Paresi, que tenazmente foram sendo obrigados à conversão, significando
para os europeus um ato de caridade ou, mais, uma razão de fé e de piedade. Um
sistema de álibis congratulava as consciências cristãs, em especial, pela conversão,
muito mais a daqueles considerados dóceis, como era o caso dos Paresi. Inferindo em
especial sobre tal qualidade, o Juiz Beliago declara:
(...) e trazendo a cativeiro este miserável gentio, que conforme a
docilidade com que logo que chegam as nossas Povoações
228
Fonte Primária (6).
229
Ibidem, p. 117.
230
DOMINGUES, 2000, p. 37
aprendem os princípios da fé católica, e tudo o mais que lhes
ensinam se tivessem quem nas suas aldeias lá administrassem
(...).
231
Os valores, neste período, estavam “assentados na idéia da salvação da alma
e da europeização dos índios”, havendo, ainda, o interesse pelo “melhoramento
civilizacional dos índios”
232
.
É possível verificar, através da documentação, que a contradição não foi
apenas característica da legislação indigenista, e, nesse sentido, o comportamento de
um preador de índios merece atenção, na medida em que deixa parte de um legado
patrimonial, em testamento, aos índios por ele escravizados:
Senhor nestas minas há anos Fernando Dias Falcão, um dos
grandes sertanistas que houve extraio bastante indio (...) se usava
com violencia servindo-se dele como cativo. Estando para morrer
teve muito que lhe abrisse os olhos manifestando-lhe o encargo
com que se achava, pelo que tornou a resolução e deixar no seu
testemunho vinte mil cruzados para cativos, (...) e declara assim
seu filho, o testamenteiro José Paez Falcão, que foi o próprio que
o aconselhou o seu pai.
233
Nesse caso, o preador de índio lançou mão de seu patrimônio na tentativa de
aplacar a consciência. A doação tinha, neste caso, um sentido de remissão, um
lenitivo misericordioso para com aqueles a quem teve por escravos durante a vida. A
situação torna-se mais aguda quando esses sertanistas se encontram à beira da morte,
momento, talvez, de invocação dos Santos e pedidos de perdão para as falhas
cometidas durante a vida.
A restituição paga pelo sertanista ficou sob a responsabilidade da Real
Fazenda das minas do Cuiabá, sob as ordens de Antônio Rolim de Moura, sendo que
essa parte do inventário caberia aos investimentos “nos aumentos das aldeias, na
consideração dos poucos meios que para isso tem a fazenda real desta capitania”
234
.
A política de aldeamentos tinha por fim o incentivo do contato entre os
portugueses e os índios, “facilitando assim tanto a civilização dos índios quanto a
utilização de seus serviços”. Segundo Perrone-Moisés, a liberdade foi “assegurada”
231
Fonte Primária (6).
232
DOMINGUES, 2000, p. 27.
233
Fonte Primária (4).
234
Idem.
aos índios mansos e/ou aliados. Estes representavam a principal fonte de mão-de-
obra na colônia
235
.
Nesse contexto de escravidão, os sertanistas tiveram como aliados os
missionários, e, datada de 1732, há notícia de que “principiaram a entranhar-se pelos
sertões dos Parecises com ambição e crueldade, pois que o cativeiro e tiranias que
praticavam com o gentio jamais se podiam justificar com o louvável intento de
buscar e descobrir minas”. Desde muito cedo os missionários investiram seus
esforços em embrenhar-se pelo território dos Paresi. Ao que diz Filipe José Nogueira
Coelho, esse era um lugar onde já se cobrava, da parte do provedor da fazenda real,
os dízimos correspondentes ao ano de 1734 e anos anteriores, tendo isso o
significado de que se os moradores ou assistentes do Sepotuba, Jauru “e mais sertões
do Parecises” estavam devendo, isso “evidentemente mostra que há já anos eram de
alguma forma e em alguma parte habitados aqueles sertões”
236
.
Com qualidades tão evidentemente aprovadas, os Paresi ocupavam, de há
muito, um espaço ao oeste da colônia portuguesa, em áreas onde se deram
descobertas de ouro, e firmavam, até então, um lugar de conquista. Após essas
descobertas, fortalece-se um processo de intervenção dos não índios em suas áreas.
Há, por exemplo, no ano 1735, ordem oficial para se fundar engenho no sítio já
identificado como sendo o Mato Grosso:
Diz Tomé de Gouvea e Sá Queiroga, assistente nas minas de Vila
Real do Bom Jesus do Cuiabá adonde assiste (...) a Vossa
Majestade, como também ser ele suplente o motor do
descobrimento do novo sítio do mato grosso do sertão dos
Paracizes, donde se espera haver umas minas continuadas de
grande rendimento e pela sua boa inteligencia zelo e verdade (...)
com muito zelo do Real serviço e por ser muito consciente haver
naquele sitio novamente descoberto do Mato Grosso, e um
engenho que se possam fabricar agoas ardentes e melados, para se
acudir com eles (...) por não haver um naqueles sitio, recorreo ao
governador conde de Sarzedas para levantar engenho que com
efeito o senhor governador lhe concedeo (...) ao referido mandar
ao suplente se lhe passe carta de confirmação da licença que lhe
deu o dito governador para poder levantar um engenho de agoas
ardentes e melados, no novo sítio do Mato Grosso, tudo a custa do
suplente.
237
235
PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 120.
236
COELHO, 1850, p. 151.
237
Fonte Primária (24).
A identidade dos índios foi sendo formada deste modo, e também suas
espacialidades foram servindo ao projeto colonizador. Nos anos de 1720/1730, os
índios Paresi são importantes na perspectiva geopolítica. Os portugueses levantam
dados para a discussão, destinados à manutenção e afirmação de limites. No ano de
1752 ocorre a consolidação do processo de ocupação desse território, quando da
criação de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital da Capitania de Mato
Grosso. Segundo Maria de Lourdes Bandeira,
as minas do Mato Grosso e o Rio Guaporé passaram a assumir
papel político de interesse crucial para a Metrópole que apressou
em criar uma nova Capitania para administrar de perto os
interesses da Coroa. Em 1748 D. João V cria a capitania de Mato
Grosso e Cuiabá e, pela provisão Régia de 5 de agosto, ordena o
estabelecimento de sua Capital às margens do Guaporé.
