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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
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DO MESMO AUTOR:
A Religião Ceará—1874.
A Meus Discipulos (Polemica religiosa). Ceará—1875.
Livro Popular (Miscellanea de conhecimentos uteis), Ceará—1879 New York, 1881.
Educação Elementar noa B. Unidos da N. America. Ceará - 1881.
Noticia Chronologica da Educação popular ao Brazil (incompleto). Ceará—1888.
Ensino moral e religioso nas Escolas Publicas, Rio—1888.
Melo de desenvolver a instrucção primaria aos municípios ruraes, Rio—1884.
The Brasilian Language aad its agglutination, Rio—1884.
Finances (du Brésíl). Paris- 1889.
Resenha Financeira do ex-lmperio. Rio -1890.
Projecto de Constituição de um Estado (com varias notas e conceitos politicos; sob
O pseudonymo de Agonates), Rio—1890.
A Reforma Monetaria, Rio 1891. Politica a Finanças. RIO—1892. O Meio Circulante Nacional.
Rio—1898. A Situação Politica ou a intervenção do Governo Federal nos Estados da União,
Rio 1898. Elementos de Finanças, Rio—1896. Tributação Constitucional. Rio-1896.
Regimes Federativo. Rio 1900. Sobre a unidade do direito processual Relatorio ao Congresso
Jurídico Ame-
ricano, Rio—l900. Direito das obrigações (Relatório sobre os arts. 1011-1227 do Proj. do
Cod.
Brasileiro), Rio—l901. O Arbitramento (no direito internacional,
Rio—l901. Taxas Protectoras nas tarifas aduaneiras, Rio—l902,
E diversos outros trabalhos, literarios, economicos, juridicos e políticos.
ads:
RESPONSABILIDADE
C
IVIL DO
E
STADO
POR
AMARO CAVALCANTI
f)o Instituto dos Advogados Brazíleiros
RIO DE JANEIRO
LAEMMERT & C. RUA DO OUVIDOR. 66
CASA FILIAL EM 8 PAULO
1905
A Escola de Direito da Union Univerasity na Capital do
Estado de New York.
Dedica o presente livro livro, como um tributo de amor e
saudade
Amaro Cavalcanti.
"Dos 58 alumnos graduandos da turma de 1880-1881 era eu o unico
estrangeiro; mas, isso não obstante, além de generosamente distinguido na Class
Organization, coube-me ainda a honra de ser o primeiro orador de acto solemne da
collação dos grãos. Apenas recebido o diploma academico, apresentado pelo Diretor
da Escola à Côrte Supremo, a qual por sua vez me conferio o titulo de "Counsellor at
law."
Factos desta ordem, em vez de apagarem no espírito, mais se avivam, com o
correr dos annos e a distancia dps logares... E, precisamente a sua grata recorda-ção
explica a dedicatoria escripta alto desta pagina.
AO LEITOR
" Qmié «si #»** cinta*, niti jttri*
civitm".-Cie. De Rep. I, 93.
O titulo do livro indica claramente o objecto, que nos propu-
lemot com a sua publicação. Todavia o se, certamente, inútil
dizer ao leitor algumas palavras de previa informação sobre o modo
particular, segundo o qual encaramos a maria da < Responsabili-
dade Civil do Estado. > •
Não sendo mais posvel admittir, aem protesto, a velha doutrina
da irresponsabilidade absoluta do Estado, pela sua repugnância ma-
nifesta com o moderno conceito desta organisação essencial de direito,
proourou-se muito naturalmente aventar e justificar nova theoría
que. mantendo embora todas as prerogativas do poder soberano, que
o Estado symbolisa,comtudo,não sacrificasse os direitos individuaes,
pelo menos, do modo illimitado ou incondicional, como outrora se
pretendia.—Dahi oa systemas diversos que, conforme o ponto de
vista particular doa autores, ora ampliam, ora restringem, quasi
sempre sem um cririo assas definido, a responsabilidade do Estado
pelos actos dos seus representantes ou funecionarios.
Oa systemas engendrados assentam, todos elles, em distineçoes,
maia ou menos subtis, que se devem guardar entre oa actos. Uçaes
e iUegaes, tteitar e iUiciíos, de império e de gestão, ou ainda, entra actos
praticados. sem etdpm ou com ctúpa ou dolo, por parte do respectivo
agente ou funecionario. I
viu m
Semelhantes systemas, é de vêr, não tem podido satisfazer, nem
jamais serão capazes de satisfazer, ao postulado geral de direito e de
justiça, que a questão involve; desde que começam por distinguir, em
principio, o que, somente em dados casos particulares, seria licito
fazer, e ainda assim, na oceorrencia de circumstancias espe-ciaes,
segundo a razão e fim do próprio facto.
Em principio, a única these, possivel de ser affirmada, é esta: «
dada a lesão de um direito objectivo, effectivamente adquirido pelo
individuo,—do próprio acto lesivo resulta a obrigação de prestar ao
lesado uma reparação equivalente.» E' um dever imperativo da justiça
natural, e sabidamente consagrado na legislação positiva dos diversos
Estados civilisados.
Insiste-se, não obstante, em dizer, que o Estado, considerado no
seu fim superior, ou na sua qualidade essencial de poder soberano, não
se pôde achar igualmente sujeito áquelle grande principio; com-
petindo-lhe, ao contrario, declarar elle próprio, quaes os actos lesi-
vos, por que lhe apraz responder, quaes, não ; donde, conseguinte-
mente, a impossibilidade de haver uma regra geral, positiva, para
essa ordem de relações...
É evidente, que o predominio desta doutrina importaria a nega-
ção, a mais formal, do próprio direito e justiça,para cuja mantenção
e constante garantia, aliás, é, que o Estado existe, como a primeira e
a mais poderosa das instituições sociaes.
"Soberania" significa sem duvida poder supremo, isto é, a func-ção
mais elevada e comprehensiva de todas as mais, que se manifestam
na ordem jurídica; mas o, que ella seja absoluta, ou menos sujeita
ao direito, do que qualquer outra forma de funcção social. (*) , A
soberania exprime as propriedades de uma dada forma de or-
ganisação social, a dizer, da sociedade-Estado; mas o direito é o
principio de ordem, necesrio ás sociedades humanas em todas as suas
formas, quaesquer que sejam. Ella significa somente, que o Estado
(*) Folgamos de poder dizer, que as idéas, ora sustentadas, quanto ao
exercício da soberania do Estado, nada diflérem das que havíamos emittido
em trabalho anterior (Regimen Federativo, p. f-10.Rio Janeiro, 1900).
«\
IX
occupa o primeiro logar; mas é sempre o direito, que lhe deve formar
e assegurar o seu próprio fim, assim como o faz com relação ás outras
associações diversas. O Estado é, e tem por objecto dar garantia, a
maior, e nunca denegada, da condição primordial da própria vida e
acção humana collectiva: o direito (die oberste und niemals versagende
Burgschaft fiirjene Urbedingung alies menschlichen Zusammenlebens und
Zusammenwirkens, die das Beckt ist). O que, por si só, basta, para se
não poder jamais apresentar, como argumento, que, em virtude da
sua soberania, lhe seja licito considerar-se, sujeito ou não, ás rela-
ções do direito (Haenel, Deutsches Staatsrecht, §§ 15-16).
Em menos palavras: poder soberano, quer dizer, aquelle, que
não está sob ás ordens ou fiscalisação de um outro; mas, não, poder
juridicamente irresponsável, isto é, que não deva responder pelas
lesões do alheio direito: "Justa imperia sunto" (Cie. De leg. III).
E' certo, que muito embora consagrado o novo credo do
Estado de direito (Rechtsstaat), não falta, todavia, quem ainda per-
sista em sustentar, na pratica das leis e da jurisprudência, que o
Estado, ente politico ou soberano, age em esphera superior ao propiio
direito, e que, consequentemente, é irresponsável, si, como tal, violar
os direitos individuaes... Tanto pôde, com effeito, a força do dogma
tradicional de Estaão-creador do direito!
De maneira que ainda agora, temos, bem ou mal, de escolher:
ou a continuão da doutrina da irresponsabilidade, que se suppõe
justificada em vista da velha concepção do Estado antigo e medieval;
jou abraçar resolutamente a nova doutrina da sua responsabilidade
geral conforme aos princípios, sobre os quaes assenta a moderna
sciencia.
Por nossa parte, não podemos deixar de preferir á ultima destas
doutrinas. o comprehendemos o Estado com direitos anteriores aos
dos próprios indivíduos, que o compõem.
A expressão mais elevada do seu poder, á que se o nome de
soberania, ó uma consagração do direito; queremos dizer,—é o di-
reito, que reoonhece a necessidade do conjuncto das faculdades e
isenções, que constituem tamanha attribuição do Estado, por ser,
aliás, indispensável á protecção dos próprios direitos individuaes.
X
/
Mesmo, sem nada objectar contra a extensfto dos poderes políti-
cos ou soberanos do Estado,—desde que é, como pessoa jurídica, ou
como sujeito de direitos, que elle é chamado a responder pelas obri-
gações resultantes dos seus actos, torna-se manifesto, que se não
poderá bipartil-o nesta sua qualidade essencial de sujeito de direitos;
para declaral-o responsável, ou não, pelos effeitos de ditos actos. Não
podendo elle inanifestar-se e agir, senão, pela figura jurídica da
representação (hic, p. 270 sg.*), todo acto do representante deve ser
considerado logicamente, como acto do representado, e, em conse-
quência, o ultimo ficando obrigado a responder pelos effeitos lesivos
do acto do primeiro, si os houver, do mesmo modo que é pelo seu in-
termédio, que aufere as próprias vantagens e proventos Qui facit
per alium facit per se.—-Qui sentit commodum, sentirebet et ónus.
Ainda que a legislação dos diversos povos careça ainda de dis-
posições de caracter geral, que assim o declarem, não é menos ver-
dade, que a responsabilidade do Estado se acha reconhecida por
disposições especiaes, relativas á certos ramos do publico serviço,—
e a consciência jurídica moderna reclama, cada vez com maior insis-
tência, que dita responsabilidade seja consignada, como regra geral
do direito positivo, por assim ser necessário ao cumprimento da ver-
dadeira justiça.
Embora institucionalmente privilegiada, como é, a pessoa-
Estado, ella tem, como as demais pessoas jurídicas, a sua conduota
* SIGLAS DIVERSAS: HÍG (ou Moneste livro; 1.livro; t.— tomo (ou
volume da obra citada); tit. titulo; p. pagina; sg. seguintes í Cf.con-
fere; ap.apud; Acc. Accordam; C. App.Corte ou Tribunal de Appel-
laçao; C. C Corte de Cassação; C. E. Conselho de Estado; Const Fed.
Constituição Federal; Consol. Consolidação das leis civis por Teixeira de
Freitas: D. Ger. Directoria Geral; Gov. Prov. Governo Provisório da Re-
publica; P. C. C. Projecto do código elvil brasileiro (pendente de delibe-
ração do Senado); T. CTribunal dos contactos; S. T. F. Accordam do
Supremo Tribunal Federal (do Brazll); Trib.— Tribunal.
—As demais siglas empregadas serão explicadas em notas opportuna-
mente.
—Nas citações, referentes ao direito romano, seguimos a mesma norma
que empregamos nas citações de autores ou códices modernos, isto é, come-
çando por dizero livro, titulo, paragrapho, etc.,em vez do numero indi-
cativo da lei ou fragmento^ como é de regra mais usual.
4
XI
traçada pelas regras do direito objectivo, resultante da natureza da
sociedade humana.
Além disto, assim como a igualdade dos direitos, assim também
a igualdade dos encargos, é hoje fundamental no direito constitu-
cional dos povos civilisados. Portanto, dado que um individuo seja
lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem com-
mura, segue-se, que os effeitos da lesão, ou os encargos da sua repa-
ração, devem ser igualmente repartidos por toda a conectividade,
isto é, satisfeitos pelo Estado,—afim de que, por este modo, se res-
tabeleça o equilibrio da justiça commutativa: «Quod omnes tangit, ab
omnibus âebet supportari.»
E porque preferir, nesta questão, as linhas curvas da hesitação
ou incoherencia, em vez da recta, que a lógica jurídica nos offerece ?
Segui débet potentia justitiam, non prcecedere (Coke's Inst).
Com effeito, no estado actual da razão scientifica o único ponto
de partida verdadeiro ó este: o direito é a regra de conducta e pro-
ceder, tanto dos indivíduos, como do Estado; consequentemente,
assim como succede com os indivíduos, assim também deve o Es-
tado, em principio, responder pelos próprios actos, salvo si uma
razão jurídica superior fizer cessar occasionalmente a sua respon-
sabilidade.
E isto uma vez admittido, não seria mister tomar em conside-
ração o exame das varias theorías que, como se disse, distinguem,
por maneiras diversas, os actos do Estado, como condição ou crité-
rio para a solução do problema.
Do nosso presente trabalho ver-se-ha, quanto são insufficientes
umas, e improcedentes outras, das theorías alludidas...
No entanto, por assim exprimir-nos, não se supponha que,
também da nossa parte, obedecemos á preoccupação de reunir do-
cumentos para comprovar exclusivamente a verdade da doutrina, que
professamos.
Não. O nosso único empenho foi fazer um livro de inteira bôa
e imparcialidade, procurando desfarte, ainda que como pars minima,
contribuir para o estudo das letras jurídicas em nosso paiz. Desta
norma de imparcialidade não nos afastámos, nem mesmo quando,
m
XII #
em capitulo próprio (p. 265 sg.), tivemos de enfeixar, mais accen-
tuadamente, as nossas idéas pessoaes sobre o assumpto. Pelo con-
trario, em cada um dos títulos* «indicação dos systemas », «critica
dos systemas », e « pratica dos systemas», encontrará o leitor todas
as opiniões, pareceres, considerandos, e argumentos, que expõem ou
controvertem as theorias diversas, até agora aventadas, acerca da
responsabilidade civil do Estado,— negando-a, ou affirmando-a, se-
gundo o critério particular do respectivo preopinante. Ainda mais:
raramente nos limitámos á enunciar as simples opiniões dos autores,
conforme a nossa interpretação particular; em vez disso, servimo-nos,
de preferencia, das suas próprias palavras em longas trans-cripções,
no intuito declarado de habilitar o leitor a julgar, por si mesmo, da
razão ou admissibilidade das conceitos emittidos. Igual procedimento
guardámos na «Secção preliminar», trabalho, que nos pareceu
conveniente ajuntar; porque, tratando do Estado, como pessoa
jurídica, cumpria, .antes de tudo, verificar quaes os princípios, que
ora prevalecem sobre esse instituto, segundo ás lições mais recentes
da sciencia.
Com estas ligeiras indicações, entregamos o nosso modesto
trabalho ao juizo competente dos que considerarèm-no, porventura,
digno da sua attenção e leitura.
Rio 15-8-1904.
IZfcTZDIOE
SEÃO PRELIMINAR
NOÇÕES DA PESSOA JURÍDICA
Matérias Paginas (
§1.° Pessoa physica e pessoa jurídica............................................. 1
§ 2.o A pessoa jaridica é uma flxçâo ?............................................ 8
§ 3.° A pessoa jurídica não tem razão de ser ? ............................... 20
Primeira theoria. ....................................................................... 20
M Segunda theoria.....................................................................\ 27
Critica das theorias........................ ,......................................... 32
§ 4. o A pessoa jurídica é um ente real ?.............. ,.......................... 39
§ 5.° Verdadeiro conceito da pessoa jaridica .................................. 57
§ 6.o Espécies da pessoa jurídica......................................
*ij>
..........
66
§ 7.° Capacidade da pessoa jaridica
.........................................................
74
TITULO PRIMEIRO
i INDICAÇÃO DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
Vista geral da questão
I. A sua phase actual ...................................................................... 91
II. Os systemas principaes............................................................... 99
Órgãos e funccionarios....................................................................... 101»
Governo. Administração ...................... ...................................... 10
— ---- -- * ----- j
(*) Um n sobreposto ao numero indica nota da respectiva pagina.
XIV
CAPITULO II
Theoria da irresponsabilidade
Rg
Matérias
p
»*
ioas
Theoria da irresponsabilidade segundo Richelmann......................... 106
» » > Bluntschli.......................... 108
I » » » Ronne............................... 109"
» Wohl, e von Stein ............ 109"
J » Gabba .......................................... HO
» Lozzi .............................................110
n
» Mantellini.... __________________ ...........112
» Saredo .............................................115
Argumentos particulares a respeito da irresponsabilidade................ 117
CAPITULO III v
Theoria da responsabilidade §&ral
O ponto oommum de convergência da doutrina..........£ ................... 121 ,
Fundamentos principaes delia......................................i.................... 1221
» segundo H.pfl........................... -----n................. ?<i-123
» » B. von Kissling........................\.................... 125
» » Sundheim.................................^.................... 125»
» » Dreyer ........................................%................ 126
» » E. Solomo Zachariee................... 9................', 126
tt
» Pfeiffer....,.'. .....................................,*,. ___ 127
» Meisterlin e Heffter....................... -r^gç^-- 12
» » F. Schwarze ................................... -w. .||L. 128
» » Schmittbenner..................................rtte-ftSy 129
» » Strippelmanri ................................................. 129
n
» » H. A. Zacharise...................... &.................... 130
» » Gerber ........................................................... 132 n
» » Marcadé ......................................................... 135
» » F. Laurent ........................................
m
.......... 135
M » » A. Batbie..............-.............................*.......... 136»
» » Lorenzo Meucoi................................. 7» ........ 137
I » » Chironi.................................^, ...................... 142
CAPITULO IV
Theoria ou systema mixto
-\Ponto de partida do systema ................................... J\v| ..............
»
à
MA
Theoria ou systema mixto segundo Larombiére___ .;..................... 147
» Citação de De Luca por Mantellini.. »•. 147
n
>
XV
Matérias Paginas
Theoria ou systema niixto segundo Sourdat..................................... 149
> » » > A. Bonasi ............................... 163
»'
"'.»
» E. Loening............................. 158
» » » » Robert Piloty ......................:.' 168
A. Giron... P......... .'................ 177
Giorgio Qiorgi ..........................................
179
L. Michoud ..........................................
186
nne e Primker .................... 187
n
»
» » Henri Bail|>y.....................................í* 200
| TITULO SEGDNDO
CRITICA DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
Da irresponsabilidade
Argumentos principaes da doutrina....................... .. ...................... 211
O Estado não tem actos seus próprios ...............JbiW....................... 213
O Estado é incapaz de culpa............................................................. 214
O Estado não autorisa actos illicitos ou illegaes.. .7? ..................... 219
O Estado é órgão e tutor do direito.. ,?v............................... ____ 220
O Estado não tem fins próprios ................................ f..................... 222
O Estado vêr-se-hia embaraçado na sua acção................................ 224
Conclusão contra a irresponsabilidade absoluta................................ 226
CAPITULO H Da
responsabilidade g-eral
I. A relação entre o funccionario e o Estado é a do mandato........... 229
II. No serviço publico se dá a relação do dominus negotii para com o
instítor ................................................................................... 232
III. A responsabilidade é consequência do caracter representativo do
' funccionario.................................................... A.................... 234
IV. A responsabilidade do Estado provém da culpa na nomeação ou
I falta de fiscal isação do funccionario, ou-ainda do dever de obe
diência imposto aos particulares para com o funccionario*... 237
Opinião de Piloty a esse respeita.................................... ............. 241"
V. A responsabilidade do Estado provém do seu dever de proteão... 242
» » » »
» » » »!
» »
XVI
CAPITULO III
Da responsabilidade segundo o systema mixto
Matérias Paginas
Em que consiste o systema ..............................."............................... 246
Quaes sejam os actos de império ....................................................... 248
Opinião de Brémond a esse respeito.. .»*.......................................... 248
Contra os effeitos da lei não se pode pretender indemnisaçãor...... 250
Os actos judiciários também não geram a responsabilidade do Bs-
tado..............................
%
..............................................•. •....................... 261
Opinião de Loening a esse respeito.................................................... 253
a
Opinião de Piloty sobre a mesma matéria ......................................... 254
Considerões sobre o critério da distinâo dos actos em geral ......... 255
Opinião de Solari a respeito.......................................... .................. 25
Opinião de Chiroui a respeito............................................................. 258
Órgãos e funceionarios ou prepostos.................................................... 260
Contradicções de Gabba neste ponto.................................................. 263
CAPITULO IV
A doutrina preponderante I
I. FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE ............................................ 265
Apreciação do mandato, do institorio, e da representão ........... 26.9 *
O que é REPRESENTÃO no seu sentido próprio......................... 272
Opinião de Gierke a respeito................................... .À* ............. 273
Quaes são os representantes do Estado ?................................... 273
D
Elemento objectivo da responsabilidade ..................................... 278
Damno material e damno jurídico segundo Vacchelli............... 279
A lesão de direitos se pode dar por actos legaes....................... 281
Opinião de L. Duguit a respeito................................................. 282
Na omissão a culpa é elemento essencial da responsabilidade... 283
Conclusão sobre o fundamento jurídico da responsabilidade... 284
II. DIREITO REGULADOR DA MATÉRIA ................................................................... 284
Insufflciencia das disposições do direito privado........................ 288
Exame das disposições do direito publico a respeito .................. 292
As disposições do direito administrativo serão bastantes ?........ 297
Qual a natureza do direito complementar de que se carece.... 298
III. LIMITAÇÃO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE....................................... 302
No Estado Romano e medieval.........V... A................................. 303
O principio da responsabilidade apparece desde a idade media. 306
Opinião de diversos autores a respeito........................................ 306"
XVII
Matérias '4 Paginas
Tendência irresistível dos princípios modernos ............................ 311
Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado ................. 313
Quando e onde deve cessar ........................................................ 317
Primeira razão.......................................................... .* • • 317
Segunda razão .................................................................... 321
Terceira razão ....................................................................* 322
Regras conclusivas da matéria................................................... 326
TITULO TERCEIRO
PRATICA DOS SYSTEMAS .i
CAPITULO I A
jurisprudência franceza
§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES..................................................................... 333
Opinião de Lonné sobre os "actos de governo" ......................... 384"
A doutrina do Caso Blanco firmou a jurisprudência em matéria
de competência................................................................... 337
Applicação da doutrina da "distincção dos actos"..................... 339
Justificativa danão-applicabilidade do direito oommum aos actos
da administração ................................................................ 342
Raes em contrario.......................................Â. ....................... 343
Distincção entre culpas do serviço e culpas pessoaes................ 346
§ 2.° CASOS E DECIES....................................................« ............... 349
cicios legaes ou isentos de culpa........................................................... 349
a) Actos legislativos.................................................................. 349
6) Actos judiciários.......,.-,.,. ........................................................ 351
c) Actos de governo e de administração.................................... 351
d) Desapropriação o occupaçao temporária da propriedade.... 352
e) Actos de policia o segurança publica..................................... 353
") Medidas sanitárias ....................................................:........... 357
f) Actos de guerra..................................................................... 360
g) Obras publicas em geral ..........................•£**«** ................ 365
Actos Ulicito8 ou iUegaes .. ,^..........................«É> -^^j* ............... 371
I Casos provenientes de relações contractuaes___ A.............. 372
II Casos provenientes de relações extracontractuaes.. ,*,......... 377
Breve conclusão sobre a jurisprudência franceza........'..... 382
xvm
CAPITULO n A
jurisprudência belga
Matérias Paginas
$ 1 INDICAÇÕES PRELIMINARES ..................................................................... 885
Os actos de poder publico................................................................... 386
I Actos em que o Estado apparece como pessoa civil..................... 387
Actos de responsabilidade pessoal dos funccionarios ................. 388
§ 2 OASOS E DECISÕES ..................................................................................... 390
Actos legaes ou isentos de culpa,,. ........................................................ 390
a) Actos de policia e segurança publica .............................. ----- 391
b) Actos de guerra.»,....... .......................................................... 391
c) Casos de desapropriação.......................................................... 392
d) Obras publicas......................................................................... 393
Actos illicitos em geral................................................ ! ..................... 396
I Provenientes de relações contractuaes.................................... 396
II Provenientes de relações extracontractuaes............................ 397
Casos de irresponsabilidade declarada........................................ 398
Breve conclusão sobre a jurisprudência belga ........................... 400
CAPITULO III A
jurisprudência alleman
§ 1. ° INDICAÇÕES PRELIMINARES..................................................................... 401
Responsabilidade dos funccionarios públicos .............................. 405
Como é considerada a questão da responsabilidade civil do
Estado..................................................................................... 407
Opinião de Oito Mayer a respeito............................................... 409
n
Emendas ao projecto do código civil e disposições, adoptadas
neste ....................................................................................... 410
§ 2.* CASOS E DECISÕES.................................... ^ ............................................. 416
Actos legaes ou isentos de culpa...................fl|.................................... 415
Opinião de Gierke e jurisprudência a respeito .......................... 416
a
Em particular sobre a desapropriação e outros casos................ 417
Actos illicitos em geral .....................................................,................. 420
Responsabilidade proveniente de infracções contractuaes.......... 420
Responsabilidade proveniente de actos extracontractuaes......... 422
Decisões sobre alguns casos particulares................................... 425
Decisões sobre o caracter jurídico do Yunccionario................... 428
Decisões sobre a natureza da obrigação, solidaria ou subsi*
diária, uo Estado........................................... 429
XIX
CAPITULO IV
A jurisprudência italiana
Matérias Paginas
§ 1 i ° INDICAÇÕES PRELIMINARES.................................................................... 431
Theoria da distincçao dos actos segundo as próprias decisões. 438
Como se dá a responsabilidade civil do funccionarlo ................ 436
§ 2.° CASOS E DECISÕES.................................................................................... 439
Actos legaes ou isentos de culpa......................................................... 439
Desapropriações por utilidade publica....................................... 440
Actos de guerra ....................................................................... ", 442
Actos de policia ou de segurança publica.................................. 444
Restricçao á irresponsabilidade jure impem .............................. 447
Actos de policia sanitária .......................................................... 449
Obras publicas........................................................................... 451
Actos illicitos em geral....................................................................... 455
I Damnos provenientes de relações contractuaes .................... 455
II Damnos provenientes de relações extracontractuaes............ 457
Abandono da theoria da distincçao dos actos............................. 459
n
Quando se da a responsabilidade do preponente ........................ 462
n
Ainda sobre a doutrina da distincçao dos actos.......................... 466
CAPITULO V A jurisprudência
ingleza e norte-americana
§ 1 QUANTO Á INGLATERRA.......................................................................... 470
A doutrina "King can do no ivrong" ............................ #............ 470
Competência geral do judiciário sobre os actos adminis
trativos................................................................................... 473
Opinião de Dareste a esse respeito............................................ 474
Irresponsabilidade dos juizes ou cortes judiciaes..................... 476*
§ 2.0 QUANTO AOS ESTADOS-UNDDOS ................................................................ 477
Competência judiciaria sobre os actos da administração publica477
O Estado não pôde ser chamado a juizo sem o seu assen
timento...................................................................................... 478
A "Court of claims" e a sua jurisdicção..................................... 480
Resumo da doutrina dominante quanto a responsabilidade
civil.........................................................................?: ........... 484
Irresponsabilidade dos juizes e cortes ....................................... 485
Quando se da a responsabilidade do funocionario administrativo. 486
XX
Matérias Pagina»
g 3.0 OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR................................................................. 487
{ A doutrina da irresponsabilidade é menos jurídica e menos I
garantidora dos direitos individuaee....................................... 487
A sua explicação é tirada do selfgovernment... .......................... 489
Exemplo de um caso importante, no qual foi reconhecido o
principio da responsabilidade civil do Estado ......................... 491
CAPITULO V A
jurisprudência brazileira
§ 1 INDICAÇÕES PRELIMINARES..................................................................... 493
Privilégios reconhecidos ao Estado pelo direito positivo........... 493
O Contencioso administrativo durante o Império......................... 496
I Que ha na Republica a esse respeito............................................ 499
A irresponsabilidade do Estado nunca prevaleceu no Brazil... 499
A responsabilidade dos funccionarios públicos..». ................... 501
Disposições de leis particulares sobre a obrigação de satisfazer
os damnos cansados................................................................ 502
Disposições do Projecto do Código Civil a respeito................... 506
D
§ 2 CASOS E DECISÕES ..........................'.......................................A. 509
Damnos provenientes das leis e actos do governo............................&. 510
Damnos provenientes de medidas policiaes................, ......................... 513
I Medidas de segurança propriamente ditas .............................. 513
II Medidas de policia sanitária ................................................... 517
Demolição de prédios ................................................................ 520
n
Damnos provenientes dos actos de guerra.................................... 521
Damnos provenientes de relações contractuaes.............................. 526
Damnos provenientes de casos diversos ......................................... 534
Intelligencia do disposto no art. 82 da Constituição Federal... 535
n
§ 8.° INTERVENÇÃO JUDICIARIA............................................................ 537
princípios geraes...................................... ........................................... 537
Espécies particulares............................................................................ 550
I Direitos dos funccionarios públicos .............................................. 550
Inconvenientes que podem resultar da intervenção judicial em
dados casos., .................................................... ,.................... 554
Modos de remediar taes inconvenientes...................................... 555
Que se entende por direitos adquiridos....................................... 667
O emprego publico não é um contracto propriamente dito......... 559
Medidas de natureza policial....................................................... 563
Medidas tomadas em estado de sitio. . fl^HI^Kfi^Hflt • • • • 565
XXI
Matérias Paginas
Actos concernentes ás rendas publicas.......................................... 567
Concessões e privilégios................................................................ 570
Qualidade do governo, como parte nos contractos ..................... 571
Valor da clausula resólutiva, quando expressa nos contractos.. 583
8 4.° FORMAS DA INTERVENÇÃO JUDICIARIA.................................................. 588
Aões'admittidas em direito .............................................................. 588
Interdictos possessórios..................................................................... .' '590
Casos particulares de sua concessão .......................................... 592
Manutenção de lentes da Escola Polyteohnicã ........................... 593
n
.Leis recentes, que prohibem os interdictos possessórios .......... 599
n
Cabe esse remédio em favor dos direitos pessoaes ?................... 603
Decisões contrarias dos Tribunaes a respeito ........................... 606
Qual o pensamento da lei n. 221 ............................................... 616
Explicação final do autor........................................................... 620
NOTA ADDITIVA
A' jurisprudência estrangeira
Breves considerações em geral.................................................. 623
ÁUSTRIA ..................................................................................... 624
SUISSA........................................................................................ 628
HESPANHA................................................................................... 630
PORTUGAL................................................................................... 632
CONCLUSÃO ............................................................................. ,:", 633
%
RESPONSABILIDADE CIVIL
- DO
ESTADO
SEÃO PRELIMINAR
NOÇÕES DA PESSOA JURÍDICA
§ 1.° PESSOA PHYSICA B PESSOA JURÍDICA
1. Na presente «Secção Preliminar» não nos propomos
fazer uma exposição da doutrina da pessoa jurídica, completa
em todas as suas partes, mas, tão somente, occupar-nos das
questões concernentes, cujo exame e elucidação o necessários
ao objecto especial do presente estudo, que é a responsabili-
dade civil do Estado na lesão dos direitos individuaes por actos
dos seus representantes.
Na linguagem commum a palavra pessoa é synonymo de
homem, a dizer, o individuo dotado de intelligencia e vontade.
Person nennt der rechtjuristische Sprachgebrauch das mit Selbst-
bewusstsein und WillensfãhigJceit begabte Individuum.
1
Na
linguagem jurídica, porém, pessoa, não é somente o homem;
além delle, é assim considerado igualmente todo ente capaz de
Windsoheid, Lehfbuch ães Panãéktcnréchts, 1.1, § 40, nota 6.
1 B. c.
Q ___
direitos e obrigações.
2
Dahi a divisão, que se faz, entre a pessoa
physica ou natural (a creatura humana) e a pessoa judica,
também chamada moral ou civil. Inde non raro duo personarum
genera distinguunt, naturales nimirum pirsonas, i. e. singuíos
homines, et moralrs seu civiles. i. e. quce personarum loco ha-
-
bentur.
8
2.—As expressões, pessoa moral, civil ou jurídica, são de
data relativamente moderna. Ainda que ao senso pratico dos
jurisconsultos romanos não tivesse escapado que, ao lado dos
indivíduos (eorum causa omne jus constitutum) existiam ou po-
diam existir outros entes diversos, como sujeitos de direitos e
obrigações próprias, * e se encontre mesmo nos textos do direito
escripto a expressão singularis persona, empregada para
designar o homem, por opposição kpopulus, ria, collegium, cor-
pus;
6
o se pode, todavia, affirmar, que a palavra pessoa fosse
então, applicada a qualquer outro sujeito de direitos, que não o
homem. Os textos conhecidos continham tão somente: « Civi-
tates enim privatorum loco hàbentur ;
6
Hosreditas personai vice
fungitur, sicuti municipium, et decuria, et societas;
7
Ho3reãitas
personam defuncti sustinet;
8
etc, etc. E' como se dissessem: taes
sujeitos de direitos, que não o homem, fazem apenas o papel,
2
Warnkõnig, Inat. júris romani privati, § 121; Coelho da Rocha,
Imt. de dir. civ. port. §§ 54 e 72 ; La Serna y Montalban, Dereclw Civil y
Penal, 1.1, tit. I, § I
o
; Ribas, Direito Civil Brasileiro, t. II, tit. IV, cap. 2.°
3
Warnkõnig, loc. cit.\ Ortolan, Explication Hist. des Instituís, pârfc. I,
tit. I. Diz-se pessoa moral ou abstracta (creada pela razão) por opposição á
pessoa physica; e pessoa civil, isto ó, creada pela loi, por opposição á pessoa
natural, (creaçao da natureza).
4
... Quod universitati ãebetur, singulis non ãébetur; quod ãébet univer-
sitas, singuli non debent. Dig. I. Ill, tit. 4, 7, § 1.°
5
Dig. I. IV, tit. 2, 9, § l.o
c
Dig. Z. L. tit. 16, 16.
7
Dig. I. XLVI, tit. 1, 22.
8
Dig. Í.XLI, tit. 1,34.
ou occupam o logar, da pessoa physica, e nada mais. E real-
mente, assim se entendeu sempre na linguagem jurídica, ainda
durante longo espaço de tempo posterior. I O insigne Pothier
empregara a expressão « des êtres intél-lectuels», para designar
os entes, aos quaes se agora o qualificativo de pessoas
juridicas, dizendo a esse respeito: Les corps et communautés
établis suivant les lois du royaume sont consideres ãans VEtat
comme TENANT LIEU DE PERSONNES, VELUTI PER-SONAM SUSTINENT;
car ces corps peuvent, â Vinstar des personnes, aliener, acquerir,
posseder des biens, plaider, conttacter, s'óbliger\ obliger les autres
envers eux. Ces corps sont DES ÊTRES INTELLE-CTDELS, ãifferents et
distincts de toutes les personnes qui les composent:
UNIVERSITASDISTAT A SINGDLIS.
9
E O jurisconsulto inglez
Blackstone chegara mesmo a estabelecer uma divisão legal das
pessoas, em pessoas naturaes e pessoas artificiaes:
«PERSONS ARE D1VIDED BY THE LAW INTO NATDRAL PERSONS
OR ARTIFICIAL ».
10
Mas, nem os dois autores citados, nem outros
contemponeos dos mesmos, foram além ; queremos dizer, o
cogitaram ainda, na sua época, de fundar nenhuma theoria par-
ticular sobre os entes intellectuaes ou pessoas artificiaes, á cuja
existência, aliás, se alludia frequentemente nos factos da ordem
jurídica.
3.—Conforme se vae ver, mesmo presentemente, subsiste
grande disparidade de vistas nos autores acerca do qualifica-
tivo, mais acertado, que deve ter ess'outro sujeito de direitos,
que apparece ao lado das pessoas physicas, i. e. qual o qualifi-
cativo, que se ajuste ao definido e a élle somente, como se requer
em boa gica. Pessoa moral, é ainda a expressão mais usada,
sobretudo, na litteratura jurídica franceza, como contraposta á
9
Pothier, Traitédes personnes et des cJioses, tit. VII, n. 210,
10
Blackstone, Commentaries, 1.1, oap. I, n. 123.
— 4 —
de pessoa physica. Entretanto não satisfaz: a palavra moral não
é abi tomada no seu sentido mais claro ou ordinário, e nem tão
pouco, exprime a idéa de ficção, quando, no pensamento dos que
a empregam, o caracter principal ou essencial que se quer dar á
pessoa moral, é simplesmente o de um ser imaginário ou fictício.
Pessoa collectiva, é também expressão inexacta, visto como
existem pessoas não-naturaes, sem serem entes collectivos.
Pessoa civil, o serve igualmente : primeiro, porque as pessoas
physicas ou naturaes são juntamente consideradas, como pes-
soas civis; depois, e isto é o mais importante, porque com esta
expressão se pretende indicar que se trata de pessoa, creada ex-
clusivamente pela lei, o que não se pode admittir, por contrario
àverdade. Pessoa ficticia, não ainda; visto não se tratar de
uma sim pies ficção, como se ve da discussão em seguida sobre
este ponto. Pessoa juriãica, tal é, finalmente, a expressão de
data mais recente, mas, agora, geralmente consagrada pelos
diversos autores, sobretudo, na litteratura jurídica allemã. Por
ella se quer significar, que se trata de um ente organisado ou
formado em vista da lei e para os fins da ordem jurídica somente
; e, segundo o que ficou dito, esta ultima expressão é a que
merece, sem duvida, ser preferida entre todas as outras.
11
3 a. —Dos differentes códigos civis das nações modernas,
a partir do digo Napolo, promulgados no correr do culo
passado, nenbum delles, antes do da Republica do Chile (publi-
cado em 1855) consagrara ainda titulo ou capitulo especial, em
que se tratasse das pessoas moraes ou jurídicas, de uma maneira
particular.
la
11
E' de ver a respeito : Windscheid, ob. cit., § 49; De Vareilles-
Sommières, Les Personnes Morales, ns. 327 seg.; T. de Freitas, Esboço do
Código Civil, Parte Geral, 1.1, arts. 17 o 272 seg. e notas %bi.
13
O código civil do Chile divide as pessoas era naturaes e jurídicas
(art. 545); e tratando em particular das segundas (art. 545 e seg.) declara,
I
— 5 —
Entretanto convém ajuntar, que essa omissão por parte dos
legisladores nada obstara á que a verdade do facto se realizasse
no desenvolvimento normal da vida do direito. Com eífeito,
emquanto os commentadores do próprio digo Napoleão na
França, não obstante o silencio jleste, adoptaram desde logo nos
seus trabalhos a distincção das pessoas, em pessoas natu-raes
e pessoas ou entes moraes;
13
— os autores de outros paizes,
notadamente os romanistas allemães,
14
conseguiram, do seu
lado, firmar, como doutrina clássica, a da divio das pessoas,
em naturaes ou physicas, e jurídicas; divio, que como se
disse, se pode considerar admittida pela maioria dos autores, e,
bem assim, na linguagem legislativa dos diversos Estados.
15
que estas são de duas espécies corporações e fundações de beneficência
publica. Dito código, porém, commette o equivoco de excluir, no todo, da
esphera.do direita civil, segundo o disposto no seu art. 547, o Estado, o fisco, o
município, as instituições religiosas, os estabelecimentos costeados pelo erário
publico, e as sociedades industriaes,—pelo motivo de se regerem por leis e
regulamentos especiaes. Isto nao procede: regidos pelas disposições do código
civil ou por leis especiaes, taes institutos não podem deixar de, nas suas relações
patrimoniaes, ficarem sujeitos aos principios geraes do direito commum ou civil,
como sujeitos de direito.
13
Toullier, (Le droit ci-il français, Introd. I. l,n. 181 seg.): *sont det
êtres moraux et dbstraits»; Troplong, (DM Contrat de Société, t. I, n. 58 seg.): «
personne fictive e morále » . Cf. Massé et Vergé, Le droit, civil français sur
Zachariae Introd. 2. I, § 40-42); — Aubry et Bau, Couis de droit civil français, §
54: « Une personne morále est un être de raison, capdble de posseder un
patrimoine, et de devenir le sujet des droits et des obli-gations relatifs aux biens
»; etc.
u
Mackeldey. (Mim. de droit romain, §§ 121 e 147): «TOMÍ ce gui, dam
VEtat, outre Vhomme, est regardé comme pouvant acoir des droits prp-\ prés,
est, une personne juridique, morále ou fictive»; Savigny, (Traité de droit romain,
t. II, § 85 seg.): «On les appelle personnes juridiques, c'est-à-dire,| personnes qui
n'existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous apparaissent à cote
de 1'individu, oomme sujets de droit»; — Cf. Pfeifer, « Die Lehre von ãen
juristischen Personen», apud Windscheid, ob. cit. § 57.
15
Vide: Cod. Civil do Chile, art. 545; - Cod. Civil Argentino, art. 82 seg.;
— Cod. Civil da Hespanha, art. 35; — Cod. Civil do Uruguay, art. 21; etc, oto.
Pelo que interessa, mais directamente, ao direito civil pátrio, é
de notar que as Ordenações do Reino náo qualificam de pessoas as
entidades em questão; o termo mais geral, empregado para designal-
as, é o de universidades (Ords. I. I, tit. 84, § 3
o
e l. III, tit. 78, pr. e §
1°).—Mello Freire, na sua obra, Inst. jur. civil is lusitani,
considera pessoa ao homem, dizendo expressamente: Personarum
seu hominum jus, quod idem apud nos significai (1. II, § 2
o
).
Pereira e Souza, no seu Diccion. Juridico, também não julgou
necessário escrever nelle os vocábulos pessoa moral ou jurídica, o
que deixa suppôr o não conhecimento da existência de semelhante
ente, ao menos debaixo deste nome. No «Repertório das Ordenações
e Leis» do Reino de Portugal, dá-se a mesma omissão. Só nos
Tratados mais modernos do século passado, taes por exemplo, as
«Inst. de dir. civ. port.» de Coelho da Rocha, o «Direito Civil de
Portugal» de Borges Carneiro, — as «Inst. de dir. civ. brasileiro » de
Trigo de Loureiro, o « Curso de dir. civ. brazileiro » de Ribas,
a Consolidação das leis civis» de Texeira de Freitas, e trabalhos
jurídicos posteriores, é, que se encontra a divisão, ora clássica, das
pessoas, entre pessoa physica ou natural, e pessoa moral ou jurídica
,
16
16
T. de Freitas, na Consolidação supradita, havia adoptado, primeiro,
a divisão de pessoas singulares ou collectivas; depois (em nota ao art. 40 da
3
a
edão) substituirá o segundo vocábulo pelo de universaes, reprovando,
por essa occasiao, a classificação adoptada pelo professor Ribas,-— de pes-
soas natwaes e pessoas jurídicas. Entretanto, o mesmo T. de Freitas, no
seu « Esboço do digo Civil»,— começando por declarar inexacta a sua an-
terior divisão, estabelecera: que « as pessoas ou são de existência visível
ou de existência o somente ideal», única classificação verdadeira, accres-
centára elle, (Esboço, cit, art. 17); o que, alias, não impedira que o mesmo,
mais uma vez emendasse a mão, para dizer no seu « Vocaburio Juridico » :
« As pessoas, ou o naturaes ou jurídica.— (Appendice n, arts. 2
o
e
258). Com esta ultima divisão conferem:—F. dos Santos, Proj. de Cod. Civ.
Brasileiro e Commentario, arts. 74 e 154; Coelho Rodrigues, Proj. de Cod.
Civ. Brasileiro, art.18; Beviláqua, Proj. de Cod. Civ. art. 13 e seg.
— 7 —
3 b. No entanto, embora consagrada na escola, nas leis, e
na pratica, a presença da pessoa jurídica, --o certo é, que, no terreno
dos princípios, continua ainda insistente discussão sobre os pontos
fundamentaes da sua doutrina, isto é, sobre a sua existência e o seu
caracter essencial, ou dizendo em termos mais precisos: como é
que se reálisa a existência da pessoa jurídica; em que é, que ella
consiste effectivãmente, ou de maneira, que possa ser considerada
pessoa distincta do ser humano, no uso e goso dos direitos que,
aliás, lhe são directamente attribuidos sem a menor contestação..."
Ainda em recente trabalho escrevera, a esse respeito, autor M da
maior competência: Ma niuno pensi che ladottrina delle per-sone
giuridicke, quale si trova esposta anche nelle opere migliori, soddiffi
per ora a tutte queste isigeme. Non ve ríha una, in cui la dottrina delle
persone giuridicke si trovi svolta nella sua inte- grita e con la dovuta
accompagnatura o necessária armonia delia theoria com la pratica.
18
17
A palavra pessoa vem do vocábulo latino "persona," mascara,
que indicava a figura ou personagem, que o individuo representava no
palco; tinha, como se vô, significação inteiramente analoua áquella, que
ora damos á palavra —papel, quando dizemos semelhantemente: o actor
representa ou faz o papel de rei, de juiz, de soldado, etc., segundo o entre-
cho da respectiva peça theatral. Como ampliação talvez do seu sentido
originário, fora a mesma palavra igualmente empregada para designar uma
qualidade, ou estado accidental, dos indivíduos, tal por exemplo:—perso-
nam induere = tomar a figura de...; personam alienam ferre = representar
a pessoa ou fazer o papel de outrem, etc, etc. Foi certamente nesta
significação, que Cícero dissera: « Três personas unus sustineo... meam,
adversarii, judieis» (De Oratore).
18
Giorgio Giorgi, Dottrina delle persone giuridiche, t. I, n. 4. Fi-
renze. 1899, 2.» edieione. O autor citado, tendo definido a pessoa jurídica «
queWuni giuridica, la quale risulta da una collectlivi wmana ordinata
stàbUmente a uno o piit scopi di privata o âi pubblica utilitâ: in quanto é
distinta dai singoli individui che la compongono, e dotata delia capacita di
posseãere e di esercitare ADVEBSUS OMNES i diritti patrimoniali, compatibil-
mentealla sua natura, col sussio e d'incremento dei diritto pubblico », eaddi-
I B justamente nisto, que vimos de dizer, tem também o
leitor a razão porque, antes de entrar no objecto especial do
presente estudo, sentimo-nos na necessidade de perlustrar, ainda
que a passos largos somente, o campo das principaes theorias,
que ainda agora se disputam a posse da verdade, acerca de tão
importante assumpto.
Não se ignora que o Estado, de cuja responsabilidade civil
nos vamos occupar, é, antes de tudo, uma pessoa jurídica; e que,
conseguiutemente, as conclusões a tirar sobre a alludida
responsabilidade dependem em muito, senão essencialmente, do
juizo ou intelligencia, que se tenha, sobre a natureza e capa-
cidade desse sujeito particular de obrigações e direitos.
§ 2.° A PESSOA JURÍDICA É UMA FICÇÃO ?
4.—A theoria que, antes de qualquer outra, se apresentara,
bem definida e ensinada, para explicar as relações e factos
concernentes aos demais sujeitos de direitos, que, alem das pes-
soas physicas, concorrem, activa e passivamente, na ordem ju-
rídica, foi, sabidamente, a da personalidade Jicticia.
Como se vio, os textos romanos diziam apenas —« vicem
personce sustinent...» Era como, si os mesmos declarassem: taes
sujeitos não são realmente pessoas (porque segundo o direito
romano, pessoa, era o homem livre, para excluir o próprio
escravo, considerado como cousa); mas, por motivo ou razões de
publica utilidade, são elles admittidos a fazer as vezes destas.
tando logo em seguida, que ninguém até agora havia dado uma definição
exacta da pessoa jurídica;dera, como razão de semelhante falta, a giove-
nezza delia dottrina, que não havia ainda chegado á sua madureza,não se
encontrando, mesmo, phrase alguma, que exprimisse genericamente o con-
ceito da personalidade jurídica, antes do século 18.° (oh. cit., ns. 13,24 e
24 bis).
— 9 —
Ora, não é difficil perceber que, dahi para chegar á idéa, aliás,
negativa da ficção,
19
não faltava, senão completar o pensamento
e adoptar o vocábulo, que a devesse exprimir: foi o que fizeram
os cultores do direito.
A expressão empregada de pessoa fictícia, si não vem do
direito canónico e dos glosadores da idade media, como se tem
pretendido, ella apparece, todavia, em documentos de datas
assas remotas : Fidos personas dicuntur universitates, civitates,
pagi, collegia, corpora, quce personas vice funguntur, dizia Lau-
terbach; * depois delle, diversos outros escriptores, nomea-
damente, Miihlenbruch, se serviram de vocábulos idênticos ao
occupar-se do assumpto.—«Metas personas eas appellamusquce,
cum in óculos non incurrant, tamen mente et cogitatione infor-
mantur, tamquam personce...
21
. Coube, porém, á mentalidade
creadora de Savigny, não só, estabelecer a theoria da pessoa
ficticia, mas também ainda, apresentando-a sob a apparencia de
valor scientifico, conseguir que a mesma se tornasse a doutrina
da escola, tanto na Allemanha, como nos outros paizes da
Europa e da America.
22
Não será mister entrar em longos arrazoados para expor os
fundamentos desta theoria.
Admittindo, que só o homem é pessoa real, o se pode
explicar, senão por simples ficção, ess'outra personalidade sui
generis, que a lei attribue a outros seres diíFerentes. O legis-
10
Oiorgi, ob. cit., n. 18 eseg.
20
Lauterbaeh, Collegium' theoreticwm-praticum aã libros Pandectn-
rum, — " De Legatis ", § 7. Ttib. 1690-1711.
21
Mublenbrueh, Doctrina Pandect. § 196. Hal. 1823-1825.
23
Nao é preciso apoiar a proposição' supra em documentos. No Brazil,
a doutrina da ficção fora sempre a ensinada nas nossas Escolas Jnridicas.
Vide: Ribas, C. de dir. civ. bras., t. II, p. 6 e 108, seg.
— 10 I
lador suppõe, apenas, em vista do interesse geral, a existência de
uma pessoa fictícia; mas a trata, como si fosse uma pessoa
real.
Aqui temos em breves palavras,— o que é, ou antes, em que
consiste a doutrina da pessoa moral ou jurídica, definida por
Savigny: « um sujeito de direitos, creado artificialmente».
2
*
4 a. A pessoa jurídica, ensina Windscheid, não é um
ente real, mas apenas representada e tratada, como tal, por ser
sujeito de obrigações e direitos « Eine juristische Person ist
eine nicht wirklicU existirende, nur vorgestellte Person, tvelche
ais Suhject von Rechten und Verbindlichkeiten behandelt wird ».
u
Por sua vez, F. Laurent, accentúa: « Ce qui caractã'ise les
personnes dites civiles, c'est qiCelles sont des FICTIONS CRÉEB PAR
LA LOI, et que le legislateur a seul le âroit de crêer. II riy a pas
dejiction sans loi; àplus forte raison,pas d'êtrefictif, la plus
impossible des fictions... La fiction sur laquelle reposent les per-
sonnes civiles consiste en ce que le legislateur donne des droits a
certains corps ou établissements, dans un intet social. Ces droits
se confondent avec la charge que leur est impoe, et endehors de\
laquelle ils n'existent pas. Donc les personnes dites CIVILES ne
peuvent clamer ã'autres droits que ceux que la loi leur accorde.
LES HOMMES SEOLS ONT DES DROITS ».
25
28
Savigny, Traité de droit rom., § 85; Cf. Mackeldey, Man. de âroit
romain, §§ 121 e 147 ; Maynz, Cours de droit tom., §§ 96 e 107 ; Mi-
choud, La notion de personálitémorále, p. 4 e seg.
24
Windscheid, Eanâbuch des Pandektenrechts, § 57.
25
P. Laurent, Cours Elem.de droit civil, . 54.—Aubry et Rau, Cours
de droit civil f'rançais: « Les personnes sont ou physiques ou nwrales, suivant
que leur individualité est Vasuure de la nature ou ne repose que sur une abstrac-
tion juridique »(§ 62 in fine). B mais adiante: < Unepersonnemorále est un
être de raison capable de possáler un patrimoine, et de devenir le sujet des droits
— 11 —
Não é preciso ajuntar mais citações nem invocar outros
autores, para ter-se um juizo claro acerca da theoria da ficção
(Fictionstheorie), também dita, tlieoria da personificação (Per-
sonificationstlieorie). Segundo á mesma, a pessoa jurídica não
tem, realmente, existência; é alei que crêa uma,ficção debaixo
deste nome, para facilitar a execução de certos actos e factos da
ordem jurídica, e nada mais. E no entanto, a esse ente de pura
ficção, â essa pessoa, que nada ê, se reconhecem na vida social,
excepção apenas feita dos direitos de família, todos os demais,
como si fora a pessoa natural, a dizer, o homem!
26
5.— Ora, é cousa evidente por si mesma, que o que não
existe, é ipso facto incapaz de ter direitos próprios, obrigações
próprias, exclusivas, ou de ser sujeito de qualquer outra relação
apreciável pela intelligencia humana. Procede, portanto, nesta
parte a argumentação synthetica, formulada por De Vareilles-
Sommres, quando, referindo-se á questão, disse peremptoria-
mente: «E' de ver, que semelhante juizo écontradictorio em seus
termos. Pessoa fictícia não éuma pessoa; uma vez que è fictícia;
o que é fictício, é nada. O juizo se reduz a isto: a pessoa, que
não é, é. A razão declara, que si a pessoa moral é uma pessoa
fictícia, não pôde a mesma ser classificada entre as pessoa .
27
E' certo que, diante de conclusões, tão dissatisfactorias aos
olhos do simples bom senso, os partidários da Fictionstheorie
replicam logo indignados : Que, segundo á sua doutrina, não se
diz, que a pessoa jurídica seja um nada imaginário
et fies óbligatiom rélatifs aux biens. VEtat constitue, ãe piem ãroit, une\
personne moralt. Aucune autre personne morale nepeut se former ou s'étáblir\
au sein de VEtat, sans la reconnaissanee formelle ou tacite ãe la puissancepu-
blique» (§54).
20
Vide : Van-Wetter, Cours Elem, de ãroit rom. t.I, § 54, V.
27
De
Vareilles-Sommres, Les Perscnnes Morales, n. 15, e passim.
— 12
(EIN EINGBBILDETES NICIITS); pelo contrario, ella reconhece que a
corporação, assim como a fundação, é alguma cousa efectiva-
mente real; Que, de certo, não é uma pessoa; mas é uma
personalidade figurada. «Jede Corporation undjede Stiftung
\ist ettvas sehr Wirkliches, áber keine Person. Fingirt wirãnur
die Personen qualitãt».^
Comprehende-se bem a precaução de taes reservas era vista
do absurdo, á que, sem ellas, ficaria desde logo reduzida a
chamada Fictionstheorie... A explicação, porém, não satisfaz;
servindo, apenas, para tornar patente, que se gastam esforços
baldados em favor de uma doutrina, que, nem siquer, pode ser
entendida na accepção lógica dos próprios termos, por ella em-
pregados, porque estes levariam, desde logo, á simples contra-
dicção e ao absurdo I
Si a ficção, á que se soccorrem, nada constroe ou explica,
melhor fora abandonal-a no todo. Com effeito, reconhecer que
as pessoas jurídicas de direito publico, taes como o Estado e o
Município, assim como as de direito privado, taes como a asso-
ciação e a fundação, legitimamente constituídas, são sujeitos de
direitos e obrigações per se, distinctas das pessoas naturaes que
nellas concorrem ou são interessadas; podendo as primeiras
levantar e sustentar os seus direitos próprios, mesmo em
opposição aos das segundas; e ao mesmo tempo, declarar, que
ditas pessoas jurídicas o passam de ficção da lei, sem a menor
realidade possível, é fazer simplesmente duas affirmações
inúteis, que não precisam ser refutadas, porque ellas se repel-
lem e se destroem por si mesmas.
Por consequência, é forçoso escolher entre os dous termos:
ou a realidade, ou a ficção, da pessoa jurídica.
23
Windscheid, ob. cit., § 49, nota
8
.— Cf. Glorgl, ob. cit., n. 15, p. 25-
26.
— 13 —
E como a ultima destas theorias é a que tem subsistido,
como doutrina, mais geral ou predominante, é nosso dever in-
sistir ainda, por um pouco, na demonstração da sua sem-razão
ou falsidade.
20
6. A primeira objecção, que se lhe tem feito, e, sem du
vida, de força bastante para derrocar todo o seu prestigio, é:
que ella é impotente ou inhtil para resolver o problema posto.
Este consiste em saber, como definir ou qualificar devidamente
a pertenção positiva de bens que, o cabendo aos indivíduos,
tem, todavia, uma tal razão de ser, que jamais deixou de ser
admittida em todas as épocas da historia. « Dizer que esses bens .
pertencem á uma pessoa fictícia, é o mesmo que dizer, embora
em termos disfarçados, queelles não pertencem a ninguém. Si
não se comprehende a exisncia de. um direito, sem haver um su
jeito que delle seja o titular; certo, o se explica esta existência,
attribuindo-se o direito a um sujeito fictício ; pelo contrario, se
confessa, por isto mesmo, que o direito não tem sujeito real...
A ficção pôde servir em direito para simplificar ou facilitar a
explicação de certas theorias juridicas; mas, por si mesma,
nada resolve; conseguintemente, onde se a falta de uma con-
dição essencial, ella é impotente para suppril-a».
80a
7. A segunda objecção é tão fundamental, como a pri
meira. Não é exacto, que a pessoa jurídica, (dita pessoa ficticia)
seja creação da lei. As leis, si não são as relações necessárias,
20
Ainda que combatida, do certo tempo ã esta parte, a theoria da
ficção conta, não obstante, os mais distinctos nomes entre os seus partida- J
rios; e é por isto, que o seu predomínio continua, como aliás reconhecem os
próprios adversários delia. Giorgi, ob. cit., t. I, p. 24.
30
Miohoud, loc. cit., p. 6. Este autor segue, de preferencia, as idéas
de Zitelmann (Begri/f wnd Wesen der sog. jur. Personen) sobre a questão.
» Ibidem.
— 14
que derivam da natureza das cousas, como ensina Montes-
quieu,
81
ninguém desconhece, que ellas tem por objecto, regular
os factos e relações da vida social, em vista do interesse
commum, ou para os fins do bem publico e privado. Não está,
porém, no poder da lei ou do legislador crear ente algum, e
muito menos, uma ficção, porque seria praticar um acto vão ou
inútil. Legislar é ordenar, é perraittir, é prohibir, é dispor ou
regular *, mas não é, de forma alguma, crear, á vontade, novos
sujeitos de direitos para a vida social. A expressão crear, em-
pregada nos actos legislativos, é inteiramente metaphorica: as
cousas ou relações preexistem ao acto; o que este faz, é dar-lhes
um destino especial ou regulal-o de um modo, que, na occasião
parece conveniente ou necessário aos olhos do legislador...
Diz-se pessoa jurídica, não por ser uma ficção creada pela
lei, mas porque existe para os fins jurídicos, que motivaram a
sua instituição ou existência. Não ha duvida, que a lei pôde e
deve intervir para conhecer das qualidades necessárias á exis-
tência ou a certas funcções da pessoa jurídica. E porque assim
não fazel-o, si a lei intervém do mesmo modo com relação á
pessoa physica ou natural, dictando as condições, em que ella
pode agir na ordem jurídica, e representar nella pessoas diver-
sas ** (plures personas sustinet) ?
Ora, supponha-se a associação. Esta pôde ser instituída ou
formada, usando os indivíduos da sua faculdade natural de fazer
convenções ou contractos.
31
L' Esprit ães lois, l. I, cap. I.
33
Mackeldey, ob. cit., § 122; Maynz, ob. cit., § 96. Diz este autor:
Le nieme mot (persona) sert également à designer la capacite d'avoir des
droits en general ou d'avoir et d'exercer tel droit determine. Cest dans
ce dernier sens qu'on dit qu'un homme peut SUSTIKERE PLURES PERSONAS.
Ainsi, dans le fonctionnaire de 1'Etat on peut distinguer la quali de per-
sonne publique et celle du particulier ; un tuteur peut agir, soit pour lui-
mêrae, soit pour son pupille, etc, etc. B' o mesmo pensamento de Toul-
— 15
Supponha-se do mesmo modo a fundação. Que impede que um ou
mais indivíduos, usando igualmente do seu direito incon-traetavel de
dispor de seus bens, pela doação ou por outro meio, dêem a estes um fim
determinado de beneficência ou utilidade publica ?
33
O que a lei ou o legislador faz, e com a competência que lhe é
própria, é declarar os requisitos da existência legal das pessoas
jurídicas em geral, ou de certa classe destas pessoas em particular; isto
succede, principalmente, com as sociedades anonymas e com as
fundações, em vista da importância de taes pessoas e dos fins, que se
propõem, em vista das garantias de direito que cumpre assegurar aos
terceiros, que se achem
| - ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
lier (Le Droit Civil Français, Introd. 1.I, n. 181 seg ), considerando a pes-
soa, por assim dizer, como synonymo de status, e portanto, podendo existir
diversas no individuo singular, assim como, rios individuos podem cons-
tituir uma pessoa: « Le nie indiviáu peut repsenter plusieurs person-
nes: il peut être magistrat, pére, mari, et exercer tous les ãroils attachès a
ce* trois personnes dam Vordre publique et ãans Vordre prive. Au contraire
plusieurs personnes peuvent ne constituer qu' une seule personne; teU sont les
corps politiques appeUés en droit UNIVERSITATES, COLLEGIA, etc. Choque com-
tnune, par exemple, forme un corps politique qui n' est considere'que comme
une teule personne » (loo. cit., n. 128).
I
33
Deixamos de reforir-nos neste particular ás pessoas jurídicas de direito
publico, notadamente ao Estado, porque a discussão sobre a creação ou
formação especial das mesmas nos levaria muito longe ; apenas obser-
varemos, que não é a lei, que crea o Estado, de maneira alguma. A lei é
uma consequência da existência do Estado. Seja elle uma associação NECES-
SÁRIA, ou não, alei a- suppõe preexistente, e não faz, senão, regulamen-
tada ou Hmital-a. Facto idêntico se nota com as outras aggremiações que
tem personalidade própria, algumas das quaes são historicamente anterio-
res ao Estado, e a raorparte tem uma formação análoga. Constituídas pela
força das cousas, ou pela vontade de seus membros, a lei não intervém ahi,
senão, para regular, em dados casos, as relações jurídicas, que lhes deram
nascimento, e depois, as relações jurídicas da aggremiação constituída.
Ella as encara, como as demais relações humanas, e se limita a dar-lhes a
formula legal, que parece mais apropriada á sua destinação. Vide: Mi-
chourt, loc%_cit., p. 11 o seg.
— 16 —
em relações jurídicas com esses institutos. Essa intervenção do
legislador não é a de creadoT, mas a de regulador ou lega-
lisaâor, em attenção ao interesse geral da sociedade. E não se
pense que, mesmo no desempenho desta attribuição, caiba ao
legislador um poder arbitrário. Em boa razão elle não deve, nem
pode, negar o seu reconhecimento de legalidade, senão, ao que
for illicito ou incapaz de satisfazer aos seus fins, de accordo com
o interesse geral ou da ordem jurídica. Tratando-se, por
exemplo, da associação, diz Michoud, a lei seria infiel ã sua
missão, si recusasse, arbitrariamente, ou por falta de sympatuia
para com o objecto, aliás licito, que se propõem os associados,
a considerar a aggremiação, como sujeito de direitos, desde
que, no pensamento dos seus membros, tivesse ella um patrimó-
nio próprio e interesses distinctos dos interesses individuaes.
84
A lei pode prohibir, se disse, o que for illicito; pode
ainda, muito embora como medida de excepção, vedar a forma-
ção de tal ou tal instituto, o desenvolvimento ou a execução de
actos e factos, dos quaes se receie um mal de caracter geral ou
um perigo para a ordem publica; mas, passar alem, seria deixar
de ser a lei, para tornar-se a violência e o arbítrio.
35
Em uma
palavra, qualquer que seja a intervenção que ao legislador deva
em boa razão competir, não se pode, por isso, admittir a propo-
sição,—de que a pessoa jurídica seja uma simples creação da lei;
porque isto levaria á consequências manifestamente tyranicas.
Desde que não se trata de um direito a exercer, mas de um
favor ou graça, do poder publico, nada impede que este o faça,
recuse, ou annulle-o, depois de feito, ao seu livre arbítrio.
36
84
Michoud, loc. cit., p. 13-16.
35
Ibidem.
36
Com toda a razão diz Vareilles-Sommièros : O príncipe, que pode,
por seu capricho, crear, ou não, a pessoa fictícia real, pode do mesmo
modomantel-a ou supprirail-a; e supprimindo-a, pode apoderar-se dos seus
— 17 —
o ; esta o pode ser a verdade do facto. O poder publico des-
empenha, no caso, um papel análogo ao que lhe compete, como
regulador do exercício e goso dos direitos das pessoas physi-
cas, taes como, do menor, do inter dieta, do njuge, do pae, do
patrão, do proprietário ou possuidor, etc, etc, ou em outras pa-
lavras : —o que a lei faz, relativamente à pessoa jurídica, assim
como relativamente á pessoa physica (o homem) é, constatada a
existência de certas relações,—declarar quaes as condições ou
normas exigíveis, pelas quaes, determinado sujeito possa agir
ou gosar de taes e taes direitos na ordem social. Mesmo no que
respeita aos estabelecimentos de caracter publico, revestidos de
personalidade jurídica,— esta lhe resulta, antes de tudo, da
organisação particular que recebem, e não da creação da lei. o,
por assim dizer, porções da própria organisação publica geral,
existente, do Estado, que agora se destacam ão todo, e seespe-
cialisam ou se constituem em corpos distinctos, com um patri-
mónio próprio e interesses separados; e dahi o fundamento real
da nova personalidade jurídica.
Pelo facto de o poder publico intervir, declarando que tal
instituto se acha dotado de personalidade jurídica, e tal outro,
não,— não se pode, sem mais exame, inferir que o dito poder é
que crea essa personalidade. O que se realmente, é o reco-
nhecimento legal da pessoa jurídica, em vista de concorrerem
nella os requisitos da lei.
Fallando desta sorte, não se pretende negar que os esta-
belecimentos públicos e instituições análogas não devam, em
regra, a sua formação, ou creação, si o quizerem, á deliberação
do poder publico. Àttenda-se, porém, que, poder publico aqui é
synonimo de Estado, e este é, antes de tudo, a pessoa jurídica
bens, e, conseguintemente, extinguir a pessoa. "Les Personnes Morales"
n, 107 sg. O autor citado se referira especialmente, neste trecho, à pessoa
jurídica da fundação.
— 18 —
"por excellencia";
87
e, nesta qualidade, principalmente, o
seria licito negar «lhe o direito de fundar, por si , institutos
dotados de personalidade jurídica, ou de concorrer, para a for
mação dos mesmos, em união com as pessoas puysicas ou com
outras pessoas jurídicas já existentes.
38
f1
8.—Existe, finalmente, maisnma consideração importante,
que não devemos omittir, em desabono da theoria da fião.
87
Bluntschli, Le droit intemational codifié, l. II, n. 17, 1.
88
Michoud, loc. cit., p. 16. Coraprehende-se bem, que o ha da
nossa parte o intuito de examinar, como e até onde, se deva dar a inter
veão da lei ou do poder publico, como elemento extrínseco ou formal da
pessoa jurídica. Esta intervenção, o se ignora, se boje geralmente, e,
segundo a legislação dos differentes povos, por modos diversos. EUa já
apparecia no direito romano, como condição, para que a universitas ou cor
pus tivesse existência legal, ao tempo do Império (.. .paucis admodum in
\casis concessa sunt hujusmodi corpora... Dig. I. IQ, tit. 4); e nos tempos
modernos, escriptores dos mais disti netos a recommendara, como necessária;
assim suecede realmente na pratica dos Estados da mais adiantada cultura
jurídica, taes como, a França, a Bélgica, a Itália, a Állemanha, etc., etc.
Domat ensinava: H n'y a que le souverain qui puisse donner ces per-
músions et approuver les corps et communautés (Droit Public, 1.1, tit. 2,
sect. 2);
Laurent o afflrma igualmente no trecho, de que já se fez menção, (n. 4
a) e, em outra parte, repete emphaticamente : «JLe legislateur seul peut créer
les personnes cioiles... A la voiac du legislatew un êtrê sort du néant, et
figure sur un certain pied oVegalité â cote des êtres reéls crées par Dieu * \
\(Principes, I, 288).
De maneira idêntica também se exprimem: Frère-Orban (La main-
morte et la chaH, part. I, IV);—Vauthier (Etude sur les personnes morales
dam le droit romain et dam le droit françai», p. 286);— Massé et Vergé sur
Zacharise {Le droit civil français, §§ 40 e 260); Planiol (Traité Elem. de
droit civil, n. 1994 seg.), e muitos outros.
A despeito, porém, de tamanhas autoridades, persistimos em não ad-
mittir, como correcta e verdadeira, a opinião, de que é a lei ou o poder
publico, que crea a pessoa juridica. Pelo menos, seria forçoso abrir uma ex-
cepção para a pessoa juridicaEstado; porquanto, sabidamente, o Estado
não é uma creação da lei, como já se observou em outro logar (nota 33).
T
— 19 —
se sabe que, segando essa theoria, a pessoa jurídica carece
de realidade na ordem social; mas, isto o obstante, se lhe attribue
a propriedade exclusiva de cousas ou bens e direitos, e bem assim,
& responsabilidade, não só, resultante de obrigações
convencionaes, como ainda, a proveniente de actos illicitos.
Mas, como é, que um ente fictício pode exercer, effectiva-
mente, os direitos da posse e domínio, digamos, de bens immo-veis,
contrapondo-os, as vezes, aos próprios indivíduos, que são
coparticipautes ou componentes delle, ou a terceiros? Como obrigar
uma entidade meramente supposta a responder por obrigações,
não dizemos, as contractnaes, mas as resultantes dos actos
illicitos, que ella seria incapaz de praticar ?
Dirão: pelo meio, aliás, fácil e conhecido, da representação,
consagrada nas leis em beneficio das pessoas incapazes em geral.
Sim ; não se ignora o meio indicado. Mas a representação
suppôe necessariamente uma pessoa representada ; e não seria
preciso accrescentar, que -' representar uma ficção ", é agir em
nome do nada, ao qual, é impossível, senão, manifesto contra-
senso, —reconhecer direitos e obrigações.. .
39
89
T. de Freitas, combatendo a expressão de pessoas fictícias, disse :
« por que é faiso que haja ficção alguma, e nem em outro qualquer caso o
direito carece de ficções... O mesmo Savigny, e quasi todos os eseripto-
res reputam essas pessoas como fictícias; mas esta qualificação devo ser
rejeitada, e de que admira que a sciencianão esteja expurgada. Ha nisto
uma preoccupação ; para alguns, porque suppõem que não ha realidade,
senão na matéria, ou naquillo que se mostra acoessivel â acção dos
sentidos; para outros, por causa das ficções do direito romano, com as
quaes o pretor ia reformando o direito existente e attendendo as neces-
sidades novas, simulando, porém, que o não alterava. O Estado é a pri-
meira das pessoas de existência ideal, é a pessoa fundamental do direito
publico, á sombra da qual existem todas as outras ; e quem ousará dizer
que o Estado é uma ficção?».Esboço do cod. civil, notas aos artigos 17
e 273. —Rio, 1865.
— 20 —
Diante desta incongruência, para não dizer, absurdo pa-
tente, da theoria da ficção, fora impossível não cogitar de outras
que offerecessem solução mais acceitavel do problema. Dahi, as
duas novas concepções, de que em seguida nos vamos occupar,
e que, no entender de alguns autores, tiram, aliás, origem, ao
menos occasional, da própria theoria da ficção. Por uma se
pretende, que não ha outros sujeitos de direito, além das pessoas
physicas, a dizer, o homem;— por outra, dispensada a interven-
ção dessa pessoa fictícia, por inútil, se pretende, que as próprias
cousas, em dadas condições, podem ser verdadeiros sujeitos de
direitos e obrigações.*
1
§ 3.° A PESSOA JURÍDICA NÃO TEM RAZÃO DE SER?
9. PRIMEIRA THEORIA : Às chamadas pessoas jurídicas,
nem existem, nem ha razão para a sua existência; são apenas
aspectos ou modalidades apparentes das pessoas physicas
(quorum gratiâ jus constitutum est).
Ouçamos a respeito, antes de qualquer outro, a um es-
criptor, guasi'patrio, o autor do Projecto do Código Civil Por-
tuguez:
O direito, diz elle, é uma relação ideal, que tem por prin-
cipio e fim, e por agente, unicamente o homem. As cousas em
40
Michoud, loc. cit., p. 6 seg.; De Vareilles-Sommières. loc. cit.,|
n. 137 seg.
41
No empenho de explicar a doutrina da ficção tem alguns autores
recorrido a modos, mais ou menos engenhosos, formando, conseguinte -
mente, escies theoricas., hoje conhecidas debaixo de denominações diver
sas, taes como:—"Personenrolle" (Bõhlau, Rechtssubject und Personen-
roUe, Weimar 1871; Randa, Der Besitz mit Einschhiss der BesitzTãagen\
1879);—" Personifikation des Zweckes " (Windscheid, Pandekten. § 49 e 57;
Baron, Pandekten, § 29-30). Examinando-se, porém, de perto, veriflca-se
que estas e outras theorias análogas são, no fundo, tuna só cousa, muito
embora sob nomes differentes.— Vide: Giorgi, ob. cit, n. 16.
— 21 —
si podem ser objecto de direitos, mas não sujeitos de direitos.
No desenvolvimento de sua vida jurídica, o homem apresenta-se
debaixo de differentes aspectos : primeiramente como individuo
isolado, em segundo logar como individuo unido com outros, ou
associado; em terceiro logar como individuo, perpetuando o im-
pério da sua vontade no tempo e no espaço a favor da garantia
da lei, representativamente na pessoa doutros indivíduos. Mas
sempre e em todo o caso é o homem, e elle, que na realidade
apparece como sujeito de direitos. Percorramos agora cada uma
das chamadas pessoas moraes... O Estado: Que é, senão a reu-
nião de indivíduos, a sociedade representada nos seus agentes ?
As corporações e associões: Que são, senão os mesmos indiví-
duos, unidos por certo interesse? Os estabelecimentos de caridade e
instrucção ? Que ha ahi que possa dizer-se sujeito de direitos,
seo os mesmos interessados na fundação, representados pelos
gerentes dos mesmos estabelecimentos ?... »
42
E proseguindo
no desenvolvimento destes conceitos, o citado autor o duvidou
affirmar, que nohospital, por exemplo, os sujeitos dos direitos o
os doentes,«únicos a quem os bens verdadeiramente pertencem,
mediante a administração e applicação estabelecidas».
43
10.—Em accordo com estas idéas, sustentadas por Seabra,
ha perto de cincoenta annos, se mostram também agora, entre
outros, dous escriptores, dos mais distinctos da actualidade,
Van den Heuvel, ** e De Vareilles - Sommières.
45
O primeiro, partindo da convião, de que todas as pessoas
judicas se podem reduzir á sociedades ou associações, procura
42
Seabra, Novmima Apostilla, p. 128-131. — Coimbra, 1859.
43
Ob. cit.,p. 130.
44
"De la situation léjale ães assoóialions sans but lucratif en France
et en Belgique". — Bruxelles, 1884.
45
"Le8 Personnes Morales". Pariz, 1902.
I 22
demonstrador faz a seu modo, que a pess<riBpe taes^pres
não passa de simples apparencia ou de um simples artificio, in-
ventado pelos juristas; podendo, no entanto, ser a cousa expli-
cada, diversamente, pelas regras especiaes do contracto da res-
pectiva associação.
46
Antes de tudo, um defeito se manifesta na theoria de Van
den Heuvel, e é: que a mesma é incompleta, não podendo ser ap-
plicavel â todas as pessoas jurídicas. Ella se applica facilmente,
diz Michoud, às que tem por base uma associação, pura e sim-
ples ; mas já não seria possível acceital-a para as associações
politicas, taes como, a Commuua e o Estado.
47
O autor, (continua
Michoud) levanta-se, com toda a razão, contra a idéa de consi-
derar o Estado, uma ficção. Mas, que dizer de uma theoria, que
o considera, como um contracto gigantesco, no qual os parti-
culares collocaram certos bens em commum,— ficando estes su-
jeitos a um regimen especial, que os subtrahe ã acção de seus
credores? E' apoucar singularmente a questão do património do
Estado, e esquecer inteiramente as condições de facto, nas quaes
elle se apresenta aos nossos olhos. Emfim, admittido, que no
caso ainda se podesse conceber uma sorte de sociedade,—como,
porém, applicar a theoria ás pessoas jurídicas, que não tem por
base nenhuma associação visivel, taes como, os estabelecimentos
públicos e as fundações de beneficência ?
48
10 a.—Partidário, muito mais decidido, da theoria da o-
existencia da pessoa jurídica na ordem social, é De Vareilles-
Sommières, o qual se propôz mesmo a tarefa particular de de-
monstrar, por todos os argumentos, que "a divisão de pessoas
physicas e pessoasmoraes é totalmente viciosa"; porque se reduz,
40
Van den Heuvel, ob. cifc., p. 85-38.
47
Michoud, ia Notion de personnalitémorale, p. 23-25.
48
Michoud, loc. cit., p. 26. J
— 23 —
queiram ou não queiram, saiba-se ou não se saiba. a oppôr
ás pessoas physicas outras tantas pessoas physicas, embora en-
caradas em uma situação particular e designadas por uma
imagem.
49
Não nos é permittido dar aqui um resumo completo das
idéas e argumentos diversos, com que o autor sustenta a sua
these; limitaino-nos a transcrever as suas deducções conclusivas
principaes contra a realidade ou supposta existência da pessoa
jurídica. Eis, como o mesmo se exprime na matéria:
« Mais il est possible de faire d'un coup table rase de toutes
ces constructions et de couper court á toute nouvélle tentative ãe\
me genre, en faisant evanouir Vidée, Villusion qui est leur
commun et fragile fondement. Cette idée, cette illusion, c'est que
Vassociation est quelque chose d'autre et de plus que les associes.
Toutes les théories sur la personnalité morale naturelle prennent
, forcément, leur raison d'être ou plutôt leur pretexte. De même
qu'un tableau, dit Bluntschli, n'estpas la simple somme ães gout-
tes de peinture et d'huile qui ont servi â le composer, de même
Vassociation n'est pas la simple somme des individus qui Vont
constituée (Theorie générale de VEtat, l. I, eh. I, 5). II y a, dit
M. Terratf dans Vassociation quelque chose de plus que les as-
socies', il y a un príncipe d'unité et d'organisation, par lequel
les memores de Vassociation, dissemines dans Vespace et dans
le temps, sont néamoins unis et groupés de façon â former un
tout. Ils répètent tous á Venvi que le tout forme par les associes
est quelque chose d'autre que les associes, quelque chose de dis-
tinct d'eux. Et de ce tout ils font une personne... Eemarquons
tout ã'abord que, s'il était vrai que Vassociation t quelque chose
cVautre que ses memores
t
s'il était vrai que le tout fút quelque chose
de plus que les associes, il ne s'en suivrait núllement que cette
chose, ce tout, fút une personne. Ou est le lien entre ces deux
49
De Vareilles-Sommières, ob. cit., n. 21.
I ~2Í~ I
idées: les associes forment un tout; ce tout est une personne ?\
II y aun ablme entre elles. L'espritde systêmepeut le franchir\
'un bonâ, mais la logique n'a pas cette agilité. Pour le comblerú
il faudrait yjeter cette majeure avec ses preuves: un tout compo
de différents individus d'un certain ordre est toujours lui-même
un inãividu ãu même ordre...
«Si Von ne per d pas de vue que la personne, quoi qu'on ãisel
et quoi qu'on fosse, est Vêtre raisonnable et libre, le seul qui
pvAsse avoir des biens, des obligations et des intérêts dignes de
ce nom, est-il possible de ne pas taxer de divagations les affirma-
tions suivantes: un bataillon est une personne, le groupe de troisl
partners quijouent au whist est une personne,—le couple conjugal
est une personne,les convives assisautour d'une table constituent
une personne ? Les soldats, les joueurs, les époux, les convives,
sont en e/f et des associes, des individus reunis en un tout par un
principe d'unité et d'organisation, et on nous dit que toute
association est une personne. Uètrangetè de Vidée n'apparait que
çonfusement dans la proposition abstraite et générále; dans les
applications concretes elle saute aux yeux et ãevient intoléràble.
« Si Vassociation ètait quelque chose d'autre et de plus que
les associes, il est clatr qu'elle serait une chose, une chose soi-
GENERIS et non pas une personne. Cette chose n'aurait aucun
âroit, neseraitpa8sujet.de droit, mais les personnes que compren-
ãrait cette chose, les associes, n'en seraient pas moins pourvus de
tous les droits et de toutes les capacites voulus pour constituir u/n,
avoir commun obligatoirement affecté à la poursuite ãu but com-
mun. Eux seuls pourraient être sujets de droit et le seraient.
Mais Va88ociation, le groupe, n'est absolument rien d'autre et
de plus que les associes; elle n'est pas plus une chose distincte
d'eux qu'une personne distincte d'eux; elle est eux-mêmes, rien
de plus, rien de moins. Sans doute, pour leur union et la coor-
ãenation de leur8 activitês les associes forment un tout; mais ce
tóut, c'est eux-mêmes et rien q'eux; ils sont tout dans ce tout^^
— 25 —
« II n'y a dans Vassociation aucune autre súbstance, aucun
autre être quélconque, physique ou spirituel, que les associes.
II suffit d'ouvrir les yeuxpour sen convaincre. Regardes Vasso-
ciation avec les yeux du corps et avec ceux de Vesprit: qu'y voyez
vous en dehors des associes ? Rien. Supprimez les assoces ; que
rest-il? Rien. M. Terrat dit qu'il y a dans Vassociation en plus
que les associes un príncipe de unitê et d'organisation. II prend
la cause de Vassociation pour un de ses élements. Ce qiVil appelle
\le príncipe d'unité, c'est le contrat ou la loi qui a forme Vasso-
ciation: ce contrat ou cette loi esl la source de Vassociation, mais
n'est pas Vassociation.
B0
Vê-se dos trechos transcriptos, que o autor ahi se refere,
de preferencia, á pessoa judica da associação; cumpre, porém,
accrescentar, que elle affirma a mesma procedência dos seus ar-
gumentos, ou talvez melhor dizendo, das suas asseões vigorosas,
não só, a respeito de qualquer espécie de associação, seja esta
de existência convencional, seja de existência necessária, como
tamm, a respeito dos demais institutos, a que se costuma re-
conhecer a qualidade de pessoa jurídica.
õl
A pessoa moral ou jurídica, aqui como em qualquer parte,
insiste De Vareílles-Sommres, ao encerrar o seu importante
livro, não é, nem pôde ser, a causa de cousa alguma; o que
não existe não pôde produzir nenhum effeito. E' uma fabula en-
genhosa, empregada pela mais austera das sciencias. E' uma
mentira, que não pôde enganar a ninguém, mas que agrada, e
ajuda a memoria. . .
52
Conclusão o clara e decisiva, como esta, dispensa, cer-
tamente, toda explicação ou commentario da nossa parte.
50
Ob. cit., ns. 230-32,234-36 e 238.
51
Vide: Ob. cit.. ns. 1049, 1058 seg., ns. 1136 seg., ns. 1169 seg.,
ns. 1453, 1463 seg., e 1554 seg.
52
Ibidem, n. 1556.
— 26 —
10 b.— Antes dos doas autores, cujos couceitos acabámos
de citar, também Jhering, considerando a pessoa jurídica, como
uma ficção, uma mascara, havia ensinado, que os verdadeiros
sujeitos de direitos são: na associação, os indivíduos associados; e
nas fundações, os seus destinatários, a dizer os enfermos, os
pobres, os orphãos, etc.
68
São as palavras de Jhering: «Dés
que Von perd de vue cette idée fondamen-tale du droit, que
Vhomme seul est le destinataire des droits, Von ne s'arrete plus
dans la voie de la pcrsonnification. La personne juridique
comme télle est incapable. de jouir-, elle n'a NI INTKRÊT, Ni BUT;
elle ne peut ãonc avoir de droits que ils atteignent leur
ãestination, éest-á-dire, ILS PEU-VENT ÊTRE UTILES Á
LEURS AYANTS DROIT. Un droit qui ne peut jamais attendre ce
but est une chimére inconciliable avec Vidêe fondamentale du
príncipe du droit. Pareille anomalie ne peut exister qu'en
apparence: le sujet appartnt du droit cache LE VERITABLE. Non ;
les veritables sujets du droit, ce ne
sontpointlespersonnesjuridiqu.es, comme telles, ce sont leurs
membres isoles. Celles- ne sont autre chose que la forme spéciale
dans laquelle ceux-ci manifestent leurs rapports juriãiques avec
le monde exterieur ».
54
Isto, quanto ás associações; quanto ás fundações, o citado
autor observa igualmente: « Elles (as pessoas jurídicas) non
plus, ne sont pas elles-mêmes le but et le centre de gravite de tous
les rouages juriãiques, qu'éllesJont mouvoir, le pivot de tout leur
mécanisme... Ce sont les personnes naturélles qui doivent en
profiter. La personnification des fonãations n'est donc que la
53
"L'ESPBIT DU DROIT BOMAIN ", /. IV, p. 326-341. Cf. Michoud,
La notion de personnalimorále, p. 27; Négulesco, Le Problême Jwi-
dique de la personnalité morale, p. 38 seg.
54
Jhering, ob. cít., § 71, p. 341 seg.
— 27 —
forme de Vapropriation ã'un patrimoine aux interêts et aux buts
de personnes inãeterminêes... »
5B
As citações feitas bastarão, sem duvida, para dar inteiro
conhecimento da doutrina, que confunde ou identifica a pessoa
jurídica com a pessoa physica ou natural.
O que importaria agora, era demonstrar as razões, por-
ventura, existentes contra a verdade de semelhante doutrina.
No intuito, porém, de evitar a repetição de argumentos, igual-
mente applicaveis á uma outra theoria da não-existência da
pessoa judica, e da qual temos também de occupar-nos; deixa-
remos, para mais adiante, a apreciação ou critica das idéas, de
que vimos de fazer menção.
11. —SEGUNDA THEORIA. Aventada por Brinz,
66
e logo
applaudida por Bekker,
57
na Allemanha, e depois seguida por
outros escriptores de merecimento, a theoria de que vamos tra-
tar ensina: —que não ha mister de inventar a chamada pessoa
jurídica para bem explicar as relações de direito que lhe são
attribuidas; uma vez que os direitos e as obrigações concernen-
tes podem existir sem a necessidade de terem um sujeito...
Ao encetar a publicação da sua obra "Pandekten" em 1857,
Brinz lançara no Prefacio (Vorrede) o ousado conceito, desde
logo tornado celebre, de que « a pessoa imaginaria pertencia
tanto â doutrina das pessoas, quanto o espantalho á doutrina dos
55
Ibidem, p. 346.-Entretanto, será talvez opportuno dizer, que o
próprio Jhering não deixara de reconhecer a necessidade da pessoa ju-
rídica, muito embora como simples ficção, para o fira de acautelar, prin-
cipalmente, os direitos de terceiros, que tivessem de tratar cora as associa-
ções ou commun idades... Loc. cit. § 65 p. 215..
M
Brinz, Pandekten, (1857-1871).
57
Bekker Zur Lehre von Eechtssubject (no Jahrbttcher fur die
Dogmatik, XII, 1873); Idem, System des heut. Pandéktmr. (1886-1889).
— 28 —
homens. * Die geãachte Person ebensowenig in die Lehre
von ãen Personen gehore, wie die Vogelscheuche in die Lehre von
ãen Menschen.E mais tarde, (na segunda edição da referida
obra), apresentando de modo claro e preciso as razões em que
apoiara o seu pensamento sobre a matéria, não só, sustentou,—
tirando argumento dos textos romanos, que a pessoa imaginaria
(geãachte Person) não passava, effectivãmente,! de um
património sem sujeito (in Wirhlichkeit, ein personen-loses
Vermbgen vorlianden sei), mas ainda,—que era patente a
necessidade de distinguir os dous patrimónios : — o que tem um
sujeito determinado "Personen-Vermogen", e o que, em vez de
um sujeito, tem apenas um fim determinado "Zweck-Vermogen''.
^
Em outros termos, quer isto dizer: que é uma preoc-
cupação inútil, descabida, a que pretende distinguir as pessoas
em naturaes e jurídicas, quando, alias, o que realmente existe é:
ou indivíduos, sujeitos de direitos ou bens, que lhes
pertencera; —ou cousas, isto é, patrimónios, que pertencem a
um fim especial, e, por isto, capazes de direitos por si mesmos,
independentemente da condição de haver uma pessoa, real ou
fictícia, que lhes sirva de sujeito. « Les biens qui ont une affec-
tation determinée, un but special, (Zweekvermôgen) peuvent se
suffire juridiquement á eux-mêmes et jouer le role d'une per-
sonne. lis sont propriètaires d'eux-mêmes, SUIMET IPSIDS ; Us
peuvent être canciers, débiteurs; ils peuvent être acquèreurs,
alienateurs...»
50
Convém assignalar, que os partidários desta theoria, pre-
tendendo que as pessoas jurídicas, como o Estado, a Communa,
58
Brinz, Pandekten (1868), I, § 59, III. § 432 seg. Cf. Windscheid,
ob.cit.,§49,nota5;Michond,ob.cit.,p. 19 seg.;De Vareilles-Somraiéíes,]
ob. cit-, n. 262 seg.;—Giorgi, ob. cit., ns, 19; etc.
69
Vide: De Vareilles-Sommiéres, ob. cit., n. 263.
.— 29 —
as corporações, as fundações ou estabelecimentos de caridade,
nada mais o do que patrinios affectos a um fim determinado,
acreditam fazer um serviço & seiencia jurídica, substituindo
wm&phantasia, até agora admittida,—pela verdade das cousas,
como ellas o são realmente.
60
Nada de personificão de entes
abstractos. Ou o próprio bem destinado a um fim especial, ou o
simples fim especial do bem, bastam, por si sós, como sujeitos
dos direitos que lhes pertencem, activa ou passivamente...
Sobre o que, observa muito bem De Vareilles-Sommières :
E' claro que não custa mais, dar capacidade jurídica a um, do
que ao outro; pois tanto é extraordinário attribuir direito á uma
cousa, como a um fim, ou tanto a um fim, quanto á uma
cousa; havendo contra ambos os casos objecções de igual
força.
61
Em resumo, tal é a theoria, mais geralmente dita— '' dos
direitos sem sujeito ", e á qual Bekker procurou dar um novo
subsidio, fazendo uma distineção particular entre a disposição
(Yerfúgung) e o goso (Oenuss) dos respectivos direitos. A pri-
meira faculdade, pensa elle, não pôde pertencer, senão a um
ente dotado de vontade própria; a segunda, pelo contrario, de
pertencer,— tanto a um menor, um mentecapto, ou mesmo a
um animal, bem como, a um fim ou cousa inanimada.
62
Conse-
quentemente, nada impede o dispor em favor de um animal ou
de uma cousa, desde que se providencie juntamente acerca da
administração do património destinado (ZwecJcvermogen); sa-
bido, como é, que o animal ou a cousa não podem ter, senão o
goso, e jamais a disposição do referido património.
68
Em uma
f0
Vide: Miohoud, loc. oit.; Windscheid, loc. cit., p. 190, nota ibi.
01
Ob.
cit.,n. 264.• r*. • 6a vide: Negulesco, Le Problême Juriãique de la
persotmalité morále, p. 46 ; —Miohoud, loc. cit.
63
Auts. e Iões. citados.
— 80 —
palavra, aos olhos de Bekker, é destituida de imporncia a
questão de saber, si o animal ou a cousa tem um sujeito de di-
reito : elles podem gosar de direitos; é quanto basta.
64
I lia. —De data mais recente um escriptor francez, M. Pla-
niol, abrando a theoria «dos direitos sem sujeito», a expõe,
todavia, de maneira differente,quanto ao modo de encarar os
bens ou o património em questão. Diz elle: « L'ie de la per-\
64
A theoria « dos direitos sem sujeito » tem sido adoptada ou sus-
tentada na Aliem anha, além de Bekker, pelos seguintes: Demelius, Die
Mechtsfihtion, p. 79, 82 e 85 (1858), e no Jahrbucher fur die DogmatUc,
(1860); Kõppen, Lehrbuch des Erbrechts, p. 45; Hellmann, Das gemeine
Erbrecht der Religiosen, p. 87; Windscheid, Pandeckten, § 49 e nota 3, §
57, (Achte Auflage). —Na Itália: por Forlani, SulU persone artificioM o
giuridiche, (Archivo Giuridico, VII); Bonelli, Di una nuova teoria delia
personalitâ giuridica (Revista Italiana per la scienga giuridica, IX).— NaJ
França, o autor geralmente apontado, como partidário da theoria referida, é
Planiol, (Traité Elementaire de droit civil), cnjas idéas damos no texto.
Talvez fosse de razão incluir, igualmente nesta nota, a Leon Duguit, (VEtat,
le droit objectif et la loi positive, Paris, 1901), o qual nega syste-
maticamente a existência das pessoas jurídicas, isto é, de todo e qualquer
sujeito de direito. Diz elle: « Hs ne voient ãans le droit que le rapport de,
deux sujets de droit, de deux personnes. U faut ãone créer ces sujeis de droit,
QTJAND DANS LE FAIT ILS N'EXISTENT » (OD. Clt. t. I, p. 8). — En fttisantl
du droit un pouvoir subjectif appartenant â un sujet de droit, on est for-\
cément amené á voir partout des rapports entre sujets de droit, et on fait
de VEtat un sujet de droit, en personnifiant arbitravrement la collectivité;
on édifie ces theories artificieUes et caduques qui provoquent á juste titre les
railleries des sociologiques et des philosophes (Ibidem, p. 13)... *Des hom-
mes qui ont eonscience deux-mêmes, qui pensent, qui veulent, qui agissent
en vue d'un lut conscient, voi les seules realites du monde social (Ibidem,
p. 29). —E mais adiante: *Avec notre point de départ, tout s'explique sans
postulat á priori, sans hypothese, sans fiction. Nous croyons avoir établi que
toutes les fois quHUy-a un acte de volante individuelle determinei par un
but de solidari sociale, ilit pour une certaine vólon le pouvoir d?as-surer
la réálisation de ce resultai, il naít pour une certaine autre lonté le ãeroir
de ne rien faire s^opposant á la réálisation de ce sultat, et, si cela se peut, d'y
travailler activement; il naít pour le gouvernement, «'ií eriste, le
— 31
sonnalité Jictive est une eonception simple, mais superficielle et fausse,
qui cache aux yeux la persistance jusqu'á nos jours de la proprieté
coUective á cote de la proprieté individuelle. Elle rite \ã'être
abandonnée. Sous le nom de « personnes civiles» il faut donc entenãre
Vexistence de BIENS COLLECTIFS â Vêtat de masses ãistinctes, soustraites
au regime de la proprieté individuelle. Par consequent, CES PRÉTENDUES
PERSONNES n'en sont pas même
ãevoir (Temployer la force á Vobtention ãu bui qui a détermie Vacte de vo-
lonté. Voilá tout, voilá le fait, tout le reste n'est que fiction,.. Mais trou-
vons nous ce ptenâu rapport de droit ? Pourquoi vouloir déterminer les sujets,\
termes de ce rapport, lesquels ríexistent pas ? (Ibidem, p. 179-180)...
«On discute depuis ães siècles et on discutira encore longtemps sans s'en-
\tendre, la personnalitcdes collectivités, parce que cette per sonnalité n'exit te que
ãans Vesprit de ceux qui discutent: controvertes verbales vaines et sans profit. »
(Ibidem, p. 193).
Mas, precisamos dizer, o importante trabalho de Duguit não tem por
objecto o estudo da pessoa jurídica; é uma obra de esforço intellectaal sobre
questão muito mais vasta, na qual o autor, afirmando o facto da soli-
dariedade social ou humana, procura fundar um systema completo do « Es-
tado, do direito objectivo e da lei positiva »,— começando por declarar, que o
seu intento é, antes de tudo, fazer uma obra negativa, (nous voulons faire
\en avant tout une ceuvre negative...) Para elle: o Estado não é essa pessoa
collectiva ou politica, investida de um poder soberano; o direito indi-
vidual é pura hypothose ; o direito é social, exclusivamente social, mas
sem ser um poder da conectividade, assim como, não é um poder do indivi-
duo. .. E possuído destas e outras idéas e princípios análogos, aos quaes
Duguit o mais largo desenvolvimento, pretende assentar as bases de
uma nova doutrina, segundo a qual, todo o acto da vontade individual con-
sciente, conforme ao fim da solidariedade, deve ser recebido, como creador
de uma situação de direito; por consequancia, o individual e o collectivo
não se distinguem...
Comprehende-se, que a apreciação de pensamento o vasto não pode-
ria caber nos estreitos limites do nosso presente trabalho, e, menos ainda,
nos de uma simples nota. Si nos referimos ao illustre autor, é porque elle,
ao afíirmar a não-existência das pessoas jurídicas, se declarara feliz por
poder invocar, a respeito, a autoridade de M. Planiol, a quem também por
nossa vez mencionamos, como um dos partidários da theoria " dos direi-
tos sem sujeito ". — Vide: Duguit, ob. cit., t. I, caps. I, II, III.
^ ***** '.** • ^ 'jt
3
£
d'ime maniére fictive*; ce sont djsschosespossees par deshommes.
rGette verité a defâ êtê aperçue pav -ffiffèrents auteurs .-.*.Mais ils
ne Vont vue que d'une maniére incomplete- ils se sont tous bornes
â émettre une negation, sans se preoccuper de rien mettre á la\
place; U est cependant nécessaire de remplacer le mythe de la per-\
sonnalité par une notion positive, et celle-ci ne peut être que la
proprieté collective, c'est-á-dire, le biên ã'un groupe d'hommes.
65
Como se vê, aquillo que, para Brinz e outros, se chama ' bem ou
património com um fim especial", capaz de direitos,
independentemente de um sujeito, é, para Planiol, a propriedade
collectiva, a qual não deve, aliás, ser confundida com & proprie-
dade indivisa, conforme observara desde logo o citado autor.
66
12.— CRITICA DAS THEORIAS. Brevemente expostas, como
foram, as duas theorias, que se propõem demonstrar, ou a não-
existencia da pessoa jurídica, ou a desnecessidade, a inutili-1
dade, dessa existência ; cumpre agora apreciar o valor ou pro-
cedência das principaes razões, em que as referidas theorias se
apoiam. Antes de tudo se poderia dizer: si, para resolver sobre a
questão, bastasse attender â verdade dos factos, que se des-
dobram aos olhos de todos, a refutação de taes theorias estaria
feita de modo cabal e completo; porquanto a pessoa jurídica
existe e age por toda a parte, como ente distincto, assim reco-
nhecido na ordem jurídica, na qual a sua existência é reputada
necessária aos fins e interesses diversos da collectividade social.
Começando pela theoria, que supprime a pessoa judica em
proveito exclusivo das pessoas physicas ou naturaes,—nãopre*
[-fr -------------- i ----
65
M. Planiol, Traité Elem. de droit civil, n. 1967 (ediç. de 1901).
86
Ob. cit., n. 1953. A Propriedade Collectiva, de que trata o autor,
«ó um estado particular da propriedade, tendo em si mesma o seu fim e a sua
razão de ser; » é uma espécie de entidade jurídica,proprietária de
si mesm/t, capaz de contractar, adquirir bens, créditos, obrigações, «te.
f
?
" 33 — £., .
cisamos mais, do que fazer, uma simples'consideração, para
derrocai-a: que, nas associações dotadas de personalidade,
sejam ellas necessárias, como o Município e o Estado, sejam
convencionaes, como são as sociedades particulares de fim eco-
nómico ou ideal, existe sempre è prevalece inevitavelmente, como
condição da própria associação, um interesse collectivo, sabi-
táamente diverso dos interesses individuaes das pessoas pby-
sicas (ás vezes concurrentemente com pessoas jurídicas) que as
compõem.
67
, Com relação ás pessoas jurídicas do direito publico, o
Estado ou o Município, é manifestamente descabido afirmar
que, carecendo ellas de existência distincta das pessoas pbysicas
singulares, —são estas, e somente estas, os proprietários únicos
de todos os direitos pertencentes áquellas; podendo, conseguin-
temente, usar e dispor, individualmente, de taes direitos (nos
quaes se inclue o património do Estado ou a fazenda publica),
como bem lhes pareça! Qui suo jure utitur, neminem lasdit...
Com relação â associações particulares ou pessoas jurídicas
do direito privado, efiectivãmente revestidas de personalidade
própria, subsiste a mesma difficuldade. O que se dos factos,
das disposições das leis, ou dos estatutos das mesmas é: que
nellas não se igualmente essa supposta identidade ou con?
fusão dos direitos e interesses collectivos com os individuaes;
e para convencel-o, seria bastante attender á que, não raro, a
pessoa-associação apparece contraposta á pessoa-individuo,
sustentando, cada uma delias, pretenções ou acções, em juizo e
fora deste, por lesões de direitos, no todo exclusivos a cada um
dos litigantes, os quaes o considerados em situações oppostas
sob o ponto de vista do direito e dos interesses em conflicto.
Pelo que respeita ás fundações e outros estabelecimentos
pios causas, seria não menos descabida a identificação das pessoas
3
Miohoad, ob. cit., p. 27.
R. c.
— 34 —
individuaes com as desses institutos: 1) com a dos fundadores ou
instituidores, não: porque, não só na maioria dos casos já não
existiriam, como ainda, porque são sempre elles os próprios a se
despojarem do património, que instituem, se considerando na
posição de terceiros a respeito do mesmo; 2) com a dos be
nefieiarios, tamm não ; porque a estes não seria licito arro-
gasse a qualidade de proprietários ou sujeitos de direitos sobre
cousa, que não teve semelhante destinação na mente dos seus
ex-proprietarios, os fundadores ou doadores. Neste ponto, não se
pôde deixar de notar o equivoco de Jhering, dizendo que, nas
fundações, são os beneficiários, presentes e futuros, os sujeitos
reaes das mesmas.
68
Fácil será a demonstração: quanto aos
beneficiários presentes, seria confundir a instituição que presta o
beneficio, com a pessoa que o recebe,— erro manifesto; quanto
aos futuros, não poderiam elles ser considerados sujeitos de
direitos, pela simples razão de não terem ainda existência na
ordem jurídica.
Além disto, observa Michoud, não é preciso insistir, para
ver que essa theoria, que considera os indivíduos isolados, como
únicos e verdadeiros proprietários dos bens das instituições
(pessoas jurídicas) levaria á consequência, ás vezes, da xima
injustiça, senão, â rapinagem, de poderem elles dividir os mes-
mos bens entre si, destruída, ou não, a respectiva instituição. °
9
Não são, talvez, muito differentes os resultados, a que
pretendem chegar certos socialistas exaltados, —considerando
o Estado ou a Nação, como uma simples massa commum de in-
teresses individuaes justapostos, sem guardar nenhuma dis-
tincção entre os direitos da pessoa publica e os direitos das
M
Jhering, L'E*prit du droit romain, f 71, p. 345. Como se disse an-
teriormente, (n. 10)o jurisconsulto Seabra também sustentara igual opinião. *
Michoud, oh. cit, p. 38.
— 35 —
pessoas privadas, que no mesmo coexistem e se manifestam,
conjuncta on simultaneamente, aos olhos do direito...
70
Não é mister proseguir na critica de semelhante theoria.
13.— Passando á theoria "dos direitos sem sujeito"', a sem-
razão delia é tão evidente, que poucas palavras bastam para o
demonstrar.
Conforme as idéas, se pôde dizer, universalmente recebidas, o
que se entende por direito é um poder ou faculdade
(subjectivamente considerado) pertencente a um individuo ou
pessoa, de fazer ou de exigir que se faça determinado acto, ou
que se execute a prestação de uma cousa, certa, conhecida. E', como
se vê, uma relação entre um sujeito e um objecto. Supprimir o
sujeito, diz-se com toda razão, é destruir a relação jurídica, isto é, o
próprio direito.
71
Comprehende-se, bem ou mal, a doutrina dos que, negando a
existência da pessoa jurídica, encabeçam, no entanto, os direitos ou
relações jurídicas da mesma nas pessoas naturaes somente; muito
embora dita doutrina seja insufficiente para explicar a verdade real
dos actos e factos, que se passam quotidianamente na vida jurídica.
Mas uma doutrina, que ensina a existência do direito sem a
dependência de uma pessoa, que seja sujeito do mesmo,—
70
Giorgi, na sua definição da pessoa judica inclue :—*in quanto é dis
tinta dai singoli individui che la compogono; e dotata delia capacita depossedere,
edi esercitare ADVERSUS OMNES i dirittipatrimoniali. » Pela primeira propo
sição quiz accentuar a autonomia jurídica da conectividade, como pessoa
distincta dos indivíduos, conceito este, que o direito romano havia expri
mido com grande precisão, dizendo: "universitas distat à singulis". Pela
segunda proposição, insistira nas consequências dessa distincçao entre as
duas pessoas,—citando também a respeito a linguagem do mesmo direito
romano: quod universitati ãébetur, singulis non debetur; quod universitas
debet, singidi non debent (Ob. cit., n. 24, p.Gl).
71
Négulesco, loc. cit. Cf. Jhering, ob. cit., § 70, e nota 486, p. 317.
— 36 —
apenas enunciada,—não pôde deixar de ser desde logo repeli ida,
visto envolver uma simples contradicção nos próprios termos...
"Súbjecflose Rechte sind ein Widerspruch in sich selbst."
n
A pessoa ou sujeito de direito é uma necessidade gica da
própria concepção ou idéa fundamental do direito.
n
Baudry-Lacantinerie, referindo-se â esta questão, escre-
.vera: Brim iãentifie la personne morale avec le patrimoine. La
personne morale est une chose, une masse des bie-ns affectée à
un but...
« H nous semble impossible de concevoir un âroit sans sujet
actif ou pa8sif, et nous comprenons difficilement Vutili de la
substitution de la fiction du patrimoine, entité juriãique, à la
fiction de la personnalité juridique...»'*
Com eíteito, ajuntaremos de nossa parte : a theoria da
ficção da pessoa jurídica e a da cousa personificada, si assim po-
demos dizei-o, se valem igualmente; o duvidando, todavia,
confessar, que a primeira soa melhor; porque, em todo caso,
suppõe a existência de um sujeito, ao qual a cousa ou o direito
pertence. E esta consideração é de tal força, que Planiol, não
obstante a sua franca adhesão ã doutrina ensinada por
w
Gierke, Dasdeuísche Genossenuchaftsrecht, § 29 (1868-1881).
" Salkowski, Bemerkungai zur Lehre von deu juristischen Personen
(1863); Ci*. Bohlau, RechtMubject und Pereonenrollc (1871):Zitelmann,
Begriffund Wesen der fsogenannten jur. Perwnen (1873);~Bolze, Begriff
der jur. Per** (1879); Jhering, E$prit du droit romain, t. II, 160-01, e
no Jahrbfícher fiir die Dogmatik, X, p. 399 e 408 seg.
láeurer accontáa: Die Theorie der mbjeHloscn Rechte ist falseh; *ie
i$i, iríe Eieete (Ueber das Reehtsverhàltniss der retpabllcfe In publico UM>,
p. 23) einmal trcffend sagt —eme CONTRADICTIO IN ACIBCTO"Der Begriff und
\die EigenthUmer der heWgen Sachen zugich eme Revieion der Lehre von dm
Ijurigtmhm Pasonen", | í». — 1885. -Cf. Wíndacheid, ob. cit., p. 188-891
e notas Ibl.
"* O. Baudry-Lacantinerie, Préck de droit civil, nr. 104-107 (*•
edie. 1901).
— 37 —
Brinz, como decorre inevitavelmente das suas próprias pala-
vras, apressou-se, comtudo, em negar
75
que elle houvesse ja-
mais admittido « a existência de patrimónios sem dono »; quando,
alias, outra cousa não é, nem pode ser, a consequência legitima
do que elle próprio ensina na sua citada obra...
13 a. Occorre ainda, que a theoria «dos direitos sem
sujeito », ou antes, dos « bens e cousas sem um dono », torna, como
é intuitivo, por demais precária a sorte das associações e funda-
ções particulares, qualquer que seja a utilidade do seu objecto e
fins. Desde que se trata de direitos e de bens, que não têm
pessoa que os represente, possua e defenda—jure próprio, a
consequência inevitável seria ficarem sujeitos a ser conside-
76
Vide: Planiol, loc. cit., ns. 1966,1967 e 1992.—Em nota ao n. 1955
(edic. de 1901) o mesmo autor observa:—Onm'a enrole sous la bannière de
Brinz et on m'a fait ãire que j'mettais Vexistence de patrimoine sans vnai-
tre (Négulesoo, these, p. 13 et 146). Rien n'cst plus éloigné de ma pensée.
Propriecollective signifie poxw moi «proprieté soumie à un regime autre
que célui de la proprieté individuell, mais non pau «proprie sans maitre»,
formule qui m'a toujours paru un non-sens appliquée á des choses qui ne sont
plus â disposition du premier occupant. Ce serait bien plutôt la ãoctrine
tritionelh qui aãmettait des patrimolnes sans maxtre, puisqu'elle les attri-
bue a un être qui ri existe pas. Pour moi la personnali fictive n'est pas une
addition â la classe des personnes; c'est une manière de posseâer les biens en
commum, dest UNE FORME DE PROPRIETÉ.
Por nossa parte confessamos ingenuamente, ou não termos entendido a
explicação de Planiol, ou então, que a mesma serve, apenas, para confirmar
que elle adraitte a existência de uma propriedade sem dono, a despeito da
sua replica em contrario. Que forma de propriedade, que maneira de pos-
suir bens em commum, é esta? Bi é pro-indiviso, certo, os donos o os
indivíduos da communhão existente, a qual se fará propriedade individual
pela acçãocommuni dividundo; mas, si assim não é,—oomo explicar o
dono à&propriedidecollectiva? Demais, o autor citado disse textualmente:
< Sob o nome de «pessoas civis» se deve entender a existência de bens
collectivos... »—Semelhante contradicção havia sido apontada porL.-Du-
guit, cujas idéas na matéria não são, aliás, essencialmente differentes das
de Planiol.— Duguit, loc. cit.,p. 193, nota;— Hic, nota 64 retro.
— 38 —
rados res nullius; cabendo, portanto, ao Estado dispor a respeito
deiles, como melhor entendesse, em vista do interesse publico
eu privado.
76
I Apreciando a tbeoria por este lado, escreve Micboud: «&U riy
a pas de sujei, D'AYANT DROIT, qui VEtat trouverat-il en face de
lui, pour les defendre ? J'entenãs bien qu'il y ale but, et que
VEtat ne pourra s'emparer des biens qu la condition de
conserver leur affectation. Mais du moment qu'aucune personne,
autre que lui-meme, ne tend a atteindre le but, qui VempêcJiera
ã'y renoncer et cVemployer les biens à tout autre object ? Gest lui
dans ce systême, qui reste le maítre souverain de Vaffectation;
les personnes physiques qui ont créè le patrimoine de la personne
mor ale, qui Vont veloppê, qui ont propo ce but à son activité,
sont purement et simplement êvincêes, mises de cote comme si elles
\rio,rista'mitpas. Le lien entre le droit et les personnes trouve
rompu. II y a ã'un côté des droits sans sujei, un patrimoine sans
maitre, dont VEtat pourra s'emparer sans que personne puisse
dever une contradiction legitime; de l'autre, une Corporation sans
patrimoine, un ensemble de personnes dont Vimmixtion dans
Vadministration des biens ne será tolérée par VEtat, gu'au-tant
qu'il la jugera utUe. Cest la main-mise de VEtat sur touts les
patrimoines ayant une destination superieure à Vutilitê par-
ticiáière de Vindividu; c'est le monopole de VEtat pour tout
object cVutUirale, ou me collective. »"
Ontra não é a linguagem de Vautbier na sua importante
obra sobre as pessoas moraes: «Nous disons que ces theories
ont leurs cotes inquietants, parce que elles recèlent après tout des
"° Semelhante doutrina, applicada porventura ás orána rdigionan no
Brasil, depois do decreto de 7 do janeiro de 1890, farto entrar, talvez, ama
omrua assas considerável para os cofres do Thewouro Nacional!... Feliz-
mente, porém, esta n&o é, nem a lei, nem a jurisprudência do paiz.
n
Michoud, toe. cit.
— 39 —
conséquences plus graves que ne le paraissent supçonner leurs
auteurs. S"il est de Vessence d'un bien d'appartenir à un but, la
proprieté individuélle et les droits qui en ãerivent, et le fameux
\jus utendi et àbutenãi accorau propriétaire, tout cela aura
quélque peine à se justifier. N'est ce pas lá, au fona, ce que
soutient Xe socialisme! »
78
Estamos certos, de que não é preciso dizer mais, em des-
abono de tkeorias, que, embora expostas sob a apparencia de
razões scientificas, se mostram, todavia, em contradicção evi-
dente com o próprio objecto da sua applicação immediata.
Concluindo, pois, nosso pensamento, o resumiremos nesta
simples formula: emquanto o direito r a faculdade de agir, elle
requer inexoravelmente um sujeito distincto, ao qual pertença
semelhante faculdade.
70
§ 4 A PESSOA JUDICA É UM ENTE REAL?
14.—Uma doutrina importante, diz De Vareilles-Som-
mières, pelo numero e valor dos seus adherentes, ensina aber-
tamente « que a pessoa moral é um ente real, e o somente
real, mas natural, não devendo à lei, nem a sua capacidade
nem a sua vida. Á lei pode moderar esta capacidade, mas não a
dà.
80
Esta doutrina (continua o autor citado) differe profunda-
mente da precedente, a qual apresenta, ã principio, a pessoa
moral como uma pessoa fictícia, depois faz delia subrepticia-
mente um ser real, mas um ser real artificial, de creação legal,
ou, pelo menos, um ser natural de capacidade artificial».
n
78
Vauthler, ob. olt.. p. 273. -a
Vide: Qiorgi, ob. cit., n. 19, p. 82.
80
De VareiIles-Soramiérea, ob. cit., n. 146.
n
Ibidem, ns. 126, seg.; signanter, n. 187 seg.O autor refere-se, no
trecho supra, á theoria da ficção, ensinada pela escola.
— 40 —
O que diz De Vareilles-Sommiéres indica apenas a dou-
trina em sua afirmação dogmática. Na demonstração, porém,
dos seus fundamentos, on fallando mais positivo, do substractum
da pessoa jurídica, real, natural,—divergem grandemente os
próprios partidários, mais notáveis delia.
Primeiramente applicada na Allemanha por Bluntschli
82
e
Schaeffle
83
á pessoa publica do Estado,— a nova doutrina fora
depois exposta, sustentada e ampliada igualmente ás pessoas
jurídicas do direito privado, notadamente, ás associações on
corporações.
84
Muito embora a traços largos, damos em seguida uma breve
noticia acerca dos seus principaes aspectos e argumentos.
82
Bluntschli, Allgemeines Staatsrecht,— Munchen, 1851.
83
Schaeffle, Bau und Leben des Socialen rpers,—Tubingen, 1875-76.
84
Os autores mais conhecidos, que tem adoptado e ensinado a theoria
da pessoa jurídica, real, natural, são: Beseler, Volksrecht und Juristenrecht.
1848 ; Idem, System des deutschen Privatrechts, 1878; Zitelmann, Begriff
und Wesen der sogenannten juristischen Pernonen, 1878; Meurer, Der Be-\
griff und Eigenthumer der heiligen Sachen, zuyleich eine Bevision der Lehre
von den juristischen Personen, 1885; —Gierke, Die Oenossenschaftstheorie und
die Rechtsspreckung, 1887;— Regelsberger, Pandekten, 1893: Fisichella,
Sulla realitá delia persona giuridica, 1885; Fadda e B. Bensa, Diritto
delle Pandette, 1887; Espinas, Les societés animales, 1877; Fouile, La
Science Sociale contemporaine, 1886; — Terrat, De la personnalité morale,
(Rapport presenteau Congrés intern. des savants catholupies, Pribourg, 1897);
Saleilles, De la amoáation dons le nouveau droit alUmand, 1899;—Epinay.
De la capacite' des associalions formées sane but lucratif, 1899; Hauriou,
De la personnalité comine élément de la réali sociale, 1898;—Idem, Leçons
|nr le mouvement social, 1899; L. Michoud, La notion de personnalité
morale, 1899.— Pode-se também ver a este respeito: Windscheid, oh. cít.
8 4V seg. e notas; -Saleilles, T. de lObligalion, p. 395; lflchoudpDe la
rewponeabitité de VElat, (Becue áu droit pubHc, t, 3 p. 414 eg.);~l )a
Vareilles-Sommiéres. ob. cit. ns. 146 sg.; —Bernatzik, Archiv filr òffml.
lickes Becht, t. v, 1890;—JelUnek, System der õ/fentlichen subjectwen Bechte.
1892, - BlimeUn, Methodisekm «Ur juristiêche Ptrsonen, 1891; - Idem,
ZteerlcvetmSaen und Gewmenscliaft, 1892; etc, etc.
— 41 —
15. Dado o grande desenvolvimento, parallelo ou simul-
tâneo, das sciencias natnraes e sociaes no ultimo século, a pre-
tenção de generalisar e applicar as leis peculiares das primeiras
dessas sciencias às segundas tornou-se a preoccupação de
certos espíritos, aliás, de superioridade irrecusável. Começou-se
a doutrinar, que a sociedade geral, assim como as associações
particulares, formadas no seio delia, eram verdadeiros corpos or-
gânicos, cheios de vida ppria, e o reaes, como os outros seres
vivos, que se encontram individualisados na natureza physica
do Universo.
Ora, não é preciso dizer que, fazendo-se a applicação de
taes princípios ã porção da vida social, que constitue a ordem
jurídica, ama consequência lógica levaria a considerar igual-
mente as chamadas pessoas, moraes ou jurídicas, no mesmo pé
de exisncia real, que se reconhecia às pessoas physicas, a dizer,
os entes humanos: foi o que se deu efiectivãmente. Os partidários
da theoria do organismo social viram, e desde logo affirmaram,
que na sociedade geral, e em cada associação particular, ha com
effeito uma personalidade collectiva, formada dos indivíduos, uni-
dos entre si de maneira análoga, senão, idêntica à das cellulas
num corpo vivo.
85
A sociedade tem tecidos, órgãos, um rebro, e
um systema nervoso, como qualquer outro organismo vivo;
conseguintemente, ella de inanifestar-se,e realmente se mani-
festa, por actos da própria vontade, como qualquer individuo.
h(i
85
Os autores, segundo dissemos no texto, estendera a sua pretenção
scientifloa, tanto á sociedade era geral, como às de fins especiaes, notada-
mente, o Estado, como pessoa collectiva real.
"Vide:Negulesco, ob. cit,, p. 31. Cf. J. J. Rousseau,Encychpsdie,
verbum Economiepolitique; Id. Contraí Social, 1.1, chap. 6
o
, e l. XI, ohap. 3»;
Pouillée, Science Sociale Contemporaine; René Worms, Organistne et
Société; Noviçow, Conscience et volonté sociale; todos os quaes procuram
demonstrar, como verdade phllosophica, que a sociedade, geral ou particular,
constitue verdadeiros organismo* de vida própria.
— 42 —
A nação (Votie), diz Bluntsehli, é uma communidade de
homens, unidos e organisados em Estado... Sem Estado, não ha
nação, e sem nação, não ha Estado... O espirito e a vontade da
nação não se confundem, por forma alguma, com a somma das
vontades individuaes; são por seu objecto e por seus órgãos, o
espirito e a vontade do Estado... As nações, seres orgânicos, o
sujeitas, como taes, ás leis naturaes da vida. A sua historia offe-
rece as mesmas idades, como a vida dos indivíduos. As forças
naturaes, as faculdades, a imaginação, as necessidades de uma
nação são umas na sua infância, outras na sua velhice. . .
87
I E,
possuído de taes idéas, o illustre autor, depois de haver
affirmado, que no Estado ha um corpo, um espirito, uma vontade,
e órgãos, necessariamente ligados numa mesma vida
88
, o
duvidou ir além,... chegando mesmo a declarar que o Estado é
de natureza masculina, como o homem, e que a Igreja o é de
natureza feminina !
80
15 a.—Entretanto, por mais valiosa que seja a autoridade
daquelles, a cujos conceitos vimos de alludir, relativamente ao
organismo das associações humanas, sejam de caracter publico
ou privado,—em nosso ponto de vista actual entendemos, que não
ha necessidade de oppôr-lhes ama refutação directa, fazendo a
analyse detalhada dos fundamentos, em que taes conceitos se
apoiam. A inadmissibilidade da theoriase patentêa dos próprios
factos, que caem debaixo da simples observão commum.
w
87
Bluntsehli, Thcorie Gén/rale de VEtat, l. 11; p. 76. w
Ibidem, l. I, p. 15.
Ibidem, p. 19. Oiorgi, (ob. oit , nota á p. 41), procurafMo de
fender a Bluntsehli, adverte, nao sabemos si com razão, que o referido
autor falia de MIM organinmo ethico ou judico, e nfto de um organumo phy-
tico, como pretende a escola de Bhaefflo.
* Vide: Michoad. ob. eit.. p. 80 seg. Este autor foz uma analyse
rápida, mas clara e bastante, da theoria do oryaniêmo metal.
— 43 —
Que importa si, procurando cotejar certas semelhanças de
phenomenos, vemos afflrmar que— os homens, «cellulas dos
organismos sociaes» fazem no mecanismo da volição social o
mesmo papel, que as cellulas do corpo humano no mecanismo da
volição individual;
9l
quando aliás, ninguém ignora que, desse
jogo de-palavras, não resulta cousa alguma de real ou positivo,
que corresponda á o ousada affirmão? o basta, que se diga
ou se pretenda, que toda sociedade humana êum ente orgânico,
como o os seres vivos da natureza; é preciso demonstrar que,
efectivamente, assim o é; e com certeza, uma tal demonstração
não foi, nem será jamais feita. Não se nega, diz o professor Mi-
choud, que possa talvez haver alguma utilidade, a titulo de me-
thodo scientifico, em adoptar um systema de comparação entre
as sociedades e os organismos biológicos, e é o mais, 'que se
pede conceder â semelhante theoria; mas, fazer delia uma doutrina
capaz de explicar os problemas da vida jurídica, não, nunca. E
para que isto prevaleça, não ha mister insistir, por meio de
argumentos particulares, contra os pontos fracos da doutrina
naturalista; porquanto, muito embora os seus partidários se
proponham fazer da associação uma pessoa tão real, ou
natural, como o ser humano, a verdade que se verifica é : que
os mesmos, mutato nomine, nada mais nos oferecem, do que uma
nova escie de ficção, no todo semelhante áquella, que já
tivemos occasião de combater,— por contraria â verdade das
pprias cousas, quaes se passam na ordem jurídica.
02
91
Ibidem.
93
Será conveniente dizer aqui, que essa doutrina do organismo social
foi fortemente combatida no Congrès de Vlmtitut International de Soáologié
(Annales de 1'Inst. Int. de Bociologie, 1896 e 1897), e que entre os seus
adversários mais distinctos se contam no momento:Starke, autor de La
Ifamille primitive; Stein, director do Archiv fUr Geschichte der Philosophie;
Boistel, autor da importante obra Philosophie du Droit, recentemente pu-
blicada, e o grande sociólogo Tarde, o qual demonstrou, de maneira irres-
pondivel, a inutilidade da mesma doutrina. Vide: Negulesco, ob. cit.
— 44 —
16.—Doutrina, também relativamente moderna, e sem
duvida, mais merecedora de toda attenção e exame, é a que, a
farinando a realidade àa pessoa jurídica, procura demonstrar,
que ella tem igualmente uma vontade própria, distincta, como a
das pessoas physicas; donde a sua denominação particular de
"theoria da vontade" (Willensiheorie), pela qual é geralmente
indicada.
Esta doutrina não vae, como a precedente, até o ponto de
pretender que a corporação ou sociedade seja um organismo
idêntico aos dos seres naturaes; contenta-se em ensinar, que um
conjunto de indiduos, unidos organicamente, torna-se um novo
ente real, distincto dos indivíduos que o compõem, mas tendo em
si a qualidade commum a todos esses indivíduos. Tal é o seu
principio fundamental, formulado seientificainente deste modo:
Si duas grandezas A e B se reunirem pura e simplesmente,
ellas não formarão por isto uma individualidade nova, e a sua
reunião daria simplesmente A+B. Mas, si â reunião das duas
grandezas se juntar uma força de unidade orgânica, A e B
formarão uma terceira grandeza C, di Aferente de uma e de
outra, mas com as qualidades communs á A e B. Esta terceira
grandeza não tem uma existência fictícia, mas tão real, como a
das suas partes componentes. A formula do princípio será pois:
A -f B = C, por opposição a: A -f- B = = (.á -f- B).
m
Este C
synthetico, ainda que igual a A + li analytico, con-stitúe, no
entanto, uma quantidade inteiramente nova; representa, para
usar da linguagem consagrada, o momento da unidade na
pluralidade
M
.—Surge daqui um ente, que se distingue pela
faculdade própria de querer, consequentemente, capaz do
68
Tal é a maneira de que se serve Michoud para exprimir, em poucas
palavras, a idéa fundamental de Zitelmann e Meurtr: um, considerado como
o primeiro expositor da nova doutrina; e o outro, como qnem Ibe dera, de-
pois, novos e mais precisos desenvolvimentos. — Michoud, ob. cit., p. 86.
M Giorgi, ob. cit, t. L n. 20.
— 45 —
direito subjectivo, e o qual, pretende-se, nada mais é, do que
uma modalidade da vontade...
Diz Meurer: Juridicamente fallando, o homem é, de facto,
sujeito? Não-, o direito é a faculdade (ou possibilidade) de
querer... Sujeito de direito não é o homem, mas a vontade hu-
mana. Conseguintemente, resta uma questão,—a de saber, st
as associações.e fundações tem uma tal vontade capaz de direito.
E neste ponto, accrescenta Meurer, fazemos inteiramente nosso,
o modo de vêr de Zitelmann. Juristiscli gesproehen, ist der
Mensch loirjclich Súbjeet ? Nein; das Becht ist Wollendurfen...
RechUsubject ist nicht der Mensch, sondem der menschliche Wille.
Es ist also nur die Frage haben die Corporationen und Stif-
tungen einen solchen rechtstragenden Willen ? Und hier. sind wir
auf den Purikt angelangt, wo wir die Zitélmãnnisclie Auffas-
sung ganz zu der unserigen machen hõnnen.
9b
Agora, qual seja esse modo de vêr de Zitelmann, alludido
por Meurer, não se ignora: para elle. assim como para os
partirios da sua doutrina em geral, "o direito subjectivo é a
própria faculdade de querer, reconhecida pelo direito."
95
*
Disso, que uca dito, se que não ha muita clareza nas
razões expositivas da Willenstheorie. E contra ella, alem de
outras objecções se tem observado : 1.° que não se pode conce-
ber um ente, que nada mais é, do que uma vontade, a dizer,
constituindo esta, por si só, o próprio ente; 2.° que, admittir a
vontade como faculdade independente dos indivíduos, que a tem
sentido e externado, é affirmar uma espécie nova de vontade,
sem substancia, isto é, sem um sujeito que a exercite; etc, etc.
96
95
Meurer, ob. eit., p. 73 seg.— Cf. Giorgi, loc. cit.
96
* Vide: Negulesco ob. cit., p. 30. D
96
Vide: Michond, loc. cit., p. 39 seg. Cf. Negulesco, loc. cit.; De Va-|
reilles-Sommières, ob. cit., ns. 163-173; Giorgi, loc. cit.; Duguit, loc. oit.,
p. 154-165, etc.
— 46 -*l
A. procedência destas objecções é, por si, manifesta.
Relativamente ao ente-fundação em particular, no qual,
segando Zitelmann, a vontade, sujeito de direito, é a do pro-prio
fundador, qne subsiste objectivada ou crystallisada em uma
obrigação permanente, se offerece ainda ama outra objecção
peculiar, cuja força nos parece irresistível. Objecta-se, com
effeito: que uma vontade separada do homem não pode ser um
sujeito de direito; ella não tem força, senão, como faculdade de
querer; como " serie de volições successivas", não a tem.
r
'
«La volontà staccata dalVuomo, insiste por sua vezGiorgi,
é una astrazione che non si trova ai mondo; mentre la volontá
effectiva stá sempre unita e ahituata agli organi corpórea, perche
ê Vuomo... Queste stravaganze sono il frutto di teoriche faobricate
nél morto silenzio dclle biblioteche, o nelle discussioni accademiche
delVaule scolastiche, sema guardare dl teatro reale e animato delia
vita civile... Sono sogni, enienfaltro che sogni; perdonabili, $e\
chi gli insegna, non facesse poi la vo grosso contro U systema de
la personificazione, colpevolo non piú dei censori di prendere le
mosse da una finzione »
98
Certo, a pessoa jurídica não é um simples Jlatus voeis,
sem realidade no mundo social : sendo, portanto, de admittir,
como verdadeiro, o conceito de Zitelmann e dos da sua escola,
de que o ente collectivo. universitas, constitue um sujeito de
direito a par do individuo.
M
Mas, por se sustentar a razão de
semelhante conceito, não se deve esquecer a verdade das cou-
sas, e ir até ao ponto de dizer, que o ente physico é, mesmo,
cousa mpcrfiua, para que se possa realisar a existência da
pessoa jurídica...— Der juristische Pcrsonenbegriff erschupft
\*~- Michoud, Ob. cit.. p. 37.
M
Giorgi, loc. dt., o. 21. »
Ibidem, 00. 20 • 23.
— 47 —
sich im WUlen, und die sogenannten physischen Personen sind
fur das Becht nur juristisehe Personen MIT BINEM PHYSISCHEN
SUPBB.KI.U0M.
100
17. E' tempo, porém, de dizer que a doutrina da pessoa
jurídica real não tem a sua razão de ser, o seu fundamento, nas
duas theorias mencionadas,— a do organismo social e a da Wil-
lenstheorie; ella assenta em elementos mais sólidos, discutidos
e adoptados por antores de toda competência.
101
Seria impos-
sível dar, nos estreitos limites de que dispomos, ama noticia
satisfactoa de todos elles. Mas, como não poderíamos, d'outra
sorte, dizer por ultimo, qual a doutrina que nos parece pre-
ferível, ou a mais consentânea com a verdade dos princípios e
dos factos, sem referir-nos igualmente, ao menos per summa
capita, a certas opiniões e conceitos, ainda não indicados;
faremos, em seguida, breve resenha a esse respeito, preferindo,
dentre os autores, aquelles, que se mostram mais recommenda-
veis ao nosso particular intuito.
17 a. — Um dos partidários mais distinctos e decididos da
doutrina da pessoa juridica real é o professor Otto Gierke, .o
qual, explicando a natureza da associação, como sujeito de
direito, se exprime nos seguintes termos : « Die Moglichkeit
einer solchen Zeugung beruht auf der socialen Anlage des Men-
schen. Inâem der Mensch von Hause aus sein Dasein zugleich
ais Einzelleben und ah Oemeinleben fúhrt und empfindet, ver-
100
Metirer, loo. cit.
101
Além dos nomes indicados á nota 84, são partidários da theoria
da pessoa juridica real ou natural:—Hensler, Inst.des deutschen Privatrechts
(1885-86) ; Rosin, Das Becht der õffentlichen GenossenseMft (1886);
W. Wundt, Bthik (1886);—Klõppel, Staat und Geséllschaft (1887); Schuppe,
Der Bergriff des snbjectiven RecJits (1887). Vide mais: Gierke, ob. cit. ,1
notas ás paginas 5-8, 606 segs. e 906-908.
— 48 —
mag er seinen Willen zu spalten und dem Bereich dés FHrsich-\ seins
der EinzelwiUen ein Oebiet ihrer Verbundenkeit mm Qe-meinwillen
gegeniiber zu stellen. So producirt er gesellschafttiche rper, die
ein den Indiviãualwitten der Olieder gegenuber] selbstàndiger Wille
des Oanzen durchherrscht und zu einheit-lichen Leben befâhigt.»
102
São de assignalar doas typos de uniões (Verbandseinheiten)
segundo ellas se constituem, por forma social, ou por forma
institucional (ais genossenschaftliche und anstalUiche)... Dà-se o
primeiro typo, quando uma pluralidade de vontades crea de si uma
vontade central (einen einheittichen Willen), a dizer, as vontades
individuaes, que entram na união, se fundem em uma nova unidade
volitiva. Com o segundo typo succede, justamente, O inverso:
éuma vontade central, (einheiUicher Wille) que institue uma parte de
si mesma em uma pluralidade unificada (in eine hierdurch geeinte
Vielheit pfianzi). Alli effec-tua-se o nascimento regular de uma
associação ; aqui o de um instituto ou fundação. Entretanto observa o
autor, é também possível formar uma fundação por intermédio de
uma associação (Vereinigung), assim como, uma associação por meio
de uma instituição (Vera nstáltung).,.
103
Mas, formadas de um ou doutro modo, a associação e a
fundação são, para Gierke, pessoas jurídicas reaes, embora
102
Gierke, Die Qenoescnschaftêtheorie, p. 24 seg. Talvez nenhum
outro autor tenha combatido com tanta decisão e abundância do argu-
mentos a clássica theoria da juçâo da pessoa jurídica, como Gierke o faz
na obra citada. Bile começa por accentuar: *Den Kern der Genouerachaftê-
thvmh bildet die von ihr dem PIIANTOM DER PERSOXA FICTA entgegengcstellte
Auffasmng der rptrschnlt, ais RBALER GESAMMTFERSOV»; e, conseguin-
tendente, sustenta qne a associão ô nina pessoa eoUeetwa real, o como tal,
capaz de direitos, de vontade, e acção própria (Willetu und Handlungs-
fííhigu —Loccit.. p. 5, e 603 seg.
• Gierke, loc. dt.. p. 2:>-26.
w
— 49 —
de natureza collectiva (reale Gesammtperson); e, tratando par-
ticularmente da associação (que é o objecto especial do seu
livro), o illustre professor, não só, lhe reconhece a qualidade de
pessoa real, capaz de direitos, mas ainda, declara que ella é
capaz de vontade e acção, como qualquer pessoa individual.
" Die Kõrperschaft ist ais reale Gesammtperson nicht bios
reclitsfahig, sondem auch willens-und hanãlungs-fãhig".
109
*
Para o desenvolvimento externo da sua vontade e acção,
tem a pessoa jurídica-associação órgãos, individuaes ou col-
lectivos, que não são de confundir com os mandatários e pre-
postos em geral; porque aquelles, ao contrario do que se
com estes, resultam, como elementos activos, indispensáveis,
do próprio acto constitutivo da associação, isto é: o órgão da
pessoa jurídica (associação ou fundação) é creado, conjuncta e
institucionalmente, na própria formação ou organisação da
mesma. E dahi também a razão fundamental, porque a vontade
e os actos do órgão da pessoa jurídica, como tal, devem ser
tidos e considerados, como sendo a vontade e os actos delia
própria.
108b
O órgão é um- pedaço da própria pessoa judica
(einStiick seiner selbst.); elle forma e executa a vontade da pes-
soa judica, como funccionario do ente collectivo, e o como
individuo (nicht ais Individuum filr sich, sondem ais Funktionãr
des Gemeinlebens filr die Gesammtperson einen Willen bilden
und ausfiihren).
103
°
103
Gierk, ob. cit., p. 603 sg.
103
b
Ob. cit., p. 614 seg. e 629, 680 seg.
103
° Loo. cit., p. 624-625, 676-677, etc.
Glerke reconhece no orgâo da pessoa jjjridica a mesma qualidade
júri dica, que nós reconhecemos no represent&ffte, como eni outra parte
iÉÈfe.
Ir
KJ__
— 50 —
17 b. Um outro professor allemão, não menos distincto,
Otto Mayer, declarando seguir na matéria a opinião de G.Rume-
lin, se exprime do seguinte modo:
A ordem jurídica existe por causa dos homens (um dir
Menschen willen...) O homem é a -perna natural; ainda que a
sua qualidade de pessoa não lhe venha da natureza. A persona-
lidade se da mediante a ordem jurídica; muito embora seja
conforme á natureza, que o homem a tenha.— Der Mensch ist
die natilrliche Person. Nicht ais ob er von Natur Person wãre. Per-
sõnlichkeit entsteht immer erst durch die Rechtsordnung; aber es
\ist naturgetss, dass sie bei ciem Menschen entsteht... Mas essa
pessoa natural tem em si alguma cousa, de cujas manifestações
se forma todo systema da ordem jurídica, determinando-lhe os
effeitos e fins: é a vontade. O homem não é, todavia, pessoa, por
ser capaz de querer, mas porque vive (nicht toiit er willensfãhig
ist, ist der Mensch Person, sondem weil er lebtj... O homem,
entretanto, tem interesses e fins, cuja realisação não se
circumscreve â simples vida do individuo ; passam além, e são
communs cora os seus semelhantes, mesmo com aquelles, que
hão de existir para o futuro; e é a ordem jurídica, que garante
formas diversas, para serem effectuados taes interesses
communs pela pessoa natural (taes são a associação, o direito
hereditário, etc.)... A pessoa jurídica é ESSENCIALMENTE IOUAL
A PESSOA NATURAL (Die juristische Person ht der natUr-liehen
Person vollkommen wesensgleich). Aquella é, como esta, um
producto da ordem jurídica,— e nem mais jurídica ou moral, nem
mais fictícia ou imaginaria, do que esta. (Sie ist, wie diese, ein
Erzeugnis der Rechtsordnung und nicht juristischer odir
moralischir ais sie, noch fiktiver odcr êrdichkter). A distincção
entre ambas consiste apenas nisto: alli um individuo deter-
minado, ao qual a pessoa serve, em dada estensão de seus inte-
resses; aqui uma pluralidade de indivíduos, aos quaes ella
serve, numa porção determinada de interesses, que lhes são
— 51 —
communs. Consequentemente,emquanto a pessoa natural se exte-
riorisa num ser vivo, que lhe serve de substratum; a pessoa jurí-
dica, pelo contrario, pode apparecer debaixo de uma deter-
minada figura, que resulta essencialmente da sua constituição.
A pessoa natural sustém a sua individualidade pelo ser humano,
a cujos fins eUa serve; a pessoa jurídica, pela designação do seu
objecto, isto é, da poão de fins communs de um dado numero de
homens, para os quaes eUa deve existir. A pessoa natural exer-
cita a vontade do próprio Homem, efficiente por si mesma, para
o qual ella existe; e quando, excepcionalmente, lhe falta a
capacidade para fazel-o, a sua vontade deve ser exercitada por
meio de representação, a qual tem ainda logar por intermédio do
homem. A pessoa jurídica tem vontade, e a pode ter, por
meio de representação, e esta o se pode dar, incertamente, por
meio de quaesquer indivíduos, à cujos interesses ella sirva; de-
pende de disposições particulares. Conseguintemente, a designa-
ção do seu fim ou objecto e da sua maneira de representação o
partes essenciaes da própria constituição da pessoa jurídica.
104
17 c.— No entender de Terrat, a associação é um todo in-
divisível, formado pelos associados, um corpo (un ensemble)
organizado de modo a attingir a um fim ou desempenhar uma
funcção, na qual o sujeito de direito é: «le faisceau âe toutes les
volontés des associes, reunies en un tout harmonique et dirigee
vers le me bu.
105
E é esse corpo ou todo indivisível, nascido
immediatamente dessa união de vontades (le faisceau de toutes
les volontés), que o citado autor declara ser, uma pessoa real,
sujeito necessário e verdadeiro do património collectivo. . .
106
101
Otto Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht, p. 866-68. Leipzig, 1896.
Cf. G. Riimelin, Mtthodischei iV.er diejuristkhen Personen.(Freiburger
Programm, 1801).
105 Terrat, De la personalitécivil (Rapport citado).
tos D© Vareilles-Somraiòres, loc. oit., ns. 179-80.
— 52 —
17 d.—Para Hauriou o fundamento da theoria consiste na
realidade do plienomeno da representação, a dizer numa fuo
da vontade do representante com a do representado. Desta fusão
resulta uma vontade humana, distincta, capaz de impôr-se ás
outras vontades ; mas, como o é no todo perfeita, precisa que
o Direito lhe ou reconheça uma continuidade e importância,
que ella não tem na realidade. O que, aliás, é, segundo Hauriou,
um processo familiar ao Direito, e que se pratica igualmente em
relação á pessoa individual.;. « Or, dans la réalides choses, les
volitions des hommes sont intermittentes, changean-tes,
contradictoires; non seulement elles ne persistent pas dans le
me objet, mais elles y varient constamment. Sur cettephy-
sionomie agitée, tumultueuse, boulevere par tom les caprices et
toutes les passions, qu'est la face volontaire de 1'homme, le Droit
a appliqué un masque immodile...
107
Não o diAferentes as
volições da pessoa jurídica; mas, desde que se manifestam, o
Direito se apodera delias, para fazer a base da pessoa jurídica
collectiva.
Entretanto, não se queira concluir dessa necessidade de
intervenção do Direito na base da pessoa judica, que o autor ci-
tado reconheça ao Estado o poder de conferir ou recusar per-
sonalidade ás associações e estabelecimentos ; ao contrario, no
seu entender, o exercício de semelhante poder deve cessar.
Trata-se de uma acção do Direito, que não é maior em relação á
pessoa collectiva, do que em relação á pessoa jurídica indivi-
dual: porquanto esta ultima não é o homem propriamente, e,
sim, uma construão artificial. Muito embora composta de
elementos subjectivos reaes, as volições ; é, todavia, o Direito
que as reduz á uma unidade e á uma continuidade, como acima
ficou dito. Em resumo, a doutrina do autor consiste era partir
W Hauriou. Ltçonê kur le mouvemcut social.—Cf. Michoud, 6b. cit p.
38 s§.; Negulwco, ob. cit, p. 84 «f.
— 53
da fusão das vontades individuaes, para dahi affirmar a existência
distincta de uma unidade representativa, a qual torna-se & pessoa
real da associação aos olhos do Direito.
E dito isto, não precisa accrescentar, que semelhante doutrina
não passa de uma forma da Willenstheorie, ainda que modelada por
um processo mais engenhoso.
108
18 . O notável professor L. Michoud não admitte que a
base da pessoa jurídica consista somente, ou mesmo principal-
mente, no elemento—vontade, como outros tem pretendido.
Por isso, procurando dar-lhe uma outra base mais acceita-vel,
entende que, como ponto de partida, se deverá bem definir "o que é
direito subjectivo". Este, diz o autor, não é a vontade protegida pelo
Direito, mas o conteúdo delia, ao qual o direito dá, ou recusa, a sua
sancção, segundo aquelle fôr o bem ou o mal. « On ne peut
vouloir sans vouloir QUELQUE CHOSE ; c'est ce quelque chose qui
est Vobjet de la protection legale, non pas uniquement parce qu'il
est voulu, mais parce qu'U est conforme à Videal, quel qu'il soit,
que le législateur s'est forme de Vordre et de la justice. La loi
protege, non la volonté, mais Vintêrêt que
tos vide: Michoud, loc. oit.; Negulesco, loc. cit. De
%
Vareilles-Som-
raières, ob. cit., ns. 190 sg. Regelsberger formula assim a sua opinião: o
fim do direito é a garantia dos interesses humanos ; mas muitos desses
interesses não podem ser, no todo ou em parte, realisados de outro modo,
a não ser, pelas forças reunidas de vários individuos. Daqui a razão da
existência de outros sujeitos de direito, que não os individuos : são as
pessoas moraes ou jurídicas. E si bem que não possuam individualidade
corpórea, são sujeitos reaes, e oonstituem organismos sociaes. O elemento
vivificante, que possuem, lhes vem do homem; mas, como membros do
organismo, agindo de conformidade com o seu flm, os individuos dão nas-
cimento a uma união vital particular (Verbandslében) e á uma vontade colle-
ctiva, distincta da vontade individual dos mesmos.Vide: N. M. Korkounov,
Cour8 de theorie générale ãu droit, trad. por M* J. Tchernoff, p. 221-24.
Paris, 1903.—Cf. Regelsberger, Pandekten, 1.1, §§ 65 e 75 sg. Leipzig, 1893.
— 54 —
cette vólonrepresente.*
109
O que importa o mesmo, que dizer,
que o interesse é o elemento fundamental do direito; sendo
titular delle o ente, individual ou collectivo, cujo interesse fôr
reconhecido pelo direito. Não se deve, porém, logo daqui con-
cluir, que a vontade deixe de ser tamm elemento indispensá-
vel no direito; não por certo: ella não pode ser completamente
ausente, ainda que se reduza a um elemento secundário, isto é,
ella nem é a causa do direito, nem reside necessariamente no
titular do direito.
110
De* accôrdo com taes postulados Michoud define o direito
subjectivo "Vintérêt d'un homme ou d'un groupe dlwmmes, ju-
ridiquement protege au moyen de la puissance reconnue à une
vólonté de le représenter et de le defendre'';
in
ajuntando logo em
seguida: que o titular do direito é o ser (collectivo ou indi-
vidual), cujo interesse é assim garantido, ainda mesmo que a
vontade, que o representa, não lhe pertença, como própria, no
sentido metaphysico da palavra; basta que essa vontade lhe seja
socialmente attribuida, para que a lei, sem sahir do seu papel de
interprete dos factos sociaes, a deva considerar, como sua, a
dizer, do titular do direito ou interesse garantido por este.
1,2
|
Este modo de dizer do autor, que coincide, aliás, até certo
ponto, com a opinião de Jhering,
m
levaria a entender,
*» Michoud, ob. cit., p. 46-47.
1,0
Ibidem. Referindo-se a WiUeiwtheorie, diz Michoud: IZ e$t faux
que le droit »e considere en Vkomme que ta tolonté; ce qu'il a en vue, c'ett
bien Vhomme tout entier, avec ses besoins, t aspiratims, êet duirê, attc ton
corps et ton âme; le droit n'e$t pae fait pour une entitê abstracte et metaphy-
sique, U e&t pour Vhomme réel,
Ibidem, p. 48.
ttt Ibidem, p. 49.
"* Segando Jhering, o direito é a vontade geral; «ao os interesses
juridicamente protegidos.- on a segurança judica de dispor ou gosar de|
determinado objecto. LEtjrrit du droit ronmin, «4 70*71, o nota 486
á p. 817.
— 55 —
que não é possível a existência de direitos, fora de uma ga-
rantia jurídica adquirida; e como esta só é dada pelo Estado,
se poderia talvez querer concluir, que é o próprio Estado,
quem crea o direito... Hichoud, porém, se esforça, desde logo,
em combater semelhante conclusão, affirmando, ao contrario,
que o Estado ê, sim, o interprete, mas não, o creador do direito.
lu
o acompanharemos ao autor nos argumentos e consi-
derações diversas que faz, no intuito de comprovar a verdade
da definição que da ao «direito subjectivo» ; apenas diremos,
em poucas palavras, o modo, pelo qual elle expõe a sua doutrina
da pessoa jurídica, guardando accôrdo com a definão referida.
18 a.—Si o direito, ensina Michoud, quer corresponder as
exigências da humanidade, estabelecer a formula, que exprima,
tão exactamente quanto possível, as relações existentes na
sociedade humana, elle não deve somente proteger o interessei
do individuo, deve garantir tamm, e elevar a dignidade de
direitos subjectivos, os interesses collectivos e permanentes dos
grupos humanos. Elle deve permittir a estes grupos, serem re-
presentados por vontades—agindo em seu nome, ou em outros
termos, tratal-os, como pessoas moraes. Reconhecer o grupo,
como licito, é, ipso facto, reconhecer o interesse, que o mesmo
prosegue, como digno de ser protegido-, é reconhecer implicita-
mente a sua personalidade jurídica.
115
Com effeito, para que este ultimo facto se realise, duas
o as condições necessárias, condições, que, como ficou dito,
correspondem aos dous elementos, já assignalados, no direito
subjectivo: um interesse distincto dos interesses individuaes, e
uma organisação capaz de manifestar (degager) uma vontade
114
Michoud, too. cit, p. 49-50.]
115
Ob. cit., p. 52 seg.
— 56 —
collectiva, e de representar e defender esse interesse.
116
Ora,
innegavel, como é, que ha interesses coUectis, distinctos, per-
manentes, tanto de natureza publica, como de natureza privada;
e demonstrado, d'outra sorte, que se dá, ou se pode dar, a um
grupo de indivíduos uma organisação capaz de manifestar (de-
gager) uma vontade collectiva, e de representar taes interesses
nas relações da ordem jurídica; nada mais se requer, para que se
effectue o nascimento da pessoa moral ou jurídica...
Em resumo, tal 6 o pensamento do autor, quanto às con-
dições suficientes para dar nascimento ã personalidade moral;
ajuntando, no entanto, a observação, de que semelhante nas-
cimento se realisa, passando por duas phases sabidas: o ente
collectivo é apto para ser personificado, desde que reúna ás
condições allndidas; mas elle só se tornará pessoa moral ou
jurídica, quando fôr reconhecido pela lei positiva. A lei, fazendo
este reconhecimento, não faz operação differente da que ella
faz, reconhecendo a personalidade humana; muito embora, pela
força das cousas, lhe caiba ai li um poder mais lato de apre-
ciação.
117
O autor também não desconhece que essa vontade do grupo
é mais ou menos artificial; que ella lhe vem de fora, isto é, não
nasce no próprio grupo; e que, em summa, o que ha, é uma
vontade legal do grupo, em vez de uma vontade natural. Dá-se
uma representação do grupo por meio de certas pessoas, sem que
esta representação se explique pela vontade manifestada dos
membros do grupo.. .
11B
" Ibidem
"
7
Miehoud, loc. cit.. p. «I, nota.
U* Ibidem,ks Ideas principaea de Miehoud foram, nomeadamente.
aBaJysadas e combatidas por De VarelUet-Soromieres, o qual, como se Fabe.j
nâo vê na pessoa jurídica nada roais, do que uma ficção doutrinal, nada
mais que isto. Vide: "Lèt Pirswtww» iiorale$" cit.. as. 206 seg.
— 57 —
De resto, sem a necessidade de proseguir nas formulas ex-
positivas do autor,— é a esta entidade, distincta das pessoas
individuaes, dotada de vontade legal, em vez de vontade pro-ypria
ou natural, que Michoud qualifica de pessoa jurídica real, e de
maneira alguma fictícia, como pretende a escola dominante.
Deste ponto ainda teremos de dizer em outro logar.
119
§ 5 VERDADEIRO CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA
19. Não nos propomos fazer a critica particular de cada
uma das opiniões ou theorias, de que temos feito menção, acerca da
pessoa jurídica, considerada como entidade real ou natural,
trabalho, alias, não muito difficil, em vista dos argumentos
contrários e objecções, que lhes têm sido contrapostos pelos seus
adversários.
130
Ao nosso propósito satisfaz saber que, embora
divergentes, nos modos de dizer, ou mesmo, em certos pontos de
importância relativa, os partidários da nova doutrina se mostram,
não obstante, todos elles. de perfeito accordo na idéa fundamental,
de que toda associação ou fundação é um ser novo, real,
formado, sem duvida, pelos indivíduos associados, mas, delles
distincto, e provido dos caracteres essenciaes de pessoa, isto é,
possuindo, como o próprio homem, a capacidade jurídica.
121
110
Os conceitos expedidos por Giorgio Giorgi na sua importante obra
«Li dottrina ãellepersonc giuridiche » deveriam talvez levar-nos a clas-
siflcal-o, sem injustiça, entre os que admittem a realidade das pessoas jurí-
dicas; preferimos, todavia, deixar o caso ao critério do leitor competente,
o qual, si não for melhor informado, poderá firmar juizo a esse respeito,
attendendo para os trechos, que mais adiante seo transeriptos, contendo
as idéas do illustre autor (n. 19o).
120
Sobresahe entre elles De Vareilles-Sommières no seu importante
trabalho « Lespersonnes moràles », e que temos citado numerosas vezes.
121
Vide: De Vareilles-Sommières, ob. oit., ns. 149 e 230.
58
Isto posto, o que temos á accrescentar para -encerrar a
controvérsia, è dizer agora, segundo o nosso juizo particular,
qual seja o verdadeiro conceito da pessoa jurídica. E' o que espe-
ramos fazer de modo breve e em linguagem, a mais clara pos-
sível : começando desde logo, por advertir, sobre a significação
própria, em que os vocábulos natural e real devem ser tomados,
quando applicados à pessoa jurídica. Si por natural, se pretende
indicaram ente errado ou saindo PERFEITO do seio da natureza, é
desnecesrio declarar, que semelhante vocábulo não pode convir
á pessoa jurídica, a qual, sabidamente, éde formação ou or-
ganisação humana.
122
Do mesmo modo, si pelo vocábulo real, se
pretende significar um ente material ou physico
y
isto é, accessivel
aos sentidos: escusado seria também dizer,que a sua applicação
repugna á dita pessoa. Mas, si pelo vocábulo real, se quer apenas
significar que se trata de um ente, que tem existência eerta,
verdadeira, effectiva, na ordem social, então não pomos duvida
em affírmar, que o vocábulo pode com razão ser-lhe applicavel;
porquanto a existência da pessoa jurídica, assim entendida, ê,
com effeito. uma realidade. Certo, existência effectiva ou real,
não é somente aqnella que cae debaixo da percepção dos sen-
tidos ; ha alguma cousa mais de verdade irrecusável, que escapa
à esta percepção. O próprio homem, não precisaríamos lembrar,
não é a matéria visível somente; ha nelle uma outra parte
componente ou integrante. Chamem-na espirito, mente,
intellecto, funcçào psychica, pouco importa o nome; seja ella de
natureza differente, ou não, da matéria; a verdade é: que no
homem existe alguma cousa mais, além da pura matéria
visível...
** O facto do ser de crraçdo humana nada Impede ter anu realidade
ãutincta. Todo quanto o homem produz 6, em ultima analyse, uma ereacao
4a soa vontade; roa.*, nem por isto, subsiste na mnmn e idêntica unidade
com o individuo; desliga-se, e constituo um ente oo objecto é parte.
— 59 —
As manifestações constantes, effectivas, da mente ou do
intellecto, a dizer, as funcçoes psychicas, os phenomenos da in-
telligencia e vontade humana, singular ou collectiva, se im-
põem, sem admittir contestação possivel sobre a verdade da sua
existência. E pois, desde que assim ê, e nem seria licito]
contestal-o seriamente, porque negar o facto da pessoa jurí-
dica, sob o pretexto ou razão única, de que a sua realidade es-
capa à acção dos sentidos? A objecção não tem a força, que se
suppõe. A affirmação de que ha, existe, na vida humana, e
em particular na vida social, o que ê percebido pelos sentidos,
nunca foi demonstrada, nem poderá jamais ser admittida em
absoluto.
Confessando muito embora que, em sua razão primeira
e fim ultimo, o direito existe em vista das pessoas physi-1
cas ou os indivíduos humanos (quorum jus constitutum), porque,
supposta a sua ausência, não haveria a chamada ordem ju-
rídica ; comtudo é verdade, tamm não menos patente, que, na
ordem juriãica ou social, não são as pessoas physicas os únicos
sujeitos de direitos que nella se apresentam. Ainda que tirando a
sua origem ou formação das próprias pessoas physicas, que são
os elementos primordiacs da mesma ordem jurídica ou social,
não se pode negar, que, ao lado delias, figuram e agem outras
pessoas, cujos direitos lhes são próprios e, conseguin temente,
tão respeitáveis, como os das primeiras. Como negar factos,
que se realisam e se passam cada dia aos olhos de todos ?
Ente formado pela intelligencia e vontade dos indiduos
humauos, para existir e agir como sujeito distincto de direitos e
obrigações, de par com os seus próprios organisadores ou insti-
tuidores, a pessoa jurídica, embora o visível, como os seres
materiaes, tem, não obstante, uma realidade, que se manifesta,
activa e passivamente, num tempo e espaço determinados, de
maneira inequívoca, irrecusável.
— 60 —
19 a. Objectarão talvez, que ella carece de uma qualidade
essencial â pessoa: uma vontade, própria, distincta, e expressa por
um órgão próprio. Responde-se: ninguém pretendeu jamais, que na
pessoa jurídica se encontrem, de modo idêntico, todos os attributos
da pessoa natural ou physica (porque, então, seria uma só e a
mesma entidade); mas, pela forma que lhe é peculiar, não se
pode-deixar de convir que a pessoa jurídica tem e. exercita uma
vontade própria, distincta da dos indivíduos. A. sua vontade é
aqnella que as intelligencias e vontades indi-viduaes lhe
transmittem, como qualidade permanente, no acto da sua
constituição ou organisação; — vontade essa, que se converte desde
logo na capacidade immanente de querer tudo quanto for necessário
aos seus fins; exprimirei e exequível pelos seus órgãos ou
representantes legítimos,—conjunctamente previstos e creados,
como partes integrantes da sua formação em entidade distincta. Sem
duvida, não se cotnprehende a existência de uma pessoa, si á ella
faltar em absoluto um órgão que lhe manifeste a vontade; e tanto
assim entendemos, que consideraríamos, como simples cousa,
qualquer que seja a somma de direitos que envolva,—todo ser ou
organisao, queo tiver um órgão da própria vontade. Isto, porém,
não se com a pessoa jurídica; porquanto, seja ella pessoa
publica, como o Estado ou o Município, seja pessoa privada, como
a associação particular ou a fundação, ninguém contesta, que na sua
constituição entra, como pane essencial, a dos seus órgãos
(indivíduos humanos) para represental-as, activa e passivamente,
nas diversas relações que lhes concernem. E' por isto que Pothier,
qualifican-do-as de «pessoas intellectuaes», não esquecera,
então, de ajuntar a seguinte advertência: «/> ce quun corps est une
personne inteJUctuelle, il tfensuit qtiil ne peut pas faire par lui-
même tout ce que naus avons t que 1e$ corps »taient capahles I de
faire
t
comme euntracter, plaider, etc, etc. II ett tVabord M DB LA
MATOBK DE CUAQOE CORPS <fatw un ou pluMeurs pro-
— 61 —
cureurs, par Vorgane desqueU il puisse faire ces choses: Pro-
prium est universitatis hàbere procuratorem seu syndicum.
128
E' o que se chama representação jurídica.; a qual é para.
esta escie de pessoa, como se disse, uma necessidade ou con-
dição institucional da própria personalidade; necessidade, de
que a pessoa physica também não se dispensa no todo, que-
rendo e agindo, muitas vezes, por meio de representantes, como,
sabidamente, succede com o menor, o louco, o demente incurá-
vel, etc, etc.
O facto da representação, entendida na sua verdadeira
accepção, em nada destróe ou diminue a pessoa do represen-
tado
m
; pelo contrario, o que está consagrado no instituto da
representação é: que o acto do representante é acto do próprio
representado. E' assaz conhecida a regra do direito romano :
Quoã quis per álium fecit, ipse facere videtur (Dig. I. XXVI, tit. 7,
5, § I
o
).
A vontade e acção collectiva, diz Gierke, apparecem como
affirmão da vida da personalidade immanente no ser collectivo
(der einem Gememwesen immanenten PersõnlichJceit), o qual só
se torna agente na esphera jurídica, quando ahi se apresenta
por seu órgão externo, consagrado pelo direito... E', porém,
ajunta o autor, a própria pessoa coUectiva, quem quer e age
pelo seu órgão referido (ist es ãie Qesammtperson selbst, welche
dureh ihr Organ will und hanãélt).
125
123
Pothier, ob. cit., n. 212.Em outra parto deste trabalho se dirá
acerca da distincção que alguns fazem entre órgãos, representantes, e func-
cionarios, sob o ponto de vista da responsabilidade da pessoa jurídica Es
tado, e bem assim, o que se deve entender pelo instituto da representação
em seu sentido stricto, como figura distincta da procuração, mandato, gestão
de negócios ou relação institoria, etc.
124
Hic, Titulo Primeiro, Cap. III, e Tit. Segundo, Cap. IV.
125
Ob. cit., p. 624 sg. O autor citado menciona em notas varias de
cisões judiciaes, confirmativas da sua opinião.
— 62 —
Parece-nos mesmo que, ã vista dos factos da vida social,
não seria licito contestar semelhante verdade.
186
19 b.— Igualmente não podemos admiti ir que a pessoa
jurídica seja mera creação da lei,outra forma de theoria da
ficção; ainda que não se recuse, que a lei lhe possa restringir
determinadas faculdades ou exigir mesmo o preenchimento de
dadas condições legaes, segundo o objecto ou fins particulares
da pessoa jurídica. Deste ponto se disse anteriormente, (n. 8)
e delle ainda teremos occasião de tratar mais adiante.
E porque considerar, de preferencia, a pessoa jurídica,
como simples ficção legal, quando esta nada explica, e para
nada serve ?
Ou, para que identificada com a própria cousa de um fim
determinado, (Zweckwermogen), em contradicção palmar com
a regra fundamental do direito, segundo a qual, a cousa, ou é
um objecto sem dono (res nuUius), ou é um direito pertencente
a um sujeito, isto é, á uma pessoa ?...
O próprio De Vareilles-Sommières, adversário decidido da
existência da pessoa moral ou jurídica, o ponde deixar de con-
fessar que a doutrina da pessoa jurídica, real, natural, boa
nos seus intuitos e conclusões: 1.° porque nascera de uma justa
reacção contra as consequências intoleráveis da doutrina da
*» Albert Haenel DcuUchcs Staatirccht, § 13 tg.) disse que a ana-
lyse dos factos mostra que nao ha, nem ser nem pa$oa na corporação
(associação em geral), o apenas uma relação de vontades humanas lndi-|
viduaes agindo em oommum statmmemcirkender mnmhlkfur und indirí-\
dmtler WillmJ; que, realldadt, ao ha só pode haver nos individuo*. En-
tretanto, é tal a força da verdade das cousas, que o mesmo autor, logo nao
muito depois desta objecção,advirtira:. «Mio se poe, porém, em duvida
nem a unidade m»/ da corporação nem que o «ar da mesma seja um tod>
rmt ou wjanumo rml... h( BchUcMerdmg» afcft* 4k rmh KutmU êm
korformtmm VmhmJm, tt mkkt dm Wmm átm*U*n ah «iwt nalm Qm»
\stm, mU tmeê vtahn Orjemòmtu ín F%age gttielU...» Loc. cit., f. 10!.
— 63 —
escola em matéria de associação'; 2.° porque ella tem o sentimento
nítido desta verdade,—que â associação cabe o direito natural de
possuir e adquirir da maneira que lhe aprouver; 3." porque ella
desfechou os primeiros golpes no castello de cartas, onde essa
verdade se achava prisioneira, castello, que era forte, porque todo
o mundo acreditava na sua solidez.'"
127
19 o.—Também Giorgio Giorgi, não obstante a prudência e
imparcialidade, com que se propoz analysar as differentes theorias
da pessoa jurídica, não poude deixar de externar-se| por este modo:
«Del resto credo anch' io, che lapersonalitàgiuridicânon sia
un vácuo nomen júris; e la confcrma di questa convingione la trovo
esaminando Vultimo epiú vero sistema inuiato daipu-\ blicisti. Non
so se recordando el Baron (Die Gesammtrechts-Verhàltnisse im
rõm. Recht, § 1), il Beséler (Volksrecht und Juristenrecht, p. 173;
System des deutschen Privatr., p. 236), il Salkowsky (Bemerkungen
zur Lehre von den juristischen
127
De Vareilles-Sommiéres, ob. cit.,ns. 148,252 e 256. se sabe,
que esse autor combate, como n&o verdadeiras, tanto a theoria da ficção
legal, como a da realidade das pessoas jurídicas. Para elle nao ha pessoas
jurídicas, distinctas das pessoas physicas on associadas (loc. cit. núme-
ros, 230 sg.); e, porisso, tendo de dar uma definição da pessoa jurídica, disse
: « Cest une personne fictive d'origine purement doctrinale, et qui, pour les
seuls besoins de la pensée et ãu langage, cst censée Utulaire de droits et
d'obligations qui appartiennent en realité â des personnes verita-\bles.»
(Ibidem, n. 319). Para tornar o seu pensamento mais claro ou mais
completo, ainda insistira: «La personne morale est une personne fictive,
d'07-igine purement doctrinale, qui, dam les associations soumises à un certain
regime, et pour les seuls besoins de la pensee et du langage est cene uni-
que proprietaire, créancière, débitrice des biens, des créànces, des deites, dont
les associes, comme tels, sont en reali copropriétaires, cociéanciers, code-
\bitew8.»—O citado autor tratou juntamente de demonstrar, ao seu modo,
as diferenças, pelas quaes esta sua definição se distingue das theorias cor-
rentes. (Loc. cit., ns. 825 sg.)
4
64
Personen, p. 4), tZ Lassou (Princip and Zakunft desVolksrechts,
p. 122-140) tra i maestri di sifatto sistema, io, mt apporei ai vero \
quatunque non manehino coloro che gli battettano ptr tali. Non
v dubbio: Vuniversitas personarum, guardatel-a corne subietto di
diritti publici, guardatel-a come subietto di diritti privati, é uri
ente cóllectivo umanamente composto e ordinato; 6 un ente mo-
rale, perche avendo per base la natura humana ha, come Vuo~
mo individuo, dei diritti... Unione di elementi o forte morali,
cioé di uomini diretti dali a inteUigenta e da lia volon ; e quindi
unione munita di diritti.— Ordinamento di queeti elementi in
modo da costituire un SOLO TUTTO, che sodisfi a un scopo comune
conforme alia legge medesima, e distrihuisca fra i vari elementi
dei corpo sociale facóltâ e fumioni svariatâ, ma conspiranti a il
bisogno dei tutto. — L'UNIVERSITAS ê DUNQUE UNA RBAI.ITÁ,
quando si prenda la parola non come sinonimo di cosa che cada
sotto % sensi, ma come il contraposto di un mero parto dcWima-
ginazione. Tanto é lungi che Vassociazione umana presa come
unitá ordinata sia una mera astratione, che la modtrna sociolo-
gia istruita alia scuola de Spencer ne fa un corpo vivente, ai
quale, come agli esse físici, adatta le leggi delia biologia. Io non
vado dawero fino a quetto punto. Mi basta, ehe rente cóllectivo,
te non é un organismo físico, come il corpo animale e le piante.
sia pêro un organismo ético, un ente morale NON MBNO VERO E
SUBSISTENTE, degli organismi cor porei. Sia Vopera parte delia nu»
tura e parte deQ'uomo c trovindla natura umana, non già física
benzi morale, le conditioni di nascimento, di vita e di progretto.
Date a qu+sto ente cóllectivo Veiercizio dei diritti privati, ed
avrete la persana giuridica *.
18
*
------------— -—
* CJitrfw Oionji.—loc rlt, *. 22. Bato autor confeaaa, que o a*u
modo do fdé MU do aecordo com Dcrnbarg na tua obra Pamdcktm, f MO
(•iiçio do ia*fi.
— 65 —
Como se vê, a theoria de Giorgi não diverge em muito do
conceito particniar da pessoa jurídica real, segundo a melhor
dontrina professada a esse respeito.
19 d. Concluindo, portanto, a nossa exposição, não du-
vidamos lançar a seguinte these: a pessoa jurídica ê um ente
Icreaão, ou dizendo talvez melhor, formado pela vontade de pes-
soas physicas, e cuja existência se manifesta na ordem social:
1) por um facto visível, consistente na uno institucional de
pessoas physicas, ou numa massa determinada de bens, ou, ainda
mais commummente, no concurso de ambos estes elementos;
2) pelos actos e factos reaes que constituem a esphera de
actividade do ente formado no proseguimento ou realisação do
seu objecto e fim;
3) pela applicão ou cumprimento das disposições da lei,
segundo âs quaes, se verifica á legitimidade da sua existência e
de seus actos, como sujeito de direitos e obrigações, isto é,
como pessoa jurídica, propriamente dita.
Ora uma entidade, dotada de taes caracteres externos, exis-
tindo em relação immediata com os demais sujeitos de direitos
que apparecem na ordem social, não seria licito qualificar e
tratar de simples ficção, ou de cousa com um fim; porque ella
se apresenta, realmente, como um sujeito ãistmcto, e não como
objecto pertencente a um sujeito. Si não é de considerada, em
tudo igual â pessoa physica, nada repugna que ella seja tida
igualmente, como pessoa, embora de natureza e denominação
differente; e como a sua razão de ser ou fim é o de figurar na
ordem do direito, lhe cabe, sem duvida, melhor do que nenhum
outro, o titulo de pessoa jurídica, que presentemente se lhe dâ.
Finalmente, o ignorada a accepção technica (nota 17) ou
peculiar, que os jurisconsultos dão â palavra—pessoa, isto é,
synonimo de qualidade, em virtude da qual se tem certos di-
reitos e obrigações, ou no dizer de Ribas, um attributo sempre
5
R. c.
— 66 —
immaterial, mas que, ou pela natureza ou pela lei, está ligado á
um ente existente no mondo physieo, on por elle se manifesta,
129
dizendo-se por isso, que um só homem, on ama só pessoa pby-
sica pode reunir em si moitas pessoas (a de pae, de filho, de
marido, tutor, etc, etc.
180
); é no todo manifesto que, assim
entendida, o status ou a qualidade-pessoa não 4 exclusiva do
homem. —E' igualmente applicavel a todo ente que figura na
ordem jurídica, como titular distincto de direitos; queremos
dizer: tanto se pode applicar ao ente collectivo associão,
formada por diversos indivíduos num fim licito, e dotada de in-
teresses distinctos dos seus membros, tomados singularmente,
como, á instituição permanente de bens para um fim útil (fun-
dação), feita pela vontade de um ou mais indivíduos.
Em uma palavra, a pessoa jurídica resulta da vontade das
pessoas physicas, operando sobre determinadas cousas era vista
de um fim racional e útil; manifesta-se na Tida social por actos
e factos próprios, que a individualisam ou caracterimm de modo
particular e distincto, e, conseguintemente, constituindo : ura
sujeito de direitos, real, efectivo, e não imaginário ou fictício,
nas relações que desenvolve 6 mantém na ordem jurídica com
os demais sujeitos de direito, sejam estes de idêntica natureza
ou de natureza diferente.
§ 6.° ESPÉCIES DA PESSOA JURÍDICA
20. — Considerando-se a origem, o fim, e as modalidades
diversíssimas, com as qoaes ella se apresenta no scenario da
» Rita», ok. dt, t II. p. 7 Mg.
** Ibidem. E" o meomo conceito de Wolff, quando disse: «Homo
peraona nioralb eet, qmatem*» êpectatur law/uam néjectum rerfamm Miga-
tiomm at*i*ejuri*M cerforum (laat. Jttr. KaL f 00.— Cf. Toolliar, IA ãruit
etofi fnmçam, u. 1S2.- Bntxellee, lStõ.-Maynz, ob. cit.. | f*.
