produção dramática notável pelo número e não raro pela qualidade das obras, e sobretudo
pelo valor dos escritores. Nenhum destes, porém, apesar do talento e da vontade deliberada
ou impulsiva de escrever para teatro, chegou a revelar o verdadeiro engenho dramático, e
sem esse dom, que se não adquire pelo estudo, era fatal que cansasse a perseverança do
esforço individual, e em pouco tempo a produção dramática no Rio de Janeiro, em que se
resumia então todo o Brasil, estivesse reduzida a uma ou outra tentativa no gênero, espaçada
e malograda. Foi o que sucedeu. E o caso particular de Machado de Assis é típico. Ninguém
mais do que ele possuía as qualidades ou condições capazes de suprir algum dom de que
carecesse: tinha o engenho forte, a pertinácia do esforço, a leitura dos mestres, a constância
do estudo, a vontade de produzir, o gosto apurado, o conhecimento da língua, a habilidade de
observar e generalizar. Pois com todos esses elementos ele não pôde adquirir o talento
dramático. Ele próprio o sentiu e reconheceu; mas nos primeiros anos de moço parecia
confiar na ação da sua vontade e na continuidade do trabalho. E a sua ambição nesse tempo
era a obra do teatro. É o que inculca a publicação das suas primeiras comedias O caminho da
porta, O protocolo, em 1863, e declaradamente a carta com que as prefaciou, dirigida a
Quintino Bocaiúva, seu amigo e emulo literário.
"Tenho o teatro, diz ele ali, por coisa muito séria e as minhas forças por coisa muito
insuficiente; penso que as qualidades necessárias ao autor dramático desenvolvem-se e
apuram-se com o tempo e o trabalho; cuido que é melhor tatear para achar; é o que procurei e
procuro fazer. Caminhar destes simples grupos de cenas à comédia de maior alcance, onde
o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se
case ao conhecimento prático das condições do gênero, eis uma ambição própria de ânimo
juvenil, e que eu tenho a imodéstia de confessar. E tão certo estou da magnitude da
conquista, que me não dissimulo o longo estádio que há a percorrer para alcançá-la. E mais.
Tão difícil me parece este gênero literário que, sob as dificuldades aparentes, se me afigura
que outras haverá, menos superáveis, e tão sutis que ainda as não posso ver.
Até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha perseverança?
Eis o que espero saber de ti".
Quintino Bocaiúva respondeu-lhe acertadamente, como bom amigo que era dele, e
sagaz e criterioso.
"As tuas comédias, modeladas ao gosto dos provérbios franceses, não revelam nada
mais do que a maravilhosa aptidão do teu espírito, a profusa riqueza do teu estilo. Não
inspiram nada mais do que simpatia e consideração por um talento que se amaneira a todas
as formas da concepção. Como lhes falta a idéia, falta-lhes a base. São belas, porque são
bem escritas. São valiosas, como artefatos literários, mas, até onde a minha vaidosa
presunção crítica pode ser tolerada, devo declarar-te que elas são frias e insensíveis, como
todo o sujeito sem alma. Debaixo deste ponto de vista, e respondendo a uma interrogação
direta que me diriges, devo dizer-te que havia mais perigo em apresentá-las ao público sobre
a rampa da cena do que há em oferecê-las à leitura calma e refletida. O que no teatro podia
servir de obstáculo à apreciação da tua obra, favorece-a no gabinete. As tuas comédias são
para serem lidas e não representadas".
Este conceito é rigorosamente justo e aplicável a todo o teatro de Machado de Assis.
Entendeu-o e aceitou-o desde logo o escritor, cujo discernimento crítico era dos mais
completos que já conheci, e abrindo mão das suas ambições dramáticas, usou do seu grande
talento para a obra a que o dispunha uma vocação absoluta e que havia de fazer a sua glória,
o conto, a poesia, o romance e a crítica. É verdade que ainda escreveu algumas comédias e
cenas dramáticas; mas não as destinava ao teatro, senão a saraus literários, ou à
representação de salão. Ali é que elas devem ser ouvidas e apreciadas; não fica
despercebido o encanto do estilo nem a graça do entrecho, nem o primor do diálogo. Dão a
impressão de se estar ouvindo aquele conversador arguto e fino, que foi Machado de Assis,
personificando-se em cada figura das peças. Mas já não há saraus nem salões literários
como nos bons tempos que se foram; e era preciso não deixar esquecidas todas estas obras,
que se não tivessem outro merecimento, tinham o de ser obras de Machado de Assis. Foi o
que induziu o editor H. Garnier a dá-las nesta coleção reunindo-as às já publicadas em outros