Floresciam já vários centros de mineração, com algumas
povoações estabelecidas, destacando São Francisco Xavier e
Santa Ana, além dos moradores na margem do Jauru, do Galera e
do Guaporé.
238
Na política de configuração da expansão territorial portuguesa, o sertão, na
visão dos agentes da colonização, deveria ser desinfetado “para se fazerem
descobrimentos nas morrarias e ribeirões, que tem boas disposições de ouro”
239
.
Em defesa ao projeto de expansão, Rodrigo César de Meneses, em 1732,
assume a importância da redução dos índios mansos, incluindo nesse enredo os
índios Paresi, por entender que isto afirmaria o seu território.
O discurso da ocupação das espacialidades intencionada pelos colonizadores
diz da necessidade de fundar missões, nos “Campos dos Pareci ou do rio Aporé”,
com ressalvas de serem fundadas em um lugar mais conveniente, “para o bem das
almas e sossego dos moradores daqueles distritos, ficando a vossa missão sujeita a
sua Província, como são, outras na cidade de São Paulo”
240
.
Essa política de proteção e conservação dos índios precede a publicação das
leis que constituiriam, posteriormente, o Diretório, tendo como objetivo fundamental
a civilização dos índios, transformando-os em vassalos da Coroa portuguesa, com os
mesmos “direitos e prerrogativas” que os brancos. Sobre esse tema, Perrone-Moisés
nos diz:
238
BANDEIRA, 1988, p. 83.
239
Fonte Primária (5).
240
Fonte Primária (23).
A catequese e a civilização são os princípios centrais de todo esse
projeto, reafirmados ao longo de toda a colonização: justificam o
próprio aldeamento, a localização das aldeias, as regras da
repartição da mão-de-obra aldeada, tanto a administração
jesuítica quanto a secular, escravização e o uso da força em
alguns casos.
241
A licença para fundar missão no Campo dos “Parassis” ou nas margens do
rio Aporé, “para nela congregar duzentos e tantos índios”, foi submetida ao Tribunal
do Conselho Ultramarino. O requerimento do padre José dos Anjos não haveria de
ser negado, justificado pela situação geográfica do lugar em questão.
É por que poderá haver alguma dúvida sobre o requerimento do
suplente por este pedir licença para fundar a dita missão nos sítios
acima referidos, nenhuma dúvida tem, em que se aceite na dita
licença, para fundação nas margens do rio Sararê, ou no rio
Juruena ou nas Cabeceiras do rio Cuiabá ou na passagem do rio
Jauru, ou onde V. Majestade for servido (...).
242
A importância deste documento é potencializada quando nele é expressa a
informação dos lugares possíveis de fundação da missão. A justificativa da
edificação das missões se torna mais evidente quando explicitada nas palavras “os
sertões são muito dilatados”. Isto faz crer que a missão demarcaria o espaço de
conquista no termo do Mato Grosso. Reduzir índios, ensinar-lhes a língua portuguesa
e mantê-los sob a orientação de missionários jesuítas asseguraria o domínio
português destas partes da América. Subtrair as distâncias e estabelecer
procedimentos que identificassem o poder lusitano em terras da América eram os
objetivos a serem alcançados. As instruções da Coroa determinavam a fundação de
aldeias para os índios. Em se tratando da história da capitania de Mato Grosso,
lugares, aldeias e vilas tiveram acentuada presença da população nativa
243
.
A política de aldeamento significava a “realização do projeto colonial”,
garantia a conversão, possibilitava a ocupação do território, “sua defesa e uma
constante reserva de mão-de-obra para o desenvolvimento na colônia”
244
.
Os Paresi, neste contexto, representavam a materialização da projeção ideal
da vassalidade por via de alianças estabelecidas com os portugueses. A afirmativa é
indicada por terem os Paresi a mais “inteligente de todas as línguas”, e ter o padre
241
PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 122.
242
Fonte Primária (23).
243
SILVA, 1995, p. 27.
244
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 120.
dos Anjos conhecimento de causa por ter “freqüentado muitas vezes aqueles sertões
com incansável trabalho”
245
.
No entanto, sobre a intencionalidade de se fazer missões na Chapada dos
Paresi há postura de acautelamento da parte de quem descreve as informações.
Expondo as dificuldades, as muitas despesas no envio de missionários no
cumprimento do dever de levar a fé cristã, a região dos Paresi torna-se um lugar não
muito desejado à ida e à acolhida de missionários. O território dos Paresi contínua
sendo escrito como lugar “muito adiante do Cuiabá, e para lá acharem missionários
era necessário muita despesa, e não era fácil achar quem se expresse a tantos perigos,
como tinham aquela dilatada navegação”
246
.
Os índios Paresi davam significados heróicos à ação da Igreja Católica em
terras da Capitania de Mato Grosso. A referência ao lugar de morada dos índios
Paresi vem somada a inúmeras situações de desconforto enfrentadas pelos sertanistas
e demais agentes da administração colonial. Intempéries, distâncias e perigos
intensificavam o valor do heroísmo cristão. Esses discursos reforçam a dedicação dos
missionários. A vinda de homens dispostos a atravessar as matas, enfrentando o
perigo dos índios bravios e mais a distância tão divulgada em descrições, reforça,
para os administradores, a idéia de proteção e conservação da nação indígena Paresi
em seus território de origem.
Em outra perspectiva, avaliando a visão dos colonizadores acerca dos
atributos dos índios Paresi, foram postos em uma condição de maior proximidade à
construção de uma civilização cristã do que quaisquer outros que estivessem
localizados nestas terras mais ao oeste da conquista. Desse modo, subtraíram-se e
alteraram-se os riscos e dificuldades dos investimentos dos colonizadores,
justificados pelo ânimo em tratar da domesticidade dos índios dóceis. Neste sentido é
interessante ler em documento os propósitos administrativos enunciados sobre as
instruções gerais no trato aos índios mansos:
Pelo que toca aos Índios das nações mansas, que já se acham
dispersos servindo aos moradores a título de administração,
escolhereis sítios nas mesmas terras adonde forão tirados, nas
quais se possão conservar aldeados, e os fareis recolher todos às
aldeias, tirando-os aos chamados administradores; e pedireis ao
Provincial da Companhia de sua Excelentíssima Majestade do
Brasil vos mande missionários para lhes administrarem a
245
Fonte Primária (23).