— 67 —
vida social, a pessoa juridica reveste formas e espécies, por
assim dizer, infinitas.
Não temos, porém, que tratar no momento das varias
qualidades accessorias, que distinguem as pessoas jurídicas,
umas das outras, nas breves indicações que ora nos propomos
fazer ; apenas procuraremos attender aos seus caracteres essen-
ciais, que possam levar á uma classificação gerica das referi-
das pessoas, e á nada mais do que isto.
Particularisado deste modo o nosso pensamento, e tendo,
sobretudo, em vista a importância de seus fins, e as faculdades
de que dispõem ou os direitos que podem exercitar, — as
pessoas jurídicas se dividem: em pessoas do direito publico e
pessoas do direito privado, sejam nacionaes, sejam estran-
geiras.
Âs primeiras são: o Estado, e as suas divisões politico-
administrativas mais communs, a Província, e o Município,
bem como, qualquer outra instituição do direito publico, re-
vestida de personalidade juridica.
As segundas, tomada a matéria em seus caracteres espe-
ficos mais geraes, o: as associões (alguns preferem dizer
corporações) e as fundações.
Esta divisão está hoje consagrada na litteratura juridica
por escriptores dos mais eminentes, e admittida nos textos do
direito positivo.
m
Por isto, nos dispensando de entrar no exame
das suas razões justificativas, — nos limitaremos, nesta parte do
presente estudo, á uma breve resenha das espécies da pessoa
juridica, que são reconhecidas no paiz, nos termos da lei
brazileira.
Pela legislação anterior do Império eram consideradas
pessoas jurídicas do direito publico: ò Estado, a Província e o
181
Vide: Georgi, ob. cit., 1.1, n. 185, p. 447: — Coã. Oiv. Argentino,
art. 83 seg.; Cod. Civ. do Uruguai/, art. 21; P. C. C, art. 13 seg. etc
r- 68
Município.
182
No regimen actual da Federação, no qual o paiz se
acha constituído, as pessoas jurídicas do direito publico são
nomeadamente: 1) a União,
183
isto é, a Nação constituída sob a
forma de Estados Unidos do Brazil; 2) cada um dos Estados-
federados;
15
* 8) o Districto Federal;
185
4) cada um dos municípios
legalmente constituídos
110
nos Estados da Federação; 5) as
pessoas estrangeiras
m
do direito publico (Estados, nações, etc.)
Na sua representação em actos contenciosos, ou mesmo na
pratica administrativa ordinária, se costuma designar a União
pelo titulo de Fazenda Federal ou Nacional; o Estado-federado
pelo de Fazenda Estadoal, e o Município (inclusive o Districto
Federal) pelo de Fazenda Municipal.
137
*
m
COM*/, do Império, art*. 1, 2,167,168 e 160; Lei de 12 de Agosto de
1884; Av. de 6 de Abril de 1885; Ciro. de 13 de Outubro do 1888 ; Lei n.
514 de 24 de Outubro de 1848, art. 16; Lei D. 601 de 18 de Setembro de
1850, art. 8.°, § 1.°; Cowolidação da» leis civis, arts. 62 a 61; Lei de 1.°
do*Ootubro de 1828, et?., etc.
,M
Cohst. Federal, arts. 1, 8, 7,16, etc.
"• Consi. Federal, arts. 2, 4, 6, 9, 63 a 65, etc.: Doer. do Gov. Pro-|
visorio n. 1 de 15 de Novembro de 18*9 ;- Id. id. B. 860 Ae 26 de Abril
de 1890, etc.
m
Const. Federal, art. 67; Decr. do Gov. Provisório n. 1, art. 10;
Id. id. o. 50a de7 de Dezembro de 1888; Id. id. D. 198 te 6 de Fevereiro
de 1880; Id. id. n. 218 do 25 de Fevereiro do 1890; Lei n. 85 de 26 de Se-
tembro de 1892, etc
.1* Const. Federal, art. 68; Decr. do Gov. Provisório, ett.. n. 360 do
26 de Abril de 1890, etc.
J,:
Qmtt. Federal, arts. 59, I. d), art. 80, t). Cí.: T. do Freitas,
osõ ao C. GrU, art. 378 seg.; C. de Carvalho, Direito Ciiil Brasi-
leiro, art. 116 seg.; --• /'. C. Cr, arts. 18. 17 e 18, etc
«• Eesa designação tom assento em leis positivas. Xao se Ignora,
qoe, eoBlorme ao direito romano, o Estado era também tratado de « ara-
nmm on jkem nas suas relações de direito patrimonial. ~- Savigny, Tr. sV
drttU romma, | 88.
— 69 —
21. Conforme ao nosso direito civil vigente, as pessoas
jurídicas do direito privado, são: 1) as sociedades civis (lato
sensu); 2) as associações (sociedades civis especificadas) de fins
religiosos, moraes, scientificos, artísticos, políticos ou de sim-
ples recreio; 3) as sociedades mercantis ou commerciaes; 4) as
companhias ou sociedades anonymas; 5) os syndicatos agrico-
las; 6) as instituições pias (fundações) ;
188
sobre todas as quaes,
cumpre ajuntar os seguintes esclarecimentos.
A distinão das sociedades civis em duas categorias parti-
culares resulta dos próprios textos da lei: uma regnlada pelas
disposições do direito commum, ou, como se disse expressa-
mente, pelas regras geraes de direito ; e outra regulada, de
maneira especial, pelo decreto legislativo n. 173 de 10 de Se-
tembro de 1893 (art. 15), de que adiante se fará menção.
O nosso direito commum ou civil, propriamente dito, ca-
rece de disposições completas, explicitas, que regulem de modo
satisfactorio os differentes actos e factos relativos âs socieda-
des civis da primeira categoria.
Entretanto, sendo ditas sociedades civis, âs de fins económi-
cos, na sua estructura e forma, análogas ás sociedades mercantis,
se podem considerar, como igualmente applicaveis âquellas, os
princípios ou regras geraes, que regem estas ultimas. Como as
sociedades mercantis, tem ellas, efectivamente, a sua origem
em um contracto, e, uma vez celebrado este na devida forma,
adquirem personalidade jurídica, distincta dos indivíduos, que
as constituem; tal é a lei e a nossa jurisprudência (Cod. Com.
art. 287 e seg.; Consol. das leis civis, art. 742-766 ; P- C. C.
arts. 16, e 1366 e seg.)
188
C. de Carvalho (ob. cit.. art. 152) faz ama resenha mais detalhada
acerca das pessoas jurídicas do direito privado, segando a legislação brazi-
leira.—Cf. P. C. C, art. 16.
— 70 —
Como sociedades civis da segunda categoria, acima dita,
são de contemplar aquellas que a lei denomina— " associações
para fins religiosos, moraes, scientificos, artísticos, políticos,
ou de simples recreio".— São as sociedades, também qualifi
cadas na linguagem dos autores, de sociedades de fins ideaes; e
entre ellas se acham agora comprehendidas as que, segundo a
nossa legislação anterior, se denominavam corporações ou cor
pos de o morta. Corporações, define Ribas, o as pessoas
jurídicas, encarnadas em collectividades de pessoas naturaes,
que alias se podem substituir por outras, sem que aquellas se
alterem (Dir. Civil Brasileiro, t. II, p. 125).
w
Desapparecido do direito pátrio, como ora succede, o in-
stituto da mào-morta, todas ellas, uma vez organisadas de ac-
cordo com a nova lei, gosam de personalidade jurídica, distincta
da dos respectivos membros; podendo exercer todos os direitos
civil concernentes aos fins de cada uma delias (Const. Fed., ar-1
tigo 72. § 3
o
; Decr. n. 178 cit., art. 5
o
; Hic, p. 72).
As sociedades mercantis ou commerciaes, com persona-
lidade distincta dos indivíduos, que as compõem, estão expres-
samente autorisadas e definidas no nosso direito commercial
vigente (Cod. Com., art. 287-294), quer de modo geral, quer de
modo particular, relativamente as formas especiaes differentes,
de que se revestem. (Cod. Com., art. 295-358). A todas ellas
jamais se deixou de reconhecer nma personalidade jurídica,
capaz de exercitar os seus direitos, activa e passivamente.
As sociedades anonymas, também chamadas «compa-
nhias», não são entre s, exclusivamente, de natureza e fins
commerciaes ou industriaes. como, á primeira vista, se podia
» 84o sociedades, sé instituMa», para fiou de utilldad» publica, corou
ammwndade* religieHU, ordena terceira», nnfraría», irmandade», eU?., nU\,
eomtanto que «ejam legalmente autorizada* teahua património «cu. T.
de Freitas, Vossk Jwrii., Appeodice I!;— C. de Carvalho, ob. eh.,
1.V2 *MT
— 71 —
suppor. Muito embora sejam ellas, em regra, organisadas em
vista de explorações ou operações importantes do commercio e
da industria, nada impede, que tenham tamm outro objecto
ou fim diferente,—e as nossas leis assim o autorisam expressa-
mente (Dec. n. 434 de 6 de Julho de 1891, arts. 2
o
e 3
o
; Decr.
cit., n. 173 de 1893, art. 16).
Nos termos da lei brazileira se pôde dizer, que a organi-
sação das sociedades anonymas é livre; dependendo, tão so-
mente, de autorisação do governo a organisação de algumas
delias, que, pelo seu objecto e fins especiaes, não devem escapar
â fiscalisão immediata do poder publico. Mas quer umas, quer
outras, gosam de personalidade jurídica na verdadeira signi-
ficação deste vocábulo (Lei n. 3150 de 1882; Decr. n. 8821 de
1882 ; Decr. do Gov. Prov., n. 164 de 1890 Decr. cit., n. 434
de 1891).
As sociedades anonymas estrangeiras também gosam no
Brazil de personalidade jurídica, desde que forem devidamente
autorisadas a funocionar no território nacional (Decr. n. 2711
de 1860, art. 46; Dec. cit., n. 434 de 1891, art. 47 seg; P. C. C,
art 17-18).
A organisação dos syndicatos agrícolas foi autorisada
por lei de data recente, no intuito declarado de favorecer os in-
teresses da agricultura e industrias ruraes; sendo-lhes reconhe-
cida, expressamente, a qualidade de pessoas jurídicas. (Dec. le-
gislativo n. 979 de 6 de Janeiro de 1903).
Debaixo do titulo de « instituições pias ou fundações »
se comprehendem as pessoas judicas, que, embora se manifes-
tem por certos homens e se liguem a certas cousas, podem
subsistir sem elles, de sorte que, quando estes desappareçam,
podem ellas servir-se de outros meios de manifestação.
140
"° Ribas, loc. cit., p. 135.
— 72
E' diffieil dizer com segurança, qual o direito, que regula
presentemente as fundações no Brazil. Pretende-se, que a re-
speito das mesmas cessaram igualmente as restricções postas
pelas leis de mão-morta, em virtude do art. 72, § 3
o
da Consti-
tuição Federal. Mas, talvez, não se tenha bem attendido, que o
disposto nesse texto se refere expressamente " aos indivíduos e
confissões religiosas que se associarem para exercer o seu coito,
adquirindo bens".etc.; queremos dizer, as palavras finaes do
texto « observados as disposições do direito commum » parecem ter
applicação manifesta às pessoas juridicas-associações, e não, as
pessoas juridicas-/wní?arões; a menos que não se lhes queira dar
uma interpretação livremente ampliativa, segundo a regra "
benigna amplianda "...
Não se ignora que o Decr. n. 119 A de 7 de Janeiro de
1890, que extinguio «o padroado com todas as suas insti-
tuições, recursos e prerogativas», reconheceu expressamente a
personalidade juridica.de todas as igrejas e
m
confissões reli-
giosas, para adquirirem e administrarem bens; mas, importa
também não esquecer, que, â essa capacidade reconhecida de
adquirir bens e administral-os, se addicionara logo a condição «
sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de
mão-morta » (Decr. cit., art. 5
o
). Quanto ao decreto posterior, n.
173 de 1893, não nos parece, que em nada viesse modificar o
estado de cousas , pelo contrario, tendo sido votado pelo Con-
gresso Nacional para dar cumprimento ao disposto no art. 72, §
da Constituição Federal, o mesmo se occupara das MIO.
dações, como querendo, deste modo, significar, que o texto allu-
dido não se refere, senão a estas...
u%
Segando ai tew do Importo na palavra - Igreja, M compreen-
dia, tanto a Igreja Cathoiu-a, como o bispado. «minar**, a capclía, etc,
O bispado, na aaa qualidade de pvseoa jurídica, se chama Afife*, a ca-
pelia. fábrica*
— 73
O que concluir, pois, sobre a situação jurídica actual das
fundações ? Ao nosso ver, o havendo ainda na Republica lei,
que regule a sua organisação fora das restricções outr'ora im-i
postas pelas leis de mão-morta, é duvidoso dizer, si ellas
podem ser agora instituídas LIVREMENTE, tendo personalidade
jurídica per se, como o decreto de 7 de Janeiro de 1890 o reco-
nhecera em favor das então existentes.
142
21 a. Deixámos de incluir entre as pessoas jurídicas do
direito privado a herança jacente, não obstante saber, que já o
direito romano lhe Jiavia reconhecido a capacidade de figurar,
como si fora pessoa (nam hereditatem in quibus&am vice
personm fungi receptum cst. (Dig. I. XLI, t. 3, 15). Mas assim
o fizemos, por não consideral-a susceptível de personalidade ju-
rídica, em vista dos princípios por nós adoptados sobre a natu-
reza ou caracter essencial desta.
«A herança jacente, diz Seabra, si não representa a pessoa
do defunto ou do herdeiro, para quem passa no momento da sua
morte, não representa cousa alguma; é uma massa de bens sem
dono, que seria primi capientis, si a lei não lhe desse appli-
cação. Entre os romanos foi, na verdade, considerada como
pessoa, mas, somente a certos respeitos, privativos das suas in-
stituições, como a escravatura e a usucapião» .
u3
1*2 A duvida sobre o reconhecimento legal das pessoas jurtãh-Qs-fun-
daçoes, de que acima falíamos, apresenta-se, sobretudo, com relação aos
bispados e parochias, creados exclusivamente pela autoridade eclesiástica,
depois da separação da Igreja, do Estado, no novo regimen da Republica.
A lei eclosiastica, por si só, basta para que se apresentem, como taes, pe-
rante os poderes civis ? Certo, que não.
Sobre o que se entendia « por corpos de mão morta » na legislação do
Império e restricções desta, é de ver: Ribas, ob. oit., p. 144-147 ; Consol.
das leis civis, art. 09 e notas ibi.; Ferreira Alves, Juízo da Provedoria,
§ 466 sg. e notas. (8. Paulo, 1897, 3a edição).
143
Seabra. Novíssima Apostilla, p. 130. ~ Ribas (loc. oit., p. 121 seg.)
explica quaes foram os motivos especia.es, que levaram os jurisconsultos
— 74 —
Tal é, com effeito, a verdade histórica.
Além disto, collocando-nos somente no ponto de vista do
direito pátrio, é licito affirmar, qae o mesmo desconhece, prati-
camente, as chamadas heranças jacentes, no sentido restricto de
cousa sem sujeito; porquanto, pela morte do defunto, passa LOOO
a herança para os herdeiros, testamentários on legítimos, ainda
que ausentes estejam; o, na falta destes e de cônjuges, se devolve
a Fazenda Nacional, considerada, como bens tocantes.
1M
Tem,
portanto, sempre um sujeito, presente ou náo, ao qual a mesma
pertence.
146
§ 7.° CAPACIDADE DA PESSOA JURÍDICA
82. - K' pouco o que pretendemos dizer debaixo deste titulo:
nada mais, do que ligeiras indicações, que nos parecem
indispensáveis ás considerações, que hão de vir ulteriormente, ao
correr do nosso principal assumpto.
Antes de tudo, compre não confundir a capacidade jurídica
com a personalidade jurídica, como alguns tem pretendido: esta é
o status persona}, — o sujeito de direitos: aquella é a medida
romanos a considerar a herança jacente, coroo pemoa, para fins determina-
dos. Se podo vf-r tara bem a esse respeito:T. de Freitas, Esboço cit, nota»
ao art. 278.
u
* Vide: Ribas, loc cit.. p. 123-126 e notas ibi.
"' De VareHIes-Soram^res (ob. cit.. n. 1667)i « Ot direitos qae se
attribuem a pessoa fleticia pertencem, neste caso, ainda necessariamente,
à uma ou mais pessoas ratas. Nio é o defunto, que nlo é mais anu pessoa
real, e nem pode mais ter direitos oo interesses. Evidentemente »ao os qae
tem direito A suecossao. qosesqoer qae sejam. S&o ainda desconhecido*;
BuuéMrto. qae os ha. E'a *Uat»é> qoem a lei cogita. A inwi Mfto, si ainda
nao é deites, é para elles... *
Giorgto Olorgt su»tenta Msaties opinião, de modo verdadeiramente
concludente, qaer em relação A herança jacente, qsar em retaeao à massa
faJHd*. - Oh.aM.lL». lOSaac.
— 75 —
ou cotnprehensão dos direitos e obrigações, que, activa e pas-
sivamente, competem ao sujeito, seja elle de natureza pkysica,
ou não.
Assim como succede com as pessoas physieas, as quaes
nem todas tem igual capacidade, segundo se trata do indivi-
duo, maior ou menor, o, ou mentecapto ; assim também, se dá|
com a capacidade das pessoas jurídicas, a dizer: ella pode com-
prehender mais ou menos direitos, segando a sua natureza espe-
cifica e a diversidade do seu objecto ou fim particular.
Ainda que não seja licito affirmar, que a grande discussão,
ainda agora persistente, acerca do conceito fundamental da pes*
soa jurídica, deixe de influir na determinação da capacidade
desta; é, todavia, certo que, tanto os partidários da simples
ficção (Fiktionsfheorie), como os da cousa com um fim determinado
(Zwcch- Vergen) são accordes em admittir, que ess'outro su-
jeito de direitos, que não o homem,—ficticio ou real, —deve ter
a precisa capacidade para os actos ou factos que concernem ao
seus escopo e fins. E foi por isto, que Mommsen não duvidara
fazer a esse respeito, a seguinte observação: que a discussão
sobre o conceito da pessoa jurídica carecia de toda a impor-
tância para o direito pratico; porquanto, ou se diga que as
pessoas jurídicas são pessoas, ou que o direito as trata tão so-
mente como toes,isso importa a mesma cousa, pelo que res-
peita às suas relações jurídicas (Kommt fur die Regelung der
Bechtsverhãltnisse genau auf dasselbe hinaus).
ue
22 a.Examinando-se, entretanto, a questão no terreno
das theorias, notam-se ahi dous modos de ver, assaz discordan-
tes, acerca da capacidade da pessoa jurídica. No entender de
uns, esta capacidade é sempre « marcada na lei* e restricta ao
fim da respectiva pessoa; — no entender de outros, razão não
Mommsen, Abriss ães rõm Staatsrechts, p. 81.
da pessoa judica pode ser tio plena, quanto a das pessoas
pbysicas, menos, tão somente, quanto a direitos, que seriam
incompatíveis com a sua natureza, a dizer, os direitos de fa-
mília propriamente ditos
No ponto de vista, em que se collocam os partirios da w
trião, os direitos, que a pessoa jurídica pode exercer, aso uni-
camente os direitos patrimoniaes (jura inre) e os direitos corr$*\
lata das obrigações resultantes; porque, segundo se pensa,
os fins da pessoa jurídica, quaesquer que sejam as suas modali-
dades, ou o cousas, ou se referem directamente a estas. -«
Scstano, dopo la proprie. la obligationi. che es$*ndo dirUH
patrimonial* tono coprcsc nel eido ãi capacita dcllt pcr§otmc giu-
ridicht... Lapimeita dunque delta pertoiutlitâgiuridicaposta in
tatreitio vien: a resultar* dalla capacita di qodcrc qualunqm
diritto patrimoniais neWambito delia proprittá ê tltll? obtiiga-
ttont.» •
K' a capacidade de possuir, diz Giorgi. ou. usando da lin-
guagem cssica. - MíWI V communii. Una arca communu,
eneo "tu atto, almeno 1/1 / t> ,t:a". #m lorno da qual M pousam
agrupar as acqnuiçoas futuras.
u
* O texto romano di/Ja: —
Qaibui aulcm permitiam aí ror pus kahsre collegH, foci*'tati*
t
sim cujusqm altcrma rum nomine, proprium e*4, ad escemptum
\raÍp*Niem
%
hatxra rm emmum . arcam eomwimem, ai actor*,,,
»- - 'I , per quem Unquam in republica, quod communh
> tjmopertaai. acatar, fiai. — Dig. /-3, t. 4, § I
S—ta leito traU-se, segundo se , de entidades reeul-
tentes da união de pessoa* plircas « amhartmn mwmm*rnm,»
taes come, collema, m rim, '*'-*, m4*l*ú\ ele. -, nâo se
ignora, poré», qu reconhecia capa-
is, ea,e me-io» 90$.
— 77 —
cidade jurídica a certos estabelecimentos de utilidade publica, e até,
a determinado conjuncto de bens ou interesses, qual succedia com a
herança jacente, de que já se disse.
14ft
E não ha negar. Assim como a theoria, que na pessoa
juridica uma simples ficção legal, logrou tornar-se a doutrina da
escola, assim também, a theoria, que restringe a capacidade da
pessoa juridica aos direitos patrimoniaes e relações correlatas, tem
sido, e continua a ser, a lição corrente da maioria dos autores.
Savigny definira, mesmo, a pessoa juridica: « um sujeito do direito
dos bens, creado artificialmente,» querendo com isto dizer, que a
sua capacidade era restrieta, isto è, podia estender-se ao direito
dos bens.
150
Maynz, referindo-se ao assumpto, disse igualmente: «
Ce qui caracterise ãonc essencielle-ment la personne civile
%
c'est
qu'nn être, qui n'est pas individu kumain, a reçu la capacite
d'acquerir et d'avoir des droits. Cette capacite ne se rapporte
qu'aux droits patrimoniaux: aucune loi ria jamais attribué des
droits personnels aux êtres que nous de-signons par le nom de
personnes doiJ.es.»
161
E Laurent, depois de affirmar que as pessoas
moraes ou civis não podem ter, senão, uma capacidade restrieta em
vista de preencher a fmicção, que
149
Debaixo do titulo de « univereitas » o direito romano eomprehendia
igualmente: o Estado, as províncias, os municípios, as communas, (vici) e
as colónias. Considerado como pessoa de direito civil, o Estado era de-
nominado cerarium ou fiscus. Os estabelecimentos de utilidade publica ou
benefincia eram diversos, taes como: hospitaes (noaocomia), asylos de ve-
lhos, de recem-nascidos, de orpos e pobres (gerontocomia, brephotrophia,
orphanotropia, ptochotrophia), etc, etc. Van-Wetter, Droit romain, t. I
o
,
§§ 54-57.— Quanto à herança jacente, são vários os textos,, que a reconhe-
cem sujeito do d
:
reitos. Hereditcu persorue vice fungitur, sicuti municipium et
decuria et societas. (Dig., I. 46, t. 1, 22-, Ibidem, l. 41, t. 3,15; l, 43. t. 24,
13 ; I. 11, t. 1, 15: l. 41, t. 1, 34 e 61; Instit. I 3,1.17 , Ibidem, /. 2, t.
14).
«o Savigny, Traitéde droit rom., § 85.—Cf. Ribas, ob.cit., p. 108 sg.
M
Maynz, ob. cit., §107.
— 78 —
lhes cabe na ordem social, conclue por estas palavras incisivas:
"Aort de ees limitei eíles sont frappee* d
1
une incapacite radi-\
cale; cor ettes rfexktent pas, c'e$t U ncant, et le néant, certa
%
ne\
peut eontracter."
1W
Não é preciso dizer mais, sobre a doutrina da capacidade
restricta da pessoa jurídica.
22 b. Mas, em contrario do que acabamos de mencionar,
sustentam os partidários da capacidade plena da pessoa jurí-
dica,—que o erro da theoria da rt$trieçãa é tio evidente, como
o daquella que declara, que nm* ficção, um nado, é sujeito de
direitos e obrigações...
Certo, a es teno dos direitos ou a medida da capacidade
das pessoas jurídicas pode variar immensamente, segundo as
faculdades próprias de cada uma, o seu caracter, publim ou
privado, os seus fios diversos, e outras qualidades e condões
intrínsecas ou extrínsecas, que concorram na sua existência;
e nem isto é de estranhar, orna vex que se observa facto a-
logo com relação ás pessoas physicas, si forem diferentes os
tlatus das mesmas. Mas o que também não é menos certo, e
se affirma, é: que, abstrabindo de taes particularidades, e en-
carando-se as petma» judica* sob o ponto de vista gerai dos
Cactos, das leis positivas e, mesmo, da melhor doutrina, ellas
tem. ou podem ter, uma capacidade jurídica plena; e esta ple-
nitude se lhes deve sempre presumir,—ao menos que haja texto
de lei expressa que a restrinja
m
Pelo menos, outra o pode
"* LttSf i«l. /VMOJK* <f« *W rm0, 1,1, o*. -*.-7. 91, tB* *# l XVI.
e§.— Win<Lart«*4 «*a&a. qoe - Jmtiiimke ttfiwmm kfamm tndtfmt wm
CVtftttâOSjt*. < Mfkim **é TffMlàtiiim mim mmi mmém, mm aaMrivA*"
<o». ««.. -. B rmMm^ÊÊOmWi ffessffv» -Hsfcf ....fli iHifti
fmtmm m flcMr/«Jr M '•-" i ' "% patnaxtétÊL dhf mm» M i*m)m* tmmuw
£o». eis., 1 U,9. ie: s i:- CL àMm^atmm\m\m\,Vm\^Wt,amam\
t
aafákese. et mX. v 17»
I
— 79 —
ser a opinião dos que consideram a pessoa juridica, nm ente
real, e não, um simples nomen júris, como erradamente se tem
ensinado.
Seria desnecessário declarar, que os direitos de património
e das obrigões constituem o elemento essencial da capacidade
juridica das pessoas de que se trata, desde que não poderiam
ellas ter existência effectiva sem o uso, ao menos potencial, de
taes direitos. Masé de lembrar que,—de condição semelhante,
também não podem prescindir as próprias pessoas physicas,
desde o momento, em que se apresentam, como sujeitos de di-
reito, na ordem social.
Isso, porém, o repugna, que as primeiras possam exercer,
com igual plenitude das segundas, os direitos das cousas e das
obrigações, segundo for mister ou conveniente, enão somente,
da maneira restricta, que se tem pretendido.
Refutando, a este propósito, a opinião de Laurent, de que
os limites da capacidade de uma pessoa, creada para conseguir
dado fim, são os consignados no próprio fim proposto, ~ replica
Heisser com toda procedência:— que não basta conhecer o fim
de um ente collectivo para medir a estensão da sua capacidade
juridica, porque as necessidades variam, e a satisfação delias,
nos negócios da vida civil, ora é mais, ora é menos evidente e
immediata.
104
De facto, salvas as restricções, que nos casos particulares
são estabelecidas e devem ser guardadas, em attenção â razões,
e motivos, que agora não temos que examinar,— a capacidade
154
Heisser, Btude t>ur les personnes morales, p. 157.— Cf. Oiorgi, loc.
cit., p. 266: « Per me, la condizione ãelle persone giuridiche in tema di diritti
patrimoniali non puô essere diversa da quella ãelle persone fisiche. Mi pare
cosa chiarissima... Lo ãice Varfcolo 2 dei códice civile, quando attribuische ai
corpi morali legalmente rieonosciuti IL GODIMENTO DEI DIRITTI eivai, SECONDO
LE LEQQI E ou usi OSSERVASI come diritto pubblico.
— 80 —
das pessoas jurídicas, qaanto aos direitos patrimoniaes e ás
obrigações, deve coraprebender:
a) a propriedade e todas as suas modificações ou relações,
ou em outros termos, os direita reaes com os seus modos de
acqutsiçao, alienação, transmissão, posse, uso, etc.;
b) a acquisiçio de bens por successão testamentária, ou em
virtude da lei, ou por actos de terceiros;
e) o contrabimento de obrigões, activas e passivas, nas
suas modalidades diversas, convencionar» ou nào-conveneionae*^
sem outras reservas, senfto squellas, que forem probibidas pela
lei, como succede igualmente com as pessoas pbysicas.
,5I!
Não é mister fazer orna demonstração documentada destas
proposições; porque ellaa synthetisam factos, que se verificam,
cada dia, na ordem social e judica por toda a parte.
22 c —No pensar alguns, ainda o es dito tudo;
porquanto nem sempre é uma verdade diser, que a capacidade
da pessoa jmridita, quer considerada como individualidade die-
tincta, quer como um lodo ewt, m etgota com o goso dos di-
reitos patrimoniaes. {Unríektia aher tsf diê immer wiedrrhh
rende Behauptuny, dam âh IndividuairtekbfUhiylceit drr Kor-
rtchaft §irh m ihrtr VsRMOOBlIsrÂHIOBtlT RasciiÕPfB).
u>
Pelo contrario. Temos nas suas espécies diversas, desde a |
mais importante delias t comprebensira de todas, o Ettadê, a
»» VMe: CHavsjl, ISS. **., ». 1I0-1II. a. -- <->>rk. /•« Ou mm
"-'" • S. Hl.
** Olsikt. Um. «ri» , fw 1*5. He tiw-saefuieesta esto* rafava,
«B ««tes lagar awiaiav «• mmam ptivtliaa, «sai n lista és fas-
eastes (ilsasttiiliiM «á\r mtfmmmm * mmkmn m^mmmm fm)em,\ f
109}
Casa» sfttlfti éi r if itmiijm+AmimmmmmmrtimmtmÊB.
nua » est eaarw *af .finas, »\mm M mr. Hs**si itn, t, ser
— 81 —
a menos importante, como seria talvez de considerar a asso-
ciação privada de simples recreio, que as pessoas jurídicas
exercitam realmente direitos que são por natureza, não só, in-
dividuaes, mas pessoaes, isto é, direitos próprios da pessoa, é
não strictamente reaes, na significação technica deste ultimo
vocábulo.
Deixando de fallar àoEstado, em favor do qual se podem ai-
legar razões, que talvez o podessem caber á sua qualidade de
pessoa jurídica somente, é impossível negar, que muitas outras
pessoas jurídicas, de caracter collectivo, se apresentam na ordem
social, ao lado das pessoas physicas, ou ao lado de outras pes-
soas jurídicas, revestidas de direitos pessoaes (Eeehte an der
eignen Person), taes como: direitos de estado ou posição, domi-
cilio, nacionalidade, nome, firma, sello, armas, di&tinctivos ou
marcas (exclusivas de commercio e industria), privilégios, etc.;
direitos, todos elles reconhecidos e garantidos pelas leis, do
mesmo modo, que se com as pessoas physicas em casos aná-
logos. Até os direitos ou privilégios de inveão lhes tem sido re-
conhecidos pelas leis.
157
De facto, não se ignora que, conforme o
direito vigente nos diversos paizes, as pessoas jurídicas tem
capacidade reconhecida: 1) para se apresentar, em seu próprio
nome, aos poderes públicos, requerendo e sustentando quaesquer
direitos ou pretenções legitimas, como fazem os indivíduos par-
ticulares ; 2) para crear ou organisar, por si sós, ou associadas
com outras pessoas physicas ou jurídicas, instituições de bene-
ficência, caridade, instrucção e semelhantes, exercendo sobre
ellas a precisa fiscalisação; 3) para confeccionar e promulgar
p. 54; Mantellini, Lo Stato e il Códice Civile, I, p. 45-46, (apud Giorgi,
too. cif., n. 109). 2
Gomo partidários, de que dita capacidade se esgota com os direitos pa-
trimoniaes, oitam-se especialmente: Unger, Amdts, Scheurl, Vering, Gen-\
\gler, Koth, Stobbe, e Làband; apud Gierke, ob. cit., p. 145, nota 1.
187
Gierke, ob. cit., p. 146.
6 R. c.
S9 __
regulamentos dos seus serviços, impondo nelles obrigões e
penas aos seus subordinados; 4) para exercer mandatos por
conta de terceiros; 5) on bem assim, para acceitar e desempe-
nhar outras funões alogas de caracter manifestamente pe$-
8úàl
t
como as de sono, liquidante, syndico, arbitro, e gestor de
necios alheios; 6) para deliberar e usar do direito de voto ao
lado dos indivíduos nos negócios que lhes são concernentes;
etc., etc. Algumas pessoas jurídicas, alias, do direito privado,
ha, que gosam mesmo de regalias que entram na esphera do
direito publico, como por exemplo: arrecadar taxai e tributos,
ja em beneficio próprio, por conta dos poderes blicos, ou
a emittir títulos, que circulam, como moeda, etc. *" Por outro
lado, inclue-se igualmente na sua capacidade jurídica, nâo ao,
o dever de sujeitar-se e satisfazer nominalmente aos diversos
impostos públicos, como até, o de soffrer penalidades, taes como
multas, suspensões, e outras.
À própria capacidade de delicto (MilhfHUigkeit i lhe teu
sido reconhecida. Si a ia de pena corporal repugna com a
natureza da pessoa jurídica, —o mesmo nâo succede com a da
satisfão do damno, causado pelo delicto. B como o acto do
orgâo ou representante da pessoa judica é considerado, acto
delia ppria; segue-se, e com razão, que a pessoa jurídica
pode, cimlm#n
t
ter inculpada, como autora de delictos.
m
Om, nao é preciso acerescentar que, senão todos, certa-
mente, a mor-parte dos direitos oa faculdades, acima enume-
rados, e outros semelhantes que se omittem no momento, sAo
Hl f^tf^e^wB 4vY*iMfcaJ4k át^a sa**4MÉ^A^v4_m itiMWtf Atftfitfv sw* ÉattiirV ÉLS^CM ÃÉÊ ttflfe
tsaa> a a» «** « /**«** ê* m*» k* » ; t) ia» Mfwaia». é sa«isl» *«
tlls. ih r * awfcsft SY Triar ii rrrf-f-
— th ÍMIIII fcs, firisrti.iiiisifrnrrtlir-r^^rn''»*— p. tu
ai. OL Wksiasfesli. sk «a.
f
| tê, p. m
— 83 —
por demais distinctos, para caberem na espliera, única e res-
tricta, dos direitos patrimoniaes somente (wélçhe einerseits Indi-l
viduálrechte, anderseits, entiveder Uberhaupt nicht oder doch
nicht ausschliesslich Vermõgensrechte sind).
ieo
Insistindo sobre este ponto, Gierke observa: « Apegar-se á
ficção, de qne, fora do direito da família, todo o direito se reduz
ao direito das cousas (Yermõgensrecht sei), seria desconhecer, não
, os direitos pessoaes (die Persõnliclikeitsrechte), mas também
os direitos intrínsecos da associação (dieinnerenKôrperschafts-
rechte). E no entanto os últimos também lhes pertencem, como
direitos manifestamente perfeitos (voll ausgébildete Rechte),
sem terem, als, no todo ou, ao menos, exclusivamente, um con-
teúdo de direito real (entweder iiberhaupt nicht oder doch nicht
ausschliesslich VermogensrechUichen Inhalt haben)...
161
Em verdade, como sustentar, que a pessoa jurídica é
capaz dos direitos reaes e relações resultantes destes, quando
não se ignora, que as pessoas juridicas-associações, de fins mo-
raes, religiosos, artísticos, litterarios, scientificos e semelhantes,
apenas de modo secundário, cogitam de direitos ou relações
patrimoniaes, sendo institucionalmente, como são, de natu-
reza diversa, tanto o seu objecto como os resultados, que se
propõem conseguir?! Não; a theoria, que restringe a capaci-
dade da pessoa jurídica aos direitos patrimoniaes somente, o
pode ser acceita, sem contradicção flagrante dos factos.
16
° Gierke, loo. cit., p. 146, e 162 sg.
161
Gierke, ob. cit., p. 165, nota 2; signanter, p. 630-638 e sg.
Negulesco (ob. cit., p. 176-79) cita, com approvação, a seguinte opi-
nifto de Trarieux: *La capacite de la pcrsonne morale erribrasse tom les droiis
civils que peut avoir dam notre soúêté la pcrsonne majeure et reconnue par
la loi»; invocando, em favor desta capacidade plena da pessoa jnridtca,
nfto só, a opinião de Potbier {Traité des personnes, t. VII), como ainda, as
decisões dos tribunaes franoezes a esse respeito.
— 84 —
22 d.— Um doa direitos ndo-reeet, que se tem contes-
tado, em particular, à pessoa jurídica, é o direito da honra; par-
que, diz-ae, sendo a honra um aitributo do homem, a este,
individualmente, pode attingir qualquer offensa feita 4 sua
honra.
11
»
E\ como se , uma razão tirada da doutrina que, conside-
rando a pessoa jurídica, uma simples ficção, nfto pode, por isso
mesmo, admittir que ella tenha honra, istoé, que possa ser offen-
dida nesta qualidade. Mas, semelhante razão carece de proce-
dência. Si os indivíduos, tomados isoladamente, tem todo direito
a ser tratados com respeito, o se lhes pode contestar, funda-
damente, o mesmo direito, si. organizados em associação, tile*
constituem agora uma pessoa collectiva, seja ella de caracter
publico ou particular- « Mwtêchên, dk in ihm sWieseWIrsj
FUrtiektrin Anspnich auf Achiung ihrtr Eintrtpertlmlkltkét
haf" n f "im> n, auek in Arras organitirUn Verbanddtben WWH
ah '•' ' - *' An*prmeh auf Afhtung <*r#r Oepammtpfrtimhrh-
Por certo, a honra não aproveita somente ao Individuo
isolado;ella lhe serve de escudo na vida collectiva j queremos
dizer,—d* consideração publica ou social, o vivem e prospe-
ram os imdthim somente; el afecta e interessa, do mesmo
modo, ãa instituões ou associações, inanindo a* vezes poder©-
sãmente na própria existência e fins destas.
Pelo que respeita ao direito positivo braxileire, ** pe
rece -imptasmeete contradictorio oa injusto, ©que ee mesmo et
acha c a poli essqaaate de um ledo, se ne$a que m
Sv II
11* (*à »!
— 85 —
associações ou pessoas jurídicas do direito privado sejam susceptíveis de
offensa da injuria ou calumnia, pelo motivo acima alle-gado, de outro
lado, se reconhece, não obstante, que a injuria e a calumnia se podem dar,
e serão puníveis, quando feitas á «corporações que exerçam autoridade
pública.»
lfl4
Não ha duvida,— achamos inteiramente justificável, que o direito
positivo não deixe ao desamparo a honra das corporações publicas; o
que, porém, estranhamos, é a carência de lógica
164
E' o que se acha disposto no Cod. Pen. Brasileiro, arts. 318, letra
a, e319§l.°A este respeito se pode ver -. Acc. da Corte de Appel-lação
do Distr. Federal de 28*de Out. de 1898; ld. da do Estado de S. Paulo, de 5
de Julho 1899.
Quanto ao mais, é de notar, que o teor da lei e jurisprudência do
Brazil tem sido sempre o de reconhecer inteira capacidade a pessoa jurí-
dica para todos os actos e factos concernentes ao seu objecto e fins. E, sem
duvida, por ser esta a doutrina dominante, é, que o autor do Projecto do
Código Civil da Republica dos Estados Unidos do Brazil se exprime sobre a
matéria por estes termos: « A capacidade das pessoas jurídicas é a regra,
e a sua incapacidade a excepção. E' assim, que* podem adquirir e possuir
bens, por qualquer forma ; lhes é permittido contractar e estar em juizo,
defender seus direitos, etc. etc. Si a lei estabelece certas rostricções, ó a
bem do interesse publico.—Felício dos Santos, Broj. do Cod. Civ. Bra-
zVeiro e Commsntario, art. 156.
Segundo á nossa legislação vigente, sâo modos legaes de obter a
capacidade jurídica:
1) As sociedades civis «lato sen» pela celebração do contracto so-
cial, feito pelas partes componentes das mesmas (Consolidão das leis civis,
art. 742 sg.) Discute-se sobre a necessidade de ter, ou não, forma es-
cripta, o contracto da sociedade alludida; sendo de melhor parecer que a
tenha.
2) As sociedades mercantis, que não revistam a forma anonyma ou
de coramanditapor acções,—comoarchivamento do contracto no registro
do commercio-(Cod. do Com., art. 301).
I 3) As associações de fins religiosos, moraes, scientiflcos, artísticos,
políticos, ou de simples recreio, (Const. Fed.,art. 72, § 3°) como archi-
vamento no registro civil dos seus estatutos ou outro instrumento da sua
fundação, devidamente aufihenticados (Lei n. 173 de 10 de Setembro
de 1893).
— 86 —
jurídica, recoubecendo-se num caso, como applicavel à natu-
reza de um ente. a mesma disposição qu num outro, 86 recusa
ao ente de natureza idêntica, por motivo desta natureza! ...
23.—Ji tivemos occaaiio alludir á capacidade da
pessoa jurídica em maria de delicio. Completando o mesmo
pensamento, ajuntaremos agora ligeiras considerações, no sen-
tido de demonstrar a sua responsabilidade, pecuniária ou civil,
pelos aeU$ tilicko* em geral.
Ij As eetkdede* aaoa> ata» s as de coraraandita por acções, suar
IN» objecto aeja civil, quer cummereiaJ. com o preenchimento éns condi-
çOe* qtM a csa ieçiftSo particular prescreve a esse respeito: (Laís. tl
At Vmst; Doer. a. 8flU Se MK; Doer. do Oov. Prov. u Mi ti.- 1M«0;
Decr. n. 431 és 1 de Julho és i*'»i .
*) Oê vadJeatos agrkoia*. revcetidot és eepaejdado jurMIsa. vir-
tndp és M (Dsar. a. ST» de S és Janeiro és ItQt) te» a «as at»aaanK—.
fitrt aV fiMn-afir rMfrieito as eee» (Dear. «ri.. afl. 2*J.
«I At msfrtalcae* pisa <w randaeftee faatiadn o sss lastitaidor for.
o Betado ss parttralaras) --ss selas dbpoalf«es da tet élrsctajaeett, SB
p*k- SUS és .3lçSo eateftraéste <W*Ua fora* QM n tf és StJS;
Ma. téeMffsM SsISOe*. !«l :sà%,—*lês: aCarra»»- a*. ctt..| srte.lfl4iai)
nonatoár*paclaed«da certa*pessoasjaridk** d^m^mi.| sssnseoamr-•'--
;:- &i» ~ âMfSfaspfai aV t^meH», «dever o ases respHtoj ss éfess é ff. 72
anterior, s mais: Ctnst. **** art. H, 1S
(
Dssr. a. llt A |és PN; LsJ a. ITS
és lt*S: A*, év, fai n a* é» IStJ
Haaiada «nas paswoa* )arídka*, «aja rapa HaéesAss vtêss,
os «a firmes és abanes sai rtnsli asjialal és sedar pastas, Tass aSa i
as Basco* és eeeas os rtreatarAe, eae SafMwiam ét aats mf>> teu**; fj
sa H—ma és «ra4i»o l»el» SS SMaSSB ptoa, maalre és Samarra ss és
s%séaés,ss estias ecaaomlges asaariiAidas saswas BHrtess» ss
«- 1 - — -^J^^ ,ua>áU»a - i - i-«-iJLiM * - -*—• JU »íi_.-l,, m~ uwéilit -
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avt *>i L*í a áM a* MaV m. S. tt*t és L"**;L*t e.ê» és MM,
— 87 —
Antes de tudo, importa lembrar que, como traço fundamental,
que distingue as pessoas physicas, das pessoas jurídicas,
sobresalie o seguinte: que as primeiras, sendo pela natureza dotadas
de intelligencia e vontade própria, querem, deliberam e agem por si
mesmas, relativamente aos objectos ou fins que se propõem,—ao
passo que as segundas, sendo creações ou organi-sacões das
pessoas physicas, os actos tidos, como manifestações do seu querer
e deliberação, são necessariamente praticados pelos seus
representantes, cujas espécies variam em origem e estensão de
poderes. Quaesquer, porém, que estes sejam, ha um principio
essencial predominante: é que os mesmos agem, como e#e-cutores
do objecto e fins da pessoa jurídica; e daqui o conside-rar-se, como
delia, todo o acto praticado pelos seus órgãos ou representantes, no
exercício das respectivas funcções ou encargos Sie gewinnt
Handlungsfàhigkeit nur dadurch, ãass das
arte. 8
o
e 45; Decr. n. 2979 de 1862; Decr. n. 493 de 1891; Decr. n. 727
de 1892; Lei n. 559 de 1898, art. 1, n. 26; Decr. n. 2769 de 1897.- Cf. C. de
Carvalho, ob. cit., arts. 158-166).
*ȇ
No que diz respeito às relações de hgar e de tempo, se observa:
1) o domicilio da pessoa jurídica é a sede declarada em seus estatutos
ou outro instrumento da sua instituição (Decr. n. 2711 de 1860; Id. n. 164
de 1890 ; Id. n. 919 de 1890; Lei u. 173 de 1893 j Id. n. 294 de 1895: Decr.
n. 2153 de 1895 ; Id. n, 2304 de 1896; Lei n. 905 de 1896, etc.);
2) a duração e existência da pessoa jurídica pôde findar: a) nos casos
previstos no acto da sua constituição; 6) cessando o seu fim ou se tor
nando impossível provel-o; c) pelo consenso de todos os seus membros,
quando estes tenham o direito de fazel-o; d) pela perda de todos os seus
membros, ou com a sua reducção a um numero tal, que, segundo a lei,não
possa continuar; e) por disposão da lei, acto do governo ou sentea ju
dicial. (Leia e Decs. citados-, e mais: Lein. 57 de 1835; Av. n. 324 de 1837 ;
Id. n. 85 de 1854, etc).
Incapacidade As associações ou sociedades, cujos fins forem illi-
citos ou reprovados, não podem ter capacidade jurídica; sendo, desde logo,
consideradas como taes, as sociedades secretas (Lei de 20 de Outubro
de 1823; Consol. das leis civis, arts. 744; Cod. Penal, art. 882; etc.)
Ifecaí éem Htmdiunyett gmmtr Mkm dt&&t$m
B&le *«7MT , ai» wãnm é$ Ifa»Bèm§m ém
jwututkm m~
Contra MU principio goral.
flA I
ofanoar, fjao jaaub foi kvaaudo obJao algum A procedeato
MM «tosado oo entra no torreão do pratico, « oai ao deoaaro&aai
oo oeUo feto* difortM, Maoaraeato* é pooooo jurídico, wr-
m, aa vexa», difíScaldodes boa MHOO, *ob o ponto do tuu
do direito a 4a jaotiça. Uao ai aaaoidVraa obrifo^feo da pM-
noa jaridlko, m iMofrootea do artoo logitioiM, fOfo<wodii» av
toda ó*. WMO«J«, asclaiodo. ntooooe. a» obrifoç5oo arovoaioav
too 4a iaexe< u.-ào do aetoo licito*. UM aooio, » abrifoo*
rMalUaiM 4a iofraocfo* oa rftofeçoM eootrocUMa* *. Outra»,
O«M raatrietJvM. adMÍtto«ar**»oaftobilld*Í« da pMãoajari-
dico aaa fofas» oa cmi^és u i IBA***. a ;.-.. . -.-« no IMM» ara-
Taatoatoo 4a aaa* tÊlntêm; »M aa aootio a aatotfdeo», doodo-M
a ctrcaattiaaeio oaaaarraata. 4a a » DOM Jaridka tor 4oai tirado
MM*, a» liai uto. a» a taportaacia 4o lacro «Uida. 0«UM
alada, aaoJawato, MM'tUa, a, alai da rido, «MI org ummto.
ai» voitoMO, aao oJU MOM4O. M a Metoa^ao 4a èrreMaaV
•*bil*d*da, «to ti» aoaaa, MM di*tioeçaa HmHmtim aa aofaa,
OMM M arotoaaa; #ao, aa aaatfarla, aoaaaa flartdioa doto
rMf»odM ojHf a* PMM ta» priactoM. M* U4M a* n tof 4M aaao
IOMMIOUSIM^ o>oaaa|aar ajrife» -•
â aaafaa4***aul. aa» sjaa m 4aaa afasto*"«ta>
Mia, ê Urodo 4o pioprsa aoiarMo, a** aunboMj á OMMB
M
U
IH
*»
mm
» ****4ÍHHHflHi^Liflllii^Li^LH
owaa» li<itia>M aaa a W
w.
— 89 —
conseguintemente, ella não poderá jamais ter occasiâo de fazer
o mal, isto é, de tornar-se responsável por actos illicitos. Como
ficção, que é, ella seria incapaz de assim fazel-o por si mesma;
e si os seus representantes tal o fizerem, serão elles, e não a
pessoa jurídica, os responsáveis do mal feito.
Deixamos de discutir, no momento, o acerto ou desacerto
que, porventura, exista nesta conclusão ;
16C
apenas, diremos de
passagem, que os partidários da doutrina opposta, isto é, da
responsabilidade da pessoa jurídica, pelos actos illicitos pra-
ticados em seu nome, allegam também por sua vez: Que é um
principio de razão e justiça, evidente por si mesmo, " que cada
um deve responder, ou dar a devida satisfação pelo damno, que
de seus actos resultar a outrem''; e que, como os actos dos repre-
sentantes da pessoa jurídica são, irrecusavelmente, de conside-
rar actos delia, isto é, como si foram praticados por ella própria;
segue-se, que a mesma deve responder pelos damnos resultan-
tes, sejam os actos, lícitos ou illicitos, indistinctamente, indiffe-
rentemente, em relação ao lesado por taes actos.
23 a. Às theorias controversas, a que temos alludido,
sobre a responsabilidade da pessoa jurídica, se referem ou se
applicam, tanto às pessoas do direito privai-lo, como às do direito
publico. Não ignorada, porém, a diversidade de natureza, de po-
deres, de objecto, direitos, e fins, das differentes pessoas jurídi-
cas, é impossível haver uma regra geral, ou um mesmo estalão,
para, por elle, medir e resolver acerca das responsabilidades,
que, accidentalmente, possam caber â umas e á outras.
1OT
106
Diz Giorgi (ob. cit., p. 311): « Ma lasciando ai tcorici una inãa-gine
puramente dottrinale, egli è certo che le obblijazioni per ãelitto o quasi\ ãelitto,
civilmente intese, sono perfeitamente compatibili tanto in senso c.ttivo, quanto
in senso passivo, con la personalitá giuridica ».
167
Vide: Windscheid, loc. cit., e notas á p. 231 sg.
— 90 —
Peto qm respeita às paisana jaridicas áo direito pai
sstadaatfate o Eatada, a reapoaaabtltdade desta, patos acua
>caa rspresaataatas os fanteioaariat, régs«aa aabidaateaU pai
dtsftjeAsa, aa reatei. aapectoliariaua,a qoe • acoberta* ead
regalia*, iaaaçôtt a privilegies, aegando aa caaai a as arcam-
•Uscias»
Igselmeate.pelo aaa respeita áa pessoas da direita privado
aáo ebsuaU lase tarem applicarei* aa rsarsa ferae* do direita
eftrtl oa commereia), eommsm a Udaa alias; aia raro, um bem |
ti eecsatraej preceitee psrtkslsres maa moditcam a isepoo»aet«
lidade daa me*mas. paios */4at 6* asse represe ataeua. Da ma
lada, a própria lai deixa, sempre em caaipo assas vasto de sr»|
Wtris aa esareoçosa dos iedieideoa,aa tareai da ergaakar oa
iaetitsJr ema pessoa jaridfca, as tosaste âa reapoaaabiltdades
faUraa dêlla \ 4a ostro lado, o podar pebliee eosesde. m festa,
eams taotss rsf lisa, meaçèsse pririlogios, s dounaiaadas asa»
soes jart4 asi rwu da» esatefeas. fM etlsa desces tratar as
iaur*aas psblfc* as Wm eommem 4a eaetodade, R «Uai a »#*
eeassdmfte de saWfe áltirsts, as a***ciec4o da rsapectira aas*
ptSiníHl*iÍ|.
Escorramos asai qeasu tas pareças eeareaieaU dissr
S sss*idofar
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p* - • * acarta das tseoria* ref«*este*
à psBasa|sfidirat a tasla aa eira acoita» IWess aa natal ti ia
Uca4a»dite»*--.*.»* t - * » » - - - - araaaeeaAauurtaprapfU
fereaseafa» ttstji», pess alada «atitar csasfdetar aa raatas. aaafa I
aa--------1 uiuml* **s wr Imf aa t—mu 4a ng Isridlea
TITULO PRIMEIRO
INDICAÇÃO DOS SYSTEMAS
CAPITULO I Vista «geral da
questão
I A SUA PHASB ACTUAL
24.—Ha cerca de quarenta annos, que a importante ques-
tão da "responsabilidade civil do Estado" tem sido constante-
mente apreciada e debatida por escriptores eminentes,
1
assim
como, considerada nas decisões dos tribunaes administrativos e
judiciários das nações da mais adiantada cultura jurídica, sob
0 ponto de vista especial das razões e princípios, que devem
regular a matéria.
Entende-se,que a personalidade politica do Estado moderno,
livre, constitucional, pode ser considerada, como inteiramente
caracterisadae definida em todas as suas modalidades diversas,
-
.....................................................................
' - -
1
l
Tomamos, para apoio do nosso asserto,— o trabalho publicado por
H. A. Zachariro, Ueber die Haftungsvtibindlichkeit cies Staats aus rechts-
widrigcn Hanãlimgen und Unterlassungen seiner Beamten, na "Zàtschrifl
fúr die gesammte Staatsicmenschafi", p. 582-652. — Ttibingen, 1868.
— 92 —
com os seus direitos e obrigações ou responsabilidades concer-
nentes, desde a sua forma mais simples de Estado unitario,\
até a sua forma composta, e assas complicada— da Federação:
tudo esta previsto, analysado, e assentado, ao menos, nos do-
mínios da tlieoria. Não succede, porém, o mesmo com os factos
diversos, que constituem ou se referem directamente á pessoa
jurídica do Estado.
Entre esses factos, todos sabem, nenhum reclama certa-
mente exame mais criterioso, do que o da responsabilidade ãi-\
recta ou indirecta, que deve caber â pessoa jurídica — Estado,
pelos actos dos seus representantes, nos diversos casos e cir-
cumstancias, em que o alheio direito possa ser lesado.. .
2
Não basta que o direito civil moderno reconheça o Estado
entre as pessoas jurídicas; é mister saber, é preciso declarar com
razão fundada, quaes são os direitos e obrigações de natureza
civil, que podem ou devem caber ao Estado, encarado sob o seu
aspecto particular de pessoa jurídica.
Está elle sujeito, igualmente, como as pessoas particulares
physicas ou jurídicas, ás regras do direito privado, e obrigado,
como estas, a responder perante as jurisdicções ordinárias? Deve
ser elle considerado fora do alcance do direito privado, pela sua
qualidade essencial de-poderpublico, não obstante a pratica quo-
tidiana dos actos e factos, que, por sua natureza e fins, cahem
sob a saucção irrecusável daqnelle direito, taes como: as rela-
ções de propriedade, dos contractos, das obrigações civis, contra -
hidas, activa e passivamente, com os indivíduos particulares ?
Não é licito desconhecer ou dissimular os grandes e legí-
timos interesses de justiça, que estas questões envolvem. E no
entanto se pôde até agora affirmar ousadamente, que, a respeito
2
Advertimos que as omissões do dever, susceptíveis de lesar direitos
individuaes, são consideradas, salvas as restrieções necessárias, como si
foram actos positivos, para o fim da responsabilidade civil do Estado.
PI
— 93 —
das mesmas, nada ha ainda de satisfactorio ou definitivamente
assentado, nem na theoria para, nem na pratica das leis e da
jurisprudência.
Devido, talvez, em parte, aos elementos históricos, que
entraram na formação politico-jurídica do Estado, —elementos
de facto, e razões predominantes de principio, diversas quasi
I sempre em cada Estado; o certo é, que não se tem podido es-
tabelecer até agora um conjunto de regras geraes, que sirvam
de normas certas, seguras, & sua acção e relações de caracter
puramente social ou privado, como pessoa jurídica. Entretanto,
se torna manifesto que, dada a tendência da legislação actual
de collocar a pessoa do Estado, demais a mais, em condições de
certa igualdade relativa com as outras pessoas da ordem jurí-
dica,—fora mister definir, desde logo, de maneira explicita,
talvez no próprio direito constitucional, os direitos e as respon-
sabilidades civis do Estado,— do mesmo modo que se costuma
| fazel-o, quanto aos seus direitos políticos. Não é preciso dizer,
que a simples declaração, que naquelle direito se encontra acerca
dos direitos individnaes, que o Estado se compromette a respei-
I tar e garantir, não basta para, dahi, inferir-se com segurança,
qual seja a capacidade da pessoa jurídica on civil do Estado
nas suas diversas relações.
25. Em busca de solução, acceitavel para esta questão, a
qual a todo o momento se impõe ã administração e â justa publica,
se acham, é certo, a caminho nas differentes nações cultas, o
só, os próprios estadistas, como primeiros interessados, mas
juntamente, os homens de sciencia ; tendo começado o movimento,
de modo mais accentuado, sobretudo na Allemanha, t e (1'alli, se
communicando sem demora aos demais Estados da Europa.
No Congresso Jurídico (dem VI Juristentag), reunido na
Allemanha em 1867, a questão fora proposta nestes termos :
— 94 —
«Deve o Estado,assim como, respectivamente, o Município, res-
ponder, em geral, pelos damnos e prejuízos, que os seus func-
cionarios causam a terceiros por violação proposital ou culposa
de seus deveres e, no caso affirmativo, de modo primário, ou
somente subsidiário?— «Soll der Staat, beziehungsweise die\
Gemeinde, fiir Scliaden und Nachtheile, wélche die von ihren\
angestellten Beamten durch vorsãtzliche oder Iculpose Verletzungl
ilier Dienstpflichten einem Dritten zufUgen, uberhaupt hctftenl
und, bejahenden Faltes, in erster Reihe unbedingt oder subsi-\
ãiãr ? »
Sobre a questão apresentaram parecer Zacharice e Blunt-
schli: o primeiro reportou-se as ideas, emittidas no seu tra-
balho de 1863 {nota 1 retro); o segundo, collocando-se exclusi-
vamente no ponto de vista do direito privado, resumira a sua
opinião dizendo: que, em principio, não se pôde admittir a obri-
gação de indemnisar por parte do Estado (eine allgemeine
Erzatzpflicht ães Staates nicht anzunéhmen sei); mas que, isto
não obstante, se devia reconhecer excepcionalmente dita obri-
gação, na concurrencia de razões especiaes (ausnahmsweise aus
besondern Grunden) ; devendo-se então decidir, segundo o fun-
damento jurídico do caso,—si se trata de uma obrigação pri-
maria, ou somente subsidiaria.
8
O relator vonStõsser collocou-se
ao lado da doutrina sustentada por Zacharice,* ao passo que
Brinz e Mandry sustentaram que o Congresso devia adoptar as
idéas de Bluntschli. Por proposta, porém, de Gneist, a As-
sembléa se manifestou afinal deste modo: Que, por certo, o
Estado (assim como o Município) devia responder pelos
damnos e prejuízos, causados a terceiro pelos seus empregados,
com violação proposital ou culposa de seus deveres; mas que,
8
" Verhandlungen ães VI ãeutschen Jwistentags", I, 45-52.
4
Em outra parte encontrará o leitor noticia desenvolvida das idéas
de Zacharice sobre a matéria.
— 95 —
quanto às condições desta responsabilidade, havia a necessidade
de discutir, mais uma vez, esta questão em particular, o que
deveria ter logar no próximo Congresso Jurídico.
B
Em 1869 C. von Kissling apresentara um novo parecer
sobre a questão, no qual procurou justificar a responsabilidade
de Estado e do Município (Qemcinde), apoiando-se, principal
mente, em raes de ordem politica (aus rechtspolitisclien Grtin-
den). ° E finalmente, em reunião posterior do Congresso (1871),
a questão sendo trazida ao debate, o relator Primker (Jus-
tizrath), depois de uma exposição assas detalhada « contra a res
ponsabilidade do Estado, considerado como Governo, pelos actos
de seus funceionarios», concluirá opinando, que a alludida res
ponsabilidade do Estado seria justificável: a) quando dahi
proviesse lucro ao Estado; b) quando em outros casos o dever,
violado pelo funccionario, tivesse fundamento no direito pri
vado, a dizer, quando esse dever se referisse a administração de
dinheiros e cousas, incumbentes ao Estado (wenn diese PJlicht
die dem Staate obliegee Verwaltung von Oelden und Sachen
betreffe)
1
. I
A discussão, havida no ultimo Congresso, o se cingiu às
condições, sob as quaes entendeu o de 1867, que seria admis-
sível o principio da responsabilidade do Estado; pelo contrario,
renovou-se a questão de principio, isto ê, si o Estado pode ser
declarado, ou não, responsável, como regra geral; chegando-
se, na conclusão dos debates, quasi sem difierença, ao mesmo
ponto, a que chegara o Congresso de 1867. Em vista do que,
propusera Degerikolb, e, ao que parece, com fundamento, que a
solução devia ficar, inda uma vez, adiada. O Congresso, porém,
adoptara a proposta de Zacharice, exprimindo-se desta forma:
5
"Verhandlungen" oit., III, 55-80, 823 sg.
6
"Verhandlungen des XIII Jwvtentaga", I, 388-411.
7
"Verhandlungen des IX Juristentags"', III, 26-63, 340 sg.
— 96
«O Congresso Jurídico Aliem ão manifesta a sua persuasão,
de que o Estado deve estabelecer na sua legislação, relativa-
mente ao damno cansado por seus funccionarios, o principio da
responsabilidade directa do Estado. «Der ãeutsche Juristentag
spricht seine Ueberzeugung dahin aus, dass der Staat bei seiner
Oesetzgebung in Betreff der Schaãenzufíigung seiner Beamten
das Princip der direkten Haftungsverbindliehlceit des Staats zur
Orundlagp zu nehmen habe.»
8
Este voto do Congresso, por forma tão resumida, não podia
satisfazer evidentemente aos pontos diversos, que se envolviam
na questão. Não se podia mesmo dizer, si, em vista delle, a res-
ponsabilidade reconhecida do Estado se dava em todos os casos,
ou si a mesma admittia excepções, como, aliás, entendiam os
próprios partidários da responsabilidade : tudo ficou carecendo
de explicação. ..
A esse respeito Loening faz ver,
9
que Zacharia), o qual,
tanto no seu trabalho especial (nota 1), como em discussão no
Congresso, havia sustentado a responsabilidade subsidiaria, o
admittindo excepção, senão, em favor do que elle chamava
responsabilidade immediata, isso não obstante, formulara, elle
próprio, a proposta, agora adoptada pelo Congresso, e na qual
se estabeleceu, como regra (zur Grundlage), o principio da obri-
gação directa ou primaria do Estado. Epois, continua Loening,
si tão sabia corporação jurídica não poude chegar a conclusões
verdadeiramente explicitas sobre a matéria, também não seria
de admirar, que na pratica, quer das leis, quer da jurisprudência,
continuassem a reinar, como realmente succedera, a maior
incerteza e contradieções frequentes nos diversos Estados da
Allemanha. E, certo, accrescentamos nós, não fora, então,
8
Ibidem.
9
Edgard Loening, Die Haftwig des Staats aus rechtswidrigen Hand~
lungen seiner Beamten. Frankfurt a. m. 1879.
— 97 —
mais satisfactoria, a situação jurídica dos outros Estados da
Europa, notadamente, da Itália, França, e Bélgica, sobre tão
importante questão... #-
Mas o conhecimento, cada vez mais nítido, da gravidade
do mal, afectando, a um só tempo, a própria vida do direito,
publico e privado, não podia também deixar de tornar, de mais
a mais, intensiva a convicção dos competentes em toda parte,
de que era mister reexaminar e resolver a questão posta em de-
bate, encarando-a por todas as suas faces, — aferindo-a com
os bons princípios, e acompanhando-a em todos os seus efeitos
e consequências, para o fim de chegar á verdade procurada. E
se pôde affirmar que, como resultado de o legitimo empenho,
é agora assas valioso, quer pelo numero dos trabalhos, quer
pela excellencia dos autores,
10
o cabedal de saber e erudição,
consistente em obras especiaes, ou mesmo, em tratados geraes
do direito,—com cujo emprego se tem procurado bem elucidar
e decidir, nos diversos Estados (sobretudo na Allemanha, Itália
e França), o problema, realmente complexo e difficilimo, da
responsabilidade civil da pessoa jurídica — Estado.
25.—Não nos é licito adiantar juizo a esse respeito; quando
muito, se poderia dizer que, até ao presente, a doutrina, que
tem conseguido maior entrada na litteratura jurídica e na ju-
risprudência de vários Estados, ê, a de que cumpre guardar
uma distincção constante entre os actos de governo ou de sobe-
rania (jv/re imperii) e os actos, meramente administrativos ou
de gestão (jure gestionis), como regra fundamental da matéria;
doutrina, contra a qual se começa, entretanto, a duvidar, por
10
Para evitar repetições escusadas, não faremos desde logo uma re-
senha dos autores prinoipaes, que m estudado a questão, de que nos
occupâmos ; attenderemos, porém, a este dever, ao tratar dos systemas par-
tictãare.", que se apresentam na arena da controvérsia.
R. c.
— 98 —
não offerecêr, na pratica, critério bastante para a solução com-
pleta do magno problema.
De um lado, falta um ponto de partida seguro para marear
a distincção recommendada, e dahi a divergência, a contradic-
ção, as vezes flagrante, qne se da na classificação e apreciação
dos respectivos factos; de outro lado, também se carece ainda de
disposição geral do direito positivo, que, definindo os caracteres
da distincção referida, offereça á Administração e á Justiça os
pontos de apoio, necessários aos considerandos ou fundamentos
das suas decisões.
Além disto, seria de ajuntar, que ha Estados, nos quaes a
irresponsabilidade é ainda a regra predominante; assim como
outros ha, em que se tem admittido, ao menos em principio, que
a regra opposta deve ser adoptada, como lei positiva.
Onde estará a razão jurídica ?... Examinaremos depois.
Mas, si não é de boa razão, procurar a verdade das cousas
nos seus extremos, deve, com certeza, nesta, como em outras
questões, haver um meio termo preferível. O que não duvida-
ríamos objectar desde já, é: que seja de melhor aviso,—deixar
tudo ao arbítrio da jurisprudência somente.Não; o direito posi-
tivo deve traçar as suas regras sobre a matéria, pelo menos, de
maneira geral.
26 a. — Juntamente com o exame da responsabilidade
civil do Estado pelos actos de seus representantes concorre uma
outra questão especial, que não devemos omittir: é a da acção e
independência mutua dos poderes públicos, na apreciação e co-
nhecimento dos respectivos actos.
Cada poder tem uma esphera própria de acção, por assim
dizer, privilegiada, desde que não ultrapassa os limites delia ;
sem o que, não seria licito fallar de poder independente, nem,
o pouco, poderiam coexistir e agir de modo harmónico, como
aliás convém a poderes, sabidamente coordenados em vista do
— 99 —
interesse publico. O exame desta parte especial da questão
levaria à necessidade de bem definir ou delimitar os actos de go-
verno, propriamente taes, dos actos de pura gestão administra-
tiva, e bem assim, os actos discricionários da administração
publica, dos não-ãiscricionarios; afim de que a intervenção da
justiça, em favor dos direitos individuaes, podesse sempre ser
legitimamente exercida, mas, ao mesmo tempo, sem crear em-
baraço serio aos misteres do publico serviço...
existe, sem duvida, muita discussão luminosa, muito
ensinamento proveitoso, acerca destes assumptos. Mas, é for-
çoso dizer, uma theoria geral, uniformemente observada,
como regra de direito, revestida do caracter de universalidade
que converia ter, é. certamente cousa, de que se continua a
carecer na pratica do direito. Ao legislador constitucional,
mais do que a outro qualquer, parece-nos, deveria caber a rea-
lisação desta importante tarefa. assim, de um lado, a Admi-
nistração Publica (lato sensu) poderá agir, livre de tropeços, na
sua missão tutelar dos direitos e interesses geraes do Estado e
da nação; e de outro lado, os indivíduos particularese as as-
sociações privadas se considerarão, efiectivamente garantidos
contra os excessos ou violências da autoridade ou funccionario
publico, que venham, por ventura, lesai-os na sua liberdade, na
sua propriedade, ou n'outros direitos, que lhes pertençam.
10a
II. — OS SYSTBMAS PRINCIPABS
27. Semelhantemente ao que se com a pessoa jurí-
dica do direito privado, a pessoa jurídica do direito publico,
seja o Estado, seja a Província, seja o Município (ou outra ins-
------------------------------- .
10
* Sobro a maria da intervenção judiciaria, para conhecer dos actos
do Govnrno ou Administração Publica, se dirá, encarada a matéria sob o
ponto de vista da legislação pátria, no Titulo Terceiro, parte final deste
trabalho.
— 100 —
tituição publica revestida de personalidade jurídica
11
) pode
causar damno aos indivíduos ou ãs pessoas jurídicas particula-
res, por deliberações dos seus órgãos, ou representantes im-
mediatos do poder publico, ja era consequência de actos dos
seus representantes mediatos, a dizer, os funccionarios, agentes,
empregados, ou propostos do publico serviço.
O presente trabalho só se refere á responsabilidade por
damnos, imputável á pessoa jurídica— Estado.
12
Estado é um grupo numeroso de indivíduos, existentes em
dado território, unidos por instituições, e debaixo da autoridade
de um mesmo soberano. Encarado na sua forma concreta, elle
apresenta-nos: de um lado,—umconjuncto de poderes públicos,
cujos órgãos ou representantes immediatos exprimem a vontade,
deliberações e ordens do Estado, e um certo numero de indiví-
duos, que, como representantes mediatos, ou subordinados dos
primeiros, applicam e executam as deliberações ou ordens refe-
ridas; de outro lado, uma communhão de indivíduos parti-
culares, a collectividade social ou a nação inteira, á qual inte-
ressa, de modo directo, essencial e positivo, a acção dos poderes
públicos;— constituindo ella e estes os verdadeiros elementos,
todos os elementos, do próprio Estado. Ou dizendo em termos
mais precisos: os diversos elementos da multidão, povo ou não,
uma vez organizados, unificados e dirigidos conforme aos prin-
cípios do direito, são o que constitue o ente ou a pessoa politico-
11
NoBrazil não ó de regra revestir, de personalidade judica distinctaJ
aos diversos estabelecimentos ou institutos públicos. Quando se trata de
factos que interessam as relões jurídicas dos mesmos, são elles conside
rados partes integrantes do Estado, província ou município, á que perten
cem, e como taes, representados por estas ultimas pessoas judicas, activa
e passivamente.
12
o é preciso dizer, que, prinpios, seo idênticos, certamente,
análogos, devem regular a responsabilidade das outras pessoas do direito
publico, como a província ou o município, guardadas as modificações ou
restricçOes das leis peculiares à cada uma delias.
— 101 —
juridica, chamada Estado. Mas, como este, muito embora su~ jeito
real de direitos, não tem uma personalidade physica, como o
homem,— precisa necessariamente de órgãos ou representantes, os
quaes manifestem a sua vontade e a sua acção nas múltiplas
relações, activas e passivas, da sua existência.
13
Donde, não seria
preciso declarar, que, tratando-se da responsabilidade civil do
Estado, o que realmente importa ter em attenção, é o exame dos
actos dos differentes representantes do mesmo.
13
Em nosso entender, supposta a razão de distinguir entre órgãos e
funccionarios, seria adoptavel o seguinte critério: Órgãos do Estado,
são os indivíduos ou corpos collectivos, que, não tendo superior hierar-
chico, os actos dos mesmos, praticados dentro da própria competência, o
podem ser revistos por nenhum outro, visto serem elles os primeiros ou
immeãiatos representantes do poder e soberania do Estado. Taes são: o
Congresso Legislativo, o Chefe de Estado (Rei ou Presidente de Republica)
e o Supremo Tribunal de Justiça, dos paizes om que, como o Brazil, o Poder
Judiciário é igualmente considerado independente, como um dos poderes
políticos da Nação. Todos os demais representantes do Estado, ou melhor
dizendo, dos poderes blicos,—por menor ou maior que seja a esphera de
suas faculdades ou attribuições, são representantes mediatos, isto é,
funccionarios ou empregados públicos; tendo respectivamente cada um d
elles, ou a corporação respectiva, um superior hierarchico, cujas ordens e
instracções devem guardar, e fazer guardar, como nellas se declara.
Esta divisão nos parece acceitavel em geral, e pelo que diz respeito
ao Brazil, se de dizer que ella decorre da própria Constituição Federal, a
qual, declarando expressamente, quaes são os óros da soberanii nacional,
teve, sem duvida, em mente a representação delia em concreto, isto é, quiz
significar, pelas palavras empregadas,— quaes eram os representantes im-
meãiatos do Estado.
Outros estendem o qualificativo de «órgãos*, o só, aos represen-
tantes immiatos do Estado, mas também, aos funccionarios que tem o di-
reito de deliberar, despachar ou ordenar, por disposições da lei, a dizer: os
ministros de Estado e os directores geraes dos diversos ramos do serviço
publico. Mas, feita muito embora a distinão entre óros e funccionarios;
fique desde jã advertido, que os últimos não são simples instrumentos dos
primeiros -, pelo contrario, sob o ponto de vista jurídico, o igualmente
representantes do Estado, ainda que de competência muito mais limitada,
e como taes, capazes de obrigar civilmente o Estado pelas consequências
lesivas dos seus actos.
— 102
Com effeito:
1) O Legislador (poder legislativo) pode, sciente ou ios-
cientemente, adoptar resoluções que violem direitos individua**
adquiridos, ou de cuja execução resulte lesão á liberdade ou pro-
priedade, garantidas pelo direito fundamental da nação.
2) O Governo
M
pode expedir decreto?, proferir decisões e
despachos, ordenar a execução de obras, a instailaçfto de ser-
viços, ou empregar medidas de saúde ou de segurança publica,
que acarretem damnos inevitáveis As pessoas ou aos haveres dos
particulares;
3)0 Juiz ou tribunal de justiça, por culpa ou por simples
erro de officio, pode ordenar medidas ou proferir sentenças con-
tra a verdade dos factos e o direito expresso, consegnintemente,
lesivas dos direitos das partes;
4) A Administração Publica, finalmente,
u
a dizer, os vários
funccionarios administrativos do Estado podem, no exer-
u
A palavra Gotmnm, diz Bréraoud. designa, as Vfies, eenjuncto
do* podem* publico»; ò neete sentido que ss dl* governo paria nwttar,
governo menarchicj ou republicano, «Is. Noutra acepção de uao corrente
na linguagem politica, «lia designa o poder sx«cutivo por opposle&o ao
poder legislativo, o ao judiciário, ajustamos nos; ostras vexes, a palavra
Gorem», éeaigaa o poder central por ospotlcao as admlnUtraçoe* tosses
< <t* drt.it puhtiqt*, t. V, p. 80).— B' as safando desta* socopçOss
que ora s empregamos, querendo sáçuHlflsx * pedal m«n te: ss aetos do
poder oseeottvo ass asas relações com ss ostros poderes, nas asas rela-
ções is ordem internacional, aas medidas és segurança interna o externa,
nu exercido de soas ai tiko de nomear e jastitatr ss funoelosarles, ds
asar do direito do graça, de teor a guerra o ajustar a paz* e és ordenar
outros actos asm ! bentas de poder supremo.
• A aoMsis— 1». é tamm empregue* com eeoseçse*
diffei ates. Marias vexe* ê tomada por syaoaimo do O—m»; ass, em
jemj ssasjdo mais costumas, se saSeode por sUs a asfte snajuncfi das fiss
skmsHos oa da* i*psx*ç*ss fssftmm fSS saassum ss mmratss, regale*
msaSas SJII las. art m do ITr nas B" s>e*ta asseaste» uao era asm-
t*m>m. Imposta, porem, aio ooaUtir, soe, em ama gatltoçêo mais M -
iimm. aasmirs i à m i i i t ajas leni clHs am mriisatsra rVn-p
— 103 —
cicio das próprias attribuições, ou no excesso delias, praticar
actos e factos, que causem damnos aos terceiros, com ou sem
culpa por parte dos respectivos agentes.
Ora, em qualquer das hypotheses*figuradas, é de necessi
dade evidente, considerar a natureza e condições dos actos ar
guidos, afim de que se possa conhecer e decidir, segundo o direito
e a justiça, si o Estado deve, ou não, responder pela satisfação
dos damnos resultantes; e no caso affirmativo, si de modo ex
clusivo, principal, solidário, ou si, tão somente, de modo par*
ciai, subsidiário. I
Se podem reduzir a três os systemas principaes, até
agora, aventados na discussão e solução do problema.
1) Uns entendem que o Estado, ente abstracto, e como tal,
incapaz de fazer o mal, e além disto, sendo instituído com um
caracter superior, em vista do interesse publico, não deve ser
sujeito âs mesmas obrigações extracontractuaes, que se encon-
tram no direito commura, é certo, mas, expressamente consa-
gradas para regular as mutuas relações dos indivíduos parti-
culares, e não as destes para com o Estado, ou inversamente.
2) Collocando-se em posição, diametralmente opposta, pre-
tendem outros, que a responsabilidade do Estado, juridicamente
considerada, deve ser idêntica á das pessoas do direito privado.
3) Offerece-se, finalmente, entre os dous extremos indica-
dos, um terceiro systema, que se pode chamar de systema mixto,
e segundo o qual, os actos dos poderes blicos ou represen-
tantes do Estado, ora devem acarretar, ora não, a responsabi-
---------------------------------------------------------------------------------------------------:----------------------------------------------------------------------------- -------------------------------------
Ipor exemplo, como opposta â palavra—geso: comprehendendo-se naquella
os actos do poder publico (puissance publique) propriamente, e nesta os
actos ou fúnões de caracter patrimonial. Nos Estados, em que o Judiciário
não é reputado um poder publico distincto, igualmente soberano, a Admi-
nistração é considerada ainda, como um dos dous ramos, em que se divide o
poder executivo, em contraposição à Autoridade Judiciaria. Vide: Bro-
mou d, loc. cit., p. 30 e 37.
— 104 —
lidade do mesmo,—conforme uma classificação, toda especial, â
que os actos damnificantes devem, antes de tudo, ser submet-
tidos.
16
Mais adiante teremos occa&ião de ver, que os systemas á
que vimos de alludir, são capazes de sub-distincções, e que den-
tro dos mesmos se apresentam divergências, nem sempre sus-
ceptíveis de conciliação, entre os seus próprios partidários.
A' estas breves indicações, cumpre ajuntar um escla-
recimento. Talvez pareça menos correcto, termos incluído os
próprios actos do Legislador, do Governo, e do Juiz, entre os
susceptíveis de causar ãamno, reparavel pelo Estado, quando
outros ensinam, que taes entidades, tomadas no seu caracter de
poderes blicos, —ou não respondem absolutamente pelos seus
actos, ou o fazem em casos especialíssimos, como suc-cede,
por exemplo, no caso da accusação do Presidente da Republica
17
...
Não ha duvida, que o Poder Legislativo, quando declara a
lei, o Executivo, quando ordena a sua execução, e o Judiciário,
quando a applica aos casos sujeitos, praticam, todos elles, actos
soberanos, theoricamente irresponsáveis, talvez...
18
Mas, duas
considerações occorrem no momento: primeira, que a irres-
ponsabilidade, mesmo, a do Poder Legislativo, nem sempre im-
portará á do Estado, desde que, do acto desse poder, resultar
efectivamente uma lesão do direito privado; segunda, que, es-
crevendo nós no Brazil e para o Brazil, —não devíamos esque-
cer que a doutrina da infalibilidade do Estado, ou, o que é o
mesmo, da irresponsabilidade dos seus órgãos ou poderes públicos,
jamais foi admittida na jurisprudência pátria; e não faltando,
alias, hoje quem a combata de modo geral, como sendo uma
16
Vide: P. Mazzooi, Imt. di dir- civ. italiano, t. IV, p. 149, nota.
11
Const. Ped., art. 53-54; Leis, ns. 27 e 28 de 7 e 8 Janeiro de 1892.
18
Laferrióre, La Jurisdictwn Aãministrative, t. II, p. 12 sg., 184 sg.
— 105 —
these feuda}, conseguintemente, sem mais razão de ser aos olhos
do direito moderno.
10
I Não precisaríamos lembrar que, segundo os princípios de
direito publico, hoje adoptados em vários Estados, a própria lei,
a mais elevada expressão da vontade soberana do Estado, pode
ser atacada na sua própria validade; e uma vez procedente a
arguição, ella pode vir â ser com certeza a causa de um damno,
reparavel pelo Estado.
20
10
Vide: Laferriére, loc. cit.,p. 184 -185, nota.
20
No Titulo Terceiro se dirá, com particularidade, sobre este ponto.
106
CAPITULO II Theoria da
irresponsabilidade
28.Partindo da segunda metade do século passado, um
dos primeiros escriptores, que procurou sustentar com argu-
mentos diversos a theoria da irresponsabilidade geral do Estado,
foi Richelmann, afíirmando, segundo o seu ponto de vista
particular, as seguintes proposições:
21
1) Quando o Estado exige a obediência de seus súbditos,
não o faz para fins próprios, mas, justamente, para o bem dos
mesmos; logo de semelhante acto o lhe pode vir responsabi-
lidade alguma ulterior.
I 2) Não é justificável a ficção, de que os funccionarios admi-
nistrativos sejam órgãos immediatos do Estado (Staatsgewalt) e
que, em consequência, os actos dos mesmos devam ser tidos,
como actos do Estado. Este é representado pelo chefe do
governo (den Regenten). Os funccionarios são meros servidores
do Estado (Diener des Staats), e porisso os seus actos são de
considerar actos do Estado, quando o Estado os tiver ordenado
ou reconhecido, como taes.
3) As relações jurídicas do mandato não podem ser, por
analogia, applicaveis aos servidores do. Estado, como se tem
pretendido.
22
21
"Magazin fiir hannoverisches Recht" (1852), t. II, p. 343 sg.
22
Neste ponto Richelmann seguira a opinião, conhecida, de Gõnner
(Der Staatsdienst aus ãem Gesichtsjmnhte des Rechts und der National Oeko-
nomie, 1808), e de Heffter (Beitràge zum ãeutscJien Staats-und Furstenrecht,
1829).
— 107 —
4) Também não procede a opinião, de que o Estado deve
responder pela culpa na escolha do fnnccionario, porque, não
existindo nenhum dever jurídico do Estado quanto â nomeação
de funccionarios capazes, fallece a razão de responsabilidade
do Estado, dada, porventura, a hypothese de ter havido menos
cuidado a esse respeito. A escolha ou nomeação pertence, geral
mente, ao funccionario supremo do Estado, isto é, ao Chefe do
Governo ; e pois, si culpa houver na nomeação, por ella deve
responder o nomeante, e não o Estado, a quem não pode caber
responsabilidade, pela negligencia ou infracção do dever por
parte do funccionario. I
Referindo-se ao caso particular da perda de depósitos
confiados á autoridade judiciaria, Richelmann era igualmente
de parecer, que ao Estado não incumbia a obrigação de inde-
mnisal-os: porque o deposito judicial, obrigatório, não era
matéria de direito privado; já porque, não havendo declaração
expressa de garantia assumida pelo Estado, não se podia lançar
à sua conta nenhuma obrigação jurídica. Entendia, porém, que,
na questão de responsabilidade, não era licito distinguir entre
os funccionarios da Administração e os da Justiça, visto como
ambos agem, como órgãos do Estado, o qual, aliás, o pouco
podia impedir os damnos de uns, como os de outros.
Finalmente, Richelmann, resumindo o seu pensamento na
matéria, dizia: que Estado, sendo simples pessoa moral, não
podia jamais estar em culpa, e conseguintemeute, não lhe podia
caber a obrigão de indemnisar os damnos dos seus funcciona-
rios em caso algum.
28
33
No que respeita ás opiniões sustentadas por autores alleniaes, con-
virá, de preferencia, attender as informações constantes dos trabalhos, até
agora tidos, como mais valiosos a esse respeito, taes são:H. A. Zachariee,
Uéber die Haftungsverbmdlichkeit des Staats, ("Zciteckrift fiir die ge-
sammte Staatsioissenscliaft", 1863); B. Loening, Die Maftung des Staats,
(Frankfurt o. . 1879); Robert Piloty, Die Haftung des Staats fiir
— 108 —
28 a.—Outro autor alleraão, e este, em data muito mais
recente, o notável Bluntschli, se manifestara também contra a
obrigação geral do Estado ou Município, de indemnisar os
damnos causados a terceiros por actos culposos dos sens func-
cionarios ; ainda que não deixasse de reconhecer, ao mesmo
tempo, a possibilidade de ser prestada semelhante indemnisa-
ção, em alguns casos excepcionaes. Em trabalho especial, que
teve de apresentar acerca do assumpto, Bluntschli estabelecera
certas proposições principaes, relativas aos casos de culpa
incumbente ao Estado, já relativas á irresponsabilidade do
mesmo, declarando-a acceitavel, ao menos, em principio ; taes
como:
2
*
1) A obrigação de indemnisar tira, em regra, a sua razão de
uma culpa; ainda que, por excepção, possa ella tamm
resultar,— ou de fundamentos especiaes, tal por exemplo, do
compromisso contractual de prestar indemnisação, ou mesmo da
natureza particular de dado negocio.
2) Da escolha do funccionario pôde caber culpa ao Es-
tado, quaudo a pessoa nomeada fôr, sabidamente, indigna ou in-
capaz. Semelhante'culpa não pôde ser absolutamente derivada
do caracter representativo, que tem o funccionario em relão ao
Estado : Estado e funccionario são sujeitos differentes, e por
isto, a culpa do funccionario não é culpa do Estado. ..
3) Um fundamento particular de obrigação existe, sim,
quanto aos depósitos judiciaes e sequestros ou apprehensões,
ordenados pela autoridade publica (bei der gwangsweisen Be-
schlagnahme vonSachen); e bem assim, quanto aos negócios da
rcchtsirídrige Sanãlungen und Unterlassungen der Beamten bei Ausiibung
StaatslicJier Hoheitsrechte ( "Annalen des Deutsehen Beichs", 1888); e
"Verhandlungen des deutsehen Juristentags':', VI, VIII, IX.
24
" G-utacliten in den Verhandlungen des seclisten deutsehen Juristen-
tags", t. I, p. 45 sg.
I— 109 —
esphera do direito privado, que o Estado exercitar por meio de
estabelecimentos seus. A analogia das disposições deste direitoJ
acerca da responsabilidade do dono pelo preposto (ães dominus fiir
dm institor) tem todo cabimento em taes casos; porque, aqui
como alli, se da uma relação idêntica de cousas e de confiança.
4) Quando, porém, o funccionario exerce funcções do direito
publico, e nellas causa damno,— a responsabilidade pro-
veniente ô toda delle, e não do Estado. Do seu caracter re-
presentativo, insiste o autor, não pôde resultar a obrigação do
Estado. O caracter representativo do cargo o altera, por forma
alguma, o principio fundamental do direito: "que si alguém
commetter um delicto, seja delle pessoalmente responsável o
seu autor, e não nenhum outro por elle, ou conjunctamente com
elle. e nem tão pouco, a pessoa, que elle representa."
2r>
29.— Fora da Allemanlia, o nome que devemos primeiro
mencionar, como susteutador da irresponsabilidade do Estado,
35
BlutitsohU, loc. oit.— Cf. Piloty. ob. cit., p. 257; Lceninír, ob. cit.,|
p . 108, etc.Ríinne (Staatsrecht der Prensa. Monarchie, t. IH, p. 583 sg.,
4
a
ediç.): < Der Staat ais solcher wird durch tmerlaubte Handlungen, welche
die mit Megierwigsgeiealt bcauftragten Beantten bei AnsUbung ihres Amtes be-
géhét, NIEMALS YEUUUNDEN; Derni er ist in dieser (íe-talt einem Unterthan
gegeniilier gar nickt fãhig, cine Yerbindliehkàt auf sich tu nehmen; er kann
iib 'rali nicht subjekt vou Privatrechten oder Verbindlichkeit sein »; Wohl
ISt/stem der Prãventivjmtiz oder Rechtspolizei, p. 555, 2
a
ediç. 1845): <
Ao Estado n&o pode caber culpa, porque elle n&o autorisação para
fazer actos oa omissões illcgaos, pelas quaes elle próprio é. aliás, preju-
dicado, material o moralmente.» No ponto de vista deste ultimo autor,
seria uma injusta, - exigir dos contribuintes do imposto a somma precisa
para indemnizar damnos, que cada um deve snpportar, como sequencia
necessária dos actos do Estado. L. von Stein [Lehre von der voUzte-
henler Gciralt, p. 369, 2* edlç., 1869): * E* ist nicht einzusehen, leesJialb
der Staat die Haftung fiir die Handlungen seiner Beamten ubemchmen lle,
welche er nicht nur nicht befohlen oder veranlasst, sondem welche er direct
verboten und strafbar erklãrt hat».— Cf: Leoning, ob. cit., p. 3, nota, e p.
108 »<s; Piloty, ob oit., p. 257 - 58; Gierke, ob. cit., p. 794 e nota.
— 110 —
(em principio, bem entendido), é o do illastre professor Gabba,
o qual accentúa o seu pensamento por considerações diversas, e
que se podem resumir nas seguintes :
«II funzionario, o agisca fuori de'limiti de'suoi poteri, o
senza le forme legali imposte alia sua azione, o abusi di questa,
non obliga col suo fatto lo Stato, perche nol representa.
« O s'invoca il principio dei mandato, e lo Stato é prosciolto
dall'art. 1752 (Cod. civ. ital.), perocchè il mandante non è ob-
bligato per l'eccesso dei mandato. O s'invoca -il principio dei
quasi-delitto, e si risponde che tra lo Stato e il funzionario non
può supporsi quella distinzione di persone che 1'art. 1153 sup-
pone tra committente e commesso', essendochè non vi sono vera-
mente due persone, ma una sola, quella dei funzionario che per
mandato necessário e per una funzione sociale agisce per l'in-
teresse comune.
« Aggiungasi che non v'è neppure una vera distinzione tra
danneggiante e danneggiato, perche lo Stato é la espressione
delia vi ta collettiva, deli interesse di tutti, onde richiamarsi a
lui, tanto vorrebbe quanto cbe i cittadini reclamassero a se
stessi. Politicamente poi la responsabilitâ dello Stato sarebbe
principio dannosissimo, perocc renderebbe
26
1'azione sua lenta
e imbarazzata, e i funzionari stessi, per tema, titubanti e ino-
perosi.»
a7
*
26
Lozzi, Delia responsabilitâ civile dello Stato pe fatti colposi e de-
littuosi de'suoi rappresentanti ed ufficiali (Rivista Penale, t. XI) diz: "Lo
Stato non risponde mai civilmente, ossia in veruna guisa, delle malefatte o de
1
reati di qualsiasi genere ãesuoi offiziali, vuoi civili, vuoi mUitari, dei quali
\si serve per Vesercizio delia sua autoritá; altrimenti esso esercizio, anche nei
cosi purgenti, nei quali vige sempre ilprecetto delgius latino: SALUS PUBLICA
SUPREMA LEX ESTO, rimarrébbe grandemente intralciato; e il numero delle cause
di liquidazioni di danni, attesa la tenãenza e corrivitá à promuoverle, sarebbe
infinito, ed enormi le spese, le quali in fine deconti ricaãendo su tutta la societâ
verrebbero adaggravare la condizione di tutti gli associati».
27
Gabba, Questioni di diritto civile (ibi): "Delia responsabilitâ dello
Stato per danno datto ingiustamente aiprivati dai publici funzionari", p. 109
sg., e 155 seg. Torino, 1885, 2* ed.—Cf. Meuooi, Inst.di diritto amminia-
trativb, p. 252-53.
* As transcripções, mais ou menos longas, que fazemos, obedecem a este
propósito: facilitar ao leitor o julgar desde logo, por si mesmo, das
111 —
Entretanto, no entender do próprio Gabba, não são de in-
cluir na sua these, alem dos casos que se apoiam em obrigação
contractual, os seguintes: a) quando a responsabilidade é pro-
veniente de emprezas privadas, exercitadas pelo Estado, como
vias férreas, correios, telegraphos, transportes; 6) quando a
responsabilidade é por damnos, occasionados no interesse de
uma propriedade do Estado; c) quando a responsabilidade é por
funcções relativas â missão aceessoria, e o, natural do Estado.
Alem disto, ao principio geral da irresponsabilidade, elle
ajuntara logo uma declaração e duas excepções, como bem
observa Meneei: a declaração é, que a questão se restringe a
factos injustos e illicitos, e, não áquelles factos, que apezar de
justos e licitos, possam dar logar, o, & uma indemnização pro-
priamente dita, mas á uma compensação ; e as duas excepções
são estas : uma, relativa aos funecionarios directos (instrumen-
tos, não órgãos), que agem sob a vigilância immediata e direcção
do Governo ou autoridade suprema, taes como a milicia, as
guardas aduaneiras e florestaes e semelhantes; a outra, con-
cernente á "gestão interna de officio" dos interesses privados
dos cidadãos, confiados às administrações publicas, taes como
desvios de renda inscripta, depósitos aduaneiros de merca-
dorias, depósitos de valores, etc., etc.
28
Justificando estas duas excepções, diz o professor Gabba:
quanto â primeira, isto é, relativa aos agentes militares e se-
melhantes, a responsabilidade do Estado procede, por não
serem elles, verdadeiramente funecionarios, ou o serem de um
caracter excepcional; dependem o immediatamente da auto-
ridade governativa, que não são mais, do que o braço e instru-
opiniões ou conceitos do respectivo autor, corrigindo, desta sorte, qual-
quer desvio de interpretação, eommottido da nossa parte.
88
Ibidem. Of. Giorgi, ob. clt., t. Ill, p. 170 sg.; Idem, Teoria delk
Obbligazioni, t. V, n. 389 a (5» ed. 1900).
— 112*-
mento delia, e, portanto, em tudo, comparáveis aos prepostos ou
creados... ; quanto á segunda, procede igualmente, porque os
actos relativos á gestão interna de officio não o propriamente do
funccionario, mas do próprio cargo, o qual tem a sua respon-
sabilidade no Estado; não havendo então, como talvez pareça,
duas pessoas, a do Estado e a do funccionario, mas tão somente
a pessoa do Estado ; o funccionario fica ignorado do publico ou
desapparece aos olhos dos terceiros.
29
Ádmittida, porém, muito embora, a possibilidade de casos,
em que o Estado deva responder pelos actos lesivos de seus re-
presentantes, Gabba declara, todavia, terminantemente : que a
«irresponsabilidade é a regra, e a responsabilidade a exceão »,
proposição que, ainda em recente trabalho, elle reaffirmara
por este modo: Ho detto pacifica tesi quella delV irresponsa-
bilitâ dello Stato pei malefatti dei funzionari adetti alV esercizio
delia bblica missione sua, e stimo surfluo citare responsi di
scrittori e di tribunàli per convalidare codesta asserzione. Ed io,
che, come tutti sanno i giuristi italiani, fui deipiú operosi nello
studio di questo argomento, mi sono adoperato bensi a sostencre
in taluni casi la responsabilitá dello Stato per malefatti dei suoi
funzionari, MA SONO SEMPRE FEDELE ALIA MIA TESI FONDAMENTALE
: "ZÍÍ non responsabilitá è la regola, e la responsabili é
Veccesione" (Quistioni di diritto civile, 2
a
ediz. Torino, 1885, p.
110 seg.; e Foro Italiano, 1881, I, 932).
80
29 a.— Ao lado de Gabba, é de razão collocar Mantellini,
cujas idéas sobre a responsabilidade civil do Estado propendem,
. —.- ------------- ------------ ------------ ------------- ------------ ------------ ------ -------------- ----------- ------ ------------ -------------- --- ------- ------------ ------------ ------ - —
29
Vide: Meneei, loc. cit.; P. Mazzoni, loc. oit.; Giorgi, loes. cits.
E' de ajuntar que, com relação aos damnos resultantes de actos de guerra,
Gabba só admitte a obrigação do Estado, quando causados " in flagranza di
combattitnento nella vera e própria imminenza di im attaco dei nemico".
Apnd Lomonaco, DeUe Obbligazioni, t. I, p. 290.
ao Gabba, Quistioni di diritto civile, t. II: "Diritto JEreditario e Di-
ritto deite Obbligazioni", p. 274-75. —Torino, 1898.
'-%. -* 113 ^-
senão, para excluil-a totalmente, ao menos, para não admittil-a,
como regra geral. Eis aqui, como este segundo autor se exprime:
« Lo Stato non puo prestare V autoritâ sua contro la sua ppria
autoritâ; soggiacere alia própria giurisáizione per gli atti dei
pprio impero, prestare forza cólV impero a quanto si fosse giu-
dicato contra V impero ».
81
E", como se vê, o predomínio da
velha concepção dos regalistas...
Depois, referindo-se ao fim do Estado, accentúa : «11 fine
dello Stato è la tutela dei diritto, è il henessre soeiale, non quello
ãi assicurare gli associati da ogni danno, che possa venw loro dal
fattopróprio... Sia che lo Stato si assetti nel suo território, fondi
le sueistituzioni, le reformi, o che sovlga ipropri organi,... é
paragonato aifiumi\ che a chi danno ed a chi tolgano: "qui cen-
sitorum vice funguntur ".
82
E para explicar talvez melhor o seu pensamento, acere-
scentara: « O funecionario, que, nem para o Estado, nem para
si, contrahe obrigão resultante da funeção em si mesma, de,
não obstante, contrahil-a, e a contrahe para si, si no exercício
da funeção excede os limites desta, viola a lei, e se torna autor
de dolo ou culpa com alheio damno (si renda ãébitore di dolo o
di culpa inaltrui danno). Mas, desde que elle ultrapassa a sua
funeção, o compromette o Estado, o qual o lhe commetteu,
senão, aquella funão (Ma se ecce e fourvia dália funzione non
compromette lo Stato che non gli commesse senon quella funzione);
se viola a lei ou o regulamento, o acto é do funecionario, e não
do Estado, o qual o incumbio de agir prudentemente e conforme
ã lei e o regulamento.
88
Verso lo Stato... non puó trovare ec-
cezione la regola: MEMO EX FACTO ALIENO TENETUR : IBI ESSE
8t
Mantellini, Lo Stato ed il Códice Civile, 1.1, p. 13. Firenze, 1883.
32
Loo. cit., p. 60.Cf. P. Palazzo, Teoria delia responsabilitá civile dello
Stato, p. 33-34. — Palermo, 1889.
88
Mantellini, ob. cit., p. 135.
8 R. c.
I
'= 114 ^~
PCENAM, UB1 ET NOXIA: PECCATA 8008 TBNEANT AOCTORES (Dig.
{
í. U, tU. XIV, 27 § £; Coã. I. IX, Ht. 47,22).
u
« Os empregados, continua Mantellini, quer civis, quer mJH
litares, são todos servidores (servitori) do Estado no sentido de
que, no serviço que prestam, tem menos direitos a exercitar, que
deveres a cumprir. Todos devem desempenharas suas func-ções
sem culpas nem excessos, e nos limites estabelecidos; se deixam
de assim fazel-o, são obrigados a prestar rigorosa conta a
Administração, ao publico, ou ao terceiro, com quem ou por
quem tenham tido de tratar.
- Contra o terceiro, que se queixa ser lesado em seu direito
civil, pode o empregado apresentar uma escusa tirada das cir-
cumstancias do cargo, ou oppôr uma excepção à causa, que lhe
tenha sido proposta. Mas o individuo lesado não podepreten-
der a responsabilidade civil da Administrão, sem mostrar dire-
ctamente, que o fundamento desta assenta na própria relação
institucional, no acto politico da nomeação e na attribuição defi-
nida por lei... O lesado recorre em vão ás regras do mandato, as
quaes de nenhum modo se podem applicar a quem é nomeado
para um cargo, isto é, a quem é designado para certas funcções
estatuídas em lei. O mandatário, cujas faculdades são conhe-
cidas, não é obrigado á nenhuma garantia por aquillo que pra-
tique alem dos limites do mandato; nem o mandante, tão pouco,
fica obrigado por aquillo que o mandatário faça, fora ou alem
do mandato.... A responsabilidade não poderia estender-se ao
quasi-delicto; nem tão pouco, é licito recorrer aos princípios da
acção institoria para supprir a deficiência do mandato. Si o
empregado age nos limites da sua fmicção, obriga o Estado, tor-
nando-se o acto do empregado, acto do próprio Estado; visto
aquelle tel-o praticado, em representação, nome e conta do Es-
tado, que, para isto, o havia expressamente delegado (cl\e aciò
»« Loo. oit., p. 148.
— 115 —
lo ha delegato espressamente). Mas, fora ou alem disto, ou quando
não guardados os limites postos, tudo quanto o empregado fizer,
não pode obrigar o Estado, nem pelo acto em si mesmo, nem
pelas suas consequências; porquanto o empregado deixara de
representar o Estado, do qual certamente não recebera delega-
ção para agir com abuso do seu nome, e de modo a obrigal-o
(déllo Stato gh vien meno la delegazione ad agire per lui, a spen-
derne il nome, a obrigarlo).
85
Em outra parte, ainda insistira o citado autor: * La equitá
verso il ãanneggiato deve colpire il danneggiatore, non lo Stato,
non il sacro erário, non cioé, la massa dei contribuenti, che in
fondo sono loro che pagono sema averci nulla ehe fare.»
36
De resto, não devemos omittirque Mantellini, talvez, sem
guardar muita coherencia com a generalidade dos seus pró-
prios princípios, admitte igualmente a responsabilidade do Es-
tado, relativa aos actos de direito privado, a dizer, quando elle
se apresenta, como proprietário, ou parte em algum contracto
ou litigio (quando lo Stato possegga, contratti, o litighi) se-
guindo, a esse respeito, a distincção systematica, entre os actos
de governo e os actos de gestão, matéria, de que também se dirá
em capitulo posterior.
37
29 b.— Saredo é também contrario ao principio de uma
responsabilidade geral do Estado, senão, partidário igualmente
85
Loc. cit., p. 154-55.
88
Mantellini, Sulla respomabilitá civile dello Stato «ei depositi fatti
ai cancillieri, Roma, 1879. Cf. Lomonaco, Delle Obligazwni, 1.1, p. 286-89.
87
Mantellini, £o Stato ed il Códice civile, p. 41 sg., 54 e 117.
Cumpre advertir que, n&o obstante o autor reconhecer a distincção
entre os actos jure imperii, e os actos jurej/estionis, nem, por isto, considera
a responsabilidade do Estado, inteira e completa, mesmo quanto aos actosl
desta ultima classe. Vide: loo. cit., p. 89, 180-138,149 sg. e 189 sg.
^—i116
decidido da irresponsabilidade do mesmo, pelas actos nitritos dos
seus funccionarios. *
Para elle o funccionario não é. nem o representante, nem o
mandatário, nem o proposto do Estado; é o próprio Estado em
acção (è lo Stato medesimo in atione).**
O acto do funccionario é, sem duvida, acto do Estado; mas
o funccionario é de considerar, como tal, emquanto age
dentro das normas da lei... Quem contracta com o Estado, diz o
autor, deve saber que este n&o viola a lei ou o direito... Logo,
nem mesmo, no caso de ser subtrahido um deposito pelo func-
cionario inflei, é o Estado obrigado a responder.
40
« 11 dovere
dei fimzionario, quando entra in uffizio, è ãi ricordare che egli
è organo delia legge, che dei* applicarla strettamente
t
diligente-
mente: D1L1GENTER ORBKRE COMM1SSUM EST (L. 1. D. de officio
procur Cíesaris. I, 19), e non già di commettere abusi, illega-
lità, reati, e di recar danno ai privati. Sarebbe strano, invero,
che lo Stato doresse risponderc delia colpa commessa dai funzio-
nari in violazione appunto dei doveri chi, per le sue funzioni,
questi erano obbligati di compiere I E gli a dire che lo Stato non
assume mai responsabilitá per fatto de' suoi funeionari ? Si: può
assumcrla, ma in uncaso solo: quando, cioé, la legge lo statuisca
conprecisa disposúwne».*
1
Si razões politicas e outras, aceres-
centa Saredo. induzem o legislador a derogar os princípios fun-
damentaes do direito publico, não ha, senão, que obedecer; mas a
responsabilidade do Estado deve ser, claramente, taxativamente»
determinada. Na duvida, se deve entender que só o funccio
nario responde pelo seu facto culposo ; o Estado, jamais. ..
42
|
—, ------------------------------------------------------ i—
88
Oiaseppo Saredo, La Nuova Legge sulla Amministrazione Comunale
e Provinciale, t. II, ns. 14801507.— Torino, 1892.
Loo. oit., n. 1493.
«o Ibidem, n. 1498 sg.
« Ibidem, n. 1606.
a Ibidem.
— 117 —
30. Não ha mister continuar com a citação de autores,
que sustentam a doutrina da irresponsabilidade; não só, porque
ja se fez menção dos priucipaes, como também, porque as
razões, invocadas por elles, são quasi sempre as mesmas, e já
por demais conhecidas.
Todavia, antes de encerrar o presente capitulo, precisamos
referir-nos ainda a determinados pontos, sobre os quaes mais
se apoiam os fautores dessa doutrina. Um dos argumentos fun-
damentaes apresentados, pelos que negam a responsabilidade
do Estado, é tirado do próprio conceito da pessoa jurídica do
mesmo, e se resume no seguinte: Partindo da noção errónea, de
que o Estado, como toda pessoa jurídica, é uma ficção legal, e
por isto, incapaz de ter vontade própria, pretendem os parti-
dários da irresponsabilidade, que o Estado não pôde jamais ser
chamado a responder por acto algum lesivo do alheio direito,
uma vez que a existência effectiva da vontade, condição essencial
da imputabilidade do acto, fallece sabidamente ao Estado.
43
E
proseguindo no desenvolvimento desta these, accrescentam: que
a pessoa jurídica, como creação artificial da lei, não passa de
um conjuncto de direitos e obrigações, que são realmente
exercitados pelos seus representantes legaes; mas não seria de
razão suppor, que, nos poderes dessa representão, se inclua
juntamente o de commetter actos illicitos, isto é, offensivos do
alheio direito; consequentemente, concluem,—que, si os repre-
sentantes da pessoa jurídica do Estado, assim o fizerem, elles,
e somente elles, devem ser os responsáveis do damno causado,
excluída, por completo, a responsabilidade do Estado.**
48
Vide: R. Saleilles, Theorie Gén. dei'Obligation, n. 320.
44
R. Saleilles, loo. oit.;—Windscheid, Lehrbuch ães Pandektenrechts, t.
II, § 470, nota 4 ; Michoud, De la responsabtlité de VEtat a raison ães\
fautes de ses agents (REVUB DU DROIT PUBLIO, t. 3°, p. 409. n. 7, etc).
30 a.—Também se tem invocado, em favor da irresponsa-
bilidade do Estado, a autoridade do direito romano, por não se
encontrar ahi texto expresso, que reconheça a obrigação do
mesmo, pelos actos lesivos dos seus representantes. Com effeito,
ainda que não faltem no direito romano disposições especiaes,
pelas quaes as partes lesadas podiam fazer valer o seu direito
contra os excessos ou abusos dos magistrados e outros funccio-
narios públicos, mesmo sob o ponto de vista de lhes ser prestada
_a indemnisação devida
45
; não se nega. todavis, que, disposição
particular, impondo ao Estado ou Fisco o dever de reparar os
damnos dos seus funccionarios, de maneira solidaria ou ao menos
subsidiaria, não se encontra realmente no referido direito. *
Allein von einer, sei cumulativen oder subsidiaren, Haftungs-
pflicht des Staates selbst oder Fiscus aus rechtstvriger Scha-
denszufiigung der Beamten, dem Beschàdigten gegenuber, finden
wir im rbmischen Re chi durcJiaus Tctine befriedigende Spur. »
4(f
Entretanto, desta ausência de textos no direito romano, em
relação ao Estado, não é licito inferir, que assim suecedia, ou
porque, tratando-se de pessoa jurídica, o Estado ou a cidade não
deviam responder por factos ou culpas alheias, ou porque,
sendo o Estado apenas a cóllectividade dos interesses e direitos
de todos, não devia, jamais, indemnisar ao particular, que por-
ventura se considerasse lesado pelos seus actos, aliás, feitos em
nome do bem commum... o, certamente, não. São numerosos
os textos, em que se acha consagrada a obrigação expressa de
responder por factos de outrem, não , como conseqncia
natural das relações contractuaes, como ainda, de relações di-
versas, taes, as de mandato, as exercitorias, institorias, guasi
institorias, assim como, as que se costumam ainda agora indicar
45 Dig, l XXVII, 8; Cod. I. V, 75; id. 7. X, 2 e 16; id. I. LXI, 80; Lex
Calpumia, "juãicium repet. pecuniarwn"; etc.
vM« Zacharise, ob. cit., p. 684-87.
— 119 —I
pelos tulos de "quod metus causa, de dolo maio, noocales, furti,
condictio furtiva, vi bonorum raptorum, condictio sine causa,
actio de in rem verso, juãicium repetundarum pecuniarum",
etc.; todas as quaes, tanto podiam ter logar contra os indiví-
duos, como contra as pessoas collectivas, a dizer, a universitas
personarum. Não é mister citar aqui as fontes, que são por
demais conhecidas...
46a
Ora, sendo este o direito privado vigente, diz Zachariae,
não se pode negar, que as suas disposições podiam por ana-
logia (Rechtsanalogie) servir de fundamento racional á respon-
sabilidade do Estado em casos semelhantes. Além disto, se en-
contram ainda no próprio direito romano certos textos que, em
casos particulares, chegaram mesmo a reconhecer a obrigação
de indemnisar aos indivíduos por parte do Estado, como por
exemplo, nos casos de desapropriação por utilidade publica, e de
prejuízos occasionados na execução de obras publicas.
<6b
R
Não fora, pois, pelo desconhecimento dos bons princí-
pios da justiça, que o Estado Romano deixara, porventura, de
reparar os damnos causados pelos seus representantes. A expli-
cação tinha outra causa conhecida: não se comprehendia então,
46
tt
Uípianus: Aequum prcetori vvntm est, sicut com/moda senthnus ex
actu institorum, ita etiam óbligari nos ex contractitus ipsorum et conveniri.
(Dig. I. 14, tit. 3, 1; Id. I. 14, tit. 1, 1 pr.)Si vi me dejecerit quis nomme
municipii, in munícipes mini interdicturn reããendum, Pomponius scribit, si
quid ad eos pervenit (Dig. I. 43, tit. 16, 4.) Animadvertendum autem, quod
prcetor hoc edicto generaliter et in rem loquitur, nec adjicit, A atro QESTUM ;
et eo sive singularis sit persona quce metum intulit, vel POPULUS, vel CÚRIA,
vel COLLESIUM, vel CORPUS, huic edicto locus erit (Dig. I. 4, tit. 2, 9, § 1).
Vide mais : Dig. I. 4, tit. 3, de dol. maio; lã. I. 15, tit. 1, 3 § 12, de pe
cúlio; lã. I. 19, tit. 1, 30 pr. ãe action. empti et venã.; lã. 1.15, tit. 3, de
in rem verso; lã. I. 9, tit. 4, ãe noxalibus action.; lã. I. 12, tit. 7, ãe conãict.
sine causa; lá. h 13, tit. 1, conãict. furtiva; lã. I. 31 78, 2, ãe legatis et...;
lã. I. 39, tit. 2, 17, ãe ãamno infecto; et., etc. I
46b
Vide: Palazzo— Teoria ãella responsabilitâ civile ãello Stato, p. 9 ;
Cf. Coã. Theoã. 1. 50-51; Coã. Justin. 1. 18, ãe operibus publicis, etc.
— 120 —
no Estado antigo, que o individuo pudesse ter um direito definido
contra o Estado; sendo este, por assim dizer, considerado como
creador dos próprios direitos individuaes.
47
30 b. Concluindo, pois, sobre este ponto diremos : A theoria
da irresponsabilidade do Estado, incondicional, ábso-\ luta, pelos
actos dos seus representantes
47a
, embora lesivos dos direitos de
outrem, não pode ser a regra do Estado, notada-mente do Estado
moderno, dados os princípios sociológicos e jurídicos, sobre os
quaes assenta a sua construcção. Por mais elevado que seja o conceito
que se queira formar da soberania do Estado, "summum imperium,
summa potestas", semelhante conceito não pode ir até ao ponto de
excluir a idéa da justiça; porque o Estado é, antes de tudo, a pessoa de
direito por ex-cellencia.
Os próprios partidários da irresponsabilidade sustentam-na,
principalmente, como um postulado dos princípios, que adoptam em
relação á pessoa do Estado; mas, nem por isto, deixam quasi todos
elles de admittir, na pratica, a existência de casos diffe-rentes, nos
quaes seria impossível negar a responsabilidade do Estado, como
tivemos occasiâo de verificar.
47
De accordo com os princípios do direito publico dominante o Estado
não podia ser chamado a juizo; conseguintemente,, faltava ao individuo o
meio legal ou coercitivo de se fazer indemnisar do damno soffrido. Demais,
como se tem também advertido, não havia a separação dos poderes do
Estado, qual hoje se entende e se pratica no Estado moderno. O Estado,
sendo o legislador e o juiz ao mesmo tempo, não se comprehendia, que elle
tomasse, accidentalmente, o papel de réo, respondendo, por assim dizer, pe-
rante si mesmo, nos casos em que, como tal, figurasse.—Palazzo, loc. cit.,
p. 10 sg.; Zacharice, ob. cit., p. 584-87 sg.
47
* Empregaremos a palavra "representantes", para significar de modo
geral todos os que agem ou funccionam em nome do Estado, ou executam
obras e serviços por conta do mesmo, sejam órgãos, ou não (nota 13 retro
deste Titulo).
r - 121 -
CAPITULO III Theoria da
responsabilidade geral
31. 0 ponto commam de convergência da doutrina, de
que ora vamos tratar, é a admissão de uma responsabilidade
geral, em principio, por parte do Estado, pelos actos lesivos dos
seus representantes.
Mas, sobre as condições de applicabilidade da doutrina, a
dizer: no que respeita á verificação da responsabilidade e os
fundamentos racionaes desta; quanto á qualidade ou comprehen-
são da responsabilidade, isto é, si directa, primaria e solidaria,
ou, si indirecta, e simplesmente subsidiaria bem assim, quanto
ao direito regulador da mesma, si o direito publico, ou o pri-
vado, ou si ambos juntamente; finalmente, quanto á, outras
questões incidentes no assumpto ; a respeito de tudo isso ainda
se nota até boje a maior discordância de vistas e pareceres,
entre os mais distinctos autores que tem tratado da matéria.
Emquanto, de um lado, se entende e se sustenta, que a
responsabilidade do Estado deve ser encarada e decidida pelos
mesmos princípios e disposões do direito commum, como si se
tratasse de simples pessoa do direito privado; de outro lado,
se contende, que o direito commum ou privado seria, pela pró-
pria natureza e fins, incapaz de dar por si só a razão ou o funda-
mento jurídico da responsabilidade, toda especial, que cabe ao
Estado, pelos actos dos seus representantes ou funccionarios.
Os que combatem a applicabilidade exclusiva do direito com-
mum, também por sua vez se subdividem; resultando conse-
guintemente: que, segundo uns,, a verificação de semelhante
responsabilidade é matéria privativa do direito publico; em
_ 122 ___
quanto que, segundo outros, a mesma deve ser procurada, parte,
nas disposições deste ultimo direito, e parte, nas do direito pri-
vado, ou na applicação dos princípios geraes da justiça e equi-
dade.
48
Por nossa parte, sem desconhecer o interesse theorico e
pratico que haja, em elucidar a questão particular de saber, — si
a responsabilidade do Estado deve ser fundada, exclusiva ou
principalmente, no direito publico, ou no direito privado, ou
ainda, em leis especiaes segundo os casos differentes; pensamos,
todavia, que ao nosso actual intento, não é imprescindível a
discussão preliminar deste ponto, para que, somente depois,
se possa bem examinar e apreciar os fundamentos diversos, com
que se tem procurado justificar a alludida responsabilidade. O
que por ora nos preoccupa de preferencia, não é averiguar, si o
acto arguido cabe com maior justeza scientifica no escopo do
direito publico, do que no do direito privado, e vice-versa,
mas, si o acto é susceptível de gerar uma obrigação civil contra
o Estado, conforme a idéa da justiça, fundamento essencial,
idêntico, desses dous ramos do direito. *
9
31 a.— Como fundamentos principaes da responsabilidade
geral do Estado, se apontam commummente os seguintes:
a) Entre o Estado e o funccionario dá-se a mesma relação
que ha entre mandante e mandatário;
48
Sustentam que a questão pertence ao direito privado, além de
outros: F. Laurent, Coure de droit civil, e Príncipes de droit civil; Mar-
cadé, Explkation theor. et pratique du Code Napoleon; Sourdat, Traité
Gén. de la responsàbilité'; Meucci, Inst. ãi diritto Amministraiivo; Gierke,
Die Genossenschaftstheorie.
Entendem que ella só pôde ser resolvida pelo direito publico, além de
outros: Pfeiffer, Schmitthenner, Zachariae, etc.
Pretendem que a soluçSo depende, parte do direito privado, e parte do
direito publico, além do outros: Heffter, Meisterlin, Schwarze, Bonasi, etc.
49
Hic, Titulo Segundo, cap. IV.
— 123 —
b) Ou a relação é idêntica á do dominus negotii e o institor,\
ou a do preponente e do preposto ;
c) A responsabilidade resulta da garantia, que o Estado
assume, pelo acto da nomeação do funccionario, e o dever con-
sequente de obediência, que o Estado impõe aos particulares
para com o funccionario;
d) Ella resulta do caracter representativo do funccionario,
cujos actos devem ser considerados actos do representado; ou
ainda, de não haver distincção entre o Estado e o funccionario,
e, juridicamente faliando, existir uma pessoa ou um mesmo
sujeito de obrigações e direitos;
e) A responsabilidade justifica-se, finalmente, pelo dever
de protecção, que incumbe ao Estado, em relão aos indivíduos
em geral.
32. H. Zõpfl.
50
o admittindo, como queria Gõnner
81
,
que o cargo publico seja uma forma do mandato do direito pri-
vado, nelle, todavia, uma relação de natureza instttoria, e por
isto, apresenta, como fundamento da responsabilidade primaria
que, segundo elle, incumbe ao Estado pelos actos illicitos de seus
funccionarios, o principio análogo, consagrado no direito romano,
sobre a responsabilidade do dominus pelo institor. Justifica o
emprego dessa analogia: em geral, porque na responsabili-l
dade do Estado pelos actos referidos trata-se essencialmente de
fazer valer uma pretenção de direito privado (um die Oel-
tendmachung eines privatrechtlichen Anspruches) ; e em parti-
cular quanto á Allemanha, —porque nesta é admissível, seo
obrigatório, recorrer, na falta de disposição legal expressa, as
regras do direito civil romano, por analogia, desde que se veri-
50
" Grunãsutze cies gemeinen ãeutschen Staatsrechta", § 520 (5
a
edic.
1863).
61
Der Stoatsdienst MIS dem GeAchtsjnmkte des Rechts wnd der National
Oeiconomie betrachtet. (1808).
— 124 —
fique, no caso, a mesma razão de direito (wo ãieselbe ratio júris
kervortrete).
B2
Alem disto, acredita poder também explicar, como sendo de
caracter stato-jurídico,™ o fundamento por elle adoptado; visto ser o
mesmo resultante da moderna situação do funccíonario, facto novo
ou ainda desconhecido ao direito romano.
Segundo diz Piloty, o referido autor attribue ao acto da
nomeação do funccíonario, em relação ao Públicum, um effeito
inteiramente igual ao que tinha o jussus da relação institoria no
direito romano; considerando que este modo de ver, é tanto mais
justificável, quando se sabe, que a relação institoria nem Sempre
precisa fundar-se num mandato -, ella se pôde fundar no encargo ou
ordem recebida do titular de uma faculdade ou [direito (auf einem
jussus ães Inhabers einer potestas), sem que se no caso relação
alguma de mandato.— Que o acto do funccíonario seja da esphera do
direito publico ou do direito privado, é, no pensar de Zõpfl, cousa
inteiramente indiferente, quer em vista do serviço publico, quer em
vista da pretenção de indem-nisação do lesado, contra o funccíonario
ou centra o Estado.
M
52
Não se ignora, que a applicaçâo dos textos romanos, por analogia,
é também autorisada no Brazil, onde o direito romano continua a servir de
legislação subsidiaria. (Lei de 18 de Agosto de 1769, e de 20 de Outubro
de 1823).
53
Para corresponder ã technologia de certos escriptores allemães, que
distinguem entre os vocábulos Staatsrechtliche e õffentlichrechtliche Ver-
ltnisse, nós diremos respectivamente, « relações statojuridicas, e rela
ções de direito publico», muito embora certos, de que o cilas de natnreza
idêntica.
54
Piloty, ob. cit., p. 245 sg. Outros autores allemães, anteriores ou
contemporâneos de Zõpfl, sustentam igualmente a analogia da aetio in
stitoria do direito romano, como admissível na matéria; entre elles : Bud-
deus, no " Weiske'8 Rechtslexikori" II (1844); Reysoher, na " Zeitschrift\
fiir das deutsche Becht" (1839); Grundler, na ZwRheins Zeitschrift fur
Theorie und Praxis des bayer. zivil-kriminal unã õffentlichen J?cc/»te" (1887);
apud Piloty, loc. cit.
— 125 —
33.— C. von Kissling entende, que dá-se uma responsa-
bilidade primaria do Estado conforme ao direito commum, toda
vez que os direitos particulares do cidadão forem lesados por
actos ou omissões illegaes dos funccionarios, no exercício da
publica autoridade.
Essa responsabilidade cessa, todavia : si o lesado incorrer
em culpa, por não se ter utilisado do remédio de direito que lhe
era facultado, assim como, si elle ainda se puder apegar a um
terceiro, para resarcir-se do damno soffrido (Diese Haftung ist
joch ausgeschlossen, wenn den Bescdigten selbst einVerschul-l
den trifft, insofern er ein Rechtsmittel, das ihm zu Oebote stanãÁ
uribeniitzt Hess, sowie, dann, wenn er sich noch an einem Drit-\
ten Schadlos hàlten hann). O fundamento da responsabilidade
do Estado esta na garantia, que este assume pelos actos do func-
cionario. Diz elle: O Estado crea pela sua legislação, de um lado,
uma relação de representação (ein Beprãsentations-verhãltniss)
entre si e o funccionario, e de outro lado, uma relação de su-
jeição entre este e os seus súbditos; dahi a garantia assumida
pelo Estado por todos os actos do funccionario, concernentes aos
mesmos súbditos.
Ao dever de obediência, imposto ao súbdito, corresponde
o dever do exercício ou uso legal das attribuições e prerogati-
vas do poder publico. A rao, porque ao Estado deve caber res-
ponsabilidade primaria', vêm de que, na maioria das vezes, seria
impossível ao lesado descobrir o funccionario culpado...
55
55
C. v. Kissling, Gutachten in den Verhandlwngen ães achten ãeutschen
iJuristentags, 1.1, p. 389 sg. Cf. Piloty; loo. oit.,p. 250. Jà Sunàheim,
em começos do século passado, havia advertido que a obrigação de indom-
nisação do Estado, relativamente aos actos illicitos, commettidos por sens
funccionarios no exercício da publica autoridade (bei Ausiibung der Staats-
hoheitsreckte) não podia ser decidida em vista dos princípios do direito
privado somente. Ainda que elle recorresse também às analogias deste
direito, procurou, não obstante, deixar bem accentuado o seguinte funda-
— 126 -
34. Dreyer ensina que, em virtude do principio da re-\
presentação, dá-se irrefutavelmente a responsabilidade geral do
Estado pelos actos dos seus funccionarios: estes não são simples
mandatários, são membros ou partes orgânicas do Estado (Die
handélnde Olieder sind organische Theile des Ganzen; durch \sie
handelt also in der That der Staat selbst).
E partindo desta concepção, tão nitida para elle, Dreyer não
podia deixar de considerar dita responsabilidade, assas jus»
tificada, como fez ; e bem assim, que ella devia ser directa ou
primaria, por parte do Estado.
66
Entre os actos, que a podem occasionar, se devem indubi-
tavelmente incluir os dos juizes, os quaes participam da mesma
natureza dos demais funccionarios.Sobald man davon ausgeht,
iass der Eichter, welcher in iviãer-reclitlicher Weise einen An-
geJclagten gescdigt hat, NICHT ALS BEVOLLMACHTIGTER DES
STAATS, sondem ais organischer Theil desselben functionirt hat,
só muss die Ersatzpfiicht des Staats ausser aliem Zweifel stehen.
bl
mento: «desde que o Estado colloca os funccionarios em posição, que os
autorisa a usar das suas funcções, bem ou mal, contra os súbditos, o mesmo
se torna responsável, (pelo facto dessa outorga de autoridade ao funccio-
nario) da lesão, que for feita aos seus súbditos pelos funccionarios, como
representantes do Estado».— Dass der Staat ãaãurch, áass er die Beamten
zu den Unterthanen in ein VerMltniss gesetzt hat, seinen Dienst zu Unrecht
und Geivalt toiãer die letztern gebrauchen zu Teqnnen, dass der Staat aus
dieser seiner Hahmg der Uebertragung soleher Macht fiir das Unrecht und
die Verletzung verantwortlich sei, welche seinen Unterthanen durch seine
Beamten, ais Representanten von ihm, zugefiigt tcerãen ("Pràktische Bechta-
fragen, I, Ueber Schadenstiftung durch Staatsbeamten und Haftverbind-
\Uchheit des Staats dafur," p. 4 sg. — Giessen, 1827);— apud. Zacha-riae,
ob. cit., p. 601; — Cf. Loening, ob. cit., p. 47.
56
"Verpflichtung des Staats aus den Sandlungen seiner Beamten (Zeit-
schrift fiir franzosisches Civtirecht", III e JV.—Cf. Loening, loc. cit.; Plloty,
loc. cit., p. 251.
57
Loening, ob. cit., p. 106, nota 1.
Karl Salomo Zacharice justifica a responsabilidade geral, ptimaria,
do Estado nestes termos: Ein Beamter ist mehr ais ein blosser Bevollmãch-
— 127 —
35. Pfeiffer reconhece uma responsabilidade primaria
do Estado, com fundamento no direito publico, nos seguintes
casos: i
1) O Estado responde primariamente pelo damno cau-
sado aos valores pecuniários, consignados judicialmente, desde que
se dê negligencia na guarda ou conservação dos mesmos ; I 2)
Responde, do mesmo modo, pelos actos illicitos das autoridades ou
funccionarios administrativos, si pelos mesmos fôr lesada a
liberdade ou a propriedade do cidadão.
Não é admissível a distincção, entre actos do Governo e actos
dos funccionarios, quando estes representam o Estado em suas
relações contractuaes.
A responsabilidade do Estado, segundo Pfeiffer, assenta em
considerações stato-juridicas superiores, taes como:
a) Os funccionarios administrativos representam o Estado na
sua effeetividade (in seiner Wirhsamkeit); e por isso, os actos
tigter, er ist in Beziehung auf sein Amt schlechthin ala eine und diesselbc
Person mit ciem Stoatsherrscher, oder ah dessen Vertreter zu betrachten.
(Vierzig Biicher vom Staate, I, p. 99).
Meisterlin funda a responsabilidade primaria do Estado, não só, na
falta de boa nomeação e flscalisação do funecionario, mas também, na ne-
gligencia do Estado nos seguintes casos * emo adoptar as disposições
mais convenientes ao serviço;em não prover devidamente aos cargos;—
em não fornecer o pessoal e meios bastantes para os fins necessários do
serviço; —finalmente, era não haver delimitado, devidamente, o circulo de
acção dos respectivos funccionarios. (Die Yerhaltnwe der Staatsdiener-,
p. 99 sg.,—1838).
I Heffter entende que, na matéria da responsabilidade do Estado, o
principio do mandato é admissível, quando o acto arguido corresponde
realmente a um encargo ou commissão recebida do Estado; mas que se dá,
sem duvida, essa responsabilidade, desde que houver culpa na nomeação ou
na flscalisação do funecionario, por parte do Estado. Quanto, porém, ao
montante da responsabilidade, este não deve ser, senão, até quanto o Estado
haja tirado lucro do acto ou facto em questão. Beitrage zum deutscJien
8taatè»und*Furatenrecht, p. 162 sg.; Archi» des Criminalrechts, p. 446 e
458.(1851): apud Loening. loc. oit., p. 100; Piloty, loc. cit., p. 252.
— 128 —
daquelles devem ser considerados, como si fossem actos imme*
diatos deste.
6) Os súbditos estão para com o Estado e para com os func-
cionarios (no exercício das suas faculdades) em uma relação de 1
sujeição; e desde que o funccionario pôde, usando da publica
autoridade, que lhe foi conferida, empregar a coacção, se deve
igualmente admittir o direito de pedir reparação em favor do
individuo, que fôr, por ventura, lesado pelo funccionario.
c) Este direito subsiste o mesmo, quer se trate de funccio-
nario administrativo, quer se trate de funccionario judicial.
Mas, com relação aos juizes, Pfeiffer nega a responsabili-
dade do Estado, por motivo de suas sentenças o só, porque os
mesmos decidem com inteira independência do chefe de Estado
(des Staatsoberhauptes), mas tamm, porque o direito de acção
conferido ao cidadão é, simplesmente, um direito formal (und
der Anspruch des Staatsbwrgers auf Rechtsprechung nur ein
Anspruch auf formélles Recht ist).
Cumpre, por fim, notar que a reponsabilidade do Estado
pelos actos illicitos es tende-se, mesmo, aos não-funccionarios,
desde que se tratar de indivíduos que agirem em nome do Es-
tado ou debaixo de suas vistas, para um fim publico determinado.
E', porém, de advertir que, com relação a estes últimos, o autor
reconhece, contra o Estado, uma responsabilidade subsidiaria,
e esta, somente no caso de dar-se culpa na escolha do indi-
viduo em questão.
58
36. — F. Schwarze não exclue, no todo, a analogia da adio
institoria, como fundamento da responsabilidade primaria do
Estado pelos actos ou omissões illegaes, commettidas pelos
58 Pfeiffer, Praktiscke Aiishrungm aus allen Thcilen der liechts-
wusenschaft, t. II, (1828) p. 361-384 ; t. III, (1881), p. 380-386 ; t. VDI,
(1846) p. 545 seg. Cf. Loening, ob. cit., p. 48 seg., 97 seg.; Zachari,
loc. cit., p. 601, seg.
i m
129
juizes no exercício dos cargos; mas é no elemento da repre-
sentação, que se encontra o melhor argumento da sua theoria. I O
juiz, diz elle, abusa da sua autoridade, como representante do
Estado, e o particular é lesado, justamente, pela confiança, que
deposita nessa representação. O individuo não é lesado, por
negligencia da sua parte, mas por abuso do representante do
Estado, o funccionario, do qual o Estado, nomeando-o e re-
vestindo-o da sua autoridade, se constituiu garante de sua recta
conducta... O juiz deve applicar e executar a lei do Estado ; é a lei
viva (das lebenãige Gesetz); o particular nelle o representante
da lei e do Estado, e porisso se conforma com as suas decisões,
como si fossem decisões do Estado e da lei, proferidas por
intermédio do juiz... E
1
o próprio Estado, quem apresenta o juiz
aos particulares, como sendo a mão e a boca do Estado; e é esta a
rasão, porque se presta ao juiz a obediência, que é devida ao
Estado.
50
Segundo o autor a responsabilidade do Estado se deve
estender igualmente aos demais funccionarios, auxiliares dos
juízos e tribunaes.
Schwarze o se pronunciara sobre actos illicitos dos func-
cionarios administrativos mas, conhecidos os princípios, em
que elle se apoia para affirmar a responsabilidade do Estado
pelos actos judiciaes, duvida não pode haver, que, aos seus
olhos, os mesmos princípios deveriam ter igual applicação aos
actos administrativos.
w
37. Schmitthenner exe a sua doutrina em breves pa-
lavras:—entende que o acto, pelo qual um funccionario faz, de
30
Schwarze, " Zeitschnft fiír Bechtspflege und Verwaltwig, zuchst
\fim- das Kònigrekh Sachsm," (1854), p. 305 segs.— Cf. Piloty, loc. cit.
60
Strippelraann também admitte uma responsabilidade primaria do
Estado, fundando-a, principalmente, na unidade da pessoa Estado com a do
funccionario {"Neue Sanxmlung bemerkenwerther Erkenntnisse"ies O. A.G.*8
zn Kassel, IV, p. 296 und VI, p. 248 segs.)
9
R. C.
— 130 —
propósito ou por negligencia, damno a outrem, é um acto do
poder publico (ein AM der õffentlichen Gewalt), e, conseguinte-
mente, é dever do Estado assumir a obrigação de garantia do
mesmo, e prestar «in subsiãium » a indemnisação devida.
Isto decorre, pensa o autor, da própria natureza do serviço
publico.
61
38. H. A. Zacharise, a quem se deve um estudo geral,
methodico, da matéria sob os seus diversos aspectos, e dos prin-
cípios que lhe são applicaveis, ensina que, na indagação da
verdade, se devem admittir as seguintes proposições :
a) A questão não pôde ser resolvida pelas disposições do
direito privado, e nem a analogia, fundada nesse direito, seria
applicavel á relações do direito publico, por faltar a sua condi-
ção primeira—a «partias rationis »; visto como entre o Estado
e o funccionario dà-se uma relação diversa da que existe entre o
contractante, o mandante, ou o dono do negocio (dominus
negotii).
62
o) Também não se pôde cogitar de culpa do Estado na no-
meação do funccionario,—porque a culpa presuppõe sempre a
existência de uma pessoa natural; conseguintemente, si culpa se
dér, ella deve recahir sobre o autor da nomeação, isto é, o
soberano ou o ministro responsável, mas, não, sobre o Estado.
E do que resulta juntamente, que a questão é do direito publico
(auf staatsrecMUchen Orunden) e não, do direito privado.
c) Para que se possa fazer valer uma acção de indemni-
sação contra o Estado, precisa que se tenha dado a violação de
um direito objectivo e a culpa subjectiva do funccionario, agindo
dentro das próprias attribuições.
d) Assim como os actos de indiduos não f unccionarios não
podem crear obrigação alguma contra o Estado; assim também,
61
"Grunãlinien ães aUgenieinen oder ídealen Staatsrecht", p. 513 (1845).
62
"TJéber ãie Haftungwerbindlichkeit ães Staats", p. 607, seg.
— 131
os efíeitos dos próprios actos do funccionario não a criam,
desde que o mesmo agir fora das suas attribuiçôes.
e) Como actos ilcitos do funccionario, sô são de considerar
os que se manifestam por um uso illegal do cargo ou da auto-
ridade própria (der Amtsgewalt).
6
*
Os mesmos princípios o applicaveis âs omissões de dever
por parte do funccionario; observando-se, a esse respeito, a
seguinte regra: Si ao funccionario incumbia a obrigação,
pura e simples (úiibedingte Verpflichtung) de, segundo o objecto,
modo e qualidade, fazer determinado acto, e o damno proveio dal
omissão desse acto, o Estado torna-se responsável pelo mesmo;
mas,. si o damno resultar de actos positivos de terceiros, ca-
pazes de responder por si mesmos "ex-licto suo'\ ou si ao
funccionario era licito intervir ao seu livre critério; então, o
Estado seresponsável, si o funccionario também o fôr, em
vista das circunstancias.
64
Advertindo, que a representação do Estado não é um
acto de livre arbítrio, mas condão necesria da sua exisncia,
como organismo vivo, Zacharise firma tamm o principio geral,
de que, assim como os actos dos seus órgãos lhe podem trazer
direitos e vantagens, do mesmo modo, lhe devem trazer igual-
mente obrigações ou responsabilidades; e que, em consequên-
cia se deve accentuar: « Quando os funccionarios agem, como
órgãos do Estado, e fazem uso do poder que lhes fora outorgado
para fins do Estado, os seus actos devem ser considerados juri-
08
Zacharias, ob. cit.,p. 607 e 616 sg.; Idem, Deutsches Staatipund°
\Bundes Becht (3
a
edic);Idem, Verhnndlungen des VIdeutsclien Jwisteniags
t. Ill, p. 323 sg, I
I* Zacharise, Ueber die Haftwigsverbindlichkeit des Staats, p. 617
e 642 sg.Of. Piloty, ob. clt., p. 256. Zaoharise especifica vários casos,
nos quaes a responsabilidade do Estado resulta da omissão, por exemplo:
a falta de garantia ou segurança individual, a negligencia pelos caminhos
e pontes publicas, etc. eto.—Ibidem, p. 642-645.
— 132 —
dicamente, como actos do próprio Estado >>; regra, que preva-
lece, accrescenta elle, tanto em relação á chamada garantia^ dos
funccionaríos públicos nas suas funcções, como no caso de lesões
illegaes commettidas pelos mesmos funccionaríos contra os
governados (Unterthanen). Deste modo, a responsabilidade do
Estado pelo damno de seus funccionaríos torna-se uma obri-
gação rigorosamente jurídica, fundada no direito publico (Auf
ãiese Weise ívirã die Haftpfiicht ães Staats fiír Schadenszufúgung
seiner Beamten eine streng rechfliche auf staastrechtlicher Basis
beruhende Forãerung) ; e seria preciso desconhecer completa-
mente a natureza da ordem estadoal (des Wesens der Staatsord-
nung), para suppor que, no caso, se trata de uma simples relação
moral, e não, efectivamente jurídica.
65
Preopinara, porém, o illustre autor que, em regra, a res-
ponsabilidade do Estado devia ser subsidiaria, uma espécie
de garantia ou fiança, pela conducta do seu representante, e,
consequentemente, pelos effeitos dos actos deste, quando lesivos
do alheio direito (... eine Burgsehaft, eine Oarantieleistung des
Staats), por ser essa responsabilidade, a que mais se ajusta ao
conceito do Estado, e bem assim, ás relações statojurídicas entre
este e os funccionaríos, e ás relações de sujeição entre os
súbditos (governados) e o Estado.
66
65
Zacharise, Loc. cit., p. 632.
66
Zacharise, ob. cit., p. 619 sg.— Cf. Loening, ob. cit., p. 101 sg.;
Piloty, loc. cit., p. 255 sg.—Vide: Hic, p. G6.
Deste modo de ver de Zacharise quanto ã fiança ou garantia por parte
do Estado, é também Gerber, o qual assim se exprime : « Si ao funcciõ-
nario culposo faltarem meios pecuniários, cabe a acção contra o Fisco ;
pois, na nomeação de um funccionario, isto é, na sua investidura de auto-
ridade publica, e na obrigação, creada para o Publico, de respeital-o, como
representante do poder legal, se inclue o compromisso tácito de garantia
subsidiaria pelas responsabilidades do mesmo, tanto as resultantes do uso
indevido das attribuições que lhe foram conferidas, como as originadas da
omissão dos deveres do carg.—Grunãzuge eines Systems des ãeidschen
Staatsrechts, p. 202 sg. (1865).
. _
— 133 —
Também não deixou Zacharise de fazer distinão conveni
ente entre os actos que pela sua natureza pertencem ao direito
privado, e aquelles, em que se trata de executar ordens ou re
soluções do poder publico contra os que lhe são sujeitos; mas
cumpre advertir,assim não o fizera, no intuito de declarar o
Estado inteiramente irresponvel pelas conseqncias dos actos
de poder blico, como outros tem pretendido. Quanto aos pri
meiros, desde que o Estado entra na esphera dos negócios ou
emprezas de caracter privado, entendia de razão que o mesmo
assumisse uma responsabilidade, tão directa e completa, quanto
resulta do direito commum ou civil para os próprios indivíduos
particulares (Es entscheiden hier ãie geltenden OrundsUtze ães
gemeinen CivUrechts und es liegt durcliaus Icein Orund vor, den
Staathier anders, in beschrãnJcterer oderin weitergehender Weise,
hafien zulassen, ais jeden andern Oescftsherrn, es mag nun ein
Individuum oder eine dem Staate untergeordnete Corporation oder
juristische Persônlichkeit der Contrahent sem);*
1
cabendo, no
caso, alem das disposições das leis especiaes, os princípios da
relação institoria.
68
o
Tratando-se por ventura de damnos causados aos bens
ou valores em deposito ou sequestros judiciaes. era de parecer
que a responsabilidade do Estado devia ser primaria, e não,
simplesmente subsidiaria, como em geral.
69
Quanto aos actos de poder publico, propriamente ditos,
a dizer, aquelles, para cuja realização ou execução a autoridade
pode empregar a coerção legal, o deviam ser elles encara-
dos sob o ponto de vista da responsabilidade do mandante pelos
actos de seu mandatário ou do dono do negocio pelos actos de
seus prepostos (institores); seria desconhecer a posão do Estado
67
Ob. cit p. 620.
08
Ibidem, p. 623-625.
69
Ibidem, p. 626 sg.
134 —
para com os seus funccionarios e os seus súbditos... O poder do
funccionario provém da autoridade suprema do Estado, e a
sujeição do governado (Unterthan) é consequência necessária da
ordem estadoal ("der Staatsordnung) ; mas, desde que o acto do
funccionario, dentro das suas attribuições, é de considerar
acto do Estado, como já se disse, segue-se simplesmente dahi a
responsabilidade do mesmo Estado pelas lesões feitas aos
governados, guardadas, muito embora, restricções diversas. E',
sobretudo, acerca de taes actos, que o autor pretende, que a
garantia do Estado deve ser meramente subsidiaria; porque, em
relação aos mesmos, a cousa succede inteiramente diferente, do
que se dá com os actos de caracter privado.
70
Finalmente, segundo Zacharise, não ha fundamento algum
para distinguir entre funccionarios administrativos e judiciários,
no tocante á responsabilidade do Estado ; uma vez que os últi-
mos são igualmente de considerar, como órgãos do poder publico,
na esphera de suas attribuições.
71
38. A litteratura jurídica dos outros Estados da Europa,
excepção talvez feita da Itália, não offerece muitos trabalhos
lespeeiaes, consagrados ao estudo da importante questão da
responsabilidade civil do Estado. Na França, por exemplo, e
também na. Bélgica, as opiniões dos autores a esse respeito se
encontram, em geral, nas próprias obras do direito civil (damnos
do délicto e do quasi-ãelieto), ou nas do direito administrativo;
mas, nem sempre, enunciadas com o preciso desenvolvimento,
que a matéria requer.
72
70
Loc. cit.,p. 633-34.
71
Ibidem, p. 637-642.
72
" Os trabalhos especiaes ", publicados em França, que são mais
conhecidos e, certamente, importantes, são: Sourdat, Traité gen. de la
respomàbilité; Sanslaville, De la responscMlité de VJEtat en matière de
postes et télegraphes;— Michoud, De la responsábilité de VEtat à raison
— 135 —
38 a. Marcadé, na sua obra sobre o Código Napoleão,
ensina, que as disposições deste, que regem as relações entre o
committente ou dono do negocio e o commissario ou preposto, o
igualmente applicaveis ao Estado e os seus funccionarios; di-
zendo, consequentemente, a prosito do dispositivo do art. 1384
do referido código, o seguinte: "X/es maitres et comtnettants sont
tenus du ãommage cause par leur domestiques et prépos".
La gie, bien entendu, s'applique áVEtat et aux diverses
administrations publiques par rapport á leurs agents, ppos ou
emplos, comme aux commettants parUculiers.
73
38 b. — F. Laurent se mostra ainda mais positivo, dizendo
sobre a matéria: «L'Etat c'est-à-dire, le gouvernement est aussi
responsable en vertu des articles 1382 et 1383. Tout droit lese
donne droit à une réparation, à moins que la partie sée ne se
trouve en face d'un pouvoir irresponsable, tel que le pouvoir
lêgislatif. Or, le gouvernement est responsable quand il agit
comme tel; ce qui est cisif. Peu importe qu'il ait le droit et
même 1'obligation de faire ce qu'il afait; cela n'excuse pasles
partieuliers qui lésent un droit, et cela n'excuse pas nonplus
1'Etat. II en est ainsi en matière de travaux publics : le gouver-
nement a le droit et le devoir de les faire, mais il ne peut pas lèsér
un droit en les faisant; des qu'il a lese un droit, il est respon-
sable. Ce que nous disons de 1'Etat s'applique auxprovinces et
aux com munes, qui sont une partie integrante de 1'Etat. »
74
E
ainda depois accrescenta : «La responsabilité des commettants
s'applique-t-elle à 1'Etat ? L/affirmative est certaine, quant au
príncipe, c'est-à-dire, que 1'Etat est responsable quand il est
commettant. Mais la dificulte est de savoir quand on peut dire
que 1'Etat est commettant et que le dommage est cause par un
de ses préposés. II faut appliquer, par analogie, â 1'Etat ce
des fautes de ses agents (Revue du droit public, t. III e IV, de 1895);—Henri
Bailby, De la responsabili de 1'Etat envers les partieuliers, 1901. — Dos
trabalhos de Sourãat, Michoud, e Bailby se dirá no cap. IV seguinte. B
78
Marcadé, Explicam Theorique et Pratique du Code Napoleon, t. V,
p.270(5» edic.).
74
F. Laurent, Cours Miem. de droit civil, t. III, n. 361; Príncipes de\
droit civil, t. XX, ns. 419, 420, 432, 489-442.
— 136
que la loi dit des particuliers. Le maitre emploie ses domestiques à un
service qu'il ne veut ou ne peut faire lui-même; la loi le declare
responsable lorsquele domestique, dans Pexercice de ses fonctioos,
cause un dommage par sa faute. Ainsi ce qui caractérise le
commettant et le préposé, c'est un service que le préposé execute au
nom et pour le compte du commettant. Ce príncipe s'applique à PEtat
quand il agit par Pintermé-diaire de ses agents. Tel est le transport de
lettres et dépêches ; c'est un service que PEtat remplit par
Píntermédiaíre descour-riers ou de P Administration des chemins de
fer. [^ A plus forte raison en est-il de me, quand PEtat est in-
dustriei, et il est, quand il exploite voies ferrées, car il est ehef
d'industrie. commettant; il choisit ses agents ; s'il les choisit mal, il
est responsable pour avoir fait un mauvais choix ».
O autor abre, todavia, uma larga excepção â responsabilidade
do Estado, desde que não se tratar de actos praticados pelos seus
prepostos, propriamente ditos... Eis, como elle se exprime neste
particular: « L'Etat ívest pas responsable quand ce n'est pas lui qui
agit, quand il se borne à organiser et à diriger un service public.
La justice et Penseignement sont des services, mais ce n'est pas PEtat
qui juge et qui enseigne; les juges et les professeurs ne sont pas ses
préposés; donc PEtat n'est pas commettant, et partant il n'est pas
responsable. »
75
75
" Cours Elem. de droit civiV, n. 372; " Príncipes", loc. cit.,
D. 593.
A. Batbie, Preás du Cours de droit public et administratif (p. 323. nota,
Pariz, 1885): « L'administration est-elle tenuo, envers les tiers leses,
de reparei' le prejudiee qui Jeur a é cause par les delits ou quasi-delits
des agents administratifs ?' L'art. 1384 da Code Civil declare les com-
mettants responsables da dommage cause par leur pposés, dans les fon-
ctions aux quelles ils sont employés; et s'il s'agit de savoir si le droit
commum est applicable á-1'Etat; IL DEVRAIT L'ETTRE, A PLUS FORTE RAISON,
puísque les services administratifs sont monopolis et que les particuliers
ne sont pas libres d'employer d'autres agents. Mais la jurisprudence admi-
nistrative tend â ne reconnaltre cette responsabilité que dans le cas ou
l'agent a cause le prejudico en agissant dans les limites de ses attribui-
tions; s*il en est sorti, les tiers n'ont de recours, que contre 1'auteur du
fait dommageable ».
%.*.4«
— 337 —
I 39. — Lorenzo Metteei é um dos autores modernos, que
sustenta o principio da responsabilidade geral do Estado, da
maneira mais clara e decidida, e por isto convirá lel-o, em
parte ao menos, nas suas próprias palavras. Diz elle: II sos-
teuere in generale che lo Stato e le amministrazione pubbliche
non debbano rispondere dei fatto de'loro funzionari vale quanto
distruggere ogni obbligazione deli'Amministrazione, contro la
essenza e lo scopo d'ogni istitnto pubblico, contro ogni prin-
cipio di ragione e contro la legge positiva che fu dettata appo-
sitamente per dichiarare essa Amministrazione non solo obbli-
gata, ma obbligata per diritto comune e nelle vie processuali
ordinário di rispondere ai privati d'ogni diritto civile o politico
offeso (Legge sul contenzioso amministrativo 20 mamo 1S65,
àllegato È). Imperocchè se 1'amministrazione pubblica contrae
obblighi. non altrimenti può contrali se non pei fatti dei suoi
funzionari. La osservazione sarebbe inutile se non fosse neces-
sária per correggere certe formule di cui si abusa, lasciando
sottintendere quello che in ragionamenti sciéntifíci non si deve
altrimenti sottintendere, ma esattamente esprimere.
La prima dichiarazione adunque, sia che la responsabilità
dello Stato e delle altre pubbliche amministrazioni é ammessa pei
contratti di 'suoi funzionari. stipulati in loro nome e nel loro
interesse. Questa responsabilicontrattuale e direita o si svolge
per fatti leciti posti dai suoi funzionari in adem pimento delle
assunte obbligazioni, come quando lo Stato restituisce un depo-
sito ricevuto, o si commette per contravenzione colposa e dolosa
<jhe si faceia ai patti contrattuali. come quando lo Stato sia chia-
mato a restituire un deposito sottratto per fatto dei suoi agenti.
L' obbligazione, ossia la responsabilità, non mu ta nei due
rcasi, essendochè nel secondo il fatto illecito dei funzionario è
affatto incidente ai contralto, di guisa che lo Stato non risponde
solo perla colpa o pei delitto dei funzionario, cipei mero rap-
porto institorio che lo lega ai funzionario, ma responde pei con-
tratto stesso che ha col terzo depositante, cioè pei principio che
il depositário é tenuto per qualunque colpa e sempre, tranne
solo il caso di forza maggiore (códice civ.. art. 1848, 1865)...
II símile è da dire in tutti i casi di contratti. sia per imprese pri-
vate, sia per opere pubbliche e forniture, di depositi e custodia
di valori, dove il fatto d'un agente delVamministrazione fa si
che 1'amministrazione stessa contraente e obbligata non possa
soddisfare ai suoi obblighi, e quindi debba sottostare ai danni
138
deirinadenipimento. In tutti questi casi la questione è di res-
ponsabilità contrattuale e non per qnasi-delitto. E tra le due
responsabilità v'è, tra le altre, questa differenza. che la prima ê
ãtretta anzi exclusiva delFamministrazione in nome delia quale il
funzionario contrasse; mentre la seconda è indiretta e dLri-
verbero per l'amministrazione e concorre sempre colla respon-
sabilità diretta dei funzionario calpevole verso la parte lesa».
76
39 a.—Como acabamos de ver, o autor é partidário decla-
rado da responsabilidade do Estado, quanto ao que elle chama
responsabilidade directa; apoiando o seu juízo juntamente em
varias decisões judiciarias, que considera no todo correctas, e ás
quaes também teremos occasião de referir-nos em outro logar.
Este ponto, é portanto, para elle, fora de questão.
Duvida poderá existir, segundo Meucci, acerca da res-
ponsabilidade que, independente de toda a declaração directa ou
especifica de sua vontade, possa, não obstante, caber á admi-
nistração pelos actos illicitos dos funccionarios, " por força da
própria declaração genérica de vontade, manifestada na
nomeação dos funccionarios públicos" (nella assunzione de fun-
zionari públici); ou em outros termos, toda questão se res-
tringe ao fundamento da responsabilidade indirecta ou ex quasi-
délicto...
Para bem elucidai-a, o autor aprecia: primeiro, a natureza
da obrigação indirecta no seu caracter de relação institoria ;
depois, si ella convém ã natureza genérica de um ente moral;
finalmente, si a mesma pôde ajustar-se â natureza especifica do
Estado e das administrões publicas, e em que limites e effeitos.
Da sua exposição a esse respeito, diremos aqui, tão somente, o
indispensável ao nosso propósito.
Meucci entende que, responsabilidade indirecta ou por
quasi-delicio, se diz aquella que se contrahe por acto de pessoa
em nossa dependência ou por facto de cousa que nos pertença; e
' Meucci, Diritto Amministrativo, p. 260-62. Torino, 1898, 4* edíc.
— 139 —
tratando-se, em particular, da administração publica, semelhante
responsabilidade resulta das relações juridicas, quaes se dão
entre o committ&nte e o preposto, a dizer, do vinculo institorio
(rapporto institorio).'
1
'' Tirando argumento das espécies parti-
culares, que caracterizam a relação institoria e outras análogas
no direito romano, Meucci declara que «non soltanto contra-
bendo, ma ancora délinquendo» 1'institor obliga il padrone;
78
|
o que vale dizer, que a responsabilidade institoria é dúplice:
contractual ou directa, resultante de contracto feito em nome e
representão do dominus; e indirecta, proveniente da culpa
ou acto illicito commettido, por motivo da funcção institoria;
concluindo de tudo, que o referido vinculo (institorio) consiste:—
«inim mandato e in una rappresentama delia persona, e guasi
in un'estensionedelianostraautori efiduciapersonaleadun'al-
tra, cosi laresponbilitâ che ne nasce non solo si estende a tutte
le conseguenze dei fatti leciti da essa persona in nostro nome
operati, ma a tutte le altre ancora di fatti illecitti conunessi da
essa coirabuso dei nostro nome, delia nostra fede ed autoritâ, e
ció perun principio di equi e di diritto generále* razionaXe e\
positivo: esser giusto e naturale che ognuno risenta gl'incomodi
di onde ritrae i yantaggi, e che non sia impunemente per
nostra causa e negligenza danneggiato chi trattò con noi o colle
persone scelte da noi, collocate sotto la nostra autoritâ e agenti
a nome e nell'interesse nostro. »
79
39 b. Estabelecidos, por esta forma, os princípios da
doutrina, applicaveis á matéria, Meucci responde â questão es-
pecial de saber, si ao Estado deve caber a responsabilidade in-
directa, resultante das relações institorias, nos seguintes termos:
77
Meucci, loc. cit., p. 264 sg.
78
Ibidem."Inatitor ex to appellatw est, quod negotio gerendo instet"
(L. 3 ff. Delnst. act.) I
70
Meucci, loc. cit., p. 270.
Ipu
— 140 —
« Noi crediamo che la respomabilitá indiretta si convença alio
Stato, come ad ogni altro ente giuridico sema distinzione di rap-
presentanza, poste soltanto le condizioni che si referiseono aUa
indole dd rapporto institorio, non alia qualitá âelle funzioni dello
Stato; daUe qualipuô accidentalmente ventre determinai a o es-
cl usa VappUcazione delle condizioni, non mu tato il principio
90
O
que, melhor explicado, significa: Muito embora o Estado,) sendo
a vida collectiva da nação, ordenada e representada juri-
dicamente para a tutela da ordem e da justiça, e para fomentar o
desenvolvimento moral, intellectual e económico (in quanto possa
castre vagai unto dalVazionc collectiva), tenha, por isto, regras
especiaes e próprias, que constituam, para o mesmo, um direito
distincto; •— comtudo, não deixa, de formar uma esphera jurí-
dica, como a de qualquer outra liberdade privada; — não po-
dendo aquella ser transgredida, sem dar logar a reparação do
direito offendido, pertença este á uma outra pessoa publica ou á
pessoa privada.
M
O direito publico, acerescenta o autor citado,
não é uma esphera de iromunidade e inviolabilidade, uma anti-
these do direito privado; é um ramo ou uma applicação do Di-
reito às relações do Estado, sujeito, como qualquer outro ente
jurídico, â condicionalidade da existência e harmonia de todos os
direitos.
O principio- "que não ha direito contra direito", prevalece
em todo o campo jurídico.
S2
Conseguintemente, por mais lata
que seja a legitima esphera de acção do Estado, desde que este
a ultrapassa e offende o direito de outrem, deve reparal-o. Tal é
o grande principio da igualdade dos direitos, segundo o qual,
não se admitte a distineção de pessoas, de funeções ou de
escopos. O principio da responsabilidade por lesão de direito
80
Ibidem, p. 277.
81
Ibidem.
* Ibidem.
— 141 —
é absoluto. Qualquer restricção ou excepção, uma que fosse,
o destruiria...
88
"Agisca puré lo Stato nelle sue funzioni de go-
verno e dipolizia,agisca pei suoifini economia, agisca per
un impreza privata,quella regola lo segue dappcrtutto. Potra in
fatto de quelle sue prime funzioni aver maggior larghezza di mo-
vimento, maggior liberta de azione, si vuolsi, maggior previlegio;
meno nelle seconde, meno ancora nelle terze funzioni, cia sara
questione di fatto e di limiti, ma non di principio."
s
*
o é preciso proseguir na transcripção de novos trechos
para, em vista delles, melhor conhecer a conclusão geral de
Meucci sobre a responsabilidade do Estado, pelos actos dos seus
órgãos, representantes, ou funccionarios. Esta conclusão
está, sem duvida, prevista pelo leitor :—*Lo Stato o qualunque
ammnistrazione publica in qualunque modo eper qualunque fine
operante, se leda i dintti altrui per opera di persone alie quali sono
affidati gVincarichi che esso deve compiere per próprio interesse,
trovasi sotto il principio dei rapporto institorio, e deve rispon-
derne. Se tale possibilita de lesione di diritto e quindi responsa-
bilisi verifichi in tutti i cosi, sara, questione speciale che si
riferisce alia matéria ãelle condizioni...»
8B
Quanto ao que se deve entender, na espécie, por condições
e limites da responsabilidade indirecta do Estado, elle nos diz
juntamente: são, em geral, os próprios elementos ou circum-
stancias especiaes, em que se pode dar ou se deve admittir o
vonculo institorio na sua comprehensão e effeitos. Trata-se,
pois, de relações, inteiramente apreciáveis segundo as regras
expressas do direito commum, ou por analogias, tiradas dos
textos deste mesmo direito.
88
Ibidem.
84
Meneei, loc. eit., p. 278.
86
Ibidem, p. 379.
— 142 —
O mais, que converia ainda mencionar das opiniões emit-
tidas por Meucci, sobre a questão, o leitor encontrará em outras
partes deste trabalho.
40. Um outro autor, não menos illustre, que não de-
vemos omittir neste capitulo, é o professor Gr. P. Chironi.
86
Em
sua importante obra, "Colpa Contrattuàle", elle, depois de fazer
um breve retrospecto das doutrinas principaes sobre a
responsabilidade civil do Estado, expõe, por sua vez, a theoria,
que reputa capaz de servir de fundamento a esse instituto,
emittindo entre outros os seguintes conceitos :
A existência do Estado não é somente ideal, não é uma
simples abstracção, mas o resultado necessário da vida dos
povos, e esta existência, como entidade perfeita, como pessoa, é
concebida e se revela pelo complexo dos poderes que concorrem
na sua constituição.
87
Real ou fictícia, a vida dessa pessoa se manifesta na acção
dos funccionarios, os quaes, nem por isto, são o próprio Estado
que opera e provê:—o Estado, que nomeia os empregados e de-
signa os limites das suas attribuições, não se pode confundir
com estes, que agem na qualidade de representantes; e si bem
que o representante, que se mantém dentro das faculdades rece-
bidas, seja o próprio representado operando, com tudo, este não
se considera ábsente em relação aos terceiros (questo con cio non
é considerato rispetto ai terzi come non esistente àffatto). E'
esta, uma consequência peculiar da representação, e sobre a
qual, principalmente, assenta Chironi a sua theoria da respon-
sabilidade geral.
88
88
São igualmente de citar, como partidários do principio da respon-
sabilidade geral do Estado:—Provenzano Palazzo, Teoria delia responsabili
civile dello Stato. Palermo, 1889;—Domenico Solari, La responsabilidelia
publica amministrazione. Napoli, 1902.
87
Chironi, Oolpa Contrattuale, n. 225.
88
Loc. cit.
— 143 —
Dizer que o acto do funccionario é acto do próprio Estado,
é, segundo elle, proferir uma affirmação inteiramente exacta,
visto que o acto do representante é acto do representado ;
mas, partir dahi para confundir as vontades e as pessoas no
pensamento de que existe o representante, ê pretender um
resultado excessivo, repugnante à noção jurídica da represen-
tação. E isto se torna ainda mais grave na theoria que distingue
a acção justa da injusta nos funceionarios-órgãos do Estado :
equivaleria dizer, que o representante, emquanto procede bem,
é. nas suas relações com os terceiros, o próprio representado
mas. quando commette damno. não é mais intermediário, e fi-
gura como sujeito único das obrigações resultantes...
80
Mas, observa Chironi, si o funccionario representa o Es-
tado, si é o próprio Estado, quem age na acção do funccionario,
porque não se ha de dar acção directa contra o Estado ? E como
o funccionario agindo em nome do Estado, ha de r a sua res-
ponsabilidade pessoal em tal relevo, de modo a impedir a possi-
bilidade jurídica de acção contra o ente representado?... O Es-
tado, pessoa independente, faz por intermédio de outrem o que,
segundo a sua natureza, não podia fazei*o directamente; por
isso, a relação, intercorrente entre elle e funccionario, é como
se disse» a da representão, entendida em sentido gerico, ou
comprehensivo tanto da representação in genere, como da re-
presentação própria.
90
Em qualquer hypothese, porém, desde que se trate da res-
ponsabilidade por culpas dos seus representantes, o Estado toma
a figura jurídica de committente, e os seus funceionarios a de
89
Ibidem.
00
Ob. oit.,n. 227. —- Chironi explica o que elle entende pelos qualifi-
cativos de representão própria (ob. cít., n. 177 seg.) e representação in ge-
nere ou imppria (na. 200 seg.); considerando o mandato, como figura da
"rappre8entanza vera ou própria", e a locão de serviços, como a da "rap-
presentanza in genere o imprópria ".
— 144 —
commissarios (propostos), emquanto agem dentro dos limites das
suas attribuições ; si sahem destes limites, a acção não é mais
t
do
funccionario, é simples facto particular ou pessoa], ao qual, por
isso mesmo, o Estado é inteiramente extranbo...
E deste modo, entende o illustre professor, as relações]
entre o Estado e o funccionario ficam nitidamente determinadas.
Si no exercício do cargo se certa apparencia de confusão das
duas pessoas, isto o contradiz á theoria proposta: na acção do
representante se empessoàlisa o representado (nelVazione dei
rappresentante s'impersona il rappresentato) que o pôz em seu
logar, e de tal maneira, que se deve ter, como obra própria, tudo
quanto o primeiro fizer nos limites das suas incumbências;
podendo-se, portanto, instaurar directamente contra o segundo
qualquer acção de responsabilidade pelos damnos provenientes
da acção do primeiro.
91
40 a. Referindo-se á objecção, de que não é licito appli-
car os dispositivos do direito privado â relações do direito pu-
blico, como são as dos funccionarios, ou que estes não devem ser
considerados, como mandarios ouprepostos do Estado, Chironi
adverte, —que o direito privado, como direito commum, é a ex-
pressão mais directa e completa dos princípios da justiça ; que o
direito publico é direito excepcional; e que, portanto, dada a
carência de leis especiaes, que regulem a matéria de modo dif-
ferente, porque o faz o direito commum, a questão pôde e deve
ser apreciada e decidida nos termos deste ultimo direito.
O autor insiste em demonstrar, que a figura do Estado, nas
suas relações com os funccionarios, é a de committente °
2
; e ac-
crescenta : que, fixada assim a Índole jurídica destas relações,
se evita o desaccordo das theorias que. construídas sobre con-
ceitos diíferentes, distinguem a culpa coromettida na execução
91
Ibidem.
Ob. cit.. n. 228 sg.
r- 145 —
de um contrato, da qae occorre independentemente de um vin-l
calo obrigario preexistente, - admittindo a responsabilidade
no primeiro caso, e negando-a ou afhrmando-a no segando, ab-
solutamente ou dentro do certos limites... Nào ha razão para
distincçao semelhante; na matéria em exame, conclao Chironi.
o que se pode aírtrmar. como theoria geral» é:
n
la rwpontabãità
dello Stato feimmittente) per finjuria recata da eolpa impulabile
ai moi funrionari (commem) in que$ta qualitâ e neWeeereúio
delle foro funzioni, quando per Ugge non tia stabPiht la loro
sola regponmhiUtá penouale ".*
Como elementos essenciaes. constitutivos da responsabili-
dade do Estado, devem, pois. concorrer: o elemento objectivo da
violação de um direito, o elemento subjectivo da culpa do agente,
o & condição, de que o acto arguido se dê no exercício e limites
das attribnições conferidas ao respectivo agente .
M
Com estas indicações, qne vimos de fazer, embora a tra-
ços largou somente, da doutrina professada por Chironi, damos
por Anda a matéria do presente capitulo sobre a "theoria da
rwpimsahUidade geral" do Estado.
I Quanto à analyte ou critica de alguns dos fundamentos par*
ticnlares, em que essa theoria se apoia, noa reservamos fazel-a
ulteriormente em occasiào maia apropriada.
** Ibidem, a. Stt. I *
Oa. ««., a. 231 sg.
10 a. c.1
— 146 —
CAPITULO IV Theoria ou
Systema Mixto
41.— No presente capitulo é nosso intuito dar em resumo
as opiniões ou conceitos dos vários autores, que, admittindo em
principio a responsabilidade civil do Estado pelos actos lesivos
dos seus representantes,—na pratica, todavia, restringem dita
responsabilidade somente aos actos, que pertençam á uma deter-
minada categoria, das duas, em que os mesmos devem ser, para
esse fim, previamente classificados.
O ponto de partida, no qual se reúnem os diferentes parti-
dários do systema, é este: no Estado ha duas pessoas ou dous
domínios distinctos, um de direito publico, e outro de direito pri-
vado. E, precisamente, nesta distincção, se contém o principio
ou a razão fundamental do systema, que adoptam e sustentam.
No modo de considerar, desenvolver e applicar esse prin-
cipio geral, notam-se discordâncias serias, as vezes, difficeis de
harmonisar, entre os seus próprios adherentes. Parece, que taes
discordâncias vém, sobretudo, da falta de um critério geral, se-
guro, para, conforme ao mesmo, se poder realisar a classificação
dos actos nas duas categorias, que servem de base ao systema.
Em todo o caso, a despeito de quaesquer divergências, reaes ou
apparentes, ha um facto, que subsiste e se patenteia distincto na
controvérsia: é, que todos os propugnadores da theoria mixta se
mostram accordes no pensamento commum, de afnrmar a pre-
eminência do poder publico soberano, as vezes, de modo incon-
dicional ou discricionário, nas suas relações com os diversos
sujeitos de direito privado; mas não desconhecendo, ao mesmo
— 147 —
tempo, a necessidade de serem respeitados os direitos e inte-
resses destes últimos, aomenos, nos limites da rigorosa justiça.
Não seria faeil dizer, qual o autor que primeiro aventara a
idéa de distinguir os actos do Estado ou da publica adminis-
tração em duas classes, como condição de julgar da respon-
sabilidade ou o-responsabilidade do Estado, pelos effeitos e
conseqncias dos mesmos.
95
Ao nosso prosito, porém, basta
ajuntar que, como doutrina, é ella hoje, não só, professada por
um grande ^numero de escriptores, dos mais competentes, entre
os que se tem o ocupado do assumpto, mas também, invocada
muitas vezes pelos tribunaes judiciários, como razão de decidir
os casos que lhes são sujeitos.
42. —Larombière se exprime na matéria, desta sorte :
Si nous soumettons 1'Etat, represente par les différentes
régies ou admioistrations publiques, à la même responsabilité
qu'un simple- particulier, à raison du dommage canse par ses
agents et prèposés dans 1'exercice de leurs fonctions, ce n'est
95
Mantellini, apoiando-so om trechos de escriptores antigos, procura
demonstrar, que não é nova a doutrina que distingue ontre os actos do
Estado para, segundo a qualidade dos mesmos, affirmar, ou negar, a respon-
sabilidade do Estado. Entre os esoriptores, a que se soccorre, oita Grotius
(Le droit de la guerre et de lapaix, trad. por Barbeyrac, liv. II, cap. 4, § 12;
cap. 14, § 2 seg.; cap. 20, § 24, etc), Pufendorff, e De Luca,—transcrevendo
deste ultimo a seguinte passagem: « Intrat reduplicatio personarum quce in
Pncipe consideratur \ quod scilicet una est persona prívati contralientis, et
altera est publici administratoris et rectoris príncipatus et reipublicce. Quod
scilicet alia est persona JPrincipis tamquanx contrahentis, et alia est persona
ejusãem tamquam Ugislatoris, et providenHs super bono regimim reipublicoí et
pncipatus, ex causa blicos necessitatis et utilitatis... Ideoque id quod per
istam posterwrem personam fit ex causa publica, fortuito casui potius refe-
rendum est, et assimilandum fulguri, vel tempestati, vel inundationi, aut
incêndio, aliisque similibus casibus, ad quos fidei violatio sequi non dicitur. >
(De Luca, De officiis velibus). E depois do que, observa o pprio Mantel-
lini : Si assim ora, quando o Estado desapparecia no Príncipe, muito mais
deve ser agora no Estado moderno, do qual o Príncipe é apenas o primeiro
magistrado. — (Lo Stato ed il Códice Cioile, p. 38-39).
* 1
— 148 —
pas que le príncipe general et de droit commun, pose dans l'ar-
ticle 1384, soit indistinctement applicable à 1'Etat. Lors qu'il
organise une administration publique, dans un intérèt de mo-
nopole ou de spéculation ordinaire, en vue d'une véritable
exploitation industrielle, ou que, sous 1'autorité de la loi, il
fonde 1'etablissement de services publics donfil règle les con-
ditions d'existence et les rapports reciproques envers les ci-
toyens, qu'elles que soient les considérations d'ordre publie et
(Vutilité générale qui s'y rattachent, il ne saurait, toute question
de competence demeurant réservée, se faire une po-sition
exceptionnelle et differente de celle d'un simples par-ticulier. II
est censé exercer une industrie privée, et 1'exploitation à
l'aquelle il se livre établit entre lui et les citoyens des rapports
prives qui sont gis par les mêmes príncipes ordinaires du droit
commun, du moins en ce qui concerne au fond la res-ponsabili
qui lui incombe. s lors, il est un simple COMMET-TANT
ORDINAIRE, et soumis, à ce títre, à la responsabilité civile établie
par 1'article 1384, sauf les modifications que cette res-
ponsabilité, qui, par rapport à lui, n'est ni générale ni absolue,
peut subir dans son étendue et ses effets, suivant la nature et les
besoins de chaque service. Mais, quant aux actes de GOU-
VERNEMENT proprement dit, il n'est POINT RESPONSABLE DU
OOMMAGE CADSÉ par les lits ou quasi-lits de ses divers fon-
ctionnaires, qui, dans 1'ordre de la hiérarchie et dans les diffé-
rentes branches de l'administration, sont dépositaires d'une part
plus ou moins considérable d'autorité publique. Leurs actes, de
quelque nature qu'ils soient, n'engagent point sa responsabilité.
