Sara saiu para o jardim, tonta e trêmula. Não via nada; andava de um lado para outro como um
pássaro ferido a lutar com a morte. A pouco e pouco a dor ia se abrindo, mostrando-se toda,
como uma flor ao sol. A moça esmagava com os pés, maldosamente, os miosótis rasteiros de
florinhas azuis como olhos de anjos e as folhas tenras da malva-maçã cheirosa. Rangiam sob
as suas botinas a grama fresca, as hastes dos junquilhos, os amores-perfeitos de cores
veludosas, os botões de ouro, as violetas, os cravos, as anêmonas e as flores lácteas do nardo.
Destruir, arrasar tudo, era a sua vontade.
O Rosas, o grande inimigo de seu pai, ali, dentro daquela casa, em doce tête-a-tête com sua
mãe! O comendador Simões não o pudera ver nunca sem desgosto e sem raiva, e o vil
aproveitava-se agora que ele já não vivia, para ir recostar-se nos seus estofos e pisar as suas
alcatifas!
Sara sentia-se forte; tinha ímpetos de esperar ali o Rosas e de lhe bater na cara com as suas
mãos nervosas. Desesperada, fustigava as plantas, em movimentos furiosos. Voavam dispersas
as flores aromáticas do belo manacá, o heliotropo lânguido pendia para o chão. Um dilúvio de
flores inundava os gramados. Choviam pétalas de rosas e de hibiscos, de dálias, lírios,
margaridas, jasmins, cidrilha, jurujubas, murta, petúnias, fúcsias, resedá, esponjas, ixora e
açucenas. Flores de arbustos, flores de trepadeiras, flores tuberosas ou flores de orquídeas,
obedeciam todas à vontade de Sara, que as derrubava, subindo e descendo as ruas do jardim e
do pomar, repetindo baixinho: Papai... papai!... como a pedir-lhe socorro, por sentir iminente um
perigo.
O dia estava formoso, de um azul violeta muito intenso, onde a luz dourada do sol rolava em
ondas largas. As romãzeiras enfeitavam-se com as suas flores de um escarlate régio; pendiam
das jaqueiras, como úberes enormes, grandes jacas maduras; e a parreira abria numa cruz, cor
da esperança, os seus braços cobertos de folhas largas e macias. Sara corria no meio de tudo
aquilo, nervosa, resfolegante como um animal de raça, mostrando as pernas finas, galgando os
degraus dos socalcos, esmagando com as solas as flores claras dos morangueiros, abrindo
para todas as coisas os seus olhos muito brilhantes e movendo os lábios secos na repetida
suplica da sua alma: "Papai... papai..." Mas o pai não lhe respondia e ela, de vez em quando,
desesperada, arrancava com repelões as frutas que a mão alcançava e atirava-as ao chão,
bruta, violentamente, só pelo delírio de estragar.
As laranjas, de um verde que a maturação começava a tingir, rolavam de socalco em socalco.
Grupos de jambos brancos, caíam, separando as suas campânulas de cristal rosado de mistura
com araçás ainda verdes e pitangas cor de rubi. Um tapete de frutas ia-se alastrando pelo
pomar, e Sara pisava, esmigalhava, mordia, rangendo os dentes nas frutas acres, ainda verdes,
ou sacudia as árvores, abraçando-se aos troncos cetinosos dos pés de cambucá, ou aos galhos
ásperos das goiabeiras.
Tudo a mortificava, a exacerbava. Revivia a lembrança do pai, o ódio antigo, entranhado, feroz,
por ele consagrado ao Rosas, a surpresa de o ter sentado perto da mãe e ao mesmo tempo a
vergonha, a dor ter sido repelida!
O sol parecia queimá-la, abrasando-lhe a cabeça nua, refulgindo no seu formoso cabelo cor de
ouro, solto pelas costas, numa trança lassa. Ela ia, ora batida de sombra, ora toda vestida de
sol, sem saber para onde, parando aqui, ali, voltando para trás, desfolhando sem piedade as
grandes flores roxas do maracujá ou as flores perfumosas dos limoeiros, batendo com os pés
nos cajás soltos, nas carambolas e nas ameixas de Madagascar, espalhadas no chão. O seu