246
Fonte Primária (3).
doutrina, e sacramentos. Igualmente lhes pedireis para a
administração de qualquer aldeia, ou nação que novamente se
descubra, não consentindo que se dissipem os índios, ou se tirem
deles suas naturalidades, ou se faça dano ou violência alguma
antes se apliquem todos os meios de suavidade, e indústria para os
civilizar, doutrinar e tratar em tudo, como pede a caridade cristã.
Às aldeias distribuireis de sesmaria as terras que vos parecerem
necessárias para as suas culturas conforme o povo que
cultivarem.
247
Perrone-Moisés afirma que aos “índios aldeados e aliados é garantida a
liberdade ao longo em toda a colonização”. No entanto, a liberdade não era
respeitada. A legislação prescrevia que os índios deveriam, quando requisitados,
trabalhar mediante o pagamento de salários e deveriam ser bem tratados. Deles
dependia, também, a defesa do território
248
.
O cristianismo, instrumento de homogeneização, foi capaz de aglutinar
diferenças, seguindo valores e comportamentos rigidamente estabelecidos. A força
do projeto colonizador mercantil dirigiu um enredo em que as mudanças imprimiam
outros registros nas espacialidades que vinham sendo edificadas. Os registros da
conquista foram gradativamente materializados por ações de colonizadores, em
princípios racionais, atribuídas pelo poder dos diversos agentes históricos.
Segundo Ronald Raminelli
249
, as valorizações dos europeus, os estereótipos,
estigmas, pré-noções e pré-julgamentos realizavam-se por intermédio da verdade e
da razão particular ao emissor, e, desta forma, qualquer costume que fosse diferente
ganharia epíteto negativo/pejorativo.
Essas representações circulavam em determinados espaços do poder
público. O grande enunciado era feito na operação da divulgação da mansidão e da
possibilidade de civilizar os índios. O projeto de evangelização no Novo Mundo não
tinha como intenção acabar com todos os índios, mas tinha, sim, o propósito altruísta
do evolucionismo em direção à civilização. Devido às suas especificidades culturais,
os Paresi eram alvo das intencionalidades dos agentes colonizadores, enquanto que
as outras nações em nada poderiam contribuir, pois suas características culturais
eram lidas como bárbaras, como, por exemplo, os Paiaguá e os Guaicuru, os
primeiros destros na arte da navegação fluvial e os últimos peritos na arte da
cavalaria. Havia outros também tão diametralmente opostos aos valores cristãos,
247
Fonte Primária (8).
248
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 117.
249
RAMINELLI, 1996, p. 15 a 25.
como as nações dos índios Iorauvahiva e os Tembez, de práticas antropofágicas, que
se avizinhavam à sociedade Paresi. Opondo-se às práticas indiscriminadas de
extermínio, os administradores entendiam que os Paresi deviam ser preservados, pois
eles produziam alimentos necessários ao empreendimento das espacialidades
construídas historicamente e, também, as espacialidades que vinham sendo
reconfiguradas/reterritorializadas. A disponibilidade de alimento era fator essencial
para a vinda de homens dos limites litorâneos em busca de novas descobertas e da
aventura. Em suma, os Paresi eram úteis ao projeto político da Coroa portuguesa.
A construção da imagem dos Paresi coincide com os primeiros tempos da
colonização nas terras das minas do Cuiabá e, posteriormente, do Mato Grosso, e
também com o momento da configuração dos mapas, das divisas, da demarcação das
extremidades, das linhas traçadas. A representação cartográfica, já na década de
cinqüenta do século XVIII, aparece como sinal/sinalizante de que os Paresi são
povos da Coroa. A produção cartográfica representa e reconhece as territorialidades
indígenas, e uma delas é a da nação Paresi, situada entre os rios Galera e Sararé,
afluentes do Guaporé. Os mapas produzidos representando a colonização portuguesa
no oeste e no extremo oeste da colônia Brasil reconhecem, também, o lugar da Vila
Bela da Santíssima Trindade, das minas do Cuiabá e do Goiás
250
.
A política de cristianização pretendeu somar esforços à política de
exploração e de conquista. Houve, neste caso, um interesse em firmar contato com os
índios Paresi, sempre de olhos voltados para a projeção da possibilidade da inclusão
e do estabelecimento de alianças.
Antônio Pires de Campos deu início à construção de uma identidade para os
Paresi. Estar em espaço de fronteira e imputar-lhes o adjetivo da mansidão fê-los
mais indicados à cristianização.
Em carta do Capitão-general e Governador da Capitania de Mato Grosso D.
Antônio Rolim de Moura Tavares ao rei D. José, há a confirmação de que chegou nas
minas do Cuiabá ordem real para formar aldeias que servissem ao recolhimento dos
índios mansos, aqueles que se encontravam “dispersos em poder dos chamados”
administradores. Os pedidos deveriam ser feitos e encaminhados ao Provincial da
Companhia de Jesus do Brasil e aos missionários. Conseguindo enviar este pedido e
sendo atendido, D. Antônio Rolim de Moura trouxe do Rio de Janeiro dois
250
Sobre os mapas, ver NUNES, 1985.
missionários da Companhia de Jesus do Brasil, que compraram, na dita cidade, os
materiais precisos para a fundação da primeira aldeia. Ao chegar nas minas do
Cuiabá, buscou logo o capitão general e governador um sítio para fins do
aldeamento, para nele mandar “plantar os frutos necessários, levantar Igreja e fazer
casa
251
. Em função da demora do envio das finanças por parte do Provincial do
Conselho da Companhia de Jesus, e atendendo à necessidade de fundação de um
local para destino de índios que fugiam aos maus tratos e rigores dos
administradores, usou logo de comprar por oitocentas oitavas as benfeitorias de um
sítio que se achava sem carta de sesmaria, tendo na terra bons matos para plantar.
Após este feito, em pressa iria às terras do Mato Grosso
252
.
A situação dos índios considerados mansos era lastimosa: índios
“miseráveis”, vivendo em condição de “abandono”, sob “o mando dos seus
administradores”, e em “sua maior parte andavam inteiramente nus”. As doenças
eram motivo de muitas mortes, e em nada eram assistidos por seus administradores.
Para mediar os problemas do descaso e da falta de provedoria aos índios mansos, D.