Autrement, la marche du gouvernement serait constamment
entravée, et son action amoindrie. L'intérêt publie souffrirait de
tout ce quiserait concede à des intérêts individueis. D'ailleurs, le
caractere même des pouvoirs qui resument la sou-veraineté, et en
qui reside le gouvernement, la mission de pro-tection générale,
dont ils sont investis, lahaute sphère, dans la-quelle ils se
meuvent et de laquelle descendent tous les pouvoirs secondaires
pour entrer plus imraediatement en rapports avec les intérêts
particuliers, empêchent de faire remonter jusqu'á 1'Etat,
considere comme personne morale, les conséquences des délits et
quasi-délits, commis dans Texercice de leurs fonctions par les
agents e fonctionnaires de tous ordres et de tous rangs. Les
parties lesées n'ont de recours que contre eux.
96
96
Larombière, Theorie et Pratique des Obligations, t. VII, art. 1384, n.
15.— Paris, 1885.
149 —
Importa notar da transcripção feita, que o autor não tira
argumento, em favor da irresponsabilidade do Estado, da natureza
do acto somente, isto é, de ser este, considerado um [ acto de go ver
no ou de poder soberano; não, elle affirma igualmente a
irresponsabilidade do Estado, em vista de sua qualidade de pessoa
moral, e como tal, isenta de responder pelas consequências dos actos
illicitos dos seus representantes...
43. Sourdat, encarando a questão nos seus differentes
aspectos, externa os seguintes conceitos: Todos os corpos e
pessoas moraes, o Estado, os departamentos, as communas, os
estabelecimentos públicos, assim como, as sociedades civis ou
commerciaes, são, em principio, sujeitas ao direito commum,
no que concerne â formação das obrigações. Para aquellas,
» como, para os indivíduos particulares, as obrigações tiram a sua
origem das disposições legaes, que regem o direito da proprie-
dade, dos contractos, dos quasi-contractos, dos quasi-delictos,
e, se deveria ajuntar, dos delictos; porquanto, si a natureza das
cousas obsta, que as individualidades moraes sejam attingidas
pelas penas physicamente afflictivas, estabelecidas nas leis de
repressão, nada impede, que ellas incorram nas obrigações
pecuniárias, em razão dos delictos dos seus agentes. Estes últi-
mos, de certo, são os únicos, que podem ser attingidos pela
F pena corporal. Mas as diversas administrações, às quaes elles
pertencem, devem ser sujeitas às reparações civis dos damnos •
causados pelo delicto.
97
« Quanto ao próprio Estado, a immunidade que lhe é reco-
nhecida, se estende somente às penas; mas a responsabilidade
puramente civil existe indubitavelmente ao seu respeito, como
a respeito de qualquer outro committente. O delicto, a culpa
imputável pessoalmente ao agente, é, às vezes, o effeito de uma
87
Sourdat, TraiQén. de la responsàbilité, t. II, n. 1239.— Paris,
1902, 5* edic.
— 150 —
imprudência, de uma negligencia da autoridade superior ; em
todo o caso, a escolha do agente em si pode constituir uma culpa;
e justo é, que a presumpção legal estabelecida contra os com-
mittentes em gera), para obrigal-os a não empregar, senão,
prepostos de idoneidade segura, se estenda igualmente ao Es-
tado, representado pelas differentes administrações. O interesse
publico assim o exige tanto mais fortemente, guando os poderes,
de que são revestidos os agentes, em razão das suas funcções, .
podem tornar as suas culpas, mais prejudiciaes aos terceiros, do
que a dos simples particulares. »
Objectarão talvez, prosegue Sourdat, que semelhante res-
ponsabilidade pode comprometter a fortuna publica? O perigo
não é real: aliás, si as condemnações pronunciadas contra o
Estado se podessem tornar tão frequentes, de modo a compro-
metter o património publico ; um facto desta ordem indicaria,,
antes de tudo, desordens no corpo administrativo, e o único
remédio efficaz contra taes desordens seria, precisamente, forçar
o Estado, por uma applicação severa da regra da responsabi-
lidade, a escolher agentes mais esclarecidos e mais devotados
ao interesse publico. E pois, o disposto no paragrapho terceiro
do art. 1384 do cod. civ. é applicavel ao Estado, em razão do
damno causado pelos agentes das diversas administrações, nas
funcções que lhes são conferidas.
98
Todavia, adverte logo o autor, seria ir demasiado longe, si
considerássemos o Estado, como responsável pelos actos de
todos os funccionarios, que elle nomeia ou emprega: -"Une
distinction est nécéssaire"; mais c'est un problême diffí-cile que
d'en déterminer les bases. Ni la loi ni la jurispru-dence n'ont
encore formule un príncipe bien arrete. On peut dire cependant
qu'en general les ACTES DE SOUVERAINETÉ OU
DE PDISSANCE PUBLIQUE ET LEG1SLATIVE, Us fttlts de goUVer-
»' Loe. cit.,n. 1302.
— 151 —
n&mant proprement dits, ou d'administration génêrale, ne don-nent pas
lieu à la responsabilité de 1'Etat.—Tels sont les faits de guerre,
les mesures gétiérales et même particulières, prises dans un
interêt (Vordre public, de salubrité, ou au point de vue
economique, comme la prohibition d'exporter certames denrées
ou mercliandises, 1'établissement ou la modification des tarifs de
douanes, un changement aux limites de la frontière, par suite
de conventions diplomatiques ou autres mesures de haute police
prises par suite d'accords de eette nature, les aetes de tutelle
administrative. II est â remarquer, du reste, que ces disposi-
tions d'ordre et de police ne portent pas généralement atteinteá
des droits acquis, et e'est la raison fondamentale qui s'oppose à
ce qu'elles engendrent une action en responsabilité, qui de-vrait
être admise dans le cas contraire. " Elles sont aussi par-fois le
résultat de la force majeure, comme lorsqu'il s'agit de prevenir
ou d'arrêter une épidemie, une inondation. Alors même qu'elles
porteraient préjudice à des intérêts respectables, â des attentes
legitimes, elles pourraient n'être de la part du Gouvernement,
que Texercice d'un droit. Par exemple, lors-qu'une
circonscription territoriale est modifiée suivant les régies
légales, les notaires ou officiers ministeriels, qui peuvent
souffrir quelque préjudice, n'ont pas d'action en réparation; mais
V Etat n'userait sans doute pas de cette faculte avec rigueur en
supprimant une circonscription entière, ce qui équivaudrait à
peu prés à la suppression des offices: il donnerait sans doute une
indemnité.—Les actes de cette nature sont donc regardes
comme tenant à un pouvoir discrétionnaire, dont l'Etat est in-|
vesti dans Vintérêt public, et dês lors, ils ne sont susceptibles
(Vaucun recours par voie contentieuse devant les tribunaux,
soit judiciaires, soit administratifs. Cest seulement par voix
gracieuse qu'on peut en demander la modification ou réclamer
une indemnité.
10
°
43 a.—Entretanto, não se tratando de actos, como os que
ficam indicados, o autor entende, como se vio, que o Estado deve
90
Ob. oit., ns. 1304-1305. O autor diz "des droits acquis", porque'
si o acto arguido não ferir, senão, simples conveniências, esperanças nao
realisadas, as quaes a lei não protege por uma sanação particular, não ha-
verá dam no de modo a constituir o seu autor em culpa, e obrigal-o ã repa-
ração. O damno, na hypothese, o seria apreciável. Loc. cit., 1.1, n. 444.
100
Ob. cit., n. 1805.
— 152 —
ser declarado sempre responsável pelos actos dos seus represen-
tantes. Os serviços que elle enumera de maneira especial, nos
quaes semelhante responsabilidade é de regra, são: 1) o dos bens
do domínio do Estado; 2) o das repartições flscaes, isto é, admi-
nistrações, a que compete a arrecadação de rendas, inclusive os
estabelecimentos de industria monopolisada, taes como—a'dos
tabacos, a de vias-ferreas, etc.; 3) o das obras publicas, civis ou
militares, assim como os que versam sobre a construcção de
navios, fabricação de lvora, armas e outros serviços dos arse-
naesou estaleiros da nação. O Estado, como gerente desses dif-
ferentes ramos da fortuna publica, age nas mesmas condições,
em que o faz um individuo particular, muito embora, as suas
vistas sejam somente dirigidas pelo interesse publico.
101
Segundo Sourdat. a responsabilidade do Estado é directa,
ou reflexa: directa, quando o damno resulta de factos orde-
nados e executados pelo próprio Governo, tendo então appli-
cação os arts. 1382 e 1383 do cod. civil;—reflexa, quando os
factos são imputáveis pessoalmente a um funccionario. isto é.
quando se a sancção do artigo 1384 do mesmo código. No
ultimo caso, a acção contra o Estado depende de duas condições
essenciaes: I
a
, que o acto damnificante seja commettido pelo
agente no exercício de suas funcções ; 2
a
que dito acto constitua
uma culpa caracterisada, quer dizer,— que o Estado não poderia
responder por um accidente sem causa reconhecida, ou cuja
causa não podesse ser attribuida, com segurança, á negligencia
dos seus empregados.
102
u>i ibidem, n. I30ft.
102 Ob. cit., n. 1307. O autor funda a responsabilidade reflexa, alem do
mais, na escolha ou nomeão feita pelo committente, o qual, — si prepôz ao
seu serviço um individuo menos capaz ou negligente, devecarregar com
as consequências dahi provenientes, como suas. (loc. cit., n. 884).
— 153 —
43 b.— Referindo-se aos que contestam a responsabilidade
reflexa, desde que não haja disposição expressa de lei a respeito.
o autor observa: "Ceei revient â dire qu'au fond la responsa-
hilité de VEtat ne existe pas; du moins qu'elle nc sereconnue
qu'au gré de V administration elle-même, et sans aucune règle
qui la determine â V avance. Or, un pareil arbitraire est essenti-
eUement rigrettàble.''
108
De resto, tamm Sourdat é de parecer, que as regras do
mandato ordirio ou civil não podem ser applicaveis ás func-
Ições publicas por não haver analogia, dizendo, a esse respeito:
Quando eu trato com o mandatário de uma outra pessoa, sou
livre de contractar ou não, e tenho o direito de verificar os po-
deres do mesmo. Mas, diante do funecionario publico, me acho
desarmado. Elle não me permitte, em regra, discutir a sua au-
toridade ; e como os limites das suas attribuições o são exacta-
mente conhecidos pela mórparte dos cidadãos, fácil lhe será
abusar delias... A responsabilidade do Estado é a única garantia
efficaz (la seule garantie efficuce contre Varbttre et les obus)
contra o arbítrio e os abusos. Ella se justifica, como a de todo
comraittente, pela obrigação que lhe incumbe de bem escolher
os seus propostos, fiscalisal-os. e dar-lhes as ordens e instruc-
ções convenientes.
104
44.— A. Bonasi foi, senão o primeiro, certamente, aquelle
que expoz na Ilia, de modo particular, o systema da dishncçao
dos actos do funecionario, como critério da responsabilidade
ou não-responsabilidade civil do Estado, relativamente aos
effeitos dos mesmos actos. Convirá ouvil-o, de preferencia, na
sua própria linguagem.
Si vuol sapere. . . si i rapporti che passono fra le publi-che
amministrazioni e i funzionari che le rappresentano, sieno
1,8
Ibidem, n. 1308.
104
Ibidem.
— 154 —
delia stôssa natura di quelli che intercedono fra i comittenti e i
commessi di cui parla il dice civile, per decidere se a quest'or-
dine particolare di relazioni possono darsi le medesime quali-
fiche alio scopo di dedurne ginridicamente conseguenze identi-
che.'.. In tesi generale sarebbe difncile il trovare un solo argo-
mento plausibile in appoggio di una soluzione negativa. Logi-
camente lo Stato non potrebbe essere esonerato sempre ed in
tutti i casi da ogni responsabilitá verso i cittadini, che alia
condizione di non riconoscergli nessun obbligo verso di loro ed
a questi nessun diritto propriamente detto contro lo Stato;'
sistema che toccherebbe 1'estremo limite dei dispotismo, che è
respinto da tutti i governi civili come un'odiosa calunnia, e che
in Itália, dopo la sua gloriosa rivoluzione, nessuno pensa piúdi
mettere innanzi.
Ma se 1'equitá e la ragione vietano de sottarre intieramente
lo Stato dalle disposizioni scrite nell' articolo 1151 e seguenti
dei códice civile, non si puó neppure ammettere che la sua res-
ponsabilitá si trovi sempre impegnata pel fatto de'suoi agenti.
105
Si, pois, prosegue Bonasi, a verdade não se acha nos estre-
mos, é preciso procural-a em um justo meio, isto é, procedendo
a distincções, que ponham os princípios da sciencia e os sagra-
dos direitos do individuo em accôrdo com a necessidade de não
tolher inteiramente a acção do Estado e das administrações
menores, que ao mesmo servem de auxiliar ou de complemento.
44 a.—Examinado o Estado na sua origem, na sua natu-
reza, no seu fim e meios para chegar á realisação deste, diz o
autor, facilmente se lhe descobre um duplo caracter, do qual
deriva uma ordem dúplice de funcções e attribuições perfeita-
mente distinctas. Por umas, elle se apresenta, como investido
do poder soberano de dictar as leis, de tomar todas as disposi-
ções necessárias á execução delias, de distribuir a justiça, de
manter a ordem e a segurança entre os cidadãos, protegendo os
seus interesses moraes, intellectuaes e materiaes, e no caso
105
A. Bonasi, Responsabilitá Penale e Civile dei Ministri e degli altri
ufflciali puUici, n. 262, p. 446 sg. Bologna, 1874.
— 155 —
de conflicto entre os interesses privados e os do publico,—fazer
prevalecer a causa publica sobre a privada dentro dos limites
da verdadeira necessidade, isto é, fazer prevalecer a primeira
sobre a segunda com o menor sacrifício possível da liberdade e
propriedade privada.
106
Por outras, o Estado se manifesta, como
uma grande pessoa moral, uma pessoa jurídica ou civil,
possuindo bens, propriedades, interesses,créditos e débitos, que
não se confundem, nem com os bens, nem com as propriedades,
nem com os interesses, créditos, e débitos, dos indivíduos que
compõem o Estado : podendo este comprar, vender, obrigar-se,
estar em juizo, em uma palavra, fazer todos os actos da vida
civil queo compatíveis com a sua natureza de pessoa jurídica,
e dos quaes nascem as relações de direitos e obrigações, regi-
das pelo código civil.
107
Considerado o Estado sob o primeiro
aspecto, a dizer, '' come un' incarnazione delia sovranitâ e
nélla suapersonalitá politica", é evidente, que o art. 1153 do
código civil não pode ser-lhe applicavel; assim como, é mani-
festo que dito código, sô regulando os interesses da ordem pri-
vada, ou as relações de pessoa à pessoa,—os seus qualificativos
de committente e commissario também devem ter applicão
aos casos, em que se dão commissôes de interesse privado, e não
aos cargos ou funcções publicas, instituídas pelas leis que inte-
ressam á ordem publica e á administração do Estado, e que,
como taes, não podem ser reguladas, senão, pelo direito pu-
blico. Consequentemente, accrescenta Bonasi, no silencio deste
direito, a responsabilidade pelos factos illicitos e lesivos, prati-
cados pelos funccionarios públicos no exercício de funcções so-
beranas, a elles delegadas pelo Estado,— é puramente pessoal
(resta puramente personale); não cabendo ao individuo, que por
106
Ob. oit., n. 264, p. 448. Cf. Romagnossi, Principi fonãamentali
dei diritto amministrativo, l. 1.
107
Ibidem.
— 156 —
elles fôr lesado nos seus direitos, outro recurso contra o Go-
verno, senão o da via graciosa, para pedir a revogação ou reforma
dos actos que lhe causarem damno.
108
Emquanto que, conside-
rado o Estado sob o outro aspecto, a dizer, como pessoa civil, o
ha duvida, que em relação aos cidadãos lesados nas suas pessoas
ou nos seus bens, deve elle ser encarado, como committente dos
funccionarios ou agentes que institue e fiscalisa; porquanto, com
a mudança da extensão, não se opera a mudança de natureza, ou
em outros termos, por mais vasta e gigantesca que seja a
personalidade jurídica do Estado, esta não deixa de achar-se
sujeita âs regras que são próprias e communs ás pessoas em
geral: — In consegitenza, V azione ãi risarcimento pei fatti
dannosi compiuti dai publici uffiziali, netta loro qualidi com-
messi applicati alia gestione dei privati interessi dello Stato, potra
esercitarsi indifferentemente, e come ogni altra azione solidale,
o contro lo stesso autorc dei fatto, o contro Vamministrazione, o
contro tutti e due comulativamente.
109
A apreciação, pois, da matéria e a decisão dos casos de-
pende, parte, das disposões do direito publico, parte, das regras
do direito privado. O autor, porém, reconhece e confessa que,
não obstante os princípios geraes, por elle enunciados, grande
dificuldade continua a subsistir no firmar a distincção dos actos
do Estado, quando elle age, num, ou noutro, dos dous aspectos,
pelos quaes deve ser considerado, afim de julgar-se da sua
responsabilidade : lo Stato persona civile, e lo Stato governo,
per ciò stesso che Vuno é accessorio e instrumento ãelValtro, si toc-
cano frequentemente per tutti punti, e s'intersecano e si compli-
cam di guisa, che spesso Vordinária attenzione non basta p a
distinguere i rispettivi confini e â qual titulo siu compiuto un
ãeterminato atto. E' allora che V applicazione dei principialle fat-
108
Ibidem, n. 265.
»'»Ibidem, p. 450.
— 157 —
tispede diventa somtnamente ãifficile.
no
E prova desta diffieul-
dade sobre a distincção recommendada nos offerecem os annaes
da jurisprudência nas incertezas das decisões judiciaes e nos
pareceres dos jurisconsultos, que tem tido occasião de pronun-
ciar-se sobre os casos particulares occorrentes.
m
44 b. — De resto, Bonasi preceitua, como regra geral, que
não soffre exceão, a o ser que a lei o declare expressa-
mente,—que a applicabilidade do art. 1153 do código civil ás
administrações publicas depende sempre da condão, de que os
respectivos factos sejam praticados no exercício das próprias
funcções, ou que, ao menos, se liguem de modo inherente aos
fins das mesmas administrações.
112
O autor estuda ainda a matéria, debaixo de outros pontos
de vista, que lhe são peculiares, mas de que não ha mister fazer
especial menção neste lugar, para, depois de tudo, chegar â
estas conclusões :
1.° Que as administrações publicas não respondem pelo
acto de seus representantes, quando estes agem no caracter de
delegados investidos das funcções soberanas do Estado, e que
por isto, em tal caso, a responsabilidade do damno causado por
actos illicitos recae somente sobre a pessoa do funccionario,
que os pratica, e não cabendo acção alguma, senão, contra este
pessoalmente.
2.° Que, ao envez, a responsabilidade dos factos lesivos e
illicitos dos funccionarios attinge às administrações, de que
110
Ibidem, p. 462 sg.
1,1
Bonasi entra no exame de vários actos e factos praticados pelos
funccionarios de diversos ramos da administração publica, no intuito de
bom esclarecer os fundamentos da theoria que adoptara, citando a propó-
sito numerosas decisões das cortes de justiça, belgas, francezas e italianas,
proferidas, segando elle, d'accôrdo com a theoria referida.Loc. cit,, ns. 269
a 283, p. 461-526.
112
Ob. oit., n. 284, p. 526.
— 158 —
dependem, quando, no exercício das suas funões, elles praticam
actos que se incluem na esphera dos interesses privados das
mesmas, consideradas estas, como personalidades jurídicas ; e
por isto, em hypotheses semelhantes, as acções de indemnisação
podem ser propostas livremente, ou contra as administrações, -
ou contra os funccionarios; mas, adverte Bonasi, será contra
estes somente, desde que tenham agido fora dos limites do seu
mandato.
3.° Que, finalmente, nos casos, em que tem lugar a respon-
sabilidade das administrações, a ellas são applicaveis, activa e
passivamente, as regras do direito commum.
118
45.—E. Loening, à cuja importante monographia
1U
já
temo-nos referido tantas vezes no presente trabalho, entende
que, no estudo da responsabilidade civil do Estado, cumpre di-
vidir a matéria em duas partes distinctas: uma, relativa aos actos
ou omissões illegaes, praticados pelos funccionarios, como
representantes do Fisco;
11&
outra, relativa aos actos e omissões
illegaes dos funccionarios, como representantes do poder pu-
blico ou da soberania do Estado: aquella, regida pelas disposi-
ções e princípios do direito commum ou privado, e esta, regida
pelo direito publico ou direito do Estado.
Partindo deste pensamento, Loening estuda, em particular,
os factos de uma e outra ordem, para, segundo a sua natureza e
effeitos diversos, verificar os casos, em que o Estado
118
Ibidem, n. 295, p. 539.—Em trabalho posterior sob o titulo "La
responsàbilitá dello Statoper gliatti dei suoi funzionari", Bonasi sustenta as
mesmas idéas, de que vimos de dar ligeira noticia.—Vide: Revista Italiana
per le scienze giuridiche, vol. I, fase. I. Roma, 1886.
114
Die Saftung ães Staats aus rechtsvÀãrigen Handlungen seiner
Beamten naeh deutschen PHvaUund^StaatsrecM. Frankfurt a/M. 1879.
Fisco é, na linguagem official e na litteratura jurídica allemâ, o
Estado nas suas relações de ordem civil ou de direito privado. Equivale á
expressão "Fazenda Publica", usada semelhantemente no Brazil.
— 159 —
deve, ou o, responder pelos damnos, que dos mesmos provém
aos direitos individuaes; dizendo a esse propósito : Emquanto
o Estado se mantém nas relações puramente de direito privado,
ou quando de relações, embora pertencentes ao direito publico,
resultam reclamações
116
e obrigações contra o Estado, que
devam ser attendidas segundo disposições particulares do di-
reito privado, o Estado ou o Fisco (como é chamado neste ca-
racter) é sujeito às normas do referido direito: tal é o principio
consagrado no direito commum e em todas as leis particulares.
Não obstante a serie de privilégios, que porventura lhe caibam,
o Estado, como Fisco, é uma pessoa jurídica do domínio do di-
reito privado (der Staat ais Fiscus ist eine juristische Person auf
dem Gebiel des Privatrechts).
117
Portanto,- accrescenta o autor: « a questão de saber, si, e
até onde, é o Estado obrigado a responder pela conducta illegal
dos seus funccionarios, nas relações de direito privado, resol-
ve-se, antes de tudo, na questão mais geral de saber, si, e até
onde, as pessoas jurídicas do domínio do direito privado podem
ser declaradas responsáveis pela conducta illegal dos seus re-
presentantes
U8
No exame desta these, douta e longamente feito, Loening,
depois de bem apreciar os actos e condições differentes, pelas
quaes os funccionarios podem lezar ao alheio direito em vista dos
princípios do direito privado (na celebração e execução de con-
tractos, no quasi contracto, no delido, e no quasi-delictó) chega ã
conclusões particulares, que convém mencionar separadamente.
45 a.—Quanto aos damnos provenientes das relações con-
tractuaes, entende o autor, que toda pessoa jurídica, e o Fisco
116
O autor emprega a palavra "Anspruche", que significa, verdadei
ramente, reclamações jurídicas, isto é, acções ou direitos de acção,
117
Loening, loo. cii, p. 58-54 e 93.
118
Ibidem.
I
— 160 —
em particular, deve responder pela culpa dos seus represen-
tantes, prestando justa indemnisação aos indivíduos lesados.
110
;
Tratando-se, porém, de actos extracontractuaes, a respon-
sabilidade das pessoas jurídicas por culpa verificada de seus re-
presentantes não se de fundar, nem directa, nem analogica-
mente, na obrigação do dominus pelos delictos, que o institor, o
exercitar, ou outros prepostos semelhantes, commettam no des-
empenho de um negocio ou encargo. Os representantes das pes-
soas jurídicas não se acham precisamente, para com estas, na
relação institoria, e nem, segundo o direito romano, o dominus
respondia pelos actos lesivos, que o institor, ou outro preposto
qualquer, coramettia independentemente de contracto, ainda
mesmo, quando fosse a relação institoria, que desse occasião ao
facto arguido: sendo, portanto, em vista da theoria e pratica,
alleraã,
120
de apresentar ou afíirmar, sobre este ponto, as se-
guintes proposições:
1) Uma responsabilidade da pessoa jurídica em geral,
assim como, do Fisco em particular, pelas culpas extra-con-
tractuaes dos seus órgãos e funccionarios, não pode ser deri-
vada, nem da natureza da cousa, isto é, da idéa da pessoa jurí-
dica em si, (por não ser capaz do mal), nem da relação jurídica,
em que estão os órgãos e funccionarios para com ella. Assim
succedia no direito romano, no qual assenta a theoria hodierna
da pessoa jurídica, visto como essa responsabilidade fora
desconhecida do mesmo. E nem se pôde dizer, que dita
responsabilidade era uma necessidade lógica da pessoa jurídica.
2) A responsabilidade das corporões pelos actos de seus
órgãos e funccionarios, característica própria do direito medie-
val, não foi recebida no direito eommum.
lis Loc. clt., p. 64, ngnanter, p. 71.
ia» o autor examina e aprecia a matéria, principalmente, em vista
do direito e jurisprudência da Allemanha.
— 161 —
3) Também não está demonstrada a existência de um di-
reito usual, por meio do qual essa responsabilidade tenha entrado
no direito commum. A diversidade de pareceres, sustentados na
litteratura e na pratica, assim como, a vacillação da linguagem
das próprias cortes judiciaes, que tem as vezes admittido a
responsabilidade das pessoas judicas, como fundada em direito,
mostram claro a falta de convicção geral acerca do assumpto.
4) A moderna legislação allemã não contém disposição
expressa sobre a questão
m
e dos seus princípios geraes esta-
belecidos, concernentes às pessoas jurídicas, não é licito deri-
var a responsabilidade destas por culpas extra-contractuaes.
I 5) Como se disse, um direito usual, relativo a este ponto em
particular, não foi, pelo menos, até agora demonstrado. E em-
quanto a existência deste direito não for comprovada, a regra a
prevalecer, tanto segundo o direito commum, como segundo a
moderna legislação, é esta: « As pessoas jurídicas em geral,
assim como o Fisco em especial, não respondem pelas culpas
extra-contractuaes de seus órgãos e funceionarios, a menos que
hajam assumido, convencionalmente, a obrigão de fazei-o, ou
que esta obrigação lhes incumba, excepcionalmente, em dadas
relações, por força de disposições positivas.
Die juristischen Personen tiberhaupt, wie ãer Fiscus
insbesondere, haften nicht fitr die aussercontractlichen Verschul-
dungen ihrer Organe und Beamte, sofern sie nicht vertrags-
massig eme Haftung iibernomrnen hàbcn oder sofern ihnen
nicht durch positiven Rechtssatz fiir besondere Verltnisse aus-
hmsweise eme solche Verbindlichkeit aufgelegt tvorâen ist.
6) Entretanto não se desconhece, que, conforme á uma
comprehensão mais lata, a responsabilidade da pessoa jurídica,
pela culpa extracontr actual dos seus representantes, é conside-
131
O autor escrevera antes de promulgado o actual código eivil
allemao.
11 R- c. .
— 162 —
rada, uma obrigação de justiça (ais eine Forderung der Oe-
rechtiglceit), e que, segundo este pensamento, as cortes judicia-
rias, assim como, escriptores notáveis tem, não raro, admittido
que a sobredita responsabilidade pode encontrar o seu funda-
mento no próprio direito vigente.. .
m
Quanto á esta ultima proposição, Loening procura, mais
uma vez, revistar os factos e argumentos, em que a mesma se
baseia, concluindo, porém, de modo insistente : I
o
que, da cha-
mada '' culpa in eligendo sive custodiendo '', não se pôde derivar
uma tal responsabilidade da pessoa jurídica; visto, si culpa hou-
ver no caso, pertencer ella aos órgãos ou funccionarios, e não á
pessoa jurídica;
123
2
o
que, consequentemente, poderá caber
responsabilidade ao Fisco, ou á pessoa jurídica em geral, por
ãamno extracontractual, quando a questão da culpa fôr irre-
levante, a dizer, quando, por exemplo, o Fisco se faz empresário
de certos ramos da industria ou commercio, cuja exploração
involve perigos para os operários e os terceiros; perigos, que.
tanto podem occorrer por negligencia na fiscalisação, como, por
se não poderem evitar, ainda com a maior precaução. Quem
explora empresas dessa ordem, mesmo sem incorrer em culpa,
pode occasionar daninos e desastres; e como a obrigação de
indemnisal-os não assenta aqui na culpa, porque a exploração é
um acto licito, e sim, no perigo que ella acarreta;—é lógico e
justo, que o empresário carregue com as consequências desse
perigo, prestando a reparação devida.
m
122
Loc. cit., p. 83-85.
123
Loc. cit., p. 86 seg.
184
Loc. cit., p. 87-91. Segundo Loening, o Estado, como explora-
dor de vias-f erreas, e d'outras empresas do commercio ou Industria, está
sujeito ao cod. do commercio e as leis especiaes. Quanto aos fundamentos
particulares, era que elle se apoia para chegar ás conclusões, de que acima
se fez menção, são elles idênticos aos de que se soccorre igualmente, para
combater a responsabilidade pelos actos do governo (hic, p. 164-65, sg.).
I
I 163 I
45 b.—Passando á, outra ordem de factos, Loening começa
por accentuar, que os princípios do direito privado não podem
ser applicaveis ao Estado, quando este, em vez de Fisco ou su-
jeito de direitos e obrigações privadas, se apresenta, ao con-
trario, no exercício do poder publico, isto é, como autoridade
suprema, a cuja vontade todos os indivíduos devem obedecer,
não lhes sendo licito obstal-a, em nome dos seus direitos par-
ticulares.
O Estado pode, por meio da sua legislação, modificar ou
abolir os direitos privados existentes; assim como, autorisar,
em dadas circumstancias, aos seus órgãos â violar os mesmos
direitos. Pode igualmente conferir-lhes a faculdade de decidir,
segundo o próprio critério e dentro de certos limites, si tal ou
tal medida, aliás infringente dos direitos particulares, se faz
necessária, e bem assim, deixar ao arbítrio dos ditos órgãos o
decidir, em dados casos, si devem, ou não, usar dos meios do
cargo, elementos de força, etc, para obstar um perigo, que
ameace os direitos privados dos indivíduos. Em todos esses
casos e outros semelhantes, os actos ou omissões dos órgãos do
Estado nada tem de illegal, desde que se conservem nos limites
postos pela lei, ainda mesmo, que o seu procedimento o cor-
responda ao fim, ou que a sua interferência seja desnecessária.
Emquanto o se provar, que se procedeu com dolo ou ne-
gligencia, não se pode fallar de damno causado illegalmente:
suppondo mesmo, que o funccionario haja intervindo por erro
ou zelo* demasiado, o seu acto não é illegal, desde que se tenha
conservado dentro dos limites da lei.
m
Adverte, porém, Loe-
ning, que a sua indagação, no momento, não se refere aos actos
desta espécie, mas, somente, às lesões porventura causadas a
terceiros pelos actos e omissões illegaes dos funccionarios.
m
198
Loe. oit., j. 93-94.
121
Loc. oit., p. 95.
— 164 —
Pelo que, entrando no exame particular dos fundamentos di-
versos, que tem sido apresentados para justificar a responsa-
bilidade do Estado, taes como, o dever de obediência aos
funccionarios, a culpa do Estado na nomeação ou fiscalisação
destes, o dever de protecção ou garantia dos direitos indi-
viduaes, ou mesmo, o de assegurar o bem estar dos indivíduos
(Wohlfàhrt seiner Angehorigen) por parte do Estado, e o
caracter representativo do funccionario, cujos actos, segundo se
tem entendido, devem ser considerados, actos do próprio Es-
tado
127
; depois de confutar a semrazão de uns, e a improce-
dência de outros, concluirá com as seguintes considerações :
a) Para saber, si, e até onde, seja admissível a responsa-
bilidade do Estado, precisa examinar os seus fundamentos espe-
ciaes, os quaes não se encontram, nem no caracter representa-
tivo do cargo publico, nem em uma culpa do Estado. E uma vez
acceito, como correcto, que o caracter representativo do cargo,
somente, não obriga ao Estado pelos actos illegaes dos func-
cionarios, disto resulta igualmente, que não existe uma solução
geral da questão. Não ha fundamento jurídico algum, segundo o
qual, o Estado deva ser declarado responsável por todos os actos
ou omissões illegaes, de que os seus funccionarios se mostrem
culpados no exercício dos cargos; assim como, é verdade, não
haver também fundamento jurídico, que exclua, por completo, a
responsabilidade do Estado, acerca de determinadas espécies de
actos e omissões illegaes dos referidos funccionarios. A razão
jurídica desta responsabilidade limitada não está na relação do
cargo publico, como tal, mas na natureza jurídica de certas
funcções, que os funccionarios exercem em nome do Estado.
b) Do mesmo modo, não se pode admittir a culpa do Estado
na nomeação ou fiscalisação do funccionario.. .Dado que um func-
cionario superior nomeie, por culpa ou dolo, a um individuo
«7 Loc. cit., p. 97-109.
— 165 —
incapaz... e que, da acção ou omissão illegal do mesmo, resulte
um damno, a culpabilidade deve recahir sobre dito funcciona-
Irio superior, assim como, a obrigação consequente de reparar o
damno; o Estado, porém, nunca estaria por isso em culpa ou na
obrigação de indemnisar cousa alguma................
'' Wenn und soweit also eine Uaftpflicht des Staats anzu-
nehmen sein wird, wird dieselbe auf besondern Reelitsgrlinden
zu ruhen kaben, die weder in dem repsentativen Charakter des
Amtes noch in einer Yerschuldung des Staats enthalten sein
kónnen. Ist das erstere richtig, dass der reprãsentative Chara-
rakter des Amtes allein den Staat nicht verpflicbtet, fur die
rechtswidrigen Handlungen der Beamten einzustehen, so wird
daraus auch gefolgert werden miissen, dass es úberhaupt eine
ALLGEME1NE BEANTWORTUNG DER FRAGE NICHT QIBT. Es gibt
keinen Rechtsgrund nach welchem der Staat haftbar zu erklâ-
ren wãre fur ALLE rechtswidrigen Handlungen oder Unterlas-
sungen, deren sicli seine Beamte in Ausubung ihrer amtlichen
Functionen schuldig maclien. Aber es gibt auch keinen Rechts-
grund, welcher allgemein die Haftpflicht des Staats fur ein-
zelne Kategorien von rechtswidrigen Handlungen oder Unter-
lassangen seiner Beamten AUSSCHLÕSSE. Der Rechtsgrund der
Haftpflicht des Staats, soweit eine solene anzunehmen ist, liegt
NICHT IN DEM VERLTNISS DES STAATSAMTS ais solchem, sondem
IN DER RECHTLICHEN NATUR EINZELNER FUNCTIONEN, wel-che die
Staatsbeamten im Namen des Staats auszuhren haben. Ferner
aber kann eine VERSCHOLDUNG des Staats bei Anstel-lnng und
Beaufsichtigung der Beamten ebensowenig angenom-men
werden, wie eine Verschuldung einer juristischen Person
tiberhaupt. Hat aus dolus oder culpa ein liõherer Beamter einen
untuchtigen Menschen zu einem Amte befbrdert und ist der
durch die rechtswidrige Handhing oder Unterlassung des Letz-
tern entstandene Schaden auf die Verschuldung des hõhern
Beamten zuriickzufuhren, so kann auch dieser hõhere Beamte
schadensersatzpflichtig erklart werden; niemals aber ist der
Staat ais solcher iu einer Yerschuldung aus der eine rechtliche
Schadensersatzpflicht entspringen kõnnte".
128
Continuando, Loening faz juntamente menção do que se
encontra na legislação e jurisprudência dos Estados allemães
1W
Ob. cit., p. 109-110.
— 166 —
acerca da matéria* accrescentando, neste particular, que si, com
efeito, a responsabilidade do Estado tem sido admittida,
relativamente a alguns ramos da administração publica; nem
por isso, é menos verdade, que no direito commum, bem como,
na maioria da legislação particular dos Estados, não existem
textos jurídicos expressos, que estabeleçam a responsabilidade
do Estado pelos actos e omises illegaes dos funccionarios, occor-
ridas no exercício das suas funcções politicas (der staatlicJien
Functionen) ,
129
E revendo os differentes actos ou funcções deste
ultimo caracter, das quaes podia resultar semelhante responsa-
bilidade, o autor descobre dous casos, nos quaes ella é ad-
missível : 1) quando o Estado haja obtido lucro do acto illegal,
até a importância do lucro;
1S0
2) quando a obrigação provenha
de contractos de direito publico, (sendo de incluir nos con-
tractos da espécie os depósitos públicos recebidos).
1S1
Tale o transumpto das idéas principaes de Loening, que
ficarão melhor conhecidas, em vista da sua conclusão final, pela
maneira seguinte: « Temos chegado ao teimo das nossas inda-
gações, esperando haver demonstrado que, segundo o direito
positivo da Allemanha, não existe a responsabilidade geral do
Estado pelos actos illegaes dos seus funccionarios, e que uma tal
responsabilidade não resulta, como necessidade lógica, nem da
idéa do Estado e dos funccionarios, nem da relação dos súbditos
para com o poder publico. Tamm a justiça o exige nenhuma
responsabilidade geral do Estado. Não ha mesmo um principio
geral, decisivo da questão. Pelo contrario, é preciso conhecer
das relações particulares, em que o Estado entra com os seus
súbditos, para, segundo a natureza jurídica delias, decidir, si é,
ou não, justificável, a responsabilidade do Estado pelos actos
»» Loc. cit,, p. 96 sg., no sg.
i3o Loc. clt., p. 116.
isi Loc. cit., p. 181. Cf.-Piloty, DU Haftung des Staati, p. 259.
— 167 —
illegaes dos funccionarios». Wir sind hiermit zum Schlusse
unaerer Untersuchungen gelangt. Wir hoffen den Nachweis!
geliefert zu haben, dass nach positiven Recht in Deutschland ieine
allgemeine Haftung des Staats aus den rechtswidrigen Handlungen
seiner Beamten nicht existirt, und dass eine solene mit logischer
Nothwendigkeit sich weder aus den Begriffen des Staats und der
Beamten noch aus dem Verhàltniss der Unter-thanen zu der
Staatsgewalt ergibt. Auch die Gerechtigkeit for-rlert keine
allgemeine Haftung des Staats. Es gibt iiberhaupt kein allgemeines
Prinzip, das die Frage entscheidet. Viel-mehr bedarf es einer
Untersuchung der eiuzelnen Verbaltnisse, in welche der Staat mit
seineu Uutertbanen tritt, um nach deren rechtlicher Natur zu
entseheiden, ob eine Haftung des Staats fiir die rechtswidrigen
Handlungen der Beamten ge-rechtfertigt ist oder nicht.
132
Nada mais precisamos dizer, para que se infira, que, conforme
as suas próprias palavras, o autor devera figurar, de preferencia,
entre os que sustentam não haver uma razão jurídica, que justifique
a responsabilidade geral do Estado pelos actos lesivos dos seus
representantes ou funccionarios, isto é, que o mesmo propende
manifestamente para a theoria da própria irresponsabilidade do
Estado.
133
Ob. cit., p. 134-135.—Collocando E. Loening entre os partidários
do systema mirto, AQ que nos estamos occupando, flzemol-o principalmente,
para não discordar de autores mais competentes, que assim o tem repu-
tado.Vide : Giorgio Qlorgi, Teoria délle Obbligaziom, t. V, p. 515, nota 2,
5
a
edizione, 1900; Idem, La dottrina delle persone giuridiche o corpi morali,
it. III, p. 153 sg., 2
a
ediz. 1900; Michoud, obs. oitadas; eto. Pois, em nosso
modo de ver particular, muito embora Loening, assim como outros
esoriptores allemaes, faça distincçao entre os actos de natureza privada do
Estado (Fisco) e os de poder publico, propriamente dito, (Handlungen der
Staatsgetoalt, Regierungshandlungen), é, comtudo, certo que, assim
fazendo, não teve em mente obedecer aos princípios de um dado systema
ou doutrina particular sobre a responsabilidade do Estado. Longe de admit-
tir neste uma dupla personalidade, revestida de caracteres differentes, a
dizer, uma, considerada representante da pessoa jurídica (Stdlvertreter
einer jvruttischcn Person), e a outra, órgão do Estado (Organ des Staats),\
Loening declara, ao contrario, que "esta distincçao é insustentável, e tão
errada, accrescenta ainda, como aquella que procura descobrir no Fisco uma
— 168
46. —Robert Piloty é também considerado, como partidário da
doutrina que destingue os actos do Estado, entre actos de gestão e
actos de império, para o fim de admittir a responsabilidade do
Estado pelos dam nos provenientes dos primeiros, negando-a, quanto
aos segundos.
No trabalho especial, publicado pelo autor, o que elle se
propoz, foi fazer o estudo e critica da matéria, somente no que
respeita aos actos ou omissões illegaes dos funccionarios, no
ezercicio dos direitos de poder publico;
IM
mas, na exposição e
discussão das diversas questões concernentes, não lhe faltou também
azado ensejo pare enunciar-se igualmente acerca dos actos do
Estado, relativos á sua gestão administrativa* ou talvez melhor
dizendo, sobre os actos pertencentes aos Interesses privados do
Estado.
134
"
pessoa difíerente do Estado, como titular do poder publico (al$ dem In-
hnbct- der Staatmjeioalt) : o funceionario, que representa o Pisco, está, para
cora o listado, na meami*sima relação, que o funceionario, a quem incumbe
exercer os direitos de poder supremo (der Hoheitsrechte ausznUben hat).
Em ambos os casos tem de desempenhar funeçoes publicas (Anitafunctio-]
nen) o estas, não raro, pertencem a ambos os domínios... Semilhante dis-1
tineção assenta, pois, em uma simples ficção, desprovida de todo o funda-
mento " (Loc. cit., p. 106). Guardada, sem duvida, diremos nós, a distincçfto
entre os actos patrimoniae», e os actos de poder publico, do Estado, o que
Loening e outros tem em vista, é estudar, separadamente, os factos, que o
do dominio do direito privado, e os que sfto do domínio do direito publico,
para melhor verificar os casos, em que porventura se de, ou não, a respon-
sabilidade do Estado, sob a sanão de ura ou de outro de taes direitos; mas,
que o façam no Intuito de obedecer a um determinado systema dessa res-
ponsabilidade, repetimos, ò o que não nos parece ter estado no pensamento
dos autores alludidos.
183
''Die Haftung des Staats fUr rechtswidrige Handlungem uvd JJn-
terlassnngen der Beamten bei Ausiibung staatlicher Hoheitsrechte" [Annalen
de» deuUehen Reichs, n. 4, de 1888).
IM Tem igual applicação ao presente autor o que foi observado a
nota 132 retro.
— 169 —
Antes de tudo, Biloty começa por significar, que o preen-
chimento dos diversos fins do Estado requer um systema com-
plexamente organizado de funconarios. O funccionario age no
interesse do Estado, pelo Estado; e esse facto de agir pelo Es-
tado pode, mas não precisa ser, necessariamente, uma represen-
tação segundo o direito privado. O interesse commum, por cujo
motivo existe o Estado, requer sem duvida uma acção de órgãos
estadoaes (blicos) no circulo do direito privado, e á essa neces-
sidade corresponde a ficção do Estado, como personalidade ju-
dica do direito privado (Fiscus). Quando o funccionario ê cha-
mado a agir em nome deste sujeito de direito, é elle um repre-
sentante (Stellvertreter)no sentido do direito civil; tratando-se,
porém, de actos do domínio do direito publico, o Estado não é,
por forma alguma, sujeito de direito, quer opere directamente
por si, quer por meio de representantes. O Estado deixa apenas
ver o facto—de um certo numero de homens reunidos em um
paiz debaixo de uma vontade suprema, ou de um governo.
135
O sujeito do direito publico, no qual o interesse estadoal
se manifesta, não é fictício: é o titular ou portador da soberania
(der Trager der Soitveranitcit). O funccionario, chamado a agir
em nome deste sujeito do direito publico, é considerado seu
representante, visto derivar delle a autoridade que exerce, e,
nas suas funcções jurisdiccionaes, fazer as vezes do soberano.
Isto quer dizer, que o funccionario, tanto pode representar o
Fisco, como o chefe do poder publico (den Herrscher) segundo
se achar disposto na lei. Agindo contra as faculdades desta,
elle, não só, fere o dever do cargo, como tamm, pode lesar
os direitos de terceiros; e emquanto, de um lado, fica sujeito a
responder disciplinarmente perante o seu superior, o dono do
serviço (dem Dienstherm)
t
de outro lado, é obrigado a reparar
pessoalmente o damno, que por culpa ou negligencia haja cau-
185
Loc. cit., p. 246.
I
— 170 —
sado a esses terceiros. Pode succeder, entretanto, que o patri-
mónio do funccionario seja insuficiente para satisfazer o damno
causado. E quem neste caso deve carregar com o mal, o lesado,
ou o Estado?
A questão, accrescenta Piloty, não offerece nenhuma difi-
culdade, em se tratando de actos, nos quaes o funccionario
representa o Estado, como pessoa jurídica do direito privado;
porquanto, com relação aos effeitos jurídicos, que as acções ou
omissões illegaes dos funccionarios acarretam ao Estado, como
tal, tém applicação os mesmos princípios, que se encontram no
direito privado sobre as pessoas jurídicas em geral. Não se pode,
porém, admittir sem mais exame, que o mesmo se dê, quando o
funccionario, em vez de representar a pessoa do Estados/isco,
exerce a sua actividade, como órgão do soberano,— por não se
mostrar com a mesma evidencia, que o Fisco deva responder
igualmente pelo damno, que o funccionario causar illegalmente
a um terceiro, no exercício das suas funcções de autoridade (in
Ausilbung obrigkeitlicher Furiktionen).
136
46 a. Faz o autor breve resenha das theorias conhecidas,
que sustentam a razão ou justiça da responsabilidade, primaria
ou subsidiaria, do Estado, e bem assim, das que negam que haja
fundamento jurídico para mesma; e, entrando na critica das
diversas opiniões e pareceres a esse respeito, manifesta-se nos
seguintes termos:—A questão da responsabilidade do Estado
138 Loc. cit., p. 246. Neste ponto o autor declara, que muito embora
seja possível, que a lex ferenda venha reconhecer, por principio de equidade,
a responsabilidade do Estado; é, comtudo, certo, que nem no direito commum
ou usual vigente na Allemanha, nem no de outros paizes (França e Itália)
existem ainda disposições expressas de lei positiva, estabelecendo essa res-
ponsabilidade, como regra geral. Não desconhece, porém, e antes confessa,
que varias leis já existem, reconhecendo-a em relação á certas espécies
de casos e em circumstaneias diversas. Ibidem, e notas a p. 246-247.
— 171 —
pelos delictos (fúr Beamtendelikte) dos funecionarios tem sido
tratada, tanto sob o ponto de vista do direito publico (des offent-
lichen Reehts) como do direito privado. Dado, porém, que assista
ao individuo, lesado pelo delicto do funccionario, um direito de
acção contra o Estado, esse direito se poderá tornar effectivo
no direito privado, a dizer, segundo as disposições deste direito,
relativas â indemnisação do damno em casos análogos. Certo, o
facto de um damno ser causado illegalmente não basta para au-
torizar a aão de indemnisação contra o Estado; porque o damno
não ê, effectivamente, obra do Estado, mas do funccionario; e,
conseguintemente, dada a possibilidade de acção, esta devia
ter cabimento contra o ultimo. Precisa, pois, chegar-se a um
momento mais extensivo, para que se possa, então, justificar a
responsabilidade do Estado.
O fundamento desta pode ser achado, ou na relação do
servo entre o Estado e o funccionario, ou na relação de bdito,
que se dá entre o Estado e o individuo lesado, ou em ambas estas
relações juntamente; e como as sobreditas re lações pertencem
ao direito publico, a questão da sua determinação jurídica toca
à esphera deste direito. Subsiste, todavia, como problema do di-
reito privado, firmar, ao seu turno, si as relações alludidas do
direito publico o capazes de servir de fundamento à uma acção
de indemnisação contra o Estado: a circumstancia de o direito
publico reger, no caso, a relação dominante entre o funccionario
e o Estado serve, apenas, para facilitar ao diraito privado o
problema, que lhe incumbe...
Portanto a questão é, em parte, directamente do direito
publico, e em parte, exclusivamente do direito privado.
187
I
46b.—Admittida a responsabilidade do Estado, por este ou
aquelle fundamento jurídico, cumpre verificar: 1) as condições
187
Piloty, loe. cit., p. 260-61.
— 172 —
da sua extensão e qualidade; 2) as razões apresentadas, pro ou
contra, semelhante responsabilidade. No que respeita às " con-
dições " (Voraussetzungen) da responsabilidade do Estado, é
licito cogitar delia em geral, quando a lesão causada é de tal
ordem, que o pprio funccionario pode ser chamado a res-
ponder por ella. Muito embora não seja impossível, que a legis-
lação declare o Estado o responsável exclusivo—para com o
lesado, conservando acção regressiva contra o funccionario,
A
facto é, que, quando nas leis, na doutrina, e na pratica se trata da
responsabilidade do Estado, sempre se tem entendido, ou uma
responsabilidade "primaria " do Estado, conjuncta-mente com a
do funccionario, ou uma responsabilidade "subsidiaria" do
Estado
138
, no caso de insolvabilidade do funccionario. Quer
dizer, a responsabilidade ' primaria ' deste ultimo deve ser
sempre presupposta ou subentendida... O que seria discutível, é
a extensão desta responsabilidade; visto não haver accôrdo de
vistas, quanto ao gráo de cuidado, exigido do funccionario
pelo direito privado, e cuja inobservância constitua uma violão
do dever official. Ào nosso prosito, continua Piloty, satisfaz,
todavia, ficar estabelecido, que a responsabilidade do
funccionario pela violação de seus deveres deve ser reconhecida
no direito com mura, como condição fundamental da
responsabilidade do Estado. Mas esta condição, embora
fundamental, não é a única condição da responsabilidade do
Estado... Condição, para que haja a responsabilidade do Estado,
é também a de que o lesado não se ache em culpa, por exemplo,
tendo deixado de fazer valer o remédio legal; é preciso, além
disto, que não lhe reste mais nenhum reis» Ibidem. O autor faz
menção de uma lei da cidade de Hamburgo, consagrando a responsabilidade
exclusiva do Estado; mas observa, que tal | é a confusão dos dispositivos
especiaes da mesma lei a esse respeito, que não so pode afflrmar, si, com
effeito, esteve no pensamento delia estabelecer uma responsabilidade
primaria on exclusiva Estado...
— 173 —
médio legal ao seu dispor. Entretanto ê, por outro lado, supér
fluo exigir, como fundamento da acção de indei contra
o Estado, o concurso da violação " objectiva" do direito pelo
acto lesivo e da culpa " subjectiva'' do funccionario, como pre
tendera Zacharice; visto como ambas estas exigências se
contém na condição geral,— de que o funccionario seja decla
rado responsável.
189
46 c. Além disto, uma vez supposta a responsabilidade
do Estado pelos actos illicitos de seus funccionarios, não se
com prebende porque certas espécies delles, ou certas fun-cções
de alguns funccionarios do Estado, devam justificar uma
excepção a dita responsabilidade, como, notadamente, se tem
pretendido acerca dos magistrados ou dos actos judiciários. ..
140
A. única distincção, accentúa Piloty, das funcções publicas
(AmtsJumãhmgen) que pode influir na questão da responsabili-
dade, éa" distinão dos actos: uns, em que o Estado appa-
rece, activa e passivamente, como sujeito do direito privado ;
e outros, em que os funccionarios desempenham funcções de
governo. Esta distinão é de importância, porque a questão da
responsabilidade nos dous casos tem de ser decidida, de pontos
de vista differentes". O característico dos actos de governo é a
autoridade (Amtsgewalt). Em certos casos, parece difficil afir-
mar, si o acto é, ou não, um acto de governo; tal é o que
succede com relação aos depósitos, cuja responsabilidade, no
entender de Pfeiffer, H. A. Zacharice, Bluntschli e Laming,
deve ser verificada segundo os princípios do direito publico,
todas as vezes, que os funccionarios se acbarem em culpa a esse
respeito. Entretanto, continua Piloty, esta questão é fácil: nos
depósitos voluntários ha um simples contracto de direito pri-
13n
Loc. cit., p. 262. "o
Vide: Hic, p. 128.
— 174 —
vado, o qual, si não é o ãepositum do direito romano, deve ser,
eomtudo, julgado segundo os princípios do direito privado. O
Fisco obriga-se, por esse contracto, a guardar o deposito e a
restituil-o no tempo marcado; porisso, no caso de damno,
causado por culpa ou negligenciados seus empregados, aquelle
deve responder, como qualquer dono do negocio, (ais
Oesehãftsherr) nos termos do direito privado. No deposito
obrigatório, isto é, naquelle, que é feito por mandado do juiz ou
disposição da lei, a relação dominante em nada diversifica: uma
vez que também aqui o Fisco assume a obrigação de conservar e
restituir o deposito, deve responder igualmente, segundo o di-
reito privado, pelos delictos dos seus empregados. No deposito,
ordenado judicialmente, occorre, é certo, a consideração de que
0 acto judicial que o ordena, é um acto de poder (Regierungs-
verhandlung). Mas, a menos que o juiz, ao dar a respectiva or
dem, commetta uma illegalidade, a questão da responsabilidade
do Estado, pelo damno resultante, não poderá ser encarada e
resolvida, do ponto de vista do direito publico. E ainda assim,
como na guarda e restituição do deposito o Fisco age pelos seus
empregados, dentro do terreno das obrigações do direito pri
vado, o mesmo deve ser declarado responsável, como si fora
um dono do negocio (ais Geseftsherr), pela damnificação do
deposito. Ligação semelhante e, certamente, mais estreita, dos
actos de governo com as matérias do direito privado, é a que
se nas apprehensões e sequestros judiciaes. Aqui existe
igualmente para o Fisco a obrigação privato-jurídica de guar
dar as cousas apprehendidas, e, satisfeito o fim da apprehen-
são, restituil-as a quem de direito. A questão de saber, si o acto
illegal do funccionario deve ser tomado, como exercício de um
acto do governo, ou como representação do Fisco, (dono obrigado
do negocio) será illustrada pelos seguintes exemplos:
1 a) Um empregado de policia fez a appreliensão de géneros
alimentícios em casa de A, sem haver observado as disposições
— 175 —
legaes a respeito, e os géneros, durante a sua appreliensão, se
deterioraram. Esse acto illegal é um acto de governo, e portanto,
a responsabilidade do Estado deve ser apreciada, do ponto de
vista do direito publico. P,
b) Um empregado de policia foi encarregado da diligencia
judicial de apprehender géneros alimentícios em casa de A, e
levai-os em seguida ao Deposito Publico. Fez a apprehensão na
forma da lei; mas, em vez de leval-os a deposito, os consumio.
Nem o acto de conduzir os neros ao deposito, nem o consumo
dos mesmos foram actos de governo. O juiz, ordenando a con-
ducção dos géneros, assim como, o empregado policial extra-
viando-os, procederam, como representantes do dono do negocio,
o Fisco, ao qual cabe a obrigação de guardar os géneros appre-
hendidos nos termos do direito privado; por consequência, a res-
ponsabilidade do Estado, no caso, seria julgada pelos princípios
deste direito, relativos ã responsabilidade das pessoas jurídicas
pelos deiictos dos seus representantes.
141
Quanto a extensão da responsabilidade do Estado, pensa
Piloty, que ella se devia determinar pela própria responsa-
bilidade do funccionario, ambos solidários por todo o damno
causado. Quanto â sua qualidade, a responsabilidade deveria
ser primaria, opinião, alias, sustentada pela maioria dos auto-
res, e não, simplesmente subsidiaria; a menos que, em relações
análogas á da fiança do direito privado, o Estado tenha, por-
ventura, assumido uma responsabilidade desta ultima espécie.
141
Loo. cit., p. 264. Piloty entende que o mesmo critério deve ser
empregado, quando, se tratando de casos sobre hypothecas, herança, e
tutoria, se quizer saber si, no caso particular, o acto do funccionario é, ou
n&o, um acto de governo ; porquanto, em taes funcções, o funccionario une
frequentemente aos seus actos de governo a acção de agente estadoal ou
representante do Fisco, conforme ao direito privado. Isto se dá, sobretudo,
em relação ao tutor, como guarda dos dinheiros do pupiilo.
— 176 —
46 d.—Entretanto, tudo isto, que vimos de dizer, â conta do
illustre autor, assenta na hypothese de ser acceito,como ver-
dadeiro, o principio da responsabilidade do Estado pelos actos e
omissões illegaes dos funccionarios no exercício do poder pu-
blico.
U2
Porque, conforme o seu modo de r pessoal, e o direito
positivo, Piloty, passando em revista os diversos fundamentos
theoricos apresentados, uns baseados no direito privado (na re-
lação do mandato ou na relação institoria), e outros no direito
publico (Subjelitionsverhãltniss, Reprãsentationsverhaltniss, Ga-
rantieverhãltniss), para o fim de verificar o valor ou applicação
de todos elles, cada um, segundo o seu conteúdo particular,
148
não duvidara affirmar, como cousa demonstrada: que todas as
tentativas de fundar a responsabilidade do Estado pelos actos
illicitos dos funccionarios, do ponto de vista do direito pri-
vado, do ponto de vista do direito publico, careciam de pro-
cedência. Não existe, realmente, nenhum fundamento verda-
deiro para semelhante responsabilidade, insiste elle; pelo con-
trario, o que subsiste, como direito commum, é a these : " O Es-
tado não responde pelo damno, que aos terceiros fôr causado com
os actos ou omissões illegaes dos funccionarios no exercício dos
direitos de poder publico".— Es ist, wieich glaube, durch diese
Ausfuhrungen der Nachweis geliefert, ãass alie Versuche, eine
Haftung des Staats fur BeamtendeliJcte vom Stunãpunkte ães Pri-
vatrechts wie des offentlichen Rechts zu begriinden, misslungen
sind. JEin wahrer Grund fur solche Haftung besteht nicht. Es
gilt vielmehr fiir dasgemeine Becht der Satz: "Der Staat haftet
"2 Loc. cit„p. 265.
148
Para evitar repetições, chamamos a attençao do leitor para os
argumentos com os quaes Piloty combate as diversas theorias da respon-
sabilidade do Estado pelos actos de governo, e que se encontram no Titulo
Segando, cap. II, signanter, nota á p. 241 deste trabalho.
— 177 —
nicht fii/r den Schaãen welcher Dritten ãurch rechtswidrige Hand-
\lungen und Unterlassungen der Beamien bei Aasubung Staatli-
cher Hoheitsrechte zugefugt ivird".
14A
I 47.— A. Giron, apoiando-se em razões de principio e em
argumentos tirados da jurisprudência, encara a questão da
responsabilidade civil do Estado, da maneira mais simples e
precisa.
O Estado, diz elle, representa a sociedade debaixo de um
duplo ponto de vista, como pessoa civil vis-â-vis das outras
pessoas, e como poder publico (puissance publique) vis-á-vis dos
administrados. Quando age, como pessoa civil, tem interesses e
direitos da mesma natureza que os dos simples cidadãos, com
os quaes trata de igual a igual, se obrigando, e obrigando-os,
reciprocamente: neste caracter é elle sujeito à applicação do
artigo 1384 do código civil, desde que a lei não estipula ne-
nhuma excepção em seu favor. Mas a disposição desse artigo lhe
deve ser applicada restrictamente, uma vez que ella derroga ao
principio da responsabilidade pela culpa pessoal. A sua influen-
cia não sahe da esphera das pessoas privadas e dos interesses
privados, a dizer: o Estado não lhe é sujeito, quando age, como
poder publico, em desempenho da sua missão governamental.
Os qualificativos de committente e preposto se devem restringir
aos casos, em que se dão commissões num interesse privado e
para actos da vida civil, e, por isto, inapplicaveis aos cargos e
funcções publicas, nascidas das leis e regulamentos que interes-
sam á ordem publica e à boa administrão do Estado.
145
144
Ob. cit., p. 271. Compre, talvez, nfto omittir, que o autor che
gara a conclusão supra, tendo principalmente em vista o direito até então
vigente na Allomanha.
145
A. Giron, Le õ/roit admimstratif de la Bélgiqne, 1.1, n. 230 sg.
Bruxelles, 1885, 2.» edic.
13 R. c,
ÉÉ
— 178 —
Isto posto, pensa o autor, que o que é preciso, é fazer na
matéria a seguinte distincção:
Toutes les fois que 1'Etat execute lui-même, par l'inter-
mediaire de ses ouvriers, preposés ou commis, des travaux ou
des opérations qui ne constituent pas 1'exercice de la puissance
publique, et dont il serait possible de deleguer 1'entreprise à des
particulières, —lorsqu'il batit, par exemple, un edifice,—
lorsqu'il pave une chaussée, lorsqu'il se charge de transpor-
ter des voyageurs ou de marcliandises, —lorsqu'il fabrique des
armes, etc, il est responsable des délits et des quasi-délits,
commis par ces preposés, au même titre et dans la même me-
sure que les particuliers.
146
Mas, em contrario, accrescenta elle: Lorsque les fonctio-
naires ou employés qui représentent 1'E'tat dans Taccomplisse-
ment de sa mission governamentale se rendent coupables d'un
delit ou d'un acte arbitraire, la responsabilité qu'il encourent
leur est personelle et ne rejaillit pas sur Finstitution générale,
provinciale ou communale.
Todavia, segundo reconhece juntamente A. Griron, esta
irresponsabilidade do Estado, acerca dos actos de poder publico,
não deixa de admittir certas excepções...
Por exemplo, si do delicto ou quasi-delicto do funccionario
provier um lucro para o Estado, apreciável em dinheiro, o Es-
tado deve ficar responsável pela indemnisação até a importân-
cia do mesmo lucro.
Do mesmo modo, a lei pode estabelecer, e já o tem feito,
excepções convenientes, quer admittindo a responsabilidade do
Estado por actos, que tem innegavelmente o caracter de poder
publico, quer isentando-o delia em casos, nos quaes o Estado se
apresenta nas relações jurídicas da ordem civil.
147
Em resumo, taes são as idéas de Giron. que interessam ao
assumpto, no ponto de vista particular, de que agora nos estamos
occupando.
146
Ob. cit., 11. 231.
147
Loc. cit., ns. 233-31.
— 179 —
48. Giorgio Giorgi, é partidário decidido da doutrina da
distincção dos actos do Estado,
148
como critério ou condição da
responsabilidade, resultante dos mesmos actos. Qualifica
mesmo esta doutrina de "systema dominante", querendo, deste
modo, significar, que ella deve ser tida, como verdade alcan-
çada na discussão do assumpto. Pelo muito, que esse distincto
autor vale aos olhos dos que se occupam de estudos desta natu-
reza, vamos transcrever para aqui uma parte dos conceitos, ra-
zões e argumentos, com os quaes elle exprime o seu juizo.
II collocare nella distinzione fraatto compiuto jure imperii,
o jure gestionis il critério per risolvere, se lo Stato ne sia res-
ponsabile, quando fu cotnmesso per un abuso dei pubblico uffi-
ciale, sinomizza con la distinzione fra Stato—persona giuridica,
e Stato persona politica: corrisponde ai distinguere due ordini
di relazioni diverse fra lo Stato e gli individui, e due facce dis-
tinte delia personalità dello Stato. Relazioni di diritto pubblico,
o personalità politica, quando 1'atto compiuto dallo Stato me-
diante l'interposta persona dei pubblico ufficiale sia 1'esercizio
dei potere pubblico: relazioni di diritto priv ato, o persona giu-
ridica, quando 1'atto non sia punto 1'emanazione dei pubblico
potere. Corrisponde ai cânone scientifico, che le guarentigie
concesse ai cittadino contro gli abusi dei pubblico potere appar-
tengano ai diritto pubblico interno e derivano dalla Constitu-
zione politica, communis reipublicce sponsio: la quale deter-
mina le prerogative delPautoritâ imperante, ei mezzi conceduti
ai cittadini per contenerla nei limiti delle sue attribuzioni, e per
ottenere la riparazione degli abusi; quelle guarentigie
possono chiedersi ai códice civile, corpo delle leggi destinate a
148
«Io puré fui tra coloro, che prestarono adesione ai sistema, che
distingue 1'atto d'impero dall'atto di gestiono. Seoza pentírmene oggi: per
ché la discretiva avendo il suo addentellato nelle tradizioni, il suo riscontro
nella dottrina piú seria e nella giurisprudenza dei paesi che hanno leggi ana-
loghealle nostre, il suo fondamento inunconcetto emientemente razionale,
mi pare il solo che possa, quando venga inteso e applicato rettameute, con-
jurei alia solluzione delVarduo poblemaLa dottrina delle persone giu-
ridiche o corpi morali, t. IH, n. 81, p. 171. Pirenze, 1900, 2» ediz. O autor
se havia declarado partidário do referido systema em sua obra anterior
- Teoria delle Obbligazioni, t. V, p. 501, da 5
a
edição, 1900.
— 180 —
regolare le relazioui fra individuo e individuo, e non applicabili
alio Stato, se non quando, lasciata la veste di potere imperante,
svolge la sua operositá nel campo delle relazioni individuali, e
utitnr jure privatorum.
U9
Neste trecho nos dá o illustre autor uma synthese do seu
pensamento com relação ao systema, que adopta. o lhe pare-
cem, talvez, de escolha muito feliz as expressões de actos de
imyerio, e actos de gestão, como correspondentes ás de perso-
nalidade politica e personalidade jurídica-, mas observa, si,
desgraçadamente, a linguagem se presta a equívocos e favorece
a critica, "a distincção, intrinsecamente considerada, é verda-
deira".
1B0
Ninguém pode negar, que o Estado é investido de
poder soberano, e o exercita pelos três ramos legislativo, ju-
diciário e executivo, mediante actos de autoridade, executados
por funccionarios públicos; e como estes são susceptíveis de
prevaricação e erros, não ha duvida, que os cidadãos podem ser
victinias de abusos, que lhes causem damno, merecedor de repa-
ração pecuniária, segundo ã justiça natural...
48 a.— " Por acto de império se deve entender o que
nasce, se desenvolve, e se realisa no campo do direito publico";
elle tem a sua raiz na soberania ou supereminencia do poder
publico sobre os indivíduos, e resulta da necessidade fatal, de
não poder haver communidade social, sem autoridade de uma
parte, e sujeição de outra.
1B1
Na esphera dos actos de imrio se comprehendem os actos
do poder legislativo e do poder judiciário; advertindo, todavia,
que em relação ao ultimo poder, só são de considerar, como taes,
os actos dos magistrados investidos do império ou jurisdicção, e
não os dos outros funccionarios judiciaes.
"
9
Giorgio Giorgi, loc. cit., n. 83, p. 179 sg.
15° Ibidem, p. 180.
»» Ob. cit., n. 96, p. 201 sg.
— 181 —
Sabidamente, são também de incluir nos actos de império
os do poder executivo *, mas, justamente, com relação à varie-
dade dos actos deste poder, é que se dão, ora funcções de impé-
rio, e ora funcções de gestão. Segnndo os princípios estabeleci-
dos pelo autor, o de considerar actos de império, não , os
decretos, instrucções e regulamentos, mas também, os actos po-
sitivos on negativos, executados em qualquer ramo do publico
servo, diverso da administrão patrimonial, comtanto que o
tenham o caracter contractual. Particularisando, indica, como
principaes, os seguintes, que mencionaremos nos próprios ter-
mos : Gli atti e i provvedimenti di sicurezza o di sanita pub-
blica, ovvero diritti alia protezione delle indnstrie e dei com-
merci: gli ordini delPautorità militare per attnare le leggi dei
reclutamento dei esercito di terra e delVarmata di maré; gli atti
tutti che banno per obietto la istruzione pubblica, e la sorve-
glianza sull'istruzione privata-, quelli che riguardano 1'accerta-
mento dello Stato civile delle persone, la conservazione dei libri
fondiari e ipotecari, ossia la pubblicitá delia proprieta fondiaria,
ferma rimanendo la responsabilitã personale dei conservatori;
gli atti di tutela e d'ingerenza governativa sulle provinze, sui
communi, sugli istituti pubblici di beneficenza, e generalmente
sui corpi morali di ogni specie, sottoposti alia sorveglianza go-
vernativa; le operazioni dei debito pubblico, fatta eccezione di
quelle che assumono figure contrattuali; Vaccertamento e la ris-
cossione delle imposte, delle tasse e gabelle, salve le conse-
guenze dei solve et repete nella esazione indébita; i provvedi-
menti che concernono le amministrazioni dei Demanio Pubblico
iNazionale, voglio dire, delle strade nazionali, dei fiumi e tor-
renti, delle spiagge e dei fortilizi, purché non offendano la pro-
prieta privata, o i diritti individual! di uso garantiti dali a legge:
perche allora può nascere un obbligo d'indennitá, fondato sulla
gnarentigia delia proprieta privata ; le concessioni governa-
tivo di ogni specie, che s'intendono fatte senzo pregiudizio dei
terzo-, e finalmente, le espropriazioni per causa di utilitá pub-
blica, concesse ai privati a loro rischio e pericolo, salvo ció che
riguarda la revocabilitá delle concessioni-contratti, quando la
revoca costitnisca, atteso il carattere contrattuale, nna specie di
espropriazione a danno dei concessionário; finalmente, gli atti
delia forza militare in tempo di pace o di guerra, purché
— 182 —
non siano invasioni di proprietá private decretate in quelle
forme o circostanze, che secondo legge danno diritto a inden-
nitá.
153
Mas, proségue Giorgi, o Estado, alem de depositário do
poder publico, tem uma capacidade civil, assim como, as pro-
víncias, as com munas e os corpos moraes, nos termos do art. 2°|
do código civil; e quando desenvolve essa capacidade, sem fazer
uso do poder, fica sujeito ás obrigações civis, do mesmo modo,
que gosa dos direitos civis... Se neWesercizio dei suo possesso, o
nello svolgimento dei suo diritto contrattuale, reca o ffesa a um
terzo, mediante gli atti dei quei pubblici ufficiali che sono preposti
alVazienda patrimoniale o contrattuale, ecco il suo obbligo
indiscutibile de risarcirne il danno, a norma délVarti-colo 1153
dei códice civile.
1B8
48b.— " Por acto de gestão, no seu sentido próprio e res-
tricto, se entende o acto de economia patrimonial, praticado
pelos funccionarios públicos, no interesse da communidade'', ou
oomo administradores dos bona quos sunt in património
populi —, ou como partes contractantes autorisadas a exigir, ou
a satisfazer, em forma contractual, algum serviço de utilidade
publica.
*
Não se trata de opera do poder legislativo ou judiciário,
mas sempre do poder executivo, o qual pode despojar-se das suas
prerogativas autoritárias, e agir moreprivato.
Presuppone la capacita giuridico-privata dello Stato e
ne constituisce Fesplicazione, versandosi nel ricambio delle
cose e dei servigi sotto 1'egida delia giustizia commutativa,
estranea ai rapporti di diritto pubblico interno. Perciò soggiace
ai códice civile : e come dal códice civile 1'atto di gestione
«2 Loc. oit., n. 99, p. 205-206.
la
»
Loc. eit., n. 84, p. 181. i
£4
Ibidem,
n. 88, p. 187.
— 183 —
prende norma nel suo svolgimento legitimo, cosi ai dice ri-
mane sottoposto, qnando trasmoda o prevarica, e si converte in
nn abuso de commissione o de omissione, clíe lede qual eh e
diritto individuale. Se 1'offeso è colai che aveva contrattato
colV amministrazione, ecco una colpa contrattuale e un obbligo
di risarcimento, in corrispondenza deli'entitã di quella colpa: se
Voffeso non ê un contraente, ecco invece una colpa Aqniiiana e
un danno risarcibile a norma degli articoli 1151 e seguenti dei
códice civile.
155
Isto dito, não seria, talvez, preciso acerescentar da nossa
parte, que, como actos de gestão, são, conseguintemente, de)
considerar: a) todos os que se referem ao dominio privado do
Estado (excluídos, todavia, os do dominio publico, que, tendo
seu fundamento no direito publico, não pertencem à persona-
lidade jurídica, e, sim, a personalidade politica do Estado); b)
todos os que se referem as administrações de caracter industrial,
ou á empresas dirigidas por fuuccionarios do Estado, taes
como: correios, telegraphos, laboratórios e ofíicinas civis ou
militares, quaesquer que sejam, e outros serviços semelhantes
156
; c) os coutractos de obras publicas, fornecimentos, e outros
de igual natureza;—em tudo o que, predomina principalmente
o regimen contractual.
48 c—No que respeita à responsabilidade pecuniária ou
indemnisão por parte do Estado, Georgi adduz também certas
IdistincçÕes, quanto aos actos de império, taes como :
1) Que dos actos legislativos, isto é, da lei, " la madre dei
diritto " não de jamais nascer uma responsabilidade civil do
poder publico. A única questão discutível seria a de saber, si
uma lei, que altera ou destroe direitos individuaes, deve ser
justa, estatuindo juntamente uma compensação adequada...
155
Ob. oit., n. 88, p. 187 seg.
156
Ibidem, n. 94, p. 195.
m
— 184 —
E pois, « si a lei parecer dura a alguém, este poderá valer-se do
direito de petição, pedindo a sua reforma, mas, não, pretender
uma compensação pecuniária pelo damno soffrido ; salvo si a
própria lei lhe tiver reconhecido semelhante faculdade ...»
167
2) Que o mesmo se deve dizer dos actos do poder judi-
ciário ; não, porque os magistrados não sejam capazes de
culpas, estando, pelo contrario, previstos os casos de culpas ou
crimes dos mesmos, assim como, a sua responsabilidade pessoal
de reparar o damno civil ao lesado; mas, porque é impossível
reduzir o magistrado à simples condição de um preposto do
Estado, por cujos actos este deva responder...
158
Não ignora o
autor, que ha uma escola nascente
159
de criminalistas, que
áffirmam a obrigação do Estado pelos erros ou injustiças do
poder judiciário; mas, no seu entender, as garantias protectoras
contra a acção do poder judiciário se devem buscar, antes nos
systemas preventivos, do que nas reparações, isto é, na
elaboração de leis claras e precisas, as quaes, bem regulando a
acção desse poder, a tornem mais fácil, e menos perigosos, os
erros dahi provenientes.
16
°
3) Que dos actos do poder executivo, ou antes dos erros
dos funccionarios desse poder, provém, certamente, damnos aos
particulares; mas, a sua reparação, ou fique a cargo do func-
cionario ou do Estado, não se poderá conseguir, sem haver um
corpo de leis especiaes, ou, ao menos, uma tal estructura
157
Ob. cit., n. 98 a o n. 113, pag. 235 sg.
158
Ibidem, pag. 204.
158
Bernard, De la reparation des erreurs judiciaires ; Pascaud, De
Vinãemnite à allouer aux inãivus conãams; Gregoraci, Delia tipara-
zione lle errori giudiciari. Cf. Bonasi, La responsàbilitá ãcllo Stato per
gli atti dei suoi funzionari. —Roma, 1886.
160
Giorgio Giorgi, loc. cit., n. 112, pag. 234.
— 185 —
e equilíbrio de leis positivas, de que lhes resulte completa ga
rantia. .. Os agentes do poder tem, em matéria de segurança
publica, de saúde e hygiene publica, para nâo fatiar do mais,
tamanha latitude de faculdades, que, no uso delias, podem
facilmente lesar os direitos individuaes da liberdade e pro
priedade patrimonial... I
Neste estado de cousas, continua Giorgi, a responsabi-
lidade pecuniária do Estado, admittida de maneira illimitada,
seria, por certo, a mais plena garantia dada ao cidadão. Mas,
examinada a questão por outra face, essa responsabilidade
pecuniária do Estado por todos os actos do governo, o tempe-
rada de restricções opportunas, traria, por sua vez, gravíssimos
inconvenientes: não só, tornaria lenta e embaraçosa a acção
governativa, como ainda, fomentaria cubicas e litígios, que, por
fim, redundariam em damnos aos contribuintes, isto é, aos
cidadãos, os quaes, em conclusão, é que teriam de pagar seme-
lhantes damnos.
161
Em vista do que, pensa o citado autor, que o
partido mais pratico seria talvez, estender o systema das cau-|
ções (fianças), ao menos, para todos os empregos blicos, que
acarretam o manejo de valores ou de objectos patrimoniaes per-
tencentes aos particulares; e pelo excedente, quando a fiança
não bastasse, estabelecer a responsabilidade limitada do Estado
de satisfazel-o com os próprios emolumentos dos serviços, a que
se referissem os actos lesivos; exceptuados aquelles de caracter
strictamente politico, nos quaes devebastar, além da respon-
sabilidade politica, a responsabilidade pessoal do ministro ou
de quem o represente...»
162
Não é preciso lembrar que, neste ponto, o autor se refere
aos actos de império somente- Quanto aos actos de gestão, a
responsabilidade do Estado, é, como já dissera, tão completa,
181
Loc. oit., n. 100, pag. 201.
" Loc. cit.
— 186 —I
quanto couber nas disposições do direito prirado. porTeatara,
appikaTeis is espécies partkalares.
E a. este respeite», esmpre-sos aiada dizer, qse Giorgio
Giorçi são é tio restrictíro. COSM» ostros, sobre a eoadicão
de qae, para ser repaarmS o dasiso, dere ser ele cassado ao
exercido das feseçôes oa faculdades «ossadas ao faaccioaario
íneW -^rdzia âeffle imeombenze. a em, ã* jmíMim mffintie erm
faputiÊm): estende qae, geralmente, iallando, a arpotacse é a
mesma. qaer assado o fasceãosario applica. suú s lei.
qaer i|sasdo sltrapasss os Imites postos ás asas attríbsições.
exerextaodo-as sem coapeteseia.
1
**
Cosi relão ã satsreza da responsabilidade, o safar pessa,
ênâlnente. qae se trata de ama obrigação, gUid4trim
>
prrHcipa?
r
como é s do próprio fascciosario eslp&so.
t4
*
49.—I*. Mkboad é. destra os escriptores fraseezes de
data mais recente, o primeira, qae se aroz tratar da Bateria
da responsabilidade ãrfl do Estado, de asa maneira especial e
metbodica, dando, por isso, ao ses trabalno o grande ralar, qae
todos cosi razão lhe recosbecea.» Fazeado aai retrospecto
a
TH
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a- 1. av MS. nas- «o, m- tTM. s. ii7-i3&.|
Jt.¥.S.3»i«_pM.5*l-5« tm JU*mém DnH
FmUk.t. Bi •IW_— Parta, 18*=
— 187 —
analytico das theorias diversas, que se tem aventado, elle as aprecia
e critica, segando o valor de cada uma delias, segundo a
applicação que das mesmas se tem feito no dominio da
jurisprudência;—procurando de tudo tirar razão e argumento para
demonstrar, que a doutrina « da distincçao entre actos de gestão e
actos de autoridade ou de poder público» deve ser acceita, como
base segura acerca da responsabilidade directa do Estado.— Diz
esse autor :
Au jourd'hui nous concevons 1'Etat comme une person-nalité à
double face: il est à certains ègards une personne morale de droit
prive accomplissant des actes de gestion sur son patrimoine, traitant
avec les particuliers par des contrats, exerçant certaines industries,
possédant certains biens, et sou-mis, en príncipe, dans ses actes aux
régies du droit prive; il est à d'autres ègards unêtre juridique
supérieur possédant des droits éminents, auxquels aucun particulier
ne peut prètendre et qui ont tous leur source dans le droit de
souveraineté, ou droit de commander aux particuliers et de s'en faire
obeir... Remarquons bien du reste, quHlny a pas dansVEtat deux
per-sonnes, distinctes et independantes 1'une de 1'autre, comme cer-
tains auteurs ont paru le soutenir
160
; c'est un seul et même
188
O autor refere-se neste ponto a doas autores allemães: Ronne
{Preuss'sches Staatsrecht, III, § 267), que disse: « Fiskiis und Staat seien
zwei ganz verschieãene Personen, von denen die leztere iíberhaupt eine Ver-
bindlichkeit gegen Unterthanen nicht ubernehmen hònne, wãhrend der Fiskus
seincrseits fiir den Staat nicht hafte... »; e Primker, que por sua vez
preopinara: « A melhor orientação para resolver a questão se acha na
theoria da dupla personalidade do Estado, isto é: considerando-o, como
fisco, a dizer, possuidor de bens, e por isto mesmo, um sujeito de relações
do direito privado; e considerando-o, como governo, isto é, sujeito de
direitos de poder publico. O Estado se apresenta como fisco: quando pos-
suo propriedades immoveis, edifícios blicos, terras, florestas, estradas,
armazéns de provisões, armas, etc. ;—quando emitte empréstimos, ou au-
fere rendimentos de outras fontes, taes por exemplo, exercendo o com-
mercio do tabaco, do sal ou de loterias, fazendo-se emprezario de vias-
ferreas, de telegraphos e outros serviços industriaes,— fazendo executar,
pelos seus funocionarios, contractos e mais actos jurídicos, necessários a
administração, ao desenvolvimento e aproveitamento dessas e outras ope-
— 188 —
être juridique qu'appartiennent et les droits que dépendent de la
souveraineté, et ces droits prives qui sont comme un acces-soire
indispensable des premiers, ayant pour objet d'en rendre
1'exercice pratiquement possible. Les ageuts mêmes chargés
d'exercer ces divers droits ne sont pas toujours distincts, et
beaucoup d'entre eux ont á exercer en même temps des actes
d'autorité comme agents de 1'Etat-puissance publique, et des
actes de gestion, comme agents de la personne morale de droit
prive.
167
49 a.— Particularisando melhor o seu pensamento, o autor
observa: que o Estado, como proprietário, credor, devedor, con-
tractante, é regido pelas mesmas regras que um particular, sal-
vos os casos em que a lei lhe tenha reservado uma situação
privilegiada. Não ha, por exemplo, uma theoria da propriedade
que lhe seja peculiar; elle a adquire e a transfere, quasi da
mesma maneira, que o faz o individuo particular, salvo as
excepções contidas na lei. Não ha do mesmo modo uma theoria
de obrigações, feita expressamente para elle; os contractos que
celebra são sujeitos a um grande numero de disposições
especiaes; mas a multiplicidade destas disposições não lhes tira
o caracter de excepcionaes; e a respeito de todos os pontos que
ellas não regulam, é sempre ao direito commum das obrigações
que se deve recorrer. Isto que succede em relação ás obrigações
contractuaes, tem logar igualmente em relação às
rações. Por outro lado, os direitos de jnstiça, de policia, a flscalisaçfto e
soberania em matéria financeira e militar, o direito de paz e de guerra, for-
mam a noção do Estado no seu sentido restricto, como governo. Os funccio-
narios representam o Estado nestas duas ordens de funcções, e si os mes-
mos causarem um damno a terceiro, o facto se ha de dar: ou agindo elles
como representantes dos seus interesses económicos e, por isso mesmo,
infringindo uma obrigação fundada no direito privado; oo agindo como
representantes do Estado-governo, e conseguintemente, infringindo, no ul-
timo caso, uma obrigação, cuja sancçâo pertence ao direito pnblico >.
Verhandlungen <h< IX
im
Juristentags, t. III, p. 28 sg. »' Micboud, ob.
cit., t. IV, p. 2 sg.
— 189 —
obrigações nascidas dos quasi contracto, do delicto on do quasi
delicto. O principio deve ser, insiste Michoud, que o Estado,
como pessoa moral do direito privado, é sujeito, no que lhe
concerne, às mesmas regras, que as outras pessoas moraes :
escapará dessas regras, si houver disposição expressa ou tacita
da lei, que a ellas o subtraia.
168
O facto gerador da respon-
sabilidade, passando-se todo na gestão dos serviços públicos,
não constitue o exercido de poder publico : o Estado não appa-
rece ahi dando uma ordem, editando uma prohibão, expedindo
uma autorisaçãò num interesse geral, — mas simplesmente,
exercendo uma industria, oferecendo serviços aos particulares
que outros Ih'os poderiam prestar, explorando uma propriedade
de natureza especial, como a propriedade territorial, ou emfim,
fazendo circular cavallos e carros pela via publica, como o
poderia fazer qualquer particular. Nestes casos diversos, si o
Estado for responsável, sel-o-ha em virtude das regras do
direito privado, e debaixo deste ponto de vista, deve ficar su-
jeito na mesma medida, que qualquer outra pessoa moral, (muito
embora em acção regida por leis especiaes) aos prinpios postos
pelos artigos 1382 a 1386 do código civil.
109
Entende, que os casos de desvio da jurisprudência fran-
ceza a este respeito vém de se tomar em consideração o fim do
acto ou serviço instituido no interesse geral, em vez de se
encarar a natureza dos mesmos; o primeiro desses critérios le -
varia a um resultado muito simples, mas inadmissível: o de
subtrahir ao direito privado todos os actos do Estado sem ne-
nhuma excepção, inclusive os factos que se referem ao patrimó-
nio privado do Estado, os quaes ninguém contesta serem todos
m
Loc oit. O autor afflrma que a jurisprudência franceza admitte a
distincção supra dita, ainda que nao se mostre sempre correcta ou co-
herente na verificação das espécies controversas.
*" Loc. cit., p. 13.
— 190 —
elles, actos de pura gestão. E' preciso, pois, distinguir os actos do
Estado, tendo cuidadosamente em vista a sua natureza, a dizer:
considerar os actos de poder publico, i.é., aquelles, em que o
Estado invoca os direitos de soberania que lhe pertencem,
como inteiramente fora da esphera do direito privado, e somente
sujeitos aos princípios do direito publico; — e pelo contrario, os
simples actos de gestão, mesmo quando efectuados num fim de
interesse geral, mas em que o Estado não invoca a sua
soberania, deverão ser considerados, em principio, do domínio
exclusivo do direito privado.
170
Especificando, a titulo de
exemplo, esses diversos factos, o autor os explica da maneira
seguinte:
Quand 1'Etat exerce une industrie monopolisée (postes,
télégraphes, téléphones, tabacs, allumettes, etc), les actes par
lesquels il établit et défend son monopole sont des actes d'auto-
rité ; il ne s'ensuit pas que les actes de fabrication, de trans-port
ou de vente qui constituent 1'exercice même de 1'industrie,
présentent lemême caractere. De même 1'Etat fait au plus haut
degré acte de puissance publique quand il recrute 1'armée pour
la defense du pais, quand il 1'exerce, quand il conduit des opera-
tions de guerre; il ne resulte pas de que tous les actes de
i'administration militaire soient des actes de puissance publique.
Un ordre donné par le ministre de la guerre n'a point le même
caractere juridique que Tacte du cavalier, qui, en transmettant
cet ordre, renverse un passant sur la voie publique ; si 1'ordre
donné a cause un prejudico, les conséquences en doivent être
appreciées d'aprés le droit public, mais le cavalier ne circulait
pas sur la voie publique en vertu d'un droit de souverainetè qui
appartient á 1'Etat; il ycirculait comme aurait pu le faire n'im-
porte quel particulier; son acte appartient au droit prive. Même
distinction pour toutes les autres administrations; 1'incorpora-
tion d'un marin dans la flotte n'a point le même caractere que
1'acte du pilote, dont la négligence occasione 1'abordage d'un
bâtement par un navire de 1'Etat; la poursuite d'une contra-
vention forestiére n'a point le même caractere que la marque des
bois en vue d'une coupe á eífectuer. Quand 1'Etat organise
Mo Loc. cit., p. 15.
— 191 —
une exposition universelle, il fait acte d'autoritè en expro-
priant, s'il y a liea, les terrains nécessaires, en distribuant des
recompenses, en prenant des mesures de police nécessaires pour
le maintien du bon ordre; mais il fait acte de gestion en
recevant en dépot les marchandises exposées et en príncipe, il
doit être responsable de ce dépot com me un particalier.
m
49 b. —Não ha duvida, reconhece Michoud. que as operões
da administração são quasi sempre complexas, concorrendo ás
vezes, numa mesma operação, elementos de gestão e elementos
de autoridade; mas pensa, que será sempre relativamente
fácil determinar â qual categoria pertence o acto, que tenha
occasionado o damno. Na verificação da responsabilidade im-
porta também r, si no caso se trata de um simples preposto ou
de um dos óros do Estado; sendo, segundo Michoud, de con-
siderar, como revestidos desta ultima qualidade, todos os func-
cionarios investidos do direito de tomar decisões em nome do
mesmo, em outros termos, todos os agentes autorisados â fazer
em seu nome actos de administração, propriamente ditos;
172
ao
passo que os simples auxiliares, que o Estado emprega na gestão
dos seus serviços, agentes de preparação ou execução de suas
ordens, empregados de repartição, operários de manufacturas,
agentes de correios e telegraphos, etc, etc. não são mais, do que
propostos do Estado. Desta distincção decorre, que, com relação
aos actos dos primeiros, o Estado deve responder, como si foram
actos seus, directos ou próprios, conseguintemente, sujeitos ao
artigo 1382 do código civil (francez); emquanto que,
m
Loc. cit., n. 27, p. 15-16.
17a
Michoud diz, que o Estado tem por órgãos, o , as Camarás
Legislativas (que em certos casos também fazem actos de gestão) e o Chefe
d'Estado, mas ainda, os ministros, prefeitos, sub-prefeitos, assim como todos
os ftmccionarios investidos do poder de decisão própria sobre matérias es-
peciaes. Loc. cit., p. 18.— Em outra parte se dirá o que outros pretendem
com essa distinão entre órgãos e empregados on propostos do Estado.
— 192 —
com relação aos dos segundos, a sua responsabilidade deverá ser
regulada nos termos do artigo 1384 do mesmo código.
178
Si porventura tratar-se. não, de um delido ou quasi delido,
mas de culpa contractual, o Estado será responsável da referida
culpa segundo as regras particulares do contracto, que ã ella
tenha dado logar
m
; cumprindo ainda não omittir, neste ponto,
que, em se tratando de acto praticado pelos órgãos do Estado,
não é condição, quanto â responsabilidade deste, que o funccio-
nario tenha agido conforme á sua funcção (reste fidèle a Vesprit
de sa fondion); o Estado será responsável, como uma pessoa
moral ordinária, mesmo pelas culpas graves, (des fautes lour-
des), pelo dolo, ou delicto propriamente dito, desde que se
tratar materialmente de actos que caibam no circulo da sua
funcção. E, ao contrario, em se tratando da culpa de prepostos
do Estado, para que se verifique a responsabilidade do mesmo,
será preciso, que se tenha dado o concurso de todas as condi-
ções, que, em direito commum, são necessárias para fundar a
responsabilidade do committente.
176
49 c.Occupando-se, em particular, da responsabilidade
do Estado em razão dos actos de autoridade, Michoud opina que
se deve começar por distinguir o damno causado sem culpa, do
damno resultante da culpa do agente. Os actos de autoridade
tem, quasi sempre, como consequência, impor aos particulares,
em bem do interesse geral, certos óbices, exigências, restricções
(des genes, des entraves, des restridions) á sua liberdade de acção,
e, muitas vezes, uma diminuição do producto útil, que elles po-
diam auferir da sua propriedade; mas, nem por isto, devem elles
(as desapropriações e os damnos resultantes das obras
173
Conforme Michoud, são igualmente applicaveis ao Estado as dis
posições do artigo 1385 - 86 do código civil citado.
174
Michoud, loc. cit., p. 18.
175
Ibidem, e p. 22-23.
— 193 —
publicas, por exemplo ) ser considerados, como incluídos na
noção geral dos quasi-delictos.
O Estado, como o individuo particular, mas, com freqncia
maior do que este, por ter direitos mais extensos, pode causar
um damno sem sahir do seu direito, e por conseguinte, sem com-
metter uma culpa: neminem laedit qui suo jure utitur. Como se
sabe, lembra o autor, o legislador não commette culpa, no
sentido jurídico da palavra, porque o seu direito é sem limites
na ordem constitucional ou legal; consequentemente, a sua res-
ponsabilidade permanece sempre de ordem puramente moral,
isto ê, não pode jamais dar logar á nenhuma condemnação pe-
cuniária, nem contra o Estado, nem tão pouco, contra os indi-
víduos, que hajam participado da deliberação legislativa -, do
modo que, em presença de uma lei, arbitrariamente violadora
dos interesses privados, diante de uma lei vexatória, injusta
(une loi tracassière, injuste), contraria aos princípios de nosso
direito, a Justiça não poderá apoiar-se na idéa de culpa do Es-
tado para conceder uma indemnisação às victimas da lesão.
17
° A
questão da indemnisação pode ser levantada, ou como de-
corrente das próprias disposições da lei, ou, ao menos, como in-
terpretão plauvel do pensamento do próprio legislador na me-
dida legislativa adoptada.
177
Do mesmo modo o acto de governo é
collocado numa região superior, distincta daquella, onde se move
a acção administrativa, e inaccessivel aos tribunaes da ordem
administrativa ou judiciaria; elle não pode constituir uma culpa,
empenhando, juridicamente, a responsabilidade pecuniária do
176
Loc. oit., n. 37, p. 258 sg.
O autor, neste particular, se pOe no ponto de vista de direito con
stitucional da França; não desconhecendo, todavia, que ha Estados, como
os Estados Unidos da America, em que se pode cogitar do damno prove*
niente de uma lei inconstitucional perante os tribunaes judiciários. Loc.
cit., n. 38, p. 254-255.
Q
I m Loc. oit., n. 39, p. 255. ';
13 R. c.
— 194 —
Estado. O governo só será responsável perante as Camarás, ás
quaes, somente, compete decidir das consequências do acto, quer
sob o ponto de vista da responsabilidade do Estado, quer sob
outro qualquer.
Si a indemnisação se dér, será voluntária por parte do
Estado; porquanto, dado que culpa houvesse, nenhum tribunal
teria competência para aprecial-a, e consequentemente, o
resultado seria o mesmo, caso a culpa não existisse..
i78
Com
relação á autoridade administrativa, a questão da culpa, continua
Michoud, só poderá ser posta em dous casos: primeiro, quando o
acto administrativo, de que provém o damno, é illegal, seja por
excesso de poder da parte do seu autor, seja por que o seu
cumprimento se deu sem as formalidades legaes; segando,
quando o autor do acto, sem sahir da legalidade, faz, por dolo ou
negligencia, mão uso dos poderes que lhe foram confiados. O pri-
meiro caso corresponde â noção de culpa, tal como é admittida no
direito privado; do segundo caso, parece, â primeira vista, que
nada podia resultar, visto o autor não ultrapassar o seu direito.
E', porém, de observar que, fora da culpa consistente no excesso
de poder, ou na offensa consequente do alheio direito, a mesma
se pôde ainda dar, segundo o direito privado,— no faltar á uma
obrigação convencional ou legal, a dizer: não só, ha culpa
quando se sahe do seu direito, fazendo-se o que se não tinha
direito de fazer, como também, quando se deixa de fazer o que
se tinha a obrigação de fazer.
179
Nos actos do poder judiciário, se pode igualmente dar
damno ao alheio direito, com culpa ou sem ella; lhes sendo res-
pectivamente applicaveis as mesmas considerações precedentes.
Ha, por exemplo, diz Michoud, culpa numa detenção illegal,
assim como, pelo menos theoricamente, numa detenção legal,
178
Ibidem.
M Loc. cit., n. 40, p. 257.
— 195 —
masíeita sem causa suficiente, ou prolongada sem necessidade.
Todavia, com relação á autoridade judiciaria, occorre uma dif-
fículdade particular na admissão da responsabilidade efectiva
do Estado, resultante do principio da cousa julgada. Este
principio serve de obstáculo a que, sob a forma de acção de
responsabilidade, se ponha em questão um facto, que não se
pode fazel-o directamente, pedindo a reforma ou annuUação
da sentença. Existe, portanto, uma razão de inadmissibilidade
(une fin de non recevoir) análoga à que existe quanto aos actos
do poder legislativo, e a qual tem sido também admittida pela
jurisprudência acerca do poder governamental. E' que,na sua
esphera, o poder judiciário é igualmente soberano e, conse-
guintemente., onde a sua soberania pode ser invocada, cessa toda
a possibilidade de arguir uma culpa. A responsabilidade do Es-
tado, pois, seria comprehensivel, tratando-se de sentença,
contra a qual fosse possível a via de recurso ordinário ou extra-
ordinário, e como um accessorio dessa via de recurso.
m
49 d.— As considerações, que acabam de ser feitas, â
conta de L. Michoud, concernentes á responsabilidade do Estado
nos actos de autoridade, o apresentados por esse autor, collo-
cando-se no ponto de vista do direito vigente da França, sob
cuja sancção, ao menos em principio, se deve afnrmar a irres-
ponsabilidade do Estado.
181
Collocado, porém, no ponto de vista
mais largo da "lex ferenda", Michoud admitte, que em certos
casos, converia estabelecer, de maneira formal, a obrigação do
Estado de "reparar as consequências damnificantes das culpas
dos seus agentes ".
1£f
o Loe. cit.,n. 41, p. 258.
181
Ibidem, n. 42, p. 259. O autor não desconhece, no entanto, e pelo
contrario, menciona casos diversos, em que essa irresponsabilidade do
Estado não se da, quer segando os julgados da jurisprudência, e quer em
virtude de leia expressas. Loo. cit., p. 259 seg., e 274 seg.
— 196 —
E examinando então, em vista da jurisprudência, da
opinião dos principaes autores,—quaes sejam os fundamentos
allegados para constituir o Estado em responsabilidade pelos
actos do poder ou autoridade publica, depois de aprecial-os ao
sabor do seu critério individual, concluirá apresentando os se-
guintes postulados:
1) A melhor garantia a dar aos cidadãos reside numa bôa
organisação dos poderes públicos. Toda a questão de responsa-
bilidade em rasão dos actos do Estado se reduz a fazer julgar por
um funccionario os actos de um outro funccionario; e de nada
vale proclamar o principio da responsabilidade, si os incumbidos
de applical-a forem tão suspeitos de abuso do poder, como
aquelles, aos quaes tem de julgar. E' preciso não exagerar a idéa
e as consequências da responsabilidade... Mesmo, onde é de
admittil-a, não se deve crer que o mais efficaz para a protecção
dos direitos privados seja a responsabilidade do Estado. A do
funccionario é, por si mesma, importante, uma vez que não
conduz somente à reparação, mas tem ainda um effeito pre-
ventivo: sob as formas diversas que reveste, de responsabilidade
hierarchica, responsabilidade civil, responsabilidade penal, ella
constitue uma garantia de boa administração, que é fundamental,
e que importa não deixar enfraquecer. Esta garantia se enervaria,
entretanto, caso se substituísse, sem discernimento, a res-
ponsabilidade civil do funccionario pela do Estado... O meio de
chegar ao resultado almejado seria, pois, declarar, como regra,
que a responsabilidade do Estado, em maria de actos de poder
publico, não será jamais, seo subsidtaria, e que o funccionario
será sempre chamado a responder em primeiro logar.
182
2) As culpas, consistentes apenas em imprudências, negli-
gencia ou omissões, que constituindo um uso inconsiderado do
poder, todavia, não ultrapassam este poder, nem contém ama
1<B
Michoud, loc. cit., p. 260-279.
— 197 —
illegalidade, por exemplo, a culpa de um prefeito, por o haver
tomado medidas bastantes de precaução para proteger efficaz-
mente a ordem publica, ou por ter imposto num regulamento aos
particulares obrigações inutilmente vexatórias, mas não ille-
gaes, não dão direito á nenhuma indemnisação pecuniária,
nem contra o Estado, nem contra o funccionario. Elias devem
ficar à apreciação exclusiva do superior hierarchico do funccio-
nario. O principio contrario podia fazer multiplicar indefinida-
mente o numero de acções baseadas em motivos semelhantes,
com prejuízo manifesto do próprio interesse geral, diminuindo
o espirito de iniciativa do funccionario, e em muitos casos, tor-
nando a acção administrativa incapaz de corresponder aos seus
fins. Encarada a questão pelo lado dos poderes próprios da
administração, entregar, por ventura, ao poder judiciário o
conhecimento e a apreciação de casos desta ordem, seria trans-
formar o poder judiciário em' 'poder politico irresponsável'', com
grande detrimento da boa administração da justiça e da liber-
dade de acção, indispenvel á boa mantençãoda causa publica.
uma excepção será. admissível: para o caso, em que o
funccionario, sob o pretexto do exercício normal do seu poder,
se tornar culpado de dolo.
183
3) Mesmo dado, que o funccionario exceda o seu poder,
tratando-se de culpas leves, excusaveis, não deve ter logar a
responsabilidade. Aindaque aqui não se cogite de uma simples
questão de prudência ou de opportunidade, mas de uma
questão de legalidade, as considerações precedentes lhe podem
ser applicaveia. Não é sempre fácil conhecer exactamente a es
tensão dos direitos de poder publico que pertencem ao Estado ,
a administração e a justiça se podem mesmo enganar de inteira
boa sobre a matéria; e si é certo, que erro semelhante é
sempre uma culpa, cumpre também reconhecer, que não seria
183
Loc.cit.
— 198 —
de equidade, nem conforme ao interesse geral, tratar essa
culpa, como a do simples particular, que administra os próprios
negócios. O juiz, cuja sentença é susceptível de ser annullada
pela Corte de Cassação, o administrador, cujo acto pode ser ob-
jecto de um recurso, e por este meio ser provido pelo Conselho de
Estado, não devem, por isto, ser declarados pecuniariamente
responsáveis das consequências damnificantes dos seus actos; e
é de interesse geral, que em casos taes, o Estado também não
contraia obrigação alguma de reparação. São erros ou riscos
inseparáveis da organisação social. Apenas, nos casos excepcio-
naes de dolo ou culpa lata, deve o funccionario responder, e tam-
bém o Estado, subsidiariamente. Esta responsabilidade subsidiaria
do Estado o se funda em culpa do mesmo,—o que parece
pouco justificável, mas na "razão da obediência" que o Estado
crêa para os particulares em relação as ordens do funccionario: é
sem duvida de equidade, que aquelle responda pelos damnos,
provenientes da prestação dessa obediência. Si o interesse geral
se oppõe, que a responsabilidade do Estado se em todos os
casos, elle deve assumil-a, ao menos, nos mais graves. Com
effeito, é útil que a autoridade seja obedecida sem resistência, e
esta obediência será tanto mais facilmente prestada, quanto os
particulares souberem, que a mesma não lhes causará prejuízo
maior, do que o permittido na lei; do contrario, seriam levados a
resistir, pelo menos, nos casos, em que a sua resistência lhes
desse esperança de ser considerada legal. Na hypotbese, pois, o
interesse social e a equidade se acham de accôrdo, em admittir o
principio da indemnisação; sendo esta prestada pelo
funccionario, e dada a insolvabilidade deste, pelo próprio
Estado. Esta doutrina terá a mesma applicação, quer se trate do
poder judiciário, quer do poder administrativo. O Estado ordena
obediência, tanto aos funccionarios de um, como aos de
is* Ibidem.
h- 199 —
outro poder; não havendo razão de distinguir, desde que a
responsabilidade não se funda, nem sobre aidéa toprepositura,
nem de mandato dado ao funccionario.
184
4) No que concerne ás omissões, o principio não se applica
em todos os casos, mas somente, ás hypotheses, em que a omis
são, constitutiva da culpa, equivale à uma ordem tacita, á que
se deve obedecer; tal é a hypothese de um encarceramento, ille-
galmente prolongado, e muitos outros semelhantes.
Muitas vezes a execução de um acto por um individuo par-
ticular é subordinada á certas formalidades, que exigem o
concurso de um funccionario administrativo; a recusa desse con-
curso, por parte do funccionario, equivale á uma prohibição ;
si esta recusa é illegai, a acção de responsabilidade será tanto
mais necessária, quanto o particular, que por ella é prejudicado,
não tem acto algum a combater, e, por conseguinte, lhe res-
taria o recurso da acção referida. Supponha-se por exemplo que
o Prefeito se recusa a mandar proceder a um alinhamento da
viação publica ou a receber a declaração da abertura de uma
escola... o recusas illegaes, tendo por effeito impedir, que se
construa em determinado sitio, e que se abra uma escola livre
ellas equivalem, embora o se apresentem sob a forma de actos
positivos, mas na de simples omissões passivas, á verdadeiras
prohibições; conseguintemente, lhes é inteiramente applicavel
a theoria precedente. Em contrario, esta não deve serapplicada
ás simples negligencias dos funccionarios, quando d'ahi não
resultar nenhuma prohibição ou obrigação aos particulares. O
damno, porventura, causado por taes negligencias, não
logar á indemnisação alguma.
185
5) Alem da responsabilidade geral do Estado, qual fica
declarada, se pode ainda admittil-a de modo excepcional, em
certos casos particulares. Ella terá logar, quando, embora se
188
Ibidem, p. 284.
— 200
trate de culpa leve do funccionario, o damno resultante fôr de
caracter vexatório : por exemplo, no caso de uma detenção
illegal, ou de um arresto sem causa fundada. Em casos taes, é de
admittir a responsabilidade do Estado, não pela gravidade da
culpa, mas pela gravidade do prejuízo. Si bem que se possa
considerar a culpa leve do funccionario, como risco social, é, toda-
via, de ajuntar a condição : comtanto que esse risco o seja de-
masiado grave, ou que não tenha a consequência de impor a um
só individuo — sacrifícios por demais directos e consideráveis.
A verificação da responsabilidade nestes casos devia ser regu-
lada por princípios análogos áquelles, em que o Estado se de-
clara responsável por damnos causados sem culpa; mas sem
perder o seu caracter de excepcional,—por não haver vantagem
em multiplicar as suas hypotheses.
186
Tal é, nas suas grandes linhas, como elle próprio o diz,
a doutrina que Michoud desejaria ver consagrada no direito
positivo. Declarou haver deixado fora do seu trabalho o estudo
das indemnisações, que podem ser devidas pelo Estado, em razão
de damnos causados no '' exercido regular " do poder publico,
sem que se possa imputar culpa aos seus agentes; porque se-
melhante responsabilidade, tendo um caracter distincto, deve ser
regulada por princípios inteiramente diferentes.
187
50. Ainda, como partidário igualmente convencido da
verdade da "theoria mixta", não devemos deixar de mencionar
Henri Bailby, o qual, expondo-a e apreciando-a nos seus ele-
mentos conhecidos, não duvidara affirmar a seguinte conclusão:
En notre matière, la distinction entre les actes de gestion et les
actes de puissance publique BST ET DOIT RESTER FONDAMENTALB :
suivant que VEtat commande aux particuliers, ou se place avec
186
Ibidem.
187
Ob. cit., t. Ill, n. 5, p. 407.
— 201 —
eux sur un pied à"êgalitê juridique, Xe rapport de droit qui peut
naitre entre VEtat et les particuUers, à Voccasion oVun dommage
1
eprouvé par ces derniers, est d
1
une NATURE ESSENTIELLEMENT
differente.
188
A responsabilidade incumbente ao Estado pode, segundo a sua
origem ou causa, resultar: 1) de uma culpa imputável ao Estado; 2)
da obrigação do Estado de supportar um risco ; 3) de um facto
lesivo, mas não culposo, do Estado (fait domma-geàble nonfautifde
V Etat).
189
Para verificar, si a pessoa Estado é capaz de culpa, o autor
examina, em seus argumentos principaes, as differentes theorias da
pessoa jurídica, e depois de também emittir a sua opinião individual
sobre o valor relativo de cada uma delias, chegara à conclusão, de
que o acto do órgão ou representante da pessoa moral, na esphera da
sua competência, é acto delia própria; « despindo-se o individuo-
agente da sua personalidade, para deixar apparecer somente a do
ente collectivo nas suas relações cora os terceiros».
190
Conseguintemente: Tant que la volonté de Vêtre moral,
SPÉCIALEMENT L' ETAT, se determine en vue du but, des intérêts
pour lesquels il a été constitué, c'est'-a-dire tant que les organes ou
representante agissent dans Vexercice de lleurs fonctions, c'est
Vêtre moral qui doit ètre repute agir ET DOIT
ÊTBE DECLARE RESPONSABLE, s'U y a UeU.
191
188
Henri Bailby, De la Responmbilité de VEtat envers les particuliers,
p. 205.—Paris, 1901.
Pretendendo encerrar o presente titulo com as opiniões deste autor,
cumpre indicar aqui, oomo trabalhos dignos de ser lidos, sobre a theoria da
dincçâo dos actos do Estado, os seguintes: Luigi Beilavite, Delia rispon-
sibúitá deito Stato, Verona-Padova, 1884; P. Orivellé, De la distin-
ction des antes d'autorité et dei actes degestion,— Paris, 1901.
188
Ob. cit., p. 21 seg. — O autor declara, fora do seu presente estado,
a responsabilidade proveniente de contracto.
wo
Ibidem, p. 34.
191
Loc. cit., p. 35.
202 —
Explicando ou justificando a obrigação, que deve caber ao
Estado, de supportar um risco, o citado autor lembra o principio
de equidade, geralmente acceito como justo, que o Estado repare
o damno soffrido por um particular, para o fim de manter entre os
seus membros a igualdade na contribuição dos encargos da
collectividade. Ora, diz elle, si o Estado tem por fun-cção
assegurar, na gestão dos interesses communs, a igualdade entre
os indivíduos, o mesmo satisfaz apenas á uma das suas
obrigações, respondendo por certos riscos; por conseguinte,
trata-se de uma responsabilidade, inherente ao próprio fim do
Estado.
192
E, em seguida, accrescenta: Et quelle que soit la con-
ception juridique que Von fasse de ce dernier; qu'on voie dans
VEtat une personne fictive, une personne purement réellc, ou
une personne rêsultant d'élements réels et organisée par la loi,
on qu'on rejette Vêe de personnali de VEtat, Von doit force-
ment, sous peine de nier la fonction même de VEtat, adméttre
cette justificatioQi de príncipe de cette responsabili fondée sur
Vobligation de supporter un risque.
193
Finalmente, a responsa-
bilidade do Estado, por um facto lesivo, mas não culposo, do
Estado se dá, quando elle offende interesses individuaes, no
intuito de satisfazer ao interesse collectivo. O Estado cumpre
nisto a sua missão; não viola obrigação alguma, e, consequen-
temente, não se lhe pode imputar uma culpa. A justificação
193
Ibidem.
15,3
O autor explica com certo desenvolvimento a sua theoria do ruço,
classiflcando-o nas espécies, de riscos reaes (quando apparecem pela sim-
ples constatação dos factos, isto é, resultantes do facto de um terctirc ou
do facto de uma cousa) e de riscos de direito; subdividindo estes últimos em
risco industrial ou profissional, e em risco administrativo. Vide: loc. cit.,
ps. 106-126, 173-180. Também trata o autor da distincç&o conveniente
dos representantes do Estado nas categorias de órgãos e preposUs, ao
que teremos occasiao de referir-nos em outras partes deste trabalho.
Ibidem, p. 37-49.
—*203 —
theorica desta responsabilidade assenta, como no caso do risco,
no mesmo principio de igualdade dos particulares na contribui?
ção dos encargos communs: «um damno soffrido por um par-
ticular, em vista de procurar uma vantagem à collectividade,
deve ser reparado por esta ultima, isto é, pelo Estado».
1M
50 a. Na classificação dos actos, entre actos de poder e
actos de gestão, Bailby adopta o mesmo critério, geralmente
admittido pelos partidários do systema, — que a distincção
pode ser feita, tomando por ponto de partida a natureza do
poder ou direito, em virtude do qual o acto é efectuado. I
I/Etat, dans ses rapports, avec les individus qui le com-
posent, apparait avec deux caracteres differentes. Pour remplir
sa mission, il lui est parfois nécessaire d'avoir un pouvoir su-
périeur á celui des individus, le droit de leur commander; de
sorte que les droits individueis n'existent que sous la reserve
du droit éminent de 1'Etat qui vient les limiter. LEtat a donc
sur les particuliers une puissance légitimée par son but qui est
de sauvegarder 1'intérêt collectif, et les actes qui en sont 1'exer-
cice sont ceux de puissance publique. Mais, si pour l'accom-
plissement de sa fonctíon, 1'Etat n'a pas besoin de recourir á ce
pouvoir supérieur, il n'a plus qu'un pouvoir égal ã celui des
particuliers, ses droits sont semblables â ceux de ces derniers.
II est alors assimile a une personne morale de droit prive ; on
peut le considerei- comme une socté plus importante que toutes
les autres, il est vrai, et qui, pour ce motif, bénéficiera parfois
de régies spéciales lui conférant des privilèges; mais un privi-
lège implique simpliment qu'un droit est préférable á un autre,
et non qull lui est supérieur. En tant que personne morale de
droit prive 1'Etat conserve, diminúe ou augmente son patri-
moine, il le gere; aussi les actes juridiques qu'il accomplit dans
cebut sont-ils appellés actes de gestion.
195
O autor procura demonstrar, pela indicação dos factos, a ra-
zão procedente da sua doutrina; não negando, todavia, a grande
194
Loc. cit.
185
Loc. cit., p. 51 seg.
— 204*—
difficuldade, que ha, "quando se trata de determinar, quaes
sejam os actos de poder-publico, e quaes os de gestão..."
1W
Quanto ao direito, que deve regular a responsabilidade
proveniente dos actos de gestão, se offerecem três theorias prin-
cipaes: a primeira, sustentando que lhe são applicaveis, regras
especiaes do direito publico; a segunda, que dita responsabi-
lidade resulta dos princípios de justiça e equidade, semelhantes
aos em que se inspiraram os redactores do código civil,
notadamente, dos artigos de 1382 e seguintes ; a terceira, final-
mente, sustentando que, não havendo na execução dos actos de
gestão, uma situação jurídica diíferente das pessoas moraes do
direito privado, a responsabilidade, porventura resultante, deve
ser apurada segundo as regras deste ultimo direito.
E' esta a theoria preferida pelo autor, o qual, porém,
observa, que o Estado não pode ser obrigado a reparar um
damno soffrido pelos indivíduos, senão, em dous casos: ou, si
causando o damno, commetteu uma culpa; ou si o damno sendo
causado por uma cousa ou por um terceiro, isto é, constituindo
um risco, o Estado tinha entretanto a obrigação de supportal-o.
Em outras palavras, tratando-se de actos de gestão, a culpa e a
obrigação de supportar um risco são os dous fundamentos da
responsabilidade do Estado.
197
50 b.—Na analyse feita destes dous fundamentos, Bailby
deixa vêr claramente, que o fundamento da culpa, ainda que
consagrado na tradição e no direito positivo, se mostra, cada
dia, menos capaz de corresponder ás exigências da pratica;
porisso pensa, que melhor fora preferir o fundamento do risco,
196
Ibidem, p. 50.
15,7
Loc. cit., p. 85 Bg.
205 —
na accepção que se lhe deve dar, nos differentes casos. Eis
como elle expressa as suas conclusões neste particular :'
Notre droit positif fonde la responsabilité de 1'Etat sur
une faute subjective, tantot réelle et três souvent présumée;
il est fait cependant exception, lorsque 1'Etat exploite une
industrie e joue le role de patron; la loi du 9 avril 1898 le
rend alors responsable du risque professionel. Le législateur
devrait, il nous semble, admettre d'une façon néraie la notion
de risque. R
D'abord, pour les domroages causes par le fait des choses
que l'on a sous sa garde, il est inexact de dire qu'on a commis
la faute de n'avoir pas apporté une plus grande surveillance ou
pris des précautions plus minutieuses; cette faute subjective, il
est vrai, n'a pas besoin d'être démontrée, elle est présumée: tel
est le sens de l'art. 1384-1° du code civil. Pourquoi recourir
ainsi à des présomptions plus ou moins Actives? Peuttre, dans
une periode d'évolution juridique les vêritables notions n'é-
taient pas encore gagées, ces psomptions ont-elles étê utiles
pour concilier les príncipes admis avec les exigences de la pra-
tique; mais, dès que s'est révélée 1'idée nouvelle a consacrer, il
faut se débarrasser des présomptions et des fictions. Or, pour la
responsabilité resultant du fait des choses, il s' est produit une
evolution remarquable dont les phases ont été marquées parla
jurisprudence. L'Etat a sous sa garde des machines, des armes,
des substances explosibles, des ouvrages, des immeu-bles, etc.;
ces choses ont les vices inherents à leur nature. Par le fait seul
qu'il a la maitrise de ces choses, qu'il les manoeuvre ou les
surveille, s'en sert et en retire un profit, c'est à lui de supporter
les conséquences des dommages qu'elles causent plutôt qu'aux
particuliers qui subissent ces dommages. Qui a le profit
habituei d'une chose, doit réparer les accidents qu'elle cause
parfois. Telle est Téquité; tel doit être le droit.
Quand les dommages causes aux particuliers sont dus, non
plus au fait des choses, mais au fait de 1'Etat, faut-il aussi
adopter la notion du risque?...
Aqui o autor, antes de responder, lembra a distincção, que
ê preciso guardar, nos actos da administração publica, entre os
factos de culpa grave (de une faute lourde), consequentemente,
da responsabilidade pessoal exclusiva do agente, e os factos
— 206 —
provenientes de culpas leves, isto é, "factos do serviço" e por-
tanto, da responsabilidade do Estado; e feito o que, prosegue:
Mais, ces imprudentes, ces négligences, commises dans les
actes de gestion sont-elles le résultat d'une volonté bien
consciente? Constituent-elles réellement une faute subjective ?
Au premier abord, on est porte a répondre affirmativement,
parce que c'estla notion traditionnelle; jusqu'à ces dernières
années, en dehors des contrats, l'on ne voyait guère de fonde-
ment de la responsabilité que dans une faute subjective. Cepen-
dant le développement des entreprises modernes. les conditions
nouvelles delavie, la complexité croissante de Tadministration
de 1'Etat ont montré 1'insuffisance de la notion de faute. Sans
doute, en apparence, il y a bien fait de 1'Etat, faute légère; mais
le progrés a consiste á pousser plus avant l'analyse, à dé-couvrir
la realité: la cause véritable du dommage est dans les difficultés,
les necessites des services publics, dans les conditions forcément
imparfaites de leur organisation et de leur fonction-nernent. Cest
la notion plus large et plus pratique du risque administratiffqvCii
faut substituer à la responsabilité délictuelle consacrée par l'art.
1382 du code civil. Et il será juste de faire supporter par l'Etat ce
risque administratif, parce que les domraages ou accidents qui
constituent ce dernier, sont la con-séquence à peu prés inevitable
de la gestion des services publics. or ceux-ci sont établis dans
1'intérêt de tous les administres qui en ont le profit. N'est-il pas
juste que les dommages soient sup-portés par la collectivité,
c'est-à-dire par 1'Etat, plutõt que par les seuls particuliers qui en
sont victimes?
198
50 c. Com relação aos actos de poder publico, o autor
assignala igualmente que, segundo textos numerosos do direito
publico, o Estado é, em principio, irresponsável pelos damnos
causados aos particulares no exercício desse poder; mas, isto
não obstante, a responsabilidade do Estado tem sido, com toda
rao, reconhecida em casos diversos; podendo a mesma ter ori-
gem, tanto na culpa e no risco, como em actos o culposos do
Estado. O Estado, diz elle, não deve jamais perder de vista, que
w* Loc. cit., p. 205-208.
— 207 —
elle não existe, senão, para proteger os direitos individuaes e sa-
tisfazer as necessidades communs a todos os membros da nação ;
o poder publico não lhe fora dado, senão, como meio de realizar
este seu fim. O Estado tem, pois, duas cousas a conciliar: de uma
parte, a necessidade de manter a autoridade de suas ordens e de
executar as suas funcções; de outra parte, o respeito aos direitos
dos particulares. Não deverá, portanto, sacrificar os interesses
individuaes, senão, quando for necessário â salvaguarda da sua
autoridade e á realisaçào do interesse collectivo.
199
Segundo parece ao autor, cabem, a esse respeito, as se-
guintes explicações:
Pour les dommages causes par 1'Etat aux particuliers et
qni resultent de fautes lègeres ou faits de service commis par
ses agents dans 1'éxercice de la puissance publique, le príncipe
de 1'irresponsabilité de 1'Etat n'a dans notre droit positif, que
fort peu d'exceptions, car, dans ces eas, ce qui apparait surtout,
c'est la necessite d'assurer le mantien de 1'autorité et sa libre
intervention. Et nous pouvons répéter ce que nons disions au
sujet des actes de gestion: 1'Etat n'a pas une volonté bien con-
sciente de commettre les imprudences ou les erreurs constituti-
ves des fautes lègeres; elles resultent plutôt des difficultés de la
fonction, des imperfections inhérentes au service public; voilá la
cause véritable de ces dommages qui, en realité, sont donc des
accidents, des risques. Si ces accidents placent les particuliers
qui en sont victimes dans une inégalité manifeste vis-à-vis des
autres membres de 1'Etat, n'est-il pas possible, sans porter
atteinte â 1'autorité de 1'Etat, de rendre celui-ci responsable?
Quand, dans 1'accomplissement de ses fonctions judiciaires, il
lai arrive de commettre des erreurs d'une gravite parti-iculière,
la loi du 8 juin 1895 1'oblige à rèparer le prejudico qu'elles ont
cause, met à sa charge ce risque judiciaire. Pour-quoi, lorsque
1'Etat exerce des fonctions administratives, ne serait-il pas de
même responsable des dommages que causent à des administres
des erreurs evidentes ou des faits qui denotent une défectuosité
grave du service public ? Comme le service de la justice, les
ser vices administratifs ne fonctionnent-ils pas
i" Loo. cit., p. 209.
— 208 —
dans Tintérêt de tons ? S'ils occasionnent un préjudice spécia-
lement important à des particuliers, n' est-il pas juste que la
collectivité le repare ? Nous le pensons; aussi émettons-nous le
voeu que le legislateur mette à la charge de 1'Etat un certain
risque administratif, comme il l'a faitpour le risque judiciaire.
Dans 1'exercice de la puissance publique. 1'Etat est surtout res-
ponsable à raison de ses faits dommageables non fautifs; en
effet, ici il lui será possible la plupart du temps d'accomplir sa
mission sans faire supporter aux particuliers dont il est obligé de
léser les droits. un dommage definitif. Cest en verta d'une loi
qu'en príncipe 1'Etat peut causer ces dommages aux particuliers,
et c'est la loi qui determinera les cas dans lesquels Tindemnité
será due. LTEtat exerçant le pouvoir legislatif crée 1'obligation à
laquelle il devra se soumettre quand il será pouvoir exécutif.
Mais, noas le savons, 1'Etat, pouvoir legislatif. n'est pas
omnipotent; le droit objectif resultant de la nature de la socièté
vient lui tracer sa règle de conduite. Autrement dit, le legislateur
a des obligations morales anxqaelles il doit se conformer ; il
devra respecter autant que possible les droits individueis et, sauf
le cas de necessite sociale ou de force ma-jeure, ne pas faire
supporter, sans compensation, à quelques-uns une charge
destinée à profíter à tous. L'obligation morale de 1'Etat de
rèparer les dommages, qu'en vue de Tintérêt colie-ctif il est
obligé de causer aux particuliers, apparait dans cer-tains cas
avec évidence. Cest un príncipe que 1'Etat n'a pas le droit de se
faire ceder la propriété des particuliers, sans les
E indemniser : le respect du droit de propriété est essentiel au
maintien de 1'ordre social; il s'impose à 1'Etat lui-même, qui ne
peut s'en affranchir sans dèpasser le but qui est la limite de son
existence et de ses droits. L'article 545 du code civil, nous
l'avons vu, consacre ce príncipe.
Le motif de la responsabilité de 1'Etat pour ses faites dom-
mageables non fautifs (expropriation, privation de jouissance
des propriètés, dommages causes à celles-ci) est toujours dans
la même idée de justice; dommages qu'un particulier éprouve
dans Tintérêt de tous doivent être repares par la collectivité.
k EN SOMME, SOIT DANS LES ACTES DE GESTION, SOIT DANS LES
ACTES DE PD1SSANCE PUBLIQUE, NOUS VOYONS UN PNCIPE DOMI-
NANT JDSTIFICATIP DE LA RESPONSABILITÉ DE L'ETAT. DeS dom-
mages sont causes a des particuliers; ils sont à peu prés inévi-
tables et pour ainsi dire, une condition sans laquelle 1'Etat ne
peut parvenir ã proteger les droits individueis et à gérer les
— 209 —
intérêts collectifs. Ils constituent une charge qui doit passer, en
quelque sorte, en frais généraux de 1'entreprise administrative ;
et cette charge doit être supportée par ceux qui profitent de
cette entreprise et contribuent à ses dépenses générales, c'est-a-
dire par tous les membres dela nation. Or ceux-ci sont repre-
sentes par 1'Etat. Chaque citoyen a un droit égal ala protection
de 1'Etat, aux avantages des services publics, comme une égale
obligation de contribuer aux charges communes (égalité de
droit, mais en fait proportionelle á la capacite, à la situation et
au patrimoine de chacun). Cette égalité juridique est inherente
à la nature et a la constitution mêmes de 1'Etat. II est conforme
aux idêes de justice et de solidarité sociales d'en assurer le
maintien: c'est vers ce but que tend la responsabilité de 1'Etat
envers les particuliers.
20
°
Nos trechos que ficam transcriptos, e aos quaes dêmos,
propositalmente, uma certa extensão, se contém em resumo as
conclusões da doutrina professada por Bailby, e dps mesmos
se que o autor, embora partidário da theoria da "distincção
dos actos", todavia, delimita portal modo o campo da irrespon-
sabilidade do Estado pelos actos de poder publico, que, talvez,
melhor lhe coubesse o qualificativo de partirio da responsabi-
lidade geral do Estado, ainda que admittidas excepções diversas,
as quaes, não seria preciso dizer, são de rigor em qualquer sys-
tema, relativo á pessoa privilegiada do Estado...
m
Loc. eit., p. 209-212.
11
K. 0.
I
TITDLO SEGUNDO;
CRITICA DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
Da Irresponsabilidade
51.—Não é muita a matéria que, em sustentação da
tkeoria da irresponsabilidade do Estado, se nos offerece, como
merecedora de uma critica mais demorada.
rios dos seus argumentos tem apenas um caracter nega-
tivo, queremos dizer, consistem em negar a admissibilidade ou
procedência dos fundamentos jurídicos, em que mais geralmente
se apoiam os que do lado opposto reconhecem a respon-
sabilidade geral do Estado pelos actos lesivos dos seus funccio-
narios.
Os principaes argumentos, adduzidos pelos fautores da
irresponsabilidade (p. 106), se podem talvez resumir nos se-
guintes :
1) O Estado é um ente abstracto, uma pessoa fictícia, e
portanto, incapaz de ter actos seus, propriamente ditos; os actos
o dos funccionarios, pessoas physicas, dotadas de intelligencia
e vontade própria; conseguintemente, si elles no exercício de
— 212 —
seus cargos praticam actos lesivos, aos mesmos, e não ao Estado,
incumbe a responsabilidade de reparar o damno feito.
2) O Estado, sendo, como se disse, uma pessoa moral ou
fictícia, e incapaz de vontade, não pôde jamais incorrer em
culpa, elemento essencial, para que se a responsabilidade do
damno contra o agente do mesmo.
3) O Estado não pôde responder pelos actos, illegaes ou
illicitos, dos funccionarios; porque, nomeando-os para os car-
gos, não os investiu do direito de agir contra o direito, e, pelo
contrario, lhes impoz o dever de só agir na conformidade com as
disposições da lei e do direito.
4) O Estado é o órgão do direito da collectividade social ou
nação; é o poder tutelar, que obriga a todos os indivíduos a
guardar a lei e o direito nas suas mutuas relações, quaesquer que
sejam, como condição de justa e do bem estar geral. Gomo, pois,
deveria elle próprio sujeitasse á tutela jurídica de outro poder ?
1
5) O Estado, considerado em sua analyse final, não tem,
nem obrigações, nem direitos, propriamente seus; mas, real e
verdadeiramente, os que tem, são dos indivíduos que compõem
a collectividade social ou nação; o que elle faz, por meio de
seus funccionarios, é para o bem ou utilidade geral dos indiví-
duos; logo, se dahi lhes sobrevier damno ou mal, os indivíduos
devem supportal-o. como condição inherente á organisão social
ou politica, de que fazem parte; consequentemente, não se vê
porque teriam elles o direito de pedir uma reparação ao Estado.
6) Si fosse reconhecido ao individuo o direito de accionar
o Estado pelos actos de seu governo ou da sua administração,
1
Eon lo puó,senza contradire ai suo atesto principio: "Num punido
et eooctio non pouunt procedert, niai a volwitatibus divertis ; ittíque cogent
et coactue requirunt distinctas personns, neque sufficiunt distincti respectVM. \
— MantelltoJ, ob. cit., t. I, p. 34.
— 213 —
isso tornaria a acção do Estado, não só, embaraçosa, vacil-
lante, menos enérgica, como tamm, accarretaria enorme
encargo ao tliesouro publico: não é justo exigir o imposto de
todos os membros da conectividade, para applicar o seu pro-
ducto em satisfazer os prejuízos particulares de alguns delles
somente.
São, não se nega, argumentos que involvem mais de uma
parcella de verdade; mas, certamente, improcedentes quanto á
conclusão geral, á que pelos mesmos se pretende chegar.
51 a. O ESTADO NIO TEM ACTOS SEDS PPRIOS. Não é
exacto, que o Estado seja uma pessoa fictícia, uma simples
abstracção,
2
e, por isto, incapaz de ter actos próprios, pelos
quaes deva responder. Elle é uma pessoa jurídica distincta, de
existência real, a qual exercita direitos e obrigações, activas e
passivas, em relação aos seus próprios funccionarios, em
relação à quaesquer outras pessoas de direito publico ou pri-
vado. O facto de se fazer representar por órgãos ou funccio-
narios nos differentes actos, que constituem a esphera da sua
actividade, não importa ausência de capacidade própria.
A pessoa physica tamm se faz representar, quando lhe
convém, ou se torna necessário, por outras pessoas, physicas ou
jurídicas, na execução de vários actos ; mas, sem que por isto,
a pessoa do representado desappara totalmente na pessoa do
representante, segundo os verdadeiros princípios da represen-
tação jurídica.
8
O que realmente resulta da representação é,
que o representado tem de responder pelos actos do repre-
sentante, ou conforme à lei, ou em vista dos princípios de justiça
e equidade. E não é differente a regra, que se applica ã pessoa
jurídica do Estado.
2
Hie, p. 11 sg. •
Hic, p. 19 sg.
— 214 —
:
Si o argumento, que se invoca, prevalecesse, a consequência
não seria a isenção de responsabilidade por parte do Estado
somente, mas a sua inutilidade manifesta, senão, a negação da
própria existência do Estado; porque, em verdade, o que é
fictício, é nada, isto é, carece de existência apreciável nas rela*
ções da vida real, commum ou social.
4
51 b.— O ESTADO É INCAPAZ DE CULPA. O argumento ti-
rado da falta de culpa também não tem procedência. Antes de
tudo, não é de todo o ponto verdadeiro, dizer que o Estado, como
qualquer outra pessoa jurídica, não é susceptível de ter culpa.
Ha a culpa ou responsabilidade penal de um acto, e a culpa ou
responsabilidade civil do mesmo. Si a primeira, com effeito, o
pode caber ao Estado, segundo ã sua natureza especifica,—nada
repugna, entretanto, e antes a boa razão exige, que elle seja con-
siderado, como sujeito activo da segunda. For isto mesmo que, em
vista da sua natureza de pessoa jurídica, elle age sempre por
meio dos seus órgãos ou representantes (os funccionarios em
geral) é de razão, é de irrecusável justiça, que os actos destes
sejam tidos, como actos do Estado; e, conseguintemente, quando
nelles se dér a culpa, esta lhe deve caber, como sujeito, que,
efifectívamente, é dos direitos e obrigões, que se contém, ou re-
sultam dos respectivos actos. A objecção, de que o Estado, como
pessoa jurídica, não tem vontade ou acção própria, não pode ser
acceita, porque ella provaria demais. Si tiraes ao Estado a ca-
pacidade de querer e de fazer executar os actos da própria von-
tade, que lhe deixaes, como essencial aos fins da sua instituição?
E como é, que se poderiam legitimar, ou considerar actos do
Estado, as convenções ou obrigações contractuaes, e as medidas
de governo, si o ente, do qual emanam, carece absolutamente
4
Ibidem, p. 57 sg.
1 II
— 215 —
de vontade ? Por outro lado, como admittir que o Estado tenha
uma vontade própria, para praticar actos lícitos ou legaes, e, no
entanto, seja incapaz delia, para praticar actos, illegaes ou illi-
citos, quando uns e outros, elle os pratica " sempre" por meio
de funccionarios, seus representantes ?!...
o; é possível que, por uma razão de ordem metaphysica,
se chegue ao conceito, de que o Estado é incapaz de toda culpa,
mesmo a civil; mas na espbera real da ordem jurídica, que é
um todo de relações sociaes positivas, desde que elle apparece
ahi, como sujeito certo, distincto, de direitos e obrigações,
não poderá escapar ás consequências, que como tal, lhe in-
cumbem. Assim como o Estado tem e exerce o poder, direitos,
privilégios e vantagens, mediante a actividade de seus funccio-
narios, assim também, deve responder pela culpa e mais actos
prejuãiciaes destes, dentro de certas normas e limites, a menos
que os seus effeitos ou consequências repugnem com os próprios
fins do Estado.
A este respeito disse Michoud: é preciso rejeitar sem
hesitão o falso dogma, que serve de ponto de partida á toda
essa theoria da incapacidade das pessoas moraes para commetter
uma culpa. A solução a dar sobre este ponto depende em grande
parte da maneira, pela qual se concebe a noção da personali-
dade moral.. . Semelhante theoria é uma consequência (aliás
perfeitamente evitável) do systema, mais correntemente admit-
tido, sobre a personalidade jurídica, considerando os seres
moraes, como seres inteiramente artiflciaes ou de pura creação
legal.
5
Não precisamos repetir, que semelhante concepção da pessoa
jurídica não é, nem pode ser acceita, por verdadeira; sendo, ao
contrario, de consideral-a, um ente ou sujeito real de direitos,
5
5
Michoud, Revue ãu droit pubMc, ci.t. t. Ill, p. 414 sg.
6
Ibidem, p. 415 sg.; Hio, p. 11 sg. e 57 sg.
— 216 —
e como tal, capaz de culpa civil, ou responvel pelos actos
lesivos dos seus representantes; queremos dizer: ou se lhe
reconheça uma vontade natural, como entende Gierke,
7
ou uma
vontade legal, como pretende Michoud,
8
a pessoa juridica-Estado
tem, como as demais, uma vontade própria, por cujos actos líci-
tos ou illicitos, contrahe a obrigação de responder. O represen-
tante, como muito bem disse este ultimo autor, se despe de uma
parte da própria personalidade em proveito do representado ;
e portanto, é, com effeito, este, e o aquelle, que, em virtude
dos actos do primeiro, se torna proprierio, credor, devedor,
etc; a pessoa do representante, como que desapparece, para
deixar somente figurar a do representado, nas suas relações com
os terceiros.'
Depois,em se tratando da responsabilidade civil, não é cor-
recto suppor que esta se pode dar, como resultante da culpa
no agente do damno.
10
Por muito respeitável que seja a opinião
7
Gierke, Die Genossenschaftstheorie, p. 603 sg.
8
Michoud, loc. oii, p. 414-419 sg.
0
Com effeito, os jurisconsultos do periodo clássico deixaram escri-
pto ( Ulpianus):—Neque enim debet noeere factum alterius ei qui nihil fecit;
(Neratius): Neque alienas dolus noceri alteri debet; (Papmianw): Non de-
bet alteri per alter um iníqua conditio inferri. (Dig. liv. 39, tit. 1, 5, § 5; liv.
44, tit. 4, 11: liv. 50, tit. 17, 74, etc).
10
E\ precisamente, na convicção desta verdade jurídica, que dizemos
no correr deste trabalho, pelos "actos lesivos dos seus representantes", e
não, pelos actos illegaes ou illicitos.
Wbidscheid, se referindo a questão, disse: Com relação á pena, a res-
ponsabilidade da pessoa juridica é absolutamente inadmissível (tet unbe-
dingt zu verneinen); é contra a natureza da pena, que esta attinja a outrem
que Dão o delinquente, ainda que não faltem na historia exemplos em
contrario... Quanto, porém, á obrigação de satisfazer o damno dos delictos,
não prevalece o mesmo principio; porquanto, considerado, que a pessoa
jurídica, por meio de representantes, tem a possibilidade de agir em
busca de seus fins, o é licito hesitar em reconhecer de justiça, que a
pessoa jurídica assuma as consequências prejudiciaes dos seus actos, desde
que ella tem igualmente os proventos dos mesmos (dais die juristische Person
!■■
— 217 —
do Jhering, o qual, com apoio nos textos do direito romano, não
duvidara doutrinar—Jcein Uebel ohne Scliuld, o facto é, que
semelhante principio não poderia prevalecer, como regra da
matéria, sem o sacrifício flagrante da justiça em muitos casos. I
Sustentamos, muito ao contrario, que a satisfação civil do damno se
pode dar, mesmo quando se dê ausência completa da culpa.
A responsabilidade do damno presuppõe: um agente, um acto
lesivo, imputável ao agente, directa ou reflexivamente, e um sujeito
passivo do acto. Si o sujeito activo do acto, praticando-o, se apartou
da razão, ou do dever que lhe incumbia, concorre no acto a
figura jurídica da culpa ou dolo, segundo as circum-stancias do
caso; e ahi se tem, não só, a culpa subjectiva cara-cterisada, como
juntamente com ella, uma responsabilidade da mesma natureza.
Mas, como se disse, esta responsabilidade subjectiva nem sempre
depende da presença da culpa, para que possa existir; não de certo:
—ella pode resultar, como alias se verifica frequentemente, de
actos escoimados de toda culpa, tal por exemplo, quando o Estado
ordena desapropriações por utilidade publica, ou quando faz
executar outras medidas legaes, (da saúde publica, da segurança
geral, etc.) que, embora lesivas do alheio direito, não involvem,
todavia, culpa alguma da parte dos respectivos agentes. Logo não é
licito dizer, que se a responsabilidade do damno civil,
havendo culpa no agente .. .
die naihthdligen Folgen dieser HandKtn/en aufsich nelime, wie sie den Vortheil
von denselben hat). Em direito romano, diz ainda este autor: não ha dis-
posição aflirmativa desta responsabilidade; mas, também o ha ahi dispo-
sição expressa negando-a;— ao contrario, é geralmente reconhecido, que
a aetio quod metus causa (aetio in retn scripta) fora mesmo autorisada con-
tra as municipalidades (Dig. I. IV, tit. IV, 9, § 1); alem de que, essa au-
sência, porventura, verificada do direito romano, em nada impedira á que,
na pratica, se tenha affirmado a responsabilidade civii, de maneira pre-
ponderante (es hat rich aber fiir ihre Bejahung ewie iiberwiegende Praxis
aiisg?sprochen). Lehrbuch des Pandektenrechts cit., § 59 e nota ibi.
— 218 —
Além disto, é de considerar, que não ha somente a respon-
sabilidade, dita subjectiva ; ha também a que se tem chamado
responsabilidade objectiva, na qual é indífferente ter, ou não ter
havido, uma vontade do agente, ou ser ella conforme, ou não, a
razão, ou ao dever do mesmo.
O fundamento desta responsabilidade é fácil de dizer.
0 património de cada um é, em si e por si somente, um direito
perfeito, e como tal, reconhecido na justiça natural e no direito
positivo. Portanto offendel-o, lesal-o de qualquer modo, é violar
um preceito da justiça, um direito reconhecido; e como toda a
violação de direito presuppõe a necessidade de uma reparação,
se chega logicamente á conclusão, que, do simples acto da lesão
patrimonial, resulta uma obrigação contra o seu agente, ou res
ponsável, a dizer, resulta a responsabilidade objectiva de inde-
mnisal-a,—independentemente da questão preliminar da cnlpa
(in faciendo sive in omittendo), que outros reputam condição
sempre essencial da responsabilidade subjectiva.
Não é preciso accrescentar, que « responsabilidade civi
significa, tão somente, a obrigação de prestar uma reparação
pecuniária,
11
que restabeleça a situação patrimonial anterior do
lesado, isto é, faça desapparecer a lesão sofrida por alguém
no seu direito patrimonial; e por isso insistimos: dada a lesão,
se deve suppor a obrigação consequente da sua indemnisação,
salvo, si aquella se der por culpa do próprio lesado (sibi im-
putei). De modo que, sem contestar, que a culpa subjectiva seja
razão jurídica determinante da obrigação de prestar indemni-
sação pelo damno causado; nem por isto, será menos certo, que
semelhante obrigação pôde também existir, supposta inteira
ausência de culpa no facto damnificante.
1 " E', por a responsabilidade civil ter este caracter, que a pessoa ju
rídica é também considerada susceptível de pena, quando esta se reduz,
por exemplo, a multas ou outras imposições de natureza simplesmente pe
cuniária.
— 219 —
51 c. O ESTADO O AOTORISA ACTOS ILLICITOS OU
ILLEGAES. A objecção, de que o Estado não poderes ou au-
torisação ao funccionario para agir de modo contrario ao direito,
e, portanto, o deve responder por actos que sejam illegaes,—I
fora apresentada por Loening nestes termos: E' indiscutível
o principio judico, de que a vontade do Estado consiste no pre-
ceito de que todos os funccionarios devem exercer as suas attri-
Ibuições dentro das normas do direito. Gomo pode, pois, um acto
contrario ao direito e, por conseguinte, em opposição directa
com a suprema vontade do Estado, ser considerado, como
acto deste ? O Estado prohibe um acto, e não obstante, deve ser
seu o acto prohibido!
Admittindo mesmo, continua Loening, que os actos dos
funccionarios sejam actos do Estado, ainda assim, se pode-
riam comprehender, como taes, os actos dos funccionarios, con-
formes á vontade do Estado, isto é, conformes a direito, mas,
não aquelles, precisamente prohibidos pelo Estado.. . A facul-
dade ou poder conferido pelo Estado o vae, nem de ir, além
dos limites da legalidade.
12
Esta argumentação tem mais valor apparente, do que real;
ella encara a questão por uma das suas faces, aquella, que
lhe é favorável. Em resumo, o que nella se diz é: que o Estado,
em vez de attender ao elemento jurídico da lesão de um direito,
feita em seu nome ou no exercício da sua autoridade, se limita
a crear-se a situação privilegiada de declarar, elle próprio,
quando quer, ou não, responder pelas consequências dos seus
differentes actos. Àpresentando-se, foosamente, obrigadamente,
na ordem social e jurídica, por meio dos seus funccionarios,
pessoas physicas, e por isto mesmo, capazes de erros, faltas e
culpas, mais ou menos graves, o Estado não de distinguir, ao
seu livre arbítrio, entre os actos ou funcções pertencentes ao
Loening, ob. oit., p. 106-107.
— 220
serviço publico,—para, somente, considerar, como seus, os que
lhe forem de agrado ou proveito, e repudiar os demais. Não
isto repugnaria aos princípios elementares da justiça. Queremos
dizerj o se compadece com o conceito fundamental da ordem
jurídica, aliás, guardada e garantida pelo Estado, que nella
seja admittdo um sujeito de direito, o qual, nas suas relações
com os demais sujeitos, não responda, senão, pelos actos lícitos,
isto é, por aquelles, de que lhe advenham direitos ou vantagens.
Solução semelhante viria mutilar, de modo inteiramente
arbitrário, diz Michoud, a noção da personalidade moral; seria
crear um privilegio, aoceitando os benefícios obtidos em seu
nome, e recusando-se a supportar os encargos dahi resultantes
1S
. ..
51 d.O ESTADO È ÓRGÃO E TUTOR DO DIREITO. A allega-
ção de que haveria contradicção ou a impossibilidade de o Es-
tado, órgão tutelar do direito na sociedade, ser, elle próprio,
responsabilisado, como violador do direito dos indivíduos, que
constituem a mesma sociedade, significa apenas uma recor-
dação persistente da velha doutrina sobre o conceito do Estado
em outras épocas. Com effeito, não se ignora que o Estado an-
tigo ou melhor dizendo, o soberano, em quem o Estado outr'ora
se personificava, era o definidor, senão, o creador ào direito, e,
conseguintemente, como tal, era irresponsável.
14
Mas, assim não
é, nem pôde ser considerado, o moderno Estado de direito (der
Bechtsstaat). Este se manifesta e age na ordem social, como um
sujeito de direito, sem embargo dos grandes privilégios, de que
gosa, por força dos seus elevados fins; para conseguir taes fins.
é elle obrigado, como os outros sujeitos de direitos, a
18
Michoud, loc. eit., p. 419; Ibidem, t. IV, p. 267 sg. Cf. Meucci,
ob. citada; etc. \~*&
14
Uipianus dizia: "Princips a legibus solutas esV (Dig. 1.1, tit. III, 81).
— " Quodprincipiplacuit, legis hàbet vigorem." (Inst. 11, tit. D, §6).
— 221 —
guardar as disposições das leis e os princípios da justiça. Con-
sequentemente, si prevalecesse a pretenção inadmissível de que
o Estado, órgão tutelar dos direitos de todos, se reserva, o ob-
stante, a faculdade suprema de violal-os de maneira irrespon-
sável ; desrespeitados estariam os próprios princípios do cha-
mado Estado moderno. Am de tudo isto, cumpre tamm lem-
brar que, com a divisão dos poderes públicos,— qual se observa
na organisação do Estado constitucional, desapparecera a difi-
culdade, que se dava no Estado antigo, para apurar a respon-
sabilidade do mesmo, a dizer,—a carência de um poder ou ramo
de poder distincto, ao qual competisse o conhecimento e decisão
dos casos, de que resultasse offensa ou lesão aos direitos pri-
vados por actos do Estado.
Referindo-se a este ponto especial da objecção, feita por
Mantellini, disse Provenzano Palazzo: Para que o particular
possa exercitar uma acção judiciaria contra o Estado, que o
damnifica com os seus actos, precisa que exista um poder judi-
ciário e um poder legislativo, distinctos e independentes do
poder que age assim não sendo, o acto do Estado que lesa um
direito privado e o presta indemnisacão, é, ao mesmo tempo,
um acto executivo, lei, e sentença; e dahi a impossibilidade de
acção do particular, á falta de possibilidade do juizo.
15
Era o
que succedia em Roma, assim como em todos os Estados an-
tigos, tanto nos reinos despóticos, como nos Estados regidos
pela liberdade; uma vez que também nestes últimos a liberdade
consistia no facto de os governados serem ao mesmo tempo go-
vernantes, e não, na divisão dos poderes, base das constituições
modernas.
16
O conceito, então formado do soberano, fosse elle um ente
singular ou collectivo, era o de que a sua vontade expressa ou
15
Palazzo, loo, cit., p. 11, sg.
16
Ibidem.
— 222
os seus actos significavam a própria lei, e, quando menos, que a
lei não tinha força ou efficacía, senão, pela intervenção do
soberano, o qual, logicamente, devia ser considerado irrespon-
sável.
17
Não é preciso advertir, que muito outra e diversa, é a idéa
da soberania, que ora alimenta o espirito das constituições dos
povos modernos; bastaria notar com o citado Palazzo, que em
todas ellas vem consagrada a regra fundamental da indemnisa-
ção da propriedade privada, quando a sua desapropriação se faz
mister por motivos de utilidade publica, para, daqui, poder-se
desde logo affirmar o reconhecimento do principio theorico, do
qual se origina a própria responsabilidade civil do Estado.
1S
Demais, resultando da divisão dos poderes, que as diversas
funcçôes do Estado não derivam de um mesmo poder soberano,
e que, conseguintemente, um acto do Estado, porventura, lesivo
de direitos privados, não é a emanação do poder, que deve
conhecer e julgar dos effeitos jurídicos do acto, nem do poder,
que deve declarar o direito; patenteia-se, sem duvida, que, de
taes circumstancias, nasce logo a possibilidade de, ao individuo
lesado por um acto do Estado, caber o direito de acção contra
este e de promovei-a perante a autoridade, segundo as formas,
que a lei declarar legitimas ou competentes.
19
51 e.— O ESTADO NÃO TEM FINS PRÓPRIOS. Diz-se que o Es-
tado, bem analysados os seus fins, não tem fins próprios, e sim,
dos indivíduos, que o constituem; e, portanto, si dos actos do
17
Donde o dizer de S. Thomaz: Princips dicitur esse solutus a lege
quantwn ad vim coactivam legis... lex autem non habet vim coactivam nisi
ex prinripis potestate. Sic igitw princips dicitur esse solutus a lege, quia
nullus in ipsum potest judicium condemnationis ferre, si contra legetn agcvt.
" Suntma ", questio XCVI, art. 5; ap. Mantellini, loc. cit., p. 34, nota 2.
18
Palazzo, loc. cit., p. 13.
» Ibidem, p. 33, sg.
— 223 —
Estado lhes vier um mal, devem supportal-o, como condição dos
bens, que tamm recebem e gosam; mas, sem direito â nenhuma
compensação ulterior.
20
o procede o argumento. A responsa-
bilidade, de que se trata, não vem tanto do fim, a que se propõe
o ente, mas, sobretudo, do modo porque age na realisação do
fim. Concedido, que o Estado, como organisação necessária, não
tem por fim, senão, o bem geral da collectividade, não se
segue dahi, que o seu poder deva ir até o de lesar, irresponsa-
velmente, os direitos dos indivíduos, que formam dita collectivi-
dade. Isto seria contradictorio com o próprio fim que se propõe;
uma vez que, despojar aos indivíduos dos pprios direitos nunca
fora meio, legitimo ou acceitavel, de felicitar a communhão, da
qual são os mesmos, partes integrantes.
O exercio e goso dos direitos individuaes podem ser regu-
lados, limitados pelo Estado; mas desconhecel-os, violal-os sem
reparação, não é cousa admissível: portanto, é forçoso haver
um modus vivendi, em que o Estado e o individuo subsistam,
operem, se encontrem, e até contendam, respeitando cada um
delles os direitos recíprocos de parte ã parte.
E, além do mais, cumpre attender, que a obrigação de
indemnisar a lesão do alheio direito não assenta neste ou na-
quelle fim, que se propõe o individuo, como se disse; mas
tem a sua razão de ser no próprio conceito e acção do ente ju-
dico. Basta, diz Palazzo, que uma pessoa moral ou physica
exista e opere, e que com a sua acção lese o direito de um parti-
cular, para que seja ella responsável; prevalece o mesmo com
20
E' o que disse Mantellini neste trecho : « Contro il damno dei mal
governo non si da riparo civiie, non potendosi mutare 1'assooiazione politica
in associazione civiie degli associati. II fine dello Stato é la tulela dei di-
ritto, é il benessere sooiale; non quello di assienrare gli associati da ogni
danno che possa venir loro dal fatto próprio, o da tenere inconto di fatto
próprio dello Statto o degli agenti di lui, neU'esercizio delle funzioni a essi
attribute dalle leggi o dal regolamento ». Ob. cit., p. 60.
— 224
relação ao Estado, a dizer: para que este incorra em responsa-
bilidade, não se exige que o seu fim seja o de assegurar os asso-
ciados de qualquer danino; basta que o Estado exista, como pes-
soa jurídica, e que com o seu acto lese a um direito privado.-
1
A
verdade desta doutrina dispensa maior desenvolvimento; ella se
impõe pela sua simples enunciação.
51 f. O ESTADO VEB-SB-HIA EMBARAÇADO NA SUA ACÇÃO.
Finalmente, também não procede o argumento, de que o direito
de acção contra o Estado, exercido pelo particular, embaraçaria
o funccionamento da autoridade publica, além de occasionar en-
cargos enormes, e relativamente injustos, contra o Tliesouro
Publico.
Os direitos dos indivíduos na sociedade, ou melhor dizendo,
no Estado, que outra cousa não é, senão, a própria sociedade
organisada sob a sancção immediata do direito,— nada tem de
incondícionaes ou illimitados ; pelo contrario, o seu uzo, goso e
exercício, e a extensão destes, são determinados ou regulados
pelas normas jurídicas ou leis do próprio Estado ; conseguinte-
raente, este, que as estabeleça da maneira mais conveniente,
no resalvar as « exigências supremas » da sua instituição, e
no respeitar os direitos de cada um dos indivíduos, com os quaes
terá necessariamente de encontrar-se e de cooperar no desempe-
nho de seus múltiplos fins. No Estado moderno, que é Estado de
direito, a lei serve de regra commum â acção dos indivíduos e
do Estado, nas suas relações de constante reciprocidade em todo
o espaço da vida social. E pois: si, estabelecidas as normas do
direito pelo Estado, como reguladoras da sua acção ou necessá-
rias aos seus grandes fins; si, em vista destes, delimitados os
direitos dos indivíduos segundo os casos previstos, o Estado
agir, não obstante, de modo que lese os direitos dos indivíduos,
21
Palazzo, loc. cit., p. 34.
— 225 —
a justiça reclama que lhes preste a devida indemnisação, salvas
embora as excepções, que sejam de admittir á vista da especia-
lidade dos actos. E esta obrigação, acrescentaremos desde já,
tanto pode existir, em se tratando de actos illicitos ou prati-
cados com culpas, como tamm, e com igual fundamento, em se
tratando de actos revestidos de boa ou de inteira legalidade.
Deste ponto em particular se dirá ainda em outros lugares do
presente estudo.
Quanto aos encargos, por ventura cadentes sobre o The-
souro, estes nada tem de injusto. Ao contrario, o que não se
I coaduna com a idéa da justiça distributiva é, que o Estado, agindo
em nome da communo, possa exigir o sacrifício de um ou de
alguns indivíduos, sem a menor reparação, afim de que todos os
demais gosem dos serviços ou benefícios realisados pelo
I Estado por meio de semelhante sacrifício.
A enormidade do encargo também o é objecção proce-
dente. Em primeiro lugar, jamais se pretendeu que o Estado
respondesse incondicionalmente por todos e quaesquer prejuí-
zos, que, de seus actos, advenham aos indivíduos; isto seria
impossível; trata-se somente da reparação de taes e taes lees,
segundo as normas do direito. Depois, como observa novel
escriptor, si estas lesões se multiplicassem até ao ponto de
constituir um embaraço funccional, ou encargo incomportável
á economia ordinária do Estado, o facto denotava apenas, que
este padecia de defeito orgânico ou administrativo, que cumpria
[ remediar quanto antes, e, talvez, o caminho mais prompto de
ahi chegar, fosse, precisamente, este, de chamar o Estado à res-
ponsabilidade dos seus erros ou malversações frequentes, con-
tinuas e successivas...
22
32
Sonrdat, TraiU Qénerale de la Besponsabili, t. II, n. 1302.*Cf. A.
Klewitz, Die EntscMdigivngsanspruclic aus rechtstoidrigen Âmtshandlungen,
p. 78 — Berilo, 1891.
15 R o.
— 226
52.—Agora, antes de encerrar o presente capitulo, importa
repetir, que a irresponsabilidade, incondicional, absoluta, do Es-
tado, a velha doutrina dos regalistas,
2S
não é, nem poderá ser,
um preceito do moderno direito, e menos ainda, uma regra de
verdadeira justiça. Disto se mostram convencidos os próprios
partidários do systema, os quaes são os primeiros a abrir exce-
pção para vários casos, mesmo, provenientes de actos illicitos,
como tivemos occasião de dizer (p. 120). Além disso, em se
tratando, por exemplo, de damnos resultantes da inexecução de
obrigações convencionaes, ou de quaesquer outros actos, dos
quaes resulte lucro para o Estado, a responsabilidade de indem-
nisação por parte deste é tida, não, como excepção, mas, como
regra irrecusável segundo os princípios geraes do direito.
Com effeito, em relão aos casos, ditos de " enrichessement
sans cause ", bastaria a simples idéa da justiça, para combater a
irresponsabilidade do Estado.Lucrum ex delictis sperare, im-
pium est (Cod. de reb. cred.); Ex quâ personâ quis lucrum
capit, ejus factum praestare ãebet (Dig. liv. 50, tit. 17, 149);
Non ãebet quis lucrari ex alieno damno (Ibidem, liv. 4
o
, tit. 3
o
,
28). Em relação aos damnos provenientes da inexecução das
obrigações contractuaes, muito embora não falte também, quem
sustente ser direito do mandans ou ãominus, não estar pelos
actos do mandario ou preposto, que haja procedido com dolo ou
culpa (Loening, ob. cit., p. 60 sg.), e que igual regra seja
applicavel ao Estado, a verdade é: que a opinião mais geral
admitte a responsabilidade dos primeiros, como sequencia
natural, a dizer, prevista nas relações ou faculdades, conferidas
23
« Por mais elevadas que sejam as necessidades politicas do Estado,
não podem ir até ao ponto de conculcar e ferir os direitos dos particulares;
ao Estado incumbe o dever de escolher os seus funccionarios ; e si estes
no exercício de snas attribuiçoes excedem os limites postos pela lei, com
damno para os particulares, a equidade e a razão mandam, que o Estado
responda, reparando o injusto damno».P. Mazzoni, loc. cit.
— 227 —
pelo mandante ou preponente ao seu órgão ou representante. A
este respeito, o notável professor G-ierkeo hesitou em affirmar
o principio da responsabilidade, nos termos mais peremptórios:
—"Quanto á culpa contractual, é hoje principio indis-cutivel: o
Estado, assim como, as associações diversas, devem indemnisar
o damno resultante da culpa commettida pelos seus órgãos na
celebração ou execução dos contractos ; e isto está reconhecido,
não , na pratica e jurisprudência, como também, em theoria,
pelos próprios partidários da doutrina da ficção ' (Das8 der Staat
und die Kórperschaften aus eineni BEI ABSCHLUSS ODER
ERFUELLUNG VON VBRTRAEGBN begangenen Verschulden ihrer
Organe dem mitkontrahenten Ersatz zu leisten haben, ist nicht
nur in der Praxis anerJcannt und namenUich bereits\ mehrfach
vom Reichsgericht ausgesprochen, sondem wird auch in der
Theorie sogar von den Anhaengern der Fihtionslehre ãurchweg
zugestanden).
24
Em uma palavra, ao Estado, cuja missão institucional
é declarar a lei, executal-a, e applical-a, pelos seus órgãos dis-
tinctos, não seria licito r-se fora do alcance dos prinpios
geraes do direito commum, aliás, por elle próprio estabelecidos
para o fim de regular os actos e factos da ordem judica, e como
condição, para que nella predomine a regra de justiça. Pois, é
manifesto, que si a elle próprio não pudessem ser igualmente
applicaveis os princípios desse direito, também impossível seria
a effectividade constante da justiça...
Com esta conclusão, es claro, o se procura, de maneira
alguma, desconhecer as boas e não menos valiosas razões, em
que se fundam as isenções, privilégios e regalias da pessoa-
Estado; pelo contrario, não só, reconhecemol-as, como ainda,
24
Die Genossenschaftstheorie, p. 764 sg. e 784-85; Cf. Saleilles, ob.
cit., p. 891;—Michoud, De la responsabilité de VEtat, p. 410 (na Revue dn
droltpublic, 1895); etc. etc.
— 228
consideramos tudo isso indispensável ás próprias garantias da
efectividade do direito e da justiça em toda a ordem social,
notadamente, na ordem jurídica. O que ora se combate, é a o-
responsàbiliãade do Estado pelos actos lesivos do alheio direito,
como pretensa regra geral, quer em vista da sua natureza par-
ticular, quer em vista dos privilégios, que lhe competem. Por-
quanto, semelhante doutrina o é a verdadeira, como ficará,
melhor demonstrado pela exposão e discussão da matéria, fei-
tas, mais desenvolvidamente, nos capítulos seguintes.
/
— 229 —
CAPITULO II
Da Responsabilidade geral
53. Os principaes fundamentos, donde se infere ou se
conclue o principio da responsabilidade geral do Estado pelos
actos lesivos dos seus representantes ou funccionarios, foram
indicados no Titulo anterior. Agora vamos individualisal-os em
breve resenha para, servindo-nos dos elementos da critica,- veri-
ficar melhor, qual ou quaes dos fundamentos alludidos devem
ser os preferidos, como capazes de bem justificar "nunc et sem,'
•per ", semelhante responsabilidade.
53 a. I. A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O FONCCIONARIO É
A DO MANDATO. Tirando argumento das disposições alogas do
direito privado, ou, positivamente, dos textos do direito romano,
apparece-nos, em primeiro logar, a theoria do mandato, como
capaz de explicar a responsabilidade do Estado, a qual, segundo
o testemunho dos competentes,
2r>
chegara a tornar-se a doutrina
dominante do culo 18°, e como tal, recebida nas decies judi-
ciaes proferidas sobre a matéria.
Entretanto, contra semelhante theoria se tem objectado : 1)
Que a relação do serviço publico in concreto, pertencendo
inteiramente ao direito publico, fica, " ipso facto " excluída a
hypothese de um accordo livre das vontades de dous sujeitos,
sobre determinados actos jurídicos, (ais willJciirliché
Willenseinigung ziveier bjekte), como aliás se requer, e dá
nos negócios da esphera do direito privado;
25
Loening, ob. cit., p. 36-44; Zachariae, ob. oit., p. 591-601; R. Piloty,
ob. oit., p. 265-269.
— 230
2) Que o Estado estabelece o serviço publico por um acto
de vontade soberana, creando ao mesmo tempo o representante
necessário, (visto a sua incapacidade de agir por si mesmo), pelo
qual é exercida a autoridade publica e são firmados os direitos e
obrigações do Estado ;
3) Que o exercício da autoridade publica não é acto de ar-
bítrio ; mas, conforme a idéa do ser coUectivo, é elle, antes de
tudo, um dever ; e
4) Que, em geral, quando o Estado, (o qual, sabidamente,
se pode achar também em puras relações de direito privado com
os outros sujeitos de direito), no uso da sua autoridade, se serve
dos seus representantes, para obrigar cada um a fazer o que é
devido, não seria licito faliar da celebração de um negocio (von
einem Gescftsschluss zu reden), como succéde, quando o
mandante effectúa dado negocio com terceiros, por intermédio
de um seu mandatário;
5) Que o dever do individuo de submetter-se aos actos da
autoridade publica, ou a sua relação de sujeição para com o poder
do Estado preexiste (ist scJion vorhanden), e não é creada pelo
exercício da autoridade publica ;
6) Que é licito fallar da relação jurídica de um terceiro,
contractando com o mandario em nome do "ãominus negotii
,,
t
quando aquelle, por sua livre vontade, contracta com o man-
datário, e em vista das faculdades deste;
7) Que, finalmente, dadas estas premissas, as regras do
direito privado sobre o mandato não podem ser acceitas, como
bastantes para explicar a responsabilidade do Estado, uma vez
que delias resulta que o súbdito não se acha, para com o Estado
ou seus funccionarios, em uma situação de livre arbítrio, como
no caso seria mister.
26
20
Vide: Zachariae, ob. cit, 611-&12; A. Klewitz, ob. cit., p. 73 e gs.
— 231 —
Ainda contra a theoria do mandato se tem insistido:
Uma applicação directa dos princípios do mandato presuppõe,
que a relação jurídica do funccionario para com o seu patrão
existe de facto em um mandato. Mas, antes de tudo, seria erro
encarar o Estado, como sendo esse patrão (fur diesen Herrn).
O Estado apparece, como sujeito de direitos e obrigações
(Fiscus) no direito privado; no mais, elleo é, de modo algum,
sujeito de direito, nem mesmo de direito publico; não passando
eno de uma mera concepção stato-judica (nur ein staatsrecht-
licher Begriff). Em vista do que, não pode ser com o Estado pro
priamente, que o funccionario se acha em relação de serviço ,
esta relação se dá, sim, entre o funccionario e o titular (Trager)
do supremo poder no Estado, i. e. o Soberano, o qual, ou cele
bre, elle próprio, o contracto de serviços com o funccionario,
ou faça celebrar por outrem, é a elle, que o serviço é prestado
pelo funccionario. Portanto, o é em um mandato, que assenta
aqui a relação do serviço, existente entre o funccionario e o dono
do serviço (Dienstherr); pelo contrario, trata-se de uma relação
de direito publico.
27
|[
Fosse, comtudo, essa relação a do mandato, adverte Piloty,
dahi não resultaria jamais, conforme o que fica dito, a obri-
gação do Estado pelos actos do funccionario, mas a do man-
dante ou dono do serviço. Queremos dizer: quando o funccio-
nario age em virtude de ordem illegal, recebida de um superior
(von oben), esta ordem é do dono do servo (o superior), mas,
não do Estado; conseguintemente, a obrigação, reconhecida no
direito privado," de responder pela ordem illegal" deve recair
sobre o dono do servo, e o, sobre o Estado. Do mesmo modo
que, na hypothese de ser arguida a nomeação de um indi-
37
Piloty, ob. oit., p. 266. —Sobre este ponto é também de ver: La-
band, Staatsrecht ães dcutschen Reichs, 1.1, p. 386 e sg.; Seydel, Baytmches
Staatsrecht, t. III, p. 321 e sg.
— 282 —
vidão incapaz, ou a falta de fiscalisação dos actos do mesmo,
a questão da negligencia deve ser encarada, em relação ao dono
do serviço, e não em relação ao Estado.
28
I
Não nos demoraremos, por ora, em averiguar, si todas
as razões allegadas contra a inapplicabilidade do mandato â
natureza da funcçà"o publica têm, realmente, a força e verdade,
que se pretende; mas, com certeza, a simples theoria do man-
dato, qual resulta dos princípios consagrados pelo direito pri-
vado, não basta para justificar a responsabilidade do Estado,
como regra geral da matéria.
53 b.— II. No SERVIÇO PUBLICO SE DA A RELAÇÃO DO DOMI-
NDS NEGOTII PARA COM o INSTITOR. A analogia dos institutos do
direito romano, commummente designados pelos tulos de "adio
institoria ou exercitoria", também é impugnada, como inapplica-
vel ao serviço publico, ou incapaz de explicar a responsabilidade,
dahi resultante, contra o Estado, pelos actos dos seus funcciona-
rios. Ninguém ignora, que taes acções, originariamente admit-
tidas, a primeira contra o dono da estalagem pelos actos do in-
stitor o (preposto), e a segunda contra o armado?' (dono do navio)
pelos actos do mestre do navio.
29
foram depois ampliadas, por
equidade, a outras relações jurídicas de natureza idêntica —
Aequm praetori visam est sicut commoãa sentimus ex actu insti'
torum, ita etiam obligari nos ex contractíbus ipsorum, et conveniri.
Mas nos próprios testos invocados se acha igualmente previsto:
"Non tamen omne, quod cum institore geritur, óbligat eum, qui
praeposuit; sed ita, si ejus rei gratiâ, cui praepo-\situs fuerit,
contractnm est, id est, ãuntaxat ad id, ad quod eum praeposuit".
30
Donde, portanto, se deve concluir:a) que o institorio é, antes de
tudo, uma relação contractual, o que, se-
R 28 Piloty, Loc. cit.
28
Dig. I. XIV, tit. I, 1, e § 15: Ibidem, tit. IH, 5 e 18.
?
o Dig. I. cit., tit. III, 5, §11.
— 233 —
gundo o parecer de alguns, não se ajusta ao caracter do serviço
publico; b) e que, suppondo mesmo que, por analogia, fossem
applicaveis a dito serviço os principios ou regras da adio in-
stitoria, ainda assim, não se podia affirmar a responsabilidade
do Estado pelos actos dos funccionarios, desde que estes deixas-
sem de agir dentro dos limites da sua incumbência, a dizer,
desde que os actos do funccionario se apartassem da stricta
legalidade, a que são obrigados (duntaxat ad id ad quod eum
praeposuit), visto a legalidade ser a regra institucional do pró-
prio Estado. E é por isso, que Mantellini sustenta que, a não ser
no caso especial, em que o funccionario seja autorisado a
contractar, não se pode faliar da lei da institoria, como appli-
cavel aos serviços da administração publica, ou á responsabili-
dade desta pelas obrigações resultantes desses serviços.
31
A admiso, por analogia, da responsabilidade do ãominus
pelas culpas do imtitor, como igualmente applicavel ao Estado,
é, na opinião de Zõpfl, por demais duvidosa; uma vez que, no
próprio direito privado, é ella assaz discutível. Mas, dado
mesmo, que esta responsabilidade tenha a sua sancção no di-
reito commum, nem, por isto, a sua applicação ao Estado seria
perfeitamente analógica; porquanto o dono do negocio (ãomi-
nus negotii) não seria aqui o Estado, mas o dono do serviço,
(Dienstherr); e entre a relação jurídica do institor (preposto)
para com o dominus, e a do funccionario para com o Dienstherr
(dono do serviço) ha uma tal differea, que não seria licito co-
gitar de uma paritas rationis na espécie.
Em nada diminue essa differença o facto de se dar, muitas
vezes, entre o dominus e o institor^ o, a relação do mandato,
mas a de autoridade; pois esta relação de autoridade ou poder
31
Mantilleni, ob. cit., p. 148-150. Cf. Loening, ob. cit.; Bellavite. ob.
cit., p. 49 sg. Não se ignora, que o illustre professor Meneei, alem de outros,
sustenta, justamente, o contrario, i. e. que a relação institoria é a única
capaz de explicar a funeçao publica. — Hic, p. 139 sg.
— 234 —|
(Gewaltverhãltniss) é também, por sua natureza, de direito pri-
vado, isto é, é reconhecida em direito, como fonte de obriga-
ções e direitos privados (tal é a relação entre pai e filhos, entre
patrão e creados, etc.)
32
Taes são as razões principaes, formuladas pela critica,
contra os fundamentos da responsabilidade civil do Estado,
tirados, por deducções analógicas, dos princípios do direito pri-
vado. Passamos em seguida a examinar os fundamentos basea-
dos no direito publico.
53 C. III. A RESPONSABILIDADE É CONSEQUÊNCIA DO CA-
RACTER REPRESENTATIVO DO PDNCciONARio. Sendo o Estado
pessoa jurídica, e como tal, podendo manifestar-se e agir na
ordem social, politica e jurídica, por meio de representantes,
entende-se, que os actos destes são no todo actos do próprio
Estado, e portanto, ao mesmo deve caber uma responsabilidade
geral pelos damnos dahi resultantes.
33
Muito legítima, senão, de
inteira justiça, se mostra esta doutrina; todavia, também contra
ella se tem levantado varias considerações ou argumentos, que
não devemos deixar de mencionar.