Antônio Rolim de Moura escreve da necessidade do recolhimento e que era preciso
“acudir a muitos, com alguma cobertura e curá-los, das queixas que padeciam sem
remédio”. Em razão do pouco rendimento da Provedoria e os gastos tidos no trato
com estes índios mansos, antigos projetos de levantamento de igreja e mais obras
“para o cômodo dos missionários” foram protelados.
Todo este distrito de Cuiabá (...) os achados de gentios de que hoje
não há mais do que uns pequenos restos com que se acham na mão
dos administradores que me parece não chegaram seiscentos.
Precisamente assim havia de ser porque desde que estas terras se
descobriram sempre os sertanistas andavam em busca deles.
Chegando a alguma aldeia depois de atenderem o poder de fogo
metiam em correntes as mulheres e homens que podiam ter em
serventia ou para a consciência ou para o serviço das roças e o
que era inútil passavam a colhe-lo ordinariamente como também
os que no caminho mostravam qualquer repugnância recolhidos as
suas casas os vendiam aos pretos e chegando a remetê-los
publicamente até as terras de João Gonçalves Pereira que serviu
de ouvidor e por isso algum cobro porém ficaram sempre até a
minha vinda fazendo as mesmas vindas ou ocultas ou paliadas
(...).
253
251
Fonte Primária (9).
252
Idem.
253
Idem.
Há, no texto, um jogo de forças sociais que evidencia a disputa entre o
poder do Estado e os colonos pelo controle da população indígena. Existia,
evidentemente, a “tendência dos colonizadores em desrespeitar as condições de
utilização da mão-de-obra aldeada”
254
.
Todos os documentos administrativos que trazem informações sobre os
índios não se isentam de apresentar ordens sobre o tratamento dispensando aos
nativos; há neles uma clara proposta de proteção, preservação e incorporação dos
índios enquanto possíveis vassalos da Coroa. A política missionária investida na
colônia recomendava aos índios aldeados um tratamento preferencial. O documento
expressa a necessidade de um tratamento bondoso e pacífico aos índios para impedir
abandonassem as aldeias. Em 19 de janeiro de 1749, Antônio Rolim de Moura
Tavares, reconhecido como 1º governador e capitão general da capitania de Mato
Grosso, tem para cumprir a missão de fazer reconhecer o lugar do Mato Grosso, e
tinha por referência demarcar suas fronteiras nomeadas de norte a sul e de leste a
oeste. No conjunto de medidas além da responsabilidade de fazer reconhecer as
fronteiras da Capitania do Mato Grosso, teve como dever proteger os índios Paresi.
Sobre esses assuntos orientou a Majestade portuguesa:
(...) mui próprios para domesticar-se, e com muitos principios de
civilidade, e outras nações de que poderiam ter-se e formado
aldeias numerosas, e úteis, e com sumo de prazer soube, que os
sertanejos do Cuiabá não só destruirão as povoações, mas quase
totalmente tem dissipado os mesmos índios com tratamentos
indignos de se praticarem por homens cristãos por serviço de
Deus, e pela obrigação da humanidade, deveis por o maior
cuidado, em que não se tornem a cometer semelhante desordens,
castigando severamente os autores delas, e encarregando aos
ministros, que pela sua parte emendem, e reprimam rigorosamente
tudo o que neste particular se houver feito ou ao diante se fizer
contra as repetidas ordens que tem emanado nesta matéria.
255
Antônio Pires de Campos fazia pública sua desaprovação à escravidão
indígena Paresi. Em bandos publicados em locais públicos, proibiu a escravidão que
se fazia continuar pelos sertanistas aos índios de modo geral. No documento que
segue vemos claramente a persistência dos preadores de índios em manter as práticas
escravistas. Da parte do governo vale ressaltar as ameaças de punição àqueles que
insistiam em levar para fora da capitania de Mato Grosso os escravos sem sua
254
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 121.
255
Fonte Primária (8).
autorização. Entretanto, vê-se também, e com bastante nitidez, uma política de
proteção traiçoeira e acima de tudo pérfida, uma vez que nas palavras do Capitão há
um discurso concessivo à saída de índios da então capitania:
(...) Por quanto me consta que muitas pessoas desta capitania
saiem em bandeiras a buscar gentio ao mato ainda daquelas
nações que sua majestade não tem mandado dar guerra, e
trazendo-os violentamente das suas aldeias, com morte e
ferimentos de muitos, o que he tanto contra as ordens de S. M., que
proibe expressamente e contem a mesma lei divina: ordeno e
mando que daqui em diante pessoa nenhuma vá a tal diligência
sob pena de ser castigado. Conforme as ordens de sua Majestade e
de lhe serem tirados não somente os índios que trouxer, mas
também o que eles tiverem de baixo de sua administração: outro
sim ordeno também que pessoa alguma possa levar para fora da
capitania. Indios nenhum de qualidade que sejam mos apresentar
primeiro a tirar licença minha por escrito, e o que ao contrário
fizer serão tomados os ditos indios e prezo e castigado ao meus
arbitrio e para que venha a notícia de todos se lançará este bando
a som de caixas, e se fixara na parte pública desta vila.
Respeitando se primeiro na secretaria deste governo e nas mais
partes onde tocar (...).
256
Sobre os índios mansos no Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura informa:
(...) No Mato Grosso também me consta por notícias que dela me
deram havia bastantes já mansos e outros com grande inclinação
para se reduzirem pelo que levo comigo um dos missionários para
os aldear. Parece se via mais conveniente vierem do Pará os
missionários pela facilidade com que podem fazer pelo rio da
Madeira e com menos despesa (...).
257
Os índios foram protegidos em discurso, conforme referência encontrada
nos escritos de Antônio Rolim de Moura quando conta que nas minas do Cuiabá
muitos índios mansos vinham adoecendo e acabavam por morrer sem qualquer
assistência por parte de seus administradores. O capitão, em defesa da causa dos
índios mansos adoentados sente-se condoído da sua condição lastimosa e mostra
interesse em aju-los, defendendo o auxílio com remédios e o provimento de um
lugar que lhes servisse de abrigo. Em conjunto com outros poderes administrativos, a
Igreja estava trabalhando seu espaço de conquista religiosa, e formava dupla
importante no contexto de formação de uma história ocidental marcada pela
conquista do europeu sobre sociedades americanas.
256
Fonte Primária (2).
257
Idem.