1) Allega-se antes de tudo, que é indiscutível o principio,
de que só pode ser acceita, como vontade do Estado, uma mani-
82
Vide:Piloty, ob. cit., p. 267. Este autor accrescenta, a propósito, o
seguinte: Assim como Zõpfl, commettera Meisterlin o equivoco de tornar o
Estado responsável pela carência de instituições e empregados (necessários
ao serviço) segundo as disposições do direito privado. O caso único, em que,
do acto illegal do funccionarío pode resultar acção contra o Estado,ex-vi
do direito privado, é quando o Fisco tira um lucro do acto em questão.
O Fisco fica, com certeza, obrigado a restituir o que houver adquirido do
acto illicito do funccionarío; mas é somente no facto do lucro injustificável,
que consiste o fundamento jurídico da acção contra o Fisco.Cf. Bellavite
ob. cit., p. 6-7.
33 Tal é o parecer de Seuffert, Windscheid, Roth, Stóbbe, Chironi. e
outros.—Vide: Loening, ob. cit., p. 105.
— 235 —
festão legal, a dizer,a de que todos os funccionarios devem
exercer as suas funcções dentro das normas do direito. Donde
resulta sem mais exame, que, mesmo convindo em que os actos
do fnnccionario sejam actos do Estado, ainda assim, seriam
de receber, como taes, os actos do funccionario, feitos conforme
â vontade do Estado, isto é, conformes ao direito, e não, os
demais, por serem praticados contra a vontade do Estado. Em
bôa gica, acerescenta-se, não se de, com effeito, reputar acto
do Estado, o que o mesmo não queria, ou prohibira que fosse
praticado pelo seu representante...
Diz Loening: Examinados os factos antes de qualquer
deducção á priori, desde que produzem effeitos judicos pro e
contra o Estado, se poderia sustentar, por linguagum metapho-
rica, que os actos do funccionario são actos do Estado. Mas,
isso concedido, importaria também não esquecer, que a facul-
dade do funccionario, estabelecida na lei, regulamento ou outra
disposição, de agir em nome do Estado, assignãla juntamente
os limites, dentro dos quaes somente, o seu acto pôde re-
presentar ou significar o acto do Estado; semelhante faculdade
(Vollmacht) não vae até a pratica dos actos illegaes
(rechtsividrig zu handeln); logo, todo o acto illegal do func-
cionario é um acto contra a faculdade, que lhe foi conferida, e,
conseguintemente, o pôde ser considerado, como acto do
Estado; do mesmo modo que, no direito privado, os actos do re-
presentante, praticados contra ou fora do mandato, não podem
ser admittidos, como actos do mandante.
M
O funccionario, in-
siste Bellavite, é representante do Estado, emquanto se con-
serva nos limites do poder que lhe fora delegado; desde que o
transgride, cessa de ser tal; não se podendo conceber, como o
Estado deva responder pelas acções de seus funccionarios,
34
Loening, ob. cit., p. 107-108; L. Bellavite, ob. cit., p. 42-43
A. Rlewitz, ob. cit., p. 73 sg, e 79.
— 236 —
as quaes, não só, elle não ordenara ou promovera, mas, ao con
trario, prohibira, e as vezes, debaixo de sancções disciplinares
oupenaes.
35
-.
A esta objecção se.podia, é certo, contrapor, e o próprio
autor o reconhece,—que é justamente o Estado que, armando o
funccionario do seu poder ou autoridade, faculta ao mesmo os
meios de causar o damno em questão ; e que, portanto, assim
como o committente ou flommus responde pelos damnos cau-
sados de seus prepostos ou com/missionados no desempenho dos
"espectivos encargos, assim também, é de justiça que o Estado o
faça, com relação aos damnos dos seus representantes, causados
no exercício de suas funcções.
Esta razão é de toda a procedência; ainda que não deva'
mos omittir que, em replica, se tem igualmente allegado Q ar-
gumento conhecido, de que as relações do committente ou
dominus não o idênticas às do serviço publico (p. 229), so-
bretudo, pela razão sabida e incontestável, de que o Estado não
investe o seu representante de autoridade, em vista de um
iuteresse seu próprio, como faz o individuo particular em re-
lação ao seu preposto; mas, que assim o faz por uma necessi-
dade suprema, qual é a da tutela dos direitos e interesses geraes,
—fundamento jurídico essencial do Estado.
36
Piloty nega também, que a relação da representação seja
capaz de justificar a responsabilidade do Estado, mas partindo
de fundamento differente. Ao seu modo de ver, o Estado, como
poder publico, não é sujeito de direito (p. .231), e os que assim o
qualificam, se servem apenas de um& ficção, no intuito de
tornar o património do mesmo, responsável pelos damnos dos
funccionarios.
87
Trata-se no entanto de uma ficção intei-
35
Bellavite, loc. cit.
36
Ibidem.
» " Die Haftung dos Staats ", p. 268.
— 237 —
ramente desnecessária;— os actos dos funccionarios não precisam
desse sujeito fictício de direito. Elles são auctorisados, em virtude
do poder que lhes é conferido, a praticar actos de governo ou de
autoridade; e quem lhes confere semelhante poder é, no Estado
monarchico, o soberano, fonte da autoridade suprema no Estado.
Portanto, os actos dos funccionarios se manifestara, como
actos delles próprios, para cuja pratica se acham autorisados pelo
soberano: si correspondem à vontade deste, taes actos se podem
considerar, como si fossem do próprio soberano, do qual os
funccionarios derivam a sua autoridade; si o correspondem ã dita
vontade, são actos da exclusiva responsabilidade do funccionario, e
nada mais.
38
Tal é a critica principal dos diversos autores sobre este ponto.
Mas, desde antecipamos que, sobre estas objecções levantadas
contra a obrigação particular do Estado, proveniente da sua
representação jurídica pelos seus órgãos ou funccionarios, se
tratará mais adiante, e de modo a demonstrar, que o fundamento
dessa obrigação, é, não só, verdadeiro, mas ainda, impossível de ser
recusado (p. 269 sg.).
53 d.IV. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PROVÉM DA
CULPA NA NOMEAÇÃO OU FALTA DE FISCALISAÇÃO DO FUNCCIONARIO
(culpa in eligendo seu in inspiciendo), ou AINDA DO DEVER DE OBE-
DIÊNCIA IMPOSTO AOS PARTICULARES PARA COM O FUNCCIONARIO.
Entende-se que, sendo a nomeação e a conservação do
funccionario exclusivamente dependentes da vontade do Estado,
este deve carregar com as consequências da culpa que porven tura
se derem, quer imputáveis á incapacidade do funccionario, quer â
não devida fiscalisação do mesmo no desempenho das suas
funcções.
88
Loc. cit., p. 269 sg.
— 238 —
Os argumentos da critica contra este fundamento se re-
sumem nos seguintes:
a) Uns dizem que a nomeação e fiscalisação do funccionario,
ficticiamente, se dizem do Estado, porque, na verdade, ellas
se effectuam por indivíduos, também funccionarios, de catego-
rias superiores; portanto, si culpa nisso houver, deve recahir
nestes funccionarios, e não no Estado.
b) Outros, sem se preoccupar de distinguir entre a pessoa
do Estado e a de seus representantes superiores, se limitam a
declarar que ao Estado, geralmente fallando, não pôde caber
culpa alguma, visto ser uma pessoa moral; e que, quando assim
não se entenda, também no caso particular não se podia dar
culpa, desde que na nomeação e íiscalisação do funccionario se
guardassem as normas estabelecidas na lei.
Somente verificada a hypothese singular de dar-se a no
meação de um individuo, sabidamente incapaz, para o emprego
ou certas funcções especiaes, é, que alguns tem admittido que
a culpa do Estado possa influir, como elemento a considerar, na
questão da responsabilidade civil do mesmo.
I «Nur wenn ãie Staatsgewalt selbt sich verschulãet hãtte
durch Anstellung einer offeribar unwiirdigen oder untauglichen
JPerson, wenn álso die Wahl der Beamten sélber ais eine Jculpose
oder ãolose zu betracMen wãre, wiirde dieHaftpflicht des Staats
in dieser Verschulãung einen Orunã haben.»
39
I
I 53 e. O fundamento tirado da obediência, imposta para
com os funccionarios, como representantes do Estado, tem sido
formulado assim:—Desde que o Estado exige de seus súbditos,
39
Vide: Loening, ob. oit., p. 56 sg.;A. Klewitz, ob. cit., p. 76.
Piloty diz a respeito: A nomeação do foncoionario tem togar, mediata ou
immediatamente, sempre pelo Soberano... Conseguintemente, si, pelo facto
da nomeação, algm devesse responder, seria o Soberano, autor da no-
meação. — Ob. cit., p. 269.
— 239 —
(e pôde e deve exigil-o), que elles reconham nos funccionarios
os seus delegados, submettendo-se â autoridade dos mesmos,
como á sua própria, sem discussão (ohne Wiãerrede) ; é conse-
quente, que elle responda pelo uso de semelhante autoridade,
quando, por ventura, forem ultrapassados os limites delia, -
por actos illegaes, e por abusos do emprego; uma vez que o
Estado não permitte, nem podia permittir, que cada individuo
verifique, primeiro, a legalidade do uso da autoridade, para,
somente depois, prestar-lhe a obediência devida.
40
Estas raes
são de manifesta procedência.
Não obstante, o professor Loening, discutindo o funda-
mento alludido, nos termos em que fora exposto por Zacharise,
observara: Sabido que o direito reconhece ao individuo a fa-
culdade de oppor effectiva resistência, pelo menos, passiva, ás
ordens illegaes, dahi lhe resulta o consequente direito de ex-
aminar, si a ordem é, ou não, legal. Consequentemente, pela só
razão da subordinão dos indiduos ao poder publico ou do
dever de obediência ás autoridades, o Estado não de ser obri-
gado a indemnisar o damno, que os mesmos hajam soffrido,
prestando, porventura, obediência â uma ordem illegal; "visto
como não estavam obrigados a fazel-o"
tt
. Certo, continua
Loening, se podem dar casos, nos quaes toda resistência de
facto seja impossível, e o individuo se tenha de sujeitar ao im-
pério da força superior; e não se desconhece que, nos casos
presuppostos, o funccionario se prevalece dos meios, que a in-
vestidura do cargo lhe dá; —mas, somente por isto, não se gera
uma razão obrigatória de responsabilidade do Estado pelo abuso
de poder do funccionario
; pelo contrario, o que fica patente
40
Pfeiffer, Praktiache Ausfiihningen, t. II, p. 369 sg.: Loening,
ob. cit., p. 97 sg. I
41
Loc. eit.,p. 103.
42
Loening, ob. cit., p. 103 sg.
— 240
é, que a responsabilidade do acto pertence inteira e exclusiva ao
funccionario. Porquanto a coerção da obediência, adverte Piloty
juntamente, tem o seu fundamento na lei. Esta é, que veda ao
súbdito de se oppor aos actos do funccionario, e autoriza o ultimo
a empregar contra o primeiro as medidas coercitivas necessárias.
A lei é a expressão da vontade, devidamente for* mulada, do
titular (Tragar) do poder publico. A vontade do legislador não é,
pois, a vontade do sujeito de direito-Estado... E razão não ha,
para pôr umA ficção em logar desta realidade.
43
53 f.—Também partindo do presupposto, de que os actos
do funccionario são actos do Estado, e apreciando as consequên-
cias do dever de obediência, acima dito, outros tem sustentado a
existência de uma garantia tacita por parte do Estado, em
relação aos referidos actos, sempre que elles lesam ao alheio
direito. E' o principio, que von Gerber, se apropriando, als, dos
próprios argumentos de Zacharim. formulara do seguinte modo :
"Na nomeação de um funccionario, revestido de publica au-
toridade, e na obrigação (necessidade) do publico de tratar com
elle, como representante do poder, está o compromisso tácito de
uma garantia subsidiaria das obrigações resultantes do exercício
illegal das suas attribuições ou da negligencia no desempenho
das suas funcções.— "In der AufsteUung eines mit òffent-licher
Autoritat bekleiãeten Beamten unã der Nõthigung des Publicums
mit ihm ais Vertreter der Obrigkeit zu verJcehren, liegt die
stillschweigende Uebernahme einer subsidiãrischen Oarantie fwr
die durch pflichtwidrige Ausubung der ihm anvertrauten
Amtsbefugnis oder Vernachlãssigung seiner amtlichen Pflichten
éntstanãenen Forderungen ".
u
Como se , a supposta garantia assenta na obrigação que
tem o Público de tratar com o funccionario do Estado, nesta
48
Piloty; ob. cit., p, 269.
44
Von Gerber : Grundziige, p. 207.—Cf. Loening, loo. cit., p. 104.
— 241 —
qualidade; é, portanto, o mesmo argumento, tirado da obedien-l cia,
apenas, sob nome diferente.. Por isso, contra a sua procedência se
tem feito igualmente a mesma objecção, acima mencionada, a
dizer: que essa obrigação ou necessidade do Publico, embora real,
não exclue, todavia, a possibilidade de o individuo repellir as
exigências illegaes do funccionario, oppondo-lhe resistência, activa
ou passiva, segundo as circum-stancias do caso; além de que,
accrescenta-se ainda, quando mesmo não houvesse a possibilidade
da resistência, ainda assim, não seria admissível a responsabilidade
do Estado, em virtude de um simples postulado de justiça, como é o
que respectivamente se allega.
45
Loening, ob. cit. I
Piloty, depois de apreciar ã luz da critica os três fundamentos da o&e-
diencia, da representação, e da nomeação, como capazes de explicar a respon-
sabilidade do Estado, concluirá por estas considerações -. " dons funda-
mentos subsistem, como possíveis, de semelhante responsabilidade: o
compromisso contractual, e a culpa própria do responsável... O primeiro
fundamento é invocado' por aquelles escriptores que, partindo da relação
da representão ou da nomeão,— affirmam uma garantia tacita do Estado.
E' de ver, que essa garantia seria do Soberano, e não do Estado (Fisco).
Em todo caso, à essa supposta garantia seria de applicar o mesmo prin-
cipio que regula o contrahimento tácito das obrigações -, — e não se ignora
que o principio alludido pôde ter cabimento, quando dos actos daquelle,
cuja obrigação se trata, se deva tirar, forçosamente, conclusão sobre a sua
vontade de obrigar-se. Não basta, que um sentimento do justiça reclame
esse contrahimento de obrigação: é preciso, que se possa concluir, com
certeza, pela vontade do sujeito de responsabilisar-se. A relação, porém,
creada da representão ou da nomeação o é um facto de tal natureza, que
leve à conclusão obrigada de semelhante vontade. O funccionario é no-
meado para proceder de accordo com as leis. E não se comprehende porque,
quem noa um individuo para agir legalmente, alem desta vontade, assim
determinada, deva alimentar juntamente a de responder pelo damno, que o
nomeado tenha de causar pelo não-cumprimento do seu dever.
Si podia ainda interrogar, si não seria possível derivar uma respon
sabilidade qualquer contra o Fisco, conformo ao direito privado,—de uma
culpa ou de um acto illegal do mesmo. Assim se tem, cora effeito, pensado;
16 R. c.
— 242 —
Este ultimo argumento é de Loening, para quem, se sabe,
anão se tratar de actos concernentes ao Fisco, todos os demais sô
serão susceptíveis de crear uma obrigação para o Estado, havendo
disposições expressas da lei, que assim estabeleçam.
53 g. V. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PROVÉM DO
SEU DEVER DE PROTECÇÃO. Este dever se caracterisa, como uma
obrigação inherente ao Estado para com os seus súbditos, e cor-
responde aos deveres'específicos de obediência e fidelidade, e aos
ónus ou encargos públicos, aosquaesos súbditos se sujeitam para com
o Estado. Não se trata, diz Klewitz, de um simples dever moral ou de
beneficência (Liébespflicht), mas de um dever jurídico,
verdadeiramente tal, e com certeza, não de natureza privato-juridiea,
e sim, de caracter rigorosamente públicistieo. Em geral, todo
individuo pode exigir do Estado o cumprimento desse dever, como
uma parte essencial dos direitos que lhe competem na qualidade de
cidadão ou membro do Estado,
mas sem fundamento. Mesmo quando se tivesse por acceitavel, & perso-
nificação do Estado, como se deprehende, alias, dos próprios autores que
negam a responsabilidade do Estado (Laband, 1.1, p. 56 sg.); ainda assim,
esse sujeito sendo apenas fictício, nfto seria capaz de culpa. Seria, eno,
mister proceder, como se com as outras pessoas jurídicas: o fingir
somente a pessoa, mas juntamente a culpa. Aqui, porém, e a construc-
ção. A coerção da obediência para com o funcoionario só podia ser matéria
de culpa, si ella fosse illegal; mas, sabe-so que a mesma assenta na lei.
Nem mesmo se poderia fallar de illegalidade por parte do Estado, sup-
pondo que semelhante coeão, em consequência de algum acto Illegal inci-
dente do funcoionario. se tornasse causa concorrente-de um damno injusto.
Illegal ou contra direito, ficaria sendo o acto ou a omissão do funcoio-
nario. Para fingir uma culpa do Estado também se tem dito, que o funcoio-
nario e o Estado são uma e a mesma pessoa: o funcoionario é a bocca e a
mão do Estado; os funccionarios são os membros do Estado, dos quaes esto
se serve, como instrumentos. ..; consequentemente, os actos desta parte
orgânica nada mais o, do que actos do todo: a culpa da parte constituo
por isto a culpa do todo, do mesmo modo que a offensa, feita pela o, é
uma offensa do todo-homem. O facto natural repugna, porém, com esta
— 243
muito embora não haja a possibilidade de uma coacção judicial a
esse respeito. Em particular, cada individuo pode exigir
igualmente que o Estado, na sua actividade administrativa e
judiciaria, proceda conforme ás normas do direito (Rechtsord-
\nunggemass), todas as vezes, que elle precise recorrer ás suas
autoridades, e bem assim, que o Estado faça, ao seu turno,
observar as normas do direito, onde e quando o interesse da se-
gurança ou o bem-estar commnm tornar legalmente necessária a
intervenção espontânea do funccionario (ein spontanes amtli-ches
Eingreifen gesetzlich erforderlich ist). *
6
Exemplo da omissão deste
ultimo dever por parte do Estado se dá, quando, por occasião de
tumultos, não são empregados todos os meios neces-
flcção: o funccionario não é jamais simples instrumento de um outro indi-
viduo; mas, elle próprio, éum individuo e sujeito independente de direito.
A prevalecer o rigor de uma tal ficção, o funccionario seria incapaz de von-
tade, isto é, um instrumento, e, consequentemente, incapaz de responsabi-
lidade.
Entretanto, o que em verdade apparece, são duas personalidades dis-
tinctas, das quaes uma, o funccionario, é a que tem delinquido...
Não ha, portanto, nenhum fundamento real para admittir-se a culpa
do Estado.
A chamada garantia tacita também repousa, por igual, na ficção da
culpa. Mas, segundo ficou demonstrado, nem da representação, nem da no-
meação, resulta o compromisso de responsabilidade ulterior; logo, essa ga-
rantia tacita é, apenas, a mesma pretensa responsabilidade, proveniente da
culpa, embora sob nome differente. Insistem, que o Estado deve ser res-
ponsavel por baver nomeado o funccionario, que, mais tarde, procedera
illegalmente. Esta construccão assenta novamente na culpa, que, conforme
o direito privado, se pode dar na nomeação do mandario, se distin-
guindo, tão somente, nisto: que ella substituo a prova necesria da culpa
conforme a theoria ao mandato, por uma simples presumpção de culpa."
Piloty, Loc. cit., p. 270-71.
Com esta nota pretendemos completar melhor as idéas do autor, ao
qual nos temos, tantas vezes, referido neste trabalho.
48
A. Klewitz, ob. cit., p. 100 sg. Cf. Kissling "Verhanãlungen ães\ VIII
deutschen Juristentages ", t. I, p. 389-90 ; Laband, Das Staatsrecht des
deutschen Beichs, t. I, p. 146.
— 244 —
sarios para garantir illesas, a vida e a fortuna dos cidadãos isen-
tos de culpa por taes tumultos; sendo, por isto, justificadas as
leis especiaes, existentes, as quaes, efectivamente, reconhe-
cem um direito de indemnisação ás pessoas lesadas em taes cir-
cumstancias.
47
Loening, referindo-se ao mesmo argumento, e tendo par-
ticularmente em vista uma decisão da Corte de Appéllação de
Cassei, fundada na obrigação, que incumbe ao Estado, de prestar
protecção aos que lhe são dependentes ou sujeitos (Staatsan-
gehôrigen), se exprimira por esta forma: A linguagem da Corte
éque,— M do dever do Estado de prestar protecção resulta aos
indivíduos o direito de pedir uma indemnisação dos damnos sof-
fridos em consequência do descuido illegal do mesmo dever."
Mas, antes de tudo, não é o Estado, e sim, o funccionario, quem
falta ao cumprimento dos deveres do seu officio (ãurch rechtsivi-
drige verabsãumung dieser Pfiicht). Depois, semelhante theoria
repousa sobre uma presumpção, parte não demonstrada, e parte
de demonstrável falsidade. Certamente, o Estado tem por missão,
effectuar ou assegurar uma situação jurídica para todos : nisto
está, embora não exclusivamente, o fim do Estado (der Staats-
zweclc). Mas o Estado, em se reconhecendo este fim, não se im-
põe, todavia, para com todos os indivíduos, a obrigação legal de,
quanto ao seu preenchimento,—responder pelo mesmo modo, por
que o devedor é obrigado a fazel-o para com o seu credor,
relativamente á prestações contractuaes. a E, admittido mesmo
que assim o fosse, restaria demonstrar que o Estado seja
responsável pelo damno resultante aos seus súbditos por culpa
dos funccionarios. Pelo facto de serem estes tidos, como órgãos
do Estado, não fica demonstrada a responsabilidade, do Estado
pelos actos dos mesmos...
a
Porquanto,
47
Klewitz, loc. cit.
48
Loening, ob. cit., p. 99-101.
— 245 —
repete Loening mais uma vez: sendo o Estado, como poder pu-
blico, ou como fisco, (ais Irihàber der Staatsgewalt, ou der Staat
ais Fiscus), incapaz de culpa, é sempre sobre as pessoas phy-
sicas, embora seus representantes, e jamais sobre o stado,
que deve recair a obrigação de indemnisar o mal feito, em con-
sequência de culpa, qualquer que esta seja...
— 246 —
CAPITULO III Da
Responsabilidade segundo o systema mixto
54.—Já se sabe bastante, qual seja o fundamento do "sys-
tema mixto" : o Estado é, ao mesmo tempo, pessoa civil e pes-
soa politica ou soberana. Responde pelos actos da primeira ;
pelos da segunda, não porque isso repugna com a idéa da so-
berania ou com os direitos essenciaes do poder publico.
Entretanto esta doutrina, o simples e cil de ser com-
prehendidae, porventura, acceitavel em principio, n&o se tem
mostrado capaz de corresponder ás exincias da pratica. Com
eeito, partir simplesmente da distincção dos actos, para affir-
mar a responsabilidade do Estado pelos actos de gestão, e a
sua irresponsabilidade pelos de imrio, deixa, evidentemente,
muito a desejar, como systema de justa distribuitiva.
49
Antes de tudo, é de saber, que emquanto uns querem a res-
ponsabilidade pelos actos de gestão, de maneira completa, como
si se tratasse de um individuo particular,
50
outros só admittem
essa responsabilidade, als delimitada, a respeito das obri-
gões contractuaes; negando-a em relão aos actos illicitos
extracontractuaes, ainda mesmo na hypothese de ter havido
culpa na nomeação do funccionario (nel caso delVintervento delia
49
Nos referimos á distincção, que geralmente se faz entre actos de
gestão e actos de império, segando a natureza especifica dos mesmos, e de
que se tratou no Titulo Primeiro, cap. IV.
Ha, todavia, uma outra distincção, tirada da qualidade dos repre-
sentantes do Estado, a saber, si elles são seus órgãos, ou meros empregados
e prepostos. Das razões, com que se pretende fundar esta segunda theoria,
diremos igualmente na ultima parte do presente capitulo.
50
Hic, Titulo Primeiro, cap. IV.
— 247
culpa in eligendo) pela razão muito repetida, de que uma se-
melhante culpa não pode recahir sobre o Estado, e sim, sobre o
funccionario superior, verdadeiro autor da nomeação.
51
Por outro lado, a irresponsabilidade pelos chamados actos de
império, ainda que estabelecida, como regra de doutrina, mostra-se
insustentável em certos casos particulares, mesmo aos olhos
daquelles, que se confessam adeptos mais decididos do systema.
52
Seria, na verdade, flagrante injustiça, admittir, como these
indiscutível, que todo acto do poder público, só por
81
Vide: L. Bellavite.ob. eit., p. 49. Cf. Loening,loc. cit.; Piloty. loe. cit.
Referindo-se ã responsabilidade pela culpa in eligendo, disse o primeiro
destes autores:
« Se non che ã questa distinzione, ch'era fondata sul supposto for-
mate, che la risponsabilita pel fatto d'altri non potesse, per massima, ori-
ginarsi che delia colpa própria, di cui lo Stato, quale persona giuridica,
era incapace, si potevano opporre ragioni materiali di gran momento. Lo
Stato é, inconformita delle sue leggi organiche e costituzionali, rappresen-
tato nella sua gestione económica dai suoi preposti ed impiegati, onde la
nomina é un surrogato delia procura. D ove puó rinvenirsi, all'infuori degli
atti dei suoi rappresentanti, 1'azione dei fisco, cosi nei rapporti contrattuali,
come nell'amministrazione in genere dei suoi averi ? Non é egli equo che
il terzo, il quale voluntariamente, e PIÚ ANCORA SE COATTO, entra in rapporti
giuridico-economici colVimpiegato, che agisce in nome dei fisco, faceia as-
segnamento, pella rifuzione dei danni, che gliene possono derivare, non
sul património delHmpiegato, a lui sconosciuto, e sulla condotta dei quale
egli non puó esercitare alcuna influenza autorevole, ma sui mezzi eco-
nomici dello Stato, che tiène á sua dispozione le misure disciplinari per man-
tenere 1'impiegato nella via dei devore ?... Quei riflessi ebbero forza suf-
fleiente da indurre ad abandonare il formalismo angusto, per cui, sulla base
che lo Stato per non é capace di tolere, e quindi di colpa, escludevasi
la responsabilitá dei fisco per gli atti illeciti commessi dai suoi impiegat
nella gestione ecomica, alVinfuori dei rapporti contrattuali; quindi a far
pareggiare, anche per tale rispetto, lo Stato, quale persona civile, ai pri-
ivati».—Loc. cit., p. 49-60. Neste trecho o autor reconhece que também
dá-se a responsabilidade do Estado pelos actos illicitos extracontractuaes;
mas é de attender, a responsabilidade alludida se refere aos actos do fisco
ou da pessoa civil do Estado somente, e nao, aos demais actos do Estado.
62
Hio, Titnlo Primeiro, Cap. IV.
— 248
ter este caracter, não obriga á reparação das lesões, sabidamente
feitas ao alheio direito !...
Entre os actos de império não podem, com certesa, deixar
de ser incluídos: a) os chamados actos de guerra, os de necessi-
dade publica, os relativos â ordem, a segurança e á saúde pu-
blica ; 6) os que impõem a obrigação das contribuições publicas;
c) os que se referem á creação, provimento, suppressão de cargos
blicos, e bem assim, â nomeação e destituição dos funeciona-
rios; d) finalmente, os despachos e decisões judiciarias; porque
todos esses são, incontestavelmente, tidos e considerados, como
essenciaes à própria existência, missão e funccionamento do Es-
tado ou poder publico. Perguntasse, porém : mas, porque
actos taes pertencem, por sua natureza, á classe dos actos de
império, devem escapar ã todo exame ou jurisdicção estranha,
no intuito de se lhes apurar os abusos ou as lesões do direito
individual, porventura, commettidas pelos agentes ou represen-
tantes do Estado? Isto não pôde ser; a affirmativa repugnaria á
própria manutenção da ordem judica, que é a missão natural
ou a razão primeira do próprio Estado.
Esta doutrina da immunidade dos actos de Governo seria,
no dizer do professor Bréraond, perigosa para os direitos dos
particulares. A sua applicação acarretaria, de facto, a conse-
quência, de que o Governo, a pretexto de segurança, podia im-
punemente violar os direitos privados mais incontestáveis, sem
ter, por isto, de sujeitar-se ao exame de nenhuma outra ju-
risdicção. .. Seria a justificação de todos os abusos do poder;
seria até uma contradicção formal do principio, geralmente
admittido, de que o caracter governamental depende da natureza
intima dos actos, e não do fim, que se tenbam proposto os seus
autores, ou do movei, a que os mesmos tenham obedecido.
53
58
Bréraond, Des Actes de Gouvernement (B&oue ãu droit public, t. V,
p. 23 sg.).
— 249 —
Para obviar consequências tão desastradas do systema. ou
antes, para o deixar ver a insuficiência do mesmo, se tem re-
corrido a explicações differentes : ora se diz, que a irresponsabi-
lidade se refere aos actos do poder publico em si somente, mas,
não, aos da sua execução, onde, realmente, podem occorrer vio-
lações de direito, susceptiveis de indemnisação ; ora, se alvitra
que é preciso fazer subdistinões nos próprios actos, como suc-
cede nos actos de guerra,—sustentando-se a irresponsabilidade
do poder publico naquelles, que se dão por foa maior ou ne-
cessidade immediata da luta, e, ao contrario, reconhecendo-se a
responsabilidade do mesmo poder com relão aos demais actos,
taes como: operações preparatórias, medidas preventivas de
defesa,—-requisições militares, e outros actos de natureza seme-
lhante
5l
. Ora, não seria mister demonstrar a inefficacia de uma
doutrina, que, para amparar as suas incertezas, vae sempre de
distincção em distincção em busca de um critério, que lhe sirva
de apoio ou razão de decidir, mas o qual geralmente lhe escapa,
ou lhe pôde falhar, ao aspecto de novas circumstancias...
Com isto não se pretende contestar as razões procedentes,
em que se procura assentar a irresponsabilidade do Estado no
exercício de um grande numero de suas funões politicas, como
poder soberano; o princípios sicos indiscutíveis do direito
publico universal, assas conhecidos, ensinados pela sciencia, e
consagrados na jurisprudência dos diversos povos. O que neste
ponto, porém, não se pôde deixar de igualmente affirmar, é: que
nos domínios da pratica, o simples qualificativo de acto de im-
pério não basta por si só, como razão ou argumento da irres-
ponsabilidade civil do Estado.
54 a.— Entre os actos políticos ou soberanos, cuja irres-
ponsabilidade se proclama, para assim dizer, de maneira incon-
54
Ant. e loc. cit. — Cf, Laferrière, ob. cit.
— 250 —
dicional, figuram em primeira linha os actos legislativos (as leis)
e os actos judiciaes (as decisões ou sentenças).
A lei, considerada como a declaração de um direito, dictada
pelo poder competente do Estado, não deve conter, por certo, a
violação de um direito individual: a cousa seria con tr adicto -ria
por si mesma. A sua desconformidade com os dictamens da
justiça natural, diz notável escriptor, pôde, tão somente, fazer
nascer uma responsabilidade moral para aquelles que a ado-
ptaram e sanccionaram ; mas, nunca, uma responsabilidade
pecuniária ou civil do poder publico, apreciável no foro ex-
terno.
55
Dado, pois, que uma lei altere ou destrua direitos indivi-
duaes, continua o mesmo escriptor, ao lesado não cabe direito
algum de indemnisação, a menos que a própria lei não conceda,
desde logo, semelhante indemnisação. A effícacia da lei não
resulta da sua conformidade com os principios da razão, accres-
centa-se ainda, mas de ser dictada pelo poder do legislador (—
legem regulam essejustorum et injustorum, Dig. I. I, tit. III, 2).
dunque in ogni caso la- legge, quella che regola ai eittadini su
c, che possono pretenderá o devono prestare; sugli aggravi,
chepro bonopublico siano costretti a sopportare. Non c leggepro-
pizia a tutti, e poço monta sepregiudica a qualcuno, purchê serva
\alVinteresse publico: nulla lex satis cotnmoda omnibus est\ id imo
quaeritur, si maiori parti et in summam prodest. Se a qualcuno
la legge par dura, potra valer si dei diritto di peticione per do-
mandarne la riforma, ma non pretendere giudicialmente un com-
penso pecuniário per il danno che reputa di risentime: salvochê,
torno a ripetere, la legge medesima non gliene àbbia compartita
la f acoita".™
» Giorgio Giorgi, Delle Persone Giuridiche, t. Ill, n. 08». Loc. cit, n.
113.— Cf. Meucci, Diritto Amministrativo, p. 302; Mantellini, ob.
di, p. 59 sg.
— 251 —
Sem contestar, em principio, a lão doutrinaria que se con-
tem no trecho ora transcripto, importa, todavia, observar que,
segundo o direito constitucional de alguns Estados modernos,
a própria lei de ser objecto de impugnação judiciaria, mesmo
sob o ponto de vista da sua validade
57
; e uma vez apurado que,
da execução de uma lei, nulla, inconstitucional ou invalida,
resultou lesão ao direito individual, o seria licito affirmar,
ao menos de modo absoluto, que o Estado não deve indemnisa-
ção alguma pelo mal resultante de semelhante acto.
E' certo, que o autor do referido trecho sustenta a irres-
ponsabilidade, pela razão de não se dar, no acto legislativo, o
que elle considera elemento da responsabilidade do Estado, "
cioè Villecito"
IM
', com o que aliás confere a opinião doMeucci,
dizendo por sua vez: Essi (gli atti legislativi) sono la legge, e
come potrébbero essere fatti illeciti ? Se anche fossero contrarii
alie proprietá, ai diritto razionale, una volta devenuti legge,
sarébbero per essenza legitimi
b9
...
E', como se vê, um reconhecimento formal da omnipotência
e rectidão da lei.
Mas, o leitor também tecertamente notado, que o argu-
mento assenta na presupposão, de que de haver a respon-
sabilidade civil do Estado, em se tratando de actos illicitos, o que
não é verdade, e nem jamais poderia ser admittido, como regra.
54 b.—Assim como succede com as leis, pensa Meucci, os
actos da autoridade judiciaria também o geram a responsabili-
dade do Estado. Porquanto: 1) ou esses actos são strictamente
inherentes ás fmicções judiciarias, (as decisões e ordens) e são
61
E' o que se dá, notadamente, nos Bstados-Unidos da America e
do Brazil. I
88
Giorgio, loc. cit., p. 203.
59
Meucci, loc. cit.
— 252
actos de verdadeira soberania nacional, conseguintemente, in-
syndicaveis, irresponsáveis, irrevogáveis, a não ser por via de ap-
pellações e outros redios; e sendo, por presumpção de direito-,
legítimos e lícitos, como a própria lei, são por isto mesmo inca-
pazes de produzir responsabilidade, seja directa dos funccio-
narios respectivos, seja indirecta do Estado; 2) ou esses actos
são estranhos aos indicados, taes por exemplo,— o recebimento
de donativos ou de paga para fazer ou negar a justiça, a dizer,
prevaricações e corrupções,—e actos desta ordem, sendo no todo
estranhos ao exercício próprio das funcções, portanto, inteira-
mente pessoaes aos seus autores, darão logar á responsabi-
lidade penal e civil destes, e não do Estado.. .
60
«Perche il\ fatto
illecito non istà nel giudizio suo che è insensurabile, ma nel fatto
estraneo dei premio e delia promessa ricevuta. E sebbene questo
fatto alia avuto per oggetto una defezione d'ufficio, e una
viólazione dei dovere d'imparziálitâ, tuttavia, essendo insensu-
rábile il giudizio, manca ogni base e ogni mezzo di prova per
accertare il pregiudizio o il ãanno che si dovrebbe risarcire ».
61
Ora, não é preciso dizer, que, pelas razões adduzidas do
illustre professor, não se pode affirmar, que o Estado não deva
responder pelas lesões dos direitos individuaes, provenientes dos
actos judiciários; porque, manifestamente, ellas não podem ter a
força que o mesmo lhes empresta.
Justificando essa irresponsabilidade, Pfeiffer se apoia em
duas allegações que reputa procedentes: primeira, a indepen-
dência do juiz em todos os seus actos, e conseguintemente, diz
elle. o cabendo ao Chefe de Estado ou aos seus órgãos im-
mediatos nenhuma influencia nos actos desse funccionario, é
lógico, que também não lhe deve caber responsabilidade alguma
pelas lesões de direito commettidas; —segunda, a circumstancia
60
Meucci, ob. cit., p. 303.
61
Ibidem, p. 312, sg.
— 253 —
de haver redios legaes, postos á disposição do individuo le-
sado, para fazer cessar ou desviar o damno resultante. Si este
deixa de usar do remédio legal, deve soffrer as consequências
da própria culpa-, não tendo, portanto, direito a exigir a satis-
fação do mal soffrido.
6
"
2
Evidentemente, estes dous argumentos invocados por
Pfeiffer carecem de toda procencia: o primeiro consiste apenas
em confundir o Estado com o Chefe do Estado, e em pretender,
aliás contra o próprio principio geral professado por elle, retro-
trahir a responsabilidade ã uma culpa, mediata ou immediata,
do Chefe do Estado (ães Begenten); o segundo, em esquecer, que
ha actos próprios do juiz, a respeito dos quaes, nenhum remé-
dio legal poderia mais desfazer o damno causado; e mesmo não
sendo esta a hypothese, a aão de indemnisão não se podia
dizer exclui da, desde que se tivessem esgotado os remédios le-
gaes permittidos. Logo, conclue Loening a este propósito,—si
o principio da responsabilidade do Estado fosse verdadeiro, elle
devia ser applicado, tanto aos actos dos funccionarios adminis-
trativos, como aos actos dos juizes.
63
Não precisamos, porém,
relembrar que, segundo este ultimo autor, o principio da respon-
sabilidade geral do Estado não existe, ou, pelo menos, nunca
foi demonstrado...
6
*
03
Pfeiffer, Praktische Auafuhrungen, t. II, p. 363 sg.
08
Loening, ob. cit., p. 98. Cf. Zachariae, ob. cit., p. 637 sg.
04
Quanto aos actos lesivos dos juizes, Loening se exprime desta
fornia: A decisão, seja ella sentença, seja um despacho, não pode em geral
autorizar nenhuma acção de indemnisação contra o Estado, visto como por
esses actos não se pode dar um damno. Este só pode resultar da respe
ctiva execução. Donde segue-se: que nenhuma pretenção se justifica
contra o Estado, emquanto a decisão não se tornar exequível, ou quando o
lesado haja, porventura, descurado de empregar o remédio legal, que podia
obstar a exequibilidade da mesma.
Descurado o remédio legal, que o Estado garante ao lesado, claro
está, que não lhe pode caber nenhum direito de indemnisação contra o
I
— 254 —
Piloty tamm entende que, uma vez admittido que haja
fundamento para a responsabilidade geral do Estado pelos actos
illegaes dos funccionarios, não se comprehende, por que se deva
excluir dessa responsabilidade os actos de certos funccionarios
ou de certas funcções; havendo, como ha, para com todos os
funccionarios, as mesmas relações de subordinação por parte dos
súbditos, e de representão ou nomeação da parte do Estado.
Si os actos de governo (Regierungshandlungen), praticados
pelos funccionarios, devem ser considerados actos do Estado,
o mesmo se deve dizer dos actos dos juizes; nada influindo a
circumstancia, de que estes últimos independem da vontade
do Chefe de Estado (Herrschers) na decisão dos pleitos. Igual-
mente não se justifica, o partir da diversidade das funcções pu-
blicas, para tirar argumento pró ou contra a responsabilidade
do Estado.
66
Estado. Uma sentença, revestida de força jurídica, é um direito formal; e
pois, emquanto ella assim subsiste, a sua execução é também um acto
legal. Somente quando uma sentença é annullada por outra posterior, tam-
bém revestida de força jurídica (durch ein anderes rechtskrãftiges Urtheil) é,
que a primeira perde o seu caracter de direito formal... O damno pro-
veniente da execução de uma sentença, posteriormente annullada, não jus-
tifica em todos os casos o direito de indemnisação contra o Estado; mas,
somente, quando a annullação se funda numa violação de direito, commet-
tida na decisão pela autoridade nomeada pelo Estado. Dada a annullação
por motivo diverso, não se pode pretender semelhante indemnisação. Esta
obrigação se justifica aqui, porque o Estado coage as pessoas, sujeitas ao
seu poder, a requerer o direito perante as suas justiças, declarando illegal,
toda a resistência feita â execução da sentença com força jurídica das
mesmas justiças, ainda mesmo, quando o executado a repute uma sentença
illegal. Ora, desde que o Estado declara, que uma sentença, revestida de
força jurídica, crea direito, é de justiça, que o mesmo preste indemnisação,
dada mais tarde a sua annullação; porque fora, em consequência da
violação do direito commettida pelo funecionario, que a sentença creara uma
injustiça material {das Urtheil niaterieltes Unrecht geschaffen hat). —Loc.
cit., p. 124-126.
66
Piloty, ob. cit., p. 262-263.
— 255 —
A verdade destes conceitos dispensa adduzir mais razões
sobre este ponto em particular.
55.—Encarando, agora, o systema da distinão entre actos
de gestão e actos de império nos seus termos geraes, a dizer,
como critério, segundo o qual se possa affirmar ou negar, em
principio, a responsabilidade do Estado,muitas são ainda as
considerações, que lhe podem ser realmente oppostas.
Innegavel como é, e aliás, desde muito tempo sabido
66
,
que na actividade da pessoa-Estado se comprehendem actos e
factos, uns de caracter análogo ou mesmo idêntico aos das
pessoas privadas, e outros que podem caber áquella no seu
caracter de poder publico; comtndo, esta circumstancia não
basta para servir de base a um systema, capaz de explicar o
dever de justiça, que ao Estado cumpre guardar com os indi-
víduos em todas as suas relações reciprocas da ordem social e
jurídica. Para simplificar o systema em questão, ou melhor
dizendo, para mais recommendar a sua plausibilidade, vimos
que se tem doutrinado, que ha no Estado duas pessoas distin-
ctas, agindo de per si, —uma civil ou jurídica, e outra politica
ou soberana, aquella sujeita ás disposições do direito privado,
como qualquer individuo particular, e esta somente regida
pelo cânon do direito publico. °
7
Entretanto, deixando-se de parte as pretenções do doutri-
narismo theorico, para atteuder, de preferencia, ao ensinamento
tirado dos próprios factos, o foi difficil verificar, que não é
possivel distinguir sempre por um critério objectivo, no dizer de
Palazzo, os actos do Estado — poder soberano, dos actos do
w
Vide: Mantellini, ob. cit., p. 38-40; Giorgio Giorgi, ob. cit., D. 115,
nota 3.
07
Vide : Solari, La BesponsaUlitá delia pubblica ammmistrazione,\ p.18
8g.
^B
— 256 —
Estado *- pessoa civil; uma vez que os mesmos actos variam
na historia com o simples caminhar da civilisação.
68
Em nenhum período histórico determinado, seria licito
manter praticamente esta distincção.; porquanto actos, que pa-
receriam próprios do Estado-pessoa publica, se mostram por tal
modo ligados aos que se poderia considerar, como do Estado-
pessoa civil, que não fora possível scindil-os, uns dos outros; e
dahi a controvérsia e a confusão, em que se tem achado os sus-
tentadores da dupla personalidade do Estado, quando procuram
determinar as funcções próprias de uma e de outra pessoa... Que
o Estado seja uma pessoa civil (jurídica), ninguém pôde com
razão duvidar, assim como, não se deve negar, que também o
seja uma pessoa publica ou politica.
O que cumpre, porém, attender é: que isso significa, ape-
nas, duas faces ou caracteres distinctos da sua actividade, e não
a existência de duas personalidades que, contemporaneamente,
possam ser, e não ser, no Estado
w
. Capaz de apparecer no
campo do direito civil e na esphera do direito publico, não é a
funcção especial, que lhe dá a personalidade, segundo a qual,
tenha de agir; mas, o campo do direito, no qual contrahe rela-
ções, é que estabelece, si o Estado, em dado acto, deve ser en-
carado, como pessoa civil, ou como pessoa politica; em outros
termos: é a relação jurídica, que surge entre o Estado e os outros
entes, que determina a personalidade, sob a qual o mesmo se nos
apresenta: em uma relação do direito publico o Estado se mostra
como pessoa publica, e em uma relação do direito privado, como
pessoa civil ou privada.
70
Isto quer dizer que, numa mesma funão, o Estado pode fi-
gurar contemporaneamente (servindo-nos de alheia expressão)
68 p. palazzo, Teoria delia respomabilitá civUe ãetto Stato, p. 42-43.
09
Palazzo, loc. cit, p. 44
70
Ibidem.
— 257 —
de pessoa civil e de pessoa politica, segundo os elementos de direito
publico e privado, que concorram nos respectivos actos. O Estado,
porém, não se distingue em duas pessoas, como se tem pretendido;
subsiste, ao contrario, sempre um ente orgânico, indivisivel, qual é, e
qual, logicamente, deve ser.
71
71
Ibidem. Vide: Vacohelli, La Responsabilitá Civile delia pubblxca
amministrazione ed il diritto comune, p. 111 sg. —Milano, 1892.
Solar i. referindo-se á essa doutrina, a qual, alias, o mesmo confessa
ter até agora dominado de maneira absoluta na escola e na jurisprudência
tria, se propôz demonstrar:—Que ella o corresponde, nem ás exincias
rigorosas da sciencia, entendido o Estado segando a moderna concepção,
nem ás exigências da pratica; Que nas mesmas obras e na mesma ju-
risprudência, que a propugnam, se encontra a confutação de dita theoria,
a qual, de resto, podia ser explicável e justificável no Estado antigo, mas,
nao, no hodierno;-— Que admittindo, muito embora, um poder discriciorio
do Estado e da Administração publica em geral, este deve ser todavia
contido em limites legaes preestabelecidos, quer dizer, que " Vente pub-blico
jntó respondere dei danni ehe ai privati apporta senza trincerarsi nella cómoda
formola dei JUS IMPEKII ..,"
Para chegar ao fim proposto, o citado autor, depois de fazer breve
indicação dos ensinamentos históricos sobre a concepção do Estado, e de
resenhar os diversos pareceres dos escriptores, que se tem oocnpado parti-
cularmente da maria, bem como, dos vários considerandos da jurispru-
dência, se julgou autorisado a tirar conclusões, que, a priori, não duvi-
dara afflrmar, dizendo: «Os actos das administrações publicas, pela sua
própria denominão, presuppõem o interesse publico, e por isso, ditos actos
jamais ad singularum útil ita tem pertinent; tem por escopo non il privato \ ma
il publico utile. De facto, continua elle, o seu caracter e a sua finalidade
publica o indicados tanto pela jurispruncia fautora da distinão, como
pelos autores propugnadores dessa bipartição, taes por exemplo: Grozio,
Wolf e Vatel, entre os antigos, e Giorgio e Bonasi, entre os modernos, os
quaes reconhecem, que o Estado nunca opera jure privatorunt; ainda que
nem sempre se mostrem ooherentes, ou accordes na própria essência da
doutrina; pois, em quanto Mantellini sustenta, que o Estado é sempre um
ente publica, ou se trate de actos de governo ou de actos de gestão,—Bonasi
e Giorgio, pelo contrario, opinam que, debaixo do ultimo aspecto, o Estado,
como que se despoja das suas funcções soberanas, para tomar as vestes de
ura particular. E' a mesma distinão pretendida por Santi Romano (Prin-
cipii di diritto amministrativo italiano,), segundo o qual, os actos do Estado
se dividem era actos administrativos e negócios de direito privado. Coroo
— 258 —
56. Combatendo a doutrina, de que ora nos occupamos, o
erudito Chironi fel o de modo o claro e preciso, que prestaremos,
sem duvida, serviço ao leitor trasladando para aqui os seus
próprios conceitos: Due diffeti prineipali dànno dehóleeza aUa
costruzione or ãescritta. II primo è 1'incertezza non vineibile di
determinara con tratti netti, decisi, come si dovrebbe nelle cos-
truzioni giuridiche la distinzione nella personalítà e nella fun-zioni
dello Stato, secondo lo si considera qual ente politico so-vrano,
oppure qual ente giuridico; per qnali limite son separati i due ordini
di funzioni? Dove termina il fine politico, comincia rammnistrativo o
giuridico priva to? Lo Stato anche quando compie atti che paiono
simplicemente giuridicí, non perde la qualità a lui essenziale di ente
politico: e pur quando assume intraprese non riferentisi per sè in
modo alcuno ai suo potere di sovranità, cfa nell'interesse generale.
perche i privati da tale esercizio abbiano, con la maggior garanzia di
esatta sollecitu-dine e sicurezza dei servizio, un vantaggio nei prezzi,
perche lo Stato non è speculatore: cosi avviene neiramministrazione
delle poste, dei telegrafi, dei transporti ferroviari e maritimi. Lo Stato
agísce nell'interesse di tutti e quando il suo provedi-
negar, porém, que os negócios jurídicos do Estado não sojam também actos
administrativos, sempre inspirados no bem publico? Porque modo distin-
guil-os dos verdadeiros actos administrativos? Com que critério se devem
differençar as duas categorias do actos? A autoridade não pode, porven-
tura, cair em erro, — desde que a interpretão dos actos não depende de
uma norma fixa e determinada?
Se tem dito, que o contracto qualifica o acto administrativo de gestão:
mas o contracto também não é estipulado no interesse publico ?... Não se
objecte, que si o fim que o Estado se proe alcançar, é de interesse pu-
blico, taes não são os meios, a dizer, as relações contactuaes directas para
effectuar dito fim, porque isso constituiria uma contradião lógica e pa-
tente, sabido, que os meios devem ter, certamente, a mesma natureza do
fim... Alem disto, ajunta ainda Solari, a difficuldade de restringir absolu-
tamente todos os actos blicos ás duas categorias indicadas, augraenta,
sobretudo, em vista do desenvolvimento incessante da actividade do Estado
e do admirável progresso das sciencias do direito publico... A esphera de|
aão e as funeções e encargos do Estado moderno crescem cada dia, de
modo que, muitos dos seus actos não se podem dizer, nem exclusivamente
económicos, nem exclusivamente políticos. SOLARI, La responsábilitá delia
pubblica amministrazione. Napoli, 1902.
— 259 —
mento ha tal carattere non si può indagara s'egli abbia o pêra to
com'ente politica od en.te
x
giuVidico, senza venire in rizolazioni
che "peccano non solo d'incerteza nei coneetti, ma son contrarie
alPessenza medesima deli'ente, che in nessun atto perde la sua
qualità di ente politico: lo Stato ente giuridico e non politico non
è pia lo Stato, perche gli mancherebbe la ragion di sua esistenza.
Che in questa osservazione stia il maggior difetto delia
teoria, lo si releva dallo stadio che si pone intorno la ricerca di
una regola certa per cui rimangano esattamente difinite e cir-
coscritte la fnnzione politica e la ginridica. Ma s'ottiene lo scopo
col definire Tentipolitica per quella che comprende tutti gli
atti di governo propriamente detti, gli atti compiuti in virtu dei
potere sovrano ? Riinan sempre a definire quali sono questi atti, e
la difficul non soltanto non rimane vinta, ma neppure è smossa.
Nè per discernere con sicurezza 1'Índole delVatto vale il
suggerimento di osservare qual sia, non il suo fine ultimo, ch'è
sempre 1'interesse publico, ma il finoprossimo, avvertendo cioè.
k
'se 1'atto in questione debba essenzialmente compiersi dallo
Stato, ovvero se lo Stato potrebbe rilasciarne Tesecuzione
privati." Una tal ricerca esorbiterebbe assai dai limiti posti alie
attribuzioni dei magistrato, il quale dovrebbe negli ordini
politici constitaiti indagar sempre se il concetto ch'egli ha delia
sovranità vi corresponda, e far cosi continuamente dei diritto
costituzionale dove soltanto è da applicare la legge; nè il com-
pito piú agevole riuscirebbe ali'interprete, che darebbe diverso
giadizio secondo 1'idea ch.'egli ha delia maggiore o minor esten-
sione delle attribnzioni inerenti ai fine dello Stato.
D'altra parte, la ricerca à nessuna utilità approderebbe:
perche se lo Stato eseguisce un atto che potrebbe compiersi da
un privato, ciò non vuol dire che non lo abbia esegnito come
Stato per considerazioni prevalenti di pubblico interesse; final-
mente, distinguere un fine prossim&vm fine remoto è processo
poço lógico, perche ritenere che in ogni atto dello Stato esista
il fine remoto, ossia 1'interesse generale, è già ammettere la
inscindibilità delPentipolitica delia giuridica, è contraddire
alia base stessa delia costrazione.
Che se anche fosse possibile la determinazione esatta,
certa, delle due ínnzioni, con ciò non s'avrebbero ancora i ter-
mini necessari per la justificazione dei risnltato cai s'entende
nell'argomento che s'esamina. Perche in matéria di danno dato
ingiustamente per colpa dei funzionario, basteia dire, a ren-
dere non responsabile lo Stato, ch'esso avvenne neiresercizio di
— 260 —
fnnzíone politica? S'entende che questa funzione è legitima fin-
chè sia esercitata entro i limiti consentiti dalle leggi, nel qual
caso 1'azione è giusta; ma se il fnnzionario è, in eolpa nell'ese-
cuzione, se infligge danno ai diritto dei privati, il íatto riman
sempre ingiusto, ancorchè si tratti di eseguire atti giusti per sè.
72
|
• Tndo isto é tão lógico, claro, e procedente, que nada
mais será preciso dizer sobre o ponto, á que taes considerações
se referem.
57. ÓROS E FUNCCIONARIOS OU PREPOSTOS. Parte inte-
grante da theoria da distincção dos actos do Estado é igualmente,
a que procura distinguir os seus funccionarios ou representantes
em classes diferentes, no mesmo intuito de restringir a respon-
sabilidade civil do Estado.
E' simples o enunciado desta nova theoria : " O Estado,
como todo ente incorpóreo, precisa, nas suas differentes mani-
festações da vontade, ser representado por agentes; e assim
sendo, é-se levado pelos próprios factos a distinguir esses agentes
em duas categorias, segundo elles representam o Estado» poder,
ou o Estado-pessoa", isto é: precisa distinguir os funccionarios
que gerem interesses, dos funccionarios que proferem resoluções
e dão ordens aos particulares.
73
Estes últimos são os órgãos do
Estado, e como taes, investi* dos do poder de decisão e
autorisados a fazer os actos de administração, propriamente dita,
em nome do Estado; os demais são simples auxiliares na gestão
dos serviços, agentes de preparação e execução de todas as
ordens; sendo, por isso, de con-sideral-os tão somente, como
verdadeiros propostos.
74
Não ha, de certo, inconveniente algum no distinguir os
representantes do Estado em orgõos e funccionarios, pre-
72
Chironi, Colpa Contrattiiale, n. 216 sg.—Torino, 1897.
78
P. Grivellé, De la distinction ães actes cVautorité et cies actes de ges-
tion. — Paris, 1901.
<
4
Ibidem, p. 73-105.
— 261 —
postos, ete. Segundo Chironi, a distincção serve para designar,
quaes os funccionarios que tem a direcção geral da administra
ção publica, ou de uma parte especial delia, com discrição e in
dependência, e quaes os que se limitam ao simples encargo de
executores de ordens recebidas.
75
/;'.*
Mas dar à esta distincção o caracter de um systema, para,
segundo a categoria do funccionario, declarar a responsabilidade
ou irresponsabilidade do Estado, pelos actos do mesmo,—é uma
pretenção, manifestamente descabida, e fatalmente susceptível
de erros e incongruências jurídicas.
57 a. Antes de tudo, é de notar a ausência 'de um ponto:
de intelligencia commum entre os fautores da doutrina, quanto
aos próprios effeitos da distincção proposta.
Querem uns que o Estado, como poder soberano, se con-
substanciando, por assim dizer, nos pprios órgãos, de seus
actos não pode, pela sua natureza especifica, resultar nenhuma
responsabilidade para o Estado ; emquanto que, dos actos dos
funccionarios ou prepostos, pode resultar legitimamente dita
responsabilidade, visto o Estado ter aqui a qualidade de ver-
dadeiro committente.
76
Pretendem outros, que os órgãos, por
isto mesmo que ordenam e decidem " ex própria auctoritate ",,
e tem, consequentemente, uma responsabilidade, ma própria,
não obrigam ao Estado pelos seus actos culposos; ao passo que,
o Estado, se identificando ou se confundindo com demais func-
cionarios, como seus instrumentos, deve, necessariamente, res-
ponder pelos actos lesivos destes últimos.
77
75
Chironi, Colpa Contrattuale, n. 210 bis.
76
Grivellé, loc. oit.— Cf. Chironi, loc. cit. n. 217.
77
Gabba, Delia responsabllitá ãéllo Stato per danno dato ingiustamente
ai prwati da puhblici funzionari nello eserckio delle foro attribuzioni (Foro
Italiano, de 1881, p. 932 sg. e 952 sg).
— 262 —
Ora, a fraqueza destas construcções theoricas se paten
teia tamanha, que não vale a pena tomar o trabalho de com-batel-
as por uma argumentação directa e mais desenvolvida.
se disse, que a distincção dos representantes do Estado,
entre órgãos e funceionarios, empregados e prepostos, nada tem
de inconveniente, e agora accrescentamos, que ella pode mesmo
significar uma necessidade da boa organisação admuistrativa, I
sobretudo, em vista da ordem hierarchica, que é preciso guardar
nas funcções de caracter contencioso ; ella pode também ter a
sua conveniência, ou uma razão apreciável, no apurar o grau da
responsabilidade do Estado, em vista da discrição ou autoridade,
maior ou menor, do agente do acto arguido; ou ainda, com
relação á natureza do processo e condões differentes, pelas quaes
se tenha de julgar da alludida responsabilidade e das suas
consequências, civis ou politicas.
7S
Mas, recorrer á referida
distincção, como critério decisivo da responsabilidade ou
irresponsabilidade do Estado, sobreleva repetir, é cousa que, por
forma alguma, se poderia admittir.
79
Em primeiro logar, não se comprehende, porque razão ou
fundamento jurídico, deva o Estado responder pelos actos dos
funceionarios que representam apenas uma p areei la de poder
ou uma funeção publica menos importante, e não dava fazer o
mesmo pelos abusos daquelles, que agem immediatamente em
seu nome, como verdadeiro poder publico, isto é, como si fora o
próprio Estado... E' evidente que, si as premissas de semelhante
doutrina fossem aeceitaveis, a conclusão lógica devia ser
inversa, a dizer, devia levar, não, à irresponsabilidade do Estado
pelos seus órgãos, mas a diminuir, senão, a fazer cessar,
78
H. Bailby, De la respomabili de VEtat, p. 44 sg.: « Qu'U s
f
agisse
d'organe ou de preposé, VEtat peut être DIEECTEMEXT ACTIONNÍ ; on va droit
à la volotdéorvjinaire dont Vacte emane ou est cerne emaner ».
~>° Chironi, loc. cit., n. 221 sg.
— 263 —
de preferencia, a responsabilidade do mesmo pelos actos dos
seus funccionarios-prepostos.
I Depois, por mais respeitável que seja o seu autor, não é
possível conciliar incongruências da ordem que se segue... Pre-
tende-se que o Estado não se transforma de conceito abstracto
em ente concreto, seo, «per opera dei funzionari», e conse-
quentemente, a responsabilidade, única, racional e possível, é a
dos funccionarios, a qual faz uma cousa com a responsabili-
dade do Estado, (come e perche in concreto lo Stato fa una sola
e indiscernibile cot funzionari);
80
e, no entanto, ajunta-se logo
em seguida, que é preciso, não só, separar os funccionarios
entre órgãos e instrumentos, como ainda reconhecer nos pri-
meiros personalidades distinctas, e, como taes, com responsabi-
lidade sua própria, e não do Estado !
81
Ao que observara com
razão o prof. Chironi: mas, si o Estado se confunde com os func-
cionarios, não se deveria declarar a sua responsabilidade pelos
actos dos funccionarios-instrumentos, que com elle se identificam
e se confundem, e sim, pelos abusos dos funccionarios-orgãos,
sujeitos capazes de uma personalidade própria.
82
Não é mister insistir sobre a inadmissibilidade de seme-
lhantes doutrinas.
- Simplesmente, para encerrar o presente capitulo, não
podemos deixar de mais uma vez accentnar: quer a distinão,
fundada na natureza especifica dos actos (império e gestão), quer
80
Gabha, Abusi dei pubblici funzionari e respomabilitá ãello Stato
("Annuario Giuridico Sociale Politico", de 1882, p. 532).
81
Loo. cit. Cf. Chironi, loc. olt., ns. 217-224; Bonasi, La res-
ponsábilitâ ãello Stato (Revista Italiana per le scienze giuridiche, vol. I,
Roma, 1886).
82
Chironi, loo. cit. Este antor aprecia detalhadamente as contra-
dicçCes de Gabha, relativamente a theoria, de qne acima se fez menofto.
Cf. Loening, oh. cit., p. 11 e 106; Miohond, Bevue ãu droit public, cit.
t. Hl, p. 419, eto.
— 264 —
a de funccionarios-oríos e funccionarios-prepos\ ou instru-
mentos, não servem para resolver, de modo satisfactorio, o pro-
blema da responsabilidade civil do Estado.
Para isto, mau grado, embora, dos que sustentam principio
contrario, não ha, senão, uma só regra de boa razão e justiça,
e é : dada a leo de um direito individual pelos actos do repre-
sentante do Estado, seja elle óro ou outro qualquer funccio-
nario, o Estado deve responder por ella; a menos que, uma
razão legal ou um principio preponderante lhe reconheçam, no
caso, uma razão ou um direito superior de isenção. Eis aqui
a a doutrina, simples, verdadeira e justa, como esperamos
melhor demonstrar no capitulo seguinte.
— 265 —-
CAPITULO IV A Doutrina
preponderante
58. - - No material de informação, illustração e critica, até
aqui predisposto e coordenado, se encontra com certeza o que
de mais importante se tem escripto acerca da questão da respon-
sabilidade civil do Estado pelos actos lesivos dos seus represen-
tantes :—a indicação das theorias ou systemas diversos, os fun-
damentos particulares, que os partidários dos mesmos invocam,
e os argumentos principaes de que se alimenta a controvérsia,
a juizo dos autores mais competentes nos differentes paizes.
Mas, tudo isto o obstante, pareceu-nos, que não devêra-
mos dar por encerrado o presente Titulo, sem fazer a recapi-
tulação de certos pontos para, desfarte, deixar melhor assigna-
lados, quaes os princípios que effectivamente se mostram pre-
ponderantes na grande controvérsia.
o pretendemos rever ou examinar de novo todas as con-
siderações theoricas, todos os argumentos da critica ou factos
concernentes, trazidos á discussão.
Tratando-se, todavia, no presente capitulo de recapitular
argumentos e factos, o seria preciso advertir, que nos veremos
na necessidade de fazer mais de uma repetição de raes e concei-
tos, que o leitor conhece; mas estamos convencidos, de que,
das repetições feitas advirá tamm maior claresa da critica e
das conclusões controversas. De preferencia, vamos restringir-
nos á trez questões principaes, de cuja solução depende sem
duvida a de todo o assumpto. As queses, a que alludimos, são:
1) Donde a rao determinante ou o principio fundamental
da responsabilidade ?
— 266 —
2) Qual o direito, que deve reger os casos dessa responsa-
bilidade ?
3) Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado e
os princípios, que a delimitam ou a fazem cessar, supposta
mesmo uma lesão dos direitos privados ?
I.— FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE
58 a.—A razão ou fundamento jurídico, capaz de crear para
o Estado uma obrigação positiva de prestar indemnisao o
que se chama responsabilidade civil) pelos actos lesivos de seus
representantes ou funccionarios, se deve achar essencialmente
nestes dous elementos conjunctos: a) no caracter do Estado e
relação consequente que o liga ao funccionario; b) na leo de
um direito objectivo, aprecvel segundo á sua natureza e con-
dições.
Comamos por estabelecer, que o Estado é. antes de
tudo, um sujeito de direito, uma personalidade essencialmente
jurídica. Os seus direitos podem ser de caracter civil e politico,
ou de natureza privada e publica ; dalii a diversidade que se
nota nas suas fnucções; mas o ente subsiste sempre uno e in-
divivel na sua qualidade essencial de pessoa jurídica. sa-
bemos que, em geral, se costuma dizer, que o Estado é pessoa
jurídica e pessoa politica, dando ao ultimo qualificativo uma
significão, seo opposta, certamente, differente da do pri-
meiro. Isto vem de dous elementos tradicionaes, subsistentes
no pensamento e na linguagem dos autores : 1" a presnpposição
de que a ordem judica se reíere somente ás relões e factos
de natureza privada, isto é, regidos pelo non do direito civil;
2° a força de reminisncia, ainda predominante nos espíritos,
da conceão antiga do Estado, que faz ver nelle um poder in-
condicional, irresponsável... De maneira que, mesmo agora,
— 267 —
depois de recebido e preconisado o novo dogma do Estado de
direito (der Bechtsstaat), ainda assim, se procura manter
para o mesmo, embora á sombra de distincções, mais ou menos
subtis, ao menos em parte, a sua antiga omnipotência, a velha
doutrina da sua irresponsabilidade.
Diz-se: o Estado não é pessoa jurídica somente, elle é
também um poder politico, soberano, fora ou acima da ordem
jurídica.
Mas como, perguntamos nós ? Pois num ente de direito,
"Rechtsstaat", ha algum poder ou força, que escape aos prin-
cípios ou ás regras do direito? A idéa moderna do direito, de
certo, não se compadece com o império de taes anomalias.
E aliás, no próprio direito antigo estavam consagrados
os bons preceitos, que são a razão e vida do próprio direito : «
Honeste vivere, alterum non laidere, suum cuigue tribuere ».
Fazer o que é licito ou legal, não offender a outrem,
dar a cada um o que é seu; eis ahi os preceitos do direito, que
cumpre a todos observar, ou se trate de pessoa particular ou de
pessoa publica. E nada obsta dizer: "qui suo jure utitur
nemineni lasdit"; porque no uso do mais incontestável direito,
como é, por exemplo, o direito de legitima defesa, se pode lesar
o direito objectivo de outrem, e dahi a necessidade de prestar-
lhe uma reparação, ainda que, somente limitada...
Esta pretenção de subtrahir o Estado, pessoa jurídica e de
creação humana, como as demais, á responsabilidade relativa
á certa ordem de actos, obedece ainda, como dissemos, & con
ceão histórica do Estado-pocia ou Estado-autocrata da anti
guidade ; mas semelhante concepção é evidentemente incapaz
de explicar o Estado democrático moderno, o qual é essencial
mente um sujeito de direito. Elle ê hoje, como os indivíduos,
um ente responsável dos próprios actos. I
Não se nega, qne assim como os indivíduos, no uso de certos
direitos, guardados os limites postos na lei positiva, se podem
— 268
considerar irresponsáveis erga omnes; assim também, o Estado,
no uso de certos poderes ou direitos discricionários, guardada a
extensão que a sua lei fundamental lhe reconhece, pode ou deve
ser tido igualmente, como irresponsável. Fora disto, porém, a
sua responsabilidade deve ser a regra, como se diria de qualquer
outra pessoa, physica ou jurídica.
Conforme aos princípios modernos, o direito é, paia os
povos civilisados, a regra geral de conducta de todas as pessoas
singulares ou collectivas, publicas ou privadas, seja qual fôr o
aspecto de extensão e poder, pelo qual se manifestem na ordem
social. O que, aliás, diremos tamm desde , não exclue, por
modo algum, as regalias, isenções e privilégios, que devam, por
ventura, pertencer ao Estado, em vista dos seus grandes fins,
como poder supremo da collectívidade.
83
81
Precisamos insistir neste ponto.—B' descabida a pretenção de que o
Estado-ente-politico deixa de ser, ao mesmo tempo, ente-juridico ou sujeito
de direito. Não ha duas pessoas differentes no Estado, mas, tão somente,
duas iuncções, que se consideram distinctas, numa só e mesma entidade. Si
ó certo, que o representante do Estado-ente-politico pode ser irresponsável
pelos seus actos, isto é, não sujeito á coerção de outro poder, como se dá a
respeito do corpo legislativo, isso não quer dizer, que o Estado também seja
por isto sempre irresponsável por semelhantes actos. Segundo vimos, a
própria lei, dada a sua execução, e provado, que ella envolve uma lesão de
direito, pode constituir uma obrigação contra o Estado de indemnizar a
lesão feita. Portanto, deste ou daquelle modo, qualquer que seja a funcção
do Estado, é preciso ver sempre nelle um ente jurídico por ex-cellencia, o
mais elevado órgão do direito da conectividade, a qual se corporifica no
mesmo.
Beferindo-se ã objecção dos que pretendem, que as obrigações do
Estado são de natureza simplesmente moral, por não poder haver contra o
mesmo uma coerção judicial, Zacharíae faz ver que o conceito do direito
não se contem somente nesta coerção. Si assim fosse, também não haveria
um direito de Estado (garhein Staatsrechi); mas, apenas, uma moral de
Estado (Staatsmoral), não passando as saas "constituições" de catechis-
roos de deveres para com o próximo (von 8. g. Liébespflichten). O autor,
porém, sustenta ao contrario, que a relação entre o Estado e os seus mem-
bros, entrando no conceito do direito, e como tal se exteriorisando, envolve
— 269 —
58 b.—Como toda pessoa jurídica, o Estado precisa inevi-
tavelmente de pessoas physicas que, como órgãos, funcciona-Inos,
ou debaixo de outro qualquer titulo, manifestem a sua vontade e os
actos consequentes desta; e como o que se offerece á observação
commum, é a direcção ou execução de serviços por pessoas
physicas em nome e por conta de outrem, não se pôde desconhecer,
que o vinculo existente entre o Estado e os seus funccionarios é de
natureza análoga aos institutos do mandato e do institorio,**
consagrados no direito privado. Entretanto, a despeito dessa
analogia, nem o mandato nem o institorio seriam capazes de
explicar a relação, que se entre o Estado e o fane-cionario; o
instituto capaz de fazel-o é o da representação, a qual se differencia
dos dous primeiros por mais de uma razão. Em primeiro logar, o
mandatum e o institorium se constituem pela vontade livre do
mandans ou do dominus negotii, em contrario do que suecede com
a representação, que resulta, como necessidade, da própria
natureza do representado, isto é, da qualidade especifica da pessoa
jurídica. Depois, o funecionario publico, sabidamente, não é um
procurador, commissario ou preposto de certo negocio ou operação,
segundo os poderes particulares que lhe foram outorgados por
outrem:—os poderes que elle tem ou exerce, não
obrigações subtrahidas ao arbítrio ou â boa vontade; e que supposto o súb-
dito nao possa, em muitos casos, proseguir nos seus direitos por maneira
coercitiva em vista da natureza do Estado; oomtudo, isso nao dirime
o seu direito de reclamação pecuniária (vermõgensrechtlkhe Ansprikhe),
a qual se pode. fundar nos simples preceitos do direito privado, quer tenha
ella uma origem stato-juridien, quando resulta de um acto de poder pu-
blico, quer se baseie, por si mesma,num principio de idêntica natureza.—
Ob. cit, ps. 614-616.
84
Para abreviar, diremos institorio, em vez de relação insiitoria. Nao
mencionámos também a locação de serviços, porque, segundo se tem enten-
dido, ella nao é mais, do que uma das formas do mandato remunerado, do
mesmo modo. que a commwo é uma escie de institorio (Inst. Jusiin.
L III, M. XXVI, §13).
270
os recebera directamente do representado, embora deste rece-
besse o titulo (a. nomeação), e sim, da própria lei, regra obri-
gatória de conducta para ambos. A representação tamm se
particularisa pela maneira, porque se forma a vontade do re-
presentado, como mais adiante se verá. I Do facto, patente,
indiscutível, de que o Estado se manifesta, quer, delibera, e
funeciona, pelos actos de seus representantes ou funecionarios,
também não é licito affirmar, como fez Saredo, q o
funecionario não é o representante, nem o mandatário, nem o
commissionado do Estado, mas o próprio Estado em acção, ou na
sua própria linguagem: « o ministro é o Estado que governa, o
prefeito é o Estado que administra ; o magistrado é o Estado que
exercita a jurisdicção; o intendente de finança é o Estado que
arrecada e paga; o professor é o Estado que ensina; em menos
palavras, o funecionario não é um individuo, é uma funeção
».
84a
M E' evidente, que si esta fosse a verdade, a única conse-
quência lógica a tirar seria, irrecusavelmente, a de que o Estado
é o único responsável por todos os actos, legaes ou illegaes,
lícitos ou illicitos, praticados pelo funecionario, cuja individua-
lidade desapparece. No entanto, o iIlustre autor, apezar da sua
concepção tão radical acerca da relação existente entre o Es-
tado e o funecionario, não duvidou, ao contrario, distinguir os
actos deste, entre os «jure et non jure », para, desfarte, declarar
os primeiros, como actos do Estado, e os segundos, não;
porque, adverte elle, nestes é o individuo, e não mais o fune-
cionario, que tem violado a lei, que lhe cumpria observar, e por-
tanto, pelo mesmo deve responder somente, como por um facto
seu próprio!
M
M
» Giuseppo Saredo, La nuova Legge mala Animitiitilrazione comunale ?
provincial*, n. 1493. Torino, 1892.
88
Loe. cit., 11. 1494.
~ 271 —
Nem as premissas, nem a conclusão do autor são verda-
deiras, e, por isto, incapazes da menor procedência. O Estado
não se confunde com o individuo, que o representa, nem tão
pouco, é uma simples abstraão. Gomo toda pessoa juridica, tem
uma existência real, (p. 59); é uma organização necessária a
vida dos povos, que se revela pelo complexo dos poderes que o
constituem, e pela acção e funcções constantes desses poderes.
Portanto, sem á necessidade de nenhuma demonstração especial
acerca daquillo, que todos conhecem, sabem e sentem, se pode
affirmar que o Estado ê uma entidade própria, perfeita, distincta
dos indivíduos, por meio dos quaes delibera e age nas suas múl-
tiplas relações.
86
Com effeito, o Estado, que dieta as leis, que
nomeia os seus funecionarios, e lhes marca os limites das respe-
ctivas attribuições,—não se pode, em verdade, confundir com
os indivíduos, que elle autoriza a agir na qualidade de seus
representantes; e supposto que o acto do representante, como
tal, deva ser considerado, como acto do representado, comtudo,
este subsiste, como personalidade distincta, em relão aos ter-
ceiros.
37
E é precisamente nisto, accentúa Chironi, que con-
siste o instituto da representação, a qual, bem comprehendida
na sua essência, no seu alcance e effeitos, faz cessar todas as
dificuldades, occorrentes na explicação da responsabilidade do
Estado pelos actos dos seus funecionarios;—dispensando, con-
seguintemente por inúteis, os sy st emas das chamadas distinc-
ções, ora dos actos segundo á sua natureza (p. 146), em actos
de gestão e actos de imrio, ora dos agentes, em óros e fune-
cionarios ou instrumentos (p. 260). À figura da representação
nada ofierece de difficil, sendo, como é, a simples explicação
natural dos próprios factos, que todos reconhecem: a vontade do
representante se compenetra da vontade do representado, e por
86
Vide: Chironi, Colpa Çkmtrattuale. n. 225 e sg.
87
Loo. cit.
— 272
isso, nas relações que contrahe, nos actos que effectua, é sempre
-
este ultimo, quem age; a vontade do representado apparece na
vontade do intermediário, e por isso, os terceiros, nas relações
com este, o obrigam, e se obrigam, directamente com aquelle.
Pelo que, dizendo-se que o acto do funccionario é acto do pró-
prio Estado, affirma-se realmente, o que ha de mais exacto,—
considerando-se o acto do representante, como acto do repre-
sentado. Mas inferir dahi a confusão das vontades e das pessoas,
no intuito de significar que só existe o representante, "é um
resultado excessivo, e repugnante á razão jurídica da represen-
tação"
88
; além de que, se cairia, desde logo, na contradicção
manifesta de suppor-se um representante, agindo em nome de
outro, sem, entretanto, haver um representado!.. ,
89
H o
declarámos, e ainda agora insistimos, que o instituto da
representação deve aqui ser entendido na verdadeira signifi-
cação, que lhe é strictamente própria e peculiar.
58 c.— Não se ignora que a palavra " representação' \ to-
mada na sua accepção commum, exprime a relão, em que um
individuo age por outro, fazendo-lhe ás vezes em dado fim ou
mister; e neste sentido, tanto o mandatário ou proposto, como o
curador, o tutor, etc, são considerados representantes. Mas não
é desta accepção geral ou commum, de que ora se trata, porém,
sim, da significação especial ou technica, que lhe deve caber,
para o fim de particularisar um instituto jnridico, que não tem
no direito positivo nenhum outro qualificativo, que seja capaz
de exprimil-o.
REPRESENTAÇÃO é o modo o voluntário, mas necessário, de
exprimir a vontade e de agir em nome de outro, que não pode
ou é incapaz de fazel-o por si mesmo. Tal o caracter da repre-
88
Chironi, loc. cit., p. 517.
89
Vide-.Ibidem, p. 482-83.
— 273
sentarão das pessoas jurídicas, sejam de caracter publico ou pri-
vado, E' uma necessidade, que entra na constituição da própria
pessoa; e alem disto, emquanto nas representações comumns do
mandato ou do institorio, o representante é um órgão, por assim
dizer, passivo, porque recebe a vontade expressa do representado,
que lhe cumpre executar ; na representação especial da pessoa
jurídica, pelo contrario, elle é um órgão actwo, a quem compete
formular e exprimir por si mesmo a própria vontade do
representado -, não sendo, por conseguinte, adstrido como o
mandatário e o preposto, a fazer, somente, certos negócios ou
actos, nomeadamente designados, e sim, podendo agir igualmente
em casos diversos, indeterminados, as vezes mesmo, não previstos,
desde que occorram na esphera da sua competência, directamente
recebida da lei. Este modo de ver sobre a representação especial da
pessoa jurídica confere com a lição seguida por Grierke a esse
respeito.
90
Pode-se sem duvida faliar também aqui, diz Grierke, de uma
representação (Vertretung), visto como o órgão não é a corporação
(associação), e apenas, funcciona em determinada esphera, como
instrumento da unidade essencial immanente no organismo social.
Mas esta relação representativa é especifica-
9)
Quaes são os representantes do Estado? Todos aquelles que, em
virtude de titulo legitimo, exercem um poder ou parcella de poder publico,
ou desempenham uma funcçao ou serviço do Estado. Uns tem e exercem
esse poder ou funcçao em primeira linha sem dependência hierarchica, e
por isto, sao chamados órgãos (nota 13, p. 101); outros tem e exercem o seu
poder ou funcçao, por nomeação ou investidura directa dos primeiros, ou
já de outros, dependentes daquelles: são os diversos funocionarios, agentes
e prepostos dos vários serviços nos seus differentes gràos e hierarchias.
Como se vê, a questão é de esphera ou de gr ao, maior ou menor, do res-
pectivo poder ou funcçao; mas, naanalyse do facto, todos elles representam
o Estado, embora paroellarmente, nas attribuições ou serviços que desem-
penham. E daqui também a razão, pela qual o Estado deve responder pelos
actos de todos elles, os quaes sao, nada mais/nada menos, do que os ele-
mentos essenciaes da sua própria existência.
18 R. c.
— 274
mente differente de qualquer outra imaginável entre as pessoas
individuaes; quasi não tem modelo fora da esphera das pessoas
colleetivas...
Designando a representação de uma pessoa individual pela
denominação de " Stellvertretung", e a da pessoa collectiva pela
de " Organscliaft," Gierke assignala, que a vontade e a acção da
sociedade se manifestam, como comprovação vivida (ais Le-
bensbethãtigung) da personalidade immanente no ser collectivo,
a qual se torna effectiva na ordem jurídica, por meio do seu
órgão externo, nomeado conforme o direito... Ao contrario do
que succede nas demais representações, o ser collectivo tem em
cada órgão um pedaço de si mesmo; como personalidade volente
e agente, elle se involve inteiramente no seu próprio órgão: e
como uwtodo, é representado pela parte, do mesmo modo, que é
por ella, que se torna effectiva a vida unificada do todo.— Das
Gemeinivesen bezitzt vielmehr in jeden Organ ein StueJc semér
selbst, es deckt sieh ais wollende u liandelnde Persõriliehkeit
vollJcommen mit dem dobei fungirendem Organ, es wi ah
Games durch den Theil insoweit dargestellt, ais ében durch diesen
Theil das einheitliche Lében des Games sich voUzieht.
91
Donde resulta que, no circulo da actividade do órgão, que
é o próprio da pessoa jurídica, éesta quem, pelo seu órgão, quer
eage; assim como, consequentemente, o que antes de tudo, é in-
dispensável á pessoa jurídica, é a coexistência de um órgão legal
da mesma. De facto, este é creado, como parte integrante, na
própria constituição da pessoa jurídica; e, desde que é uma mo-
dalidade permanente do próprio ser, deve ser considerado um in-
stituto particular de toda associação juridicamente organisada
(Jedes Organ ist ais stândige Daseinsmoãalitàt eines rechtlich
normirten socialen rpers ein besonderes Rechtsinstitut). Fora
dahi se pôde dar um contracto de commissão, de mandato ou de
91
erke, Die Genossenschaftstheoríe, p. 623-625.
— 275 —
locação de serviços, mas, nunca, a constituição de um órgão
(niemáls aber eine Organstellung).
92
\]
Não è mister insistir sobre este ponto; porque a verdade, qae
nelle se contém, assenta em razões irrecusáveis. Mas, precisamente,
por assim pensar, não podemos deixar de fazer, ainda que de
passagem, um breve reparo sobre certas afirmações in-tercorrentes
do prof. Cliironi, à cuja autoridade, aliás, nos temos tantas vezes
abrigado.
De inteiro accôrdo com as suas idéas, afirmando que| '
nelVazione dei rappresentante s'impersona il rappresentato che lo
HA POSTO IN SUA VECE E LOOGO, in modo da doversi ritenere opera
própria quanto quetto faceia nei limiti delle incumbenze ricevute, e
dichiarate; e pe nei rapporti costituti dal rappre»\ sentante
domina la sola persona dei rappresentato, contro il quale può
essere direitamente instituita ogni azione di responsabilitá per
danno''; todavia, não nos é possível acompanhal-o, quando elle, em
vez de firmar-se, de preferencia, na representação, como instituto
distincto per se, ao contrario, persiste em doutrinar que as figuras
do mandato, do institorio ou da locação, serão capazes de explicar a
relação entre o Estado e o funecionario nos
93
B' de advertir, que Gierke usa da palavra órgãos, para designar
os diversos representantes da pessoa jurídica em geral, eada um, segundo
a sua competência, e não, como uma espécie distincta de funecionarios da
mesma. — Ob. cit., p. 686 sg.; Hic, p. 49 nota.
Michoud também entende, que se podem designar os representan-
tes da pessoa juridica pelo nome de órgãos, comtanto que se marque bem
a differença entre estes órgãos e os da pessoa pkysica. Nesta, diz elle,
não é o órgão, é a própria pessoa, que tem a vontade e a intelligeneia, o
órgão é apenas o seu instrumento passivo. Na pessoa moral (juridica) suc-
cede precisamente o inverso: não é a pessoa, é o órgão, quem quére age,
e este órgão é elle próprio uma pessoa. Donde esta consequência: que, para
attribuir-se a sua acção ao ente moral representado, e não a si próprio,
precisa escolher, entre os seus actos, os que lhe cabem, como pessoaes, e
os que devem ser attribuidos a outrem. — Berne du Droit Public, 1.111, p.
416 sg,; Idem, La Notion depersonalitémorale, p. 62-63.
— 276
diferentes casos. Com effeito, segando Chironi, quer o f uncciona-
rio se ache nas condições de " rappresentama vera o própria " ;
quer nas de simples "rappresentama in genere"
93
, a sua relação
é, em certos casos, a do mandato, e em outros, a da locação de
serviços; mas, em qualquer kypothese, tratando-se de res-
ponsabilidade pelas culpas de seus representantes, o Estado tem
a figura de committente, e os seus funccionarios a de prepostos
(commessi), que agem dentro dos limites das attribuições que
lhes foram conferidas....
94
Não obstante o valor da autoridade, que assim o affirma, e
de outras não menos valiosas nos domínios da sciencia jurídica,'
—não nos podemos submetter; porque a lição da theoria não
confere com a verdade do facto. As relações do mandato e da lo-
cação de serviços, consagrados no direito privado, não bastam,
certamente, para explicar a relação jurídica especial que se
entre o Estado e o funccionario. E' uma relação sui generis; e
por isto mesmo requer um instituto, que lhe seja peculiar; e este,
segundo ficou demonstrado, é o da representação.
58 d.—A vantagem de particularisar a figura da repre-
sentão, como instituto especial, é manifesta. Cessariam no todo
as incertezas, que a applicação analógica de outros institutos
(mandato, commissão, etc.) acarreta inevitavelmente, no exame
e solução dos casos differentes; porquanto, uma vez bem defi-
nido e comprehendido o conceito da relação, que se entre o
representante e o representado-pessoa jurídica; isto é, firmada a
regra, de que todos os actos do primeiro são de considerar actos
do segundo, desappareceria também a necessidade de
81
Chironi, Colpa Contrattuale, ns. 210 sg. e 227. Hic, à pagina 148,
se disse, quando se dá uma e outra dessas representações.
94
Como se vio, Meucci professa ignal dootrina. - Diritto Atninistrativo,
p. 264 sg.;-Hic, p. 189.
— 277 —
indagação previa da culpa, fonte sabida das maiores dificulda-
des. Os factos lícitos ou illicitos dos representantes são actos
do representado, eis a regra geral. Dir-se-ha, que ba nisto uma
ficção, mas, como bem se advertira, é uma ficção que está na
representação ; e nem essa se realmente, si se pensar que, o
attribuir ao representado a acção do representante, como tal, ê
a explicação do conceito jurídico, que se contém no instituto,
affirmativo da possibilidade jurídica de querer, de modo, que a
vontade própria seja juridicamente a vontade de outrem.
95
Trata-se de uma construcção, aliás admittida com relação
& responsabilidade das pessoas judicas em geral; conseguinte-
mente, também applicavel ao Estado, no caso, em que lhe deva
caber a responsabilidade civil pelos actos de seus representantes.
A circumstancia de os funccionarios terem funcções e poderes
differentes, nada impede que todos elles sejam representantes
do Estado nos limites dos seus cargos ou attribuições.
96
A representão, encabeçada no funccionario, é em tudo
análoga, quasi idêntica, à que compete ao tutor, curador e
outros representantes de caracter semelhante, ainda que diffe-
reavel nos modos de exercício, ou nos poderes, faculdades e
privilégios, maiores ou menores, segundo a qualidade do repre-
sentante ; porquanto aquellas espécies de representação resul-
tam, como a da pessoa jurídica, não da vontade exclusiva do
representado, mas como necessidade, das condições particula-
res da pessoa deste, sob a sancção immediata da lei.
Finalmente, desde que o acto do funccionario ou repre-
sentante do Estado é como si fora acto do próprio Estado, fica
também assim determinado, de maneira concludente, o elemento
subjectivo da responsabilidade do ultimo pelas lesões resultan-
tes dos actos do primeiro.
w
Chironi, Colpa Extracontrattuále, n.236. Torino, 1903.
86
Chironi, loe. cit. —Cf. Windscheid, ob. oit., §§ 73-74.
— 278
Resta-nos, agora, tratar do segundo elemento (demento
objectivo) de dita responsabilidade.
I 58 e.— O objecto da lesão deve ser um direito individual, na
verdadeira significação desse vocábulo; um simples interesse, ou,
mesmo, o chamado direito cm espectaiiva, embora realmente
prejudicado por actos da administração publica, não pode con-
stituir o objecto em questão.
Nem sempre será fácil affirmar, que um acto do poder
publico ou do funccionario seja uma violação indiscutível do
direito individual; mas o critério no caso não deve ser outro,
seo, o da exisncia de um direito objectivo adquirido, e, como
tal, reconhecido na lei vigente. Quer dizer, como direito adqui-
rido pode ser entendido aquelle, cujo sujeito possa fazel-o
valer ou reparar por um remédio legal, tamm existente.
97
Isto posto, entramos, desde já, no ponto principal da con-
trovérsia, a saber: si, dada a violação de um direito individual,
verdadeiramente assim considerado, este só facto basta para
constituir o segundo elemento concorrente da responsabilidade
civil, independentemente da condição de culpa, als, declarada
necessária, segundo os princípios do direito privado.
Certo, o critério determinante da responsabilidade em di-
reito privado consiste na condição de o individuo haver agido
fora da esphera do próprio direito: "qui suo jure utitur nemini
injuriam facere videtur";—donde a distincção conhecida entre
damno jurídico e damno material.
Semelhante critério, porém, não duvidaríamos antecipar,
não pode ser applicavel aos actos da administração publica; por-
que os motivos, que levam a indemnisar os damnos provenientes
de taes actos, se derivam de outras fontes, como por exemplo,
das razões de equilíbrio social do bem estar commum, e que
97
Chironi, ob. cit., n. 231.
— 279 —
se. não podem, de modo algum, coordenar nessa distincção do
direito civil entre damno material e damno jurídico.
98
Não é que, considerando-se este, como damno resarcivel, e
aquelle, como não-resarcivel, diz Vacchelli, tamm não possa
haver, pelo que respeita aos actos da administração, um damno
jurídico e um damno material; mas uma tal separação se deve-
ria fazer segundo critérios totalmente differentes. Desde que no
damno, praticado pelo representante do Estado, não é essencial
verificar si aquelle agira, ou não, dentro da esphera do direito,
para então decidir da responsabilidade, por ventura, cadente
sobre o Estado, deixam de ter applicação ao mesmo as disposi-
ções relativas à culpa e ao dolo, e que formam, por assim dizer,
o esqueleto da responsabilidade civil ordiria. De facto, accres-
centa o citado autor, as indagações sobre as condições da volun-
tariedade do facto e sobre a conformidade da vontade com a lei
tornam-se accessorias, quando a razão da responsabilidade se
origina de um principio objectivo, isto é, da exisncia do damno,
o qual, por motivos de equilibrio e de justiça distribuitiva, se
mostre, realmente, digno de ser reparado."
A voluntariedade, ou melhor dizendo, a relação de causali-
dade, que liga o acto da administração á consequência determi-
nante do damno, pôde servir, talvez, para distinguir a respon-
sabilidade própria, da imprópria; mas é no todo evidente, que
o motivo especifico da indemnisação não reside nesta condão.
Oonseguintemente, é licito repetir que, emquanto a responsabi-
lidade ordinária procede potencialmente das condições subjecti-
vas do agente e estende-se depois, mais ou menos, às segundas
das condições (objectivas) do damno, efectivamente causado; a
responsabilidade civil da administração publica ou Estado, pelo
88
Vacchelli, La responsabilitâ civile delia pubblica amminitirazione, p.
150 seg. — Milano, 1892.
99
Loo. eit., p. 152.
— 280
contrario, parte das condições objectivas do damno, e chega in-
directamente às condições subjectivas da responsabilidade o a
imputabilidade.
10
° De modo que, segundo as razões expostas, e
pela analogia que se observa entre a responsabilidade admi-
nistrativa e a funcção reparatória, se podia dizer que a indem-
nisação, por parte da administração pnblica, tamm se dá, sem
o concurso da voluntariedade, e pela condição de haver um
damno verificado ; ao passo que a vontade e a consciência do
facto são condições necessárias, para que se possa cogitar de
indemnisação na responsabilidade de direito commum. Sendo,
portanto, igualmente de concluir que, emquanto na responsa-
bilidade civil ordinária a base, que prevalece, é de força sub-
jectiva; ao envéz, na responsabilidade civil especifica da admi-
nistração publica ou do Estado, o que prepondera, é o caracter
objectivo da mesma responsabilidade.
101
Tal, é o modo, claro, lógico, e preciso, pelo qual Vac-
chelli encara a questão da responsabilidade do Estado: o seu
ponto de partida é, como se deduz da sua exposição, a causali-
dade do acto, e não a culpabilidade, ainda que esta ultima possa
concorrer com a primeira em differentes casos.
Por nossa parte, acceitamos esta doutrina, como ensina-
mento de toda razão e justiça na matéria.
58 f.— Nem de outro modo, ajuntámos nós, se poderia co-
gitar seriamente de uma responsabilidade civil do Estado, affir-
mada com o valor de um principio jurídico. Ninguém ignora que
o Estado pelos amplos poderes, de que é institucionalmente re-
vestido em attençâo á diversidade dos próprios fins, de lesar
os direitos dos indivíduos, não só, por actos exorbitantes das
normas legaes, mas ainda, sabidamente, se conservando dentro
i°o Loo. cit, p. 153.
101
Ibidem.
— 281 —
delias, ou mesmo, procedendo rigorosamente de accordo ou em
cumprimento das próprias leis... Mas, porque as lesões da
segunda escie são provenientes de actos legítimos ou prati-
cados sem culpa, isto deverá importar para o Estado a não-
obrigação absoluta de indemnisar taes lesões? Não pôde ser;
seria violar abertamente a regra fundamental da justiça.
E porque sustentar essa theoria em principio, como tantos
outros tem feito, quando ella é a todo momento repudiada, cada
vez mais, pelos exemplos frequentes da pratica? O Estado, seja-
nos licito repetir, não lesa somente os direitos dos indivíduos,
por meio de actos illegaes ou illicites dos seus representantes ;
elle os pôde lesar igualmente no exercício de inteira legalidade:
a) quando pratica desapropriações por utilidade publica; b)
quando adopta e executa medidas, as mais legitimas, de
segurança publica, defesa sanitária, e semelhantes; c) quando
ordena a detenção de indivíduos suspeitos de crimes; á) quando
ordena a apprehensão ou sequestro de bens ou valores, e os faz
guardar em depósitos blicos ou particulares; e) quando faz
executar obras publicas necessárias aos seus fins diversos ; etc,
etc. Ora, não é preciso insistir que, destes e de outros] actos
semelhantes, se de originar lesões, as vezes grassimas. dos
direitos individuaes. Mas, si para que recaia sobre o Estado a
obrigação de reparai-as, fosse sempre necessária a condição
concorrente da illegalidade do acto ou de uma culpa subjectiva;
melhor fora declarar, desde logo. a o-possibilidade dessa obri-
gação. ..
Ainda que fundando-se em razão differente, a dizer, que o
Estado, sendo uma pura abstracção, não pode estar em culpa,
L. Duguit afflrma entretanto, que no direito moderno não ha
correspondência exacta entre a responsabilidade civil e a culpa,
exprimindo-se, a esse propósito, pela maneira seguinte: I
« La theorie de la responsabUité ttmcl de plus en plus á se
resumer en cette proposition: lorsqu'un acte, accompli en vie du
— 282 —
but auquel est affecté nn certain patrimoine, produit une di-
minution de valenr dana nn antre patrimoine, 1'équilibre doit être
rétabli, le patrimoine affecté au but en vue dnquel 1'acte était
accompli, doit snpporter une diminntion equivalente à celle que
1'acte a occasionée à 1'autre patrimoine, et celui-ci doit recevoir
le montant de cette diminntion. Aínsi la notion\ de faute
personnelle disparait peu â peu du domaine de la re-sponsabilité
civile, pour faire place aux notions du but e de risque... Nous
n'avons point à rechercher dans quel cas 1'Etat est responsable.
Mais, snpposé qu'il soit responsable, la cause de cette
responsabilité ne peut' être une faute. Toutes les contro-verses,
que se sont élevées sur le point de savoir si les fautes commises
por les agents de l'Etat peuvent être considerées comme fautes de
1'Etat, toutes les theories qni veulent distinguer suivant que la
faute est commise parun organe ou préposé, et, | suivant les cas,
parlent d'une responsabilité directe ou d'une responsabilité
indirecte de 1'Etat, sont sans objet et sans por-tée. II n'y a pas
lieu non pias de distinguer, comme on le fait cependant á peu
prés unanimement, les cas ou, aucune faute ntant commise, les
agents del'Etat ont agit réguliérement dans les limites de leur
compétence, et ceux oú une faute a été commise par un agent. Si
1'Etat est responsable, le fondement de cette responsabilité doit
être toujours le même; il ne peut être que celui-ci: lorsqu' un
acte, accompli en voe du but que poursuit 1'Etat et auquel sont
aftectés les biens composant ce qu'on appelle le patrimoine de
1'Etat, produit pour une cause quelconqne une diminution dans
la valeur d'un patrimoine affecté á nn but individuei, il fant que
cette diminntion soit réparée sur le patrimoine de 1'Etat. Cette
idée générale recevra forcément, dans 1' application, une serie
indefínie de va-riations; mais elle forme toujours le príncipe
essentiel sur lequel doit réposer la responsabilité de 1'Etat. II
serait facile de montrer que les décisions de la loi et de
lajurisprudence françaises se conforment de plns en plus ã cette
conception.
102
I 58 g.—Nesta breve transcrípção se contém realmente toda
verdade sobre a questão no seu actual momento. Delia se
102
L. Dugn.it, L'Etat, les gouvernenants et les agents, p. 635.-36.
Paris, 1903. Cf. Saleilles, Les accidents de travou, et la responsabilité
civile. 1897 : Bonnier, ISevolutimi de Vie de responsabilité', —1898;
Hauriou, Droit Administratif (edic. de 1900), etc, ete.
— 283 —
que, em se tratando da responsabilidade civil do Estado ou de
outra qualquer administração publica, a lesão do direito obje
ctivo, devidamente verificada, pode ser admittida, como razão
determinante de dita responsabilidade, sem indagar previamente
da condição concorrente de illegalidade ou de culpa por parte
do respectivo agente. I
I Esta tkeoria, que cada dia mais prepondera, é a única capaz
de offerecer razão ou argumento, sobre o qual se possa apoiar a
acção extraordinariamente crescente do Estado moderno, sem, por
isso, serem sacrificados os direitos dos indiduos particulares .
o se nega, que a culpa do agente deva concorrer em de*
terminadas escies, como elemento indispenvel, para ter logar
a responsabilidade civil. O que combatemos, e por certo não
admittimos, é, que a culpa seja sempre condição necessária,
para que se possa cogitar da responsabilidade civil do Estado.
No mais, somos dos primeiros a reconhecer, não só, que ha actos
positivos dos funccionarios, que só serão susceptíveis de respon-
sabilidade, havendo culpa por parte dos mesmos, como notada-
mente,que, nos casos de omissão, si o se provar uma culpa
concorrente do funccionario, semelhante responsabilidade de-
vera ser totalmente excluída.
Quando se tem entre os olhos um acto positivo, dos pró-
prios e tf eitos deste se verifica, si houve realmente a violação de
um direito individuai, e de nada mais ha mister, para examinar
o caso e apurar de lie a responsabilidade do agente, que o pra-
ticou, directamente por si ou por intermédio de outrem.
Na omissão, porém, a cousa é sabidamente diversa. Não
ha uma violação positiva por meio de acto ou facto ; ao contra-
rio, ha a ausência destes- Daqui a necessidade de adoptar cri*
terio differente na averiguação da responsabilidade, que por-
ventura exista, quanto ã supposta ou allegada lesão do alheio
direito. E esse critério, outro não poderia ser, senão, a prova
— 284 —
de negligencia ou de culpa na omissão do acto, que devia ser
praticado, isto é, o Estado só deve responder pelo damno alle-
gado em caso de omissão, quando se houver verificado que a
omissão do seu representante fora proposital, culposa ou dolosa.
Bem se com prebende, sem haver mister de dar a demon-
stração, que, si assim não fora, o Estado ver-se-hia obrigado a
responder por tudo quanto os seus representantes deixassem de
attender na esphera das suas attribuiçoes, si cada individuo
entendesse ou pretextasse, que dahi proviera uma lesão ou
damno aos seus direitos...
Mas basta suppol-o, para regeitar, desde logo, como impra-
ticável ou absurdo!
Concluindo, pois, aqui a primeira das questões que nos
propuzemos (p. 266), podemos dizer: o fundamento judico da
responsabilidade assenta: primeiro, na causalidade, e não, na
culpabilidade; depoÍ3, na leo effectiva de um direito, realmente
adquirido.
A causalidade tem a sua explicação natural e fácil no prin-
cipio da representação, segundo a qual, o Estado é a causa efi-
ciente do acto lesivo, por tel-o querido e praticado pelo seu func-
cionario ou representante.
Quanto ao direito lesado, cumpre apenas indagar, si, nas
circumstancias do caso, o mesmo direito não se achava porven-
tura sujeito ao precário de poder ser desattendido ou violado,
justificadamente, pelo representante do Estado. Em relação a
este particular, teremos de dizer na ultima parte deste capitulo.
jj II.—DIREITO REGULADOR DA MATÉRIA
59. Longa e persistente tem sido, e continua a ser, a
discussão entre os doutos sobre o ponto especial de saber, qual
o direito que deve reger a matéria da responsabilidade civil da
— 285 —
administração publica ou Estado, pelos actos lesivos dos seus
funccionarios: si o direito privado ou commum, si o direito publico,
cada um delles de maneira exclusiva; ou si ambos con-junctamente,
e em que casos e condições determinantes.
Procuraremos dizer, apenas, o indispensável a esse respeito,
evitando, o mais possivel, os numerosissimos meandros da
controvérsia.
Uma vez admittida, em principio, a responsabilidade civil
pelos damnos resultantes das funcções publicas, ê no direito pri-
vado ou commum, que se tem ido, de preferencia, buscar o texto
expresso ou a sua applicaçâo analógica, para servir de sancção a
obrigação de indemnisar, recadente sobre o agente, directo ou
indirecto, do acto damnificante. Trata-se de uma verdade de facto,
attestada pela jurisprudência dos diversos Estados, e que será fácil
de verificar da lição de autores da maior competência.
108
59 a.— Partindo da natureza exclusiva do facto, o damno
(ãamnwm injuria datum ou damnum ahsque injuria datum), e sem
cogitar da qualidade ou condições especiaes, que concorram no seu
agente, como succede com o funccionario publico,
103
Bonasi, ob. cit., ns. 25 sg.— Vacchelli, ob. cit., p. 96-99.
Este ultimo autor faz uma indagação retrospectiva sobre o que se
deve entender por direito commum; concluindo que o mesmo comprehende,
tanto o direito publico, como o direito privado, e isto, diz elle, se da notada-
mente na legislação francesa, italiana, belga, sueca, hollandeza e ingleza.
Não omittira, porém, que, na pratica, na doutrina e na jurisprudência ho-
dierna, se da á essa palavra um significado incerto e indefinido, alguns
confundindo-o com o direito civil, outros com o complexo da legislão vi-
gente, e ainda alguns com as normas geraes do direito e com os princípios
da equidade. (Loc. cit., p. 57-72). No presente trabalho a expreso, direito
commum, é empregada na sua acce&o, mais usual, como synonymo de
direito privado ou civil, incluindo neste, não só, a legislação codificada,
como, a não codificada desta natureza.
— 286 —
afirmam alguns, que a questão da responsabilidade civil não
pode deixar de pertencer á esphera do direito privado, ao qual
compete, verdadeiramente, não só, definir odamno, mas ainda
juntamente, regular-lhe os effeítos, quaesquer que sejam os seus
casos ou espécies differentes.
10
*
Não se pode dizer, que esta affirmação careça, no todo, de
razão ou fundamento. I
Mas, com o aprofundar os elementos, que caracterisam e de-
terminam as funcções publicas para, desfarte, melhor conhecer e
julgar das relações existentes entre o Estado e os seus funccio-
narios, e entre estes e os indivíduos particulares, surgira muito
naturalmente a duvida,— si o direito privado é, com effeito,
próprio ou capaz de reger taes relações, offereeendo, por si só, a
sancção conveniente para todas as consequências jurídicas,
delias resultantes. Áos olhos da critica não podia, certamente,
escapar que, na decisão da matéria, não basta attender ao facto
do damno em si, feito com ou sem culpa, segundo se observa nos
actos de individuo á individuo; mas que é mister verificar ao
mesmo tempo, si o acto arguido, tendo por agente o Estado ou
um funccionario deste, deve ou pode ser legitimamente 'regulado
pelas disposições exclusivas do direito privado, como succede
com os actos dos demais sujeitos desse direito. A importância
da duvida se impõe por si mesma; e dahi o interesse, com que os
competentes se tem proposto elucidai-a. 11 — Entre os que
pretendem, que a questão pertence, por completo, ao domínio do
direito privado, e os que consideram inadmisvel ou menos
correcto, sujeitar o Estado ao domínio desse direito, apparecera
nm grupo de*permeio, o qual, distinguindo os actos do Estado
em duas categorias, actos susceptíveis de responsabilidade, e
actos não-susceptiveis de respon-
104
Vide: Bonasi, loc. eit., ns. 148 sg., 181 8g., 187 sg. — Vacchelli,
loc. cit., p. 98-99.
— 287 —
sabilidade, se supz na posse da verdadeira solução, - - decla-
rando os primeiros, inteiramente regulados pelo direito privado,
e os segundos, pertencentes à esphera exclusiva do direito pu-
blico. Esta tbeoria, ainda que ora considerada sob aspecto ou
fim differente, é a mesma, que distingue os actos públicos, em
actos de gestão e actos de império, e da qual se fez a devida
menção em outra parte. Subsistem, portanto, contra ella as
mesmas objecções adduzidas, sem a necessidade de as repetir
neste lugar.
106
Loening preopinando, como já vimos, que se deve distin-
guir, entre a responsabilidade do Estado pelos actos e omissões
illegaes dos seus funccionarios, como representantes do Fisco,
commettidas nas relações puramente de direito privado, e a
responsabilidade do Estado pelos actos e omissões illegaes dos
seus funccionarios, commettidas no exercício do poder publico
contra os bditos do Estado (gegen die der Staatsgelt TJn-
terworfenen), ajuntara, ao mesmo tempo: que o Estado, como
Fisco, estando sujeito â autoridade do direito privado, é, se-
gundo os princípios deste direito, que cumpre determinar,— si,
e até onde—deve aquelle responder pelos seus funccionarios ;
e que do mesmo modo, é nos princípios do direito publico (nach
Orundsàtzen des Staatsrechts), que se deve indagar, si o Estado
responde igualmente pelos seus funccionarios, quando estes le-
sam aos mesmos súbditos, usando ou excercendo, por modo ille-
gal, os direitos de poder publico.
106
Mas, si acompanharmos ao autor citado na própria apre-
ciação dos factos, que devem ser decididos segundo as regras
de um ou outro desses direitos, chegaremos à convicção, de que
105
Vide: Vacchelli, loc. oit., p. 111-112. Este autor indica os erros e|
as consequências desastrosas dessa doutrina na jurisprudência italiana.
106
Loening, Die Haftung des Staats, p. 51-53 sg. e p. 93. Cf. Otto
Mayer, ob. oit., § 53.
»*
— 288 1
ambos elles carecem, ao menos por ora, de disposições, <$u|i
v
-
possam ser applicadas, com precisão e conveniência, aos casos
diversos de responsabilidade, porventura, proveniente doa refe-j
ridos factos. Emquanto de um lado, o direito privado, pelo seu
destino próprio e limitado, que é o de reger as relações dos ind di
vi duos particulares, por isso, não pode satisfazer, por com-
pleto, aos casos em que taes relações se dão entre elles e as pes-
soas do direito publico, como é o Estado, mesmo sob o aspecto
de Fisco, visto a não-identidade das condições; de outro lado, o
direito publico, qual tem sido até agora comprehendido e for-
mulado,
107
carece, sabidamente, de normas precisas, oapazes de
resguardar os direitos dos particulares nos numerosos actos de
poder publico, que os podem lesar, mas, sem ao mesmo tempo
enfraquecerem ou prejudicarem a energia e extensão do mesmo
poder, exigidas pelos interesses da causa publica nas variadís-
simas circumstancias da vida social.
59 b.—Ainda, pelo que respeita, em particular, ao direito
privado, mesmo suppondo que as suas disposições fossem bas-
tantes e inteiramente applicaveis ás responsabilidades diversas
da administração publica patrimonial (Fisco), e ás relações pro-
venientes de contracto ou quasi contracto, ainda assim, não é
menos certo, que taes disposições seriam no todo insuficientes,
em se tratando de actos extra-contractuaes, a dizer, dos actos
illicitos dos funccionarios do Estado.
108
Basta attender, que o fundamento da responsabilidade por
direito commum, resultante do damno, é um presupposto da
igualdade do direito; partindo, conseguintemente, do principio,
107
O direito publico, em grande parte, e considerado de origem recente,
e ainda incerto em alguns dos seus pontos. Vacchelli, loc. cit., p. 98.
103
Como se terá notado, a mor parte dos autores, ao tratar da res-
ponsabilidade civil, se occupam, de preferencia ou exclusivamente, da res-
ponsabilidade proveniente dos actos illegaes ou illicitos.
ii
^:.vi
— 289 ~
que cada um é obrigado a reparar quanto de prejuízo causar &
outrem com o facto próprio. Donde os dons grandes postulados
desta theoria: um relativa á razão subjectiva de exigir a com-
pensação do damno sofrido; o outro, determinante da origem
do critério na avaliação do damno de maneira correspondente.
Ou enunciando o mesmo pensamento em termos mais claros:
para que um damno possa constituir responsabilidade civil em
direito commum, é necessário que concorram estes requisitos:
1) imputabilidade por dolo ou culpa no agente, isto é, exercício
da actividade deste fora do circulo legal das suas funcções o
que se indica pela formula usual de acto illieito); 2) uma lesão
effectiva naquelle que pretende haver soffrido o damno. Dadas
estas condições, se tem a verdadeira responsabilidade civil,
segundo o direito commum; faltando, porém, uma delias, se te,
ao envéz, uma responsabilidade civil anormal, isto é, fundada
em outros critérios.
109
Ora, não é preciso repetir ou demonstrar no momento, que
nas relações entre o Estado e os indivíduos particulares, nem é
licito pretender, como condição sempre existente, a da igualdade
do direito, nem tão pouco, que o Estado ou os funccionarios
deste, por se conservarem no circulo legitimo das suas attri-
buições, o possam, por isto, causar lees positivas aos direitos
individuaes. Os factos se encarregam de comprovar o contrario,
—mesmo deixando fora da nossa considerão actual o requisito
da culpa, tido como essencial á responsabilidade civil no direito
commum ou privado.
Alem disto, como se poderia suppor matéria de direito pri-
vado, o verificar si os funccionarios, nos actos arguidos, pro-
cederam, ou não, dentro dos limites do seu poder, autoridade
ou jurisdicção, ou na forma declarada nas leis especiaes, ou
09
Vacchelli, lòc. oit., p. 100-102.
19 R. c.
— 290 —
ainda, em obediência âs ordens ou instrucções recebidas dos
seus superiores hierarchicos ?
Referindo-se á deficiência manifesta do direito commum
neste ponto em particular, Vacclielli insistira: Examinando o
facto da administração publica, quando esta opera nos limites
das próprias attribuições, e confrontando-o com os requisitos da
responsabilidade civil ordinária, não será difficil evidenciar, que
nelle falta absolutamente, não já, o principio da im-putabilidade
ou do damno effectivo, pelo qual se dão, todavia, exemplos de
responsabilidades anormaes, mas também ainda, um outro e
mais importante elemento, isto é, o do facto Ulicito, queremos
dizer, do acto effectuado fora do exercício dos poderes próprios.
A menos que o facto não seja assimilável á uma pura relação de
direito privado, ha ausência absoluta deste segundo requisito;
podendo-se affirmar, como regra, que, sempre que a
administração usa de seus poderes discricionaes, deixa de existir
a rao de responsabilidade segundo o direito commum.
110
E dahi,
os resultados dissatisfactorios, a que se tem chegado : ou a
conclusão lógica, mas injusta, da irresponsabilidade do Estado
por taes actos, como pretendem fazer Gabba, Mantellini e
outros; ou a animação theorica de dita responsabilidade, mas
sem se poder precisar o cânon jurídico da sua sancção, como se
apura das idéas sustentadas por Bonasi, Meucci, Giorgio e
outros
m
, relativamente aos actos alludidos.
Por ultimo, não precisa relembrar que, para sujeitar a acção
ou omissão do funccionario publico ás regras do direito privado,
seria mister vêr nelle o mandatário, o preposio (institor), ou o
locador de serviços, segundo os princípios que regulam taes
institutos neste direito; cousa difficilima, senão, impossível,
110
Loe. cit.
111
Loc. cit., p. 103.
— 291 —
por não se verificarem, entre o Estado e o funccionario, as
mesmas ou idênticas relações que se dão entre o mandante e o
mandatário, e entre o ãominus negotii e o seu preposto, como
tantas vezes se tem demonstrado.
Não desconhecemos com certeza a objeão de que, si ditas
relações o correspondem ás dos institutos indicados do direito
privado, ficarão,neste caso, sem assento em direito positivo...
Mas a objecção o procede inteiramente. A relação especifica
entre Estado e funccionario se explica, como se disse, pela
figura da representação, tomada no seu sentido próprio ou re-
stricto (p. 272), e não se pôde negar que esta, considerada como
género, é um instituto consagrado no direito positivo, publico
e privado.— "Representar" éa expressão jurídica, geralmente
recebida para significar que alguém age em nome de outrem.
O que resta, pois, a fazer, o é trabalho difficil. Seria simples-
mente declarar, por disposições expressas, o caracter e a signi-
ficação especial do instituto da representação, relativamente ás
pessoas jurídicas e â outras, incapazes de manifestar, por si
mesmas, a própria vontade. Não ê preciso lembrar, que a juris-
pruncia assim tem feito e continua a fazel-o nos conside-
randos de suas decisões, isto é, applicando aos casos sujeitos
os princípios análogos da representação, no seu sentido geral
ou ordinário; e quando estes o tem base apparente nos textos
positivos, ella applica-os, mesmo, ev equo et bono, para o fim de
amparar os direitos individuaes contra os actos arbitrários e
lesivos das autoridades do Estado.
11
'
2
112
o se ignora, que a responsabilidade civil extra-contractual, pro-
veniente dos actos de funceionarios, tem sido reconhecida pela jurispru-
ncia da França e Itália, de accôrdo com as disposições do direito privado
(arts. 1384 do código civil francez e 1151 do código civil italiano); ainda
que o precisamos aoorescentar, quanto incerta, inorgânica e duvidosa
se tem mostrado essa jurisprudência, simplesmente fundada por analogia
nas disposições alludidas!...
— 292 —
60.—Verificado, que nos princípios do direito privado so-
mente, não se encontra sancção própria, adequada, para resolver
sobre os actos lesivos do Estado, mesmo quando fosse admissível
a distincção dos mesmos, em actos de natureza privada (de
gestão) e actos de autoridade ou poder publico (de império);
passemos a examinar do mesmo modo, si o direito publico actual
seria capaz de fornecer normas mais certas ou mais ajustadas ao
problema da responsabilidade civil do Estado sobre os actos, que
se passam dentro da sua esphera em particular.
Debaixo do ponto de vista, que nos occupa, direito publico
é synonymo de direito do Estado (direito publico, stricto
senm).
m
Portanto, para bem elucidar a questão da responsabi-
lidade civil do Estado, não será descabido relembrar, muito em-
bora por um simples lançar de vista, o que seja Estado. Grande
associação natural, necessária, composta de innumeros indiví-
duos, que formam igualmente múltiplas associações menores ao
seio delia, o Estado, não obstante servir-se dos indivíduos ou
dessas outras associações, como seus membros, óros ou re-
presentantes ; todavia, se manifesta, como entidade collectiva
distincta, com autoridade sobre todos elles, e com fancção ou
vida, sua própria; ao mesmo tempo, que todos os indivíduos ou
associações particulares, que o compõem e lhe servem de mem-
bros ou representantes, subsistem junta e simultaneamente,
como sujeitos de direitos próprios, independentes do Estado.
Cumpre ao direito dar as normas, que devem reger o com-
plexo de relações dessas differentes entidades, constituindo um
todo, mas, realmente, diferençáveis, umas das outras, e
autónomas nas espheras jurídicas, que lhes são peculiares.
Consagrando, como se sabe, a igualdade de direito dos in-
divíduos particulares, o direito commum ou privado se propõe
113
M. Hauriou, Precis de droit administratif, " Avertissement", XII
Paris, 1893.
— 293 —
regular as relações existentes entre os mesmos, e o faz sem
duvida de maneira, que se considera satisfactoria, no estado
actual da nossa evolução jurídica. Ha, porém, a considerar os
dous outros lados, que a associação-Estado nos revela, a dizer:
o das relações do Estado com os individuos, seus pprios repre-
sentantes; e o das relações do Estado com os individuos, sujei-
tos distinctos de direitos, em confronto com direitos ou poderes
do próprio Estado. Pertence à esta ordem dupla de relações os
actos do Estado, dos quaes lhe pode provir uma responsabilidade
civil, quando forem, por ventura, lesivos de direitos individuaes.
Mas, assim delimitado o terreno, dentro do qual se tem de
dar a alludida responsabilidade, não fora licito confundil-a
na mesma categoria da responsabilidade civil ordinária do di-
reito commum, como se disse; e nem tão pouco, bastará consi-
deral-a, como uma escie anormal dessa responsabilidade, cara-
cterizada, analogicamente, pelos princípios do referido direito,
como se tem feito, ou insinuado frequentemente. o, por certo.
Os phenomenos jurídicos e os factos constantes, que occorrem
nas relações indicadas são de natureza e índole tão especificas,
que reclamam um critério próprio, e organicamente coordenado
de modo a poder dar origem à institutos aunomos.
114
Portanto,
si debalde, se procura encontrar a satisfação desta necessidade
judica nonon do direito commum, diz Vacchelli, cumpre
proseguir de indagação em indagação; porque a solão do
problema se ha de achar com certeza nos princípios ou dis-
posições geraes, sobre as quaes assentam os dous ramos maiores
do direito, a dizer, o direito publico e o direito privado.
Fallando, no momento, do direito publico, a parte deste, que
se refere, de maneira mais directa, ás relações do Estado com
os individuos, é, segundo as constituições dos Estados livres
modernos, a que geralmente se intitula: "garantias consti-
114
Vacchelli, ob. oit., p. 128.
— 294
tucionaes", ou " declaração de direitos ". São tkeses ou prin-
cípios geraes, muitas vezes, incompletos nos seus dizeres; mas,
em cuja conformidade cabe ao poder publico agir, afim de que os
seus actos, qualquer que seja a superioridade de intuito, resal-
vem sempre os direitos dos indivíduos, a quem possam attingir
ou interessar. A dificuldade está no harmonisar, em dados casos,
o exercício do poder publico ou a acção soberana do Estado,
motivada pelo interesse geral collectivo, com a tutela igualmente
devida ao direito individual, de modo que, nem aquella seja
obstada, entorpecida na sua energia e efficàcia, nem este, lesado
ou sacrificado sem que, pelo menos, assista ao seu titular um
remédio legal para obter a reparação devida. E não basta que
esta segunda exigência se limite a um simples postulado de jus-
tiça; é preciso haver uma sancção positiva de direito, que assim
o declare e affirme, em relação aos casos occorrentes.
Onde, porém, encontrai-a no corpo do direito publico vi-
gente?
60 a.Os que admittem a responsabilidade civil, sem ir
pedir argumentos, deste ou daquelle modo, ao próprio direito
privado, procuram fundamental-a, de preferencia, na nomeação
do fnnccionario pelo Estado, da qual si, de um lado. resulta o
dever de obediência ao mesmo por parte dos indivíduos particu-
lares, é de justiça que, do outro, resulte também para o Estado o
dever de garantia aos direitos individuaes, indemnisando-os, na
hypothese de serem lesados pelos actos do fnnccionario, seu
representante.
Igualmente se tem procurado fundar dita responsabilidade
no fim principal, senão essencial, da existência do Estado, a
dizer, na sua qualidade de protector dos direitos de todos quan-
tos pertencem á collectividade.
Mas a critica, por sua vez, se tem esforçado para demons-
trar que taes fundamentos são irrelevantes, e mais ainda: —
— 295 —
que, "nem da idéa do Estado e dos funccionarios em si, nem da
de súbditos para com o poder publico, nem finalmente, da ppria
necessidade de justiça, procede logicamente a responsabilidade
geral do Estado pelos actos de seus funccionarios".
116
Já em outra parte tivemos ensejo de apreciar o valor destes
e outros argumentos, relativos á questão, e não precisamos mais
insistir no que então fora assentado, como de melhor acerto. O
que importa agora é saber, quaes seriara as disposições po-
sitivas, reguladoras da mencionada responsabilidade nos casos
diversos, em que ella tivesse, por ventura, logar conforme os
princípios do direito publico.
o é preciso relembrar que no corpo actual deste direito
não se encontram disposições positivas, bastantes, ou capazes
de regular tão importante matéria.
E, por outro lado, pergunta-se: partindo mesmo dos prin~
cipios do direito publico, seria licito ir pedir igualmente ás
analogias do direito privado, declaradamente carecedoras da
paritas raiionis, as razões de decidir sobre a responsabilidade
civil do Estado, proveniente de actos, que são aliás de consi-
derar inteiramente fora da alçada deste ultimo direito?...
As lições da jurisprudência acerca deste ponto fundamen-
tal deixam vêr que esta, na mór-parte dos Estados, se tem
baseado, conforme já ficou dito, ora nos simples princípios da
justiça natural e ora em argumentos tirados, por analogia, do
direito commura, principalmente do direito romano, para,
dest'arte. proteger os direitos dos indivíduos contra os actos
lesivos do Estado, sob o ponto de vista da indemnisação dos
mesmos direitos.
116
Mas é manifesto, que nada disto satisfaz ao actual momento
jurídico. Desde que existem direitos individuaes, certos, indis-
115
Loening, ob. oit,, p. 134-135 ; Htc, p. 165 sg.
116
Solari, ob. oit., p. 93.
— 296 —
outiveis, 09 quaes podem ser lesados pelos actos do Estado, isto
é, dos funccionarios, representantes do Estado, é imprescindível
existir tamm um complexo de disposições de direito, certas,
firmes, normaes, positivas, que regulem as relações con-
cernentes, do mesmo modo, que o direito civil o faz a respeito
dos direitos e obrigações dos indivíduos particulares entre si.
E para co,nseguil-o seria mister: ou integrar o cânon do di-
reito privado, incluindo ahi os casos de responsabilidade civil
das pessoas do direito publico, mas sob as condições especiaes
desta responsabilidade, certamente distinctas, das condições da
culpa subjectiva, exigidas no direito civil actual; ou então, e
talvez com maior conveniência e acerto, formular um novo ramo
especial do direito, que viesse regular esta parte importantíssima
da ordem jurídica.
R E porque o fazel-o? Matéria de tamanha relevância não
pôde, nem deve ficar, no todo, á intelligencia, qnasi sempre varia,
dos tribunaes de justiça, queremos dizer, ao ageitamento, feito
por analogia ou interpretação, mais ou menos feliz, das simples
disposições geraes de direito, como em geral tem acontecido.
« Al certo sabe desideràbbile che una legge venisse a regu-
lar e símile gravíssima maria, la cui difficul non deve esimere
il legislatore dallo affrontarla; allora avrèbbero fine i vivaci ãi-
batiti delia scienza e le sconfortanti incertezze delia giurispru-
denza »
m
.
A este propósito disse Vacchelli : Si a necessidade de
affirmar a preeminência do interesse publico sobre o interesse
privado deve, não obstante, ajustar-se ao fim, também próprio
do Estado, de causar aos particulares o menor damno possível ;
é lógico deduzir, que as funcções publicas deveriam andar
acompanhadas de disposições relativas â responsabilidade pelos
117
D. Solari, La responsabilitã delia pubblica amministrotione, pagi-
nas, 107-118.—Cf. Palazzo, ob. cit., p. 49 sg. e 58 sg.
— 297 —
damnos e prejuizos, a que podessem dar logar ; razão porque
sobreleva repetir, que, dado o systema do direito moderno, é
necessário desenvolver um organismo de institutos que regu-
lem a responsabilidade da administração publica. Assim não se
fazendo, ou continuará o estado actnal de cousas, a dizer, de
uma jurisprudência, que applica semelhante responsabilidade
dentro de limites mal seguros e mal definidos, soccorrendo - se
aos critérios do direito privado,—ou então, se negara toda res-
ponsabilidade por parte da administração, não se podendo dar
aão contra a mesma, ã falta do substracto indispensável de um
direito fundado era lei.
118
Com effeito, em vista da experiência crescente dos factos,
não ha mais quem desconha a necessidade de substituir o
lato arbítrio, deixado ã jurisprudência, pela affirmação positiva
de disposições, que venham regular, de modo certo e explicito,
a obrigação do Estado para com os indivíduos, resultante dos
actos lesivos dos seus funccionarios, quer ditos actos sejam le*
gaes ou illegaes, quer citos ou illicitos, isto é, feitos com culpa,
ou isentos inteiramente delia.
60 b.—No entender de alguns, o theor das disposições,
que acabamos de declarar necessárias, existe, ou deve existir
no direito administrativo. Porque, si este é, como se ensina, o
complexo de regras que regem os direitos do Estado quanto á
organisação e funccionamento dos serviços blicos; e si os
direitos do Estado, no seu exercício, se tem de encontrar, ã cada
momento, com os direitos pessoaes e reaes dos cidadãos; não
seria possível fixar o alcance do direito administrativo, sem, pri-
meiro, conhecer os direitos dos cidaos; do mesmo modo, que
será impossível ter uma idéa exacta dos direitos destes últimos,
118
Vaceheli, ob. oit., p. 183-184.
— 298 —
sem saber também quaes os limites, que podem ser legitimamente
postos á acção administrativa.
119
De nossa parte, nada oppôremos a este medo de vêr sobre a
comprehensão do direito administrativo.
Observamos, porém, que o mais importante não é verificar
technicamente, á qual deve caber, de preferencia, si ao direito
administrativo, ou si ao direito civil, essa parte complementar do
direito positivo, de que ora nos estamos occupando; o que cumpre, é,
antes de tudo, satisfazer devidamente ao que se impõe, como uma
necessidade ou razão institucional da própria ordem jurídica, isto é:
desde que ha um direito lesado, o Estado, como órgão e tutor do
direito, deve também ter uma sancção positiva, sob a qual se
restabeleça o direito offendido, ou, ao menos, se offereça ao seu
titular a devida reparação. Esta sancção não se encontra, por certo, no
actual direito administrativo, de maneira completa e satisfactoria.
110a
119
Hauriou, loc. cit.
119
a
Acceitando-se, porventura, o ensinamento de que no escopo do di-
reito administrativo se coniprehendem todos os institutos jurídicos, por meio
dos quaes, o Estado realisa o seu flui primário, a dizer, a tutela do direito ;
daquelle escopo deverá fazer parte integrante o complexo de princípios e
disposições que regulam a actividade do Estado, concernente às suas
relações, consideradas de ordem ou de direito commum, taes como:—as
que se referem á propriedade e outros direitos reaes, ás obrigações, ás suc-
cessões, á exploração de servos industriaes, etc, e bem assim, as que, muito
embora o sendo de considerar da esphera do direito commum, (os actos
de governo ou de autoridade publica) se mostram, todavia, capazes do lesar
os direitos individuaes, "si et in quantum " incidam na hypothese cogitada.
—Dizendo mais claro, quanto a este ultimo ponto: os princípios ou dis-
posições, relativas aos actos e funcções publicas, quacsquer que sejam,
susceptíveis de fazer o Estado responsável por obrigações resultantes : 1)
do contractos ou quasi contractos ; 2) de delictos ou quasi-delictos dos seus
funccionarios, de maneira directa ou indirecta, solidaria ou subsidiaria,
segundo os casos e oircumstancias. Vide : Orlando, PrincipH di diritto
amministrat.vo, ns. 14, e 18-24. — Pirenze, 1902.
— 299 —
As disposições e princípios, que devem completar o direito
positivo nesta parte, qualquer que seja o titulo, debaixo do qual
appareçam, hão de constituir, em nosso pensar, um ramo mixto
do respectivo direito; porque mixta é a natureza das relações de
que se trata: publicas, emquanto se referem ao Estado ou aos
íunccionarios, na qualidade de representantes do Estado ;
privadas, emquanto se referem ao valor de damnos ou lesões de
direitos, pertencentes a indivíduos privados.
Nenhuma opposição radical lia, nem podia haver, entre o
direito publico e o direito privado, que obste á que princípios e
disposições, explicitas ou implícitas, de um e de outro, se com-
binem, se harmonisem, ou se completem reciprocamente, con-
stituindo um ramo especial do direito, que regule, dentro de
domínio próprio, estas relações judicas de natureza manifesta-
mente mixta, que se dão entre o Estado e os indivíduos, quanto
as lesões causadas peio primeiro aos direitos dos segundos. Pelo
contrario, a melhor presumpção é, que semelhante direito es-
pecial deve existir, muito embora ainda esparso-, nos
textos do direito civil ou commum, nas garantias constitu-
cionaes ou princípios do direito publico,—em leis administra-
tivas especiaes, ou mesmo, nos costumes, e nas máximas ge-
raes, consagradas na pratica do direito e da justiça.
E é, sem duvida, em virtude desta sua existência, reco-
nhecida na consciência judica da communhão social, que os
lesados pelos representantes do Estado se tem apresentado aos
tribunaes pedindo a justa reparação de seus direitos, e estes os
attendem, fundando-se em disposições, expressas, ou não, do
direito vigente. Suppor, doutro modo, a ausência completa de
direito positivo nos seus julgamentos, seria emprestar aos tri-
bunaes a faculdade, discricionária e perigosa, de crear a lei
para os casos sujeitos, usurpando as funcções do legislador...
Urge, porém, coordenal-o, corporifical-o de modo claro, nas
suas normas e condições próprias.
— 300
E si esta falta se torna sensível nos Estados, nos quaes,
como succedeno Brazil, os próprios tribunaes judiciários podem
julgar das lesões de direitos individuaes, invocando directamente
os textos do direito publico, fácil é suppor, que muito maior será
o seu inconveniente, em se tratando de Estados, nos quaes uma
jurisdicção contenciosa administrativa disputa, parallelamente ao
judiciário, o direito de conhecer e decidir, de preferencia, sobre
os actos diversos do Governo e da administração publica.
Na verdade, assim como o direito judiciário, se destacando
do tronco commum, passou a constituir um ramo de direito in-
dependente, assim também se podia agora fazei-o, ou crean-
do-se o direito administrativo civil (titulo indicado por certos
autores), ou completando nesta parte o campo de attribui-ção do
direito administrativo actual, para bem corresponder ao objecto e
fim importanssimo que lhe é assignalado, conforme os votos dos
mais autorisados cultores da sciencia do direito.
12
°
Neste ramo ou parte especial do direito, cuja organização
se patenteia cada dia mais urgente, em vista da interferência,
sempre crescente, do Estado moderno na ordem social, não é
preciso dizer, se devera começar por bem definir, não só, o
instituto especial da representação, que caracterisa a relação
existente entre o Estado e os seus funccionarios, na sua natureza
e effeitos jurídicos, —mas juntamente, as condições normaes,
segundo as quaes, uma lesão objectiva dos direitos individuaes
seja capaz de crear a responsabilidade civil do Estado; não,
partindo-se da necessidade da culpa subjectiva somente, mas,
preferentemente, da causalidade do acto, como melhor convém
á natureza especifica do serviço publico e do respectivo agente.
ião Meueci chama-lhe direito civil especial (ob. cit., p. 185 sg); Pa-
lazzo,jus singulare (ob. cit., p. 74,76 sg); Ugo Porte,diritto civile amminis-
trativo, "che attende ancora la sua codifloazione giusta i voti pia aotorevoli
dei cultori delia scicnza" ; apud Solari, ob. cit., p. 128.
— 301 —
60 G. Ao findar este ponto, seja-nos permittido fazer uma
adverncia: —no que ora vimos de dizer quanto ao direito admi-
nistrativo em especial, prestamos, apenas, obedncia ao ensina-
mento da escola, consagrando distinão rigorosa entre os ramos
do direito publico e do direito privado, para o fim de attribuir
ao primeiro as matérias concernentes aos direitos ou interesses
do Estado ; porquanto, ao nosso modo de ver particular,
nenhuma objecção essencial existe, para que a responsabilidade
civil do Estado não possa ser devidamente regulada pelas dis-
posições do direito civil, como aliás se verifica ser a tendência
dos códigos modernos. Não procede o argumento, tantas vezes,
allegado, de que o Estado, —ente público ou politico, não deve
ser sujeito às disposições do direito privado: em primeiro logar,
porque, não se ignora, que o direito privado, do mesmo modo,
que o direito publico, são estatuídos pelo próprio Estado; con-
seguintemente, em ambas as hypotheses, este respeitaria â uma
disposição legal, sua própria; depois, desde que, na satisfação
de um damno, a questão a ventilar e decidir é, antes de tudo, de
natureza jurídica, parece que a mesma teria assento mais
consentâneo com os princípios, —si a responsabilidade do
agente fosse apreciada aos olhos do direito civil, abstracção
feita, si et in quantum, da maior ou menor importância da pes-
soa jurídica do mesmo agente.
Certo, dadas as disposições deficientes do direito civil
actual, semelhante responsabilidade pode ter ahi sancção, por
meio das analogias do mandato ou da prepositúra, as quaes,
como vimos, não correspondem â verdade dos factos sujeitos ;
mas, uma vez consagrada no corpo deste direito A REPRESEN-
TAÇÃO, como instituto especial, regulador exclusivo dos actos,
lícitos ou illicitos, da pessoa jurídica em geral, e das que lhe
o semelhantes, isto é, das pessoas que agem necessariamente
por meio de representantes, "EX VI LEGIS ", e não por acto da
vontade livre dos representados, com os e{feitos próprios desse
— 302
instituto;—desapparecida ficaria toda a necessidade de dispo-
sições do direito público ou administrativo, que outros conside-
ram peculiares á solução do assumpto.
E deste modo cessaria no todo a incerteza enorme, que
reina em tão importante matéria, com grave desprestigio, não
só, para acção do Estado, como também, para os interesses da
justiça; desprestigio, sobretudo, oriundo de tantas decisões dis-
paratadas, que a jurisprudência dos diversos Estados offerece a
esse respeito.
121
Todos, quantos tem estudado este assumpto, reconhecem
essa lacuna prejudicial do direito positivo, e lamentam deveras
o triste descuido, que continua haver sobre a sua satisfação.
m
III. LIMITAÇÃO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE
61. Para podermos apreciar devidamente a matéria
complexa deste ponto em particular, tirando depois as conclu-
sões parciaes ou geraes, que temos em mente, é indispensável
começar por avivar, ainda que nas suas grandes linhas somente,
os factos e argumentos principaes, relativos ao próprio conceito
politico-juridico do Estado.
121
Vide: Orlando, loc. oit., ns. 21 sg. e 631 sg.
O que existe até agora não satisfaz de modo algum. A excepção dos
damnos provenientes da desapropriação por utilidade publica, e de algumas
disposições especiaes sobre a matéria de obras publicas ou de certos servi-
ços industriaes do Estado, aliás, incompletas e sem obedecerem a nenhum
principio geral, se pode affirniar,. que nada mais ha, expressamente decla-
rad \ sobre tão importante ramo de direito. E dahi os critérios estranhos
e incongruentes, ora adoptados, ora repellidos, pela jurisprudência. Vide :
Vaccheili, loc. cit., p. 96, e 104 sg.
122
Chironi, Colpa Contrattuale, n. 234 ; Vaccheili, loc. cit., p. 95 sg.
113 e 117 etc.;Orlando, loc. oit., n. 631 sg.; Solari, loc. cit., p. 107 sg.;
—Giorgio Giorgi, DelU Obbligazíoni, t. V, n. 358.
— 303 —
A concepção do Estado moderno sendo a de um ente de
direito (Rechtsstaat), a dizer, de uma entidade que existe pelo
direito e para os fins de direito, daqui resulta logicamente a res-
ponsabilidade geral do mesmo, ao menos em principio, pelos
effeitos de seus actos, que, porventura, damnitiquem ao alheio
direito. Com effeito, si a sua missão essencial ê, antes de tudo,
a tutela e garantia dos direitos da collectiv idade e de cada um
dos que entram nella, ê evidente que, dada a violação de taes
direitos por actos do próprio Estado, a responsabilidade deste
deve ser a regra; ainda que, em vista de motivos e considera-
ções concorrentes de igual força, se devam conjunctamente ad-
mittir numerosos casos de excepção ao principio de semelhante
responsabilidade. Este pensamento pode ser ainda expresso em
termos mais breves: no Bcchtsstaat, como se qualifica o Estado
constitucional moderno, toda a lesão verificada de um direito
objectivo deve ser reparada; eis o preceito geral; o qual, não
obstante poderá deixar de prevalecer: ou si a lesão se dér por
culpa do lesado (sibi imputei); ou si, por um principio superior
inherente ao próprio fim do Estado e reconhecido, explicita ou
implicitamente, pelo direito positivo, fôr de admittir a discri-
ção ou irresponsabilidade do Estado relativamente ao acto ou
íacto, de que se tratar.
Ora, é dever, que semelhante postulado jurídico o se po-
dia outr'ora apresentar ao espirito do philosopho e do jurista,—
quando o Estado era considerado o simples património do prín-
cipe, ou quando elle se confundia com a pessoa do monarcha, e
os direitos dos indivíduos eram tidos, como actos de graça ou
concessões do régio poder.
61 a.—No Estado Romano, a despeito do aperfeiçoamento,
a que attingiram as suas letras jurídicas, pareceria repugnante
com os prinpios do direito commum dominante, que ao indivi-
duo coubesse ''jure próprio'' o poder de accionar o Estado ou
— 304 —
a administração publica, em virtude da lesão de um direito seu,
próprio. Acceita a regra, « quod principi placuit, legis lábet vi-
gorem »,
m
e sendo de considerar na pessoa do príncipe a pessoa
do Estado ou o poder publico personificado, fora lógico admittir
igualmente que, pelos actos do seu funccionario ou represen-
tante, jamais lhe podésse ser imputada injuria ou obrigação con-
sequente. Eram, sob este aspecto, actos sempre legítimos, feitos
na supposição do bem commum, no qual se incluía justamente o
dos indivíduos, a quem taes actos pudessem, porventura, pa-
recer lesivos; dahi, como corollario: Qux jure
:
potestatis á
magistra tu fiunt ad injuriar um actionem nonpertinent... Is qui
jure publico utitur, non viãetur injuriai facienãce causa hoe
facere; júris enim executio non habet iujuriam.
m
E' desne-
cessário lembrar que, em direito romano, a palavra injuria
(como synonimo de culpa) era essencial á existência jurídica do
damno.
No Estado medieval, no qual as noções dos direitos iudi-
viduaes, como que desapparecidas ou apagadas, foram substi-
tuídas pelas idéas feudaes de soberano e vassallo, seria impossí-
vel cogitar igualmente da existência de uma obrigação jurídica
do Estado (ou do soberano) para com o individuo ; quando, ao
123
Inst. Justin., I. I, tit. III, 5.
134
Dig. I. XLVII, tit. X, 13, §§ 1 e 6. A regra era, que o lesado só
tinha acção de reparação contra o funccionario (o magistrado inclusive), cujo
processo corria, alias, perante a autoridade civil ordinária. Só mais tarde,
nos tempos do Baixo-Imperio, também se entendeu de equidade que, quando
a lesão fosse feita por um funccionario subalterno, o qual ordinariamente
não possuía meios de reparar o damno, a respectiva responsabilidade se
podesse também estender, não, contra o Estado, mas conjunctamente contra
o funccionario superior, que houvesse nomeado o subalterno em questão.
Para que o funccionario superior fosse, todavia, declarado co-responsavel,
era mister que tivesse concorrido dolo ou negligencia na nomeação ou es-
colha do funccionario inferior. Cod. I. IX, tit. XXVII, 1; Nov. Just. 82,
c. 7; Cf. Bellavite, loc. cit., p. 33, 35 e 53-61; Lcening, ob. cit., p. 24 sg.
Sobre este ponto é de lembrar o quese disse anteriormente (nio,p. 119-120).
— 305 —
contrario, se sabe que a liberdade, os bens, e quaesquer outros
interesses legítimos do mesmo, singularmente considerado, não
passavam de cousas, das quaes o soberano do feudo podia dispor,
como lhe aprouvesse, o , em nome do bem commuin, mas
ainda, em nome dos .interesses da sua família ou do simples
capricho pessoal...
E' certo, que mesmo na idade média já se encontra, com os
visos de doutrina corrente, a de que a conectividade devia res-
ponder pelos damnos causados por alguns dos seus membros.
125
Mas, alem de que semelhante doutrina era apenas uma con-
sequência do conceito erróneo, que então se fazia da associa-
ção, desconhecendo-se a distincção de personalidades entre ella
e os indivíduos que a compunham; accresce juntamente que,
segundo os exemplos conhecidos, o é licito affirmar, que a
collectividade se reconhecesse, porventura, obrigada a inde-
mnisar ao individuo, lesado pelos actos de seus representantes,
obedecendo á um principio de justiça, como hoje se pretende,
sob o titulo de responsabilidade civil das administrações
publicas. Tal o era, por forma alguma, o que se continha na
doutrina medieval; o que por ella se ensinava, era o seguinte:
que, considerados os membros de uma collectividade, como por-
ções inseparáveis, integrantes delia, a reparação da lesão cau-
sada pelos mesmos podia ser exigida da collectividade pelos
estranhos prejudicados. De facto, em mais de um caso, então,
assim succedêra, de commuuidade á communidade, de uma
cidade á outra cidade, de município á município, ou mesmo, dos
membros individuaes de umas collectividades em relão aos de
outras. Mas, relativamente ás lesões soffridas pelos próprios in-
divíduos, componentes de uma mesma collectividade, não se
conhecem exemplos, dos quaes se possa inferir, que esta se con-
126 vide: Loening, loc. oit., p. 28, 33 e notas ibi.— Cf. Giorgi, Delle
Persone Giuridiche, t. I, p. 309 sg.
20 «• C.
— 306
siderasse obrigada a nenhuma reparação. Em verdade, a própria idéa
da o-distincção, entre a pessoa do individuo particular é a da
collectividade, devia excluir a existência de toda obrigação jurídica
por parte desta ultima para com o primeiro.
61 b.—Todavia, como os princípios do direito individual e da
justiça são immanentes á vida social, qualquer que seja o governo
dos povos em dada contingência histórica, o facto é: que, ou por uma
applicação extensiva da referida doutrina medieval, muito embora
subordinando dita applicação á condição de se tratar de factos
praticados pelos órgãos da associação; ou por argumentos pedidos
aos textos do próprio direito romano, quiçá susceptíveis de ampliação
analógica; a questão da responsabilidade civil da administração
publica, não só, começara a chamar, desde então, sobre si a attenção
constante dos philosophos e juristas, como ainda, penetrando de mais
a mais na consciência publica, vemol-a realmente acceita, por assim
dizer, â vista do seu simples aspecto de bôa razão e justiça.
186
126
Desde o século 14° apparecem documentos, dos quaes se verifica
que a responsabilidade pelos actos lesivos do Soberano (o Estado existia
então, por assim dizer, na pessoa do Soberano) ou doutros orgáos seme-
lhantes, era ensinada, ainda que dependente de determinadas condições
e circumstancias.
I —Oldradus (Comilia et Quaest. Com.): «An ob delicta administra -
torum vel preesidentiuni puniatnr universitas?... licet ipsi prsesidentes
puniantur, non tamen universitas,NISI MANDARET, VEL RATUM HABERET- ..
Ergo oportet quod hoc delictum pnecedat uuitas consensuum eorum, quide
universitate simul congregatorum tuba sonata vel campana sonata vel alio
tali signo hoc facere deliberantium sunt... Non obstat si DICATUR TENERI
PROPTER FACTUM ADVOCATI ET CONSULUM, QUIA VERE N02T TENETDB OB DE-
LICTUM EORUM » .
I Bartolus {Ad leg. 15 D. de dolo maio; ad leg. 16 § 10 D. de pamis):
« Quíero, an ex delícto offleialium teneatur universitas? verum quod non;
quia universitas non verum mandasse officiali, quod delinquat... et ideo
verum, quod ex facto offlcialis non teneatur, NISI SECDTA BATJHABITIONE
— 307
Com effeito, snpposto não se chegasse, nessa época, a adoptar
nenhum preceito legislativo definido neste sentido-, e, pelo
contrario, os próprios autores, que sustentavam a responsabilidade
civil, não se mostrassem, as vezes, coherentes comsigo mesmos,
ensinando ao mesmo tempo, ora a responsabilidade, ora a
irresponsabilidade do poder publico;
127
comtudo, não se pode
contestar, que aos jurisconsultos mais distinctos da idade média cabe a gloria
de haverem reconhecido, já então,
VEL MANDATO PRECEDENTE
... Illi (rectores, etc.) de universitate possunt
coadunato consilio et campana sonata et similibus dolum coraraittere.
Prosper Farinadas
{Praxis et Theor. Crim,):
« Qaod universitas de-
linquat per snos rectores et gubernatores, negari nonpotest... Et ex rationo
BODIE
universitates- propter eorum delicta scepenumero puniri
ABSQUE CON
-
TROVÉRSIA
VIDEMUS OBSERVATUM »...
Mynsinger
(Sing. Observ. Cent. IV):
«Ergo eònstat, quod-si onmes
vel major pars civinmdelictum aliquid committaat, ipsa civitas sive univer-
sitas deiinqnisse dicatnr, cum civitas nih.il aliad sit quam homines univer-
sitatis »...
A. Gail (De
pace publica):
« Universitas onim nlhil alind est quam
homines universitatis; quldquid igitur homines civltatis deliberato consilio
faciunt, universitas fecisse censetar. »
Baldas
{in Cod. de poena judicio):
« Qasero, nnmquid episcopus
toneatur ds imperifcia vicarii? Resp. non; quia eum prseposuerit justltise fa-
ciendse, et episcopus dedit operam rei Hcitae et consuetse, dam viçariam
ceavit..O bispo só responderia, aocrescentára Baldus, si não fizesse jus-
tiça no caso;—
quia débet esse curiosus, ne cúria sua injustitiam faciat...
Queero, qaod in facfcis extra judiciam namqaid potestas teneatur do deli-ctis
familiaris? Resp. non;
NISI EATENCJS UT EXHIBEAT
,
st
POTEST
,
VEL NISI
MANDAVERIT VEL RATUH HABUERIT.
. Das citações feitas talvez se possa inferir, que nellas se trata de
eommunidades oa associações particulares, ou de indivíduos
não funcckna-
rios blicos
; sabo-se, todavia, que a mesma doutrina,
{embora controversa)
se applicava igualmente a administração publica, notadamente, ãs cidades e
communas, tirando-se principal argumento, na sustentação da responsa-
bilidade contra as mesmas, da "culpa
in eligendo".
Vide: Loening, ob. cit., p.
34-88; Giorgio Gdorgi,
DeUe Personc Qiuriãiche,
t. I, p. 309 eg.; t. III, p.
144 sg. (2.*.ed.).
137
Vide: Giorgio Giorgi, ob. cit., t. UI, p. 137-151.
— 308
os verdadeiros princípios da representação, sobre os quaes as-
senta a theoria hodierna do Estado, relativamente aos actos dos
seus funccionarios e das obrigações dahi resultantes.
Paulus de Castro, distinguindo os actos praticados pelo
funccionario no exercio do cargo, dos actos praticados fora
desse exercício, declarara que a Corporação era responsável
pelos primeiros, mesmo sendo aquelles illicitos, semelhante-
mente ao que se observava no direito romano com o arrematante
dos impostos pelos actos de seus propostos, ou o pater-famílias
pelos actos do filho; não cabendo, porém,nenhnma responsabili-
dade â Corporação, a respeito dos actos do funccionario, quando
praticados extra officium.
128
Ludovicns de Ponte (Pontanns) apoiando-se por analo-
gia nas disposões relativas ao agrimensor (Dig. I. XI, tit. VI,
2, § 1: Si mensor falsum modum dixerit),
129
o qual, como se
sabe, respondia pelos actos dos seus propostos ou auxiliares de
servo, fora ainda mais explicito, do que o autor precedente;
não duvidando mesmo affirmar a responsabilidade da Corporação
(ou administrão publica) pelos actos dos seus funccionarios
em geral, quando praticados com dolo ou culpa...
H Ora, aindaque sem verdadeiro apoio no texto do direito in-
vocado,
180
ahi temos, positivamente, reconhecido o principio da
128
P. de Castro, (Consilia, I): Nam ex malefício offlclalium commísso
super eo ad quod deputati sunt, seu iu offlcio ejus commísso, tonotur do-
minus suo próprio nomlne.... Sed in casu nostro extra officium, et oon
sumpta occasione ofBcii, nec tamquam guberoator hoc focit, igitur cum-
munitas noa tenetnr.—Apud Loening, loc. eit., p. 38-39; Giorgi, loc. <J!fc,
p. 145.
129
L. Pontanus, (Consilia com. 338): Cfeterum dico ipsam civitatem
seu communitatem obligatam fore, ei, cai neglectum est seu dencgatam
justitiam fleri per ipsins civitatis offlciales... REGULA K»T GENERALIB, qute
volt, quod offlcialis constituens toneatur pro facto vel neglecto offlcialinm
suorum, com DOLUS VEL XEGLIGENTÍA commissa sunt circa oa, quse pertí-
nent ad officium sibi comniissuru. — Apud Loening, loc. cit.
1W
Vide: Bollavite, loc. oit„ p. 88.
— 309 —'
responsabilidade do Estado pela lesão dos direitos individuaes.
De facto, depois de Pontanus, já não faltam numerosos autores
que, ou tirando argumento do direito romano nos casos análo-
gos, em que este consagrava a responsabilidade pelos actos de
outrem (mandato, institorio, exercitorio, ete.), ou partindo do
simples dever de equidade e justiça natural, não só, se pronun-
ciaram pela verdade desse principio, como ainda, refoaram-no
com fundamentos novos e considerões valiosas. De modo que,
logo no período, que se seguira á idade-média, o do jus receptum,
os philosophos*juristas, emquanto de um lado, ensinavam que
a summa potestas era um attributo inherente ao próprio sobe-
rano de um Estado, de outro lado, também não deixaram de
affirmar, que o mesmo, não obstante as regalias próprias de
tamanho poder, não devia, ou não podia, privar aos bditos de
qualquer direito adquirido, senão, quando o bem publico assim o
exigisse, e ainda assim, sendo elles devidamente indemnisados
pelo thesouro publico.
Entre outros, se poderia citar Grotius, o qual ensinava: fl
11 faut savoir encore, que, Jors même que hs mjets ont a quis un
droit, le roi peut le ôter en deux manières,ou en forme de
pé/m, ou en vertu de son domaine éminent: oien entendu qu'U
n'use du privilége de ce DOMAINE ÉMINENT OU SOPERIEUR, QUE
QUAND LE BIEN PUBLIC LE DEMANDE;et qu'alors même celui qui a
pirdu ce qui lui appartienait, EN SOIT DÉDOMM-A, sHl se peut
t
du Fond Public. Si cela a lieu en matiêre des autres choses, il
doit avoir lieu aussi à gard du droit qrfon aquiert par un pro-
messe ou par un contract.
lu
E', sobretudo, para o grande manancial do direito romano
que se voltam, no momento, as vistas dos indagadores, pro-
131
Grotius, Le droit de la guerre et de la paix, l. II, c. XIV, § 7. Cf.
Puffendorf, Droit de la natwe et des gens, l. XIII, o. V, § 7.
— 310 —
ourando cada um achar alli os fundamentos da sua doutrina
particular, relativamente á responsabilidade civil do Estado.
18
!
o ha, porém, mister que façamos aqui menção especial das
diversas opiniões emittidas; porque em parte teríamos de
repetir matéria, anteriormente exposta; porque isso em
pouco podia concorrer para a solão da queso particular que
ora nos occupa.
61 c.—Tendo alludido, per summa capita, a alguns dados
históricos, quizemos sobretudo deixar ver, que não é de inven-
ção moderna a idéa da responsabilidade civil do Estado pelos
actos lesivos dos seus funccionarios; pelo contrario, essa idéa
vem de muito longe; muito embora não tenha ella conseguido
183
Myler von Ehrenbach, conhecido autor da "Hyparchologia 8. de
officialibus, magistratibus et administris liber singularis (Stutgard, 1678),
propondo a questão :— « an princips territorii de negligentia vel damno BUÍ
officialis, in functione offlcii commisso, damniítcantis quandoque teneatur?»,
respondera firmativamente (Ac utique responsetur QUOD SIC) . E argu-
gumentando analogicamente com a responsabilidade do arrematante dos
impostos, ou do estalajadeiro pelos actos de seus propostos, accentuara : «
bonos servos ad suum ministeriam ELIGERE ac EXPLORARE, cnjus fldei et
innocentiae sint, qnos operibus suis adhibent, alióqui MAI,A famulorum
ELECTIO culpa3 et negligentise eorum adscribitur »; reconhecendo em con-
sequência, o direito do lesado de accionar, quer o funccionario, quer o prín-
cipe, quer ambos juntamente... (an contra DOMINUM, artvero contra OFFI-
CIALEM, vel contra UTRUMQUE SIMUL agere velit). p *,»
Samuel Strykius,autor da obra ''De obligationeprincípis ex facto mi-
nistri in genere, etc.", fazendo applicação ao caso da theoria do mandato e
especialmente das relações institoria e exercitoria, affirmara a respon-
sabilidade do Estado quanto aos actos lícitos do funccionario, negandoa
quanto aos illicitos, visto não ter elle recebido facultas delinquendi. Mas,
occorrendo porventura a hypothese de culpa na nomeação, o Estado devia
tamm responder: «occurrit hic quod Principi IMPUTARI POSSIT, quod adeo
GENERALI mandato íllum ministério suo pratposuerit, cujus fidem et industriam
NOS EXACTE PBOBAVEBAT ANTEA ; debat enim BONOS ministros eligere. » Vide;
Zacharlse, ob.cit., p. 591-593; -Loening, loc. cit., p. 42 sg. Estes dons
autores citam ainda diversos outros escriptores de pareceres análogos.
ttM ti
— 311 —
ser formulada na legislação dos diversos Estados, seo, em data
relativamente recente, e isto mesmo, apenas de modo parcial.
Mas, seja como for, desde que semelhante responsabilidade
se acha consagrada, como instituto jurídico, e sem duvida,
geralmente acceita, ao menos em principio, pela consciência
jnridica dos povos civilisados, cumpre bem definil-a ou enqua-
dral-a nos seus justos limites, afim de que cessem os males que
a incerteza da sua applicação,em muitos casos, tem occasionado
com detrimento do bem commum e dos preceitos da justiça.
Queiram, ou não, os que persistem em ver no Estado antigo
o modelo da verdadeira organisação politica dos povos, a dizer,
o creador do direito, o arbitro supremo da razão e da justiça, e
portanto, irresponsável \ a verdade é, que a consciência juridica
dos povos livres actuaes, em vez de admittil-o, como tal, vae,
muito ao contrario, exigindo cada dia, que sejam coarctadas,
restringidas, senão, suoprimidas algumas das próprias regalias
e privilégios restantes, de que ainda se reveste o próprio Estado
moderno.
E' preciso ter coragem para reconhecer esta tendência ir-
resistível da época presente e dos princípios que a dominam.
Puro individualismo, —dirão talvez.. .
Mas, nem por isto, a tenncia alludida deixará de ser uma
força, que ora regula, de modo orgânico, todas as applicações e
movimentos do direito ao seio dos povos civilisados»
Dispenmo-nos de indagar, si na concepção theorica do
Estado, considerado como associação necessária, se pode, ou o,
cogitar da preexistência de direitos pertencentes, em exclusivo,
aos individues que o compõem; mas o que é innegavel, por ser
facto histórico, é, que os direitos individuaes não vem da orga-
nisação concreta do Estado... Praticamente encarado, este se
nos apresenta, como uma uno ou composto de indivíduos, cada
um delles, dotado. &c natura, de direitos próprios, aos quaes
procuram melhor prover por meio dessa união, isto é, attender
— 312 —
aos interesses geraes ou ao bem estar commum, segundo regras
fundamentaes, a dizer, o direito ou non constitucional da pró-
pria associação.
Logo, o que se pode evidentemente concluir, sem mais
exame, é, que, no objecto e fim da união ou do ente collectívo-
Estado, se ínclue institucionalmente: a) um poder superior, ca-
paz de reger as relações ou interesses communs: b) a obrigação
desse poder de guardar e fazer guardar os direitos individuaes
dos membros da associação, os quaes continuam a subsistir, de
modo certo e definido, em todos os actos e factos constitutivos da
vida commum ou associação. Conseguintemente, é na boa e justa
coordenação destes dous elementos jurídicos do Estado, que es-
tará a sabedoria e a felicidade de todo governo ou administração
publica. Nem enfraquecer ou supprimir o primeiro, conforme á
pretenção dos invidualistas exagerados, nem eliminar o
segundo, como queriam os regalistas: m médio tutissimus ibis.
Ou ainda, servindo-nos de linguagem mais positiva: em vez de
partir da supremacia dos direitos individuaes para annullar a
acção do poder publico, aliás, essencial á própria tutela e efecti-
vidade daquelles direitos; ou em vez de partir da omniponcia
ou irresponsabilidade do Estado para, em nome do bem publico,
desconhecer ou supprimir os direitos individuaes ; o que real-
mente importa, é procurar a verdadeira solução do problema no
principio geral, superior, que domina, tanto aos indivíduos,
como ao Estado: aidéa fundamental do direito, e que se resume
na própria justiça: "Suum cuique tribitere, alterum non
Iceãere'' (Inst. Justin. 1. I, tit. I, 3).
O Estado existe, em vista ou para o bem da coliectividade;
consequentemente, deve ter faculdades e direitos preponderan-
tes aos dos indivíduos. Poristo mesmo, que tem direitos supe-
riores, como condão de realizar o bem commum, o seu exer-
cio não de ser obstado pelos indivíduos, á invocação de seus
direitos individuaes somente ; succedendo, ao contrario, que a
— 313 —
acção do Estado pôde, sciente ou inscientemente, sacrificai-os,
quando o bem da conectividade assim exigir.. Mas, como o bem
collectivo ê, em ultima analyse, o bem dos próprios indivíduos
que compõem o Estado, segue-se, que este também não poderá
ter ou exercer direitos ou faculdades, que importem, sempre è
irresponsavelmente, em um mal do individuo. Por conseguinte,
os feitos do mal, quando porventura commettidos pelo Estado,
devem ser distribuídos pela collectividade, do mesmo modo, que
se dâ com os effeitos do bem commum; ou o que é o mesmo, — a
obrigação lógica da collectividade de indemnisar o mal soffrido
individualmente por um acto do Estado,—repartida a sua quota
pelos indivíduos, como o exige a igualdade dos direitos e en-
cargos, que cada um deve ter na collectividade-Estado. Por
certo, o poder ou a prerogativa institucional do Estado sobre os
direitos individuaes é enorme: vae, como se disse, até ao ponto
de violar conscientemente taes direitos, desde que se proponha
aos seus fins do bem publico ou commum, razão fundamental do
próprio Estado. Mas, nem por tudo isso, pôde elle considerar-se
estranho ao principio do direito; antes, é o direito, que lhe
reconhece tamanho poder em vista da sua grande missão; que-
remos dizer, o grande poder do Estado não vae até arrogar-se o
privilegio da irresponsabilidade pelo damno dos direitos indi-
viduaes ; porque isso, além de tudo, seria contrario à igualdade
dos encargos, que o Estado garante a todos e a cada um dos
próprios cidadãos.
62.Precisados deste modo os termos geraes da queso,
resta-nos agora particularisal-a nestes dous pontos: 1) Qual oj
caracter ou grau da responsabilidade civil, cadente sobre o Es-
tado,primaria ou subsidiaria, exclusiva ou solidaria; 2) A
onde se pode estender, e onde deve cessar dita responsabilidade.
Sobre o primeiro não ha necessidade de fazer grande,
razoado, assentado, que os actos do funccionario, na suaquali-
1
- 314 —
dade de representante do Estado, são actos deste, é lógico inferir
que, ao Estado cabe responsabilidade primaria nas lesões do
alheio direito, quer as lesões provenham de actos contra-? ctuaes
e lícitos, quer de actos extracontractuaes ou illicitos (delicto ou
quasi-delicto).
62 a. — Quanto ao saber, si ella deve ser exclusiva do
Estado 011 solidaria com o funccionario, divergem os pareceres.
Não entraremos, por escusado, na sua controvérsia; citaremos,
apenas, um dos mais recentes escriptores, o qual, tratando deste
ponto, se exprimira deste modo: Si, en eífet, le fonctionnaire a
agi dans 1'esprit de sa fonction, e'est-à-dire en poursuivant
effectivement le but qu'avait 1'Etat en établissant cette fonction,
il ne peut être respousable ni vis-à-vis de VEtat, ni vis-à-vis ães
particuliers, alors même qu'il ait commis une faute. II ne peut
être responsable vis-à-vis des particuliers. En eífet, 1'acte étant
accompli dans un but étatique, dans le but même pour leqnel a
été ètablie la fonction publique considerée, et auquel, par
consequent, se trouvent affectés les bíens formant le patrimoine
de 1'Etat, c'est ce patrimoine qui doit supporter tous les risques
qui résultent de l'accomplissement de cet acte; c'est sur lui que
doit être prise la réparation du préjudice cause á d'autres
patrimoines. Gomme, d'autre part, une double réparation ne peut
être accordée, le patrimoine du fonctionnaire ne devra supporter
aucunement la réparation accordée au parti-culier. En outre, alors
même qu'une faute a été commise par le fonctionnaire, si celui-ci
a ponrsuivi le but de sa fonction et, par consequent, un but
étatique, le patrimoine de 1'Etat devra supporter déflnitivement
le risque.
133
Pensa igualmente o citado autor que, imposta ao Estado a
obrigação de reparar o damno, soífrido por um particular, elle
não poderá pretender uma compensação regressiva do patri-
mónio do funccionario..i**U n'aura aucun recours eontre le fon-
ctionnaire en faute"; desde que o funccionario, embora tendo
ws Duguit, ob. cit.. p. 638-89.
— 815 —
eominettido uma culpa, se mantenha no espirito da sua funcção,
isto é, tenha prosegnido o fim conforme á regra de direito e cuja
realisação o Estado quizera assegurar ao constituir semelhante
funcção.
184
E observa ainda, que este seu modo de ver coincide
com a distincção, agora aãmittiâa de maneira uniforme pela
jurisprudência e a mor-parte dos autores, entre a culpa de
fuucção e a culpa pessoal (entre la faute de fonction et la faute
personnelle); havendo, alem disto, uma dupla vantagem na
maneira particular, pela qual elle encarara o assumpto. Pri-
meiro, porque delia resulta logo a justificação da própria dis-
tincção; pois se estabelece que, mesmo no caso de culpa do
funccionario, si este conservar-se no espirito da sua fuucção, só
o Estado pôde ser definitivamente responsável, e o o func-
cionario ; depois, porque se tem, ao mesmo tempo, o cririo para
se conhecer a culpa pessoal e a culpa de funcção, a dizer: fica-se
sabendo que, o que caracterisa a culpa de funcção, relativa-
mente â culpa pessoal (par rapport â la faute personnelle)
v
nao
é a gravidade da culpa, mas o fim proseguido pelo funccionario
no acto praticado.
Si elle prosegue um fim funccional, insiste o autor, por
mais grave que seja a culpa, ê uma culpa de funcção, e não
culpa pessoal; portanto, o funccionario não é responsável. . . À
culpa pessoal só se darã, quando o funccionario proseguir
outro fim que não aquelle, em vista do qual, a lei lhe conferiu
determinada competência.
18B
« Ce n'est donc pas véritàblement le degrè de la faute, qui est
lefondement de la responbilitè du fonctionnaire ; c'est la nature,
Vobject de la faute ».
m
184
Ibidem.
135
Loo. cit., p. 640.
136
Loe. cit., p. 645.
— 316 —
Não concordamos certamente com o illustre professor Du-
guit neste modo de excluir por completo a co-responsabilidade
do funccionario, desde que se conserve dentro dos fins, para os
quaes fora nomeado; porquanto o funccionario, pessoa dotada
de intelligencia e vontade própria, pelo facto da representação,
não desapparece totalmente na pessoa do representado. Elle
subsiste, como pessoa distincta, com direitos e deveres
definidos, seus próprios, em relação ao Estado, que repre-
senta, já em relação ao publico ou aos terceiros, com quem se
acha em contacto. Por isto, mesmo no exercício de seus direi*
tos peculiares de funccionario e no desempenho dos deveres cor-
relatos, elle não pode deixar de também responder pelas lesões,
que porventura commêtta contra o alheio direito: é um principio
ou obrigação elementar de justiça. Dúvida pode haver, sim,
quando, dada uma responsabilidade particular nas funcções do
próprio cargo, si quizer determinar, si ella deva caber toda ao
funccionario, toda ao Estado, ou a ambos solidariamente; mas
excluir, desde logo, o funccionario, em principio, de toda
responsabilidade, não é erro menor, do que excluir, do mesmo
modo, ao Estado, como outros tem pretendido. Segundo o nosso
juízo, a regra a seguir na matéria deveria ser esta: a) sempre que
o funccionario agir, fora da sua qualidade própria de repre-
sentante, a responsabilidade do acto lesivo é toda sua, exclusiva-
mente delle; b) quando agindo, embora nessa qualidade, o fizer
de modo illicito ou illegal, cabe-lhe responsabilidade solidaria
com o Estado, podendo ser chamado a responder pelo damno,
tanto pelo lesado, como pelo Estado; tendo este, alem do em-
prego das penas disciplinares, o direito de indemnisação re-
gressiva, si tiver sido obrigado a reparar o mesmo damno; c)
quando, porém, o acto do funccionario fôr praticado, conforme as
normas legaes estabelecidas, a reparação da lesão, porventura,
resultante, deve ser toda imputável ao Estado somente, o qual,
ainda que tenha de effecti vara ente indemnisal-a, não terá por
— 317 —
isso acção regressiva contra o seu representante j porque elle
nada mais fez, do que cumprir com o seu dever de funccionario
nas circumstancias,
1B7
62 b.—À queso especial de saber — a tê onde vae, e onde
deve cessar, a responsabilidade do Estado, requer, sem duvida,
um exame mais detido das razões apresentadas. E
I PRIMEIRA RAZÃO. No entender de não poucos autores, e
certamente, muito distinctos, semelhante responsabilidade se
restringe aos actos praticados dentro dos limites legaes da acção
do funcoionario, porque, fora de taes limites, o é mais
representante do Estado.
188
Si por esta proposição se quer significar, que o funccio-
nario, fora da sua qualidade ou caracter publico, não è represen-
tante do Estado, ella é verdadeira; mas, si pela mesma, se pre-
tende, que o acto illegal ou feito com excesso de oompetencia,
por isto, deixa de ser acto do representante do Estado, pela
allegação sabida, de que o representante não recebera a facul-
dade de proceder fora da lei; então, não poderá ser tida, por
verdadeira, a alludida proposição...
Não ô de razão nem de justiça admittir, que seja licito ao
Estado considerar o funccionario, num mesmo tempo e fmic-
ções, como senão e não senão o seu representante, segundo os
actos deste lhe mereçam approvação ou lhe tragam proveito ;
quando, alias, impõe aos indivíduos o dever ininterrupto de
sempre obedecei-o, como seu legitimo representante nos dtffe-
rentes actos.
l^...i;.;.i,i
t
\»j-.
l
fi.V,; ..•',,•..-> „ ... .
I
187
Ha ainda quem pretenda, que o funcoionario, em qualquer caso,
deveria responder ao Estado, e jamais aos indivíduos lesados, por
nao ter aquelle nenhuma dependonola ou obrigação, propriamente dita,
para com estes.
188
Vide: Ghironi, Colpa Contrattuale, ns. 225 sg., aignanter, m. 282 e
233. Cf. Loening, ob. cit.; Piloty, ob. oit.
— 318 —
Assim não pode ser. Seria o caso de invocar por analogia
o texto consagrado pelo pretor romano, acerca da responsabili-
dade do ãominus nos actos do institor: JSquum Prcetori visum
est, sicut commoda sentwius ex actu institorum, ita etiam obli-
gare nos ex contractibus ipsorum, et conveniri. (Dig. 1. XIV, tit.
III).
O já referido argumento de que o funccionario, agindo com
culpa ou excesso de poder, deixa de ser representante do Es-
tado, o tem foa para dirimir a responsabilidade civil deste
ultimo. O individuo o é livre de ackar-se, ou não, na relação
de subordinação ou obediência para com o funccionario, que lhe
é indicado ou imposto pelo Estado em dadas funcções. Conse-
guintemente : desde que ao individuo o cabe a faculdade de
verificar, primeiro, a verdadeira situação jurídica do func-
cionario no momento para, segundo for ella, prestar, ou não,
depois, obediência ao mesmo, com resalva dos seus direitos;
desde que, ainda quando isso fosse licito ao individuo, este, em
uns casos, não teria os elementos precisos para formar juízo se-
guro a respeito, e em outros, a sua desobediência ou resistência
aos actos do funccionario ser-lbe-hia inteiramente imposvel,
ou o exporia á consequências graves, seo, ao soffrimento de
damnos ainda maiores; desde que, finalmente, o próprio Estado
o pôde deixar a efectividade e efficacia das funcções publicas
a semelhantes eventualidades;— é incontestável, que ao Estado
incumbe assumir a responsabilidade do damno resultante dessas
funcções, sem assistir-lhe o direito de distinguir nas
hypotheses referidas de culpa ou excesso de poder por parte do
funccionario. O exame destas condões terá a sua rao de ser,
em vista das penas disciplinares, que o Estado deva in-flingir
ao seu representante infiel, ou das penas criminaes, em que
este possa incorrer; quanto, porém, á reparação civil do
damno, ellas o podem ser invocadas em favor do Estado : o
representado responde pelos actos do seu representante,
— 319 —
salvas apenas as vestricções da lei expressa ou d'outras razões
consagradas de igual valor, relativamente ao facto sujeito.
Isto posto, entendemos que o representante age nesta qua-
lidade: 1° quando pi atiça o acto no exercício das suas funcções
e dentro dos limites da sua competência; 2
o
quando pratica o
acto, mesmo com excesso de poder, mas revestido da autoridade
do cargo, ou servindo-se dos meios deste, isto é, meios, de que
não poderia dispor na occasiáo, si não se achasse na posse do
cargo; 3
o
quando o cargo tenha influído, como causa occasional
do acto. Convém observar que, a não se tratar de casos de
omissão, ou de certos actos especiaes
130
, a queso da culpa on
dolo é impertinente, desde que o acto do representante é acto
do representado, seja o acto licito ou illicito.
62 c—Alem disso, a theoria em questão se mostra contra-
dietoria na sua própria applicação aos factos : nos actos illi-
citos extra-contractuaes, diz-se, que o Estado não deve res-
ponder, porque o funccionario age fora da lei, isto é, com dolo
ou culpa, que a lei veda; no entanto, nos actos illicitos con-
tractuaes, não obstante o funccionario agir com igual dolo e
culpa, se entende que o Estado deve responder : ou porque o
acto é reputado dentro da vontade deste, ou porque semelhante
responsabilidade é um preceito de justiça.,.
Daraus ergébe sich, dass der Wille und dessen Erkrung
nach der Person des Stellvertreters eu beurtheilen seien und aus
diesemPrinzip folge, dass der dolus des Stellvertreters heim Schluss
des Vertrags seine rechtliche Wirkungen gegen dm Vertretnen
ausube ....................War der Vertreter nur bevollmachtigt mm
Abschluss eines derartigen Vertrags iiberhaupt, so erzeugt der
Vertrag in der Gestalt, die er durch die Willenserklarung des
Vertreters erhalten, seine rechtlichen Wirkungen fur und gegen
i» Hic, p. 320, e 327 sg.
— 320 —
ãen Vertretnen........und ist hervorgegangen aus der Forderung
der .Oerechtigkeit, dass derjenige, der sich zuni Abschluss von\
Vertragen eines Stellvertreters bedient, weil er will oder weil
er muss, auch die Oefahr zu tragen hat
t
welchefiir den ãritten
Contrahenten darctus erwachsen Tcann, dass nicht der aus dem
Vertrag Bcrechtigte und Verpfiichtete den Vertragsivitten erklãrt,
sondem dass seine Willenserklarung dar eh die WillenserMãrung
eines. Stellvertreters erzetzt wird.
m
I
Segando Savigny, a responsabilidade pelo acto il liei to do
representante, na espécie, se dá, porque o dolo e a culpa são de
considerar, como uma modificação inherente á obrigação
principal (ais eine von der Hauptobligation untrennbare Modi-
fication), e na qual o consentimento do representado (pessoa
jurídica) ê cousa indifferente.
M
Mas, como justificar essa distineção incongruente ? Uns e
outros actos não são, identicamente, praticados pelo funecio-
nario, como representante do Estado, e em ambos elles, não con-
corre o elemento do dolo ou da culpa, que os torna illicitos, isto
é, praticados com a violação do direito ?!...
142
Si a theoria, que nega a responsabilidade do Estado pelos
actos illegaes do funecionario, fosse admissível, a sua conse-
quência não devia ser a de delimitar certos actos de responsabi-
lidade, dos de não-responsabilidade do Estado; mas, positiva-
mente, a de excluir toda e qualquer responsabilidade deste pelos
actos lesivos da administração publica, a menos que a lei
expressa não houvesse ordenado o contrario.
140
Loening, ob. cit., p. 60-61.Cf. Chironi, Colpa Contrattuale, n. 285;
Meucci, Inst. di diritto amniínistrativo, p. 260 Sg.
141
Vide: Loening, loc. cit., p. 59.
M2 Meucci, ob. cit., p. 286 sg.: « Se lo Stato puó víolare nn diritto
contrattuale coll'opera dei suoi agenti, non v'ó ragione percho non possa
violare nn diritto extra-contrattuale col mezzo medésimo...»
"»' ■■ .................
,vmn
v -w — 32i —
O exame do excesso de poder, da culpa ou dolo do func-
cionario serve, com certeza, para apurar a responsabilidade
civil ou criminal do mesmo, quer para com o Estado, quer para
com os indivíduos interessados; mas, não é da* culpa ou dolo,
nem do excesso de poder, que se pôde tirar argumento funda-
mental da responsabilidade ou irresponsabilidade do Estado. A
primeira resulta do principio geral, de que a violação de um
direito acarreta comsigo a obrigação de reparar,— conceito
essencial da justiça; queremos dizer, semelhante obrigação é
perfeita em direito, mesmo sem cogitar do facto da culpa por
parte do agente. Esta regra tem, e nem podia deixar de ter,
excepções numerosas; não só, porque a obrigação de indem-
nisar de cessar em vista de circumstancias justificativas do
damno segundo os princípios geraes do direito (a necessidade
ou força maior, ou a culpa occasional por parte do lesado), mas
também, porque os fins superiores do Estado podem as vezes
exigir, que o sacrifício de certo direito individual se dê, sem
que, por isto, lhe resulte um dever de reparão.
Tamm casos ha, ainda que excepcionalmente, nos quaes
é preciso cogitar mesmo da culpa, como elemento concorrente
para se poder affirmar, como se disse, a responsabilidade do
Estado, taes são: 1) quando a lesão provier de uma omissão ve-
rificada do funccionario; 2) quando, tratando-se de acto que a
lei autorizara, mesmo na previsão de trazer um damno relativo
ao individuo por assim exigir o bem publico,—se demonstrar,
todavia, que na sua execução se procedeu com excesso de
poder, culpa, ou dolo.
Esta condição prevalece, nomeadamente, nos actos de poli-
cia de segurança ou sanitária, e em outros casos análogos.
62 d.— SEGUNDA RAZXO. Uma outra theoria, procurando
distinguir os actos, praticados pelos funccionarios-preposíos,
dos praticados pelos funccionarios-or^ãos, admitte a responsa-)
21 R. C.
— 322
bilidade do Estado quanto aos primeiros, e a nega quanto aos
segundos. o infundada é, porém, essa theor, que o nos
deteremos para demonstrai-o. se disse em outro logar o bas-
tante a esse respeito (p. 261 seg.). Chamem-se órgãos, fimccio*]
narios ou prepostos, todos elles dentro do circulo das próprias
funões ou competência legal representam a pessoa - Estado.
E' certo, que ha funccionarios superiores, representando a von-
tade ou a funão central da vida collectiva,
143
e funccionarios
inferiores, de nomeação dos primeiros, desempenhando apenas
funões restrictas sobre dado serviço; mas uns e outros o
igualmente representantes do Estado, e qualquer delles o é
na esphera das suas attribuições peculiares. A própria compe-
tência dos órgãos superiores, soberanos, é limitada pelas compe-
tências dos demais, embora seus inferiores ou subordinados.
144
62 e.—TERCEIRA RAZÃO. Temos ainda a theoria, ora domi-
nante segundo alguns,
145
e absurda segundo outros,
146
a qual,
dividindo, como se sabe, os actos do Estado em actos de ges-
tão e actos do imrio, simplifica a solão da controrsia, —
declarando o Estado responvel pelas consequências dos pri-
meiros, como qualquer outra pessoa jurídica do direito privado,
e irresponsável pelas dos segundos, por se tratar de actos da
148
São os órgãos no sentido da nota 13 á p. 101.
144
Gierke, ob. cit. p. 686-691.
—B' da própria natureza da cousa, que cada um seja representante
da pessoa jurídica do Estado, não porque, seria impossível a um
funccionario desempenhar todos os fins e misteres, como ainda porque,
segundo o direito positivo, o funccionario, por mais lata que seja a sua
competência e poder, o pôde exercer as funcções do alheia competência,
ainda que de categoria subordinada. Cada um funcciona, legalmente, na
esphera das attribuições próprias, e todos elles recebem a jurisdicção ou
competência de uma mesma fonte, — a lei.
145
Giorgio Georgi, Delle Persone Qiwridiche, t. III, p. 179, n. 83.
146
Solari, ob. cit., p. 125.
— 323 —
sua pessoa politica ou soberana. tivemos occasião dever que,
não obstante a sua singeleza, a referida doutrina não se mostra
capaz de firmar uma regra, geral, certa, segura, acerca de todos
os casos, em que a responsabilidade civil do poder publico deva
com razão cessar ou não ser admissível.
u7
Antes, porem, de proseguir sobre esta queso em particular,
cumpre-nos deixar bem claro o nosso pensamento, quanto á dis-
tincção, que se pretende, em si mesma. Não se diz que esta dis-
tincção entre actos de gestào e actos do império seja descabida;
ella tem â sua razão de ser certamente porquanto, exemplifi-
cando, se que os actos, nos quaes o Estado apparece, como
empresário de estradas de ferro ou de outros serviços indus-
triaes, não são idênticos àquelles, nos quaes o mesmo se apre-
senta, providenciando, ordenando, com a autoridade ou caracter
ৠpoder publico, taes como,—nas medidas de ordem e segurança
publica, nas decisões judiciarias, nas operações da força militar
e cousas semelhantes. Do mesmo modo, tamm não se contesta
que os actos, em que o Estado se e, por assim dizer, ao nivel
dos indivíduos particulares, entrando com elles em relações de
apparente igualdade, istoè, fazendo de proprietário, comprador,
vendedor, locador, locatário, credor, devedor, etc., possam ou
devam ser apreciados e julgados segundo os prinpios do direito
privado, como aliás, se tem entendido e praticado pelos tri-
bunaes nos diversos Estados. Desde que taes actos ou relações
se mostram análogas ou idênticas às que se dão entre os pró-
prios indivíduos particulares, nada repugna, que sejam sujeitas
ã sancção de idêntico direito. Não ô sob este aspecto, que enca-
ramos a distincção no momento. A impugnação que se lhe faz,
consiste em affirmar, que, o sendo sempre possível fazer a
preconisada distincção entre os actos do Estado, ella não pode
servir de base a um systema, nem tão pouco, fornecer o critério
141
Hio,p.256 sg.
— 324 —
necessário para, segundo o mesmo, se dizer, quaes os actos que
são, e quaes os que não são, susceptíveis de orear uma res-
ponsabilidade civil para o Estado.
E' preciso insistir: não ha no Estado duas pessoas distin-
ctas, como se tem dito, uma civil e outra politica. O Estado é
uno; exerce, apenas, como succede com os indivíduos, funcções
de naturezas diversas. Quando exercita funcções, cuja natureza é
idêntica áquellas, que exercitam os indivíduos privados, é de
razão, que se lhe appliquem as mesmas regras, que regulam taes
funcções entre os particulares,— "ubi eadem ratio, ibiiãem jus" ;
quando, ao contrario, exercita funcções de natureza es-
sencialmente differente, como são os actos de legislador, de go-
verno e de juiz, é de vêr, que a taes actos já se não podem appli-
car regras idênticas, até mesmo porque no seu estado actual, o
direito privado não os comprehende na sua esphera. I Ora, assim
entendida, repetimos,— nada ha que objectar contra a distincção
dos actos de gestão e actos de império ou poder publico;
comtanto que dahi não se conclua a responsabilidade pelos
primeiros e a irresponsabilidade pelos segundos. Isto repugna á
idéa da justiça, segundo a qual, toda lesão de um direito exige
reparação, para restabelecer o equilíbrio da ordem jurídica, isto
é, para manter a situação lógica e natural do "Estado de direito".
O que, em verdade se dá, e com todo fundamento, é: certos
actos, praticados em certos limites, não geram a responsabili-
dade do Estado, em vista da própria natureza e fins específicos
do próprio Estado; mas tudo, que r além, não passará de sim-
ples pretenção theorica, incapaz de constituir um systema accei-
tavel para solução procurada do problema.
Si em outras épocas, nas quaes a vida do direito publico
(direito do Estado) parecia normalisaãa, não fora possível pro-
curar, na distincção dos actos somente, um critério geral para
todas as hypotheses, em que se pudesse proclamar a irrespon-
— 325 —
sabilidade do Estado; muito menos, sel-o-hia no actual momento,
quando a theoria do Estado, oa melhor dizendo, dos múltiplos
problemas, que se põem â sua conta, constituem, apenas, pro-
posições importantissimas, mas a môr parte delias, ainda sob o
martello incessante da discussão... Não ha critérios, absolutos,
assas definidos, que autorisem a delimitar com precisão a es-
teno da responsalidade do Estado em um futuro, mesmo pró-
ximo. Emquanto, de um lado, as tendensias individualistas do
culo querem cercear umas tantas attribuições e regalias, repu-
tadas absorventes, do poder publico; de outro lado, os avaos
socialistas, que o Estado moderno vae, cada dia, fazendo em
nome do bem estar social, tornam por demais incerto, até
onde se alargaa esphera de acção legitima dos Estados demo-
cráticos. Resultando de tudo isto a necessidade manifesta de
rever e reconsiderar os principios do direito, afim de applical-os
devidamente aos novos actos e factos, que, de dia a dia, surgem
na ordem juridica, pedindo solução.
não é somente o dever de justiça distribuitwa, que ora.
se exige do Estado ; nos tempos modernos, este também reco-
nhece aos individuos direitos de assisncia ou soccorros; e daqui
juntamente, a obrigação de garantir, em dados casos, a justiça
reparativa em favor dos individuos, que se mostram nas condi-
ções de mereeel-a.. ."
8
148
Não se ignora, que o direito moderno impõe ao Estado a obrigação
de prestar soccorro em vários casos; o no Brazil, esse direito, já garantido
pela Constituição do Império (art. 179, n. 31), esta expressamente declarado
no art. 5
o
da Constituição Federal. Nao se pretende afflrmar que o dever
de assistência pelo Estado importe para o individuo um direito accionarei,
em vista de uma reparação jurídica individual. Mas, dada a tendência so-
cialista da legislação moderna, não se pôde dizer, que assim não venha a
ser, talvez em futuro pouco distante. Que o Estado já repara actualmente
os prejuízos individuaes, provenientes de calamidades, naturaes ou sociaes
(como exemplo das segundas, é de lembrar os effeitos das guerras), é
facto sabido e acceito em boa consciência juridica.
— 326 —
I Não ha mister, porém, de mais alongar-nos a respeito;
destas e outras questões incidentes, para, por meio do seu es-
tudo, chegarmos ao termo, a que nos dirigimos. Vamos, portanto,
resumir o nosso modo de ver em poucas palavras.
62 f. Acceito o principio da responsabilidade geral do
Estado pelos actos dos seus representantes, não será impossível,
ainda que difficil, verificar tamm quaes sejam as condições
principaeSy em que a mesma deve cessar ou se torna inadmissível.
Em muitos actos, é a própria lei, que expressamente reconhece
a irresponsabilidade do Estado, e esses actos podem augmentar
ou diminuir aos olhos do legislador, sem, por isto, serem viola-
dos os princípios fundamentaes do direito.
Tamm outros actos existem, que, não , é direito, mas
um dever imprescindível do Estado, praticar, por serem sabi-
damente necessários á tutela e garantia dos pprios direitos
individuaes e do bem estar commum, taes por exemplo, os actos
.de seguraa pública em geral e os de justiça; portanto, salvo
as circumstancias especiaes de uma lesão manifestamente grave
do alheio direito, seria contradictorio, seo absurdo, tornar o
Estado civilmente responsável pelas consequências dos referidos
actos.
Do mesmo modo, o indivíduo pôde concorrer, já de uma ma-
neira positiva, já por omiso ou negligencia, para que se venha
a dar o próprio damno, por elle soffrido; e nesta hypothese,
tamm o seria justifivel, que recaísse sobre o Estado a
obrigação de indemnisal-o: "Qui datnnum sua culpa sentit
t
nec
damnum sentire vetur. Qui occasionem ãamni dai, causam
damni prwstitisse videtur."
Em resumo, taes são os princípios geraes, que de-
vem reger os casos da o-responsabilidade civil do Es-
tado. Abstemo-nos de formulal-os em normas mais positivas;
porque estas, para serem acceitas, deveriam ser ajustadas
— 327 —
a espécies concretas,
i49
e isto excede o objecto do presente
Titulo. I
ítesta-nos, todavia, antes de encerral-o, dizer mais algu-
mas palavras sobre a responsabilidade civil do Estado, quando
se tratar, não de damnos provenientes de actos positivos, mas
de simples omissões do dever por parte do representante do
Estado.
62 g.— Não ha o menor fundamento para negar a respon-
sabilidade na escie-, visto como, em todos os casos, em que a
omissão è illegal, esta equivale inteiramente a um acto posi-
tivo. Zur Vemeinung dieser Frage liegt nicht der minãeste
Orundvor, da in allen Fallen, wo die Unterlassung selbst eine
rechtswidrige ist
l
sie der positiven Uandlung ganz gleichsteht.
160
O que precisa, é provar, que a omissão ou a negligencia
do dever fora realmente a causa efficiente do damno (ah selbst
fortwirjcende Ursache).
m
I
Falazzo affirma, que o individuo é civilmente respon-
sável pelo damno succedido a um terceiro, quando o damno
devia ser impedido ou afastado por elie, e deixou de sel-o por
sua negligencia ou imprudência; ainda que o admitta, com todos
os civilistas, que, para haver responsabilidade no caso, é ne-
cessário que o individuo, chamado a responder pelo damno,
tenha, o , uma obrigação moral, mas também, uma obriga-
ção jurídica, verdadeira e própria, de impedil-o... Este prin-
149
Será a matéria própria do Titulo Terceiro, que se vae seguir.
150
Zachariee, Deutsches 8taat8»wBunde8recht, Theil. II, ',§ 146; Id.
Ueber die Haftungaverbindlichkeit des Stmts, p. 642.
151
Ibidem, p. 643.Loening, partindo do principio que a responsabi
lidade nao se deriva, nem da illegalidade do acto do funccionario, nem
do dever de obediência dos stàditos ao mesmo, recusa a responsabilidade
no caso de omissão; porque obediência, se deve à uma ordem ou preceito,
mas nao, á uma omissão.— Ob. cit., pag. 104 e 126.
— 328 —
cipio de direito privado, confessa o autor, se applica igual-
mente ao Estado; suppôsto a sua applicação tenha dado logar
á controvérsia.. ,
162
I —Michoud entende que, em se tratando de omissões, o prin-
cipio da responsabilidade civil só deve ser admittido na hypo-
these, de que ellas se dêem com culpa e equivalham, por seus
effeitos, ã uma ordem tacita, a qual se deva obedncia. Taes são
os casos, figurados por esse autor, e dos quaes se fez a devida
menção em outra parte. "
62 h. Resumindo, finalmente, esta questão, o que nos
parece justo, é o seguinte: uma vez sabido, que a negligencia,
a culpa ou o dolo in omittendo o suscepveis da lesão de di-
reitos individuaes do mesmo modo, que os actos positivos (culpa
in facieo), o se pode deixar de dizer, que ao Estado cabe
igualmente, ao menos em principio, a responsabilidade civil
162 p
#
Palazzo, Besp. civile ãello Stato, p. 65 sg. Este autor cita uma
Idecisão do Conselho de Estado, (20 de novembro de 1875) recusando a
responsabilidade do Estado na hypothese de damnos feitos á propriedade
individual, por occasião de motins ou perturbações da ordem, sob o funda-
mento de a autoridade ter sido omissa em tomar as devidas precauções. H
— Zacharise cita, pelo contrario, uma decisão da Corte Sup. de Appella-ção
de Cassei reconhecendo a responsabilidade do Estado nestes termos pe-
remprios: Der Btaat sei fii/r den Schaãen, wélaher in Folge von Handlungen
oder Vhterlassungen der zu Aufrechthaltung der õffentliehen Sicherheit bes-
\tellten Beamten bei Gélegenheit eines Volksauflaufs eugefiigt toorden, at
ohne vorgãngige Ausklagung ães unmíttelbaren Urhébers ães Schadens wid
des Beamten zu haften verbunden. — Loc. cit., p. 614.
Lcening, que combate, aliás, a responsabilidade do Estado pelos
damnos provenientes da omissão, como se disse, também cita a lei de dous
Estados Allemães, Grande Ducado de Hesse, e Sachen-Altemburgo, (do
primeiro, de 3 de março de 1859, e do segando, de 25 de março de 1837),
reconhecendo a responsabilidade das municipalidades pelos damnos resul
tantes de tumultos e perturbações da ordem, quando as respectivas auto
ridades locaes não tenham feito todo o possível para impedil-as. Loc.
cít., p. 127, nota. I
168
Michoud, loc. cít. — Hic, p. 198-199.
— 329 —
da leo, quando resultante da omiso illegal ou culposa dos seus
representantes. Mas, de outro lado, não recusando, e autes,
reconhecendo a necessidade, de que o poder publico tenha, ás
vezes, faculdade discricionária, irresponsabilidade mesmo, em
não agir em dadas circum st anciãs, conforme ao seu critério ex-
clusivo ; pensámos juntamente, que a responsabilidade civil do
Estado, nas condições alludidas, deverá ser apreciada debaixo
de dous aspectos differentes:
1) Quando se tratar de um dever geral de prestar certos
serviços, ou de tomar as medidas convenientes acerca de certos
ramos da administração, digamos, relativamente á saúde pu-
blica, á seguraa das pessoas ou da propriedade, á conservão
necessária das vias publicas, e cousas semelhantes, e da sua
omissão, por inadvertência ou simples negligencia da respectiva
autoridade ou funccionario, resultar um damno a terceiros*, nem,
por isto somente, se deverá logo concluir, que ao Estado resulta
uma obrigão de indemnisal-o. Seria tolher por demais à admi-
nistração publica na liberdade de acção, que institucionalmente
lhe compete; sendo, neste ponto, de manifesta procedência a
ponderação feita por Loening, de que o individuo não tem o
direito de acção contra o Estado (heinen Rechisanspruch an den
Staat), para obrigal-o à cumprir os seus fins próprios, ou para
que as leis e os regulamentos, promulgados no interesse geral
do Estado, sejam desde logo executados. Assim como, accies-
centa esse autor, o sendo a missão do Estado, o promover os
interesses privados dos indivíduos, e as leis não sendo essen-
cialmente adoptadas pelo Estado no interesse privado dos
mesmos ; segue-se que tamm o existe para o Estado a obri-
gação de indemuisar o damno, que, porventura, succeda aos
individuos, pela o-execução das mesmas leis e mais actos
semelhantes, fallando-se de maneira geral.
15í
154
Loening, ob. cit., p. 126-127.
— 330 —
2) Quando, porém, se tratar de um dever, particulari-sado
pela lei, ou pelas circumstancias especiaes do caso, por
exemplo, o dever da autoridade publica competente de impedir
que se reàlise um ataque á propriedade, tendo sido avisada ou
solicitada, em tempo, para impedil-o, e, não obstante, deixado
0 acto consummar-se por sua negligencia, culpa ou dolo;
em caso tal, entendemos, que a responsabilidade civil do Estado
é de rigorosa justiça; porque a omissão alludida é a causa effir
ciente do dainno, de maneira tão manifesta e irrecusável, como
se elle proviesse de um acto, realmente positivo, illegal ou cul
poso, do representante do Estado, em relação ás garantias da
segurança individual e da propriedade.
Como casos análogos da omissão de um dever legal parti-
cularisado, e, conseguintemente, devendo acarretar os mesmos
efeitos jurídicos, poderíamos ainda lembrar: a) o não despacho
ao pedido de certidão da nota da culpa ou de outros instru-
mentos da defesa, quando feita pelo preso ou detento; b) o não
despacho de licença para a reconstrucção de obras, que, pelas
suas circumstancias, se tornam urgentes; c) o não despacho
sobre a entrega ou restituição demorada de objectos appre-
hendidos ou depositados sob a guarda de repartições ou funceio-
narios públicos; d) o não despacho sobre a permissão de expor â
venda géneros do commercío, sob o pretexto infundado de
serem elles nocivos á saúde publica, etc, etc.
Seria, comtudo, de advertir que, em todos esses casos, se
presuppõe que o dever de praticar o acto assenta em lei
expressa, e que o não cumprimento desta se por negligencia
ou culpa do funccionario incumbido do serviço em questão.
1 62 i.— De quanto ficou dito, considerámos revista toda
matéria do presente capitulo, pelo menos, nos seus aspectos
principaes; e, como conclusão final, relativa á limitação do
— 331 —
principio da responsabilidade do Estado, estamos convencidos,
de que se pôde, fundadamente, estabelecer o seguinte: I
I — EUa cessa, nos casos positivos:
,
a) quando se tratar de acto, declarado discricionário ou
isento de responsabilidade por disposições da lei; I
b) quando o lesado dér causa directa ou occasional para
que succeda o acto em questão ;
i) quando o acto fôr de considerar um caso de força maior;
d) quando o damno resultante de actos, reconhecidamente
essenciaes á vida collectiva ou ao bem commum, como os de
segurança publica e outros análogos, fôr de efieitos relativa-
mente pequenos, e não provenientes de culpa ou excesso de
poder por parte do respectivo agente ;
e) quando o acto fôr praticado pelo agente, fora da sua
qualidade de representante (Mc, p. 319).
A responsabilidade cessa igualmente, quanto ao damno,
proveniente da omissão, desde que se não provar que a omis-
são foi proposital, isto é, motivada por culpa ou dolo do func-
cionario.
Em boa razão, é tudo quanto nos parece se poder affirmar
a priori) sem desconhecer, todavia, que as hypotheses alludidas
possam, talvez, ser susceptíveis de ampliação, em vista das
circumstancias do caso particular...
1
TITULO TERCEIRO
PRATICA DOS SYSTEMAS
CAPITULO I A
Jurisprudência Franceza
§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES 1
63.— No exame da maria da responsabilidade civil do
Estado, feito em vista do direito positivo e a jurispruncia
franceza, dous factos principaes desafiam "desde logo attenção
particular: primeiro, a questão, por assim dizer, previa da com-
petência, isto é, á qual das duas jurisdicções pertence o conhe-
cimento do acto arguido,— si ao contencioso administrativo, si
aos tribunaes judicrios ; segundo, a classificação doutrinaria
dos actos do Estado, em actos de governo ou de poder publico
(aeies de gouvernement ou de puissance publique) e em actos de
gestão (aeies de gestion).
1
1
Examinando os diversos autores, os princípios invocados do direito
publico franoez, e os considerandos das decisões administrativas e judi-
ciaes, se que na jurisprudência se tem admittido as seguintes distino-
ções: 1) distracção entre os actos de governo e actos de administração; 2)
distracção dos actos da administração em actos de império e actos de
— 334 —
A queso da competência constitue, quasi sempre, a parte
mais importante dos considerandos das decies, quer proferidas
pelos tribunaes judiciários, quer pelos tribunaes administrati-
vos ; porque, segundo os princípios geralmente admittidos, ella
interessa ao pprio fundo da aão ou pretenção.
gestão (actos puissauce publique et actes de gestion); 3) distincção de actos
do serviço e actos pessoaes; para, depeis de tudo isso considerado, se poder
extrahir o fundamento da responsabilidade civil do Estado. Uma
jurisprudência, baseada em taes elementos, uns apenas suppostos, outros
demasiado subtis, não" podia deixai* de mostrar-se, em muitas casos, inco-
herente e contradíctoria... Tal é, realmente, o que tem sue cedido.
Com relação á primeira das distineções indicadas, a dizer, relativa aos
actos de governo e actos de administração, M. J. Lonné publicou, ha pouco
tempo, um trabalho especial, tendo em vista demonstrar a sem-razão de
semelhante distineção. Entende, ao contrario, que esta theoria que declara
os actos de governo, sempre irresponsáveis, ou não sujeitos á nenhuma
jurisdicção, e um perigo permanente, e, aliás, sem base jurídica ou
fundamento expresso no direito positivo.
« E', diz elle, uma porta entreaberta ás illegalidades, as mais appa-
rentes e perigosas,— porque o poder concedido ao governo é incerto e mal
definido... A nossa affirmação é, que o pensamento exacto de nosso direito
publico tem sido o de submetter todo acto de poder publico, mesmo os
suppostos actos de governo, ás regras ordinárias do contencioso adminis-
tativo... Contra os abusos do poder nós protegemos o direito individual,
declarando que todo governo, que se põe acima das leis, contrahe uma
responsabilidade, e, não somente politica, mas também judiciaria. »
Lançando rápido olhar sobre a lei e a jurisprudência estrangeira, Lonné
acha que na Allemanha e na Itália predominam theorias análogas ás da ju-
risprudência franceza acerca dos actos de governo; e quanto aos outros
paizes, acerescenta: na Áustria e na Hespanha,« on ne trouve plus ici Vacte
de gouvernement;... en príncipe, 1'acte de puissance publique emanant du
pouvoir central peut être porte dovant une jurisdiction administrativo » ; —
na Inglaterra e nos Estados Unidos, «la theorie de acte de
gouvernement, parfaitement inconnue, n'est snsceptible d'aucune applica-
tion » ; — e mesmo na Bélgica, não obstante a lei manter a separação entre
a autoridade judiciaria e a administração activa, «le droit individuei est
ici aãmirablement protege' contre Vacte de puissance publique... II appartient
aux tribunaux, sinon d'arrêter 1'execiition d'un acte admi-nistratif illogal,
au moins d'en appréoier les conséquences par rapport aux
— 335 —
De modo geral se pôde dizer: quando se trata de uma res-
ponsabilidade de direito commum (por actos de gestão), derivada
dos arts. 1382, 1383 e 1384 do cod. civil, a competência judiciaria
deve prevalecer; quando, ao contrario, se trata de responsabilidade
de natureza diversa, regida pelo direito administrativo, ou derivada
de relações especiaes entre o Estado e os seus funccionarios, e não
das relações ordinárias de um com-mittente com os seus prepostos,
a competência deve caber, ao menos em principio, â jurisdicção
administrativa.
2
Os artigos citados e, porventura, applicaveis á matéria,
dispõem :
Art. 1382. Tout fait quelconque de Vhomme, qui cause a
autrui un dommage, oblige celui, par la faute ãuquel il est arrivé, a
le reparer.
Art. 1383. Chacunest responsáble du dommage qu'il a cause
non milement par son fait, mais encore par sa negligence ou par
son imprudence.
M
Art. 1384. On est responsáble non seulement du dommage que
Von carne par son propre fait, mais encore de celu i qui est cause
par le fait des personnes dont on doit repondre, ou des choses que
Von a sous sa garde.
Mas admittindo, que essas disposições tenham igual appli-
cação aos actos da administração publica, observa-se, subsisti*
intérêts oivils de lapersonne lesée »; nâo sendo, portanto, de admittir neste
ponto a opinião de Laferrière, quando considerara o systema belga inferior
ao systema francez... Basta attender, diz Lonnè, que os tribunaes judiciá-
rios belgas podem conceder indemnisacão por um acto administrativo ve-
xatório, e que a victima de um acto illegal pode accionar o autor por dam-
nos, fundando-se nos arts. 24,92 e 107 da Constituição.— Lonué, Les Actes
de gouvernement.— Paris, 1898.
Nos logares próprios se dirá sobre as outras distineções de actos, â
que se aUudio, bem como, de maneira mais completa, sobre a jurisprudên-
cia dos diversos paizes, a que o citado autor também se referira.
2
Laferrière, Trai de la Jurisdiction Admnistrative, t.1, p. 674.
— 336 —
ria a difficnldade de saber, qnaes destes actos deveriam cair
debaixo da soa sancção. I
Conforme ao conceito, de qne o Estado, ora age. como
pessoa politica on poder publico, propriamente dito, e ora como
pessoa privada, entende Michoud qne, segundo as decisões da
jurisprudência franceza, o Estado, nesta segunda qualidade, está
sujeito ás regras do cod. civil; advertindo, porém, juntamente :
fora da matéria de contractos, na qual o Estado é obrigado a
responder pela culpa nas mesmas condições de qualquer outra
pessoa moral, a jurisprudência só o considera pessoa privada em
um caso único,— " il a agi dons Vexploitation de son
patrimoine prive ". -
a
Quer dizer, que no mais, on se tratando em geral dedamnos
causados pelos fanceionarios e agentes dos serviços públicos, o
que prevalece 6 a regra contraria, isto é, a da competência
administrativa. Eis aqui as próprias palavras do Tribunal dos
Confiietos sobre este ponto em particular, proferidas, aliás, em
um caso que, pela sua natureza, parecia competir á autoridade
judiciaria:— «Considerando que a acção intentada por Mr.
Blanco tem por objecto fazer declarar o Estado civilmente
responsável, pela applicação dos artigos 1382, 1383 e 1384 do
código civil, do damno resultante do ferimento qne a sua filha
soffrêra por cnlpa dos operários empregados na administração
dos tabacos; qne a responsabilidade, que*póde recahir sobre o
Estado pelos damnos causados aos particulares em razão de
factos das pessoas empregadas no serviço publico, não pôde ser
regida pelos princípios qne são estabelecidos no código civil
para as relações de particular á particular que esta res-
ponsabilidade não é, nem geral, nem absoluta; que ella tem as
snas regras especiaes, que variam segundo as exigências
li. Michoud. De la rt*po*múÀl\li de VEtat (na R*vue du Droít Public, t.
4° p. 4).—Cf. Laferriére, he. át, fc. I, p. 684. íed. de 1896).
— 337 —
do serviço e a necessidade de conciliar os direitos do Estado
com os direitos privados; que, isto posto, e nos termos das leis
acima indicadas (leis de 16 e 24 de agosto de 1790 e 16 fructi-
ãor anno III), a autoridade administrativa é a única compe-
petente para conhecer da espécie.»—Trib. dos Confl. 8 de fe
vereiro 1873, "Caso-Blanco".
8
I
A doutrina do "Caso-Blanco" não era, aliás, uma novidade;
delia se encontrava exemplo em decisões anteriores, mesmo de
data relativamente remota (Caso-Rothschild de 1855)*; mas
grande divergência subsistira sempre entre a Corte de Cassação
8
Tratava-se de ama creança, ferida por um wagonôte, devido á
imprudência de empregados da administração dos tabacos, pertencente
ao Estado. Vide: Michoud. loo. cit., p. 5. sg.; Laferrière, loe. cit., p.
681 sg.
4
Laferrière, loe. oit., p. 680 seg.
"Bien que n'appliquant pas dans ce cas le droit prive, le Conseil
d'Btat admit la responsabilité de 1'Etat absolument, comine s'il avait appli-
qué 1'art. 1384 ~ 3
o
du code civil. Le jugement du Tribunal des Conflits
presente une importance particalière, car la theorie qu'il consacre a é
suivie depuis par toutes jurisdictions. '' — Bailby, loe. cit., p. 78.
A razão determinante da não applicação do direito privado vem de
que não se tem separado a questão da responsabilidade, da questão da
competência; entendendo-se que o meio de manter a competência admi-
nistrativa sobre os actos dos funecionarios é subtranil-os a applicação do
direito privado. O que, observa Bailby, assim o é: nenhum principio se
oppõe a que os próprios tribunaes administrativos sejam competentes para
applioar as regras do código civil, as quaes elles invocam, alias, ao apre-
ciar os contractos do Estado, que entram no circulo de sua competência.
— Loe. oit.
A distineção entre os actos de gestão e os actos de autoridade, à que
a jurisprudência também tem recorrido, o satisfaz, por falta de critério
preciso para determinar, onde' cessa a intervenção do poder publico. E
de tudo isso, a dificuldade enorme para o particular, que tem de accionar
o Estado por damnos causados, de saber qual a via legitima a seguir; não
podendo, conseguintomente, evitar as declarões de incompetência e
outros inconvenientes análogos a esse respeito.— Loo. cit.
f
p. 80-81.
32
U. C.
— 338 —
e o Conselho de Estado: aquella, sustentando nas suas decisões
que o art. 1384 do cod. civil, que declara os patrões e committen-
tes responsáveis pelo damno de seus empregados (domestiques) e
propostos no exercício das fnncções que lhes são confiadas, não
comportava excepção em favor do Estado (C. C. 11 agosto 1848;
19 dezembro de 1854); este, ao contrario, repellindo sempre e
energicamente a applicação do citado artigo aos actos da admi-
nistração publica, e affirmando ao mesmo tempo, não só, que o
poder judiciário era incompetente para conhecer da respon-
sabilidade do Estado na sua qualidade de poder publico, como
também, que semelhante responsabilidade devia ser apreciada
por outros princípios, que não os do código civil.
B
Bem ou mal, é a ultima doutrina, que hoje se tem por
assentada, a saber: que o Estado, quando mesmo tenha de res-
ponder pelos actos lesivos dos seus representantes ou func-
cionarios, não está sujeito ás disposições do direito commum,
que rege as relações jurídicas dos particulares; e. que, con-
seguintemente, a acção ou reclamação, apresentada por quem se
diz lesado por taes actos, deve ser apreciada e decidida, ou
segundo leis especiaes, porventura, reguladoras do caso, ou
mesmo, segundo os princípios geraes de equidade e justiça, mas,
sem esquecer jamais a condição privilegiada da pessoa-Estado.
A esse propósito disse o illustre Laferrière: Ce n'estdonc
pas 1'article 1384 du code civil considere comme règle de droit
positif, qui impose à 1'Etat, dans certains cas, le devoir d'in-
demniser ceux qui ont souffert de fautes commises por un fon-
ctionnaire dans 1'exercice de ses fonctions. Ge devoir découle
uniquement d?une príncipe de justice dont la loi civile s'est ins-
pire pour régler les rapports de particuliers à particulíers, dont
la jurisprudence administrativo s'est inspirée a son tour pour
régler les rapports de 1'Etat avec ses fonctionnaires et av.ec les
5
J. B. Simonet, TraitéElem. de droit public et administratif, n. 536.j
Este autor cita os considerandos de duas outras decisões em tudo accórdes
com os princípios do "Caso-Blanco ".
— 339 —
tiers, et que de lois spéciales ont appliqué dans quelques cas
partieuliers, par exemple, en matière de postes, de douanes, de
contiibutions indirectes. II ne serait pas juste, en effet, que des
partieuliers, lésés par les erreurs ou les fautes de fone-
tionnaires, restent victimes d'accidents, dont un service pu-blic
est la cause ou tout au moins 1'occasion, et il est conforme à
l'équité que la responsabilitê de 1'Etat se substitue ou s'ajoute,
dans certains cas, à celle du fonctionnaire. Seu-
1
lement,
comme cette responsabilitê ne resulte pas d'une régie fixe de
droit positif, comme elle doit varier d'après la natuie des
fautes, d'après les ordres donnés à 1'agent, d'après l'in-
dépendance plus ou moins grande de ses fonctions, il est na-
turel que l'appreciation de ces circonstances d'ordre admi-
nistrativo releve de la jurisdiction administrative et non de 1'
autorité judiciaire.
6
63 a. Quanto á doutrina da distineção dos actos do Es-
tado, em actos de gestão e actos de império, é ella em geral re-
commendada pelou autores francezes;
7
e ainda que o se possa
affirmar, que a jurisprudência a tenha sempre tomado declara'
ãamente para base das suas decisões, o facto é, que não have-
ria erro ou temeridade em dizer, que dita jurisprudência a tem
admittido em diversos casos, sobretudo, no intento manifesto
de sustentar a irresponsabilidade do Estado pelos actos de sobe-
rania ou governo, propriamente ditos, quer praticados pelos seus
representantes immediatos (Corpo legislativo, Chefe de Estado,
Loc. oit., p. 679-680.
7
Não faltam, todavia, autores francezes, que combatam os funda-
mentos da alludida doutrina, Duguit, por exemplo, um dos mais recentes
escriptores, assim se exprime: «Theoricamente, não podemos admittil-a,
pois a própria distineção dos actos de autoridade, de actos que não tem
este caracter, nos parece arbitraria. De outro lado, bem se vê que o
direito moderno tem uma tendência marcada para estender a responsabi-
lidade do Estado e reconhecel-a mesmo em casos onde, segundo a dou-
trina dominante, o "poder publico" se mauifesta muito claramente: a lei
de 1895, reconhecendo o direito de reparação por motivo de sentenças in-
justas, nos fornece disso uma prova notável».Ob. oit., p. 638.
f -----
— 340
Ministros, Magistrados), quer pelos simples fanccionarios no
exercício das respectivas funões.
8
E não obstante a dificul-
dade pratica de fazer ou de guardar, em muitos factos, a dis-
tincção referida, se pode igualmente ajuntar, que o conside-
rados na jurisprudência, como principaes actos de imrio, os
seguintes: os actos legislativos, os decretos e regulamentos do
poder executivo, e as medidas deste poder de caracter geral, ou
mesmo particular, relativas â pocia e á saúde publica, ou or-
denadas nalgum outro interesse do bem publico, e bem assim,
os actos praticados em virtude de convenções diplomáti-
cas, os actos directos da autoridade judiciaria, os factos de
guerra, as ordens militares e mais serviços das forças publi-
cas; entendendo-se que, como em taes actos o Estado age, por
assim dizer, discricionariamente no interesse exclusivo da ordem
ou do bem commum, para o qual fora instituído, ou sendo elleS
o exercício de um direito positivo, não podem dar logar á
nenhuma acção de indemnisação, muito embora sejam lesivos
de interesses individuaes, os mais legítimos e incontestáveis.
Só por via graciosa se poderá pedir qualquer modificação ou in-
demnizão, relativamente aos actos arguidos.
9
8
Laferrière (Traité de la juriã. administr.) parece distinguir os
actos, em actos de soberania, de poder publico (puissance publique), e de
gestão; negando a responsabilidade do Estado quanto aos primeiros; admit-
tindo-a, em certos casos, quanto aos segundos; e deelarando-a de regra
geral, quanto aos últimos. Nos primeiros elle inclue os actos legislativos,
os de governo, os factos de guerra, e o exercício do poder judiciário; ob
servando, porém, que, com relação aos actos deste ultimo poder, dá-se.
agora, a limitação feita pela lei de 8 de junho de 1895, dispondo que, si
da revisão criminal resultar a innocenoia do condemnado, este tem direito
a exigir uma indemnisação pecuniária do próprio Estado.—.Ob. çit., t. II,
p. 184-185. Cf. Sourdat, TraiOén. de la responsabilité, t. II, p. 510;
Hauriou, Les actions en indemnité contre VEtat (na REVUE DU DROIT PUBLIC,
t. VI. p. 51-65).
9
Vide: Sourdat,ob. cit., t. II, ns. 1804-1306; Laferrière, locs. cits.
— 341 —
Esta é a doutrina consagrada, não ha duvida, pela juris-
prudência franceza sobre a matéria.
Entretanto, da admissão destes dous princípios a) de
que os actos do Estado não podem, em principio, ser submettidos
ás disposições do direito commum, 6) de que os actos de poder
publico não são susceptíveis de responsabilidade do Estado,
não se queira logo inferir, que o individuo, lesado nos seus
direitos, se ache incapacitado de defendei-os, por não haver
remédio legal a esse respeito. De maneira nenhuma. Emquanto
do seu lado, diz Sourdat, a Corte de Cassão tem proclamado
em numerosos arestos,que «as regras postas pelos arts. 1382,
1383, 1384 do cod. civ. são applicaveis, sem excepção, a todos
os casos, em que um facto qualquer do homem causa a outrem
um damno, produzido por culpa do seu autor; e que o Estado,
representado pelos differentes ramos da administração publica,
é passível da condemnação, âque o damno, causado pela culpa,
negligencia ou imprudência de seus agentes, possa dar logar
o Conselho de Estado, por sua vez, a despeito do principio por
elle próprio firmado da não-sujeição ao direito commum, tem,
não obstante, apreciado e resolvido sobre as diversas lesões
dos direitos individuaes, submettidas ao seu conhecimento,
apoiando-se igualmente em razões e argumentos, em tudo se-
melhantes, senão, idênticos aos que resultam dos textos supra-'
indicados desse mesmo direito.
10
Isto, que disemos, se patenteia, aliás, das próprias pala-
vras de Laferrière no seguinte trecho: « Quanto aos serviços
públicos, para os quaes a lei não edictou regras especiaes de
responsabilidade, a jurisprudência.do Conselho de Estado, se
'o Sourdat (loc. cit., nota ao n. 1303) cita decisões numerosas neste
sentido,Cf. Laferriôre, ob. oit., t. U, p. 190.E* de saber, que no próprio
Ciuo-Blanco, já referido, o Conselho de Estado admittlo a responsabili-
dade do Estado, a despeito do principio da nao applicabilidade do direito
conimum aos actos da administração publica.
I*
---------
— 342
inspirando nos princípios geraes do direito, reconhece que o
Estado pode ser pecuniariamente responsável pelas culpas dos
seus agentes; sem, todavia, admittir que o art. 1384 do cod. civ.
lhe seja textualmente applicavel».
u
63b. Em justificação desta doutrina, que nega a appli-
cabilidade do direito commum aos actos da administração pu-
blica, se costuma fazer duas allegações principaes.
Primeira: O committente ou o mandante nomêa prepostos
ou mandatários para a gerência dos seus interesses próprios,
mas o Estado ou o poder publico tem funccionarios, conforme ao
disposto na lei, para a gestão dos interesses geraes ou communs;
e emquanto as pessoas privadas escolhem livremente os seus au-
xiliares, o Estado não pôde siquer conhecer a todos os seus,—
cuja nomeação e promoção dependem, as vezes, do concurso
ou da antiguidade; havendo, mesmo, auxiliares obrigados do
Estado, taes por exemplo, os cidadãos sujeitos ao serviço militar
e os officiaes proprierios de seus postos (proprietaires de leur
grade); finalmente, os committentes ordinários podem e devem
fiscalisar todos os actos de seus prepostos e mandatários," ao
passo que o Estado é obrigado a proceder por via de instru-
cções e regulamentos geraes, sob a sancção de penas discipli-
nares ; não pôde prepôr fiscaes a todos serviços, e quando o
fizesse, por quem seriam os próprios fiscaes fiscalisados ?— Quis
custodiei custodes ?
12
Segunda: Si se quizesse fazer entrar, nas previsões do
código civil, as relações do funccionario com o Estado, taes re-
lações não seriam as do preposto para com o committente ou as
do creado para com o patrão (de domestique à maitre)
t
mas as
" Loc. cit., p. 189. C f Sourdat, loo. cit., ns. 1807, sg. 12 Laferrière, ob.
cit., 1.1, p. 679.— ,Cf. Sourdat, loe. cit., ns. 1348 sg. Estes autores citam
decisões, confirmativas dos pontos, acima alludidos.
— 343
do mandatário salariado para com o mandante. Ora, segundo o
avt. 1998 do código civil, o mandante ê obrigado a executar os
compromissos tomados pelo mandatário "na conformidade do
poder que lhe fora dado". Aquelle não ê obrigado pelo que se
tenha feito além, senão, quando o haja ratificado, expressa lou
tacitamente.—A admissão da doutrina contraria levaria ao
resultado de tornar o Estado responsável por infracções, das
quaes seria elle próprio á queixar-se, isto é, da violação do seu
mandato, ou da desobediência ás regras por elle traçadas aos
seus agentes. Chegar-se-hia, mesmo, á pretexto de applicar o
direito commum ao Estado, â derogação desse direito em pre-
juízo do Estado.
13
63 c.—Não temos que entrar no exame da procedência ou
improcedência das duas allegações, que acabámos de mencio-
nar; importa, todavia, não deixar de dizer, que essa doutrina,
seguida pela jurisprudência franceza,
u
é tida por assaz defei-
tuosa aos olhos dos pprios escriptores nacionaes, mais compe-
tentes. Referindo-se á ella, escrevera Sourdat: "Ceei revient à
dire qu'au fond la responsabilitê de 1'Etat n'existe pas; da
moins, qu'elle ne será reconnu qu'au gré de l'ad minis tration
is Laferriére, loc. eit.
w
14
Laferriére, (t. I, p. 648 sg.) cita decisões diversas, que servem
para Ulustrar a doutrina acima exposta.
Esta preoceupaçao de subtrdhir o Estado ás disposições do direito
commum e, em consequência, á jurisdiao dos tribunaes ordinários, obedece
á uma regra tradicional e histórica da vida publica do paiz, prevalecendo na
obra da jurisprudência, ora mais, ora menos, segundo se verifica das decisões
proferidas em differentes épocas. Mais uma das raes, fortemente allegadas
contra a intervenção judiciaria nos actos administrativos, é também a falta
de elementos bastantes de informação ou mesmo de competência dos tri-
bunaes para interpretarem, oom a precisa conveniência, as leis, regulamen-
tos e mais actos, peculiares a administração publica.— Vide: Laferriére,
loc. cit., p, 10-11, 675-78, e 688; —Sourdat, loc. oit., ns. 1348 sg., 1354-
1356, etc.
— 344 ~
elle-même, et sans aucune règle qui la determine á 1'avance. |
Or, un pareil arbitraire est essentiellement regretable."
16
Por sua vez o professor L. Michoud fiséra, muito judiciosa-
mente, notar sobre o mesmo propósito:
Cest un defaut grave, parce qu'il fait la part trop large á
1'appreciation du juge et peut conduire a des solutions arbi-
traires. Puis, quine voit que, si 1'ie est vague, elle a surtout le
défaut de ne pas fournir une base solide à la responsabilité de
l'Etat? Les tribunaux (tribunaux administratifs, aussi bien que
les tribunaux judiciaires) ne sont point des arbitres qui puis-sent
prononcer une condemnation contre 1'Etat toutes les fois qu'ils
la jugent équitable. Ils n'ont pas le droit de disposer des deniers
publics, même pour secourir un malheur quileur parait
interessant. Ils ne peuvent faire autre chose que de recon-nâitre
a la charge de l'Etat une obligation preexistente, soit en vertu
d'un texte, soit en vertu d'un príncipe juridique re-connu. Ils ne
peuvent se baser sur la simple équité, sans s'ex-poser aux
reproches de faire le droit au lieu de Pappliquer. I/aboutissant
logique du systême, ce serait la transformation de la demande
d'indemni en reclamation purement gracieuse, adressée à
1'Ádministration elle-même, qui 1'examinerait, ex equo et oono,
en tenant compte de la situation de la victime et de 1'état des
crédits mis á sa disposition par 1'autorité bud-gétaire.
16
E fundado nestas considerações, manifestamente valiosas, o
citado autor não duvidara mesmo affirmar, que a alludida
doutrina não podia chegar, senão, a resultados negativos; por-
quanto, " écarter les articles 1382 á 1386 du code civil, c'est | en
alité renoncer au seul point ã'api solide que Von puisse
trouver dons notre législation pour établir la responsabili de
VEtatr
17
Infelizmente, essa incerteza ou carência de base certa de
direito positivo, que se nota nos julgados da jurisprudência fran-
15
Sourdat, loe. cit., n. 1308, signantcr, n. 1856 bis. w Michoud,
Dç la responsabilité de 1'Etat {Bevue du droit public, t. IH, p. 405).
17
Michoud, loo. cit., t. IV, p. 14.
— 345 —
ceza, ainda se encontra igualmente na morparte dos outros
Estados... Sem embargo de que em todos elles o principio da
responsabilidade civil abre, cada vez, mais larga entrada na
consciência jurídica; faltam, com tudo, disposições positivas
completas, que o appliquem aos diversos casos, de modo justo e
conveniente.
De resto, cumpre não esquecer que a questão da não appli-
cação do direito commum ã pessoa do Estado se refere somente aos
actos de poder publico ou de governo; porquanto, das próprias
decisões do Tribunal dos Conflictos e do Conselho de Estado se
verifica que, com relação aos actos de gestão, não só, se admitte a
applicação desse direito, mas também ainda, que, por se tratar de
actos sujeitos ao direito privado, é ao poder judiciário que compete
tomar delles conhecimento e julgal-os, segundo fôr de justiça.
18
18
A. Batbie (Precis du Cours de droit public et administratif, p. 322;
Paris, 1885) d
;
z a respeito : Cest une question três controversée que celle
de savoir s'il appartient aux tribunaux, ou à 1'antoritó administrativo de
declarei- 1'Btat dèbitear. La jurisprudenco du Conseil d'Btat decide qu'ii
faut distinguer entre 1'Btat puismnce publique et l'Btat personne privée;
dans le promier cas, c'est 1'antorité administrativo qui est competente;
daus le second c'est 1'autorité judiciaire. Cette distinction resulte du prín-
cipe de la separation des pouvoirs, et c'est en ce séns qu'il faut interpreter|
Farrêt directorial du 2 germinal an V. Dans plusieurs affaires, le Conseil
d'Etat a consacré la compétenoe administrativo, meme quaud il 8'agissait
de déclarer débiteur VBtat pumance privée (l
er
mai 1822,4 fevrier 1824, 8
mai 1841); mais, dans d'autres affaires los plus nombreuses, il a renvoyé
aux tribunaux des demandes qui n'intéressaient pas 1'Btat puwance publi-
que (28 janvier 1814, lf> mars 1826, 28 mars 1838,16 raars 1839, 7 dé-
cembre 1844, 10 décembre 1843, 26 mai 1850, etc.). A plusieurs reprises,
ia Coar de Cassation a decide que les tribunaux ordinaires sout comtents
poar statuer sur des demandes formées contre 1'Btat, comine responsable
du fait de ses agents (30 janvier 1833, 22 janvier 1835, 29 fevrier 1836,
30 janvier 1843, ler
aV
ril 1845, 19 décembre 1854); cependant la Cour de
Cassation n'admet pas cette compétenoe lorsque pour juger la question, les
tribunaux auraiont à s'occuper d*un prejudico cause par 1'executiou de
64.—Também se tem procurado distinguir, no próprio acto li lesivo do
funccionario, certos caracteres, segundo os quaes o acto deve, ou não,
ser considerado um acto do Estado. Com relação ao modo de vôr da
jurisprudência neste particular, dissera também Laferrière:
Elle distingue entre les fautes de service et les fautes per-
sonnelles. Les premières résultent d'un service mal fait, d'un ordre
mal donné, mal compris, imprudemment execute, mais n'ayant
cependant en vue que les fonctionnement du service; les secondes
consistent dans des délits, des malversations, des fautes lonrdes, oíi
apparaissent les passions personnélles de 1'agent plutôt que les
difficultés et les risques de la fonction. Dans ce dernier cas, 1'agent et
personnellement responsable devant les tribunaux judiciaires, et il est
de príncipe, que 1'Etat ne repond pas pour lui. Au contraire, les
fautes de service sont censées commises par 1'Etat lui-même, comrae
con-sequence d'une organisation defectueuse de ses ser vices, d'une
insuffisance dans ses moyens (Vaction ou de surveillance. La res-
ponsabilité de 1'Etat n'est pas la responsabilité pour autrui prevue par
1'article 1384 du cod. civil, mais la responsabilité directe: le service
public est censé 1'auteur de la faute ; c'est-à-dire, 1'Etat qui
indemnise.
19
mesures administra ti ves ou par 1'absenoe de mesures que 1'administration
auraifc l prendre (arr. du 3 juin 1840). La distinction entre 1'Etat puis-
sance publique et 1'Etat personne privée a été admise par le Tribunal des
Conflits dans les arrêts : 8 fevrier 1873Bransiet, 8 fevrier 1873 Blavco
c. VEtat, 25 fevrier 1873 Masson c. 1'Etat, et 17 janvier 1874 Paris-
Lyon-Méâitenanée.D'áprès un troisième systeme, cette distinction est d'nne
appréciation fort difficile et aucun texte de loi n'en porte Ja moindre trace;
il faudrait décider que 1'autorité administrativo será competente pour dé-
clarer 1'Etat biteur, sauf le cas ou un texte attribuerait expressement la
connaissance d'une catégorie d'affaires aux tribunaux.M. Th. Ducrocq,
qui enseigne cette opinion, fait observer à 1'appni «la tendance du législa-
teur à introduire dans les lois nouvelles des dispositions expresses cha-
que fois qu'il veut investir l'autorité judiciaire da âroit de declarer 1'Etat
débiteu. M. Daorocq oite en faveur de son opinion:C. d'Etat 20 fevrier
1858 — Carcassone; 6 aout 1861 Dékeister; e 7 mai 1862 Vmcent.
19
Laferrière, los. cit, p. 189.— A preferencia, que damos sempre á
autoridade deste autor, vem, não só, do seu saber jurídico incontestável,
I
347 -r--
Como se vê, pretende-se faser uma distincção subtil, senão,
arbitraria, segundo a qual o acto é, ou o ê, um acto aãminist*
trativo, à dizer, um acto pessoal, ou impessoal do funccionario.
Perdido o sen caracter de acto administrativo, o acto torna-se
um dolo ou uma culpa do individuo, e como tal, só sendo impu-
tável a este, ao Estado nada obriga; devendo, conseguinte-
mente, a responsabilidade do mesmo acto ser apurada perante a
justiça ordinária.
20
o ha rasão para recusar a possibilidade de distinguir en-
tre os actos pessoaes e os actos funceionaes do individuo-funccio-
nario do Estado; mas affirmar, como regra ou cririo que, quando
a culpa for de caracter grave (um furto, um roubo, um acto de
paixão pessoal, como diz Laferrière), trata-se de simples culpa
pessoal, (faute personnelle) e o de um acto administrativo,
excluída, consequentemente, a responsabilidade do Estado-, é
cousa descabida e sem nenhuma razão legitima, que lhe sirva de
fundamento. E' verdade que, segundo o testemunho de Michoud,
não se conhece decisão alguma, na qual se tenha feito referencia
clara à distincção pretendida. À jurisprudência, diz este autor,
estabelecera a distincção entre a culpa pessoal e o acto
administrativo, apenas, no intuito de subtrahir o funccionario,
no caso de acto administrativo, á pesquizas ou demandas pe-
rante os tribunaes judiciários; mas não se conhece aresto, que
haja declarado, em principio, que o Estado o fica sujeito á
ser demandado no caso de tratar-se de culpa pessoal.
81
mas também, de oocupar elle o elevado posto de vlce-presidente do Con-
selho d'Estado.
20
Michoud, loc. oit., p. 6-7.— Vide : Hic, p. 815, a opinião de Du-
gait a respeito das culpas pesscaes e culpas da fwncção.
81
Michoud, loc. cit., e nota ibi.
~ Bailby, tratando deste ponto em particular, affirma que a distincção
entre actos de serviço e factos pessoaes do funccionario tem sido admittida
pelos diversos autores, e, em contrario do que Michoud parece affirmar, elle
— 348
Por íallar, incidentemente, em subtrabir o funccionario' á
indagações judiciaes, o se pense que o mesmo esteja exempto
de responder no judiciário pelas culpas ou damnos commettidos
contra terceiros, mesmo em rao do cargo. Não, de certo. Ao
contrario, revogada pelo decreto de 19 de setembro de 1870 a
proliibição fundada na legislação anterior de processar os agen-
tes do Governo sem prévia autorisação deste (sans autorisation
préalable); tem-se agora como certa e reconhecida, a jurisdicção
dos tribunaes judiciários a esse respeito, nos limites de sua
compencia.
8S
A queso única, que subsiste, e com certeza
subsistirá, emquanto houver as duas jurisdiões (Contencioso
Administrativo e Autoridade Judiciaria), é a de saber,—quando
os tribunaes de justiça ordinária se deverão abster de tomar
cita decisões do Trib. dos Conflictos e do Conselho de Estado, consagrando
o principio dessa distincção. Não se conhece, porém, diz Bailby, nenhum
critério seguro, que se deva seguir a respeito; porque um mesmo facto
poderá, em certos casos, não ser, senão, uma culpa administrativa, e, no
entanto, degenerar em culpa pessoal por motivos e ciroumstancias par-
ticulares.
O autor lembra rios casos e hypotheses, donde melhor se apura a
dificuldade do critério procurado.—Vide:" la responsalnlité de VEtat'',
p.140-147.
22
Quanto aos juizes o cod. do processo (cod. de procedure) já continha
disposição expressa consagrando a sua responsabilidade judicial: 1) nos
casos de dolo, fraude ou concussão; 2) noutros casos declarados expres-
samente na lei; 3) quando a lei declara os juizes responsáveis, sob a pena
de perdas e damnos peine de dommages et intérêts); 4) quando ha
denegação de justiça (Cod. cit., arts. 505 seg). Sobre este ponto em
particular é de vôr: René Bellanger, Du Juge qui fait le procès sien.
Paris, 1892.
A responsabilidade do professor, que o art. 1884 lhe reconhecia,
no caso do damnos causados pelos aluamos das escolas do Estado, foi
substituída pela do Estado (lei de 20 de julho de 1899); visto como o pro-
fessor publico não podendo escolher, nem o local, nem o pessoal, nem os
seus aluranos, a sua responsabilidade exclusiva no facto seria injusta.
— 349 —
conhecimento do feito ou demanda por se tratar, na e3pecie, de um
acto, rigorosamente administrativo, e,por conseguinte, fora da sua
jurisdicção própria.. -
a2a
§ 2.° CASOS B DECISÕES
65.—ACTOS LEGAES OU ISENTOS DE CULPA. Debaixo deste
titulo são de comprehender, principalmente, os chamados « actos
do império », a dizer, o exercício immediato do poder publico, e
bem assim, quaesquer outros actos, que o Estado ordena e pra
tica, de animo deliberado, fora de toda culpa, sob as suas formas
de governo, autoridade e administração publica, muito embora
certo ou consciente, de que taes actos sejam susceptíveis de cau
sar damno aos direitos individuaes. Entendesse, que são deli
berados e executados em nome do bem publico, superior ao dos
indivíduos particulares, e mesmo às vezes, como necessários á
própria defesa e segurança do Estado. A julgar das espécies
occorrentes, a jurisprudência dominante acerca de taes actos é
a que vamos expor em seguida. I
65 a.— Actos legislativos. A irresponsabilidade pelos actos
legislativos é affirmada de modo absoluto; estes actos não podem
dar logar ã nenhuma acção nem contra o Estado nem
sa
» Vide: Laferrière, ob. cit., 1.1, p. 644 sg. A abrogação do art. 75 da
Constituição do anno VIII pelo decreto de 19 de setembro de 1870, observa
Bailby, deixou subsistir, o principio que veda aos tribunaes judiciários apre-
ciar os actos administrativos; mas o dito decreto da exclusivamente a esses
tribunaes o direito de conhecer das culpas pessoaes, separáveis da funcção
e susceptíveis de ser apreciadas, segundo os princípios do direito commnm.
Loo. cit, p. 142. Sobre este ponto é também de ver:—E. H. Porreau, De
la responbili envers les particuliers ães fonctionnaires aãvninistratifs,\
Bordeaus, 1894; Grin, La responsábilité civile ães fonctionnaires pu-\ blics
envers lei particuliers, Paris, 1895; sard, Theorie juridique de la
fonction publique, Paris, 1901; A. Gr. Boulen, De la. reapomábilitéenvers
les partkulier8 ães fonctionnaires administratifs, Rennes, 1-902.
— 350 —
contra as pessoas dos legisladores, que hajam tomado parte na
sua adopção. Si bem que o legislador deva proceder cora a má-
xima prudência, evitando sempre offender aos interesses priva-
dos; todavia, si assim não fizer e ferir realmente esses interesses
ou direitos, é ao próprio legislador que cabe o livre arbitrio de
conceder, ou não, a satisfação do damno, porventura, resultante
das suas leis e resoluções. Conseguintemente, desde que o acto
legislativo em questão não consigna, de modo explicito ou
implícito, o direito ã uma indemnisação, a jurisprudência se tem
recusado firmemente a admittir qualquer acção ou reclamação
neste sentido.
28
« Quando o Estado desempenha a sua funcção de fazer as
leis, não pôde incorrer em culpa civil, porque a culpa presuppõe
a violação de uma obrigação... Mas se o poder legislativo esta-
belece uma regra de direito, que esteja em contradicção cora
uma anterior, elle não viola esta ultima; a abroga ou a modifica,
haja, ou não, assim declarado expressamente. Pôde suc-ceder
que, por uma lei ordinária, o legislador derogue às leis
constitucionaes; neste caso, elle não as abroga nem as modifica,
porque para tanto carece de direito; elle as viola, porque,
theoricamente, ellas subsistem em vigor. Se pôde dizer que o
poder legislativo commettêra uma culpa, lato sensú. Mas não
existe nenhum meio jurídico de fugir á applicação de uma lei
inconstitucional, e de declarar a fortiori o Estado civilmente
responsável por essa culpa; porquanto em França a própria lei
inconstitucional tem, pela força das cousas e em vista dos meios
de execução que possue o Estado, um caracter imperativo; os
nossos tribunaes judiciários ou administrativos, accrescenta-se,
não tem o direito de apreciar a constitucionalidade das leis. »
23
*|
23 Vide: Laferrière, ob. cit., t. II, p. 4 e 13 sg. e decisões citadas ibi;
Michoud, loc. cit., p. 254-55, e decisão do C. E. 4 abril 1870, ibi citada.
23
« Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 166.
351 —
65 b.Actos judiciários. Igual irresponsabilidade, coberta
pela égide da soberania, se reconhece ao Estado pelos actos dos
juizes e tribunaes (despachos e sentenças), cuja legalidade é sem-
pre presumida. Mesmo em casos, nos quaes se talvez um acto
illicito da autoridade judicial, em regra, se tem decidido na
mesma conformidade. No entanto, em virtude de lei recente (8
de junho de 1895) a irresponsabilidade judiciaria soffrêra mo-
dificação importante; admittindo-se, agora, a acção de indem-
nisação contra o Estado em favor dos indivíduos, que forem de-
clarados innocentes pela revisão das sentenças criminaes, que
os tenham condemnado.
24
65c.—Actos de governo. Os-actos de governo, propriamente
ditos (hic, p. 102, nota 14), o também considerados, como per-
tencentes ã uma região superior, distincta da administração no
sentido stricto desta palavra (hic, p. 102, nota 15), e conseguin-
temente, declarados isentos da obrigação de prestar uma in-
demnisação, salvo deliberação voluntária por parte do próprio
Estado em favor dos interesses do lesado.
z5
Quanto aos actos da administrão, propriamente, ainda
que predomine tamm a seu respeito o principio da irresponsa-
bilidade; todavia, o o poucas as modificações ou exceões
feitas ao dito principio, como melhor se verá das próprias es-
pécies, de que teremos de fazer menção.
24
Vide: Michouâ, loc. cit., p. 260 e 275 sg.; Laferrière, ob. cit., t. II,
p. 184-85. I
I
25
Laferrière, loc. cit., p. 12 e 32; Michoud, loc. cit., p. 256-59. Este
ultimo autor cita numerosos julgados neste sentido. Lonné (Les Actes
de Governement), depois de haver afflrmado que o individuo tem direitos
superiores e anteriores aos do Estado, e qae o Estado os deve respeitar,
accrescenta: « H existe cepeitãant une theorie dans le droitpiiblic françaisl qui
peut servir de justificativa aux atteintes les plus graves aux droits indim*
diiels; c'est la theorie dite des actes de governement.» Loc. cit., p. 6.
— 352 —
65 d. Desapropriação, e occupação temporária da pro-
priedade por utilidade ou necessidade publica. Toda desapropriação,
feita por causa de utilidade publica, ao lesado o direito de uma
indemnisação ; este direito está reconhecido em lei expressa ;
conseguintemente, jamais fora elle recusado ou posto em duvida pela
jurisprudência.
26
Um direito análogo de indemnisação é reconhecido,
no caso de occupação temporária da propriedade alheia. Apenas,
quanto á occupação temporária, se admitte uma excepção em favor
dos serviços militares, notadamente em casos de guerra, si as
necessidades da defesa exigirem semelhante medida. A própria
lei(dec. de 10 agosto de 1853, art. 39) o declara : "Qualquer
construcção, qualquer privação de goso, qualquer demolição,
destruição ou outro damno resultante de um facto de guerra ou de
uma medida tomada de defesa, seja pela autoridade militar durante o
estado de sitio, seja por um corpo de exercito ou destacamento, em
face do ini-
26
Vide: Aubry et Rau, Cours de droit civd (rançais, t. II, § 193, p.
297 sg., 5
a
edic. Paris, 1897. Neste logar se acha indicada a legislação
francesa, tanto relativa á propriedade imraovel em geral,como a certos casos
especiaes, e bem assim, a citação de decisões concernentes do Conselho de
Estado. —Talvez devido á circiimstanci a de o direito de indemnisação no
caso de desapropriação por utilidade publica se achar hoje declarado ou
geralmente reconhecido em artigo do próprio direito constitucional, a
mor-parte dos autores não se referem á esta espécie de lesão, quando se
occupam do thema da responsabilidade civil do Estado. Entretanto não nos
parece que essa omissão seja assaz justificável; ao contrario, pensamos
com P. Palazzo que, precisamente, neste reconhecimento de indemni-sar o
damno, proveniente da desapropriação por utilidade publica, se offe-rece
argumento irrecusável, de que o Estado -poder publico, não obstante agir
em vista dos fins ou da necessidade publica, 6 o primeiro a se confessar
obrigado a reparar as lesões do direito individual, e que, portanto, se
mostram incoherentes os que, admittindo a responsabilidade de in-
domnisar no caso da desapropriação, negam-na, comtudo, nos outros casos
de lesão da propriedade privada, sob o pretexto, de que o Estado age na
sua qualidade de poder publico ou soberano.—Vide: Palazzo, ob. cit., p.
31-.32.
— 353 —
migo, não lugar á nenhum direito de indemnisação." Entre
tanto devemos ajuntar, que a despeito dos termos categóricos
da lei, que acabam de ser citados, mesmo se tratando de caso
de guerra, a jurisprudência tem, por diversas vezes, reconhecido
o direito de indemnisação a favor dos indivíduos lesados em
dadas circumstancias do facto. n
Quanto á desapropriação, propriamente, o prejuízo re-
sultante se pode estender á um grande numero de pessoas, taes
como: o proprietário, o usofructuario, o usuário, o rendeiro, o
locatário, o sub-locatário, etc.; a todas ellas se reconhece di-
reito a uma indemnisação distincta, e esta deve ser arbitrada
por um jury, segundo regras estabelecidas na lei.
26
*
65 e Actos de policia e segurança publica. Estes actos
se distinguem principalmente em medidas de ordem publica, e
medidas de policia sanitária ou saúde publica.
1) Quer no uso das medidas expressamente declaradas nas
leis, quer no emprego de outras excepcionaes, que o governo
ou a autoridade publica ponha discricionariamente em pratica,
para o fim de manter a ordem publica, se podem, sem duvida,
dar frequentes lesões dos direitos individuaes, não só, da liber-
dade, mas também, da propriedade privada; éisso cousa sabida,
e que ninguém pensará em contestar. Todavia a regra geral da
matéria é: o Estado não responde civilmente pelos damnos
provenientes de semelhantes actos, muito embora, no caso de
culpa dos respectivos agentes, possam estes, às vezes, ser cha-
mados pessoalmente a responder pelos abusos commettidos.
27
28
» Estas regras se acham devidamente expostas por Siraonet (Droit
Public et Adm., n. 961) e illustradas pelas decisões da Corte de Cassação
proferidas sobre os casos occorrentes,
27
Nos casos de omissão se sustenta tamm o principio da irrespon-
sabilidade. Assim se deeidio, por exemplo, na omiso dos agentes da admi-
nistração em tomar as medidas precisas de segurança contra manifesta-
23 n. c.
— 354 —
Um dos actos do poder publico, praticado no intuito de
manter a ordem publica, e que assume, só por si, um caracter da
maior gravidade, é o Estado de sitio. Elle pode ter em vista, não
só, a segurança interna, como, externa do paiz, em dado
momento. Segundo a lei que regula a matéria na França (lei de 9
agosto de 1849, e de 3 de abril de 1878), as medidas ex-
cepcionaes do estado de sitio consistem: em autorisar buscas,
em afastar os indivíduos suspeitos (les repris de justice) e as
pessoas não domiciliadas, em apprehender armas e munições, e
em prohibir as reuniões e as publicações, consideradas peri-
gosas. Os cidadãos, diz a própria lei, continuam, não obstante o
estado de sitio, a exercer todos os direitos garantidos pela
Constituição, cujo goso não se considera suspenso em virtude do
dispositivo citado. E' pois natural, observa Laferriére, que,
conservando os direitos deixados intactos pela declaração do
estado de sitio, os cidadãos conservem igualmente os recursos e
as acções de justiça, que servem de sancção a esses direitos.
28
No entanto, a julgar pelas decisões até agora proferidas, já pelo
Tribunal dos Conflictos, já pelo Conselho de Estado, relativa-
mente a pedidos de indemnisação por damnos causados durante
o estado de sitio, se chega á convicção de que semelhante in-
demnisação não é admittida, sob o fundamento de se tratar de
medidas tomadas no exercido e limites de poderes consagrados
ções popalares, que constrangiram a um individuo particular a deixar
a cidade, onde exercia a sua profissão (C. E. 8 de janeiro de 1875).
Do mesmo modo se decidio a respeito do accidente cansado por nm tiro
dado por desconhecido, sendo a policia acousada da falta de devida vigi-
lância, á que é obrigada (C. B. 13 de janeiro de 1899). Na decisão o Con-
selho de Estado declarou positivamente: "E' de principio, que o Estado,
como poder publico, e notadamente no que respeita ás medidas de poli-
cia, não responde pela negligencia dos seus agentes."Esta ultima de-
cio fora, todavia, objecto de critica fundada. Vide : Bailby, ob. cit.,|
p. 170-171.
28
Laferriére, loc. cit., p. 37.
— 355 —
na lei.. ,
29
A expressão limites parece indicar que, transpostos estes,
a indemnisação pode ter logar. Não ha, porém, decisões explicitas,
que autorizem a affirinar, ou a negar, o principio da
responsabilidade civil do poder publico sobre este particular.
65 f. — Fallando, em geral, das medidas policiaes sobre a
ordem ou segurança publica, cumpre, entretanto, não omittir: a
irresponsabilidade por taes medidas se estende âquellas,
consideradas necessárias e próprias do fim indicado,— manu-
\tenção da ordem, e não, a todos e quaesquer actos, que se praticam
a titulo de policia, porventura, lesivos dos direitos in-dividuaes da
liberdade e propriedade. Não, positivamente não: isto seria
contradictorio ao principio geral, que reconhece ao Estado a
obrigação essencial de defender e garantir esses mesmos direitos, e,
aliás, um dos fins immediatos das próprias medidas policiaes, cujo
emprego o Estado autorisa aos seus func-cionarios.
80
29
S&o de ver: T. 0. 26 julho de 1873, CasoPelletier; C. E. 5 julho
de 1874, Caso Chéron; 24 dezembro do 1875, Memorial des Yosges. Ante-
riormente : C. B. 5 janeiro de 1855, Caso Boulé; 10 janeiro de 1855, Caso
Dautreuille. Os últimos arestos versaram sobre daranos causados a typo-
graphias, onde se publicavam jornaes interdlctos em virtude do estado de
sitio. —Laferriére, loc. oit.
8(
> « Tout (Vabord elle (1'irresponsabilité) n'existe que si 1'aote repro-
che au fonctionnaire a été fait reéllement dans uu but de police, pour pro-
teger les interêts que la puissanoe publique a pour mission de défendre.
Elle cesse au contraire, lorsque le pouvoir confie au fonctionnaire a été
détourné de son but...»— Michoud, loc. oit., p. 260.
Nos termos da lei de 5 de Abril de 1884 (art. 106), as oommunas o
civilmente responsáveis pelos estragos e damnos, resultantes de crimes e
delictos commettidos, por força ou violência nos seus territórios, em con-
sequência de tumultos ou ajuntamentos armados ou não armados, seja con-
tra as pessoas, seja contra as propriedades privadas. "E" ama excepção
notável, diz Journé, ao principio da separação dos poderes e a regra, que
o Estado, o departamento e a communa não são jamais responsáveis pelos
seus actos de policia ou peta negligencia de não haverem tomado as ne-
— 356 —
Assim é, que se podem citar, como exemplos, alem de
outros, os casos seguintes:
No fechamento de uma fabrica de phosphoros, feita á
pretexto de medida policial, mas, em verdade, para assegurar o
monopólio do Estado e evitar, por esse meio, a necessidade de
sua desaproprião e consequente indemnisação, foi reconhe-
cida a responsabilidade do Estado de pagar ao individuo lesado
a indemnisação pedida.
31
cessarias medidas a respeito ".M. Journé, Preás Elem. de droit admi-
nistratif, pag. 131, Paris 1904. Ha nisto, sobretudo, uma condradicção, diz
outro autor, pois, emquanto se impõe semelhante obrigação ás communas,
dá-se o contrario com relação ao prefeito, isto é: quando os actos de policia
são exercidos por este em nome do Estado, elle ó irresponsável pelas con-
sequências dos mesmos actos l—H. Bailby, ob. cít., p. 171-72.
31
0. E. 4 dezembro de 1879. Esta doutrina tem sido igualmente
applicada contra as communas, quando o maire nega o alinhamento de rua
ao particular, — com o propósito de impedil-o de construir, e evitar, desta
sorte, uma desapropriação, que as vezes se afigura de necessidade
próxima para a communa. (C. E. 18 julho de 1873; 11 julho de 1879; ap.
Michoud, loc. cit).
Sobre a matéria especial de monopólios industriaes que o Estado se
reserva, cumpre attender. Em uns casos a lei os tem estabelecido, guar-
dando inteiro silencio quanto á questão de indemnização. Assim succedeu
com relação á fabricação do tabaco, segundo a lei de 12 de fevereiro de 1835,
declarando, a esse respeito, o Conselho de Estado: que o Estado não podia
ser responsável pelas consequências das leis que, num interesse geral, pro-
hibem o exercício especial da industria...; que a lei de 12 de fevereiro de
1835, interdictando a fabricação do tabaco, não havia aberto nenhum
direito á indemnização em proveito dos individnos que anteriormente se
entregavam ã essa fabricação (C. E. lide janeiro de 1838, Duchatelier; '28
de maio, Mathon). Do mesmo modo a lei de 2-6, maio de 1837 monopo-lisou
era favor do Estado a industria ou exploração das linhas telegraphicas sem
cogitar de indemnização aos particulares, e o Conselho de Estado se
recusou por isto a reconhecer semelhante direito ás em prezas, que foram
desapossadas desse ramo de industria (C. B. 6 agosto de 1852, Ferrier).
Em outros casos, porém, a lei estabelece o monopólio e, ao mesmo tempo,
o direito á indemnização respectiva. Foi o que fez realmente a lei de 2 do
agosto de 1872, a qual attribuindo ao Estado o monopólio da fabricação e
— 357 —
— Na apprehensão de objectos, por mais legitimo que seja
o acto da autoridade policial, o Estado se constituo responsável
pela sua restituição a quem de direito; e assim não o fazendo,
recáe sobre o mesmo a obrigação de indemnisar.
sa
Neste caso
particular se tem entendido que o acto da autoridade publica,
tomando, pela guarda dos objectos, o caracter de deposito, entra
na categoria dos actos de gestão; razão, então determinante da
responsabilidade do Estado.
65 g.2) Quanto ás medidas, que a autoridade publica
[pode tomar contra a invasão ou propagação das epidemias,
epizootias, e a carestia de viveres ou géneros alimentícios, a
doutrina applicavel â espécie, segundo Laferrière, é a seguinte:
Em geral quanto á policia sanitária, o Estado ou o governo é
autorisado por lei expressa (de 3 março de 1822) a interdictar
as fronteiras terrestres e matimas, por meio de quarentenas e
cordões sanitários, às pessoas, &s mercadorias, aos navios e a
outros instrumentos de transporte que sejam susceptíveis de
transmittir o contagio. Pode igualmente adoptar medidas de
protecção interna, declarando interdictas as localidades con-
taminadas. Taes medidas são verdadeiros actos de soberania,
cuja sancção ê assegurada por penas severas, inclusive a pena
de morte (lei cit., art. 7.°, sg); sobre ellas não se admitte re-
venda dos phosphoros chiiuicos, ajuntara logo, « que os particulares nãol
podiam ser desapossados das suas fabricas o do direito de exercer a in-
dustria, senão, por via da desapropriação » (Trib. de Marselha 25 de março
de 1874; Trib. de Dijon 24 de novembro de 1875; Trib. do Bourges 11 de
dezembro de 1875). Diz-se que as razoas differentes das leis sobre a ma-
téria vém de qne, em uns casos, o Estado priva aos particulares da indus-
tria, nao em vista de um lucro, mas de um fi.ni de ordem, segurança ou
saúde publica; ao pa*so que, era outros, o Estado, visando um lucro, nao
se deve enriquecer a custa dos particulares, aos quaes priva de sua ex-
ploração lucrativa. Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 187-88.
8
C. E. 2 março de 1883; 20 janeiro de 1884; ete.
— 358 —
urso algum contencioso no intuito de annullar as deliberações
tomadas ou de obter a reparação dos damnos causados na sua
execução (lei de 21 julho de 1881, art. 24, sg). Todavia, si, como
medidas governamentaes, tem ellas este caracter de irresponsa-
bilidade, comtudo, os actos da sua execução pelos respectivos
funccionarios são sujeitos a certas regras de fundo e de forma, e
a não-observancia destas regras pode dar logar á responsa-
bilidades. Por exemplo, em um aresto de 26 fevereiro de 1863
(Caso Ouilbaud) o Conselho d'Estado, não obstante ter decidido
"que os damnos, causados aos particulares na execução de
medidas sanitárias, não podem dar logar a nenhum recurso
contra o Estado," examinara, entretanto, o fundo da questão para
saber, si a ordem de pôr a pique e fazer submergir um navio
infectado de febre amarella, como meio de desinfectai-o, tinha
sido regularmente dada e notificada, e si na sua execução se
haviam guardado todas as precauções que as circumstancias
comportavam
83
; donde é licito inferir que, no caso dos actos
alludidos não terem revestido todas as formas legaes, o pensa-
mento do Conselho de Estado fora apparentemente, que a irres-
ponsabilidade devia cessar...
A matéria da saúde publica e das medidas á ella con-
cernentes é agora regida na França pela recente lei de 15 de
fevereiro de 1902, com algumas pequenas modificações feitas
pela de 7 Abril de 1903, e pelos vários regulamentos expedidos
neste ultimo anno. Segundo a nova legislação a autoridade sa-
nitária se acha revestida de amplos, senão, discricionários po-
deres em relação ás medidas de policia sanitária. Mas, isto não
obstante, o direito de indemnisação foi reconhecido, ao menos,
em dous casos: 1) quando a autoridade {ordena a destruição de
moveis, susceptíveis de transmissão ou contagio da peste (lei de
1902, art. 26); 2) quando, em se tratando de prédios, for
33
Laferrière, loc. eit., p. 42.
— 359 —
reconhecida a insalubridade dos mesmos por causas permanen-
tes; devendo-se, neste ultimo caso, proceder a sua demolição,
mas, mediante prévia desapropriação por utilidade publica feita
nos termos da lei reguladora desta matéria (lei cit., art. 18)-
M
Por emquanto, não se conhecem ainda decisões judiciarias
sobre lesões dos direitos individuaes, porventura, resultantes
das medidas autorisadas na recente legislação sanitária, de que
vimos de faliar.
Quanto á policia sanitária de animaes, o governo pode
igualmente vedar a entrada dos que forem susceptíveis de com-
municar a sua doença contagiosa -, mandar matal-os nas fron-
teiras e tomar outras medidas prudentes contra a invasão da
epizootia no paiz (lei cit. de 1822, art. 5); assim como, poderá
prohibir a exportação dos animaes afFectados de doeas con-
tagiosas. Sobre todas estas medidas não se admitte nenhum re-
curso contencioso ou pedido de indemnisação (lei de 21 de julho
de 1881, art. 18). Tratando-se, todavia, de medidas internas, diz
Lafêrrière, razões de equidade tem feito admittir a inde-
mnisação em favor dos proprietários dos animaes, mandados
matar pela policia, guardadas certas condições impostas (Lei de
1881, arts. 14 a 22; 0. E. 16 maio de 1884, Caso Lafon). I
Quanto às medidas contra a carestia, ellas podem no-
tadamente consistir em vedar o consumo de determinados ce-
reaes ou o emprego de certos neros alimentícios para fins
puramente industriaes. Não ha lei expressa, que semelhante
faculdade ao governo; mas este tem usado delia, apoiando-se na
tradição. E o facto é, que o Conselho de Estado, tendo tomado
conhecimento de um pedido de indemnisação, fundado no pre-
juízo causado aos industriaes pelo acto do governo (decreto de
26 de outubro de 1854) que vedara a "distillação dos cereaes e
de qualquer outra substancia farinácea própria para alimenta-
8
* Vido*. Hio, oap. VI,medidas sanitárias, nota "demolão de prédios."
— 360 —
ção", decidira: que uma tal prohibição era uma medida de governo,
tomada no interesse geral e da segurança publica, e que,
conseguintemente, não cabia ao Estado a responsabilidade pelos
prejuízos particulares dalii resultantes.
86
65 h.— Actos ou factos de guerra. Tratando-se de actos de
guerra, quer osdamnos sejam occasionados pelos inimigos, quer
pelas necessidades da defesa nacional, a regra é : que elles não cream
para o Estado a obrigação de indemnisar.
36
Não ha duvida, que, mais
de uma vez, o Estado tem concedido reparação aos indivíduos pelos
(Jamnos resultantes da guerra
87
; mas, assim o tem feito, não, em
reconhecimento de um direito dos mesmos, e sim, por consideral-o
de equidade, ou um acto de boa politica para os interesses
económicos da collectividade.
Cumpre, porém, observar que, nem todo facto, praticado na
guerra ou em vista da guerra, deve ser considerado exempto
35
C. B. 26 fevereiro de 1857, Caso Cohen.— Cf. H. Bailby, loc.
cit.,p. 196-97.
36
Sourdat, loc. cit. ns. 1305 e 1331; Ibidem: C. B. 11 maio, 1854;
18 agosto, 1857; 9 maio, 6 junho, e 8 agosto, 1873, etc.
87
As leis de 6 setembro de 1871, de 7 abril de 1873 e 28 julho de
1874 autorisaram indemnisacões pelas perdas soffridas em consequência
da guerra estrangeira ou civil. Mas nos pareceres e noutras declarações,
feitas pelos legisladores, ficou accentuado, que, com isso, não se pretendia
crear um direito á indemnisação, nem consagrar uma divida do Bstado ;|
tratava-se apenas de um acto de beneficência ou generosidade nacional, se-
gundo a expressão de Thiers. —Vide: Laferrière, loc. oit., p. 54;
Sourdat, loc. cit., n. 1331; Michoud, loc. cit.; H. Bailby, ob. cit., p. 174-75.
Em todo caso, o poder legislativo tem o direito de conceder, ouo,
indemnisação por perdas semelhantes; o poder executivo carece deste di-
reito, conforme se pronunciou o Conselho de Estado (18 maio de 1877) sobre
uma reclamação do Banco de França, relativa á somma de sete milhões de
francos que lhe haviam sido extorquidos pela communa levantada em in-
surreição. Não seria preciso accrescentar,—que o conhecimento das re-
clamações a respeito de actos de guerra pertence ao Contencioso Adminis-
trativo, com exclusão dos tribnnaes judiciários.
— 361 —
de indemnisação. Quando as medidas o a consequência do es-
tado actual de guerra e immediatamente necessárias ao ataque
ou á defesa na luta com o inimigo, sem que, aliás, importem
uma posse permanente das cousas, não ha certamente direito á
indemnisação; mas quando se trata de actos livremente or-
denados, como medidas de precaução, esse direito é admissivel.
Particularisando, pensa Sourdat, que a destruição de uma ponte
para cobrir a retirada das tropas, e o incêndio de habitações,
causado pelo íogo da artilheria, podem servir para illustrar o
caso: na primeira hypothese, ha uma verdadeira desapropriação
por causa de utilidade publica, e portanto, indemnisavel; na se-
gunda, o damno deve ser considerado, como resultante da força
maior, e portanto, não indemnisavel.
w
Laferrière, enumerando os casos provenientes da guerra,
nos quaes, segundo a jurisprudência, se , ou não, a obrigação
de indemnisar os damnos, clasificâra-os desta sorte:
« Não são de comprehender entre os actos de guerra: I
o
as
operações preparatórias, taes como, o fornecimento dos exérci-
tos, a mobilisação, a concentração, os transportes de tropas e
de suas equipagens, as marchas e manobras dos exércitos em
caminho para o theatro das hostilidades; 2
o
as medidas preven-,
Uvas de defesa, consistentes em trabalhos feitos nas praças de
guerra ou seus arredores ou em pontos estratégicos, na previ-
são de um sitio ou doutras eventualidades que se possam dar;
3
o
as requisições militares, quando feitas no território nacional
para satisfazer às necessidades do exercito nacional. Sobre
estas requisições em particular, a lei 3 julho 1877 reconhecera
expressamente o direito de indemnisação.
« São, ao contrario, de considerar, como actos de guerra:
I
o
todos os damnos provenientes de facto do inimigo, mesmo em
8Í
Sourdat, loo. olt. Cf.— C. E. 13 maio e 6 junho, 1872 ; T. C. 11 o
25 janeiro, © 15 março, 1873; C. C. 27 janeiro, 1879.
— 362 -—
suas operações preparatórias, porque tudo que vem do inimigo
tem um caracter de coacção e força maior para o paiz invadido,
seus habitantes e seus haveres; 2
o
todos os damnos, qnaesquer
que sejam os seus autores, que resultam dos encontros á o ar-
mada, de estragos causados pelos projectis e pelos combatentes,
das occupações, demolições, trincheiras, aterros, e outras obras
feitas no campo da batalha, e nos seus arredores immediatos (ses
àbords); 3
o
todas as occupações e destruições operadas para a
defesa das praças de guerra durante o estado de sitio especial
(previsto na lei 10 julho 1791 e decretos de 24 setembro 1811,10
agosto 1853 e 4 outubro 1891); 4
o
todos os actos em geral,, que se
prendem ás necessidades immeãiatas da luta ».
89
Nenhuma
dificuldade, acerescenta Laferrière, se levanta acerca dos dois
primeiros pontos indicados (factos do inimigo e combates) ; mas
os dois outros (estado de sitio das praças de guerra, e
necessidades immediatas da luta ) tem dado logar a questões de
direito e & decisões controversas da jurisprudência...
Quanto ao estado de sitio, o qual não se deve confundir
com o estado de sitio politico (previsto pelas leis 9 agosto 1849
e 3 abril 1878), é preciso, que o mesmo seja effectivo, e decla-
rado nos termos da lei. Durante o estado de sitio (por motivo de
guerra) os poderes da autoridade civil e a sua jurisdicção em
matéria de delictos são transferidos â autoridade militar, a qual
se considera investida de poderes discricionários para os fins da
sua investidura; e como os seus actos são considerados, verda-
deiros actos de guerra, não se pode pedir, a respeito, nenhuma
indemnísação por via contenciosa. Apenas, (conforme á lei ci-
tada de 3 julho 1877), se admitte o direito de indemnísação,
relativamente ás requisições de géneros e ao uso ou gôso de
outros objectos moveis ou immoveis nas condições previstas.
40
88
Loc. cit., p. 57-58.
40
Vide: H. Bailby, loc. cit., p. 100-92.
— 363 —
Mas pergunta o autor: fora deste estado de sitio da lei 1791,
não ficam as pessoas e as propriedades particulares igualmente
sujeitas às mesmas imposições da guerra? A jurisprudência
assim não tem admittido, ao menos, de um modo absoluto. Ella
tem reconhecido o caracter de actos de guerra âs demolições,
destruições de colheitas, damnosdetoda sorte, operados nos ar-
redores de uma praça de guerra, não somente, durante o sitio
effectivo, mas ainda no período anterior, em que o sitio se mos-
tra imminente.
41
Isto não quer dizer, que todas as obras feitas no intuito da
defesa, mesmo depois de declarado o estado de sitio, mas não
relativas á praça ou pontos em sitio effectivo, tenham sido con-
sideradas actos de guerra pelas diversas decisões da jurispru-
dência. *
2
A regra, applicavel ao estado de sitio effectivo, o é
igualmente para os casos succedidos em período de combate.
Fora do combate ou do sitio, o que prevalece em relação âs
praças de guerra, assim como, em relação aos exércitos, é:—ou
medidas preventivas, que o direito á indemnisação;—ou me-
didas impostas pelas necessidades immediatas da luta, pela im-
minencia do sitio ou do combate, que supprimem esse direito por
serem actos de guerra, como já se disse. **
41
Vide: C. B. 23 maio 1873 (destruição de edifícios); 6 junho 1873
(incêndio de colheitas para subtrahil-as ao inimigo);1° maio 1874(incêndio
do uma estancia de madeiras para evitar que servissem ao inimigo); apnd
Laferrre, loc. cit., p. 63. *-|
43
Vide: Decisões do C. B. 13 maio, 1872 e do T. C. 11 janeiro, 1878.
Negon-se o caracter de actos de guerra: as obras executadas em Pariz
antes do desastre de Sedan e da marcha do inimigo sobre esta Capital
(C. E. 3 julho, 1894, Maurice); as executadas em Lyon no mez de setem-
bro, quando anda nenhum estado de sitio ameaçava a referida cidade
(C. B. 13 maio, 1872,Brac de la Perrière); as executadas em Belfort, dous
mezes antes da investida, época, em que o estado de sitio nao parecia im-
minente (C B. 15 março, 1878, Fkreck; 16 maio, 1874. De Riencourl);
13 fevereiro, 1874.Batteux)."
48
Laferrière, loc. oit., p. 66
/
— 364 —
Sobre este ultimo ponto, " necessidades immediatas ", o
aresto do Conselho de Estado de 9 maio 1873 (Pesty Remond)
contém a doutrina corrente. Tratava-se da occupação de uma
propriedade situada perto de Versailles por um corpo de tropas
reunidas para o segundo sitio de Pariz; e sustentou-se que essa
occupação não tinha o caracter de um acto de guerra, visto como
a autoridade militara havia deliberado livremente, e que, além
disto, não se achava no theatro próprio das operações do sitio. O
Conselho de Estado, porém, respondera, que a occupação se havia
imposto, como uma necessidade das operações militares dirigidas
contra Pariz e para o fim de fornecer um logar de acampamento á
uma parte das tropas destinadas a participar dessas operações;
que ella cessara, desde que as tropas se haviam ap-proximado de
Pariz, e que, em taes circumstancias, devia ser considerada facto
de guerra... Nos considerandos da decisão, se disse:« A doutrina,
que não o acto de guerra, senão, no acto fatal, a aggressão
brutal, subdivide arbitrariamente uma operação única. Ella
admitte o facto da guerra onde se estabelece a bateria, lá onde
troa o canhão, lá onde se move a columna do assalto; mas não o
admitte, onde acampam os homens promptos a formar a sua
columna, onde estão as reservas das tropas, da artilharia, das
munições, que permittem entreter o fogo e utili-zar-lhe os
effeitos,—como si um facto fosse possivel sem o outro, como si
não fossem as faces diversas de um mesmo objecto, que é o
exercito sitiante ...»
á4
De accordo com a doutrina mencionada, e, conseguinte-
mente, não dando direito á indemnisação, tem sido esta re-
cusada igualmente nos seguintes casos:—na tomada de moinhos
e de forragens em terrenos occupados pelo exercito sitiante (C.
E. 11 maio 1854,— CiviU)\ no corte e devastação de plan-
44
Apud Laferrière, loc. oit., p. 58-59.
— 365 —
tacões para as necesidades das tropas dos postos avançados (0.
E, 1 maio 1874,—Defretne); na tomada de saecas de para
amortecer os projectis (C. E. 8 junho 1873,Faglim); etc. I
Não ha mister insistir, que se trata de factos que, bem ou mal,
se consideram motivados pela necessidade actual imme-\ diata;
desde que assim não sejam, devem entrar na categoria dos actos
preparatórios ou preventivos, e como taes, susceptíveis de
indemnisação.
45
Conforme á ultima regra foi, por exemplo,
recusado o caracter de actos de guerra âs occupações de terrenos
e âs obras de fortificação, feitas em dezembro de 1870 nas li-
ns de Carentan, para defender a península de Contentin contra
uma aggressão, que não estava imminente, e que não se deu
jamais, e bem assim, as que foram feitas para fortificar os arre-
dores do Havre em uma época, em que o inimigo não mostrava
ainda o designio de nenhum ataque (C. E. 28 junho 1873,
Dumont \ T. C. I
o
fevereiro 1873, — de Pomereu).
65i.— Obras blicas em geral. A regra desta matéria ê:
que o Estado toma â sua conta todos os damnos resultantes da
execão, boa ou má (irréprocháble ou defectueuse), das obras
publicas que elle emprehende. Em certos casos dita regra pôde
soffrer restricções, tornando-se a responsabilidade do Estado,
umas vezes, somente subsidiaria, e outras vezes, insubsistente
mesmo; mas taes restricções, que se devem apoiar na legislação
especial sobre a matéria, não destroem o principio geral estabe-
lecido.
46
A. administrão, embora conservando-se no limite dos
45
Laferrière, loc. oit., p. 60.Cf. Batbie, Précis de droit public et!
administratif, p. 323-24. Pariz, 1885. B
Todas as reclamações da espécie são do conhecimento do Conten-
cioso Administrativo, salvo o caso de indemnisação por damnos em imrao-
veis, resultantes de obras executadas, distantes das praças de guerra, cujo
conhecimento pertence então ao Judiciário. (T. C. I
o
fevereiro 1873, de
Pomereu).
48
Michoud*loc. cit., p. 274-75 ; Cf. H. BaUby, loc, cit., p. 199 sg.
— 366 —
seus direitos, ou mesmo, no desempenho das obrigações que lhe
são legalmente impostas, não fica por isto menos sujeita a reparar
os damnos causados na execão das obras publicas. . . Estas
devendo aproveitar a collectividade, é justo que os seus encar-
gos sejam igualmente repartidos entre todos. A jurisprudência
admitte mesmo, que a responsabilidade de reparação possa sub-
sistir nos próprios casos de foa maior distinguindo entre os
effeitos, naturaes e directos, desta foa, e as aggravantes, que
a obra publica possa occasionar. Por exemplo, -se a supposta
aggravante dos effeitos, quando a violência ou duração de uma
inundação é augmentada, ou por trabalhos executados no curso
das aguas e nas suas margens, ou por aterros de estradas de
ferro, retardando, em consequência, o escoamento da enchente
e o enxugamento das terras.
47
Alem disso, a regra comprehende, tanto as obras publi-
cas,*
9
mandadas executar directamente pelo Estado, como as
que se fazem executar por adjudicão (conceso), e ella se
refere, o só, aos damnos causados ás pessoas, como também,
às cousas.
á9
47
Laferríòre, loo.cit., p. 156-157.—Segundo diz Sourdat, diariamente
se concedem indemnisações, por damno directo e material, aos proprie
tários, cujos terrenos tenham sido inundados, quer em consequência do
obstáculo posto pelas obras ao escoamento das aguas naturaes das suas
propriedades ou de propriedades superiores, quer em consequência do re
fluir das aguas de uma ribeira, occasionado pela sabida insuficiente dei
xada ás mesmas (O. B. 3 setembro 1844; 9 janeiro 1849; 25 abril e 19
agosto 1855 ; 28 janeiro 1886.— Sourdat, loc. cit, n. 434.
48
A expressão obras publicas — tem na technica da administração
francesa uma significação assaz lata; nella se comprohendem, nao só, as
obras, que se fazem geralmente sob a direcção immediata da administração,
ou por empreitada, mas também, as que se fazem,—mediante concessões,
como as estradas de ferro, os trabalhos de canalisaç&o, os abastecimentos
dagua, o fornecimento de gaz e electricidade nas cidades, a construcçao
è conservação de estradas ou vias publicas, etc, etc.
49
Sourdat. ob.cit., t. II, n. 1830 bis.
— 367 —
Mas, para que haja um damuo uo sentido jurídico da pa-
lavra, observa Laferrière, é preciso, segundo a formula con-
sagrada pela jurisprudência, que o damuo seja directo e ma-
terial: directo, isto é, que a obra publica seja a sua causa
immediata, e não simplesmente, a occasião; material, isto é,
que se prejudique physicamente á propriedade, á sua explora-
ção, ou ao seu accesso. Importa ainda, que o damuo seja actual
e certo e, não somente, eventual ou provável; que, finalmente,
não se trate de simples consequências naturaes das obras feitas,
as quaes, embora diminuam vantagens das propriedades
contíguas, nem, por isto, as damnificam de modo directo. Gomo
exemplos relativos á esta ultima condição, o citado autor de-
clara, que a diminuição das vistas de uma propriedade por
obras que a encobrem,— o bruido que causa a passagem de trens
sobre uma ponta metallica,—os incommodos temporários, occa-
sionados com os serviços da reparação de uma via publica, e
outros taes, não podem obrigar a administração publica â prestar
nenhuma índemnisação.
50
65 j.—Agora, em contrario, como casos, que servem para
melhor illustrar a applicação da regra geral da responsabili
dade, bastara citar os seguintes : I
Em conseqncia do levantamento do nivel de uma rua,
um estalajadeiro vio-se obrigado a modificar as disposições do
seu estabelecimento; e por isto, pediu, uma índemnisação pela
interrupção da sua industria e deterioração dos moveis e mais
objectos. O damno foi considerado uma consequência immediata
das obras ordenadas; e portanto, um damuo directo (O. E. 6
julho 1858).
B1
Mas, si a abertura de uma nova rua, mudando a
corrente da circulação popular, acarretar uma diminuição nos
w
Laferrière, loe. oit., p. 158.Cf. Sourdat, ob. cit., 1.1, n. 431.
61
Simonot, Dr<Át public et administratif., n. 1039.
— 368 —
lucros dos negociantes estabelecidos nas outras ruas visinhas; o
danino aqui não é, senão, uma consequência remota da execução
das obras, isto é, um damno apenas indirecto e, por- | tanto, não
dará logar á nenhuma indemnisação.
52
Quando a construcção de um caminho de ferro ou de um
aterro altera as condições de salubridade e de habitação de
uma casa, privando-a de luz e ar, ou tornando o seu accesso mais *
difficil; ha nisto um damno material (C. E. 3 julho 1861). Mas si
o aterro fosse feito á uma grande distancia da casa, e somente
lhe tirasse a vista de uma bella paysagem, semelhante prejuízo
seria considerado de difficilima apreciação pecuniária, por não
haver nisto um damno material... (C. E. 25 março 1867).
53
Commummente succede, que os moradores lateraes das
vias publicas gosam de permissões diversas em vista desta si
tuação; ess&s permissões não constituem, todavia, um direito
para aquelles que as tem e, apenas, um goso precário, visto
tratar-se de cousa do domínio publico, que é inalienável e im-
prescriptivel. Si pois, uma obra publica nullificar algum goso
da espécie, dahi não resultará direito ã indemnisação.
M
Do
mesmo modo seria de decidir em todos os mais casos aná
logos.
E' ainda de attender, qUe o damno resareivel deve resultar
de um facto, que não se entenda comprehendido no legitimo
H Ilidem.- Cf. Sourdat, loc. oit., n. 437. V|
É3 Casos ha, em que o damno pôde ser directo e material, sem que haja
contacto physico immediato entre as obras e a propriedade lesada.
Assim: a derivação de um rio acarreta o fechamento de usinas estabelecidas
no seu percurso, e os mineiros, ainda que collocados a grande distancia da
agua derivada, soffrendo por esse facto um damno, têm direito a ser in-
demnisados. Simonet, loc. oit.Cf. Sourdat, ob. cit.,t. I, ns. 431-32.
Este ultimo autor cita outros exemplos importantes sobre casos de daninos
directos e indirectos, etc.
61
Simonet, loc. cit.
— 369
exercido do direito de proprietário. Em principio, não se pôde
desconhecer que o proprietário tem o direito de fazer no sen
solo todas as construeções ou escavações que bem lhe pareçam;
não devendo indemnisação alguma ao proprietário visinuo, si
usando strictamente do seu direito, as obras, por elle efectua-
das, vierem causar algum prejuízo a este ultimo. À administra-
ção publica não deve ter a este respeito direitos menores, que o
particular ; e por isso se tem decidido muitas vezes, fazendo-se
applicação dos princípios do código civil (art. 552), que
nenhuma indemnisação é devida aos proprietários visinhos, pelo
facto de as valias ou poços, feitos em execução de obras nos
terrenos do Estado, haverem feito estancar as fontes que rega-
vam as suas terras (C. E. 14 dezembro 1877; 11 julho 1879.)
55
Mas também se tem entendido que nem sempre se devera
decidir de accordo com as regras invocadas do direito civil, que
rege as relações ordinárias de visinhança entre os proprietários
privados. Por exemplo, si em vez de uma simples valia, se
tratasse da abertura de um túnel perfurado atravez de terrenos,
cujo fundo fosse adquirido por via de desapropriação para esse
fim; os damnos dahi resultantes não seriam considerados,
como consequentes do uso normal da propriedade, e, por
55
Loo. cit., n. 1041.—Na derivão de uma ribeira para o fim de
melhorar um porto, fora aberta uma grande valia nos terrenos adquiridos
pelo Estado. O ex-proprietario fizera, depois da venda, construcções no ter-
reno visinho. Mas, desde os primeiros trabalhos da cavação da valia, as
suas construcções começaram a soffrer taes abalos e desordens, que a
subsistência das mesmas parecia ameaçada. A causa era, sobretudo, attri-
buida á mobilidade do solo. O prejudicado levantou, portanto, o seu pe-
dido de indemnisação. A administração, porém, tendo demonstrado haver
procedido com todas as precauções para impedir o ma) arguido, o pedido
do ex-proprietario foi rejeitado, visto a administração não ter ultrapassado
os limites, em que podia usar da sua propriedade. (C. E. 7 dezembro 1847 ;
Cf. Bourdat, ob. cit., t. 1, n. 426.
•21
R. C.
— 370 —
conseguinte, a quem os soffresse, caberia a acção de indemni-
sac.ão (CE. 11 maio 1883).
Questão, muitas vezes agitada, tem sido a de saber,
si o abaixamento do solo das ruas ou caminhos públicos, dimi
nuindo, de modo sensivel, as facilidades de accesso ás casas
situadas aos lados, pode dar logar á uma acção de indemnisa-
ção contra o Estado, ou contra a empreza concessionaria. Pela
administração se tem sempre sustentado a negativa, sob o fun
damento de. que as vias publicas não são gravadas de servi
dão alguma em proveito dos proprietários lateraes, aos quaes
incumbe, alias, a obrigação de r os seus prédios de accordo
com as condições daquellas, quaesquer que sejam as alterações
feitas para melhor attender ás necessidades da viação ; e que,
conseguintemente, emquanto a administração não sahir dos
limites do domínio publico, não lhe podecaber nenhuma obri
gação ou responsabilidade do facto. Entretanto pelos tribunaes
judiciários, e notadamente pela Corte de Cassação, tem sido
admittido o direito de indemnisação em favor dos proprietários
lesados; e o próprio Conselho de Estado não tem deixado, por
sua vez, de reconhecer a applicação do mesmo principio, ainda
que limitando-o a determinadas circumstancias somente..
56
Não ha mister proseguir na citação de outros casos.
Sobre os chamados damnos indirectos notam-se frequen
tes hesitações e duvidas no reconhecer aos lesados um direito
de indemnisação; se podendo inferir que, em geral, esse direito
lhes é negado; emquanto que, com relação aos damnos directos
e materiaes, já vimos e podemos repetir que, em regra, a boa
se c. C. 18 janeiro 1826; 11 dezembro 1827; 30 .abril 1838 ; 11 de-
zembro 1843. C. B. 15 março 1844; 28 agosto 1844; 19 março 1846;
24 janeiro 1846; 18 junho 1846; B agosto 1865, Cf. Sourdat,loc. cit.,
jx, 429 sg. Pode-se ver neste autor, qnaes as razões que militam em favor
do principio seguido pela jurisprudência na-hypotnese das decisões citadas.
— 371 —
jurispruncia tem reconhecida a obrigação do Estado de ptes»
tar aos lesados a devida indemnisação.
M
I
Não precisaríamos lembrar que, nos casos indicados, temo-
nos apenas referido aos damnos de obras publicas, resultantes
dos actos lícitos. Dos provenientes de actos illicitos se dirá;
si houver casos dignos de meão, no seu logar conveniente.
66.ACTOS ILLICITOS OU ILLEGA.ES. Debaixo deste titulo
comprehendem-se os actos lesivos, nos quaes concorrem, além
da leo de um direito objectivo, o elemento do dolo, culpa,
r
57
Também se comprehendem entre os damnos das obras •puhlAcm'.
os provenientes da occupação temporária de immoveis, .que a administrão
ou os emprezavios, seus subrogados, fazem para deposito de materiaes e
outros misteres, o bem assim, as cavações feitas em terrenos de terceiros
para extrahir materiaes necessários às referidas obras. A lei e a jurispru-
dência reconbecem a obrigação do Estado de prestar a devida indejnnisa-
çao (C. E. 31 janeiro, 9 o 21 maio 1867; 4 janeiro 1863 ; 8 fevereiro 1868;
6 março 1872; 8 janeiro 1875); e quando a occupação se torna prolongada
indefinidamente, ella toma o caracter de verdadeira desapropriação, e como
tal, o caso, em vez de ser da júris dicção administrativa, fica 'sujeito ao co-
nhecimento dos tribanaes ordinários.—Simonet, loc. cit., ns. 1046-1056;
H. BaUby, ob. cit., p. 183 sg. Neste ultimo autor se encontra a indicação
das leis, que regulam as differentes escies de occupaçao, sendo a mais
recente delias a de 29 dezembro de 1892. (C.C. 16 maio 1877 ; 5 feve-
reiro 1879; 25 fevereiro 1880. T. C. 14 novembro. 1879; 26 junho 1880.
—C. B. 14 março 1879; 21 abril 1830; 14 março 1890; 22 julho 1892*;
10 dezembro 1897). As decies do Conselho de Estado tem sido sempre de
caracter restrictivo, isto é, admittiado a indemnisação, quando a lesão
de um direito adquirido é manifesta. Por exemplo, dado que, pela elevação
ou abaixamento do solo da rua, o proprietário lateral se veja na necessi-
dade de fazer obras para dar novo accesso ao prédio, ou que este fique
realmente depreciado, o Conselho de Estado tem decidido, que se deve
prestar reparação pelo prejuízo causado; más si se trata de damno relati-
vamente insignificante, como uma mudança ou perda da vista anterior, o
mesmo Conselho não o tem considerado, como razão bastante, para
empenhar a responsabilidade do Estado. Vide; H. Bailby, loc. cit.', p.
200 sg.
— 372 —
negligencia, ou mesmo ignorância, por parte do representante
do Estado ou da administração publica.
Como regra de methodo, distinguiremos os actos lesivos
praticados em consequência de relações contractuaes, dos actos
lesivos praticados fora dessas relações, a dizer, no simples
exercicio da funcção publica.
I. Casos provenientes de relações contractuaes.De accordo
com a distincção admittida entre actos de gestão e actos de
poder publico, a jurisprudência tamm reconhece duas espé-
cies de contractos distinctos, celebrados em nome e por conta
do Estado : os que se referem ao seu patrinio, lato sensu, e
ás relações deste,e os que são actos do poder publico, embora
creando um vinculo contractual entre o Estado e a parte inte-
ressada .
Nem sempre é possível manter clara, a linha divisória des-
tas duas escies de contractos,—a primeira, do conhecimento
dos tribunaes ordirios, e a segunda, das autoridades admi-
nistrativas; visto como semelhante classificão esta sujeita ã
mesma difficuldade, que se em geral com relação aos actos
de geso e de imrio, e de que tivemos occasião de tratar.
Todavia, é ella invocada e recommendada, ao menos, em princi-
pio, como seria fácil de verificar dos diversos casos occorrentes.
Se tem considerado, por exemplo, como contractos da pri-
meira escie, os que se fazem : sobre a adjudicão de cortes
de madeira nas mattas ou florestas do Estado; sobre o arrenda-
mento de direitos de caça nas mesmas; sobre o arrendamento
de direitos de pesca nos cursos de aguas navegáveis; sobre o
arrendamento de fontes mineraes e outros semelhantes; e bem
assim, os que se referem: á locação de immoveis, â execução
de obras publicas, á fornecimentos para os serviços blicos,
á operões de empréstimos da divida publica, á operões da
thesouraria, cauções ou garantias de serviços, etc.; todos os
— 373 —
quaes, o sujeitos às disposições do direito commum, ou de leis
particulares reguladoras da matéria.
58
Se tem, porém, considerado, como da segunda espécie, os
contractos, ou melhor dizendo, certos actos de caracter contra -
ctual, taes como: as conceses diversas, qne o poder publico faz
sobre a navegação, a viação em geral, principalmente a de
caminhos de ferro, a exploração de minas ou de vários outros
ramos industriaes, a concessão gratuita de terras e de outros
bens do dominio do Estado de maneira definitiva ou revogável,
e mais actos de natureza análoga. Também se tem pretendido
incluir nesta segunda espécie de contractos os engajamentos
militares e os cargos blicos (estes últimos considerados como
mandatos salariaãos).
M
Mas guardada, ou não, a alludida distincção, aos contra*
ctos do Estado em geral são applicaveis os principios do direito
eivil, muito embora sujeitos à modificação. Em direito adminis-
trativo, como em direito commum, diz Dareste, as convenções,
egalmente feitas, fazem lei entre os que as celebram (cod. civ.
art. 1134); todavia, emquanto no direito commum ellas não
podem ser revogadas, seo, por consenso mutuo das partes con-
tractantes, ou por causas previstas na lei; o Estado, ao con-
58
Não seria preciso enumerar, entre os exemplos supraditos, os con
tractos ordinários da compra e venda, troca, e outros, próprios da gestão
dos bens e interesses patrimoniaos do Estado.
59
B* de ver a este respeito: Laferrière, loc. oit., p. 587-621; Dareste,
La Justice Administrative, p. 388 sg. Paris, 1898. Este segundo autor,
depois de fazer um ligeiro estudo, historioo-legislativo, da matéria, diz:
*Le contrai qui se forme entre VEtat tt le fonctíonnaire est un mandat sa-
larié, mais un mandai sui GENEBIS.» Mas, logo em nota, observara: Trata-
se apenas de uma analogia, porque a lei rege imperativamente as relações
existentes entre o Estado e os funocionarios, e nenhuma convenção pode
derogar às disposições legaes. Loc cit. E' também a doutrina de Lafer
rière (loc. cit., p. 619), salvo si se trata de missões ou commissões espe-
ciaes, que possam ter o verdadeiro caracter de um contracto.
— 374
traria, pode sempre rèsilir as suas convenções, quando o inte^
resse publico assim o exija, salvo a obrigação de indeninisar.
Esta mesma indemnisáção, accresceuta o citado autor, é regu-
lada de maneira especial: em direito commum a satisfação dos
damnos comprehende a perda oceasionada e o lucro de que o lèd
sado foi privado; em direito administrativo, isto é, tratando-se de
satisfação devida pelo Estado, se deve attender â perda
soffrida.
60
Em todo o caso, para que haja direito à indemnisação,
é mister, que se trate de um verdadeiro contracto entre o Estado
e o individuo reclamante; do contrario, a administração ver-se-
hia diariamente detida na sua acção.
A jurisprudência tem mantido este principio restrictivo, e
notadamente: a) a propósito de reclamações de negociantes e iu-
dustriaes, por motivo de alterações feitas nas tarifas aduaneiras
ou nas disposições regulamentares do exercício de certas indus-
trias ; b) contra a reclamação dos açougueiros de Pariz, por occa-
sião de ser restabelecida a liberdade desse ramo de commercio,
de que os mesmos tinham o monopólio. (C. E. 30 junho 1859 ;
14 julho 1859 ; 20 janeiro de 1882).
tL
66 a.—Seja, porém, como fôr, em se tratando verdadeira-
mente de contracto, a regra da matéria é: que o Estado responde
pelo damno proveniente das relações contractuaes, seja licito ou
iUicito o acto do funccionario, quer causa ao damno.
6a
Não ha mister citar casos particulares da jurisprudência a
esse respeito; apenas, a titulo de illustração, ainda ajuntaremos
aqui algumas palavras.
w
. Dareste, loo. cit., p. 275-76. O.autor observa, entretanto, que em
decisões recentes o Conselho de Estado já tem modificado a jurisprudência
acima dita.—Cf. Simonet, loo. cit., ns. 1017-1036 e 1045 ; — Michoud,c.
cit., p. 256.
e
* Dareste, loo. cit.
^ Vide: Michoud, loc. cit., p. 4, e 261 sg.
— : -1 —
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nu * soggr***»» o»*t «£*> tiftm — '-• mwT«Jg|g| ,3»») i)
imòkamsiró; â£*3ttmt72ssã».í * JMPWT &ttcU> lori*
— 376
strictamente determinadas na lei (0. E. 25 julho 1884; 20 fe-
vereiro 1885).
64
A suppreso dos empregos de officiaes públicos (offieiers
mmistêriels)
6
*
a
tem dado lugar á controvérsia. Sustenta-se de
um lado, que o offieiát publico, não obstante o seu direito de
apresentar successor á contento do governo, é simples titular,
e não proprierio da funcção publica. Mas sabido, de outro
lado, que o emprego em queso comprekende, além disso, um
escriptorio e clientella, que representam um capital productivo
de rendimento, como o de qualquer profissão livre, o seria
licito negar que a suppreso importa um damno ao titular do
emprego. A lei de 18 de julho de 1866 assim o entendeu, com
eífeito, quando, supprimindo os corretores de mercadorias, lhes
reconheceu logo o direito â uma iudemnisação pela perda do
cargo, iudemnisação, que devia ser estimada segundo os dois
elementos: o titulo e a clientella. Entretanto, dado que o Es-
tado augmente ou diminua o numero dos officiaes públicos em
determinada eircumscripção territorial, conforme as exin-
cias do interesse publico, a jurisprudência tem decidido, que
os eno existentes o teo, por isso, o direito de reclamar
indemnisão alguma (C. E. 13 de janeiro 1865).
64
Michoud, loc. cit., p. 262 e notas ibi.—Laferrière, que sustenta que
na nomeação do funccionario ha um acto de autoridade hierarchica, e não
um contracto, cita decisões do T. C. e do C. E., recusando o direito de
acção judicial de indemnisação, em favor de funçcionarios municipaes, que
se queixavam de exoneração não justificada. Nas decisões alludidas „se
accentuara: que a autoridade judiciaria, incompetente para apreciar a validade
da exoneração, não podia evidentemente apreciar o pedido da indemnisação,
fandado, justamente, em que a exoneração fora irregular ou inopportuna.—
Laferrière, loc. cit., p. 621.
64
* Se consideram assim "les avocats U la cour de cassatwn, les notaires,
leu avos, les greffiers, les huissiere, les commissaires-priseurs, etc.", os
quaes, conforme a lei de 28 abril 1816, art. 91, tem o direito de apresentar
o seu successor no cargo.—H. Bailby, loc. cit., p. 197;—A. Magnitot,
Diction. de droit ptiblic et administratif, t. II.
— 377
67.—II. Casos provenientes de relações extracontractuaes.
Comprehendemos debaixo deste titulo todos os actos lesivos,
que se podem dar nas funcções publicas, não ainda indicados
nas classes anteriores. I
E\ sobretudo, com relação a taes actos, que se costuma
invocar a distincção, assaz conhecida, de actos de império e
actos de gestão, para decidir da responsabilidade ou irresponsa-
bilidade do Estado. Como regras geraes da matéria, não seria
mais preciso lembrar: Os actos do Estado-poder publico não
dão logar a recurso algum perante os tribunaes judiciários ou
administrativos ; somente por via graciosa será licito ao lesado
pedir modificação do acto ou uma indemnisação do damno sof*
frido -,
65
em contrario, os actos do Estado-pessoa jurídica, ou
melhor dizendo, os actos de gestão obrigam o Estado pelos
damnos resultantes, e na mesma forma das disposições do pró-
prio direito civil, desdeque nos actos susceptíveis dessa respon-
sabilidade concorram duas condições: que o acto arguido seja
praticado pelo agente no exercício das suas funcções, e que o
mesmo constitua uma culpa caracterisada.
66
67 a.—No entender dos autores e conforme á jurispru-
dência fundada no direito positivo francez, a irresponsabilidade
do Estado pelos actos de poder "publico é incontestável, ainda
mesmo reconhecido, que o acto arguido seja illicito ou prati-
cado com excesso de poder.
Entre outros casos, nos quaes se recusou admittir a res-
ponsabilidade civil do Estado-poder, se mencionam os seguintes :
a) O acto do governador de uma colónia ordenando ille -
galmente a expulsão de um colono (C. E. 12 dezembro 1884).
w
Sourdat, loe. cit., n. 1805.
M
Sourdat, loe. cit., n. 1806-1807. Michoud, loe. cit., p. 257-258 ;
Laforriòre,loo. cit., t. II, p. 188, signanter, p. 185 seg.
É
í
— 378 —
h) O acto de ama decisão ministerial recusando a um par-
ticular a autorisaçãó necessária para explorar uma fonte d'agua
mineral (CE. 23 junho 1882 j 9 fevereiro 1883).
c) O acto culposo de um nsul, que causara damno, se
oppondo ao desarmamento de um navio (C. E. 8 janeiro 1875).
d) O erro de um prefeito, prejudicando á Communa na co-
brança de taxas (C. E. 13 abril 1881).
e) A demora (negligencia) em marcar os instrumentos de
pesos e medidas apresentados á aferão (C. E. 1 agosto 1884).
f) O erro do prefeito pondo fora de actividade, em virtude
de seus poderes de policia, a uma usina, sobre a qual não devia
recair legalmente essa medida (C. E. 5 fevereiro 1892).
o) O acto do governo autorisando um departamento a estabe-
lecer um tramway, em concurrencia com um caminho de ferro, já
concedido por esse departamento (C. E. 13 janeiro 1893); etc.
67
Não são muitos, como se vê, os exemplos mencionados;
mas, fundada, ou o, na autoridade dos arestos, a regra, que
se insinua e prevalece, como dominante, é a da irresponsabili-
dade do Estado, como acima se disse.
67a
67
Michoud, loc. cit., p. 258-259. Não sabemos, si os poucos casos
acima citados fornecem argumento bastante para a affirmaçâo categórica,
que o illustre professor. Michoud faz, da irresponsabilidade do Estado,
quanto aos actos illicitos de poder publico....
Pelo menos, casos também tem havido, derivados de actos de poder,
cujas decisões, muito embora excepcionaes, não corroboram a regra allu-
dida. Laferrière (ob. cit., t. I, p. 187) dà-nos, com effeito, noticia de dous
arestos; o primeiro (C. B. 26 novembro 1875) annullando um acto do
governo por excesso de poder; e o segundo (C. E. 5 dezembro 1879) con-
demnando o Estado a pagar uma indeínnisação de 53.000 frs., como re-
paração de damnos causados por um acto de poder publico.
67a
Com relação às Communas, a lei lhes attribue um circulo maior de
responsabilidade, do que ao Estado; sendo, a esse respeito, digno de toda
attenção o trabalho publicado por Michoud, De la responsabili des
Communes q. raison des fautes de leurs agents (na REVUE DU DROIT PUBLIC, t.
VII, p. 41-84). Também se pode ver : A. G. Boulen, De la responsabilité
— 379 —
I 67 b. —Pelo que diz respeito aos actos de gestão, e alguns
mesmo de natureza differente, o Estado tem sido declarado
responsável, além d'outros, nos seguintes casos:
a) Pelos damnos provenientes de lictos ou quasi delidos,
commettidos na exploração e serviços das suas vias-ferreas,
por lhe ser igualmente applicavel .o disposto no art. 22 da lei
15 julho de 1845, que dispõe : « Os concessionários ou arren-
datários de uma via-ferrea serão responsáveis do damno cau-
sado pelos administradores, directores ou agentes, empregados
á qualquer titulo no serviço da exploração da via» férrea. O
Estado será sujeito á mesma responsabilidade para com os
particulares, si a via-ferrea fôr explorada ã sua custa e por sua
conta.» (C. C. 5julho 1886; 25 outubro 1886 ; 9 março 1887).
o) Pelos damnos provenientes da administração do patri
mónio ou bens do Estado, por lhe serem inteiramente appli-
caveis as disposições do direito civil, que regem as relações
idênticas dos particulares (T. C. 30 maio 1884).
1
c) Pelo damno de accidentes succedidos a operários em tra-
balho nos arsenaes (C. E. 4 abril 1879; 7 julho 1893).
68
1
d) Pela perda de um processo confiado a autoridade militar,
perda, que teve por consequência a impossibilidade de se poder
effectuar a cobrança de um credito (C. E. 20 junho 1884).
e) Pelos damnos causados ás propriedades pelos agentes da
navegação, culpados da demora na abertura da comporta das
aguas (C. C. 6 janeiro 1882).
f) Pelos damnos causados â navios em virtude de culpa
dos officiaes do porto (CE. 6 maio 1881; 21 Julho 1882; 11 de-
zembro 1885; 27 junho 1890). I
envers les partkrdiers ães fonctionnaires administratifs, p. 116-117, e 265 sg.
— Rennes, 1902.
68
Tem-se entendido qne a lei de 9 de abril 1898, relativa aos acci-
dentes do trabalho, é, por igual, applicavel aos serviços indnstriaes do Es-
tado . —Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 116 sg.
— 380 —-
g) Pelos damnos da explosão de uma usina occupada pela
administração militar para o fim da fabricão da pólvora (0. E.
9 março 1877). -1
h) Pelos damnos causados por carros ou trens de equipa
gens militares ou da artilharia (O. E. 4 abril 1879; 27 julho
1883), ou por cavallos empregados em serviço militar (C. E.
21 maio 1879; T. C. 8 fevereiro 1893).
I i) Pelos damnos cansados por agentes do Estado encarre
gados dos serviços de uma Exposição Universal (T. O. 4 agosto
1891; C. E. 24 abril 1885). 1
H ;') Pelo damno resultante do engano de agentes da admi-
nistrão florestal, de que proveio a damnificão de arvores,
que pertenciam a terceiro, e não ao adjudicatário da floresta
(T. C. 10 maio 1890).
Tc) Pelo damno proveniente de uma eontrafação, comniet-
tida pelos agentes do Estado, embora em proveito do serviço
publico (C. C. I
o
fevereiro 1891).
69
I) Pelos damnos causados ás propriedades visinhas com o
estabelecimento de um campo de tiro, e bem assim, on conse-
quentemente, pelo prejzo feito ás pessoas ou cousas por tiros
mal dirigidos ou dados com imprudência (C. E. 31 março 1882;
6 julho 1883; 8 agosto 1884; 29 janeiro 1892; 16 junho e
7 julho 1893). —A mesma regra se applica aos damnos causa-
dos pelas manobras militares (C. E. 11 maio 1893; 25 fevereiro
1884; 25 julho Í884)
70
, assim como, aos accidentes, de que certos
indiduos são victimas, em rao de imprudência ou negli-
69
Os agentes do Estado haviam contrafeito um apparelbo para o fim
de facilitar a verificação dos pesos e medidas. E a condemnaçfio eomprehen-
deu, aJéra da satisfação do damno, a apprehensão dos objectos contrafeitos.
—Míchoud, loc. oit., p. 10.
m
70
Sobre a matéria de manobras militares ha a lei de 3 de julho de 1877,
art. 64, admittindo o principio de indemnisação pelos damnos causados,
quando se dá culpa ou illegalidade na occupão do terreno pelas tropas.
— 381 —
gencia commettidas por militares no cumprimento de seus ser-
viços (C. E. 25 março 1892 ; 7 julho 1893 ; 6 dezembro 1895 ;
17 julho 1896).
m) Pelos damnos causados por abalroações de navios do
Estado (CE. 25 agosto 1861; 14 março 1873; 16 janeiro 1875;
7 julho 1876; 25 abril 1890); sendo applicaveis a taes damnos
as mesmas regras do digo do Commercio, quando menos, pelo
que respeita as suas razões ou princípios.
n) Pelos damnos que provém em geral dos accidentes nas
fabricas, fundições e outros serviços do Estado (C. E. 8 maio
1874; 4 abril 1879; 20 julho 1883, etc).
o) Pelo damno proveniente de homicídio, praticado por
agente das alfandegas ou empregado da administração das con-
tribuições directas, muito embora no exercício de suas func-
ções e no intuito de evitar a fraude (C. C. 19 julho 1829; 30
janeiro 1833) .
M
p) Pelo damno proveniente da apprehensão on penhora,
feita sem justa cama, de mercadorias pela alfandega ou admi
nistração das contribuições indirectas (C. C. 21 desembro 1831;
22 janeiro 1835).
7a
I
q) Pelo damno resultante da subtracção de títulos de renda
(divida publica) por funccionario incumbido do servo de trans-
ferencia ou regularisação do mesmo (C. C. 29 fevereiro 1836);
e bem assim, pelo resultante da irregularidade no pagamento
dos juros vencidos da divida publica, em consequência de abuso
dos respectivos funccionarios.
7B
r) Pelos extravios de cartas, cujo porte (duplo) fora devi-
damente pago nos Correios, e bem assim, pelos papeis de valor
71
Vide: Decisões a esse respeito, apud Sourdat, ob. cit., t. II, h. 1310
8g. — Cf. Batbie, ob. cit., p. 323-24 e notas.
[ " Sourdat, loc. cit., n. 1311 sg.
73
Loc. cit., n. 1314.
— 382 -1
incluídos nas mesmas cartas (0. C. 12 janeiro 1849 ; 12 maio
1851; 0. E. 12 julho 1851; lá setembro 1852). Do mesmo modo
pelos valores remettidos pelos Correios, de que se havia feito a
devida declaração e pago a respectiva porcentagem (Lei 4 junho
1859; C. 0. 26 dezembro 1866; 25 junho 1890; 31 janeiro 1893;
C. E. 21 janeiro 1876; 7 agosto 1883).
n
s) Pelo prejuízo causado em conseqncia do estrago das
malas postaes (0. C. .1° abril 1845).
t) Pelos damnos resultantes de accidentes na execução
de obras publicas, succedidos por negligencia, imprudência, e
defeito no plano ou no modo da execução, ou por falta das pre-
cauções necessárias (O. E. 19 dezembro 1839; 26 abril 1847;
22 junho 1882: 28 maio 1886 j 24 junho 1892; 15 junho 1894;
28 junho 1895).
76
67 c—o nos parece de necessidade proseguir na ex-
emplicação de outros casos particulares. Conhecidos os prin-
cípios da doutrina corrente, cil se suppor a sua- applicabi-
lidade aos casos ou espécies análogas.
De algumas das decisões, que foram mencionadas, se terá
com certeza notado, que o Estado, nem sempre, tem sido decla-
74
Sobre os fundamentos das decisões e os casos de excepção ou
restricção, é de ver:—Sourdat, loc. cit., ns. 1315-1320; Bailby, loc. cit., p.
97 sg.
75
O damno é reputado facto da administração, quando se trata de
accidentes succedidos em consequência de cios do plano, ficando o em-
presário ao abrigo de responsabilidade pessoal; porque elle desempenha
apenas o papel passivo de agente da administração, isto é, executando or-
dens superiores, de cuja conveniência não é juiz... Portanto, si o plano ou
o modo da execução ordenado são viciosos, e dahí resulta o accidente, é o
Estado o responsável (T. C. 22 abril 1882; ap. Sourdat, loc. cit.,n. 1328). A
regra é a mesma, si o accidente se dér por falta da devida ftscalisação,
sendo applicavel ao caso o disposto no art. 1383 do código civil (C. E.-29
agosto 1835; 27 maio 1839; 9 novembro 1888 ; 17 maio 1889; 9 e 31
dezembro 1892). —Loc. cit., n. 1330.
— 383 —
rado irresponsável pelos damnos dos actos illicitos, embora
praticados no exercido de funcções, que se reputam de poder
ou autoridade.— E em vários actos seria, certamente, difícil
dizer, onde termina o império, e onde começa a gestão, como em
outra parte já tivemos occasião de observar.
75a
Esta tneoria da distincção dos actos, insinuada com tanta
insisncia, como argumento da responsabilidade ou irrespon-
sabilidade do Estado como meio de subtrahir os actos da
administração, propriamente dita, ã sancção do direito privado
e dos tribunaes judiciaes, não têm, na realidade dos factos,
correspondido ao fim, que se pretende. Verifica-se, pelo con-
trario, que as razões ou princípios invocados pelo Conselho de
Estado nas suas decisões, quando lhe cabe conhecer da res-
ponsabilidade civil do Estado, tem sido, em regra geral, os
mesmos, sobre os quaes a Corte de Cassação, ao seu turno,
procura assentar as suas sentenças sob a sancção immediata
\ t
l
ao referido direito. E, que são de natureza idêntica os ca-
minhos, que levam ao templo da justiça, apezar da subtileza
das insinuações, com que se pretende desviar os que delia
precisam...
Para encerrar o capitulo precisamos, todavia, declarar,
que a tendência da jurisprudência franceza é, manifestamente,
a de amparar os direitos individuaes contra as lesões, com-
mettidas pelos representantes ou funccionarios do Estado. Mas
de um lado, a preoccupação tradicional dominante, de que os
actos administrativos só podem ser apreciados péla autoridade
administrativa, o que leva a fazer distincções e subdistincções
nos actos ou funcções publicas, para evitar a interferência do
n
* De resto, a responsabilidade oivil do Estado tem sido declarada
em França por diversas leis particulares, cujo elenco se pôde ver em H.
Fromageot, De la faute comme source de la responsabilité, p. 153-155.1
Paris, 1891.
384 I
poder judiciário,—e de outro lado, a falta de disposições legaes
de caracter geral, especialmente reguladoras da matéria, tem
dado occaso a tantas incertezas, seo, incongruências ou con-
tradiões nas normas seguidas e nas decisões dessa jurispru-
dência, que jamais poderíamos apontal-a, como modelo de boa
razão e critério, na questão que nos occupa. |- Ella carece,
sabidamente, de base solida em face do direito positivo vigente;
é o que reconhecem e confessam os seus próprios defensores...
— 385 —
CAPITULO II A
Jurisprudência Belga
§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES
68.Não é muito o que nos propomos dizer sobre a juris-
prudência belga, relativa â questão da responsabilidade civil
do Estado. Devido, principalmente, ao facto da origem commum
da sua legislação com a da França, a referida jurisprudência
apresenta tros da maior semelhança, às vezes mesmo, de iden-
tidade com a jurisprudência franceza no que concerne à appli-
cação dos princípios e regras de direito, invocados nas suas
decisões.
Entretanto num ponto, aliás, de summa importância,
aquella se distingue desta, e, ao nosso ver, com vantagem para
a defesa dos direitos individaaes: é, que na Bélgica não existem
duas jurisdicções, a contenciosa-administrativa e a judiciaria;
em principio, pelo menos, a autoridade judiciaria é competente
para conhecer e decidir os litígios de toda espécie.
Ainda que a lei mantenha o principio da separação dos
poderes, entre a funcção judiciaria e a funcção administrativa,
vedando, conseguintemente, a intervenção judiciaria em casos,
que importem uma usurpação ou um obstáculo directo à acção
do poder executivo, e estabelecendo para a hypothese, o recurso
do conflicto de jurisdicção;
70
o facto é, que, na ausência de tri-
bunaes administrativos, é sempre ao judicrio, que cabe a com-
petência em matéria contenciosa, seo, para impedir ou desfa-
zer o acto administrativo, com certêsa, para conhecer dos seus
70
Laferrre, ob. oit., 1.1, p. 85 sg.Cf. Lonné, ob. oiti, p. 141. E' &
Corte de Cassação, que compete resolver sobre a matéria dos conflictos.
25 R. c.
— 386
effeitos, objecto do litigio. Isto tem assento na própria Consti-
tuição belga, a qual declara expressamente: Les contestations\ qui
ont pour ooject les ãroits civils SONT EXCLDSIVBMENT du res-\ sort
des tribunaux (art. 92).
As pprias questões, que tem por objecto direitos políticos,
são igualmente declaradas da competência dos tribunaes, salvas
as excepções estabelecidas pela lei (art. 93).
Ainda mais: a Constituição também reconhece aos tri-
bunaes de justiça o direito de não applicar os regulamentos
geraes, parciaes e locaes, desde que os considerem em desac-
oordo com as leis (art. 107).
Em vista destas disposições do direito constitucional, a ex-
pressão «direitos civis» é tomada, diz Laferrière, na sua mais
larga accepção, de modo a abranger todos os contractos, todos
os compromissos pecuniários do Estado, e todos os actos de
gestão em matéria de serviço publico,—considerando-se o Es-
tado, no tocante a taes actos, como simples pessoa civil, em con-
traposição á pessoa politica, que elle representa, quando exerce
o poder publico.
76
*
68 a.— Com relação ao ponto especial da responsabilidade
civil do Estado pelos actos lesivos da administração publica, se
tem, como regra da matéria :
a) Os actos de poder publico, desde que sejam praticados
na forma e limites legaes, não dão, em principio, direito á
nenhuma acção de indemnisação, muito embora susceptíveis de
damno ao alheio direito. E de facto, assim se tem decidido na
maioria dos casos, a dizer que o Estado o é respon sável pelos
actos de negligencia ou culpa dos seus funccionarios, sob o
» Laferrière, loe. cit., p. 91.As decisões da C. C. 21fev. 1832,
11 janeiro e 9 dezembro 1833, e da C. App. Liège 11 nov. 1883 consa-
gram realmente a doutrina supradita com relação á pessoa do Estado.
387 —
fundamento de que, segundo a melhor intelligencia, a disposi-
ção do art. 1384 do cod. civil, que declara o committente res-
ponsável pela cnlpa de seu preposto, se refere ás relações de
individuo a individuo, e poristo não pôde ser applicavel aos
cargos ou funcções publicas, nascidas das leis, que interessam
á ordem publica e ã administração do Estado (CO. 24 abril
1840 e 7 novembro 1851).
b) Nos demais actos, porem, nos quaes o Estado apparece
como pessoa civil, sejam relativos á infracção de contractos e ã
matéria de obras publicas, sejam concernentes a serviços indus-
triaes ou a quaesquer outros actos de gestão, a responsabilidade
-do Estado pelas culpas dos funccionarios é a doutrina firmada
pela jurisprudência. Com ella conferem a lição dos autores mais
competentes e os considerandos de numerosas decies, tanto da
Corte de Cassação, como dos outros tribunaes superiores do paiz
<C. C. 28 dezembro 1855, e 9 dezembro 1880, etc.)
Diz Be Fooz: L'article 1384 ne s'étend pas â 1'administra-
tion publique, en tant que celle-ci se produit comme application
•de la souveraineté et dans sa personnalipolitique (Õ. C. 28
dezembro 1855). A ce point de vue, 1'Etat, la province, la com-
tnune ne répondent pas civilement des fonctionnaires qu'ils em-
ploient et des torta qu'ils peuvent causer par leur fait ou leur
négligence dans leur mission administrative.
Áinsi, en matière de douanes, le gouvernement ne répond
pas des actes illégaux, vexatoires ou arbitraires des préposés
•de la douane, pas plus qu'il ne répond des dommages causes
par des troupes, des soldats, à des propriétés privées. En l'ab-
sence d'un príncipe contraire pose par les lois d'ordre public, la
responsabilité s'arrête au coupable (C. C. 24 abril 1840).
Mais l'Etat, la province, la commune ne semblent pas
pouvoir se soustraire á 1'application du droit commun, celui
de 1'article 1384 du code civil, toutes les fois quils agissent
comme personne juridique, individuelle et que, comme telles,
ils posent des faits de propriêtê, des faits' industrieis ou com-
merciaux, et font acte de la vie civile.
77
77
De Fooz, ob. cit.,t. I, p. 346.
— 388 —
O motivo politico, que determina o Estado a fazer tal ou
tal acto por seus prepostos, é indiferente; o que importa, é a
natureza própria do acto.
77a
A mesma lição, variando apenas de forma, é ensinada por
um outro autor mais recente, e de igual autoridade na matéria.
« No que respeita & separão e indepenncia respectiva
do poder executivo e do poder judiciário, disse Beltjens, é pre-
ciso distinguir o poder administrativo representando o Estado,
como soberano, como personalidade nacional, do Estado agindo
como pessoa civil. Como soberano, o Estado o poderia ser
sujeito ao poder judiciário, e os seus actos não poderiam jamais
dar logar â nenhuma acção de responsabilidade civil; emquanto
que, como pessoa civil, o Estado pôde ser obrigado a responder
perante os tribunaes, ficando sujeito a todas as regras do direito
civil.»
78
69.— Quanto â responsabilidade pessoal dos funcciona-
rios, a lei reconhece aos particulares o direito de chamal-os pe-
rante a autoridade judicial, pelas offensas ou lesões commettidas-
nos seus cargos ou funcções (Const., art. 24).
Decerto, o direito de acção contra os funccionarios na
lgica é actualmente livre, independente de qualquer auto-
risaçâo do governo, como outr'ora se exigia. Alli não se
o conflicto de jurisdicção, nem a exceão de incompencia;
nem, tão pouco, o funccionario se poderá acobertar, como em
Fraa, com o pretexto de haver agido, o, como particular,
mas a titulo de agente ou mandatário do soberano. Um burgo-
mestre, por exemplo, que commetter um acto vexatório no exer-
" » Loo olt., p. 348.—Vide: C. C. 25 fevereiro 1850, 27 maio 1862,
19 dezembro de 1854; e numerosas outras decies, Uri citados.Cf. A.
Girou, ob. cit., D. 230 sg.
78
G. Beltjens, La Oonstitution Belge Reviste, p. 424.
— 389 —
cicio de suas funcções, é declarado responsável; muito embora
possa elle provar que agira na qualidade de burgomestre e no
interesse da communa (C. C. 25 fevereiro 1883).
79
Das decisões mais conhecidas sobre este ponto particular
da matéria se tem por assentado, que, além da responsabilidade
criminal que porventura resulte do acto, os funccionarios pú-
blicos são ainda sujeitos à responsabilidade civil nos seguintes
•casos: a) quando usam de dolo ou fraude para prejudicar aos
indivíduos particulares b) quando ajuntam calumnias ou in-
jurias aos despachos de ordem geral que proferem; c) quando se
arrogam um poder que o tem, ou saliem dos limites do seu
mandato legal, causando com isto damno a outrem; d) quando -
causam damno por imperícia ou ignorância; f) quando abusam
da autoridade para impor actos vexatórios, ou empregam vias
de facto attentatorias da propriedade, ainda mesmo, que pre-
tendam íazel-o no interesse commum.
79a
A responsabilidade em
taes casos, adverte De Fooz, è pessoal; ella não remonta
áquelles, de quem os funccionarios recebem o mandato, a menos
que os actos fossem executados em virtude de ordens recebidas
de superior, a que o funccionario devia obediência hierarchica;
sendo, nesta ultima hypothese, a acção de indemnisação admis-
sível tanto contra cada um delles separado, como contra ambos
juntamente (C. C. 13 janeiro 1848, e 19 fevereiro 1857).
79b
Entretanto devemos ajuntar, a jurisprudência, em regra, sô
tem admittido a responsabilidade do funccionario administrativo,
nos mesmos casos, em que ella teria logar contra os juizes
T
« A. G. Boiílen, ob. oit., p. 264-65.
78a
De Fooz, Le droit ndmin. belge, t. I, p. 342-344.
Este autor cita decisões das cortes judiciarias, firmando os pontos da
doutrina acima indicados.
79b
Sobre os casos de responsabilidade pessoal do funccionario, é de
ver ; A Giron, ob. oit., ns. 227-280 e 236-237.
— 390 —
e funccionarios judiciaes, a dizer, provando-se dolo, fraude
ou culpa grave no acto arguido; uma simples interpretação,
mesmo errónea, da lei não daria argumento procedente para a
alludida responsabilidade. Assim, pois, si a autoridade policia)
fizer prender arbitrariamente a um individuo, fora dos casos
previstos na lei, deve responder por semelhante acto (Trib.
Bruxellas 27 janeiro 1844; C. C. 19 junho 1880); mas si o
burgomestre causar um damno, devido á uma interpretação
errada das disposões regulamentares, não deverá ser, por isso,
declarado civilmente responsável (C. App. Bruxellas 30 dezem-
bro 1882).
79c
§ 2.° CASOS E DECISÕES
I 70. ACTOS LEGAES ou ISENTOS DE COLPA. Conhecidos
os principios geraes, que dominam a matéria, seria escusado
repetir, que o Estado jamais responde civilmente pelos damnos,
que porventura provenham das leis e mais actos de poder sobe-
rano, propriamente taes, contra os direitos individuaes. A este
respeito a doutrina e a jurisprudência belga em nada differem,
quanto á affirmão do principio, da jurisprudência franceza,
da qual se fez a devida meão no capitulo precedente.
Disemos que a jurispruncia belga o differe da fran-
ceza, '' quanto á affirmação do principio''; porque, quanto á
apreciação dos casos, notam-se o poucas diverncias. Os
tribunaes belgas, com effeito, têm considerado ás vezes certos
actos, o susceptíveis de responsabilidade por pertencerem,
73° Apud Giron, loc. cit., p. 260; Cf. A. G. Boulen, loo. oit., p. 366. Com
relação aos juizes, os casos da sua responsabilidade pessoal estão
declarados no art. 605 do Cod.do processo civil.
— 391 —
digamos, á categoria dos actos de poder, os quaes a jurisprudência
franceza teria certamente reputado fora dessa categoria ; além de
que a jurisprudência belga faz, em geral, appli-cação mais lata das
disposições do direito privado na apreciação dos actos do Estado,
do que o tem sido admittido por aquella jurisprudência.
80
a) Actos de policia e segurança publica.—A administração da
segurança publica prende-se às attribuições da soberania ; por isto o
Estado não responde pelos actos abusivos dos seus agentes a esse
respeito. O art. 1384 não se applica a administração publica,
quando se trata de acto politico ou de soberania (C. C 28 dezembro
1855).
8
°
a
b) Factos de guerra. Quanto âs medidas de guerra, a
jurisprudência mais seguida é a da irresponsabilidade do Estado,
sobretudo, tratando-se de perigo imminente. Mas, não obstante,
também se tem decidido que o Estado deve indem-
80
Michoud cita, como exemplo de divergência entre as duas júri
prudencias, uma decisão da Corte de Cassação belga (C. C. 3 março 1892),
declarando o direito commum inapplicavel ao Estado no caso de um damno
causado a um barco em consequência da falsa manobra feita pelo guarda
da represa (éckisier), sob o fundamento de que o serviço da navegação
constituo um serviço publico, que o Estado exerce a titulo de poder pu-
blico -, accrescentando o citado autor: nós o admittiríamos esta solução,
por ser a manobra da represa, aos nossos olhos, um acto de gestão, apezar
do fim de interesse geral do serviço e dos poderes de policia que podem
aliás pertenoer-lhe. Por outra parte, Michoud ainda declara, que a juris-
prudência belga recorre, de modo geral, as disposições do direito privado
em numero maior de espécies, do que a franceza; assim é, que ella
applica esse direito: — com relação ao serviço dos caminhos de ferro (C.
C. 27 maio 1852);— em matéria de obras publicas (C. C. 15 janeiro
1888);de correios (C. App. Gand 24 maio 1879,);—de damnos causados
no serviço da manufactura de armas (C. App. Liège 16 junho 1887);
matérias todas estas, cuja apreciação na França assenta em leis espe-
ciaes.—JRèuMe du droit public, t. IV, p. 28.
80a
Vide: De Pooz, loc. cit., p. 345, nota.
— 392 —
nisar os damnos causados, quando estes resultam de medidas,
que são apenas tomadas na previsão de uma guerra (G. C. 12
março 1833; C. App. Bruxellas 14 agosto 1835).
c) Casos de desapropriação. Verificada embora a causa de
utilidade publica, a propriedade particular não pode ser des-
apropriada, senão, nos casos e maneira estabelecidos na lei, e
mediante justa e previa indemnisação.
81
Reputa-se também,
como verdadeira desapropriação, o facto de privar uma pessoa
de algum dos direitos reaes, como são os desmembramentos do
direito de propriedade: o usufruto, o uso, a habitação, as ser-
vidões, a emphyteuse, a superfície, a antichrese, os privilégios,
e as hypothecas. A indemnisação deve ser pecuniária, previa e
justa; salvo accôrdo em contrario, não é licito ao desapro-
priante compensar um terreno por um outro; a indemnisação
deve ser paga em moeda. (C. App. Gand 10 janeiro 1885; C. App.
Bruxellas 4 junho 1864; Trib. Verviers 20 outubro 1864).
Antes de ser desapossado o proprietário, este deve ter
recebido a importância da indemnisação (C. App. Bruxellas 14
julho 1888); mas o facto de assim não se dar, em nada prejudica
ao direito de acção do proprietário para havel-a depois (C.C. 11
fevereiro 1886; C. App. Bruxellas 20 março 1868).
A justa indemnisação comprehende, não só, o valor ve-
nal da propriedade, mas ainda, a reparação dos differentes pre-
juízos que resultam, immediata e directamente, da desapro-
priação, sem que se precise examinar si taes prejuízos foram, ou
não, previstos pela desapropriação. (0. C. 16 outubro 1851; 7
fevereiro 1868; 22 junho 1871; 28 abril 1887).
8U
81
Const. Belga, art. 11; Leis de 16 setembro 1807, de 8 março 1810,
de 17 abril 1835, do 1.© julho 1858, de 15 novembro 1867, de 27 maio 1870.
si a Vide: G. Beltjens, La Const. Bélge Revie, art. 11, onde se trata
da matéria, por assim dizer, exhaustivamente, á vista de numerosas deci-
es jndieiaes.— Cf. De Pooz, ob. clt., t. II, p. 611 sg.
— 393 —
- A indemnisação deve comprehender o equivalente da
privação do gôso si, annunciado o processo da desapropriação,
o desapropriado não poude mais tirar partido da sua proprie-
dade,— não podendo mais alugai-a por exemplo. (C. App.
Bruxellas 13 abril 1846 ; 22 junho 1865 ; 22 dezembro 1869; 8
março 1877; 22 março 1882; 3 dezembro 1884; C. App. Gand 29
dezembro 1883; CG. 22 junho 1871).
A indemnisão, para ser justa, deve comprehender, o
só, o valor do terreno considerado isoladamente, mas também,
a minoração de valor do restante (C. App. Bruxellas 27 feve-
reiro 1837 ; G. G. 10 janeiro 1838, e 12 janeiro 1844; C. App.
Liège 11 dezembro 1855; Trib. Liège 19 junho 1847).
O desapropriante o se pode propor a executar obras no
terreno restante com o fim de restabelecer as antigas communi-
cações e, desta sorte, evitar o prejuízo do desapropriado; deve,
sim, pagar a este, a titulo de indemnisação, uma somma corres-
pondente ás obras precisas, as quaeso desapropriado executará,
ouo, segundo lhe convenha. (O. App. Bruxellas 5 abril 1871).
Todas as regras, que vimos de mencionar, e outras dis-
posições legaes concernentes, são obrigatórias para o Estado,
si fôr elle o desapropriante, assim como, para a província e a
communa.
d) Obras publicas. •*» A responsabilidade civil da admi-
nistração publica tem sido reconhecida, além de outros, nos se-
guintes casos:
1) Pelas roturas dos diques, de um canal do domínio do
Estado, de que provieram damoos ás propriedades visinhas,
sem que se provasse ser um caso fortuito ou de força maior.
(C. App. Bruxellas 20 fevereiro 1856, e 19 janeiro 1880; C. C.
16 agosto 1879.
81b
sib rje Fooz, ob. cit., p. 346; G. Beltjens, La ConsUtutioti Bélge Re-
viste, p. 428, etc.
— 394 S
2) Pelos actos de operários e mais agentes executores de
obras no leito e margens de rios do domínio publico, de que
resultou damno aos proprietários ribeirinhos. (C. App. Liège 13
junho 1846, etc.)
3) Por trabalhos executados na via publica que prejudi-
caram á uma propriedade particular. (C. App. Liège 31 janeiro
1835).
4) Pelos estragos resultantes da demolição de uma pedreira,
que aliás ameaçava ruina. (Trib. Liège 20 janeiro 1855).
5) Pela mudança do curso natural das aguas, em conse-
quência de uma obra de utilidade publica, e de que proveio
prejuizo aos proprietários visinhos. (C. C. 4 julho 1850).
6) Pelas obras necessárias á uma estrada publica, mas que
tornaram inaccessiveis ou insalubres as casas visinhas (Trib.
Bennes 1834; Trib. Angers 28 janeiro 1835; C. App. Bru-xellas
5 novembro 1844, e 9 julho 1845, etc.)
7) Por terem as aguas de um rio, em consequência das
obras feitas no leito do mesmo, refluído e causado damno (C.
App. Liege 10 julho 1851).
8) Pela construao de um dique que occasionou o desaba-
mento de uma parte ou de toda a propriedade alheia. (C. App.
Liege 28 fevereiro 1845, 12 junho 1846, e 11 junho 1847).
9) Pela construcçao de um esgoto no subsolo de uma rua
ter trazido prejuizo aos proprietários lateraes da rua. E' indiffe-
rente a circumstancia de se tratar de obra de interesse geral
(Trib. Bruxellas 25 março 1885).
No que se refere, mais em particular, ás obras necessá-
rias a viação publica, são de indicar as decisões que se seguem :
I 1) Não ha obrigação de indemnisar, quando as modificações
alteram, mas não supprimem, nem a circulação, nem as facili-
dades existentes (Trib. Liège 24 janeiro 1889 ; C. App. Bru-
xellas 5 agosto 1884; Trib. Oharleroi 6 março 1886; Trib.
Bruxellas 21 de maio de 1887).
— 395 —
2) Mas tem logar a indemnisação si, supprimido um cami-
nho vicinal, se aggravam por isto os encargos da cultura da
propriedade interessada (C. App. Brnxellas 23 fevereiro 1880).
A mesma decisão, quando a propriedade fôr dividida em duas
partes separadas por vias férreas.
3) Quando as modificações feitas no perfil transversal de
uma rua prejudicam directamente à passagem que conduz ás
casas da rua, o Estado o pode fugir â responsabilidade do pre-
juízo, ainda que não haja tocado materialmente a propriedade
alheia (Trib. Bruxellas 20 fevereiro, e 25 março 1885). I
i) O Estado ou a Communa respondem pelo damno causado
por obras, que levantam o solo, aos indiduos, que, devidamente
autorisados, edificaram ao longo da respectiva rua ou estrada
(C. App. Bruxellas 9 agosto 1870, 3 e 6 julho 1874,27 julho 1878,
22 dezembro 1882, 5 agosto 1884, e 29 junho 1889; C. App.
Lge 15 junho 1846 C. App. Gand 18 junho 1881; C. C. 1 de
zembro 1881, etc). A mesma doutrina, quando os damnos pro
vierem do abaixamento do solo (Trib. Bruxellas 6 maio 1885, e
12 junho 1886). I
5) Quando uma via férrea corta uma avenida, ha logar a
indemnisação, pelos inconvenientes da interrupção na passagem
dos comboios, e pelas precauções incommodas que o novo estado
de cousas occasiona (C. App. Gand 23 junho 1853; C. App.
Bruxellas 13 agosto 1855).
6) O proprietário ao longo de uma via publica tem direito
à indemnisação, quando, pela alteração do nivel da mesma, o
accesso â sua casa se torna impossível ou mais difncil (Trib.
Bruxellas 26 dezembro 1846 ; C. C. 7 janeiro 1845). I
7) O proprietário, que, por se conformar com o alinha-
mento da viação urbana, tem de abandonar parte da sua pro-
priedade, tem direito â indemnisação (Trib. Bruxellas 5 março
1855; 0. App. Bruxellas 18 junho 1857 ; G. 0. 10 fevereiro
1865).
— 396 —
8) Não ha logar a indemnisação, quando, por necessidade
da segurança publica, a administração sujeita as casas de ama
rua a deixar fixar sobre ellas fios telephonicos das repartições
publicas, caixas de aviso de incêndio, e cousas semelhantes (C.
0. 2 fevereiro 1880, e 29 novembro 1883 ; C. App. Bru-xellas 9
agosto e 11 dezembro 1882).
71. ACTOS ILLICITOS EM GERAL. Dá-se na jurispru-
dência belga o mesmo, que já verificámos na jurisprudência
francesa, isto é, o emprego de critérios differentes na apreciação
dos respectivos casos, segundo se trata de actos contractuaes ou
de actos extracontractuaes.
I. Provenientes de relações contractuaes. — Em matéria de
contracto a regra é: o funccionario, que o celebra em nome do
Estado, província ou communa, não contrahe obrigação pessoal ;
esta pertence toda ao Estado, província ou Communa (C. C. 11
dezembro 18 L6).
82
Uma concessão de natureza gratuita o é, todavia, con-
siderada, como contracto. E' essencialmente precária: poderá
ser opposta aos particulares, sem duvida ; mas não, aos re-
presentantes da autoridade publica. Conseguin temente, não
cabe indemnisação aos ribeirinhos pela suppressão do curso
d'agua, não navegável (non navigable, infiotable) em certos
trechos da corrente; muito embora percam elles com isso as
suas construcções e outras vantagens existentes. A duração da
posse no caso não lhes dá melhor direito (Trib. Bruxellas
82
De época, em que na lgica se admittia a jurisdiceão contenciosa
administrativa, se costuma citar uma decisão do Conselho de Estado de-
clarando, que, si o funccionario exceder o seu mandato ou agir fora de
seus poderes, a obrigação, embora proveniente de contracto, deve recair
sobre o mesmo pessoalmente, conforme ao art. 1998 do"cod. civil (CE. 4
agosto 1819). o é, porém, esta a doutrina hoje corrente.
— 397 —
12 agosto 1873; C. App. Bruxellas 14 fevereiro 1871, 29 maio
1873, e 5 março 1874 ; C. App. Liège 2 março 1876). 1
II. Provenientes de relações extracontractuaes. Quanto
aos actos lesivos extracontractuaes, se tem reconhecido a obri
gação de responder civilmente, além de vários outros, no»
seguintes casos: I
a) Pela falta da devida conservação das obras dos rios ca-
nalisaãos para o fim da navegação, nas condições exigidas para
que os barcos possam ahi circular sem perigo (C. App. Liège
15 fevereiro 1883). I
b) Por se ter deixado ao fundo de um canal navegável, per-
tencente ao dominio publico, uma estaca, susceptível de occa-
sionar o naufrágio de navios (0. C. 25 maio 1882).
e) Pelas faltas commettidas no serviço de transporte das
pessoas e mercadorias pelas vias férreas do Estado, sendo appli-
cavel ao mesmo, como committente, o art. 1384 do cod. civil
(C. App. Liège 8 março 1849; C. App. Bruxellas 6 março 1850;
C. App. Gand 30 maio 1851).—Dâ-se no caso um verdadeiro
contracto (C. 0. 27 maio 1852, e 7 maio 1869).
d) Pelo facto de um director de estabelecimento publico
ter prohibido arbitrariamente a entrada de um individuo no
estabelecimento sob a sua direcção, e haver escripto nos re
gistros uma ordem do dia ultrajante contra o mesmo (C. App.
Bruxellas 23 maio 1876.
8a
I
e) Pelo accidente prejudicial a terceiros, resultante de um
ascensor ou guindaste, pertencente á administração publica.
83
A espécie fora esta: O director da escola de pyroteohnica prohibira
a Clerbois a entrada no estabelecimento, e escrevera nos registros deste
uma ordem do dia injuriosa contra Clerbois. Este propoz a sua acção em
jaizo, e a Corte de Appellaçao de Bruxellas eondemnou o Estado a pagar
500 frs. de indomnisaçao.
— 398 —
que o explorava e o tinha sob a sua guarda, mas que, por negli-
gencia, deixára-o funcccionar em condições perigosas {C. App.
Br uxel las 1 dezembro 1881).
71 a.—Nâo ha mister proseguirmos na citação de outros
casos análogos. Apenas converia talvez lembrar que, como regra
geral de jurisprudência, o Estado, a província e a communa
não se podem subtrahir á appiicação do direito communi, isto é,
do art. 1384 do cod. civil, todas as vezes que agem, como pes-
soa jurídica individual, e que, como taes, praticam actos de pro-
prietário, industrial, commerciante, ou fazem actos da vida civil.
(C. App. Bruxellas 20 fevereiro 1856, etc. etc.)
83a
Também para melhor illustração da doutrina, cumpre
igualmente accrescentar, que o Estado ou a administração pu-
blica tem sido declarados irresponsáveis pelos damnos resul-
tantes dos seguintes casos:
a) Pela baixa das aguas de um canal sob a fiscalisação da
autoridade publica, prejudicial á irrigação e á navegação;
muito embora o facto se desse por culpa dos respectivos agentes.
Se disse, que o art. 1384 era completamente estranho à espécie,
desde que não se tratava de actos da vida civil, mas de factos da
alta administração (0. C. 28 dezembro 1855).
h) Pela negligencia ou falta de cuidado do guarda da re-
presa (êclusier) de um porto, considerado este, como dependên-
cia do domínio publico (C. C. 9 dezembro 1880; Hic, nota 80).
83
a B' desnecesrio advertir, que não esteve no nosso intuito resenhar
os differentes casos e decisões, em que o Estado é sabidamente obrigado a
responder pelas culpas dos funccionarios, commettidas nos actos frequentes
e ordinários, em que o Estado apparece, como proprietário, contractante,
credor, devedor, industrial ou constructor ; mas, apenas indicar um certo
numero de espécies e decisões, nas quaes o Estado fora declarado respon-
sável pelo damno proveniente da negligencia ou culpa dos funccionarios, e)
sem nos preocouparmos de saber, si o Estado na oceasiao era pessoa civil
ou pessoa politica.
— 399
c) Por actos vexatórios ou abusivos de um burgomestre,
feitos fóra das suas attribuões; considerando-se, que em taes
casos a responsabilidade fora toda pessoal deste, conforme ao
art. 1382 do cod. civil (T. Bruxellas 8 agosto 1850; C. App.
Bruxellas 26 dezembro 1882.
83b
d) Por actos illegaes ou arbitrários dos prepostos do ser-
viço aduaneiro (C. App. Bruxellas 10 fevereiro 1841, 24 de-
zembro 1842, 16 janeiro e 23 dezembro 1843), considerando-se
applicaveis as mesmas razões, segundo as quaes o Estado não
responde, em geral, pelos damnos causados por tropas ou solda-
dos às propriedades privadas: « Attendu que le gouvernement
ríest pas le ma%tre
%
ãans le sens de Varticle 1384 du code civil,
des militaires appellés au service de VEtat; qu'il ríest pas davan-
tage leur commettant, et que les militaires ne sont pas des prepo-
sés...» (C. Àpp. Bruxellas 23 dezembro 1843; C. C. 24 abril
1840).
88
c
e) Finalmente, ê também principio geral consagrado: o
damno, puramente possível, eventual ou futuro, não basta para
servir de base â uma acção judicial; é preciso haver um in-
teresse legitimo ou um direito actual, effectivamente lesado
(Trib. Liège 17 fevereiro 1844, e 28 março 1846; 0. App. Liège
13 agosto 1855; Trib. Gand 24 dezembro 1856 ; C. App. Gand
13 junho 1856, etc.)
88b
Vide: Hic, p. 387.Bm resumo, diz A. Giron, o Estado, a provín-
cia, e a communa não são juridicamente obrigados a reparar os damnos re-
sultantes dos abusos de autoridade, das fraudes, omissões ou negligencias,
das quaes se tornem culpados os seus agentes, no desempenho de uma
funcção politica ou administrativa Loc. cit., n. 232. No entanto, cumpre
observar, que muito poucos e limitadíssimos foram os casos, nos quaes o ci-
tado autor se apoiara para afirmar tamanha conclusão... alias, não com-
provada pelos exemplos da pratica.
83
° Vide: Bonasi, ob. cit., p. 454; Mantellini, ob. cit., p. 169.
Quanto às servidões militares, a lei de 2 de abril de 1873 manda
indemnizar os immoveis, que forem gravados pelas mesmas.
71b.—Embora relativamente poucos os casos e decies,
que vimos de mencionar, elles deixam r claramente, quaes as
regras princípaes, que a jurisprudência belga se tem proposto
guardar na matéria da responsabilidade civil do Estado. I
Affírmando, antes de tudo, e do mesmo modo que o faz a
jurisprudência franceza, que ao Estado-poder publico o se
pôde imputar a responsabilidade consagrada nos arts. 1382-1384
do cod. civil (C. C. 12 janeiro 1893), aquella o podia, por
isto mesmo, deixar de se mostrar, como esta, varia e incerta no
exame e decisão particular de mnitos casos...
E' um defeito inevitável, ou melhor dizendo, inteiramente
consequente; desde que dita jurispruncia procura assentar os
seus considerandos na tbeoria insuficiente da « distinão dos
actos » do Estado, quando de preferencia deveria fazel-b no
principio da justiça, que o muda, mas subsiste igual para
todos, que delia precisam na defesa ou reparação dos próprios
direitos.
i
— 401 —
CAPITULO III
A Jurisprudência Alleman
'
;
"
f
j
§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES
72. Antes de constituído o actual "Império Federal da
AUemanlia'' em 1871 já existia nos Estados, que então for-
mavam a Federação da AUemanlia do Norte (Norddeutscher
Bund), duas jurisdicçõ3s distinctas para conhecer e decidir das
questões originadas dos serviços públicos: a dos tribunaes
judiciários, e a das auctoridades administrativas. E ainda que
não houvesse tribunaes administrativos, propriamente ditos, on
devidamente organisados, a esphera de competência do poder
administrativo sobre as questões alludidas era, no entender de
Laferrière, muito mais lata, do que a do poder judiciário.
84
Hoje, ao lado das autoridades administrativas, vários dos
Estados federados possuem tribunaes de igual natureza, na
accepção própria deste vocábulo. E tomando, para exemplo da
matéria, a organisaçao existente na Prússia, vemos que ella
consta do seguinte: 1) Juntas de Circulo (Kreisausschuss), as
quaes, em certos casos, são substituídas pelas Juntas urbanas
(StadtausscJiuss); 2) Juntas de Districto (BezirTcsaussehuss), que
conhecem por via de recurso dos actos das primeiras; 3) Tri-
bunal Administrativo Superior com sede em Berlin (Oberver-
lualtungsgericht), o qual conhece dos negócios contenciosos, já
84
Laferrre, ob. oit,, t. I, p. 37 sg. j§
26 H.C.
— 402 —
por via originaria e em única instancia, por via de recurso,
finalmente, como Corte de Cassação, nos casos marcados
em lei.
84a
4
a
Sem o intuito de entrar em detalhes acerca da organisação dos
tribunaes administrativos da Prússia, que, como se sabe, é o Estado prin-
cipal da Federação Alleman, sobreleva, todavia, dar breves informações a
esse respeito.
A' testa da administração de cada Circulo ha um conselheiro provin-
cial (Landrath) de nomeação do rei, e que é o presidente da Junta. Esta se
come de seis membros, eleitos pela Assembléa do Circulo. A Junta
urbana se compõe do burgomestre ou do seu substituto legal, como presi-
dente, e de quatro membros, que a Municipalidade elege de seu próprio
seio. Ha ainda disposições da lei regulando, de modo particular, certos
círculos ruraes, e bem assim o da cidade de Berlin, etc. etc.
A' testa da administração do Distrioto ha um presidente do governo
(Regierungspraesident) nomeado pelo rei, o qual preside a Junta do Dis-
tricto. Esta se compõe de seis membros, dous também de nomeação do rei
(um destes serve de vice-presidente), e os outros quatro, eleitos na forma e
condições marcadas na lei.
As Juntas de Girado e de Districto desempenham funcções de simples,
caracter administrativo, conjuntamente com as de jurisdioção contenciosa,
proferindo, portanto, em uns casos,— despachos ordinários (Beschlmse), e
em outros, decisões com forca de verdadeiras sentenças (Entscheidungen).
Como legislação especial sobre a matéria, é de ver: leis de 13 de-
zembro 1872, de 29 junho e 3 julho 1875, de 26 julho 1876, de 26 julho e
2 agosto 1880, de 19 e 22 março 1881, de 30 julho e agosto 1883, e de
27 abril 1885, etc. E' considerada, como consolidação das anteriores, a lei
de 30 julho de 1883 (Gesetz iiber ãie allgemeine Lanãesverwaltung), e como
complementar, em matéria de competência, a do I
o
agosto do mesmo anno
(Gesetz iiber ãie Zustãndigkeit der Venoaltungs und Verwaltungsge-
richtsbelwrãen).
Quanto á organisação judiciaria da Prússia, a lei de 4 março 1878
creou os tribunaes superiores do Reino (Oberlandesgerichte e Landgerichte)
de accordo com a organisação geral da jnstiça, estabelecida para os Estados
do Império pela lei de 27 janeiro 1877, e logo depois, fora também promul-
gada a lei orgânica de toda justiça estadual (lei de 24 de abril do mesmo
annoAusfiihrungsgesetz zum dentschen Gerichtsverfassungsgesetz), e bera
assim, o decreto de 26 julho (1878), regulando os tribunaes cantonaes
(Amstsgerichte). Nos termos da lei de 24 de abril citada, aos tribunaes re-
gionaes (Landgerichte) compete exclusivamente o conhecimento de todos
— 403 —
72 a.— Os conflictos levantados, entre as autoridades ou
[tribunaes administrativos e os tribunaes judiciários, são decididos
por tribunaes especiaes, organisados segando as prescri-pções da lei
federal.
81
b
Na apreciação, porém, dos casos sujeitos pretendem
alguns autores, que, antes de tudo, cumpre atten-der para a natureza
dos actos, de que se tratar. « Si são actos •do Estado, propriamente
tal, a via de direito (der Rechtsiveg) se deve considerar fechada
t
tanto para os tribunaes judiciários, como para os tribunaes
administrativos; porque o acto praticado pelo poder publico, no seu
exercício próprio, não é susceptível de invalidação, nem tão pouco,
poderá dar logar á tndemnisação do damno, que porventura tenha
causado. Consequentemente, accrescenta-se, as decisões do Chefe
de Estado, dos ministros e outros representantes da alta
administração central, desde que não tenham unicamente por
objecto con-
IOS litígios propostos contra o Thesouro, ou contra os funccionarios por
«motivo de actos dos respectivos cargos (art. 39).O disposto neste artigo
está de inteira harmonia com a lei federal da organisaçao judiciaria (das
'Gerichtsverfassungsgesetz de 27 janeiro 1877), a qual dispõe desta forma: «Os
tribunaes ordinários conhecem de todas as matérias contenciosas, civis e
crirainaes, que nao sejam da competência das auctoridades ou tribunaes ad-
ministrativos, ou de tribunaes especiaes, instituídos por lei federal (art. 13).
« Compete exclusivamente aos Tribunaes Regionaes (Landgerichte), sem
atteão ao valor da demanda: a) as aões contra o Fisco Federal, seja
em virtude da lei do 1 de junho de 1870 relativa aos direitos de trans-
porte por agua (Mosserei), seja em virtude da lei de 31 de março de 1873
relativa aos direitos e deveres dos funccionarios do Imrio; b) as aões
contra os referidos funccionarios por excesso de poder, ou negligencia
no cumprimento de seus devores. A legislão particular dos Estadosde
^sujeitar ao conhecimento dos Tribunaes Rogionaes: as acções dos func-
cionarios estadoaes contra o Estado por motivo de seus empregos; as
aões contra o Estado, relativasás medidas ordenadas por auctoridades
administrativas, ás culpas dos funccionarios estadoaes, — á suppressão
de privilégios, e ás contribuições publicas » (art. 70).
84b
Lei de organisaçao judiciaria de 27 de janeiro de 1877 (art. 17) o
J.el de introducção da mesma data (art. 17).
— 404 —
tractos celebrados com o Estado ou a geso dos interesse s-
economicos e financeiros do mesmo, em resumo, todas as de-
cisões, onde appaça, em um grão qualquer, a delegação do
poder publico ou o direito de mandar (le droit de commande-
ment) escapam, o só, á competência judiciaria, mas também.