Indivíduos deixaram seus sinais, marcando com parte da sua história a
história da Igreja na parte oeste da conquista. Assim foi que o padre pregador José
dos Anjos, da Província da Conceição do Rio de Janeiro, veio para as terras do Mato
Grosso para pedir esmolas aos moradores da localidade, tendo por objetivo arrecadar
recursos para a construção do convento de Santo Antônio da Vila. O pároco Dom
Bartolomeu Gomes Pombo, da Igreja de Mato Grosso, “sem ter quem o ajudasse na
administração dos sacramentos”, pediu ao padre José dos Anjos que o auxiliasse no
emprego da palavra de Deus, “confessando todo o tempo e administrando os
sacramentos aos cristãos que naquelas branhas, atrás dos interesses humanos, vivem
abstraídos dos povoados”. O padre José dos Anjos, com “zelo” e “piedade”,
permaneceu nessas terras bons anos
258
.
Nessas terras presenciou a tragédia da escravidão indígena. Escreveu sobre
o massacre de índios velhos e denunciou o drama da escravidão a jovens que,
acorrentados, eram levados ao trabalho forçado em distantes lugares. Os escravistas
tinham um comércio vantajoso e lucros certos na venda da “peças” obtidas no sertão.
Na citação, há notícia de que os sertanistas vendiam os índios para mulatos e negros.
A história de José dos Anjos é assim escrita:
(...) estrago e mortandade e que os certanejos daqueles distritos
fazem aos índios, porque entrando a conquistalos, matam os
velhos, trazendo acorrentados os moços, para venderem como
captivos, e com efeito o fazem, vendendo-os aos mulatos, e pretos,
e estes os comprão e se servem deles sem lhes ensignarem os
dogmas da Nossa Santa Fé, nem os mandam batizar, só a fim de
não pagarem com sua morte os direitos Paroquiaes.
259
Exercendo a função de “pregador e vendo ele suplente tanta impiedade com
aqueles miseráveis tendo alguma inteligência de seu idioma, [o padre] entrou pelo
certão a pregarlhes a palavra de Deus”. Fez redução com mais de duzentos índios de
quatro nações, chamadas “Mabarês, Paritacas, Matalarês e Cabixi”. Esses índios
ficaram aldeados nos “campos dos Parassis”. A orientação no trato para com esses
índios aldeados vem dizendo para não cometerem molestações e para os deixarem
em paz. Como o próprio documento expressa, isso já estava anotado em “outros
escritos passados, como he costume”
260
.
258
Fonte Primária (23).
259
Idem.
260
Idem.
Os documentos que tratam sobre a construção de missões no espaço de
morada dos Paresi mostram intenções da convicção da possibilidade de transformar
os índios Paresi em civilizados. O aldeamento defendido pelos agentes cristãos e
pelos homens do poder público no Mato Grosso e no Cuiabá tem por objetivo “a
realização do projeto colonial, pois garante a conversão, a ocupação do território, sua
defesa e uma constante reserva de mão-de-obra para o desenvolvimento econômico
da colônia”
261
.
Está aqui posto que as ações missionárias eram importantes no
empreendimento colonizador. Para tanto, tinham os portugueses que investir em
projetos que objetivassem a construção do modelo de civilização, procurando acionar
projetos educacionais nos aspectos que correspondessem a um novo padrão moral e
cultural. Este novo projeto social discutido pelos europeus tencionava fazer dos
índios seus iguais. A nação Paresi sofreu o processo de dominação, com a
apropriação da mão-de-obra, com projetos religiosos, com o ensinamento da língua
portuguesa, enfim, com ações de domínio dos agentes colonizadores no Mato
Grosso, território em conquista, e foram os escolhidos para a reprodução da fé cristã.
Foi mais uma das nações do conjunto que serviu ao cristianismo nas experiências das
ações de especialistas evangelizadores. Os índios Paresi foram escolhidos pelos
administradores coloniais para promoverem a propaganda da eficácia do
cristianismo. Valores importantes, projetos políticos intencionados dando significado
às palavras e conduzindo a uma sociedade onde a moral social fosse acionada pelos
homens do poder público.
Essa idéia de superioridade do europeu sobre as sociedades americanas,
como também sobre as africanas, ganha mais força com a instrução dos grandes
Estados territoriais, administrativos e coloniais que se constituem no século XVI.
A pluralidade das formas de governo era marcada, também, pela forma de
agir e pensar. Pensar e agir sobre as riquezas, sobre os homens, sobre os recursos e
sobre os meios de subsistência. A teoria da arte de governar, desde o século XVI, no
desenvolvimento do aparelho administrativo da monarquia territorial foi construindo
formas de saberes que foram adquirindo importância a partir do século XVII, com a
efetiva conquista territorial na América. Essencialmente, o saber de governar esteve
marcado pelo “conhecimento do Estado, em seus diversos elementos, dimensões e
261
PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 120.
nos fatores de sua força”. As leis, ordens e regulamentos formam as armas do
soberano e são renovadas a partir das práticas mercantilistas exercidas pelos homens
que na estrutura institucional ocupavam cargos administrativos
262
.
Nesse contexto, a política racista do Estado desenvolveu métodos
comparativos que serviam para discriminar os europeus dos povos americanos e
africanos. Um desses instrumentos que promoveu a aceleração das práticas racistas
foi o cristianismo. Era uma perspectiva “essencialmente autocentrada: fundava-se
numa suposta superioridade da religião cristã sobre todas as outras que existiam no
mundo”. É a partir da acumulação primitiva do capital, no decorrer do século XV e
nas primeiras décadas do século XVI, que acontecerá uma ruptura da vivência
autocentrada, com a descoberta da humanidade dos povos da América. No entanto, a
descoberta da humanidade dos europeus em relação às várias sociedades não se
efetuou sem traumas e resistências. Na prática, os europeus consideravam-se
“racionais”, “virtuosos” e “cristãos”, “elementos religiosos e ideológicos que
fundavam a concepção de humanidade”
263
.
O método comparativo e hieraquizador usado pelo Estado para discriminar
as diferenças entre o europeu e outras sociedade é elucidado na carta de Antônio
Rolim de Moura escrita em 1758, na qual firma suas posições, em análise que
conceitua os índios e os negros como povos inferiores. Sobre os negros, diz que são
brutais, e isto “produz uma desconfiança material de que lhe não aproveitem para se
civilizarem”, e os índios “tem pior disposição para efeito, que as outras nações
(....)”
264
.
Ampliando o quadro de análise, percebemos posições assumidamente
etnocêntricas sobre os índios e os negros, que foram avaliados e definidos pelos
portugueses, na maioria das vezes, como indivíduos sem-razão. Foram classificados
e excluídos por cristãos que os reduziam a categorias de sujeitos socialmente
imaturos, incapazes de integrar a identidade do homem europeu. Nessa perspectiva,
lemos no discurso acima posto a representação de um edifício cultural que promoveu
padrões de normalidade e de exclusão social com o objetivo de fazer com que o índio
fosse obrigatoriamente enquadrado na cultura do colonizador, com este último
decidindo o que lhe faltava.
262
FOUCAULT, 1979, p. 280 e ss.
263
FERREIRA NETO, 1997, p. 313.
264
Fonte Primária (15).
No entanto, suas considerações aos padrões sociais na formação da
identidade colonial em relação aos índios Paresi superaram os dos negros, que,
segundo o Capitão-general, ocupavam o estágio da “estupidez”. O Capitão registra
que nas minas do Cuiabá e no termo do Mato Grosso houve exemplo de conduta
social fazendo emergir uma identidade que assegurava a aspiração dos
administradores coloniais. Nesse sentido, há dois casos avaliados pelo Capitão, em
que os Paresi articularam uma imagem integrada ao pensamento do homem
“civilizado”: “(....) nestas minas se acha um índio Paresi casado, que vive sobre si
com roça, e criações, sem ter, nem necessitar de administração de ninguém”
265
.
No Cuiabá, escreve ele, “(...) também há outro, que não só vive sobre si,
mas tem um escravo seu e uma venda por sua conta”
266
.
Esses exemplos tornam explícitos os argumentos postos em forma de Lei no
Diretório, onde ficava estabelecido o reconhecimento de que nas povoações, índios e
brancos teriam nas administrações locais “as representações da Justiça e da Fazenda,
e gozariam do direito de gozar cargos públicos (....). O trabalho agrícola, o comércio
e demais atividades econômicas sugeridas pelo ambiente de cada povoação, o
trabalho remunerado (....)”
267
.
Antônio Rolim de Moura Tavares usa desse exemplo para acionar a
confiança e atestar que os índios, através de reduções, viveriam como “homens
racionais, principalmente aplicando-lhe os meios aptos para esse fim com tanta
discrição, e atividade, e zelo”. Estas palavras estavam, à época, servindo de
recomendação ao governador da capitania do Grão-Pará e Maranhão.
Sabemos que sertanistas levavam os Paresi para São Paulo e lá os vendiam
como mão-de-obra escrava. Um documento apresentado por Otávio Canavarros
registra que um padre de nome Lourenço de Toledo Taques, “presbytero do habito de
São Pedro”, com cargo mor na cidade de São Paulo, veio das minas do Cuiabá no
ano de 1730, depois de “haver acabado o tempo das provisoens (....) conduziu em sua
companhia quatro pessoas do gentio Parecis”, quatro meninas, chamadas Quitéria,
Paschoa, Escholastica e Ludovico, todas com menos de doze anos, pois, sentindo-se
“penalizado” resgatou-as da praça da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá a troco de
ouro e por serviço de capela de missas. Vendo a situação das crianças, o padre
265
Idem.
266
Idem.
267
ALMEIDA, 1997, p. 14.
comprou-as, e, dizendo-se condoído, trouxe-as ao grêmio da Igreja e se fez seu
instrutor na fé “(...) que presentemente se achão para as batizar, por se acharem
admiravelmente instruídas na fé e capazes de sacramento comprá-las”
268
.
No texto de documentos, bandos de divulgação pública expedidos contendo
proibição de escravização indígena, é dito que os índios deviam estar em liberdade,
tanto os que estavam distantes quanto os que estavam próximos das terras da
Capitania. Apresentando tal prática, lemos:
E outro sem he majestade servido por resolução de 7 de março do
presente ano declarar, que os Parecises se conservem em sua
liberdade (...), e todos aqueles que se acharem fora de suas terras
sejam postos em liberdade, e castigados todos os que lhes servirem
na forma da lei de dez de setembro de 1611 sobre os que se
mandou lançar bando nas minas do Cuiabá em vinte e um de junho
de 1730 em que se mandarão repor neste sertão os que estivessem
perto, e mais de conduzissem a custa de quem os houvesse tirado
de suas terras para esta capitania para serem postos nas aldeias
de sua majestade de baixo das penas que nele se declarão e das
que se expressão na dita lei contra os que fazem cativeiros injustos
ao qual bando se dará inteiro cumprimento ficando em nova força
e vigor por ser assim conveniente (...). Mandei lançar este bando
que se publicara nas ruas destas cidades e nas vilas desta
capitania que for conveniente e se registrara nas Cameras (...).
269
Seguindo a tese de Perrone-Moisés, a legislação “indígena é
tradicionalmente considerada como contraditória e oscilante por declarar a liberdade
com restrições do cativeiro a alguns casos determinados, abolir tais casos legais de
vida cativa (....)”. Sem quaisquer dúvidas, os índios Paresi viviam o pesadelo da
escravidão, e, por momentos, as leis prometiam-lhes o impossível, diante de homens
que os viam em condição de inferiores, e que para conceberem espírito de
humanidade nos índios precisavam encontrar e reconhecer neles virtudes.
Mostrou-se até aqui que apesar dos investimentos dos portugueses em
considerar a liberdade dos Paresi, quase nada se fez. Os colonizadores, representados
especialmente nos sertanistas, movidos pela cobiça, tratavam os índios como bois de
carga, usavam de sua força e dos seus saberes para atendê-los na ganância e na
superioridade ideologicamente construída para o domínio dos europeus sobre o
ocidente.
268
Apud CANAVARROS, 1998, p. 79.
269
Fonte Primária (1).
Os princípios legislativos “em favor dos índios” vieram acentuar os
objetivos dos agentes coloniais, facilitando a inserção indígena ao mundo dos
supostamente civilizados.