â própria jurisdião contenciosa administrativa. A via de di-
reito não se abre contra o Estado-pocZcr publico; porquanto, in~
siste-se ainda, este o deve discutir com os seus subordinados
sobre os seus direitos eminentes, nem sobre as consequências
dos mesmos direitos...
8i0
Puro regalismo!
o é, todavia, com este rigor, isto é, sob a égide da ir-
responsabilidade, que os factos se passam no domínio da juris-
prudência, mesmo quando praticados pelo Estado-poder publico
t
como em seguida teremos ensejo de verificar.
72b.—A compencia dos tribunaesjudicrios é, em these
r
fácil de estabelecer: a esphera da administração, á diser, do di-
reito publico, lhes é inaccessivel; a que lhes é ppria, é a das
contendas de direito civil, em outros termos, quando se disputar
«uma preterão resultante das relações do direito civil».
Md
Mas
r
como bem observa Otto Mayer, a dificuldade está justamente
em saber,— quando se dão relações exclusivas de direito pu-
blico, e quando se o relações exclusivas de direito civil; por-
que o se trata simplesmente de applicar textos de lei, mas de
bem comprehender a própria natureza da relão judica... *'"
84
c
Von Rõnne, Das Staatsrecht der preussischen Mcnarchie, t. Ill (Bi r
lin, 1883); ap. Laferrière, loc. cit., p. 38-39.
'
Md
Otto Mayer, Le Droit Administratif Allemand, t. 1, § 16, p. 276. —
Paris, 1908.
84
• Loc. cit., p. 277. O autor citado estuda a questão da competência-de
modo satisfactorio; por isso, para elle remetteraos o leitor, que queira, obter
maiores esclarecimentos sobre a mesma questão.
— 405 —
o é, porém, o nosso intuito occupar-nos das differentes
razões, amas históricas, outras de direito vigente, a que cumpre
attender na solução desta questão. Apenas ajuntaremos aqni:
•que, segundo a jurisprudência do Tribunal Federal do Império,
sempre que se suscitarem questões de direito pecuniário, ainda
-mesmo, si para a sua decisão r mister recorrer às regras do
•direito publico, os tribunaes ordinários serão considerados com
petentes. (R. G-. 2 fevereiro 1884)
8
*
f
I
73.—Com relação aos funccionarios, as leis particulares e
a jurispruncia dos Estados sempre os declararam pessoalmente
responsáveis por todo acto ou omissão illegal, erro, negligen-
cia, ou excesso de poder no desempenho dos cargos; e, além
•das penas criminaes ou disciplinares, em que podessem incor-
rer, seriam igualmente obrigados à satisfação do damno cau-
sado a terceiros ou ao Fisco, segundo as circums tancias do caso.
A allegação de ter agido em virtude de ordem superior não
•excusava o funccionario, desde que o seu acto fosse contrario
alei.
85
Presentemente, porém, a matéria se acha regulada por
•disposição expressa do código civil allemão; Le fonction-
tiaire qui, intentionnellement ou par négligence, viole le devoir
profissionnel lui incombant vis-à-vis d'un tiers, doit ré-sparer
eavers celui-ci le dommage cause. Si le fonctionnaire iTest
coupable que de négligence, il ne peut être pris à par-tie que
lorsque le lésé ne peut obtenir reparation d'une autre manière.
Si dans la decision d'un procés, un fonctionnaire viole i-son
devoir profissionnel, il n'est responsable du dommage cause •que
si la violation du devoir est passible d'une peine publique par
voie de procédure criminelle. Oette dispositon ne s'applique j)as
au refus ou au retard illegal de remplir 1'ofíice. L'obliga-
Ht
Otto Mayer, loo. oit., p. 281, nota. A sigla— B. Q. significa
""Rektisgericht".
85
Zorn, DM Staatsrccht, t. I, p. 826-327. Cf. P. Laband, Le Droit
Public de 1'Empire ÀUemand, t. II, § 44 sg, signanter, § 48; Otto Mayer,
4)b. olt., t. I, § 17.
— 406 —
tion de parer le dominage n'a pas lieu lorsque, intentionnel-
lement ou par gligence, le lese a omis d'ecarter le dommage
par une voie legale (art. 839).
85a
1
Na applicação pratica desta disposição é de advertir, a
legislação particular dos Estados pode fazer-lhe modifica-
ções, tornando mesmo o recebimento da acção judiciaria contra o-
funccionario,dependente de decisão preliminar, proferida pelo-
Tribunal Administrativo Superior do Estado (onde o haja), ou
pelo Tribunal Federal do Império. Esta decisão jtreliminar
t
diz se, tem por fim evitar que o funccionario responda por per-
das e damnos, em razão de actos que a Administração, talvez,
reconha letimos e necesrios...
851
" Mas dependente,
não, de decisão preliminar, affirma Windscheid, a acção de in-
demnisação é garantida aos indivíduos contra os funccionario»
(inclusive os juizes, mesmo no caso de sentenças) pelos dam-
nos, que lhes tenham causado por dolo ou grave negligencia
(Arglist oder grobe Nachlãssigkeit) ; e no exame do caso sujeito-
os tribunaes, ao contrario do que succede na Fraa, podem in-
terpretar as regras do direito administrativo para o fim de fazer
delias a applicação conveniente.
85c
«Muito debatida, porém, accrescenta o mesmo autor, tem
sido a questão de saber si, juntamente com o funccionario, deve
também responder o Estado, que o nomeara...»
8C
65 a Vide: Cod. Civ. Allemand, trad. par O. de Meulenaere.Paris,.
1897.
85
* Loening, Lehrbuch des ãeutscJien Vemoaltungsrechts, pag. 785. Cf.
Otto Mayer, ob. cit., 1.1, § 17; Lei dlntroducç&o ao Cod. Civil cit., arte. 11,
e 77-81.
88
• Windscheid, ob. cit., § 470.
86
Loc. cit. Em nota ao texto Windscheid cita: Pfeifer, Zacha-riae, e
Stobbe, como sustentadores da responsabilidade do Estado, e| Loening,
como contrario á mesma; confessando, entretanto, não se poder negar, que
a tendência da pratica preponderante é pela responsabilidade do Estado,
seja primaria, seja apenas subsidiaria...
\
— 407
74.—Na Allemanha, quando se encara o Estado nas suas
relações de natureza civil, dá-se-lhe, como se sabe, o nome de
Fisco; e fora precisamente sob esta denominão, que o moderno
Código Civil Àllemão o considerou pessoa juridica (art. 89),
declarando ser-lbe applicavel, por analogia, a disposição do seu
art. 31, que resa assim: « A associação ê responsável pelo
damno, que a directoria, ou um de seus membros, ou qualquer
outro representante nomeado de accordo com os estatutos, possa
causar a um terceiro no exercicio de suas funcções, por acto il-
licito que obrigue à reparação » (DerVerein ist fur ãen Schen
verantivortlich, ãen der Vorsta, ein Mitglied des Vorstandes,
oder ein anderer verfassungsmassig berufener Vertreter durch
eine in Ausfuhrung der ihm eustelienden Verrichtungen began-
gene, zum Schadensersatze verpflichtende Hanãlung einem DriU
ten zufugt).
Dos termos da disposição transcripta parece indiscutivel o
reconhecimento da responsabilidade civil do Estado pelos actos
illieitos de seus órgãos ou funecionarios. Mas não devemos
omittir que, segundo pretendesse, semelhante responsabilidade
se restringe tão somente aos actos, em que o Estado apparece
como Fisco, tomado este vocábulo na significação limitada, que
acima se lhe deu. Quanto aos demais actos, isto é, os que o
praticados pelos representantes do Estado no exercicio da sua
auetoridade politica ou soberana, sustentasse em contrario,
que o Estado é irresponsável pelos damnos resultantes dos
mesmos...
86
*
86
a
Hie, ns. 45, 46 e 72. Referindo-se à maria da responsa-
bilidade proveniente dos actos illicitos, praticados pelos representantes da
pessoa juridica, disse Windscheid: « A capacidade de agir, artificialmente
attribuida à pessoa juridica, estende-se aos delictos ? Queremos dizer, um
delicto commettido por um representante da pessoa juridica, nesta sua
qualidade e dentro das faculdades da sua [representação, se considera delicto
da pessoa juridica, de modo que as consequências delle recaiam sobre
— 408 —
De facto, a linguagem de vários autores e, mesmo, a de
alguns arestos se mostram insistentes na necessidade de fazer
esta restriáo em favor da administração publica, o que als,
o deixa de ter a sua explicação, assaz conhecida.
74 a.— Moldada nas velhas tradições do direito romano,
que continuou sabidamente a ser o direito commum vigente nos
diversos Estados da Allemanha, a doutrina jurídica, mais geral-
mente acceita, sobre os damnos causados aos indivíduos pelo
a pessoa jurídica ? Esta questão deve ser respondida de modo negativo, no
que se refere & penalidade: repugna ã natureza da pena, que ella seja
applicada a outrem, que não o delinquente. Não se dá porém o mesmo com
o dever de, reparação do damno resultante do delicto. B quando se
considera que a pessoa jurídica, por o de seus representantes, tem a
possibilidade de agir em busca dos seus fins, não se poderá deixar de achar
justo, que ella tome sobre si as consequências prejudiciaes dos actos da sua
representação, do mesmo modo, que recolhe as vantagens resultantes dessa
representação* Outra questão, é a de saber si esta obrigação de justiça é
reconhecida polo direito commum. Pelo que respeita ao direito romano, a
questão não pode ser afflrmada; ella tem, todavia, os exemplos preponde-
rantes da pratica em seu favor. Quanto á personalidade do Fisco, aceres-
oenta o autor, lhe ó, em todo o caso, reconhecida a capacidade de querer...
e por isto a sua responsabilidade deve ser admittida pelas culpas dos seus
representantes (Trib. Sup. de Berlin, 27 setembro 1859) ».— Pandekten, t.
I, § 59.
— Sobre o mesmo propósito também observara Sintenis: o limite da res-
ponsabilidade pelos actos illicitos dos representantes é restrkto á esphera de
acção, que o direito prescreve á pessoajuridica representada.— " Universitas
delinquere potest; attamen tantum eh crimina ipsi qua tali imputari possunt
qua: ad negotia pertinent cum fine suo perpetuo cofuerentia ".Diss. § 16.
Ainda quanto a questão particular de saber si, no direito allemao,
a conectividade (associação) deve, ou não, responder pelas consequências
do deficto, é também de vôr: Gierke, ob. cit., p. 743 sg. Este ultimo autor
pensa que, conforme o direito allemao, é licito sustentar a afflrmativa
ápezar dos esforços dos romanistas em contrario, e que as próprias de-
cisões, que negam essa responsabilidade, a admittem no caso de culpa na
nomeão, ou no caso de commiso especial do representante da conecti-
vidade.— Ob. cit., p. 747-754 sg.
— 409 —
Estado, foi por muito tempo a de que elle só devia ter a obrigação
de indemnisal-os, quando os mesmos resultassem das relações
patrimoniaes do Estado; muito embora seja igualmente certo,
que semelhante doutrina, na pratica, nunca chegou a dominar
de maneira exclusiva, por se mostrar repugnante aos olhos da
própria justiça.
86b
50
b
O professor Otto Mayer, tratando da obrigação .de indemnisar os
damiios dos funccionarios por parte do Estado, faz um resumo da doutrina
preponderante em vista do direito e da jurisprudência, exprimindo-se da
maneira seguinte: A lesão feita ao individuo deve ser indemnisada por
quem a causou. Isto não assenta sobre as regras do direito civil, que regem
a obrigação resultante de um damno illegal (vechtwidrige Schàâigung), por-
que a indemnisação tem logar, mesmo sem dar-se um delioto do represen-
tante ou serventuário do Estado, a dizer, quando o damno ó cansado por acto
de indiscutível legalidade... O pensamento fundamental fder Grundgedanke),
sobre o qual assenta essa indemnisação, é inteiramente independente, e
pertence à esphera do direito publico: "a lesão patrimonial (der Yen/nS*
gensnachteil)" é compensada por causa da injustiça, que ella acarreta ao
lesado...
Bem entendido, o autor trata da lesão, considerada como um sa-
crifício particular (ais ein besonãeres Opfer), que fere a um individuo sem
outra compensação especial, impondo-lhe desigualmente um encargo, que
não recao sobre os demais indivíduos; para, deste modo, excluir todos
os encargos públicos geraes, taes como, impostos, taxas e outras prestações,
ou mesmo, certos constrangimentos pessoaes, como sejam as penalidades,
e as restricções policiaes de toda espécie.
Dando compensação do prejuízo feito, mediante uma somma equiva-
lente em dinheiro, o Estado faz cessar a injustiça; e como elle tira esse
dinheiro da caixa oommum, o damno reparte-se por todos os seus con-
tribuintes, ou em outros termos, a indemnisação é a forma de tornar igual,
um encargo desigual (die Form um eine ungleiche Belastwng in eine gleiche
zu verwandeln). Encarada sob este aspecto, a indemnisação deve ser tida,
como de direito publico. Mas não. basta fundal-a na idéa da justiça, como
se tem feito; é preciso convertel-a em disposições geraes do direito (zu
Mechtssãtzengestaltet tverden). Sem duvida, não o poucas as leis
especiaes (Sondergesetzen) sobre a indemnisão de direito publico (uber
offentlichrechtliche EntscJiãdigung), taes como, as de desapropriações, de
servidões reaes impostas, e outras: isso, porém, não satisfaz às exigências
do instituto jurídico; cumpre fazel-o por uma regra geral, assaz compre-
— 410
o querendo fallar, senão, dos factos mais recentes, nin-
guém ignora que, por occasião dos trabalhos do projecto do
Cod. Civ. Allemão, se manifestou no Congresso Legislativo
uma forte corrente de opini&o no sentido de incluir em artigo
expresso do código o principio da responsabilidade civil do Es-
tado, quer considerado como Fisco, quer na sua qualidade de
hensiva dos diversos casos. Na falta desta, é certo, a theoria e a pratica tem
procedido, como si a mesma existisse, baseando apoio nesta ou na-qnella
disposição do direito civil ou do direito publico. Pondo de parte a questão,
— em virtude de que? {woher?), contentam-se de asseverar, que o Estado
deve, no caso, uma indemnisaçao « segundo os princípios funda-mentaes do
direito », ou « segundo os prineipios incontestáveis do direito. ..» — O
principio, que o Estado deve indemnisaçao pelos sacrifícios particulares,
que impõe, é direito antigo, tendo sido recebido na consciência jurídica e na
pratica do direito, desde que o Estado começou a agir mais vivamente e a
exigir taes sacrifícios com maior frequência. O direito romano não offerecia
exemplo da espécie ; mas, não obstante, formou-se um direito usual
allemão,— a principio para os casos mais graves, como no uso do jm e
minens, e, pouco a pouco, o mesmo se generalisou para os casos diversos. ..
A forma, em que a lesão se mostra (o autor falia da lesão proveniente de
relações do direito publico), é indifferente; assim oomo não é tamb9m
essencial distinguir,— si o acto lesivo fora, ou não, conforme ao direito,—si
fora resultante da vontade, ou apenas casual,— ou si, justamente, devera ter
sido evitado. Basta que, pela relação de causalidade
(Kausalzusanimenhang) a lesão tenha resultado do serviço publico (aus
dem Stoatlichen Unternehmm). B' desnecessário dizer, que, era vez do Es-
tado, também pode ser obrigado a indemnisaçao qualquer outro sujeito da
administração publica, desde que seja um corpo Independente, e bem
assim,aqnelle que, como concessionário, exerça uma parte da administração
publica (Stiicke õjfentlicher Verwaltung): o responsável é aqnelle, a quem
pertence o serviço, que occasionou o damno...
O acto lesivo, para ser indemnisavel, presuppõe que ello affectara uma
cousa ou um direito, adquerido, próprio do individuo, taes como os seus
bens materiaes (Sachguter), a sua integridade corporal, a sua liberdade
pessoal, on outros direitos, prestações, privilégios, concessões, que Ibe
pertençam effectiva e individualmente (ein Opfer kann nur bringen, ver
éticas hat).
O autor trata também dos elementos da avaliação do damno, assim
como do direito de acção, declarando que esta é um direito subjectivo do
411.
poder publico ou soberano. Quando na segunda leitura do pro-
jecto foi adoptado pela commissão o dispositivo, que declarara
a pessoa jurídica (a associação) responvel do damno causado
pela sua directoria ou outro representante delia, foi na mesma
occasião apresentada uma emenda, segundo a qual, as pessoas do
direito publico, notadamente o Estado e as communas, ficavam
lesado; e passando a referir-se aos limites postos ao uso desse direito,
prosegiie: «Alei pôde excluir dado caso de indenraisação, desde çme assim
o declare nas suas disposições; ainda que pareça, que os individuos, que
ella attinge, soffrem com isso um encargo desigual. O que, alias, o des-
tróe o principio estabelecido, de que os encargos legaes (Belastung durch
Rechtssatz) devem, deste ou daquelle modo , manter a igualdade.
t Quanto à obrigação de indemnisar, quando o Estado age nas re-
lações de ordem patrimonial, elle deve responder, como qualquer outro
sujeito, segundo as regras do direito civil; mas não é desta espécie de res-
ponsabilidade, que ora se trata, e sim daquella, em que o Estado incorre
fora do terreno desse direito.
« São numerosas as tentativas, feitas em todos os tempos, para funda-
mentar a responsabilidade do Estado, dada a illegalidade (die RechtsuÂdrig-
keit) de um acto do mesmo (o autor cita algumas das theorias recommen-
dadas); se tendo aventado construcções maravilhosas para darem um teci-
do jurídico â essa obrigação, e servirem de ponte ao abysmo, que ha, entro
a idéa — Estado e a illegalidade.
« Mas, por outro lado, as cortes jamais cessaram de declarar o Estado
responsável, em geral, pelos delictos dos seus funccionarios, invocando
para os casos os princípios do direito civil, mesmo quando se tratava de
actos da administração publica e do exercício de direitos soberanos. E exa-
minando-se mais de perto, se verifica que quasi sempre as cortes procede-
ram realmente com justiça, embora presas de equivoco, fazendo applicaçao
das regras do delicio ex-vi do direito privado, ao conhecerem de indemni-
sações de direito publico... A impressão, que se tem, é, que não ha um
principio firmado (kein festes Princip) sobre a responsabilidade do Estado,
resultante do acto Ulegal do funocionario; por isto precisamos ser claro a
esse respeito:
«) Em regra, é indifferente (glefchgiiltig) a demonstração da illegali-
dade no caso de indenraisação de direito publico; esta tem lugar, desde que
se imponha um sacrifício ao particular sob qualquer forma de direito. Ella
também seda, quando o sacrifício resulta da actividade da administração pu-
blica, involuntariamente, sem distinguir, si houve ou não, uma illegalidade.
— 412 —
igualmente sujeitas á intica responsabilidade, mesmo,
quando o seu funccionario ou representante se achasse reves-
tido das fnneções de poder publico (ôffentlichen Geivalt); e os
seus sustentadores procuraram demonstrar, que o conteúdo da
emenda, alem de caber ao domínio do direito privado, devia ser
admettido, como um preceito de justiça (dass die Fr age ais eine
b) Nas circuoistancias, a existência da illegalidade pôde, entretanto,
exoluir a indemnisaçao, nina vez que esta é devida pelo damno causado
ao individuo pela administração. Si a illegalidade do funccionario é de tal
ordem, que o involve uma falta da administração (Fehlgehen), mas um
abuso da opportunidade (einen Missbrawh der Qelegenheit), que o cargo
proporciona, a responsabilidade caberá toda ao funccionario somente.
c) Casos ha, em que a illegalidade e juntamente a culpa se tornam con-
dição da indemnisaçao de direito publico, por exemplo: quando navios se
abalroam,— quando carretas da artilharia passam sobre um individuo,
ou quando se um desastre em obras da viação publica, é preciso averi-
guar quem se devia afastar e prestar attenção. Quem agiu illegalmente, é
que causou o damno ; e da causalidade depende a obrigação de indemnisa-
çao de direito publico. Além disto, haverá um sacrifício, resultante de
damno feito pela administração, si este fôr injusto (ungerecht) e não, quando
suoceder ao interossado o que lhe devia sueceder.— Taes são os casos de
detenções, ou mesmo de offensa corporal no intuito de obstar a perpe-
tração de deliotos, a confiscação de contrabandos, a destruição de géneros
alimentícios falsificados, e a demolição de construcoóes, que prejudicam a
viação publica. Si a medida, porém, não devia ter lugar, déra-se uma
illegalidade, e a indemnisaçao é devida: não, porque houvesse uma falta do
funccionario, pela qual o Estado responde... mas porque a illegalidade
objectiva deixa ver no damno nm sacrifício injusto e particular (sondem
wegen der objectiven Rechtsicidrigkeit, welche die Schãdigung, ah eine unge-
rechte, ais ein besonderes Opfer, erscheinen làsst) ».
Entre os damnos, que não dão direito á indemnisaçao, estão, no
entender de Otto Mayer, os da justiça e da guerra (die, Justizschaden und
die Kriegsschaden). Quanto a o indemnisaçao dos primeiros, diz, que ó o
direito vigente, ainda que haja um certo optimismo no modo de considerar
as cortes de justiça, a dizer, como si ellas fossem impeccaveis. Quanto aos
damnos da guerra, o de considerar taes, os que as tropas occasionam
no campo da luta ou nas suas dependências immediatas. o se trata de
sacrifício exigido pelo serviço publico, mas de caso de força maior (Natur-
getvalt).— Otto Mayer, Deutschcs Vencaltvngsrecht, §§ 53*54.
- 413 —
Frage des Privatreehts aufzufassen sei,... dass ihre Bejahung
ais einOehot derQerhtigkeit erseheine). Na votão da emenda
porem, deu-se o empate de oito votos contra oito, e o presidente
da commissão decidia contra a suaacceitação.
860
I
Depois, ao tratar se das disposições relativas à responsa-
bilidade pessoal dos fuuccionarios, foi novamente levantada a
questão da responsabilidade civil do Estado e da communa, a
qual, segundo nns, devia ser estabelecida de maneira solidaria,
e segando outros, apenas subsidiaria, relativamente aos damnos
causados à terceiros com a fancção publica.
864
Finalmente, na
discussão do projecto no Congresso Legislativo, a mesma queso
fora, ainda uma vez, objecto da mais calorosa discussão, como,
aliás, não podia deixar de ser, em vista da importância da
matéria, já dos oradores que com tanta competência se fizeram
ouvir, batendo-se pela necessidade de sua adopção.
Triumpliou o principio, de que a responsabilidade do Es-
tado-poder publico não devia ser incluída entre as regras do di-
reito privado-, mas, de tudo quanto se de apurar da discussão,
assim se resolvera,— não, porque o Estado devesse ser consi-
derado irresponsável nesta qualidade, mas principalmente, por
estas duas razões: primeira, que não se podia apreciar a res-
ponsabilidade alludida sem conhecer da questão connexa do
dever profissional do funccionario publico, matéria do dominio
do direito publico *, segunda, que o conhecimento desta ultima
questão, pertencendo particularmente á competência das auto-
ridades dos Estados-federados, devia, consequentemente, conti-
nuar a ser objecto da legislação dos mesmos, e o, regida por
uma disposição commum do direito federal. Em vista destas e
outras ponderações de natureza análoga é,que foram adoptados
86 o "PROTOKOLLE" der Kommission fiir ãie ziueite Lesung des Entwwfs\ des
Burgerlichen Gesetzbuchs, 1.1, p. 607 sg.~ Berlin, 1897.
M
*0b. oit., t. II,p.
663 sg.
— 414 —
os dispositivos constantes dos arts. 89 e 839 do Cod. Civil e os
dos arts. 77-80 da sua lei de introduccão; mas o, de forma
alguma, porque â conscncia jurídica do legislador houvesse
parecido, menos legitimo ou menos procedente, o principio da
responsabilidade geral do Estado.
868
74 b.— De resto, esse modo de vêr com relação aos dispo-
sitivos do Código Civil coincide com a doutrina corrente acerca
das duas jurisdicçõesdistinctas, a das auctoridades ou tribunaes
administrativos, e a dos tribunaes judiciários, segundo a qual,
o que realmente se pretende, é firmar a regra, de que o Estado,
fora das suas relações patrimoniaes (Fisco), não pode ser su-
jeito ás disposões do direito privado e aos tribunaes que appli-
cam este direito; mas o, que o mesmo seja sempre ou absolu-
tamente irresponsável pelas lees feitas ao direito individual.
Ao contrario, resulta da lição dos factos, que, mesmo em se tra-
tando de actos de poder publico ou de governo, casos se dão,
em que a obrigação de indemnisar o damno feito é no todo reco-
nhecida, em virtude de leis especiaes, já em nome dos prin-
cípios geraes da justiça; o faltando até quem entenda, que
aos actos do Estado se deve applicar, sem distincção, os dispo-
sitivos dos artigos 831 e 832 do Código Civil, relativos á res-
ponsabilidade proveniente dos factos de outrem.
Além disto, tendo o digo Civil, nos arts. 77-81 da Lei
de Introduccão, respeitado a legislação particular dos Estados e
das Communas sobre a responsabilidade civil, proveniente de
sóe Ob. cit., 1.1, p. 610-611. Cf. Saleilles, Théot Oen. de VobVga-
tion, p. 399.— Paris, 1901. Este autor, depois de haver analysado o pen-
samento do proj. do digo Civil Allemão sobre o ponto em questão, ao
referir-se â responsabilidade pelos factos de soberania, disse: "nonpas que
les motifs ptendent exclure la responsabilité de VEtat pour ces derniers, mais
ih clarent n'avoir pcts à s'en oecuper et laisser la question au domaine ãu
droit piiblic."—Loc. cit., e mais: p. 424-427, nota»
— 415 —
damnos causados por seus funccionarios, não se ignora que em
diversos Estados foram, em consequência, adoptadas leis espe-ciaes
sobre a matéria, e em algumas delias, reconhecida positivamente a
responsabilidade doEstado pelos damnos referidos.
86
'
§ 2.° CASOS E DECISÕES
75. —ACTOS LEGAES OU ISENTOS DE COLPA. Conforme ao
principio, de que os actos de poder são insusceptíveis de res-
ponsabilidade por parte da Administração, se pretende, que gósam
desta isenção, não as leis, mas também os actos de governo,
propriamente taes, e as decisões judiciarias.
87
Mas, isto não
obstante, e a despeito da legalidade incontestável do acto
administrativo,— desde que, em consequência delle, se dér
effectivamente a lesão de um direito individual, apreciável
pecuniariamente, e a lei não haja expressamente disposto em
contrario, os tribunaes tem decidido, que, tanto a Communa, como
o Estado, podem ser declarados civilmente responsáveis pelo
damno resultante; visto não ser justo, que o individuo soffra sem
reparação um sacrifício, proveniente da Administração, a qual
assim o faz, alias, no interesse commum de todos
86f
Vide: Otto Mayer, Le Droit Administratif AUemand, t. I, § 17
p. 314.— Os Estados que adoptaram nova legislação neste sentido são -.
Bade, Baviera, Hesse, Wttrttemberg, e rios outros menores.Cf. Boulen,
De la responsàbili enven les partieuliers ães fonctionnaires administratif8,
p. 348-355.—Rennes, 1902.
Também por uma recente lei federal do Império (14 Julho (1004)
acaba de ser assegurado o direito de indemnisação aos individuos injusta-
mente presos. No "Jornal do Commercio " do Rio de Janeiro, de 21 e 30
maio 1904 se encontra breve noticia a respeito dos fundamentos da nova
lei alleman.
87
Vide: Loening, ob. cit.; Piloty, ob. cit. Bic, ns. 45 e 46. Seria de
vêr no mesmo sentido uma decisão do "Tribunal Federal do Império
Allemão", de 21 dezembro 1886.
jlj
— 416 —
(C. Sup. App. Darmstadt, 6 outubro 1848; C. Sup. App. Weis-
baden, 9 mao 1850, 10 outubro 1862 ; C. Sup. App. Lubeck,
31 dezembro 1847; C. Sup. App. Iena, 21 novembro 1850;
C. Sup. Wolfenbuttel, 6 março e 17 novembro 1874; C. Sup.
App. Rostock, 12 junho 1865 ; Trib. Fed. do Imp. 16 dezem-
bro 1885).
87a
87a
Apud Gierke, ob. cit., p. 808.—Segundo este autor, acollectivi-
dade está sujeita a prestar a indemnisação devida pelos seus actos culposos,
nos termos do direito privado, do mesmo modo, que a pessoa individual;
sendo de incluir nesta regra geral, tanto o Estado, como a Communa. Pelo
que respeita ás infracções de natureza contraetiial, esta regra prevalece de
maneira indiscutível (O. G. Wolfenbuttel 17 setembro 1867, e 28 dezembro
1868 ; R. G. 9 maio, 3 novembro, e 12 dezembro 1882); entendendo-se que,
nesta hypothese, se trata de responsabilidade por culpa própria, sem pre-
cisar recorrer aos princípios que regem a responsabilidade dos actos na
representação (R. G. 7 junho 1871, e 5 maio 1880). B não é licito allegar,
como escusa, que na espécie se tratara, porventura, do exercício de direitos
soberanos (R. G. 3 novembro 1882; O. A. G. Dresden 26 julho 1851, e 27
março 1863; O. A. G. Cassei 5 julho 1847; O. A. G. Berlin 30 março 1871;
O. G. Wolfenbuttel 23 junho 1865, etc.,etc.)—Loc. cit. p. 784-787.
Quanto, porém, aos damnos ou culpas commettidas em actos extra-
contractiiaes, Gierke confessa que ha divergências, tanto na matéria de
princípios,, como nos exemplos da pratica (loc. cit., p. 788); mas que, isso
não obstante, a responsabilidade tem sido admittida pela jurisprudência, não
só, quando se trata de factos que tragam um lacro ao Estado, ou daquelles-
que elle pratica nas suas relações de proprietário ou industrial, como tam-
bém, de actos, nos quaes o mesmo apparoce como poder publico, "desde
que os damnos sejam causados pelos seus órgãos no uso das suas attri-
buições ". Wir werden namenilich auch ãen Staat, ãen Gemeinden und
allen anderen õffentlichrechtlichen Kõrperschaften eme privatrechtliche Er-
satzverbindlichkeit fur Schaden aufzubiirden hàben, ãen ihre Organe inner-
hálb ihrer Wvrktmgssphãre durch schuldhafte Vertvendung oder Nichtvertcen»
dung Õffentlicher Machtmittel anrichten (loc. cit., p. 794). Nesta con-
formidade a praxe commum (die gemeinrecktliche Fraxls) tem garantido
aos lesados por culpas dos órgãos públicos a acção aquiliana contra o Es-
tado e as Communas, tenham os indivíduos sido offendidos na sua integri-
dade ou liberdade pessoal, ou no seu direito de posse e propriedade (mag
nun dabei der Einzelne durch e.nen Eingriff in die Integritãt oder Freiheit
der Personlichkeit, oder durch Entziehung oder Zerstorung von Sachen).—
H — 417 —
Não é assaz numerosa nem completa a resenha dos casos
particulares, de que podemos fazer menção no momento; mas,
dos que se offerecem em seguida, se poderá, com certeza, ajui-
sar da doutrina corrente na Allemanha a respeito da matéria.
I 75 a.— A desapropriação, ainda que seja um acto de sobe-
rania (jus eminens, dominium eminens), não poderá ser feita,
senão, guardadas as formas legaes,— Enteignung findet nur
nach Massgabe des G-esetzes statt, e dando-se realmente uma
razão verdadeira de utilidade ou necessidade publica.
87
b
Logi-
camente, se devia fazer primeiro a desapropriação, porque delia
é que resultaria a obrigação de indemnisar, como consequên-
cia; mas, para evitar delongas, que o desapropriante, uma vez
na posse da cousa, podia occasionar, a regra é: que a indemni-
sação seja prestada primeiro, como condição da própria validade
da desaproprião (die vorgãngige EntschMigungsleistung wirci
BEDINGUNG der Gultigkeit des Enteignungsausspruches).
n
"
a) A obrigação de indemnisar a cousa desapropriada é um
principio geral do direito: Der Mann, ãem durch die Enteig-
nung das Opfer seines Eigentums oder sonstigen liechts an der
8ache auferlegt wird, erlangt eben dadurch den Anspruch auf
Ausgleichung dieses Opfers in ld; podendo o desapropriado
fazer valer o seu direito contra aquelle, a quem a desapropria-
ção aproveita, seja o Estado, seja a Communa, seja um conces-
sionário, revestido do direito de desapropriar.
87#l
Loc. cit., p. 797-799, e notas.Gierke cita decisões confirmativas das suas
asserções, das quaes fazemos a devida menção nos casos particulares, que
o leitor encontrará no texto.
87
b
Otto Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht, t. II, § 33.Leipzig,
1896.
870
Loc. cit., p. 44.
87
* Ibidem, p. 43 sg.
37 R. C.
I
— 418 —
No valor da indemnisação da cousa desapropriada deve
também entrar o do caminho perdido que dava accesso a parte
não desapropriada do prédio, e de que resultara a necessidade de
fazer um arrodeio para se poder chegar ao mesmo (R. G. 17
junho 1884).
Entende-se, entretanto, que a collocação de caixas do cor-
reio, de lampiões de illuminação das ruas, de postes telephoni-
cos e telegraphicos, e de taboletas de nomes e numeração das
ruas, e cousas semelhantes, são delimitações do direito de pro-
priedade, que se justificam como medidas de policia e necessi-
dades publicas, e por isso o proprietário não tem o direito de
acção contra ellas. Taes limitações são essencialmente condi-
cionaes do próprio direito de propriedade em face da adminis-
tração. Com tudo, não se deve concluir, que o proprietário fica
sempre privado dos meios legaes de oppor-lhes resistência e de
exigir indemnisação; porquanto elle o poderá fazer, toda vez que
se dér excesso nos actos da administração, ou uma lesão
particular caracterisada da sua propriedade.
87
' Dada esta hy-
pothese, ou outras semelhantes, se poderá cogitar de indemni-
sação, comtanto que se trate realmente da lesão de um direito
adquirido e de que se esteja no goso, como tal, "Verletzung eines
bestéhenden rechtlichen Zustandes" (R. G. 28 maio 1880)
87f
6) As servidões publicas impostas á propriedade, em regra,
dão direito â indemnisação; mas não se deve confundir as me-
didas temporárias de policia com as servidões propriamente
ditas.
870
Bem assim, o é caso de indemnisação o facto de um
87
e
Otto Mayer, loc. cit., p. 185 e notas ibi.
8" No caso da decisão citada no .texto, se tratava de um dique feito
era um rio, e de que resultou ficar a propriedade visinha privada de inun-
daçÕe8 fertilisaãoras das suas terras. A indemnisação foi negada, por não
haver um direito adquirido. Otto Mayer, loc. cit., p. 354.
87g otto Mayer, loc. cit., p. 171, nota^/.e p. 175 sg. notas 14 e 15.
— 419 —
funccionario fiscal ou policial penetrar na propriedade alheia,
em perseguição de um contraventor ou criminoso (O. Tr. 1 de-
zembro 1875 ; O. V. G. 28 novembro 1885).
87h
c) O direito de propriedade não pode ser opposto ao exer-
cio de uma Unha de tiros sob o fundamento de encommodos
causados por estes; mas o lesado tem direito á indemnisação
<R. G. 24 setembro 1889).
d) O proprietário não se pode oppor ã construcção de uma
estrada de ferro sob o fundamento, de que damnifica a sua pro-
priedade por fagulhas ou pela trepidação ; pode, porém, exigir
indemnisação por taes damnos (R. G. 20 setembro 1882).
e) A obra publica da construcção de uma ponte, da qual
resultou a perda de freguezia para a exploração privilegiada de
uma barca existente, não direito á indemnisação (O. Tr. 25
setembro 1856).
f) Os indivíduos, que edificam numa rua publica, adque-
rem uma servidão tacita na mesma (O. Tr. 10 abril 1866, e 27
abril 1869; R. G. 7 março 1882 e 13 fevereiro 1883); e ainda
mesmo contestando-se, que o direito dos proprietários tenha
este caracter de servidão, se tem admittido que a mudança ou
alteração da rua, que prejudique ao proprietário de maneira
particular, dará logar à indemnisação. Não se pode negar que a
rua constituo um dos elementos de valor do prédio; dahi o fun-
damento para indemnisação (C. C. H. 13 outubro 1866; R. G.
16 novembro 1880).
87hh
I
g) Pelos damnos da guerra, causados pelo inimigo ou pelo
exercito nacional, não responde o Estado; trata-se, entretanto,
dos actos da guerra propriamente, e não, dos actos preparatórios
87
h
A sigla — O. Tr. quer dizer: Tribunal Superior de (Berlin) ;I
O. V. G. significa: Tribunal Administrativo Superior.
87 nii A sigla—C. G. H. quer dizer: Tribunal dos Confliotos da Pssia-
Vide: Otto Mayer, loc. oit., t. II, p. 135-136.
— 420 —
delia. Aos damnos de uma luta ou uma sedição intestina se applica a
mesma regra (O. A. G. Dresden, 18 maio 1852).
871
h) Uma ordem de policia negando licença para construir,, no
intuito de deixar um monumento á vista livre do publico, dá. direito á
indemnisação (O. Tr. 28 outubro 1869).
i) Não é caso de indemnisação a ordem de policia impondo ao
fabricante de pólvora a obrigação de fazer um tapagem, que isole o
moinho da estrada publica (R. G. 12 novembro 1887).
;') O direito de propriedade não pôde ir até o ponto de prejudicar
aos interesses do bem commum; por isso não ha direito á
indemnisação contra uma medida policial, que não impõe encargos,
e apenas, priva a continuação de um perigo (O. V. G. 5 dezembro
1881).
87j
h) Nenhuma indemnisação é devida pela simples execução da
prohibição legal de cemitérios communaes dentro da cidade (O. Tr.
19 junho 1863).
76.—ACTOS ILLICITOS EM GERAL.—A obrigação de prestar
indemnisação pelos actos illicitos prevalece contra o Estado até-a
demonstração de uma excepção legal, do mesmo modo, que se dá
com os damnos provenientes das culpas individuaes. Tra-tando-se de
infracções contractuaes, este principio é, como já.
871
A sigla O. A. G. quer dizer r Corte Superior de AppellaçSo de
Dresden; apud Otto Mayer, loc. cit., p. 359.A lei federal de 18 junho de
1873 [Ge-setz iiber die Kriegsleistungen) regulara de modo completo as varias
espécies de fornecimentos, que as forças militares podem requisitar, e bem
assim, o modo de fixar o valor pecuniário das respectivas indemnisações.
A lei de 13 de fevereiro de 1875 regulou igualmente as prestações in na-
tura, feitas ao exercito em tempo de paz, as qnaes deverão ser indemni-
sadas pelos fundos do orçamento militar (lei cit., art. 9
o
).
37j Na espécie se tratava da prohibição de fogões com válvula,
(Ofenklappen) declarados perigosos a saúde, etc. Os proprietários, que os-
tinham nas suas casas, pediram indemnisação, mas foram julgados care-
cedores desse direito.
l
«3
— 421 —
se disse, tido por indiscutível. E não só as diversas cortes
«estadoaes de justiça, mas tamm o Tribunal Federal do Im-
pério em particular, assim o tem reconhecido, ou se trate
propriamente do Estado, ou das demais corporações publicas.
<C. Súp. Wolfenbuttel 17 setembro 1867, e 28 dezembro 1868;
<J. Sup. App. Celle 20 abril 1855.; Trib. Federal do Imp. 5
maio 1880, 9 maio, 3 novembro, 12 e 30 dezembro 1882). |**
Nestes casos, disse o Tribunal, a obrigação de responder pela
culpa do representante rgão ou auxiliar) é, como si se tratasse
de culpa própria" (Trib. Federal do Imp. 3 novembro 1882;
Trib. Fed. Sup. do Com. 18 junho 1872).Conseguintemente, o
Estado e as Communas, desde que contratam, entrando na es-
phera do direito privado, ficam responsáveis pelas obrigações
resultantes, mesmo quando se mostrem no exercicio de poder
publico (ihrer Hoheitsrechte).*
1
* E' igualmente por isso, que,
considerada a concessão, como um contracto, a sua revogação
direito ã indemnisação, a menos que essa revogação esteja
prevista na lei ou em clausula do respectivo acto.
87
'
Fundamentando a responsabilidade pelos actos illicitos
nas relações contractuaes disse uma corte de justiça: « O Fisco,
sendo apenas uma pessoa fictícia (nur fingirte PersònlichJceit),
não de agir por si mesmo; e como de exprimir a vontade
própria por meio das acções e omissões do seu representante,
elle se torna responsável pela conducta deste nas suas relações
contractuaes. E uma vez admittido este fundamento, cuja pro-
87
k
Vide: Gierke, loo. oit., p. 786 sg. e notas ibi. Cf. Loening, loc.
cit., p. 58 sgs.
A questão da responsabilidade do Estado pelos depósitos em poder de
íunccionarios públicos foi outr'ora assaz debatida; mas, afinal a doutrina
que prevaleceu, foi a da sua responsabilidade, reconhecendo-se no facto -
do deposito uma verdadeira obrigação contractual. Gierke, loc. cit.,
4>. 787 e decisões ibi.
871
Otto Mayer, ob. cit., § 89, p. 159.
— 422 —
cedência é indiscutível, razão não ha para negar a responsabi-
lidade do Fisco, sob a allegação de que não se trata de obri-
gações contrahidas livremente, mas à elle impostas pela lei: si a
ficção possibilita â pessoa jurídica do Fisco a acquisição e o
exercido de direitos, ella deve ter igual effeíto com relação às
responsabilidades provenientes.» (Trib. Federal Sup. do Com-
mercio 10 dezembro 1872).
87m
76 a.— No que respeita aos actos extra-contractuaes, não
obstante subsistir a controvérsia e a discordância das decisões
r
é,
todavia, certo, que os melhores autores são os primeiros a
confessar, que a tendência moderna é toda pela admissão da
responsabilidade (hic, p 406, nota
8fl
,
80
* e
86
b
).
Mas a jurisprudência alleman, dependendo nesta parte da
legislação particular dos diversos Estados-federados, sem em-
bargo de haver agora um Código Civil obrigatório para todos
elles, não pôde offerecer-nos uma regra geral ou doutrina uni-
forme sobre tão importante matéria.
Ha Estados, cujas leis estabelecem em principio a res-
ponsabilidade civil do Estado,
87
" assim como o faltam tribu-
naes que, na maioria das suas decisões, a tem admittido, como
uma necessidade indeclinável de justiça. Outros tribunaes,
porém, tem recusado admittir a responsabilidade, como regra
geral, muito embora lhe hajam dado a sua sancção em nume-
rosos casos particulares.
870
87m
Apnd Giorke, ob. cit., p. 755 e decisões ibi.
87 n Entre os Estados, cuja legislação consagra o principio da res-
ponsabilidade civil, são ainda de citar: Sachsen-Coburg-Gotha, Sachsen-
Altenborg, Cidade de Hamburgo, Schwarzburg-Sondershausen, Meklenburg-
Schwerin.— Vide: Loening, loc. cit., p. 110-113; Klewitz, ob. cit., p. 82,
sg. Hic, p. 415, nota
88f
.
87
° Na matéria de depósitos, bem como, nos casos de culpas commet-
tidas no serviço das hypothecas, a obrigação de indemnisar está geralmente
consagrada pelas diversas legislações e pela jurisprudência. Klewitz,
loc. cit.
I K
— 423 —
Com effeito, muitas cortes judiciarias, rompendo com o
dogma romanista da incapacidade do ente collectivo para que-
rer e agir, tem affirmado ao envez, que o mesmo ê até capaz
de delinquir (deren Delihtsfãhigkeit im Prmcip bejaht)...
Mas, sem pretender levar o longe o principio da responsa
bilidade, se tem por assentado em boa doutrina: que, si é ver -
dadeira a proposição,— que a pessoa jurídica é incapaz de de
licto, d'ahi não se segue, que ella não deva responder pecunia
riamente (vermogensrechtliehe) pelas consequências do delicto
dos seus órgãos ou representantes; porque com as vantagens
da representação devem ir juntamente as desvantagens prove
nientes (Corte Sup. App. de Celle 15nov. 1878).
Kp
Mesmo se
tratando de actos de poder publico (Hoheitsrechte) as cortes ju
diciarias tem declarado o Fisco, responsável pela indemnisação
do damno ex-ãélicio (C. de App. Colmar 9 janeiro 1888; R. G.
21 dezembro 1886); podendo a respectiva acção ser proposta
e decidida contra o Estado segundo os princípios do direito
commum (R. Gr. 13 janeiro 1883).
87
q
I
Do mesmo modo, desde que tenha havido culpa na no-
meação ou fiscalisação do funccionario, a responsabilidade do
Estado tem sido geralmente reconhecida. (Tribunal Superior da
Prússia 21 junho 1847, 9 outubro 1863, 3 fevereiro e 24 novem-
bro 1864; C. Sup. App. Celle 16 fevereiro 1827, 19 abril 1861,
14 fevereiro 1879; C. Sup. Wolfenbuttel 23 junho 1865 Trib.
Fed. do Império 1 e 13 abril 1880, 8 abril 1884; C- Sup. App.
Iena 5 outubro 1877).^
A Corte Sup. de Appellão de Iena accentuâra numa das
suas decisões (de 1836): "O Estado é um Organismo, no qual
as autoridades ou funccionarios apparecem, como membros ou
87
P Apud Gierke, ob. cit., p. 751 e nota ibi.
87
1 Vide: Otto Mayer, loe. oit., p. 360.
87
r
Cf. Gierke, loo. cit., p. 753- 54 e 760, e notas ibi.
\
— 424 —
instrumentos do Estado; portanto, elle tem de responder pela
actividade destes em qualquer hypothese, como sua". E ao seu
turno, disse a C. Sup. App. de Munich (8 julho 1851) : "Como o
Estado, por seus órgãos, e por estes somente, apparece em
funcção, segue-se, que nas culpas dos funccionarios, agindo
como taes, é elle o próprio agente lesivo do alheio direito".O
Fisco é responsável, como pessoa capaz de vontade, declarara
igualmente o Tribunal Superior da Prússia (Decisão 27 setembro
1859).
87s
Ha também decisões em contrario, não se nega, poucas,
aliás, fundadas na incapacidade da pessoa jurídica para com-
metter um delicto (Deliktsunfãhigkeit); verifica-se, porém, que
as cortes judiciarias, que assim tem julgado, não deixaram com
tudo de reconhecer e firmar,—que em dados limites, os actos
illicitos dos representantes devem ser, do mesmo modo que os
lícitos, considerados juridicamente, como actos da própria
pessoa jurídica, por haver nisto um verdadeiro postulado da
justiça.
Segundo o prof. Gierke, a doutrina da responsabilidade do
Estado ou de qualquer outra associação, pelos actos illicitos ou
Ulegaes, tem vencido justamente pela força da idéa verdadeira
(weil sich die richtige Auffassung Bahn brach), de que os func-
cionarios, em quanto agem neste caracter, manifestam juridi-
camente a vontade e a acção da pessoa collectiva.. .
87t
E' intui-
tivo, insiste elle, que a ordem jurídica (die Bechtsordnung) não
pode attribuir a um ser collectivo ou a um individuo certos de-
veres sem a possibilidade da violação dos mesmos, nem certos
direitos sem a possibilidade do abuso destes... Donde segue-se
presumptivamente, que é a pessoa collectiva, quem commette as
87
* Ibidem.
87
* Gierke, loo. elt., p. 755-758.
— 425 —
próprias acções ou omissões culposas, que o seu órgão legitimo,
como tal, commetter dentro da esphera da sua competência.
8711
76 b.—Agora, para se poder melhor ajuizar da matéria,
cumpre saber, que a responsabilidade civil, quer das Conimu-nas,
quer do Estado, tem sido ainda affirmada, além de muitas outras
espécies, nos casos abaixo mencionados:
a) Por negligencia das obrigações, que lhes incumbem, como
proprietários (Trib. JTed. Sup. do Com. 10 dezembro 1872). Na
espécie se tratava da morte de um individuo, occasionada pela falta
da devida guarda de um fosso pertencente ao Fisco. Do mesmo
modo, foi condemnada uma communa urbana à prestação de
damnos, por se ter dado a introducção de quidos fétidos em um
aqueducto (pertencente à Communa), que servia às suas
necessidades e ás dos moradores,—visto não se ter empregado a
precisa fiscalisação ou as providencias adequadas para o desvio do
mal (Trib. Fed. do Imp. 13 abril 1880). Igualmente foi condemnada
uma outra communa urbana a prestar indemni-sação, por não
conservar um canal de sua propriedade em estado conveniente aos
seus fins (Trib. cit. 2 maio 1881).
87
u
Ibidem, p. 761. Giorke cita numerosas decisões das varias cortes
allemaes neste sentido; observando a propósito, que, si o Trib. Federal
do Império pretendesse fazer cessar a pratica dominante, ver-se-hia na
necessidade de rejeitar a idéa de responsabilidade da pessoa jurídica por
todo acto de culpa, imputável á mesma. ~Loc. cit., p. 762. Ha, no en-
tanto, decisões do referido Tribunal, declarando que os actos do represen-
tante da pessoa jurídica devem ser considerados, como delia própria.— «
Die amtlichen Vertreter sina mit der juristischen Person, insofern es auf
den WUlen ankommt, rechtlich zu identifizieren, denn was sie innerhalb ães
ihnen zugeiciesenen Amtskreis ais Vertreter desselben und in ihrem Natnen vor-
nehmen, ist so aufzufassen, ALS WAEEE ES VON DER DURCH SIE REPRAESEN*
TIRTEN JURISTISCHEN PERSOM SELBST VORGENOMMEN WORDEN » (Decisões de 17
junho 1887 e 15 outubro 1888). Apud A. Klewitz, ob. cit., p. 91, notas.
— 426 —
b) Pela construcção ou conservação defeituosa de caminhos,
pontes, portos, etc. (Trib. Sup. Berlin 21 janeiro 1847,14 julho
1859,18 março 1867, 1 julho 1869; Trib. Fed. cit. 6 novembro
1879,4 abril e 16 dezembro 1882; C. Sup. App. Lttbeck 18 feve-
reiro 1871; C. C. H. 5 junho 1852, e 13 agosto 1873, etc.).
c) Pela falta de devido cuidado nas construcções de obras
em geral (O. Sup. App. Munich 28 março 1851; C. Sup. Ãpp.
Darmstadt 26 abril 1846; C. Sup. App. Wiesbaden 18 março
1853; Trib. Sup. Berlin 27 setembro 1859 e 6 julho 1874; C. App.
Celle 14 fevereiro 1879; Trib. Federal do Imp. 1 abril 1880, e 12
dezembro 1882, etc).
I d) Pela inobservância das regras sobre a conservação e se-
gurança das vias publicas, (R. Gr. 4 abril 1882).
87
v
e) Pelos actos de direão inconveniente (clurch ungeeignete
Einrichtung), como empresários de estradas de ferro e de outras
explorações industriaes, susceptíveis de perigos, e por não
serem tomadas as precauções necessárias no sentido de evitar
taes perigos (Trib. Sup. Berlin 13 dezembro 1869; C. Sup. App.
Munich 11 maio 1853, 16 abril 1861,11 dezembro 1877; C. Sup.
App. Celle 19 abril 1861; Trib. Fed. do Com. 17 dezembro
1873, etc.).
f) Por violências contra a liberdade pessoal e o livre exer-
cício de industrias (C. Sup. Wolfenbuttel 30 junho 1871; Trib.
Sup. Berlin 2 outubro 1877; Trib. Federal do Império 15 junho
1881).
I g) Por embargo ou apprehensão de bens, feitos contra as
disposições da lei (C. Sup. A. Oldenburg 1860 ; C. Sup. App.
Wolfenbiittel 4 fevereiro 1845; Trib. Federal cit. 10 junho 1881).
87
v
Na espécie se tratava de um individuo, que fracturara uma perna
por ter cahido á noite numa valia, aberta na estrada para dar escoamento
as aguas. Na decisão se teve era consideração o disposto no art. 1386 do
cod. civil francez.
— 427 —
h) Pela omissão de deveres, que o direito publico impõe
administração publica (negação de justiça, falta de segurança em
dadas circumstancias, recusa de despachos necessários para
garantir ou manter os direitos individuaes, etc.)
87x
i) Pelos damnos provenientes de perturbações da ordem
publica, quando taes perturbações se derem por negligencia do
respectivo funccionario incumbido de manter a segurança publica
(C. App. Cassei 24 março 1847, e 2 agosto 1849).
j) Por culpa na nomeação de funccionario incapaz, ou por falta
da devida íiscalisação sobre o mesmo (Decisões da C. App. Cellede
1823 e 1826).
87y
Jc) Pelas detenções illegaes ou prisões prolongadas sem justa
causa. A regra em matéria policial é : " fur polizeiliche Anordnung
urird nicht entschãdigt" ; mas, isto não obstante, a lei geral, assim
como leis particulares, garantem ao lesado a acção de damnos nas
hypotheses alludidas. Em regra a responsabilidade do Estado, no
caso, é apenas subsidiaria.
872
87
* Vide: Gierke, ob. cit., p. 799, e decisões em nota ibi. Este autor
referindo-se à opinião dos que entendem, que o Estado nos actos da esphera
do direito publico não responde absolutamente pelos damnos cansados (
assim entende, entre outros, von Ronne, Preuss- Staatsr. t. III) disse :
Pelo contrario, esta responsabilidade existe, e os principios do direito
privado lhe são applicaveis... À pratica commum tem garantido aos lesa-
dos, pelas faltas dos órgãos públicos, a acção aquiliana usual contra o
Estado e as Communas, alem da "conditio of injustam musum" e da "actio
negatoria ittilis ". Semelhante responsabilidade está mesmo consagrada em
leis expressas a respeito de certos casos, taes como: pela culpa ou ne-
gligencia dos fnnocionarios no serviço do hypothecas, na subtracção de
depósitos, etc. — Loc. cit. p. 794-799 sg. e notas ibi.
87
y
Àpud Loening, Die Haftwng des Staats, p. 110 e notas ibi.
87
* Vide: Gierke, loc. cit.,p. 797;—Loening, loc. cit., p. 123, onde se
encontra a indicação de varias disposições a respeito das prisões illegaes.
Também se tem reconhecido o direito de indemnisação em casos de res-
trioções policiaes impostas ã liberdade ou exploração de industrias (O. G.
Wolfenblittel, 30 junho 1871).
— 428 —i
l) Por todos e quaesquer actos illicitos, de que provier lucro
ao Estado, até a importância desse lucro.
87zz
I 77. Revendo também, para findar, o que dizem as deci
sões judiciarias acerca do caracter jurídico do funccionario, em
algumas, as cortes lhe tem reconhecido a relação do mandato
(C. Sup. App. Munich 28 julho 1846; C. Snp. Wolfenbttttel
23 junho 1865; Trib. Fed. do Império 15 novembro 1880,
II julho 1881, 21 novembro 1882, etc.); em outras, porém, se
tem procurado accentuar, que o funccionario não é um manda
tário, mas um órgão (sondem aís Organ des Staats und deshaJb
ais Representant der ganzen juristischen Persònlichkeit ãeslben
anzuséhen sei). E como o Estado se personifica nos seus órgãos,
a obrigação que se dá, por força desta necessidade ou personifi
cação legal, deve ser cumprida pelo próprio Estado, como parte
immediatamente interessada e responsável; responsabilidade,
que se estende igualmente aos damnos dos actos administra
tivos, como si o Estado fora o próprio agente do acto lesivo
"der eigentlich verleteende Theil." (C. Sup. App. Munich
8 julho 1851: 0. Sup. App. Jena 24 agosto 1847, e 21 novem
bro 1850; C. Sup. App. Berlin 30 março 1871).
em decisões de 1762 e 1763 a Corte Superior de
App. de Cassei, tendo admittido a responsabilidade do Estado,
firmara, como regra, que o acto praticado em razão do oflicio
obriga aquelle, de quem o individuo é empregado, como si se
tratasse de um mandato privado "dass das Factum einesjeden
Offizialen, welches er ex vi officii vornehme, Denjenigen, dessen
Beamter er sei, verbinde, soivie dass dasjenige, luas bei einem
Privatmandatar stattfinde..."
88
87
M
Vide : Ant. cit. p. 116-117 e notas ibi; Gierke, loc. cit, p. 789.
88
Pfeiffer, Praktische AusfUhrungen, U, p. 876; apud Loaning, loc.
cit., p. 45 sg. e notas ibi. As decisões da Corte de Cassei,a que se alludiu,
— 429 —
Igualmente de accôrdo com estes princípios, também a
Corte Suprema da Baviera decidiu, contra os julgados das duas
instancias inferiores, que nos casos, em que se trata de actos
sujeitos ao direito civil, como são os referentes á perturbação
da posse, o Município deve responder conforme ás regras desse
direito; não lhe sendo licito recorrer ao direito civil para sus-
tentar os seus direitos de propriedade, e allegar ao mesmo
tempo, que lhe o está sujeito pelos actos illicitos dos seus re-
presentantes, por ser, como pessoa jurídica, incapaz de deli-
ctos. (Decisão de 16 de janeiro 1880).
88
a
Entretanto o Tribunal Federal do Império, sem embargo
de ter mais de uma vez reconhecido a responsabilidade do
Estado por actos illicitos dos seus funccionarios, mesmo no
exercio de poder publico (R. Gr. 21 dezembro 1866, e 13 ja-
neiro 1883), insiste em declarar, que se o pôde cogitar dessa
responsabilidade, quando proveniente de delicto (R. G-. 8 abril
1884). Ao que observara Windscheid, " mas a questão sub-
siste discutível sob o ponto de vista da culpa in eligendo '; e
Gierke, ao sen turno, faz notar:—que taes decisões negativas
do Tribunal Federal deixam effectivamente"indeciso o caso par-
ticular de concorrer no acto arguido uma culpa própria por parte
do Estado ou da Communa.. .
88b
Finalmente, quanto a natureza da obrigação de satis-
fazer o damno proveniente dos actos illicitos do representante,
dão-se também divergências nos actos da jurisprudência: uns
foram reafirmadas pelas de 25 março 1820, 7 março 1828, 7 abril 1824, e
outras de datas posteriores, que mostram a flriuid&o de doutrina daquell©
tribunal na matéria. Loening (loc. oit.) discute o valor jurídico dessa ju-
risprudência; sendo também de vôr a respeito: Gierke, loc. oit., p. 621-622
e801 sg.
88
» Vide: Gierke, loc. cit., p. 760-51 e nota» ibi.
88b
Windscheid, loc. oit.,Gierke, loc. oit., p. 559-760, e 769-770, ©
notas ibi.
— 430 —-
querem que, o havendo direito positivo em contrario, dita
obrigação incumba, de modo principal, tanto ao agente culpado,
como á pessoa representada; outros, porém, o admittem-na
com relão á pessoa representada, seo, de modo subsidrio.
Da primeira intelligencia é a Corte de App. de Celle (Decisão
de 14 fevereiro 1879); da segunda, é a Corte Sup. App. de Iena
(Decisão de 24 agosto 1847, e 5 outubro 1877).
Nas legislações particulares, que, como a de Coburgo-
Gotha, consagram expressamente a responsabilidade geral do
Estado pelo dolo ou culpa lata dos funccionarios, o principio
mais geralmente admittido, em relão ás escies particula-
res, é o da obrigação subsidiaria mente por parte do Estado.
E com isto damos por encerrado quanto nos pareceu
conveniente adduzir acerca do teor da jurisprudência alleman.
— 431 —
CAPITULO IV A Jurisprudência
Italiana
§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES
78. Do mesmo modo que foi observado sobre a juris-
prudência belga, o estudo da jurisprudência italiana relativa ã
matéria da responsabilidade civil do Estado deixa vêr, que si
ella não procurou imitar os mesmos princípios adoptados pela
jurisprudência franceza, como alguns autores affirmam, é, pelo
menos, certo, que a semelhança dos preceitos do -direito admi-
nistrativo e do direito commum de ambos os povos tem levado
os tribunaes italianos a idênticos resultados. Assim ê, que na
Itália se encontra, não só a mesma questão, constantemente
debatida, acerca da autoridade competente para conhecer dos
actos dos funccionarios blicos, como ainda juntamente, a re-
commendação da theoria da distinão dos actos blicos (em
actos de gestão e actos de império), como cririo indispensável
ao exame e decisão dos casos occorrentes.
Abolido, muito embora, o Contencioso Administrativo em
1865,
80
vemol-o, por assim dizer, restaurado, ao menos em
parte, pelos actos legislativos de 1889-90
89ft
, isto é, voltou-se
8
o Lei de 20 março 1865.
89
» Leis de 2 junho 1889 e do I
o
maio 1890.Vide: Meucci, oh. cit.,|
p. 116 sg. Em decisão de data recente se reafirmou a doutrina, de que a
administração publica, mesmo em se tratando de actos de império, quando
estes importam um damno para o cidadão, e não resultante da offensa de
um simples interesse, mas da lesão de um direito civil, deve responder
perante a autoridade judiciaria, como succede com os actos de gestão;
uma vez que uns e outros sejam praticados pelos funccionarios no exer-
— 432 —
ao regimen da dupla jurisdicçao, o qual, aliás, havia sido con-
demnado por se ter mostrado menos capaz de bem garantir os
direitos individuaes...
Não temos que entrar em exposição particular a esse res-
peito; ao nosso propósito satisfaz dizer que, no estado actual da
legislação italiana, pertence á autoridade judiciaria o conhe-
cimento dos actos administrativos, toda vez que estes involvem
a lesão de um direito civil, ou mesmo politico, fundado em lei
ou contracto. Si o acto, porém, em vez de um direito, offender
apenas a interesses, o exame da sua legitimidade (além dos casos
taxativamente indicados no art. 25 da lei de 1889 e arts. 1 e 21
da lei de 1890) será da competência contenciosa da Secção IV
do Conselho de Estado ou da Junta Provincial Administrativa,
segundo o teor do caso e das circumstancias.
E' desnecessário accrescentar, que, na pratica, a questão de
determinar, o que seja realmente um direito ou um interesse,.
lesado por acto administrativo, não pode deixar de dar origem á
conflictos de jurisdicçao, mais ou menos frequentes, e não, sem
grave prejuízo para os interessados...
78a.—Pelo que respeita ao direito regulador da respon-
sabilidade civil do Estado pelos actos de seus órgãos ou fnnccio-
narios, dá-se igualmente na Itália a mesma controvérsia, por
muito tempo agitada na França, sobre a questão de saber, si as
regras do direito civil, que consagram a responsabilidade do
committente nos casos de culpa do preposto, são applicaveis ao
Estado. À mór-parte dos autores e a jurisprudência dos tribu-
naes, diz Laferrière, se pronunciam pela negativa, e resolvem a
cicio das próprias funcções (C. C. Florença 16 janeiro 1902; Hio, p. 459 sg.
nota, e 467 sg.) Para completa illustraçao da matéria do competência se po-
derá ver: lei de 20 março 1865, arts. 1 á 4; lei de 2 junho 1889, arts. 24-25;
G. C. Roma 24 junho 1897, caso Ditta Trezza; ap. Luciano Bardari
r
II
Sindacato Oiudiziario.— Napoli, 1902.
I— 433 —
a questão fazendo a seguinte distincção: si se trata de actos
praticados jure imperii, isto é, no exercício do poder publico e
em vista do interesse geral, o Estado ê reputado haver agido,
como soberano, escapando por isto á toda responsabilidade; si
se trata, porém, de actos feitos pelo Estado jure gestionis, isto
é, agindo este, como pessoa civil, como proprietário ou
contractante, as regras do direito commum lhe são applicaveis.
Neste caso, as questões concernentes à alludida responsabili-
dade do Estado serão julgadas pelos tribunaes judiciários; mas,
sob a reserva do direito de conflicto, si a administração entender
que o acto fora praticado jure imperii.
89
b
Entretanto, para que se possa formar juizo seguro acerca
do pensamento e razões preponderantes, seguidas pela juris-
prudência italiana, o que nos parece de melhor, é transcrever
na integra os próprios considerandos de varias das suas deci-
sões ; por este modo a matéria ficaillustrada de maneira mais
satisfactoria, e se evitam os equívocos, que poderíamos com-
metter numa exposição de conta própria.
Entre as decisões, cujo conhecimento se faz mais provei-
toso a esse propósito, é de razão considerar a que foi proferida
pela 8. C. de Roma em data de 21 de fevereiro de 1879, na
qual o Tribunal se manifestara nos seguintes termos :
E' incontrastabilmente reale nello Stato Tesistenza di due
entità, Tuna politica, 1'altra giuridica-, la prima principale e
diretta ai conseguimento dei suoi alti fíni sociali; 1'ai tia
secondaria e quasi servente come mezzo a possedere e agire
entro la cerchia dei diritto priva to coordinatamente ai suoi su-
premi fini. Non dissimile nella sostanza, diferentíssima nella
misura, ha luogo la stessa distinzione nella Província o nel
Comune.
I/azione legislativa non crea certamente per lo Stato alcuna
responsabili. Imperciocchè il potere legislativo se nel modifi-
80T,
Laforrière, ob. cit., 1.1, p. 84. Jffic, nota
89a
retro.
Os conflictos de
jurisdicçâo sao decididos pela Corte de Cassação de Roma.
28 U. C.
— 434
care la legislazione auteriore diminuisce o toglie diritti già pos-
seduti dai cittadini, non arreca loro ingiuria, poichè i loro diritti
non possono considerarei come acquisiti anche di fronte ai potere
legislativo; non potendo questo avere mai limiti giuridici deri-|
vati dalla legge positiva già costituita, ma solamente limiti etici
segnati dall'idea dei diritto ; il rispetto dei quali é abban-donato
alia sua saggezza o prudenza e giammai affidata ai ma-gistrato
che non è nè può costituirsi potere superiore ali egis-lativo.
La legislazione rimane in ogni momento ed in ogni sua
parte sotto 1'azione onnipotente dei potere legislativo; e il citta-
dino deve subire le diminuzioni e le abolizioni dei diritti che
possedeva, senza indennità di sorta, se lo stesso potere legisla*
tivo non glie lo acordi. Senza speciale concessione delia legge,
l'azione d'indennità per una disposizione di essa che diminuisce
o toglie un diritto, non può neppure concepirsi.
La responsabilita dello Stato non può essere neppure im-
pegnata dalPesercizio delle funtrioni giuãiziarie. Perciocché
l'errore giudiziario oltre che deve andare immune da ogni res-
ponsabilita per quanto nel giudizio ha avuto parte il convinci-
mento insindacabbe dei giudice, é escluso dalla presunzione
legale di verita dei giudicato. Per altri íatti colpevoli deter-
minati che i magistrati o gli ufficiali dei Ministero Pubblico
commettono nelFesercizio delle loro funzioni, la responsabilita
rimane limitata alie loro persone (art. 783 cod. proc. civ.) e non
risale alio Stato. Perciocc sono mancamenti che essi com-
mettono, contravvenendo alie leggi dei loro ufficio. Quanto in
fine all'esercizio dei potere esecutivo non può mettersi in forse
che lo Stato debba rispondere degli atti suoi che violano i diritti
acquisiti dai cittadini, perche agisce allora fuori delia sfera delia
sua autorità, fa ciò che non gli compete. Ciò non solo risulta,
ma è anche espressamente dichiarato dalPàrticolo 4 delia legge
sul contenzioso amministrativo, dicendo che quando la
contestazione sopra un diritto che si pretende leso da un atto
deli'autorità amministrativa i Tribunali si limiterano a conoscere
degli effetti delPatto stesso, in relazione alPoggetto dedotto in
giudizio; perciocché 1'atto amministrativo é quivi atto dei
potere esecutivo, atto di governo. E se i Tribunali conoscono
che 1'atto amministrativo lese il diritto civile o politico e che
per soprappiú questa lesione arrecò danno ai titolare dei diritto
medesimo, l'autorità amministrativa sul precetto fattale dello
stesso articolo 4, di conformarsi ai gindicato dei Tribunali in
— 435 —
quanto che riguarda iu caso deeiso, dov reintegrara la parte
lesa nel pieno possesso dei diritto e faria indenne dei danni.
E ciò è assolutameute giusto; perche assoluto è il prin-
cipio che ogni diritto leso esige riparazione. Resta la questione
•concreta fondamentale per tenere ristretta nei limiti legali la
responsabilità dello Stato, se sia veramente diritto o, non
piuttosto mera facoita ciò che si pretende leso. I/autorità am-
ministrativa non può ledere quelío se non consumando un atto
illegale, causa delia sua responsabilità; può impedire 1'eser-
cizio di questa, compiendo atto perfettamente legale senza
responsabilialcuna; qualunque nocumento ne possa venire a
chi ne godeva; como se alia prima minaccia d'epidemia, vieti
entro o in vicinauza di popolazioni agglomerate l'esercizio d'in-
•dustrie innocue nelle condizioni normali delia sanita pubblica,
pericolose nelle anormali. Perocchê non potendo darsi diritto
quesito contro la sanita pubblica, lo stabilimento e Vesercizio di
esse in quei luoghi costituiscono necessariamente atti facoltativi,
compiuti o liberamente o in seguito a concessione subordinata
necessariamente alia permanenza delle condizioni normali delia
salute pubblica; perche contradirebbe ai fine dello Stato vigile
cnstode delia salute pubblica una concessione prejnidizievole a
questa nei momenti, p difficiti o dolorosi. O perche, se sembri
meglio, 1'uso di tali facoltà o diritto incomincia a cadere sotto
il divieto delia legge o dei regolamenti (art. 426) dei quali
1'autorità amministrativa cura Vesatta escuzione essencialmente
immune da ogni responsabilità. Per la sua entità giuridica la
responsabilità dello Stato è governata dal diritto privato, in
quanto è applicabile in questo speciale subietto agli enti giuri-
dici. Le obbligazioni, qualunque ne sia la causa, deve adempiere
esattamente come i privati, e mancandovi deve risponderne
•como questi, senza che possa opporre essere tale mancanza
imputabile ai suoi agenti,perocc Tadempimento di ogni obbligo
incombe sempre ai debitore; a chiunque poi egli per volontà o
necessita commetta 1'esecuzione degli atti che lo costituiscono,
non potendo il fatto degli esecutori non considerarsi próprio di
lai. E agendo nella qualità di ente giuridico, può anche incor-
rere in responsabilità per fatto altrui, quando compie atto che
dí'i vi ta a quello speciale rap porto giuridico nel quale esso as-
sume la qualità di committente e 1'altra parte di commesso,
giusta il significato delFarticolo 1153 dice civile, comma 3°.
Poicliè 1'atto che possa dar vita a tale rapporto non è incom-
patibile colla natura dello Stato... Ma perche questa respon-
—- 436 —
sabilitá possa in concreto avere Inogo a carico dello Stato, si
richiede che anche ad esso si possa applicare la presunzione di
colpa nélla scelta dei preposto e che il negozio sia civile e com-
messo ad altri in tale maniera da doversi considerare esegoito a
nome, per conto e sotto la dipendenza dello Stato in tutte e
singole le incombenze che ne costituiscono 1'esecuzione, sicchè
il danno arrecato dai preposti sembri dato dallo stesso Stato
preponente. Perciocc se niuna legge ammette a favore dello
Stato il privilegio di esenzioni da questa responsabilitá in cui
altri enti giuridici e i privati incorrono per atti ed affari iden-tici,
neppure veruna legge gli impone condizioni piú dure. II di-ritto
comune anche per quanto concerne queste condizioni deve
essere applicato non solo quando il negozio com messo non sia
coordinato ad altro obietto e segnatamente alia prestazione di un
servizio pubblico, come Tesercizio delle ferrovie, o ad uno
scopo fínanziario, come il monopólio ; lo Stato deve rispondere
indistintamente dei danno che i suoi preposti a tali incombenze
arrechino a terze persone nell'esercizio delle medesime.
89
°
Nas razões e motivos da decisão transcripta se encon-
tram todos os elementos precisos para cada um conhecer e ava-
liar, por si mesmo, da procedência ou improcedência da dou-
trina, que na mesma se contém, sem que nada mais se precise
juntar a semelhante respeito. Somente, não podemos deixar de
chamar a attenção especial do leitor para este ponto: é que, não-
obstante a sua affirmação categórica da irresponsabilidade do
Estado pelos actos de império, o Tribunal não poude fugir âJ
necessidade de também consignar o principio superior, abso-
lutamente justo
t
de que "ogni diritto lesoesige riparazione..."
78 b. Quanto a responsabilidade civil do funccionario
publico pelos actos lesivos dos direitos privados, ella pode ser
verificada praticamente por um dos seguintes modos: 1) por
89o Também se pôde ver no mesmo sentido: C. C. Roma 7 maio-
1877, 24 agosto 1881,19 março 1882, 12 março 1887, 80 mato 1892, 11
janeiro 1898, 20 janeiro e 7 julho 1897; C. App. Lucca 24 maio 1888;
C. C. Florença 27 janho 1889; C. C. Torino 1871; etcCf. Vittore VI-
taii, Del Danno, n. 291. Placenza, 1892; Solari, oh. oit, p. 51 sg.
— 437
uma simples reclamação dirigida à autoridade administrativa
superior; 2) por meio de processo contencioso administrativo;
3) por acção judiciaria nos casos e nos limites marcados na lei,
quando as primeiras formas indicadas não sejam efficazes,
ou quando, pela natureza do damno causado, deva caber a ju-
risdicção judiciaria decidir da matéria. E' este segundo modo,
que interessa principalmente ao nosso assumpto.
Em principio, a jurisprudência italiana reconhece a res-
ponsabilidade pessoal do íunccionario; havendo, todavia, res-
tricções postas quanto aos meios de tornal-a effectiva. Em pri-
meiro logar, é preciso obter autorisação governativa, isto é, o
íunccionario não pôde ser accionado, penal ou civilmente, por
actos do seu emprego, sem que o governo dê previa autorisação
para esse procedimento; e embora semelhante restricção jã tenha
sido combatida por diversos autores, e a sua abolição fosse
mesmo proposta em projecto de lei, ella continua â subsistir na
legislão italiana,
894
e consequentemente, não pôde deixar de ser
respeitada pelas cortes judiciarias.
89
* A razão fundamental da
restricção é tirada da independência dos poderes, a qual,
pretende-se, seria violada, si fosse absolutamente livre a um
particular chamar os representantes do poder administrativo a
prestar contas dos seus actos perante autoridade de ju-|
risdicção differente.
E', como se vê, uma razão análoga áquella, em que se
apoiam os sustentadores da necessidade de um contencioso
administrativo com jurisdicção exclusiva para conhecer e de-
cidir dos actos da administração publica em geral.
Entretanto na pratica, após muita discussão sobre a questão
de saber,—quaes os actos do íunccionario, que podem ser U
SOa
Vide: Legge Commuwle e Provinciais de 1865, arts. 8, 110, 139.
—Cf. A. Q. Boulen.ob. cit.,p. 855-858.
808
Meujcci, Dir, Amministrativo, p. 238.
— 438 —
accionados sem previa autorisação do governo; parece ter-se^
como regra assentada,—que, no excesso de poder, o funccionario
não gosa dessa garantia legal. A lei tendo dito: «non possono
esser chiamati a render conto delVesercizio deUe loro funzioni», se
conclue que, excedidas estas funões, não podem os func-j
ciouarios ser protegidos pela disposição da lei.
89f
78 c. Com relação á sancção da responsabilidade dos-
actos praticados, a jurisprudência tem também admittido certas
exempções em favor dos funccionarios, taes como: 1) estes não
são declarados responsáveis por simples erros de direito, a
menos que não revelem completa ignorância das regras elemen-
tares da profissão; 2) não o são igualmente, quando os actos são-
feitos em presença de uma impossibilidade absoluta de o indi-
viduo se conformar com a lei, ou em execução de ordens de um
superior, a quem devam obediência hierarchica, não sendo taes
ordens manifestamente illegaes ou dolosas; 3) nem tão pouco
serão declarados responsáveis, tratando-se de actos impossíveis
de ser feitos de outro modo nas circumstancias, ou si forem
praticados em vista da necessidade urgente do interesse publico.
**
A responsabilidade do funccionario é, porém, sempre affir-
mada pela jurisprudência nos casos de culpa e dolo, quaesquer
que sejam os actos praticados.
Relativamente aos funccionarios de caracter judiciário,
a dizer, os juizes e representantes do ministério publico, a lei os
declara civilmente responsáveis: 1) quando no exercício das suas
funcções são accusados de dolo, fraude ou concussão;. 2)
quando se recusam a providenciar sobre os pedidos das par»
89
' C. B. 21 mao 1851, e 7 janeiro 1864.
89
- Laferriere, loo. oit., p. 83-84; Cf. Bonasi, Delia respcnsabili
penale e civile dei ministri e degli officiali pvbblici, Part. III, cap. 9
o
e 10.
— 439 —
tes, ou negligenciam de promover ou de julgar os feitos, que se
acham em estado de ser decididos; 3) nos outros casos declara-
dos em lei.
89h
Mas estes funccionarios não podeo também ser
accionados por individuo particular, sem que a corte de justiça
(competente para julgal-os) previamente a necessária auto-
risação para o respectivo processo.
89
'
§ 2 CASOS B DECISÕES
79.—ACTOS LBGAES ou ISENTOS DE CULPA»-A irresponsa-
bilidade do Estado pelos actos legislativos, pelos actos adminis-
trativos (os praticados jure imperii), e pelos actos judiciários
é, como já se disse, a regra consagrada pela jurisprudência.
Sustentando-a, disse Mantellini: « Per una legge, per la
quale vengano a spostarsi degli interessi loStato non si fa pagari
da chi ci guadagna e non risarcisce chi ne scapita. Chi ne scapita
aveva in quel suo interesse un diritto finchè la legge lo assis-
teva; ma che torno alia condizione di mero interesse, o cesso
d'esser diritto, appena la legge gli tolseTassistenza compartita|
da prima. Lo Stato non assume obbligazione, indennizza
quando d'una libera industria crea un monopólio per for maré
una fonte di pubblica entrata. Come nel 1869 (legge 5 giugno
1869, n. 5111) dichiarò libero il polverificio, gsoggetto di pri-
vativa, potrebbe ora tornare a monopolizzarlo; e come allora lo
Stato non si fece pagare la liberta, non rifarebbe i danni dei vin-
colo... Trovasi per tanto deciso non risarcibile il danno conse-
quente dalla suppressione o dal divieto d'una industria, come
non, il deprezzamento lamentato nelle case d'una piazza dove
H
89
* Vide:dice di Procedura Civile, art. 788.
89
»Cod. cit., art. 788. Cf. C. App. Roma 16 julho 1887.
— 440
siasi trasferito il patibolo (In Francia, C. E. 11 gennaio e 28
maggio 1898; C. 0. de Bruxellas, arr. 27 giugno 1845).
w
Gonsideramo-nos dispensados de discutir ou apreciar, mais
uma vez, o valor da theoria, que ezclue a responsabilidade do
Estado pelos actos denominados de " imrio ". Limitamo-nos
a dizer, que ella, embora consagrada, como regra, na jurispru-
dência, sofre, e nem podia deixar de soffrer, excepções diversas,
pelo menos na parte que se refere aos actos administrativos,
além do mais, pela razão sabida, de que nem sempre se pôde
affirmar onde acaba o acto de império, e começa realmente o
acto de gestão...
Os casos particulares, de que em seguida se fará menção,
darão disto irrecusável documento.
90
Dando as razões e factos, segundo os quaes entendia que, dos
effeitos da lei não pode recair sobre o Estado nenhuma obrigação de in-
demnisar aos indivíduos lesados, Mantellini citara os seguintes exemplos:
Proscripta por Pietro Leopoldo a liberdade frwnentaria, entraram
em qnestão os privilégios e direitos que, por leis, costumes e contractos,
competiam aos arrendatários do pão fino (agli appaltatori dei pan fino).
Estes puzeram demanda por perdas e damnos; mas foram vencidos (Libur-
men. prcetensce refect. damnorum dei 30 luglio 1768 cor. Querei, Scara-
mucei e Ulivelli relatore, nella raccolta Artimini, serie 2
a
tomo V, p. 612).
Dos considerandos da citada decisão, cuja integra Mantellini transcreve, se
que, já então, se procurara attender á dupla personalidade do Príncipe
{synonymo de Estado naquella época) nestes termos: "Alia est per -sona
Principia tamguam contrahentis, et alia est persona ejusdem tamquam
legislatoris, et providentis super bono regimine reipublicce et principatus ex
causapublicaenecessitatis, velutilitatis; etc. etc... expluries insinuata dupli-
citate personarum quae consideratur in Príncipe, una scilicet privati contra-
hentis, et altera supremi moderatoris reip. in illis actibus, quos gerit pro
publica necessitate vel utilitate, ejuemque resp. bono regimine; ideoque id,
quod per istam posteriorem personam flt, ex causa publica, fortuito casai
pofcius referendum est et assimilandum fulguri, vel tempestati, sive inun-
dationi, aut incêndio, aliísque similibus casibus, ob quos fldei violatio sequi
non dicítur." (De Laca, de ofllc. venal. cap. 16 n. 12 e cap. 17 n. 20).
Outro, exemplo, citado pelo mesmo autor: Tendo a lei das obras
publicas (legge mi lavori pubblici) prohibido no art. 11, que houvesse estrada
PH» ~ -----
— 441 —
79 a. Desapropriações por utilidade blica. Tratando
deste ponto, manifestamente comprehendido entre os actos de
soberania ou de governo, diz o professor Bellavite: O partido legal
mais grave, em matéria de damno causado ao particular, que o
Estado' pôde tomar, é o da desapropriação no sentido technico, isto
é, constranger os particulares a abrir mão dos seus bens immoveis
ou direitos concernentes a estes, em vista da execução de obras
declaradas de utilidade publica.
w
* Toda vez, porém, que assim
succede, não o acto da desapropriação deve ser feito mediante
normas ordinárias estabelecidas nas leis
90
*; mas também se reconhece
SEMPRE
ao pro-
nacional
entre dons pontos unidos por via-ferrea, tornon-se impossivel a a
constrncção de nma estrada, considerada nacional, e como tal, dada por
contracto de arrendamento
(appalto).
O arrendatário pedio que se appli-casse
ao caso o art. 345 de dita lei, que dava á Administração a
faculdade
de
libertar-se
(ãi prosciogliersi)
a todo tempo do contracto, mediante paga"
mento dos trabalhos executados e do decimo da importância dos trabalhos
por executar. A Administração entendera, porém, que o art. 345 se referia
â resilição voluntária por parte da mesma, e objectara que o
facto da lei
era
facto imputável
a força maior,
fortuito,
com a excepção consequente,
indnzida dos arts. 1225 e 1226 do cod. civil; e assim se decidio, com effeito,
em juízo (C. C. Nápoles 9 maio 1877; C. App. 31 maio 1879,
caso
Pascarélla).
Mantellini preopinando igualmente, que não se deve
reparão
civil
pelo julgamento injusto ou pelos defeitos da ordem judiciaria existente,
relembrara o texto do direito romano:
Quce jure potestatis a magistratu
fiunt, ad injuriarum actúmem non pertinent (L. 6 ff. de injwiis)
; concluindo,
afinal, com estas palavras: «
Non si consente contro lo Stato azione civile ai
danno per effetto di legge, come d'altra sua determinazkme di gene-rale
interesse*.
— Ob. cit., p. 67-76.
Parece-nos dispensável lembrar ao leitor, que Mantellini ê considerado
um dos mais insignes fautores da "theoria da irresponsabilidade do Es-
tado".—-Hic, p. 113 sg.
°o* Bellavite, ob. cit., pag. 21 sg. Este autor procura provar, que já via
antiga Roma o Estado indemnisava a propriedade dos particulares, quando
delia se utilisava para fins do interesse publico.
00b
Lei de 25 de junho de 1865 (sobre a
desapropriação),
elei de 20
de março de 1865, art. 240 (sobre
obras publicas).
— 442
prietario lesado o direito á uma justa indera nisação, paga pelos
cofres do Estado.
Tal é a regra da matéria; ena sua sustentação a jurispru-
dência se tem mostrado sempre firme e coherente, sem que haja
mister citar decisões particulares a esse respeito. m Pode ser
sujeito activo da desapropriação, tanto a administração publica,
como o seu representante em virtude de arrendamento ou
concessão; entendendo-se, que os arrendatários e concessionários
são subrogados nos direitos e obrigações da administração
publica desapropriante, e não, mandatários delia (C. G. Torino 1
e 6 maio 1875, 28 maio, e 16 junho 1866). I
Do mesmo modo, toda pessoa, privada ou publica, o pró-
prio Estado, pode ser sujeito passivo de desapropriação (Lei 25
junho 1865, art. 58).
90e
79 b.— Actos de guerra. Nos damnos de guerra, diz P.
Mazzoni, o de distinguir os occasionados em guerra effecti va (in
guerra combattuta) a dizer, no theatro da acção bellica, dos
occasionados por medidas de precaução adoptadas na previsão
da guerra ou na execução de um plano geral de ataque ou defesa.
Os primeiros se equiparam aos casos de força maior, e não dão
logar á acção privada de indemnisação; os segundos, ao
contrario, são susceptíveis de indemnisação, e neste sentido a
jurisprudência tem admittido muitas vezes a acção respectiva
contra o Estado.
904
Em uma decisão da Corte de Cassação de Florença, 9 de-
zembro 1879, se disse: E' riconosciuto dalla dottrina e dalla
"O
0
As indemnisações devidas por motivo de servidões militares estão
também previstas em lei, e Armadas por decisões da jurisprudência.
Vide: Vittore Vitali, loc. cit., n. 300 sg.
*>« P. Mazsjxmi, Inst. de dir. civ. italiano, t. 4
o
, p. 1M. C. C. Flo-
rença 15 dezembro 1879 ; C. C. Roma 25 fevereiro e 18 abril 1880 ; C. C.
Torino 8 janeiro 1876.
— 443 —
jurisprudenza il principio dí diritto pubblico assunta dalla sen-
tenza, che si debbono distinguere i danni che ti governo infe-
risee alia proprietâ dei suoi cittadini negli apparecchi di difese
mi li tare, da quelli, che le proprietâ dei cittadini patiscono nelle
belliche conflagrazioni, in causa belli. I primi avvengono per
risolnzione dei governo, che li reputa necessari in communem
utilitatem, e peró debbono es ser e risarciti dal pubblico erário.
Airoppostoi secondi danni sono l'effetto dei caso fortuito, delia
forza maggiore, che il governo, con la sua autoritá e la sua
forza, non giunge ad impedire, et nocent dominis. I primi danni
sono effetto di espropriazione per pubblica utilita, e vanno com-
presi nella generale disposizione dei paragrafo 365 dei códice
civile austríaco: "Quando 1'utilità pubblica 1'esiga, deve cias-
cun membro dello Stato cedere anche la sua piena proprietâ
contro una conveniente indennizazione. Ben distinti dai primi
sono i danni di guerra, per compenso dei quali non é data azione
giudiziaria, ed invece é stabilito nel paragrafo 1044 dello stesso
códice, che le determinazioni saranno prese dalle autoritá po-
Utiche à norma di speciali regolamenti.
w
' B
Nos diversos considerandos das suas decisões, as cortes
tem procurado distinguir com critério o que se deve entender
por actos preparatórios e por actos de guerra ou de força
maior, afim de decidir os casos occorrentes d'accordo com a
regra estabelecida. Neste intuito a Corte de Cassação de Roma:
«Mentre learmi tacciono, e non sovrasta pericolo di guerra,
non si tratta dei caso di forza maggiore, che ognuno deve sop-
portare senza diritto di domandarne rinfranco ad alcuno. Che
in quella vece, quando nella previsione piú o meno lontana di
ostilità future, per aggiustare il terreno alie piú gagliarde ed
efficaci difese, viene sgombrato tutto intorno alie fortincazioni,
*> Cf. Lomonaoo, Delle obbligazioni,t. I, p. 292. C. C. Roma 17 de-
zembro 1880 e 3 julho 1883.
— 444 —
ai fine di allargare la visuale e togliere ai nemici ogni pos-
sible riparo contro 1'azione delle artiglierie, si ha il caso di
una vera espropriazione forzata per causa di pubblica utilitá,
secondo che i principii dettano, la ragione persuade, e la dot-
trina ha riconosciuto, avvalorata da una jurisprudenza con-
stante. In síffattí casi i privati devono cedere le loro pro-
prietá, locché equivale sopportare i danni che per ragioni di
pubblica utili si sono apportati; ma il governo, come rap-
presentante delia societá civile, che ne risente i vantaggi,
deve ai privati medesimi la rifazione in pecunia, nella pro-
porcione corrispondente ai danni da loro sofferti. C vuole il
principio assoluto delia giustizia, su cui unicamente possono
reggersi le societá civile; ed esso non permette che 1'interesse
ed il diritto dei singoli sia immolato ali, interesse ed utili
universale deli o Stato senza corrispondente rinfranco. Quindi
i privati che hanno sofferto danni ed espropriazioni nelle
circostanze indicate, acquistano un vero diritto civile, la cui
azione deve spiegarsi per essere fatta valere innanzi ai tri-
bunali ordinari.»
90f
Pelo que respeita ás requisições militares de qualquer
espécie, seja feitas pelas tropas legaes, seja pelas forças do ini-
migo, durante a marcha da guerra, a mesma Corte as tem con-
siderado igualmente, como actos de força maior, e portanto, o
resarciveis pelo Estado.— "Rapinae, tumultus, incendia, agua-
00
f
C. C. Roma 13 abril, e 17 dezembro 1880, 22 janeiro 1881 ; C.
App. Torino 4 julho 1876; C. C. Torino 6 julho 1877; C. C. Florença 15
dezembro 1870. Quando os damnos são occasionados na guerra, actual,
flagrante, a tendência da Corte de Cassação de Roma tem sido a de negar
o direito á indemnisação, quer os actos damnificantes, (incêndios, depreda-
ções, etc.) venham da parte das forças do governo, quer das do inimigo.
C. C. Roma 30 junho e 8 julho de 1884. Ápud Ricoi, DeUe Obligazioni,
ns. 290-291. Sobre os damnos de guerra é também de ver: Vittoro Vitali,
ob. bit,; ns. 32-39.
f
éá
— 445 —
rum magnitudines, iwpetus praedonum, a núllo praestantur"
(Dig. 50, 17, 24).
90e
79 c.—Actos de policia ou de seguraa publica em geral. E'
cousa fora de duvida que, uma vez acceita a distincção entre
actos de poder e de actos de gestão, os da policia devem perten-
cer à primeira destas categorias; porque nelles se revela talvez
mais, do que em nenhuma outra espécie de actos, a autoridade
discricionária dos funccionarios do Estado.
No entanto, isto que se diz, tem a sua applicação, como
regra geral, em se tratando de actos de policia, que entendam:
com a garantia das pessoas e da propriedade particular, — com
a defesa das instituições,—com a manutenção da ordem,—com
a vigilância sanitária ou com outras medidas necessárias a
remoção ou extincção de males, perigos e calamidades occor-
rentes, que affectem ao bem publico ou geral da população. São
actos, que tem por fim a seguraa individual ou collectiva; con-
seguintemente a irresponsabilidade do Estado a respeito dos
mesmos tem sido reconhecida pelos tribunaes italianos, como,
aliás, succede na mor parte dos outros Estados.
Entendesse que a autoridade publica, executiva ou poli-
cial, nos casos suppostos, precisa ter inteira discrição; por-
tanto o seu acto não deve ser, no momento, obstado por nenhum
outro poder estranho, nem aquella responder posteriormente
90
* Vide: C. C. Roma 17 maio 1886. « Na Itália, diz Mantellini, coma
na mórparte dos povos civilisados, se admittia a theoria de Vattel, que
distingue o damno do inimigo, in/suisus hostium , tido por fatal, do
darano dos nossos; esto também se tem por fatal, quando se da na confla-
gração da lata nelVurto bdlico; é, porém, reputado uma figura da des-
apropriação por utilidade publica, quando o damno é premeditado, como pre-
paratório de de*esa militar... O mesmo se deve dizer das requisições, as
quaes, quando feitas pelo inimigo, sâo rapinas, e por isto fata eh, ao passo
que, quando feitas polo amigo, são fornecimentos, que aguardam o paga-
mento do sen preço.—Op. cit., p. 79.
— 446 —
pelos damnos causados, a não sêr, em casos excepcionaes decla-
rados na lei.
Mantendo esta doutrina, no caso de uma abertura mandada
fazer pelo governo no paredão de um dique para o fim de evitar
uma inundação imminente, a Corte de Cassação de Roma se ex-
primira pelas seguintes considerações: « Apparisce manifesto,
che il provvedimento dei governo, ordinando il taglio delFargine
sinistro delia Fossa Polesella, íu determinato dalla forza mag-
giore delle cose, ed ebbe il fine non giá di liberare alcuni dalla
inondazione a danno di altri, ma di prevenire la rottura violenta
delia stessa Polesella che fatalmente era imminente per forza
irresistible delle acque, facendo si che lo scolo piú lento e meno
abbondante di queste arrecasse danni minori di quelli che
avrebhe certamente patito dalla inevitabile inondazione il ter-
ritório sottostante all'argine sinistro delia Polesella, nel quale
território giacciono i fondi dei ricorrente... Imperocchè non puó
mettersi in dubbio, come lo stesso attore giammai ha ne-gato,
che il governo non poteva rimanere inerte dinanzi ad un disastro
che in vasta proporzione minacciava cose e persone di parte
considerevole delia societâ da essa retta ed amminis-trata; ed era
suo diritto e suo devere dí provvedere a che il disastro delia
inondazione avesse il minor possible effetto dan-noso. Ora
dovendo ció íare per sua missione politica ed ammi-nistrativa,
esso puré era chiamato dalle leggi, in quel caso di-sastroso come
in quelli di guerra, a giudicare con 1'aiuto delle nozioni tecniche
dei suoi agenti quale era lo stato delle cose e quale il
provvedimento piú idóneo e piú opportuno a diminuire i danni
che la forza maggiore tendeva a produrre inevitabil-mente e non
giá presumibilmente, alie cose ed alie persone. II qual giudizio
che competeva aU'autoritá araministrativa, non puó essere sotto
posto a critica e ri formato dall'autoritá giudi-ziaria, aprendosi
un mezzo istruttorio per rivedere qual era lo stato di quella
inondazione, se era fatale la rottura violenta delia Fossa
Polesella e se era conveniente il taglio deirargine delia
medesima, e contraddicendosi a quanto era accertato competen-
temente e tecnicamente dalTautoritá amministrativa. Sicché in
questo speciale caso delia disastrosa inondazione di cui é esame,
la base di fatto da cui si vorrebbe far discendere la responsabi-
litá giuridica dei governo per il taglio deirargine sinistro delia
Fossa Polesella, non puó essere giudizialmente mutata da quella
risultante dagli atti amministratí vi, come é stato di sopra riferito.
— 447 —
Considerando che do vendo rimaner ferma questa base di
fatto, la domanda deli'indennità dei danni che è stata spiegata
dal Casazza contro il governo, si mostra destitnita di qnalsiasi
fondamento giuridico, in vista dei qaale potrebbe essere inçar-
dinata nella competenza giudiziaria. Imperocchê ainmessa pare
la teoria larga delia Corte di mérito, quella di dire che 1'atto dei
governo, emanato anclie in casi di urgenza, sia jure gestionis,
sia jure imperii, possa dar ragione di rivalsa o di indennità, di
danni, quando esso abbia avuto 1'effetto di diminuire il patri
nio dei privato da restarne leso il suo diritto civile, nel con
creto caso di cui si ragiona, la petizione dei Casazza manca di
ogni titolo giuridico sia per la colpa aquiliana, sia per disposi-
zione di proprie privata in caso di pubblica utili o di pubblica
necessita, a senso delia legge d'espropriazione per causa di pub
blica utilità, o a senso dell'art. 7 delia legge sul contenzioso
amministrativo. Difatti il fatto dei goverho, consistente nell'or-
dinare il taglio dell'argine sinistro delia Fossa Polesella, deter -
minato dalla forza maggiore delia inondazione, per diminuire
il danno che indubitalmente avrebbe prodotto se fosse stata la-
sciata a se stessa, essendo stato un provvedimento dato legiti
mamente e per forma e per attribuzione, esclude ogni idea di
colpa aquiliana; e non avendo in alcun modo disposto delia pro
prietá dei ricorrente, quando si provveda che questa proprietá
immancabilmente soggetta a inondazione, ne avesse sofferto il
minor danno possibile, proveniente dalla forza maggiore, si mos
tra tale da escludere ogni ragione di indennità per í'art. 7
delia legge sul contenzioso amministrativo. o per legge di es-
propriazione per causa di pubblica utilità. Sicché 1'atto dei go
verno non avendo potuto avere nel caso alcun efíetto lesivo dei
diritto di proprie dei ricorrente, rende va improponibile 1'azione
dei danno.
90h
1
79 d. Não obstante, porém, os pontos firmados na deci-
são supra, se tem admittido em decies posteriores, que mesmo
contra um acto, legitimamente executado por autoridade admi-
nistrativa no uso de poder ou direito de império, se pode propor
acção para haver a justa indemnisaçao, quando o acto da admi-
*>
h
C. C. Roma, 20 julho
1886.—
Cf. C. C- Florença 11 novembro 1873,
caso
Conremni
;
C. E. 22
julho 1871,— caso
Qherarâi.
A
— 448
nistração restringe ou supprime o direito de propriedade, da,
qual o lesado se ache no goso com inteira observância das leia e
regala mentos. Assim se decidiu, com efeito, no caso do fecha-
mento e destruição de um theatro de madeira, ordenado pela
autoridade, como medida de segurança publica. Servira de razão
á medida tomada o incêndio occorrido em um outro theatro de
igual contrucção; mas a Corte, embora não desconhecesse que o
acto da autoridade fora legitimo, entendera juntamente que o
dono do theatro tinha neste uma propriedade perfeita, conforme
a lei, e que, portanto, devia ser indemnisado do damno
sofrido.
901
Entretanto, no caso da detenção de um individuo sus-
peito de alienação mental e da guarda dos bens delle, por ordem
da autoridade publica, fora declarada a irresponsabilidade do
Estado; fundando-se a Corte de Appellação de Lucca nas se-
guintes razões, certamente dignas de especial attenção:
Attesoché 1'operato degli agenti di pubblica sicurezza in.
relazione ai caso dei giovane studente Luigi Mediei, ossia l'ar-
resto e 1'associazone di lui alie stanze di osservazione dei R.
ospedale di Piza, non ché 1'assicurazione, la provvisoria custo-
dia e la suecessiva consegna a chi di ragione dei valori ed og-
getti trovatigli indosso e ai domicilio, costituiscono altrettauti
atti di auotritá e di impero posti in essere in un generale inte-
resse, e rientrino tra le funzioni di polizia o di governo, spe-
cialmente contemplate dali' art. 9 delia vigente legge sulla si-
curezza pubblica, che loro impone de vegliare alPqsservanza
delle leggi e ai mantenimento delFordine pubblico, di prevenire
i reati ed a far opera per sovvenire a pubblici ou privati infor-
tunii, uniformandosi a tale scopo alie leggi ed agli ordini
dell'autoritá competente.—Attesoché invano a torto si sostenga
dalPattore signor Nicoló De Mediei che funzioni politiche e di
governo fossero soltanto i provvedimenti stati presi relativa-
mente alia persona, e non quelli riguardanti le cose di proprietã
dei demente, in ordine ai quali ultimi debba dirsi verificata in-
vece la gestione, e quindi incorsa la civile responsabilitâ dello
ao i C. C. Roma 18 Abril 1899.
— 449 —
Stato, imperocché onde c,i abbia atto di gestione, anzi che d'im-
pero sia necessário che 1'interesse patrimoniale dello Stato formi
lo scopo nnico e preeminente deli'atto posto in essere dai snoi
funzionari, e non ne sia ai contrario 1'eventnale indiretta pas-
siva conseguenza. Cosi essendo, senza ragione s'invocano dallo
stesso attore De Mediei in appoggio dei próprio assunto le de-
cizioni delia Corte de Cassazione di Roma dei 22 julho 1876 e
28 março 1881 intorno alie merci sequestrate per sospetto di
contrabando e nelle quali venne animessa la responsabili dello
Stato per la mala custodia delle merci nei magazzini d'ainmi-
nistraziono dogonale, poiché quel supremo collegio ben fu cauto
di dichiarare, in speciale nella seconda di dette decizioni, che
intanto ammetteva quella responsabilità, in quanto che le fun-
zioni che lo Stato compiva per mezzo dell'amministrazione do-
gonale, col ritinere in deposito nei suoi magazini gli oggetti di
contrabbando sequestrati, erano atti di gestione, perche sempre
in modo prevalente ed assorbente avevano in mira la garanzia
deli'interesse patrimoniale dello Stato.—Attesoché dei pari
senza fondamento si voglia dal Mediei affermare che se nei caso
non vi fu gestione nell'interesse dello Stato, vi fu gestione nellin-
teresse dei privato, per la ragione che gli ufficiali di pubblica
sicurezza, e per mezzo loro lo Stato, ricevono un deposito
necessário ai termini dei disposto degli articoli 1864 e 1865 dei
vigente códice civile, per cni rimasero obbligati inforza dell'ar-
ticolo 1856 a restituirlo a chi aveva 1'amministrazione dei beni
dei deponente, il quale, atteso l'avvenuto cambiamento di stato
prodotto dali' interdizione, aveva perduto dopo il suo deposito
1'amminitrazione dei beni. Á prescindere prima di tntto essere
un assurdo il retinere che per l'esercizio di funzioui politiche e
di governo lo Stato ed i suoi funzionari possono entrare in
rapporti contrattuali coi privati, e che un atto d'impero si trás-
formi in atto di gestione per questo solo perche vi si trova co-
munque implicato un privato interesse, é decisivo poi il rilevare
come il deposito necessário sia un vero e próprio contratto che
ha bisogno, alia pari dei volontarío, deli'essenciale estremo dei
consenso, il quale se in questo é spontaneo, in que lio é coatto,
e nei caso di manifestazione di consenso non puó concepirsi inter
venuta fra un demente da un lato e funzionari di pubblica
sicurezza dall'altro, adempienti ad un rigoroso devere di nfficio,
e non obbligati a custodire depositi di veruna legge speciale.
90J
90
j C. App.Lucca 18 abril 1882. — Apud Riccl, ob. cit., n. 307.
30 R. C.
— 450 —
79 e.—Actos ãe policia sanitária. Os actos sobre a hy-giene
publica, embora damnificantes da propriedade privada, mas
praticados segundo ás necessidades evidentes do serviço, são
considerados pela jurisprudência, como medidas de alta tuA tela
ãa saúde publica, a dizer, verdadeiros actos de império; portanto,
não dão ao prejudicado o direito de pedir indemnisação alguma
contra o Estado.
Todavia, a esse respeito cumpre attender: em primeiro
lugar, que essa irresponsabilidade, reconhecida pela jurispru-
dência, presuppõe a ausência de abusos graves ou de excesso de
poder na execução das respectivas medidas; depois, que se trata
tão somente de damnos resultantes ou inherentes aos próprios
actos ordenados em si mesmos, e não, de outros sacrifícios,
impostos conjuntamente á propriedade alheia. Queremos dizer,
os simples prejuízos, soffridos de uma medida sanitária, não dão
direito á indemnisação alguma; mas si, para os fins ou misteres
da medida empregada, fôr necessário damnificar uma
propriedade particular, occupal-a durante um certo tempo, ou
desaproprlal-a no todo ou em parte, o Estado poderá sem duvida
assim fazel-o, prescindindo mesmo, segundo as circum-stancias,
de dadas formalidades legaes, sujeito, porém, em casos taes,
a prestar a indemnisação devida pelo damno que fôr causado. O
principio regulador, na hypothese, é o mesmo da desapropriação
por necessidade ou utilidade publica em geral :
nel caso, cioé in cui Vuso e il goãimento delia privata pro-
prie passa dal privato nel púbblico, si a Stato, provinda o co-
mune, colVobbligo di soddisfare una indennitâ corrispondente ai
valore di quelVuso e goãimento che ju tolto ai privato (coã. eiv.
art. 438) eólia sola differenza fra i casi ordinari di espropria-
zione per púbblica utili, e le oecupazioni ordinate per urgente
interesse púbblico, che per procedere a questa non si riehiède Vos-
8ervanza delle forme dália legge stabiltteper quelle. »
90k
£
o
k
Vide: C. C. Roma 25 maio de 1886.
— 451 —
Semelhante responsabilidade deve cessar numa circum-
stancia: quando, porventura, a cousa damni&cada ou destruída
for, ella própria, a causa do mal contra a saúde publica; por-]
que seria manifestamente contradictorio, que o poder publico
tivesse a obrigação de indemnisar a perda de cousa, « que a
liei, não só, não garante, mas, pelo contrario, prohibe»
9
?
1
.
Aqui, ao "jus utendi et abutendi" se contrapõe, como correc
tivo, o preceito '' neminem laedere ". M
A este prosito também se em Mantellini: « Nas provi-
dencias de segurança e hygiene tomadas pela autoridade compe-
tente e na forma estabelecida nas leis, pôde caber responsabi-
lidade ao funccionario que as ordenou ou dispôz; nunca, porém,
em nenhum caso, debaixo de qualquer razão ou pretexto, terá
logar a responsabilidade civil do Estado. Poderá, mesmo, haver
nisso uma responsabilidade politica deste; civil, jamais ».
90
m
Não precisamos advertir, que o citado autor, segundo a dou-
trina que professa, estende por demais a irresponsabilidade do
Estado ; não sendo por forma alguma de admittir,na hypothese,
essa distincção, entre responsabilidade politica e responsabili-
dade civil do Estado, para chegar ao fim que o mesmo pretende.
00
' C. C. Roma, 18 de junho de 1883 e 14 de novembro de 1889. -~
<3f. O. App. Florença 18 fevereiro 1867 (fechamento de estabelecimentos
Insalubres); C. C. Roma 25 maio 1886 in fine.Apud Ricci, loc. oit., ns. 294,
296 e 808.
oo m Mantellini, ob. oit., p. 84-85. Este autor cita a respeito alguns
julgamentos, em que fora condemuado, não o Estado, mas o autor do facto,
taes como: a) um engenheiro civil pelos damnos causados com a des
truição arbitraria de plantas (O. C. Bruxéllas 31 de julho de 1845); 6) um
oficial sanitário pela morte de um animal, erradamente declarado, como
soffrendo de mal contagioso (Trib. Liéges 30 abril de 1846); c) o director
dos cárceres por ter dado fuga a um devedor detento (T. Bruxéllas 2
agosto de 1848); d) o guarda dos cárceres por ter deixado escapar um
detento (C App. Florença 10 de julho de 1849): e) um oficial da segurança
publica por ter feito uma detenção arbitraria (T. Bruxéllas 13 agosto
do 1848), etc. - Cf. Meneei, ob. cit., p. 305, sg. 4
— 452 —
79 f. Obras Publicas. Com relação aos damnos proveni^
entes de obras publicas, ou estes se dêem no simples acto de-
execução das mesmas, ou como consequência das construcções
feitas, a jurisprudência tem sido no sentido de reconhecer a
responsabilidade do Estado, isto é, de obrigal-o a prestar a
indemnisação conveniente. Servem de exemplo os casos se-
guintes:
1) Feito o abaixamento dos paredões roarginaes de um
canal publico, e disto provindo a inundação das propriedade»
visinhas, não obstante as disposições da lei, que haviam au-
torisado o governo para assim fazel-o, a Corte de Cassação re-
conheceu á parte lesada o direito de indemnisação; fundando-se,
além de outras razões, na de que a propriedade particular fora
occupada temporariamente (durante o escoamento das aguas) sem
se haver dado na espécie o caso caracterisado de foa maior.
901
*
2) Do mesmo modo se tem decidido que, si, em conse-
quencia de obras executadas nas ruas e praças publicas, resultar
damno aos edifícios particulares fronteiros, assiste aos
proprietários destes o direito de uma justa indemnisação; me-
recendo ser mencionadas as razões, que numa das espécies su-
jeitas, foram adduzidas pelo tribunal, ao tomar em consideração-
as duas escolas diferentes a propósito da matéria:
I/una sostiene non competere ai privati, e in nessun caso
T
il
resarcimento dei danni cagionati alie loro proprietà immobi-
liari dai innovazioni fatte sulle vie o piazze pubbliche, argo-
mentando dalla pienezza delle facoltà di disporre di tali beni,
spettanti alio Stato, alie Provincie, ai Comune. Per tal pienezza
di facoltà la Pubblica Amministrazione damnum non facit pel
noto aforismo delia legge 151, Dig. ãereg. júris.
La contraria scuola invoca essenzialmente l'equità natu-
rale riconosciuta dalla legge sulT espropriazione per causa di
pubblica utilità e, se nelle altre argomentazioni ene non é qui
acconcio riferire si suddivide, é peró concorde nel conehiudere
oon VWe: C. C. Torino 28 de dezembro 1888.
*A ™U
— 453 —
che ai fronteggianti suUa pubblica via è dovuto il resarcimento
non dei danni rainirai e passaggieri, ma dei danni gravi e per-
manenti. A quest' ultima opinione accede non solo per le ragioni
che si possono desumere dalla naturale equità, ma anche per
quelle che risultano dall'indole stessa dei diritto speciale, a cui
sono soggetti i beni destinati ai pubblico uso nelle cita e nei
villaggi. Che la naturale equità assista ognuno che viene a sentir
danno pel fatto altrui eccedente il diritto, non ha bisogno di
dimostrazione. E' pregio deli' opera invece Pesaminare se la
pubblica amministrazione pella natura giuridica dei beni di cui
si tratta, e per la loro speciale destinazione, abbia il piít effre-
nato potere di usarne e di abusarne senza incorrere in alcuna
responsabilità verso i cittadini, o se questi per la natura stessa
di detti beni non abbiano alia lor volta dei diritti d'uso da do-
versi rispettare, da non potersi senza risarcimento violare.
Rimontando alie sorgenti dei diritto, per attingere un
límpido concetto delia natura ed índole giuridica dei beni in
quistione, è facile il convincersi che il domínio attribuito ai
Com uni sui beni destinati ali'uso pubblico é un domínio tutto
speciale che non trova perfetto riscontro nei domínio dei pri-
vati sul próprio fondo, nelle leggi che regolano i rapporti di
•domínio fra privati. Quei beni, come li chiama Volf nelle sue
Istituzioni ris naturae, sono resiãuae primaevae communionis.
La stessa ragione che strinse gli uomini nelle prime so-
cietà, il provvedere cioè ai besogni di ciascuno col concorso e
1'aiuto di tutti, ha costituito il villagio, la città. Prima cura di -
queste società primordiali fu l'ordine e la difeza, e fu cosi che
si fecero bastioni, recinti, fossi, cimiteri, piazze e vie destinati
ali' uso di tutti.
La necessita dei luoghi pubblici, la cura di essi, indusse alia
creazione di magistrati, che nell' interesse di tutto il governo
(Domat, Traitè des lois) provvedessero alia manutenzione di
questi pubblici luoghi cui contribuiscono i cittadini in propor-
cione dei loro averi, o col frutto di quei beni comuni cosi detti
patrimoniali, che anch'essi furono alie cure dei magistrati com-
messi. La proprietà adunque di codesti beni desitnati ali'uso
pubblico (secondo la lora primitiva Índole) è di tutti i cittadini
di nessuno di essi; son beni fuori di commercio, aífetti ali'inte-
resse dei civile consorzio, soggetti solamente a quelle modifica-
zioni che 1'utile dei piú, oioé il pubblico utile, richiede ; non puó
il diritto privato regolarli colle norrae comuni delia proprietà e
dei prossesso, ma debbono essere governati da um diritto
— 454 —
publico e speciale, consentâneo alia loro destiuazione, a quel
tácito patto pel quale i prirai occupanti entrando in società, li
lasciarono indivisi quasi res communes necessarie alie riunioni
di abitazione, come 1'aria, la lace, clie sono di nessuno, ai pari
necessarie perche mezzo di godere delia luce e delTaria in queir
aggregazione di case e di famiglie, che si chiamano città, bor-
ghi, villaggi.
Da ciò si scorge qnale sia il domínio che la legge positiva
attribuisce su detti beni alio Stato, alia Província, ai Comune -J
non ê un ;'«« proprium, un domínio assoluto, una facoltá di
usarne e di abusarne, che è la misura delia prívata proprietà, ma
un potere di regolarli e di amministrarli in conformità delle loro
destinazioni, avendo di mira il vantaggio dei piú senza
1'assoluta íattura dei meno. La massima adunque qui jure sito
utitíir nemini injuriam faetre videtur, se trova nei rapporti tra
privati ampia applicazione, perche il domínio dei privati é piú.
esteso ed assoluto, non puó averne altrettanta nei rapporti tra
Comune e cittadini intorno ali'uso di codesti beni.
E la ricognizione implícita di tali principii, desunti, come
si é visto, dalla natura e dalla destinazione di codesti beni non si
recerca invano nt>lla legge vigente.
L'art. 432 dei cod. civ. li riconobbe col disporre che la
destinazione di esse beni, il modo e le condizione deli'uso pub-
blico, sono determinati da leggi speciali.
L'art. 22 sulla legge delle opere pubbliche, nei dichiarare
che il suolo delle strade comunali è proprietà dei Comuni, si
affreta a soggiuogere : nelFinterno delle città e vellaggi fauno
parte delle strade comunali le piazzi, gli spazi, ed i vicoli ad
esse adiacenti ed aperti ali' uso pubblico, restando ferme però le
consuetudini, le convenzioni esistenti, ed i diritti acquisiti.
Si ha, dunque, per ricognizione dei legislatore, che i citta-
dini possono avere sulle strade, piazze e vicoli comunali non
solo dei diritii civitatis, ma anche dei diritti uti singuli, dei di-
ritti acquisiti. B non poteva essere altrimenti, poichè avrebbe
ripugnato a ragione ed a giustizia che i privati i quali elevano
ediflzi fronteggianti le pubbliche vie, e costituiscono il mate-
riale delia cita, assoggettandosi nelle loro fabbricazioni alie
esigenze edilizie, non avessero acquisito alcun diritto e potes-
sero impunemente venir danneggiati dalle immntazioni e novit
fatte sul pubblico suolo stradale.
Ma v'ha di piú: il legislatore non manca di riconoscere il
consequente diritto d'indennità spettante ai privati, dispo-
— 455 —
nendo àll'art. 46 delia legge 2 gingno 1865 in termini generici,
che è dovuta un indenuità ai proprietari dei fondi i quali dali'
esecuzione delle opere di pubblica utili vengono gravati di ser-
vitíi o vengono a soffrire un danno permanente, derivante dalla
perdita o dalla diminazione d'un diritto.
Posto, per le premesse considerazioni, in evidenza, che il
domínio dei Comune snlle strade pubbliche è un domínio
speciale, non assoluto, ma a titolo d' ammistrazione e di tutela
nell' interesse dei piíi: che i cittadini hanno sulle pubbliche vie
e piazze pubbliche, non sol tanto i\jus civitatis, ma possono anche
avere un jus qucesitum, che la legge stessa riconosce e ríspetta ;
che il principio d'indenuità ai privati per la diminuzione d'un
diritto cogionato da un'opera di pubblica utilità é dalla legge
sancito, ne deriva necessariamente, facendo applicazione ai
caso concreto, che 1'Astengo habia diritto ad una côngrua in-|
dennità ogniqualvolta sia provato che dalla costruzione delia
tettoia sulla piazetta delle Lavandaie un suo diritto sia stato
leso, ed egli ne abbia risentito danno permanente. »
90
°
—Tão claras e circumstanciadas tem sido as decies, cujas
transcriões temos feito, que nos julgamos dispensados de pro-
seguir na citação de outros casos particulares, relativamente
aos actos legaes ou ordenados sem culpa por parte do Estado.
As espécies, sobre que versam as decisões alludidas, bastarão
certamente, como exemplos da doutrina seguida a respeito de
semelhantes actos.
w
p
80.—ACTOS ILLICITOS EM GERAL. E' guardada neste ponto
a conhecida distincção, entre os damnos cansados por actos
800
C. App. Génova 29 março 1878. Cf. Cass. Florenza 14 fevereiro
1881; Cass. Torino 8 março 18S2; C. App. Palermo 17 março 1882;
C. App. Bologna 27 julho 1883; Cass. Roma 8 janeiro 1884; Apud Rioci,
loo. cit., n. 298. I
00
P Dando a integra de algumas decisões das cortes italianas, como
ora vimos de fazel-o no texto supra, fizemol-o, não só em reconhecimento
do grande valor, que hoje tem as letras jurídicas dessa nação, como ainda,
levado do pensamento particular, que já tivemos occasião de manifestar
noutro logar, (Hic, p. 110, nota.*)
— 456 —
ou factos sujeitos a um vinculo contractual, e os damnos extra-
contractuaes, isto é, resultantes das funcções publicas, por dolo,
culpa, negligencia, ou impecia dos funccionarios.
I. Damnos provenientes de relões contractuaes. Em
todos os casos de contractos, seja para explorão de emprezas
ou industrias, seja para a execão de obras publicas e forne-
cimentos, seja sobre o deposito e guarda de valores, etc, desde
que, pelo acto respectivo, o funccionario obrigar o Estado, como
contractante, se de affirmar que a responsabilidade deste
ultimo pelos damnos, provenientes de não-cumprimento ou de
qualquer infraão,—é a regra geral da jurisprudência.
91
E esta regra prevalece, ou se trate de contractos propria-
mente ditos, ou de actos de concessão, arrendamento, etc., nos
quaes se o vinculo contractual, como notadamente succede
nas concessões sobre bens patrimoniaes do Estado, nos arrenda-
mentos de agua, pesca, minas, e outras semelhantes
91
"
01
« Se si tratta di contratto delVuffiziale deputato AD CONTRAHENDUM, a
nessuno mal è venuto in mente che in vigore di guesto contratto non resti il fisco
obbligatoò per essere la esecuzione dei contratto delittuosa, o fatta
dalVu/fiziale con dolo e contro le leggi devesi render deteriore la condizione dei
compratore, non complice dei medesimo dolo... Ma nel caso d'uffiziali deputati
ad amministrazione, o deputati a qual un sivoglia genere di contratti, non v'e
dubbio che il príncipe che li ha deputati è tenuto non solo pei loro contratti, ma
anche, per ogni danno cagionato ai contrahenti dalla loro colpa e dolo, pro-
ceãendosi in tali cosi con le regale delVazione institoria... Alhragioua esami-nare
se sia il caso di limitare Vaccennata regola dell'obbligazione dei preponente pel
contratto o dolo dei suo uffiúale,—nel caso che Vuffiziale abbia contrattato o
delinquito fuori dei limiti dei suo offkio...»
Estes considerandos são tirados do voto de Pompeo Neri na Florentina
pretii locorum montium montis redimibilis (31 julho 1737 e 18 setembro 1742) e
que se encontra na "Baccolta delle decisioni" do mesmo Pompeo.—Apud
Mantellini, ob. cit.,p. 159-165.
oi * Vide: Meneei, loc. cit., p. 262 sg. Este autor cita decisões judi-eiaes,
confirmativas da regra supradita. Cf. Chlroni, Colpa Gontrattuák\ ns. 235 e notas
íbi.
— 457 —
Relativamente às ultimas espécies, se podem indicar os
seguintes julgamentos: I
a) Certas obras ordenadas pelo Prefeito de Ferrara nas
lagunas de Comaechio, tendo prejudicado ao arrendatário da
pesca (Vaffituario delia pesca) em taes lagunas, este reclamou, e
obteve decisão favorável da Corte de Cassação de Torino pelo
damno soffrido (C. C. Torino 15 abril 1869, — caso Gastàldi).
b) A administração Publica não pode avocar o direito de
pesca, que haja concedido sobre um* rio publico, sem prestar
ao concessionário uma justa indemnisação (C C. Torino 24
maio 1882).
c) Quando, porém, uma concessão ou adjudicão (d'un
appalto) se tornar incompatível com a lei do Estado ou com al-
guma regalia do mesmo,—ao concessiorio, que fôr privado do
contracto, cabeapenas o direito "alia remissione dei none :
tunc mercês betur pro rata temporis, ma non aliquid interest''.
I(C. App. Florença 2 setembro 1861; C. C. Florença 17 março
1863).
91b
II. Damnos provenientes de relações extra-contractuaes.
A doutrina predominante, quanto a este ponto, tem sido, como
se disse, a de que o Estado responde pelos damnos causa-
dos na pratica dos actos de gestão, excluída a responsabilidade
do mesmo, relativamente aos actos de império.
Mas, alem de que na pratica sempre bouve, em todo tempo,
excepções ao preceito da doutrina geral, apparecem agora re-
centes decisões, que, procurando mesmo destruir a própria dis-
tincção consagrada, não duvidaram affirmar o principio, em
nosso entender, único verdadeiro na matéria,— de que onde se
dá uma lesão de direito, ahi deve haver uma reparação, sem
cogitar da natureza do acto, causador da lesão.
81
b
Cf. Mantellini, loo. oit., pag. 67.
— 458 —
Mais adiante se fará. menção especial das decisões recen-
tes, á que vimos de alludir; vejamos, porém, antes disto, alguns
dos casos, em que o Estado tem sido declarado civilmente res-
ponsável :
a) Por haver o Ministro do Commercio feito sequestrar,
sem motivo legal, uma patente de invenção (brevetto 'd'inven-\
zione) (C. C. Torino 30 dezembro 1871).
b) Pela subtracção de um processo feito em favor da liber-
dade provisória de um individuo (C. C. Torino 20 julho 1871).
Entretanto, dado o furto dos autos de um corpo de delicto, por
negligencia na sua guarda, se declarou que o Estado não era
responsável. (C. C. de Palermo 30 agosto 1872).
c) Pela recusa de mandar reabrir um moinho, depois de
absolvido o industrial da pena de contravenção, que sem razão
se lhe havia imposto (C. C. Torino 9 dezembro 1875, no Foro
Italiano de 1876, p. 273).
d) Pela subtracção de sommas em dinheiro depositadas na
Alfandega para despezas aduaneiras (C C. Torino 13 maio 1879).
e) Como possuidor de bens ou ezplorador.de emprezas e in-
dustrias, o Estado é considerado igual & um particular. Por isto,
si para tirar agua de um seu moinho, elle faz executar obras, que
privaram d'agua a um edifício hydraulico, situado na mesma
corrente abaixo, deverá responder, como qualquer individuo
particular: " attetoehê avea lo Stato in questo caso agito come
privato e non in virtu dei suoipoteri oVamministrazione, e d'alta
tutela mi corsi d'acqua..."
91
c
f) Si uma via publica ou estrada, cuja construcção ou con-
servação pertence à Administração Publica, achar-se em estado
perigoso para as pessoas ou cousas que por ella transitam, dita
oi« Os autores italianos citam precisamente a respeito, como de boa
doutrina, a decisão da Corte de Cassação de Paris de 23 abril 1844 (Sirey,
44, 1-712).
— 459 —
Administração, seja o Estado, a Província, ou a Communa, res-
ponde pelos damnos causados (C. G.Florença 10 fevereiro 1890).
>*- O damno na espécie decidida se dera por motivo da rotura
das taboas de uma ponte na occasião, em que pela mesma passa-
vam carros de particulares • tendo sido condemnado á Communa
a pagar a indemnisação pedida.
g) Si da construcção defeituosa de um palco pertencente á
uma Communa resultar alheio damno, ella deve a justa indem-
nisação do mesmo.--Tal fora a decisão da C. de Cassação de
Florença (27 junho 1889) pelo accidente soffrido por um actor
durante o espectáculo; declarando-se na citada decisão, que o
acto do Syndico reputa-se acto do Conselho Communal.
h) No caso de damnos de projectis, sahidos da linha de tiro,
organisada pelo governo para a instrnão dos soldados ou cida-
dãos, foi também reconhecida a responsabilidade da adminis-
tração ; dizendo-se nos considerandos: A organisação da linha
de tiro presuppõe a construcção de um anteparo para o alvo,
capaz de conter o projéctil na sua força, o, conseguintemente,
fora da possibilidade de offender as pessoas ou a propriedade
alheia. E pois, desde que o anteparo não se achar nestas condi-
ções, e por isso os projectis sahidos o offender aos individuos
pessoalmeute ou damnificar as suas cousas, aos lesados compete
o direito de pedir a indemnisação do damno soffrido (C. Àpp.
Torino 21 janeiro 1889, e 10 março 1891).
i) Por haver o syndico municipal feito sequestrar um ca-
vallo e carro de praça durante maior tempo, do que a lei autori-
sara, foi a fazenda municipal condemnada â prestar indemnisa
ção, o obstante o sequestro se ter dado nos casos, que a mesma
lei o admittia (C. C. Florença 16 janeiro 1902).
91d
I
91 a Damos om seguida a integra desta decisão, na qual a distiucçao
dos actos de império e gestão foi posta inteiramente de lado. Na sentença
de primeira instancia (Tribunal de Pisa) se disse: «Não se pôde duvidar
que a responsabilidade indirecta do art. 1153 do cod. clv., relativa ao
— 460 —
j) Igualmente por haver o syndico municipal mandado de -
molir uma carvoaria, concedida por arrendamento, mas decla-
rada prejudicial à saúde publica pela autoridade sanitária, foi
a fazenda municipal obrigada á responder por perdas e damnos;
vincolo institorio, convenha á Communa, como a qualquer outro ente publico.
As administrações publicas devem indubitavelmente responder pelos actos
dos seus representantes, seja que elles tenham causado damno era obriga-
ções contractuaes, ou de outro modo.—"Nèéil caso ãi segvire la troppo vaga
eperkohsa distinzione tia atti aVimpero ed atti digestione, non esseovi akuna
ragione di eselere la responsábilidelia amministrazione per gli atti ãi im-
pero quando siano arbitrarii ed illiciti"- A única indagação a fazer ó, ao con-
trario, a de verificar si o acto praticado pelo funccionario seja: —licito, isto é,
fundado em disposições de lei ou regulamento;discricionário, isto é, cabivel
na esphera discricionária que a lei e os regulamentos deixam á administra-
ção; —ou illicito, isto é, consistente em uma violação das normas jurídicas
administrativas, estabelecidas nas leis e regulamentos. No primeiro e se-
gundo caso, nenhuma responsabilidade pôde recair nem sobre o funccionario
nem sobre a administração; no terceiro caso, pelo contrario, a administra-
ção deve responder pelo acto illicito sem distincção entre actos de império
e actos de gestão. E' o que resulta do próprio art. 2° da lei de 20 março
1865, allegato-E, sobre o Contencioso Administrativo, onde, como dispo-
sitivo geral e illimitado, e em relação cora outro do successivo art. 4° se
affirma, — que a administração publica pôde ser chamada a juízo, toda vez
que se questione da lesão de um direito, quer civil, quer politico. No caso
presente se tem em primeiro logar um acto illicito e lesivo, commettido pelo
funccionario ou por funccionarios propostos a policia municipal de Piza, e
consistente em se ter illegalmente detido, além do termo marcado no regu-
lamento, o carro e o cavallo sequestrados... Em sogundo logar, nos func-
cionarios da policia municipal concorrem todas às condições exigidas do
vincolo institorio em respeito á Communa: ha um mandato estável, um
cargo a exercitar em nome da Communa commíttente, e uma ordem hie-
rarchica sob a fiscalisação directa das supremas autoridades autarchicas da
Communa. Em terceiro logar, é indubitável que o acto illicito fora com-
mettido pelo inspector da policia municipal no exercioio das suas funcções.
E* evidente que, em vista do art. 1153, 3
o
do cod. civil, as administrações
publicas, como os particulares, não podem responder por actos de seus
funccionarios, praticados fora das faculdades que lhes conferiram, não se
dando em taes casos a relação de mandato. Mas quando o acto não pecca
por incompetência, e sim somente por excesso, irregularidade ou {ilegitimi-
dade, estando, todavia, o funccionario autorisado a pratical-o, — a adminls-
— 461 —
visto a fabricação do carvão não se achar incluída no elenco
das industrias insalubres segundo o respectivo regulamento (C.
App. Nápoles 18 abril 1902.)
91e
traçao fica, sem duvida, obrigada pelo mesmo. Ora, si é certo que "il faie
contravenzioni e sequestri e il prendere misure disciplinar i in mataria di vet-
ture pubbliche neutra nclla exclusiva competenza delVufficio di polizia tniud-
cipals," também o é menos que "Vatto delia íUicita protrazione di
sequestro avvenuto in danno... deve ritenersi commcsso da queWufficio nelV
esercizio delle funzioni affidate dal comune".Nem se de objectar valida-
mente que, no caso, tendo havido culpa da parte do lesado, a culpa deste
elide a da administrão conforme o principio: qvi occasionem danni dat
causam danni jtratstitisse videtur. O facto iUioito do lesado (desobedncia a
ordem da autoridade respectiva) dera causa, é verdade, ao sequestro, mas
nao, ao prolongamento deste além do prazo regulamentar ; excedido este,
o lesado tinha direito a restituição dos seus objectos; o facto do prolonga-
mento excessivo se deve imputar exclusivamente à culpa da policia muni-
cipal . Do contrario, se teria do afOrmar, que a administração podia pro-
trahir, ao seu arbítrio, os prazos da lei, as providencias coercitivas, embora
tomadas em prejuízo dos cidadãos... »
Taes foram os fundamentos, em que se baseou a decisão, para cou-
demnar a fazenda municipal, como se disso acima no texto.
01
a
Nesta decisão também se sustentou doutrina, que por certo nao
confere com a regra geral da "distincçfto dos actos", como se vao vôr:
«Avrebbero dovuto, invece, i primi giudici considerare che quando puré il sin-
daco di Barra avesse agito jure imperii e non JURE QESTIONIS e come cupo
dei Munipio, la potestà degli ufliciali dei governo acendo forza dalla legge
non si estende oltre i 'imiti delia stessa c perció, ove manchi la legge, cessa lo
impero t xubentra Varbitrio che fa rispondere dei danni cagionati. Le ordi-
natize dei sindaco di Barra, come sopra ri è detto, non erano fondate in legge,
e non possono godere delia garentia amministrativa, ma conte lezione di un
diritto privato obbligano pel risarcimento pel principio generale di giustizia
consagrato nelVart. 1151 C. O. II sindico per Vart, 151 delia legge com mu-
nais e provinciais può adottare i provvedimenti contingenti ed urgenti che
derivano dai suoi poteri tanto quale capo delVamministrazione comunale, che
quais uffltiale dei governo, giusta gli art. 149 e 150 delia detta legge; dai
cosi concreti p sta'>ilirsi in quale qualitd abbia agito. Le surriferite ordi-
nanze dei sindaco di Barra sono stats emanate nella orbita degli interessi
loli, accsnmndosi a reclami degli abitanti d-l palaszo Bisignano ed ai rego-
lamento locais di polizia urbana; perciò acendo agito quale capo * rappresen-
tante dei Comune, le conseguenze gravano sullo Erio municipais, essendo
— 462 —
h) Tratando-se de mercadorias entradas nas alfandegas,
embora ahí retidas pela falta do pagamento dos impostos, a
responsabilidade do Estado é completa, no caso de deterioração
ou desapparecimento das mesmas; visto tratar-se, na hypothese,
de simples geso patrimonial (C. C. Nápoles 1 dezembro 1875;
C. C. Roma 25 fevereiro 1748, e 25 março 1881).
91
f
l) Mas, em maria de contrabando, isto é, quanto aos actos
de sequestro e outros praticados, como meios de prevenil-o, a
jurispruncia seguida é em favor da irresponsabilidade do
Estado; visto tratar-se de acto de imrio (C. C. Roma 31 julho
1876; C. App. Ancona 15 dezembro 1877; C. C. Roma 11
janeiro e 7 de maio 1877, 25 fevereiro 1878, e 17 fevereiro
1881).
91s
m) Com relação aos depósitos da " Cassa dei depositi e
prestiti" em particular, a Corte de Appellação de Brescia con-
demra (6 março 1877, caso Motti) a "Caixa" a entregar os
valores, e o "Debito Publico" a dar os titulos, de que o respe-
ctivo funccionario se havia apropriado. Mas, sob o fundamento
consenneo á giustizia che chi si giova dei fatto dei suo rappresentante risenta
\anche i ãanni dei costui operato: "ab ordine elechis, experiri potest.. ? per
sgndicos hae omnia solent explicari (L. 6 § I
o
D). Quod cujusque univer-
sitatis nomine vel contra eam agatur". H che trova tanto piU applicazione\
nelVattuale sistema dei sindaco élettivo creato dal voto delia maggioranza ãegli
elettori che stabiliscono la rappresentanza delia comunità. '' Sicut moda
sentimus ex actu institovum aquum est ita etiam óbligari nos ex contractibus
tpsorum et convenini'' (L. 1 D. de inst. act.).—Apud Solari, ob. cit., p. 16-18.
91
f
Rioci, loo. cit., n. 309; P. Mazzoni, ob. cit., t. IV, p. 154, notas.—
Numa decisão antiga do Trib. Civil de Florea (3 fevereiro 1855, caso Dini)
se dissera: «o la mercê é mancai a senza dolo o colpa dei eustodi, e resta
estinta ogni azione ed obbligazione respectiva, o émancata pel dolo e la colpa
lata di essi eustodi e la dogana non é tenuta a nulla, secondo le massime di
ragione, che VErário déllo Stato o dei Príncipe non è responsabile dei fatto
itticito dei ministri». Apud Mantellini, ob. cit., p. 186. N&o é, porém, esta
a doutrina seguida pela jurisprudência italiana.
81
« Vide: Mantellini, loc. cit., p. 115 ; Cf. Rioci, loo. cit., na. 305-806.
— 463 —
de se ter provado, que a parte não tinha cumprido inteiramente com
as disposições regulamentares nos actos concernentes à entrega dos
titnlos (Ta concegna non risultasse effettuata nei Inoãi e secondo le
forme dei regolamenti), a Cassação de Torino annul-lou a sentença
da Corte' de Brescia (8 novembro 1878). Uma decisão da Corte de
Cassação de Roma (25 junho 1878, caso Topi) absolveu também a
Caixa no caso de um furto de dinheiro levado à Thesouraria,—
baseando-se no principio geral, de que o proponente não responde
pelos delictos do preposto, assim como na consideração particular,
de que o depositante entregara o dinheiro a um outro funccionario,
que não o próprio thesoureiro.
91
h
91
h
Pela sua importância damos aqui os fundamentos da decio su-
pradita : " Decisione delia Gassazione di Roma nélla Cama Topi, publicata
alVuãienza dei 25 giugno 1878; F. Bona&i estensore". «La responsabilità
dei preponente, come lo si è superiormente avvertido, riposa snlla pi-esun-
zione delia colpa di lai di avere scelto una persona incapace, imprudente o
disonesta, per affldarle un deter mina to iar ico. La responsabilità non po-
tendo eccedere i limiti delia colpa, è quindi necessariamente circoscritta ai
casi nei qaali il preposto abbia agito in forza delia scelta cbe il preponente
ha fatto cadere sopra di lui. Tutti gli abusi portanto cbe il preposto com-
metta neH'esercizio delle funzioni affidategli quand'anche raggiungano gli
estremi di um reato, ricadono per le couseguenze civili sul preponente,
avendo la loro radico nellascelta; ma per laragione inversa il preponente
non p mai essere chiamato a rispondere dei fatti commessi dal preposto
all'infaori delia sfera (Vazione che colla scelta gli era stato assegnata.
E se in nessun caso è licito preterire da questo critério nei quale è riposta
la ragione delia legge, meno che mai è permesso di farlo a propósito di un
reato avvegnachè se la legge ha voluto spingere il rigore fino a sottoporre
il preponente ai danni causati dal reato commesso da un terzo in base a d
una eolpa meramente presunta, non può il magistrato aggravare la dispo-
sizione allargando la presunzione delia colpa ai di-là dei limiti entro i quali
è dalla ragione non meno che dalla legge circoscritta.La distinzione adot-
tata dalla Corte deriva dalla confazione che essa ha fatto delia teórica dei
mandato con quello delia preposlzione, ed implica un doppio errore. Nella
ipotesi dei fatto lecito la Corte infatti ritiene il preponente responsabile in
quanto il preposto abbia agito nei limiti precisi delia commissione, sicchè
ML
— 464
w) Entre as questões sobre a responsabilidade civil do
Estado nenhuma occupára mais a attenção dos tribunaes judi-
crios da Itália, do que a de saber, si elle é, ou não, responsa*
vel pelas sommas pecunrias e titulos de credito, dep ositados
em o do chanceller (funccionario da justiça) para a satisfa-
ção de custas e outros misteres de ordem judiciaria, e para o
pagamento de direitos ou taxas fiscaes. A julgar pela lição dos
autores, a doutrina prevalecente nas decisões seria a da irres-
ponsabilidade do Estado, nos casos de subtracção ou desvio dos
lo fa rispondere dei fatto próprio in virtú dei mandato e ai termini dell'ar-
tieolo 1151, mentre pretende di applicare 1'articolo 1153 • nella ipotesi dei
reato lo fa rispondere bensi dei fatto altrui ai termini deli'ar ticolo 1153 : ma
sostituendo nn critério vago ed arbitrário alia condizione netta e precisa
stabilita dalla legge.
D'altra parte oocorre appena avvertire come sia erróneo 11 ritenere-
che il proposto non possa mai delinquere senza nscire dalTeseroizio delle-
incombenze affidategli. Di delitti comessi dal proposto nella cerchia delle
sue attribuzioni si possono addurre esempi flagranti, senza nscire dalla
ipotesi dei pubblici funzionari, anzi dalle funzioni precise intorno alie quale-si
controverte.
Se infatti il tesorière riscnote una somma delia qnale la legge gli
delega la esazione, ma invece di versaria nella cassa la converte in uso-
próprio ; si il controllore nell'esercitare il sindicato che gli è affldato dis-
simula le irregolarita delia gestione dei tesorière per aggvolarne le sottra-
zioni; delinqnono senza dubbio nell*esercizio delle loro incombenze inquan-
tochè non fanno che volgere ad un fine colpevole le attribuzioni delle quali
sono rispettivamente invéstiti.—Delinquono invece fnori dell'esercizio delle-
funzioni loro, se per uno scopo criminoso escono dalla sfera di azione loro
rispettivamente assegnata e anzichè abusare delle proprie, usurpano le-
attribuzioni altrui, come appunto nel caso dei controllore che per impadro-
nirsi di una somma spettante aU'amministrazione pubblica, assuma la veste
di tesorière.
Del resto se vi ha caso nel quale sia evidente la necessita di non
perderei di vista la condizione alia quale 1'articolo 1158 subordina la rei-
ponsabilità dei proponente, è quello in cui sia invocata la responsabilità
dello Stato pel fatto dei suoi funzionari. Lo Stato come ogni altra persona-
morale non p esplicare la própria azione senonchè per mezzo dei suoi
delegati. Nessun altro Ente però é obbligato a ricercare nel suoi agenti atti-
— 465 —
depósitos referidos.
011
Mas, examinadas as decisões partícula* res,
destas se verifica que os tribunaes admittiram as seguintes
distincções: 1) Em uns casos se afíirmara a responsabilidade do
Estado, partindo simplesmente da natureza do deposito sem tomar
em consideração o seu fim especial, sendo o funccionario,
recebedor do mesmo, encarado como verdadeiro agente da fazenda
publica; 2) Em outros casos se entendera, ao contrario, que o
funccionario, recebendo o deposito por dever de officio e por
disposição da lei, e não por encargo do poder executivo, devia elle
ser sempre considerado na sua qualidade de empregado judiciário,
e, consegaintemente, o seu acto em nada obrigando a
Administração ou a Fazenda Publica; 3) Em outros casos,
finalmente, se procurou adoptar uma doutrina intermédia, segundo
a qual, si o deposito fosse feito para o pagamento de taxas e
despesas judiciaes, elle se considerava validamente feito sob a
responsabilidade do Estado, e portanto, este obrigado a indemnisal-
o na hypothese de sua subtracção; si, porém, dito deposito fosse
feito para um fim de interesse particular do individuo, como por
exemplo, o deposito do decimo do preço do leilão ou arrematação
para o individuo poder con-
tudiní pia disparate onde ciaseuno di essi risponda alie esigenze dei próprio
uffieio, nessuuo avendo fanzioni tanto nnmerose e svariate quando lo Stato
considerato anche semplicemente come persona giuridica nell'esercizio delia
gestiono económica.
Pretendere ohe egli eia tennto dei danni recati da nn funzionario
nella sfera d'azione d'un altro, vale quanto esigere che ia ciaseuno dei suoi
ageati concorrano le gaarentigie necesrio all'esercizio di ogni sorta
d'ufflcio e tutto questo per indulgere per alia leggorezza degli amministrati
1 quali coutraggono rapporti con un funzionario per nn affare demandato
ad nn altro. La Corte d'appello avrebbè dovuto tanto piú rendersi conto
deirassurdità di qnesto sistema, inquantoo nella specie si trattava delle
fanzioni dei tesoriére pel quale lo Stato oltre alie guareatigie morali co-
mnni agli altri impiegati esige una cauzione pecuniária proporzionata alia
entità delia gestioue.» Apud Mantellini, loc. cit., p. 183-84.
01l
Ricci, DeUe Obbligaziorii, n. 301; Mantellini, ob. cit., p. 100 seg.
30 R. C
— 466 —
correr, a perda do deposito não daria acção alguma contra o
Estado.
01
J %
— Segando Meucci, esta questão dos depósitos judiciários
fora sempre mal posta, sendo encarada, como obrigação ex-quasi
delido, quando se tratava realmente de uma obrigação contra-
ctual de deposito: «Ese v'è caso in cui la teórica delia distinzione
delle due persone vesse concludere ad ammettere la responsa-
bilità ãello Stato, era quéllo dédepositi giudiziari. Eppure vi fu
negata, e ciò sia perche si sblagstranamente la qualificazione
delia personalità spiegata dallo Stato in quel caso, sia perche in-
vece ãi prendere di mira bbligo contrattuale deUo Stato per
depositi si ébbe in considerazione solo il fatto illicito INCIDENTE
dei funzionario che li sottrae. »
91k
01
i P. Mazzoni, Inst. di dir. civ. ital., t. IV, p. 153. Este autor cita
numerosas decisões judiciaes em abono da jurisprudência, de que acima se
fez menção, distinguindo as differentes espécies de depósitos. Cf. Vittore
Vitali, ob. cit., ns. 297-299.
91
k
Meneei cita igualmente grande numero de decisões das cortes -
italianas, umas reconhecendo a responsabilidade, e outras, a irresponsabili-
dade, na matéria dos depósitos judiciários.—Diritto Amministratwo, p. 259,
nota 3, e p. 261.
Mantellini sustentara a não-responsabilidade do Estado nos casos
acima alludidos : « Sia che lo Stato apponga guardie a tutela delle cose e delle
persone, sia che apra registri dove notare e transcrivere fatti o atti civili, la sua
funzione intenda a fine politico necesrio o contingente, i rapporti non mutano,
e come lo Stato non garentisce dai furti, dalle rapine, dalle offese, cosi non
dai dan per omissioni o irregolarità negli annotamenti, sia bene o inale
ordinato il servizio... U cancellière è ufficiale ãelVordine giudiziario... E
neWamministrazione delia giustizia lo Stato ri/mane ente politico, nè può mai
risalire a lui rapporto di civile responsabili.—Ob. cit., p. 103-112. Cf.: C. C.
Nápoles 5 fevereiro e 26 novembro 1876,1 junho 1878 ; C. C. Torino 8
novembro 1878; C. C. Palermo 19 janeiro 1878.
De resto, observa Lomonaco (Delle Obbligazioni, 1.1, p. 283 nota), a
questão da responsabilidade do Estado pelos depósitos alludidos deixou de
ter razão, depois que a lei de 29 de junho de 1882, n. 835, regulara essa
matéria de modo definitivo, ordenando que os depósitos judiciaes fossem
feitos na "Cassa dei depositi e prestiti".—Se poderá ainda ver: Chironi, Colpa.
Contrattuale, ns. 237 sg.
— 467 —I
81.— Agora ao encerrar o capitulo, sobreleva ainda ajuntar
duas palavras sobre a doutrina da "distincção dos actos," a
qual, se sabe, mais do que nenhuma outra, tem servido de
base ás decisões das cortes italianas.
No empenho de manter o principio, de que os actos de im-
perto são insusceptíveis de crear responsabilidade contra o Es-
tado, as referidas cortes tem as vezes tecido os mais difhceis
meandros de considerações e argumentos: ora affirmando, num
mesmo facto, a gestão e o império segundo o maior ou menor
relevo que uma circumstancia apresenta sobre outra ; ora re-
vestindo a gestão ou o império de um caracter sni generis na
espécie occorrente; ora finalmente, cahindo em incoherencias -
e contradiões, confrontados os fundamentos das suas pprias
decisões, umas com as outras.... Os dous factos, quese seguem,
bastarão, sem duvida, para comprovai-o.
I
o
) Um carniceiro levou ao matadouro de Roma dous bois
<para a matança, e fel-os recolher nos estábulos que a Commima
mantém sob a guarda e vigilância de seus empregados; pagando
aquelle o respectivo aluguel e as taxas estabelecidas. Sem se
saber como, desapparecera um dos bois. O carniceiro propoz
por isso a sua acção de dam nos contra a administração cora*
munal. Esta o negou o facto; mas, allegando ter no caso agido
jure imperii, sustentara que não estava obrigada a responder
pelos actos dos seus empregados. O Pretor decidio na conformi
dade da defesa; e não obstante o Tribunal Civil ter, ao envez,
admittido o direito do lesado â indemnisação, a Corte de Cas
sação recusou-o, declarando nos seus considerandos que, com
«e tf eito, se tratava na espécie de um acto de império (C. C. Roma
7 julho 1897). I
Um acto de império ou de soberania na guarda de bois
para a matança publica l ... Entretanto o mais sorprehen-<lente,
observara um magistrado italiano, é, que a mesma Corte, em
Camarás reunidas sobre o mesmo facto, em data de
— 468 —
29 março 1900, não duvidara firmar o principio contrario, a di~
zer,—.que o exercício da matança não era um acto jure imperiij
mas,simplesmente, evidentemente, um acto de gestão, regulado por
vinculo contractual, creado entre a Oommuna e o particular. í
2.°) Um carroceiro teve a sua carroça quebrada e o seu cavallo
ferido, por haver caido numa valia que, ha trez dias, prejudicava
o uso da via publica (che guastava la continuitá delia via).
Propusera, portanto, a sua acção de damnos contra a Communa,
a qual, defendendo-se, allegara que, na manutenção das vias
publicas, ella agia jure imperii. — Sem embargo dessa defesa, o
Tribunal Civil reconheceu o direito de indemnisação em favor do
autor, e a Corte de Cassação confirmou a respectiva sentença (C.
C. Florença28 de dezembro-de 1898).
Nada temos a dizer sobre o mérito da decisão. Quanto,.
porém, ao principio invocado do jure imptrii, repetimos aqui
as palavras de um escriptor italiano, proferidas a propósito
dessa questão: Infatti se la manutenzione delle vie pubbli-* j
che viene riguardata QUALE ATTO D'IMPERO, come, in qual guisa,,
e perche nella sua attuazione si trasforma in atto di gestione T
Curiosa forma di atto amministrativo, che ra subenão si strane-
metamorfosi nel suo svolgimento, per giunta contemponeo, si'
multaneo I,.. *
w
*
De maneira que, segundo o testemunho insuspeito dos pró-
prios fautores da distincção dos actos, semelhante doutrina, em
vez de facilitar a tarefa do magistrado no julgamento dos
litígios, tem, pelo contrario, servido para difficultal-a, pela in-
certeza e contradicção, que a sua applicação inevitavelmente
acarreta!
Findando neste ponto quanto nos propusemos dizer
acerca da jurisprudência italiana, só nos resta declarar que,
91
' Vide: Solari, ob. cit., p. 46 sg.e 52. sg.
— 469 —
a despeito de já serem assaz numerosas as decies, nas quaes
a Cassação de Roma tem procurado firmar com claresa os ver-
dadeiros princípios dessa doutrina, que ella adopta,ainda em
data recente foi affirmado no próprio seio dessa Corte, que, do
conjuncto das suas decisões, não se podia, comtudo, tirar um
cririo geral seguro, para resolver as differentes questões par-
ticulares, que â mesma se apresentavam.
9l
m
Eis ahi toda ver-
•dade do facto...
01m
O trecho final, a que se alludira no texto, contém as palavras do
«Procurador Sarai, Franceseo Auri ti, no seu discurso inaugural, dirigido á
Cassação de Roma em janeiro de 1899. Apud Solari, loo. cit., p. 59-60.
— 470 —
CAPITULO V
A Jurisprudência Ingleza e Norte-Americana
82. Dous Estados se destacam, por assim dizer, d'entrej
os demais Estados modernos no tocante á importante questão
r
de que nos occupamos, e constituem um corpo de doutrina, in-
teiramente differente: são a Inglaterra, e os Estados Unido*
da Norte-America. Em principio, se de affirmar que a regra
predominante nos mesmos é, a de que o Estado não responde
civilmente pelos actos lesivos (actos de administrão propria-
mente) dos seus órgãos ou funccionarios; ainda que na pratica
se possa admittir casos de excepção.
Não é, portanto, muito o que teremos de dizer sobre a
jurisprudência desses dous Estados. Não devêramos, todavia,
omittil-os; dado o pensamento de imparcialidade, que nos im-
pusemos guardar na elaboração do presente trabalho.
§ 1.° QUANTO Á INGLATERRA
83.— Na Inglaterra, persistindo aagora a intelligencia
da sua politica tradicional, de identificar a pessoa do Soberano
com a do Estado, e sendo principio fundamental da sua Consti-
tuão, e máxima jurídica, que "o rei não de fazer o mal'
(King can do no ivrong), porque, segundo Blackstone, a prero-
gativa da Coroa, creada para o bem do povo, não pôde ser exer-
citada em prejuízo deste; dahi resulta que, si nenhuma respon-
sabilidade lhe pôde caber das acções ou omissões, snas-proprias
r
muito menos lhe poderia advir semelhante responsabilidade,
— 471 —
doa actos de outrem, embora agindo em nome delle e nos mis-
teres do seu serviço.
9
'
2
Outr'ora essa irresponsabilidade da Coroa era insinuada
tão ao da lettra, que, não obstante o grande principio da
jurisprudência ingleza, de que onde se da uma lesão de direito,
ha ahi o remédio para cural-a, ("Itis a general and indisputable
rule, that where is a legal right, there is àlso a legal remedy, hy
suit or action at law, whenever that right is invaded") ; a ver-
dade é, que, em se tratando de lesão por acto do Rei ou Estado,
a parte lesada carecia de meio legal, pelo qual se podésse
resarcir do damno sofirido...
De maneira que, si por falsa informação ou por inadver-
ncia (hy misinformation or inadvertence), a Coroa fosse indu-
zida a invadir os direitos privados de algum dos seus súbditos,
nenhuma acção se podia dar contra o Soberano, sobretudo, por
falta de um poder superior, que delia tomasse conhecimento.
Mesmo no caso de uma vioncia ou damnificação provada, feita
á propriedade particular, a única medida, à que o individuo
podia recorrer, era fazer uma petição (petition de droit) ou
supplica (monstrans de droit) a Corte da « Chancery», ou do
«Exchequer», segundo o teor das circumstancias ; mas estas o
attenderiam, ou não, por simples via graciosa, como bem lhes
parecesse de rasão ou de equidade.
*
Alias, esta doutrina era no todo consoante com o conceito
do Estado antigo, reputado, como creador do próprio direito e
justiça!...
92b
»
!
W. Blackstone, Commentaries, 1.1, § 246; III, § 254. Cf. Fon-
blanque and Holdsworth, Sow we are governed, p. 17. — London, 1869.
82
* Blackstone, ob. oit., 1. III, § 23 e § 254-56.
83
b
Todavia, segando o espirito de liberdade e de amor ao direito indi
vidual, que nunca faltou ao povo inglez, essa prerogativa do rei, pondo-o
superior a todas as outras pessoas e fora da acção do direito commum, não
lera, de facto, incondicional ou absoluta, como alguns pretenderam e outros
— 472
83 a. Actualmente, muito embora subsista a condição
preliminar da «petition ofright», ella é agora considerada ama
simples formalidade, por meio da qual a parte obtém o «fiat*, e na
posse deste poderá promover a sna acção nos tríbunaes ordinários,
como succede entre os indivíduos particulares.
93
Mas cumpre ainda
advertir, a responsabilidade da Coroa é admittida em
determinados casos, taxativamente declarados: « The only cases in
tohich the petition ofright is open to the subject are, where the land
or gooãs, or money of a subject have found their wmj into the
possession ofthe Crown, and the purpose of the petition is to obtain
restitution, or if restitution cannot be given, compensation in
money,or when a claim avises out of a contracta as for goods
supplied to the Crown or to the publie ser-vice.»
93
a
Quer dizer: a
acção é permittida para os casos de desapropriação da
propriedade alheia, ou por damnos provenientes da infracção de
contractos, taes como, de fornecimentos
insinuavam. Os bons autores nunca deixaram de affirmar o contrario:
"Nehil enim aliuã potest rex, nisi id solum qujure potest";" Rex ãebet
esse sub lege, quia lex facit regem" (Blackstone, ob. cit., 1.1, § 239). Do
facto de as cortes não terem jurisdicção sobre o rei, observa este autor, não
se conclua, que os súbditos da Inglaterra se achassem destituídos de todo
remédio, caso a Coroa invadisse os seus direitos, por lesões privadas,
por publica oppressão (either by private injuries, or publie oppreasion); o:
a lei providenciara acerca de ambos os casos. Quanto as lesões privadas
feitas á propriedade, ha o direito de petição á "Court of Chancery", a qual
fará justiça, muito embora a titulo gracioso. Quanto aos cai os de publica
oppressão ordinária, como o rei não pôde abusar do seu poder (misuse his
power) sem o conselho de os conselheiros (the advice of evil counsellors) e o
auxilio de ministros infleis (the assistance of wickeã ministers), taes indi-
duos poderão ser processados e punidos pelo abuso praticado.—Loc. cit.,
§§ 243-244.
98
Anson, Lavo and Custom, Part. II, p. 475 e nota. —Oxford, 1896.
Foram as leis: 20 e 21 Vict. c. 44; 23 e 24 Viot. c. 84; 36 e 87 Vict. c. 69,
que simplificaram as formas da acção contra a Coroa nos casos, em que
ella é permittida.
93
»Ibidem.
— 473
para as necessidades diversas do serviço publico. Em relação a
tudo mais, isto é, em relação aos actos de negligencia, culpa, ou
qualquer outra falta, embora grave do funccionario publico, o
Estado ou a Coroa são inteiramente irresponsáveis (cannot be
liáble for iwong). O direito da parte lesada, quando porventura
exista, será exercitado unicamente contra o funccionario por
meio de acção competente, o qual não poderá allegar, como
defesa ou excnsa, a circumstaneia de haver praticado o acto
arguido, em cumprimento de ordem, implicita ou explicita, da
Coroa ou do Governo.
98b
No entanto, o próprio funccionario
também poderá escapar á responsabilidade nas seguintes hypo-
tbeses: 1) si, no caso de infracção de contracto, tiver agido em
beneficio do Governo, sendo, então, este o responsável, e não o
funccionario; 2) si se tratar de funcção ou de facto, pelo qual
elle deva responder perante a Coroa, ou directamente perante o
Parlamento, e não, ao publico ou aos indivíduos particulares-,
3) si no facto imputado não houver culpa, ainda que haja erro
ou certa negligencia somente (damnum àbsque injuria).
83 b.—Nos casos indicados, assim como em outros quaes-
quer de lesão de direitos individuaes, é indiscutível a compe-
tência do judiciário, o qual, não pode conhecer e decidir da
espécie em acção regular, mas também intervir desde logo por
alvarás interdictorios, prohibitorios ou mandaticios (writs of
injoncMon, mandamus, quo warranto, certiorari, etc), tendo em
vista, impedir o próprio acto ou as suas consequências, or-
denar que dado acto seja praticado, caso de indevida omissão
do respectivo funccionario.
93
°
08
" Anson, loc. oit., p. 477 ; Cf. Laferrière, ob. cit., 1.1, p. 113.
930
Anson, loc. cit., p. 476-80.Cf. Laferrière, loc. cit., p. 114-115.
Nestes autores vem citadas algumas decisões judiciarias das cortes ingle-
zas, segundo ás quaes se poderá melhor ajuisar do teor da sua jurispru-
dência sobre a irresponsabilidade do Estado pelos actos culposos dos seus
— 474
Essa competência dos tribunaes ordinários da Inglaterra,
para conhecer contenciosamente dos actos dos funccionarios pú-
blicos, é, aliás, no todo consequente e indispensável; visto não
haver alli nenhuma jurisdicção administrativa, independente-
mente organisada para o mesmo fim, como succede em vários
outros Estados.
83 c.—Referindo-se á doutrina ingleza, observara Da-
reste: En même temps que les fonctionnaires sont toujours res-
ponsables, 1'Etat ne l'est jamais. Cela tient a plusieurs causes.
D'abord en Angleterre, les fonctionnaires sont plus indepen-
dants que partout ailleurs. Souvent même leur nomination
n'appartient pas au gouvernement, et toujours ils agissent librem
ent, sous leur responsabilité personnelle, sans avoir á dé-mander
ni á attendre 1'ordre d'un snperieur. Mais ce n'est pas tout. Cest
un príncipe du droit anglais que le roi ne peut mal faire «iheking
can do no vrong».En consequeuce, aucune action en dommages-
interêts ne peut étre intentée contre 1'Etat.
La partie lesée ne peut s'adresser qu'au Chancelier qui, s'il
y a lieu, fait justice par voie de grace, ou au Parlement,
funccionarios, e bem assim, acerca das exempções, que aproveitam aos
mesmos em dados casos ou circumstancias.
Casos, relativamente recentes, em que a responsabilidade tem sido
reconhecida contra a Coroa (para usar a linguagem consagrada), se podem
indicar: Feather v. The Queen, (6 B. & S. 293);Windsor and Annapolis Bail-
tcay Co. v. The Queen, (11 App. Ca. p. 615); Thomas v. The Queen, (L. R. 10
Q. B. 31); Farnell v. Bowman, (12 App. Ca. 643); Attorney-General of Straits
Settlements v. Wemyn, (13 App. Ca. 192). — Apud Anson, loc. cit., p. 476.
Nos contractos feitos em nomo da Coroa e em beneficio do Go-
verno a responsabilidade é sempre deste, e não do funcoionario: Qidley v.
Lord Pahnerston, (3 B. & B. 284).—Apud Anson, loc. cit.
!,(
As cortes não admittem, como defeza, a distincção de "state ne-
cessity, ou state offences", e ontras... "The common lava does not unãerstand
fhat Jcinã of reasoning, nor do our boolcs taJce notice of any such distinction":
Entick v. Carrington ; ap. Anson, loc. cit., p. 477. Sobre a responsabilidade
do funcoionario em particular, é também de ver: A. G. Boulen, De la res-
ponsabilité envers les particulieres de» fonctionnaires administratifs,p. 381 sg.;
E. H. Perreau, De la responsabilité des fonctionnaires publica, p. 143 sg.
Bordeaux, 1894.
— 475
|qui peut toujours accorder une indemnité par loi especiale. II y en a
deux exemples notamment pour des personnes condamnées et
deportées par erreur.
93
d
C'est ainsi que, partis du même point, le droit anglais et le
droit français sont arrivés aux extremes opposés. A notre avis c'est
le droit français qui est en avance.
Ce n'est pas en poursuivant les fonctionnaires, qu'un ci-toyen
maintiendra efficacement son droit contre les entreprises de 1'Etat.
Cest contre 1'Etat qu'il doit agir directement, parce que, dans la
plupart des cas, c'est 1'Etat qui a íait le mal et qui seul peut le
reparer. La pratique est ici d'accord avec la theo-rie; en realité le
systême français est aussi liberal et plus efn-cace, que le systême
anglais...
83 d. Seria desnecessário dizer, que, do mesmo modo que
se com os actos da Coroa em geral,os actos do Parlamento,
quando lesivos de direitos individuaes, não dão direito de reparação
ao lesado; porque, sendo igualmente a expressão do poder
soberano, se consideram incapazes de fazer
93d Uareste, La Justice Administratiie, p. 504 sg. Paris, 1898. B o
Chanceller e o Parlamento não deixao de fazer a devida justiça, acres-
centamos nós; porque, apesar do principio geral em contrario, nao se de,
na pratica, deixar de reparar a offensa do alheio direito, sem negar ao mesmo
tempo a razão fundamental das leis e do próprio Governo. Isto dizemos com
relação aos actos ilUcitos ex-contractuaes; porquanto, com relação ã obriga-
ção do Estado de prestar a devida indemnisação nos casos de desapropria-
ção da cousa alheia, ou nos de responsabilidade proveniente de contractos,
ella subsiste tamm na Inglaterra, como nos outros paizes. Alem disto,
mesmo sem dar-se, propriamente, uma desapropriação, desde que ha uma
oooupação duradoura da propriedade, ou a sua daraniflcação em consequên-
cia de uma necessidade do serviço publico, tem logar a indemnisação. O que
succede, muitas vezes, é, que esta não sae dos cofres do Bstado, e sim, do
das corporações looaes, dada, como se sabe, a grande descentralisação da
administração publica. O serviço da saúde publica pode servir de exemplo.
A lei de 11 agosto 1875'\4n act consolidating and atnending the acts rela-
ting to public health in England", reconhece, com effeito, o direito de in-
demnisação, quando das suas medidas resultar damno: a) pela destruição
de cousas moveis (art. 121); b) pelo recuo ordenado de prédios nas ruas
(art. 155); c) por outros prejuízos em geral, resultantes das varias medidas
(art.808). Vide: Hic, nota "J neste Titulo.
— 476 —
o mal;
93G
asaim como é de regra, que os actos judiciaes (as sen-
tenças e despachos dos juizes e cortes) não são susceptíveis de
acção contra os seus autores.—Eis aqui as palavras da jurispru-
dência a respeito destes últimos actos: No action witt he against
a judge for any acts done or words spocken in his judicial ca-
pacity in a court of justice. This doctrine has heen applied not
only to the superior courts, hut to the court of a coroner and to a
court martial, which is not a court of recorã. It is essential in ali
courts that thejuãgeswEO ARE APOINTED to administer the law
should he permitteã to administer it under the protection of the
law indepedently anã freely, tvithout favor and without fear. This
provision of the law is not for the protection or henefit of a mali-
cious or corrupt judge, hut for the henefit of thepuhlic, whose in-
terest it is that the judges should he at liberty to exercise their
fonctions with inãepenãence and tvithout fear of consequences.
How could a judge so exercice his office if he were in daily and
hourly fear of an action heing hrought against him anã ofhaving
the question suhmitteã to a jury whether a matter on which he
had commented judicially was or was not rélevant to the case
hefore him ?
93
r
Convém talvez lembrar que na palavra corte também se
comprehendem os juizes singulares nos actos de seu officio, in-
clusive os juizes de paz, os quaes na Inglaterra exercem, não
funcções judiciarias, mas juntamente outras de caracter ad-
ministrativo ou politico.
93
e
98
e Blackstone, loc. cit., § 244-245.
93 f Vide: Scott v. Stanfleld (L. R. 3 Bxoh. 223); Anderson v.
Gorrie (1895, Q. B. C. A. 668).—Cf. Anson, ob. cit., p. 477-78.
98
* Quanto ã responsabilidade dos juizes de paz em particular, e as
restricções delia, é de vôr: Dareste, La Justice Administrative, Part. I
oh. XX;A. G. Boulen, ob. cit., p. 345; e bem assim, "Nova Organisação
do governo local", effectuada pela legislação de 1888 e 1894, ap. Anson,
loc. cit., p. 241 sg.
— 477 —
§ 2.° QUANTO AOS ESTADOS-TJNIDOS
84.—Nos Estados Unidos da Norte-America a jurisdicção e
competência do Judiciário para conhecer dos actos do Governo ou
da Administração são sabidamente ainda mais latas, do que na
Inglaterra-, uma vez que, segando os princípios do direito publico
americano, o referido poder julga até da própria validade das leis,
isto é, da sua conformidade, ou não, com os| textos constitucionaes.
Consequentemente, se pode desde logo affirmar, como principio
geral da sua jurisprudência: que os juizes e tribunaes de justiça
norte-americanos, quando devidamente provocados pelas partes,
podem declarar insubsistentes ou nullos, quaesquer actos dos dous
outros poderes, para o fim de assegurar os direitos individuaes,
porventura ofendidos por esses actos. E de facto, assim succede
frequentemente; verificando-se a intervenção judiciaria, não sô,
mediante o processo regular de uma acção, mas ainda, mediante
certos actos swn-marios,—remédios preventivos ou incidentes
(extraordinary re-Uef, extraordinary remedy), pelos quaes se ordena
a pratica de certo acto, ou se obsta a execução de algum acto illegal
ou lesivo, ou se concedem outras garantias â parte, em favor de
quem são elles expedidos.
94
94
Os actos judiciaes, mais usados, que tem o caracter de remédios ex-
traordinários, são semelhantes aos da praxe ingleza, taes como: 1) Writ of
mandamm, o qual é um mandado ou ordem de um tribunal de justiça com-
petente, dirigido a um individuo ou autoridade de jurisdicção inferior, para
que faça ou execute o que no mesmo se prescreve; 2) Writ of injonction, o
qual é um mandado expedido nas condições do precedente; mas delle
differo, porque pelo mandamus quasi sempre se ordena a pratica de algum
acto, emquanto que pela injonction, em regra, se prohibe que um acto se
faça, guardando-se a respeito o statu quo; é semelhante ao interdicto pro-
hibitorio da lei brasileira; 3) Writ of certiorari, o qual é uma ordem de um
tribunal superior a um tribunal ou autoridade inferior, para que lhe re-
metta por certidão as peças de determinado feito, afim de ser este revisto
— 478 —
E' ás cortes judiciaes, que a Administração publica recorre
igualmente, quer para a applicação litigiosa das leis e regulamentos
administrativos, quer para os actos de coerção ou de execução
forçada, que se fazem necessários contra os seus próprios
funccionarios.
84 a.—No tocante á questão particular da responsabilidade civil
do Estado (União, Estados*federados, Municípios), a jurisprudência
americana não podia deixar de ter tomado, como ponto de partida, os
princípios consagrados no Império Britânico. A lei das Colónias era
a própria lei da Metrópole; e quando, mais tarde, ellas se
transformaram em «Estados-Unidos», si é certo, que não mais havia
o rei, incapaz de fazer o mal; subsistiu, todavia, a pessoa soberana
do Estado (a União, considerada como pessoa jurídica nacional), que
devia gozar de idênticas prerogativas, na sua qualidade de poder
supremo do território e da nação.
Daqui, certamente, ess'outro principio corrente do direito
publico americano,— que a União, assim como os Estados da
pelo primeiro; 4) Writ ofprohibition, o qual é em tudo alogo ao recurso de
aggravo por incompetência adraittido na lei brasileira; mas, usado na Justa
Norte-Americana um pouco diferentemente, quanto ao modo processual.
Na pratica judicial ordinária, e sobretudo, na pratica federal em ma-
téria de equidade (on equiiy), também se emprega, ás vezes, a "injonction",
como remédio inandatorio á semelhaa do "mandamus".Deixamos de
dizer, quaes os casos particulares, em que são permittidos os remédios ex-
traordinários, que ficam indicados; porque isso nos levaria longe, e n&o se
faz mister ao escopo limitado do presente trabalho; convindo, no entanto,
ainda advertir, que o " writ of injonction " e o "torit of mandamus'', embora,
análogos a alguns dos nossos interdictos possessórios quanto aos effeitos ;
delles differem quanto á norma do respectivo processo e ás circumstancias
particulares, em que podem ser expedidos.
Em geral sobre os remédios, ã que vimos de alludir, é de vôr:
Foster'8 Federal Pratice, t. I, p. 341 sg.;— H. G. Wood, A Treatise on the
legal remedia;—T. C. Spelling, Kxtraordinary Relief: High, On
Injonction»; ete.
— 479 —
mesma, não podem ser chamados a juízo, Bem o seu assenti
mento, pelos individuos particulares, ainda que sejam estes,
seus credores legítimos. I
Este principio acha-se mesmo consagrado expressamente em
algumas das constituições estadoaes, na de Illinois por exemplo.
Outras, porém, obedecendo talvez a um sentimento de moralidade,
consagram disposições que, si não derogam o principio geral, ao
menos, autorisam o legislador ordinário a adoptar leis que regulem
o processo a seguir, relativamente aos credores do Estado. E' o que
realmente succede com as constituições da Carolina do Sul,
Carolina do Norte, Arkansas, Wisconsin, Indiana, Pensylvauia,
Califórnia,
94a
etc. Mas, seja como fôr, no estado actual da legislação
do paiz em geral, não haveria erro em dizer, que o meio de petição
ao Corpo Legislativo continua a ser a regra, que o individuo deve
seguir, para que possa obter a satisfação do seu direito, quando o
réo ou o devedor fôr algum dos Estados federados.
94h
94
a
A Constituição da Califórnia de data relativamente moderna (de
1879) dispõe mesmo: « Suits may be brought against the state in such\
manner and in such courts as sliall be directed by lato» (art. XX, § 0
o
).
94b
A. Carlier, La Rep. Americaine, t. III, p. 138-39;—Cf. H. C. Black,
Handboók of American ConstituUonal Law, p. 130-31. fl
Story, encarando o attributo da soberania com relação à matéria,
se pronunciara nestes termos :
«As to private injnstice and injuries, they may regard either the
rights of property or the rights of contract, for the national government is
per se incapablo of any merely personal wrong, such as an ássault and
battery, or other personal violence. In regard to property, the remedy for
injuries lies against the immediate perpretors, who may be sued, and can-
not shelter themselves under any imagined immumity of the government
from due responsability. If, therefore, any agent of the government shall
injustly invade the property of a citzen under color of a public authority,
he mast, like every other violator of the la ws, respond in damages... The
greatest difficulty arises in regard to the contracts of the national govern-
ment ; for, as they cannot be sued without their own eonsent, and as their
agents are not responsible upon any such contract when lawfully made,
— 480 —
Em principio, não é differente a doutrina professada, rela*
tivamente á União (U. 8. v. Peters, 5 Cranch, 139; Osborn v.
Bank of U. S. 9 Wheat. 738; 9 How. 386); ainda que na pratica o
rigor, ou antes, a injustiça de semelhante principio não tenha
sido geralmente observada.
Com effeito, ha mais de meio século, que foi creada pelo
Congresso uma Corte especial de reclamações (Court of Claims)
com sede em Washington, cuja jurisdicção se estende a todos os
pedidos ou reclamações contra os Estados-Unidos, fundados nas
leis do Congresso, nos regulamentos do poder executivo, nos
contractos, expressa ou implicitamente feitos com o Governo
Federal, e ainda á outras questões, que forem remettidas á dita
Corte por qualquer das casas do Congresso.