Em síntese, definidos de acordo com um sistema de classificação que
opõem índios e não índios, barbárie versus civilização, índios mansos versus índios
bravios, os dóceis Paresi interagem com os colonizadores num jogo de sedução e
dominação, que ora os condena ao sacrifício da escravidão e das mortes provocadas
pelo processo de conquista, ora lhes acena com a proteção da Coroa, interessada em
fazer dos Paresi súditos de sua majestade, o rei de Portugal.
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Ao longo desta dissertação, procuramos demonstrar que os Paresi, desde os
idos do século XVIII, foram categorizados como mansos, afáveis, sedentários,
exímios conhecedores da topografia, passíveis de cristianização e excelentes
agricultores. Esse foi um discurso que ganhou longevidade, tornando-os conhecidos
por tal condição, e fazendo, através da apropriação desses valores positivos, a relação
de alteridade em comparação a outros índios.
Agentes sociais responsáveis pela preação de índios, ansiosos pela
descoberta do ouro, estiveram trabalhando no projeto de expansão do poder luso no
extremo oeste da conquista, nas terras conhecidas inicialmente como minas do
Cuiabá. Para serem vendidos em vários pontos de comércio escravista, explorados
como escravos, e servirem de combustível ao sistema produtivo colonial, esses índios
foram caçados como feras pelos sertanistas.
Os sertanistas que vieram para as minas do Cuiabá em fins dos anos 20 dos
setecentos não contaram com a mesma sorte de seus antecessores, sendo que os
grandes achados auríferos, nesse lugar, eram coisa do passado. Destarte, tentaram a
vida no extremo oeste das ditas minas, lugar que ficou conhecido como Mato Grosso,
local onde estava constituída a territorialidade dos Paresi, muitos dos quais foram
apresados e vendidos como escravos. A descoberta do ouro na região do rio Guaporé,
trouxe a fundação de novos lugares e uma nova condição social de interação com o
espaço, ressignificando a topografia do índios Paresi e também sua história. Eleitos
como os mais possíveis candidatos à civilidade, conseguiram resistir, aprendendo
novos códigos sociais e integrando-se à sociedade colonial.
A imagem sobre mansidão promoveu práticas sociais em que os Paresi
foram alvo da política colonizadora na posição de aliados da Coroa portuguesa,
ocupando espaços na sociedade colonial na condição de vassalos daquela Coroa e,
sobretudo, o estigma da mansidão estimulou práticas escravistas que tanto foram
condenadas por representantes da coroa.
Dos autores lidos, os que escreveram sobre os Paresi colocaram-nos na
mesma condição em que os situou Antônio Pires de Campos quando, ao relatar sobre
as sociedades indígenas, os apresentou como potencialmente capazes de serem
articulados à sociedade e aos valores coloniais.
Fato consumado no século XVIII, os grandes investimentos capitalistas na
região, como a extração da poaia e da borracha, a implantação da linhas telegráficas
sob o comando de Cândido Mariano da Silva Rondon, nos séculos XIX e XX, se
serviram da força de trabalho dos índios Paresi. A eles, que contribuíram com estes
empreendimentos, restou o legado da extorsão e da indignidade.
A apropriação do trabalho indígena Paresi é, portanto, mais que secular, e a
destruição de sua cultura, de suas aldeias e famílias teve início nas primeiras décadas
do século XVIII, sendo que no período aqui estudado não há registro de que tenham
sido tratados com respeito e dignidade, apesar do discurso protecionista da Coroa
portuguesa.
Mas, ao seu modo, os Paresi resistiram e sobreviveram. E talvez fossem
hoje um entre os tantos grupos desaparecidos, não fosse a sua capacidade de interagir
com os não índios. A resistência se explicita no signo da vida e na reprodução da
memória, ritualizada na sobrevivência étnica do cotidiano. A memória, neste caso,
possibilita a sobrevivência da sociedade e/ou sua parcial inserção na sociedade não
indígena. A memória refaz a identidade do grupo e mobiliza as técnicas de
sobrevivência com esta sociedade de brancos. No decorrer da sua história, feito
escravos e extorquidos por séculos, os Paresi ressignificam uma nova existência,
afirmando a sua identidade indígena.
Em nossos dias, os grandes capitalistas agenciam formas ilícitas de
apropriação da sua força de trabalho e de suas terras. A longa resistência desse povo
à dominação dos inúmeros cenários de opressão serve de exemplo à história. Na
especificidade, sua persistência, enquanto sociedade ameaçada pelos vorazes e
sanguinolentos sertanistas, é motivo de altivez e soberba no enredo da história
regional.
No entanto, alguns programas econômicos foram desenvolvidos nas terras
Paresi, orientados por agentes tutelares do Estado, entre os quais estão os
funcionários da OPAN e da FUNAI. Esses programas econômicos não vingaram,
segundo avaliação de Daniel Matenho Cabixi. A situação de precariedade econômica
dos índios Paresi, em período recente, é explicada pela dificuldade em assimilar os
referenciais econômicos do capitalismo. Uma das causas apontadas pelo autor é a
deficiência de conhecimento da própria comunidade sobre as noções básicas que
impulsionam as práticas capitalistas: a noção dos princípios de propriedade,
individualidade, renda e poupança, dos empreendimentos no mercado, da produção e
do consumo. Segundo, ele os Paresi não conseguem enxergar suas limitações e
atribuem o fracasso de tais projetos aos elementos externos. Nesse sentido esclarece:
“Haviam até questionamentos carregados de radicalismo, que, suponho eu, eram um
mecanismo usado como meio de persuasão contrariando a original docilidade aos
índios atribuída”
270
. Essa fala vem coroar o tema discutido nesta dissertação, qual
seja, as conseqüências da atribuição de características de docilidade aos Paresi, tanto
para essa como para as demais nações indígenas do Mato Grosso, sempre
justificando os mecanismos de agressão às suas culturas e pondo em risco a própria
sobrevivência dessas nações.
270
CABIXI, 1989, p.10.
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(1) BANDO. São Paulo, em 20 de setembro de 1732. Livro de Registros de cartas
oficiais, bandos e portarias (1722 a 1747). APMT.
(2) BANDO. Vila do Cuiabá, em 27 de janeiro de 1752. Livro de Registro de
Provisões, cartas, requerimentos e bandos (1750 a 1763). APMT.
(3) CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei Dom João V sobre as respostas
que deram ao governador do Rio de Janeiro, Bispo e governador de São Paulo
às ordens que lhe foram dadas sobre as missões para o gentio Paresi. Lisboa,
em 18 de novembro de 1734. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 01, doc. 70. APMT.
(4) CONTA. Vila do Cuiabá, em 30 de junho de 1751. Livro de Registro
provisões, cartas, requerimentos e bandos / Fundo: Secretaria do Governo.
Governo de Antônio Rolim de Moura Tavares, (1750 a 1767). APMT.
(5) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo Ouvidor da Vila de Cuiabá José de
Burgos Vila Lobos ao rei D. João V. Vila do Cuiabá, em 7 de abril de 1731.
CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 01, doc. 23. APMT.
(6) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo Ouvidor da Vila de Cuiabá, José de
Burgos Vila Lobos ao rei D. João V. Vila do Cuiabá, em 10 de abril de 1731.
CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 01, doc. 54. APMT.
(7) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo Juiz Ordinário Domingos Gomes Beliago
ao Rei Dom João V. Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá, em junho de 1732.
CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 01, doc. 63. APMT.
(8) CORRESPONDÊNCIA enviada pela rainha de Portugal ao governador e
capitão general da capitania de Mato Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares.
Lisboa, em 19 de janeiro de 1749. Pasta 23, n. 1391. IHGMT.
(9) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo governador e capitão general da capitania
de Mato Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares ao rei D. José. Vila do
Cuiabá, em 11 de julho de 1751. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 06, doc. 355.
APMT.
(10) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo Secretário de Estado Diogo de
Mendonça. Vila Bela da Santíssima Trindade, em 16 de janeiro de 1755. Livro
de Registro de provisões, cartas, requerimentos e bandos. (1750 a 1767).
APMT.
(11) CORRESPONDÊNCIA enviada pelo governador e capitão general da capitania
do Grão Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao governador e capitão
general da capitania de Mato Grosso Antônio Rolim de Moura versando sobre
o estabelecimento do Diretório dos índios. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda
(Belém), em 18 de junho de 1761. Documento n. 1389/Pasta 23. IHGMT.
(12) INSTRUÇÃO REAL. Lisboa, em 19 de janeiro de 1749. Livro de Registro de
Instruções Reais aos governadores (1749 a 1787). APMT.
(13) INSTRUÇÃO REAL (cópia) enviada pela Rainha de Portugal ao governador e
capitão general da capitania de Mato Grosso, sobre o direito dos índios de
todas as colônias portuguesas, especialmente o Brasil. Belém, em 8 de agosto
de 1758. Documento n. 1452 / Pasta 23. IHGMT.
(14) OFÍCIO enviado pelo governador e capitão general da capitania de Mato
Grosso Antônio Rolim de Moura ao governador e capitão general da capitania
do Grão Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela da Santíssima
Trindade, em 15 de novembro de 1758. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 10, doc.
586. APMT.
(15) OFÍCIO enviado pelo governador e capitão general da capitania de Mato
Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares ao governador e capitão general da
capitania do Grão Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela, em
14 de dezembro de 1758. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 10, doc. 596. APMT.
(16) OFÍCIO enviado pelo governador e capitão general da capitania de Mato
Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares ao secretário de estado e Marinha e
Ultramar Tomé Joaquim da Costa Corte Real . Vila Bela da Santíssima
Trindade, em 27 de março de 1759. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 10, doc. 599.
APMT.
(17) OFÍCIO enviado pelo governador e capitão general da capitania de Mato
Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares ao secretário de estado da Marinha e
Ultramar Tomé Joaquim da Costa Corte Real. Vila Bela da Santíssima
Trindade, em 6 de junho de 1759. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 10, doc. 604.
APMT.
(18) OFÍCIO (cópia) enviado por José Ferreira de Araújo ao governador e capitão
General da capitania de Mato Grosso Luis de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres. Engenho, em 2 de junho de 1782. CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 22,
doc. 1360. APMT.
(19) ORDEM RÉGIA enviada aos Oficiais da Câmara de Cuiabá. Lisboa Ocidental,
15 de junho de 1733. Micro-ficha 08, doc. n. 105/AHU. NDIHR/UFMT.
(ilegível)
(20) ORDEM RÉGIA (cópia) enviada ao governador e capitão general da capitania
de Mato Grosso Antônio Rolim de Moura Tavares regulamentando a
cristianização dos índios pelos missionários, assim como instruindo-o para que
desse-lhes o apoio necessário. Belém, em 8 de agosto de 1758. Documento n.
1408/Pasta 23. IHGMT.
(21) PARECER do Conselho Ultramarino enviada por Rodrigo César de Meneses.
Lisboa Ocidental, em 8 de janeiro de 1732. Micro-ficha 06, doc. 80/AHU.
NDIHR/UFMT.
(22) PARECER do Conselho Ultramarino enviada a Rodrigo César de Meneses.
Lisboa Ocidental, em 29 de janeiro de 1732. Micro-ficha 06, doc. n. 83/AHU.
NDIHR/UFMT.
(23) PARECER do Conselho Ultramarino do Requerimento enviado pelo Padre
José dos Anjos ao rei D. João V. Lisboa Ocidental, em 9 de junho de 1750.
Microficha 64, doc. n. 629/AHU. NDIHR. Esse documento também encontra-
se arquivado no CT: AHU-ACL-CU-010, cx. 05, doc. 320. APMT.
(24) PETIÇÃO do Assistente das minas do Cuiabá Tomé Gouvea e Sá Queiroga
enviada ao Conde de Sarzedas. Vila do Cuiabá, em 1735. Micro-ficha 11, doc.
n. 154/AHU. NDIHR/UFMT.
(25) PORTARIA. São Paulo, em 27 de maio de 1733. Livro de Registros de cartas
oficiais, bandos e portarias (1722 a 1747). APMT.
(26) PORTARIA. Vila Boa de Goiás, em 22 de abril de 1740. Livro de Registros de
cartas oficiais, bandos e portarias (1722 a 1747). APMT.
(27) REGIMENTO. Vila do Cuiabá. Em 30 de agosto de 1733. Livro de Registros
de cartas oficiais, bandos e portarias (1722 a 1747). APMT.
(28) RELATÓRIO feito pelo Frei José Maria de Macerata. Descrição das nações
indígenas que residem na província de Mato Grosso. Cuiabá, 1843. Caixa 119 -
Rolo 81. NDIHR/UFMT.
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