84b.—A Corte de reclamações (Court of Claims) foi organi-
sada pela lei de 24 fevereiro 1855, a qual definio desde logo as
matérias da sua jurisdicção e competência. Varias leis posteriores
lhe tem ampliado a competência, sendo de citar, como mais im-
portantes, as de 3 março 1883 (Bowman Act), de 20 janeiro
1885 (Freneh Spoliation Act), e de 3 março 1887 (Turcker Act).
A lei da sua creação declara, que a jurisdião da referida
Corte se estende (to hear and determine) ás seguintes matérias: «
AU claims founded upon the Constitution of the United States, or any
law of Congress, except for pensions, or upon any regu-lation of an
Executive Department, or upon any contract, ex-pressed or implied,
with the Government of the United States, or
the only redress which can be obtained raust be by the instrumental ity of
Congress, either in providing (as they may) for suits in the common courts
of justice to stablish such claims by a general law, or by a special act for
the relief of the particular party. In each case, however, the redress de-
pends solely upon the legislativo department, and cannot be administred
execpt through its favor. The remedy is by an appeal to the justice of
the nation in that fórum and not in any court of justice, as a matter of
right Story, Commmtaries, ns. 1675-77. Cf. H. C. Black, ob. cit., p. 129.
— 481 —
for damages, liquidated or unliquidated, in cases not sounding
in tort, in respect of which claims the party would he entitiled to
reãress against the United States either in a court of law, equity,
or admiraly, if the United States were suáble: PROVIDED, HO-
WEVER, that nothing in this section shall be construed as giving
to either of the courts herein mentioned, jurisdiction to hear and
determine claims growing out of the late civil war, and commonly
known as «war claims», or to hear and determine other claims,
which have heretofore been rejecied, or reported on adversely
by any court, department, or commission authorised to hear and
determine the same ».
w
°
Conforme ao texto citado são excluídos da competência
da Corte os damnos provenientes da guerra civil, assim como
os provenientes de actos iIlícitos. E segundo a doutrina da
Corte Suprema, para a tjual cabe o recurso de appellaç&o das
decisões da Corte de reclamações, os damnos, a cuja satisfa-
ção o Governo Federal pode ser condemnado, o, em regra,
somente os provenientes de contractos, legalmente feitos, de
modo explicito ou implicito, com os representantes do mesmo
Governo; doutrina, que a mesma Corte Suprema baseia nos
seguintes fundamentos:
With the exception of claims for the proceeds of captured
or abandoned property and others arisiug under special statu-
tes, the Court of Claims lias no jurisdiction of claims DPON
TORTS committed by the United States (Langford v. U. S., 101
TL S. 341; Nichols v. U. S., 7 Wall. 122; Gibbons v. TL S., 8
Wall. 269; Dennis v. TL S., 2 Ct. Cl. 210; Dykes v.U.S., 16 Ct.
Cl. 289). The jurisdiction of that court nas received fre-quent
additions... but the principie originally adopted, of li-miting its
general jurisdiction to cases of contract, remains. There can be
no reasonable doubt that this limitation to cases of contract,
express or implied, was established in reference to
"*• Se pode ver a respeito: Foater's Federal Practice, t. II, p.881 sg.
Boston, 1892. - Cf. A. Carlier, ob. ctt., t. IV,p. 234-237 sg.
31
R. c.
— 482
the distinction between actions arising out of contracto, as dis-
tinguisbed from those founded on torts, which is inberent in the
essential nature of judicial remedi es under ali systems, and
specially under the system of the common law. The reason of
this restriction is very obvious on a momenfs reflection. While
Congress might be willing to subject the Government to the ju-
dicial enforcement of valid contracts, which could only be va-lid
as against the United States when made by some officer of the
Government acting under lawful authority, with power ves-ted
in him to mate such contracts, or to do acts which implied
them,—the very essence of a tort is that it is an unlawful act,
done in violation of the legal rights of some one. For such acts,
however high the position of the officer or agent of the Go-
vernment who did or command them, Congress did not intend to
subject the Government to the results of a suit in that court. This
policy is founded in wisdom, and is clearly expressed in the Act
defining the jurisdiction of the court; and it would í 11 become
us to fritter away the distinction between actions ex delido and
actions ex contracta, as well understood in our system of
jurisprudence, and thereby subject the Government to payment
of damages for ali the wrongs committed by its offi-cers or
agents, under a mistaken zeal, or actuated by less wor-thy
motives» (Langford v. U. S., 101 U. S. 341).
Quando a Corte de reclamações acha procedentes as
allegações dos indivíduos, profere verdadeiras sentenças contra
a Fazenda Federal. Ella não dispõe, é certo, de meios coerci-
tivos para obrigar o Governo á cumprir as suas decisões; mas,
em regra, o Congresso não deixa de consignar nos orçamentos
as verbas de credito para a satisfação do alheio direito, uma vez
reconhecido este pela Corte.
94
a
Trata-se, como se , de um
verdadeiro tribunal de caracter administrativo, muito embora
lhe faltem alguns requisitos próprios destas orgauisacões.
84 c.—Com relação aos Estados, a mór parte delles tem
também juntas administrativas (board of auditors), ou mesmo
tribunaes semelhantes á Corte federal de reclamações, para
oj
d
H. C. Black, Comt. Late, p. 129 sg.
— 483 —
liquidar os direitos ou questões levantadas pelos indivíduos
particulares contra o Estado.
Mas, por outro lado, quanto ao chamamento deste & juizo,
se tem, como pontos assentados na matéria: 1) Si a acção for
proposta contra o respectivo funccionario, na qualidade de re-
presentante do Estado ou para compellil-o ao cumprimento de
uma obrigação do Estado, se entende que este, embora não fi-
gure no feito, ê realmente parte, e, conseguin temente, a acção
não pode ser mantida em juizo, por ir de encontro & 11
a
emenda
[da Constituição (In re Ayers, 123 TL S. 443; Louisiana v. Ju~
mel, 107 U. S. 711; Antoni v. Qreenhow, 107 U. S. 769; Cun-
ninghan v. Macon & Brunswick Bailroad, 109 U. S. 446; Ha-
goodv. Southern, 117 TL 8. 52);—2) Si, porém, a acção for
proposta contra indivíduos que, embora invocando a qualidade
de funccionarios do Estado, commetteram, com a applicação de
leis inconstitucionaes, culpa e damno contra a propriedade e os
direitos do lesado, fundados em contracto com o Estado (acts of
wrong and injury to the rights and property of the plaintiff),
semelhante acção, seja para o fim de rehaver dinheiro ou bens
em poder do réo, illegalmente arrecadados por este em beneficio
do Estado, seja para obter a satisfação de damnos, ou, em casos
nos quaes o remédio na lei é inadequado, para obter uma in-
junão ou um mandamus para coagir o o à execução do seu
dever official (legal duty, purely ministerial), não se considera
dentro da 11.* emenda citada, que veda acção contra o Estado
{Osborn v.Barik of the XJ. States, 9 Wheat, 738; Davis v. Oray,
16 Wall, 203; Tomlinson v. Branch, 15 "Wall. 460; Litehfield v.
Webster County, 101 TL S. 773; AUen v. Baltimore & Ohio
Railroàd, 114 U. S. 311; B o ar cl of liquidation v. Mc-Gomb,
92 TL 8. 531.; Poindexterv. Qeenhow, 114 TL S. 270).
94e
»
le
Foster'8 Federal Practice, t. tt, p. 896. Cf. Miller, On tht Const.
of the United States, p. 864 sg;H. C. Black, loo. oit.
— 484 —
Entretanto, é de saber, que, proclamado muito embora
principio da irresponsabilidade do Estado pelos actos illicitos dos
seus representantes, veriíica-se, não obstante, que na pratica!
a jurisprudência não tem podido deixar de admittir varias ex-
cepções ao alludido principio...
84d.— Fallando, porém, da doutrina predominante, em
geral esta se poderá resumir no seguinte:
9 1) Nos contractos, feitos pelo funccionario, devidamente
autorisado e nos limites de sua autorisação,a, responsabilidade
dos actos cabe toda ao Governo ou Estado, excluída a obri-
gação pessoal do funccionario ;
2) Nos demais casos, ou se trate de um vinculo contra-
ctual, ou de outros actos culposos no exercício das funões do
seu emprego, é o funccionario, quem responde pelo damno cau-
sado, com exempção completa do Estado.
94f
Esta regra é de
applicação geral na jurisprudência, quer se trate de funccio-
narios federaes, quer de funccionarios estadoaes.
94
*
 mesma doutrina prevalece, ao menos em principio, acerca
da responsabilidade civil dos municípios; mas em dados casos,
principalmente, si estão previstos em disposições especiaes, as
84
' Mechem, On Public Officers, §§ 803 seg; §§ 848-49, e decisões,
ahi citadas. Tratando-se de fornecimentos, feitos por particulares para mis-
teres do serviço publico, se tem decidido muitas vezes, que um agente do-
governo, agindo neste caracter, nao eontrahe a obrigação pessoal de res-
ponder pelos artigos fornecidos por sua ordem; o vendedor deve dirigir-se
ao próprio governo (Macheath v. Haldimand, 1 T. R. 172; Jonnes v. Le
Tombe, 3, Dali. 384; Gill v. Brown, Johns. 385; Randall, v. Van Vechten,|
19 Johns. 63; Brown v. Austin, 1 Mass. 208; Adams v. Whittlesey, 3 Conn.
560; Ghent v. Adams, 2 Kelly, 214; Parks v. Ross, 11 How, 362; —apuà
Blaokstone, 1.1, § 243, nota 2).
94
* Mechem, loc. cit.
— 485 —
cortes judiciarias tem declarado a responsabilidade dos muni-
pios pelos actos lesivos dos seus representantes.
94
h
84 e. A irresponsabilidade dos juizes e cortes judiciaes
é considerada, por assim dizer, inteira e completa, quanto à le-
sões, porventura feitas aos direitos das partes, que lhes reque-
rem despacho ou sentença. Diz Cooley: « His ãoing justice as
hetween particular individuais, tohen they have a controversy
hefore him (the judge) is not the end and object ivhich were in
view when his court was created, and he was selected to preside
•over or sit in it. Courts are created on public grounds; they are
to do justice as hetween suitors, to the end that peace and order
may prevail in the 'politicai society, and that rights may be pro-
tected and preserved. The duty is public, and the end to be accom-
plished is public; the individual advantage or loss results from
the proper and thorough or improper a imperfect performance
<of a duty, for which his controversy is only the occasion. The
judge performs his duty to the public by doing justice between in-
dividuais, or, if he fails to do justice as between individuais, he
may be called to account by the State in such forni and hefore
csuh tribunal as the law may have provid. But as the duty ne*
glected is not a duty to the individual, civil redress, as for an \
individual injury, is not aãmissible »
fl41
Continuando, accentuâra ainda o citado constitucionalista:
Wlienever the State confers judicial powers upon an individual,
it confers them with full immunity from private suits. In effect,
the State says to the officer, that these duties are confided to his
94h
E' de ver, a respeito, as decisões mencionadas por Mechem (ob. cit.
§§ 852-58).
94
Cooley, On Torta, p. 320. Cf. Mechem, loc. cit., § 619 sg.
O segundo destes autores cita varias decisões, segundo as quaes, o
juiz não deve jamais ficar sujeito a responder pessoalmente pelos actos da
sua jurisdicçao aos indivíduos, que se julgam prejudicados por taes aotos.
— 486 —
juãgment: that he is to exerdse his juãgment fulhj, freely anã
without favor, and he may exerdse it without fear; that the ãu-\
ties concern individuais, hut they eoncern more especiálly the
welfare of the State, anã the peace and happiness of society ;
that, if he shall fail in a faithful ãischarge of them, he shall be
called to account as a criminal; but that in order that he may not
be annoyeã, ãisturbeã and impeded in the performance of these
high fonctions, a dissatisfied inãiviãual shall not be suf-fereã to
call in question his offícial action in a suit for ãa-\mages. This is
what the State, spealcing by the mouth of the '' Common Law",
says to the juãicial ofjicer.»
Mj
84 f. Quanto á responsabilidade do funccionario admi-
nistrativo, a regra da matéria é: lia direito de acção contra
elle por parte do individuo que se diz lesado, quando concorrem
no acto os dous elementos do ãamno e da culpa juntamente; o
damno, por si só, não autorisa a exigir a reparação: «The mere
fact that the individual has sustained injury byreason of the a et
of the public ofjicer is not enough to create a right of action. In
order to create the right of action, two things must concur,
DAMAGE to himself aWRONG committeã by the other party.
MlL
Além disto importa não omittir que, não obstante o prin-
cipio firmado, de que o Judiciário tem toda competência para
conhecer e julgar dos actos dos dous outros poderes, quando
elles interessam aos direitos privados; todavia, os tribunaes se
abstém de fazei o, desde que se tratar de actos políticos ou so-
beranos, ou de outros, nos quaes caiba ao funccionario agir dis-
cricionariamente; respeitando desta sorte a independência, que
a Constituição reconhece igualmente a todos os poderes. Em
consequência, não os órgãos do poder legislativo (Congresso
Nacional, e Legislatura dos Estados) e do executivo (Presi-
94
) Apud Mechem, loe. cit., § 620 eg.
M
k
Mechem, loe. cit., § 599 sg. e decisões ibi citadas.
I . V
— 487 —
dente da Republica, e Governador de Estado), mas também os
funccionarios, investidos de funcções governamentaes ou dis-
criciorias (ministros e secretários de Estado), não respondem
civilmente por actos daquella natureza, muito embora sejam
estes lesivos dos direitos privados.
941
§ 3.° OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR
85.—Conforme a norma seguida neste titulo, o nosso tra-
balho é de simples informão, e não <Le polemica; porque desta
nos occupámos em outra parte, quanto nos pareceu bastante
(hic, p. 211-331). Comtudo, antes de encerrar o presente capi-
tulo, será conveniente additar algumas palavras acerca da dou-
trina da irresponsabilidade do Estado, adoptada, como regra,
pela jurisprudência ingleza e norte-americana.
Mesmo pondo de parte os argumentos theoricos, que em
contrario jâ foram adduzidos (p. 313 seg.), semelhante dou
trina se mostra menos juridica, e menos garantidora dos direi
tos individuaes, do que a preferida pela jurisprudência dos ou
tros povos, reconhecendo a responsabilidade civil do Estado
pelos damnos dos seus representantes ou funccionarios, exce
ptuados embora numerosos actos, em vista da sua natureza
especifica e dos altos fins, que taes actos se propõem. I
Menos jurídica; porque, partindo do falso principio, de que
o Estado é incapaz de Jazer o mal, distingue arbitrariamente
941
Loc. cit., § 601 sg. e decisões ibi citadas.
Cumpre advertir, no entanto, que nenhuma lei geral, nem acto algum
administrativo definiram jamais o que se deve entender por acto discricioná-
rio ou governamental, para o fim de subtrahil-o ao conhecimento da auto-
ridade judiciaria, como succede em França por meio do seu Conselho de
Estado. Pelo contrario, são os próprios tribunaes superiores, notadamente
a Corte Suprema, que, no uso da própria competência, tem declarado, si
no caso sujeito se trata, ou não, de actos que tenham aquelle caracter ex-
cepcional, ao terem de prestar a devida protecção aos direitos individuaes.
— 488 —
entre os actos do fanccionario, todos, aliás, praticados em seu
nome e por sua autoridade,—para declarar, que acceita a auto-
ria ou responsabilidade de uns (actos legaes, ou mesmo illegaes,
provenientes de vínculos contractua.es), e rejeita a de outros,
que ferem igualmente o alheio direito; quando, logicamente,
sobre estes a responsabilidade se devia impor com a mesma
força, visto incumbir ao Estado o dever de assegurar a invio-
labilidade de todos os direitos sem distincção.
Menos garantidora; porque, supposto seja reconhecido ao
lesado o direito de pedir a indemnisaçao do damno soffrido ao
funccionario pessoalmente, ningm ignora, que a capacidade
de reparação deste, nem sempre, será bastante para satisfazer
o damno causado, e, em todo caso, se ha de mostrar de solvabi-
lidade incomparavelmente inferior á do Estado. °
5
95
Só, como razão de força tradicional, se explica essa theoria per-
sistente da irresponsabilidade do Estado; quando, aliás, não se desconhece
nos dons paizes em qnestão a boa doutrina da responsabilidade das pessoas
jurídicas em geral, pelos actos dos seus representantes. Eis o que a esse res-
peito ensina Cooley:—« Corporations are responsible for the wrongs com-
mittecl or autkorised by them, uer substantially the same rules, which govern
the responsability of natural persons. It was forraerly supposed tbat those
torts, which involved the element of evil intent such as batteries, libeis and
the like, could not be conimitted by corporations, inasmuch as the State, ín
garanting rights for lawful purposes, had conferred no power to commit
unlawful acts; and such torts, committed by corporate-agents, must
consequently bo ultra-vires, and the individual wrongs of the agents-
themselves. But this idea no longer obtains. » On Torts, § 119 sg. E
depois de citar decisões de casos, confirmativas da nova doutrina da
responsabilidade, Cooely ainda accentúa: « To deny redress against the
corporations would, in many cases, be a denial of ali remedy... The rule is
now well settled that, while keoping within the apparent scope of cor-
porate powers, corporations have a general capacity to render themselves
liable for torts,—except for those, where tbe tort consists in the breach
ofsome individual duty; which frora its nature could not be imposed upon
or diseharged by a Corporation. » — Ibidem.
Que resta, pois ? Que, considerado o Estado uma associação ou pessoa
jurídica, como realmente é, lhe sejam applicados os mesmos princípios da
— 489 —
85 a. — Como explicação particular ou razão histórica,
justificativa do systema da irresponsabilidade existente na In-|
glaterra, e, embora modificado, igualmente na Republica Norte-
Àmericana, se tem commummente observado: que, predomi-
nando nesses dous Estados o lfgovernment, carecem elles, por
isto mesmo, de uma organisação administrativa, ramificada por
todo o paiz, mas constituindo uma unidade pelos vineulos de
dependência hierarchica, que ligue e subordine todos os func-
cionarios e repartições publicas a um Centro Superior, o Go-
verno geral, de maneira que se possa dizer, que o acto de um
funccionario qualquer é um acto do referido Governo ou Estado.
Ao contrario, o Governo Nacional, ou a Administração Publica
é distribuída, senão, parcellada por numerosos governos ou ad-
ministrações locaes (local government, municipal corporations,
local boards), revestidas, cada uma delias, de autonomia e res-
ponsabilidade própria, e cujos funccionarios são, em regra, ou
da sua livre nomeação, ou de eleição popular, e portanto, os actos
de taes funccionarios se distinguem dos actos do Estado, pro-
priamente assim considerados, isto é, dos actos daquelles func-
cionarios, por meio dos quaes o Estado delibera, ordena e age,
immediata ou mediatamente, nos misteres do publico serviço.
Depois, a circumstancia sabida de não haver um Conten-
cioso Administrativo Nacional, chamando ao seu conhecimento
os actos dos funccionarios em geral, como succede em outros
Estados, e, ao envez disto, serem ditos actos sujeitos á autori-
dade judiciaria commum, nos casos de illegalidade ou lesão de
direitos individuaes, do mesmo modo, que se pratica entre os
indivíduos nas relações do direito privado, — faz com que so-
doutrina que acaba de ser exposta. Infelizmente na Inglaterra, como nos
Estados-Unidos, o que ainda predomina, é a concepção do Estado, como
poder on autoridade soberana somente; e, justamente dahi, é, que vem o
oorollario da sua supposta irresponsabilidade..,
- 490
mente se torne visível aos olhos do interessado a responsabilidade
pessoal ou directa do índividuo-funccionario; desappare-cendo da
sua cogitação ess'outra responsabilidade, occulta ou mais remota, do
Estado ou da Administração, pelos abusos do seu representante.
90
*
Por ultimo, é também de saber que, na pratica, não se jamais
a irresponsabilidade completa da Administração, embora affirmada
em principio. As administrações ou corporações locaes tem sido em
diversos casos obrigadas a reparar os dani-nos causados por actos do
publico serviço
95b
; e o próprio Estado, por sua vez, não se tem
recusado a prestar a devida inde-mnisação por damnos causados em
varias circumstancias.
95
e
85 b. Fallando dos Estados Unidos em particular, temos no
facto, que se segue, um exemplo indiscutível de que, não
95a
Pelo que respeita á Inglaterra, a sua situação jurídica na matéria se
resume nestas poucas palavras segundo o juízo de um autor moderno:
Com o apagamento (avec Veffacement) quasi completo do poder cen-
tral nas questões de administração; e com o direito que pertence ao juiz de
expedir prohibições e interdictos aos agentes da administração, raramente
se verá uma autoridade administrativa commetter impunemente ille-
galidades.
Para toda lesão (a tout tort) ha um remédio em direito, diz a dou-
trina ingleza. Com effeito o Banco da Rainha e o juiz de paz, dada a
reclamação de um cidadão lesado, dirigirão á autoridade administrativa
" une defense, une mise en demeure, mente un ordre d'agir. Mieux qui cela :
sil y a illegalité, le Bane de la Reine, par un writ of certiorari, réformera
la decision prise par Vadministration" .. A Inglaterra é o paiz, onde a
responsabilidade pessoal do funecionario, paia com os indivíduos lesados,
é mais largamente praticada,— e tornada efectiva, ajuntaremos de nossa
parte. Lonné, Les Actes de Gouvernement, p. 144-145; J. L. Delolme,
The Const. of England, p. 374. —London, 1816.
95 b vide: Laferriére, loc. citado.
950
W de vêr decisões numerosas neste senitdo em Blackstone (1. I,
p. 475, nota 7, iç. de Th. Cooley.—Chicago, 1879).—Cf. Cooley, Principies
of Constit. Law, p. 311 sg. e decisões ibi citadas.
— 491 —
obstante o principio, "o Estado não responde pelos actos illi-
ctos (for torts) de seus funccionarios", na pratica, o mesmo
Estado tem, todavia, admittido o contrario.
Tendo uma commissão da Camará dos Representantes
(the House of Representatives) mandado chamar à sua presea
Mr. Kilbourn, vendedor de bens immoveis em Washington,
para o fim de exnibir os seus livros e depor acerca de dada
transacção, e elle se tendo recusado a fazel-o, a Camará orde-
nou que Kilbourn fosse preso por desobediente, sendo para isto
expedida a competente ordem pelo « Speaker » ao commandante
da força (Sergeant-at-arms). Kilbourn foi conservado em prio
durante algum tempo, e depois, solto por habeas-eorpus concedido
pela Corte Suprema do Districto de Colômbia. Uma vez solto,
propoz a sua acção de damnos contra o Sergeant-at-arms, que o
prendera, e os membros da commissão, que haviam solicitado
sua prisão â Camará. Os rêos defenderam-se, allegando que se
tratava de uma ordem da Camará dos Representantes, e a Corte
Suprema do Districto de Colômbia julgou procedente a defeza;
mas, interposto o recurso para a Corte Suprema dos Estados Uni-
dos (on a writ of error), esta, em uma decisão precedida de va-
liosas considerações, feitas no intuito de demonstrar a illegali-
dade da prio ou a não-competência da Cama para ordenal-a,
concluirá annullando o julgamento da Corte inferior, e condem-
nando o «Sergeant-at-arms» áindemnisação pedida (Kilbourn,
v. Thompson, 103 U.S.n. 168). A importância desta indemnisa-
ção o foi,porém, paga pessoalmente pelo «Sergeant-at-arms»,
e sim, pelo Thesouro Federal, conforme a verba de credito, ex-
pressamente votada pelo Congresso Nacional para esse fim.
85 c. — Eis ahi pois reconhecido, um caso de responsabi-
lidade civil do Estado, resultante de acto illegal dos seus repre-
sentantes, e a cuja condemnação o mesmo se submettêra, como
uma obrigação de justiça.
— 492 —
A. propósito do mesmo o juiz Miller
96
d
escrevera: «A de-
cisão da Corte Suprema é notável, por estabelecer o direito de
uma parte poder reclamar damnos por uma prisão illegal...
Ella foi recebida com satisfação geral, e seguida nos Estados
da União em casos análogos. E ainda não menos importante,
por conter, de certo modo, uma fiscalisação directa da Corte
Suprema dos Estados Unidos (a direct control) sobre as decisões
e actos de um dos ramos do poder legislativo, feitos sem auto-
ridade da lei (maãe tvithout the authority ofthe la/w).
Que importa, que o condemnado fosse o funccionario,
quando o thesouro do Estado é, que teve de carregar com a
importância da indemnisação ?...
Concluindo finalmente, ainda se podia relembrar, que
nos casos de desapropriação, própria ou imprópria, nos de vio-
lão de contractos, e bem assim na leo formal de direitos,
mesmo adquiridos em virtude de concessões obtidas do próprio
Estado, a administração publica, sempre nos dous primeiros
casos, e muitas vezes no ultimo, tem sido obrigada a prestar
indemnisação dos damnos, causados pelos seus funccionarios
ou por outros agentes legaes ao seu serviço.
95e
03d
Miller, ob. cit.,p. 412-415.—Poster (ob. cit.,t. I, p. 95) cita também
diversos outros casos, nos quaes a responsabilidade do Governo da União
fora admittida pelas cortes judiciarias. No tocante á lesão de direitos
índividuaes dos estrangeiros, a União tem, ella própria, reconhecido a obri-
gação de prestar a devida indemnisação, quando a lesão resulta de actos de
culpa das autoridades do paiz. Assim o fez, entre outros, no cato itah-
americano da Nova Orleans, em que se tratava do li/nchamento de alguns
italianos que se achavam na prisão, tendo sido o crime perpetrado por um
grupo de indivíduos, sem que as autoridades locaes tivessem tomado as me-
didas precisas para evital-o. Vide: L, Le Par, Etat Federal et Conferation
d'Etats, p. 810 seg. — Paris, 1806.
»• Vide: Cooley, loc. cit;—C.Black, ob! cit.,p. 366 sg. e522 sg.:-
Tiederaan, Limitatiom of Police Potier, p. 372 sg. St. Louis 1886. Cf.
Poster, ob. cit., t. I, §§ 36 e 37; etc. etc.
— 493 —
CAPITULO VI
A Jurisprudência Brazileira I
I § 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES
86.—No Brazil jamais se pôz em duvida, que as pessoas
jurídicas do direito publico, nomeadamente o Estado, sem em-
bargo da maior somma de poder e privilégios, que caibam insti-
tucionalmente à cada uma delias, se acham sujeitas ás leis civis
ou ao direito commum quanto aos effeitos das suas relações
com as pessoas do direito privado; sendo, ao contrario» doutrina,
corrente, que os litígios, em que as mesmas figuram activa ou
passivamente, devem ser, em regra, decididos pelos tribunaes
judiciários e na íórma dos processos ordinários.
Os principaes privilégios reconhecidos a pessoa do Estado
* pela lei brazileira se podem resumir nos seguintes: 1) Ter juizo
privativo para todas as causas, em que for autor ou réo,
assistente ou oppoente *,
98
' 2) Não serem os seus bens sujeitos à
penhora
96b
; 3) Gosar do beneficio de restituição, o qual, aliás,
06
Nos referimos, de preferencia, ao Estado, já por ser a pessoa de
direito publico, que tem maiores regalias e privilégios, e já por constituir
elle o objecto especial do presente trabalho. I
00
» Lei n. 242 de 29 novembro 1841; Ordem n. 6 e Insfcr. de 12 ja-
neiro 1842; Deo. de 14 julho 1846 inserido na Ordem n. 78 de 3 agosto 1846;
Deo. n. 3084 de 5 novembro 1808, parte 1», arts. 57, 58 sg.; Lei n. 85
de 1892, arts. 32*33, etc.
06b
Const, do Imp. art. 16, § 15 ; Instr. da Dir. Geral do Contencioso
de 10 abril 1851, art. 14, etc. ; Consol. das leis civis, art. 586, §§ I
o
e 2° e
notas lbi; Lei n. 85 de 1892, art. 41.
— 494 —
é commum aos menores e á outras pessoas incapazes |||; 4)
Usar do processo executivo para a cobraa de suas dividas
activas
96d
; 5) Gosar da prescripção das suas dividas passivas
em prazo relativamente curto (cinco annos), e, ao contrario,
do alongamento do referido prazo contra os seus devedores
(quarenta annos)
96e
; 6) Serem processados e julgados adminis-
trativamente : a) os casos de prescripção das suas dividas; b)
os litígios concernentes ao cumprimento, interpretão, vali-
dade, rescisão, e effeito das fiaas, e bem assim os contractos
celebrados com a administração publica tendo, por objecto,
rendas, obras ou serviços públicos á cargo da mesma adminis-
tração.
96f
86 a.— O primeiro dos privilégios enumerados não signi-
fica, que a Fazenda Nacional ou o Estado esteja fora da sanc-
ção do direito commum. Além de haver outras pessoas, que
tem igualmente juízo privativo para as suas causas, taes por
exemplo, os militares em matéria criminal (Reg. de I
o
junho
1678, § 49; Cod. Proc. Crim., art. 171, § I
o
; lei de3 dezembro
1841, art. 109; Reg. n. 120 de 1842, art. 245; Const. Fed., art.
77), accresce que ao juizo privativo dos Feitos da Fazenda
incumbe decidir os pleitos, de conformidade com os preceitos do
referido direito ou certas disposões especiaes; guardadas,
porém, em todo o caso as mesmas formas das acções
96c
Ord. liv. , tit. 41, § 4.° Cf. Souza Bandeira, Novo Manual do
Procurador dos Feitos, § 77, etc.
06d Dee. n. 736 de 20 novembro 1850, art.79; Deo. n.9885 de 29 feve-
reiro 1888; Dee. do Gov. Provisório, n. 360 de 26 abril 1890. Cf. Souza
Bandeira, loo. cit., § 85, etc.
8«° Deo. cit. n. 736 de 1850, art. 80; Deo. n. 857 de 12 dezembro
1851.
88
' Dee. n. 2343 de 29 janeiro 1859, art. 1°, §§ 1°, 2° e 3
o
, etc.
L- 495
Ijudiciaes, que são admittidas entre os próprios indivíduos par
ticulares.
96g
"
Do mesmo modo, o privilegio de processo executivo para a
cobrança das suas dividas é somente quanto & forma proces
sual, mas não, quanto ao fundo da questão (decisorium litis).)
E não é preciso ajuntar, que, de privilegio análogo tamm
gosam outros títulos de credito, que o os do Estado, taes por
exemplo, as dividas de alugueis de casas, as hypothecarias, os
honorários de advogados, as custas judiciaes, etc.
96h
|
Dentre as regalias ou privilégios mencionados, um
deli es seria, em verdade, capaz de subtrahir a pessoa-Estado a
sancção do direito civil ou commum: é o que se refere ao pro-
cesso e julgamento de certos ligios, exclusivamente, por auto-
ridades administrativas. E como existe justamente uma relação
directa deste privilegio com o assumpto, de que ora nos
occupamos, será talvez conveniente examinar, ao menos por um
pido olhar, como as cousas se passavam, ou ainda se passam,
a semelhante respeito.
86b. O Governo do Imrio, convencido da necessidade
de subtrahir diversas questões, oriundas da administração pu-
blica, ao conhecimento do poder judiciário, " pela inconveniên-
cia, segundo se dizia, que dahi podia resultar aos interesses de
110
« Lei oit. n. 242 de 29 novembro 1841, arts. e 14; Ordem e Instr.
de 12 janeiro 1842, art. 4
o
; Instr. oit. da Dir. Qer. do Contencioso de 10
abril 1851, art. 9.»
« Considerado como pessoa jurídica, ensina a escola, o Estado também
esta sujeito às leis civis oommuns e os seus litígios à alçada do poder ju-
diciário e as formulas communs». —Ribas, Dir. Civ. Brazileiro, t. II, p. 119.
«eh Qrd. llv. , tit. 23 § 3
o
, tit. 57 § ; Consol. art. 673; Deo. n. 169 A
do 19 janeiro 1890; Deo. n. 870 de 2 maio 1890; Deo. n. 5737 de 2 setem-
bro 1874, arts. 202 e 205; Dec. n. 3363 de 5 agosto 1899 ; Deo. n. 3422 de
30 setembro 1899, etc.
— 496 —
ordem publica e particular",
97
pretendeu crear e organisar um
Contencioso Administrativo, ao qual competisse processar e jul-
gar as questões alludidas. Não chegou, porém, jamais a realisa-
ção desse desideratwn: o que tivemos no Império (e em parte,!
embora mínima, ainda subsiste na Republica) com o título de
"Contencioso Administrativo" nunca passou de simples ensaio...
Nem mesmo, pelo que diz respeito aos serviços peculiares da
Fazenda Publica Nacional, sobre a qual foram adoptadas
disposições especiaes, mais ou menos detalhadas, acerca das
reclamações contenciosas, não se conseguira estabelecer uma
organisaçâo, digna do seu objecto e fins.
O nosso Contencioso Administrativo em geral, confes-
saram os mais competentes no assumpto, não ofíerecia garan-
tias; o seu processo era por demais deficiente e perfunctorio;
tendo, apenas, alguns vislumbres de desenvolvimento e de regu-
laridade no tocante aos negócios da Fazenda.
07
* Basta dizer, que
a sua instituição não foi resultante de nenhuma lei orgânica, que
lhe houvesse lançado as bases convenientes; fora formado, por
assim dizer, aos pedos, pelos regulamentos e instrucções que o
Poder Executivo ia expedindo para a execução de certas leis,
valendo-se das autorisações implícitas que nas mesmas se
continham.
97
b
Dahi as arguições constantes que se faziam contra
o Contencioso Administrativo: falta de princípios assentados nos
seus arestos; incerteza das matérias,
97
Visconde do Uruguay, Ensaio sobre o direito administrativo, t. I,
p. 125 e 137 sg.
'''
a
Ibidem, p. 135 sg.
n
b
São de citar, como prineipaes, a esse respeito: Reg. n. 124 de 5
fevereiro 1842, expedido para a execução da lei n. 234 de 23 novembro
1841, que creou o Conselho de Estado; Decs. n. 730 do20 novembro 1850 ,| qne
reorganizou o Thesouro Nacional; n. 870 de 22 novembro 1851, que
regulou as Thesourarias de Fazenda nas Proncias; n. 2343 de 29 Ja-
neiro 1859, que fez diversas alterões nos doas anteriores; e n. 2548 de
— 497 —
que deviam legitimamente caber á sua jurisdicçâo; e outros
graves defeitos que ninguém ignorava...
A este propósito lê-se na obra do Visconde de TJruguay,
a que nos temos referido: «Excluido o que é exclusivo, e
muito exclusivo, do Ministro da Fazenda, do Thesouro e repar-
tições que lhe estão sujeitas (onde, se disse, havia vislum-
bres de regularidade), é*o Contencioso Administrativo, pelo que
respeita aos outros Ministérios e às Presidências de província,
um verdadeiro câhos, no qual ainda não penetrou um raio
de luz.»
07c
86 c—Fosse, porém, como fosse, o Contencioso Adminis-
trativo existira durante todo tempo do Império, sendo exercido
pelos ministros de Estado, pelos presidentes de província, e
pelos outros chefes dos vários serviços da administração,
guardadas as hierarchias ou instancias estabelecidas nos regu-
lamentos com recurso final para o Conselho de Estado.
97
d
Pelo que interessava peculiarmente à Fazenda Publica Na-
cional, fora estabelecido, como doutrina certa e indiscutível,
que ás autoridades administrativas da mesma competia pro-
cessar e decidir as questões contenciosas que versassem:
a) sobre lançamento, applicação, isenção, arrecadação e
restituição de impostos, e quaesquer outras questões entre os
contribuintes e a Administração, relativamente ã matéria das
rendas publicas-,
10 março 1860, que regulou a tomada de contas; todos elles expedidos
em virtude da lei n. 563 de 4 julho 1850. Seriam também de citar igual-
mente : as Ordens n. 160 de 5 julho, e 268 de 8 outubro, ambas de 1859,
assim como numerosos outros actos, que deixamos de indicar por não
serem de importância capital na matéria.
«
c
Ob. cit.,p. 157.
97
d
Qual tenha sido a marcha do Contencioso Administrativo, a datar
de 1808, é de vôr: Visconde do Uruguay, Ob. cit., p. 137-153.
3-2 R. c.
— 498 —
6) sobre apprehensões, multas e outras penas, nos casos de
fraude, descaminho, e contrabando, ou outras infracções das leis
fiscaes;
c) sobre as fianças e contas dos responsáveis;
d) sobre o cumprimento, interpretação, validade, rescisão,
e effeitos das fianças dos mesmos, e dos contractos que tivessem
por objecto quaesquer rendas, obras ou serviços públicos a cargo
da Administração da Fazenda ;
e) sobre os casos de prescripção, quer das dividas activas,
quer das dividas passivas da Fazenda.
97e
As decisões dos chefes das Repartições de Fazenda, do
Tribunal do Thesouro, e do Ministro da Fazenda, nas matérias
de natureza contenciosa, proferidas dentro da sua competência,
tinham a autoridade e força de sentença dos tribunaes de
justiça.
97f
Alem disto, também se achava expressamente declarado
em lei, que a autoridade judiciaria não devia interferir em obje-
cto administrativo, e si o fizesse, cumpria ao funccionario com-
petente levantar o conflicto de jurisdicção.
97e
—Ora, em vista das disposições que foram citadas, é inne-
gavel que, pelo menos com relação aos negócios da Fazenda Na-
cional, se havia chegado a formar uma jurisdicção contenciosa
administrativa; a qual existiu effectivãmente, funccionando
segundo normas certas, conhecidas, e firmando verdadeiros ares-
tos com força obrigatória sobre os casos occorrentes.
97
h
«• Dec. cit., n. 2343 de 1859, arts. 1°, 3«, 4°, eto.
97
f
Dec. cit., n. 2343, art. 25.
97
e Dee. n. 124 de 5 fevereiro 1842, art. 24; Av n. 268 de 3 outu-
bro 1859; Dec. n. 2548 de 10 março 1860, art. 38 ; Av. n. 348 de 80 ju-
lho 1862.Diversas Consultas e Resoluções do Cons. de Estado declara-
ram igualmente ser inadmissível a intervenção judiciaria nos negócios da
Fazenda Publica, que acima foram indicados.
07
b
Quanto aos negócios contenciosos, que corriam pelos outros mi-
nistérios, que não o da Fazenda, nunca houve nada de regalar e definido
— 499 —
Actualmente, isto é, na Republica não ha mais nenhum
Contencioso Administrativo organisado, com jurisdicçào ppria,
capaz de subtrahir o conhecimento de dados feitos aos juízos
ou tribunaes da justiça commum. O qne subsiste e nem podia
deixar de subsistir, é o processo e despacho ordinário dos actos
administrativos pelos respectivos fnnccionarios ou autoridades,
admittindo-se recurso das suas decisões, de umas para outras,
segundo a hierarchia delias, estabelecida nas leis. Quanto aos
-actos fianças, tomadas de contas, ou de responsabilidade pelos
dinheiros públicos, etc, o seu conhecimento pertence agora ao
Tribunal de Contas, creado pela lei n. 392 de 8 de outubro
de 1896, o qual resolve e decide a respeito, como verdadeiro
Tribunal de justiça, e não como simples repartição de caracter
administrativo (Dec. n. 2409 de 28 dezembro 1898).
M
86 d.—Mas, muito embora sujeitas ao conhecimento do
Contencioso Administrativo as queses diversas, de que acima
se fêz menção, uma cousa se de, todavia, assegurar com inteira
verdade: é, que no Brazil nunca se ensinou ou prevaleceu a
irresponsabilidade do Estado pelos actos lesivos dos seus repre*
sentantes.—Si não havia, nem ha uma disposição de lei geral,
reconhecendo e firmando a doutrina da responsabilidade civil do
Estado; nem por isso é menos certo, que essa responsabilidade
se acha prevista e consignada em diversos artigos de leis e de-
cretos particulares; e a julgar do teor das suas disposições con-
sagradas, e dos numerosos julgados dos tribunaes de justiça, e
•das decisões do próprio Contencioso Administrativo, emquanto
•existiu, é de razão concluir,—que a theoria, acceita no paiz,
nas leis e na pratica; a matéria dos diversos contractos, celebrados com
esses ministérios, continuara a ser regulada pelas prescripçOes do direito
commum. Ribas, Dir. Civil Brás., t. II, p. 167, o nota.
— 500 —-
tem sido SEMPRE a do reconhecimento da alludida responsabili-
dade, ao menos em principio; ainda que deixando juntamente
largo espaço para frequentes excepções, em vista dos fins e in-
teresses superiores, que o Estado representa e tem por missão
realisar em nome do bem commum.
Tal é, com efeito, a verdade de facto, sabida de todos, ô
sobre a qual não haveria mister de insistir.
—Ruy Barbosa, tendo de referir-se â presente questão em
um dos seus trabalhos mais recentes, se exprimira desta sorte:
Na jurisprudência brazileira nunca logrou entrada a theoria da
irresponsabilidade da Administração pelos actos dos seus
empregados. Apesar de profundamente repassada na influencia
do direito romano, a nossa evolução jurídica, modificada pelo
concurso dos elementos liberaes que intervieram sempre na
educação do pensamento nacional, não deixou penetrar no es-
pirito dos nossos tribnnaes essa revivescência democrática dos
privilégios regalistas. Sempre se professou nos nossos cursos, e
nos nossos auditórios se proclamou sempre a não da imputabi-
lidade das pessoas moraes pela culpa contractual ou aquiliana
dos seus representantes... Pelo damno causado ao direito de
particulares não hesitaram jamais as justiças brazileiras em
responsabilisar municipalidades, províncias, estados, o governo
do império, o da republica, tendo por idéa inconcussa a de que,
no ministro, no presidente, no governador, no prefeito, em todos
os que administram, ou servem á uma funcção administrativa,
conta a administração publica verdadeiros prepostos, cuja
entidade, pelo principio da representação, desapparece na do
proponente. Não desanimam, é certo, os procuradores do erário.
Mas, não obstante o brilho superficial que ás velleidades
regalistas vae emprestando hoje, entre nós, o reflexo dos Man-
tellinis, a linha da tradição antiga se não quebrou; os julgados,
na magistratura municipal, na estadoal, na federal, repetidos e
uniformes, em acções de perdas e damnos, vão dia a dia au-
gmentando o thesouro opulento dos arestos, que fazem talvez da
nossa jurisprudência, a esse respeito, a mais persistente e
copiosa de todas».
971
071 "A Culpa Civil das Administrações Publica»".Rio, 1898.
— 501 —
87.— No tocante aos funccionarios ou empregados públi-
cos, incluindo entre esses os magistrados, quer durante o regi-
men monarchico, quer no regimen republicano actual, a lei tem
sido sempre expressa em declarar a-responsabilidade penal dos
mesmos (Const. Imp., art. 156 e 179, § 29 Cod. Crim. de 1830,
arts. 137-166; Cod. Proc. Crim., arts. 150 sg.; Const. Fed., arts.
82 e 83; Cod. Penal de 1890, arts. 207 sg.); podendo o processo
contra taes funccionarios ser promovido, tanto por queixa da
parte offendida, como por denuncia do Ministério Publico
(Cod. Penal cit., art. 407).
M
E não se ignora,que alei brasileira
colloca, immediatamente ao lado da responsabilidade penal, a
responsabilidade civil, isto é, a obrigação de satisfazer o damno
resultante do delicto; se achando estabelecidas a esse respeito,
além de outras, as seguintes disposições:
A satisfação sesempre a mais completa que fôr possí
vel, sendo no caso de duvida-á favor do offendido (Cod. Crim.
ue 1830, art. 22). I
O perdão ou minoração das penas impostas aos rêos,
com que os agraciar o Poder Moderador, não eximira da obri
gação de satisfazer o mal causado em toda a sua plenitude (Cod.
cit , art. 66).
A indemnisão em todos os casos será pedida por aão
civil... (Lei de 3 dezembro 1841, art. 68; Cod. Pen. de 1890,
art. 69 6, e art. 70); sendo licito ao offendido pedir a indemni
sação do damno independentemente da condemnação criminal
<lo delinquente (Cod. Crim. de 1830, art. 31, § 3.°; Revista
"do antigo Sup. Trib. de Justiça" n. 8894 de 16 junho 1876;
98
O Assento de 28 novembro 1634 declarara, que os desembarga-
dores não podiam ser demandados pelas sentenças que dessem, ainda que
as partes se considerassem lesadas por ellas. Esta doutrina, porém, tor-
uou-se insustentável em vista da generalidade do art. 21 do Cod. Crim.
de 1830, que impunha a todos os delinquentes sem excepção a obrigação
de satisfazer o damno causado com o delicto.
— 502 —
Pimenta Bueno, Proc. Crim. n. 383 sg.; Ribas, Dir. Civil Brás.,
t. II, p. 162-163).
A iseão da responsabilidade criminal não implica a da
responsabilidade civil (Cod. Pen. de 1890, art. 31).
As disposições, que ficam transcriptas,"sobre a obrigação
de satisfazer o damno causado pelo delicto, muito embora ca-
pituladas em diversos artigos do Cod. Criminal do Império
(arts. 21-32), foram igualmente consolidadas, como direito vi-
gente, em matéria civil (T. de Freitas, Consol. das leis civis,.!
art. 798 sg.).
Quando a obrigação, de satisfazer o damno do delicto, e
tamm do quasi-delicto, recae sobre a Administração Publica,
ou melhor dizendo, sobre o Estado, as referidas disposições
lhe o por igual applicaveis; porquanto, vimos que segundo
a lettra expressa do pprio Cod. Penal (art. 31), a iseão da
responsabilidade penal (a qual não pôde ser imposta ao Es
tado, como pessoa jurídica) não implica a da responsabilidade
civil.
98
*
87 a.— Si, como se disse, não ha uma lei geral, firmando
a responsabilidade civil do Estado, o faltam, todavia, dispo-
sões especiaes, reguladoras de rios actos ou servos da
Administração Publica, que reconhecem expressamente dita
responsabilidade nos casos de leo dos direitos individuaes,
commettida pelos seus representantes. Am de outras, o do
lembrar neste sentido as seguintes:
1) A administrão individual ou collectiva de uma es-
trada de ferro é civilmente responsável pelos damnos que cau-
sarem os seus empregados no exercio de suas funões (Dec.
98» Em trabalho forense, que foi publicado no « O Paiz » (Rio Janeiro,
2 maio 1901) o dr. Oliveira Santos faz ama resenha olara e precisa das dis-
posições da lei sobre este ponto, e das razões jurídicas da sua applicaçfto-
aos factos lesivos da autoridade publica.
|— 503 —
n. 1930 de 26 abril 1857), regra, que prevalece com o mesmo
vigor e applicação contra o Estado, tratando-se de estradas de
ferro ao mesmo pertencentes. Com relação â obrigação par-
ticular de responder por perdas e damnos dos objectos ou va-
lores confiados a administração da estrada de ferro para o fim
de transporte,— nos casos de extravio e avaria, lbe são sem
reserva applicaveis as próprias disposições do Cod. do Com.
(art. 99 sg.), as quaes reconhecem a referida obrigação pela
malversação ou omissão dos respectivos agentes, etc. (Cf. Dec.
n. 9417 de 25 abril 1885, art. 121).
9Sb
2) A Repartição Geral dos Telegraphos terá especial cui-
dado na collocação das linhas, afim de que não prejudiquem á pro-
priedade particular, e deverá reparar ou indemnisar os damnos
causados de qualquer natureza que sejam. Aquelle que se julgar
prejudicado pelo estabelecimento de qualquer linha cabe recurso
immediato ao Governo (Decr. n. 1663 de 30 janeiro 1894, art.
552; Decr. n. 4053 de 24 junho 1901, arts. 538, etc).
3) Quanto ao servo especial dos Correios es declarado,
que a "União" ê responsável: a) pelos valores declarados em
carta e encommendas registradas; 6) pelas quantias confiadas
ao Correio para a emissão de vales ou cheques; c) pelas quan-
tias cobradas por intermédio do Correio e por conta de tercei-
ros,—de titulos, letras e obrigações pagáveis avista; d) pela
importâncias recebidas para assignaturas de jornaes e outras
publicações periódicas; e) pelos valores, a que se referem os
casos previstos nos aceordos e convénios internacionaes (Dec.
n. 1692 A de 10 abril 1894, art. 8
o
; Dec. n. 2230 de 10 fevereiro
1896, art. 6
o
). I
os b Nas « Condições Regulamentares » da Estrada de Ferro Centra)
do Brasil, de propriedade do Estado, a responsabilidade da administração
se acha reconhecida, assim como especificados os casos, em que a mesma
responsabilidade deve cessar. Vide: Condições Regulamentares ditas»
arts. 7o, 161 e 232 Bg.
— 504 —I
4) Pelo que respeita ao serviço aduaneiro, se acha disposto:
» Reputar-se-ha damno, todo e qualquer estrago, prejuízo ou
avaria que soffrerem as mercadorias ou seus envoltórios, desde o
seu desembarque nas pontes ou cães das alfandegas ou mesas de
rendas, ou de seus entrepostos, armazéns e depósitos, até a sua
entrega, ou sahida legal; e extravio, todo e qualquer descaminho,
falta ou não-entrega das mercadorias depositadas, ou sob a
guarda da Repartição... Os empregados, guardas, operários e
serventes da alfandega ou mesa de rendas são responsáveis pelo
damno ou extravio reconhecido, em virtude de denuncia ou
queixa, ou qualquer outro motivo, nas mercadorias que
estiverem a seu cargo, sob sua guarda, ou sujeitas á seu exame,
desde que se prove que o extravio ou damno foi occa-sionado
por fraude, malversação, omissão, negligencia, culpa ou outra
qualquer causa que poderiam ter prevenido ou evitado.
Verificado o damno ou extravio, e reconhecido o seu autor ou
causador,—si este não puder satisfazer logo a sua importância,
será satisfeita á custa do cofre da alfandega ou mesa de rendas,
com direito e acção regressiva contra o mesmo.» (Consol. das leis
das alfandegas e mesas de rendas, arts. 246-250). I Segundo se
vê, o que a lei admitte no caso, é a responsabilidade subsidiaria
do Estado pelo acto lesivo do seu empregado ou proposto; mas
ella assim o faz de maneira immediata e completa, como resulta
dos próprios termos indicados.
98c
B 98 c A respeito dos objectos recolhidos ás differentes caixas ou cofres do
Deposito Publico, regalado pelos decretos,—de 8 janeiro 1835, do 1.° de-
zembro 1845, de 22 janeiro 1847 e 19 março 1898, a responsabilidade do
Thesouro Publico pela sua entrega não foi jamais objecto de duvida nos
julgados da nossa jurisprudência, dado, porventura, o seu extravio por ne-
gligencia ou fraude do respectivo fnnccionario. Quanto ás demais caixas
publicas, em que tamm se recebem depósitos, como sejam, o cofre dos or-
phãos, dos bens de defuntos e ausentes, a caixa económica, etc. a responsabi-
lidade do Estado é perfeita, considerando-se taes depósitos, como divida
fluctuante do mesmo. Vide: Amaro Cavalcanti, Elementos de Finanças,
— 505 —
5) Relativamente â matéria de desapropriação, feita por
necessidade ou utilidade publica, disposições expressas garan-
tem a indemnização devida, quaesquer que sejam os casos e
•circumstancias (Oonst. do Imp., art. 179, § 22 ; Const. Fed.,
art. 72, § 17; Lei n. 85 de 20 setembro 1892, art. 15, § 9 e art.
37; Lei de 9 setembro 1826; Dec. n. 353 de 12 julho 1845; Dec.
n. 816 de 10 julho 1855; Dec. n. 1664 de 27 outubro 1855; Lein.
221 de 1894,art. 50-,) Lein.3129 de 1882, art. 1" §,4°; Lei n.
1021 de 26 agosto 1903; e Dec. n.4956 de 9 setembro 1903).
6) Tratando-se de decisões judieiaes, a lei determina que,
declarado o individuo innocente de uma condemnação criminal,
em consequência de revisão feita pelo Supremo Tribunal Fe-
deral , a sentença de rehabilitação consequente reconhecera
ao rehabilitado o direito ã uma justa indemnisação, que será
liquidada em execução, por todos os prejuízos softridos com a
condemnação. A Nação ou o Estado são responsáveis pela inde-
mnisação (Cod. Pen. de 1890, art. 86, § 29). Por disposição
particular estão também especificados os casos, em que esta
indemnisação deixa de ter logar; e bem assim que, prestada a
indemnisação, o Estado terá acção regressiva contra as autori-
dades e as partes interessadas na condemnação, que forem con-
vencidas de culpa ou dolo (Lei n. 221 de 1894, art. 84).
7) Em lei ultimamente votada pelo Congresso Federal,
relativa á reorganisação do Districto Federal (n. 939 de 29 de-
zembro 1902), não obstante se ter vedado a concessão de inter-
dictos possessórios pelas autoridades judiciarias contra os actos
do Prefeito Municipal, foi, todavia, reconhecido o direito de pe-
dir indemnisação pelos damnos soffridos, nestes termos: Fica
p. 403 sg.Entendemos, que igual doutrina deve prevalecer com rela-
ção ao Deposito Geral, regulado pelo dec. n. 2818 de 23 de fevereiro 1898,
sobretudo, em vista das disposições constantes dos seus artigos 19 o 21,
quanto ao producto dos bens abandonados e o saldo dos rendimentos do
Deposito Geral.
— 506 —
salvo ao particular lesado o direito de reclamar judicialmente;
as perdas e damnos, que lhe couberem, si o acto administrativo
tiver sido illegal, ou si nelle tiver havido excesso de poderes
(Lei n. 939, art. 17; Dec. n. 5160 de 8 março 1904, art. 45)»
8) A respeito das medidas, tomadas ou ordenadas pela au
toridade sanitária, prevalece disposição idêntica ã que se re
fere aos actos do Prefeito Municipal, e da qual vimos de fazer
a devida menção (Lein. 1551 de 5 de janeiro de 1904, art. I.
0,
§ 20; Dec. n. 5156 de 8 março 1904, art. 288).
98d
1
87 b.— Conforme se verifica das ultimas disposições ci-
tadas, o principio da responsabilidade civil se acha admittido
contra os actos do poder publico nos termos mais expressos.
resta, fazel-o applicar ás espécies análogas. Si o principio é
verdadeiro com relação á administração dos serviços munici-
paes e da saúde publica, elle deve sel-o igualmente com relação
aos demais serviços públicos, em que se dér a lesão dos direitos
individuaes: " Ubi eaãem ratio, ibi idem jus".
A disposição da lei n. 939, acima mencionada, presuppõe,
todavia, a condição da illegal idade do acto ou o excesso de
poder por parte do agente, para que se possa dar o direito â in-
demnisação,—o que não nos parece assaz justificado; porquanto
é ocioso repetir, que a lesão dos direitos individuaes pode tam-
bém ter logar, mesmo procedendo o funccionario dentro da
mais stricta legalidade.
08
d
Quanto ao Proj. do Cod. Civ. Brazileiro, approvado pela Ca-
mará dos Deputados na Sessão Legislativa de 1902 e pendente da delibe-
ração do Senado, cumpre dar uma breve noticia.
No Projecto primitivo, elaborado por Clóvis Beviláqua, a responsa-
bilidade civil estava expressamente articulada nestes termos: As pessoas
jurídicas de direito publico responderão pelos damnos causados por seus
representantes: l.o Quando estes obrarem no exercício da porção de poder
publico que lhes ó confiado, si a lei nao tiver determinado, para o caso, a
simples responsabilidade pessoal do funccionario; 2.° Quando, em nomo
— 507 —
Além das disposições legislaitvas, que deixámos indi
cadas, convém lembrar, como documento irrecusável, de que
a doutrina corrente no paiz é a da responsabilidade do Estado
pelos actos lesivos dos seus representantes ou prepostos, o facto
frequente,— que, independentemente de condemnação judicia
ria, o governo se tem em geral reconhecido obrigado á prestar
delias praticarem actos de direito privado, dentro dos limites de suas
attribuioões (Proj. cit, art. 42). E conspantemente, DO titulo das obrigações
resultantes dos actos illicitos, se dizia: A responsabilidade da União, dos Es-
tados e dos Municipios, a que se refere o art. 42 n. 1, pode provir da
omissão do funccionario no cumprimento dos deveres, que lhe incumbem,
ou do mào uso da porção de poder publico que lhe é confiado (art. 1647).
Mais ainda: "Todo aquelle que responde pelo damno causado por outrem
pode repetir do autor o que houver pago por elle, salvo si este for seu des-
cendente. Esta disposição aproveita ã União, aos Estados e aos Municipios,
quando repararem damnos causados por seus funccionarios" (art. 1648).
Além disto, tratando das penas, em que incorre o credor, que cobra di-
vida o vencida, ou.não existente, ou já paga no todo ou parte, sem
resalvar o recebido (art. 1652-53), o Projecto-Bevilaqua accrescentara :
"As penas comminadas nos dois artigos antecedentes são também appli-
caveis ã Fazenda Publica, sempre que promover cobrança indevida, salvo
seu direito regressivo contra os seus agentes ou representantes, culpados
por prevaricações, abuso de poder ou falta de exacç&o no cumprimento dos
respectivos deveres (art. 1654).
No Projecto, revisto pela Commissão do Governo, foi conservado o
art. 42, assim redigido: As pessoas jurídicas de direito publico respon
derão pelos damnos causados por seus representantes : 1 Quando estes
agirem no exercício de suas funcções, excepto si praticarem abusos ou
omissões, pelos quaes seo os únicos responveis ; 2.° Quando era nome
delias praticarem actos de direito privado, dentro dos limites das suas at
tribuições. Ao tratar, porém, das obrigações resultantes de actos iUidtos,
a Commissão supprimio o disposto no art. 1617 do Proj ecto-Bevilaqua, con
servando, apenas, o do art. 1654, posto agora sob o numero de art. 1826.
A nova redacção dada ao art. 42 do Projecto foi proposta pelo Conse
lheiro O. H. d'Aquino e Castro, membro da supradita Commissão Revisora
f
depois de haver fundamentado o seu voto a semelhante respeito. (Vide:
"Actas dos Trabalhos da Commissão Revisora do Projecto do Código Civil Bra
sileiro elaborado pelo Dr. Clóvis Beviláqua". Rio, 1901).
No Projecto approvado pela Cama dos Deputados, a única dis-
posição adoptada sobre a matéria é a seguinte: As pessoas judicas de
— 508
indemnisação pelos damnos diversos dessa origem, á vista de
simples requerimento ou reclamação da parte, que se mostra
provadamente lesada nos seus direitos.
A presente asseão, assentando sobre factos norios, por
ningm ignorados, dispensa-nos, sem duvida, de mencionar
casos particulares para o fim de corroboral-a.
98e
direito publico só responderão pelos damnos cansados por seus represen-
tantes, quando estes, em nome delias, praticarem actos de direito privado
dentro dos limites das suas attribuições (art. 15). No titulo das obrigações
resultantes de actos illicitos não se faz mais nenhuma referencia às pessoas
de direito publico. E', como se vê, uma disposição assaz restrictiva, in-
completa, e cuja redacção obedecera evidentemente â idéa de implantar no
Código Civil a theoria conhecida da distincção dos actos públicos, em actos
de império o actos da gestão,— tornando o Estado somente responsável
pelos damnos provenientes dos últimos; doutrina, que certamente não
satisfaz aos interesses da justiça, como já tivemos occasião de ver (hic. p.
255 sg.). Evidentemente, a disposição do Projecto-Beviláqua assentava em
fundamentos mais sólidos de razão e justiça. Emendou-se para peior.
Tendo-nos cabido concorrer para os trabalhos da Commissão Es-
pecial da Camará dos Deputados sobre o Projecto do Código Civil, preten-
demos que ao menos se deixasse, desde logo, clara e definida, a responsa-
bilidade civil do Estado a respeito de determinados casos. Neste intuito, ao
tratar das "obrigações por actos illicitos", apresentámos á Commissão o se-
guinte adlitivo : « A Fazenda Publica responde pelos actos de seus repre-
sentantes ou fnnccionarios, segando o disposto no art. 15, nos seguintes
casos : 1.° quando se dér a lesão de um direito privado effectivamente ad-
quirido nos termos do art. 3.° deste código; 2.° quando a administração
faltar à fé dos contractos, ou os romper no todo ou em parte; 3.° quando em
consequência de medidas puramente administrativas, ou do estabelecimento
e execução de serviços e obras publicas em geral, inclusive as de operações
militares, resultar damno à propriedade particular; 4.° quando, na guarda de
bens e valores, ou na gestão e exploração de serviços de natureza
industrial, a administração publica assumir os riscos e perigos que lhes são
peculiares».— Este additivo, ainda que incompleto, e visando, tão somente,
explicar o conteúdo do art. 15, já adoptado, não logrou ser acceito pela
Commissão.
08
e
Bastará rever a esse respeito a lista dos créditos abertos em cada
exercício financeiro pelo governo, para cada um convencer-se das
importâncias, as vezes avultadas, que o Estado tem pago a titulo de indem-
nisação de damnos causados poios seus representantes ou funccionarios,
— 509 —
§ 2.° CASOS B DECISÕES
88.—Ainda que assaz conhecida em nossa litteratura jurídica"
a doutrina, que distingue os actos da administração publica em actos
de império e actos de gestão, e não se ignore juntamente, que a
significação especifica destes vocábulos tenha sido, por vezes,
invocada nas discussões judiciaes e nos próprios considerandos das
sentenças; é licito comtudo não affir-mar, que semelhante doutrina
se acha recebida em nossa jurisprudência, como critério decisivo
dos seus arestos."
a
Pelo contrario, si alguma cousa se pôde apontar, como regra
da jurisprudência brazileira sobre a questão, é, como se disse, a
admissão do principio da responsabilidade geral do Estado; sendo
estaaffirmada, ou negada nos casos particulares, segundo ás
circumstancias e provas do respectivo facto, e nem sempre, a dizer
toda a verdade, guardando-se inteira coheren-cia nos fundamentos
das sentenças proferidas...
independentemente de aão judicial, que a isso o tenha obrigado. Pelo que
se refere as reclamações de direito internacional privado, pode-se dizer, que
esta é a regra; quando, as reclamações desta espécie deviam als, ser
sujeitas, antes de tudo, ao exame e decisão dos tribunaes do paiz, para
dizerem sobre a sua procedência e justiça.
09
Não são ainda nnmerosos os trabalhos ospeciaes, publicados no
Brasil, sobre a responsabilidade civil do Estado, ou doutras pessoas jurídi-
cas do direito publico. De nosso conhecimento podemos apenas indicar: de
data anterior, — o que se encontra em Ribas, Direito Civ. Brasileiro, t. II,
pags. 119 e 157 (Rio Janeiro 1865), e de datas mais recentes: Ruy Bar-
bosa, A Culpa Civil das Administrações Publicas (Rio Janeiro 1898); João
Vieira, Razões na Àppellação n. 626 do S. T. F. (Rio Janeiro 1900); Idem,
idem na Àppellação n. 893 (Rio Janeiro 1903): Ampbilophio de Carvalho
Responsabilidade Pecuniária da Uno ou Raes na Àppellação do S. T. F
n. 795 (Rio Janeiro 1902); J. S. Viriato de Medeiros, Responsabilidade Civil,
do Estado ou Rabões na Àppellação do S. T. F. n. 851 (Rio Janeiro 1903).
90
a
Em duas leis federaes, do n. 939 de 1902 e de n. 1151 de 5 de
janeiro 1904, vemos empregada, pela primeira vez, a expressão "actos ra-
tione imperii". como razão justificativa das próprias disposições.
— 510 —
Portanto, supposta ainda entre nós a carência de um sys-
tema firmado sobre o assumpto, e não reconhecendo, de nossa
parte, outra verdade jurídica da matéria, que não seja o principio
da responsabilidade geral (hic. p. 266 sg.), "
b
passaremos, desde
logo, a revistar o que se encontra a respeito na lei e na ju-
risprudência do paiz, tomando, principalmente, para argumento
desta, os julgamentos diversos do Supremo Tribunal Federal,
sem excluir muito embora as decisões de outros tribunaes e
juízos, cuja menção nos pareça de igual conveniência.
88 a. DAMNOS PROVENIENTES DAS LEIS E ACTOS no GO-
VERNO. Se tem geralmente admittido, como regra de direito
publico, que os indivíduos não podem reclamar indemnisação do
Estado pela lesão, que as leis tragam porventura aos seus di-
reitos individuaes; a menos que, das próprias disposições delias
não resulte o reconhecimento de um direito â essa indemni-
sação. Este principio geral, se pôde dizer, constituíra, sem res-
tricção, o direito positivo e a jurisprudência dominantes ao tempo
do Império.
Na Republica, porém, não seria licito afíirmal-o de ma-
neira tão categórica. Cabendo, agora, ao poder judiciário a
faculdade do julgar da validade das leis, é manifesto que o in-
dividuo, que se considerar lesado pelos seus dispositivos, pôde
levar á sua acção ao referido poder e, uma vez obtida a annul-
lação da lei, poderá igualmente, segundo as circumstancias do
caso, exigir e obter uma justa indemnisação da lesão soffrida.
99
b
Não sendo aoceita por nós a disfcincçao entre actos de império e
actos de gestão, adoptámos, como se viu, com relação á morparte dos capí-
tulos precedentes, a divisão de actos legaes e actos illicitos ou illegaes; flze-
mol-o, porém, como simples questão do methodo na exposição da matéria, e
nada mais. Quanto â jurisprudência brasileira, pareceu-nos mais conve-
niente, tratar dos factos concernentes á mesma, usando ainda de maior
liberdade na sua classificação.
— 511 —
De certo, declarada uma lei invalida ou inconstitucional por
decisão judiciaria, um dos effeitos da decisão deve ser logicamente
o de obrigar a União, Estado, ou Município, a reparar
0 damno causado ao individuo, cujo direito fora lesado,— quer
restituindo-se-lhe aquillo que indevidamente foi exigido do
mesmo, como succede nos casos de impostos, taxas ou multas
iucoustitucionaes,—quer satisfazendo-se os prejuízos, provada-
mente sofíridos pelo individuo com a execução da lei supposta.
1 Com effeito, em casos diversos sujeitos ao seu conheci
mento, o Supremo Tribunal Federal já. se tem pronunciado de
accôrdo com esta doutrina. (S. T. F. 30 janeiro, 13 e 23 feve
reiro, 2 março, 4, 9, e 25 setembro, 1895; 23 maio, 9 dezem
bro 1896; 13 fevereiro de 1897; 30 novembro 1898; 29 julho, e
16 dezembro 1899; 13 janeiro de 1900 ; 9 janeiro, e 10 agosto
1901; 4janeiro 1092; 18 junho, e 31 outubro 1903).
We
09
c
B' de advertir, que o S. T. P., em relação â reparação do damno,
se tem limitado, na maioria dos casos, a mandar restituir o indevidamente
recebido, ou a pagar o que o lesado deixara devidamente de receber ; de
maneira que não se pôde amimar, que haja jurisprudência certa, fundada
a respeito. Isto mesmo confessara o próprio presidente do Sup. Trib.
Federal nos seguintes termos: « Quanto aos julgamentos do Supremo Tri-
bunal Federal, é certo, que por mais de uma vez tem sido a Fazenda Pub-
lica condoranada a pagar avultadas quantias a titulo de indemnisação de
damnos, por actos praticados sem autorisaçao legal por agentes da autori-
dade ; mas tamm é verdade, que taes decisões tem sido tomadas com vo-
tos vencidos o perfeitamente fundamentados, oomo os do accordam de 27 de
julho de 1898 na app. civ. n. 875; e ha julgamentos em sentido contrario,
oomo o de 21 de novembro do mesmo anno na app. civ. n. 834, reco-
nhecendo que," si houve abuso ou omissão da parte dos que se apoderaram
da propriedade alheia, s&o por esses factos responsáveis, o a Fazenda
Publica, mas os funocionarios públicos que os praticaram no exercido de
seus cargos." Não ha, pois, jurisprudência assentada sobre assumpto de
tamanha importância; e justamente para que não prosiga a duvida, con-
vém que seja no oodigo firmada a verdadeira doutrina quo, no meu ver, é
a que estabelece a responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados a
terceiros pelos funocionarios públicos, somente quando provenham do
— 512 —
Do mesmo modo tem procedido o Judiciário acerca dos
decretos, regulamentos, instrucções e mais actos dos represen^
tantes do Poder Executivo, isto é: uma vez declarados inválidos
ou illegaes, a respectiva decisão tem reconhecido juntamente
a obrigação de prestar a devida indemnisão ao lesado pelos
cofresblicos, alem de rios outros, nos seguintes casos:
a) Nos de demiso ou aposentadoria de funccionarios -
blicos, bem como na demiso ou reforma de officiaes militares
(S. T. F. 19 setembro, 27 novembro 1895 ; 16 maio, 3 outu-
bro, 21 novembro 1896; 7 abril 1897; 19 março, 10 e 24 setem-
bro, 7 novembro, 5 dezembro 1898; 8 julho, 30 agosto, 21 ou-
tubro, 2, 4, e 16 dezembro (três decisões desta data) 1899;
22 janeiro e 16 maio, 19 e 22 setembro 1900; 26 outubro e
27 novembro 1901; 7 junho 1902; 30 maio, 5 setembro e 11 no-
vembro 1903; 5 outubro 1904). "
a
regular exercício das fmicções respectivas; responder o património da
Nação pelos damnos provenientes de um acto arbitrário ou de um abuso, é
inverter os princípios de direito, em virtude dos quaes deve indemnisar o
damno aquelle que o causou (art. 69& do Cod. Penal) e esquecer o que
prescreve a Constituição Federal no art. 82. » (Actas da Commissão Revi-
sora do Proj. Cod. Civil, p. 101).
Estas considerações do iilustre presidente do S. T. F. foram feitas
ao discutir a questão de saber, si o principio da responsabilidade do Estado
pelos actos lesivos de seus funccionarios é suffragado pela lei n. 221 do
1894, como- em geral se entende, e assim tem sido julgado diversas vezes,
pelo Supremo Tribunal Federal.
Si o nosso testemunho pessoal também podésse valer nesta maté-
ria, devíamos afirmar, que realmente no pensamento da lei n. 221 a inva-
lidação do acto importa a obrigação consequente de prestar justa indem-
nisação do damno, que o acto causar ao individuo lesado. — (hie, nota
m
)J
99
d
Mais adiante se tratará em especial da intervenção judiciaria nos-
actos administrativos desta espécie.—Durante o Império jamais foram le-
vadas ao judiciário questões resultantes da demissão, aposentadoria, ou
reforma de funccionarios, civis ou militares. Si o individuo se considerava
lesado por taes actos, ou reclamava por via graciosa, ou, quando muito, recor-
ria aos meios do Contencioso Administrativo. O judiciário não intervinha.
— 513 —
b) Em casos, o menos frequentes, de indevida arreca-
dação de impostos, taxas e multas (S. T. F. « mao 1897; 25 e
28 maio, e 21 novembro 1898; 2 maio, 26 julho 1899; 12 maio,
7 julho, 10 e 20 outubro, 10 ei.4 novembro 1900).
c) Em casos de desapropriação, directa ou indirectamente
feita (S. T. F. 23 agosto 1893 ; 30 março, 4 setembro 1895;
23 maio, 19 outubro, 19 dezembro 1896; 19 maio 1897; 10 se-
tembro 1898 ; 26 agosto 1899, etc). "
e
I
88 b. — DAMNOS PROVENIENTES DE MEDIDAS POUCIAES.
1) Medidas de segurança propriamente ditas. As medidas
tomadas pela autoridade publica para os fins da segurança
publica e privada, ou para outros misteres da policia em geral,
ainda que, as vezes, violadoras das garantias da liberdade in-
dividual, taes como: a prisão dos responveis pelos dinheiros
públicos, a detenção dos indivíduos suspeitos de crime, ou
para determinadas indagações policiaes,—a reclusão temporá-
ria de individnos, suppostos loucos ou dementes, sem prece-
derem todas as exigências legaes,— e mais actos semelhantes,
não dão, em regra, logar â nenhuma aão de reparão pecu-
nria contra o Estado. Esta doutrina fora invariavelmente se-
guida durante o Imrio, e assim continua a prevalecer na
Republica.
99í
00
e
Como se vlo á pagina 505, a inderanisação da propriedade des-
apropriada foi sempre expressamente garantida pelas leis do paiz, muito
embora o facto se por utilidade ou necessidade do Estado. As deci-
sões acima citadas versam sobre a invalidação de leis estadoaes, que dei-
xaram de attender devidamente a obrigação do indemnisar ao proprietário.
99
f
O remédio contra as possiveis violências a liberdade pessoal é o
pedido de lwbeas-corpvs, o qual costuma ser concedido frequentemente pelos
tribunaes, mesmo em lavor dos responsáveis á Fazenda Publica, não ob-
stante o dispositivo expresso da lei em contrario (Dec. n. 657 de 5 dezem-
bro 1849 ; Lei n. 221 de 1894, art. 14; Cf. Rego Barros, Apont. sobre Con-
tencioso Administrativo, cap. 47 sg.; Resol. C. B. 10 julho 1880, etc).
33
n. c.
— 514 —
Quando de taes medidas resulta um damno directo á pro-
priedade privada, se tem procurado distinguir as hypotheses:
Si o damno provém de acto positivo (culpa in fadendo) bem ca-
racterisado, a indemnisaçãò pode ser admittida, como um dever
de justiça, á vista das circumstancias. Si, porém, se trata de
damno, attribuido á omissão do respectivo funccionario ou au-
toridade em evitar o acto lesivo de terceiros (culpa in omit-
tendo), se tem decidido, que a indemnisaçãò o deve ter logar.
(S. T. P. 21 julho 1897, 20 junho, e 26 dezembro 1900;— Acc.
do T. de Just. de S. Paulo de 29 junho 1899 e 7 abril 1900) .
99g
"e No Aco. do Sup. Trib. Ped. de 21 de julho de 1897 a espécie fora
esta: a negação de licença por parte da policia para o desembarque de
pólvora, destinada ao commercio da Capital Federal, durante o estado de
sitio, em que então se achava o Distrioto Federal.
No Acc. de 20 junho de 1900 o S. T. F. rejeitou o pedido de in-
demnisaçãò pelo damno causado em consequência da circular do Governo
Federal de 10 de abril 1897 que prohibira despacho nas Alfandegas de
armas e petrechos de guerra, declarando: «que desse acto não resultara
offensa ou lesão de um direito, hypothese única, em que poderia servir de
fundamento à uma acção judicial, nos termos e para os fins do art. 13 da lei
n. 221 de 20 novembro de 1894, observado, entretanto, o disposto no §
letras a e b desse mesmo artigo; que a Const. Fed. garante, é certo, a
liberdade de industria, esta liberdade, porém, não ó illimitada, alem de
depender, como os demais direitos assegurados pela Const. Federal, de leis
especiaes que lhe regulam o exercício...; que na espécie dos autos tratava-
se de uma medida geral tornada pelo Governo no interesse da ordem
publica, em virtude de um poder discricionário conferido por lei (Nova
Consol. das leis das alfandegas, art. 445, § 7°).»
Nos Accs. citados do Trib. de Justiça de S. Paulo tratava-se do assalto
e destruição das oficinas e esoriptorio de um jornal, factos attri-buidos á
negligencia ou culpa da autoridade policial, á qual o administrador do
jornal avisara duas vezes, pedindo garantias contra o assalto projectado. Os
alludidos aooordams nos sous considerandos procuraram firmar os
seguintes princípios: «1.° Que os funccionarios e empregados públicos são
os responsáveis pelos damnos causados pela inobservância dos deveres a
que são obrigados ; 2.° Que o dever do Estado de nomear funccionarios
idóneos fica satisfeito desde que a nomeação é feita nas condi-
—--
— 515 —
Não fazemos duvida em acceitar, como verdadeiro, o
principio de «que, só excepcionalmente, deve o Estado prestar
indemnisão pelo damno in omitteo, proveniente das me-
didas policiaes»; mas entendemos, que esse direito, embora de
ções preestabelecidas pela lei; 3.° Que, desta sorte, o Estado não responde
pelos actos futuros dos funccionarios, exorbitantes dos poderes conferidos,
da mesma forma, que o committente não responde pelos actos dos propostos
excedentes de taes poderes; 4.° Que o Estado ó responsável in faciendo,
quando agindo dentro da esphcra do direito, lesa direitos por actos dos
seus agentes directos ; 5.° Que, porém, quando age por intermédio de func-
cionarios creados por lei, com funcçSes estabelecidas nesta, não lhe cabe
responsabilidade in omitteo ; 6 Que as obrigações nascidas do delicto
conservam o caracter personalíssimo deste e, conseguintemente, a sua in-
transmissibilidade (Ribas, Dir. Civ.); 7.° Que, finalmente, nenhuma prova
havia de culpa por parte do Estado com relação ao facto, de que se pedia
indemnisação.» O Tribunal também observara, que "o Estado tem dupla
personalidade, ora agindo como poder politico ou administrativo, ora como
simples particular e, neste caso, sujeito às regras de direito commum aos
particulares " ; mas isto dizendo, não tratou, todavia, de delimitar as esphe-
ras de acção dessas duas pessoas, conourrentes no Estado. [Revista áe Ju-
risprudência, vol. IX, p. 367 sg. — Rio de Janeiro, 1900).
Interposto o Recurso Extraordinário para o S. T. F., este não tomou
conhecimento do feito, por não ser caso deste recurso; não deixara, porém,
de observar que a sentença recorrida, « embora se não fundasse expressa-
mente em texto de lei pátria que positivamente roja o caso, e que de facto
o existe, deoidio e julgou, invocando nos seus numerosos considerandos
os princípios de direito, as opiniões dos doutores, oonsoantes á boa razão,
ás leis dos povos cultos e a jurisprudência de tribunaes federaes, nacionaes
e estrangeiros, nos termos da lei de 18 do Agosto de 1769 » (S. T. P. 26
de dezembro de 1900).
I —Aproveitando do ensejo, pergunta-se: qual a regra a respeito dos
damnos feitos, por ocoasião de motins, arruaças, greves, e outros casos
anormaes de perturbação da ordem publica ? E' preciso distinguir: si taes
damnos o causados pelos funccionarios, como uma necessidade ao resta-
belecimento ou manutenção da ordem, elles deverão sem duvida entrar
na regra da responsabilidade geral do Estado segundo os princípios, que
deixámos estabelecidos; si os damnos, porém, são causados pelos pertur-
badores da ordem, o Estado nada teque vôr com a reparação jurídica
dos mesmos, a menos que os seus funccionarios ou autoridades também
não se achem em culpa manifesta de omissão a esse respeito (hio, p. 328).
— 516 —
exceão, precisa ser realmente attendido e reconhecido nos ca-
sos, em que se verificar que, da negligencia, proposital ou cul-
posa, do funccionario é, que resultara com certeza a lesão do
direito individual. A razão de justiça, que exige a satisfação
do alheio damno, subsiste a mesma; e por isto, não ousaríamos
affirmar si, na hypothese dos julgados do Tribunal de Justiça
de S. Paulo, a que se alludio, foi rigorosamente guardado o
«suum cuique tribuer, no qual, podiamos dizer, se resume
o próprio fim ou objecto do poder judiciário...
Entre as medidas de segurança policial, a deteão ou
prisão individual, facto de freqncia quotidiana, e reputado
indispenvel â própria conservão da vida collectiva, o
logar a nenhum direito de indemnisação ao individuo, porven-
tura passivel de semelhante medida; tal é a regra da maria,,
geralmente seguida pela jurisprudência, como ficou dito.
Entretanto o nos parece, que dita regra possa sempre*
prevalecer, de maneira absoluta, incondicional. Comprehende se-
que uma detenção simples, breve, sem offensa á honra pessoal
ou ao credito do individuo, sem uma leo concurrentemente
feita ao seu património particular, e executada por motivos
reaes de ordem e de justiça, o deva dar logar ã nenhuma
acção de reparação por parte do paciente; o encargos ou sof-
frimentos, ás vezes ineviveis, necesrios, para que a comnm-
nhão possa, em compensação, gosar dos benecios e garantias
da vida social e da ordem jurídica.
Mas uma deteão injusta, prolongada, a qual, dando-se
esta ultima circumstancia, o pode deixar de affectar ao cre-
dito do individuo, e mesmo de prejudicar directamente a sua
situação económica, deverá com toda razão crear para o Es-
tado a obrigação de indemnisar o mal feito, muito embora com
direito regressivo contra a autoridade, que a tenha ordenado.
Não se desconhece, que pôde haver difficuldade no conciliar, em
vários casos, a necessidade da detenção (direito do Estado) com
— 517 —
a Uberdade individual e o direito â reparação (direito do indi-
viduo); mas, seja como fôr, não seria justo recusar a indemni-
sação nas circumstancias suppostas. Tratasse, não, da suppres-
pão temporia da liberdade do individuo somente; ha também a
considerar a lesão do património privado que a detenção acar-
reta juntamente, fazendo cessar a actividade económica do de-
tento, e conseguintemente, occasionando-lhe a diminuição ou a
ruína dos próprios bens e haveres. A obrigação de indemnisar,
em tal caso, devia cessar, si o detento tivesse praticado acto
culposo ou immoral, embora não punível, do qual resultasse
uma razão de suspeita contra si; porque, nesta hypothese, o seu
sóffrimento, sem direito á indemnisação, seria a consequência
da sua conducta (sibi impntet), ainda assim, não bastaria
que a autoridade desse, como motivo da detenção, a suspeita
contra o individuo; se devia provar que, efectivamente, elle se
achava em culpa; porquanto ninguém pôde ser castigado,
senão, depois de feita a prova da sua culpa ou do delicto, que
lhe é imputado.. .
90h
2) Medidas de policia sanitária. Das medidas de policia sa-
nitária, embora autorisadas em lei, podem sabidamente provir
damnos aos interesses ou direitos individuaes. A autoridade sa-
nitária se acha revestida de poder,—não para fazer a appre-
hensão e destruição de géneros deteriorados ou considerados
nocivos â saúde publica, o sequestro e a venda de animaes ou
00,1
No periódico "Die Wochç" de 20 julho 1901 (Berlin) o prof. I.
Kohler publicou um artigo assaz conceituoso sob o ponto de vista jurí-
dico, afirmando o direito de indemnisação dos injustamente presos. Em ar-
tigos insertos no Jornal do Commercio, de 20 e 30 de maio de 1904 pro-
curamos, por nossa vez, tornar conhecidas as idéas do professor berlinense
na matéria.—Hlo, p. 415, nota.
86f
-
Mais adiante ainda se dirá sobre este ponto e, em particular, sobre
a indemnisação do damno proveniente da detenção pessoal durante o es-
tado de sitio.
— 518 —
objectos, cuja existência nas habitações fôr prokibida, a cassa-
ção de licença, o fechamento ou interdicçao de prédios, e a im-
posão de obras e construcções,como ainda, para ordenar a
ppria demolição de prédios e a venda do seu terreno e per-
tences para o pagamento das respectivas despezas (Dec. legis-
lativo n. 1151 de 5 janeiro 1904, art. I
o
, § 3
o
, letra f, I e II j
Dec. n. 5156 de 8 mao 1904, arts. 17 e 123,175, etc.)- Am
disso, com o simples processo e execução das desinfecções do-
miciliares, igualmente autorisadas na lei, se pôde occasionar,
ás vezes, grave damno ás pessoas, ou aos objectos de alheia
propriedade.
Pelo que diz respeito ã appreheno e destruição de ne-
ros deteriorados ou nocivos á sde publica, e bem assim á de
animaes ou objectos, que a lei prohibe ter nas habitações,
embora pecuniariamente prejudiciaes aos seus donos, taes actos
não o a estes nenhum direito á indemnisação. A autoridade
publica faz apenas, e muito legitimamente, cessar um abuso
ou delicto (Cod.Penal, arts. 163-164) em bem do interesse com-
mum, e nada mais: a ningm é licito tirar proveito da própria
culpa ou dolo, ou da omissão de um dever legal. Outro tanto se
poderia tamm dizer, não o objectámos, com relação ao fecha-
mento ou interdicçao dos prédios, verifícadamente carecedores
das condões hygienicas, exigidas la lei para a sua habita-
bilidade.
Mas cumpre o esquecer que, na execução das medidas
indicadas, assim como na de varias outras, se , ou se pode
dar, o abuso ou a culpa do funccionario incumbido do respectivo
servo; e nesta hypotliese, não obstante a necessidade legal im-
prescindível dos actos da policia sanitária; ao lesado o se
poderá deixar de reconhecer incontestável direito ã uma in-
demnisação pelos damnos sofridos. Por exemplo: os géneros
apprehendidos podem não estar deteriorados, nem ser nocivos
á saúde;os animaes ou objectos sequestrados podem o ser
— 519 —
os prohibidos na lei;os prédios, cuja cassação de licença, fe-
chamento ou interdião se ordenara, podem, não obstante, se
achar em boas condições de hygiene e habitabilidade, etc...
Em todos estes casos e nontros alogos, uma vez provado o
abuso ou a ignorância do funccionario, a obrigão de reparar
o damno ê de justa, visto como o direito individual é lesado
pelo representante do poder publico.
Mesmo nos actos ordinários da desinfecção por motivo de
peste, desde que ella damnifica aos objectos, de modo a tor-
nai-os imprestáveis ao seu possuidor, é de justiça que uma in-
demnisação relativa seja prestada ao seu proprierio.
99i
Ainda que a lei saniria federal não contenha disposi-
ção expressa, garantindo o direito de indemnisação em cada um
dos casos particulares, acima snppostos, ou nontros semelhantes
comtudo, esse direito se acha previsto na mesma pela maneira
seguinte: « Fica salvo a pessoa lesada o direito de reclamar ju-
dicialmente perante a justiça federal as perdas e damnos que
lhe couberem, si o acto ou medida da autoridade sanitária tiver
sido illegal, e promover a punição penal, si houver sido crimi-
noso»; accrescentando-se, ao mesmo tempo, que «em caso de
desaproprião, esta se fa segundo a Constituição federal e
as leis respectiva (Dec. cit. n. 5156, art. 288, segunda parte.)
Ha apenas um defeito na disposição citada, que sobreleva
assignalar, como jà fizemos a respeito do dispositivo análogo da
lei 939 (hic, p. 506): é, que ella admitte o direito á repara-
ção das perdas e damnos, em se tratando de acto ou medida
illegal. Assim não deve -ser: o acto ou medida da autoridade
sanitária pode ser muito legal, isto ê, conforme aos dispositivos
i9i
E' o que se acha consignado na lei ingleza, alias, uma das legisla*
ções mais vigorosas sobre a matéria de saúde publica (The Public Health
Act de 11 agosto 1875, art. 121 e The Public Health Acts amendment Act\
de 1870, art. 6°), e bem assim na recente lei franceza de 15 de fevereiro
de 1902, art. 26, etc.
— 520 —
da lei e, o obstante, ser a causa de uma leo manifesta ao
alheio direito; e na ultima hypothese, a indemuisação o te
fundamento menor, do que na primeira. tivemos occasião
de demonstrar em outra parte, e não ha mister repetir, que o
fundamento do direito â indemuisação de muito bem as-
sentar em razão differente de culpa do agente ou de illega-
lidade do acto praticado.
99j
99
j DEMOLÃO DE PRÉDIOS ". No regulamento actual dos servos
sanitários a cargo da União ha uma disposição, que cumpre mencionar
aqui na sua integra para, depois, dizermos sobre ella quanto convém; é a
do art. 123 que resa: «Toda casa que apresentar graves e insanáveis
defeitos de hygiene, considerada, portanto, inhabitavel, será desoccu-pada,
fechada definitivamente por ordem do inspector sanitário, á juizo do
delegado de saúde, sendo marcado prazo para o inicio da demolição, findo
o qual, a directoria geral de saúde publica fará por si esta demolição,
cobrando do proprietário as despezas; e no caso de recusa de pagamento
por parte deste, fará que o terreno, materiaes, etc. sejam vendidos em hasta
publica, indemnisando-se das despezas feitas e depositando o restante da
importância no Thesouro Federal á disposição do proprietário (Dec. n.
5156 de 8 março de 1904).
Semelhante disposição não pôde ser a lei do paiz, mesmo em nome
do magno interesse da saúde publica. Antes de tudo, ella é antagónica com
a Constituição, a qual não permitte que o poder publico disponha da
propriedade particular, senão, fazendo a sua desapropriação por neces-
sidade ou utilidade publica mediante indemnisação previa. (Const. Fed.,
art. 72, § 17).
Convimos de boa mente que o poder publico possa impor multas
repetidas, simples ou progressivas, contra o proprietário que descure de
conservar o seu prédio nas condições legaes de hygiene; que, não satis-
feitas taes condições debaixo das penas indicadas, possa a autoridade pu-
blica intervir directamente, mandando fazer as obras ou melhoramentos ne-
cessários, cabendo, por isto, á fazenda publica.um ónus real no prédio em
questão, como garantia das despezas feitas; que, finalmente, seja, em casos
especiaes, ordenado o fechamento temporário do prédio, ou mesmo a sua
interdicção definitiva. .. Tudo isto seria admissivel em vista do grande
dever, que incumbe ao poder publico de guardar a saúde publica; e, com
effeito, medidas análogas se encontram nos regulamentos sanitários de ou-
tros povos de reconhecida cultura jurídica. Mas passar além, e ir até ao
ponto de mandar demolir a propriedade particular, e dispor dos seus per-
— 521 —
88O. DAMNOS PROVENIENTES DOS ACTOS DE GUERRA. No
que respeita aos damnos cansados â propriedade privada pof
actos e factos diversos, concernentes ou resultantes da guerra,
são de citar as seguintes decisões:
1) Condemnando a União à indemnisar o valor de gados,
apprehendidos pelas forças legaes para a provisão destas
tences, a pretexto de medida de policia sanitária, é providencia, que em-
bora consignada na lei, constituo uma violência cruel contra o direito de
propriedade 1
—À legislação sanitária, ora vigente no paiz, deixa ver, que ella tem
a sua origem directa na legislação da Inglaterra e da França sobre a mesma
matéria. Entretanto, em nenhum dos códices destas nações se encontra dis-
posição alguma, como a de que se trata. Ao contrario, na legislação de
ambos esses paizes se acham disposições expressas mandando indemnisar
os próprios objectos moveis, quando em certos casos convenha destruil-os>
como medida sanitária {Lei ingleza cif. de 1875, art. 121; Lei franceza cit.
de 1902, art. 26); e quanto a propriedade immovel a disposição reguladora
é a seguinte: « Quando a insalubridade é o resultado de cansas exteriores
e permanentes, on quando as causas de insalubridade não possam ser
destruídasj seo, por obras totaes (travaux dSensemble), a commnna pôde
adquirir a totalidade dos prédios, mediante as formalidades presoriptas pela
lei de desapropriação por utilidade publica» (Lei franceza cit., art. 18).
Mas lançar mão da propriedade particular, sem ser por meio do
desapropriação e consequente indemnisação, é invenção da recente lei
brasileira, a despeito do texto expresso da Constituição em contrario!
B porque demolir o prédio ? Era regra se suppõe, que um prédio é
sempre susceptível de obras ou melhoramentos, maiores on menores, que
lhe restituam a salubridade conveniente: por isto,—ou taes melhoramentos
são feitos, o neste caso, o prédio continuara a ser habitável,— on não são ,.
feitos, ou o impossíveis, e o mesmo poderá ser declarado inhabitavel, in-
terdicto: e quer numa, quer n'outra hypothese, a autoridade sanitária terá
cumprido o seu dever sem detrimento para a saúde pnblioa.
E' até onde vae, realmente, o rigor da lei sanitária da Inglaterra (Lei
de 11 agosto 1875, arts. 97 e 109), a qual manda fechar a casa pelo tempo
que fôr necessário, caso o sen proprietário deixe de obedecer á intimação
de reparal-a segundo as prescripções hygienicas.
Só em um caso único, nos parece, o prédio de propriedade par
ticular poderia ser demolido pela autoridade pnblioa: qnando ameaçasse
mina. Porque, tal sendo p seu estado, o simples fechamento ou interdicção
— 522 —
(S. T. F. 29 abril, e 7 novembro 1896; 8 dezembro 1897; 20
julho 1898; 20 junho 1900J.
99k
2) Condemnando-a do mesmo modo a indemnisar o valor
e mais prejuízos e lucros pela apprehensão ou destruão de
navios pelas foas legaes (S. T. F. 20 abril 1897, e 31 dezem-
bro 1898).
M1
não evitaria o mal publico. Dada, porem, a separação da jurisdioção da
polioia sanitária, da policia de segurança, segundo a lei brasileira vigente, é
manifesto, que o acto pertenceria então á autoridade municipal, e não á
sanitária, como se do decreto do Prefeito do Districto Federal, n. 391 de
10 de fevereiro de 1903 (arts. 52-53), regulando os casos da espécie.
Ainda aqui, é de razão, que se verifique no caso a existência do
perigo imminente, considerado igual ao caso de força maior; porque, si
assim não íôr, ao proprietário deverá 'caber o direito à indemnisação. E não
vai nisto uma simples opinião individual; não de certo: a nossa legislação
vigente sobre a matéria do desapropriação contém disposição expressa, que
manda respeitar os direitos dos proprietários, mesmo nos casos de perigo
imminente (Dec. n. 4956 de 9 setembro 1903, art. 40).
Seja, porém, como for, si o dispositivo do art. 123 do regulamento
sanitário, na parte relativa á demolição dos pdios e actos consequentes, tiver
real applicação na pratica, isso importará um damno violento, feito ao
direito individual de propriedade, e, portanto, uma obrigação irrecusável
para o Estado de prestar a devida indemnisação segundo o teor dos casos
occorrentes. O citado dispositivo se nos afigura um arbítrio tanto mais
escusado, quanto a própria lei, na previsão da necessidade de desapropriar
a propriedade particular por motivo de hygiene, declarara expressamente,
que, nesta hypothese, a desapropriação devia ser feita segundo a
Constituição e as leis respectivas (Dec. legislativo n. 1151, art. I
o
, § 20 in-
fine).
99 k g. rp, p
a
negou a procedência das acções falta de provas) tendo
por objecto pedidos análogos pelos Accordams: — de 29 fevereiro e 19 outu-
bro 1896; 6 setembro, 11 e 19 outubro 1898; 18 e 30 dezembro 1899; 13 ju-
lho, e 8 setembro 1900, etc, etc.
69l
Por Acc. de 14 janeiro 1899 se julgou improcedente o pedido de
indemnisação de navios, dos quaes os revoltosos se haviam apoderado, e
mais tarde entregues ao Governo legal, que os conservou em seu poder até
restituil-os á Companhia, proprietária dos mesmos. Do mesmo modo foi
julgado no Acc. de 4 dezembro 1899 o pedido de indemnisação de um navio
— 523 —
3) Condemnando-a igualmente aprestar indemnisação pela
apprehensão de armas permittidas no commercio, e pelos pre
juízos consequentes (S. T. F. 28 agosto 1897). I
—Nos considerandos das decisões citadas, alem de mais
razões e argumentos, disse o Tribunal: «Si a lesão assume o
caracter criminal, a responsabilidade é exclusivamente pessoal
(Cod. Pen., art. 25); si é civil, a responsabilidade pertence tanto
ao funccionario, como ao poder que o prepôz ao serviço em
questão, ficando ao lesado a escolha do responsável. Si for
accionado o poder preponente, a este compete acção regressiva
contra o seu preposto. Desfarte ficam salvos, não a respon-
sabilidade dos funccionarios públicos pelos abusos e omissões,
em que incorrerem no exercício dos seus cargos (Const. Fed.,
art. 82), como também os direitos dos indivíduos em geral e,
mais particularmente, dos que, como na espécie, forem preju-
dicados, por actos de agentes do Governo, na sua propriedade
sacrificada em beneficio da União (Lei n. 221 de 1894, art. 13).
Pouco importando códigos e opiniões estranhas, esta é a lei bra-
sileira, e, de conformidade com ella, tem sempre julgado este
Tribunal, bastando citar os Accordams ns. 134, 197, 243, 257 e
317, alem de outros »."
m
K-eiterando a mesma doutrina, oS.T. F. concluirá em outra
decisão : « Sendo o Estado responsável civilmente pelos actos
dos seus agentes no exercício de suas fnncções, quando causam
damnos a terceiros, principio fundado no que prescreve a lei de
9 de setembro 1826, art. 8, e na de 12 julho 1845, assim como
na Oonst. art. 72 § 17, o que está de accordo com a jurispru-
particular, o qual, estando carregado de artigos bellicos do Governo me
diante frete, foi aprisionado pelos revoltosos, antes de seguir para o porto
do seu destino.— Sobre espécie análoga é também de vôr: S. T. F. 27 de
zembro 1902.
A
w m vide: Aco. cit., de 20 julho 1898, no qual se tratava de gados
apprehendldos pelas forças legaes em período de guerra.
— 524 —
dencia deste Tribunal, expressa nas sentenças n. 197 de 7 no-
vembro 1896, n. 134 de 29 abril do mesmo anno, n. 243 de
20 abril 1897, ns. 259 e 317, alem de outros...» "
n
Entretanto, restringindo por demais, on negando mesmo
a responsabilidade civil do Estado pelos damnos resultantes de
actos on factos occorridos durante a guerra, se tem igualmente
decidido, que o Estado deixa de responder nos seguintes casos:
1) Pelos damnos causados por tiroteios entre as forças le-
gaes e as forças revoltosas, por se tratar de actos necessários
á defeza das instituições (S. T. F. 16 setembro 1896).
2) Pela occupação temporária de prédios pelas forças mili-
tares, como medida necessária á defeza da cidade (S. T. F.
10 abril 1897; e 24 outubro 1898).
3) Pelos damnos provenientes de uma explosão de pólvora,
attribuida à negligencia ou culpa dos soldados, por se tratar
de caso fortuito, e quando o o fosse, porque as praças de pret
o se reputam, nem mandatários, nem propostos do Estado
(S. T. F. 9 junho, 23 junho, 28 agosto, e 24 novembro 1897).
4) Por damnos cansados pela artilharia das forças legaes
e das forças inimigas ; não se podendo descriminar o autor dos
damnos na flagrância do combate e porque, quando praticados
fossem pelas forças legaes, seriam de considerar, como resul-
tantes de foa maior (S. T. F. 27 janeiro, 7 e 21 julho 1900).
Nos considerandos destes dous últimos Accordams, o Tri-
bunal dissera positivamente: a) que a occupação temporária de
prédios pelas foas legaes, em vista da necessidade da lata,
não dava direito á indemnisão, embora os mesmos tivessem,
por esse motivo, soffrido estragos pelas balas do inimigo; b) que
uma tal occupação e estragos são, por sua natureza, classifica -
o Vide: Acc. de 31 dezembro 1898. Tratava-se de embarcações
destruídas pelas forças legaes e de outros damnos causados pelas mesmas
forças em operações de guerra.
— 525
dos entre os actos ãe guerra, e, portanto, não davam logar a in-
demnisação... I
Também, tratando-se da apprehensão de gados pelas
forças legaes para o abasteeimetno das mesmas, o Tribunal pa-
rece ter modificado a sua doutrina anterior, adoptando agora
raes de mais á mais restrictivas na apreciação dos direitos
dos que se diziam lesados. Assim é que o mesmo, considerando
que a tomada de gados alheios pelos commandantes das forças
constituía um verdadeiro delicto e crime pessoal, sujeito às leis
penaes, decidira, que a União o era civilmente responsável
pelos damnos provenientes, ainda quando fossem devidamente
provados os actos lesivos em questão (Accs. de 19 setembro
1900).
10
°
100
Em trez Accordams da mesma data (de 19 de setembro), alem
das razões indicadas no texto e doutras, que não nos parecera proceden-
tes, se considerou, como fundamento da nâo-responsabilidade da União,
o facto da tomada das rezes ter sido, as vezes, praticado pelas forças oivisj
do Estado do Eio Grande do Sul, e não por forças do exercito federal; muito
embora aquollas e estas se achassem então empenhadas na acção conjnncta
de debellar a revolução dominante no mesmo Estado. Do mesmo modo se
procurou dar uma nova intelligencia á lei de 9 de setembro de 1826, a
qnal certamente não se contém nos dispositivos desta, e, em todo caso,
dando-se verdadeiro desaccordo com a doutrina anterior do Tribunal, já|
manifestada em espécies idênticas...
Com relação á maria especial da exproprião e liquidação dos
damnos por motivo de guerra, o S. T. P. adoptara em ura dos seus jul-
gados os seguintes fundamentos: « Considerando que, quando o Estado
expropria a propriedade em bem da utilidade ou da salvação publica,
exerce um direito incontestável, inberente â soberania, e pois só é obri-
gado a pagar ao dono o justo preço da cousa expropriada com os juros da
mora, si a houver (Cod. Com. arts. 205 e 249), os quaes jamais se confun-
dem com os fruetos percipimãos, por que responde o devedor incurso em
dolo ou culpa lata; Considerando que a lettra do art. 4
o
da lei de 9 de
setembro de 1826, emquanto manda indemnisar ao proprietário o valor
intrínseco da cousa expropriada, attentos o seu local e interesses que delia
se aufere, esta regulamentada pelo deo. n. 353 de 12 julho 1845 no art. 20
e pelos art, 12 alíneas, 2* e 4
a
e art. 13, alíneas 2* e 3
a
do dec. n. 1664
— 526 —
88 d. DAMNOS PROVENIENTES DE RELAÇÕES CONTRAC-
TUAES. A obrigação do Estado de responder civilmente por
perdas e damnos, provenientes da infracção de seus contra-
ctos, jamais fora objecto de duvida na jurisprudência do paiz.
Durante o Império a lei declarara apenas, que as ques-
tões relativas aos contractos celebrados com a Fazenda Pu-
blica eram reservadas ao conhecimento e decio do Conten-
cioso Administrativo, como se disse;
101
subsistindo, porém,
quanto aos demais contractos celebrados com o governo para
diversos fins e misteres, a doutrina predominante de sujeitar
os actos de infracção, e de o-cumprimento dos mesmos, ou de
leo de direitos das partes contractantes, ao conhecimento da
autoridade judiciaria, quaesquer que fossem as faculdades, que
entendido que foi este pelo art. 21 da lei n. 3396 de 24 de ontnbro de 1888,
e pelo art. I
o
do decr. n. 802 de 24 de julho de 1890, e agora generalisado
pelo citado art. 50 da lei n. 221), segundo cujas prescripções attenderão os
árbitros á localidade, ao tempo, e ao valor, em que flcar o resto da pro-
priedade, por causa da obra nova, ao damno que provier da expropriação e
quaesquer outras circumstancias que influam no preço, o qual, com pequena
modificação da regra estabelecida no alv. de 30 outubro de 1773 e no § 11
da lei de 20 junho 1774, nunca excederá de 22 ou 24 décimos ou pensões
annuaes de arrendamento, limite peremptório, que exclue arbitramento á
compensações de qualquer damno intrínseco; Considerando que o valor
da indemnisação de rezes ou de animaes expropriados para uso ou con-
sumo das tropas legaes não é outro, senão, o preço da acquisição por parte
do expropriado, ou a sua commum e geral estimação, etc, eto.»—S. T. F.
29 outubro 1898.
—E' de ajuntar finalmente, que a recente legislação sobre a desapro-
priação por necessidade publica manteve, quanto aos actos de guerra, os
dispositivos das leis anteriores—Dec. n. 4956 de 9 setembro de 1908, art. 40.
101
O que não significava a negação da responsabilidade do Estado. O
Contencioso Administrativo condemnava-o á prestar a devida indemni-
sação do mesmo modo, que faria o Judiciário, dadas as condições de justa
Convém accrescentar, que, mesmo sob a sancção da legislação vi-
gente no Império, si a parte não se conformava com a decisão do Conten-
cioso Administrativo, não raro, recorria ao próprio Judiciário, pedindo o
reconhecimento do seu direito.
— 527 —
o Governo se houvesse reservado nas clausulas do respectivo
instrumento.
Para comproval-o, bastará lembrar um exemplo.E' de
regra, o Governo fazer inserir nas clausulas de seus contractos
o direito de declarar, por acto próprio, a caducidade ou rescisão
dos mesmos, uma vez commettidas taes e taes faltas pela outra
parte contractante. Pois bem; dada, não obstante, a existência
de semelhante clausula de maneira expressa,—em numerosos
casos o uso do direito nella previsto foi recusado ao Governo,
não pelo Judiciário, mas igualmente pelo próprio Conselho
de Estado. Tratando-se de contractos com o Ministério da
Agricultura (ora da Industria), que são sempre os mais impor-
tantes, o Conselho de Estado procurou firmar, como doutrina
jurídica, a seguinte: «Não se conhece lei alguma, que autorise
o Ministério da Agricultura para estabelecer validamente a de*
cisão proferida; pelo contrario, isso não cabe nas suas attribui-
ções. Os contractos, embora celebrados com esse ramo do Go-
verno, emquanto não houver lei especial em contrario, não tem
outro caracter, senão de convenções voluntárias, regidas pelas
leis civis e subordinadas ao juizo ordinário commum. Emquanto
não se organisar o Contencioso Administrativo, e uma lei não
dér ao Governo competência para, por via de consultas do Con-
selho de Estado,
102
decidir as questões de interpretação ou ou-
tras, que derivem dos contractos que os particulares celebrem
com elle, a única autoridade para isso competente é, e conti-
nuará a ser, a judiciaria. Antes disso, será, nessa relação, ape-
nas uma das partes contractantes, que não pôde impor á outra a
sua opinião, e sim pende, como ella, de um outro julgador.
102
B' do advertir, que o Conselho de Estado oraittia apenas pareoeres
sobre Consultas, os quaes, si aoceitos pelo Governo Imperial, tinham então
o caracter de resoluções ou decisões: Lei de 23 novembro 1841; Resolução
do C. E. de 14 novembro 1850.
— 528 —
O dec. n. 2343 de 29 janeiro 1859 é especial à Repartição da
Fazenda e o pode ser destendido a outros Ministérios, sem
que intervenha lei nesse sentido. O contrario seria o só despo-
jar o poder judicrio de suas legitimas attribuões, mas exer-
cer sobre os particulares um constrangimento illegal ou uma
violação das garantias da propriedade. Convém erearuma com-
petência especial a favor do Qoverno, mas isso é questão de jure
constituendo
f
e o que por ora regula é a competência ordiria.
Em taes casos, a decisão do Governo pode ser considerada ille-
gitima e violenta»'.
108
Ainda mais: mesmo com relação aos contractos celebra-
dos com a Administração da Fazenda, o Conselho de Estado não
duvidara impor certas restricções, como se deu a prosito do
arrendamento de uma fazenda do domínio publico privado, di-
zendo no respectivo parecer: « 1 que o art. , § 2
o
do Dec. de
29 janeiro 1859 o é extensivo aos contractos de locação de
bens do domínio do Estado, embora celebrados sejam por forma
administrativa, o se tratando na espécie senão de um inte-
resse pecuniário, que não se entende com o poder governamental
ou administrativo; 2 que pertencia, portanto, â autoridade
judiciaria decidir as questões que versassem sobre o cumpri-
mento, a interpretação, validade, rescio e effeitos de taes con-
tractos, não sendo licito estipular-se a compencia administra-
103
Consulta de 23 dezembro 1867, e Resol. de 7 março 1868.— No
entanto cumpre lembrar, que o Dec. do Poder Executivo, n. 2926 de 14
maio 1862, ao estabelecer as regras para os contractos do Ministério da
Agricultura e Obras Publicas, havia estatuído no sou art. 38: «Qne todas as
duvidas e contestações sobre a intelligencia, tanto das clausulas geraes
como das especiaes dos contractos, seriam resolvidas pelo dito Ministério na
Corte, e nas províncias pelos respectivos presidentes, quando as
circunstancias requeressem brevidade na decisão.» As clausulas adoptadas
no Dec. cit. de 1862 foram também mandadas applicar aos contractos
análogos feitos com o Ministério da Fazenda. (Circulai' da Fazenda, n. 253
de 30 agosto 1864 e da Dlr. Ger. do Contencioso, n. 806 de 16 julho 1866).
— 529 —
tiva; porquanto dar-se-ia unia inversão na ordem das jurisdic-ções,
que é de direito publico ; 3.° que, mesmo nas matérias em que a
competência é da Administração, as questões entre con-tractadores
e terceiros pertenciam ã autoridade judicial, porque são de ordem
meramente privada e não de interesse publico.»
104
No parecer em questão, o qual foi confirmado pela Resolução
Imperial, o Conselho de Estado reaffirmara, mais uma vez, o
principio, já consignado em Consulta anterior (de 22 dezembro
1866): « Que quando o Estado funcciona, como pessoa civil,
contractando com um particular a respeito de um direito individual,
sujeita-se, como qualquer cidadão, alei privada e ao poder
judiciário.»
105
E, em regra geral, se pode dizer, que o Conselho de Estado
mauteve sempre esta doutrina nas diversas questões que envolviam
lesão manifesta dos direitos privados, proveniente de contractos
com o Governo; muito embora se possa encontrar, âs vezes, certa
incoherencia em alguns dos seus pareceres.
106
104
Consulta do Cons. d'Estado de 26 fevereiro, e Besol. de 13 abril,
e Av. de 14 maio de 1867.
103
Vide: Consulta do junho, Resol. de 22 dezembro 1866, e Av.
de 27 janeiro 1867.— Como se vê, das razoes do Conselho de Estado trans-
parece o pensamento de tirar argumento da doutrina, que distingue no Es-
tado a pessoa politica ou soberana, da pessoa civil ou jurídica...
106
Disto temos exemplo no seguinte facto:—Tendo o presidente da
província de S. Paulo indeferido uma reclamação da Companhia Soroca-
bana, fundada em clausulas do seu contracto com o governo provincial, e
bem assim, tendo deixado de obedecer ao despacho da autoridade judiciaria,
que, a requerimento da Companhia, intimara o Procurador da Fazenda
para nomear árbitros para decidirem dita reclamação; o mesmo presidente
levantara o conflicto de jurisdicçáo, Tomando conhecimento, o Conselho de
Estado declarara no seu parecer: « I
o
) que existia o Contencioso Adminis-
trativo Provincial; 2°) que, portanto, o presidente decidira muito correcta-
mente, nao admittindo a intervenção judicial no caso.» Resol. C. E. de
21 fevereiro 1874; Av. Jnst. 28 fevereiro 1874.
Agora, sem querer pôr em duvida a elevação de vistas, com que
a douta corporação sempre encarava os assumptos sujeitos ao seu exame,
84 R. c
— 530 —
De accordo com os princípios adoptados pelo Conselho
de Estado a autoridade judiciaria, quando devidamente provo
cada, jamais recusáraa sua interveão na matéria; e segundo as
suas decisões, o Estado foi muitas vezes obrigado, quer ao cum
primento das condições ajustadas no contracto, porventura in
fringidas pelos seus óros ou representantes, quer a prestar a
indemnisação devida pelos prejuízos ou damnos causados á outra
parte contractante, que se mostrava juridicamente lesada.
107
importa, todavia, não esquecer que na mesma tinham assento os chefes
políticos dos partidos militantes; e por isto, em mais de um caso, na de-
cisão não podia deixar de influir a idéa de não desprestigiar o presidente
desta ou daqnella província, de cujo acto se tratava. A respeito do parecer e
consulta referidos, seria de apreciar o voto discordante do Conselheiro
Nabuco, o qual affirmou estar com a boa doutrina. (Coroatà, Itnp. Resol.
sobre Consultas da Secção de Justiça, p. 1846-47.— Rio, 1884). Outro pa-
recer, também divergente da doutrina, geralmente seguida pelo Conselho
de Estado, é o constante da Resol. de 26 novembro 1881, citada na mesma
obra á p. 2112 sg.
107
Como exemplo da doutrina seguida pelo Judiciário em relação á
dos contractos feitos com o Governo, damos aqui breve noticia da de-
cisão constante da Revista Oivil n. 8002 de 23 de Junho de 1876, cuja espé-
cie fora a seguinte: —H. J. Pinto propuzera acção contra a Fazenda Nacio-
nal pedindo indemnisação de trabalhos feitos em cumprimento de contracto
celebrado com o Director interino da Repartição da Estatística; contracto,
que o Ministro do Império desapprovara (depois de começada a sua exe-
cução) por falta de competência daquelle funccionario para fazel-o. A Fa-
zenda Publica fora condemnada em I
a
e 2* instancia (Accs. da Relação do
Districto do Rio de Janeiro de 23 julho e 10 dezembro 1875); e manifestada
a revista, foi esta negada unanimemente, por não haver injustiça notória ou
nnllidado manifesta, e dando-se como regras assentadas: « I
a
Os contractos
feitos com as repartições publicas, embora o estejam as mesmas
suficientemente autorisadas, são validos em relação áquelJes que o fizeram
de boa fé, induzidos pela authenticidade que taes repartições devem inspirar
; 2
a
Como consequência deste principio, a Fazenda fica obrigada sempre á
satisfação do que justamente lhe for exigido, pois, nó assim, pode ser
respeitada a dos contractos. Multa prohibitur in jure fieri, quae ta' men
facta, tenent».
Outro exemplo "CADUCIDADE DE PRIVILEGIO ": A obtivera do go
verno de uma província a concessão e privilegio para a construcção de uma
— 531 —
88 e.—Na Republica, estabelecida a competência do poder
judiciário para conhecer, eui geral, dos actos dos outros poderes,
toda vez que se allega a lesão de direitos individuaes por parte do
Estado, não seria preciso dizer, que este se acha sujeito a responder
judicialmente pelos damnos ex contractu segundo os principios do
direito civil, ou outras disposições es-peciaes, que, porventura,
sejam applicaveis ao caso sujeito.
108
Em virtude dessa competência geral, ora reconhecida ao
judiciário, cessou igualmente a limitação, que outr'ora se pretendia
fazer em favor da jurisdicção do Contencioso Administrativo sobre
as questões, concernentes à interpretação, validade a execução de
privilégios e concessões feitas pelo Governo, ou á. applicação das
penas (multas, rescisão, caducidade) constantes •das respectivas
clausulas;
109
e bem assim, sobre as questões, oriundas de contractos
de obras publicas e de fornecimentos
estrada de ferro na mesma provinda. o tendo o concessiorio reali-
zado, durante certo tempo, o objecto do sen privilegio, o governo geral,
fandando-se em razões de interesse publico e em motivos, que consi-
derou procedentes, declarou a conceso caduca e extincta, e declarando,
ao mesmo tempo, geral, a estrada de ferro em queso, ordenou a sua con-|
«tracção por conta do Estado. Em vista disso, o concessionário propoz a sua
acção por perdas e damnos; e a Revista n. 10.417 de 24 fevereiro de 1886,
reformando dons Accordams do antigo Tribnnal da Relação da Corte, con-
demnou a Fazenda Nacional a prestar a indemnisação pedida; visto o con-
cessiorio ter sido privado do sen direito,—o que não podia ser, senão,
mediante desapropriação nos termos do § 22 do art. 179 da Constituição e
leis regulamentares.
Segundo a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça do Imrio e
a do Tribnnal Revisor (Relação de Porto Alegre, 1 julho 1886), manifestada
ã propósito, a concessão do privilegio não importa somente um vinculo
contractual; é uma propriedade do concessionário, susceptível de desapro-
priação nos casos da lei.
*08 Confere: B. T. F. 9 setembro 1893; 3 agosto 1896; 6 dezembro
1896; 20 março, 15 maio e 27 julho 1896 ; 25 julho 1898, eto. eto. I
loo Vide: S. T. F. 11 junho, 15 outubro, 19 dezembro 1898; 16 se-
tembro e 18 dezembro 1899; etc. etc.
— 532 —
para os diversos serviços do Estado, oa d'outros semelhantes,
inclusive os contractos com a Fazenda Publica, declarados então
de privativo conhecimento e decisão da mesma.
Quanto aos princípios da jurisprudência actual, regula-
dores de tão importante assumpto, estes são do teor seguinte :
1) A responsabilidade do funccionario publico pelos actos,
que pratica em nome do Estado ou em razão de suas attribui*
ções legaes, jamais pôde excluir a do mesmo Estado com relação
a terceiros; sendo assim, em verdade, responsável a Fazenda
Nacional pelos contractos, em que figura, como parte devida
mente representada... Por direito, todo o damno deve ser sa
tisfeito por aquelle que o causa, ou seja proveniente ex delicio
ou ex contractu, desde que dahi resulta prejuízo ou perda para
outrem (S. T. F. 9 de setembro de 1893).
2) Não assiste ao Governo o direito de declarar, por acto
seu, a rescisão ou caducidade do contracto, em que é parte ;
porque seria arrogar se a attribuição estranha de ser parte e
juiz ao mesmo tempo, isto é, juiz do próprio acto ; conseguinte-
mente, si o fizer, o Estado seresponsável pelos damnos resul
tantes â outra parte contractante (S. T. F. de 5 dezembro 1896 j-
15 maio e 21 julho 1897 ; 11 e 25 junho, 15 outubro, 19 dezem
bro 1898; 16 setembro 1899; 30 novembro 1901; etc., etc.)
Convém notar, que, pela decisão de 9 setembro acima ci-
tada, o S. T. F. affirmára o principio geral da responsabilidade
do Estado, não quanto ao damno ex contractu, mas também
ex délicto.
—Contra o direito, ordinariamente exercido pelos governos,
de resilir ou declarar caduco o contracto, dada a inobservância
de certas clausulas por parte .do contractante ou concessionário,,
os tribunaes tem, às vezes, decidido com tanto rigor, que, tra-
tando-se mesmo de contractos inquinados de vicio substancia], nnllos de
pleno direito (8. T. F. 16 setembro 1899), ou de contractos, em que se acha
estipulada a condição resolutiva ex-
— 533 —
pressa (8. T. F. 19 dezembro 1898; 30 novembro 1901), tudo
isso não obstante, o Estado tem sido condemnado a pagar per-
das e damnos,—sob o fundamento supradito de que, no acto de-
claratório da resilição ou caducidade, o Estado (o seu represen-
tante) faz de juiz e de parte ao mesmo tempo.
1
.
10
Deste ponto
em particular ainda se dirá mais adiante.
Alem do que respeita aos actos declararios de rescisão
ou caducidade de contractos, a responsabilidade da administra-
ção publica (União, Estado, Município) de prestar indemnisaçào
nos differentes casos particulares de infracção ou não-cumpri-
mento de clausulas ou condições contractuaes, seja por inter-
pretação errónea das mesmas, seja por culpa ou simples negli-
gencia daquelles, que representam a pessoa jurídica do direito
publico nas circumstancias, tem sido affirmadaereconhecida pela
jurisprudência, além de muitas outras, nas seguintes espécies:
1) Por não ter o governo tornado efectiva a clausula de
uma concessão, reconhecendo a isenção de direitos de impor-
tação para mercadorias pertencentes á empreza concessionaria
(S. T. F. de 20 março 1897).
1U
1
2) Pelos damnos causados em prédio alugado pelo governo,
muito embora praticados por sublocatários ou terceiros, até
110
E\ todavia, de saber que, a despeito das decisões acima citadas do
S. T. F. recusando peremptoriamente ao Governo o direito de rescindir os pró
prios contractos, nem por isto, seria difflcil mencionar também decisões
do mesmo Tribunal, igualmente confirmativas de despachos de rescisão o
caducidade proferidos pelo Governo... Neste sentido, alem de outros, se-
podem vôr os seguintes Accordams : de 19 outubro, e 16 dezembro 1895 ;
de 15 dezembro 1897 ; de 28 outubro 1898; de 17 maio 1899 ; etc, etc.
111
Por sentença do Juizo Federal da secção do Distrioto Federal, de
5 novembro 1902, foi a Fazenda Nacional condemnada a pagar a impor
tância devida e os juros de 6 %, por não ter observado a isenção de direi
tos, concedida era favor da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro.
Esta sentença pende ainda de decisão do Supr. Tribunal Federal, em vir
tude do recurso de appeUação de n. 890.
— 584 —
a entrega do prédio ao proprietário (8. T. F. de 17 novem
bro 1897). 3
3) Pelo o pagamento das quantias ajustadas nas épocas
devidas, segundo o andamento das obras (contracto de obras),
sendo applicavel a disposição terminante e expressa do art. 249"
do Código Commercial (S. T. F. 13 dezembro 1899).
m
88 f. DAMNOS PROVENIENTES DE CASOS DIVERSOS. De-
baixo desta epigraphe indicaremos ainda algumas decisões judi-
ciaes, reconhecendo a responsabilidade civil da Administração
Publica por actos lesivos dos seus representantes, taes como :
1) Pela utilisação de aguas e terrenos do domínio privado-
na execão de obras e mais servos necesrios ao apro-
veitamento e canalisação das aguas para o abastecimento pu-
blico; sendo applicavel ao caso o disposto na Ord. liv. IV
T
tit. 58 princ. e Const. Fed. art. 72, § 17 (S. T. F. de 23-
agosto 1893).
2) Pelo prejuízo e damniíicação cansados á propriedade par-
ticular na execução de obras e servos públicos diversos (S.
F. 19 maio 1897, e de 10 setembro 1898).
3) Pela prohibição de funccionamento feita á uma eia preza
de divertimentos blicos (Frontão) em dias úteis; sendo decla-
113
Por dous Aços. do 8. T. F. de 18 junho 1904 de ns. 925 e 939 foi a
Fazenda Federal condemnada a pagar a quantia pedida (de somma avultada),
juros da mora e custas, por o ter o governo querido cumprir um accordo
feito com diversos concessionários de burgos agrícolas sobre a respectiva
indemnisação destes, á pretexto de que o pagamento da indemnisação
ajustada ficara dependente de condição,quando, realmente, semelhante
condição não existia, e ao contrario, se tratava de obrigação contractual,
pura e simples. A supposta condição ou pretexto se reduzia ao seguinte'
que o governo o se considerava obrigado a cumprir o ajustado, sem que
o Congresso votasse o credito necessário... o qual, aliás, não fora solicitado
pelo mesmo governo...
— 535 —
rada inconstitucional a lei municipal, que assim o havia orde -| nado
(S. T. F. 12 dezembro 1898).
m
4) Pelo prejuizo resultante do fechamento de armazéns al-
fandegados, fechamento inevitável à vista da recusa arbitraria do
inspector da alfandega em nomear para administrador dos mesmos
a pessoa proposta pelo respectivo concessionário. Sobre o caso
disse o Tribunal: «E' indisputável a responsabilidade civil do Estado
pelos damnos causados aos particulares pelos funccionarios
públicos, órgãos de sua acção, ficando-llie salvo o direito regressivo
contra estes para haver o q_ue houver pago pelos seus abusos e
omissões » (S. T. F. 27 julho 1898).
1U
113
A Municipalidade é,que fora condemnada a prestar a indemnisão.
— Em uma decisão da Corte de Àpp. do Districto Federal se disse:
« O funccionario publico tem o caracter de um oommissario da pessoa ju-
rídica por quem funcciona; a seu turno a pessoa jurídica é a representante
do seu funccionario. A Municipalidade, em consequência, assume a
responsabilidade civil pela culpa de seus funccionarios no exercício de
funcções próprias nos termos do direito commum. O art. 36 da lei n. 85
de* 1892, assim como o art. 82 da Constituição da Republica, estatuindo a
responsabilidade civil e criminal dos funccionarios, não exclra de modo
algum a responsabilidade civil da própria administração (União, Estados,
Município, eto).» Vide: Aços. da Corte de App. do Districto Federal de
29 abril 1899, e 17 janeiro 1901. Espécie: O governo municipal man-
dara fechar, por seus agentes, diversos commodos do mercado á Praça da
Harmonia, sem razão procedente e sem intimão dos coproprietarios. A in-
demnisação pedida referia-se aos alugueis de ditos commodos durante o
tempo, em que os mesmos estiveram fechados (Rev. de Jurisprudência,
vol. XE de 1901, p. 355 sg.).
114
Acceitamos o principio do Acc. acima citado, como de inteira razão
e justiça. Entretanto na App. n. 795, se tratando de prejuízos materiaes
e moraes de toda a sorte, causados ao appellante com o vexame de actos
administrativos e o processo de contrabando, a que o mesmo teve de respon
der, por erro on abuso de funccionarios aduaneiros, e, não obstante a prova
offerocida dos grandes prejuízos soffridos, se decidío, que não havia logar
a indemnisação dos mesmos prejuízos; limitando-se o Tribunal a mandar
restituir a importância dos objectos apprehendidos e o valor da fiança,
multas e custas, indevidamente arrecadadas.— B. T. F. 5 setembro 1903.
— 536 —
5) Pelo prejzo resultante da venda de bilhetes de estrada
de ferro do Estado para pontos, onde o destinario não podia
chegar em vista da suspensão do trafego nessa zona, circum-
stancia, aliás, não ignorada pelo empregado, que vendera os
bilhetes; se tendo declarado que, da culpa do empregado decor-
rera a obrigação, não só de restituir o custo dos bilhetes, como
a de indemnisar as demais despezas da viagem, feita inutil-
mente (S. T. F. 18 dezembro 1899).
11B
6) Pelos prejuízos provenientes do acto do governo prohi-
bindo a venda e circulão de bilhetes de loterias á uma socie-
dade anonyma, que explorava esse ramo de negocio, mediante
contracto com o Governo Federal (S.T.F. 6 março 1897).
1M
7) Pela importância das mercadorias, apprehendidas à pre-
texto de contrabando, com os juros da mora; mas, o jun-
tamente, pela satisfação de outros damnos resultantes (S. T. F.
2 dezembro 1901). Prevalece a mesma doutrina no caso de as
mercadorias se haverem extraviado nas alfandegas. (S. T. F.
11 novembro 1903).
m
115
No caso de mercadorias, o chegadas ao seu destino, por se te
rem precipitado num rio os wagões que as conduziam,— se decidio que
não tinha logar a indemnisação por se tratar de caso fortuito, previsto nas
instraões regulamentares da maria, e não se haver provado dolo ou
culpa nos propostos da Fazenda Nacional.S. T. F. 4 junho 1898.
Entretanto, por Accs. de 3 março e 10 dezembro de 1897 do Superior
Tribunal de Justa do Estado de Pernambuco se decidio,— « que a Admi-
nistrão de uma estrada de ferro responde civilmente pelos damnos a pro-
priedade particular, cansados por seus empregados no exercício das suas
funcções conforme ao art. 142 do Beg. n. 1930 de 1857.» (Rev. de Juris-
prudência, vol. VIII de 1900, p. 166 sg.).
116
No caso supra, o condemnado á indemnisar foi o Estado, cujo acto
se tratava, e não a Fazenda Federal.
117
E' de vêr tamm sobre matéria idêntica o Acc. de 5 setembro
de 1903, onde a questão da responsabilidade civil de Estado foi longa e dou
tamente discutida, tanto na sentença de primeira instancia, em parte con-
— 637 — j
Ao occupar-nos da matéria da '' intervenção judiciaria'' no
paragrapho seguinte, ainda teremos occasião de mencionar varias
outras decisões, reconhecendo a responsabilidade civil! do Estado
pelos actos lesivos dos seus representantes ou fane-cionarios.
§ 3
o
INTERVENÇÃO JUDICIARIA
89.— PRINCÍPIOS GERAES. Verdadeiro, como é, o principio
adoptado pela jurisprudência do paiz, declarando o Estado,
responsável pelos actos de seus órgãos ou representantes, quando
desapropriam ou damniíicam a propriedade privada, ou
Armada pelo S. T. F., como nas razões do appellanto; sendo a decio do
S. T. P. nos mesmos termos das duas, que foram mencionadas no texto.
Anteriormente, no Aoc. n.681,proferido em 2 dezembro 1901,o S. T.F.
jà havia declarado: 1) que não se dá a responsabilidade da Fazenda Publica
pelas violências e arbitrariedades do funecionario; 2) que o principio da
responsabilidade exclusiva e pessoal do funecionario pelos abusos e ex-
cessos que pratica no exercício do cargo, sobre ser o geralmente seguido
e a consagrado em diversos códigos civis, como sejam o portuguez, o
argentino e o allemão, é o único que se pôde inferir do art. 82 da Consti-
tuição federal e do art. 86 da lei n. 85 de 20 setembro 1892; 8) que,
quando assim nao fosse, a responsabilidade na hypothese sujeita só poderia
decorrer de um quasi-delioto da sua parte, e apenas obrigaria á prestação
dos damnos emergentes, dada a provede que a apprehensao das mer-
cadorias se tivesse feito com ma fé (argumento do art. 337 do reg. n. 737
de 1850)... E em vista de taes fundamentos, o Tribunal condemnou a Fa-
zenda Publica, o somente, a restituir a importância da venda das mer-
cadorias, apurada em leilão, com os juros da mora; negando, pom, â
parte qualquer direito a titulo de indemni sacão de damnos.
Espécie: O varejamento de casas commerciaes e a apprehensao
do meroadorias por suspeita de contrabando, e bem assim o processo cri-
minal dos proprietários de taes mercadorias, tudo conformo as ordens ex-
pedidas pelo Ministro da Fazenda; verifleando-se, afinal, a falta de justa
causa para a apprehensao das mercadorias, assim como a absolvição dos
seus proprietários no juizo competente.
— 638 —i
lesam de qualquer outro modo aos direitos indiduaes
m
; cum-
pre, todavia, verificar com inteira prudência e critério os ter-
mos e condições, em que a interveão judiciaria pôde ou deve
ser legitimamente provocada a semelhante respeito. *
Com a jurisdicção institucional independente, de que o po-
der judiciário se acha investido na Republica, como um dos
seus órgãos soberanos (Const. Fed., art. 15), é elle, sem du-
vida, competente, o para conhecer dos actos administra-
tivos em geral, mas também da própria validade das leis do
118
Infelizmente ainda se nota, ás vezes, certa vacillação nos conside-
randos de algumas decisões, e dahi a incoheroncia dos seus fundamentos, o
que tanto enfraquece o valor doutrinário das mesmas decisões...
—Em alguns julgamentos do Supremo Tribunal Federal se tem allu-
dido, como argumento da irresponsabilidade do Estado, o ter a Constituição
Federal no seu art. 82 estatuído a responsabilidade directa ou pessoal do
funooionario publico pelos abusos e omissões commettidas no exercício de
seus cargos.
Não se comprehende bem, porque se procura tirar essa conclusão obri-
gada de um texto, no qual nenhuma palavra se refere, siquer, á responsa-
bilidade ou irresponsabilidade do Estado... Nao pôde ser o caso de dizer c
inclusio unius, eocclusio alterim », visto não dar-se opposição fatal de
cousas ou de conceitos. O que se vê firmado na Constituição,é o principio da
responsabilidade, criminal e civil, do funooionario pelos seus actos e omis-
sões, illegaes ou culposos, e segundo o qual o mesmo responde, tanto ao
Estado, como aos terceiros, que forem lesados por taes actos ou omissões.
E nem ha nisto uma novidade; porque o dispositivo do art. 82 da Consti-
tuição Federal é copia do art. 179 § 29 da Const. Imp. de 1824, e delle se
encontram análogos nas constituições e leis dos vários Estados civilisados.
Nunca, porém, se cogitou outr'ora, ou alhures, que semelhante pro-
videncia importava, por si só, argumento ou razão excludente da respon-
sabilidade do Estado pelas lesões do direito individual, feitas pelos seus
funecionarios.
Não é preciso repetir, que a responsabilidade do Estado é puramente
civil, isto é, a obrigação de indemnisar a lesão do alheio direito mediante
uma reparação pecuniária; e responsabilidade desta natureza também pôde
caber, segundo à nossa lei positiva, ás pessoas, aliás, reputadas incapazes
de todo delicto ou crime (Cod. Pen., arts. 27, 81, 82; Hic, p. 502).
Consequentemente, fundamento não ha, não pôde haver, para ser in-
vocado o art. 82 da Constituição Federal, como razão de decidir, pela
— 539 —
Congresso Nacional, e dos decretos, regulamentos, e mais actos
diversos do Poder Executivo; podendo, conseguintemente, decidir
nos diferentes casos, sobre a nullidade dos actos arguidos ou
impugnados, e sobre a indemnisação, que o Estado fica obrigado
a prestar aos lesados pelos actos em questão. Tal é a lei actual, e
conforme á mesma, também se acha firmada a pratica da nossa
jurisprudência.
119
Mas á amplitude da sua applicação importa traçar juntamente
limites certos, e tão assignalaãos quanto possível, afim de
isenção do Estado, nas espécies sujeitas; não se vendo, insistimos, porque
principio ou regra a responsabilidade civil do Estado não possa coexistir-
com a do f.mecionavio, de maneira principal ou solidaria, simplesmente
de maneira subsidiaria era dados casos particulares.
Si a razão supposta prevalecesse, ella deveria excluir, por completo, a
responsabilidade do Estado, visto o art. 82 invocado não conter nenhum
restrictico quanto á sua applicação aos differentes casos... Mas ha quem
entenda, que isto possa ser juridicamente admissível ?
o. Repugnaria, antes de tudo, com a regra seguida tradicionalmente
pela jurisprudência pátria, e com nm sera-numero de decisões, mesnio
reeentes, nas quaes os tribunaes do paiz tem reconhecido a responsabili-
dade civil do Estado, às vezes, sem alludir siquer á responsabilidade pes-
soal do funccionario...
Parece-nos, que estas breves considerações bastam para deixar ma-
nifesto, que o art. 82 da Const. Fed. não é, por forma alguma, uma razão-
excludente da responsabilidade civil do Estado nos casos, em que, segundo
a justiça, ella deva ter logar.
Commentando, precisamente, o texto era qnestão, o ministro do Su-
premo Tribunal Federal, João Barbalho, depois de rever a jurisprudência
seguida pelo referido Tribunal, concluirá citando o Acc. da app. oiv. n. 375
de 27 julho 1898, no qual se affirmou a responsabilidade do Estado nestes
termos: « Considerando que indisputável é a responsabilidade civil do
Estado pelos damnos causados aos particulares pelos funocionarios pú-
blicos, orgaras da sua acção, ficando-lhe salvo o direito regressivo contra
estes, para haver o que houver pago pelos seus abusos e omissões (Const.,
art. 82)...»—J. Barbalho, Const. Fed, Brasileira Commentarios, p. 364-55.
— Rio, lb02.
«o Vide: Lei n. 221 de 1894, art. 18; Dec n. 3084 de 5 novembro
1F98, Part. I, arts. 58-62.
Y — 540 —
que a intervenção judiciaria, sempre vigilante no seu elevado
intuito de protecção aos direitos individuaes, o descure por
outro lado, não obste, mesmo, a realisação de actos e factos que,
porventura, envolvam os interesses e direitos maiores da col-
lectividade, e dos quaes dependa a ppria existência do bem
publico: —Est moãus in rébus...
Antes de tudo, ha uma razão constitucional, superior, que
se impõe ao poder judiciário, muito embora tratando-se de actos
legítimos da sua jurisdicção: é o respeito que lhe incumbe guar-
dar igualmente â indepenncia dos dois outros poderes, legis-
lativo e executivo;—sem o que, o seria posvel a coexisn-
cia e harmonia que o legislador constitucional estatuio, como
condição de inteira efficacia das medidas e actos, emanados de
cada um delles.
120
120 No Império, ainda que também se desse a intervenção da autoridade
judiciaria nos actos da administração (quasi somente em lesões de direitos
contractuaes), e a independência do referido poder estivesse consagrada na
Constituição de 25 março 1824 (arfcs. 151 e 179 § 12); jamais o mesmo se
considerou competente para julgar da validade das leis e dos decretos ou
regulamentos do Poder Executivo. Pelo contrario, os juizes e tribunaes
dessa epocha se julgavam strictamente obrigados a decidir os pleitos, não
de accordo com as leis vigentes, quaesquer que fossem, como até, a
prestar obediência aos regulamentou, instrncçQes e avisos do Executivo, —
dado mesmo, que taes actos interferissem na esphera da acção judiciaria,
como, por exemplo, nos casos, em que definiam a própria competência dos
juizes e tribunaes! o é preciso notar a possibiUdade dos abusos dahi
resultantes; podendo o Governo, por esse meio, subtrahir ao conhecimento
do Judiciário taes e taes actos da Administração, muito embora offensivos
dos direitos privados...
—Com relação á matéria de damnos provenientes da guerra, ha um
facto dos tempos do Império, que, a propósito, cumpre lembrar. Para fazer
parar a torrente de condemnações (diz um autor competente) contra a Fa-
zenda Publica, a Assemblca Geral adoptou a seguinte disposição: Não será
inscripta, nem paga divida alguma, que respeite á perda de particulares por
motivo de guerra interna e externa, sem autorisação da Asseinbléa Geral
(Lei de 24 outubro 1882, art. 81). « Esta disposição, observa o Visconde do
— 541 — I
Depois, o se deve também jamais olvidar, que os direitos
e interesses, próprios do Estado, na sua analyse final, nada mais
são, do que os próprios direitos e interesses da collectividade
publica; e que, sem a acção continua e desembaraçada de todos
os seus órgãos ou representantes, taes direitos e interesses dei-
xariam de ter o devido valor e efficacia na sua applicação.
89 a.—o existe, é certo, a jurisdião de um Contencioso
Administrativo; mas, nem por isto, deixam de subsistir as mes-
mas raes de indepenncia e a necessidade de aão aunoma
do poder administrativo, vis-à-vis do poder judiciário. Mesmo na
ausência de um Contencioso Administrativo organisado, ha, e
nem podia deixar de haver, uma esphera própria da acção poli-
tica e administrativa, exclusivamente regulada segundo a hie-
rarchia das respectivas autoridades ou funccionarios, na qual o
Judiciário, ou não deve jamais penetrar em respeito ao prin-
cipio da separação dos poderes públicos, ou si lhe parecer in-
dispensável fazel-o, cumpre, que a sua intervenção não passe
dos limites, rigorosamente necessários á protecção do direito
individual offendido.— Sobre este ponto, estamos convencidos,
de que nada melhor poderíamos dizer, do que repetir as pala-
vras de um dos nossos mais illustres professores de direito:
« Tanto a administrão como o poder judicial tem por mis-
são a execução das leis; a primeira, porém, só se occupa com
as leis de interesse geral, e o segundo com as de interesse pri-
Uruguay, era uma attentado contra o Poder Judiciário, cuja independência
violava abertamente, arrogando-se o Legislativo a faculdade de rever e
inutilisar decisões soberanas e independentes. »*V. do Uruguay, Ensaio
sobre Direito Administrativo, p. 148-44.
Ora, isto, que se fez por meio de uma lei, certamente votada por
solicitação do Governo, seria muito mais faoil fazel-o, em casos análogos,
por meio de disposições regulamentares, ou, às vezes mesmo, por meio de
simples avisos...
— 542 —
vado; a primeira é incumbida de curar das necessidades geraes
ou collectivas, e o segundo de defender os direitos individuaes
dos associados. Desta diversidade de missões prom a dife-
rença de sua natureza e funcções... Assim constitdos a admi-
nistração e o poder judicial, e girando dentro das suas orbitas
próprias, ficam ao mesmo tempo satisfeitas estas duas supre-
mas necessidades da vida social, a defeza dos interesses col-
lectivòs e a dos direitos individuaes. Invertam-se, porém, os
papeis, ou invada qualquer delles a orbita alheia, e apparecerá
a anarcbia; todos esses direitos e interesses soffrerão profun-
damente. »
121
A verdade destes prinpios subsiste intica, inalterável,
seja na monarchia, seja na republica. Ella o contraria, por
forma alguma, o maior desenvolvimento das funcções e a energia
precisa, que cada um dos poderes públicos pôde realisar e
exercer dentro das attribuições próprias; o que ella, apenas,
exige por ser indispensável, é, que a acção dos mesmos poderes
181
Ribas, Dir. Admiti. Brasileiro,?. 78 sg.—Rio, 1866.—Cf. Visconde
do Uruguay, Ensaio sobre o Dir. Admin. p. 32 sg. —Rio, 1862.
Sobre a mesma matéria conviria lèr igualmente as palavras de uma
decisão da Corte de Cassação de Roma (de 11 janeiro 1893), onde muito
judiciosamente fora ponderado : « La contraria teoria in luogo delia reci-
proca independenza e liberta dei due poteri trarrebbe ad una inevitabile
confusione nello svolgimento di loro mansioni o, sottoponendo i decreti
delia pubblica potostà amministrativa alia censura dei potere giudiziario,
ove ne intralcerebbe, ove ne impedirebbe con pubblioo nocnmento la azione
e il pieno funzionamento. II compito, dunque, deU'autoritá giadiziaria è
limitato aU'esame esteriore delTatto, alia lega li ta dei medesimo, com res-
peito alie forme con le quali è stato reso, come in riguardo alia competenza
delia antoritá da cui promana. Questo esame soltanto ha carattere giudi-
ziale e forma oggeto appunto delia questione di competenza, ene allora può
dirsi ricorre alia giurisdizione ordinária quando alFatto amrainistratívo non
possa opporsi il defotto di potestà, quando, cioè, sia stato emesso dal po-
tere amministrativo nei limiti delle sue attribnzioni e nolle condizioni e
nelle forme prescritte dalla leggo » — Apud Solari, ob. cit. p. 44.
— 543 —
seja dirigida e regulada com prudência, de modo que jamais se
rompa e enfraqueça o equilibrio harmónico, que devem sempre
guardar, como órgãos, que o, das funcçóes coordenadas do
Estado.
89 b.— Não se pôde dizer uma novidade de direito publico
o systema da intervenção judiciaria, ora vigente no Brazil,
quando legitimamente provocada a conhecer dos actos da Admi-
nistração Publica. Não faliando da Republica Norte-Americana,
donde directamente tomámos o modelo, de que nos servimos, ahi
•está a própria Inglaterra, onde, diz B. Dareste, não ha um
acto do poder administrativo, cuja legalidade não possa ser apre-
ciada pelas cortes de justiça. Todo cidadão, que se considera
lesado no seu direito, pôde recorrer ao juiz ordinário, venha
donde vier a lesão,— salvo o direito que compete ao juiz de exa-
minar, si a acção está, ou não, em termos de ser recebida.»
182
Na lgica e na Hollanda todas as queses relativas aos di-
reitos civis syoliticos (salvo quanto aos últimos as excepções es-
tabelecidas pela lei) são também da competência judiciaria.
123
|
E não seria preciso accrescentar, que, em nenhum dos pai-
zes indicados, a acção do poder judicrio jamais fora arguida de
constituir obstáculo a qualquer acto legitimo da Administração.
Tudo depende da sabedoria, com que cada um dos poderes exerça
as attribuições constitucionaes, que lhe são privativas, não ul-
trapassando a linha de competência, que devem guardar entre si.
89 c.— Diz Á. Giron: «Encarregada de tornar efectivas as
prescripções que as leis decretam, a Administração tem o
poder discricionário de escolher, entre as medidas de detalhe e de
183 Dareste, Li Justice Administrativo en France, p. 200 sg.Paris,
1898.
123 Vide : Const. Belga, arte. 92 e 93
— 544 —.
applicação, aquellas que julgar mais adequadas para conseguir
semelhante resultado. Quaesquer que sejam o mérito intrínseco,
a opportunidade, a conveniência, e a sabedoria de suas decisões,
os cidadãos devem a ellas submetter-se; porque na esphera de
suas attribuições, a Administração é soberana, infallivel, irres-
ponsável. Debaixo desta relação, é ella autónoma, independente,
e escapa á censura dos tribunaes. Mas a sua autonomia é limi-
tada ao livre exercício de suas attribuições legaes. Si tomar
resoluções ou proferir decisões que,— para fallar como a Con-
stituição,— não forem necessárias â execução das leis, ella age
fora da sua soberania e da sua independência; longe de ser um
bem, torna-se um flagello para os administrados, cujos direitos
viola. E eis porque a intervenção judiciaria é legitima em casos
taes, sobretudo, para dizer acerca da legalidade dos actos, quando
lesivos do alheio direito ».
124
Mas, dada esta intervenção, observa ainda o citado autor,
os tribunaes o podem avocar os negócios administrativos, nem
dar ordens aos administradores. Se limitara a recusar o seu con-
curso e protecção, quando se lhes pede a applicação de um acto
illegal nos processos de sua competência. Reduzida a estes ter-
mos, a intervenção dos tribunaes não poderá crear obstáculos á
legitima acção da Administração.»
12&
Exprimindo-se sobre o mesmo assumpto, adverte o pro-
fessor Thonissen : « Não se deve dar, todavia, aos artigos 92 e
93 da Constituição uma interpretação tão ostensiva, que tenha
por effeito sujeitar o poder executivo, e transportar a Adminis-
tração do paiz para os tribunaes. Ao lado da independência do
poder judiciário, o legislador constituinte collocou e consagrou
a independência do poder executivo. Os tribunaes não tem o
direito de annullar os actos que a Constituição e as leis confia-
124
A. Giron, Droit, Admiti, de la Belgique, t.I, p. 228.—Paris, 1885.
125
Ibidem, p. 229.
I 545
ram á apreciação soberana de um outro poder. O art. 107 lhes
permitte somente o tomar em conta resoluções e regulamen-
tos illegaes, cuja applicação lhes seja requerida. Àdmittir uma
interpretação differeute, estender a competência dos tribunaes
alem destes limites, constituil-os juises soberanos (appciateurs
souverains) todos os actos do poder executivo, seria procla-
mar a omnipotência da magistratura e a subserviência (Vas-
scrvissement) da Administração nacional; seria desconhecer os
direitos e aniquilar a independência de um dos três poderes
constitucionaes »,
126
G. Beltjens, condensando a boa doutrina dos autores e
da jurisprudência, advertira por sua vez: « O direito de exame,
que o art. 107 confere aos tribunaes, não é illimitado, e deve
ser combinado com as disposições constitucionaes, que garan-
tem a independência do poder executivo. Em todos os casos,
em que o poder executivo não haja transposto o circulo de suas
attribuições constitucionaes, não é licito ao poder judiciário
recusar-se ã applicação de seus actos, sob o pretexto de que
lelles são inopportunos ou inúteis... Aos tribunaes não cabe a
qualidade de apreciar o a-proposito e o mérito governamental
dos actos do poder executivo. O art. 107 presuppôe, que os
corpos administrativos ou os funccionarios, cujos actos se ar-
gúem, tenham sabido da esphera de suas attribuições legaes,
ou que os seus actos não estejam revestidos das formas que a
lei requer para tornal-os obrigatórios. Recusando, porventura,
a applicação de uma resolução ou regulamento illegal, os tribu-
naes não tem, todavia, o direito de modificai-os ou abrogal-os ;
126
J. J. Thonissen, La Constitution Belge, n. 383.— Bruxellas, 1879.
Cf. De Fooz, Xe Droit Admin. Belge, t. I, p. 272 sg.
O artigo 107 da Constituição Belga, complementar dos artigos 92 e 93
da mesma, reza: « Les court et trtbunaux n'appliqueront les arretes et regle-
mente généraux, provinciaux, et locaux, qu'autant gu'ils seront conformes
aux lois ».
35
R. C.
— 546 —
assim como o possuem igualmente o direito de impedir a exe-
cução de um acto administrativo por via directa e principal...»
127
'
Tamm na ppria Jurispruncia Americana, sem embargo
da compencia do Judiciário para conhecer da validade dos
actos dos outros poderes,— se considera ponto assentado : que
os tribunaes nada tem que ver com as questões de natureza
meramente politica, tendo-se por definitivo, o que a esse respeito
for resolvido pelos departamentos políticos do Governo. Os dif-
ferentes poderes políticos (íhe several departments ofthe governe-'
ment), diz Oooley, são iguaes era dignidade, e com poderes co-
ordenados ; por isto, nenhum delles de sujeitar o outro â sua
jurisdicção, ou prival-o de qualquer porção dos seus poderes
constitucionaes. O Judicrio é a autoridade final na interpre-
tação da Constituição e a das leis, e a sua interpretação deve ser
recebida e guardada pelos outros departamentos do Governo...
Mas os tribunaes não tem autoridade para decidir queses ab-
stractas, ou não sujeitas ao seu conhecimento em litigio actual,
assim como, não tem que ver com as questões, exclusivamente,
pertencentes á autoridade legislativa e executiva...»
128
1
"
7
G. Beltjens, La Constitution Belge Reviséè, (ao art. 107).—
Liège, 1894.
123
Cooley, The General Principies of Constitutional Law, p. 146 sg.
— Boston, 1891; Hio, p. 485-86 e nota ibi.
I Sobre a mesma matéria, diz Á. Carlier: Para a solução destes graves
problemas, se tem estabelecido distincções entre os poderes conferidos pela
Constituição: uns são de ordem politica, ou melhor, tem um caracter dis-
cricionário ; outros, a dizer, o maior numero, affectam ã vida civil e devem
ser encarados, abstracção feita da autoridade que os exerce... O exercício
dos poderes políticos ou discricionários pode dar logar a abusos, não ha
duvida; mas a opinião publica e a curta duração da delegação de taes
poderes refreiam, senão, obstam, completamente as más tendências. O
verdadeiro remédio para essas eventualidades reside nas eleições perió-
dicas, que submettem cada um dos membros do Congresso e o Presidente
da Republica a prestar contas dos seus actos ao próprio povo, passíveis
da pena de não-reeleição, si tiverem desmerecido da opinião publioa. Quanto
— 547 —
89 d.—Pelo que respeita, em particular, ao nosso paiz, não
liaveria talvez ousadia em dizer, que até agora não se acham bem
definidos e assentados os principios ou as regras relativas ás
restricções, que o poder judiciário se deve impor a si mesmo,
quando haja de tomar conhecimento ou julgar dos actos dos dous
outros poderes, arguidos de invalidade nos respectivos pleitos. E,
certamente, devido á esta circumstancia, na curta historia da
Republica já se nos offerece mais de um exemplo, de [que a
intervenção judiciaria, como as vezes se tem entendido, pôde ser
susceptível de crear embaraços sérios, não aos actos da
administração publica, propriamente dita, mas igualmente ás
medidas essenciaes de governo, discricionárias, ou de verdadeira
soberania, e cujo exercício compete privativamente ao Executivo
em virtude de textos expressos da Constituição.. .
O modo e os casos, em que se pode dar a intervenção do
Judiciário nos actos do Legislativo e do Executivo, estão, ao menos
de modo geral, previstos e marcados na Constituição e leis da
Republica; mas como, de um lado, o Judiciário pode, por erro ou
irreflexão, intervir e julgar occasionalmente de es-
ao Presidente, pode elle ser sujeito igualmente ao impeachment, segando as
circunstancias do caso... Com relão, porém, aos poderes de natureza
differente, e que se referem particularmente aos actos da vida civil, o seu
uso fica, sem duvida, sujeito ao exame das cortes de justiça, não de ma-
neira absoluta e em todas as circumstanoias, mas occasionalmente nos lití-
gios, que forem submettidos ás respectivas jurisdicções. Somente então, as
cortes declararão, si tal lei invocada ou tal-acto do poder é, ou não, valido
em vista da Constituição... Esta prerogativa seria cheia de perigos, si
fosse exercida diariamente ou de uma maneira theorica. Não suocede,
porém, assim, como já se disse. O poder legislativo não tem que receiar-se
do poder judicrio, o qual é antes um auxiliar, do que um rival, com-
tanto que os magistrados saibam conter-se a si próprios, e o preten-
dam substituir suas ias as do legislador. —A presumpção de validade
é em favor do acto legislativo; é preciso haver razões peremptórias, textos
precisos em contrario, para que o mesmo acto seja privado da sua sanc-
«ção... A. Carlier, La Republique Americaine, t.IV, p. 123 sg.
— 548 —
pecies, que não devem caber na sua jurisdicçâo, taes por exem-
plo, de actos puramente políticos, ou discricionários do Governo
e Administrão; e como o Legislativo e o Executivo, tamm
ao seu turno, podem entender que nas hypotheses ditas não o
obrigados a cumprir as decisões judiciarias, considerando-as
ofíensivas da sua qualidade de poderes igualmente indepen-
dentes ; torna-se manifesto, quanto se difficil, na pratica, o
bom desempenho desta, talvez, a mais importante e transcen-
dente das funcções do Judiciário, a dizer, a da sua interferência
nas matérias administrativas... Basta attender, que o Judi-
crio o sendo superior aos dous outros poderes constitucio-
naes, mas apenas um seu igual, que deve exercer uma autori-
dade coordenada, compete-lhe, entretanto, decidir da validade
dos actos dos primeiros, sem desconhecer ao mesmo tempo, que,
dentro da esphera das attribuições próprias, cada um delles é,
o só autorisado, mas até obrigado, a ordenai* e resolver por
si mesmo acerca do valor e efficacia jurídica dos differentes mis-
teres e factos, que constituem objecto da administração geral
do Estado.
Certo, repetimos, haverá dificuldade de bem delimitar pra-
ticamente os actos legislativos e administrativos, que, por sua
natureza e fins, devam escapar & jurisdicçâo do Judiciário,
em nome da igual indepenncia e harmonia de todos os po-
deres públicos; mas, qualquer que seja a dificuldade inter-
posta, é imprescindível que essa delimitão exista, e seja con-
sagrada nas leis e na jurisprudência, sob pena de chegar-se
á concluo, als, inconstitucional, de que o Judiciário é o
único poder verdadeiramente soberano no regimen politico, em
que ora vivemos.
129
12)
0
Congresso Jurídico Americano, reunido no Bio de Janeiro em
1900, a questão da intervenção judiciaria nos actos aãministrativcs constituirá
uma das suas theses. Discutida esta, na votação final foi approvada por 34
votos contra 23 a conclusão do relator Godofredo Cunha nestes termos:
— 549 —
Segundo vimos, na Federação Norte-Americana, onde
sabidamente o poder judiciário gosa de jurisdicção mais lata,
do que em nenhum outro paiz, isso não obstante, a experiência
ensinou que, sem restricções prudentemente postas á inter-
venção judiciaria, impossivel seria manter a acção livre e in-
dependente, que os outros poderes da Republica deviam exercer
em nome da Constituição. B facto realmente digno de nota: não
foi a lei positiva, que cuidou de estabelecer regras e preceitos
para assegurar o fim almejado; pelo contrario, foi o próprio
poder judiciário, representado na sua Corte Suprema, que se
preoccupou, desde muito cedo, de firmar os prinpios de boa
doutrina, que lhe servissem de regra no legitimo exercício das
suas próprias funões.
130
Estes prinpios de doutrina são vários
segundo as espécies differente3, e tem sido, muitas vezes,
invocados e considerados em numerosas decies judiciaes do
nosso paiz, tanto pelo Supremo Tribunal Federal, como por
outros tribuuaes de justiça da União e dos Estados.
m
Resta, entretanto, que a jurisprudência pátria firme taes
princípios, como seus próprios, de maneira certa, inalterável,
indiscutível; porque, assim, veremos cessar a duvida e incer-
teza, que infelizmente ainda reinam na linguagem de muitos
dos seus arestos...
kA intervenção indiciaria nos actos da Administração ou do Governo é
legitima quando um direito individual é lesado.» E\ como se vê, o s'm-
plej principio consagrado na lei n. 221 de 1894. (Congresso Jurídico
Am ricano, vol. I, p. 232 —Rio, 1902).
130
Hlo, p. 486, nota
9n
.—Sobre quaes sejam os princípios regulado
res da intervenção judiciaria, nos actos legislativos e administrativos, se
poderá vêr o meu livro "Regimen Federativo", p. 228 sg. (Rio, 1900),
onde se acha condensado quanto os bons autores recommendam de melhor
a esse respeito. I
181
Vide: S. T. P. 16 maio 1896, 21 outubro, e 16 dezembro 1899.
— 550 —
90.— ESPÉCIES PARTICULARES. Apontados ligeiramente o»
princípios geraes, que cumpre guardar na matéria da interven-
ção judiciaria, quando ella fôr provocada a respeito dos actos
legislativos ou administrativos, sobreleva igualmente conhecer,
qual seja a pratica seguida pela nossa jurisprudência nos casos
particulares da maior importância, que tem sido submet-tidos á
decisão dos tribunaes. E' o que vamos verificar das breves
indicações que adiante se offerecem.
90 a. Direitos dos funccionarios públicos. Nada se pôde
suppor de mais peculiar ás prerogativas do poder executivo,
fonte da administração geral do Estado, do que a faculdade de
nomear e destituir os funccionarios dos differentes serviços; e é
por isto que, segundo se da lei e da pratica dos vários
Estados, uma grande discrição é sempre reconhecida ao dito-
poder no uso das suas attribuições a esse respeito. I Examinando
as próprias espécies, em que se tem dado-a intervenção
judiciaria sob a razão ou pretexto de violação de direitos do
funccionario, é licito distinguir os julgamentos proferidos em
duas categorias principaes.
I 1) De um lado se encontram decisões, nas quaes o Judiciário
tomando conhecimento de actos do poder executivo (ás vezes
também do legislativo), relativos â demissão, aposentadoria,
reforma (de militares), promão, vencimentos, etc, de func-
cionarios, que se dizem lesados nos seus direitos individuaes,
tem accentnado os seguintes princípios: I a) Que o poder
judiciário não exerce funcções, próprias do Executivo, como. as
de nomear, ãemittir, ou reintegrar empregados públicos (S. T. F.
16 maio de 1896).
18i
132 No Acc. de 27 novembro 1901 do S. T. P. se disse, que o funccio-
nario de concurso nfto de ser demlttido ad nutum (inteJligencia da lei
n. 191 B de 80 setembro 1893, art. ); por isso, o Tribunal mandou que-
— 551 —
o) Que, attenta a divisão dos poderes públicos, os actos
administrativos, que não ferirem direitos civis ou políticos,
excluem-se da competência do poder judiciário e, portanto, do
texto do art. 13 da lei n. 221, sem embargo da lettra b do seu §
9
o
, evidentemente incompatível com os arts. 15 e 60 da
Constituição Federal; que, para a reparação de interesses
lesados por actos administrativos, em que intervier a violação
da lei, incompetência ou excesso de poder, só ha dons recursos,
o da via hierarchica, instituída no art. 41 n. 2 do decreto n.
596 de 19 julho de 1890 e no art. 24 da lei italiana de 2 junho de
1889,— e o da responsabilidade dos autores do abuso, como se
acha expresso nos arts. 52 § 2
o
, 54 e 82 da Constituição
Federal; que a demissão de empregados, não providos vitali-
ciamente, ou por prazo certo, não offende a direito algum, mas
apenas á simples interesses do demittido (S. T. F. 23 agosto,
20 setembro, e 9 de setembro 1899).
c) Que, sendo os empregos públicos estabelecidos para o
bem da sociedade e o para o bem dos empregados, nada obsta
ou pode obstar, a que sejam extinctos, desde que se tornem inú-
teis ou não mais possa o Estado custeai-os, e portanto, a vitali-
ciedade de um emprego não pode ser entendida, senão, como
simplesmente asseguradora do exercício do mesmo emprego,
emquanto este existir; achando-se expressamente estatuído o
direito da União de crear e supprimir empregos (Const. Federal,
art. 34, n. 25).
m
um conferente de alfandega continuasse no sen emprego, do qnal havia sido
demittido sem causa declarada, condemnada a Fazenda Publica a pagar-lhe
os ordenados c om juros da mora. Entretanto, por decisões posteriores (de 5
setembro e 13 novembro 1903) o B. T. F. declarou que o poder judiciário
o tinha o direito para mandar reintegrar o funccionario, embora viéaKciô,
mas somente para assegurar-lhe a percepção dos respectivos vencimentos.
188 O empregado, demissivel ad nutum, não tem direito as vantagens do
emprego, de que foi destituído, á dizer, aos vencimentos do tempo-
decorrido entre a data da demissão e a da sua reintegração ou aposenta-
— 552 —
d) Que é licito, no caso de suppressão de emprego vita
lício, reduzir os vencimentos do funccíonario á percepção do
ordenado somente. Porquanto, dado mesmo: 1) que podessem
ser taxadas de retroactivas as leis que cream e supprimem em
pregos, quando ellas não regem relações da vida particular dos
cidadãos no que respeita á sua pessoa e bens, mas apenas ope
ram sobre os elementos geraes da sociedade, modificando-os e
applicando-os ao fim social; 2) que fosse rasoavelmente admis
sível a obrigação, por parte do Estado, de continuar a pagar
serviços que deixou de receber por inúteis, ou de que prescindiu
por falta de meios; ainda assim, seria de todo ponto destituída
de fundamento a preteão... por isso que, o Congresso Nacional
tendo competência para diminuir ou reduzir os vencimentos dos
funccionarios federaes vitalícios, salvo as restricções expressas
na Constituição, é fora de duvida que, mandando pagar a func
cionarios vitalícios (lentes e professores), postos em disponibili
dade por excederem ás necessidades do serviço, o os venci
mentos integraes, que até então percebiam, mas apenas os orde
nados, nada mais fez, que usar de um direito que lhe era
pprio, porque quem pode diminuir vencimentos, pode diminuir
gratificações e até acabar com ellas (S. T. F. 21 outubro 1898).
e) Que, finalmente, a faculdade de prover os cargos públi
cos, isto é, de nomear e demittir os empregados, não se achando
limitada pelo direito ã vitaliciedade, cabe inteira ao Governo,
o qual poderá usar delia segundo as exigências do serviço pu
blico, etc, etc.
184
çfto. No caso de reintegração, esta equivale á uma nova nomeação. Nem
mesmo a própria vitaliciedade importa a perpetuidade do emprego, o qual
pode ser supprimido, quando convenha ao interesse publico (S. T. P. 3 e
27 outubro de 1900; 25 abril 1901, 28 maio 1902, 7 outubro 1903).
134 vide: S. T. P. de 3 e 27 outubro de 1900.B mais: os Accor-
dams anteriores de 18 março, 1 agosto, 2 e 26 setembro, 4 e 9 novem-
bro 1896; de 17 março, 20 abril, 5 maio, 12 junho, 18 agosto 1897 ;
— 553 —
2) Entretanto, de outro lado, tratando-se notadamente de
funccionarios vitalícios, como são os magistrados, os professores
e os militares de patente, se offerecem decisões, nas quaes o J
udiciario tem dado a mais ampla garantia a todos elles, desde
que allegam uma lesão dos seus direitos por actos da Adminis-
tração.
Assim é que:—a magistrados, aposentados por decreto do
Presidente da Republica em cumprimento de disposições trans-
itórias da Constituição Federal (S. T. F. 21 março de 1896, 7
abril de 1897,19 março, 10 setembro e 7 novembro del898,etc);
a professores, que abandonaram o emprego voluntariamente
para conjurarem contra o governo legal (S. T. F. 4 janeiro e 2
dezembro de 1899);—e a militares, que foram reformados ou
destituídos por factos de indisciplina ou revolta; não obstante
os actos do governo serem declaradamente praticados, como
medidas necessárias á ordem publica (S. T. F. 19 setembro e
27 novembro de 1895; 16 maio, 3 outubro 1896, etc), o Judi-
ciário reconheceu em favor de todos esses, o , a procencia
da acção para a annullação do respectivo acto, mas também, ás
vezes, o direito de reintegração no emprego e de indemnisação
dos prejuizos soffridos. Affirmando o direito do funccionario
demittido ou reformado quanto aos seus vencimentos, o Judi-
ciário não duvidara mesmo fazel-o com relação ao período, no
qual o funccionario se achava fora do serviço por fazer parte de
de 12 março, 6 setembro, 11 outubro 1898-, de 19 abril, 24 junho, 1 julho,
18 dezembro 1899.
No Acc. do S. T. F. de 26 outubro 1901 se disse, que não ha ne-
uhu m preceito constitucional que vede que a garantia da vitaliciedade possa
ser conferida por lei a qualquer cargo publico, federal ou estadoal. Mas em
Accordam posterior fora advertido, que o principio é, que o funccionario
é demissivel; visto como a vitaliciedade, sendo um ónus contra o Estado,
só pode ser creada por lei expressa (S. T. F. 7 outubro 1903).
— 554 —
revolta armada contra as instituões do paiz.. .
1M
Até em ques
tões concernentes ã imposição de penas, meramente disciplina
res, a funccionarios blicos (vitacios) pelos seus superiores
hierarchicos letimos, o Judicrio não tem recusado a sua
intervenção.
180
I
I 90 b. Todos reconhecem, quanto a matéria da interven-
ção judiciaria em favor dos direitos do funccionario publico é,
alem de importanssima, ás vezes em extremo delicada... Por
isso, antes de passar a outros assumptos, o devemos deixar
de ajuntar aos arestos da nossa jurisprudência algumas breves
considerações acerca de certos pontos, que lhe o peculiares.
Supponha-se,por exemplo, que um empregado publico, por
negligencia ou falta mais grave no cumprimento de seus de-
veres, é suspenso disciplinarmente de suas funcções, ou remo-
vido, aposentado, destituído do cargo, e que a autoridade ju-
diciaria, intervindo a requerimento do mesmo e no intuito de
proteger o direito individual, que se presume offendido, an-
nulla o acto e manda reintegrar o empregado na efectividade
da cargo... No caso de suspensão disciplinar, semelhante in-
terveão importaria nada menos, do que desprestigiar, tirar
toda a força moral ao superior hierarchico, e dahi a conse-
quente impossibilidade de haver boa ordem e regularidade no
respectivo serviço.
185
Quanto á garantia da vitaliciedade dos magistrados, o S. T. F. se
considerou igualmente competente para intervir, em tratando-se mesmo de
magistrados estadoaes, aliás, creados pelas constituições e leis dos Estados
e exclusivamente nomeados pelos governadores dos mesmos. (S. T. F. 4
dezembro, 16 dezembro 1899, etc.).
186
Disto deu-nos exemplo o despacho do juiz federal da Secção do
Districto Federal, de 27 julho de 1896, concedendo interdito de manu-
tenção a deseseis lentes da Escola Poiytechnica contra a pena disciplinar
de três mezes de suspensão de exercício, imposta aos mesmos por acto do
Presidente da Republica de 15 do mesmo mez. Adiante (p. 592 sg.) se dirá
melhor sobre este facto.
— 555 —
E nas outras hypotkeses, aindaque a intervenção possa ter,
sem duvida, todo cabimento, ou ser mesmo um acto de in-
declinável justiça, todavia, si ella se dér desde logo e de forma
prohibitoria (tal ê o meio da manutenção, a qual se tem recor-
rido), essa protecção ou mão-forte da justiça, assim prestada em
favor dos direitos individuaes, será presumptivamente em»
prejuízo dos interesses do serviço publico, os quaes terão de
continuar a mercê de individuo, ora considerado, inconveniente
ou incapaz, no exercício de dado emprego, pelo seu superior
competente... Por certo, não será preciso accrescentar, que ao
poder administrativo, e não ao judiciário, é que compete
conhecer e julgar da idoneidade dos funccionarios para os
differentes cargos ou empregos da administração publica.
Entretanto, somos de parecer que nos casos indicados,
tanto os direitos ou interesses do individuo, assim como os da
administração, ficariam inteiramente harmonisados e defendi-
dos, si na matéria se procurasse attender aos seguintes pre-
ceitos ou regras de prudência e critério:
1) a autoridade judiciaria deveria intervir, tratando-se
da leo de direitos realmente adquiridos do funccionario, como
são os de vitaliciedade e outros análogos, reconhecidos em lei
expressa;
2) a intervenção judiciaria o deveria ir alem de declarar
por sentença,—uma vez annnllado o acto em questão, qual
a indemnisação que a Fazenda Publica ficava obrigada á pres-
tar, como reparação do damno causado. Queremos dizer, no
caso de uma suspensão, remão, aposentadoria ou destituição,
feita com preterição da lei ou violação de direitos adquiridos, o
funccionario lesado deveria ser indemnisado do prejuízo resul-
tante, em vista das vantagens, de que se vio privado pelo acto
illegal, e não mais;— em menos palavras,— o effeito da annul-
lação do acto devia ser o strictamente necessário para o fim de
assegurar ao lesado a justa reparação do damno soffrido.
— 556 —
Mas, ordenar por sentença judicial a reintegrão de um
funccionario administrativo, é, mutato nomine, exercer o di-
reito de nomear empregados, aliás, serventuários de um outro
poder independente, ao qual compete a faculdade constitucio-
nal, privativa, de escolher livremente os individuos, que lhe
param aptos ou ineos para os misteres do publico servo.
3) Quanto á forma da interveão, salvo os casos declara-
dos em lei, ella não deveria ser prestada no intuito de obstar
o effeito immediato do acto, isto é, para que o acto não po-
desse ser consumado. Semelhante forma é, quasi sempre, in-
conveniente, qualquer que seja o pretexto ou rao allegada.
Mais adiante esperamos ter occasião de ainda insistir no mesmo
pensamento.
Estamos convencidos de que a observação dos preceitos
alvitrados, seria, o útil, mas necessária, ás boas relações
dos poderes e á regularidade do publico serviço.
Além disso, na apreciação da matéria que no momento
nos occupa, é preciso não esquecer, que os direitos dos funcciona-
rios públicos são estabelecidos nas leis, o em vista dos indi-
viduos revestidos do cargo, mas, antes de tudo, em vista das
exincias do bem publico. Si as circumstancias mudarem, e
com ellas as necessidades do servo, que se procura realisar,
os direitos do funccionario o poderão jamais constituir ob-
stáculo á adoão de novas medidas, mais convenientes e acer-
tadas. Quem solicita ou acceita um cargo publico, o ignora
que os seus direitos, no cargo, ao cargo, e do cargo, se acham
subordinados â condão superior, "emquanto não collidirem
com o bem publico ou do Estado"... Conseguintemente, não só
a alteração dos serviços ou da remuneração do funccionario, mas
até a snppressão do próprio emprego, se podem dar,quaesquer
que sejam os respectivos direitos do seu titular. A vitaliciedade
mesma, embora resalvados os direitos do individuo quanto k
sua compensação pecuniária, não pode constituir um obstáculo
— 557 —
ao poder publico no sentido de legislar supprimindo o cargo, á
que ella se achar ligada. Em mais de um caso o Supremo Tri
bunal Federal tem, com effeito, procurado firmar a verda
deira doutrina a esse respeito; infelizmente, porém, em outros
as suas decisões não tem guardado os mesmos limites de sabia
prudência...
137
*|
90 c.—Não se ignora que as pretenções levantadas pelos
funccionarios assentam quasi sempre na allegação de "direitos
adquiridos''; será, portanto, opportuno também encarar, ainda
que brevemente, o assumpto debaixo deste aspecto.
Os direitos adquiridos devem ser respeitados, protegidos ;
esta é a regra, não ha duvida. Mas, difficuldade de haver em
saber, o que se deve entender por direitos adquiridos do func-
cionario...
Às mais das vezes, semelhante questão poderá ser res-
pondida á vista do caso concreto e da lei particular, que lhe fôr
applicavel; não havendo sabidamente uniformidade de parece-
res sobre a verdadeira definição dos « direitos adquiridos ».
Em sentido restricto, se pôde dizer, que são de assim
considerar—os direitos nascidos de factos consummados, ou de
contractos perfeitos e acabados, os quaes a lei nova não pôde
abolir ou modificar, sem incorrer na pecha de retroactiva, e
conseguintemente, transgressora da Constituição.
138
São, enten-
dem outros, aquelles que o titular ou o seu representante pôde
exercer ou tornar effectivos, quaes subsistem,) e não alteráveis ao
arbitrio de outrem;
139
ou como os define C. Black: «direitos»
o completos e definitivamente accrescidos ou constitdos em
w Vide: S. T. F. n. 240 de 21 outubro 1899; Hic, p. 653-54. —Nos Aços.
n. 254 e 255 de 16 dezembro 1899 o mesmo Tribunal pareceu querer
destoar dos bons princípios consagrados...
188
Ribas, Dir. Civ. Brás., 1.1.
p. 288. is» Vide: Proj. do Cod. Civ. Brasileiro (pendente do Senado), art.
8.»
— 558 —
favor de uma pessoa, que não estão sujeitos a ser desfeitos por
acto de nenhuma outra pessoa particular, cumprindo ao poder
publico reconhecel-os e protegel-os, como legaes em si mesmos
e constituídos de accordo com as disposições da lei vigente. O
seu titular não pôde ser privado de taes direitos, senão em vista
de legitima exigência do bem publico, guardadas, em todo o
caso, as condições e o processo estabelecidos para este fim
Vested rights are rights which Jiave so complete and defi-nitevély
accrued to or settled in a person that they are not su-\ bject to be
defeated ou cancelleã by the act of any other private person, and
which it is right and equitable, that the government sliould
recognize and protect, as being lawful in themsélves and settled
according to the current rules of law, and of which the individual
coúlã not be deprived arbitrarUy ivithout injustice, or of which he
could notjuttly be deprived otherwise thanby the es-tablished
methods ofproeedure and for theblic welfare.
140
E' da natureza dos direitos adquiridos, não poderem ser
elles modificados ou alterados, ao menos na sua substancia, por
actos legislativos ou administrativos de caracter retrospectivo;
consistindo precisamente nisto a diferença radical entre os di-
reitos adquiridos e os chamados direitos em expectativa, os quaes,
por mais bem fundados que param, poderão ser a todo o tempo
alterados, ou mesmo supprimidos, por acto do poder, que os
creou, comtanto que este o faça antes de se ter realisado o caso
ou facto, a que se achar subordinada a enlearia dos mesmos.
" They (rights) are vested, when the right to enjoyment,
present or prospective, lias become the property of some particular
person ou persons as a present interest. They are expectant,
when they depena upon the continued existenee of a present con-
dition of things until the happening of some future event. They
are contingent, when they are only to come into existenee on an
140
C. Black, Law Dictwnary.
— 559 —
event or cmHtion which may not happen or be performeã until
some other event may prevent their vesting."
1
*
1
De modo que se podem distinguir, debaixo de nosso ponto
de vista, duas espécies bem caracterisadas: direitos adquiridos,
os que existem nunc et semper, salvo vontade contraria do
seu titular, e direitos em expectativa, os que não existem
ainda com a devida efficacia, isto é, com força actual obrigató-
ria erga omnes, embora tenham fundada rao para se tornarem
effectivos {sunt inpotentia).
90 d.—Tendo dito, que os direitos adquiridos podem resul-
tar de contractos perfeitos ou acabados, não pretendemos com
isso significar que as vantagens pessoaes ou direitos reconheci-
dos aos funccionarios em virtude de seus cargos, a dizer, o or-
denado, a aposentadoria, a vitaliciedade, etc, devam valer,
como outras tantas condições de um verdadeiro contracto entre
o poder publico e os respectivos funccionarios. Tal não é a
nossa opinião. A attribuição de nomear os funccionarios con-
ferida ao superior hierarchico, assim como as vantagens e direi-
tos, concernentes ao emprego publico, ou ao individuo investido
das funcções delle, são creações da lei. Portanto, aquelle no-
meando um individuo para o cargo, e este acceitando a no-
meação, não celebram um contracto na accepção própria deste
termo; ambos concorrem para dar execução a um preceito ou
fim da lei, guardada a forma declarada nas suas disposições. E
a demonstração evidente, per se, de que as condições inhe-
rentes ou resultantes do acto não são as de um contracto entre
partes, temol-a no seguinte: é que as obrigações ou direitos re-
lativos ao cargo não podem ser modificados pela livre vontade
do nomeante e do nomeado, como, aliás, é de regra nos contra-
ctos entre as partes do mesmo.
141
Cooley, PHnciples of Const. Late, p. 382 sg.
— 560 —
Não se ignora, que autores distinctos tem considerado a
nomeação do funccionario publico como um contracto
142
; mas,
neste ponto, nos parece certamente de melhor aviso o modo de
ver do illustre Laferriére, quando disse: « E' verdade que a
funcção publica suppõe, entre a autoridade que nomeia e o
agente que é nomeado, um accordo de vontades, que deve
igualmente dar-se no caso de demissão voluntária; alem disto, a
funcção comporta obrigações reciprocas do funccionario e do
Estado. Mas estas obrigações derivam da lei e não de contracto.
Nem a administração nem o funccionario podem, em geral,
modificai-as por convenções particulares; a amovibilidaãe ou a
perpetuidade do titulo, a natureza dos serviços a prestar, a
importância dos vencimentos, as condições do direito á pensão,
são fixados para todos os empregos do Estado por actos
legislativos ou regulamentares, aos quaes nada se poderia sub-
stituir ou de rogar por contracto. Esta regra só nos parece com-
portar uma excepção: é quando se trata de comraissões e traba-
lhos de natureza especial e temporária, que não constituem,
propriamente fallando, funcções publicas ou empregos.. . Em
casos taes, sim, dà-se, em geral, um contracto análogo ao da
locação de serviços. Mas si essas mesmas commissões especiaes
e temporárias comportarem o exercício de certos poderes, con-
feridos pelo governo, se deverá assemelhal-as á verdadeiras
collações de funcções ou empregos públicos ».
148
—Doutrina idêntica é a que vigora na Republica Norte-
Americana com relação aos funccionarios federaes e esta-
142
Assim entendia, por exemplo, o prof. Ribas (Dir. Civil Brasileiro,
t. I, p. 230).— Cf. Perriquet, Contrais de VEtat, p. 435 sg.
143
Laferriére, ob. oit. t. I, p. 619.
Entende consoantemente este autor que, salvo disposição especial da
lei em contrario, é indiscutível o direito do Estado para modificar os ven-
cimentos, soldos e pensões, visto o se tratar do uma obrigação contra-
ctual propriamente, tomada pelo Estado em favor do funccionario.—Ob. cit.,
t. II, p. 193.
— 561 —
doaes.
144
Diz Mechem: «
It is novo well setfled that there is no
•contraeb, either express or implied, hetween a public officer and
the government, whose agent he is.
»
145
Quando se trata de em
pregos, cuja duração, investidura, e compensação se acham de
terminadas na Constituição,
(constitutional offices)
a lei ordi
nária nada pode alterar ou modificar a respeito; quando, porém,
se tratar de emprego creado por lei ordinária
(statutary offices),
«
it may he entirély abolished, or its term may he inereased or di-
minished or the manner offilling it may he clianged, or its com-
pemation may he altered or its duties may he diminished or in
ereased at the will of the Legislature at any time, even though
done durirtg the term for which the then incumbent was elected
or appointcd. 8o the Legislative may declare the office vacant,
cr may transfer its duties to another officer, although the effect
may he to remove the officer in ihe middle of his term, or to ábolish
his office hy leavmg it devoid of duties.»
I
Não seria possível reservar liberdade maior â acção do le
gislador sobre os direitos do funecionario, do que se acha con
signado no trecho transcripto.
1M
I
—O citado Laferriére observa ainda, com relação aos direitos dos
funecionarios, que «os erros ou culpas commettidas pelo superior
hierarchico para com o inferior o dão logar á nenhuma acção de
indemnisação contra o Estado; e assim se entende, diz elle, o só
quando o superior abusa de seus poderes discricionários de disciplina ou
de exoneração, mas ainda quando ofiende mesmo a um direito adquirido.
Neste ultimo caso, o agente lesado poderá, as mais das vezes, requerer a
annullação da decisão illegal por
excesso de poder
; poderá também, em
certos
144
O Estado da
North Carolina
é o único, cuja lei considera, como
contracto,
o vinculo creado entre o governo e o funecionario publico.
I
14B
Mechem,
On Public Oflicers,
§ 463.
B
146
Mechem, loc. cit, A doutrina deste autor é a que tem sido afir-
mada nas decisões judiciarias.
36
ca
— 562 —
casos, obter de novo o soldo ou o ordenado; poderá, finalmente,
no caso de uma destituição illegal, fazer restabelecer, por via
contenciosa, o direito á pensão, de que fora privado, mas sem
poder reclamar nenhuma indemnisação do Estado ».
147
E' desnecessário advertir, que, nesta parte, não poderiamosy
acceitar a opinião de Laferrière da maneira estensiva, porque o
faz. A nossa regra, e da qualo nos afastamos, é: onde se r
a leo de um direito adquirido, do próprio facto deve resultar
a obrigação de indemnizar para quem o houver praticado.
90 e.—Mas, para concluir sobre a matéria em geral, in-
dependentemente de outras considerações e desenvolvimentos,
acreditamos que a boa doutrina se poderá resumir no seguinte:
B 1) Ainda que o deva prevalecer como regra, que o fune-
cionario publico possa sempre ser demittido ad nutum, por
mero capricho ou má vontade do superior hierarchico, se deve,
todavia, convir igualmente que as vantagens ou direitos, confe-
ridos ao mesmo em virtude do emprego, jamais poderão consti-
tuir, como já se disse, um impedimento a que o poder publico
o destitua, de modo directo ou indirecto, desde que o serviço
publico assim exigir;
148
2) Quando essas vantagens se acharem expressamente de-
claradas em lei, e assumirem a qualidade de direitos adquiridos,
si ellas forem violadas ou abolidas, a interveão judiciaria
se inteiramente justificada, quer para amparar o funecionario
na continuação do goso de taes vantagens ou direitos em dados
casos especiaes, quer para o fim de assegurar-lhe uma com-
pensão pecuniária conveniente, dada a privação dos mesmos
direitos ;
147
Laferrière, ob. cit., t. II, p. 186. —Cf. Vivlen, Études Admini$-\
tratives, t. I, p. 262 sg.
148
Vivíen, loc. cit.
— 563 —
3) Fora destes casos, e nos limites indicados na lei, a in-
tervenção judiciaria devera ser considerada, attentatoria da
independência dos ontros poderes, e prejudicial à boa ordem
dos serviços da Administração, para cujos intuitos o Judiciário
deve, alias, concorrer, como poder coordenado aos fins geraes e
communs do Estado.
91. Medidas de natureza policial. Sendo de regra, que
as autoridades executivas ou administrativas tenham faculdades
amplas, às vezes discricionárias, que a lei lhes confere de modo
expresso ou lhes resultam implicitamente da natureza especi-
fica da funcção policial; é sabido, que a intervenção da autori-
dade judiciaria, quasi somente, se por meio dos mandados de
hàbeas' corpus em favor da liberdade pessoal, quando os actos
praticados tomam um caracter manifestamente violento ou ille-
gal; e vimos também, que segundo a nossa jurisprudência, o
Estado o é condemnado à satisfação de damnos pelos actos da
autoridade policial, praticados por motivo de ordem ou seguraa
publica, ainda mesmo, quando posteriormente se venha reconhe-
cer a sua sem-razão ou illegalidade de taes actos. Ao lesado
assiste, sim, o direito de fazer responsabilisar, penal e civil-
mente, a respectiva autoridade pelo delicto commettido e suas
consequências. (Cod. Penal, art. 224; Const. Federal, art. 80, §
4° e art. 82).
O Estado, diz-se, cumpre, antes de tudo, um dever insti-
tucional na adopção e execão de medidas necessárias; conse-
guintemente, não deve prestar, conforme à doutrina geral-
mente recebida, indemisação alguma pelos effeitos das mesmas.
E' certo, que tanto as medidas ordinárias de policia, como alem
destas, as do governo directamente, em peodo anormal, podem
revestir formas apparentemente illegaes ou violentas, não
contra os direitos pessoaes, mas também contra os direitos
reaes dos indivíduos. Mas trata-se de uma contingência inevi-
— 564 —
tavel; porque, ás vezes, o êxito ou a efficacia da medida depende
justamente da forma discricionária, que o agente deverá em-
pregar na sua execução.
Si o Judiciário, só por isto, entendesse que devia desde
logo intervir, a acção da administração policial ou do governo,
em muitos casos, aliás da xima importância, tratando-se por-
ventura da própria existência do governo, tornar-se-hia impro-
fícua, inútil; por isto, a não-intervenção judicial não pode deixar
de ser a regra de boa razão em casos de natureza semelhante.
Não se quer dizer que, dada a lesão, uma lesão caracte-
B risada, da propriedade privada por actos e medidas da autoridade
policial,— mesmo no exercício de funcções as mais legi-
I timas e com intuito inteiramente justificado,— o Estado não deva
JAMAIS responder civilmente á parte lesada. Isto estaria
I em contradicção com a doutrina geral, que temos sustentado sobre
a responsabilidade civil do Estado, e mesmo, com a sua
applicação conhecida a casos particulares, anteriormente con-
siderados .
Não; em casos taes continuamos a affírmar que, não ao
agente directo do acto, mas também ao Estado, caberá a obri-
gação de reparar o dam no, quer este provenha de acção posi-
tiva, quer mesmo da omissão culposa da autoridade publica.
149
O que juntamente importa, é não esquecer que, ainda assim, em
respeito à independência dos outros poderes e em vista da
necessidade das medidas em questão, 0 poder judiciário deve
intervir a posteriori, â dizer, depois das mesmas terem produ-
zido os seus effeitos quanto ao fim im medi ato de interesse pu-
m blico, que as motivara. Porque então, bem apreciadas as razões,
que teve a autoridade para ordenai-as ou executai-as, e bem
assim, a natureza, caracter, e extensão das lesões arguidas, o
149
Hic, p. 329 e p. 516 sg.
— 565 —
Judiciário estará melhor habilitado a cumprir o seu dever, fazendo
reparar as consequências lesivas do acto, ou não, segundo o teor
jurídico das circumstancias.
91 a.—Agora, deixando de fali ar das medidas excepcionaes
tomadas em tempo de guerra, é sabido que as medidas de policia,
relativas á manutenção da ordem publica, se distinguem em
providencias normaes, ordenadas em situação inteiramente pacifica,
e em medidas anormaes, tomadas por occasião de com-moções
intestinas ou em estado de sitio (politico), declarado pelo Congresso
Nacional ou pelo Governo. Sobre as primeiras, nada mais cumpre
accrescentar;
150
sobre as segundas, porém, sobreleva ainda
verificar, qual tem sido a jurisprudência seguida pelo Judiciário nos
casos sujeitos ao seu conhecimento.
No que respeita âs garantias da liberdade individual, o
Supremo Tribunal Federal havia firmado a doutrina de que
"somente ao Congresso Nacional competia approvar, ou não, o
estado de sitio decretado pelo Presidente da Republica e examinar e
julgar as medidas excepcionaes, que elle houvesse tomado."
1B1
Esta
doutrina manteve invariavelmente o Supremo
150
Quanto ás medidas referentes à policia sanitária, assim como,
relativas aos jogos e outres divertimentos públicos, a tendência dos tribu-
naes superiores de justiça se tem mostrado, em geral, igualmente favo
rável a acção discricionária da respectiva autoridade, desde que esta n&o-
exorbite da sua competência.
Convém, todavia, observar, que essa discrição da autoridade po-
licial deve ser reconhecida com relação aos jogos ou diversões, declara-
dos illicitos, isto é, vedados pela lei. Assim não sendo, o seu acto torna-se
violento e arbitrário, e conseguintemente, dará direito ao lesado de pedir
indemnisação pelo damno soffrido. Por exemplo, entendemos, que não se
pôde prohibir o funccionamento de um jogo já licenciado pela autoridade
ou poder competente, sob o fundamento de ser elle illicito, sem que, dessa
prohibição, nasça a obrigação de indemnisar o damno por parte da Fazenda
Publica, ao menos de maneira subsidiaria.
151
8. T. F. 27 abril 1892, setembro 1894, 23 e 26 março 1898.
Vide: Relatório da Justiça de 1898, p. 47 sg.
— 566 —
Tribunal, desde o seu primeiro Accordam de 27 abril de 1892
até o de 26 de março de 1898. Entretanto, não se pôde dizer que
ella deva ser considerada, como subsistente; porquanto, em data
pouco posterior ao ultimo de citados Accordams (em 16 Abril
íle 1898), o mesmo Tribunal se julgara competente para intervir,
concedendo beas-corpus â indivíduos, detentos em conse-
quência das medidas do estado de sitio, e aos quaes elle havia
recusado deferimento pelas razões acima alludidas...
Talvez pareça ao Sup. Tribunal, que é de maior acerto a
doutrina do seu Accordam de 16 abril de 1898. Mas na falta de
julgados posteriores, que a confirmem, ainda não é licito
adiantar, que a mesma se venha a firmar, como jurisprudência
indiscutível.
Quanto á satisfação dos damnos, porventura resultantes
das medidas do estado de sitio, a doutrina da nossa jurispru-
dência pode ser conhecida dos dous casos seguintes :
a) Tendo um dos detentos durante o estado de sitio pro-
posto acção contra a União pelos damnos soffridos com a sua de-
tenção, e pelo extravio de papeis de valor attribuido aos agentes
policiaes, o Sup. Tribunal julgou a acção improcedente: não
"porque os actos arguidos não obrigam á Fazenda Publica a
prestar ás pessoas suspeitas ou criminosas inãemnisação nas cir-
cumstanciaSf mas também porque, mesmo em peodos normaes,
ao Estado, por não ser pessoa natural, não lhe é imputável o
quasi-delicto, resultante da negligencia na fiscalisação de seus
funccionarios de sorte a responder {Ilimitadamente por seus actos
abusivos ".
152
152 Vide: S. T. F. n. 167 de 28 abril 1897. A doutrina do Accordam
citado nao pode ser admittida, como regra geral da matéria, sem o sacri-
fício da justiça em muitos casos. Aliás, das declarações dos votos vencidos
se vê, que nem todos os seus fundamentos foram acceitos pelos membros
do Tribunal, ainda que, por maioria de votos, a respectiva acção tivesse
sido julgada inprocedente, como foi.
— 567 —
b) Sobre outro caso idêntico de detenção durante o estado
de sitio, declarou o Sup. Tribunal em data posterior: que o poder
executivo pode, na vigência do estado de sitio, segundo o art. 80
da Const. Federal, deter e desterrar, respondendo as autori
dades que houverem ordenado taes medidas pelos abusos com-
mettidos; que o individuo (autor do pedido de indemnisação)
fora preso durante o estado de sitio, e o Governo, usando da
attribuição que lhe competia, não ficara obrigado a indemnisar
os prejuízos resultantes da prisão referida-, que, finalmente, o
Congresso Nacional, único competente para conhecer das me
didas decretadas pelo poder executivo dentro de suas attribui-
ções constitucionaes durante o estado de sitio, havia approvado
todos os actos praticados por este ultimo poder; e que, por taes
fundamentos, a acção era improcedente.
168
I
92.— Actos concernentes às rendas publicas. Às leis, regu-
lamentos, e outros actos relativos á creação, arrecadação e fis-
calisação das rendas publicas, não podem deixar de merecer
igualmente o maior*escrúpulo da parte do Judiciário, quando,
porventura, chamado a intervir no sentido de obstar a sua
applicão ou de annullar os seus effeitos, com ou sem o pedido
concomitante de indemnisação. Abolido, muito embora, o Con-
tencioso Administrativo, que decidia outr'ora todas as questões
pertencentes ás rendas publicas, a Administração Fazendaria
não pôde comtudo deixar de continuar a exercitar certas attri-
buições de caracter discricionário, sob pena de a sua acção tor-
nar-se, muitas vezes, inefficaz na gestão ou guarda dos dinheiros
públicos.
154
153 Vide : 8. T. P. n. 478 de 26 julho 1900.
1M
O Dee. n. 2807 de 31 de janeiro de 1898, que ora regula o The-
eouro Federal e mais Repartições da Fazenda Publica, convence, de que
realmente vigoram ainda na matéria certas disposições de natureza conten-
ciosa, certamente indispensáveis, embora não mais applicadas sob aquella
denominação.
— 568 —
Assim dizendo, não temos em mente, nem os casos de im-
postos ou taxas illegalmente arrecadadas, nem os de appreben-
são injusta de géneros e mercadorias a pretexto de contrabandos
e, menos ainda, a o-entrega de desitos feitos nas diversas
caixas do Estado. A interveão judiciaria, nestes casos e nou-
tros alogos, sempre teve logar entre nós, como simples dever
elementar de justiça. O contrario seria reconhecer ao Estado o
direito de apropriar-se irresponsavelmente da fortuna particular,
si assim lhe o aprouvesse. E mediante a interveão alludida,
que o individuo lesado tem, o raro, conseguido, o fazer
cessar a medida illegal ou vexatória do acto administrativo,
mas também a indemnisação consequente, isto é, a restituição
do que lhe fora indevidamente arrecadado ou tirado de seu
poder e posse. Neste sentido são, com effeito, numerosos
os julgamentos do Judiciário, annullatórios de actos, quer do
poder federal, quer do poder estadual (S. T. F. 6 março de 1897;
25 e 28 maio, 13 julho, 21 novembro de 1898; 2 maio, 26 julho
de 1899; 7 julho, 10 e 20 outubro, 10 novembro de 1900, etc,
etc), e dos quaes já se fez menção em outra parte.
165
92 a. Entre os actos da Administração Fazendaria, a
respeito dos quaes a intervenção judicial, ou o devia ter logar,
ou só deveria dar-se em casos especialíssimos de abuso ou vio-
lência manifesta, eso, principalmente, os que se referem ás
medidas assecuratorias, ás defiscalisão, e ás penas disciplina-
res impostas administrativamente aos funconaríos, exactores
ou guardas das rendas publicas.
166
Hie, p.513.— Como decisões anmúlatorias de impostos estadoaes,
sob o fundamento da sua inconstitucionalidade, são de ver, além de outras,
as seguintes: S. T. F.13 e 23 fevereiro, 2 março, 9 e 25 setembro de 1895;
23 maio, 9 dezembro de 1896; 28 maio e 18 julho de 1898; 7 junho e 29
julho de 1899, etc.
— 569 —
Mas, em uns casos, como nos da prohibição ãe entrada nas
repartições fiscaes, feita a determinados individuos que, pela sua
conducta, se tornaram suspeitos aos interesses da Fazenda, a
jurisprudência seguida tem sido: « que ê absolutamente vedado
a autoridade judiciaria apreciar o merecimento de actos admi-
nistrativos sob o ponto de vista da sua conveniência ou oppor-
tunidade, devendo examinar o somente a legalidade delles e
fundar-se em razões jurídicas; que,por isso mesmo, as medidas
administrativas tomadas em virtude de uma faculdade ou poder
discricionário escapam ao exame e fiscalisação do poder judi-
ciário, salvo o caso de incompetência ou excesso de poder por
parte da autoridade, administrativa (lei n. 221 de 1894, art. 13 e
§§) ».
156
Ao passo que, em outros casos, por sem duvida, de maior
gravidade contra os interesses da Fazenda Publica, como na
prisão administrativa dos seus responsáveis, o Judiciário nem
sempre tem mantido, com a mesma firmeza, a validade ou
applicação dos mesmos prinpios. Com effeito, sem embargo de
que a prisão administrativa dos responsáveis pelos dinheiros
públicos se acha autorisada por disposição especial expressa (lei
n. 221 de 1894, art. 14), o o raros os casos, nos quaes o Judi-
ciário intervindo, os tem mandado relaxar da prisão por meio
de habeas-corpus (S. T. F. 3 abril 1897; 21 janeiro, 2 fevereiro,
24 julho de 1899; etc, etc.)
1W
Ninguém ousa negar o direito, ou antes o dever, que cabe
á autoridade judiciaria de amparar a liberdade do individuo,
onde quer que esta soffra ou se ache seriamente ameaçada de
violência. Mas, tratando-se da espécie particular, a prisão
dos responsáveis pelos dinheiros públicos, muito importa
evitar que os seus defraudadores, em vez de serem sujeitos á
156
S. T. F. lo junho (na. 69, 70, 71) de 1895.
187
B* certo, que também em muitos outros casos o S. T. P. tem
negado o habeas-corpva, declarando não haver constrangimento illegal na
prisão administrativa dos responsáveis à Fazenda Publica.
B 570 —
punição da lei, vão gosar o fructo do crime, acobertados aliás
pela égide da própria justiça publica. Quem se dér ao trabalho
de examinar os differentes casos, em que indivíduos, presos por
motivo de alcances para com o Thesouro, tem, não obstante,
obtido habeas-corpus em seu favor, não podedeixar de conven-
cer-se, de que tem havido innegavelmente não pequena con-
descendência por parte dos tribunaes de justiça a semelhante
respeito...Em nossas palavras não vae o pensamento de levantar
uma censura; não podemos, todavia, deixar do relembrar o
grande interesse de ordem material e moral, que essa questão
envolve.
93.— Concessões e privilégios. Tendo feito menção do teor
da nossa jurisprudência (p. 526), relativamente á responsa-
bilidade civil do Estado pelos damnos resultantes da infracção
ou do não-cumprimento de obrigações contractuaes, resta-nos
agora considerar a matéria, debaixo do ponto de vista particular
dos direitos, que o poder publico se deve reservar nas conceses
feitas aos indivíduos ou a emprezas para a realisação de certos
melhoramentos ou serviços de interesse publico. B Como sabe-
se, a concessão tanto pôde ter por objecto uma autorisação
especial ou o reconhecimento de um direito para o exercício de
certos privilégios e regalias, a exploração de algum serviço
ou industria, o uso e goso de determinados favores ou
isenções, como ainda, a posse de bens do domínio do Estado,
usufruindo-os o cessiorio, ou tirando delles com-modos e
vantagens nas condições e limites estipulados.
Mas não seria preciso accrescentar desde logo, que as re-
galias ou privilégios concedidos pelos poderes públicos, quaes-
quer que sejam, se justificando em vista do bem publico que
deve provir da sua execução; é lógico, é consequente, que no
poder concedente permaneça ininterrupto o seu direito de
regular e fiscalisar o desempenho das obrigações, segundo as
— 571 —
quaes o concessionário obteve, e terá de gosar dos respectivos
privilégios.
Certo, uma vez feita legalmente a concessão, seja de bens
materiaes, seja de determinado privilegio para a exploração de
industrias ou para o goso de certas regalias e faculdades (a de
conferir gos académicos, por exemplo), semelhante concessão
deve ser respeitada e mantida pelo poder concedente, como um
direito adquirido pelo concessiorio; este ponto fica fora de
duvida. Mas o que o menos importa, ê definir, ou melhor
dizendo, circumscrever os limites e condições, essenciaes ao
exercício desse direito de natureza excepcional.
93 a. Admittindo que a concessão se torne, por assim
dizer, uma propriedade intanvel quanto â sua substancia, 6
manifesto, todavia, que o mesmo não se poderá jamais pre-
tender quanto aos modos funccionaes delia, isto é, quanto aos
meios da sua exploração. A menos que não se queira despir o
poder publico da sua qualidade institucional inherente de fiscal
constante do bem publico, elle o pôde deixar de conservar o
direito "nume et semper'' de regular a acção do concessionário,
toda vez que esta affecte aos interesses communs do Governo e
da Sociedade. Queremos dizer, ou se trate de concessão rela-
tiva á viação publica, ao commercio e á industria, ou de um
privilegio sobre estabelecimentos relativos á saúde publica, á
instrucção ou a qualquer outro objecto semelhante, a regra da
matéria não poderá ser, senão esta: desde que o poder publico
que a faz, tem sobretudo em vista a realisação de um bem ou
servo de interesse publico, e o o proveito pessoal do con-
cessionário; fica consequentemente subentendido, que o mesmo
poder não abdicara (nem podia fazei-o) jamais a sua attribuição
essencial de superintender os modos de execução do privilegio
concedido, a dizer, o direito de modificai-o, de corrigil-o, si
for mister, de accordo com as exigências do bem publico nas
— 572 —
circumstancias. Por outro lado, aquelle que solicita e obtém a con-
cessão de favores ou privilégios do poder publico; por certo tam-
bém não ignora, que este tem prerogativas ou attríbuições, das
quaes não lhe fora licito abrir mão, qualquer que seja, ou pareça
ser, a amplitude das regalias especificadas no titulo da concessão.
Ora, a prerogativa inherente ao poder publico, de regtãar a
acção dos indivíduos e das associações particulares em geral, no
que diz respeito á propriedade, ao exercício das profissões, ou á
exploração de quaesquer serviços industriaes, é cousa que
ninguém ousaria contestar, por ser, ao contrario, uma razão
cardeal, senão, o fim legitimo da instituição ou organisação do
próprio poder publico. Como, pois, duvidar da subsistência de
idêntica prerogativa com relação aos indivíduos ou associações
privilegiadas pelo dito poder ?
Os privilégios ou favores excepcionaes, concedidos a certos
indivíduos ou associações, são, por si mesmos, restricções
impostas aos direitos communs dos demais indivíduos e asso-
ciações; e esta razão basta, para não exaggeral-os no seu
alcance e effeitos. Pelo contrario, na sua interpretação se deverá
não esquecer a applicação destas duas regras: 1) o concessio-
nário não pôde pretender favor maior, do que o declarado ex-
pressamente no acto da concessão; 2) o mesmo não poderá ja-
mais obstar a intervenção do poder concedente, senão, naqaillo,
e aonde, este se haja obrigado efectivamente a não intervir.
Donde, sem outras razões ou argumentos, é licito concluir, que,
si o poder concedente de um privilegio não se tiver obrigado,
por clausula expressa, a abster-se de taes e taes actos,
concernentes aos modos da sua execução ou exploração; é in-
discutível, que o mesmo se reservou inteira competência a esse
respeito, isto é,— competência para modificar as regras da sua
execução, senão quanto á substancia do privilegio, certamente
em tudo que se referir aos meios práticos de uma melhor fiscali-
saçao em vista do bem publico, que deve ser realisado. E si dahi
— 573 —
resultarem novos encargos para o concessionário, este deverá
satisfazel-os, como obrigações suas, implicitamente contrahidas,
legitimas e consequentes do próprio privilegio, de que se acha
investido, sem que lhe possa aproveitar a allegação, de que se
trata de uma infracção contractual por parte do concedente.
93 b. —Entretanto, para guardar a devida justiça neste
ponto, cumprirá attender juntamente á uma distincção da má-
xima importância: a concessão se de fundar em um contracto,
propriamente dito, ou em outro acto differente de discrição admi-
nistrativa. Quando a concessão assenta num contracto, este se
torna a lei entre o poder publico concedente e o concessionário,
do mesmo modo, que se fosse celebrado entre dois indivíduos
particulares, a dizer, as estipulações, clausulas e condições,
constantes do instrumento, ficam sendo a regra e a medida dos
direitos dos contractantes, salvas o somente as restricções
implícitas, inherentes á qualidade essencial do poder publico.
Este, que seja previdente em resalvar no contracto as fa-
culdades que se reserva, relativamente aos favores concedidos;
porquanto, uma vez perfeito e acabado o acto jurídico, é deste
que devem decorrer os direitos e os seus efíeitos consequentes,
tanto para o poder concedente, como para o concessionário.
Quando a concessão, porém, assenta, não em contracto,
mas em outro acto publico (decreto, despacho, etc), isto é, em
um acto discricionário da administração publica» diverso é o
principio que deve reger a matéria: em regra, se subentende,
•que o poder concedente se reserva o pleno direito de alterar ou
modificar os modos e condões funccionaes da respectiva con-
cessão, desde que o interesse publico assim o reclame.
Ha mesmo quem sustente, que todas as concessões,dessa
natureza, quaesquer que sejam, são sempre feitas ã titulo pre-
cário, e por conseguinte, essencialmente revogáveis.
108
158
Hauriou, Droit Admin., ns. 300 e 306.
— 574 —
Supponha-se, por exemplo, qne se trata do privilegio para a
fundação de uma faculdade de direito ou medicina, equipa-\ rada
aos institutos officiaes da mesma espécie. Para que semelhante
faculdade possa funccionar e conferir diplomas com os direitos
concernentes, o poder publico modelou-a por um typo legal
existente: o das faculdades officiaes.
Amanhã, porém, o mesmo poder altera o typo destas, por
parecer-lhe que as matérias do curso ou o metliodo adoptado
não correspondem ao estado actual da sciencia... Pergunta-se:
cabe, ou não, ao mesmo poder o direito de impor o novo typo,
ora preferido, á faculdade concessionaria, que se fundou e func-
ciona de accordo com as clausulas primitivas da sua concessão ?
Certamente. O poder publico não lhe veda o goso de seu
privilegio na sua continuação, na sua substancia; apenas, o que
exige é, que ella se conforme aos novos moldes, segundo os
quaes o ensino medico ou jurídico deve ser ministrado, em bem
da sciencia e do interesse publico.
Si assim não fora, o resultado seria um enorme absurdo :
indivíduos diplomados em medicina e direito, com instrucção e
preparo académico differentes em quantidade e qualidade, mas,
não obstante, todos elles gosando de idênticas vantagens e re-
galias aos olhos da lei e do poder publico !
Não pôde ser. Na concessão de favores, que o poder pu-
blico faz discricionariamente, elle não fica sujeito ás clausulas
de um verdadeiro contracto (executed contract, como dizem os
juristas americanos), mas confere apenas um beneficio sob a con-
dição subentendida, senão, ás vezes expressa, de que os modos
da sua exploração ou goso serão alteráveis, conforme as exigên-
cias do bem da collectividade, em vista do qual foram, preci-
samente, concedidos os favores em questão. Ou, usando da lin-
guagem de novel professor as concessões de direitos de poder
publico, quaesquer que sejam, não dão jamais ao concessionário
o próprio direito, mas, tão somente, o exercício do direito, isto é,
— 575 —
uma posse precária». Conseguintemente, as condições modaes,
inseridas no instrumento da concessão, não tem o caracter de
perpetuidade; constituem o modelo da occasião de accordo com
a lei existente. Alterada esta, o novo modelo prescripto passa a|
ser a regra obrigatória, que a instituição concessionaria fica su-
jeita a adoptar, e sob os novos meios de fiscalisação que porven-
tura pareçam também de melhor efficaeia.
93 c.—As regras ou princípios, que vimos de expor, são
os que prevalecem na jurispruncia Norte-Americana, circum-1
stancia, que não pôde deixar de merecer preponderância entre
nós, visto termos transplantado dalli as normas do direito pu-
blico, que ora vigora em nosso paiz.
Na Republica Norte-Americana a controrsia appareceu, e
se tem mantido principalmente em torno do dispositivo do § 1
do art. I
o
da Constituição Federal, que veda expressamente a
adoão de lei, invalidando obrigações contractuaes. «-ZVb State
shall pass... law impairing the obligation of contraets. » S
Conhecidos os frequentes abusos das legislaturas estadoaes
intervindo por leis de occasião para desfazer direitos das asso-
ciações e dos individuos, adquiridos em virtude de obrigações, |
legitimamente contrahidas; os tribunaes de justiça se mostra-
ram, ao principio, inteiramente liberaes na applicação do texto
prohibitivo da Constituição, acima citado.
Tornou-se mesmo assaz celebre, como doutrina corrente,
a decisão da Corte Suprema, proferida em 1819 no caso Dart-
mouth College v. Woodward, na qual ficaram assentados os se-
guintes pontos: 1) que uma carta-patente (charter), desde que o
concessionario entra na posse dos direitos constantes delia»
constitue verdadeiro contracto entre o dito concessionário e o-
poder concedente; 2) que não é licito ao mesmo poder revogar
ou alterar o privilegio concedido pela referida forma.
1B9
, lei Thayer, Cases on Cmstiiutvonal Law, vol. II, p. 1664 seg.
— 576 —
Mas, referindo-se á esta decio, o Juiz Miller declarara, que
a mesma causou ao paiz uma grande sorpreza; porque, segundo
os seus termos, uma vez concedidos e aceitos certos direitos por
uma corporação, isso importava em verdadeiro contracto, o qual
0 Estado concedente o podia mais annullar!
160
A doutrina
do caso Darttnouth College fora, não obstante, mantida por va
rias decisões posteriores.
1 Reconhecido, pom, que uma interpretação lata dessa
doutrina seria, o contraria ás prerogativas fundamentaes
do poder publico, como ainda prejudicialissima aos interesses
communs da sociedade em geral, a obra da reacção judica
comou a accentuar-se, de dia em dia, no sentido defirmar-se
theoria mais salutar, reguladora deo importante matéria.
160
Miller, The Const. of the United-States,?.557,
I *La concession est un actepurement discrétionnaire,par lequel Vadmi-
nistration confere á une personne déterminée un droit qui est eé par cette
mesure administrative. La coneession diffère en plusieurs points de la simples
autorisation; celle-ci implique ordinairement, de la part de célui qui 1'obtient,
Vexistence antérieure d'un droit dont I/EXERCICE seulement eto.it subordonné â
une permission administrative, tandisque la concession donne naissance au droit
dont auparavant celui qui en devient titulaire n'avait même pas h germe. Quand
Vautorisation ri est pas la consécration d'un droit préalable, elle ri est qriune
simple tolerance et, par conséquent, vocable AD NUTUM., tandisque la
concession confere des droits et ri est révocable que dans certains cos et pour
certaines causes. » Laferriére, Cours de droit public et administratif. Paris
1860.
' — Batbie se exprime em termos quasi idênticos; ajuntando, porém, a
advertência, de que muitas vezes a lei emprega os alludidos vocábulos
autorisação e concessão, um pelo outro. « La concession est un acte, par lequel
1'administration subroge ses droits á un particulier ou une compagnie. Cest une
mesure discrétionnaire qui riimplique aucun droit préexistant de la part du
bénéficiaire, et qui est la source première des actions acquises & ce dernier. Elle
se distingue de la permission ou AUTORISATIOK en ce qrielle confere au
concessionaire des droits, qui ne peuvent pas lui être enleve arbitraire-1 ment
sons indemnité, tandisque généralement les permissions sont révocable» AD
NUTUM. Quelquefois cependant la loi emploie ces mots Tun pour Vautre. »
Batbie, Precis du droit public et admin.— Pariz, 1885.
— 577 -
De um lado, os Estados, para garantir-se contra a inter-
venção, porventura indébita dos tribunaes judiciários, adopta-
ram, como systema, inserir, nas próprias Constituições ou nas
leis, disposições expressas contendo— « que toda concessão ou
privilegio, qualquer que seja, fica sujeito as modificações, ou
emendas convenientes, ou mesmo ã revogação, a juizo do Poder
Legislativo; de outro lado, os tribunaes judiciários, por sua
vez, procuraram dar aos princípios, consagrados no caso
Dartmmih, uma applicação mais restricta, limitando a protec-
ção dos privilégios, pela justiça, aos seus direitos essenciaes,
isto é, á substancia dos direitos adquiridos (vested rights) pelo
concessionário, conforme âs clausulas expressas do instrumento
que os conferira, eliminada, porém, toda interpretação exten-
siva em favor dos mesmos.
E para bem assegurar o império desta doutrina, se tem
agora, como regra da matéria, que nem toda concessão im-
porta uma obrigação contractual: é mister, antes de tudo, que
ella verse sobre cousa susceptível de ser adquirida, como
propriedade, pelo beneficiário. Tratando-se de concessão de
natureza diversa, o Estado não fica obrigado a respeital-a de
modo intangível, reservando-se, ao contrario, o seu direito de
intervir para melhor regularisal-a, segundo as exigências
occnrrentes do interesse publico. Por exemplo, «quando o Es-
tado concede, que haja uma estrada de ferro ou um ma-
tadouro de gado em determinado districto, a concessão não
importa em um contracto, a dizer, em uma obrigação irrevo-
gável».
161
E' a applicação e o desenvolvimento desta concepção
jurídica, que tem prevalecido nas decisões da jurisprudência
americana, desde mais de meio século.
Hare, American Gonst. Lato, 1.1, p. 606-607; Thayer, Cases, p.1580,
nota.
37 R. C
— 578 —
93 d.—Num dos casos mais debatidos, sobre a concessão de
uma ponte (Charles Biver Bridge v. Warren Bridge, 1837), depois
de encarada e discutida a espécie por todas as suas faces, foram
consideradas pela Corte Suprema, como razões de decidir, as se-
guintes : « Que o objecto e fim de todo o governo é promover a fe-
licidade e prosperidade da communhão social, razão, pela qual é
o mesmo estabelecido, não podendo jamais admittir-se, que o go-
verno tenha em mente diminuir esse seu poder de cumprir o fim,
para que fora creado... Que, quando uma associação allega que o
Estado abriu mão de semelhante poder (has surrendered), cabe á
communhão insistir (são palavras da decisão) "que um tal aban-
dono de poder não é presumível... salvo o propósito deliberado
expresso do Estado de assim fazel-o...— Que a existência do
governo não seria de grande valor, si, por inferências ou pre-
sumpções, fosse o mesmo desarmado dos poderes necessários ao
preenchimento dos fins da sua creação, sendo as suas funcções
próprias transferidas para as mãos de associações privilegiadas.
.. Que em virtude das carta-patentes (charters) nenhuns direitos
são tirados ao público, ou dados â associação, além daquelles que
as palavras da carta-patente, em sua intelligencia natural e
própria, lhes devam conferir.» E á vista do que, apezar de
tratar-se, na espécie, de uma concessão fundada em carta-
patente, a Corte Suprema deixou de consideral-a, como con-
tracto, propriamente dito, sendo, portanto, a interferência pos-
terior do poder publico, legitima e incontestável.
162
De data
mais recente, nenhum outro exemplo se poderia citar para
illustrar o assumpto de maneira mais profícua, do que os
chamados Sinking-fund-cases, grande demanda sustentada pela
"Union Pacific Bailroad Company v. United States, e a Central
Pacific Bailroad Company v. Gallatin'' contra uma lei federal,
impondo-lhe a obrigação nova de um fundo de amor-
ws Thayer, ob. cit-, p.,1636. I
*
— 579
tização, não cogitado no instrumento originário da respectiva
concessão.
Na exposição da matéria, feita segando o pensamento da
Corte Suprema, disse o JuizWaite Não ha duvida, que o poder
do Congresso, para alterar ou revogar, tem limites. Todos sabemos
que elle o de ser usado para rehaver a propriedade adqui-
rida em virtude da carta-patente, nem para privar a associação
dos rendimentos que tem em virtude de contractos legalmente
feitos; mas, como se decidiu no caso MUler v. The State, esse
poder pôde ser exercido, e quasi sem limites (to almost any
extent) no intuito de fazer realizar os fins origirios da con-
cessão, ou para assegurar a devida administração de seus ne-
gócios, e bem assim para proteger os direitos dos accionistas e
credores, etc... De novo, no caso HolyoJce Company v. Lyman,
se affirmou esse poder para proteger os direitos do publico, etc...
No caso Tomlinson v. Jessup a Corte fora ainda mais explicita,
dizendo: A reserva (de poder) affecta iodas as relações entre o
Estado e a associação, e colloca sob a físcalisão legislativa
(under legislative control) todos os direitos, privigios e immuni-
âades, derivados do Estado em virtude da sua carta-patente.
Finalmente, em Railroad Company v. Maine, se repete: O
Estado se reserva o poder de alterar a carta-patente em todos os
particulares constitutivos da concessão feita por elle, inclusive
os direitos incorporados, privilégios e immunidades.. . Em
Schields v. Ohio, também se disse quanto â limitação do poder:
As alterações devem ser razoáveis ; devem ser feitas de boa ,
e consistentes com o objecto e fins da associação. Não se deve
admittir a oppressão e injustiça manifesta, sob o pretexto de
alterações ou emendas.. E amparando-se nos julgados
alludidos, concluirá o Juiz Waite: « Pensamos poder dizer com
seguraa que, quaesquer que sejam as regras que o Congresso
possa ter dado na carta-patente originaria da associação, quanto
ao governo desta, elle conserva sempre o poder de fazer-lhe modi-
— 580 —
ficações posteriores (to stablish by amenãments). Não poderá an-]
malar o que tiver sido feito, ou desfazer os contractos existentes;
mas poderá providenciar sobre o que se deva fazer para o futuro
r
j
e poderá dispor sobre o que convenha fazer com relação â boca
execução dos referidos contractos.*
Mão seria preciso accrescentar, que, em consequência, foi
0 acto do Congresso mantido pela decio da Corte Suprema,
não obstante importar elle uma obrigação nova ou encargo maior
para a associação concessionaria.
168
Com essa doutrina das decies judiciarias, confere
igualmente a lição dos jurisconsultos mais notáveis do paiz.
m Cooley ensina que uma carta-patente (a charter) deve ser
considerada como concedida sob a condição, de que a associa
ção fica sujeita aos regulamentos precisos, e a dirigir os se
actos conforme ao que r prescripto pela Legislatura,— desde
que as novas prescripções o impeçam o goso material do pri
vilegio, e sirvam somente para assegurar os fins, para os quaes
a associação foi organisada. O limite do poder publico a respeito-
é substancialmente este: "os regulamentos se devem referir ao-
conforto, segurança e bem-estar da sociedade..."
16á
Em uma pa
lavra, devem affectar ao exercício ou ao modo de explorar o pri
vilegio, e não â substancia do mesmo ».
1 O professor C. Black ensina igualmente, que o dono de
um privilegio ou conceso fica sujeito, no uso de sua propri
edade e no goso do privilegio, ás leis e instrucções convenien
tes, ainda que o respectivo valor do privilegio soffra com isso e
a sua feição exclusiva seja mesmo infringida.
105
Em resumo, tal é a doutrina e a jurisprudência ameri
cana acerca das faculdades, que o poder concedente se reserva,.
lés Thayer, ob. cit,, p. 1698 sg. .
184 Cooley, Principies of Const. Zaw, p. 822-28.
165
Black, ob. cit., p. 628 sg.
,581
com relão aos direitos adquiridos pelo concessionário; e os
princípios, em que essa jurisprudência se apoia, merecem, sem
duvida, ser consagrados nos arestos da nossa jurisprudência.
Certo, não é possível admittir que o poder publico (le-
gislativo ou executivo) fique por tal modo destituído de acção
relativamente aos direitos do titular de uma concessão, que,
dado qualquer acto incidente modificativo da mesma, embora de
interesse publico, recaia sobre o Estado,por isto, a obrigação -
de responder judicialmente, isto é, de prestar uma indemnisão
pecunria, como tantas vezes tem succedido, por força de sen-
tenças dos nossos tribunaes. Não é de razão, nem de justiça.
A intervenção judiciaria nas espécies desta natureza não
pôde deixar de ser a mais reflectida e cautelosa em attender
áquelles que, cumulados de favores e privigios pela munifi-
cência do poder publico, pretendam ainda tirar, desses mesmos
favores e privilégios, razões e motivos apparentes para enri-
quecer à custa do Thesouro Publico,—sem terem, quasi sempre,
cumprido da sua parte as obrigões ou encargos tomados, como
•condição de validade efectiva da própria concessão obtida...
Os privilégios, não se ignora, caem todos sob a sancção conhe-
cida do direito romano: QUCB propter necessitatem recepta sunt
non debent in argumentum trahi (Dig. 1. 50, tit. 17,162). QUCB
a jure communi exorbitará, nequaquani aã consequentiam sunt
trahenãa—{<s. 28 de R. J. in 6to 5, 12).
166
93 e.—Sobre a matéria de concessões do poder publico,
ha ainda um incidente importantíssimo, que convém elucidar
no momento.
E' principio fundamental do direito administrativo, geral-
mente consagrado nos diversos códices,—que, muito embora o
180
E' também de ver: Oooley, Constituitonal Limitations, p. 708 sg.
— 582 —
Governo acceite o papel áo parte nos contractos (de concessão de
privigios, de construcção de estradas de ferro, de portos, etc)>
que faz com os particulares, não se despe por isto das suas func-
Ções próprias, ou melhor dizendo, da sua qualidade áe fiscal con-
stante dos interesses blicos. E é a razão, porque o mesmo,
o obstante ser uma parte contractante, continua a despachar
ou decidir as queses concernentes ou as reclamações da outra
parte contractante, a expedir instrucções, á regular os servi-
ços, e até ã impor certas penas, desde que semelhantes actos
se tornem precisos â boa execução do respectivo contracto.
Quem contracta com Governo ou poder publico sabe de ante-
mão, que isso assim é, e assim o pode deixar de ser; o trata
com uma parte, de igual a igual, na inteira accepção destes-
termos; ainda que, em virtude do contracto, tanto o Governo,
como o individuo particular, tenham assumido obrigações bila-
teraes reciprocas aos olhos do direito. Por certo que ha um li-
mite posto á essa qualidade superior da parte-Governo: este o
pode, pela sua vontade exclusiva, alterar a natureza, espécie ou
substancia das obrigações tomadas; o pode igualmente impor
ao outro contractante novos encargos e condões, que se não
achem, explicita ou implicitamente, previstas nas clausulas do
contracto; e si o fizer, commette uma violação das obriga-
ções contractuaes, e pela qual terá de responder, como qualquer
individuo, segundo ás regras do direito commum.
Toda vez, pom, que no contracto haja clausulas expres-
sas, reconhecendo ao Governo o uso ou o exercício de taes e
taes faculdades, mesmo de manifesta desigualdade relativamente
ao outro contractante, é, sem duvida, direito do Governo resol-
ver e agir de accordo com as mesmas, independentemente de
qualquer intervenção extranha.
Por exemplo (já o dissemos em outro logar) é de regra,
estipular nos contractos com o Governo a clausula expressa, de
que o mesmo pode resilir ou declarar caduco o contracto na
— 583 —
hypothese de o outro contractante incidir em determinadas fal-
tas, tamm especificadas no instrumento do contracto. Trata-se,
como se vê, da figura de direito, que os autores denominam
"condição resolutoria expressa", cujo effeito ê extinguir o pró-
prio vinculo contractual, como si jamais houvera existido.
167
« A clausula ou condição resolrdiva, diz Laurent, é aquella
que, quando se realiza, opera a resolução da obrigação{Droit
Civ.Français, vol.XVH, p. 128; Códice Civ.Italiano, art. 1158;
Code Napoléon, art. 1183; Cod. Civ. Argentino, art, 1100). I «
Diz-se condição resolutiva aquella, cujo acontecimento resolve
ou extingue o direito adquirido ou a obrigação contrahida.»
(Loureiro, Inst. do Dir. Civ. Br. t. I, § 650 ; T. de Freitas,
Consol. das leis civis, nota 4
a
ao art. 512, da 3* edição).
« Ella pode ser EXPRESSA em quaesquer contractos, porque
às partes é licito estipular o que não for contrario às leis; mas,
quando a mesma o vem expressa, é sempre subentendida nos
contractos synallagmaticos para o caso, em que um dos contra-
ctantes deixe de satisfazer a sua obrigação. » (Laurent, loc.
Icit., pag. 136; dice Civ. Italiano, art. 1165; Code Napolêon,
cit. art. 1184, etc.)
Muito importa não confundir a condão resolutiva expressa
com a tacita ou subentendida, quanto aos respectivos effeitos.
A primeira, quando existe, opera de pleno direito; a segunda
não, sendo necessário pedir a resolução do contracto à autori-
dade judiciaria: "Lorsque la condition résolutoire consiste dans
167
O Proj. do Cod. Civil Brasileiro (ora no Senado) contém: « Se
depender de condição resolutiva, emquanto esta se nfto realisar, a efficacia
do acto jurídico se manterá e o direito, que este estabelecer, poderá se
r
desde logo exercido; mas, verificada a condição, extingue-se o direito para
o fim de voltar ao seu antigo estado. Paragrapho único. A condição re-
solutiva da obrigação pode ser expressa ou tacita; operando de pleno
direito no primeiro caso, e, por interpellaçao judicial no segundo (art. 124
do Proj. citado).
**
— 584 —
un évênement futur et incertain, la résolution est operée de plein
droit dn moment Vévénement est arrivé, sans qu'il soit ne-cessaire
ãe la faire prononcer par le juge" (Rogron, Coãe Civile Explique, ao
art. 1183).— La condition rêsolutoire, dont nous nous occupons,
s'appélle "expresse", parce qu'elle est stipulée par les parties
contractantes. Ce qui la caractérise et la ãistingue ãe la condition
rêsolutoire tacite... c'est qu'elle opere ãe plein ãroit. (Laurent, Droit
Civil JFranc, p. 129).
168
les jja condição resolutoria fica o contracto, desde logo, em execução
com todas as suas consequências, como si a obrigação fosse pura... Verifi-
cada, porém, a condão, o contracto « resolve-se », como diziam as leis ro-
manas, ou se desfaz, como diz o Código, e as cousas voltam ao estado em
que se achavam antes de se celebrar o contracto; é como se o contracto não
houvera existido (J. Dias Ferreira, digo Civil Port. annot, art. 680).
I II y a deux sortes de conditions résolutoires; celles qui opérent de
plein droit la solution envisagóe, et celles qui n'opérent cette solution
que par sentence du juge... Quand la condition solutoire expresse s'ac-
coraplit, elle opere de plein droit, sans qu'il soit besoin de recourir à la
justice.Theophile Huc, Comm. Theorique et Pratique du Code Civil, t. VII,
pag. 351.
II La condizione resolutiva veriflcata estingue TOSTO ED IPSO JURE il
contratto, insième con le obbligazioni che ne derivavano. Giorgio Giorgi,
Teoria áelle Obbligazioni, vol. IV, pag. 425.
1
Este ultimo autor, depois de analysar as diversas modalidades da ma-
téria e de provar que no direito romano só fora conhecida a oondição reso-
lutoria expressa (lex commissoria) e não tamm a tacita, como querem
outros, accentuára juntam ente, que esta segunda condição differe da primeira
em quatro cousas: I
a
) la resoluzione dei contratto non aw-iene IPSO JORE, ma
per dichiarizione dei giudice ; 2') la parte, verso cai non è stato e seguito
il contratto, ha la soelta di pretendere 1'adempimento o di chièdere la riso-
luzione coi danni e interessi; 3
a
) la risoluzione deve ossere domandata ai
tribunale ; 4
a
) il tribunale, oltre a refutaria assolutamente, p concedere
ai convenuto inadempiente un termine per eseguire il contratto. A' diffe-
renza delia condizione resolutiva vera e própria, il patto sottintteso... non
opera mai DI DIRITTO, nè rimette IPSO FACTO le cose nello stato antecedente
ai contratto...—Ob. cit. p. 213.
Bn sant que la condition rêsolutoire stipue dans un contract
opere la révogation de 1'obligation, le Cod. CIv. indique qu'il y a, au mo-
ment de 1'accomplissement de cette condition, un droit acquis en faveur du
I— 585
Entende Van Wetter, que o effeito da condição resolutiva
resulta da própria vontade das partes, as quaes quizeram que,
realizada certa condição, o contracto se tornasse nenhum (an-
nêanii), que fosse reputado lettra morta, ut res inempta esset,
na expressão enérgica dos jurisconsultos romanos; sendo tal a
força da resolução ou da condição resolutiva, segundo esse di-
reito, que não fazia reverter ao tradens a propriedade da
cousa pleno jure, mas ainda se considerava, como si ella o
houvesse jamais sahido do seu dominio (loc. cit. p. 309).
De certo, si a condição resolutiva expressa opera ipso
jure, é porque ella, sendo a vontade dos contractantes, deve,
por isso mesmo, obrigal-os; ao passo que, na condão resolutiva
tacita ou subentendida, a cousa é differente. Desde que no
contracto não vêm expressa semelhante vontade, seria con
tra os principios de boa razão e justiça, que uma das partes se
arrogasse o arbítrio, não só para pronunciar sobre o facto con
stitutivo da resolução do contracto, mas ainda para decidir,—
sobre a procedência das suas razões, sobre o momento preciso
da resolução, e sobre os effeitos desta decorrentes. 9
Occupando-se ainda deste ponto em particular, dissera
Laurent: « Qu'elle est la raison de la différence? Le motifpour
leguei la condition solutoire expresse opere de plein droit ne
roit pas dJapplicatibn & la condition solutoire tacite. Si la
condition résolutoire stipulée par les parties opere de plein droit,
« óest que telle est leur volontè,» et leur vólontient lieu de loi.
stipulant sans qu'il soit besoin de recourir aux tribunaux (C. App, de Bru-I
xelles 11 fev. 1820, 5 juillet 1826; C. App. de Liége 6 setember 1825;
C. App. de Gand 4 juin 1833 ; ap. Gérard, Code Civil explique par la Juris-
prudence, art. 1184).
Si la condition résolutoire se réalise, le contrat principal est ré-
solu avec effet rétroactif; il est censé n'avoir jamais été conclu: les par-
ties doivent etre rétablies dans 1'état lequel elles se seraient trouvées, si
elles n'avaient pas contracté. {De lege commissoria, D. 18, 3,1, 5; apud P.
Van Wetter, Les Obliyations en droit romain, t. H, p. 202).
586 —
La condition rêsolutoire tacite est sous-entendue par le législa-
teur, elle se fonde sur des considerations d'equité, plutôt que sur
des motifs de droit; or Vequi qui la justifie ri est pas une cause
absolue de rêvocation, ce sont les circonstances que justifient la
solution; mais ces circonstances peuvent être telles, que la rêso-
lution ne doive pas être prononcée... Voipour quoi le juge doit
intervenir pour aprécier les fajts. » (Droit Civ. Franc., t. cit. p.
146).
169
fl 93 f. No entanto, a despeito da firmidão inconcussa do
principio, "que os contractantes podem ajuntar aos seus con-
tractos as condições ou clausulas que bem lhes pareçam, e estas
clausulas ou condições formarão parte integrante dos mesmos
contractos" (Cod. Civ. Port. art. 672), isto é, que toda clausula
contractual, não sendo proliibida em direito, constitue lei entre
as partes contractantes, «pacta vestra leges vestrte»; é facto, que
os tribunaes do paiz tem entendido de modo diverso, recusando
ao Governo o direito de declarar a caducidade ou rescisão dos
contractos, em que é parte, declarando-o, pelo contrario, obrigado
a recorrer á autoridade judiciaria em toda e qualquer hypothese
de rescisão.
17
° Pretende-se que, usando de semelhante
faculdade, o Governo, alem de fazer de juiz e
169
Com relação â doutrina e jurisprudência que vimos de affirmar,
se pode ainda ver: Giorgi, Ob. cit., p. 218 e notas ibi.; Larombière,
Theorie et Pratique des Obligations, t. III, p. 37 e 38; Dalloz, Dicition. de
Jurisprudence, verboCondition, § 7°; Lawrent, Loc. cit., p. 157 a 159;
Toulier, Theorie du Code Napoléon, t. VI, p. 554; Delvincourt, Cours do
droit civil, t. II, p. 133 e 487; Gallavresi, La Condizione Risolutiva sottin-
tesa, p. 38; Cattaneo, Códice Civile Italiano, t. III, p. 858-9; L. Borsari,
Comm. dei Códice Civile Italiano, vol.III, p. 395.
170
Alem das decisões, que já foram citadas, ó de ver: Acc, do Sup.
T. Federal, n. 666 de 30 novembro 1901, que confirmou uma sentença, pela
qual se negara ao Governo de um Estado o direito de declarar caduco o
contracto, em que era parte, não obstante haver nelle clausula expressa,
que assim o autorisava nas ciroumstancias previstas.
— 587 —
parte ao mesmo tempo, exercitaria um acto de jurisdicção con-
tenciosa administrativa, 'cousa, que não existe mais em nossa
legislação...
Esta razão de decidir nos parece manifestamente inadmis-
sível. Porquanto o Governo, expedindo o acto que declara res-
cindido o contracto, ex-vi de clausula nelle expressa com esta
força e efteito, nada mais faz, do que agir, como parte no con-
tracto, do mesmo modo, que poderia fazer o outro contractante,
si a declaração da rescisão ou caducidade estivesse estipulada
em seu proveito.
O Estado, muito embora sujeito às disposições do direito
civil nas suas relações contractuaes, não fica, por este facto,
privado de exercer faculdades, que os próprios particulares po-
dem ter ou exercitar entre si sob a sancção do referido direito.
Não isto: fallando em geral, a entidade-Estado, mesmo
nas relações contractuaes, não se de despir totalmente da sua
qualidade de poder publico, como acima se disse, e muito menos
seria admissível a idéa de considerai-o incapaz de fazer effectivo
o próprio direito, expresso nas clausulas do contracto, aliás em
casos, nos quaes o próprio individuo particular poderia fazei-o
contra o Estado!.. .
171
E' livre, inteiramente livre, ao outro contractante accei-
tar, ou não, a concessão ou contracto, em que haja a condição
ou clausula resólutiva em favor do Estado; mas, uma vez esti-
pulada e acceita de modo expresso, ella torna-se lei, á cujas con-
sequências o mesmo contractante fica necessariamente obrigado.
Assim como o concessiorio ou contractante pode invocar
as demais clausulas do contracto ou concessão para exigir do
Estado a efectividade de todos os direitos e vantagens, que se
acham consignadas em sen favor; assim tamm, fica elle
171
Vide: Hic, p. 570 sg.
— 588
sujeito â sancçâo ou penas, igualmente estipuladas, dando-se
porventura a infraão das obrigações, que livremente con-
tratura.
O predomínio da theoria do individuo contra o Estado
não é menos prejudicial, do que o da tbeoria do Estado omni\
potente: si desta pode resultar a absorpção dos direitos indivi-
duaes; por aquella ficarão impossibilitadas as garantias reaes
da ordem e do bem publico.— In médio consistit virtus.
E exprimindo-nos desta sorte, nutrimos a convicção de
defender os interesses da justa, do mesmo modo e com igual
convicção, com a qual em outras partes deste trabalho procurá
mos sustental-os, affirmando o principio da responsabilidade
civil do Estado na leo dos direitos individuaes por actos dos
seus representantes. feâ*
M Agora, para melhor completar as nossas considerações
sobre a maria da interveão judiciaria, não devemos encerrar
o presente capitulo, sem fazer também ligeira referencia aos re-
médios processuais, a que o individuo poderá recorrer contra os
actos lesivos da Administração Publica.
§ 4.° FORMAS DA INTERVENÇÃO JUDICIARIA
94. ACÇÕES ADMITTIDAS EM DIREITO. Quando um indi-
viduo, lesado nos seus direitos individuaes por acto ou facto de
um funccionario publico, não preferir levar a sua reclamação
ou pedido de reparão perante a própria autoridade adminis-
trativa competente, ou quando se não conformar com a decisão
da mesma a esse respeito, poderá propor livremente a sua acção
judicial contra o funccionario, contra o Estado, ou contra um e
outro juntamente, do mesmo modo, que si a lesão lhe fosse feita
por um outro individuo particular. Tal é felizmente a lei do
paiz.
— 589 —
Si o objecto do litigio fôr somente a reclamação por perdas
e damnos, a aão competente é a ordinária, a qual, como sabe-se,
é o meio processual consagrado para todos os casos, em que a
lei não haja assignalado uma acção especial (Dec* n. 737 de
1850, art. 65; Dec. n. 848 de 11 out. 1890, art. 117). Si o
lesado, porém, tiver em vista conseguir, antes de tudo, a
annullão do acto lesivo, a aão competente é a do processo es-
pecial, estabelecido e regulado no art. 13 da lei n. 221 de 20 de
novembro de 1894. Mas, quer numa, quer noutra das hypotheses,
o juiz ou tribunal teindiscuvel competência, o , para co-
nhecer e julgar da validade da lei, regulamento, ou outro acto
administrativo, de que provenha a lesão do direito individual,
como também, para assegurar o mesmo direito, conforme ã rao
e a justiça da causa.
—Quanto â acção especial da lei n. 221 importa observar:
nella se declara que a acção poderá ser desprezada in limine, si
houver decorrido um anno da data da intimação ou publicação
da medida que for objecto do pleito (art. 13, § 5
o
) ; mas, desta
disposição não resulta por forma alguma, que, decorrido esse
prazo, o direito do individuo lesado fica ipso facto prescripto.
Certo, que não. O que a parte interessada perde, na hypothese,
é apenas a faculdade de usar da acção summaria estabelecida
na referida lei-, quanto, porém, ao seu direito, objecto do pleito,
este subsiste do mesmo modo; podendo, portanto, ser allegado
e assegurado em juizo por meio de acção ordinária. Neste sen*
tido se acha, com effeito, firmada a jurisprudência por deci
es diversas do Supremo Tribunal Federal.
178
B
Talvez convenha também dizer, que, na falta de dis-
posição particular de lei em contrario, a prescripção do direito
178
O S. T. F. assim tem decidido, alem de outros, nos seguintes Ac-
cordaos -. de 3 e 20 outubro, 10 novembro 1900; 23 abril, 19 junho, 18
setembro e 27 novembro 1901 ; 14 maio, 21 junho e 16 agosto 1902; 30
maio, 1 agosto, 5 setembro e 13 novembro 1903; 5 outubro 1904, eto.
— 590 —
do individuo, lesado por um acto administrativo, é a trintenaria
do direito commum.
178
Outra questão que se tem levantado a propósito da acção
creada pela lei n. 221 é a de saber, si se pôde cumular o pe-
dido da annullação do acto, objecto fundamental da acção refe-
rida, com o de indemnisação por perdas e dam nos. Sem duvida,
diremos da nossa parte. A indemnisação é uma simples sequen-
cia gica da annullação do acto administrativo, que lesara o
direito individual. Nem d'outro modo se daria inteiro cumpri-
mento ao disposto no art. 13 § 9
o
da lei, onde se declara expres-
samente, que o fim da sua annullação pela autoridade judiciaria
é o de assegurar o direito do autor. Como assegurar um direito,
que foi lesado, seo, dando-se a devida reparação ao seu ti-
tular ? Por isso mesmo, queo compete á autoridade judiciaria
o direito de obrigar o poder executivo a fazer dado acto que lhe
seja privativo, como por exemplo, o de renomear ou reintegrar o
fuuccionario demittido,—é indispenvel garantirão individuo
a effectividade de uma indemnisação, que corresponda â lesão
soffrida com os effeitos do acto arguido, e agora annullado por
meio da aão proposta. E' isso de evidente justa.
94 a.—INTERDICTOS POSSESSÓRIOS. Surge, entretanto, uma
queso importanssima: a de saber, si ao lesado por acto da
administrão publica cabe o direito de requerer remédio judi-
crio de natureza preventiva, para obstar desde logo o próprio
acto ou os seus effeitos immediatos? Ou em termos mais breves, si
são admissíveis os interdictos possessórios ou prohibitorios contra
os actos administrativos...
E' exclusivamente deste ponto, que ora vamos tratar nesta
parte final do nosso trabalho.
Vide alem de outros: S. T. F. 30 maio 1903, e 5 outubro 1904, etc.
— 591 —
—A jurisprudência, geralmente seguida no paiz, se podia
dizer, quasi sem exceão apreciável, fora sempre a de que o in-
terdicto do direito civil, commummente conhecido debaixo do
titulo de « mandado de manutenção »
;
podia ter logar para o
fim de proteger um direito real, cuja posse se achasse, por-
ventura, perturbada ou ameaçada de esbulho. Esta jurispru-
dência assentava, antes de tudo, em texto expresso de lei (Ord.
liv. II, tit. 78, 5), que resa: «Se algum se temer de outro, que o
queira offender na pessoa, ou lhe queira sem razão occupar e
tomar suas cousas, poderá requerer ao juiz que segure a elle as
suas cousas do outro que o quizer offender, a qual segurança lhe
o juiz dará; e se depois delia elle receber ofensa daquelle, de
que foi seguro, restituil-o-ha o juiz e tornara tudo o que foi
commettido e attentado depois da segurança dada, e mais pro-
cederá contra o que a quebrantou e menosprezou seu mandado,
como achar por direito ».
Na applicação deste texto, os juizes e tribunaes se con-
sideravam competentes para conceder o interdicto possessorio,
em vista da necessidade de garantir a posse de cousas corpóreas
ou a quasi posse de direitos reaes, e o, em favor de outros di-
reitos ou interesses differentes.
17
*
Mas, uma vez ampliada a competência do judiciário na
Republica, para conhecer e julgar da validade das próprias leis
e dos actos administrativos, nos casos de lesão de direitos in-
dividuaes, se procurou fazer valer a pretenção de que nessa
competência geral do judiciário se devia considerar incluída a
faculdade particular de expedir interãictos prohibitorios contra
174
Cf. Ord. liv. Hl, tit. 48, princ — Não se ignora que juizes houve,
mesmo no tempo do Império, que nao duvidaram applicar o redio posses-
sorio á protecção de direitos pessoaes; mas o procedimento isolado de um
ou outro juiz neste sentido não foi jamais recebido, como argumento proce-
dente contra a jurisprudência geral e constante sobre a matéria.
— 592 —
os actos da Administração, desde que delles resultasse ameaça
de lesão ao alheio direito, qualquer que este fosse.
Neste sentido são, com efeito, relativamente numerosos
os casos, em que as partes interessadas tem impetrado, quer ás
justiças estadoaes, quer ás justiças federaes, o remédio extraor-
dinário da manutenção em favor dos seus direitos, muito embora
não concernentes â posse ou â quasi posse de cousas corpóreas.
E ainda que taes pedidos tem sido muitas vezes desatten-
didos, em todo caso, como exemplos da concessão de interdictos
prohibitorios contra os actos da Administração, se podem citar,
além de outros, os seguintes:
Despacho do juizo seccional do Districto Federal de 6 de
junho de 1896 contra a execução do decreto do Poder Executivo
n. 2291 de 28 de maio do mesmo anno, expedido em favor da
Companhia Docas de Santos, que se considerou offendida nos
seus direitos de concessionaria, relativamente ao serviço de des-
carga no porto de Santos e encaminhamento das mercadorias
para a Alfandega de S. Paulo, e ao pagamento das respectivas
taxas de capatazias e armazenagens, pertencentes á sobredita
Companhia.
175
Despacho do mesmo juizo de 27 de julho de 1896, man-
dando manntenir na posse de suas cadeiras e funcções a 16 len-
tes da Escola Polytechnica da Capital Federal, que haviam sida
suspensos disciplinarmente por três mezes, em virtude de de-
creto do Presidente da Republica de 15 do referido mez.
O Governo não consentiu no cumprimento do mandado judi-
cial, por consideral-o attentatorio da harmonia e independência
dos poderes constitucionaes (art. 15 da Constituição), dizendo a
respeito: « Seria admittir, no caso vertente, a eliminação com-
1,6
O dee. n. 2291 foi mais tarde revogado pelo dec. n. 2960 de 28 de
julho de 1898; de modo que o 8. T. P. nfto chegou a pronunciar-se-sobre o
caso em grão de recurso de appellaçfto, alias já interposta.
— 593 —
pleta, a suppressão absoluta do acto do Poder Executivo, por «ffeito
de um simples mandado judicial, tratando-se, como se trata, do
exercido de attribuições da privativa competência daquelle Poder,
classificadas entre os actos próprios do poder governamental,
praticados no interesse do Estado, da ordem, e da utilidade publica,
e que derivam ex jure imperii».
m
Por sua vez o Procurador da
Republica na secção do Districto Federal excepcionara o juiz de
incompetente para a expedição do mandado prohibitorio.
m
176
Av. do Ministério do Interior e Justiça de 30 de julho de 1896.
177
O decreto da suspensão fora do teor seguinte: « O Presidente da
Republica : Considerando que os lentes da Escola Polytechnica adiante
mencionados, em documento assignado e publicado pela imprensa, e foi
confessado em offlcio dirigido ao director da mesma escola, declararam
que, achando-se promptos para os demais trabalhos escolares, resolviam
todavia não comparecer ás aulas emquanto pelo referido director não fosse
apurada a verdade no inquérito determinado e solicitado pela congregação
em offlcio -de 18 de maio ultimo ; e que, outrosira, o corpo docente repu
taria sem fundamento as accusações do que fora alvo, voltando ao exer
cício de suas funcções lectivas, si no prazo de 15 dias o director não ti
vesse dado cumprimento á commissão de que o Governo o incumbira;—
Considerando que a declaração e notificação acima descriptas e confirma
das pela ausência dos ditos lentes importam uma inversão da hierarchia
administrativa e, além de oppôr embaraço ao funccionamento regular da
escola, constituem uma infracção proposital ás disposições regulamentares,
pela interrupção das aulas, que não podem ser suspensas por acto de mem
bros da congregação reunidos anarchicamente e fora dos termos previstos
no digo de ensino ; Considerando que nestas condições os mesmos len
tes são passíveis das penas estatuídas no art. 57 do código citado, por terem
faltado ao cumprimento de seus deveres nos termos do art. 52, e que pela
anormalidade das circumstancias compete ao Governo tomar conhecimento
directo do facto, independente da audiência da congregação, visto cons
titrem os lentes signatários das declarações indicadas a maioria da mesma
congregação: —Resolve suspender, por três mezes com privão dos venci
mentos, aos lentes da Escola Polytechnica do Bio de Janeiro...» \\
Os fundamentos da excepção apresentada pelo Procurador da Re-
publica, órgão do Governo, foram os seguintes c
1:° Que os oxceptos foram suspensos por três mezes, com privação
•de vencimentos, dos cargos de lentes da Escola Polytechnica desta Capital,
38 R. C.
— 594 —
Entretanto, nâo coube ao Supremo Tribunal Federal a occa-
so de se pronunciar sobre o mérito de o importante queso.
por acto expedido pelo Governo da União em 15 de julho próximo findo e>
publicado a 16 do mesmo mez no Diário O/ficial...
2.o Que os motivos que obrigaram o Governo a tomar essa medida da
urgente disciplina e ordem publica, constam dos considerandos que acom-
panharam o mesmo acto e aqui se dão em substancia: I a) Terem os
exceptos em documento que assignaram e publicaram pela imprensa, e cuja
autoria confessaram em offlcio dirigido ao Director daquella Escola,
declarado suspender o exercício de snas fnncções pelo prazo de 15 dias,
findo o qual reassumiriam esse exercício, si o alludido director não
houvesse dado cumprimento á coramissão de inquérito de que
0 Governo o incumbira, caso em que — comminaram reputariam, outro-
sim, sem fundamento as accusaçõos de que haviam sido alvo;
1 6) Importar semelhante procedimento, acompanhado da ausência doa
exceptos, em uma inversão da hierarchia administrativa, oppôr embaraços
ao funocionamento regular da Escola e constituir, portanto, uma infracção
proposital das disposições regulamentares, pela interrupção das aulas, que
não podiam ser suspensas por acto dos membros da Congregação, reunidos
anarchicamente fora dos termos previstos no Código do ensino.
3.° Que a oocurrencia desses gravíssimos factos justificou ampla-
mente a medida do Governo, applicando aos exceptos as penas estatuídas
no art. 57 do Código citado, por isso que, sem duvida alguma, faltaram de
modo mais flagrante e estranho ao cumprimento de seus deveres, nos
termos do art. 52 do mesmo Código.
4.° Que a censura que os interessados fazem ao acto governativo por
não ter sido precedido de audiência da Congregação, é inconsistente e ao
ultimo ponto pueril, dada a anormalidade de circuinstancias que requeriam
as mais promptas providencias, e verificado o facto de constituírem os
lentes, incursos naquellas penas, a maioria da mesma Congregação.
5.0 Que entretanto os exceptos, sob o fundamento de que esse acto do
Governo da União os esbulhou do exercido legal dos seus cargos, requereram
e infelizmente obtiveram deste respeitável juízo ura mandado de manu-
tenção de posse do exercício dos ditos cargos, isto é, do direito áquelle
mesmo exercício, de que se davam por esbulhados.
6.° Que, como se vê, a manutenção requerida era contradictoria cora
o facto allegado e real de que o acto governativo trouxe em si mesmo a
perda, postoque temporária, da posse em que os exceptos inconherente-
mente pediram para ser manutenidos.
7 Que, com eCfeito, essa perda consummou-se no dia em que o Drio-
O/jtcial publicou o acto da suspensão, por isso que desde logo tornaram-se-
— 595 —
Despacho do juizo dos feitos municipaes de 18 dezembro 1899
(Districto Federal), concedendo mandado de manuten-
effeetivas as ditas penas nos termos do art. 5 do Dec. n. 572 de 12 de
julho de 1890.
8.° Que a predita publicação teve lugar em 16 de julho próximo pas-
sado, emquanto que a manutenção só foi requerida em 25 do mesmo mez.
9.° Que nestas condições, o mandado prohibitorio não podia ser legal-
mente concedido, porquanto os decretos de tal natureza apenas se desti-
nam a obstar perturbação imminonte da posse e, no caso, como os próprios
exceptos confessam, perdido o direito de exercido por cuja posse reclama-
vam, o esbulho se havia realisado, si merecesse tal nome um acto le-
gitimo de poder executivo, uma providencia de todo o ponto necessária na
situação anormal e deprimente creada pelos exceptos em prejuízo do en-
sino e do prestigio da autoridade, prestigio que é penhor do bem commum.
10. Que, se esbulho tivesse havido, o remédio próprio para reparal-ol
seria dentro de anuo e dia, não o interdicto relinendce ou acção de manu-
tenção, mas o interdicto recuperandce ou acção de força nova expoliativa. E'
este exactamente o direito que a Lei n. 221 de 20 de novembro de 1894,
art. 13, § 16, lettra 6, declarou em vigor quanto as acções possessórias,
porque é eile, e não outro, o estatuído pelas Ords. L. 3
o
T. 48, T. 78 § 3» e
L. 4, T. 58, pr. e da lição uniforme de todos os praxistas (Ribas, Acc. Poss.
cap. VII, pag. 288 o Consol. das Leis do Proc. Civ. 746 e seguintes ; Corroa
Telles —Doutr. das Acc. §§ 185 e 189; Paula Baptista, Theor. e Pract. do
Proc. § 31.)
11. Que ainda quando fosse cousa possível e razvel o mandado pro-
hibitorio de um facto consummado, a manutenção da posse de que os pró-
prios exceptos se declararam esbulhados, o seria comtudo tal procedi-
mento suffragado pelos preceitos da nossa legislação nem pela doutrina dos
tratadistas, que não admittem acções de posse quando esta não seja :
a) de cousa movei; 6) de cousa imtnovel; c) de direitos reaes des-
membrados de domínio (Ord. L. 2 T. I
o
§ 2
o
; Ribas, Acç. Poss., cap, VI,
pag. 261 e Consol. cit., art». 746 e 756; Paula Baptispta, obr. cit., §§ 30 e 81).
12. Que o Supremo Tribunal Federal tem sentenciado uniformemente
no mesmo sentido, como se dos accóros ns. 113 e 163, ambos publica
dos no Diário Official de 31 de julho ultimo, ambos com perfeitíssima
applicaçâo á espécie que se discute.
18. Que, no tocante ao direito estrangeiro, não é necessário recorrer a
textos das differentes legislações dos povos cultos para o convencimento á
saciedade, de que essencialmente não differo da lei pátria no assumpto de
que se trata; bastando transcrever as seguintes palavras do eminente ju-
rista P.Cogliolo:Evidentemente solo i diritti reali sono capaci di possesso.
— 596 —
ção em favor de Carlos Custodio Nunes contra o acto do Prefeito,
que o intimara â fechar um matadouro. O interdicto manutenira
H diritto canónico però e la pratica antica forence 1'estendevono ai diritti
episcopali; ai titoli nobiliari e ai diritti pnblici. La troppa estensione dei con-
ceti flnisce, col distruggerli; impropriamente si parla puré di proprietà di
crediti, ma tutto il diritto ariano è invece impermiato sopra la norma che la
proprietà si ha sola sulle coso corporali e su le universita di cose; il pos-
sesso può aversi solo sopra le cose x> sopra gli iura in re aliena (Filosofia
dei Diritto Privato, 2
a
ed. pag. 203).
14. Que, assim destituido de todas as condições legaes do redio pro *
hibitorio, o mandato concedido tomou a feição de mero acto administrativo
ou gracioso em matéria excedente da jurisdicção e, portanto, fora da com-
petência deste respeitável juízo, que certo não tem autoridade, diga-se com
o devido respeito, para annullar directamente, na ausência de processo re-
gular, um decreto que o Presidente da Republica expediu no pleno exer-
cício das suas attribuições constitucionaes.
(.», 15. Que taes attribuições não são, é bem de ver, isentas de condição e,
antes, têm a norma de seu exercício traçada na Constituição e nas leis; mas
da utilidade e necessidade dos actos em virtude delias praticados, no
momento em que estes se produzem, é juiz o poder executivo, porque a
elle é mais directamente confiada a gerência dos negócios públicos e a de-
feza dos interesses sociaes.
16. Que si a suspensão merecida dos exceptos partiu, como é indubi-
tável, de autoridade competente, á esta, somente á esta, poderia ter sido
requerida a não execução immediata do acto de 15 de julho próximo findo,
uma vez proposta e admittida a acção prescripta no art. 13 da Lei n. 221 de
20 de novembro de 1894.
17. Que tomada a providencia indicada no § 7° do cit. art. 13, a auto-
ridade administrativa, impetrada para suspender a execução da medida
prejudicial, pôde desattender o pedido, fundando-se em razões de ordem
publica.
18. Que, em tal caso, a acção proposta e admittida, na forma daquelle
artigo, prosegue nos seus termos ulteriores e, afinal, verificada a iIlega-
lidade da resolução ou acto que se impugna, será este annullado para o fim
de reparar o direito do autor (cit. art. § 9
o
).
10. Que a doturina contraria a que estamos sustentando não encontra
apoio na razão, no direito pátrio, nem nas leis e nos costumes dos povos
estrangeiros, ainda daquelles cujas instituições politicas mais se asseme-
lham das nossas.
20. Que não tem uma tal doutrina o mínimo fundamento racional, por
isso que seria dito de ingovernavel o paiz onde cada cidadão, munido de um
— 597 —
o requerente na posse do matadouro e no direito de matança, in-
timado o Prefeito Municipal para não mais turbai o.
mandado prohibitorio ou de manutenção do direitos pessoaes, obtido com
uma simples petição, suspendesse e annullasse a acção dos poderes con-
stituídos, a pretexto de lesão nos seus interesses, lesão que aliás podia vir
a ser regularmente remediada.
21. Que também não é favorecida, por nenhuma disposição de direito
positivo, nem o pouco por qualquer preceito da Constituição Federal, que,
antes, energicamente a repelle quando no art. 15 consagra a harmonia e a
independência dos differentes poderes políticos; e assim perfeitamente o
comprehende a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se
de ver deste doutíssimo considerando de um dos accordãos citado
proferidos por unanimidade de votos: «... a expedição do mandado re-|
querido pelos aggravantescom o intuito formal de impedir a execução das
citadas disposições da Lei n. 359 de 1895 e do Regai. n. 2253 de 1896 im-
portando de facto a suspensão destas, constituiria um attentado contra a
Harmonia e independência dos poderes declarados pelo art. 15 da cit. Const.,
órgão da soberania nacional, subordinando ao Judicrio o Legislativo e o
Executivo ».
22. Que é igualmente verdade não ser a doutrina acceita por este res-
peitável juizo,a das leis e jurisprudência estrangeiras, como se poderia pro-
var com arestos de tribunaes e opiniões abalisadas de escriptores europeus,
se não fosse preferivel apontar aqui o que, em matéria idêntica á da quen-
tão debatida, escreveu um publicista da grande Republica Americana: — c
It may be proper to say here that the executive in theproper ãi&charge ofhis
duties under the constitution is independent of the courts as he is of the legis-
lative (Cooley, Constitucional Limitations, Cap. VII, p. 193).
23. Que o writ of mandamus de que tamanho cabedal se fez na petição
dos exceptos, não tem a mais ligeira applicação ao caso occurrente, já por
sua natureza, já pelo fim a que se destina.
24. Que é esse inapplioavel, por sua natureza á espécie controversa,
e isto conclue-se do que a respeito de tal recurso extraordinário da legis-
lão americana disse o notável publicista James High, nas palavras abaixo
transcriptas, afirmando que—para todas as questões que exigem uma pro-
videncia offlcial ou que ficam nos limites de um razoável arbítrio concedido
á pessoa a quem a lei confere um direito, o mandamus não existe, quer para
coarctar o exercido daquelle arbítrio, quer para influir sobre a decisão que
afinal será dada. « The rule is that in ali matters requiring the exercise of
offlcial judgment or resting in the sound discretion of the person to whom a
ãuty is confided by laxo, MANDAMUS WILL NOX LIE either to control the exercise of
that discretion or to determine upon the decision ichich shall be finally given *
— 598 —
Despachos expedidos no mesmo anno de 1899, pelo juizo
referido, mandando manutenir as emprezas de divertimento
publico Frontão Lavradio e Sport Boliche Moderno, contra o
(A Treatise On Extraordinary Memedies. Embracing Mandamus, Quo- War-
rants and Prohibitions, 2
a
ed. Chicago, 1884).
25. Que também, por seu objecto, não tem o mandamus applicação á
hypothese destes autos, o que se verifica do facto de ser aquelle recurso so-
mente destinado a supprir a lei, quando esta nenhum remédio estatue contra
certas perturbações resultantes àa failure o f justice and defect ofpolice; falta,
pom, que não se dá entre nós, no caso de que nos oceupamos, attenta a dis-
posição terminante do art. 13 § 7 de lei n. 221 de 20 de novembro de 1894:
« The óbject ofa mandamus is to preveni disorder from a failure of justice and
defect ofpolice, and should be granted in ali cases where the law establishes
no especific rentedy and where in justice should be one. * (Rex v. Barker.
Bur. 1.26; e Blackstone, Com. 110).
26. Que ainda quando tivesse entre nós existência legal o tvrit of man-
damus e fosse elle remédio próprio ao caso dos exceptos, o que formalmente
contestamos, não foi de modo algum observado o processo por meio do do
qual é elle concedido pela legislação americana.
27. Que, com effeito, o mandamus é sempre expedido de maneira al
ternativa á autoridade (o que aliás não foi praticado pelos exceptos, nem
supprido pelo juiz) que o deve responder, afirmando ou contestando a expo
sição do facto allegado pelo requerente e, só depois de processado e julgado
o feito, é que se expede o mandamm com o caracter peremptório: d'aqui
as denominaçõesalternative torit e peremptory torit: o que tudo se colhe
da seguinte lição:— The peremptory writ of mandamus is the final or ab
soluto mandate of the court, directing the performance of some offkial act or
duty on the part of the KESPONDENT UPON HIS FAILURE TO MAKE A SATIS-
FACTORY RETURN TO THE ALTERNATIVE WRIT PREVIOU8LY GRANTED (obr. CÍt
M
pag. 422).
28. Que, portanto, o alludido mandado prohibitorio, ou de manu
tenção de posse de exercício no emprego publico, é a todos os respeitos
illegal.
20. Que o remédio contra o acto do Governo, reclamado pelos ex-
ceptos, não podia absolutamente ser concedido por este respeitável Juizo,
uma vez que, nos termos do art. 18 § 7.° da Lei n. 221 citada, ao mesmo
Governo compete suspender a execução do acto ou medida que houver
administrativamente expedido, como se dos termos do indicado para-
grapho: «A requerimento do autor, a autoridade administrativa em questão
— 599 —
acto do Chefe de Policia prohibindo a venda de poules e limi-
tando as horas de funccionamento das respectivas diversões.
178
suspenderá a sua execução si a isso não se oppuzerem razões de ordem
publica.
30. Que competência é matéria etricti júris e que por nenhuma dispo-
sição de direito, expressa ou implícita, foi ella conferida a este respeitável
jnizo, na hypothese de que se trata.
Nestes termos, ou nos melhores de direito, deve a presente excepção
ser recebida e julgada provada, para o fim de se reconhecer este juizo in
competente no procedimento contra o excepiente intentado, pagas as custas
pelos exceptos. Rio, 6 agosto 1896. Esmeraldino Olynvpio de Torres Ban
deira, procurador seccional interino. m
Não seria preciso dizer, que a transcripção, que vimos de fazer,
obedece ao intuito de conservar a memoria de um caso de intervenção judi
ciaria, cujas raes e motivos servirão, sem duvida, para illnstrar outros
casos, porventura occorrentes da mesma espécie. Infelizmente não se sabe,
•qual seria a ultima palavra da justiça no caso sujeito.—Porquanto, decor
rido todo o periodo da suspensão dos lentes sem ter havido decisão judi
ciaria a respeito, e tendo elles reassumido o exercioio das suas cadeiras, a
•questão teve o seguinte epilogo: O Governo aposentara dous dos lentes
alludidos, mandando, quanto aos demais, oancellar-lhes a nota, e retirar
igualmente as penas impostas a alguns alumnos, implicados no incidente.
Vide: Decs. de 15 novembro 1896.
178
Nas recentes leis do Congresso Federal n. 939 de 29 dezembro
1902 e u. 1101 de 19 novembro 1903 sobre a organisação do Districto Fe-
deral se acha disposto: "Não podem as autoridades judiciarias, quer fe-
•deraes, quer locaes, modificai' ou revogar medidas e actos administrativos,
nem conceder interdiotos possessórios contra actos do Governo Municipal
exercidos rationi imperii".
O Dec. legislativo n. 1151 de 5 janeiro de 1904 contém disposição
análoga em favor dos actos da autoridade sanitária, aecrescentando, além
da prohibição dos interdiotos possessórios, a de não poder a autoridade ju
dicial «modificar ou revogar os actos administrativos ou medidas de hygiene
e salubridade por ella determinadas nesta qualidade» (Dec. cit., art. I
o
§ 20
-e Dec. n. 5156 de 8 março 1904, art. 288).
No entanto, o Dec. legislativo n. 1185 de 11 junho 1904 autorisa
expressamente e regula a concessão de mandado de manutenção ou in-
terdicto prohibitorio em matéria de impostos interestadoaes (art. 6° a 10).
Não é preciso relembrar, quanto é incerto o alcance das disposições
eitadas, declarando o acto administrativo fora da jurisdioção judiciaria
ratione imperii. Já se disse bastante a esse respeito em outros logares
— 600 —
— Despachos do juizo seccional do Districto Federal de
5 outubro e 28 dezembro de 1901, e de 2 janeiro e 1 fevereiro
de 1902, concedendo mandados de manuteão (separadamente)
a Luiz C. d'Albuquerque e ao Barão de Mesquita, para intro-
deste trabalho. Mas para ver-se, que o fundamento assignalado pelo legis-
lador nfto tem, effectivamente, o valor pratico, que se pretende, bastará ajun-
tar, que, nfto obstante os termos imperativos das leis ns. 939 e 1151 em
favor dos actos administrativos, tanto a justiça local, como a federal,
tiveram ensejo de intervir posteriormente; sendo, aliás, dos que se costuma
qualificar de verdadeiros actos de império, os actos, contra os qaaes fora
solicitada a protecção da autoridade judiciaria. Eis aqui, como a Corte
d'Appellação do Districto se exprimira sobre a matéria em questão: 5 «
Accórdam em Camará Civil e Commercial da Corte de Appellação:— Que
vistos era mesa, relatados e discutidos esses actos, em que é aggra-vante
José Joaquim da Costa Simões e aggravada a Fazenda Municipal, dão
provimento ao aggravo tomado por termo a fl. 10 para o effeito de mandar
como mandam que o Juiz a quo, reformando o despacho aggravado,
proferido na petição de fl. 2, defira o pedido nella exarado; porquanto, ro-
ferindo-se o art. 16 da lei n. 939 de 1902 aos actos do Governo Municipal
exercidos ratione imperii, isto é, no exercício das fmicções do Governo
Municipal dentro dos limites de suas privativas attribuições ; claro fica que
se no exercício dessas funcções elle ultrapassar aquelles limites, porque de
seus actos decorrem, não preterições de simples interesses particulares em
conflicto com interesses collectivos munioipaes, mas sim violação de direitos
individuaes cuja tutella incumbe ao Poder Judiciário, não pôde deixar de
ser licito a intervenção deste poder, em garantia daquelles direitos, pelos
meios legaes, inclusive a concessão de interdictos possessórios contra actos
do Governo Municipal que perdem o caracter de actos exercidos ratione
imperíi, isto é, actos de sua exclusiva competência na esphera
administrativa, dos quaes cogitou o citado art. 16, da lei n. 939 de 1902.
Ora, o documento de fl. 6, sentença absolutória da Junta das Contravenções
Munioipaes, evidencia e garante o direito que tem o aggravante de construir
sem licença no bairro da Copacabana durante o prazo estabelecido nas res-
pectivas posturas munioipaes, e a consequência não de ser outra senão que
o aggravante deve ser manutenido no uso e goso do prédio de sua proprie-
dade, situado no alludido bairro ao qual se refere a mencionada petição de
Ji. 2, continuando a fazer as obras projectadas, sem a formalidade da li-
cença que foi dispensada pelas leis munioipaes em vigor e citadas na men-
cionada sentença absolutória da Junta de Contravenções do fl. 6. E assim
decidem: porque se a manutenção ó o remédio que a lei estabeleceu como
— 601 —
duzir e vender carnes verdes nos mercados do mesmo Districto
contra as ordens do Prefeito Municipal, o qual a isto se oppu-nha,
alem de outras razões, pelo facto de o commercip de carnes verdes
no Districto pertencer, por contracto assignado em virtude de lei, a
determinado concessionário.
179
I Despacho do juiz substituto do
Município do Anajás no Estado do Pará (de 1899), concedendo
manutenção a um Intendente Municipal, cuja eleição fora declarada
nulla pelo Congresso Estadoal nos termos da lei, que, para isso,
dava competência ao mesmo Congresso. O acto do juiz substituto
foi confirmado depois por sentença do juiz de direito da
Comarca.
180
correctivo a qualquer turbão, ella tanto deve affectar o direito do pos-
suidor quando a posse é exercida em cousa corpórea, como em cousa in-
corpórea : tanto quando offendo o jus possidendi, como guando offende ao
jus possessionis; doutrina essa que não pode deixar do ser admittida em
vista do que ensina Coelho da Bocha, art. 80 da sua obra Instituições
do Direito Civil Portuguez. Por isso se o aggravante foi turbado na posse
de um direito legitimo, ao qual aliás es annexa a posse do objecto ne-
cessário ao seu exercício, tem direito ao remédio da manuteão, que não
lhe deve ser negado pela justiça para quem recorreu : pagas as oustas pela
aggravada. Rio de Janeiro, 10 de Agosto de 1903. Rodrigues, P. Grui-
lhertne Cintra, relator ad hoc. T. Bastos, Salvador Moniz. IÀma
Dnmmond, vencido por julgar improcedente, em face do nosso Direito, o
« fundamento > constante de fl. 17. Foi voto vencedor o do Sr. Desembar-
gador Souza Pitanga. Guilherme Cintra, relator ad hoc.Vide mais:
hic, p. 616, nota
18
'.
179
O S. T. F. nao teve occaso de conhecer e dizer do rito de
taes mandados de manutenção; mas, em decisão do aggravo n. 481 de 23
novembro 1901 foi o Juizo do Districto Federal declarado competente para
despachar no feito.
180
Esse processo subio ao Sup. Trib. Federal no Rec. Bxtr. n. 192
de 1899; mas o Tribunal limitou-se a declarar, que nao era caso do re
curso interposto.
Por sentença de 20 outubro 1900, o Juiz de Direito da Comarca de
Nova Friburgo no Estado do Rio de Janeiro mandara manutenir a Camará
Municipal daquella cidade no exercido da sua attribuiçao constitucional de'
arrecadar os impostos de industria e profissão e a decima urbana, contra
— 602 —
Despachos diversos do juiz de direito dos feitos da fa-
zenda da Capital do Estado da Bahia (de 1900), concedendo in-
terdictos prohibitorios contra a Fazenda Estadoal, por motivo
de impostos considerados inconstitucionaes, em favor de Narciso
de O. Maia, Eduardo R. da Cruz, Stromer e Thomsen, Ernesto
de Andrade & C, Viuva Bellens Costa e Baccalari, e T. A.
Hasselmann & C.
Despacho de juízo do eivei da mesma Capital (de 1900),
concedendo mandado de manutenção ao professor publico Cinci-
nato França contra o acto de sua remoção, ordenada pelo Go-
verno estadoal.
Despacho do juizo dos feitos da Fazenda dita (de 1902),
concedendo igualmente mandado de manuteão em favor de
Carlos Clemente Gomes, contra o acto de sua demissão, que
ai legava ter sido illegal.
Despacho do juizo seccional do Districto Federal (1* vara)
de 19 julho 1904 em favor de Ignacia Gomes contra o acto da
Directoria das Obras Publicas, que mandara cortar uma penna
d'agua existente em prédio da propriedade da impetrante.
Despacho do mesmo juizo de 13 agosto 1904 em favor de
José Nunes S. Filho contra o acto do Prefeito Municipal, orde-
o acto do Poder Executivo do Estado, ordenando que a arrecadação de taes
impostos fosse feita pela Collectoria estadoal, afim de pagar-se da divida
do Muuicipio ao Thesouro do Estado. O Tribunal da Relação do Estado, em
recurso de appellação, nada disse do mérito da questão, limitando-se a de*
clarar o feito nullo, por incompetência do juiz (Acc. 18 junho 1901).
Do mesmo modo, tendo a Camará Municipal da mesma cidade re-
cusado dar posse a um vereador eleito, a pretexto de ser elle devedor á fa-
zenda municipal, o interessado reclamou contra o acto ao Juiz de Direito
da Comarca; e este intervindo, depois de considerar as disposições da lei e
as circurastancias do facto,—declarou o aeto da Camará insubsistente por
illegal, mandando era consequência, que a Camará empossasse o vereador
reclamante no exercido das respectivas Ían&f0es(8entea de 11 junho 1904,
confirmada em recurso de appellação pelo Tribunal Superior).
— 603 —
liando a demolição de um prédio, sob o fundamento de que o
mesmo ameaçava mina.
181
94b. —Invocando: ora os princípios do direito canónico
que admittira a protecção da posse para todos direitos, patri-
moniaes ou não, e até para direitos relativos a simples cargos
honoríficos; ora os pareceres dos velhos praxistas portugue-
zes
182
que ensinam ou attestam o uso dos interdictos possessórios
sobre direitos â consas incorpóreas; ora finalmente, as opiniões
de escriptores modernos de reconhecida antoridade
188
que aforra
am a semrazão do predomínio da doutrina restrictiva, tirada do
direito romano sobre a espécie; se tem sustentado que, segundo
a sua verdadeira intelligencia, a protecção geral da posse
estabelecida pela Ord. liv. 3, tit. 78, § 5
o
estende igualmente o
seu amparo, tanto á apropriação da matéria, como à do direito, e,
no exercício do direito, assim aos pessoaes como aos reaes,
assim aos individuaes como aos collectivos, assim aos blicos
como aos simplesmente civis. Esse immenso progresso, entende
Buy Barbosa, realisara o direito portuguez, o nosso direito pá-
trio (porque nem as leis, nem a praxe brazileira o modificaram
depois...) sobre o direito romano, que circamscrevera os inter-
dictos á defeza das cousas corpóreas e dos direitos vinculados
ao solo..
184
i8i Vide: Hic. p. 599, nota ep. 616, nota
189
.
182 T
ae3
como: Guerreiro, Pegas, Stryohio, Cabedo, Beynoso, e Ve-
laseo entre os mais antigos, e Almeida e Souza, Corrêa Telles entre os
mais modernos e outros. Ápud Buy Barbosa, Posse ãe direitos pessoaes,
— Rio Janeiro 1900.
188 T
a
es como: B. Ihering, Fonãement des Interdita possessoires;
De Olivart, La Possession;Sanchez Boman, Estúdios de derecho civil;
De Fillippis, Corso completo ãe diritto civ. ital. comparato; Chironi, Inst.
di diritto civile italiano; Brunis, Das Becht des Besitzes. etc. Apud
Buy Barbosa, ob. eit.
184
Buy Barbosa, ob. oit., p. 21. Este autor cita, com effeito, alguns
poucos julgados da velha praxe portugueza, concedendo a manutenção em
favor de direitos pessoaes.
— 604H
Domo qualificar pois, diz o citado jurisconsulto, o pheno-
meno singular da retrocessão dos juristas brazileiros ao roma-
nismo justiniano sem um facto legislativo, ou uma modificação
na corrente da jurisprudência, que explique o capricho desse
archaismo antiscientifico e illiberal ? Como comprehender, a
não ser por um completo eclipse da critica, essa tenacidade na fé
savignyana, inconciliável com a evolução do nosso direito e a
realidade da vida da nossa praxe ?
«Desmentida pela tradição da nossa jurisprudência, a
novidade dessa theoria no direito pátrio não se sustenta melhor
ante a philosophia da sua própria defesa. Expondo o motivo
lógico da noção romana, que exclue da posse os direitos incor-
póreos, attribue Savigny essa particularidade á circumstancia de
que a respeito dessa espécie de posse não se de verificar a
intrusão turbativa, que justifica a protecção possessória (TraiU
de la Possession, §§ 12 e 49). Semelhante restricção, porém,
está intimamente ligada á theoria falsa, alluida pela impugnação
irresistível de Ihering, que assenta a origem da posse na acção
directa do agente sobre o objecto material. Si ha uma noção hoje
firmada neste assumpto, é a de que a posse « não reside no
poder physico sobre a cousa, mas no exercício, na exterioridade
do direit. E é no tocante â posse dos direitos que essa verdade
« se manifesta com uma clareza impossível de se obscurecer... »
Ora, não se pôde negar que os direitos incorpóreos se realisam
exteriormente, exercendo-se. I « Não se lhes pôde negar, pois, a
condição essencial da posse e da sua segurança civil: o exercício
exterior, a possibilidade de acção e a visibilidade delia. »
185
Argumenta-se igualmente com as próprias palavras da
Ord. liv. 3
o
, tit. 78: « Se alguém se temer de outro que o queira
oífender na pessoa, ou lhe queira sem razão occupar e tomar
186
Ruy Barbosa, ob. oit., p. 56-57.
— 605 —
suas cousas, etc», dizendo-se a esse respeito: «Cousa (res) no
sentido judico comprehende não as corpóreas (res corpora-
les), como as incorpóreas (res incorporales), quos injure consis-
tunt, sicut hereditas, usufructus, usus, óbligationes quoquo modo
contracta (Inst. L. II, tit. II, de rebus incorporalibus)... Rei
aãpéllatio generalis est: continet enim oinnia, quae vel in patri-
mónio sunt, vel extra patrimonium, et ad omnem contractum
causasque et jura pertinent (Bamabse Brissonii, De verhorum
significatione, etc.)» E consoantemente com estas e outras ci-
tações dos autores, se insiste que a Ord. liv. 3
o
, tit. 78, § 5
o
empregara a palavra cousa no sentido geral, comprehendendo
não as corpóreas, como as incorpóreas, as moveis como as
immoveis, pelo principio admittido: "Onde a lei não distingue,
o interprete ou applicador não deve distinguir. "
186
94 c. —Não está em nosso propósito discutir, demonstrar,
ou contestar no momento,—si os direitos pessoaes devem, ou
não, merecer idêntica protecção possessória, que as leis dos di-
versos Estados estatuem em favor dos direitos reaes. O que ora
nos cumpre dizer, restringe-se tão somente ã questão da posse
segundo o direito orazUéwo vigente, para o fim de saber, si o
interdicto prohibitorio pode, ou não, ser concedido, ex vi legis,
contra actos da administração publica, e a nada mais.
Antes de tudo, convém declarar que, bem ou mal, acertada-
mente ou não, as raes e argumentos apresentados em favor da
posse dos direitos pessoaes não tem sido admittidos pelos tribu-
naessuperiores do paiz, senão, em um ou outro caso excepcional.
No Acc. de 16 janeiro 1900, sobre conflicto de attri-
buição entre o governo municipal e o juiz dos feitos municipaes,
disse o Conselho Supremo da Corte de Appellação do Districto
Federal: « Procede o conflicto... visto ser incompetente o juiz
186 Ferreira Vianna, Direito de retenção e interdicto prohibitorio na
legislação pátria (Revista de Jurisprudência, vol. I, p. 193 sg.).
— 606 —
dos feitos da Fazenda Municipal pára conhecer da espécie dos
autos, como ficou demonstrado no parecer do desembargador
Procurador Geral do Districto e tem sido uniformemente deci-
dido pelo Conselho por accordâo de 9 novembro 1897 proferido
nos conflictos ns. 18, 19 e 20 .—No parecer alludido o Procura-
dor Geral havia accentuado: « que o acto da Prefeitura é ina-
tacável por meio de interdictos possessórios, competindo no
caso, que sejam reguladas as indemnisações, que tiverem por si
0 direito, ante o juizo competente; que a acção de indemnisação
é o meio legitimo de atacar os actos administrativos lesivos de
direitos individuaes, e que ô inadmissível fazel-o por meio de
interdictos prohibitorios ».
No Acc. de 20 de fevereiro do mesmo anno o Conselho
Supremo da Corte de Appellação manteve a mesma doutrina do
Acc. de 16 de janeiro. (Cf. Accs. da Cama Civil da mesma
Corte proferidos sobre aggravos em setembro do mesmo anno
entre partes—Martins Pacheco e a Fazenda Municipal, um, e
entre partes D. Rosa Lemgruber e o Juizo dos Feitos da Fazenda
Municipal, o outro).
1 No Acc. de 22 outubro 1900 sobre o conflicto de attri-
buição entre o Chefe de Policia e o Juiz dos Feitos da Fazenda
Municipal, o Conselho Supremo da Corte de Appellação disse :
« Que era incontestável a competência do Chefe de Policia para
superintender os espectáculos públicos de qualquer natureza,
afim de manter a ordem e prohibir que nos mesmos se pratiquem
actos illicitos que possam offender a moral, observando em tudo
as leis e regulamentos policiaes; que o Supremo Tribunal Fe
deral em mais de um Accordam tem firmado o principio, que o
mandado de manutenção tem por fim proteger a posse em
causas corpóreas ou a quasi posse de direitos reaes, e não o
exercício de quaesquer outros direitos ».
187
J87 Entretanto é notar, que por Accordam de 81 maio de 1900 a Camará
Civil da Corte de Appellação, sobre aggravo de Carlos Leite Ribeiro e João
— 607 —
Si deixando a Corte d'Appellação do Districto, formos
examinar as decisões do Supremo Tribunal Federal na matéria,
encontraremos igualmente :
—No Acc. de 12 maio 1893, sobre acção proposta contra a
Fazenda Nacional pela Companhia Editora Fluminense, que im-
petrara do juizo seccional um interdicto prohibitorio em favor do
seu privilegio para a emissão de bilhetes ou recibos fiscaes conce-
dido pela carta patente de 4 outubro 1890, se disse: «Em matéria de
posse vigoram as normas e os princípios fundamentaes do direito
romano, os quaes não permittem ampliar-se a noção jurídica da
posse ao simples exercício ou goso de direitos que não tem por
objecto cousas corpóreas. Segundo os textos da-quelle direito, a
posse ou quasi posse se compõe de dous elementos essenciaes—um
material e outro moral, os quaes se acham reunidos, quando alguém
dispõe de uma cousa como dono ou, pelo menos, como titular de
direitos parciaes destacados do domínio (jure in re àlinea). E
somente a posse ou a quasi posse assim concebida, com o poder
physico sobre cousas susceptíveis de domínio e de ónus reaes, gosa
da protecção dos interdictos possessórios...»
Leopoldino Teixeira Bastos, interposto do despacho que lhes negara manu-
tenção nos cargos do directores da Caixa Geral das Famílias, disse: « O fun-
damento da decio aggravada consiste em que o remédio da manutenção
só tem logar quando a posse se concretisa era objecto corpóreo. Essa her-
meutica, porém, attenta contra o principio cardeal do direito que, nas
relações da vida jurídica, colloca o remédio junto do mal produzido por uma
violação. A manuteão é o remédio que a lei estabeleceu como correctivo
a qualquer turbação. Essa tanto affecta o direito de possuidor, quando é
exercido em cousa correa, como em cousa incorpórea; tanto quando
offeude o jus possiãenãi, como quando offende o jus possessionis, etc, etc.»
E em vista de taes princípios, foi concedida a manutenção aos aggravantes.
Esse Accordam foi, porém, embargado, e as Camarás reunidas da Corte
de Appellaçao julgando procedentes os embargos, restabeleceram a sua
jurisprudência anterior, declarando insubsistente a manutenção concedida,
visto não se tratar de « cousas corpóreas ou da quasi posse de direitos
reaes » Acc. n. 2433 de 9 junho 1904.
— 608 —
—No Acc. de 14 dezembro 1895, confirmando o despacho
do mesmo juiz que indeferiu o pedido de manutenção feito por
L. Gralvez em favor da exploração de jogo ou divertimento pu-
blico, prohibido pela Policia, se disse : « Considerando que a
acção de foa nova turbati va tem por fim a manuteão na posse
de cousa movei ou immovel ou na quasi posse de direitos reaes
(Ord. liv. 3
o
, tit. 48, princ, liv. 2
o
, tit. I
o
, § 2
o
; Mello Freire, liv.
4
o
, tit. 6
o
, §§ 30-31; Ribas, art. 746 e 756);—Considerando que
o aggravante quer ser MANUTENIDO NO EXERCÍCIO DE UM
JOGO OU DIVERTIMENTO PUBLICO (FRONTÃO) QUE A AUTORIDADE
POLICIAL PROHIBIO POR coNsiDERAL-o ILLICITO; Considerando
que, presupposta a illegalidade da ordem emanada da dita au-
toridade, a offensa seria feita o aposse ou quasi posse de cousa
correa ou direito real, mas ao livre emprego da actividade do
aggravante, a qual não pode ser protegida mediante a acção, que
se pretende iniciar, e assim foi julgado por este Tribunal em
Acc. de 12 maio 1893.»
•—No Acc de 11 julho 1895, sobre a pretenção de C. A.
Van der Linden e outros, que aggravaram do despacho do Juiz
seccional de Pernambuco, que lhes indeferira o pedido de in-
terdicto prohibitorio nos termos da Ord. liv. 3
o
, tit. 78, § 5
o
,
contra a cobrança de impostos, que os requerentes allegavam ser
inconstitucionaes, por infringentes do art. 9
o
, n. 4 da Con-
stituição, disse o Tribunal: «Considerando que a expedição do
mandado requerido pelos aggravantes com o intuito formal de
impedir a execução das citadas disposições da lei n. 359 de 1895,
e do regulamento n. 2253 de 1896, importando de facto a suspen-
são destas, constituiria um attentado contra a harmonia e inde-
penncia dos poderes declarados pelo art. 15 da citada Consti-
tuição, órgãos da soberania nacional, subordinando ao Judiciário
o Legislativo e o Executivo; Considerando que, conformemente
a sua índole e missão, somente nos casos occorrentes que for-
necem a matéria de litígios submettidos ao seu conhecimento
— 609 —
por meio de acção juridicamente admissível, ao Poder Judi-
ciário compete pronunciar-se sobre a constitucionalidade das
leis e a legalidade dos decretos do Poder Executivo, limitando-se
a não applicar umas e outras á espécie debatida quando incon-
stitucionaes ou illegaes; Considerando que não ha litigio susce-
ptível de ser derimido pelos tribunaes, sem uma collisão jurí-
dica actual entre as partes contendoras, e que, portanto, a
ninguém assiste o direito de acção para antecipadamente de-
mandar a annullão de uma lei ou decreto por motivo de in-
constitucionalidade ou Ulegalidade com o fito de eocimirse â
sua futura applicação em casos que antevê; Considerando que,
relativamente ao objecto do presente recurso, consistente em
matéria de impostos, cujo encargo constitue para o contri-
buinte uma divida derivada da lei, nenhum cabimento teria
ainda em espécie, isto é, por occasião de ser exigido de cada
um dos aggravaotes o pagamento das taxas impugnadas, o
invocado remédio da Ord. liv. 3
o
, tit. 78, § 5
o
, que não è meio
de defeza do devedor contra a exigência do credor de obrigão
pessoal, mas sim um interdicto possessorio destinado a
assegurar contra as ameaças de turbação a posse das cousas
corpóreas ou a quasi posse dos direitos reaes desmembrados
do domínio: Accordam negar provimento ao aggravo inter-
posto ». A decisão fora unanime, e tomada por maioria abso-
luta dos membros do Tribunal.
No Acc. de 30 junho 1897 sobre aggravo contra o despa-
cho do juiz seccional do Districto Federal, que negou interdicto
prohibitorio ao Banco dos Funccionarios Públicos em favor de
seu privilegio constante da lei n. 771 de 20 setembro 1890, se
disse: « O interdicto retinendm possessionis, aão de ma-
nuteão, sô tem por fim a manuteão na posse de cousa movei
ou immovel, ou a quasi posse de .direitos reaes nos termos da
Ord. liv. 3
o
, tit. 48 princ, etc.; pelo que, confirmam o despacho
aggravado.»
89 .» R. C.
B 610
B No Aec. de 7 agosto 1897, sobre a appellação da União
Federal da decisão do juiz seccional do Districto Federal, jul-
gando por sentença o preceito do mandado prohibitorio, que
garantira a Thomaz A. Oliveira & C. a venda de bilhetes da
loteria do Estado do Maranhão contra as diversas restricções do
Dec. n. 1941 de 1895, se disse: « Considerando que os direitos,
a que alludem os appellados, é o de venderem nesta Capital
bilhetes da loteria do Estado do Maranhão, de que se dizem
concessionários, e, conseguintemente, um direito pessoal, a que
não pode favorecer o invocado interdícto possessorio, de que
trata a Ord. liv. 3
o
, tit. 78, § 5°, destinado a assegurar, contra
as ameaças de turbação, a posse das cousas corpóreas ou a quasi
posse dos direitos reaes desmembrados do domínio;
Considerando que é sem applicação ao caso sujeito o remédio
daquella Ord., pela qual, não pode prevalecer o concedido
mandado prohibitorio, exorbitante da competência do Juiz a
guo, para impedira execução do referido decreto de 1895, pois
somente por meio da aão estabelecida no art. 13 da lei n. 221 de
20 novembro 1894,podem os juizes e tribunaes federaes pro-
nunciar-se sobre a constitucionalidade ou legalidade dos decre-
tos e actos do Poder Executivo, e sobre a constitucionalidade
das leis, limitando-se a não applicar umas e outras á espécie
debatida, quando inconstitucionaes e illegaes... Accordam dar
provimento â appellação para declarar, como declaram, nullo e
insubsistente o mandado prohibitorio e consequente auto de
manutenção, e carecedores de acção os appellados...»
— No Acc. de 2 julho 1898, sobre o aggravo da Associação
Jjuso-Americano Financial Beneficente, interposto do despacho
do juiz seccional, negando-lhe manutenção contra o acto da Po-
licia, que mandara fechar o seu estabelecimento, se disse: « O
mandado de manutenção tem por fim proteger a posse das
cousas corpóreas ou a quasi posse de direitos reaes; mas não o
exercício de quaesquer outros direitos, como alem dos arestos
— 611 —
citados pelo juiz et quo, ainda recentemente decidio este Tri-
bunal, na appellação n. 284 por Accordam de 7 agosto do anno
próximo passado. »
No Acc.de29 abril 1899, sobre o aggravo interposto por
Miguel A. Bruno, do despacho do juiz seccional, que lhe indefe-
rira o pedido de manutenção contra o acto da Policia, prohibindo
o funecionamento da empreza Coupons-Annuncios, da qual era
gerente, se disse: « Negam provimento ao aggravo, por isso qne
não se tratando na espécie de posse de cousas corpóreas ou da
quasi posse de direitos reaes, ê de todo ponto incabivel a manu-
tenção requerida pelo aggravante.»
No Acc. de 7 abril 1900 sobre o aggravo do despacho do
juiz seccional do Estado de Pernambuco, indeferindo o pedido de
mandado de manutenção de Honório Bastos & C, ameaçados
pelo agente fiscal de Goyanna de ordem de fechamento do seu
estabelecimento comraercial e de imposição de multa, como
incursos na disposição do art. 6
o
do dec. n. 3535 de 1899, se
disse: « O acto do juiz fundara-se na jurisprudência do S. T. F.
de não serem os direitos pessoaes protegidos pelos interdictos
possessórios, destinados a assegurar a posse das cousas cor-
reas ou a qnasi posse dos direitos reaes desmenbrados do do-
mínio ; principalmente tratando-se, como na espécie dos autos,
de lesões de direitos individuaes por actos de autoridades admi-
nistrativas da União, para a reparação dos quaes a lei n. 221 de
1894 creou acção especial.» .* j
No Acc. de 20 abril do mesmo anno, sobre espécie idên-
tica, se decidio de igual modo por votação unanime dos mem-
bros presentes do Tribunal. I
No Acc. de 4 agosto 1900, sobre o aggravo de Ferreira
Silva & 0. e outros, interposto do despacho do juiz seccional,
que lhes indeferio o pedido de manutenção na posse dos terren os,
nos quaes exploravam a plantação de hortas e capim, ora tur-
bada por acto do Governo, como medida necessária â saúde
— 612 —
publica, se disse: « Considerando que as medidas tomadas pela
autoridade competente, de accordo com uma lei preexistente (dec.
municipal, n. 672 de 9 maio 1899) em beneficio da saúde publica,
de modo algum devem ser consideradas violência á nenhum di-
reito de posse; Considerando que, si aos indiduos fosse per-
mittido, em tempo de peste ou de guerra, semelhante remédio
possessorio, estaria, ipso facto, entorpecida a acção da autoridade
incumbida de velar pelo bem publico; Considerando que em taes
casos, aos prejudicados só é licito pedir indemnisação do damno
em sua propriedade, nos casos e nos termos permittidos na
lei;... confirmam o despacho aggravado.»
No Acc. de 22 agosto 1900, sobre o aggravo do Dr. Antó-
nio de Souza Campos e sua mulher, interposto do despacho do
juiz seccional, que lhes negou mandado de manuteão contra o
acto da Directoria Geral de Saúde Publica, que os intimara a re-
parar um pdio de sua propriedade segundo as exincias da
hygiene, sob pena de ser o mesmo fechado, disse o Tribunal:
« Considerando que dos termos em que os aggravantes expõem
sua intenção e da natureza da medida administrativa contra a
qual se insurgem resulta o haver immmencia de turbão ou
esbulho de sua posse, nem offensa alguma a seu direito de pro-
priedade; pois que a Directoria Geral de Sde ordenando o
fechamento do edicio em que têm sua estalagem os aggra-
vantes, para que seja elle posto, conforme a legislão vigente,
em condões de ser habitado sem perigo para os inquilinos nem
detrimento da salubridade geral, de modo algum se trata de
exercer nelles actos possessórios, nem de domínio, mas somente
da applicação de uma providencia autorizada por lei e que nem
vem jus possessionis obscurum reãere, nem privar os aggra vantes
da sua propriedade, o que excluo o uso dos interdictos possessó-
rios ; Considerando que, com effeito, aos aggravantes não de
aproveitar o disposto na Ord. (que citam) do liv. 3.° tit. 78, §
5
o
, ibi: « se alguém se temer de outro que o queira offender
— 613 —
na pessoa ou lhe queira sem razão occupar e tomar suas cousas>
poderá requerer ao juiz, etc», porquanto nenhuma applicação,
em face de seus claros termos, pôde ter ao caso occorrente se -
melhante disposição; visto que, devendo ser entendida em ter-
mos hábeis e de accordo com as disposições legaes applicaveis
ao caso, na interdicção, de que se queixam os aggravantes, ne-
nhum risco correm elles de que lhes seja occupaãa ou tomada
sua propriedade e não sede dizer que obra sem razão
%
isto é,
contra direito, a autoridade publica decretando, sob sua respon-
sabilidade, o emprego de uma providencia de interesse geral e
que está no circulo das suas attribuições; Considerando que con-
tra os actos da Administração publica no legitimo exercicio de
suas faculdades de policia não o cabíveis inUrdictos possessórios
que suspendem taes actos ou os anniillam -, pois o contrario seria
anarchicoe subversivo da ordem administrativa, subordinando
inconstitucionalmente a acção das respectivas autoridades a
poder estranho que sobre ellas não têm superintendência, e,
assim, a um tempo quebrantando o principio fundamental da
divisão e separação dos poderes públicos, embaraçando a acção
dos agentes administrativos que para seu bom êxito deve ser
prompta e expedita na maior parte dos casos, e grandemente di-
minuindo-lhes, senão nullificando-lhes a responsabilidade que a
lei creou*lhe,.como condição para o bom e firme desempenho de
suas funcções; Considerando que contra os abusos e determina-
ções damnosas aos particulares, praticadas por essas autorida-
des, a lei tem estabelecido recurso a instancias superiores ad-
ministarivas, a acção criminal e a civil e especialmente a da lei
n. 221 de 20 de novembro de 1894, art. 13, que suficientemente
asseguram os direitos legítimos e interesses individuaes que pos-
sam ser lesados pelos f unccionarios prepostos â Administração
geral, por modo que não se acham os aggravantes privados das
garantias legaes para, por outros meios, fazerem manter seus
direitos e indemnisarem-se dos damnos que lhes occorrerem :
— 614 —
Considerando que mal invocada é a disposição do arfe 72 § 17
da Constituição Federal, que garante a propriedade em toda
a sua plenitude, salvo desappropriação legal com prévia inde-
mnisação; quer porque o se trata, no caso occorrente, de
despojar os aggravantes de seu pdio e do direito de disporem
delle (e provado que estivesse no plano, por elles attríbuido
á Directoria Geral de Saúde, de acabar com as estalagens, a
elle somente se procederia em virtude e na forma das leis e me-
diante as indemnisações que se verificasse serem devidas); quer
porque, como bem se explana no despacho e contra-uiinuta do-
juiz a quo, am da excepção constitucional, ha mais a obser-
var, quanto ao exercício do direito de propriedade, certas re-
stricções impostas pelo interesse geral e que se consagram na
legislão de todos os povos cultos, da qual nisso não destoa a
nossa; Considerando que os próprios aggravantes tendo, depois
de proposta a acção, requirido prorogão do prazo a elles as-
signado para a execução da medida de que se trata, vieram
assim a reconhecer a compencia da autoridade que a determi-
nou e a legitimidade de seu acto; o lhes valendo terem-n'o
feito com segnnda tenção, como declaram para ganhar tempo
e obter certidões, pois nenhuma resalva ou protesto fizeram
na petição constante da certidão de fl..., nem consta de
qualquer outra peça dos autos, e desfarte por aquella petição
se propuzeram a cumprir a intimão, pedindo somente para
isso mais tempo, isto é, convierara elles mesmos e esponta-
neamente em submetter-se ao que a principio tinham conside-
rado amea de turbação, de onde resulta o mais poderem
obter o pretendido interdicto prohibitorio, e isto posto: O Su-
premo Tribunal Federal nega provimento ao aggravo, para
manter, como mantêm, e mandar que prevaleça o despacho
aggravado... »
Esta decio foi tomada unanimemente, estando presentes
quatorze ministros.
— 615 —
No Acc. de 13 outubro 1900, sobre o aggravo de João de
Albuquerque Serejo interposto do despacho do juiz seccional
do Districto Federal, que lhe negou mandado prohibitorio con-
tra o acto da Directoria Gerai de Saúde Publica, impondo-lhe a
obrigação de satisfazer certas exigências de policia sanitária,
se disse: « Que a intervenção do Estado em matéria de
hygiene se legitima por estar a saúde publica intimamente
vinculada ao interesse social...; que, sem violar a co-existen-
cia harmónica dos órgãos da soberania nacional, tão necessária
à marcha regular das instituições democráticas, não seria licito
ao poder judiciário expedir mandado de manutenção ou outro
qualquer interdicto possessorio para o fim de suspender a me-
dida que a administração publica, no exercicio legitimo de suas
funcções e por intermédio da autoridade competente, julgue
imprescindível para prevenir ou reprimir o apparecimento ou a
propagação de qualquer epidemia; que, si porventura o acto
emanado da autoridade sanitária produzisse a lesão de um di-
reito, a lei n. 221 de 1894, art. 13 assegurava, sem prejuizo do
interesse social, a sua reparação... »
188
94 d. —Ora, dos diversos accordams, que foram citados,
e da uniformidade de linguagem dos mesmos, não se pode deixar
de concluir, que a jurisprudência pátria não admitte o inter-
dicto possessorio, senão, em favor das cousas corpóreas ou de
direitos reaes, excluindo os direitos pessoaes dessa protecção.
E não se pode deixar de convir, que, no estado actual do
nosso direito vigente, essa jurisprudência firmada pelo Supremo
Tribunal Federal é, incontestavelmente, a única verdadeira ou
legitimamente fundada.
188
Com a doutrina dos Aocs. acima mencionados conferem ainda:
8. T. F. 23 e 80 outubro 1901; 12 abril e 21 junho 1902; 4 abril, 20 junho
e lo Agosto 1903; 9 abril 1904, etc.
616
De facto, cora a lei n. 221 de 1894, art. 18, o que o legis
lador teve em mente, foi consignar os casos e o processo, segundo
o qual se podia dar a legitima intervenção do judiciário nos
actos dos dous outros poderes, sem offensa das faculdades des
tes ; visto, a então, nada haver de positivo em nossas -leis a
semelhante respeito. I
O pensamento, que se deprehende dos dispositivos dessa
lei, é, antes de tudo, o de que a efficacia dos actos legislativos e
administrativos, assim como o dever de obedncia aos mesmos,
deveo subsistir sem quebra, até que, por sentea judiciaria
proferida em processo regular, sejam taes actos declarados, por-
ventura, nullos ou carecedores de força jurídica.
189
O legislador de
1894 procurou tornar este seu pensamento o mais claro pos-
189
Como vimos, por disposições de leis e decretos recentes (hic,
nota
17S
) fora expressamente prohibido ao Judiciário conceder interdictos
possessórios contra os actos administrativos do Prefeito Monicipal e das
autoridades sanitárias. Os interessados, porém, se tem insurgido contra taes
disposições, averbando-as de inconstitucionaes, como se dos seguintes
factos. Tendo o Prefeito do Districto Federal mandado intimar a diversos
proprietários e inquilinos de prédios nesta cidade do Rio de Janeiro (Largo
da Carioca) para despejal-os afim de ser feita a demolição dos mesmos, sob o
fundamento ou pretexto de ameaçarem ruína, os interessados
recorreram ao Juizo Federal, pedindo mandado de manutenção em seu
favor, por não haver a supposta mina de taes prédios, já por serem
illegaes, por contrarias á Constituição, as ordens do Prefeito a esse
respeito. O Juiz Federal da Secção se tendo declarado incompetente, e bem
assim o da justiça local, subiram os feitos, pelos aggravos de ns. 555, 557
e 558, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, o qual os decidira
por maioria insignificante de votos, ora pela competência da justiça local
(aggr. n. 555 por Acc. de 9 julho 1904), e ora pela da justiça federal (aggr.
ns. 557, por Acc. de 13 julho; agg. n. 558 por Acc. de 16 julho 1904). De-
vendo prevalecer o teor das ultimas decisões, as partes requereram de novo
ao Juizo Federal o remédio possessorio em favor dos prédios em questão, e
desta vez sendo deferido o pedido (despacho de 20 julho 1904), obtiveram
manuteão contra as intimações do Prefeito. Não havendo, entretanto,
julgamento definitivo do feito ou de mentis, não se pôde saber, si a
concessão do mandado teve por fundamento a inconstitucionalidade da lei,
em que se baseiara o acto do Prefeito,—ou si o mesmo foi
— 617 —
sivel, estatuindo, como advertência especial, no § 7
o
do citado
art. 13, que o autor podea requerer a suspensão do acto ou me-
dida impugnada, mas, dirigindo o seu requerimento a pró-
pria autoridade administrativa expeditora do acto, e esta poderá
attendel-o, « si a isto não se oppuzessem razões de ordem
publica ». Não reconheceu, entretanto, a mesma faculdade á
autoridade judiciaria. E porque? Porque entendera, sabia e
prudentemente, que a independência dos poderes blicos ficaria
reduzida a um simples vocábulo, "flatus voeis", sem a menor
significação pratica, desde que a um delles somente coubesse o
direito superior de, a priori, ou em vista de simples petição do
interessado, annullar os feitos dos actos dos demais poderes
coordenados. Certo, não é este o funecionamento de poderes,
independentes e harnicos, que se acha consagrado nos textos
da Constituição.
o ha duvida, que o individuo, lesado nos seus direitos
pessoaes por actos da Administração Pnblica, tem o direito de
recorrer ao Judiciário, pedindo remédio reparador; e foi, pre-
cisamente, o exercicio desse direito, que a lei n. 221 procurou
regular de maneira conveniente. Proponha elle, portanto, livre-
mente a sua acção; e demonstrada a procedência delia ou a
invalidade do acto administrativo perante a autoridade judicia-
ria, é direito e dever desta declarar o acto nullo por sentença,
—para o fim de assegurar o direito da parte lesada, com as
perdas e damnos, que no caso se derem. Emquanto, porém, não
for lavrada a decisão final, irrevogável, do Judiciário, o acto
administrativo, embora impugnado, devera ser reputado, legal
e valioso, em respeito ao poder independente, donde o mesmo
emanara. Fora da observância desta regra, não ha,
concedido por se tratar, no caso, de direitos reaes, isto é, direitos relativos
a prédios, cuja demolição se ordenara, tirando-se, talvez, argumento da
própria lei n. 221, art. 18, § 16, letra &...
I— 618 —
nem pode haver, independência de poderes iguaes, e coordena-
dos em vista da realisação do bem publico.
— Neste sentido merecerão, sem duvida, a attenção do
leitor as razões, que aqui transcrevemos, do Procurador da
Fazenda Municipal do Districto, allegadas a propósito de uma
manutenção da espécie:
I « Com effeito, se a autoridade judiciaria pôde conhecer da
legalidade e da legitimidade de um acto da Administração Pu-
blica, a sua competência deve ser limitada a verificar em cada
caso a existência do direito privado, que se diz offendido, e a
vêr se esta lesão existe, pronunciando-se na espécie sobre as
perdas e damnos e sobre a inefficacia da decisão administrativa
pela inobservância das formalidades legaes. Mas se a autoridade
judiciaria pôde impedir que o acto da administração tenha o seu
completo e pleno effeito, negando-lhe applicação ao caso occor-
rente, não pôde pronunciar-se sobre a sua opportunidade, nem
revogal-o, modifical-o ou ordenar e crear disposições, que lhe
sejam contrarias; de outro modo seria invadida a esphera das
attribuições do Poder Executivo e seriam confundidos todos os
poderes.
I «Consequência de taes princípios é a inadmissibilidade das
acções possessórias contra os actos administrativos.
«Às acções possessórias tendem a manter na sua posse a
quem nella é turbado, ou a restituir a posse a quem delia se
espoliado com o fim de prevenir conflictos entre os particulares
e de impedir que estes se façam justiça por suas próprias mãos.
« O exercio dessas acções não se compadece, pois, com os
actos da Administração Publica, os quaes, porque emanados dos
poderes legalmente constituídos e destinados ao bem commum,
têm uma presumpção de justiça, embora algumas vezes, ou por
abuso ou por erro, possam importar numa violação dos direitos
indíviduaes.
— 619 —
« Além disso, se admissiveis contra a Administração Publica
fossem as acções possessórias, os juizes seguramente viriam por
um modo indirecto a revogar, modificar ou annullar o acto ad-
ministrativo, desde que a sentença que ordenasse a desistência
da turbação ou da reintegração da posse privada substancial-
mente suspenderia o acto administrativo, da execução do qual
decorre a turbação ou o espolio.»
19
°
Verdade é, que na mesma lei n. 221 (art. 13 § 16) se
declara, que"subsiste sem alteração o direito vigente quanto às
acções possessórias; e a manutenção provisória é, sabidamente,
uma das formas salutares das acções referidas, Mas quid inãe ?
Que dabi se deva inferir a admissão dos interdictos prohibito-
rios ou retinendm possessionis contra todos e quaesquer actos da
administração? Evidentemente não. O que o legislador preten
deu firmar, pelo § 16 do art. 13 da lei de 1894, foi que esta
lei em nada [alterava o direito existente sobre a protecção da
posse das cousas, ou dos chamados jura in re\ mas, sem o intuito
de ampliar semelhante protecção ás cousas incorpóreas ou aos
direitos pessoaes, como á outros tem parecido.. .
191
I
o dissemos, as acções possessórias do nosso direito
civil foram sempre tidas, como remédio judicial especifico de
defender e conservar a posse das cousas contra qualquer tur-
bação; sendo esta a jurisprudência pátria, uniforme, indiscutí-
vel, na época, em que foi votada a lei n. 221. Portanto, quando
o legislador se referiu a taes acções, não podia ter tido outra
mente, que não fosse a de conservar-lhes a mesma applicação,
íso Miranda Valverde, Minuta do Aggravo n. 431 de 1901 para o Su-
premo Tribunal Federal.
ísi Talvez não seja descabido dizer aqui, que toda a matéria do art. 13
da lei n, 221 fora apresentada pelo autor deste trabalho (então senador
federal) em projecto de lei; sendo dito artigo adoptado pelo Congresso Na-
cional sem a menor emenda ou modificação feita.-Vide: Projecto do Se-
nado n. 6 de 1893, art. 2.°
— 620 —
os mesmos effeitos, que então tinham. Pqder-se-á afiBrmar o con-
trario, isto é, que os interdictos possessórios fossem eno igual-
mente admittidos, praticados, como regra da nossa jurispru-
ncia,— para a proteão de direitos meramente pessoaes, e,
nomeadamente,contra os actos da Administração Publica? Onde
os documentos, que attestam o reconhecimento de semelhante
ampliação? — Em parte alguma.
Logo, é forçoso concluir que, mesmo em vista da resalva
feita pela lei n. 221 de 1894, o Judicrio o deverá conceder
taes interdictos, seo, tratando-se de cousas, propriamente di
tas, ou usando da linguagem consagrada, em favor da posse de
cousas corpóreas ou da quas^posse dos direitos reaes. Fazer
o contrario, é proceder sem apoio na lei; é praticar um abuso
manifesto... I
94 e Agora, pondo termo â este ultimo capitulo da nossa
tarefa, cumpre-nos dar, ainda que em breves palavras, duas ex-
plicões, uma ainda relativa aos interdictos prohibitorios, e
outra relativa á intervenção judiciaria em geral.
Quanto á primeira, é de saber, que as considerações,
feitas contra o uso dos interdictos, assentam, como se disse, nas
disposições da lei vigente e na jurisprudência até agora consa-
grada pelos tribunaes; mas, com ellas, não se quiz dizer que
repugna aos bons princípios jurídicos, que os direitos pessoaes,
em dados limites e em casos excepcionaes, também possam ter
em seu favor a mesma protecção, de que gosa a posse s di-
reitos reaes.
iea
Nada, realmente nada, impede, que assim se
faça em lex ferenãa...
O que combatemos, por não nos parecer admissível, é, que
se recorra á manuteão ou aos interdictos prohibitorios, como
192
A respeito da manutenção dos direitos pessoaes, se encontra no
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), de 25 janeiro e I
o
fevereiro 1903,
nm importante trabalho do professor de direito, Cândido L. M. de Oliveira.
— 621 —
regra ou meio ordinário contfa os actos da Administração Pu-
blica. O processo commum de defender o direito, ameaçado ou
ferido pelo poder administrativo, deve ser outro; muito embora
a lei possa autorisar taes interdictos em casos particulares, e de
que já temos, aliás, exemplo no recente dec. n. 1185 de 1904
relativamente aos impostos interestadoaes. Como remédio ordi-
rio, pensamos nós, devecom razão continuar, ou o da
annullação do acto lesivo, autorisado pela lei n. 221 de 1894,
com os seus effeitos de reparação consequente, ou do pedido
de simples indemnisão por perdas e damnos mediante a acção
ordinária, segundo as circumstancias do caso.
Quanto à intervenção judiciaria nos actos administra-
tivos em geral, também não se queira r no modo restrictivo,
pelo qual entendemos que ella pôde ter lugar, uma contra-
dicção ou esquecimento da doutrina, anteriormente sustentada,
acerca da responsabilidade geral do Bstado pelos actos lesivoa
dos seus representantes.
Nada disto certamente. A nossa questão alli, como aqui, é-
sempre a mesma: a do respeito devido ao direito daquelle qu&
o tem, seja o individuo, seja o Estado, seja uma parte da admi-
nistrão deste. Continuámos a affirmar do mesmo modo, que a
responsabilidade do Estado pela leo do direito individual deve
ser a regra geral; mas, sem deixar de reconhecer juntamente,
que semelhante principio tem, e nem pode deixar de ter, res-
triccões em muitos casos. O Estado responde, sim, perante o
Judiciário pelos damnos causados dos seus agentes ou funccio-
narios-, mas deverá fazel-o, de maneira conveniente e oppor-
tuna, que não embarace a sua acção, sabidamente indispensável
ã realisação do bem publico.
A intervenção judiciaria ê a mais legitima e necessária,
afim de assegurar ao individuo o restabelecimento do seu direito,.
ou, ao menos, uma indemnisação correspondente á lesão sof-
frida. Não ha que objectar.
— 622 —
I Mas, em respeito á independência do poder administrativo,
e dos fins, que igualmente se proem os actos do mesmo, é
preciso aguardar a opportunidaãe da intervenção judiciaria, 6
impor-lhe limites certos, isto é, a autoridade judiciaria se
deve restringir a assegurar a reparação dos direitos lesados,
sem jamais impedir a acção administrativa, nem querer dar
ordens ao outro poder igualmente independente, ou dictar-lhe
obrigações, que importem a usurpação de faculdades, que não
estão na sua Índole, nem lhe foram conferidas pela "Lei Fun-
damental" do Estado.
NOTA ADDITIVA A' Jurisprudência
Estrangeira
Para não tornar demasiado longo o presente Titulo, deixámos de abrir
capítulos especiaes a jurisprudência de alguns outros Estados estrangeiros,
relativamente ao assumpto. Entendemos, todavia, que não seria inútil dar,
ainda que em simples nota, uma ligeira noticia acerca da AuBtria, Suissa,
Hespanha e Portugal.
À situação do direito positivo destes Estados, feitas as restricções
peculiares de cada legislação, é, mais ou menos, análoga à da morparte
dos Estados da Europa e da America, no tocante à questão da responsabili-
dade civil do Estado. Carecem ainda de disposições legislativas de caracter
geral, que affirmem, ou neguem, dita responsabilidade, ao menos, sobre
um dado género de factos, como theoricamente se pretende no systema da
distincção dos actos entre .a gestão e o império.
Encoutram-se, apenas, disposições de caracter restricto ou especial,
reconhecendo a obrigação do Estado de indemnisar em certos casos, taes
por exemplo, nos de desapropriação por-utilidade publica ou n'outros, em
que se fazem damnos directos a propriedade particular por actos lícitos ou
legaes da Administração Publica. Também com relão aos próprios actos
illicitos, quando o danino provém de relações contractuaes, a mesma res-
ponsabilidade é, em regra, admittida na jurisprudência. Quanto, porém, aos
damnos provenientes de actos illicitos extra-contraotuaes, o principio, mais
geralmente insinuado, continua a ser o da irresponsabilidade do Estado,
muito embora, sem haver textos expressos que assim o declarem. As di-
versas leis, em geral, consagram a responsabilidade criminal e civil do
funccionario pelos seus actos lesivos do alheio direito; mas sem dizerem
juntamente si, por esse facto, se deve considerar excluída em todos os '
casos a responsabilidade civil, solidaria ou subsidiaria, por parte do Es-
tado. De maneira que se de afflrmar, que a verdadeira situação jurídica
sobre este ponto é a da incerteza... I Em todo o caso é de saber, que,
segundo o direito vigente dos Estados, a que ora alludimos, o Estado e o
Município são considerados pessoas judicas, e, como taes, sujeitos às
disposições dO direito civil, salvo na parte em que a lei ordenar o contrario;
donde não será descabido inferir,
que, senão em todos, certamente em um grande numero de casos;, em que o
representante do Estado ou do Município lesar por seus actos aos direitos
individuaes, estes últimos deverão responder civilmente nos termos do mesmo
direito, porventura applieaveis ás pessoas jurídicas em geral em casos aná-
logos.
H Não é preciso accrescentar, que no caso de o Estado tirar um lucro
do acto illicito do seu funccionario, a indemnisação ó de regra, pelo menos,
até a importância do lucro illicitamente obtido.
Agora, deixando de parte a matéria da desapropriação, cuja indemnisação pelo
Estado é hoje um preceito commum do direito constitucional dos diversos
Estados civilisados, passaremos á mencionar algumas outras dis-•f posições
particulares, que se referem, ou poderão ter applícaçao ao objecto da presente
nota.
ÁUSTRIA. —A questão da responsabilidade do Estado ou do Município
pelos actos lesivos dos funccionarios oceupára a attenção dos poderes pú-
blicos desde data remota, sobretudo, no que se refere aos funccionarios
judiciaes. Já um decreto imperial de 4 janeiro de 1787 (Sofdecret) dispunha: «
Quando o magistrado ou o administrador da justiça (Gerichtsverwalter)
incorrer na satisfação de damnos ou prejuízos por motivo da má adnii-.
nistração da justiça, o respectivo município ou o senhorio (Governo terri-
torial), do qual depender dita jurisdicção, deverá prestar a indemnisação
devida á parte lesada, com direito regressivo contra o magistrado ou juiz que
tenha tido culpa ou parte na injustiça feita.»
Esta disposição tinha igual applícaçao ao Estado, como expressamente
o declarara ura outro decreto imperial de 28 janeiro 1838.
- Os annaes legislativos da Áustria, de data anterior e posterior, con-
tem diversos projectos de lei apresontados acerca da responsabilidade do
Estado, sendo mais notável, um do ministério da justiça, estabelecendo a
responsabilidade primaria do mesmo. Este projecto, porém, logrou ser
convertido em lei (12 março 1859) na parte que reconhecera o Estado, res-
ponsável immediato pelos depósitos, subsistindo quanto ao mais a respon-
I sabilidade exclusiva dos funccionarios culposos. A lei de 17 dezembro 1862
declarou igual responsabilidade nos casos de apprehensões de cousas, fei-
I tas pela policia ou por occasião de uma medida administrativa. Por ultimo,
tendo a lei constitucional de 21 dezembro 1867 (Staatsgrwndgesetz iiber die
t richterliche Gewalt) disposto no seu art. 9.°, que o Estado ou os seus
funccionarios judiciaes são sujeitos à acção pelos damnos que causarem
I no exercício do cargo (Der Staat oder dessen richterliche Beamten kõnnen
wegen der von den letzteren in Amubung ihrer amtlichen Wirksamkeit verur-
sachten Rechtsverletzungen ausser den im gerechtlichen Verfahren vorgezei-
chneten Rechtsmitteln mittelst Klage belangt teerden), foi nesta confornii-
1
I
— 625 —
dado votada a lei de 12 julho 1872 (Gesetz voto, 12 juli 1872, womit zur
thvrchfUhmng des artikels 9 ães+Staatsgrunãgeçetzes vowSl Dec&hiber 1867
iiber die richterliche Getvalt, das Klagerecht der Parteien wegen dês vom\
richtérlkhen Beamten in AusUbung ihrer amtlichen Wirksanikeit zugefiigten
Itechtaverletzwtgen geregelt wvrd), cujo art. I
o
dispõe expressamente:' « Quando
um funccionario de ordem judiciaria no exercido das suas func-cões lesar, por
excesso de poder, os direitos de uma parte causando-lhe damno, para cuja
reparação os meios processuaes existentes não provejam remédio, a parte lesada
tem o direito de exigir a reparação desse damno por via de acção, seja contra o
funccionario responsável, seja contra o Estado, seja contra ambos na íórraa
determinada pela presente lei. O funccionario é obrigado, como devedor
principal, e o Estado, como abonador, que paga por outrem (Wenn em
richterlicher Beamter in der Ausubwng seiner amtlichen Wirksamkeit durch
Tfebertrebuvg seiner Amtspflicht einer Partei eine Rechtsverletzung imã
dadurch einen Sehaden zugefiigt hat, gegen welchen die in dem gerechtlichen
Verfahren vorgezeiehneten Rechtsmittel eine AbhUfe nicht gewãhren, so ist die
beschãdigte Partei nach Massgabe dieses G-ezetzes berechtigt, den JSrsatz des
Schadens mittelst Klage gegen den schuld-tragenden rschterliehen Beamten
allein, oder gegen den Staat allein, oder gegen Beide auszusprechen...).
Ahi temos, pois, relativamente aos actos judiciários, reconhecida de
modo expresso a responsabilidade civil do Estado, sem que nos textos das leis
citadas se tenha feito resalva de alguns de taes actos, á pretexto de serem de
império ou. de poder publico.
A lei de 1872 declarara igualmente, que sobre todos os pontos, nao
modificados por ella, as disposições do direito comiuum regalam a matéria da
indemnisaçao do funccionario (art. 5
o
), e que ao Estado compete o direito
regressivo contra o funccionario pelo que pagar a titulo de indemnisaçao ;
podendo tomar a respeito as medidas assecuratorias convenientes, inclusive a
execução dos vencimentos e mais emolumentos pertencentes ao funccionario
culposo, (arts. 15-26}.
A indemnisaçao por motivo de prisão, feita ou prolongada illegal-
mente, de que trata o art. da lei orgânica de 21 dezembro 1867 (Staats-
grundgesetz iiber die allgemeinen Rechte der Staatsburgerfiir die in Reichsrathe
vertretetenen Konigràehe und Lãnder), devera ser igualmente processada nos
termos da lei de 1872; sendo positiva a disposição da lei constitucional de 1867
a este respeito: «Toda detenção feita ou prolongada illegalmente obriga o
Estado a reparação do damno á parte lesada».
Nos motivos da lei de 12 julho de 1872 se disse: « A parte não tem a
Uberdade de escolha de por-se, ou não, em relação com o funccionario, nem de
acceitar determinado funccionario. Tanto o acto, como a pessoa do
funccionario, são Impostos a parte; logo aquelle que crea esta necessi-
40 R- C.
— 626 —
dade, a dizer, o Estado, deve responder pelas consequências delia. A obri-
gação de indemnisar por parte do Estado *funda-se no instituto da repre-
sentação do cargo e na necessidade dos súbditos do se acharem em relação
«orn o funceionario. E esta obrigação jurídica de indemnisar o depende
da natureza da matéria sujeita; a maior ou menor importância dos direitos,
caso se possa fazer uma tal classificação, nada influe á semelhante
respeito.—Vide: A. Klevitz, Die EntseJiadigungsausprtiche aus rechtmi-
drigen AmUhandlungen, p. 39, 86 sg., 97 nota, 100 nota e 109, nota, etc.
Quanto á responsabilidade do funceionario, proveniente dos actos
administrativos propriamente, também por outra lei constitucional de 21
dezembro 1867 sobre o exercício do poder governamental e executivo
(StaatsgrundgeHetz ber Ausubung der JRegieruvgs-und- Yollzugsgetvalt) fora
disposto em seu art 12: «Todos os funecionarios do Estado» no exercido de
suas attribuições, são obrigados a guardar as leis constitucionaes, as leis do
império e as leis locaes de cada paiz. A responsabilidade eflectiva dessa
obrigação incumbe aos orgfios do poder executivo, a quem pertencer a
autoridade disciplinar sobre os respectivos funecionarios. A responsabili-
dade civil destes, pelos damnos causados no uso illegal da sua autoridade,
será regulada em lei especial. (Die civilreehtliche Haftung derselben fiir
die âurch pflicMidrige Verftígungen verursachten RechtBverletzungen uird
durch chi Gesctz normirt). Até ao presente, porém, não consta a promul-
gação desta lei especial.
Anteriormente, na lei da responsabilidade dos ministros (Gesetz tíber
die Yerantwortlichkeit der Minister) de 25 julho 1867.se havia igualmente
disposto no art. 6°: « O ministro pôde ser processado perante os tribunaes
ordinários pela reparação do dam no resultante de um acto das suas attri-
buições, seja em prejuízo do Estado, seja em prejuízo de um particular,
desde que semelhante acto for deolarado illegal pela Alta Corte de justiça
(Staatsgerichtshof).
A citada lei constitucional (sobre a poder judiciário) de 21 dezembro
1867, havendo juntamente disposto no seu art. 14, que a justiça e a ad-
ministração são separadas em todos os grãos de jurisdicção, acerescen-tãra
no art. 15: « Em todos os casos, em que uma autoridade administrativa
intervém e decide as contestações entre particulares segundo as leis
vigentes,— á parte, que for lesada em seus direitos pela decisão, é livre
recorrer contra o seu adversário pelas vias judiciarias de direito commum.
Alem disso, todo aquelle que se julgar lesado em seus direitos por uma
decisão ou medida de autoridade administrativa, tem o direito de levar a
sua reclamação perante a corte de justiça administrativa contra o repre-
sentante da autoridade administrativa». As regras sobre a organisação desta
corte e o respectivo processo deviam constar de lei especial. Tal foi o
objecto da lei de 22 outubro 1875 (Gesetz betrefend die Erriehtmg eines
/
— 627 —
Verwaltungsgerichtshofe*), a qual resa em seu art. I
o
: A Corte de justiça
administrativa conhece de todos os recursos, que lhe forem apresentados
pelas pessoas que se julgarem lesadas em seus direitos por uma decisão
ou medida da autoridade administrativa, seja esta central, provincial, de-
partamental, ou municipal.
Conforme ao art. 3
o
desta lei, são excluídos da competência da Corte
de Justiça Administrativa: a) as matérias, cuja decisão pertence ás justiças
ordinárias; &) as que, segundo a lei constitucional de 21 de dezembro de 1867,
são da competência da Corte do Império (Rekhsgericht); c) as que, segundo
a lei n. 146 de 21 dezembro 1867, são submettidas ã uma administrão com-
mum pelas duas partes do Império; d) as que, conforme esta mesma lei de
21 dezembro 1867, são submettidas, quanto à sua administração, á princí-
pios uniformes nas duas partes do Império, comtanto que a medida ou
decisão impugnada tenha sido tomada em execução da lei por uma auto-
ridade administrativa commum ou por uma autoridade administrativa da
outra parte do Império, ou se funde sobre a applicação de alguma resolu-
ção ou regulamento feito igualmente de accordo ; c) as matérias, nas quaes
a administração é investida de um poder discricionário, na medida que este
poder lhe tenha sido conferido; /') os recursos contra as nomeações para
os cargos e funeções publicas, quando não se tratar de offensa a um pre-
tendido direito de apresentação ou designação; g) as matérias discipli-
nares ; h) os recursos contra as decisões administrativas emanadas em ul-
tima instancia da Corte Suprema, assim como as decisões emanadas de
uma jurisdicção composta de funocionarios e juizes juntamente ; i) os re-
cursos contra os actos e decisões das commissões encarregadas da repar-
tição dos impostos.
Quando a Corte de justiça administrativa admitte o recurso, deve
annullar o acto, como illegal, por uma sentença fundamentada (art. 7°).
E', entretanto, de observar, que a lei, facultando o recurso das
decisões administrativas para a Corte de justiça administrativa, teve so-
mente em vista crear um remédio contra o erro ou injustiça de taes deci-
es, que a Corte de annuUar, como se vio ; é um remédio em tudo aná-
logo ao que a lei brazileira n. 221 de 1894 procurou consagrar em nosso
paiz. Mas a referida lei austaca não cogitou de excluir o direito a indemni-
zação que porventura possa caber ao individuo lesado (die civile rechtliche
Haftung) em consequência da respectiva decisão administrativa; esse di-
reito, si houver no caso, continuara a ser regido pelo direito commum ou
por outras disposições espeoiaes. Queremos dizer, mesmo da não compe-
tência da Corte administrativa para rever ou annullar os actos exceptuados
no art. 8
o
da lei, não é licito desde logo inferir, que os mesmos actos não
podem, por isto, ser susceptíveis de gerar a responsabilidade civil do
funocionario ou do Estado, pelas suas consequências lesivas do alheio direito.
— 628 —
I SUISSA.—A responsabilidade dos funccionarios públicos pelos effeítos de
seus actos está expressamente consagrada na Constituição Federal (art.
177) e bem assim nas constituições e leis cantonaes. H Quanto ao mais,
temos o seguinte:— O código federal das obrigações (lei de 1'4 junho
1881, posta em vigor no janeiro de 1883), dobaixo do titulo de "Actos
Illtáiios ", começa por declarar (art. 50),—que cada um é obrigado a
reparar o damno causado a outrem por actos illicitos, seja pro-positalmente,
seja por negligencia ou imprudência. H B tendo disposto nos arts. 61,62 e
63 sobre a responsabilidade que cada um pôde contrahir pelos actos de
outrem, que esteja na sua dependência ou serviço, incluindo entre os
responsáveis as pessoas jurídicas, que exercitam uma industria, diz no art.
64: «As leis federaes ou cantonaes podem derogar as disposições deste
capitulo no que respeita á responsabilidade dos damnos causados por
funccionarios ou empregados públicos no exercido das suas attribuições;
advertido, porém, que as leis cantonaes não poderão derogar as mesmas
disposições, quando ellas se referem aos actos de funccionarios ou
empregados na exploração de uma industria.»
E' de saber que outra lei federal (de 25 junho 1881) também reco-
nhecera a responsabilidade civil por actos de outrem, sem a condição de
culpa,— declarando o pato ou o proprietário do estabelecimento industrial
obrigado a reparar o damno soffrido pelos operários no serviço,— mesmo
provado, que aquelle não tenha tido a menor culpa no acto ou facto, de que
resultar o damno.
São os tríbunaes ordinários, que tem competência para conhecer
das acções contra os funccionarios públicos; e como na mórparte dos can-
tões os mesmos tribunaes decidem igualmente de matérias contenciosas
administrativas, é consequente, que elles apreciem, em dados casos, o pró-
prio valor jurídico dos actos da administração publica. Todavia, sendo varia
a legislação cantonal a respeito da matéria, não podemos apresentar um
summario da mesma a esse respeito ; apenas faremos a indicação de algu-
mas das disposições concernentes, adoptadas em certos cantões.
A lei do cantão de Berna de 81 julho 1846, art. 17: « As acções
civis, que resultam da responsabilidade, podem ser propostas em juizo
directamente contra o Estado (tmmiltelbar gegen den Staat)... O Estado
conserva o direito regressivo contra os culpados. »
No art. 72 da Constituição cantonal, o qual veda a prisão individual,
a não ser nos casos e formas previstas na lei, se estatue juntamente : «Uma
prisão illegal dá ao preso o direito á inteira indemnisação ».
Disposição idêntica ou análoga se encontra em varias outras con-
stituições, notadamente, nas de Zurich (art. 7), de Luzerna (art. 5), de Ob-
Wald (art. 9), de Zug (art. 7»), de Solothurn (art. 81), de St. Oallen (art.
14), etc, etc.
— 629 —
Em varias dessas constituições vem expressamente declarado, que a
dita indemnisação deve ser prestada pelo Estado.
A Constituição de Zurich dispõe de modo geral, no sen art. 4
o
,
qne ao Estado incumbe garantir os direitos indivldnaes, legitimamente
adquiridos (woMerworbene Privatrechte) ; que si o bem publico o exigir, e
permittida a sua desapropriação ; mas mediante justa indemnisação, cuja
importância, no caso de contenda, será fixada pelos tribunaes de justiça.
A Constituição de Ob-Wald (art. 9) estende a obrigação do Estado
de prestar indemnisação, o aos casos de prisão illegal, mas também
aos de condemnaçâo injusta. E no código civil do mesmo cantão se acham
consagradas as seguintes disposições:
Art. 419. Os membros e empregados das administrações publicas res-
pondem aos particulares pelo damno que lhes causarem, intencionalmente
ou por grave negligencia, no exercício das funcções; a menos que as pes-
soas lesadas, havendo vias certas de direito para evitar o damno, tenham
negligenciado de usar delias.
Art. 420. Quando um particular, por motivos do interesse geral, sof-
frer da parte da autoridade publica, um damno, que a lei não lhe impoz a
obrigação de supportar pessoalmente, e que não possa ser imputado a si
mesmo, por exemplo, em consequência de exercicios militares, ou de me-
didas policiaes, dito particular terá direito de acção para ser indemnizado,
não, contra o autor do damno, mas contra o Estado; uma vez qne o caso
seja assimilável à ama desapropriação ou á uma privação forçada de di-
reito por causa de utilidade publica. Fora disto, não poderá, reclamar in-
demnisação alguma.
Art. 421. Si no exercicio da autoridade publica uma pessoa for lesada
por effeito de dolo ou grave negligencia de um funccionario ou empregado
publioo, dita pessoa só terá recurso contra o próprio culpado,
A Constituição de Solothurn, ao declarar a responsabilidade dos
funccionarios pelos damnos causados, ajunta igualmente: « qne si elles ou
os seus fiadores não poderem satisfazer o damno, ao Estado cabe a obriga-
ção de responder pelo mesmo» (art. 11). I
Na reforma constitucional do cantão de Uri de 6 maio 1888 foi ado-
ptada a seguinte disposição: « O Estado assume a responsabilidade sub-
sidiaria, até o 'dobro da importância da fiança, pelos seus funccionarios,
empregados e prepostos nos casos de falsidade e negligencia (von Un-treue
oder Pflkhtvernachlãsaung derselben).» A nova reforma tamm
consagrara o direito de indemnisação contra o Estado nos casos de prisão
injusta. B
Por ultimo, também não devemos deixar de dizer que, segundo uma
decisão do Tribunal Federal Sulsso, o Estado fora declarado irresponsável
no seu exercício de poder publico, salvo disposição especial derogatoria
— 630 —
desse principio. (Decisão do Tribunal Federal Suisso de 25 março 1882.— j
Cf. Bailby, ob. oit. p. 136).
Vide: A, Geser, Die ZivUrechtliche Verantwortlichkeit derBeamten,
— Preiburg, 1899 :— "Sammlung der Bundesverfassung und der auf1 jànner
1880 in Kraft bestehenden Kantonsverfasstmgen (atntliche Ausgàbe) ";
A. G. Boulen, Ob. dt. pag. 358-361; ~Von Salis, Schwekerísches Bundes-
\recht, t.1, p. 154. I
HESPANHA. Na Hespanha existe o systema de jurisdicção dupla, a
contenciosa administrativa, exercida em única instancia pelo " Tribunal do
Contencioso Administrativo", e a judiciaria, exercida pelos juizes e tribu-
naes de justiça. O recurso contencioso-administrativo pode ser interposto
pelos particulares contra os actos administrativos, occorrendo, alem de
outras, estas condições: a) guando elies ferem um direito de caracter admi-
nistrativo estabelecido anteriormente em favor do requerente por uma lei,;
regulamento ou outro preceito administrativo; entendendo-se que o direito
es estabelecido em seu favor, quando a disposição, que se reputa infringida,
assim lhe o reconheça individualmente, ou ás pessoas, que se acharem no
mesmo caso; b) quando lesam direitos particulares estabelecidos ou reconhe-
cidos por uma lei, e os actos administrativos, embora praticados em conse-
quência de alguma disposição de caracter geral, hajam infringido a lei, da
qual se originam ditos direitos. Se consideram, ao contrario, de indoU civil e
da competência da jurisdicção ordinária as questões, em que o direito vul-
nerado for de caracter civil, e bem assim, as que emanam de actos, nos
quaes a administração tenha agido, como pessoa jurídica, a dizer, como su-
jeito de direitos e obrigações (Mhartin y Guix, Beclamaçiones Administra-
tivas, ns. 373-395.—Madrid, 1903).
I Alem disto, cumpre não omittir, que a lei e a jurisprudência declaram,
que não estão sujeitos, nem mesmo ao recurso contencioso-administrativo,
os actos discricionários de Administração, taes são:— 1) as questões que
pertencem á ordem publica ou ao governo; 2) as que affectam â orga«
nisação dos serviços geraes do Estado; 3) as resoluções negatorias de
commissão de qualquer espécie que são solicitadas da Administração,
salvo o disposto em contrario nas leis; 4) as que negara ou regulam gra-
tificações ou emolumentos, não prefixados em lei ou regulamento, aos
funccionaríos públicos que prestam serviços especiaes; 5) a remoção dos
empregados públicos, a não ser que a sua inamovibilidade esteja declarada
por uma lei; 6) as penas disciplinares impostas aos funccionaríos públicos;
7) as disposições de caracter geral, adoptadas peia administração; sendo de
considerar, como taes, as disposições regulamentares, que se referem a
todos os funccionaríos de um corpo (Mhastin y Guix, loc. cit, n. 377).
— 631 —
— As disposições do direito privado, porventura applicaveis ao as
sumpto, que nos oceupa, são deste teor:— El que por ación ú omíssion
causa dano á otro, interviniendo culpa ô negligencia, esobUgado á repa
rar el dano causado. (Cod. Civ. Hesp. art. 1902). La obligation que im-
pone el articulo anterior es exigible no solo por los actes 6 omissiones pro-
pias, sino por los de quellas personas por quienes se débe responder (Cod.
oit. art. 1903). Lo son igualmente los duenos 6 directores de u/n estàble-
cimiento ó empresa respecto de los prejuicios causados por sus ãependientes
en el servido de los ramos en que los tuvieram empleados ó con occasion
de sus funciones. El Estado es responsable en este concepto cuando obra
por miacion de un agente especial; ro no quando el dano hubiere sido
causado por el funcionário â quien propiamente coresponda la gestion pra
ticada, en cuyo caso se aplicable lo dispuesto en el articulo anterior
(art. 1903 cit).
Esta parte final da ultima disposição es de acoordo com os arts. 18-21
do Cod. Penal Hesp. sobre a responsabilidade civil ou satisfação do damno
causado pelo delicto. O disposto no art. 19 do Cod. Penal presupe mesmo,
que dita responsabilidade possa também attingir ao Estado (o cuando la
responsabilidad se extenda ai Estado ó á la mauorparte de unapoUacion...);
sendo, porém, de advertir, que a responsabilidade civil, admittida pelo có-
digo penal contra pessoas, que não o delinquente, isto é, que não estejam
sujeitas à responsabilidade criminal juntamente,'—é sempre de caracter
subsidiário.
A gora, para não omittir, também devemos dizer, que os autores citam,
como regra de boa jurisprudência, uma decisão do Tribunal Supremo (de
7 janeiro 1898), na qual se disse: « Q, íe o Estado não éresponvel de damnos
e prejuízos que resultam aos particulares em consequência dos actos exe-
cutados pelos empregados no desempenho das funoções próprias dos seus
cargos, "por não se poder suppor no Estado culpa ou negligencia quanto à
organisão dos serviços públicos, nem quanto à designação de seus agen-
tes, e, pelo contrario, & previsão humanamente possível para que cada serviço
corresponda ao bem pessoal e ao dos particulares interessados nos assum-
ptos " (Autor oit n. 89).
O considerando da decisão, como se vê, assenta no presupposto,
infelizmente não verdadeiro, de que o Estado não pôde errar ou estar em
culpa. Entretanto em lei de data posterior (de 7 agosto 1899, art. 3°) foi
expressamente reconhecida a responsabilidade subsidiaria do Estado, no caso
de revisão favorável das sentenças criminaes, isto é, o-direito de reparação
pecunria em favor do condemnado ou de seus herdeiros, quando a sentença
for annullada nas condições previstas pela lei.
Eis ahi, pois, o próprio Estado se confessando capaz de erro ou culpa,
e, conseguinteraente, responsável pela satisfação do alheio damno...
j
HHmHmHnmi^HRi
I 632 I
PORTUGAL. B' muito pouco, o que temos a informar da legislação
portugueza sobre o assumpto.
« O Estado, a Igreja, as Camarás Municipaes, etc.. são havidos, em-quanto
ao exercicio dos direitos civis respectivos, por pessoas moraes, salvo na parte em
que a lei ordenar o contrario » (Cod. Civ. Port. art. 37). H Os differentes casos
de responsabilidade civil, #w ofensa de direitos, I estão regulados no código
citado pelos arts. 2361-2403; sendo que os arts 2399-2402 tratam, em particular,
da responsabilidade que possa caber pessoalmente aos empregados públicos e
juizes. Dentre os artigos indicados convém mencionar, como de maior
relevância, os seguintes:
Todo aquelle que viola ou offende os direitos de outrem, consti-
tue-se na obrigação de indemnisar o lesado por todos os prejuízos que lhe
causa (art. 2361).
direitos podem ser offendidos por factos, ou por omissões de
factos (art. 2362). » .
Estes factos ou omissões de factos podem produzir a responsabi-
lidade criminal, ou simplesmente a responsabilidade civil ou uma e outra
responsabilidade simultaneamente (art. 2363); consistindo a responsabili-
dade civil em constituir o autor do facto ou da omissão do facto na obri-
gação de restituir o lesado ao estado anterior á lesão, e a satisfazer as
perdas e damnos que lhe haja causado (arts. 2364-2365).
O disposto nestes artigos do código civil confere com as disposi-
ções do Código Penal Portuguez (arts. 104-105) sobre a mesma matéria. O
primeiro destes códigos declara ainda,—que a relevação da responsabi-
lidade criminal, mesmo a absolvição do delinquente, não elide a acção de
perdas e damnos (arts. 2377 e 2505).
A responsabilidade pessoal dos funecionaries públicos por perdas
e damnos é expressamente declarada, desde que os mesmos agirem exce-
dendo as suas attribuições legaes (2399-2400).
Os juizes serão irresponsáveis nos seus julgamentos, excepto si,
annullados ou reformados estes por sua illegalidade, se deixar expressa-
mente aos lesados o direito salvo para haverem perdas e damnos, etc, etc.
(art, 2401). « Mas si alguma sentença criminal fôr executada, e vier a pro-
var-se depois, pelos meios legaes competentes, que fora injusta a condem-
nação, terá o condemnado, ou os seus herdeiros, o direito de haver re-
paração por perdas e damnos, que será feita pela fazenda nacional, pre-
cedendo sentença controvertida com o ministério publico em processo
ordinário (art. 2403).—Vide: Dias Ferreira, Cod. Civ. Port., t. V; H. Secco,
Cod. Pen. Portuguez.
Como se vê, o principio da responsabilidade civil do Estado está ex-
pressamente reconhecido por este ultimo artigo. Mas si elle é justo, porque
não applical-o aos demais casos?... Qual o principio de razão ou justiça.
— 633 —
que justifica a distincção, segundo a qual o Estado deve responder pelos]
damnos causados do funooionario judicial, e não, pelos damnos do func-
cionario administrativo ? Em ambos os casos o que ha, é uma lesão do!
alheio direito, que deve ser reparada.
Alem disto, a responsabilidade do Estado também se acha reco-
nhecida, em se tratando de serviços ou aotos espeoiaes, como os da via-
ção publica: o) pelas servidões temporárias ou permanentes; b) pelas per-
das o damnos causados nos bens de raiz, bens moveis e semoventes ;
cabendo aos indivíduos lesados ou interessados o direito de acção, não,
contra os empregados públicos ou executores das obras, mas directa-
mente contra o Estado ou Administração publica. (Dec. 31 dezembro 1864,
arts. 17-18, e 32, e legislação posterior).
Do mesmo modo, a responsabilidade do Estado é expressamente
reconhecida pelos damnos, resultantes do serviço telegrapho-postal (Lei de
7 de julho 1880, art. 12; Rog. Geral de 23 de setembro de 1880, art. 503 sg.;
Dec. de 29 julho 1886, art. 12, e do I
o
dezembro 1892, art. 24; eto.)
CONCLUO . Si pretenssemos tirar uma concluo geral de tudo,
quanto ficou dito nos capítulos anteriores, ou mesmo, somente das breves
indicações íeitas na presente nota, acerca da jurisprudência estrangeira,—
essa conclusão não podia deixar de dar-nos a triste convicção de que, o que
domina ainda por toda a parte sobre a importante maria da responsabili-
dade civil do Estado, não satisfaz de maneira alguma...
Sobre tudo, é manifesta a contradicção entre os princípios modernos
de doutrina sobre o Estado, e a pratica que, não obstante, continua a ser
mantida, relativamente às obrigões jurídicas do mesmo Estado. O Estado,
ensina-se,não é mais o imperíum arbitrário da antiguidade; todo o seu poder
e acção lhe vem do direito c lhe são marcados pelo direito.Ensinamento ver-
dadeiro, sem duvida, e inteiramente conforme â idéa do ''Rechtsstaat." Mas,
que succede na pratica ? Umas vezes, a negação da sua responsabilidade
jurídica sob a invocação dos direitoi soberanos do Estado. Outras vezes,
si não se a mesma negação, dá-se a falta de lei positiva reconhecendo-a,
e dahl a incoherencia dos arestos, no empenho sabido de restringir dita res-
ponsabilidade, ainda mesmo, com o saorificio manifesto da própria justiça!
Felizmente, do lado opposto avulta, cada vez mais, a tendência irre-
sistível do espirito jurídico moderno, impondo ao legislador a necessidade
de fazer cessar a incoherencia das leis, que ainda distinguem entre os au-
tores da lesão do direito, como critério de sujeital-os, ou não, a sancção
da justiça...
Ninguém ousa mais diotar, como lei, a irresponsabilidade absoluta
do Estado na leo dos direitos indlviduaes; ainda que o legislador, receioso
de adoptar a regra simples, fácil, da boa razão jurídica, continue a oscillar
numa situação, cada dia, menos defensável aos olhos da critica...
— 634 —
Entretanto, sem a necessidade de relembrar circumstancias, qne dei-
xamos ássignaladas em outras partes deste trabalho, e restringlndo-nos ás
indicações da presente "nota additiva ", a situação é simplesmente esta:
aqui se reconhece a responsabilidade do Estado, quando a offensa do
direito resulta de actos da autoridade judiciaria, como na Áustria; alli,
quando se trata de violências feitas á liberdade individual, ou em outros
casos particulares declarados na lei, como na Suissa; em outros logares,
finalmente,—só quando o damno se da no desempenho de uma commissão
especial do Estado, ou quando resulta de uma sentença judiciaria, mais tarde
annullada por injusta, como se verifica na Hespanha e em Portugal...
Junte-se agora a isso a magna caterva das distincções conhecidas de "
actos de governo, de império, de poder, de gestão, de acto» pessoaes, de serviço
ou fmicção", e ter-se-ha idéa do esforço, com o qual ainda hoje se pretende
sobrepor o poder do Estado ao principio superior dos direitos individuaes,
cuja garantia e defesa constituem, aliás, a razão fundamental da própria
instituição-Estado.
Enorme força tem, sem duvida, a tradição. Mesmo, depois de pa-
tenteado o erro ou a injustiça, que ella consagra, só, aos poucos, se con-
seguirá destruir o baluarte da fé, em que repousa a sua autoridade.
O dogma, de que é o poder, que cria o direito, foi ensinado sem con-
testação durante muitos séculos. A doutrina contraria, de que é o direito,
que justifica a existência do poder, é apenas de data moderna.
Por isto, ainda que ella seja theoricamente incontrastavel pela força
da verdade, que a illnraina, o dogma tradicional ainda não lhe cedeu,
na pratica, senão, uma parte dos domínios, que outr'ora lhe eram no todo
exclusivos...
Ha de cedel-os, fatalmente, ao império mais forte da razão jurídica.
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